O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1387

I Série - Número 43

Sábado, 16 da Fevereiro de 1991

Diário da Assembleia da República

V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE FEVEREIRO DE 1991

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Joaquim António Rebocho Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Procedeu-se à apreciação do Decreto-Lei n.º 358/90, de 10 de Novembro, que simplifica os procedimentos referentes à adjudicação de empreitadas de obras públicas para a construção, ampliação, remodelação, beneficiação e conservação de unidades de saúde [ratificação n.º 150/V (PS)]. Intervieram, a diverso título, além dos Srs. Secretários de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentara (Carlos Encarnação) e da Administração da Saúde (Jorge Pires), os Srs. Deputados Almeida Santos (PS). Nuno Delerue e Oliveira Martins (PSD). João Camilo (PCP), Rui Silva (PRD) e Guilherme Silva (PSD).
O Decreto-Lei n.º 283/90, de 18 de Setembro - Estabelece o novo regime jurídico do seguro de colheitas (revoga o Decreto-Lei n.º 395/79, de 21 de Setembro) (ratificação n.º 141/V (PCP)], foi apreciado, tendo intervindo, a diverso título, alem do Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Álvaro Amaro), os Srs. Deputados António Campos (PS). Rogério Brito (PCP). Rui Silva (PRD) e António Oliveira de Matos (PSD).
A Assembleia apreciou ainda o Decreto-Lei n.º 327/90. de 22 de Outubro - Regula a ocupação do solo objecto de um incendo florestal [ratificação n.º 148/V (PCP)]. sobre o que intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território (Nunes Liberato), os Srs. Deputados lida Figueiredo (PCP), António Campos e Laurentino Dias (PS). João Silva Maçãs (PSD) e Rui Silva (PRD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 50 minutos.

Página 1388

1388 I SÉRIE - NÚMERO 43

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Alberto Godinho da Silva.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.

Página 1389

16 DE FEVEREIRO DE 1991
1389

Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Laje.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.

Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria lida Costa Figueiredo.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Herminio Paiva Fernandes Maninho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Maria Helena Salema Roseta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 679/V, apresentado pela Sr.ª Deputada lida Figueiredo e outros, do PCP, que altera a Lei das Associações de Defesa do Ambiente - Lei n.º 10/87, de 4 de Abril; projecto de lei n.º 680/V, apresentado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo e outros, do PCP, sobre as bases de um plano de educação ambiental; projecto de lei n.º 68l/V, apresentado pela Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira e outros, do PCP, que garante aos idosos o acesso aos transportes públicos; projecto de lei n.º 68l/V, apresentado pelo Sr. Deputado Miranda Calha e outros, do PS, que estabelece normas orientadoras de combate a manifestações antidesportivas; proposta de lei n.º 180/V, que autoriza o Governo a estabelecer um novo regime sancionatório das infracções à legislação reguladora da actividade de mediação de seguros, que baixa à competente Comissão; projecto de deliberação n.º 125/V, apresentado pelo PS, que recomenda ao Governo Português que apresente um protesto junto do Secretário Geral das Nações Unidas acerca das violações dos direitos humanos por parte da Indonésia em Timor Leste; projecto de deliberação n.º 125/V, apresentado pelo PSD, PRD e CDS, sobre a violação do direito internacional decorrente da ratificação do acordo entre a Austrália e a Indonésia para exploração das riquezas do mar de Timor Leste.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tanto quanto entendi da discussão ontem realizada, estes dois últimos projectos de deliberação serão «trabalhados» e fundidos num só.

Página 1390

1390
I SÉRIE-NÚMERO 43

Srs. Deputados, temos como primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos, por iniciativa do Partido Socialista, a apreciação do Decreto-Lei n.º 358/90, de 10 de Novembro, que simplifica os procedimentos referentes à adjudicação de empreitadas de obras públicas para a construção, ampliação, remodelação, beneficiação e conservação de unidades de saúde (ratificação n.º 150/V).
O Sr. Deputado Alberto Martins pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, para pedir uma interrupção dos nossos trabalhos por 15 minutos.

O Sr. Presidente: - É regimental, está concedida. Srs. Deputados, está suspensa a sessão.
Eram 10 horas e 35 minutos.
Após a interrupção, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Maninho.

O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 10 horas e 55 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca se falou tanto em transparência e nunca se praticou tanto a obscuridade!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pelo que diz, ninguém a este governo regateará o céu. Pelo que faz, ninguém o salva do purgatório de uma próxima derrota.
Vem isto a propósito do decreto-lei em boa hora chamado à barreia da ratificação. Não é difícil adivinhar que a maioria parlamentar vai impor que nele permaneçam os defeitos que tem. É este um dos vícios das maiorias parlamentares, que mais facilmente descambam na tentação de ratificarem os erros dos governos saídos do seu ventre do que assumem o imperativo de corrigi-los.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ainda assim, as oposições cumprem, elas, o seu dever: apontam a nódoa e gritam por benzina. Que esta não actue, porque o detentor do detergente é no fundo o mesmíssimo autor da mazela, é tema de reflexão para os que propendem a identificar a maioria absoluta com a melhor democracia.
O alarme veio da mais autorizada fonte. O Presidente do Tribunal de Contas veio a terreiro condenar asperamente a isenção de visto prévio para as minutas dos contratos de empreitadas a ele sujeitas, no caso relativas a obras do Ministério da Saúde. E disse coisas tão graves como estas: suma forma de legislar em que cada serviço tem a sua lei; o que se diz ser a excepção é afinal a regra; o controlo financeiro deixa de ter sistema; e como não há hoje demoras [nas obras] é legítimo pensar que são outros (que não a celeridade) os interesses e as razões que determinam medidas deste tipo».

A Sr.ª Conceição Monteiro (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - O que estaria em causa seria, segundo alguns, a reserva mental de fazer desaparecer - pelo tempo bastante para produzir efeitos absolutórios pela via do benefício da lei penal mais favorável - o elemento essencial do ilícito ligado à adjudicação de obras com dispensa de visto prévio.
Se assim fosse - reconheça-se - o Governo estaria a fazer passar por debaixo da mesa o equivalente jurídico de uma amnistia!
Deixo as suspeições ao Prof. Sousa Franco - que conhece os cantos à casa - e concedo ao Governo o benefício da dúvida. No entanto, tenho de, objectivamente, reconhecer que, neste sucesso, nem o diploma nem o Governo cheiram propriamente a rosmaninho.

Risos do PS.

O Presidente do Tribunal Constitucional e os profissionais de imprensa, que sobre o tema se debruçaram, não inventaram a sua própria estranheza, nem o invocado receio de que «ao tomar-se legal o que então era ilegal» se esteja a entrar numa lógica «desculpabilizante». Conhecendo a responsabilidade ligada à preterição do visto prévio, e não menos os poderes sancionatórios do próprio Tribunal de Contas, não me é difícil imaginar o sentido que é emprestado a semelhante lógica.
Mas não quero ir por aí. Limito-me a anotar, para que constem, as seguintes considerações rigorosamente objectivas:
a) O Governo não pode alegar desconhecimento das duras críticas a que foi sujeito por um seu ministro ter dispensado o «visto prévio» de minutas de contratos de empreitada e de esse ministro ler publicamente qualificado esse visto como uma simples formalidade;
b) Também não pode passar incólume por sobre o facto de ter rotulado de excepcional o primeiro período de dispensa do visto prévio, que findava em Dezembro de 1990, e de agora, convertendo a excepção em regra, prolongar esse prazo até Dezembro de 1994;
c) Menos ainda pode desconhecer que a única razão pretensamente justificativa e única invocada deste safanão a destempo no controlo jurisdicional da legalidade das despesas do Estado, ou seja «uma maior rapidez na execução dos empreendimentos», se revela bem pouco convincente se tivermos em conta que a lei que rege o funcionamento do Tribunal de Contas considera tacitamente concedido o visto prévio 30 dias após a entrada no Tribunal do documento que dele careça;
d) E um pouco de familiaridade com os formalismos e prazos de perfeição dos contratos de empreitada de obras públicas logo nos conduz à conclusão de que
havia outras formalidades a simplificar e outros prazos a economizar antes de ter de se destacar a sujeição do Estado à jurisdição do Tribunal de Contas e de se limitar a competência deste Tribunal para fiscalizar previamente a legalidade e a cobertura orçamental dos seus documentos geradores de despesa.
e) É aliás ridículo invocar como única razão de um tão grave atropelo ao controlo da legalidade das despesas públicas a economia de um mês no

Página 1391

16 DE FEVEREIRO DE 1991
1391

contexto de obras que se estendem por um período continuado de cinco anos! A reserva mental - qualquer que seja - impõe-se a todas as luzes do normal entendimento das coisas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ao passar para depois o exercício de uma competência do órgão jurisdicional de fiscalização das suas despesas, que a lei exige prévio, o Governo apunhalou pelas costas o Estado de direito que somos.

Aplausos do PS.

Se de direito é o Estado que ao direito se auto-submete, este Governo, neste lance, mostrou-se empenhado em sê-lo cada vez menos. Um Estado de direito não pode cultivar a suspeição. E nada melhor para estimulá-la do que ser ronceiro em tudo menos na economia do tempo necessário à fiscalização da legalidade dos seus próprios actos. Mas se o Governo pode beneficiar da dúvida sobre se teve ou não consciência da suspeição a que se sujeitava não pode agora a maioria parlamentar, que neste acto o fiscaliza, alimentar a menor dúvida sobre a suspeição a que foi sujeito.
Diz-nos a Lei Orgânica do Tribunal de Contas que «a fiscalização prévia tem por fim verificar se os documentos a ela sujeitos estão conformes com as leis em vigor e se os respectivos encargos têm cabimento em verba orçamental própria».
Constitui, pois, e antes de mais, uma garantia de legalidade dos actos a ela sujeitos. Mas também uma garantia da correcta execução do Orçamento do Estado, que ao Tribunal de Contas cabe fiscalizar por imperativo constitucional. Mas como o Orçamento tem o valor de lei, também este aspecto se reconduz a uma garantia de legalidade.
Não é pois indiferente que o controlo financeiro que a lei quer que seja prévio se faça a posteriori ou a título sucessivo. Mas, se queremos ter disso confirmação irrecusável, leia-se o artigo 2.º do diploma ratificando, do qual resulta que, mesmo antes de «concluídas as formalidades conducentes à produção de efeitos financeiros» - entre as quais se conta o visto prévio - pode proceder-se a pagamentos adiantados correspondentes ao somatório das seguintes verbas:
Dois terços dos materiais postos pelo empreiteiro ao pé da obra;
50% do valor do equipamento posto na obra;
Mediante garantia bancária, a parte do custo da obra necessária para aquisição de materiais sujeitos a flutuação de preço, bem como do equipamento cuja aplicação na obra haja sido prevista no plano de trabalhos aprovado;
Pagamentos - agora sem limite - garantidos por trabalhos executados.
Como se vê, uma boa propina em troca de ganho teórico de um mês de prazo!
É isto transparência? Se é, nunca mais recuso cristalinidade a um vidro fumado!

Risos do PS.

Será que a nossa Constituição assiste, conivente, a semelhante atropelo? Muito me havia a mim de me admirar que tivéssemos estado tão distraídos!
Passo a demonstrar que o decretozinho solerte se encontra maculado também pelo pecado da inconstitucionalidade - é mais uma! A título de aperitivo, lembro que, nos termos do artigo 216.º da Constituição, o Tribunal de Contas sé o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe.
Primeira constatação: quanto às contas, as que a lei lhe mandar submeter, quanto às despesas, todas elas.
Mas tenho que reconhecer que, do que agora se trata é não de fiscalizar ou não fiscalizar a legalidade das despesas, mas de as fiscalizar ex ante ou ex post. Prévia ou sucessivamente. Nada sobre isso dizendo a Constituição, de que regra pode emergir a inconstitucionalidade?
Pois da regra que comete à Assembleia da República competência reservada para legislar sobre «a organização e a competência dos tribunais» - e o Tribunal de Contas é um entre outros - «e do Ministério Público». No exercício dessa competência a Assembleia da República definiu a competência do Tribunal de Contas. Fê-lo pela Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, onde deixou claramente dito que compete ao Tribunal de Contas fiscalizar, e fiscalizar previamente, a legalidade e a cobertura orçamental dos documentos geradores de despesa.

Aplausos do PS.

Foi mais longe e esclareceu o conteúdo dessa fiscalização prévia. Esse conteúdo é verificar se os contratos e outros documentos a ela sujeitos - logo as minutas, no caso das minutas - estão conformes com as leis em vigor e se os respectivos encargos têm cabimento em verba orçamental própria.
Depois, demarcou o âmbito da fiscalização prévia. E lá encontramos as inefáveis minutas dos contratos do Ministério da Saúde. Não se esqueceu a lei das excepções à exigência da fiscalização prévia. E lá encontramos «os títulos definitivos dos contratos precedidos de minutas visadas». Mas não as próprias minutas desses contratos. Ali encontramos também uma menção genérica a «outros contratos já especialmente previstos na lei». Mas não outras minutas já previstas na lei.
De qualquer modo as minutas a prever em futuras leis, como é o caso do diploma ratificando, a que regras estão sujeitas? Quanto a essas, e por mais que isso pese a um governo a quem a transparência das despesas embaraça, só por lei desta Assembleia ou por decreto-lei do Governo precedido de autorização legislativa. O Governo escusou-se a pedir essa autorização, decerto para fugir à discussão para ele incómoda que estamos a ter agora. E ao deixar de fazê-lo feriu de inconstitucionalidade orgânica o decretozinho solerte. A Constituição, e não apenas Deus, escreve direito por linhas tortas.
Lamento ter colocado os senhores deputados da maioria perante o embaraço de terem de optar entre agradar ao Governo e limpar uma nódoa do meu pano; entre um voto submisso e o respeito da Constituição.
Dito isto, serei prático: se a ratificação não for recusada, levaremos ao conhecimento do Tribunal Constitucional, para efeitos de limpeza, as normas feridas de inconstitucionalidade.

Aplausos do PS.

Se, contra o que se espera, o Tribunal Constitucional as não banir da face da terra, passaremos sobre elas o pano

Página 1392

1392 I SÉRIE - NÚMERO 43

molhado de uma salutar revogação se, por mérito próprio - que é muito - e razões como esta, viermos, como esperamos, a ganhar as próximas eleições.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. António Guterres (PS): - Está envergonhado!

O Sr. Alberto Martins (PS): - Vai fazer autocrítica!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois destes comentários brejeiros por parte do Partido Socialista gostaria de dizer que o Sr. Deputado Almeida Santos, com o tom que normalmente põe nestas questões, partiu de dois pressupostos básicos indemonstrados e indcmonstráveis.
Primeiro, que a oposição é uma lavandaria; segundo, que o Partido Socialista cheira a alfazema.

Risos do PSD.

No entanto, como nenhuma destas duas coisas é, provavelmente, verdade gostaria de colocar ao Sr. Deputado Almeida Santos duas questões mais importantes e mais fundas.
A questão mais importante e mais funda é a seguinte: V. Ex.ª tem a certeza de que quis apreciar, em sede de Assembleia e do instituto da ratificação, este decreto-lei e apenas este? Ou quereria apreciar outros? Fiquei com uma dúvida muito grande, porque o passo que deu quando partiu da apreciação deste decreto-lei para considerações mais vastas e gerais é de tal maneira grande que dificilmente caberá na apreciação da ratificação deste decreto-lei.
De qualquer das maneiras, V. Ex.ª, na verdade e de facto, fez uma coisa que é absolutamente inaudita, isto é, em relação ao pequeno texto que aqui tenho presente e que diz: «A título excepcional e até 31 de Dezembro de 1994, a consignação dos empreendimentos para a construção, ampliação, remodelação, beneficiação e conservação de unidades de saúde pode ser feita imediatamente após despacho de adjudicação, devendo o processo ser posteriormente submetido a visto do Tribunal de Contas»,...

O Sr. António Guterres (PS): - E logo na saúde!

O Orador: - ...V. Ex.ª construiu uma teoria que vai desde a descoberta de possíveis inconstitucionalidades até a uma acusação ao Governo que eu não consigo compreender.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Tão inocente!

O Orador: - V. Ex.ª, em primeiro lugar, disse que o Governo pretende subtrair às formalidades essenciais um qualquer acto. Mas isso é mentira. O Governo continua a submeter às formalidades essenciais o acto que neste decreto-lei vem referido.
Em segundo lugar, V. Ex.ª diz que esta actuação é uma incostitucionalidade. V. Ex.ª até descobre que um acto normal da Administração, que está e sempre esteve na competência do Governo, passa a estar agora na competência reservada da Assembleia. Esta é, na verdade, uma grossa habilidade, não diria uma grosseira habilidade, mas é uma grossa habilidade de que V. Ex.ª se socorre para ter alguma razão na sua intervenção.
De qualquer dos modos, é evidente que do texto da Constituição que citou não tira nem pode tirar essa conclusão, que, como se verifica, é uma conclusão por salto, por exagero, por tremendismo, e que V. Ex.ª reduz a nada, logo a seguir, quando descobre que dispõe do instituto da ratificação - que usou e usa agora - e que por essa via poderia sanar os eventuais vícios que este decreto-lei teria.
De qualquer das maneiras, V. Ex.ª não está convencido de que este decreto-lei tem vícios. Aliás, não foi V. Ex.ª também membro do Governo? E não se defrontou V. Ex.ª com estas mesmas dificuldades que todos os governos têm nestes actos de administração?
É que só a ineficácia pode desculpar que um governo coerente e responsável não faça actos destes e não publique decretos-leis destes.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, queria colocar-lhe uma questão para satisfazer a curiosidade de saber por que razão o Partido Socialista só acordou agora para o problema com este diploma, e por que razão é que o Partido Socialista, em relação aos Decretos-Leis n.º 151/89, de 8 de Maio, e 63/88, de 27 de Fevereiro, em tudo idênticos, não utilizou o instituto da ratificação.
É que, Sr. Deputado Almeida Santos, esta questão é importante, até porque aparece num momento - e eu não lhe assaco essa responsabilidade a si, pessoalmente - em que a interpretação que podia ser dada a este pedido de ratificação seria diferente, e essa seria grave.
Mas porque V. Ex.ª não a fez, eu queria, com toda a clareza e transparência, dizer que nenhum dos actos pretensamente ilegais, repito, pretensamente ilegais, que estão a ser alvo, ao que julgo saber, de inquérito pela Procuradoria-Geral de República e que são da responsabilidade da ex-titular do Ministério de Saúde, cairiam na alçada deste decreto-lei, contrariamente àquilo que apareceu propagado em certa imprensa.
Como sabe, a única questão que se colocou em relação a vistos do Tribunal de Contas reporta-se à aquisição do Hospital de S. Francisco Xavier, e, como V. Ex.ª sabe, este decreto-lei não permitia a dispensa prévia do visto do Tribunal de Contas, porque se tratava de uma aquisição e não de uma adjudicação.
Esta questão, Sr. Deputado Almeida Santos, tem de ficar claramente expressa aqui, sem qualquer sofisma e sem qualquer dúvida. E é importante que o Partido Socialista responda à questão que lhe foi colocada, sob pena de se pôr a coberto de uma suspeicão que, essa sim, seria grave.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Martins.

Página 1393

16 DE FEVEREIRO DE 1991
1393

O Sr. João Oliveira Martins (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, desejo fazer-lhe, apenas, duas perguntas.
Tanto quanto se pode deduzir deste pedido de autorização legislativa do Governo, o que está em causa é uma prática administrativa que tem alguns anos em Portugal. Não se vê aqui nada de excepcional.
Assim, a pergunta que desejava fazer ao Sr. Deputado Almeida Santos era a seguinte: sendo V. Ex.ª uma pessoa que participou em vários governos, em que é que este diploma difere daqueles que vinham sendo seguidos em anos anteriores, inclusive, por governos de que V. Ex.ª fez parte?
Em segundo lugar, se são razões de ordem constitucional que levam a considerar inválido este diploma, perguntava o que é que mudou na Constituição relativamente a casos anteriores.
São estas as duas perguntas sobre as quais gostaria de ser esclarecido.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Secretário de Estado, com toda a simpatia que tenho por si, tenho de reconhecer que, desta vez, estudou mal a lição.
Supunha que linha estado a falar, no mínimo, «para jurista entender», mas, apesar de o Sr. Secretário de Estado ser um excelente jurista, neste caso estava manifestamente distraído.
Esperava, pois, que o Sr. Secretário de Estado me viesse dizer que os artigos de lei citados não existiam, que tinham sido inventados por mim, que as críticas de Sousa Franco também nunca existiram e tinham sido imaginadas ou sonhadas por mim, ou que as regras de competência da Constituição e as inconstitucionalidades que invoquei igualmente não existem e foram também inventadas por mim.
Mas, afinal, não disse nada disso e em vez de contradizer os argumentos objectivos e jurídicos que invoquei, vem-me com algumas fantasias - desculpe a expressão - a que até achei alguma graça, mas não me parece que tenham conseguido minimamente pôr em dúvida tudo aquilo que afirmei. Não o conseguiu e lamento-o.
V. Ex.ª disse, também, que «somos uma lavandaria». De facto somos, pois a Assembleia da República está aqui para lavar as nódoas dos decretos inconstitucionais e politicamente errados do Governo. Portanto, a imagem da lavandaria serve.
Não cheiramos, contudo, a alfazema, mas também não cheiramos assim tão mal, porque a verdade é que casos como este, enquanto o PS foi Governo, que eu me lembre, nunca vieram à Assembleia. Direi até que não tenho ideia de alguma vez ter vindo aqui para ratificação diploma que tão gravemente violasse as regras éticas de um Estado de direito. E digo isto com toda a convicção.
Afinal, o que há nisto de errado, de grave, de feio e de malcheiroso - já que estamos em matéria de perfumes - é o quê? É o facto de a Constituição e a lei desta Assembleia aprovarem um sistema de fiscalização dos actos do Governo e este, abusando de competência que não tem, porque não pode revogar actos da competência reservada da Assembleia sem autorização legislativa, pôr-se fora dessa fiscalização e procurar transformar em visto posterior um visto que a Constituição e a lei querem prévio.
Não, nunca vi nada disto e, sobretudo, não vi quando estes factos foram precedidos de suspeições em que não quis embarcar. Não, não fui por aí, mas obviamente que não posso desconhecer. É que não posso desconhecer que o Presidente do Tribunal de Contas que, por acaso, até é vosso colega de partido, veio fazer graves críticas e lançar graves suspeições sobre a atitude do Governo. Também não posso desconhecer que três jornais vieram com argumentos objectivos, reforçando gravemente essas suspeições.
Porém, não alinhei nelas, concedi ao Governo o benefício da dúvida e estava à espera que o Sr. Secretário de Estado me viesse dizer que a razão que tinha invocado não era a única, mas que havia outras razões sérias para dar esse salto, ainda que inconstitucional, ainda que ilegal, ainda que feio. Mas o Sr. Secretário de Estado não disse mais nada além da «economia de um mês em cinco anos prazo», o que, desculpar-me-á, considero ridículo.
Com efeito, dizer que em empreitadas que decorrem durante cinco anos se ganha um grande espaço de tempo só porque se poupou, na melhor das hipóteses, um mês em cada uma delas, isso não convence ninguém, até porque, relativamente às que vêm aí, o Governo que acorde mais cedo e poupe o tempo que pode gastar por ser mandrião.
Repito, isso não convence ninguém. E sabendo nós o barulho que se fez sobre esse facto e até sobre a declaração do ministro de então de que se tratava de uma mera formalidade, o que é que faz o Governo? Enfia o carapuço, põe a cabeça no cepo e dá razão àqueles que dele suspeitaram. Isto é que é grave, Sr. Secretário de Estado. Era isto que esperava que o Sr. Secretário de Estado viesse minimizar, mas não. Pelo contrário, veio dizer que a minha atitude é inaudita, é tremendista, é não sei que mais. Bom, o que ela é, afinal, é muito comedida relativamente à gravidade dos vossos actos.

Aplausos do PS.

Depois, V. Ex.ª diz que construí uma teoria. Ora, não sou eu que construo as teorias. A inconstitucionalidade decorre da Constituição e eu disse em que é que ela consiste. O Sr. Secretário de Estado tinha a possibilidade de dizer que nada disso se verificava e que a minha invocação não passava de uma asneira. Porém, não o disse, o que lamento.
A inconstitucionalidade, a meu ver, é obvia, embora lamente que o seja. E digo mais: este caso põe à prova a maioria parlamentar, pois é tão grave e complicado que se, neste caso e depois destas advertências, a maioria parlamentar ratificar este decreto, obviamente, não ficaremos de mãos atadas e iremos ao Tribunal Constitucional pedir a declaração da inconstitucionalidade e revogaremos o decreto se formos governo.
Contudo, esta maioria parlamentar confirma ela própria a suspeição, a que já está sujeita, de que quis anular o instituto ratificativo e que efectivamente durante quatro anos o anulou, pois não houve fiscalização dos actos do Governo pela via da ratificação.

Aplausos do PS.

Diz V. Ex.ª que não estou convencido. Sr. Secretário de Estado, até estou espantado com o convencimento! Quer dizer, até admito que na altura em que um ministro, por acto administrativo, com a preocupação de ganhar celeridade e por não estar bem dentro do assunto - e manifestamente não estava quando qualificou o acto de uma mera formalidade - tenha dispensado ou procurado saltar por cima do visto prévio. Isto até compreendo e, se calhar, nós até o fizemos algumas vezes, Sr. Deputado Oliveira

Página 1394

1394
I SÉRIE -NÚMERO 43

Martins. Mas são coisas diferentes: uma coisa é a preocupação da celeridade e não mandar uma minuta a um visto prévio e outra é um Governo dispensar-se, a si próprio, da exigência legal e constitucional desse visto prévio. São coisas completamente diferentes, Sr. Secretário de Estado.
Dito isto, Sr. Deputado Nuno Delerue, por que é que só agora? Em primeiro lugar, porque só agora tivemos consciência da gravidade deste dois decretos.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Três anos!

O Orador: - E tivemos consciência porquê? Vou dizer-lhe, com toda a sinceridade - não se ria porque não há razão para rir, mas antes para chorar -, que tivemos agora essa consciência, porque quando um presidente de um Tribunal de Contas vem dizer a público aquilo que disse, todos nós necessariamente ouvimos com a maior atenção e quando três jornais vêm explorar essa declaração com novos argumentos, nós lemos esses argumentos e meditámos sobre eles.
Nessa altura, não podíamos, evidentemente, ler chamado a ratificação um decreto que já estava para lá do prazo para fazer esse pedido. Mas pedimos quanto ao segundo que é mais grave ainda que o primeiro. É que o primeiro ainda tinha alguma lógica, embora fosse inconstitucional, embora fosse ilegal, embora fosse feio, pois era uma lógica de menos um ano de prazo relativamente a um hospital. Porém, agora, suspender por cinco anos uma garantia fundamental da fiscalização da legalidade?! Mas o senhor é insensível a isso, pelo que vejo, porque se ri! Mas se é insensível, Sr. Deputado, registo-o para que conste a sua insensibilidade, pois há violação da Constituição, há violação da lei desta Assembleia por um decreto do Governo, há esses actos que são de uma gravidade enorme!

Aplausos do PS, do CDS e do deputado do PRD Marques Júnior.

Protestos do PSD.

O Orador: - Fique com o seu sorriso, fique com a sua responsabilidade por ratificar - se ratificar - este decreto do Governo, mas fica entendido que os senhores se desonram quando saltam por cima de todas estas objecções, de todas estas suspeitas e confirmam um acto do Governo perfeitamente inconfirmável, porque é inconstitucional, é ilegal e cheira mal.

Aplausos do PS.

Quanto às explicações que me solicita, peco-lhe que se dirija ao Tribunal de Contas, se faz favor.
Sr. Deputado Oliveira Martins, sempre fiz aqui na Assembleia uma distinção, em termos de feitura de leis, entre juristas e não juristas e não responsabilizo os não juristas pelo não conhecimento especializado da matéria. Eu também não sei de empreitadas, não sei fazer uma ponte, enfim, não sou engenheiro. Mas sei fazer uma lei e sei mais ou menos o que estas coisas significam. É claro que o Sr. Deputado falou em autorização legislativa, mas não houve autorização. Se houvesse, bem se estava porque, com efeito, era preciso que o Governo tivesse pedido uma autorização legislativa para não ter cometido a inconstitucionalidade que cometeu. Esta a primeira observação.
Depois, diz V. Ex.ª que participei em vários governos. Participei, de facto, Sr. Deputado, e fiz muitas asneiras, mas responsabilizei-me sempre por elas e corrigi-as sempre que tive consciência delas, o que espero que o senhores façam, agora, quando chegarmos à votação. Porém, o que nunca fiz foi ligar o meu nome a uma lei que isentasse o Governo, por forma inconstitucional, da responsalidade que tem, nem procurei «branquear» os meus actos prévios com leis posteriores contrárias à Constituição e a uma lei fundamental desta Assembleia. Isso, pode ter a certeza, nunca fiz.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E em que é que o diploma difere dos outros que fiz? Difere disso mesmo: de ser dos mais feios que já aqui foram chamados a ratificação, de ser claramente inconstitucional, de ser uma absolvição em causa própria, de ser um juiz que julga a posteriori os seus actos anteriores, de ser, na verdade, uma desgraça em termos de ética legislativa.
O que mudou na Constituição? Na Constituição não mudou nada. O que mudou foi a atitude dos governos relativamente a ela. De um modo geral, não se fazia isto em governos anteriores e, ao que parece, passou agora a fazer-se.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares pede a palavra para que efeito?

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Assuntos Parlamentares: - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nuno Delarue pede a palavra para que efeito?

O Sr. Nuno Delarue (PSD): - Para o mesmo efeito, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra, mas desejava solicitar que fosse utilizada de maneira breve, sem perder de vista o objecto destas figuras regimentais.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, colocarei a questão com toda a brevidade e vou tentar resumi-la àquilo que é mais importante, ou seja, a defesa da minha consideração pessoal.
Como é evidente não vou aqui discutir empreitadas com o Sr. Deputado Almeida Santos. E não vou pela razão simples de que eu ficaria certamente a perder, tal é o seu sentido económico da vida que, com certeza, não permitiria que eu fizesse, deste lado, melhor figura discutindo essa matéria.
No entanto, gostaria de dizer que o Sr. Deputado Almeida Santos fez aqui um número curioso de ventriloquia, ou seja, colocou as suspeições na boca de outrem, o mais próximo possível do PSD - até chegou a dizer que havia uma pessoa que era do PSD quando manifestamente não é - e tentou veicular estas supeições para o essencial da sua intervenção. Isto é, como disse há pouco, dirigiu a sua intervenção para um decreto-lei hipotético, que era aquele que hipoteticamente o preocupava, digamos assim, e fez funcionar as suspeições sobre outra coisa que não tem nada a ver com isto.

Página 1395

16 DE FEVEREIRO DE 1991
1395

Foi uma tarefa hábil, foi uma tarefa difícil, mas foi uma tarefa conseguida por parte do Sr. Deputado Almeida Santos. Isto é, sabendo que este decreto-lei mais não era do que a repetição do que, já desde 1975, acontece em relação a actos desta natureza com vários governos, fundados em razoes de interesse público e de presteza da Administração, que podem não fazer ganhar só um mês mas sim muito tempo e podem, na sua essência, beneficiar altamente o público que as utiliza directamente.
Ora, V. Ex.ª, sabendo disso, veio aqui tecer uma teoria de pretensa base constitucional sobre esta matéria.
Sr. Deputado Almeida Santos, em homenagem a si próprio e à consideração que tenho por si como constitucionalista, recusei-me a discutir isso nesta base. É que - continuo a dizer - V. Ex.ª não utilizou senão argumentos de natureza tremendística, que radicam no exagero manifesto da interpretação da Constituição.
Portanto, não é uma discussão séria aquela que, em termos constitucionais, podemos travar sobre este assunto - e V. Ex.ª sabe-o tão bem como eu.
Para terminar, Sr. Deputado Almeida Santos, para ver se, na verdade, no fundo de toda esta questão, existe ou não alguma dúvida, alguma suspeição com base real, perguntar-lhe-ia, muito directamente, se apesar de tudo o que foi dito, o Tribunal de Contas, que praticou sempre o visto a posteriori em relação aos actos do Governo consignados neste decreto-lei, encontrou algum vício relativamente aos processos examinados.
Com certeza que V. Ex.ª me vai dizer que não. No entanto, dizendo que não, acaba por, claramente, deixar de ter razão na sua intervenção. Do ponto de vista da fiscalização dos actos do Governo, V. Ex.ª traiu-se a si próprio.
Na verdade, disse que utilizava o instituto da ratificação. Porém, é esse o acto que deve praticar; é essa a defesa que os partidos, designadamente os da oposição, têm perante um acto do Governo.
V. Ex.ª acabou de exercer esse direito, está na plena liberdade de o fazer, encontra-se nas competências da Assembleia exercê-lo e aqui estamos para o discutir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, tomou de novo lugar na presidência o Sr. Vice-Presidente Herminio Maninho.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Bem, dito, como tem de ser, que nunca esteve em causa a consideração que tenho pelo Sr. Secretário de Estado, diria que quem está a precisar de explicações não é o Sr. Secretário de Estado, mas o País, da boca de um membro do Governo, por ter cometido um acto tão feio, tão ilegal e tão inconstitucional.
Disse o Sr. Secretário de Estado que não queria discutir empreitadas comigo, dado o meu sentido económico da vida.
Gostaria que fosse mais claro. O que é que quer dizer com isso? Que sei muito de economia, que sou um indivíduo muito rico ou que alguma vez comeu qualquer desonestidade em termos económicos?

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não, Sr. Deputado...

O Orador: - Pronto, era só isso que eu queria saber!...

Risos.

Disse ainda o Sr. Secretário de Estado que fiz um número de ventriloquia, colocando a suspeição na boca de outrem.
Bem, eu li as suspeições nos jornais. Se o Sr. Presidente do Tribunal de Contas não disse aquilo que os jornais lhe imputam, lamento que não tenha feito qualquer desmentido a uma questão daquela gravidade. É que, na realidade, se não estivessem em causa factos daquela gravidade, ele tê-lo-ia feito com certeza, até porque é uma homem que tenho por realmente honesto.
De qualquer modo, não fui eu que coloquei suspeições na boca de ninguém. Pelo contrário, recusei-me a acompanhar essas suspeições, e o Sr. Secretário de Estado tinha a obrigação de ter realçado esse facto.
Por conseguinte, não carreguei nem escarafunchei na ferida. Podia tê-lo feito, e tenho habilidade para o fazer quando quero...

Risos do PS.

Porém, não o fiz. Pelo contrário, disse: não irei por aí! Dei ao Governo o benefício da dúvida, esperando explicações do Governo.
No entanto, o Sr. Secretário de Estado vem agora passar o manto branco da absolvição por todos os actos do Governo, e isso é feio da sua parte e da parte de um membro do Governo. É que errar todos nós erramos; porém, procurarmos branquear o nosso erro quando nos chamam a atenção para ele, negando a sua existência em vez de o corrigir, isso é que não!
Afirmou V. Ex.ª que falei num decreto-lei hipotético.
Bem, se o Sr. Secretário de Estado quiser, eu digo-lhe o número do diploma. Contudo, é o que está a ser ratificado, como é óbvio - não falei de outro.
Disse ainda que eu tinha empreendido uma tarefa hábil.
Sr. Secretário de Estado, se calhar nem terei sido muito hábil. De qualquer modo, não era preciso grande habilidade para, neste caso, destacar o que há de errado e de feio neste decreto-lei.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Era, era!

O Orador: - Falou também de actos desta natureza praticados por vários governos, mas o que é facto é que não me lembro de nenhum. De facto, lembro-me de vários actos administrativos - provavelmente, eu próprio posso ter praticado algum - que são censuráveis, mas perdoáveis quando há preocupação de urgência.
Já tive oportunidade de fazer aqui a distinção de que uma coisa é uma acto administrativo isolado, enquanto outra é um decreto-lei do Governo contra uma lei da Assembleia da República, emitida no âmbito da sua competência reservada, a isentar o próprio Governo de responsabilidade. É o Governo a isentar-se de responsabilidade, a branquear a posteriori um acto prévio. A lei queria que fosse prévia a fiscalização, mas veio um decreto-lei do Governo, que diz que se fará depois o que não se fez antes - o que não se faz em dia de Santa Maria faz-se noutro dia!
Isso é que não pode ser, Sr. Secretário de Estado! Desculpe, mas isso é que não pode ser!

Página 1396

1396 I SÉRIE - NÚMERO 43

Referiu ainda que isto se destinava a beneficiar o público.
Sr. Secretário de Estado, encare a sério o argumento que invoquei, de que, na melhor das hipóteses, só poderia poupar-se um mês. E o que é facto é que um mês não tem significado em empreitadas que ocorrem no decurso de cinco anos de prazo. Desculpe, mas isto é óbvio, é claro, é evidente!
Por último, afirmou que eu estaria a utilizar uma pretensa base inconstitucional.
Sr. Secretário de Estado, referi em que é que consistia a inconstitucionalidade - argumente contra ela. Com efeito, há uma lei da Assembleia, produzida no âmbito da sua competência reservada, e o Governo altera essa lei. Alterou ou não alterou?! Se alterou, há inconstitucionalidade; se não o fez, então sou eu que não tenho razão.
De qualquer modo, viremos, provavelmente, a tirar isso a limpo quando invocarmos a inconstitucionalidade se os senhores ratificarem este decreto-lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - o Sr. Deputado Almeida Santos é, obviamente, um criativo, pois entende que está no seu direito interpretar os meus sorrisos, o que, reconheço, é legítimo. Só que desta vez errou, pois o meu sorriso não tem nada a ver com a sensibilidade ou insensibilidade que possa ter quanto a este decreto-lei concreto, mas com o argumento que V. Ex.ª aqui utilizou para demonstrar, aliás de uma forma manifestamente coxa, por que razão é que o PS só acordou agora para esta questão, o que não aconteceu, por exemplo, com o PCP, que, em 1989, pediu a ratificação deste diploma.
É por isso, Sr. Deputado Almeida Santos, que da suspeição de só a terem pedido agora não se livra V. Ex.ª
No entanto, queria aduzir mais um argumento, que V. Ex.ª está a utilizar manifestamente mal, quando diz que o que se ganha em tempo - um mês - para um prazo de cinco anos é ridículo.
Isso é falso, Sr. Deputado Almeida Santos. É que esta situação tanto se aplica a obras que decorrem durante cinco anos, como se pode aplicar a obras que têm prazos de duração extraordinariamente mais curtos - por vezes de dois e três meses -, que, provavelmente, serão até as socialmente mais importantes, como, por exemplo, as remodelações dos centros de saúde. Com efeito, Sr. Deputado Almeida Santos, o prazo de um mês é aí vital, sendo, com certeza, por isso que o Governo fez este diploma.
De qualquer modo, há um aspecto em que concordo consigo. Com efeito, é importante, é mesmo fundamental, que, no mais curto espaço de tempo possível, todas as regras que regem estas matérias sejam radicalmente alteradas e que o Governo não se iniba de obter a liberdade de movimentos de que necessita para realizar aquilo que o País necessita.
É talvez isso que, por exemplo, em relação a este diploma de que V. Ex.ªs pediram a ratificação, justifica um parecer inequivocamente favorável da Associação Nacional dos Municípios Portugueses.

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, gostaria que V. Ex.ª explicasse por que razão é que a Associação Nacional dos Municípios Portugueses dá um parecer inequivocamente favorável em relação a este diploma, que, no fundo, consagra uma cláusula de excepção - e aí reafirmo a minha concordância consigo - que não pode impedir que todas as regras que regem os concursos públicos e as empreitadas sejam revistas e actualizadas.
É inadmissível, por exemplo, que as autarquias tenham, neste momento e quanto a estas matérias, um espaço de manobra superior ao do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Nuno Delerue, lamento se interpretei mal o seu sorriso, pois julguei que era vermelho e, afinal, era amarelo. Acontece às vezes...

Risos do PS.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Laranja!

O Orador: - Mas deixemos os sorrisos e vamos às palavras.
O Sr. Deputado falou na nossa suspeição.
É curioso que, exactamente no momento em que o Governo que os senhores apoiam - e, pelo que parece, vão apoiar uma vez mais, mas isso ficar-vos-á muito bem, não tenha a menor dúvida... - incorre na maior, na mais clara e óbvia suspeição de que até hoje tive notícia, o Sr. Deputado venha falar na suspeição em que incorremos por só termos levantado o problema agora e não há algum tempo atrás!
Qual é o nosso interesse nisso? Temos algum interesse em ter postecipado? É que vocês têm interesse em antecipar, mas nós não temos nenhum interesse em postecipar! Se encontrar algum interesse, eu aceito a suspeição. Agora desculpar-me-á, Sr. Deputado, mas suspeições sem interesses valem tanto como nada!
Disse ainda que, quanto ao argumento que aduzi sobre a economia de um mês, ele é falso, referindo também que há empreitadas de prazo curto.
Bem, só me espanta é que, nesse caso, o Governo não dissesse que nas empreitadas cuja execução exige um prazo inferior a x se dispensava o visto prévio. É que isso, apesar de não ser bonito e na mesma inconstitucional, ainda teria alguma lógica. Só que o Governo não faz essa distinção entre prazos curtos e longos, caindo ainda na suspeição, em que eu não quis incorrer, de tentar lavar o que está para trás.
Com efeito, não incorri nisso, dei o benefício da dúvida, e vocês, em vez de me agradecerem por isso, ainda me chamam suspeito. O que digo é que o Governo - não sei qual é o intuito, o interesse, mas não quero enveredar por aí - cometeu um acto objectivamente condenável e feio. E agora percebo porquê, pois vejo que a idiossincrasia do Governo é a do Sr. Deputado, que vem dizer: «Mas que raio de coisa é esta? Então o Governo não há-de ter liberdade de movimentos? Agora cá sujeito a prazos e a vistos prévios!...»
Sr. Deputado, isso é a mesma coisa que riscar do mapa o princípio da legalidade dos actos administrativos e dos actos do Governo!

Página 1397

16 DE FEVEREIRO DE 1991
1397

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se o Sr. Deputado quer fazer isso, proponha aqui uma lei que estatua que se acaba com o regime de legalidade dos actos do Governo, da fiscalização económica e jurídica! Vamos acabar com essas fantasias, porque o que é preciso é andar depressa para inaugurar depressa, sobretudo antes das eleições!
Tenham a coragem de propor isso! Se não tiverem essa coragem, respeitem as leis enquanto elas vigoram, respeitem a Constituição enquanto ela for como é, mas não venham para aqui tentar meter-nos pelos olhos dentro a ideia de que uma formalidade de fiscalização dos actos do Governo para garantia da sua legalidade é supérflua! Aliás, digo-lhe mais: no tempo do Dr. Sá Carneiro, até a sua economicidade!... Os senhores revogaram as preocupações de Sá Carneiro, revogando uma lei dele que dizia isso mesmo! Até o juízo sobre a economicidade acabou, porque os senhores o revogaram, a par da introdução de outras limitações à competência do Tribunal de Contas!
O Sr. Presidente do Tribunal de Contas bem se queixou das vossas limitações à competência do Tribunal! Só que não se tinha lembrado desta, pois quando veio lançar suspeitas sobre este decreto-lei, esqueceu-se de que ele era inconstitucional!
Eu lembrei-me a tempo. A inconstitucionalidade haverá de produzir os seus frutos!

Aplausos do PS e dos deputados independentes Herculano Pombo e Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração de Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Administração de Saúde (Jorge Pires): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria a minha intervenção, aproveitando precisamente uma frase proferida pelo Sr. Deputado Almeida Santos, quando referiu que um mês não fazia diferença, de modo a reforçar um pensamento que me ocorreu quando o PS formulou o pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 358/90. É que eu pensava que, precisamente neste dia, o PS se iria congratular por se ter conseguido, no espaço de um mês, fazer-se aquilo que há bem pouco tempo pareceria impossível.
Refiro o exemplo da Maternidade de Alfredo da Costa, que no dia 15 de Janeiro fechou as suas portas e, exactamente um mês depois, dia 15 de Fevereiro, reinicia a sua actividade, conseguindo-o, precisamente com base neste decreto hoje presente para ratificação, pela eficácia, pelo rigor, pela programação e - permitam-me que o realce também - pelo exemplo de cooperação conseguida entre os vários profissionais e instituições de saúde.
Se olharmos para a questão hoje aqui colocada, verificamos que, tal como já aqui foi referido, ela não é uma questão nova, pois já em 1975, através do Decreto-Lei n.º 447/75, se adoptou um procedimento semelhante.
É evidente que as razões invocadas hoje são diferentes das invocadas em 1975. Com efeito, em 1975 invocavam-se razões para contribuir para a atenuação da crise de desemprego
Era esta a justificação que se arranjava no preâmbulo do diploma para se conseguir a simplificação de alguns procedimentos administrativos. Estamos longe desse tempo e, felizmente, os Portugueses não têm a grande preocupação
que existia, nessa altura, em criar novos postos de trabalha As razões, hoje, são diferentes: prendem-se com o grande desenvolvimento que o Pais atravessa e com a necessidade que existe de avançar, o mais rapidamente possível, com determinado número de obras. Aliás, posteriormente, em 1982, em 1986 e em 1988, vários foram os diplomas que saíram sobre esta matéria, precisamente no sentido de criar a simplificação de alguns processos administrativos.
O preâmbulo deste diploma, o Decreto-Lei n.º 358/90, de 10 de Novembro, é claro. Consciencializado que está o Governo das carências que há em levar a cabo determinadas obras dentro da área da saúde e no sentido de recuperar algum tempo por forma que seja concretizado de um modo efectivo o direito a saúde das populações propõe a simplificação de algumas formalidades, e não mais do que isso - e irei tentar desmistificar algumas das afirmações que aqui foram proferidas. Portanto, ele tentará simplificar formalidades legais e nada mais do que isso. Salvaguardando, no entanto, que a adjudicação será convenientemente acautelada através de todo o formalismo inerente aos concursos. Não se pretende tocar no concurso público, porque esse continuará a existir; pretende-se sim inverter a ordem do procedimento. Aliás, direi mais: em bom rigor, não existe uma simplificação de procedimentos mas sim uma inversão da ordem processual. Vamos comparar o procedimento normal com o procedimento de excepção.
O procedimento normal tem seis fases: a primeira é o concurso; a segunda é o despacho de adjudicação; a terceira é a comunicação ao empreiteiro e o envio da minuta; a quarta é o contrato; a quinta é o visto do Tribunal de Contas; a sexta é a consignação da obra. No procedimento em discussão, as quatro primeiras fases permanecem exactamente como estavam: o concurso, o despacho de adjudicação, a comunicação da empreitada e o contrato. Inverte-se, sim, a ordem da quinta e da sexta fase, isto é, a quinta é a consignação da obra e a sexta o visto do Tribunal de Contas. E quero salientar que não existe qualquer exclusão de contrato da legalidade por parte do Tribunal de Contas, porque o processo é sempre submetido a vista Direi mesmo que é um misto de fiscalização prévia com fiscalização sucessiva do próprio Tribunal de Contas. Não há, reafirmo, isenção de fiscalização por parte do Tribunal de Contas, mas apenas o seu diferimento para um momento posterior ao do início dos trabalhos.
Poder-se-ia - admito-o - colocar a seguinte questão: quais são as garantias, financeiras e de legalidade, que o Estado tem? Relativamente às garantias financeiras, o diploma é claro: os valores entregueis ao empreiteiro são garantidos pelo volume da obra realizada. No que toca à legalidade da despesa quanto ao acabamento, ela está assegurada nos termos gerais e reforçada precisamente pela parte final do artigo 2.º. em que se refere que terá de estar assegurado o cabimento orçamental para que se possa adoptar este procedimento.
O Sr. Deputado Almeida Santos referiu aqui um outro aspecto que é o problema suscitado pelo Decreto-Lei n.º 235/86, de 18 de Agosto - o de os adiantamentos poderem ser feitos ao empreiteiro -, mas que, neste momento, não está em consideração. Portanto, não se trata de adiantamentos sem garantia, mas sim de um pagamento por trabalhos realizados.
Outra questão que poderia ser colocada era a de saber quais seriam as consequências da falta de vista Reforçando o que já aqui foi dito, volto a reafirmar que, até hoje, ainda não houve nenhum indeferimento por parte do Tribunal de Contas, sempre que se adoptou este proce-

Página 1398

1398
I SÉRIE - NÚMERO 43

dimento - todos os processos foram considerados conformes. Não ponho em causa o facto de o visto ser uma condição de eficácia financeira do contrato - com a recusa do visto, é evidente que o contrato é ineficaz. De qualquer das formas, sempre se teria de pagar ao empreiteiro - e chamo a atenção para este aspecto - os trabalhos realizados, mesmo que a título subsidiário, através do enriquecimento sem causa gerador de obrigações, mesmo para o Estado. Note-se, aliás, o paralelismo que existe entre esta situação e a nomeação do pessoal por conveniência de serviço - o acto tem efeitos até uma eventual recusa do visto do Tribunal de Contas. Não há, pois, nada de excepcional neste diploma.
Quanto à responsabilidade financeira e aos efeitos retroactivos que aqui foram abordados, quero salientar, de uma forma muito clara, que o diploma permite a entrega de valores antes do visto, sem que isso se considere um pagamento indevido. Não existe nenhuma intenção de salvaguardar qualquer situação de ilícito. Atente-se em que, relativamente a todos os outros casos não previstos neste diploma, as normas sobre a responsabilidade por pagamentos indevidos se mantêm em vigor. Não existe eficácia retroactiva do diploma por qualquer motivo.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, agradecia que concluísse.

O Orador: - Para terminar, e como nota final, direi que ou a oposição - neste caso o PS - faz o pedido de ratificação e justifica-o, porque pensa que em matéria de saúde está tudo feito, não sendo necessário este diploma, ou então pretende, tão-somente, dificultar a acção governativa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Camilo e Almeida Santos. O Sr. Secretário de Estado da Administração de Saúde já não dispõe de tempo para responder. Penso, no entanto, que poderá contar com algum tempo do PSD... De qualquer forma, também será pouco.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.

O Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Secretário de Estado da Administração de Saúde, V. Ex.ª não é da opinião que a lógica da dispensa por decreto de formalidades legais neste processo administrativo pode levar muito longe, nomeadamente quando se eterniza uma situação de excepção? Isto não irá até criar um perigoso facilitismo que poderá dar origem a procedimentos ilegais? E digo-lhe isto, porque, há tempo, obtive a informação - e, neste caso, o assunto até seria mais sério - de que o Ministério da Saúde adjudicou à firma SOENVIL, em finais de Julho de 1990, as obras de remodelação da urgência do Hospital de São José, de valor superior a 100000 contos, e por ajuste directo. Contudo, não teve a necessária dispensa de concurso público, dado que o Decreto-Lei n.º 343/90 é de 30 de Outubro e que eu saiba não tem efeitos retroactivos. Isto é, ou não. verdade, Sr. Secretário de Estado?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Secretário de Estado, agradeço-lhe os esclarecimentos que nos deu. Gostaria agora de lhe colocar algumas questões.
Estava eu a falar ao Governo da saúde do próprio Governo, quando o Sr. Secretário de Estado me veio falar da saúde das parturientes - não vejo o que é que uma coisa tem a ver com a outra. Concordo que se trate da saúde das mães deste país, mas o que estava, está e continua a estar cada vez mais em causa é o problema da saúde do Governo, no aspecto fundamental da garantia da legalidade dos seus actos que este Governo pretende esfumar.
Falou de num caso ocorrido em 1975, mas não tenho ideia de que, nessa altura, se tenha feito uma lei tão iníqua como esta nem nenhuma outra lei que permitisse que não fosse prévio aquilo que a lei quer que o seja, isto é, o visto.
Disse que queria recuperar algum tempo. Demonstrei aqui que o tempo máximo que se pode recuperar é de um mês. Nesse caso, cometa-se uma irregularidade administrativa mas não se faça uma lei com validade para cinco anos!
Disse também que não se pretendeu evitar o concurso. Eu também não disse isso - melhor fora, Sr. Secretário de Estado! Disse que só se altera a ordem processual. Acho muita graça que o Governo pense que tanto faz... A lei diz que a fiscalização deve ser prévia, nuns casos, e sucessiva, noutros, mas o Governo vem aqui dizer-nos que tanto faz ser prévia ou sucessiva, que isso não tem importância alguma. Então, tenham a coragem de vir propor a esta Assembleia uma lei em que se diga que não há mais visto prévio e que todo ele é sucessivo. Mas, enquanto o não fizerem, respeitem a lei, porque essa é a vossa obrigação.
Disse que não há isenção de fiscalização, mas há-a! Há isenção de fiscalização prévia!
Disse que apenas estão em causa as quantias pagas garantidas pelo valor da obra realizada. Lamento dizer-lho Sr. Secretário de Estado, mas isso não é verdade. A própria disposição legal que invoca remete para o artigo 191.º do Decreto-Lei n.º 275/86, de 8 de Agosto, que inclui todos os outros pagamentos que referi na minha intervenção que são muitos e que vão desde o valor de todos os materiais e equipamento até, e então sim, ao valor das obras realizadas.
Disse que não houve ainda indeferimento pelo Tribunal de Contas. Então para que é que serve a lei, Sr. Secretário de Estado? Se não houve indeferimento, o que é que os senhores receiam? Cometam os actos e «deixem andar» a irregularidade administrativa, que, apesar de tudo, não é tão grave como a irregularidade legislativa que caracterizei: inconstitucional a lei, feia a lei, auto-absolvição!
Disse que não existe eficácia retroactiva. Lamento muito mas existe, Sr. Secretário de Estado. Há responsabilidade contravencional na própria Lei Orgânica do Tribunal de Contas e, portanto, se houver uma lei mais benévola posterior à cominação de um acto, quando esse acto for julgado, é evidente que beneficia da lei mais benévola. De facto, lamento que nem neste aspecto tenha razão.
Disse que queremos dificultar a acção do Governo. No que respeita aos actos sem garantia de legalidade, queremos efectivamente dificultar a acção do Governo. E verdade, Sr. Secretário de Estado, finalmente tem razão!

Vozes do PS: - Muito bem!

Página 1399

16 DE FEVEREIRO DE 1991
1399

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª dispõe apenas de 36 segundos para responder, pelo que agradeço que seja bastante sintético.
Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração de Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Administração de Saúde: - Realmente, em 36 segundos, as respostas terão de ser bastante sintéticas.
Sr. Deputado João Camilo, em relação às obras do Hospital da São José e ao ajuste directo que referiu, não tenho presente, neste momento - porque não tenho aqui elementos relativos às datas -, se se tratou, ou não, de um ajuste directo. Devo dizer que, se o foi, foi feito com base na lei que foi publicada, mas não posso afirmá-lo categoricamente, porque não tenho aqui o respectivo processo. No entanto, em algumas das obras do Hospital de São José, porque, neste momento, são várias as obras aí em curso, e apesar de esse diploma ter sido publicado, seguimos sempre a regra do concurso público. A excepção foi feita em relação a duas obras e, também e apenas, quando não houver candidatos aos concursos, então sim, recorreremos ao ajuste directo.
Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Almeida Santos, não tenho muito a dizer.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Já sabíamos!

O Orador: - Quanto ao problema da saúde das parturientes, ele consitui um exemplo claro dos benefícios que advêm do diploma que estamos hoje a discutir para ratificação. Efectivamente, conseguiu-se programar com rigor uma determinada intervenção, pô-la imediatamente em execução e, no prazo de um mês, tê-la concluída, pois a não ser assim, provavelmente, teríamos de esperar dois ou três meses até conseguirmos iniciar a obra.
Penso, portanto, que o exemplo foi bem dado. É que tratamos não só da saúde dos actos, como também da dos Portugueses, e talvez seja este o aspecto que motiva a vossa posição.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.

O Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 16 de Maio de 1989, o Grupo Parlamentar do PCP requereu a ratificação do Decreto-Lei nº 151/89, de 8 de Maio, da autoria da então Ministra da Saúde, Dr.ª Leonor Beleza, que «permitia a consignação imediata de empreendimentos em unidades de saúde após despacho de adjudicação». O que visava esse decreto? Dispensar várias formalidades legais para a consignação de obras de construção, ampliação, remodelação e beneficiação de unidades de saúde. Uma tal medida era definida como sendo de carácter excepcional, pelo prazo de um ano e justificada pela necessidade de uma maior celeridade na concretização das obras decididas pelo executivo.
Convém recordar que, pela mesma altura, tinha iniciado os seus trabalhos a Comissão Parlamentar de Inquérito a actos administrativos na área do Ministério da Saúde, constituída em virtude de existirem suspeitas de corrupção nas relações entre o Ministério da Saúde e empresas privadas.
Aliás, já um ano antes, em Fevereiro de 1988, o PCP tinha levantado o problema na Assembleia da República, propondo desde logo a constituição de uma comissão de inquérito a factos denunciados junto da Ordem dos Médicos e da comunicação social, iniciativa que o PSD chumbou.
Ora, era neste contexto que o Governo, através do Ministério da Saúde, vinha solicitar com manifesto despudor a dispensa de várias formalidades legais a título excepcional.
O requerimento de ratificação que o PCP então apresentou era a manifestação da nossa natural oposição a tal pretensão do Governo, que, para além de revelar pouco sentido político, punha em causa a transparência que deve presidir aos actos da Administração Pública.
Os acontecimentos desde então ocorridos deveriam ter inspirado ao governo do PSD uma atitude de maior prudência em relação a pressas excessivas. Mas tal não aconteceu. A 10 de Novembro de 1990, através do Decreto-Lei n.º 358/90, o Ministro Arlindo de Carvalho, usando os mesmos argumentos do decreto anterior, prorroga, por mais quatro anos, as tais medidas legislativas excepcionais.
E aqui temos que nos entender ou as medidas são de natureza claramente excepcional e o ano de 1990 foi essa excepção por motivos ponderosos (que, diga-se em abono da verdade, não vislumbramos, nem o Tribunal de Contas), ou trata-se de uma mistificação ou artifício para perpetuar uma situação, o que não pode nem deve merecer acolhimento.
Não queremos admitir como verosímeis versões que correm de que se trataria de criar uma circunstancia atenuante para antigas negligências. Mas também não aceitamos que se tripudie sobre a legalidade e a transparência dos processos da Administração Pública, decretando medidas de excepção sempre que tal se afigure necessário ou favorável aos desígnios do PSD e do seu governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o Governo não está satisfeito com as normas legais a que está obrigado no exercício da sua acção administrativa, então que venha discutir à Assembleia da República propostas que simplifiquem e desburocratizem a Administração Pública, desde que respeitem a limpidez de processos e a manutenção da imagem do Estado como pessoa de bem, ou seja, que honra os seus compromissos e está acima de qualquer suspeita de compadrio, tráfico de influências, nepotismo ou corrupção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que não pode acontecer é que no Ministério da Saúde se viva um estado de excepção permanente. O que não se pode tolerar é que aquilo que por definição é transitório passe a ser apresentado como a normalidade.
Os recentes acontecimentos no Hospital Distrital de Faro foram alvo de uma pergunta do meu Partido ao Ministério da Saúde, à qual o Governo se escusou a responder. Está à vista o resultado da substituição da gestão democrática dos hospitais pelas comissões nomeadas, da confiança do Governo, medida apresentada como de boa administração, de economia e de rigor.
Os factos ocorridos são a clara comprovação de que a permissividade e a falta de rigor na administração do Estado são pecha deste governo, que desde há muito já não ousa autoproclamar-se idóneo e competente.
Não daremos aval a um governo que já não tem crédito.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

Página 1400

1400
I SÉRIE - NÚMERO 43

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Socialista questiona o articulado do Decreto-Lei n.º 358/90, que pretende simplificar os procedimentos referentes à adjudicação de empreitadas de obras públicas para a construção, ampliação, remodelação, beneficiação e conservação de unidades de saúde.
Alega-se na justificação de motivos do citado diploma que é bastante moroso o cumprimento de determinadas formalidades inerentes ao processo de contratação das empreitadas de obras públicas, o que, no entender do Governo, cria diversas dificuldades à consecussão dos objectivos pretendidos.
Estamos, naturalmente, de acordo com a necessidade da criação de mecanismos que assegurem uma maior celeridade e eficácia nos processos em questão.
No entanto, isso não se faz com normas excepcionais que mais não são do que um expediente para tornear os princípios fundamentais da transparência de processos na Administração Pública e o rigor da utilização dos dinheiros públicos.
Não serve de argumento invocar, como se faz no preâmbulo do diploma em discussão, que «para ultrapassar algumas dessas dificuldades, têm vindo a ser adoptadas, com carácter excepcional e temporário, medidas legislativas tendendes à simplificação das formalidades legais necessárias à respectiva adjudicação de empreendimentos situados na área da saúde».
Com efeito, e em primeiro lugar, as medidas já adoptadas pelo Decreto-Lei n.º 151/89, de 8 de Maio, não simplificaram formalidades nenhumas nem alteram nenhum processo administrativo, pela simples razão de não se ter esse objectivo. O que se pretendeu, assumidamente, de resto, com o Decreto-Lei n.º 151/89, foi passar por cima de algumas formalidades essenciais como o visto prévio do Tribunal de Contas.
Em segundo lugar, e por isso mesmo, tais medidas tinham carácter excepcionalíssimo e temporário, como o próprio Governo o reconhece, já que o articulado estabelecia o prazo máximo de vigência do diploma até 31 de Dezembro de 1991.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A simplificação de processos não se faz com normas excepcionais. É óbvio que o esforço do Governo deveria e deve ser dirigido, por um lado, no sentido de alterar o procedimento administrativo de contratação de empreitadas e, por outro, no sentido de dotar o Tribunal de Contas de meios que lhe permita responder às muitas e urgentes solicitações.
Mas, num caso e noutro, pouco ou nada foi feito. Pelo contrário, recusaram-se esses meios e agora pretende-se pedir que se salte, durante mais quatro anos, por cima do visto prévio do Tribunal de Contas.
Pretende-se, assim, chamar a uma excepção à regra um princípio, como se afirma, erradamente, no fim do preâmbulo, atribuindo um carácter ainda mais excepcional a essa excepção, acabando com processamento prioritário e de urgência para o visto sobre as minutas dos contratos de empreitadas de obras públicas para a saúde (como se estabelecia no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 151/89). Por outro lado, substitui-se o pagamento a título de adiantamento, garantido por caução (como se estabelecia no n.º 3 do mesmo artigo), pela liquidação a título de adiantamento, garantido pelos trabalhos executados.
Se isto não é querer transformar normas excepcionais e temporárias em regras ad eternum. Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaríamos de saber o que, de facto, é.
O PRD não pode estar, de forma alguma, de acordo com este diploma. De resto, infelizmente, a prática recente tem comprovado a peculiaridade de tais procedimentos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Parece-nos, pois, plenamente avisado arrepiar caminho e encontrar outros dispositivos que não escancaram as portas a soluções que não primam pela transparência, apesar de envolvidas no manto diáfano da celeridade e da eficácia e de serem apresentadas com argumentos como o da «efectiva concretização do direito à saúde da população».
Não se alcançam assim tais objectivos, muito menos colocando em risco outros princípios e objectivos tanto ou mais importantes.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Assim, consideramos que o diploma em apreço não deve ser ratificado por esta Assembleia, pelos perigos que comporia e pelas suspeições que pode vir a criar.

Aplausos do PRD e do PS.

Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É tempo de se pôr os pontos nos ii nesta matéria, de distinguir o «trigo do joio» e impedir que se tome a «nuvem por Juno». Não há qualquer inconstitucionalidade neste diploma!
A questão que o Sr. Deputado Almeida Santos coloca, salvo o devido respeito, não tem razão de ser. Efectivamente, não se tratou aqui, neste diploma, de beliscar minimamente a competência do Tribunal de Contas, mas tão-só de tratar uma matéria meramente processual, ou seja, o momento próprio para o visto do Tribunal de Contas. E, nessa medida, não tenho dúvidas de que a competência da Assembleia da República não é invadida pelo Governo ao aprovar este diploma.
Como já aqui foi dito, esta solução visa a celeridade e é bom ter presente em que áreas é que têm surgido diplomas que introduzem esta simplificação em termos administrativos. Têm surgido, exactamente, em áreas sensíveis: é o caso do Decreto-lei n.º 73/88, de 27 de Fevereiro, no domínio das construções escolares, e deste mesmo diploma, no domínio das construções hospitalares. São áreas relativamente às quais o Governo tem de dar uma resposta pronta, em que todos reconhecemos que as carências são profundas e todos os dias em que se avance nessas soluções são dias que contam para a melhoria do bem-estar dos Portugueses em áreas tão sensíveis como é, neste caso, a da saúde.
É esta a razão, é esta a filosofia que determina esta solução. E não exageremos na tónica de que o Governo pretende, com esta solução, subtrair-se ou subverter as regras previamente estabelecidas, legal e constitucionalmente, quanto à sua fiscalização.
Diria mais ainda: o sistema da fiscalização sucessiva por parte do Tribunal de Contas é mais eficaz relativamente à actuação da Administração que o próprio visto prévio.
Senão vejamos: enquanto o visto prévio se limita a apreciar um conjunto de documentos que vai constituir um acto a executar pela Administração, um contrato ou outro que envolve uma despesa pública, o visto sucedâneo já aprecia todo um processamento consumado e vai, efectivamente, verificar se os actos da Administração foram legais e cumpriram ou não as regras inerentes à boa imputação das receitas às despesas públicas.

Página 1401

16 DE FEVEREIRO DE 1991
1401

Esta é uma realidade que não pode ser aqui escamoteada. Todo este debate foi centrado no sentido de que o Governo, através desta solução, estava a subtrair-se à fiscalização e a subverter as regras da fiscalização a que a Administração se deve sujeitar. Mas não é assim! Não há uma subtracção à fiscalização e, insisto, ela é, pela forma do visto sucedâneo, ainda mais eficaz.
É compreensível que o Sr. Presidente do Tribunal de Contas tenha tentado defender a sua «dama» e tenha reagido de uma forma eventualmente exagerada relativamente à solução consagrada neste diploma.
No que diz respeito à suspeição relativamente a este diploma, que o Sr. Deputado Almeida Santos não adoptou mas que referiu ter sido levantada por órgãos da comunicação social - e, designadamente, quanto ao anterior, pois este veio prorrogar, de certo modo, o Decreto-Lei n.º 158/89 -, que referia que se pretendia despenalizar situações eventualmente menos regulares no âmbito do Ministério da Saúde, tenho a dizer-lhe o seguinte: V. Ex.ª referiu - é um homem com habilidade e se quisesse acentuar esta tónica tê-lo-ia feito - que, apesar disso, dava o benefício da dúvida ao Governo. Penso que V. Ex.ª, como homem de rigor que é, deveria dar o benefício da certeza.
E deveria dar o benefício da certeza porque? Porque os hospitais que estão envolvidos no inquérito ao Ministério da Saúde (concretamente, o Hospital de São Franciso Xavier, o Centro das Taipas e o Hospital de Fafe) nada têm a ver com esta legislação. E nada têm a ver com esta legislação por uma razão simples: em primeiro lugar-e como já aqui foi dito pelo Sr. Deputado Nuno Delerue -, em relação ao Hospital de São Franciso Xavier, tratou-se da aquisição de um imóvel para instalação de um hospital e este diploma tem a ver apenas com a construção e adjudicação de obras de remodelação ou de alteração. Relativamente ao Centro das Taipas e ao Hospital de Fale, também objecto desse inquérito, foram levados a cabo por entidades em regime de instalação e, como V. Ex.ª sabe, essas entidades não estão sujeitas sequer ao visto sucedâneo do Tribunal de Contas e, muito menos, ao visto prévio. Isto é doutrina assente do Tribunal de Contas.
Há casos em que os serviços mandam os processos ao Tribunal de Contas, mas este órgão devolve-os dizendo que não tem competência para os apreciar. Portanto, é perfeitamente desajustado querer aqui acentuar uma menos verdade, confundir uma realidade, quando se diz que este diploma teve ou pode ter tido, minimamente - e, designadamente, também o anterior Decreto-Lei n.º 158/89 -, o sentido de despenalizar situações que estão a ser alvo de inquérito por parte da Procuradoria-Geral da República.
Isto é uma falsidade, é uma deturpação que não podemos deixar passar. Esta é uma realidade que não podíamos deixar aqui de denunciar.
Finalmente, só queria reforçar uma coisa que já aqui foi dita pelo Sr. Deputado Nuno Delerue. A Associação Nacional de Municípios foi ouvida e, como V. Ex.ª sabe, o Partido Socialista tem um grande domínio nos órgãos que a superintendem, tendo sido muito clara ao dizer que nada tem a opor ao projecto do decreto-lei, porque entende a urgente necessidade de serem adoptadas medidas tendentes à simplificação de formalidades exigidas pela lei geral para a adjudicação de quaisquer obras públicas.
Hoje, como referiu o Sr. Secretário de Estado, temos um fruto concreto deste diploma. Temos a inauguração da remodelação levada a cabo na Maternidade de Alfredo da Costa e, contrariamente, ao que diz o Sr. Deputado Almeida Santos, este diploma não vem trazer economias de um mês mas de muitos meses. V. Ex.ª sabe que o Tribunal de Contas exige, por vezes, documentação suplementar e que os serviços levam algum tempo a preparar os processos a enviar, o que não demora um mês, mas meses.
Ora, nós vamos continuar com esta política, sem fugirmos à fiscalização dos órgãos competentes, como é o caso do Tribunal de Contas, mas simplificando, para dar rapidamente mais bem-estar aos Portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Guilherme Silva, «ao Tribunal de Contas compete fiscalizar previamente a legalidade e a cobertura orçamental dos documentos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades directas ou indirectas das entidades referidas [...]», entre as quais está o Estado - Lei Orgânica do Tribunal de Contas, lei desta Assembleia, aprovada e publicada em matéria de reserva da sua competência absoluta.
O Governo vem declarar que quando se diz «prévio» diga-se «posterior». Acha que não viola? Está tudo bem? E porque o Sr. Deputado entende que é mais eficaz o visto posterior e que, portanto, a lei está errada, deixamos de a respeitar só porque o Sr. Deputado a considera errada?! É assim que temos de entender as coisas?
Então, Sr. Deputado, vamos argumentar com seriedade e vamos reconhecer que a lei é mesmo inconstitucional, mesmo que ela deva ser revogada! Se acham que o visto posterior é mais eficaz que o anterior - não é, como é óbvio, sempre houve o visto prévio em todas as legislações, não acabem com ele, por amor de Deus -, então tenham a coragem de vir aqui propor que acabe o visto prévio! Enquanto não fizerem isso, por lei desta Assembleia, respeitem a lei da competência do Tribunal de Contas.
Desculpem, mas não há que sair disto! E não venham dizer que é só matéria processual. Qual matéria processual? Então, o visto que a lei quer que seja prévio passa para depois? Isto é só processual? Não está aqui em causa uma garantia fundamental da legalidade dos actos administrativos de um governo? Estou doido! Não sei por que é que estou a falar para surdos. Desculpem-me, mas não me atirem poeira para os olhos! Digam antes: «estamos errados, vamos corrigir esse erro. A lei também está errada, vamos corrigi-la». Mas façam isso pelas normas constitucionais e pelas vias constitucionais.
Um outro artigo diz o seguinte - desculpem, mas tenho de lê-lo, não há qualquer dúvida: «Os diplomas, despachos, contratos e outros documentos sujeitos a fiscalização prévia consideram-se visados ou declarados conformes, consoante os casos, 30 dias após a sua entrada no Tribunal.» Poupam-se mais de 30 dias? Porquê? Expliquem-me, já que o Governo não quer acordar mais cedo, propor as coisas mais cedinho, no espaço de cinco anos, a que isto tudo se aplica..., quer dormir até tarde, quer levantar-se tarde... muito bem! Continue a levantar-se tarde, mas não diga que poupa mais de 30 dias, porque não poupa! É óbvio que não poupa.
Sr. Deputado, peço-lhe que me esclareça se sou eu que estou errado ou se é o Sr. Deputado que, na verdade, está a falar em bogalhos quando eu falei em alhos.

Vozes do PS: - Muito bem!

Página 1402

1402
I SÉRIE - NÚMERO 43

O Sr. Presidente:-Sr. Deputado Guilherme Silva, uma vez que o PSD já não dispõe de tempo, a Mesa vai conceder-lhe um minuto para poder responder, solicitando-lhe que seja rigoroso no tempo.
Tem, pois, a palavra.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, em relação à constitucionalidade, só quero dizer-lhe que o próprio Presidente do Tribunal de Contas não levantou essa questão e, obviamente, se ele tivesse a sensibilidade de que o Tribunal estava a ser vítima de uma inconstitucionalidade por parte do Governo, além das acusações que fez, teria naturalmente trazido à liça também essa questão.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Essa agora!

O Orador: - Em relação ao problema dos 30 dias, fui muito claro. Referi que são mais de 30 dias porque tal obriga a Administração a preparar todo o dossier quando pode efectivamente começar desde logo com a adjudicação. É só nesse sentido! V. Ex.ª sabe que há um tempo de preparação de todo o dossier para ser enviado ao Tribunal de Contas e na realidade são mais de 30 dias.

O Sr. Raul Rego (PS): - Pode não se cumprir a lei!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há inscrições, está encerrado o debate sobre a ratificação n.º 150/V. Vamos agora iniciar o debate da ratificação n.º 14l/V, relativa ao Decreto-Lei n.º 283/90, de 18 de Setembro, que estabelece o novo regime jurídico do seguro de colheitas.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma breve interpelação a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, de facto, trata-se de um assunto de grande urgência, porque se prende com a ordem do dia da reunião plenária da próxima terça-feira, em que, como se sabe, vai ser discutida a proposta de lei n.º 170/V, que altera a Lei do Serviço Militar.
Como se pode ver no preâmbulo dessa proposta de lei, ela vem fundamentada num conjunto de estudos, que terão sido elaborados no âmbito das Forças Armadas, e de pareceres elaborados pelas chefias militares. Acontece que esses estudos têm sido solicitados pelo meu grupo parlamentar, por diversas vezes, como elemento de apreciação indispensável para o debate que terá de ser feito aqui nesta Assembleia sobre essa proposta de lei. Mas como esses estudos ainda não chegaram ao grupo parlamentar, tomamos a iniciativa de apresentar de imediato um requerimento a V. Ex.ª no sentido de diligenciar junto do Governo a sua remessa, para que, até ao debate na próxima terça-feira, possamos receber aqui, na Assembleia da República, uma cópia integral desses estudos, sem os quais ficará seriamente prejudicado o debate que iremos fazer sobre a Lei do Serviço Militar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente:: - Com certeza, Sr. Deputado
Srs. Deputados, vamos agora dar incício ao debate da ratificação n.º 14l/V.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quando, em Janeiro de 1990, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou a este Plenário o seu projecto de lei instituindo o novo regime para o seguro agrícola, estava correspondendo às crescentes solicitações colocadas pelo processo de integração comunitária, particularmente no respeitante à modernização da agricultura portuguesa e à indispensável melhoria da eficiência económico-produtiva das explorações, exigências estas que já não eram compatíveis com o regime de seguro que então vigorava.
A iniciativa do PCP proporcionava assim um regime inovador, capaz de dar credibilidade e de expandir o seguro agrícola, aumentando a sua eficácia e acessibilidade, proporcionando a segurança necessária ao investimento e desenvolvimento da actividade produtiva.
Hoje, como então, o PCP considera que o regime de seguro agrícola deve ter como princípios fundamentais: o rigor e a racionalização dos conceitos, sistemas e regras de cobertura dos riscos; a não inclusão, com carácter obrigatório, de riscos que encarecem desnecessariamente o seguro ou convidem à sua rejeição, porque são desadaptados das culturas ou porque as probabilidades da sua ocorrência são diminutas ou mesmo nulas; o alargamento e diversificação das modalidades de seguro e das culturas, produtos e coisas por ele abrangidos, de acordo com um regime de seguro integrado e amplo.
Só o desconhecimento das experiências e da legislação e regulamentação em vigor noutros países da Comunidade, a par da falta de auscultação ampla das organizações da lavoura, poderiam justificar a recusa do projecto de lei por nós apresentado. Ou isto ou o princípio antidemocrático de recusar a iniciativa da oposição, por ser da oposição e por ter um evidente impacte nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por estas razões e também para de algum modo as encobrir, optou então o PSD pela baixa do projecto de lei à Comissão de Agricultura e Pescas, sem votação na generalidade, com o compromisso - atente-se - de que o Governo iria igualmente apresentar à Comissão, o mais tardar até Junho desse ano, uma proposta de decreto-lei, o que permitiria elaborar um documento final melhorado. Assim não aconteceu! E quase um ano decorrido sem cumprimento dos compromissos assumidos pelo Grupo Parlamentar do PSD, sem qualquer contacto do Governo com a Comissão de Agricultura e Pescas, o Governo publicaria o Decreto-Lei n.º 283/90, hoje submetido a ratificação por iniciativa do PCP.
E porquê o pedido de ratificação? Porque, embora reconhecendo neste diploma, conjugado com o regulamento estabelecido pela Portaria n.º 918/90, uma considerável melhoria em relação ao regime anterior, acrescentaríamos que, pese o facto de em grande parte, sobretudo no respeitante ao ajustamento da eficácia de cobertura dos riscos em relação aos períodos vegetativos das culturas, os diplomas serem um plágio do projecto de lei do PCP, a verdade é que as melhorias são insuficientes e o grau de eficácia exigível está longe de ser atingido.

Página 1403

16 DE FEVEREIRO DE 1991 1403

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Copiaram mal! Nem copiar sabem!

O Orador: - Eis as razoes desta apreciação: o Decreto-Lei n.º 283/90 limita-se a instituir um novo regime jurídico para o seguro de colheitas, mantendo assim a manta de retalhos, quando a racionalização e a eficácia do regime segurador para a actividade agrícola impõem a sua integração, por forma a conjugar e articular-se com os objectivos de política agrícola e a melhorar a própria economia do seguro, face a sistemas económico-produtivos também eles cada vez mais integrados.
Por outro lado, o decreto-lei acolhe o critério proposto pelo nosso projecto de lei, instituindo uma cobertura de riscos base e outra complementar ou voluntária, mas com um senão fortemente negativo: é que quando seria absolutamente necessário que a cobertura base dos riscos, que tem carácter obrigatório, variasse de acordo com a diversidade das culturas e as suas maiores susceptibilidades, o decreto-lei estabelece uma lista rígida de cobertura de riscos obrigatória, não ajustável às culturas e sem qualquer relação de eficácia - riscos de explosão ou de incêndio, por exemplo, num campo hortícola. Isto é perfeitamente inadequado!
Mas, mesmo em relação aos restantes riscos que o decreto-lei inclui no âmbito das coberturas complementares, fica-se muito longe do necessário, porque a relação é restrita, não abrangendo riscos como os de ventos, chuvas torrenciais e fora de períodos de ocorrência que qualquer regime segurador moderno e para uma agricultura em desenvolvimento hoje contempla.
Outro aspecto técnico do regime decorrente do presente decreto-lei extremamente negativo é o de não se estabelecer como princípio de prova da ocorrência dos acidentes a relação causa-efeito, na impossibilidade do registo ou medição dos fenómenos atmosféricos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Pese embora o facto de, por algum modo, o Governo se manter insensível e abstraído dos nossos argumentos; considerando a existência de insuficiências e desajustamentos, que roubam eficácia ao regime do seguro agrícola, e considerando que o regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 283/90, de 18 de Setembro, avança melhorias em relação ao regime anterior e é passível de ser melhorado, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta um conjunto de propostas de alteração e aditamento que podem conferir a unidade, a articulação e a eficácia que o seguro de colheitas, ou, melhor dizendo, o seguro agrícola carece e exige!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Álvaro Amaro): - Sr. Presidente. Srs. Deputados, Sr. Deputado Rogério Brito: Hoje, nesta Câmara e por força deste pedido de ratificação, é-nos possível, de uma vez por todas, esclarecer aquilo que já noutro contexto, aqui, alguns Srs. Deputados invocaram em relação a este diploma que o Governo aprovou, relativamente a um novo seguro de colheitas.
O Sr. Deputado Rogério Brito acabou por dizer, na sua intervenção, as razoes que nos assistiam quando, desde Janeiro de 1989, o Governo preparava com solidez aquilo que deveria ser um novo sistema de seguro de colheitas. E ao fazer essa preparação, justamente segundo os argumentos aqui apresentados pelo deputado Rogério Brito - particularmente as novas exigências da modernização agrícola e a prova inequívoca do desajustamento do decreto-lei que configurava o seguro de colheitas-, entendeu o Governo não apenas fazer um decreto-lei para substituir outro, mas estudar, como eu disse, com solidez, o que deveria ser um novo regime.
Em Agosto de 1989, tinha já na minha posse aquilo que se pode considerar um novo sistema de seguro de colheitas moderno, comparado com o dos outros países da Europa Comunitária e já em diálogo com o Instituto de Seguros de Portugal, com a Sociedade Portuguesa de Seguros e com as organizações agrícolas. Portanto, é a própria sociedade civil que pode testemunhar a nossa preparação do novo diploma do seguro de colheitas.
Naturalmente, aos grupos parlamentares da oposição cabe o direito democrático de apresentarem as suas propostas e o PCP apresentou, em Janeiro de 1990, um projecto para definir um novo sistema do seguro agrícola e agora, por absurdo, se me é permitida a expressão, acusa-nos de plágio quando eu demonstrei, penso que inequivocamente, quais os trabalhos preparatórios efectuados em relação a um decreto-lei, repito, sólido - e digo decreto-lei porque era um instrumento jurídico que o Governo manuseava por alteração do decreto-lei anterior, já com o sistema definido em 1979, com virtualidades que tinha mas que se encontrava desajustado e que tinha sido definido pelo Governo -, e a partir daí impunha-se que fizéssemos um diploma com os ensinamentos colhidos e ao mesmo tempo com aquilo que as organizações agrícolas nos trouxeram.
Por outro lado, estava eu longe de imaginar que se dissesse aqui nesta Câmara que era antidemocrático rejeitar propostas da oposição. Penso que a democracia contempla justamente aquilo que os grupos parlamentares ou o Governo podem apresentar e que outros podem ou não aprovar.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que eu gostaria, isso sim, era não apenas dizer, aqui, hoje, muito claramente, que este diploma que o Governo fez e que está neste momento em aplicação tem virtualidades e é bom, mas também que, ao alterar um sistema de 10 anos pelas razões que escuso de sublinhar, o que importa agora é que ele funcione. E se ele tem coisas boas, como o próprio PCP reconhece, então vamos pô-lo a funcionar com todo o edifício que ele contempla e vamos, isso sim, não porventura daqui por 10 anos, mas daqui por algum tempo de aplicação, fazer com que os agricultores, que são os utilizadores deste instrumento de ordenamento agrícola, sejam os primeiros julgadores deste propósito, para então podermos, aqui ou noutro contexto político, introduzir-lhe, porventura, alterações.
Tivemos em mente dois objectivos prioritários com este diploma: primeiro, ter em conta aquilo que é hoje assumido por todos, ou seja, que o instrumento de seguro de colheitas era utilizado, às vezes, como um rendimento adicional do agricultor e não como cobertura de riscos aleatórios, que não é possível prever. Todos sabemos que por vezes isso funcionava neste sentido. Portanto, o que queremos, e penso que todos estaremos de acordo, é que o seguro não seja um rendimento adicional para o agricultor, mas antes uma cobertura para esses riscos, em zonas onde eles existam, servindo, pois, como instrumento de ordenamento agrícola.

Página 1404

1404
I SÉRIE - NÚMERO 43

O que está configurado é que, globalmente, os agricultores não deverão pagar mais pelo acesso à bonificação que agora terão no prémio, embora uns possam ter de pagar mais, justamente aqueles que quiserem utilizar este instrumento com uma agricultura desordenada ou que não deva ser feita nessas regiões.
Depois, pretendemos tornar também este instrumento como uma parte obrigatória, mas aliviando a carga, o peso financeiro, o custo do próprio seguro e tornando possível, em regime de opção, ao agricultor ou empresário só pagar aquilo que ele entende dever cobrir em relação aos seus riscos.
Por último, gostaria de referir um aspecto não menos importante - e apenas elenco estas três questões que me parecem fundamentais -, que tem a ver com o facto de não atendermos ao ano civil, o que, no nosso entender, interessa ao agricultor, pois é o estado do desenvolvimento da cultura que importa e não o ano civil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar do direito democrático que assiste ao PCP de apresentar um projecto de lei sobre esta matéria nesta Câmara, espero e desejo que acreditem (aliás, posso prová-lo) em todo o trabalho preparatório que antecedeu à elaboração deste diploma. O Governo não quis utilizar este instrumento e aprová-lo em Conselho de Ministros para depois ele não ter aplicação e, afinal, esta bondade que, aliás, o próprio PCP reconhece. Mesmo assim, o Governo entende que as diferenças entre as propostas apresentadas pelo PCP e aquilo que consta do decreto-lei são, se não gritantes, pelo menos fundamentais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP mantém a pool do seguro de colheitas enquanto no decreto-lei apresentado ela não se mantém e é dada a liberdade contratual, que é uma peça fundamental em termos da economia de mercado, entre a seguradora e o agricultor, não deixando o agricultor apenas nas mãos da empresa seguradora e garantindo o tal acesso à bonificação, não por via da taxa mas, sim, por via do prémio a que ele tem direito nas culturas e nas regiões adequadas a essas culturas.
O PCP define também um seguro multiriscos, isto é, um seguro para os edifícios, para os acidentes... Bom, mas isto não tem a ver com o seguro de colheitas e não podemos estar a criar aqui um seguro de colheitas e transportá-lo para um seguro que quase engloba a vida do agricultor. Isso são outros ramos da actividade seguradora!...
Ainda no seu projecto de lei, o PCP continua a insistir na cobertura em relação ao ano civil, enquando para nós o que interessa é o desenvolvimento da própria cultura e medir a eficácia das próprias explorações; refere também a intervenção do fundo a partir de 125% de sinistralidade, enquanto o diploma aprovado refere os 150%; refere a não inclusão obrigatória dos riscos que encareçam o seguro, enquanto no nosso diploma há riscos que encarecem o seguro. Bom, se isto é plágio...!
Srs. Deputados, terei todo o prazer em oferecer todos os estudos e resultados das discussões com as organizações agrícolas, legítimos representantes dos agricultores, uma vez que era com eles que queríamos definir o modelo que todos testemunhavam - e mais uma vez ouvimos isso aqui - de desadequação. Não queríamos legislar por legislar, tal como agora não queremos alterar por alterar; queríamos fazê-lo por forma que aqueles a quem se destina este instrumento possam ver o resultado da sua aplicação para, então, sim, podermos vir a mudar aquilo que, porventura, não esteja adequado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimentos, os Srs. Deputados António Campos e Rogério Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Secretário de Estado da Agricultura, em primeiro lugar, gostaria que desse algumas informações acerca do agravamento ou não do custo dos seguros.
Em segundo lugar, gostaria de obter dados sobre o número de pessoas que utilizaram o modelo de seguros que estava em vigor e qual a perspectiva do Governo ao alterar a cobertura do sector agrícola, isto é, qual a evolução da cobertura de seguros de colheita na agricultura.
São estas as duas questões sobre as quais penso ser importante esclarecer a Câmara.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, havendo mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Secretário de Estado da Agricultura, não vou, porque nem devo fazê-lo, pôr em causa que o Governo estivesse a preparar um projecto de decreto-lei desde Janeiro de 1989. Em todo o caso, devo dizer que levar dois anos a preparar um documento como o que nos foi presente em Setembro de 1990, para além das achegas dadas pela própria iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP em Janeiro de 1990, revela, no mínimo, pouca eficácia a elaborar os documentos de que a agricultura deste país carece, porque o documento que está aqui não justifica dois anos de preparação!
Pela nossa parte, contactámos organizações seguradoras e imensas organizações da lavoura e, devo dizer, nunca nos falaram da existência de qualquer iniciativa do Governo no mesmo sentido. Nunca as organizações da lavoura, e foram muitas as contactadas, incluindo as de âmbito nacional, nos disseram «Nós também já estivemos a discutir esse problema com o Governo!» Nunca! Mas, enfim, não vou insistir mais neste aspecto e focarei, sim, dois ou três aspectos que me parecem importantes.
A questão é que o Sr. Secretário de Estado não abordou um aspecto de fundo, porque o problema não está nas divergências de carácter administrativo de que enfermava o nosso projecto de lei em relação ao diploma do Governo - aliás, nem hoje estamos a discutir o projecto de lei apresentado pelo PCP em Janeiro de 1990.
Se o Sr. Secretário de Estado reparar, verificará que as propostas avançadas pelo PCP circunscrevem-se ao âmbito da definição dos conceitos dos sistemas de cobertura de riscos e tão-só; portanto, o nosso projecto de lei tem um carácter iminentemente técnico. Ora bem, é quanto a este aspecto que pensamos que o regime que o Governo instituiu está muito longe de satisfazer, não tanto pelos erros que tenha - e tem alguns - mas, sobretudo, pelas insuficiências. Senão repare: os senhores conseguem fazer um novo regime de seguro mas continuam a não dar cabimento a que a ocorrência do acidente seja comprovada pela

Página 1405

16 DE FEVEREIRO DE 1991
1405

relação causa/efeito e a pôr a questão em termos de permitir todo tipo de arbítrio, uma vez que para se comprovar que existiu um determinado acidente climatérico 6 necessário que nesse sítio haja uma estação meteorológica que diga que, por exemplo, a velocidade do vento era tal, que a queda de chuva em x minutos foi de tanto... Ora, isto é absolutamente irracional e não existe em nenhum seguro moderno, isto é única e inevitavelmente para servir os interesses das seguradoras e não os direitos dos segurados.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo pelo que agradecia que terminasse.

O Orador: - Sr. Presidente, por amável cedência do PRD eu disponho de mais dois minutos.

O Sr. Presidente: - De qualquer forma, o Sr. Deputado está a fazer um pedido de esclarecimento e já atingiu os três minutos, que é o tempo correspondente a essa figura regimental. Portanto, agradecia que concluísse.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Para concluir, a questão que gostaria de focar é esta: como é que se justifica que os seguros obrigatórios base, que o senhor disse que custariam menos, sejam encarecidos? Como é que podemos admitir que, por exemplo, na horticultura se tenha um seguro com a cobertura de incêndio, de explosão e de outras coisas do género? Como é que se admite que em muitas outras culturas, e são imensas, em que esses riscos nem sequer têm hipótese de ocorrer, esse seguro seja obrigatório? Ou será que o seguro está a procurar cobrir um risco que ocorre com a probabilidade de l num milhão ou de l em 10 milhões, o que não tem qualquer sentido?!
O seguro racional, que existe hoje na Comunidade em qualquer país com uma agricultura desenvolvida, é um seguro base que está de acordo com as susceptibilidades e as características das culturas, sendo, portanto, adaptado a elas, ou seja, não é igual para todas. Este é um dos grandes erros que procuramos suprir na nossa proposta.
Não disponho de mais tempo; em todo o caso penso que deviam ser avançados outros aspectos. E não querendo abusar da paciência do Sr. Presidente, gostaria de dizer que, no nosso entender, é um erro - e isso não se verifica em nenhum seguro moderno da Comunidade - isolar o seguro de colheitas de todas as outras áreas da actividade produtiva agrícola. É por isso que defendemos a existência de um seguro agrícola que permita articular e conjugar as diferentes componentes que devem ser cobertas na actividade produtiva da agricultura.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, que dispõe de cerca de dois minutos que foram transferidos do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Sr. Deputado António Campos, em relação ao agravamento do custo dos seguros, tal como lhe disse, quanto ao critério base que está subjacente a todo este edifício jurídico, há ainda uma peça que está a ser ultimada, embora a base de sustentação de todo o edifício -caso contrário ele estaria errado e é esse garante que posso dar-lhe aqui - seja no sentido de que poderá haver agravamento do custo do seguro em determinadas zonas.
Assim, posso dizer-lhe que, atendendo aos estudos elaborados ao fim de 10 anos de experiência (e aqui o efeito estatístico já é possível de interpretar, o que não era há cerca de dois anos atrás, embora isto não sirva de argumento para responder ao tempo de demorou a elaboração deste diploma), os agricultores que fazem agricultura desadequada em algumas regiões podem vir a ler um custo de seguro encarecido - assumimo-lo! -, mas isto será compensado pelo facto de, em outros locais onde a agricultura é a adequada, baixar o custo do seguro por via da bonificação do prémio e não da taxa.
Ora, o que é que quero dizer com isto? Se agora há liberdade contratual, havendo ou não a taxa de referência ou admitindo mesmo que não haja taxa de referência, depois haverá uma bonificação ao próprio capital; ou seja, aquilo que o agricultor vai pagar será mais em relação aos casos que já referi e menos nos outros e aí haverá a compensação, porque o que não concebemos no tal edifício técnico, financeiro e político é que haja agravamento.
Quanto aos utilizadores do seguro, não sei se o Sr. Deputado se referia a valores absolutos de cidadãos agricultores. De qualquer forma, neste momento, não disponho desses números. Porém, posso dizer-lhe que a contribuição do Orçamento do Estado para esse tipo de sinistralidade ronda os três milhões de contos, e refiro-me a dados de 1989.
Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Rogério Brito, posso dizer-lhe que o facto de este diploma demorar dois anos a elaborar não significa falta de eficácia. Como lhe disse, eu tinha um decreto-lei pronto em Maio de 1989, só que era importante dialogar com as organizações e obter o resultado deste efeito estatístico, pois não se tratava de alterar só por alterar, porque quer isso fosse feito em Outubro de 1989 ou em Agosto de 1990 seria praticamente a mesma coisa! O que era preciso era a aplicação do diploma na próxima época agrícola. Foi isso que aconteceu! Não se trata, pois, de falta de eficácia, pois podíamos ter feito o decreto-lei há dois anos e repito-lhe que tenho um documento feito deste Maio de 1989, só que não queríamos fazer o decreto-lei só por fazer, queríamos discuti-lo e negociá-lo no sentido de concertá-lo melhor.
Por último, o senhor disse uma coisa na qual não quero crer o senhor conhece, certamente, os seguros de colheitas da Europa e, assim sendo, não é crível, para mim - ou então há aqui um desfasamento de informação -, referi-los, porque um seguro de colheitas comparável ao português só pode ser, porventura, o de Espanha ou em parte o de Itália, mas não pode compará-lo ao de outros países da Europa.
O seguro adaptado às cultura é exactamente aquilo que queremos, tal como o senhor disse, isto é, um seguro adaptado às agriculturas, às regiões e ao estado de desenvolvimento das culturas. É exactamente o que queremos!
Por último, gostaria também de dizer que pretendemos dar um regime de opção a outros seguros, isto é, não se trata de no seguro agrícola segurar a casa e o carro do agricultor, porque isso implicaria uma negociação brutal com as empresas seguradoras. O que queremos é manter para os agricultores um bom segura de colheitas e, naturalmente, dar-lhes hipótese de, em negociação com as empresas seguradoras, fazer outro tipo de seguros.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

Página 1406

1406 I SÉRIE - NÚMERO 43

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O seguro de colheitas constituiu, a partir de 1979, um inequívoco contributo para o equilíbrio e manutenção de uma agricultura, que se pretendia modernizada e adaptada a métodos que reclamavam, nessa altura, uma segurança para quem, trabalhando a terra, fazia dessa actividade o seu meio de subsistência, e, simultaneamente, contribuía para o melhoramento da economia portuguesa.
Inicialmente explorado pelas seguradoras com a timidez natural de quem dava os primeiros passos numa nova cobertura, cedo se tomou num saudável hábito de todos quantos vêem no seguro o garante e salvaguarda dos seus investimentos.
O Decreto-Lei n.º 395/79, de 21 de Setembro, apresentava algumas lacunas, que foram sendo, sucessivamente, aperfeiçoadas e adaptadas às realidades que os novos métodos iam exigindo e assim aumentaram - e passo a citar - «o número de coberturas a segurar, dilataram-se os prazos sazonais de abrangência do seguro, simplificou-se o método de peritagens, acelerou-se o processo do pagamento das indemnizações». Simultaneamente, às companhias de seguros foram impostas algumas directrizes que, aumentando o âmbito da cobertura, patrocinavam melhores subsídios e incentivavam o espírito associativo na subscrição do seguro.
Foi nesta fase, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que se verificou uma nítida melhoria na aquisição do seguro, nomeadamente quando efectuado através das caixas de crédito agrícola mútuo e cooperativas de agricultura, podendo as bonificações em diversas circunstancias atingir os 25%, que elevaram, em casos pontuais, decréscimos nos respectivos prémios de dezenas de milhares de escudos.
E assim o seguro se tomou um hábito, infelizmente ainda não acessível a todas as bolsas, face aos ainda valores dos prémios atingidos.
Foi o ano de 1985 que conheceu resultados desastrosos para as empresas seguradoras que se viram descapitalizadas de centenas de milhares de contos pelas indemnizações pagas por sinistros. Algumas, nessa data, abandonaram a exploração do ramo, outras impunham restrições à sua aceitação de tal maneira severas que quase impediam a sua subscrição.
Recordo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a obrigatoriedade de subscrever simultaneamente os ramos «Acidentes de trabalho» e «Agrícola», que era, em nosso entendimento, uma medida injusta, diríamos mesmo quase preversa, e muitos foram os agricultores que, revoltados com tal medida, abandonaram a sua adesão ao seguro. Alguns foram severamente penalizados com essa recusa.
Hoje felizmente o cenário é, podemos dizer, substancialmente alterado. Há já motivação para a realização do seguro e, salvo melhor opinião, estão de algum modo salvaguardadas as penalizações que, à grande maioria dos agricultores, eram nessa data infringidas.
O decreto-lei que hoje se submete à ratificação, não sendo o ideal, tal como já aqui foi reconhecido, tenta, de algum modo, rectificar erros acumulados ao longo destes últimos anos.
Assim, vejamos, é abolida a franquia de 5% da responsabilidade do sinistrado, medida que injusta e injustificadamente era aplicada com a intenção, intenção de todas as franquias, de obrigar o segurado a prevenir em consciência e responsabilidade o risco de sinistro, como se uma tempestade ou um incêndio se pudessem controlar como um volante de um automóvel, cuja actuação depende apenas de quem o conduz.
Liberalizam-se os prémios aplicados pelas seguradoras numa intenção de provocar a sã concorrência, obrigando a quem tarifa a pensar mais nos resultados positivos para quem paga e não exclusivamente em receber lucros chorudos e fáceis, como até aqui também vinha acontecendo.
Utiliza-se o seguro como um método e instrumento de ordenamento da agricultura, compatibilizando o seu custo com a rendibilidade das culturas e a estrutura produtiva de cada região. Embora não acreditando na eficácia imediata desta medida, pensamos que a mesma, a médio prazo, dará os seus frutos e poderá até contribuir para a consciencialização dos agricultores a não praticarem uma agricultura desordenada, felizmente já em larga escala abandonada pela grande maioria dos nossos agricultores.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos em crer que, no conjunto, estas medidas não vão prejudicar o montante de subscrições do seguro agrícola, muito pelo contrário pensamos que o poderá aumentar, porque além do mais o seguro tomar-se-á, nestas condições, mais barato.
Apelamos ao Governo que, simultaneamente, promova campanhas de sensibilização junto dos agricultores para a feitura deste tipo de seguro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Posso confirmar, com elementos que tenho em meu poder, que dados estatísticos de 1989 concluíram que apenas 10% dás sócios das cooperativas e caixas de crédito agrícola procediam ao seu seguro de colheitas e que muitos só tardiamente tinham conhecimento da expiração do prazo estipulado e imposto pelas seguradoras, resultado de uma má informação que aos mesmos era dado.
Investir na nossa agricultura é investir na modernidade e desenvolvimento do nosso país, porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados. 1993 está à porta e cada dia que passa é um dia que se perde.
Finalmente, é urgente que se determinem, em concreto, as culturas abrangidas pelo presente seguro e nomeadamente a sua data de aplicação, tendo em conta, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, que as condições atmosféricas mudam, que não é um sistema estático, e hoje, por exemplo, a existência de geada no mês de Abril no Sul do País não é caso tão raro assim e ainda são penalizados agricultores por este sistema posto ainda em vigor.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Embora estejamos sensibilizados para a preocupação expressa pelo Partido Comunista Português, não somos tão cépticos quanto aos resultados que se obterão com este novo figurino do seguro de colheitas e, neste sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, daremos o nosso voto favorável à ratificação do Decreto-Lei n.º 283/90.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Oliveira de Matos.

O Sr. António Oliveira de Matos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com a publicação do Decreto-Lei n.º 283/90, de 18 de Setembro, veio o Governo suprir algumas das lacunas existentes no ordenamento jurídico que regulava o seguro agrícola de colheitas.
Efectivamente, o anterior quadro jurídico era o que se encontrava definido pelo Decreto-Lei n.º 395/79, de 21 de Setembro, que, como referi a seu tempo aqui em Plenário, era um diploma de certa forma ultrapassado, desajustado da realidade e dos objectivos a que se propunha, era um

Página 1407

16 DE FEVEREIRO DE 1991
1407

instrumento com alguns erros que o transformavam num normativo inaceitável para os segurados e para as seguradoras.
Com o novo quadro legal o Governo veio pôr alguma ordem no sector, eliminando, por um lado, as lacunas referidas e, por outro, a proliferação de abusos anteriores consubstanciados no comportamento de alguns agricultores que formulavam participações às companhias de seguros quantas vezes, de todo em todo, injustificadas.
Mais importante ainda, com a publicação deste diploma o Governo transformou o seguro agrícola de colheitas num instrumento de política agrícola, através da possibilidade de ordenamento das culturas, de incentivo ao investimento e de garantia de estabilidade do rendimento dos agricultores. A obtenção deste efeito ficou a dever-se fundamentalmente a três alterações de vulto que distinguem o Decreto-Lei n.º 283/90 do diploma anteriormente em vigor. São elas: a substituição do sistema de bonificação de taxas, que passa a reger-se por critérios de ordenamento cultural; a transformação do multirriscos (que engloba indistintamente todos os riscos passíveis de cobertura) por um contrato que engloba uma cobertura base com adicionais de carácter opcional; e a alteração do esquema de cobertura em função do calendário civil para outro que tem em conta o desenvolvimento cultural da planta.
No que concerne à primeira grande alteração, acrescente-se que com o novo normativo passarão a existir seguros altamente bonificados para boas opções culturais, com culturas bem implantadas, correctamente conduzidas e práticas culturais adequadas. Bonificações médias para culturas consideradas de interesse, com a prática de alguns requisitos, mas não tantos que possam determinar a classificação anterior. E, finalmente, outras culturas que, por não obedecerem a esses requisitos, determinarão a inexistência de bonificações.
Relativamente à segunda, refira-se que cabendo ao Estado a bonificação (com o dinheiro de todos nós) ela deve ser atribuída com rigor, tendo em vista a obtenção dos objectivos da política agrícola, e não à cobertura de riscos, que nada tem a ver com ela. Desta forma, definem-se como riscos de cobertura obrigatória o incêndio, o raio, a explosão e o granizo, deixando-se como complementares e opcionais o tomado, a tromba de água, a geada e a queda de neve, além de se permitir a livre negociação entre segurado e seguradora para a cobertura de outros riscos.
No que diz respeito à terceira alteração, saliente-se o alargamento do âmbito do risco de geada, que passará a reger-se pelo desenvolvimento da cultura e não pelo calendário civil. Tal procedimento justifica-se plenamente porquanto o anterior regime era, na prática, por vezes ineficaz, dado que restringia a cobertura a datas com probabilidades mínimas de ocorrência quando tratava o País de forma homogénea. Por outro lado, justifica-se também porque há determinadas fases de desenvolvimento da planta e das culturas em que a ocorrência de determinados sinistros já não origina prejuízos. Assim, o agricultor deverá utilizar as variedades correctamente adaptáveis às características e condições ambientais em que a cultura se desenvolve, o que é possível, dado que já existem no mercado variedades resistentes, no caso de ocorrência de certos sinistros.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Face ao exposto, o Grupo Parlamentar do PSD entende que o País dispõe já de um quadro normativo que
permite fazer face às questões relacionadas com o seguro agrícola de colheitas, pelo que votará por forma a manter em vigor o Decreto-Lei n.º 283/90, de 18 de Setembro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sr. Secretário de Estado da Agricultura, reconheço que este diploma é bastante melhor que o que estava em vigor, uma vez que procura já fazer um certo ordenamento da produção, isto é, vai conciliando o ciclo vegetativo e retira alguns problemas que os agricultores sentiam, principalmente com algumas antecipações vegetativas, havendo um esforço, resultante de uma experiência acumulada, que facilita a vida a alguns agricultores.
Infelizmente, como o Sr. Secretário de Estado da Agricultura sabe, o problema hoje é procurar soluções financeiras para a agricultura - e é o que os senhores estuo a fazer na Comunidade, para suportar a agricultura.
Chamo a atenção do Governo para o facto de este seguro não ir resolver o problema. O que este seguro vai fazer é apenas resolver o problema das empresas agrícolas mais dinâmicas, das que estão a fazer algum investimento, mas a estrutura fundiária que temos não é adaptável a este tipo de seguros. Os pequenos agricultores, que são a grande maioria na agricultura portuguesa, precisa de um outro estilo de seguro.
Por tudo isto, penso que o Governo devia começar a disponibilizar meios e a estudar um tipo de seguro que, não tendo as características deste, porque este é uma cópia dos seguros da Europa - o que já várias vezes tenho referido nesta Casa -, seja adaptável à agricultura portuguesa. A agricultura portuguesa, pela especificidade que tem, necessita de um seguro do tipo social e é isso o que falta. Hoje temos uma experiência acumulada de 10 anos, podemos evoluir mas falta-nos esse tipo de seguro para cobrir os pequenos agricultores.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, em vez de se distribuir subsídios por algumas formas, valerá mais a pena incentivar um determinado estilo de cobertura para determinadas produções de tipo familiar e evoluir no sentido de lhes dar alguma garantia para não termos os problemas que habitualmente temos, e temos todos os anos, de intempéries generalizadas em determinadas regiões, que arrasam completamente as pequenas economias que não terão acesso a estes seguros.
Quer isto dizer que continuamos a marginalizar um sector importante da agricultura, um sector que precisamos de manter ligado à terra, e este diploma não cria qualquer incentivo a essa ligação e a esse tipo de explorações agrícolas.
A segunda questão que gostaria de colocar tem a ver com o facto de continuarmos com duas graves lacunas no nosso sistema: uma ligada à pecuária, como se sabe, e outra ligada à floresta. Portanto, em minha opinião, dado que o Governo continua a não tomar as posições que devia na defesa da floresta, valeria a pena criar, ao menos, meios que o possibilitassem, desde que não sejam incentivos ao próprio incêndio - e aí há um período de conciliação em que o seguro se não pode tomar incentivo ao próprio incêndio -, mas sendo criativos e avançando com profundas alterações no sector da floresta, como também no sector da pecuária.

Página 1408

1408
I SÉRIE - NÚMERO 43

Um outra lacuna que, penso, este diploma continua a ter tem a ver com o facto de não haver participação dos agricultores na gestão do fundo do próprio Estado.
No decreto-lei anterior havia um organismo, que nunca funcionou, onde os agricultores participavam. No entanto, penso que esta actividade dos seguros tem de ter um certo controlo e uma certa oscilação de preço, consoante as economias e a possibilidade dos próprios agricultores, porque, como sabe, às vezes, os seguros também não são muito claros no mundo da agricultura e, por outro lado, a agricultura também se serve deles para procurar subsidiar-se. Ora, neste decreto-lei não há participação das associações dos agricultores, que estão completamente marginalizadas.
Este diploma resolve completamente o problema das companhias de seguros - estou de acordo com a intervenção feita pelo Sr. Deputado Rui Silva. O problema das companhias de seguros fica completamente resolvido, mas não o dos agricultores, que é participado activamente pelo Orçamento do Estado. E uma vez que é dado aos agricultores o incentivo para que façam os seguros pelas vias das cooperativas e das caixas de crédito agrícola mútuo, era, em minha opinião, também importante que participassem.
Sr. Secretário de Estado da Agricultura, vivemos num país diferente da Europa, pelo que V. Ex.ª não pode passar a vida a copiar diplomas ou a fazer estudos sobre o que se passa na Europa. Temos, infelizmente, uma agricultura muito mais atrasada e diferente; temos uma estrutura fundiária bastante diferente da da Europa e, portanto, o Sr. Secretário de Estado tem de ir sempre muito mais além do que vai o sector produtivo europeu, visto esse ter uma agricultura estabilizada, modernizada. Por isso, o Sr. Secretário de Estado, ao copiar aquele diploma, tem de reconhecer que 80% dos agricultores portugueses ficam normalmente fora do seu âmbito e, assim, tem de ter sempre a preocupação de legislar de modo a poder integrá-los e mante-los como agricultores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, embora sejam já 13 horas, vamos continuar os nossos trabalhos até à conclusão da ordem do dia, havendo ainda, como sabem, a discussão da ratificação n.º 148/V.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito, que irá utilizar tempo cedido pelo CDS.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, quero esclarecer a Mesa de que pedi a palavra não para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Campos mas, sim, para produzir uma pequena intervenção.

O Sr. Presidente: - Então, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma pequena intervenção com o objectivo de colocar alguns pontos de ordem ou na ordem, se assim preferirmos
A primeira questão tem a ver com alguma confusão feita pelo facto de haver uma proposta do PCP, no sentido de se incluir no seguro agrícola modalidades de cobertura de riscos, como sejam, por exemplo, o de máquinas, equipamentos, construções, ele.
Estranho esta admiração, sobretudo, para todos aqueles que regularmente, diariamente, defendem acerrimamente a economia de mercado. Bom, o princípio lógico do mercado é este: se eu quiser fazer um seguro agrícola que, à partida, pode não ser aliciante para as companhias e se, simultaneamente, integrar no conjunto a segurar outro tipo de riscos que lhes interessam, é óbvio que posso pretender ter uma dedução dos custos do seguro agrícola. Isto é óbvio! Ou seja, o seguro combinado é uma forma de reduzir os custos do seguro agrícola, que, regra geral, é pouco convidativo para que as companhias de seguros se interessem pela sua realização. Este é que é o problema!
Uma outra questão tem a ver com os exemplos, aqui citados, de seguros que se fazem na Europa. Como é que podem dar-se estes exemplos, quando as situações são tão distintas? Penso que poder-se-ia, talvez, invocar o exemplo da Espanha e, de algum modo, também o da Itália.
De facto, não pretendemos adoptar exactamente os mesmos processos de cobertura de riscos que existem na Europa setentrional, não é isso que está em causa, pois não têm nada a ver com a adopção de modalidades e de critérios de cobertura dos riscos, e são precisamente essas modalidades e esses critérios que propomos contrair na base das experiências já vividas em outros países e que vigoram na Comunidade Europeia.
No entanto, já que V. Ex.ª falou em Espanha e em Itália, gostaria de dizer que, efectivamente, não inventámos nada, pois mesmo aquando da apresentação do nosso projecto de lei, em Janeiro de 1990, dissemos que não se tratava de uma invenção, mas de uma recolha de experiências vividas por muitos outros países, e que tivemos em conta, muito particularmente, as modalidades de seguro vigentes na nossa vizinha Espanha e nas regiões do Sul da Europa, onde se incluem a Espanha, a Itália e a França.
Em meu entender, estas questões são importantes e estamos convictos de que - a não ser que sejam recusadas, mas penso que não - as nossas propostas, em sede de Comissão, irão merecer uma postura construtiva e positiva. Assim esperamos! Estamos extremamente interessados em saber se o Governo e o PSD vão recusar liminarmente todas as nossas propostas como se elas não tivessem qualquer utilidade, e, se assim acontecer, certamente, vamos gostar de dar a conhecer ao País em que condições é que o Governo recusa as propostas construtivas que correspondem a anseios das organizações da lavoura e dos agricultores deste país e que se inserem no âmbito das modalidades e dos critérios adoptados em qualquer economia agrícola moderna. Estamos na expectativa! Veremos! No entanto, podem estar certos de que não será um jogo de palavras que poderá anular a importância da matéria agora em discussão.
Gostaria ainda de chamar a atenção para o prejuízo de muitos milhões de contos que, anualmente, a agricultura e p próprio Estado sofrem, decorrente, exactamente, da ineficácia do seguro agrícola que existe neste país
Por outro lado, quando se pretende fugir de assumir uma quota-parte da responsabilidade no seguro agrícola, é bom que se tenha presente que, anualmente, o Estado despende milhões de contos para «tapar os buracos» dos acidentes que não estão cobertos pelos seguros, nem têm qualquer possibilidade de estar, uma vez que as modalidades dispostas na lei não os prevêem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Página 1409

16 DE FEVEREIRO DE 1991
1409

O Sr. Rui Silva (PRD): - Isso é verdade!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, que vai utilizar o tempo do PSD.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Penso que não irei utilizar o tempo todo, mas gostaria apenas de salientar algumas questões.
Srs. Deputados, se estamos todos interessados - e estamos, com certeza -, o Governo e todos os grupos parlamentares, em preconizar e definir o melhor modelo de seguro de colheitas - e não vamos agora estar preocupados com o uso da linguagem: se deve ser seguro de colheitas ou seguro agrícola - para proteger os agricultores, em relação às culturas adequadas nas regiões certas, no sentido de eles poderem correr os riscos no que respeita às suas colheitas, a fonte do seu rendimento, podemos derivar em relação ao caminho para chegar lá, mas estamos também, certamente, de acordo em que só há uma entidade para fazer isto: as empresas seguradoras.
Mas, como referiu o Sr. Deputado Rui Silva, e muito bem, todas as empresas seguradoras que se manifestaram a favor, da pool e que «caíram» nessa situação deixaram, entretanto, de aceitar integrar essa pool, uma vez que a realidade de 1985 era bastante diferente da de 1979. Então, como é que se pode defender melhor os tais interesses dos agricultores? Devemos deixá-los abandonados - passo a expressão - e não redefinir, com o apoio do Estado, o melhor modelo, o seguro de tipo social, Sr. Deputado António Campos?! E sempre de tipo social quando é definido pela via legislativa. Se não existisse a via legislativa, isto é, o decreto-lei agora, ou a lei amanhã, isto é, se não existisse essa componente social, então não seriam os políticos a defini-lo por lei, mas seria o jogo do mercado, as empresas seguradoras e os agricultores.
Com efeito, a componente social tem sempre de existir quando se define o acesso à bonificação, que, em relação às culturas e às regiões - repito-lhe - não tem nada a ver com a estrutura fundiária, pois tanto se considera o quintal, como 5OO ou mesmo 1000 ha. Não confundamos as coisas... a questão social do seguro agrícola, que é importante, foi prevista em 1979 e está agora a ser prevista em 1991, porque é um órgão político que o define. Se assim não acontecesse, entraríamos no jogo do mercado...
No que respeita à gestão do Fundo (Fundo de Compensação do Seguro de Colheitas), é evidente que não tem de haver participação dos agricultores, porque no decreto-lei se define que ele tem os contributos pagos pelas seguradoras e tem ainda a contribuição do Orçamento do Estado. É esta a tal componente social do seguro...
Pelo amor de Deus, Srs. Deputados, não continuem a dizer que isto resolve o problema das seguradoras! Não é verdade! Resolve apenas o problema dos agricultores com a bonificação de tipo social às culturas e às regiões adequadas, independentemente da estruturação fundiária, e, ao mesmo tempo, faz com que as seguradoras fixem a tarifa do seguro que melhor entendam, pois é o Estado que bonifica para defender os rendimentos dos agricultores.
Deste modo, penso que temos de resolver o problema dos agricultores com a colaboração das empresas seguradoras, que se destinam a fazer seguros.
Mas, Sr. Deputado Rogério Brito, quanto a definir-se seguros de estrutura de exploração, de máquinas, de fenos, de palhas e de produtos florestais, isso é outra história... vamos pensar noutro seguro, aliás, como há pouco disse o Sr. Deputado António Campos. Pois bem, pensemos em outro seguro! E ele disse: «Não dêem subsídios!» Se calhar, ele preconiza que não se pague o subsídio de gasóleo, por exemplo, transformando-o noutro qualquer esquema. Isso é outra história, outra questão! Não confundamos as coisas!
Por último, gostaria de salientar que não sou capaz de perceber como é que o Sr. Deputado António Campos nos pode acusar de ter copiado este diploma na Europa e o PCP nos acusa de ter copiado o seu projecto de lei, quando, afinal, todos reconhecem que este diploma é melhor do que o anterior! Porventura, vamos ficar-nos por alguma criatividade que possamos ter tido e pelo resultado de muitas reuniões de trabalho com as organizações agrícolas, com as seguradoras e com o Instituto de Seguros de Portugal no sentido de definir um novo modelo, que amanhã pode ser alterado.
Vamos, no entanto, deixá-lo solidificar e ser aplicado.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, increveram-se os Srs. Deputados António Campos e Rogério Brito, que já não dispõe de tempo, embora possa utilizar o tempo atribuído ao CDS.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Secretário de Estado da Agricultura, já há pouco tive oportunidade de dizer que o diploma agora em apreciação é melhor do que o que está em vigor, pois vai mais longe no que respeita ao tipo de agricultura produtiva.
Efectivamente, pretendi referir-me à criação de um certo tipo de seguro, uma vez que o senhor poderá ter a certeza de que não vai haver mais de 20% a 25% dos agricultores portugueses a recorrer ao seguro, pelo que uma «mancha» - a dos mais desprotegidos - vai ficar de fora de qualquer seguro.
Assim, quando lhe disse que era fundamental ir mais longe para criar como que uma espécie de um seguro obrigatório, de tipo social, dos pequenos agricultores era, de facto, um apelo que lhe estava a fazer. O senhor, por exemplo, sabe que hoje a Europa paga a peso de ouro a existência de agricultores; então, por que é que não se há-de disponibilizar, uma vez que tem meios e forma, no sentido de criar um outro tipo de seguro que não tenha nada a ver com este, até porque este protege a produção das empresas modernas e dinâmicas.
Penso que tem de se considerar uma outra componente ou estaremos aqui a discutir um seguro que não abrangerá mais do que 25% dos agricultores portugueses. No entanto, reconheço que este seguro é melhor do que o anterior e que a experiência acumulada durante os últimos 10 anos foi frutuosa, uma vez que já se faz um certo ordenamento de culturas e já se retiram datas e têm-se em atenção os ciclos vegetativos.
Portanto, o caminho a seguir é este, ninguém põe isso em causa, mas o senhor sabe que, actualmente, para manter o mundo rural, são necessárias soluções financeiras, tem de se ir mais longe, tem de se deixar de copiar a estrutura de uma Europa rica e ter a noção de que se vive inserido numa agricultura pobre.

O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

Página 1410

1410
I SÉRIE - NÚMERO 43

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Secretário de Estado da Agricultura, penso que não valerá a pena estar a repetir um aspecto que, à partida, não é o que, fundamentalmente, está em causa.
Devo dizer-lhe que, no pedido de ratificação que apresentámos, na nossa intervenção e nas críticas que tecemos ao decreto-lei em apreço, não colocámos as questões de carácter administrativo e jurídico, pelo que V. Ex.ª não poderá continuar a teimar nesses aspectos, até porque não manifestámos qualquer particular discordância em relação a essa matéria. Portanto, estar a insitir nela, só serve para encobrir as outras que, realmente, são importantes e que interessam considerar.
Sr. Secretário de Estado, se o problema está no facto de fazermos também propostas relativas à instituição de formas de modalidades de seguros combinados, bem, devo dizer-lhe que não temos qualquer problema em admitir deixar este aspecto para outra oportunidade, mas não podemos deixar de colocar-lhe, claramente, a seguinte questão: está o Governo disponível para retirar da modalidade de seguro base riscos que não têm qualquer eficácia de serem considerados para uma enormidade de culturas e de fazer uma adaptação à diversidade das culturas dos riscos base que, realmente, imporia contemplar? Esta é a primeira questão!
Segunda questão: está o Governo disponível para admitir a prova da ocorrência do acidente climatérico ou climatológico, de modo que possa ser provado por via da causa/efeito? Esta é outra questão que os senhores não responderam e que nós já expusemos aqui claramente.
Finalmente, está ou não o Governo disponível para alargar os riscos, designadamente à chuva e aos ventos, que são riscos cobertos em Espanha, França, Itália, Alemanha, etc? Obviamente que, antes de dizer não, importa ver qual é o conceito de chuva e de vento que a nossa proposta avança, pois é na base dela que deve ser dada a resposta e não só tendo em conta: choveu ou fez vento... Não caiam no ridículo!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não leu a nossa proposta, pois não!

O Orador: - Convém ver qual é o conceito que lá está. É curioso ver o Governo a rejeitar tudo isto, sobretudo porque temos a consciência de que as organizações da lavoura tomarão conhecimento da postura do Governo nesta matéria, isto é, se está ou não interessado em definir uma agricultura moderna e em criar mecanismos para que ela possa construir-se. Tudo o resto é demagogia!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado da Agricultura, V. Ex.ª não dispõe de tempo para responder...

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Sr. Presidente, se não tenho tempo, não vale a pena responder!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, desculpe, mas não ouvi o que V. Ex.ª acabou de dizer.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Sr. Presidente, como V. Ex.ª me informou de que eu não disponho de tempo para responder, lenho apenas a dizer que não respondo.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, se é só por uma questão de tempo, a Mesa entende que não deverá privá-lo de dar resposta às questões que lhe foram colocadas.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Sr. Presidente, penso que, em face das questões colocadas, não tenho respostas a dar, aqui, nesta sede, pelo que entendo que não vale a pena fazer mais considerações para além das que já produzi.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Fica registado!

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fica assim encerrado o debate relativo à ratificação n.º 141/V, apresentada pelo PCP.
Vamos passar à apreciação da ratificação n.º 148/V, igualmente apresentada pelo PCP, do Decreto-Lei n." 327/90, de 22 de Outubro, que regula a ocupação do solo objecto de um incêndio florestal.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao sujeitarmos a ratificação o Decreto-Lei n.º 327/90, de 22 de Outubro, pretendemos, em primeiro lugar, chamar a atenção do Governo e da Assembleia da República para a insuficiência das medidas tomadas com o objectivo de combater os fogos florestais.
É que, como já demonstrámos aquando do debate dos dois projectos de lei que o PCP apresentou - o Programa de Emergência para a Defesa da Floresta Portuguesa e o Programa de Rearborização para Áreas Percorridas por Incêndios Florestais -, sem uma política de ordenamento florestal e sem medidas de prevenção não se combatem de forma efectiva os factores que estão na base da propagação dos fogos florestais.
Sem apoios concretos à rearborização das áreas ardidas não há uma reflorestação que vise a criação da floresta do futuro, que harmonize as suas diversas funções, não ignorando o necessário aprovisionamento em matérias-primas a outras importantes indústrias para além das celuloses, mas que tenha em conta a manutenção do equilíbrio ecológico, estancando e invertendo processos de degradação dos ecossistemas, num uso do solo que atenda aos aspectos ecológicos e sociais.
Em segundo lugar, ao sujeitarmos a ratificação o Decreto-Lei n.º 327/90, quisemos alertar para a utilização incorrecta que o Governo fez de uma proposta do PCP em relação à não utilização dos 10 anos, ao proibir, com excepções, os loteamentos destinados a construção e a introdução de alterações à morfologia do solo ou do coberto vegetal (o que é o caso da eucalipltização), pelo prazo de 10 anos, nos terrenos com povoamentos florestais percorridos por incêndios.
É que, nesta medida, ao contrário do que fez o PCP, o Governo não contempla apoios ou compensações para os pequenos proprietários florestais, que, sem recursos financeiros, poderão ser condenados à ruína, enquanto aguardam o despacho conjunto dos vários ministros que retire a proibição por nada ter a ver com o incêndio que atingiu a sua propriedade.

Página 1411

16 DE FEVEREIRO DE 1991
1411

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - É, aliás, de grande falta de clareza a possibilidade de recurso contida no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 327/90, de 22 de Outubro, quer quanto a prazos, em que é omisso, quer quanto às formas de demonstração e fiscalização das causas do incêndio.
Como é que o proprietário demonstra que o incêndio da sua propriedade se ficou a dever a causas fortuitas, a que é totalmente alheio? E quem fiscaliza que foi assim? E se houve fogo posto por terceiros, quem demonstra que o interessado é totalmente alheio?
Enfim, a falia de clareza do decreto-lei presta-se às maiores arbitrariedades na sua aplicação, o que não só pode prejudicar seriamente os pequenos proprietários florestais como pode conduzir a graves injustiças.
A terceira razão da sujeição a ratificação deste diploma governamental tem a ver com as atribuições e encargos previstos no artigo 2.º que são cometidos às câmaras municipais e ao Serviço Nacional de Bombeiros de elaborarem um cadastro das áreas percorridas por incêndios florestais à escala de 1:1000. É um cadastro de pormenor para o qual muito dificilmente aquelas entidades terão capacidade técnica para a sua realização e cuja concretização custaria l milhão de contos.
Ora, como sabemos, não está prevista no Orçamento do Estado qualquer verba desta ordem e para este fim, o que significa que é uma medida sem efeitos práticos.
E aqui vale a pena recordar que as propostas que o Grupo Parlamentar do PCP fez de inscrição e reforço de verbas para o Serviço Nacional de Bombeiros e para do combate aos fogos florestais, aquando do debate do Orçamento de Estado, foram liminarmente rejeitadas pelo PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem uma política de ordenamento e de prevenção e sem meios orçamentais, a conclusão que se pode tirar é a de que o Governo se limitou, no Verão, a anunciar medidas e meios que, na prática, se não confirmaram, o que demonstra o carácter demagógico das medidas contidas no decreto-lei, publicado quando o País ainda estava chocado com o drama dos fogos florestais.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Pela nossa parte, insistimos nas medidas e propostas contidas nos dois projectos de lei que recentemente aqui estiveram em debate e que, inadmissivelmente, o PSD rejeitou: o Programa de Emergência para a Defesa da Floresta Portuguesa e o Programa de Rearborização para Áreas Percorridas por Incêndios Florestais.
Em relação à ratificação agora em debate, vamos apresentar na Mesa da Assembleia da República algumas propostas de alteração e de aditamento que permitam colmatar as lacunas que já foram apontadas.
Ainda estamos a tempo de evitar novos dramas dos fogos florestais no próximo Verão se o Governo e o PSD se decidirem a praticar uma política menos demagógica e mais responsável no combate aos fogos florestais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e, do Ordenamento do Território (Nunes Liberato): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção da Sr.ª Deputada traz à colação uma série de questões que não se prendem com o conteúdo do diploma.
Na verdade, com este diploma, o Governo pretendeu foi tomar medidas que prevenissem a especulação urbanística que, porventura, pudesse vir a ocorrer na sequência de fogos florestais. Não trago sequer à colação, nesta sede, o facto de, após o anúncio deste diploma, ter diminuído significativamente a ocorrência daqueles fogos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não percebe nada disto!

O Orador: - O que está em causa é realmente uma medida fundamental em relação à questão da redução da especulação urbanística que rodeia estas iniciativas.
Não conheço o projecto que o Partido Comunista terá apresentado em devido tempo mas, em relação a esta questão, parece-me essencial esta medida e também esta linha de trabalho.
Quanto à questão da escala, devo dizer aos Srs. Deputados que o diploma contém um lapso, pelo que, neste momento, a referida escala está já rectificada, sendo de 1:10 000. Assim, era procedente a crítica da Sr.ª Deputada relativamente a esta matéria.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas ainda não foi publicada a rectificação!

O Orador: - Na verdade, ainda não.
Quanto à questão do envolvimento das competências de vários departamentos, nomeadamente da administração central, o Partido Comunista tem sempre uma solução mágica que é «mais despesa; inscrições orçamentais». Ora, o que está em causa é, realmente, encontrar a melhor solução para a resolução dos problemas, a qual nem sempre passa por haver mais despesas.
Em suma, continuamos a considerar a iniciativa extremamente válida.
Repito que há um ponto da intervenção da Sr.ª Deputada relativamente ao qual o Partido Comunista tinha razão, mas que, neste momento, está já a ser corrigido. Com efeito, quero afirmar à Assembleia que, tanto neste caso como em todos os que o justifiquem, o Governo está disposto a melhorar os diplomas que elabora. Assim, relativamente a este diploma, o Governo está disponível para a introdução de melhorias que conduzam à sua maior eficácia porque, no fundo, o objectivo é o de combater a eventualidade de haver especulação à volta de terrenos que tenham sido percorridos por fogos florestais.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se o Sr. Deputado António Campos e a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Secretário de Estado, apenas quero pedir-lhe um esclarecimento relativamente à sua afirmação de que os incêndios estão a diminuir. É que não temos conhecimento dessa diminuição; pelo contrário, o ano passado foi devastador nesse domínio.
Aliás, nesta sede, já há dias tivemos oportunidade de estabelecer um largo debate com o Secretário de Estado da Agricultura, tendo-nos insurgido precisamente contra a

Página 1412

1412
I SÉRIE - NÚMERO 43

incapacidade do Governo para tomar medidas preventivas dos fogos florestais. Reconheço que esla última questão não faz parte das atribuições do seu ministério, pois as suas competências recaiem sobre o combate aos fogos. Aliás, penso que a vocação deste governo é essa mesmo e não a de prevenir os incêndios, já que, nesta matéria, fez rigorosamente zero!
Como dizia, a vocação deste Governo é no sentido de, depois de os incêndios já estarem a destruir a floresta, vir, então, actuar o seu ministério, gastando à volta de 5 milhões de contos por ano no combate aos fogos, enquanto se gastam cerca de 700 000 contos na prevenção dos mesmos, dos quais - já o declarei aqui - algumas centenas de milhares são dadas, por caridade, pelas celuloses.
O Sr. Secretário de Estado fez uma afirmação que não é possível. Disse que os incêndios estão a diminuir e que, após esta grande vaga de fogos, a medida que foi tomada pelo Governo foi constituída pela elaboração deste pequeno diploma. Ora, estamos de acordo com ele, mas, como sabe, isto pouco representa em termos de prevenção, que é decisiva para a floresta portuguesa. E, depois de terem ardido zonas importantes, principalmente junto dos grandes centros urbanos, seria um escândalo que o Governo - ao menos aí - continuasse de olhos fechados a fazer o frete às celuloses e aos grandes interesses ligados aos incêndios.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Secretário de Estado, creio que, esta altura, em pleno Inverno, talvez não seja o momento indicado para discutir se um diploma publicado em 22 de Outubro veio diminuir ou não o número de fogos. É que nessa data já não havia fogos, Sr. Secretário de Estado! Na verdade, o grande surto de incêndios florestais ocorreu em Setembro, como o Sr. Secretário de Estado facilmente poderá constatar através de uma consulta aos mapas relativos às ocorrências de fogos florestais no nosso País, no Verão passado.

O Sr. António Campos (PS): - Arderam 27 000 ha, Sr. Secretário de Estado!

A Oradora: - Quanto às suas outras afirmações, digo-lhe que, naturalmente, é correcto que o Governo procure combater a especulação urbanística após a ocorrência de fogos florestais.
Aliás, na minha intervenção, eu própria disse que o que o Governo fez foi pegar num projecto de lei que já linha sido feito pelo PCP e tornado público em Agosto passado...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Em Agosto passado!

A Oradora: -... e adulterar, lamentavelmente, algumas das propostas ali contidas. Assim, chamei a atenção para as lacunas e incorrecções deste decreto-lei.
Por outro lado, também quero registar com agrado a afirmação do Sr. Secretario de Estado de que uma dessas críticas é justa. Trata-se daquela que se refere à questão da exigência às câmaras municipais e ao Serviço Nacional de Bombeiros da feitura de um cadastro à escala de 1:1000, que, como sabe, é uma escala de pormenor excessivo cujos custos são muito elevados, para já não falar da dificuldade técnica, por parte da maioria das câmaras municipais e do
Serviço Nacional de Bombeiros, em concretizar tal escala. Pensamos, por outro lado, que a Direcção-Geral Florestas deve também participar na elaboração desse cadastro. Mas essa é uma questão que deve merecer a maior reflexão e ser alterada tendo em conta a realidade concreta do País e das condições que temos.
Há que contar também com outros aspectos importantes a que me referi na minha intervenção. Um deles consiste no problema da definição dos prazos dos recursos, para evitar que proprietários florestais, sem culpa nenhuma por o fogo ter acontecido, não sejam prejudicados pelo facto de terem de ficar à espera, durante um, dois, três ou dez anos, por uma decisão que lhes permita utilizar os terrenos afectados e também, eventualmente, proceder à reflorestação adequada desses terrenos. Esta questão é muito importante para a defesa da floresta portuguesa e tem de ser considerada com todo o cuidado e não da forma pouco clara e até não cuidada como é tratada por parte do Governo no decreto-lei em apreço.
Como já referi, apresentamos propostas neste sentido e esperamos, Sr. Secretário de Estado, que haja da vossa parte disponibilidade...

Vozes do PSD: - Total!...

A Oradora: - ... para encontrar em sede de especialidade as melhores soluções.
Espero que o Sr. Secretário de Estado já tenha lido as referidas propostas (se ainda não as leu, irá naturalmente fazê-lo), que já foram entregues, há muito tempo, à Mesa, embora eu admita que ainda não tenham ocorrido condições para a sua distribuição.
A última questão que lhe coloco é, pois, a seguinte: até onde vai a disponibilidade do Governo para encontrar as melhores soluções na correcção deste diploma?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, quero apenas pedir-lhe um esclarecimento muito simples no que respeita à disposição deste decreto-lei sobre a escala de 1:1000.
Tenho conhecimento de que um município - de cuja assembleia municipal, por acaso, sou presidente - fez as contas em relação aos custos dessa escala e escreveu a V. Ex.ª dizendo-lhe que o que era pedido para aquele município orçaria em 226 000 contos. Pelo que entendi, essa ordem de escala daria para o País cerca de 90 milhões de contos, mas V. Ex.ª terá dito - eu não estava presente na Sala quando o fez, facto de que desde já peço desculpa - que iria rever o critério dessa escala.
Se confirma essa afirmação, sugeriria ao Sr. Secretário de Estado, para que, então, o meu município não esteja a gastar dinheiro em vão, que oficiasse ao presidente da câmara do dito município, que aliás se tem correspondido com V. Ex.ª em relação a esta questão, informando-o dessa decisão. Evitar-se-ia assim que, em função do decreto-lei que, pelos vistos, V. Ex.ª vai alterar, estivéssemos a gastar dinheiro desnecessariamente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretario de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território.

Página 1413

16 DE FEVEREIRO DE 1991
1413

O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território: - Sr. Presidente. Srs. Deputados, procurarei ser o mais sintético possível.
Ao Sr. Deputado António Campos, que classificou este diploma como um pequeno diploma, eu dir-lhe-ia que os diplomas não se dividem em pequenos e grandes.

O Sr. António Campos (PS): - Pequeno, atendendo as necessidades nacionais!

O Orador: - O que está em causa neste debate é a ratificação ou não do Decreto-Lei n.º 327/90. O que estamos a discutir é isso e não a política florestal em geral. Disse o Sr. Deputado que este diploma pouco representa. Ele representará aquilo que contém em si mesmo, que me parece ser um elemento essencial de uma política de prevenção de fogos florestais, sobretudo em relação a um efeito eventualmente pernicioso e grave que pode ocorrer nas suas incidências urbanísticas, que são potencialmente bastante graves.
Esclareci também os Srs. Deputados sobre uma má interpretação que fizeram das minhas palavras. Eu não disse que no ano findo houve menos fogos do que em anos passados nem que houve mais. Essa é, aliás, uma questão que não é da minha responsabilidade. O que neste momento deve ser dito é que consideramos que o anúncio deste diploma em Agosto teve efectivamente algum efeito. Os Srs. Deputados dirão que não, mas essa é apenas a vossa opinião.

Vozes do PS: - Não teve efeito nenhum!

O Orador: - Quanto ao pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, apenas referiria que, como disse, revelei disponibilidade para que sejam introduzidas melhorias no diploma, o que não significa que as melhorias que o Partido Comunista nele pretende incluir devam merecer o nosso apoio. Essa é, naturalmente, uma questão que será tratada em sede de especialidade.
No que respeita à questão colocada pelo Sr. Deputado Laurentino Dias, que julgo referir-se ao município de Fafe...

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Exactamente!

O Orador: - ... recordo-me perfeitamente dessa pergunta e da troca de impressões que se registou, por escrito, com o Sr. Presidente da Câmara Municipal. Apenas lhe diria, a esse propósito, que tive recentemente uma reunião com os representantes das câmaras municipais do distrito de Braga. O Sr. Presidente da Câmara Municipal de Fafe honrou-nos com a sua ausência, pelo que não foi possível discutir esse problema com ele. Não tomarei, naturalmente, a iniciativa de falar com ele sobre essa matéria.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Ou manda para lá o dinheiro necessário - 226 mil contos - ou altera o decreto-lei!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Silva Maçãs.

O Sr. João Silva Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vem a bancada do Partido Comunista Português requerer a apreciação
em Plenário da Assembleia da República do Decreto-Lei n.º 327/90, de 22 de Outubro, que regula a ocupação do solo objecto de um incêndio florestal.
Obviamente que leria de p fazer com a intenção de o criticar, sugerir alterações, solicitar a sua suspensão, motivar a sua anulação ou ainda, eventualmente, aceitar a sua letra e o seu espírito.
Analisando o diploma em apreço, surge-nos, desde logo, como grande preocupação a intenção expressa pelo Governo de conter e contrariar, quase - diria - a todo o custo, ímpetos desenfreados que possam conduzir à delapidação do património florestal e do ambiente, porventura a favor de utilizações de carácter especulativo e atentatórias dos superiores interesses nacionais. A confirmá-lo, deparamos com todo um elenco de medidas rigorosas que urgiam ser tomadas, dada a dimensão da catástrofe que as áreas ardidas nos últimos anos representam e, consequentemente, os prejuízos económicos, sociais e ambientais que daí advêm. Teriam necessariamente de ser medidas rigorosas, porque se pretendem desincentivadoras e penalizadoras em relação àqueles que deliberadamente provocam, directa ou indirectamente, o atear dos incêndios.
Perante a apresentação desta iniciativa pelo Partido Comunista, devo confessar que fiquei na dúvida em relação à sua verdadeira intenção. Pretenderia o Partido Comunista apenas fazer sobressair as virtualidades do decreto-lei? Pareceu-me desnecessária tal atitude e não se me afigurou ser esse o motivo, atendendo ao seu posicionamento aquando do debate, ocorrido há três semanas, a propósito de outros diplomas que com esta temática se prendem.
Pretenderia então o Partido Comunista avançar no sentido de motivar a despenalização daqueles que deliberada, manifesta e despudoradamente infringem todas as regras e ultrapassam os limites impostos pelo mais elementar respeito pelos bens alheios e pela condição humana?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas o Sr. Deputado não ouviu as intervenções produzidas?!

O Orador: - Eu não conhecia a intervenção de VV. Ex.ªs antes, naturalmente, de a proferirem.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas agora já o fizemos!...

O Orador: - Honestamente acreditámos que nem uma nem outra dessas questões constituiriam as verdadeiras razões por que este diploma foi chamado hoje à nossa apreciação e quisemos admitir, seriamente, que o verdadeiro motivo residia na tentativa de carrear contributos válidos tendentes à sua melhoria.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Assim foi!

O Orador: - Também o Partido Social-Democrata entende ser possível aperfeiçoar o Decreto-Lei n.º 327/90 e ser obrigação de todas as bancadas contribuir para o seu enriquecimento e superior enquadramento e compatibilização com a legislação em vigor relacionada com esta problemática.
Porém, não confundamos: aperfeiçoar não pode significar anular. É nosso entendimento que se impunha e continua a impor, face às circunstâncias vividas nos últimos anos, um conjunto de medidas não só penalizadoras mas,

Página 1414

1414
I SÉRIE - NÚMERO 43

sobretudo, moralizadoras e disciplinadoras que visem reduzir o flagelo dos incêndios em Portugal e, de uma forma especial, aqueles que podem estar ligados a interesses a todos os títulos condenáveis, como já referi.

Vozes do PCP: - Nós propusemo-las!

O Orador: - Por isso, felicitamos o Governo pela intenção claramente contida em todo o texto do diploma e pela coragem política que revelou ao afrontar esses interesses que, porventura, não são tão poucos e tão pequenos, como reconhecerão.
Encontra-se bem patente a firme disposição de evitar o desaparecimento e a degradação de um bem, cada vez mais por todos reconhecido como precioso e como indispensável à vida sã das comunidades, que são as zonas verdes.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para concluir, e como já tive ocasião de referir, admitimos ser desejável introduzir alterações ao texto do decreto-lei e não temos qualquer dificuldade em reconhecer que esta é uma excelente oportunidade para o fazermos, proporcionando meios legislativos mais adequados para os fins em vista, já para o próximo Verão.
O próprio PSD havia já sugerido ao Governo a necessidade de introduzir algumas alterações que consideramos fundamentais e, por isso, não podemos deixar de acolher esta iniciativa do PCP com evidente agrado, reconhecendo-lhe todo o cabimento.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Então, ainda bem!

O Orador: - Que fique, no entanto, bem claro que não estamos dispostos a aceitar modificações que pervertam o sentido ou prejudiquem a filosofia contida no texto, o qual deverá continuar a garantir, sem margem para dúvidas, que nenhum agente, seja ele quem for, possa vir a obter lucros ou vantagens dos incêndios na floresta portuguesa.
O PSD não apoiará a recusa de ratificação do presente diploma.

Vozes do PCP: - Ninguém pediu!...

O Orador: - Farei entrega na Mesa de uma proposta de alteração ao decreto-lei, formulada pela bancada do meu partido, bem como de um requerimento requerendo a baixa à comissão, e estou certo de que, desta forma, abrimos a possibilidade para que, em sede de especialidade e com a contribuição do Governo, que já foi manifestada, possamos encontrar uma redacção mais feliz e que, de forma mais clara, sirva os interesses do País.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Muitas têm sido as iniciativas legislativas que visam, única e exclusivamente, moderar os efeitos que os fogos florestais têm, dramaticamente, infringido ao nosso País.
São medidas de prevenção, de adaptação de melhores meios de combate aos incêndios, de sanções punitivas a quem, de uma forma ignóbil, provoca, deliberada e conscientemente, os incêndios, são medidas cautelares que, por iniciativa do Governo ou dos partidos com assento parlamentar, tem o mérito de reconhecer que os fogos florestais são a catástrofe da década do nosso País e, como tal, sem excepção, têm merecido a preocupação de quem tem a responsabilidade de evitar ou aliviar os seus efeitos.
Não podemos deixar passar esta oportunidade, sem saudarmos a iniciativa do Governo de, finalmente e cumprindo a promessa aqui expressa o ano passado pelo Sr. Ministro da Administração Interna, ter apresentado em Conselho de Ministros a Lei de Bases da Protecção Civil.
Trata-se de uma medida legislativa que aparece com uma dúzia de anos de atraso, mas que, finalmente, proporcionará ao País uma reforma na área da protecção civil que dotará Portugal de um esquema de protecção da sociedade cuja ausência já ultrapassava os níveis da razoabilidade. Tal como afirmámos no debate havido nesta Câmara, versando a problemática da protecção civil, estamos convictos de que esta Lei de Bases poderá trazer ao nosso país a tranquilidade e a esperança de uma sociedade defendida dos imponderáveis que a natureza ou a incúria sujeitam qualquer cidadão.
Aguardamos a sua entrega na Assembleia da República e, pela nossa parte, manifestamos, desde já, toda a nossa disponibilidade para contribuir na célere aprovação de tal importante documento.
Regressamos, no entanto, à matéria que hoje aqui a discussão nos suscita. Infelizmente, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, não acreditamos que a medida legislativa, cuja ratificação apreciamos, reúna, por si só, as condições que conduzam à abolição dos fogos florestais em áreas que são alvo da cobiça de cidadãos despudorados, cujo objectivo pretendido apenas visa e enriquecimento fácil.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, também, e em coerência com as posições que o meu grupo parlamentar tomou em discussões anteriores, bem como outros grupos parlamentares, não enjeitamos, pelo contrário, assumimos que muito do seu conteúdo foi por nós defendido muito antes da publicação deste diploma. Não reclamamos para nós a paternidade do diploma nem insinuamos que o Governo copiou as nossas intenções, o que, no entanto, não seria inédito, mas tão-só que, salvo uma ou outra situação pontual, concordamos com o articulado proposto.
Não estamos isolados nesta posição, pois o Serviço Nacional de Bombeiros e os bombeiros portugueses, reunidos em congresso no ano passado, reafirmaram e escreveram nas suas conclusões que, entre outras medidas apontadas como travão da propagação dos fogos florestais, as agora legisladas ocupavam posição prioritária nas suas recomendações.
O exemplo de medidas idênticas impostas em países da orla mediterrânica, com índices de frequência de incêndios idênticos aos nossos, provocaram a sua eficácia e os resultados foram animadores.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Foram os casos da Espanha, França e Itália, cujos diplomas idênticos há muito que se encontram em vigor.
Também muitas foram as autarquias locais que, favoravelmente, se pronunciaram pela aplicação de medidas restritivas à fruição de terrenos percorridos pelos incêndios para outras finalidades que não aquelas para que estavam inicialmente destinados. A consciência destas preocupações não pode ser posta em causa, sob pena de se pôr em causa

Página 1415

16 DE FEVEREIRO DE 1991
1415

a própria legitimidade de quem, no local, compreende e defende os interesses das populações, conscientes que são os seus responsáveis de que muitos dos actos têm origem criminosa e visam objectivos basicamente economicistas.
Mas toda a rosa tem os seus espinhos e, no caso concreto, os espinhos podem originar graves feridas, nomeadamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na porta que se abre a um qualquer processo fraudulento que a instituição, por muito isenta que seja, não consegue controlar. Referimo-nos, concretamente, à excepção na aplicação desta lei, contemplada no seu artigo 2.º
Como é que se consegue provar que a fundamentação que justifica o acto se deveu a causas fortuitas e que os reclamantes são alheios às mesmas?
Esta nossa preocupação tem validade acrescida, se nos recordarmos que os responsáveis atribuem 90% dos fogos em Portugal a actos criminosos e as detenções efectuadas são praticamente nulas ou insignificantes.
Não será que se está a criar um mecanismo que, de um dia para o outro, miraculosamente, vai transformar 90% de actos criminosos em 90% de causas fortuitas, incúria ou negligência?
Quem vai apreciar os pedidos ou os protestos que, estamos certos, surgirão em quantidades inimagináveis?
Em nossa opinião, em primeira instância deverão ser as comissões concelhias de fogos florestais ou as comissões concelhias de protecção civil, onde os bombeiros locais se encontram obrigatoriamente representados, e ato ao presente nenhumas instruções de preparação foram dadas, pelo menos que eu tenha conhecimento.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, esta nossa posição não pode ser interpretada como uma recusa do diploma em apreço, mas, principalmente e com o sentido de responsabilidade, que para nós reclamamos, como um alerta para uma situação que, não sendo de resolução fácil - e assumimos esse facto -, também não pode ou não deve ser deixado ao livre arbítrio de uma decisão, cuja justiça e sentido de responsabilidade não pomos em causa, mas que pode provocar alguns dissabores e injustiças irreparáveis.
Chumbar este diploma é, em nossa opinião, nesta altura do ano, principalmente perigoso. Recordamos que a tragédia de Águeda e Armamar se deu em Abril e estamos praticamente em Março. A época dos fogos não tarda aí outra vez, e abrir a porta à cobiça e ao vandalismo irresponsável de pirómanos parece-nos francamente imprudente.
Também neste diploma acompanhamos a preocupação do PCP em algumas das suas reservas, mas preferimos solicitar ao Governo que, tal como já anunciou, alguns pontos deste diploma sejam alterados e sejam criadas as condições exigíveis para que os efeitos práticos da sua aplicabilidade não produzam efeitos contrários aos objectivos que, estamos certos, motivaram a publicação deste decreto-lei.
Estão na Mesa propostas apresentadas pelo PCP, que consideramos úteis, e, tal como V. Ex.ª anunciou, algumas deveriam e vão ser consideradas. Com as ressalvas e alertas apontadas e com a promessa de que as alterações serão introduzidas, vamos votar a ratificação do Decreto-Lei n.º 327/90.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, damos por encerrado o debate. O decreto-lei desce à comissão, com as propostas de alteração.
Reunimos na próxima terça-feira, às 15 horas, com a agenda que já foi publicitada.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 50 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Costa de A. Sousa Lara.
Francisco Antunes da Silva.
Joaquim Vilela de Araújo.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alfredo Brito.
João António Gonçalves do Amaral.
Manuel Rogério Sousa Brito.

Partido Renovador Democrático (PRD):
Francisco Barbosa da Costa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Fernando José Alves Figueiredo.
Flausino José Pereira da Silva.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Angelo Ferreira Correia.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Manuel Almeida Mendes.

Partido Socialista (PS):
António José Sanches Esteves.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Luís.

arlos Manuel Natividade Costa Candal.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):
Natália de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.

Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Os REDACTORES: Maria Amélia Martins - José Diogo - Cacilda Nordeste.

Página 1416

Diário da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

AVISO

Por ordem superior e para constar, comunica-se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

PORTE PAGO

1 - Preço de página para venda avulso, 5$; preço por linha de anúncio, 104$.

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação

PREÇO DESTE NÚMERO 150$OO

Toda a Correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República» deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E. P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5 - 1092 Lisboa Codex

e do sDiário da Assembleia da Rtpúblii

Páginas Relacionadas
Página 1400:
1400 I SÉRIE - NÚMERO 43 O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Gover
Página 1401:
16 DE FEVEREIRO DE 1991 1401 Esta é uma realidade que não pode ser aqui escamoteada. To
Página 1402:
1402 I SÉRIE - NÚMERO 43 O Sr. Presidente:-Sr. Deputado Guilherme Silva, uma vez que o

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×