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I Série - Número 44
Quarta-feira, 20 de Fevereiro de 1991
Diário da Assembleia da República
V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE FEVEREIRO DE 1991
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Henrique do Carmo Carminé
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Deputado Manuel dos Santos (PS) insurgiu-se contra declarações do Primeiro-Ministro relativas à causa do agravamento das desigualdades sociais, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Silva Morgues e Rui Alvarez Carp (PSD).
O Sr. Deputado Daniel Bastos (PSD) considerou necessária a extensão da principal linha ferroviária do Douro a Pinhão. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luís Roque (PCP) e Barbosa da Costa (PRD).
O Sr. Deputado José Manuel Mendes (PCP) criticou a atitude do Governo quanto à situação dos músicos do Teatro Nacional de São Carlos.
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD) referiu-se ao novo figurino de gestão escolar para a escolas dos 2.º e 3.º actos dos ensinos básico e secundário.
O Sr. Deputado Vítor Costa (PCP) deu conta das Jornadas legislativas que o seu grupo parlamentar realizou nos distritos de Castelo Branco e da Guarda.
O Sr. Deputado Hélder Filipe (PS) abordou diversos problemas da região do Baixo Vouga.
O Sr. Deputado Manuel Filipe (PCP) chamou a atenção para as dificuldades com que se debate o Colégio Ocupacional Luís Rodrigues.
Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 170/V - Altera a Lei do Serviço Militar (Lei n.º 30/87, de 7 de Julho), que foi aprovada. Usaram palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional (Fernando Nogueira), os Srs. Deputados Adriano Moreira (CDS), Joio Amaral (PCP), José Lello e Miranda Calha (PS). Marques Juntar (PRD), António Filipe (PCP), Fernando Cardoso Ferreira (PSD), José Apolinário (PS). José Silva Marques (PSD), José Luís Nunes (PS), Pedro Campilho e Miguel Relvas (PSD).
Foram ainda aprovados, na generalidade, o projecto de lei n.º 533/V (PS) - Alteração à Lei n.º 30/87, de 7 de Julho (Lei do Serviço Militar) e a proposta de lei n.º 174/V - Autoriza o Governo a definir e qualificar como crimes comportamentos que afectam a verdade e a lealdade da competição desportiva, tendo sido rejeitados o projecto de resolução n.º 53/V (PCP) - Recomenda ao Governo a adopção de medidas urgentes no sentido de assegurar que estudos em curso sobre o regime de prestação do serviço militar obrigatório sejam acompanhados pelas organizações de Juventude e os projectos de lei n.ºs 377/V (PSD) - Programas televisivos destinados à educação para a saúde e 669/V (PS) - Programas de televisão de interesse público.
Finalmente, a Câmara rejeitou um requerimento de recusa de ratificação, apresentado pelo PCP, ao Decreto-Lei n.º 358/90, de 10 de Novembro, e aprovou, em votação final global, o texto alternativo da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à protecção dos dados pessoais face à informática, que engloba a proposta de lei n.º 135/V e os projectos de lei n.º 381/V (PS) e 519/V (PRD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 15 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alfredo Godinho da Silva.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
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Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eliisa Maria Ramos Damião Vieira
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carminé.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco de Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Barbosa Mola.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d´Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Filipe, Lino de Carvalho, António Guterres e Luís Roque; ao Ministério da Indústria e Energia, formulados pelos Srs. Deputados Azevedo Marques e lida Figueiredo; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados lida Figueiredo, Lino de Carvalho e Apolónia Teixeira; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Ilda Figueiredo e Vítor Costa; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Vítor Cosia; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados João Amaral e Filipe Abreu; ao Ministério da Defesa Nacional, formulados pelo Sr. Deputado João Amaral; à Secretaria de Estado do Emprego e Segurança Social e ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Osório Gomes; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulado pelo Sr. Deputado Luís Pais de Sousa; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Luís Roque; à Câmara Municipal do Fundão, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Filipe; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado José Apolinário; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Vítor Costa.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Rui Ávila, no dia 10 de Janeiro; Alberto Cerqueira de Oliveira, na sessão de 15 de Janeiro; Ilda Figueiredo, nas sessões de 10 de Maio, 28 de Junho e 9 e 22 de Novembro; José Apolinário, na sessão de l de Outubro; Virgílio Carneiro, na sessão de 18 de
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Outubro; José Magalhães, na sessão de 30 de Outubro; Luís Rodrigues, nas sessões de 8 de Novembro e 6 de Dezembro; Júlio Miranda Calha, nas sessões de 9 e 22 de Novembro; Rui Silva, nas sessões de 15 de Novembro e 15 de Janeiro; Leonor Coutinho e Manuel Filipe, na sessão de 20 de Novembro; José Manuel Mendes, na sessão de 17 de Novembro; José Reis, na sessão de 11 de Dezembro; Júlio Antunes, na sessão de 13 de Dezembro, e, finalmente, Raul Castro e Jorge Lemos, na sessão de 20 de Dezembro.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começa a ser com indisfarçável curiosidade que aguardamos as visitas que o Sr. Primeiro-Ministro tem vindo a fazer a zonas de elevada concentração industrial do nosso país.
Recentemente, no Vale do Ave, ouvimos o Professor Cavaco Silva afirmar, perante uma assistência predominantemente constituída por trabalhadores, que os males do crescimento sem qualidade, geradores de profundos desequilíbrios sociais, particularmente acentuados naquelas zonas, tinham, afinal, uma causa simples e facilmente erradicável: o desvio de fundos e mais valias da sua eminente função social (na linha dos mais profundos ensinamentos da Encíclica Rerum Novarum), para manifestações tacanhas de novo-riquismo e ostentação.
Profundas, como se vê, as considerações filosóficas e as concepções de desenvolvimento do Sr. Primeiro-Ministro.
Ficámos todos à espera que, na sequência de tão clarividente alerta, o Governo legislasse (e actuasse) em domínios bem definidos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por exemplo, definindo políticas sectoriais orientadoras e seleccionadoras de projectos candidatos às verbas comunitárias atribuídas ao PEDIP, de forma a evitar a excessiva concentração de fundos em actividades geradoras de lucros fáceis e transitórios;
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por exemplo, corrigindo os mecanismos de intervenção e a própria concepção do sistema de incentivos de base regional, transformando-o num instrumento real de ataque às desigualdades económicas regionais; por exemplo, actuando sobre os esquemas de apoio decorrentes do Fundo Social Europeu, transformando-os, inequivocamente, em instrumentos de formação profissional geradores de verdadeiro desenvolvimento e progresso social.
Nada disto tendo sido feito e conhecendo-se, pelo contrário, orientações e factos que apontam para o agravamento da situação, teremos de concluir que a denúncia do Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva caiu em saco roto.
Mas o Primeiro-Ministro não desarma.
Na sua recente deslocação à região da Marinha Grande repetiu, perante auditório semelhante, o seu diagnóstico e a terapia aconselhada: a causa do agravamento das desigualdades é, apenas, uma consequência das manifestações do novo-riquismo e da ostentação e tudo estará bem quando os empresários, depois de colocarem a mão na consciência, trocarem menos de carro ou gastarem menos nos lugares de diversão do nosso país.
Mas na Marinha Grande o Sr. Primeiro-Ministro foi mais longe. Declarou (passo a citar) que «as empresas têm o direito de exigir aos bancos a aplicação de margens de lucro razoáveis».
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Identificado o novo estrangulamento, esperamos agora que o Governo nos indique (às empresas e, em particular, às pequenas e médias empresas) como é que vamos todos exigir aos bancos a aplicação de margens de lucro mais razoáveis.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recentemente, quer o Sr. Ministro das Finanças, quer o governador do Banco de Portugal, reconheceram a inevitabilidade da subida, a curto prazo, das taxas de juro.
Esta alteração é, aliás, a consequência lógica da política monetária desenvolvida pelo Governo para o corrente ano, visando o controlo e a diminuição da taxa de inflação.
E conhecida a orientação que o Banco de Portugal tem vindo a dar à banca no sentido de endurecer as condições de concessão de crédito.
Mas mais importante do que as declarações das autoridades monetárias é o quotidiano das empresas portuguesas.
Todos os agentes económicos sentiram agravar-se consideravelmente as condições de acesso aos financiamentos bancários e as pequenas e médias empresas têm sentido essas dificuldades de forma particular.
Não é novidade para ninguém que se verificou em 1990 um crescimento exagerado no sistema bancário português que, em relação à maioria das entidades bancárias, atingiu taxas da ordem dos 60%/70% (medidas segundo o critério dos meios libertos).
Não é novidade que as taxas de intermediação do sistema bancário português são as mais elevadas da Europa, o que tem como consequência penalizar brutalmente os pequenos aforradores e, simultaneamente, agravar as condições de financiamento do sistema produtivo.
É exactamente porque isto não é novidade para ninguém que o Partido Socialista propôs, aquando da discussão do Orçamento, alterações nas taxas de juro passivas e manifestou o desejo de que a política monetária pudesse rapidamente conduzir a um abaixamento das taxas de juro activas.
Afirmámos então que «esta contradição fundamental em que o País vive de ter dinheiro a mais no sistema bancário e dinheiro a menos no sistema produtivo» constituía um álibi para o Governo, também quanto à rápida adesão do escudo ao Sistema Monetário Europeu.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A situação de altas taxas de intermediação bancária, decorrentes de altas taxas de juro que as empresas pagam e de baixas taxas de juro que os particulares recebem, é, portanto, da exclusiva responsabilidade do Governo e consequência da sua política.
Afirmar o contrário é elcitoralismo e constitui hipocrisia.
É ilegítimo responsabilizar a banca pelo actual nível elevado das taxas de juro dos empréstimos, como o fez o Sr. Primeiro-Ministro.
O apelo feito aos bancos para que as baixem poderia entender-se se formulado por um leigo, mas não tem
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justificação - a não ser a hipocrisia política e o populismo - quando assumido por um primeiro-ministro que também é economista.
Aplausos do PS.
O convite a empresas para que exijam taxas de juro menores é inconsequente e demagógico.
A responsabilidade pela política monetária e de crédito cabe ao Governo, e o nível das taxas de juro é consequência dessa política.
Se o Governo e o Primeiro-Ministro querem aliviar o custo do dinheiro necessário para o investimento produtivo e para a construção de habitações tom de alterar as suas políticas.
Não é justo, não é correcto, nem é legítimo que se enganem os Portugueses.
Aplausos do PS e do deputado independente Herculano Pombo.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Silva Marques e Rui Alvarez Carp.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, tenho pena que tenha vindo criticar, sem fundamento, as declarações que o Sr. Primeiro-
Ministro fez, neste último sábado, na Marinha Grande!... O seu discurso é a corrida do ciúme!
Risos do PS.
O Sr. Deputado, à falta de o líder do Partido Socialista ter podido estar, no sábado, na Marinha Grande e de aí ter tido o acolhimento entusiástico que teve o Professor Cavaco Silva, vem aqui fazer, sem fundamento, uma crítica às suas declarações ...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Na Marinha Grande, o Professor Cavaco Silva fez um discurso que foi de encontro aos sentimentos do povo português. Ele criticou - e bem! - o «novo
-riquismo», que é a expressão pacóvia dos que enriqueceram repentinamente, a maior pane deles graças à especulação, que foi o «El Dorado» do tempo do governo socialista.
Risos do PS.
Aplausos do PSD.
Hoje, muitos especuladores, muitos novos-ricos ainda têm saudades da governação socialista! Podem perguntar-me como é possível uma governação socialista agir precisamente ao contrário dos princípios e dos valores que defende. É muito simples, Srs. Deputados: quando temos socialistas que apenas têm como força política o seu verbalismo inconsequente ...
O Sr. José Lello (PS): - Olha quem fala!
O Orador: - ..., natural é que, embora falem em nome dos trabalhadores, a favor dos trabalhadores, acabem por agir não em favor do enriquecimento mas, sim, da especulação. É precisamente isso a que nós chamamos - e condenamos! - «novo-riquismo».
O Professor Cavaco Silva teve, no sábado, na Marinha Grande, a adesão espontânea de todos os grupos sociais; fez uma jornada positiva, de grande valor, não apenas para o PSD, que é quem menos conta, mas, sim, para o País, para a Marinha Grande e para o futuro que queremos construir!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Uma jornada que representou o apelo ao trabalho, ao mérito, à ousadia, ao investimento, mas que precisamente nada teve a ver com esse fenómeno que condenamos, sem qualquer reticência: o novo-riquismo dos especuladores!
Se os socialistas ainda estão atónitos ...
O Sr. Alberto Martins (PS): - Atónitos?
O Orador: - ... com esse discurso do Professor Cavaco Silva é porque não compreendem os sentimentos e as aspirações profundas do povo português.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado condenou a referência que o Professor Cavaco Silva fez às taxas bancárias. Ora, o Professor Cavaco Silva referiu-se às margens de lucro dos bancos - e muito bem! - porque estas devem ser moderadas. No nosso país temos a tradição de fazer especulação financeira e muitas das fortunas existentes antes do 25 de Abril foram feitas na sua base, o que condenamos. O nosso futuro não está no facto de facilitarmos a especulação financeira mas, sim, no nosso empenho no trabalho, no mérito. Esse, sim, é o caminho sólido do futuro!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp.
O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Sr. Presidente, a intervenção do Sr. Deputado Manuel dos Santos foi um «tiro no charco», mas boa para o Governo porque permitiu ver o Partido Socialista, que tem aspirações a ser alternativa ao Governo - que são só, aliás, aspirações! - entrar em franca contradição.
Efectivamente, o Sr. Primeiro-Ministro foi recebido, quer no Vale do Ave quer na Marinha Grande, com aquela receptividade positiva que os meios de comunicação social independentes nos deram a conhecer. Isso deve-se exactamente ao sucesso da política industrial do Governo! Sc não fosse essa política industrial, o Sr. Primeiro-Ministro não teria tido essa recepção da parte dos trabalhadores da Marinha Grande; se não fosse essa política, a Marinha Grande não teria hoje um alto nível de emprego!
Creio que as críticas que o Sr. Primeiro-Ministro fez às altas margens de intermediação do sistema bancário são justas, oportunas e normais numa economia de mercado, numa economia em que as forças de mercado têm a palavra e o Governo a sua posição. Isto prova que o Partido Socialista está vencido mas não convencido das regras de mercado e da concorrência. É que uma coisa é o Primeiro-
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-Ministro aconselhar e recomendar - e, porventura, criticar - essas altas margens de intermediação e outra é o Estado intervir, de forma administrativa, no valor das taxas de juro activas e passivas. Isso, hoje, não é possível nem desejável!
Quando o Sr. Primeiro-Ministro diz que os empresários têm de persuadir a banca a baixar as suas margens de lucro está a fazer apelo a uma norma fundamental existente em qualquer economia de mercado e que é o associativismo empresarial. Foi isso que o Sr. Primeiro-Ministro fez! Os pequenos e médios empresários podem e devem ter voz, mas desde que se associem com fins socialmente positivos e economicamente viáveis. Portanto, só lemos de aplaudir estas afirmações.
Quanto à contradição do Partido Socialista, vejamos o seguinte: ainda há pouco tempo o secretário-geral do PS pedia para entrarmos de qualquer maneira no mecanismo cambial do Sistema Monetário Europeu. Se isso fosse aplicado em Portugal, Sr. Deputado, seria um desastre, seria dar cabo da indústria portuguesa! E que mal não poderia ler acontecido à indústria têxtil se o Governo não tivesse, oportunamente, corrigido as infelizes afirmações que o Sr. Deputado João Cravinho proferiu, no ano passado, a esse propósito! Em relação a isso, Sr. Deputado, também lhe devolvo a crítica: o Sr. Deputado João Cravinho, por quem nutro a maior consideração e respeito, tem conhecimentos económicos suficientes para saber que se as suas afirmações não tivessem sido corrigidas pelo Governo isso provocaria efeitos arrasadores na indústria têxtil portuguesa.
Em suma, Sr. Presidente e Srs. Deputados: quem é que, afinal de contas, protege os empresários e os trabalhadores portugueses? E, fundamentalmente, quem apresenta soluções concretas, quem resolve os problemas e os conhece in loco; é, no fundo, o Governo e não a oposição, a qual se limita a criticar e a nada apontar de novo e construtivo!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Começando por responder ao Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, direi que V. Ex.ª não iniciou da melhor forma a semana, estando em baixo de forma, pois mistura «alhos com bugalhos»; o desenvolvimento industrial com as condições de desenvolvimento e de homogeneização da própria economia portuguesa e, consequentemente, faz críticas perfeitamente desajustadas. Assim, V. Ex.ª invoca a posição do meu camarada João Cravinho em defesa da região dos têxteis, só que ela é exactamente contrária do que afirmou. No entanto, como esse ponto não faia parte da minha intervenção, oportunamente faremos essa discussão.
De qualquer modo, há uma ligação entre a sua intervenção e a do Sr. Deputado José Silva Marques, isto é, V. Ex.ª, tal como um ilusionista, tirou um «coelho da cartola» à semelhança do que faz o Primeiro-Ministro sempre que se dirige às zonas industriais do País. Primeiro, foi o caso dos empresários que compravam os ferrari e os maseratti, depois passou a ser a banca que tem taxas de intermediação muito elevadas. O Sr. Primeiro Ministro continua a tirar «coelhos da cartola» e V. Ex.ª imitou-o quando disse que a minha intervenção foi uma pedrada no charco. É claro que foi, mas uma pedrada no charco da política económica do seu governo com a consequência de V. Ex.ª terem ficado com nódoas resultantes dos salpicos. Penso ter sido esse o motivo por que V. Ex.ª reagiu dessa maneira.
No entanto, o Sr. Deputado José Silva Marques não tirou «um coelho da cartola», mas sim uma «lebre». Acusou o Partido Socialista de ser o defensor da especulação bolsista, do novo-riquismo, mas esqueceu que o próprio Primeiro-
Ministro foi forçado a dizer na televisão que se vivia na bolsa portuguesa uma situação de venda de «gato por lebre» depois de vários anos de especulação bolsista.
Aplausos do PS.
Esqueceu-se de dizer que é o seu partido que recusa as propostas do Partido Socialista para que sejam tributadas as mais-valias ganhas na especulação bolsista.
Aplausos do PS.
Esqueceu-se de dizer que toda a cultura do novo-riquismo simbolizada no Centro Cultural de Belém é vossa.
Aplausos do PS.
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - São só 40 milhões de contos!
O Orador: - Esqueceu-se, por habilidade política, porque é uma pessoa inteligente, de pôr «os guizos ao gato», isto é, de qualificar quem é o mau da fita.
O que afirmei muito claramente é que é importante - e o Partido Socialista tem - no dito várias vezes - que as margens de intermediação do sistema bancário diminuam. E o que perguntei, e volto a fazê-lo, é como é que eu, cidadão e eventual empresário, vou ao Sr. Santos, ao Sr. Marques ou ao Sr. Guedes das agências bancárias e exijo taxas de juro mais baratas. Como é que eu consigo fazer isso?
Vozes do PS: - Muito, bem!
O Orador: - Se o Sr. Primeiro-Ministro, aquando da sua próxima visita a uma zona industrial, me explicar como vamos fazer isto sou capaz de aqui, publicamente, o elogiar, mas «bocas», hipocrisia e eleitoralismo isso não vale.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Bastos.
O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi na década de 1850 a 1860 que se iniciou a grande revolução em matéria de transportes e vias de comunicação em Portugal.
A evolução técnica e a necessidade de transporte, cada vez em maiores quantidades, do vinho generoso do Douro fez suceder ao barco rabelo a linha de caminho de ferro que, ladeando o rio do mesmo nome, ligou os principais centros de produção agrícola, cujos eixos se situavam em Penafiel, Marco de Canaveses e, sobretudo, na Régua e no Pinhão.
Com a conclusão da linha de caminho de ferro do Douro, em 1880, cujo projecto se tinha tornado um desafio mobilizador das forças vivas da região, abriu-se o caminho para o desenvolvimento de todo o interland do Douro e, muito especialmente, para as zonas de produção do seu precioso néctar - o vinho do Porto. De imediato
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se demonstrou a grande importância desta linha de caminho de ferro e os resultados da exploração desde logo se tornaram animadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PROZED - Plano Regional de Ordenamento da Zona Envolvente do Douro - documento fundamental na organização e ocupação adequada desta área, potenciador do aproveitamento dos seus recursos naturais e da promoção do seu desenvolvimento, reconhece, no estudo do aproveitamento turístico, o seguinte: «O Pinhão será o centro turístico mais a montante do Douro, dentro da área do PROZED. Terá perfil de um interface de transportes, será polo de actividades lúdicas e ponto de partida para a utilização das quintas do Alto Douro. O Pinhão virá a aglutinar equipamentos de recreio com influência nos concelhos de Tabuaço, São João da Pesqueira, Sabrosa e Alijo.»
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, menciona-se nos estudos referentes à «metodologia, estratégia e articulação» com outros planos que «o Pinhão é por excelência o polo urbano simultaneamente na margem do rio e no centro da região do vinho do Porto. Será também o lugar em que o sistema de ocupação do Douro muda radicalmente, deixa de haver estradas paralelas ao rio».
Atendendo às potencialidades decorrentes da navegabilidade do Douro, com a consequente prática dos desportos náuticos, turismo de habitação rural e enquadramento nos circuitos panorâmicos, para além de ser o maior polo de produção e vinificação do vinho do Porto, considera-se que, nesta perspectiva, se justifica plenamente a extensão da condição da rede principal da linha ferroviária do Douro ao Pinhão e que esta iniciativa deverá ser enquadrada no plano de modernização da CP. Assim, «dado o valor social muito elevado das vinhas e sendo o Pinhão totalmente envolvido por elas, as áreas de expansão devem ser suficientes para que o Pinhão possa acompanhar o crescimento que se tem verificado na própria vinha».
Ao citar algumas passagens de relatórios e estudos em que se analisam e reflectem as propostas, opções e objectivos do Plano Regional de Ordenamento da Zona Envolvente do Douro referentes à zona do Pinhão, mais não pretendo do que justificar tecnicamente a pretensão das gentes do Douro, inteiramente aceitável e defensável, de que a sua linha de caminho de ferro seja considerada como rede principal na extensão entre a Régua e esta localidade.
A desactivação de algumas linhas de caminho de ferro em Trás-os-Montes e Alto Douro, atitude que continuamos a lamentar, deverá merecer compensação com algumas medidas, nas quais esta se inclui. Os elevadíssimos recursos que se pretendem investir na modernização dos caminhos de ferro justificarão, igualmente, tal pretensão que, a não concretizar-se, traria graves prejuízos e poderia vir a pôr em causa a estratégia global de desenvolvimento prevista no PROZED para a região duriense.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentarmos, há poucos dias, nesta Assembleia, um projecto de lei de elevação da localidade do Pinhão à categoria de vila, tivemos a oportunidade de demonstrar, na justificação de tal documento, as potencialidades económicas e sociais do Pinhão e o seu acelerado nível de desenvolvimento. Entendemos, por isso, que a melhoria das vias de comunicação que servem o Douro deverá merecer a urgente atenção do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. A modernização da linha de caminho de ferro do Douro e a sua classificação como rede principal até esta localidade enquadra-se na mesma e fundamental necessidade de melhoria das condições de acessibilidade. Aguarda-se, por isso, a imediata decisão governamental nesse sentido. É este o meu apelo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís Roque e Barbosa da Costa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.
O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Deputado Daniel Bastos, ouvi atentamente o seu discurso que, no meu entender, enferma de algumas contradições de base. Não sei como é possível haver turismo sem vias de comunicação, como é possível haver turismo com ramais encerrados. Aliás, o caminho de ferro no século XIX foi a via de desenvolvimento de Trás-os-Montes e de muitas outras regiões. As regiões desenvolveram-se ao longo das linhas. Neste momento, acabou a linha. Por isso, pergunto: como é que se vai substituir, mesmo através de estrada, a linha do Corgo? De facto, é de lamentar o encerramento, e mais ainda, o encerramento até ao Pocinho.
A verdade é que há uma contradição quando o Sr. Deputado apela ao não encerramento das linhas e o Governo continua a encerrá-las. É caso para dizer que «bem prega frei Tomás»!
O Sr. José Silva Marques (PSD): - É a nossa liberdade de expressão, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Deputado Daniel Bastos, mais uma vez V. Ex.ª trouxe a esta Assembleia as preocupações das gentes da região de onde é oriundo, sobretudo numa área que tem motivado forte contestação das populações locais e que tem a ver com o encerramento de algumas vias que estão no imaginário popular como estão também insertas na nossa literatura através da pena brilhante de alguns dos nossos escritores. Pena é que, de uma penada, o Governo tenha, por razões compreensíveis, talvez para tentar melhorar as condições das vias principais, de encerrar vias que estariam a dar prejuízo.
Entretanto, creio mesmo que, para além dessas razões sentimentais, razões de carácter emblemático, importaria também servir as populações de forma diferente, mantendo, com os ajustes necessários, nos limites do possível, essas vias. Estou em crer que seria possível, dadas as características orográficas e topográficas da região, que elas pudessem ser destinadas a fins turísticos através de um ajustamento com empresários vocacionados para o efeito.
Espero que esta chamada de atenção do Sr. Deputado chegue ao Governo, que ele esteja aberto a essa reconversão e sobretudo que não se verifique a delapidação de bens que alguns órgãos de comunicação têm referido e que vai fazendo perder alguma riqueza construtiva dessas áreas. Espero igualmente que a sua voz, que é talvez mais privilegiada do que a nossa, possa fazer o Governo sentir a necessidade de atender esses pedidos.
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O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Bastos.
O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Sr. Deputado Luís Roque, começo por lhe dizer que não há contradição absolutamente nenhuma na minha intervenção, pois, como dizia o meu companheiro de bancada José Silva Marques, no meu partido há liberdade de expressão. E é exactamente por isso que muitas vezes dizemos aquilo que poderá eventualmente não agradar ao Governo, mas temos a liberdade de dizer aquilo com que não concordamos.
Efectivamente, não é possível turismo sem vias de comunicação - aí estamos perfeitamente de acordo -, mas também nunca nenhum governo fez tanto pelas vias de comunicação como o actual, mesmo naquela região. Só lamento que não possa chegar a todas as estradas que precisam de ser melhoradas, mas os Transmontanos apoiam inteiramente este governo porque tem sido quem melhor atenção tem prestado às suas necessidades.
Também lastimo e lamento que se tenham encerrado linhas de caminho de ferro, mas a verdade é que não foi este governo que as encerrou mas, sim, os governos que ao longo de dezenas de anos nada fizeram para melhorar as condições daquelas vias de caminho de ferro, o que levou a que a própria população as abandonasse, não as utilizasse e fizesse com que o Governo as tivesse de encerrar.
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado, devo dizer-lhe que já em 1975-1976 havia quem viajasse nessas linhas em vagões bons para transportar gado, e nessa altura nada se fez para as melhorar.
Sr. Deputado Barbosa da Costa, agradeço o apoio que deu à minha intervenção e penso que estamos perfeitamente identificados com as medidas necessárias para o interland do Douro, mas é preciso fazer muito mais. No entanto, Sr. Deputado, aquela região tem possibilidades imensas em melhorar o aspecto de que falou, que é o turístico. Como sabe, o turismo de habitação tem dado um forte impulso à utilização turística de toda aquela região e todas aquelas quintas do Douro, para além da rentabilidade que nos dão em termos de vinho do Porto, têm, também, potencial idades extremamente benéficas em termos turísticos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vale a pena trazer, com ênfase e rigor, a esta Câmara uma questão aguda, de entre inúmeras, relativa ao panomara da acção do Executivo na esfera da cultura: a que se prende com o sector da música e, em especial, com o que ocorre no Teatro Nacional de São Carlos. Ficará para outra oportunidade a análise de quanto se passa na Biblioteca Nacional, no teatro, no cinema, no apoio à edição, no Instituto Português do Património Cultural, nas instituições de tutela das actuações no domínio da arqueologia, no acordo ortográfico, na política de nomeações.
Para já, falemos da circunstância de o País, algo surpreendido, ter encontrado nas páginas dos jornais a notícia de que o «Rinaldo», de Haendel, se realizou sem que a orquestra residente do São Carlos tivesse actuado na plenitude, porque cumpria o exercício legítimo de um direito de luta por reivindicações elementares, apresentadas há largos meses e ainda sem resposta.
O Sr. Primeiro-Ministro, cujas excelsas qualidades nos domínios culturais são por de mais conhecidas, e o Sr. Secretário de Estado da Cultura, que não lhe fica atrás, reuniram, recentemente, com intelectuais portugueses.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Funcionários!
O Orador: - Não se conhece, de forma nenhuma, até este momento, o conteúdo dos resultados saídos do conclave. Mas, enquanto isto, o que é facto é que, desde o mês de Junho, paira na Secretaria de Estado da Cultura, para resolução, um problema central que se prende com o único teatro lírico do País, a defesa do nosso espólio clássico, da nossa produção actual e da execução, o mais qualificada possível, dos nossos instrumentistas e artistas, o que quer dizer que a incúria reina, a montante e a jusante do Centro Cultural de Belém, e que as iniciativas de fachada não são capazes de tocar o tecido cultural português, antes - e apenas - servem para edulcorar mensagens indevidas e vazias nos telejornais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Extintas as orquestras da RDP e continuando a existir dificuldades gravíssimas no interior da cooperativa «Régie Sinfonia», o que se passa hoje no Teatro de São Carlos é, a todas as luzes, intolerável e exige que uma voz se erga, perante a astenia generalizada deste hemiciclo, no sentido de que, rapidamente, sejam atingidas as soluções adequadas.
De resto, o catálogo do que pretendem os músicos do São Carlos é bem claro, irrecusável e até bastante simples: trata-se tão-só de conseguir um estatuto que garanta condições de trabalho condignas, equiparáveis às dos seus colegas que operam na «Régie Sinfonia», sendo seguro que prosseguirão honrando a tradição e a qualidade da música clássica de autoria ou interpretação portuguesa. Nada disso se fez! A situação em que se vive é inaceitável!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao que parece, a prestação da Companhia do Teatro Nacional de São Carlos sobreviveu, embora com manifestas insuficiências, à moldura de indefinição que afecta aquela prestigiada e indispensável instituição. O desconcerto governamental, nestes domínios essenciais da música ou nos da cultura em geral, bem como, transversalmente, nos que se reportam aos diversos departamentos do Executivo, não sobreviverá, decerto, ao descontentamento crescente e irremível que vem gerando na consciência do povo português.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O novo figurino de gestão escolar para as escolas do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, alvo, aliás, de significativa controvérsia, está em vias de ser aplicado.
Para além do processo de eleição e designação do responsável máximo e seus adjuntos de cada escola, em que participam vários intervenientes, designadamente autar-
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quias, representantes de interesses sociais e económicos da área de influência da escola e de dirigentes de associações de pais, avulta o facto de a remuneração prevista para o responsável pela gestão ser considerada no esquema das chefias da função pública.
Neste domínio, estamos de acordo com o postulado no projecto de gestão, já que entendemos que, pela magnitude, responsabilidade e importância das tarefas cometidas aos responsáveis dos estabelecimentos de ensino em questão é mais que justo que aufiram proventos compatíveis com a dignidade da função exercida.
Tal projecto, com todas as suas virtualidades e vulnerabilidades, suscita-nos uma renovada tentativa de reflexão acerca da persistência escandalosa da grave discriminação que sofrem os directores das escolas do 1.º ciclo do ensino básico.
Até ao 25 de Abril, talvez como tentativa quase ridícula de suprir as graves insuficiências dos vencimentos, que então iludiam os professores, havia um subsídio destinado aos directores de escola.
Dada a sua exiguidade quase humilhante, foi anunciado, em 1975, que um novo sistema retributivo iria ser desenvolvido tendo em vista a dignificação da função.
Os interessados, que não usufruem de qualquer diminuição do tempo lectivo, de quaisquer contagens de tempo de serviço, ressalvando-se apenas o direito de escolha de horário, mau grado o sonoro anúncio emitido num tempo já distante, ainda hoje esperam pela anunciada e desejada remuneração.
Os Governos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, através da consagração desse direito aos directores das escolas do 1.º ciclo do ensino básico, não conseguiram até hoje ver o seu exemplo seguido pelo poder central, que continua a «fazer orelhas moucas» a este elementar pedido.
Pelo menos, aqui não há pura os docentes abrangidos custos da insularidade, mas, felizmente para eles, constituem benefícios da insularidade.
Julgamos que há uma teimosa continuação na rejeição deste direito, que é mais gritante dado tratar-se de uma promessa sucessivamente adiada após o público anúncio.
Haverá, neste momento, pouco mais de uma dezena de milhar de escolas desse nível de ensino e cremos que não «cairiam os parentes na lama» ao Governo se, de uma vez por todas, fizesse a justiça reclamada e cumprisse as promessas anunciadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma verba de poucas dezenas de milhar de contos anuais poderia, emblematicamente, contribuir para a dignificação de um conjunto de cidadãos empenhados, que tão esquecidos têm sido ao longo de sucessivas gerações e cujo papel e importância nunca será de mais lembrar e enaltecer.
Aplausos do PRD.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Maria Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Costa.
O Sr. Vítor Costa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Presente na vida nacional, atento aos problemas sociais e de desenvolvimento, interveniente activo nos órgãos de poder onde tem representação, o PCP norteia a sua acção política por uma permanente ligação ao País e às populações.
Com esse objectivo, o grupo parlamentar comunista, em conjunto com as direcções regionais correspondentes, vem organizando, em todos os distritos, jornadas legislativas. As últimas realizaram-se recentemente nos distritos de Castelo Branco e da Guarda, na Beira Interior.
Em datas diferentes, um conjunto de nove deputados do Grupo Parlamentar do PCP, pertencentes às mais variadas comissões parlamentares, acompanhados por membros das respectivas direcções regionais e locais, percorreram durante quatro dias, dois para cada distrito, os concelhos de Castelo Branco, Proença-a-Velha, Sertã, Idanha-a-Nova, Vila Velha de Ródão, Penamacor, Fundão, Belmonte e Covilhã, no distrito de Castelo Branco, e os concelhos da Guarda, Trancoso, Vila Nova de Foz Côa, Pinhel, Seia, Manteigas e Gouveia, no distrito da Guarda.
No conjunto, realizou-se cerca de uma centena de visitas, encontros e reuniões com as mais diversas entidades e contemplando, praticamente, todos os sectores de actividade. Impossível será, neste momento, fazer a sua discriminação.
Todavia, queremos afirmar, aqui, no Plenário da Assembleia da República, como já o fizemos lá, que estas jornadas legislativas cumpriram com o seu objectivo central: promover um contacto directo entre os deputados do PCP na Assembleia da República e a situação, problemas e aspirações dos distritos da Beira Interior, traduzindo, deste modo, a nossa solidariedade para com aqueles que, aos mais diversos níveis e em condições tão periféricas, esperam e desesperam de ilusões intencionalmente propaladas e manipulações eleitoralistas, mas persistem em não desistir de «sonhar para que o mundo avance» e com o sentido de os deputados do PCP levarem junto dos órgãos de soberania interrogações e propostas tendentes a dar resposta às justas aspirações levantadas e intervir no intuito de apoiar o desenvolvimento daquela região.
É isso que já estamos a cumprir!
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Das reuniões de trabalho havidas com numerosas juntas de freguesia e câmaras municipais, independentemente das cores partidárias dos eleitos, resultaram reclamações comuns contra as dificuldades financeiras dos municípios, nomeadamente resultantes da escassez de verbas do FEF, transferidas através do OE, em contraposição com os elevados encargos sucessivamente transferidos, designadamente na área da educação.
Essas dificuldades estarão, inclusivamente, a impedir que vários municípios, de que Seia é exemplo, avancem com projectos de infra-estruturas comparticipadas pelos fundos comunitários. A par disso, a Administração Central recorre a todas as artes dilatórias para a não celebração de contratos-programa, como acontece com a construção do novo edifício-sede dos Paços do Concelho da Guarda.
A regionalização é outra reclamação igualmente unânime não só entre autarcas como também nas associações patronais - caso da Associação Comercial e Industrial do Fundão - associações sindicais, de empresas de lanifícios, curtumes e de metalurgia com quem reunimos. Aponta-se a regionalização como uma das medidas mais urgentes e capacitadoras de levar de vencida muitos dos estrangulamentos de desenvolvimento da região e da sua progressiva desertificação.
Faltam incentivos e apoios a novos investimentos numa região onde o sector de lanifícios atravessa enormes dificuldades e onde empresas de grande dimensão, como a FISEL, não conseguiram ainda os necessários acordos de reestruturação.
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Ao ouvirmos um administrador da SOTAVE, em Manteigas, dizer-nos que «na Covilhã, neste momento, somente sobrevivem 10% das empresas existentes há 20 anos atrás» e, perante o testemunho, por vezes, dramático dos trabalhadores e dirigentes sindicais, vêm-nos à memória leituras de tempos passados e de escritos, como A Lã e a Neve, de Ferreira de Castro, onde o autor conclui assim o «Pórtico» daquele seu romance: «A sujeição ao destino comum criara, todavia, alguns vínculos entre os descendentes dos primeiros tecelões. No século XX, mais do que sons de flautas pastoris descendo do alto das serras para os vales, subiram dos vales para o alto das serras queixumes, protestos, rumores dos homens que, as vezes, se uniam e reivindicavam um pouco mais de pião.»
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: No sector da agricultura, algumas das questões suscitadas pelos agricultores, desde a Associação de Regantes da Campina de Idanha, à Cova da Beira alo às Adegas Cooperativas da Covilhã, de Pinhel e de Foz Côa, passam pela necessidade do apoio à vitivinicultura da região e contra a entrada incontrolada de vinho de pasto espanhol, o não acesso da generalidade dos agricultores a fundos comunitários para investimento, a baixa do preço do leite ao produtor, a invasão dos mercados por fruta de Espanha e a existência de focos de contrabando de gado.
Havendo acordo quanto à necessidade de ser defendida a qualidade do queijo da serra, verificamos existirem sérias preocupações quanto à forma e ao método como irá ser certificado e entregue o selo de garantia.
Igualmente nos foi transmitida, de forma sistemática, a necessidade de serem tomadas medidas efectivas para ordenar a floresta e prevenir os incêndios florestais. Basta recordar que, no ano de 1990, só no distrito da Guarda, 1400 fogos devoraram mais de 25 000 ha de floresta.
Estupefacção e incompreensão eram vivamente patenteadas pelas populações quando eram informadas de que o PSD se preparava para chumbar, como veio a verificar-se, e sem apresentar qualquer alternativa válida, as duas iniciativas legislativas do PCP que visavam responder precisamente àquelas duas necessidades.
Na área da educação e do ensino, da saúde, do associativismo cultural, desportivo e da solidariedade social permitimo-nos destacar: críticas generalizadas e contundentes à Direcção Regional de Educação do Centro e ao Ministério da Educação pela incapacidade demonstrada em responder aos problemas e solicitações que lhe são feitas; o PIPSE (Programa Integrado para o Sucesso Escolar), a não ser na área do apoio médico, tem-se revelado um monumental logro; as instalações indignas e de insucesso, onde continuam a funcionar as escolas C+S de Silvares e de Vila Nova de Tazem, e o escândalo de continuar por construir uma escola pública C+S em Manteigas, mau grado o contrato-programa celebrado entre a autarquia e a DREC (Direcção Regional de Educação do Centro); as várias queixas que nos foram transmitidas na área dos cuidados primários de saúde e as carências de instalações nos Hospitais Distritais da Guarda e da Covilhã.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma inventariação, necessariamente sumária, do vastíssimo conjunto de problemas e de questões com que nos defrontamos e que, agora, à medida que vão sendo analisadas pelo Grupo Parlamentar do PCP, se vêm traduzindo em medidas políticas e em iniciativas parlamentares adequadas.
Foram quatro dias de trabalho intenso, mas gratificante, que terão, certamente, consequências úteis para o desenvolvimento dos distritos da Guarda e de Castelo Branco e para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores, dos agricultores e da população em geral.
É este, em síntese, o balanço destas jornadas legislativas, onde o PCP se afirma, de forma inovadora, como uma força atenta e empenhada na resolução dos problemas locais, regionais e nacionais, uma força insubstituível para os distritos e para o País e uma força indispensável à construção de uma alternativa democrática ao actual governo.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Filipe.
O Sr. Hélder Filipe (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Baixo Vouga, como ê do conhecimento de VV. Exas., abrange uma área superior a 47 5OO ha de terrenos com extraordinárias aptidões agrícolas até à cota 30.
Todavia, por agora, apenas se implementaram estudos tendentes a proceder ao aproveitamento agrícola de cerca de 12 5OO ha, distribuídos por 10 blocos dispersos pela Bacia do Vouga e apenas até à cota 10, vulgarmente designada «Baixo Vouga Lagunar».
Trata-se, sem dúvida, de uma obra há longos anos desejada na região, até porque o equilíbrio ecológico e ambiental, já de si bastante depauperado, se tem vindo a agravar drasticamente nos últimos anos.
Com efeito, as principais fontes poluidoras, PORTUCEL, Caima e Indústria Química de Estarreja, obtiveram recentemente um novo aliado, o porto de Aveiro, cujas obras de ampliação e modernização fizeram duplicar o volume da água que entra na laguna e, em consequência disso, o nível das marés também aumentou.
Assim, para além da poluição provocada pelas indústrias acima referidas, a salinização das águas começa a aparecer cada vez mais a montante, causando já sérios problemas no concelho de Estarreja.
De facto, havia que tomar medidas no sentido de inverter esta situação e propiciar o aproveitamento agrícola de terrenos de tão boa qualidade.
Até aqui, nada a objectar, mas, quando tudo parece bem encaminhado, chega a hora da execução e há sempre algo ou alguém que emperra a máquina.
No caso presente, as areias que encravam esta engrenagem são a Direcção-Geral dos Recursos Naturais, por um lado, e a Junta Autónoma de Estradas, por outro.
Quanto à primeira, pela sua indecisão no que respeita à definição do leito do rio Vouga e sem a qual as obras já em curso não podem ter o seu desenvolvimento normal.
Quanto à segunda, o caso é ainda mais sério, uma vez que inviabiliza por completo uma aspiração de dezenas de anos das gentes desta região, a construção da tão falada estrada-dique Aveiro-Murtosa.
Bem sei que se trata de uma obra algo dispendiosa, mas, se lhe descontarmos os gastos com a estrada alternativa, a diferença não será de grande monta.
A conjugação de esforços entre o Ministério da Agricultura e o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações bem se justificava para satisfazer esta velha aspiração das gentes da Murtosa e de Aveiro.
Mas o Baixo Vouga não se confina apenas ao bloco da bacia do Vouga. A excelência do clima e dos solos para a prática da agricultura nesta região estende-se ainda pelos blocos de Ovar-Estarreja, Murtosa, Vale do Vouga, Vale Marvel, Vale de Águeda, Vale da Pateira, Vale do Cértima, Levira e Boco.
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Se não conhecesse o problema, atrever-me-ia a perguntar qual o ponto da situação quanto a projectos, para não falar em execução de obras.
De Tacto, a triste realidade é que se encontram rigorosamente no ponto zero.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Neste caso, como em tantos outros, não se tem sabido aproveitar convenientemente as ajudas comunitárias, umas vexes por inércia ou falta de vontade política, outras por falta de informação dos interessados.
Este governo, que tem sido tão fértil na produção de propaganda cicitoralista, que a ninguém aproveita a não ser a si próprio, tem falhado rotundamente na promoção dos incentivos aos pequenos e médios agricultores.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A modernização da agricultura, especialmente nesta zona, é uma necessidade de primeira ordem, mas os principais interessados não são informados acerca das produções agrícolas que terão alguma viabilidade económica, nos seus férteis terrenos, após 1992.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os problemas que acabo de referir acarreiam consigo outros inconvenientes no que respeita ao desenvolvimento harmonioso desta região, que, para além de uma indústria próspera e de um comércio activo, detém qualidades naturais para a actividade turística.
Por hoje, deixemos a indústria e o comércio e centremos a nossa atenção no turismo, que, no caso presente, se interliga, de alguma maneira, com a questão agrícola, nos moldes em que a coloquei.
Com efeito, sem que o grave problema da poluição da ria, nas suas diversas componentes, ar, água e solos, esteja completamente solucionado, a dessalinização das águas da bacia do Vouga seja conseguida e a rede viária sofra uma melhoria significativa, não é possível pensar Aveiro em termos turísticos.
É, sem dúvida, lamentável que o Governo esteja de costas voltadas para a Região de Turismo Rota da Luz.
Ao longo de 50 km de costa, desde a praia de Esmoriz, no concelho de Ovar, até à praia do Arção, no concelho de Vagos, sem esquecer toda a zona envolvente da ria, a componente «Sol e mar» é atractivo bastante para o crescente afluxo de turistas oriundos dos mais diversos países da Europa, Estados Unidos e mesmo do interior do País.
Algumas manifestações de raiz cultural, como as corridas de moliceiros, a faina do sal e a pesca artesanal nas ancestrais Xávegas, coabitando com a prática de desportos náuticos, tomam esta região verdadeiramente ímpar no nosso meio.
Mas não fico por aqui, pois imporia referir a barrinha de Esmoriz, a pateira de Fermentelos e as diversas termas que todos bem conhecem. Por isso, é forçoso que se reconheça que estamos perante uma região de rara beleza natural e, por conseguinte, especialmente talhada para a actividade turística.
No entanto, como é possível fixar os turistas, especialmente os de classes económicas mais elevadas, se todo este ambiente natural cada dia se encontra mais degradado?
Como é possível fixar os turistas, especialmente os de classes económicas mais elevadas, se as vias de comunicação, à excepção da Auto-Estrada do Norte e do itinerário principal n.º 5, estão em péssimo estado?
Como é possível fixar os turistas, especialmente os de classes económicas mais elevadas, se não existe, sequer, a intenção de levar a efeito a construção de um aeroporto também tão necessário a empresários e a homens de negócios?
Finalmente, como é possível fixar os turistas, especialmente os de classes económicas mais elevadas, se não temos hotéis de categoria superior a três estrelas, por falta de incentivos financeiros que possam interessar os principais empreendedores nesta área?
Sr.ª Presidente. Srs. Deputados: Chega de reflexão, se é que algum dia a houve. É altura de agir. Urge, pois, tomar medidas drásticas e imediatas.
Se não no seu todo, pelo menos em parte, conhece-se perfeitamente o diagnóstico. Por que se espera para aplicar a terapêutica respectiva?
O crescimento económico desta região é constante, graças à sua gente empreendedora e laboriosa, mas falta melhorar a qualidade de vida, que só o Governo lhes pode proporcionar.
Sabemos que o desenvolvimento turístico é uma questão muito complexa, dependente de uma harmonização entre organismos públicos e entidades privadas, para além das imprescindíveis condições naturais.
Com efeito, das três componentes imprescindíveis para transformar aquela região num grande centro de atracção turística, duas, a iniciativa privada e as condições naturais, já existem em abundante quantidade. Falta apenas uma, o apoio activo dos organismos públicos, isto é, a vontade política do Governo.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Esta região, em termos turísticos, é um diamante em bruto e, nessa qualidade, deve ser bem lapidado e não jogado fora, como se de qualquer calhau inerte se tratasse.
Aplausos do PS.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 10 minutos.
De acordo com as indicações de que dispomos, estão inscritos para o debate agendado para o período da ordem do dia de hoje, referente à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 170/V, que altera a Lei do Serviço Militar (Lei n.º 30/87, de 7 de Julho), o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional e os Srs. Deputados João Amaral, Marques Júnior, Jaime Gama, Adriano Moreira e Fernando Cardoso Ferreira.
Gostaria tambem de lembrar às bancadas que foi distribuída uma lista das votações a realizar hoje. Com efeito, temos um conjunto de votações na generalidade, temos a votação, na especialidade e final global, da proposta de lei n.º 166/V e temos a votação final global da proposta da comissão concernente à protecção de dados pessoais face à informática. Como de costume, estas votações realizar-se-ão cerca das 19 horas e 30 minutos.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, poço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, penso que, em função da qualidade do texto e da sua importância para a introdução do debate, se justifica plenamente a leitura do relatório da comissão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, normalmente não lemos o relatório da comissão. Alias, devo dizer-lhe que, neste caso, é quase irrelevante, pois consta de página e meia ...
De qualquer modo, julgo que não valerá a pena criarmos um precedente, uma vez que toda a gente leu o relatório. Com efeito, ele foi distribuído tarde, mas foi discutido, rediscutido e tridiscutido. Portanto, penso que não valerá a pena lê-lo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.
O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei do Governo n.º 170/V, que hoje está em discussão nesta Assembleia, visa alterar a Lei do Serviço Militar. Os fundamentos que lhe subjazem não se identificam com a simples redução da duração do serviço militar obrigatório, já que esta última surge mais como uma consequência do que propriamente como uma verdadeira causa. Explicitemos o nosso pensamento.
As alterações propostas à Lei do Serviço Militar têm como fim último introduzir um novo conceito de serviço militar que se articule, de forma harmoniosa, com um sistema de organização das Forças Armadas adequado às suas missões.
As Forças Armadas Portuguesas, na perspectiva do Governo, devem dispor, em tempo de paz, de um sistema de forças permanente, cujos efectivos actuais deverão ser reduzidos ...
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - ..., com capacidade para acompanhar a evolução tecnológica em termos de armamento e equipamento militares e que tenha por principais objectivos: constituir um dissuasor credível; instruir um contingente nacional com base no serviço militar obrigatório, cuja mobilização facultará a capacidade máxima nacional para defesa do território em caso de ameaça externa; garantir resposta a eventuais ameaças menores ou a conflitos de baixa intensidade que afectem directamente o País; satisfazer compromissos internacionais, seja integrando forças multinacionais, seja projectando o poder militar português para acções de cooperação logística e de instrução ou para acções operacionais em missões de paz; manter o dispositivo territorial adequado à activação da capacidade máxima nacional em caso de necessidade; desempenhar missões em situações de excepção nos termos da lei; desenvolver acções de interesse público.
O novo sistema, Srs. Deputados, pressupõe que as Forças Armadas comportem duas componentes principais. Uma primeira constituída pelos quadros permanentes e por pessoal em regime de voluntariado e contraio, a recrutar de entre cidadãos que tenham cumprido o serviço militar obrigatório. Esta componente integrará igualmente, ainda que de forma residual em algumas áreas, parte dos próprios mancebos a cumprir serviço militar obrigatório e, naturalmente, o pessoal civil. A segunda componente será constituída pelo contingente a instruir em quatro meses e que, de forma progressiva, à medida que o dispositivo territorial, os recursos financeiros e a própria capacidade de absorção organizacional o comportem, deve ser generalizado a todos os cidadãos considerados como aptos, constituindo-se assim em forte mecanismo de dissuasão. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Convenhamos que é inatacável a coerência do novo conceito que agora vos é proposto. Convenhamos ainda que se trata da mudança mais profunda e radical de todas quantas se operaram já durante o percurso democrático das Forças Armadas Portuguesas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Creio que, após esta explicação, ninguém de boa fé pode ousar apodar a iniciativa do Governo de desarmamentista. Quem a analisar friamente terá de reconhecer que se trata de uma autêntica reforma de fundo; uma reforma que será ao mesmo tempo parte integrante e elemento dinamizador e caracterizador da reestruturação das Forças Armadas Portuguesas.
Por estas razões, só uma apreciação superficial pode identificar a proposta do Governo com a simples redução do serviço militar obrigatório. Não é disso que se trata, ou não é sobretudo disso que se trata.
É uma proposta inovadora, é certo, mas não é temerária. Comporta riscos, mas prevê salvaguardas. É precursora e por isso não pode ser avaliada por figurinos estereotipados. É uma medida integrada numa filosofia de modernização e reestruturação; não tem natureza avulsa ou casuística. Permitir-nos-á ter, num futuro próximo, umas Forças Armadas mais eficazes e operativas.
De resto, o argumento mais comummente invocado para a criticar não é a sua pretensa inaplicabilidade ou excesso de ousadia mas, antes, os seus alegados sobrecustos. Por sinal, os que personificam essas críticas são os mesmos que, a propósito de tudo e de nada, criticam o Governo de economicismo.
Esquecem que nesta matéria o que pode ser de graça para o Estado pode representar um elevado custo social e económico para os jovens, sem particular ganho para a própria instituição militar. O povo, na sua sabedoria ancestral, diz que «o barato sai caro». E a verdade é que, não se podendo embora no imediato precisar com rigor técnico o custo desta alteração, sempre posso afirmar com segurança, Srs. Deputados, que ele é perfeitamente comportável.
Para tanto contribuem vários factores. Assim, o alargamento do serviço militar obrigatório a todos os jovens não será instantâneo, antes se indo processar de forma gradual. Depois, é possível e concretizável, até 1993, fazer poupanças no orçamento da Defesa Nacional que libertem recursos para fazer face aos novos encargos. Acresce que os investimentos físicos necessários à aplicação cabal do novo conceito serão autofinanciados por outra grande reforma que o Governo começou já a executar, ou seja, a alienação do património e consequente racionalização do dispositivo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador:-Por último, intervém a circunstância de a reforma agora proposta reclamar e pressupor uma redução do próprio sistema de forças.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A sociedade do dealbar do século XXI tem exigências que não eram conhecidas nos finais do século . Hoje, não há exércitos de jovens desempregados, famintos, a procura de abrigo e comida.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Há jovens que têm aspirações, que têm projectos, que têm, muito justamente, pressa de viver a sua própria vida.
Aplausos do PSD.
Não, Srs. Deputados, que esses jovens não amem a sua Pátria e não estejam dispostos a lutar por ela. Só que, em tempo de paz, há muitos jovens que não vêem motivos para permanecer, contra sua vontade, por longo tempo, numa missão que, passada a fase da obtenção da sua especialidade, não tem para eles sentido útil. Querem servir o seu país desenvolvendo as actividades para que se sentem vocacionados. Têm direito a uma realização plena e por livre escolha. Têm o direito a que, numa sociedade cada vez mais competitiva, o Estado não lhes exija um dispêndio do seu próprio tempo que não está em condições de exigir de igual modo a todos, colocando assim alguns numa situação de intolerável desfavor em relação aos demais. Os jovens portugueses estão disponíveis para lutar pela sua Pátria em caso de ameaça externa, mas a sua generosidade não pode ser utilizada nas restantes situações apenas porque é mais barato ou porque estamos agarrados a conceitos ultrapassados.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Numa palavra, Srs. Deputados, não será através do conservadorismo das iniciativas que as Forças Armadas se poderão modernizar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta do Governo visa desenvolver um novo conceito de serviço militar que reestabeleça um justo equilíbrio entre os interesses fundamentais do Estado, das Forças Armadas e dos jovens.
Satisfaz os interesses do Estado porque corporiza, no concreto, o «dever de todos os portugueses contribuírem para a defesa da Pátria». Satisfaz os interesses das Forças Armadas porque cria condições para a sua maior eficácia e operacionalidade. Satisfaz os interesses dos jovens porque, facultando-lhes a possibilidade de cumprir o poder-dever de integrarem o sistema de defesa nacional, não lhes exige o inexigível.
A sofisticação dos equipamentos militares modernos, por um lado, as novas realidades geo-estratégicas e os seus inevitáveis desenvolvimentos, por outro, são pontos de referência seguros que exigem dos responsáveis políticos uma nova concepção da organização do serviço militar, em particular em países com as características e inserção geopolítica como as de Portugal.
Caminha-se a passos largos para uma nova arquitectura europeia de defesa e segurança. No seio da Aliança Atlântica e, fora dela, no seu braço europeu, os conceitos estratégicos de futuro passam pelo desenvolvimento da constituição de forças multinacionais e a problemática da intervenção «fora de área» é um desafio que se está já a colocar a todos os Estados e que se reforçará a breve prazo. O conceito tradicional de serviço militar obrigatório, enquanto auto-suficiente em termos de recrutamento para a defesa, está fortemente ligado a um outro conceito, Srs. Deputados: o da defesa do solo pátrio e das suas fronteiras.
As fronteiras são hoje múltiplas e diversas geograficamente. A integração dos Estados em grandes espetos e a concepção multipolar do mundo que subjaz à construção da realidade europeia põem em causa, mais do que nunca, a concepção de defesa restrita ao território nacional de cada Estado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Muito bem!
O Orador: - Exemplo flagrante disso está a ser vivido de forma intensa por toda a Humanidade no conflito do Golfo Pérsico. No seio das forças aliadas, o seu grau de participação no conflito tem muito a ver, para não dizer predominantemente a ver, com essa mesma realidade e com a própria organização da prestação do serviço militar em cada um desses países.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Outra crítica que tem sido adiantada em relação à iniciativa do Governo é de ordem metodológica. Criticam uns o Governo pelo facto de ter solicitado pareceres técnicos às chefias militares já depois de ter sido estabelecida a orientação política da introdução do novo conceito de serviço militar ...
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - ..., criticam outros a circunstância de ter sido preferível, na sua opinião, começar por rever o conceito estratégico de defesa nacional.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Considerando não procedentes de igual modo as críticas de uns e outros, sempre direi, por imperativo de consciência, que a última posição me parece mais sustentável do que a primeira, nela me detendo, por isso, de forma mais desenvolvida.
Quanto à questão dos pareceres técnicos, é pertinente observar que num Estado de direito quem espera que a instituição militar possa ser protagonista de um processo de auto-reforma com a profundidade do presente ignora, em absoluto, a cultura própria das Forças Armadas nos regimes democráticos e espera delas o que elas não podem nem devem dar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Depois, o Governo fixou objectivos, como lhe compete, não sem previamente ter procedido a audições informais não comprometedoras para as entidades consultadas, por ser previsível que uma alteração desta dimensão não se faria nunca sem determinação e dificilmente poderia obter bom acolhimento se fosse conduzida de outro modo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Governo assumiu, com coragem, uma orientação: correu o risco calculado de os pareceres ulteriores poderem comprometer os seus propósitos. Tal não aconteceu, e todos os pareceres previstos na lei e na Constituição foram obtidos e em todos se confirma a viabilidade do sistema proposto.
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Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à revisão do conceito estratégico de defesa nacional, não cuidando agora de avaliar se a utilidade que a lei lhe atribui não está seriamente afectada pelo grau de publicitação que a mesma lei lhe impõe, cumpre reflectir no passado para tirar lições para o futuro. Em 1982, foi aprovada a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas; em 1985, foram aprovados os Conceitos Estratégicos de Defesa Nacional e Militar. E depois? O que é que daí resultou que se transformasse em elemento dinamizador da reestruturação das Forças Armadas? Em matérias desta natureza, Srs. Deputados, não há automatismos dedutivos.
Há dois tipos de planeamento para processar reformas de grande envergadura: o decorrente e o concorrente.
A lógica dos arquétipos ideais dá razão aos que defendem o planeamento decorrente. A realidade, porém, demonstrou que, em matéria de reestruturação das Forças Armadas, esse planeamento não deu frutos ou deu muito poucos frutos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Chegou, pois, a altura de lançar mão do planeamento concorrente, enveredando por uma via mais difícil, que pressupõe grande persistência de vontade e atenção redobrada. Foi esse o caminho por nós escolhido.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - No primeiro Conselho Superior Militar a que tive o privilégio de presidir fixei objectivos, defini metas de reestruturação, revelei o propósito de alterar a Lei do Serviço Militar, solicitei a reavaliação do conceito estratégico militar, anunciei um largo debate público nacional e a criação de um grupo de reflexão estratégica que permitisse uma avaliação participada da eventual necessidade de revisão do conceito estratégico de defesa nacional. Em todos estes domínios se fizeram avanços, em todos eles foram já obtidos resultados, em todos eles há já medidas em curso. Eis como, de forma concorrente e simultaneamente interactiva, se conseguiu um movimento dinâmico de mudança, que ninguém ousará negar.
De resto, e por último, em relação a este ponto, cumpre acrescentar que para haver coerência total de quem por esta via questiona a iniciativa do Governo, então devia reclamar que o primeiro passo devia dirigir-se à própria Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e não já ao conceito estratégico de defesa nacional. Em boa verdade, penso que há ali matérias, naquela lei, que se mostram hoje insuficientemente reguladas e carecidas de alteração, mas também creio que é preferível avançar com ajustamentos parcelares à medida que traiamos de cada uma das áreas em concreto, sob pena de, a avançar para uma revisão global, condenarmos as nossas Forças Armadas a mais um longo compasso de espera frustrante e delapidador de energias e ânimo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Na avaliação do Governo, a reforma que hoje é proposta aos Srs. Deputados não contente minimamente com eventuais alterações que consensualmente tenhamos de introduzir no conceito estratégico de defesa nacional. Daí que a decisão lenha sido a de avançar com aquela proposta, porque daí não resultarão prejuízos para o desenvolvimento deste conceito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já vai longa esta minha exposição, mas, antes de terminar, gostaria ainda de acrescentar algo. É minha convicção profunda de que a proposta de lei que vos é presente serve os mais altos desígnios do País, propicia às Forças Armadas Portuguesas uma oportunidade única de engrandecimento e de afirmação, de dignidade e de prestígio, valores pelos quais não me cansarei de lutar. E serve também, por último, para reforçar, nos jovens portugueses, a sua identificação com a Pátria e com os superiores valores da defesa nacional.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Adriano Moreira, João Amaral, José Lello, Miranda Calha, Marques Júnior e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: Queria, em primeiro lugar, dizer que reitero o meu apreço pela intervenção que o Sr. Ministro da Defesa Nacional está a ter neste domínio importante da governação. Também quero afirmar que, provavelmente, nunca houve um movimento intelectual tão intenso na vida portuguesa em volta destes problemas. Por isso mesmo, sinto-me autorizado a chamar a atenção para este ponto: foi criada uma perspectiva, começamos a saber alguma coisa, mas estamos a legislar para uma imensidão de problemas que completamente ignoramos. Justamente, até ao discurso de V. Ex.ª neste dia, a proposta que hoje é trazida ao Parlamento parecia completamente orientada pelo método iluminista, pois não temos estudos, apreciações da conjuntura internacional ou inquietações constitucionais.
Acontece que esta proposta foi feita numa conjuntura em que o espírito público e internacional era animado pela perspectiva de uma saída em paz deste século, isto é, depois do desmantelamento do Pacto de Varsóvia, e estamos a discuti-la hoje num momento em que a conjuntura é extremamente grave no que toca à segurança do Médio Oriente e do Mediterrâneo, e a consequências que todos nós podemos imaginar, pelo menos pelo método comparativo.
As circunstâncias estão totalmente opostas, mas a proposta e as suas razões são as mesmas. Assim, pergunto: os estudos são os mesmos?
Os únicos estudos que chegaram ao conhecimento da Assembleia da República é, em primeiro lugar, um parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional. Para esta reforma estrutural fundamental que o Sr. Ministro tem a coragem de enfrentar, esse parecer vai fazer passar essa reforma à história da administração portuguesa com uma simples frase a que o mesmo parecer se reduz: «Não encontramos objecções substanciais.»
Reuniu-se a nata do pensamento português, da responsabilidade política, técnica e militar portuguesa, sob a presidência do Presidente da República, para dizer isto à Assembleia da República: «Não encontramos objecções fundamentais.»
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
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O Orador: - É este o parecer? É este o estudo em que nos vamos basear?
Temos lambem um documento saído da reunião dos chefes de estado-maior que foi enviado, ontem, por V. Ex.ª à Assembleia da República. Esse documento é para nós de dificílima qualificação. Tratar-se-á de uma informação de serviço, de uma resposta a uma consulta, de um parecer ou de uma simples implementação de uma ordem recebida para executar um conceito novo?
Estes esclarecimentos seriam importantes para podermos fazer um juízo sobre a consistência dos fundamentos em que o Governo se baseia para apresentar esta proposta, nesta data.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: O Sr. Ministro, ao apresentar aqui a proposta de lei, a certa altura, queixou-se de que, até agora, o diploma tinha sido entendido como tendo por objectivo uma simples redução do serviço militar obrigatório; porém, na sua opinião e segundo o que agora afirmou, ele teria um alcance mais vasto.
Sr. Ministro, tenho uma observação a fazer-lhe, que é a seguinte: a responsabilidade por essa leitura da proposta e da actividade do Governo, nesta matéria, é do Governo. É que a única componente que o Governo acentuou, ao longo deste tempo, acerca desta questão foi precisamente a da redução do serviço militar obrigatório para quatro meses.
O Sr. Ministro diz, agora, que há uma questão de filosofia por detrás dessa proposta de quatro meses. Admitamos que há, dêmos isso como certo, porque há, seguramente! Mas então, Sr. Ministro - e esta é a pergunta que lhe quero colocar, socorrendo-me daquilo que já aqui foi dito pelo Sr. Deputado Adriano Moreira -, não seria essa precisamente a primeira discussão a ser feita? O Sr. Ministro subestimou a importância da discussão em torno do conceito estratégico de defesa nacional. Não pretendo fixar-me num nome e se V. Ex.ª entende que o debate deve ter outra formulação legislativa, outro conteúdo, encontre-se outro conteúdo. Mas é, ou não, necessário que, antes de debruçarmo-nos sobre o contorno do serviço militar, seja definido o que é que se pretende das Forças Armadas, quais são os objectivos de defesa nacional, qual é a estratégia do Estado? O Sr. Ministro não respondeu a esta questão nesta sua intervenção, e bem, porque não lhe cabe, sozinho, responder a isso. É um trabalho que a Constituição e o bom senso reservam à pluralidade dos órgãos de soberania. Agora, a pergunta que é feita é legítima: não era de fazer a precedência da discussão da filosofia?
Uma segunda pergunta que quero colocar-lhe relaciona-se com a questão dos estudos técnicos. Sr. Ministro, V. Ex.ª disse que isto não custaria mais dinheiro e até se louvou pelo facto de ir vender património das Forças Armadas, o que permitiria implementar este sistema. Poderá dizer isso, ou outras coisas, acerca do universo recrutável, dos contingentes, etc., mas, dizendo tudo isso, dá a indicação clara à Assembleia de que tem estudos técnicos. E agora pergunto-lhe, Sr. Ministro: em que condições é que decorre este debate, quando esses estudos técnicos, apesar de insistentemente solicitados pela minha bancada, nunca foram fornecidos à Assembleia da República? Quando propositadamente, de forma clara, foi invocado o carácter sigiloso - espante-se, Sr. Ministro! - por um adjunto do seu gabinete que, dirigindo-se à Assembleia, disse que não remetia os estudos porque eles tinham carácter sigiloso, embora dissesse, logo a seguir, que, se o Governo julgasse conveniente, os remeteria em tempo oportuno, o que demonstra que, afinal, não tinham um carácter tão sigiloso como isso.
Sr. Ministro, não chegou ainda o tempo oportuno de dar à luz pública o conteúdo desses estudos técnicos?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Disponho de muito pouco tempo para colocar as minhas questões e algumas já o foram pelos oradores que me precederam, desigadamente o Sr. Deputado Adriano Moreira, que afirmou que, hoje em dia, há um movimento intelectual em torno da problemática da defesa como jamais existiu, o que provavelmente se deverá mais à CNN (Cable News Network) do que à actividade profícua do Sr. Ministro. Isto porque, hoje em dia, a questão da segurança global e regional está de tal modo fluida que porventura será necessário colocar-lhe algumas questões, na medida em que o avolumar de potenciais ameaças aconselha a constituição de reservas operacionais, ao invés do empolamento de efectivos, que são indesejáveis, pressupondo, portanto, um dispositivo mínimo que se possa potenciar e ampliar perante ameaças credíveis e imediatas. Por isso, e face ao desconhecimento que temos sobre o estudos técnicos que foram feitos, pergunto-lhe em que medida é que a proposta de lei que apresentou se compatibiliza com a geração desse tipo de reservas em caso de ameaça iminente à integridade do nosso território.
Em segundo lugar, pergunto ao Sr. Ministro se confirma, ou não, que apenas os incorporados, em 1993, terão uma duração do serviço militar obrigatório da ordem dos quatro meses. Ou seja, não estaremos nós aqui a aprovar a duração do serviço militar de oito meses e também a possibilidade de o Sr. Ministro da Defesa Nacional, através do artigo 27.º, n.º 4, caso não existam candidatos em número suficiente ao voluntariado ou à contratação, estender, por despacho, a duração do serviço militar para oito meses no Exército e para 12 meses na Força Aérea e na Marinha?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.
O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: Pretendo somente colocar duas, ou três, questões muito breves, relativamente à matéria que estamos aqui hoje a discutir.
Disse o Sr. Ministro que este documento se baseava numa filosofia de modernização, o que registamos com interesse, até porque, quando, em 1987, aqui discutimos o serviço militar obrigatório, não era bem essa a filosofia do Governo nem a do partido que o apoiava. Registamos, portanto, com interesse essa evolução que chega tarde mas, de qualquer modo, em boa hora.
Pergunto ao Sr. Ministro se nos pode dar, pelo menos oralmente - na medida em que não há documentação
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suficiente para podermos verificar com profundidade tudo o que está em causa nesta matéria -, um quadro de referencia relativamente à evolução quer no respeitante a pessoal quer no respeitante a meios - mas especialmente a pessoal. Nesta óptica, pergunto igualmente qual a relação de pessoal profissionalizado e de pessoal a cumprir o serviço militar que se prevê venha a acontecer ate 1993, data da entrada em prática dos quatro meses, segundo a proposta do Governo. Qual a relação de profissionais e de não profissionais que se espera venha a existir dentro das Forças Armadas?
Esta é uma questão global e de substância em relação à matéria que o Sr. Ministro aqui nos traz. Agora, pretendo colocar mais ires questões de índole particular, relativamente à proposta de lei que nos apresenta.
A primeira relaciona-se com o facto de a proposta do Governo eliminar o artigo 21.º da actual Lei do Serviço Militar, que diz respeito à possibilidade do serviço civil alternativo. Quer-se com isto dizer que, pura e simplesmente, se pretende acabar com a possibilidade de um serviço civil alternativo em relação ao cumprimento do dever de cidadão para com o seu país e, obviamente, não o fazendo em termos de serviço militar?
Uma segunda questão refere-se ao tempo das obrigações militares. Não há também qualquer referência na proposta do Governo ao tempo que existe sobre a possibilidade do cumprimento das obrigações militares. E que, havendo a possibilidade de uma adaptação, de uma redução ou de um aumento desse tempo, este diploma não refere uma única palavra em relação a essa matéria, a qual se liga intrinsecamente com o próprio cumprimento do serviço militar.
Uma última questão refere-se aos incentivos. Na proposta de lei do Governo só se fala de incentivos relativamente à prática do serviço militar voluntário, mas não se fala em apoios, que naturalmente também serão necessários, em relação ao cumprimento do serviço militar obrigatório tout court, ou seja, aquele que não é voluntário. Gostaria que o Sr. Ministro também se pronunciasse sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Ministro, quero somente colocar-lhe duas perguntas, sendo a primeira a seguinte: como é possível compatibilizar a manutenção dos conceitos de serviço efectivo normal previsto na Lei do Serviço Militar e no Estatuto dos Militares das Forças Armadas - que esta proposta não altera e que prevê um período de instrução Militar geral e um período nas fileiras-, com a redução para quatro meses do serviço militar obrigatório?
A outra questão que pretendia colocar-lhe diz respeito aos incentivos, mas ela já foi formulada pelo Sr. Deputado Miranda Calha.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Ministro, quero colocar-lhe uma questão muito breve acerca de um aspecto que V. Ex.ª não referiu na sua intervenção e que, creio, deve estar presente no nosso espírito, na medida em que é independente do tempo de prestação do serviço militar obrigatório. Essa questão diz respeito às condições concretas em que é prestado o serviço militar obrigatório. O Sr. Ministro considera que as condições materiais em que é cumprido hoje o serviço militar, designadamente a nível remuneratório, da alimentação ou dos cuidados de saúde, são as mais adequadas? Não seria possível - e já que estamos, neste momento, a alterar a Lei do Serviço Militar - inserir nessa lei um conjunto de disposições que visassem a garantia de condições mais dignas de prestação do serviço militar pelos jovens que o cumprem?
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não considera o Sr. Ministro que esta seria uma oportunidade para inserir condições de segurança na instrução, para prevenir determinadas situações, como aquelas dos jovens que sofrem acidentes, por vezes mortais, durante a instrução, no serviço militar?
Não seria esta a oportunidade para criarmos mecanismos de participação e colaboração nas unidades que permitissem uma participação mais activa e uma valorização cultural e cívica dos jovens em prestação do serviço militar obrigatório?
Não entende o Sr. Ministro que este é o momento adequado para discutirmos a inserção na Lei do Serviço Militar de benfeitorias deste tipo? Não está o Governo disponível para as discutir e encarar?
Vozes do PCP: -Muito bem! Bem perguntado!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.
O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muitas destas questões terão oportunidade de ser debatidas, de forma lata e franca, em sede de Comissão de Defesa Nacional, onde penso acompanhar com os Srs. Deputados os trabalhos na especialidade. Perdoar-me-ão, portanto, se não puder ou não tiver condições para dar uma resposta cabal a todas as preocupações manifestadas.
Começando por procurar dar resposta ao Sr. Deputado Adriano Moreira, quero dizer que o parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional não se esgota naquilo que disse, porque ele acrescenta um outro parágrafo - para mim da maior relevância e significado e que foi objecto de grande reflexão, e reflexão responsável, por todas as pessoas que integram o Conselho Superior de Defesa Nacional -, que é a avaliação de que o momento presente reclama um recurso mais largo e mais generalizado ao voluntariado e ao regime de contraio. Ora, isso pressupõe uma avaliação da situação presente: pressupõe uma análise da conjuntura internacional e das perspectivas de evolução para o futuro.
Dir-lhe-ei ainda o seguinte, Sr. Deputado: como disse na minha intervenção inicial, no primeiro Conselho Superior Militar a que presidi, no dia 21 de Março, tive ocasião de travar uma conversa muito franca e aberta com os chefes militares, a quem eu disse o seguinte: «Chegou a hora da reestruturação! Temos de fazer a reestruturação das Forças Armadas Portuguesas. Temos que rever o conceito militar. Eu irei alterar a Lei do Serviço Militar.»
As chefias militares, quando o Governo apresentou a proposta, não a conheciam nos seus contornos, mas sabiam do propósito do Governo de alterar a Lei do Serviço Militar.
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Nessa reunião, as chefias militares concordaram e colocaram-se ao lado do Ministro da Defesa na perspectiva de estarem disponíveis para colaborar na reestruturação das Forças Armadas. No dia 24 de Março, três dias depois, o Sr. General Soares Carneiro, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, fez uma directiva notável dando indicações e instruções aos chefes militares para procederem, imediatamente, a estudos para a reestruturação das Forças Armadas. E foi no dia subsequente que o Ministro da Defesa, que entendia que não era possível produzir uma reestruturação à medida das necessidades das Forças Armadas e dos interesses do País sem cuidar do serviço militar obrigatório, apareceu com o despacho sobre o serviço militar obrigatório.
Sr. Deputado João Amaral, se teve a oportunidade de ler a comunicação do Governo anunciando publicamente ao País a intenção de reduzir o serviço militar obrigatório - posso mandar-lhe um exemplar dessa comunicação, que foi pública e que diz que a redução é feita no âmbito da Restruturação das Forças Armadas -, verificará que não fala na redução do serviço militar obrigatório como uma consequência, como um efeito ou como um elemento motivador da reestruturação. Distingue, muito claramente, que todos os jovens devem prestar e obter uma formação militar básica para, em caso de necessidade, serem chamados às fileiras, a fim de defenderem o solo pátrio, e que deve haver outra componente de voluntariado que seja consentânea com a sofisticação dos equipamentos modernos, mas que não é consentânea com um serviço militar que, ainda de longa duração e sendo obrigatório, nunca tem a duração tão suficiente que garanta a operacionalidade dos meios. E, já agora, com isto lambem respondo ao Sr. Prof. Adriano Moreira.
Por exemplo, as fragatas Meko vêm aí. Sabem VV. Exas. quantos elementos do serviço militar obrigatório a Marinha considera que pode integrar nesses novos equipamentos? Cinco ou seis elementos!... É que o equipamento que vem aí - e é por isso que não podemos ler a mesma atitude que tivemos em 1987 - para as Forças Armadas é sofisticado e do melhor.
Pela primeira vez, as Forças Armadas Portuguesas vão receber à uma, em todos os ramos, material do mais moderno que há nas diversas Forças Armadas dos países mais desenvolvidos do mundo, o que exige e reclama uma duração do serviço militar e uma especialização que já não era sequer compatível com as períodos de duração vigentes.
Não podemos desperdiçar recursos, não podemos estar a reequipar as Forças Armadas com aviões de intercepção F-16 Block 15, com sistemas de controlo e comunicações como o POACS, com mísseis Chaparral ou Slinger - e tudo isto está garantido-, com fragatas Meko ou com helicópteros Unx e, ao mesmo tempo, termos pessoas que não são capazes de operar com esses sistemas. Esta é a grande questão e isto é que mudou de 1987 para hoje! E que, entretanto, Srs. Deputados, modernizamos e reequipamos as Forças Armadas Portuguesas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, por outro lado - e fiz uma alusão a essa circunstancia na minha intervenção inicial -, os Srs. Deputados estão conscientes de que, no Golfo Pérsico, as forças terrestres que lá se encontram a intervir «fora de área» são profissionais ou expedicionárias. Não houve um único país da Alínea Atlântica que mandasse soldados do seu exército para o Golfo Pérsico. Porquê? Porque os conscritos estão ligados, fortemente - não digo que seja inseparavelmente -, à ideia da defesa do solo pátrio e antes da crise do Golfo Pérsico isso já era visível no seio da Aliança Atlântica.
Muitas vezes, alguns políticos da oposição reclamam que o Governo não ousa, não tem iniciativa, vai a reboque dos outros. Srs. Deputados, tivemos aqui uma iniciativa: os novos conceitos das forças multinacionais e da intervenção out of área exigem que as Forças Armadas Portuguesas se preparem a tempo e horas para poderem dispor de pessoas que não sejam conscritos para intervir no âmbito dessas nossas alianças, no âmbito dos espaços multinacionais onde queremos entrar com dignidade e que estejam preparadas para intervir «fora de área». É uma das razoes fundamentais de opção do Governo.
Tenho a acrescentar que, em matéria de estudos técnicos, ninguém pode dizer que o Governo conduziu esta matéria de forma não ponderada. Srs. Deputados, o anúncio público desse propósito foi feito em Março do ano passado e, de seguida, tivemos ocasião de não promover apenas a discussão pública deste conceito, porque, no âmbito do debate público sobre defesa nacional - aliás, o Sr. Deputado José Lello, que anda distraído e que só vê a CNN, pois não lê os jornais portugueses, não deu conta que se reuniram organizações em todos os distritos, do interior ao litoral do País (e, com certeza, isso não vem na Acção Socialista, mas veio em todos os jornais diários, matutinos e vespertinos, e o Sr. Deputado participou em algumas, mas, provavelmente, não esteve atento enquanto lá esteve!...) -, houve uma jornada destinada especificamente ao serviço militar obrigatório. Até lá esteve e fez uma intervenção o Sr. Presidente da Juventude Socialista!... E outras intervenções houve sobre esta matéria. Por exemplo, o Conselho Nacional da Juventude foi ouvido. Porém, tendo o Governo anunciado o propósito em Março, a verdade é que só tomou a decisão em Novembro. E sabem porquê, Srs. Deputados? Porque estivemos à espera da demonstração, através de estudos técnicos, de que o propósito político anunciado pelo Governo - como disse, o Governo correu riscos de que os estudos técnicos pudessem desmentir a bondade da sua opção - nos desse a certeza de que o sistema é viável. De acordo com os pareceres técnicos, elaborados pelas Forças Armadas, o sistema é viável e, segundo as Forças Armadas, até vai melhorar a eficácia e a operacionalidade das mesmas.
Havia um problema em relação à análise de custos. Os estudos técnicos estão indissoluvelmente ligados a uma outra coisa, que é o sistema de forças e dispositiva É por isso que os documentos têm natureza confidencial. Assim, o meu adjunto - como diz o Sr. Deputado João Amaral - foi cortês para com a Assembleia ao dizer «Do seu ponto de vista, esses estudos são sigilosos, mas, se o Governo tiver outro entendimento, com certeza que os encaminhará para a Assembleia.»
Srs. Deputados, para além do mais, quero acrescentar o seguinte: todos os estudos que tenho em meu poder - e já tenho uma grande quantidade - e que foram objecto de ajustamentos, de alterações, têm escrito na capa o seguinte: «provisório» ou «preliminar», pois não são estudos definitivos. Apenas é definitiva a ideia de que o sistema é viável e de que melhora a operacionalidade e a eficácia das Forcas Armadas Portuguesas.
O Governo não aprovou a proposta de lei em Conselho de Ministros antes de dispor do parecer final do Conselho de Chefes Militares.
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O parecer a que alude o Sr. Deputado Adriano Moreira significa uma resposta a uma questão que coloquei aos chefes militares e que foi a seguinte: «Digam-me como é que o novo sistema pode entrar em vigor sem que daí resulte prejuízo para a operacionalidade das Forças Armadas?» Isto porque eu tinha muita vontade de reduzir o serviço militar obrigatório, mas mão tinha tanta vontade que esta redução pudesse pôr em causa, mesmo durante pouco tempo, a garantia de que as Forças Armadas Portuguesas eram capazes de continuar operativas, apesar da absorção da nova reforma. E só após esse parecer do conselho de chefes é que aprovámos a proposta de lei em Conselho de Ministros para ser remetida para a Assembleia da República.
De resto, é curioso que o Partido Socialista, assim que ouviu que o Governo iria apresentar uma proposta dessas, logo no mês de Maio, sem aguardar pela discussão pública que estava a decorrer - que eu saiba, sem qualquer acesso a estudos técnicos de natureza alguma -, apresentou aqui um projecto de lei que, do nosso ponto de vista, embora não seja de rejeitar em absoluto - eu próprio dei conta disso publicamente - não me parece que lenha a fundamentação e o rigor que oferece a proposta de lei do Governo.
A propósito das intervenções da bancada do Partido Socialista, querem que eu diga que os quatro meses são só para 1993? É! Nunca procurei enganar quem quer que fosse. Portanto, a proposta de lei do Governo foi muito clara. Srs. Deputados, também li alguns títulos da primeira página de alguns jornais que diziam que o projecto de lei do Partido Socialista era de três meses, mas isso não consigo ler no vosso projecto de lei!...
Vozes do PSD: - É verdade!
O Orador: - ... enquanto que se lerem a proposta de lei do Governo verão que, em 1993, o serviço militar obrigatório é mesmo de quatro meses e que, em 1991 e 1992, em função do sistema de forças e dispositivo que for fixado, é possível libertar jovens que excedam esse número, mesmo ao fim de quatro meses. Tudo depende do sistema de forças, que não está ainda determinado, mas que, garanto, até ao fim do mês de Março, estará.
Por outro lado, assumo que, mesmo a partir de 1993, há uma cláusula de salvaguarda que diz que, se não houver voluntários e contratados suficientes que garantam a certeza de que o sistema de forças vai funcionar, obviamente que o Ministro da Defesa Nacional responsável terá de dizer. «Temos que, excepcionalmente, prolongar a alguns jovens esse tempo de serviço militar.» Não pretendo esconder essa realidade!
Em relação aos incentivos, o Governo tem um decreto-lei pronto que só poderá ser publicado na sequência da publicação da própria lei de alteração do serviço militar. Esses incentivos destinam-se, sobretudo, aos voluntários e aos contratados. Não vejo que incentivos hei-de dar a cidadãos que vão cumprir apenas quatro meses de serviço militar obrigatório e que, até ao presente, não tinham qualquer incentivo. Sociologicamente, aquilo que tenho aprendido no contacto com muitos jovens e que aceitam perfeitamente os quatro meses, sem qualquer tipo de estímulo.
O Sr. Deputado da bancada do Partido Comunista perguntou se vamos melhorar as condições desses quatro meses. É evidente que todo o sistema resultará em condições mais favoráveis e de um melhor enquadramento c até, do ponto de vista psicológico, os jovens que irão estar quatro meses nas Forças Armadas terão outra capacidade de absorção dos conceitos das mesmas e sentir-se-ão realizados.
Os Srs. Deputados, com certeza, têm a experiência que eu tenho de que os jovens não se queixam das Forças Armadas. Os jovens gostam de fazer o período de recruta. Do que se queixam, e em larga escala, é de que, a partir desta fase e da respectiva especialidade, sentem que não são plenamente aproveitados. Eu nunca disse que os jovens não gostavam do serviço militar; pelo contrário, guardam boas recordações. O prolongamento excessivo, sem uma envolvência total em matéria de operação e de treino, é que, por vezes, faz com que os jovens não se sintam totalmente à vontade dentro da instituição militar.
Finalmente, gostaria de acrescentar que entendemos que não é altura de pensar num serviço civil alternativo ao serviço militar obrigatório. Entendemos que a nova filosofia que subjaz ao sistema reside no facto de, em relação a todo o jovem que for considerado apto, o Estado ter o direito de exigir-lhe e ele ter o dever de cumprir o dever inalienável de, perante a Pátria, obter uma formação militar básica para, em caso de necessidade, contribuir, de forma positiva, para a defesa nacional.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se na galeria os Srs. Deputados da Comissão de Juventude e Formação da Assembleia Legislativa dos Açores, acompanhados de deputados da Assembleia da República eleitos pelos círculos eleitorais dos Açores e da Madeira, para os quais peço o vosso aplauso.
Aplausos gerais, de pé.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em curto espaço de tempo, é a segunda vez que o Plenário da Assembleia da República vai discutir a matéria da revisão da Lei do Serviço Militar. E é a segunda vez que o vai fazer sem que estejam reunidas as condições mínimas para que o debate possa ser qualificado como sério e adequado.
Desde logo, este debate foi projectado na opinião pública - e esta é a realidade - não como um debate sobre a política de defesa nacional e, no seu quadro, sobre o sentido e alcance do serviço militar obrigatório, mas como um debate sobre a duração do serviço militar obrigatório. A falta de seriedade foi assim - quer o Sr. Ministro queira ou não, esse é um facto - introduzida pelo Governo com o comunicado de S de Abril e com a forma como ele foi divulgado. Primeiro, foi fixado o período de duração e, depois, foram encomendados os estudos para justificar o período que definiu. Mais do que um debate, o que o Governo fixou foi um programa de trabalho, lendo em vista o calendário eleitoral. Os objectivos eleitorais do PSD para 1991 sacrificaram, assim, os interesses da política de defesa nacional.
Mas o debate também não é sério quanto ao seu próprio objecto. A proposta foi publicitada como a proposta dos quatro meses de serviço militar obrigatório. Mas não o é! Não o é em 1991 nem em 1992, anos para os quais o Governo propõe oito meses. E não o é para 1993 e anos subsequentes, já que o que é efectivamente proposto é um
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período de quatro a oito meses ou, melhor, um período de oito meses que pode ser reduzido até quatro quando houver voluntários em número suficiente. E esta a verdade da proposta!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Aqui, a falta de seriedade é também uma habilidadezinha: o Governo dirá, aos que querem reduções drásticas a todo o custo, que o período é de quatro meses e dirá, nos meios em que essas reduções drásticas são consideradas tontas e irresponsáveis, que o período, armai, bem vistas as coisas, é de oito meses. Consta, aliás, que esta foi a resposta dada ao Secretário-Geral da NATO quando ele observou que Portugal, para baixar para quatro meses, devia ser um país rico, que não precisava, por isso, de ajuda militar.
A falta de seriedade perpassa ainda por uma terceira razão: veio a público que os estudos encomendados às Forças Armadas não teriam produzido os resultados que o Governo esperava; veio a público que leriam evidenciado a desconformidade do modelo proposto pelo Governo com o disposto no n.º 2 do artigo 275.º da Constituição, nos termos do qual «a sua organização - das Forças Armadas - baseia-se no serviço militar obrigatório»; que leriam evidenciado o altíssimo custo financeiro da proposta de quatro meses, cifrada em muitos milhões de contos; que teriam mostrado que a redução para oito meses (oito meses, sublinhe-se), como aquela que seria mais adequada e mais eficaz. Estes teriam sido os resultados da primeira versão do estudo. Isto é, daquela versão que foi feita sem os constrangimentos que o Governo, a seguir, impôs aos técnicos e chefias militares, dizendo-lhes - ao que se sabe - que o estudo técnico estava mal feito e que era preciso revê-lo até dar as conclusões que o Governo pretendia.
Só que, apesar de sucessivamente instado a fazê-lo, apesar de invocá-los no texto da fundamentação da proposta de lei, o Governo, escandalosamente, recusou-se a remeter a Assembleia da República esses estudos. Teve o desplante - e já aqui o disse - de pôr um funcionário adjunto do ministro a escrever à Assembleia dizendo que os estudos «têm carácter sigiloso, não sendo ainda viável a sua divulgação, a qual terá lugar quando for julgado oportuno». Sublinho, como há pouco fiz, que a afirmação é completamente contraditória, porque, por um lado, diz que não pode mandar os estudos porque são sigilosos, mas, por outro lado, diz que quando achar oportuno - deixam de ser sigilosos?... - podem ser facultados. Isto é mera discricionariedade, isto viola os princípios da transparência e do relacionamento democrático com a Assembleia da República!
Ontem, o Governo remeteu à Comissão de Defesa Nacional um ofício do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), de 6 de Novembro, com o calendário das operações técnicas decorrentes da proposta governamental. O ofício não é um estudo técnico nem pretende sê-lo; não é a fundamentação da proposta nem o pretende ser. O ofício traduz a mera aplicação daquilo que o Governo quis e impôs. Foi, aliás, aquilo que o Sr. Ministro aqui mesmo referiu, quando disse que aquele ofício resultava do «Digam lá!» - e apontava com o dedo. Aquele ofício é o resultado do apontar com o dedo!
Remete-lo à Assembleia, pretendendo inculcar a ideia de que traduziria o trabalho de estudo e emissão de opinião das Forças Armadas é de pouca consideração, em primeiro lugar, para com a Assembleia da República e não só, também para com as Formas Armadas!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O desafio ao Governo fica aqui feito: remeta à Assembleia o texto integral de todos os estudos que lhe foram apresentados (incluindo a primeira versão de Junho de 1990) e de todos os despachos que foram exarados a pedir e sobre esses estudos. Não esconda aquilo que se passou!
A falta de seriedade de que o Governo rodeou este debate não lhe retira, entretanto, importância e oportunidade à apreciação da matéria. Importará, porém, sublinhar alguns pontos.
É inquestionável que as relevantes alterações ocorridas na Europa nos últimos anos têm profundas repercussões na política de defesa nacional. Só que essas repercussões não foram assumidas pelo Estado. Para além de muita conversa, o facto é que continua por fazer tudo o que é essencial. Assim, o conceito estratégico de defesa nacional permanece intocado, apesar de ser evidente a sua desactualização. Por outro lado, a Lei de Programação Militar, aprovada em 1987 para o quinquénio de 1987 a 1991, foi completamente ultrapassada.
É público e notório: que significativos programas de aquisição de equipamento militar previstos na lei não foram cumpridos; que a lei parece um passador, tantos são os buracos da sua aplicação; que a lei deveria ter sido revista em 1989, mas que, no entanto, passaram dois anos e a revisão não foi feita.
A aprovação de um novo conceito estratégico de defesa nacional é, entretanto, o primeiro e indispensável passo. É do conceito estratégico de defesa nacional que depende - e é esta a lei com que vivemos actualmente - a definição do conceito estratégico militar, a definição das missões das Forças Armadas, a definição do sistema de forças e do dispositivo. É deste complexo conceptual que depende a definição da estrutura e modelo de organização das Forças Armadas, incluindo os contornos do serviço militar.
Obviamente, esta actividade é balizada pela Constituição, pelos objectivos permanentes de defesa nacional que dela decorrem, pelos princípios enformadores da componente militar da defesa nacional que ela postula, pelas características e papel que atribui ás Forças Armadas e, dentro delas, aos cidadãos em geral. Mas a revisão do conceito estratégico da defesa nacional - insisto nisso - é o passo essencial. O conceito vigente, aprovado no começo de 1985, está desactualizado. Desde essa data até hoje as mudanças foram tão profundas que o que espanta é a lentidão com que a revisão conceptual é encarada pelo Governo.
Entretanto, o que não tem qualquer sentido é alterar, substituir, reformar o que decorre desse conceito estratégico sem debater este conceito, sem revê-lo e reformá-lo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quando a Europa constrói aceleradamente um sistema de segurança colectiva e cooperação; quando a tendência é para a superação dos blocos político-militares; quando são aprovadas medidas de confiança abrangendo todo o continente europeu; quando o quadro negocial conduz à eliminação de importantes segmentos de armamento e à redução significativa de outros, quando
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tudo isto sucede, o que se pergunta aqui, em Portugal, é o que pensamos disso e qual a estratégia do Estado face a isso.
Vamos manter a mesma política de alianças? As mesmas submissões e encargos polílico-militares? A mesma filosofia de reequipamento que levou a privilegiar meios com objectivos NATO a meios de aplicação essencialmente nacional? A mesma filosofia que levou a privilegiar as fragatas Meko de luta anti-submarina a meios como os draga-minas e as patrulhas oceânicas? Que levou a privilegiar, na Força Aérea, aviões de ataque a interceptores? Que levou a privilegiar, no Exército, a Brigada Mista para a missão NATO que lhe é atribuída no Norte de Itália?
Pode dizer-se com segurança que todos temos, cada um de nós tem, resposta para estas e outras questões - é evidente! Temos opinião, defendemos posições quanto à estratégia do Estado no plano político-diplomático, no plano económico, no plano militar. Só que o Estado não tem essa resposta; pratica-a casuisticamente com contradições e sem linha de rumo, não a assumiu como uma política do Estado debatida e aprovada pelos órgãos do Estado competentes para o efeito e que seja compreensível para os cidadãos!
O Conselho Superior de Defesa Nacional, já aqui referido, foi exemplar dessa omissão do Estado. O carácter sumário do parecer diz tudo - e há pouco ele foi aqui referido: «Não se levantam objecções de fundo e os projectos estão em condições de ser debatidos na Assembleia da República.»
É isto que se esperava que dissesse um órgão com aquelas funções? Seguramente que não! O que se esperava era, no mínimo - ao menos isso! -, uma enunciação dos factores e das envolventes de análise.
Da nossa parte, PCP, temos por certo que as mudanças verificadas, incluindo a aceleração do processo europeu de desarmamento e de segurança, implicam para Portugal uma nova atitude nesta área da defesa nacional, que implicará menor exigência de prontidão por parte das Forças Armadas. Esta é uma das alterações que decorrem das alterações referidas. Entretanto, saber exactamente o que se pretende implica reavaliar a situação internacional e nacional, redefinir a essa luz o quadro de ameaças, de vulnerabilidades e de potencialidades.
Falar de um novo conceito do serviço militar obrigatório antes de definir o quadro de vulnerabilidades, antes de equacionar a estratégia do Estado, é, no mínimo, precipitado.
Novo conceito do serviço militar obrigatório..., mas que novo conceito?
Há, desde logo, que respeitar o normativo constitucional. O conceito não pode conduzir a alterar a concepção organizacional das Forças Armadas que implica que soluções profissionalizadoras são, continuam a ser, inconstitucionais.
Em segundo lugar, o conceito de serviço militar obrigatório não pode ser equacionado em tais termos que o resultado final seja o de diminuir o empenhamento da juventude portuguesa na prossecução dos objectivos de defesa nacional, incluído através da participação na componente militar. Seria, então, gravíssima a responsabilidade que o Governo assumiria em nome do Estado. Favorecer o espírito demissionista ou ir a reboque do individualismo, por muito boas que o Governo entendesse que são as suas razões de serviço de objectivos eleitorais do seu partido, seria inadmissível!
Em terceiro lugar, o conceito de serviço militar obrigatório, tal como o Governo o apresenta: não profissionalizante, assente na combinação de um serviço militar obrigatório de instrução com um novo regime de voluntariado. É, desde logo, mais que duvidoso que um serviço militar obrigatório que se resume à instrução seja compatível com a norma constitucional acima citada e relativa à organização das Forças Armadas. No entanto, há uma outra questão de fundo para a qual não são fornecidos elementos de apreciação: quantos são os voluntários que vão aparecer e quem são esses voluntários?
Foi feito um interessante trabalho, que foi publicado na revista Nação e Defesa e que tira uma conclusão que aqui imporia registar: das variáveis que influenciam a oferta de voluntários, nenhuma é favorável a essa oferta - nem a evolução demográfica, nem a penosidade temporal da alternativa, que passaria para quatro meses!, nem a taxa de desemprego, nem a média salarial, nem a tradição nacional, que não existe. E os exemplos estrangeiros também não abonam à solução, a qual conduziu, em vários sítios, a uma espécie de fracasso.
O logro é evidente: não havendo voluntários ou se caminha para tornar regular o que a proposta prevê - os oito meses - ou, então, trata-se de um patamar para outros voos, para a profissionalização.
É bom que aqui se registe que o debate sobre a profissionalização não é um debate tabu. Mas, então, o Governo que o assuma como tal; que explique quanto custa; que defina que conceito estratégico pauta tal opção; que missões atribuía às Forças Armadas; como motiva os Portugueses e a juventude portuguesa para os objectivos de defesa nacional e para a sua prossecução através de todas as componentes, incluindo a militar.
Não venha o Governo, como aqui acabou de ser feito, fundamentar qualquer opção desta proposta na guerra do Golfo! Para além de ser inadequado e ridículo - a proposta foi de 5 de Abril de 1990 e a invasão do Koweit é de 2 de Agosto -, a verdade é que os «voluntários» da guerra do Golfo não tem nada a ver com as opções em matéria de serviço militar que aqui temos de tomar.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Orador: - Para umas Forças Armadas de matriz essencialmente defensiva, essa comparação não tem qualquer razão de ser. A defesa da Pátria - é disso que se trata -, a defesa da integridade do território, é um direito e um dever fundamentais de todos os portugueses, e esse é o primeiro fundamento da obrigatoriedade do serviço militar.
Se Portugal quisesse e quando quisesse ir fazer guerras para o Golfo, então eu perceberia o ponto de vista dos que defendem os voluntários. Para o Golfo, os voluntários! Para defender Portugal, todos os portugueses!
Aplausos do PCP.
Acrescento também, Srs. Deputados, que não são também os «voluntários» garantia de qualidade e eficácia - e a experiência de outros países o demonstra. Vai-se para voluntário quando a sociedade não oferece melhor. Para os que nascem em berços fartos, para os que pertencem aos estratos bem inseridos no tecido social, o regime do voluntariado não é apetecível, mas para os que pertencem a franjas marginalizadas, para os de menos posses e menos instrução, para os mais carentes de em-
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prego, é que o voluntariado é apetecível. Quem vê a quantidade de negros que são soldados nas forças do Exército americano no Golfo percebe bem que o regime de voluntariado se traduz também numa nova forma de segregação, que enfraquece os laços de solidariedade nacional.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E também não é a competência técnica, não são as exigências técnicas dos materiais mais sofisticados que justificam o sistema. Como já foi bem sublinhado, o material moderno é até de uso relativamente simplificado por sistemas de comandos de aprendizagem simples, com grandes componentes de automatismo e com reparações feitas por módulos. Não se traia de fazer aqui a comparação com a fragata Meko mas com o exército do terreno, de carácter defensivo.
Ao fim e ao cabo, os voluntários americanos no Golfo - os do Exército - foram para a frente de combate com escassas semanas de treino. E a verdade é que em Portugal o material não é assim tão sofisticado e tão moderno que permita essas invocações técnicas ... aqui, em Portugal, o material não é assim tão sofisticado e tão moderno que permita essas invocações técnicas.
Pela nossa parte, o debate sobre toda esta matéria que prosseguiu hoje deve continuar em sede de comissão. Assim, viabilizaremos esse debate, que pretendemos que seja feito com seriedade, com a participação dos especialistas e de responsáveis das Forças Armadas e das organizações de juventude.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela nossa parte entregaremos na Mesa uma série de propostas de alteração ao diploma em apreço, que visam, no essencial, a dignificação do serviço militar.
Estamos, pois, convencidos de que o debate irá conduzir à efectiva redução do serviço militar - aliás, os estudos apontam no sentido da possibilidade da sua redução para oito meses e até mesmo para menos de oito meses. Assim, este estudo tem de ser equacionado no quadro estratégico do Estado face às realidades europeia e regional e se ele prosseguir - como é desejável - no caminho do desarmamento assim será viável essa redução.
As propostas que apresentamos são contribuições para um debate que, de tão relevante importância, não pode ser sujeito a contingências e conjunturas, pois são contribuições para a dignificação do serviço militar obrigatório.
Assumimos, pois, este debate pelo seu integral valor como uma questão importante para a juventude e uma questão determinante para Portugal e para os Portugueses!
Aplausos do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira. Porém, o PCP já não dispõe de tempo para responder...
O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que o PCP não dispõe de tempo, e eu pretendia colocar questões que fossem respondidas, prescindo do uso da palavra.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há cerca de um ano o Governo, por intermédio do Ministro da Defesa Nacional, anunciava aos quatro ventos a decisão de reduzir o tempo do serviço militar obrigatório para os quatro meses, suscitando, desde logo, uma onda de comentários desencontrados, que iam desde o aplauso entusiástico até ao cepticismo, passando por preocupações mais ou menos sustentadas.
Seguiu-se um período de consulta à instituição militar, que elaborou estudos e emitiu pareceres, que não são do conhecimento da Assembleia da República, invertendo-se, por completo, o que deveria ser um processo correctamente elaborado.
Pela maneira como tudo se processou é difícil imaginar que não tenham sido razões de ordem eleitoralista que estiveram na base da decisão governamental a justificar, aliás, que o PS apresentasse um projecto de lei que, na ausência dos mesmos elementos de estudo que fundamentem tecnicamente as possibilidades da sua concretização, é igualmente criticável, mas que colocou o Governo na situação politicamente difícil de, por um lado, ter-se deixado antecipar e, por outro, ao admitir a redução para três meses, responder aos quatro meses do Governo, procurando diminuir os efeitos políticos que o Governo pretendia com a sua proposta.
Depois destes episódios - «eventualmente chocantes» por se tratar de questões estruturais de um Estado de direito democrático a merecerem um tratamento mais adequado -, a Assembleia da República é chamada a analisar a proposta do Governo, embora relativamente diferente da expectativa então criada, mas que, no essencial, aponta, a prazo, para os quatro meses de serviço militar obrigatório.
O Governo apresenta como justificação desta proposta de lei o facto de ela se inserir «no âmbito da política global de modernização das Forças Armadas», referindo que nesse sentido «importa, como medida integrada e não isolada, proceder igualmente à reformulação do conceito de serviço militar obrigatório».
Não discordo da política de modernização das Forças Armadas e admito a reformulação do conceito de serviço militar obrigatório como medida integrada no âmbito dessa política global. Porém, não consigo compreender como é possível falar de «medida integrada e não isolada» quando o Governo tomou a decisão da redução do tempo de serviço militar obrigatório antes de qualquer estudo que apontasse para uma solução deste tipo e quando estão por redefinir, a montante, conceitos estratégicos fundamentais.
Na verdade, o Governo tinha ou tem, neste momento, «elementos que, de uma forma integrada e na perspectiva da necessária reorganização, redimensionamento e reequipamento das Forças Armadas, apontem para uma solução deste tipo»?
Não conhecemos esses estudos, mas não acreditamos que seja possível responder a estas interrogações, até porque sabemos que algumas delas dependem de outros órgãos de soberania e, sendo assim, esta proposta não é uma medida integrada mas, sim, isolada a comprometer e necessária reestruturacão das Forças Armadas.
Mas se, por qualquer poder oculto de adivinhação, este governo tiver resposta para todas estas questões, pergunta-se que sentido tem, então, o grande debate sobre defesa nacional que o Governo em boa hora iniciou e que, seria de admitir, pudesse contribuir para criar um quadro de referência útil à decisão sobre as questões globais de defesa nacional.
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A redução do tempo de serviço militar obrigatório tornou-se uma obsessão deste governo que procurou deste modo responder, política mas demagogicamente, à crescente interrogação sobre o serviço militar, em lugar de procurar uma resposta sustentada que correspondesse a uma ideia clara sobre a perspectiva de futuro para as Forças Armadas.
Não se nega, evidentemente, a legitimidade ao Governo de tomar as decisões políticas que considere mais adequadas e «impor» essas decisões às Forças Armadas. O que se questiona é saber se a decisão da redução do tempo de serviço militar obrigatório para quatro meses é uma decisão tecnicamente sustentada e adequada ao cumprimento dos objectivos da política de defesa nacional.
Como refere o conceito estratégico de defesa nacional, no plano político-militar terá de ser acentuada a componente de «defesa autónoma eficaz, com capacidade de sobrevivência e dissuasora das ameaças à integridade nacional», tendo em vista, entre outros, «assegurar uma capacidade militar própria que desencorage a agressão e facilite, em caso de conflito, o restabelecimento da paz em condições que correspondam aos interesses nacionais».
A proposta de lei apresentada pelo Governo, em lugar de responder a estes princípios, procura responder, politicamente, até pela forma como foi anunciada (antes de qualquer estudo), à contestação do serviço militar obrigatório e apresenta-se como um primeiro passo para substituir este regime pelo regime de voluntariado e profissionalização.
Parece, pois, estar subjacente uma ideia de profissionalização das Forças Armadas, o que a nossa Constituição claramente rejeita e que contraria o que tem sido a tradição portuguesa em termos de organização das Forças Armadas.
Na verdade, em Portugal, sempre o serviço militar teve um caracter geral, pessoal e obrigatório, pese embora só depois da Revolução Francesa o conceito ter sido formalmente introduzido. Aliás, desde o início da formação de Portugal só houve três épocas de pequena duração em que se preferiu a forma de serviço de tendência mais profissionalizada, ou seja, no final do século XV, no período da Dinastia Filipina e durante a guerra civil que opôs liberais e absolutistas.
Mas há outras razões, que não históricas, que têm servido para justificar a preferencia pelo serviço militar obrigatório. Do ponto de vista interno destaco o facto de o serviço militar obrigatório levar o cidadão a participar na defesa da Nação, criando sentimentos de solidariedade e unidade nacionais e, deste modo, promover a aproximação entre as Forças Armadas e a Nação.
Do ponto de vista externo, o serviço militar obrigatório constitui o factor de dissuasão mais credível dado o elevado volume de meios humanos enquadrados pelo sistema de forças e a capacidade que este sistema apresenta pelo facto de poder recorrer à mobilização, proporcionando desta forma um elevado espírito de coesão nacional.
Do ponto de vista técnico, o serviço militar obrigatório garante a instrução militar a maioria da população, possibilitando a passagem à resistência activa em caso de invasão, e permite o crescimento do sistema de forças.
Do ponto de vista económico, e o sistema de serviço militar que apresenta custos mais reduzidos. Em contraponto, os problemas que se colocam ao regime de voluntariado, para além de não haver tradição em Portugal, residem na fraca capacidade de mobilização militar, nos elevados custos que geram e na imprevisibilidade da aposta.
Por outro lado, na caracterização das «Forcas Armadas do futuro», quer nas perspectivas tecnológicas, com a crescente sofisticação dos seus equipamentos, quer na perspectiva dos cenários previsíveis para o desenvolvimento dos conflitos, ressalta como possibilidade mais provável e mais perigosa para o sistema de força nacional o desencadeamento de conflitos a nível regional, pelo que a organização do sistema de forcas deve prever um volume de efectivos a que só o serviço militar obrigatório está em condições de dar resposta.
Neste quadro, creio que nenhum estudo técnico poderá apontar, a manter-se o serviço militar obrigatório, para o período de quatro meses quando todo este tempo é gasto em instrução e, consequentemente, os encargos operacionais e o sistema de forças permanente terá de ser constituído, na totalidade, por militares em regime de voluntariado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, podemos, pois, dividir a análise desta proposta em quatro planos distintos: o plano institucional; o plano constitucional; o plano político e o plano técnico.
No plano institucional e no que se refere à necessária reestruturação das Forças Armadas o Governo parece ter começado pelo fim, condicionando toda a sua organização com implicações, naturalmente, no próprio sistema de forças e, portanto, na maneira como as próprias missões poderão ser cumpridas.
Não se tiveram em conta as dificuldades organizativas das próprias Forças Armadas para o cumprimento das actuais missões e muito menos daquelas que venham a ser consideradas em função de um novo e urgente conceito de defesa nacional face ao novo quadro político-institucional que Portugal assumiu, nomeadamente como resultado da sua integração europeia e das alterações estruturais, em curso, a nível mundial com repercussões inevitáveis em termos de defesa e segurança.
Há ainda que referir o parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN) que, em nossa opinião, não corresponde ao que seria legítimo esperar. Seria de esperar, pelo menos, que este órgão se pronunciasse em ordem a saber em que medida é que as alterações, tão drásticas do tempo de duração do serviço militar obrigatório, altera o conceito legal deste e se tem ou não, implicações, e quais, na organização da defesa nacional, na organização e funcionamento das Forças Armadas na política de defesa nacional e nos respectivos conceitos estratégicos.
No palno constitucional a proposta do Governo, limitando o serviço militar obrigatório à preparação militar - quatro meses - condicionou, de forma definitiva, a presença do militar nas fileiras. É durante o período nas fileiras que o militar em serviço efectivo normal se integra, plenamente, na estrutura das Forças Armadas com funções e responsabilidades estritamente definidas. É, aliás, nesta fase que se realiza a preparação complementar da especialidade, quando deve ter lugar «o serviço nas unidades e estabelecimentos militares».
O período nas fileiras é, pois, um elemento definidor fundamental do serviço militar obrigatório, sem o qual não se pode falar em serviço militar obrigatório na definição constitucional e legal.
Ao distinguir, ao colocar uma linha divisória entre o papel do jovem em serviço militar obrigatório e o papel das Forças Armadas, o Governo viola o princípio constitucional de que a defesa nacional da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses e de que a organização das Forças Armadas se baseia no serviço militar obrigatório.
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Na verdade, se em termos constitucionais a organização das Forças Armadas se baseia no serviço militar obrigatório, como é possível compatibilizar este princípio com o facto de, para além da instrução geral aos cidadãos portugueses, todas as missões específicas das Forças Armadas assentaram no serviço miliuir não obrigatório?
Por outras palavras, será constitucional deixar que a função última das Forças Armadas enquanto organização apta, em cada momento, a garantir a soberania e independência nacionais deixe de basear-se no serviço militar obrigatório quando a Constituição afirma que a organização das Forças Armadas se baseia no serviço militar obrigatório? Pensamos, pois, que a proposta de redução para quatro meses, limitada à instrução, a toma inconstitucional.
No plano político são três as questões que são colocadas: o orçamento das Forças Armadas, a dificuldade e prejuízos pessoais que resultam para os jovens que têm de cumprir o serviço militar obrigatório, não se vislumbrando utilidade para o tempo que é passado nas fileiras, e a interrogação sobre a utilidade das Forças Armadas.
Relativamente ao orçamento das Forças Armadas, a proposta de lei apresentada é susceptível de encargos financeiros insuportáveis quando tem de recorrer-se ao mercado de trabalho com incentivos especiais para aliciar o voluntariado necessário a operacionalidade das Forças Armadas, em substituição do serviço militar obrigatório, operacionalidade essa que não fica de todo garantida face às dificuldades, segundo certos estudos, de garantir o número suficiente de voluntários.
Quanto às condições de cumprimento do serviço militar obrigatório e à utilidade das Forças Armadas são questões de organização a que o poder político tem de dar resposta, mas que uma proposta deste tipo não ajuda muito.
Na verdade e não menos importante é o facto de esta proposta, pelo menos no campo psicológico, poder ser interpretada como correspondendo a uma menor vontade de defesa ou mesmo a não necessidade de defesa por parte, em especial, da juventude. Ora, creio que isso não corresponde ao sentimento geral da população portuguesa, que no plano dos princípios, não só aceita como defende a necessidade de haver uma defesa nacional credível ao nível do sector militar, bem como pensa que a melhor solução é aquela que identifica as Forças Armadas com a Nação e em que o serviço militar aparece não só como um dever mas, também, como um direito de todo o cidadão.
No plano técnico, mesmo desconhecendo os estudos feitos, não acredito que seja possível no período de quatro meses dar a preparação geral militar, garantir um período de instrução complementar e de instrução contínua, garantir a escola preparatória de quadros e proceder à necessária sobreposição de turnos. Este período não dá satisfação às necessidades de defesa militar. Aliás, não há qualquer país na NATO, da Europa e mesmo do mundo que fique com um valor tão baixo de serviço militar obrigatório.
Assim, segundo elementos de que disponho - e penso serem actualizados -, posso lembrar-lhes que o país da NATO com menor tempo de serviço militar obrigatório é a Dinamarca com nove meses; nos países da Europa é a Áustria com seis meses, mantendo dois meses de instrução por ano durante 15 anos; a Suíça tem 17 semanas de instrução, portanto mais do que os quatro meses e um tremo três semanas durante oito anos (até aos 32 anos), duas semanas (até aos 42 anos) e de uma semana (até aos 50 anos).
Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Muitos pensam, hoje, que o profissionalismo das Forças Armadas é a resposta adequada a situações de guerra pela capacidade que se pensa ser de exigir a profissionais para fazer a guerra. Não concordo com esta opinião porque um dos factores mais importantes para vencer uma guerra é a vontade de combater por um ideal ou uma causa justa.
Assim, para uma pequena potência como Portugal, em que a filosofia subjacente à sua organização militar não é projectar poder, e através dele afirmar-se no Mundo, a organização militar que melhor se adapta, como já tive oportunidade de referir, é aquela que se baseia no serviço militar obrigatório, nomeadamente porque: permite uma instrução militar à generalidade dos cidadãos; cria e generaliza o sentimento de defesa nacional; reforça a sua capacidade, e permite o recurso à mobilização geral quando tal se reconheça como necessário.
Outra coisa bem diferente é saber se o actual serviço militar obrigatório está ou não adequado a esta filosofia, ou seja, saber que tipo de organização para as Forcas Armadas, que missões deverão cumprir?
Mas não se pode responder a uma real e objectiva dificuldade com tão grandes implicações na defesa nacional com facilidades que resultam de vontades sustentadas em mais que discutidas soluções.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sr. Ministro da Defesa Nacional, sou dos que acredita que o Sr. Ministro tem uma «ideia global», não sei bem se boa se má, para as Forças Armadas. Acredito - sinceramente - que seja boa! ... O Sr. Ministro tem procurado criar e difundir a necessidade de os cidadãos se preocuparem com as questões de defesa nacional, mobilizadora de uma certa vontade nacional que me parece útil e indispensável, e tem actuado com grande sentido de Estado. E por tudo isto que não compreendo esta proposta de redução do tempo de serviço militar obrigatório para quatro meses.
Tenho fundadas dúvidas relativamente ao mérito desta proposta de lei, não só pelo diploma em si mas, também, pelo quadro legal em que ela se insere, pela forma como foi assumida pelo Governo, isto é, sem uma participação técnica adequada da própria instituição militar, que se terá limitado a adequar a organização à decisão política, pelo facto de ela se apresentar desfasada de um tempo em que, eventualmente, poderia ser tomada, e porque tem um enquadramento conjuntural e psicológico que se manifesta não corresponder a uma realidade objectiva no quadro do sistema de relações internacionais. Aliás, a actual ordem internacional (cm alteração) prefigura uma situação que, não sendo completamente imprevisível para os especialistas, apresenta instabilidade não muito propícia a soluções como aquela que a proposta do Governo contém.
Por outras palavras: é possível, e eventualmente adequado, um novo conceito de serviço militar obrigatório, com redução do tempo actual e dentro do quadro da nossa Constituição; é possível, num quadro constitucional diferente, outro tipo de organização das Forças Armadas. O que não é correcto e adequado, para além de ser inconstitucional, é a definição deste conceito de serviço militar obrigatório, assumido, pelo menos em termos públicos, como resposta a questões egoístas, conjunturais e eleitorais, inserido em quadros referências que a prática veio a revelar irrealista e desajustada muito mais cedo do que muitos imaginavam.
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Seria, pois, desejável adiar a votação desta proposta de lei e eventualmente dos seus estudos, de modo a enquadrá-la, isso sim, de forma adequada, no âmbito da política global de modernização das Forças Armadas, conforme consta do preâmbulo da proposta e é propósito manifestado pelo Governo.
Aplausos do PRD e do deputado do PCP João Amaral.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de prosseguirmos o debate, gostaria de lembrar que às 19 horas e 30 minutos faremos a votação, na generalidade, das propostas, projectos de lei e ratificações que estão agendadas para hoje, a votação final global do texto alternativo do projecto de lei sobre a protecção de dados pessoais face à informática e que, depois, analisaremos se haverá ou não a votação na especialidade e final global da proposta de lei n.º 166/V.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a viver o segundo «dia D» desta «crónica da redução anunciada». A 5 de Maio de 1990 o PS apresentou o seu projecto de lei de redução do tempo de serviço militar, já aqui discutido. 10 meses depois de anunciar a sua intenção de redução do tempo de serviço militar o Governo, finalmente, assume uma proposta, que, aliás, vacilou no seu conteúdo.
Recorrendo a uma ideia ontem expressa pelo deputado do PSD, Angelo Correia, este é bem um daqueles casos em que ao Governo faltou liderança política, porque foi, sobretudo, a opinião pública que condicionou e despoletou a iniciativa governamental.
No momento em que mais de 100 000 jovens se interrogam sobre os resultados da malfadada PGA (prova geral de acesso ao ensino superior) no seu futuro - e já agora importa referir que o pré de um jovem que presta serviço militar mal chega para pagar uma hora de explicações da prova específica de acesso à universidade... -, no momento em que muitos mais se confrontam com situações de emprego precário ou com contratos de título experimental, e em que ter casa é uma miragem para a esmagadora maioria dos jovens, o Governo procurou transformar a redução do serviço militar como bandeira eleitoral em busca do voto jovem.
Fê-lo com manifesta inabilidade porque já todos percebemos o que vai na alma desta proposta ... Uma análise retrospectiva da abordagem deste assunto demonstra à saciedade que os meios de comunicação social foram usados para passar uma mensagem, sem se conhecer qual a proposta efectiva do Governo. Não foi, aliás, preciso invocar razões de segurança nacional ou colocar no pequeno ecrã a referência à censura militar de guerra, para que a televisão - logo em 5 de Abril de 1990 - tivesse apresentado como facto consumado a redução para quatro meses do tempo de serviço militar.
Sinal dos tempos que correm, em que o perfil se sobrepõe ao próprio conteúdo e áudio visual é um poderoso instrumento de acção política, operação «caça ao voto jovem» veio demonstrar a redobrada importância e dependência entre quem produz a informação e os consumidores da informação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em todo este tempo nunca a RTP propiciou qualquer debate entre Governo e oposição, entre os jovens e as próprias organizações. Mais: o Governo, o Sr. Ministro da Defesa Nacional e o Sr. Secretário de Estado reconheceram que os títulos da RTP e da imprensa na semana pós 5 de Abril de 1990 teriam propiciado uma ideia errada, mas nada fizeram para repor ou aclarar a verdade.
Começámos com a frase «tropa para quatro meses em 1991», para todos; falou-se, até, de justiça relativa pelo facto de se garantir a universalidade já no decurso do corrente ano.
Tivemos depois a consequência da inversão de análise deste assunto; assistiu-se à guerrilha dos estudos, com o Sr. Ministro da Defesa Nacional a passar a ideia de que em contraposição às reticências de um ou outro oficial, ou mesmo da estrutura militar, aí estava a rivalizar com o Herman José: «Sou jovem, pá! A malta é que o está a dar!»
Em Novembro de 1990 é, finalmente, levantada a ponta do véu: quatro meses só para os recenseados em 1991, ou seja, incorporados em 1993. Para já, apenas oito meses! De qualquer forma, atenção às nuances, porque o Sr. Ministro já aqui afirmou que em 1993, se não houver voluntários suficientes, é preciso e... tudo ficará dependente do despacho...
Entretanto, na RTP, o meio mais privilegiado de informação, tudo se passa como se esta última proposta, a de Novembro, fosse a posição inicial do Governo.
A proposta de lei surge, pois, com um pecado original; o eleitoralismo. Ainda assim imporia sublinhar o seu atraso conceptual e qualitativo face à proposta do PS já aqui aprovada na generalidade.
Em termos qualitativos:
Primeiro - o Governo acena a «cenoura» da redução do serviço militar obrigatório, avançando numa reforma invertida e deixando para o futuro a definição de um modelo de Forças Armadas e a revisão do próprio conceito de defesa nacional. O PS integra a redução do tempo de serviço militar obrigatório numa concepção de serviço nacional, no qual se integra o serviço militar, diversificando as formas do cidadão prestar serviço ao País e avançou com uma nova proposta para o conceito de defesa nacional.
Segundo - para o Governo, para o PSD e para a JSD tudo se resume a um objectivo: diminuir o tempo de tropa, ainda que se fique pelo anúncio, e ganhar votos.
O Sr. Miguel Relvas (PSD): - É preciso ter lata!...
O Orador: - Para o PS e para a JS a diminuição do tempo de tropa é inseparável da dignificação da prestação do serviço militar, dando-lhe um sentido útil e de valorização ao próprio jovem.
Terceiro - o Governo avança numa lógica de separação entre as Forças Armadas e a comunidade. O PS abre a possibilidade de prestação voluntária de serviço civil alternativo em áreas como a cooperação, a protecção civil e os serviços florestais, entre outros.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Quarto - o Governo nada diz de novo sobre as próprias obrigações militares. O PS reforça os mecanismos de prestação do serviço militar na área da residência, baixa dos 38 para os 28 anos o período de
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sujeição e introduz mecanismos de sorteio para tomar mais justa a distribuição dos recrutas quanto às modalidades do serviço e quanto ao local de prestação.
Em termos quantitativos a proposta do PS permitiria reduzir de imediato o tempo mínimo de prestação do serviço militar obrigatório para um período até três meses, no caso da instrução geral básica.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: A questão chave em aberto é a do papel das Forças Armadas numa sociedade democrática como a nossa, sua dimensão e estrutura. Ao anunciar a redução do tempo de serviço militar obrigatório para quatro meses, o Governo privilegiou os jovens como grupo de pressão contra a estrutura militar. Essa estratégia pode aprofundar o distanciamento dos jovens face à instituição militar.
A redução do tempo de tropa não pode ser uma janela aberta a um novo militarismo, quiçá lançando a ideia de que vai para o voluntariado quem não tenha outras saídas profissionais e precise de ganhar dinheiro!...
Em segundo lugar, é preciso definir que conceito de defesa nacional, que Forças Armadas, que papel de Portugal. Possivelmente, a par da redução do tempo de serviço militar obrigatório será necessário o adequado redimensionar do efectivo militar e do quadro permanente.
Mais: a solidariedade institucional exige que as questões de defesa ou com interesse para a defesa não sejam instrumentos de eleitoralismo fácil. O Presidente da República, a Assembleia da República e a sua Comissão de Defesa e o Governo são um triângulo político cujo envolvimento nesta matéria não poderá ser meramente formal. Mal anda o Governo e o Sr. Ministro da Defesa Nacional quando governamentalizam e partidarizam questões como a reestruturação das Forças Armadas, a modernização do equipamento ou a revisão das leis fundamentais em matéria de defesa nacional.
E, por fim, o desafio cultural e cívico é um desígnio de toda a Nação independente. O papel das Forças Armadas e a formação cívica dos cidadãos são elementos indissociáveis do modelo de serviço militar.
Somos pela redução do tempo de serviço militar, mas, nos planos qualitativo, conceptual e até cultural, a nossa visão suplanta claramente a posição eleitoralista do Governo. As iniciativas já desencadeadas pelo PS nesta Assembleia aí estão a demonstrá-lo, porque, sobretudo, colocamos o interesse do País em primeiro lugar.
Aplausos do PS.
Entretanto, reassumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Maria Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Carlos Coelho, a quem dou a palavra.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado José Apolinário, devo dizer-lhe que estou muito perplexo depois da intervenção que V. Ex.ª acabou de fazer. V. Ex.ª atacou o Governo por eleitoralismo e perdeu, seguramente, metade do tempo da sua intervenção a tentar identificar esta decisão do Governo com essa sua preocupação de eleitoralismo!
V. Ex.ª acabou por não dizer como é que entende a proposta do Governo; se entende que era possível modernizar as Forças Armadas sem redução do tempo de serviço militar obrigatório e o que é que acha das declarações que o Sr. Ministro fez na apresentação desta proposta de lei, inserindo esta medida em toda a tarefa e esforço de reestruturação e redimensionamento das Forças Armadas Portuguesas. Em relação a isso o Sr. Deputado José Apolinário disse zero!
Portanto, o Sr. Deputado José Apolinário não está preocupado, em rigor, com as consequências que esta proposta de lei possa ter ou não para as Forças Armadas. A sua única preocupação é a de saber qual a consequência desta proposta de lei em termos de votos.
Bem, o Sr. Deputado José Apolinário acabou por dar um tiro no pé, pois a preocupação eleitoralista foi aquela que demonstrou em toda a sua intervenção.
O PS e a JS têm razões para estar preocupados porque o Governo agiu bem ao interpretar com inteligência aquilo que é o interesse nacional - de facto, a nossa estrutura militar precisava de ser repensada, reestruturada e redimensionada -, dando acolhimento, ao mesmo tempo, a uma preocupação que era generalizada nos jovens portugueses no sentido de saberem o que estavam a fazer num serviço militar que, de facto, precisava de ser repensado.
O Sr. José Lello (PS): - Como é que sabe? Já lá foi?
O Orador: - Portanto, o Sr. Deputado José Apolinário tem razões para estar preocupado porque, de facto, esta medida vai dar votos. E vai dar votos porque os jovens portugueses concordam que esta medida é importante, é urgente e não é uma medida demagógica. Demagógica, sim, é a preocupação do PS!
O PS quis dar a ideia de que, entrando numa competição que, sob o ponto de vista de seriedade deste debate, não me parece, aliás, muito inteligente, reduzia um pouco mais do que o Governo - o Governo queria reduzir para quatro meses e o PS, com muita agilidade, roubava um mês e reduzia para três meses -, mas, quando se lia o projecto de lei do PS, chegava-se à conclusão de que, afinal, não era bem assim, pois afinal previa nove meses!...
O Sr. Deputado José Apolinário, nesta vertente de discurso demagógico, disse que o Governo acenou com a «cenoura» da redução - penso que foi essa a metáfora que o Sr. Deputado usou. Ó Sr. Deputado, falando de regime transitório, qual é o mais sério? É o do Governo, que tornou claro o que vai acontecer em 1991, 1992 ou em 1993, ou é o do PS?
Qual é o regime transitório que o PS oferece a Portugal e aos jovens portugueses? É o de três meses, seis meses ou nove meses? Se calhar, vamos chegar à conclusão de que, afinal, não é qualquer um destes ou que a redução proposta pelo PS é uma redução utópica. Se calhar, era aquele sistema de milícia que o Sr. Deputado José Apolinário propunha para a estrutura das Forças Armadas num artigo que escreveu no Expresso.
o Sr. José Apolinário (PS): - Essa é uma piada fora de tempo.
O Orador: - Sr. Deputado José Apolinário, só para terminar, sempre lhe direi que chegou atrasado a este debate. A JS, com muitos anos de atraso, veio, finalmente, dar razão às posições que a JSD desde há muito vem defendendo sobre a redução do serviço militar obrigatório.
Sr. Deputado, o atraso político que os socialistas têm em relação a esta matéria não se vence e não passa para a primeira fila com intervenções injustificadamente antigovernamentais, como aquela que fez do alto daquela
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tribuna. Bem mais sério seria o Sr. Deputado José Apolinário bater palmas a uma decisão corajosa do Governo, que, com esta proposta de lei, reduz, de facto, o serviço militar obrigatório.
Aplausos do PSD.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Dá-me licença, Sr.ª Presidente?
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito?
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, como recebi propostas de alteração apresentadas pelo PCP e o próprio PS apresentou ideias muito precisas, eu pretendia solicitar os estudos efectuados quer por uma parte quer por outra, uma vez que tanto têm reclamado os estudos do Governo.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pede a palavra também para interpelar a Mesa?
O Sr. João Amaral (PCP): - Sim, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Presidente, queria interpelar a Mesa não para dizer que os estudos são sigilosos e que poderei remetê-los, a não ser em momento oportuno, ao Sr. Deputado José Silva Marques mas para dizer que os melhores estudos das propostas que apresentámos, como se referem à forma de prestação do serviço militar obrigatório, são a opinião dos jovens acerca da forma como esse serviço militar deveria ser prestado.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado José Lello pede a palavra também para interpelar a Mesa?
O Sr. José Lello (PS): - Sim, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Lello (PS): - Sr.ª Presidente, em relação à questão que aqui foi levantada, gostaríamos de dizer que, em relação aos nossos estudos, esperamos que o Sr. Deputado José Silva Marques faça primeiro a PGA respectiva e remetemo-lo para os estudos do coronel Artur da Tapitanga.
Risos do PS.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, peço de novo a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, fiz uma interpelação pertinente, porque várias vezes foi referida
a questão dos estudos, o que me parece natural, várias bancadas anunciaram que tinham procedido a esses estudos e eu, pura e simplesmente, pretendi tomar conhecimento deles.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado José Lello, que para fazer a PGA tenho de ver primeiro os estudos, como é evidente!
Risos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Depois de esclarecida esta questão, para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Deputado Carlos Coelho, acho que V. Ex.ª é que anda distraído ou, então, só se põe em sentido quando fala o Sr. Ministro da Defesa, não tendo uma percepção do que é que está, de facto, em causa.
Tenho aqui um conjunto de recortes da imprensa que dizem o seguinte: «serviço militar em quatro meses», «Nogueira show», «serviço militar, oito meses em 1991 e quatro em 1993», «Nogueira não larga o número mágico dos quatro meses» ... Portanto, a intervenção do Sr. Deputado demonstra que: primeiro, está desatento em relação àquilo que o Governo está a fazer...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não é verdade! Isso é demagogia!
O Orador: - ...; segundo, o seu sectarismo é tal que não compreende ou que não percebe que se trata de uma manobra eleitoral; terceiro, engana-se na questão de fundo, porque, como acredito que ser jovem não é ser parvo mas, sim, ser responsável, esta questão vai dar votos ao PS e não ao PSD. Vai penalizar o PSD, vai penalizar o eleitoralismo, sobretudo, quando os jovens perceberem que, ao longo de todo o ano de 1991 - vamos ter eleições aí à poria -, não é só a redução que não se opera, mas é a universidade à qual esses jovens não tom acesso, é a casa que não conseguem, é o emprego que baixa qualitativamente, ele.
O serviço militar é apenas a «cenoura» perante um conjunto de obstáculos ...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso não é verdade!...
O Orador: - ... o serviço militar é apenas uma das questões que se colocam como muros ou obstáculos à realização pessoal e profissional a que os jovens têm direito. Os senhores perceberam isso e, portanto, pensaram conquistar votos com a questão da redução do serviço militar. Pois, pensaram mal, porque esta matéria foi mal trabalhada pelo PSD, que não estudou a lição e que, mesmo quando o PS apresentou um projecto de lei, leve de copiar algumas intenções e não foi capaz de dar a mão à palmatória nessa matéria - digo dar a mão à palmatória em termos de primeiro fazer a reforma da estrutura militar, de definir qual é o papel de Portugal e o conceito estratégico de defesa nacional e, depois, proceder à discussão do conteúdo do serviço militar obrigatório.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Srs. Deputados: O tema
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do serviço militar obrigatório é trazido a Plenário pelo Governo numa data de confusão política mundial, atlântica e de tensões sobre a maneira de ultrapassar a desordem da transição inesperada, resultante das alterações da área do Pacto de Varsóvia, quando o conflito do Golfo acrescenta a cadeia das guerras que pontuam o conflito e a fronteira norte-sul, passando pela Coreia, pelo Vietnam, pelo Afeganistão, e não se sabe onde está o reguladorr do sistema ou se há sistema
Por outro lado, um Estado tão frágil como o nosso, em relação aos factores exógenos que não controla, não ignora que o sistema internacional se estrutura em redes variadas: uma rede intergovernamental; uma rede de organizações não governamentais; uma rede armada de violência privativa; uma rede de engenharia social que condiciona as imagens, a informação e as opiniões, que é capaz de transformar um eleitorado em audiência e mobilizar uma audiência a favor de correntes intervenientes no processo político interno e internacional.
Lembramos estes factos para que apareça fundamentada a perplexidade com que nos defrontamos com uma iniciativa que, em qualquer caso, ó inseparável de uma reflexão e de uma conclusão, mesmo humildemente frágil, sobre a estratégia do país que a toma. Um Estado pequeno, com frequentes sintomas de Estado exíguo, sabe que o seu poder apenas será realmente uma influência e que, como nota o experimentado Freymond, «o peso ou influência de um Estado médio ou pequeno depende largamente da relação entre os seus objectivos e os seus meios, e a capacidade dos governos que façam disso uma avaliação correcta. A relação das forças materiais é tão importante como a das forças morais - Albert Sorel lembrou-o com eloquência na sua análise, que continua válida, sobre o alcance dos Tratados de 1815».
Uma reflexão estratégica exige, pelo menos, que estejam enumerados e definidos os objectivos e interesses vitais do País e catalogadas as ameaças existentes, prováveis e previsíveis. Sabemos que a interdependência mundial conduziu a que a agressão militar não seja a única nem sempre a mais grave das ameaças, porque as grandes crises económicas, o risco maior dos desastres tecnológicos, o crime organizado - como é o caso do tráfego internacional da droga - e as catástrofes ecológicas podem desencadear questões de segurança igualmente graves.
Mas nenhuma instância autorizada ousou pronunciar-se sobre o que será a nova ordem que virá ultrapassar a desordem fluida da mudança em que nos encontramos no mundo e nas nossas alianças; nenhuma das potências maiores tornou pública a capacidade de realinhar os seus interesses vitais nesse quadro novo e nenhum pequeno Estado com responsabilidades na ordem internacional do Ocidente anunciou uma redefinição do seu conceito estratégico nacional.
Talvez não seja errado assumir que o Estado Português não firmou qualquer definição a respeito de um quadro de ameaças militares prováveis ou previsíveis, nem a respeito de agressões não militares que caibam no seu conceito de segurança, nem sobre qualquer mudança assumida a respeito da percepção das ameaças que levaram o País a tomar responsabilidades na Aliança Atlântica, a que pertence, ou das que se mostra disposto a tomar na eventual defesa autónoma europeia.
Não é demais insistir em que uma política de segurança não se limita a defesa contra agressões armadas, externas ou internas, que as ameaças à independência real, e não apenas formal, não são executadas apenas pelos exércitos,
e que a defesa, com as armas da paz e em tempo de paz militar, é cada vez mais reconhecidamente árdua.
Na completa falta de notícias do Estado Português sobre todos estes desafios da mudança, que surpreendeu os Estados mais responsáveis pela gestão dos vários sistemas em que se analisa a estrutura mundial, o que parece mais em favor da prudência do que da omissão, ficam as obrigações formais dos tratados, as perplexidades dos aliados perante a evolução do quadro dos desafios e a incerteza de todos sobre a nova ordem mundial, que sabemos necessária, mas que ninguém, sabidamente, projectou ou propôs.
Não é fácil considerar suficientemente aprofundado, neste quadro de perguntas sem respostas, o modelo que serve de suporte à proposta referente ao serviço militar obrigatório.
Os termos de referência tecnicamente Fiáveis são necessariamente frágeis, e os que a opinião pública nos vai revelando, conduzida tal opinião não pela temática da segurança do País e da instabilidade mundial mas, sim, pela apreciação dos encargos e alívios das famílias e dos jovens, tem muito a ver com as tendências eleitorais e nada com o conceito estratégico nacional, que não foi levado à sua meditação de cidadãos.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Admitindo que, para um pequeno Estado, a sua força principal são os homens, começando pela competência dos dirigentes com autoridade moral capaz de manter a coesão nas crises e passando pela geral decisão cívica de preservar íntegra a independência e a viabilidade da comunidade, uma questão desta magnitude não encontra, num clima de disputa eleitoral, o melhor ambiente.
Basta reparar em que da redução anunciada do tempo de serviço rapidamente se passou para a campanha da desconstitucionalização do dever do serviço militar obrigatório e cresceu a dúvida sobre a utilidade de manter as Forças Armadas.
Com inoportunidade temporal, sem fixação de um quadro de ameaças militares ou não militares crível, sem linhas de orientação sobre a nova ordem mundial para sair deste século, sem diagnóstico sobre a alteração do perfil da ameaça que dá consistência às alianças que temos ou para as quais nos solicitam, a primeira coisa que precisamos de ter clara é a razão pela qual o projecto é este e está aqui e agora para ser, inevitavelmente, votado a favor pela maioria.
Como esta é a única previsão com alguma plausibilidade, todos serão obrigados a contribuir com alguma experiência para acudir aos efeitos perversos que pareçam remediáveis. Nesta linha, a primeira questão que não deveria ser deixada obscura e que foi já colocada pelas opiniões públicas é a de saber se o Governo dá o primeiro passo para a desconstitucionalização do dever do serviço militar obrigatório.
Lembraremos que tal dever anda sempre ligado à levée en masse da Revolução Francesa, em Agosto de 1793, mas o serviço militar obrigatório é, em primeiro lugar, aquele que o Estado tem de prestar para a defesa do País - diz a Constituição, no artigo 273.º, n.º l, que «é obrigação do Estado assegurar a defesa nacional». E por isso não é um Estado declarado constitucionalmente desarmado e nem sequer neutro: de que maneira constitui as forças é apenas a segunda questão do serviço militar obrigatório e os dois aspectos têm de ser assumidos quando se fala da
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desconslitucionalização. O País deve, parece-nos a nós, continuar a ser partidário da paz por direito, mas não deve caminhar para desarmado, salvo se reconhecer que caiu, definitivamente, na situação de Estado exíguo.
Todavia, sendo evidente que os exércitos evolucionam de exércitos artesanais para exércitos de laboratório, é necessário avaliar com realismo em que medida os conscritos servem o exército de laboratório (designadamente a Marinha e a Força Aérea), que exército de laboratório pode ter um Estado com os recursos de Portugal, que dependência é necessária e aceitável para que o seu pessoal capaz tenha acesso a instrumentos indispensáveis. Entre o profissional - que os quadros, o famoso espelho da Nação, sempre o foram - e o mercenário que ninguém aceita, a criação de um espírito de servir em simples regime de voluntariado é uma tarefa árdua, mas o facto é aqui determinado, em grande parte, pela submissão às exigências técnicas.
Tem de considerar-se, pelo menos, a relação destas variáveis: o serviço militar obrigatório é, antes de mais, aquele que o Estado tem de prestar ao País para se opor às agressões armadas dentro da obrigação mais vasta da defesa; o braço militar está submetido a mudança de artesanal para força de laboratório, o que exige uma avaliação rigorosa das nossas capacidades e redefinições do sistema de forças, porque o modelo dos conscritos não dá resposta às exigências tecnológicas; a intensidade do processo de mudança da conjuntura torna incertos o quadro das novas possíveis ameaças e a previsão da alteração do perfil das antigas.
De tudo isto resulta que aquilo que está realmente em causa é o conteúdo do artigo 276.º, n.º l, da Constituição que diz que «A defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses». A defesa militar (artigo 275.º, n.º 1) é apenas uma das vertentes desse dever, mas tem uma expressão que ultrapassa as dificuldades tecnológicas e orçamentais e que é o dever de resistência activa a que se refere expressamente a Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, dever que nem sequer exclui os objectores de consciência. Independentemente de toda a larga gama de falta de respostas aos problemas da conjuntura que abalam a consistência da proposta governamental, faltam inteiramente estudos, projectos e convicções para saber como é que a redefinição do serviço militar tem repercussões em todos os outros aspectos do dever constitucional da defesa, que é do Estado (artigo 273.º, n.º 2), que é de todos os portugueses (artigo 270.º), que é militar armado (artigo 270.º, n.º 2), que é militar não armado (artigo 276.º, n.º 3) ou cívico (artigo 276.º, n.º 5) e que é de resistência activa, sem excepção (Lei n.º 29/82).
Não temos dúvidas sobre a necessidade de redefinir o serviço militar, porque estão evidentes os efeitos da revolução científica e tecnológica nessa área e porque está demonstrado e aceite que a segurança e a defesa dizem respeito a um vasto complexo de ameaças não militares. Mas uma questão de tal monta não pode ser reduzida à definição da duração do serviço militar obrigatório, tomando a parte como um todo, quando este todo é que tem de ser assumido. E do todo, talvez seja necessário ler a humildade de reconhecer que o Governo não se mostrou habilitado a assumir definições. A defesa da Pátria, direito e dever fundamentais de todos os portugueses, exige outra melhor e mais profunda meditação.
Sr. Ministro da Defesa, creio que não temos grandes divergências sobre as teses, supomos apenas que estamos a ser obrigados a legislar com uma grande ignorância das hipóteses portuguesas.
Aplausos do CDS, do PS e do PCP.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira.
O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Srs. Deputados: A Constituição da República determina que é obrigação do Estado assegurar a defesa nacional no respeito das instituições democráticas com o objectivo de garantir a independência nacional, a integridade do território, a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaças externas.
A defesa militar do País incumbe às Forças Armadas, que são compostas exclusivamente por cidadãos portugueses, sendo a sua organização única para todo o território nacional e baseada no serviço militar obrigatório.
A Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas ao indicar, nomeadamente, que a responsabilidade pela defesa nacional, os deveres dela decorrentes e a respectiva actividade cabem à comunidade nacional em geral e a cada cidadão em particular e que deve ser assegurada pelo Estado, constituindo especial responsabilidade dos órgãos de soberania, implica e determina um conjunto de princípios, objectivos, orientações e medidas que constituem a política de defesa nacional.
Daí a especial relevância do enquadramento legislativo do serviço militar obrigatório pelo que representa de prestação pessoal do cidadão à defesa nacional, enquanto dever e direito de responder à necessidade de defesa da soberania nacional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A evolução da situação internacional ao tornar imperiosa uma reequação dos conceitos de enquadramento, das estratégias e das alianças, a tendência em todo o mundo para a redução do tempo de serviço militar a par de exigências crescentes de treino e adestramento para a utilização de armas e equipamento cada vez mais sofisticado e a necessidade de utilização racional dos recursos financeiros disponíveis colocam questões de compatibilidade com a manutenção da operacionalidade e capacidade de resposta das Forças Armadas, como garantia de uma defesa militar credível.
Surgiu, assim, a necessidade de um conceito de serviço militar inserido num programa global de reforma estrutural das Forças Armadas, adequado à evolução das sociedades modernas e que corresponda também às aspirações da juventude, com base em estudos técnicos elaborados pelos órgãos competentes das Forças Armadas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Foi este o caminho seguido pelo Governo num tratamento sério e responsável ajustado à natureza de tão importante matéria e o resultado é a proposta de lei em apreciação por esta Assembleia.
Dela importa sublinhar os princípios essenciais que procura garantir.
Igualdade de tratamento para todos os jovens em idade de prestação de serviço militar: nos termos da legislação em vigor, só cerca de 50% dos jovens em condições de
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prestação do serviço militar obrigatório o cumprem, ou seja, em Portugal há quase metade do segmento etário que deveria cumprir o seus deveres militares e que o não faz, criando-se uma discriminação, ou seja, uma injustiça.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A diminuição do tempo de serviço militar obrigatório da proposta de lei, beneficiando os jovens, pelo mínimo de tempo, torna o sistema mais justo e mais conforme com o princípio constitucional de que a defesa do País é um direito e dever de todos os portugueses.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Existência de incentivos aos mancebos que optem pelo voluntariado, designadamente medidas visando o seu enriquecimento profissional: haverá incentivos, divulgados até ao final do ano, na área da valorização académica e profissional, na preferência para ingresso em forças de segurança, a fixação de uma gratificação e o estabelecimento de ajudas na inserção na vida activa findo o período de voluntariado, proporcionando-se, assim, orientação para uma mais fácil inserção profissional após o termo do serviço militar. Procura-se garantir a exequibilidade das soluções propostas, sendo das baseadas nos competentes estudos e pareceres solicitados às chefias militares.
A observância dos requisitos constitucionais que definem o serviço militar como geral e obrigatório foi devidamente acautelada, de forma a evitar qualquer possibilidade de desajustamento da proposta, ao quadro imposto pela lei fundamental.
Finalmente, de salientar a especial preocupação de que as medidas legislativas propostas assegurem um maior grau de preparação e prontidão das Forças Armadas, pela sua eficiência e eficácia, objectivo máximo da modernização da instituição militar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em síntese, a arquitectura do novo conceito de serviço militar obrigatório leve como directrizes: a prestação do serviço por todos os jovens considerados aptos; a realização num período curto que potencie as suas virtualidades, suprindo ou atenuando as características negativas; a motivação dos jovens para o prolongamento do serviço militar obrigatório, em regime de voluntariado ou contraio, numa opção livre e consciente, com contrapartida de incentivos fortemente mobilizadores da vontade e numa perspectiva de enriquecimento nacional, tudo isto - convém voltar a acentuar - compatibilizado com a necessidade de umas Forças Armadas prestigiadas e aptas a preencher as finalidades constitucional e legalmente determinadas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Com a presente proposta o Governo obteve uma solução ponderada dos diversos vectores em presença: os anseios das camadas jovens da população, diminuindo ou atenuando os aspectos negativos mas nacionalmente fundamentais da sua passagem pelas fileiras, potenciando motivações positivas; uma melhor imagem das Forças Armadas e o seu encontro com a consciência nacional, a par de uma necessidade de maior identificação com os recursos humanos que trabalham, e a alimentação adequada de um sistema de forças moderno, eficaz e eficiente; a necessidade de a Nação dispor mais cedo de força produtiva e do enriquecimento profissional dos voluntários; e, finalmente, a criação de uma consciência colectiva identificada com o espírito de defesa.
Em 5 de Abril do ano passado, o Ministro da Defesa Nacional anunciou que, no âmbito do processo de reestruturação das Forças Armadas, solicitara às chefias militares os estudos técnicos necessários para a reformulação legislativa do regime do serviço militar com base num novo conceito, assente em duas modalidades: primeira, o serviço militar obrigatório com uma duração que, em princípio e da forma mais generalizada possível, não ultrapassasse os quatro meses e, segunda, o serviço militar voluntário, com uma duração mais longa, abrangendo os cidadãos que, livremente, se pretendessem alistar.
O Partido Socialista, um mês após aquele anúncio, apressou-se a apresentar nesta Assembleia um projecto de lei baseado não se sabe em que estudos - se é que em 30 dias teve tempo e meios para tal... - visando a mesma matéria. Sobre ele nos pronunciámos já aquando da sua apresentação, salientando uma deficiência básica: a sua falta de inserção numa perspectiva global de reestruturação das Forças Armadas.
Congratulamo-nos, porém, com o facto de a iniciativa do Governo ter estimulado tão rapidamente um contributo da bancada socialista que, apesar de merecer a nossa discordância em vários aspectos, não pode deixar de ser considerado interessante.
Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Srs. Deputados: Afigura-se ao Partido Social-Democrata que a proposta de lei que o Governo apresenta a esta Assembleia é metodologicamente correcta no seu desenvolvimento, conceptualmente democrática e constitucional e exequível, e que a calendarização proposta para a sua implementação séria e ponderada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Trata-se de um passo importante para a melhor articulação dos objectivos de defesa nacional, numa perspectiva pluridisciplinar, com os da sua vertente específica militar.
Por isso a apoiamos e, em conformidade, lhe daremos o nosso voto favorável.
Aplausos do PSD.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de colocar à Câmara uma questão, que, de resto, é simples: encontra-se marcado para as 19 horas e 30 minutos o período de votação de vários diplomas, mas, como restam apenas 26 minutos para discussão desta proposta de lei e já só se encontram inscritos, para intervir, dois Srs. Deputados, se não houver qualquer objecção, poderemos, primeiro, terminar o debate e, depois, proceder às votações.
Pausa.
Uma vez que não há qualquer objecção, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
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O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É com algum desapontamento que vemos, neste momento, esta questão ser trazida a Plenário. Liminarmente porque a conjuntura política em que esta proposta foi elaborada evoluiu e evoluiu de forma decisiva, por um lado, no sentido do estabelecimento no mundo de possíveis lideranças regionais e, por outro lado, no sentido de que a Leste, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as grandes e generosas esperanças nascidas com a perestroika e com a glasnost continuam a ser grandes mas permanecem ainda, claramente, focos de tensão nos nossos limites orientais da Europa.
Nesse sentido, interrogamo-nos sobre se e em que medida certos actos de desarmamento unilateral, ou melhor, certos actos que com eles podem ser aparentados, para sermos totalmente rigorosos, terão cabimento neste momento e nesta conjuntura.
A proposta de lei não coloca directamente em causa o princípio do serviço militar obrigatório, que é instituticional e constitucional. Para quem, neste momento, fala tanto em princípios republicanos, em democracia e em liberdade importa sublinhar que nasceu na esteira de Revolução de 1789 e foi teorizado na base do princípio da defesa da Nação - a Nação que aí se considerava momento ou acto do nascimento pelas armas - e tem, sobretudo, um dos momentos mais altos na Batalha de Valmy quando a república e o general Kellermann incitam os cidadãos a defender as jovens instituições da democracia francesa nascente.
Na sua formulação, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta de lei define dois pontos essenciais: o serviço militar obrigatório e o serviço militar voluntário. E neste serviço militar voluntário desde logo, coloca-se-nos uma questão, que é a de saber se existe uma forma de serviço militar voluntário, que é o serviço militar contratado, que pode, em circunstâncias que não estão claras, evoluir para uma entrada para os quadros permanentes. Em que sentido e de que forma? Não iríamos causar um novo problema, aliás, semelhante àquele que há 15 anos foi discutido?
É no serviço militar obrigatório que se concretiza a redução do cumprimento que o Governo propõe, não esquecendo o artigo 27.º e a possibilidade de, por meras razões circunstanciais e não estruturais, por meras razões de não existência do voluntariado conveniente, esse serviço militar ser prolongado num ano e de ser diminuído no outro. Vamos ter, Sr. Presidente e Srs. Deputados, umas Forças Armadas em que vão ou em que podem coexistir dois tipos de soldados, com os inconvenientes certos e as vantagens incertas de tudo isso.
A proposta de lei prevê ainda uma série de incentivos ao voluntariado que, neste momento, deixarei entre parêntesis por não me parecer uma parte essencial. Simplesmente, não se prevêem, nem estão enunciadas, medidas destinadas a corrigir e a aumentar a capacidade e a prontidão das nossas Forças Armadas e, concomitantemente, de acordo com essas medidas, a diminuir o tempo de serviço.
Importaria, desde logo, e como se propõe no projecto de lei apresentado pelo do PS, definir as modalidades do serviço efectivo normal, porque é obrigatório todo o serviço militar executado por conscrição, isto é, por chamada vinculativa às fileiras pelo Estado. Daí, afigurar-se inexacta a terminologia que distingue serviço militar obrigatório de serviço militar voluntário, uma vez que, nos termos constitucionais, o serviço militar voluntário, na terminologia usada nesta proposta de lei, ainda é uma forma de cumprimento do serviço militar obrigatório.
Este carácter de ambiguidade está, de resto, presente em toda a proposta de lei. Assentes estes princípios, importaria saber quais as medidas que o Governo vai tomar para compensar em efectividade a redução do tempo de instrução.
Quando queremos as premissas queremos a conclusão e as conclusões são muito simples: se é admissível que quatro meses bastem ou possam bastar para uma boa instrução geral básica, já é duvidoso, e é o mínimo que pode dizer-se, que se possa fazer coincidir nesse período uma instrução geral básica com uma clara especialidade e a permanência nas fileiras é impossível.
A primeira questão que pode colocar-se é a seguinte: pensa o Governo acabar, no serviço militar obrigatório, com a existência de oficiais milicianos ou promover o oficial miliciano, um cidadão com quatro meses de instrução e sem passagem pelas fileiras? Em que medida é que o quadro de oficiais milicianos não vai ficar nas mãos dos oficiais voluntários ou do pessoal contratado?
Estas são questões absolutamente definitivas e cruciais.
Em segundo lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, importa dizer uma consabida frase: soldado com quatro meses de instrução terá necessariamente quatro horas de vida em combate real.
Uma redução do serviço militar obrigatório não pode escamotear estes problemas, nomeadamente o da modificação completa das fichas de instrução, no sentido da sua maior intensificação e da sua melhor definição de objectivos.
O problema de encarar um serviço militar de curta e média duração, como propusemos, poderia permitir manter o necessário grau de prontidão das Forças Armadas, com a também necessária forma de corresponder a certas vozes que se levantam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendi ser, de certa forma, telegráfico e enunciar problemas, pois o tempo de que dispomos não permite responder a todas as questões que aqui se deixam enunciadas. No entanto, vou responder a algumas.
Em primeiro lugar, parece-me claro que ninguém pode enviar para combate, mesmo para defender as fronteiras nacionais, soldados com quatro meses de instrução. Terá que haver, antes, alguma preparação especial para o combate.
Existe uma experiência histórica terrível que se concretiza no momento em que, na guerra das ilhas Falkland, são lançados para frente contingentes de soldados de serviço militar obrigatório com seis meses de instrução e que, por falta dessa mesma instrução, têm dificuldades terríveis em combater com as experientes tropas inglesas.
Em segundo lugar, «quem quer as premissas quer as consequências». Ora, isto vai implicar ter de encarar a necessidade de profissionalizar pelo menos alguns segmentos das Forças Armadas para manter uma força credível, operacional e dotada de elevado grau de prontidão.
Quem quer uma diminuição radical do serviço militar obrigatório não pode fugir às consequências. E, aqui, Srs. Deputados, surge a questão de saber qual vai ser a composição das nossas Forças Armadas no futuro, qual será a percentagem dos oriundos do serviço militar obrigatório restrito, ou dos voluntários, ou dos contratados ou, quem sabe, até dos profissionais. Enfim, a moderna tecnologia não se compadece com uma instrução de quatro meses e, como é necessário sublinhar, até a própria formação do combatente, que continua a ser o elemento essencial num exército ou numas Forças Armadas, dificilmente se compadece também com essa formação.
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Portanto, uma nova instrução, uma instrução suplementar, terá que ser dada se chegarmos - esperemos que isso nunca aconteça - ao momento da real confrontação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas palavras finais vão em três sentidos. Liminarmente, o Sr. Ministro da Defesa manifestou-se aberto para discutir e aceitar - sem concordar com elas, obviamente - s abertos a isso e faremos tudo para que nesta questão, que reputamos essencial, se consiga uma solução que sirva os interesses, não do partido A ou B ou de um segmento da população, mas do país considerado no seu todo: como passado, a história; como presente, nós, e, como futuro, os que hão-de vir depois de nós.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Também desejamos que se faça uma discussão séria que fuja às modas, aos modismos e aos princípios da facilidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É minha convicção que, no futuro e no fim, acabarão por vencer aqueles que souberem interpretar os anseios profundos do País e que, sobretudo, tiverem presente esta realidade: o dever primário, primordial e essencial de um Estado é garantir a defesa, a paz, a segurança das suas instituições democráticas e constitucionais e, acima de tudo, a unidade do seu território e a vida das suas populações.
Aplausos do PS, do PCP e do CDS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pedro Campilho pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Pedro Campilho (PSD): - Para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Campilho (PSD): - Sr. Deputado José Luís Nunes, retenho duas afirmações do discurso que acaba de proferir, que me impressionaram e que, dada a consideração que tenho por si, me levam a não poder perceber a forma como as faz. É que V. Ex.ª, no fundo, defende que é preciso umas Forças Armadas com serviço militar obrigatório para um período de tensão, o que não percebo...
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Não, não disse isso!
O Orador: - «Para um período de tensão», foi o que V. Ex.ª defendeu ao dizer «que num tempo de focos de tensão como o presente, a conjuntura evoluiu e, logo, não se justifica a proposta do Governo». E, a seguir, acusa o Governo de, com um período de serviço militar obrigatório de quatro meses, estar, no fundo, a criar carne para canhão.
Ora, a minha pergunta, muito simples, é a seguinte: com a proposta que V. Ex.ª fazem, que é cópia da que o Governo tinha anunciado, em que dão três meses para instrução geral básica, três meses para instrução geral e de especialidade e três meses para instrução geral e fileiras, o que perfaz, portanto, nove meses, como é que pensa o Sr. Deputado ter dado a volta aos problemas que levantou? É que parece-me não o ter conseguido, Sr. Deputado!
Por outro lado, parece-me também, como dizia o Sr. Ministro, que sem o serviço militar obrigatório diminuído nunca constituiremos um dissuasor credível - e disso também não tenho dúvidas -, porque não poderemos evoluir tecnologicamente as nossas Forças Armadas.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Pedro Campilho, não usei a expressão «carne para canhão»! Está, portanto, a pôr na minha boca uma expressão que não usei.
Chamei, porém, a atenção para os riscos ou para a impossibilidade de mandar para combate soldados com quatro meses de instrução; disse que «quem queria as causas queria as consequências» e que, do meu ponto de vista, as consequências eram as de que teria de haver períodos suplementares de instrução. Portanto, a partir daqui, «arromba uma porta aberta».
Em segundo lugar, não nos antecipamos, porque é impossível fazê-lo em relação a coisas que não existem. Fizemos, sim, um projecto de lei. O Governo apenas anunciou que ia reduzir para quatro meses o serviço militar obrigatório - e, segundo parece, nem foi isso que o Governo anunciou, porque, parece, houve aí manipulações da imprensa, que desconheço - e nós fizemos uma proposta séria de modificação do serviço militar obrigatório. Portanto, não nos antecipámos a nada.
Agora, quanto aos períodos de treino que propomos, fazemos uma maior sistemática - embora não seja isso que se esteja aqui a discutir - e apontámos dois aspectos. Em primeiro lugar, estivemos a ver, a nível dos países europeus, qual era, mais ou menos, a média dos períodos de serviço militar obrigatório mais significativos e procurámos qualquer coisa do estilo que desse um mínimo de garantias: três meses de instrução militar básica, três meses de especialidade e uma permanência nas fileiras.
O resto, Sr. Deputado Pedro Campilho...
O Sr. Pedro Campilho (PSD): - O resto consta da sua intervenção, Sr. Deputado!
O Orador: - ... não corresponde a todas as questões que levantei. Talvez o Governo possa ter respostas para isso, não sei...
Para terminar, vou citar-lhe, Sr. Deputado, uma frase que encontrei num livro que estou a ler, justamente sobre Marrocos, em que, em determinado momento e numa circunstância difícil, alguém diz a alguém: «Cala-te porque eu sei que tu pensas como eu.»
Risos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Relvas.
O Sr. Miguel Relvas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de começar por deixar bem claro que a minha intervenção pretende transmitir a esta Câmara a posição da JSD e dos seus deputados e não a do PSD
Desde 1980, a JSD defende a reestruturação e redimensionamento das Forças Armadas, a par da desconstitucionalização da obrigatoriedade do serviço militar.
De facto, é de há muito patente que a estrutura herdada desde os tempos da guerra colonial não só não se conforma com a sociedade democrática que temos vindo a construir como não se adequa, da melhor maneira, tanto em termos
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de operacionalidade como de eficácia, aos objectivos de defesa nacional.
E não podemos deixar aqui de sublinhar o primeiro grande mérito desta proposta de lei do Governo, que se traduz pelo Tacto de ser esta a primeira vez, depois da revisão constitucional e da Lei de Defesa Nacional do princípio da década de 80, que um governo tem a coragem de empreender a reforma das Forças Armadas. Porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, reduzir, hoje, o serviço militar para quatro meses tem um significado verdadeiramente reformador que a redução para 12 meses não poderia ter em 1985.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É que o desafio, hoje, é de definir um novo modelo de Forças Armadas e não, apenas, o de reestruturar. E o desafio que o Governo agora propõe é o de introduzir uma forte componente de voluntariado e de semiprofissionalização no serviço militar.
Este desafio deve obrigatoriamente ser complementado por uma redefinição do conceito estratégico de defesa nacional, bem como pela redefinição dos objectivos e missões que cabem à defesa militar. Só então estaremos em condições de encontrar um modelo verdadeiramente novo para as Forças Armadas.
E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta é uma discussão de que os jovens portugueses não podem ficar a margem.
Defendemos sempre que esta discussão se enquadrava num conjunto de problemas relevantes na área da defesa, que tem incidência no sector da juventude, e para os quais era importante fazer-se ouvir a voz dos jovens.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Por esta razão, apresentámos, em Setembro do ano passado, a proposta de realização de umas jornadas, no âmbito da Assembleia da República, comtemplando a necessária abertura à sociedade civil juvenil e a diversas instituições públicas para que, justamente, fossem analisados e debatidos os problemas relativos ao conceito da defesa nacional, ao papel das Forças Armadas e às funções e organização do serviço militar obrigatório.
Não foi ainda possível a sua realização, não obstante o nosso persistente empenhamento, mas acreditamos nestas jornadas e pensamos ser cada vez mais urgente, e ainda durante a presente sessão legislativa, a sua efectivação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo, hoje, apresenta recolheu já a posição favorável do próprio conselho consultivo da juventude e registamos com satisfação que, depois de anos de tomadas de posição e de intensa pedagogia democrática, outras organizações de juventude partidárias evoluíram no sentido de seguir a nossa posição e reclamar o fim do serviço militar obrigatório ou, pelo menos, a sua substancial redução.
Aguardamos agora que, em face de outras propostas inovadoras como a proposta que visa a criação do provedor de justiça militar, possamos vir a recolher, com menos atraso, o apoio das outras organizações de juventude partidárias. Na altura, cá estaremos para poder confirmar esta nossa premissa.
Mas, também é importante referir que esta medida de reduzir o serviço militar para quatro meses não se resume a satisfazer, apenas, os anseios da grande maioria dos jovens portugueses. É também o pontapé de saída e uma medida de longo alcance para a necessária, inevitável e urgente redefinição global da estrutura militar.
Não é de mais recordar que, para a JSD, esta reforma agora iniciada e a redefinição global para que caminhamos deverá ir no sentido de retirar da Constituição a obrigatoriedade do serviço militar e construir um modelo de Forças Armadas assente no voluntariado e a semiprofissionalização.
Com a aprovação desta proposta de lei, a JSD acredita ser possível provar que as Forças Armadas se conseguirão modernizar e adequar-se a um serviço militar obrigatório de quatro meses, caminhando no sentido de garantir uma forte vertente de voluntariado e de semiprofissionalização.
Politicamente acreditamos que esse é o caminho natural desta reforma e, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a JSD não deixará legitimamente de insistir junto do PSD para que, na próxima revisão constitucional, apresente uma proposta de eliminação do serviço militar obrigatório.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Queremos também acreditar que será possível, com todos os partidos e, também, com o apoio das outras organizações de juventude, chegar a um consenso para acabar com a obrigatoriedade do serviço militar.
Nessa altura, poderemos, em matéria de defesa, construir tudo de novo sem abdicar dessa essencial parcela de soberania que é a defesa nacional.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate.
Vamos entrar no período de votações.
Vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 170/V - Altera a Lei do Serviço Militar (Lei n.º 30/87, de 7 de Julho).
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PRD e do deputado independente Herculano Pombo e abstenções do PS, do PCP, do CDS e dos deputados independentes Jorge Lemos e Raul Castro.
Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 533/V (PS) - Alteração à Lei n.º 30/87, de 7 de Julho (Lei do Serviço Militar).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, com votos contra do PRD e abstenções do PSD, do PCP, do CDS e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e Raul Castro.
Srs. Deputados, vamos passar à votação do projecto de resolução n.º 53/V (PCP) - Recomenda ao Governo a adopção de medidas urgentes no senado de assegurar que estudos em curso sobre o regime de prestação do serviço militar obrigatório sejam acompanhadas pelas organizações de juventude.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, do PRD e dos deputados independentes Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro e abstenções do PS, do CDS e do deputado independente Herculano Pombo.
Vamos passar à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 174/V - Autoriza o Governo a definir e qualificar como crimes comportamentos que afectam a verdade e a lealdade da competição desportiva.
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Submetida â votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PRD e do CDS e abstenções do PS, do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro.
Vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 377/V (PRD)-Programas televisivos destinados à educação para a saúde.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro e abstenções do PS e do deputado independente Herculano Pombo.
Srs. Deputados, passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 669/V (PS) - Programas de televisão de interesse público.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do CDS e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro e a abstenção do PRD.
Srs. Deputados, passamos agora à ratificação n.º 150/V (PS), relativa ao Decreto-Lei n.º 358/90, de 10 de Novembro, que simplifica os procedimentos referentes à adjudicação de empreitadas de obras paia a construção, ampliação, remodelação, beneficiação e conservação de unidades de saúde.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas obter da Mesa a confirmação de que o que vamos votar é uma proposta de recusa de ratificação, apresentada pelo Partido Socialista, visto que a ratificação em si não é susceptível de votação.
O Sr. Presidente: - Só que, Sr. Deputado, não foi apresentada nenhuma proposta nesse sentido.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Então, está o decreto-lei em apreço ratificado por natureza, sendo certo que os socialistas nos estiveram a fazer perder o nosso precioso tempo.
Risos do PSD.
O Sr. Presidente: - Entretanto, Sr. Deputado, um grupo parlamentar, bem alertado para o facto, apresentou um requerimento, que iremos votar, no sentido da recusa de ratificação do referido decreto-lei.
Em todo o caso, a Mesa tem dúvidas de que fosse absolutamente necessária a apresentação de um requerimento desse teor, já que, na falta de tal requerimento, o artigo 200.º do Regimento se refere a votação da recusa de ratificação.
Para, ainda assim, não deixar quaisquer dúvidas sobre a votação a que teríamos de proceder, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou um requerimento de recusa de ratificação, que é do seguinte teor:
A Assembleia da República, ao abrigo das disposições constitucionais aplicáveis, delibera recusar a ratificação do Decreto-Lei n.º 358/90, de 10 de Novembro.
Vai proceder-se à votação do requerimento que acabei de ler.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro.
Passamos, como combinado, à votação final global do texto alternativo apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e relativo à protecção dos dados pessoais face à informática, que engloba a proposta de lei n.º 135/V e os projectos de lei n.º 381/V (PS) e 519/V (PRD).
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, tinha sido aventado, na passada semana, que este texto final, que suscita algumas dúvidas de constitucionalidade, fosse objecto de consideração mais apurada na reunião de amanhã da aludida Comissão.
Entretanto, sondei algumas das bancadas e informaram-me de que teria havido objecções. Devo dizer, Sr. Presidente, que não percebo de onde possam emanar essas objecções, porque os afinamentos a introduzir no texto não são compatíveis com a redacção final. A fazer-se algum afinamento - expressão, como sabe, ambígua -, ele teria de ter lugar antes da votação final global. Depois disso, apenas são possíveis, obviamente, arranjos literários, o que, na minha opinião, não resolve as questões de constitucionalidade que estão co-envolvidas.
É esta a questão que gostaria de submeter à consideração da Câmara, sendo certo que, como é óbvio, não posso obstar à votação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, o texto final em causa foi já agendado e retirado, por consenso, duas vezes e numa outra ocasião nem sequer chegou a ser inscrito na ordem de trabalhos, para depois não ser retirado.
Estive sempre em contacto com os elementos que elaboraram o texto e hoje mesmo, quando mandei proceder à distribuição do boletim informativo, ainda pus um ponto de interrogação nessa matéria, que tentei depois clarificar, tendo-me sido dito que poderíamos votar o texto e que já estavam feitos os afinamentos adequados. Nesse sentido, não posso deixar de o submeter de imediato à votação.
Vamos, então, proceder à votação final global do texto alternativo que há pouco anunciei.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente Raul Castro e votos contra dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.
Inscreveram-se, para produzir declarações de voto, os Srs. Deputados Alberto Martins, José Manuel Mendes e José Apolinário.
Neste momento, reassumiu a presidência a S.ª Vice-Presidente Maria Manuela Aguiar.
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A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O debate essencial da legislatura sobre a protecção dos dados pessoais face à informática teve lugar em 19 de Outubro de 1989, aquando da discussão do projecto de lei do Partido Socialista, apresentado em Maio desse ano.
O PS, ao promovê-lo, dava resposta a uma inconstitucionalidade por omissão, declarada, neste âmbito, pelo Tribunal Constitucional. Muito embora o Governo, na altura do debate, tivesse anunciado que a curto prazo apresentaria o seu contributo legislativo nesta matéria, só o fez passado cerca de um ano sobre a apresentação do projecto do PS e cerca de cinco meses sobre a sua aprovação na generalidade.
A opção normativa que veio finalmente a ser encontrada na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em votação de especialidade, e que agora vem a Plenário para votação final, assentou numa matriz essencial comum às diversas iniciativas legislativas e cujo referente é a Convenção Europeia para Protecção de Dados Pessoais relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados. Com a solução que hoje se vota dá-se, assim, um passo muito significativo no cumprimento do dispositivo constitucional de defesa da identidade e dignidade humana e da sua privacidade, evitando-se que a utilização da informática possa conduzir a uma generalizada devassa e ao tratamento de «ficheiros humanos completos, e sem limites, à revelia da vontade das pessoas».
Ao darmos o nosso voto favorável a esta solução legislativa e ao congratularmo-nos com ela, apenas lamentamos que a Comissão encarregada do controlo da utilização de dados - a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados - tenha uma composição governamentalizada que lhe não garanta a plena independência, contrariamente à proposta original apresentada pelo Partido Socialista.
Não queremos deixar, ainda, de exprimir, nesta declaração de voto, a necessidade de um futuro aperfeiçoamento legal em matérias com esta atinentes, nomeadamente as que respeitam à interconexão de dados e aos fluxos de dados transfronteiras.
Queremos, Finalmente, frisar que o normativo legal que hoje aprovamos constitui, de qualquer modo, um significativo contributo para a defesa dos cidadãos e o exigível cumprimento da Constituição da República.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A lei que acabámos de aprovar constitui, indubitavelmente, um passo positivo em relação àquela que era a ordem jurídica vigente neste domínio. Tende ao respeito pela malha constitucional estabelecida e procura adequar-se à defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente os que relevam da prioridade da privacidade e da identidade humana e, pela sua sistemática, bem como pela sua organização, é um contributo para que diligências futuras possam vir a ultimar um articulado que responda mais vitalmente às necessidades prementes que já hoje se colocam a todo o legislador.
Pena é que não se haja potenciado o rigor normativo até à obtenção de maiores garantias no impedimento de indébitas interconexões e fluxos de dados transfronteiras. Pena é que se não tenha obstado a que algumas gralhas
- que ainda podem ser corrigidas em redacção final -, um punhado de más ou imperfeitas soluções do ponto de vista redactivo e uma ou outra hipótese de inconstitucionalidade subsistam. E, sobretudo, é de lastimar que, uma vez mais, o PSD optasse, determinantemente, por uma comissão governamentalizada na sua composição, o que a incredibiliza e desviça na realização das funções nucleares que lhe cabem.
Não falta, naturalmente, quem advogue, nesta matéria, a impossibilidade, face à permanente mutação tecnológica e aos seus ritmos, de quaisquer meios eficazes de controlo da ilidimidade e do crime.
«O importante é tentar, mesmo o impossível», escreveu, um dia, Jorge Amado. Esta lei tentou, não tanto como podia e devia, mas o bastante para que tivesse, com certa concessão ao consenso, merecido o nosso voto favorável.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de lei que acabámos de aprovar, felizmente com um consenso bastante alargado, vem preencher uma lacuna do nosso ordenamento jurídico que o Tribunal Constitucional linha considerado já uma inconstitucionalidade por omissão. Tratava-se da falta da legislação decorrente e necessária à perfeita execução do artigo 35.º da Constituição.
Aliás, é curioso registar que a nossa Constituição é a primeira a consagrar um preceito, visando a protecção de dados pessoais face à informática. Fica agora feita a ampliação legislativa indispensával a uma perfeita execução dessa disposição constitucional. E fica aberta a porta - que tambem era indispensável abrir - para que Portugal possa ratificar a Convenção para a Protecção das Pessoas relativamente a Tratamento Automatizado de Dados Pessoais, do Conselho da Europa, de 28 de Janeiro de 1981, de que Portugal já é signatário.
Este diploma era indispensável à conciliação do aproveitamento tecnológico e das vantagens que a informatização a todos traz, com a salvaguarda dos direitos fundamentais, designadamente no que diz respeito à protecção da intimidade e da privacidade das pessoas.
Efectivamente, penso que o diploma, que tirou larga inspiração de instrumentos e documentos aprovados por instâncias internacionais, designandamente o Conselho da Europa e a OCDE, vem nessa linha e garante, de uma forma perfeitamente equilibrada, esses mesmos direitos fundamentais.
Referiu-se aqui - entre outros, fizeram-no os Srs. Deputados Alberto Martins e José Manuel Mendes - que é governamentalizada a comissão nacional de dados pessoais e informatizados, criada agora por esta proposta de lei.
Ora, salvo melhor opinião, queria discordar frontalmente dessa acusação. Quero fazê-lo pela circunstância de aquela comissão ser um órgão que funcionará junto da Assembleia da República, composto por sete membros, dois dos quais - o presidente e os vogais - são eleitos por esta Assembleia, dois outros são magistrados designados pelo
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Conselho Superior da Magistratura e pelo Conselho Superior do Ministério Público e só dois membros é que serão designados pelo Governo, número este que fica aquém do que se verifica com outros órgãos congéneres, em termos de Direito Comparado. Por exemplo, a comissão equivalente consagrada no Direito francês tem, na sua composição, três elementos designados pelo respectivo governo.
Portanto, pela composição que, hoje, ficou consagrada, vê-se perfeitamente que não há a menor governamentalização por parte deste diploma, no que diz respeito a esta comissão.
Foi possível concretizar este diploma numa legislatura com a estabilidade que regista a que está em curso. Na verdade, já houve tentativas anteriores para legislar nesta matéria, mas não foi possível chegar ao termo desses diplomas. Aliás, só em democracia era possível legislar nesta matéria e pela iniciativa de um governo democrático como é o actual, que, assim, por via deste diploma, garante a compatibilização da informática com os direitos da pessoa e com os direitos à sua privacidade e identidade natural.
O Sr. Alberto Martins (PS): - A iniciativa foi do Partido Socialista!
O Orador: - Eu sei que foi o Partido Socialista que, durante a presente legislatura, primou por aparecer, em primeira mão, com um diploma sobre esta matéria, mas também sei que o tempo de reflexão que o Governo teve valeu a pena porque, efectivamente, a proposta de lei ficou mais rica, correcta e rigorosa do que o projecto de lei do Partido Socialista, embora tenha de registar que foi de uma acção convergente dos vários partidos, no seio da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que se chegou ao texto final que foi agora aprovado.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr.ª Presidente, no final das votações tinha pedido a palavra - não o fiz antes para não interromper a sequência das mesmas - para informar que tenciono entregar na Mesa, de imediato, uma declaração de voto pessoal, por escrito, relativa ao projecto de resolução n.º 53/V, apresentado pelo PCP.
Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr.ª Presidente, era para comunicar a V. Ex.ª que vou entregar na Mesa uma declaração de voto por escrito subscrita por mim e pelo deputado José Magalhães.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária terá lugar no dia 21, quinta-feira, e terá como ordem do dia a discussão dos projectos de lei apresentados, respectivamente, pelo PS e pelo PCP relativos à lei quadro de benefícios a pensionistas em risco de consumo acrescido de medicamentos e outros bens de saúde.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 15 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Álvaro José Martins Viegas.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caciro da Mota Veiga.
António Maria Oliveira de Matos.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
João Mana Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Rui Manuel Paarente Chancerelle de Macheie
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
José Apolinário Nunes Portada.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Partido Comunista Português (PCP):
Maria de Lourdes Hespanhol.
Deputado independente:
José Manuel Santos Magalhães.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Fernando Barata Rocha.
Flausino José Pereira da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Angelo Ferreira Correia.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Partido Socialista (PS):
António Domingues de Azevedo.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
Maria Odete Santos.
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Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Deputado independente:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à proposta de lei n.º 170/V e ao projecto de resolução n.º 53/V.
1 - Votámos contra a versão final do texto aprovado em comissão porque o mesmo - à revelia de prevenções, pareceres e objecções transmitidos por entidades especializadas - não protege adequadamente os direitos fundamentais. Pode mesmo ocorrer que o futuro diploma - a ser promulgado:
a) Incentive a quebra de regras que fluem do artigo 35.º da Constituição;
b) Converta as excepções que prevê em regras inveteradas.
2 - O diploma deixa de fora múltiplos regimes especiais (v. os respeitantes aos serviços de informações e, em geral, à informática judiciária e judicial) e não se aplica a domínios cruciais (artigo 3.º, n.º 1), deixando irresolvidas as mais polémicas questões suscitadas desde 1976.
3 - O diploma:
a) Autoriza o tratamento automatizado de dados pessoais sensíveis (artigo 11.º, n.º 3) e viabiliza o tratamento de outros (artigo 11.º, n.º 4);
b) Liberaliza a conexão de ficheiros automatizados (artigos 25.º e 26.º), podendo conduzir à interconexão global em áreas sensíveis (máxime na área policial e de segurança interna), sendo particularmente abstrusa a norma do n.º 2 do artigo 26.º;
c) Remete para futuras leis a resolução de questões decisivas (artigos 27.º, 16.º in fine 18.º ...);
d) Confere a um órgão sem garantias de independência vastos poderes para autorizar recolhas de dados pessoais e interconexões espúrias (artigo 8.º), bem como outras competências susceptíveis de esvaziar as garantias formalmente previstas;
e) Não assegura uma regulação idónea dos fluxos transfronteiras.
Os Deputados Independentes: José Magalhães-Jorge Lemos.
A título individual, declaro o meu apoio a um forte envolvimento dos jovens e das associações juvenis no debate sobre o serviço militar e reequacionar de todas as questões com interesse para a defesa nacional.
Considero fundamental que o Governo propicie às organizações de juventude os estudos de sustentação das decisões adoptadas. A participação dos jovens não pode, mas deverá ser meramente formal e exige o conhecimento da fundamentação das decisões legislativas.
O Deputado do PS, José Apolinário
Os REDACTORES: Ana Marques da Cruz - Isabel Barral - Maria Leonor Ferreira -Maria Amélia Martins.
Diário da Assembleia da República
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