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I Série - Número 42

Sexta-feira, 15 de Fevereiro de 1991

V LEGISLATURA DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPUBLICA

4.º SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE FEVEREIRO DE 1991

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmo. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Joaquim António Rebocho Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
A Câmara guardou um minuto de silêncio em memória do general Firmino Miguel, Chefe do Estado-Maior do Exército, vítima de um acidente de viação.
Em declaração política, o Sr. Deputado António Barreto (PS) falou da construção do Centro Cultural de Belém, criticando, uma vez mais, as políticas educativa e cultural do Governo. Respondeu depois a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Pacheco Pereira e Lemos Damião (PSD), Adriano Morem (CDS) e Helena Roseta (Indep.).
Também em declaração política, o Sr. Deputado João Amaral (PCP), que deplorou o ataque de ontem a Bagdade, fez balanço político do trabalho produzido pela Câmara Municipal de Lisboa desde a sua tomada de posse, no que foi corroborado pelo Sr. Deputado António Guterres (PS).
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD) elogiou o programa de saúde materno-infantil aprovado peto Governo, denunciando, contudo, falta de vontade política para o levar à prática, tendo respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado António Bacelar (PSD).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Joaquim Fernandes Marques (PSD) salientou o crescimento económico do País com os governos de Cavaco Silva. No final, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Herculano Pombo (Indep.).
Foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de deputados do PSD, do PS e do PCP.

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.º 30 a 32 do Diário.
A Câmara reapreciou, na generalidade, o Decreto n.º 293/V -Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira -, tendo merecido aprovação expurgado das normas declaradas inconstitucionais. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP). Barbosa da Costa (PRD). Almeida Santos (PS). Narana Coissoró (CDS), Guilherme Sova (PSD) e José Magalhães (Indep.).

Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.0* 377/V (PRD) - Programas televisivos destinados à educação para a saúde - e 669/V (PS) - Programas de televisão de Interesse público. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Barbosa da Costa (PRD), João Camilo (PCP), Alberto Arons de Carvalho (PS). José Carlos Lilaia (PRD). António Filipe (PCP), José Pacheco Pereira e António Bacelar (PSD) e Narana Coissoró (CDS).
Foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º I74/V - Autoriza o Governo a definir e qualificar como crimes comportamentos que afectem a verdade e a lealdade da competição desportiva-, tendo intervindo, a diverso título, além dos Srs. Ministros da Educação (Roberto Carneiro), da Justiça (Laborinho Lúcio) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Miranda Calha (PS), José Cesário (PSD), António Filipe (PCP) e Carlos Lima (PRD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 50 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Adindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Oliveira Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Alfredo Godinho da Silva.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.

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António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Mana Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Pedro Machado Ávila.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Maria Helena Salema Roseta.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos, baixando à respectiva comissão parlamentar, os seguintes projectos de lei: n.º 666/V - Elevação da vila de Ourem à categoria de cidade-, apresentado pelo Sr. Deputado Fernando dos Reis Condesso e outros, do PSD; n.º 661/V - Elevação de Caldelas à categoria de vila-, apresentado pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes e outros, do PCP; n.º 668/V - Elevação de Amareleja à categoria de vila -, apresentado pelo Sr. Deputado Luís Rodrigues, do PSD, e outros Srs. Deputados do PS e do PCP.
Deram ainda entrada na Mesa, os seguintes diplomas: ratificações n.(tm) 166/V e 168/V, a primeira apresentada pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros, do PCP, e a segunda pela Sr.ª Deputada Elisa Damião e outros, do PS, ambas relativas ao Decreto-Lei n.º 55/91, de 26 de Janeiro, que transforma os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, E. P., em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos; ratificações n.(tm) 167/V e 169/V, a primeira apresentada pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros, do PCP, e a segunda pela Sr.ª Deputada Elisa Damião e outros, do PS, ambas relativas ao Decreto-Lei n.º 56/91, de 26 de Janeiro, que transforma a SETENAVE - Estaleiros Navais de Setúbal, E. P., em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos; projecto de deliberação n.º 124/V, apresentado pelo PCP, propondo a realização, no Plenário da Assembleia da República, de um debate sobre acesso ao ensino superior.
Entretanto, foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os seguintes requerimentos: ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Miranda Calha e Gaspar de Almeida; à Secretaria de Estado do Ensino Superior, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira, Luís Roque e Edite Estrela; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados lida Figueiredo, Manuel Filipe e Elisa Damião; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; à Secretaria de Estado da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Jerónimo de Sousa e Osório Gomes; à Secretaria de Estado

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da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Brito; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Herculano Pombo; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados petos Srs. Deputados Baptista Cardoso, Cerqueira de Oliveira e Filipe Abreu; aos Ministérios das Finanças e da Agricultura, Pescas e Alimentação e à Secretaria de Estado do Turismo, formulados pelo Sr. Deputado Luís Rodrigues; ao Ministério da Defesa, formulado pelo Sr. Deputado Barbosa da Costa; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Osório Gomes.

O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PS entregou na Mesa um projecto de deliberação relacionado com a assinatura recente do acordo entre a Indonésia e a Austrália, tendo em vista a partilha do petróleo existente nas águas territoriais de Timor Leste.

Embora saibamos que um projecto de deliberação tem uma tramitação lenta, admitimos a possibilidade de todos os grupos parlamentares poderem chegar a um consenso sobre o conteúdo do que apresentámos.

Se tal acontecesse, se esse consenso existir - e só nesse caso-, sugeríamos que o projecto de deliberação que entregámos na Mesa fosse votado ainda hoje ou amanhã, para que houvesse uma reacção rápida da Assembleia da República ao problema.

De qualquer forma, como é evidente, isto só seria possível se todos os grupos parlamentares concordassem com o seu conteúdo. Por isso peço à Mesa que por eles faça circular o texto que apresentámos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, segundo consegui saber, o projecto de deliberação subscrito pelo Partido Socialista e que deu entrada no meu gabinete depois das 12 horas e 30 minutos já chegou à Mesa e está a ser distribuído. Vamos, pois, esperar que os grupos parlamentares o leiam para depois tomarmos a decisão adequada.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, acabámos de ouvir a interpelação à Mesa feita pelo Sr. Deputado António Guterres e gostaríamos de assinalar que a Assembleia da República sempre assumiu, por consensualidade, as suas posições relativamente ao problema de Timor Leste.
Neste momento, eu próprio estava a recolher a adesão de todos os grupos parlamentares a um projecto de deliberação da autoria do meu grupo parlamentar e que vai exactamente no mesmo sentido. Aliás, tínhamos já tido oportunidade de anunciar que iríamos pedir hoje a solidariedade de todos os grupos parlamentares para essa matéria.
Assim sendo, eu gostava de propor ao Sr. Deputado António Guterres que fundíssemos os dois projectos de deliberação, a fim de obtermos um texto único que possa manifestar a sensibilidade da Assembleia da República face à exploração das reservas petrolíferas em Timor Leste.

O Sr. Presidente: - Pretendem também interpelar a Mesa os Srs. Deputados Montalvão Machado e Carlos Brito, mas antes de dar a palavra ao primeiro destes Srs. Deputados, quero referir ser este um assunto extremamente importante que a iodos nós preocupa.
E porque o nosso dia parlamentar de hoje é longo, no seu decorrer teremos certamente possibilidade de encontrar uma solução que sirva os interesses de Portugal, de Timor Leste e da Assembleia da República.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

V. Ex.ª antecipou-se ao que eu pretendia dizer e que era propor ao Partido Socialista e ao Partido Renovador Democrático que, em conjunto com os representantes dos outros grupos parlamentares, encontrássemos um texto susceptível de ser aprovado por unanimidade e tendente à defesa dos interesses que V. Ex.1 explicitou.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, fomos informados hoje de manhã da iniciativa do Sr. Deputado Rui Silva, iniciativa que nos pareceu muito adequada.

No entanto, face à situação agora criada, somos de opinião que o melhor será trabalharmos em conjunto no sentido da obtenção de um texto que possa ter o apoio e a participação de todas as bancadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado que o Sr. Deputado António Guterres fez chegar à Mesa a indicação de que está de acordo com a solução proposta, peço a vossa atenção para o seguinte:

No dia 9 do corrente mês de Fevereiro, um cruel acidente de viação arrancou ao nosso convívio o general Mário Firmino Miguel, Chefe do Estado-Maior do Exército.
Todos quantos tivemos o privilégio de conhecê-lo pudemos testemunhar as suas altas qualidades pessoais e profissionais.
À Assembleia da República, em nome de todas as forças políticas nela representadas, cabe o doloroso dever de assinalar a perda desse homem e desse militar, cujo notável comportamento ao longo de uma carreira de dedicação e serviço, em circunstâncias por vezes bem difíceis, revelou sempre um perfeito sentido de aprumo, uma reflexão justa, uma cuidada e ponderada actuação que pode e deve ficar como exemplo na memória de todos.
A Câmara reflecte bem o sentimento dos Portugueses ao lavrar pública e solenemente o seu voto de pesar pela morte do general Firmino Miguel.
À instituição militar, de que o general Firmino Miguel foi membro dos mais ilustres, e à sua família, apresenta a Assembleia da República as mais sinceras condolências, com o preito de respeitosa homenagem pelo militar e pelo homem, guardando um minuto de silêncio.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

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Srs. Deputados, vamos entrar no período das declarações políticas, para o que está inscrito em primeiro lugar o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. Deputado Carlos Brito pretende interpelar a Mesa?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, sem querer, de modo nenhum, criar qualquer dificuldade à intervenção do Sr. Deputado António Barreto, gostava de pedir a V. Ex.º que clarificasse a ordem das inscrições para este período de declarações políticas e as datas em que foram feitas.

É porque, segundo a informação que lemos, a inscrição do Sr. Deputado António Barreto foi feita no decorrer de uma conferencia dos presidentes dos grupos parlamentares. Ora, em conformidade com o que está assente, no dia 5 de Fevereiro, através de um ofício enviado para o Gabinete do Sr. Presidente, fizemos a nossa inscrição para o período das declarações políticas de hoje.
Gostaria, pois, de ser esclarecido sobre se foi nessa conformidade que se fez também a inscrição do Sr. Deputado António Barreto e, se o não foi, de ser informado por que motivo foi dado a este caso outro tratamento.
Levanto a questão, repito, por nos ter sido dito que a inscrição do Sr. Deputado António Barreto não tinha sido feita por ofício mas, sim, oralmente, em conferência dos presidentes dos grupos parlamentares. Gostaríamos, pois, de ver esta questão esclarecida, exactamente para que, de futuro, não volte a haver problemas em relação às inscrições para declarações políticas, como tem acontecido no passado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, efectivamente o que tem sido norma e ficou estabelecido em conferência dos presidentes dos grupos parlamentares foi que, para evitar dificuldades, as declarações políticas seriam enviadas ao meu gabinete sob a forma de oficio e aí registadas, despachando-as eu para a Mesa através dos Serviços de Apoio ao Plenário.
De facto, o Partido Comunista Português enviou um ofício com a indicação da inscrição para declaração política na sessão de hoje, ofício que deu entrada no meu gabinete no dia S de Fevereiro último e que tem o n.º 601. O Partido Renovador Democrático procedeu da mesma maneira em 7 de Fevereiro e teve o seu ofício despachado nesse mesmo dia, tendo-lhe sido atribuído o n.8 647.
Quando há pouco referi o Sr. Deputado António Barreto, fi-lo porque me indicaram ser a sua inscrição a primeira, facto que resultava de, na conferência dos presidentes dos grupos parlamentares do dia 30 de Janeiro, o Partido Socialista ter apresentado o nome do Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Por escrito?

O Sr. Presidente: - Isso já tinha acontecido antes, mas, efectivamente, há algumas conferências atrás, ficou estabelecido que as inscrições para as declarações políticas seriam feitas através do envio de um pequeno ofício para o meu gabinete.

O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, quero apenas informar a Câmara sobre qual a interpretação que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista deu ao que ficou combinado.

Confirmo que, há alguns meses, se assentou que as inscrições para as declarações políticas seriam feitas por oficio. Em reunião posterior da conferência dos presidentes dos grupos parlamentares terá ficado assente, em nosso entendimento, que deveríamos seguir esse método ou indicar, no decorrer da própria conferência, o nome da pessoa que falaria em nome de cada partido.
Aliás, a partir dessa conferência, foi esta última solução aquela que sempre seguimos e nunca nos foi levantada qualquer questão.
Não duvidamos, de modo nenhum, do que aqui foi referido. O que acontece é que, desde essa conferencia dos presidentes dos grupos parlamentares, realizada há algumas semanas, entendemos sempre, de boa fé, que tanto podíamos fazer a inscrição por ofício como por indicação do nome do orador na própria conferência, procedimento que, repilo, tem vindo a ser por nós sempre seguido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não excluo que este problema tivesse sido levantado em conferência dos presidentes dos grupos parlamentares, como foram levantados outros, embora o meu entendimento não seja 100 % coincidente com o do Sr. Deputado António Guterres...
Obviamente, não estou a procurar fazer valer o entendimento A ou o entendimento B, mas posso dizer que na maior parte dos casos a tramitação dos pedidos de inscrição tem sido feita através de ofício.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É o que está combinado!

O Sr. Presidente:-Estamos, porém, perante uma divergência de entendimentos, mas como julgo que há boa fé de todas as partes, nessas circunstância, penso ser correcto dar a palavra ao Sr. Deputado António Barreto, esclarecendo que, qualquer que seja o entendimento-e a Mesa tem de decidir essas questões-, de futuro o que conta para a ordem de inscrições são os ofícios enviados para o meu gabinete.
Para uma declaração política, tem, pois, a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ontem, luzidia comitiva apresentou-se em Belém para dar brilho à mais grandiosa obra do Governo, que, aliás, a deseja obra do regime. Devo dizer, sem reservas, que a obra merece o seu autor. E reciprocamente. Resume, de modo rigoroso, o pensamento e o estilo do poder vigente.
Típica obra de fachada, o Centro Cultural alimentará os orgulhos fáceis. Feito sem controlo parlamentar, ficará situado entre a Torre de Belém e os Jerónimos, as duas jóias mais originais do património português, esmagando-as. Será o patético vizinho de outro absurdo monumento: o salazarengo Padrão dos Descobrimentos.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Construção provinciana, servirá para os governantes tentarem comover estrangeiros, em vez de impressioná-los com escolas decentes. Foi elevado, por aspirantes a «fontistas», com energia, mas sem pensamento, pois que só agora se estudam os eventuais destinos. Foi feito com rapidez, para glória dos seus autores, mas metade do projecto não se realizará tão cedo. Os custos, pelo seu lado, não cessam de crescer, de 6 para 30 ou 40 milhões de contos, talvez mais, no que constitui uma flagrante confissão de imperícia.
Ao mesmo tempo, quando chove, fecham escolas em todo o País; na maior parte delas, não há refeições quentes; e as estantes das bibliotecas escolares encontram-se vazias, mas temos o Centro Cultural!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nas escolas, falta dramaticamente a cultura, não se aprende música nem artes, mas lemos o Centro Cultural!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os museus fecham as portas por falta de pagamento da água, as orquestras estão em greve, não temos um dicionário completo e digno da língua portuguesa, na Biblioteca Nacional não há aquecimento nem fotocópias, na Torre do Tombo muitos manuscritos não estão sequer catalogados, mas temos o Centro Cultural!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Centros históricos estão em ruínas ou entregues à especulação e monumentos caem de podre, mas o Centro Cultural foi a prioridade!...
À Europa pede Portugal dinheiro até para limpar as pedras e reparar os telhados dos mosteiros, essa mesma Europa que o Governo quer embasbacar com este Centro Cultural!

Aplausos do PS.

Mais valia que tentasse impressionar e pasmar essa Europa com progressos do alfabetismo, com sucesso escolar e com política social para estudantes.
O Governo não resistiu ao apelo do que julga ser a cultura das elites e respectivas futilidades. É uma velha chaga deste pobre país, a de preferir a mundanidade à cultura e à educação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - As classes dirigentes portuguesas sempre desprezaram a cultura e a escola para todos. Viveram tranquilas com o analfabetismo. Poderosos, nobres, proprietários, burgueses, industriais, políticos e Igreja, com raras excepções, são os responsáveis pelo lamentável estado de instrução em que nos encontramos.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Neste capítulo, o Governo não cortou com a tradição.
Os últimos anos, com relevo para o actual Governo, têm consolidado a educação sem qualidade, sem melhores professores, sem meios de cultura na escola e com o trabalho esforçado a ser derrotado pelo «facilitismo», eufemismo para a covardia pedagógica, de que o 12.º ano e a PGA (prova geral de acesso ao ensino superior) são demonstrativos exemplos.
O Governo acelerou as tendências negativas que se registam há anos: crescimento sem preparação de professores; promoção expedita de docentes não qualificados; aceitação de métodos que, sob a capa de modernismo, acentuaram a degradação do ensino; passividade perante a manutenção infinita de estudantes nas universidades e admissão das acumulações de empregos universitários.
A estas políticas acrescentam-se as omissões, tão graves como aquelas. Seis anos o Governo adiou a revisão dos esquemas de financiamento do ensino superior e da eventual criação de propinas para quem pode pagá-las.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:-Outros tantos protelou: os mecanismos de repressão das faltas dos professores e dos alunos; de mais rigor na avaliação; de bolsas-empréstimo para estudantes; de alargamento das bolsas de estudo; de construção de residências estudantis; de aumento da carga horária de estudantes e de professores; e de combate determinado a esta praga que são os turnos nas escolas básicas e secundárias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -Com este balanço em mente, incomoda a ligeireza com que o Governo e a maioria avaliam os resultados da chamada reforma educativa. O Governo está satisfeito! Mas não estão os pais, que continuam a ver a escola a funcionar mal e a insegurança a crescer.
O Governo está satisfeito! Diz que fez o que podia, que os outros fariam menos. Mas não consegue provar melhoria na igualdade de oportunidades e muito menos na qualidade do ensino.
O Governo está satisfeito! Mas, com o mau tempo, fecham as escolas. E um director-geral disse mesmo que era normal que as escolas fechassem de vez em quando!
É, aliás, este um dos sinais reveladores da decadência política: a da banalidade da desgraça. Fecham escolas? Não há refeições escolares? Alunos sem pequeno-almoço até às 13 horas? Professores simultâneos em várias universidades? 10 anos para fazer cursos de 4 e 5? Alunos de 18 valores excluídos do ensino superior?

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Quem disto fala, do Governo ouve respostas de perversão moral: «a oposição é miserabilista», sé preciso acreditar no futuro» e «apostar no sucesso»... Conhecem com certeza a cantilena do establishment!...
E isto é tanto mais grave quanto vivemos tempos de incerteza. A guerra no Golfo deixará problemas de imprevisível magnitude. Do império soviético e da Rússia virão incalculáveis perturbações. A recessão económica é uma realidade para os próximos anos, como já é real a instabilidade crescente nas relações internacionais. A decadência industrial do mundo ocidental é já um facto irreversível. De tudo isto têm resultado, bem nítidas, debilidades para a Comunidade Europeia.
O optimismo ou a indiferença reinantes em Portugal são condenáveis e não são, definitivamente não são!, os melhores instrumentos para preparar os anos que seguem!

Aplausos do PS e do deputado independente Herculano Pombo.

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À volta de nós, são visíveis os sintomas de crise na coesão social de muitos países, tal como nos sistemas educativos, muito mais bem preparados do que o nosso.
Este é um quadro inquietante para Portugal. São já conhecidas as primeiras dificuldades depois da adesão à CEE, com relevo para a agricultura e o têxtil. A distribuição, verdadeiramente «natalícia», de fundos estruturais, com a eventual excepção das estradas, não tem tido os efeitos esperados, que eram justamente estruturais. A incapacidade do Governo para elaborar uma estratégia de desenvolvimento económico e social será responsável pelo que 6 um real desperdício das oportunidades que tivemos durante uma década.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:-Estudos imparciais revelaram que Portugal, após cinco anos de pertença à CEE, está mais distante dos nossos parceiros. O Governo contenta-se com a sua performance em termos absolutos: diz que Portugal cresceu e que os Portugueses vivem hoje melhor. Não discuto, mas nego que a perspectiva seja a adequada. Olhemos para os Portugueses na sua desigualdade interna, que é crescente. E olhemos para os Portugueses relativamente aos restantes europeus. É que será assim no futuro: a permanente comparação com os vizinhos ditará em grande parte a sorte dos Portugueses. O que seremos, dentro de 20 anos, a nossa margem de liberdade de escolha, o nosso estatuto num mundo mais aberto, dependerão desta permanente comparação.
Nessa perspectiva, tentemos tirar as lições do que é já uma realidade. Em cinco anos, os salários dos trabalhadores portugueses estão mais longe da média europeia. Em cinco anos, a desigualdade interna agravou-se, quando comparada com os equivalentes indicadores europeus. Em cinco anos, a produtividade média dos trabalhadores portugueses cresceu menos do que em todos os países europeus. Em cinco anos, o poder de compra de um trabalhador português cresceu menos do que em todos os nossos parceiros.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - Estes indicadores traduzem o que parece ser o destino trágico dos Portugueses: trabalho barato, trabalho desqualificado, trabalho infantil, trabalho precário e empregos marginais na emigração. Estes eram os verdadeiros desafios que a política educativa não soube começar a enfrentar.
O Governo viveu estes anos sem horizontes de geração e o Ministério da Educação foi um dos seus principais exemplos.
O Governo privilegiou o vistoso, a pensar no superficial e nas eleições, hesitando entre doutrinas, entre políticas e entre estratégias.
O Governo brilhou, quando era preciso assinar cheques, pondo em prática a velha regra de mestre Álvaro Pais: «Dá o que não é teu...» Mas foi sombrio, quando se tratou de mudar a sociedade e as actividades económicas. Fazer estradas é fácil; reconverter indústrias é difícil. O Governo optou pelas primeiras!
Mudar a investigação e a ciência é difícil; construir edifícios vistosos é fácil. O Governo escolheu os últimos!

Aplausos do PS.

Atrair investimentos para o trabalho barato é fácil; orientar a indústria e a agricultura é difícil. O Governo preferiu os primeiros!
O Governo terá tido alguns sucessos -não o discuto!- mas as suas falhas são de peso. No capítulo da ciência, da tecnologia e da produtividade dos nossos trabalhadores e técnicos, a reconversão foi adiada. Os próximos anos serão dolorosos, porque o esforço será tardio e porque enfrentaremos a concorrência em piores condições.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, e sobretudo, o Governo falhou no progresso da igualdade de oportunidades, factor essencial de coesão social.
Já aconteceu várias vezes na história* quando a Europa enriquece, Portugal enriquece também, mas menos. E quando a Europa está em dificuldades, Portugal lambem, mas mais. E toca mais depressa na pobreza.
Estes últimos anos vieram repetir a triste sina. Portugal progrediu, mas menos do que a Europa e... pior do que a Europa! Agora que começam as dificuldades, e porque não se conseguiu inverter o ciclo, os Portugueses vão viver tempos difíceis.
Ora, tendo perdido os anos fartos, tendo perdido a década de 80, os tempos de recessão serão maus para reformas, sobretudo as da educação. O Governo prometeu de mais, criou demasiadas expectativas. Na educação quis fazer tudo: acabou por fazer de menos. Não concentrou a sua acção. Não teve prioridades. Não fez devagar e bem. Quis fazer depressa e fez mal!
Vão ser duros os anos à nossa frente. Com o nível de educação e formação que temos, que podemos esperar de um mundo mais aberto e de uma Europa sem fronteiras? Ser os eternos «Almeidas», trolhas e criados de café dos europeus? Ficar com os «restos» da Europa, como disse Xavier Pintado, insuspeito de socialismo?
Falemos claro: o sistema educativo português não prepara, ou prepara mal, os Portugueses. A aquisição de instrumentos básicos de compreensão e comunicação é deficiente. A formação técnica e cultural dos profissionais é insuficiente. A preparação científica é medíocre. As comunidades escolares e académicas estão desintegradas. O sistema é socialmente selectivo em excesso. A qualidade do ensino, tanto nas escolas básicas e secundárias como nas universidades, é geralmente medíocre. Dos 6 aos 20 anos, o handicap de qualquer jovem português, comparado com o espanhol ou o alemão, não cessa de aumentar, ano após ano, até simplesmente em horas e dias de trabalho escolar.
Isto era verdade há 10 anos; isto é verdade, hoje! E o pior é que a política deste Governo, durante quase seis anos, não foi capaz de contrariar este estado de coisas.
Srs. Deputados, pela sua actualidade, o acesso à universidade merece menção especial. Após três anos de experiência, a famigerada PGA revelou o que é. É intelectualmente medíocre, pois o receio da impopularidade levou as autoridades educativas a cultivar a facilidade. É injusta, porque utiliza provas «culturais», as mais discriminatórias socialmente.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - É politicamente débil, dado que recompensa o laxismo e serve de substituto para o esforço

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dos professores. É pedagogicamente criticável, tendo já estimulado a criação de uma rede de lições privadas de cultura geral (lições de cultura geral, imagine-se só!...), perpetuando assim o obsoleto sistema de explicações. E moralmente condenável, pois remete para os estudantes, e apenas os estudantes, as culpas pelas deficiências do sistema.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Chegou-se a um ponto tal que até os que a conceberam acabaram por descrer. Só assim pode ser interpretado o facto de as autoridades terem decidido, este ano, permitir que se fizessem duas provas, a fim de escolher a melhor!... Esta decisão revela bem a ânsia da popularidade fácil. Já se pensou no que seria se o mesmo critério fosse utilizado para concursos públicos? Para eleições? Para provas de doutoramento? Para casamentos?...

Risos.

Para actos legislativos?
E não esqueçamos outros aspectos aberrantes do actual regime, como por exemplo o facto de haver quotas, o que cria situações humilhantes, como a do mérito científico depender... do local de nascimento ou da residência dos pais!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Tal e qual!

O Orador: - E que pensar dos estudantes que, só em Outubro ou Novembro, sabem que curso vão frequentar e em que cidade vão viver? Ou dos estudantes excluídos que, no ensino secundário, obtiveram excepcionais médias superiores a 17 e 18? Ou dos que, na PGA, alcançaram invejáveis classificações de 90 % e foram igualmente excluídos? Ou dos que, inversamente, foram admitidos com notas negativas e sofríveis?
É verdade que o actual regime de acesso põe dramaticamente em evidência a falta de lugares disponíveis, a escassez de recursos financeiros para a universidade, a centralização burocrática do sistema e a selecção social operada no ensino secundário. Todavia, estas questões não são as únicas que importam.
Com efeito, o regime de acesso traduz e sublinha outros problemas pelo menos tão graves. Cito, por exemplo, a concepção errada do ensino secundário, que obriga jovens de 15 anos a tomar decisões definitivas sobre a sua vida profissional; ou a triste ideia que preside à organização do 12.º ano, fazendo deste não uma prova fundamental no currículo mas um ano de errática deambulação pelo mundo. Como citarei a covardia política de um Governo, ou de governos, se quiserem, que pagam mal aos professores e não têm autoridade moral para exigir mais e melhor trabalho.
Os méritos do actual regime de acesso...

Protestos do PSD.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Tenha em atenção o tempo de intervenção, Sr. Presidente! São 10 minutos e o Sr. Deputado António Barreto já os ultrapassou em muito!

Entretanto reassumira a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Peco-lhe que conclua a intervenção, Sr. Deputado António Barreto.

O Orador: - Só faltam três linhas, Sr. Presidente. Como dizia, os méritos do actual regime de acesso são bem visíveis: simplificam...

Protestos do PSD.

O Orador: - Só faltam três linhas para terminar, Srs. Deputados.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa solicita que se criem as condições necessárias para que o Sr. Deputado António Barreto possa concluir a sua intervenção.

O Sr. José Silva Marques (PSD): -Quem vem para aqui dar lições deve dar o exemplo! Não estamos aqui sujeitos a qualquer discriminação!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa tem estado atenta e informa que este tempo a mais será descontado no tempo de que o partido dispõe para o período de antes da ordem do dia e para as intervenções políticas.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Mas não é essa a regra, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Esta tem sido a regra: a de descontar o tempo nas intervenções seguintes. Simplesmente, hoje, o Sr. Deputado António Barreto tem estado a exceder largamente o tempo que lhe é concedido.
Assim sendo, Sr. Deputado António Barreto, a Mesa solicita-lhe que termine rapidamente.

O Orador: - Certamente, Sr. Presidente. Lamento se ultrapassei o tempo que me é concedido, mas..., quando falo, não tenho o hábito de olhar para o relógio!...
Para terminar, direi que os méritos do actual regime de acesso são bem visíveis: simplificam a vida dos burocratas; facilitam a vida dos professores; e desculpabilizam o Governo. É merecedor de piedade quem de tão pouco faz uma razão política!

Aplausos do PS, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e Helena Roseta.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Vítor Costa, Pacheco Pereira, Lemos Damião, Adriano Moreira e Helena Roseta.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Vítor Costa, a Mesa quer lembrar que, neste momento, está a decorrer a posse da Comissão Eventual de Inquérito aos Alegados Perdões Fiscais atribuídos pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Por isso, lembro aos Srs. Deputados que vão tomar posse que, para o efeito, se desloquem à sala de visitas do Sr. Presidente da Assembleia da República.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Costa.

O Sr. Vítor Costa (PCP): - Sr. Deputado António Barreto, depois de ter ouvido atentamente a sua intervenção, quero dizer-lhe que, relativamente à acção a às

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medidas tomadas pela actual equipa do Ministério da Educação e de acordo com a análise e o balanço que fizemos, temos bastantes pontos convergentes. Aliás, a actual equipa do Ministério da Educação veio despedir-se de nós, Assembleia da República, porque «mudou de campo» aquando da discussão do Orçamento do Estado.
De facto, o Sr. Ministro da Educação levou agora o seu estilo de cruzada para o campo do desporto, dado que, como Ministro da Educação, fracassou e foi irradiado pelos utentes do sistema e pelos intervenientes mais consequentes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: -E agora «anda a vender a sua cruzada» no campo do desporto, como o fez a semana passada, no Porto, dizendo que a comunidade desportiva está altamente mobilizada para a implementação da Lei de Bases do Sistema Desportivo, tal como o tinha feito relativamente à do Sistema Educativo.
Penso que o Sr. Ministro da Educação se despediu de nós e que no campo do desporto também vai ter o mesmo cartão vermelho, não havendo chicotada psicológica que lhe valha. Aliás, penso que a maioria não irá fazer grandes defesas deste Ministro que, enfim, foi tolerando, mas cujo discurso ideológico-filosófico nunca lhe mereceu grandes aplausos.
Todavia, Sr. Deputado António Barreto, relativamente à sua intervenção, quero colocar-lhe algumas questões mais concretas no campo da educação. Constatei, com muito agrado, que agora, de uma forma mais clara, perfilha, como nós, medidas concretas para a abolição da PGA e foi pena que, o ano passado, não tivesse apresentado uma iniciativa mais fundamentada, tendo somente defendido, conjuntamente com o Sr. Deputado Adriano Moreira, uma mera dispensa de provas para certos alunos, quando o PCP apresentou um projecto que visava resolver o problema de fundo. Todavia, mais vale tarde do que nunca!...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nós é que apresentámos o projecto!

O Orador: - Fiquei com dúvidas sobre se o Sr. Deputado defende, ou não, o regresso às precedências no ensino superior. E, por último, também fiquei com dúvidas sobre qual é a perspectiva que o Sr. Deputado e o PS têm acerca da gestão democrática nas nossas escolas. Esta é uma velha dúvida que tenho desde o politécnico, mas que, agora, face à ausência de iniciativa legislativa do PS nesta área e a algumas concepções defendidas por alguns deputados do PS sobre a participação dos professores, pais, alunos e comunidade envolvente na gestão, gostaria de ver esclarecida.
Finalmente, Sr. Deputado, não seria possível esclarecer-nos esta contradição que é a de o PS numa semana, através de um dos seus mais altos responsáveis, exigir a demissão do Ministro Roberto Carneiro - o único ministro de que pediram a demissão - e, na semana seguinte, o secretário-geral do PS vir dizer que, afinal, este é o ministro mais competente deste Governo?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero informá-los do seguinte: quando o Sr. Deputado António Barreto começou a ultrapassar o tempo habitual atribuído a uma declaração política, indaguei e a informação que obtive foi a de que o tempo excedente seria descontado no próximo tempo do PS. Mandei agora inquirir e fui informado - porque a Mesa não dispunha aqui desses elementos - de que o PS já não tem tempo, mesmo considerando o próximo, porque esse já tinha sido ultrapassado. Portanto, quero informá-los de que foi por não ter na Mesa esses elementos que permiti que o Sr. Deputado António Barreto continuasse a sua intervenção para além do tempo habitual. Assim sendo, tenho de informar o Sr. Deputado António Barreto de que já não dispõe de tempo para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe forem formulados.
Sr. Deputado José Silva Marques, V. Ex.ª pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, creio, sem qualquer reticência, na boa fé e na lisura de V. Ex.a, mas tenho de dizer-lhe, com toda a frontalidade, que, seja o que for aquilo que os líderes tenham combinado na sua conferência, a intervenção do Sr. Deputado António Barreto violou frontalmente as regras de intervenção que estão estabelecidas aqui para todos nós. E é inaceitável que se abram excepções, seja para quem for, sobretudo quando se trata de alguém que nos dá, todos os dias, lições de ética e de comportamento político.

Aplausos do PSD.

Finalmente, Sr. Presidente, desejava saber em que tempo acabou de intervir o Sr. Deputado do PCP. É que, Sr. Presidente, de uma vez por todas, é necessário que haja regras claras para todos nós, porque o princípio da igualdade é uma coisa muito bonita, sobretudo aqui mesmo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não criou nem abriu qualquer excepção. A regra que tem sido aplicada é, de facto, a do desconto do tempo nos tempos futuros. Simplesmente, o que se passou foi que a Mesa não tinha a informação acerca do cômputo desses tempos - qual era o tempo que ainda restava ao PS - e só agora é que a colheu.
Em relação à pergunta que colocou no sentido de saber em que tempo foi feito o desconto da intervenção do Sr. Deputado do PCP, ele foi descontado nos 10 minutos de que o PCP dispunha para hoje.

Vozes do PSD: - Mas em que painel foi descontado?

O Sr. Presidente: - No painel dos tempos.

Vozes do PSD: - Não está ligado!

O Sr. Presidente: - Ah, têm razão. Não está, não!

Risos do PSD.

Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

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O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para interpelar a Mesa, com a serenidade que as circunstâncias não merecem...

O Sr. José Silva Marques (PSD): Mais uma lição de moral!...

O Orador: - ... na medida em que o Grupo Parlamentar do PS não vai colaborar numa estratégia que, à falta da razão política, tende a conduzir esta sessão parlamentar para formas menos próprias.

Aplausos do PS e protestos do PSD.

De qualquer modo, gostaria de informar a Mesa de que os tempos atribuídos no período de antes da ordem do dia estão distribuídos por duas partes: uma que integra as declarações políticas, com 10 minutos por cada grupo parlamentar, e outra que é atribuída por quinzena a cada grupo parlamentar.
Portanto, uma vez que na primeira sessão que aqui tivemos e em que houve período de antes da ordem do dia se realizaram declarações políticas, acontece que, em todas as declarações políticas que se tom realizado, o tempo, quer o resultante dos eventuais excedentes da própria declaração quer o das respostas às perguntas que são feitas, 6 contado no tempo dos períodos de antes da ordem do dia da quinzena, que se inicia sempre no dia em que se verificam as declarações políticas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Exactamente!

O Orador: - O que quer dizer que, no entendimento do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o PS dispõe de tempo de período de antes da ordem do dia para esta quinzena e, portanto, para o meu colega António Barreio responder, pelo que tudo quanto se passou até agora decorreu dentro da normalidade, de acordo com precedentes habituais, não havendo nenhuma razão para se levantarem as questões que têm sido levantadas, que só posso interpretar como uma tentativa de desvirtuar um debate político com a qualidade que foi imprimida pela declaração do meu colega António Barreto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Guterres, a informação que chega à Mesa é a de que esta quinzena, a que acaba hoje...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Que acaba não, que começa!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Isso!... Ainda não acabaram uma e já começam outra!...

Risos do PSD.

Pausa.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de informar a Mesa de que o Grupo Parlamentar do PCP dispõe de tempo quinzenal de intervenção. Portanto, o pedido de esclarecimento que foi feito pelo meu camarada Vítor Costa deve ser descontado nesse tempo quinzenal de intervenção de que o PCP ainda dispõe.

Vozes do PSD: - Deveria!

O Orador: - Em qualquer circunstância, consideraríamos um tratamento sempre discriminatório a eventualidade de, tendo feito o meu camarada Vítor Costa um pedido de esclarecimento no convencimento de que dispomos de tempo - e dispomos! - e dele não dispuséssemos, que o Sr. Presidente descontasse o tempo de que dispomos para fazer a declaração política e para a qual temos uma inscrição na Mesa.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Exacto! Aí tem razão...

O Orador: - Na verdade, isso seria discriminatório, uma vez que ficaríamos numa situação completamente desigual em relação ao PS.
No entanto, não se trata disso. O PCP dispõe de tempo quinzenal de intervenção, sendo nesse tempo que o Sr. Presidente há-de fazer o favor de descontar o pedido de esclarecimento feito pelo meu camarada Vítor Costa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa pediria aos líderes dos grupos parlamentares que esclarecessem a Mesa sobre se as quinzenas acabam no dia 15 ou no dia 14.

Risos do PSD.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Aí está uma boa questão, Sr. Presidente!

O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, como é sabido, os nossos trabalhos iniciaram-se no dia 15 do mês de Janeiro. As primeiras duas semanas terminaram no dia 29, que abriu um novo período. Portanto, nas nossas contas, estamos a iniciar uma nova quinzena.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, que não haja a menor dúvida de que não temos qualquer receio da intervenção política da bancada socialista ou de qualquer outra. Contudo, fere-nos que não sejam seguidas regras iguais para todos.
De qualquer modo, não somos nós que queremos criar qualquer impedimento ao desenvolvimento da intervenção política dos socialistas. E havendo uma contradição entre as contas da Mesa, que na nossa opinião deveriam merecer o benefício da dúvida por parte de todos nós, não temos qualquer objecção em que prevaleçam as contas dos socialistas.

Risos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se há consenso para a marcação do início e do fim das quinzenas, e se prevalece a interpretação do Sr. Deputado António Guterres, isso quer dizer que o Sr. Deputado António Barreto terá tempo para responder, visto que será descontado no tempo do respectivo partido.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Pacheco Pereira.

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Espero que o Sr. Presidente tenha sobre o meu pedido de esclarecimento a mesma benevolência que teve sobre o tempo da declaração política do Sr. Deputado António Barreto.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - A declaração política do Sr. Deputado António Barreto foi o melhor exemplo do mérito de se fazerem duas provas e não apenas uma para a PGA. Com efeito, o Sr. Deputado teve, há uns dias, oportunidade de fazer uma prova, ou seja, a entrevista que fez sobre a política do PS e teve hoje a oportunidade de fazer outra prova, que é uma resposta indirecta à declaração do secretário-geral do PS e que, como é evidente, desqualifica tudo aquilo que ele tem vindo a fazer nos últimos anos: atacar a política do actual responsável pelo Ministério da Educação.

Aplausos do PSD.

É que o Sr. Deputado afirmou que dos ministros deste Governo, aquele que mais apreciava era o Dr. Roberto Carneiro. Trata-se de uma afirmação taxativa, sem «mas», sem nuances, e, portanto, compreendo que tivesse de haver duas provas, embora, infelizmente para o Sr. Deputado António Barreto, ache que a primeira foi melhor do que a segunda.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No que diz respeito ao conteúdo da sua declaração, quero chamar-lhe a atenção para a seguinte questão: o Sr. Deputado António Barreto, que tem formação científica, sabe que não é por se afirmarem as coisas que elas necessariamente são. Assim, gostaria de lhe chamar a atenção para que grande parte das afirmações que fez sobre a reconversão industrial, a situação económica e os indicadores de Portugal não são confirmadas em factos. Não me importo de discutir processos de intenção ou opiniões. No entanto, não passam de opiniões.
Na realidade, o último relatório da OCDE sobre a economia portuguesa, publicado há menos de uma semana, tem uma visão completamente contrária daquela que o Sr. Deputado teve, aliás baseada em dados e estudos. Portanto, lamento dizer-lhe que face a dados, a documentação e a uma apreciação fundamentada, as opiniões como aquela que expendeu pouco valor têm.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao modelo de desenvolvimento, o PS está perante um problema que não sabe como há-de defrontar. Com efeito, tem de admitir que houve desenvolvimento económico, tendo encontrado uma fórmula de dizer que houve crescimento, mas não houve desenvolvimento; os indicadores mostram que houve desenvolvimento económico, mas que não houve reconversão estrutural da economia portuguesa.
Para além da contradição implícita nesse raciocínio, o PS não faz uma análise rigorosa do que aconteceu.
Na verdade, quando o PSD assumiu responsabilidades governativas em 1985, Portugal vinha de um longo período de crise económica e de governos de austeridade; encontrava-se no limite daquilo que podia ser socialmente suportável. Se o Governo seguisse o modelo espanhol, como está implícito em muitas críticas que o PS faz, ou seja, se procedesse a um programa de reconversão industrial acelerado, com elevados custos de desemprego, numa altura em que o grau de conflitualidade social da economia portuguesa era grande, as condições sociais para qualquer processo de desenvolvimento estariam, à partida, postas em causa. Assim, o Governo tomou outra opção, permanecendo em aberto saber até que ponto essa opção inclui um elemento de risco que se venha ou não a verificar.
Por conseguinte, o que contesto nas palavras do Sr. Deputado António Barreto é que se possam já tirar conclusões definitivas em relação àquilo que foi um modelo estratégico de desenvolvimento e que se pode resumir nestes termos: criar condições para diminuir os factores de desigualdade que separavam a economia portuguesa das economias europeias, fazendo investimentos em obras de infra-estruturas e diminuindo os custos de periferia de tal maneira que, quando os processos de reconversão industrial e agrícola - que estão em curso e a ter sucesso, tal como os próprios relatórios da OCDE admitem - fizerem pagar o seu custo em termos sociais - e temos consciência de que, em termos sociais, algum custo terá de ser pago pelo processo de integração europeia-, a economia portuguesa e o seu desenvolvimento estarão em condições de fazer com que os trabalhadores portugueses não tenham de sofrer os custos que teriam de pagar pelo processo de reconversão económica, se este fosse iniciado numa altura em que a economia portuguesa se encontrava numa situação extremamente difícil.
Esta é uma opção de fundo e que nada permite dizer que não está a ter sucesso. Trata-se de uma opção realista, que não esconde as dificuldades, mas que permitiu que, quando houver -vai haver e todos temos consciência disso - alguns custos sociais do processo de desenvolvimento, os trabalhadores, a indústria e a agricultura portugueses estejam em condições muito diferentes do que aquelas em que estariam em 1985, quando todo este processo arrancou.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Dam ião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, é V. Ex.a um ilustre académico e um homem que, como parlamentar, aprecio sobremaneira, tendo manifestado esse sentimento por várias vezes.
No entanto, acontece que V. Ex.a revelou hoje aqui uma faceta nova, apresentando-se aqui no papel, que é também de um professor, como um verdadeiro actor, pois, conforme o local que ocupa na bancada, assim pauta o seu comportamento. Na verdade, quando está aí nessa bancada, V. Ex.a é um homem de ocasião, enquanto que, quando sobe para ali, é um homem de convicção.

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Pensava eu que era assim, porque, aquando do discurso do Sr. Ministro da Educação na apresentação do Programa deste Governo, V. Ex.a, aí, dessa bancada, disse a certa altura: «V. Ex.a, Sr. Ministro da Educação, é um oásis nas ideias que faltam a este Governo!»

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - E o que é certo é que esse oásis se transformou em terra fértil. Hoje, graças a esse oásis, que V. Ex.a afirmava ser caso raro no Governo, todo o Governo se transformou numa realidade palpável e visível que os Portugueses certamente muito apreciam. Por isso mesmo, no que diz respeito ao Ministério da Educação, chegamos a esta conclusão: o índice ponderai das crianças portuguesas aumentou graças à acção social escolar; o insucesso diminuiu substancialmente; o acesso à universidade é maior. Quanto à PGA, que, até aqui, V. Ex.a contestava por ser subjectiva, é hoje contestada por V. Ex.a porque é objectiva e mata a criatividade.
Por outro lado, é uma verdade que a escola se está a transformar; o nivelamento cultural dos professores dá passos significativos; a formação profissional é visível; o ritmo de construção dos edifícios escolares é inquestionável. Em suma, parece-me que, perante tudo isto, V. Ex.º tem de reconhecer que, de facto, não se está a portar como um homem de convicções mas, sim, de ocasiões.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, pegando nas suas palavras, permita-me que lhe diga que V. Ex.a, Sr. Deputado António Barreto, é, de facto, um oásis, porque o deserto é o PS!

Aplausos do PSD.

É que, de facto, o PS apresenta hoje uma dualidade de critérios de tal maneira confusa que não sabe para que lado há-de caminhar. É capaz V. Ex.a de me dizer se o seu discurso é dirigido para o secretário-geral ou para a bancada do PS?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, é V. Ex.a capaz de me dizer que a manifestação de apreço que a bancada do PS hoje demonstrou pela sua intervenção significa que está consigo e não com o secretário-geral do PS?

Vozes do PSD: - Responda a essa!

O Orador: - São estas as questões que gostaria de colocar-lhe.

Gostaria ainda de dizer-lhe, Sr. Deputado, que vou continuar a manter o apreço académico que tinha por si, pois V. Ex.a continuará, para mim e para os sociais-democratas, a ser um referencial de contestação no seio do deserto que é o PS.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado António Barreto, em primeiro lugar, como mantenho no meu espírito uma certa hierarquia dos problemas, penso que o tema da comunicação é bastante mais importante que o debate sobre o Regimento da Assembleia da República, pelo que não vou fazer qualquer pergunta sobre o Regimento da Assembleia da República.

Vozes do PS: Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, reafirmo a opinião que tenho de que o Sr. Ministro Roberto Carneiro fez o discurso da educação mais rico deste regime e julgo que esse facto me põe à vontade para não estar de acordo em omitir que existem deficiências sérias no sistema educativo. Também sei que ele próprio é capaz de as assumir.
Na intervenção do Sr. Deputado, houve três pontos que me chamaram a atenção: um, que foi acidental mas que não pode ser omitido, é relativo ao Centro Cultural de Belém; outro é relativo à PGA; e o outro, finalmente, é relativo a alguns defeitos graves que estão a crescer no sistema educativo.
Devo dizer que, em relação ao projecto do Centro Cultural de Belém, tenho um certo desgosto porque, em primeiro lugar, parece-me um enorme atrevimento. Há naquela zona um monumento que representa cinco séculos de história e estão a colocar-lhe em frente um monumento que promete comemorar seis meses de tecnocracia!

Risos do PS.

O que me parece um pouco desproporcionado em relação à perspectiva dos nossos valores históricos. E também reparei que já nos anunciaram que isto diz respeito a uma época em que estão a aproximar-se de novo as caravelas da índia - não pude deixar de lembrar-me que primeiro as caravelas foram à índia, depois fizeram a torre, e agora fizeram a torre e estamos à espera das caravelas da índia.

Risos do PS.

Mas isso talvez possa ser deixado aos problemas da cenografia indispensável a qualquer intervenção política, porque as coisas começam a ser mais sérias quando se trata da PGA.
A PGA, em relação à qual manifestei o mais completo desacordo - e que mantenho nesta Câmara-, começou por ser uma prova destinada a verificar o comando da língua. Depois deslizou para a averiguação da cultura e, finalmente, ancorou na completa inutilidade. E porquê? Porque quanto mais fácil é, quanto mais satisfaz os candidatos, quanto menos reclamações têm, mais está provado que é inútil e que não desempenha uma função aceitável no processo de admissão à universidade.
Não queremos provas fáceis, mas queremos provas idóneas. É disto que se trata.
Finalmente, em relação a problemas que abordou do nosso sistema educativo, pretendia fazer algumas perguntas simples, que não me pareceu que tivesse tido a ocasião de abordar ou de considerar, mas que são aquelas que estão ao alcance do homem comum, da família comum, do estudante comum que precisa de ter acesso à universidade.
A primeira observação que me ocorre é a seguinte: o crescimento da procura da universidade tem sido exponencial. O Sr. Ministro costuma sublinhar isso e com razão porque é importante para o País. Pergunto se tem qualquer relação esse crescimento exponencial da demanda que abrange o ensino público e privado e o crescimento do pessoal habilitado a exercer a função docente. Há qualquer

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relação entre uma coisa e outra? Há alguma dessas instituições privadas que tenha um corpo docente privativo, e que esteja em condições de o reproduzir, e tenha produzido o seu primeiro titular com responsabilidade científica possível?

É admissível que os mesmos professores sejam, ao mesmo tempo, responsáveis pela direcção de um departamento do Estado e de outro, ou mais do que um, em universidades privadas?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:-É possível que professores responsáveis por organismos de gestão ou de direcção científica não tenham o regime equivalente ao de dedicação exclusiva?! Ou isso n3o prejudica, gravemente, a natureza institucional das escolas como, suponho, todos, mais ou menos, têm notícia?!
Por outro lado, gostava de perguntar ao ilustre representante do Partido Socialista em razão de ser a única alternativa de governo possível: em vista dos processos eleitorais, o sociólogo que o Sr. Deputado é considera possível que algum governo assuma a resolução deste problema em vésperas de eleições?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero informar a Mesa de que intervenho em tempo concedido pelo PRD.
E faço-o porque pretendo não tanto pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado António Barreto mas dar-lhe uma opinião acerca da intervenção que acaba de produzir.
Sr. Deputado António Barreio, recolhi das suas palavras que considera que esta reforma educativa está a ser mal conduzida e que também põe em causa o grande argumento sempre apresentado pelo Governo para as suas deficiências: o de que o grande problema é a falta de verba e, portanto, não se pode fazer melhor.
O Sr. Deputado António Barreto, no princípio da sua intervenção, começou por caricaturar a circunstancia de, num momento de falta de verbas, ou de indisponibilidade de mais verbas, estarem a ser gastos muitos milhões de contos no Centro Cultural de Belém.
Quero perguntar ao Sr. Deputado António Barreto se pensa que o desenvolvimento do País, para além da reforma educativa, também carece de melhoria das condições da qualidade de vida da generalidade dos cidadãos portugueses. Sabe o Sr. Deputado António Barreto que os programas operacionais que vão consumir as verbas comunitárias para o desenvolvimento do nosso país, integrados no PDR, representam um total de 200 milhões de contos para quatro anos? Sabe o Sr. Deputado António Barreto que desses 200 milhões de contos apenas 112 milhões é que vão ser dados pela CEE ao nosso país e que a restante verba será concedida pelo Governo e pelas câmaras municipais? Pensa o Sr. Deputado António Barreto que é normal que, para receber a presidência portuguesa das Comunidades, se gastem 40 milhões de contos quando recebemos da CEE 112 milhões de contos para o País inteiro durante quatro anos?!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tomarei o tempo que gostaria até porque o presidente do meu grupo parlamentar também tem reivindicação para o resto da sua quinzena.
Mas antes de responder aos Srs. Deputados que me fizeram perguntas ou endereçaram comentários, quero, em duas palavras brevíssimas, dizer que, se é verdade o que ouvi da parte do Sr. Deputado José Silva Marques, que alguém que tinha violado as regras de funcionamento da Assembleia era alguém que vinha, sistematicamente, dar lições de ética -era mais ou menos isto-, se violei algumas regras foi sem querer, foi de boa fé. até porque não olho para o relógio quando falo. Inclusivamente, devo mesmo dizer que o Sr. Deputado José Silva Marques é das pessoas para quem mais olho quando estou a falar da tribuna.

Risos gerais.

Em segundo lugar, recuso, totalmente, a segunda parte da sua afirmação. Nunca invoquei a ética neste Parlamento, nem na política. Considero-me mesmo um militante da não confusão de géneros e considero detestável que, quando se tentam explicar ou interpretar comportamentos políticos, se façam sistematicamente referencias a moral e à ética. E na tradição de alguns pensamentos defenderei sempre a separação dos géneros e a não confusão. Portanto, Sr. Deputado, nunca dei e nunca darei lições de ética em sedes políticas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado. relativamente a outros Srs. Deputados, também gostaria que se dispensassem de fazer observações porque, em vez de serem discutidos os temas que estamos a discutir, há sempre uma tendência terrível para fazer uma terceira ou uma segunda leitura e falar então das razões secretas, das razões internas, das razões dentro do partido, fora do partido que. a maior parte das vezes, demonstram uma vontade de não discutir a matéria.
Sr. Deputado Vítor Costa -e já agora outros porque este assunto foi tocado por todos-. reconheço ao meu camarada Dr. Jorge Sampaio o direito absoluto de exprimir as suas opiniões pessoais sobre qualquer assunto. Aliás, um dos meus temas preferidos no Partido Socialista é o de defender o meu direito pessoal à expressão. Mal feito fora, então, que não reconhecesse ao Dr. Jorge Sampaio, exactamente, o mesmo direito de exprimir as suas posições pessoais. Foi exactamente o que fez. Não percebo bem se o fez com tom político ou pessoal, mas quando se prefere uma pessoa é sempre difícil determinar a linha divisória.
Há, todavia, um aspecto sobre o qual queria tranquilizar os Srs. Deputados e o Sr. Deputado Vítor Costa, em particular de política educativa, sei mais do que ele. Condeno a política educativa do Sr. Ministro Roberto Carneiro ao fim destes anos e, se ele a não condena, errou. É tão simples como isto!
Sr. Deputado Vítor Costa, estivemos sempre contra a PGA. O Sr. Deputado está a medir a convicção do meu partido e dos socialistas relativamente à PGA com uma bitola muito estranha, que é a seguinte: se nós aderimos aos projectos do PCP, estamos contra a PGA; se não aderimos aos projectos do PCP, estamos a favor da PGA. Esta bitola não serve para medir o caso! Sempre estivemos contra e a iniciativa comum do Sr. Deputado Adriano

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Moreira e minha destinava-se a tentar resolver, quase metaforicamente, um problema que se sentia na altura e, sobretudo, a chamar a atenção da classe política e do País inteiro para o absurdo de existirem centenas de jovens com média de 18 valores «expulsos» da universidade. E devo dizer que o objectivo foi totalmente alcançado porque conseguimos fazer aqui o debate necessário para que se perceba que algo de extraordinariamente absurdo se estava a passar.
Na altura, o Governo reagiu e, embora não quisesse alterar nada à sua concepção inicial da PGA, acabou por alterá-la já por três ou quatro vezes, o que, segundo uma certa óptica, mostra a falta de convicção e, segundo a óptica do Governo, mostra abertura..., um espírito empírico para ir corrigindo. Vamos deixar a indecisão entre os dois pontos de vista!...
Sobre a gestão democrática, vou tranquilizá-lo porque o projecto do PS vai ser apresentado mais dia menos dia. Os meus camaradas de bancada estão a ultimar o nosso próprio projecto e o Sr. Deputado terá, então, ocasião de saber o que pensamos.
Sr. Deputado José Pacheco Pereira, não escolho, graças a Deus!, entre as minhas duas provas; são provas sucessivas e tenho pena de não ter podido ter 20 valores nas duas - aliás, nem sei sequer se tive Bom -, embora tenha tentado fazer as duas provas, que, para mim, são consecutivas. Fi-las com a mesma convicção e o mesmo destino, que é a vontade de participar no debate político nacional em todo o momento, em qualquer circunstância, esteja eu onde estiver, dentro de um partido, de uma assembleia ou na praça pública.
Sr. Deputado, não sei se o senhor em particular, mas a história destes últimos cinco anos de alguns seus colegas de Governo daria um excelente motivo para um skeich televisivo, daqueles humorísticos dos Monty Payton ou até do Herman José.
De facto, há qualquer coisa de fantástico entre o PSD e as revistas estrangeiras. Isto é, pode sair uma revista do Departamento de Econometria da Universidade de Utah que tenha uma nota de pé-de-página dizendo que a inflação em Portuga] só cresceu 3 % e no dia seguinte os jornais estão recheados das referências constantes das revistas estrangeiras...

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Isso não é o caso!

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Não distorça as coisas!

O Orador: - Saem artigos da mesma universidade ou de outra qualquer ou de um departamento da OCDE ou da CEE que levantam algumas reticências sobre a política económica e financeira do Governo e imediatamente surgem comentários como por exemplo os seguintes: num, o Ministro das Finanças diz que a OCDE se enganou; noutro, o Ministro das Finanças diz que a CEE está errada; noutro, o Ministro das Finanças diz que o Banco Mundial é pessimista...

Risos do PS.

... e, imediatamente, há um cuilibet de autoridade académica dizendo que quem diz mal da política económica e financeira está errado.

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Só se utilizar o seu tempo, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado António Barreto, mas tem de ser no seu tempo e não no do PSD.

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, no final cederemos esse mesmo tempo ao Sr. Deputado António Barreto, no espirito de boas relações e confraternidade entre deputados.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Tem, pois, a palavra.

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, a questão é esta, e a favor do esclarecimento público: o Sr. Deputado sabe tão bem como eu que não se trata nem da poeira das declarações diárias nem das notas dos artigos da Universidade de Utah; trata-se do corpus, do conjunto dos grandes relatórios internacionais, e isso tem um peso próprio.
Não sou muito atreito a argumentos de autoridade, mas há que reconhecer que, nesta matéria, nem eu nem o Sr. Deputado temos competência específica e, utilizando o mesmo tipo de terminologia usada por si para caracterizar o saber do Sr. Dr. Jorge Sampaio quanto à educação - e eu não pretendo qualquer competência específica em matéria de economia-, a verdade é que quer a força dos factos, quer o conjunto, o corpus das documentações internacionais, quer o conjunto das opiniões abalizadas, inclusive de relevantes membros do PS, vão no sentido de considerar globalmente positivo o que aconteceu em Portugal nos últimos anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): -Face a isso as suas frases, Sr. Deputado António Barreto, são pobres de valor provatório, e a isso não há volta a dar, nem com notas da Universidade de Utah!...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado José Pacheco Pereira, em primeiro lugar, muito obrigado pelo tempo que vai ceder-me daqui a pouco.
O Sr. Deputado está a inverter o seu estilo, porque, normalmente, quando a oposição, em qualquer altura, faz uma crítica global ao Governo, o Sr. Deputado diz: «Sejamos concretos, vamos aos pontos concretos.» Ora, eu não falei no desenvolvimento e no crescimento económico em geral, nem sequer dos grandes indicadores, como por exemplo o desemprego...

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Mas tirou conclusões genéricas!

O Orador: - Falei, sim, da produtividade do trabalhador, do poder de compra do trabalhador médio relativamente à média europeia e de alguns indicadores como sejam: a reconversão industrial, a reconversão da mão-de-obra, a produtividade do trabalho nas empresas, a manutenção das estruturas produtivas actuais, que se mantêm muito para além do desejável.

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Foi sobre estes pontos que falei, e se o Sr. Deputado José Pacheco Pereira quiser, vou ao meu gabinete buscar os trabalhos da CEE e da OCDE sobre os quais me baseei - e que, aliás, foram publicados em todos os jornais portugueses nos últimos dois meses - e garanto-lhe que a prova será feita quanto à produtividade, ao pagamento de vencimentos médios por hora do trabalhador português e de todos os outros da Europa e ao poder de compra dos trabalhadores portugueses.
Não falei do PNB, de inflação, de crescimento global, isto é, n3o falei de qualquer destas entidades abstractas para as quais o Sr. Deputado me estava a tentar remeter para contrariar aquilo que eu disse.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao ano de 1985, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que os números do último semestre desse ano indicam uma inversão total dos dados que, em 1983/84, levaram Portugal à situação difícil em que se encontrava.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Pacheco Pereira (PS): - E o que é que o governo do PS fez?!

O Orador: - Ora, o que critico ao Governo -e o Sr. Deputado, no dever do seu ofício, tem de conceder o benefício da dúvida não se sabe até quando..., até às eleições ou para lá disso - é a falta de audácia do Governo de correr os riscos, os prejuízos e as dificuldades que implicariam uma estratégia de reconversão industrial.
E vou dizer-lhe mais: foi nas páginas do Prof. Aníbal Cavaco Silva, publicadas na revista Economia, que encontrei a explicação. Diz lá, quase ipsis verbis, que as estratégias económicas que os dirigentes políticos aprovam são, geralmente, aquelas que os ajudam a manter-se no poder e não aquelas que mais servem o País e as necessidades da economia.

Aplausos do PS.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Quando é que isso foi escrito?

O Orador: - Foi antes de ser ministro! Depois, com certeza, «cala-te, boca»!...

Risos do PS.

Sr. Deputado Lemos Damião, parece que cometi o pecado original. Aplaudi aqui o Ministro Roberto Carneiro e tenho muita honra em tê-lo feito, porque, na altura, ele inovou, desassombrou, mostrou competência, desassombro e coragem no diagnóstico político que fez. Felicitei-o na altura, e não tenho vergonha disso.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Então o Dr. Jorge Sampaio tem razão!...

O Orador: - Porém, hoje, depois de três anos e meio de política educativa, o Ministro Roberto Carneiro falhou: por vezes por razões próprias, por vezes por razões do conjunto do Governo, por vezes pelo facto de um «ministro não fazer a Primavera», por vezes porque ele próprio cedeu - lembro-me, por exemplo, do Orçamento, que ele não veio aqui discutir, e de, há cerca de dois meses, ter dito que se ia embora depois das próximas eleições, o que é, pelo menos, um facto insólito.
Sr. Presidente, como não quero violar, mais uma vez, as regras, deixo por fazer os comentários que gostaria de tecer aos pedidos de esclarecimento do Prof. Adriano Moreira, mas, infelizmente, o tempo não chega. No entanto, posso dizer que, globalmente, estou de acordo com o que disse sobre as universidades, pois é anormal o regime actual de professores, de precedências, de prescrições, da dupla responsabilidade... Há reitores, vice-reitores de duas universidades, o que é inaceitável, bem como a passividade do Governo perante estes casos.
Aplausos do PS e dos deputados independentes Herculano Pombo e Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção é sobre Lisboa, mas, entretanto, não posso deixar de fazer uma referência prévia ao que se passou ontem em Bagdade com o morticínio de centenas de civis vítimas de dois mísseis lançados pelas forças dos Estados Unidos.
Não é possível deixar de ficar profundamente chocado! Este é o resultado quase que esperado, quase que inevitável, da escalada da guerra.
Há escassos dias, aqui, desta tribuna, denunciámos essa situação. A ocorrência deste terrível acontecimento reforça o que então referimos: é preciso que esta guerra pare, é preciso e urgente que seja posto termo a esta tragédia que ameaça marcar de vergonha, de morte e de ódio este final de século.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decorreu um ano desde a tomada de posse da Câmara Municipal de Lisboa, da Assembleia Municipal de Lisboa e das assembleias e juntas de freguesia saídas das eleições autárquicas de Dezembro de 1989, que deram a vitória à coligação Por Lisboa, onde participam, de forma determinante, comunistas e socialistas. É, pois, altura oportuna de fazer um balanço político do trabalho produzido e da situação existente.
Tal balanço tem relevante importância! É que falar de Lisboa é falar, desde logo, de cerca de 10 % da população portuguesa a que se acrescentam as centenas de milhar que, diariamente, acorrem à cidade porque é aqui que têm o seu posto de trabalho.
O balanço deste primeiro ano é, pois, francamente positivo!
A coligação criou enormes expectativas e com razão! A cidade, entregue 10 anos à gestão e responsabilidade da direita, com presença determinante do PSD, chegou a uma situação de pré-ruptura, quase de caos.
A especulação imobiliária encontrava, na permissividade da Câmara, o espaço de manobra de que precisava. E cito alguns exemplos: a Câmara Abecasis/PSD em nenhum dos grandes projectos imobiliários em que se envolveu impôs a realização de estudos de acessibilidade, que dessem resposta aos altos impactes que esses projectos têm sobre a rede viária. Logo, a volumetria excessiva, sem resolução dos problemas envolventes, conduz inexoravelmente ao agravamento da situação do trânsito. Foi o que sucedeu!

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Em 10 anos, enquanto o parque automóvel triplicava, a equipa Abecasis/PSD deixava agravar os problemas. Aliás, até os agravava pela sua própria acção, como sublinhou, há dias, o presidente da Câmara de Lisboa, pois nos quatro anos do mandato anterior foi dispensada a construção de 7300 lugares de estacionamento - que as normas em vigor exigiam - em troca de 800 000 contos de compensação, quando hoje é preciso gastar 12 vezes mais, cerca de 10 milhões de contos, para repor esses mesmos 7300 lugares, que têm de ser feitos.
Quem quiser ter uma ideia exemplar do que foi neste plano a gestão Abecasis/PSD é ir à 5 de Outubro, à zona do edifício da RTP e ver o que aí sucedeu: os prédios acumulam-se, quase em cima uns dos outros; dois hotéis; o banco; a RTP; a saída do hospital. Tudo isto a vazar para junto do cruzamento de duas das vias de maior tráfego em Lisboa!... Até há dois hotéis nas traseiras desta zona!...
A coligação apresentou-se ao eleitorado com um programa de mudança e de resposta a esta situação caótica As expectativas não foram goradas e o balanço do primeiro ano de mandato mostra que a coligação está em condições de cumprir o seu «contrato» com os Lisboetas, está em condições de cumprir o seu programa, embora com uma dificuldade evidente, a que me referirei - a obstrução governamental.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao trabalho desenvolvido, há claros sinais de mudança. Imprimiu-se um novo estilo de trabalho e novas perspectivas.
Um novo estilo marcado pelos métodos e valores caros às forças democráticas e à esquerda, isto é, marcado pelo privilegiamento do diálogo, pelo estímulo à participação dos munícipes, pelo reforço da descentralização, pela institucionalização de mecanismos de aproximação dos cidadãos à administração municipal, pela gestão com objectivos estratégicos planeados, pela transparência, pela articulação entre o curto prazo e as medidas de fundo.
A área do planeamento constitui uma novidade essencial. Como resposta ao casuísmo e desregulamentação, a Câmara aprova o planeamento estratégico, o plano director, a normativa urbanística e o plano de médio prazo. Trata-se de gerir sabendo-se para quê, em benefício de quem, como e com que calendários.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A descentralização para as freguesias merece também uma referência especial, pois inflecte o caminho de esvaziamento e definhamento que se vinha sentindo nas freguesias.
Realce ainda para o processo de desburocratização e para o papel que os órgãos do Município pretendem dar à participação dos cidadãos: aí se insere a criação do Fórum de Lisboa, a valorização da intervenção dos cidadãos nas sessões da Câmara e da Assembleia Municipal e, muito particularmente, todo o esforço que tem sido feito para que o destino de Lisboa seja colectivamente discutido e assumido, através de um debate aberto, com toda a informação disponível.
Nunca como hoje, e ainda bem!, a atenção da comunicação social se dedicou às questões da capital, à elaboração do diagnóstico, à participação no debate sobre a terapêutica, à crítica e à chamada de atenção. Os órgãos do Município só podem congratular-se, pois um trabalho de portas abertas permite maior conhecimento, maior intervenção! Isso é bom para Lisboa!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Neste ano de trabalho, foi possível refrear, e muitas vezes inverter, a política de descaracterização da cidade prosseguida nos dois mandatos anteriores.
80% do Plano de Actividades de 1990 foi cumprido; foram lançados concursos para a resolução, por várias formas, de numerosos estrangulamentos na cidade. Aliás, quanto aos concursos cabe aqui dizer que, quando eles são exigidos por lei, a Câmara não pode desobrigar-se de cumpri-los, como faz escandalosamente o Governo. Tem de cumpri-los, e entre a decisão sobre a empreitada e o início da obra decorrem sete a 10 meses...

Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.

Foram lançados concursos para novos parques de estacionamento; a cidade animou-se, com um significativo programa de iniciativas culturais, desportivas e recreativas.
Em matéria de habitação a Câmara assume hoje responsabilidades, que, aliás, são do Governo.
O ambiente está a merecer uma atitude nova, e recordo: o Plano de Monsanto, que hoje está a ser aprovado na Assembleia Municipal; o interceptor de esgotos Algés/Belém/Alcântara; a verba para a reabilitação dos núcleos históricos de Lisboa quase que duplicou.
São centenas e centenas de medidas e acções!
Mas o ano de 1990 foi, no essencial, bem aproveitado! O primeiro ano, como afirma a Câmara, na prestação de contas conclui um ciclo e permitiu testar a posição do Governo. Esta é a questão que, essencialmente, pretendemos aqui trazer: o Governo, postando-se como extensão de poder do PSD, erigiu Lisboa como palco do seu manobrismo e dos seus objectivos de luta política.
Sem respeito pelos Lisboetas e pela cidade, sem consideração pelos graves problemas da cidade, o Governo deixa arrastar processos que dependem da sua intervenção, atrasa as decisões que lhe cabe legalmente tomar e boicota soluções.
Assim, o Professor Cavaco Silva passeia no Centro Cultural de Belém -ainda ontem o fez-, o seu novo Palácio, dizem, de 40 milhões de contos, mas, ao mesmo tempo, deixa sem resposta problemas instantes da cidade que carecem, nos termos da lei, de resposta governamental.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Muito bem!

O Orador: - É o que se passa com o chamado contencioso financeiro, isto é, a dívida do Estado ao Município de Lisboa, que atinge precisamente, a valores actuais, sensivelmente os mesmos 40 milhões que, dizem, custará o «Palácio Cavaco Silva».
É o que se passa com o financiamento da via norte-sul, que cruza a cidade, servindo o trânsito que atravessa a Ponte e segue para norte, e que, por isso, tem uma parte correspondente de interesse nacional a que o Governo não responde com financiamento adequado.
E o que se passa com o diálogo com a tutela do Porto de Lisboa, fundamental para uma cidade que tem a ligação ao rio em grande parte cortada, e que o Governo bloqueia.

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É o que se passa com o magno problema da habitação, que é da responsabilidade do Governo, mas que o Governo abandona, deixa sem solução e sem financiamento.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É o que se passa com o atraso da construção da CRIL e o bloqueamento da CREL.

É o que se passa com as decisões sobre o Metro, atrasadas, feitas sem participação da Câmara e com objectivos pouco claros.
É o que se passa com actos como o bloqueamento do Regulamento de Cargas e Descargas, e até, pasme-se!, com o bloqueamento da nomeação de alguns funcionários, que depende de portaria governamental.
É o que se passa com a acintosa decisão do Governo de constituir a Comissão da EXPO 98 sem a presença da Câmara Municipal de Lisboa.
Os bloqueamentos, os atrasos, as desconsiderações que o Governo do PSD vem fazendo ao Município de Lisboa evidenciam que aceita mal a situação, que não gosta dela. Efectivamente, a direita, o PSD, não pode gostar que este processo tenha feito ruir alguns tabus laboriosamente construídos ao longo dos anos...
Afinal, comunistas e socialistas podem entender-se para soluções programáticas e executivas; afinal, o entendimento de comunistas e socialistas não afastou votos, pelo contrário, polarizou votos, vontades e esperanças; afinal, o «papão da maré vermelha» que, diligentemente, Vasco Graça Moura foi agitar à televisão, não agita ninguém!; afinal, um projecto como o que foi definido por socialistas e comunistas para a gestão autárquica de Lisboa pode ser concretizado.
A coligação fez-se respeitando diferenças e com a noção exacta de que, para mudar Lisboa, era necessário oferecer aos Lisboetas (aos que anteriormente tinham votado Abecasis/PSD) uma alternativa de gestão. Foi isso que deu a força à coligação para a vitória eleitoral.
Da nossa parte, PCP, actuamos hoje empenhadamente para o cumprimento do programa da coligação e a actuação dos vereadores comunistas, indicados pelo PCP, é prova disso.
Norteamo-nos pela defesa dos interesses dos Lisboetas, pela concretização da sua aspiração a uma Lisboa melhor, mais humanizada e mais bela ainda, se possível.
Esse objectivo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, será concretizado.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado João Amaral, infelizmente, o meu grupo parlamentar já não dispõe de tempo para poder fazer os comentários e levantar as questões que a sua intervenção merecem. Todavia, não quero deixar de me associar, assim como o meu grupo parlamentar, à correcção da análise que fez sobre os problemas da cidade de Lisboa, designadamente sobre a herança que a coligação tem sabido enfrentar, sobre os progressos, que me parecem extremamente positivos para Lisboa e para o seu futuro, que, em conjunto, foi possível à coligação promover, e sobre o carácter exemplar que a colaboração no seio da coligação tem vindo a revelar entre os militantes dos dois partidos políticos que nela se têm envolvido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, como, de facto, o Sr. Deputado António Guterres não me fez qualquer pergunta nas suas considerações, nada mais tenho a acrescentar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Barbosa da Costa, quero chamar a vossa atenção para o facto de já estarem fixados no quadro electrónico os tempos atribuídos a cada grupo parlamentar para o período de antes da ordem do dia para a segunda quinzena de Fevereiro.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Portugal, a mortalidade infantil, e em especial a mortalidade perinatal, persiste em permanecer nos níveis mais altos de entre os países da Europa comunitária. Esta situação é tanto mais preocupante quanto a uma mortalidade elevada se associa uma alta morbilidade com graves consequências, na medida em que muitas destas crianças se tomam deficientes. Na verdade, por cada óbito perinatal sobrevivem em média duas crianças com maior ou menor grau de deficiência.
Estes factos justificavam por si só a necessidade de implementar, o mais rapidamente possível, cuidados especiais de saúde à grávida e ao recém-nascido.
Neste sentido, o Governo aprovou um programa de saúde materno-infantil, o qual, tendo sido elaborado por uma comissão constituída fundamentalmente por pediatras e obstetras, permitiria reduzir substancialmente, uma vez aplicado, a mortalidade e morbilidade perinatais.
Sinteticamente o programa previa, de uma forma correcta, a melhoria da vigilância à grávida, através dos centros de saúde, mas igualmente o desenvolvimento e estruturação dos hospitais de apoio perinatal diferenciados e os hospitais de apoio perinatal distritais. Os primeiros são constituídos pelo conjunto das maternidades centrais e serviços de obstetrícia, pediatria e unidades de cuidados intensivos e cuidados especiais para o recém-nascido. Os segundos são constituídos por um conjunto de 18 hospitais distribuídos regularmente no território nacional.
A primeira fase de aplicação permitiria já uma razoável cobertura do País, com a dotação dos hospitais acima referidos, do equipamento e recursos humanos necessários, não apenas a uma efectiva assistência à grávida, mas igualmente a uma assistência pré-concepcional, pré-natal e perinatal seguras.
Não hesitamos, pois, em elogiar o mérito do programa de saúde materno-infantil e, por isso, cumpre-nos hoje aqui denunciar a lentidão na sua aplicação e a falta de vontade política, cada vez mais evidente, para o levar à prática na sua plenitude. As obras planeadas para a remodelação dos serviços de neonatologia e as obras de melhoria dos blocos de parto não estão a ser executadas e já foram ultrapassados os prazos que seria necessário cumprir para o sucesso do programa.
A verdade é que é manifesto o desinteresse ao nível do Ministério da Saúde perante este problema. Esta prioridade deixou de o ser perante outras de mérito duvidoso. Importa aqui questionar o Ministro da Saúde sobre que

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motivos e critérios o levaram a autorizar e a promover um desvio de 150 000 contos destinados à implementação do programa de saúde materno-infantil para as obras das urgências nos hospitais de Lisboa.
Não nos interessamos, senão por curiosidade, pelas guerrilhas internas no Ministério da Saúde, mas consideramos fundamental que o Governo honre o compromisso de concretizar um programa de saúde materno-infantil, que se encontra bem estruturado e que, uma vez posto em prática, dará seguramente os seus frutos.
Perante o impasse que parece ter-se gerado dentro do Ministério da Saúde é fundamental que o Primeiro-Ministro desbloqueie o desenvolvimento do programa e defina claramente se ele continua ou não a constituir uma prioridade do Executivo. Dessa atitude está dependente a vida de alguns milhares de crianças, que gostaríamos que nascessem sãs e com boas condições de sobrevivência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A protecção à mulher grávida e à criança nos primeiros meses de vida, a par com um sistema de saúde materno-infantil bem estruturado, deve ser complementada por um sistema de protecção no âmbito da Segurança Social e da educação, que permita um desenvolvimento harmonioso da comunidade familiar. A importância do acompanhamento da criança nos primeiros meses de vida ê, hoje em dia, unanimemente reconhecido como determinante, não apenas do ponto de vista estritamente físico e sanitário, mas principalmente na perspectiva da importância desse acompanhamento para o equilíbrio do relacionamento emocional da criança com os seus progenitores.
É com base nesta última consciencialização, e não tanto pela necessária recuperação física da mãe, que os períodos de licença de parto tom vindo a ser alargados nos países mais desenvolvidos. No entanto, também nesta matéria Portugal oferece à família as condições menos favoráveis no leque dos países comunitários. Na verdade, de acordo com os dados que foi possível obter, Portugal apresenta-se como o país onde a licença de parto é mais reduzida. Em Espanha, desde 1989, este período foi alargado até aos quatro meses. Em Itália, o período de licença é de seis meses, bem como em França, para alguns casos específicos. A Bélgica, a Irlanda e a Grécia apresentam períodos inferiores, encontrando-se, no entanto, muito perto do nível mínimo recomendado: quatro meses.
Temos consciência de que esta é uma questão delicada, que convém abordar igualmente na óptica das consequências em termos profissionais, para a mulher que se afasta, após o parto, do local de trabalho por um período prolongado. Inclinamo-nos, pois, para um sistema flexível, que ofereça um leque de alternativas e opções disponíveis, como seja, o estabelecimento de períodos mínimos e máximos, que podem ser utilizados de acordo não apenas com os interesses, necessidades e características específicas de cada família, mas com os interesses através da negociação das entidades empregadoras. Entendemos igualmente que o acompanhamento directo da criança durante os primeiros meses de vida pode e deve ser uma responsabilidade igualmente repartida entre mãe e pai, atingindo-se desta forma o objectivo pretendido, sem penalizar profissionalmente as mulheres.
No entanto, temos a convicção de que é imprescindível o alargamento a breve trecho do período mínimo da licença de parto acompanhando as directivas comunitárias. Assim, e entendendo que haverá sensibilidade do Executivo e do PSD para uma iniciativa deste tipo, consideramos que o Governo ou grupo parlamentar da maioria deveriam apresentar uma proposta nesse sentido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A protecção à criança e à família, no âmbito da saúde e da Segurança Social, mantém-se a níveis inexplicavelmente baixos perante um país em que o crescimento económico tem sido reconhecidamente uma constante dos últimos anos. Urge recuperar o défice social resultante do esforço económico, entregando às populações, finalmente, as fatias de leão, resultantes de um progresso económico cujo mérito cabe por inteiro a todos os cidadãos.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Deputado Barbosa da Costa, ouvi a sua intervenção e não poderia, de modo algum, ficar calado perante duas afirmações que V. Ex.º proferiu daquela tribuna.
Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que, nos últimos anos, a mortalidade infantil baixou para níveis iguais aos dos países mais evoluídos da Europa, para não dizer a nível mundial. Portanto, não estamos tão mal como V. Ex.º precisou na sua intervenção.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, estou de acordo quanto aos primeiros cuidados a prestar à parturiente e à criança, mas há uma coisa muito mais importante que é a assistência ao parto. Essa assistência tem de ser suficientemente cuidada - e por isso é que o Governo tem tido a preocupação em criar maternidades com todos os cuidados - para precaver qualquer falha que possa prejudicar gravemente as crianças durante o nascimento. É exactamente nos cuidados em partos assistidos em hospitais com qualidade que o Governo se tem preocupado ultimamente.
Portanto, as duas rectificações que pretendia fazer eram em relação aos números da mortalidade infantil e à assistência ao parto.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Maninho.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Deputado António Bacelar, agradeço as questões que me colocou, mas devo afirmar, antes de mais, que não apresentei quaisquer números. No que diz respeito à mortalidade infantil, referi apenas dados relativos ao passado, em Portugal - e, felizmente, há uma baixa significativa -, mas em relação a outros países integrados na mesma Comunidade, essa relação ainda nos é francamente penalizadora.
Quanto aos cuidados a prestar às parturientes, em que o Governo está a implementar as medidas no sentido de criar condições físicas nos hospitais/maternidades, para que os partos possam decorrer de forma mais adequada, eu imprimi, na parte final da minha intervenção, uma tónica diferente, que tem a ver não tanto com o pós-parto imediato, mas com todo o período subsequente, esse mais de carácter afectivo e presencial, do pai e da mãe, do que propriamente físico.
Penso ser importante que a criança seja bem assistida no parto, mas é também importante que cresça bem. E para crescer bem é preciso ter ao seu lado o pai ou a mãe

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para que distorções de carácter emocional e afectivo não venham complicar a sua existência futura.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:-Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, solicito a suspensão dos trabalhos por 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, uma vez que é regimental, está concedido. Está, pois, interrompida a sessão.

Eram 17 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, está reaberta a

Eram 18 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente:-Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Fernandes Marques.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para o PSD o crescimento económico não é um fim em si mesmo, antes um meio indispensável para que possam promover-se políticas adequadas de desenvolvimento social e cultural, para que se desenvolva a justiça social e para que às pessoas em geral seja assegurada uma efectiva igualdade de oportunidades.
O crescimento económico de Portugal é visível e deve-se, sobretudo, à gestão competente do Governo do Professor Cavaco Silva. Independentemente das condições externas, todos podemos verificar que um paus como, por exemplo, a Grécia, que há alguns anos apresentava níveis de desenvolvimento muito superiores aos portugueses, está hoje com níveis muito mais baixos. Como se sabe, a Grécia foi governada pelos socialistas durante cerca de oito anos. Os resultados da gestão socialista levaram aquele país membro da CEE a uma situação de grave descalabro económico e social, que obrigou a Comunidade a conceder-lhe recentemente um vultoso empréstimo financeiro.
Em Portugal, de acordo com o último relatório da Comissão das Comunidades, o crescimento do produto interno bruto (PB), em 1990, foi superior à média comunitária. Assim, e no entender dos especialistas da CEE, a economia portuguesa lidera o crescimento nas Comunidades. O crescimento na produção foi também mais acentuado em Portugal do que nos restantes países europeus, em virtude dos aumentos registados no investimento e nas exportações. Por outro lado, segundo a CEE, a elevada percentagem de criação de emprego provocou uma significativa baixa da taxa de desemprego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que à criação de mais riqueza se tenha associado uma política de mais bem-estar social e de garantia de oportunidades para todos. Foi isso que fez o Governo do PSD quando legislou para combater a chaga social dos salários em atraso; foi isso que fez e continua a fazer o Governo do PSD, criando condições de confiança e condições económicas e financeiras que tem permitido, continua e sustentadamente, a criação de mais emprego; foi também o Governo do PSD que aprovou, ainda não há muitos anos, e aqui nesta Assembleia, através do seu grupo parlamentar, a escolaridade obrigatória de seis para nove anos.
Tem sido também com o Governo do PSD que se tem assistido a um crescimento sustentado dos rendimentos das famílias; tem sido com o Governo do PSD que se tem feito, em Dezembro de cada ano, a actualização das pensões com a revalorização das mais degradadas; foi com o Governo do PSD que se criou legislação que valorizou e permitiu acumulação de pensões de sobrevivência, nomeadamente dos trabalhadores agrícolas; foi o Governo do PSD que terminou com a discriminação existente na concessão de pensões de sobrevivência.
Hoje, homens e mulheres, por virtude da actuação política do Governo do PSD, estilo exactamente em igualdade de circunstancias. Tem sido com o apoio do PSD, inequivocamente, desde 1985, que tem crescido de uma forma substancial o apoio a mais de 2000 instituições particulares de solidariedade social, que dão uma resposta atempada e no local aos grupos sociais mais carenciados, nomeadamente os sós, os idosos e as crianças. Tem sido somente com o Governo do PSD que tem sido possível conjugar a criatividade da sociedade civil com a vontade política firme, que está efectivamente ao serviço das populações.

Aplausos do PSD.

Aliás, Srs. Deputados, o acordo económico e social, celebrado em Outubro de 1990. é bem a prova da maneira de estar do Governo do PSD no relacionamento com os parceiros sociais. E se já aqui tivemos oportunidade de manifestar o nosso apreço por todos os parceiros sociais, que contribuíram para que o caminho do futuro passasse pela sua intervenção responsável, não é nunca por de mais relembrar que isto foi possível com o Governo do PSD.
Em contrapartida, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que fez o Partido Socialista quando foi governo? Com o PS, apreciámos e vimos o que se passou com os salários em atraso; com o PS, diariamente se encerravam empresas, aumentava naturalmente o desemprego e não havia expectativas de criação de novos postos de trabalho, nomeadamente para os jovens que ascendiam ao mercado de trabalho.
Por outro lado, verificou-se também que, com o PS no poder, os mais carenciados, os pensionistas e os reformados ficaram sempre a perder. Mas, agora, o PS, que não tem responsabilidades políticas directas e que, pelos vistos, parece que não tem expectativas de poder vir a tê-las em breve, começa a apresentar uma série de iniciativas legislativas, que, além de tecnicamente mal elaboradas, acabam por ser contraditórias com aquilo que o próprio PS aqui tem defendido em Plenário. Mas lá iremos a essas iniciativas quando o PS as quiser aqui discutir!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que os Portugueses vão poder distinguir entre o que são falsas promessas -promessas nunca cumpridas quando se assume o poder- daquilo que tem vindo a ser feito pelo PSD e pelo seu Governo, progressivamente, com passos firmes e seguros. Governo este que se inibe, por uma questão de honestidade política, de prometer que daqui por uns meses vai vender o bacalhau a pataco.
Os Portugueses sabem distinguir aqueles que fazem promessas que são possíveis de cumprir e concretizar, sabem o que o PSD prometeu na última campanha eleitoral e sabem que isso está a ser conseguido de forma segura, firme e sustentada.

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E vou recordar aqui - permitam-me que o Taça, porque creio que isso é uma demonstração clara da maturidade do povo português - que, em 1975, pouco antes das primeiras eleições para a Assembleia Constituinte, apareceu na televisão um elemento do MFA de então, fazendo apelo ao voto em branco, porque esse seria um voto de confiança no escuro no MFA de então. Os Portugueses não votaram em branco, votaram, felizmente, e em esmagadora maioria, nos partidos que na altura lutavam efectivamente para que a democracia se consolidasse em Portugal.
Penso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que estas iniciativas e estas promessas de bacalhau a pataco, que o PS tem vindo a fazer, não contribuirão para o esclarecimento das pessoas e que poderão criar, eventualmente, falsas expectativas em grupos sociais carenciados e que, por isso, é condenável que esses grupos sejam vítimas da demagogia eleiçoeira do PS, mas estamos convencidos de que os Portugueses, mais uma vez, vão escolher quem, de facto, lhes quer bem.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo, em tempo cedido pelo PRD.

O Sr. Herculano Pombo (Indep.): - Sr. Deputado, ouvi apenas a parte inicial da sua declaração política, mas foi o bastante para me suscitar uma questão que não quero deixar de lhe colocar.
Tenho aqui o último relatório da OCDE com indicadores do ambiente, que saiu exactamente no mós de Janeiro último, e uma vez que já hoje aqui se trouxeram tantos relatórios, inclusive os da Universidade de Utah, trago também este que pertence a uma organização de que Portugal ainda faz parte.
Quando ouvi o Sr. Deputado Joaquim Marques fazer aqui uma leitura feliz daquilo que tem sido o crescimento económico em Portugal, nomeadamente o crescimento da produtividade e o crescimento do produto interno bruto, não pude deixar de recordar que, tendo tido acesso a estes dados, pude constatar, com alguma estranheza, que, por exemplo, as emissões de gases poluentes para a atmosfera (este é um dado importante que convém analisar também quando falamos de desenvolvimento e de crescimento económico) são, em Portugal, as mais elevadas de toda a OCDE, se tivermos em consideração a emissão de poluentes por unidade de produto interno bruto.
Em seu entender, Sr. Deputado Joaquim Marques, o que é que isto quer dizer? O que é que quer dizer que Portugal, no conjunto dos países da OCDE, tenha um índice de 428 unidades de emissão de gás poluente para a atmosfera por unidade de produto interno bruto, quando a generalidade dos países da OCDE não ultrapassa o índice das 200 unidades e raros são os que chegam às 300?
O índice de Portugal, no que diz respeito à emissão de gases poluentes por unidade de produto interno bruto, quase que duplica a média dos países da OCDE, mesmo comparando com a Turquia, com a Grécia e com a Irlanda, que são países do nosso nível de desenvolvimento. O que é que isto quer dizer, Sr. Deputado Joaquim Marques? Estaremos a ter um crescimento sustentado? Estaremos a ter uma política integrada de crescimento e de desenvolvimento?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Fernandes Marques.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, quero agradecer ao Sr. Deputado Herculano Pombo a pergunta que me faz. Aliás, devo dizer-lhe que, por causa das suas intervenções aqui no Plenário e por causa da sua preocupação com o ambiente, eu próprio me tenho preocupado em me documentar com matérias que têm a ver com esta matéria, porque não quereria, naturalmente, deixar o Sr. Deputado Herculano Pombo sem uma resposta, e perdoar-me-á que seja a resposta de um leigo nesta matéria. A respeito deste assunto, serei um aluno da escola secundária, digamos, que vai responder a um catedrático nestas questões.

Risos.

O Sr. Herculano Pombo (Indep.): - Não exageremos!...

O Orador: - Queria dizer-lhe que o relatório a que me referi aqui não foi esse relatório da OCDE -que nós também temos - mas, sim, um relatório da Comissão das Comunidades Europeias, que foi publicado na semana passada.
Quanto às suas preocupações com o ambiente, devo dizer-lhe que elas já eram manifestadas por muitos militantes sociais-democratas antes de ter sido constituído o partido político a que pertenceu. Digamos que, se começou a haver preocupações com o ambiente em Portugal, elas foram introduzidas e dinamizadas exactamente pelo primeiro Secretário de Estado do Ambiente, que foi o deputado social-democrata Carlos Pimenta.
Quanto à poluição, é evidente, Sr. Deputado Herculano Pombo, que os números que referiu têm a ver com esta questão: é que o produto interno bruto português ainda é bastante pequeno, portanto, se o produto interno bruto fosse maior, naturalmente que a relação entre ele e esses poluentes seria mais equilibrada. Aliás, o Sr. Deputado sabe que são os países economicamente menos desenvolvidos que têm esses índices mais elevados, como, por exemplo, os países do Terceiro Mundo e os países do Leste da Europa, que agora, finalmente, também querem libertar-se da poluição nesse aspecto ambiental.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encerrado o período de antes da ordem do dia, peço à Sr.ª Secretária que leia um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 14 de Fevereiro de 1991, pelas IS horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD):

Henrique Alberto Freitas do Nascimento Rodrigues (círculo eleitoral da Europa) por Fernando José Alves de Figueiredo [esta substituição é solicitada nos termos da alínea b) do

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n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a 15 dias, a partir do dia 15 de Fevereiro corrente, inclusive];

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):

Vítor Manuel Ribeiro Constâncio (círculo eleitoral de Lisboa) por Edmundo Pedro [esta substituição é motivada pelo pedido de renúncia ao mandato do Sr. Deputado Vítor Constando, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do passado dia l de Janeiro, inclusive.
Nestes termos, e a partir do dia 1 de Janeiro passado, inclusive, passou a exercer as funções de deputada com caracter definitivo (efectiva) a Sr.ª Deputada Edite de Fátima Santos Maneiros Estrela];

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP):

Maria Luísa Raimundo Mesquita (círculo eleitoral de Santarém) por Álvaro Favas Brasileiro [esta substituição é solicitada nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de seis meses, com início em 14 de Fevereiro corrente, inclusive];
Álvaro Manuel Salseiro Amaro (círculo eleitoral de Setúbal) por Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira [esta substituição é solicitada nos termos da alínea c) do n.º 2 do cargo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de seis meses, com início em 14 de Fevereiro corrente, inclusive];

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente-Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente-José Manuel M. Antunes Mendes (PCP), secretário - Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário-António Paulo M. Pereira Coelho (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - João Álvaro Poças Santos
(PSD)-José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD) -José Manuel da Silva Torres (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD)-Hélder Oliveira dos Santos Filipe (PS)-Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS)-Hermínio Paiva Fernandes Martinho (PRD).

Srs. Deputados, está em discussão. Pausa.

Como não há inscrições, vamos votar o parecer que acaba de ser lido.

Submetido â votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.

Seguidamente, vou pôr à vossa consideração os n.º 30, 31 e 32 do Diário.

Pausa.

Visto não haver objecções, consideram-se aprovados.

Vamos iniciar a reapreciação do decreto n.º 293/V - Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Para uma intervenção, está inscrito o Sr. Deputado José Manuel Mendes, a quem dou a palavra.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós declarámos, aquando do debate na generalidade, e reafirmámos, em votação final global, que o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira continha normas que colidiam com a Constituição da República e que seriam passíveis de uma apreciação pelo Tribunal Constitucional, seguramente no sentido de obrigar a uma reapreciação, por esta Câmara, de parte do articulado. Tínhamos razão.
O pedido de de fiscalização preventiva, accionado por Sua Ex.º o Sr. Presidente da República, permitiu que se tomasse claro que umas quantas de entre as piores soluções constantes do diploma não apenas violavam o bom senso e regras elementares da democracia como, também, expressas prescrições da Constituição da República.
O Tribunal Constitucional confirmou as razoes que assistiam ao PCP, parcialmente, e, no invocado pelo Sr. Presidente da República, o que, desde sempre, se nos afigurou elementar.
Aquilo de que curamos é de expurgar do Estatuto toda a matéria que, pelas razões técnicas, jurídicas e políticas aduzidas, era desconforme à lei fundamental do País. Trata-se, quanto ao conteúdo, de alguma coisa que vem de longe, em que o partido do Governo, aqui, e o Dr. Alberto João Jardim, em nome do PSD regional, não desarmam-a tentativa de fazer com que os votos dos emigrantes, à revelia da metodologia mais justa e dos mecanismos que a Constituição estabelece, possam vir a pesar na massa global da votação por forma a daí se extraírem resultados que seriam, inevitavelmente, desfiguradores e iníquos.
Esta pretensão é, aliás, congénere de outras, constantes de diversas iniciativas governamentais; ainda agora, nos debates em torno da lei do referendo, foi possível eliminar

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- quase com garantia -, certo sendo que se tange matéria em que o legislador constitucional e aqueles que nas revisões da Constituição a ele se mantiveram fiéis, têm sido particularmente criteriosos e seguros, ou seja: desenhar um universo eleitoral escorreito, não permissivo a adulterações de qualquer ordem, tanto quanto possível capaz de reproduzir com fidedignidade as opções dos eleitores e que, portanto, não há lugar à busca de procedimentos inidóneos, perigosos e de desnaturação desta realidade que venham, por meios aritméticos, gizar poderes contrários à vontade das populações e ao que nós, nesta Casa, em leis soberanas, determinámos.
Não sabemos o que constará do Código Eleitoral, que continua a ser parturejado no interior das instâncias do Executivo PSD, mas as nossas preocupações subsistem, e, nesta área concreta, dar-lhe-emos todo o combate, através das vias gerais e institucionais conhecidas, de modo a preservar a genuinidade do voto e as suas indicações.
Expurgadas as normas que o Tribunal Constitucional entendeu, pela votação que produziu e pela deliberação que houve, serem inaceitáveis no texto do Estatuto da Madeira, ele fica, agora, bem melhor do que estava. Seja-nos lícito, todavia, reafirmar que, a nosso ver, subsistem soluções que são igualmente inconstitucionais. Não estamos sozinhos. As declarações de vencido de alguns ilustres conselheiros sufragam as boas posições que assumimos neste Plenário.
É assim em quanto concerne, por exemplo, à alteração do princípio da proporcionalidade com a modificação das quotas estabelecidas para a eleição dos deputados, com implicações danosas em vários círculos; é assim no impostergável direito de greve, que se acha violentamente ferido por uma norma que a nenhuma luz pode ser coonestada; é assim, adjacentemente, em tudo quanto minimiza uma concepção da autonomia regional que esta bancada entende dever potenciada dentro da moldura constitucionalmente concebida. O que quer dizer que, e vou concluir, persistindo nós na análise que fizemos, da mesma maneira, estamos em condições, neste momento, de declarar que o Estatuto da Madeira, que vai passar a vigorar, é não só bem superior àquela precária e remota carta normativa de 1976: é uma pauta de conduta política e institucional, cujo mérito, independentemente do que acabo de asseverar, merece ser realçado. E, por isso, esta hora é ainda uma hora de satisfação pelos resultados futuros do Estatuto, tal qual vai sair, em breve, desta Assembleia.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se esperava, encontramo-nos aqui hoje, mais uma vez, para votar o Estatuto definitivo da Região Autónoma da Madeira.
Como se esperava, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade das normas dos artigos 10.º, n.º 4, e 11.º, n.9 2, do Decreto n.º 293/V aprovado por esta Assembleia. Infelizmente, o mesmo não aconteceu relativamente às normas dos n.º 2 e 3 do artigo 10.º Não nos compete pronunciar juízos acerca dos julgamentos do Tribunal Constitucional. Sempre realçaremos, no entanto, o número de votos de vencido.
Não valerá muito a pena pronunciarmo-nos acerca do pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade apresentado pelo Sr. Presidente da República. Apenas registamos que se quedou pelas normas referidas. O que importa é que pelo menos duas das inconstitucionalidades foram expurgadas do diploma. Não é muito, mas já é alguma coisa, o que nos dá ainda mais vontade para repetirmos o voto favorável, que vai mais no sentido de acabar com a provisoriedade.
Não se tenham, pois, quaisquer ilusões acerca da nossa posição em relação a este diploma: não sendo o ideal, não deixa de ser aceitável, mas também é certo que este Estatuto Político-Administrativo não chega a ser o Estatuto que era possível e, principalmente, desejável para a Região Autónoma da Madeira. Não abandonaremos, portanto, o objectivo de o alterar, em alguns dos seus pontos, uns essenciais outros não, logo que surja uma nova oportunidade.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que sobre o Estatuto Político-

Administrativo da Região Autónoma da Madeira está dito o essencial e não vou reeditar discussões já feitas. Apenas duas notas correspondentes a outras tantas preocupações quanto ao futuro.
Mas, antes de mais, deixem-me felicitar-me e felicitar-nos por, depois de tantas peripécias, a Região Autónoma da Madeira poder dispor, a partir de agora, do seu Estatuto definitivo. Já era tempo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -Foi pena que o Tribunal Constitucional deixasse nele uma das duas inconstitucionalidades invocadas pelo Presidente da República. A lucidez e a razão estavam, no meu modesto entendimento - e não me parece que o Tribunal Constitucional esteja imune às críticas dos juristas-, com os demolidores votos de vencido. Basta lê-los!
Pena foi também que o Presidente da República só tivesse invocado duas das três inconstitucionalidades que, em meu entender -aqui expresso-, remanesciam no texto final que foi aprovado, quanto a elas com o nosso voto contra.
Ambos - Presidente e Tribunal - ao contribuírem para deixar no texto as duas inconstitucionalidades a que me refiro, decerto sem consciência disso, prestaram um mau serviço à Região Autónoma da Madeira.
Explico porquê: tratando-se de matérias da competência reservada desta Assembleia - o regime eleitoral e o regime de greve em vigor no arquipélago- e não sendo de todo em todo defensável que, por esse facto, essas normas ganharam a rigidez da matéria estatutária e passaram a escapar à competência da Assembleia da República, eis que Tribunal e Presidente introduziram a necessidade de passar a distinguir - e aqui chamei a atenção para esse risco-, no texto do Estatuto da Madeira, as normas que têm e as normas que não têm natureza substancialmente estatutária, para o efeito de só as primeiras ficarem dependentes, quanto à sua alteração, da iniciativa da Assembleia Legislativa Regional.
Dito de outro modo: não é por as normas em causa passarem a constar do Estatuto que a Assembleia da Re-

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pública se considera expropriada da sua competência reservada -e, numa das matérias, de reserva absoluta- para livremente as modificar por iniciativa de qualquer dos Srs. Deputados se, como e quando o entender, o que tem, como logo se vê, o efeito negativo de pôr em causa o exclusivo da iniciativa da Assembleia Legislativa Regional, não apenas em relação às mencionadas normas, mas em relação a todas as que não tenham natureza substancialmente estatutária ou que versem sobre matérias da reserva de competência da Assembleia da República.
A guerra do Golfo é decerto mais grave. Mas não creio que tenha sido esse um risco assumido pelos inspiradores e autores da proposta regional.
Pelo caminho ficou uma boa dezena de outras inconstitucionalidades.
Pois bem, apesar de a Assembleia Regional ter discordado da barreia profiláctica a que a sua proposta foi sujeita, ao manter qua tale o texto originário e as caneladas à Constituição de que era portador, nada disso impediu o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira de ter comentado assim a decisão do Tribunal Constitucional: «Afinal de contas, o Dr. Almeida Santos disse que o Estatuto eslava cheio de inconstitucionalidades e o Tribunal Constitucional declarou apenas uma inconstitucional!...»
É assim que o Presidente do Governo Regional da Madeira faz política. É assim também que o Presidente do Governo Regional da Madeira faz informação!...

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - Ao dar passaporte estatutário à inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional, a maioria parlamentar arranjou ainda mais este imbróglio: como o Estatuto Definitivo dos Açores contém uma norma idêntica à que agora foi banida do Estatuto da Madeira, mal parecerá que se deixe continuar a figurar nele uma norma já julgada inconstitucional no contexto do Estatuto da Madeira.
Mas, se for esta Assembleia a corrigir o defeito, não o fará sem introduzir uma alteração à revelia da iniciativa da Assembleia Legislativa dos Açores, que deixou a norma sem retoque. Isto é, não o faia sem desrespeitar o direito de iniciativa que à Assembleia Legislativa dos Açores, em princípio, exclusivamente pertence.

Vozes do PS:-Muito bem!

O Orador:-Mas, como disse, trata-se de matéria da competência reservada da Assembleia da República. Logo, é chegado o momento de esta Assembleia pôr em prática a solução que defendi há pouco. Isto é, recusar-se a aceitar a expropriação da sua competência e exercê-la livremente em relação à norma em causa, agora no contexto do Estatuto definitivo dos Açores. Se o não fizer, cria ao Presidente da República esta situação ingrata: por coerência, não deve deixar passar no Estatuto dos Açores, sem a fazer fiscalizar pelo Tribunal Constitucional, uma norma idêntica à que, a seu pedido, o Tribunal Constitucional inviabilizou. Mas, constando já do Estatuto dos Açores, e não tendo constituído objecto da sua alteração por iniciativa da Assembleia Regional, parece não poder fazê-lo a título de fiscalização preventiva mas só a título de fiscalização sucessiva.
Vejam só as baralhadas em que se meteram!
A menos que, uma vez mais. considere não se tratar de matéria de natureza estatutária, por essa via se desvinculando do regime de rígida iniciativa de que gozam as normas estatutárias por natureza e não apenas por boleia!
Tudo complicações que se tinham evitado meditando nas nossas objecções e ouvindo os nossos avisos!

Aplausos do PS e do PCP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante o Acórdão n.º 1/91 do Tribunal Constitucional concluiu-se que foram considerados inconstitucionais, por unanimidade, os artigos 10.º. n.º 4, e 11.º, n.º 2, do citado decreto, por essas normas, ao conferirem o direito de voto aos «cidadãos madeirenses» residentes fora da Regulo Autónoma da Madeira, vulgo emigrantes, suporem a existência de novas categorias jurídico-políticas, como as de «povo madeirense» ou de «cidadão madeirense», dando lugar à atribuição de direitos políticos a um determinado conjunto de cidadãos em razão do seu nascimento na Região Autónoma da Madeira - v. o acórdão, p. 21.
O CDS/Madeira, a respeito destes artigos, emitiu opinião que agora foi sufragada pelo Tribunal Constitucional, e o PSD, então, rejeitando todas as alterações que poderiam ter feito vencimento por serem constitucionais, vê agora declaradas inconstitucionais as duas emendas que teimosamente inclui no Estatuto. Também o CDS/Madeira, no debate, pugnou para que a matéria eleitoral não devia fazer parle do Estatuto da Madeira porque, como então disse, «definir o número de deputados [...]» - e estou a citar o deputado Ricardo Vieira-«[...] pelo número de eleitos deveria ser matéria de lei eleitoral e não matéria de Estatuto». Isto por uma razão simples, porque se amanhã se vier a constatar por esta divisão de 4000 eleitores para se saber quantos eleitos lá têm cabimento, se amanhã se vier a constatar que o recenseamento continua a ler uma progressão excepcionalmente acentuada, como tem acontecido nos últimos anos, a revisão do Estatuto vai ser mais complicada do que a revisão de uma lei eleitoral simples. «Julgo, aliás» -continua o mesmo deputado- «à semelhança do que se passa em todos os estatutos das regiões autónomas da Europa, a matéria eleitoral é habilmente retirada do Estatuto e remetida para uma lei geral, fora os princípios gerais que estão mencionados.»
Isto também era apresentado como uma das várias «conquistas» do Governo e da Assembleia Regionais dominadas peto PSD/Madeira, ao arrepio que constitucional e legalmente permitido, convencidos, como aqui disse o Sr. Deputado Almeida Santos de que desta forma ficaria a Assembleia da República privada da sua competência exclusiva na matéria legislativa quanto à Região da Madeira. Tiro errado, porque a Assembleia nunca renunciaria a esta competência. Em todo o caso, sanado das duas inconstitucionalidades pelo menos, este Estatuto fica agora melhor do que o Estatuto provisório e da proposta que nos tinha sido apresentada originariamente.
O CDS absteve-se na votação do primeiro Estatuto. Não vemos razão para rejeitar o expurgo derivado do acórdão do Tribunal Constitucional que declarou as duas inconstitucionalidades crassas. Votaremos, pois a favor do

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acórdão, isto é, do expurgo das inconstitucionalidades crassas.

Aplausos do Sr. Deputado Almeida Santos, do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os incidentes e a história que a aprovação do Estatuto definitivo da Região Autónoma da Madeira está a registar é bem a confirmação de que a luta pela autonomia regional não 6 fácil. É a quarta tentativa que a Região Autónoma faz para ver aprovado nesta Assembleia da República o seu Estatuto definitivo. E 6 curioso que, em sede de revisão constitucional, alguns partidos, designadamente o CDS e o PS, tenham sugerido uma norma, uma alteração à Constituição, que impusesse um limite temporal à Assembleia Legislativa Regional para apresentar à Assembleia da República uma proposta de estatuto, sob pena de reverter esse direito para a Assembleia da República. Essa pretensão não se coaduna com as dificuldades sucessivas que, ao mesmo tempo e paradoxalmente, se levantam na aprovação do Estatuto quando a Assembleia Legislativa Regional toma essa iniciativa. Aliás, até o próprio Partido Socialista ameaçou, nessa discussão na Comissão de Revisão Constitucional, de, inclusivamente, requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade por omissão se a Assembleia Legislativa Regional não tomasse essa iniciativa. Esquece-se que o juízo do momento próprio dessa iniciativa faz já parte da conquista autonômica e 6 a Assembleia Legislativa Regional que, soberanamente, deve efectivamente decidir, como ocorreu e como aconteceu, do momento próprio para o fazer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Levantaram-se aqui várias vozes, aquando da discussão na generalidade desta proposta de lei, acerca de um «jardim» de inconstitucionalidades de que o texto seria eivado.
A verdade é que o Sr. Presidente da República limitou-se a pedir declaração de inconstitucionalidade de duas normas do Estatuto e apenas em relação a uma delas o Tribunal Constitucional considerou ocorrer inconstitucionalidade. E é bom que nos entendamos acerca do alcance desta inconstitucionalidade.
Não temos dúvidas, do ponto de vista técnico, que o Tribunal Constitucional andou bem ao considerar esta norma inconstitucional, porque, efectivamente, ela colide com o texto constitucional. A questão, porém, é mais profunda e política.
É política no sentido de que a uma região que tem quase três vezes mais dos seus «filhos» fora da sua terra custa vê-los afastados do direito cívico de votarem para a Assembleia Legislativa Regional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É doloroso que isto aconteça, assim como é doloroso que o texto constitucional impeça que este direito sseja efectivamente consagrado
Fica aqui a declaração perfeitamente solene e assumida de que não paramos nesta luta e de que, em sede própria, designadamente no Código Eleitoral, vamos bater-nos para que este direito, contornando a eventual inconstitucionalidade que agora subsistia, possa efectivamente ser alargado, a fim de que os nossos emigrantes possam participar nessa eleição. E queríamos até que isso acontecesse não apenas para a Assembleia Legislativa Regional, não apenas para a Assembleia da República, mas também para outros órgãos eleitos na nossa estrutura constitucional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta questão, como há pouco o Sr. Deputado Almeida Santos referiu, levanta uma situação delicada, uma vez que também não sei bem se não se poderá considerar que há inconstitucionalidade quando se retira esta norma do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e se mantém uma norma exactamente igual no Estatuto da Região Autónoma dos Açores. De facto, há aqui dois pesos e duas medidas que a Região Autónoma da Madeira não pode compreender nem aceitar. Efectivamente, trata-se de uma discriminação que também não me parece que se coadune muito com os princípios constitucionais. É pena que isso aconteça, pois macula a estrutura institucional e constitucional do nosso país.
Registamos esta discriminação e estranhamos que vise a Região Autónoma da Madeira, uma vez que em relação à Região Autónoma dos Açores e ao respectivo Estatuto nunca tal aconteceu.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, neste momento, estamos a concluir a reapreciação desta matéria e vamos submetê-la à votação, pelo que, finalmente, a Região Autónoma da Madeira vai ser dotada do seu Estatuto Político-Administrativo definitivo.
Quanto ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, que se referiu à existência de outras inconstitucionalidades, designadamente no que diz respeito ao aumento do número mínimo para eleição de um deputado e à norma que impõe que cada círculo eleitoral eleja, pelo menos, dois deputados e ainda ao facto de que esta norma que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional representava, aliás, um perigo para a modificação da geografia eleitoral no âmbito da Região Autónoma, devo dizer que a norma era clara e previa exclusivamente a eleição de dois deputados pelos círculos dos não residentes. Não compreendo, portanto, os receios do Sr. Deputado, uma vez que não vejo como é que na eleição de dois deputados possa haver uma distorção na geografia eleitoral.
Por outro lado, no âmbito das negociações a que deu lugar, o quadro deste Estatuto terá de ser completado com uma promessa do Governo de criar os tribunais de que a região carece, designadamente o tribunal de círculo administrativo do Funchal e o tribunal tributário de 1.º instância, pondo-se fim à aberração de, sempre que os cidadãos da Madeira têm de recorrer ao tribunal fiscal de 1.º instância, tenham de dirigir-se ao Tribunal de 1.º Instância de Évora, que é o tribunal competente. Esta é uma realidade do nosso sistema jurídico! É «gritantemente» inconstitucional, porque não se garante o acesso ao direito e aos tribunais fazendo com que o contribuinte de Ponta Delgada ou de Ponta do Sol, sempre que pretenda reclamar de uma situação fiscal, tenha de dirigir-se a um tribunal que «mete na gaveta» as suas petições e os seus requerimentos.
De qualquer forma, este Estatuto é um instrumento que aprofunda a autonomia, fortalece a democracia, aperfeiçoa a estrutura político-administrativa da Região, engrandece Portugal e, ao mesmo tempo, por ter ficado aquém das aspirações da Região Autónoma da Madeira e do Porto Santo, continuará a constituir estímulo para uma luta

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renovada do povo madeirense com o mesmo esforço e a mesma tenacidade com que lavra a terra, que escasseia, e constrói cidades nas paragens longínquas para onde emigra em busca de horizontes que a ilha não lhe pode dar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, atendendo a que este processo de reapreciação do Decreto n.º 293/V tem uma tramitação regimental própria, constitui a 1.º parte do período da ordem do dia.
Srs. Deputados, em face dos n.º 2 e 3 do artigo 165.º e ainda dos n.º 2 e 3 do artigo 167.º do Regimento, em que neste último artigo o n.º 2 diz: «A votação na generalidade pode versar sobre a expurgação da norma ou normas julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional ou sobre a confirmação do decreto» e o n.º 3 diz: «O texto que na segunda deliberação tenha sido objecto de expurgação das normas julgadas inconstitucionais pode, se a Assembleia assim deliberar, voltar à comissão para efeito de redacção final» - e só depois é que se envia para promulgação -, e uma vez que o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é no sentido de expurgar as normas inconstitucionais - e até já há um texto da própria Comissão com essa expurga -, julgo que a única coisa que temos a fazer, de acordo com o Regimento, 6 submeter à votação, na generalidade, o texto já expurgado das normas declaradas inconstitucionais.

O Sr. Almeida Santos (PS): Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:-Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, penso que nos deveríamos pôr de acordo no sentido de que a expurgação dessa norma implica necessariamente, como é óbvio, uma renumeração das normas seguintes, pois cada uma delas...

O Sr. Presidente: - É isso que consta da redacção da Comissão!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: -Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de esclarecer esta dúvida que o Sr. Deputado Almeida Santos levantou.
Com efeito, penso que tudo se simplifica se a Mesa submeter à votação o texto que a Comissão aprovou, isto é, já com as normas declaradas inconstitucionais devidamente expurgadas e com a renumeração dos números em adaptação a esse expurgo. Assim, ao ser votado, esse texto constitui como que um requerimento a expurgar as normas que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucionais e fixa o texto definitivo, sem necessidade sequer de baixar à Comissão.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, para ser mais rigoroso, penso que não é só a remuneração que deve ser feita, mas é também a nova remissão para os novos artigos. Trata-se de um trabalho cuidadoso que não tem nada de criativo, mas que, enfim, é um trabalho material que tem de ser feito.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de dar o meu acordo às posições que acabam de ser expendidas e de dizer que é perfeitamente possível que, talvez em sede de Comissão, minudentemente, acabemos o trabalho que, aqui, de alguma forma, se determina que façamos: a opção política indeclinável, a solução técnico-jurídica e vinculativa indispensável, após a decisão do Tribunal Constitucional, para depois se aprimorar o texto legal, indo ao encontro do que os Srs. Deputados Almeida Santos e Guilherme Silva exprimiram.

O Sr. Presidente:-Estão ainda inscritos os Srs. Deputados José Magalhães e Guilherme Silva. Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, muito brevemente, gostaria apenas de dizer que, em meu entender, há duas questões a resolver e creio que é fácil resolvê-las.
Em primeiro lugar, o expurgo deve ser feito tal e qual, formalmente, isto é, as normas julgadas inconstitucionais têm directa e identificadamente de ser expurgadas e é nisso que consiste esse trabalho.
Felizmente, a Comissão adiantou algum trabalho preparando um texto que já pressupõe que a Assembleia da República faça o expurgo da forma correcta e depois as outras articulações e remissões que dele decorrem. O que quer dizer que já não vai ser necessário - se todos estiverem de acordo - fazer essa baixa à Comissão para a redacção final, que é uma operação técnico-jurídica já antecipada, e bem, pela Comissão, aliás feita por consenso
Portanto, a nossa tarefa está muito simplificada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Em face de tudo o que ouvi e li, penso que o que vamos votar é o texto já expurgado das normas declaradas inconstitucionais. Assim, uma vez que a Comissão já se pronunciou, não necessita de fazê-lo de novo, pelo que, neste momento, o que está em causa é a votação do decreto expurgado das normas declaradas inconstitucionais. Posteriormente, se for ainda levantada alguma questão, a Comissão poderá analisá-la, mas penso que isso não vai acontecer, porque tudo já foi feito.
Portanto, considerando que estamos todos de acordo, poderíamos passar à votação, na generalidade, do Decreto n.º 293/V -Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira -, expurgado das normas declaradas inconstitucionais.

Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados

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independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e José Magalhães e abstenções dos deputados do PSD eleitos pelos círculos eleitorais da Madeira e dos Açores.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): -Sr. Presidente, gostaria apenas que Ficasse registado no Diário que o texto agora aprovado é o que foi apresentado na Mesa pela Comissão, ou seja, já expurgado das normas consideradas inconstitucionais. Parece-me importante que este princípio fique claro.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso resulta claramente do n.º 3 do artigo 167.º do Regimento. Portanto, a única coisa que deveria fazer-se era a remuneração ou a resolução de qualquer questão de natureza técnica, o que já foi feito.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Como tudo isso já foi feito nesse texto da Comissão, penso que é bom que esse aspecto Fique bem claro.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estamos todos de acordo sobre esse aspecto.
Srs. Deputados, vamos entrar agora na 2.º parte do período da ordem do dia com a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 377/V (PRD) - Programas televisivos destinados à educação para a saúde - e 669/V (PS) - Programas de televisão de interesse público.
Para uma intervenção, tom a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tal a importância e o alcance do diploma que o PRD apresentou hoje para discussão que os objectivos que pretende atingir não carecem de grande justificação.
A promoção, a prevenção e o ensino para a saúde são elementos essenciais e indispensáveis a uma correcta política de saúde.
A promoção da saúde tem em vista criar e desenvolver a possibilidade de os cidadãos disfrutarem do bem-estar promotor de um nível adequado de saúde e da consequente capacidade física e psíquica para o desenvolvimento do trabalho e das relações humanas.
A prevenção da saúde resulta da adopção de comportamentos, actos e atitudes perante as actividades levadas a cabo diariamente, que evitem o aparecimento da doença.
Para a obtenção do que acabamos de expor é indispensável convencer o cidadão de que também ele é responsável não só pela manutenção e promoção da sua saúde mas, igualmente, pela do seu semelhante, pois a doença compromete seriamente não só o indivíduo mas também a vida da comunidade ou do grupo.
Neste sentido, a importância da educação para a saúde e a responsabilidade que ao Estado cabe na promoção da melhoria do nível de vida das populações.
Consciente da enorme importância que os órgãos de comunicação social têm para a informação junto dos cidadãos, necessária a uma correcta política de prevenção, a Comunidade Económica Europeia tem recomendado vivamente aos Estados membros, e em múltiplas vertentes, a promoção de campanhas de sensibilização dos cidadãos através da utilização dos meios de comunicação social, para programas comunitários de combate ao cancro, à sida, à toxicodependência, à segurança e higiene nos locais de trabalho.
Existe, pois, um entendimento generalizado de que é obrigação dos Estados membros promoverem um bom nível de saúde das suas populações através de uma política de prevenção que deve, entre outros aspectos, utilizar abundantemente os órgãos de comunicação social para a educação, para a saúde e para a informação das populações sobre os comportamentos correctos a adoptar no sentido de prevenir a doença.
O diploma, que hoje discutimos, encontra-se alicerçado nestes princípios atribuindo a responsabilidade desta acção pedagógica e informativa à Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários. Entendemos que a este organismo do Ministério da Saúde devem ser cometidas as funções de concepção e execução dos programas televisivos destinados à educação para a saúde, devendo para isso ser dotado dos necessários meios técnicos e humanos. É igualmente de salientar que os encargos financeiros resultantes da elaboração e difusão dos programas, sendo uma necessidade imposta por uma correcta política de prevenção da saúde, devem ser da exclusiva responsabilidade do Ministério da Saúde.
O campo e o âmbito dos programas televisivos de educação para a saúde pode ser tão vasto que se torna quase inesgotável, podendo evoluir à medida que o progresso das sociedades coloca novos problemas em relação aos quais importa alertar o cidadão a fim de que ele possa cumprir a parte da responsabilidade que lhe cabe na promoção da saúde. Sem, de algum modo, pretendermos esgotar o âmbito de intervenção que os programas televisivos para a saúde podem incluir, enunciamos alguns que nos parecem, neste momento, mais pertinentes: a higiene individual e a do meio ambiente, o desenvolvimento do indivíduo, os hábitos e as condições de vida, a capacidade de adaptação dos indivíduos ao meio, as bebidas, incluindo a qualidade da água, a alimentação, o modo de lidar com os lixos, a atmosfera e a poluição, a higiene nos locais de trabalho, a higiene e conservação dos alimentos, a prevenção dos acidentes em casa, na estrada, a higiene nos transportes, no meio rural e no meio urbano, a vacinação, ensinamentos à grávida, a protecção da criança, as posturas correctas, as medidas para a prevenção da saúde mental individual e colectiva, a prevenção da agressividade do alcoolismo e da toxicodependência. Um leque vasto de matérias que, numa abordagem mais ou menos prioritária, podem constituir-se, uma vez tratadas de uma forma correcta, como importantes factores de melhoria significativa da saúde dos Portugueses.
Também a prestação da informação aos utentes dos serviços de saúde existentes, bem como das potencialidades dos meios, modalidades e direitos de acesso aos cuidados de saúde, pode permitir uma orientação correcta dos cidadãos em relação às políticas preconizadas e uma optimização das estruturas e dos meios disponíveis.
Inegável é, portanto, que este projecto de lei transporta potencialidades inesgotáveis, possibilitando ao Ministério da Saúde um meio poderoso -consubstanciado pelas próprias características deste meio de comunicação social - a desenvolver, caso o projecto venha a ser aprovado, com sucesso e resultados visíveis a curto prazo numa política de prevenção para a saúde.

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Sr. Presidente. Srs. Deputados: O projecto de lei do PRD tem um enquadramento legislativo no âmbito do Estatuto da Radiotelevisão Portuguesa que justifica e fortalece a nossa proposta. Na verdade, de acordo com o n.º 3 do artigo 7.º do actual Estatuto, estipula-se que «a RTP facultará, através da Secretaria de Estado da Comunicação Social, até uma hora por semana para emissão de reportagens filmadas ou outros filmes de interesse geral, incluindo filmes relativos à higiene e saúde públicas, à poupança de energia e outras semelhantes».
É um facto que este valioso dispositivo não tem sido formalmente utilizado, mas ele fornece um enquadramento legislativo que legitima acrescidamente a nossa proposta. A inoperância deste mecanismo deve constituir motivo de preocupação e fornecer dados de reflexão sobre as razoes que explicam o incumprimento, também neste aspecto, dos estatutos da Radiotelevisão, com vista à eliminação dos obstáculos que impedem a utilização deste instrumento na formação e informação das populações.
É na perspectiva de eliminar a inoperância desta norma que optamos pela responsabilização do Ministério da Saúde, através da Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, pela execução na totalidade dos programas, despenalizando deste modo a RTP pela oneração e encargos decorrentes e respondendo assim às queixas que neste sentido a empresa pública RTP vem apresentando.
O PS, neste caso, decidiu caminhar no sentido inverso. Referindo-se, de uma forma crítica, tal como nós, ao generalismo das normas previstas na legislação em vigor sobre esta matéria e assacando a essa forma demasiado genérica a ineficácia efectiva da lei, acaba por propor uma solução ainda mais genérica e previsivelmente mais inoperante do que a norma actualmente em vigor. Sem atribuir responsabilidades aos vários organismos ministeriais na prossecução dos objectivos preconizados, o PS acaba também por desresponsabilizar a RTP pela informação e formação do público.
É de ressaltar, de resto, que, como já referimos anteriormente, o Partido Socialista não tinha manifestado ainda quaisquer preocupações desta índole, concretamente pela definição dos fins informativos e formativos do público na programação da RTP. Na verdade, o projecto de lei n.º 625/V, do Partido Socialista, respeitante ao Estatuto da Radiotelevisão Portuguesa, é totalmente omisso nesta matéria, sendo de notar que no artigo 10.º do seu projecto de lei o Partido Socialista defende, em matéria de programação, a competência exclusiva da RTP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os fins do projecto de lei apresentado pelo PRD diferem desde a origem do projecto de lei do PS. O nosso objectivo insere-se no âmbito da política de saúde e não na definição de uma política para a comunicação social. As nossas preocupações, neste agendamento, prendem-se com a promoção de uma política de prevenção e educação para a saúde. O PS, ao contrário, aborda este debate como uma batalha para a comunicação social sobre as competências e atribuições da Radiotelevisão, desvalorizando assim a temática que de facto hoje aqui nos trouxe e nos conduziu na subida a Plenário do nosso projecto de lei: a saúde e, especificamente, os cuidados de saúde primários. Com a sua aprovação, consideramos que será dado um salto qualitativo nesta área fundamental ao bem-estar das populações.
Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.

O Sr. João Camilo (PCP):-Sr. Deputado Barbosa da Costa, pensamos que a educação para a saúde é uma das áreas mais importantes para os cuidados de saúde primários. Pensamos igualmente que a televisão, sendo um instrumento importante para esta área, constitui, ainda assim, apenas um dos vários instrumentos que podem ser utilizados no sentido de a desenvolver e promover.
Não pensa o Sr. Deputado que teria sido mais importante e útil incluir num projecto mais vasto de cuidados de saúde primários o desenvolvimento da área da educação para a saúde e não apenas tê-lo como uma pequena medida avulsa, ainda por cima numa área restrita?

O Sr. Presidente:-Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Deputado João Camilo, direi que estou de acordo consigo relativamente a questão que colocou, na medida em que tudo o que possa largar o âmbito da informação e formação dos cidadãos em áreas tão importantes como a da saúde é fundamental para que esse objectivo seja alcançado. Poderá efectivamente haver alguma limitação no nosso projecto, que não pretende ser um projecto perfeito.
Aceitamos que poderá haver outros meios e instrumentos, designadamente com outros órgãos de comunicação social e através de outras formas, nomeadamente de carácter pedagógico, de intervenção, como acontece com as escolas. Estaremos abertos a iniciativas de outros grupos parlamentares no sentido de melhorarmos este projecto, que fundamentalmente visa a formação e informação da população na educação para a saúde.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS):- Sr. Presidente. Srs. Deputados: O debate que hoje aqui travamos em tomo de dois projectos de lei consiste no essencial na definição do quadro de actuação do serviço público de televisão.
Os projectos do PRD e do PS obrigam a questionar a razão de ser da existência de fins a que se deve sujeitar a actividade de televisão, a delimitar o tipo de obrigações que eventualmente se justifica impor e a encontrar o justo ponto de equilíbrio entre a desejável liberdade e autonomia das empresas operadoras de televisão e o reconhecimento dos seus deveres para com os cidadãos e a colectividade, em geral.
Estes deveres são específicos dos meios audiovisuais. Nos regimes democráticos não há exemplos de legislação que imponha fins específicos à imprensa, embora o reconhecimento do interesse público da sua actividade seja patente, por exemplo, no conjunto de apoios estatais que lhe são conferidos.
Nos audiovisuais é diferente. A concepção de serviço público, tal como se formou na Europa a partir dos anos 40, baseia-se na constatação de que o espaço radioeléctrico é um recurso nacional e o número de frequências limitado, pelo que se impõe a existência de regras garantindo que elas serão utilizadas no interesse geral.
O carácter finito do espaço radioeléctrico - apesar de toda a evolução tecnológica- exige normas sobre o pluralismo informativo e a diversidade da programação.
A regulamentação dos audiovisuais foi igualmente influenciada por um outro factor importante: a televisão e

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também a rádio têm um impacte e uma influência consideráveis na opinião pública.
O reconhecimento da necessidade de encarar os audiovisuais como um serviço público foi, sem dúvida, a principal das razões que explicam o monopólio estatal que perdurou na generalidade da Europa até aos anos 70.
Hoje, a regra é a abertura à iniciativa privada. Todavia, em toda a Europa se reconhece ainda quer a importância de um serviço público, geralmente desempenhado por uma empresa, corporação ou instituto público, quer a necessidade de definição de um conjunto de deveres, menos exigentes, para os operadores privados.
Tem interesse para este debate recordar alguns exemplos dessas obrigações, inscritos na legislação europeia ou dos diferentes países do nosso continente.
A Directiva do Conselho das Comunidades Europeias de 1989 estabelece, entre outras normas, um conjunto de regras relativas à difusão de filmes e de programas originários dos países comunitários.
A Convenção Europeia sobre a Televisão Transfronteiras define igualmente um conjunto de objectivos de defesa da cultura europeia.
A generalidade das legislações de cada país europeu estabelece um vasto conjunto de objectivos: a promoção da cultura e da língua, a valorização dos artistas nacionais, a defesa dos interesses das minorias, a promoção da produção própria original, o respeito pela sensibilidade dos jovens, o desencorajamento das imagens estereotipadas sobre a mulher ou as minorias raciais, etc.
É possível, no entanto, encontrar aspectos mais específicos e originais nas normas de alguns países. Citemos alguns exemplos: a lei austríaca do audiovisual de 1984 define como objectivos, entre outros, a formação da população e dos jovens, através da promoção do ensino escolar e pós-escolar e do desenvolvimento da educação cívica, e o respeito pelo equilíbrio de cada região do Estado federal; a legislação belga estabelece quotas rígidas sobre a programação regional, respeitando o património cultural das comunidades flamenga e francófona; o contrato de concessão da televisão suíça de 1987 cuida igualmente com detalhe do equilíbrio regional e linguístico da programação; a lei que define o funcionamento da Westdeutscher Rundfunk, serviço público do Estado Alemão da Renânia Vestfália, impõe o respeito da programação pela estrutura demográfica da população; a lei do Estado de Hamburgo reserva S % da programação para organizações de beneficência ou não lucrativas que representem um interesse público; uma deliberação vinculativa da Comissão Nacional da Comunicação e das Liberdades - designação até há alguns anos da versão francesa da nossa Alta Autoridade - obriga a que todos os canais privados difundam no mínimo 12 espectáculos por ano de teatro, dança, música e ópera e 10 horas de concertos de orquestras francesas; um dos canais privados franceses - o M6 - está obrigado a produzir 100 videoclips por ano de jovens cantores franceses e de organizar e produzir 10 gravações de espectáculos musicais franceses; com o objectivo de defender a indústria do cinema, a lei francesa estabelece um número máximo de filmes a exibir anualmente (a Antenne 2 teve em 1990 como limite 192, dos quais no máximo 144 puderam ser exibidos antes das 22 horas e 30 minutos); a lei italiana de 1975 fixa uma percentagem mínima de 5 % da programação para intervenções dos partidos, dos interesses locais e regionais, dos sindicatos, das igrejas, das organizações políticas, das associações culturais, dos representantes de cooperativas, dos grupos étnicos e linguísticos, etc.; a lei irlandesa atribui à televisão o objectivo, entre outros, de desenvolver a consciência pública sobre os valores dos outros países; a lei holandesa estabelece quotas mínimas para os tipos de programação (20 % para programas culturais, 25 % informativos, 5 % educativos e 25 % de divertimento).
Os exemplos que vos acabei de referir são característicos, mas não exclusivos, dos serviços públicos de televisão vigentes na Europa.
Nos próprios Estados Unidos da América atribuem-se aos operadores de televisão importantes obrigações: a fairness doctrine, que impede as estações de difundirem apenas um ponto de vista sobre uma questão pública controversa; a personal attack rule, que impõe às estações a obrigação de enviar espontaneamente cópia dos programas que digam respeito a quem tenha sido neles criticado ou negativamente referido; e o equal time rule, que impõe tempos de emissão idênticos nos noticiários e outros programas para candidatos a eleições.
As regras agora propostas nos projectos hoje em discussão não parecem, pois, insólitas ou excessivas.
Aceito que possa ser considerado pouco curial definir tempos de emissão mínimos para um dos aspectos desejáveis da programação, como sugere o projecto do PRD, ou até que se defenda como suficiente a liberdade e autonomia da RTP, confiando no sentido das responsabilidades dos gestores e directores de um serviço público que muitos consideram ser o mais importante meio de formação das mentalidades dos Portugueses.
A experiência parece demonstrar o contrário. Não acuso gestores ou directores. Aponto apenas a iniquidade de um modelo totalmente afastado da sociedade que deveria servir e completamente fechado a qualquer tipo de participação democrática.
A televisão privada terá muitos méritos. Não se espere, todavia, que ela venha preencher o vazio da programação portuguesa cultural e formativa que a RTP tem em parte esquecido. Pelo contrário, a televisão privada poderá contribuir para a massificação e vulgarização da programação da RTP, mais preocupada com as audiências e as receitas publicitárias do que sensibilizada para o tipo de temas que o PS propõe no seu projecto. Ainda estamos a tempo de evitá-lo.

Aplausos do PS e do deputado independente Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados José Carlos Lilaia, António Filipe e José Pacheco Pereira.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos lilaia.

O Sr. José Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho, penso que nas intervenções feitas, quer por V. Ex.ª, quer pelo Sr. Deputado Barbosa da Costa, ficou já bem evidenciada a diferença de objectivos que existe entre a iniciativa do PRD e a do Partido Socialista. De qualquer forma, não quereria deixar de lhe colocar o presente pedido de esclarecimento.
O PS apresentou o projecto de lei n.º 625/V, propondo um novo estatuto da Radiotelevisão Portuguesa. Esse projecto de lei deu entrada na Mesa da Assembleia da República em 20 de Novembro do ano passado, portanto bastante tempo - cerca de um ano e meio - depois de ter dado entrada o projecto de lei do PRD sobre programas televisivos destinados à educação para a saúde.

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Não obstante, o novo estatuto da RTP proposto pelo Partido Socialista não continha qualquer norma que correspondesse à do n.º 3 do artigo 7.º do actual Estatuto. Não temos conhecimento de que este dispositivo tenha sido alguma vez utilizado, pelo menos formalmente. Independentemente disso, o tacto é que constitui um antecedente e um enquadramento que justifica plenamente a nossa proposta.
Feito o agendamento do projecto de lei do PRD, o PS parece encontrar-se na posição de quem foi apanhado desprevenido e resolve apresentar um projecto que altera a lei vigente e não o estatuto proposto. A proposta do PS, além de eliminar uma norma que era, em si mesma, boa, substituindo-a por uma outra genérica e ainda mais inoperante, parece pretender, por essa via, tirar qualquer significado ou interesse à proposta do PRD, eliminando o precedente que inspirou o nosso projecto. Mas não só! O PS apresenta agora um projecto para alterar um estatuto que ele próprio pretende revogar.
Ao PRD este comportamento suscita, legitimamente, compreensíveis dúvidas que, em alternativa, gostaria de ver esclarecidas pelo Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho. Das duas uma: ou o PS, ao apresentar o projecto de novo estatuto da RTP, não sabia ainda muito bem o que queria e está disposto a rever o seu próprio projecto de estatuto, ou o PS sabe perfeitamente o que quer e o facto de alterar uma lei que pretende revogar e de agendar apressadamente um projecto de lei de valor não mais do que abstracto, porque inoperante, dá-lhe a possibilidade de obter «tempo» neste debate, prejudicando, assim, a discussão profunda dos problemas de saúde derivados por uma falta de informação dos Portugueses, desviando o lema para a comunicação social.
Obviamente que o Partido Socialista tem todo o direito de apresentar os projectos que entender e quando entender. Não é isso que está em causa. O que está em causa é que o PS aparece apressadamente a secundar e a deturpar iniciativas de outros partidos, como que a querer provar ao mundo e a si mesmo que é «homem».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso deixar de aqui manifestar que o PRD sente, mais uma vez. estar perante uma atitude de alguma «deslealdade democrática» por parte do Partido Socialista, não perante o PRD, mas perante o debate sério que o Parlamento deveria hoje realizar sobre a melhor forma, ou uma das formas, de ultrapassar os problemas de saúde directa e indirectamente resultantes das deficiências da informação na área dos cuidados primários de saúde.
Estou certo de que o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho não deixará de esclarecer a questão que acabo de lhe colocar. Em lodo o caso, ficará registado o nosso reparo.

O Sr. Presidente: -Sr. Deputado, uma vez que há mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, pergunto se deseja responder já ou no final.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS):-No final. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado Arons de Carvalho, V. Ex.ª terá de reconhecer que. face ao projecto inicialmente apresentado pelo PRD. o projecto de lei ora apresentado pelo PS não vem muito a propósito.
Efectivamente o projecto de lei apresentado por V. Ex.ª transcende tanto o âmbito do apresentado pelo PRD que transforma este debate em dois. Isto é, enquanto o projecto de lei apresentado pelo PRD é apresentado na perspectiva da educação para a saúde equacionando a utilização de um meio de comunicação social como a televisão ao serviço desse objectivo, o do PS é exactamente o contrário, ou seja, tem um âmbito diferente, qual seja o de nos confrontar com o papel do serviço público de televisão.
O meu pedido de esclarecimento versa precisamente este tema. Isto é, a ideia subjacente ao projecto de lei do PS é interessante no sentido de responsabilizar a televisão, e em concreto a RTP, pela emissão de um determinado tipo de programas considerados de interesse público ao mesmo tempo que define, de forma algo vaga -segundo o preâmbulo do projecto de lei-, a liberdade de programação da RTP. Nesse sentido, a questão que coloco é a seguinte: o Partido Socialista entende que este encargo de transmissão de programas de interesse público deve ser exclusivo da RTP, do serviço público de televisão? Ou, ao contrário, é um encargo que decorre das finalidades gerais da actividade de televisão?
Lembro ao Sr. Deputado que a lei que estabelece o regime da actividade de televisão-e que aprovámos nesta Assembleia- determina, como fins da televisão e não apenas como fins do serviço público de televisão, «contribuir para a informação e formação do público»; «contribuir para a promoção educacional do público»; «contribuir para a informação, a recriação e a promoção educacional e cultural do público»; «promover a criação de programas educativos ou formativos»; e ainda «contribuir para o esclarecimento, a formação e a participação cívica e política da população».
Ora bem, estes encargos são impostos pela Lei da Televisão não apenas ao serviço público de televisão mas, em geral, a qualquer operador de televisão, seja público ou privado.
Assim, a questão que coloco é a seguinte: o PS pretende com este projecto de lei restringir estes encargos apenas ao serviço público de televisão? É que, se for assim, chamaria a atenção para o facto de a RTP ser uma empresa que, futuramente, irá ser partida em duas - uma, que ficará com a rede de difusão e de distribuição do sinal e, outra, que será a RTP em sentido estrito - mas que, ao mesmo tempo, ainda não viu estabelecidas as contrapartidas da perda de receitas resultante da justa extinção da taxa de televisão.
Por outro lado, a RTP tem um conjunto de encargos fixos que tem que respeitar e que não terão que ser considerados pelos futuros operadores privados de televisão.
Assim, per junto como se pode impor ao serviço público de televisão (e apenas a este) encargos onerosos de programação sem que isso vá distorcer decisivamente as regras de concorrência, dado que se pretende que a RTP concorra, o mais possível, em condições de igualdade com as restantes televisões, e que contrapartidas prevê o Partido Socialista para estes encargos especificamente impostos ao serviço público de televisão.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado José Pacheco Pereira.

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O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar quero dizer que verifiquei, com gosto, que as duas intervenções anteriores, quer do Sr. Deputado do PRD quer do Sr. Deputado do PCP, levantaram questões pertinentes. É que, de facto, a intervenção do Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho coloca-nos um problema que decorrerá, certamente, do facto de o Partido Socialista ter neste momento quotas de produtividade legislativa e assim ter necessidade sobre tudo e sobre nada de apresentar projectos de lei.
No entanto, o problema é que não basta apresentar projectos de lei sobre todas as matérias, é preciso que eles tenham alguma substância - e este, na realidade, não tem nenhuma. Primeiro, porque duplica legislação já existente; segundo, porque é uma mera resposta, rápida e um pouco atabalhoada, à iniciativa que tomou o PRD.
E a prova de que é assim 6 o facto de V. Ex.º ter estado a falar da tribuna durante 10 minutos e nada ter dito de relevante em relação ao texto legislativo que apresentou.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - V. Ex.ª entrou a meio da minha intervenção!

O Orador: - No entanto, o que disse foi relevante para mostrar que, apesar da aparente vontade liberal do PS em matéria de televisão, o Partido Socialista não escapa ao gosto de colocar uma lista extensiva de tudo o que é a intervenção do Estado no domínio da programação televisiva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, o valor da sua intervenção não é tanto o texto que apresenta nem a relação entre o texto legislativo que apresenta e aquilo que disse mas, sim, aquilo que está inconscientemente referido no seu texto. Ou seja, o que V. Ex.º gostava é que somássemos toda essa diferente legislação europeia e que com ela estipulássemos uma regulamentação estrita daquilo que é a programação televisiva.
Pretendendo hoje ser liberal quanto à posse e à gestão da televisão, o Sr. Deputado é bem pouco liberal quanto à programação, que, no fundo, é fundamental.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Responderei, uma a uma, às perguntas que me foram dirigidas.
O Sr. Deputado Carlos Lilaia pareceu ignorar - penso eu - a prática parlamentar, pois são frequentes os casos em que os partidos políticos pedem para agendar projectos que tem uma relação evidente com outros anteriormente apresentados. E tanto é assim que o próprio PRD, há tempos atrás, apresentou nesta Assembleia um projecto de lei sobre as finanças dos partidos posteriormente a o Partido Socialista tê-lo feito e os dois projectos foram agendados e discutidos em conjunto. Nessa ocasião, a reacção do PS foi nula, como é evidente. Assim, não percebo o incómodo do PRD, a não ser que o PRD esteja numa tal ânsia de evidência que precise de um espaço só dele para apresentar os seus próprios projectos sem qualquer concorrência.
Aliás, digo-o desde já, pensamos que o projecto de lei do PRD tem virtualidades, pois é uma boa intenção mas mal concretizada. Nesse sentido, pensámos que seria útil para o debate e para esta Assembleia tentar aprovar um projecto de lei que pegasse no projecto do PRD, na ideia bem intencionada do PRD, e a concretizasse numa forma mais exequível e mais aceitável. Foi isso que nos limitámos a fazer.
Ao Sr. Deputado António Filipe direi que estou de acordo com algumas das suas afirmações. Em todo o caso, existe uma diferença evidente entre os deveres que são exigíveis a um serviço público desempenhado por uma empresa pública como a RTP e os deveres que são exigíveis aos operadores privados. Essas diferenças são evidentes em toda a Europa, ou seja, há regras estritas e fins que são específicos de um serviço público e há regras, menos exigentes, para os operadores privados das quais se pode inferir que estes, apesar de serem privados, prestam um serviço de interesse público. Alguns dos exemplos que dei são de operadores privados que têm, em todo o caso, deveres para com a colectividade, para com os cidadãos, que são extremamente exigentes e que incomodariam bastante o Sr. Deputado José Pacheco Pereira, se não tivesse acontecido ele ter chegado a meio da minha intervenção...

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Se ele tivesse ouvido toda a intervenção, teria ficado certamente mais incomodado.

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Está enganado! Ouvi tudo!

O Orador: - O Sr. Deputado não chegou no princípio da minha intervenção mas a meio! Se ouviu tudo ou não...

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Cheguei quando V. Ex.ª dizia «Sr. Presidente, Srs. Deputados:»!

O Orador: - Isso é uma deturpação evidente do que aconteceu na prática.
Retomando a resposta ao Sr. Deputado António Filipe, devo dizer que estou de acordo em que há uma diferença entre os projectos de lei aqui apresentados. O projecto do PRD é muito restritivo em relação às exigências a ter face a um serviço público. Penso que, se fosse aprovado, cairíamos no risco de, amanhã, termos um projecto idêntico sobre outra área de interesse e a programação da televisão completamente espartilhada e, consequentemente, a autonomia e a liberdade da empresa serem completamente anuladas, o que me parece ser completamente indesejável.
No entanto, estou de acordo em que terá de haver - e o próprio Governo está a estudar isso (quanto levará a estudar o assunto nunca se sabe!) - uma indemnização compensatória atribuída à RTP - o que, certamente, incomodará bastante o Sr. Deputado José Pacheco Pereira - como contrapartida da prestação de um serviço público. Esse assunto está a ser estudado e a solução com a qual, aliás, concordo aparecerá mais tarde ou mais cedo. Resta--nos esperar para vermos se essa indemnização não porá em causa a concorrência entre a RTP e os operadores privados!... Penso que essa concorrência será desleal se, por exemplo, não se limitar o tecto de publicidade no

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serviço público. Mas, enfim!, vamos ver qual será o montante dessa indemnização e como será gerido esse problema da concorrência entre a televisão pública e privada.
O Sr. Deputado José Pacheco Pereira começou por se referir às quotas de produtividade legislativa do Partido Socialista. Penso, porém, que nem o Sr. Deputado nem o PSD têm legitimidade para falar dessa questão, pelos motivos que passo a expor.
No dia 20 de Novembro do ano passado, o Partido Socialista apresentou um conjunto de projectos de lei a esta Assembleia e no qual figurava o tal estatuto da RTP que o Sr. Deputado Carlos Lilaia referiu e outros como, por exemplo, o estatuto da RDP, centros regionais, a ratificação de uma convenção europeia sobre televisão sem fronteiras, etc. Como o Sr. Deputado sabe melhor do que ninguém, esses projectos caíram em cesto rolo, ou seja, a Subcomissão Permanente de Comunicação Social, por exclusiva responsabilidade do PSD, tem-se recusado a reunir e tem havido, na prática, um veto de gaveta gravíssimo...

O Sr. Narana Coissoró (CDS):-Não é de gaveta, é de arca congeladora!

O Orador: -... por parte do PSD a esse e a outros conjuntos de diplomas sobre a comunicação social, tal como acontece em relação aos inquéritos relativos à RTP e à atribuição de canais regionais. Também aqui o PSD tem feito um veto que não é regimental nem democrático.
Assim, o Sr. Deputado José Pacheco Pereira, em vez de falar em quotas de produtividade legislativa, devia tentar resolver a questão do seu próprio partido, ou seja, a capacidade ou não para ter uma Subcomissão Permanente de Comunicação Social a funcionar. Penso que faria muito melhor se olhasse para si próprio e para o seu partido e resolver essa questão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:-Em relação a uma outra questão, dir-lhe-ei o seguinte: V. Ex.ª, como sempre, confunde a intervenção do Estado com a do Governo. O Partido Socialista pensa que se justifica um serviço público de televisão a ser desempenhado por uma empresa pública - tal como o PSD, pelo menos aparentemente, parece estar de acordo, que não o Sr. Deputado José Pacheco Pereira-mas não confunde a intervenção do Estado com a do Governo.
Nós pensamos que o projecto de lei que aqui apresentámos hoje talvez fosse completamente desnecessário caso a empresa pública RTP tivesse um estatuto participado, democrático e no qual a sociedade civil estivesse representada.
No entanto, o projecto que apresentámos em 20 de Novembro, como muito bem disse o Sr. Deputado Carlos Lilaia. não incluía qualquer norma parecida com a que hoje está a ser discutida, porque considerámos que no quadro desse estatuto uma norma de tal tipo talvez não fosse justificável. Só que, no quadro do boicote que o PSD faz à própria discussão desse estatuto e no quadro do atraso injustificado e ilegal que o Governo tem utilizado em relação à aprovação do estatuto da RTP -recordo que o Governo devia ter publicado o novo estatuto da RTP, de acordo com a Lei da Televisão, até ao dia 7 de Janeiro e, passado mais de um mês, não há estatuto -, este projecto é necessário. Assim, como se mantém o Estatuto actual, este projecto tem todo o sentido. E havendo um debate com uma ideia - repito - bem intencionada mas mal concretizada do PRD, o projecto de lei do PS continua também a ter sentido.

Vozes do PS: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Maninho.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.

O Sr. Joio Camilo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a educação para a saúde o que nos atrai neste debate. É que a educação para a saúde é uma das mais relevantes áreas de intervenção dos cuidados de saúde primários na sua vertente da promoção da saúde e da prevenção da doença. Nela têm primordial papel os centros de saúde, a equipa de saúde pluridisciplinar e a Comissão Consultiva do Centro de Saúde, em representação dos utentes.
Mas é também nesta particular actividade que melhor se evidencia a necessária e complementar participação das instituições estatais, das populações organizadas através das autarquias, associações sindicais e cívicas e colectividades, das empresas públicas e privadas.
Se a televisão, pelo seu enorme poder de penetração e persuasão, é uma peça indispensável para o desenvolvimento das acções de educação para a saúde, não é, porém, a única ou a decisiva forma de as promover. Com efeito, são os profissionais de saúde da área dos cuidados primários que, junto da comunidade, devem assumir o principal papel na criação de hábitos e comportamentos, visando a preservação da saúde.
E é por isso que devemos aproveitar esta oportunidade para questionar o Governo sobre quais têm sido as medidas, os apoios, as iniciativas, os incentivos na área dos cuidados primários de saúde para que sejam atingidos os seus anunciados objectivos consignados na actual Lei de Bases de Saúde.
Como compatibiliza o Governo a alínea H) do n.º 1 da base II da Lei de Bases (e cito): «É incentivada a educação das populações para a saúde, estimulando nos indivíduos e nos grupos sociais a modificação dos comportamentos nocivos à saúde pública ou individual», com o ostensivo abandono a que votou os cuidados primários de saúde, descapitalizados pelo Orçamento de Estado e pelo PIDDAC e reduzidos, por falta de claras medidas de uma política coerente, ao simples papel de fornecedores de consultas na pior tradição das famigeradas «caixas»?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Bem perguntado e bem observado!

O Orador:-Como pode haver educação para a saúde, quando a actividade viva e dinâmica dos centros de saúde é coarctada e os profissionais de saúde tem que limitar a sua acção às rotinas de um trabalho burocratizado?
Onde está a intervenção das equipas de saúde junto das escolas, das empresas, das famílias, colocando o centro de saúde junto da população e não esperando que sejam apenas os cidadãos doentes que o venham procurar?
Para quando uma hierarquia técnica bem definida em cada centro de saúde que, por um lado, atribua funções e delimite responsabilidades e, por outro, harmonize o trabalho dos diversos profissionais que devem cooperar nos planos e objectivos traçados?

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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - O que é elementar!

O Orador: - Sem isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não haverá educação para a saúde. É por isso que a preocupação de pôr a televisão a cumprir o seu importantíssimo papel de serviço público e, no que à RTP diz respeito, regulamentar o n.º 3 do artigo 7.º dos seus estatutos, sendo naturalmente louvável, fica longe de responder ou atacar a raiz do problema.
Afigura-se-nos um pouco desadequado que a Assembleia da República seja chamada a legislar sobre matéria já contida na Lei n.º 58/90 e que, aliás, era obrigação do Governo ter regulamentado.
Apreciando os projectos em discussão, parece-nos que seria mais curial que o PRD tratasse a educação para a saúde e os seus instrumentos no âmbito de um projecto de lei para os cuidados primários de saúde, como aliás o fez o PCP, por mais de uma vez. Assim, ao abordar tão relevante tema, deixando de lado aspectos essenciais, o PRD corre o risco de tentar «caçar leões com fisga».
Por seu turno, o projecto de lei do PS limita-se a particularizar disposições já contidas no n.º 3 do artigo 7.º do Estatuto da RTP, o que, não merecendo em si reparo de maior, também não é de molde a suscitar qualquer entusiasmo.
Seria bom que em ambos os projectos ficasse consignada a responsabilidade formativa e educacional não só dos dois canais de televisão existentes e dos que se venham a criar como também a dos outros órgãos da comunicação social. E não seria de mais assegurar que os tempos a atribuir ao serviço público não sejam utilizados para propaganda política do Governo, dos partidos ou de actividades com fins lucrativos.
Mas, enfim, não será por nós que os projectos de lei agora em apreço deixarão de baixar à Comissão para apreciação na especialidade, onde poderão, por certo, beneficiar da contribuição de todas as forças políticas, numa matéria que pensamos ser largamente consensual.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reconhecendo a importância da televisão como um poderoso e útil meio de difusão para dar a conhecer os problemas relacionadas com a saúde, nomeadamente sobre prevenção e profilaxia, e embora estando de acordo com essa importância, consideramos que os projectos de lei n.º 377/V, do PRD, e n.º 669/V, do PS, agora em discussão, têm, no entanto, condicionantes que merecem reflexão.
Assim, se analisarmos o articulado dos projectos de lei, verifica-se que contrariam, em nosso entender, não só o preceito constitucional relativo aos meios de comunicação social mas também o estatuto do diploma sobre o regime da actividade da televisão.
O artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa estabelece no seu n.º 4 que «o Estado assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político [...]» e no n.º é que «a estrutura e o funcionamento dos méis de comunicação social do sector público devem salvaguardar a sua independência perante o Governo, a administração e os demais poderes públicos [...]»
O exercício da actividade de televisão encontra-se regulamentado na Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro, sendo um dos seus fins genéricos, no quadro dos princípios constitucionais vigentes o de «contribuir para a informação e formação do público [...]» [artigo 6.º, n.º l, alínea a)] e um dos fins específicos o de «assegurar a independência, o pluralismo, o rigor e a objectividade da informação e da programação».
Neste mesmo sentido, estabelece ainda o n.º 2 do artigo 15.º que «o exercício da actividade de televisão é independente em matéria de programação, salvo nos casos contemplados na presente lei e a Administração Pública ou qualquer órgão de soberania, com excepção dos tribunais, não podem impedir ou condicionar a difusão de quaisquer programas».
Em matéria de programação a lei especifica, artigo a artigo, os casos excepcionais que a actividade de televisão deve observar. A lei não impõe, mas tão-somente refere, «sempre que possível», o que é bem demonstrativo da defesa da independência da programação televisiva.
Assim, não será de admitir uma iniciativa legislativa que venha impor uma determinada programação, pois viola o n.º 2 do artigo 202.º da Constituição, o que torna os projectos inconstitucionais.
A divulgação obrigatória, conforme prescreve o artigo 24.º da Lei n.º 58/90, nomeadamente os comunicados e as notas oficiosas, deve obedecer estritamente ao consignado na Lei de 26 de Março.
São situações que pela sua natureza justificam uma informação oficial em situações de emergência.
E se tivermos em conta o n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 321/80, de 22 de Agosto, que contempla uma hora por semana, repito, uma hora por semana de emissão para programas relativos a higiene e saúde públicas, poupança de energia, e outros semelhantes, mais se nos afiguram irrelevantes estes projectos de lei.
Face aos argumentos aduzidos, julgamos que a iniciativa não é de modo algum viável não só pelas razões de ordem jurídica já enunciadas mas também por considerarmos que o objectivo que os projectos de lei agora em análise pretendem alcançar tem vindo a ser cumprido pela Radiotelevisão Portuguesa, dando aos Portugueses verdadeiras acções de formação e informação pública, com várias campanhas em que podemos destacar, entre outras, campanhas sobre a sida, tabagismo, alcoolismo, gripe, mês do coração, Projecto Vida, prevenção rodoviária e muitos outros.
Podemos finalizar dizendo que a Radiotelevisão Portuguesa não espartilhada pelo Governo tem produzido um válido trabalho neste sector.
Desejamos mais e melhor e estou certo de que a televisão e as entidades interessadas saberão encontrar os melhores meios para servir os Portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado António Bacelar, desejo fazer-lhe, apenas, duas perguntas.

Os dois projectos de lei presentes têm como única finalidade desenvolver o artigo 7.º do Estatuto da RTP, actualmente em vigor.

V. Ex.ª, a propósito deste simples desenvolvimento - repito, e não se trata mais do que isso - do não 3 do

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artigo 7.º, levanta problemas que nunca foram colocados em relação ao Estatuto da RTP.
Com efeito, nunca ninguém pôs em dúvida a constitucionalidade deste artigo; nunca ninguém defendeu que este artigo 7.º do Estatuto da RTP contrariava a independência ou a autonomia da RTP na elaboração dos seus programas; nunca ninguém afirmou, também, que estávamos perante uma pirâmide do Egipto, isto é, que ninguém pode tocar nela porque foi feita per ornato século seculorum. Quer dizer esta faculdade foi o próprio legislador que a indicou à RTP, dizendo que ela deve. dentro dos princípios fundamentais da matéria de programação, fazer A, B, C, D, E, F, etc., e, depois, no n.º 3 vem dizer que, através da Secretaria de Estado da Comunicação Social, deverá fazer isto e aquilo. Tudo isto revela que o preceito é de natureza indicativa e não injuntiva e, por isso, meramente orientador.
Ora, se é um preceito orientador, cabe ao próprio legislador, que somos nas, dizer agora, mais e melhor, o que se deve acrescentar de harmonia com as necessidades actuais.
V. Ex.ª, dali, do alto da tribuna, falou de sida. Mas a RTP tem feito, através dos programas de Laura Aires, a pedagogia para a prevenção da sida, e isso não consta no preceito. Mas, se, por exemplo, fosse presente uma proposta de lei a dizer que a mesma pedagogia deve fazer-se contra o alcoolismo, contra o tabagismo, contra a droga, contra a obesidade, V. EX.ª iria levantar os problemas de constitucionalidade. de independência da RTP, enfim, todos esses problemas que ficam muito bem num discurso florido mas nada têm com a matéria?
Olhe, Sr. Deputado, V. Ex.ª, ontem à noite, eslava alento ao programa da RTP e viu aquele programa do Sr. Letria, onde punha um deputado à frente de uma bicha a furar toda a gente e fazia outras deste género? Acha que aquilo é que é independência da RTP? Acha que aquilo é independência perante os órgãos políticos e poderes públicos? Acha V. Ex.ª que a RTP portou-se bem com aquela difamação dos deputados? Isto não merece o seu reparo dali, do alto da tribuna, de modo a dizer ao País que a RTP abusa da sua independência quanto maltrata os órgãos de soberania? V. Ex.ª sentiu-se retratado naquela figure de pseudodeputado, de «deputado iletriado»? Pêlos vistos, V. Ex.ª sentiu-se bem, mas eu senti-me mal!
Quando aparecem aqui projectos de lei a dizer o que se deve fazer na RTP quanto à pedagogia de educação de saúde, que se devem abrir debates, que se deve falar do ambiente, ele., dando, enfim, uma orientação que não obriga a RTP, e muito menos o Sr. Moniz, porque quem obriga não está na lei. o PSD. do alto da tribuna, vem dizer que isto é inconstitucional e não é preciso!
Por isso, pergunto que mal vem ao mundo se a Assembleia da República, dentro da sua competência, disser à RTP que é um serviço público, que veja se fida um pouco mais de ambiente, de saúde, de educação, de desporto, de política e de outras coisas mais? Onde é que está o agravo? A que título V. Ex.1 foi buscar a independência, a autonomia, a inconsiitucionalidade da RTP? E para quê se, afinal, o artigo 7.º vai ficar acrescido, apenas, de alguns desenvolvimentos? Ou é a tal vontade do PSD de que tudo o que vem da oposição tem de ser chumbado porque é necessariamente mau e só aquilo que o Governo fia é que é bom. aquilo que nos fazemos deve ser rejeitado porque o vosso poder parlamentar é absoluto e intocável? Ou têm de mostrar que a oposição não faz nada e tudo que vem da oposição é contra o «interesse nacional»?
Ó Sr. Deputado, por amor de Deus, não sejam sectários! E deixe lá essas inconstitucionalidades, essa independência da RTP para quando tiver ocasião de falar delas a propósito e não de uma mera reformulação do n.º 3 do artigo 7.º Que diabo, afinal, não é mais que uma mera reformulação do artigo com a junção de mais algumas expressões que nada tiram mas sã aumentam! E a RTP, se quiser seguir, segue, se não quiser, não segue! Mas naturalmente que não segue porque agora vem a campanha eleitoral e tem muitos outros programas de que V. Ex.ª vai gostar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente:-Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, agradecendo as suas palavras, começo por lhe dizer que, do alto da tribuna, referi-me única e simplesmente aos projectos de lei que estavam hoje em discussão.
Quando V. Ex.ª me diz se eu por acaso vi, ontem, na radiotelevisão e se não me insurgi contra isso, contra uma brincadeira...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - De mau gosto!

O Orador: -No seu entender, mas eu acho que temos de ter...

O Sr. Narana Coissoró (CDS):-Ah, no seu entender é bom gosto?!

O Orador: - Não, não, Sr. Deputado. É que temos de ter o senso de humor! Aliás, podemos gostar ou não gostar-para isso é que há vários programas -, mas não vinha hoje para o caso, na discussão destes projectos de lei, ter de referir fosse o que fosse acerca do programa de ontem.
Porém, V. Ex.ª quis fazê-lo e, uma vez que teve oportunidade, fê-lo agora.

Vozes do PS:-E muito bem!

O Orador:-O problema é de V. Ex.ª Não tenho nada com isso.

Em relação ao articulado do n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 321/80, disse, do cimo da tribuna -e repito-o-que já se contempla uma hora por semana para programas relativos a higiene e saúde públicas.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS):-Não é cumprido!

O Orador:-Antes de responder ao aparte do Partido Socialista, queria ainda dizer ao Sr. Deputado Narana Coissoró que, por exemplo, a RTP, no programa matinal, uma vez por semana-e sei porque o vejo muitas vezes-, apresenta problemas sobre obstetrícia e ginecologia na Radiotelevisão Norte. Tem ainda um pequeno programa sobre medicina desportiva dado por médicos competentes.
Será por acaso que V. Ex.ª só viu na radiotelevisão programas sobre a sida? Será que V. Ex.ª não viu programas sobre o tabagismo, o alcoolismo, o mês do coração, o Projecto Vida, prevenção rodoviária, vacinações, e

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muitos outros? Será que V. Ex.ª considera que isto não vale a pena? Será que V. Ex.ª acha que não é necessário aumentar tudo aquilo que está feito e que se vai fazendo no projecto de lei que o Partido Socialista quer fazer passar nesta Assembleia? Isto não é uma questão de birra, Sr. Deputado! É. afinal, uma questão de que as coisas existem, podem fazer-se e não há razão para modificar uma coisa que já de si se pode fazer!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os dois projectos de lei que hoje aqui nos aparecem são, naturalmente, bem-vindos. E são bem--vindos por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, pelo facto de a RTP ter, hoje em dia, alguns dos programas não quer de forma alguma dizer que a Assembleia da República, através dos seus deputados, e como intérprete da opinião pública, diga ao maior órgão da comunicação social que hoje temos e que influencia decisivamente a educação, a cultura, a opinião pública, a formação e a informação dos Portugueses que tenha em atenção determinados temas que a esta Assembleia parece absolutamente necessário deverem ser incluídos na sua programação normal.
Naturalmente que só uma deformação profissional pode levar à conclusão de que o facto de pedir esta inclusão é uma crítica à RTP. Quer dizer: a RTP tem de ser tão bem guardadinha de tudo quanto se diz nesta Assembleia que logo que se fale da RTP há uma mola que faz saltar um deputado...

Risos do PS.

...do PSD para dizer «Não falem da RTP porque ela é independente e boazinha!»

Ora, nestes dois projectos, ninguém pôs em causa a independência da RTP, ninguém pôs em causa que a RTP esteja a fazer programas semelhantes aos propostos, ninguém, neste debate, pôs em causa que os programas que estavam a ser feitos -e eu até dei o exemplo do programa da Laura Aires - eram maus.
Agora, a partir do argumento a contrario, diz-se: «O PRD propõe educação sobre saúde é porque quer retirar todos os outros programas actuais da RTP, substituindo-os pelo seu e, se o PS quer um debate sobre direitos, liberdades e garantias ou sobre temas políticos, então, é preciso tirar todos aqueles debates da Primeira Página que o Mário Crespo faz quando se entrevista a si próprio.
Portanto, não é a contrario sensu que isto tem de ser interpretado. Isso é uma deformação política de alguns deputados do PSD, que, todas as vezes que há uma iniciativa da oposição, logo a interpretam com desconfiança, no sentido do que o que a oposição quer é prejudicar aquilo que está a ser bem feito!
Ora, não é isso que a oposição pretende! Todos nós achamos que é bom aquilo que realmente existe de bom na televisão, assim como reputamos como mau aquilo que na verdade é mau!
Portanto, o que o CDS quer dizer é que estes dois projectos de forma alguma são projectos políticos, nada tendo que ver com os poderes do Governo, ou da maioria que a tutelam mas com a formação e a informação da opinião pública nacional. E penso que a formação e a informação dos Portugueses é um tema que não deve dividir as bancadas. Pelo contrário, devemos é dar as mãos para que o serviço público de televisão seja melhor.
Na verdade, diz-se que a RTP dedica uma hora a determinados temas. No entanto, se a RTP puder conferir mais algum tempo ao tema dos cuidados primários de saúde, isso será bom. Se para além daqueles programas políticos que está a fazer, puder organizar programas sobre a defesa dos direitos, liberdades e garantias, e debates entre líderes políticos, isso será bom.
Não foi aqui dito que a RTP deve substituir os programas que actualmente faz para que estes projectos tenham cabimento. A única coisa que se propõe é no âmbito do quadro orientador que agora se encontra no artigo 7.º, que se mantém tal como está, acrescentando-se algo mais. Ora, isto não quer dizer que a RTP abandone todo o artigo 7.º para correr atrás do n.º 3 deste preceito, conforme os projectos do PS e do PRD.
Por conseguinte, é esta a nossa interpretação. Podia dizer-se que é utópico, que se gaste uma tarde inteira na Assembleia da República a discutir programas que a RTP já transmite e não vai ouvir o que aqui se diz. Porém, acho que as iniciativas legislativas não se perdem pelo facto de fazerem perder o tempo de alguns deputados. Há muitos debates que aqui se fazem e realmente perdem muito do nosso tempo. O PSD, aliás, sabe como eles se fazem...
Assim, se o PRD apresenta aqui um projecto para reformular melhor o n.º 3 do artigo 7.º, não vejo em que medida é que isso fere a susceptibilidade da RTP, onde é que fica prejudicada a sua independência, onde é que a Constituição é violada ou onde é que a autonomia de direcção dos programas fica manchada. A única coisa que vejo é a má vontade dos deputados do PSD perante as iniciativas de outros grupos parlamentares. E se é isto que realmente se passa, então não vale a pena travar aqui debates.
Na verdade, todas as iniciativas dos deputados da oposição vão para a arca congeladora e nunca mais daí saem.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - É para não se estragarem!

O Orador: - Isso é verdade. Porém, ficam tão duras que, ao dar na cabeça da maioria, começam a doer...
Por conseguinte, esta é para nós uma iniciativa louvável e que em nada prejudica aquilo que a RTP está a fazer. Com efeito, reformular esta orientação não quer de forma alguma dizer que a RTP perca a sua independência, o seu critério comercial, o seu critério informativo; enfim, todos os critérios que adopte para dar satisfação a essa injunção meramente declarativa que os dois projectos advogam.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, lamento impedi-lo de se ir embora mais cedo, mas gostava de perceber que mola é que o faz mover. É que é óbvio que essa mola não é idêntica todos os dias...
Quer dizer, andamos nós, nos últimos anos, a tentar progressivamente entregar à sociedade civil os órgãos de

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comunicação social, procurando encontrar mecanismos que retirem ao Estado e ao Governo os meios de intervenção na comunicação social, para chegarmos a uma situação em que o Sr. Deputado-que, tanto quanto eu saiba, é liberal nestas matérias e deseja menos Estado- acaba por sancionar e justificar uma prática que daria origem a um controlo da programação da televisão, neste caso, pelo Parlamento. Ë que o caminho que se poderia iniciar aqui hoje era o de definir, através de sucessivas normas legislativas, a programação da televisão. É isso que o PS faz com os projectos dos debates e é isso que, de alguma maneira, estes ...

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Os projectos dos debates são outra coisa!

O Orador:-É outra coisa, mas o sentido é o mesmo, ou seja, do nosso ponto de vista, é inadmissível, e vai no sentido contrário daquilo que tem sido a tentativa de retirar ao controlo do Estado e do Governo os órgãos de comunicação social estatizados -a começar pela privatização desses mesmos órgãos -, que a Assembleia passe a controlar a programação da televisão através de projectos de lei aqui apresentados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): -Ninguém sugeriu isso!

O Sr. Presidente: - Para responder, em tempo cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, nós não vamos aqui jogar com as palavras, porque V. Ex.ª está deliberadamente a fazer uma confusão entre a liberalização dos meios de comunicação social e as orientações para um serviço público. Isto é, enquanto tivermos a RTP como um serviço público, e não sou pela existência de um serviço público enquanto todos os canais não forem privados, enquanto tivermos dois canais que são monopólio do Estado, para prestar serviço público e, definidos como tal, compete-nos a nós, deputados, pelo menos dizer como é que este serviço público deve orientar-se. Ora, isto não é estatizar e não é partidarizar o serviço público ou levar a RTP a fazer isto ou aquilo contra a sociedade civil.
Agora, Sr. Deputado Pacheco Pereira, diga-me sinceramente se os deputados desta Assembleia da República, em vez de escreverem artigos no Diário de Notícias, no Público, no Jornal de Notícias, no Comércio do Porto ou n.º A Capital, dizendo que a RTP não faz isto ou aquilo sobre lemas considerados de manifesto interesse nacional -e não de interesse partidário ou do Governo - como a educação, a saúde, o ambiente, os direitos, liberdades e garantias, acha V. Ex.ª que dizer isto a um serviço público é esiatizá-lo?

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Posso interrompe-lo, Sr. Deputado?

O Orador: -Com certeza, o tempo é seu!

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD):-Sr. Deputado, a resposta à sua pergunta é: acho. E que, mesmo relativamente a um serviço público, devemos defender a autonomia da gestão dentro desse mesmo serviço público. E essa autonomia é posta em causa, se o poder político legisla sobre matérias que devem ser do domínio dessa autonomia gestionária.

O Orador:-Mas quando a sociedade civil vê que essa autonomia não preenche aquilo que ela julga que é fundamental, como a educação, a saúde, o desporto ou a educação cívica, deve veicular esta opinião e levá-la junto dos responsáveis pelo serviço pública Portanto, o que estamos a fazer é chamar a atenção dos responsáveis pelo serviço público de que a sociedade civil exige que eles dediquem mais tempo a assuntos que ela julga de interesse fundamental.
não da sociedade civil.
Ao contrário do que faz o Governo, que governamentaliza em proveito próprio e
O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS):-Muito bem!

O Sr. Presidente:-Sn. Deputados, está encenado o debate acerca dos projectos de lei n.º- 377/V e 669/V sobre programas de televisão.
Vamos agora passar à apreciação da proposta de lei n.º8 174/V, que autoriza o Governo a definir e qualificar como crimes comportamentos que afectem a verdade e a lealdade da competição desportiva.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação (Roberto Carneiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ética desportiva-a sua afirmação e salvaguarda- constitui uma inquestionável prioridade da política desportiva, no entendimento do Governo.
Por isso mesmo, eu próprio quis considerar que o corrente ano de 1991 fosse proclamado, em Portugal, como o ano da ética desportiva.
Assim, aprovados que já estão, recentemente, os diplomas de combate à dopagem e à violência associada ao desporto, faltava agora, sem ambiguidades, tratar o decisivo problema da corrupção no fenómeno desportivo.

Vozes do PSD:-Muito bem!

O Orador:-Esse é, aliás, também, o entendimento claro expresso pela Assembleia da República ao aprovar, com um único voto contra, a Lei de Bases do Sistema Desportivo. De facto, em três trechos, esta lei apela para a garantia da ética desportiva: no artigo 2.º, n.º2, como princípio fundamental da acção do Estado no desenvolvimento da política desportiva; no artigo 4.º. n.º 5º, no âmbito do desenvolvimento e regulamentação da prática desportiva; e, finalmente, no artigo 5.º, que detalha mais extensamente, ex professo, esta preocupação fundamental.
De facto, não podemos transigir nem pactuar com um desporto sem ética, o que seria um desporto com batota. Inclusivamente, conceitos com aplicação mais geral na vida social, como é o consagrado conceito do fair play ou do jogo limpo, têm a sua origem no espírito desportivo e aqui, portanto, devem ser tenazmente protegidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Certo que não está em causa o respeito pela autonomia e independência do desporto federado. Assim como, ao mesmo

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tempo, a protecção penal que se visa instituir contra «comportamentos que afectam a verdade e a lealdade da competição desportiva e seu resultado» - para usar os termos da proposta de lei - em nada contende ou de algum modo afecta as competências normais, no âmbito jurisdicional e disciplinar, próprias da ordem desportiva federada.
Todavia, não podemos ignorar como são crescentes os interesses económicos, sociais e regionais que se coenvolvem no desporto e que exigem, em salvaguarda da ética, uma particular atenção do Estado.
Por outro lado, e na mesma linha, a grande importância do fenómeno desportivo na sociedade portuguesa, como de resto na generalidade das sociedades modernas, e a sua inequívoca relevância como factor educativo, como meio de formação e como escola de valores, impõe, sem margem para hesitações, a defesa dos valores da lealdade, da verdade e da ética no desporto, consubstanciando, em boa verdade, uma matéria de inquestionável interesse público. É que tamanha é a repercussão social do desporto que tudo o que distorça, falseie ou corrompa a verdade desportiva forçosamente distorce, falseia e corrompe, em paralelo, o próprio tecido social, atingindo profundamente, de modo negativo, a sociedade e, em particular, a juventude.
Daí a iniciativa governamental. E daí a instituição da protecção penal destes valores e interesses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diploma futuro explica-se por si mesmo. E não ignorando preocupações e acções de carácter preventivo, estabelece um quadro equilibrado de medidas sancionatórias, à medida da responsabilidade e posição relativa dos agentes desportivos e da natureza e gravidade das faltas cometidas.
Escusado será dizer que tudo isto se fará, como não podia deixar de ser, no quadro do pleno respeito das garantias fundamentais, em especial da independência dos tribunais e da audição e defesa dos arguidos, como mandam a Constituição e as leis.
Referência especial merece a criação de um conselho de ética desportiva, que previsivelmente, no futuro, por diploma próprio, virá a enquadrar também, para lá dos casos de corrupção, as comissões que actualmente já funcionam no âmbito do combate à dopagem e à violência associada ao desporto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Questionar-se-á: o diploma é original no contexto internacional e, nomeadamente, no contexto europeu?
Parece sê-lo, na verdade.
Mas o Governo tem consciência de que será, antes, uma solução avançada, corajosa, e talvez pioneira, que responde a um clamor generalizado da sociedade, a qual reclama medidas eficazes que ponham termo ao fenómeno crescente da corrupção e das tentativas de falseamento da verdade desportiva. Com efeito, se mais não houvera, a leitura da imprensa desportiva especializada é, a tal propósito, eloquente.
Nesta fase complexa, mas exaltante, da definição de um modelo desportivo sistémico e da organização ex novo do quadro institucional e da legislação desportiva em Portugal, o problema delicado é, sem dúvida, o da articulação entre liberdade e responsabilidade - é quase um lugar comum dizê-lo.
Há situações em que não podem deixar de ser pedidas responsabilidades sociais -inclusive no âmbito penal -, para que o exercício da liberdade se harmonize sem quaisquer desvios com as finalidades educativas, culturais e formativas que a própria Lei de Bases do Sistema Desportivo atribui e reconhece ao desporto.
A criminalização do ilícito grave no fenómeno desportivo corresponde, afinal, à necessidade e ao dever de garantir a responsabilidade de todos os agentes desportivos no quadro do pleno exercício da sua liberdade.
É uso dizer-se que «o desporto é uma escola de virtudes» - é assim que o queremos defender, valorizar e engrandecer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, tomava a liberdade de fazer uma interpelação à Mesa que tem o sentido de uma informação à Câmara, ou seja, uma congratulação e que tem natureza desportiva, embora o desporto a que se refere não seja um desporto muito falado em termos públicos, pois trata-se da columbofilia.
O meu grupo parlamentar recebeu a informação da Federação Portuguesa de columbofilia, a qual nos pediu para transmitir à Câmara a sua participação, recentemente, nas olimpíadas da modalidade, que se realizaram em Verona, com a participação de 17 países de vários continentes, onde obteve um honroso 2.º lugar, ou seja, sagrando-se vice-campeão olímpico de columbofilia.
Portanto, queria prestar esta informação à Câmara, em cumprimento de um pedido efectuado pela Federação e aproveitaria este facto para felicitá-la e congratular-me por este êxito desportivo internacional.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, increveu-se para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado Narana Coissoró. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sr. Ministro da Educação, em primeiro lugar, quero felicitá-lo pela apresentação desta proposta de autorização legislativa, que vem acompanhada do respectivo decreto-lei, que é uma prática que achamos saudável. De facto, a autorização legislativa deverá vir sempre acompanhada do respectivo articulado para que não deixe dúvidas quanto à extensão, âmbito e soluções propostas e também, neste caso concreto, pelas várias soluções que consagra este diploma.
Na generalidade e mesmo na especialidade, para além de uma pequena crítica que vou fazer, não teremos muito a acrescentar. Mas, dentro do movimento geral de fixação das molduras penais - e talvez esta pergunta se dirija mais ao Sr. Ministro da Justiça -, há hoje um grande movimento em toda a parte, no sentido de evitar o mais possível as penas de prisão e, principalmente, as penas de prisão de dois, três, quatro ou mais anos. Há o instituto de coimas, de contra-ordenações, etc., que veio substituir a velha tradição de, por tudo e por nada, criminalizar as condutas, prender o cidadão e metê-lo nos calabouços, como se isto fosse a última sanção.
Hoje, a pena de prisão é considerada uma pena excepcional, isto é, só para casos realmente merecedores de uma sanção tão dura a que se pode recorrer, além da política penitenciária, que já não aguenta estas formas de enclausuramento, porque não se lhe seguem outros tratamentos que devem estar sempre acompanhados de pena de prisão.

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Mas seja por que razão for, pareceu-me que estas penas de três e quatro anos de prisão vão contra esta tendência, que já é uma tendência actual da legislação e do direito português de excepcionalidade de penas de enclausuramento ou penas de prisão e, principalmente, de penas de longa duração.
O que é que levou o Sr. Ministro da Educação ou o Governo a remar contra a maré, digamos assim, desta orientação, para consagrar neste diploma penas tão duras, em vez de ir por fases, isto 6, só aplicar essas penas em casos lealmente muitíssimo excepcionais, começando por multas muito fortes, multas que pudessem remediar o mal, que 6 a falta de ética desportiva.

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como o Sr. Deputado Narana Coissoró sabe, o direito penal é referido a valores. É um direito de dimensão ética que procura na dosimetria das penas ajustar a punição à densidade do valor violado.
Tínhamos no sistema penal português apenas o crime de corrupção para funcionários públicos, entendendo-se que apenas quando o agente activo da corrupção exercia uma função pública o direito penal devia intervir, considerando que o valor violado era um valor de dimensão justificativa da intervenção desse ramo do direito.
O Governo, ao vir estender o crime de corrupção à prática desportiva, assume uma posição fundamental, não a ler-se pela negativa mas a afirmar-se pela positiva. Significa isso que o Governo eleva a prática e a actividade desportivas à natureza de interesse público e, portanto, àquilo que, no fundo, viola a ética da prática desportiva a um valor merecedor da dignidade jurídico-criminal.
Simplesmente, o Governo entendeu não dever elevá-lo a tal ponto que considerasse as penas previstas pelo actual diploma ao mesmo nível das que estão previstas no Código Penal para a pena de corrupção praticada por funcionários públicos.
As penas previstas no diploma que agora está em apreciação são inferiores às que o Código Penal prevê para a corrupção por funcionário público mas são, por outro lado, suficientemente elevadas para garantir a resposta penal àquilo que se considera ser a densidade do valor violado nestas circunstâncias.
Para terminar, limito-me a chamar a atenção de V. Ex.ª para o facto de que a tendência da criminologia moderna não é tanto para reduzir as penas longas de prisão mas, sim, para evitar as penas curtas de prisão, sendo que os sistemas alternativos que o Código Penal prevê, e o diploma não exclui, podem permitir que, embora na medida abstracta da pena, ela tenha uma medida máxima elevada, o funcionamento entenda, caso concreto, que a pena aplicada seja ajustada a cada facto cometido à culpa do agente e, portanto, seja, em concreto, uma pena reduzida.
Portanto, isto significa que iodas as considerações foram tomadas em conta na elaboração deste diploma. A dosimetria da pena está prevista já na filosofia daquilo que virá a ser a revisão próxima do Código Penal. Assim, eu chamaria a atenção para um aspecto importante, que fica de vez resolvido neste diploma, isto é, a questão da alternativa entre pena de prisão e pena de multa.
O Código Penal actual manda aplicar penas de prisão e multa mas, como ele virá brevemente a ser revisto -se conseguir o beneplácito desta Câmara-, colocam-se as penas em alternativa, ou seja, pena de prisão ou multa. Ora, no caso concreto já está feita a previsão da pena de prisão ou multa, portanto creio que, por esta via, se responde à interpelação de V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Caiba (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 174/V, através da qual se pretendem criminalizar comportamentos, acções ou omissões contrários aos princípios da ética desportiva com o fim de alterar a verdade, lealdade e correcção da competição desportiva ou seu resultado mereceu de um reputado penalista, o Professor Figueiredo Dias, em recente entrevista concedida a um órgão de comunicação social, o comentário de que, a ser aprovada tal criminalização, seria mais uma das originalidades portuguesas no campo do direito penal.
Também nós, pelas razões que adiante se enumeram, vemos com preocupação a aprovação desta proposta com cujo sentido, fundamentação e alcance não podemos estar de acorda
Em primeiro lugar, esta proposta constitui mais um passo grave, e grave no sentido de, claramente, se publicizar a actividade desportiva bem como as federações desportivas que organizam. Isto é, o Governo pretende enredar o movimento associativo desportivo num largo emaranhado de leis, regulamentos e normas, subtraindo-lhe competências que lhe são próprias, transferindo a problemática desportiva do campo do direito privado -onde, naturalmente, tem assento - para o campo do direito público com a consequência de que a sociedade civil desportiva tem cada vez menos espaço de manobra e autonomia e vê cada vez mais constrangida e reduzida a sua capacidade de intervenção.
O Governo sabe que, sob pena de a sua proposta de lei vir a ser declarada inconstitucional, não pode criminalizar comportamentos que decorram em qualquer competição desportiva, por isso no preâmbulo da sua proposta vem referir que apenas visa a actividade desportiva que se apresenta organizada, regulamentada e exercida através dos organismos que, por qualquer modo, detenham competência nesta matéria, ou seja, organizações desportivas oficiais. Fica-se, assim, a saber que para o Governo há organizações desportivas oficiais. Mas quais são? Não o diz a proposta de lei.
Atente-se agora no projecto de diploma que acompanha esta proposta e pela leitura do seu artigo 1.º fica-se a saber que o diploma se circunscreve à actividade desportiva organizada por organismos desportivos oficiais, os quais são, justamente, os que organizam as competições desportivas oficiais. E é bem de ver as competições desportivas oficiais são aquelas que, por sua vez, são organizadas pelos organismos desportivos oficiais.
Não se conclua aqui que houve apenas falta de rigor jurídico ou falta de escrúpulo na preparação do diploma... Este tipo de abordagem do problema tem outra razão de ser. É que a presente proposta é cópia de uma lei que apenas existe num país -a Itália-, e o Governo sabe que não pode transpor para a realidade portuguesa essa lei italiana e não pode fazê-lo pela razão muito simples de que a Itália é o único país do mundo em que as federações desportivas são, por força da lei, órgãos de uma pessoa colectiva de direito público-o Comité Olímpico Nacional Italiano-e. por isso mesmo, são igualmente consideradas como pessoas colectivas de direito público.

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E nestes lermos faz sentido, em Itália, criminalizar certos comportamentos desportivos ocorridos no seio dessas federações.
Ora, é precisamente por isso também que o Governo Português não pode ser tão claro quanto é a lei italiana nesta matéria, que, num dos pontos do seu articulado, estipula que quem oferecer ou prometer dinheiro ou outra utilidade ou vantagem a qualquer participante numa competição desportiva organizada pelas federações reconhecidas pelo Comité Olímpico Nacional Italiano, pela União Italiana, etc., incorrerá num conjunto de penas.
Ora, em Portugal, nem o Comité Olímpico Português é uma pessoa colectiva de direito público nem as federações são reconhecidas pelo Estado, por isso a proposta de lei não pode deixar de ser considerada como claramente inconstitucional.
A isto acresce, em segundo lugar, que, na sua proposta de lei, o Governo se diz preocupado com os comportamentos que visam alterar a verdade, a lealdade e a correcção da competição desportiva. Ora, de entre os mais notórios comportamentos que afectam a verdade desportiva está a dopagem e, assim, para ser inteiramente lógico com o que anuncia, deveria o Governo, na mesma linha, criminalizar a dopagem.
Se se atentar, porém, nesta proposta, ela não só não criminaliza a dopagem, a qual nem por isso deixa de ser objecto de repressão, nos termos do Decreto-Lei n.º l05/90, como apenas pretende trazer para o campo do direito Penal a dopagem sem consentimento do dopado.
Pergunta-se: então a dopagem feita por iniciativa ou com o conhecimento do dopado não afecta igualmente a verdade desportiva? Por que não é o Governo consequente consigo próprio e não a criminaliza igualmente?
Originalidade por originalidade, esta não destoaria da proposta de lei!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, a proposta de lei, ou melhor, o projecto de diploma que a acompanha, pretende consagrar aquilo a que chama a «corrupção passiva para acto lícito», ou seja, o desportista (dirigente, praticante, treinador, etc.) que aceitar um prémio, dado por um dirigente de uma terceira equipa, a fim de jogar com mais empenho e conseguir um resultado que interesse ao ofertante do prémio, corre o risco de ser preso e sujeito a uma pena que pode ir até aos dois anos de prisão.
No conjunto das diversas originalidades desta proposta de lei, a que se acaba de descrever, só por si, justifica iodas as reservas a este diploma.
Entendemos que a corrupção, a violência, a dopagem e a prática de actos que possam perturbar o regular e o leal desenvolvimento das competições desportivas são algo que deve ser severamente reprimido, nomeadamente pelas respectivas federações desportivas.
Entendemos, assim, que as federações desportivas são as primeiras interessadas na repressão dos atentados à ética desportiva e, por isso, ao invés do Governo, entendemos que o Estado não deve pôr-se em bicos dos pés para se fazer notado, não deve transferir para o campo do direito público aquilo que se passa na ordem desportiva e não deve, numa palavra, passar um atestado de desconfiança ao movimento associativo desportivo.
Neste quadro e na lógica do que já consta no Decreto-Lei n.º 105/90, bem como no Decreto-Lei nº9 270/89, o PS apresenta hoje na Assembleia da República um projecto de lei sobre esta matéria, de forma adequada e consentânea com as missões do Estado e com a autonomia do movimento associativo.
Mais uma vez, tal como já fizemos em relação ao desporto na escola, apresentando um projecto de lei para suprir uma lacuna grave que o Governo não conseguiu resolver, o PS dá um contributo positivo para apoiar, estimular e desenvolver o desporto em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado José Cesário e o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Apesar de o Sr. Deputado Miranda Calha já ter esgotado o tempo que foi atribuído ao PS, e até o ter ultrapassado em muito, vou dar a palavra ao Sr. Deputado José Cesário e, seguidamente, ao Sr. Secretário de Estado, em tempo do PSD, para pedirem esclarecimentos e depois se verá...
Tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): -Sr. Deputado Miranda Calha, permita-me que lhe diga que V. Ex.ª comete aqui uma originalidade: é que fala aqui não propriamente como deputado, mas, porventura, como candidato a presidente da Federação Portuguesa de Futebol.

Risos do PSD.

A questão que lhe deixo - e lamento que não tenhamos tempo de aprofundar esta discussão - é a de saber se V. Ex.ª não reconhece que o desporto tem um valor social com uma dimensão tal que obrigue o Governo a intervir sempre que o nome do desporto e, por essa via, o próprio nome do País sejam postos em causa.
A questão é a de saber se, de facto, um acto de corrupção numa actividade desportiva é ou não um crime que afecta a globalidade da sociedade portuguesa. E julgo que não serve, hoje e aqui, pretender-se colocar o Governo num lado e o desporto no outro, sobretudo quando VV. Ex.ª passam a vida a dizer que «o Estado não ajuda, o Estado não faz, o Estado não apoia!».

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - Penso que não podemos ter dois pesos e duas medidas.
Sr. Deputado Miranda Calha, penso que é a altura, porventura, de precisarmos um pouco mais estes conceitos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Infelizmente, muito rapidamente, apenas para dizer ao Sr. Deputado Miranda Calha que, quando o Sr. Professor Figueiredo Dias disse que este diploma era uma originalidade, não disse se era uma boa ou má originalidade. É, evidentemente, uma boa originalidade e já lá vai o tempo em que os Portugueses, para terem razão, precisavam que outros no estrangeiro a tivessem primeiro. Hoje os Portugueses têm razão por si próprios, não têm de legitimar a sua razão na comparação com aquilo que se faz lá fora.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, V. Ex.ª colocou o acento tónico na natureza pública das associações que estaríamos a tentar imprimir a este diploma. Não é verdade! O que atribuímos de natureza pública é o desporto em si

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mesmo e, portanto, o diploma vem no sentido daquilo que é a ligação do Estado com a defesa do interesse público na actividade desportiva, que, obviamente, não contradiz, minimamente, a natureza particular e privada das respectivas associações.
Portanto, o pedido de esclarecimento que dirijo a V. Ex.ª é o de saber se não reconhece legitimidade ao povo português para ele próprio, originariamente, decidir sobre os seus destinos.
Em segundo lugar, entende que o desporto em Portugal não tem a natureza de interesse público que deva ser tutelado pelo Estado?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:-Faça favor.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de precisar melhor o que eu há pouco disse.
Os podidos de esclarecimento do Governo seriam feitos num minuto distribuídos do seguinte modo: o Sr. Ministro da Justiça utilizaria 30 segundos e o restante seria utilizado pelo Sr. Ministro da Educação, se não houver objecções, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, quero apenas dizer que não são bem os 30 segundos mas 48 segundos, o que é bastante mais do que isso.

Em qualquer dos casos, para pedir esclarecimentos no tempo de 30 segundos, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Muito obrigado. Sr. Presidente. Prometo ser breve.
Só para me ater a uma questão que o Sr. Deputado Miranda Calha trouxe e que me parece ser totalmente incorrecta.
O Sr. Deputado entende que o Governo não deveria tomar esta iniciativa legislativa, ao invés, devo dizer, de todas as correntes de opinião pública em Portugal. O Sr. Deputado tem, com certeza, consciência disso.
O clamor público em Portugal é no sentido de uma intervenção forte, enérgica, para reprimir a corrupção no fenómeno desportivo...

Vozes do PSD: - Andam sempre com o passo atrasado!

O Orador: -... e traz à colação o argumento de que o Governo o não deve fazer porque se trata de pessoas colectivas de direito privado.

Com certeza que o são, nós próprios o reconhecemos e o consagramos na proposta de lei que veio a ser aqui aprovada como a Lei de Bases do Sistema Desportivo. Só que o Sr. Deputado se esqueceu de dizer que as pessoas colectivas de direito privado também são pessoas colectivas de utilidade pública e que desempenham funções, tal como vêm nos artigos 21.º e 22.º da Lei de Bases, regulamentares, disciplinares e de representação, que são poderes de natureza pública, e sendo, como tal, poderes de natureza pública, devem subordinar-se a critérios globais de ética, de comportamento de lealdade e de verdade e. como tal, devem submeter-se, neste caso e de acordo com a proposta de lei, a uma criminalização desde que excedam todos esses aspectos de fuga à verdade, à lealdade, etc.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, e peço-lhe que seja sintético para ser o mais rápido possível, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): -Vou ser muito rápido, Sr. Presidente.
Srs. Ministros, Srs. Deputados: Na minha intervenção não disse que se não devia intervir, o que eu disse foi que se devia intervir bem, e o Governo interveio mal, pessimamente. E devo dizer que esperava mais do Sr. Ministro da Justiça, que tem responsabilidades como pessoa ligada ao direito, que eu por acaso até não tenho uma resposta muito melhor e muito mais adequada em relação a esta problemática.
Por outro lado, também não disse se a originalidade era boa ou má, segundo o Sr. Professor Figueiredo Dias. Mas lá que é originalidade, é!
Todo o mundo desportivo por essa Europa fora não tem este tipo de legislação, a não ser, como eu disse, a Itália, porque são entidades de direito público.
Para que não haja dúvidas de que estamos cientes da defesa da ética, da defesa dos valores fundamentais do desporto, é que apresentamos um projecto de lei. Não falámos de cor, o que fizemos foi falar com rigor. Nem falámos de cor nem com eleitoralismo, porque o que se pressupõe na intervenção feita relativamente a este diploma é, obviamente, um eleitoralismo fácil, de dar uma resposta fácil, com aquela ideia óbvia de que o Governo está atento, que há por aí uns problemas, mas o Governo vai actuar, porque tem autoridade, etc. É simpático e útil. No entanto, pode e deverá fazê-lo com rigor. Srs. Ministros! E os senhores tinham obrigação, especialmente o Sr. Ministro da Justiça, de ter colaborado para que a legislação aqui apresentada fosse diferente!
Nós temos um projecto e vamos defendê-lo! Somos pela ética, mas não pela facilidade, pela demagogia ou pelo eleitoralismo, que é o que os senhores aqui nos apresentaram hoje!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O impacte público de alguns casos ligados ao desporto nacional levou o Governo a acordar para o fenómeno da corrupção e a propor à Assembleia da República que lhe conceda autorização para penalizar comportamentos que afectem a verdade e a lealdade da competição desportiva. O Governo acordou agora, apesar de ser função do Estado, nos termos da Lei de Bases do Sistema Desportivo, a adopção de medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas, fenómenos que não são de hoje, nem de ontem.
Para o Grupo Parlamentar do PCP são sempre bem vindas a esta Assembleia as iniciativas que assumam, seriamente, o propósito de combater fenómenos de corrupção. A nível do sistema desportivo, concordamos que é necessário prevenir todas as manifestações antidesportivas e puni-las, quando tal se mostrar indispensável.

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O fenómeno desportivo não pode, no entanto, ser excepção. Devem ser tomadas medidas tendentes a prevenir e punir as manifestações de corrupção associadas ao desporto, mas não se podem fechar os olhos - como faz o Governo na maior parte dos casos - perante situações indiciando fenómenos de corrupção, detectadas em diversos domínios da vida nacional e envolvendo, em alguns casos, serviços e responsáveis pela Administração Pública.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A atitude do Governo e do PSD perante o fenómeno da corrupção no nosso país não é digna de servir de exemplo edificante. Sc no que se refere ao fenómeno desportivo o Governo acordou tarde, sectores haverá em que ainda ressona ruidosamente.
No momento em que exprimimos a nossa concordância de princípio em relação à necessidade de combater - inclusivamente com recurso à via punitiva - a corrupção no fenómeno desportivo, consideramos como um imperativo deixar aqui a nossa veemente chamada de atenção para outros fenómenos que envolvem casos de corrupção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Considerando agora, em concreto, o pedido de autorização legislativa em apreciação, e expressa que foi a nossa posição de princípio, importa assinalar-lhe alguns reparos sobre aspectos do seu conteúdo que não podemos, de forma alguma, considerar secundários.
No preâmbulo da proposta de autorização legislativa afirma-se o seguinte: «A luta contra a corrupção no fenómeno desportivo há-de desenvolver-se segundo dois modos complementares: a prevenção, através da formação e educação dos agentes desportivos e, como último limite, a via repressiva, pela definição dos comportamentos lesivos e das respectivas sanções.»
Pois bem, o Governo propõe-se legislar sobre o último limite e quanto ao primeiro propõe zero! Se é verdade que a penalização pode ter efeitos preventivos, ela não pode dispensar nem substituir a adopção de medidas preventivas. O Governo, porém, vai pelo mais simples: propõe que se reprima e os outros que previnam! O Governo reconhece que «deve atribuir-se particular relevo à escolha e desenvolvimento das acções de índole preventiva», mas não se propõe desenvolver qualquer acção a esse nível.
Mas, dirão os Srs. Deputados do PSD, o Governo propõe a criação de um Conselho de Ética Desportiva.
Respondemos não saber de que órgão se trata. A proposta de lei, para além do nome, pouco mais adianta. Não se sabe se o dito Conselho será composto pelo Ministro da Educação e respectivos Secretários de Estado, se integra ou não representantes das federações ou de quaisquer entidades ligadas ao fenómeno desportivo ou se é composto por personalidades independentes, a contactar pelo Sr. Primeiro-Ministro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nos merece séria discordância a previsão da aplicação de penas acessórias aos agentes dos crimes previstos na proposta de lei, que podem consistir na suspensão temporária ou mesmo, em alguns casos, na interdição definitiva da participação em competições desportivas ou do exercício de funções ou actividades desportivas por árbitros ou dirigentes.
Partindo do princípio óbvio - de que a proposta de lei também parte - de que o exercício da acção penal pelos crimes previstos no próprio diploma não prejudica as providências, nomeadamente de natureza disciplinar, previstas nos regulamentos das federações desportivas e a competência própria dos respectivos órgãos, não pode vir o legislador prever a aplicação, pelos tribunais comuns, de sanções, que devem competir, em exclusivo, às instâncias federativas competentes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A presente proposta de lei, tal como se apresenta, não presta bom serviço aos objectivos que proclama. Está tecnicamente incorrecta, é omissa em aspectos fundamentais e encobre largas margens de discricionariedade governativa. De aproveitável fica só o propósito declarado de combater a corrupção, que, quando e onde ocorre, mancha e desvirtua o fenómeno desportivo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O fenómeno desportivo está a precisar de levar uma grande volta. A avaliar pelo que se ouve e sobretudo pelo que se lê, constata-se a existência de um autêntico bas-fond com laivos próximos de gangsterismo e com contornos que qualquer família mafiosa não enjeitaria. Desde casamentos feitos à pressão com vista à naturalização formal de um qualquer estrangeiro, que é preciso tomar português para cumprimento dos limites percentuais de nacionais nas equipas, a actos notórios de corrupção do mais qualificado quilate e a manobras de bastidores tendentes a criar aparelhos que façam dar o toque de legalidade às mais inconcebíveis manobras, de tudo um pouco tem existido no domínio da competição desportiva.
Parafraseando Frei Bartolomeu dos Mártires, desassombrado bispo bracarense, afirmaria que o desporto de competição está mesmo a precisar de uma desportivíssima reforma. As sequelas da situação existente atingem já tal dimensão que começou a diminuir o número de espectadores nos estádios, absolutamente enojados com o estado a que se chegou.
De vez em quando e para iludir lá se fabrica uma vítima, mais ou menos responsável, mantendo-se contudo intactas todas as estruturas profundamente viciadas.
Se é verdade que, noutros tempos, os candidatos a dirigentes safam do grupo de pessoas de boa vontade e de empenhamento na vida comunitária, passando depois a aparecer o grupo dos que buscavam no desporto a afirmação social que a riqueza obtida apressada e talvez nebulosamente não lhes garantia, hoje constata-se o império dos que pretendem obter proventos de outro tipo. E quando começa a afirmar-se o primado dos interesses económicos, abre-se a porta para o vale tudo que envergonha muitos cidadãos honestos que ainda existem a nível dos dirigentes desportivos mas que, desiludidos e angustiados, se vão afastando. Pena é que, no meio de tudo isto, se vilipendiem valores fundamentais, se fira a dignidade pessoal e se destruam os legítimos ideais da juventude, que deseja certamente praticar desporto, enquanto valor formativo, e mesmo ganhar a vida, enquanto profissionais, de forma digna.
Perante este quadro, urgia fazer qualquer coisa. De facto, não bastam as recriminações mais ou menos fundamentadas, as críticas e as denúncias das situações detectadas.
Neste contexto, cumpre-me saudar a proposta de lei n.º 174/V, que pretende autorizar o Governo a definir e qualificar como crimes comportamentos que afectem a verdade e a lealdade da competição desportiva. Acresce ainda o facto, louvável também, de, neste caso, o pedido

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de autorização legislativa vir acompanhado do projecto de decreto-lei, o que - valha a verdade - não tem sido prática do Governo.
Procurando analisar o articulado da presente iniciativa, parece-nos correcta a fundamentação e a caracterização apresentadas, bem como as penalidades e sanções previstas em caso de ilícito comprovado. A penalização dos agentes causadores da administração de substâncias dopantes sem consentimento do praticante afigura-se-nos uma solução adequada à situação presente.
Por outro lado, consideramos pertinente a existência de penas acessórias, independentes do processo penal, pois. se o agente desportivo é punido na sua condição de cidadão prevaricador, deve impedir-se igualmente, por tempo adequado, o exercício da sua actividade desportiva.
Finalmente, julgamos oportuna a existência de mecanismos normativos tendentes à realização de acções formativas pedagógicas e educativas para a criação de condições de prevalência da verdade desportiva, bem como a criação do Conselho de Ética Desportiva com os objectivos preconizados no diploma.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo. Srs. Deputados: Certamente que haverá melhorias a introduzir no diploma em análise para que corresponda aos inquestionáveis objectivos pretendidos. Todavia, consideramos a oportunidade da iniciativa e o seu alcance e dar-lhe-emos o nosso foto favorável, esperando, entretanto, que haja também uma profunda alteração na mentalidade dos cidadãos empenhados no fenómeno desportivo, condição indispensável ao êxito do diploma.

Aplausos do PRD e de alguns deputados do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Maninho.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Dificilmente poderíamos deslocar esta discussão dos problemas presentemente vividos no panorama do desporto nacional, mormente no âmbito da sua organização global.
Desde há muito que pensamos que as grandes questões do desporto devem ser perspectivadas sob o ponto de vista da administração geral do sistema desportivo. Daí que, a partir de inícios de 1989, lenha sido com algum entusiasmo que metemos ombros à complexa tarefa de levar a bom porto a redacção de uma Lei de Bases do Sistema Desportivo, a que esta Assembleia deu forma através da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro.
A partir daí, tenta-se criar um novo edifício para o desporto nacional onde uma arrumação precisa permita dar resposta aos seus principais problemas e eliminar tanto quanto possível os vícios e os defeitos naturais numa actividade que arrasta a sociedade no seu todo. Julgamos mesmo que só a plena implementação de tal lei poderá vir a ter resultados palpáveis num prazo que sabemos não ser imediato, o que poderá ser a terapêutica possível para as maleitas com que cada vez mais somos confrontados quando nos debruçamos sobre o fenómeno desportivo.
Daí que entendamos a presente proposta de lei como um contributo fundamental para o desenvolvimento da referida Lei de Bases num domínio hoje tão candente como é o da ética, da verdade e da lealdade da competição desportiva. Já então o artigo 5.º de tal lei previa que «a prática desportiva é desenvolvida na observância dos princípios da ética desportiva e com respeito pela integridade moral e física dos intervenientes» e ainda que, «na prossecução da defesa da ética desportiva, é função do Estado adoptar as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas ,designadamente a violência, a corrupção a dopagem e qualquer forma de discriminação social».
Desta forma, congratulamo-nos com esta iniciativa governamental num domínio que tanta atenção tem merecido da opinião pública, na certeza, porém, de que, tal como aliás se refere no seu preâmbulo, a resolução de tais problemas passa por uma actuação mais vasta no plano educativo e formativo, na escola e na formação dos agentes desportivos, entendendo o desporto como um valor social fundamental. Todavia, esta proposta de lei pode no imediato obter resultados significativos ao criminalizar os comportamentos fraudulentos que de algum modo possam pôr em causa a verdade do fenómeno desportivo.
Apraz-nos ainda registar como extremamente positivo o facto de esta proposta de lei de autorização legislativa vir acompanhada do texto do decreto-lei sobre que posteriormente se pretende legislar, o que naturalmente permitirá um mais perfeito entendimento dos propósitos governamentais quanto a tal matéria.

ulgamos assim que com este instrumento legal será mais eficaz o combate contra as situações mais lesivas do bom nome do desporto português, relegando definitivamente para o passado casos como o Famalicão /Macedo de Cavaleiros, o Francisco Silva/Conselho Nacional de Arbitragem e as agressões a que, semana após semana, equipas de arbitragem ou praticantes desportivos são sujeitos, de uma forma que fere a sensibilidade de homens civilizados que julgamos todos ser.
Porém, reforçamos o nosso entendimento de que esta autorização legislativa está inserida num processo global de desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Desportivo, tendo desta feita o Governo optado-e bem, na nossa opinião - por dar especial tratamento a esta matéria trazendo-a a esta Casa sob a forma de proposta de lei, considerando as condicionantes e a urgência do problema.
Para terminar, aplaudimos ainda a vontade dialogante patenteada pelo Ministério da tutela -o Ministério da Educação- e, em particular, pelo seu titular-o Ministro da Educação- que tem sabido conduzir de forma competente a política do desporto do actual Governo, baseada na organização efectiva do sistema desportivo e no apoio à prática desportiva, bem longe da política da casualidade e do circunstancialismo praticada noutros tempos, a política do subsídio avulso e sem critério que marcou outros responsáveis, que hoje parece já se terem esquecido do que então não fizeram para criticarem o que hoje se faz.
Por tudo isto, votaremos afirmativamente esta proposta de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao termo do debate da proposta de lei n.8 174/V e, assim, dos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, pelas 10 horas, e destina-se à discussão das ratificações n.º 150/V (PS), 14 l/V (PCP) e 148/V (PCP).

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 50 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Alberto Monteiro de Araújo.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Ourique Mendes.

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António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco Mendes Costa.
Cuido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
José Leite Machado.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Manuel Ferreira Martins.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Rui Gomes da Silva
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
António Domingues de Azevedo.
Carlos Cardoso Laje.
João Rosado Correia.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Odeie Santos.

Deputado independente: José Manuel Santos Magalhães.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Costa de A. Sousa Lara.
Flausino José Pereira da Silva.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Ruí Manuel Almeida Mendes.

Partido Socialista (PS):

António José Sanches Esteves.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

Deputado independente:

Raul Fernandes de Morais e Castro.

As REDACTORAS: Maria Leonor Ferreira - Ana Marques da Cruz - Isabel Barrai - Cacilda Nordeste.

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