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Quarta-feira, 4 de Julho de 1990 I Série - Número 94
DIÁRIO Da Assembleia da República
V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE JULHO DE 1990
Presidente: Exmo. Sr. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Júlio José Antunes
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aliena a sessão as 10 horas e 30 minutos.
Deu-se corna da apresentação da proposta de resolução n.º 33/V e dos projectos de lei n.ºs 563/V (PRD) e 564/V (PS).
Na abertura do debate, solicitado pelo PCP, sobre política geral, centrado no agravamento das desigualdades na sociedade portuguesa e as políticas necessárias para lhe fazer frente (interpelação n.º 14/V), usaram da palavra os Srs. Deputados Jerónimo de Sousa e Apolónia Teixeira (PCP) e os Srs. Ministros do Emprego e da Segurança Social (Silva Peneda) e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Ferreira do Amaral).
Intervieram ainda, a diverso título, além do Sr. Ministro da Saúde (Arlindo de Carvalho) e do Sr. Secretário de Estado da Reforma Administrativa (Pedro d'Orey), os Srs. Deputados Lemos Damião e Joaquim Marques (PSD), Rui Vieira (PS) - que aproveitou a ocasião pura condenar a realização, em Sesimbra, da anunciada reunião de personalidades da extrema-direita europeia, no que foi secundado pelos Srs. Deputados Montalvão Machado (PSD), António Guterres (PS), Luis Geraldes (PSD) e Rui Silva (PRD), que também usaram da palavra no debate da ordem do dia -, Carlos Brito (PCP), Armando Vara (PS), Ilda Figueiredo (PCP), Isabel Espada (PRD), Raúl Rêgo (PS), Sérgio Ribeiro (PCP), Ferraz de Abreu (PS), Luís Roque (PCP), Leonor Coutinho (PS), Manuel Filipe (PCP), Narana Coissoró (CDS), João Camilo (PCP), Pedro Roseta (PSD), Elisa Damião (PS) e António Filipe (PCP).
A encerrar o debate usaram da palavra o Sr. Deputado João Amaral (PCP) e o Sr. Ministro da Educação (Roberto Carneiro).
Entretanto, foram aprovados dois relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, relativos uma substituição de um deputado do PS e outro autorizando uma deputada a depor em tribunal.
A Câmara aprovou ainda os votos n.º 163/V (PRD) - de homenagem a título póstumo ao Dr. Abílio da Silva Tavares - e 164/V (PSD) - de protesto pela realização, em Sesimbra, de um encontro de políticos de extrema-direita de toda a Europa - e o projecto de resolução n.º 59/V (PS, PCP, PRD e CDS) - Salvaguarda de valores democráticos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 20 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António da Silva Bacelar.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Lopes Correia Costa.
Belarmino Henriques Correia.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Francisco João Bernardino da Silva.
Germano Silva Domingos.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Jorge Pauto Seabra Roque da Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
Maria Antónia Pinho e Meto.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria da Graça Santana Ramalho.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Helena de Melo Torres Marques.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Raul d'Assunção Pimenta Rogo.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mola.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Luísa Amorim.
Maria Odete Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Narana Sinai Coissoró.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de resolução n.º 33/V, que aprova o Acordo de Cooperação Técnica no Domínio Militar entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República da Guiné-Bissau; projecto de lei n.º 563/V, apresentado peto PRD, que versa sobre o regime de queixa dos militares e agentes militarizados das Forças Armadas ao Provedor de Justiça, o qual irá baixar à 3.º Comissão; projecto de lei n.º 564/V, da iniciativa do PS, que propõe a elevação de Canecas à categoria de vila e a alteração da competente designação, o qual baixará à 6.º Comissão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia, do qual consta a interpela-
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cão n.º 14/V, do PCP, que promove um debate sobre política geral, centrado no agravamento das desigualdades na sociedade portuguesa e as políticas necessárias para lhe fazer frente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma interpelação centrada nas desigualdades, assim como as políticas para lhes fazer frente, pode parecer que tem a imensidão oceânica dos problemas de um povo e de um país.
Para nós, PCP, a questão poderia ser simplificada se, nestas intervenções iniciais e durante o debate, nos limitássemos a fazer o levantamento e a denúncia das desigualdades hoje existentes na sociedade portuguesa, sustentadas pelo conhecimento da realidade aprofundada pelo trabalho prévio que realizámos na preparação desta interpelação. Bastaria uma mão cheia de exemplos para termos sucesso! Importará, no entanto, curar dos efeitos, mas saber das causas.
Que valores e ideias são hoje promovidos pelo governo PSD e em que quadro económico os desenvolve? Que concepção tem ou que dimensão concreta dá ao valor da solidariedade?
Encontremos pontos de partida!
Estamos em época de crescimento económico. As publicações do Departamento Central de Planeamento sustentam que existiu um aumento de 5,4 % no produto interno bruto e um aumento da produtividade de 3,7%.
No plano dos valores, a ostentação do luxo é promovida a um nível chocante e ampliada nos mass media. Fomenta-se a ideia do youppie, do homem de sucesso, do jovem empresário, da geração do «eu». No entanto, contra a corrente, surgem estudos, estatísticas e declarações de personalidades e de instituições, a demonstrar o surgimento de novas bolsas de pobreza.
O Governo, por opção ideológica e de classe, definiu a sua concepção de Estado mínimo: privatiza as empresas e a terra, serviços de saúde e da segurança social; afirma-se pelo primado absoluto do mercado e da livre concorrência. Desprotege quem devia ser protegido, nomeadamente na segurança social e na estabilidade do emprego, mas assume, como assumiu no pacote laboral, na definição dos serviços mínimos nas greves dos transportes e nos processos de requisição civil, um carácter altamente intervencionista.
Com frequência usa a palavra «solidariedade». E, no entanto, face às sequelas da sua política e às medidas que toma, quase reduz a solidariedade à caridade!
Afinal, menos Estado para quem?! Melhor Estado para quem?!
Na certeza de incomodar algumas consciências sociais-democratas, vale a pena citar Allmann, um conhecido desiludido do neo-liberalismo. Considerava ele que este «limita-se a alimentar uma atmosfera conservadora sem ideias, um crescimento sem objectivos, uma Europa sem alma» e, acrescentava, «visa animar alguma embaraçosa regulamentação social, apoderar-se dos sectores controlados pelo Estado, controlar directamente o Estado, para, por fim, pôr o tesouro público ao serviço das empresas privadas».
Interessante caracterização esta quando transportada para a nossa realidade...
Para este governo gestionário e para os seus tecnocratas, existe eficácia porque são concretos, isentos de preconceitos, de paixões e sonhos; usa com mestria todos os indicadores económicos que evidenciam as evoluções de que dependem a prosperidade da sociedade e o bem-estar dos cidadãos.
Mas não estamos perante um governo neutro.
Hoje, o Primeiro-Ministro já não pode fazer o desafio que fez na campanha eleitoral de 1987, quando desafiava o povo português a adivinhar qual era a sua ideologia. Isto porque fez opções ideológicas na razão directa de opções de classe que se repercutem na sociedade portuguesa.
Voltemos aos pontos de partida. Já referimos o aumento do PIB e da produtividade. Porem, os salários reais ilíquidos, a nível de média nacional, apenas registaram uma melhoria de 1,8% e, em lermos de aumentos reais, os aumentos registados nos salários foram menos de 50% dos aumentos da produtividade e apenas um terço do aumento da produção nacional.
É um facto que a produção nacional aumentou em 1989. Mas a parte de leão desse aumento não foi para os produtores de riqueza, não foi para os trabalhadores, mas sim para os detentores dos meios de produção, os que recebem os lucras!
Esta situação não é, aliás, exclusiva de 1989. Ela é visível na evolução da distribuição do rendimento nacional. A já baixíssima participação dos salários no rendimento em 1983 (44,4%) caiu, ano após ano, até aos 42% em 1988 e registou nova queda em 1989. Contudo, sempre que é confrontado com a verdade dos números, o Governo refugia-se na percentagem de taxa de desemprego, fazendo-o com tanta e com tanta aparente convicção, que chegou a propagandear pleno emprego; tanto e tão alto, que nem deixava ouvir justas reservas sobre a qualidade dos números, sobretudo denúncias sobre a qualidade dos empregos; tanto e com tal força de diversão, que era como se tudo o resto - a inflação, por exemplo - não tivesse importância.
Na verdade, a taxa de desemprego foi decrescendo, trimestre a trimestre, desde o primeiro de 1986 até ao último de 1989, de 11,1 % até 5,8%, com uma excepção e devido ao resultado anómalo do terceiro trimestre de 1988. Ao mesmo tempo, outras séries -a do número e a da percentagem dos trabalhadores por conta de outrem com contrato a prazo- revelavam a crescente instabilidade e precaridade do emprego.
Agora, depois da travagem nos 5,8 % nos dois últimos trimestres de 1989, quase aviso ou prevenção, o primeiro de 1990 vem confirmar a inversão, com a subida da taxa de desemprego para 6,3 %. Mas não só o desemprego estará a voltar, como a precaridade do emprego revela as suas «virtualidades», pois são o número e a percentagem dos trabalhadores por conta de outrem com contrato a prazo que observam uma queda significativa.
Assim se agravam as desigualdades sociais. Porque o emprego se precarizou enormemente neste período, e tanto que facilmente se transforma em desemprego. Porque aos trabalhadores portugueses as perspectivas que se abrem são de desemprego ou de mau emprego.
Em 1985 havia cerca de 360 000 trabalhadores com contratos a prazo. Em 1989 existiam mais de 600 000! Ou seja, cerca de 20% dos trabalhadores tem hoje um vínculo precário. E não está aqui contabilizado o número daqueles que tem trabalho clandestino, das crianças arrancadas das escolas, do trabalho à peça, do recibo verde, do trabalho ao domicílio, etc.
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A precarização, que com um toque de modernidade linguística o Governo adjectivou de «flexibilização», provoca, no plano social, as desigualdades mais gritantes. O Governo desvaloriza o trabalho, dá-lhe a dimensão de mera mercadoria a ser paga pelo que produz e abaixo do valor que produz sem mais qualquer compensação, segurança ou estabilidade.
Para centenas de milhares de portugueses a segurança tem prazos, prazos de seis meses, de um mês, e, por vezes, trata-se do hoje. No frio e implacável carrocei dos interesses do lucro, o precarizado sofre a insegurança e está sempre na primeira linha do desemprego. O medo alia-se à insegurança, o exercício dos direitos individuais ou colectivos é abandonado ou proibido, a solidariedade é substituída pelo salve-se quem puder.
Assim, para onde vamos, Srs. Membros do Governo? Para essas centenas de milhares de jovens, mulheres e homens, para as camadas mais desfavorecidas da população, a vida toma-se tanto mais violenta e frustrante, na medida em que são sistematicamente bombardeados pelos valores da ostentação, pela imagem do sucesso individual.
Num recente debate promovido pela União dos Sindicatos de Lisboa, a Dr.ª Manuela Silva afirmava:
No trabalho precário não é tanto o aspecto material que dá contexto à pobreza, mas 6 a insegurança que representa o trabalho precário, o emprego precário, é a vulnerabilidade a que o trabalhador precário está sujeito, são as condições que muitas vezes tem de suportar relativamente a horários sobrecarregados, fragmentados ou nocturnos, ou seja, esta modernização da nossa economia vem trazer novas formas de empobrecimento. Porque empobrecimento é tudo o que exclui famílias, indivíduos, grupos sociais do progresso de uma sociedade, e nós verificamos que essas exclusões são múltiplas, suo pela via do rendimento, mas também pela via da precaridade, são também pela via do tempo, do tempo para conviver, do tempo para ser e são lambem exclusões daqueles benefícios que o progresso social traz!
Esta tese está muito ligada à vida e teve uma expressão significativa na semana passada, quando cerca de 500 000 trabalhadores aderiram à luta pela redução do horário semanal de trabalho das 40 horas, realizada pela CGTP, luta afinal contra a desigualdade em relação a outros trabalhadores dos países comunitários!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Para justificar o seu voto contra a iniciativa do PCP, que visava a redução do horário semanal das 40 horas, o Governo apresentou uma proposta de redução de 44 horas lá para 1991! Tal proposta ficou a decantar na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, e fala agora na redução do horário mensal... do horário mensal. Mensal para que se trabalhe ao sábado e domingo, para que o trabalhador fique disponível no espaço das 24 horas por dia, mesmo só trabalhando sete? Eis uma boa ocasião para ouvir o Sr. Ministro do Emprego.
Porque estamos a falar de desigualdades, porque nos preocupa o futuro, há que falar obrigatoriamente dos jovens.
Os jovens estão entre os primeiros afectados pelo desemprego. No entanto, não possuem qualquer protecção social, digna desse nome, face ao desemprego. Lembrar que, dos cerca de 50 000 jovens que procuram o primeiro emprego, só cerca de 200 beneficiam do diminuto subsídio de inserção dos jovens na vida activa!
Tem sido a juventude o alvo prioritário da ofensiva contra a estabilidade' do emprego. A maioria dos jovens que nos dias que correm encontram emprego têm de se sujeitar às condições de precaridade que lhes são impostas, ao arbítrio patronal, à impunidade das situações ilegais, à indefinição do horário, à discriminação salarial, à falta de protecção contra o despedimento; à ausência de quaisquer direitos de natureza laboral. E, no entanto, temos uma constituição laboral das mais avançadas...
Tem a maior gravidade social, moral e humana que milhares de crianças sejam obrigadas a trabalhar. Crianças que nunca saberão o que é a escolaridade obrigatória ou o sucesso escolar, que são sobre-exploradas, que não têm direito a uma infância que contribua para o seu normal desenvolvimento. Na nossa memória ficou registada a forma lapidar como o PSD caracterizou esta chaga social: «é uma questão de ganância dos pais e de alguns empresários»- foi o argumento para votar contra o nosso projecto de lei, que propunha medidas de combate à exploração do trabalho infantil.
No campo da educação e do ensino, manifestam-se duramente as desigualdades sociais e desenvolve-se uma política que contribui para a sua acentuação, ao negar o acesso à educação e ao sucesso educativo cada vez mais aos filhos dos trabalhadores e, em geral, aos jovens sem condições económicas para suportar os encargos que são exigidos por uma política privatizante, discriminatória, assente no princípio de que quem quer o ensino paga-o!
A capacidade económica está a ser cada vez mais determinante da possibilidade de acesso aos níveis mais elevados do sistema educativo. A falta de meios económicos conduz ao abandono forcado dos estudos por muitos jovens. O insucesso escolar atinge duramente muitas crianças e jovens, sem medidas administrativas que lhes valham.
É nas zonas afectadas por situações de maior degradação social, e que coincidem com a maior degradação e ruptura dos equipamentos educativos, que se verifica a maior incidência do insucesso escolar. Num país em que cada vez mais o sucesso se paga, são cada vez mais os que sofrem o insucesso. Neste aspecto, a chamada igualdade de oportunidades faz rir amargamente, particularmente quando se vai aos bairros degradados e aos bairros pobres. É que a lei da selva, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vicia sempre as linhas de partida!
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Orador: - A política educativa do governo PSD é um elemento activo ' de acentuação das desigualdades sociais, pois procura um ensino de primeira para uns quantos e condena a um ensino de segunda os filhos dos trabalhadores.
Acentua as desigualdades numa prova geral de acesso arbitrária, desnecessária e assente em padrões culturais e de avaliação que, longe de serem neutros, acentuam clivagens determinadas pelo meio económico e social de origem.
Acentua as desigualdades e a elitização social que se verifica no acesso ao ensino superior e no encarecimento
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dos custos de educação. E não pode passar sem o mais veemente repúdio o corte de verbas que o Governo impôs às escolas, de 20% do orçamento anual, e que vai conduzir a situações de ruptura e de possível encerramento de diversas escolas!
Mas a sociedade injusta que está a ser promovida tem manifestações a outros níveis: na protecção social, na saúde, na habitação, nos transportes, que outros camaradas meus tratarão mais aprofundadamente.
A nível da cultura, num país como o nosso, como pode o Estado declinar as suas responsabilidades e confiar nuns quantos mecenas?
Na saúde, ao contrário das recomendações da Organização Mundial de Saúde, os cuidados de saúde primários são menosprezados, criando a primeira grande barreira no acesso à saúde e constituindo assim a primeira grande desigualdade. Os hospitais já hoje recusam doentes por falta de meios financeiros, e isso constitui uma segunda discriminação. Quando através da nova lei de bases de saúde do Governo se pretende que a rapidez do atendimento dependa da capacidade económica de cada cidadão, comete-se uma outra condenável desigualdade.
Na habitação, particularmente nos grandes centros urbanos, verifica-se o crescimento de barracas e bairros de lata, contentores ou casas provisórias que se tomaram definitivas e fogos sobreocupados. Cumulativamente, o custo das habitações aumentou desmesuradamente, pelo que, juntando ao preço do crédito, a compra se tomou insuportável mesmo para as camadas médias. As zonas suburbanas sofrem um brutal aumento demográfico como resultante de um novo fluxo migratório vindo das zonas do interior, que conhecem um ressurgimento de desertificação por razões de falta de condições e de perspectiva de desenvolvimento económico, aliado ao empurrar das pessoas para fora das grandes cidades!
Vozes do PCP: - Isso mesmo!
O Orador: - Dizer que hoje as pessoas de Lisboa ou do Porto vivem bem, é cada vez mais um mito. Basta andar nos transportes, num qualquer transporte, para se sentir a inconsistência da afirmação.
Há pouco tempo caiu uma catenária ali na Azambuja. Eram seis da tarde em Santa Apolónia, mas podia ter sido na linha de Sintra. Os táxis recusaram meter-se na fila interminável da estrada nacional n.º 10, estrangulada em Sacavém. As mulheres trabalhadoras faziam filas de 100 metros nas cabinas telefónicas por causa do filho na ama ou na creche que fechava as sete. As mesmas mulheres que se levantam às seis da manhã e chegam a casa às dezanove, as mesmas mulheres que, há meses atrás, tomaram a iniciativa de interromper a via do comboio; essas mulheres que comem de pé, dias, meses e anos inteiros, o croissant com fiambre, o salgado e a bica, recebendo os trocos sobrantes do ticket que a empresa dá por ter acabado com o refeitório, conseguindo, com esses trocos, justificar o anúncio de que a mulher portuguesa está mais bonita... Essas mulheres trabalhadoras, dizia eu, ali estavam dispostas a assumir a revolta de uma forma imprevisível!
Aplausos do PCP.
Andamos lá todos os dias e seríamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que os ritmos alucinantes da vida que lhes é imposta, as condições em que as pessoas são transportadas, constituem, por si só, uma severa condenação a este
governo e à sua política. Mas esta revolta, este descontentamento, também os fomos encontrar nas zonas do interior, em Valença, Semade, Amarante, Arazede ou Sines.
As populações protestam porque ramais e estações são encerrados, horários dos comboios suprimidos, deixando-os cada vez mais isolados. E são muitos aqueles que preferem arrostar com a miséria social dos grandes centros, partir outra vez para a Suíça ou para França, do que ficar ali parados no tempo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Alguém afirmou, com ironia amarga, que esta vida moderna tem mais de moderna do que de vida.
Cada vez mais se verifica que este governo, pela sua opção ideológica, pelas suas opções de classe, pela política que segue, não só não tem soluções para a sociedade, como incorre, directa ou indirectamente, na promoção de valores que vão ao arrepio da justiça social, da solidariedade e do desenvolvimento.
Há dias houve greve na CIMPOR. Num centro de produção onde os efeitos da paralização mais se fizeram sentir, o responsável da gestão afirmava, em comunicado, o seu aplauso aos que não resistiram às pressões e à chantagem do conselho de gerência, e lamentava pelos que, fazendo greve por salários mais dignos, segundo ele, se deixavam arrastar pela fantasia da solidariedade - fantasia da solidariedade....
Os filhos dos grevistas, que todos os anos iam para a empresa fazer estágio nas férias escolares, foram este ano excluídos!
Vozes do PCP:- É um escândalo!
O Orador: - É um exemplo apenas. Foi um gestor, que vale o que vale, numa empresa. Havemos de impedir que seja exemplo para a sociedade!
Porque a solidariedade, em ioda a sua dimensão económica, social e cultural, tem de ser, há-de ser, um dos valores mais nobres e significativos da pessoa humana neste terceiro milénio que aí vem.
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Lemos Damião e Joaquim Marques.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.
A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Solidariedade! A solidariedade só atinge uma verdadeira dimensão quando pressupõe a transformação da realidade, porque indissociável do progresso e da justiça social. E hoje, no nosso país, não há uma verdadeira solidariedade face às situações extremas de desigualdade.
Como são tão desiguais no campo e na cidade as oportunidades de acesso ao progresso social! Como são tão diferentes as oportunidades de acesso ao emprego, à saúde, à habitação e ao saber!
Onde está, afinal, a igualdade de oportunidades, quando se é marcado pelo nível do rendimento familiar, o grau de instrução e de saúde, a região onde nasce, o lugar onde
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se mora? Como se poderá ficar indiferente quando, a par das situações de grande opulência, coexistem as de extrema pobreza?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A pobreza, enquanto um dos principais reflexos de desigualdade, não pode ficar alheada deste debate.
Com forte incidência nas zonas urbanas, a pobreza permanente revela-se mais acentuadamente em grandes cidades como Lisboa e Porto. Atinge, por vezes, proporções dramáticas, porque, face às necessidades básicas de sobrevivência, só resta para alguns, como alternativa, a mendicidade ou mesmo a delinquência.
Esta situação, longe de se atenuar, tende a agravar-se, dando lugar a novas formas de empobrecimento.
É o que pode deduzir-se de alguns indicadores relativos ao desemprego, ao trabalho precário, ao nível de remunerações e prestações de segurança social, em contraste com a aquisição de bens sumptuários e certos sinais exteriores de riqueza de que os órgãos de comunicação social fazem eco.
É esta acentuada desigualdade distributiva que o tipo de crescimento económico de Cavaco Silva só reforça e aprofunda!
Segundo estudos de reconhecido mérito, cerca de 20% das famílias mais ricas dispõem de metade do rendimento nacional, enquanto os 20% mais pobres tem apenas cerca de 5 % desse rendimento!
É um escândalo social, Srs. Deputados! As grandes famílias são cada vez maiores e os pobres mais e mais pobres!
A política dos últimos governos, nomeadamente de Cavaco Silva, de reconstituição dos latifúndios e dos grandes grupos económicos, com o cortejo de clientelismo, de compadrio, de corrupção, tem agravado, de uma forma inusitada, as desigualdades. Hoje, no limiar da pobreza, encontram-se as famílias afectadas pelo desemprego, as de baixos rendimentos, designadamente na proximidade do salário mínimo nacional, as famílias monoparentais com apenas um salário ou pensão, os reformados e idosos, na esmagadora maioria dos casos com pensões baixíssimas, particularmente estes vivem as agruras da pauperização. Na realidade, 68% auferem pensões iguais ou inferiores à pensão mínima do regime geral; são cerca de 1496 000 reformados a receberem 17 contos ou menos por mês!
Como se vive com 17 contos, Srs. Deputados?! Já pensaram como é que se pode viver num mês com aquilo que recebe num dia um deputado?!
Neste quadro, a mulher 6 particularmente vulnerável face ao agravamento das desigualdades. No mundo do trabalho 6 a primeira a ser despedida e a última a ser admitida.
Os números do primeiro trimestre deste ano revelam o aumento do desemprego, que atinge sobretudo as mulheres, cuja taxa passa de 8,5% para 92%! Esta situação é ainda mais grave se tivermos em conta que a taxa de actividade feminina decresce de 39,7% para 39,3%.
As condições objectivas de trabalho precário e de carência de infra-estruturas sociais de apoio à família (creches, infantários, centros de apoio para a terceira idade) são igualmente factores de desigualdade acrescida, com fortes repercussões na vida da mulher portuguesa.
Esta realidade, contraditória com o princípio da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, tem a marca de uma política classista e discriminatória que, impondo o retomo à exclusividade da vida doméstica, vê assim diminuídas as estatísticas de desemprego feminino e, por consequência, as do desemprego global.
A desigualdade é ainda notória no que se refere à segurança social.
Do ponto de vista formal, abrange a generalidade do leque das necessidades e exigências da protecção social. No entanto, a realidade é bem diferente quando deixa de fora cidadãos em situação precária ou quando as prestações que assegura são manifestamente insuficientes face às necessidades mínimas de sobrevivência.
Os trabalhadores em regime de precaridade são duplamente penalizados quando, face à instabilidade de emprego e suas inerentes interrupções, não podem cumprir os prazos de garantia mínima para usufruírem o direito às prestações sociais, designadamente à protecção na doença, no desemprego e, mais tarde, no montante das pensões.
Esta situação tem fortes repercussões no sistema da segurança social. Por um lado, crescem as necessidades que a segurança social é chamada a atender, por outro, diminui-se a base de angariação de receitas. O sistema vê-se assim comprimido, pelo lado das receitas, devido ao aumento dos não activos e dos activos não empregados ou em regime precário, agravado pelas reduzidas transferências do Orçamento do Estado para o orçamento da segurança social e expandido pelo lado das despesas.
A política social deste governo, condensada na fórmula «menos Estado, melhor Estado», é a expressão de uma doutrina que, negando a ideologia, procura afinal impor ao povo português uma ideologia retrógrada; uma política de classe incompatível com os princípios constitucionais e projectos do 25 de Abril.
Os trabalhadores são a grande vítima dessa estratégia, mas saberão, como tantas vezes o fizeram, derrotar, pelos caminhos da luta, este governo cruel e fazer prevalecer os seus direitos!
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Cruel?!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP aponta, como políticas necessárias para combater as desigualdades, dez medidas prioritárias: redução para 40 horas do horário semanal de trabalho; aumento intercalar, do salário mínimo nacional; valorização do abono de família; aumento intercalar e actualização das reformas mais degradadas; criação de condições para a estabilidade no emprego; aumento da comparticipação em medicamentos para doenças crónicas; redefinição do sistema de rendas sociais; critérios justos de acesso ao ensino superior, adequação da rede de transportes às necessidades dos utentes; uma Carta Social Europeia com carácter vinculativo.
Esta é a nossa contribuição! Não abordamos apenas as causas, mas procuramos apresentar propostas válidas para que, de facto, este país se construa e seja um país próspero, assente em princípios de igualdade, fraternidade e solidariedade.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.
O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social (Silva Peneda): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer a iniciativa desta interpelação.
É uma oportunidade de, perante esta Câmara, dar conta, através de factos, do que se vem realizando em domínios fundamentais de vincada incidência social.
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Sempre dissemos - e mais uma vez repetimos- que, para nós, o crescimento económico não é um fim em si mesmo. Mas é, sem dúvida, um meio muito poderoso, que possibilita, entre outras coisas, concretizar políticas, que, colocando o homem no centro, permite o combate a situações de injustiça social.
Optámos claramente na nossa acção durante os últimos anos a favor dos grupos sociais mais vulneráveis da nossa sociedade: os desempregados, os reformados, os deficientes e as crianças.
A nossa opção privilegia, claramente, o primado da igualdade de oportunidades, por contraponto a teses carregadas de utopia, que hoje, felizmente, são já comprovadamente irrealistas.
A nossa opção também é claramente de confiança nas iniciativas promovidas e lideradas pela sociedade civil, por contraponto a esquemas assentes em estruturas pesadas e impessoais que fazem dos cidadãos meros agentes passivos da acção dos governos ou dos burocratas.
Convido, assim, os Srs. Deputados a acompanharem-me numa análise de alguns factos, que não podem deixar de ser considerados relevantes no quadro deste debate.
Primeiro, em relação à evolução do emprego nos anos de 1987, 1988 e 1989, criaram-se em Portugal 331800 novos postos de trabalho.
Vozes do PSD:- Muito bem.
O Orador: - A população desempregada, que era em 1986 de 450 000, baixou em finais de 1989 para cerca de 270 000, o que coloca hoje a taxa de desemprego em Portugal como uma das mais baixas da Europa.
Quando se compara o ano de 1989 com o de 1988 verifica-se que o desemprego baixou 13,5%, lendo sido beneficiados o escalão até 24 anos, com uma redução de 16,6%, o escalão dos 25 aos 49 anos, com uma redução de 9,2%, e o escalão de mais de 50 anos, com uma redução de 19%.
De 1986 até, 1989 o volume de jovens à procura do primeiro emprego foi reduzido para metade.
Quanto à contratação a prazo, 6 no ano de 1989 que, pela primeira vez, e de forma nítida, há uma inversão na tendência que se vinha verificando ao longo dos últimos anos.
Em 1989, o número de contratados a prazo apenas cresceu 0,6 %, valor este muito inferior aos verificados em anos transactos. Por exemplo, em 1987 foi de 14,8 % e em 1988 de 10,6%.
É ainda no ano de 1989 que, pela primeira vez, o crescimento de contratos a título permanente cresce a uma taxa nitidamente superior à verificada para a contratação a prazo (5,4% para 0,6%).
Como vai longe o tempo em que nesta mesma Câmara o partido interpelante questionava o Governo sobre as soluções a dar -e passo a citar- «aos cerca de 1 milhão de desempregados e aos mais de 150 000 trabalhadores e 450 empresas com salários em atraso»!
Aplausos do PSD.
Sendo os desempregados os mais pobres dos pobres, não haja dúvidas de que também por aqui se combateu, de forma drástica, o fenómeno da pobreza.
Segundo, em relação aos encargos com as pensões, durante os últimos 15 anos, o número de pensionistas quase triplicou. Eram 860000 em 1975, e hoje são mais de 2 200 000.
Se o número de pensionistas cresceu tão rapidamente, o aumento de despesas totais com as pensões tem sido, nos últimos anos, muito superior.
Só entre 1985 e 1990 esse crescimento é superior a 160%. Há, assim, um claro e justo aumento do poder de compra dos beneficiários.
Mas, se atendermos à evolução da pensão mínima, que abrangeu seguramente os casos dos mais desprotegidos, esse valor, que era de 5500$ em 1985, será de 20000$ no final deste ano. Trata-se de um crescimento de mais de 263%.
Para bem se compreender até que ponto estas actualizações de valores se traduziram num aumento do poder de compra, basta referir que, no mesmo período, os preços subiram cerca de 65 %.
Como vai longe o tempo em que as taxas de inflação eram, muitas vezes, superiores a 30% e não se actualizava sequer, pelo valor da inflação, o aumento das pensões!
Terceiro, quanto à acção social, trata-se de uma modalidade de protecção que se traduz em apoios de tipo personalizado em diversas situações de carência económica e social em que se podem encontrar as pessoas e as famílias.
Foi possível passar o montante de despesas globais da acção social de 14 milhões em 1985 para 45 milhões em 1990.
Em cinco anos, no domínio da segurança social, houve um crescimento de mais de 200%.
Considerando o período de 1985 a 1989, o dinamismo verificado manifesta-se igualmente na evolução quanto ao aumento do número de utentes dos vários equipamentos e serviços.
Assim, no que respeita aos equipamentos para a infância e juventude, deficientes e população idosa, o número de utentes cresceu em quatro anos mais de 80%.
Como vai longe o tempo em que a protecção a estes grupos da nossa sociedade eram apenas assunto de discursos e intervenções palavrosas e nada mais do que isso!
Quarto, nas instituições particulares de solidariedade social, mais de dois terços dos equipamentos em que se concretiza o exercício da acção social são privados e resultam da iniciativa da sociedade civil.
É com estas instituições que o meu ministério efectua acordos mediante os quais lhes assegura apoio técnico e financeiro.
É uma orientação claramente assumida de privilegiar as iniciativas da sociedade civil e dos grupos de voluntários sociais no combate aos problemas da exclusão e marginalização social das pessoas e das famílias.
Esses acordos tem desempenhado um papel fundamental para a expansão qualitativa e quantitativa da acção social.
Estes instrumentos de cooperação têm representado igualmente um factor de grande dinamismo na constituição de instituições ou no alargamento das suas valências, contribuindo, assim, para a melhor cobertura das necessidades sociais em todo o território.
Só entre 1985 e 1989 o número de estabelecimentos de instituições particulares de solidariedade social com acordos de cooperação cresceu mais de 82%.
Permitam-me que sublinhe nesta ocasião o êxito da contratualização, que neste domínio vem sendo praticada.
Os Portugueses já deram mostras que não gostam de estruturas pesadas e impessoais, que demonstraram não serem propiciadoras da afirmação individual.
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É por essa razão que vimos apoiando, de forma crescente, as mais de 2000 instituições particulares de solidariedade social implantadas por todo o País.
Elas são, por um lado, uma manifestação positiva da pujança da sociedade civil e, pelo seu papel no terreno, são vitais para uma abordagem mais próxima dos problemas dos utentes, e são por isso paradigma do modelo de desenvolvimento que perfilhamos: mais ao alcance do homem comum, mais perto dos seus anseios e aspirações e, por isso, mais humanizante.
Como vai longe o tempo em que forcas políticas tentaram, por diversas formas, aniquilar o esforço destas instituições, nomeadamente das misericórdias, nalguns casos esbugalhando-as do seu próprio património!
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - Quinto, em relação à formação profissional, e pela primeira vez, o País dispõe de uma política de formação profissional com objectivos bem identificados, com instrumentos e meios e que se concretizará num horizonte temporal de quatro anos.
Trata-se de um esforço sem precedentes, que se irá repercutir, seguramente, no aumento da produtividade do nosso tecido produtivo.
Mas nesta área há também uma componente social indiscutível: a formação profissional é uma janela aberta à dignificação social do homem. Um bom profissional será sempre preciso, será sempre querido e, mais do que tudo, será sempre menos dependente de relações tutelares de qualquer espécie.
Vão ser investidos na área da formação profissional nos próximos quatro anos cerca de 400 milhões de contos, através de 14 programas operacionais já em curso.
Também aqui acreditamos nas virtualidades da sociedade civil. Tive o gosto de verificar que iodos os parceiros sociais, sem excepção, corroboraram as orientações traçadas para esta área, que considero estratégica em lermos de desenvolvimento do nosso país.
Como vai longe o tempo em que a formação profissional se limitava a umas quantas acções desgarradas e sem lógica entre si, assente quase exclusivamente no Estado e sem qualquer possibilidade de concretizar o primado de igualdade de oportunidades!
Sexto, em toda a nossa acção temos privilegiado o diálogo e a concertação. Sabemos muito bem que é um exercício muito difícil. Mas lambem sabemos que qualquer iniciativa isolada pode ser redutora de um esforço e de uma caminhada que queremos que seja de iodos.
Também aqui pode dizer-se: como vai longe o tempo em que algumas organizações sindicais nem sequer eram recebidas pelo Governo!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a noção de tempo é relativa. Quando nos seis pontos que aflorei me refiro a «como vai longe o tempo» passaram apenas cinco anos.
Mas não foram, como em outras épocas da nossa história, cinco anos de inércia, de abulia ou de adiamento das decisões, por mais difíceis que fossem.
Foram apenas cinco anos que demonstram, com esta evolução, a profunda e grande transformação, para melhor, da sociedade portuguesa.
Não se entenda que tudo está feito ou sequer resolvido.
Há uma grande tarefa ainda à nossa frente, há ainda injustiça social para corrigir, há carências sociais incómodas para todos nós na nossa sociedade, mas também há, particularmente no domínio do social, cinco anos de trabalho que permitem consolidar a esperança.
Estou a falar de cinco anos de factos concretos e não de palavras ou intenções.
Estou a falar de resultados concretos de uma política.
Foram alguns desses factos, e tão-só, que tive o gosto de vir apresentar a VV. Ex.ªs
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social os Srs. Deputados Jerónimo de Sousa e Rui Vieira.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Ferreira do Amaral): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confesso que vim para esta interpelação, da iniciativa do PCP, com a convicção de que tinha de preparar uma resposta comprida, longa e fundamentada em relação aos temas que dela fizessem parte. Verifico agora que não é necessário, e peço desculpa à Câmara se, em nome da economia de meios, que todos devemos usar, vier a ser excessivamente breve.
Em meu entender, Srs. Deputados, a interpelação é, à partida e nos lermos em que foi feita, uma interpelação vazia. E creio que é uma interpelação vazia porque o próprio lema que está aqui em análise -desigualdade social- não é o verdadeiro assunto que o partido interpelante pretende ver aqui debatido. A desigualdade social nem é a mesma coisa nem é um conceito que se confunda com injustiça social. A interpretaçâo que o Governo faz de desigualdade social é a de injustiça social. Essa é a grande preocupação do Governo, porque combater e ter como objectivo a desigualdade social, isto é, provocar a igualdade social «a martelo», significa, no fim de contas - e mostra-o o raciocínio abstracto, a experiência em outros países-, criar injustiça social e passar de uma sociedade de igualdade de oportunidades para uma sociedade sem quaisquer oportunidades.
Julgo que a interpelação é vazia porque, na minha opinião, cia não tem conteúdo. Perante uma mesma situação concreta, Srs. Deputados, é sempre possível dizer que se poderia estar melhor ou que se poderia estar pior. Se os Srs. Deputados estivessem na Baviera teriam também a oportunidade de, da mesma forma, dizer que se poderia viver melhor. Se eu estivesse no Azerbaijão teria lambem oportunidade de dizer que se poderia estar pior.
O que interessa, Srs. Deputados, é procurar comparar o que fez este governo com aquilo que fizeram os governos anteriores. Se a interpelação for feita nesses termos e se perguntarem ao Governo se fez melhor ou se fez pior, isto é, se fez um bom trabalho na relatividade da comparação, estarei preparado para aqui dar as respostas que queiram. Porque, Srs. Deputados, a injustiça social advém de muitos factores, um deles, certamente, a igualdade de oportunidades, onde entram, por sua vez, numerosas outras causas. Não é possível, por exemplo, procurar uma sociedade justa sem que existam meios de transporte ao alcance de todos, de forma a reduzir desequilíbrios. Srs. Deputados, faço-lhes esta pergunta: qual o governo que, desde sempre, mais investiu em transportes em Portugal?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - As obras públicas, que representam infra-estruturas necessárias para o País e cuja existência
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é essencial para reduzir injustiças sociais, são também um factor importante neste debate. Srs. Deputados, faço-lhes esta pergunta: qual o governo que, desde sempre, na nossa história, mais investiu em obras públicas em Portugal?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Isso da história é complicado! Oitocentos anos 6 muito!
O Orador: - Um outro factor importante da injustiça social é o da habitação, que, aliás, até está consagrado na nossa Constituição. Srs. Deputados, pergunto-lhes: em que governo é que, desde sempre, se construíram mais fogos em Portugal? Digo fogos construídos, não falados ou apresentados no papel nesta Câmara. Digo construídos e habitáveis. Qual o governo que construiu mais?
Aplausos do PSD.
Srs. Deputados, se responderem, com seriedade, a estas perguntas julgo que o debate terá significado. Caso contrário, ele será um debate vazio.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para concluir, gostaria ainda de referir o seguinte: pela primeira vez -e julgo que não assisti ainda a nada de semelhante nesta Câmara- vejo o partido interpelante, o Partido Comunista Português, a atacar, exclusivamente, as empresas públicas.
Aplausos do PSD.
Vozes do PCP: - O Sr. Ministro deve ter estado distraído!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, feitas as intervenções de abertura, gostaria de enunciar e repetir os nomes dos Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos às várias intervenções que aqui foram produzidas.
Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa inscreveram-se os Srs. Deputados Lemos Damião e Joaquim Marques.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social inscreveram-se os Srs. Deputados Jerónimo de Sousa, Rui Vieira, Apolónia Teixeira e Carlos Brito.
Finalmente, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro dos Transportes, Obras Públicas e Comunicações inscreveram-se os Srs. Deputados Armando Vara, Ilda Figueiredo, Isabel Espada e Raúl Rego.
O Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para dizer, Sr. Presidente, que também me inscrevi para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro dos Transportes, Obras Públicas e Comunicações.
O Sr. Presidente:- Fica inscrito, Sr. Deputado. Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, creio que estamos perante uma situação anacrónica Eu, particularmente, estou atónito!!! Quem já tem alguns anos nesta Casa conclui, facilmente, que, de facto, não se trata de uma interpelação do PCP, principalmente daquelas a que nos habituou. Parece-nos mais um velório do que uma interpelação.
Risos do PSD.
Não há dúvida nenhuma de que estávamos habituados a ver as galerias completamento cheias e que agora estão vazias. Se, de facto, nós substituímos as estradas pelas auto-estradas, perguntamos como é que justificam esta ausência aqui nas galerias. Há melhores estradas e melhores transportes, mas as pessoas não vêm. Das duas uma: ou, de facto, falta dinheiro ou faltam militantes ao Partido Comunista Português.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Ou falta-lhe a si senso comum!
O Orador: - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, V. Ex.ª fez um discurso que não se dirigiu propriamente a esta Câmara. Ficava bem em outra sede. Talvez ele se dirigisse melhor para dentro do Partido Comunista.
VV. Ex.ªs, antigamente, tinham o condão de possuir meios de comunicação social que davam eco aos vossos brados, mas agora que vos falta tudo isso não sei se eles chegam a algum lado. Estou convencido que não.
O Sr. Deputado centrou a sua intervenção em dois vectores fundamentais, ou seja, nas injustiças sociais e no insucesso escolar. No entanto, há outros valores que nós defendemos e que os senhores ignoram.
As injustiças sociais e o insucesso escolar de que falou não se combatem com palavras, e o Sr. Deputado deu-nos palavras e lançou poeira, não para os nossos olhos mas sim para os olhos dos militantes do PCP.
Que moral tem V. Ex.ª e o seu partido para falarem em injustiça social, quando têm práticas como as que tiveram, recentemente, para com os trabalhadores do jornal O Diário?
Falou-nos também em justiça social. Mas que justiça social podem ter VV. Ex.ªs quando ignoram o que está a passar-se nos países de Leste, quando avalizam, com o vosso silencio, as mortes na Roménia?
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Cassette n.º 3!
O Orador: - V. Ex.ª falou também na política educativa Como sabe, a política educativa deste governo e deste ministro da Educação é uma política de sucesso, pois o nosso objectivo é, de facto, combater o insucesso escolar. Sc o PCP acha que assim não é, desafiamo-lo a apresentar propostas alternativas, muito objectivas, pois estamos aqui para melhorar. O que nós queremos é servir o País!
No entanto, para nós, as desigualdades só se atacam, Sr. Deputado, com soluções. Por isso combatemos o desemprego a que o PCP deu lugar, em 1984 e em 1985, com a criação de novos postos de trabalho, até ao ponto, como disse o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, de termos hoje uma das taxas de desemprego mais baixas da Europa.
V. Ex.ª considera insucesso escolar a existência de menos absentismo nas escolas, de menos reprovações, de mais vagas para entrada nas universidades, de um aumento do índice ponderai das crianças e dos jovens, de mais formação profissional, etc.?
O Sr. Lino de Carvalho (PCP):- É o paraíso!
O Orador:- Concluindo, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, o PCP errou, no tempo e no modo, ao apresentar esta interpelação. O PCP estrebucha, estrebucha.
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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Quem estrebucha é o senhor!
O Orador: -..., mas demonstra que a agonia vai seguir-se, de certo, à asfixia.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já subiu dois pontos na consideraçâo do chefe!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, havendo mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP):- Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.
O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, meu caro Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, em primeiro lugar, em nome da minha bancada, agradeço ao Partido Comunista Português a iniciativa deste debate sobre política geral, centrado no agravamento das desigualdades na sociedade portuguesa e as políticas necessárias para lhe fazer frente. Este e, de facto, um tema importante e uma matéria para a qual temos de, diariamente, encontrar soluções que permitam fazer face às dificuldades que existem, que existiram e que continuarão a existir, pois não será somente com a política dos governos, sejam eles quais forem, que resolveremos carências de pessoas, individualmente consideradas. Numa intervenção que farei, no decorrer do debate, referir-me-ei a diversos aspectos desta matéria.
No entanto, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa referiu-se, com bastante ênfase - e creio que essa é uma preocupação legítima, que é nossa também- à situação da precariedade do emprego.
Está demonstrado que, a partir de 1989, depois da entrada em vigor da legislação que regulamenta esta matéria, a criação de empregos tem sido efectiva e que tem aumentado a qualidade dos contratos de trabalho. Efectivamente, a maior parte dos postos de trabalho criados foram preenchidos, a partir de então, mediante celebração de contratos de trabalho a prazo. Tem vindo a diminuir, por outro lado, a percentagem de contratos de trabalho a termo certo. Isto significa, portanto, que a legislação de 1989, promovida pelo PSD e aprovada pelo governo do PSD, e, naturalmente, de melhor qualidade que a anteriormente em vigor.
Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, pensa que seria preferível continuarmos a utilizar a legislação de 1976, da autoria de um governo socialista, que regulamentava os contratos de trabalho a prazo e cuja utilização prática, como verificámos, contribuiu para que se estabelecesse, de certa forma, uma espécie de «lei da selva» na celebração desses contratos a prazo? Ou pensa antes que a legislação aprovada pelo PSD, em 1989, é mais justa, criadora de mais garantias e de mais direitos para os trabalhadores contratados a prazo, o que já começa a manifestar-se, nomeadamente na qualidade dos contratos de trabalho que tem sido celebrados?
Por outro lado, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa falou também -e muitas vezes se fala- na precariedade do emprego. Sr. Deputado, com toda a franqueza, como
é que V. Ex.ª e o PCP, se pudessem legislar, resolveriam o problema dos contratos a prazo nas actividades sazonais?
Como o Sr. Deputado sabe, há actividades económicas, tanto em Portugal como em qualquer outro país, que, pela sua própria natureza e até mesmo pela sua localização, não podem criar postos de trabalho permanentes, pois tem um carácter sazonal. Como é que o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa procuraria resolver esta questão da precaridade de empregos resultante da natureza sazonal das actividades?
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): -Sr. Presidente, Sr. Deputado Lemos Damião, vou deixar passar o tom com que me respondeu e algumas afirmações que fez, por razões a que poderei chamar de simpatia pessoal.
Quando pensei que, com a minha intervenção, iria incomodar alguns sociais-democratas, possivelmente estava a incluí-lo na lista. Verifiquei agora, pela sua pergunta (que me pareceu ter um ângulo que diria provocatório), que me enganei.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É um neoliberal minhoto!
O Orador: - Falou em galerias vazias, numa interpelação feita às 10 horas da manhã. O Sr. Deputado queria que as galerias, a esta hora, estivessem cheias de operários, de trabalhadores?
No entanto, deixou-nos uma expressão que vale pela sua intervenção, a de que «antigamente estavam». O Sr. Deputado revelou que está parado no tempo.
Repare que, tanto eu como a minha camarada Apolónia Teixeira - e isso acontecerá também noutras intervenções que vão seguir-se -, não reclamámos o céu nas nossas intervenções, nem procurámos dizer que este governo fez tudo mal feito.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A posição que aqui assumimos foi de crítica profunda, portanto, à concepção neoliberal deste governo, assinalando as desigualdades que está a criar na sociedade. Mas, de facto - e isto para responder, de certa forma, a uma afirmação de um novo teórico que apareceu ali naquela tribuna-, o que, neste momento, se impõe é a correcção das desigualdades que existem na sociedade portuguesa, e a pergunta que fazemos é se as pessoas vivem melhor. É fácil esvaziar uma intervenção não respondendo!
O Sr. Deputado Lemos Damião, que é um especialista na matéria, quando disse aqui que o PCP não tinha alternativa, esqueceu-se que foi esta bancada que apresentou um projecto de lei de acesso ao ensino superior, que os senhores rejeitaram, e um outro sobre a acção social, que os senhores lambem rejeitaram?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esqueceu-se também que tomámos outras iniciativas legislativas, na área da educação, que o PSD, pela força bruta do voto, tem rejeitado sistematicamente? É evidente que assim não podemos ter alternativas!
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Pensamos, Sr. Deputado Lemos Damião, que não é com esse nível de discurso que conseguiremos os consensos necessários à sociedade portuguesa para a resolução dos problemas das injustiças, das desigualdades que hoje existem no nosso país. Não é com discursos desses, passadista -quando ouvimos, aliás, o próprio Ministro do Emprego e da Segurança Social procurar consensos com a sua intervenção-, que conseguimos resolver os problemas.
O Sr. Deputado Lemos Damião teve uma omissão relativamente à questão de O Diário. É evidente que a empresa Editorial Caminho tem hoje uma situação que pode levar a um despedimento colectivo.
O Sr. Deputado não é um especialista na matéria, mas os seus colegas de bancada conhecem as nossas propostas em relação a despedimentos colectivos. No entanto, mostra-se preocupado com os trabalhadores de O Diário, o que, em minha opinião, é uma posição em que há muita hipocrisia, pois muitos foram os jornais fechados, muitos foram os jornalistas despedidos sem receberem qualquer indemnização, e eu nunca ouvi o Sr. Deputado Lemos Damião levantar aqui a voz, uma vez que fosse, para defender esses trabalhadores.
Em relação aos trabalhadores de O Diário, Sr. Deputado Lemos Damião, faço-lhe um desafio: aceite as propostas de alteração à Lei dos Despedimentos apresentada pela sua bancada. Verificará que, se há hipocrisia, essa hipocrisia é da sua parte e da parte da sua bancada.
Sr. Deputado Joaquim Marques, a precaridade do emprego, de que aqui falou, é uma questão de fundo para a sociedade portuguesa. Um trabalhador com vínculo precário é um trabalhador que está sujeito à insegurança e ao medo do amanhã.
O Sr. Deputado sabe, pelas responsabilidades governamentais que desempenhou - e até por ser presidente da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Parodia, onde chegam exemplos concretos-, que são aos milhares os portugueses e portuguesas que tem um futuro condicionado, um futuro a prazo.
Pensamos que uma sociedade mais justa e solidária não pode criar centenas de milhares de excluídos dessa mesma sociedade, homens e mulheres sem futuro, sujeitos a serem uma espécie -permita-me a imagem, Sr. Deputado - de peças de um jogo de bowling, em que nunca se sabe se a bola acena ou não, que ora caem ora se levantam, dependendo dos interesses do lucro, dependendo dos interesses do patronato em muitas empresas.
Estamos a discutir uma questão de fundo para a sociedade portuguesa, que não devemos precarizar. E não falamos apenas de contratos a prazo, Sr. Deputado, pois o senhor sabe que, ainda hoje, existe o trabalho à peça, à hora, o chamado trabalho clandestino, que já nem sequer é um contrato a prazo. Essas situações têm de ser resolvidas com uma visão de consenso nacional, se queremos, de facto, ter uma sociedade mais justa.
Em relação aos contratos a prazo, eles são, de facto, de autoria do Partido Socialista. Lembro-lhe porém, Sr. Deputado, que o PSD subscreveu e apoiou essa iniciativa do Partido Socialista! Fê-lo mesmo a nível da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, embora criticando-a.
Mas, já agora, digo-lhe também (eu não estava cá nessa altura) que o PCP apresentou, então, um projecto de lei sobre contratos a prazo...
O Sr. Joaquim Marques (PSD): -Qual lei? A de 1976 ou a de 1979?
O Orador: - Estou a falar da lei da iniciativa do Partido Socialista, que, quando foi votada na Assembleia da República, teve, para além das críticas, o apoio do PSD, a nível da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família. Foi nessa altura que o Partido Comunista Português apresentou um projecto de lei, que os senhores derrotaram conjuntamente com o Partido Socialista. Posso, se quiser, mostrar-lhe um exemplar dessa altura.
O Sr. Joaquim Marques (PSD): - E as actividades sazonais?
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, lembro-lhe o que sempre tenho dito a este respeito e que não vou repetir. Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, agradeço a simpatia que manifestou e com a mesma simpatia lhe retribuo.
Sabe V. Ex.ª que procuro ser o mais correcto possível, mas permita-se que, politicamente, tire as minhas ilações, e V. Ex.ª vai reconhecer que eu poderei concluir que foram positivas as perguntas que lhe coloquei, pois deram a oportunidade, tanto ao Sr. Deputado como ao Partido Comunista, de mudar substancialmente o discurso.
Mudou-o e eu fiquei muito satisfeito! E a minha bancada também! Só que ainda é pouco! Por isso queria pedir-lhe, agora que estão a mudar de discurso nas palavras, que essa mudança não se esgotasse nas palavras e passassem das palavras aos actos.
Confessei-lhe, Sr. Deputado, que considero esta atitude positiva Por isso gostava de ouvir da sua boca se, a partir deste momento, poderemos contar com o PCP para, também nas empresas, chegarmos aos consensos de que aqui nos falou, e acabarmos, assim, com as muitas convulsões aí existentes, a fim de termos uma sociedade mais fraterna, mais justa, mesmo no mundo laboral.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - A sua fraternidade representa os trabalhadores aceitarem aquilo que os senhores quiserem?
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado Lemos Damião, eu não disse que as suas perguntas não eram positivas, apenas disse que eram negativas as afirmações que fez antes de colocá-las.
Quanto à questão de o PCP juntar as palavras aos actos, posso dizer-lhe, Sr. Deputado Lemos Damião, que espere de nós propostas positivas para combater as desigualdades existentes na sociedade portuguesa, isto é, iniciativas legislativas, que apresentámos e apresentaremos, e não espere do PCP que, em nome de um falso consenso, se liquidem direitos dos trabalhadores, direitos para lutarem por melhores condições de vida e de trabalho.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
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O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Ministro Silva Peneda, por vezes é difícil dialogar com este governo, porque se coloca numa posição quase que endeusada, de que está a fazer tudo bem feito, e que nós, oposição, não temos alternativas e quase não temos questões a colocar porque o Governo está no bom caminho.
Ora, penso que a pior forma de esvaziar uma interpelação é omitir ou não responder a questões concretas que foram colocadas, e eu, na minha intervenção, procurei colocar algumas que, neste lugar privilegiado, deveriam merecer resposta
No nosso entender, o Sr. Ministro Silva Peneda omitiu duas questões principais. Em primeiro lugar, pergunto-lhe: se existiu crescimento económico, para quem é que foi esse crescimento económico resultante do aumento do PIB e da produtividade? Em termos de rendimentos e preços, como é que os rendimentos do trabalho beneficiaram dessa riqueza produzida? O Sr. Ministro silenciou esta questão.
Mas, talvez para o ajudar, e recuando ligeiramente no tempo, lembro-lhe que o Sr. Primeiro-Ministro, de forma lapidar, fazendo a síntese das sínteses, respondendo a uma pergunta que lhe foi feita numa reunião com empresários, disse que nunca os empresários tiveram tantos lucros. Ora bem, esta afirmação tem um conteúdo concreto, mas, na verdade, houve uma parte que foi prejudicada, e essa foi a dos trabalhadores. Gostaria, pois, de ouvir o Sr. Ministro falar sobre a questão da política de rendimentos deste governo e de saber quais os benefícios que os trabalhadores tiveram na riqueza produzida.
A segunda questão é a seguinte: o Governo e a sua maioria rejeitaram o nosso projecto de lei sobre a redução do horário semanal de trabalho pára 40 horas. Porém, o governo, um pouco para se justificar, e à pressa, apresentou uma proposta de lei de redução do horário de trabalho para 44 horas semanais, a ser aplicado em 1991. Posteriormente, ouvi o Sr. Primeiro-Ministro anunciar que vai reduzir o horário mensal de trabalho.
Será que o Sr. Ministro nos poderia explicar quais são as intenções do Governo? Há um projecto de lei na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família que aponta para a redução do horário semanal de trabalho para as 40 horas; há o anúncio feito pelo Sr. Primeiro-Ministro no sentido da redução do horário mensal de trabalho. Então que é que se pretende? A chamada mobilidade? Isto ó, que o trabalhador trabalhe ao sábado e ao domingo? Que o trabalhador esteja disponível 24 horas por dia, mesmo que só trabalhe seis ou sete horas por dia? É essa a concepção de justiça social de combate às desigualdades defendida por este governo?
Estas são, pois, as questões concretas às quais gostaria que o Sr. Ministro me respondesse.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social:- No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:- Então, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira.
O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social, V. Ex.ª usou o mote «como vai longe o tempo»; como vai longe o tempo da injustiça social; como vai longe o tempo da falta de diálogo com os parceiros sociais, etc.
Na verdade, não sei a que tempo é que o Sr. Ministro se referia. Ao tempo do governo da AD, em que o PSD malbaratou recursos durante quatro anos e conduziu o País à situação que todos conhecem, com a ajuda, aliás, do Sr. Primeiro-Ministro? Ao tempo do governo do bloco central, em que o Ministro do Trabalho era o social-democrata Amândio de Azevedo e a Secretária de Estado da Segurança Social era a social-democrata Leonor Beleza?
Bom, seja qual for o tempo a que o Sr. Ministro se referiu, a adopção deste tipo de discurso comporta sempre alguns riscos. Em 30 de Junho de 1988, a propósito de um debate que aqui teve lugar sobre a pobreza, dizia V. Ex.ª neste Plenário que, «se combater a pobreza é também dar luta sem tréguas ao flagelo da inflação justo é realçar que nos últimos governos a inflação, em Portugal, caiu para níveis impensáveis há apenas três anos». Cá está sempre a questão do tempo, só que por vezes a realidade vem desmontar este tipo de construção de discurso, que, como disse há pouco, comporta sempre alguns riscos, nomeadamente quando V. Ex.ª reivindica para si e para o seu governo todos os méritos e iodo o demérito para os anteriores governos, mesmo quando VV. Ex.ªs tinham a responsabilidade da tutela destas áreas.
Bem, usando o mote de V. Ex.ª, mas introduzindo-lhe uma ligeira alteração, quero perguntar-lhe, Sr. Ministro, para quando o tempo da revisão do método do cálculo das pensões,' nos termos do projecto de lei já apresentado pelo PS, para que os efeitos nefastos da inflação sejam neutralizados, pois, como V. Ex.ª sabe, hoje o reformado recebe uma reforma que, praticamente, é «comida» em boa parte pelo efeito nefasto da inflação.
O Sr. Alberto Martins (PS): -Muito bem!
O Orador: - Para quando o tempo, Sr. Ministro, da garantia da indexação das pensões mínimas ao salário mínimo nacional, para acabar com a vergonha de utilizar sistematicamente este argumento para fins eleitoralistas?
O Sr. Alberto Martins (PS):- Muito bem!
O Orador:-Para quando o tempo do acesso gratuito a medicamentos para idosos em situação económica particularmente difícil?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Para quando o tempo do levantamento das restrições à utilização do passe social para idosos nos transportes públicos?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente:- Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Silva Peneda, apesar do ar de ideólogo desinibido que o Sr. Ministro Ferreira do Amaral arvorou da tribuna, suponho que é o Sr. Ministro quem está a liderar a bancada do Governo neste debate, e, por isso, chamo-lhe
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a atenção para um conjunto de questões muito concretas, embora depois também faça uma pergunta ao Sr. Ministro Ferreira do Amaral, dando-lhe assim oportunidade de responder a esta pequena insinuação que fiz.
Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social, colocámos uma série de questões muito concretas, que são o cerne desta interpelação. Estamos aqui para alertar para uma situação preocupante, chocante, que é a de observarmos -como, aliás, muitos observadores imparciais - que as desigualdades se aprofundam e se tomam particularmente chocantes, estamos aqui para reclamar medidas, para reclamar da parte do Governo uma intervenção que atenue esta situação, e também para fazer as nossas sugestões. Portanto, ao longo das intervenções dos meus camaradas que intervieram na abertura do debate, colocámos várias dessas questões, pelo que gostaríamos de conhecer qual o pensamento do Governo.
Em relação à redução do horário de trabalho semanal para 40 horas, que é que o Governo pensa? É ou não possível? Quais são as dificuldades e os obstáculos que se apresentam?
Em relação ao aumento intercalar do salário mínimo nacional, qual é a filosofia do Governo? Não o aumenta por que razão? Ou será que vai aumentá-lo? Mas quando?
Em relação à valorização do abono de família, já fizémos uma proposta concreta no sentido de a base deste abono passar para 2500$. Que é que o Governo pensa disto? Será que é uma proposta realizável? Ou não? Por que razão é que não é realizável? Se o for, para quando se prevê a sua realização? Estas são, pois, questões concretas.
Em relação ao aumento intercalar e à actualização das reformas mais degradadas, também não sabemos o que é que o Governo pensa. Bom, o Sr. Primeiro-Ministro, quando anunciou o 14.º mês para os pensionistas e reformados, aludiu a esta questão, pelo que se trata de um grande problema nacional que aqui trazemos. Que é que o Governo pensa disso? Vai ou não tomar medidas? Quando? Como? Que medidas? É isso que importa aqui discutir.
Estamos aqui como representantes de uma parte do povo português, que nos elegeu, dando voz às suas aspirações e preocupações do povo português nesta matéria. Aliás, é este o papel da Assembleia da República, ou seja, o de discutir com o Governo e de lembrar-lhe que faça aquilo que ale agora não tem feito.
Há ainda outras questões que colocámos nas nossas intervenções, embora por agora não alongue mais este pedido de esclarecimento.
Gostaria, pois, de chamar a atenção do Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social para estas questões concretas, deixando as questões ideológicas para a pergunta que formularei ao Sr. Ministro Ferreira do Amaral.
Vozes do PCP:- Muito bem!
O Sr. Presidente:- Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.
A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, mais uma vez, a intervenção que proferiu é a imagem clara de uma atitude de cegueira, de surdez, enfim, de imobilismo, face às realidades. Na verdade, o Governo manifestou nesta intervenção uma atitude cega face às realidades portuguesas, em que os reformados, os pensionistas e os idosos são um terço da população activa.
Ora, se um terço da população activa, como todos reconhecemos, vive na sua grande maioria abaixo dos parâmetros internacionais do limiar de pobreza, então pergunto ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social quais vão ser as medidas deste governo no sentido da actualização efectiva das reformas, da valorização da reforma mínima e também das reformas acima da mínima.
É sabido que há uma degradação acentuada das reformas do regime geral, que se situam acima dos 17 000$, e que, nos últimos anos, se tem verificado uma acentuada degradação dos valores das reformas e pensões acima da mínima, fazendo cair, mais e mais, as pensões, pois cada vez é maior o número de beneficiários a usufruírem do mínimo de pensão do regime geral.
Ora, uma das principais causas desta situação é a existência de uma injusta forma de cálculo, que faz com que as pensões se encontrem cada vez mais degradadas, o que obriga os trabalhadores, quando passam do activo para o passivo, a terem de procurar trabalho, que normalmente é clandestino, precário, para conseguirem completar a remuneração a que estavam habituados, porque a sua reforma não chega. É, pois, inadmissível que esta situação se verifique.
Em relação às prestações complementares de apoio à família e à infância, o meu camarada Carlos Brito já aqui focou a questão do abono de família. É ou não verdade que o abono de família está altamente degradado? É ou não verdade que o abono de família representa hoje uma insignificância no apoio à criança? É ou não verdade que mal dá para comprar meio litro de leite? Srs. Deputados, 1550$ por mês!... Isto é uma ridicularia! Pergunto, pois, que medidas prevê o Governo adoptar para conseguir garantir às crianças um mínimo de equilíbrio e de apoio, valorizando o abono de família.
Apresentámos um projecto de lei de alteração da atribuição do abono de família, que permite beneficiar as famílias mais carenciadas. Não ficámos pelo abono fixo, mas sim por um abono base, privilegiando as famílias de rendimentos mais baixos, com uma atribuição escalonada e faseada, em que daremos 4000$, 3500$ e 3000$, de acordo com o rendimento do agregado familiar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.
O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa disse que o Governo estava a fazer tudo bem feito. Ora, eu quero mostrar, com factos concretos, qual a evolução da execução da política do Governo no domínio da componente social, embora eu seja o primeiro a reconhecer que temos uma caminhada muito grande à nossa frente no sentido de resolvermos ainda muitas questões nesse domínio.
Falou na questão da distribuição do rendimento. Sr. Deputado, há duas formas tradicionais de analisar a questão: uma tem a ver com a chamada repartição funcional do rendimento, que é uma tese muito mais privilegiada pela escola marxista, e outra, muito mais correcta, tem a ver com a distribuição pessoal do rendimento.
Fazendo o cálculo pelas duas formas, o Sr. Deputado poderá verificar que qualquer uma delas mostra, inequi-
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vocamente, que a distribuição do rendimento tem sido, durante os últimos anos, muito mais favorável ao factor trabalho.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- O quê? Diz isso sem se rir?!...
O Orador: - Demonstro-lhe isso muito facilmente!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso é totalmente falso!
O Orador: - Se o senhor considerar o aumento do consumo, que é a fornia conecta de calcular essa matéria, se considerar as prestações sociais na distribuição pessoal do rendimento, se fizer uma análise através do indicador, que é o correcto, peso dos salários/prestações sociais no rendimento disponível das famílias, facilmente concluirá que a minha afirmação está conecta.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - A sua afirmação não tem nada a ver com a realidade que está em causa!
O Orador: - O senhor é economista e sabe que eu estou a falar verdade!
É nítido o aumento do consumo na economia portuguesa: o aumento das poupanças das famílias tem crescido, o aumento do emprego está comprovado, o aumento real das prestações sociais é claro.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP):-E a massa salarial desce!
O Orador: - São factores indiscutíveis que mostram que a repartição pessoal do rendimento é favorável ao factor trabalho.
Protestos do PCP.
O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Deixem ouvir! Tenham calma!
O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, são contas fáceis de fazer! Não vale a pena estar nervoso em relação a esta matéria.
O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa colocou uma questão quanto à redução do horário de trabalho. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que tenho uma posição de grande coerência. Eu disse na minha intervenção -e tenho-o dito frequentemente- que privilegio o diálogo e a concertação social. Não avanço com uma hipótese nestas matérias sem esgotar todas as tentativas de concertação e de diálogo com os parceiros sociais.
O Sr. Joaquim Marques (PSD):-Muito bem!
O Orador: - É isso que venho fazendo, Sr. Deputado, e não apanha uma afirmação minha noutro sentido. Quando coerentemente defendo a iniciativa da sociedade civil e que o protagonismo deve ser dado petos agentes sociais, pelos sindicatos e pelas entidades patronais, só anunciarei esta matéria, como outras, quando tiver a noção bem clara de qual a posição das diversas forças sociais em presença.
Sr. Deputado Rui Vieira, como vai longe o tempo!... Tenho boa memória e posso garantir-lhe que o Sr. Deputado leu apenas uma citação muito pequena da frase que referiu. Convido-o a ler o resto dessa frase acerca das formas de combater a pobreza, porque há nela mais coisas para dizer, sendo certo que o Sr. Deputado «agarrou» apenas uma. Tal frase continuava -lembro-me perfeitamente- e dizia assim: «Se combater a pobreza é lutar contra a inflação, se combater a pobreza é lutar contra o desemprego, se combater a pobreza é lutar contra a injustiça fiscal, [...]» Sei de cor esse parágrafo.
O Sr. Deputado apanhou, pois, apenas uma componente, mas as outras constituem um todo, o que demonstra a fornia como aludiu, na pergunta que fez, a este tema.
O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Não teve tempo de ver tudo!
O Orador: - O Sr. Deputado colocou ainda algumas questões do tipo «para quando isto?» e «para quando aquilo?».
Não é meu estilo nem deste governo anunciar aquilo que provavelmente vamos decidir.
O Sr. António Guterres (PS): - É para antes das eleições?!...
O Orador: - Não, Sr. Deputado, nunca fizemos isso. Os Srs. Deputados é que tinham essa prática de anunciar com dois ou três meses de antecedência coisas que depois não conseguiam concretizar. O nosso estilo, Sr. Deputado, é o de só anunciar as coisas aos Portugueses no dia em que elas ficam decididas.
Aplausos do PSD.
Isto tem a ver com uma série de questões colocadas, designadamente, pelo Sr. Deputado Carlos Brito, cuja resposta remeto para a que dei ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, como também com muitas outras questões que fizeram o favor de me colocar.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - E não diz nada sobre a semana das 40 horas?
O Orador: - Já dei a respectiva resposta ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
Quanto à questão do imobilismo face às realidades, colocada pela Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira, acha a Sr.ª Deputada que podemos falar em imobilismo quando é certo que conseguimos aumentar as verbas orçamentadas? É muito fácil «pegar» numa rubrica ou numa verba e dizer que «esta» cresceu pouco e «aquela» muito. A Sr.ª Deputada deve é atentar na nossa acção global (e estes são factos indiscutíveis): era de 253 milhões de contos o total das verbas destinadas às prestações sociais que foram consumidas ou investidas em 1985, valor que passou, em 1990, para 600 milhões de contos! Pode a Sr.ª Deputada discutir a questão rubrica a rubrica, mas é inquestionável que, em termos globais e de aumentos reais das prestações sociais, nunca houve nenhum quinquénio onde a componente de investimento da acção social fosse tão forte como o está a ser na vigência deste governo.
A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - E como é que isso se repercute na vida dos idosos? Onde ê que estão os lares? Onde é que estão os idosos?
O Orador: - Essa pergunta é óptima, Sr.ª Deputada. Em crescimento de lares...
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A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): -Os idosos, Sr. Ministro, estão nos bancos dos jardins. Basta ir à Alameda D. Afonso Henriques para verificar isso...
O Orador: - Neste momento devem estar em execução, grosso modo, cerca de 500 obras de instalação não só de lares para a terceira idade como também de centros de dia.
Posso dizer-lhe, com toda a segurança, que nunca houve nenhum quinquénio em que os investimentos em equipamentos de acção social fossem tão elevados como o tem sido nos últimos quatro anos. Esse facto é inquestionável. Os números estão à sua disposição, sendo fácil compará-los para constatar o que afirmo.
Não resisto, Sr. Deputado Rui Vieira, em responder ao seu pedido para eu localizar exactamente o tempo de comparação que utilizei. Falei nestes cinco anos e na evolução do tempo porque sou responsável pela execução da política social, e devo dizer que estou disponível para o comparar com outros tempos. Ò Sr. Deputado fez uma insinuação, e eu não resisto a fazer o seguinte comentário: e que o tempo a que o Sr. Deputado queria referir-se como um tempo do PSD era um tempo de condito, um tempo entre aqueles que queriam realizar e reformar e aqueles que unham medo e queriam fundamentalmente paralisar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. Armando Vara (PS) : - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, confesso que, na primeira vez em que tivemos a oportunidade de o ouvir falar nesta Casa enquanto responsável pela pasta que agora ocupa, fiquei com a impressão de que, apesar de tudo, alguma coisa havia mudado, não só em relação à forma de encarar os problemas da área dessa pasta e do equipamento social em geral, como também em relação à forma como, por vezes, os seus responsáveis se apresentavam perante o Parlamento. Fiquei um pouco espantado ao aperceber-me de uma certa auto-suficiência com que o Sr. Ministro se apresenta agora aqui, tentando de alguma forma desvalorizar um debate que, independentemente da sua proveniência, é, do nosso ponto de vista, importante.
Aproveito este breve comentário para lembrar ao Sr. Ministro que, não obstante o nosso povo dizer que «presunção e água benta cada um toma a que quer», há momentos em que a auto-suficiência pode conduzir a custos acrescidos para o Estado. Recordo-lhe que na primeira vez em que aqui compareceu, ao aceitar uma proposta apresentada na comissão pelo Grupo Parlamentar do PS, nomeadamente em relação ao que está a ser a Ponte 25 de Abril, o Sr. Ministro poupou ao Estado cerca de 5 milhões de contos, já que a solução prevista era outra e faria com que, provavelmente com os mesmos efeitos, se gastasse mais 5 milhões de contos sem que o problema de fundo fosse resolvido.
É por isso que por vezes é preferível ouvir todas as opiniões e alentar em todas as soluções possíveis antes de se tomar qualquer tipo de medida final.
Outra das características deste governo que igualmente me pareceu patente quer na intervenção do Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações quer na do Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social é a de uma certa tendência que este governo tem para olhar a floresta, ver o País no seu conjunto, e não ter em atenção a árvore; vê-se simplesmente a floresta e esquece-se, por vezes, que há nessa floresta árvores mais pequenas que não crescem por as maiores lhes fazerem sombra, não deixarem o sol chegar àquelas, não deixarem, enfim, os meios indispensáveis a que elas também se desenvolvam como as outras. Essa tendência para se ver a floresta em detrimento da árvore tem sido sistemática neste governo e, naturalmente, gera desigualdades, algumas das quais foram referidas pelo Sr. Ministro, nomeadamente a desigualdade de oportunidades, pelo facto de também haver determinadas regiões do País que, não tendo bons transportes nem boas infra-estruturas doutro tipo, não podem desenvolver-se em condições iguais.
Este tipo de desigualdade que existe na sociedade portuguesa vem acentuando-se, bastando olhar para os números e índices para verificar esse facto: enquanto, segundo o Governo, o País em geral tem crescido a um ritmo de 4 % a 5 %, há regiões que crescem a um ritmo de 0,5 % a 0,6 %. Aquilo que eram assimetrias regionais e também assimetrias de outro tipo vêm acentuando-se com este governo, constatando-se que a diferença que então existia se multiplicou, ao longo dos últimos cinco anos, quase por 10.
Não deixa de ser estranho que uma das primeiras medidas do Sr. Ministro, segundo foi anunciado, na altura, pela imprensa, foi a alteração das prioridades do anterior responsável pelo Ministério, nomeadamente no que concerne à construção de um conjunto de infra-estruturas de suporte rodoviário, designadamente para o interior do País. Lembro-me de toda a comunicação social ter referido que, em instruções dadas à Junta Autónoma das Estradas, se tinha como indispensável uma prioridade, em relação a um conjunto de infra-estruturas do litoral, em áreas com maior densidade populacional. É também uma das características deste governo a de ser um governo que, estando exclusivamente preocupado com o acto eleitoral que se avizinha, procura governar em favor das maiorias, ou seja, das zonas do País onde há mais votos, com a ilusão de que poderá ganhar as eleições através de investimentos nessas áreas.
O Sr. Ministro fez uma pergunta à qual, para terminar, respondo com outra. Questionou o Sr. Ministro, referindo-se à habitação: que governo construiu mais que este?
Permito-me perguntar ao Sr. Ministro o seguinte: que governo criou mais injustiças que este em relação ao acesso à habitação? Que governo tornou o crédito à habitação, nomeadamente para a aquisição de casa própria, tão inacessível a estratos populacionais como este? Que governo tomou o acesso à habitação, para a esmagadora maioria dos casais jovens, pura e simplesmente uma miragem?
Aplausos do PS.
O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Isso foi o governo socialista que fez!
O Sr. Presidente:- Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP) : - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, na intervenção que produziu, o Sr. Ministro colocou perguntas. Vou tentar dar-lhe duas respostas citando um documento do Ministério do Planeamento e da Administração do
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Território que serviu de base às intervenções operacionais e foi entregue em Bruxelas, no âmbito do Plano de Desenvolvimento Regional.
A primeira resposta tem a ver com a habitação. Diz, a esse propósito, o citado documento:
O ritmo de construção da habitação foi menor na presente década. Apesar de os preços reais da habitação terem sofrido uma evolução negativa entre 1981 e 1985, a capacidade aquisitiva dos salários, através do recurso ao credito bonificado, em relação à habitação diminuiu em média aproximadamente 15% no mesmo período, por efeito combinado da descida dos salários reais e da subida das taxas de juro. Entre 1985 e 1987, verificou-se uma melhoria significativa, mas a partir de então, ou seja, depois de 1987, a enorme inflação dos preços da habitação conduziu de novo à contracção da procura, que se solidificou com as restrições do crédito e a redução do ritmo de crescimento dos rendimentos disponíveis mais recentemente verificados.
Onde está, pois, Sr. Ministro, o crescimento da habitação? Apenas na sua cabeça e na propaganda que aqui veio fazer.
Vozes do PCP:- Muito bem!
A Oradora: - A segunda resposta que lhe vou dar refere-se à questão das acessibilidades e da construção das vias e rodovias e também ao que se passa na rede ferroviária. Cito, novamente, o aludido documento do Ministério do Planeamento e da Administração do Território, que, a propósito da rede viária, diz o seguinte: «As características técnicas da rede viária e as condições de circulação das vias são em geral deficientes, com perspectivas de um agravamento .rápido e considerável nos próximos anos, na medida em que os investimentos previstos a médio prazo pela Administração Central se dirigem fundamentalmente para os principais eixos nacionais, no objectivo global de melhoria das acessibilidades externas, sem que haja» -acrescenta o documento - «um grande esforço orçamental no caso da rede complementar, a qual mantém importância inquestionável para a evolução da acessibilidade interna sub-regional.»
Onde está, pois, a importância que este governo dá ao interior do País e às ligações entre as diferentes regiões do interior? Em lado nenhum, como reconhece o Ministério do Planeamento e da Administração do Território no documento que entregou em Bruxelas.
Mais, Sr. Ministro: como se entende que, quando um próprio documento oficial reconhece esta situação no interior do País, os senhores estejam exactamente a encerrar as únicas linhas e ramais de caminhos de ferro que asseguravam essas ligações ao interior do País?
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, acabou a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo de fazer referência a um relatório extremamente importante acerca do qual não posso deixar de salientar um dado.
Diz esse documento, em relação à habitação, que foi entre 1985 e 1987 que se registaram melhorias.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Era véspera de eleições!
A Oradora: - Era um governo do PSD que estava no poder na altura, mas a verdade é que tal governo, além de não dispor da maioria absoluta, tinha aqui 45 deputados do PRD para controlar a acção governativa.
Risos do PSD.
Concordo com o Sr. Ministro quando diz que nunca em Portugal houve tão bons transportes. Devo dizer-lhe que, de facto, nunca vi em Portugal, como agora, tantos Audi 80, Porsche e Ferrari a circular pelas nossas estradas.
Relativamente a este facto, devo também dizer-lhe que o Governo tem uma forte responsabilidade, não pela sua política de transportes, mas sim por outro tipo de política, nomeadamente o seu modelo de desenvolvimento.
Também devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que nunca vi na linha de Sintra tanta contestação e tantos encerramentos de ramais e, em termos gerais, tanta contestação por parte dos utentes dos transportes públicos. É nesta perspectiva que eu penso que o Governo deve encarar esta interpelação, porque, venha ela donde vier, é nestes aspectos de contraste entre uma sociedade que tem, por um lado, cada vez mais Audi 80 e, por outro, cada vez mais gente a viajar nos comboios como sardinha em lata que a interpelação sobre desigualdades sociais deve ser colocada.
O Sr. Ministro disse que nunca nenhum governo investiu tanto em infra-estruturas de transportes como o actual. Pretende V. Ex.ª fazer esquecer a esta Câmara que nunca nenhum governo teve acesso a tantas verbas e a tantos fundos comunitários para investir nesta área e que esse investimento é feito, basicamente, à custa dos investimentos comunitários?
O Sr. Luís Roque (PCP):- É verdade!
O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Não é, não!
A Oradora: - Sr. Ministro, coloco-lhe uma última pergunta: com esta política de transportes, que é incomparável com outros tempos áureos da nossa história, não considera pertinente que a Avenida Fontes Pereira de Melo passe a chamar-se Avenida Ferreira do Amaral?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Presidente, Sr. Ministro Ferreira do Amaral, já tinha lido, num semanário, que V. Ex.ª é considerado como o membro do Governo que descobre o «ovo de Colombo». Na realidade, o Sr. Ministro acaba de o fazer, quando chegou à conclusão de que as desigualdades podem acentuar-se, mas que isso não significa que haja maior injustiça social. Devo dizer que essa conclusão é brilhante, é um novo «ovo de Colombo», e, como tal, deve ser registado.
No entanto, pergunto-lhe: V. Ex.ª não está preocupado, não se sente chocado, com as manifestações de luxo e de ostentação, por um lado, e, por outro, as manifestações
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de pobreza na nossa sociedade, e que são tão evidentes nesta cidade de Lisboa, a ponto de uma pessoa insuspeita como a Dr.ª Manuela Silva dizer, há dias, numa comunicação, que evitava ir à «Baixa», de tal maneira a chocavam as manifestações de pobreza que se evidenciam nesse local?
O Sr. Ministro parece que tem feito uma campanha a favor dos Renault 25, mas parece, como já disse a minha colega, que continuam a ser comprados os Jaguar -já não os Volvo...-, mas daí para cima..
O Sr. Lino de Carvalho (PCP):-E os Lamborghini!
O Orador: - Por isso, a minha pergunta: não se sente chocado com esta situação?
Nós não quisemos vir aqui dizer que o Governo foi o que de todos fez menos, porque não é essa a nossa posição. A nossa posição é a de discutir seriamente estas questões.
Risos do PSD.
O que quisemos colocar foi esta ideia central: este governo tem uma concepção dominante, que 6 a do Estado mínimo de Reagan. Ou não? Ou «menos Estado, melhor Estado» não 6 isto? Não é o Estado mínimo? Agradeço que responda a esta questão, porque a nossa ideia é a de que tem essa concepção, a qual, num país como o nosso, levará a um grande aprofundamento das desigualdades: não só não vai resolver os problemas como vai, cada vez mais, desequilibrar as situações sociais no nosso país.
Esta e a questão central, e V. Ex.ª, que tem a tutela dos transportes urbanos, dos transportes das regiões do interior, que sabe as injustiças que estão a ser cometidas nessa área, que tem a tutela da habitação, mais do que ninguém, devia sentir estas injustiças sociais e estar revoltado com esta situação; porém, V. Ex.ª não está preocupado - e isso é que nos preocupa Por isso, digo que este governo não tem soluções para os problemas sociais com que se debate o nosso povo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, ouvi as suas últimas palavras: «Construíram-se estradas. Que querem mais?» Devo dizer que isto é ridículo.
Risos do PSD.
Isto parece-me dito pelo Fontes Pereira de Melo ou pelo Salazar e faz-me lembrar a inauguração do Estádio Nacional, a que eu assisti, e em que foram distribuídos, espalhados por um avião, uns folhetos em que se dizia: «O Estado Novo dá-vos um estádio. Quem jamais ouviu falar de futebol na Rússia?» Este panfleto foi mandado distribuir no Estádio Nacional, através de um avião, por um ministro das Obras Públicas de Salazar, e, somente um ou dois meses depois, o Dínamo de Moscovo foi jogar a Inglaterra e derrotou os clubes ingleses.
Isto foi tão ridículo como haver um ministro que faz parte de um governo em Portugal que afirma: «Construíram-se estradas. Que querem mais?» Pois digo-lhe, Sr. Ministro, que queremos governo, queremos escolas, queremos que sejam o governo da Nação e não apenas o governo de um partido, o governo dos afilhados.
Vozes do PS:- Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Sr. Deputado Armando Vara, se dei um tom de auto-suficiência não era essa a minha intenção. O que pretendi dizer foi que levei muito a sério a preparação para esta interpelação e que ela me tomou bastante e exigiu-me muito esforço e, por isso, fiquei um pouco desiludido com a forma como foi feita a interpelação. Uma interpelação nestes termos é susceptível de ser feita em qualquer lugar, em qualquer altura, relativamente seja a quem for, porque é posta em termos absolutos, quando diz que precisávamos de estar melhor. Perante essa afirmação, eu digo que isso é verdade em qualquer circunstância.
Porém, não vi a interpelação posta no sentido de dizer «Este governo não fez. Este governo devia ter feito. Este governo, comparadamente com os anteriores, fez pior.» Devo dizer que estaria disposto a discutir isso com honestidade, com seriedade, como deve ser sempre feito nestas circunstâncias. O facto de a interpelação ter sido posta nos termos em que o foi, em minha opinião, esvaziou um pouco o conteúdo do debate. No entanto, talvez a interpelação se tenha recuperado através destes pedidos de esclarecimento, que, no fim de contas, funcionaram melhor que as intervenções iniciais.
A desigualdade de oportunidades ao nível regional é, de facto, uma causa de injustiça social. O Governo tem-se preocupado -c aceito a comparação com qualquer governo anterior- com este problema Aliás, foi isso que eu pretendi demonstrar, quando falei das acessibilidades e dos transportes.
Devo dizer que é durante o mandato deste governo que, pela primeira vez, após décadas de declínio, as cidades do interior começam a recuperar população...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Continuam a perder!
O Orador: -..., o que é um sintoma apito de que alguma coisa mudou na assimetria regional. Isto não é nenhum milagre, mas sucede porque se investiu para isso e se gastou dinheiro para isso. Dinheiro que não é o da CEE, mas sim dinheiro nosso, de todos os portugueses e gerido pelo Governo. E, mesmo aquela comparticipação que se foi buscar à CEE, foi o Governo que o fez, tendo que negociar e justificar o seu gasto.
Penso que falar em desigualdade de desenvolvimento regional é, de facto, falar numa injustiça social, mas ao Governo não lhe pesa a consciência, porque tem procurado, por todos os meios, combater esse desequilíbrio e aceita comparações com qualquer outra altura da nossa história Em todo o caso, devo dizer que ainda muito há que fazer, dependendo de alguns destes factores que mencionei e que são aparentemente distantes, como a acessibilidade e as obras públicas.
A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo falou da habitação, mas os números apurados até ao momento indicam que,
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pela primeira vez, em 1988 - são as últimas estatísticas disponíveis- se construíram em Portugal perto de 50 000 fogos.
O Sr. Luís Roque (PCP): - Pouco mais de 40 000!
O Orador: - Este número não tinha sido jamais atingido, apesar de ter sido objectivo fixado por múltiplos governos antes e depois do 25 de Abril, porque já os planos de fomento fixavam números dessa ordem de grandeza, os quais, com a mesma naturalidade com que se fixavam assim, se reconhecia que não tinham sido atingidos. Esta falta de credibilidade foi-se tornando rotina, foi sendo aceite como qualquer coisa de natural, a tal ponto que, no plano a médio prazo de 1977/1980, foi fixado o objectivo estratégico, porque se considerava indispensável, de se construírem 65 000 fogos por ano...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - E não chegam!
O Orador: -..., que, evidentemente, se não construíram, como aliás se esperaria da fixação de tal objectivo. Os valores do quadriénio até 1988 suo os mais altos, culminando com 50 000 fogos. Também nesse aspecto não pesa a consciência ao Governo.
Julgo, em lodo o caso, Sr.ª Deputada, que o problema da habitação é um dos problemas que melhor devem ser tratados para o futuro e que talvez seja uma das causas de desigualdade social que precisa de melhor combate. O Governo não nega isso e vai tomar iniciativas suficientes para melhorar o problema.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - De qualquer modo a grande questão e a falta de habitação!
O Sr. Luís Roque (PCP): - E vai continuar!
O Orador: - Falou ainda da rede complementar, mas esta não é a rede regional. A rede complementar, que é necessária, existe no interior e no litoral...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Temos é que pensar nas ligações regionais.
O Orador: -... e o Governo, de forma alguma, pretende privilegiar o litoral em relação ao interior - basta ver as obras que estuo feitas para verificar que essa crítica não tem razão de ser e é bastante injusta.
Quanto às linhas e ramais de caminho de ferro, foi assunto já debatido várias vezes e a justificação é lógica. Seria mau que não se modificassem os traçados das redes de caminho de ferro em relação àquilo que foi estabelecido há já quase há um século. Seria quase absurdo fixarmos e mantermos a mesma situação só porque é a que estava. Penso que é um sintoma de renovação, porque, ao mesmo tempo que se suspendem alguns ramais que não se justificam...
O Sr. Luís Roque (PCP):- Onde é que estão?!
O Orador: -... - e, como dizia a companhia transportadora, em alguns casos, ate se justificava, por ser mais barato, fazer o transporte de táxi do que em caminho de ferro, tal eram os custos-, outros devem ser abertos, porque se justificam. Isto é o que se pede numa renovação.
A crítica que fiz ao PCP julgo que é legítima quando digo que ataca as empresas públicas, porque hoje há a convicção pública de que o PCP se encarniça contra as empresas públicas, o que é verdade.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Onde e que foi buscar essa?!
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Isso é um absurdo!
O Orador: - E hoje criam-se conflitual idades nas empresas públicas que, provavelmente, podiam ser dispensadas.
A Sr.ª Deputada Isabel Espada falou dos Porsche e de outras marcas que até nem conheço -mas que, pelos vistos, existem! - e diz que isso é um problema de transportes. Evidentemente que não é, pois basta olhar os números e essa sua referência é uma crítica muito ligeira e não está muito de acordo com as referências éticas do seu partido. Dizer que o Governo anda a investir nos Porsche e não sei que mais parece-me que é uma crítica ligeira que, em minha opinião, não merece resposta.
Certamente que os transportes, em termos absolutos, são maus, ninguém nega isso, mas nós podemos é apresentar aquilo que fazemos para melhorar e o que os outros fizeram para melhorar. E aquilo que nós fazemos para melhorar é bastante positivo e vai ter reflexos na melhoria sensível dos transportes. Ninguém está a dizer que os transportes são bons -aqui está a diferença entre um debate feito em termos absolutos ou em termos relativos- e nunca nesta Câmara, em nenhuma circunstância, em nenhuma época, alguém dirá que os transportes são bons, porque haverá sempre possibilidade de os melhorar. É isso que estamos a fazer e estamos a investir - os números não o desmentem - vultosíssimos meios para o conseguir.
A sua referência à Avenida Fontes Pereira de Melo também me parece um pouco deslocada, e por isso não a referirei.
Sr. Deputado Raúl Rego, de maneira alguma eu disse - aliás, nem podia dizê-lo e, se o disse, só por lapso o poderia ter feito-: «Tem estradas. Que é que querem mais?» Não tenho, de maneira alguma, essa mentalidade. Eu apenas disse que um dos factores importantes para corrigir injustiças sociais é a da melhoria das estradas e das acessibilidades. V. Ex.ª sabe como é revoltante para populações estarem longe e não poderem comunicar com outras, por não disporem de estradas, e verem que o progresso lhes passa ao lado. Essa situação conduz a uma injustiça gritante, que o Governo tem procurado corrigir. Não o conseguiu tanto como V. Ex.ª queria, admito-o, mas conseguiu muito mais do que outros governos - e essa comparação, Sr. Deputado, não tenho medo de fazê-la.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer a figura regimental de defesa da honra da minha bancada.
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, são 12 horas e 22 minutos. Estava previsto que, na parte da manha, fizéssemos a abertura do debate com as intervenções do PCP -partido interpelante - e do Governo e os pedidos de esclarecimento.
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Ora, desse tempo, resta-nos, até às 13 horas, 30 minutos, mas parece-me que distorceríamos o debate se ocupássemos a meia hora que nos resta. Talvez fosse preferível recomeçarmos da parte da tarde com o debate em si próprio.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente:- Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, no seguimento das considerações que V. Ex.ª fez a propósito do prosseguimento dos trabalhos, a opinião do meu grupo parlamentar é a de que não deveríamos perder tempo, mas antes ocupar esta meia hora entrando já no debate.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Presidente, peço a palavra igualmente para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, 6 apenas para dizer que, neste ponto, a nossa opinião coincide com a do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quer a Mesa quer os membros do Governo aqui presentes não levantam qualquer objecção à continuação dos trabalhos.
No entanto, devo informar a Câmara que, pelas razões explicitadas no boletim informativo, vou ter de me ausentar, pelo que me faço substituir pelo Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
Para usar a figura regimental de defesa da honra e consideraçâo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Ministro, V. Ex.ª insinuou, ou, melhor, disse claramente, que eu teria violado as regras da ética da minha bancada e do meu partido, o que, como calculará, e uma afirmação que não posso deixar passar em branco.
Penso que o Sr. Ministro fez uma deficiente e propositada má interpretação da minha pergunta. Não afirmei que o Governo investia em automóveis de luxo...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mas também investe!
A Oradora: -..., mas tão-só que o modelo de desenvolvimento que o Governo tem vindo a protagonizar neste país permite o acentuar de desigualdades sociais que, por um lado, se traduzem na proliferação de automóveis de luxo e, por outro, no deficiente tratamento dos utentes dos transportes públicos. Esta é que e a questão, Sr. Ministro! E isto é indesmentível!
Se há automóveis de luxo, há também -e isso é patente, praticamente todos os dias, em todas as notícias da comunicação social- a degradação do estado actual dos transportes públicos em Portugal. E é patente também a proliferação de carros de luxo. Deste modo, penso que e nesta perspectiva que o Sr. Ministro deve encarar uma interpelação sobre desigualdades sociais.
Assim, pergunto: qual é o modelo de desenvolvimento? Qual é o modelo que, através deste governo, o País está a desenvolver no seu seio, de forma a criar este tipo de injustiças e a acentuar este tipo de desigualdades?
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente:- Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
O Sr. Ministro das Obras Públicas Transportes e Comunicações: - Não desejo responder, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Ribeiro.
O Sr. Sérgio Ribeiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Falar economicamente de desigualdades sociais e de assimetrias regionais sugere, de imediato, muitos números, ilustrando, por exemplo, como se distribui o rendimento nacional, quer por classes e estratos sociais, quer por distritos ou regiões - se as houvesse-, ou pelo que as substitui. No entanto, são 13o conhecidos esses valores, são tão gritantes as desigualdades e as assimetrias que revelam, são tão preocupantes as evoluções que, por absurdo, parece que pouco se lhes liga. Por outro lado, fazer da economia a tradução quantitativa e estatística de situações é redutor. Um economista que se preze -que preze a economia- não pode aceitar para si essa tarefa ou a ela se limitar.
As desigualdades sociais decorrem da política económica, e esta não pode alhear-se das suas consequências sociais, antes se tem de ter por privilegiado critério avaliador o que dela decorre socialmente, a começar pelas necessidades sociais de que, e como, permite a satisfação. Ora a política económica de sucessivos governos portugueses, particularmente dos posteriores a Outubro de 1985, tem-se subordinado a uma estratégia comunitária, com a intenção de combater o desemprego estatístico que crescia assustadoramente. Essa estratégia estaria sendo um sucesso porque os números do desemprego tem baixado, e de tal modo que em Portugal, se transformaram num emblemático sinal que esconde outros insucessos, de que os números da inflação são a evidência. No entanto, estudando os dados estatísticos -como o meu camarada Jerónimo de Sousa o indiciou-, é clara a precariarização do emprego criado e estamos, sem qualquer dúvida, no terreno da qualidade, do social, das desigualdades e das assimetrias.
E ao mesmo tempo que, neste curtíssimo período, se degradou significativamente a qualidade do emprego sobre que se escora a qualidade da vida dos cidadãos, não se avançou na convergência real das economias, não obstante afirmadas intenções e esforços nesse sentido, como o da nova decisão relativa à realização de uma convergência progressiva, acabada de adoptar pelo Conselho de Ministros da Comunidade para vigorar durante a primeira etapa da união económica e monetária, que começou anteontem.
Confissão da necessidade de compensar o que promove desigualdades sociais é também o processo da chamada Carta Social, adoptada em Dezembro como uma mera declaração mais ou menos solene de princípios. Mas essa
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carta pode transformar-se num instrumento de uma política social, desde que se concretize um programa de acção que lhe de conteúdo e assim compense minimamente o evidente atraso da dimensão social na construção do mercado interno. Programa de acção que, afirmando o princípio da subsidariedade, já teve expressão em medidas comunitárias relativas ao chamado trabalho atípico, isto e, à não escamoteável precarização do emprego, e de que se espera a bem necessária tradução portuguesa. Como se afirma em projecto de parecer do Parlamento Europeu, é preciso evitar «o perigo de o princípio da subsidariedade poder levar a uma amputação e a um enfraquecimento das medidas a incluir no Programa de Acção, de tal forma que ponha em causa a dimensão social necessária». Não seja esse princípio, com o argumento estimável do respeito pela soberania nacional, o pretexto para não se fazer, no âmbito comunitário, o que nele melhor se concretizaria e se não faz a nível nacional.
Mas a estratégia económica, em consonância com a precarização do emprego, estimulou o investimento e a criação de empregos através da contenção dos salários, procurando baixas dos custos salariais unitários reais e aumentando assim as taxas de rentabilidade do capital. E agravando desigualdades sociais, porque os mais zelosos cumpridores de tal estratégia foram os governantes portugueses, fazendo tábua rasa do facto de os trabalhadores portugueses serem os de remuneração mais baixa da Comunidade.
As últimas previsões dos serviços da Comissão -de Outubro de 1989- confirmavam a inflexão nos aumentos dos salários unitários reais, o que contribuía decisivamente para a recuperação da rentabilidade, e confirmava também o alargamento do fosso entre os salários dos países da CEE. De acordo com essas previsões, os salários reais por assalariado, de 1988 a 1990, subiriam 4,9% no conjunto da Comunidade e 1,6% em Portugal, calculada a deflação pelos preços no consumidor, cresceriam 3,8 % para os Doze e desceriam 0,3 % para Portugal, calculada a deflação pelos preços do PIB.
Daqui resulta que os custos salariais unitários reais mostram Portugal como o país com maior «ajustamento estratégico», calculando-se que, para este ano, esses custos virão a ser quase 22% inferiores aos de 1980, enquanto a média do «ajustamento» do conjunto dos Doze rondaria os 7,5%. Um excesso de zelo triplicado à custa dos salários, isto é, dos trabalhadores portugueses! Trabalhadores que, como todos sabemos, eram, já- em 1980, os que, de longe, recebiam os salários mais baixos da CEE e que, assim, cada vez o são mais. E esta é uma das - a primeira - causas das desigualdades sociais, com uma clara raiz de classe:
Uma figueira brava não pode dar pêssegos. Uma economia que se baseia na exploração dos trabalhadores não dá outros frutos que não sejam os da desigualdade e da injustiça sociais.
Vozes do PCP:- Muito bem!
O Orador: - E não se faça da economia pela técnica estatística, o juiz de um processo de que só pode ser ré. A luta contra as desigualdades sociais é, assim e antes de mais, uma luta contra as suas causas, contra uma política económica que se avalia pelo crescimento e não pelo desenvolvimento, que estimula as taxas de rentabilidade do capital à custa da contenção salarial, que assenta a sua competitividade na vantagem comparativa dos custos salariais unitários reais. Uma política económica que ignora custos sociais, ou os remete para outras disciplinas, e que tem de mudar para que não se continuem agravando as desigualdades sociais.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira.
O Sr. Rui Vieira (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ter um acidente de trabalho em Portugal, sobretudo quando se trata de acidente grave de que resulte incapacidade permanente, traduz-se, na maioria dos casos, no início de um novo ciclo de vida, caracterizado pela drástica redução do ordenado e pela profunda deterioração das condições de vida do sinistrado.
Mesmo se o acidente ocasionar apenas incapacidade temporária, tal representa sempre um corte abrupto do rendimento do trabalhador atingido.
No primeiro caso, além dos prejuízos irreparáveis, de natureza física e psíquica, que a incapacidade permanente provoca, o trabalhador é indemnizado na base de uma tabela de incapacidades reconhecidamente ultrapassada e injusta.
Depois de um processo quase sempre moroso, paga-se-lhe uma renda que a inflação come num ápice.
Se a incapacidade não for excessivamente grave, o homem é despachado para os «serviços leves», destinados a deficientes. Isto quer dizer carreira profissional interrompida e entrada no limbo dos que são somente tolerados.
Se a lesão for grave, recebe normalmente guia de marcha para engrossar o batalhão dos deficientes do trabalho sem trabalho e -o que é grave!- com os meios de subsistência profundamente reduzidos.
No segundo caso, isto é, quando do acidente resulta incapacidade temporária para o trabalho, o trabalhador sinistrado por certo maldiz a sorte madrasta e seguramente troça da justiça dos homens e da humanidade das leis.
Reparem, Srs. Deputados, se não tem razão. Tornemos como exemplo um pedreiro que ganhe 3000$ por dia. Em situação normal, sábado à noite, leva para casa 18 000$ - o equivalente a seis dias de trabalho. Em caso de acidente, e se estiver inactivo durante uma semana, vai buscar à companhia de seguros 6744$. Nada mau para um país em que os governantes falam, a par e passo, de justiça social.
Muitas palavras e poucas obras, eis como se pode caracterizar a política social deste governo.
Vozes do PS:- Muito bem!
O Orador: - O 25 de Abril, de facto, ainda não chegou aqui. Na verdade, a legislação que regula os acidentes de trabalho remonta a 1965 e a 1971. Por conseguinte, gostaria de deixar aqui uma pergunta ao Governo: para quando uma lei de acidentes de trabalho que se ajuste aos nossos tempos e aos preceitos constitucionais?
A Sr.ª Edite Estrela (PS):- Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje é o dia em que Le Pen reúne em Sesimbra com a fina flor
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da extrema-direita europeia, os próceres europeus mais destacados do racismo, da xenofobia e do nazismo, embora maquilhado e travestido.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.):- É um escândalo!
Vozes do PS:- É uma vergonha!
O Orador: - Parece-me, por isso, que vem a propósito convocar aqui um tema que já abordei no Plenário, mas que acabou por ficar sepultado no cemitério em que jazem as intervenções dos PAOD regionais.
Aqui fica, pois, em forma mais abreviada, a abordagem de um tema que deve preocupar todos os portugueses.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - O Governo é que permitiu essa reunião!
O Sr. João Salgado (PSD): - Não diga disparates!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Foram apoiados pelo Governo!
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Isso é uma asneira!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - É verdade, foi o Governo que permitiu essa reunião!
O Sr. João Salgado (PSD): - Isso é uma calúnia!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicito à Câmara que se mantenha em silêncio, para que o Sr. Deputado Rui Vieira possa continuar a sua intervenção.
O Orador:- O fenómeno dos clandestinos, oriundos da África e do Brasil, no caso de não ser prontamente enfrentado com a compreensão, realismo e sentido de solidariedade que exige, pode vir a agudizar-se e a constituir um grave problema interno num futuro próximo.
Segundo o Ministério da Administração Interna, estima-se em 40 000 o número de pessoas clandestinas actualmente no País. Número já em si preocupante, mas muito abaixo da realidade; uns falam em 100 000, outros apontam para 150 000.
Aos trabalhadores clandestinos -pois é de trabalhadores e de gente de fracos recursos que se trata- não resta outra saída senão a entrada nos circuitos ilegais do mercado de trabalho.
Porque se trata de um bom negócio, multiplicam-se as empresas especificamente criadas para enquadrar e utilizar esta mão-de-obra dócil, barata e disponível para os trabalhos mais duros e penosos.
Como todos os clandestinos, em qualquer parte do mundo, suo presa fácil de exploradores sem escrúpulos. Trabalham sem qualquer contrato; descontam, muitas vezes, para a segurança social, mas não usufruem dos direitos correspondentes; não tem direito à saúde; em caso de acidente de trabalho, espera-os a miséria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há pouco tempo, um jornal diário do Norte dava conta, em extenso e bem fundamentado trabalho jornalístico, da exploração desumana a que estão sujeitos trabalhadores africanos em muitos pontos do País.
Pelos dados publicados, parece que Portugal está a ser utilizado como entreposto de um negócio de autênticos negreiros, que usam métodos porventura mais refinados do que os seus antecessores de séculos passados, mas iguais quanto ao fim em vista, isto é, a exploração desenfreada de pessoas completamento indefesas.
Estes emigrantes são encaminhados para a Europa com a mesma esperança que levavam na bagagem os portugueses que deram o salto para França na década de 60.
Para muitos deles, o eldorado europeu esfuma-se depressa no confronto quotidiano com as incertezas da clandestinidade.
Trabalham, normalmente, sem horários. Quem recebe o seu salário são as tais empresas alugadoras de mão-de-obra, que lhes pagam entre 150$ e 300$ por hora.
Não estão abrangidos por qualquer apólice de seguro contra acidentes de trabalho, nem pela segurança social.
Vivem e dormem em barracões insalubres, situados, na maioria dos casos, nas traseiras das fábricas onde trabalham.
Muitas empresas, pertencentes aos sectores cerâmico e de construção civil, utilizam esta mão-de-obra que continua, mesmo depois de colocada, a ser controlada por traficantes que não se coíbem de, ainda hoje, usar a violência física, quando o trabalhador não dá o rendimento pretendido.
Em suma, o que a reportagem referia era uma série de atentados graves aos mais elementares direitos da pessoa humana, perpetrados por indivíduos sem escrúpulos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A inexistência de qualquer apoio governamental às minorias étnicas não se compreende, nomeadamente à luz da política de cooperação com os PALOP. É urgente alterar esta situação. Um primeiro e importante passo deveria ser o da criação de um departamento vocacionado para a ajuda à imigração oriunda desses países e que contribuísse para eliminar progressivamente a sua marginalização económica, política e cultural.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Estado não pode ficar indiferente à sorte de muitas dezenas de milhar de pessoas indefesas que se abandonam, por necessidade, às mãos de exploradores sem escrúpulos. Não podemos continuar a fazer belas declarações de princípios e deixar que as coisas continuem como estão. Não podemos limitar-nos a protestar de indignação, quando da ocorrência de manifestações violentas de natureza racista, como aquelas que, há bem pouco tempo, foram protagonizadas pelos skinheads, e nada fazermos para eliminar estas formas de segregação social presentes na sociedade portuguesa.
O que se pede a todos os responsáveis políticos é um olhar diferente para a complexa problemática das minorias étnicas que estão -também elas- a contribuir para o desenvolvimento do nosso país.
É imprescindível que Portugal envide todos os esforços para que, em todos os países onde vivem e trabalham portugueses, estes tenham acesso às regalias e direitos aí em vigor pára os nacionais.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): -Muito bem!
O Orador:- Já não se compreende que Portugal não tenha uma política de imigração que defenda os interesses do nosso país e também de vastas comunidades de imigrantes que aqui trabalham e aqui desejam viver.
Aplausos do PS, do PCP, do PRD e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Rui Vieira, aproveitando esta figura regimental, gostaria de o acompanhar num dos aspectos da sua intervenção.
Em face da lástima que o Sr. Deputado aqui produziu sobre a realização, em Portugal, de uma reunião de uma extrema-direita que toda a gente repudia e ninguém quer, em nome da minha bancada, devo dizer que o acompanho nesse ponto da sua intervenção.
Na verdade, é uma infelicidade para Portugal e para todos nós que esses senhores deputados, que existem por essa Europa fora e que ainda defendem modelos de sociedade que repugna a todos os membros desta Câmara, venham reunir-se em Portugal.
O Sr. .João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Em Espanha foi proibido, Sr. Deputado!
O Orador: - Contudo, Sr. Deputado Rui Vieira, gostaria de perguntar-lhe se aceita que se diga, como aqui alguém há pouco fez, que cies se reúnem em Portugal com a protecção do Governo. Pensa que é legítimo e democrático dizer-se que este governo, por qualquer forma, apoiou ou protegeu a reunião desta «gente»? É possível que num Estado democrático algum governo democrático possa proibir esta infelicidade que caiu em Portugal e que é comparável a uma praga de gafanhotos?
Em meu entender, só num país em que um governo não tivesse o devido respeito pelas regras democráticas é que se poderia impedir a realização de reuniões desta natureza.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Vieira, a Mesa regista outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no final?
O Sr. Rui Vieira (PS): - No final, Sr. Presidente.
O Sr. António Guterres (PS):- Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, desejaria apenas informar a Mesa de que o meu grupo parlamentar está em condições de apresentar um projecto de resolução em que, para alem de alguns considerandos acerca da reunião de Sesimbra, propõe que o Plenário da Assembleia da República encarregue a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de formular a proposta de um conjunto de medidas destinadas a regular actividades deste tipo, de modo a salvaguardar a defesa plena dos valores democráticos em que nos reconhecemos.
No entanto, porque supomos que esta nossa iniciativa não tem um carácter partidário, mas trata-se de uma iniciativa que recolhe o consenso democrático da Câmara, gostaríamos de permitir a possibilidade de outros grupos parlamentares se associarem a nós para que, o mais rapidamente possível, a legislação portuguesa possa ser adaptada de maneira a que situações deste género não ofendam o sentido democrático dos Portugueses.
Aplausos ao PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela nossa parte, e à laia de um pedido de esclarecimento, queríamos recordar que já na quinta-feira passada o meu grupo parlamentar suscitou a questão da reunião das forças da direita neofascista, em Sesimbra. Na altura, aqui mesmo erguemos o nosso grito e apresentámos uma proposta à Assembleia da República, no sentido de afirmarmos que esses senhores não eram bem-vindos a Portugal.
Pensamos que, por parte dos órgãos de soberania da República Portuguesa, deveria ter sido feita mais alguma coisa no sentido de se afirmar esta posição: «Esses senhores não são bem-vindos a Portugal! Não queremos esses senhores em Portugal!»
Por isso mesmo, parece-nos que se justifica a sugestão agora apresentada pelo Sr. Deputado António Guterres.
Pela nossa parte, e antes mesmo de conhecermos o texto do projecto de resolução, associamo-nos à ideia de aprovar, na Assembleia da República, um projecto de resolução sobre esta matéria.
Vozes do PCP:- Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.
O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Deputado Rui Vieira, ouvi com atenção a sua intervenção e devo dizer-lhe que, na parte final da mesma, sobretudo no que concerne a certos métodos de contratação de emigrantes africanos em Portugal, comungo com V. Ex.ª das suas preocupações.
No entanto, o que gostaria também de ouvir, pela voz do PS, era a afirmação de quantos e quantos portugueses, que aceitam ser contratados para trabalhar em outros países, o são obviamente com a mesma metodologia e com os mesmos processos que levam a que sejam as empresas contratadoras que lhes pagam e regulam essa situação.
Penso ser esta uma preocupação que não deve só interessar aos imigrantes, mas também aos emigrantes. Considero ser talvez este o momento em que devemos dar as mãos e desenvolver esforços para pôr cobro a esta questão. Sinceramente, faço votos para que o PS, na respectiva subcomissão, se junte ao PSD para desenvolvermos acções nesse sentido.
Aproveitando este pedido de esclarecimento, e na sequência da famigerada reunião de Sesimbra, gostaria também de referir que algo se tem dito em plenário, mas penso ser de elementar justiça dizer que a primeira voz que se levantou na Assembleia da República, faz amanhã precisamente oito dias, foi a do meu companheiro de bancada deputado António Maria Pereira, que, na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, lançou o grande alerta. Assim, penso que deverá ficar registado em acta que foi ele quem, em sede de comissão, alertou todos os colegas e a Comissão em si para tal facto. Por outro lado, também o meu colega deputado Rui Carp levantou esta questão.
Pela forma como tudo isto se está a processar, dá a impressão de que é só a oposição a opor-se a esta reunião. Porém, como afirmou o líder do meu grupo parlamentar, também a repudiamos.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que o meu grupo parlamentar não fará disto uma estafeta para ver quem foi o primeiro a tomar a iniciativa de, neste momento, contestar ou contrariar as reuniões que se estão a processar em Sesimbra.
Depois de virem a ser empurrados pela Franca e pela Espanha, Le Pen e os outros eurodeputados estão a banhos em Sesimbra. Foi pena não terem ido mais à frente, pois talvez as Berlengas lhes dessem melhores condições para poder fazer aquelas reuniões e para mais facilmente poderem ser empurrados para outros locais...
Naturalmente que não estamos de acordo com esta reunião, apresentando aqui o nosso mais vivo protesto.
Não estamos a acusar o Governo, pois temos consciência das dificuldades que este ou qualquer governo teria para impedir tal reunião. No entanto, neste momento, Le Pen e os restantes eurodeputados tem a resposta da população portuguesa, uma vez que todos os partidos com assento parlamentar manifestaram hoje, aqui, um veemente protesto contra a reunião que se virá a produzir em Sesimbra.
Vozes do PS:- Muito bem!
O Orador: - Embora não conhecendo o texto do projecto de resolução apresentada pelo PS, subscrevê-lo-emos sem quaisquer dificuldades.
Pela nossa parte, manifestaremos toda a disponibilidade para que, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, se legisle rapidamente, de modo a que situações como a que se está a produzir se não venham jamais a verificar.
Vozes do PS:- Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira.
O Sr. Rui Vieira (PS):-Sr. Deputado Montalvão Machado, remeto-o, naturalmente, para as palavras proferidas pelo meu camarada António Guterres.
Gostaria de dizer-lhe que aceito, sem qualquer rebuço, a sinceridade das palavras que aqui proferiu, mas lambem desejaria que não ficassem dúvidas sobre essa matéria.
Acredito que, na verdade, o Governo não tem especial interesse -antes pelo contrário!- em que esta reunião se efectue em Portugal. No entanto, não posso deixar de anotar aqui a circunstância de os responsáveis portugueses não terem tomado, por exemplo, a iniciativa que foi adoptada em Espanha e em Itália. E digo isto porque inicialmente eslava previsto que esta reunião se realizasse num destes dois países.
Sr. Deputado Luís Geraldes, congratulo-me com o facto de estar de acordo com as afirmações que aqui produzi. Oralmente, é completamente impossível estabelecer a diferença entre a emigração e a imigração, embora tenha referido os dois aspectos na minha intervenção. No entanto, Sr. Deputado, é preciso passar das intenções às acções, e eu penso que em relação a esta matéria o Governo tem muito a fazer.
Finalmente, ainda sobre o encontro que hoje tem lugar em Sesimbra, gostaria de dizer aos Srs. Deputados que não importa, que não tem interesse absolutamente
nenhum, saber quem é que foi o primeiro a tomar a iniciativa de repudiar tal reunião. O meu partido tomou a iniciativa, a vários níveis, de repudiar, publicamente e de uma forma frontal, aquilo que se está a passar, neste momento, em Sesimbra.
Sob pena de me exceder na linguagem, diria o seguinte: não sendo possível dar um «pontapé no traseiro» ao Sr. Le Pen -e peço desculpa pela dureza da expressão-, gostaria de dizer, em nome de todos os emigrantes portugueses e em nome dos direitos humanos, que os seus defensores põem constantemente em causa, que penso que é necessário precavermo-nos para que situações que estão aí a eclodir não produzam entre os seus apoiantes - e que também já os tem em Portugal- o mesmo resultado que ele obteve em França e para que não venha um qualquer apaniguado português do Le Pen obter o mesmo êxito. Se assim acontecer, ele beneficiará exactamente das mesmas condições favoráveis que encontrou em França.
Aplausos do PS e do PRD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está suspensa a sessão.
Os nossos trabalhos recomeçarão às 15 horas, estando inscrito para uma intervenção o Sr. Deputado Luis Roque.
Está interrompida a sessão.
Eram 12 horas e 55 minutos.
Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 75 horas e 25 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.
O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Como já tive oportunidade de referir neste debate, na parte da manhã, a minha bancada pensa que é sempre útil que se possam debater, entre as diversas forcas políticas representadas na Assembleia da República, questões que se prendem com a qualidade de vida dos Portugueses e, portanto, com o desenvolvimento da democracia social, económica e cultural do nosso país. Por isso, mais uma vez, e com toda a franqueza, digo que foi útil esta iniciativa do PCP, porque permitiu que, de novo, pudéssemos ter um debate político, embora se utilizem, por vezes, argumentos que, exactamente por não serem os mais adequados, poderão resvalar para a demagogia, o que, em meu entender, não tem sido o caso até agora.
Quero, no entanto, dizer que a primeira constatação a tirar da situação económica e social dos povos, nomeadamente da Europa, é a de que só em regimes políticos pluralistas, verdadeiramente democráticos, em que as liberdades não sejam palavras vãs nem figuras de retórica, é que é possível contribuir para que as condições de vida das populações em geral possam progredir.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): -Muito bem!
O Orador: - E não vale a pena estar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a gastar muito tempo com aquilo que tem sido a evolução dos países do Centro e do Leste da Europa, nos últimos meses.
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Temos vindo a verificar que porventura, tendo até bons objectivos, aqueles eram regimes utópicos, que, de facto, destruíram a economia daqueles países a troco da liberdade. E também sem liberdade não foi possível desenvolver naquelas populações uma consciência crítica que lhes permitisse, a cada momento, contestar e -por que não?...- contradizer as acções dos governos respectivos.
Por outro lado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é também um dado adquirido que as diversas camadas das populações dos diferentes países só podem defender os seus interesses legítimos se puderem organizar-se livremente. É isso que verificamos nos países da Europa Ocidental, e foi isso que não aconteceu nos países do Centro e do Leste da Europa. Isto é, enquanto os regimes democráticos europeus contribuíram claramente para a melhoria das condições de vida das famílias e dos trabalhadores, naqueles países aquilo que verificamos é que existem enormes desigualdades sociais e que uma pequena camada da população, detentora de todos os privilégios, se contrapõe à esmagadora maioria da população, cujas condições de vida foram uniformizadas pela mediocridade, pela falta de bens essenciais e, como já disse, pela falia de liberdade.
Portugal também sofreu a utopia socialista, nos primeiros anos que se seguiram à Revolução de 25 de Abril e, ainda até há pouco tempo, com a Constituição da República, que, antes da revisão de 1989, ainda dizia que a sociedade portuguesa deveria «caminhar para o socialismo» e que os meios de produção mais importantes deveriam ser nacionalizados... Só em 1989 é que foi possível alterar essa situação.
Já verificámos que o caminho rumo ao socialismo, nos países em que foi implantado, foi um caminho rumo à miséria, rumo à tirania, rumo à falta de liberdade!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Também em Portugal, a determinada altura, nos quiseram impor este sistema, e só não o conseguiram porque os Portugueses não o aceitaram. Mas, mesmo assim, os Portugueses tiveram de sofrer as consequências daquilo que eslava prescrito na Constituição de 1976, e que em 1982 o PS ainda se recusou a alterar e a rever, sobretudo na parte económica da Constituição.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador:- Isto é, só em 1989 é que Portugal passou a alinhar claramente pelos países da Europa Ocidental, cujas condições de vida agora o PCP vem reclamar também para os Portugueses - ainda bem! Curiosamente, o PCP não reclama para os trabalhadores portugueses as condições de vida que vigoram no países do Centro e do Leste da Europa...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -..., o que já significa um progresso e uma evolução dignos de registo.
De qualquer forma, em 1982, teria sido possível que o nosso país tivesse dado um grande salto em frente se os «complexos de esquerda» do PS não tivessem, nessa altura, impedido a revisão da Constituição na parte económica. De facto, só em 1989, a reboque das realidades europeias, da própria realidade nacional e das posições do PSD, é que o PS se dispôs, a rever a Constituição económica!
Vozes do PSD: - Infelizmente!
O Orador: - Naturalmente, até essa altura, toda a situação herdada do pós-25 de Abril foi nefasta, nomeadamente para o equilíbrio das contas públicas. E hoje diz-se amiúde que o Orçamento do Estado é deficitário, mas as pessoas que o fazem normalmente não se lembram de que se o Orçamento é deficitário é-o porque o Estado Português, como pessoa de bem que é, tem naturalmente de satisfazer as dívidas e os juros das dívidas contraídas a propósito e por causa da utopia socialista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poderíamos apresentar aqui grandes gráficos do que tem sido, por exemplo, a evolução das prestações sociais concedidas pelo governo apoiado pelo PSD e pelos governos socialistas.
Verificamos que, nos anos de liderança socialista no Governo, normalmente, ou não houve actualizações das prestações sociais ou, se as houve, foram só actualizações que ficaram muitíssimo aquém do aumento da inflação- recordo, por exemplo, o ano de 1984, em que a inflação praticamente «bateu» os 30% e as prestações sociais, as pensões dos nossos reformados e pensionistas foram actualizadas em valores inferiores a 20%. Isto é, também este governo e o PSD herdaram das actuações dos governos socialistas uma completa insensibilidade às questões sociais! E, se há alguém que efectivamente tem contribuído, dentro do possível, para que as prestações sociais sejam actualizadas - e têm-no sido sempre- em valores muito superiores à inflação verificada, tem sido o governo do PSD, e é por sua exigência que isso tem sido feito.
O PS não soube gerir nem os seus governos nem as preocupações sociais. E não há dúvida de que o progresso económico e social também só é possível se houver confiança, por parte da generalidade dos Portugueses, nos agentes económicos e nas políticas seguidas. Isso é um dado adquirido.
Tem sido com a estabilidade política que os governos do PSD têm trazido à nossa vida em comum que se tem conseguido aproveitar o desenvolvimento e o crescimento económicos no sentido de promover a verdadeira justiça social. Portanto repito - se alguém tem feito isso- e porque os números não podem mostrar o contrário- tem sido o governo do PSD!
Ainda há poucos dias, o Sr. Primeiro-Ministro leve oportunidade de anunciar que, sem demagogias, mas porque a realidade económica do País o permite, pela primeira vez, foi atribuído a todos os pensionistas e aposentados da função pública um 14.º mês, a exemplo do que acontece com a generalidade dos portugueses no activo.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - Foi o governo do PSD que criou as condições de crescimento económico que permitiram que, sem rupturas financeiras, mas com os pés bem assentes na realidade, pudéssemos, mais uma vez, ser nós, sociais-democratas, a consagrar na lei, para todos, e com garantias de que todos o vão receber, o 14.º mês, que era uma legítima reivindicação dos pensionistas e aposentados portugueses.
Ainda há poucos dias, aqui, neste Plenário, me foi grato ouvir uma Sr.ª Deputada referir-se a uma reivindicação da área de Setúbal no sentido de que fossem criadas condições para que uma escola de dança que lá existe pudesse progredir de modo a constituir-se em companhia profissional de dança, o que, Sr. Presidente e Srs. Depu-
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tados, demonstra, de facto, a evolução que tem vindo a verificar-se na nossa sociedade: há quatro ou cinco anos, quando havia 150 000 trabalhadores com salários em atraso, era impensável que uma Sr.ª Deputada do PCP viesse aqui falar-nos da necessidade de se criar uma companhia de dança profissional em Portugal! Mas isto também é positivo e significa que as condições de vida das populações têm vindo progressivamente a melhorar. Por sua vez, com a melhoria das condições de vida das populações, passa a ser possível abrir-lhes outras perspectivas no campo cultural que permitam a dinamização da sociedade portuguesa.
Hoje, felizmente, já não se fala nos salários em atraso. Essa foi uma herança que o governo do PSD recebeu do governo de maioria socialista. £ as situações inadmissíveis que se verificavam com os salários em atraso, em que os trabalhadores emprestavam a sua força de trabalho para a criação de riqueza e no fim do mês não recebiam salário, estão hoje ultrapassadas. E estão-no devido as políticas firmes que o governo do PSD tem vindo a desenvolver e à confiança que se estabeleceu entre os Portugueses. Mas, mesmo assim, essa herança do governo de maioria socialista foi resolvida por um governo do PSD, minoritário na altura, que atacou o problema, nomeadamente em termos de protecção social.
Fala-se muito também, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na questão dos contratos a prazo. Creio que esta situação existe em qualquer país do mundo em que exista economia de mercado e que queira aproveitar, tanto quanto possível, as suas possibilidades de desenvolvimento. Por exemplo, há actividades económicas de carácter sazonal em relação às quais não é possível dar outra resposta que não seja através da contratação temporária de trabalhadores para essas actividades. Não obstante este facto, devo dizer que, se no nosso país se atingiram limites inadmissíveis de utilização abusiva de contratos a prazo, isso deveu-se a uma lei socialista de 1976, lei essa que foi alterada -finalmente!- o ano passado e por iniciativa de um governo social-democrata.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - De resto, verificamos que a tendência, até então existente, de a contratação a prazo ser uma constante da actividade empresarial em termos de contratação de trabalhadores, hoje, já se inverteu e vai no sentido da criação de contratos de trabalho sem prazo. Esta é mais uma evolução positiva verificada nas relações de trabalho da nossa sociedade, evolução essa promovida, mais uma vez, pelo PSD!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tempo é escasso para o muito que haveria que dizer e para referir as muitas preocupações que, não obstante os progressos registados, continuamos a manter a este respeito. Não estamos -c creio mesmo que nunca poderemos estar- satisfeitos, sobretudo com os valores das pensões e outras prestações da segurança social.
Não posso, no entanto, deixar de realçar que foi também com o governo do PSD que, mais uma vez, foi pedida a colaboração da sociedade civil e que, na área da segurança social, é hoje inestimável a contribuição que as instituições particulares de solidariedade social, em acordo com o Governo, tem vindo a desenvolver no sentido da protecção e da melhoria das condições de vida, sobretudo de camadas mais desfavorecidas da população.
Creio que não valerá a pena referir-me à questão do emprego/desemprego. Felizmente, hoje, em Portugal, o desemprego tende a ser residual e estamos a dar, a este respeito, alguns exemplos concretos de políticas que o combatem, nomeadamente a outros países da Europa comunitária. E é sobretudo através do fomento de condições que permitam às populações, e às pessoas individualmente consideradas, o acesso a actividades profissionais produtivas que estamos também a contribuir decisivamente para combater desigualdades sociais que não sejam aceitáveis.
Nessa perspectiva, é indispensável que no nosso país se continue a trabalhar para que todos tenham acesso a uma actividade profissional remunerada, que seja simultaneamente produtiva, portanto criadora de riqueza. É através do emprego do maior número de cidadãos que, também nós, conseguimos contribuir para debelar desigualdades sociais. E isto que fique bem claro.
Aparecem, por vezes, no nosso país ostentações que são chocantes, mas não é por decreto-lei que se combate este tipo de comportamentos; é, sim, através da opinião pública, da tomada de consciência social dos cidadãos, que podemos contribuir para o combate a essas manifestações de ostentação, que não são nossas, mas, antes, de outros, que porventura se aproveitaram de políticas que não traduziam qualquer sensibilidade social, o que não é o nosso caso!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para concluir esta minha curta intervenção, mas aproveitando já algumas das ideias que resultaram do debate aqui travado, creio que com o PSD e com os sociais-democratas há, de facto, garantia de que contribuímos para desenvolver não só a democracia política como também as económica, social e cultural.
Só nós -e muito especialmente a partir de 1987 - conseguimos criar uma situação de estabilidade política no nosso pás que não permite aos hoje interpeladores tentarem aproveitar-se da fraqueza do poder político para conseguirem vantagens e benesses indevidas! É com esta política que poderemos continuar a contribuir para que a confiança que hoje se vive na sociedade portuguesa seja um factor de promoção de igualdade de oportunidades e também uma forma de conseguirmos criar riqueza para a distribuirmos justamente e combatermos situações de pobreza que existam e que a todos nos chocam, como é natural!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Ferraz de Abreu e Jerónimo de Sousa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Deputado Joaquim Marques, compreendo que o Partido Social-Democrata ande assustado com as suas próprias sondagens sobre o futuro do PSD e do Governo, portanto compreendo que cumpram a ordem, que receberam, de utilizar a cassette anti-Partido Socialista, em todas as circunstâncias.
Vozes do PSD: - Onde está essa «ordem»?
O Orador: - Mas haja um pouco de seriedade!...
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Por que é que o Sr. Deputado fala na herança que o Partido Socialista deixou ao governo Cavaco Silva e não fala na deixada pelos governos da AD ao Partido Socialista? Por que é que omite que, então, à frente do Ministério do Trabalho e da Segurança Social estiveram camaradas seus?
Vozes do PSD: - Camaradas!?
O Orador: - Somos companheiros de desgraça!...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - E ele próprio!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Joaquim Marques, como há ainda outros pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder Já ou no fim?
O Sr. Joaquim Marques (PSD): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): -Sr. Deputado Joaquim Marques, o seu discurso, com uma envolvente de consciência crítica social de possibilidade de organização livre, levou-me a uma reflexão: recentemente, a JSD preocupava-se muito com o facto de os jovens, por exemplo, se afastarem da vida política e social, de terem uma indiferença por isso.
Gostaria, pois, de colocar-lhe, de uma forma rápida, a seguinte questão: como é que um «trabalhador precarizado», um trabalhador com vínculo precário por um prazo de três meses, de seis meses e, às vezes, a trabalhar sob o regime de empreitada, à peça, à hora, ao dia ou à tarefa, pode assumir consciência social, pode organizar-se livremente, pode sindicalizar-se ou mesmo fazer greve?
Como é que esse «trabalhador precarizado», que não sabe o dia de amanhã, por razões de insegurança provenientes do esquema que este governo tem permitido, numa perspectiva de igualdade de oportunidades, consegue estar na mesma linha de partida em relação a um outro que seja efectivo?
Sei que esta e uma questão que o preocupa, pelo menos pelo seu discurso, mas, porque estamos a falar de desigualdades, de homens e de mulheres excluídos -que, pelas estatísticas, são talvez 700 000, pelas estatísticas, embora isso não interesse muito-, como é que o senhor consegue adaptar esse discurso à prática política deste governo, que vê na precarização uma condição fundamental para o êxito da sua própria política?
E, como 6 de desigualdades que estamos a falar, eu gostaria que no seu discurso social-democrata, que acabamos de ouvir, tivesse falado desta questão concreta da precarização, ou seja, gostaria que tivesse dito como é que é possível haver consciência social e participação, como 6 que é possível serem homens livres aqueles que estão sujeitos a um contrato a prazo ou, pior do que isso, a trabalho ao dia, à hora, à peça ou à tarefa?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.
O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Em primeiro lugar, agradeço as questões que a minha intervenção suscitou aos Srs. Deputados Ferraz de Abreu e Jerónimo de Sousa.
Ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu devo dizer que, tanto eu como a minha bancada, não estamos assustados; somos homens livres.
Há sondagens de opinião que dizem uma coisa, outras que dizem outra. De qualquer forma, o que é desejável é que, havendo sondagens, os Portugueses, no nosso sistema democrático, possam livremente escolher aqueles que querem, em cada momento, para dirigir o Governo, para estar aqui na Assembleia da República, ele.
Portanto, Sr. Deputado, a democracia não nos assusta e penso que também não assusta o Partido Socialista!... No entanto, às vezes, algumas das afirmações que os Srs. Deputados do Partido Socialista fazem dão a impressão de que essa é uma das preocupações que os senhores têm! Nós não a temos, Sr. Deputado! Que ganhem as próximas eleições os que tiverem a seu favor a maioria do povo português! Tem sido assim desde 1976, tem sido essa a nossa postura e vamos continuar a lutar e a trabalhar para que assim seja!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, não temos receios, Sr. Deputado!
Quanto às «heranças», o Sr. Deputado Ferraz de Abreu referiu que havia pessoas do PSD no governo de maioria socialista. Nomeadamente, falou de um ministro -que eu referi- e de outros membros que eram camaradas do meu partido. Não me escandaliza a expressão «camaradas», «companheiros», «amigos»...
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Eram do seu partido!
O Orador: - Com certeza! Aliás, temos muita consideração por esses nossos companheiros, simplesmente, eles estavam integrados num governo de maioria socialista e, tanto quanto sei, o primeiro-ministro desse governo era o Dr. Mário Soares e não o Professor Cavaco Silva.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - As heranças que esses governos também receberam eram do passado!
O Orador: - Exacto! Mas o que nós recebemos foi esta herança dos salários em atraso e de pensões extremamente degradadas, porque o Partido Socialista nunca se preocupou com isso. Por essa razão, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, é que devo dizer que não era possível a um ministro social-democrata, num governo de maioria socialista, promover e desenvolver políticas de carácter social, que naturalmente pretenderia desenvolver, mas que a maioria socialista não permitiu!... A menos que o Sr. Deputado Ferraz de Abreu me venha dizer que os ministros sociais-democratas do chamado governo do bloco central tinham mais poder no seio do governo do que o primeiro-ministro e do que a maioria dos membros desse governo socialista.
O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa falou na questão -e vou ser muito breve, porque, de facto, o meu tempo está a terminar- da precarização do emprego.
É evidente -não tenho dúvidas em dizê-lo- que um trabalhador que esteja numa situação de trabalho temporário, precário, ou mesmo com contrato de trabalho a prazo, tem naturalmente, em termos de liberdade de actua-
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cão e até em termos de preservar o seu futuro, muito maiores condicionalismos do que um trabalhador que não se encontre nessas circunstâncias. Não tenho dúvidas sobre isso, mas isso acontece tanto em Portugal como em qualquer outro país. Portanto, o que temos de fazer 6 contribuir para que, progressivamente, essas situações possam ir desaparecendo. E foi isso o que o governo do PSD fez com a lei de 1989 que revogou o decreto-lei socialista de 1976, que, esse sim!, punha os trabalhadores, todos, ao livre arbítrio das entidades patronais que não tivessem escrúpulos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de dois relatórios da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido.
É o seguinte:
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos, realizada no dia 3 de Julho de 1990 pelas 10 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado:
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):
Eduardo Ribeiro Pereira (círculo eleitoral de Setúbal), por Alberto Marques Antunes [esta substituição é pedida nos termos da alínea ti) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 29 de Junho passado a 31 de Outubro próximo, inclusive]:
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado e realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer.
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente-José Manuel M. Antunes Mendes (PCP), secretário - Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário - Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD)-Belarmino Henriques Correia (PSD) - Daniel Abado Ferreira Bastos (PSD)-Domingos da Silva e Sousa (PSD)-João Álvaro Poças Santos (PSD)-José Augusto Ferreira de Campos (PSD)-José Manuel da Silva Torres (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD)-Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Francisco Barbosa da Costa (PRD).
Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta.
Para a leitura do outro relatório, tem a palavra o Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - De acordo com o solicitado pela Procuradoria-Geral da República acerca da Sr.ª Deputada Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a referida Sr.ª Deputada a ser inquirida na qualidade de testemunha no âmbito do processo em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar também este parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há muito tempo que se não vivia tão bem em Portugal!... Os indícios da nossa prosperidade são por demais evidentes!...
Com um crescimento económico acelerado, Portugal é já um país industrializado... «rolando» feliz, com um parque automóvel que já desafia qualquer parceiro comunitário: os Audi, os Rover 820 Vitesse, os Porsche, os Lancia Dedra, os Mercedes com chauffeur e telefone já europeizaram as estradas portuguesas. As «Dadinhas», as «Mizés», as «Piluchas», as «Titãs» e as «Kikas» estão novamente em grande forma...
Risos.
..., demonstrando a «boa qualidade» da nossa vida nos bailes de debutantes, casamentos e baptizados de todos os «von» e «van» do nosso País, que a Olá vastamente documenta!...
Risos.
O Casino Estoril retomou o antigo brilho: Assis Ferreira e Vasco Fraga não têm mãos a medir nas galas que esgotam invariavelmente.
É claro que há algumas faltas ainda: os modelos exclusivos da Yves Saint Laurent ou da Dior ainda são difíceis de encontrar nos nossos centros comerciais, mas isso pode ser uma vantagem quando nos dias que correm é tão fácil e barato «dar um saltinho» à cidade das luzes!...
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Em contrapartida, podemos orgulhar-nos de que nas lojas chiques das Amoreiras os produtos mais caros se vendem rapidamente...! Na verdade, os vestidos de custos idênticos a vários salários mínimos têm uma enorme procura neste Portugal de 1990!
Não obstante este «enriquecimento espantoso», os Portugueses continuam a ser generosos, a ilustrá-lo está o exemplo dado petos presentes no baile de beneficiência realizado no passado sábado por ocasião da ida do Sr. Presidente da República a Coimbra.
Perante os miseráveis 13 500$ -consumo mínimo do evento-, muitos convivas decidiram entregar-se à caridade com cheques bastante mais avultados.
Somos, pois, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, um país que caminha a largos passos para a felicidade..., e Portugal está, de facto, na moda! Hoje é em Portugal que se come, veste, transporia e vive bem!...
É o milagre da política económica do Executivo. Se é verdade que o Sr. Primeiro-Ministro é magrinho, é igualmente correcto que etc. tem sido o mecenas de «novos-gordos» no nosso paus!...
Revoltante é que a este pequeno país cor-de-rosa...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Laranja!
A Oradora: -... corresponda um pais bem maior e enormemente negro. Portugal tem seguramente mais ricos, mas tem, igualmente, cada vez mais pobres. Por cada nova estrela que se ergue no firmamento do nosso jet-set muitas estrelas perdem luz própria e morrem para o nosso universo de direitos, garantias e liberdades constitucionais.
Portugal é, pois, um paraíso: o paraíso das desigualdades e das injustiças sociais.
O salário mínimo nacional vale bastante menos do que, um fato da Hugo Boss e a inflação, que o Governo não controla, anula os seus aumentos ridículos.
A incapacidade governativa para assegurar uma justa distribuição dos rendimentos determina que a parcela do rendimento nacional que cabe a quem vive do seu trabalho seja claramente a mais baixa dos países da CEE.
Mas como, se Portugal tem o crescimento económico mais acentuado dos seus parceiros europeus?
É que, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, na política do Executivo, o capital tem sido favorecido em detrimento do trabalho.
Também na actividade do Estado não há indícios de que se persiga a atenuação dos problemas sociais mais graves dos Portugueses. Assim, ao crescimento do PIB, não tem correspondido a melhoria do nível de vida e do bem-estar dos estratos mais desfavorecidos da população.
A prová-lo estão os factos: é nas zonas de maior crescimento económico que a degradação social se acentua. Ainda ontem se podia ler num jornal da tarde um relato sobre a prostituição e a exploração infantil no distrito de Aveiro, um dos mais industrializados do Pais. Em Portugal, crescimento económico e industrialização do País é igual a riqueza fácil para alguns, pobreza e degradação extrema para outros.
Na verdade, a estratégia do crescimento assenta no baixo preço relativo da mão-de-obra portuguesa e, sendo assim, tem como consequência social inevitável a intensificação da exploração dos trabalhadores e o agravamento das suas condições de vida e de trabalho.
A baixa quota dos salários no rendimento nacional deve-se igualmente ao baixo nível médio de qualificação dos trabalhadores portugueses. Na óptica da preparação dos nossos trabalhadores para a livre fixação e circulação de pessoas na Europa Comunitária, a política do Governo permanece muito aquém daquilo que seria exigível. A formação, apesar das importantes somas despendidas, continua com baixa qualidade, sem assegurar garantias de qualificação profissional para a nossa mão-de-obra.
O crescimento económico acelerado sem dimensão social expulsa e marginaliza do sistema aqueles que socialmente são os mais frágeis: as crianças, os jovens, os deficientes, os reformados, os de rendimentos mais fracos!
As bolsas de pobreza, que alastram, são constituídas por essas crianças que dormem na rua, por esses deficientes sem integração social vivendo da caridade, por esses reformados com rendimentos claramente abaixo do limiar da sobrevivência!
O Governo dir-nos-á que combate a pobreza com 2 milhões de contos. O Governo, tal como Penélope, tece durante o dia o tapete que desmanchou durante a noite. Esta política de liberalismo sem preocupações sociais, crescimento económico a todo o custo, como objectivo em si próprio, gerador do enriquecimento de poucos e do empobrecimento de muitos, é da responsabilidade do Governo. Não quer o Governo entender que a causa profunda da pobreza é o próprio modelo de desenvolvimento que tem protagonizado a frente dos destinos do País e que, por isso, a sua solução não pode passar, nem passará nunca, por programas sectoriais, mas sim pela inversão completa da sua política global.
Tivesse o Governo desenvolvido desde 1987 uma política de justiça social, não seria hoje necessário qualquer programa para erradicar a pobreza, pois esta seria inexistente.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Desde o início desta legislatura que vimos alertando o Governo para as questões sociais. Todos os agendamentos que fazemos na Assembleia da República têm privilegiado a problemática social com um enfoque especial nos grupos sociais mais vulneráveis. Sempre dissemos que não nos assusta a economia de mercado, desde que sejam salvaguardados e reforçados em proporção os direitos sociais e assegurados os mecanismos que, de facto, realizam a igualdade de acesso a esses direitos.
A estratégia de desenvolvimento deve ter como centro e finalidade o ser humano e o bem-estar dos cidadãos e a sua qualidade de vida, e jamais as médias enganadoras. O Governo tem procurado transmitir à opinião pública a ideia de que uma política que privilegie a melhoria das condições de vida dos que vivem do trabalho prejudica o crescimento económico. Com este argumento o Governo tem obrigado e mantido os Portugueses no sacrifício. O tempo tem passado e as melhorias revertem para uma camada social minoritária.
Nós, PRD, recusamos a filosofia do Governo nesta matéria! Na verdade, uma política de desenvolvimento social não só não contraria como é factor necessário e indispensável ao progresso do País!
A próxima adesão ao sistema monetário europeu (SME) trará mais limitações e sacrifícios aos Portugueses. Baixar a taxa de inflação tem significado sempre, na política governamental, reduzir o poder de compra dos Portugueses e dos trabalhadores, em geral. Serão, pois, mais uma vez, os trabalhadores a sofrer as consequências da adesão ao SME. Por isso, o Primeiro-Ministro, como
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dizia o Financial Times de ontem, fará todos os possíveis para aderir ao SME só após 1991, porque essa adesão implica medidas impopulares, que o Governo abrandará no próximo ano.
1991 será, de facto, o ano da gestão propagandística conjuntural dos capitais poupados com o desinvestimento nas estruturas sociais e nos salários dos trabalhadores dos últimos três anos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vale a pena aprofundar esta temática. É preciso dar a perceber e convencer os Portugueses e os governantes de que há condições para fazer mais e melhor. Há outros rumos e outras alternativas de política que o Governo, obcecado com Keynes e timings eleitorais, não se atreve sequer a ensaiar.
Aprovamos, pois, a iniciativa de se realizar o seminário proposto pelo PCP. Será, de resto, uma boa oportunidade para os deputados e governantes do PSD, confrontados com os estudos sociológicos que se impõem, não poderem desmentir as afirmações que aqui fazemos nem menosprezarem as preocupações que manifestamos.
Aplausos do PRD.
Vozes do PSD:- Muito mal!
O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A política de habitação deste governo, apesar de quatro anos de crescimento económico, tem agravado as desigualdades no acesso àquela.
Assim, uma das primeiras medidas que tomou foi acabar com o crédito colectivo às cooperativas de habitação, obrigando-as a servirem de meros intermediários vendedores, visto o cooperante ter de contratar individualmente o crédito junto das instituições bancárias especializadas.
Com esta medida, impediu a função social que aquelas praticavam, pois possibilitavam o acesso das camadas de recursos mais débeis à habitação, distorceu a composição social das mesmas e desligou o cooperante da cooperativa.
Mas, não contente com este ataque descarado ao ideal cooperativo, instituiu os célebres plafonds que retardam o financiamento da obra e oneram extraordinariamente o custo dos fogos, obrigando muitos cooperadores a desistirem por falta de poder financeiro para suportarem os juros decorrentes da paragem devida aos plafonds.
Assim, depois de alterar a composição social das cooperativas, que hoje são constituídas por pessoas com capacidade de pagarem os altos juros dos empréstimos, hipocritamente chama-lhe política de habitação social.
Mas o verdadeiro retrato desta política está no reconhecimento oficial de, no concelho de Lisboa, existirem 15 730 barracas onde se alojam 48 121 pessoas, reportando-se este número às barracas numeradas e não englobando «casas abarracadas» que existem em núcleos habitacionais como o Casal Ventoso, Tarujo e outros.
Nos bairros de rendas sociais, aumentaram as rendas - em muitos casos, para mais de 1000%- e as rendas técnicas para valores que excedem os rendimentos das famílias que aí vivem (alente-se que as famílias que aí vivem são, na grande maioria, provindas de barracas e que, com esta política, o Governo arrisca-se a que elas se multipliquem ainda mais...).
Daí o PCP, compreendendo o drama destas populações e integrado na preparação desta interpelação, ler já entregue na Mesa desta Assembleia um projecto de lei sobre «renda apoiada», que visa solucionar este problema e que constitui um dos nossos contributos para acabar com as desigualdades no acesso à habitação.
Em relação ao acesso à habitação própria, o recente aumento em 2 pontos percentuais das taxas de juro, a alteração do limite da isenção de sisa de 10 000 para 5000 contos, a contribuição autárquica, o IRS e o congelamento ou arrastamento dos empréstimos permitem ainda agravar mais o acesso à habitação própria.
Assim, este arrastamento tem como consequência o agravamento dos custos da habitação, além de que o sistema de pagamento dos empréstimos, da maneira como está estruturado, implica o pagamento de juros sobre os próprios juros para quem contrai o empréstimo, com a agravante de o processo se arrastar por 25 anos a um ritmo crescente (quase de progressão aritmética).
Por outro lado, os CDH, ou seja, a construção de habitação a custos controlados, que seria a grande solução para o Governo do problema do défice habitacional, tem-se revelado um verdadeiro fiasco. Assim, os prazos de construção não são cumpridos, o que obriga a que andares que eram para ser vendidos por 2600 contos sejam vendidos ao preço do mercado, o que tem como consequência um grande número de abandonos de promitentes compradores, devido à alteração dos parâmetros de venda, agravando, assim, mais ainda as desigualdades no acesso a uma habitação própria.
Perante esta desastrosa política de habitação, perguntamos: como pensa o Governo cumprir o artigo 65.º da Constituição da República, atendendo a que a maioria da população portuguesa não tem capacidade de acesso ao crédito?
Sim, Srs. Deputados da maioria e Srs. Membros do Governo, como pensam resolver o problema dos insolventes?
Não será certamente com a proposta de lei n.º 158/V, de alteração à lei das rendas, que, no seu artigo 2.º, simplifica a cessação do contrato de arrendamento, permite aumentar as rendas condicionadas de acordo com o valor actual do fogo, promete contratos de arrendamento a prazo, permite a cessação do contraio por via judicial e restringe a transmissão do fogo de pais para filhos, etc.!...
Já é tempo de haver solução para o grave problema da habitação em Portugal, e essa solução passa, necessariamente, pela elaboração de um plano nacional de habitação, a médio prazo, que defina claramente o número de habitações a implementar, com o fim de reduzir ou extinguir o défice habitacional, e pela definição clara de uma política de solos, mas, sobretudo, pela aplicação, de uma vez por todas, do n.º 4 do artigo 65.º da Constituição.
No entanto, só é possível a redução dos custos de construção e dos preços de venda da habitação se se conseguir conter a especulação fundiária e a redução de impostos, que hoje representam 40% do custo final. Mas é também necessária a definição de uma política de financiamento, que facilite o acesso à habitação e acabe com as desigualdades, e a aplicação, na prática, do n.º 3 do artigo 65.º da Constituição, para resolver o problema dos insolventes através das construção de habitação verdadeiramente social.
Por último, é necessário criar programas de reabilitação e de conservação das 7.º nas degradadas e dos bairros clandestinos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Para finalizar, direi que a política habitacional
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deste governo -se é que ela existe!?...- lembra-me um velho rifão «gandanês», que a traduz perfeitamente: «Os bons pedreiros até das telhas fazem cacos.»
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.
Entretanto, reassumiu, a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª Deputadas e Srs. Deputados: A falta de habitações e equipamentos sociais constitui -não será exagerado afirmá-lo- uma das mais graves carências da sociedade portuguesa!
A falta de casas, as más condições de habitabilidade e os elevados encargos com o alojamento têm graves implicações humanas, sociais e económicas, condicionando não só a qualidade de vida dos Portugueses como o próprio desenvolvimento do País.
O diagnóstico é conhecido: 50000 famílias vivendo em barracas; 110 000 famílias vivendo em co-habitação; 140000 fogos em regime de sobreocupação; 130 000 fogos degradados e irrecuperáveis.
Decorreram quatro anos em que o Governo beneficiou de uma conjuntura económica favorável proporcionada pela nossa entrada na CEE, em 1986.
No seu programa, o Governo prometia estimular a actuação das instituições e agentes económicos neste domínio e reconhecia o papel do Estado para «prosseguir a acção eminentemente social de criar condições para que as famílias de menores recursos tenham acesso à propriedade habitacional» e prometia «assumir o custo social do realojamento das famílias mais carenciadas».
Vejamos o que foi feito: o Governo não gosta de falar de habitação social e, por isso, o seu programa para dar resposta às necessidades das famílias de menores recursos foi apenas publicado em finais de 1988 e com o nome, então muito propagandeado, de «Programa de Desenvolvimento de Habitação a Custos Controlados». O Governo prometia concluir 49 000 fogos de habitação social em quatro anos; contudo, em 1988, deveriam ter sido concluídos 6400 fogos, e, na realidade, ficou-se pelos 3500; para 1989, o Governo anunciou 8400 fogos, e só foram concluídos 5700; e, neste ano de 1990, o Governo pretendia ser mais ambicioso e concluir 16 000 fogos. Quantos serão realizados, Sr. Ministro? De acordo com os programas em curso, não é seriamente possível esperar que o programa seja cumprido, sequer, a 50%!...
Nos últimos dois anos apenas o sector cooperativo correspondeu, de facto, às metas anunciadas, atingindo realizações de 85%, em 1988, e de 90%, em 1989.
Os contratos de desenvolvimento realizados em colaboração com a iniciativa privada apenas contribuíram, em dois anos, com a produção de 989 fogos (menos de 40% daquilo que o Governo prometia ao País ainda há menos de dois anos!).
É que, Sr. Ministro, a iniciativa privada não é uma «varinha de condão», e, se o Estado não criar, como lhe compete, condições propícias à sua intervenção, não pode superar as suas carências.
Se analisarmos o que se passa com os programas destinados às classes mais carenciadas, ou seja, os programas de realojamento e de promoção de habitação
social para arrendamento, o panorama ainda é mais confrangedor... As próprias metas do Governo são, neste domínio, modestas e claramente inadequadas às reais carências do País, apontando apenas para 2900 fogos em dois anos.
Mas será que as promessas foram cumpridas? Foram concluídos quantos fogos, Sr. Ministro? As estatísticas oficiais indicam 887, ou seja, 30% do que fora proposto. Convenhamos que é pouco!...
E que perspectivas se apresentam para os próximos anos? Os contratos assinados em 1989 correspondem a 2276 fogos, o mesmo número dos contratos assinados em 1988 e um cumprimento de menos de 60% das metas que o Governo a si próprio se tinha imposto no seu programa de habitação a custos controlados.
Aliás, o número de fogos de habitação social em perspectiva para o futuro afasta-se cada vez mais das metas programadas: em 1988, os contratos realizados correspondiam a 66% do que fora previsto e, em 1989, o grau de cumprimento do programado era de 51%.
Apesar da conjuntura positiva que o País viveu desde 1986, com a entrada na CEE e os financiamentos de que beneficiou, nunca, desde 1976, se construiu tão pouca habitação para as classes de menores recursos. Assim, de 1986 a 1989, foram construídos 16 800 fogos de habitação a custos controlados, ou seja, 4200 por ano, enquanto e, apesar da difícil conjuntura então vivida, em 1982, 1983, 1984 e 1985, foram concluídos, respectivamente, 5900, 8900, 9750 e 5750, num total de 30 000 fogos- praticamente o dobro do que este governo conseguiu!
Aliás, a percentagem de fogos de habitação a custos controlados, que correspondia, em 1983/1984, a 24% do total dos fogos concluídos, tem vindo sistematicamente a descer desde que o Sr. Cavaco Silva tomou posse...
O Sr. João Salgado (PSD): - O «senhor»!...
A Oradora: -.... tendo baixado para 16%, em 1986, para 11%, em 1987 e 1988, atingindo o «fundo» com apenas 8%, em 1989!
O Governo prometia no seu programa «que os recursos financeiros disponíveis seriam afectos prioritariamente a uma política de habitação social». Verificámos, porém, que não disponibilizou recursos!
Parafraseando a admirável peça de Karl Valentim, será que o Governo pensa que «é possível exterminá-los»?
Face à falência dos resultados obtidos com os instrumentos que criou, será que o Governo vai alterar os seus métodos e adoptar medidas de apoio à promoção de habitação social?
O movimento cooperativo, ao qual o Governo atribuía 48% da responsabilidade na promoção de habitação social, tem contribuído com mais de 70% dos fogos efectivamente construídos, mas o Governo não tem políticas eficazes de apoio a este sector. Assim, os fogos produzidos, apesar de apresentarem custos inferiores em cerca de 30% a 40% em relação aos fogos do denominado mercado livre, atingem já valores que não se coadunam com as posses das camadas mais desfavorecidas... E mesmo as cooperativas começam a produzir casas que os próprios sócios não têm capacidade de adquirir, como acontece, neste momento, com uma cooperativa de Campo Maior, que tem 100 fogos concluídos mas cujos sócios não dispõem dos rendimentos necessários à concessão de crédito.
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O aumento catastrófico das taxas de juro, a que acresce o aumento de cerca de 23%, em 1988, e de 25%, em 1989, do custo por metro quadrado da habitação, tem levado a que grande parte das famílias de rendimentos médios e baixos não possa recorrer ao credito por os empréstimos necessários ultrapassarem a taxa máxima de esforço legal, mesmo para a compra de habitação a «custo controlado».
Aliás, o Governo apenas financia o sector e não contribui economicamente para o seu desenvolvimento, uma vez que a taxa de IVA cobrada de 8% é superior aos cerca de 5,7% de abaixamento da taxa de juro que concede.
Aliás, o próprio financiamento concedido pelo INH (Instituto Nacional de Habitação) atravessa, neste momento, uma enorme crise, o que tem levado a não cumprir contratos já assinados, não honrando os próprios compromissos assumidos e colocando os agentes económicos, em particular as cooperativas, em situação grave de não pagamento.
Espero, Sr. Ministro, que resolva, a curto prazo, esta absurda situação conjuntural, só explicável pela falta de cuidado na programação com que este sector é tratado. No que respeita a compromissos não assumidos, vou também assinalar-lhe, Sr. Ministro, a actuação paradigmática que está a viver uma cooperativa de jovens -a HABUOVEM- que comprou um terreno no Zambujal, alienado pelo IGAPHE (Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado), terreno que foi, aliás, pago integralmente, em Março de 1989, por financiamento concedido pelo INH. Só que, por responsabilidade do IGAPHE, não foi realizada a escritura, uma vez que no terreno ainda se encontram em funcionamento uma escola e um jardim infantil, e a cooperativa não só viu o seu programa de construção atrasado, com os custos inerentes neste período de inflação acelerada, como pagou ao IHN juros sobre o preço do terreno.
Só em Abril de 1990 o problema foi desbloqueado e, neste momento, o INH diz não ter dinheiro, o que vai provocar não só um novo atraso como virá onerar o custo das habitações a construir, isto no caso de o Governo agir no sentido de evitar o protelamento da grave situação que se verifica actualmente no INH.
Não será, assim, possível respeitar as taxas de esforço para obtenção do financiamento por parte dos sócios. E o círculo vicioso fecha-se numa situação desajustada que não responde às necessidades dos Portugueses.
Aliás, a concessão de crédito à habitação em geral tem vindo a decair de ano para ano, passando de 57000 contratos, em 1987, para 42700, em 1988, e 37300, em 1989, o que é a prova cabal da falência da política de habitação do Governo, cujos parâmetros correspondem, cada vez menos, à realidade do País, mesmo para as classes médias.
A total dependência dos parâmetros que regem o crédito à habitação da política financeira do Governo está a determinar a sua falência.
A AECOPS assinala milhares de fogos por vender, como resultado do acréscimo de fogos concluídos em 1988 e 1989, o que já está a afectar a confiança dos construtores e prova a desconexão das metas atingidas e a sua inadequação das medidas às necessidades reais da população.
É assim que se desbarata a conjuntura favorável, que se verificou no País, e se vem provocar uma conjuntura que não facilita a necessária reestruturação do sector da construção, que terá de responder a enormes desafios nos anos vindouros.
Para terminar, gostaria de salientar as necessidades de recuperação do parque habitacional existente no País, em que mais de 700 000 fogos ultrapassaram a idade técnica limite dos 70 anos.
Para a globalidade do território nacional, existem 400 000 alojamentos que carecem de obras de recuperação urgentes e cerca de 700 000 de obras de beneficiação mais ligeiras.
O Programa de Recuperação de Imóveis Degradados (PRID), que permitiu a beneficiação de 3600 fogos, em 1983, em vez de ser melhorado e reforçado, foi extinto e o novo Programa RECRIA apenas se aplica ao parque arrendado e tem tido uma influencia diminuta, revelando-se inadequado às necessidades existentes.
Face a este quadro, que ignora o problema das camadas mais carenciadas mas atinge lambem negativamente a população com rendimentos médios, urge uma rápida mudança de política.
Assinalo de seguida e rapidamente os eixos fundamentais das reformas que, no entender do PS, urge empreender no domínio da habitação social:
Primeiro, a definição rigorosa, explícita e realista dos objectivos quantitativos e sociais.
Segundo, a instituição de critérios e normas para o fomento e controle da qualidade habitacional.
Terceiro, a flexibilização e descentralização da promoção habitacional, dotando os Municípios dos meios técnicos e financeiros para a produção de habitação social, apoiando o desenvolvimento do cooperativismo.
Quarto, a redução dos custos de construção e dos preços finais de habitação.
Quinto, a implementação de um sistema de financiamento que estimule a poupança previa.
Sexto, a adopção de medidas e programas específicos para a reabilitação, conservação e plena utilização do parque existente e da reconversão das áreas degradadas.
Espero, Sr. Ministro, que, com a mesma simplicidade com que aceitou a minha sugestão de abertura da quinta faixa da ponte sobre o Tejo, aceite também dar corpo, neste último ano de mandato, às reformas que se impõem e que o PS aqui preconiza para que seja finalmente desenvolvida uma verdadeira política de habitação social.
Aplausos do PS e risos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa foi informada de que há consenso para atribuir mais cinco minutos a cada grupo parlamentar, estando ainda inscritos para intervir o Sr. Ministro da Saúde e os Srs. Deputados João Camilo, Ilda Figueiredo e Narana Coissoró.
ara uma intervenção, tem, pois, a palavra o Sr. Ministro da Saúde.
O Sr. Ministro da Saúde (Arlindo de Carvalho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em interpelação sobre as desigualdades sociais, vale a pena falar sobre o sector da saúde, na perspectiva de quem tem algo de essencial a dizer e na exacta medida em que podemos falar de coisas concretas, do muito do que está feito e do tanto que vamos realizar e na perspectiva também da indicação de acções úteis e da identificação séria dos pontos de tendencial desequilíbrio, para que as oposições não possam dizer que o Governo está cego e surdo e legitimamente afirmar que o Governo está parado.
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Procurei, portanto, sistematizar as eventuais áreas onde se poderiam verificar desigualdades para, de uma maneira muito breve, informar esta Câmara das acções que têm vindo a ser desenvolvidas e que são:
Primeira, o reconhecimento e divulgação dos direitos dos utentes como forma de atenuar as desigualdades culturais e sociais.
Com efeito, foi criado e encontra-se em funcionamento o Gabinete do Utente, que procura ser um instrumento de gestão e, simultaneamente, um meio de defesa dos utentes. Os últimos dados apurados, relativos à natureza das reclamações, revelam que foram recebidas 1026 questões, sendo 43,1 % das reclamações respeitantes à organização dos serviços, 27,6% relativas à qualidade da assistência hospitalar, 17,3% ao comportamento dos funcionários e 12,4% no sentido de dar sugestões.
Por outro lado, toda a legislação tem sido encaminhada para o objectivo de garantir claramente a defesa dos direitos dos utentes.
Segunda, sobre as desigualdades geográficas, pode hoje afirmar-se que a cobertura dos equipamentos de saúde, englobando os já existentes e os que se encontram em construção, garante uma cobertura quase completa de toda a extensão do território nacional. Aliás, em recente visita ao nosso país de elementos da Federação Internacional dos Hospitais, foi retirada, no final dos trabalhos, essa clara conclusão.
Na área dos cuidados de saúde primários, existem actualmente no continente: 349 centros de saúde, 1917 extensões, 141 com internamento, 3268 camas e 184 centros de saúde com atendimento permanente. Nos últimos três anos, foram construídos e estão em funcionamento 22 novos centros de saúde, estando ainda em conclusão 23 até final do corrente ano.
O Sr. Dias Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Deste modo, está-se decididamente a reduzir as desigualdades regionais, procurando aproximar os equipamentos de saúde dos cidadãos.
No âmbito dos cuidados diferenciados, encontram-se em construção 7 hospitais, que representam 2940 camas, com custos estimados de 38 milhões de contos; estão em programação S novos hospitais, com custos estimados de 25 milhões de contos e capacidade de cerca de 2100 camas.
A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Não diga que está satisfeito com isso, Sr. Ministro?
O Orador: - Isto para não referir as grandes ampliações e remodelações em curso ou em vias de lançamento de concurso, como sejam os casos do Hospital de Santo António ou do Hospital Eduardo Santos Silva, em Gaia. É também de referir que o investimento total em novas construções, grandes ampliações e remodelações poderá atingir, até 1998, aproximadamente 100 milhões de contos. Com estes investimentos a saúde ganhará 5000 novas camas e 2000 camas remodeladas.
Terceira, sobre as desigualdades em matéria de recursos humanos, o que está feito e o que se encontra em curso é de molde a poder afirmar que a distribuição de recursos humanos caminha para uma cobertura homogénea e de acordo com os ratios definidos para o efeito.
Alguns indicadores evidenciam, claramente, esta afirmação: no período de 1988-1989, constata-se um aumento importante do número de enfermeiros e técnicos de diagnóstico e terapêutica, tendo-se verificado a redução do número de habitantes por profissional de 45 e 447, respectivamente.
No mesmo período, verificou-se, na zona litoral, uma redução de 155 médicos, enquanto na zona periférica e mesmo na ultra-periférica se observou um aumento significativo de mais 24 e 94 médicos, respectivamente, com evidência para a Guarda e Viseu.
Relativamente aos técnicos de diagnóstico e terapêutica, o comportamento em 1988-1989 foi semelhante ao dos médicos.
Com o objectivo de melhorar ainda mais a distribuição, irão privilegiar-se as zonas ultraperiféricas nos concursos que decorrem pelo recente descongelamento das quotas de 1000 enfermeiros e de 200 técnicos de diagnóstico e terapêutica.
Quarta, sobre as desigualdades em termos de acesso, há um ponto fundamental a esclarecer e que é este: em toda a parte do mundo, existem dois grandes conflitos latentes, um entre as disponibilidades e as necessidades e outro entre os recursos e a qualidade.
Temos de reconhecer que os recursos nem sempre são suficientes, pelo que têm de estabelecer-se prioridades, competindo aos profissionais do sistema definir, no seu elevado critério, regras de acesso aos mais necessitados uma vez que, apesar dos investimentos já efectuados e em curso, ainda não é possível garantir o acesso imediato e universal, mas temos esperança de que, com a abertura da nova lei de bases, se consigam obter melhorias substanciais no acesso.
Quinta, sobre a qualidade dos serviços prestados, tem-se caminhado decisivamente para a redução das diferenças de qualidade, face aos diversos estratos sociais.
Hoje pode afirmar-se, sem receio, que as diversas entidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS), quer da área dos cuidados de saúde primários, quer da área do cuidados de saúde diferenciados, são de reconhecida qualidade, sendo os mesmos prestados sem qualquer discriminação em relação aos utentes.
Não existem ainda elementos quantificados disponíveis, mas estão criadas, a partir da Escola Nacional de Saúde Pública, equipas para avaliação da qualidade dos cuidados, prevendo-se que venham a ser analisados entre 10 e 15 hospitais. Existe ainda um inquérito em curso sobre o grau dê satisfação dos utentes em alguns hospitais, designadamente no de S. José.
Sexta, sobre a desigualdade económica e os grupos de risco, e porque se reconheceu que a gratuidade absoluta pode conduzir a situações socialmente injustas, a revisão constitucional veio introduzir um novo conceito que procura a equidade e a justiça no que respeita à participação nos custos, em função das condições económicas dos utentes.
Aliás, reconhecendo tal diferença, este governo e o anterior têm vindo a caminhar no sentido de eliminar algumas injustiças decorrentes das diferentes condições económicas de alguns utentes ou grupos de maior risco, estando neste caso: todos os grupos constantes da Portaria n.º 344-A/86, de 5 de Junho; os doentes renais, a quem é assegurado tratamento gratuito e que custa ao Estado cerca de 1400 contos/ano cada, garantindo-se o tratamento, quer através da rede de hospitais públicos, quer através de entidades privadas que celebram convenções com o Estado; os alunos de diversas escolas do País, através de acções de vigilância de saúde escolar desen-
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volvidas por equipas de saúde constituídas por médicos, enfermeiros, psicológicos e sociólogos, no âmbito do PIPSE; a vigilância infantil, com vista à redução da morbilidade e mortalidade infantis.
A este propósito, refira-se que a taxa de mortalidade infantil, que era de 14,14 %o, em 1987, desceu para 11,9%* em 1989.
de assinalar ainda as notáveis descidas em alguns distritos do interior do País, tais como: Vila Real, onde, em 1987, era de 23,56 %o e, em 1989, de 14,61 %o\ Castelo Branco, onde, em 1987, era de 19,62 %o e, em 1989, era de 13,62 %e< em Évora, onde, em 1987, era de 14,91 %o e, em 1989, é de 10,41 %« Viseu, onde, em 1987, era de 153 %o e, em 1989, é de 12,02 %o.
Se bem que os factores causais destas descidas sejam múltiplos, é indiscutível que a melhoria da prestação dos cuidados de saúde à grávida e ao recém-nascido é factor da maior importância.
Salienta-se ainda: o programa de planeamento familiar e vigilância da grávida, no âmbito do qual em todos os centros de saúde e extensões são praticadas actividades de planeamento familiar e distribuídos gratuitamente anticoncepcionais; o programa nacional de vacinação, que levou já à erradicação da poliomielite e da difteria e ainda do tétano neonatal.
Por último, é de realçar o «Plano Nacional de Luta contra o Cancro», apresentado a passada semana e que consiste num plano ousado, que será desenvolvido ao longo de cinco anos e que inclui acções programadas no âmbito da prevenção, do tratamento e da reabilitação.
Por fim, posso enumerar mais alguns indicadores: temos uma esperança de vida idêntica à do Reino Unido; a nossa mortalidade infantil de 11 %o nada tem a ver com os pauses subdesenvolvidos e coloca-nos se não à frente pelo menos ao lado ou ligeiramente atrás dos países mais desenvolvidos do mundo; as nossas crianças são vacinadas segundo o plano de vacinação aconselhado internacionalmente e desde há anos que a paralisia infantil é praticamente desconhecida; quase 100% dos partos são assistidos em meio hospitalar, tendo a mortalidade materna descido para números desprezíveis, podendo mesmo hoje afirmar-se que ser mãe em Portugal não constitui qualquer risco.
Os hospitais portugueses tratam em internamento, por ano, cerca de 10% da população total - em França, são tratados 12%, no Reino Unido, 13%, e em Espanha, 10%.
O cidadão português consulta o seu médico 2,5 vezes por ano; o sueco, cerca de 3; o francês e o americano, 5; e o espanhol, 4.
O diagnóstico precoce cobre já praticamente todas as crianças que nascem e as doenças congénitas são agora diagnosticadas e tratadas.
Os nossos insuficientes renais crónicos são dialisados em cerca de 140 por milhão de habitantes e praticam-se por ano mais de 200 transplantes renais.
Todo o sangue colhido é devidamente analisado e a prática da colheita benévola e do controle dos dadores será, quanto a mim, uma das justificações para a pequena incidência da SIDA no nosso país.
Iniciou-se a semana passada, como já disse, o «Plano Nacional de Luta contra o Cancro», plano ousado - repito- que será desenvolvido ao longo de cinco anos, incluindo acções programadas no âmbito da prevenção, do tratamento e da reabilitação e prevendo a redução da mortalidade, neste período, de 35% para 50% dos casos.
Poderei afirmar que não lemos falta de capacidade profissional nem é preocupante a falia de profissionais preparados, o que é, no fundo, o mais importante em qualquer sistema de saúde.
Tudo do que necessitamos para podermos tomar o modelo português eficaz e mesmo um exemplo na Europa é de uma modificação profunda na orientação da política de saúde, agora possível com a n revisão constitucional e a aprovação, muito próxima, por este Parlamento da lei de bases da saúde.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro da Saúde, relativamente a esta matéria, o meu camarada João Camilo colocará, posteriormente, ao Governo um vasto conjunto de questões.
Pela minha parte, gostaria de dizer que o seu Ministério é talvez um dos exemplos mais claros de como a não assumpção, por parte do Estado, das suas obrigações e dos seus deveres numa função tão social como é a da saúde leva a uma rápida degradação dos serviços e a novos obstáculos no acesso dos Portugueses à saúde. De facto, ao longo dos últimos anos, aquando dos debates orçamentais, temos protestado sempre quanto à redução das dotações para a área da saúde.
O Sr. Ministro, referindo-se a essa questão numa entrevista recente, dizia que «não é por haver mais dinheiro que a qualidade melhora.». Neste momento, como sabe, há hospitais que estão a recusar doentes por não terem verba ou, noutros casos, discriminam os doentes em função do sistema de segurança social que os apoia. Chegámos a isto!...
Portanto, até já nem se trata de uma questão de qualidade dos serviços, trata-se, sim, de uma questão de quantidade: os hospitais já não admitem os doentes, isto é, o acesso está bloqueado!
Julgo que isto é um bom motivo de reflexão relativamente a uma filosofia que enforma a política geral do Governo. E é um exemplo que confirma todas as nossas posições nesta matéria.
O Sr. Ministro poderá dizer, como dizia na entrevista que há pouco referi, que o sector privado tem, neste momento, mais confiança para investir na saúde. Mas creio que não é esse o objectivo da acção governativa! Não deve ser esse o objectivo da acção governativa de um governo patriótico, de um governo que quer servir o País e os Portugueses. O que era preciso e que os Portugueses tivessem mais confiança nos serviços de saúde, e isso é que o Sr. Ministro não pode aqui dizer nem confirmar. Pelo contrário, terá de confirmar, se quiser falar honestamente, que há degradação nos serviços e há uma maior dificuldade no acesso dos Portugueses à saúde.
Vozes do PCP:- Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Ministro da Saúde:- No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:- Então, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Filipe.
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O Sr. Manuel Filipe (PCP): - Sr. Ministro da Saúde, quero, muito rapidamente, dizer que quando V. Ex.ª era Secretário de Estado da Segurança Social não sabia se tinha ou não verbas para aplicar na execução do Plano Orientador da Política de Reabilitação (POPR). Hoje, como Ministro da Saúde, V. Ex.ª tem outras atribuições nesse Ministério, que terá de implementar até 1991.
Saberá V. Ex.ª as verbas que tem para implementar esse Plano?
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.
O Sr. Ministro da Saúde: - O Sr. Deputado Carlos Brito coloca sempre a mesma questão, ou seja, que a saúde precisa de mais dinheiro para satisfazer as necessidades dos utentes.
É certo que nenhum ministério, inclusive o da Saúde, está satisfeito com as verbas que habitualmente lhe são disponibilizadas. É óbvio que se tivéssemos mais dinheiro poderíamos fazer muito mais coisas!... Mas o que é certo é que o Orçamento do Estado tem de ser repartido por todos, o «bolo» tem de ser distribuído por todos.
Naturalmente, o Ministério do Emprego e da Segurança Social precisa de mais dinheiro, assim como o da Educação, o das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e o da Saúde. Enfim, todos os outros ministérios precisam de verbas para satisfazer os seus compromissos. Necessariamente, os contribuintes não querem pagar mais impostos!... E, certamente, também não é essa a política do PCP?! Julgo que não está aqui a fazer um apelo ao Governo para que este aumente os impostos com vista a dotar a saúde com mais dinheiro.
Sr. Deputado Carlos Brito, não sendo, pois, possível cobrar mais impostos nem sendo possível poupar mais, temos de nos governar com o que há! Não acredito, Sr. Deputado, que haja hospitais que, eventualmente, estejam a recusar doentes porque não têm verbas. Mas, se assim é, peco-lhe o favor de dizer quais são esses hospitais, porque, em cada momento, o Ministro da Saúde ou a equipa do Ministério da Saúde tem as suas responsabilidades e assume-as.
Todavia, somos claros e firmes nesta disposição: quem tem a responsabilidade local são os órgãos de gestão, os presidentes e administradores dos hospitais, e as comissões instaladoras da RS. Para isso, são escolhidos, têm atribuições específicas no âmbito da lei, autonomia administrativa, personalidade jurídica e autonomia financeira. Para o efeito, são financiados.
Do nosso ponto de vista, tem que se gerir com aquilo que temos e não podemos, de forma alguma, entrar em ruptura. Más, Sr. Deputado Carlos Brito, se, eventualmente, tem conhecimento de algum hospital que esteja a recusar doentes pelo facto de não ter dinheiro, faça favor de dizer qual é!
Aplausos do PSD.
Uma voz do PSD: - Fale agora!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Forneceremos a lista e em que condições!
O Orador: - O Sr. Deputado Manuel Filipe coloca-me uma questão relacionada com o Plano Orientador da Política de Reabilitação, que, como sabe, até porque já o
referiu, está fundamentalmente ligado ao Ministério do Emprego e da Segurança Social. Apesar de ser de uma área conjunta deste Ministério com o da Saúde, uma boa parte das verbas são financiadas pelo Ministério do Emprego e da Segurança Social, pelo que não tenho, neste momento, a informação, em termos concretos, de qual é a verba disponível para este Plano.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para interpelar a Mesa e, através dela, informar o Sr. Presidente, a Câmara e o Sr. Ministro da Saúde que o meu camarada João Camilo vai, de seguida, indicar a lista dos hospitais que tem recusado doentes nas condições que foram por mim referidas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Trouxe-nos o PCP, hoje, a esta Assembleia o inquietante problema das desigualdades na sociedade portuguesa. Fê-lo, no entanto, da forma minimalista, demagógica e imediatista a que já nos habituou...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Falso!
Vozes do PSD: - Não se zanguem!
O Orador: - Estou a começar!... Estou a começar! ...
Como estava a dizer, fê-lo de uma forma minimalista, demagógica e imediatista a que já nos habituou, bem evidente nas diversas intervenções já produzidas pelos seus deputados.
O PCP reduz a questão das desigualdades sociais à concepção da política social do Estado, brandindo contra o Governo, qual libelo acusatório, a acusação de que a sua política se consubstancia na frase «menos Estado, melhor Estado», como se isto fosse uma desgraça nacional.
Faz o PCP assim um discurso centrado na dicotomia filhos do Governo/órfãos do Estado.
Caracteriza grosso modo a pobreza ou a escassez de meios em condições condignas de vida como próprias de quem não obtém suficiente apoio dos organismos estaduais.
E o debate sobre a existência e agravamento de desigualdades só não cai no ridículo de ser um debate centrado exclusivamente no regime de segurança social vigente porque o PCP o alargou a outras áreas que lhe são eleitoralmente gratificantes por ausência de uma verdadeira reforma estrutural nestes sectores por parte do Governo, como por exemplo o da legislação laborai (para satisfação dos sindicatos que lhe são afectos), o dos transportes (que afecta sobretudo as áreas metropolitanas) e o do acesso ao ensino superior.
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E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta concepção, que apelidei de minimalista, demagógica e também de eleitoralista, e levada às últimas consequências através das medidas que o PCP, pela voz da Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira, apresenta como prioritárias no debate à desigualdade, e que reordeno da forma que se segue:
I - Segurança social (quatro medidas): valorização do abono de família; actualização e aumento das reformas; aumento da comparticipação medicamentosa; redefinição das rendas sociais.
II - Área laboral: aumento do salário mínimo; redução do horário de trabalho semanal para 40 horas; criação de condições para a estabilidade no emprego; vinculatividade da Carta Social Europeia.
III - Transportes: adequação da rede de transportes à necessidade dos utentes.
IV - Ensino superior: criação de critérios justos para o seu acesso.
Está a ver, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, como estive atento a todas as intervenções do PCP.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não leu, tresleu!
O Orador: - É para tomar nota deste resumo!
Não quero nem vou aqui discutir ou esmiuçar cada uma das concretas medidas propostas, sem prejuízo de, como sempre, estarmos dispostos para o seu debate na sede em alturas próprias.
O que interessa agora referir e o seguinte: se uma sociedade tem manchas de pobreza ou revela desigualdades gritantes no seu seio, está como que doente de cancro social. E nenhuma das medidas propostas 6 ou pode ser mais do que uma aspirina.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: deixando agora o interpelante, o que dizer do interpelado de hoje, a quem cabe, como Governo da Nação, demonstrar não só a bondade como também a estruturalidade das medidas que tomou, que toma ou que pretende tomar para minorar as inevitáveis desigualdades que nas sociedades se verificam no nosso país.
No mínimo, o interpelado decepcionou.
Respondendo de uma forma igualmente demagógica e populista, o Governo e o partido que o apoia vieram a esta Assembleia munidos de números e estatísticas, e com o velho refrão das eras AC -antes de Cavaco- e DC - depois de Cavaco -, também eles centrando o essencial do debate das desigualdades sociais na política social em geral, com especial incidência, uma vez mais, nas performances realizadas no âmbito da segurança social, na formação profissional e no emprego.
Com rigor, pode-se afirmar que o interpelante e o interpelado se merecem: jogam no mesmo tabuleiro, observando as mesmas regras e esgrimindo as mesmas armas.
De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, toda a questão da desigualdade social, da pobreza e da desigualdade de oportunidades corre o risco de aqui ser tratada à luz de panaceias ineficazes e sem visão.
O Governo chega aqui a cair na espantosa contradição de, afirmando repetidamente o primado da sociedade civil como um dos seus postulados e princípios de actuação política, organizar a sua resposta à questão da desigualdade social em torno de um discurso do Ministro do Emprego e da Segurança Social, constituído todo ele, como disse, à volta de números, sejam eles de emprego, de formação profissional ou de segurança social.
Não nega o CDS a importância dos números na apreciação da bondade -ou falta dela - de determinadas políticas. Mas entendemos, com segurança, que a questão da igualdade de oportunidades e ou das desigualdades sociais é puro reflexo da verdadeira e magna questão global, que é a da construção da sociedade.
E aqui que ideias apresentou o Governo? Que tipo de sociedade perfilha? Qual é a sua estratégia global para a sociedade portuguesa para os próximos anos? Como orienta politicamente o tecido social? Pretende nivelá-lo? Considera as desigualdades inevitáveis? Que mecanismos de correcção social considera adequados? Que factor ou estrato social considera ser motor da evolução do lodo da sociedade?
O Governo até agora não deu qualquer resposta, porque não tem qualquer resposta para estas questões.
Utilizando a linguagem jurídica, o Governo «aos costumes disse nada». Servem-nos de magna consolação as palavras iniciais do Sr. Ministro Silva Peneda, afirmando a opção governativa pelo primado da igualdade de oportunidades e das iniciativas da sociedade civil, que desde a Revolução Francesa toda a gente diz, na sociedade ocidental.
Só que, Sr. Ministro -que não está agora presente-, isto não chega! Em primeiro lugar, a ordem dos factores é a inversa. Deve partir-se da sociedade civil para a igualdade de oportunidades que esta cria, e não o contrário. E, logicamente, tem que ser colocado o pressuposto deste raciocínio, ou seja, que sociedade civil se pretende, que ideia societária se defende.
E é aqui, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, que reside o essencial da questão, que não foi, lamentavelmente, hoje e aqui sequer aflorado.
É que, por mais e melhores que sejam as medidas de solidariedade social, por maior que seja o montante de verbas para aí canalizadas, se a estrutura social estiver viciada ou desequilibrada, tudo serão, como há pouco dizia, aspirinas dadas a um canceroso para lhe acalmar as dores.
E claramente, nesta matéria, que visão estrutural está em causa, o Governo, que nenhuma visão global teve, claudica inapelavelmente.
Darei dois exemplos, que ilustram a diferente postura do CDS nesta matéria. Em primeiro lugar, a sociedade civil é globalmente aquilo que a sua classe média for. É o nosso postulado normal e julgamos que a classe média é que deve ser o motor estratégico da sociedade. Se a classe média for forte, ampla e estável, a sociedade será pacífica, estável e sem grandes assimetrias sociais e económicas. Se pelo contrário a classe média for fraca ou de diminuta expressão, a sociedade é necessariamente instável, dividida em ricos e pobres, social e economicamente de estratos afastados e tendencialmente conflituais.
Ora, apesar das magnânimas declarações de intenção, o Governo, inexplicavelmente, tem sido pouco menos do que um verdugo para a classe média, como o CDS, e não só, tem sistematicamente, denunciado, e denunciou de forma particularmente viva aquando do debate da reforma fiscal, que, incidindo com particular violência nas profissões liberais, empresas e trabalhadores assalariados, veio dificultar sobretudo estes estratos, enfraquecendo assim o tutano da nossa sociedade.
Pode o Governo ir negando, mas cada português mais do que ver sente esta evidencia na sua bolsa todos os meses, principalmente nos meses de Julho e Agosto, em que surgem os montantes devidos do IRS. E dele, esperamos, saberá tirar as necessárias conclusões.
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Como segundo exemplo, refiro o problema do acesso ao ensino superior. Não para criticar o actual sistema, sobre o qual o CDS já se manifestou, mas para pedir a reflexão dos Srs. Deputados e Membros do Governo para o seguinte: todos os anos milhares de jovens que terminaram com sucesso o ensino secundário não conseguem o seu ingresso no ensino superior. Trata-se de uma camada apreciável de cidadãos que ficam no «limbo». A sociedade absorve-os? Ou não? O que ficam eles a fazer? Que medidas o Governo adopta para eles?
Nunca este problema foi aqui focado. E é importante que o seja, porque a sociedade não vive nem se constrói para universitários e da sua estrutura vão fazer todos os outros. É preciso que nos preocupemos com isto. Devemos evitar a criação de novas desigualdades sem justificação. Não somos igualitários, mas todos têm direito a um lugar digno, de acordo com as suas capacidades, responsabilidades e oportunidades.
Em conclusão, o grande combate não 6 o de declarar e condenar teoricamente as desigualdades injustas que uma sociedade gera. É, antes, o de promover a construção de uma sociedade que as não gere, e isto só pode ser feito acautelando e fortalecendo a classe média, numa visão personalista e solidarista da sociedade em que vivemos. Só que para isto é necessária uma visão que manifestamente nem o PCP nem o Governo, que aqui interpela, representaram. Por isso, esta interpelação foi uma interpelação inacabada.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.
O Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Apesar dos números muito bonitos que o Sr. Ministro aqui trouxe, também no acesso à saúde se fazem sentir profundas desigualdades, fruto das concepções ideológicas deste governo.
À economia neoliberal, instrumento de concretização de riqueza e poder nas mãos de uns poucos, sacrificam-se os valores da solidariedade social e da fruição igual do progresso e do bem-estar. Naturalmente, cava-se o fosso entre aqueles que tudo possuem e os que nada têm, e em matéria de saúde o direito constitucional à sua protecção é substituído pelo negócio da doença.
Neste quadro deixa de ler sentido o direito à protecção da saúde, que de uma forma cínica e brutal é inconstitucionalmente substituído pela fórmula «quem quer saúde, paga-a» geradora de cada vez maiores distorções e desigualdades.
Se quisermos resumir a concepção deste governo acerca da saúde, poderemos afirmar que ele considera as instituições públicas da saúde como empresas a rentabilizar, os sectores e serviços potencialmente lucrativos como áreas a privatizar e os cidadãos como clientes para pagar.
Uma tal concepção é particularmente chocante numa área como é a da saúde, em que o que está em jogo na lei da oferta e da procura é a vida e a morte e em que a doença passa a ser encarada como uma mercadoria sujeita à maximilização do lucro.
Esta sociedade que o Governo propõe para Portugal não é a que os Portugueses querem. Os que iludidos votaram no PSD, que vestia na altura a pele de cordeiro da justiça social, vêem hoje, claramente, que é a lei da alcateia o que este governo lhes quer impor.
No entanto, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, tudo podia ser diferente. Se o crescimento do PIB foi em 1989 de 5,4%, por que é que o orçamento da saúde não cresceu e apenas representa 3,5% do mesmo PTB? Por que é que continuamos a estar na cauda da Europa no que à saúde se refere, quando havia possibilidades reais de elevar o nível e a qualidade dos serviços e dos profissionais? É que se alguma coisa se tem feito, e é indiscutível que sim, não se tem feito o possível nem o mais adequado. Daí que também por esse motivo se criem novas injustiças e desigualdades.
Com efeito, enquanto o programa do Governo aponta os cuidados de saúde primários como base e a prioridade do sistema de saúde e retoma tal afirmação na proposta de lei de bases de saúde que apresentou a esta Assembleia, o que é que se passa na realidade?
Estão projectados cinco novos hospitais, de clara utilidade aliás, mas a rede de centros de saúde mantém a frustrante estagnação -mau grado os novos centros anunciados- e degradação. O atendimento é deficiente, originando esperas inadmissíveis, prestando pouco mais que meros cuidados curativos, não há uma hierarquia técnica nem uma clara definição de planos e de objectivos.
É que não basta ralar da importância dos cuidados de saúde primários e tecer loas ao seu papel fundamental, o que é preciso é tomar medidas concretas para os alargar e melhorar. E não é com médicos convencionados trabalhando no seu consultório à maneira do princípio do século, como pretende o Governo, que se prestam cuidados de saúde primários. Podem quanto muito maquilhar--se as bichas de espera para consultas. Mas onde está a equipa de saúde? Onde estão a promoção da saúde e a prevenção da doença? Onde estão os centros de saúde inseridos na Comunidade, com ela convivendo e com ela estabelecendo uma fecunda inter-relação?
Para o Governo o que é preciso é obra de fachada, que não dura nem resolve, mas que enche o olho!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como resultado desta política, os hospitais rebentam pelas costuras, com urgências entupidas, como é o caso do Hospital de São Francisco Xavier, com o dobro do número de atendimentos em relação ao previsto, ou com consultas que demoram de dois meses a um ano em várias especialidades, como acontece, por exemplo, no Instituto Português de Oncologia, no Hospital de Santa Maria e nos hospitais civis em Lisboa, mas também nos grandes hospitais no Porto e em Coimbra. E qual é a solução do Governo? A privatização! Seja a entrega da gestão de serviços públicos ao sector privado, seja a privatização dos próprios serviços.
Poderemos discutir os benefícios de tais medidas com base nos seus resultados noutros países, mas uma coisa é certa e indiscutível, abrem-se as condições para mais uma grande desigualdade: a existência de duas velocidades de acesso à saúde. Cuidados rápidos para quem puder pagar, espera mais ou menos prolongada para quem não tiver recursos.
A próxima lei de bases da saúde, que o Governo cozinhou com os lobbies do sector, não representa mais do que a justificação legal da discriminação no acesso da saúde, numa grosseira violação da norma constitucional.
Com ela tomar-se-ão mais fáceis casos como o de abandono assistencial no distrito de Beja e a grave perturbação de serviços hospitalares, como o plano de assistência de Verão ao Algarve. Passará a ser regra a recusa de consulta a doentes, como acontece no Hospital Egas
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Moniz, se não pertencerem a qualquer subsistema ou a uma área arbitrariamente definida pela administração do hospital e que -pasme-se!- é igual quer se trate de medicina ou de neurologia.
Serão vulgares notas como a que a ARS de Viana do Castelo enviou ao Centro de Saúde de Monção em que se ordena aos enfermeiros a prática de actos médicos por os médicos se recusarem a trabalhar sem que fosse pago o que lhes era devido.
Continuarão numa qualquer ministerial gaveta os despachos assinados pelo então ministro da Saúde Gonelha com a então secretária de Estado da Segurança Social Leonor Beleza, que criaram há muitos anos atrás comissões mistas da saúde e segurança social para estudarem e proporem medidas para o gravíssimo problema dos doentes crónicos idosos necessitando de cuidados mínimos de saúde, que continuam a ocupar camas hospitalares, ou, em alternativa frequente, a perturbar gravemente a vida familiar dos seus parentes próximos.
Vão permanecer fora da comparticipação total os medicamentos usados nas psicoses ou os que se destinam a doenças crónicas graves pelo menos para os reformados e pensionistas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A área da saúde é pois já hoje um foco de desigualdades e injustiças que a proposta de lei de bases do Governo irá irremediavelmente agravar e aprofundar.
Ainda é tempo de arrepiar caminho. As ideias e os desafios ficam lançados. Por nós continuamos abertos a discuti-los em qualquer altura perante os Portugueses.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, informo que vão aparecer no quadro algumas alterações porque houve concessão de tempos de alguns grupos parlamentares em benefício de outros.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de iniciar a minha intervenção, quero agradecer ao Partido do Centro Democrático Social a cedência de cinco minutos.
A igualdade e a liberdade são duas aspirações fundamentais de todos os homens. A questão que tem sido posta ao longo dos séculos, e que, portanto, não é nova, é como compatilizá-las no concreto.
Como pode o homem ser livre, exprimir a sua diferença, o seu direito a ser diferente de todos os outros, de acordo com as suas capacidades, os seus gostos e as suas opções? Até que ponto pode ir a intervenção do Estado para, sem pôr em perigo a liberdade e os direitos do homem, realizar a justiça social possível em cada momento? Como pode ser esta compatível com a eficácia, sobretudo em período de grande endurecimento da competição internacional e de aceleração do processo de inovação tecnológica?
Há ainda uma questão complementar que não queria deixar esquecida. Não será o terceiro grande valor -a solidariedade- o verdadeiro cimento que permite a um aglomerado de pessoas tornar-se uma comunidade, que poderá dar resposta a esta magna questão?
Estas são, realmente, as interpelações essenciais que se nos colocam sobre esta importante matéria.
Em minha opinião, a interpelação do PCP foi decepcionante, porque não tocou nestes dilemas fundamentais.
Foi patente o objectivo predominante que o motivou, bastante imediatista, de atacar este governo, como se a solução de uma questão tão complexa estivesse na dependência exclusiva da acção de um executivo!
Será que o PCP ainda continua convencido que as desigualdades se podem remover por decreto ou por simples acção dos poderes públicos?! Ah!... Como seria fácil fazer sociedades perfeitas no papel! Todos nós, certamente, muito gostaríamos de o fazer. Quantos pensadores, ao longo da história, não construíram maravilhosas utopias, alguns pretenderam mesmo a criação de um «homem novo» que pudesse realizar o paraíso na terra! Este sonho milenarista já vem de muito longe.
Ora, para lá de ter esquecido o resultado da aplicação de certas ideologias que engendraram verdadeiros monstros, o PCP ignorou a complexidade da evolução das sociedades modernas e os efeitos perversos, ou até contraproducentes, que podem resultar de intervenções não atempadas dos poderes públicos. Vejamos estes dois aspectos.
Os sistemas que tentaram impor à sociedade uma igualdade total, ou real, desembocaram, inevitavelmente, em tiranias ineficazes e, sobretudo, desigualitárias.
O próprio PCP apoiou sistemas concretos que, ao longo de decénios, se revelaram não apenas supressores da liberdade, mas - oh, paradoxo! - os mais desigualitários desde o fim dos regimes esclavagistas! Há muito tempo que sabemos, com Djillas, como foi gerada a chamada nova classe dirigente que outros, posteriormente, designaram por nomenclatura.
Ainda agora a queda dos Honeckers, dos Ceausescus e dos Brejnevs nos mostrou a enorme extensão dos seus privilégios. Privilégios materiais pelas fortunas acumuladas, por uma forma de viver própria de milionários ou até, por vezes, de senhores feudais ou de monarcas absolutos e baseada na chamada «parte invisível dos salários», que é uma expressão comum nesses países. Acesso privilegiado a casas, hospitais, lojas e restaurantes especiais, acesso à informação, às divisas conversáveis, às viagens ao estrangeiro, etc., etc., sem falar já, evidentemente, nos automóveis e em outras pequenas «benesses» que já foram aqui referidas por outros Srs. Deputados.
Como é evidente, nada disto tinha a ver com a generalidade da forma de viver da população desses países, ao ponto de alguém ter afirmado, com razão, que nas sociedades mais antigas era a riqueza que trazia o poder e que naqueles países, pelo contrário, era o poder que, na prática, trazia a riqueza.
Esta nomenclatura, que detinha o poder em todos os sectores da administração, impôs, portanto, uma sociedade sem igualdade de direitos e de oportunidades. Estudos realizados na Polónia mostraram que o estatuto dessa classe, cerca de 5% da população, era ião privilegiado como a aristocracia do antigo regime anterior à democracia, só que esta era constituída, apesar de tudo, por uma percentagem um pouco superior da população.
A desigualdade chegou aos extremos de todos bem conhecidos e que nem vale a pena referir. As consequências estuo à vista. A meu ver não foi apenas a ausência de liberdade que levou à derrocada do sistema a que assistimos agora; foi também a tentativa de manutenção de uma estrutura social em que a igualdade era de lodo impossível, em que nem sequer havia, na prática, igualdade de direitos. Os povos fartaram-se da distinção entre «nós», que na linguagem vulgar era a generalidade da
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população, e «eles», os da classe dominante, e recusaram o monopólio do poder e do bem-estar que alguns reservaram para si. É por isso que o sistema está a cair.
Gostaria de referir que este debate poderia ter sido bem mais útil se outro tivesse sido o discurso do PCP. Ele nem sequer é original. Neste momento, em diversos países da Europa, os parlamentos e os media preocupam-se com as desigualdades nas sociedades ocidentais. Decorre, assim, por exemplo, um debate em França sobre esta questão, onde se constata que a governação socialista não evitou o aumento das desigualdades. E esta é uma questão que, uma vez posta em cima da mesa pelos media, preocupa os pensadores e todas as forças políticas, sublinhando, nomeadamente, a crescente desigualdade na distribuição dos rendimentos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Perante esta situação, perante este enquadramento exterior, a falência das sociedades mais desigualitárias do nosso tempo e o recrudescer de novas desigualdades, mesmo nas democracias ocidentais, nós, sociais-democratas portugueses, entendemos que a igualdade possível de realizar tem de consistir na procura constante da igualdade de oportunidades, no assegurar da igualdade de direitos, na criação progressiva das condições para que todos possam viver com dignidade.
Afirmamos, ao mesmo tempo, a igualdade essencial que une todos os homens na unidade do género humano, mas reconhecemos as necessárias diferenças que brotam dessa mesma unidade. O que importa é que na diferença de funções se verifique uma compensação que permita aos menos dotados, aos que à partida provêm de meios desfavorecidos, participar dos bens que a todos são devidos e que, por a sociedade ser aberta -ao contrário do que se verificava nas sociedades totalitárias, fossem ou não de Leste-, possam tender para a sua plenitude e desenvolvimento integral. É evidente que nenhuma função ou condição social pode estar fechada a quem quer que seja e que, progressivamente, tem de se generalizar a igualdade de oportunidades no acesso a elas.
É falso, ao contrário daquilo que aqui foi dito, que o PSD perfilhe uma ideologia neoliberal, que cultive a mera eficácia como valor supremo, que sacralize o mercado e que, pela concorrência desenfreada, impeça o acesso de parte da população a um mínimo de condições de vida compatíveis com a dignidade humana. Rejeitamos claramente concepções geradoras de novas desigualdades e situações de pobreza e de marginalização, ferindo os princípios fundamentais da igualdade de direitos e que sejam lesivos do valor essencial da justiça e da solidariedade.
Pretendemos o equilíbrio possível, em cada momento, entre a justiça e a eficácia, entre a liberdade e a igualdade. Queria, assim, citar-vos um trecho das linhas programáticas para revisão do programa do PSD, em que dizemos:
Não ignoramos, porém, que a liberdade só tem possibilidade de se exprimir, em toda a sua plenitude, quando exista uma real igualdade de oportunidades, de condições de partida, quando, para além da garantia formal dos direitos do indivíduo, o Estado promove a criação das condições indispensáveis para que todos, homens e mulheres, possam aceder aos bens económicos, sociais e culturais.
O nosso objectivo é criar as condições para que a probabilidade de acesso ao bem-estar e à realização pessoal dependa, mais do que qualquer outro factor, da capacidade e do esforço de cada um.
Neste contexto assume especial relevância a prioridade que o PSD dá à criação de condições para uma efectiva igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, através da luta contra todas as formas de discriminação que, apesar dos direitos constitucional e legalmente consagrados, ainda subsistem na nossa sociedade.
Para além desta igualdade de oportunidades há que privilegiar a actuação em favor daqueles que se encontram em situação de maior vulnerabilidade. É nesta perspectiva que entendemos que o Estado não se pode remeter à atitude clássica de garantir quadros fundamentais de actuação, numa forma de agir como sucede no Estado liberal, mas deve agir activamente dentro de certos limites de forma a garantir que todos os cidadãos desfrutem das condições que lhes permitam participar efectivamente no livre exercício da vida democrática e sejam satisfeitas as condições morais e materiais que preservem a dignidade da pessoa.
Entendemos que, para tanto, há que estimular a iniciativa criadora das pessoas, não apenas na economia, mas também na área social e cultural.
Muito me surpreendeu também, por outro lado, o pouco ênfase aqui dado às novas desigualdades entre as regiões -alguns falaram nelas de passagem- e entre as várias camadas etárias da população. Um dos problemas graves das sociedades contemporâneas é a desigualdade que se verifica entre camadas etárias, bem como as desigualdades nos domínios do acesso à informação, às novas tecnologias e às novas linguagens.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que pode o Estado fazer? Estudar e promover políticas realistas e procurar o equilíbrio, sem o qual o que sucede é ele próprio gerar efeitos contraproducentes. Gostaria de relembrar aos Srs. Deputados, ou chamar a atenção para os que os não conhecem, a existência de estudos de organizações internacionais, nomeadamente da OCDE, que demonstram que se a acção política não tem em conta os limites do possível em cada momento pode dar resultados extraordinariamente perversos. «As políticas ditadas pelas melhores intenções» -cito-«podem dar efeitos contrários ao fim visado.» Não esqueçamos os efeitos múltiplos que caracterizam cada acção política; não esqueçamos as consequências da constante variação dos contextos externos e internos.
Assim a OCDE caracterizou acções, visando maior justiça social, que acrescentaram novas desigualdades, mantendo as iniciais, ou porque geraram mais inflação ou porque não tiveram em conta as inúmeras rigidezes sociais e tiveram efeitos sociais perversos e eminentemente desigualitários.
Mas é bom deixar claro que o PSD, também ao contrário do que aqui foi dito, não é a favor de «menos Estado, melhor Estado» ou do «Estado mínimo» dos neo-liberais. Sempre reconhecemos que o Estado tem um papel estimulador da criatividade das pessoas, por um lado, e um papel regulador dos eleitos perversos que o mercado pode engendrar, por outro. Mas o Estado não pode nem deve fazer tudo, ao contrário do que algumas oposições parecem pensar.
A maior igualdade de oportunidades não pode ser imposta peto Estado, pois o peso tentacular da burocracia, que daí resulta, é um dos cancros da sociedade moderna, gerador também de novas desigualdades.
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Competirá ao Estado o exclusivo da solução das questões e dos conflitos sociais? Como já vários membros do Governo aqui disseram, é essencial, a nosso ver, o apoio a instituições que para tanto possam contribuir.
A maior igualdade tem de resultar também da vontade empenhada dos cidadãos e da sua iniciativa Numa palavra, o Estado moderno tem de ser modesto. Não se trata, na verdade, de «menos Estado» ou «Estado mínimo», mas sim daquilo que alguns hoje chamam de «Estado modesto». Não só não pode ser simultaneamente juiz e parte na intervenção social, como deve reconhecer que a justiça social resultará também da generalização dos princípios éticos e do valor da solidariedade entre os membros da comunidade, estimulando-os a tomarem eles próprios iniciativas concretas.
O Estado não pode nem deve ser megalómano, tem de estimular os cidadãos a colaborarem com ele na criação de condições para a solidariedade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideram muitos que não há hoje a separação antiga entre o económico e o social que caracterizava as sociedades industriais na primeira fase: o económico era o domínio do quantitativo, do que podia ser apreendido pela sua tradução numérica, e o social era o domínio dos valores e das emoções. Agora há uma simbiose entre acções no domínio da economia e do social. Os recursos humanos e as vontades humanas ligadas aos valores são essenciais.
Por outro lado, o social não se limita aos aspectos distributivos, pelo contrário, é, ele próprio, um factor de produção e de melhoria da vida colectiva de cada um. Os efeitos económicos das políticas sociais nunca podem, portanto, ser esquecidos.
Esta procura do equilíbrio, ou esta tensão, se quiserem, é que caracteriza a postura dos sociais-democratas nas sociedades modernas.
Também já anteriormente a tradição cristã apontava nesta linha. A igualdade essencial do género humano não pode sufocar o direito de iniciativa pessoal em todos os campos -económico, cultural e social-, importante não só para cada pessoa em si, mas para o bem comum. Cito João Paulo II:
A experiência mostra-nos que a negação deste direito de iniciativa ou a sua limitação em nome de uma pretensa igualdade de todos na sociedade é algo que reduz, se é que não chega mesmo a destruir, de facto, o espírito de iniciativa, isto é, a subjectividade criadora do cidadão. Como resultado, surge, não uma verdadeira igualdade, mas sim um nivelamento para baixo, e, em lugar da iniciativa criadora, prevalecem a passividade, a dependência e a submissão do aparelho burocrático, que, como único órgão que dispõe e decide -se não mesmo possui- a totalidade dos bens dos meios de produção, faz com que todos fiquem numa posição de dependência quase absoluta, que é semelhante à tradicional do proletário no capitalismo.
Ora isto gera um sentimento de frustração ou desespero e predispõe para o desinteresse pela vida nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Rés, non verba, diziam os Antigos. Foram já elencadas aqui algumas melhorias concretas que o governo do PSD tem conseguido para tomar mais efectiva a igualdade de oportunidades e para reduzir pragas sociais que agrediam, como era o caso dos salários em atraso e algumas que ainda atingem uma parte dos Portugueses, como são as más condições de habitação, os transportes suburbanos...
A grande redução do desemprego levou à eliminação de uma desigualdade fundamental entre quem tem e quem não tem trabalho e o 14.º mês para os reformados levou à eliminação de outra desigualdade muito relevante.
No campo da educação referirei o alargamento geral da rede escolar, o crescente número de vagas criadas no ensino superior público - de 13 900, em 1986, para 22 300, em 1989-, isto em apenas quatro anos; o crescimento do número de alunos matriculados no ensino secundário e no ensino superior, que, entre 1986 e 1989, passou de 108 000 para 167 000.
Podia ainda referir o alargamento da acção social escolar, o acréscimo de bolsas, extraordinariamente significativo no ensino superior, e queria referir também, em resposta ao Sr. Deputado Narana Coissoró -que, aliás, se ausentou-, que, para o caso dos alunos do ensino secundário que não entraram no ensino superior, está em organização um programa para diplomados do ensino secundário, para o qual já houve 8600 candidatos, ale ao momento. Este programa consistirá na formação técnico-profissional de um ano, necessário para os levar a alcançar o nível 3 da CEE.
Referirei ainda o programa de luta contra o insucesso escolar, que só a médio ou a longo prazo, obviamente, dará todos os seus efeitos e que tem implicações na mobilização que se verifica para uma melhor alimentação, para um melhor transporte e para uma melhor saúde.
E que dizer da maior igualdade de oportunidades no acesso ao ensino não estadual? Só com apoio estadual seria possível efectivar a liberdade de aprender e ensinar e não criar ghettos-escolas destinadas aos ricos.
Mas, curiosamente, o PC e o PS, que sempre se dizem preocupados com as desigualdades...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir, porque esgotou o seu tempo.
O Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): Sr. Presidente, o Governo cede dois minutos.
O Sr. Presidente: - Continue então, Sr. Deputado.
O Orador: - Estava a referir-me à liberdade de aprender e de ensinar. O PS e o PCP nunca quiseram garantir igualdade no acesso ao ensino não estadual, mantendo essa discriminação que tendia a fechar aquelas escolas a uma grande parte da população. Mas o governo do PSD começou a inverter tal discriminação apoiando os candidatos a tal ensino, através de contratos de associação ou até dos contratos simples, que, neste aspecto, são mais relevantes, garantindo uma maior abertura e uma maior igualdade de oportunidades no acesso a todas as escolas.
Haverá também, em breve, bolsas de estudo, em número ainda limitado, para, no primeiro ano, os candidatos poderem escolher livremente, no ensino superior, entre instituições públicas e privadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em conclusão: há carências e injustiças para corrigir? Sim, é evidente, mas o nosso caminho é um caminho reformista e é essa a diferença. Nós pensamos que não é possível resolver estes problemas por meros decretos, nem de um dia para o outro. O reformismo social-democrata é ir a pouco e
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pouco resolvendo os problemas, evitando os efeitos perversos da acção política que os senhores não conhecem e ao que parece nem sequer querem conhecer.
O que acontece é que, quando detêm o poder, seja em Portugal em 1974-1975, seja nos países de Leste, do Centro ou de África, ou onde quer que seja, como não querem conhecer esses efeitos perversos, aplicam a vossa receita ideológica, e esses efeitos perversos vêm em catadupa e geram a destruição da liberdade e novas desigualdades.
Aplausos do PSD.
Deve o Estado agir para garantir a igualdade de oportunidades e de direitos para todos? Para nós é evidente que sim, mas sem uma concepção estatista exclusivista, dirigiste ou jacobina que lhe faça esquecer o papel que os homens têm nesta tarefa essencial que só pode ser prosseguida e levada a bons resultados com o esforço de todos.
«Não devemos conduzir os homens sem que os homens dêem por isso», como dizia António Sérgio, que Sá Carneiro gostava de citar. Não é através da imposição de ideologias unilaterais ou de decretos, ou mesmo de Constituições quase perfeitas, como nós experimentámos nos últimos anos, que se resolvem os problemas do País, é, sim, através da colaboração e da dinamização de todos os cidadãos com os poderes públicos para esta tarefa que é infindável e que durará enquanto o homem existir. Enquanto existir a sociedade política existirá este grande dilema, esta grande dificuldade da compatibilização da liberdade com a igualdade.
Aplausos do PSD.
O Sr. José Apolinário (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Apolinário pede a palavra para que efeito?
O Sr. José Apolinário (PS): - É para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - É também para interpelar a Mesa, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - É sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, é para, ao abrigo das disposições regimentais, requerer, em nome do meu grupo parlamentar, a suspensão dos trabalhos por 20 minutos, para que possamos dar divulgação pública a um projecto de lei sobre a objecção de consciência ao serviço militar, o que faremos na escadaria do Parlamento através de um acto simbólico em representação teatral.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, uma vez que o Plenário vai ser interrompido, pediríamos a interrupção dos trabalhos também durante 15 minutos, a fim de darmos uma conferência de imprensa, para apresentarmos um projecto de lei sobre o mesmo assunto.
O Sr. Presidente: - O tempo que desejam coincide com o do Partido Socialista?
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Não, Sr. Presidente. No entanto, penso que o Sr. Presidente poderia já marcar o tempo de interrupção, tendo em conta que haverá uma conferencia de imprensa imediatamente a seguir aos 20 minutos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria informá-los de que ainda há três intervenções e depois o período de encerramento, que é de meia hora, isto é, ainda teremos cerca de 45 minutos para encerrar este debate.
Está interrompida a sessão.
Recomeçaremos às 18 horas.
Eram 17 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutas.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nós concordamos com o Sr. Deputado Pedro Roseta em que é difícil compatibilizar a liberdade com a igualdade-aliás, diria as liberdades no plural para não subtrair estas ao conceito geral de liberdade.
Todavia, se não criarmos igualdade de oportunidades, certamente, o nosso conceito de liberdade será extremamente redutor.
É assim que a evolução, por parte do trabalho e do capital, do rendimento nacional, entre 1983 e 1988, mostra como, nesse período, se acentuou a desigual redistribuição do rendimento em Portugal.
É visível a redução do peso do trabalho no produto interno bruto (PIB) -passa de 61,4%, em 1983, para 53,6%, em 1988, numa variação negativa de 7,8%-, ao mesmo tempo que se assiste a uma evolução positiva por parle do capital-de 45% para 49,1%. Chamemos-lhe o que quisermos, mas é, certamente, um acentuar das desigualdades.
Convém realçar que os Portugueses viveram a fase difícil da recuperação da crise económica nacional, que foi gerada pela gestão da AD, liderada peto PSD, ainda assim, com um peso do trabalho que se ia reduzindo, mas que se manteve em valores superiores aos referentes à gestão deste PSD, agora no Governo. Assim, a parte do trabalho representava 61,4% do PIB, em 1983, e 57,2%, em 1985.
A gestão do PSD, em 1987 e 1988, período de fiança recuperação económica e financeira, não soube fazer mais do que manter a tendência de redução da parte do trabalho no PIB, bem como a tendência de evolução positiva no que toca ao capital. Desta forma, o peso do trabalho passou de 57,2% para 53,6%, enquanto o peso do capital passou de 45% para 49,1%.
Quando tudo indicava que, em Portugal, com o apoio dos fundos estruturais, iria iniciar-se um sério combate à
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sociedade dual - que, há muito, se instalou -, pelo contrário, estamos hoje numa situação embaraçosa: as desigualdades e as exclusões tendem a acentuar-se.
O que é grave é que nenhuma das medidas do Governo - ao contrário do que diz o Sr. Ministro do Emprego - tenha produzido algo mais do que efeitos perversos. Senão, vejamos.
O combate à inflação teve o apoio generalizado dos parceiros sociais. Porém, o Governo abusou claramente do crédito de confiança que estes lhe concederam, uma vez que o esforço de contenção salarial apenas serviu para penalizar, muito significativamente, os trabalhadores.
Mais grave é que o disparo da inflação, verificado em Maio, tenha incidido nos preços da alimentação -com uma subida de mais do que 1% -, na saúde -com uma subida de 2,7%- e nos transportes - 2,2%.
A generalidade dos trabalhadores perdeu, no último ano, poder de compra e vai perder ainda mais, este ano. O aumento médio dos salários não ultrapassou 12%, enquanto a inflação rondou 13%. O aumento da produtividade - em média, 3,5%- reverteu para as empresas. A verdade é que os que mais perderam foram os mais pobres.
Apesar de ler aumentado a população activa, também se registou um aumento no desemprego de longa duração, bem como no que se refere ao trabalho precário, clandestino, e também relativamente a cerca de l milhão de trabalhadores por conta própria, em jeito de profissionais liberais-os chamados trabalhadores com recibo verde.
De acordo com o departamento de estatísticas do Ministério do Emprego e da Segurança Social, o salário médio é de 60 000$. Ora, não serão necessários uma grande análise nem muito rigor para concluir que, se todo ou boa parte do agregado familiar não trabalhar, ou se se reduz o orçamento disponível -por exemplo, em situação de doença ou de desemprego- ou ficam comprometidos os consumos mínimos de dignidade.
Em resposta a um inquérito editado pela Caritas, organizado pela Professora Manuela Silva e pelo engenheiro Bruto da Costa, entre outros, as famílias inquiridas em Lisboa, Setúbal e Porto consideraram receber menos 65% do que necessitavam.
No que diz respeito à contratualização, método eficaz de a sociedade civil corrigir as desigualdades, o Governo tem cedido à tentação de reduzir os consumos pela contenção dos salários e de intervir, sistematicamente, nessa negociação colectiva, em sentido inverso.
O sistema de negociação colectiva é claramente desajustado, introduz nas empresas vícios de uniformização e igualitarismos - que o Sr. Deputado aqui condenou -, pelos mínimos das carreiras e das remunerações, que conduzem a que as empresas, a ululo de estímulos à produtividade, paguem uma parte do salário aos trabalhadores da produção -em média, cerca de 15%-, pela via de prémios e de subsídios, para além de outras remunerações de que beneficiam, sobretudo, os quadros, como sejam os cartões de crédito, carros, gasolina, férias, viagens, etc.
Este sistema remuneratório facilita a segmentação do mercado de trabalho, aumenta a precaridade dos vínculos contratuais, fomenta a evasão fiscal e compromete o futuro da segurança social.
Mesmo os vencimentos dos quadros médios e superiores, na generalidade das empresas, é baixo, não ultrapassando os 160 000$ mensais, e bastante penalizado pela carga fiscal. Estes dados contrastam com os resultados de um estudo efectuado pela Haigh Management Group, publicado num jornal de economia e que afirma que, em média, os executivos das maiores empresas portuguesas receberam 11 300 000$ por ano, para além das benesses já referidas.
A diversidade das remunerações é inevitável, mas o Governo tem obrigação de definir os critérios para determinar o grau de diversificação entre os grupos sócio-profissionais e os indivíduos que os constituem, a fim de que sejam socialmente aceitáveis.
O Governo ou é espectador, quando deveria intervir, ou intervém, quando deveria liberalizar.
O Governo reclama para si indicadores positivos. Muito bem: o emprego é o seu ex-libris. Nos últimos anos, o Governo tem reduzido os gastos com as políticas sociais, com particular destaque para a protecção social, o que é incompreensível.
Se tivermos em linha de conta que muitos dos prémios extraordinários se destinam a comprar a renúncia à efectividade dos direitos legais ou contratualizados, como sejam, o horário de trabalho, as férias, participação e reinvidicação na empresa, compreenderemos a fragilidade dos movimentos sociais.
Nos sectores de mão-de-obra desqualificada, as remunerações marginais não se destinam a pagar os direitos, uma vez que a sua renúncia é condição essencial para ter acesso ao trabalho e ao salário. Há mesmo sectores em que não existe nenhum contrato, como, por exemplo, no caso dos taxistas, dos esteticistas, dos cabeleireiros, em que os trabalhadores apenas recebem 30% dos serviços.
Discute-se, de uma forma necessariamente empírica, a percentagem das famílias que vivem abaixo do nível de pobreza, utilizando-se argumentos que não são sustentados por dados actualizados, como sejam, a definição do cabaz médio, das necessidades primárias, do rendimento médio, indispensáveis a uma vida digna.
A invenção do consumidor médio nacional ilude uma realidade. E que existem diferentes tipos de consumidores médios, de região para região, e, ao serem nivelados, impede-se a caracterização da estrutura sócio-económica regional. Mais grave ainda, obsta-se à definição de qualquer estratégia regional.
No combate à pobreza, curiosamente, a terapêutica tradicional, proposta pela melhoria dos rendimentos dos estratos sociais mais afectados, é feita pela redistribuição através da segurança social. Até hoje, tal terapêutica nunca induziu qualquer tipo de desenvolvimento. Pelo contrário, trata-se de um elemento agravador das despesas de consumo, sem quaisquer contrapartidas produtivas.
Porventura terá razão a Comissão das Comunidades quando, no âmbito do 3.º programa, estabelece que o combate atrás referido seja harmonizado através da utilização adequada dos fundos estruturais, no sentido do desenvolvimento regional.
Perguntamos ao Governo: como viabilizar programas de desenvolvimento que atendam à realidade se não há informação estatística sobre as regiões? Como estabelecer programas de integração sócio-económica dos estratos mais vulneráveis, numa óptica de distribuição regional, se a mesma não está estudada?
Por último, deixo aos presentes a sugestão de lerem, com atenção, as conclusões do Encontro Nacional de Desempregados, realizado em Setúbal. É uma viagem pelo mundo do isolamento, do sofrimento e da dor, que se
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escondem por trás de uma estatística quase insignificante, mas que deveria merecer a melhor atenção de todos os partidos e, naturalmente, do Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa.
O Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa (Pedro d'Orey da Cunha): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reforma educativa em curso não pode deixar de ter uma palavra a dizer sobre o problema que a interpelação de hoje veio pôr à nossa reflexão.
É que esta reforma educativa deve ser e é, eminentemente, uma reforma das condições de acesso à educação e das condições de sucesso na educação. Portanto, a sua finalidade é a de garantir que mais portugueses -todos os portugueses- possam atingir os níveis educativos que pretendem e que tenham sucesso nesses níveis.
Esta igualdade de oportunidades educativas tem de exprimir-se, em primeiro lugar, em relação aos pauses da Comunidade Europeia. É por isso que uma das primeiras acções deste governo foi a de identificar indicadores de escolarização nos vários países da Comunidade comparativamente aos portugueses e, depois, estabelecer metas e identificar instrumentos financeiros e programas para conseguir atingir essas metas.
Mas a igualdade de oportunidades também tem de existir relativamente aos Portugueses entre si. É por isso que, para além de medidas que, a médio e longo prazo, venham solucionar o problema do acesso e do sucesso de modo permanente, esta reforma educativa deve identificar, desde já, aquelas populações que, de uma maneira especial, se encontram menos privilegiadas e mais vulneráveis ao insucesso escolar.
Assim, passo a enumerar oito tipos de crianças e jovens que se encontram nas condições a que acabei de referir-me: as crianças ou jovens que provêm de meios sociais com condições sócio-económicas menos favorecidas; aqueles que vivem em regiões mais afastadas e que, portanto, têm mais dificuldade de integração na comunidade cultural educativa; os deficientes; as raparigas, relativamente a muitas opções; as minorias étnicas; os emigrantes retomados; aqueles alunos que têm uma orientação cognitiva mais concreta e que, portanto, necessitam de cursos mais profissionalizantes; todos aqueles que perderam uma oportunidade enquanto eram jovens e que necessitam de ter uma segunda oportunidade de acesso ao ensino.
O Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Educativo (PIPSE), talvez o programa mais abrangente de promoção de oportunidades educativas, e que já abrange 300000 alunos, foi recentemente avaliado por uma delegação de 10 especialistas do projecto europeu ARIOM. O respectivo relatório, de 14 de Junho, afirmava: «Ficámos impressionados com o rigor e a unidade com que Portugal conduz as suas reformas educativas...
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ....e parece haver um desejo genuíno de garantir que todos e cada um partilhem das oportunidades económicas e culturais abertas pela integração de Portugal na Comunidade.»
Os vários programas do Instituto de Apoio Sócio-Educativo, que vão desde a distribuição do leite escolar ao subsídio para alimentação, aos auxílios económicos, sofreram um considerável aumento e reforço desde 1987. Na verdade, de um orçamento de 2 milhões de contos nesse ano, passou-se para 7,6 milhões de contos, em 1990. Quanto aos Serviços Sociais Universitários, passou-se de uma dotação orçamental de 3,9 milhões de contos, em 1986, para uma de 6,1 milhões de contos, em 1990.
O programa «Educação para Todos», cujo plano de actividades será brevemente divulgado, destina-se a promover a escolaridade básica de nove anos e a escolaridade secundária para todas as crianças, uma vez que, no momento actual, esta última é cada vez mais considerada como essencial à promoção da igualdade de oportunidades.
Quanto ao ensino especial, a percentagem de cobertura das necessidades nacionais aumentou, desde 1984 até ao presente, de 21% para 30%, tendo aumentado de 13% para 23% a percentagem de professores especializados. Para o próximo ano, foi já proposto um aumento de 17% do número de professores afectos a este tipo de ensino.
Para breve, espera-se também a criação dos serviços de orientação e psicologia educacional, o reapetrechamento das salas de educação especial e a implementação do plano nacional de especialização de todos os professores envolvidos no ensino especial.
O Governo tem tomado várias medidas em relação aqueles que vivem em regiões mais rurais.
Uma vez aceite pelos professores do ensino básico e secundário o princípio do incentivo à colocação de professores experientes nas regiões do interior do País, encontra-se em processo de regulamentação o regime de estímulos à interioridade, que se espera venha a ser experimentado no próximo ano. Pela mesma razão, deu-se prioridade à construção de escolas em zonas mais desfavorecidas, tendo-se realizado 140 protocolos entre o Governo e autarquias locais para a construção e ampliação de escolas do ensino básico e secundário. Daqueles, cerca de metade correspondem a zonas do interior.
No próximo ano lectivo, entrarão em funcionamento mais cinco residências escolares destinadas a alunos dos ensinos básico e secundário, passando a ser de 3000 o número de alunos acolhidos nesta rede. Entretanto, são 4000 os alunos actualmente alojados nas 77 residências universitárias existentes.
Encontra-se em fase final de implementação um projecto co-financiado pela Comunidade, intitulado «Novas Tecnologias, Apostas Novas», que engloba já 2000 alunos e 209 docentes, destinado a favorecer a opção dos jovens, especialmente das raparigas, pelas profissões que implicam novas tecnologias.
Igualmente com participação comunitária, está em curso um projecto de investigação/acção de formação de professores para uma escola não sexista.
Em relação às minorias étnicas, destaca-se como problema prioritário a assistência às crianças filhas de emigrantes provenientes dos pauses africanos de língua oficial portuguesa e aos filhos de ciganos. Em 1987 e em 1988, foram promovidas acções especiais de formação de professores destas crianças, tendo sido abrangidos já 135 professores de crianças cabo-verdianas e 240 professores de crianças ciganas. No próximo ano serão formados mais 240 professores, o que permitirá atingir cerca de 4800 alunos minoritários.
Muitos outros programas educativos têm como efeito directo ou indirecto promover a igualdade de oportunidades entre todos, discriminando positivamente os mais
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desprotegidos. Assim, em relatório recente, e tendo em conta todas as ofertas de educação pré-escolar, mostra-se que se cobrem hoje as necessidades de 51% das crianças dos 3 aos 5 anos, em contraste com os 30% em 1987.
O ensino profissional, que dá oportunidade educativa a todos aqueles cujas capacidades se exprimem melhor em actividades concretas ou técnicas, obteve um desenvolvimento drástico com a abertura, ainda em 1989, de 51 escolas profissionais, com o aumento de 30% nos cursos técnico-profissionais e com o desenvolvimento substancial dos cursos de aprendizagem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais do que uma mera lista de medidas, o que importa focar é a preocupação da reforma educativa de, sistematicamente, discriminar positivamente aquelas crianças e jovens que se encontram em desvantagem. Esta não é uma preocupação nova! Aliás, esta preocupação deve ser intrínseca de qualquer projecto educativo moderno que pretenda, de facto, elevar o nível geral da população, para o autêntico desenvolvimento tanto humano como económico.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): -Sr. Secretário de Estado, quando ouvimos falar, nesta Assembleia, os responsáveis governativos da área da educação ficamos sempre com uma dúvida: a de saber se o sistema educativo é aquele que os Srs. Membros do Governo referem ou se 6 aquele que conhecemos quando nos deslocamos às escolas e observamos a realidade.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Essa é a questão!
O Orador: - Ficamos, pois, sem saber se são os membros do Governo que se enganam ou se é a própria realidade que se engana... No entanto, parece-nos que, neste caso, a realidade já deu provas sobejas e, por aquilo que vemos e que vamos conhecendo, podemos verificar que a realidade não é a referida pelos membros do Governo.
O Sr. Secretário de Estado falou em orçamentos da educação para várias áreas. Pergunto-lhe: de que orçamento estava a falar? Do orçamento da educação que foi aprovado por esta Assembleia, em relação ao qual tivemos, na altura, oportunidade de dizer que estava muito abaixo das reais exigências de desenvolvimento do País e do sistema educativo, ou está a falar do desenvolvimento real depois de o Governo ler decidido congelar 20% das verbas para o funcionamento das escolas preparatórias e secundárias?
Vozes do PCP:- Muito bem!
O Orador: - É que, por circular do Gabinete de Gestão Financeira do Ministério de Educação, datada de 28 de Maio de 1990, e enviada às escolas preparatórias e secundárias, o Governo decidiu congelar 20% das «magríssimas» verbas de funcionamento das escolas para despesas correntes. Ora, esta situação está a gerar um verdadeiro caos nos conselhos directivos de praticamente todas as escolas preparatórias e secundárias do País, que não sabem como é que vão conseguir aguentar as escolas abertas até ao fim do ano.
A questão que coloco é, pois, a de saber o que é que o Governo tem a dizer quanto a este assunto.
Vozes do PCP:- Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa.
O Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa:- Sr. Deputado António Filipe, os vários cortes do orçamento têm como finalidade, como todos sabem, a solução de problemas macroeconómicos, que todos estamos interessados em resolver.
O orçamento a que me referi, o orçamento do Instituto de Apoio Sócio-Educativo, é o realizado, e o corte que se verificou este ano nas escolas não (cm nada a ver com este orçamento. O que interessa é ver o nível de evolução de um orçamento de 2 milhões de contos para cerca de 6 milhões de contos, e isto implica e significa um autêntico aumento de apoio sócio-educativo.
Temos vários outros indicadores que não são financeiros. Actualmente, por exemplo, 82% das escolas do ensino preparatório e secundário tem já cantinas em funcionamento. Refiro-me tão-só às cantinas, e não também aos bufetes que as restantes escolas possuem. Este indicador, do ponto de vista do apoio social às escolas, é notável.
Isto não quer dizer que não fosse ideal fazer muito mais. O que eu quis mostrar foi a evolução e o sentido dessa evolução.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Mas houve ou não um corte?
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Embora lamentando que o Sr. Ministro Ferreira do Amaral não esteja presente, já que a intervenção que vou produzir diz respeito sobretudo à área dos transportes, não deixarei de a fazer aqui, solicitando aos membros do Governo presentes o favor de lhe fazerem chegar o respectivo texto.
O combate às desigualdades sociais e às assimetrias regionais exige que haja boas ligações a todas as regiões e zonas do País e meios de transporte a preços acessíveis, nomeadamente para o transporte das populações de menores recursos económicos.
O dia-a-dia das pessoas, seja no interior do País, seja nas áreas metropolitanas, é profundamente influenciado pelo sistema de transportes a que tem de recorrer nas deslocações casa/emprego ou casa/escola, o que geralmente implica gastar várias horas do dia e acumular tensões e cansaço, com prejuízo da família e da valorização pessoal e profissional.
Impõe-se, pois, que não só seja dada particular atenção à construção das infra-estruturas rodoviárias no acesso aos grandes centros urbanos e às zonas do interior do País, mas também sejam melhoradas as ligações ferroviárias, até pela maior capacidade de resposta que os transportes ferroviários podem dar.
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Mas a actuação do Governo nesta área tem sido profundamente contraditória, em particular no que se refere aos caminhos de feno. Quando se impunha apostar no desenvolvimento regional e no reforço das ligações para o interior do Pais, o Governo e a CP encerram, sem critérios, linhas, ramais e estações de caminho de ferro, de norte a sul de todo o interior do Pais. Só no início do ano foram encerrados ao trafego de passageiros nove ramais ferroviários, que vale a pena enumerar, para se ter uma ideia das vastas zonas do País que são atingidas: Valença/Monção, Vila Real/Chaves, Amarante/Arcos de Baúlhe, Seruada/Viseu, Évora/Reguengos de Monsaraz, Évora/Estremoz/Vila Viçosa, Estremou/Portalegre, Beja/Moura e o ramal de Sines, a acrescer à linha do Dão e ao troço Focinho/Barca de Alva, já anteriormente encerrados.
Estas medidas são acompanhadas da supressão de horários e encerramento de estações para férias em Unhas e ramais ainda em funcionamento, o que leva a pressupor que estão a ser preparados novos encerramentos de vias, apesar dos protestos das autarquias e das populações atingidas. É que, em geral, não só não há alternativas válidas como está a ser posto em causa o próprio desenvolvimento regional.
É o que acontece com a alternativa à via ferroviária do vale do Tâmega entre o Arco de Baúlhe e Amarante. A alternativa rodoviária ainda não se encontra construída. No entanto, já não há transporte ferroviário e nem sequer foi implementado pela CP o transporte alternativo a que se tinha comprometido, como denunciou a Câmara Municipal de Celorico de Bastos.
Também a Associação de Municípios da Margem Esquerda do Guadiana, integrada pelas Câmaras Municipais de Serpa, Moura, Mértola, Barrancos e Mourão, ao fazer chegar um protesto à Assembleia da República contra o encerramento ao tráfego de passageiros do ramal ferroviário de Moura, afirma:
A limitação da circulação no ramal de Moura, reduzida agora apenas ao transito de mercadorias, agrava as assimetrias regionais de que esta zona é vítima, contribui para uma maior interiorização deste vasto espaço habitado e fere profundamente a política de coesão económica e social promovida ao nível das Comunidades Europeias.
E continua:
Com a redução da circulação ferroviária, as populações da margem esquerda do Guadiana ficam mais pobres, mais isoladas, mais distantes dos centros de decisão. O comboio, para além de estabelecer a comunicação entre comunidades isoladas, era, pela sua própria natureza, um meio de locomoção não demasiadamente poluente que, em termos ambientais, respeitava o equilíbrio ecológico entre o homem e o seu espaço.
Esta é também uma questão a ter em conta, Srs. Deputados.
Igualmente a Assembleia Municipal de Sousel, ao pronunciar-se sobre o encerramento ao tráfego de passageiros do ramal ferroviário Estremoz/Portalegre, afirma que tal decisão «é contrária às preocupações de crescimento e desenvolvimento económico da zona, fere profundamente a política de coesão económica e social e empobrece as populações do concelho, isolando-as e distanciando-as ainda mais dos centros de decisão».
Por exemplo, os municípios de Trás-os-Montes, afectados pelo encerramento ao tráfego de passageiros da linha do Corgo entre Vila Real/Chaves, destacam que tal medida «contribui significativamente para a degradação das condições de vida e bem-estar das populações, já de si muito carenciadas, agrava o isolamento e interioridade do povo da região e ignora a função social que o transporte ferroviário deve desempenhar e o contributo que deve dar ao esbatimento do desnível entre o interior e o litoral».
Ora, toda esta situação é tanto mais preocupante quanto, como diz a Comissão de Coordenação da Região Norte, num documento que já hoje aqui citei, «as características técnicas da rede viária e as condições de circulação das vias são em geral deficientes, com perspectivas de agravamento rápido e considerável nos próximos anos, na medida em que os investimentos previstos a médio prazo pela administração central se dirigem fundamentalmente para os principais eixos nacionais, no objectivo global das acessibilidades externas». A verdade é que as vias secundárias e os IC continuam a aguardar financiamentos do Orçamento do Estado, apesar da sua importância para as ligações entre as diversas regiões do interior do Pais.
Impõe-se, pois, Sr. Residente e Srs. Deputados, que o Governo dê particular atenção à melhoria dos transportes rodoviários e ferroviários e que, no imediato, suspenda o encerramento ao tráfego de passageiros de linhas, ramais e estações, nos termos aliás de um projecto de lei que o PCP apresentou recentemente.
Mas impõe-se, igualmente, que não se adie por mais tempo a elaboração de um efectivo plano nacional de transportes, para que a rede ferroviária nacional seja modernizada, articulada e integrada com outros meios de transporte.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições, pelo que declara encerrado o debate.
Porém, antes das intervenções de encerramento, vamos proceder à votação do voto de protesto n.º 164/V, apresentado pelo PSD.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, tendo-se registado a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta.
É o seguinte:
Voto de protesto n.º 164/V
Realiza-se a partir de hoje, três de Julho, em Sesimbra, um encontro de políticos de extrema-direita da Europa.
Fazem-no ao abrigo da liberdade de circulação que não querem reconhecer aos muitos milhares de emigrantes que trabalham nos seus países.
Fazem-no ao abrigo da abertura do regime democrático e de valores de tolerância e de diálogo que, objectivamente, não perfilham na sua prática política.
As opções ideológicas de que têm feito bandeira incluem o racismo, a xenofobia, o desprezo pelas minorias étnicas, culturais e sociais, bem como o exercício da violência.
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O PSD não pode deixar de condenar esta realização com a mesma veemência com que combateu e combate a extrema-esquerda, igualmente portadora de violência, de intolerância e de valores antidemocráticos, e entende que a Assembleia da República deve deixar expresso o seu voto sobre esta matéria.
Com estes pressupostos, a Assembleia da República expressa, pois, o seu protesto pela realização desta reunião, repudia os propósitos do referido grupo político e reitera a sua solidariedade a todos os emigrantes portugueses alvos de actos de discriminação e violentados no respeito dos seus mais elementares direitos de pessoa humana e de cidadãos europeus.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 59/V, apresentado pelos partidos da oposição.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta.
É o seguinte:
Projecto de resolução n.º 59/V
Salvaguarda de valores democráticos
Realiza-se, a partir de hoje, 3 de Julho, em Sesimbra, um encontro de políticos de extrema-direita de toda a Europa. Nos seus países estes políticos têm-se revelado como os maiores defensores da perseguição aos emigrantes, da sua segregação e da sua expulsão dos países onde trabalham e vivem. O ideário racista, xenófobo, de desprezo pelas minorias étnicas e culturais tem sido a sua bandeira, a qual se veste com as formas mais acentuadas de intolerância e de fanatismo.
A Assembleia da República não pode, por isso, deixar de manifestar a sua mais viva preocupação com esta reunião realizada em Portugal, ao abrigo de uma abertura e magnanimidade do regime democrático que a extrema-direita não hesitaria em esmagar se isso estivesse na sua dependência.
Os políticos reunidos em Sesimbra são pessoas «não gratas aos Portugueses», a sua reunião entre nós é um acto inamistoso, intolerável para o sentimento de solidariedade que devemos aos nossos compatriotas que vivem nos países onde estes senhores os querem marginalizar e segregar.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 163/V, apresentado por deputados do PRD.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, lendo-se registado a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta.
É o seguinte:
Voto n.º 163/V
Deliberou a Câmara Municipal de São Pedro do Sul homenagear a título póstumo o Dr. Abílio da Silva Tavares, grande figura de democrata e de cidadão, desaparecido pouco tempo antes de ter despontado o 25 de Abril.
Formado pela Universidade de Lisboa, o Dr. Abílio Tavares exerceu na região de Lafões a profissão de advogado, com raro brilho e distinção, cultor apaixonado que era da ciência do direito, tendo feito parte do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados.
Democrata coerente, militou sempre na oposição ao regime de Salazar, tendo sido preso por ter apelado para a extinção da Colónia do Tarrafal.
Partilhou o cárcere, entre outros, com o Dr. Vasco da Gama Fernandes, grande vulto da democracia, felizmente ainda vivo.
Concorreu às «eleições» pela oposição democrática nas legislativas de 1961, 1965 e 1969 e foi delegado nas candidaturas de Norton de Matos e Humberto Delgado à presidência da República.
Não se pode deixar de louvar a iniciativa da Câmara Municipal de São Pedro do Sul, que deste modo recordou às novas gerações um homem de comportamento cívico exemplar e que contribuiu, à custa de grandes sacrifícios, para que vivamos hoje uma prática de liberdade.
Ao sublinhar este gesto, não pretendemos apropriar-nos da memória e da herança de prestígio de um cidadão que atingiu, como tal, uma estatura que não cabe no exclusivismo de qualquer força partidária.
Associamo-nos à homenagem a um homem de profundas convicções e de grande amor à liberdade, que não teve a alegria de «ver» o 25 de Abril por ter falecido poucas semanas antes da sua eclosão.
Srs. Deputados, vamos proceder ao encerramento da interpelação ao Governo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado: A questão que o PCP colocou com esta interpelação está lapidarmente inscrita numa apreciação feita pela CGTP- Intersindical Nacional:
Não faz sentido nem é racional que o País seja mais rico e que os trabalhadores sejam mais pobres quando são eles o principal recurso e factor de progresso do País.
Desiludiram-se e ficaram com o discurso «engasgado» os que supunham que o PCP apresentaria uma visão miserabilista e distorcida da realidade económica.
Vozes do PCP:- Muito bem!
O Orador:- Aumentou o PIB, dizem as estatísticas, dizemo-lo nós. A questão é: para onde, para quem foi esse aumento do PIB?
Viemos, com esta interpelação, analisar algumas duras realidades e desafiar o Governo a procurar aqui remédios e soluções.
A primeira coisa que o Governo deveria fazer, se quisesse assumir essa postura positiva, seria a de reconhecer a realidade tal como se apresenta. Mas o Governo começa logo por ser incapaz de reconhecer essas realidades.
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O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não temos dúvidas de que, na linha do que fez até agora, o Governo vai encenar a interpelação debitando mais números, mais proclamações auto-elogiosas e mais catilinárias contra a oposição e o PCP.
Mas, «berre» o Governo o que entender «berrar», queira o Governo ou não queira, a verdade 6 que há no País o sentimento claro da chocante situação que se vive, de riqueza mal distribuída, do agravamento das desigualdades.
A Professora Manuela Silva, num colóquio promovido pela União dos Sindicatos de Lisboa sobre «A Lisboa que trabalha», na sua intervenção, subordinada ao tema «Miséria urbana e solidariedade social», dizia:
Hoje a pobreza, pelo menos numa cidade como Lisboa, é mais visível; qualquer de nós, que tenha um mínimo de sensibilidade, volta incomodado depois de ir para qualquer actividade ou qualquer coisa que o motive a passear na Baixa, ou a andar na Baixa, vem incomodado para casa; eu pessoalmente venho; eu evito hoje ir à Baixa, porque, realmente, suporto mal ver o encontro com uma indigência exposta tão gritante.
O PCP fez-se, aqui, na Assembleia da República, eco desse sentimento generalizado.
O PCP visou lançar, aqui na Assembleia da República, um conjunto de severos alertas que propiciassem a adopção de políticas que invertessem as tendências dominantes.
Procuramos combater a situação, já aqui descrita pelo meu camarada Sérgio Ribeiro, de serem tão gritantes as desigualdades que, por absurdo, até parece que pouco se lhes liga! Não temos de viver com esta situação. Algo vai mal na política nacional se os ricos são cada vez mais ricos e os pobres permanecem pobres. Dissemos: é preciso atacar as causas desta situação. Elas radicam nas orientações ideológicas e de política do Governo, nas orientações liberais sustentadas politicamente na task force e economicamente na equipa financista, encabeçada pelo próprio Primeiro-Ministro.
Nas mesmas orientações da América de Reagan, da Upper America que subiu ao poder com Ronald Reagan em 1980 e que, ao fim de 10 anos, conduziu, como refere Kevin Phillips, no livro As Políticas do Rico e do Pobre, editado há escassas semanas, a uma aterradora contradição: bilionários contra homeless - sem casa. Kevin Phillips é um analista do sistema, metido no sistema e por ele apoiado. É elogiado por Nixon e Mário N. Cuomo. Mas nem por isso tem uma visão menos crítica do que se passou nessa década. Solidamente apoiado em números, demonstra que o aumento de riqueza foi parar às mãos dos que já eram mais ricos. Para gastar em quê? Há números espantosos. Saber-se-á, por exemplo, que o índice de arte da conhecida Sotheby's passou, entre 1980 e 1989, de 253 para 905, o que significa que o preço de sofisticados e raros objectos de arte quase quadriplicou em apenas 10 anos? Quem os compra? É simples: o número de decamilionários existentes nos Estados Unidos passou de 30000 no inicio dos anos oitenta para 100 000 em 1988. No outro extremo da escala estão os homeless.
Este «modelo» está hoje em crise por toda a parte e também na Europa. Nb interessantíssimo relatório que fez sobre Portugal, publicado agora pela Fundação Calouste Gulbenkian e que constitui o VII volume da série «Portugal, os próximos 20 anos», Riccardo Petrella diz sobre a aplicação deste modelo à Europa:
Este desenvolvimento contribuiu, durante um certo tempo, para elevar o nível de vida dos Europeus, mas foi particularmente agressivo com a pessoa humana: 45 anos após a II Grande Guerra, registam-se na Europa dos 12 15 milhões de desempregados e 70 milhões de pessoas vivendo em regiões onde o PB é inferior a 75% da média comunitária; e na Europa dos 21 há cerca de 40 milhões de pobres. Também foi agressivo para com a natureza: degradação contínua do ambiente, elevados riscos de catástrofes ecológicas. Os prejuízos causados aos equilíbrios da biosfera são tais que vivemos doravante num estado de alarme e urgência ambientais.
É este o modelo, assim contestado, que o Governo segue.
Recordemos, Srs. Deputados: quando se realizou, aqui na Assembleia da República, em 26 de Agosto de 1987, o debate do Programa do Governo, tive a oportunidade de dizer ao Sr. Primeiro-Ministro, que, terminado o namoro ao eleitorado, tinha chegado a hora das «escolhas dolorosas»- dolorosas para o povo português, entenda--se. Tinha chegado a hora de o Governo mostrar, como fez, a sua opção ideológica e de classe. O Primeiro-Ministro, na altura, crispou-se. Que não, que eram fantasmas, que não tinha opção nenhuma a favor do capital. Viu-se!...
Na altura, prevenimos que ia degradar-se a parte dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional; que ia precarizar-se o regime contratual de trabalho; que iam aparecer bolsas de pobreza; e, fundamentalmente, que se iam gorar as expectativas dos Portugueses. Mais riqueza não ia significar, para a maioria dos portugueses, uma correspondente melhoria da qualidade de vida.
Ávida confirmou estas previsões e o Governo sabe-o! Não estão aí os comissários da pobreza, nomeados pelo Governo, a provar isso mesmo?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A interpelação do PCP não e uma interpelação, como insinuou o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que se pudesse fazer em qualquer circunstância de tempo ou de lugar. A interpelação do PCP sobre as desigualdades tem cabimento agora e feita a este governo, por causa da sua concreta política, da sua concreta opção ideológica e de classe, que conduz a que Portugal seja hoje um país com mais riqueza, mas mais injusto, mais desigual e menos solidário.
Quando se trata do beneficio do povo, de atender às suas reclamações, o Governo proclama: menos Estado e salve-se quem puder! Mas se trata de garantir sobrelucros, através da diminuição das garantias dos trabalhadores, então o Estado já funciona e aí vai... pacote laborai, requisições, definições abusivas de serviços mínimos!
De um lado, crescem os negócios em torno do património do Estado, em tomo das empresas públicas em processo de desnacionalização, em torno dos fundos comunitários, e, já se promete, em tomo da saúde e da segurança social, e tudo num gigantesco bodo aos ricos. Do outro lado, crescem os queixumes, as injustiças e as iniquidades.
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Apresentámos, nas intervenções iniciais e no debate, as questões concretas. Demos voz às queixas. Mas não só: apresentamos as reivindicações concretas que, no imediato, poderiam atenuar a situação.
Propusemos a redução do horário semanal de trabalho para 40 horas. O Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações respondeu que a interpelação do PCP era intemporal.
Propusemos o aumento intercalar do salário mínimo nacional; a valorização e aumento do abono de família; o aumento intercalar e a actualização das reformas mais degradadas. O Governo respondeu que está satisfeito com a sua política de rendimentos.
Propusemos a criação de condições para a estabilidade do emprego. O Governo diz que isso não é importante, pelo contrário.
Propusemos o aumento da comparticipação em medicamentos para doenças crónicas; a redefinição do sistema de rendas sociais; critérios justos de acesso ao ensino superior; a adequação da rede de transportes às necessidades dos utentes. O Governo responde que de igualdade de oportunidades já basta o que se fala.
Defrontaram-se neste debate duas concepções do processo de desenvolvimento da sociedade portuguesa. Do lado do Governo vieram os números. Do lado do PCP vieram os números e as pessoas que não beneficiam desses números.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Governo virá agora dizer que está satisfeito como sempre e que, como sempre, se autoglorifica. Mas tem de ficar claro que com isso o Governo mostra que não soube ouvir, ou não quis ouvir, o que lhe foi dito pelo PCP nesta interpelação. Como não sabe ouvir, ou não quer ouvir, o que lhe é dito pelos que sofrem as consequências da sua política de desigualdades. Essa surdez governamental não e um prejuízo para o PCP. É um prejuízo para esses todos que se queixam e que reclamam.
Este é o sentido da interpelação. Se o Governo quer ver aqui jogadas ou armadilhas, quer ver aqui ganhadores e vencidos, então não percebeu nada do que aqui se falou.
Trouxemos a este debate as preocupações fundas que, como partido, temos em relação à sociedade portuguesa. O Grupo Parlamentar do PCP agiu aqui com o mesmo sentido das necessidades e reclamações do povo com que sempre tem actuado. Vejam-se, por exemplo, as marcações de ordens do dia, por parte do PCP, durante esta sessão legislativa. Uma, sobre o aumento das pensões e reformas e melhoria do seu estatuto. Outra, para debater os problemas da mulher e as desigualdades que a afectam na sociedade portuguesa. Outra, para a redução do horário semanal de trabalho. Outra, para o reforço das garantias dos trabalhadores eleitos como representantes sindicais ou membros de comissões de trabalhadores.
Apresentámos, na Assembleia, projectos de lei em todas as arcas sociais. Dos direitos dos trabalhadores, às questões da saúde, da educação, da segurança social, da juventude; às questões de outras relevantes camadas da sociedade a que pertencem os deficientes.
Mas também na área do acesso ao direito, das relações da administração com os administrados, do cooperativismo.
Contrapomos toda esta iniciativa à que o Governo aqui promove ou não promove.
O Governo trouxe aqui a Lei de Bases dos Transportes Terrestres com o objectivo, entre outros, de abandonar as regiões.
O Governo tinha prometido regulamentar a Lei de Bases da Segurança Social, não o fez para frustrar a garantia de direitos por ela concedida.
O Governo trouxe aqui a proposta de lei de bases da saúde para a desmantelar.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações referiu-se à situação dos transportes, incluindo a que existe em Lisboa. E fê-lo com muita ligeireza e superficialidade. Na verdade, fê-lo com a ligeireza de quem ignora e quer ignorar a situação dramática vivida nas grandes áreas metropolitanas. A saturação dos transportes, a degradação dos meios disponíveis, os bloqueios das redes viárias são só parte da situação geral que se vive nas várias áreas metropolitanas. O primeiro problema da Arca Metropolitana de Lisboa está numa política que sacrifica as regiões, que condena os portugueses do interior a emigrarem para Lisboa, não para viverem melhor, porque vêm para Lisboa viver em condições penosas, mas para obterem o salário que na terra não encontram.
O segundo grande problema da área metropolitana está numa política governamental que favorece a especulação urbana e o lucro fácil, responsáveis por esta paisagem desoladora, pelos ghettos da periferia, pelas zonas verdes sacrificadas.
O terceiro grande problema está numa política governamental centralista, que sacrifica tudo e todos a interesses nem sempre confessados. Exemplos? A prioridade dada à auto-estrada do Estoril, construída desacompanhada das vias de cintura, não tem explicação na área do Ministério dos Transportes. Só um ministério que tutele zonas de jogo e os grandes shopping pode explicar uma opção como esta. Não é assim, Srs. Ministros?
O quarto problema está na degradação e sanha liquidacionista das empresas públicas, numa prática irracional, antieconómica e anti-social.
O quinto problema está nas próprias orientações do modelo governamental e que abundantemente caracterizámos.
Foi justo fazer esta interpelação, três anos decorridos após a formação do Governo e a um ano do seu termo, nas próximas eleições. Foi justo, porque permitiu avaliar as promessas não cumpridas, permitiu avaliar a sua política, em confronto com o que a economia permitiria.
Da nossa parte, PCP, afirmamos que o desenvolvimento é inseparável do bem-estar. Afirmamos que uma política democrática tem de exigir a satisfação dos interesses do povo como um objectivo de dignidade próprio, não subsumível a critérios economicistas ou às apetências do lucro.
Da nossa parte, PCP, optamos pelo caminho das propostas concretas. Por isso, anuncio que entregámos, hoje, na Mesa da Assembleia, um projecto de lei que tem por objectivo a valorização do abono de família (com o seu aumento no regime geral para 2500$).
Apresentámos ainda um projecto de resolução para a organização pela Assembleia da República de um seminário, em Outubro, sobre «Portugal ano 2000, menos desigualdades, mais justiça e solidariedade».
Dickens, que tão profundamente conheceu as realidades da sociedade industrial nascente na Inglaterra, escreveu, no início de um dos seus contos, uma frase que gostaria de aqui reproduzir «Este foi o melhor dos tempos, este foi o pior dos tempos.»
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Assim estão a ser os nossos dias Srs. Deputados. E porquê?
É tempo de mudar. Podemos ser detentores de mais riqueza. Temos de ser uma sociedade de mais justiça, de mais solidariedade.
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.
O Sr. Ministro da Educação (Roberto Carneiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-me a honra de, em nome do Governo, intervir no encerramento deste debate. Faço-o numa dupla convicção: primeiro, a de que o modelo de sociedade esmagadoramente desejado pelos Portugueses está nos antípodas e nada tem a ver com o modelo perfilhado pelo PCP.
Aplausos do PSD.
Este partido, PCP, o partido interpelante, continua a brindar-nos com o mais confrangedor espectáculo de imobilismo nas ideias e nos processos. E, hoje, sem margem para dúvidas, a mais ultraconservadora das formações políticas em Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Senão vejamos: perante uma sociedade viva e multiforme, uma economia em profunda transformação, uma democracia singularmente saudável, uma juventude interveniente e aberta aos novos desafios, o PCP persiste na mais ultrapassada das retóricas, bem acolitado, aliás, pelo PS. Soluções? Uma só e sempre a mesma: mais Estado, mais intervencionismo, mais despesa pública. O PCP autocondenou-se a um triste solilóquio.
Como se se pudesse iludir que mais Estado é sinónimo de menos sociedade; que maior intervenção burocrática conduz normalmente a menos liberdade; que mais despesa pública significa, no limite, ou mais impostos ou maior endividamento do Estado, neste caso em manifesta ausência de solidariedade com os nossos jovens e com as gerações vindouras.
Vozes do PCP: - Viva o negócio!
O Orador: - É caso para um desabafo, Srs. Deputados. A minha juventude mobilizou-se sob o lema da imaginação ao poder. A juventude actual bem pode clamar pela imaginação à oposição!
Vozes do PSD: - Correcto! Muito bem!
O Orador: - A minha segunda convicção, Srs. Deputados, é a de que nenhuma sociedade moderna se desenvolve com plena dimensão humana sem a constante, diria mesmo dominante, preocupação pela solidariedade, traduzida no combate sistemático das injustiças e desigualdades de oportunidades que inexoravelmente emergem do livre jogo das regras do mercada Solidariedade que é, no limite, eticamente incompatível com um qualquer liberalismo redutor e destituído de componente social.
Quer-se, assim, um Estado forte, Srs. Deputados (não restem dúvidas), mas modesto na sua expressão burocrática, consciente da sua função reguladora e, até certo ponto, redistribuidora, ao qual caiba promover, sem tibiezas, essas duas indissociáveis dimensões da construção do mundo melhor, na expressão de Popper: a liberdade e a solidariedade. Aos seus agentes responsáveis, pede-se-lhes uma contínua reflexão sobre a velha mas sábia recomendação socrática: «É preferível suportar a injustiça do que praticá-la.»
A luta contra a injustiça e a desigualdade social é assim, na sua mais autentica acepção, uma exigência de liberdade e um dever indeclinável de solidariedade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A promoção da igualdade é, desde logo, um imperativo moral. Ainda que se reconheça no mecanismo da sobrevivência do mais forte a chave da evolução biológica, ele não pode jamais aceitar-se como legítimo quando erigido em motor da evolução da sociedade humana. O homem não pode, com efeito, ser reduzido a mero instrumento social, antes tem que ser encarado na sua condição de sujeito de direitos e obrigações, portador de eminente dignidade pessoal.
O desafio que se nos coloca consiste, pois, na capacidade de correcção desse mecanismo, através da consagração do princípio da igualdade de oportunidades, complementado peto princípio da discriminação positiva em favor daqueles que, por qualquer motivo exterior à sua vontade, sofrem constrangimentos no seu desenvolvimento normal.
Aceite o princípio moral de que não podemos deixar peto caminho os mais fracos ou os menos aptos, o problema consiste em saber como lhe dar concretização prática.
Na conclusão de um acalorado debate em que o consenso possível reside na vontade comum e proclamada de prosseguir a redução das desigualdades que impendem sobre os Portugueses, vale a pena recordar um pilar do pensamento iluminista, enunciado, primeiro, por Voltaire e retomado e desenvolvido por Kant, que chegou vivo aos nossos dias. Consiste ele em acreditar que o essencial da emancipação humana se produz através da democratização do conhecimento. Ou, como postulava Pestalozzi, «vencer a luta contra a miséria através do saber».
Vozes do PSD: - Claro!
O Orador: - Por isso, numa estratégia de longo prazo de elevação humana, caímos inexoravelmente na questão educativa e formativa.
É com efeito manifesto o papel corrector que os sistemas educativos têm desempenhado na sociedade moderna. Foi devido a esses sistemas que se foi progressivamente substituindo a aristocracia do sangue pela democracia do saber. Foi devido à educação que a mulher foi tomando na sociedade e na vida económica o papel que lhe compete, que o deficiente passou a ser útil e auto-suficiente, que o que vive afastado se foi integrando na vida cultural e científica do seu tempo. Mais, são a educação e a formação que permitem que aquele que foi apoiado uma vez possa continuar o seu percurso sem necessidade de novos apoios. Só a educação e a formação garantem, em última análise, a satisfação autónoma e permanente das necessidades da vida. Tudo o mais é assistência, quando não esmola.
Atrevo-me, portanto, a dizer e a propor-vos que a grande solução que as sociedades modernas propõem para o problema das desigualdades entre os cidadãos, a grande solução que, de resto, o Governo apresentou no seu
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Programa a esta Câmara e que foi sufragado pelos Srs. Deputados, é a via prioritária da educação e da formação.
Educação e formação para todos, mais educação, mais formação, melhor educação, formação mais adequada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acaba de ser aprovada a contribuição das Comunidades Europeias para o Programa de Desenvolvimento da Educação em Portugal - PRODEP. Foram contemplados apenas aqueles programas que se adequavam aos regulamentos do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e do Fundo Social Europeu, a saber, a construção e apetrechamento de novas salas de aula, do ensino profissional, da educação de adultos e do ensino superior, num total de cerca de 170 milhões de contos.
Mas esta subvenção comunitária e a correspondente contrapartida é parte apenas do esforço de investimento que o Governo pretende fazer para a radical transformação e desenvolvimento do nosso sistema educativo. De acordo com as Grandes Opções do Plano, pensa o Governo investir até 1994 outros 170 milhões de contos para o desenvolvimento de oito grandes projectos, que vão desde o aumento da rede de residências para alunos dos ensinos básico, secundário e universitário, à promoção do ensino especial, da educação pré-escolar, da formação de professores e da orientação profissional.
Será um esforço imenso, mas que, pela primeira vez nas últimas décadas, dará aos Portugueses a real esperança de não só combaterem a desigualdade de oportunidades no seio do país, mas, também, de darem um passo gigantesco na superação da desigualdade de oportunidades educativas que os separa dos restantes países comunitários.
Trata-se de um verdadeiro projecto de geração, congregador das boas vontades e aberto à participação de todos os portugueses, sem discriminação nem preconceitos.
É um reforço que pressupõe um despertar de consciências. Falo, sobretudo, desse tomar de consciência por parte de toda a comunidade local de que a escola da sua vizinhança deve ser o centro mesmo da solidariedade social, o ponto de encontro de múltiplos esforços de ajuda mútua e voluntariado, o foco de atenção de todos os que sentem o dever de consciência de preparar a geração futura.
Grande parte das medidas da reforma educativa em curso destinam-se, precisamente, a libertar a escola do centralismo burocrático tradicional, devolvendo-a à comunidade local. É na escola que, unidos para alem das nossas divergências de circunstância, podemos juntar esforços e promover o crescimento dos nossos filhos, dos futuros cidadãos.
A escola tem de ser assumida como polo de mobilização social dos indivíduos e das comunidades, com vista ao seu desenvolvimento económico e social, mas, sobretudo, com vista à dignificação humana de todas as nossas crianças e jovens.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema da desigualdade em Portugal não é uma questão de mera aritmética social.
Sendo uma magna questão de Estado não é, todavia, redutível a um dossier diligentemente gerido por uma qualquer repartição pública. O Estado-Providência abriu falência por excesso de engorda...
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: -.... na ilusão de tudo poder fazer ou na soberba de a tudo querer acudir. A concepção providencial - e totalizante -, do Estado, cara aos regimes comunistas do passado, encontra-se atacada de esclerose terminal. A degradante menoritação da condição humana, reduzida ao assalariamento dócil, sob a opressão burocrática, e a consequente amputação das liberdades essenciais, fundamento irreversível da vida criadora, encarregaram-se de assinar a certidão de óbito do dogma comunista.
Quem não o compreendeu ainda está irremediavelmente condenado a viver rodeado de fantasmas...
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: -..., fantasmas ultrapassados, e a ignorar os ventos da história De facto, nas primícias das desigualdades, na sua raiz originária, encontramos, verdadeiramente, a mais vil, a mais abjecta das divisões no género humano: aquela que tem lugar entre homens livres e homens subjugados.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - Hoje, como sempre, pela liberdade passa a primeira fronteira da dignidade humana e aquela, também, que separa os separa os partidos democráticos dos que, absurdamente, persistem em fórmulas e práticas totalitárias.
Aplausos do PSD.
A política, como actividade superior, requer liberdade e o respeito pela dignidade de seres livres.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O combate por uma maior justiça e pela efectiva realização da igualdade de oportunidades cabe a toda a sociedade e respeita a todas as suas estruturas.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Discurso ambíguo!
O Orador: - Em arrebatada e eloquente intervenção parlamentar, a propósito da questão universitária, Leonardo Coimbra lembrava que «o povo é o mar infinito das possibilidades sociais». Povo que, sendo dono do tempo e do destino, possui, guarda e inventa as mais límpidas cintilações da consciência.
Um governo, o nosso governo, que assenta a sua legitimidade originária na expressão da vontade soberana do povo, é, necessariamente, um Governo portador dessa incómoda consciência social. Essa é mesmo uma dimensão irrecusável da acção do Estado e do desenho de cada uma das políticas concretas que intenta levar a cabo, como ficou, sobejamente, demonstrado durante o debate de hoje. Mas uma sociedade mais justa não se edifica pela mera administração da justiça social. Pelo contrário, é aquela que se encontra ética e culturalmente mobilizada para fazer da partilha humana e da solidariedade fraterna o seu código irrenunciável de conduta, aceitando a diferença como natural e a diversidade como saudável, mas não transigindo na lula contra desigualdades estruturais de oportunidades que apoucam a condição humana e negam o direito à plena realização de cada um.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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3250 I SÉRIE - NÚMERO 94
O Orador: - No limiar das comemorações centenárias desse verdadeiro poeta do social, Antero, recordo o soneto, o belo soneto, em que nos fala daquele céu especial que existe para quem sofre, para as mágoas de quem chora.
Ciclo no ideal de uma terra que conforta quem chora, de uma comunidade aberta ao acolhimento de quem muito sofre e que essa comunidade pode ser a nossa comunidade, a comunidade portuguesa.
Está na nossa vontade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, construí-las sem obsessiva contabilidade política nem artificiais divisionismos.
Trata-se, outrossim, de construir a Pátria de rosto humano, livre e solidária, onde todos os portugueses, sujeitos portadores de direitos inalienáveis, possam realizar o inalienável direito à sua própria felicidade.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, concluído o debate e antes de encerrarmos a sessão, a Mesa gostaria de lembrar a todos que a próxima sessão lerá lugar amanhã, às 15 horas, com período de antes da ordem do dia, que compreenderá apenas declarações políticas; do período da ordem do dia consta a discussão da proposta de lei n.º 122/V, dos projectos de lei n.ºs 175/V (PS) e 402/V (PCP), da proposta de lei n.º 153/V e ainda do projecto de lei n.º 561/V (CDS), como e já do conhecimento de VV. Ex.ªs.
Srs. Deputados, não havendo por hoje mais nada a tratar, dou por encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Dulcíneo António C. Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Costa da Silva.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques de Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Edmundo Pedro.
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4 DE JULHO DE 1990 3251
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Partido Comunista Português (PCP):
José Manuel Antunes Mendes.
Manuel Anastácio Filipe.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Francisco Barbosa da Costa.
Natália de Oliveira Correia.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Maria Pereira.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Henrique Nascimento Rodrigues.
José Júlio Vieira Mesquita.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Marques Carraco dos Reis.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Partido Socialista (PS):
António Carlos Ribeiro Campos.
António José Sanches Esteves.
António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Francisco Fernando Osório Gomes.
João António Gomes Proença.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Luís do Amaral Nunes.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Octávio Rodrigues Pato.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
As REDACTORAS: Ana Maria Marques da Cruz - Isabel Barral - Maria Leonor Ferreira - Cacilda Nordeste - Maria Amélia Martins.
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DIÁRIO da Assembleia da República
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