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I Série - Número 1
Quarta-feira, 17 de Outubro de 1990
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE OUTUBRO DE 1990
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Ex.mos Srs. Daniel Abílio Ferreira Bastos
Vítor Manuel Caio Roque
Apolónia Maria Pereira Teixeira
João Domingos F. de Abreu Salgado
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos e saudou os seus pares no recomeço da actividade parlamentar.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação das propostas de lei n.os 163/V - Orçamento do Estado para 1991 - e 164/V - Grandes Opções do Plano para 1991 -, além de respostas a requerimentos e dos projectos de resolução n.ºs 63/V a 65/V.
Sob a forma de interpelação à Mesa, os Srs. Deputados Pacheco Pereira (PSD), António Guterres (PS), Narana Coissoró (CDS), Carlos Brito (PCP) e Carlos Lilaia (PRD) agradeceram e reiteraram as palavras que o Sr. Presidente proferiu no início da sessão.
A Câmara decidiu, por sugestão do Sr. Deputado Pacheco Pereira (PSD), enviar um telegrama de felicitações ao Presidente Mikhail Gorbachev pela atribuição do Prémio Nobel da Paz.
Em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Brito (PCP) criticou a actuação do Governo e falou sobre as próximas eleições presidenciais e os trabalhos da Assembleia na presente sessão legislativa.
Em declaração política, o Sr. Deputado António Guterres (PS) referiu-se igualmente às eleições presidenciais, respondendo no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pacheco Pereira (PSD) - que também utilizou a palavra em defesa da honra e consideração - e Adriano Moreira (CDS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Duarte Lima (PSD) cumprimentou a Assembleia e teceu considerações sobre as eleições presidenciais. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Alberto Martins (PS) e Carlos Brito (PCP).
Em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Lilaia (PRD) traçou os objectivos do seu partido para a sessão legislativa.
Em declaração política, o Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS) abordou também questões relativas às eleições presidenciais, criticando o PSD por posições tomadas nesta matéria. No fim, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado José Lello (PS).
Finalmente, por consenso da Câmara, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro) produziu uma declaração política em que enalteceu a acção do Governo na observância do seu Programa, tendo, no final, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Guterres (PS) e Carlos Brito (PCP).
Ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 89 a 106 do Diário.
As propostas de resolução n.os 34/V - Aprova o II Protocolo Adicional ao Acordo Judiciário entre a República Portuguesa e a República de Cabo Verde - e 35/V - Aprova o Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique - foram aprovadas na generalidade, na especialidade e em votação final global, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro), os Srs. Deputados Rui Silva (PRD), José Manuel Mendes (PCP), Luís Filipe Madeira (PS), Guilherme Silva (PSD) e Odete Santos (PCP).
Procedeu-se à apreciação das propostas de resolução n.os 29/V - Aprova, para ratificação, o Protocolo Adicional à Constituição da União Postal Universal, o seu Regulamento Geral, a Convenção Postal Universal e os respectivos Protocolo Final e Regulamento de Execução e 31/V - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Emenda à Convenção sobre a Aviação Civil internacional, que foram aprovadas na generalidade, na especialidade e em votação final global. Intervieram, a diverso título, além dos Srs. Secretários de Estado da Habitação e dos Transportes Interiores (Rui Vicente) e dos Transportes Exteriores (Conceição Rodrigues), os Srs. Deputados Luís Roque (PCP), Leonor Coutinho (PS) e Rui Gomes da Silva (PSD).
Foi também aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de resolução n.º 36/V - Aprova, para ratificação, a Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa.
Procedeu-se à eleição dos Vice-Presidentes, Secretários e Vice--Secretários da Mesa, tendo sido eleitos os Srs. Deputados Manuela Aguiar e Maia Nunes de Almeida (Vice-Presidentes), Reinaldo Gomes e Daniel Bastos (Secretários) e João Salgado (Vice-Secretário).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.
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O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido social-democrata(PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
ristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcínco António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
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Alberto de Sousa Martins.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Cosia Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Viera.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português(PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
foram os três anos anteriores, porventura vivo - e por que não?-, mas com a seriedade de quem tem a consciência tranquila de estar a trabalhar para o bem do País.
A todos, as nossas saudações.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente que deu entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos):»-O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Daniel Bastos, na sessão de 4 de Julho; João Amaral, na sessão de 7 de Novembro; Guerreiro Norte, na sessão de 15 de Fevereiro; José Magalhães, na sessão de 13 de Março; Filipe Abreu, na sessão de 23 de Março; Alexandre Manuel e Jcrónimo de Sousa, na sessão de 27 de Março; Herculano Pombo, na sessão de 29 de Março; André Martins, na sessão de 3 de Abril; Sérgio Ribeiro, na sessão de 8 de Maio; lida Figueiredo, na sessão de 24 de Maio; Gaspar de Almeida, na sessão de 12 de Junho; José Apolinário, na sessão de 19 de Junho; Apolónia Teixeira e Carlos Brito, na sessão de 19 de Junho; Miranda Calha, na sessão de 20 de Junho; António Mota, nas sessões de 21 de Junho e 10 de Julho; Luís Roque, na sessão de 26 de Junho; Vítor Costa, na sessão de 28 de Junho; António Vairinhos, na sessão de 29 de Junho; Jerónimo de Sousa, Lino de Carvalho e Barbosa da Costa, na sessão de 10 de Julho; Manuel Fernandes e Lino de Carvalho, na sessão de 11 de Julho; e Teresa Santa Clara Gomes, na sessão de 13 de Julho.
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Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de resolução n.os 63/V - Considera que o Governo deve estabelecer os necessários contactos com as autoridades espanholas visando a defesa da Bacia Hidrográfica do Guadiana e o combate à poluição das suas águas, apresentado pelo PCP; 64/V-Estabelece o calendário para a entrega pelo Governo à Assembleia da República da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e do Livro Branco sobre o Estado do Ambiente em Portugal e fixa o prazo para debate e votação da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza apresentado pelo PCP, e 65/V - Sobre o empreendimento de fins múltiplos do Alqueva, apresentado pelo PCP, e propostas de lei n.(tm) 163/V-Orçamento do Estado para 1991 e 164/V-Grandes Opções do Plano para 1991, baixando ambas à 7.º Comissão.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD):-Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente:-Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD):-Sr. Presidente, antes de abordarmos qualquer outra matéria, queria agradecer, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, os votos que V. Ex.ª nos dirigiu, bem como formular os mesmos votos ao Sr. Presidente e a todos os nossos companheiros deputados no início desta sessão histórica da I Legislatura que cumpre o seu termo normal de trabalhos.
Queria também, sob a forma de interpelação à Mesa, sugerir ao Sr. Presidente e, por seu intermédio, a todos os outros grupos parlamentares que esta Assembleia enviasse um telegrama de felicitações ao Presidente da URSS, Mikhail Gorbachev, pela atribuição que lhe foi feita do Prémio Nobel da Paz, nele manifestando o nosso reconhecimento pelo papel decisivo que teve na criação de um mundo, sem dúvida mais pacífico-pesem todas as nuvens actuais-, ao serviço de objectivos que vão muito para além das circunstâncias que os motivaram.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado António Guterres, também para interpelar a Mesa, quero assinalar que, dada a reacção da Câmara, julgo que o voto formulado pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira foi unanimemente aprovado, com aplauso.
Devo acrescentar que, em várias circunstâncias, embora o não tenha publicitado, eu próprio, como Presidente da Assembleia da República, tenho mandado alguns telegramas aos meus colegas de Parlamentos de países com quem temos relações de amizade, que, felizmente, são todos, infelizmente menos um.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, em nome do meu grupo parlamentar, quero começar por agradecer ao Sr. Presidente da Assembleia da República a sua saudação e os seus votos e exprimir ao Sr. Presidente, à Mesa, ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, bem como a todos os nossos colegas deputados, as nossas saudações no início de mais esta sessão legislativa.
Quero ainda aproveitar a oportunidade para cumprimentar os Srs. Jornalistas, que desde há muito nos habituaram à sua isenção e ao seu profissionalismo e que irão continuar a acompanhar os nossos trabalhos, bem como a todos os trabalhadores desta Casa, a cuja dedicação e zelo muito se deve do bom ritmo e do bom andamento desses mesmos trabalhos.
Finalmente, Sr. Presidente, quero dizer que estou certo de que iremos ter um ano de debate político intenso e vivo, de verdadeiro confronto democrático, mas estou certo também de que este ano servirá para reforçar os laços de amizade entre todos nós e as formas de cooperação para o prestígio desta Casa e da democracia portuguesa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente:-Pediram também a palavra, para interpelar a Mesa, os Srs. Deputados Narana Coissoró, Carlos Brito e Carlos Lilaia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS):-Sr. Presidente, correspondendo às suas amáveis palavras, saúdo respeitosamente V. Ex.ª e, na sua pessoa, todos os membros da Mesa.
Quero também saudar todos os colegas deputados, os funcionários que nos acompanham no Plenário, nas comissões e noutros serviços, bem como os nossos colaboradores dos grupos parlamentares, e dirigir um cumprimento amigo aos profissionais da comunicação social, a quem está confiada a missão de levar para fora deste Palácio, através dos poderosos meios de que dispõem, o som e o tom, a imagem e o retraio, a palavra e o gesto, a apreciação desapaixonada, isenta e objectiva de tudo quanto aqui se faz, se diz e se decide, mas também do que não se faz, não se diz e não se decide.
Bem hajam.
O Sr. Presidente:-Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, começo por agradecer os cumprimentos, as saudações e os votos que nos foram dirigidos por V. Ex.a, desejando ao Sr. Presidente, à Mesa e a todos os colegas deputados um bom ano de trabalho parlamentar. Dirijo iguais votos aos dois representantes do Governo presentes: o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Vamos ter um ano de intenso e difícil trabalho, e por isso creio ser muito justo e adequado associar estes votos, como já o fizeram outros colegas, a todos os trabalhadores da Assembleia da República que nos acompanham, tanto aqui, no Plenário, como nas comissões e em todas as secções de trabalho desta Casa, pois certamente a todos eles esta sessão legislativa irá exigir uma grande actividade e um grande trabalho.
Quero também associar-me aos cumprimentos que já foram dirigidos à comunicação social, manifestando o nosso apreço pelo seu trabalho e fazendo votos para que informe, com verdade, tudo o que se passar na Assembleia da República.
Aplausos do PCP, do PSD e do PS.
O Sr. Presidente:-Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
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O Sr. Carlos Lílaía (PRD): - Sr. Presidente, quero também aproveitar a oportunidade para agradecer a saudação feita a esta Câmara por V. Ex.ª e, ao mesmo tempo, cumprimentar os colegas de todas as bancadas, a comunicação social, que normalmente, acompanha os trabalhos que se desenrolam nesta Câmara, os trabalhadores da Assembleia da República que, aos diferentes níveis, apoiam e divulgam os trabalhos que cada grupo parlamentar aqui executa. Desejo também deixar os cumprimentos do meu grupo parlamentar ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, aqui presentes.
Quero ainda ressaltar que considero da enorme importância estarmos a cumprir a 4.ª sessão legislativa desta Legislatura. É um facto de grande relevância que, em nosso entender, aumenta a responsabilidade de todos aqueles que nela vão participar, em termos de proporcionar o trabalho legislativo que o Pais espera e que, naturalmente, as circunstâncias do desenvolvimento do próprio País impõem.
Uma vez mais e para todos, os votos de bom trabalho durante a presente sessão legislativa.
Aplausos do PRD, do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que os escrutinadores dos votos para a eleição dos vice-presidentes, Secretários e Vice-Secretários da Mesa são os Srs. Deputados Conceição Monteiro, Rui Ávila, Júlio Antunes e Rui Silva. A votação terá lugar, como está indicado no Boletim Informativo e como foi acordado, entre as 16 horas e 30 minutos e as 18 horas, na Sala D. Maria.
Encontram-se inscritos, para declarações políticas, os Srs. Deputados Carlos Brito, António Guterres, Duarte Lima, Carlos Lilaia e Narana Coissoró, bem como o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Depois de dados os cumprimentos e as habituais saudações, temos de passar ao trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iniciamos hoje a última sessão legislativa da presente Legislatura. Digo-o para significar que este é o último período de trabalho com a presente composição parlamentar; mais precisamente, é o último período da regência da presente maioria do PSD.
O Sr. João Amaral (PCP): - Que não deixa saudades!
O Orador: - Por isso é oportuno dizer que esta composição parlamentar, que vigorou desde Julho de 1987, não deixa saudades.
Vozes do PSD: - Deixa, deixa! Mas ainda não acabou!...
O Orador: - Foi na história da Assembleia da República (e posso testemunhá-lo pessoalmente) o período mais sombrio, mais governamentalizado, de mais acentuada secundarização deste órgão de soberania em relação aos restantes, de maior confinamento e condicionamento do debate parlamentar, destituído, além disso, de qualquer interesse quanto ao resultado pelas óbvias deliberações e votações da maioria sempre favoráveis ao Governo.
Quanto a nós, isto não aconteceu por existir uma maioria absoluta mas, sim, como a maioria interpretou o seu papel. Em vez de dar força ao Parlamento, zelar pelo pleno desempenho das suas competências e interpretar com brio as suas prerrogativas, a maioria comportou-se como uma extensão do Governo, acomodando-se no papel de carimbar e aplaudir as decisões do Executivo procurando apoucar as críticas das oposições.
Faço estas afirmações na abertura do ano parlamentar não para começar com um ataque de «bota abaixo» à maioria governamental-aliás, não faltarão ocasiões para isso - mas para introduzir um importante motivo de reflexão numa sessão legislativa que vai ser, estou convencido, relativamente diferente das anteriores.
No meu entender, esta sessão legislativa vai ser diferente porque a actual maioria está a chegar ao fim, vai deixar de o ser e suspeita que não voltará a sê-lo. As eleições para a Assembleia da República, que porão fim à presente sessão legislativa, condicionam todo o comportamento do Governo e da maioria governamental, que já se sentem sob julgamento.
A par disso, a primeira fase do ano parlamentar vai ser acompanhada pelo processo de eleições para a Presidência da República, que, apesar dos esforços de desvalorização provenientes especialmente dos meios governamentais, vão ser, como os primeiros passos indicam, uma importante ocasião para um vasto debate dos principais problemas do País, incluindo a evolução do regime democrático, as suas características, as tentativas de perversão e os desenvolvimentos futuros.
É com este espírito que o PCP intervém nas eleições presidenciais, promovendo e apoiando a candidatura de Carlos Carvalhas e desenvolvendo em tomo dela uma intensa campanha política.
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Orador:-Este importante debate, suscitado pelas eleições presidenciais, não poderá deixar de ter a adequada repercussão nos trabalhos da Assembleia da República, pese embora a situação singularíssima de a maioria parlamentar não ter candidato e, pelos vistos, nem projecto público para a Presidência da República, o que representa uma iniludível manifestação de fraqueza.
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Orador: - Vem a propósito dizer que a governamentalização não atingiu só a Assembleia da República mas também invadiu a área reservada à intervenção do Presidente da Assembleia da República, como tem sido largamente referido nos últimos dias por diferentes comentadores, incluindo pelo próprio Presidente da República.
Fazer evoluir o sistema misto parlamentar presidencial para um sistema de Primeiro-Ministro, como parece ser o plano acalentado em alguns meios governamentais, além de ter uma inspiração pouco recomendável é frontalmente contrário à solução encontrada pela Constituição para o nosso sistema de Governo.
Contrárias à Constituição são igualmente as políticas centralistas de ingerência e asfixia financeira das autarquias, o amesquinhamento das freguesias, a obstrução antidemocrática do processo legislativo da criação das regiões administrativas.
A presente sessão legislativa é, em nosso entender, favorável a avanços em todas estas direcções e o PCP
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adoptará sobre elas as iniciativas correspondentes. Voltaremos, pois, à carga com as nossas iniciativas sobre as competências das freguesias e a possibilidade de terem eleitos a tempo inteiro. Estamos profundamente empenhados em obter a maior urgência (designadamente com o limite de 6 de Novembro) para o agenciamento do projecto de deliberação, que fixa um calendário para a aprovação, nesta sessão legislativa, não só da lei quadro das regiões administrativas mas também da lei que estabeleça os princípios orientadores da sua delimitação.
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Orador: - O avanço da regionalização não se consegue, no nosso entender, com a proposta de mais um debate nacional mas, sim, reclamando a concretização do processo legislativo, que deve ter lugar neste período de trabalho da Assembleia da República. Quanto a este aspecto, devo desde já dizê-lo, o PCP apoiará, em sede do Orçamento do Estado, as reclamações da Associação Nacional de Municípios relativamente ao Fundo de Equilíbrio Financeiro e às finanças locais.
Pensamos que desta vez a oposição tem uma forte palavra a dizer nestas matérias e que não deverá deixar arrastar-se pela autêntica manobra de diversão que constitui a proposta do Governo sobre as alterações à legislação eleitoral autárquica-como se esta fosse a primeira das nossas prioridades políticas!-quando as eleições para as autarquias só se realizam em 1993.
Consideramos que esta sessão legislativa é também favorável ao avanço em matéria de justiça social. Houve, inquestionavelmente, crescimento económico nos últimos anos!
Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador:-Mas esse crescimento, que é obra de todos os portugueses, só beneficiou os velhos e os novos grandes privilegiados, especialmente as clientelas do Governo. É altura de fazer justiça e de melhorar a repartição no domínio dos salários, das reformas e pensões, do abono de família, de outras prestações da Segurança Social, da comparticipação no custo dos medicamentos, na redução do período semanal de trabalho, no desagravamento fiscal dos rendimentos do trabalho, nas políticas de habitação, saúde e ensino. O próximo Orçamento do Estado não pode deixar de representar um substancial reforço da função social do Estado.
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Orador: - O PCP já apresentou projectos de lei e apresentará outras iniciativas legislativas visando consideráveis melhorias nas diferentes áreas apontadas.
Para o PCP trata-se de prosseguir a batalha pela atenuação das desigualdades sociais e regionais, que temos travado ao longo da Legislatura dentro do lema fixado nas Jornadas do PCP, realizadas em Évora: «Menos Desigualdade. Mais Justiça e Solidariedade. Melhor Desenvolvimento».
O Governo e a maioria governamental, confrontados com a aproximação das eleições, é que se sentem numa situação diferente: terão mais dificuldades de rejeitar as nossas justas propostas. Em casos onde ontem disseram «não», apressam-se hoje a dizer «sim» e a procurar ficar com o mérito da solução. Pela nossa parte, declaramos que, tratando-se de reais regalias para o nosso povo, não discutimos a paternidade das iniciativas.
Aplausos do PCP.
Na abertura do ano parlamentar são indispensáveis quatro outras chamadas de atenção.
Primeira: são crescentemente fundadas as preocupações dos mais variados sectores quanto ao futuro da agricultura e dos agricultores portugueses devido à política que tem sido seguida, designadamente com a liberalização das importações e a antecipação desnecessária da aplicação das disciplinas comunitárias. O PCP vai insistir na necessidade de uma política agrícola que sirva os interesses do País e apresentará um pacote de iniciativas para a orientação e o fomento da produção agrícola.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): -Muito bem!
O Orador: - Segunda: a garantia efectiva dos direitos dos cidadãos tem de merecer atenção redobrada por parte da Assembleia, tendo em conta as situações inquietantes que se verificam em matérias tais como a instalação dos serviços de informações, as escutas telefónicas, os bancos de dados, o acesso ao direito e à justiça, a violação dos direitos dos trabalhadores nas empresas.
Terceira: a Assembleia da República tem de dedicar muito maior atenção às situações de escândalo e à corrupção que grassam na Administração e atingem as mais altas esferas de governação. Para o PCP, é um imperativo do regime democrático que todos os órgãos de soberania exijam um total esclarecimento e apuramento completo das responsabilidades daqueles casos em que aparecem envolvidos titulares ou ex-titulares de altos cargos políticos.
Quarta: o processo de privatizações suscita uma crescente preocupação. Além das suas graves consequências políticas, económicas, sociais e no domínio da soberania nacional, é cada vez mais notória a sua falta de transparência. Por que razão é que se tem medo que a Assembleia da República acompanhe mais de perto o processo de privatizações? Não podem persistir sem severo acompanhamento parlamentar situações como a agora verificada com a Companhia de Seguros Tranquilidade em que o principal beneficiário da privatização se gaba e regozija de ter obtido a transacção a baixo preço.
A presente sessão legislativa é particularmente adequada à séria reconsideração do funcionamento da Assembleia e da forma como exerce as suas competências. É o momento próprio para uma revisão do Regimento, que, entre outros objectivos, adopte um novo figurino para as perguntas ao Governo, mais dinâmico e eficaz, e introduza novas figuras no domínio da competência fiscalizadora, como, por exemplo, as interpelações urgentes e as moções de censura sectoriais.
E altura também para uma revisão da lei das comissões de inquérito, com base na experiência, destinada a contrariar o desvirtuamento do seu papel pelas maiorias existentes, como tem acontecido. O PCP declara, desde já, a sua completa disponibilidade para contribuir para este processo de reforma da vida parlamentar.
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Orador: - A sessão legislativa que hoje iniciamos vai desenvolver-se, por um lado, num período de debate
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e concretização de grandes reformas comunitárias e, por outro, num período em que, a nível internacional, se afirmam perspectivas promissoras a um novo espírito favorável à paz, para a qual contribuíram decisivamente a política externa da URSS e a acção pessoal do Presidente Mikhail Gorbachev, justamente galardoado com o Prémio Nobel da Paz. Mas nesta situação internacional persistem também graves situações de dominação e surgem agudas crises, como a do Golfo, que compreende a ameaça iminente de um conflito armado de proporções imprevisíveis.
A Assembleia da República não pode ser arredada da intervenção destas grandes questões, como aconteceu durante o Verão, por uma inadmissível estreiteza de vistas do Governo e da maioria governamental. Não haverá verdadeira política em relação à integração europeia sem a ampla aprovação e o empenhamento da Assembleia da República.
O Governo torna-se responsável pelo atraso do País em relação às grandes reformas comunitárias e ao seu aprofundamento e discussão. O Governo e a maioria governamental são responsáveis por não se ter discutido a tempo as implicações para a economia nacional de um súbito agravamento da crise do Golfo, como atempadamente foi proposto pela oposição. Urge, pois, inflectir a tacanhez destes comportamentos!
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Orador:-Na política externa, como em todos os aspectos da política nacional, não há soluções duradouras que não passem pela Assembleia da República. Por isso é que ela é o órgão representativo de todos os portugueses.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente:-Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera que as eleições presidenciais constituem o facto mais importante na vida política portuguesa dos próximos meses. Elas representam o momento privilegiado para um balanço dos primeiros quinze anos do regime democrático e para um grande debate nacional sobre o futuro de Portugal e dos Portugueses, na perspectiva da viragem do século.
Aplausos do PS.
Sabemos que nem todos partilham desta concepção! Sabemos que o Governo, o PSD e o seu grupo parlamentar vão fazer tudo quanto puderem para desvalorizar as eleições presidenciais e reduzir a vida política deste ano à girândola das inaugurações e à distribuição encenada das benesses, suportadas pelas habituais tentativas de manipulação da comunicação social estatizada, com relevo para a TV.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador:-O PSD, incapaz de contribuir com uma candidatura da sua área, já anunciou que irá engolir todos os sapos, por maiores que sejam, para não ter de posicionar-se contra o candidato ganhador, o Presidente Mário Soares.
Foi Mário Soares quem - aliás, com o seu habitual sentido de oportunidade-pôs a este respeito o dedo na ferida, logo na sua declaração de recandidatura.
E nem o exemplo de Mário Soares, que há cinco anos arrancou com determinação no momento em que as sondagens de opinião lhe davam 8%, foi suficiente para dar coragem ao Prof. Cavaco Silva e ao seu partido. O apego ao poder impede-os de arriscar seja o que for, mesmo no cumprimento dos mais elementares deveres de participação cívica.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador:-Faz mal o PSD! É que se Mário Soares é, tem sabido ser sempre e continuará a saber, o Presidente de todos os portugueses, a sua candidatura é uma candidatura politicamente empenhada: é uma candidatura que parte de uma «ideia de e para Portugal», que é bem diferente do discurso governamental.
Aplausos do PS.
Permito-me reproduzir aqui a lúcida análise do Presidente: «Não está ganha a batalha da modernização nem a do desenvolvimento, com verdadeira dimensão social. A justiça continua a ser uma questão central, por resolver, na sociedade portuguesa. As desigualdades entre portugueses são ainda muito chocantes [...]». E mais à frente diz ainda: «Há, por exemplo, que assegurar um maior pluralismo na sociedade e no Estado -tanto no continente como nas regiões autónomas-, uma mais generalizada participação dos cidadãos na vida pública, sem medo de pressões ilegítimas, uma maior partilha do poder efectivo de decisão, ao nível dos diferentes poderes do Estado e dos necessários contrapoderes democráticos - as autonomias, a regionalização, o poder local, uma comunicação social independente, o reforço dos partidos políticos e das regras de transparência democrática que os devem guiar [...]».
Quem, com excepção do Governo e do PSD, se não identifica com estas palavras claras e desassombradas? Elas exprimem também a nossa enorme frustração colectiva pelas oportunidades perdidas por um Governo que, durante cinco anos, teve a seu favor e a favor do País, como nunca durante este século, todas as condições políticas, económicas e sociais.
Quem, com excepção do Governo e do PSD, se não choca com o alargamento das desigualdades e das injustiças entre os Portugueses neste período em que teria sido tão fácil combatê-las?
Quem, com excepção do Governo e do PSD, se não preocupa com a ausência de pluralismo na sociedade e no Estado, tanto no continente como nas regiões autónomas?
Aplausos do PS.
Quem, com excepção do Governo e do PSD, não condena as recentes tentativas de pôr em causa as autonomias regionais, de impedir a criação das regiões administrativas, de asfixiar financeiramente os municípios, de manipular a comunicação social estatizada?
Quem, com excepção do Governo e do PSD, não exige maior participação dos cidadãos na vida pública, mais transparência democrática, o combate à burocracia «laranja» e a descentralização de poderes e de recursos do Terreiro do Paço para as regiões e autarquias?
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Particularmente chocante é, no entanto, o contraste entre a visão moderna de Mário Soares para o futuro da Europa e de Portugal na Europa e o nacionalismo estreito e provinciano do Governo, a que se tem associado sempre a atitude do pedinte envergonhado, incapaz de valorizar o contributo que os Portugueses podem dar na construção da unidade europeia.
Também aqui é evidente o contraste entre as posições do PS e do PSD. Do nosso lado, a aposta na união política europeia como condição indispensável para a expressão futura da solidariedade com as regiões periféricas como Portugal e como antecipação vital para nós, na ponta ocidental do continente, do inevitável alargamento para Leste.
Do lado do Governo, o receio paralisador, os fantasmas do passado, o imobilismo que desprestigia o País e minimiza a força que nos vem de oito séculos de forte identidade cultural.
Do nosso lado, a lucidez de quem previu a aceleração da união económica e monetária, fora da qual não há espaço para Portugal, aceleração essa que a recente decisão da Sr.ª Thatcher em relação à libra veio claramente confirmar.
Do lado do Governo, as hesitações, os adiamentos, o sacrifício da adopção de uma política global e eficaz contra a inflação-e aí está o índice de ontem a prová-lo! - às necessidades partidárias que decorrem dos calendários eleitorais.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador:-Não admira que neste contexto Mário Soares tenha, com a sua habitual elegância, manifestado o seu desagrado em relação à forma como o Governo procurou marginalizá-lo em aspectos essenciais da política externa e da defesa.
Aplausos do PS.
Tem razão o Presidente da República em querer consolidar a nossa ordem constitucional!
O Governo procurou deliberadamente monopolizar a relação com os países africanos de língua oficial portuguesa, com especial incidência no caso de Angola. Foi sonegada ao Presidente informação indispensável! O Governo agiu, por vezes, em clima de pura clandestinidade política, violando a Constituição e desrespeitando a solidariedade institucional que o Presidente, e bem, nunca lhe negou.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador:-O Governo procurou também isolar o Presidente nas relações com o Brasil, da mesma forma que não soube aproveitar o enorme potencial de prestígio granjeado por Mário Soares, durante mais de uma década de constante acção política internacional, junto da América Latina de língua espanhola, desejosa de uma maior presença portuguesa, porque receia os excessos do hegemonismo espanhol.
Não admira também que o Governo e o Prof. Cavaco Silva, na sua visão estreitamente partidária, não tenham querido compreender aquilo que a própria imprensa internacional revelou: a capacidade única de Mário Soares para ajudar a estabelecer contactos culturais, afectivos e também económicos com as novas democracias políticas do Leste da Europa.
Por fim e para só assinalar o que é mais evidente: o Médio Oriente e o Golfo. De novo se notou uma perigosa ânsia de auto-suficiência política por parte do Governo, sempre receoso de ter um concorrente. Só que é a posição de Portugal no mundo que está em causa e não pode haver dúvidas sobre o facto de que muitas das hesitações na intervenção portuguesa poderiam ser evitadas com a necessária articulação do Executivo com o Presidente da República. A este respeito, não posso também deixar de, chocado com o apelo lido hoje na imprensa sobre os reféns portugueses retidos no Golfo, manifestar, em nome do Secretário-Geral do PS, a nossa disponibilidade para, conjuntamente com todos os outros partidos, assessorar o Governo, para que seja possível o País dar uma resposta adequada a esse apelo.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS não permitirá que as eleições presidenciais sejam desvalorizadas! O programa de recandidatura de Mário Soares representa um enorme manancial de ideias e concepções inovadoras, que coincidem com as nossas próprias perspectivas.
Pela nossa parte, hoje na oposição, amanhã no Governo, vamos empenhar-nos a fundo nas iniciativas políticas e legislativas que possam concretizar, de forma criativa, muitas dessas ideias e concepções.
Vamos dar, aqui e no País, um combate decidido e permanente para que haja uma aposta clara de Portugal na união europeia, pelo pluralismo na vida política e social, pela transparência do Estado e da Administração, pela valorização dos mecanismos de participação dos cidadãos na coisa pública, pela devolução de poderes às regiões e autarquias, para que a modernização e o desenvolvimento tenham uma verdadeira dimensão social e não haja por muito mais tempo em Portugal portugueses excluídos da verdadeira cidadania.
Respondemos, assim, a Mário Soares e ao seu apelo! Manifestados-lhe, como ele pediu, a nossa disponibilidade e o nosso apoio. Não estamos «inertes, passivos ou expectantes»! Dispomo-nos a trabalhar com o candidato Mário Soares e a ajudá-lo com a nossa participação. Queremos -e permitam-me que o cite de novo- «organizar em comum os caminhos do futuro» e acreditamos que «hoje como no passado, juntos vamos conseguir».
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente:-Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Pacheco Pereira e Adriano Moreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado António Guterres falou de desvalorizações. Vamos, pois, falar da primeira desvalorização, que é patente no seu discurso e uma realidade nesta Sala: por que razão não está aqui presente o Dr. Jorge Sampaio, que pode, embora seja presidente da Câmara Municipal de Lisboa, estar presente nestes debates?
Protestos do PS.
Por que razão é que o Dr. Jorge Sampaio não está presente neste debate como Secretário-Geral do PS, que, aliás, não teve uma única menção no seu discurso? Esta, sim, é uma desvalorização politicamente significativa.
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Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, quero lembrar ao Sr. Deputado António Guterres que quem faz a política do PSD é o próprio PSD! Quem define a estratégia em relação às questões do momento é o PSD! Quem interpreta os interesses nacionais em função do seu projecto político é o PSD! E a nossa posição, no que respeita às eleições presidenciais, não é condicionada pelas interpretações do PS mas, isso sim, pela maneira como entendemos o interesse nacional, a estabilidade política e os grandes objectivos do País. É isto que nos leva a tomar a posição que tomámos!
Mais: Sr. Deputado António Guterres, quem define a área política do PSD não é o senhor! Aliás, a este propósito gostaria de dizer-lhe que desconhecia que, por exemplo, o Sr. General Ramalho Eanes fizesse parte da área política do PS. Tanto mais que em muitas ocasiões, e com o seu considerável apoio, o general Eanes obteve o apoio do PS contra, inclusive, a vontade do Dr. Mário Soares!...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Talvez seja bom lembrar que as eleições presidenciais, devido especificamente ao seu carácter, raras vezes, para não dizer nenhuma, tiveram candidatos que emanassem directamente das estruturas partidárias. Agora os senhores tem outra interpretação das eleições presidenciais, da qual não partilhamos! Estamos muito bem com a posição que definimos e que é extremamente clara: desejamos a reeleição do Dr. Mário Soares! Entendemos que o mandato do Dr. Mário Soares foi positivo!
Porém, se vamos falar de «incomodidadcs presidenciais», temos uma longa memória das «incomodidades presidenciais» do PS, inclusive com o Dr. Mário Soares. Aliás, se quiser, podemos lembrar-lhe que em 1985, durante a campanha do MASP, o Dr. Jorge Sampaio, actual secretário-geral do PS, teve um papel absolutamente irrelevante, pronunciando-se de forma praticamente formal,...
Aplausos do PSD.
Vozes do PS: - É mentira!
O Orador: -... e que a autoridade histórica do PS, nas eleições de 1980 e de 1985, tem de ser medida de forma mais prudente em relação à própria história da sua actuação.
A última coisa que queremos, porque pensamos que isso, sim, é que desvaloriza as eleições presidenciais, e entrar na batalha das declarações do candidato!
Sr. Deputado António Guterres, se quiséssemos entrar nessa batalha, tínhamos uma coisa muito simples para lhe relembrar: o Dr. Mário Soares, há cerca de uma semana, declarou em linguagem directa -que, aliás, o caracteriza-, de forma taxativa, que «Portugal é um país que realmente vai bem. Onde há estabilidade, progresso, desenvolvimento e onde se vive um clima de autêntica revolução pela modernidade».
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado António Guterres, isto é apenas um exemplo sem continuidade!
Ora, isto reduz o papel e o debate que queremos destas eleições presidenciais. Na verdade, o PSD quer valorizar estas eleições, mas não com interpretações parcelares das declarações do Dr. Mário Soares, nem, como o senhor fez no seu discurso, colocando-se como intérprete legítimo e verdadeiro das declarações do Dr. Mário Soares.
Não vamos entrar por esse caminho, pois é aquele que, provavelmente, ninguém deseja; que nós não desejamos e que desvaloriza as eleições presidenciais! Vamos, sim, debater aquilo que o Dr. Mário Soares pediu que debatêssemos: as grandes questões nacionais. Estamos, pois, dispostos a fazê-lo, queremos dar a nossa participação e opinião, pois temos ideias próprias e experiências nossas, vossas e de outros para discutir e comentar. É isso que queremos fazer, o que valoriza as eleições presidenciais e as coloca no terreno próprio do grande debate que é necessário fazer, acima da mera conflitualidade partidária.
O problema, Sr. Deputado António Guterres, é que isso não convém ao Partido Socialista, porque ele...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que termine, pois já ultrapassou o seu tempo.
O Orador: -O que o Partido Socialista quer fazer nas eleições presidenciais é o debate que sabe não ter capacidade para fazer nas eleições legislativas, porque aí o Prof. Cavaco Silva e o PSD vão estar, em grande parte, sozinhos, como o Dr. Mário Soares está nas eleições presidenciais.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há mais um orador inscrito para formular pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?
O Sr. António Guterres (PS): -No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:-Então, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado António Guterres, ouvi com a maior das atenções, porque considero que é o primeiro acto fundamental do processo em que o País vai entrar -eleição do Presidente da República-, a declaração que fez em nome do Partido Socialista.
Gostava de colocar-lhe uma questão que considero importante para o esclarecimento do processo, porque tenho a impressão de que o último processo de eleição presidencial foi vítima de um erro fundamental: é que os candidatos passaram cedo a expor o que seria o seu programa governativo e não discutiram o que seria a sua intervenção presidencial.
Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador:-Naturalmente, esse erro não pode voltar a ser cometido, porque a desatenção em relação ao que se estava a discutir está, provavelmente, na base de muitos equívocos sobre o exercício da magistratura depois da eleição.
Neste momento tomo como importantes as notas do Partido Socialista sobre as dificuldades e deficiências que daí decorreram para o exercício da função presidencial. Para formular a minha pergunta, vou assumir como certo que o Presidente da República foi limitado na sua inter-
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venção no que toca à política internacional, designadamente nas relações com o Brasil, na crise do Golfo, ... e assim por diante. Considero que essa função do Presidente da República é fundamental.
A minha pergunta é esta: em que é que a presente eleição, com o mesmo candidato, com a mesma maioria e com os mesmos defeitos arreigados no sistema, promete ao País poder reformar todos os defeitos que o Sr. Deputado apontou?
O Sr. Presidente:-Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): -Sr. Presidente, é manifesto que o PSD fica muito incomodado sempre que tratamos nesta Câmara o problema das eleições presidenciais.
Risos do PSD.
Mas continuaremos a fazê-lo!...
O PSD já confessou, através de uma «fuga» enviada pelo Sr. Primeiro-Ministro a um conhecido semanário, que, por muito que lhe batêssemos, não descolaria do Dr. Mário Soares como candidato. Ora, como queremos que o PSD goste cada vez mais do Dr. Mário Soares, iremos bater-vos cada vez mais para que o PSD possa ter uma atitude cada vez mais entusiástica com as eleições presidenciais em Portugal.
O Sr. Deputado Pacheco Pereira perguntou por que não está aqui o Dr. Jorge Sampaio. A resposta é simples: se aqui estivesse e tivesse pedido a suspensão das suas funções na Câmara Municipal de Lisboa, o que não diria o Grupo Parlamentar do PSD?!...
Vozes do PS:-Muito bem!
Vozes do PSD:-Não é preciso pedir a suspensão!
O Orador:-Na nossa interpretação, é preciso e é só por isso que ele não está presente.
Esteve presente nas minhas palavras - eu próprio o citei expressamente. E se algum líder partidário aqui não está, e poderia estar de direito próprio, é o Primeiro-Ministro.
Vozes do PS:-Muito bem!
Portanto, se alguém quis, então, desvalorizar, na sua lógica, esta sessão e as eleições presidenciais, terá sido o Primeiro-Ministro, nas suas palavras, que não nas minhas.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador:-O Sr. Deputado Pacheco Pereira citou o general Ramalho Eanes. É uma citação que se vai tomando habitual no Grupo Parlamentar do PSD. Aliás, gostaria de referir que, ainda na última sessão da Comissão Permanente, quando um Sr. Deputado do PRD decidiu, no seu legítimo direito, atacar a figura do Presidente da República e foi contestado pela minha bancada, logo o Sr. Deputado Pacheco Pereira veio pressurosamente em seu apoio. Já estamos habituados a esta identificação do PSD com o PRD e com o Sr. General Ramalho Eanes!...
Mas há uma questão decisiva no apoio partidário às candidaturas: é que o PS apoiou, por duas vezes, a candidatura do general Ramalho Eanes e fê-lo por decisão dos seus órgãos e com o empenhamento dos seus militantes.
O desafio que lanço aqui ao PSD é muito simples: se o PSD concorda com a candidatura do Dr. Mário Soares, se se revê nos valores e nos princípios dessa candidatura e se é sincero naquilo que afirma a respeito do Dr. Mário Soares, então apoie o candidato sem reservas, envolva-se na sua campanha e participe integralmente nessa mesma campanha.
Aplausos do PS.
Agora, o que o Sr. Deputado Pacheco Pereira não pode é recorrer à falsidade para tentar desvirtuar as posições do PS.
O meu camarada de partido Jorge Sampaio foi membro da comissão política do MASP, participou ao meu lado (e sou disso testemunha) de uma forma intensa e permanente na campanha eleitoral, falou nos tempo de antena da televisão e interveio em alguns comícios decisivos, nomeadamente no comício realizado em Lisboa, na FIL, onde talvez o Sr. Deputado Pacheco Pereira o poderia ter visto, o qual foi decisivo para o arranque da campanha eleitoral do Dr. Mário Soares.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador:-Não vale a pena brandirmos argumentos, que não são argumentos mas, isso sim, a afirmação de puras falsidades, na medida em que todos estamos atentos para as detectar.
Disse ainda o Sr. Deputado Pacheco Pereira que não entrava nas citações, mas entrou e citou indevidamente, porque citou aquilo que o Sr. Presidente da República disse na Suécia, como representante de Portugal.
O Sr. Silva Marques (PSD):-E vai mentir?!
O Orador:-Devo dizer-lhe, Sr. Deputado Pacheco Pereira, que eu próprio, que sou deputado da oposição, já tive várias vezes ocasião de elogiar o meu País e a sua situação, nas mais diversas circunstâncias, quando o represento no estrangeiro.
Aplausos do PS.
Talvez os senhores estejam habituados a dizer mal do País quando estão na oposição, mas nós não o fazemos, pois, em todas as circunstâncias, defendemos o País no estrangeiro.
Aplausos do PS.
Finalmente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, o PSD e o Sr. Primeiro-Ministro não estarão sozinhos, desde agora, na campanha para as legislativas. E não estarão sozinhos, não porque não o desejassem e porque não tentem mesmo instrumentalizar os meios de comunicação social para que assim seja e para que apareçam só eles, inaugurando tudo e todas as coisas, quantas vezes forem necessárias, repito, não estarão sozinhos porque nós estaremos aí, em todos os momentos, tomando a iniciativa e respondendo sempre às vossas próprias iniciativas.
Sr. Deputado Adriano Moreira, tenho todo o gosto em considerar a sua questão. Reconhecemos ambos que houve
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na prática política deste Governo formas de agir que limitaram, de forma inaceitável, os poderes do Presidente da República.
Disse V. Ex.ª que não vê como é que a reeleição do Dr. Mário Soares possa, por si só, alterar essa prática. Espero que isso aconteça por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque o Governo não pode, ele próprio, deixar de ser sensível a um debate público que se generalizará a este respeito de Norte a Sul do País. Creio que essa prática será, no entanto, alterada, ainda de uma forma mais clara e mais radical, quando, a seguir às eleições legislativas, deixarmos de ter o PSD e o Sr. Prof. Cavaco Silva à frente do Governo.
Estou certo de que qualquer outro governo que saia desta Câmara saberá encontrar com o Sr. Presidente da República o correcto relacionamento institucional e saberá corresponder inteiramente à solidariedade institucional que o Sr. Presidente da República certamente lhe dedicará.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente:-O Sr. Deputado Pacheco Pereira pede a palavra, para que efeito?
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente, porque o Sr. Deputado António Guterres disse várias vezes que eu linha dito falsidades...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o assunto talvez mais debatido em conferencia dos representantes dos grupos parlamentares tem sido o da defesa da consideração e da honra. Todos estamos de acordo de que deve haver prudência no uso dessas figuras e chegou ale a ser proposto (o que defendo e tomo público) que a defesa da consideração e da honra possam ser diferidas pela Mesa para o momento em que entenda oportuno.
Em todo o caso, depois de dizer isto, não vou deixar de lhe dar a palavra só que peço que, efectivamente, nos moderemos no uso das figuras da defesa da consideração e da honra ou que, rapidamente, mudemos o Regimento da Assembleia para deixar ao critério da Mesa aquilo que entenda dever fazer.
Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, queria, em primeiro lugar, responder ao Sr. Deputado António Guterres, quando referiu que tinha dito inverdades. A primeira delas é a seguinte: o Dr. Jorge Sampaio pode, efectivamente, estar presente nesta Sala. A prova é que o Sr. Deputado Jaime Soares, que e presidente da Câmara de Vila Nova de Poiares, está presente nesta sessão sem perder a qualidade de presidente da Câmara. Durante 45 dias por ano ele pode, efectivamente, estar aqui presente.
Portanto, Sr. Deputado António Guterres, não é verdade que tal possibilidade não exista. O que o Sr. Deputado não nos quer dizer e que tal e uma opção política que tem presente a imagem da actuação do Sr. Presidente da Câmara Jorge Sampaio na Câmara Municipal de Lisboa.
Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador:-É uma opção política e nós discutimo-la como tal. O Sr. Deputado não nos queira fazer convencer de que é apenas por razões meramente técnicas.
Em segundo lugar, os documentos, as intervenções e os textos das eleições presidenciais de 1980 e de 1985 são públicos. Faço, aliás, um apelo a todos para que vão ver aquilo que efectivamente se disse nessas eleições, o lado em que as pessoas se colocaram, as dúvidas, renitências e hesitações ou as posições que em 1980 levaram o Dr. Mário Soares a dessolidarizar-se da posição do Partido Socialista quanto à candidatura do general Ramalho Eanes e as razões que levaram em 1985, na primeira volta, muitos militantes do Partido Socialista, alguns de renome, a ter uma participação mínima na campanha eleitoral.
Assumo a responsabilidade do que disse, porque participei em toda a campanha, desde o primeiro ao último dia, e lembro-me muito bem dos debates e das questões que foram levantados durante essa volta.
Portanto, Sr. Deputado António Guterres, não pode varrer a história. Pode dizer, e com razão, que o PSD apoiou o outro candidato .... pode dizer o que quiser, mas não pode e colocar o Dr. Mário Soares, em Julho de 1985, com o apoio unânime, estimado, querido e entusiasta dos dirigentes do Partido Socialista, particularmente daqueles que hoje estão à sua frente.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:-Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, em primeiro lugar, gostaria de dizer que o entendimento do Partido Socialista - e já tivemos ocasião de analisar isso no fim da sessão parlamentar passada, quando expressamente analisámos a questão - é o de que as substituições quinzenais a que se alude obrigam a que se proceda à substituição na Câmara Municipal, pelo que, em nossa opinião, procede de forma ilegal quem assim não esteja a fazer.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador: - Se há dúvidas sobre esta matéria, é útil que sejam esclarecidas, até porque nós, o PS, estamos a sofrer de uma limitação.
Proponho que a Comissão de Regimento e Mandatos seja interpelada pela Mesa no sentido de esclarecer cabalmente esta matéria, uma vez que a nossa convicção é esta e é neste pressuposto que temos vindo a agir.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador: - Em relação à questão politicamente relevante, que diz respeito à participação do meu camarada Jorge Sampaio desde a primeira volta, isto é, desde o arranque da campanha eleitoral no MASP, em 1985, não hesito em dizer que pode fazer todas as consultas, recordar todas as reuniões, ver as imagens dos tempos de antena gravadas na televisão ou o registo das presenças nos comícios, porque Jorge Sampaio esteve sempre, desde o primeiro momento, entusiasticamente empenhado nessa campanha, tal como eu, que com ele partilhei todo esse trabalho.
Mas, Sr. Deputado Pacheco Pereira, e certo que houve alguns socialistas que lá não estiveram! Com certeza que sim! O PS não é um partido de autómatos!... E o PSD, é um partido de autómatos?!... Recordo, por exemplo, que
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quando alguns sociais-democratas, com grande coragem, lá estiveram, foram expulsos do seu partido e o Sr. Deputado Pacheco Pereira só não foi porque ainda não fazia parte dele.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente:-Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As primeiras palavras que, em nome do meu partido, profiro na abertura desta sessão legislativa são, antes de mais, dirigidas à Mesa, a quem cumprimentamos e desejamos uma boa condução dos trabalhos ao longo do próximo ano parlamentar.
Em particular, na pessoa de V. Ex.ª, Sr. Presidente, testemunhamos a competência e a isenção com que tem exercido as altas funções em que estia investido, bem como o empenho que tem colocado no sentido de prestigiar a instituição parlamentar.
Aplausos do PSD e do PS.
Dirijo uma palavra de particular cordialidade a todos os nossos colegas das diversas bancadas da oposição, formulando votos para que neste histórico ano de fim da Legislatura, apesar do cansaço que naturalmente sentirão, não deixem que lhes faleçam as forças, a imaginação e a vivacidade que deles esperamos como contributos indispensáveis para o enriquecimento do debate democrático e clarificação das alternativas.
O Sr. Silva Marques (PSD): -Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não pode o PSD deixar de assinalar o facto histórico de ser a primeira vez neste século, em regime democrático, que nos preparamos para levar até ao fim uma Legislatura completa.
É um acontecimento importante na nossa vida pública, que significa, por um lado, a solidez das nossas instituições políticas e, por outro, o apego inequívoco e inabalável dos Portugueses à democracia.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador:-Pela primeira vez em muitas décadas podem os Portugueses sentir, em liberdade, o valor e os benefícios da estabilidade política.
Estabilidade que não é um fim em si mesma mas um meio instrumental ao serviço da realização de valores superiores que a comunidade política democraticamente organizada define a si própria.
Antes de mais, o cumprimento do contrato no qual assenta sempre o compromisso democrático entre quem elege e quem é eleito.
O mandato eleitoral não é um mandato em branco, antes vincula os eleitos ao cumprimento específico das suas promessas. É em relação a elas que se estabelece o nexo de responsabilização política que a democracia sempre pressupõe. Mas a outra face da moeda terá sempre de ser a garantia da existência de condições políticas -nomeadamente a existência de mandatos completos- que possibilitem testar a capacidade de realização dos que são eleitos.
Só numa situação de estabilidade política, com os Governos a cumprirem até ao fim os seus mandatos, se pode, em bom rigor, pedir contas pelo que se fez e pelo que não foi feito, evitando-se assim os falsos álibis, a passagem de culpas, em suma, a desresponsabilização a que Karl Popper chamou de «decadência da responsabilidade política», que é o veneno das democracias.
Mas a estabilidade política é também uma condição indispensável para a obtenção de níveis superiores de desenvolvimento e progresso social. Em sociedades em mutação acelerada como a portuguesa, que precisa de andar depressa e de «queimar» etapas para se aproximar dos níveis médios de desenvolvimento dos seus parceiros comunitários, a instabilidade política bloquearia as reformas de que o País necessita, fecharia as portas do futuro e traduzir-se-ia num elevado preço a pagar pelos Portugueses.
Estabilidade que igualmente permitiu que Portugal tenha hoje uma posição muito mais prestigiada na comunidade internacional, graças à solidez das instituições e à existência de um elevado e solidário sentido de representação nacional, de que foi exemplo a recente visita à Suécia, na passada semana, de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.
Aplausos do PSD.
É neste contexto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o PSD inicia a última sessão legislativa desta Legislatura, com confiança e esperança.
Confiança que resulta da tranquilidade que lhe dá o facto de saber que está a cumprir a bom ritmo os compromissos que assumiu perante os Portugueses.
Esperança que resulta da certeza que tem de que os Portugueses saberão no momento próprio, como sempre têm feito desde Abril de 1974, decidir de forma consciente e livre, premiando as forças partidárias mais de acordo com o mérito da sua acção e menos de acordo com a profusão ou a eloquência das suas palavras.
O Sr. Silva Marques (PSD): -Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vai ser durante esta última sessão legislativa, que esperamos viva e rica de debate político, como já aqui foi salientado por outros colegas que me antecederam, que os Portugueses serão chamados a escolher o próximo Presidente da República.
É um acto eleitoral que não se destina a medir o peso das forças partidárias -como muito bem salientou, há algum tempo, o Sr. Deputado Adriano Moreira-, nem a optar entre programas políticos eleitorais de cada uma delas, embora alguns partidos procurem dar a entender o contrário.
Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador:-Esta eleição vai ser o momento alto da nossa vida democrática, que justifica que todos digamos, com clareza, aquilo que nele verdadeiramente se joga e o porquê das nossas posições.
O PSD atribui uma importância relevantíssima - e com isto penso que tranquilizo o Sr. Deputado António Guterres - às eleições presidenciais, já que, pelo papel que constitucionalmente está reservado ao Presidente da
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República, bem como pelo acervo de poderes de que dispõe, ele é o elemento chave e primacial no equilíbrio da nossa vida política.
No delicado equilíbrio de poderes em torno do qual se move o sistema político português, o Presidente da República - como ele próprio, de resto, tem assinalado- tanto pode ser um instabilizador da vida política nacional, como a sua âncora, isto é, o seu principal referencial de segurança.
O PSD foi dos partidos que mais cedo definiu a sua posição quanto às presidenciais. E definiu-a em que termos e na base de que ponderação? Avaliando, com rigor e serenidade, aquilo que está em jogo numa eleição presidencial, sem deixar de levar em linha de conta o juízo que faz quanto à forma como o actual Presidente desempenhou a sua função.
Na eleição presidencial, como bem expressa a Constituição, não está em jogo uma opção entre as forças partidárias e os programas de que são portadoras, escolha esta que está reservada às eleições legislativas.
Daí a lei fundamental reservar a promoção das candidaturas aos cidadãos e não às forças partidárias.
Na eleição presidencial está em causa a escolha de um cidadão que, pelo seu perfil, passado, experiência e entendimento da função presidencial que vai exercer, dê garantias de ser um referencial de estabilidade para a vida nacional, um promotor da unidade entre os Portugueses, colocado acima das legítimas disputas entre os partidos políticos.
Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador: - Na eleição presidencial, ao contrário daquilo que alguns procuram fazer crer, não está em discussão saber se a sociedade vai evoluir num sentido mais liberal ou mais socializante, optar por mais intervenção estatal, ou por mais mercado, privilegiar o aumento do défice do Orçamento ou a promoção do investimento produtivo, dar mais prioridade ao ensino ou às obras públicas, porque tais decisões não fazem parte do quadro de poderes do Presidente. Na eleição presidencial vai estar em causa a escolha de alguém que possa ser o promotor de grandes desígnios nacionais, um árbitro, mais do que um interveniente activo, ou parte interessada nas múltiplas controvérsias que dividem a sociedade democrática.
É sabido que nas últimas eleições o PSD não apoiou o actual Presidente da República. Contudo, não pode deixar de reconhecer, como tem feito ao longo do seu mandato repetidamente, que este foi globalmente positivo e benéfico para os Portugueses, independentemente de discordâncias pontuais que, de resto, foram comuns aos seus principais apoiantes, nomeadamente ao Partido Socialista, quando discordou da decisão de dissolução da Assembleia da República. Porém, estas decisões pontuais não são determinantes no juízo final que delas fazemos.
Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador: - Consideramos ainda que tem sido inequivocamente benéfica para o País a magistratura do Dr. Mário Soares, pelo que o PSD entendeu que não deveria promover candidaturas alternativas à Presidência da República, caso ele entendesse continuar a dar ao País o contributo que lhe deu nos últimos cinco anos.
Não temos o exclusivo do mérito e, por isso, não nos dói reconhecer o mérito dos outros.
É, por um lado, uma prova de humildade política, mas não deixa de ser igualmente o testemunho público de que o actual Presidente da República não procurou privilegiar nenhuma força política em particular, não hostilizou o PSD, não faltou com a solidariedade institucional ao seu Governo, procurando, na forma como exerceu as suas funções, que, antes de mais, se reconhecesse um leque amplo de portugueses, independentemente de opções filosóficas ou ideológicas.
E é esta a principal razão que torna ilegítimas e abusivas as tentativas daqueles que procuram, neste momento, fazer uma mesquinha apropriação da sua recandidatura, diminuindo com isso o Presidente da República.
Aplausos do PSD.
Apropriação esta de que o Sr. Presidente da República, certamente, será o primeiro, no seu foro íntimo, a discordar.
Chegados aqui, de imediato se formou contra a posição do PSD um vasto cortejo de pensadores profundos-que quase não conhecem outra profundidade do que a do tinteiro - clamando indignados contra a «falta de comparência» do PSD nas presidenciais. Digamos já de passagem que a mais comovida indignação vem precisamente daqueles que não se escandalizaram com a «falta de comparência» que eles próprios tiveram em 1976 e 1980. E perceberam já V. Ex.ª que vos falo dos socialistas.
Mas, se de um lado a posição do PSD suscitou indignação, do outro lado suscitou perplexidade. Então não é que o PSD deixava assim a direita sem candidato? Então não é que o PSD deixava o centro e a direita sem protagonista para um projecto de sociedade que se considera o mais adequado para a sociedade portuguesa?
É positiva - embora não justificada - tamanha perplexidade. Positiva porque, segundo Aristóteles, é da perplexidade e do assombro que surge a metafísica. De resto, a perplexidade é uma das emoções mais comuns da vida, como disse Chesterton ao referir que «tudo desaparece, mas resta-me sempre o assombro, sobretudo o assombro do quotidiano».
Mas é igualmente injustificada, porque os concretos projectos alternativos, que vão estar em confronto e que visam modelar o futuro da sociedade portuguesa, estarão presentes na eleição legislativa e não na eleição presidencial.
Por isso, dizemos que alguns querem desvirtuar o verdadeiro sentido da eleição presidencial, fazendo dela um jogo de sombras, ocultando o que nela está verdadeiramente em causa e fazendo com que nela se discuta aquilo que não deve ser discutido, como faz o Partido Socialista.
Estes, em particular, vivem o dilema do prisioneiro da caverna de Platão. Incapazes de enfrentar a dura realidade que para eles vai ser disputar uma vitória ao PSD nas eleições legislativas do próximo ano, procuram esconder numa eleição presidencial, em que razoavelmente se conhece o vencedor, a sua própria impotência política.
Para o PS, a eleição presidencial é uma boleia para as legislativas, pelo que tenta utilizar o candidato presidencial, de forma abusiva, como bengala para disfarçar o seu pé manco.
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Porém, a evidência das coisas é diferente da das palavras, porque as coisas são o que são e as palavras apenas são o que dizem.
E no seu afã de desviar as atenções do que se joga nesta eleição e do que estará em jogo nas eleições legislativas, o Partido Socialista, nos últimos dez meses, não pára de trautear o mesmo refrão.
Tal como os célebres «moinhos de orações» no Tibet encarregam o vento de rezar perpetuamente, assim o PS encarregou, no princípio do ano, o seu secretário-geral- e perdoem-me por falar nele, mas é uma forma de colmatar a lacuna do Sr. Deputado António Guterres que a ele nunca se quis referir-de proclamar diariamente que o PSD perde as presidenciais por falta de comparência.
Claro que compreendemos por que é que o infeliz presidente da Câmara de Lisboa, neste momento no caminho de um doloroso calvário, se refugia com tanta insistência neste argumento. É uma forma de fazer desviar as atenções das atribulações que resultam da sua incapacidade para governar com êxito a vereação lisboeta, num momento em que é claro que os Portugueses já perceberam que não podem escolher para governar o País o indeciso crónico que não consegue governar um município.
Aplausos do PSD.
Porém, esse é um problema do Dr. Jorge Sampaio, já que ninguém o mandou enveredar pelo caminho fácil de fazer promessas eleitorais com a mesma generosidade com que D. Juan fazia promessas de casamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iniciámos, em 1987, uma caminhada visando preparar Portugal para os desafios extraordinários com que este fim de século nos confronta.
Há cinco anos consecutivos que todos os indicadores pelos quais se mede o desenvolvimento e progresso económico e social aí estão a dizer-nos que esse caminho é correcto. O próximo ano não será excepção, como resulta do Orçamento do Estado já apresentado nesta Assembleia da República.
No ano parlamentar que hoje se inicia não vamos inverter o rumo traçado, nem claudicar nos objectivos, nem desistir do que nos propusemos.
Nas próximas eleições os Portugueses decidirão se fomos ou não capazes. A sua palavra, como sempre, será para nós soberana.
Por Portugal vai valer a pena ouvir o seu veredicto!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo a Câmara de que a abertura das umas para a eleição dos Vice--Presidentes, Secretários e Vice-Secretários da Mesa se verificou há cerca de dois minutos, estando previsto o seu encerramento pelas 18 horas.
Julgo não ser necessário uma «corrida» às urnas de imediato, mas é de toda a conveniência que se proceda à votação em tempo adequado.
Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Alberto Martins e Carlos Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS):-Sr. Deputado Duarte Lima, V. Ex.ª começou bem a sua intervenção, mas como habitualmente acabou por terminá-la com uma impagável acidez e falta de equilíbrio e, sobretudo, de memória, quando diz que o meu camarada Jorge Sampaio tem manifestado alguma indecisão. Os factos provam o contrário: ele teve a decisão de se candidatar à presidência da Câmara de Lisboa, contra o PSD, e venceu, e também à frente da Câmara tem tomado decisões no sentido de lutar contra os interesses, acabando com eles, que estavam, com o apoio do PSD, a descaracterizar a cidade de Lisboa.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador: - Quanto à matéria de fundo da sua intervenção, ou seja, as eleições presidenciais, o Sr. Deputado, com visível incomodidade, «passou ao lado» do tema. E para fazer isso aludiu a Aristóteles e a Platão-que eu, em certo momento, distraído, pensei que eram candidatos às presidenciais apresentados de repente-e não falou nas competências e na candidatura real à Presidência da República. Esqueceu-se de uma matéria óbvia a que o Dr. Mário Soares aludiu no seu discurso de candidatura, quando se referiu a um défice de participação democrática pela responsabilidade exclusiva do Governo em matéria de representação externa e de defesa. O Sr. Deputado sabe que essa é uma competência constitucional, uma vez que o Presidente da República representa a República, sendo essa representação não meramente simbólica mas efectiva, e é também, igualmente por inerência, comandante supremo das forças armadas.
Deste modo, gostaria de colocar-lhe uma questão muito simples mas que exige uma resposta concreta, em termos de sim ou não. Está ou não o PSD e o seu Governo disposto a corrigir a sua prática política, conferindo ao Presidente da República os poderes reais a que tem direito em matéria de representação externa e de defesa nacional?
Responda-me, por favor, com clareza!
O Sr. António Guterres (PS): -Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Duarte Lima, há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Duarte Lima (PSD):-No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Deputado Duarte Lima, gostaria de colocar-lhe apenas duas questões: a primeira sobre as presidenciais e a segunda sobre a estabilidade.
Em relação à questão das presidenciais, penso que o seu esforço oratório não conseguiu disfarçar a evidente falta de comparência do PSD nas últimas eleições presidenciais, que agora vem sendo disfarçada, desde há uns tempos a esta parte, com a tentativa de enviar à última hora uma procuração ao actual Presidente da República, apelando-lhe mais ou menos nestes termos: Dr. Mário Soares, represente-nos também!
Realmente, é esta a situação com que nos deparamos!
Risos do PS.
Quanto à questão das competências e do mandato do Sr. Presidente da República, o Sr. Dr. Mário Soares, embora já lhe tenha sido colocada pelo Sr. Deputado
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Alberto Martins, gostaria de insistir nela, uma vez que o Sr. Deputado evitou-a, ou melhor, ladeou-a e fugiu-lhe frontalmente.
De facto, o que é que o Sr. Deputado pensa das «queixas» apresentadas pelo Sr. Presidente da República, que se manifestou no sentido de que deveria ser consultado em matéria de política externa e de defesa nacional?
É claro que não podemos esquecer a prática constitucional anterior, segundo a qual o Presidente da República intervinha nestas matérias, certamente com uma palavra muito decisiva.
Assim, o que é que o Sr. Deputado Duarte Lima pensa da prática do Governo neste sentido e como é que avalia as queixas formuladas pelo Sr. Presidente da República e pelo candidato Mário Soares em duas conferências de imprensa que já produziu exactamente sobre essa matéria?
Quanto à questão do valor da estabilidade, devo dizer que, de facto, a estabilidade não é tudo. Sei que o senhor pensa desta maneira, ou seja, em seu entender, a estabilidade não é tudo,...
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - É preciso estabilidade e bom governo.
O Orador: -... até porque tivemos já grandes estabilidades sobre o País, contra o País e contra a vontade nacional. Portanto, não é tudo!
Mas falando de estabilidade e partindo desse princípio, concordo com o Sr. Deputado quando diz que a estabilidade não é tudo e que há outros valores, mas então pergunto se em democracia uma das principais estabilidades que se deve procurar não é a estabilidade constitucional. Não se deve, então, pelo menos nos períodos que vão de uma revisão à outra revisão da Constituição, procurar evitar-se que a Constituição seja posta em causa?
Neste sentido, e a esta luz, como é que o Sr. Deputado explica as propostas do Sr. Primeiro-Ministro relativamente à legislação autárquica, que, como bem sabe, estiveram em discussão na última revisão da Constituição, sendo uma parte delas só dirimíveis em sede de revisão constitucional, que só ocorrerá daqui por quatro anos? Como é que explica que em relação a uma matéria que não é urgente-porque só haverá novas eleições para as autarquias locais daqui por três anos - o Governo tenha resolvido, a menos de um ano da entrada em vigor da actual Constituição, lançar um processo que é claramente de desestabilização constitucional?
Portanto, onde é que está esse valor da estabilidade? Será que ele só existe quando serve o interesse do PSD, ou é realmente um valor?
Creio que esta iniciativa do Governo, como outras, aliás, desmentem essa crença tão grande na estabilidade.
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, agradecer as questões que me colocaram, que são, em grande parte, sobretudo no que toca às presidenciais, comuns.
Começo pela observação feita pelo Sr. Deputado Alberto Martins, relativa ao facto de eu desconhecer aquela panóplia de ideias, de projectos, de dinamismos e de capacidade de acção que tem o Dr. Jorge Sampaio. Bom, se tem, não se está a ver!
Efectivamente, o Dr. Jorge Sampaio parece ter muitas ideias mas guarda-as, entesoura-as; tem muita capacidade de decisão mas guarda-a, entesoura-a - Eça de Queiroz classificava um seu personagem de vara intelectual porque se encontrava numa situação semelhante à que o Dr. Jorge Sampaio se encontra hoje.
Se o Sr. Dr. Jorge Sampaio tem tudo isto, não o vemos, mas estamos à espera de ver. A única coisa que vemos todos os dias, relativamente à Câmara Municipal de Lisboa, é que o caos urbanístico continua e o único risco que o Sr. Presidente da Câmara Municipal corre neste momento é o de tropeçar nessas imensas bichas que vemos por toda a cidade.
Quanto às presidenciais, o Sr. Deputado Alberto Martins diz que passei ao lado do tema. Não, Sr. Deputado, não passei ao lado do tema, aliás abordei-o expressamente.
Conheço a questão das competências presidenciais, das competências constitucionais do Presidente, como V. Ex.a, e esta resposta serve também para o Sr. Deputado Carlos Brito.
As competências do Sr. Presidente da República, como de resto as dos outros órgãos de soberania, estão traçadas na Constituição com muita clareza. É sabido por todos que houve em duas matérias relevantes, como são a política externa, e a de defesa nacional, alterações qualitativas em alguns domínios, em 1982, particularmente na política externa em que o Presidente deixou de ter competência para, por exemplo, assinar convenções internacionais. Em 1982, um conjunto de domínios foram claramente retirados daquilo que era o acervo de poderes do Presidente da República - e isto, lembro, com o apoio do Partido Socialista - e hoje temos de fazer a interpretação dos poderes presidenciais à luz dessa revisão.
Obviamente, aquilo que o Sr. Presidente disse foi muito claro. Disse: «O quadro de referências em que vou actuar, se for eleito, é o quadro constitucional; os poderes que tenho chegam-me, bastam-me. Agora, desejava mais isto...». Sr. Deputado, é um desejo do Sr. Presidente da República! Quer V. Ex.a, Sr. Deputado Alberto Martins, que o Sr. Presidente da República não tenha desejos!? Por amor de Deus!... Nada temos a obstar a que o Sr. Presidente da República tenha desejos, mas, como sabe, em matéria de competência constitucional, aquilo a que estamos obrigados não é aos desejos de quem quer que seja, de nenhum agente político, mas à força da Constituição. E lembro que a Constituição tem uma força normativa específica, própria, força normativa essa que impede, como ensinam o Dr. Vital Moreira e o Prof. Gomes Canotilho, que em Portugal se possa fazer uma interpretação ou uma extensão dos poderes, mais correctamente, um aumento ou um desenvolvimento dos poderes do Presidente da República por via interpretativa, de resto, como existe e como é possível na doutrina constitucional americana. Assim, não é possível entender a teoria dos poderes inerentes como é entendida no direito americano e interpretá-la à luz da nossa Constituição, que tem uma força normativa especial...
O Sr. Alberto Martins (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Só um momento, Sr. Deputado. Deixe--me só concluir o meu raciocínio.
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Portanto, essa questão está, em nossa opinião, claramente dirimida. É óbvio que, quando se vier a colocar a questão de uma revisão da Constituição, em tempo oportuno, no tempo normal da sua revisão ou em tempo extraordinário, se para isso houver um consenso entre as forças políticas, o PSD, como sempre, está disposto a debater todos os argumentos.
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador:-Tenha a bondade, Sr. Deputado Alberto Martins, mas peco-lhe que seja rápido, porque são duas interrupções.
O Sr. Alberto Martins (PS): -Sr. Deputado Duarte Lima, como sabe, o problema não é normativo mas, sim, institucional, é de praxe constitucional e, portanto, é a realização do normativo, e nesse plano o Presidente da República está contra a realização do normativo que o PSD está a propor e a efectivar. Logo, a questão é outra.
Estão ou não os senhores de acordo com a prática proposta pelo Presidente da República, visto que ele não propõe a revisão? Se não estão, não podem apoiá-lo com legitimidade.
O Orador:-Faça favor, Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Duarte Lima, coloco-lhe a questão de uma outra forma: deveremos interpretar as suas palavras como significando que a resposta do PSD, ao desejo e ao apelo feito pelo Presidente da República, é: «Não, Dr. Soares. Nada de mais consultas!»? É isso?
O Orador:-Não seja extremista, Sr. Deputado Carlos Brito!
Respondo o mesmo para ambos dizendo que não vamos - contrariamente ao que desejaria, como é natural, o Partido Socialista, porque não tem mais a que se agarrar-entrar na análise hermenêutica do discurso do Sr. Presidente da República, como não vamos fazer uma guerra semântica acerca do que o Sr. Presidente da República diz ou do que deseja. Para nós, o importante no discurso do Sr. Presidente da República, essencialmente, é o quadro de valores que entende deverem continuar a presidir a sua actuação, caso seja eleito, como supremo magistrado da Nação. Esse é que é o referencial que nos obriga e que nos compromete politicamente e, em nossa opinião, esse quadro de valores é inequívoco e muito claro e em nada altera o que tem sido até agora a prática constitucional portuguesa.
Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador: - À questão, colocada pelo Sr. Deputado Carlos Brito, de saber se o PSD não se sente diminuído com a falta de comparência de candidatos nas eleições presidenciais, respondo de uma maneira muito simples: diferentemente do PCP, o PSD não tem de apresentar em todas as eleições presidenciais um candidado emergente das suas fileiras partidárias para mostrar que existe. O PCP precisa disso, precisa de tempo de antena,...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Tempo de antena é o que tem à farta!
O Orador: -... precisa de fazer passar a sua mensagem, porque, se calhar, não consegue fazê-la passar de outra forma. O PSD não precisa disso, porque se é verdade que o PCP comparece sempre com um candidato nas eleições presidenciais, também é verdade que desiste sempre a meio, Sr. Deputado Carlos Brito. É o que pelo menos a experiência tem demonstrado até agora.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:-Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a iniciar uma nova sessão legislativa, a última da presente Legislatura. À necessidade por todos reconhecida de se ultimarem trabalhos em curso, de se completarem os trabalhos de comissão relativos a muitos projectos e propostas de lei para que se possam cumprir promessas feitas ao eleitorado, vem juntar-se à presente sessão legislativa toda a carga política e eleitoral das próximas eleições presidenciais e legislativas.
Será por demais evidente que os partidos irão procurar concertar as suas intervenções parlamentares com os seus tempos eleitorais, mas será bom que as forças políticas aqui representadas não submetam o debate político e a salutar confrontação das ideias e dos projectos às suas preocupações eleitorais. O Partido Renovador Democrático não o fará e exige dos outros que o não façam.
Ao Governo exigimos que governe bem e que não ceda à tentação de querer gerir as eleições, procurando agora, migalha a migalha e de acordo com o calendário eleitoral, dar aos Portugueses o que em 1987 lhe havia prometido e que ao longo de três anos deliberadamente esqueceu. Do PS exigimos que seja oposição consistente e que se não deixe tentar por eleiçoeirismos estéreis.
A nossa postura política continuará a ser a de apoiar os bons projectos e propostas e de ajudar a inviabilizar os maus sem olhar a quem os apresenta.
Definimos nas Jornadas Parlamentares que realizámos há cerca de um mês um programa essencial de apresentação de projectos de lei, de agendamentos, debates e interpelações que iremos cumprir no estrito termo dos compromissos que temos com o nosso eleitorado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se no plano económico, em termos de crescimento efectivo, são, apesar de tudo, visíveis as melhorias registadas no último quinquénio, já o mesmo não sucede no plano social, onde as carências, as desigualdades e a pobreza de certos grupos se concertam num círculo vicioso - e vergonhoso - que carece de ser erradicado.
Não pretendemos erigir-nos em guardiões do templo do bem-estar social mas sabemos que estamos em condições para desempenhar, nesse particular sector, um papel importante que os Portugueses hão-de sentir e reconhecer.
Na sua ânsia de crescimento a todo o custo, o Governo tem descurado áreas sociais da maior relevância e certos grupos mais desfavorecidos porque não directamente ligados aos meios onde a riqueza é gerada, como seja o caso das crianças, dos jovens, dos reformados e pensionistas, dos deficientes e dos funcionários públicos.
Vozes do PRD:-Muito bem!
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O Orador: - São sistematicamente prejudicados na política redistributiva do Governo que deles só se lembra quando a estação eleitoral se aproxima no calendário político, definido pelo período de tempo que medeia entre duas eleições legislativas. Continuando uma prática que vem da sessão legislativa anterior e que se iniciou com um debate sobre a situação da criança em Portugal, o PRD procurará trazer a esta Câmara a discussão dos graves problemas que afectam os grupos carenciados que acabamos de referir, apontando e discutindo com os restantes partidos e o Governo as soluções que nos pareçam mais pertinentes e que possam ser traduzidas em medidas legislativas que minimizem ou resolvam os erros e as omissões que são apresentados.
O PRD, que fez da luta contra a corrupção e o clientelismo um dos vectores principais da sua declaração de princípios e elemento importante da sua génese enquanto partido político -e é bom que isto não se esqueça-, regista com grande preocupação um perigoso advento do clientelismo, do compadrio e da corrupção política estimulados quer pela excessiva partidarização do processo decisório, quer pela expansão desenfreada de «negócios», acobertados no processo descontrolado de formação/reconstituição de empórios económicos, geralmente participados - quando não encabeçados mesmo por interesses e capitais transnacionais.
Vozes do PRD:-Muito bem!
O Orador:-Mais do que qualquer outro partido, o PRD desfruta de condições soberanas para exercer uma fiscalização política e social que alguns temem e quase todos negligenciam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste tempo de preocupações há, também, um tempo de renovação e de esperança. Muitos dos princípios e dos projectos que ao longo do tempo defendemos, fazendo eco do sentir e das preocupações de largas franjas do eleitorado, e que foram, sistematicamente, rejeitados por aquelas forças políticas que colocaram os seus interesses de «grupo» acima dos interesses das populações são hoje retomados por quem há bem pouco tempo os repudiava ou manifestava menor atenção. É o caso mais do que evidente dos projectos em favor do aprofundamento do poder local.
Apesar de ter diminuído o seu peso eleitoral, bastaram quatro anos ao PRD para convencer o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, presidente do maior partido português, da bondade das suas opções e projectos. Não resta, pois, àqueles que sempre acusaram o PRD de não ter ideologia e ideias e de ser um partido inútil outra atitude senão a de reconhecerem a validade do nosso projecto e da nossa capacidade em os superar.
Vozes do PRD:-Muito bem!
O Orador:-Com a apresentação na Assembleia da República das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1991 está prestes a iniciar-se um dos debates que mais irão marcar as condições de vida dos Portugueses no próximo ano.
Os cenários mais previsíveis do desenvolvimento da crise do Golfo e o próprio facto de este Orçamento se discutir em estacão pré-eleitoral e de ser executado em simultâneo com a realização de decisivas eleições legislativas exigem de todas as forças políticas e do Governo uma postura de grande responsabilidade,
pautando as decisões não por meros interesses partidários mas reflectindo, isso sim, o necessário interesse nacional.
A este respeito o PRD sublinha que aqueles que nunca quiseram reconhecer a importância da favorável conjuntura internacional em muitos dos resultados alcançados não têm agora o direito de vir invocar, em situação de manifesto alarmismo, as mesmas razões para os resultados menos bons que desde há um ano para cá se vinham evidenciando.
Ao Governo exige-se também que faça projecções credíveis para as principais variáveis macroeconómicas, abandonando uma vez por todas o sistemático espectáculo pouco digno de estimativas para a inflação, que já se encontram desacreditadas pelos próprios factos no momento em que são apresentadas.
Receamos que o Governo venha a cair na tentação de práticas eleitoralistas durante a próxima sessão legislativa; razões de receio não nos faltam. Seria manifestamente inconveniente que o Governo, servindo-se da sua maioria parlamentar, viesse agora a recuperar, como iniciativa sua, propostas ou ideias de outras forças políticas e que a seu tempo o PSD rejeitou. Continuando a reconhecer a importância dessas medidas e da sua urgência, o PRD entende que o Governo deveria dar provas das suas boas intenções ao promover um amplo debate com a oposição acerca dos projectos e das soluções que, por ela própria, têm sido apresentados a esta Câmara.
Vozes do PRD:-Muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em todo o caso, o PRD entende deixar nesta primeira declaração política desta sessão legislativa uma palavra de esperança e de convicção de que os trabalhos que agora iniciamos decorram com normalidade e com elevado sentido de responsabilidade.
Aplausos do PRD.
Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.
O Sr. Presidente:-Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Já foi aqui afirmado hoje que o principal acontecimento do ano político-parlamentar que hoje se inicia é a eleição do Presidente da República, sendo este o único facto certo, porque as previsões adiantadas por alguns sectores sobre a antecipação das eleições legislativas não passam, por enquanto, de puras especulações.
Julgamos que é um dever de todas as forças políticas aqui representadas dignificar e valorizar este acto eleitoral, porque e de primeira evidência que a chefia do Estado tem de ter uma dignidade correspondente àquela que se pretende para o próprio País.
As eleições legislativas são certamente as que suscitam todas as atenções, mas nem por isso parece ajustada a atitude de considerá-las em plano superior ao reservado à eleição presidencial. Designadamente, parece-nos que não deve merecer a concordância desta Câmara a declaração do Sr. Primeiro-Ministro, no sentido de que é apropriado para o seu cargo manter-se distante nesta eleição, de que chamou «polémicas políticas». Não é concebível que o presidente do partido maioritário, que
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só por isso exerce as funções de Primeiro-Ministro, se imagine investido de uma missão que o afasta da escolha do Presidente da República, mas não o afasta de ser o primeiro a declarar, como foi o caso, que o seu partido não teria candidato no caso de o Sr. Dr. Mário Soares se recandidatar e que oportunamente seriam apresentadas as condições para este efeito.
Deve ter-se bem presente que o único cargo político que é uma magistratura é o de Presidente da República, e nada pode autorizar qualquer tentativa de diminuição do acto eleitoral, por muito que isso convenha à actual maioria e ao seu líder.
O CDS mais de uma vez se tem mostrado preocupado com a evolução do regime à margem da intenção vertida no texto constitucional em vigor, evolução na qual se inscreve o alheamento invocado a despropósito pelo simples Primeiro-Ministro do Governo em funções. Não se contribui, deste modo, para eliminar um dos erros que contribuíram para esta evolução perigosa do regime, que, aliás, foi o quadro de referências da última campanha para a eleição do Presidente da República.
Talvez até sem intenção, talvez porque estava ainda presente a recordação do Presidente da República também Presidente do Conselho da Revolução, as forças políticas, os líderes de opinião e os principais meios da comunicação social encaminharam os candidatos para uma tomada de posição sobre os problemas que constituem normalmente o elenco de um programa de Governo. Como disse hoje o meu colega de bancada, o deputado Adriano Moreira, os dois candidatos principais não deixaram de ser interrogados sobre as questões que vão desde o poder local à defesa nacional, passando pelos detalhes das obras públicas e construções escolares.
Aconteceu, por isso, que as verdadeiras questões a serem suscitadas pela eleição do Presidente da República - para o cabal esclarecimento do eleitorado- são: primeiro, o entendimento do candidato a respeito do conteúdo dos poderes que a Constituição da República confere ao titular desse cargo; segundo, a maneira como tenciona exercê-los; e terceiro, a capacidade do candidato de vir a ser o Presidente de todos os portugueses, absolto do passado partidário e dos compromissos na acção governativa.
Estas três questões - dizia-passaram para um plano secundário.
Não é infundado afirmar que em 1985 se partiu para o exercício do mandato presidencial com a opinião pública alimentada pela imagem da função presidencial anterior à revisão constitucional e com os responsáveis mais inclinados a pensar nos poderes do Governo, inclusivamente mediante acordos e condições de apoio, do que na nova definição dos poderes do Presidente da República, entretanto revistos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A imprevista maioria absoluta do PSD permitiu ao Prof. Cavaco Silva ditar uma evolução que não foi sequer pressentida no debate da eleição presidencial e que mudou, no nosso entender, prejudicialmente o regime. Concretamente, procedeu-se a uma errada interpretação da chamada estabilidade, como ouvimos ainda hoje da boca do deputado Duarte Lima. Esta estabilidade, que para o PSD é sinónimo da expropriação do poder governativo, começou por ser a exigência de condições para um executivo de legislatura e depois, por acréscimo, a exigência de uma legislatura comandada pela vontade de um líder partidário, ao qual a maioria parlamentar, submissa e acrílica, fornece uma câmara de ressonância.
A estabilidade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, significa continuidade de acção na gestão dos interesses do Estado, entre os quais avulta o respeito pelas minorias, manter intangível o poder de fiscalização e de crítica do Parlamento, que não pode ser substituído nem pelas altas autoridades nem pelo Ministério Público, dar a devida atenção às propostas construtivas da oposição que preencham os vazios, as insuficiências e as desatenções da maioria que legitimamente exerce o Governo.
Em vez desta estabilidade democrática, temos o presidencialismo do Primeiro-Ministro, em que assume ele a crítica das oposições na televisão monopolista e tutelada pelo Executivo e remete o foro da Assembleia da República para a responsabilidade habitual de um secretário de Estado, ofendendo a dignidade da instituição parlamentar e salvaguardando-se do debate que procura não enfrentar. Um Primeiro-Ministro que faz o duplo emprego das funções que são do Presidente da República, como que pretendendo inutilizar as intervenções deste, sobretudo no domínio da política externa. Não há audiência com o Presidente da República dos responsáveis estrangeiros que não seja duplicada com a audiência com o Primeiro-Ministro...
A maioria absoluta do PSD consagrou a vocação do Primeiro-Ministro para o regime agravado de chanceler, que a nossa Constituição rejeita e que é a solução oposta à necessidade de um poder moderador que o regime semipresidencialista impõe.
Não se trata apenas de uma táctica ocasional destinada a evitar uma derrota que leve o chefe incontestado do maior partido português a não apresentar um candidato próprio à Presidência da República e a afirmar publicamente que «o Primeiro-Ministro não deve meter-se nesta polémica». Trata-se, sobretudo, da suficiência que atribui ao seu próprio cargo e ao exercício dele, coisas para as quais dispensa perfeitamente um Presidente da República interveniente.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador:-Neste ponto não podemos deixar de entender e vincar que o actual Presidente da República consentiu, com ou sem concordância, que o facto da existência de uma maioria absoluta homogénea se transformasse em normativo,...
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Orador: -... deturpando, como dissemos, o pensamento e a letra constitucionais. Domínios fundamentais, como a política externa e a defesa, quando prevêem a intervenção do Presidente da República atribuem-lhe o acto da vontade constitutivo e não uma simples formalidade ou intervenção de solenidade, como pretende o Primeiro-Ministro.
Para dar um só exemplo mais do que suficiente, recordo o procedimento que o Governo teve com o Presidente da República e, consequentemente, com o Conselho Superior de Defesa Nacional e com a própria Assembleia da República na gestão da intervenção portuguesa na crise do Golfo. Tudo se passou com uma tal inconsideração de exigências constitucionais, legais e de prudência governativa que aquilo que mais avultou no noticiário desses dias foram os exercícios do Sr. Primeiro--Ministro pelos coqueiros da ilha do Príncipe e os banhos
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de sol do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros nas praias do Algarve.
É salutar que o candidato Dr. Mário Soares queira, de acordo com as últimas declarações, assumir o défice do exercício dos poderes do Presidente da República durante o mandato prestes a findar.
Insistimos, porém, que só uma opinião pública esclarecida- e as condições de informação áudio-visual não tomam isto fácil - poderá oferecer um suporte suficiente para contrariar o projecto que a maioria absoluta do PSD tem persistentemente executado e que se traduz em mudar, de facto, o regime constitucional sem a revisão constitucional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém pode estar inconsciente de que a eleição presidencial vai decorrer num ambiente público de degenerescência, que acompanha tanto mais facilmente os regimes quanto mais tendem para a personalização do poder e em que os sucessivos escândalos desafiam a credibilidade das instituições.
O Sr. Alberto Martins (PS):-Muito bem!
O Orador:-A corrupção, o tráfego de influências, o clientelismo, o nepotismo alastram como nódoas de azeite, efeitos da concepção patrimonialista do Estado actual que parece fazer carreira em Portugal.
O Sr. Alberto Martins (PS):-Muito bem!
O Orador: - Paralisar, diminuir, desvirtuar as competências e a dignidade das funções dos órgãos de soberania não facilita o restabelecimento urgente do clima ético, sem o qual a democracia está envenenada.
A reposição da interpretação autêntica das funções do Presidente da República, assim como o restauro da dignidade da Assembleia da República, com a restituição do peso constitucional às oposições, fazem parte do remédio inadiável para suster a alteração do regime que tende a tomar meramente formais as competências fiscalizadoras do Parlamento. E é apenas porque este papel fiscalizador da Câmara está a ser, persistente e insidiosamente, desvirtuado que a Procuradoria-Geral da República, com o manifesto prejuízo para as altas funções que lhe estão confiadas, se vê envolvida em mecanismos de crítica e desconfiança que deveriam esgotar-se no âmbito da responsabilidade política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS atribui alta importância à eleição do supremo magistrado da Nação - mas não em tom de gracejo, como o Sr. Deputado Duarte Lima disse que o PSD lhe atribuía. Por isso mesmo, como partido, o CDS não apresenta um candidato.
Como democratas-cristãos que somos, não apoiamos nenhum dos candidatos até agora declarados. E não apoiamos porque pensamos que a sociedade civil deve gerar uma personalidade, um candidato destinado a protagonizar a magistratura independente do Presidente da República, tal como a concebemos e a Constituição a consagra, e porque fazemos um julgamento rigoroso sobre a capacidade de prestar um serviço útil ao País nas actuais circunstâncias.
Sempre defendemos -e continuamos a sustentar- que as grandes áreas políticas deveriam apresentar, cada uma delas, um candidato à Presidência da República, pressupondo que qualquer deles, se for eleito, pode exercer com independência as suas funções. Assumir nas presentes circunstâncias um desafio, mesmo em condições à partida pouco estimulantes, é um dever democrático. A área de convergência que teve a sua melhor expressão na Aliança Democrática não tem nesta eleição uma presença viável e potencialmente ganhadora, porque o maior partido desta área, que também acontece ser neste momento o maior partido do País, declinou a sua responsabilidade.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador: - Da decisão institucional do PSD apenas sabemos que foi uma opção do seu presidente, e esta talvez se deva ao errado e pernicioso entendimento do regime constitucional pelo qual o Primeiro-Ministro pauta a sua conduta política.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O PSD não apenas inviabilizou, hostilizando a candidatura que o País precisava, como recusou, pela ausência, o debate político, desejando que ele apenas se circunscrevesse a várias formas e modalidades da república socialista e laica.
Certamente que esta não é a melhor forma nem de servir o interesse nacional nem de confirmar que a eleição presidencial é um acontecimento extremamente relevante.
Por mais adversas que sejam as circunstâncias, o CDS dará na campanha eleitoral, que já começou, toda a contribuição que estiver ao seu alcance para que a escolha do Presidente da República recaia no candidato que tenha como primeira prioridade do seu mandato o desígnio de repor a autenticidade constitucional do País.
Aplausos do CDS e do PS.
Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS):-Sr. Deputado Narana Coissoró, o início da sessão legislativa é, porventura, o momento mais adequado para reflectir sobre o presente, perspectivar o futuro e dar sequência às grandes linhas de actuação do passado recente.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não se esqueça da questão religiosa!
O Orador: - Ó Sr. Deputado Silva Marques, para mim a questão religiosa está sempre presente. V. Ex.ª é, obviamente, o meu oráculo!...
Como ia dizendo, congratulamo-nos com o teor da intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sou um laico e republicano como o Presidente da República e um socialista moderado!
Risos do PSD.
O Orador: - O Sr. Deputado Silva Marques não está a mostrar a moderação que está a referir, pois está a interromper-me persistentemente. Se V. Ex.ª quiser intervir, faça o favor...
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O Sr. Silva Marques (PSD):-Já disse que sou um laico, um republicano e um socialista moderado!
O Orador:-É bom que fiquem na acta estas considerações feitas aqui pelo Sr. Deputado Silva Marques, uma vez que elas mudam tanto que se tomam necessárias para que nos recordemos delas!...
De qualquer modo, dizia eu que as preocupações que o Sr. Deputado Narana Coissoró aqui expendeu relativamente à situação político-parlamentar, à necessidade do aprofundamento das competências parlamentares, ao reforço da fiscalização dos actos do Governo e da Administração por parte do Parlamento, das competências do poder local e de outras áreas de intervenção, à transparência da Administração e ao respeito pelas regras da transparência democrática, designadamente em relação às forças minoritárias, têm também constituído uma matéria de grande preocupação para o PS.
Quanto ao que referiu em relação à questão presidencial, diria que a maior parte das considerações que teceu na sua análise coincidem com as nossas, designadamente no que concerne ao âmbito da magistratura presidencial, às competências que a Constituição atribui ao Presidente da República e sobre o que a lei fundamental define em relação ao sistema português, isto é, o sistema semipresidencialista.
Na verdade, a desvalorização das eleições presidenciais que o partido do Governo tem vindo a efectuar, ao coincidir com uma larga panóplia inauguracionista e eleiçoeira e ao reforçar o presidencialismo do Primeiro-Ministro - como o Sr. Deputado aqui muito bem disse -, lembra para nós uma situação de má memória. É que, com o sistema que criámos após o 25 de Abril, o Primeiro-Ministro tem competências próprias e o presidencialismo do Primeiro-Ministro, do Presidente do Conselho de Ministros, não se adequa ao regime em que vivemos.
Falou também o Sr. Deputado Narana Coissoró em duplo emprego e, de facto, essa parece ser a vocação do Sr. Primeiro-Ministro, daí se justificando, porventura, os aumentos gordos e substanciais dados à classe política...
O Sr. Deputado Narana Coissoró, tal como aqui referiu a questão presidencial, revela dignidade e coragem política ao definir claramente a posição da sua área político-ideológica, considerando que há, de facto, um vazio de representação, enquanto candidatura, na área presidencial. Por conseguinte, tal como já disse, temos muitos pontos comuns na nossa análise e reflexão relativamente a estas questões e consideramos que o Primeiro-Ministro e o partido do Governo estão a fazer como o cuco, ou seja, a colocar os ovos em ninhos alheios.
O Sr. Duarte Lima (PSD):-Fica registado que o Sr. Deputado é contra os aumentos!
O Sr. Silva Marques (PSD):-O Sr. Deputado não me respondeu à questão religiosa!
O Sr. Presidente:-Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sr. Deputado José Lello, realmente V. Ex.ª não me fez nenhuma pergunta, mas devo dar-lhe um ou dois esclarecimentos.
Em relação à interpretação do regime constitucional e as críticas que fazemos à perniciosa evolução que ele está a ter em face daquilo que temos vindo a designar por «presidencialismo do Sr. Primeiro-Ministro», devo esclarecer que já é velha essa nossa tese, que foi largamente explicada numa entrevista dada pelo Prof. Adriano Moreira na passada semana a um semanário, na qual disse claramente que o CDS e o PS estão próximos da verdadeira interpretação constitucional sobre o regime e a forma como a magistratura do Presidente da República deve ser exercida em Portugal.
Não apresentei, pois, qualquer novidade, já que se trata de uma posição doutrinal que sempre temos defendido; não é devido a esta campanha eleitoral que aqui hoje a viemos abordar. Defendemo-la logo na primeira noite das eleições de 1987, em que o PSD teve a maioria absoluta, e nessa altura já visionávamos como é que o regime evoluiria para este objectivo.
Sr. Deputado, nós, ao contrário de V. Ex.a, não confundimos o bicefalismo, de que falava o Prof. Marcelo Caetano em relação à Constituição de 1933, com o actual regime democrático. O Prof. Marcelo Caetano falava no duplo presidencialismo do regime anterior, mas agora é pior é que há presidencialismo de um só! Não misturemos, portanto, os dois regimes.
Quanto ao défice democrático da Assembleia da República em relação às suas funções de fiscalização, devo dizer que, à semelhança do PS, nós também vamos apresentar, muito brevemente - como, aliás, já tínhamos prometido -, um projecto de lei sobre a revisão do Regimento. Espero que até fins de Novembro possamos agendar este projecto para poder perguntar à maioria se realmente quer dar à oposição poderes para debater «taco a taco» os graves problemas políticos ou se lhe quer pôr a slei da rolha e da mordaça», por forma que só o partido da maioria possa falar e dizer longamente aquilo que quer.
O Sr. Silva Marques (PSD): -Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de informar que a subcomissão encarregue da revisão do Regimento tem sido regularmente convocada por mim, mas, infelizmente, nunca reuniu por falta de quorum.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): -Sr. Presidente, peço a| palavra.
O Sr. Presidente:-Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): -Sr. Presidente, o PRD tinha pedido uma suspensão dos trabalhos para, assim poder dar uma conferência de imprensa, o que, aliás, já tínhamos anunciado. Todavia, para não interromper o normal decurso dos nossos trabalhos, gostaria de informal a Mesa de que iremos fazê-lo a seguir à intervenção do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Aproveito esta ocasião para informar os Srs. Jornalistas de que, devido a essa razão, a nossa conferência de imprensa terá um ligeiro atraso de cinco ou dez minutos
O Sr. Presidente:-Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares Loureiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se me per-
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mitem, e antes de mais, gostaria de agradecer a deferência que o PRD acaba de me fazer.
No início desta sessão legislativa, que também o Governo considera histórica, queria, em meu nome pessoal e em nome do Governo, retribuir os cumprimentos que nos foram endereçados pelas várias bancadas parlamentares e, com todo o respeito, saudar em primeiro lugar V. Ex.ª e os demais membros da Mesa, os Srs. Deputados em geral, os Srs. Jornalistas que habitualmente acompanham os trabalhos parlamentares e, enfim, todos aqueles que trabalham nesta Casa e fazem com que as elevadíssimas funções que a este Parlamento cabem possam ser levadas a bom porto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Assembleia está hoje a participar na celebração de um facto inédito na história recente da democracia portuguesa.
Pela primeira vez um governo, o mesmo governo que aqui se apresentou no início da Legislatura, comparece na abertura da sua 4.ª sessão legislativa, o que significa que, pela primeira vez também, se caminha para o cumprimento daquilo que a Constituição define como o tempo normal de exercício do mandato governativo.
Em cada período de quatro anos os governos são convidados a cumprir o seu programa, a exibir a sua capacidade, a ordenar as suas prioridades de execução e a aplicá-las no calendário considerado oportuno.
É uma consideração de normalidade constitucional, que desaconselha a existência de governos fracos e de duração curta.
Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador: - A Constituição quer governos responsáveis perante esta Assembleia, define o modo e os termos da relação recíproca e dimensiona a duração do mandato.
E é também a Constituição que declara a repartição dos poderes e define a atribuição das funções para que, compreensivelmente, não haja confusão nem atropelo.
É certo que, por vezes, o calor da discussão política ou a conveniência da afirmação fazem esquecer os princípios fundamentais a seguir.
Mas nada melhor do que o recurso às palavras de um deputado ilustre desta Casa, em intervenção efectuada precisamente na abertura da l.ª sessão legislativa da I Legislatura, quando se encontrava na oposição, repito, quando se encontrava na oposição, para nos ajudar a ver mais claro: «A Assembleia da República deve possuir sempre clara consciência daquilo que lhe pertence na repartição das funções do Estado e do que pertence aos outros órgãos de soberania, tendo especialmente em conta que é ao Governo que compete governar [...]»
Se a Francisco Sá Carneiro, porque dele são as palavras citadas, não pode recusar-se a frontalidade, menos se poderá recusar a cristalina transparência.
Aplausos do PSD.
Só agora, 16 anos volvidos sobre o reinicio da prática da democracia no nosso país, é possível um momento de equilíbrio do sistema.
Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador:-Pelo caminho ficaram as tentativas de adaptar os resultados eleitorais à sua moldura ou de lhes solucionar os impasses; pelo caminho ficaram ainda os
governos de iniciativa presidencial, os governos minoritários ou os governos de coligação.
O facto marcante destes anos é que a verdadeira estabilidade, que o sistema pressupõe como condição de normalidade, só foi conseguida com uma maioria mono-partidária.
Espanta-nos que alguns afirmem constantemente esta base de Governo como uma perversão. A este propósito permitam-me um parêntesis para deixar claro de como tantas vezes a conveniência de um momento faz, sem pudor, postergar princípios tão sonoramente proclamados.
Há cinco anos atrás um importante membro do Grupo Parlamentar do PS intervinha neste local para dizer: «É nossa convicção de que os problemas que o País atravessa só poderão ser resolvidos por um governo que expresse a vontade da maioria do povo português.»
Um princípio? Ou outros tempos e outras conveniências?
Encerrado o parêntesis, e regressando à ideia que, muitas vezes, vezes demasiadas, aqui pareceu aflorar, segundo a qual as maiorias parlamentares são quase perversões da democracia, acrescento que na lógica deste pensamento só existiria governo democrático com minoria ou governo legítimo que vivesse das suas contradições internas. Ou, máxime, só existiria fiscalização verdadeira e controlo factível dos actos do Governo se este se limitasse a cumprir não o seu Programa sufragado mas os vários programas das oposições. Numa palavra, se as oposições fossem governo, e é isto que nós, muito legitimamente, não aceitamos.
Não queremos álibis para justificar incapacidades; não queremos desculpas para baixar os braços. Queremos dar a conhecer ideias, discutir fundamentações, quantificar recursos e decidir, porque governar não é fugir. É essencialmente decidir; decidir entre a fantasia e a realidade; decidir entre o fundamental e o acessório; decidir entre o interesse particular e ou de grupos e o interesse nacional.
E nós, no final desta sessão legislativa, queremos dizer perante esta Câmara e perante o País que cumprimos, em consciência, quanto nos tínhamos proposto executar.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não valeria a pena confessar que o percurso, desde que nos propusemos ser governo até agora, foi difícil. É oportuno recordar alguns dos obstáculos e das lutas travadas para os superar. Vale a pena recordar, porque foi consumido tanto tempo para realizar aquilo que o País hoje já não discute, quanto mais não seja para esclarecer responsabilidades.
Talvez que um dos nossos melhores méritos tenha residido no simples facto de obter a imperiosa confiança do País para mudar grande parte do que estava mal e ganhar coragem para ultrapassar receios atávicos. Mas assumimos por igual a capacidade de pensar primeiro que muitas outras forças políticas e identificar com maior antecedência os constrangimentos a que estávamos sujeitos. Apesar disso e por culpa que não nos cabe, ninguém negará que só em 1989 se acabou com a limitação objectiva de uma Constituição ideologicamente armadilhada. Como ninguém negará que só em 1989 se acabou com a rigidez do sector público nacionalizado e o sabor amargo da economia planificada.
E, em si mesmos considerados, estes foram dois factores essenciais para o novo entendimento do País, porque se tratava já de um mal-entendido reduzido a
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escrito num texto fundamental e estruturante. O Pais tinha avançado num sentido, no sentido do mundo - sublinhe-se-,e a Constituição tinha ficado parada no tempo de uma revolução.
Só após estes passos, fundados e firmes, ancorados numa consciência colectiva que fez cair os muros de todos os socialismos e de todas as verdades tidas por indiscutíveis, poderíamos aspirar a um país diferente. Escusado será repetir o que foi o nosso esforço legislativo no passado recente e o cuidado que empregámos para aplicar o novo modelo constitucional; escusado será também mencionar o eco e o êxito encontrados no desempenho dessa tarefa. Basta-nos dizer que temos a ideia nítida de haver cumprido muitas das condições necessárias para modernizar a economia e dinamizar a sociedade e de tudo isto acontecer sem sobressaltos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador - Mas não nos ficámos por aqui e colaborámos interessadamente no aperfeiçoamento dos direitos fundamentais tratando de lhes dar forma consistente e prática. E, principalmente, iniciámos um processo de reforma do Estado e dos conceitos de Administração. Qualquer observador imparcial pode facilmente concluir que os cidadãos portugueses são mais livres, mais conscientes dos seus direitos e da possibilidade da sua aplicação, mais cientes da igualdade real das suas oportunidades, mais optimistas nos seus horizontes de vida, mais exigentes perante o Estado e mais ciosos do ambiente que os rodeia.
Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador: - E o que nos falta fazer, Srs. Deputados? Muita coisa, certamente. Mas os resultados visíveis do desenvolvimento global da sociedade portuguesa não desmerecem de qualquer comparação. Temos um País economicamente mais pujante mas também socialmente mais cuidado e culturalmente mais rico.
O Sr. Silva Marques (PSD): -Muito bem!
O Orador: - Afirmámos Portugal no contexto da comunidade internacional; afirmámos Portugal no mundo no sentido de que o nosso país hoje conta, é importante ou mesmo decisivo em factos de dimensão que transcendem as nossas fronteiras. Penso, por exemplo, no processo de mediação para a paz em Angola e Moçambique.
Estamos a realizar as transformações que muitas gerações de portugueses sonharam e não puderam ver conseguidas. Realizámos um esforço de investimento sem paralelo em infra-estruturas que se expandem ao longo do território e o tornam mais acessível e próximo.
Somos um País que inspira confiança e desempenha um papel fundamental no fim das querelas que a história se encarregou de construir. Mas tudo isto é adquirido havendo passos outros e novos que começamos a dar. Temos preocupações novas e igualmente importantes. É preciso, cada vez mais, governar para o cidadão. Governar para o cidadão na exacta medida em que consideramos uma preocupação actual e fundamental tomar mais fácil e menos angustiante a sua relação com a Administração. Sem subterfúgios, porque é disto mesmo que se trata, damos passos para fazer que a democracia triunfe sem equívocos sobre a burocracia. O que está
em causa hoje já não é a democracia, mas a sua qualidade. Dar transparência, conferir maior responsabilidade, estimular a utilização de novos métodos e meios, tomar mais expedita e clara a relação entre a Administração e administrados. Em suma, acabar com a relação anquilosada da máquina burocrática de um Estado omnipresente e libertar o cidadão.
É este, por certo, um grande desafio que é necessário levar a cabo. Mas que ninguém se iluda, porque numa sociedade aberta e plural, numa sociedade de iniciativa que desejámos e ajudámos a construir, esta vitória é apenas uma questão de tempo. Teremos nós também a oportunidade de dar corpo a este desejo ancestral e colectivo. A pouco e pouco, mas sem tibieza, para que a marcha seja segura.
Dentro de dias debateremos nesta Câmara mais um diploma que é, no aspecto sobre que temos vindo a discorrer, fundamental. Trata-se da proposta de lei que visa modificar, aperfeiçoando, muitos aspectos que, tendo a ver com o dia-a-dia da administração autárquica, releva também da relação nova que é necessário continuar a construir entre o papei e os direitos do Estado e o papel e os direitos do cidadão em democracia. É um primeiro passo, pequeno talvez, ainda tímido porventura, mas que tem em si os sinais inequívocos de uma vontade determinada.
Queremos uma democracia mais participada; queremos um sistema político que é preciso aperfeiçoar no sentido de conferir voz àqueles que se querem fazer ouvir - como é seu direito - sem necessitar dos altifalantes partidários.
Aliás, porque se trata de matéria de magna importância, porque acreditamos no valor e no direito do cidadão à participação, porque é necessário - como afirmei - conferir voz àqueles que querem fazer-se ouvir, anuncio desde já que é desejo do Governo que esta proposta de lei seja submetida, nos termos regimentais, à discussão pública e nós aqui estaremos também para esse debate.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD):-Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Justifica--se, a terminar, que dirija a esta Assembleia as seguintes palavras: em grande medida muito do que já realizámos só foi possível pela aprovação de textos legislativos fundamentais que desta Assembleia dependem. E a única mensagem que desejaria acrescentar, como nota final, é a de que VV.Ex.as, Srs. Deputados, na crítica que estimula ou no aplauso que dá conforto, na concordância ou na discordância, ajudar-nos-ão a servir melhor os Portugueses.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Guterres e Carlos Brito.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado António Guterres, chamo a atenção para o facto de as umas encerrarem dentro de 30 minutos e, pelo que sabemos, muitos dos Srs. Deputados ainda não votaram.
Imediatamente a seguir ao período de perguntas e respostas que terá lugar, haverá um intervalo, solicitado pelo PRD, com a duração de 15 minutos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
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O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, socorro-me dessa figura regimental não tanto para pedir esclarecimentos, mas para manifestar a nossa satisfação pela presença do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e, ao mesmo tempo, fazer um apelo a que essa presença possa ser assídua durante esta sessão legislativa.
Sr. Ministro, habituámo-nos a acompanhar com todo o interesse, na televisão e nos jornais, a sua actividade política, mas, naturalmente, gostaríamos muito que na próxima sessão legislativa pudéssemos contar aqui com a sua presença mais frequentemente, porque isso seria sintoma de duas coisas: em primeiro lugar, de que o debate nesta Câmara melhoraria e, em segundo lugar, de que as rivalidades internas do PSD, que tanto o consomem, estariam um pouco mais amainadas.
Risos do PSD, PS e CDS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Quando o Governo propôs que V. Ex.ª interviesse nesta reunião do Plenário e no período de antes da ordem do dia-o que é inusual e não se sabe se anti-regimental - o PCP, que sempre defendeu que o Governo deveria vir mais à Assembleia da República, deveria debater mais com a Assembleia da República, imediatamente concordou, na convicção de que era um acto simbólico de humildade e de respeito da parte do Governo para com a Assembleia da República.
O Sr. Silva Marques (PSD):-E por que não?
O Orador:-No entanto, depois de o ouvir, devo dizer-lhe que o acto de respeito é meramente formal, porque o que o Sr. Ministro aqui veio fazer foi o elogio do melhor governo possível.
O Sr. Silva Marques (PSD):-Esse é o aspecto substancial da questão!
Vozes do PSD: - Somos os maiores!
O Orador: - Posto isto, gostaria de lhe colocar uma questão concreta referente à proposta de lei governamental de alteração à legislação eleitoral para as autarquias locais, aquela que V. Ex.ª mais abordou e para a qual, através da sua intervenção, quase pediu urgência.
Relativamente a essa proposta começo por dizer que, embora ela esteja na Mesa, não foi ainda distribuída e daí que não a conheça. Por isso não sei se ela comporta aquelas alterações de que se vinha falando, designadamente a limitação do número de mandatos dos presidentes das câmaras, a transformação das maiorias relativas em absolutas, a possibilidade de apresentação de listas por cidadãos eleitores.
Se não constam - V. Ex.ª responderá se sim ou não- isso é óptimo, porque quer dizer que o Governo atendeu ao que vinha sendo dito pelo PCP e outros partidos da oposição, isto é, que essas propostas eram inconstitucionais e que só em sede de revisão constitucional poderiam ser discutidas.
e constam, pergunto: como é que V. Ex.ª - tendo-se verificado há um ano uma revisão constitucional na qual essa matéria foi discutida e não obteve provimento - vem aqui, por um lado, defender esta proposta, que é um acto manifesto de desestabilização, e ao mesmo tempo invoca a estabilidade como um valor supremo que guia este Governo e que determina a sua intervenção política?
Esta sua atitude não se compreende, porque esta proposta, apesar de V. Ex.ª dizer ao contrário, é manifestamente inconstitucional, não é urgente e é, sim, um acto de diversão, como o PCP repetidamente a tem caracterizado.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente:-Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: -Sr. Deputado António Guterres, aproveito a oportunidade para lhe retribuir os cumprimentos que acaba de me endereçar. Fico contente por saber que gosta de me ver aqui e, desde já, afirmo que estarei presente sempre que entender necessário; mas se não estiver, o Governo estará sempre e igualmente bem representado.
Em relação aos sinais que referiu, de intranquilidades e rivalidades, eu aconselhar-lhe-ia que se preocupasse mais com o seu partido. Porém, não gostaria de entrar nessas questões, pelo menos por enquanto...
Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Brito, a minha resposta é a seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro anunciou, e eu próprio falei sobre essa questão, que iríamos apresentar à Assembleia da República duas propostas de lei que têm a ver com o dia-a-dia da administração autárquica - uma relativa ao sistema eleitoral e a outra referente a uma alteração à Lei n.º 100/84.
No que diz respeito à alteração ao sistema eleitoral defendemos três princípios: em primeiro lugar, que devia haver um limite à possibilidade de sucessivos mandatos por parte dos presidentes de câmara e por isso, na versão que entregámos e que julgamos ser constitucional, prevemos uma redução de mandatos, cuja extensão V. Ex.ª conhecerá logo que a Mesa distribuir aos diversos grupos parlamentares a proposta de lei que apresentámos.
Um outro princípio é o de abrir, por razões que temos expendido largamente, a possibilidade a cidadãos independentes de proporem listas e de se candidatarem aos órgãos municipais, tal como já acontece para as juntas de freguesia.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Por que não consagraram isso na revisão da Constituição, há um ano?!
O Orador: - O terceiro ponto tem a ver com o entendimento que temos de que devíamos tentar, tanto quanto possível, levar avante uma coisa pela qual nos batemos largamente em sede de revisão constitucional e que não conseguimos consagrar. Trata-se, como já deve ter percebido, de proporcionar a formação de executivos maioritários.
É nosso entendimento - discutível, mas alicerçado no julgamento que fazemos - que os dois primeiros aspectos eram passíveis de regulamentação desde já e que o terceiro não o era em virtude de constrangimentos constitucionais, sendo essa a razão por que não consta da nossa proposta de lei.
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O Sr. Deputado Carlos Brito chama a esta questão a desestabilização- que referiu também há pouco ao Sr. Deputado Duarte Lima -, mas V. Ex.ª tem que considerar que os tempos são outros, que as suas ideias se tomaram conservadoras e daí que para o Sr. Deputado tudo quanto seja mudança, inovação, seja desestabilização. Não duvido que o PCP...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro, permite-me que o interrompa?
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares:-Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Ministro, a minha posição é a seguinte: venha a mudança, mas com determinadas regras e princípios! O Governo e o PSD estão a defender agora o que derrotaram há ano e meio e isto que não é entendível, não é atitude de um governo! Estão agora a pôr em causa aquilo que aprovaram há um ano em sede de revisão constitucional! E isto que é a desestabilização da Lei Fundamental.
O Orador: - Sr. Deputado Carlos Brito, o que afirma não é verdade. Propomos aquilo que nos parece estar de acordo com as regras e sobretudo com a regra maior que é a da Constituição.
Efectivamente VV. Ex.as consideram isso desestabilização, mas não considerarão, porventura, desestabilização maior o que se passou no Leste! No entanto, tudo isso é a inovação, é o poder dos tempos! E contra o facto de VV. Ex.as serem agora conservadores não há nada a fazer.
Quero ainda fazer-lhe um outro breve comentário. V. Ex.ª disse que julgava que a vinda do Governo a esta Assembleia hoje, através do Ministro dos Assuntos Parlamentares, era um acto de respeito e de humildade e eu afirmo que o foi. Mas permita-me que lhe diga o seguinte: o PCP nunca será governo em Portugal, mas se o fosse eu nunca veria um ministro comunista dizer aqui, como eu disse, que a única mensagem que desejaria acrescentar, como nota final, é que VV. Ex.as, Srs. Deputados, na critica que estimula ou no aplauso que dá conforto, na concordância ou na discordância, ajudar-nos-ão a servir melhor os Portugueses.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Elogio em boca própria!...
O Orador: - Isto que eu disse aqui, que um democrata pode dizer aqui, seguramente nunca o teria ouvido a um governante comunista!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicito mais uma vez aos que ainda não o fizeram o favor de irem votar, dado que as umas encerram às 18 horas.
Está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão. Eram 18 horas e 18 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, vamos entrar na primeira parte da ordem do dia com a apreciação dos n.os 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100 e 101 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias da Assembleia da República, respectivamente de 21, 22, 26, 28 e 29 de Junho e de 3, 4, 5, 6, 10, 11, 12 e 13 de Julho passados, e dos n.os 102, 103, 104, 105 e 106 do Diário, respeitantes às reuniões da Comissão Permanente, respectivamente de 25 de Julho, de 28 de Agosto e de 6, 13 e 19 de Setembro passados.
Pausa.
Visto não haver objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos entrar na segunda parte da ordem do dia, em primeiro lugar, com a discussão conjunta das propostas de resolução n.º 34/V, que aprova o II Protocolo Adicional ao Acordo Judiciário entre a República Portuguesa e a República de Cabo Verde, e 35/V, que aprova o Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Popular de Moçambique e a República Portuguesa constitui um documento jurídico de elevada importância na consolidação das relações entre os dois Estados e um instrumento que, a par de outros já existentes em vários domínios da vida económica e social, irá colmatar a lacuna que nesta área se fazia sentir.
Visa este acordo regulamentar a cooperação em vários domínios, no âmbito da intervenção dos órgãos de soberania de cada um dos dois países.
Teve-se, naturalmente, em conta os tradicionais laços de amizade e solidariedade que unem os nossos países e povos, que importa alargar e reforçar.
Entendeu-se ainda que, por em qualquer dos Estados residirem e trabalharem cidadãos nacionais do outro, se reputa absolutamente indispensável a elaboração de um instrumento jurídico que estabeleça os mecanismos adequados à correcta resolução das situações em que se mostrem envolvidos os cidadãos, as instituições e pessoas colectivas dos dois Estados.
Instrumento de grande alcance político para as Partes Contratantes, o acordo, ora submetido à apreciação desta ilustre Assembleia, traduz o reconhecimento, por cada uma delas, da protecção jurídica dos cidadãos e instituições da outra, em igualdade de circunstâncias à dispensada aos seus cidadãos e instituições.
As relações bilaterais entre os dois países resultam ainda reforçadas em resultado da celebração do presente acordo, já que este, por traduzir a aceitação da vigência de normas que vinculam ambos os Estados, concretiza o recebimento na ordem jurídica de cada um de normas jurídicas vigentes no ordenamento do outro.
Há, pois, como que uma interpenetração dos ordenamentos jurídicos respectivos, facto que, sem qualquer margem para dúvida, altera qualitativamente em sentido positivo as relações entre a República Portuguesa e República Popular de Moçambique.
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Gostaria de salientar, em concreto, alguns dos aspectos do acordo que se me afiguram mais relevantes.
Assim, logo na primeira parte, estabelecem-se como princípios: o acesso, por parte dos cidadãos, pessoas colectivas, sociedades e outras entidades, aos tribunais de cada uma das partes nos mesmos termos previstos tiara os respectivos nacionais; o apoio judiciário aos cidadãos necessitados de cada Estado, perante qualquer jurisdição, compreendendo dispensa total ou parcial de preparos e prévio pagamento de custas; o exercício do patrocínio dos advogados e outros técnicos jurídicos de cada um dos Estados contratantes perante os tribunais do outro, bem como o patrocínio oficioso.
Dos restantes títulos de que se compõe o acordo, e em referência necessariamente breve, gostaria de realçar os seguintes aspectos: as condições de reconhecimento e execução de decisões relativas a obrigações alimentares proferidas pêlos tribunais de ambas as partes, bem como a definição dos requisites a que devem obedecer as decisões proferidas em matéria cível, em geral pêlos tribunais de cada Estado, para poderem ser revistas; a dispensa de revisão das decisões proferidas por tribunais portugueses até à data da independência da República Popular de Moçambique, nelas se incluindo as que só posteriormente transitaram em julgado, desde que, relativamente a estas, a decisão final seja confirmativa da decisão proferida em primeira instância.
Em matéria penal e de contra-ordenação social, estabelecem-se como princípios fundamentais: o da obrigatoriedade de auxílio mútuo em todos os processos por infracções cujo conhecimento, no momento do pedido, seja da competência das autoridades judiciárias, policiais ou administrativas do Estado requerente e, simultaneamente, seja punível pela lei de cada um deles; o da promoção da acção penal contra pessoa que se encontre no seu território e que tenha cometido uma infracção no território do outro Estado, desde que observados determinados requisitos; o da possibilidade de o Estado de condenação solicitar a execução de uma sanção ao outro Estado, desde que verificadas certas condições.
Por outro lado, e com vista a uma circulação célere entre os Estados contratantes dos documentos relativos aos seus nacionais, estabelecem-se diversos princípios nesse sentido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: finalmente, relativamente ao acordo, importa sublinhar a previsão de colaboração formativa e informativa no âmbito técnico-jurídico e documental em todos os campos abrangidos pelo presente acordo.
Aliás, vem a talhe de foice referir, a propósito da colaboração e cooperação nas áreas da formação e da informação a que me referi, que, já no decurso do corrente ano, foi assinado um protocolo de cooperação que define os campos prioritários de intervenção e estabelece as regras, condições e timings adequados à concretização da colaboração entre os dois Estados neste domínio particular.
Já se verificaram resultados concretos que se traduziram na realização de reuniões conjuntas de trabalho entre técnicos de ambas as partes que permitiram o traçar do diagnóstico da situação, tendo-se avançado, desde logo, com um plano de acção cujos resultados começam a surgir. Este é um estímulo bastante para acreditar que, no futuro, e com a entrada em vigor do presente acordo, as relações entre os dois Estados entrarão numa nova etapa caracterizada pela utilização mais racional e eficaz dos respectivos recursos.
Uma palavra muito breve apenas para referir o teor c a necessidade do II Protocolo Adicional ao Acordo Judiciário entre a República Portuguesa e a República de Cabo Verde.
Trata-se de uma alteração à redacção de dois dos artigos do Acordo Judiciário já em vigor, artigos 17.° e 18.°, respectivamente, sobre a inadmissibilidade de extradição e recusa de extradição.
A correcção ora proposta em sede deste protocolo adicional ao acordo celebrado em 16 de Fevereiro de 1976 visa tão-só adequar o seu articulado aos princípios constitucionais consagrados por cada um dos Estados nas constituições respectivas, adequação imperativa para Portugal face ao disposto no artigo 23.° da Consumição da República, e para a República de Cabo Verde imposta pelo artigo 33.° da sua Constituição Política.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para intervenções, estuo inscritos os Srs. Deputados Rui Silva, José Manuel Mendes, Luís Filipe Madeira e Odete Santos
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nesta primeira intervenção, não quero deixar de cumprimentar V. Exa, Sr. Presidente da Assembleia da República, e todos os Srs. Deputados, no início de mais uma sessão legislativa, a última da presente legislatura, e desejar que ela decorra num são e profícuo debate sobre as grandes questões que se colocam a Portugal nesta década de 1990.
Neste espírito, a 4.ê sessão legislativa não podia começar da melhor maneira.
Com efeito, não deixa de ser significativo que a Assembleia da República portuguesa tenha agendado, para o primeiro dia do novo ano parlamentar, um conjunto de diplomas que estabelecem e aprofundam a cooperação com outras nações, nomeadamente os países de língua oficial portuguesa.
Desses diplomas, permitam-me destacar as propostas de resolução, agora em discussão, sobre a cooperação em matéria jurídica e judiciária com Cabo Verde e Moçambique.
Cumpre-me afirmar que é bem mais ilustrativo do estado das relações entre dois povos a capacidade de cooperarem em matéria judiciária.
Com efeito, é nesta matéria que, com mais evidência, ressaltam os aspectos relacionados com a soberania dos Estados e o seu exercício sobre o respectivo território e as respectivas populações.
É, no fundo, disso que tratam as propostas de resolução n.º 34 e 35, que aprovam, respectivamente, o II Protocolo Adicional ao Acordo Judiciário entre a República Portuguesa e a República de Cabo Verde e o Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique.
É sabido que entre Portugal, Cabo Verde e Moçambique existem fortes laços de amizade assentes num passado comum e reforçados, agora mais do que nunca, numa mesma esperança quanto ao futuro.
Gostaria, no entanto, de realçar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que Portugal e Cabo Verde mantêm, já desde 1976, estreita cooperação nesta matéria. Com Mo-
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[...] çambique, reconheceu-se, finalmente, o interesse comum e as vantagens recíprocas da extensão da cooperação já existente para a área jurídica.
Sinal dos tempos e, principalmente, sinal de [...] dos nossos povos, as propostas de resolução em análise estão aí a comprová-lo.
A cooperação com Cabo Verde não tem sido uma cooperação estática, antes tem-se aprofundado ao longo dos anos. A prova disso mesmo é o facto de o n Protocolo Adicional resultar da necessidade de adaptar o Acordo Judiciário as Constituições dos dois países, que expressamente proíbem a extradição dos seus nacionais dos respectivos territórios.
Este constitui, aliás, o fundamento real do n Protocolo Adicional, a determinação mais pormenorizada dos casos em que é inadmissível ou em que é justificada a recusa de extradição.
A extradição justifica bem essa preocupação, visto estarmos perante a possibilidade de um indivíduo ser colocado sob a alçada da soberania de outro Estado para efeitos de procedimento criminal.
Não é, pois, por acaso que a Constituição Portuguesa é especialmente exigente no estabelecimento dos requisitos da extradição.
Não cabe aqui enumerá-los, embora seja sempre oportuno referir o princípio sagrado da proibição da extradição de cidadãos portugueses do território nacional e os princípios inerentes aos direitos humanos que ditaram as regras constitucionais.
Nesse sentido, este II Protocolo Adicional ao Acordo Judiciário vem reforçar as garantias, merecendo, assim, o nosso aplauso.
Quanto à proposta de resolução n.° 35/V, ela revela bem a amplitude da cooperação jurídica e judiciária que Portugal e Moçambique pretendem encetar e aprofundar.
Com efeito, ela abarca questões tão diferentes e importantes como: o acesso ao direito, garantindo aos nacionais de cada um dos Estados o acesso aos tribunais do outro nos mesmos termos que os nacionais deste, incluindo o apoio e o patrocínio judiciários; a prática de actos judiciais; a eficácia das decisões judiciais, sua revisão e confirmação, e o reconhecimento e execução de decisões relativas a obrigações alimentares; a cooperação em matéria penal e contra-ordenação social, incluindo a prevenção, a investigação e instrução, a extradição, condições e respectivo processo, a eficácia das sentenças criminais c sua execução e a cooperação em matéria de identificação, registos e notariado, formação e informação.
Quanto mais não fosse, bastaria esta enunciação e realçar a pormenorização do articulado para concluir que estamos, de facto, perante um acordo com enorme significado e repercussão nas relações entre os dois países.
O presente Acordo constitui, por si só, a prova de que os dois povos caminharão lado a lado na construção do futuro.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Os acordos em análise não nos oferecem reservas, antes o nosso aplauso, por constituírem mais um passo no aprofundamento das relações de Portugal com Cabo Verde e Moçambique.
Não temos, pois, quaisquer dúvidas em dar-lhe a nossa aprovação, esperando que a cooperação com os países de língua oficial portuguesa continue a frutificar e a desenvolver-se nestas e noutras matérias.
Aplausos do P RD.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs., Deputados: Em matéria de cooperação, o debate haverá sempre que considerar o havido e, sobretudo, o imenso por haver.
As propostas que nos estão patentes são de uma extrema singeleza. Apenas abordarei, em traços adequadamente rápidos, a que se prende com o n Protocolo Adicional ao Acordo de Cooperação Judiciária entre Portugal e Cabo Verde, que nos surge com vista à regulação da matéria relacionada com a extradição - a impossibilidade e a recusa de extradição -, procurando-se que o novo texto se harmonize com a ordem júridico-constitucional dos dois países, designadamente com as alterações ocorridas posteriormente a 1976.
Há, apenso, um acordo ratificativo que visa pôr no são o que, por erro técnico, invertia a lógica de determinado preceito concreto, que seria especioso dilucidar aqui e agora.
O que se propõe respeita, no elenco de princípios, a nossa lei fundamental e sintoniza com o timbre estruturalmente humanista a larga projecção do feixe dos direitos, liberdades e garantias que nos caracterizam.
Num plano técnico, diremos que a malha preceptiva se afigura escorreita, embora se lastime que, talvez por negligência, não surja qualquer exposição de motivos em que, como nota introdutória, se dê conta, nomeadamente, das diligências efectuadas e das razões do extenso tempo transcorrido entre a data em que se lavrou o articulado, em 1983, e a presente iniciativa legislativa.
Entendemos, no entanto, que seria esta circunstância óptima para falar do imenso «por haver», nas áreas da justiça e noutras, porventura mais prementes e não menos fundamentais, no plano dos intercâmbios comerciais como no da cultura, em quanto se prende com as problemáticas do desenvolvimento, do ensino e das frutuosas trocas entre os dois povos.
Mas, atendo-nos à cooperação em matéria jurídica, importando relevar os esforços que vêm sendo feitos, reputamos insuficiente a margem de apoio por parte das entidades públicas portuguesas a empreendimentos com os novos Estados africanos no sentido, por exemplo, de reflectir e apurar aí, face a cada circunstância concreta, as bases gerais do lavrar de recentes textos constitucionais e, bem assim, de outros significativos documentos.
Estou a recordar-me do que se passa, presentemente, na elaboração de um Código de Direito de Autor da Guiné-Bissau e, relativamente a Cabo Verde, dos estudos realizados com professores universitários portugueses, visando a elaboração e ultimação de uma Constituição demudada.
Pena é que se não vá mais longe. Pena é, acima de tudo, que, num traço nevrálgico do rosto do Portugal pós-25 de Abril e de todas as suas imensas potencialidades democráticas e transformadoras, a cooperação continue a ser, em muitas esferas, mais um emblema e menos uma prática quotidiana.
O nosso voto favorável não esquece estas realidades, veiculando, pelo que acabo de dizer, um contributo decisivo para que, a cada momento, se proceda ao estímulo permanente, em profundidade e em extensão, de tudo [...]
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quanto seja um relacionamento sem débitos com os antigos territórios que estiveram sob a tutela da Administração portuguesa e que são hoje pátrias livres, naturalmente em processo de devir, e efectivando obras que se impõe conheçamos e apoiemos numa óptica de reciprocidade e de permutas vantajosas.
Vozes do PCP:-Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): -Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Naturalmente que há, por parte da bancada do PS, uma natural disponibilidade para votar favoravelmente os diplomas que hoje aqui temos em sede de ratificação. Efectivamente, estamos perante uma situação que não poderá merecer quaisquer reservas a quem, como nós, sempre defendeu a cooperação em termos de equidade, de justiça e de plena salvaguarda dos direitos e da soberania de cada uma das Partes Contratantes.
Neste caso concreto, estamos perante acordos que visam o universo jurídico: num caso a actualização de um acordo com Cabo Verde, noutro caso a celebração de um acordo inteiramente novo com a República Popular de Moçambique. Aliás, pelo simples facto de o ser, o universo jurídico traduz, em si mesmo, um sintoma de que estamos a avançar pelo caminho certo.
Na verdade, quando dois Estados soberanos aceitam acertar entre si questões jurídicas, equiparando-as, assimilando-as, fundindo-as até - o que se verifica em alguns destes casos -, tal quer dizer que há valores e regras de ética e de equidade que estão a ser assumidos com desassombro, com coragem e com salvaguarda dos valores da civilização que defendemos.
No entanto, isto quer também dizer que foi possível chegar aqui, uma vez que as feridas resultantes das violências que atravessaram a agonia e a morte do processo colonial estão cicatrizadas ou em vias de o estar. Por isso, todos nós nos devemos regozijar, pois tal é sinal de que, apesar de haver muito caminho para andar, o mesmo se encontra, no essencial, desobstruído.
Se as feridas físicas estão curadas, as feridas culturais e psicológicas também o estão ou estarão em vias de o estar. Assim, Portugal deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para não ficar atrás dos seus parceiros, neste caso os países africanos de língua oficial portuguesa. Se possível, Portugal deverá manifestar que se encontra completamente descomplexado em relação às sequelas coloniais, devendo igualmente, no tratamento paritário que empreende com estes países, respeitá-los sem qualquer margem para dúvidas.
Nestes termos, este tipo de acordo que hoje apreciamos consubstancia um acordo profícuo, já que traduz aquilo que deve estar subjacente à cooperação entre Estados que querem cooperar, tomando como ponto de partida as realidades existentes e que, infelizmente, se traduzem no facto de os países africanos de língua oficial portuguesa se encontrarem numa situação de desenvolvimento inferior à portuguesa.
Por conseguinte, esta cooperação que Portugal pode receber e oferecer aos países africanos de língua oficial portuguesa deverá ser sempre norteada pelo espírito que se encontra subjacente a estes acordos que hoje ratificaremos. É que os interesses nacionais que Portugal naturalmente prossegue em sede de cooperação com aqueles países são legítimos, na justa medida em que sejam prosseguidos, ipso facto, interesses da outra parte, pelo menos em grau equivalente. E quando a realidade jurídica dos dois países aponta no sentido que estes acordos manifestam, isso é sinal de que estamos no bom caminho, de que nos devemos regozijar e de que, não obstante haver muito caminho a percorrer, devemos encará-lo com confiança e fé nesses sinais de cooperação de que necessitamos e que, certamente, os nossos parceiros- eles próprios o dirão - também acharão úteis para o seu desenvolvimento.
Neste sentido, o PS regozija-se e dará o seu voto favorável às ratificações em apreço.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Inicia hoje a Assembleia da República, oficialmente, mais uma sessão legislativa, a última da V Legislatura, que, tudo indica, atingirá o seu normal termo, facto inédito na história da nossa democracia parlamentar.
Tiveram já os diferentes partidos com assento nesta Câmara o ensejo de expresssar, nesta sessão, através de alguns dos seus mais ilustres representantes, o seu sentir e as suas preocupações relativamente ao ano parlamentar que ora encetamos.
Dignificar cada vez mais a Assembleia da República, conferir-lhe mais eficiência no âmbito da fiscalização da acção do Executivo, garantir-lhe maior produtividade no exercício da sua competência legislativa, creio que são tarefas ao nosso alcance e imperativo do mandato que a cada um de nós foi confiado. Entendemos, porém, que tais tarefas em nada prejudicam o debate político que se quer cada vez mais profundo e decorre do pleno exercício das competências constitucionais conferidas à Assembleia da República, enquanto órgão de soberania.
Parecendo de somenos e rotineira importância a simples aprovação de mais algumas propostas de resolução apresentadas pelo Governo à Assembleia da República, a verdade é que, no caso das propostas de resolução n.os 34/V e 35/V, assim não é. Efectivamente, aquelas propostas de resolução inserem-se numa particular e sensível vertente da nossa política externa: a das nossas relações com países africanos de língua oficial portuguesa, que a Constituição privilegia ao consignar, no seu artigo 7.º, que Portugal mantém com aqueles Estados «laços especiais de amizade e cooperação».
Mas não é apenas o facto de estarem em causa resoluções destinadas a aprovar acordos de cooperação com Moçambique, num dos casos, e com Cabo Verde, noutro, que constitui motivo de realce de tais instrumentos. E que se alarga agora aos âmbitos jurídico e judiciário a cooperação entre aqueles dois países e Portugal, sendo que, relativamente à proposta n.º 34/V, se trata já de protocolo adicional à anterior Convenção de Cooperação Judiciária celebrada com Cabo Verde.
Aliás, as Partes Contratantes fizeram questão em consignar, desde logo, no preâmbulo do acordo a que respeita a proposta de resolução n.º 35/V, que agiam «conscientes da necessidade de prosseguir uma política de cooperação visando estreitar e reforçar cada vez mais os laços especiais de amizade existentes entre os dois países e reco-
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nhecendo o interesse comum e as vantagens reciprocas da extensão da cooperação já existente para a área jurídica». £ porquê, em nosso entender, o significado particular do alargamento da cooperação com aqueles países ao âmbito jurídico e judiciário? Antes de mais, porque tal reflecte, em larga medida, o resultado dos progressos obtidos noutras áreas de cooperação, que teve como consequência uma maior interpenetração e a acentuação do fluxo de pessoas e bens, bem como o desenvolvimento de relações comerciais, culturais e outras, envolvendo cidadãos ou instituições de ambos os Estados contratantes.
Tudo isto tornou, pois, mais premente a necessidade da adopção de medidas de cooperação jurídica e judiciária.
Mas caberá ainda registar que acordos nestes âmbitos e matérias, por força até do princípio da reciprocidade a que estão subordinados, só resultam em plenitude, com proveito mútuo, quando os Estados contratantes partilham dos mesmos princípios fundamentais quanto à organização da sociedade e quanto aos direitos, liberdades e garantias da pessoa humana.
Por esta via e com mútuo respeito pela soberania dos Estados contratantes, não se deixa de dar um contributo institucional válido para a evolução que, por inteira iniciativa própria e com notável maturidade, se vem registando nos países com que Portugal celebrou os acordos agora submetidos a esta Assembleia, a fim de serem por ela aprovados para ratificação.
Inevitavelmente que acordos de cooperação jurídica e judiciária envolvem o exercício de direitos e a salvaguarda de liberdades e garantias fundamentais que, de harmonia com o princípio da reciprocidade já referido, se pretende o mais possível equiparados e assegurados aos cidadãos de ambos os Estados contratantes, independentemente de se encontrarem num ou noutro dos países.
Daí também que, no âmbito das suas disposições finais, se tenha clausulado, no que respeita à proposta de resolução n.º 35/V, que os Estados contratantes se obrigam a adaptar os seus direitos internos no que for indispensável à aplicação do presente acordo».
A importância e a oportunidade dos acordos objecto das propostas de resolução n.ºs 34/V e 35/V justifica que, embora de passagem, por inevitáveis e implacáveis limitações de tempo, me refira a algumas das suas mais relevantes disposições.
Importa considerar o acordo judiciário celebrado com Moçambique, pois, como se referiu relativamente a Cabo Verde, trata-se apenas de um protocolo adicional da convenção já anteriormente celebrada.
Começa-se por garantir, em pé de igualdade com os nacionais de cada um dos Estados, o acesso aos tribunais por parte dos cidadãos do outro Estado contratante. Garante-se mutuamente o apoio judiciário, quando ocorram as situações de insuficiência económica que o justifiquem. Assegura-se aos advogados e solicitadores nacionais de um ou outro dos Estados contratantes o exercício do patrocínio perante os tribunais de qualquer dos dois Estados.
Regulam-se com flexibilidade e garantia de celeridade os actos rogatórios em matéria cível, a solicitar directamente pelos tribunais de um dos Estados contratantes aos tribunais do outro. Regulam-se as circunstâncias e casos de citação e notificações a efectuar por intermédio dos respectivos agentes diplomáticos e consulares de cada um dos Estados. Determinam-se os casos em que as sentenças cíveis em matéria de direito privado, proferidas por tribunais de um dos Estados, têm eficácia no outro independentemente de revisão ou confirmação. Prevêem--se as circunstâncias em que tais sentenças, proferidas por tribunais de um dos Estados, podem ser revistas e confirmadas pelo tribunal competente do outro, salvaguardando-se a não ofensa dos princípios de interesse e ordem pública de cada um dos Estados. Simplifica-se o reconhecimento e execução de decisões dos tribunais de cada um dos Estados em matéria de obrigações alimentares, matéria de conhecida sensibilidade no que respeita a menores, recolhendo-se aí ensinamentos de convenções internacionais já ratificadas por Portugal.
Ocupa-se ainda o acordo em apreciação, em capítulo próprio, da cooperação em matéria penal e contra-ordenação social, em moldes que nos parecem garantir os direitos fundamentais dos arguidos em cada um dos Estados.
Reserva-se ainda um capítulo em matéria de extradição, com salvaguarda dos direitos e garantias já consagrados, no que a Portugal diz respeito, em convenções desenvolvidas no âmbito do Conselho da Europa e já por nós ratificadas.
É igualmente objecto de capítulo próprio deste acordo a matéria de execução de sentenças criminais, o qual revela acentuadas preocupações e medidas para salvaguarda de direitos fundamentais dos arguidos, designadamente pela consagração dos princípios do non bis in idem e da aplicação da lei mais favorável.
Finalmente, reserva-se uma parte para cooperação em matéria de identificação, registos e notariado, com simplificação no uso de documentos emitidos por entidades competentes de ambos os Estados.
O leque de questões abrangidas pelo acordo ora em apreciação, que se referiu sumariamente, justifica bem a prudência de se ter convencionado a possibilidade de o seu clausulado poder ser revisto de seis em seis meses a pedido de qualquer dos Estados contratantes, e a proposta de resolução n.º 34/V é já finito de idêntico mecanismo existente na convenção anteriormente celebrada com Cabo Verde.
A execução das convenções pode, efectivamente, ditar a necessidade de correcções e aperfeiçoamentos com que ambos os Estados e os seus cidadãos só têm a beneficiar.
No que respeita à proposta de resolução n.º 34/V, ela destina-se, como já se referiu, à aprovação do II Protocolo Adicional do Acordo Judiciário entre Portugal e Cabo Verde, celebrado em 16 de Fevereiro de 1976, e pretende conformar algumas das suas disposições a alterações constitucionais ocorridas em cada um dos países.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O agenciamento destas propostas de resolução para a primeira reunião plenária da Assembleia da República desta sessão legislativa não constitui um mero acaso político.
Tal ocorre como sinal de uma vontade política consensualizada e reveladora da atenção e prioridade que as questões relativas às nossas relações com os países africanos de língua oficial portuguesa merecem das nossas instituições.
Por certo também que será consensual a posição dos vários grupos parlamentares.
Como aqui já afirmei em anteriores oportunidades, a democracia envolve, por natureza, divergência e discordância, mas realiza-se igualmente, e engrandece-se mesmo, com as convergências e consensos quando traduzam uma vontade livremente expressa e conscientemente assumida.
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É sem dúvida este o caso quanto às propostas de resolução que hoje vamos votar.
Por todas as razões referidas, o Partido Social Democrata votará favoravelmente as propostas de resolução n.ºs 34/V e 35/V apresentadas pelo Governo à Assembleia da República e destinadas a aprovar, para ratificação, os acordos de cooperação jurídica e judiciária entre Portugal e Moçambique e a aprovação para ratificação do II Protocolo Adicional ao Acordo de Cooperação, Judiciária anteriormente celebrado entre Portugal e Cabo Verde.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: Como se vê por este debate, seguramente que a apreciação e votação destas propostas de resolução não oferecem dificuldades ou dúvidas para os grupos parlamentares.
A minha intervenção reporta-se apenas à proposta de resolução n.º 35/V, a qual corresponde a um princípio de cooperação já hoje aqui referido por várias vezes, cooperação que sempre advogámos com Moçambique, país com o qual mantemos laços especiais de amizade e a que nos une, no passado, uma luta comum por um regime democrático que, simultaneamente, libertasse Moçambique.
Por conseguinte, passando um pouco mais adiante, não queria deixar de aqui trazer algumas outras questões e dúvidas em relação ao próprio articulado, embora também algumas certezas.
Este acordo de cooperação corresponde também ao princípio de que a justiça não tem fronteiras, princípio, aliás, propagandeado pelo Governo numa brochura que espalhou pelos tribunais, com a qual, quiçá, pretenderá afirmar que cumpriu o dever, que a lei lhe impunha, de conceder aos cidadãos o direito à informação jurídica.
Contudo, se refiro este facto é porque o mesmo se entronca com um outro problema aflorado nesta proposta de resolução e tratado no seu articulado: o do acesso ao direito e do apoio judiciário.
De facto, Sr. Secretário de Estado, está certo que esteja consagrado o que aí se consagra sobre o apoio judiciário, mas, conhecendo a realidade que conhecemos, lemos de convir que aos cidadãos de Moçambique não está garantido o apoio judiciário, tal como não está garantido aos Portugueses.
Foi também aqui referida a questão das obrigações alimentares - penso que é uma matéria tratada em todos os acordos -, mas parece-me que o texto deste e de outros acordos é, na realidade, muito curto relativamente a esta questão, pelo que os mecanismos contidos nos acordos deverão ser aperfeiçoados. Com efeito, só quem não tenha tratado alguma vez um problema destes e não tenha feito executar uma decisão portuguesa sobre obrigação alimentar no estrangeiro é que não sabe que, ao fim e ao cabo, isto acaba por ser, na grande maioria dos casos, inexequível. É que desde logo se levantam muitos obstáculos aos credores de obrigações alimentares, como, por exemplo, traduções e outras exigências, recurso a tradutores, etc., para além dos casos em que até se lhes exige que se responsabilizem pelas despesas efectuadas no país de destino, mesmo que aufiram apoio judiciário.
É por essa razão que este texto - que não difere de outros - serve para reflexão, em termos de se saber se, de facto, o texto habitual destes acordos estará em condições de responder às exigências, às necessidades da vida actual e ao desabar de fronteiras, o que, provavelmente num futuro não muito longínquo, colocará novas questões relativamente a este problema das obrigações alimentares.
Não queria alongar-me na análise pormenorizada do problema, embora gostasse de chamar a atenção para o facto de se tratar de um assunto sobre o qual deverá haver uma reflexão aprofundada, por forma que de futuro se possam introduzir mecanismos que garantam aos cidadãos portugueses e aos cidadãos dos países com os quais celebrarmos acordos os mecanismos necessários e suficientes a que as decisões sejam efectivamente exequíveis.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Terminado o primeiro ponto da ordem do dia, passamos à discussão das propostas de resolução n.ºs 29/V - Aprova, para ratificação, o Protocolo Adicional à Constituição da União Postal Universal, o seu Regulamento Geral, a Convenção Postal Universal e os respectivos Protocolo Final e Regulamento de Execução e 31/V - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Emenda à Convenção sobre a Aviação Civil Internacional.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Habitação e dos Transportes Interiores.
O Sr. Secretário de Estado da Habitação e dos Transportes Interiores (Rui Vicente): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A União Postal Universal (UPU), fundada, há mais de um século, por 22 Estados, entre os quais Portugal, tem por objectivo permitir a liberdade de trânsito das correspondências postais em todo o Mundo, assegurando a organização e o aperfeiçoamento dos serviços postais e favorecendo, neste domínio, a colaboração internacional.
O funcionamento da União Postal Universal é assegurado por um congresso, que reúne de cinco em cinco anos, por um conselho executivo, do qual fazem parte 40 membros, e por um conselho consultivo, que reúne com 35 membros. No seio dos seus congressos, aprova um conjunto de instrumentos indispensáveis ao regular funcionamento dos correios a nível internacional.
São em princípio obrigatórias para todos os países, de acordo com o tratado a que Portugal se vinculou como país inicialmente seu subscritor, as decisões que tal organismo toma, cabendo a cada um dos países membros julgar da oportunidade e da forma constitucional da sua introdução no direito interno.
A Constituição da UPU é o acto fundamental que contém as leis orgânicas da União. O Protocolo Adicionai abrange as modificações que foram introduzidas, em congresso, à sua Constituição e o Regulamento Geral contém as disposições que asseguram a aplicação da Constituição e o funcionamento da União. A Convenção Postal Universal e o seu Regulamento de Execução contêm as disposições comuns aplicáveis ao serviço postal internacional em geral.
Todos os países da CEE fazem pane da UPU, que neste momento congrega 168 países. Está assim garantida a plena integração e articulação das políticas postais a nível da CEE, que se congrega na Conferência Europeia dos Correios e Telecomunicações, assim como está salva-
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guardada, ao abrigo quer do Tratado de Roma quer da Convenção de Viena, a resolução de qualquer conflito que possa ocorrer entre os diversos instrumentos internacionais que regulam o correio.
Os documentos ora apresentados para aprovação desta Assembleia são, assim, indispensáveis à plena consecução dos objectivos do correio como serviço universal, regulando de forma uniforme a relação entre as diversas administrações postais e articulando, no domínio do transporte, da interligação e compensação e das obrigações entre Estados, as diversas obrigações, para que a plena eficácia dos serviços postais se processe.
Ao se submeter à apreciação desta Assembleia a proposta de resolução n.º 29/V, ou seja, a aprovação do Protocolo Adicional à Constituição da UPU, o seu Regulamento Geral, a Convenção Postal Universal e os respectivos Protocolo Final e Regulamento de Execução, consubstanciam-se assim disposições regulamentadoras da própria organização da União Postal Universal e garante-se a plena integração da administração postal portuguesa no contexto das demais administrações postais internacionais, pelo que se pede a respectiva aprovação.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes Exteriores.
O Sr. Secretário de Estado dos Transportes Exteriores (Conceição Rodrigues): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria, em primeiro lugar, de referir o objectivo fundamental da Convenção de Chicago em termos do transporte aéreo internacional.
Tal convenção surgiu já no fim da Segunda Guerra Mundial, como resultado da alteração substancial que iria ocorrer em todo o transporte aéreo. Congregou desde o início 52 Estados, entre os quais Portugal, e veio a desenvolver-se tendo como objectivo fundamental assegurar o progresso tecnológico da aviação internacional, aperfeiçoar as aeronaves, estimular o desenvolvimento das rotas aéreas internacionais, estreitar os laços entre todos os povos - objectivo fundamental nessa altura e um dos grandes objectivos da melhoria dos transportes internacionais, que é o de diminuir a distância, os obstáculos e as divergências entre os diversos povos, de modo a evitar outros conflitos de índole mundial - e, essencialmente, resolver os problemas da segurança aérea. O desenvolvimento do transporte aéreo passava, pois, indiscutivelmente pela melhoria da segurança.
Para implementar os objectivos da Convenção de Chicago, que veio substituir a que existia antes da guerra-a Convenção de Paris -, foi criada a Organização da Aviação Civil Internacional. Esse organismo foi desenvolvendo, ao longo destes mais de 40 anos, determinadas emendas e ampliações para que os seus objectivos fossem cumpridos à medida que o desenvolvimento do transporte aéreo internacional era atingido pelo boom que teve nos últimos anos.
A nova emenda, cuja aprovação e ratificação o Governo pede agora à Assembleia, ocorre, infelizmente, após um terrível e catastrófico incidente aéreo, ocorrido em 1983, no qual foi abatido um avião das linhas aéreas coreanas por aviões da força aérea soviética. A partir dessa altura, a Organização da Aviação Civil Internacional começou a construir uma alteração à sua própria Convenção, pretendendo-se com a alteração ora em apreço alcançar fundamentalmente três objectivos.
A primeira e mais importante decisão da alteração agora proposta pretende que os Estados contratantes nunca utilizem a força, para fazer respeitar as regras internacionais do sobrevoo e do voo aéreo, de modo a poderem pôr em risco a vida de passageiros.
A segunda consiste na exigência de que todos os Estados contratantes respeitem integralmente as regras de conduta internacional em termos de transportes aéreos internacionais, de forma que não se criem esses conflitos e que, mesmo no caso de surgirem, nunca sejam usados meios que possam pôr em causa a vida e a segurança dos passageiros.
A terceira é a de que cada Estado contratante imponha às suas companhias de aviação regulares de serviço público a obrigação de não desempenharem esse serviço para outros fins que não aqueles para que de facto foram criadas.
Julgo que com estas medidas, que agora todos os Estados membros procuram ratificar, se dá mais um passo significativo na segurança aérea e, portanto, no desenvolvimento do transporte aéreo, que considero o único meio e objectivo para estreitar as ligações entre os países. Daí que submeta à vossa consideração a aprovação desta proposta de resolução.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.
O Sr. Lufe Roque (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Trouxe o Governo para discussão nesta Assembleia uma proposta de resolução englobando o Regulamento Geral da União Postal Universal, a Convenção Postal Universal e os respectivos Protocolo Final e Regulamento de Execução. A verdade é que não entendemos muito bem que, tratando-se de documentos que entraram em vigor em 1986, só agora sejam discutidos neste hemiciclo. É necessário, pois, melhorar os circuitos, para poder haver a brevidade tida como necessária a estes casos.
Existem, contudo, nesta matéria algumas disposições que nos preocupam e que, como tal, iremos explanar.
Segundo o artigo 107.º do Regulamento Geral da União Postal Universal, as línguas utilizadas para a publicação dos documentos e deliberações e correspondência de serviço são a francesa, a inglesa, a árabe e a espanhola. A portuguesa, a alemã, a chinesa e a russa são admitidas desde que não exista um aumento de encargos a suportar pela União Postal Universal.
Por outro lado, no parágrafo 2.º do mesmo artigo, existe a possibilidade de os países de língua lusófona constituírem um grupo linguístico. É, porém, necessário pedir a sua constituição, o que não vislumbramos na documentação que nos foi entregue.
No parágrafo 6.º ainda do referido artigo 107.º diz-se que as despesas de tradução são suportadas pelo grupo linguístico que tenha pedido a tradução nessa língua. Em contrapartida, são suportadas pela União as despesas de tradução para a língua oficial dos documentos e correspondência recebidos nas línguas inglesa, árabe e espanhola, bem como todas as despesas relativas ao fornecimento de documentos. Mas - pasme-se! - quanto às línguas alemã, chinesa, russa e portuguesa o limite das despesas a suportar pela União é fixado por resolução do Congresso.
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Acresce ainda, de acordo também com o artigo 107.º, que para as deliberações das reuniões dos órgãos da União se admitem as línguas francesa, espanhola, inglesa e russa.
O Governo deveria empenhar-se na constituição de um grupo linguístico lusófono na União Postal Internacional, a fim de ser adoptada a língua portuguesa, que actualmente é falada por cerca de 200 milhões de pessoas.
Por outro lado, suscita-nos muitas dúvidas a interpretação dos artigos 5.º e 37.º da Convenção Postal Universal, pelo que gostaríamos de ouvir uma explicação sobre o assunto.
Para terminar, gostaria de salientar, em relação ao Protocolo Final e ao Regulamento de Execução da Convenção Postal Universal, que se trata de documentos técnicos que não suscitam quaisquer dúvidas ou reservas, pois versam o procedimento a ter com o tratamento e expedição dos objectos postais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Cominho.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: A União Postal Universal, de que hoje esta Câmara irá muito provavelmente ratificar um protocolo adicional assinado no XIX Congresso de Hamburgo, em Julho de 1984, é um órgão da ONU com funções de estudo, análise e cooperação sobre todas as matérias relativas às administrações postais de países membros.
É também proposta a ratificação do Regulamento Geral, que determina o funcionamento dos órgãos da União, assim como uma nova redacção para a Convenção Postal Universal.
Não está em causa, pela nossa parte, a ratificação dos textos aqui apresentados. Gostaria, no entanto, de assinalar que já teve lugar o XX Congresso dessa mesma União Postal Universal, realizado, no mês de Novembro de 1989, em Washington, no qual foram introduzidas novas alterações ao texto da Convenção que hoje aqui irá ser ratificado.
Esse XX Congresso teve como tema central servir melhor a clientela, estratégias comerciais e operacionais do correio» e nele foram feitas várias propostas no sentido de os governos dotarem os correios de estatutos jurídicos e meios que permitam oferecer serviços de melhor qualidade para concorrer neste mercado, cada vez mais liberalizado.
Foram também apresentadas propostas com vista a dar uma maior autonomia de gestão à actividade postal, bem como recomendações no sentido de novas classificações de objectos postais e da criação de correios prioritários mais rápidos, como forma de acelerar os processos de entrega de correios. Isto passou-se há cerca de um ano.
Como já referi, não está em causa pela nossa parte a ratificação deste texto, mas gostaria de registar o atraso que nos leva a aprovar uma convenção menos de um mês antes de a nova convenção entrar em vigor, em Janeiro de 1991.
Espero que a ratificação da Convenção que foi aprovada em Novembro de 1989 e que entrará em vigor em l de Janeiro de 1991 tenha um processamento mais rápido, de modo que esta Câmara a possa aprovar em tempo útil, ou seja, nos próximos meses, e que não se verifique este atraso, que nos leva ao absurdo de aprovarmos um texto que muito provavelmente deixará de vigorar daqui a um mês, em virtude da decisão de um congresso no qual participámos há mais de um ano.
No que diz respeito à emenda à Convenção sobre Aeronáutica Civil, é evidente que não se pode deixar de reconhecer a urgência da aprovação desta emenda. De resto, em 1989, em Montreal, os Estados membros comprometeram-se a proceder com a maior rapidez possível à sua ratificação, e já lá vão seis anos. Tratava-se, na altura, de um trágico acidente. Há quatro recomendações feitas, no sentido do reconhecimento de que cada Estado se deve abster de recorrer ao uso de armas contra aeronaves civis, do reconhecimento de que cada Estado tem direito a exigir a aterragem, ou dar quaisquer outras instruções, cada vez que o seu território seja sobrevoado sem autorização ou que haja razões plausíveis para se concluir que está a ser utilizado com fins não compatíveis com a aeronáutica civil. Estipula também que toda a aeronave deve acatar uma ordem dada nestas circunstâncias e que os Estados contratantes devem tomar as medidas necessárias nas suas leis e regulamentos para obrigar ao seu cumprimento por parte de qualquer aeronave civil matriculada neste Estado, sob pena de severas sanções. A quarta recomendação também implica a regulamentação por parte dos Estados membros.
Dado que temos um atraso de seis anos na ratificação desta adenda, gostaria de perguntar se o Governo já preparou as leis e os regulamentos que nesta mesma adenda se compromete a publicar com a maior rapidez.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo remeteu, em tempo oportuno, à Assembleia da República a Proposta de Resolução n.º 29/V, que aprova, para ratificação, o Protocolo Adicional à Constituição da União Postal Universal, o Regulamento Geral da União Postal Universal e a Convenção Postal Universal e respectivos Protocolo Final e Regulamento de Execução.
Os referidos documentos foram aprovados no XIX Congresso da União, reunido em Hamburgo, em Julho de 1984.
O Protocolo Adicional à Constituição da União Postal Universal constitui a sua terceira alteração à versão original, introduzida no direito português pelo Decreto-Lei n.º 47 979, publicado em 21 de Março de 1967.
Com efeito, depois das alterações introduzidas em Tóquio, em 1969, e em Lausanne, em 1974, as disposições introduzidas neste 3.e Protocolo Adicional dizem respeito aos órgãos da União, passando, nos termos do artigo 13.º (nova versão), a integrar o Congresso-único órgão não permanente -, o Conselho Executivo, o Conselho Consultivo dos Estados Postais e a Secretaria Internacional, regulamentando os artigos seguintes (14.s a 35.º) o funcionamento interno dos mesmos, matéria que também, aliás, consta dos artigos 101.õ a 130.e do Regulamento Geral da União Postal Universal, na versão que o Governo agora apresenta para aprovação.
A Convenção Postal Universal contém um conjunto de regras comuns que se aplicam ao serviço postal internacional (por exemplo, a liberdade de trânsito; as taxas; aspectos de correspondência postal; a responsabilidade das administrações postais; o pagamento de indemnizações;
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os direitos de trânsito; os encargos terminais e a correspondência de avião, etc.).
O Protocolo Final da Convenção Postal Universal estatui, por sua vez, diversos limites, excepções e derrogações do consagrado no texto base, referindo ainda a possibilidade de serem aplicadas algumas taxas especiais.
Por último, o Regulamento de Execução da Convenção Postal Universal contém as regras comuns aplicáveis ao abrigo postal universal.
O PSD entende que, face ao conteúdo da proposta de resolução n.º 29/V, ora apresentada, que aprova, para ratificação, o Protocolo Adicional à Constituição da União Postal Universal, o Regulamento Geral da Convenção Postal Universal e os respectivos Protocolo Final e Regulamento de Execução, nada obstará à sua aprovação final, pelo que o PSD votará favoravelmente a proposta a ser apresentada pelo Governo.
Por outro lado, Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.ª Subsecretária de Estado e Srs. Deputados, o Governo apresenta ainda a proposta de resolução n.º 31/V, que aprova, para ratificação, o protocolo de emenda à Convenção sobre a Aviação Civil Internacional.
A Convenção a que Portugal aderiu em 17 de Fevereiro de 1947, e que foi introduzida no direito português pelo Decreto-Lei n.º 36 158, foi aprovada em Chicago, como o referiu o Sr. Secretário de Estado em 17 de Dezembro em 1944.
Em 10 de Maio de 1984, em Montreal, na 25.º sessão extraordinária da Assembleia da Aviação Civil, foram aprovadas duas resoluções. A resolução aqui trazida pelo Governo, a Resolução A-25-1, aprovou um novo artigo, o artigo 3.º-Bis, que propõe o seguinte: a proibição de uso de armas na intercepção de aeronaves civis; o direito de exigir a aterragem e a obrigação de publicar as normas de intercepção, por cada um dos países que estiver disposto ou que tiver capacidade para o fazer, a obrigação de as aeronaves civis acatarem, ou deverem acatar, essas mesmas ordens, no caso de serem interceptadas, e ainda o compromisso solene de os países a ratificarem, no mais curto espaço de tempo, passando essa mesma convenção a entrar em vigor, desde que 102 países a ratifiquem, tal como ela vem aqui apresentada pelo Governo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As alterações agora propostas foram o resultado da análise do trágico acidente ocorrido em l de Setembro de 1983 com um avião civil sul-coreano, abatido durante um voo comercial pela força aérea soviética, numa fase pré-Perestroika, que hoje se encontra felizmente afastada.
Por tudo isto, pelas causas e pelas consequências que visam impedir novos acontecimentos idênticos ao referido, o PSD votará favoravelmente a proposta de resolução n.º 31/V.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate relativo às propostas de resolução n.ºs 29/V e 31/V.
Temos ainda que apreciar a proposta de resolução n.2 36/V, havendo acordo da Câmara no sentido de, após a sua análise, procedermos à votação de todas as propostas de resolução hoje apreciadas, altura em que será lida a acta respeitante à eleição a que se procedeu durante esta tarde.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura.
A Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura (Natália Guedes Correia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O interesse na salvaguarda do património arquitectónico do País foi bem evidenciado nesta Assembleia aquando da aprovação por unanimidade da Lei n.º 13/85, a lei dita do Património Cultural.
Hoje, é-nos apresentada a necessidade de ratificação de um documento que foi assinado por 20 países da Europa, incluindo Portugal, em 1985. A Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa, documento elaborado pelos maiores especialistas na matéria, corresponde, em linhas gerais, ao que tem sido praticado no nosso País. O documento compreende referências a aspectos fundamentais, como são processos legais da protecção de imóveis classificados, políticas de conservação (não só numa óptica cultural mas de ambiente), de ordenação do território e de qualidade de vida; estimula a colaboração da comunidade à responsabilização de todo este processo; insiste na necessidade de ampla divulgação e formação especializada. Não ponho em dúvida, portanto, que terá o vosso consenso.
Directamente relacionada com este documento está a Lei do Património, como vos disse. O projecto de decreto-lei que regulamenta a Lei n. º 13/85 já está em apreciação na Secretaria de Estado da Cultura e teremos todo o interesse em vos ouvir através da Subcomissão da Cultura da Assembleia da República.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:-Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura, Srs. Deputados: Considero serem palavras devidas à cultura portuguesa dedicar um louvor póstumo a um homem que por ela muito fez, João Palma Ferreira, signatário, pelo Governo Português, da convenção que suscita a proposta de resolução apresentada pelo Governo a esta Assembleia.
Cumprido este dever, entro no assunto.
Firmada que foi a assinatura, forçosa e honestamente teremos que concretizar o teor das responsabilidades a que elas nos vinculam.
Sublinha-se na Convenção a necessidade de transmitir um sistema de referências culturais às gerações futuras. E presentes, acrescento, sem o que as futuras não alcançarão essas referências. Com efeito, que significado terão essas pedras mudas, se a história de que são testemunhos for desconhecida? E já se viu mais calamitosa ignorância da nossa história do que a de uma juventude incrivelmente nela desobstruída, como a que temos?
Sc, como prescreve, e bem, a Convenção, há que relacionar a salvaguarda do património arquitectónico com referências culturais, toma-se exigível que, ao ensino da história, extensivo à pré-história quando compreendendo uma arqueologia respectiva, seja agregada a instrução de valores patrimoniais correspondentes.
Outro ponto que merece a nossa especial atenção é a do compromisso dos países signatários da Convenção em promoverem junto da opinião pública, mediante as técnicas modernas de difusão, a valorização e conservação do património arquitectónico. Claro que aqui surge logo a televisão como o instrumento mais indicado para essa obra de sensibilização. Mas onde encontrar espaço para ela em programas que não forneçam a cultura como uma
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chatice, o que é habitual, mas como coisa cativante, numa programação recheada de indulgências para com esse álibi da mediocridade que é o índice de audiências, tais como concursos em profusão, telenovela e mais telenovela americana ou brasileira, rock mais rock, desporto em doses industriais e uns pinguinhos de frente a frente quase sempre político, e filmes só de quando em quando em boa qualidade.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Há pior!
A Oradora: - Há pior, em Portugal? Qual é a outra televisão?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Há pior, lá fora!
A Oradora: - Mas nós não temos que fazer o mesmo que se faz lá fora. O que é mau não há que imitar! Que concepção é essa da cultura portuguesa? Sr. Deputado Silva Marques, não esperava isso do seu anarco-estalinismo!
Tenha paciência, Sr. Deputado Silva Marques, mas realmente não é nesta televisão que se vai promover a sensibilização para a salvaguarda do património!
Como dizia, de incentivos ao fortalecimento da nossa identidade cultural, como recomenda a Convenção, nada há que ali se veja. Por conseguinte, como há-de uma população desinformada, no que toca aos seus bens patrimoniais respeitá-los? Porque, mais do que as leis e as políticas que as querem fazer cumprir, o que mais conta para a conservação desses bens é o sentimento nacional de um povo que os acarinha. Onde está ele? Não nos que não têm acesso ao conhecimento da incúria, é só um exemplo, daqueles a quem cumpre socorrer um dos mais importantes monumentos monacais da Europa, o Mosteiro da Batalha, cuja decoração dos portais góticos está a ser corroída pelo cancro da pedra e a sofrer, como outros monumentos, os efeitos danificantes das vibrações provocadas pela circulação rodoviária.
Não nos que voltam as costas à actividade artesanal ameaçada de desaparecer, perigo contra o qual a Convenção propõe o empreendimento de acções em benefício dos profissionais do artesanato. Mas como? Onde a dignificação desses artistas populares, que deviam ter um estatuto que os elevasse ao nível de outros criadores culturais? Mas não, aquilo é coisa de campónios.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Este Governo tem apoiado precisamente esse sector a que a Sr.ª Deputada se referiu.
A Oradora: - Esta obstinação anarco-estalinisia em prejudicar esteticamente o meu discurso, interrompendo--o, é imperdoável!
Continuando a minha intervenção, dizia: como não há-de a juventude, cada vez mais atraída pelos feitiços da cidade, desertar dessa rusticidade? Mas é nela que estão as raízes da nossa cultura, cada vez mais espezinhadas por culturas quantas vezes desidentificantes que enchem os estádios e que com o prestígio do «lá fora» esfolam as bolsas dos que não têm dinheiro para comprar um livro.
Convenções para conservar o nosso património cultural? Venham elas! Mas o vento da ignorância, que é o mesmo que dizer da indiferença de um povo, as leva, se esse povo não for instruído, se não for motivado para prezar os seus bens culturais.
Não é isso o que está a acontecer, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr. • Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Convenção para a Salvaguarda do Património arquitectónico da Europa é da maior importância. E sê-lo-á tanto mais quanto esta Assembleia da República não se limitar a discursos de circunstância e a uma votação meramente formal.
É que, como se afirma no seu preâmbulo, sé necessário transmitir um sistema de referências culturais às gerações futuras, melhorar a qualidade de vida urbana e rural e incentivar, ao mesmo tempo, o desenvolvimento económico, social e cultural dos Estados e das regiões».
Mas todos sabemos que não existe uma política governamental virada para a recuperação e valorização do nosso património, nos termos em que é definida pela Convenção: monumentos, conjuntos arquitectónicos e sítios.
E particularmente significativo o que se passa com aquilo que a Convenção designa «conjuntos arquitectónicos», definindo-os como agrupamentos homogéneos de construções urbanas ou rurais, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico e suficientemente coerentes para serem objecto de uma delimitação topográfica.
Ora, na generalidade das cidades portuguesas e em muitas vilas existem núcleos urbanos deste tipo, com interesse patrimonial, histórico e cultural que na maioria dos casos se encontram num adiantado estado de degradação, com enormes carências de infra-estruturas e de equipamentos colectivos.
Más aí, nesses núcleos degradados, existe uma memória colectiva de tradições e cultura das suas populações que assegura uma identidade própria a cada uma dessas zonas, contribuindo para o seu grande valor patrimonial, histórico e cultural e que importa recuperar e reabilitar, transmitindo essa herança histórica e cultural das gerações passadas para as gerações futuras.
Só que enquanto a Convenção fala da necessidade de nas diversas fases do processo de decisão do conhecimento, protecção, restauro, manutenção, gestão e promoção do património arquitectónico se criarem estruturas de informação, consulta e colaboração entre o Estado, as autoridades locais, as instituições e associações culturais e o público, em Portugal o Governo tem-se demitido destas responsabilidades e as acções e intervenções limitam-se praticamente aos municípios, que são confrontados com limitações graves, quer no plano jurídico da intervenção, quer de ordem financeira.
É que em geral nesses núcleos urbanos vivem populações numerosas, com problemas sociais e de reduzida capacidade económica que não motivam o investimento privado numa perspectiva de manutenção dos moradores. Ora, uma política de recuperação e reabilitação destas áreas deve, designadamente, garantir a fixação da sua população, pois área valorizada é área viva, e mais ninguém que os seus habitantes deseja e pode contribuir para a defesa e reabilitação da estrutura física e do ambiente urbano envolvente do património edificado.
Nas zonas históricas do Porto, de Vila Nova de Gaia, de Lisboa e de tantos outros municípios as casas velhas da cidade mantêm-se, mas em geral a ameaça de ruína é iminente, pondo em risco a vida de milhares de pessoas, a destruição de todo o tecido histórico e de uma riqueza
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cultural que se pode perder irremediavelmente se continuar a espera da derrocada dos bairros antigos e a fuga dos seus moradores para depois surgir a rentabilidade motivadora do investimento privado nas construções modernas já em terrenos livres limpos de moradores.
É esta situação que tem de ser rapidamente alterada, como, aliás, vem sendo defendido por autarquias, organizações de moradores, associações de defesa do património, colectividades, etc. É necessário fazer também uma referência especial - e fazemo-la aqui- à Associação dos Arquitectos Portugueses pelos aleitas que tem vindo a lançar, pelas posições que tem assumido na defesa do património e pelos colóquios que tem realizado sobre esta problemática.
Efectivamente, há aglomerados urbanos distribuídos por todo o País, que em larga medida são o sustentáculo das tradições e dos valores próprios da nossa cultura, constituindo um factor decisivo no equilíbrio humano, cultural económico e social do nosso povo, numa época de urbanização acelerada.
E se hoje o discurso político é cada vez mais rico em ideias de preservar e restaurar, se já chegámos à fase de considerar os monumentos indissociáveis do seu conteúdo orgânico e do ambiente humano e cultural criado pelos mesmos, se há já zonas urbanas históricas delimitadas, a verdade é que continua a faltar uma política governamental efectivamente empenhada nesta direcção.
Como se diz no projecto de lei n.º 276/V, que o Grupo Parlamentar do PCP, numa iniciativa pioneira, aqui apresentou sobre recuperação e reabilitação urbanística em zonas de interesse patrimonial histórico, é necessário e urgente mobilizar todos os meios possíveis, financeiros e humanos para a recuperação dos núcleos urbanos, fixando aí as populações e melhorando a sua qualidade de vida.
As experiências municipais em curso em áreas de grande valor patrimonial (Guimarães, Sintra, Mértola, Évora, Beja, Óbidos, Miranda do Douro, em certos bairros do Porto e de Lisboa e muitas outras zonas) mostram que é necessário e urgente actuar com maior rapidez e eficácia, o que exige meios financeiros elevados e uma legislação clara e eficiente.
Daí que uma das conclusões a retirar do debate de hoje seja a de que se impõe que a Assembleia da República não só aprove a Convenção como desde já se comprometa a legislar no mais curto prazo sobre a recuperação e a reabilitação urbanística em zonas de interesse patrimonial e histórico, debatendo os projectos de lei que aguardam agendamentos.
É com esse objectivo que hoje mesmo vamos entregar na Mesa o nosso pedido de urgência do nosso projecto de lei n.º 276/V, sobre recuperação e reabilitação urbanística em zonas de interesse patrimonial histórico.
Esperamos o apoio de todos para o agendamento urgente deste projecto de lei, dando assim pleno conteúdo à votação que hoje vamos fazer de aprovação desta importante Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Correia.
O Sr. Rosado Correia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Poucas vezes, como hoje, inicio uma intervenção com tanto agrado. Isso deve-se ao facto de ir esta Assembleia ratificar o texto da Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa, assinada em Granada a 3 de Outubro de 1985.
Cornos vos deveis lembrar, em Janeiro do corrente ano tive a oportunidade de ser o porta-voz do sentir do Partido Socialista ao apresentar neste Plenário o pedido de aprovação para ratificação de três convenções fundamentais para a salvaguarda do património cultural nacional: a Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico, aprovada pelo Conselho da Europa em 6 de Maio de 1969; a Convenção sobre as Infracções Que Atinjam os Bens Culturais, e aprovada em reunião dos Estados membros do Conselho da Europa de 23 de Junho de 1985; a Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico, aprovada em reunião dos Estados membros do Conselho da Europa a 3 de Outubro de 1985, com a assinatura do então presidente do IPPC, Prof. Doutor João Palma-Ferreira, a cuja memória expresso a minha homenagem.
O regozijo que nos causa a apresentação do pedido de ratificação que agora vamos aprovar, embora tardio, não pode, porém, fazer-nos esquecer aquelas duas outras Convenções, bem mais antigas, às quais o Governo não reconheceu ainda a importância e o contributo que a sua aprovação trará para a salvaguarda do património.
Contudo, encontramo-nos no campo das intenções ou, como já disse o distinto arqueólogo Francisco Alves, sacerca da defesa do património cultural já foi tudo dito, só falta é defendê-lo» ou seja, o que pretendemos defender é que urge passar da teoria à prática.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Claro!
O Orador: - A nossa satisfação seria muito maior se fôssemos ratificar as três Convenções a que já nos referimos, assumindo assim o nosso verdadeiro espaço europeu.
Há ainda que criar sistemas legislativos e regulamentares nacionais que correspondam às exigências da conservação integrada do património cultural português, quer o arquitectónico, quer o arqueológico, quer ainda o paisagístico, que bastante abandonado anda.
Sr. Presidente, Srs. Deputados e, em especial, Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura: Seria enorme a nossa satisfação se hoje não nos víssemos forçados a, mais uma vez, vir a este Plenário denunciar alguns casos (verdadeiros atentados) que em nada abonam o conteúdo expresso na Convenção que hoje vamos aprovar.
Quem, vindo do Norte, entra na cidade de Évora pelo Alto dos Moinhos - sítio histórico a que se encontra ligado o nome de Geraldo Geraldes, o Sem Pavor - não pode deixar de ficar chocado quando, na planície do lado direito, se lhe impõe uma enorme massa hoteleira presentemente em construção sem relação alguma com a arquitectura patrimonial da cidade de Évora ou da sua região. Tal agressividade é idêntica às estruturas de igual função do Algarve ou do Sul de Espanha, esquecendo que a tradição da planície alentejana é a da arquitectura de linhas normalizadas, adoçada ao solo. À cidade de Évora, património mundial, não pode ser dado tal tratamento. Perguntar-se-á a quem pedir responsabilidades, de igual modo se exigirá apurar qual o montante do investimento comparticipado pela Secretaria de Estado do Turismo, o grau da sua responsabilidade, bem como de quais as entidades que deram a sua aprovação e em que princípios
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se basearam. Como foi possível, numa cidade onde imperam conjuntos arquitectónicos dignos de leu-se, ou conventos, ou imóveis que urge reutilizar, dar prioridade a uma construção nova não inserida na paisagem, na cidade monumental, mas chocante como elemento de acompanhamento de um sítio que se impõe salvaguardar como parte integrante e área envolvente da cidade mais monumental que Portugal possui?
Como compatibilizar esta denúncia com o artigo 10.º da Convenção que hoje ratificamos, segundo o qual devem ser adoptadas «políticas de conservação integrada onde se incluam a protecção do património arquitectónico nos objectivos essenciais do ordenamento do território e do urbanismo e que garantam que tal imperativo seja tomado em consideração nas diversas fases de elaboração de planos de ordenamento e dos processos de autorização de obras»?
Passando a outra escala, à do património arquitectónico rural, a poucos quilómetros de Évora, sobre uma colina telúrica, templo calcolítico, ergue-se Monsaraz e desenvolve-se a seus pés a planície alentejana, onde sobressai um pontilhado de montes, verdadeiros símbolos da presença romana durante séculos. Aqui, sobre um destes montes, elevou-se o cimento, o tijolo furado, símbolos desta época, descaracterizantes da arquitectura tradicional, choque na paisagem.
Em ambos os casos, as entidades intervenientes são órgãos do poder central, aos quais falta a sensibilidade e o conhecimento em política de salvaguarda do património. Muito mais sensíveis são os órgãos do poder local, os quais se vêem tutelados pelos órgãos da administração central, que são os verdadeiros responsáveis pelos atentados que acabamos de citar.
Resta-nos afirmar que votaremos favoravelmente a ratificação desta Convenção, mas deixamos bem claro que foram precisos oito meses para chegar, desta Assembleia até ao Governo, a mensagem do Partido Socialista, apresentada em Janeiro do corrente ano, a propor a aprovação para ratificação das três convenções, mas que, mesmo assim, ainda faltam mais duas cuja importância se reafirma uma vez mais.
Concluo expressando um louvor ao presidente do JPPC, Prof. Arquitecto Antero Ferreira, a quem não falta persistência, capacidade e competência, bem pelo contrário, faltam-lhe sim os meios, quer humanos quer financeiros, que lhe permitam pôr em prática a verdadeira política de actuação que se impõe.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.
O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Finalmente encontra-se presente para ratificação a Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa, assinada por Portugal em 1985 e entrada em vigor no 1.º de Dezembro de 1987.
A ratificação desta Convenção reveste-se de um significado multifacetado que cumpre salientar.
Em primeiro lugar alarga-se, quantitativa e qualitativamente, o âmbito do direito europeu, facto que cumpre registar sempre com agrado, mormente quando se consegue a fórmula consensual ampla como neste caso acontece.
Em segundo, a representação nacional exprime-se de um modo inequivocamente solene e solidário sobre um conjunto de princípios positivos que, ainda que genéricos, amplos e necessariamente enquadrantes, definem claramente uma linha de rumo que se opõe a outras.
Em terceiro, porque se navega no bom rumo de considerar que todo o património arquitectónico, tal como deverá acontecer com o património natural, pertence de alguma maneira à humanidade.
As gerações do presente, as gerações utentes mais directas desses patrimónios não podem mais dever ser consideradas como tiranas, oligarquias ou demagógicas (para usar as sempre novas categorias aristotélicas) relativamente a um determinado património arquitectónico e mesmo natural, devendo ser responsabilizadas como administradoras desses bens excelsos e frágeis por que se não repetem e que devem continuar, prestando a sua função de serviço pelos séculos fora.
Ó direito interno português desde há tempos que se vem adequando aos sãos princípios que enformam esta Convenção. Há que continuar caminhando. Mas a tarefa mais difícil, até porque a nossa é uma época de individualismo, consiste na mudança das mentalidades. De que servem as convenções se os homens não quiserem, se os homens não souberem ou se não perceberem?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Os próprios institutos públicos terão de ser os primeiros a dar o exemplo nesta missão que a todos cumpre, na defesa deste património que também é de todos.
Talvez não fosse inoportuna a edição de um livro branco sobre o muito de bom que já se destruiu no nosso Portugal, por exemplo desde que há registos fotográficos. Podia funcionar como exorcismo para uma nova época, de que agora se abre mais uma janela, e que sinceramente, esperamos, a todos mobilize empenhadamente.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, desejo manifestar o meu aplauso à proposta do Sr. Deputado Sousa Lara no sentido de se criar um arquivo fotográfico do património arquitectónico desaparecido porque essa é, realmente, uma das formas de combater um grande inimigo que é a desmemoria que está a desidentificar as pessoas.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.
O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, pretendo agradecer as palavras proferidas pela Sr.ª Deputada Natália Correia porque o seu apoio tem para mim um significado muito especial.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Havia justificada expectativa, no momento em que a Sr.» Subsecretária de Estado da Cultura usava da palavra, em saber se, desta vez o Governo, a propósito do debate sobre a Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa, nos declarava, sem tibiezas, que ia pôr termo a cinco anos de uma extensa e inqualificável mora na regulamentação da Lei do Património.
Não aconteceu, com a desejável clareza...
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A Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura: - Desculpe, mas disse-o!
O Orador: - A Sr.ª Subsecretária de Estado afirma que declarou que ia por teimo a essa mora. Pergunto, então: está, de facto, preparada a regulamentação da Lei do Património?
Um longo lustre após, chegar-nos-ão, portanto, com alta probabilidade, através de um porventura esquálido decreto, os desenvolvimentos da Lei do Património que urgiam e que, em devido tempo, chamaremos à análise desta Casa, se tal se justificar, se se verificarem, como apesar de tudo é de esperar, alguns aspectos que sejam polémicos e passíveis de um confronto de opiniões que deveremos realizar. E digo isto porque, não obstante ter estado atento ao discurso produzido, me não apercebi da ênfase e da convicção com que a proclamação terá sido feita, Julguei até que se tratava de uma referencia transitória, ou mesmo transitiva, não explícita, igual a tantas outras que aqui tem sido produzidas, designadamente pelo Sr. Secretário de Estado da Cultura, desde que o é, e, antes dele, pela Sr.ª Secretária de Estado, que o foi e, de momento, não está presente na Câmara. E, à margem de tudo, a Lei do Património, que é boa, que foi aprovada por unanimidade, com grandes aplausos e adjectivos nesta Casa, continua como está!...
Seria de um extremo desequilíbrio aprovar esta Convenção, cujas excelências já aqui puderam ser realçadas pela minha bancada e também pela intervenção de outros Srs. Deputados, sem, ao mesmo tempo, criar na ordem jurídica interna os instrumentos indispensáveis a que se ponha cobro, finalmente, a toda uma vasta onda de desolação e depredação que tem vindo a grassar por toda a parte de uma forma impune.
A Sr.ª Subsecretária de Estado deu-nos, confiante, a notícia. Pôde agora, em aparte que o Diário da Assembleia da República registará, tomar líquido que o Governo irá regulamentar, precisamente, a partir de hoje, a Lei do Património Histórico-Cultural, e nós ficaremos numa expectativa bem fundada.
Acredite, Sr.ª Subsecretária de Estado, acreditem Srs. Membros do Governo, que essa expectativa é intensa e que não deixaremos de dar a melhor das nossas atenções na leitura que fizermos do texto normativo que o Governo produzir.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura.
A Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero só repetir que não só já está feito e até o tenho aqui presente-o decreto--lei que regulamentará a Lei do Património, como também teremos todo o prazer, na Secretaria de Estado da Cultura, em ouvir o parecer da Subcomissão de Cultura desta Assembleia.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Os senhores não utilizaram nenhum direito de agenciamento para esta matéria até hoje!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate da proposta de resolução n.º 367V.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura da acta relativa à eleição dos membros da Mesa.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): -Srs. Deputados, é do seguinte teor a acta relativa à eleição dos Vice-Presidentes, Secretários e Vice-Secretários da Mesa:
Acta
Aos 16 dias do mês de Outubro de 1990, procedeu-se à eleição dos Vice-Presidentes, secretários e vice-secretários da Mesa da Assembleia da República para a 4.º sessão legislativa da V Legislatura, tendo sido apurados os seguintes resultados:
Votantes: 188 deputados.
Em anexo a esta acta e fazendo parte integrante dela, os resultados de cada um dos Srs. Deputados candidatos.
Nos termos regimentais, foram eleitos: para Vice-Presidentes, os Srs. Deputados Maria Manuela Aguiar D. Moreira e José Manuel Maia Nunes de Almeida; para secretários, os Srs. Deputados Reinaldo Alberto Ramos Gomes e Daniel Abílio Ferreira Bastos; para Vice-Secretário, o Sr. Deputado João Domingos F. Abreu Salgado.
Os restantes candidatos não obtiveram a maioria necessária à sua eleição.
Para constar se lavrou a presente acta, que vai ser devidamente assinada.
ANEXO
Eleição dos vice-presidentes, secretários e Vice-Secretários da Mesa da Assembleia da República (V Legislatura 4.º sessão legislativa).
(Ver Quadro na Imagem).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, proclamo eleitos Vice-Presidentes os Srs. Deputados Maria Manuela Aguiar D. Moreira e José Manuel Maia Nunes de Almeida, Secretários os Srs. Deputados Reinaldo Alberto Ramos Gomes e Daniel Abílio Ferreira Bastos e Vice-Secretário o Sr. Deputado João Domingos de Abreu Salgado.
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Srs. Deputados, de seguida vamos passar à votação das propostas de resolução hoje discutidas. Penso que, se não houver objecção, poderemos proceder de uma só vez à votação na generalidade, na especialidade e final global das propostas de resolução, agrupando-as por assuntos.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos, pois, proceder à votação na generalidade, na especialidade e final global das propostas de resolução n.º 34/V-Aprova o II Protocolo Adicional ao Acordo Judiciário entre a República Portuguesa e a República de Cabo Verde e 35/V - Aprova o Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique.
Submetidas à votação, foram aprovadas por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação na generalidade, na especialidade e final global das propostas de resolução n.º 29/V - Aprova, para ratificação, o Protocolo Adicional à Constituição da União Postal Universal, o seu Regulamento Geral, a Convenção Postal Universal e os respectivos Protocolo Final e Regulamento de Execução e 3 l/V-Aprova, para ratificação, o Protocolo de Emenda à Convenção sobre a Aviação Civil Internacional.
Submetidas à votação, foram aprovadas por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
Srs. Deputados, finalmente, vamos proceder à votação na generalidade, na especialidade e final global da proposta de resolução n.º 36/V-Aprova, para ratificação, a Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar por hoje, dou por encerrados os nossos trabalhos, lembrando que a próxima reunião terá lugar no dia 18, pelas 15 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social Democrata (PPD/PSD):
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Angelo Ferreira Correia.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Augusto Pinto Banos.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel,
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Manuel Henriques de Oliveira.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
José Barbosa Mota.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Partido Comunista Português (PCP):
José Manuel Santos Magalhães.
Maria Luísa Amorim.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Faltaram â sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Jorge Santos Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Flausino José Pereira da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
José Júlio Vieira Mesquita.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Maria Moreira.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Partido Socialista (PS):
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Partido Comunista Português (PCP):
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Deputado independente:
Raul Fernandes de Morais e Castro.
As REDACTORAS: Isabel Barrai-Maria Amélia Martins-Cacilda Nordeste-Ana Marques da Cruz.
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