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I Série - Número 83
Quinta-feira, 7 de Junho de 1990
DIARIO DA ASSEMBLEIA DA REPUBLICA
V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE JUNHO DE 1990
Presidente: Ex.mo Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Ex.mos Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque
Júlio José Antunes
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 546/V e dos requerimentos e respostas a requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado Almeida Santos (PS) criticou e política do Governo, respondendo no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Montalvão Machado, Duarte Lima, Silva Marques e Pacheco Pereira (PSD) e Jerónimo de Sousa (PCP).
Sob a forma de Interpelação à Mesa, o Sr. Deputado António Guterres (PS) referiu-se a afirmações do PSD, numa conferencia de Imprensa, acerca do acordo de revisão constitucional entre os dois partidos, usando igualmente da palavra os Srs. Deputados Montalvão Machado e Pacheco Pereira (PSD), Almeida Santos (PS) e Silva Marques (PSD).
Em declaração política, o Sr. Deputado Marques Júnior (PKD) abordou problemas relativos à política de defesa nacional e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Herculano Pombo (Os Verdes), Álvaro Viegas e Cardoso Ferreira (PSD), João Amaral (PCP) e José Lello (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Cardoso Ferreira (PSD) condenou o PS petos críticas que dirigiu ao Governo e enalteceu a actuação deste. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado José Lello (PS), que também deu explicações ao Sr. Deputado Angelo Correia (PSD).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues (PCP), a propósito do processo da privatizações, acusou o Governo de neoliberalismo, tendo em seguida respondido a um protesto do Sr. Deputado Silva Marques (PSD).
Finalmente, em declaração política, o Sr. Deputado Herculano Pombo (Os Verdes) teceu críticas à politica de ambiente do Governo, ao que se associou o Sr. Deputado José Sócrates (PS).
Entretanto, foi aprovado um voto de pesar pelo acidente de aviação ocorrido na Ilha do Faial.
O Sr. Deputado Filipe Abreu (PSD) referiu-se è Via do infante, tendo condenado as posições que o PS a o PCP têm assumido. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Brito (PCP), que também deu explicações ao Sr. Deputado António Vairinhos (PSD).
O Sr. Deputado António Oliveira (PS) fez um diagnóstico da situação no distrito de Santarém.
O Sr. Deputado Vítor Costa (PCP) alertou para as consequências ambientais das obras que decorrem no vale do Mondego.
O Sr. Deputado Barbosa da Costa deu conta da realização do 13.º Congresso Mundial da Federação Internacional de Dadores de Sangue, que teve lugar na Póvoa de Varzim.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
AArménio dos Santos
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Mário Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques de Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Laje.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
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Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
André Valente Martins.
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputados independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do diploma, requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de lei n.° 546/V, apresentado pela Sr.ª Deputada Elisa Damião e outro, do PS, sobre direitos e garantias dos representantes dos trabalhadores, que baixou à 10.ª Comissão.
Foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos seguintes: ao Ministério do Comércio e Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Casimira de Almeida; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Miranda Calha e Sérgio Ribeiro; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Jaime Gomes, Lourdes Hespanhol e Vítor Costa; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Lourdes Hespanhol, António Filipe e Sérgio Ribeiro; ao Ministério das Finanças, formulados pelas Sr.ªs Deputadas Lourdes Hespanhol e Apolónia Teixeira, e à Secretaria de Estado das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Joaquim Teixeira.
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: António Filipe, na sessão de 21 de Abril; Herculano Pombo, na sessão de 25 de Janeiro; Gomes Pereira, na sessão de 1 de Fevereiro; Edite Estrela e Manuel Filipe, na sessão de 6 de Março; Guerreiro Norte e António Vairinhos, na sessão de 8 de Março; Helena Torres Marques, na sessão de 20 de Março; Carlos Brito, nas sessões de 27 e 29 de Março; Alexandre Manuel, na sessão de 27 de Março; Sérgio Ribeiro, nas sessões de 29 de Março e 8 de Maio; António Oliveira, na sessão de 3 de Abril; José Magalhães, na sessão de 5 de Abril; Ilda Figueiredo, na sessão de 3 de Maio; António Barreto e Leonor Coutinho, na sessão de 8 de Maio, e Álvaro Viegas e Barbosa da Costa, na sessão de 10 de Maio.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da nossa ordem de trabalhos de hoje constam declarações políticas e intervenções de carácter regional.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O último congresso do PS saldou-se pela confirmação de um grande partido, um grande líder, um grande programa, uma grande unidade, uma grande esperança. Tudo grande!
Risos do PSD.
Pequena, no entender de observadores exigentes, só mesmo a chamada «guerra das listas». Abençoada guerra, digo eu. Chama-se democracia interna.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Sabemos como estas guerras se evitam, mas não o praticamos.
O País precisa do PS que saiu do último congresso. É que já não se trata só de ter quem substitua com vantagem o actual Governo. De que agora se trata é de preencher a vaga por ele aberta a partir do momento em que entrou em campanha eleitoral!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Um primeiro-ministro que está em todas as festas e em todas as inaugurações,...
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Uma voz do PSD: - É proibido?!...
O Orador: - ... que preside, discursa, viaja e está onde estiver uma palma para receber ou uma prenda para distribuir, que passa mais tempo (é, obviamente, uma caricatura, mas as caricaturas valem) na televisão do que no seu gabinete de trabalho, que remodela por preocupações de sossego e não por critérios de eficácia, que copia do Presidente da República a governação aberta em que se desdobra, esquecido de que cada um é para o que nasce, um tal primeiro-ministro governa quando? E governa o quê, a não ser a própria imagem?
À parte as reuniões às quintas-feiras, para aprovar a prodigalidade da semana, o Governo suspendeu a governação em benefício da propaganda.
Aplausos do PS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Quando aqui acusei o Sr. Primeiro-Ministro de praticar uma espécie de cesarismo democrático, esqueci-me de excepcionar os períodos pré-eleitorais. Disso me penitencio, porque já o conhecia o bastante para saber que, quando chegasse o cheirinho do voto, ia, pelo contrário, desdobrar-se em bom rapazinho e até em algumas objectivamente louváveis medidas de justiça social.
Sirva de exemplo o 14.° mês dos pensionistas, que o Sr. Primeiro-Ministro, segundo ele próprio mercê de rasgos de génio financeiro, tomou, precisamente agora, orçamentalmente possível! O País ouviu-o anunciar na TV, não esse direito, mas essa prebenda. Os mais cépticos terão agradecido, não ao dadivoso Primeiro-Ministro, mas à proximidade das eleições. E só os mais cínicos se terão perguntado quando é que a democracia se despoja destes resquícios de um passado não democrático, em que se agradeciam os poucos direitos que nos não eram recusados.
Há muito de duvidosamente democrático na maneira como o Sr. Primeiro-Ministro encara a democracia. No autoritarismo de que se reveste, nas críticas que sistematicamente dirige as instituições democráticas, no manobrismo em que persistentemente envolve as suas tentativas de modificação das leis eleitorais, no propósito, em que persiste, de desvalorizar as próximas eleições presidenciais, na falta de escrúpulo com que se atribui méritos que não são seus, na mordomia com que gere o tempo e o espaço dos meios de comunicação social de que dispõe.
Aplausos do PS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Em tudo isso há, repito, muito de duvidosamente democrático.
Nenhum primeiro-ministro governou seguidamente tanto tempo e em tão favorável conjuntura interna e internacional. Não é só a tranquilidade e o pulso livre que a maioria absoluta lhe dá. É a retoma da economia mundial, é o maná financeiro do período transitório de adesão à CEE. Nestes cinco anos choveu oiro!
Pois bem, também nenhum primeiro-ministro foi mais longe no malbaratar dos favores da conjuntura. Os que nele depositaram esperanças recolhem-nas à pressa. Esteve no meio da praça a receber ovações, refugia-se agora nas tábuas com receio das (salvo seja!) marradas.
Risos do PS.
O drama é que não aproveitámos a boa maré para nos prepararmos para os tempos difíceis que vêm aí. Com a agravante de que o Primeiro-Ministro, empenhado em ganhar as próximas eleições a todo o custo, entrou já no delírio das medidas que, ajudando-o a ganha-las, desajudam o País a defender-se.
um momento em que o País precisava de se fortalecer para enfrentar as batalhas posteriores a 1992, por razões de puro eleitorismo reforça a sua vulnerabilidade. Se ganhar as eleições, culpará a Europa. Se as perder, culpará, obviamente, o PS.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Politicamente, as próximas eleições terão por pano de fundo um balanço de frustração. As grandes reformas institucionais terão sido adiadas.
A reforma fiscal - que o Governo importou praticamente já feita - saldou-se por um agravamento da carga. Só nos nove primeiros meses de 1989, as receitas do Estado já tinham aumentado 29% relativamente ao período homólogo de 1988. Tomemos um casal, com um filho de 16 anos, em que só um dos cônjuges trabalha, situação vulgar no nosso país: com um rendimento anual de 755 contos pagava, em 1976, 2,2%; passou a pagar, em 1989, 3,5%; com um rendimento de 1511 contos pagava, no mesmo ano, 4,9%; passou a pagar 11,7%; com um rendimento de 2266 contos pagava 8,4%; passou a pagar 16,1%. Isto em preços constantes de 1989.
Resta-lhe a defesa de se tornar abastado, pois, com um rendimento de 9065 contos, em que se começa a não ser propriamente pobre, pagava 31,4% e passa a pagar 30,2%.
As malvas o princípio da igualdade horizontal (quem aufere o mesmo deve pagar o mesmo) e não menos o princípio da igualdade vertical (quem aufere mais deve pagar mais), como exige a Constituição.
O neoliberalismo fiscal é outra coisa!...
A Administração Pública continua burocrática, centralizada, concentrada, ineficaz, dispendiosa. Numa palavra, igual.
A justiça continua lenta, cara, inacessível e injusta. O contrário do que lhe cabia ser.
A saúde permanece como arena de conflitos, agora hesitações, agora recuos, privilégios de ricos e humilhação de pobres.
A educação é o reino do caos. Ouvimos ontem isso mesmo aqui.
O poder local parou no município. As regiões administrativas converteram-se num eterno retorno eleitorista, sem trânsito para a sua instituição concreta. A maioria absoluta do PSD, que não serviu para nada a não ser para a institucionalização da arrogância gratuita, teve, não obstante, um mérito, o de desmistificar as juras de amor do Governo às regiões administrativas. É óbvio que não as quer. Que, ao menos, não tenha o despudor de voltar a prometê-las.
Na construção da Europa o Governo hesita e «faz caixinha».
Emulo da decadente Sr.ª Tatcher, hesita no apoio à união política. Prisioneiro de uma taxa de inflação que não consegue refrear, enfrenta embaraços de calendário quanto à entrada do escudo no Sistema Monetário Europeu.
Erros graves, Srs. Deputados!...
Deixar a construção da unidade europeia na exclusiva dependência do protagonismo dos grandes é reforçar a
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força dos fortes e acentuar a fraqueza dos fracos. É vulnerabilizar Portugal!
O Governo sabe que não pode adiar por muito tempo a entrada do escudo no mecanismo de câmbio do Sistema Monetário Europeu, sob pena de condenar Portugal a uma secundarização aviltante no quadro da Comunidade Económica Europeia. Mas também sabe que a entrada a destempo terá indesejáveis consequências para a nossa economia se a taxa de inflação se não aproximar rapidamente da média comunitária.
Acontece que a inflação não pode baixar sem custos eleitorais. O Governo sacrificou conscientemente a verdade a um bom resultado nas últimas eleições quando no seu programa prometeu tudo ao mesmo tempo: a baixa da inflação, a expansão do produto, a redução do desemprego e o equilíbrio das contas externas.
Resultado: o desespero com que o Governo se debate. Nem pode fazer entrar o escudo no Sistema Monetário Europeu nem pode deixá-lo de fora. Sc não entra, perde o comboio se entra, terá de adoptar políticas impopulares e perde as eleições.
Aplausos do PS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Prevê-se a «habilidade» que o tenta: adiar a entrada, para deferir até depois das legislativas os efeitos de ficar de fora. Ou as ganha, e culpa a adesão, ou as perde, e culpa o PS.
Na agricultura está o pico da imprevisão. O Governo teve tempo, poder, paz e dinheiro para pôr a nossa agricultura a fazer exercícios de aquecimento para os embates da concorrência que vem aí. Desaproveitou o tempo e malbaratou os meios. Empenhou-se menos em dar vida ao nosso agro do que em dar a morte à reforma agrária.
A «habilidade» é sempre a mesma: desviar as atenções dos problemas reais para as questões institucionais. Receio bem que, por este caminho, os tractores invadam de protesto as ruas e as forças de segurança tenham de «desarruar», violentamente, os tractores.
Os produtores de cereais já começam a gemer. Outros gemerão!...com os preços dos nossos principais produtos agrícolas muito acima dos europeus e com debilidades de produção não corrigidas a tempo, espera-nos o choro e o ranger de dentes. Corrigimo-las ou fazemos comícios?
No sector da habitação nada de significativo aconteceu nestes anos. O neoliberalismo serôdio deste Governo leva-o a pôr o Estado de fora, à espera dos milagres do mercado. Não os haverá! A própria Inglaterra reconheceu já que o problema não tem solução sem uma forte componente social. As barracas tem um futuro brilhante!
Política de imigração, simplesmente, não temos. Quem quer entra como turista, fica, procura trabalho e nada lhe acontece a não ser a exploração, às vezes ignóbil, da sua condição. Os ilegais são já milhares. Brasileiros, africanos e outros com o previsível êxodo da nossa juventude, atraída por uma bem paga aventura europeia, é previsível que o fenómeno se agrave. A necessidade de mão-de-obra não qualificada se encarregará de o potenciar.
Podemos ir marcando encontro com erupções de racismo e ir encomendando um Le Pen, se não preferirmos encomendar outro governo.
Debalde procuraremos o êxito no comportamento global da economia. O Governo enche a boca com o crescimento, o investimento e o emprego. Concedamos que aí se registaram melhorias. Mas a economia cresceu a benefício de quem e de quantos?
O investimento, esse, veio na mala da integração europeia, como outrora vinham as novidades pelo paquete do Havre. Quanto desse investimento é virtuoso e reprodutivo? Quanto especulativo e perverso?
Menos cresceu o emprego do que diminuiu o desemprego, este parcialmente oculto em esquemas de formação profissional, de que dificilmente se falará sem patriótica vergonha!
E o resto? A inflação é aquilo que se sabe, e o Governo não desconhece como ela se combate. Mas prefere agradar a combatê-la, e aí está ela, já na casa dos 13%. a escarnecer uma vez mais das previsões do Governo.
Projecções para quê? Prolongando de Maio a Dezembro a tendência verificada de Janeiro a Abril, atingiríamos os 15,6 %. Oxalá que não! Os rendimentos reais dos trabalhadores encolhem. Os aumentos salariais na indústria, nos transportes e na construção foram, no ano transacto, da ordem dos 11% a 13%. Os preços no consumidor aumentaram 12,6%. Acresço que em 1989 a produtividade da mão-de-obra subiu de 3% a 3,5%. A benefício de quem? Não dos trabalhadores! E aí têm os Srs. Deputados como a matemática tira o tapete à demagogia!
Quer-se maior condenação de uma política social?
Quando o Sr. Primeiro-Ministro chegou ao Poder, a dívida pública representava 69,5 % do PIB. Após cinco anos de «vacas bem gordinhas»,e com algumas privatizações já consumadas, está em cerca de 76%. Não é de génio?
O Sr. João Corregedor da Fonseca (indep.): É uma vergonha!
O Orador: - A balança de transacções correntes é o calcanhar de Aquiles do Sr. Primeiro-Ministro. Já em 1980 a desequilibrou, após tê-la recebido equilibrada. Desta vez aconteceu o mesmo. Recebeu-a em equilíbrio em 1985 e logo em 1989 o défice regressou: 83 milhões de contos. Em 1990, upa, upa!...
O escudo tem-se desvalorizado face às outras moedas, só que o Governo não assume essa desvalorização. Resultado: a perda de competitividade dos nossos produtos, exactamente quando mais precisávamos dela.
Resumindo: os balões de oxigénio dos fundos comunitários não evitarão, só por si, que vamos ao fundo. A situação, nesta fase do «vale tudo» eleitoralista, tenderá a agravar-se.
O Primeiro-Ministro vai fazer todos os números, pro-digalizar todas as amenidades, esgotar iodos os cofres, para tentar repetir a maioria absoluta.
Se a não atingir - e não atingirá -, passará a exigir do novo governo uma política orçamental restritiva, uma política monetária de cervo-freio, uma política de rendimentos injustamente corrosiva dos salários reais com um duplo objectivo previsível: primeiro, o de reduzir a procura (consumo e investimento), por ele distanciada da oferta quando em seis anos de poder sem constrangimentos e de fartura sem paralelo, em que se revelou incapaz de preparar o aparelho produtivo para uma saudável resposta; depois, o de fritar, bem frito, numa frigideira de patriótica impopularidade, o governo, de quem espera de novo o milagre de o tornar desejado!
Um último recado ao Sr. Primeiro-Ministro: não vai ser fácil enganar de novo o povo português!
Aplausos do PS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
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O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Montalvão Machado, Duarte Lima, Silva Marques, Pacheco Pereira e Jerónimo de Sousa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Almeida Santos, meu caro amigo: Começou V. Ex.ª, na sua intervenção, por aludir ao congresso do seu partido como «um grande congresso, um grande partido, uma grande unidade, grandes soluções» - presumo que isso é a chamada «doença da mania das grandezas»,...
Risos do PSD.
que tem remédio, normalmente esse remédio é dado pelo povo e depois descambou -, no bom sentido da palavra, num ataque cerrado, forte, feio, também no bom sentido, contra o Sr. Primeiro-Ministro.
Creio eu, por conseguinte, que V. Ex.ª, tendo em mente avançar uma intervenção sobre o congresso do seu partido, pode ter querido significar que, ao fim e ao cabo, esse congresso nada mais foi que um ataque à política do Sr. Primeiro-Ministro.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Supunha que um partido democrático como o seu - o tal «grande» partido democrático! - se preocupasse mais com os «grandes» problemas do País e se preocupasse menos com a mania (mania activa) da perseguição à pessoa do Sr. Primeiro-Ministro.
Mas, Sr. Deputado Almeida Santos, eu fui, efectivamente, ao congresso do seu partido. Tive a honra de ser convidado e de ter estado presente no seu encerramento, pelo que, a esse propósito, queria colocar-lhe três questões.
A primeira é esta: quanto entrei na grande sala do Coliseu do Porto, onde o congresso se realizava, fiquei seriamente preocupado, mas seriamente preocupado, porque não encontrei em parte nenhuma do Coliseu uma única bandeira do Partido Socialista.
Risos do PS e do PCP.
Mas, mais do que isso, fiquei também preocupado por ver uma predominância do azul sobre o vermelho, e, confesso, não sei como explicar muito bem isso... Portanto, gostaria de pedir a V. Ex.ª, com a amizade que nos une, que me elucidasse sobre o que é que se passa a esse respeito.
Segunda questão: V. Ex.ª falou no «grande congresso», no «grande partido», no «grande líder». Ora eu ouvi a oração final do «grande líder» do seu «grande partido» que bateu na Lei Eleitoral. Mas não parece a V. Ex.ª, Sr. Deputado Almeida Santos, que um homem que, num sonho de uma noite de Primavera que em breve se desfará, pensa ser primeiro-ministro deste país tinha a obrigação de falar mal da Lei Eleitoral, porque todas as forças políticas desta terra falam mal da Lei Eleitoral, mas também tinha a obrigação de apresentar, nessa intervenção final do congresso, uma alternativa à proposta feita pelo Governo que traduzisse aquilo que o PS efectivamente entende que deve ser o remédio para a actual Lei Eleitoral?
Terceiro aspecto, que muito me preocupou: o seu chamado «grande líder» referiu, na sua intervenção final, que o Partido Socialista tinha ganho em 1989 duas eleições ao Partido Social-Democrata e que em 1991 iria ganhar outras duas: as presidenciais e as legislativas.
Ora isso - confesso - preocupou-me. E preocupou--me porque é tão ilegítimo como censurável a partidarização das eleições presidenciais por parte do Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir, porque já está nos cinco minutos.
O Orador: - Sr. Presidente, peço mais um instante.
O Sr. Presidente: - Então, só mais um instante.
O Orador: - Um instante dos «grandes», se V. Ex.ª permite.
O Sr. António Campos (PS):- Essa é boa!
O Orador: - Estou absolutamente convencido de que S. Ex.ª o Sr. Presidente da República é o primeiro a não querer que se partidarize a sua recandidatura, é o primeiro a não querer que o Partido Socialista ilegitimamente se apodere da sua recandidatura à presidência da República.
Risos do PS.
Por conseguinte, parece-me que V. Ex.ª deverá talvez dar-nos uma resposta.
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - O Sr. Deputado Almeida Santos deseja responder agora ou no fim?
O Sr. Almeida Santos (PS): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Almeida Santos: Gostaria de começar a minha intervenção por felicitar V. Ex.ª, porque - e não será injustiça dizer isto - penso que, mais do que o Dr. Jorge Sampaio, foi V. Ex.ª a grande estrela deste congresso, porque foi V. Ex.ª o grande trunfo que o Dr. Jorge Sampaio, em homenagem aos seus muitos méritos, que eu e a minha bancada lhe reconhecemos, utilizou, do princípio ao fim do congresso, apresentando-o nas suas listas. E é justo e meritório que diga aqui isto - e digo-o sem ponta de ironia - porque V. Ex.ª sabe bem que a minha admiração por si é grande.
Há dias li num jornal que, de uma forma muito modesta, o Sr. Deputado Almeida Santos comparava-se a Jesus Cristo. Ora eu queria, de uma forma um pouco mais modesta, compará-lo ao rei Midas, que transformava tudo em ouro. E isto porque só V. Ex.ª poderia aqui, hoje, desempenhar o papel de rei Midas, transformando um congresso que foi um vazio, um deserto de ideias, um deserto de programas, um deserto de propostas, num
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jardim florido, mas num jardim florido um pouco mais mirrado do que são habitualmente «os jardins» que V. Ex.ª costuma apresentar nesta Câmara.
Risos do PSD.
De facto, aquilo que se esperava do congresso do principal partido da oposição, que se diz alternativa ao Governo, era, desde logo, aquilo que os senhores andaram a invocar durante um mês, ou seja, as bases para um programa de governo. Mas o Sr. Deputado não falou hoje aqui - e esperava-se que falasse - dessas bases para um programa de governo. E não falou porque tem pouco para dizer, pois são realmente muito secas, à excepção de algumas frases e de alguns princípios que seguramente vão ficar na antologia política, nomeadamente no capítulo da «expressão cultural e da dignidade do ser humano».
«O Estado e a sociedade» - diz o Partido Socialista - «devem respeitar o direito à diferença, devem estimular a imaginação criativa e as suas expressões, devem suscitar o corte com a rotina, sem pôr em causa o direito a mantê-la». Ou então, em coisas como esta, na parte do desafio do confronto de culturas, o antídoto contra os perigos da massificação cultural o Partido Socialista encontra-o no «estímulo à participação, na criação de centros de produção cultural, na defesa intransigente da liberdade de expressão e na salvaguarda da imolação (...)», ou então, no capítulo dos recursos naturais e das fontes de riqueza, em que fala, enfim, ser preciso fazer «(...) um desenvolvimento mais integrado e concluído de forma sábia. É que Portugal, não sendo um país rico, também não é um país pobre.»
Ora isto faz-me lembrar o almirante Américo Tomás. Quer dizer, o almirante Jorge Sampaio..., perdão, o Dr. Jorge Sampaio - fugiu-me a boca para a verdade! - está a ser uma versão democrática mais urbana,...
Risos do PSD.
mais sorridente, do almirante Américo Tomás porque, por menos do que isso, se contaram histórias de escárnio e maldizer acerca do almirante Américo Tomás.
Aplausos de alguns deputados do PSD.
E vem V. Ex.ª agora aqui fazer a fuga em frente e atacar o Primeiro-Ministro porque - e vejam bem! - o Primeiro-Ministro faz inaugurações: inaugura pontes e inaugura estradas! Claro que inaugura, Sr. Deputado Almeida Santos, porque faz pontes e faz estradas! Fá-las e inaugura-as. Aliás, faz muitas pontes e muitas estradas que os senhores deviam ter feito quando estiveram no governo e não fizeram.
Aplausos do PSD.
Porque aquilo que os senhores fazem, aquilo que faz o seu líder, é inaugurar mercados. Inaugurou um anteontem, mas feito pelo engenheiro Abecasis e não por ele.
Risos do PSD.
Ele, afinal, vai inaugurar os mercados que o engenheiro Abecasis «lançou», as benfeitorias que o engenheiro Abecasis deixou na cidade.
Sr. Deputado Almeida Santos, compreendo que o Sr. Primeiro-Ministro seja o seu alter ego e que V. Ex.ª tenha de o ter presente de uma forma tão persistente nas suas intervenções. Mas nisto não tem razão. Como não tem razão no que diz sobre a regionalização, porque aí, Sr. Deputado Almeida Santos, permita-me que lhe diga, devia «guardar de Conrado prudente silêncio».
Com efeito, se alguém no Partido Socialista tomou «muitos caldos de galinha e muitas cautelas» relativamente à regionalização foi V. Ex.ª sobretudo quando foi ministro de Estado. E lembro-lhe aqui o que disse em 1985, em título grosso: «A instalação das regiões exige muita cautela!» Quem o disse em Almodôvar foi o ministro de Estado Almeida Santos. E porquê? Porque, alto lá, «Portugal tem uma tradição municipalista e não regionalista; o que é preciso é aprofundar o poder municipal, porque essa é que é a verdadeira tradição portuguesa!»
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E continuava: «É preciso sermos muito cautelosos na instituição das futuras regiões administrativas; tem de ser pensadas em articulação com o poder municipal, para que este possa ser beneficado e não prejudicado por elas. O poder regional já não é bem um poder local e pode-se correr o risco de vir a ser o segundo poder central, a meio caminho entre o poder local e o poder central.» Isto dizia o Sr. Deputado Almeida Santos, que, quando se encontrava no Poder, tomava cautelas e caldos de galinha». Mas agora não toma, porque está na oposição e o seu papel é muito mais fácil.
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado Almeida Santos, eu revertia à primeira questão e pedia-lhe, com a seriedade a que V. Ex.ª nos habituou sempre nesta Câmara, que reverta ao programa do seu partido. Diga-nos coisas interessantes sobre o programa de governo do seu partido. Mas coisas concretas, e não aquelas que são promessas vagas em que agora se desmultiplica o Dr. Jorge Sampaio! Porque quando é preciso fazer, ele debate - por tudo e por nada, numa questão difícil, ele diz: «Vamos fazer um debate nacional!» Pavlovianamente, ele reage desta forma. Isto é, quando há uma questão delicada para resolver, ele reflecte, ele pondera, ele discute, mas não decide. E nós queremos saber...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já passaram os cinco minutos.
O Orador: - Apenas três e meio, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não, não. Está errado, Sr. Deputado.
O Orador: - Então termino já, Sr. Presidente.
Porque a primeira novidade do vosso programa devia ser esta, pois da segunda já nem falo. É que a segunda novidade que saiu deste congresso é a de que nós vemos que, agora, o Partido Socialista diz todos os dias de manhã: «Nós vamos para o Poder, nós vamos ganhar as eleições!» E, mal comparado, Sr. Deputado Almeida Santos, isto faz-me lembrar a parábola do galo, que cantava todas as manhãs e pensava que o sol nascia por causa disso. É que os senhores todas as manhãs se levantam e cantam ao espelho que vão para o Poder porque pensam que vão para o Poder. Mas não vão para o Poder por cantarem todas as manhãs...
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já passou dos seis minutos.
Aproveito para explicar que, no início, o relógio contou 1,9 minutos ao Governo, em vez de o descontar ao PSD. Desta forma, o Sr. Deputado já vai em seis minutos e tal...
O Orador: - Peço desculpa, Sr. Presidente.
Termino pedindo ao Sr. Deputado Almeida Santos que nos diga o que tem, porque, até agora, o que podemos dizer de VV. Ex.ªs e do líder do seu partido é que ele está sem nada para dar, ou, como dizia Irene Lisboa, «com uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma!»
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, o meu colega Duarte Lima é de uma grande generosidade para o «grande líder». Aliás, foi a melhor novidade desta sessão esse «cheirinho a maoismo», que, embora tarde, fica sempre bem numa cura de rejuvenescimento. O grande timoneiro, afinal, só inaugura mercados - e eu julgo que nem sequer inaugura muitos mercados- ele, sobretudo, como o Sr. Deputado com certeza sabe melhor do que eu, uma das grandes operações que encetou, e para o efeito contratou imediatamente a necessária «massa cinzenta», asséptica, sem dúvida, foi atacar a praga dos pombos e das gaivotas de Lisboa.
Risos do PSD.
Mas não quero insistir nessa questão camarária. Quero apenas, antes de fazer algumas perguntas, tratar, se me permite, de uma questão de Estado entre mim e o Sr. Deputado, porque, julgo, devemos constituir alguns pontos de acordo de regime e de Estado entre nós.
O Sr. Deputado disse que amanhã, eventualmente, haveria polícia na rua por causa dos tractores. Sr. Deputado, não rompa as grandes questões de Estado que nos devem unir! Isso significa, Sr. Deputado, que, perante acções de violação da lei e da ordem pública, o poder instituído na democracia portuguesa não deve agir?
Sr. Deputado, Mário Soares, enquanto foi primeiro-ministro, não hesitou em chamar a polícia nos momentos necessários para meter na ordem os desordeiros e nós - eu particularmente e decerto o Sr. Deputado, que pertencia ao seu governo - sempre o apoiámos. Seria uma grande tristeza que nós, democratas, nos dividíssemos sobre questões fulcrais de Estado.
spero que ao responder-me, se me der essa honra, reconheça que teve um lapso de sectarismo inaceitável.
O outro aspecto que quero focar é o caso do vosso congresso. O Sr. Deputado falou do congresso, não falou? Era difícil falar!... Já outros colegas meus mostraram bem como é difícil falar do congresso do PS. O Sr. Deputado falou sobretudo - e é compreensível - do seu governo, do governo a que o Sr. Deputado pertenceu e daquilo que os senhores tentaram fazer. Explicitou aquilo que foram as vossas ânsias, os vossos objectivos.
Devo dizer-lhe, com toda a frontalidade e franqueza, que, comparando o actual PS com o vosso, este último era mil vezes melhor, primeiro porque era mais claro, segundo porque era mais frontal e terceiro - ou, se quiserem, primeiro - porque deu a cara, no sentido total da palavra, inclusivamente, ao assumir as suas obrigações face ao Estado democrático, sem medo, sem tergiversar, enquanto o PS de hoje esconde a cara. Aliás, já aqui disse que o PS de hoje enterrou a cabeça na areia perante o furacão das novas ideias para ver se lhes escapa!
Vou dizer-lhe por que razão é que o PS de hoje tem a cabeça enterrada na areia ou, se quiser, como é que o PS de hoje, face à vacuidade das suas próprias ideias, enterrou a cabeça na vertigem do verbalismo desbragado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só tem mais cerca de um minuto.
O Orador: - Vou terminar, com a anuência do Sr. Presidente.
O meu partido já disse que o vosso programa é um amontoado de banalidades, mas, muito pior do que isso - e dei-me ao trabalho de lê-lo-, é ainda um monte de banalidades desconexas e absurdas. E pior: se alguma coisa de substancial existe subjacente a esse monte, a esse magma de banalidades, é o retomo a todos os mitos e tabus do mais arcaico dos arcaicos dos socialismos democráticos.
Vou demonstrar-lhe porquê: na introdução, parte nobre, porta grande, onde são apresentadas as linhas fundamentais daquilo que se propõe ao leitor, diz-se que «(...) os últimos acontecimentos vieram demonstrar como são actuais os valores do socialismo democrático».
Ora, Sr. Deputado, os últimos acontecimentos vieram demonstrar como o socialismo não pode ser democrático nem democratizável enquanto modelo de sociedade.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.
O Orador: - Assim sendo, os senhores estão a regressar a um dos tabus e dos mitos, que hoje estão feitos em cacos, do socialismo antigo e arcaico. É que o socialismo, enquanto modelo de sociedade, não é democratizável. Esta é uma grande questão!
Em segundo lugar, os senhores não falam uma única vez na vossa introdução da palavra «Nação», pois para os senhores ainda hoje não existe a Nação, como nunca existiu para os comunistas, em nome da luta internacional de classes, e para os senhores em nome da luta nacional e internacional entre os homens das luzes e os homens das trevas.
Finalmente, Sr. Deputado, os senhores dizem que «vão avançar para a equidade» - que eu não sei o que é! -, «que vão criar condições para o desenvolvimento físico e afectivo»...
Risos do PSD.
Ora, quanto a este aspecto, penso que entre a linguagem do gonçalvismo e este vosso programa falta apenas a expressão «já», isto é, avançar «já» para a afectividade, avançar «já» para a equidade. E, finalmente, os senhores dizem...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, está a ultrapassar em muito o tempo de que dispunha; já usou seis minutos.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Finalmente, os senhores dizem que vão fazer que cada indivíduo possa realizar as suas opções políticas e profis-
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sionais. Será que isto quer dizer que vão alargar a vossa comissão nacional para 1500 pessoas, a fim de incluir todos os delegados ao congresso?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, a sua intervenção tem mais silêncios do que falas. Começa por ter uma introdução onde nos diz que vai falar do «grande congresso», do «grande partido», do «grande líder». Porém, posteriormente, na sua intervenção não fala do grande congresso, do grande partido nem muito menos do grande líder. Ou seja, a segunda parte da sua intervenção é a repetição do discurso que o Sr. Deputado faz aqui - honra lhe seja feita - desde 1977, como se o mundo não mudasse à sua volta!...
O Sr. Duarte Lima (PSD): Daria um grande primeiro-ministro!
O Orador: - Compreendo que assim seja, porque é muito difícil falar do balanço do congresso do PS, e o Sr. Deputado sabe-o melhor do que eu, porque o problema que o PS tinha neste congresso era o seguinte: dá-se de barato que numa democracia é necessário haver alternância e o PS tem vindo a crescer eleitoralmente, nomeadamente nas eleições autárquicas. Portanto, dá-se de barato, é credível, que o PS possa contestar o Governo e o PSD - aliás, é isso que explica o sucesso do «grande líder», nada mais! Não é o que ele diz, porque ele não diz praticamente nada!
Mas quando se chega a esta altura as pessoas esperavam outra coisa do congresso do PS, isto é, esperavam que o PS dissesse como vai governar. Por isso, a questão essencial do congresso do PS era o seu tão decantado programa de governo, e sobre isso o Sr. Deputado Almeida Santos não disse uma linha, porque não pode dizer, pois sabe tão bem como eu que aquele programa não é um programa.
Os meus colegas já disseram que até algumas das frases constantes do vosso programa poderiam ter sido escritas pelo almirante Américo Tomás. Refiro-me, nomeadamente, a estas: «Portugal não é um país pobre, mas também não é um país rico!»; «Nós somos contra a rotina, mas também consideramos o direito a mante-la!»; «Nós pensamos que a carga fiscal é pesada, mas é bom que se mantenha a mesma, porque o País precisa dessa carga fiscal para o desenvolvimento!»; «Nós queremos andar depressa no caminho da Europa, mas é preciso ter cuidado com as perversões desse caminho!»...
Estas são frases que, rigorosamente, não dizem o, que quer que seja a ninguém, como, aliás, acontece com o Dr. Jorge Sampaio - por quem tenho muito respeito -, que diz nada sobre coisa alguma.
Há um episódio que eu gostaria de citar. Camilo Castelo Branco escreveu uma carta a um seu adversário dizendo: «Informo V. Ex.ª de que comi os seus miolos ao pequeno-almoço e que me encontro em jejum natural.»
Risos do PSD.
Ora isto é um pouco a sensação que temos ao ler o programa do PS, ao ouvir o que diz o Dr. Jorge Sampaio.
Mas o Dr. Almeida Santos, como é um homem de governo, ...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Fui, fui!
O Orador: - ... com experiência governativa, fala-nos daquilo que o Governo, do seu ponto de vista, fez mal, dizendo: «Se eu lá estivesse faria melhor!» Mas, infelizmente, não chega dizer mal! E o discurso do Dr. Almeida Santos plana sobre a realidade como o PS planará sobre os resultados eleitorais de 1991, ou seja, nada nos diz sobre aquilo que o governo do PS vai fazer.
O PS diz que não há reformas estruturais, e eu pergunto-lhe: Sr. Deputado, qual é a única reforma que circula hoje no conhecimento político que tem o nome do PS ou que o PS propõe para a sociedade portuguesa? Qual a ideia nova? Qual a solução que o eleitorado em 1991...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo está a terminar.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, qual a solução que o eleitorado em 1991 sabe que o PS vai implementar? Não sabe! Apenas sabe que vai haver mais transparência, mais cooperação, mais integração, mais debate, que é a solução universalista do PS para todos os problemas, mas não conhece uma única solução concreta que o PS trará para o País depois de 1991.
Finalmente, Sr. Deputado, gostaria de dizer-lhe que não se ganham eleições com nuances, dizendo mais ou que os outros, pressupostamente, fazem menos. Efectivamente, começa a notar-se no discurso do PS uma euforia que, devo dizer com autocrítica, reconheço ter sido a nossa nos primeiros meses depois das eleições de 1987. Contudo, a este propósito gostaria de lembrar-lhe uma frase do Presidente, não daquele que o Sr. Deputado Almeida Santos está a pensar, mas, sim, do Presidente Lincoln, que dizia que a galinha era o animal mais inteligente da Terra, pois só cantava depois de pôr o ovo. Esperemos, pois, pela altura de o PS pôr o ovo!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, em nome do Grupo Parlamentar do PCP - e é nesse sentido que faço este pedido de esclarecimento -, quero, em primeiro lugar, saudar o PS, pois um congresso de um partido democrático deve merecer desta Assembleia da República a devida atenção e respeito, tendo em conta a influência que o PS tem na sociedade portuguesa.
Neste sentido, creio que é importante saudar a nova direcção do PS, mas ao mesmo tempo que subscrevemos a análise que fez em relação à política desencadeada pelo Governo no plano social e económico, gostaríamos de registar as próprias omissões e responsabilidades do PS, particularmente na revisão constitucional, quando se debateu o problema das privatizações, dos leilões, da venda ao desbarato das empresas nacionalizadas...
Fundamentalmente, aquilo que gostaríamos de dizer neste pedido de esclarecimento é o seguinte: nesta Casa - aliás, tivemos aqui dois exemplos concretos disso-,
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o PSD tende a fazer o julgamento e a condenação permanentes do PS por aquilo que este partido fez no passado. É evidente que isso não pode ser omitido, não só no plano histórico mas também naquilo que o PS fez no plano económico e social - e nós também não esquecemos isso! -, mas creio que o PS devia tirar a seguinte ilação...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Pois, nós apoiamos a Fonte Luminosa, as barricadas!...
O Orador: - Como dizia, o PS devia tirar a seguinte ilação: o PSD aproveita-se dos erros do PS para justificar os seus próprios erros nos planos político, económico e social. Ora bem, tendo em conta que a questão da maioria absoluta não é uma questão que se ponha em termos de PS,...
Vozes do PSD: - Ah! Ora essa!
O Orador: - ... a pergunta que gostaria de colocar-lhe, com toda a franqueza...
Risos do PSD.
É evidente que o PSD não gosta! O PSD gosta mais de atacar o PS por aquilo que ele fez de errado. Ora o que nós pretendemos é que o PS, enquanto grande força democrática, se alie a outras forças democráticas para resolver os problemas nacionais.
Vozes do PSD: - Ah!...
O Sr. Silva Marques (PSD): - São só beijinhos!
O Orador: - Não, não são beijinhos!
Risos do PSD.
Sr. Deputado Silva Marques, ontem, aquando da interpelação do PS, era a vossa bancada que lhes dizia: «Vocês na educação foram um desastre; vocês fizeram a lei dos contratos a prazo; vocês bateram nos trabalhadores», como o senhor aqui disse há pouco...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Nos trabalhadores, não! Nos desordeiros!
O Orador: - É nesse ângulo que vocês atacam o PS! O PCP porque quer, de facto, a convergência...
O Sr. Silva Marques (PSD): - O Presidente Soares desancou os desordeiros, não os trabalhadores!
O Orador: - Desordeiro está a ser o senhor! Sente-se, por favor!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Eu estou a defender o Presidente Soares!
O Orador: - Não está nada! O senhor está a ser desordeiro!
Mas a questão que quero colocar ao Sr. Deputado Almeida Santos é a seguinte: não entende que é possível a cooperação das forças democráticas, com o respeito pela identidade de cada uma dessas forças por forma a encontrar-se uma alternativa democrática a este Governo e a esta política que o senhor aqui referiu, fez a denúncia e a radiografia e que nós também combatemos, tendo em conta as próprias aspirações dos trabalhadores de muitas classes sociais que hoje contestam, não querem mais este Governo e necessitam que as forças democráticas imponham o rumo democrático que a situação impõe?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Srs. Deputados, a primeira constatação que faço é a de que o PSD está muito vivo hoje...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sempre! Sempre, Sr. Deputado!
O Orador: - ... e sempre que tenho oportunidade de dizer qualquer coisa parece que revitalizo o PSD.
Vozes do PSD: - Oh!...
O Orador: - Só que parece-me que essa vitalidade não foi canalizada para o melhor lado e no melhor sentido. Tendo eu feito um ataque frontal, como normalmente faço, inclusivamente na sua presença - e, lembro, não está em causa, ao contrário do que pareceu sugerir-se, a pessoa do Primeiro-Ministro nem a sua personalidade, mas, sim, a sua figura política..., aliás, não o poupo, até porque nunca poupei nenhum primeiro-ministro de quem discordasse..., até mesmo a minha relação com o primeiro-ministro Mário Soares não era totalmente pacífica, pois discordei muitas vezes dele... e, portanto, não vamos transformar isto em questões pessoais, porque não o são! -, admirei-me, até porque, apesar de tudo, fiz acusações institucionalmente graves ao Sr. Primeiro-Ministro e não vi qualquer dos Srs. Deputados defendê-lo.
Aplausos do PS.
De forma que, Sr. Deputado e meu querido amigo Dr. Montalvão Machado, quem está preocupado sou eu ... Então o que é que se passa no vosso partido que já não defendem o vosso líder?
Risos do PS.
O Sr. Deputado disse que nós temos a mania das grandezas e que o remédio dá-o o povo. Ora nós já estamos a tomar esse remédio, pois o povo já nos deu esse remédio; está a dá-lo em doses cada vez mais elevadas e nós estamos cada vez mais a ter mais popularidade e, correspondentemente, mais votos. Portanto, esteja tranquilo que desse remédio já está o PS a tomar!
Fiz, segundo disse, um ataque forte e feio ao Primeiro-Ministro: tenho, em sua opinião, a mania da perseguição à pessoa, a mania das críticas... Ora as minhas críticas têm, obviamente, implícitas as posições do meu partido e as minhas posições pessoais. Quando critico algo ao Primeiro-Ministro é porque, de modo geral, defendo o contrário disso que critico! Uma vez perguntaram a Demóstenes: «Que farias se estivesses no Governo?», ao que ele terá respondido: «O contrário do que vocês fazem!»
Eu respondo-vos da mesma maneira! Se eu estivesse no Governo - e já não voltarei a estar, porque já não
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tenho essa ambição nem idade para isso -, devo dizer-lhe que faria precisamente o contrário daquilo que critiquei ao Primeiro-Ministro. Era isso que faria e aí está um belo programa de governo!
Diz o meu querido amigo - mais preocupado ainda - que não encontrou uma única bandeira do PS!... Isso seria, na verdade, um terrível facto político! Devo dizer-lhe - e podia tentar ser cruel, mas para si nunca, e trazer aqui à colação o problema das bandeiras, não do partido, mas nacional, que nós aqui discutimos a propósito dos Açores e da Madeira, mas não farei isso, seria crueldade mental - que há partidos que não precisam de estar sempre a mostrar as suas bandeiras, porque eles próprios são essa bandeira. O Partido Socialista é a sua mesma bandeira!
Aplausos do PS.
E devo dizer-lhe também que nunca vi no interior do meu partido discutir seriamente o problema de mudar de bandeira ou de a esconder com vergonha dela. Não temos vergonha do nosso passado; excessos e erros todos nós cometemos, basta ler o programa do vosso partido.
E quando os senhores falam do nosso programa, que não é ainda um programa, mas um conjunto de princípios, se eu começasse aqui a ler o vosso, tenho a certeza de que os senhores fugiam envergonhados lá para dentro, porque, no mínimo, consideravam-no desactualizado; mas ele está mais que desactualizado, está mais que desvalorizado, ele é hoje uma acusação de oportunismo que têm de assumir...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não, não!
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Porquê?!
O Orador: - ... ou então de oportunidade, se quiserem! Se não querem que seja de oportunismo, corrijo e direi de oportunidade. Oportunismo é feio, é preferível de oportunidade... Mas a política tem data e o vosso programa deixa-vos hoje tão mal que o melhor é não falar no nosso; é a melhor maneira de nos entendermos!
Disse que o Dr. Jorge Sampaio tinha obrigação de falar mal da Lei Eleitoral ou, melhor, falando mal da Lei Eleitoral, tinha obrigação de apresentar uma alternativa. Porquê?! Por que é que tinha obrigação de, num congresso, apresentar uma alternativa?! As alternativas apresentam-se no Parlamento e não nos congressos! E onde é que está a obrigação de o PS apresentar uma alternativa à actual Lei Eleitoral?! Vem de onde?! Surge de que fonte?
Protestos do PSD.
Parece que o Sr. Deputado Pacheco Pereira, hoje de manhã - eu estranhei até que não tivesse focado aqui esses aspectos, porque, enfim, dava-me a oportunidade de me defender -, citou afirmações minhas cujo conteúdo exacto eu não sei, mas ao que parece eu teria afirmado algo que implicava um compromisso entre o PS e o PSD relativamente à proposta de lei que apresentaram aqui.
Devo dizer o seguinte - e digo-o muito claramente -...
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado, não há razão alguma para continuar a falar sem saber a parte que eu citei.
O Orador: - Foi pena não o ter dito logo. Foi provocado por mim para o fazer! Mas faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Devia ter dito!
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - A declaração final do Partido Socialista, do dia 1 de Junho de 1989, sobre a revisão constitucional, diz o seguinte: «Neste domínio» - portanto, da Lei Eleitoral - «eram justificados alguns receios. Deixam agora de sê-lo».
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ah, não é segredo?! Eu julgava que era segredo!
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - «A Lei Eleitoral passa a ser um condomínio de vontades. Que para conseguir este desfecho tenha sido necessário admitir a criação, no futuro, de um círculo eleitoral nacional, sujeito à mesma regra de dois terços, bem como aceitar uma redução em 6% do número de deputados, eis o que se afigura um preço razoável para tão tranquilizante resultado.» Ou seja, o que eu afirmei foi que o Partido Socialista e o Sr. Deputado Almeida Santos referiram que o preço da mudança da lei era razoável.
O Orador: - Sr. Deputado, subscrevo inteiramente essa minha afirmação, como outras que fiz nessa época. Não tenho nada a retirar,...
Vozes do PSD: - Não retira?!
O Orador: - ... nem uma palavra sequer, e o significado disso é este, que, aliás, o Sr. Deputado acaba de realçar: quando concordámos com a possibilidade de um círculo nacional, fizemo-lo, obviamente, para obter a aprovação por dois terços das leis eleitorais.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Exacto!
O Orador - É óbvio!
Mas a Constituição está «cheia» de normas imperativas e cheia de normas facultativas. Vamos agora transformar todas as facultativas em imperativas?! Porquê só essa?! Todas as normas que lá estão como imperativas obviamente que lhes devemos respeito; às que estão como facultativas devemos a consideração de considerar essa faculdade na oportunidade, nunca em véspera de eleições, nunca pelo preço do esmagamento dos pequenos partidos, ...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!
O Orador: - ... nunca sem que vocês nos digam, por exemplo - e é um problema a ver em melhor oportunidade -, se o País vai ser regionalizável ou não, que regiões vão ser criadas...
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
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O Orador: - Desculpe, agora não. E mais, Sr. Deputado, se nesse círculo único se aproveitam ou não os restos. Porque se esse círculo único tiver os deputados correspondentes só ao aproveitamento dos restos, desde já lhe digo, não comprometendo o meu partido, porque não sei o que o meu partido pensa a esse respeito, que, pessoalmente, sou favorável. Mas isso os senhores não querem, nunca o disseram nem dirão, ...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Proponham isso!
O Orador: - ... porque isso era reforçar o princípio da proporcionalidade e os senhores não é isso que querem!
O Dr. Jorge Sampaio, meu camarada, não é apenas o que se chama «um grande líder», é um líder respeitável, que merece o respeito de todas as forças que se lhe opõem, e penso que o povo português está a secundar esse respeito, pela popularidade que lhe devota.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Quanto a ele não ser grande - referem que ele não diz nada, não diz coisa nenhuma -, talvez devêssemos perguntar ao meu querido amigo Dr. Rebelo de Sousa se na televisão o Dr. Jorge Sampaio não disse nada quando se debateu com ele...
Aplausos e risos do PS.
Perguntou-me o meu querido amigo Dr. Montalvão Machado se não acho ilegítimo partidarizar as eleições presidenciais. Acho ilegítimo, mas também tenho que dizer-lhe que se algum partido tem um resto de justificação para tentar chamar a si a glória específica de ter como candidato à presidência da República, ou como Presidente da República, um homem que sempre foi do PS, que esteve na base e na formação do PS, que se identificou sempre intelectual e ideologicamente connosco, somos nós e mais ninguém! O significado é só esse, não pode ser outro, porque nenhum de nós pode ter a veleidade de partidarizar eleições presidenciais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Meu querido amigo Duarte Lima, eu é que fui a grande estrela de congresso?! Meu Deus!... Sou um planeta sem luz própria ...
Vozes do PSD: - Não!...
O Orador: - Veja só que o seu camarada de partido João Jardim, relativamente até a umas inconstitucionalidades que eu invoquei a propósito da Madeira, veio dizer-me que eu ou bebi ou estou a ficar senil!
Devo dizer uma coisa: quanto a beber, escolheu mal, porque ele bebe muitíssimo mais do que eu!
Risos do PS.
E como a senilidade se mede em unidades de disparate e ele diz muito mais disparates do que eu, muito provavelmente o mais senil de nós os dois é ele! Mas faço-vos aqui um pedido sagrado: como a senilidade é algo de que normalmente não se tem consciência, quando entenderem que começo a ficar senil, por amor de Deus, façam-me aqui um referendo e mandem-me para casa!
Porque tenho que admitir que mais tarde ou mais cedo, começo também a dizer disparates e, nessa altura, por amor de Deus, misericordiosamente, mandem-me para casa!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Eu não disse isso!
O Orador: - Bom, mas, como vê, até tenho que felicitar-me pelo comedimento com que criticaram as críticas que fiz ao Primeiro-Ministro.
Comparei-me a Cristo?! Sabe que tenho uma veneração espantosa por Cristo e achei que era uma maneira bonita de dizer que nunca toquei num tostão do PS, embora haja para aí umas imagens nos jornais e umas caricaturas a sugerir o contrário. Cristo nunca tocou numa moeda e eu também, do partido, nunca toquei. É verdade, nunca ninguém poderá desmentir isto.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E quem me dera a mim poder comparar-me a ele em mais coisas. Veja só, neste bocadinho nada, em relação às moedas do PS, em que nunca toquei, mas ele nunca tocou em nenhuma...
Risos.
nem do PS nem de César! Risos.
Risos
Quanto a eu ser o rei Midas, porque vi ouro no congresso, devo dizer que algumas vezes tenho feito afirmações que, não sendo ouro, até são um pouco douradas. Vamos lá não ser excessivamente modestos..., também tenho produzido muitas de latão, mas algumas até são capazes de ser um pouco douradas.
Quanto ao programa, quanto ao Estado dever respeitar o direito à diferença, acusam-nos de dizermos essas coisas e dizermos as contrárias. Já lhe disse há pouco que é melhor não citarmos os programas uns dos outros, porque isso pode transformar-se numa crónica.
Sr. Deputado Pacheco Pereira, não vim para aqui propor-me falar do programa do meu partido: em primeiro lugar, porque o que vim aqui fazer foi criticar o Primeiro-Ministro; foi esse o meu objectivo, cumpri-o o melhor que soube; em segundo lugar, ainda não temos programa no meu partido, o que temos são linhas principiológicas que hão-de basear o futuro programa. Critiquem o futuro programa, depois cotejaremos o nosso e o vosso e veremos, na verdade, qual é o mais realista, qual é o mais leal para o povo português, quem engana mais as pessoas... A ajuizar pelo eleitoralismo furioso e furibundo do vosso Primeiro-Ministro, vai ser um prazer espiritual ler o vosso programa, como o foi ler as vossas grandes opções aqui há uns anos atrás. Essas, sim, deram-nos aqui um gozo infinito!
Não percebo onde é que está o erro da frase «Portugal, não sendo rico, também não é pobre». Isto é uma maneira de dizer que é remediado. Ou não é?!
Risos do PS.
Realmente o almirante Américo Tomás disse coisas que ficaram na antologia do disparate, mas esta não me parece muito disparatada, sinceramente não me parece.
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É claro que o Professor Cavaco Silva inaugura, mas eu não sou contra as inaugurações, sou contra o exagero, porque ele não inaugura só estradas, inaugura o projecto, a primeira pedra,...
Risos do PS.
o pau de fileira e, depois, quando começa a funcionar,...
É o exagero que eu condeno, porque, na verdade, a inauguração de uma grande obra... muito bem! Mas ele não inaugura só coisas grandes, inaugura também coisas ridículas. O que ele quer é aparecer na televisão! E isso, a meu ver, é que é o excesso que ninguém pode negar, nem mesmo ele! Nunca nenhum primeiro-ministro, por mais vaidoso, por mais que goste de votos, levou tão longe, nem se aproximou sequer, do impudor com que este primeiro-ministro preenche o espaço televisivo.
Aplausos do PS.
Devo dizer-lhe, com toda a sinceridade: a televisão transformou-se no tempo de antena do Primeiro-Ministro!
Vozes do PSD: - Não!...
O Orador: - E mais ainda, já que estamos em maré de sinceridade: o vosso partido, ou melhor, o Governo, transformou-se na comissão eleitoral do PSD! Estas afirmações têm de ser feitas!
Aplausos do PS, do PCP e do CDS.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - É o alter ego do Primeiro-Ministro!
O Orador: - Sr. Deputado, quando quiser ofender-me - o Duarte Lima sei que não quer, pode cair nisso por acaso - nunca diga que eu sou o alter ego do Primeiro-Ministro! Diga que sou o contra-ego!
Risos do PS, do PCP e do CDS.
O alter ego, não! Não é o meu modelo, não vejo nele o que ele vê na Sr.ª Tatcher! Também não consigo ver o que ele vê!...
Risos do PS, do PCP e do CDS.
Mas a verdade é que eu não vejo isso! Quanto às regiões, tem o Sr. Deputado inteira razão. Fui sempre contra as regiões, sou contra as regiões.
O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado devia dizer isso mais vezes!
O Orador: - O meu partido sabe que sou contra as regiões, mas eu sei que o meu partido é a favor delas. E quando falo em nome do meu partido não tenho o direito de transportar para aqui as minhas opiniões pessoais, mas tenho de falar nas opiniões do meu partido.
Não há partido mais regionalista do que o meu! Eu sou frontalmente contra as regiões, sempre fui e sempre serei! Não há confusões sobre isso, de maneira que, desculpe, mas eu não tenho nada que corrigir na minha opinião pessoal nem a opinião do meu partido, quando eu a referi.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Agora, devo dizer uma coisa: há aqui uma mistificação. Eu digo isto aqui, com a comunicação social a ouvir-me!
Agora, pergunto-vos é se estão de acordo comigo ou se estão de acordo com o meu partido. Porque se estiverem de acordo comigo, já sabemos, tiramos daí o sentido. Não há regiões!... Acabou!... Não se fala mais nisso! Se estiverem de acordo com o meu partido, tem de as fazer e faze-las já, porque tem o apoio do meu partido para as fazer. Discutam se elas são verticais, se são horizontais, se são muitas, se são poucas e, se for preciso, faça-se sobre isso - não sobre a existência das regiões - um referendo! Está aí à porta a possibilidade disso!
Não andemos é a prometer aos eleitores regiões administrativas e depois, sistematicamente, quando apanhamos os votos correspondentes a essa promessa, não a pagamos e não fazemos as regiões. Com isso eu não concordo! Sou contra as regiões e sou contra as falsas promessas.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não somos como o seu partido! Ao menos nós prometemos mas cumprimos!
O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, eu não vi «cheirinho a maoismo» algum! Ele é mesmo um grande líder, pode haver grande líder sem maoismo. Há na Europa tantos grandes líderes democráticos. Meu Deus!... Por que é que vamos agora invocar Mao a propósito do qualificativo de grande líder? Querem vocês o exclusivo quando consideram o vosso um génio?! Bom..., deixem-nos também partilhar do qualificativo!
Quanto à questão de Estado, quanto à polícia nas ruas por causa dos tractores, Sr. Deputado, eu não disse que não devem vir os tractores para a rua! Desejei que não se criasse a situação ou que se evitasse a situação que pode pôr os tractores na rua.
Repare que o De Gaulle era o De Gaulle, a França era a França, a agricultura da França era a agricultura da França e os tractores vieram para a rua. E aqui já tivemos um cheirinho, uma amostra, a fruta já trouxe os tractores para a rua em Rio Maior e já avançaram sobre o Ministério da Agricultura, tendo os polícias que interferir. Normal intervenção, o mau é que se criem situações que fazem vir os tractores para a rua, e eu não estou a ver alguma medida de prevenção dessa situação, que podia ter sido feita, que ainda pode, de algum modo, ser feita! Não vos vejo virados para aí!
O que os senhores querem é acabar com a reforma agrária. Pois acabem com ela, mas então façam outra, porque estarem as coisas como elas estão é que não!
Disse que o Dr. Mário Soares não hesitou em chamar a polícia. Claro que não! Todos concordamos que, quando há alterações da ordem, se chama a polícia, como é óbvio! Não há problema algum, e se for preciso chamá-la, chama-se! Mas não se crie a necessidade disso.
O Sr. Deputado disse que falei sobretudo do meu governo. Meu Deus!... O que eu para aí citei de estatísticas do vosso... Os senhores passaram por cima das estatísticas como água em cima de pena de pato, foi como se eu não tivesse mostrado estatísticas altamente acusatórias de resultados dos vossos...
O Sr. Duarte Lima CPSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
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O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado, eu só queria dizer a V. Ex.ª que a essa questão das estatísticas já lhe respondemos mais de 20 vezes! Agora, hoje, V. Ex.ª disse que vinha falar do seu congresso e do programa de governo saído do seu congresso!
Vozes do PS: - Ah!...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Ah, não! Era uma declaração sobre o congresso!
O Orador: - Sr. Deputado, antigamente, na Assembleia Nacional, é que havia pré-avisos. Entre nós não há pré-avisos. Daí que eu não tenha avisado ninguém do que ia falar e o Sr. Deputado deveria estar preparado para aquilo que eu dissesse. Lamento que o não possa fazer de improviso, mas às vezes o improviso é necessário.
Risos do PS.
O Sr. Deputado disse que o PSD deu a cara e que o PS hoje esconde a sua. Sr. Deputado, se alguém neste país deu a cara em momentos em que VV. Ex.ªs estavam de cara tapada fomos nós.
Aplausos do PS.
Vozes do PSD: - Oh!, Oh!...
O Orador: - Peço muita desculpa, mas essa não! O pico da coragem é nosso! O pico da determinação é nosso! Vocês lá vieram puxados pela arreata... Dar a cara é uma coisa, fingir que se dá é outra!
Aplausos do PS.
Por outro lado, o Sr. Deputado disse que os valores do socialismo democrático estavam feitos em cacos...
O Sr. Silva Marques (PSD): - E estão!
O Orador: - Mas onde, Sr. Deputado? Então o socialismo democrático europeu está em cacos? Muito pelo contrário! Foram as consequências socialmente injustas do vosso liberalismo que criaram a necessidade do colectivismo!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, peco-lhe que conclua.
O Orador: - Sr. Presidente, peço-lhe, pois, que me seja atribuído o mesmo tempo de que desfrutaram a mais outros Srs. Deputados, porque assim equilibramos as contas.
Como estava a dizer, Sr. Deputado, foram as consequências do vosso neoliberalismo que criaram disfunções sociais, as mais graves sobretudo na Inglaterra da época vitoriana, que encomendou a receita dos colectivismos soviéticos, que deram naquilo que deram! Portanto, Sr. Deputado, não queira encomendar novos neoliberalismos, porque o que nós queremos - e já disse isso claramente - é o seguinte: mercado, livre concorrência, produção, distribuição e justiça social. É esse o qualificativo de socialismo da nossa democracia. Não no-lo tirem, porque nós não deixamos!...
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado disse ainda que o socialismo não é democratizável. Meu Deus! Então não há democracia nos socialismos europeus!? Então qual é a plataforma em que se inscrevem os socialismos europeus?
Referiu também o facto de não falarmos em Nação. Falamos em República ...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Nem sequer nisso!
O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, vou dar-lhe a seguinte novidade: a Constituição nunca fala em Nação, porque optou por substituir a palavra «Nação» pela palavra «República». Ora, nós somos pela Constituição e é por aí que vamos!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas V. Ex.ª não falou numa coisa nem noutra!
O Orador: - V. Ex.ª foi muito cruel e injusto para consigo próprio. No entanto, eu absolvo-o e defendo-o, como advogado que sou. V. Ex.ª sabe o que é a equidade?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sei, sei!
O Orador: - Tem que saber! O senhor sabe o que é a afectividade?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sei, sei!
O Orador: - O Sr. Deputado Silva Marques sabe essas duas coisas e não pode pretender que não sabe. Tenha paciência, mas não deixo que V. Ex.ª faça a si próprio acusação tão grave!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Pacheco Pereira disse que eu estive mais silencioso do que aquilo que falei. Meu Deus, falei de tanta coisa! V. Ex.ª é que não disse nada sobre aquilo de que eu falei.
Risos do PS.
De facto, acusei o Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva e V. Ex.ª nem sequer se constituiu seu advogado; engoliu e até parece que o que eu disse é tudo merecido.
Se calhar exagerei, mas, como alguém disse - não me recordo de quem foi, é a tal senilidade, a memória já falha -, «contra o excesso é legítimo o excesso», isto é, só há um caso em que o excesso é legítimo, é contra o excesso. VV. Ex.ªs exageram e o que é que nós havemos de fazer a não ser exagerar também?!
Na realidade, o Sr. Primeiro-Ministro anda em campanha eleitoral de manhã à noite. Como é que nós não havemos também de exagerar na crítica desse facto?! Desculpar-me-ão, mas tinha de ser!
Disse ainda que me tinha sido difícil falar do balanço do congresso. Ora, não sei porquê! Achei que aquele resumo era o que tinha de fazer, fi-lo e não tinha de dizer mais nada.
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Quanto à afirmação de que eu não disse uma linha sobre o programa, já lhe referi que não vim cá para falar sobre isso.
O Sr. Deputado perguntou se faria melhor se fizesse parte do governo. Tenho a veleidade que sim, não sei...
Antes de terminar, quero deixar aqui um agradecimento ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa pela saudação e pelas palavras com que se referiu à minha análise.
Quanto à possibilidade de cooperação com as forças democráticas, creio que ela deve ser total, sem excepção.
No que se refere às coligações, devo dizer que o meu partido já tomou posição sobre essa questão relativamente às próximas eleições.
Quanto a saber se o PS fez melhor quando foi governo, devo dizer que fizemos o que entendíamos que devia ser feito em época de «vacas magras», porque nunca governámos em época de «vacas gordas»...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mau seria se fossem «vacas loucas»!
O Orador: - O que estamos a pedir ao povo é que nos dê essa possibilidade!
VV. Ex.ªs tiveram a oportunidade admirável, única e talvez irrepetível de ter o «sol na eira e a chuva no nabal». Pois nem assim os senhores conseguiram produzir o cereal e o milho necessários para a alimentação do povo; devo reconhecer - pois é um acto de justiça - que VV. Ex.ªs tiveram mais sorte na produção dos nabos!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa registou pedidos de palavra feitos por sinais dos Srs. Deputados António Guterres, Montalvão Machado, Pacheco Pereira e Silva Marques. Assim, solicito a esses Srs. Deputados que informem o motivo desses sinais.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, nos termos regimentais, solicito uma interrupção da sessão por 15 minutos para fazer uma declaração em resposta às graves acusações feitas pelo PSD ao meu partido hoje de manhã em conferencia de imprensa.
O Sr. Presidente: - Pergunto ao Sr. Deputado Montalvão Machado por que motivo pretende usar da palavra, pois pode ter prioridade sobre o pedido de palavra do Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, pretendo intervir em defesa da honra e da consideração da minha bancada. Aliás, esta figura regimental tem a ver com o pedido de interrupção da sessão que foi solicitado pelo Sr. Deputado António Guterres. Suponho que o PS será o primeiro a não querer interromper os trabalhos antes de ser exercida a defesa da honra e da consideração da minha bancada.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, independentemente de haver ou não prioridade regimental - e até achamos que não há -, é evidente que ao haver deputados que pretendam usar da palavra para defesa da honra e da consideração, e desde que se cumpram o Regimento e os tempos atribuídos a essa figura regimental, nós transigiremos em adiar o pedido de interrupção da sessão. Mas, naturalmente, não o fazemos com a tentativa de utilizar a figura regimental de defesa da honra para criar um incidente interminável no Plenário.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, pretendo igualmente usar da palavra ao abrigo do direito de defesa da honra e consideração. Aliás, chamo a atenção da Mesa para o facto de ter sido o primeiro a pedir a palavra, pelo que deveria ter feito a minha intervenção em primeiro lugar.
O Sr. António Guterres (PS): - Não foi o primeiro!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Você passa a vida a fazer batota no Parlamento!
O Sr. Presidente: - A Mesa informa que o primeiro deputado que levantou o braço para se inscrever foi o Sr. Deputado António Guterres.
Em relação à bancada do PSD é que de facto o primeiro deputado que fez sinal para usar da palavra foi o Sr. Deputado Pacheco Pereira e não o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Duarte Lima acaba de dizer que eu passo a vida a fazer batota no Plenário. Ora quero dizer ao Sr. Deputado Duarte Lima que ou o PSD começa a respeitar as regras da ética no funcionamento do Plenário ou a situação torna-se insuportável.
Vozes do PS: - Muito bem! Protestos do PSD.
O Orador: - O Sr. Deputado Caio Roque pode testemunhar que no início da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos eu pedi para fazer esta interpelação, pelo que não há aqui qualquer batota! Temos todos de nos respeitar uns aos outros e a melhor maneira de o fazer é começar por nos respeitarmos a nós próprios.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos considerar este incidente encerrado. No entanto, devo confirmar que, de facto, o Sr. Deputado António Guterres telefonou para a Mesa para esta registar a sua inscrição.
Quero ainda dizer ao Sr. Deputado Duarte Lima que ninguém tem o direito de pôr em causa e em dúvida a minha afirmação.
Aplausos do PS e do PCP.
Vozes do PSD: - Ah! Ah! Ah!
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O Sr. Presidente: - Para defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, na altura em que o Sr. Deputado Almeida Santos referiu as minhas declarações de hoje de manhã, ou seja, no princípio da sua intervenção, solicitei a palavra para defesa da honra e consideração.
Assim, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Almeida Santos que o que ele hoje disse sobre essa matéria é exactamente - e eu não lhe assaco isso pessoalmente - a demonstração da má-fe do Partido Socialista nesta questão. E vou dizer-lhe porque. Aquando da revisão constitucional, o que o Sr. Deputado referiu foi o seguinte: «Nós concedemos, no acordo de revisão constitucional, o círculo único para obter os dois terços na Lei Eleitoral.» No entanto, no momento em que aparece legislação que institui esse círculo único -VV. Exas. preparam-se para votar contra! Se isso não é quebra da boa-fé negocial, então não sei o que se passa nessa matéria!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, V. Exa. não esteve com assiduidade na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional...
Protestos do PSD.
Se se der ao trabalho de ler todas as minhas intervenções, a sequência do dialogo sobre esse assunto, que não é uma palavra se nem uma intervenção única, verificara que quando eu digo - se e que o digo - que concedemos o círculo, é claro que é o circulo nos termos em que o concedemos! Não pode ser de outra maneira!
Não tenho conhecimento de nenhum acordo do meu partido que tenha sido celebrado com o vosso ou com qualquer outro partido que não tenha sido por escrito. Aliás, nunca um partido cai na «arara» de fazer um acordo que não seja por escrito! Neste caso, o acordo escrito retrata uma possibilidade, o que não é a mesma coisa que uma obrigação nem um imperativo. A não ser assim, constaria desse acordo: «Criação de um circulo nacional com x deputados, com ou sem aproveitamento de restos, etc....»
Não assisti às conversações do então secretário-geral do meu partido com representantes do PSD, mas a verdade é que nunca o Sr. Deputado Vítor Constâncio, perante mim ou nas reuniões que fizemos no interior do meu partido - e que foram muitas - referiu que houvesse algum acordo verbal para além do acordo escrito. Ora se esse acordo existisse ele teria de nos dar conta dele.
De qualquer modo, também não conheço qualquer acordo interpartidário com a participação do PS sem ser por escrito. 0 que está no escrito é o que esta lá! Portanto, é por isso que nos responsabilizamos, e não pelas fantasias que VV. Exas. pretendem «colar» porque tiveram lugar fora do texto ou a propósito do texto.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD):- Está aqui!
O Orador: - Esteja o que estiver, Sr. Deputado! Diga o que quiser, mas o acordo vale em si mesmo por aquilo que dele consta e não me venha com complementos de
interpretação, com obrigações fora da letra nem com negociações de corredor, porque não houve nenhuma negociação desse género. Alias, nem podia haver!
Nas posições que eu tomei na comissão comecei por pôr em sérias duvidas o círculo nacional, pois ,havia opiniões do meu partido que eram favoráveis e outras desfavoráveis -aliás- continua a ser assim! Ora VV. Exas. bem tiram partido dessas vozes discordantes, mas esquecem-se que somos um partido aberto, onde é possível discordar das opiniões. Aliás, devo dizer que a minha amizade por VV. Exas. me leva a ter pena de terem prescindido tantas vezes e tão sistematicamente desse raro privilégio de discordarem da direcção do vosso partido.
Aplausos do PS.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra e consideração.
O Sr. Presidente: - Faca favor, Sr. Deputado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, antes de usar da palavra para defesa da honra e consideração, gostaria de dizer a V. Exa. que a minha bancada é disciplinada. Consequentemente, ninguém desta bancada põe em duvida as palavras ditas por V. Exa. ou as afirmações dos membros da Mesa. Porém, não podemos adivinhar que se façam inscrições pelo telefone!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Foi apenas essa a razão por que um elemento da minha bancada se opôs a intervenção do Sr. Deputado Guterres.
Aplausos do PSD.
Não há aqui absolutamente nada de desrespeitoso para com a Mesa e muito menos para com V. Exa., Sr. Presidente. E bom que isto fique bem claro!
O Sr. Presidente: - Permita-me, Sr. Deputado, que antes de exercer o seu direito de defesa da honra e consideração eu explique o seguinte: em primeiro lugar, é norma usual deputados das virias bancadas dirigirem-se por telefone a Mesa para se inscreverem.
Em segundo lugar, eu tinha conhecimento do telefonema e das pessoas que levantaram o braço para se inscrever. O único erro que a Mesa cometeu foi o de ter dado em primeiro lugar a palavra ao Sr. Deputado Montalvão Machado e se depois ao Sr. Deputado Pacheco Pereira. Mas, devo confessa-lo, a culpa foi minha, porque vi primeiro o sinal feito pelo Sr. Deputado Montalvão Machado e só fui informado desse facto posteriormente.
No entanto, a partir do momento em que a Mesa anunciou a ordem de intervenções, a unica atitude certa seria perguntarem se essa ordem estava ou não correcta. Agora porem em duvida a decisão da Mesa com os protestos que houve por parte da bancada do PSD e que não posso deixar passar em claro!
O Orador: - Sr. Presidente, permita-me que insista, já que talvez não me tenha feito compreender! A culpa foi exclusivamente minha! ...
De facto, gostaria que ficasse muito bem expresso que pelo facto de não termos adivinhado uma inscrição telefónica que nós, por vezes, também utilizamos ...
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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ora! Ora!
O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, tenha a bondade de não se meter naquilo que não deve!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Eu meto-me naquilo que posso!
O Orador: - Mas sobre este assunto V. Ex.ª não pode!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Posso, sim! Faço os apartes que quiser!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-lhes um pouco mais de calma, para melhor esclarecermos esta questão.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Orador: - Sr. Presidente, como estava a dizer, na medida em que ainda não tinha sido anunciada a inscrição do Sr. Deputado António Guterres feita por telefone, registou-se na bancada do PSD uma reclamação, que não teve, não tem, nem nunca terá nada de desrespeitoso para com V. Ex.ª nem para com os membros da Mesa.
Posto isto, Sr. Presidente, gostaria agora de exercer o direito de defesa da honra e consideração da minha bancada em relação a uma afirmação feita pelo Sr. Deputado e meu querido amigo Dr. Almeida Santos. Disse o Sr. Deputado que o PS esteve no pico da onda pela defesa da democracia e que nós fomos a reboque.
A memória é curta, Sr. Deputado! A memória é, de facto, muito curta! Se realmente V. Ex.ª tivesse memória e os seus camaradas de bancada, que viveram horas grandes deste país, a tivessem também, saberiam que antes da vossa grande manifestação na Alameda...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!
O Orador: -... houve no Porto, 15 dias antes, a marcha sobre o RASPE (Regimento de Artilharia da Serra do Pilar), organizada por nós, com cerca de uma centena de milhar de pessoas, onde fomos recebidos com tanques e metralhadoras e com dezenas de feridos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, também peço a palavra ao abrigo do direito de defesa da honra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, uma vez que o Sr. Deputado Silva Marques também pretende exercer o direito de defesa da honra e consideração da sua bancada, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Almeida Santos (PS): - No fim, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, é um facto que antes de o PS ter arrancado para a luta contra o gonçalvismo já nós tínhamos começado.
Vozes do PSD: - É verdade!
O Orador: - Só que, enquanto os senhores não o fizeram, tentaram escorraçar-nos, evitar-nos e, mais, opunham-se a que aderíssemos às vossas iniciativas!... Sou testemunha ocular de tudo isso, Sr. Deputado!
O Sr. José Lello (PS): - Vocês eram da União Nacional!
O Orador: - Enquanto o PS teve a inglória ilusão de que também ia instaurar em Portugal o tal socialismo democrático, isto é, o socialismo sobreposto à democracia e que o PCP ia colaborar passivamente com isso, os senhores escorraçaram-nos! Foi depois de o PCP começar a agredir-vos que os senhores resolveram constituir a barricada de todos os democratas contra o gonçalvismo. Foi, pois, nessa altura que nos integrámos com todo o entusiasmo. Mas o que estou a dizer são factos indesmentíveis aos quais todos nós, facilmente, assistimos, pelo menos aqueles que não têm menos de 15 anos!...
O Sr. Raúl Rego (PS): Nem todos nele participaram!
O Orador: - Sr. Deputado, ainda bem que o Sr. Deputado não decidiu nesse momento quem devia ou não participar, porque, se calhar, a Fonte Luminosa teria tido muito menos gente. Essa é uma grande questão!
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
O Sr. Raúl Rego (PS): - Alguns do vosso partido eram da União Nacional?
O Orador: - Sr. Deputado, se alguns do meu partido eram da União Nacional não há qualquer inconveniente, porque alguns de vós eram responsáveis nacionais da ditadura, membros integrantes do governo da ditadura!
Aplausos do PSD.
Por isso, Srs. Deputados, deixemos o passado, não para o esquecer, mas para não estarmos agarrados a ele. Discutamos o presente!
Sr. Deputado Almeida Santos, desafio-o - e foi por isso que pedi para exercer a defesa da consideração, porque o debate politico é também um debate intelectual, e responder ao debate intelectual frontalmente colocado, penso, é um acto de consideração! - a dizer-me onde é que, na Europa, o socialismo democrático está neste momento no Poder. Não está na Alemanha, onde - e V. Ex.ª sabe muito bem - é um partido assumido como social-democrata desde sempre; não está, nem sequer como grande partido da oposição, na Inglaterra, porque é um partido trabalhista. Sr. Deputado, o socialismo democrático existiu na França, chegou ao Poder enquanto tal, perdeu as eleições e regressou ao Poder dirigido por um homem, que foi o símbolo da sua social-democratização, chamado Roccard.
O Sr. Deputado sabe muito bem que, inclusivamente sobre a questão da lei eleitoral, Roccard demitiu-se...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa chama a atenção para que exerça, de facto, a defesa da honra da sua bancada e não divague!
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O Orador: - Sr. Presidente, não é o Sr. Deputado António Guterres que decide o que é a consideração de cada um!... A minha consideração é também intelectual!...
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não foi o Sr. Deputado António Guterres que chamou a atenção da Mesa. Foi esta que considerou que o Sr. Deputado estava a divagar em vez de exercer o direito de defesa da honra!
O Orador: - O Sr. Deputado António Guterres também chamou a atenção!
Sr. Presidente, quero dizer-lhe que, para mim, a consideração é também a réplica intelectual; a ausência de réplica intelectual não é um acto de consideração. Foi, pois, nessa base que pedi a palavra!
De qualquer modo, Sr. Presidente, vou concluir.
Mais uma vez, Sr. Deputado Almeida Santos, desafio-o, porque se hoje em França o PS está no Governo foi graças à luta pela sua social-democratização, dirigida por Roccard ao longo de 10 anos, pois nem sequer existe em Espanha, onde Gonzalez resolveu esse problema excluindo do seu programa, há 10 ou mais anos, o marxismo.
Por isso, Sr. Deputado, o socialismo democrático não está em nenhum sitio! Está apenas em Portugal e, da pior maneira, no programa do vosso recente congresso.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou usar da palavra muito rapidamente para dizer que não ofendi os Srs. Deputados. O que os senhores fizeram foi aproveitar a oportunidade para dizer mais alguma coisa. Fizeram muito bem! Eu teria feito o mesmo, no vosso lugar!
Srs. Deputados, eu só disse o que disse porque os senhores referiram - e fizeram-no de uma maneira muito clara e quase ofensiva - que enquanto o PSD dá a cara nós a escondemos. Ora está afirmação é grave, porque a fizeram em termos genéricos, sem dizer quando é que escondemos a cara, em que circunstâncias, se foi episodicamente, se é sempre... Parece que andamos de cara tapada na political...
Assim, em relação a essa referenda eu disse-vos que nos momentos em que foi preciso ter coragem quem a teve mais fomos nós. Mantenho esta mesma afirmação, porque eu não disse que os senhores não tiveram alguma coragem, não disse que os senhores fugiram! Eu não disse isso!
O que disse é que quem teve um papel mais predominante - r foi assim! - na defesa da democracia, quando ela esteve em causa, foi o PS.
Vozes do PSD: - Não foi, não!
O Orador: - Toda a gente sabe isso e não vale a pena os Srs. Deputados declararem-se ofendidos, na tentativa de reescrever a história, porque não a reescrevem sem que nós protestemos. Quem conhece a história e o povo! Não são os senhores que a vão alterar! Nem pensem nisso!
O Sr. Deputado Silva Marques disse que me desafiava a dizer onde é que o socialismo democrático está em maioria. Ora, respondo-lhe muito facilmente que é no Parlamento Europeu!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É a força maioritária do Parlamento Europeu! A força minoritária, que quase não existe, e aquela em que os senhores se inscrevem: o Partido Liberal!
Aplausos do PS.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, pretendo interpelar a Mesa devido à observação que V. Ex.ª me fez.
De facto, Sr. Presidente, eu fiz um aparte, não para a Mesa, pois não é meu hábito - nunca fiz um aparte para a Mesa porque a respeito e, muito em particular, o Presidente, seja ele qual for -, mas para o Sr. Deputado António Guterres.
V. Ex.ª disse-me que não tinha o direito de fazer esse aparte e de pôr em causa a decisão da Mesa. Sr. Presidente, de forma alguma pus em causa a decisão da Mesa!
O que se passou é que havia aqui na minha bancada uma controvérsia sobre qual o deputado que se tinha inscrito primeiro. Por esse motivo, fiz a pergunta ao Sr. Secretário Daniel Bastos, que me esclareceu sobre qual a inscrição que tinha sido feita em primeiro lugar. Só depois disso e perante a insistência que se estabeleceu entre mim e o Sr. Deputado António Guterres, ou seja, a insistência de ele afirmar que estava inscrito em primeiro lugar, e a resposta da Mesa, que pode ser confirmada pelo Sr. Secretário, eu disse este aparte: «Não faça batota!»
Devo dizer que disse isto sem intuito ofensivo, foi como um aparte. Aliás, esta expressão, esta admoestação, tem sido feita dezenas de vezes nos últimos 15 dias pelo PS ao meu partido, não como um aparte mas em público, em particular pelo Sr. Deputado António Guterres. Aí ele não sentiu quaisquer dores! Portanto, se quer falar em respeito, comece ele pelo próprio respeito em relação aos seus adversários.
Aplausos do PSD.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, torno a solicitar a interrupção da sessão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 45 minutos.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é especialmente agradável para mim abordar a questão militar, por razões que, naturalmente, todos compreenderão.
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Sou, além de deputado, um militar que tem um estatuto que lhe permite não estar ao abrigo das disposições legais, que limitam a liberdade de expressão ao cidadão militar.
Tenho pensado muito se deveria ou não fazer esta intervenção. For um lado, as questões militares não tem sido muito abordadas em termos de intervenção parlamentar, e, por outro, pelos riscos que advém, em especial do facto de poder especular-se, embora ilegitimamente, acerca da minha qualidade de militar. Não falo em nome dos militares, não tenho procuração de ninguém! E mais por um imperativo de consciencia e de ordem moral do que por razoes de ordem político-partidária que me permito abordar alguns dos problemas que hoje se colocam a organização militar.
A minha intervenção só pode ser interpretada, naturalmente, como a de um deputado que não conhece quaisquer condicionamentos a sua intervenção livre e democrática.
Não pretendo com esta intervenção encontrar ou ditar soluções, mas tão-só fazer algumas reflexões e, em especial, chamar a atenção para que rapidamente se encontrem as soluções adequadas para o prestigio das forças armadas e para uma correcta inserção das mesmas na nossa sociedade. E já um lugar-comum falar das forças armadas como uma instituição que, conjuntamente com a Igreja Católica, constitui o suporte de uma certa identidade nacional e cuja importância se confunde com a própria historia de Portugal. Por esse facto tem sido instituições quase intocáveis, com as vantagens e inconvenientes próprios das organizações que não se questionam.
Gostaria, hoje, de questionar não a instituição militar, que pode e deve ser objecto de uma analise profunda que tenha também em conta as grandes mutações da sociedade, os novos valores c as novas exigências e, em especial, a relação do homem consigo próprio e com o início que o rodeia, mas pretendo, muito simplesmente, fazer algumas reflexões sobre a organização militar que suporia a instituição militar.
Começaria por falar das forças armadas no contexto da Revolução do 25 de Abril c suas consequências.
E reconhecido que as forças armadas cumpriram sempre, com a maior proficiência, as missões que lhe foram confiadas, mesmo quando foi o caso da guerra colonial, em que criaram as condições para que o poder político tomasse as opções que se empunham em termos internos, sendo uma exigência internacional, fruto da evolução dos tempos e das mentalidades no que se refere, em especial, a descolonização.
A guerra colonial exigiu um esforço de organização as forças armadas que e de sublinhar. Os resultados militares só foram, no entanto, possíveis devido as características do soldado português (o melhor soldado do mundo!), que não regateou esforços e que se revelou de uma capacidade de adaptação a situações novas e difíceis verdadeiramente notável. E bom que se recorde e se reconheça o esforço de tantos jovens Portugueses enquanto militares, durante todos esses anos de guerra, de que resultou, inclusivamente, que muitos tenham morrido ou ficado incapacitados para toda a vida, na defesa daquilo que pensavam ser o interesse nacional.
Esta questão tem, hoje, indiscutível actualidade, na medida em que muitos dos problemas que se relacionam com as forças armadas são consequências da guerra e não e justo que sejam imputados apenas a estas, devendo, antes, ser assumidos como uma responsabilidade nacional.
Terminada a guerra, era a altura de as forças armadas procurarem adaptar-se a nova realidade. Desaparecidos os três teatros de operações, com cerca de 200000 homens em armas e em guerra, bem como os outros três espaços onde exerciam a sua missão, as forças armadas viram-se reduzidas a sua missão específica de defesa militar da Republica, com a inevitável redução de efectivos e a necessidade de uma adequada reorganização e reequipamento, na medida em que todos os recursos financeiros tinham sido orientados, no respeito a questão militar, para um tipo de organização e equipamento relacionado com a guerra de guerrilha completamente desfasada das necessidades mínimas de umas forças armadas em que o cenário era e o de um moderno campo de batalha.
A deficiente preparação militar, em termos de formação de quadras, também como resultado de uma preparação especifica para a guerrilha. era um problema grave e foi o primeiro que as forças armadas procuraram equacionar e resolver, ate porque era aquele que implicava menores recursos financeiros.
Entretanto, e como resultado da participação das forças armadas no derrube da ditadura, as responsabilidades que assumiram na consolidação da democracia fizeram com que a sua reorganização e reestruturação fosse relegada para um piano secundário, não aproveitando mesmo o facto de, em termos institucionais e constitucionais e durante um certa período, terem tido uma relativa autonomia.
O fim da guerra colonial deixou como herança umas forças armadas praticamente desarmadas, sem estruturas, com os seus quadras permanentes desajustados, uma organização territorial desadequada, um orçamento desequilibrado e um povo - a sua juventude, em especial - que se questiona sobre a utilidade do tempo que passa nas fiteiras, políticos que não assumem como devem a defesa das suas forças armadas e essas, por sua vez, me interrogam-se sobre os objectives mal delimos, a par de um silêncio de rejeição de parte da sociedade que cada dia se acentua mais face aos ventos que, um ponto por todo o mundo, sopram no sentido do desarmamento e da paz, criando uma situação que exige uma resposta rápida e adequada.
As respostas dadas perante este quadra tem sido, no mínimo, frustrantes, na medida em que tem sido dadas de forma avulsa, não enquadradas, procurando soluções de recurso que, na maior pane das vezes, são contraditórias e geradoras de cada vez mais conflitos quer internos quer externos, na relação das forças armadas com a sociedade, e vice-versa.
As forças armadas tem sido manipuladas, ou mais propriamente, há decisões que tem criado a sensação nas próprias forças armadas de que elas tem sido utilizadas com objectives políticos que as transcendem.
Um dos casos paradigmáticos para o qual não ha qualquer tipo de explicação e o caso do general Garcia dos Santos, ex-Chefe do Estado-Maior do Exército, oficial general de quatro estrelas, no activo, afastado da função militar por jogos de poder, que lhe são estranhos, criando uma situação de desprestígio da função militar verdadeiramente inaceitável.
Não tem havido uma resposta política no sentido de justificar e com o objectivo de dignificar as forças armadas. A grande maioria das decisões tem criado duvidas e aumentado as dificuldades no encontro das soluções adequadas.
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Esta a política de defesa nacional em consonância com os objectives de defesa nacional? Está o conceito estratégico militar em consonância com a política de defesa nacional? Esta o conceito estratégico militar em consonância com o conceito estratégico de defesa nacional? Estão os objectives das forças armadas em consonância com o conceito estratégico militar? Estão os meios das forças armadas ajustados aos seus objectivos? Estão as missões das forças armadas em consonância com os meios postos a sua disposição? Estão; as forças armadas organizadas para cumprirem essas missões?
Afinal, no presente eu no curto prazo, estão as forças armadas a fazer o quê? A defender o País de que ameaças?
As respostas serias e honestas a todas estas questões são preocupantes.
Em primeiro lugar, o poder político, para além de um discurso institucional relativamente as forças armadas, tem percepcionado na opinião publica uma ideia que, no mínimo, demonstra que não tem uma ideia clara sobre as forças armadas. Na verdade, o grande debate sobre a defesa nacional, lançado pelo Ministro da Defesa Nacional, que é em si, um elemento positivo e mobilizador da opinião publica para as várias questões que se colocam no âmbito alargado da defesa, foi precedido de uma decisão que causou a maior perplexidade - a redução do serviço militar obrigatório (SMO) para quatro meses.
Foi esta decisão precedida - dos estudos adequados? Sabemos que não. Então, qual foi o significado político de tal precisão?
Parece-nos claro: que procurou responder política e demagogicamente a crescente interrogação sobre o serviço militar em lugar de procurar dar uma resposta sustentada que correspondesse a uma ideia clara sobre a perspectiva de futuro para as forças armadas. Escolheu o caminho mais fácil, mas nem sempre o caminho mais fácil é o mais seguro e o mais correcto. Mais uma vez se colocou o «carro a frente dos bois». E se os estudos apontarem uma solução diferente? E se os chamados, «redimensionamento, reestruturação e reequipamento» apontassem para outra solução? Ou estes objectivos serio condicionados por aquela solução? Qual é o acréscimo orçamental desta medida? Porque quatro e não três ou dois meses? O que é que se pretende com o SMO?
Como ainda não há respostas a esta questão, isto só significou uma decisão política que tem pouco a ver com as forças armadas. E uma decisão que esta para lá das próprias forças armadas!
Não séria mais correcto equacionar todas estas questões e apresenta-las em conjunto, de modo a termos todos uma visão clara do que significa a redução para quatro meses do SMO? Pensamos que o objective não foi encontrar a solução nem sequer uma solução, mas, sim, criar um facto político, que não te em conta objectivamente as forças armadas e o interesse nacional.
Agora é anunciado que as forças armadas tem como prioridade absoluta, nos meses de Verão, o combate aos incêndios. Não questionamos - sublinho -, antes pelo contrário, que as forças armadas participem, como sempre tem acontecido, no combate aos incêndios e outras calamidades, o que corresponde a directiva interna das próprias forças armadas. O que contestamos é a maneira como o anuncio foi feito!
Criou-se a ideia de que as, forças armadas não tem missão relevante para além daquelas que constam do n.° 5 do artigo 275.° da Constituição, que diz o seguinte:
As Forças Armadas podem colaborar, nos termos da lei, em tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações, inclusivamente em situação de calamidade publica que não justifiquem a suspensão do exercício de direitos.
Quando acabarem os incêndios a quer missão voltam as forças armadas? Missão secundária ou principal? Será que as forças armadas tem como missão principal, alternadamente, o combate a incêndios no Verão e a ajuda as cheias no Inverno? É que, ao dizer-se que a prioridade das prioridades das forças armadas é o combate aos incêndios, cria-se a sensação, na ausência de calamidade publica, de que as forças armadas são praticamente inúteis - não têm missão que a população entenda! Mais uma «operação» que tem como consequência, sob a capa de «utilidade» das forças armadas, o confundir a opinião publica sobre a missão especifica das forças armadas e a sua utilidade.
Relativamente ao equipamento, é sabido que as forças armadas estão, de facto, a níveis que não lhes garantem uma grande credibilidade. No entanto, antes de qualquer reorganização e até antes de se saber o próprio conceito estratégico militar, foram, na base de contrapartidas, perspectivados uns e adquiridos outras equipamentos que não correspondente a ideias Claras de reequipamento que tenha por base os objectives das forças armadas, o seu sistema de forças e até o seu dispositivo, o que faz com que a própria rentabilidade das forças armadas, relativamente ao material adquirido, fique muito aquém do que seria legítimo esperar.
Corresponde o equipamento a prioridade das nossas forças armadas ou aos excedentes ;de outras forças armadas na base das- contrapartidas? Todos sabemos que o aproveitamento de certo equipamento, muitas vezes obsoleto, não implicou em muitos casos uma economia de gastos mas, antes pelo contrário, uma responsabilidade ornamental forcada na aquisição de material, que, - em muitos casos, não é o que mais nos convém, até porque ainda não sabemos bem o que é que nos convém!
Responsabilidade orçamental forçada também pela utilização dos circuitos de manutenção dos países fornecedores, por total inadequação dos circuitos nacionais. Responsabilidade orçamental também forçada pelo destino fatídico desses materiais em irem perdendo as suas características operacionais e ficando limitados as prateleiras das arrecadações, aos desfiles comemorativos e aos parques de sucata.
No início deste ano entraram em vigor novos estatutos das forças armadas que causaram um mal-estar generalizado nas forças armadas, porque não só não correspondem as legitimas expectativas (dos militares nas várias situações (antes pelo contrario, criam novos condicionalismos e lhes retiram alguns direitos), mas ainda porque não indiciam nenhuma ideia de uma nova estrutura das carreiras dos militares para umas forças armadas modernas, apontando, em vez disso, para soluções incompatíveis com a reestruturação e redimensionamento das forças armadas, que é apresentado como um dos objectivos do Governo. Recordo que os estatutos foram aprovados sem que a Assembleia da Republica os anali-
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sassce previamente com o Ministro da Defesa, conforme compromisso que tinha formalmente assumido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A falta de uma política clara de defesa nacional, a par de uma indefinição relativamente as forças armadas, tem criado a ideia, na opinião publica, da desnecessidade ou inutilidade das forças armadas com as consequências que se conhecem: os jovens questionam-se sobre o serviço militar e o Governo reduz o tempo do serviço militar; a opinião pública põe em causa as forças armadas e o Governo manda os militares apagar incêndios; a opinião publica questiona-se sobre o orçamento das Forças Armadas e o Governo diz que vai reduzir os efectivos militares; a opinião publica questiona-se sobre a necessidade de novos equipamentos militares e o Governo diz que as fragatas são para fiscalização da CEE, os aviões para socorros a náufragos e os militares para apagar incêndios.
Com esta resposta, o Governo procura iludir a realidade. Na verdade, a diminuição do tempo de serviço militar implica um aumento das despesas com a profissionalização ou semiprofissionalização das forças armadas com os inconvenientes que são conhecidos. E que não é o SMO que é sinónimo de improdutividade, mas sim a pratica que se encontra instituída. Sem alterar esta política, apenas se poderá, quanto muito, profissionalizar a improdutividade. A missão das forças armadas é prioritariamente a preparação para a defesa militar da Republica. Não é a diminuição dos efectivos que reduz o orçamento das forças armadas, mas sim uma correcta racionalização dos meios postos a sua disposição, o que implica uma restruturação adequada e um reequipamento que tenha em conta os interesses e as necessidades específicas das nossas forças armadas, da industria nacional e das possibilidades económicas do País, e não o excedente de stocks de forças armadas estrangeiras.
Todos reconhecemos que o orçamento das forças armadas representa um esforço que tem de ser racionalizado. Penso que a opinião publica compreende isto! O que não compreende é que se gaste tanto dinheiro sem saber como e para que, quando tem a consciência de que o dinheiro gasto não corresponde a umas forças armadas com capacidade operacional adequada ao cumprimento da sua missão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já referi, não é profissionalizando as forças armadas que se resolvera o problema da improdutividade, pois apenas se profissionalizara a improdutividade; não é tentando estender os inconvenientes do SMO a um maior numero de jovens que se exerce justiça social, mas sim reduzindo as desvantagens entre aqueles que cumprem e os que não cumprem o SMO; não é apenas pela redução dos orçamentos que se rentabilizam as forças armadas, mas também e sobretudo pela exigência de que elas apresentem determinado produto, traduzido por unidades operacionais e equipamentos aptos a cumprir as suas próprias missões; não é arranjando só objectivos populares que se justificam as forças armadas aos olhos da opinião publica, mas sim dando-lhes meios e exigindo o cumprimento da sua missão; não é promovendo a discórdia e o desanimo no seio das forças armadas que se consegue a coesão necessária e fundamental da instituição militar.
A incapacidade de se encontrarem soluções para as forças armadas é talvez a imagem mais flagrante da incapacidade governativa em gerar futuro, em ver para além do imediato, em agir para além dos interesses do momento.
A crise das forças armadas não é tanto uma crise de orçamento, de finalidades e de valores, mas sim uma crise de pensamento, de vontade e de liderança política.
Mas, para que tudo isto tenha sentido, é necessário que o Governo tenha em conta que as forças armadas precisam de ser uma instituição prestigiada, o que implica, também, uma maior responsabilização das próprias forças armadas que não podem ser o tabu que serve, por um lado, para justificar a incapacidade do Governo e, por outro, para manter a indefinição que justifica a crescente interrogação sobre o futuro das nossas forças armadas.
Aplausos do PRD, do PS do PCP de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Marques Júnior ultrapassou o tempo de que dispunha para a declaração na política. No entanto, a Mesa descontar-lhe-á o tempo que foi atribuído ao PRD para o período de antes da ordem do dia. Por outro lado, Os Verdes cederam dois minutos do tempo de que dispõem.
Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Herculano Pombo, Álvaro Viegas, Cardoso Ferreira, João Amaral e José Lello.
Assim sendo, para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Deputado Marques Júnior, vou ser muito breve, até porque ainda tenho uma declaração política para produzir e estou a tentar rentabilizar, o mais possível, os escassos 10 minutos.
Começo por lamentar que o problema das forças armadas tenha que caber, aqui nesta Assembleia, em 10 minutos. O Sr. Deputado teve a coragem de o trazer aqui e de o tentar fazer caber nesses escassos minutos. No entanto, o desafio que deixava quer ao Sr. Deputado quer a Assembleia, é o de que este problema seja tratado com a profundidade com que agora foi abordado, mas que seja tratado por todos, aqui em sessão, até que o País e a Assembleia da Republica fiquem convencidos de que tipo de forças armadas é que o País precisa e de qual é o respeito que é devido a instituição forças armadas, sem equívocos e sem a necessidade - que o Sr. Deputado denunciou muito bem - de camuflar, com omissões mais ou menos populares, aquilo que são as missões principais que a Constituição consagra para as nossas forças armadas.
Basicamente, era este o apoio que queria dar a intervenção do Sr. Deputado, do meu ponto de vista de pacifista que se preocupa com as questões da paz do desarmamento e do não militarismo mas também com a dignificação das forças armadas e com o respeito que lhe é devido, até porque a democracia não pode correr o grave risco de ver indignificada as suas forças armadas, mal estruturadas e mal vistas aos olhos da opinião publica, porque isto é, entre outros, um dos principais factores de insegurança para qualquer democracia e nem a nossa jovem democracia nem as nossas forças armadas merecem isso.
De qualquer modo, Sr. Deputado, eu tenho sido um dos principais defensores de uma atribuição cada vez maior de missões consideradas de interesse popular as forças armadas: não para camuflar as suas verdadeiras
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missões, não para justificar as forças armadas, mas para com isto contribuir para melhorar substancialmente a imagem publica das nossas forças armadas. E apenas para dar um contributo, não é para transformar as forças armadas em corpos de bombeiros, em serviço de protecção civil ou qualquer outro corpo de intervenção. As forças armadas são para a defesa militar da Republica como missão prioritária mas não devem considerar como missões meramente subsidiarias ou complementares lodo o outro tipo de missões, até porque somos um país de escassos recursos e de muitas necessidades.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Júnior, deseja responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Viegas.
O Sr. Álvaro Viegas (PSD): - Sr. Deputado Marques Júnior, ouvi com muita atenção a sua intervenção e gostaria de colocar algumas questões.
O Sr. Deputado frisou que os jovens exigiram que o serviço militar obrigatório (SMO) fosse reduzido e que o Governo assim o fez. Quero, pois, perguntar-lhe se não concorda com a redução do SMO e se tem conhecimento dos prejuízos que o SMO, da forma como esta a funcionar, causa aos jovens.
Gostaria ainda de saber se concorda que as forças armadas continuem a ter a mesma estrutura que tinham quando estávamos no ultramar, sabendo-se que o País ainda precisa de muitas infra-estruturas, de muitas estradas, de muitas escolas, de muitos hospitais. Estando nos em tempo de paz, será justo que se gaste dinheiro com o Exercito da forma como se gasta?
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Gasta-se nas fragatas!
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Marques Júnior, tive oportunidade de o ouvir com toda a atenção. Assim, registei duas afirmações particularmente graves que não posso deixar passar em claro. Uma delas foi a de que as forças armadas estariam a ser utilizadas com objectives políticos. Lembro ao Sr. Deputado que, de facto, tempos houve (muito anteriores a 1982) em que algumas forças partidárias tentaram, com maior ou menor êxito, que alguns sectores das forças armadas fossem os seus vectores políticos, nessa altura, com um cariz claramente popular.
Mas convido o Sr. Deputado a dizer quando, como, quem instrumentaliza partidariamente e quem utiliza politicamente as forças armadas. Penso que a sua acusação começa por não dignificar a instituição militar, por ofender todos os militares e, naturalmente, por comprometer o meu governo, que e, neste momento, quem exerce o poder político com a legitimidade do voto. De facto, pela insinuação de V Exa. percebi - a não ser que tudo isto seja claramente esclarecido - que poderia ser esse o objective das suas considerações.
Quanto ao facto de as forças armadas não estarem a ser dignificadas, essa é outra questão grave. Tanto este Governo como o anterior tem tido a especial preocupação de dignificar as forças armadas em todos os actos. Refiro-me, nomeadamente, a uma intervenção do Sr. Primeiro-Ministro no Instituto dos Altos Estudos Militares, em que ficou bem claro, em que se fez doutrina perante o País e a instituição militar, aquilo que o Governo pensa estar acima e qualquer duvida, que e a vontade de querer prestigiar e dignificar as forças armadas. Não e, portanto, razoável, e é grave, que tenha feito semelhante acusação.
Estou de acordo com o Sr. Deputado quando diz que as forças armadas tem de ser dignificadas. Porém, elas também tem de ajudar o Governo na sua dignificação! E que ha uma serie de considerações que o Sr. Deputado fez desde a redução do SMO a questão das missões primarias e secundarias das forças armadas, a questão do equipamento, a questão da falta de política de defesa nacional. Ou seja, o Sr. Deputado consegue quase extrair conclusões como esta: se as forças armadas são utilizadas em missões secundarias, como incêndios e cheias, então não tem razão de ser! Poderíamos, então, concluir que só quando existem guerras, só quando a sua missão principal esta a ser cumprida e que o País compreende a necessidade de existirem as forças armadas.
Certamente não estava no espirito do Sr. Deputado essa ideia, mas, ao ficar de certo modo chocado com a utilização das forças armadas em missões que estão constitucionalmente previstas - que são missões que, como sabe, lhe podem ser acometidas -, concluiu que o País poderá pensar que, sendo só essas as missões, ha uma inutilidade completa das forças armadas. Parece-me excessiva essa ideia e devo dizer que não estava habituado a vê-lo tirar tal tipo de conclusão!
Em relação a redução do SMO, como o Sr. Deputado sabe - e isso foi tornado publico-, foi pedido ao Estado-Maior-General das Forças Armadas que elaborasse estudos no sentido da reestruturação, reorganização e modernização das forças armadas. No conjunto desses estudos foi solicitado que considerassem o desiderato político da redução do SMO para quatro meses.
Esta questão já foi colocada e o Sr. Deputado fará o favor de responder se concorda ou não com essa redução. Alias, o Sr. Deputado trouxe-nos aqui uma versão segundo a qual ha custos acrescidos com essa solução, pois vai-se gastar muito mais dinheiro.
Devo dizer-lhe que, até aqui, tem sido só por parte de alguns sectores da instituição militar que surgiu essa ideia de que se vai gastar mais dinheiro. Chamo-lhe a atenção, por exemplo, para o facto de o Chefe do Estado-Maior da Armada já ter dito publicamente que esta absolutamente de acordo com a redução para quatro meses. Esperamos que, dentro em pouco, o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea diga rigorosamente a mesma coisa. Restar-nos-á, depois, o Exercito que, provavelmente, levará mais algum tempo a concordar.
Mas, Sr. Deputado, o Governo, o País e todos nos sabemos que os recursos são escassos. Não é possível falar de reequipamento das Forças Armadas sem explicar ao País - que ainda iam carências significativas em áreas como a educação, a justiça e a saúde - de onde e que se vai cortar essa «fatia» do Orçamento. E na justiça, e na educação, e na saúde que nos vamos «cortar essa fatia» para dotar com mais meios as forças armadas?
Sr. Deputado, ninguém tem duvidas quanto a necessidade de prestigiar e ninguém tem duvidas quanto a ne-
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cessidade da existência de forças armadas como garante da soberania nacional. Simplesmente, essas prioridades iam de ser enquadradas dentro de outras prioridades de que as populações estilo mais carenciadas. A seu tempo tudo isso será feito e teremos, em termos comportáveis do Orçamento do Estado, o reequipamento a atribuir as forças armadas.
O Sr. Deputado disse ainda que a opinião publica não compreendia que se gastasse tanto dinheiro e tão mal gasto com o Exército. Ora, devolve esse seu comentário aos Chefes dos Estados-Maiores da Armada, do Exercito e da Força Aérea porque, como o Sr. Deputado sabe, quem gere as verbas do Orçamento do Estado que são atribuídas ao Exercito são os três ramos das forças armadas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Marques Júnior, quero, em primeiro lugar, salientar a importância da sua intervenção política como um acto de coragem ao ter colocado aqui, no sítio próprio, as questões da defesa nacional e das forcas armadas, que tão carecidas estão de ser tratadas com seriedade, com profundidade, sem preconceitos e sem tabus.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ha uma clara necessidade, e o Sr. Deputado salientou-a, de reorientar a política de defesa nacional; mas também há a clara necessidade de se saber que isso não pode ser feito a custa ou contra as forças armadas, pois há que respeitar a instituição militar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esse talvez seja o aspecto mais saliente que colhi da sua declaração política.
Não vou entrar agora no debate que temos de fazer, e que temos de fazer com urgência, mas apesar de tudo acho que vale a pena salientar alguns pontos.
Não considera o Sr. Deputado que, em todo este contexto, carecemos de muita informação que não nos é fornecida? Só um exemplo: o que é que se passa nas conversações de Viena? Qual é a posição que o Governo Português defende quanto ao desarmamento, digamos, do equipamento clássico? Quais são as instruções que foram dadas? Não sabemos, o País não sabe. Ora, isso tem a ver directamente com a questão que colocou do reequipamento.
Sr. Deputado, não estará o reequipamento submetido a necessidades externas? Não será isso uma das causas fundamentais da situação a que se chegou?
E o caso da I Brigada Mista, que tem a sua missão fora do País e não está equipada sequer para as missões internas. Não será essa uma situação que temos de ter em conta, como a expressão máxima de toda esta situação?
Contudo, queria ainda abordar uma questão central, que á a questão do Estatuto da Condição Militar. Sabemos que se prevê o seu debate em Plenário para ratificação e também sei que o Sr. Deputado, se dispusesse no seu grupo parlamentar de deputados suficientes, requereria a sua ratificação.
Acha ou não, Sr. Deputado, que é urgentíssimo fazer essa discussão aqui, até para desdramatizar situações que estilo a ser dramatizadas? Há ou não há necessidade de nesta Assembleia encararmos com profundidade toda essa problemática?
Não será essa a altura de encararmos sem tabus - sem os tabus que, apesar de tudo, nos tolheram ha um ano na discussão do Estatuto da Condição Militar- a questão dos direitos dos militares? Não será a altura de esta Assembleia reconhecer aos militares aquilo que eles são e devem ser, em primeiro lugar, cidadãos de corpo inteiro?
São estas as perguntas que lhe queria fazer, Sr. Deputado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Júnior, disponho apenas de um minuto, que bastará para lhe dizer quanto considero que o seu diagnostico exaustivo foi genericamente consistente e lamentar o facto de se ter produzido hoje e não num outro dia para que o debate pudesse ser mais alargado.
E necessário fazer um debate objectivo em torno da conceptualização das bases de uma política de defesa nacional, um debate serio que retire a emotividade, o oportunismo e a demagogia em torno da questão militar, como vem acontecendo.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado falou de problemas, mas não referiu, todavia, que, desde a aprovação da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, em 1982, o poder político não regulamentou essa legislação e, por essa via, esse enquadramento legislativo esta totalmente desenquadrado e, porventura, ultrapassado pelos subsquentes desenvolvimentos estratégicos.
O poder político não reestruturou, não redimensionou, reequipou sim em função de tentativa sôfrega de utilização da ajuda externa e suscitando novas dependências. O poder político esteve ausente, desde então, da assumpção da tutela da defesa nacional e está agora a utilizar-se dessa mesma tutela para objectivos eleitoralistas e pouco sérios.
Nessa consideração, pergunto ao Sr. Deputado se efectivamente existe ou não uma política de defesa nacional em Portugal?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, como compreendo V. Exa. relativamente aos tempos!
No entanto, gostaria que houvesse da parte da Mesa a benevolência que houve hoje para o debate que se produziu a propósito de uma declaração política que, permito-me recordar, demorou hora e meia.
Sr. Hermínio Martinho (PRD): - De folclore!
O Orador: - Como há um colega meu que ainda quer fazer uma curta intervenção, gostaria que, descontando
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esse tempo, o Sr. Presidente utilizasse dessa benevolência para comigo, até porque o respeito que me merecem os colegas que me questionaram justifiça isso.
Sr. Deputado Herculano Pombo, queria agradecer as suas considerações e, naturalmente, registar o que considero também muito positivo: o apoio que dá ao debate mais alargado quanto a esta questão.
Não questionei -e respondo a outros Srs. Deputados-, antes pelo contrario, e tive o cuidado de sublinhar essa questão, nem contesto todo o apoio que as forças armadas possam dar ou devam dar a missões de reconstrução nacional. E uma missão constitucional e é uma missão que as forças armadas podem e devem, com utilidade, desenvolver de uma forma muito mais acrescida.
O Sr. Deputado Álvaro Viegas pergunta-me se concordo ou não com a redução do tempo de serviço militar obrigatório. Com o que não concordo, Sr. Deputado, é que se tenha anunciado a decisão -que é uma decisão política - de o reduzir, sem que se tenham elaborado os estudos adequados que justifiquem ou apontem para essa redução.
O Sr. José Apolinário (PS): - Muito bem!
O Orador: - Essa é que é a questão de fundo. Porque não é possível, inclusivamente -e isto responde também a outros Srs. Deputados-, a não ser por uma grande demagogia e sem o sentido real das coisas, falar, simultaneamente, em redimensionamento, reestruturação e reorganização das forças armadas - que são objectivos do Governo com os quais naturalmente concordo- antes de qualquer estudo que conduza a uma solução desse tipo. Andam a adiar-se permanentemente os estudos, se é que se estão a fazer, pelo que não se pode logo apontar para uma situação que é condicionante primeira de todos estes grandes objectivos que o Governo preconiza.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, na minha perspectiva, para com determinado tipo de reorganização das forças armadas, dois meses até podiam ser mais do que suficientes!
Mas não é essa a questão que quero colocar. Alias, há-de ver na minha intervenção - tive esse cuidado e disse-o claramente - que não estou a ditar soluções, mas sim a levantar interrogações.
Levantei-as porque é chegado o momento - e já estamos atrasados - de, finalmente e de uma forma clara, se dizer quais são as missões e os objectivos e quais os meios postos a disposição das forças armadas e exigir.
- Sr. Deputado Cardoso Ferreira, exigir! -, disse isto na minha intervenção, que elas cumpram também esses objectives.
E evidente que a racionalização dos orçamentos elas forças armadas passa pela sua adequada estruturação e reorganização, devendo depois ser responsabilizadas pelas verbas que estão a sua disposição.
As forcas armadas também produzem algo que é mensurável e observável como em qualquer empresa. São unidades operacionais com os meios de que dispõem e que devem estar prontas a cumprir as missões para que existem. E tão simples quanto isto, Sr. Deputado Álvaro Viegas.
O Sr. Deputado Cardoso Ferreira colocou-me questões políticas relevantes, o que quero agradecer, aproveitando para esclarecer algo que me parecer ter ficado no ar e que poderia ser grave se fosse assim entendido. Ou seja, tive o cuidado de expressar de uma forma que não fosse muito ofensiva, porque não pretendo que seja ofensiva, a questão de uma certa manipulação, em termos políticos, das forças armadas. Não a defini temporalmente, e até dei um exemplo que pode corresponder a um tempo. Podia dar outros exemplos.
Na minha intervenção, por exemplo, relativamente ao serviço militar obrigatório, referi que a maneira como foi feito o anuncio da sua redução foi para colher dividendos políticos, mais do que qualquer interesse especifico, concreto e objectivo em encontrar soluções para as forças armadas.
Vozes do PRD e do PS: - Muito bem!
O Orador: - As forcas armadas não estão a ser dignificadas, mas este Governo tem tentado dignificá-las, diz-me o Sr. Deputado.
Ora eu disse que, do ponto de vista do discurso institucional, este Governo até tem tido algumas acções positivas relativamente as Forças Armadas. Julgo até saber que - por aquilo que vem nos órgãos de comunicação social -, inclusivamente, o Sr. Primeiro - Ministro tem sobre esta questão alguma preocupação que considero correcta e adequada. Só que as acções concretas que vão no sentido da dignificação das forças armadas, pela analise que faço, vão todas no sentido de se mostrarem a revelia dessa dignificação.
E que não é com discursos que se dignificam as forças armadas. Enquanto na opinião publica existir a ideia de uma certa desnecessidade e não utilidade das forças armadas e porque a opinião publica ainda não compreendeu bem a sua missão.
Por isso, e uma responsabilidade do Governo - e também das forças armadas- explicar claramente qual é essa missão. Enquanto isto não acontecer, as forças armadas não podem ser dignificadas. E esse o esforço a fazer.
Queria ainda deixar claro que essa missão é de tal modo importante e relevante que não deve ser imputável só e exclusivamente ao Governo. Deve ser imputada a todos nos, mas naturalmente, prioritariamente - como é da praxe e como terá de ser- ao próprio Governo.
«As forças armadas tem de ajudar ao seu próprio prestigio.» É uma frase que subscrevo cem absoluto. Penso que deve ser assim, e tenho dúvidas que as forças armadas tenham feito tudo o que é possível fazer nesse sentido.
O Sr. Deputado Cardoso Ferreira não percebeu aquilo que eu disse relativamente a utilização das forças armadas em tarefas de reconstrução nacional. O que disse é exactamente o contrário daquilo que V. Exa. me imputa.
A missão principal das forças armadas e a defesa militar da Republica, como está constitucionalmente definido. Mas o que eu contestei foi a maneira como o Governo anunciou publicamente o combate aos incêndios pelas forças armadas. Desculpe, Sr. Deputado, mas é que a directiva interna relativamente ao combate aos incêndios pelas forças armadas sempre existiu. Ela existe e até já foi dada este ano, antes de o Governo anunciar ao Pais esta missão para as forças armadas. Mas não e essa a questão.
Sr. Deputado, ao anunciar que a prioridade das prioridades é o combate aos incêndios, o Governo deu a entender a opinião publica - e é este o meu receio -
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de que existe finalmente missão para as forças armadas: combater os incêndios! E quando não houver incêndios? Dir-se-á que é responder as cheias no Inverno?
Ora, essa não é a missão principal das forças armadas e a maneira como o Governo fez o anúncio pode criar, na opinião publica, esta ideia desajustada e incorrecta relativamente as missões principais das forças armadas.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Pelo contrário!
O Orador: - Quanto a redução dos custos do serviço militar obrigatório, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, também coloquei este assunto em termos interrogativos. Coloquei foi a pergunta do acréscimo da despesa. Posso avançar um numero e depois iremos ver. Se o Governo for para os quatro meses, se os mesmos dados se mantiverem, o aumento de despesas do orçamento das forças armadas irá ser de cerca de 25%. Faço-lhe este desafio e vamos ver se não será assim.
Vozes do PSD: - Vamos ver na altura.
O Orador: - Com o mesmo tipo de equipamento, com o mesmo tipo de instrução, etc.
Relativamente aos cortes orçamentais, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, comungo dessa opinião, e disse-o na minha intervenção. Custa muito dizer as pessoas que vão não sei quantos milhões para as forças armadas, quando ainda por cima as pessoas podem percepcionar que estas têm uma estrutura de tal forma desfasada da realidade - já não é a do período da guerra colonial - que provavelmente não se rentabilizam do ponto de vista operacional, razão pela qual existem. E de facto difícil explicar isso e as forças armadas têm também dificuldade em o fazer.
Mas a estrutura que elas herdaram e que ainda não foi alterada permite-lhes provavelmente gastarem dinheiro sem terem uma contrapartida de operacionalidade mínima que deviam ter.
Sr. Deputado João Amaral, queria também agradecer as suas palavras e é evidente que necessitamos de muita informação. O que diz é tudo verdade.
Quanto ao Estatuto da Condição Militar, propositadamente não falei muito nele. É que não queria - e gostava que isto ficasse bem sublinhado - que a minha intervenção pudesse ser entendida como uma caixa de ressonância, relativamente a um problema específico que hoje começa a ser do conhecimento público e a preocupar os militares. Não quero ser o interprete agora desse tipo de preocupações e, por isso, não fiz do Estatuto a questão fundamental.
Espero ter oportunidade, quando o debate da ratificação aqui for feito, de, sob um ponto de vista técnico, me debruçar sobre essa questão.
A meu ver, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, essa é mais uma que vai no sentido de colocar «o carro a frente dos bois». O Sr. Deputado sabe tão bem como eu que isso é assim.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Talvez!
O Orador: - O Estatuto d para que forças armadas? Para as que temos ou para as que queremos ter, em função daquilo que pensamos que devem ser? Digo-lhe, Sr. Deputado, que o Estatuto não é sequer para as forças armadas que temos, e nem sequer para as forças armadas que já tivemos!
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Não!
O Orador: - Agradeço as suas palavras, Sr. Deputado José Lello. É evidente que trouxe mais elementos que reforçam a minha intervenção, quando referiu a regulamentação da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Pergunta-me se existe uma política de defesa nacional. O PRD tem, possivelmente, uma vantagem: foi o partido que depois de mil novecentos e vinte e poucos (não sei a data) trouxe a Assembleia da Republica uma interpretação sobre defesa nacional, feita na IV Legislatura. Um debate que foi reconhecido como útil pelo Governo, onde foram equacionadas as deficiências, nomeadamente as relativas a aplicação da própria lei de defesa nacional, onde se fez o levantamento dos cerca de 30 ou 40 projectos que deviam ter sido feitos e que não foram. Este Governo, aliás, começou já a elaborar alguns, tendo até começado pelos mais importantes, mas está ainda muito aquém daquilo que é a regulamentação adequada da lei de defesa nacional.
Penso que não tem existido política de defesa nacional. Mas ainda que tivesse sido definida, estamos num momento, em função de tudo o que se passa no mundo, em que tal questão deve ser permanentemente analisada e actualizada e que não se pode considerar um trabalho acabado.
Vozes do PRD, do PS e do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensámos que o Partido Socialista viesse hoje a esta Câmara falar-nos do seu congresso. Dada a relevância da matéria, tratando-se, como se trata, de um facto político referente ao maior partido da oposição, estranhamos que não o tivesse feito há mais tempo, na primeira oportunidade que teve para tal e que utilizou para outro tema em cujo debate, aliás, foi claramente penalizado.
Chegamos a pensar que pretendia subtrair essa questão ao Parlamento, furtando-se ao debate político e ao confronto com as outras forças partidárias. Pensámos bem! E razões para isso não lhe faltam...
A fazer fé nos relates da imprensa e nas declarações de alguns participantes, a reunião decorreu com mais afluência e entusiasmo nos corredores do que na própria sala e as lutas pelos lugares, os lamentos e as fúrias dos preteridos, as exigências dos barões, os amuos das primadonas e o confronto das tendências deram a sensação de que, passado algum triunfalismo precoce e inusitado, a medida que se aproxima a hora da verdade, os socialistas já se aperceberam que é melhor um lugar certo nos órgãos do partido do que um lugar cada vez mais incerto e hipotético no Governo.
Convenhamos que, para quem tem pretensões de vir a ser governo, a instabilidade interna manifestada proporcionou aos Portugueses uma elucidativa antevisão do que seria o futuro. Talvez por isso e se agora, tendo passado os ecos da agitação, o Partido Socialista, pela voz autorizada do Sr. Deputado Almeida Santos, tenha vindo procurar dar uma imagem diferente das coisas, falando de raspão no seu congresso, distraindo as atenções com criticas infundadas a actuação do Governo.
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Tarefa ingrata e difícil em que o brilhantismo na forma, a que, alias, sempre nos habituou, não conseguiu disfarçar a falta de vontade ou a impossibilidade de falar no seu congresso e no programa do governo do seu partido. Assumiu, finalmente, submetido as perguntas, que não estava aqui para falar nem do congresso nem do programa do seu partido, mas para criticar o Governo. Confirmando as nossas suspeitas, vem criticar os outros, porque não pode falar de si.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o congresso do PS, para além da agitada disputa pelos lugares, bem pouco ofereceu ao País. Além disso, há uma vulnerabilidade que o Partido Socialista sabe ser inultrapassável e que radica na incoerência estratégica de dois discursos políticos diferentes, um para a Camara de Lisboa e outro para o Pais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Partido Socialista contou, para Lisboa, com o Partido Comunista Português e conta com ele também para governar, mas tem de esconder essa estratégia aos Portugueses, porque sabe que eles não a aceitaram.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Talvez também por isso Jorge Sampaio, logo a seguir ao congresso, se tenha refugiado num monologo televisivo, evitando o confronto político e a presença, cada vez, mais incómoda, dos seus parceiros comunistas, apesar das declarações reciprocas de grande simpatia, como aquelas que ainda ha pouco tivemos oportunidade de assistir.
Por outro lado, o Partido Socialista é poder em muitas câmaras ao longo do Pais e aí precede exactamente da mesma forma que crítica ao Governo: sem fundamento! Clientelismo, promessas não cumpridas, falta de decisão, adiamento das questões e uma vocação empregadora para os amigos do partido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por tudo isto, o PS e o seu líder tem hoje um problema de credibilidade que nem a reconhecida capacidade do seu porta-voz, hoje, aqui, na Assembleia, conseguiu ultrapassar.
Quase três anos passados de governação pelo Partido Social-Democrata, feita a revisão constitucional em algumas matérias fundamentais, mau grado as resistências oferecidas, e graças a estabilidade governativa, o cumprimento do Programa do Governo tem permitido ao País uma evolução segura no sentido de uma sociedade mais moderna, mais prospera e mais justa.
Organizou-se o Estado e fortaleceu-se a democracia, modernizou-se o País e criou-se mais riqueza, promoveu-se o bem-estar e reforçou-se a solidariedade, tem-se preparado o future apostando nos Portugueses.
Mediante a aprovação e execução de um conjunto de reformas e medidas de fundo, indispensáveis a modernização, foi lançado o processo de modificação estrutural do Pais.
A sociedade civil passou a afirmar-se como algo de concreto, com resultados bem visíveis, em termos de desenvolvimento, denotando crescente dinamismo, mobilização e confiança, respondendo de forma muito positiva as exigências de desenvolvimento do País. Uma estratégia de desenvolvimento colectivo mobilizou os varies agentes económicos, sociais e culturais, partes activas do processo de modernização. Privilegiou-se o dialogo e a concertação social na prossecução de equilíbrios e consensos. Reforçou-se o prestígio do Pais na cena internacional, lendo-se traduzido num indiscutível sucesso a presença de Portugal na Comunidade Económica Europeia.
E o Partido Socialista como encara tudo isto? De forma ligeira, utilizando na sua crítica argumentos já gastos, alguns retirados da panóplia dos seus parceiros do lado. Fruto da conjuntura, demagogia, engenharia financeira, cosmética eleitoralista, são alguns desses argumentos com que qualifica aquilo que nunca soube, nunca quis ou não foi capaz de fazer.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ou então, num estilo mais recente, cada vez que o Governo anuncia uma medida, diz que a tinha proposto na véspera.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É fácil ser oposição criticando e prometendo com leviandade, mais difícil e ser Governo cumprindo com competência e seriedade.
O que propõem o Partido Socialista e o seu congresso ao País? Uma mão-cheia de nada, traduzida num catálogo de generalidades e abstracções, de lugares-comuns e piedosas intenções, esperançosamente intitulado «Bases e princípios para o programa de Governo PS».
Compreensivelmente não se deram ao trabalho de aprofundar os temas. Não compensava tão grande esforço para um objective em que já só alguns acreditam, por dever de ofício dos cargos que desempenham.
Em tempos idos, o Partido Socialista teve algumas ideias mas nunca foi capaz de as pôr em prática quando teve oportunidade para tal. Agora, nem ideias tem, limitando-se a glosar temas de todos conhecidos, que genericamente abrangem toda a acção governativa - espante-se! - antepondo-lhes a palavra «mais»: mais progresso, mais concertação, mais emprego, mais justiça. Mais, mais e melhor, sem cuidar de dizer como!
Acaba por ser o reconhecimento do mérito do Governo, mas também a revelação de uma enorme incapacidade de encontrar alternativas exequíveis e de traçar políticas inovatórias.
E assim o PS, misturando alguns arremedos liberalizantes com concepções bolorentas de que se não pode livrar, a bem de Lisboa, produziu inextricáveis contradições como as que passo a citar: «As reprivatizações representam, pois, uma oportunidade de lançamento de grandes grupos privados e de desenvolvimento de grupos públicos fortes»; ou conclusões que, eufemisticamente, poderemos classificar de redondas, como a que se segue: «Não sendo um país rico, a verdade a que Portugal não deve ser considerado um país pobre.» Bom, o Sr. Deputado Almeida Santos teve a oportunidade de encontrar aqui um meio termo, suficientemente piedoso para não sermos tão punitivos em relação a este tão enorme lugar comum. Por menos do que isto foi um conhecido diri- [...]
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gente do anterior regime ridicularizado com anedotas de que todos estamos ainda lembrados.
Mais: diz ainda o PS que, para aumentar a solidariedade social, «a sociedade deverá ser cada vez mais solidária. Ela não deve ser insensível. Não pode perder a capacidade de indignação». Disso parece não se terem esquecido os congressistas do Partido Socialista aquando da feitura das listas, pelo menos!
Risos do PSD.
E como deve o Estado respeitar a «dignidade do homem»? Para o PS: «O Estado deve estimular a imaginação criativa e as suas expressões; deve suscitar o corte com a rotina (sem pôr em causa o direito a mante-la).»
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Outra vez? Isso é reprise!
O Orador: - Estes alguns exemplos da clareza e profundidade das propostas do Partido Socialista para governar o País...
Encontrar soluções razoáveis no programa de Governo do Partido Socialista é mais difícil do que achar agulha em palheiro. A modernidade e a capacidade governativa dos socialistas não passam nunca à prática. Sob a capa do progressismo esconde-se um conservadorismo atávico.
Defende hoje a redução do papel do Estado, mas só a força das circunstâncias e a pressão do PSD permitiram que se conseguisse pôr fim à existência de um texto constitucional, na parte económica, marcado pelo peso da ideia marxista e colectivista.
Defende hoje, de forma tímida, a empresa privada, mas só a golpes de persistência e teimosia o PSD conseguiu fazer aceitar o fim do princípio da irreversibilidade das nacionalizações. Quer modernizar o sistema político, mas recusa-se a rever a legislação eleitoral no sentido em que defendeu em 1985, quando estava no Governo. O PS quer uma coisa quando tem responsabilidades governativas, quer outra quando as não tem!
O PS revela-se, de facto, como um partido sem identidade, ao sabor da circunstância da ocasião ou da última moda. Indiferente à defesa dos interesses do País, que sacrifica no altar dos interesses estrangeiros, limita-se ao chavão de dizer, quanto à CEE, que quer mais abertura, sem dizer com que contrapartidas. Defende de modo irresponsável e apressado qualquer forma de união política, sem explicar o que deve Portugal exigir da Comunidade em troca, pela eventual perda de poderes soberanos.
O Governo e os Portugueses mereciam melhor oposição, mas «quem dá o que tem a mais não é obrigado».
O Partido Socialista, com o seu líder, esmagado pelos graves problemas da capital, que se agravam de dia para dia e que se mostra incapaz de resolver, apesar da legião de assessores, está prisioneiro da sua estratégia.
Jorge Sampaio ganhou Lisboa, o PS ganhou um líder, e ambos perderam o País!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não deixa de ser com alguma preocupação que tecemos estas considerações. E que uma oposição seria e credível, com um projecto claro c coerente, é um elemento estabilizador do regime com especiais responsabilidades no funcionamento das instituições democráticas.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - La Palice!
O Orador: - Neste quadro, assume especial relevância o papel do Partido Social-Democrata e do seu Governo, intérpretes dos anseios do povo português, que neles reconhece o mérito da coerência, na prossecução do interesse nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito há ainda por fazer, mas muito já foi feito. O saldo da governação competirá aos Portugueses nas próximas eleições legislativas.
O Partido Social-Democrata, o Governo e o seu Primeiro-Ministro estão certos de que o País, consciente da seriedade c competência da sua acção, renovará neles a confiança dada em 19 de Julho de 1987, para um Portugal cada vez mais moderno, mais próspero e mais justo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isto foi reprise.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. vice-presidente Marques Júnior.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, como um dos subscritores de um voto de pesar, que já foi entregue na Mesa, pela ocorrência trágica na Região Autónoma dos Açores da queda de um avião em que pereceram os seus quatro tripulantes, pedia aos diversos grupos parlamentares o consenso para que este voto fosse ainda hoje votado, já que amanhã seria uma reacção tardia da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Maciel, a Mesa vai fazer diligências junto das várias bancadas no sentido de ter essa aquiescência, mas, por aquilo que está a ver, não deve haver qualquer inconveniente.
Portanto, na altura própria, iremos pô-lo à votação.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS): -O Sr. Deputado Cardoso Ferreira parece que não esteve cá hoje.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Foi fazer reprise!
O Orador: - Aliás, o Sr. Deputado Cardoso Ferreira tem esta particularidade: quando está parece que não está, quando não está ninguém dá conta de que não está! Por isso, a necessidade de o Sr. Deputado Cardoso Ferreira de vez em quando botar figura, mesmo quando não vem a propósito.
Vozes do PSD: - Ora essa!
O Sr. João Amaral (PCP): - Também se pode tirar do Diário. Foi para comentar a reprise!
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O Orador: - Aliás, o Sr. Deputado Cardoso Ferreira mostrou que não é original. Demonstrou o Sr. Deputado Cardoso Ferreira que mais não é do que o eco do Sr. Deputado Pacheco Pereira. O Sr. Deputado Cardoso Ferreira, com esta intervenção, demonstrou, para além de outras coisas do seu interesse pessoal, político ou de ajustamentos internos do seu partido...
Vozes do PSD: -Oh!...
O Orador: - Não tem problema. O Governo ainda não está a cair!
Risos do PCP.
Dizia eu que, com esta intervenção, o Sr. Deputado Cardoso Ferreira demonstrou não ter gabarito para colocar estas questões ao Sr. Deputado Almeida Santos. Por isso, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, dir-lhe-ei que o seu discurso e irrelevante e vai arrastar-se penosamente no Diário desta sessão.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): Será irrelevante por que é que se levantou?
O Orador: - Sr. Deputado Angelo Correia, levantei-me precisamente porque pensei que o Sr. Deputado Angelo Correia iria gostar muito das minhas palavras.
Risos do PS e do PCP.
O Sr. Angelo Correia (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Angelo Correia (PSD): - Para exercer o direito de defesa da minha consideração, obviamente.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Ainda agora aqui não estava e já se quer defender!
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Angelo Correia (PSD): -Sr. Deputado José Lello, questionei-o, em termos orais, em aparte.
Sendo o assunto e a intervenção do meu companheiro Cardoso Ferreira seria, capaz e que justificava respostas por porte do Partido Socialista, por que é que o Partido Socialista, alem do seu silencio, se levanta para dizer que é irrelevante? Quando algo é irrelevante prova-se a irrelevância não se chamando a atenção, porque ela cai por si. Quando algo não é irrelevante c se diz que o é, há necessidade de vir defender essa posição e dizer que é irrelevante.
Mas, apesar de tudo, e Sr. Deputado José Lello disse que tinha feito a intervenção para eu gostar dela. Quero dizer-lhe que aprecio imenso a figura do Sr. Deputado José Lello, embora a preferisse quando tinha bigode, porque penso que a perca do bigode significou, para o Sr. Deputado, a perca daquilo que, em termos bíblicos, Sansão perdeu quando perdeu o cabelo e, nesse aspecto, o mesmo aconteceu à qualidade intelectual do Sr. Deputado José Lello.
Permita-me que lhe diga que sou eu que defino aquilo de que gosto, é o meu critério, e não uma antecipação por parte de V. Ex.ª, porque, se assim fosse, apreciaria imenso, neste dia, não o silencio de V. Ex.ª, não o levantar-se para dizer que o discurso do deputado Cardoso Ferreira é irrelevante, mas para rebater, ponto por ponto, aquilo que o meu colega disse.
Vozes do PSD: - Não conseguiu!
O Orador: - E isso V. Ex.ª não conseguiu, nem fez!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Embora o Sr. Deputado Angelo Correia lenha dito que ficou ofendido com o elogio, figura que não está propriamente consagrada no Regimento - é possível que o Sr. Deputado Silva Marques tenha de fazer esta anotação -, para dar as explicações que considerar pertinentes, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Deputado Angelo Correia, constato que o meu bigode não era relevante e que tanto o Sr. Deputado como o Sr. Deputado Cardoso Ferreira não estiveram cá durante estas ires horas para ouvir as palavras do meu camarada Almeida Santos.
O Sr. Adérito Campos (PSD): - E onde é que ele está agora?!
O Orador: - Porém, confirmo a minha convicção no sentido de que o discurso do Sr. Deputado Cardoso Ferreira é irrelevante. E indo, porventura, ao encontro dos desígnios e da vontade do Sr. Deputado Angelo Correia, devo dizer que a nossa bancada está perfeitamente disponível para, tendo em consideração a irrelevância do discurso do Sr. Deputado Cardoso Ferreira, retirá-lo, pura e simplesmente, do Diário.
Risos do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder ao pedido de esclarecimento, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Compreendo a pausa que o Sr. Presidente fez quando disse: «Sr. Deputado Cardoso Ferreira, tem a palavra para...» É que, realmente, nem eu próprio sei para que é que queria a palavra, porque,...
O Sr. José Lello (PS): - Isso já a gente sabe!
O Orador: -... depois daquilo que o Sr. Deputado José Lello disse, não havia nada a dizer. Estava tudo dito! O Sr. Deputado José Lello fez o favor de responder a todas as questões, não respondendo a nenhuma, obviamente.
O Sr. Deputado José Lello tem diversas funções no Partido Socialista.
O Sr. José Lello (PS): - Exacto!
O Orador: - Uma das que os jornais nos dão conta é a de ser uma espécie de entenainer do grupo parlamentar e do seu partido.
Só lhe peço que aqui, na Assembleia da República, questione e intervenha com a dignidade com que todos nós procuramos fazê-lo e de que V. Ex.ª se terá momentaneamente esquecido.
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Quanto ao Sr. Deputado Almeida Santos e a irrelevância da minha intervenção, devo dizer que estou aqui desde o princípio, pelo que assisti a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos. O complicado é que parece que V. Exa não esteve no congresso do seu partido e daí que, naturalmente, não possa responder a estas questões. Já ouviu falar delas, suponho, não sei até se por procuração terá ficado nalgum órgão do partido... Mas o essencial, Sr. Deputado, é que, como já disse o Sr. Deputado Angelo Correia, nada foi dito sobre as críticas e questões concretas que eu aqui trouxe.
Nada foi dito acerca de uma questão importante, que é a de o Partido Socialista se recusar, por impossibilidade, a falar nesta Camara do seu congresso, a dizer-nos o que é que o seu congresso concluiu, o que é que prove para o futuro, que políticas prove para o País, Não nos trouxe aqui nem essa nem a questão do seu programa de governo, provavelmente porque já desistiu de acreditar que alguma vez e tão cedo volte a ser governo. Furtou-se, ostensivamente, no debate nesta Câmara!
O Sr. Deputado Almeida Santos passou aqui de raspão e acabou por confessar, quando submetido as perguntas: «Não haja equívocos. Não estou aqui, como que lavando as mãos, para falar do congresso ou do programa do meu partido.» O Sr. Deputado quase que quis exorcizar, não era nada com ele, que não tinha nada a ver com isso! Incumbiram-no de vir aqui fazer outro papel!...
É essa questão política, essa quebra de praxe política, mas muito mais essa notoria ausência de ideias, de estratégia para o futuro que os Srs. Deputados se recusam a trazer aqui para não serem confrontados com a vossa própria evacuidade, com a vossa desertificação de ideias. Foi essa imagem que deram ao País com a disputa pelos lugares e continuarão a dá-la enquanto não trouxerem, em concreto, as vossas ideias políticas. Não basta criticar, os Srs. Deputados terem de dizer onde é que está mal e que alternativa concreta é que propõem.
É isso que passa pelo crédito ou pelo descrédito das oposições e quanto a essa matéria não tenham dúvidas: quando chegar a hora ou os senhores «mudam de agulha» e, concretamente, dizem mais qualquer coisa ao País, ou, então, serão fatalmente sancionados, que é isso que vai acontecer, quase de certeza, em 1991!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.
O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: E compreensível que um Governo se esforce por melhorar a sua imagem. Mas é mau para o povo quando a apologia de um Governo, por ele feita, assume aspectos obsessivos.
Isso está a acontecer em Portugal. Não houve Governo, desde o 25 de Abril, que se exibisse como o actual tão carregado de pretensa sabedoria e virtudes. Para agravar a imodéstia, o Governo, nesse final da Primavera de 1990, entrou já em campanha eleitoral. Tem modo do futuro! Sabe que vai perder a maioria absoluta.
As ultimas medidas do Executivo na área social inserem-se nessa campanha antecipada.
Por que as anunciou agora? A resposta é esclarecedora dos motivos da súbita atenção que os detentores do Poder decidiram prestar a antigas reivindicações dos pensionistas da Segurança Social, sustentadas pelo Partido Comunista Português e sempre antes inviabilizadas pela recusa do Governo e do seu partido.
Outras iniciativas similares estão na forja. Expressam a angustia pré-eleitoral do primeiro-ministro e dos seus seguidores. O facto de algumas delas virem ao encontro de justas aspirações sociais não esconde, antes ilumina, a evidência: tem por objectivo a caça ao voto, são filhas de nervosa cavalgada demagógica.
Das lantejoulas com que o Governo do PSD se enfeita não ficará, contudo, memória. Os factos da vida aí estão a provar a existência de uma contradição antagónica entre a linguagem eleiçoeira do Governo e a sua política global.
0 primeiro-ministro e os membros do seu gabinete ministerial usam e abusam das palavras modernidade e modernização, Os resultados de cinco anos de Governo do PSD demonstram, porém, que o seu ideal de modernidade e desumanizante. Assenta num projecto de sociedade no qual a exploração dos trabalhadores e a redução dos seus direitos emergem como fenómenos rotineiros. Simultaneamente, o egoísmo dos grandes grupos económicos é incentivado pelos favores e prebendas oficiais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Orgulha-se o Governo da cascata de milhões que resulta da venda em leilão de algumas das melhores fatias do sector empresarial do Estado.
O Executivo assume uma atitude de embevecimento quase religioso perante a filosofia da privatização selvagem. Está com a moda! Acredita (erradamente, aliás) que o retorno se tornou uma impossibilidade. Pensa talvez como Francis Fukuyama - um funcionário do departamento de Estado hoje célebre - que a História da Humanidade chegou ao fim e que a forma superior e definitiva da democracia é o liberalismo no seu figurino actual. Escapa-lhe que as modas passam porque o caminhar do homem é incerto e a meta imprevisível.
Não cabe aqui proceder à análise das causas do presente surto de liberalismo. No entanto, julgo útil lembrar que ha uma irracionalidade inocultável nos excessos daquilo a que alguns devotes de John Stuart Mill chamaram já o renascimento do liberalismo neoclássico.
Na própria Gra-Bretanha, mãe do liberalismo, a fúria privatizadora da Sr.ª Thacher está a ser alvo de críticas cada vez mais contundentes. Na Argentina os seus efeitos são catastróficos. No Canadá assustam o povo. A lista dos exemplos, por longa, séria fastidiosa!...
Entretanto, em Portugal o elogio do individualismo feroz continua a ser produzido em solenes conferências e seminários com o ámen de um Governo que se diz social-democrata.
Destrói-se a propriedade social, nomeadamente nos sectores industrial e bancário, prepara-se o holocausto da reforma agrária e, no quadro dessa política, crescem, como tumores, alastrando, colossais pólos de riqueza controlados pelo grande capital nacional e, sobretudo, estrangeiro. A gula é tamanha que a privatização das empresas mais lucrativas não a satisfaz. O Governo iniciou já a arrancada para a privatização de funções sociais que são historicamente da responsabilidade do Estado. O Sr. Ministro das Finanças comporta-se como discípulo aplicado dos professores Arnold Harberger e Theodor Shultz, da Faculdade de Economia de Chicago.
O Governo está impaciente por desencadear a ofensiva geral para a privatização crescente e galopante da saúde, [...]
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da segurança social, do ensino. Somente contém os seus impulsos porque teme as consequências eleitorais do terramoto ideado, mas teoriza com fascínio sobre o tema. Ontem mesmo isso ficou transparente nesta Camara.
E uma pena que em Portugal sejam mal conhecidas as consequências calamitosas da política de vandalismo social executada em países onde a ideologia da falsa modernidade levou a privatização das caixas de previdência e nos quais as empresas privadas que lhes herdaram os fundos se formaram sociedades com fins lucrativos, abertas ao capital estrangeiro.
Em países com o nível de desenvolvimento do nosso, onde as funções sociais do Estado foram privatizadas, as camadas mais favorecidas acumularam benefícios e aqueles que recebem o salário mínimo deixaram, na prática, de ter acesso a qualquer tipo de assistência médica. Quase sempre, nesses casos, os processos de privatização desenvolveram-se numa atmosfera de escândalos e negociatas. Gente ligada ao poder tem acumulado fortunas colossais, num regabofe em que as vítimas são o Estado e o povo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não venha dizer-se que somente o Partido Comunista Português ergue a voz contra a ofensiva que atinge o sector empresarial do Estado. Até forcas políticas que ajudaram a abrir as comportas, dando passagem a essa criminosa política, se mostram hoje, finalmente, perplexas e preocupadas com a opacidade que caracteriza a onda privatizadora.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por mais que busque, não consigo enxergar metas generosas na política do Governo, na sua estratégia de destruição sistemática da propriedade social, na apologia da transferência para o sector privado de funções sociais que já no século XXX eram consideradas, na Europa, como sendo da responsabilidade precípua do Estado. Pelo rumo que as coisas levam, um dia destes os epígonos do Governo começam a imitar Milton Friedman e os seus filhotes e a definir também Lord Keynes como um socialista envergonhado!
Entoando o cântico da morte das ideologias, o Governo do PSD está a levar, na teoria e na prática, o radicalismo ideológico neoliberal mais longe do que qualquer outro o fez na Europa. Pelo seu convencimento, arrogância, culto de infalibilidade e conservadorismo, lembra aquilo a que Max Weber chamava as «seitas racionais».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o Governo promovesse um estudo sobre o conceito de exercício do Poder talvez se apercebesse, quem sabe, de que a sua sobranceria encobre uma crueldade real no relacionamento com o povo, na desvalorização do trabalho e na distribuição da riqueza produzida.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Tudo é frio, desumanizado. Tudo se decide em âmbito grupal, sem que a massa dos cidadãos seja ouvida. Em todos os azimutes o Executivo é conselheiral, levanta barreiras ao exercício democrático da liberdade de expressão. Afirma, paternalista, estar disposto a colocar os jornalistas no seu próprio terreno, sugerindo-lhes - e de pasmar!...- que não tenham vergonha nem modo de dizer a verdade. Convida os políticos a assumir o espírito do serviço publico, mas pretende arrasar o sector público e fazer do seu mítico estado mínimo um instrumento do grande capital privado. Anuncia miríficos projectos de combate a pobreza, mas chegou a conclusão de que ela, em muitos casos, resulta «da auto-exclusão da sociedade». Proclama a sua indefectível fidelidade a democracia, mas sonha com uma lei eleitoral concebida para perverter, em seu benefício, o resultado do voto popular.
O Governo Cavaco não é capaz de conter a inflação nos limites por ele fixados e tira agora significado ao facto de o seu índice falso ter servido de alicerce a toda a política económica. Apesar disso, os membros do Executivo e os Srs. Deputados do PSD falam como se todo o povo lhes fosse devedor de agradecimentos.
Contemplando a sua obra e trajectória, o Governo reclama gratidão. Torna-se nervoso, por vezes neuroticamente agressivo, quando, em vez dos aplausos pedidos, escuta protestos.
O ribombar da propaganda, massacrante, cada vez mais insuportável, entra monótono pelo quotidiano familiar. A base social do partido no poder não aumenta: mingua a cada novo dia.
O desaire sofrido pelo PSD nas eleições para o Parlamento Europeu em Junho de 1989 e a derrota de Dezembro do mesmo ano nas eleições autarquicas retiraram ao Governo legitimidade para conduzir a política do País, invocando uma maioria alcançada ha três anos. Tal maioria não existe mais!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As medidas que beneficiaram os pensionistas da Segurança Social não podem esconder, magicamente, a realidade. Ao destruir a propriedade social, que e património da Nação, em proveito do grande capital, o Governo já arrecadou dezenas de milhões de contos. Conta ainda receber mais umas centenas de milhões no prosseguimento do leilão!
Dá, afinal, com uma mão migalhas do pão que retira com a outra!
O primeiro-ministro teima em pedir aplausos e gratidão num quadro marcado por repetidas violações da Constituição, por uma escalada na governamentalização das instituições democráticas.
Srs. Deputados, o que nos separa a nós, comunistas, do Governo Cavaco Silva não é apenas uma ideologia, não é somente um conceito muito diferente do que deva ser o desenvolvimento económico e uma democracia avançada em Portugal neste limiar do século XXI. É também uma atitude ética, inseparável de mundividências antagónicas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Portugal - como foi sublinhado no XIII Congresso do meu partido - não está condenado a sofrer a liquidação das transformações socio-económicas alcançadas com a Revolução de Abril.
A teoria e a acção do Governo expressam uma recusa de humanização da vida, essa humanização pela qual o PCP se bate. A teoria a acção dos detentores do Poder apontam para uma sociedade na qual os desníveis entre os homens tendem, em todas as esferas da vida, a acentuar-se.
O projecto dos templários do neoliberalismo português assenta - repito - num egoísmo enorme, monstruoso. Não ha demagogia nem promessas eleiçoeiras que possam ocultar essa evidência.
A campanha eleitoral, ilegítima, esta nas ruas pela mão e voz do Governo. Mas o nosso povo aprendeu, a custa [...]
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de muito sofrimento, que a modernidade do PSD não lhe serve.
Aplausos do PCP. de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o repositório de acusações, sem nexo e sem fundamento, que o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues dirigiu ao Governo que o PSD apoia e ao Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva têm a mesma credibilidade que teve a campanha que o Sr. Deputado dirigiu e desenvolveu contra um grande português que se chamou Francisco Sá Carneiro,...
Aplausos do PSD.
O Orador: -... que o levou, enquanto director de um jornal, bem como a esse jornal, a serem condenados em tribunal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para fazer um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.
O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, o respeito que me merece esta Câmara impede-me, ou melhor desaconsa-lha-me a entrar em diálogo sobre o tema que o Sr. Deputado Silva Marques levantou.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Queria apenas dizer que, como cidadão ao longo de uma vida que me levou a muitos países e também a longos anos de exílio em defesa da liberdade, separei sempre as questões públicas, as questões de defesa da função social da imprensa e de vigilância dos problemas humanos.
Uma vez que se falou aqui de alguém que morreu e para estabelecer essa diferença, quero dizer que, segundo creio, nesse momento, foi o jornal que eu na altura dirigia e eu próprio - e terei sido um dos raros jornalistas que tomou essa atitude - que, perante uma campanha, essa, sim, de carácter pessoal, de carácter aviltante contra um cidadão depois de mono e em que participaram muitos jornais e jornalistas, assumimos a defesa da coragem e da dignidade com que o cidadão Francisco Sá Carneiro soube defender a sua privacidade, a coragem de amar e de defender o amor.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: A política de ambiente tem por fim optimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos naturais, quantitativa e qualitativamente, como pressuposto básico de um desenvolvimento auto-sustentado. Estas são as palavras que conformam um dos princípios que a Lei de Bases do Ambiente consagra e que a crescente consciência ecológica em Portugal assume como verdade irrefutável.
O caso é que os bons princípios não sobrelevam às más políticas e se é verdade que a nossa sociedade adoptou, entusiástica, os valores ecológicos, não é menos verdade que continua o estímulo à subversão e ao adormecimento das consciências e as ilegalidades e os crimes mais insensatos contra o ambiente são facilmente tolerados quando não abençoados pela Administração.
Vivemos num País de elevado potencial de risco e as catástrofes no meio ambiente sucedem-se entro nós ao mesmo ritmo que as declarações de boas intenções e «medidas a tomar no futuro» com que os responsáveis governamentais vão tentando embalar o sono dos mais incautos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Herculano Pombo, agradecia que interrompesse a sua intervenção, na medida em não existem as condições necessárias.
Srs. Deputados, peço o favor de criarem as condições necessárias para o orador poder prosseguir.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. De lacto, falar de ambiente num ambiente destes é algo de muito penalizante!
Dizia eu que de cada vez que é publicado um dos mais de 300 diplomas de natureza ambientalista de que o Governo se ufana, a Natureza e a realidade se encarregam de provar dolorosamente a sua inocuidade e inutilidade.
Depois da confrangedora incapacidade de prevenir e corrigir os desastres ecológicos nas zonas costeiras e depois da forma inábil como o Governo resolveu tratar a complexa questão de os resíduos tóxico-perígosos, e agora a vez de assistirmos perplexos ao medievalismo das medidas tomadas para corrigir as graves disfunções ambientais que se registam no Baixo Mondego. O Governo, depois de ter permitido a agudização dos desequilíbrios e o consequente desenvolvimento de pragas, decide agora tomar medidas drásticas utilizando a prática insensata do envenenamento massivo. «Para grandes males, grandes venenos», parece ser a máxima ambiciualista dos responsáveis pela execução de políticas consentâneas com os princípios definidos na lei. Trata-se, afinal, de tentar consertar relógios com martelos.
A generalidade da comunidade científica reconhece hoje que o uso sistemático de pesticidas químicos aumenta o nível da toxicidade dos alimentos, com o consequente aumento dos efeitos cancerígenos nos seus consumidores, e acarreta ainda funestas consequências para os ecossistemas, de dificílima avaliação.
Dados recentes do Departamento Norte-Americano de Protecção do Ambiente revelam que os insemicidas ocupam a maior percentagem dos produtos fitofarma-cêulicos potenciadores de risco cancerígeno nos seres humanos. Quanto aos impactes nas comunidades vivas, eles são de quase impossível quantificação, conhecendo-se embora as desoladoras consequências nas espécies mais visíveis. É hoje geralmente aceite que o uso «normal» de pesticidas os transforma no assassino silencioso, que mata eventualmente a fome a quem a tem, mas que acaba por matar também os que a têm.
Os efeitos que a recente aplicação de pesticidas provocou na praga dos lagostins que assolava os arroxais do Mondego foram bem esclarecedores do que terá acontecido aos restantes seres vivos que contribuíam para o equilíbrio daqueles ecossistemas. O aparecimento de uma nova praga na mesma região é um aviso sério de que a
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insensatez na forma de lidar com a natureza se paga muito cara. Apesar disso, aí estão as medidas que começaram a ser aplicadas. De praga em praga, de envenenamento em envenenamento, de extermínio em extermínio, não será difícil augurar um triste e revoltante fim para os arrozais do Mondego.
Entretanto os responsáveis pela «política ambiental» do Governo optam por minimizar os impactes e os custos ambientais das medidas que permitem, ainda que tendo consciência de que promovem a violação flagrante dos princípios legais que têm obrigação de fazer respeitar.
Como referiu a este propósito a QUERCUS -Associação Nacional da Defesa do Ambiente -, a política de mau ambiente em Portugal e uma das sete pragas que assolam este jardim à beira-mar plantado, que tem a infelicidade de ter por jardineiro um Governo pouco convencido da urgência de políticas ecologistas.
Move-nos a esperança de que a vontade democrática dos cidadãos concretize o saudável objectivo de substituir rapidamente a ameaça permanente para o ambiente e qualidade de vida, que são as políticas governamentais e os seus agentes.
Os ecologistas portugueses exigem o completo apuramento de responsabilidades e desde já, alertamos os consumidores para o direito que a iodos assiste de obterem da Administração garantias inequívocas das qualidades físicas e sanitárias dos produtos agrícolas que consomem, nomeadamente aqueles que estão sujeitos a maiores influencias de agenies químicos durante o seu processo de crescimento.
A destruição premeditada e insensata do Baixo Mondego deverá constituir o dramático pretexto para que, definitivamente, se aborde com seriedade e profundidade a problemática do fabrico, da comercialização e consumo de agentes químicos na agricultura. Num país onde é mais fácil adquirir uma lata de veneno do que uma caixa de medicamentos, é lícito esperar que a tragédia nos bata à porta, pelo que se impõem a urgente consciencialização dos agricultores e a modificação das regras deste jogo tão ignorado quanto perigoso.
Aplausos do PS, do PCP, do PRD e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Sócrates.
O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Deputado Herculano Pombo, desejo apenas juntar a sua a voz da minha bancada e dizer-lhe que estamos solidários consigo quanto às declarações de protesto que acatou de produzir contra o uso de pesticidas na região do Baixo Mondego.
Gostaria ainda de salientar que a nova consciência ecológica e a revolução em marcha no mundo começou, há mais de 30 anos, com a luta contra o uso de pesticidas, pelo que é inacreditável que, hoje, o Governo permita de novo o uso de pesticidas ruir a resolver aquilo que poderia ter resolvido se não considerasse as questões ambientais apenas como pelas burocráticas que atrasam o desenvolvimento.
Infelizmente o mal está feito e o remédio pode ser muito pior do que a ausência de políticas preventivas usadas na região do Baixo Mondego.
Gostaria ainda de juntar tambem o nosso protesto no que diz respeito ao inacreditável secretismo com que o Governo tem rodeado as questões ambientais no nosso país, nomeadamente no que diz respeito aos resíduos tóxicos e à questão ambiental que envolve o Baixo Mondego.
Acompanhamos o seu protesto e saudámo-lo pela sua declaração produzida agora, neste período reservado às declarações políticas.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Agradeço as palavras do Sr. Deputado José Sócrates e, desde já, aproveito a oportunidade para salientar que a questão que, desde há alguns dias a esta parte, depois de se ter dado o segundo extermínio consecutivo nos arrozais do Baixo Mondego, venho colocando tem a ver com o sistema que, progressivamente, tem vindo a ser adulterado, nomeadamente pelas obras de irrigação que estão em curso, em relação às quais o anterior Secretário de Estado do Ambiente, engenheiro Carlos Pimenta, lançou um alerta, no sentido de que poderiam vir a constituir o golpe fatal no ecossistema produtivo do Baixo Mondego. No entanto, o dossier denunciador desta hipótese catastrófica permanece guardado em segredo na gaveta do Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.
Apesar disto, quero aqui garantir, perante esta Assembleia, que nós, os ecologistas, não descansaremos enquanto o Governo não vier aqui, frente a todos nós e frete ao País, responsabilizar-se ou indicar os verdadeiros responsáveis por este massacre, garantindo a todos os portugueses consumidores de produtos agrícolas, nomeadamente do arroz português, que os produtos que estamos a comer e a dar aos nossos filhos são absolutamente inócuos, saudáveis e não contêm cargas elevadas de produtos químicos que, segundo estudos internacionalmente reconhecidos e denúncias dos nossos cientistas - que também os temos-, podem contribuir para autênticas catástrofes no âmbito da saúde pública, nomeadamente adulterando o nosso crescimento celular com o aparecimento de cancros e outras doenças cuja cura ainda não é conhecida.
Em breve, ao abrigo do instituto das perguntas ao Governo, teremos oportunidade de colocar esta questão. Em breve, tambem, espero poder contar aqui com a presença do responsável governamental por esta segunda aplicação massiva de pesticidas, por este crime, pois continuo a considerá-la um crime, com a agravante de ter sido premeditado, de ter sido minimizado nos seus eleitos e de, hoje, os portugueses não poderem ter a certeza se o arroz que comem, e que é produzido no Baixo Mondego, contribui para a sua saúde ou se, pelo contrário, a vem degradar.
O Governo tem a responsabilidade de vir dizer perante o País que errou e que aquele arroz vai ser todo analisado para que não subsistam dúvidas. Os consumidores portugueses não podem ter dúvidas. Assuma o Governo as suas responsabilidades. Não nos calaremos enquanto assim não acontecer!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Demita-se o Ministro!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por terminado o período de tempo reservado às declarações políticas. Vamos continuar ainda com o período de antes da ordem do dia, entrando agora no período de tempo reservado às intervenções de carácter regional.
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Entretanto, não existindo objecções, vamos proceder à votação do voto de pesar n.° 160/V, já distribuído por todas as bancadas, que respeita ao acidente ocorrido ontem na ilha do Faial.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Raul Castro.
É o seguinte:
Voto de pesar n.° 160/V
Tendo ocorrido ontem, na ilha do Faial, o trágico acidente da queda de um avião que apoiava cientificamente o importante sector das pescas da Região Autónoma dos Açores e no qual pereceram os seus quatro tripulantes, a Assembleia da República manifesta o seu profundo pesar e endereça às famílias dos vitimados as suas sentidas condolências.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos vindo a assistir a persistentes e repelidos ataques ao Governo, vindos das bancadas comunistas e socialistas, procurando transformar a construção da Via do Infante de Sagres, no Algarve, em tema de luta política com foros de âmbito nacional.
De facto, a generalidade dos portugueses, e em especial os Algarvios, sentem-se perplexos perante tal burburinho em relação às resistências e às oposições que se têm procurado desencadear e empolar para atrasar a execução e a concretização do projecto da via longitudinal do Algarve.
É preciso dizer abertamente e «sem papas na língua»: o PCP e, com marcante relevância, o Partido Socialista tudo têm tentado, em termos de luta política, para criar toda a espécie de dificuldades no arranque de uma obra que é fundamental para o desenvolvimento do Algarve.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Qual obra?
O Orador: - É mais um importante investimento que este Governo, liderado por Cavaco Silva, quer fazer e vai fazer. Aliás, já nos começos de 1980, em que também o PSD era majoritário no Governo e, nessa altura, liderado por Sá Carneiro, foi elaborado um primeiro projecto de traçado diferente da solução agora adoptada e, imagine-se que também, então, saíram à liça os mesmos protagonistas de agora.
Isto é, o traçado de 1980 não servia, era medonho, era, enfim - sempre a mesma ladainha, sempre a mesma coisa -, contra os interesses do Algarve e dos Algarvios. «Nos entretantos», ou seja, quando o PS subiu ao Poder e foi maioritário no Governo, nada fez, não deu um passo, sequer, quanto mais não fosse para corrigir aquilo de que antes dizia discordar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Os socialistas na oposição, em 1980, tal como agora, só souberam dizer que não. Mas quando e enquanto Poder também foram incapazes de dizer que sim e mais incapazes ainda se mostraram de dizer como, por onde e quando a construção da via longitudinal do Algarve.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Novamente se repete, nos dias de hoje, «a história» - história com h pequeno, história da mesquinhez - desta oposição liderada pelo PS. Não quis que se fizesse em 1980; não foi capaz de idealizar, de viabilizar, de projectar, muito menos de concretizar quando foi Governo; na prática também não quer que se faça em 1990.
O Sr. José Sócrates (PS): -E vocês fazem mal!
O Orador: - Apetece dizer - e tem de se dizer claramente - que o PS não fez nem quer deixar fazer uma obra que consideramos vital para a economia da região e do País.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sob a batuta da bancada socialista têm sido desencadeados tão violentos quanto irresponsáveis ataques contra a construção da Via do Infante.
Todavia, limitam-se a dizer a mesma ladainha de sempre (e estas palavras são da responsabilidade do Partido Comunista): «A Via do Infante é uma calamidade que se abate sobre o Algarve e os Algarvios; não houve diálogo com as populações; é inadmissível que o Governo estabeleça, como definitivo, um traçado que merece uma forte oposição; temos de saber como foi adjudicado o projecto de execução; temos de saber as circunstâncias em que estão a ser feitas as expropriações, uma vez que nos chegam queixas da parte dos proprietários.»
Estas expressões dão vontade de rir e até vêm do PCP!
Mas há mais e agora são da responsabilidade do PS. Elas são profundas...!, fundamentadas...!, tecnicamente perfeitas...!, politicamente seríssimas!...
Ei-las: «Esta via longitudinal do Algarve põe em causa o meio ambiente de uma mesma região; esta via longitudinal põe em causa a agricultura, o turismo; esta via longitudinal afecta o processo global de desenvolvimento de todo o Algarve; esta via é antidemocrática; esta via é colonialista, uma vez que é projectada com total desprezo pelas populações directamente afectadas; tem sido assumidas posições contestatórias quer na Assembleia Municipal de Faro (com o actual controlo PS) quer num colóquio realizado em Loulé» organizado pela Câmara Municipal, agora PS, «no qual participaram milhares de pessoas», num pequeno cine-teatro com capacidade para apenas algumas centenas de pessoas.
Enfim, são estas as críticas repelidas até à exaustão, até ao infinito.
É esta -e apenas esta- a seriedade política e a fundamentação técnica das posições da oposição, dita responsável, comunista e socialista!
Cabe aqui, definitivamente, perguntar aos Srs. Deputados do PCP e do PS, autores destas brilhantes afirmações, quais são, afinal e em concreto, as opções que preconizam para a Via do Infante, como, por exemplo, em relação à qualidade dos solos a ocupar; à atractividade no que toca ao tráfego que actualmente utiliza a estrada nacional n.° 125; às previsíveis zonas de expan
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são urbana dos aglomerados situados na sua área de influência; ao enquadramento paisagístico; às características e perfil do traçado; ao desenvolvimento económico global, isto é, servindo simultaneamente os grandes fluxos de trânsito que se dirigem para a zona litoral e sendo, ainda, um importante elemento de penetração para a zona do barrocal como meio indutor do desenvolvimento aí pretendido.
E ainda quais são os rácios mais favoráveis, do ponto de vista, sempre a ter em conta, da análise benefícios/ custos.
É que, Srs. Deputados, sobre isto têm dito: nada! Têm-se limitado a debitar generalidades e a fazer mera luta política sem glória e sem grandeza.
Lanço-lhes aqui o repto para, de uma forma séria, dizerem, pública e finalmente, o que pretendem e o que pensam - se é que pretendem e pensam alguma coisa! - em relação a estes elementos fundamentais de análise sobre o projecto de execução e construção da Via do Infante.
Aplausos do PSD.
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não basta que o PCP e o PS venham aqui, sistematicamente, empolar e hipervalorizar as resistências de alguns proprietários que não querem ser expropriados mas que, alguns desses, também, não cultivam as suas terras, embora elas tenham aptidão agrícola, preferindo aguardar a oportunidade para as urbanizar.
Sabemos, temos a consciência plena, de que há ainda alguns bons agricultores em relação aos quais foi impossível atender as suas reclamações por impossibilidade técnica e económica, embora seja indesmentível que muitas e muitas reclamações, muitas e muitas solicitações, foram ouvidas e atendidas por se considerarem justas e viáveis as alterações a fazer.
O que não entendemos é como e porquê, agora, o PCP c o PS defendem descabeladamente uma autêntica sacralização da propriedade privada, quando o que está em jogo é uma obra de grande e incalculável alcance para o progresso do Algarve e bem-estar dos Algarvios, assim como para toda a economia nacional.
Fomos, somos e seremos defensores da propriedade privada. A nossa posição sempre foi clara quando o PCP andava a pilhar terras a esmo por este País fora e enquanto o PS ora aplaudia, ora calava!
Sempre defendemos a propriedade privada mas também sempre entendemos que essa mesma propriedade tem de desempenhar a sua função social. Nunca o interesse particular e individual se pode sobrepor ao interesse colectivo de toda uma população e de toda uma região.
Este é um princípio, fundamentalmente, social-democrata. Agora, com a declaração de falência dos «socialismos», sugiro que o PCP e o PS, apesar da fuga precipitada às cartilhas socialistas, ainda há pouco defendidas «com unhas e dentes» e tidas como soluções infalíveis para uma sociedade, que sempre afirmámos ser mirífica, retenham, pelo menos, este princípio importante no Estado moderno e social que nós, sociais-democratas, sempre defendemos.
Já que estamos a falar em vias de comunicação, nós, PSD, caminhamos sempre na nossa «faixa de rodagem».
O Sr. Carlos Drito (PCP): - Não passe na variante de Almancil, porque pode cair em algum buraco!
O Orador: - Já temos visto muito boa gente - que não há meio de aprender- a ultrapassar-nos pela esquerda e ainda outros pela direita. Pouco nos importa porque, logo à frente, esses apressados, por inépcia, por excesso de velocidade ou por gula de quererem, desajeitadamente, «encher o papo» de quilómetros -no vosso caso, sofregamente de votos - são multados, penalizados, ou esbarram, inapelavelmente, com um «obstáculo», que se chama a memória de um povo e que sabe distinguir os impostores e charlatães da política dos que fazem, dos que concretizam e dos que executam as obras que, apesar de tudo, já deviam estar prontas ontem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não hesito em falar, aqui desta tribuna, em nome da imensa maioria dos algarvios e de todos aqueles que, por esta ou por aquella razão, têm de viajar pelo Algarve.
Os deputados sociais-democratas, eleitos pelo Algarve também não hesitam em exigir e em reivindicar, formal e solenemente, perante o Governo do PSD e, sobretudo, perante o Primeiro-Ministro Cavaco Silva que, no mais curto espaço de tempo possível, seja dado o arranque definitivo e irreversível dos trabalhos para a construção da via longitudinal do Algarve.
Exigimos muito claramente ao Governo que não se deixe enlear nos «diálogos» que a oposição comunista e socialista diz pretender fazer, apenas para paralisar, entravar, dificultar com o objectivo de, tal como em 1980, tudo fique na mesma.
O Algarve e os Algarvios querem e exigem o início da construção da Via do Infante, de acordo com a chamada «solução intermédia» optada pela entidade competente em razão da matéria, ou seja, o Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes, através do parecer n.° 6049, de 30 de Maio de 1988.
Já lá vão dois anos; já se fizeram as alterações possíveis; já se diminuiu a área de ocupação de solos com aptidão agrícola de 202 ha para 93 ha, e isto, numa extensão de 80 km de uma via com quatro faixas de rodagem e separador central. Enfim, Srs. Deputados, já muito se dialogou.
Agora, dizemos, aqui, ao Governo que é tempo de deixar a oposição comunista e socialista a falar sozinha ou, quando muito, a defender o indefensável, reduzindo-se a porta-voz dos egoísmos e dos interesses mais eu menos obscuros e especulativos.
E não venha também a oposição comunista e socialista dizer que as autarquias não foram consultadas. Importa esclarecer, de uma vez por todas, que dos 16 municípios inquiridos sobre as três directrizes denominadas «intermédia», «A Sul» e «A Norte», 13 manifestaram-se favoravelmente pelo traçado «intermédio», 2 discordaram dele e l não se pronunciou. Não esqueçamos ainda que há quatro concelhos que só indirectamente estão interessados no problema, dado o seu afastamento da área em questão, ou seja, Aljezur, Vila do Bispo, Monchique e Alcoutim, e, mesmo assim, foram ouvidos.
Queremos, portanto, que se executem já os vários lanços do troço entre a Guia e Vila Real de Santo António.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, queremos ir ainda mais longe. Exigimos ao nosso Governo ainda mais obras; reivindicamos com frontalidade e firmeza, certos da urgência e das necessidades sentidas pêlos algarvios do Barlavento, que impõem celeridade e prioridade máximas para o estudo e respectivo projecto de execução do prolongamento da Via do Infante até Lagos, atravessando os concelhos de Lagoa e de Portimão.
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Os que pretendem empatar, os que fazem «queixinhas» à CEE, os que pretendem atrasar e os que utilizam, por tudo e por nada, a já estafada cassette do «diálogo» - para paralisar, já se vê!...- fiquem bem cientes de que não entraremos nesse jogo nem permitiremos tal actuação política, porque a denunciaremos, de imediato.
Que fique bem claro que os deputados sociais-democratas eleitos pelo Algarve querem e exigem que a Via do Infante vá de Vila Real de Santo António até Lagos!
Somos pela positiva, enquanto os comunistas e os socialistas, pela sua acção e actuação concretas, são, infelizmente, pela negativa. Há que o dizer, aqui, claramente, sem peias nem meias.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, V. Ex.ª inscreveu-se para pedir esclarecimentos?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É sim, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, na realidade, surpreende-me um pouco a sua dúvida na medida em que perante esta intervenção do Sr. Deputado Filipe Abreu eu teria de dizer alguma coisa.
Sr. Deputado Filipe Abreu, começo por dizer que sempre me manifestei favorável -e até com entusiasmo - em relação à via longitudinal do Algarve, a Via do Infante, e sempre também, com inteira coerência, me pronunciei favorável ao traçado feito mais pelo interior; posso ainda, inclusivamente, dizer-lhe que foi exactamente isto que expressei quando, um certo dia, o Sr. Primeiro-Ministro me perguntou qual era a minha opinião sobre a matéria.
Assim, foi sempre em coerência com essa posição que me manifestei contra o traçado da Junta Autónoma de Estradas e a favor do traçado proposto pela Comissão de Coordenação da Região, o que, aliás, aconteceu a muitos dos mais destacados membros do PSD, que eram também a favor do outro traçado e não daquele que acabou por fazer vencimento.
E se falamos de atrasos, então devemos dizer que o primeiro atraso deve-se às divergências dentro do PSD e do Governo relativamente à escolha entre os dois traçados.
Deste modo, todo o lobby que se desenvolveu em torno do traçado proposto pela Junta Autónoma de Estradas, em minha opinião, era e continua a ser contrário ao outro traçado. O Sr. Deputado Filipe Abreu é deputado por Portimão, daquela região junto ao mar, talvez não tenha a sensibilidade que eu e outros senhores deputados temos, como por exemplo o Sr. Deputado António Vairinhos, que está sentado a seu lado, relativamente aos problemas que comporta o traçado que está a vingar para a Via do Infante. Por isso, talvez, veja com ligeireza, com leviandade os problemas que esta questão envolve.
O segundo atraso reside no facto de não terem sido feitos estudos de impacto ambiental, comprometendo-se assim o financiamento da CEE, que, neste momento, está suspenso.
Queira V. Ex.ª explicar agora à Câmara qual é, neste momento, a situação em relação aos financiamentos da CEE e diga se já pode garantir que os financiamentos estão assegurados e que a suspensão foi levantada.
Para além disto, há ainda a considerar a teia de toda uma série de outros problemas complexos, escandalosos, que se têm desenvolvido ao longo da execução do traçado da via longitudinal. Essa é outra questão que também tem de ser esclarecida, tal como a das expropriações.
Sr. Deputado Filipe Abreu, posso afirmar-lhe que, neste momento, estou a dar o benefício da dúvida ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, pelo que não tenho tocado neste assunto. Aguardo que o Sr. Ministro esteja mais algum tempo à frente do Ministério para poder consultar os dossiers, permitindo-me assim questioná-lo sobre a marcha da Via do Infante.
Neste momento, repito, dou ao Sr. Ministro o benefício da dúvida para ver como ele trata esta questão, uma vez que, nesta matéria, o outro ministro, que ele veio substituir, expressou opiniões e adoptou comportamentos que, como sabe, censurei de todo.
Finalmente, há que salientar os protestos dos agricultores, que o Sr. Deputado Filipe Abreu não vai atribuir ao PCP e também, com dificuldade, pode atribuir ao PS.
O Sr. Deputado talvez não tenha ainda tido a oportunidade de ver o traçado, mas eu conheço-o, assim como os agricultores. Já por várias vezes estive com eles e com alguns proprietários algarvios junto ao traçado -aliás, como alguns deputados do PSD podem testemunhar -, e muitos deles não têm nada a ver nem com o PCP, nem com o PS, pois até são proeminentes figuras algarvias afectas ao PSD.
Não me vai agora dizer que essas figuras estão a ser instrumentalizadas por nós, nem que aquilo que está em causa é só a questão da propriedade privada. O que está em causa são solos de primeira classe e explorações agrícolas de alta qualidade, que um Estado democrático que olha para o futuro tem a obrigação de preservar. E por isso que nós temos lutado, é isso que temos defendido.
Não há progresso, Sr. Deputado Filipe Abreu, quando se atropelam interesses legítimos, quando não se ouve, quando não se tem em conta a opinião das populações.
Esse progresso, como a experiência tem mostrado no nosso e noutros países, não leva a lado nenhum.
Esse progresso -já que falou de circulação rodoviária- leva a uma solução como esta: o Sr. Deputado, que circula muito no Algarve, tenha cuidado quando passar na variante de Almancil, que é uma obra típica do seu Governo, uma típica obra eleiçoeira feita para ser inaugurada nas vésperas das eleições, mas que caiu com os primeiros temporais. Tenha cuidado, Sr. Deputado!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Álvaro Viegas (PSD):-Caiu lá agora! Passo lá sempre e sei que está tudo de pé!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, nas considerações que teceu, V. Ex.ª começou por afirmar que sempre se manifestou favorável em relação à Via do Infante.
Uma coisa é o que dizemos e outra o que fazemos.
Risos do PCP.
Muitas vezes, o discurso tem algo de diferente em relação àquilo que no terreno, em termos de luta política,
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se desenvolve, dando azo a que determinados interesses sejam hipervalorizados e empolados. Mas não é apenas V. Ex.ª que faz isso, pois também há outros partidos...
Vozes do PCP: - O PSD é um deles!
O Orador: -... que no Algarve, em relação ao caso concreto da Via do Infante, têm manipulado, pura e simplesmente, os agricultores e os proprietários.
Sr. Deputado, toda a gente quer auto-estradas, toda a gente reclama vias rápidas, mas - eu já o disse - ninguém quer que essas vias passem pelos seus terrenos. Todos querem que elas passem pêlos terrenos do vizinho, pelos terrenos dos outros.
Mais, Sr. Deputado: se por acaso não houvesse uma zona non aedificandi nas margens da Via do Infante, a guerra seria outra. É que, se se pudesse construir, todos quereriam, então, que a Via do Infante passasse pêlos seus terrenos, para se poder consumir, especular, urbanizar. Esse é que é o problema, e temos de ter coragem para o afirmar aqui e em qualquer lugar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sobre a questão do impacte ambiental, sabe V. Ex.ª muito bem que a Directiva da CEE n.° 337, de 27 de Junho de 1985, previa um prazo, uma espécie de vacaíio legis, para entrar em vigor no direito interno português, que era de três anos. Todos os estudos prévios, estudos de execução e projectos de execução foram feitos dentro dos parâmetros já previstos nessa directiva da CEE. Só que foi preciso fazer agora um documento à pane, um estudo que já estava feito em todas as fases do projecto da Via do Infante, para enviar à Comunidade.
V. Ex.ª sabe muito bem que a Comunidade não cortou o financiamento. A Comunidade apenas disse que só avançaria com o Financiamento de 10 milhões de contos quando o estudo estivesse elaborado. O estudo foi feito e está entregue. Sabemos que, apesar das queixinhas, das pressões, das influências e dos lobbies lá fora, está para muito breve a libertação dessas verbas e que, portanto, a Via do Infante vai avançar.
Devo dizer, Sr. Deputado, que se teve em conta os interesses das populações. Se, numa extensão de 80 km, quando a princípio se previa a ocupação de 202 ha de solos com aptidão agrícola (o que não significa que estejam explorados), depois de todo o diálogo que houve e de todas as queixas e reclamações que foram atendidas, a ocupação baixou para 93 ha, o Sr. Deputado acha que não houve diálogo?!
Deixemo-nos de demagogias, Sr. Deputado, porque o diálogo que V. Ex.ª e o Partido Socialista querem é que a via não seja feita, não ande para a frente. Nós não embarcamos nesse comboio!
Aplausos do PSD.
O Sr. António Vairinhos (PSD):- Peço a palavra, Sr. Presidente, para defesa da consideração.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra porque o meu nome foi invocado pelo Sr. Deputado Carlos Brito, no pedido de esclarecimento
que formulou, e eu gostaria que não restassem duvides a esta Câmara e aos deputados presentes sobre a minha posição.
Creio que a minha pessoa foi invocada por dois motivos. Foi aqui referido pelo Sr. Deputado Carlos Brito que havia posições contraditórias no seio do PSD, interligando tal facto com o que qualificou; come a minha sensibilidade pelo interior.
É evidente, Sr. Deputado, que tenho uma sensibilidade muito grande pelo interior. E sabe como a demonstrei? Trabalhando, não falando. Trabalhei bastante em pról do interior.
Gostaria de lhe dizer que o facto de ter essa grande sensibilidade pelo interior, de perfilhar determinadas estratégias de desenvolvimento para o interior, em particular o do Algarve, e de ter trabalhado bastante para ele não pode, de qualquer forma, levar a pensar-se que partilho da interiorização da chamada Via do Infante. Penso que, sob o ponto de vista do planeamento Tísico, é um erro crasso. Nunca defendi essa solução, desce o início, mesmo quando esse tipo de solução começou a ser alvitrada no âmbito da Comissão de Coordenação da Região.
O Sr. Deputado diz que gostava de ver a interiorização, mas nem o Sr. Deputado nem o Partido Socialista justificaram essa opção. Sabe porquê? Porque não sabem por que razão a tomam. O que fazem é mera demagogia. Interiorizar a via para quê? Para servir quem? Talvez para que as mercadorias e o tráfego passassem sobre a Ponte do Guadiana e viessem a caminho de Lisboa...
Nós, algarvios, não queremos isso. Queremos, sim, uma via que sirva o Algarve e os interesses da economia regional.
Terei muito prazer, se o Sr. Deputado assim o desejar, em aprofundar estas questões, nomeadamente a do impacte sócio-económico de uma via desce tipo. Não é só o impacte ambiental que conta, mas também o impacte sócio-económico.
Não se poderia fazer uma via destas para servir interesses que não os do Algarve. Nós, deputados do PSD, não admitimos isso e sempre pugnámos por uma solução de consenso que servisse a grande parte da população do Algarve e a economia regional algarvia, que se concentra numa faixa extremamente pequena dos seus 5000 km2. Não estamos aqui com demagogia política e, por isso, afirmamos que defendemos tecnicamente este projecto.
Para terminar, dir-lhe-ia, Sr. Deputado, que pode confrontar à vontade o actual Ministro das Obras Públicas, Transportes c Comunicações com o problema da Via do Infante, porque o Sr. Ministro está perfeitamente identificado e conhece bem os dossiers. Não vale a pena invocar essa desculpa. Pode perfeitamente confrontá-lo com a questão, porque o Sr. Deputado até sabe que as respostas que lhe podem ser dadas não seriam favoráveis às afirmações que têm sido feitas pela sua bancada.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Deputado António Vairinhos, não quis insinuar, na referência, atrás ligeira, que lhe fez que o Sr. Deputado era um «dissidente» do PSD em matéria de via longitudinal. Não foi essa a intenção das minhas palavras.
Quis apenas assinalar que o Sr. Deputado é uma pessoa que conhece bem o interior e exerceu funções de
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direcção num departamento que estava ligado as questões do interior do Algarve, mas não mais do quo isso. Trabalhou, como trabalha aqui. Conhecemos a sua intcrven-580 e sabemos que o Sr. Deputado não andou a fazer outra espécie de trabalhos.
O Sr. António Vairinhos (PSD): - Isso não é trabalho? Quer então dizer que o Sr. Deputado não trabalha?!...
O Orador: - Considero que a actuação de um deputado, na Assembleia da República, é uma actividade que tem a maior dignidade. Pareceu-me, porém, que não seria esse o seu ponto de vista. Será, pois, conveniente corrigi-lo, para que isso não acalente campanhas antiparlamentares. Suponho que não era essa a sua intenção.
O Sr. José Sócrates (PS): - Era essa!
O Orador: - Seria importante que esse aspecto ficasse esclarecido da sua parte.
Quando a sua profissão de fé e aos argumentos técnicos que invoca, como sabe, não tem acolhimento numa larga parte da opinião algarvia. Mesmo da parte de outros técnicos algarvios são invocados outros argumentos absolutamente contrários aos seus.
O que se diz e que perfilho é que a via, com o traçado que esta1 indiciado e, como parece, já decidido, vai estrangular o desenvolvimento do Algarve, vai servir apenas uma estreita faixa da região algarvia e vai ainda acentuar as assimetrias do desenvolvimento entre essa faixa e o resto do Algarve.
Protestos do PSD.
Esta é a minha posição, corroborada por uma larga parte da opinião algarvia.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. António Vairinhos (PSD): - O Sr. Deputado não conhece o Algarve. Vai lá poucas vezes!...
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Oliveira.
O Sr. António Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo esta a primeira vez que intervenho nesta Assembleia, quero saudar todos os seus membros, a quem manifesto o propósito da melhor colaboração.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Uso da palavra para trazer perante VV. Exa algumas preocupações respeitantes ao Norte do distrito de Santarém, mormente ao seu futuro.
Não sendo uma região tão promissora, do ponto de vista agrícola, como a lezíria, tem sido, desde há mais de um século, uma zona em que a industria, se bem que limitada aos níveis de desenvolvimento do País, tem tido um importante peso, quer pelos sectores de actividade por que se distribui, tais como papel, fiação e têxteis, serração e transformação de madeira, cerâmica de barro vermelho, pré-fabricados de cimento, curtumes e mesmo metalomecânica (para referir os mais importantes), quer pelo número de unidades existentes. Se muitas destas unidades estão, porventura, mal dimensionadas e a carecer de reconversão, os exemplos que dei são bem demonstrativos das potencialidades da região e da capacidade empreendedora das suas populações.
Porém, para que uma região atinja níveis de desenvolvimento que proporcionem as populações uma vida com qualidade não basta que a mesma tenha potencialidades ou que as suas populações tenham capacidade empreendedora. É necessário dotá-la de meios que permitam rendibilizar essas mesmas potencialidades e os investimentos feitos ou a fazer.
Um dos principais factores de promoção do desenvolvimento, embora não sendo o único, são as vias de comunicação. Não sendo esta parcela do território das mais carenciadas em matéria de acessibilidade, colocam-se, no entanto, alguns problemas.
O atraso verificado na construção das vias previstas no Plano Rodoviário Nacional, que, pelo seu traçado, beneficiarão a região, constitui presentemente o principal obstáculo a canalização indispensável do investimento necessário a sua modernização e ao seu desenvolvimento.
O troço do IP-6 de Torres Novas a Abrantes, que no piano de médio prazo da Junta Autónoma de Estradas estava previsto iniciar a construção em 1988 e terminar em finais do corrente ano, ainda nem sequer foi iniciado. Prevê-se que tenha início em finais deste ano mas que só esteja concluído em 1994. Há, no mínimo, um atraso de quatro anos.
O IC-3, que no piano de longo prazo estava previsto ter execução entre 1991 e 1995, conforme foi recentemente anunciado, na parte que diz respeito a região, só em 1996 será iniciado. Registar-se-á provavelmente um atraso de, no mínimo, entre três a cinco anos.
Há muito pouco tempo, o IC-9 nem sequer tinha aprovado o traçado definitivo na sua totalidade, e certamente não o terá neste momento. Aqui, os atrasos serão sem dúvida muito maiores e mais difíceis de prever.
Entretanto, enquanto o Governo vai, neste como noutros sectores, prometendo e adiando, os concelhos do Norte do distrito v3o esperando e desesperando, perdendo oportunidades e vendo ser canalizados para outras regiões os investimentos que poderiam atrair. Com estes atrasos, o Governo está a negar a região a possibilidade de valorizar as suas potencialidades.
Continua a não existir, nem sequer em projecto, as há muito desejadas pelas populações boas vias de penetração na zona do Pinhal, onde se integra o concelho mais a norte do distrito, que é Ferreira do Zêzere. Tais vias favoreceriam a implantação de industrias ligadas a floresta e permitiriam desenvolver o sector do turismo, numa zona que tem para oferecer, neste capítulo, potencialidades impares, até ao momento quase totalmente desaproveitadas, apesar da ousadia de alguns, poucos, empreendimentos.
É para nós perfeitamente clara a necessidade de se estudar a possibilidade de construção de um itinerário complementar que a partir do futuro IC-3, nas proximidades de Tomar, faça ligação a Ferreira do Zêzere, podendo continuar em direcção a nova ponte sobre o Zêzere, recentemente posta a concurso, que ligará esse concelho ao de Vila de Rei, podendo depois continuar até a Serra, ligando ao IC-8 e eventualmente, daí, ter seguimento para outras direcções.
Não sendo viável uma tal hipótese, impõe-se, no mínimo, a correcção do tratado da actual estrada nacional n.° 238, pois não é possível promover o desenvolvimento com vias onde dificilmente as velocidades médias são superiores a 30 km/h.
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Abordada, pois, a problemática das vias de comunicação rodoviárias no Norte do distrito de Santarém, ainda que sumariamente, e porque está em causa não só o futuro mas também o que as populações da região foram capazes de realizar até ao presente, na esperança, ainda que remota, de não terem estado a pregar no deserto, aqui deixo, também na esperança de que o Governo lhe seja sensível, o meu apelo a que sejam aceleradas as obras e, consequentemente, encurtados os prazos de construção dos itinerários previstos, tal como apelo à definição urgente de uma política de saúde na região, pois as populações desejam saber, de uma vez por todas, se vai ou não haver novo hospital em Tomar, o que se pretende fazer com o Hospital de Torres Novas, que destino dar ao de Abrantes e o que se passa verdadeiramente com os Hospitais do Entroncamento e de Alcanena.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É um problema complexo, sem dúvida, mas que não pode ficar indefinidamente sem resolução, resolução essa que deverá, até à exaustão, tentar harmonizar os diversos interesses das populações e não, por razões economicistas, ser uma resolução tomada contra esses mesmos interesses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Costa.
O Sr. Vítor Costa (PCP): -Sr. Presidente, dada a escassez de tempo e o adiantado da hora vou resumir a minha intervenção, mas pedia que ela fosse dada como proferida na íntegra neste Plenário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na última intervenção feita por nós neste Plenário sobre o distrito de Coimbra, em linguagem metafórica, dizíamos que, vivendo o País, como é insistentemente propagandeado pelo Governo, tempo de «vacas gordas», os «bichos» que nos tem saído em sorte estão longe de serem fartos e luzidios como o nosso distrito e as suas populações reclamam e merecem.
A gravidade dos acontecimentos, ultimamente em curso no Baixo Mondego de novo nos obrigam a falar nesta Câmara de bichos, mesmo de pragas...
Não das «pragas» deste Governo e do Ministro Roberto Carneiro. Disso tratámos ontem.
Hoje queremos tratar das sucessivas pragas que vêm ameaçando seriamente a orizicultura e o meio ambiente do Baixo Mondego e que já justificaram a iniciativa de, no passado dia 31, termos apresentado na Mesa da Assembleia um extenso e fundamentado requerimento dirigido ao Governo sobre esta matéria.
Sr. Presidente, como os Srs. Deputados certamente têm constatado, nos últimos tempos o vale do Mondego, a sua orizicultura e o seu meio ambiente têm ocupado largo espaço nos principais meios de comunicação social nacionais.
Primeiro foi a sua misteriosa (aparentemente) praga de lagostins de água doce e a forma, ainda mais misteriosa, como eles teriam sido exterminados.
Mais recentemente, devido à praga da mosca Ilidrellia griseola, que ataca os caules do arroz, estariam a ser destruídas grande parte das culturas entre Coimbra e Montemor.
Igualmente tem sido noticiado, embora com menor destaque, as opiniões de técnicos e agricultores que atribuem a morte dos arrozais, naquela zona do vale do Mondego, à excessiva alcalinidade e «ionização» baixíssima das águas do rio. A causa disto, segundo c estudo realizado por um engenheiro técnico agrário (Diário de Coimbra, de 30 de Maio de 1990), residiria nas largas centenas de toneladas de cimento que estão a ser injectadas no leito do rio Mondego, a montante de Penacova.
O citado engenheiro técnico quer referir-se à consirução da ponte no IP-3 no lugar da Livraria do Mondego, cujo pilar central, desgraçadamente, foi projectado em cima de um falhamento colossal no flanco sudoeste das cristas quartzíticas do Ordovícico e que já foi objecto, em 15 de Abril de 1990, de um requerimento nosso aqui na Assembleia, ainda sem resposta.
Face a tudo isto, as populações locais, nomeadamente os produtores de arroz e a comunidade tecnico-científica, interrogam-se apreensivamente. Uns limitam-se a questionar, mas outros são peremptórios em coordenar os métodos e os meios utilizados, pois dizem que ambos são susceptíveis de provocarem graves malefícios CEE pessoas, animais e plantas e de produzirem, em suma, nefastas consequências no ecossistema.
De tudo isto, duas conclusões, nos parecem irrefutáveis: a primeira é que para além dos pesticidas, fertilizantes e hormonas que os agricultores utilizam regularmente - em excesso, segundo a opinião de alguns - estariam agora, num curto espaço de tempo, a ser lançados no vale do Baixo Mondego, por causa dos lagostins e da «mosca do arroz», quantidades brutais de insecticidas, com o recurso, inclusive, a meios aéreos e utilizando produtos à base de dimetoato, correndo perigo a saúde pública c comprometendo seriamente o equilíbrio do ecossistema; a segunda é que os orizicultores do Baixo Mondego, designadamente entre Coimbra e Montemor-o-Velho, vêem destruídas as culturas do corrente ano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face a tudo isto, e tendo em vista a salvaguarda da saúde pública, a defesa do meio ambiente e dos legítimos interesses dos produtores de arroz, continuamos a questionar o Governo, tal como o fizemos no requerimento, e as entidades locais e regionais competentes, no sentido de obtermos respostas, nomeadamente às seguintes perguntas:
Que garantias pode o Governo dar de que es insecticidas utilizados não constituem perigo para a saúde pública, quer a curto quer a médio prazo?
Quem autorizou que durante a semana passada fossem utilizados meios aéreos, quando, desde o início, fora recomendada a sua não utilização?
Dada a celeridade com que foram utilizados os insecticidas, praticamente em simultâneo com os avisos à população, como pode garantir o Governo que não ocorram acidentes por falta de esclarecimento atempado?
Quais os produtos químicos c os meios empregues, de quem é a responsabilidade da sua utilização e qual o seu impacte no meio ambiente e nas águas subterrâneas?
Que medidas estão a ser tomadas com o objectivo do estudo e análise sistemáticos dos produtos alimentares provenientes daquela zona, nomeadamente os hortícolas e os frutícolas, no sentido de avaliar a concentração de produtos tóxicos e nocivos para a saúde pública?
Que medidas foram já tomadas no sentido da indemnização e de apoio financeiro aos orizicuitores aliagidos pelas pragas?
Por último, gostaríamos de saber, dado que chegou a ser encarada a possibilidade de indemnizar os agricultores pelas perdas das suas culturas a 100%, que estudos e
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cálculos sustentaram a opção tomada de dar combate químico às pragas que tom atacado os arrozais naquela área do vale do Mondego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O quadro que acabei de esboçar tem, por fundo, tonalidades de interrogação veemente. Numa época em que se tende a hipervalorizar acriticamente os prodígios da tecnologia, com frequência demasiada se esquece que, mio obstante os progressos, todo o caminho do homem continua a ser o da busca e não o da suficiência, o do estudo sério, amadurecido e lúcido, a par da ousadia, e não o dos rasgos precipitados, despoticamente impostos em nome de uma infalibilidade científica, que vem, não raro, afinal, a revelar-se falso e inconsistente.
As lógicas do imediato, prevalecendo-se da arrogância das absolutas certezas, contra o que há de fecundo na dúvida que antecipa as decisões responsáveis, geram, em regra, situações que se voltam contra as comunidades e contra os seus interesses determinantes.
A natureza, Srs. Deputados, é infinitamente mais complexa do que se decreta e, apesar dos êxitos das experiências interplanetárias, afeiçoá-la criativamente às harmonias, indispensáveis à vivência humana, é ainda o maior dos desafios de hoje.
Dizemos isto, combatendo todas as simplificações, e acode-nos tudo quanto se tem passado no Baixo Mondego por culpa de quem talha e retalha sem rigor nem prudência e sem critério provado nem engenho.
O ecossistema e os seus valores reclamam uma atitude diferente. Também aqui não há discurso de defesa do ambiente que sobreviva sem a adopção de um olhar que, reestruturando ecologicamente a economia, se conduza pelo bom senso e pela experiência, em claro favor do homem e não dos projectos de circunstância, tutelados por políticas incongruentes e de mera conjuntura.
Tenhamos, Srs. Deputados, perante a Natureza uma atitude de grande humildade como aconselha a ciência.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente:-Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ocorreu na passada semana, na cidade da Póvoa de Varzim, um acontecimento de significativa importância. Trata-se do 13.° Congresso Mundial da Federação Internacional de Dadores de Sangue, organizado pela Federação Portuguesa.
Reuniram-se neste fórum mais de 250 representantes de cerca de quarenta países da Europa, África, Ásia e América que, durante vários dias de intenso trabalho, trataram de questões conexas com a transfusão e dádiva de sangue.
Comunicações de grande rigor científico, entremeadas de outras de conteúdo apelativo, baseadas na experiência vivida e sentida ao longo de grande número de anos de acção empenhada, preencheram esta importante manifestação.
Na sua resolução final, os congressistas reconfirmaram o primado ético e médico da dádiva benévola de sangue em confronto com a sua comercialização, sublinhando que os valores éticos devem ser colocados sempre acima dos condicionalismos económicos.
Confrontados com o problema da SIDA, demonstraram que a dádiva benévola e não remunerada não é perigosa para os doentes, lembrando aos dadores de sangue a obrigação moral de se abrirem aos responsáveis da transfusão de sangue de forma a reduzir, ao mínimo, os riscos de transmissão das doenças infecciosas, por via sanguínea.
Foi confirmada a importância da sensibilização nas escolas, onde a educação para a dádiva benévola é uma parte da educação da Saúde.
Foi ainda aprovada a ajuda aos países em vias de desenvolvimento, para começar ou continuar a promoção da dádiva benévola.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É intenção desta intervenção suscitar junto dos cidadãos saudáveis a sua participação na dádiva benévola de sangue numa assumpção plena de deveres de solidariedade, que a todos cabem, numa sociedade presidida por valores humanos fundamentais.
Todavia, importa realçar o facto emblemático de Portugal ter sido escolhido, pela vitalidade demonstrada c activa participação, a nível mundial, da Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de Sangue.
Tal circunstância tem-lhe valido o reconhecimento e o apoio de outras associações congéneres.
Tendo acompanhado, durante vários anos, a luta tenaz, esforçada e, muitas vezes, dramática dos dirigentes da Federação Portuguesa pela promoção e dinamização da dádiva de sangue não remunerada no País, bem como pelo incentivo ao trabalho de criação de novas associações e grupos de dadores, entendo ser um dever, da mais elementar justiça, evocar a figura dedicada e sacrificada do seu presidente, Joaquim Moreira Alves, que tem sido um testemunho vivo do que pode fazer um homem simples de uma aldeia do Norte do País, carpinteiro de profissão, quando se tem a solidariedade e a fraternidade como referências de vida.
Pela acção persistente da Federação foi possível quase erradicar, de facto, a venda de sangue e extirpar dos serviços de sangue elementos nocivos e corruptos que, quais vampiros, iam recebendo benefícios indevidos à custa dos problemas alheios.
Foi também possível sensibilizar vontades adormecidas e mentalidades distorcidas que, relapsas à dádiva, estendem hoje generosamente os seus braços para a manutenção da vida do seu semelhante em dificuldade.
Foi possível ainda sensibilizar esta Assembleia para a feitura de uma lei, aprovada por unanimidade, que regula, de forma correcta e ajustada, tão sensível matéria.
Constituiu uma luta longa e penosa, cheia de batalhas perdidas, que, felizmente, tem obtido no nosso país adesão crescente, invertendo, esperemos que definitivamente, o rumo dos acontecimentos.
Cabe ainda, a bem da verdade e da justiça, lembrar o empenhamento consequente e interveniente da antiga ministra da Saúde, hoje deputada Leonor Beleza, que teve um papel determinante na viragem verificada.
Se nem sempre esteve de acordo noutras circunstâncias, não ficava de bem com a minha consciência se não lembrasse o seu fundamental papel neste processo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Espera-se que o facto emblemático da realização do Congresso Mundial em Portugal constitua a dinâmica necessária à duplicação dos
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dadores benévolos, para que as carências actualmente existentes sejam supridas rapidamente.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esgotámos praticamente os tempos, mas não as inscrições, que passam para amanhã, na medida em que também temos período de antes da ordem do dia, embora sem prolongamento.
A próxima sessão terá lugar amanhã, pelas 15 horas, e consta de PAOD sem prolongamento e período da ordem do dia, em que será discutida a proposta de lei n.° 15 l/V que dá nova redacção à Lei n.° 14/79, de 16 de Maio - Lei Eleitoral para a Assembleia da República.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas.
Entraram durante e sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Jorge Santos Pereira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Mendes Costa.
Henrique Nascimento Rodrigues.
João Costa da Silva.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Oliveira Martins.
José Angelo Ferreira Correia.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Manuel da Costa Andrade.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Manuel Luís.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Castro Dias.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alfredo Brito.
João António Gonçalves do Amaral.
Maria lida Costa Figueiredo.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Isabel Maria Ferreira Espada.
Natália de Oliveira Correia.
Deputado independente:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António José Caciro da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Álvaro Poças Santos.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Manuel da Silva Torres.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas Amaral.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel José Dias Soares Costa.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal
Edite Fátima Matreiros Estrela.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Rui Pedro Machado Ávila.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
Domingos Abrantes Ferreira.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Luísa Amorim.
Octávio Rodrigues Pato.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Deputada independente:
Mana Helena Salema Roseta.
Os REDACTORES: Cacilda Nordeste - Anita Pinto da Cruz - Amélia Martins - José Diogo.
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DIARIO da Assembleia da República
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