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Sexta-feira, 1 de Junho de 1990
I Série - Número 80
V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 31 DE MAIO DE 1990
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Júlio José Antunes
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de vários diplomas.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 134/V (ARM) - Estatuto Político-Admistrativo da Região Autónoma da Madeira e 142/V (ARA) - Segunda revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. Intervieram no debate, a diverso titulo, os Srs. Deputados António Jorge Pereira (PSD), José Manuel Mendes (PCP), Guilherme Silva (PSD), Almeida Santos (PS), Narana Coissoró (CDS), Carlos Lélis (PSD), Mota Torres (PS), Cecília Catarino e Eurico Mendes (PSD), Odeie Santos (PCP), Álvaro Dâmaso e Vargas Bulcão (PSD), Rui Silva (PRD), Mário Maciel (PSD) e Rui Ávila e António Guterres (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 55 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 15 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João José Pedreira de Matos.
José Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Mário Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel José Dias Soares Costa.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delcrue Alvim de Matos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques de Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Carlos P. Basto da Mola Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Pedro Machado Ávila.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
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Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Cosia.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
Isabel Maria Ferreira Espada.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
André Valente Martins.
Deputados independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 544/V (PS) - Lei quadro das áreas protegidas, que baixou à 6.º Comissão; proposta de lei n.º 152/V - Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, que baixou à 7.º Comissão; projecto de resolução n.º 56/V (PCP) - Adopção de medidas na prevenção, detecção e combate aos incêndios florestais e projecto de deliberação n.º 87/V (PCP) - Audição parlamentar para discussão do atraso no plano de remodelação, modernização e desenvolvimento do nó ferroviário de Lisboa, em particular da linha de Sintra.
O Sr. Presidente: - Como é do conhecimento dos Srs. Deputados, vamos hoje apreciar, na generalidade, as propostas de lei n.(tm) 134/V (ARM) - Estatuto Polílico-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e 142/V (ARA) - Segunda revisão do Estatuto Polílico-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Jorge Pereira.
O Sr. António Jorge Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição da República, no seu título vil, consagra o regime político-administrativo das regiões autónomas. Razões de racionalidade legislativa fazem que a Constituição, com o seu carácter de lei fundamental, não possa nem deva, obviamente, abarcar nesse título todo o quadro jurídico-político que defina com clareza a natureza, o conteúdo e as fronteiras das autonomias regionais.
A arquitectura constitucional remete essa matéria para a sede do estatuto político-administrativo de cada uma das regiões. A Constituição limita-se, pois, a um importante conjunto de normas gerais que a prática e a execução da autonomia não isentaram de dúvidas interpelativas, capazes de, por si só, originarem conflitos entre os órgãos de soberania e os de governo próprio das regiões. Estes conflitos, alimentados também pela dialéctica entre diferentes perspectivas de Estado - a centralista e a regionalista -, não interessam nem aos órgãos que se dirimem, nem às regiões a que se destinam, nem ao País, que não quer distinguir vencidos de vencedores.
É sabido que anteriormente foram presentes a esta Câmara duas propostas de lei com o mesmo objectivo da proposta de lei n.º 134/V, ou seja, o de dotar a Região Autónoma da Madeira do seu Estatuto Político-Administrativo dito definitivo.
A primeira delas, com debate aqui iniciado em Maio de 1980, embora merecesse reparos constitucionais e, por essa razão, lenha até sido considerada bem velada na opinião do seu principal autor, teve o mérito indiscutível de em muitos artigos fazer a Câmara reflectir sobre a necessidade de mudar o sistema político nacional instituído. O debate então travado foi longo, repleto de incidentes e de alguns ensinamentos.
Lembro, a propósito, a história do documento alternativo para a lei enviado pela Assembleia da República, com pedido de parecer, à Assembleia Regional. O excesso de zelo de constitucional idade lá patente, bem aplicado nalguns casos mas mal noutros, acabou por ser expresso no próprio parecer n.º 26/80, da Comissão Constitucional, que não encontrou matéria de delito em algumas alterações que a Assembleia Regional recusou aprovar. O curioso é que hoje, passando em revista esse parecer, verificamos que pelo menos duas das oito inconstitucionalidades assinaladas se encontram já claramente ultrapassadas: o Conselho da Revolução, obviamente, já não tem de ser ouvido para a nomeação do Ministro da República e já existe, até com consagração constitucional, uma secção regional do Tribunal de Contas.
O incidente da recusa de alterações por parte da Assembleia Regional demonstrou o quanto, felizmente, o legislador constituinte, em sede do actual artigo 228.º, esteve atento à necessidade de os estatutos se identificarem com a assembleia donde provêm. Devo até referir, por justiça, que o processo previsto na Constituição para a aprovação dos estatutos é uma das normas mais autonomistas de lodo o texto da lei. Efectivamente, o mérito deste artigo está a dois níveis: num primeiro, ao consignar que o poder de iniciativa estatutária compete exclusivamente às assembleias legislativas regionais; num segundo, ao definir mecanismos que impedem a Assembleia da República de impor compulsivamente a sua perspectiva sobre o estatuto às regiões.
No final, a AD cumpriu e fez aprovar essa primeira proposta de estatuto. Alguém, naturalmente, se encarregou de vetá-lo.
A segunda proposta de lei de estatuto não teve praticamente história. Dando entrada nesta Casa em Abril de 1985, em plena III Legislatura, caducou no fim do Bloco Central com a dissolução da Assembleia da República. A 2.º Revisão Constitucional veio, felizmente, acabar com esse mecanismo ilógico da caducidade automática. Mais que não seja, a história desta segunda proposta
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constituiu, pelo menos, um bom argumento para essa pequena vitória. No escasso tempo da IV Legislatura que ainda mediou até ao termo da legislatura da Assembleia Regional, esta não entendeu deliberar no sentido de retomar a iniciativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, a população da Região Autónoma da Madeira tem a sua atenção centrada neste hemiciclo.
É tempo de substituirmos, finalmente, o Estatuto provisório redigido em Abril de 1976. O Dr. Almeida Santos e o engenheiro Veiga de Oliveira não o sabiam para durar tanto, nem os Madeirenses, a quem ele se dirigia o sabiam com carácter tão duradouro. O tempo e o convívio habituaram-nos a ele, fizeram-nos conhecer as suas fraquezas e encarregaram-se, de certa forma, de dizer que ele não era «tão mau» quanto parecia. É, de algum modo, «um velho companheiro de luta» da autonomia.
O sentimento, contudo, é o de que chegou a hora de não mais adiar, de nos entendermos, de concretizarmos o estatuto, que, no quadro constitucional, os Madeirenses desejam.
O texto da proposta de lei n.º 134/V foi elaborado com uma grande preocupação no sentido de ele não conter inconstitucionalidades. Esta preocupação foi patente no debate na especialidade na Assembleia Legislativa Regional. Estou mesmo convicto de que existe boa vontade da referida Assembleia para acolher algumas propostas que aqui se entenda dever produzir em acerto de algumas matérias.
Sejamos, no entanto, francos, pois, se é facto que o estatuto não pode nem deve legislar contra a Constituição, pode indiscutivelmente administrar o seu silêncio. Parafraseando novamente o Dr. Almeida Santos, diria que, em matéria de espartilho constitucional, aplicável ao estatuto, compete-nos a nós «fazer um razoável coeficiente de perspectiva histórica na latitude da interpretação dos seus comandos».
Sem hipocrisia, devo também referir aquela que julgo constituir a base mínima aceitável pela Região neste campo, que, salvo por razões de acertos de conformidade constitucional, não deverá estar disposta a abdicar do essencial da forma da sua proposta inicial e, em particular, de normas que já tenham sido objecto de consagração ou no seu próprio Estatuto Provisório ou no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. Por outras palavras: para além de naturais avanços, há que salvaguardar o quadro legislativo adquirido e o princípio da equidade entre as regiões autónomas.
Por outro lado, se é certo que soluções consensuais são agradáveis e se deve sempre verificar-se o conteúdo das normas que as possibilitam, a diferença de opiniões também é saudável, pelo que não posso deixar de lembrar aqui que a aprovação do estatuto é um problema de maioria simples. Naturalmente, as posições que o meu partido aqui tomará farão vencimento. Não haverá lugar, como noutras horas, a inviabilizantes abstenções ou votos contra de outros. Uns, portanto, têm mais responsabilidades do que outros.
Terminarei dizendo que estou certo de que, antes do final desta sessão legislativa, se procederá, na prática, ao início da 3.ª Revisão Constitucional, eliminando o alcance, por inoperativo, do actual artigo 297.º, que assim diz: «O Estatuto provisório da Região Autónoma da Madeira continua a vigorar ale à data da entrada em vigor do correspondente estatuto definitivo.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se na Tribuna a assistir ao debate da proposta de lei ora em apreço o Sr. Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, a quem prestamos a nossa homenagem.
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O quadro do presente debate - deve dizer-se, a abrir - resulta particularmente beneficiado de um conjunto de factores que culminaram na revisão constitucional de 1989 e, agora, na apresentação de uma nova tentativa de elaboração, por parte da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, de um Estatuto que, pela base que nos é trazida e é um instrumento de trabalho positivo, se afigura ensejável a curto prazo.
Depois de um penoso, longo e irregular silêncio que, mesmo após a revisão da Constituição em 1982, assinalou a circunstância estatutária madeirense, a presente iniciativa legislativa configura-se como diferente, em aspectos fulcrais, de outras que, no passado, eram um verdadeiro convite ao perpetrar de inconstitucionalidades ladinas ou grosseiras e ao nutrir de estultas guerrilhas institucionais.
Sublinhe-se, entretanto, que se perdeu tempo. As irregularidades a que aludi, que se situam designadamente no incumprimento dos prazos estabelecidos pela nossa lei fundamental em 1976, em 1982 e até ao presente, geraram instabilidade e indeterminação, inquinaram - ou, pelo menos, não favoreceram - a discussão sobre as autonomias.
Hoje, para lá de outros aspectos clarificadores e elementares, contamos com a justeza do quadro constitucional, aperfeiçoado em 1989. Importa, desde logo, sublinhar que foram rejeitadas propostas nocivas, de entre as quais quatro conjuntos revestem contornos significativos.
Assim, em primeiro lugar, não foram acolhidas as normas tendentes a conferir poderes legislativos autónomos sobreponíveis às prerrogativas dos órgãos de soberania; em segundo lugar, não obtiveram aprovação os dispositivos que visavam introduzir modificações no sistema de governo regional, atribuindo poderes legislativos aos governos e permitindo-lhes até a utilização indébita de autorizações legislativas; em terceiro lugar, não vingaram as teses conducentes à eliminação de mecanismos de garantia de subordinação da ordem jurídica regional ao enquadramento legal e à legislação comum da República; em quarto lugar, goraram-se as intenções de supressão dos Ministros da República, que alguns dirigentes regionais chegaram a considerar inexistentes.
A malha prescritiva da Constituição consagra, complementarmente, relevantes precisões e afeiçoamentos, recusando opções centralistas, bem como construções derrapantes do tipo da da «autonomia progressiva».
A última reforma da Constituição dispôs, nomeadamente: mais poderes às assembleias regionais para o desenvolvimento de leis de bases e para a aprovação, mediante autorização da Assembleia da República e atentas as especificidades, de soluções diversas das constantes de certas leis gerais do Estado; um acréscimo do poder tributário, viabilizando procedimentos adequados à
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singularidade de cada região; alguma, e não despicienda, margem de intervenção na esfera da política externa, facilitando relações com organizações regionais estrangeiras e a participação em estruturas de diálogo e cooperação inter-regional; a garantia da existência de um domínio público regional, que incluirá riquezas essenciais das regiões; a figuração de secções regionais do Tribunal de Contas; o reforço das faculdades-deveres de fiscalização da legalidade pelos deputados regionais, através do recurso para o Tribunal Constitucional; o assegurar nas assembleias regionais de uma maior democraticidade intrínseca, estabelecendo um elenco mínimo de direitos em favor das oposições.
Do que agora curamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesta moldura justa e propiciatória, é de estabilizar um ordenamento estatutário para a Região Autónoma da Madeira, numa óptica constitucional e almejando o mais amplo consenso nacional possível.
Como já tive oportunidade de afirmar, a base oferecida pela Assembleia Legislativa da Madeira, caracterizando-se embora pelo abandono de elementos que envenenaram num outrora ainda próximo as discussões havidas entre nós sobre esta matéria, é positiva, mas carece de um atento trabalho de especialidade.
Dianteiramente, perguntar-se-á: «O que é um estatuto? Qual o seu âmbito próprio?»
Sabemos o que não é. Não é uma mini-Constituição para uma parcela do território nacional. Não é uma adaptação da Constituição da República Portuguesa, que é vinculante para todo o território, a uma concreta realidade insular. Não é um diploma híbrido, mesclado de burundanga e de substâncias mal joeiradas, espécime de lugar comum de umas quantas generalidades e outros quantos tropismos de circunstância. Não é um qualquer regulamento, até porque seria ilegítimo cunhar normas dessa índole com o valor reforçado, a estabilidade, a irreversibilidade tendencial que é timbre de um texto como o que aprovaremos, segundo uma tramitação especial.
Tal processo recomenda, pois, prudência, sentido de medida, sob pena de alargamento excessivo das fronteiras estatutárias e correlativa compressão dos usuais poderes dos órgãos de soberania.
Um estatuto, a nosso ver, deve incluir, de forma escorreita, tudo o que seja necessário à boa arquitectura das instituições regionais, suas inter-relações e articulações com os entes soberanos nacionais, bem como os sistemas de controlo e meios de dirimir conflitos de interesses.
A esta luz, opomos seríssimas reservas à inserção, na proposta de lei, de quanto se afigura destinado a produção legislativa infra-estatutária e, por maioria de razão, de inconstitucionalidades patentes ou normas de dúbia constitucionalidade.
Comecemos por estas, em fleumático rastreio. Em primeiro lugar, os artigos relativos à organização judiciária. Não nos parece que seja esta a sede idónea para particularizar o entalhe das vias de réplica a carências conhecidas no tocante a tribunais e a outros equipamentos de justiça na Região Autónoma da Madeira.
O PSD regional terá talvez enterrado as pretensões que, anos a fio, levaram o Dr. Jardim a reivindicar a quebra de princípios gerais e comuns aplicáveis neste âmbito problemático e a multiplicar pressões sobre as magistraturas que exercem funções na Região. Persistem, entretanto, caminhos impróprios, sem prejuízo de entendermos que urge buscar as resoluções concretas, sem que
subsistam suspeições ou dúvidas de nenhuma ordem, para as dificuldades detectadas.
Em segundo lugar, o artigo 14.º, em quanto concerne, no n.º 4, à criação de círculos para a emigração e à alteração do sistema em vigor.
Em terceiro lugar, o artigo 16.º, ao emperrar no requisito da residência habitual na região, como um quid essencial ao reconhecimento da elegibilidade dos cidadãos portugueses eleitores, ao contrário da jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional e sem que alguma vez, nesta Câmara, se tenha deixado de opor uma postura clara e rotundamente negativa a esta intenção.
Em quarto lugar, o artigo 21.º, n.º 3, que retoma uma proposta derrotada na última revisão constitucional, lobrigando fazer competir ao Sr. Presidente da República a abertura solene da primeira sessão de cada legislatura, sendo certo que as normas, actualmente aplicáveis, independentemente de poderem ser melhoradas, respondem, a nosso ver, à problemática de fundo que subjaz à proposta oriunda da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
Em quinto lugar, aquilo que qualificaria como um bizarro devaneio presidencialista, constante do artigo 46.º, que, a não ser gralha manifesta, se torna absolutamente risível.
Em sexto lugar, a limitação-denegação do direito de greve, no n.º 6 do artigo 68.º, e, antes dela, a fixação, sem critério discernível, de um salário mínimo nacional da Região Autónoma, cabendo aqui perguntar, ademais, pela lógica que faz preterir a adopção de idênticas medidas para as pensões de reforma, para as remunerações dos funcionários públicos que, do mesmo modo, sendo centralmente definidas pelo Governo da República, aí deveriam consignar-se.
Finalmente, a alínea j) do artigo 70.º e, num meridiano com afinidades, o artigo 75.º, obrigam-nos a proclamar, Sr. Presidente, Srs. Deputados, e, em especial, Srs. Deputados eleitos pela Região Autónoma da Madeira, que não é este o sítio apropriado para resolver as delicadas questões financeiras madeirenses, resultantes da gestão do Sr. Dr. Alberto João, que reputamos perdulária.
As negociações entre as entidades do Governo regional e do Governo central decorrem. Os jornais dão-nos diariamente notícias delas; só que essas notícias são, por um lado, de segurança dúbia, e, por outro, nascidas à margem da informação correcta, que, ab initio, deveríamos ter na Assembleia da República, uma vez que é aqui que talharemos, na matéria-prima legislativa, e não só, o quadro das dificuldades existentes - todos nós, cada um dos deputados, eleitos seja por que região for, pertencendo seja a que partido seja, porque não faz sentido que, numa matéria de tão alto melindre, se continue um conjunto de conclaves públicos ou ocultos, cuja regra essencial é a obscuridade e a intransparência.
É razoável, numa outra dimensão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o bloco de articulados sem dignidade estatutária. Para lá dos que já mencionei, um tanto de passagem como é típico numa abordagem de generalidade, refiram-se também os artigos 12.º, 49.º n.º 6, 68.º, 69.º, que não é imune a interrogações de teor não meramente formal, e 72.º, entre outros.
Associemos a isto o molhe das imperfeições técnico-redactivas e facilmente se depreenderá da pertinência do qualificado labor que, após a baixa à 3.ª Comissão, se impõe.
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Deixo voluntariamente para o fim, com a magnitude que o marca, o intuito de engenharia eleitoral preconizado pelo artigo 14.º
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A pretensão não 6 apenas do Sr. Dr. Alberto João Jardim e dos seus pares, da Assembleia Legislativa da Madeira, nem 6 apenas dos Srs. Deputados que aqui tomam assento por lerem sido eleitos pela Madeira; 6 também do PSD a escala nacional, revestindo-se de particularismos que importa denunciar de imediato, dizendo que, pela nossa parte, não colherão o menor aplauso.
Trata-se de uma tentativa que distorce manifestamente as regras da proporcionalidade democrática, o apuramento justo, pertinente e mais liso das eleições que venham a ter lugar no futuro, que alarga o leque das disfunções há muito evidenciadas - que poderia ser passível de melhoramentos e não de agravamentos - e que se traduz, basicamente, numa operação que se definirá assim: o PSD vê aumentada a sua margem de não risco em todos os círculos, mesmo naqueles onde é mais activamente contestado, e as oposições vêem aumentados os seus riscos aí mesmo onde são mais poderosas. O que vale por traduzir, talvez. numa linguagem mais sã, que o PSD conseguiria, através deste mecanismo, de resto facilmente inteligível, ver aumentadas as hipóteses de perpetuação no poder regional, diminuindo a eficácia da ascese dos votos populares que contrariam a sua política...
Vozes do PCP: Muito bem!
O Orador: - As fracções de quantitativos de eleitores por círculo suo presentemente umas, mas amanhã as fracções serão outras, bem piores. De um leque que vai de 2901 eleitores para 4054, passar-se-á, por exemplo, a um outro que se situa num desnível entre os 1450 e os 5366 eleitores. A massa eleitoral que destarte se prefigura provocará nos diferentes círculos a gerar - segundo estudos que aqui possuo e serão de extrema utilidade para os debates na especialidade - qualquer coisa como uma redução drástica da presença da oposição e um aumento da presença dos deputados do PSD.
Eu sei, porque o Dr. Alberto João Jardim o declarou aos jornais madeirenses, que era objectivo nevrálgico da política do Governo Regional correr com os comunistas da Assembleia Legislativa. Não se trata de uma afirmação excessivamente democrática nem, de um ponto de vista político, de arma de grande nobreza, apesar da eficácia eventual. A ausência de comunistas na Assembleia Legislativa da Madeira é, seguramente, uma perda para essa instituição, para os órgãos do Governo Regional e para a arquitectura do regime democrático no País. Será, pois, necessário que eles regressem. E, Sr. Presidente, Srs. Deputados, aquém ou além de perfídias como a que desmontei, estamos certos de que tal acontecerá. Estamos igualmente certos de que. como vem, a proposta de lei da Assembleia Legislativa da Madeira é passível de um estudo certeiro, de enriquecimentos e obras bastante árduos e profundos em Comissão, podendo dar acesso à elaboração, tantos anos depois, de um estatuto definitivo que urge. Nisto estou inteiramente de acordo com o Sr. Deputado Jorge Pereira. É tempo! Só que, Sr. Deputado, de 1976 até hoje, o PSD fez perder todo o tempo que transcorreu. É tempo, dizemos nós! Mas com a autoridade de quem sempre se bateu pelas autonomias regionais sem complexos centralistas, assumindo contributos positivos e fundamentais nesta Câmara sempre que o debate o exigiu.
Aplausos do PCP e do deputado do PS Alberto Martins.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guilherme Silva, Cecília Catarino e Jorge Pereira.
Informo que o PRD cedeu cinco minutos do seu tempo ao PS e três minutos ao PCP, uma vez que este já não dispunha de tempo para responder às perguntas que lhe haviam sido formuladas.
No entanto, como me foi dada alguma capacidade para gerir o tempo de Os Verdes, vou dar a palavra aos Srs. Deputados que pediram a palavra para esclarecimentos, solicitando-lhes que tenham em atenção os tempos existentes.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Mendes, o Sr. Deputado cometeu a habilidade de pré-anunciar uma posição favorável a proposta de lei sobre o estatuto agora em discussão e, simultaneamente, ao longo da sua intervenção, revelar-se contra ela.
Entre várias questões que levantou, o Sr. Deputado discordou com a proposta de lei de estatuto da Região Autónoma da Madeira, designadamente quanto à questão da exigência de residência habitual na Região, para efeitos de elegibilidade à Assembleia Legislativa Regional, invocando a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Sr. Deputado, dir-lhe-ei que, em Acórdão de 23 de Abril, o Tribunal Constitucional sufragou a solução que vem consignada no Estatuto, relativamente a esta matéria. Portanto, não é verdade que o Tribunal Constitucional considere que a solução que o Estatuto consagra enferma de inconstitucionalidade.
No que diz respeito à referência de que o Estatuto é portador de «engenharia eleitoral» quando reduzo número de deputados e reestrutura os círculos eleitorais, devo dizer-lhe que a questão foi suficientemente ponderada e estudada, sendo o partido mais sacrificado com essa solução o PSD, porque perde sele deputados. Portanto, não é verdade que haja nesta estrutura eleitoral, prevista na proposta de lei, qualquer intenção de prejudicar outras forças políticas da oposição.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Que inocente!
O Orador: - Por outro lado, o PCP não vai deixar de estar na Assembleia Regional em virtude desta alteração, pois cie já não tem aí assento.
Sr. Deputado, não se queixe das leis eleitorais, mas, antes, do facto de o seu partido não ter nem o engenho e a arte de sensibilizar os Portugueses nem a capacidade de evolução, de forma a captar-lhes o voto.
A lucidez dos eleitores madeirenses fez com que o deputado do seu partido deixasse de ter assento na Assembleia Legislativa Regional. Isso não é «engenharia eleitoral» mas, isso sim, resultado eleitoral!...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª referiu também que este não seria o lugar próprio para se inserirem disposições que
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pudessem trazer ou garantir benefícios financeiros para a Região Autónoma. Diria que, em termos de boa administração, todos os lugares suo próprios para que isso se consiga, mas também lhe digo que não ó, contrariamente ao que V. Ex.ª afirmou, para reparar problemas de má administração.
V. Ex.ª conhece, com certeza, a forma como foi constituída a dívida da Região Autónoma da Madeira, a insuficiência de dotações orçamentais, por transferencia, por parte do Estado para a Região, a imposição de soluções de empréstimos - quando não devia ser - para investimentos públicos, que se sabia, de antemão, não reprodutivos e que, consequentemente, não iam gerar receitas.
Se responsabilidades há nessa matéria, elas são-nas dos governos da República.
O Sr. Presidente: - Uma vez que os Srs. Deputados Cecília Catarino e Jorge Pereira prescindiram das suas inscrições, tem então a palavra, para responder, se assim o desejar, o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Guilherme Silva, a intervenção que há pouco produzi poderá sintetizar-se, basicamente, em duas notas. A primeira salienta o carácter positivo da iniciativa da Assembleia Legislativa da Madeira, porquanto abandonou muitas das patentíssimas inconstitucionalidades que, no passado, vinha defendendo. A segunda sinaliza as inconstitucionalidades que persistem, as normas cuja dúbia constitucionalidade se mantém e aquelas cuja dignidade estatutária ou técnica prescrita se põe em causa.
Daqui, depreenderá a bancada do PSD um determinado sentido de voto do PCP: mas, advirto, apenas depreenderá, uma vez que do voto em concreto saberá quando tivermos de o fazer aqui, neste hemiciclo. O que - lembra o meu camarada Carlos Brito - não acontecerá hoje a pedido expresso do PSD...
Entre as questões que enunciei, quero deter-me, centralmente, em duas: as que se prendem com a engenharia eleitoral e as que se prendem com as questões financeiras.
As contas do PSD são as contas do PSD, que, naturalmente, tendem a fazer-se à medida do seu próprio corpo, procurando que o «lato» lhe assente como uma luva - se for de caxemira melhor será do que se de estopa for... Acontece que as contas que são feitas por nós apontam claramente um reforço da obtenção de deputados eleitos pelo partido laranja em detrimento daqueles que o PS há-de eleger e que o PCP há-de eleger - enuncio enfaticamente porque elegerá, sem dúvida, nas próximas eleições, independentemente do percalço que fez com que, neste momento, para prejuízo dos Madeirenses, não estejamos representados na Assembleia Legislativa da Madeira!
Vozes do PCP: - Muito bem!
Risos do PSD.
O Orador: - O que é facto é que, por exemplo, em 1988, o desnível no número de eleitores por círculo se situava entre valores que iam de 2901 a 4054, alargando-se hoje - donde: diminuindo a representatividade democrática - de 1450 para 5366, de permeio com outros maléficos mecanismos distorcedores inconstitucionais.
E valeria a pena - não fosse a constrição do tempo - informá-lo, Sr. Deputado, sobre o que é que se passa em círculos importantíssimos como o Funchal, o Machico, Porto Santo, Porto Moniz São Vicente, onde, por um acto de engenharia eleitoral, se altera e torce tudo aquilo que hoje, de acordo com os princípios que estão consignados, dá um apuramento democrático, inteiramente razoável, da vontade dos Madeirenses.
Sr. Deputado Guilherme Silva, sobre os benefícios e toda a magna questão financeira temos um velho contencioso. Entendemos que a gestão que tem vindo a ser liderada pelo Dr. Alberto João Jardim é desgovernada e perdulária. Os senhores entendem, muito ao invés, que ela é porventura austera, no mínimo equilibrada...
Por outro lado, julgamos que importará discutir até ao fim toda esta problemática...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Reinvestimento!
O Orador: - ... em sede própria, que não é o Estatuto, porque colocar no Estatuto normas como a do artigo 70.º, alínea j), que pretende que os benefícios decorrentes das privatizações efectivadas pelo Estado na proporção de 2,7% constituem as receitas da Região, é não apenas de mais do que dúbia constitucionalidade, sabida e ressabida, como, sobretudo, algo de indefensável.
A Região Autónoma da Madeira tem direito, na totalidade, como é óbvio, as receitas advindas de privatizações de bens que se situem no seu território. Tudo o resto tem de ser resolvido no respeito pela arquitectura constitucional, que é também o respeito pelas autonomias regionais.
Sr. Deputado Guilherme Silva, há igualmente outros aspectos, sobre os quais falaremos detidamente em sede de comissão, que se afiguram menos aceitáveis. Por exemplo: uma norma segundo a qual a Região Autónoma da Madeira, o seu Governo e a sua Assembleia, programam à escala que bem entenderem, de acordo com aquilo que julgarem melhor, a bel-talante, cabendo depois ao Orçamento central da República pagar o que não puder ser pago pelo Orçamento Regional, é qualquer coisa que não pode colher o nosso aplauso, sem um exame rigoroso dos meios e procedimentos que devem introduzir-se como factor de solidariedade nacional e de correcção, na óptica do Estado, do que chamam - talvez com propriedade - os custos da insularidade. Não por esta via, contudo, e não, seguramente, neste lugar.
Sr. Deputado Guilherme Silva, uma última observação para lembrar-lhe que a regra de residência habitual, na circunstância que aqui vem referida, da capacidade eleitoral, é intolerável, e o Tribunal Constitucional - não no acórdão que referiu, de 23 de Abril, de resto bastante à margem do eixo central por que se controverte esta matéria, mas em aresto bem conhecido - decide-se pela sua manifesta inconstitucionalidade.
Chamam-me a atenção para o facto de estar a gastar demasiado tempo. Agradeço-o e por aqui me quedo. Teremos muito para discutir, apurar e decidir. Seguramente que, no fim desses operosos dias, sairá uma boa e prestigiante lei deste hemiciclo.
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mata Nunes de Almeida.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
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O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aleluia! Eis que a última revisão da Constituição removeu a salvo seja «casmurrice» do Sr. Presidente da Região Autónoma da Madeira, traduzida na recusa - que durou anos! - em apresentar a esta Assembleia um projecto de estatuto definitivo!
Estamos lembrados: o primeiro que enviou tinha mais inconstitucionalidades do que a Madeira tem bananas e a Comissão Constitucional, intencionalmente' comedida, ainda assim declarou dez.
Reacção intempestiva do Dr. João Jardim: «Ai é inconstitucional? Pois tão cedo não vêem lá outro!»
E não vimos! Por estas e por outras, o velho estatuto provisório, que me coube redigir praticamente a sós, em escassos dias, vai na bonita idade de 14 anos! Retiro daí que; apesar da pressa, não saiu tão mau assim!...
E claro que estou a ser injusto! Quem tinha de propor um estatuto definitivo era a Assembleia Regional da Madeira! O Dr. João Jardim não teve nada a ver com a demora!...
Entretanto, a proposta de estatuto definitivo da Madeira - saltei a parte que se refere aos Açores por causa da divisão dos tempos-, apesar de seguir de perto o estatuto em vigor dos Açores, volta a ser um jardim de inconstitucionalidades.
Continua a ser intrigante a comunhão de espírito entre o Sr. Presidente do Governo Regional e os Srs. Deputados regionais que o apoiam, de tal modo a proposta destes reflecte a idiossincrasia autonomista daquele. Dir-se-ia que perfilham a autonomia, mas que, entre si, a não praticam!...
O objectivo continua o mesmo: autonomia, quanta mais melhor! E a estratégia também: progredir sempre, ainda que por pequenos passos e através de atalhos constitucionais! Daí o falar-se em autonomia progressiva sem pré-definição de um limite.
Acontece que a Constituição - lugar onde se define a organização do Estado - define precisamente este como unitário, sem prejuízo do princípio da autonomia regional. Daí que, em meu entender, a autonomia possa e deva progredir até às fronteiras da unidade, tal como a Constituição a desenha. E sempre de acordo com a Constituição - onde o limite se formaliza - e nunca contra ela!
Daí que cheguem a ser preocupamos, de entre as inconstitucionalidades propostas, as que constituem uma violação consciente dos limites constitucionais e representam puros actos de teimosia, de desforço ou mesmo de afrontamento.
Para o efeito, recorre-se às técnicas mais diversas. Quer silenciando o que não deve ser silenciado; quer exaltando o que não justifica destaque; quer reproduzindo, intencionalmente mal, ora a Constituição ora o Estatuto definitivo dos Açores; quer retomando propostas derrotadas em sede de revisão constitucional. A muitos títulos, a proposta da Assembleia Regional da Madeira é um acto de briga!...
Desta vez, ocorre uma originalidade circunstancial: o PSD sempre considerou as regiões autónomas como um feudo político seu. Digamos que, quanto aos Açores, tende a não ser assim. Porém, na Madeira, «reina» um Jardim dentro de outro; um Jardim que é PSD, embora com estatuto político próprio e tão tendencialmente autonômico como o da própria Região
De novo ocorre que o militante do PSD que, na Madeira, comanda o baile se encontra, desta vez, sozinho em face da maioria parlamentar do seu próprio partido.
Esta pode, se assim o entender, ler a proposta dos seus companheiros e, tal como Deus ao sétimo dia, achar tudo bem. As oposições, essas, podem dar-se ao luxo do acordo ou do desacordo, com significado político, mas sem eficácia de votação. À maioria parlamentar o fiai e o non fiai, todo o poder, toda a responsabilidade.
Os aplausos ou os impropérios que se seguirem são todos seus. Apenas o Tribunal Constitucional pode estragar a festa!...
A cautela, para que se não diga que faltou o aviso, passo em revista as mais flagrantes inconstitucionalidades da proposta, deixando de fora as de fronteira - encontraremos outras oportunidades para debatê-las.
No n.º 3 do artigo 4.º, propõe-se que «os órgãos de Governo próprio se correspondam directamente com os órgãos de soberania».
É, digamos, a primeira tentativa de apagamento da figura do Ministro da República, que, na proposta, surge reduzida à definição mais simples: «A soberania da República Portuguesa é especialmente representada por um Ministro da República, nos termos definidos na Constituição.» E mais não diz!
O Sr. Presidente do Governo Regional bateu-se, durante a revisão da Constituição, pelo apossamento da representação. Assim, o Ministro da República desaparecia e quem representava a República era ele - pessoalizo só para tornar mais claro o que, de outro modo, não deixaria de sê-lo!...
O ministricídio não passou. Daí que agora se tente, já não a morte, mas o apagamento; que no estatuto ele não tenha uma referência mais do que mínima! Isto apesar de, aparentemente, não haver mais duradouro e feliz caso de coabitação política do que o dos actuais Ministro da República e Presidente do Governo Regional da Madeira!...
Faz parte deste propósito silenciador um pequeno empurrão. O Ministro representa a República? É lá com cie! Apesar disso, os órgãos de governo próprio da região correspondem-se directamente com os órgãos de soberania da representada. Fácil e engenhoso! Só que inconstitucional!
O artigo 7.º da proposta é portador de vários entorses. Pelo n.º 1, propõe-se que a Região disponha de todas as receitas fiscais geradas no seu espaço territorial. A Constituição não diz isso.
No n.º 2 prevê-se que a Região tenha sistema fiscal próprio, enquanto a Constituição se limita a assegurar-lhe a adaptação do sistema fiscal nacional. Aliás, prevê-se essa adaptação sem que se refira, como na Constituição, que terá de fazer-se «nos termos de lei quadro da Assembleia da República».
Por último, esquece-se essa lei quadro, mas adianta-se, por conta dela, como e com que objectivos o sistema resultante da adaptação será estruturado!
O título n, relativo à organização judiciária - artigos 8.º a 12.º-, é para esquecer.
Como não passou na revisão da Constituição a proposta de dotar a Região com uma «organização judicial específica», tenta-se agora a recuperação de suculentas falias dessa organização.
Acontece que os tribunais são um órgão de soberania e que, segundo o n.º 2 do artigo 113.º da Constituição, «a formação, a composição, a competência e o funcionamento dos órgãos de soberania são os definidos na Constituição». Aliás, mesmo quanto aos nela não defini-
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dos, é da competência reservada da Assembleia da República a sua definição.
Como pode assim pretender-se que no Estatuto se diga que se mantém a jurisdição das actuais comarcas, os tribunais que são instituídos e os recursos que cabem de certos actos?
No artigo 14.º retoma-se o número de 4000 eleitores para a conversão de votos em mandatos.
Aqui travámos uma batalha a este respeito, para concluir que, da aprovação desse número, resultaria mais um círculo uninominal, não coincidente com o espaço de uma ilha, única especificidade geográfica que, segundo a Comissão Constitucional, justifica uma excepção à inconstitucionalidade dos círculos uninominais.
É certo que se propõe agora que cada círculo eleja, pelo menos, dois deputados - desapareceria a uninominalidade. Mas, se do aumento de 3500 para 4000 resultava a uninominalidade de mais um círculo eleitoral, parece-me a mim, mesmo sem fazer contas, que a exigência do mínimo de dois deputados por círculo nos afasta, cada vez mais, do respeito pelo princípio da proporcionalidade na conversão de votos em mandatos.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É óbvio!
O Orador: - Neste mesmo artigo prevê-se a existência de «mais um círculo compreendendo os cidadãos portugueses nascidos na região e residentes fora dela, em território nacional e estrangeiro, o qual elegerá dois deputados.»
Como já realcei, existe o lugar semiparalelo - julgava que teria lido primeiro a parte relativa aos Açores, mas lê-la-ei depois - do n.º 3 do artigo 11.º do Estatuto dos Açores. Com uma só diferença: em vez de dois círculos exteriores à Região, agora um só, o que lhe empresta o defeito agravado de colocar os açorianos residentes no restante espaço nacional em pé de igualdade com os residentes na Pensilvânia!...
Já se disse que o dispositivo açoriano nasceu inconstitucional e inconstitucional permanece. No entanto, encontra-se desactivado em si, desactivando os que têm legitimidade para provocar o saneamento do defeito.
Simplesmente, do artigo 17.º do primeiro estatuto definitivo da Madeira - o tal das dez inconstitucionalidades -, constava um dispositivo, prevendo os mesmos dois círculos exteriores que o de agora prevê! E este dispositivo foi expressamente julgado inconstitucional pela Comissão Constitucional, pelas razões que referirei - porque ainda não li a parte dos Açores.
Que vai fazer a maioria? Deixá-lo passar à boleia do que vigora para os Açores ou votar contra ele porque é feio demais deixar passar uma norma que, no contexto do anterior Estatuto, foi julgada inconstitucional?
A expectativa é apaixonante!...
No n.º 3 do artigo 21.º propõe-se que passe a competir ao Presidente da República abrir solenemente a primeira sessão de cada legislatura. Trata-se da retoma de igual proposta chumbada em sede de revisão constitucional. Aliás, chumbada e bem chumbada, pois o Presidente da República tem as competências que a Constituição lhe atribui, sem abertura para que a lei lhe atribua outras! Dava tom a solenidade proposta, mas acontece que nem esta Assembleia, que por acaso é da República, tem esse privilégio...
Na alínea a) do n.º 7 do artigo 33.º retoma-se a tentativa de antecipar o que há-de resultar da lei quadro de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades da Madeira. Propõe-se, com efeito, que essa lei quadro venha a permitir o estabelecimento de condições complementares de incidência, taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes.
Para além de se não saber o que sejam «essas condições complementares», é, obviamente, o carro à frente dos bois, e o Estatuto à frente da Constituição...
No n.º 4 do artigo 16.º reanima-se o «cadáver» do Ministro da República, para o efeito de submetê-lo às inclemências da «pena de responsabilidade» - que, aliás, se não define - em caso de recusa de assinatura, dentro de oito dias, de diploma confirmado pela Assembleia Legislativa.
Mete-se a proposta onde não deve! Esse assunto é com a Assembleia da República e só com ela!
No artigo 40.º diz-se que «o Governo Regional é o órgão superior da Administração Pública da Região Autónoma».
Será como diz? Sendo o Governo da República «o órgão superior da Administração Pública», toda ela, não o será também, ao menos para os sectores não autonomizados, para o espaço das regiões autónomas? Eis um bom tema de reflexão!
No artigo 43.º diz-se que «o Governo Regional é politicamente responsável, exclusivamente perante a Assembleia Legislativa.»
Será? Não o diz a Constituição, onde se não prevê a exclusividade.
É sabido que compete ao Presidente da República «dissolver os órgãos de governo próprio das regiões autónomas» - um poder não condicionado. Será que, mesmo assim, o Governo Regional não é também, pelo menos em alguma medida e perante ele, politicamente responsável?
Há que ter cuidado com o uso dos advérbios!
Inconstitucional me parece também - além de errada - a previsão constante do n.º 2 do artigo 49.º da proposta. Nela se diz que «nenhum membro do Governo Regional pode ser delido ou preso sem autorização do Presidente do Governo, salvo crime punível com pena superior a três anos e em flagrante delito».
Trata-se de uma regra de processo criminal, como tal da competência reservada da Assembleia da República. Pode ser objecto de delegação mediante autorização legislativa, após a última revisão constitucional. Não de amputação, por via estatutária!
E, de resto, uma regra sem paralelo, inclusive no caso da prisão de membro do Governo da República. Propendo a crer que, além de inconstitucional e de errada, fere a modéstia do Sr. Presidente do Governo Regional! Poupemo-lo a isso!
Cabe ao Governo da República a condução da política externa, sem prejuízo das competências do Presidente da República em matéria de representação externa. Assim sendo, deverá o Governo Regional poder emitir passaportes? Admitindo que sim, deve essa faculdade constar do Estatuto da Região, com a semi-rigidez que a Constituição lhe confere?
Prevê-se no n.º 5 do artigo 58.º da proposta que, «durante a vacatura do cargo, as funções do Presidente do Governo Regional serão asseguradas pelo Presidente da Assembleia Legislativa».
Há pelo menos um caso em que, por exigência constitucional, é o Ministro da República quem assegura o Governo da Região: é o de dissolução dos órgãos regio-
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nais. Excepcione-se, por mais que à Região custe referir aquela entidade!
No n.º 6 do artigo 68.º prevê-se que se defina no Estatuto o que «constitui serviço mínimo indispensável a ser obrigatoriamente assegurado em caso de greve».
É matéria da competência reservada da Assembleia da República. Esta não pode exercê-la pela última vez, com a consequência de abdicar dela para futuro, por tê-la exercido na feitura de um estatuto para cuja alteração lhe falece a iniciativa!...
São estas as inconstitucionalidades mais flagrantes. De outras, não cuidei. Temos tempo!
Para além delas, ficam as lacunas, ficam os excessos de natureza não estatutária, ficam as opções de duvidosa justificação: saber se o salário mínimo na Região deve ou não ser superior em 2% ao fixado para o continente; saber se o Estatuto deve estabelecer que o Estado assegura a participação da Região nos campeonatos nacionais; saber se o Estado deve assegurar que a Região beneficie de todos os fundos da CEE (mesmo os que se destinem ao apoio das regiões sem mar?); saber se devem constituir receita da Região 2,7% - nem mais um nem menos um décimo! - dos benefícios decorrentes das privatizações efectivadas pelo Estado; saber se o Estatuto deve ordenar que a lei determinará de que forma os municípios da Região não hão-de receber, per capita, menos do que os do continente; saber se deve desaparecer do Estatuto - e porquê - a regra da utilização conjunta dos símbolos nacionais e regionais; saber isso e algo mais são tarefas que, de momento, me não tiram o sono. Noutra sede, cuidaremos delas.
Um último apontamento: foi reconhecido às regiões um importante direito de auto-organização, ao nível da iniciativa em maioria estatutária.
Este facto, por um lado, outorga-lhes um atribulo que só costumam ter os Estados federados e, por outro, exige delas um particular escrúpulo relativamente às inovações que propõem.
Esse escrúpulo deve ser secundado por um particular cuidado da parte de quem aprova ou desaprova o que for proposto.
Esta intervenção reflecte minimamente esse cuidado. Assim o venha a reflectir a deliberação sobre as matérias que aflorei.
Somos um partido responsável e, como tal, defendemos a autonomia regional, sem desprotegermos a unidade do Estado. Fá-lo-emos uma vez mais!
Sobre o que deixo dito, alimento uma dúvida: saber qual o impropério que o Dr. João Jardim, de quem pessoalmente sou amigo e de quem, politicamente, com frequência, discordo, vai, num impulso, ditar à pressa.
Estou como o outro: amicus Plato sed magis amica veritas. Adapto: sou amigo do Dr. João Jardim, mas sou mais amigo da República!
Aplausos do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Deputado Almeida Santos brindou-nos, mais uma vez, com uma brilhante intervenção, feita naquele seu estilo peculiar, que sempre enriquece os debates desta Câmara.
V. Ex.ª e um jurista exímio e tem uma lupa para as inconstitucionalidades. Quero, porém, dizer-lhe que tem uma lupa de alcance mais reforçado, quando se trata de examinar diplomas vindos da Região Autónoma da Madeira. Neles descobre as inconstitucionalidades que o são, as que o não são e as que gostaria que fossem.
É o caso, por exemplo, da referencia que fez ao problema do sistema fiscal próprio proposto para a Região. Se V. Ex.ª reparar, o artigo 7.º da proposta de lei diz, claramente: «A Região terá sistema fiscal próprio, resultante da adaptação do sistema fiscal nacional às especifidades regionais.»
Disse V. Ex.ª: «Não se faz também referência à lei quadro, que a Constituição refere ter de ser aprovada para a adaptação do sistema fiscal.» Sr. Deputado Almeida Santos, obviamente que o Estatuto - e as leis, em geral - tem de ser aplicado e executado em conformidade com a Constituição! Não é o facto de não fazermos referência expressa à lei quadro que permitirá, por força do Eslatuto, que se crie um sistema fiscal próprio, um sistema que não leve em conta essa condicionante prévia da adaptação da lei quadro, a aprovar pela Assembleia da República.
Quanto à organização judiciária, nada impede que seja esta sede a regular em matéria de organização judiciária da Região. Sr. Deputado, todas as oportunidades são boas para a resolução das carências da Região, e este é um sector onde há carências bastante profundas na garantia do direito de acesso à justiça aos cidadãos madeirenses. Aliás, esta é uma matéria que referirei dentro em pouco, na intervenção que farei. Por isso - e para não maçar VV. Ex.ªs -, não adiantarei mais nada sobre a matéria.
São estas as observações que gostaria de fazer às eventuais inconstitucionalidades referidas por V. Ex.ª e que me pareceram menos adequadas; contudo, outras haverá que merecerão correcção em lermos de redacção.
Adianto, desde já, a nossa abertura para, em sede de especialidade, fazermos algumas correcções, designadamente no que respeita à abertura solene da primeira sessão de cada legislatura, pois parece-me que é possível encontrar uma redacção que permita - penso que V. Ex.ª não inventará uma inconstitucionalidade! - à Mesa da Assembleia Legislativa Regional convidar o Presidente da República para presidir à sua sessão de abertura. Penso que tal convite vai ao encontro do seu amor à República porque, naturalmente, a República sairá dignificada com o facto de a abertura solene da legislatura da Assembleia Regional da Madeira ser presidida pelo Presidente da República.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes, que dispõe de um minuto para o fazer.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
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O Sr. Almeida Santos (PS): -Desejo sim, Sr. Presidente, quanto mais não seja para agradecer ao Sr. Deputado Guilherme Silva as questões que me colocou e até as palavras amáveis com que introduziu essas questões.
Não sei se devo penitenciar-me por ter uma lupa de alcance reforçado para a Madeira! Sc tenho, reconheça que a Madeira se põe a jeito! É difícil encontrarmos, nesta Assembleia, propostas tão infestadas de inconstitucional idade como as que nos vêm da Madeira. Sc calhar, eu exagero, mas vocês também o fazem!... Perdoemo-nos, reciprocamente, dos nossos exageros!...
A Constituição não fala em sistema fiscal próprio. Há uma pequena nuance. Aquilo em que ela fala é em sistema tributário próprio e em adaptação do sistema fiscal. Quer dizer, fala em poder tributário próprio e não em sistema. É por isso que eu faço a distinção, que tem de ser feita, entre tributário e fiscal. O fiscal 6, evidentemente, mais vasto que o tributário e uma coisa é poder tributário e outra ó sistema fiscal. Há aqui, portanto, uma inconstitucionalidade, na medida em que o que é próprio é o poder tributário, enquanto que o sistema fiscal não é próprio nem específico mas, isso sim, o que resultar de uma lei quadro que ainda não foi aprovada.
Por outro lado, silenciam a lei quadro como silenciam muito mais!... Por exemplo, silenciam tudo o que diz respeito ao Ministro da República. Por que é que a Madeira silencia o que lhe desagrada? Por que 6 que não cumpre o dever constitucional de dar igual presença a todos os aspectos relevantes da Constituição? Nós sabemos por que é que o faz, mas, por amor de Deus, não faça de nós ingénuos!...
A organização judiciária não pode constar do Estatuto! Disse que nada o impede. Tudo o impede, pela razão simples de que o que constar do Estatuto passa a ficar com a rigidez correspondente ao poder exclusivo de iniciativa que tem a Região.
Acontece que a Assembleia tem competência para a organização judiciária. Sc o Sr. Deputado pusesse no Estatuto uma determinada regra de organização abdicava, no futuro, da sua própria competência para alterá-la. Compreenda que não pode ser assim!... Está a invadir-se a esfera da competência desta Assembleia, porque ela, neste caso, está a legislar em matéria estatutária, que tem regime especial de iniciativa.
Quanto à iniciativa de convidar o Presidente da República para presidir à sessão de abertura da Assembleia Legislativa Regional, peço desculpa de dizê-lo, mas não se trata de convidar!... Os convites não passam para os estatutos, pois são regras de cortesia. Ora, o texto apresentado diz: «O Presidente da República abrirá.» «Abrirá» é uma competência! Sc vão alterar esta redacção, penso que não precisarão de pôr nos estatutos os convites que pretendem fazer, porque isso são regras de cortesia, que nem jurídicas são quanto mais estatutárias!...
Sr. Deputado Guilherme Silva, acho que, apesar de tudo, estas coisas em matéria de autonomia regional têm corrido bem: os senhores a «puxarem» a autonomia até limites inimagináveis e nós a defendermos, até onde tem de ser defendida, a unidade do Estado!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É verdade que temos caminhado por pequenos passos, mas, hoje, as nossas regiões têm autonomia que «pede meças» à autonomia das regiões italianas e francesas. Não queiramos ser campeões também nesse domínio e originais, além de um certo ponto, até porque, em meu entender - se calhar só no meu entender! -, a explicação que se dá para a apetência da autonomia das regiões autónomas não é para mim tanto uma aspiração histórica mas mais uma reacção circunstancial ao que se passou em Portugal em 1974.
Estou convencido de que, sempre que se reivindicam direitos para os Madeirenses e para os Açorianos, se esquece, por vezes, que eles, fundamentalmente e antes de mais, tom orgulho e querem ser portugueses.
Aplausos do PS e do PCP.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Pois lemos!
O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Disso não há dúvida!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, é para solicitar, ao abrigo das disposições regimentais, a interrupção da sessão por 15 minutos, para que os deputados independentes da ID possam dar uma conferência de imprensa.
O Sr. Silva Marques (PSD): - E a ID paralisa o Plenário?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o pedido é mental, pelo que está concedido.
Está interrompida a sessão, que recomeçará às 11 horas e 35 minutos.
Eram 11 horas e 20 minutos.
Após a interrupção, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 11 horas e 50 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso que fique registada no Diário da Assembleia da República a história singular da Resolução n.º 3/90/M, de 22 de Fevereiro, que consubstancia a proposta de lei do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
O projecto em questão foi concebido e redigido na praia de Porto Santo, durante as férias estivais, pelo Presidente do Governo Regional, Dr. Alberto João Jardim, e o articulado foi publicado nos jornais diários da Região, abrindo a discussão pública sobre o tema (que não aconteceu!). Porém, não chegaram a ser aceites projectos alternativos ao do PSD, incluindo o do CDS, porque a Mesa da Assembleia Regional entendeu - contra a prática habitual - que o prazo regimental de 30 dias deveria contar-se a partir de 22 de Setembro, dia em que, no período de férias parlamentares, fora apresentado o projecto pelos socais-democratas, e não a partir do início da sessão legislativa, que se verificou em 2 de Novembro de 1989.
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A comissão eventual competente para a análise do projecto reuniu seis vezes, nos dias 12, 15, 16, 17, 18 e 22 de Janeiro de 1990. Durante os primeiros dois dias discutiu, na generalidade, o diploma, sem que tivesse havido qualquer exposição inicial sobre o projecto do PSD, e nos restantes fez-se o simulacro do debate na especialidade. Durante estes quatro dias, face a 10 artigos em discussão, foram apresentadas 25 propostas de alteração, por parte dos partidos da oposição, tendo todas elas sido militante e sistematicamente recusadas pelo partido maioritário.
No último dia o presidente da comissão informava os deputados que o PSD não estava na disposição de «alterar nem uma vírgula», o que obrigou os deputados da oposição a abandonarem a respectiva comissão, dando à estampa um comunicado justificativo e explicativo desta sua atitude.
A proposta, mantendo integralmente a redacção de origem, subiu a Plenário em 13 de Fevereiro de 1990 e ali é defendida pelo Presidente do Governo Regional e aprovada apenas com os 27 votos do PSD tendo-se abstido os 11 deputados da oposição.
O próprio autor do projecto, o Dr. Alberto João Jardim, justificou o comportamento do PSD em termos que n3o deixam dúvidas, e passo a citar: «A aprovação deste documento é, nos termos da Constituição da República, um problema de maioria simples, tanto na Assembleia da República como nesta Assembleia Legislativa. Está, portanto, consagrado pelo legislador constitucional que este documento resultará da vontade de uma maioria simples. Em nenhuma disposição constitucional vejo escrito que este documento tem de resultar de qualquer consenso.»
Diria, ainda, o Dr. Alberto João Jardim, e oiçam bem, Srs. Deputados: «A preocupação do consenso é, talvez, uma herança quer do sistema da União Nacional quer, por outro lado, de ideias que colheram na Europa no final dos anos 40, 50 e princípio dos anos 60, de que a sociedade deverá ser regida sobre o princípio de um certo unanimismo e em que os políticos não se diferenciavam pelos seus pontos de vista, mas que deveriam constituir-se em vanguardas consensuais iluminadas nas quais, em unanimismo, em unicidade, iriam reger a sociedade. Estas doutrinas estão completamente enterradas! Portanto, esta ideia de consenso não só é retrógrada como é inadaptada ao nosso sistema constitucional, e é uma ideia lesa-democracia».
Esta pequena amostra do «crude filosófico-político» que inundou a Assembleia Regional durante o debate, dá-nos bem a ideia e a imagem do tom e do ambiente em que se verificou o debate da proposta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o estatuto político-administrativo que hoje aqui debatemos apresenta alguns progressos em relação aos projectos anteriores.
Em 1977, por exemplo, quando o Dr. Mário Soares já «tinha metido o socialismo na gaveta», afirmava o Dr. Alberto João Jardim, ao apresentar o seu primeiro projecto do estatuto político-administrativo, que «nós, sociais-democratas, quando falamos em solução social-democrata para a Madeira, apontamos um sistema que vise a criação de democracia efectiva, política, económica e social, pela construção de um socialismo, repito» - ca expressão «repito» é do autor não é minha! - «de um socialismo de via reformista.» Porém, logo depois, o Partido Social-Democrata considera que, perante a actual alternativa socialismo/capitalismo, ainda que lhe aditando simpaticamente a expressão social, o capitalismo é um estado ultrapassado pela visível evolução dialéctica da sociedade». E conclui, como não podia deixar de ser: «Por isso apoiamos a inserção, no projecto do estatuto, de um artigo que consagra a transição democrática para o socialismo na Região Autónoma da Madeira.» Assim mesmo, sem tirar nem pôr!
Temos, pois, que em 1977 a filosofia autonomista do PSD era conduzir a Madeira para o socialismo pela mão do Dr. Alberto João Jardim.
Em 1980 as coisas tinham mudado um pouco! Quando o mesmo Presidente do Governo Regional dissertava sobre o novo texto do projecto do Estatuto dizia, e estávamos na época da AD: «O sentido que norteou as votações do PSD foi o de discutir pacificamente um texto que vinha trabalhado da comissão em termos de não levantar graves divergências no Plenário. A título de curiosidade, com o seu valor exemplificativo direi que ao faltar a discussão de apenas dois artigos havia já 72 votações por unanimidade, o que caracteriza bem a natureza pacífica de um texto e o elevado espírito de colaboração verificado nos últimos plenários.» Isto é, em 1980 o consenso não era retrógado nem o unanimismo era a União Nacional ou um sinal dos regimes caducos de 1940/1950 e 1960.
Mas já em 1985 o PSD tinha abandonado a trincheira socialista e combatia os seus adversários do capitalismo social. Dizia então o Dr. Crisóstomo de Aguiar o seguinte: «Não quis o PSD espartilhar a democracia madeirense. O estatuto tem de conter, em si mesmo, princípios gerais e não definidores desta ou daquela ideologia político-económica. Não cabem nos. princípios sociais-democratas os princípios socialistas e de todos aqueles que não tenham práticas ditatoriais.»
Assim, a filosofia autonomista do PSD na Madeira andou do socialismo para o consensualismo ou unanimismo da União Nacional e deste para o absolutismo, antes de firmar-se, como agora, na ditadura da maioria parlamentar.
omo disse o meu companheiro Ricardo Vieira na Assembleia Regional, aquando no debate na generalidade, «no ano em que vão desaparecendo, um a um, os líderes que teimam em ser os únicos detentores da verdade, os únicos sabedores da certeza, do destino histórico, só o Dr. Alberto João Jardim e o PSD na Madeira afirmam que só cies sabem o que é bom para a Madeira, que só o PSD é que representa a Região, que só o PSD tem as melhores cabeças para pensarem em melhores soluções autonômicas». O estatuto é, pois, obra e graça do PSD!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O estatuto, como bem observa o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da autoria do Deputado Guilherme Silva, recorre ao Estatuto Político-Administrativo dos Açores como fonte inspiradora da maioria das suas disposições. Isto é, 46 artigos são cópia fiel das disposições daquele diploma e oito são normas transcritas do texto constitucional, significando que são reduzidas as matérias e escassas as disposições com cunho realmente inovatório.
Mas, mesmo nestas poucas matérias, o PSD na Madeira não soube aproveitar em cheio, como queria o CDS e as restantes oposições, a porta aberta pela revisão constitucional. Na competência da Assembleia Legislativa Regional não divisou a possibilidade de ela desenvolver as leis bases, não deu orientação para a adaptação do sistema fiscal nacional h especificidade regional e, no pouco que fez, incorreu em inconstitucionalidade, como de-
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monstrou proficientemente o Sr. Deputado Almeida Santos.
Quanto à definição do que deve ser «o interesse específico regional», que é um aspecto importantíssimo para a definição da competência legislativa local, a proposta limita-se a uma cópia servil do Estatuto dos Açores, a que acrescenta uma lista caótica de matérias que mais não são do que as matérias já incluídas no estatuto anterior, da autoria do Dr. Almeida Santos, ficando de fora as matarias alvitradas pelo deputado do CDS Ricardo Vieira, tais como: a organização dos serviços e das pessoas colectivas dependentes da Região; a assistência hospitalar sanitária e medicamentosa; as farmácias; o ambiente e a qualidade de vida; o desemprego; a produtividade; as condições de higiene e segurança no trabalho; a contratação colectiva; o estatuto de actividade comercial; os incentivos ao investimento privado; a caça; as feiras e mercados; as comunicações e telecomunicações internas, etc.
Se a proposta é parca em definição de especificidade regional é farta em inconstitucionalidades!
Assim, o estatuto do Ministro da República desaparece da proposta, quer por não existir nenhum capítulo com o título a ele referente, quer por se resumirem a três os artigos que falam desse órgão, quer ainda por, em muitos aspectos, as suas competências serem postergadas; a execução dos actos legislativos é assegurada pelo Governo Regional; os órgãos de governo próprio correspondem-se directamente com os órgãos de soberania (incluindo os tribunais?); o Presidente da República, em duvidosa constitucionalidade, é obrigado a abrir solenemente cada sessão legislativa, ao contrário do que ato agora acontecia ser da competência do Ministro da República; determina-se uma exclusiva responsabilidade política do Governo para com a Assembleia, esquecendo-se que o Ministro é quem nomeia o Governo e, portanto, quem pode também exonerá-lo; atribuem-se, exclusivamente, as competências eleitorais ao Governo Regional, afastando as que actualmente são desempenhadas pelo Ministro da República.
Por outro lado, o Governo Regional aparece super-valorizado, quer em termos de estatutos dos seus membros com uma original «imunidade governativa», quer em termos de competências, dado que pode elaborar «todos» os regulamentos quando a Constituição atribui, exclusivamente, o poder de elaborar a regulamentação de leis gerais à Assembleia Legislativa Regional, além de considerar-se como órgão de condução da política regional.
Reacende-se, embora com terminologia mais suave, a questão da guerra das bandeiras, contrariando a jurisprudência constitucional nesta matéria.
Propõem-se soluções que não tem cabimento no estatuto político-administrativo, quer por serem de conteúdo legislativo da Assembleia da República, quer por dizerem respeito a questões financeiras. É o caso dos artigos referentes à organização judiciária e também o de muitos dos artigos referentes ao regime económico e financeiro.
O PSD deve estar particularmente atento aquando do debate na especialidade, que terá lugar nesta Assembleia, para que o Tribunal Constitucional não se veja forçado a devolver o decreto legislativo quando for chamado a pronunciar-se em sede de fiscalização preventiva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 142/V, que revê o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, chega a esta Assembleia depois de profundo e rico debate na respectiva assembleia legislativa regional. Aliás, esse debate pode ter sido aceso, mas foi responsável e soube produzir consensos, sempre desejáveis, nas questões do Estatuto, como é a que agora tratamos.
A experiência regionalista e autónoma está em boa evolução! A sua definição concreta e estatuição constitucional e legal é e pode ser, em cada ocasião, melhorada. Foi-o, sem dúvida, numa primeira fase, na revisão constitucional de 1989, e é-o agora na proposta de lei em debate.
Mais do que uma simples adaptação do Estatuto em vigor ao normativo constitucional saído da revisão do ano passado, procuraram os deputados açorianos eliminar espaços residuais de conflitualidade constitucional, sempre indesejável e perturbadora do normal relacionamento entre órgãos nacionais e regionais, sejam de que natureza forem.
Acreditamos que com este Estatuto se solidifica a ideia de uma maturidade na experiência autónoma açoriana, que nos apraz registar. De resto, apraz-nos registar o facto de, ao contrário do que sucedeu na Região Autónoma da Madeira, terem os vários grupos parlamentares açorianos chegado a um consenso, a uma proposta que a todos representa, que n3o é privativa de ninguém, muito menos de uma força política, mas que é, pelo contrário, património de todos, dos deputados regionais e dos cidadãos por eles representados.
Não é só uma proposta formalmente proveniente da Assembleia Regional dos Açores; é uma proposta de consenso daquela Assembleia porque foi subscrita e aprovada por todos os deputados.
É com seriedade que estes antecedentes inculcam que o Grupo Parlamentar do CDS discutirá, na especialidade, a proposta de revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, bastando rever dois normativos que nos parecem de constitucionalidade duvidosa.
Aplausos do CDS e do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa tem procurado gerir com equidade os tempos; porém, como estão ainda inscritos os Srs. Deputados Carlos Lélis, Mota Torres e Guilherme Silva gostaria de saber de que tempo é que estes Srs. Deputados necessitam para intervir.
O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, no quadro electrónico vejo reservado para o PSD 1,8 minutos, mas precisarei de 2,7, que é o índice de capitação atribuído à Madeira.
O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Mota Torres?
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, julgo que seis minutos chegarão.
O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Guilherme Silva?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Preciso de cerca de cinco minutos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: -Bem, isto já ultrapassa um pouco os limites mas, tendo em atenção o tempo de Os Verdes, do Governo e a liberdade que me foi dada para gerir o tempo, dou a palavra ao Sr. Deputado Carlos Lélis.
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O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em romagem legal, as ilhas, hoje, ocupam este hemiciclo. Bem hajam, por isso!
No culto das autonomias, somos todos muito cristãos, muito devotos; mas há uns mais do que outros e outros ainda menos! Basta-nos olhar à volta, quase nominalmente.
Depois da fase da «autonomia dos porquês», deixem-me colocar neste debate a «autonomia onde», e passo a explicar as minhas razões.
Na escola velha, recitava-se a lengalenga de que «ilha era uma porção de terra rodeada de mar por todos os lados», o que até nada tem de rigoroso, com tanta água a mais até por cima.
Leilão de Barros, nos seus escritos pessoais, no Diário de Notícias, de Lisboa, prestava justiça mais próxima da verdade, que ele próprio tinha verificado, a ponto de emendar «Ilha», reconhecia ele, «é uma porção de terra rodeada de problemas por todos os lados.»
Ele, Raul Brandão, ainda tão perto, punha, com acusadora ironia, o título de «Ilhas Desconhecidas» - sublinhe-se desconhecidas- a uma sua obra sobre a Madeira e os Açores do seu tempo.
Desconhecida, pois, seria então a palavra insularidade, que entrou logo no vocabulário político como conceito síntese, permanecendo, no entanto, abstracto o seu conteúdo polarizador de atenções.
A enquadrar o debate aceitem, Srs. Deputados, que eu tente perfilhar alguns parâmetros concretos da insularidade, para aqui dar chão marcado ao terreno desta discussão. Mesmo a traço seco e grosso, indiciam, pelo menos, a insularidade seis pontos. A saber:
Primeiro, a distância - E a Madeira passou, na cartografia, de ilha adjacente ao rectângulo a região ultraperiférica da CEE;
Segundo, o acesso e transporte - A TAP-Air Portugal nacionalizou as partidas e as chegadas, e falta-lhe a vocação onde sobram os passageiros à força;
Terceiro, a dimensão - É só um terço do todo da Madeira, à custa de muito esforço, que é cultivado e urbanizável;
Quarto, a dispersão - As variações de ilha para ilha impõem um arquipélago de estruturas;
Quinto, o potencial próprio - Com o solo rico, mas o subsolo difícil e pobre, a Madeira inventou o turismo como exclusiva riqueza terciária;
Sexto, a vulnerabilidade - O crude, em Porto Santo, é um exemplo, mas não o único possível agente de qualquer má sorte.
Com a intenção de que fiquem em registo de boa memória as realidades que a autonomia regional enfrenta e o Governo da Região faz por superar, aqui lhes deixo, Srs. Deputados, este curto filme em negativo.
As condicionantes em causa para as decisões a haver, lá mesmo, têm por nomes, repilo, a distância, os acessos, o transporte, a dimensão, a dispersão, o potencial próprio, a vulnerabilidade.
A autonomia na vida dos Madeirenses e no corpo do Estatuto em aprovação é a palavra chave.
Hoje e dia insular pela natureza do debate em sede da Assembleia da República. As ilhas, em romagem legal, ocupam hoje a agenda deste hemiciclo.
Bem hajam os que nos oiçam - na generalidade, claro! Ainda que o Sr. Deputado Almeida Santos tenha já esgotado a especialidade.
Bem hajam os que nos saibam ouvir em todas as bancadas!
Aplausos do PSD, do PS, do PRD e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejo começar esta intervenção por saudar pessoalmente, e como deputado eleito pelo círculo eleitoral da Madeira, o Sr. Presidente da Assembleia Legislativa Regional, presente na galeria, bem como o Sr. Deputado do PSD que o acompanha.
Aplausos gerais.
Gostaria também, e antes de iniciar propriamente a minha intervenção, de referir a esta Câmara de que tive conhecimento há pouco que o Sr. Deputado Guilherme Silva deu uma entrevista ao Jornal da Madeira de hoje, em que, entre outras considerações que tem todo o direito de proferir, faz duas com que não posso estar de acordo e que quero aqui verberar com alguma veemência!
A primeira é a de que, até agora, a oposição não se linha pronunciado sobre o Estatuto Político-Administrativo, linha estado no maior silêncio, esperando que, porventura, viesse a admitir algumas - muitas - inconstitucionalidades ao diploma.
A segunda, a meu ver mais grave, é que o Sr. Deputado Guilherme Silva aproveita a oportunidade para dizer que durante este debate ver-se-á quem está com a autonomia e quem está contra a autonomia.
Penso que dizer isso é deturpar as bases deste debate, é insistir num tema que já deu os seus frutos, que acabou, Sr. Deputado Guilherme Silva, e acho que e viciar o debate naquilo que ele tem de essencial e que pode ter de construtivo para o futuro da autonomia, para a sua consolidação e para a sua clarificação no quadro da Nação portuguesa.
Estamos no fim do mês de Maio de 1990, 14 anos volvidos sobre as eleições que dotaram a Região Autónoma da Madeira, nos termos da Constituição, e pela primeira vez, de órgãos de governo próprio.
Ficou então a Madeira em condições de poder corresponder às mais legítimas expectativas e exigências das suas populações, que, desde sempre privadas de um poder democrático e próximo, só nele encontrariam alento e esperança para encarar com mais confiança o futuro que lhes pertence e a que tem inteiro direito.
Já lá vão, repilo, 14 anos, e esta Assembleia está hoje, só hoje, a debater a proposta de lei n.º 134/V, oriunda da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, respeitante ao Estatuto Político-Administrativo desta Região Autónoma.
Trata-se, com efeito, se vier a concluir-se o processo, o que sinceramente desejo, do primeiro estatuto definitivo da Madeira, depois de o PSD ter sistematicamente recusado as propostas apresentadas pelo PS naquela Assembleia e de ter, desta fornia, inviabilizado a sua aprovação ao longo de todos estes anos. Continua a ser o estatuto provisório o que vigora, correndo sérios riscos de se tornar definitivo, o que, prestigiando embora o seu autor, o meu camarada Almeida Santos, não deixaria de
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ser caricato e merecer firme reparo. Nem a democracia nem a autonomia se constróem com base em omissões, mas sim em actos afirmativos e criativos. A indefinição pode circunstancialmente servir alguns, não serve por certo todos, duradouramente.
Acreditamos sempre, por isso, que valia a pena insistir na apresentação das propostas, na sua discussão, e assumir em consequência a sua adopção. Teria permitido, desde sempre, clarificar o relacionamento entre os órgãos de governo próprio e o Governo da República, e com isso evitar conflitos (Ho despropositados quanto estéreis e, em última análise, prejudiciais para a Região Autónoma da Madeira. Ter-se-iam evitado os mal-entendidos - porventura, os bem-mal-entendidos - em todos os domínios, nomeadamente no financeiro, e contribuir-se-ia assim para um desenvolvimento harmonioso da Madeira no quadro global do desenvolvimento nacional, salvaguardadas que fossem as características específicas desta região insular, pela avaliação das suas necessidades e falias e a definição dos meios à sua disposição para as suprir como um imperativo da indispensável solidariedade nacional.
Assim não entendeu o PSD-Madeira, que sempre preferiu a indefinição, o vago, ou mesmo o vazio, para aí manobrar, ameaçar, manipular, propagandear e criticar tudo e todos como responsáveis pelas situações mais ou menos delicadas que a Madeira periodicamente teria que enfrentar. Não é por acaso que para o PSD tudo o que de positivo se fax. a ele e ao seu governo se deve, sendo o Governo da República, esta Assembleia ou qualquer outro órgão de soberania responsabilizado pelos desaires, sobretudo quando esse órgão de soberania não é da sua cor política.
Para que serviria então um estatuto político-administrativo definitivo? Para atrapalhar, por certo, na lógica dos comportamentos adoptados pelo PSD-Madeira e pelo Governo por ele sustentado e indiferente ao lacto de os Açores já há muito possuírem o seu próprio estatuto e de, entretanto, lerem já ocorrido nesta Câmara duas revisões constitucionais, sendo de conceder que, em relação à última, não foi excessivo o tempo passado.
Não é de estranhar, portanto, que o Presidente do Governo Regional - ou o presidente da comissão política regional do PSD, não me recordo da qualidade em que proferiu tal sentença - lenha determinado há anos que não voltaria a haver proposta de lei sobre esta matéria à Assembleia da República.
«Mais vale tarde que nunca», diz-se, e ó para mim gratificante estar hoje a contribuir para um debate que pessoalmente sempre desejei - como se comprovará por intervenções anteriores sobre esta matéria nesta Câmara - e para o qual o meu grupo parlamentar tem a maior sensibilidade e disponibilidade. Estamos, acima de tudo, desejosos que este indispensável instrumento de reforço e clarificação da autonomia regional da Madeira venha a seguir o seu percurso normal, sem acidentes nem entraves que não sejam os que resultam de uma saudável e necessária discussão sobre os conteúdos em apreço.
A proposta de lei ora em discussão parece-nos no entanto estar ferida de algumas normas inconstitucionais- ou de constitucionalidade duvidosa - desnecessárias a merecer a atenção de todos nós no debate na especialidade a travar na Comissão. Sem prejuízo da avaliação sobre esta matéria, já feita pelo meu camarada Almeida Santos, sempre gostaria de sublinhar alguns aspectos que configuram inconstitucionalidades mais evidentes e em alguns casos respeitantes a matérias que foram já objecto de discussão em sede de revisão constitucional, sem terem merecido a maioria exigida para aprovação. Fica-se mesmo com a ideia de que se pretenderia com esta proposta fazer passar o que na revisão constitucional não foi conseguido.
O disposto no n.º 3 do artigo 21.º sobre a abertura solene pelo Presidente da República da primeira sessão de cada legislatura e a organização judiciária na Região Autónoma da Madeira, artigo 8." e seguintes, constituem algumas das questões há pouco genericamente referenciadas, mas a que poderia juntar, por exemplo, o artigo 43.º, que estabelece a responsabilidade exclusiva do governo regional para com a respectiva Assembleia Legislativa, esquecendo ostensivamente o Ministro da República (artigo 233.º, n.º 3), omissão que se repete ao longo do texto em relação a outras competências do Ministro da República, constitucionalmente atribuídas, que são no mínimo deselegantes e injustificáveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer-lhes que estou tanto mais à vontade para o afirmar, quanto é verdade que, em sede de revisão constitucional, votei favoravelmente a eliminação da figura do Ministro da República.
Sem razão de ser afigura-se-me também o n.º 2 do artigo 36.8 N3o tem correspondência no normativo constitucional, artigo 235.º, chegando mesmo a perverter o determinado no seu n.º 2.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso, finalmente, deixar de salientar a escassez dos direitos da oposição parlamentar conseguidos na presente proposta.
Como aceitar que à oposição parlamentar, na Madeira, seja recusada a competência prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 183.º, respeitante à possibilidade de ser ouvida na fixação da ordem do dia? Como evitar a indignação pelo facto de, apesar da insistência, o PSD continuar a não aceitar que a Mesa da Assembleia Legislativa Regional deva ser o símbolo do parlamentarismo, do pluralismo e da democracia e reflecti-lo com toda a clareza?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A abundância e complexidade da matéria em debate não se compadece de todo em todo com a generalidade a que hoje estamos obrigados. Deixaremos para outra sede o exame mais detalhado que se impõe, conscientes de que urge aprovar e dólar a Madeira de um estatuto de que é proponente através da sua Assembleia Legislativa Regional nos termos da Constituição.
Bom seria que o próximo dia l de Julho, dia da Região, pudesse ser também o dia da sua entrada em vigor.
O Grupo Parlamentar do PS naquela Assembleia absteve-se na votação final por discordar de alguns preceitos que não conseguiu ver alterados, mas tal como o Grupo Parlamentar do PS, aqui e agora, empenhados em contribuir para o aperfeiçoamento do texto apresentado e ser parte activa na aprovação do «Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira».
Finalmente!
Aplausos do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se ainda inscrito, para uma intervenção, o Sr. Deputado Guilherme Silva.
Posteriormente, entraremos na análise da proposta de lei n.º 142/V, que diz respeito ao Estatuto da Região Autónoma dos Açores. Em relação a esta proposta de lei
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inscreveram-se já os Srs. Deputados Eurico Mendes, Odete Santos, Rui Silva e Almeida Santos.
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, pede a palavra para que efeito?
A Sr.ª Cecília Catarino (PS.D): - Sr. Presidente, é para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Mota Torres.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Deputado Mota Torres, dado que o tempo de que dispomos é escasso, desejo apenas dizer-lhe duas coisas.
Em primeiro lugar, tive pena de não ler podido aplaudir a sua intervenção, aliás à semelhança do que fez a bancada do PS relativamente às intervenções dos meus companheiros Jorge Pereira e Carlos Lélis, esperando que o façam também relativamente à do meu companheiro Guilherme Silva. E não aplaudi porque V. Ex.ª fez algumas observações que classificaria de extemporâneas, dado o clima de cordialidade e de bom relacionamento que se verificou na Madeira aquando da discussão deste estatuto e igualmente se está a estabelecer, aqui, na Assembleia da República.
Sr. Deputado Mota Torres, quero perguntar-lhe o seguinte: V. Ex.ª quer inventar uma responsabilidade política do governo regional para além daquilo que a Constituição consagra no artigo 233.º? Ou seja, dado que o n.º 3 do artigo 233.º consagra que «o governo regional é politicamente responsável perante a assembleia legislativa regional e o seu presidente é nomeado pelo Ministro da República, tendo em conta os resultados eleitorais», não há uma responsabilização política do governo regional perante outro órgão que não seja o órgão legislativo regional, e daí eu não perceber como é que o Sr. Deputado agora diz que quer que o governo regional tenha uma responsabilidade perante o Ministro da República.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr.ª Deputada Cecília Catarino, a sua intervenção permite-me agradecer-lhe as palavras, apesar de tudo, simpáticas que me dirigiu.
No entanto, acho que fez duas confusões. A primeira, e apesar de considerar que os meus camaradas têm todo o direito de aplaudir - eu próprio o fiz - as intervenções, que citou tem a ver com o facto de eles não sentirem na carne e no espírito aquela pressão que nós sentimos na Madeira ao longo destes anos por sermos minoria, por sermos oposição...
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Não me diga?!...
O Orador: - ... e, portanto, estarem noutras condições.
Também lhe quero dizer que cordialidade não significa falta de frontalidade, e daí eu ter a certeza de que não fui descortês, que não perdi qualquer cordialidade, quer politicamente, em relação aos Srs. Deputados, quer em relação aos Madeirenses, mas sim fui frontal em relação a posições que tenho assumido muitas vezes nesta Assembleia.
Finalmente, devolvia-lhe a questão que me colocou da seguinte forma: sendo certo que o n.º 3 do artigo 233.º - que citou - estatui o que estatui, qual a razão por que o artigo 46.º da proposta de lei do Estatuto Político-Administrativo, ora em apreciação, pura e simplesmente não transcreveu o preceito constitucional e faz a nuance de dizer que tem responsabilidade exclusiva, o que não está previsto na Constituição da República?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mós isso é o desenvolvimento normal da Constituição!
O Sr. Presidente: - Para uma última intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de iniciar a minha intervenção quero fazer um esclarecimento relativamente ao que aqui referiu o Sr. Deputado Mota Torres acerca de uma entrevista que concedi ao Jornal da Madeira e à afirmação, que fiz, de que não havia ainda uma tomada de posição da oposição, aqui na Assembleia, relativamente ao estatuto.
O Sr. António Guterres (PS): - Nem do Governo!
O Sr. Mota Torres (PS): - Nem do PSD!
O Orador: - Quanto a isso devo dizer que a afirmação está perfeitamente conecta e mantenho-a. Procedeu-se à discussão do relatório, que eu próprio elaborei, na 3.ª Comissão, e não houve, aquando dessa discussão, nenhuma revelação, nenhuma abertura por parte dos partidos da oposição relativamente ao Estatuto da Região Autónoma da Madeira.
No que diz respeito ao facto de ler referido que o debate dos estatutos das regiões autónomas, aqui na Assembleia da República, seria o momento para ver quem está com a autonomia ou quem está contra ela, de igual modo a mantenho. V. Ex.ª poderá discordar, mas dado o facto de estarmos em democracia podemos ter opiniões diversas sobre qualquer assunto, e relativamente à afirmação citada eu mantenho-a porque se tem visto que este debate permite fazer essa avaliação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentou a Assembleia Legislativa Regional da Madeira a esta Assembleia a proposta de lei n.º 134/V, visando a aprovação do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, destinado a substituir o Estatuto Provisório vigente.
Sendo o direito um todo e afigurando-se sempre relativa a discussão da importância dos normativos em função dos institutos que regulam, ou dos sectores a que se destinam, não será de lodo adequado levantar aqui a questão da importância maior dos diplomas em debate.
Creio, porém, estarmos todos de acordo em que as propostas de lei, ora em apreciação, pela sua inserção no âmbito da estrutura político-administrativa do Estado e pelo valor que a Constituição lhes confere no domínio da hierarquia das leis, constituem textos legislativos particularmente relevantes que justificarão, plenamente, para além da presente discussão na generalidade, aprofundada reflexão e debate na especialidade.
Devem muito as autonomias regionais ao regime decorrente da Constituição de 1976, que instituiu nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores os órgãos de
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governo próprio - a Assembleia Regional e o Governo Regional. Não se pense, porém, que a autonomia, como verdadeiro movimento político-social, nasceu, então, como fruto de conjuntura política ou como resultante da implantação da democracia.
Não é demais, nestas ocasiões, lembrar a história, não só porque ela permite compreender melhor os anseios e preocupações que em cada momento as diferentes comunidades revelam, mas, também porque, neste caso, sendo a história das regiões autónomas o é igualmente a história de Portugal.
Permitir-me-ão, pois, que, antes de me debruçar, em concreto, sobre a proposta de lei n.º 134/V, teça algumas considerações de carácter histórico.
Aliás, o n.º 1 do artigo 227.º da Constituição leve o cuidado, o acerto e o realismo de consignar que «o regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares».
É, pois, indispensável ter presente na análise da proposta de lei em apreciação os preceitos constitucionais relativos às regiões autónomas e os antecedentes históricos que justificaram o regime de autonomia política e administrativa que a Constituição lhes conferiu.
Não tem cabimento trazer à colação, aqui e agora, as polémicas e opiniões que dividem os historiadores quanto ao momento exacto e circunstâncias em que se dá o «achamento» ou «descoberta» das ilhas que compõem o arquipélago que hoje constitui a «Região Autónoma da Madeira». Parece, no entanto, historicamente assente que já em documentos náuticos do século XIV se assinalam as ilhas do Porto Santo e da Madeira. O certo, porém, é que os historiadores consideram dever-se a (re)descoberta das ilhas aos navegadores portugueses João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, o Porto Santo em 1419 e a Madeira no ano seguinte, 1420.
Importa registar que o Infante D. Henrique cedo se deu conta de que as ilhas, merco da distância, processo de povoamento e demais condicionalismos, não podiam ser governadas nem administradas da mesma forma que o era o território português da Península. Foi assim que instituiu a Capitania do Porto Santo, de que ficou donatário Bartolomeu Perestrelo, a Capitania de Machico, de que ficou donatário Tristão Vaz Teixeira e a Capitania que abrangia o Funchal e a parte restante da ilha da Madeira, de que ficou donatário João Gonçalves Zarco.
Na linha de tais preocupações as cartas de doação, que instituem as Capitanias, conferem, desde logo, amplíssimos poderes aos donatários. Escreve a este respeito o historiador madeirense padre Fernando Augusto da Silva: «Não é, portanto, de estranhar que ao investir Gonçalves Zarco, Tristão Vaz e Bartolomeu Perestrelo na direcção das três Capitanias em que foi dividido o arquipélago, lhe tivessem outorgado tão amplas faculdades de Governo no regimento a que Gaspar Furtuoso várias vezes se refere e em particular expressas nas cartas de doação aos mesmos donatários.
Com o estabelecimento dessas Capitanias criou-se um sistema de administração que posteriormente se estendeu às ilhas açorianas e às terras do Brasil, havendo perdurado por dilatados anos e produzido resultados apreciáveis, apesar das deficiências e imperfeições que continha.» A este propósito escreveu também o experimentado jurista, Augusto da Silva Branco Camacho: «As carias de doação das ilhas aos capitães donatários concediam-lhes, com efeito, amplos poderes do Governo com jurisdição civil e criminal, reservando à Coroa, apenas o direito de fazer guerra e paz, cunhar moeda e aplicar penas que implicassem talhamento de membro.» Noutro estudo, intitulado «Em defesa da autonomia administrativa das ilhas adjacentes», o mesmo autor, depois de denunciar que constitui erro grosseiro situar o início da autonomia insular no século passado, com Hintze Ribeiro e Vicente de Freitas, escreve: «Temos por assente que os primeiros documentos oficiais outorgados por autoridade competente, como hoje se diria, e constitutivos da mais ampla autonomia insular foram as Cartas de Doação do Infante D. Henrique.»
Não deixou, porém, o desenrolar da história e dos diversos movimentos e tendências que se foram registando em Portugal de influir na maior ou menor amplitude dos poderes políticos e administrativos próprios das ilhas. Assim, a forte tendência centralizadora, que veio a ter em D. João II o expoente da «centralização monárquica», não deixou de se repercutir no governo e administração das ilhas, culminando com a criação dos Governos das Capitanias Gerais em 1776.
No entanto, documentos da época atestam que, apesar da tendência centralizadora que levou à sua criação, os governadores capitães gerais mantiveram, ainda, amplos poderes políticos, administrativos e jurisdicionais.
Porém, foi-se ainda mais longe na centralização ao impor-se uma uniformização administrativa através dos Códigos Liberais. Tais medidas centralizadoras estiveram na base da intensificação, no fim do século passado, do movimento autonomista desencadeado por intelectuais e políticos insulares que ganhou notória repercussão na imprensa e no Parlamento.
É por força deste movimento que se vem a conseguir retomar a descentralização administrativa, em relação às ilhas, designadamente, através do Decreto de 2 de Março de 1895 (Lei Hintze Ribeiro), alterado, posteriormente, por Lei de 12 de Junho de 1901 e aplicada à Madeira por Decreto de 8 de Agosto de 1901, que criou a Junta Geral do Distrito.
O Estado Novo, apesar das suas tendências fortemente centralizadoras, não deixou de manter um regime especial para as ilhas adjacentes, quer através do Decreto n.º 15 035, de 16 de Fevereiro de 1928, quer, posteriormente, pelo Decreto n.º 31 098, que, em execução da Lei n.º 1967, de 3 de Abril de 1966, aprovou o «Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes», mais tarde alterado pelo Decreto n.9 36453, de 4 de Agosto de 1947.
Como é evidente, porém, não há plena autonomia sem democracia, pelo que só com o Movimento do 25 de Abril de 1974 aquela veio a ter expressão política e institucional significativa e merecida consagração constitucional.
Não deixa de ser curiosa a forma prudente como Augusto Branco Camacho se refere, na obra já citada, ao estádio da autonomia e seus antecedentes em período anterior a 1974. Escrevia, então, aquele jurista: «A relativa autonomia de que gozam actualmente os distritos das ilhas adjacentes tem uma tradição tão longínqua que vai encontrar as suas mais profundas raízes no período das descobertas e se prolonga até ao regime liberal, que, com a introdução do tipo uniforme de administração, cerceou aquelas liberdades de acção dos governos locais que não eram concessões de favor ou privilégios, mas antes resultavam de uma experiência feita de longos anos, onde
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o bom senso e o tino de bem servir os povos sempre estiveram presentes.»
A Constituição da República de 1976 veio a reservar um título próprio às regiões autónomas, consagrando o princípio da autonomia política e administrativa que viria a ter como seus pilares fundamentais a Assembleia Regional e o Governo Regional. Referia-se o artigo 228.º da Constituição, desde logo, aos estatutos político-administrativos e à forma de os elaborar e aprovar, disposição esta a que veio a ser aditado um n.º 4, aquando da revisão de 1982, tornando expresso que a mesma tramitação se aplica às suas alterações.
Na última revisão constitucional apenas se introduziu, no artigo 228.º, a alteração decorrente da circunstância de as «Assembleias Regionais» terem passado a designar-se por «Assembleias Legislativas Regionais».
Continha, porem, a Constituição de 1976, na sua versão originária, e entre as suas disposições transitórias preceito (artigo 302.º) que estabelecia o seguinte:
2 -Até 30 de Abril de 1976, o Governo, mediante proposta das Juntas Regionais, elaborará por decreto-lei, sancionado pelo Conselho da Revolução, estatutos provisórios para as regiões autónomas, bem como a lei eleitoral para as assembleias regionais.
3 - Os estatutos provisórios das regiões autónomas estarão em vigor até serem promulgados os estatutos definitivos a elaborar nos termos da Constituição.
Foi em cumprimento do preceito constitucional transcrito que, através do Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril, se aprovou o «Estatuto Provisório da Região Autónoma da Madeira», alterado, pouco depois, pelo Decreto-Lei n.º 427-F/76, de 1 de Junho, que se ficou a dever, mais uma vez, à «pena» do Sr. Deputado Almeida Santos.
É este o estatuto ainda actualmente em vigor.
Aliás, subsiste na Constituição disposição - artigo 297.º (anterior artigo 294.º) - que estabelece que «o Estatuto Provisório da Região Autónoma da 'Madeira continua a vigorar até à data da entrada em vigor do correspondente Estatuto Definitivo».
A proposta de lei n.º 134/V, ora em apreciação, não constitui, porém, a primeira iniciativa da Assembleia Legislativa Regional da Madeira no sentido de fazer aprovar, na Assembleia da República, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, dito definitivo, como já aqui referiu o Sr. Deputado Jorge Pereira.
Efectivamente, foram presentes à Assembleia da República pela então Assembleia Regional da Madeira, a proposta de lei n.º 103/1 e a proposta de lei n.º 295/1, em anteriores legislaturas e que se destinavam à aprovação do Estatuto Político-Administrativo.
Sucede que, por razões de inconstitucionalidade, num dos casos (conforme declaração da Comissão Constitucional e do Conselho da Revolução), e por razões de termo da legislatura, noutro, não se concluiu o processo legislativo conducente à aprovação definitiva do Estatuto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia Legislativa Regional da Madeira, pedra-base da autonomia regional, e a um tempo a depositária dos valores históricos a que me referi e o motor que os perspectiva para o futuro, no quadro institucional que a Constituição lhe reservou e reserva.
A proposta de lei de Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira tem, assim, raízes numa ancestral idade que antecede, em séculos, a estrutura constitucional actual.
Importa agora apreciar em lermos de generalidade, como é da natureza desta fase do debate parlamentar, a proposta de lei n.º 134/V.
Em termos gerais, podemos dizer que a proposta de lei em causa abarca o conjunto de matérias já tratadas quer pelos estatutos provisórios quer pelo Estatuto Definitivo da Região Autónoma dos Açores, agora em vias de alteração.
Depois de uma parte reservada aos princípios gerais, em que se define o âmbito territorial da Região, bem como a sua estrutura político administrativa em conformidade" com o constitucionalmente estabelecido, e se consagra de forma inequívoca a precedência e honra devidas à Bandeira Nacional, reserva-se um título à organização judiciária da Região.
Referem-se os tribunais já existentes, cria-se um Tribunal Administrativo de Círculo, um Tribunal Fiscal Aduaneiro e um Tribunal Tributário de 1.ª instância.
A Constituição da República consigna, no seu artigo 20.º, que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais.
Cabe aqui perguntar se constitui garantia de tal direito para os portugueses da Madeira terem de recorrer, em caso de impugnação de actos da administração local e regional, para um longínquo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ou para o igualmente longínquo Supremo Tribunal Administrativo, o mesmo acontecendo em relação ao Tribunal de Alfândega de Lisboa no âmbito de algumas questões de natureza aduaneira... - isto para não falar já desta coisa espantosa: o tribunal competente para conhecer de questões de natureza fiscal de toda a Região Autónoma da Madeira é o Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Santarém!...
Vale a pena concluir a história que desembocou em tal solução.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Isso tem de ser resolvido, mas não no Estatuto!
O Orador: - Anteriormente a 25 de Abril de 1974, criaram-se tribunais tributários de 1.ª instância em todas as sedes de distrito, incluindo o Funchal. Quando se tratou de implementar a sua instalação e funcionamento verificou-se que as verbas eram insuficientes, sendo necessário reduzir o número de tais tribunais, cumulando alguns deles a competência de outra área territorial. A solução mais avisada, como não podia deixar de ser, foi a de o Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Santarém acumular competência relativamente à área do então distrito do Funchal.
Não foram, com certeza, razões de continuidade geográfica que determinaram tão insólita solução ainda vigente!...
Prevê-se, também, a adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos constitucionalmente previstos, reduz-se o número de deputados à Assembleia Legislativa Regional, que passa de 53 para 44, o que é mais adequado à dimensão da Região e operacionalidade do Parlamento Regional.
Estabelece-se que o Presidente da República possa presidir à sessão de abertura da legislatura, o que só
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contribui para a dignificação da Assembleia Legislativa e reforço da unidade nacional.
Reconhecem-se e reforçam-se os direitos da oposição; define-se a competência da Assembleia Legislativa e elencam-se, de forma não exaustiva, as matérias de interesse específico; regulamenta-se o estatuto dos deputados à Assembleia Legislativa Regional; definem-se a estrutura, competência e funcionamento do Governo Regional e o estatuto dos seus membros; aclara-se o relacionamento entre os órgãos de governo próprio da Região e os órgãos de soberania, bem como o regime económico-financeiro, incluindo a definição do património regional; cria-se um círculo eleitoral que abrange os nossos emigrantes; garante-se um serviço mínimo para os transportes aéreos no caso de greve.
Trata-se de um texto bem elaborado, com preocupação de enquadrar a estrutura político-administrativa da Região nos parâmetros constitucionais, bem como garantir a correcção de desigualdades decorrentes da insularidade.
Naturalmente, em sede de debate na especialidade introduzir-se-ão alterações, melhorias e correcções, como sempre acontece na elaboração e aprovação de qualquer texto legislativo.
Caberá, porém, à Assembleia Legislativa Regional, constitucionalmente, avaliar de tais alterações e do interesse para a Região da aprovação definitiva do Estatuto, se e enquanto instrumento de reforço e consolidação da autonomia regional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A circunstância e até a coincidência de se discutirem na mesma sessão plenária os Estatutos das duas Regiões Autónomas 6 facto que merece especial registo e constitui rara oportunidade de se debaterem as autonomias regionais nesta Câmara, contribuindo para o seu aprofundamento e desmistificação.
E tempo de ser pôr termo a suspeições infundadas, que corroem o Estado e perturbam o bom relacionamento institucional das Regiões com os órgãos de soberania.
A «autonomia» como fenómeno político e social não pode deixar de ser dinâmica e evolutiva.
Não há que ter medo da autonomia progressiva que tem como natural limite a unidade nacional e que, por isso, tem de ser construída e desenvolvida em plena e recíproca solidariedade.
Que a proposta de lei do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, agora em debate, venha a constituir um instrumento mais para o engrandecimento de Portugal, como sempre acontece, e que uma das parcelas do seu território conquiste melhorias sejam sociais, sejam institucionais.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate da proposta de lei n.º 134/V - Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Informo VV. Ex.ªs de que a votação desta proposta de lei e da que vamos apreciar de seguida terá lugar na próxima quinta-feira.
Entretanto, como grande parte do debate já incidiu sobre a proposta de lei relativa aos Açores, prevejo que se possa terminar a sessão de hoje a uma hora relativamente pouco ortodoxa.
Vamos agora iniciar, formalmente, o debate da proposta de lei n.º 142/V - Segunda Revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Mendes.
O Sr. Eurico Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa e o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, articulados com aquela, são os dois documentos, as duas «cartilhas» que suportam, fundamentam e permitem exercer e desenvolver as autonomias do arquipélago. Neles se contém um conjunto de princípios e disposições que regem os povos daquela parcela de Portugal separada, é certo, por distância marítima considerável, mas separada, sobretudo, por um tempo imenso de abandono e isolamento económico, social e cultural que urge recuperar no mais breve espaço de tempo e que se constitui num imperativo nacional.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A autonomia para os Açorianos foi historicamente e sempre uma aspiração muito presente, muito desejada, mas muito difícil de obter. À força de muito batalhar, mercê do 25 de Abril e da regeneração nacional e reabilitação democrática que se operou em Portugal, finalmente Açores e Madeira conseguiram atingir a plataforma daquelas legítimas ambições. E todos ficaram a ganhar: os ilhéus, porque vão construindo e consolidando os seus órgãos de governo próprio; o resto do País, porque, assim, vê com a prática e exercício das autonomias realçados e fortalecidos dois conceitos de grande significado e importância no seu devir histórico: o da diversidade e o da unidade nacional, ou melhor, o da desejável diversidade na unidade. Ao reconhecer a nossa diferença, a nossa individualidade e a nossa especificidade, o Estado fortalece-se e dignifica-se; não perde, ganha!
Ocorrida em 1989, no ano que passou, a revisão da Constituição da República veio em si mesma determinar e impor a necessidade de, pelo lado da Região Autónoma dos Açores, se proceder também a uma revisão de preceitos estatuários, compatibilizando-os com aquela Lei Fundamental.
Assim, nos começos deste ano, os parlamentares açorianos dos quatro partidos políticos com representação na Assembleia Legislativa Regional lançaram-se com entusiasmo naquela tarefa de rever e de adaptar o seu Estatuto.
Os deputados regionais - é justo e oportuno reconhecê-lo - não se quiseram ficar apenas na simples transposição para o Estatuto das alterações que a Lei Constitucional n.º 1/89 havia operado. E foram mais além: partindo, não poucas vexes, de posições e pontos de vista divergentes, superando as naturais dificuldades advenientes dessas diferentes formas de entender a realidade regional, afastando os seus interesses estritamente político-partidários, souberam, com trabalho exemplar, dignificar os Açores e as suas instituições.
Neste capítulo seja-me permitido notar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o meu partido, o Partido Social-Democrata, tinha acrescidas responsabilidades: em primeiro lugar, porque sempre tem sido um manifesto defensor das autonomias regionais, compreendendo desde cedo, desde logo após a Revolução de Abril, que a modernidade do País e o seu lugar numa Europa em profundas transformações, numa Europa que é a Europa das regiões, passava por uma plena capacitação das po-
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pulações insulares e pela possibilidade de, elas próprias, elencarem e resolverem os seus problemas e materializarem os seus anseios no quadro geral da unidade do Estado.
Honra-nos a nós, sociais-democratas, essa capacidade de ter entendido com eficácia a mensagem do nosso tempo que é um tempo novo.
Quem, de entre nós, contesta hoje que Portugal se tornou mais livre e mais forte, mais solidário e mais respeitado depois que se foi capaz de quebrar a sua ancestral tendência imperial e centralista? E, todavia, será que foi? Esperemos que sim!
Em segundo lugar, o PSD, porque tem sido o maior partido na Região e porque desde sempre nela é Governo, pela experiência activa que tem adquirido e pela confiança que nele depositam os cidadãos regionais, vê acrescida a sua alta responsabilidade de explorar e desenvolver as virtualidades e possibilidades que a Constituição e o Estatuto revistos garantem.
Todavia, nesta matéria de tão elevada grande/a, no desafio que a toda a hora se nos depara, é correcto e necessário reconhecer também que as demais formações partidárias com assento no Parlamento Regional igualmente se envolveram ou se têm vindo a envolver nas questões da consolidação e da defesa dos valores autonômicos, criando não raros momentos de verdadeira unidade regional ao sobrepor interesses que são de todos nós aos seus interesses de ordem partidária, legítimos embora.
De tal forma isto é verdade que, na Assembleia Legislativa Regional, pudemos ouvir o líder do maior partido da oposição nos Açores, o Partido Socialista, dizer aquando do debate da revisão: «Pude avançar, há cerca de dois meses, a garantia de que o PS na Assembleia da República, se fosse encontrado esse amplo consenso, daria aprovação integral à proposta que saísse desta Assembleia Regional».
Mas não são apenas os responsáveis pelo PS... No decurso do debate, um deputado do CDS dizia: «Estamos convencidos, pois, de que a Assembleia Regional mais uma vez vai apresentar uma proposta à Assembleia da República que dignifica esta Região e vai merecer genericamente a aceitação daquele órgão de soberania, porque é uma revisão seria, realista e respeitadora do quadro constitucional que nos une, traduzindo ao mesmo tempo as mais legítimas aspirações do povo que honrosamente representamos.»
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Mas também do PCP nos vêm sinais da bondade do sistema autonômico. Na Assembleia Legislativa Regional, no momento do encerramento da discussão da revisão, o seu deputado afirmava: «Importa chamar a atenção, uma vez mais, para o facto de ter havido um esforço abrangente no sentido de se chegar a soluções tilo consensuais quanto possível. Hoje, é claramente aceite por todos ser importante para esta Região Autónoma e para a autonomia a existência de um Estatuto que resulte do empenhamento das várias correntes de opinião e cumpre, sublinhar que se soube, no fundamental, aproveitar esta ocasião para enriquecer o Estatuto com preceitos que resultam de experiências tidas.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou terminar, pois outros meus companheiros eleitos pelos Açores também quererão falar e dizer de sua justiça sobre esta matéria.
No entanto, em jeito de súmula, lembro a esta Câmara que no conjunto do total de artigos contidos no Estatuto da Região Autónoma dos Açores 23 s2o modificados na sua redacção, a sete deles suo feitos aditamentos, sendo dois deles, pura e simplesmente, eliminados.
Na revisão a que se procedeu debateram-se questões de manifesta importância para uma melhor e mais correcta governação regional, que a todos interessa e a todos beneficia.
Destacarei a título de exemplo três dessas questões, deixando para debate na especialidade o que sobre elas se proporcionar dizer e aprofundar:
Primeira, a nova organização e divisão dos círculos eleitorais da Região (artigo 11.º);
Segunda, o modo de definição, com base em critérios de capitação, da participação da Região no montante global das receitas fiscais do Estado e das Regiões Autónomas (artigo 95.º, n.º 2);
Terceira, a criação de um círculo eleitoral ao Parlamento Europeu sobre o qual o autor do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais muito judiciosamente observa que essa mesma criação implica, obviamente, uma opção política.
Como de costume, no diálogo institucional que a Assembleia Legislativa Regional tem procurado manter com este órgão de soberania nos momentos mais importantes da vida política regional, não há muito tempo uma delegação daquela Assembleia visitou-nos, «batendo à porta» de iodos as formações partidárias que se sentam nesta Sala. Todos se fizeram representar e todas as direcções partidárias parlamentares da Assembleia da República lhes abriram as portas. Vinham apresentar oficialmente a cada um dos partidos a revisão do Estatuto e oferecer-se para quaisquer esclarecimentos complementares. Todos os deputados do PSD e do PS, eleitos pelos Açores a esta Assembleia acompanharam a visita, testemunhando a cordialidade geral, sem vislumbrarem entraves ou reticências ao documento que todos, sem excepção, já conheciam, melhor ou pior.
Nessas reuniões mostrou-se o desejo de que, aprovado o Estatuto, como se espera, ele possa ser promulgado por Sua Ex.ª o Sr. Presidente da República, aquando da sua deslocação aos Açores para inauguração das novas instalações da Assembleia Legislativa Regional, na cidade da Horta, no próximo dia 15 de Junho.
Vai ser um momento de particular e raro significado para todos nós e um marco da maior conquista que ao longo da nossa história de cinco séculos os Açorianos fizeram o que se deseja perene: a da sua autonomia política, administrativa, financeira e cultural.
Saibamos também nós, Assembleia da República, albergar esse espírito de autonomia perene, dando a nossa aprovação às propostas em apreço.
Aplausos do PSD e do PS.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que o debate acerca da segunda revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região
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Autónoma dos Açores irá deixar bem claro, mais do que o debate sobre o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, que o percurso do questionamento sobre o conteúdo da autonomia regional conheceu, depois de momentos iniciais de grande confronto, uma continuada reflexão, de forma cada vez mais desapaixonada, sobre o sentido dessa mesma autonomia com respeito pela unidade do Estado.
Na primeira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores conseguiram-se consensos. O Grupo Parlamentar do PCP tem vindo - aqui e na Assembleia Legislativa dos Açores - a dar o seu contributo para o aperfeiçoamento do conteúdo da autonomia, o que até ressaltou da intervenção do Sr. Deputado do PSD quando citou aqui afirmações feitas pelo meu camarada.
Algumas veleidades sobre os poderes das Regiões Autónomas, vindas nomeadamente da Região Autónoma da Madeira - e é fatal que neste debate de hoje, dedicado às regiões autónomas, se faça a comparação entre as duas propostas - foram mesmo buriladas através da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que assim apurou alguns preceitos legislativos menos conformes com a Constituição. Por isso, penso que temos a nossa acção simplificada.
Chegamos ao debate de hoje em tom mais ameno, pelo que se não compreende a teimosia em ressuscitar questões já ultrapassadas - estou a referir-me ao Estatuto da Região Autónoma da Madeira.
Visto estarmos hoje, nesta Assembleia, a discutir o Estatuto dos Açores, é a proposta da Região Autónoma dos Açores a que se apresenta mais conforme ao tratamento que à autonomia regional tem vindo a ser dado, quer na Assembleia da República, quer no Tribunal Constitucional.
Regista-se, por exemplo, quanto à organização judiciária, que enquanto o Estatuto da Região Autónoma da Madeira legisla sobre organização judiciária - inclusivamente em matéria de recursos (c por que não, poder-se-ia perguntar, sobre o Código do Processo Civil, sobre alçadas, sobre custas judiciais), matéria que, obviamente, não pode competir a um estatuto-, a proposta da Região Autónoma dos Açores estabelece um princípio a que não temos dificuldade alguma em aderir: o de que a organização judiciária nacional deverá ser adaptada às necessidades próprias da Região.
De facto, a descontinuidade geográfica pode, e deve mesmo, determinar essa adaptação. Sempre defendemos - e veja-se, por exemplo, o nosso projecto de revisão constitucional - a aproximação da justiça dos cidadãos. Ora, a descontinuidade geográfica tem de determinar medidas especiais que possibilitem tal aproximação.
Mas se, no confronto geral com a proposta da Região Autónoma da Madeira, a segunda revisão do Estatuto dos Açores sai claramente vencedora, também se verifica que esta proposta não se furta a algumas críticas que devem referir-se, por forma a que, com proveito, se venha a obter, rapidamente, um consenso alargado. E, num dos pontos, a proposta da Assembleia Legislativa dos Açores claudica frente à da Assembleia Legislativa da Madeira, ao contrário do que na generalidade se verifica, precisamente em sede de matéria eleitoral.
Não pode deixar de anotar-se que, prenhe em veleidades, a proposta da Região Autónoma da Madeira não se aventurou em matéria de lei eleitoral para o Parlamento Europeu, enquanto a dos Açores vai por esses caminhos.
Não se discutirá a legitimidade da pretensão da Região Autónoma em ler representantes seus no Parlamento Europeu. A questão não é, de facto, essa! Parece-nos mais do que evidente que o Estatuto não é a sede própria para a inclusão de tal matéria.
De facto, o regime especial de aprovação da lei estatutária conduz a que, face à rigidez da mesma, se furte à Assembleia da República a possibilidade de vir alterar as disposições em matéria eleitoral, independentemente da vontade regional. E penso que há uma limitação inconstitucional dos poderes da Assembleia da República.
Assim, o artigo 82.º-A propõe-se ocupar um espaço jurídico de uma lei comum da República. Ora, isto não pode aceitar-se!
Afiguram-se também como passíveis de críticas as propostas relativas aos artigos 95.º, n.º 2, alínea t), e 101.º De facto, não tem cabimento fixar-se, como receita da Região, o produto das privatizações. A este propósito, remeto para o debate que se travou em relação ao Estatuto da Região Autónoma da Madeira.
O artigo 109.º da Constituição da República determina que é na Lei do Orçamento do Estado que se estabelecem as transparências orçamentais para as regiões autónomas. Pretender que se estabeleça, estatutariamente, que o produto das privatizações pertence à Região Autónoma é condicionar o próprio Orçamento do Estado através da fixidez do Estatuto. Também não pode ter sede estatutária a determinação da fixação de critérios de capitação - ainda para mais definidos pelo Governo, como consta da proposta- para definir a participação da Região no montante global das receitas fiscais do Estado e das regiões autónomas.
Essa é matéria para uma lei de enquadramento da autonomia financeira, da competência da Assembleia da República, através de uma lei comum.
Do mesmo vício enferma, em nossa opinião, a proposta para o artigo 101.º do Estatuto, que entra por uma matéria que entendemos dever caber a uma lei das finanças regionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se vê, embora se constate alguma pacificação no debate político sobre autonomia regional, a situação não será ainda - e para repescar uma expressão do Sr. Deputado Guilherme Silva no seu parecer sobre a proposta da Região Autónoma da Madeira - a própria de uma epanáfora amorosa.
A proposta de revisão do Estatuto da Região Autónoma dos Açores demonstra - apesar de tudo e apesar de eu já ter reconhecido que se tratava de uma proposta séria - que se pretendeu ir além do que se obteve na revisão constitucional.
Para nós, a revisão do Estatuto devia quedar-se na adaptação ao novo texto constitucional.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Exactamente!
A Oradora: - Para quê, Srs. Deputados, ir para além disto, através de disposições duvidosas?
As respostas necessárias às exigências do desenvolvimento da Região não passam por essas soluções. E o que é preciso é encontrar, de facto, a via para o desenvolvimento das regiões periféricas.
É óbvio que o PSD, através de sucessivos ciclos de governação nos Açores - que parece estarem a aproximarem-se do fim - é incapaz de, nas regiões autónomas, encontrar as vias do desenvolvimento. E o que não consegue fazer através da acção política, através do alaran-
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jamento esmaecido da Região Autónoma dos Açores, também não o conseguirá através das medidas estatutárias que se referiram.
Cremos que o equilíbrio da proposta da segunda revisão do Estatuto claudica até de uma maneira perigosa porque não está afastada (e pode prever-se) a possibilidade de haver uma fiscalização do Tribunal Constitucional face a algumas das propostas, ou até a questão do veto na matéria eleitoral relativa ao Parlamento Europeu.
Desta forma, poderá não conseguir-se aquilo que o Sr. Deputado do PSD referiu e que também nós gostaríamos que se concretizasse: a aprovação desta segunda revisão do Estatuto a tempo de entrar em vigor no dia 15 de Junho.
Desejamos que isto corra célere nesta Assembleia da República e que se obtenha, rapidamente, essa aprovação- se possível, para o dia 15 de Junho. Nós comprometemo-nos a trabalhar nesse sentido, mas é óbvio que lerá de haver consensos em relação a algumas das matérias que referi ou mesmo em relação a todas elas.
Pela nossa parte, como disse, reafirmamos aqui, mais uma vez, a nossa disponibilidade para trabalhar no sentido de esta segunda revisão constituir um novo passo em defesa da autonomia.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Álvaro Dâmaso e Vargas Bulcão.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Dâmaso.
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - Sr.ª Deputada Odete Santos, gostei bastante de ouvi-la e agradeço sinceramente o desejo que manifestou na parle final da intervenção.
Mas, tal como a Sr.ª Deputada Odete Santos não concordou com toda a proposta que aqui está presente respeitante à segunda revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, eu também não concordei com tudo quanto disse, nomeadamente no que diz respeito às privatizações.
De facto, julgo que faz sentido incluir no elenco das fontes de receita regional o produto das privatizações. Mas que privatizações são estas? São as que respeitam às empresas nacionalizadas ou de capitais públicos situadas na Região Autónoma dos Açores, que são pertença dessa Região e que são tuteladas pelo governo regional. São estas as privatizações, Sr.ª Deputada! Aliás, nem de outra maneira poderia ser porque a Assembleia da República aprovou recentemente uma lei quadro que diz precisamente isso.
Penso que a Sr.ª Deputada não tinha esse entendimento! Assim, a primeira questão que coloco é a esta: quando a Sr.ª Deputada, ao falar nas privatizações, disse que não concordava com esta referência no Estatuto refere-se ao produto das privatizações respeitantes às empresas nacionalizadas e com sede e actividade nos Açores ou à partilha do produto das privatizações das empresas nacionais?
A segunda questão de ordem geral relativamente à qual não posso manifestar concordância é a que diz respeito à forma como a Sr.ª Deputada aqui fez o confronto entre os Estatutos da Região Autónoma da Madeira e da Região Autónoma dos Açores. Ora, não gostei de ouvir isso, Sr.ª Deputada! Aliás, isso não lhe fica bem porque não estamos num campeonato!
Agradeço as referências elogiosas que fez ao Estatuto da Região Autónoma dos Açores, mas não posso deixar de fazer uma observação relativamente àquelas que fez - e que não são tão elogiosas - quanto ao Estatuto da Região Autónoma da Madeira. Não se trata de um campeonato nem de saber quem é que vai à frente! O que gostaríamos era que no fim deste debate, na generalidade e depois na especialidade, a Assembleia da República fizesse com que as duas regiões fossem, simultaneamente, à frente.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, há mais um orador inscrito para formular pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Vargas Bulcão.
O Sr. Vargas Bulcão (PSD): - Sr.º Deputada Odeie Santos, corroboro as afirmações do Sr. Deputado Álvaro Dâmaso relativamente à sua intervenção, a qual foi feita num tom sereno, o que, de certo modo, comprova que as questões relacionadas com os Açores reúnem sempre um certo consenso nesta Câmara. De facto, é isso que tem acontecido! Permito-me recordar aqui as duras batalhas que se travaram na discussão do Orçamento do Estado e aquela que ocorreu aquando da última revisão do Estatuto da Região Autónoma dos Açores, em que, tendo algumas dúvidas até ao fim, o Partido Comunista Português acabou por tomar uma posição também consensual, conseguindo-se aqui uma votação por unanimidade - aliás, na sequência daquilo que aconteceu na própria Assembleia Regional. Ressalvo este aspecto porque a intervenção da Sr.º Deputada foi precisamente nesse sentido.
Sr.ª Deputada, a primeira questão que vou colocar já foi aqui abordada e diz respeito às receitas das privatizações. Creio que V. Ex.ª fez uma interpretação menos rigorosa daquela que se pretende quando se fala das receitas das privatizações, na medida em que não estamos aqui a falar das privatizações em geral mas apenas das que se referem às empresas regionais e só a essas. Portanto, é lógico que as receitas dessas privatizações revertam para o orçamento regional.
Uma outra questão que gostaria de colocar diz respeito à lei eleitoral para o Parlamento Europeu. Se bem entendi a sua intervenção, aquilo que a Sr.ª Deputada quis dizer foi o seguinte: se vamos consagrar em termos de Estatuto a lei eleitoral para o Parlamento Europeu, depois de isso ficar lá consignado torna-se extremamente difícil alterar, dada a especificidade muito própria desse estatuto. Portanto, essa deverá ser uma questão a tratar pela Assembleia da República e num âmbito mais geral.
Ora, se bem entendi aquilo que referiu, no caso açoriano a Sr.ª Deputada não está contra a criação de um círculo. Digo isto porque V. Ex.ª frisou que o Estatuto da Madeira não abordava essa questão, mas que não estava contra a criação, embora noutra sede, de um círculo açoriano para o Parlamento Europeu.
Peço-lhe, pois, que concretize melhor esta questão. Apenas não concorda com o tratamento nesta sede ou, em
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termos de ideia, está de acordo com a criação do círculo? Gostaria que me desse uma explicação acerca deste assunto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.º Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Álvaro Dâmaso, creio que lhe fica bem vir aqui reclamar pelo facto de em certos pontos eu ter feito algum confronto entre esta proposta de lei e a anterior. Fica-lhe bem isso, pois é uma atitude de delicadeza em relação aos seus companheiros da Madeira.
Sr. Deputado, havendo aqui hoje duas propostas de lei que dizem respeito à autonomia regional, 6 evidente que vamos ver quais s3o as soluções apontadas num e no outro lado. Registo, pois, essa sua delicadeza e nada mais tenho a comentar!
Em relação à questão das privatizações - e mais uma vez vai haver aqui um confronto -, a verdade é que eu vinha «traumatizada» com aquilo que tinha ouvido referir no debate anterior pelos Srs. Deputados da Região Autónoma da Madeira. Como a vossa proposta lambem n3o esclarece bem isto - ela diz só «o produto das privatizações»-, pensei que a solução seria igual. Daí as referencias que fiz a essa questão!
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Convém clarificar!
A Oradora: - Certamente, teremos de clarificar isso!
O Sr. Deputado Vargas Bulcão referiu-se também às privatizações, mas creio que já respondi a isso.
Em relação à questão do Parlamento Europeu eu não disse que estava de acordo com a criação desse círculo eleitoral. O que afirmei foi que compreendia que os açorianos tivessem essa aspiração.
A lei eleitoral que está em vigor provou e, portanto, creio que em relação a essa matéria não há que alterar nada: a lei é boa, serve e deverá continuar em vigor! As minhas palavras não foram bem entendidas e foi por isso que as quis clarificar.
Sobre esta matéria gostaria de recordar o acórdão do Tribunal Constitucional sobre o Estatuto da Região Autónoma da Madeira. Esse acórdão n2o se pronunciou sobre a questão da inclusão da matéria eleitoral em sede de estatuto porque tal não foi solicitado pelo Sr. Presidente da República. Quanto a este problema da lei eleitoral da Região Autónoma da Madeira cita-se no princípio do acórdão a questão da inclusão da matéria eleitoral em sede estatutária. Tenho muitas preocupações na colocação de disposições deste género porque me parece que esta é uma matéria que não deve ficar em sede estatutária. O estatuto é uma lei reforçada e, de facto, a Assembleia da República perde iniciativa legislativa em matérias que são da sua competência. Portanto, creio que isso não deveria cá estar.
Por último, agradeço as palavras dos Srs. Deputados, o tom ameno em que as proferiram, não obstante algumas «ferroadas» que na parte final da minha intervenção tive ocasião de disparar em relação à política do PSD nos Açores e também no continente - de facto, penso que, também aqui, essa política está a chegar ao fim.
Para terminar, gostaria de dizer que o tom ameno da minha intervenção está de acordo com a cooperação política que sempre praticámos em matéria de autonomia regional, quer nesta Assembleia da República quer em sede da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de iniciar a minha intervenção propriamente dita gostaria de dirigir algumas palavras, especialmente destinadas aos Srs. Deputados eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira.
É que, inicialmente, estava prevista uma intervenção do meu colega, Sr. Deputado Marques Júnior, que, infelizmente, por razões pessoais, teve de ausentar-se ontem, pelo que não poderá participar no debate em curso. O meu colega de bancada pediu-me que vos transmitisse que a sua ausência não é por menos consideração por esta matéria mas devido a questões de saúde de um seu familiar.
No entanto, posso adiantar desde já que votaremos favoravelmente, na generalidade, a proposta de lei n.º 134/V e que, naturalmente, daremos também o nosso contributo aquando da discussão na especialidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, passados cerca de 15 anos, podemos dizer que as autonomias regionais s3o realidades definitivamente adquiridas e consolidadas.
Não se trata, porém, do fim de um longo processo que hoje está em causa nesta Câmara, mas de um novo desenvolvimento, aprofundado, da devolução às populações de uma tradição histórica de decisão própria em matérias que só a elas dizem fundamentalmente respeito e em função das suas características geográficas, económicas, sociais e culturais.
A apresentação de uma proposta de lei pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores no sentido de uma segunda revisão do seu Estatuto Político-Administrativo é bem demonstrativa do que acabo de dizer, como o foi a segunda revisão constitucional, na sequência da qual, aliás, a apresentação dessa proposta ganhou um redobrado fundamento.
O PRD não considera que o actual texto constitucional relativo às regiões autónomas, saído da revisão de 1989, está cristalizado. Pelo contrário, é susceptível de novos e melhores aperfeiçoamentos que as circunstâncias e a realidade se encarregarão de suscitar e fundamentar. No entanto, o articulado revisto do título VII tem um mérito: o de ter esclarecido equívocos e mal-entendidos e o de ter afirmado e reafirmado princípios que consideramos fundamentais quando o que está em causa é, acima de tudo, o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses - continentais e insulares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei de revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, apresentada pela Assembleia Legislativa Regional, merece, na sua generalidade, o nosso acordo, como, aliás, não podia deixar de ser, já que, no essencial, nela se inserem as alterações decorrentes da revisão constitucional.
No entanto, trás aspectos suscitam-nos preocupações.
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O primeiro tem a ver com a obstinada intenção de restringir a candidatura e a eleição aos residentes na Região Autónoma. É certo que, neste ponto, houve novos desenvolvimentos. O acórdão do Tribunal Constitucional declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril {Estatuto Provisório da Região Autónoma da Madeira), e da alínea c) do n.º 4 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de Agosto (Lei Eleitoral para a Assembleia Regional dos Açores). A proposta apresentada está de acordo com o acórdão. No entanto, continua a insistir-se em limitar a capacidade eleitoral passiva aos residentes, solução que para o PRD, além de raiar a inconstitucionalidade (nesse sentido vão, aliás, alguns votos de vencido do acórdão), é manifestamente contra o espírito de unidade nacional, não tendo paralelo em qualquer eleição, seja para o Parlamento Europeu, seja para os órgãos de soberania, seja, finalmente, para as autarquias locais. Quer dizer: a insularidade é um fenómeno negativo e de encargos por vezes insuportáveis, mas relativamente a alguns aspectos é só para alguns.
O segundo aspecto tem a ver com questões eleitorais e fere, também, de forma inadmissível, uma das expressões mais solenes e firmes da unidade nacional que é a representação do país nas instâncias internacionais - neste caso, no Parlamento Europeu -, conforme já foi aqui discutido, hoje, em intervenções anteriores.
Finalmente, temos manifestas dúvidas quanto à necessidade e à possibilidade formal de estabelecer no Estatuto os critérios para determinar as receitas fiscais a serem atribuídas às regiões autónomas - este ponto também já aqui foi esclarecido pelo Sr. Deputado Álvaro Dâmaso, mas só agora -, para além das que já dispõem por direito próprio, por nelas serem cobradas, tal como dispõe o artigo 229.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos certos de que o debate na especialidade irá aprofundar a análise e a discussão destes e de outros aspectos e permitirá dar mais um passo importante no desenvolvimento das autonomias, no estrito respeito pelos princípios da unidade e da solidariedade nacionais.
Como referi, pela nossa parte, votaremos favoravelmente, na generalidade, esta proposta de lei e daremos o nosso contributo para que se atinja aquele objectivo em sede de especialidade.
Aplausos do PRD e do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Leve, levemente, a Região Autónoma dos Açores vai fazendo passar e rever o seu Estatuto definitivo, aliás, com o contrabando de duas ou três inconstitucionalidades até hoje não corrigidas. Não há rapa/es maus!
Agora mesmo, apresenta um projecto de revisão relativamente cingido às exigências da última revisão constitucional, pelo que não vai ser difícil pôr-mo-nos de acordo sobre ele.
A proposta de lei justifica, não obstante e desde já, alguns reparos.
O primeiro tem a ver com a alteração do actual sistema de divisão do arquipélago em círculos eleitorais. Continua a corresponder um círculo a cada ilha, o que pode implicar uma leve distorção ao princípio da proporcionalidade na conversão de votos em mandatos.
Mas tem-se entendido - aliás, com o apoio da extinta Comissão Constitucional e a compreensão de todos nós - que o fenómeno da insularidade justifica a exigência do mínimo de uma voz por ilha.
O que nunca se havia tentado, e agora se tenta, é o salto para a fixação estatutária do número de deputados de cada círculo!... Assim: 2 para o Corvo, 3 para as Flores, o Faial, o Pico, São Jorge, Graciosa e Santa Maria, 11 para a Terceira e 19 para Suo Miguel.
Esta fixação, mesmo quando agora correspondesse proporcionalmente - o que, em princípio, se não aceita - ao número de cidadãos eleitores recenseados em cada círculo, sempre seria indiferente às variações desse número.
A violação do disposto no n.º 4 do artigo 116.º da Constituição é tão patente que chega, salvo seja, a ser grosseira.
O n.º 3 do artigo 11.º, cuja alteração se não propõe, ao criar dois círculos, um compreendendo os açorianos residentes noutras parcelas do território português e outro os açorianos residentes no estrangeiro, cada um dos quais com direito a eleger um deputado, constitui uma das tais inconstitucionalidades que o voto da AD «contrabandeou».
Desde logo, porque consagra a uninominalidade sem a justificação insular. E, ainda, porque contraria o referido princípio da proporcionalidade na conversão de votos em mandatos, o princípio da unicidade do recenseamento e o princípio da unidade da cidadania, consagrado no artigo 4.º da Constituição.
Curiosamente, uma das inconstitucionalidades detectadas pela Comissão Constitucional no primeiro ensaio de estatuto definitivo da Madeira foi precisamente essa! Daí esta singularidade lusitana: uma norma julgada inconstitucional para a Madeira, vigora, impávida, quanto aos Açores! A tal ponto somos às vezes tolerantes!
O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - É claro que os órgãos de Governo próprio dos Açores tem lido o bom senso cautelar de deixar aqueles famosos dois círculos no esquecimento. O Dr. Rui Macheie, na sequência de uma doutrina famosa, entenderia mesmo que já caducaram!
Sabido que a iniciativa das alterações estatutárias cabe às regiões e só a cias, tendo sido proposta pelos Açores a alteração do n.º 2 do artigo 11.º e situando-se a inconstitucionalidade no n.º 3, renasce, assim, a velha questão de saber se o direito de esta Assembleia introduzir alterações nas propostas das regiões pode ser exercido relativamente a cada artigo ou só a cada número que foi mexido.
Da resposta a dar a esta altíssima questão depende a competência desta Assembleia, ou a falta dela, para aproveitar a deixa e corrigir o defeito.
A propósito do artigo 82.º-A da proposta de lei dos Açores coloca-se uma questão que envolveria uma simples opção política se o dispositivo não fosse também inconstitucional.
Nele se propõe que «à Região corresponda um círculo eleitoral ao Parlamento Europeu, designado pelo círculo dos Açores, que elege dois deputados».
Aparte a gramática, que não é da melhor, de novo se propõe, à revelia, o princípio da proporcionalidade na conversão de votos em mandatos.
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E mais: com desrespeito da reserva absoluta de competência da Assembleia da República, que, pela última revisão, passou a incluir a maioria relativa às eleições «dos órgãos eleitos por sufrágio directo e universal». Logo, também as eleições dos deputados ao Parlamento Europeu!
Dir-se-á: mas não é à Assembleia da República que se pede que sobre isso legisle? A que vem, então, o problema da sua competência?
Entendamo-nos: se a regra proposta passasse ao Estatuto, só por iniciativa dos Açores poderia ser alterada, o que implicaria, naturalmente, uma redução da competência desta Assembleia. Esta exercê-la-ia, agora, mas não voltaria a poder fazê-lo!
De duvidosa constitucional idade é, também, o proposto n.º 3 do artigo 101.º Nele se propõe que a «Região tomará a iniciativa da legislação necessária à sua intervenção directa no mercado primário de títulos, de modo a garantir o cumprimento de uma gestão racional e eficaz dos seus recursos financeiros e da dívida pública regional».
Deixo ao Sr. Ministro Miguel Beleza o juízo sobre a matéria de fundo. Ao que reajo é a esta forma mal disfarçada de, no Estatuto, a Assembleia da República dar à região dos Açores uma autorização legislativa, não solicitada com os devidos «efes» e «erres», ou uma ordem para legislar, não se sabendo qual das espécies é menos ortodoxa!
No mais, podem estar em causa duas ou três opções políticas e meia dúzia de pecadilhos técnicos. Nada de grave ou de embaraçante.
Entre as opções, saliento a de saber que «produto» e que «privatizações» inclui a proposta nas receitas da Região - embora o Sr. Deputado Álvaro Dâmaso já o tenha esclarecido, o que é de ressaltar -, bem como a de decidir se os Açores devem passar a poder movimentar junto do Banco de Portugal, sem juros, 20% do valor das receitas cobradas no penúltimo ano, em vez dos 10% previstos no Estatuto em vigor - e, curiosamente, estes 10% também propostos pela Madeira! Desatento, Dr. João Jardim?
Resumindo: estamos perante uma boa base de trabalho, descontados os referidos pecadilhos. Entender-nos-emos para corrigi-los, até para que o Tribunal Constitucional seja deixado em paz.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Dâmaso.
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, o meu pedido de esclarecimentos será muito breve, mas com alguma fundamentação anterior.
Mais uma vez, o Sr. Deputado enriqueceu o debate nesta Casa e pena é que, na mesma medida, não tenha enriquecido o Estatuto. No entanto, não perco a esperança de que o debate na especialidade venha a constituir, de facto, um óptimo espaço no sentido deste enriquecimento e no da resolução daqueles pequenos problemas a que chamou pecadilhos.
De acordo com o entendimento do grupo dos deputados representantes da Região Autónoma dos Açores, do qual faço parte, esclareci, de facto, a questão relativa às privatizações, o que não significa que não possa haver nem haja fundamento para defendermos a posição da
Região Autónoma da Madeira, porque se trata de receitas do Estudo, afectas ao pagamento da dívida, tal como as receitas fiscais. A sua natureza é que é diferente: não se trata de nenhuma imposição, mas da venda de um património comum e da Nação. Resta saber o que aconteceria ao património da Região Autónoma dos Açores ou ao da Madeira se fosse vendido da mesma forma!
Portanto, repito que esclareci o nosso entendimento mas que não dei por líquida a outra questão de fundo relativa à Região Autónoma da Madeira, que foi apresentada pelo Sr. Deputado.
Quanto às restantes questões, designadamente a que se refere à intervenção da região no mercado primário de títulos, em minha opinião pessoal - o debate na especialidade é que irá esclarecê-la -, o disposto na proposta de lei é apenas um desejo de afirmar a iniciativa da Região Autónoma dos Açores nesta matéria.
Na verdade, o que está disposto é o pedido de autorização legislativa e não, certamente, a afirmação do direito de legislar numa matéria, que até tem de obedecer a uma coordenação com o Governo da República, já que, obviamente, o mercado de capitais é único.
Concordo consigo em que estamos perante uma boa base de trabalho para a discussão na especialidade, que julgo será rica - claro que contamos com os enriquecimentos que serão dados pelo Partido Socialista e, especialmente, pelo Sr. Deputado Almeida Santos. Pela minha parle, tentarei estar presente para, com o meu modesto contributo, procurar também o enriquecimento deste texto.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Álvaro Dâmaso, começo por agradecer o que disse acerca de a minha intervenção ter contribuído para o enriquecimento deste debate. Só que, logo a seguir, o Sr. Deputado lamenta que a mesma não enriqueça o Estatuto.
Ora, pessoalmente, não concordo com esta última parte, já que entendo que o facto de tirar do Estatuto as inconstitucionalidades que aí possam estar contidas é a forma mais óbvia de o enriquecer, até no aspecto de o tornar viável em termos de tempo.
É que, como sabe, nesta altura, ainda não temos o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira porque o único votado favoravelmente nesta sede foi julgado inconstitucional, posteriormente. Assim, seria pena que este aperfeiçoamento do mesmo Estatuto relativo aos Açores viesse a incorrer igualmente no mesmo risco. Por isso mesmo é que entendo que a minha contribuição é enriquecedora!
Não tenho grandes dúvidas sobre as inconstitucionalidades que apontei. Algumas destas são apenas formais - como é óbvio - como, por exemplo, a que se refere ao mercado primário de títulos. Não sou contra a medida em si, sou é contra o que está escrito: «a Região tomará a iniciativa de legislação necessária à sua intervenção».
Isto é, se esta redacção fosse aprovada, ou estaríamos a dar uma ordem à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores no sentido de legislar - o que seria péssimo, em termos de autonomia - ou, então, estaríamos a dar-lhe uma autorização legislativa não solicitada, sem os condicionalismos próprios desta figura prevista na Constituição.
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Como vê, Sr. Deputado, é só isto e não mais do que isso! Sem dúvida, tenho razão e nem posso deixar de ler!
Acho também estranho que se inclua, entre as receitas da Região, o produto das privatizações, sem dizer quais: Temos de dizer mais qualquer coisa, concretizando quais privatizações. As que se façam lá? De bens pertencentes ao Estado? As que se façam aqui? De bens que, eventualmente, contendam ou tenham a ver com a .Região? É preciso esclarecer isto. Isto é: que privatizações e que produto, ou que parte de produto e que privatizações. Só isso! Pessoalmente, não sou contra o princípio em si.
Porém, creio que a vossa proposta é uma boa, aparte os defeitos que lhe apontei e que, acho, são facilmente corrigíveis. Aliás, devo dizer que não tenho dúvidas de que vamos ter a vossa colaboração no sentido da sua correcção.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto (Estatuto Político-Administrativo dos Açores), aclamada unanimemente nesta Câmara, não e, obviamente, a expressão monocolor de uma vontade partidária unívoca.
A sua dignidade reforçada e supralegislativa, logo prevalecente sobre as demais leis da República, aconselha uma atitude legisladora consensualizante que perpasse o espectro parlamentar português, quer na Assembleia da República, como órgão de soberania, quer na Assembleia Legislativa Regional, como órgão de governo próprio.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Até parece socialista!
O Orador: - Aliás, à semelhança do que aconteceu na primeira revisão estatutária, esta proposta de lei está imbuída de uma matriz consensual entre todos os partidos com assento na Assembleia Legislativa Regional e que vieram, em delegação, entregá-la ao Sr. Presidente da Assembleia da República' e as direcções de todos os grupos parlamentares. Ora, as propostas que hoje se discutem não são caprichos de alguns dirigentes partidários, mas ò pensamento político e estratégico dos Açores, enquanto Região Autónoma inserida na organização política do Estado Português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A segunda revisão constitucional operou algumas modificações reforçamos das prerrogativas autonômicas, designadamente no âmbito do poder legislativo regional, que serão, agora, vertidas para o texto estatutário. Mas outras propostas, então rejeitadas, mantêm ainda intactas a sua pertinência e a sua razoabilidade. Outras há que decorrem de acertos lógicos de ordem funcional na Assembleia Legislativa Regional, bem como de uma nova redistribuição eleitoral dos seus deputados o mais aproximada possível do princípio da proporcionalidade, dadas as condições demográficas insulares muito peculiares.
A inter-relação financeira entre os sucessivos governos da República e os sucessivos governos regionais, em sede de Orçamento do Estado e por via das designadas transferências, nunca foi metodologia isenta de discórdia e de conflitualidade. Tem gerado mesmo situações flagrantes de injustiça, pois o seu crescimento não tem acompanhado os níveis de investimento nos Açores, que são ditados não só pelas carências reais das ilhas mas também porque o Estado transferiu para o Governo Regional, por via da autonomia, competências diversificadas como, por exemplo, a saúde e a educação, cujo suporte financeiro não pode fraquejar, sob pena de não cumprirmos as obrigações e os objectivos estipulados em leis gerais da República.
As nossas (dos deputados eleitos pelo círculo eleitoral dos Açores) propostas de reforço das transferências anuais, em sede de Orçamento do Estado, têm conhecido sempre o destino amargo da rejeição. Há que encontrar alternativas razoáveis.
Considerando, por exemplo, que a Região Autónoma dos Açores não está a arrecadar na totalidade as receitas fiscais geradas no seu território regional, a que tem direito por lei, e considerando que a reforma fiscal introduziu um sistema centralizado de liquidação e cobrança dos impostos, propomos a adopção de uma metodologia de «capitação» na atribuição das receitas fiscais, o que já acontece para o IVA.
A proposta da criação de um círculo eleitoral próprio para o Parlamento Europeu não constitui novidade nesta Câmara. Esta pretensão tem sido sucessivamente adiada: da lei eleitoral para a primeira revisão estatutária; da primeira revisão estatutária para a segunda revisão constitucional; da segunda revisão constitucional para a segunda revisão estatutária. E estamos nisto.
Está na altura, pensamos nós, de resolvermos este impasse, sob pena de a Assembleia da República ser acusada de ignorar, ostensivamente, o movimento regional islã que grassa na Europa.
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A especificidade económica insular, reconhecida, aliás, no Tratado de Adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, tem de ter também, em consonância, uma representatividade de ordem política no Parlamento Europeu, advinda de uma opção democrática e livre perante listas regionais de candidatos.
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Estatuto Político-Administrativo dos Açores não pode ser, obviamente, um panfleto partidário, mas também não poderá ser um espartilho da vontade autonômica democraticamente expressa pelos legítimos representantes do povo açoriano.
Que os matizes ideológicos destas bancadas se agreguem ao espírito desta proposta de lei de revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Ávila.
O Sr. Rui Ávila (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Estatuto da Região Autónoma dos Açores, ora em revisão nesta Câmara mediante proposta apresentada pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores, merece-nos algumas considerações.
O n.º 1 do artigo 228.º e a alínea e) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição, revista através da Lei n.º 1/89, cometem à Assembleia Legislativa Regional o poder de iniciativa quanto a esta revisão.
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O Partido Socialista nos Açores, não enjeitando as suas responsabilidades, foi o primeiro grupo parlamentar a apresentar a proposta de revisão, precisamente em 26 de Setembro de 1989, despoletando um processo que levou a reboque os restantes partidos, que, só em Janeiro de 1990, apresentaram os seus projectos.
Quase todas as alterações introduzidas, com excepção do novo sistema eleitoral, são normas resultantes da revisão constitucional.
Ao assumir a liderança deste processo, o PS provou a sua responsabilização pela introdução de importantes inovações, algumas não contempladas na revisão hoje em análise. Referimo-nos às seguintes:
Identificação da autonomia com a correcção das assimetrias intra-regionais, questão fundamental para a unidade regional;
Consagração estatutária de delegações da Assembleia Legislativa Regional, nas outras ilhas;
Redefinição da representação da Região e reforço do papel do Parlamento Regional, atribuindo ao seu Presidente essa representação;
Adopção definitiva, estatutariamente por parte da Região, dos actuais símbolos regionais;
Poder aos deputados de requererem ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de normas;
Reforço dos poderes legislativos da Assembleia Legislativa Regional, com a possibilidade de produzir leis de base com autorização da Assembleia da República;
Reforço do papel de fiscalização da Assembleia Legislativa Regional.
Entre outras, foram estas as inovações apresentadas pelo PS, algumas das quais foram admitidas e outras rejeitadas - não me referi ainda às alterações ao sistema eleitoral, pois será a única questão que nos merece reservas e que, de forma algo paradoxal, recebeu o aval do PSD e dos outros dois pequenos partidos.
Preferíamos, logicamente, a fórmula que propusemos, pois, no entender do PS, seria mais realista e justa. Há, com a fórmula encontrada e apresentada nesta revisão, círculos eleitorais de ilhas prejudicados, uns por excesso e outros por defeito. A nossa proposta era mais equilibrada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos a favor do mais alargado consenso em matérias desta envergadura, mas, para que tal acontecesse, teve de haver cedências mútuas.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, ressalvando desde já, entre outras, a sua reserva quanto à redacção proposta para o artigo 11.º - como, aliás, já aconteceu na Assembleia Legislativa Regional por parte do nosso grupo parlamentar na Região Autónoma dos Açores -, dará o seu voto favorável, na generalidade, à revisão do Estatuto ora em apreço.
Não deixamos, no entanto, de referir que se ficou aquém do que se poderia ter clarificado, de uma vez por todas. Importantes questões, nomeadamente leis gerais da República, conceito do «interesse específico» e consagração no Estatuto dos actuais símbolos regionais, são matérias que ficam aguardando nova revisão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores é, para nós, Partido Socialista, positiva e tem o alto significado de ser consensual e a virtude de prestigiar e reforçar a vertente parlamentar da autonomia açoriana.
Tudo faremos para que este Estatuto seja aprovado até 15 de Junho e não alinharemos em manobras aleatórias ou dilatórias.
O Partido Socialista, pela sua parte, cumpriu, mais uma vez, o seu compromisso eleitoral com a população dos Açores, que, cada vez com mais esperança, progressivamente vem aumentando com o seu voto o nosso eleitorado e em 1992 dará a vitória eleitoral, estamos certos, ao PS/Açores.
Aplausos dos PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Dâmaso.
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reservou a Assembleia da República este último dia do mês de Maio para, quase fora de horas, em regime de trabalho extraordinário, apreciar - como lhe compete, de resto - a proposta de lei apresentada pelo Assembleia Legislativa Regional dos Açores e que visa adaptar o respectivo Estatuto Político-Administrativo em vigor.
Não é a primeira vez que a Assembleia da República debate matéria respeitante ao Estatuto da Região - dado que estamos em presença da segunda revisão -, mas nem por isso deverá o assunto revestir menor interesse político. Entendo mesmo que a Assembleia da República deveria debater, com maior frequência, não apenas as matérias relativas ao Estatuto e ao Orçamento, mas outras como, por exemplo, a questão da autonomia nas suas várias vertentes: política, social, cultural, económica. Talvez assim se desfizessem equívocos, se afastassem fantasmas que ainda povoam alguns «sótãos», se esclarecesse o verdadeiro sentido das soluções regionais preconizadas para resolver problemas concretos como o que aflige agora os Açores, ou seja, o da greve de alguns funcionários da ANA (Aeroportos e Navegação Aérea, E. P.), que, por falta de um dispositivo legal que atendesse a essa situação, acabou por isolar as ilhas. Nos Açores, não há alternativa para os transporte aéreos - para o transporte de pessoas.
Entendo que se deveria debater, com maior profundidade, a matéria das autonomias regionais, mas na perspectiva defendida por Toqueville «de que o centralismo é a asfixia mortal da liberdade» e não na outra perspectiva «de que as Regiões pretendem ser beneficiárias líquidas e imerecidas do Orçamento do Estado».
Tem havido ultimamente uma desfocagem da questão autonômica, circunscrevendo-a à de natureza orçamental. Com o propósito de que estas coisas sejam repostas no seu devido lugar e a autonomia das Regiões Autónomas ganhe estabilidade e credibilidade, não ficando definitivamente identificada com questões orçamentais que não são, de facto, a sua razão de ser, apresentarei, muito em breve, nesta Câmara, um projecto de lei que abordará as questões gerais da articulação entre as finanças regionais e as finanças nacionais, a exemplo do que é aceite em muitos países da Europa Comunitária e até noutros continentes.
A necessidade de uma lei dessa natureza faz-se sentir já há muito e estou convencido de que a análise na especialidade da proposta de revisão do Estatuto da Região a isto mesmo irá conduzir.
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Vale a pena distinguir o essencial do que é acessório ou instrumental e, manifestamente, não é a «suficiência financeira» que fundamenta a autonomia regional nem o acerto ou articulação entre os orçamentos regionais e do Estado que a fazem perigar.
O que encontramos na base da concessão da autonomia é a necessidade, concretamente verificada na história e nas características culturais de uma população, de conferir a uma determinada colectividade territorial condições que permitam a maior participação possível dos cidadãos na orientação dos seus destinos.
A autonomia é o modo que a democracia encontra para organizar jurídica e politicamente o Estado, quando há interesses regionais a defender; é um factor de progresso... E os exemplos estão à vista, na Itália, na Espanha e na França!
Porém, o que hoje temos de debater 6, apenas, a revisão do Estatuto da Autonomia, aprovado há cerca de 10 anos e revisto a primeira vez em 1987. A proposta de lei que nos foi presente aparece-nos no quadro de um consenso bastante alargado de todos os partidos que estuo representados na Assembleia Regional dos Açores. É um texto quase pacífico, como acabámos de ouvir dizer; é um bom documento de trabalho que vai, com certeza, enriquecer a autonomia no futuro, que vai dizer o que é que entendemos por autonomia progressiva, por autonomia que se desenvolve e que se concretiza porque a realidade muda e a autonomia necessita, na sua formulação jurídica, de se adaptar a essa mutação da realidade.
Não vejo que esta Câmara considere a proposta que a Região Autónoma dos Açores aqui apresentou como repleta de inconstitucionalidades. Pode haver pecadilhos, pequenos, todos eles solúveis, por consenso, sem grandes alterações de redacção, mudando, porventura, uma ou outra palavra apenas, transformando uma ordem num desejo e deixando ficar o verbo.
Pouco haverá a dizer quanto àquelas alterações que envolvem apenas a modificação de designações, de nomenclatura, reproduzem o texto constitucional ou resultam da necessidade de dar cumprimento a disposições imperativas do texto constitucional, como me parece serem apenas dignas de menção as modificações do Estatuto que tratam da estruturação dos órgãos de governo próprio.
Depois de tudo isto, acabam por restar para uma análise de maior fôlego aquelas alterações que visam uma melhoria de redacção, como é o caso da proposta do artigo 8.º, que se ocupa da organização judiciária, ou do artigo 13.º, que, na sua preocupação de busca de uma solução constitucional, vai mais longe do que o próprio Tribunal Constitucional, que, por este recente acórdão, deixaria ficar a expressão «residência habitual», que o novo Estatuto dos Açores retira. Penso que este é um bom aperfeiçoamento, enriquecedor, no conceito de enriquecimento do Sr. Deputado Almeida Santos.
Feita esta separação de águas, que não pormenorizei para vos poupar tempo e paciência, restam três ou quatro soluções, porventura mais cintilantes por dizerem respeito a matérias em que é necessária a coordenação e articulação entre os órgãos de soberania e os órgãos de governo próprio da Região - é o caso das alterações preconizadas para os artigos 95.º, n.º 2 (modo de participação da Região no montante global das receitas fiscais do Estado), e 101.º (financiamento da tesouraria da Região e condições de emissão de títulos da dívida pública regional), assim como para o artigo 76.º-A (participação nas negociações com a Comunidade Económica Europeia) - ou por dizerem respeito a alterações propostas relativamente a leis existentes, discutidas e votadas nesta Câmara, como é o caso da criação de um círculo eleitoral para o Parlamento Europeu (artigo 81.º) e da inclusão do produto das privatizações no elenco das fontes de receita da Região. Há que salientar, finalmente, pelo seu melindre político-constitucional, o caso da proposta respeitante à regra da transformação dos votos em mandatos para a assembleia legislativa regional.
Voltemos um pouco atrás e, de forma breve, retomemos as propostas em matéria financeira. Decorrem elas da necessidade inquestionável de adaptar o regime de autonomia financeira da Região a modificações que entretanto foram sendo introduzidas no sistema financeiro nacional, desde logo a criação de uma nova fonte de receita que constitui a venda das participações da Região ou do Estado a empresas públicas nacionalizadas ou de capitais públicos e que resulta, obviamente, da alienação de um património regional cuja administração compete aos órgãos da Região. É uma questão que me parece líquida.
Temos depois o modo de determinar as receitas que pertencem à Região, atendendo às alterações entretanto introduzidas no sistema fiscal, neste caso concreto, em matéria de liquidação e cobrança dos impostos sobre as pessoas singulares e colectivas, que desactualizou os procedimentos que estavam em vigor desde 1977, designadamente por permitir o pagamento daqueles impostos fora do território onde ocorre o facto gerador.
Parece-me ser o Estatuto o lugar próprio para se definirem as receitas da Região, como de resto 6 unanimemente adoptado por todos os sistemas comparados consultados, desde os estatutos das comunidades autónomas espanholas até aos das regiões italianas.
A outra alteração nesta sede do regime financeiro, que trata do acesso da Região a outras fontes de financiamento, como a contracção de empréstimos, constitui uma lacuna que importa eliminar, porquanto as disposições do actual texto do Estatuto apenas se limitam a distribuir a competência entre os órgãos de governo próprio e os órgãos de soberania, ficando por contemplar outros aspectos igualmente importantes, como o das formas de endividamento, o dos limites globais desse endividamento regional, o da coordenação com o Governo da República e o das condições da dívida pública regional.
Quanto à alteração da regra estatutária da transformação dos votos em mandatos, a verdade e que a solução agora preconizada está mais próxima da regra da proporcionalidade do que a anterior.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, confio em que o trabalho da comissão irá ser profícuo e que o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores há-de sair desta Câmara não digo como entrou mas quase como entrou.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS) : - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de fazer um breve balanço deste debate.
Quero, em primeiro lugar, reafirmar o compromisso do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, no seu conjunto, com as autonomias regionais e com a aprovação rápida,
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até 15 de Junho no caso dos Açores e até ao fim da sessão legislativa no caso da Madeira, respectivamente das alterações e do Estatuto, feitas as correcções que consideramos indispensáveis.
Só é pena que este compromisso não seja claro por pane de todas as bancadas. Assistimos aqui a uma situação estranha: o Grupo Parlamentar do PSD deixou abandonados neste debate os deputados que aqui representam os Açores e a Madeira.
Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - E deixou-os abandonados porque o Grupo Parlamentar do PSD e o Governo não tom uma posição sobre os estatutos dos Açores e da Madeira; tom apenas uma estratégia dilatória para não enfrentarem as questões, que suo reais e têm de ser resolvidas entre todos nós, num clima de consenso e de entendimento, mas também num clima em que cada um dos presentes assuma as suas responsabilidades.
Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Posso, no entanto, garantir aos Srs. Deputados do PSD dos Açores e da Madeira que encontrarão no Grupo Parlamentar do Partido Socialista, no seu conjunto, o interlocutor que, pelos vistos, não encontram no seu próprio partido.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegados ao termo do debate, permito-me apenas informar que a próxima sessão plenária terá lugar amanha, pelas 10 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 55 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Parado Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Américo de Sequeira
António Costa A. Sousa Lara.
António Maria Pereira.
Arménio dos Santos.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Pereira da Silva.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Assunção Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Pereira Lopes.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Gomes da Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Miguel de Morais Barreto.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel António dos Santos.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Manuel Anastácio Filipe.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Deputados independentes:
Maria Helena Salema Roseta.
Faltaram â sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Henrique Nascimento Rodrigues.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José da Silva Maças.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Fernandes Marques.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Manuel da Silva Torres.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel da Cosia Andrade.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
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Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Chancerelle de Machete.
Parado Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António José Sanches Esteves.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Laje.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
Domingos Abrantes Ferreira.
José Manuel Santos Magalhães.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Octávio Rodrigues Pato.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputado independente:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
AS REDACTORAS: Isabel Barral - Ana Marques da Cruz - Anita Pinto da Cruz.
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