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I Série - Número 78
Sexta-feira, 25 de Maio de 1990
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE MAIO DE 1990
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 15 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de resolução n.º 55/V (PSD, PS, PCP, PRD, CDS e Os Verdes).
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 473/V (PS) - Lei Orgânica do Regime do Referendo - e 515/V(PSD) - Lei do Referendo -, que foram aprovados. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Herculano Pombo (Os Verdes), Natália Correia (PRD), Guilherme Silva (PSD), José Magalhães (PCP), Marques Júnior (PRD) e Pais de Sousa (PSD).
Entretanto, a Câmara autorizou três deputados a deporem como testemunhas em tribunal.
Foram rejeitados, na generalidade, os projectos de lei n.ºs 124/V (PCP) - Garante as cooperativas o acesso a diversos sectores de actividade económica -, 503/V (PS) - Alteração no Código Cooperativo - e 536/V (PCP) - Adapta a composição e forma de eleição da presidência dai assembleias distritais ao regime introduzido pela segunda revisão constitucional -, tendo sido aprovados, também na generalidade, o projecto de lei n.º 504/V (PS) - iniciativa económica cooperativa - e a proposta de lei n.º 131/V - Regime jurídico das assembleias distritais.
Finalmente, a Câmara aprovou também, na generalidade, na especialidade e em votação final global, o projecto de deliberação n.º 84/V, apresentado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República e pelo PSD, PS, PCP, PRD e CDS - Prorrogação do período normal de funcionamento da Assembleia da República -, e ainda, em votação final global, o texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre os projectos de lei n.ºs 86/V (CDS), 200/V (PSD) e 231/V (PS) - Consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha. .
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delcrue Alvim de Matos.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
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Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Ferreira Espada.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
André Valente Martins.
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Srs. Deputados, encontra-se agendado para hoje o debate conjunto, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 473/V e 515/V, respectivamente apresentados pelo PS e pelo PSD, referentes ao regime do referendo. Como oportunamente foi indicado, haverá igualmente, às 17 horas e 30 minutos, votações de alguns diplomas.
Entretanto, o Sr. Secretário vai proceder ao anúncio de um diploma que deu entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de resolução n.º 55/V, apresentado pelo PSD, pelo PS, pelo PCP, pelo PRD, pelo CDS e por Os Verdes, com vista à constituição de uma comissão da Assembleia da República destinada a acompanhar a implementação da Resolução n.º 19/88, que decidiu se procedesse à transladação dos restos mortais do general Humberto Delgado para o Panteão Nacional.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa, com o fim de dar conhecimento, a V. Ex.ª e à Câmara, de uma situação que nos preocupa...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra apenas para, uma vez mais, informar V. Ex.ª e a Câmara de que o PSD pretende abordar aqui uma situação que não é virgem - e entendo que o Sr. Presidente a deverá levantar nos fóruns que entender por mais convenientes. Estou a referir-me à situação que decorre da cobertura televisiva dos trabalhos deste Parlamento.
Na terça-feira passada, o meu colega de bancada deputado Duarte Lima fez uma declaração política sobre uma matéria candente, sendo que, em nossa opinião, a forma como a mesma foi projectada pela RTP prejudicou seriamente o que aqui foi dito.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Descobriram-lhe a careca, está visto!
O Orador: - Na realidade, cobriu todos os ataques que foram feitos ao PSD, embora tenha sido praticamente nula a cobertura das afirmações políticas produzidas pelo PSD do alto dessa bancada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - Queria ainda informar V. Ex.ª de que hoje, por carta dirigida à direcção de informação da RTP, o PSD já protestou por esse tratamento, que entende discriminatório.
Desde sempre, o PSD nunca pretendeu uma situação de privilégio na cobertura televisiva dos debates parlamentares, mas, como é natural, não aceita uma cobertura que o prejudique e que não corresponda à verdade daquilo que se passa nesta Câmara.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar continuidade aos trabalhos, gostaria de fazer um comentário, que pretendo seja o mais despartidarizado possível. De qualquer modo, não posso deixar de reconhecer que as transmissões que chegam a casa de cada um de nós por via da televisão nem sempre são o apanhado global do que se passa nesta Assembleia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Assim sendo, tais transmissões são naturalmente distorcivas dessa situação.
Eu próprio tenho estado preocupado com esse aspecto e, porque algumas das desculpas são de natureza funcional e processual, estão a decorrer nesta Casa algumas obras que permitam eliminar essas dificuldades ou desculpas.
Era apenas isto que queria dizer, inclusivamente porque também na última conferência de líderes se levantou o problema, o qual, aliás, vem, com alguma pertinência, sendo levantado de tempos a tempos nesta Assembleia.
Como é óbvio, ao dizer isto não estou a subscrever a posição do partido A, B, C ou D, até porque, de resto, todos nós, agentes parlamentares,, onde quer que nos sentemos, teremos algum comentário a fazer sobre esta matéria.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, no seguimento da interpelação feita pela bancada do PSD e das considerações que V. Ex.ª acaba de fazer, também gostaria de, a propósito, dizer alguma coisa...
O Sr. Presidente: - Bem, já percebi que todos os partidos vão dizer alguma coisa, até porque também já demonstraram vontade de interpelar a Mesa os Srs. Deputados Hermínio Maninho e Armando Vara. O que peço é que sejam sintéticos, de modo que possamos iniciar rapidamente a ordem do dia de hoje.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, começo por confirmar o que V. Ex.ª acaba de dizer quanto à troca de impressões ontem realizada na conferência de líderes e relativa à forma como está a ser feita pela RTP a cobertura dos trabalhos parlamentares.
No entanto, creio que situação verdadeira e espantosamente escandalosa é a da forma como a televisão, ao longo de anos, tem filmado esta bancada!
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Orador: - Essa é que é a situação verdadeiramente escandalosa, a qual não tem comparação com qualquer outra queixa que possa ser feita!
Embora não estivesse aqui, mas no meu gabinete, ouvi, através do nosso circuito interno, a transmissão do que foi dito pelo Sr. Deputado do PSD. No entanto, não posso avaliar exactamente as razões dessa queixa, pois o que é normal é que o PSD seja favorecido pela televisão. E é talvez por estar mal habituado que neste momento se queixa...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É claro, é claro!...
O Orador: - Seja como for, o que é facto é que qualquer pequena injustiça que se lenha verificado agora não tem comparação com a gigantesca injustiça de que temos sido vítimas, sendo que, no caso do PSD, apenas vem compensar os grandes benefícios de que, até agora, tem auferido.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em todo o caso, creio que a questão da cobertura dos trabalhos da Assembleia da República pela televisão terá de ser encarada e resolvida seriamente, tal como ficou ontem combinado na conferência dos presidentes dos grupos parlamentares. Na verdade, tal como está, a situação não pode continuar!
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Então reconhece que houve discriminação!
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Maninho.
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, vou ser muito breve, mas não posso deixar de fazer uma curta intervenção, aliás na linha das efectuadas pelo Sr. Deputado Carlos Coelho e por V. Ex.ª
Para que não andemos aqui equivocados ou a tentar equivocar a opinião pública, queria só lembrar que, na semana passada, por iniciativa do meu partido, o Parlamento aprovou um voto de protesto que é, ao mesmo tempo, um voto de desconfiança à actual direcção da televisão.
Há cerca de um mês, directamente na televisão, também o Sr. Presidente da República manifestou o seu desagrado pela actual direcção da RTP.
Face àquilo que o PSD acabou de referir, o que não é a primeira vez e que, pelo menos em parte, apoio, gostaria de deixar bem claro que, se a actual direcção da RTP se mantém em funções e, portanto, se a RTP continua nesta linha, isso é da exclusiva responsabilidade do PSD.
Era isto que gostava de deixar claro.
Aplausos do PCP, do PRD e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra exclusivamente para prestar um esclarecimento,
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uma vez que poderia haver alguma confusão. Isto porque ontem, em sede de conferência de líderes, o presidente do Grupo Parlamentar do PS fez saber das suas preocupações relacionadas com a forma como têm sido colhidas e transmitidas à opinião pública as imagens deste hemiciclo.
Por outro lado, faço também esta intervenção para esclarecer que essa nossa posição tem a ver com as condições técnicas, com a forma como são colhidas as imagens, e não com os critérios de informação subjacentes as notícias que a seguir são transmitidas para o exterior.
Como já aqui foi referido, é verdade que há algumas bancadas que são sistematicamente filmadas de costas - os Portugueses conhecem as costas de alguns Srs. Deputados e não lhes conhecem a cara - e isso é, de facto, lesivo do direito à igualdade de oportunidades.
Por vezes, outras circunstâncias nos fizeram tomar algumas atitudes em relação à televisão. Porém, neste caso, esteve só em vista, não os critérios e a forma como é dada a informação, mas o modo como são colhidas as imagens.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora dar início ao debate da matéria agendada para hoje e que já tive, aliás, oportunidade de referir.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na disponibilidade do recurso ao referendo ficaremos mais aptos e mais ricos. A democracia ganha um novo instrumento; a hierarquia dos órgãos de decisão uma nova cúpula; os cidadãos uma nova dignidade; os poderes um novo factor de equilíbrio; a unidade do Estado um novo factor de presa; a estabilidade política uma nova esperança.
O referendo é um instituto apaixonante. Através dele, o representante devolve o poder de decisão ao representado; o órgão de soberania faz subir a decisão até ao soberano.
Vêm, no entanto, de longe as disputas de escola, arrolando virtudes e defeitos. Uns, na esteira de Rousseau, a partir das utopias ligadas à democracia directa; outros, seguidores de Montesquieu, realçando os méritos do instituto da representação.
A um tempo, os democratas amam-no e receiam-no. Receiam-no, sobretudo, na sua perversão plebiscitaria, como forma de legitimação de um chefe ou de reanimação de um executivo agonizante.
Baseada na soberania popular, por abandono da soberania nacional, a nova República Portuguesa nasceu moldada para a exaltação do referendo. Mas este surgiu com o assento tónico na sua dimensão constituinte e logo empancou na memória do pecado original da aprovação plebiscitaria da Constituição de 1933, agravada pela validação das abstenções como votos positivos. É conhecida essa vergonha.
Também tentada pela validação das abstenções, a Constituição de Weimar equiparou-as aos votos negativos- do mal o menos...
Salazar preferiu copiar Napoleão, que impôs aquele ardil aos Suíços - nem só os bons espíritos se encontram!...
Mais recentemente, De Gaulle, sem equiparações ignóbeis, lançou mão do plebiscito como forma de glorificação pessoal.
Mais cerzida às exigências do Estado de direito, a nossa Constituição não foi por aí. Terá ouvido o grande Proudhon, quando disse que «a ideia do direito é incompatível com o seu exercício obrigatório».
Fiquemos, desde já, tranquilos: neste aspecto, quer o projecto do PS quer o do PSD validam a maioria, imunizando-a contra as percentagens das abstenções ou dos votos brancos, quaisquer que sejam.
Coincidem em muitos outros aspectos, embora noutros divirjam. Prolongam, de certo modo, a carga polémica que sublinha o percurso histórico deste instrumento democrático.
Tenhamos, no entanto, consciência de que o referendo não é uma rosa sem espinhos. De passo que reforça o equilíbrio dos poderes, dá novo sentido à participação democrática dos cidadãos e constitui um privilegiado instrumento profiláctico de crises. Contudo, pode ser também portador de «enzimas» que, em certos casos, podem desestabilizar o sistema.
Tomemos três exemplos.
Primeiro exemplo: em matéria do maior relevo (nuclear, sim ou não; regiões administrativas verticais ou horizontais, muitas ou poucas; Europa assim ou Europa assado), a Assembleia, e sobretudo o Governo, bate-se por uma resposta. O povo, esmagadoramente, sufraga a contrária.
Constitucionalmente, tudo bem. E institucionalmente? E legitimariamente? Com que saúde permanece no seu posto o órgão de soberania desfeiteado pelo soberano?
Segundo exemplo: em matéria de profundo significado ético (o aborto, sim ou não, por exemplo), o povo, questionado, responde num sentido que violenta a consciência de um certo número de deputados ou de membros do Governo.
Como se sabe, a resposta é vinculativa e o órgão de soberania proponente fica adstrito a incorporá-la com escrupuloso rigor no texto da lei, do decreto-lei ou da convenção de que se trate. Aqueles deputados e ministros, em crise de consciência, vítimas quiçá do síndroma de Balduíno, têm de aceitar a violência com a só alternativa da demissão? Com que consequências no plano do regular funcionamento das instituições?
Terceiro exemplo: um governo, ou mesmo uma maioria parlamentar, bate-se por uma resposta, alegando que a resposta contrária violentará a sua consciência. Mas é a resposta contrária que faz vencimento. Em demonstração de que consciência é coisa que lhes não falta, preferem demitir-se a cumprir o mandato popular. O síndroma de Balduíno não é aqui de fim de semana. Que efeito produz a resposta do povo sobre a nova assembleia ou o novo executivo? Renova-se a vinculação? E se, neste caso, se renova a recusa?
Como se vê, mesmo sem extremos de imaginação, são concebíveis situações em que o referendo conduz a efeitos perversos, se não mesmo contrários aos que em perspectiva normal o legitimam.
Estes exemplos ficam a documentar, por um lado, que não convém tentar prever tudo - nomeadamente no capítulo dos efeitos do resultado do referendo sobre os órgãos -, sob pena de se complicar o que se pretende simplificar, e, por outro, que, não tentando, se dá livre curso à vida, sempre tão imaginativa na sua aptidão para criar surpresas.
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Quando uma assembleia legislativa dispõe de dois projectos como os que temos no tomo, extrair deles uma boa lei é um dever reforçado. E dito que fica que considero o projecto dos Srs. Deputados do PSD em muitos aspectos digno de apreço, bastante completo e de bom recorte técnico,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... passo a enumerar-lhe os, em meu entender, defeitos, que, aliás, representam menos erros de execução do que de concepção. Os seus ilustres subscritores, aparentemente, quiseram errar. Não se estranhará, pois, que as nossas divergências sejam mais políticas do que técnicas.
Passando sobre as inúmeras coincidências e sobre as felizes complementaridades dos dois projectos e deixando de lado, por agora, reparos técnicos de pormenor que pertencem à especialidade, entro na apreciação da divergência maior, a qual há-de consistir na manifesta inconstitucionalidade resultante da violação do disposto no n.º 1 do artigo 118.º da Constituição.
Neste se diz que podem ser chamados a pronunciar-se directamente através de referendo «os cidadãos eleitores recenseados no território nacional». Estes, e só estes! - foi a opção do legislador constituinte, como, aliás, decorre da acta dos trabalhos da revisão.
Que faz o projecto dos Srs. Deputados do PSD? Assegura o direito de participação no referendo «aos cidadãos eleitores maiores de 18, anos» (artigo 29.º).
O requisito do recenseamento no território nacional esfumou-se!
Poderia pensar-se que, noutra norma, nomeadamente a relativa ao recenseamento, a exigência seria recuperada. Mas não! O artigo 33.º, a isso destinado, diz-nos:
O recenseamento dos eleitores para efeito de participação no referendo é o recenseamento eleitora] nos termos da respectiva lei.
Ficamos, assim, a saber, que não há um recenseamento separado para os participantes no referendo, diverso do oficioso, obrigatório, permanente e único, em que se baseiam as eleições por sufrágio directo e universal.
Diga-se que nem de outro modo poderia ser. O n.º l do artigo 118.º confere o direito de pronúncia, via referendo, aos cidadãos eleitores -e não a todos os cidadãos - recenseados no território nacional. E o n.º 7 do artigo 118.º manda
aplicar ao referendo o princípio da unicidade do recenseamento, constante do n.º 2 do artigo 116.º
Busca-se e rebusca-se no projecto dos Srs. Deputados do PSD e nem uma só vez se depara com a referida limitação do sufrágio para efeitos de referendo aos cidadãos eleitores «recenseados no território nacional». A omissão é, obviamente, intencional. A inconstitucionalidade é claramente assumida.
Bem pelo contrário, o que se nos depara é a orgia das referências aos «eleitores residentes no estrangeiro».
Fica-se, a pensar: se a inconstitucionalidade é tão patente, por que é assim? Creio que por puro acto de estratégia política. O PSD sabe que o eleitor residente no estrangeiro não pode votar para efeito de referendo. Mas cai uma vez mais na tentação de lhe significar, a ele, emigrante, que é esse o seu íntimo desejo, e que só não votará uma vez mais porque as malvadas oposições a isso se opõem. O PSD confia em que os emigrantes não saibam, ou não recordem, que a Constituição proíbe a sua participação e o seu voto no referendo.
Tudo se torna claro quando se chega ao artigo 125.º, onde se consagra o direito dos eleitores residentes no estrangeiro a votarem por correspondência.
Anote-se que, no projecto do PSD, nunca se referem os cidadãos eleitores recenseados no estrangeiro, mas, apenas, residentes no estrangeiro. Será que toda esta construção vive do engano de que é possível, ou deve passar a sê-lo, residir-se no estrangeiro e estar-se recenseado no território nacional?
Não chegaria sequer a ser bem achado!
Antes de mais porque, nesse caso, o mínimo que se exigia do projecto do PSD era que dissesse isso mesmo! Depois, porque o universo participante no referendo é o dos eleitores, e o recenseamento eleitoral e único. O próprio projecto o confirma: «O recenseamento para efeito de referendo é o recenseamento eleitoral.» Mas este é organizado, como se sabe, por referência à residência habitual do cidadão recenseado - locus regit actum. Nem podia, com realismo e com lógica, ser de outro modo, até porque é assim em toda a parte.
Mais: sempre que se muda de residência, altera-se a inscrição. E altera-se, inclusivamente, por via oficiosa, sob pena de multa!
Imagine-se o absurdo: se o projecto do PSD pretendesse alterar este entendimento e este critério, a alteração passaria a ser a regra, dado que constaria de uma lei orgânica e, portanto, de valor reforçado. À inconstitucionalidade acresceria, neste caso, o terramoto!
O critério do domicílio, como local de recenseamento, foi adoptado por exigências que valem seguramente mais do que as razões que, em regra, se invocam para a atribuição aos cidadãos eleitores residentes no estrangeiro do direito de participação no referendo. É que desenraizar o eleitor ou votante em referendo seria uma vez mais exigir dele que se pronuncie sobre o que desconhece, quer porque vive longe da realidade ou da situação questionada, quer porque, em relação a ele, a campanha de esclarecimento se reduziria, na própria economia do projecto do PSD, à «remessa de documentação escrita».
Para o votante emigrado, reforçado seria o risco de ser analfabeto!
Nesta matéria, de resto, o PSD tem cadastro! É sabido que, em anteriores momentos, tentou fazer passar propostas de idêntico sentido.
Na sequência de uma delas, pude eu afirmar aqui, neste mesmo lugar, «que um bandido com cadastro, um louco, um morto ou mesmo um abexim podiam ser eleitores».
São desse tempo a proposta de criação de um novo círculo eleitoral com o punhado de eleitores dê Macau; a proposta de aumento do número de deputados pelos círculos da emigração; a proposta de pôr os emigrantes a eleger o Presidente da República; a proposta de «atafulhar» de eleitores, até abarrotarem, os cadernos eleitorais dos círculos do exterior, inclusive pondo-os a «promover a sua inscrição por via postal», com total despersonalização da intervenção do inscrito e não menor sacrifício da genuidade da sua inscrição.
Fiz eu então esta profecia, apesar de não ser bruxo:
Não tarda aí a segunda parte deste ardiloso desiderato: a consagração, já' não da inscrição por via postal, mas do exercício do voto por essa mesma via. Será integralizada a consagração do voto por correspondência.
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E acrescentei:
Fiquemos certos: o voto por correspondência estará para o voto presencial assim como a chapelada estará para o voto ... Abaixo a ditadura eleitoral dos Correios e Telégrafos!
O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!
O Orador: - Agoirenta profecia! Pois não é que cá temos nós o voto por correspondência dos emigrantes? E a chapelada? Essa só por equivalente.
O que vem proposto é que o STAPE envie «pelo seguro do correio, para as residências constantes dos cadernos de recenseamento» -não se sabe se os de lá se os de cá -, «um boletim de voto e dois sobrescritos aos eleitores... residentes no estrangeiro».
Um dos sobrescritos -o azul destinado a conter o outro com o voto- teria impresso, numa das faces, o endereço da assembleia de recolha e contagem de votos sita em Portugal, e, no lugar do remetente, a indicação do preenchimento, nos termos de modelo anexo, do nome, do número de inscrição no recenseamento e da morada do eleitor.
Este, acrescenta-se, «preenche o boletim, dobra-o em quatro e introdu-lo no sobrescrito de cor branca, que fecha adequadamente. Em seguida o eleitor introduz o sobrescrito branco no sobrescrito azul e remete este, pelo seguro do correio, à respectiva assembleia de recolha e contagem de votos, o mais tardar no dia da eleição».
Como se vê, nada de pessoal. E seguro só mesmo o correio, dando de barato que ainda o seja! A partir do conhecimento do número de inscrição do recenseamento - ao alcance de toda a gente! - o empregado doméstico pode substituir o patrão; o kowaitiano pode substituir o português; o eleitor, comodamente instalado em Pretória, pode, pelo telefone, instruir o limpa-chaminés. Em Portugal é que ele não pode votar. Residindo no estrangeiro e estando ali recenseado, só por recurso ao fatídico envelope!
Está de parabéns o cacique!...
Será preciso que digamos uma vez ainda que os emigrantes nos merecem demasiado respeito para que cooperemos no propósito de sujeitá-los a farsas eleitorais? Que a democracia é para nós tão sagrada que não colaboraremos na profanação dos mais elementares princípios eleitorais?
Devo acrescentar que compreendo menos o voto do emigrante sobre problemas que justificadamente não domina do que sobre personalidades que razoavelmente não conhece.
E não vale a pena a tentativa, que já nos é familiar, de explorar politicamente, junto da opinião pública emigrada, esta nossa posição. É justificada e é coerente. Temos a nossa própria maneira de respeitar e defender o emigrante português. Essa maneira exclui o ludíbrio!
Aplausos do PS.
Inconstitucional é também o disposto no artigo 19.º do projecto do PSD. Permite à Assembleia da República ou ao Governo a reapreciação das suas propostas de referendo, para o efeito de as expurgarem de inconstitucio-nalidade ou ilegalidade declarada pelo Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva. Até aqui, tudo bem. Mas muito mal quando se converte em mera faculdade do Presidente da República uma nova submissão à fiscalização preventiva da constitucionalidade ou da legalidade do texto reformulado.
Acontece que a Constituição impõe, sem excepções, ao Presidente da República a fiscalização preventiva obrigatória da constitucionalidade e da legalidade das propostas de referendo que lhe tenham sido remetidas pela Assembleia da República ou pelo Governo. Assim, em termos que não autorizam nem a substituição do juízo do Tribunal Constitucional pelo do Presidente da República nem a ficção de que uma proposta de referendo, antes e depois de reformulada, são a mesma e única!
Quem ou o quê garante que as inconstitucionalidades ou ilegalidades preexistentes foram de facto eliminadas? Quem ou o quê assegura que o novo texto não contém, ele próprio, novas inconstitucionalidades ou novas ilegalidades?
Em domínios tão sensíveis, o pragmatismo está proscrito. É proibido «fazer de contas». Acresce a gramática, com licença da Sr.ª Deputada Edite Estrela: «O que é facultativo nunca foi obrigatório.» E presume-se que o legislador constitucional sabe gramática.
De mais do que duvidosa constitucionalidade considero também alguns dos dispositivos do projecto dos Srs. Deputados do PSD reguladores dos efeitos do referendo.
Diz-se no artigo 244.º:
O Presidente da República não pode recusar a ratificação da convenção internacional ou a promulgação do acto legislativo correspondentes às perguntas submetidas a referendo.
Mais:
O PR não pode requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade de normas constantes - aqui os artigos são muito importantes- da convenção internacional ou do acto legislativo que reproduzam, desenvolvam ou concretizem as respostas afirmativas às perguntas submetidas a referendo.
Acrescenta-se no artigo 245.º:
O acto legislativo correspondente às perguntas submetidas a referendo não pode ser revogado ou alterado nos seus elementos essenciais, a não ser depois de novo referendo de resultado diverso ou, tratando-se de lei, após nova eleição da Assembleia da República ou, tratando-se de decreto-lei, após a formação de novo governo.
Dispõe-se, enfim, que o decreto-lei correspondente às perguntas submetidas a referendo não pode ser sujeito à apreciação da Assembleia da República, para efeitos de ratificação.
Em todos estes casos se toma a parte pelo todo, com inconstitucional limitação dos poderes do Presidente da República, da Assembleia da República e do Governo!
Que as normas legais ou convencionais em que tenha sido traduzida uma resposta popular por via de referendo são de promulgação ou ratificação irrecusável pelo Presidente da República, está fora de qualquer dúvida.
Que o Presidente da República não pode requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade de normas de idêntica origem e sentido, é conclusão que não sofre disputa.
Que uma vez mais essas normas não possam ser revogadas ou alteradas a não ser nas condições constantes do projecto, aceita-se sem a menor hesitação.
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Enfim, que sempre as mesmas normas, quando constantes de decreto-lei, não possam ser objecto de ratificação pela Assembleia da República, é conclusão que inteiramente se sufraga.
O que se não aceita é que todo o texto de lei, de decreto-lei ou de convenção em que tais normas entre outras se insiram tenha necessariamente de ficar sujeito à mesma tutela!...
Estava descoberto um novo tipo de contrabando! À boleia da irrecusabilidade pelo PR de normas decorrentes da vontade popular, passariam, sem possível recusa de promulgação ou ratificação, catadupas de normas inconstitucionais, ilegais ou politicamente de «bradar ao céu»!...
À boleia da impossibilidade de fiscalização preventiva daquelas normas, ficavam sem fiscalização preventiva todas as demais que dela precisassem, por mais óbvio que fosse o atropelo constitucional!
Lá porque só uma nova assembleia ou um novo governo podem alterar as mesmas normas, não se segue que tenhamos de sofrer, sem alteração, as consequências de outras que não essas, por mais perversas que sejam, e tão ordinárias como as constantes de qualquer outra lei ou outro decreto-lei. Logo, não sacralizadas pelo voto popular.
E porque ainda as mesmas normas, quando constantes de decreto-lei, não possam ser sujeitas à apreciação da Assembleia da República, para efeitos de ratificação, não se segue que não possam sê-lo as demais normas constantes do mesmo diploma.
Os textos que se comentam alimentam a confusão em que incorrem a partir do esquecimento de que o referendo não versa sobre textos legislativos mas sobre questões concretas, na perspectiva embora da elaboração de um texto legislativo, esta a cargo da Assembleia da República ou do Governo. O referendo - diz a Constituição - «tem por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo, através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo».
São, pois, os órgãos legislativos quem decide' e quem aprova actos legislativos ou convenções, ainda que materialmente vinculados à resposta popular sobre as questões que lhe tenham sido submetidas. Mas em parte alguma se exige que o acto legislativo ou a convenção só tratem da formulação daquelas questões. Se incluem outras, é óbvio que estas escapam aos efeitos do referendo, ficando sujeitas ao regime normal.
No artigo 56.º do seu projecto, os Srs. Deputados do PSD atribuem tempos de antena diversos aos partidos representados na Assembleia da República, com subdivisão proporcional ao respectivo número de deputados, e aos demais partidos.
A proposta é basicamente correcta e de aplaudir. A própria Constituição faz apelo à equidade na .situação analógica dos períodos eleitorais. E a própria referência ao princípio da igualdade é feita com ressalva das necessárias adaptações.
Sempre, de resto, se entendeu que do princípio da igualdade não decorre mais do que tratar igualmente o que é igual, nele cabendo que pode ter tratamento diferente o que for diferente. E não se há-de esquecer que estamos no domínio da criação legislativa, pelo que não será senão justa uma discriminação positiva a favor dos partidos com representação parlamentar. ?
As minhas perplexidades são de outra ordem: um partido é diferente de outro em quê? Na expressão eleitoral? Na representação parlamentar? Claro .que sim. Também, em que medida no poder-dever, próprio de todos os partidos, de concorrerem democraticamente para a formação da vontade popular? Este pode-dever é proporcional à expressão eleitoral ou à representação parlamentar? Equidade igual a proporção?
Não resisto a figurar duas situações, não sei bem se para me preocupar se para me divertir. A primeira é o tempo dê antena que, segundo a regra estrita da proporcionalidade em função do número de deputados, há-de caber ao partido de um só deputado, para que o PSD, ou o partido que for maioritário num momento dado, coma o bolo quase todo. Provavelmente o tempo de dizer «Boa noite, Srs. Telespectadores!» A segunda é o «massacre» em que virá a traduzir-se o tempo de antena do, por hipótese, partido único na defesa de uma das respostas possíveis - estão todos de um lado e nenhum ficou do outro!... Só que, para este caso, não vejo solução: A democracia tem os 'seus próprios constrangimentos.
Por estas e eventualmente outras figurações, vale a pena atenuar o rigor das consequências da aplicação estrita da regra da proporcionalidade. Não mais que isso.
A secção relativa ao financiamento das campanhas de esclarecimento recebeu, no projecto do PSD, tratamento pormenorizado, que se aplaude. Mas com exclusão de um limite máximo de despesas, tal como consta da lei eleitoral em vigor e do projecto do meu partido.
É fundamental o significado deste limite. Só ele defende os partidos pobres das orgias de propaganda dos partidos ricos, nessa medida conferindo sentido, em matéria de gastos, ao princípio da igualdade de oportunidades, aplicável ao referendo por força do n.º 7 do artigo 118.º
São iguais as oportunidades em matéria de campanha de esclarecimento do partido que pode inundar o País de meios e material de propaganda e do partido que não tem dinheiro para custear um «viva a República»?
Não será forçar muito as coisas admitindo que a ausência de um limite - generoso muito embora! -, ao violar o princípio da igualdade de oportunidades, viola a Constituição.
No projecto dos Srs. Deputados do PSD, acrescentam-se aos eleitores que já hoje podem votar por antecipação os doentes que se encontrem internados, ou presumivelmente internados, em estabelecimentos hospitalares e impossibilitados de se deslocarem à assembleia de voto, bem como os eleitores que se encontrem presos.
São direitos que decorrem sem esforço das garantias constitucionais e das declarações de direitos, pelo que é de louvar a sua consagração em lei ordinária. Com uma cautela: a de que o modo do seu exercício não comprometa a genuidade do sufrágio.
O que vem proposto está longe de salvaguardar essa genuidade. Assim é que, enquanto os demais titulares do direito de exercício antecipado do voto o exercem sob a fiscalização do presidente da câmara municipal - quase na sua presença, salvo na parte de pôr a cruzinha, como é óbvio-, os doentes e os presos exercê-lo-iam, não se sabe sob que fiscalização, ou mesmo se sob alguma. Em qualquer caso, não com a garantia da fiscalização do presidente da câmara. É assim arriscado que se não preveja qualquer outra e que se faça apelo a uma prática
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analógica, com as clássicas «necessárias adaptações». Como se adapta a presença certificante do ausente presidente da câmara municipal.
Há que ser mais exigente e mais preciso. Sem isso, sempre se há-de recear que a justa facultação do exercício deste direito se converta numa «chapelada funesta».
Na regulamentação dos aspectos relacionados com as campanhas de esclarecimento, nomeadamente o processo de votação, o sistema de apuramento dos resultados e o contencioso da votação e do apuramento, os dois projectos perfilham concepções diversas.
O projecto do meu grupo parlamentar optou por seguir de perto, num sistema de marcação artigo a artigo, a legislação eleitoral para a Assembleia da República em vigor.
Tão a rigor levou essa colagem que chegou ao extremo de reproduzir uma referência que já nem sequer vigora!... Penitenciamo-nos por isso. Assim, porque se entendeu que adquirida que está uma rotina eleitoral, e estando os eleitores familiarizados com ela, há toda a vantagem em poupar os cidadãos à prática de dois sistemas: um para as eleições gerais, outro para as consultas referendarias. A diferença das duas consultas não justifica sistemas diversos. Numa escolhem-se pessoas, noutra resolvem-se questões. No mais, tudo pode coincidir: o mesmo o recenseamento, a mesma ou semelhante a campanha, o mesmo ou semelhante o papel dos partidos, o mesmo ou semelhante o exercício do voto, a mesma ou semelhante a contagem dos resultados, o mesmo ou semelhante o ilícito do sufrágio.
Mas é sabido que a lei eleitoral vigente há muito precisa de obras. Existe mesmo um anteprojecto, elaborado por sábios constitucionalistas, à espera de que o Governo, que o mandou elaborar, ponha agora no correspondente projecto a virtude da sua chancela.
Que fizeram os Srs. Deputados do PSD? Foram àquele anteprojecto - com o à-vontade de quem compartilha os privilégios do Governo que apoia - e transladaram para a proposta de lei suculentas fatias de normativo. Seduzidos, é natural, pelas melhorias técnicas transuntas.
Só que, mesmo embora sendo mais perfeita, a regulamentação proposta oferece o grave defeito de ser diversa da que vigora, nessa medida sacrificando as vantagens da familiaridade do eleitor com esta, e não menos a comodidade de ter de lidar apenas com uma! Ao que acresce um risco não negligenciável: o de vir a ser aprovado por maioria simples, como é possível, o sistema agora proposto, e de ficarmos indefinidamente à espera da convergência dos necessários dois terços para que se converta em lei a proposta do futuro código eleitoral!
Um último ponto: o projecto do meu grupo parlamentar, reproduzindo a Constituição, inclui entre as matérias excluídas do objecto do referendo «as alterações à Constituição».
No projecto dos Srs. Deputados do PSD não aparece essa menção. Não, decerto, para que tais alterações possam ser referendadas - estou de acordo que não foi esse o intuito. Mas seguramente porque se excluem as matérias previstas no artigo 164.º da Constituição e, entre estas, figura a competência da Assembleia da República para «aprovar alterações à Constituição». Só que, neste artigo, se acrescenta «nos termos dos artigos 284.º a 289.º». E entre estes termos não figura o recurso ao referendo. Não é grave, mas penso que se pode concluir que a simples exclusão das matérias previstas no artigo 164.º não abrange a exclusão das alterações da Constituição por meio de referendo. A referência, por isso, no n.º 3 do artigo 118.º às alterações à Constituição, lado a lado com a referência às matérias previstas no artigo 164.º, não tem assim nada de tautológico.
O artigo 2.º do projecto dos Srs. Deputados do PSD é por isso, também, de discutível constitucionalidade.
Sr. Deputados, é minha convicção que vamos, seguramente, entender-nos. Está em causa a organização do exercício do poder político, seriam graves intransigências irresponsáveis.
A matéria-prima que temos na mão é boa, resta trabalhá-la. Não ganhámos a taça dos campeões europeus, mas vamos ganhar o referendo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Herculano Pombo e Natália Correia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Também se inscreveu, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Silva Marques.
O Orador: - De facto, eu ia estranhar o silêncio do PSD, já que o Sr. Deputado Almeida Santos zurziu, quanto baste, o seu projecto, no que considero ter exagerado porque, apesar de tudo, embora inconstitucional, é caridoso. E, portanto, num projecto caridoso, num projecto feito por um partido tão esmoler, que dá a todos os «pobrezinhos», a todos os «internados» e a todos os emigrantes a faculdade de votarem, mesmo em contradição com a Constituição e as leis vigentes, penso que não deveria ser tão violento na sua apreciação.
De qualquer modo, a questão que lhe queria colocar é muito simples e traduz-se nisto: o Sr. Deputado Almeida Santos estará, eventualmente, recordado que, na altura da discussão da revisão constitucional, a este propósito do referendo, aqui nos batemos, apesar das nossas fracas armas, por que o referendo viesse a constituir, de facto, um instrumento, quanto mais não fosse, de estímulo da participação activa dos cidadãos na vida democrática.
Não queríamos que o referendo fosse qualquer coisa de «usar e deitar fora», qualquer coisa que se banalizasse, mas também não desejávamos que o referendo constituísse uma espécie de «fato de cerimónia» da democracia - o fatinho de ir ver a Deus. Queríamos, portanto, que o referendo fosse, de facto, um instrumento útil, prático e eficaz e que fosse usado quando a democracia tivesse necessidade dele.
Nessa altura, também expressámos, aqui, o entendimento de que era pena, por exemplo, que não ficasse consagrada a hipótese do «referendo de iniciativa popular», pois gostávamos que isso sucedesse. Não ficou e, portanto, já não vale a pena discutir este assunto.
Com efeito, a Constituição tem regras e cabe agora, em legislação ordinária, ainda que orgânica, regular a matéria constitucional.
No entanto, apesar de, na altura, esta matéria não ter ficado muito clara para mim - em parte devido à formulação que a Constituição recolhe sobre as matérias que não são passíveis de ser referendadas, ou seja, aquelas que constam dos artigos 164.º e 167.º, salvo erro -, a formulação consagrada também me parece um pouco vaga.
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Por isso, neste momento, em que estamos a debater o assunto e em que o povo português se está a aperceber de que, apesar de tudo, está a nascer um novo instrumento da sua participação democrática, talvez conviesse deixar claro quais são as matérias de especial interesse nacional que podem ser referendadas.
Pareceu-me que, na altura, ficou bastante claro - enfim..., infelizmente claro! - que as questões que têm a ver com a participação de Portugal em estruturas supranacionais, como, por exemplo, a nossa integração na Comunidade ou a nossa continuidade na estrutura militar da NATO, não são referendáveis. Ora, sendo questões de eminente interesse nacional e que dizem respeito a todos os portugueses, não podem, esses mesmos portugueses, de forma directa, dizer sim ou não à continuidade desse nosso projecto nacional, ou, melhor, tido por nacional, uma vez que não existe hipótese de referendar, nomeadamente, essas duas opções.
A pergunta que lhe colocava é a seguinte: o Sr. Deputado fez um elenco de questões que poderiam, caso fossem referendadas, criar, eventualmente, uma situação de algum impasse democrático -digamos-, como, por exemplo, se o voto popular, no referendo, fosse contrário à decisão anteriormente tomada, quer pelo Governo quer pela Assembleia da República. Recordo que o primeiro ponto desse lote era a questão «nuclear - sim ou não».
Com efeito, sendo a «questão nuclear» uma das que têm sido utilizadas em muitos referendos na Europa e, até, pelo mundo fora, colocaria a seguinte pergunta: entende o Sr. Deputado que a questão da utilização da energia nuclear em Portugal é passível de referendo? E, a sê-lo, como é que entende a pertinência de ser colocada- a pergunta às pessoas sem que existam condições em Portugal para isso, ou seja, sem que antes tenha havido uma definição clara da questão por parte da Administração, do Governo ou da Assembleia da República? E, ainda, entende o Sr. Deputado que esta é uma das questões de eminente interesse nacional, que a Constituição consagra, e, portando, deve ser objecto de referendo?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado Almeida Santos, julguei ouvir - embora tenha chegado um pouco tarde ao hemiciclo- que a proposta feita pelo PSD relativa ao tempo de antena para os partidos obedece à «lei do número», o que, aliás, parece obcecar o PSD. Isto quer dizer que se o Garrett, que tão bem se notabilizou nas «lides» parlamentares, fosse vivo e pertencesse à minúscula ID sofreria a «lei da rolha» face às câmaras televisivas, sendo dada nessas câmaras imponente presença às imbecilidades de um Calisto Eloy desde que integrando um partido numericamente chorudo.
Ora, Sr. Deputado, parece-me que é tempo de assumir que o futuro da democracia não só depende da sua dignificação mas também da sua qualidade, o que exige que a expressão do qualitativo partidário se sobreponha .à dominante concepção do numérico partidário.
Gostaria, pois, de ouvir o Sr. Deputado Almeida Santos falar sobre este assunto, tendo presente que V. Ex.ª pertence ao clube que se bate pela qualidade.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Silva Marques prescindiu do uso da palavra, dou de seguida a palavra ao Sr. Deputado Almeida Santos para responder, se assim o desejar.
Vozes do PS: - O quê? O PSD não diz nada?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desta vez não fico a dever ao PSD o privilégio de uma pergunta. Isso é bom sinal, porque significa que vamos, com certeza, trabalhar no sentido de corrigir os defeitos de um e de outro projecto e de retirar o que há de bom em ambos, pois é isso que é preciso quando se trata de questões de tão grande importância como esta.
O Sr. Deputado Herculano Pombo disse, e muito bem!, que o referendo de livre iniciativa popular não foi admitido na Constituição, logo esse assunto está fora de disputa. Porém, devo dizer-lhe que, em meu entender, não foi admitido, e ainda bem!
Penso que deveríamos começar por dar iniciativa legislativa ao povo e só depois iniciativa por via referendaria, porque, como deve calcular, é um segundo salto qualitativo que não poderia deixar de ser precedido do primeiro. Mas esse é um problema que teremos de encarar noutra hipótese.
uanto aos artigos 164.º e 167.º, não se esqueça de que essas matérias, apesar de tudo, não estão tão mal definidas como isso. Aliás, elas são complementadas com uma outra restrição que é muitíssimo importante: só podem ser referendadas matérias de relevante interesse nacional.
Ora, o juízo sobre o que poderá ser uma matéria de relevante interesse nacional cabe, antes de mais, a quem propõe ao Presidente da República e, em segundo lugar, ao próprio Presidente da República, e não estamos assim tão «descalços» nem tão mal defendidos contra a possibilidade de ser referendada uma matéria sem interesse ou deixar de ser referendada uma matéria que o tenha. Portanto, esteja tranquilo quanto a esse aspecto!
É evidente que, quanto ao impasse que referiu, nenhuma legislação tem a veleidade de «tapar todos os buracos» dos efeitos perversos do referendo. Há situações perante as quais a vida nos coloca que são tão originais, tão imaginativas e tão imprevisíveis que o melhor é não prever tudo e deixar, inclusivamente, alguma coisa ao bom senso do futuro Presidente da República, no nosso caso, e de quem propõe o referendo.
É evidente que quando alguém propõe o referendo, dizendo «isto é de tal forma um problema que violenta a minha consciência que, se o povo der uma resposta contrária àquela que eu propugno, demitir-me-ei», quem fizer esta proposta nestes termos sabe o que está a fazer, assume a responsabilidade e corre um risco assumido... Mas, às vezes, vale a pena, por razões de consciência, correr o risco da demissão. Aliás, não afasto a hipótese de eu mesmo, um dia, defender determinado princípio junto do eleitorado no referendo, dizendo que «determinada matéria é de tal maneira significativa para mim que se não for assim vou-me embora». Admito isto! Ninguém violenta a minha consciência, pois isso não vale a pena.
Agora, é claro!, também pode acontecer que o número de deputados «violentados» seja tão grande que provoque
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a dissolução do Parlamento ou a queda de um governo, mas isso são incidentes democráticos que a democracia tem de aceitar com normalidade.
Sr.ª Deputada Natália Correia, antes de mais, penso que a sua hipótese é impossível, desculpe que lhe diga, mas a minha amiga não costuma colocar hipóteses impossíveis: o Garrett leria de ser socialista,...
Risos do PS.
... teria de ser socialista, repito, por isso não ponha essa hipótese, que é perfeitamente impossível.
Mas supondo não o Garrett mas outra pessoa qualquer que merecesse o mesmo tratamento, creio que chamei a atenção para esse problema em termos que satisfazem a sua preocupação. Disse que a equidade, que é o termo utilizado na Constituição, não é a mesma coisa que proporcionalidade e que o princípio da igualdade deve ser entendido não em função de aspectos quantitativos mas, sim, e neste caso, em função de aspectos qualitativos.
Assim, o que conta não é o número de votos nem o número de deputados, mas sim o facto de, perante a opinião pública, a defesa de uma ideia valer tanto se ela partir de um partido de muitos como se partir de um partido de poucos, pois a melhor ideia pode ser defendida pelo partido minoritário.
Portanto, penso que, embora aceitando o princípio da discriminação positiva a favor dos partidos que têm mais deputados, e porque se trata, como vê, de um acto inserido no capítulo da criação legislativa - e quem está fora da Assembleia não cria leis -, não deve ser a proporcionalidade, mas sim a equidade. Aliás, foi para essa solução que apontei na minha intervenção e penso que o PSD não irá fora disso.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado, a equidade implica a qualidade!
O Orador: - Claro, claro! É evidente!
Finalmente, gostaria de dizer que estou ansioso por ouvir o PSD, pois creio que vamos colaborar e fazer um bom texto final.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero registar, com muito agracio, a circunstância de os dois maiores partidos desta Câmara terem tomado iniciativa legislativa nesta matéria. Isto significa que a democracia portuguesa está de parabéns! Há, efectivamente, o enriquecer da nossa democracia e das nossas instituições quando, na sequência da última revisão constitucional, se toma a iniciativa de propor uma lei de referendo à Assembleia da República.
O Sr. Deputado Almeida Santos, como sempre, deliciou-nos com uma intervenção brilhante, tal como uma peça literária, como são quase sempre as suas intervenções, que são também peças de habilidade política, isto é, peças de quem gosta que se tome a «nuvem por Juno», e, mais uma vez, teve a habilidade de trazer a esta Câmara uma imagem do seu partido que não é a real.
Em primeiro lugar, não é contemporânea com a vontade do PSD a do PS relativamente a dotar a nossa democracia deste instrumento, que é o referendo, uma vez que é bem mas recente a disponibilidade do PS nessa matéria.
Portanto, reivindicamos, porque já está documentado para a história, que o PSD foi o primeiro partido a tomar a iniciativa de exigência de consagração do referendo no nosso direito constitucional: fizemo-lo aquando do projecto da Constituição de 1976, fizemo-lo aquando do projecto da AD e temos mantido nesta matéria não só a vontade de ver consagrado este instituto mas também a de vê-lo consagrado com a maior amplitude.
É óbvio que o nosso projecto de lei - e esta foi uma preocupação referida pelo Sr. Deputado - reflecte o ímpeto, que sempre temos posto nesta matéria, de alargar o direito de participação dos emigrantes em actos de natureza democrática, em actos eleitorais, em actos de auscultação da voz dos Portugueses.
Recusamo-nos a ver os emigrantes apenas como compatriotas que dão um certo jeito ao País, atenuando a taxa de desemprego e fazendo remessas pecuniárias das suas poupanças para Portugal; recusamo-nos a ver e a tratar os emigrantes nesta óptica e pensamos que é de elementar justiça que, em relação a todos os actos eleitorais, se consagre a participação dos portugueses emigrados ao direito fundamental, que é o direito de voto.
V. Ex.ª referiu-se a uma matéria relativamente à qual levantou dúvidas de constitucionalidade, mas posso dizer-lhe que quisemos, em matéria de referendo, reflectir este nosso desejo e ímpeto.
É óbvio que a disposição em causa tem de ser lida e interpretada em termos constitucionais e, por vezes, em sede interpretativa, contornam-se questões que, à primeira vista, parecem inconstitucionais. No entanto, com mágoa por não ficar, efectivamente, expresso esse direito alargado aos emigrantes, estamos abertos, em sede de especialidade, a rever e corrigir aquilo que possa corresponder a aperfeiçoamentos dos textos legislativos aqui em debate.
O Sr. Deputado Almeida Santos fez ainda uma apreciação destes dois diplomas, não resistindo à sua inclinação, louvável e saudável, para a profundidade. Digamos que adiantou já algo para o debate na especialidade, daí a sua referência à questão dos emigrantes.
No tocante à atitude do PSD nesta matéria, V. Ex.ª afirmou que também o PS estava totalmente interessado, empenhado e ao lado dos emigrantes, mas que essa defesa excluía o indigno. Sr. Deputado, será que é indigno defender a possibilidade de os emigrantes participarem em todos os actos eleitorais e também no referendo?
As questões nacionais que podem ser referendadas interessam aos emigrantes. Aliás, é curioso que o manifesto de candidatura do Presidente da República, Dr. Mário Soares, tem a dada altura esta afirmação:
Finalmente a participação dos emigrantes em futuras eleições presidenciais vem ao encontro de uma aspiração que se afigura justa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso também está escrito no referendo!
O Orador: - Infelizmente, isto revela que este apelo e a justiça desta aspiração é apenas lembrada aquando de actos eleitorais de maior ou menor importância.
Não pararemos nesta luta, e em futura revisão constitucional iremos continuar a bater-nos para que o direito
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de voto dos emigrantes seja alargado a todos os actos eleitorais e para que Tique clara, a sua possibilidade de participarem no referendo.
Estas eram as considerações que, para já, gostaria de tecer sobre estes projectos de lei que estão em discussão no Plenário.
Gostaria ainda de referir-me a uma questão levantada pela Sr.ª Deputada Natália Correia, numa pergunta que colocou ao Sr. Deputado Almeida Santos, que, parece-me, deve ser esclarecida.
Deixou-se no ar a dúvida de que o projecto, de lei do PSD. apontaria para uma preferência ou um privilégio em função do peso eleitoral dos partidos no tocante às oportunidades de intervenção, nomeadamente em campanha de referendo.
Quanto a este aspecto, quero lembrar o artigo 38.º da nossa proposta, que diz, com clareza:
Os partidos têm direito à igualdade de oportunidade e de tratamento, a fim de efectuarem, livremente e nas melhores condições, as suas actividades de campanha.
Aliás, nem poderia ser de outra forma, porquanto isto resulta, expressamente, do n.º 7 do artigo 118.º e do artigo 116.º da Constituição, pelo que mais não fazemos que reproduzir o princípio constitucional que deve orientar estas questões.
O Sr. Deputado Almeida Santos revelou disponibilidade da parte do seu partido para, em sede de especialidade, conseguirmos os acertos que tornem mais perfeitos os projectos de lei hoje em debate, por forma que possamos aprovar uma lei o mais correcta possível para garantir o exercício do direito dê referendo por parte dos Portugueses, enriquecendo a sua participação democrática e valorizando a nossa democracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A postura do PSD é idêntica, isto é, estamos também abertos a melhorar e corrigir, em sede de especialidade, os textos agora em discussão.
O Sr. Presidente: - Srs., Deputados, estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Herculano Pombo e Almeida Santos. * .
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Guilherme Silva, não tenho nada contra os improvisos..., conheço até boa gente que escreve bons improvisos!... Não foi o caso de V. Ex.ª, pois não escreveu o improviso e eu comecei por espantar-me, porque, apesar de tudo, do que se trata hoje aqui é de deixar estabelecidas as bases de uma lei fundamental como é a lei do referendo. Responder-me-á a seguir. Mas aquilo que queria manifestar-lhe, em primeiro lugar, era á minha estranheza.
Não ouso qualificar a forma como V. Ex.ª..., enfim, a qualidade da sua intervenção, não é isso. Mas fiquei de certa forma espantado com a forma como o PSD resolveu manifestar a sua posição face a um projecto que ainda por cima é seu, havendo só dois, e tratando-se de matéria de extremas importância e relevância.
Mas, enfim, registo... Não sei que conclusão tirar daqui, embora para já tire a conclusão de que o PSD está pouco convencido da constitucionalidade e da qualidade, do seu projecto de lei. Não me refiro à qualidade técnica - que, pelos vistos, tem -, mas à qualidade, que neste caso é fundamental, da constitucionalidade do projecto. E essa não tem, como, aliás, ficou aqui bastante bem provado pela intervenção anterior, que, embora de improviso, estava «bem escrita», como foi a que fez o Sr. Deputado Almeida Santos.
Neste sentido, estava tentado a fazer-lhe uma pequenina maldade... Disse o Sr. Deputado Guilherme Silva que o PPD/PSD tinha sido o primeiro a ter esta ideia do referendo. Fiquei na dúvida sobre quem é que tinha sido, de facto, o primeiro: se o PPD, se o PSD!...
Há-de V. Ex.ª esclarecer-me isso a seguir.
Quanto à questão central da sua intervenção, a dos emigrantes, disse o Sr. Deputado que é com «mágoa» que vê, mais uma vez, que os emigrantes não vão poder votar, neste caso, no referendo, adiantando mais este comentário: na próxima revisão constitucional, ponham-se VV. Ex.ªs em guarda porque o PSD vai fazer e tal!...
Mas, ó Sr. Deputado!... Então, eu tenho de perguntar isto: quem é que fez esta anterior e recentíssima revisão constitucional? Foi ou não foi o PSD que teve condições para fazê-la a seu bel-prazer?
De resto, o Sr. Deputado há-de concordar que os projectos de lei não se entregam com «mágoa» ou sem ela; entregam-se dentro dos cânones que as leis prevêem. Portanto, não podem VV. Ex.ªs estar a utilizar uma formulação que é democraticamente perversa, que é a de estar a tentar alterar a Constituição e as leis da República através de um projecto de lei, por via colateral. Isto é que tem de ficar bem esclarecido - doa a quem doer, e dói-nos a todos!: que os emigrantes não têm condições de participação democrática, mas que não é por não poderem votar! É porque aqueles que residem de facto no País, e que cá vêm com regularidade, vêm votar quando é preciso e continuam a acompanhar os problemas nacionais, mas para aqueles que residem em países onde a única possibilidade de se inteirarem das verdadeiras questões que lhes dizem respeito, nomeadamente a relativa a um referendo, isto é, a um «sim» ou «não», é através da recepção de uma carta do partido A, B ou C que tenha dinheiro para os selos e por esse meio fazer chegar a esses emigrantes a sua opinião! Ora, isso não dá garantia alguma de que á sua participação seja esclarecida!...
Como sabemos, há países onde a possibilidade de ida das forças políticas portuguesas para esclarecer os emigrantes portugueses que lá residem é muito limitada. Portanto, tudo isso não passaria de uma obra de caridade, mas em democracia a caridade tem de submeter-se às leis! É devido que assim aconteça!
Daí que eu não compreenda essa sua «mágoa», uma vez que ela é profundamente ilegal e inconstitucional, embora seja um direito seu ter as «mágoas» que quiser!...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Guilherme Silva;' muito obrigado pelas suas palavras. Há nelas muito de positivo que eu registo, mas queria só fazer-lhe duas perguntas.
Falou na imagem do PSD e, claro, não me leve a mal que eu procure dourar a imagem do meu partido... Ela já é bastante dourada, mas, enfim, ponho mais um bocadinho de ouro!...
Quanto à expressão «peça de habilidade política», quem me dera ter muito mais, pois teria usado dela, com toda a certeza!
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Mas sempre lhe digo que, em 1981 - como referiu -, o seu partido propôs o referendo constitucional. Ora, nós nunca poderíamos concordar, nem nunca concordaremos com o referendo constitucional, porque pensamos que é uma mentira, é um plebiscito! E porque se achamos que se pode referendar uma questão concreta, dizer um «sim» ou «não», se estivermos de acordo com isso, então, diga-me como é que o Sr. Deputado consegue referendar uma Constituição com 250 artigos em termos de «sim» ou «não»...
Isso é uma mentira, 6 uma farsa, e, na verdade, só quem não for democrático é que pode desejar o referendo constitucional. Foi por isso que, nessa altura, violentamente nos opusemos. Se os senhores têm nessa altura proposto o tipo de referendo que agora estamos a consagrar, com as restrições cautelares que estamos a pôr na lei, de certeza nós não nos tínhamos oposto. Mas, enfim, nasceu com este pecado original e assim teve de ser!
Disse V. Ex.ª que era de elementar justiça darmos o voto ao emigrante. Sabe que a nossa concepção é a de que é de elementar justiça, neste caso, não violar a Constituição! O emigrante não exige dos senhores nem de nós que, para sermos agradáveis a quem emigra, que violemos a Constituição. Pelo contrário, pede-nos que a respeitemos, porque a sua melhor defesa está no respeito da Constituição. E o que se trata aqui é de fazer o que está na Constituição e não de deturpar aquilo que nela escrevemos - aliás, com o voto favorável dos nossos dois partidos. Fomos nós quem demos a redacção conjunta a esse número do artigo 118.º da Constituição. É só disso que se trata!
Por outro lado, o que sempre aqui quisemos evitar foi convencer os emigrantes de que o seu voto tem a mesma genuinidade democrática do voto do cidadão residente em Portugal. Não tem, Sr. Deputado! Porque eles vivem em países distanciadíssimos do nosso, onde não tom o acesso à informação que têm os residentes em Portugal; onde, por vezes, não há democracia; onde não pode haver propaganda, e onde, por vezes, já nem se sabe verdadeiramente quem é português e quem já não é.
Portanto, nunca podemos pactuar com isso.
Para a Assembleia da República, muito bem, nos termos em que está tem uma voz; para o Presidente da República, de modo nenhum; para o referendo, também de modo nenhum!
Penso que os emigrantes compreendem-nos e que não querem - desculpe, não é a vossa intenção nem nunca será - ser instrumentos de «chapelada» eleitoral.
Por outro lado ainda, a própria Constituição diz que os cidadãos portugueses que se encontram no estrangeiro têm direitos compatíveis com a sua não residência no território nacional. É este um caso típico de um direito não compatível com a não residência no território nacional. Eles não sabem, não conhecem as questões..., estão fora, estão longe, vivem outros problemas e não podem, de modo nenhum, pronunciar-se com segurança, ou com a mesma segurança com que se pronuncia um português residente em Portugal.
O Sr. Deputado ouviu mal: eu não falei em «engano do emigrante», mas sim em «ludíbrio», o que é diferente. O que eu disse foi que não colaboraríamos em enganar os emigrantes, dizendo-lhes: «Vocês têm a mesma legitimidade democrática» - até têm basicamente -, «o vosso voto é democraticamente igual ao voto do residente em Portugal». Nisso não os enganaremos!
O Sr. Dr. Mário Soares, no seu manifesto, também não disse - que eu me lembre - que quer que nós violemos a Constituição ou que devemos violar a Constituição.
As opiniões dele, neste momento, estão «revogadas» - se é que foi esta a expressão que o Sr. Deputado usou, parece-me que sim - pela Constituição, não porque ele não continue a ter as opiniões que tinha, mas sim porque não é possível, hoje, defender a opinião que ele defendeu - e apenas, veja-se!, como opinião pessoal e, portanto, não em termos de consagração numa lei.
Quanto ao tempo de antena, o Sr. Deputado leu um artigo que não é aquele que citei. Eu sei que esse artigo diz isso, mas não sei se não conhecerei melhor o seu projecto de lei do que o meu amigo... Diz-se aí, no artigo 56.º, o seguinte: «No âmbito de cada posição, quatro quintos dos tempos são atribuídos aos partidos representados na Assembleia da República, proporcionalmente ao número de deputados eleitos por cada um», de onde um quinto fica para os restantes. E o que eu digo é que a regra da proporcionalidade leva ao ridículo de aquele partido que só tem um deputado não ter tempo para mais do que dizer «bom dia» ou «boa noite», consoante a hora a que intervicr no tempo de antena. Isso é que me parece que não pode ser!
Equidade não é proporcionalidade - e estamos em matéria qualitativa e não quantitativa -, portanto, parece-me que a proporcionalidade não pode ser a aritmética; tem de ser, isso sim, a lógica e a política.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começando por responder ao Sr. Deputado Herculano Pombo, direi que tem de reconhecer-nos o direito de gerir as nossas intervenções. O seu caso é mais fácil porque é sempre uma autogestão!
Sr. Deputado, haverá, efectivamente, da parte do meu partido, uma intervenção de fundo na análise dos dois projectos de lei. No entanto, entendemos que foi oportuna a intervenção que produzi - modesta, bem sei!...
Em relação às questões que levantou sobre a história do meu partido em matéria de referendo, repito que somos o partido que mais cedo tomou a iniciativa do referendo.
No que diz respeito aos votos dos emigrantes, o Sr. Deputado refere que o PSD votou a Constituição e as alterações produzidas na última revisão constitucional. É evidente que sim, mas também sabe que era necessária uma maioria de dois terços para esse efeito e que houve imposições por parte do Partido Socialista que não conseguimos ultrapassar.
Temos o direito de manifestar a nossa mágoa relativamente ao caso concreto dos emigrantes e de não termos tido a receptividade do Partido Socialista para, de uma vez por todas, consagrar, com a amplitude necessária, o direito de voto dos emigrantes.
Ao Sr. Deputado Almeida Santos quero dizer-lhe - e repito aquilo que já disse ao Sr. Deputado Herculano Pombo - que o nosso partido tem o direito histórico de reivindicar para si a iniciativa nesta matéria do referendo. E quando V. Ex." diz que não podíamos contar com o Partido Socialista porque propúnhamos o referendo em matéria de revisão constitucional, lembro-lhe que, nessa mesma altura, propúnhamos também o referendo sobre
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questões de relevante interesse nacional e que também em relação a essas, o vosso partido foi contrário ao seu acolhimento.
Portanto, não é inteiramente correcto que a posição do Partido Socialista se referisse apenas à primeira questão.
V. Ex.ª diz que os emigrantes não nos pedem nem querem que elaboremos leis que violem a Constituição, mas, naturalmente, há uma coisa que os emigrantes querem: é que façamos uma Constituição para eles. E, naturalmente, não é -e repito aqui a minha «mágoa» - excluindo a sua participação o mais ampla possível. Não pode dizer-se que, pela circunstância de residirem fora do território nacional, em relação a grandes matérias de relevante interesse nacional, não mantenham um interesse de participação, como qualquer outro cidadão português.
V. Ex.ª voltou a repetir que o vosso partido não cometia a indignidade de fazer consagrar num projecto legislativo, ainda que em benefício dos emigrantes, uma solução inconstitucional. Sobre isso, quero dizer-lhe que há indignidades e indignidades!... Há indignidades em maior e em menor grau. A indignidade maior é a inviabilização da possibilidade da consagração desse direito com amplitude na revisão constitucional.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, dá-me licença que use da palavra?
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, dado que, em seguida, iremos dar uma conferência de imprensa para apresentação à comunicação social dos princípios do nosso debate sobre a situação da protecção civil em Portuga), que terá lugar no próximo dia 29 de Maio, ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, solicito a V. Ex.ª a interrupção dos trabalhos por. 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o pedido é regimental, pelo que declaro suspensa a sessão.
Eram 16 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados, estão inscritos, para intervenções, os Srs. Deputados José Magalhães, Marques Júnior e Pais de Sousa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A memória do plebiscito ensombrou durante anos, na vida política portuguesa, o debate sobre o referendo. A dolorosa experiência histórica da convocação dos cidadãos as umas não para derrotar mas para legitimar fórmulas oligárquicas de poder, dizer «sim» a chefes carismáticos, subverter a democracia representativa e, simultaneamente, a preocupação de evitar que o povo corra o risco de sufragar pelo voto os instrumentos da sua própria opressão pairou, após o 25 de Abril, sobre a Constituinte, pesou nas duas revisões constitucionais, deve inspirar uma prudência permanente.
Por isso mesmo, a Assembleia da República recusou, em 1989, a consagração constitucional do plebiscito, proposta pelo PSD, admitindo tão-só modalidades cautelosas de referendo nacional deliberativo. Tais cautelas foram e são plenamente justificadas.
Se pudéssemos visitar um museu imaginário, em cujas salas e galerias estivesse preservada e exposta a memória exacta de todos os referendos, de todos os tempos, em toda a parte, espantosas coisas nos encheriam de prudência.
Talvez pudéssemos ver numa parede os manifestos de Napoleão Bonaparte, apelando ao voto consagrador do czarismo que desembocou nas campanhas da Rússia e em Waterloo.
Bem ao pé, a lei que confiou ao marechal Pétain o poder de outorgar a Constituição de Vichy, plebiscitando o derrube da República e a vergonha do colaboracionismo, do racismo, do extermínio dos judeus.
Em galeria à parte, naturalmente, os referendos que deram e tiraram o poder ao general De Gaulle.
Mais além, as fotos esbatidas dos eleitores de chapéu alto e também de sola rasa, que, em 19 de Agosto de 1934, conferiram plenos poderes a Hitler, matando a República de Weimar, e mais adiante as imagens dos que sancionaram nas umas o Anschluss nazi, que anexou a Áustria.
Para nosso conforto, encontraríamos também - revelando que o referendo é uma arma complexa, avessa a juízos simplistas - as imagens radiosas dos que disseram o histórico «não» a Pinochet, impulsionando a reconquista da democracia no Chile, e a memória viva das leis que, na Suíça, nos Estados Unidos, na Dinamarca, em Espanha, na Grécia e em tantos, tantos outros países, permitiram notáveis batalhas políticas e conquistas fundamentais dos povos.
Sabemos, Srs. Deputados, que a experiência portuguesa foi historicamente oposta a esta que acabei de descrever: nula tradição referendaria na monarquia, escassa expressão local na I República, trauma plebiscitário na ditadura. Por isso mesmo poderia bem acontecer que, visitando o museu que vos pedi para imaginar, deparássemos, algures, com um filme inédito (imaginemos que de Manuel de Oliveira), talvez chamado, por ironia, «Sim», tendo como tema, evidentemente, o plebiscito que sancionou a Constituição de 1933.
Teria um começo intimista, se o guionista fosse o biógrafo encartado Dr. Franco Nogueira. Veríamos, na véspera, o ditador, de botas, com enxaqueca, fatigado da campanha única do partido único, ouvindo embevecido, pela Emissora Nacional, do José Eduardo Moniz de então, o apelo ao voto para «impedir a anarquia e a decadência», acabar com as «lutas das facções» e as «correntes subversivas». Na própria manhã de 19 de Março, a mesma cassette lançada de aviões sobre Lisboa, Porto e Coimbra. E de novo o ditador, votando em Arroios, após piedosa comunhão matinal, mais tarde acompanhando o funcionamento da engenharia plebiscitaria, tranquilo, uma vez que, através do Decreto n.º 22 229, de 21 de Fevereiro, tinha imposto duas coisas: além do voto obrigatório dos chefes de família, a regra mágica que validava como favoráveis ao regime todas - mas todas - as abstenções, incluindo as dos mortos não abatidos aos cadernos eleitorais...
Ao fim do dia, os resultados: quase meio milhão de abstenções, que, somadas aos 700 000 «sins» arrancados aos pais de família, deram à União Nacional a sua forjada vitória e ao País meio século de escuridão.
Forçoso é, Srs. Deputados, antes de abreviar a visita a este museu inventado, passar velozmente pela sala alusiva
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ao ano de 1974, em que pairou também a sombra referendaria contra o 25 de Abril e pelas propostas do PSD de sujeitar a referendo a própria entrada em vigor da Constituição de 1976, nesse mesmo ano.
Veremos também (porque é de ver, indispensavelmente) o retraio do esfíngico sorriso do general Soares Carneiro, que nos recorda o ano de 1980 e os projectos de plebiscitar uma ruptura constitucional, bem como a derrota dos projectos da AD na primeira revisão constitucional, aqui invocados com orgulho pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, agora ausente.
Relembraremos, por fim, propostas esbatidas hoje, como a de uma revisão constitucional extraordinária para permitir um referendo sobre o aborto e o próprio debate constitucional de 1982, que instituiu as consultas populares locais, que só hoje serão objecto, por afortunada coincidência, de votação final global, oito anos depois da data em que foram consagradas.
Quis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, falar tanto do passado porque é ele - e bastante ele - que explica os limites materiais e formais, as garantias, os freios e os contrapesos que caracterizam o regime do referendo consagrado em 1989, na segunda revisão constitucional.
Desde logo, não pode haver referendo sobre a Constituição nem sobre as opções que, por força dela, devam constar de leis ordinárias. A cassette favorita do Dr. Alberto João Jardim, que era pirata, continuou a ser pirata depois da revisão constitucional! Nos termos do artigo 118.º da Constituição, não é possível, em Portugal, um referendo sobre a União Europeia, o Sr. Deputado Duarte Lima está proibido de referendar a ignóbil porcaria de lei eleitoral do PSD, o Dr. Montalvão Machado não pode depositar nas mãos dos eleitores a difícil escolha da fórmula legal para dar à Igreja católica o óbulo do divino canal!... Seriam inconstitucionais, também, referendos tão diversos como os que visassem conceder amnistias, limitar o divórcio, castrar direitos dos trabalhadores, abolir a República, instaurar a pena de morte, limitar os direitos dos jornalistas, estabelecer discriminações - designadamente de sexo ou raça-, mudar a repartição de poderes dos órgãos constitucionais... Nada disto é constitucionalmente possível - e ainda bem que nada disto constitucionalmente possível é!
E é proibido, também, fazer referendos sem prévia fiscalização do Tribunal Constitucional, manipular campanhas, violar competências, proibido até amalgamar ou misturar perguntas. Para tristeza do Sr. Deputado Silva Marques, não é possível dizer «Quem está a favor da diminuição dos salários dos políticos e da governação do Prof. Cavaco Silva ponha uma cruzinha no 'sim'.»
A preocupação que predominou em 1989 foi a de relegar para o museu das coisas mortas tudo o que há de mau nas coisas de que vos falei.
Depende, agora, da Assembleia da República a escolha fundamental: ou enterrar, definitivamente, esse passado negativo (como, aliás, propõe o PS no seu projecto de lei, que é, evidentemente, susceptível de aperfeiçoamento), ou ressuscitar, um a um, os fantasmas mais temidos e mais temíveis.
No ressuscitar desses males, devo dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, reside a gravidade das opções fundamentais do projecto de lei do PSD, por vezes dissimuladas na floresta de 247 bojudos artigos.
Alguns minutos de análise diatética bastam, todavia, para reduzir o produto laranja ao esqueleto real: dos 247 artigos, 207 - nada mais, nada menos! - são dedicados à matéria eleitoral; dos 40 restantes, muitos reproduzem normas constitucionais.
A sistemática do projecto de lei, devo dizê-lo, é correcta e está bem dactilografada! Qual é então o problema?
O problema, em síntese, é, como já se pôde ver e até debater, que o PSD quer, verdadeiramente, pôr quatro bombas (não menos do que quatro bombas) na lei do referendo. E importa reflectir porquê!
Em primeiro lugar, como se sabe - e o PSD sabe-o bem porque votou a norma -, a Constituição restringiu aos cidadãos eleitores recenseados no território nacional a participação em referendos. Isto foi discutido e rediscutido em sede de revisão constitucional e assim foi aprovado! E a memória do PSD, sendo curta embora, não será tão curta que não lhe permita lembrar-se do processo de debate e de votação desta norma crucial.
Por outro lado, o PSD sabe muito bem que um referendo pode ser decidido por um só voto de diferença. Um!... E sabe, até, que a vinculatividade é independente da taxa de participação. Um milhão de abstenções e um voto a favor podem decidir, em teoria, o resultado de um referendo! Assim é - e o PSD não pode ignorar isto.
Por que motivo propõe, então, que no referendo intervenham também, votando por correspondência, aliás - é o kafarnaum! -, os residentes no estrangeiro e até estrangeiros propriamente ditos?!
Creio que o debate que há pouco foi travado e a confissão feita, de forma comovente e com reclamação de prerrogativas histórico-nobiliárquicas, pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, revelam que o PSD quer, obviamente e apenas, reabrir um daqueles estéreis debates que servem só para envenenar a lei, preparando, talvez, a terceira revisão constitucional, mas não o cumprimento da Constituição. São manifestações de chicana, associadas à tentativa de abrir as «alamedas da chapelada».
Em segundo lugar, o PSD quer restringir, inconstitucionalmente, os poderes do Presidente da República e do próprio Tribunal Constitucional em matéria referendaria. Desde logo, fixando ao Presidente da República apertadíssimos limites para a sua decisão: prazos curtos, prazos rígidos, processos estritos.
Por outro lado, o PSD quer vedar ao Presidente da República o exercício do seu direito de pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de qualquer diploma correspondente às perguntas submetidas a referendo, como prova a análise do artigo 244.º, n.º 2, do projecto de lei em debate, e quer obrigar o Presidente da República a viabilizar esses diplomas, qualquer que seja o seu conteúdo, assinando de cruz. Eis o que há de mais incompatível com o quadro constitucional sobre a divisão de poderes!
Finalmente, permite-se isentar de fiscalização preventiva, pelo Tribunal Constitucional, como já foi assinalado, os textos que, em segunda leitura, sejam expurgados (ou pseudo-expurgados) de inconstitucionalidades ou de ilegalidades apontadas pelo Tribunal Constitucional. E isto, Srs. Deputados, é igualmente contrário à Constituição da República!
A terceira bomba que o PSD quer colocar na lei do referendo é, igualmente, espantosa: nos termos do artigo 245.º (é lê-lo, para acreditar), o que um governo ponha num decreto-lei emitido na sequência de referendo torna-se irrevogável - uma verdadeira lei de bronze, de platina ou de estanho! - e é proibida a respectiva fiscalização parlamentar. Eis, confessado, inteiramente confessado, o sonho do PSD de tomar eternas as «leis de
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barro» que faz e, quiçá, acautelar suporte plebiscitário para um governo minoritário, o que é facto em si mesmo equivalente a uma confissão de temor e de medo perante o futuro.
Como e bom de ver, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o jogo entre estas opções corrompe, profundamente, o modelo constitucional, dá ao Governo e à maioria instrumentos de constrição, pressão e instabilização, institucional.
A tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, somam-se os já referidos 207 artigos em que o PSD nos faz, no fundo, o filme-anúncio - e em breve - da lei da batota eleitoral que tem em preparação.
Lá está a limitação da propaganda eleitoral, a mutilação dos tempos de antena, lá está a liberalização do voto por correspondência e do «voto auxiliado» (como alguns lhe chamam por piedade eufemística), lá está a invenção de sanções contra os partidos e órgãos de comunicação social e outras muitíssimo evidentes formas de pressão e de viciação de processos e de resultados. O que coloca, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta dúvida suprema, que vale a pena sujeitar a reflexão: o que quer, deveras, o PSD?
A intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva, há momentos, seria inteiramente reveladora, salvo melhor leitura, de uma vontade de pura chicana. O PSD sabe que a lei que propõe 6 inconstitucional, não em um, mas em 'vários aspectos. Sabe que subverte a repartição de poderes entre órgãos de soberania, não em um, mas em vários domínios.
E sabe mais: que, nos termos do artigo 139.º, n.º 3, da Constituição da República, a lei orgânica do referendo carece, ao contrário do que algumas almas, frequentemente, esquecem, de dois terços para ser confirmada pela Assembleia da República, caso mereça discordância e velo político do Presidente da República. Não é uma lei cuja aprovação, em eventual segunda leitura, possa ser feita apenas com os votos do PSD.
Portanto, a disponibilidade simpática exibida pelo porta-voz do Grupo Parlamentar do PSD é, apenas, o fruto de uma constrição. Uma má «lei» do referendo apenas corre o risco de não ser lei nenhuma - e o PSD sabe isto perfeitamente.
Será então que o PSD quer uma lei ou quer a guerra do veto? Quer abrir a possibilidade de sujeitar a referendo leis impopulares que por aqui vai fazendo ou quer bloquear porias, para evitar que, antes de 1991, o povo possa censurar, pelo voto, a desgraçada acção política laranja? O que quer o PSD?!
A verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é talvez esta: amante do plebiscito, como aqui foi confessado com orgulho, o PSD casou-se, em 1989, muito contrariado, com o referendo, mas 6 incapaz de fidelidade! Foge-lhe, constantemente, o pé para as escapadelas e amores de sempre!
A última palavra, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é, contudo, para exprimir confiança. O Grupo Parlamentar do PCP vai viabilizar o projecto de lei do Partido Socialista por ele corresponder ao texto constitucional, sendo evidentemente susceptível de numerosos aperfeiçoamentos. Participaremos activamente nesse trabalho preparatório, no âmbito da comissão competente.
Confiamos, acima de tudo, em que o PSD não fará o que deseja, nesta como noutras matérias, perante o olhar impassível e, sobretudo, inerte das instituições democráticas e de todos aqueles - e são muitos - que tem o dever de as defender.
Contamos com isso e faremos por isso.
Aplausos do PCP, do PS, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero lembrar-lhes que procederemos hoje ao conjunto de votações que, em tempo oportuno, foi anunciado.
Antes de darmos a palavra ao Sr. Deputado Marques Júnior, para uma intervenção, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de dois pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - A Comissão de Regimento e Mandatos emitiu parecer no sentido de autorizar as Sr.ª Deputadas Helena Torres Marques e Helena Roseta a comparecerem no 5.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa para intervirem como testemunhas num processo ali pendente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Raul Castro.
Srs. Deputados, vai ser lido um outro parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Secretário: - A solicitação da Directoria da Polícia Judiciária de Lisboa, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado João Costa da Silva a ser ouvido como testemunha num processo que corre os seus termos naquela Directoria.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Raul Castro.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a última revisão constitucional, foi consagrada a figura do referendo, que representa uma das mais importantes e significativas inovações da nossa Constituição.
Uma lição que podemos extrair da história é a de que os processos de afirmação e consolidação dos regimes democráticos, nomeadamente daqueles que foram precedidos de regimes ditatoriais, são processos longos e complexos, repletos de avanços e de recuos e cheios de incertezas.
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Podemos, aliás, distinguir, pelo menos, dois momentos ou duas fases nesses processos: o momento ou a fase de transição ou instauração, que culmina com a consolidação institucional e jurídica do regime democrático, ou seja, quando a ideia e a assumpção prática da democracia se tornam irreversíveis, e o momento ou a fase de aprofundamento da democracia, com a definição completa das formas, das instituições, dos processos, dos meios e dos mecanismos de exercício da democracia, enfim, na resposta à questão «que democracia?» e na interiorização em cada um e em todos de comportamentos e de práticas democráticos.
É este o momento que hoje vivemos.
Se hoje podemos dizer que o regime democrático é algo adquirido e consolidado, mesmo apesar de algumas dúvidas, preocupações e sombras que persistem ou renascem, não podemos, no entanto, dizer que a forma ou as formas de tradução da vontade popular e os níveis e áreas de decisão sejam questões já respondidas, ou, tendo-o sido, que as soluções achadas correspondem a um modelo ideal, e a que modelo ideal, e, para além disso, se correspondem às necessidades e ao sentir do povo que somos, com os valores, as características, os interesses e a nossa própria maneira de ser e de viver.
Com efeito, terão hoje os Portugueses uma noção correcta e completa dos seus direitos democráticos, consagrados constitucionalmente? E, se o têm, conhecem os mecanismos ao seu dispor? E utilizam esses mecanismos? São eles eficazes? Ser democrático e agir democraticamente é, hoje, uma conquista adquirida e afirmada dia a dia pelos Portugueses?
Hoje é um dos momentos de reflectir sobre todas estas questões e de encontrarmos soluções. Nesta sessão legislativa, já houve oportunidades para avançarmos na construção e aprofundamento da democracia portuguesa com as iniciativas legislativas relativas à acção popular e ao direito da petição.
No entanto, o referendo constitui, porventura, o mecanismo democrático mais importante e significativo para equacionar todas estas questões. Com efeito, as actuais democracias ocidentais baseiam-se nos moldes, nas doutrinas e até nos movimentos revolucionários dos últimos três séculos. E, se a concepção da democracia evolui ao longo dos tempos, é legado inegável deste período a ideia de que, em termos institucionais e quanto ao exercício do poder político, este compete aos órgãos representativos, ou seja, de que o poder popular não é exercido directamente pelo povo, mas através dos seus representantes, para os quais, de resto, transfere todo esse poder. Tal é a solução da democracia representativa. No entanto, é legítimo colocar as questões de saber se esse modelo deve ser exclusivo ou se deve ser moderado ou temperado com mecanismos de exercício do poder directo do povo e. nesse caso, como e em que termos.
Por outras palavras, se o referendo é iniciativa exclusiva dos representantes, dos representados ou de ambos e, sendo também dos representados, se o referendo significa revogação ou limitação do mandato dos representantes, ou se, pelo contrário, o exercício exclusivo cabe aos representantes e só estes podem decidir perguntas aos que representam e o que quer que seja. No fundo, saber se, apesar de ser poder derivado, o poder dos representantes é exclusivo ou se eles podem ou não, por iniciativa própria ou não, abdicar das suas competências.
A revisão da Constituição teve como preocupação responder a algumas destas questões, talvez às mais importantes, tendo, aliás, em conta a configuração do sistema e do regime político já anteriormente definido, de cariz semipresidencial, um sistema que, apesar de não atribuir competência executiva ou legislativa própria ao Presidente da República, no entanto, lhe confere uma particular posição de dignidade institucional e de última garantia moral e política do regime.
Assim sendo, limitou-se a iniciativa ao Governo e ao Parlamento, com exclusão deliberada da iniciativa popular e do Presidente da República. Cabe, no entanto, a este a decisão final acerca da realização ou não do referendo, solução que o PRD, como partido que sempre defendeu o acentuar das responsabilidades do Presidente da República, não pode deixar de sublinhar. Mas o facto de se ter excluído a iniciativa popular não deixa de traduzir uma opção importante quanto à natureza do poder dos representantes que, não deixando de ser derivado, constitui, no entanto, uma forma de legitimidade exclusiva de exercê-lo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Grupos Parlamentares do PSD, do PS, do PRD e do CDS apresentaram nos seus projectos de revisão constitucional a figura do referendo, embora em termos diversos, o que suscitou na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional um debate frutuoso, que, nos termos do acordo PS/PSD, acabou por vir a consagrar constitucionalmente a figura do referendo (artigo 118.º da Constituição).
Os termos constitucionais em que o referendo acabou por ser consagrado são, em nossa opinião, os mais adequados, atendendo às dificuldades, mesmo considerando o facto de, nesta matéria, a proposta do PRD ter sido aquela que ia mais longe em termos de previsão concreta daquilo que constitucionalmente devia consagrar, reconhecendo, durante a discussão em sede de comissão, que a sua proposta, nomeadamente em termos de referendo legislativo, envolvia questões melindrosas que poderiam ser prejudiciais, quando estamos a dar os primeiros passos relativamente a esta figura (de uma forma séria) e quando o espectro da sua incorrecta utilização não está completamente afastado do imaginário de todos nós.
A figura do referendo deve ser entendida como forma de aprofundar a própria democracia, como mais um instrumento que é dado ao povo para enriquecer o quadro dos mecanismos da democracia participativa, que, aliás, a nossa Constituição, através da última revisão, não só consagra como valoriza e que a própria Assembleia da República desenvolve, através das iniciativas legislativas, como as que dizem respeito, por exemplo, aos direitos de acção popular e de petição. Pode mesmo parecer, à primeira vista, que este é um dos instrumentos mais genuínos postos à disposição dos cidadãos para a sua participação nas grandes «questões de interesse nacional».
Há, no entanto, limites que devem ser considerados e que têm a ver com o facto de estes mecanismos não poderem ser utilizados em substituição ou em oposição aos mecanismos da própria democracia representativa. O referendo não pode ou não deve aparecer como um instrumento de poder e ou de pressão política ilegítima; antes deve ser utilizado de tal forma que haja consensos sobre a necessidade ou a conveniência de o povo se pronunciar.
O quadro constitucional em que o referendo é considerado indicia, desde logo, as cautelas que são necessárias para não perverter por completo o sentido da complementaridade do instituto do referendo no seu aperfeiçoamento da sociedade democrática, que não pode pôr em
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causa os órgãos de soberania e a separação de poderes nem o estatuto dos partidos políticos. Aliás, é também na esteira destas preocupações que o constituinte reforçou a lei do referendo como lei orgânica no quadro da hierarquia dos actos normativos, o que implica a sua votação obrigatória na especialidade, em Plenário, e cria mecanismos reforçados da fiscalização de constitucionalidade e de legalidade em termos de fiscalização preventiva, a par de um autêntico poder de veto do Presidente da República.
No entanto, somos de opinião de que a aprovação da lei do referendo, atendendo à sua importância e especificidade, deveria necessitar, conforme constava do nosso projecto de revisão constitucional, embora não tenha sido considerado, da aprovação por maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções, até porque, como se verifica nos projectos de lei em apreciação, existem muitas normas da própria lei eleitoral que podem suscitar legítimas dúvidas, a não serem devidamente clarificadas em sede de especialidade.
É, pois, no sentido de um reforço das cautelas processuais que a lei orgânica do referendo deve desenvolver-se, ato porque nos surgem dúvidas, nomeadamente quanto à lei do referendo apresentada pelo PSD, aliás em questões em que o próprio parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias levanta e que diz respeito, em especial, ao artigo 19.º, sobre «Pronúncia no sentido da inconstitucionalidade e da ilegalidade».
A Constituição exige expressamente:
O Presidente da República submete a fiscalização preventiva obrigatória da constitucionalidade e da legalidade as propostas de referendo que lhe tenham sido remetidas pela Assembleia da República ou pelo Governo.
Isto implica que, no caso de uma primeira fiscalização preventiva da constitucionalidade, em que forem detectadas inconstitucionalidades que, nas novas reapreciações, tenham sido expurgadas, o Presidente da República submeta obrigatoriamente, e não facultativamente, como prevê o projecto de lei do PSD, ao Tribunal Constitucional as novas normas, não só porque implicam novas propostas como a reformulação das propostas pode ter originado novas inconstitucionalidades.
Relativamente ao artigo 29.º, que refere que «gozam de direito de participação no referendo os cidadãos portugueses maiores de 18 anos», está manifestamente em desconformidade com o texto constitucional, que refere, de uma forma muito clara, no seu artigo 118.º, n.º l, o seguinte:
Os cidadãos eleitos recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através do referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo, nos casos e nos lermos previstos na Constituição e na lei.
Relativamente a esta questão, o relatório elaborado no âmbito da 3.º Comissão faz a justificação adequada da desconformidade constitucional desta norma do projecto de lei do PSD, que recoloca a questão da capacidade eleitoral activa. Todos sabemos que o que o PSD deseja e agora, através da lei do referendo e de uma forma inconstitucional e ilegal, na sequência, aliás, do anunciado projecto de lei eleitoral, é conseguir, de uma forma artificial, manter-se no poder a todo o custo, procurando, no caso do referendo, recuperar uma certa ideia plebiscitaria do seu projecto de revisão constitucional, que, aliás, de alguma forma está subjacente até na listagem histórica que faz do seu percurso a favor do referendo e referenciada no preâmbulo do seu diploma.
Não penso, no entanto, que valha a pena tecer muitas mais considerações sobre isto, servindo apenas para assinalar os cuidados que há que ter na utilização do referendo, para não ser utilizado como contrapoder na guerrilha entre os órgãos de soberania ou desviá-lo dos objectivos expressos na Constituição.
Um outro ponto sublinhado no parecer da 3.ª Comissão, que consideramos importante e que também indicia grandes preocupações pela maneira como o PSD vê o referendo, é o que diz respeito ao artigo 244.º do seu projecto de lei, que tem como epígrafe «Inexistência de veto político e por inconstitucionalidade», em que refere o seguinte:
O Presidente da República não pode recusar a ratificação da convenção internacional ou a promulgação do acto legislativo correspondente às perguntas submetidas a referendo.
É evidente que, conforme consta do n.º 4 do artigo 118.º da Constituição, «cada referendo recairá sobre uma só matéria, devendo as questões ser formuladas em termos de sim ou não, com objectividade, clareza e precisão, num número máximo de perguntas a fixar por lei, a qual determinará igualmente as demais condições da formulação e efectivação de referendos».
Quer o texto quer a discussão, em sede da revisão constitucional, apontam claramente para a exclusão da figura do referendo legislativo, que aqui pode estar indiciado, e que, aliás, o PRD tinha apresentado no seu projecto de revisão constitucional, mas considerando o melindre de tal instituto, quando a nossa experiência é nula nesse aspecto, abdicou dele, possibilitando, no entanto, que, ao fazer-se a discussão em sede de revisão constitucional, se chegasse à conclusão de que não era de considerar, pelo menos neste momento. Neste sentido, o referendo versa sobre uma só matéria em termos de .«sim» ou «não», devendo depois o sentido da resposta ser vertido em actos legislativos e a estes, naturalmente, não poderão ser negadas as competências do Presidente da República quer relativamente ao veto político quer à fiscalização preventiva da constitucionalidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos dúvidas - que, aliás, os autores dos projectos de lei reconhecem -, nomeadamente, quanto aos efeitos perversos que podem advir da aplicação do referendo se não houver o máximo de cuidado na utilização deste instrumento.
Pensamos que, na discussão na especialidade, terá de haver um grande trabalho no sentido de procurar diminuir ou eliminar os aspectos negativos, procurando potenciar, sempre com algumas reservas salutares, as virtualidades que o referendo, em abstracto, contém.
Aplausos do PRD, do PS, do PC P, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.
O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República, aquando da última revisão constitucional, operada em 1989, fez consagrar na nossa lei fundamental o referendo a nível nacional, instituto através do qual os cidadãos eleitores podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta desta Assembleia ou do Governo, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei.
Trata-se de uma das mais relevantes inovações da segunda revisão do texto constitucional. De facto, estamos perante uma importante questão organizatóría que faculta um instrumento de intervenção directa, ou, melhor dizendo, semidirecta, na vida pública.
E cumpre-nos neste momento, enquanto órgão de soberania, dar resposta a um imperativo constitucional, sendo certo que a matéria em apreciação é da exclusiva competência desta Assembleia, como decorre da alínea b) do artigo 167.º da Constituição.
Ora, os projectos de lei sobre os quais recai hoje a nossa atenção relevam ambos da interpretação do artigo 118.º do texto constitucional e, nesta matéria, devemos todos procurar o mais alargado consenso possível quanto às soluções a adoptar, já que se trata de uma experiência constitucional, cujo êxito ou inêxito muito terão a ver com a democracia erigida a partir de 25 de Abril de 1974, com o que reafirmamos a indispensabilidade da mediação dos mecanismos da democracia representativa num Estado moderno e com a nossa concreta escala.
Só que é patente a complementaridade do instituto do referendo e o seu previsível papel de aperfeiçoamento da sociedade democrática, com o pleno respeito pelos órgãos de soberania e pelo estatuto dos partidos políticos.
Daí que se nos afigure impreterível a adopção pela futura lei orgânica do referendo de um conjunto de cautelas, de harmonia com articulado constitucional que «devolve» aos órgãos de soberania um papel fundamentalíssimo.
Dir-se-á que, ao menos em tese, sempre pairará no horizonte um risco de conversão do instituto em instrumento de poder pessoal, de pressão política, ou até de «perversão plebiscitaria».
Como escreveu Maurice Duverger, o referendo «é censurado tradicionalmente em França por se transformar em plebiscito (...) e o risco é real (...)».
Mas, escreve ainda este autor, apesar de tudo, «o referendo apresenta também a grande vantagem de permitir ao conjunto dos cidadãos resolverem, eles próprios, os problemas importantes e evitar que os seus 'representantes' açambarquem todo o poder político».
O instituto do referendo tem sido, assim, preconizado, à luz da teoria constitucional, em nome da lógica democrática.
Se o poder político incumbe ao povo, a este devem pertencer as grandes decisões da vida da comunidade, com o que se justifica o recurso ao instituto em apreço quer no plano da aprovação ou ratificação de leis de grande alcance político e social, quer em matéria de compromissos internacionais, quer ainda no plano da arbitragem de eventuais conflitos entre o legislativo e o executivo.
Ora, o referendo, concebido como mecanismo de democracia semidirecta, não colide com o sistema de governo. Digamos que ele, como escreveu Jorge Miranda, «se enxerta na representação política, nuns casos para corrigir o afastamento entre a vontade manifestada pelos órgãos representativos e as linhas programáticas resultantes das últimas eleições gerais, noutros casos para a inflectir no sentido da vontade actual do eleitorado».
Por outro lado, o referendo constitui um instituto comum no direito comparado. Nascido de dentro da Revolução Francesa, o referendo moderno inspira-se na evocação das democracias antigas e nas ideias de Rousseau. E, num primeiro plano, surge a Suíça, onde, a partir da Constituição de 1848, o mecanismo é utilizado a vários níveis: iniciativa popular, referendo constitucional obrigatório e referendo legislativo prévio e derrogatório.
Após a I Guerra Mundial, espalhou-se em vários países: Alemanha, Áustria, Irlanda, Grécia, Checoslováquia. Sendo de referir a Constituição de Weimar, já aqui referenciada, na qual o instituto se destinava quer à aprovação de normas jurídicas (através do chamado «veto translativo» do Presidente da República) quer à efectivação da responsabilidade política (revogação popular do mandato do Presidente, sob propostas do Parlamento).
E, mais tarde, introduzem o referendo a Itália, a França e a Grã-Bretanha. A Itália, desde a Constituição de 1947, é já tradicionalmente apontada como favorável ao instituto em causa, tendo-o consagrado a título de veto popular resolutivo. Em França, foram aprovadas, por directa votação do povo, as Constituições de 1946 e de 1958 e a prática do referendo é frequente na V República em questões controvertidas como, por exemplo, a da Argélia e a regionalização. Por sua vez, a Inglaterra, «pátria» do parlamentarismo, referendou, em 1975, a adesão ao Mercado Comum. Finalmente em Espanha, após a plebiscitaria experiência franquista, a Constituição democrática de 1977 fixou o instituto de forma alargada à própria iniciativa popular.
No direito português, a ideia do referendo de âmbito nacional aparece, pela primeira vez, em 1873, num projecto de lei de reforma da Carta Constitucional, da autoria de José Luciano de Castro, o qual acabaria por não vingar.
Com a I República, a Constituição de 1911 viria a consagrar, no seu artigo 66.º, n.º 4, o referendo ao nível das «instituições locais administrativas», com remissão para a lei ordinária. Já no consulado de Salazar, Portugal assistiria à experiência «perversa» do «plebiscito nacional» sobre o projecto da Constituição de 1933.
Por último, com a experiência constitucional, aberta pelo 25 de Abril de 1974, a problemática do referendo seria objecto, em sede de elaboração da actual lei fundamental, de propostas partidárias e de profundo debate, ressaltando deste ponto de vista o contributo trazido à Assembleia Constituinte pelo nosso partido, o então PPD.
Contudo, só com a revisão de 1982 a Constituição de 1976 viria a fixar, no artigo 241.º, n.º 3, a possibilidade de serem efectuadas «consultas directas aos cidadãos eleitores» por parte dos órgãos das autarquias locais. Aliás, o consequente processo legislativo acabou por ser desbloqueado, há muito poucos dias, em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, no que se obteve uma aproximação e consenso apreciáveis por parte dos três maiores partidos que compõem esta Câmara.
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E é agora altura de dizer algo sobre o projecto de lei n.º 515/V, apresentado, sobre esta matéria, pelo Partido Social-Democrata, porque de um debate na generalidade se trata.
Com o presente projecto de lei pretende o PSD contribuir para a elaboração da futura lei orgânica do referendo - referendo vinculativo a nível nacional, conforme prescreve imperativamente o novo artigo 118.º da Constituição. Constitui o referendo uma proposta de sempre, na história e prática políticas do nosso partido.
Foi assim com o referendo local, constante do projecto de constituição do então Partido Popular Democrático.
Foi assim com o referendo sobre a Constituição, proposto pelo PPD, na altura das negociações que visavam a segunda plataforma de acordo constitucional.
Como foi igualmente assim com o projecto de revisão constitucional de 1981, da Aliança Democrática, que abrangia o referendo de revisão constitucional e ainda o referendo sobre «questões de relevante interesse nacional».
Só que, na primeira revisão constitucional, não quiseram outros, nomeadamente o Partido Socialista, aceitar aquelas propostas. Daquele processo derivaria apenas o referendo à escala local...
Curiosamente, na revisão de 1989, o Partido Socialista aderiu ao referendo de âmbito nacional e com natureza deliberativa, facto com o qual nos congratulamos, já que sempre perspectivamos as nossas ideias e projectos nesta matéria a benefício do regime e das instituições democráticas.
Como se pode ler no preâmbulo do projecto de lei do PSD, «o referendo é aceite com prudência, principalmente pelo cuidado em evitar qualquer subversão plebiscitaria», sendo certo que «as questões políticas mais importantes ficam subtraídas ao referendo».
Com efeito, através das margens constitucionais plasmadas no novo artigo 118.º, não deixaram os constituintes de efectuar uma prevenção geral no tocante a eventuais abusos de utilização do instituto, consagrando a regra da interdependência dos órgãos de soberania, num plano de autêntica solidariedade institucional.
De harmonia com a apertada grelha constitucional, o nosso projecto de lei fixou o referendo de eficácia deliberativa, mas apenas como incidente facultativo prévio à «aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo».
Ficam excluídas na nossa proposta, e em termos de objecto do referendo, para além das matérias incluídas na competência político-legislativa e na reserva absoluta desta Assembleia e, obviamente, das questões e actos de natureza orçamental, tributária ou financeira, Ficam ainda excluídas, dizíamos - e isto representa um mais, não despiciendo -: as matérias referentes à organização e funcionamento da Assembleia da República, do Governo e dos tribunais.
Ainda no plano do objecto, para o PSD cada referendo só pode versar sobre uma única matéria, embora no que concerne à formulação se possa ir até três perguntas.
Neste sentido, há uma ligeira diferença em relação ao projecto do Partido Socialista, que apenas admite um número máximo de duas perguntas, embora com uma processologia aproximada.
Devemos referir que ambos os projectos de lei são deficitários na desmontagem dessa «cláusula geral» - «questões de relevante interesse nacional»; ora, a nosso ver, o legislador ordinário deveria enunciar algumas dessas questões, através de uma técnica de tipificação relativa ou exemplificativa, e isto face à ausência de tradição do instituto do referendo no nosso ordenamento jurídico-constitucional e na nossa vida pública.
Uma palavra também para o fundamental mecanismo de fiscalização preventiva da constitucionalidade e legalidade dos projectos de referendo por parte do Tribunal Constitucional. Também esse processo preventivo é cautelar, na medida em que se insere no artigo 118.º .da lei fundamental, sendo certo que os 'dois projectos de lei em debate o enunciam com particular rigor.
Questão eventualmente melindrosa que se nos apresenta, e que reclama adequada ponderação desta Câmara - e, desde logo, da 3.ª Comissão, sede que cuidará da análise na especialidade dos normativos em causa -, é a do «transporte» de direito eleitoral que é feito por ambos os projectos, aqui e ali com algumas adaptações ou até com figuras jurídicas novas. É que, a todo momento, o legislador deve verificar se essa «colagem» de normas eleitorais não suscitará problemas de constitucionalidade e de legalidade, sendo patente o risco de que, sempre que alterarmos, no futuro, o chamado «Código eleitoral», teremos de alterar outras leis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A concluir a nossa intervenção/contributo para este debate de. generalidade, e dado que estamos perante um importante exercício de democracia, reafirma o Partido Social-Democrata a sua convicção de sempre no instituto do referendo, na óptica de uma clara opção democrática, compatível que é com o princípio representativo.
É como sempre tratámos ,as questões do Estado com a elevação e a dignidade que estas por si reclamam, esperamos que na Câmara se forme um aprofundado consenso em tomo da futura lei orgânica do referendo, e isto a par de uma grande pluralidade de opiniões e de um autêntico debate de ideias e de princípios que sempre desejámos e que mantemos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Pais de Sousa, devo dizer que fiquei extremamente surpreendido com a intervenção feita por V. Ex.ª e não porque o presumisse incapaz de a fazer nos termos em que a fez mas porque tinha acabado de o ouvir - e até tive a esperança de poder dialogar - numa outra linha de raciocínio.
V. Ex.ª referiu até serem impreteríveis as «cautelas»; arrolou casos históricos - com o que, devo dizer, estou inteiramente de acordo; citou o direito português e o estrangeiro - com o que, devo dizer, também não posso deixar de estar senão inteiramente de acordo; descreveu, tal como de resto eu tinha procurado descrever, todas as coisas que devem ser descritas quando se fala do referendo; falou da necessidade de evitar os riscos de poder pessoal e as perversões plebiscitarias - devo dizer que não posso estar mais de acordo; citou Duverger, e bem, pois aquilo que citou é inteiramente pertinente; referiu a apertada grelha constitucional - e a grelha constitucional apertada é, sem dúvida.
Mais ainda: acabou por expor dúvidas sobre a pertinência de incluir, na lei do referendo, regimes originais, o que é um eufemismo simpático (e digo isto em homenagem à sua diplomacia) em matéria eleitoral, sendo certo
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que «originais» são-no, e muito, mas a palavra não é bem própria, como tive ocasião de sublinhar na tribuna. Porém, isto coloca uma questão que não resisto a pôr-lhe.
O Sr. Deputado teve apenas um senão na sua intervenção, pois não falou das quatro bombas, o que será um louvor à sua inteligência política mas não pode passar sem um reparo: queira V. Ex.ª referir que razões é que levam o PSD a tão doutamente argumentar, como V. Ex.ª o fez, quanto ao regime constitucional apertado e, depois, propor a intervenção nos referendos de cidadãos que, face à Constituição, não podem ter capacidade eleitoral interventiva. Porquê?
Em segundo lugar, proclamando V. Ex.ª, e bem, que não é possível senão respeitar a separação de poderes e a interdependência constitucionalmente estabelecida, por que é que o projecto que V. Ex.ª subscreve (e presumivelmente apoia) quer obrigar o Presidente da República, por exemplo, a justificar perante o Governo e a Assembleia os casos em que entenda recusar e porquê, o que a Constituição não obriga a que aconteça e até legitima a recusa «de gaveta»? Quer fixar os tais prazos apertados, quer imunizar a fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional, quer impor a promulgação do diploma ou a ratificação da convenção internacional quando corresponda «à vontade expressa em referendo» e, por outro lado, mas não menos importante, quer permitir que a segunda leitura seja imunizadora quanto a uma fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional. Porquê, Sr. Deputado?
Devo interpretar, num exercício de optimismo e de ingenuidade talvez (uma ou outra coisa, ou as duas, porventura), que a intervenção de V. Ex.a, sendo posterior, revoga a anterior e, portanto, o PSD acaba de declarar para a acta - o que nos daria muito prazer - que renuncia às partes do seu projecto de lei de referendo que contêm todas estas graves infracções ao regime constitucional?
Se é assim, Sr. Deputado Pais de Sousa, tem V. Ex.ª os meus sinceros parabéns; se não é assim, terá V. Ex.ª uma vigorosa e sincera oposição, na altura em que se debater esta matéria na Comissão, sendo certo, como recordei, que esta não é uma matéria que esteja no domínio da maioria, ao contrário do que ignaramente se pode julgar. É que, se VV. Ex.ªs querem travar uma guerra institucional nesta matéria, bem pode acontecer que essa guerra conduza ao bloqueamento e, naturalmente, à aplicação da regra dos dois terços.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Nós somos homens de paz, não de guerra.
O Orador: - Assim sendo, pergunto a V. Ex.ª, por fim e em síntese, o seguinte: quer, na verdade, o PSD uma lei do referendo, rapidamente e nos termos constitucionais, ou tem V. Ex.ª também a saudade funda do plebiscito? Esta é a pergunta fundamental.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.
O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, não é sem regozijo que lhe respondo, dado que, quero lembrar-lhe, estamos num debate de generalidade e não de especialidade. E talvez tenha sido esse o erro em que caíram, hoje e aqui, as oposições: o de confundir um debate de generalidade com um debate ulterior a ocorrer na sede própria.
Vieram aqui suscitar questões de natureza jurídico-constitucional - e é legítimo que o façam -, mas não trouxeram ao debate, nem para a acta, as questões de princípio, de teoria constitucional, certamente os pontos negativos do instituto do referendo, mas também, e seguramente, as virtualidades do mesmo.
A nós, PSD, custa-nos assistir a uma certa paranóia política - injustificada, naturalmente - por parte do PCP. É que já sabíamos que o PCP não é favorável aos mecanismos da democracia representativa,...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não apoiado!
O Orador: - ... mas ficamos também a saber que ele, de alguma maneira, tem medo da democracia participativa ou dos mecanismos da democracia directa ou até semidirecta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Não, Sr. Deputado, não dou.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas não dá porquê? Era tão giro!
O Orador: - Os senhores também trouxeram ao debate, com o vosso arrazoado e com o vosso somatório de críticas, uma suspeição que é grave: é que, sabendo os senhores e em conformidade com o que eu disse, que o novo artigo 118.º da Constituição é uma malha normativa apertada e que esse mesmo artigo inclui uma regra fundamentalíssima de interdependência dos órgãos de soberania, vêm com uma autêntica suspeição relativamente a esse princípio de interdependência dos órgãos de soberania. É que tanto a Assembleia como o Governo, o Sr. Presidente da República ou o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva, são órgãos de soberania directamente co-envolvidos nos futuros processos de referendo. E falo em futuros processos de referendo porque da nossa parte tudo faremos para a elaboração correcta, rigorosa e conforme à Constituição autêntica da futura lei orgânica do referendo.
O Sr. Deputado José Magalhães disse ainda que eu me teria referido a regimes «originais». Ora, só por equívoco terei referido essa palavra em alguma fase da minha intervenção.
Quanto à apreciação que o PSD fez naquela tribuna, devo dizer-lhe que se trata de uma apreciação objectiva, derivada de uma leitura atenta e rigorosa do normativo constitucional. Gostaria que o PCP, que na sua autêntica diatribe trazida aqui, na altura própria, pelo Sr. Deputado José Magalhães, só citou as experiências perversas e o direito comparado negativo, tivesse mencionado também as experiências positivas que este mecanismo do referendo tem no plano do direito comparado.
O Sr. Deputado José Magalhães referiu também que a minha intervenção teria tido apenas um senão - o que muito me apraz registar -, que era o facto de eu não ter falado das quatro bombas. Sr. Deputado José Magalhães, sinceramente, enquanto parlamentar, só encontro uma bomba em todo este processo de debate e ela não está na minha intervenção; estará, talvez, na dialéctica a que o Sr. Deputado já nos habituou nesta Câmara - que
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é, de facto, ímpar - e que, essa sim, constitui uma bomba. É que se no projecto de lei do PSD há eventualmente um ou outro ponto controverso, na sede própria, na especialidade, as questões serão limadas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É estranha, embora compreensível, esta erupção de mau humor do Sr. Deputado Pais de .Sousa, mas devo dizer-lhe que o objecto da aversão é deslocado, não existe, não está aqui, não se produziu: Como V. Ex.ª o figurou, não é existente na sua corporização.
V. Ex.ª terá estado presente/ausente do hemiciclo na altura em que se passavam coisas, que sei que serão pouco relevantes, que não ferem ouvidos que sejam sólidos, mas que foram ditas. E é isso, e só isso, que suponho que o leva a dizer coisas tão bárbaras e tão duras, que, se fossem verdadeiras, seriam extremamente graves, como aquelas que agora mesmo acabou de produzir.
Primeiro, o horror à democracia representativa. Onde é que ele está, Sr. Deputado Pais de Sousa? Pois foi V. Ex.ª que, citando Duverger, o reputado Duverger, insuspeito de horror à democracia representativa, figurou aqui os problemas, os riscos de poder pessoal, de perversão plebiscitaria. Foi V. Ex.ª que citou a experiência gaulista. Foi V. Ex.ª que citou, e justamente, a experiência britânica, nas suas diversas expressões. Foi V. Ex." quem citou múltiplos exemplos que a todos nos alertam para esta coisa, como diriam os Beatles, «o referendo é uma arma quente» (lembra-se da canção? Deve ser ainda do seu tempo!), e, portanto, deve ser mexida com cuidado. Isto é: um passo para um lado e o referendo descamba em plebiscito, em corruptela; um passo para trás e o referendo não serve para nada, bastam as instituições representativas.
É esse doseamento alquímico, que é preciso saber ter no momento legislativo, que faltou ao alquimista do PSD,...
Risos do PSD.
... o que está implícito na observação, que V. Ex.ª fez, pela sua boca e não pela minha, de que, por exemplo, as soluções eleitorais merecem atenta reflexão, até quando há pertinência de incluí-las no bojo da lei do referendo. Pois foi V. Ex.ª e não eu quem tal disse, porque eu, tal como o Sr. Deputado Almeida Santos, tínhamos dito outra coisa: tínhamos falado da «chapelada» aberta, coisa que compreendo que V. Ex.ª não possa fazer.
Em segundo lugar, gostava de dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Sr. Deputado Pais de Sousa fez, sem deixar de assinalar, com alguma elegância, o conhecido número da rainha Santa Isabel, foi dizer: «São rosas, Senhor! Não trago nada nas abas do meu casaco! Nada!» Mas traz! V. Ex.ª traz, porque defendeu o projecto. Traz quatro «bombas» e não quis, mesmo na segunda intervenção, referir-se a elas, coisa que compreendo perfeitamente.
V. Ex.ª quer referir-se às rosas, de resto odoríferas, bem cheirosas... O projecto está bem dactilografado, repito,...
Risos do PSD.
... tem uma boa sistemática, os capítulos estão bem feitos e o problema é o conteúdo; mas isso, Sr. Deputado Pais de Sousa, não pode passar sem um reparo.
Gostaria de dizer, por último, que, de tudo o que o Sr. Deputado Pais de Sousa disse, o que eu acho mais injusto é a atribuição de um vezo maniqueísta na análise do referendo. Porque, realmente, o pecado do simplismo, ainda por cima do simplório, do retraio a preto, preto, preto, sem branco, branco, branco, pelo menos, para já não falar das nuances pelo meio, é um pecado maior!... E esse retraio, realmente, V. Ex.ª não quis fazer!
Foi por isso mesmo que, a dado passo da intervenção, tive ocasião de sublinhar que nesse museu imaginário que convidei V. Ex.ª a visitar, e pelos vistos não quis, por alguma estranha solidariedade com o Secretário de Estado Santana Lopes e o vezo de encerrar museus ou de outra coisa qualquer, encontraríamos também, se o visitássemos, as imagens radiosas dos que disseram o histórico «não» a Pinochet,...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É verdade!
O Orador: - ... impulsionando a reconquista da democracia no Chile, e sinais das leis que na Suíça, nos Estados Unidos da América, na Dinamarca, em Espanha, na Grécia, em tantos e tantos outros países permitiram notáveis batalhas políticas e conquistas fundamentais.
Sr. Deputado Pais de Sousa, dê a mão à palmatória!... O vício será outro! Parcialidade, seguramente, não é!...
Permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que sublinhe, por fim, que é extremamente fundamental que seja levada à letra a afirmação final do Sr. Deputado Pais de Sousa, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, ou seja, a de que a lei a elaborar precisa não só de um amplo trabalho na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias como de um esforço de diálogo e de consenso, para que a sua elaboração seja conforme à Constituição. É alguma coisa que, sem dúvida, registamos para fazer valer e, na medida exacta em que o praticamos nos outros processos legislativos, também aqui declaramos que o esforço a fazer na Comissão é no sentido de que a proposta apresentada pelo PSD seja expurgada dos aspectos que nela podem ser considerados inconstitucionais e discutir, até ao fim e até ao fundo, com profundidade e rigor, esses aspectos, um por um, tal como sempre fizemos.
Por isso, jubilosamente, posso acabar referindo o processo que conduziu finalmente à elaboração da lei sobre os referendos locais ou consultas populares locais, lei essa que vai ser aprovada, suponho eu, por unanimidade, na sequência de um esforço de elaboração de muitos meses e ao fim de oito anos de espera.
O voto que podemos fazer, nesta matéria é triplo: primeiro, que o consenso exista; segundo, que os perigos reais que emergem da proposta do PSD sejam suprimidos; terceiro, que o diploma a elaborar possa propiciar um voto tão amplo como vai propiciar hoje a lei sobre as consultas populares locais, para que possa ser aplicado e para que o povo português, falando, possa falar plenamente, com fidedignidade, com genuinidade, através da fórmula referendaria, nos termos estritos da Constituição. '.Esse é o nosso voto e será também a nossa luta.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, declaro encerrado o debate dos projectos de lei n.º 473/V e 515/V, cujas votações serão feitas em momento oportuno.
Vamos passar às votações agendadas para hoje.
O primeiro diploma a votar é o projecto de lei n.º 124/V, da iniciativa do PCP, que garante às cooperativas o acesso a diversos sectores de actividade económica.
Vamos votá-lo na generalidade.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 503/V, da iniciativa do PS, sobre a alteração ao Código Cooperativo.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Vamos votar, também na generalidade, o projecto de lei n.º 504/V, da iniciativa do PS, sobre a iniciativa económica cooperativa.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Raul Castro.
Vamos agora proceder à votação do projecto de lei n.º 536/V, da iniciativa do PCP, que adapta a composição e forma de eleição da presidência das assembleias distritais ao regime introduzido pela segunda revisão constitucional.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Vamos passar à votação da proposta de lei n.º 131/V...
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, desculpe a interrupção, mas há um pequeno lapso nesta proposta de lei, uma vez que no artigo 1.º, alínea b), se refere um n.º 2, que devia ser eliminado, pois o n.º 2 do artigo 87.º da Lei n.º 69/77, de 25 de Outubro, já há muito que foi revogado pela alínea b) do artigo 27.º da Lei n.º 1/79, de 2 de Janeiro.
Dado que o Governo solicitou essa correcção, peço que seja eliminado esse n.º 2.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Quem corrige é o Governo ou o PSD?
O Orador: - Foi o Governo que o solicitou e, como tal, estou aqui apenas como porta-voz.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, essa correcção será apreciada em sede de comissão, aquando da discussão na especialidade.
Vamos, pois, votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 131/V - Pedido de autorização legislativa sobre o regime jurídico das assembleias distritais.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Vamos passar à votação final global do texto elaborado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre os projectos de lei n.º 86/V (CDS), 200/V (PSD) e 231/V (PS), relativos às consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Raul Castro.
Srs. Deputados, vamos proceder de imediato à votação, na generalidade, na especialidade e final global, do projecto de deliberação n.º 84/V, subscrito por vários Srs. Deputados em representação dos diversos grupos parlamentares, no sentido da prorrogação do período normal de funcionamento da Assembleia da República, nos termos do n.º l do artigo 49.º do Regimento, até ao dia 30 de Junho do corrente ano.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Raul Castro.
Srs. Deputados, a Mesa foi informada de que haverá consenso para se proceder à votação, na generalidade, dos diplomas que hoje debatemos.
Sendo assim, vamos votar o projecto de lei n.º 473/V (PS) - Lei Orgânica do Regime do Referendo.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e de Os Verdes e abstenções do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Vai proceder-se à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 515/V (PSD) - Lei do Referendo.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS e do PRD e votos contra do PCP, de Os Verdes e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP) : - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe referir que o PCP começou por se abster na votação na generalidade relativa aos projectos que viabilizaram a lei das consultas directas aos cidadãos eleitores, a nível local, para, depois dos trabalhos de comissão, a votar favoravelmente. Pode tirar-se daqui a ilação de que a votação que acabámos de fazer a propósito do referendo também não fecha a porta, antes pelo contrário a abre, à possibilidade de alterações no sentido de voto, dando por adquirido que será fundamental introduzir melhoramentos significativos na comissão competente.
Assim aconteceu com o referendo local. A lei que a Assembleia hoje aprova respeita a Constituição da República, nomeadamente no que se prende com o controlo da constitucionalidadc e da legalidade, mas também a sua lógica mais interna e relevante.
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Por outro lado, como era natural, acabaram por ficar excluídas do instituto agora criado aquelas matérias cuja índole se considera indisponível para os riscos, da consulta directa, restando uma vasta área de domínios, concretos- à mercê do recurso à solução referendaria, quando justificada. As assembleias deliberam, e esta foi uma opção que considerámos - e aqui reiteramos - essencial. A iniciativa pertence aos executivos e também aos órgãos deliberativos, bem como a quotas predefinidas dos seus membros, lamentando nós que não haja sido possível inserir no diploma a lógica de um mínimo de iniciativa popular, consoante sustentávamos.
Quanto ao mais, de um ponto de vista tramitacional, o articulado revela-se flexível e adequado. Nos termos em que está formulado, potência um uso que desejamos venha a ser sadio. Aprovado, após oito anos de expectativa, mais tarde do que desejaríamos, com o nosso trabalho intenso na busca dos consensos mais justos e a nossa disponibilidade total, ele exprime-se como lei positiva que, se utilizada correctamente, reforçará a democracia política local, o que vale por dizer a vitalidade global do regime em que vivemos. • • • •
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente:-Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, julgo que, afinal, há consenso no sentido de se proceder também à votação na especialidade - e final global da proposta de lei n.º 131/V.
O Sr. Presidente: - E há igualmente: consenso para se eliminar o pequeno lapso do n.º 2 do artigo 87.º, retira-se a alusão ao n.º 2, ficando apenas o n.º 1 do referido artigo?
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, temos desde logo muitas dúvidas em relação, a esta pressa por parte do PSD.
O Sr. Deputado Manuel Moreira quis já fazer uma alteração à proposta de lei. É evidente que não, p pode. fazer, já que a proposta de lei foi aprovada em Conselho de Ministros e só em Conselho de Ministros pode ser alterada.
Pensamos que não se perderia nada em que a questão fosse clarificada e discutida na próxima terça-feira. Tendo o PSD manifestado o desejo de que uma parte do texto seja alterada, sendo necessária a aquiescência do Governo para que isso aconteça e sendo vantajoso que haja; alguma, discussão na especialidade, só haveria vantagem em que a questão não fosse discutida hoje e a deixássemos para a próxima sessão - é muito breve o que agora há a discutir - e que, entretanto, q PSD se avistasse com o Governo e obtivesse dele a aquiescência para ser o próprio Governo, com a autorização do Conselho de Ministros, a propor aqui a alteração. É isso o que proponho.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Peço, a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Dar-lhe-ei a palavra, Sr. Deputado, mas compreenderá que basta haver oposição, de um deputado, já não digo de um grupo parlamentar, para que a votação já não se possa fazer hoje; só se pode fazer por consenso, pois o que estava decidido era a votação na generalidade.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, é para comunicar, à Câmara que foi o próprio Governo que manifestou o desejo de ver corrigido este pequeno lapso, que, penso, foi mais um lapso de dactilografia.
Entretanto, tive o cuidado de consultar os grupos parlamentares de todas as bancadas e o Sr. Deputado Carlos Brito há pouco anuiu a que se fizesse ainda hoje á votação na especialidade e a votação final global. Esse foi até o entendimento que resultou no final do debate da passada terça-feira, isto é, que se podiam fazer as três votações logo na sessão seguinte, que é hoje.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado, naturalmente que acreditamos no que está a dizer; no entanto, as instituições tem determinados princípios de funcionamento e assim ou o Governo vem aqui dizê-lo ou faz uma declaração nesse sentido.. Não pode passar uma procuração a um Sr. Deputado, muito embora nós acreditemos que essa procuração existe, mas, em termos institucionais, isso não pode funcionar.
Aguardemos,, então, e na terça-feira o problema ficará resolvido, tal como deve ser.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião será na terça-feira, às 15 horas.
Haverá período de antes da ordem do dia e do período da ordem do dia constará o debate sobre o serviço nacional de protecção civil por marcação, do PRD.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António José de Carvalho.
Arménio dos Santos.
Dinah Serrão Alhandra.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
João José da Silva Maçãs.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Rui Gomes da Silva.
Vítor Pereira Crespo.
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Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
António Manuel Henriques de Oliveira.
Edmundo Pedro.
Jorge Lacão Costa.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete Santos.
Octávio Rodrigues Pato.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Joaquim Fernandes Marques.
José Ângelo Ferreira Correia.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel José Dias Soares Costa.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Walter Lopes Teixeira.
Parado Socialista (PS):
António Domingues de Azevedo.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Helena de Melo Torres Marques.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Leonor Coutinho dos Santos.
Partido Comunista Português (PCP):
João António Gonçalves do Amaral.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Amorim.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
José Carlos Pereira Lilaia.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Deputada independente:
Maria Helena Salema Roseta.
As REDACTORAS: Ana Maria Marques da Cruz - Isabel Barral - Maria Amélia Martins.
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DIÁRIO da Assembleia da República
Depósito legal n.º 8818/85
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