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I Série - Número 37
Sexta-feira, 1 de Fevereiro de 1991
DIÁRIO da Assembleia da Republica
V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 31 DE JANEIRO DE 1991
(SESSÃO SOLENE COMEMORATIVA DO CENTENÁRIO DA REVOLTA DE 31 DE JANEIRO)
Presidente:
Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários:
Ex.mo Srs. Relnaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
O Centenário da Revolução de 31 de Janeiro foi solenemente comemorado pela Assembleia, tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Barbosa da Costa (PRD). Carlos Brito (PCP), Raul Rego (PS) e Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD).
A sessão foi encerrada eram 16 horas e 45 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Parado Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândío Santa Cruz Basto Oliveira.
Amónio Abílio Costa.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Ari indo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcínco António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condessa
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Alfredo Godinho da Silva.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Waller Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
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Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco de Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coulinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Juliela Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odeie Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Mana Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Srs. Deputados, como sabem, a sessão de hoje é comemorativa do centenário da Revolta de 31 de Janeiro.
Dou, pois, a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vinha de longe, quando eclodiu, no Porto, a Revolta de 31 de Janeiro, o conflito entre Portugal e a Grã-Bretanha por causa dos nossos «direitos históricos» aos territórios africanos.
Nos primeiros 40 anos do século XIX os direitos territoriais de Portugal não foram objecto de dúvida por qualquer outra potência e os Tratados de 1815 e de l817 conferiram a Portugal «toda a costa ocidental situada entre 8º e 18º graus de latitude sul».
Foi com a publicação do decreto de 10 de Dezembro de 1836, quando Portugal opta por uma política de expansão e conversão económica de Angola, que os ingleses começaram a negar o que pacificamente tinham aceite em 1817.
Aproveitando a ocasião da visita do Príncipe Nicolau do Congo, Lopes de Lima começa a campanha, na imprensa, para a consolidação da posse territorial desde a embocadura do Zaire ao Cabo Negro, afirmando que este pertence ao Rei dos Congos, vassalo da Coroa portuguesa. Na altura, o Diário de Lisboa, a Revolução de Setembro, o Patriota e A Revolução, periódicos prestigiados da época, começaram, em 1845, a exigir do Ministério de Joaquim Falcão uma promessa no sentido da afirmação dos nossos direitos no território, que alimentara o comércio da escravatura e agora daria entrada, no interior, para brasileiros, franceses e ingleses.
Lord Palmerston, que em 1830 declarara formalmente que não interviria nos assuntos internos de Portugal, oito anos depois, por pressão das indústrias de Liverpool, pretende obter do seu Parlamento poderes para os canhões de Sua Majestade atacarem navios portugueses ao mesmo tempo que os comerciantes de Luanda exigem de Lisboa que não ceda à diplomacia da canhoneira. O desfecho foi a aprovação, na Câmara dos Comuns, do célebre BUI de Palmerston, que foi tomado em Lisboa como uma humilhação nacional.
Sobreveio-lhe o Tratado Luso-Britâncio de 1842, que o governador de Angola, Alexandrio da Cunha, tentou implementar. Simplesmente, a Inglaterra violava, com descaro, a soberania portuguesa, invocando o interesse dos negreiros ingleses sob a capa do comércio livre.
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O que estava a passar-se, na verdade, era a construção do Império Britânico em África, a qual teria o seu ponto alto na Conferência de Berlim, em 1885, e depois no ultimatum inglês de 1890.
Em 1846, com a ocupação de Ambriz, iniciou-se a expansão portuguesa no Hinterland africano e também uma longa disputa entre os dois países, que vai durar até 1861.
As razões eram conhecidas: como escreveu, para Lisboa, o governador José Maria da Ponte e Horta, «os domínios portugueses desta parte da África compreendem uma imensa extensão do território, que pode adiantar-se extraordinariamente para o interior. Este território é cortado de rios, que correm para a costa ocidental, e os seus vales são notavelmente férteis, assim como as entranhas da terra se mostram ricas de metais. Podem, portanto, esses domínios oferecer valiosas reservas e a metrópole deve aproveitá-los».
Todavia, a orientação que conseguiu vingar foi a do abandono dos pontos do interior e o fortalecimento das posições da cosia. O argumento era de que enquanto os rendimentos das alfândegas das costas conseguiam, num curto espaço de tempo, subir de 33$ para 390000$ o interior só servia para consumir energias e homens, devido à resistência dos africanos, e o comércio não era de modo a recomendar o esforço da guerra. A este propósito observava o governador Alexandre Albuquerque que «fatalmente, os produtos do interior teriam de escoar-se pelo mar, podendo aí pagar as taxas ao Estado».
Esta a razão pela qual as propostas de homens devotados à «causa ultramarina», como Duprat e Silva Porto, não conseguiriam obter eco em Portugal até que Andrade Corvo retoma a divisa da expansão, baseando a sua política no entendimento com a Inglaterra e na defesa do trabalho livre.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros de então, Andrade Corvo, afirmava, neste Parlamento, que «a Inglaterra conta, para a realização do seu pensamento, civilizar a África com a cooperação leal que lhe possamos prestar e esta cooperação há-de ser uma das bases mais sólidas, uma das garantias mais seguras no nosso desenvolvimento colonial». E rematava, dizendo que cumpria a Portugal «cooperar com a Inglaterra sem receios infundados, sem desconfianças injustas. Se a nossa confiança fosse traída -que não o será- a nobre Inglaterra teria de se arrepender, porque teria de se envergonhar em face das nações».
O programa político de Andrade Corvo ganhou relevo quando projectado contra a forte corrente anticolonialista, de raiz socialista e republicana apoiada por alguns ilustres «descrentes» no futuro colonial do País.
Oliveira Martins, numa primeira fase, zombava dizendo «estar de arma - sem gatilho! - ao ombro, sobre os muros de uma fortaleza arruinada, com uma alfândega e um palácio onde vegetam maus empregados mal pagos, é assistir de braços cruzados ao comércio que estranhos fazem e nós não podemos fazer; e esperar todos os dias os ataques dos negros, ouvir a todas as horas o escárnio e o desdém com que falam de nós todos os que viajam em África, não vale sinceramente a pena».
Eça caricaturava o nosso império colonial, dizendo que as nossas relações com as colónias se resumiam a mandar para lá, de vez em quando, um governador e a receber de lá, como prova de gratidão, também de vez em quando, uma banana, e escrevia algures: «colónias são uma coisa que impunha vender antes que outros no-las levassem. Mas o Governo, como já não tínhamos colónias, compraria fragatas! Dilema pavoroso! Devemos vender colónias porque não temos governo para as administrar e não as podemos vender porque não teríamos governo que administrasse o produto. Miserere!»
Ferreira de Almeida chegou mesmo a apresentar no Parlamento uma proposta de venda de Timor e, não fosse a posição firme da Coroa, principalmente de D. Carlos, que pretendeu impor uma orientação pessoal - ou, como se diz hoje, protagonizar uma política de chefe de Estado - aos problemas africanos, talvez o destino colonial fosse bem diferente.
No meio de uma descrença geral foi D. Carlos que insuflou vida nova à Sociedade de Geografia de Lisboa destinada a ser a inspiradora das medidas que, definindo um novo império colonial, deviam restituir à monarquia a estabilidade e o prestígio que os republicanos tão duramente ameaçavam.
Precisava a monarquia dos Braganças jogar contra a ascensão do partido republicano a decisiva cartada do novo império africano. Como escreveu Basílio Teles - o analista mais arguto e erudito do 31 de Janeiro -, «no propósito de fundar um império colonial, tomando-o para base do futuro desenvolvimento económico da metrópole e, ao mesmo tempo, como plano político para reabilitar na opinião pública o regime incontestavelmente desacreditado, temos, pois, um pensamento director, embora sofrivelmente fantasista, que nos permite dar sentido à política monárquica durante um período de 10 anos».
Como alternativa política, aproveitando a «humilhação do ultimato», o partido republicano elabora a sua tese própria de «vocação africana de Portugal» - como é dito pelos antimonárquicos da época - para salvar o império, sem o mapa cor-de-rosa, irremediavelmente arruinado depois do ultimato, e lança-se no combate final para a derrocada da monarquia.
Como partido político com ambições de governo a breve trecho, vai procurar, como alternativa - e cito novamente Basílio Teles-, «acompanhar os partidos monárquicos, passo a passo, no terreno onde eles mesmo tinham posto a prosperidade e glória do País, estimúlando-os todas as vezes que os vissem esmorecer ou fatigar-se, moderando--os sempre que neles percebessem tenacidade e impaciência e, sobretudo, exercendo uma vigilância rigorosa sobre os actos da administração interna». Proceder deste modo estava na lógica do seu duplo carácter de partido patriótico e popular.
É esta oposição desgastante e quotidiana ao regime monárquico, para salvar Portugal da bancarrota e o império colonial dos «apetites» britânicos, que vai dominar o panorama político nacional com a Revolução de 31 de Janeiro de 1891, destroçando o rotativismo, provocando a fuga para a frente, que foi a ditadura de João Franco, passando pelo lastimável regicídio e, finalmente, conseguindo o triunfo da causa republicana em 5 de Outubro de 1910.
É deste «carácter patriótico e popular» que deriva a justificação de raiz do movimento portuense de 31 de Janeiro.
Celebrá-lo hoje e aqui, neste Hemiciclo e nesta sessão solene - em que o Governo é apenas representado pelo nosso ilustre colega de todos os dias, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares -, é apenas cumprir o dever de parlamentares que herdaram e assumem o regime depurado dos muitos conflitos ideológicos que eram da época e foram ultrapassados pelo civismo patriótico.
Aplausos gerais.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: A Portuguesa, cujos acordes começaram a ecoar em 1890, nascida da convulsão criada pelo ultimato e que, na opinião de Sampaio de Bruno, foi são clamor metálico do hino" que, em 31 de Janeiro de 1891, os militares revoltosos do Porto, apoiados por boa parte da população local, tentaram a queda da monarquia, personaliza a própria consciência republicana.
O que ela pretendia, como afirma Joel Serrão, "era uma nova regeneração da Pátria, enxovalhada por falsas e pretensas regenerações anteriores. Por isso. busca trilhar a vida democrática, chamando às responsabilidades efectivas da cidadania um povo adormecido, como que à margem do tempo".
De facto, só a extrema gravidade das situações impele a Nação ao desejo da mudança, sobretudo quando constituem o extravasamento da acumulação indesejada de longas e penosas gestações. As populações tom consciência dos riscos e dos perigos existentes quando aceitam participar em acções conducentes & alteração do regime ou do sistema em que estão integradas.
Não se pode afirmar, sob pena de cairmos em juízos apressados e irresponsáveis, que o povo não está preparado para assumir conscientemente os seus direitos e responsabilidades.
Nesta perspectiva, concordamos em absoluto com as considerações expendidas por Sampaio Bruno, que, num tempo e num contexto histórico-cultural diverso, afirmava: "O Povo existe. O que é preciso é educá-lo. Porem, aqui urge não nos iludir com o tema, porque a educação de um povo faz-se conferindo os direitos públicos a esse mesmo povo. Ele aprende usando e só assim." E o povo corresponde muito melhor do que se pensa quando é chamado a julgar e a escolher, apesar de, na hora da derrota, políticos e partidos serem tentados a afirmar a sua menoridade cívica.
O cidadão comum não participa nem comunga dos interesses colocados em golpes palacianos, de que a nossa história é fértil, o que manifestamente não se verifica quando não existem condições mínimas de sobrevivência digna ou se a honra nacional é vilipendiada.
Normalmente, nestes casos, esquecem-se naturais receios e salta-se para o teatro das operações com a consciência plena de que a contribuição pessoal é necessária e decisiva Por isso, tais momentos não abundam na nossa história.
Foi assim, em experiência primeira e dolorosamente desenvolvida, nos finais do século XIV, quando a consciência do ideal da Pátria começou a definir contornos, perante o perigo da perda da independência.
De facto, sentiu-se que não poderia perder-se, numa penada, a difícil construção da Nação que a Natureza proporcionou e o querer de sucessivas gerações havia, paulatinamente, construído.
Outras manifestações, de igual sentido, verificaram-se posteriormente e só tiveram êxito quando a adesão popular aconteceu.
Todavia, nem sempre a primeira tentativa surtiu o efeito desejado. Copiosos exemplos têm ilustrado tais situações ao longo do nosso passado colectivo.
Entretanto, quando a causa 6 justa e as motivações determinantes tem-se voltado ao combate pela concretização das alterações ansiadas.
nscreve-se, neste quadro, a revolta do 31 de Janeiro de 1891.
Portugal, na segunda metade do século XIX, era um país subdesenvolvido, com cerca de dois terços da sua população a trabalhar na agricultura e com o outro terço afecto a actividades não directamente produtivas, o que provocava, naturalmente, um baixo nível de vida das populações.
Acresce a este facto a circunstância de uma parte diminuta e dominante não fazer a aplicação adequada dos lucros da produção, o que provocava a existência de uma faixa importante da população a viver em precaríssimas condições socioeconómicas.
O ultimato inglês constituiu a causa imediata da revolta do 31 de Janeiro, que feriu de morte o regime monárquico.
De facto, na opinião de Luís de Montalvor, "O ultimato assombrara dolorosamente o País, com o espanto que causaria o estalar pavoroso de um raio numa atmosfera límpida. Era uma surpresa que se nos fulminava pela iniquidade, nos aniquilava pelo imprevisto."
A exigência inglesa do abandono português da região do "mapa cor-de-rosa", tendo posto fim do sonho ao grande Império Português em África, gerou uma enorme convulsão verberadora da afronta inglesa e da passividade dos governantes de então.
Na opinião interveniente de Jaime Cortesão, "a causa próxima e directa da eclosão do movimento do 31 de Janeiro de 1891 foi a consciência do contraste entre uma Pátria forte e digna que abrira à Europa e, em particular, à Inglaterra as estradas dos oceanos e as portas do Oriente e a Pátria de então que cedeu, com humilhação e opróbrio, à brutalidade do ultimatum inglês (...). Mas a consciência nacional, despertada pelo centenário de Camões e pela mutilação que Portugal sofrera no seu corpo ultramarino, balbuciava apenas".
Generalizaram-se as manifestações por várias regiões do País reflectindo o sentimento dominante, num misto de patriotismo e de desagravo, e que foi a razão determinante do divórcio verificado entre a Nação e a realeza, que foi impotente para travar a onda de indignação que se alastrou e tomou a revolta inevitável.
Como afirmou Luís Montalvor, "O exército, como toda a Nação, foi ferido profundamente nos seus brios com o ultimatum. Ele sentiu a sua impotência. Ele dava bem conta de que a sua organização era deficiente e o seu armamento impróprio da época."
Apesar do empenhamento e bravura dos militares de média e baixa patente, a sublevação não teve os efeitos esperados, já que se circunscreveu à cidade do Porto, que, conforme constata Jaime Cortesão, "assumiu heróica mas isoladamente as responsabilidades que lhe cabiam como célula cívica do País.
O Porto salvou a honra da Nação. Viu-se que nem tudo estava perdido. E o malogro dos percursos acendeu uma chama de esperança que não volta a apagar-se".
A falta de um plano de conjunto, a ausência de um acompanhamento político adequado, a inexperiência dos militares, a precipitação dos acontecimentos e a espontaneidade da multidão foram algumas das razoes que estiveram na base do inêxito da sublevação.
Mário de Vasconcelos e Sá, afirma, aliás, que "o optimismo e a boa fé perderam o movimento iniciado com a facilidade que só os ideais e os sentimentos sinceros arrastam e galvanizam. Esmagada a revolução, ela ficou a remoer como fogo que não se apaga".
Ponto é que a semente ficou a germinar e frutificou, volvidas duas décadas, com a implantação da República. Mas os seus efeitos não se quedarão por aí.
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Assim, ao longo de décadas, a data histórica do 31 de Janeiro constituiu a motivação de sucessivas e variadas manifestações cívicas que, mau grado as limitações impostas pelo regime deposto em 25 de Abril, mantiveram viva a chama do alerta e da revolta contra o regime opressor.
Quer esta efeméride quer a do S de Outubro, de que foi percursora, constituiram um cenário privilegiado do encontro de cidadãos empenhados que foram contributos decisivos para a mudança, finalmente, operada.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Tudo quanto é válido e emblemático na vida das comunidades deve ser defendido para seu conhecimento e aprendizagem, numa acção pedagógica consequente.
Assim, mantêm-se perfeitamente actuais os pressupostos contidos no Manifesto dos Emigrados da Revolução Republicana Portuguesa: "Que a última palavra que pronunciarmos seja a de que, em breve, ascenda de iodos os corações generosos e irrompa em todos os puros lábios, como a consumação salutar e fecunda da grande obra iniciada a 31 de Janeiro: Viva Portugal! Viva a República!"
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Membro do Governo, Srs. Deputados: Nasci para a vida política activa num tempo em que as comemorações do 31 de Janeiro faziam parte do programa anual de combate à ditadura salazarista.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A celebração das passadas lutas pela liberdade era uma forma característica de lutar por ela naquele presente.
Não se julgue que por se tratar de comemorações eram menores os riscos de quem as fazia. Quando se partia para a romagem, a sessão, o mero jantar de confraternização republicana nunca se sabia quando se voltava e como se voltava. Às vezes, metia-se pelo meio uma passagem mais ou menos prolongada e mais ou menos torturada pelos calabouços da PIDE ou de outras forças que com ela colaboravam na repressão.
Nestas acções celebrativas preparavam-se grandes batalhas pela democracia que fizeram tremer a ditadura e que ajudaram a preparar o 25 de Abril.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por tudo isto, permitam-me que, ao exprimir a homenagem dos deputados comunistas ao patriotismo, à bravura, à determinação e à coerência dos revoltosos do Porto, de há um século atrás, procure indagar as razões que os tomaram exemplo para tantas gerações de combatentes da liberdade.
Aplausos do PCP, do PRD e do deputado independente José Magalhães.
O 31 de Janeiro foi, antes de tudo, uma corajosa afirmação do sentimento patriótico nacional em resposta ao afrontoso ultimatum inglês de 11 de Janeiro de 1890. Insere-se na onda de indignação que percorreu o País e no profundo repúdio que tomou por alvo tanto a arrogante prepotência inglesa como a cobardia e a submissão das autoridades monárquicas. Continua por outros meios a Liga Patriótica do Norte, a Liga Liberal, as manifestações de dezenas de milhar de participantes em Lisboa e no Porto em defesa da dignidade, da soberania e da independência nacionais.
A ligação entre o ultimatum e o 31 de Janeiro é um dos pontos da história do movimento que não só não merece contestação como chega a ser apontado por um dos seus principais obreiros, o insigne vulto da República e jornalista. João Chagas, como "a causa única", sem a qual - acrescenta - "nem encontraria meio idóneo em que se consumasse, nem agentes que a provocassem)".
Expressão do vasto movimento de repulsa suscitado pelo conflito diplomático anglo-português, o 31 de Janeiro não foi um movimento espontâneo, mas antes intensamente preparado, entre outros, por Sampaio Bruno, Basílio Teles, Santos Cardoso e o próprio João Chagas, que, para o efeito, se fixou na cidade do Porto, à frente do jornal República Portuguesa.
É este último que explica a escolha do Porto para sede da acção revolucionária. Diz ele: "Na capital do Norte começava a soprar um vento de insurreição." Tinha sido também no Porto que a reacção ao ultimatum tinha adquirido expressão mais vasta e organizada com a Liga Patriótica do Norte. O Porto tinha, aliás, uma incomparável tradição na luta pela liberdade e a democracia e na acção revolucionária, pelo que é justo prestar-lhe homenagem quando comemoramos o centésimo aniversário do 31 de Janeiro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O exemplo da Revolução de 24 de Agosto de 1820 parece ter estado sempre presente no espirito dos revoltosos de 1891, que se inspiraram no seu próprio modelo para traçar o plano de acção revolucionária.
Outras razões podem ter concorrido para transformar a capital do Norte no epicentro do sismo político e social que enquadra o 31 de Janeiro.
Como noutros períodos da nossa história, nas décadas finais do século passado, a dominação estrangeira sobre a economia portuguesa era um obstáculo fundamental ao desenvolvimento do País.
Oliveira Martins, já então insuspeito de simpatias republicanas, explicava: "Os caminhos de ferro que não são do Estado pertencem a estrangeiros; a estrangeiros pertence o melhor das minas; estrangeiros levam e trazem o que mandamos e recebemos por mar." Estavam também nas mãos de estrangeiros alguns bancos e companhias de seguros e as mais importantes sociedades industriais.
É quase certo que as humilhações ao brio nacional, provocadas pela nossa velha e prepotente aliada, não se verificaram apenas através do ultimatum, mas no dia-a-dia da gestão dos seus negócios em terras lusas.
A indústria têxtil nortenha dava então os seus primeiros passos. Por volta de 1880 já experimentava uma certa expansão. Deparava-se-lhe, no entanto, um gigantesco obstáculo, a Inglaterra, que dominava por completo o mercado de pano cru e monopolizava o abastecimento das linhas de coser.
Lembra-se que o jornal República Portuguesa foi financiado por três empresários portuenses e veja-se se não há razoes para pensar que haveria outras fundas razões, além do ultimatum, para encorajar a "marchar contra os bretões". E por muito tempo essas razões perduraram!...
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Em segundo lugar, creio que podemos dizer que o 31 de Janeiro exprime a «republicanização» do movimento de protesto contra o ultimatum. A onda de indignação nacional abarcou, naturalmente, gente de todas as classes e camadas e de todas as convicções políticas, republicanos, mas também monárquicos. Lembro Antero de Quental, à frente da Liga Patriótica do Norte, e os monárquicos Augusto Fuschidi e António Enes, à frente da Liga Liberal.
O Partido Republicano procurou, porém, e conseguiu-o até certo ponto, dar expressão política ao protesto patriótico, imprimir-lhe uma perspectiva, apontar-lhe uma salda-a queda da monarquia, a proclamação da República.
Guerra Junqueira, que se convertera por essa altura aos ideais republicanos, podia dizer lapidarmente: «Republicano e patriota tornaram-se sinónimos. Hoje quem diz Pátria diz República.»
A monarquia, a começar pelo próprio rei, facilitava os propósitos republicanos. A capitulação perante as arrogantes pretensões inglesas, "a submissão cobarde dos monárquicos", como lhe chamou Basílo Teles, as manobras para iludir a opinião nacional, a repressão das manifestações populares e das actividades republicanas, somavam-se às inegáveis responsabilidades na quimérica operação do "mapa cor-de-rosa", que estivera na origem do conflito diplomático. Para além de tudo isto, o progressivo apodrecimento das instituições da monarquia liberal, onde a vida política era hegemonizada por dois partidos que se alternavam no poder sem que qualquer objectivo ou noção programática os distinguisse, a não ser a ânsia de duas equipas rivais com as respectivas clientelas se sentarem à mesa do orçamento e se beneficiarem à sua custa. Era a bipolarização à moda do tempo. Guerra Junqueira foi implacável para estes dois partidos monárquicos que conheceu por dentro: "São as duas metades de um mesmo zero", dizia ele.
Foi, pois, um assinalável sucesso no plano político a tentativa do Partido Republicano de republicanizar o descontentamento e o protesto nacional. Muito mais complicada, e por razões do próprio Partido Republicano, era conduzi-lo ao derrubamento da monarquia que implicava, como se viu, uma acção revolucionária com participação militar.
O programa do Partido Republicano preconizava que o estabelecimento da República se faria por revolução natural". Os dirigentes republicanos eram essencialmente doutrinadores, nada afeitos a práticas revolucionárias e a acções militares. Os revolucionários portuenses apareciam como uma grande viragem nesta linha de doutrinação pacífica. É isto que explica as tão discutidas divergências insanáveis entre republicanos de Lisboa e do Porto, que não permitiu que o Partido Republicano estivesse unido no 31 de Janeiro, o que foi seguramente a principal causa da derrota do movimento.
Mas se o movimento foi derrotado, a perspectiva revolucionária na luta pela República triunfou entre os republicanos e teve a sua plena confirmação 20 anos mais tarde com o S de Outubro de 1910.
Esta perspectiva revolucionária foi explicada por um dos heróis do 31 de Janeiro, o sargento Abílio de Jesus, perante o conselho de guerra que o condenou. Disse ele: "Entrei no movimento para ajudar a depor o Rei D. Carlos, porque sou republicano e tenho muitas razões para o ser. Não sou republicano da evolução, porque por ela nem daqui a um século, julgo, teríamos a República em Portugal."
A terceira chamada de atenção, que quero fazer, é para o carácter eminentemente popular do 31 de Janeiro. Joel Serrão, no Dicionário de História de Portugal, salienta a propósito: «Quanto ao 31 de Janeiro, em cujo desenrolar pairou a sombra tutelar do 24 de Agosto e o desígnio de a repetir, a verdade é que o seu aspecto social é muito diverso: efectivada por sargentos e cabos e enquadrada e apoiada pelo povo anónimo das ruas foi hostilizada ou minimizada pelos oficiais, pela alta burguesia e até pela maior parte da inteligência portuguesa."
Aos sargentos coube, sem dúvida, um papel decisivo no movimento. É assim que, entre os 22 principais condenados pelos conselhos de guerra, 14 são sargentos, 3 cabos e 1 praça da Guarda Fiscal.
Uma homenagem especial é, por isso, devida aos sargentos Abílio, Galho e Rocha que, com o capitão Leitão, desempenharam um papel decisivo na condução militar do movimento.
Aplausos do PCP.
Recebemos hoje uma exposição da Associação Nacional dos Sargentos, em que manifestam a sua aspiração a que o dia 31 de Janeiro seja considerado o dia nacional do sargento. O Grupo Parlamentar do PCP dá pleno apoio a esta aspiração, declarando-se desde já disponível para com outros grupos parlamentares tomar as medidas e as iniciativas adequadas para que esta aspiração tenha concretização.
Aplausos do PCP.
A natureza vincadamente popular do 31 de Janeiro ajuda a perceber a fúria liberticida com que a repressão monárquica se lançou sobre os vencidos e as actividades republicanas; as iníquas condições dos julgamentos feitos por tribunais, que eram mera extensão do executivo monárquico; as frenéticas campanhas da imprensa monárquica, tentando denegri-los e caluniá-los aos olhos da opinião pública.
A extrema coragem e a perfeita dignidade com que a generalidade dos revoltosos enfrentou os mercenários julgadores monárquicos, a firmeza e a confiança nos ideais com que reagiram à adversidade nas masmorras monárquicas, nos desterros africanos ou no exílio encontram-se, seguramente, entre as razões mais fundas da sua exemplaridade.
Esta exemplaridade não podia deixar de tocar, comover e exercer uma especial atracção no movimento operário, quando este, organizado sindical e partidariamente, se tornou um protagonista fundamental da democracia portuguesa.
Na passagem do centésimo aniversário do 31 de Janeiro, o PCP associa-se empenhadamente às comemorações, entre outras, através de uma declaração da Direcção da Organização Regional do Porto e também contribuindo com uma proposta para a efectivação desta sessão- que deveria ser solene - na Assembleia da República.
O 31 de Janeiro entronca na linha das revoluções libertadoras e democráticas que vão do 24 de Agosto de 1820 ao 25 de Abril de 1974 e que culminam na democracia política, económica, social e cultural que a nossa Constituição consagra.
As efemérides da nossa história fazem-nos pensar não só no passado mas também no presente e ale no futuro. O 31 de Janeiro ainda fala muito à nossa actualidade, como vimos. O acendrado patriotismo dos seus protagonistas e a sua coragem, o destemor, a confiança com que foram capazes de lutar por um projecto nacional, em condições
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adversas, mas que anos depois triunfou dando-lhes razão, não podem deixar de inspirar o nosso futuro, o futuro de Portugal.
Aplausos do PCP, do PS, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Rego.
O Sr. Raul Rego (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: Somos, por vontade do povo e dentro das nossas fronteiras actuais, a nação mais antiga da Europa. Ao tornar-se a Europa uma nação, nos seremos a sua província precursora dentro da comunidade. E bem poderíamos ter ido celebrar esta data grande da nossa evolução de povo livre à terra que deu o nome a Portugal e que há 100 anos tentou inverter o curso dos acontecimentos, sobrepondo os interesses nacionais às conveniências de uma família, de uma classe, de homens de caminhos já trilhados e inimigos de quanto seja a luz do sol nascente.
A República, antes de ser o nome de um regime, é a realidade de uma vida, maneira de ser e regra de convivência entre os cidadãos, depois de ter sido uma aspiração da comunidade.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Era uma luz ao longe; tornou-se depois o dia-a-dia, a realidade palpável, o convivente, a maneira de tratar de um homem com outro homem, das gentes com a autoridade.
Não há pessoas carismáticas de nascimento. Há cidadãos iguais perante a lei e nenhum homem se pode considerar senhor de outro homem.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
Mas séculos e séculos de sujeições e privilégios criaram mentalidades curtas e sociedades realmente deturpadas no conceito de humanidade. Desfazer, rebentando quando necessário, essas pedreiras de conceitos falsos é a tarefa da República.
O que foi o 31 de Janeiro de 1891 senão uma revolta do povo português, ofendido na sua dignidade contra a dinastia de Bragança, ou seja, contra a família que fazia parte das famílias privilegiadas da Europa e da América, distribuindo entre elas os tronos como se fossem donas das terras e das gentes? E os revolucionários do 31 de Janeiro buscavam apenas devolver ao povo os poderes que a monarquia tinha ido usurpando em benefício de uma classe, de uma família, de uma pessoa. Mais do que os nomes de monarquia ou república, interessa é a vida realmente republicana, democrática, em que o homem se sinta e saiba cidadão, podendo invocar essa cidadania contra qualquer prepotente que queira usurpar em benefício próprio os direitos que são de todos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O ideal dos homens que há 100 anos se revoltaram no Porto não era apenas vingar a afronta do ultimatum, mas também dar uma volta à vida portuguesa, de forma a que os portugueses pudessem sentir-se verdadeiros cidadãos na Pátria comum. Os países são tanto mais fortes e respeitados quanto mais conscientes forem os seus habitantes e quanto mais eles exigirem o respeito desses mesmos direitos, zelosos em cumprir os seus deveres.
O 31 de Janeiro não vingou. Foi afogada em sangue e torturas o que fora uma aspiração de homens dignos e valentes em prol da comunidade. Passariam ainda 20 anos sem que a monarquia se consciencializasse dos deveres dos mandantes; e continuaram até a sacar dos dinheiros da comunidade como se eles fossem os dinheiros de uma só família. Desta mesma tribuna, esses crimes seriam denunciados 17 anos depois, como o foram os adiantamentos à Casa Real, no que constituiu o último grande golpe na monarquia portuguesa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Duas ditaduras, nesses 20 anos, demonstraram bem que a monarquia não aprendera a lição, nem estava disposta a deixar de ser dona e senhora do País. Um dos monarcas pagaria, aliás, com a vida os seus erros e os de outros. Mas os revolucionários do 31 de Janeiro expiaram nas cadeias, na deportação, no exílio a sua audácia e a coragem cívicas. Essa monarquia era implacável. Nem com D. Carlos nem com D. Manuel ela quis imbuir-se da mentalidade republicana, porque, antes de ser um regime, o republicanismo é um pensamento, uma maneira de ser e de agir que tem de estar em todo o soberano, seja rei, seja presidente, como o deve estar em todo o cidadão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -Teve o povo de exigir pelas armas o que lhe era devido. Verdade seja também que essa mesma monarquia, que se demonstrava implacável para com os revoltosos do 31 de Janeiro, quase não teve defensores em Outubro de 1910. O próprio rei se foi embora, sem opor a mínima resistência. Confiava os seus direitos à Padroeira que está nos céus - e só a ela, já que os partidários não tinham aparecido nas poucas horas de luta. Não será que um fraco rei faz fraca a forte gente?
O povo tomou conta dos seus destinos. Os homens não são súbditos de ninguém; são cidadãos de uma comunidade de homens livres. E na Assembleia da República, na fraternidade e concórdia entre os homens, enaltecemos a memória dos Mártires da República, saudando o que foi o ideal dos combatentes do 31 de Janeiro e é hoje o nosso mesmo regime. Viva a República!
Vozes do PS: -Viva!
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida.
O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: Se a causa próxima da revolução que eclodiu em 31 de Janeiro de 1881 e que hoje celebramos foi o ultimatum a sua génese é-lhe muito anterior.
A revolução explica-se essencialmente pelo descontentamento generalizado que grassava em Portugal nessa época. As instituições do regime estavam por completo desacreditadas; e os dois partidos monárquicos, que sucessivamente se alternavam no exercício do poder, vinham deixando de merecer qualquer credibilidade ao povo português.
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Com efeito, começava logo por ser muito difícil descortinar, no exame dos respectivos programas, na sua indefinição, diferenças substanciais que permitissem situá-los politicamente e diferenciar as respectivas ideologias. Durante todo o período do chamado rotativismo parlamentar nenhum desses partidos soube construir e propor ao povo português um projecto colectivo, original e aliciante, capaz de galvanizar as energias da Nação para uma arrancada de progresso e de desenvolvimento autênticos. Bem pelo contrário, desbaratavam-se imprudentemente os parcos recursos do País.
O rotativismo resumia-se em fazer «rodar» ciclicamente regeneradores e progressistas nas cadeiras do poder; sendo certo que, com uma ou outra honrosa excepção, eram sempre os mesmos homens que «rodavam» ao serviço dos mesmos interesses pessoais e de idênticas maquinações políticas.
Em tempo de eleições, sem teorização ideológica que os diferenciasse, os partidos não se apresentavam a concorrer com propostas específicas. Para alcançar maiorias a fraude eleitoral substituia-se ao vazio de ideias; e era pela intervenção dos caciques e dos chamados «influentes», que se exercia toda a sorte de pressões. Frequentemente, tudo acabava na viciação dos resultados eleitorais.
Além disso, as sucessivas cisões e dissidências ocorridas nesses dois partidos mais contribuíram para que se intensificasse o seu descrédito e o do regime. E cada dia que passava mais fundo era o fosso que se abria entre o sistema e o País real. Vivia-se, pode dizer-se, num desalento generalizado.
Augusto Fuschini, ministro da Fazenda de um governo regenerador, escrevia: «Para alcançarem os favores das camarilhas palacianas os partidos e os homens públicos cometem as últimas baixezas.» Era, portanto, de dentro do próprio sistema que se lhe denunciavam os defeitos e os vícios.
E Alexandre Herculano, carácter de bronze e português sem mácula, no seu refúgio de Vale de Lobos, de tudo desencantado, tudo resumia naquela frase que ficou tristemente célebre: «Isto dá vontade de morrer.»
Em Janeiro de 1890 ocorreu a grave e delicada crise diplomática entre Portugal e a Grã-Bretanha que veio a culminar no ultimatum. Não cabe nesta breve intervenção a detalhada análise das circunstâncias em que esse incidente se desenvolveu; mas o que é fundamental referir e que ele teve como efeito arrancar o País à letargia em que há muitos anos vinha vivendo.
O povo português sentiu essa crise com exaltada emoção, a qual vibrou no mais fundo da sua consciência colectiva.
Imediatamente surgiram diversas e continuadas afirmações de patriótica indignação e repulsa, sentimento esse que em breve se estendia ao regime monárquico e à própria pessoa do rei.
Todo o ano de 1890 foi vivido em continuadas demonstrações do orgulho nacional, agora desperto para as duras realidades que envolviam o País. Um número cada vez maior de portugueses ansiava por «vida nova» - como então se dizia - e, como uma onda que se propaga, ia-se generalizando a ideia de que a mudança e o resgate da Pátria eram já incompatíveis com a subsistência do regime monárquico.
Por outro lado, a recente proclamação da República no Brasil constituiu poderoso reforço para a difusão do ideal republicano que por toda a parte alastrava. E a esse sentimento popular aliava-se a intervenção da inteligência portuguesa.
Foram Guerra Junqueira e Fialho de Almeida, o primeiro com os seus versos vibrantes, o segundo com a sua virulência de panfletário; foi a Liga Patriótica do Norte, da iniciativa de Antero de Quental, de efémera duração, é certo, mas que (...) personalidades dos mais diversos credos e provenientes dos mais diversos estratos sociais; foram Alfredo Keil e Lopes de Mendonça compondo A Portuguesa, que logo andou na boca e entrou nos corações de muitos portugueses.
Era, enfim, toda a acção da geração de 70 que, pela poesia, pelo romance, pela historiografia, pelo ensaio crítico, porfiadamente prenunciara as profundas mudanças de que Portugal carecia.
O republicanismo ultrapassou então a categoria de mera opção política: como escreveu Joel Serrão, «a angustia e a revolta levaram um número cada vez maior de consciências a entreverem na solução republicana uma via, senão uma panaceia, com o seu quê de miraculoso para os males da Pátria». O ideal republicano surgia assim como o único caminho de salvação nacional.
Não surpreende, portanto, Srs. Deputados, que nos finais de 1890 e princípios de 1891 se conspirasse abertamente.
No Porto, Alves da Veiga aliciava o general Correia da Silva e muitas outras individualidades civis e militares; João Chagas, na República Portuguesa, incitava, de maneira expressa, o exército a revoltar-se. Por isso, foi inevitável que chegasse às autoridades militares o conhecimento do que se preparava. Como medida dissuasora foi ordenada a transferência, para outras guarnições, de numerosos militares já comprometidos na revolta. Face a esta inesperada situação, os organizadores do movimento optaram pela acção imediata.
Na madrugada de 31 de Janeiro, contingentes de Caçadores 9 e de Infantaria 10 convergiram para o campo de Santo Ovídio. Das numerosas individualidades civis e militares comprometidas no movimento, muitas foram as que faltaram. Só dois oficiais honraram os compromissos assumidos - o capitão Amaral Leitão e o tenente Coelho.
O alferes Malheiro, ainda que republicano, nem sequer estava comprometido com a revolução. Porém, quando as forças da sua unidade passaram junto do local onde exercia as suas funções e o convidaram a assumir o seu comando, o honrado oficial, por puras razões de brio e solidariedade militares, aceitou. Foi essa a causa da sua participação no movimento.
A República foi proclamada por Alves da Veiga, da janela da Câmara Municipal, e, de seguida, as forças revoltadas subiram a Rua de Santo António. Era já manhã clara e acompanhavam-nos agora uma multidão de civis, que davam largas ao seu júbilo, aclamando a Pátria e a República.
Todavia, ao cimo da rua, em posições de combate, deparou-se-lhes um forte contingente da Guarda Municipal. Amaral Leilão, que comandava a força republicana, conservou até ao final a ideia ilusória, quase a roçar pela ingenuidade, de que não tinha opositores. Por isso, nem por um momento acreditou que a Guarda Municipal lhe iria ser hostil. Os seus homens, de resto, nem sequer seguiam em dispositivo de combate, mas antes como se desfilassem em parada festiva: marchava-se ao som de A Portuguesa; e, quer das janelas, quer acompanhando na rua a força republicana, uma multidão de civis a aclamava.
Subitamente, a Guarda Municipal abriu fogo sobre a coluna que subia a rua, matando vários civis e militares. Travou-se combate e, ao fim de algum tempo, os revoltosos conseguiram recuar até ao edifício da Câmara, onde se
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concentraram de novo e onde instalaram a sua defesa. Mas em breve a superioridade em homens e em armamento das forças fiéis ao regime os forçou à rendição. A revolução durara umas curtas horas; e umas curtas horas durara a efémera República que vinha de ser proclamada.
Parece-me, meus senhores, que uma breve reflexão tem agora plena oportunidade.
Este pronunciamento foi desencadeado sem que estivesse reflectidamente acabada a sua preparação. Confiou-se demasiado na simpatia que despertava a revolução e não se criou nem cuidou da sua coordenação com muitos elementos que nela estavam comprometidos. Faltava até o essencial: um programa de acção política. Mesmo no plano militar, agiu-se com uma simplicidade de espírito, que só a pureza de intenções e o excesso de confiança podem explicar.
Poderemos então perguntar-nos: o 31 de Janeiro tem um real significado na sequência dos factos históricos que ocorreram em Portugal nos anos que se seguiram?
A resposta é claramente positiva.
Desde logo, pelos efeitos políticos: a Revolução do Porto, apesar de militarmente vencida (e talvez ale por isso mesmo) teve um impacte fortíssimo na sociedade portuguesa. Tomaram-se conhecidas as extensas adesões que suscitara, tal como a da Academia de Coimbra, que só não saiu com a guarnição militar da cidade por não lhe ter chegado o aviso combinado e que esperava. O mesmo se passou, aliás, com algumas outras unidades militares do Norte, que, lendo sido enviadas para combater a revolução, entraram no Porto quando ela já estava finda, mas aclamando a República.
A derrota militar transformava-se assim em vitória política. A tentativa revolucionária veio pôr a claro o já irreversível afundamento do sistema e contribuiu para que o republicanismo alcançasse em Portugal uma dimensão nova. Com efeito, a partir de 31 de Janeiro de 1891 foi constante o fortalecimento do Partido Republicano.
No plano social, teve o mais alto significado a participação pronta no movimento do povo do Porto. Pese embora o curto espaço de tempo em que tudo se consumou, uma multidão de populares, humildes e anónimos, a ela prontamente aderiu, suportando com os revoltosos, ato ao fim, os mesmos riscos.
Alguns aí perderam a vida. Mas isso não espanta. Foi, mais uma vez, a corajosa geme do Porto a tudo sacrificar em homenagem ao ideal da liberdade, que sempre foi constante sua e seu valor maior.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Um último aspecto ainda cumpre referir, pois parece-me que faze-lo aqui constitui um imperativo moral.
A seguir à revolução, a imprensa monárquica deu-se a caluniar os organizadores e os militares vencidos. Atribuiam-se-lhes os mais falsos e infamantes propósitos, desde a acusação de, como quaisquer mercenários, lerem recebido dinheiro, até ao dizer-se que as suas intenções nem políticas eram, já que apenas pretenderiam saquear a cidade do Porto. Quantas mentiras e vilezas se não disseram e escreveram então sobre os vencidos...
Por isso, por tudo o que deles sabemos, é dever imperioso proclamar, nesta hora em que os recordamos, a sua dignidade pessoal e militar.
O Orador: - É paradigmático, e vale a pena referi-lo, o caso do alferes Malheiro. Proclamada a República em 1910, só então pôde regressar à Pátria, lendo sido reintegrado no Exército no posto de capitão. O jovem alferes de 1891 era então um homem de idade madura e de saúde delicada.
Por efeito da entrada de Portugal na Primeira Grande Guerra, o seu regimento mobilizou um batalhão expedicionário com destino a Angola. Imediatamente Augusto Malheiro pediu para ser nele incorporado, o que lhe foi recusado, porque, entretanto, tinha sido verificada a sua incapacidade física para servir nas colónias.
Malheiro não hesitou: requereu então a autorização para partir como voluntário, renunciando à pensão de preço de sangue a que tivesse direito ou a que tivessem direito os seus familiares se viesse a ser ferido ou morto em combate. O seu nobilíssimo pedido foi então defendo.
Nesta sua atitude se revela a mesma galhardia e o mesmo sentido de honra militar que mais de 30 anos ames o tinham levado, por solidariedade, a assumir o comando dos seus camaradas de armas.
Constitui por isso um imperativo moral reconhecer e proclamar que os homens do 31 de Janeiro eram portugueses de lei, sinceros, desinteressados e que agiram na profunda convicção de que, ao revoltarem-se, iriam de encontro às aspirações mais fundas da maioria do povo português.
Vozes do PSD, do PS, do PCP, do PRD e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Como a história, aliás, já reconheceu, por entre as defecções dos que traíram e as cobardes retractações de muitos outros, permanece a beleza moral e a firmeza com que se portaram os militares do 31 de Janeiro. Coerentes consigo próprios, souberam ir, corajosa e sacrificariam ente ale ao fim. Eles constituem para todos nós um nobre exemplo, merecendo por isso, plenamente, a homenagem que a Assembleia da República lhes presta.
O Grupo Parlamentar do PSD emocionadamente se associa a esta evocação dos heróis que, naquela manhã já distante, deram a sua vida pela liberdade e deixaram este sinal imperecível nos caminhos da democracia em Portugal, democracia em que hoje felizmente vivemos e que, acima de tudo, desejamos preservar.
Possa o exemplo dos mortos de há 100 anos ser a indicação da linha de rumo para as tarefas que são indeclinável dever dos vivos de hoje.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decorre esta sessão com a normal solenidade dos actos do Parlamento. Estão presentes e usam da palavra os agentes interventores na instituição: os grupos parlamentares e o Governo.
São evidentemente abusivas as alusões às ausências. Estamos todos a celebrar páginas de Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sc ao Hm de um século um determinado acontecimento resiste ao tempo e continua vivo, se na memória do povo e nas ruas da cidade os nomes dos seus interventores permanecem como referência situável, se a chama de um acto se transformou em culto, então certamente que o sucedido não foi um mero acidente, um breve intervalo, um soluço da história.
O 31 de Janeiro não é produto do acaso histórico. Tem raízes mais longas e fundamentos mais profundos.
De um ponto de vista global, parece mesmo o corolário lógico de um síndroma de desagregação, de enfranquecimento e de divisão.
Em primeiro lugar, pelas consequências da tensão dialéctica entre liberalismo e absolutismo, que quase com o século nasceu e em Portugal teve um desenvolvimento mais tardio.
Depois pelas decorrentes divisões dentro do regime, que, com grande dificuldade, digeriu a evolução e prolongou as lutas internas com mal escondida violência.
Ainda pela natural facilidade e modismo dos pronunciamentos militares.
Finalmente, por tudo aquilo que melhor do que nós mesmos o faríamos, Oliveira Marques explica do seguinte modo: «Os acontecimentos de 1890-1891 estiveram enquadrados numa séria crise económica e financeira, de âmbito internacional.
A crise económica europeia de 1890 repercutiu-se em Portugal como possivelmente nenhuma até então, sendo agravada pelo ambiente de pessimismo e de profunda descrença nos governantes e nos modos de governar que permeabilizava as classes diligentes.
A depreciação da moeda, a falência de alguns bancos, o aumento da dívida pública, a contração nos investimentos, tudo isto acentuado pela gravidade da boataria circulante, a agitação das ruas e a momentânea instabilidade governativa, implicaram um longo ciclo depressivo que persistiu durante quase toda a década de 1890.
Por outro lado, a expansão económica dos decénios anteriores e o afluxo crescente da população às grandes cidades haviam causado o surto de uma classe média de pequenos e médios burgueses que se sentia oprimida pela grande burguesia e aristrocacia dirigentes.
Esta classe média urbana, que constituía novidade pelo número e a concentração atingidos, representou o sedimento de base do republicanismo militante e a grande força de ataque ao rei, às instituições monárquicas e à igreja.»
Neste cenário, o ultimatum inglês terá sido apenas um elemento catalisador da angústia, do descontentamento e da impotência.
Condenados pela opinião pública foram a monarquia e o rei, por, no fundo, personificarem a imagem da incapacidade portuguesa de reagir a uma declaração tida por injusta e afrontosa.
É neste sentido que se busca a justificação imediata da revolução.
A revolução far-se-ia por identificação com princípios que lhe preexistiam, como a dignidade, a independência nacional ou a liberdade, e que o poder constituído se encarregara de esquecer ou violar.
Seria, pois, uma revolução justa enquanto baseada na defesa de valores perenes, cuja garantia a ordem a subverter se não mostrava capaz de assegurar.
E, principalmente, o produto da saturação de muitos e da incapacidade de outros tantos.
É na expressão simples e profunda de João Chagas a revolução que resulta da vontade e do momento de dizer «basta».
O 31 de Janeiro aparece como um acto puro de idealismo, quase sem preparação do movimento revolucionário, quase sem chefes, mas com irrecusáveis inspiração, participação e sequência.
Surgiu certamente antes do tempo necessário para a construção das suas condições de sucesso.
Por isso para os seus participantes não foi a consagração da vitória mas o caminho do exílio ou do degredo.
Ou não fosse este o dilema de todos os revolucionários.
Recordando Castanheira Neves, diríamos: «Se a revolução falha (os seus autores) tornam-se réus de alta traição. Sc a revolução triunfa o novo poder adquire a legitimidade do legislador do novo direito.»
E como ele concluiremos com Hartmann que «se o revolucionário se toma um traidor à Pátria ou um legislador com poder legítimo, se a novidade ascendente cede à força das velhas instituições ou triunfa, sobre isso decide em último termo a direcção para a qual tende realmente a vontade de direito e social do tempo. O que corresponde a esta direcção terá como sua toda a força viva do espírito objectivo, o que se lhe opõe tê-la-á contra si, porque, num caso, existe já a tendência histórica de que nasce a revolução e nisso reside o seu direito».
Foi precisamente esta inelutável tendência histórica que justificou o 31 de Janeiro.
Se o 31 de Janeiro não foi o fim da monarquia, foi certamente a sua morte anunciada.
Se o 31 de Janeiro não foi uma revolução triunfante, foi sem sombra de dúvida um acto fortemente premonitório.
Tão forte e exacto é este sentido que o mesmo João Chagas, que reduziu a escrito o protesto «basta», 19 anos volvidos, em 1909, no segmento Final de um exemplar das suas cartas políticas, dirigiu ao rei o mais solene aviso:
«Despeço-me de V. Majestade como homem e como rei. Como homem é possível que venha a encontrá-lo. Como rei é esta a última vez - estou disso persuadido - que me dirijo a V. Majestade e não é minha a culpa se a história e os homens decidirem que entre V. Majestade e eu, seu súbdito, não haja de futuro mais relações.»
A história e os homens decidiram um ano mais tarde!
Mas na memória dos portugueses, na memória dos homens do Porto, ficam aqueles que de peito aberto às balas, na sua inquietação e na sua entrega ao ideal nobre da liberdade cometeram o pecado de se antecipar à história e tiveram a glória de ver mais cedo o futuro.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a sessão solene comemorativa do centenário da Revolta do 31 de Janeiro.
Eram 16 horas e 43 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Dinah Serrão Alhandra.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José Apolinário Nunes Portada.
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José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Raul d` Assunção Pimenta Rego.
Partido Comunista Português (PCP):
Manuel Anastácio Filipe.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António José Caciro da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Monteiro do Amaral.
Flausino José Pereira da Silva.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Jaime Gomes Mil-Homens
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel José Dias Soares Costa.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Partido Socialista (PS):
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Manuel António dos Santos.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Campos Rodrigues Costa
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Rodrigues Pato.
Partido Renovador Democrático (PRD):
José Carlos Pereira Lilaia.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
A REDACTORA: Cacilda Nordeste.
Depósito legal n. º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL CASA DA MOEDA, E. P.
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