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I Série - Número 46
Sábado, 23 de Fevereiro de 1991
DIÁRIO da Assembleia da Républica
V LEGISLAÇÃO 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE FEVEREIRO DE 1991
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Henrique do Carmo Carmine
Joaquim António Rebocho Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMARIO
O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.º 686/V e 687/V.
Em sessão de perguntas ao Governo, intervieram, a diverso titulo, além dos Srs. Secretários de Estado do Comércio Externo (António Neto da Silva), da Energia (Nuno Ribeiro da Silva), das Finanças (Elias da Costa), do Orçamento (Manuela Leite) e Adjunto do Ministro-Adjunto e da Juventude (Albino Soares), os Srs Deputados Laurentino Dias (PS), Pedro Pinto (PSD), Elisa Damião (PS), Carlos Lilaia (PRD), Nogueira de Brito (CDS), Apolónia Teixeira e Miguel Urbano Rodrigues (PCP).
Entretanto, foi aprovado um voto de pesar pela morte do professor Eduardo Correia, apresentado pelo PS, PSD e CDS, acerca do qual se pronunciaram, alem do Sr Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação), os Srs Deputados Raul Rego (PS), Cristóvão Norte (PSD), José Manuel Maio (PCP), Adriano Moreira (CDS) e Carlos Lilaia (PRD), tendo a Câmara guardado um minuto de silêncio em sua memória.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alfredo Godinho da Silva.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Chancerellc de Machete.
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Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacto Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mano Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odeie Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos dois diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de lei n.os 686/V - Mecenato Social -, apresentado pela Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira e outros, do PSD, que baixa à 3.ª Comissão, e 687/V-Garante aos cidadãos de menores recursos o acesso gratuito a medicamentos para doenças crónicas e outros benefícios -, apresentado pelo Sr. Deputado João Camilo e outros, do PCP, que baixa à 9.ª Comissão.
O Sr. Presidente: -Para formular uma pergunta oral ao Governo sobre a indústria têxtil, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): -Sr. Presidente, a pergunta que gostaria de formular ao Governo não tem a ver com a indústria têxtil mas, sim, com as privatizações.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a primeira pergunta de hoje tem a ver com a reestruturação e reconversão da indústria têxtil e do vestuário e é dirigida ao Sr. Secretário de Estado do Comércio Externo.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, a primeira pergunta que irá ser formulada pelo Partido Socialista é efectivamente essa. Só que o Sr. Deputado Laurentino Dias pediu-me para esperar 10 minutos, porque tinha alguma dificuldade em estar, neste momento, aqui presente, e o Governo não vê qualquer inconveniente a que assim se proceda.
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O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Secretário de Estado.
Vamos, então, interromper os nossos trabalhos por alguns momentos.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.
Eram 10 horas e 23 minutos.
Após a interrupção, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Maria Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Presidente, gostaria de esclarecer a questão levantada pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos quanto ao «caso Drexel» e de transmitir a informação que me foi dada pelo Sr. Ministro das Finanças e que consiste, fundamentalmente, no seguinte: o «caso Drexel» está a ser gerido pelo Banco de Portugal e o Sr. Governador do Banco de Portugal, conjuntamente com o Sr. Ministro das Finanças, já contactou o Sr. Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano e disponibilizou-se a vir aqui, quando tal for possível e acordado entre a comissão e ele próprio, esclarecer as notícias mais actuais referentes a esse caso.
Assim sendo, e porque essa questão, nesta altura, não pertence à esfera de actuação própria do Governo, o Sr. Deputado Manuel dos Santos encontrará a resposta à pergunta que formulou dentro dos limites e do campo de acção da própria comissão a que pertence.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para responder à informação que o Sr. Secretário de Estado acabou de prestar.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr.ª Presidente, agradeço a informação que o Sr. Secretário de Estado acabou de transmitir.
Contudo, acrescento que tínhamos intenção de fazer a pergunta a que o Sr. Secretário de Estado se referiu, não só pelo interesse nacional do assunto mas, sobretudo - e registo este facto muito simples para que fique registado-, porque o Sr. Governador do Banco de Portugal afirmou, peremptoriamente, que o assunto Drexel ficaria resolvido até Novembro de 1990. Ora, como já estamos em Fevereiro de 1991, creio que seria oportuno que o Governo se pronunciasse, de novo, sobre o assunto.
Também pensamos que seria importante, independentemente das informações que o Sr. Governador do Banco de Portugal venha a prestar à Comissão de Economia, Finanças e Plano - que serão, com certeza, responsáveis e importantes para nós - que esta questão fosse debatida à luz da opinião pública, portanto aqui, no Plenário da Assembleia da República.
É, pois, por esta razão que a trazemos aqui, sob a forma de pergunta.
O Sr. José Lello (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Lello (PS): - Sr.ª Presidente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera que não estão reunidas as condições para uma adequada publicitação desta sessão, na medida em que há uma manifesta ausência dos órgãos de comunicação social que poderão ecoar tudo aquilo que aqui se passar.
Assim sendo, e tendo em conta a importância dessa difusão, eu, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e ao abrigo das disposições regimentais, peço um intervalo de 15 minutos.
A Sr.ª Presidente: - É regimental, Sr. Deputado.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Presidente, o meu pedido de palavra tem a ver, fundamentalmente, com a forma como estão a decorrer os trabalhos.
Pois bem, o Governo não quer, de maneira alguma, eximir-se a responder às perguntas que irão ser formuladas. No entanto, vê com alguma preocupação a forma como esta sessão está a decorrer, pelo seguinte: o Governo está pronto a responder, e já está aqui presente o Sr. Secretário de Estado do Comércio Externo, que seria o primeiro a fazê-lo. Entretanto, fiz um acordo com o Sr. Deputado Laurentino Dias, do Partido Socialista, que ia no sentido de trocar a ordem das perguntas, ou seja, a Sr. Deputada Elisa Damião seria a primeira a fazer a pergunta ao Sr. Secretário de Estado das Finanças. Contudo, o Sr. Secretário de Estado do Comércio Externo tem um compromisso absolutamente inadiável a satisfazer e terá as maiores dificuldades em cumpri-lo se esta sessão se prolongar desta maneira.
O Sr. Deputado José Lello, com toda a sua sábia prudência, poderá ou não repensar a sua atitude, convocará ou não os jornalistas para estarem presentes na Sala, fará, com certeza, apelo ao seu exercício e saber jornalístico e de comunicação social, que lhe é consabido e tradicional, que exerce brilhantemente nas páginas do jornal Acção Socialista, e logo concluirá se é oportuna esta suspensão da sessão ou se, pelo contrário, deveremos continuar com ela, pela ordem que acabei de sugerir.
O Sr. José Lello (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente:-Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Secretário de Estado, é conhecida a minha tendência para me expressar nas páginas dos jornais. Aliás, e se isso estiver à minha disposição, terei muito gosto em colaborar, regularmente, no jornal Povo Livre...!!!
Risos do PSD.
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Mas direi a V. Ex.ª o seguinte: de facto, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem tão pouco acesso à televisão, que é importante e que difunde, normal e tendencialmente, as mensagens do Governo, que vê com alguma angústia que ela não esteja aqui presente. Ontem, chegou tarde e hoje ainda não está presente.
Daí o termos pedido que esta sessão começasse um pouco mais tarde; porém, não era nossa intenção levantar qualquer obstáculo à douta actividade do Governo.
De qualquer forma, também direi que, ao abrigo das disposições regimentais, nem sequer necessitaria de fundamentar o pedido que fiz. Fi-lo por consideração pela bancada do Governo.
Creio que é do mútuo interesse do Governo e da Assembleia da República que se consiga obter essa difusão. Se, entretanto, a televisão não aparecer, os outros órgãos de comunicação social - e aproveito esta oportunidade para felicitar a RDP pelo facto de estar aqui presente - farão, então, essa cobertura.
De qualquer forma, Sr.ª Presidente, gostaria de comunicar que restrinjo o meu pedido de suspensão dos trabalhos para 10 minutos.
Risos do PS.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não é responsável pela presença ou ausência dos órgãos de comunicação social.
O pedido que fez é regimental, portanto vamos interromper os nossos trabalhos por 10 minutos.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.
Eram 10 horas e 37 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 10 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados, vamos retomar a ordem inicial das perguntas.
Assim sendo, a primeira será feita pelo Sr. Deputado Laurentino Dias ao Sr. Secretário de Estado do Comércio Externo.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado Laurentino Dias.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado do Comércio Externo: A importância da indústria têxtil, em Portugal, é bem conhecida e afere-se, de forma evidente, por números irrecusáveis: o sector têxtil representa 33 % das exportações nacionais, o que significa 28 % do emprego, e contribui com uma taxa de 17 % no valor bruto de produção.
O sector têxtil, que abrange um enorme volume de mão-de-obra, tem importância substancial na balança comercial portuguesa e na formação bruta de capital fixo e representa socialmente uma clara dependência de regiões específicas do País, envolvendo centenas de milhar de portugueses dele dependentes.
Comportando no seu seio sectores de capital intensivo - parte têxtil - e de mão-de-obra intensiva - sector de vestuário e confecção -, certo é que convergiremos, naturalmente, na constatação geral de que a indústria têxtil carece de urgente intervenção no sentido da sua modernização.
É verdade que vão passando os anos sem que o sector industrial têxtil apresente os índices de reconversão, reestruturação e modernização que todos aceitam como indispensáveis para a sua sobrevivência equilibrada num contexto internacional cada vez mais agressivo e competitivo.
Os intervenientes directos do sector, sejam empresários sejam trabalhadores, e bem assim a generalidade dos portugueses preocupados quanto a esta questão, já se habituaram a ver sucederem-se, da parte do Governo, estudos após estudos, programas após programas e promessas atrás de promessas de melhores e mais seguros dias.
Não obstante aquilo que a realidade nos apresenta, há uma grave crise nacional do sector têxtil, a realidade negativa dos baixos salários do sector esconde-se já sob o pesadelo maior do despedimento, o trabalho infantil não se combate mas tolera-se, o espectro da ausência de alternativas de actividade industrial para uns e de emprego para outros está cada vez mais presente.
A modernização do sector têxtil implica a existência de uma política clara e definidora dos objectivos, dos processos a utilizar e do decurso da fase de reestruturação, opções que ao Governo cumpre definir em todo este quadro.
E não tem sido feliz a sua intervenção, apesar dos subsídios que vai distribuindo para a manutenção e criação de postos de trabalho e das injecções de meios financeiros que o Fundo Social Europeu disponibilizou. Nem se diga que tais intervenções pontuais e dirigidas significam uma expressão concreta e orientada de uma política real para o sector que este Governo, pela sua incapacidade, vem demonstrando não ter.
O Partido Socialista tem expressado profundas reservas quanto à capacidade do Governo de promover e implementar um plano global de modernização do sector têxtil, no sentido de o tornar mais competitivo e mais seguro no contexto económico do País.
A V. Ex.ª, Sr. Secretário de Estado de um governo de legislatura que cumpre o seu último semestre, quer o Partido Socialista, hoje, colocar as seguintes questões: qual o balanço que faz o Governo sobre a sua política relativa ao sector têxtil e da experiência dos diversos apoios suportados, designadamente, por via do SIBR ou do PEDIP? Não é verdade que se perdeu competitividade, segurança e postos de trabalho? Qual a configuração desejada, no entender do Governo, do sector têxtil para os próximos anos? Quais as opções defendidas pelo Governo? Deve ter-se como assente que o Governo se dispõe a apoiar apenas as empresas viáveis e com possibilidades de competir no futuro? Se é assim, quais as indústrias alternativas previstas para as áreas predominantemente têxteis e quais as acções desenvolvidas ou a desenvolver nesse sentido? Houve já conhecimento de vários estudos para o sector têxtil, que foram promovidos pelos parceiros sociais e pelo Conselho Permanente de Concertação Social e, ainda há dias, o Sr. Ministro da Indústria e Energia defendia um programa de reconversão e modernização têxtil.
Afirmava-se mesmo que Portugal garantiu 750 milhões de contos para a reestruturação da indústria têxtil. É verdade, Sr. Secretário de Estado? Esclareça o País -a ser verdade aquela afirmação - de onde provêm tais verbas, como serão aplicadas, quando e durante que programa de intervenção para o sector.
Sr. Secretário de Estado, a minha pergunta - base é a seguinte: qual o futuro para a indústria do sector têxtil em Portugal?
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.
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A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, não quero deixar de assinalar, em nome do PSD, um momento alto que, por iniciativa do Partido Socialista, se passou hoje nesta sessão: o Partido Socialista não só nos fez esperar quase 30 minutos para poder fazer a pergunta, só depois da chegada da RTP, como considera que, numa sessão de perguntas ao Governo, é melhor perguntar para as costas do membro do Governo, que irá responder (porém, de frente para as câmaras da RTP), do que ao estilo dos debates parlamentares que aqui fizemos durante tanto tempo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Esta preocupação televisiva do Partido Socialista pela imagem, pelo show off, em detrimento da utilidade regimental e constitucional da sessão de perguntas ao Governo, não pode deixar de ficar assinalada.
Aplausos do PSD.
O Sr. José Lello (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para fazer um protesto.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Lello (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O protesto que eu quero apresentar decorre da forma inusitada e destemperada como o Sr. Deputado Carlos Coelho aqui se pronunciou sobre a maneira, melhor ou pior, como o Partido Socialista se exprime nesta Casa.
O Partido Socialista usou da palavra da Tribuna, que é o local mais digno desta Assembleia, porque consideramos que é desse local que os deputados se devem exprimir, dado que, ao falarem para esta Câmara, falam para o povo. Aliás, o Governo não tem costas, diria até que os anjos não têm costas - e o Governo está aqui nessa condição.
No entanto, o que o povo português precisa de saber é o que o Partido Socialista aqui pergunta, e por isso é da Tribuna que devem ser feitas todas as considerações em defesa dos interesses e dos anseios do povo português.
Que o Sr. Deputado Carlos Coelho queira aqui vir fazer considerações desse destempera, nós aceitamos; só que elas, quanto a nós, servem apenas para desenvolver as campanhas demagógicas do seu partido!...
Vozes do PSD: - Oh! Oh! Oh!
O Orador: - E V. Ex.ª, mais uma vez, não perdeu a oportunidade de o fazer! Só que com essa atitude não prestigia a Assembleia e, como o Partido Socialista pretende prestigiá-la, faz as perguntas da Tribuna, que é o lugar mais digno desta Casa.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para contraprotestar, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, dou por encerrado este incidente.
É evidente que a Tribuna é o lugar mais nobre desta Assembleia, mas a ninguém passará pela cabeça usar todas as figuras regimentais da Tribuna e, como a vivacidade do debate de perguntas ao Governo passa muito pelo confronto deputado/membro do Governo, julgo que o Partido Socialista está a privilegiar a projecção para fora, eventualmente para a comunicação social, em vez do debate que aqui deve ser travado. No entanto, se é essa a intenção do PS, tudo bem, mas pela explicação do Sr. Deputado José Lello ficámos a saber que aquilo que interessa ao PS é a televisão.
Protestos elo PS.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não duvida de que se abriu um precedente, mas entende que não é este o momento indicado para dirimir a questão da utilização da Tribuna, questão que deverá, mais serenamente, ser abordada em conferência de representantes dos grupos parlamentares.
Para responder à pergunta do Sr. Deputado Laurentino Dias, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Comércio Externo.
O Sr. Secretário de Estado do Comércio Externo
(António Neto da Silva): - Sr.ª Presidente, permita-me, em primeiro lugar, que agradeça ao Sr. Deputado Laurentino Dias o facto de me ter feito vir, pela primeira vez, a este Hemiciclo e, assim, fazer a minha estreia.
Procurarei responder integralmente às questões colocadas que abarcam tudo o que se pode entender como a caracterização do sector têxtil e o seu futuro.
O sector têxtil é, desde há muitos anos, um sector que tem merecido o cuidado do Governo. Trata-se de um sector que enfrenta hoje, diferentemente de muitos outros, um grande desafio internacional. Esse desafio resulta das negociações que se processam no âmbito do GATT e que visam a integração completa do sector no funcionamento normal do Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas.
As consequências dessa integração são as de que no fim de um período transitório, que pretendemos seja de 15 anos, haja uma liberalização completa das trocas no sector têxtil e do vestuário, trocas essas que hoje estão limitadas, controladas, pelo chamado Acordo Multifibras e por acordos bilaterais de comércio.
Aliás, o Governo está atento a esse desafio e procura enfrentá-lo em duas vertentes.
A primeira é a comercial. E nesta procura garantir que, no âmbito das negociações no GATT, o sector tenha um período transitório, para se poder processar a sua reestruturação, com instrumentos suficientes de protecção no caso de existência de concorrência desleal. Trata-se, portanto, da garantia de um período suficiente, não menor que aquele que as indústrias europeias similares tiveram, para que possa realizar-se a reestruturação. Esta, como a palavra indica, é uma acção estrutural que, não sendo de curto prazo, levará bastantes anos. E, repito, estimamos uma necessidade de um período transitório por volta dos 15 anos.
A segunda vertente de preocupação do Governo é a dos instrumentos que permitam essa reestruturação. Portanto, primeiro negociar, garantir as condições internacionais para haver um período para a reestruturação; segundo, os instrumentos para fazer a reestruturação.
E é precisamente aqui que entra uma parte que é, obviamente, da competência do Ministério da Indústria e Energia, mas à qual também procurarei responder, em nome do Governo.
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Portugal pretende, como tem sido um facto no domínio das acções de mutação estrutural da economia portuguesa, um apoio das Comunidades Europeias. Só que esse apoio só pode ser definitivamente negociado, uma vez conseguido um acordo no domínio do GATT que seja bom para Portugal.
Se, em lermos negociais, se avança de uma forma demasiado decidida para a obtenção de verbas comunitárias, a CEE, como bom parceiro negociai, exigirá contrapartidas em termos da redução do período transitório ou em termos da redução do eventual reforço das regras e disciplinas do GATT. É por isso que o Governo, responsavelmente, tem que assegurar, primeiro, um bom acordo do GATT e. depois, a comparticipação em fundos que permitam a reestruturação do sector têxtil. Não se pode jogar o segundo antes do primeiro, sob pena de conseguirmos, eventualmente, menos verbas sem qualquer enquadramento positivo no âmbito do comércio internacional.
No entanto, é óbvio que o Governo tem procurado, junto das Comunidades, sensibilizar os responsáveis para esta necessidade. Mas há uma componente extremamente importante a ter em conta: é que, pelo menos, a Espanha e a Grécia entenderam a nossa estratégia e procuram colar--se a nós para a obtenção de verbas para a reestruturação dos seus próprios sectores têxteis. Há aqui uma questão de trade off político que é necessário o Governo equilibrar e jogar ponderadamente.
Porém, a reestruturação do sector têxtil já se iniciou: cerca de 28 % do PEDIP tem sido aplicado a este sector e cerca de 20 % do sector estará reestruturado até ao ano de 1992. Este facto significa que o Governo não descurou a reestruturação deste sector e que esta está a fazer-se no âmbito do PEDIP.
O Governo tem também suficiente atenção para o facto de o sector têxtil se encontrar geograficamente concentrado, podendo criar problemas de desequilíbrio regional em áreas de potencial declínio industriai. Por isso prepara, neste momento, um plano de reconversão da indústria têxtil, significando essa reconversão o estímulo ao aparecimento de indústrias e actividades económicas alternativas à actividade têxtil e constituindo a primeira fase do processo global de transformação dessas regiões.
A segunda fase será a da reestruturação do sector têxtil propriamente dito, ou seja, das indústrias do sector têxtil.
E, portanto, esta a estratégia do Governo.
Para concluir, quero apenas dizer que alguns jornais publicaram aquilo que seriam afirmações minhas de que tínhamos conseguido 750 milhões de contos, em Bruxelas.
Ora, o que eu disse na Portex foi que havia uma necessidade de investimento no sector têxtil de 750 milhões de contos, nos próximos 15 anos, para se realizar a reestruturação. Eu não disse, portanto, que tínhamos conseguido da CEE esse montante mas, sim, que iríamos propor à Comunidade uma comparticipação no esforço necessário de investimento.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Secretário de Estado, tenho também muito gosto em ter sugerido, com a minha pergunta, a primeira presença de V. Ex.ª nesta Câmara; porém, devo dizer que a sua resposta não tranquilizou as minhas preocupações, e por isso dois ou três comentários breves, mas claros.
V. Ex.ª rectificou umas declarações, que terá prestado na Portex, tendo em vista um programa para os próximos 15 anos no sector têxtil, acerca de uns falados 750 milhões de contos. Porém, a comunicação social informou que o Sr. Secretário de Estado teria dito que Portugal já teria garantido aquilo que, hoje, V. Ex.ª diz ser apenas uma «previsão», uma «possibilidade» ou um «desejo».
Sr. Secretário de Estado, será possível negociar com a Comunidade um programa para 15 anos? Será que a Comunidade aceita encontrar, conjuntamente com o Governo Português, soluções que passem por um programa de modernização para um tempo tão longo de aplicação, como é o de 15 anos?
Uma outra questão que gostaria também de colocar ao Sr. Secretário de Estado é a seguinte: que diz V. Ex.ª ao requerimento, apresentado pelo deputado europeu, do Partido Socialista, João Cravinho, dirigido à Comunidade Europeia, relativo a apoios comunitários quanto a zonas especialmente vocacionadas ou com predomínio em áreas de têxteis para que as zonas mais desfavorecidas e atingidas pela crise directa do sector têxtil tenham algum apoio comunitário directo?
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, já que V. Ex.ª quis rectificar uma parte das suas declarações na Portex, eu desafio-o a rectificar tudo o mais que veio na comunicação social e que também foi posto na boca de V. Ex.ª, como seja: «Não há crise alguma na indústria têxtil. Tudo não passa de um empolamento da comunicação social. O que encerram são pequenas indústrias com cerca de 20 empregados, que não conseguiam, de forma alguma, nem tinham qualquer potencial, para acompanhar a evolução comunitária e a economia de mercado e estão a sofrer as consequências de longos períodos de má gestão».
De igual modo, desafio-o a rectificar a seguinte expressão, também ouvida na Portex e relatada pela comunicação social e atribuída a V. Ex.ª: «A têxtil do Vale do Ave é uma moda».
V. Ex.ª pode rectificar ou manter estas declarações? Aceita V. Ex.ª um convite meu, que sou do Vale do Ave, para visitar aquela região e confirmar a veracidade ou não destas graves afirmações perante os portugueses, as quais, até agora, não foram desmentidas pela comunicação social nem por V. Ex.ª?
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Comércio Externo.
O Sr. Secretário de Estado do Comércio Externo: -
Sr. Deputado, em primeiro lugar, devo dizer-lhe que não rectifiquei a questão dos 750 milhões. O que eu disse na Portex foi que havia necessidade de um investimento de 750 milhões de contos na têxtil. Contudo, os Srs. Jornalistas, como o Sr. Deputado compreende, costumam pôr manchettes e, neste caso, anunciaram que o Governo tinha conseguido 750 milhões para a têxtil, o que são coisas completamente diferentes.
Em segundo lugar, quero confirmar tudo quanto disse sobre a questão do sector têxtil, primeiramente porque eu próprio administrei empresas têxteis e conheço o Vale do Ave como as minhas mãos. Por isso, é bom que o Sr. Deputado vá lá e veja!
Depois, devo também confirmar que não há crise no sector têxtil mas, sim, um empolamento claro desta questão. Quero dizer que a irresponsabilidade daqueles que afir-
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mam que há crise no sector têxtil está a levar o sector para algumas dificuldades resultantes dos cortes de crédito da Banca por passar a acreditar na crise do sector.
Por sua vez, os compradores estrangeiros começam a oferecer preços muito mais baixos e a «esmagar» o sector, precisamente porque pensam que as empresas estão em dificuldades.
Tudo isto, afinal, resulta de irresponsabilidade daqueles que, quer no interior quer no exterior, repetem, constantemente, que o sector têxtil português está em crise.
Devo dizer-lhe mais: na Europa, o único país onde o sector têxtil cresceu foi Portugal. Tome nota disso, porque disponho dos valores para lhe dar.
Posso dizer-lhe também que estive a negociar, no domínio do GATT, o sector têxtil e a posição negociai de Portugal é de 15 anos. Não posso dizer-lhe quantos anos é que eu quero para o sector têxtil, mas já lhe digo que tenho concertado com os empresários representantes do sector têxtil e as suas associações e tanto eu como eles sabemos exactamente quantos anos queremos. Não posso, porém, dizer-lhe porque esta é a posição negociai de Portugal, mas isso é perfeitamente possível. Aliás, eu já tinha conseguido mais de 10 anos para o sector têxtil.
Por último, direi que o deputado europeu João Cravinho tem apresentado algumas propostas relativas ao sector têxtil.
Para terminar, quero acrescentar, apenas, o seguinte: em Portugal todos somos poucos para, responsavelmente, conseguirmos o melhor para a nossa têxtil.
A Sr.ª Presidente: - Para fazer uma pergunta ao Sr. Secretário de Estado da Energia, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.
O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Secretário de Estado da Energia, vem o Governo adiantando, face à problemática do Golfo, que Portugal está em condições de resistir, de forma satisfatória, ao impacte negativo que a guerra está a provocar na economia mundial.
Como todos sabemos, Portugal tem uma dependência energética muito grande, nomeadamente do petróleo e seus derivados.
Assim sendo, e apesar das expectativas que o possível acordo de paz promovido pela União Soviética pode trazer neste contexto, é certo que a situação futura do pós-guerra ou do prolongamento da mesma levará, em qualquer dos casos, a uma instabilidade no mercado de abastecimento do petróleo.
Assim, gostaria de ser informado sobre o que foi feito ou pensa ser feito em termos de diversificação energética; quais as medidas implementadas para uma mais racional utilização de energia; qual a utilização dos nossos recursos endógenos; por último, em termos muito concretos, qual a razão para o aumento explosivo dos preços do gás do petróleo, que, segundo os meus dados, rondará entre os 65 % e os 70 %, e qual a evolução previsível dos custos deste tipo de energia, pois a continuação deste aumento criará - e já está a criar - graves problemas em alguns sectores da economia nacional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Energia.
O Sr. Secretário de Estado da Energia (Nuno Ribeiro da Silva): - Sr. Deputado Pedro Pinto, respondendo concretamente às questões que me colocou, direi, em primeiro lugar, que o Governo não alterou a política energética que foi traçada desde 1986, com vista a adaptar-se à situação criada pela crise do Golfo. Portanto, não houve efectivamente uma alteração da política energética porque ela tinha sido já delineada com as preocupações que, nomeadamente, foram referidas nas questões colocadas pelo Sr. Deputado no que respeita à utilização de recursos endógenos e a melhorar a performance energética de Portugal e, portanto, a utilização racional da energia.
Naturalmente que era a medida e as acções sensatas que se impunham, beneficiando, pela primeira vez, desde o primeiro choque petrolífero, de uma estabilidade política que é crucial para alterações profundas num sector que tem uma certa inércia e que só pode ver frutificar as medidas que se tomam com um horizonte temporal de coerência e sequência nas medidas que se implementam.
Em termos de diversificação, é conhecido que apostámos essencialmente em três domínios: prosseguir com a substituição de produtos petrolíferos com o uso de carvão em mais actividades, como sejam a produção de electricidade, a indústria cimenteira e outras áreas industriais; arrancar com o projecto do gás natural que, como é também conhecido, está a correr dentro do que foi programado pelo Governo e que poderá vir a trazer, nos próximos anos, uma alternativa na panóplia de energias primárias que fornecem o nosso país; e o uso e aproveitamento das energias renováveis, nomeadamente as que se encontram disponíveis em Portugal. Isto em termos de diversificação de formas de energia.
No entanto, a isto juntámos a preocupação de diversificação de fornecedores de energia a Portugal, tendo conseguido, no ano passado, chegar a uma situação em que a crise do Iraque não veio apanhar-nos numa posição de demasiada dependência relativamente a um único país fornecedor. Por conseguinte, alargámos, diversificámos, os nossos aprovisionadores, de modo a seguir a boa lógica do ditado que aponta para a necessidade de «distribuir os ovos por mais cestos».
Assim, diversificámos fontes de origem de matérias--primas energéticas e preocupámo-nos em desenvolver, no âmbito da Comunidade Económica Europeia, uma estratégia que torne mais seguro, flexível e diversificado o aprovisionamento do País. Daí os programas que conseguimos obter e negociar na comissão e que estão a financiar o gás natural e o reforço das redes eléctricas que ligam Portugal ao resto da Europa. O mesmo se passa com o programa, neste momento a ser negociado, das redes transeuropeias e que virá também reforçar ainda mais essas infra-estruturas de conexão de gasodutos, de pipe lines e de rede eléctrica entre Portugal e o resto da Europa.
Por outro lado, há ainda que ter em conta todo o empenho que temos colocado no chamado Programa do Mercado Interno da Energia, que vai tomar Portugal, de um país com uma capacidade marginal de intervenção em termos dos mercados internacionais de petróleo, num membro do clube do maior consumidor de matérias-primas energéticas: a Comunidade Económica Europeia.
Em termos de utilização racional de energia, tenho sempre dito que este tipo de utilização é o primeiro recurso energético de que o País dispõe. Nesse sentido, publicámos material que consubstancia essa lógica de que, em Portugal, há que fazer um esforço para atingirmos as performances energéticas que outros países da OCDE
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começaram a procurar atingir, logo a seguir ao primeiro choque petrolífero. Tenho dito que 20 % de melhoria da eficiência energética, que estamos a conseguir atingir, significam uma poupança anual de 50 milhões de contos que o País, com o mesmo nível de actividade económica e a mesma qualidade de vida, pode conseguir, deixando de desembolsar esses 50 milhões de contos.
Além disso, este programa, tendente a conseguir atingir este objectivo da utilização racional de energia, assenta em quatro grandes famílias de instrumentos, traduzindo-se o primeiro nos programas de informação e de formação. Com certeza que todos os Srs. Deputados receberam um folheto que explica as melhores maneiras de se utilizar racionalmente a energia e que consubstanciou a maior campanha que alguma vez se fez neste País.
A segunda frente tem a ver com os incentivos; a terceira com arruamentos; e a quarta com centros tecnológicos de apoio à utilização racional de energia, como o Centro para a Conservação de Energia e o Centro da Biomassa para a Energia.
Em termos de dinheiros despendidos, o sistema de incentivos à utilização racional de energia financiou, durante estes últimos dois anos e meio, 10,7 milhões de contos de investimento na utilização racional de energia, com subsídios a fundo perdido de três milhões de contos, o que permite uma poupança de energia na ordem das 110000 toneladas equivalentes de petróleo por ano.
Também no Programa VALOREN se fizeram 22 milhões de contos de investimento durante estes últimos dois anos e meio, com 11 milhões de contos de subsídio e 550 projectos de uso de fontes renováveis de energia.
Já temos hoje um contributo de recursos endógenos, essencialmente com lenhas, biomassa e hídrico, que é de 20%, para a satisfação das necessidades energéticas do País. Aliás, desde que, em 1988, publicámos a legislação para estimular os aproveitamentos, com vista à produção de electricidade com base em matérias-primas renováveis, licenciámos 66 aproveitamentos, o que significa a instalação de 430 MW - 7 % do total da capacidade de produção de electricidade instalada no nosso País. Financiámos, por exemplo, 8000 salas de aula com aquecimento central a lenha, hospitais, etc.
Quanto ao problema do gás, o que se passa é que, muitas vezes, as pessoas desconhecem os preços do propano e do butano no mercado internacional e não acompanham os preços do barril de petróleo, aliás por variadíssimas razões que não tenho tempo para expor.
De qualquer modo, forneço-lhes só estes números impressionantes: antes da crise do Golfo, uma tonelada de propano custava 109 dólares e na semana passada, no dia 15 de Fevereiro, custava 535 dólares! Portanto, o aumento das cotações da matéria-prima foi de cinco vezes, enquanto que o aumento dos preços ao público foi de cerca de 50 %. As companhias, com a liberalização dos preços que foi praticada, perderam margens muito substanciais - tinham margens absolutamente anormais, tendo hoje margens extremamente comprimidas. Por conseguinte, conseguimos, mesmo assim, minimizar este aumento absolutamente anormal e explosivo de multiplicação dos preços do propano em cinco vezes nos últimos quatro meses.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.
O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Secretário de Estado, gostaria de ver um pouco mais aprofundada esta questão. E porque o Sr. Secretário de Estado estava a ficar com limitações de tempo, vou aproveitar este pedido de esclarecimento para obter algumas explicitações. É que o Sr. Secretário de Estado apresentou-nos aqui dados que eu não detinha, nomeadamente acerca do crescimento do preço do propano, em que avança com valores entre os 109 e os 535 dólares.
Na realidade, relativamente a outras alternativas energéticas, este crescimento foi aquele que disparou de forma mais substancial, com um desvio da ordem dos 500 %, o que, de alguma forma, poderá parecer justificar os 65 % ou 70 % de aumento que se verificou e que eu tinha apresentado. Aliás, segundo as palavras do Sr. Secretário de Estado, as empresas produtoras estarão, em Portugal, a vender a custos com margens muito reduzidas, provavelmente até com margens negativas.
Por conseguinte, pensei que talvez fosse importante, nos três minutos de que poderá dispor, que nos explicasse se esta evolução tem tendência a aumentar. É que se realmente assim é, penso que a estrutura produtiva deve preparar-se para aumentos de custos de produção que poderão vir a ser muito substanciais. Com efeito, se, num curto prazo, continuarmos a ter aumentos desta natureza, certamente que viremos a ter problemas.
Portanto, gostaria de saber quais as razões objectivas para isto. Na verdade, elas terão certamente a ver com a guerra do Golfo. Porém, gostaria de saber se há alguma razão mais concreta para que este disparar dos preços se tenha verificado neste sector específico e o que é que o Governo pensa fazer se tal crescimento se continuar a manter.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Energia.
O Sr. Secretário de Estado da Energia: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: No fundo, este é um problema que atinge a indústria de todos os países, sendo que, portanto, não há aqui uma penalização excepcional do tecido produtivo nacional relativamente ao do nosso País, nomeadamente dos espaços com quem estamos em particular concorrência. De qualquer forma, pode ser alegado pela indústria nacional que, não usando o propano, poderá usar gás natural, situação que, como é sabido, ainda não está ao alcance do tecido produtivo do nosso País.
No entanto, e para concretizar um pouco estes aspectos, tenho aqui dados de ontem, em que, designadamente, o propano para a indústria está a ser comercializado abaixo dos preços que as companhias têm de suportar.
Antes da liberalização dos preços, tínhamos o propano a ser vendido a 37S50, enquanto que o preço de custo para as companhias era de 17S50. Portanto, as companhias tinham uma margem comercial de 20$/kg, tendo, actualmente, essa margem desaparecido por completo, isto a partir do momento em que se gerou esta concorrência entre as companhias após a liberalização dos preços.
Acontece que há um conjunto de razões que justificam esta situação. Com efeito, ela tem a ver com o período do ano de grande consumo e com o Inverno no hemisfério norte. Tem a ver com o facto de o propano e os butanos entrarem na produção das gasolinas dos jets, que duplicaram o consumo pelas operações da guerra do Golfo. Tem também a ver com a dificuldade na extracção nos países de Leste, nomeadamente na União Soviética, o que leva a
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incluir nas gasolinas e no processo refinador mais propano para a produção dessas mesmas gasolinas. Tem a ver ainda com o facto - que muitas vezes não é conhecido - de a desactivação da produção do Iraque e do Koweit ter sido muito mais significativa, em termos do peso relativo da capacidade refinadora desses países, no mercado mundial, do que em termos da sua capacidade produtora. Com efeito, os quatro milhões de barris que foram desactivados em termos de capacidade de produção são muito menos significativos, no que respeita ao todo da produção mundial, do que a enorme quantidade de refinarias muito sofisticadas do Koweit e do Iraque que foram desactivadas com a guerra, o mesmo se passando com as refinarias da Arábia Saudita que, por medidas de precaução, foram suspensas a partir do momento do início do conflito.
Portanto, estamos atentos a esta situação. Diria que não há uma penalização substancial, em termos da competitividade relativa do nosso tecido produtivo, face ao tecido produtivo dos outros países com os quais estamos em concorrência.
A medida fundamental que tomámos neste domínio traduziu-se na liberalização dos preços, de modo a esmagar as margens que as companhias estavam a obter e que eram demasiadas, e esperamos que os preços venham a cair com a chegada da Primavera e com a normal diminuição da procura.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para fazer uma pergunta ao Sr. Secretário de Estado das Finanças, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Devo esclarecer que venho para a Tribuna por solidariedade com o meu camarada José Lello e também porque penso que o Parlamento beneficiaria muito se a televisão registasse mais a imagem das mulheres no Parlamento.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Muito bem!
A Oradora: - Daí que, embora não tenha jeito para actriz, pense que devemos dar uma imagem parlamentar bastante diferente daquela que, por vezes, os Srs. Deputados dão.
Gostaria de questionar o Governo sobre os direitos e deveres dos trabalhadores das empresas públicas a privatizar e gostaria de ser esclarecida sobre alguns aspectos. O artigo 13.º da Lei Quadro das Privatizações garante todos - e sublinho «todos» - os direitos e obrigações de que os trabalhadores sejam titulares.
Se examinarmos os decretos-leis das diversas privatizações, constatamos que, com maior ou menor amplitude, se visa, desde logo, retirar a capacidade de contratualização em vigor, através dos acordos de empresa, remetendo a negociação para o acordo colectivo do sector ou, mesmo, para a lei geral.
São exemplares, pelo que constituem de retrocesso na cultura das relações laborais, desenvolvidas nas empresas públicas de maiores dimensões, os casos da Petrogal e do Banco Borges & Irmão.
Não se pretendendo, como é óbvio, manter inalterável o actual estatuto, não parece possível que este possa ser alterado fora do quadro de uma negociação com os sindicatos. O Banco Borges & Irmão, já referido, até esquece, de uma forma não inocente, o ACT da Banca, valorizando um estatuto elaborado pelo conselho de administração.
São também frequentemente esquecidas as comissões de trabalhadores que, ao abrigo da Lei n.º 46779, devem ter um papel activo nas reestruturações. Nalguns casos não são sequer informadas e, menos ainda, consultadas.
Nos casos de cisão, anunciada na EDP e em curso na RN, a situação é deveras preocupante, não apenas pela forma arbitrária da sua execução como, quanto a previsíveis dinâmicas futuras, particularmente no caso da RN - actual RNIT, empresa gestora de investimentos sem responsabilidades da gestão dos recursos humanos, por decisão do Governo (Decreto-Lei n.º 12/90)-, não garante a efectividade dos direitos e regalias e, sobretudo, o futuro dos postos de trabalho, dando, desde logo, origem à transferência ilegítima e absurda de cerca de 200 trabalhadores da sede para os quadros das empresas regionais em constituição.
Temos conhecimento de que um dos estudos encomendados para avaliar esta empresa apontava para a vantagem do aproveitamento das energias e da economia de escala que a manutenção, embora privatizada da empresa no seu universo total, significava. O referido estudo indica mesmo que o CEP 03- Castelo Branco não terá viabilidade económica.
A situação é, neste momento, de profunda consternação e de alguma perplexidade. Embora o Governo já dificilmente nos surpreenda com as suas decisões insensatas e socialmente reprováveis, terminou nesta empresa a vigência do acordo. Estamos perante um acto de gestão e interrogamo-nos: no futuro, como vai ser? Renova-se no quadro anterior, ou no quadro do Decreto-Lei n.º 47/91, que refere concretamente, no seu preâmbulo, «a criação de empresas verdadeiramente concorrenciais»? Com quem? Entre elas próprias? Com outras que neste momento apenas têm como vantagem salários ainda mais baixos do que os já muito baixos salários da Rodoviária Nacional, menores regalias e intermitências dos horários?
Uma outra questão preocupante em todas as empresas, especialmente nas do sector bancário, são as garantias quanto à reforma. E, mais uma vez, damos o exemplo da RN, onde, em 1979, os trabalhadores abdicaram de aumento salarial para a constituição de um fundo de pensão de reforma e invalidez. Como vai ser gerido este fundo de pensão? Os trabalhadores vão participar na sua gestão? Ele vai ser distribuído pelas empresas? Qual poderá vir a ser a situação dos trabalhadores activos e reformados no caso de falência, com particular gravidade para os reformados da Banca, que não terão qualquer cobertura social?
Não posso deixar de referir a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais das empresas, embora neste contexto assustador pareça um mal menor.
A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada, tenho de lhe pedir que termine, uma vez que o seu tempo está largamente esgotado.
A Oradora: - Vou já terminar, Sr.ª Presidente.
Agradeço ao Sr. Secretário de Estado que nos esclareça particularmente sobre o futuro dos trabalhadores no que respeita à sua capacidade de contratualização e aos seus postos de trabalho.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças.
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O Sr. Secretário de Estado das Finanças (Elias da Costa): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Elisa Damião: Temo-nos preocupado, em todo o processo de privatizações, em acautelar, nos lermos da Constituição e da lei, os direitos e obrigações dos trabalhadores. Aliás, relativamente aos casos específicos que colocou, a Lei n.º 11/90, no seu artigo 19º, diz que «os trabalhadores das empresas objecto de reprivatização manterão, no processo de reprivatização da respectiva empresa, todos os direitos e obrigações de que sejam titulares».
Por acaso, trouxe o dossier respeitante ao processo de privatização do BESCL (Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa), à sua transformação em sociedade anónima, não especificamente o do BBI (Banco Borges e Irmão), em que, no seu artigo 8º, se diz que «os trabalhadores e os pensionistas do BESCL mantém, perante o BESCL, S. A., todos os direitos e obrigações que tiverem à data da entrada em vigor do presente diploma». Tem sido uma tónica que, em todos os diplomas de transformação de empresas públicas em sociedades anónimas, haja a reprodução ipsis verbis do que está na lei, para que não haja alguma possibilidade de equívoco quanto a esta matéria e no que diz respeito à posição do próprio Governo.
Assim sendo, no que respeita a contratação de trabalho, remunerações, férias, assistência, etc., os trabalhadores das empresas públicas transformadas em sociedades anónimas mantêm, ipsis verbis, todos os seus direitos e obrigações.
Aliás, Sr.ª Deputada, aproveito a oportunidade para lhe dizer que, relativamente a um caso específico que colocou quanto ao sistema financeiro dos bancos no que respeita às pensões de reforma, o Governo tem aproveitado o processo de reprivatização, como insistentemente temos dito, não apenas numa óptica de procurar maximizar a receita, porque isso está fora de causa. O que procuramos é aproveitar o momento da reprivatização para reestruturar e consolidar as próprias empresas. Têm sido feitos diversos aumentos de capital, no próprio processo de reprivatização; tem havido uma enorme preocupação no que diz respeito às insuficiências para pensões de reforma dos trabalhadores e penso que é salutar aproveitar o momento da reprivatização para consolidar e salvaguardar os direitos dos trabalhadores, particularmente neste caso do sistema financeiro, no que diz respeito aos fundos de pensões.
Portanto, temos actuado em todos os sectores nesta perspectiva e penso que todos os direitos dos trabalhadores são não só respeitados como as perspectivas que se criam nos diversos sectores vão no sentido de reforçar a garantia desses mesmos direitos.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª não respondeu à questão central das cisões. A Rodoviária Nacional é um caso exemplar: constituiram-se 13 empresas, nove das quais são concorrenciais entre si, sabendo-se à partida - um dos estudos refere isso e inclusivamente coloca essa dúvida - que algumas não serão empresas rentáveis. Posto isto, pergunto onde é que estão acautelados aí os direitos dos trabalhadores.
Por outro lado, os regimes sucedâneos, sob o ponto de vista da contratualização- e refiro a Petrogal e outros, que remetem para o CCTV do sector-, não têm a mesma dimensão social e a mesma capacidade negocial que os trabalhadores mantinham com os acordos de empresa, com uma cultura completamente distinta. Pergunto ao Sr. Secretário de Estado como é que vai garantir os direitos aos trabalhadores em 13 empresas, nove das quais concorrenciais entre si e algumas delas com o espectro da falência.
A Sr.ª Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças.
O Sr. Secretário de Estado das Finanças: - Sr.ª Deputada, antes de responder especificamente à questão da RN, gostaria de recordar que a privatização é um dos instrumentos essenciais ao acréscimo da concorrência e da, desregulamentação da nossa economia, da maior abertura dos mercados, procurando-se que essa mesma concorrência traga uma maior eficiência ao nosso aparelho produtivo e daí advenha um benefício para todos os consumidores. Portanto, estamos perante um quadro e um objectivo global que tem em conta a melhoria da eficiência do nosso sistema produtivo. Assim, tudo quanto seja feito no sentido de proporcionar um acréscimo da concorrência é benéfico em termos de eficiência e dos consumidores em geral.
É nesta perspectiva que se insere a cisão da RN. Não se trata de uma questão de concorrência entre as 13 empresas que vão surgir da RN, mas de privilegiar a concorrência no sistema global de transportes. Estas 13 empresas não vão somente concorrer entre si mas também relativamente às demais.
Em todos os estudos realizados, o plano de cisões da RN teve em conta a necessidade de que cada uma das empresas tivesse condições adequadas para vir a trabalhar nos seus diferentes mercados. Certamente que uns CEP terão melhores condições e outros menores, mas houve uma preocupação central de garantir que, na repartição e no plano de cisões, essas empresas tenham as condições adequadas de mercado para vir a trabalhar e, desta forma, não será posta em causa - porque não é essa a intenção nem a perspectiva do Governo, nem tão-pouco a perspectiva para que os estudos apontam - a garantia dos direitos dos trabalhadores em qualquer uma das empresas que venha a ser constituída no âmbito da RN.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Raúl Rêgo (PS): -Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: -Para que efeito?
O Sr. Raul Rego (PS): - Para expressar um voto de pesar - que será formalizado posteriormente-, lembrando à Câmara o falecimento do professor Eduardo Correia, criminalista eminente, que foi Ministro da Educação do I Governo Provisório. Peço que, em sua memória, se faça um minuto de silêncio.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Raul Rego permita-me que, como antiga estudante da Universidade de Coimbra e aluna do professor Eduardo Correia, me associe ao seu voto e lembre também a figura verdadeiramente ímpar que ele foi, o eminente cientista do Direito que fez escola, o grande professor, assinalando ainda, como pessoa, a sua fulgurante inteligência, a sua vivacidade de espírito, a sua enorme simpatia.
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O Sr. Cristóvão Norte (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para me referir também ao voto formulado pelo Sr. Deputado Raúl Rêgo.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A bancada do PSD associa-se, naturalmente, a este voto de pesar e eu, como antigo aluno do professor Eduardo Correia (formei-me com ele), queria dizer que foi não só Ministro da Educação do I Governo Provisório como também Ministro da Justiça do Governo do Professor Mola Pinto.
Foi um brilhante professor e foi ainda um dos maiores criminalistas deste século. Não podemos também esquecer o grande cultor que foi da escola alemã e aí estão os seus dois tomos de Direito Criminal, que continuam a ser instrumentos indispensáveis tanto para os estudantes como para os profissionais de Direito. Felizmente temos dele alguns seguidores, também brilhantes, como é o caso dos professores Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade.
Por tudo isso - pela sua brilhante personalidade, pela sua competência, pela sua humanidade -, devemos à sua memória o maior respeito e daqui enviamos à sua família os nossos sinceros e profundos pêsames.
A Sr.ª Presidente: - Para se referirem ao mesmo voto de pesar pediram a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares e os Srs. Deputados José Manuel Maia, Adriano Moreira e Carlos Lilaia.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Sr.ª Presidente, permita que me associe, em nome do Governo, a esta homenagem que a Assembleia da República está a prestar ao homem e ao cidadão, ao homem que foi nosso amigo, ao homem que foi nosso professor, ao homem público e ao homem de ciência que foi o professor Eduardo Correia.
O professor Eduardo Correia foi um criminalista emérito, que entrou na política por via do seu particular valor como homem e como cidadão, foi o esteio da reforma do Código Penal Português, foi o homem que trouxe uma aragem nova à vida pública portuguesa e ao procedimento criminalista em Portugal.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.
O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em breves palavras, tanto eu como o Grupo Parlamentar do PCP, queremos associar-nos ao voto de pesar apresentado pelo Sr. Deputado Raul Rego e manifestar, tanto à universidade como à sua família, o nosso pesar pela sua perda.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Quero associar-me pessoalmente e em nome do CDS a esta homenagem, que julgo dever ser seguida de uma homenagem maior, à memória do professor Eduardo Correia.
É bom que ele seja lembrado na Assembleia da República, é indispensável que ele seja, fundamentalmente, lembrado pela universidade, que acaba de perder um dos seus servidores mais exemplares.
Conheci o professor Eduardo Correia jovem e conheci-o no fim da sua carreira e ao longo de toda a sua vida ele foi, sobretudo, um professor. É por isso que ele será lembrado e não pelo serviço que, acidentalmente, lhe foi pedido e prestou ao Governo da República.
Queria também lembrar que ele é um dos grandes exemplos do que é a continuidade de uma instituição universitária. Não posso lembrar-me do professor Eduardo Correia sem me lembrar do professor Beleza dos Santos. Não posso lembrar-me de um, continuador, sem me lembrar do outro, que renovou os estudos do Direito Criminal e da criminologia em Portugal e que foi o grande obreiro da reforma prisional portuguesa, na época a mais adiantada da Europa.
Eduardo Correia tomou essa tradição e deu um passo em frente na investigação e esse é que é o espírito institucional da universidade. Foi ele quem introduziu em Portugal - aliás, na continuação da obra do professor Beleza dos Santos - a mais adiantada doutrina alemã e algumas das inovações teóricas que introduziu fizeram escola, fazendo hoje parte do nosso património científico.
É nesta perspectiva, fundamentalmente, que o professor Eduardo Correia não será esquecido, sobretudo porque prestou o serviço mais importante que um professor pode prestar à sua universidade: deixar discípulos com a dedicação e o nível suficiente para que o professor possa ser esquecido. Ele prestou esse serviço à universidade portuguesa.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PRD quer associar-se também ao voto de pesar apresentado pelo Sr. Deputado Raul Rego, naturalmente endereçando à família e à universidade sentidas condolências por parte do Grupo Parlamentar do PRD.
Destaco aqui, na circunstância, aquilo que foi a vida e a obra do professor Eduardo Correia como universitário, como político, mas também como homem de Estado e como cidadão empenhado na resolução de problemas concretos da sociedade portuguesa.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, conforme pedido pelo Sr. Deputado Raul Rego, vamos guardar um minuto de silêncio.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Para fazer uma pergunta ao Sr. Secretário de Estado das Finanças, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado das Finanças: Raras vezes tem sido dada a esta Câmara a possibilidade de discutir o processo das privatizações no seu conjunto, enquanto política global de um Governo que elegeu as privatizações como objectivo principal da sua acção, ou nos seus aspectos parcelares, entendidos como privatização de uma empresa ou de um grupo.
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Não se compreende que assim seja, dadas as suas implicações nos mais variados aspectos da vida financeira, económica e social do nosso País, como não se compreende que o Governo não tenha ainda tomado a iniciativa de vir apresentar a esta Câmara um balanço pormenorizado daquilo que tem sido a sua iniciativa de privatizar, os seus êxitos e os seus fracassos, reflectindo em conjunto com o Parlamento sobre uma política que interessa a todos nós.
Feito o reparo, colocado o problema, convirá dizer que, pela nossa parte, consideramos que já era tempo de, sem complexos, discutir as privatizações no concreto.
Como pequeno contributo para essa discussão e pretendendo, sobretudo, situar o momento dessa discussão muito mais sobre p enquadramento do processo de decisão de e como privatizar e menos na apreciação dos resultados de uma decisão já tomada pelo Governo, iremos colocar um vasto conjunto de questões relacionadas com a anunciada privatização da CIMPOR.
A escolha foi feita atendendo à importância da empresa, ao que ela representa no quadro do ramo dos cimentes e ainda por a decisão do desmembramento da empresa em fase de pré- privatização não merecer o acordo de sectores que vão desde a administração da empresa aos quadros técnicos e aos trabalhadores.
Conhecida como é a tendência para uma forte concentração do sector cimenteiro em termos europeus e até mundiais, como se justificará a venda à SECIL antes do processo de privatizações das unidades de Pataias e Maceira, hoje propriedade da CIMPOR, sobretudo quando as quotas de produção, que hoje são de 75 % para a CIMPOR e de 25 % para a SECIL, passam a ser de 60 % e 40 %? Se o equilíbrio do sector é o objectivo, não se vê grande diferença. Convirá notar que a própria unidade de Maceira é aquela que obtém as melhores performances dentro do grupo CIMPOR.
A SECIL é uma empresa de capital maioritariamente nacional, em que o IPE detém 52 % do capital e os interesses estrangeiros 48 %. Não se sabe- nada se disse ainda -como se repartirá p dito capital social depois de consumada a venda das unidades de Pataias e Maceira à SECIL. Sob pena de se poder estar a beneficiar interesses estrangeiros, seria óbvio que se aguardasse uma diminuição percentual do capital estrangeiro. Será assim, Sr. Secretário de Estado? Tem lógica este raciocínio?
Mas outras questões subsistem ainda. A decisão de vender nestas condições à SECIL, na sua qualidade de único comprador, coloca uma questão pertinente-a do preço.
V. Ex.ª, Sr. Secretário de Estado, vai dizer-nos que o preço será o «preço justo», resultado das avaliações a que ambas as partes estão a proceder. Mas o problema está exactamente aí e reside no facto de a CIMPOR sempre ler de conformar-se com o «preço justo», porque só tem um comprador e este já foi antecipadamente escolhido pelo pai do vendedor.
Como em tudo, é sempre possível ter opiniões a favor ou contra, pelo que seria útil que V. Ex.ª informasse esta Câmara sobre os diferentes pareceres de que, ao que sabemos, o Governo dispõe, elucidando a respeito das soluções preconizadas.
Na divulgação das primeiras ideias do Governo acerca da privatização da CIMPOR pareciam prevalecer intenções de preservação do controlo por parte de grupos nacionais. Mais recentemente, fazem-se eco de uma possível abertura total a capitais estrangeiros ainda durante 1991. Como vai ser. Sr. Secretário de Estado? Será que as preocupações de equilíbrio se encontram só nas quotas de produção?
Por último queria referir que se admite como lucro da CIMPOR, para 1990, o valor de 11 milhões de contos e reflectir ainda, como aquele cidadão eleitor anónimo que se admirava de agora, com a abertura do processo de privatizações, só existirem empresas lucrativas no sector empresarial do Estado.
A Sr.ª Presidente:-Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças.
O Sr. Secretário de Estado das Finanças: - Sr. Presidente. Srs. Deputados, Sr. Deputado Carlos Lilaia, não é certamente por culpa ou responsabilidade do Governo que o processo de privatizações não é mais assiduamente discutido no Parlamento, isto é, em Plenário ou na Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Aliás, eu próprio, em diversas intervenções públicas, tenho defendido a discussão de todo o processo e não só o da CIMPOR, como pretende hoje aqui avaliar, mas de tudo o mais. Aliás, esta abertura do Governo em relação a esta matéria -e muito espantaria que não fosse assim no Parlamento, na medida em que o procuramos - concretizou-se, muito recentemente, num seminário sobre as privatizações, onde todas as forcas vivas existentes no mercado puderam, de facto, emitir as suas posições e opiniões e aí recolhemos os ensinamentos e pareceres que se nos afiguraram adequados. Portanto, não é por causa do Governo que não é mais assiduamente discutido, nesta Câmara, o processo de privatizações. Gostaria que isto ficasse bastante claro!
Quanto à questão da CIMPOR, Sr. Deputado, como há pouco referi, existe uma grande preocupação do Governo em aproveitar as privatizações como um meio, uma oportunidade por excelência e um veículo para reestruturar, consolidar e reforçar os diversos sectores e as diversas empresas.
A nossa primeira preocupação é analisar sectorialmente e perspectivarmos quais as principais orientações e prioridades para cada um dos sectores. Assim foi feito no sistema financeiro, no sector cimenteiro e nos demais sectores, alguns dos quais não têm ainda os estudos e dossiers completos.
Procurámos, com os elementos que tínhamos disponíveis, analisar quais deveriam ser as nossas perspectivas na privatização do sector cimenteiro, quais as prioridades a salvaguardar e quais os grandes objectivos nacionais a atingir. Aí recolhemos diversos pareceres, não só os que já existiam dos diversos avaliadores e do próprio conselho de administração da CIMPOR, mas também recorremos a uma instituição internacional cujos trabalhos e curriculum em relação à análise e desenvolvimento do sector cimenteiro era particularmente grande. Refiro-me à IFC que, tal como sabe, é uma sucursal do Banco Mundial e que nos apoiou de uma forma determinante a nossa decisão de reestruturar o sector cimenteiro.
Basicamente, optámos, como referiu, por reforçar a SECIL, através de duas fábricas da CIMPOR. atingindo um maior grau de concorrência no mercado, pois entendemos que era fundamental introduzir não apenas uma concorrência de preços, mas também de serviços, em benefício do próprio consumidor.
A situação de monopólio que existia, na prática, de domínio total por parte da CIMPOR, no sector cimenteiro, era negativo. Por isso, optámos por uma estrutura concorrencial e uma estrutura concorrencial assente em duas empresas.
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Também entendemos que, com mais de duas empresas, não teríamos um ganho adicional de concorrência que compensasse outras desvantagens existentes, no que diz respeito a um maior número de empresas no sector cimenteiro. Daí o termos seguido uma orientação de cindir a CIMPOR, reforçando a SECIL, numa estrutura concorrencial de mercado que até agora não havia.
É também nossa preocupação que, em quaisquer circunstâncias, quer a CIMPOR quer a SECIL possam ser privatizadas, em consequência, por forma a procurar garantir o controlo de ambas por interesses nacionais e não se trata aqui de priviligiar o capital estrangeiro. Certamente que teremos que ter consciência que na SECIL existe um parceiro dinamarquês que está cá há 60 anos, todavia toda esta reestruturação do sector não é no sentido de beneficiar o parceiro dinamarquês mas, sim, fundamentalmente, o País e os consumidores nacionais. Na verdade, existe claramente uma preocupação de manter, para a CIMPOR e a SECIL, numa futura privatização, uma estratégia que privilegie o controlo nacional.
O Sr. Deputado perguntou-me como é que este desiderato seria atingido. Sr. Deputado, neste momento, não posso responder-lhe porque, após a decisão do Governo nesta matéria, em termos prioritários sectoriais, houve que desencadear os processos de avaliação, quer das fábricas em causa, quer da CIMPOR e da SECIL. Só quando tivermos disponíveis o conjunto das avaliações que serão feitas às fábricas, à CIMPOR e à SECIL, situação que espero estar concluída em 28 de Fevereiro, portanto, no fim deste mês, é que estarei em condições de dispor de um elemento essencial para a definição da estratégia, que é o valor das fábricas, para definir a forma como toda a operação se pode vir a montar subsquentemente, com a transferência de património e alienação de acções.
Sr. Deputado, não é em cinco minutos que consigo transmitir-lhe toda a gama de informação que o Governo recolheu e possui sobre o sector cimenteiro. Estou totalmente à disposição do Plenário e da Comissão de Economia, Finanças e Plano, onde o Sr. Deputado poderá discutir comigo e obter todos os elementos de que dispomos no que respeita ao suporte das nossas decisões.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia(PRD):- Sr. Secretário de Estado, naturalmente que registei com agrado a disponibilidade do Governo para discutir com esta Assembleia o processo de privatizações. É pena que, por vezes, a discussão seja limitada na forma, como a estamos a fazer neste momento. Todavia, isso não é culpa do Governo mas, sim, desta Câmara e nomeadamente do PSD, que não permitiu que, no âmbito da Comissão de Economia Finanças e plano, se constituísse uma comissão de acompanhamento do processo de privatizações, que possibilitaria um melhor diálogo entre a Assembleia da República e o Governo e, provavelmente, até ultrapassar esta limitação que, muito justamente, o Sr. Secretário de Estado neste momento reconhece.
Relativamente às questões que levantou na sua resposta, gostaria de dizer-lhe que não fiquei inteiramente satisfeito com o seu esclarecimento. Continua a causar-me alguma preocupação e alguma dúvida o facto de existir uma grande consonância de posições - na administração, nos quadros técnicos, na própria comissão de trabalhadores- relativamente à solução que foi encontrada.
Esta dúvida, esta preocupação, deriva do facto de a administração tanto se ter empenhado num processo de reestruturação e dinamização da própria empresa - devemos aqui ressaltar essa situação pois existem administrações em relação às quais temos feito todo um conjunto de críticas mas, em relação à administração da CIMPOR, reconhecemos o êxito que ela tem tido. Exactamente por isso, levantam-se-nos dúvidas sobre as divergências entre, por um lado, este grupo e o Governo, existindo, por outro, uma consonância muito grande de posições no interior desse grupo relativamente às posições que são tomadas.
Portanto, se o Sr. Secretário de Estado ainda tiver tempo disponível, era este aprofundamento das razões - que, naturalmemte, o PRD suscita em termos de dúvida - que gostaríamos que fizesse.
Da resposta do Sr. Secretário de Estado, inferi também que, provavelmente - e esta era também uma das dúvidas que lançava -, o capital social da SECIL, depois de consumado o processo de venda das duas unidades, seria exactamente igual àquele que agora existe, com o argumento de que os nossos parceiros dinamarqueses já se encontram aqui há 60 anos e, portanto, também não haveria agora qualquer razão para que não continuassem a acompanhar o IPE e pudessem ser prejudicados numa eventual nova repartição do capital social.
Ora bem, em relação a essa questão diria que hoje são dinamarqueses mas, provavelmente, amanhã já serão ingleses... Portanto, penso que não terá que haver qualquer contemplação relativamente a interesses dessa natureza.
Finalmente, agradeço-lhe as explicações que deu, mas, neste aspecto, estou perfeitamente de acordo consigo: há que retomar este processo, porque não há tempo, nestes escassos minutos, para esclarecer todas estas questões que estivemos a debater. Pela nossa parte, quisemos levantar o problema e dizer que, para nós, relativamente aos sectores que aqui referi, este processo, sendo embora uma solução engenhosa e reflectindo até uma boa ideia de engenharia do próprio processo de privatizações, coloca de facto algumas dúvidas, como aqui deixei expresso.
A Sr.ª Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças.
O Sr. Secretário de Estado das Finanças: - Sr. Deputado Carlos Lilaia, de facto, não se torna necessário, para a fiscalização do processo de privatizações, haver uma comissão de acompanhamento no seio da própria Assembleia, na medida em que, através da Comissão de Economia, Finanças e Plano, sempre o sustentámos e afirmámos, estaremos completamente à disposição da Assembleia - é só uma questão de os Srs. Deputados terem tempo e eu próprio também - para nos debruçarmos sobre esta matéria. Aliás, o processo de privatizações não tem colocado a esta Câmara grandes preocupações, na medida em que ao meu gabinete apenas chegou uma pergunta, do Grupo Parlamentar do PSD, relativamente ao processo, à qual respondi na semana passada. Admito que ainda não tenham chegado as do Grupo Parlamentar do PCP...
Como é que o Sr. Deputado quer que o Conselho de Administração da CIMPOR mantenha outra posição que não a defesa dos interesses da empresa, na perspectiva da privatização. Seriam eles que iriam sustentar a cisão da própria empresa? Sr. Deputado, esse tipo de preocupações é manifestamente do Governo, em termos sectoriais. Por-
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tanto, o conselho de administração da CIMPOR perspectivou os interesses da privatização na base daquilo que ele entendia que era mais adequado para a empresa e nunca numa perspectiva sectorial. Essa deve-a ter o Governo, que a assumiu como tal e perspectivou nessa base.
Quanto à segunda questão, relativamente aos dinamarqueses, Sr. Deputado, na resposta que lhe dei não disse que os dinamarqueses manteriam a mesma repartição de capital. Não lhe disse que sim nem que não... O que lhe disse foi que, no final deste mês, teria na minha mão um número, proveniente da avaliação das empresas, que me permitiria, digamos, desenvolver a estratégia, o modelo e os objectivos que temos de alcançar com a privatização da SECIL. Nunca lhe disse que os dinamarqueses ficarão com a mesma participação de capital. Essa foi uma ilação que o Sr. Deputado retirou...
A Sr.ª Presidente: - Para fazer uma pergunta à Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Desculpe, Sr.ª Presidente, mas peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Presidente, suponho que há ainda uma questão a colocar ao Sr. Secretário de Estado das Finanças, por parte do CDS. No entanto, está uma senhora em causa e eu, evidentemente...
Risos gerais.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Duas senhoras !
A Sr.ª Presidente: -Tem toda a razão, Sr. Deputado. Tem, pois, a palavra.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Presidente, peço desculpa, pois estavam três senhoras em causa e, portanto, cederia com todo o gosto a minha vez...
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: A minha bancada associou-se - e fazia um parêntesis-, pela voz do Sr. Professor Adriano Moreira, à homenagem que foi prestada ao professor Eduardo Correia. Suponho que a voz do nosso deputado, professor universitário que, em tempos mais recuados, se dedicou também ao estudo do Direito Criminal e da criminologia, enriqueceu a homenagem desta Assembleia. Porém, como antigo aluno do professor Eduardo Correia, não quero deixar de me associar, expressamente, e com certeza também o meu colega Narana Coissoró, à homenagem que, por nós todos, o Sr. Professor Adriano Moreira aqui prestou.
Sr. Secretário de Estado, também não quero deixar de iniciar a minha pergunta, não lamentando que seja V. Ex.ª a responder-me - tenho muito gosto nisso, é evidente -, mas sem referir que a pergunta do CDS não é apenas sobre privatizações, tem também uma alínea respeitante ao entrosamento desse processo no das indemnizações e supondo que esta matéria não está a cargo do Sr. Secretário de Estado, ou seja, a questão da revisão da lei das indemnizações, pensámos que seria o Sr. Ministro das Finanças a responder. Sabemos que V. Ex.ª fará os possíveis por, mesmo em matéria que não é do seu pelouro, dar a resposta adequada, mas não queremos deixar de fazer o reparo.
Sr. Secretário de Estado, aquilo que nos determinou a colocar a questão foram as vicissitudes recentes que conheceu o processo das privatizações. Em primeiro lugar, o Governo decidiu suspender o processo e decidiu-o, digamos assim, de uma forma discreta. Anunciou-o discretamente, mas suspendeu o processo das privatizações. E depois acabou por anunciar, infelizmente não nesta Assembleia, mas num outro fórum, que também prezo muito, porque foi um fórum organizado por uma escola em que dei aulas, q termo da suspensão das privatizações. Praticamente, a maior parte dos portugueses tomaram conhecimento de que as privatizações estavam suspensas ao saber que tinha terminado a suspensão das mesmas.
Mas, Sr. Secretário de Estado, porquê a suspensão? Dir-me-á V. Ex.ª, muito simplesmente: só um cego ou um ignorante total é que não sabe que houve a crise do Golfo! Mas eu diria já agora sirvo-me de elementos noticiosos sobre esse fórum ilustre em que o assunto foi tratado - que, a avaliar pelo coro das críticas surgido nessa jornada de reflexão, organizada pelo Centro de Investigação de Economia Financeira do Instituto Superior de Economia e Gestão, como agora se chama, e que teve lugar no passado dia 14, e pelo clima de pessimismo aí revelado, não pelo Sr. Secretário de Estado, convenhamos, mas por muitos dos intervenientes, não teria sido apenas a ameaça de crise ou mesmo a manifestação dos primeiros sinais de crise, aparecidos na sequência do início das hostilidades do Golfo, a explicar a decisão da suspensão.
Desde Miguel Cadilhe até Belmiro de Azevedo, passando por Alípio Dias e Fernando Ulrich, todos criticaram o processo seguido e vaticinaram maus resultados, caso se não registassem mudanças nesse mesmo processo. Designadamente, foram apontados os casos recentes da CENTRALCER e do Banco Português do Atlântico como sintomáticos e como detonadores da situação que conduziu à suspensão. Será isto verdade ou não? O que é que o Sr. Secretário de Estado tem a dizer-nos, designadamente sobre estes casos?
Finalmente, o Sr. Secretário de Estado poderia, porventura, gastar muito menos tempo se viesse aqui instruído, no sentido processual, com os relatórios semestrais da comissão de acompanhamento das privatizações que, de facto, suponho, não pode trazer-nos ou, pelo menos, não pode facultar-nos.
Continuo a perguntar o que tem o Sr. Secretário de Estado a dizer-nos.
Por outro lado, assim sendo, que razões é que no passado dia 14 -hoje, por exemplo, tudo poderia ser diferente- levaram o Governo a levantar a suspensão das privatizações? Acabou a crise? Não há mais sinais de crise no horizonte? As consequências da crise tinham desaparecido no dia 14 ou o Governo, talvez informado pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que tudo sabe, já sabia que havia um plano de paz da União Soviética a que o Iraque ia responder favoravelmente?
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, a tal questão que não é do seu foro: há ou não a intenção de passar a utilizar os processos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 11/90, isto é, o concurso limitado e a negociação directa? Se há essa intenção, em que casos é que se aplica? As privatizações a fazer vão ou não ser programadas e essa programação irá ou não ser previamente anunciada ao País? Vai ou não o Governo decidir no sentido do entrosamento, de uma forma mais rigorosa do que a resultante do disposto no artigo 24.º da Lei n.º 11/90, do processo de correcção das indemnizações,
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aproveitando a oportunidade que lhe é facultada pelo CDS, com o processo das privatizações?
Sr. Secretário de Estado, muito grato ficaria pelos esclarecimentos que me pudesse dar a estas questões.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças.
O Sr. Secretário de Estado das Finanças: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, é com alguma surpresa que verifico a sua posição hoje, porque, normalmente, o senhor habituou-nos a vê-lo defender as suas posições e a colocar as suas questões na base do conhecimento de facto, em consciência. Porém, hoje, o Sr. Deputado acabou por fazer pane das críticas e da sua questão consubstanciando-se num seminário -ao qual, infelizmente, não esteve presente- e inferir todo um conjunto de críticas que teriam sido feitas por diversos conferencistas.
Sr. Deputado, no sentido de contribuir para o seu total e absoluto esclarecimento relativamente ao que se passou no simpósio e quanto à posição de cada um dos conferencistas, nomeadamente os Drs. Miguel Cadilhe, Vítor Constando, Engenheiro Belmiro de Azevedo, Dr. Fernando Ulrich, enfim, todos os que referiu, pedirei à chefe do meu gabinete que, ainda hoje, lhe envie fotocópia de todas as intervenções que foram feitas nesse seminário,...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso era bom!
O Orador: -... antes mesmo do livro que pretendemos fazer. De facto, foi um seminário extraordinariamente rico, muito vivo e participado, pelo que, penso, constitui uma boa reflexão sobre o nosso processo de privatizações. O Sr. Deputado perguntou-me o que determinou a suspensão do processo de privatizações. Bom, não sei se se recorda que o processo de privatização em curso, nessa altura, era o da Aliança Seguradora: linha havido o decreto--lei, a resolução do Conselho de Ministros e prepa-rava-se o aviso de Bolsa. Porém, no dia 14 ninguém neste mundo sabia quais eram as consequências daquilo que iria suceder a partir do dia 15, data limite imposta pelas Nações Unidas para a retirada do Iraque do Koweit.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sabia!
O Orador: - Nós não sabíamos, no dia 14, quais seriam as consequências dos efeitos da guerra sobre os mercados financeiros, sobre o próprio clima e psicologia existente no que respeita ao mercado do petróleo e do crude. Desconhecíamos totalmente o que se iria passar e daí que, numa atitude de absoluta prudência, tenhamos decidido não avançar com o processo de privatização da Aliança Seguradora, suspendendo o aviso de Bolsa, o único documento que faltava para a sua efectivação.
Após as primeiras horas do início das hostilidades, houve uma boa reacção por parte dos mercados financeiros internacionais, isto é, houve uma certa desgraduação das consequências da guerra do Golfo. Em princípio, toda a gente pensaria que este conflito se traduziria numa catástrofe maior do que aquela que, após os primeiros dias de guerra, veio a verificar-se.
Deixámos consolidar um pouco esta situação para verificar se, de facto, corroborávamos essa posição de desgraduação das consequências da guerra do Golfo, embora, naturalmente, elas existam. Porém, não é isso que está em
causa mas, sim, a questão da desgraduação dessa crise ao nível internacional e nacional.
Agora entendemos que temos condições para reiniciar o processo, o que faremos a breve trecho, e estamos apenas a ultimar questões processuais no que respeita à Aliança Seguradora para reiniciar o processo. Além disto, daremos, brevemente, à semelhança daquilo que fizemos no ano passado, indicações ao mercado sobre qual o nosso timing, isto é, daremos indicação de quais serão as empresas que iremos privatizar num futuro próximo.
Perguntou-me ainda o Sr. Deputado se há ou não alterações das modalidades de privatização, em particular no que respeita ao recurso ao concurso público limitado e ao ajuste directo. Sr. Deputado, sustentamos - como, aliás, sempre fizemos - que a estratégia que temos vindo a seguir tem sido adequada para atingirmos os objectivos que pretendemos, ou seja, objectivos de identidade nacional, de transparência, da disseminação do capital e da defesa do valor patrimonial do Estado. Este é um conjunto de objectivos que não têm sido postos em causa e que, além disso, têm sido alcançados com as ofertas públicas de venda e com o concurso público. São, pois, duas modalidades perfeitamente adequadas e que, até agora, têm, provado, pois os resultados têm mostrado que temos conseguido alcançar esses objectivos e, portanto, manteremos essa orientação.
Porém, isto não significa que não utilizemos o concurso limitado ou o ajuste directo quando entendermos necessário. Por exemplo, foi decidido que a alienação da Covina fosse feita por venda directa, pelas suas características e especificidade; o mesmo se passou com a Quimigal, isto é, também houve uma decisão do Conselho de Ministros no sentido de proceder à sua venda directa. Portanto, não há aqui qualquer malapata em relação ao concurso público limitado ou ao ajuste directo, o que existe é, nos termos e dentro do espírito e da letra da lei, uma adaptação às circunstâncias que o exijam.
Manteremos, basicamente, a orientação que temos vindo a seguir e que, julgamos, atingiu cabalmente os objectivos que nos propomos.
Quanto ao processo de indemnizações e privatizações e, concretamente, quanto à pergunta que o Sr. Deputado fez sobre se o Governo estaria ou não decidido a rever a sua atitude face à conexão entre as privatizações e o processo de indemnizações, posso dizer-lhe que sempre temos defendido em todos os fóruns, em particular neste Parlamento, que entendíamos que os processos são diferenciados: um é o processo das indemnizações; outro é o das privatizações. Portanto, não alteraremos esta posição.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Secretário de Estado, congratulo-me com o clima que o senhor referiu e com o grande êxito que, naturalmente, vou ler nos papéis que me vai mandar.
Em todo o caso, há duas questões que, em meu entender, ressaltam desse seminário, onde grande parte dos presentes constatou que há exiguidade de poupança nacional com vocação empresarial para concorrer às privatizações. Isto é claríssimo, por exemplo, na intervenção do Dr. Miguel Cadilhe, que fala na necessidade de abrir a possibilidade de contrair passivos longos, facultados pelo Estado, aos candidatos às privatizações. Ele vê a questão dos passivos longos conjugada com a possibilidade de nego-
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ciação directa ou de concurso limitado e com a conveniência de constituir e preparar núcleos duros nas empresas, e vê-o com dois objectivos: primeiro, possibilitar a existência de uma procura e, segundo, garantir a permanência em mãos nacionais de empresas estratégicas. Isso foi referido pelo Dr. Miguel Cadilhel
Mas também o Dr. Vítor Constâncio, que discordou de Miguel Cadilhe nesta matéria, propôs outra coisa: abrir a possibilidade de recurso a crédito externo, deixando de aplicar, aos candidatos à tomada de posições nas empresas a privatizar, a regra do depósito fechado dos 40 % em crédito obtido no exterior. Isto revela, pois. a mesma preocupação! Embora haja discordância quanto ao método, estas posições revelam que tanto um como o outro têm consciência de que não há poupança suficiente para este efeito.
Santos Teixeira, por exemplo, novo presidente da Companhia de Seguros Império, Companhia que estará num horizonte mais ou menos longínquo de privatizações, defende um outro método-que, no fundo, é um reflexo da mesma preocupação-, que é a possibilidade de venda imediata na Bolsa das partes de capital privatizadas adquiridas por pequenos accionistas. No fundo, trata-se do reconhecimento de que alguma coisa há a fazer para nascer uma procura que não existe.
O Sr. Secretário de Estado - vi-o na televisão muito galhardamente a confessar- assumiu inteiramente a responsabilidade pela quebra da procura no caso da CENTRALCER e assumiu-a pessoalmente. Acho que isso foi um pouco exagerado, mas a atitude ficou-lhe bem, porque, normalmente, como costuma dizer o Sr. Professor Adriano Moreira, em Portugal a culpa morre solteira e, nesse caso, casou-se com V. Ex.ª, ou antes, V. Ex.ª fez o casamento.
Risos.
O que acontece. Sr. Secretário de Estado, é que no caso do Banco Português do Atlântico V. Ex.ª cantou vitória, mas ponha a mão na consciência, conte-nos das aflições porque passou durante o processo e nos últimos dias e diga-nos, sinceramente, se realmente é caso para cantar vitória ou se V. Ex.ª não acrescentou um outro processo aqueles que foram enunciados por Miguel Cadilhe, por Santos Teixeira ou por Vítor Constâncio, de que há uma outra forma de resolver esse problema: é pôr as empresas públicas sobrantes a subscrever as privatizações. Foi um pouco, Sr. Secretário de Estado, o que aconteceu com o Banco Português do Atlântico. Terá de o confessar.
Sr. Secretário de Estado, sendo assim, porque não admitir, como o Governo admite-e V. Ex.ª aí diz uma coisa que não está certa -, o entrosamento dos dois processos, pois o artigo 24.º da lei das privatizações admite isso. Porque é que não admite, pois, um entrosamento mais intenso? Porque é que não admite corrigir as indemnizações pagas aos titulares de bens nacionalizados, de modo a possibilitar que essa correcção possa ser utilizada nas privatizações? Esse é que era o caminho certo e, portanto, continuo a insistir nesta questão, Sr. Secretário de Estado.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças.
O Sr. Secretário de Estado das Finanças:-Sr. Deputado Nogueira de Brito, de facto, apenas lamento que, no conjunto das intervenções a que leve acesso, não se tivesse preocupado em saber o que é que os membros do Governo aí afirmaram, não apenas as declarações do Secretário de Estado das Finanças, mas, sobretudo, do Sr. Ministro das Finanças, dentro dos elementos que o Sr. Deputado, certamente, consideraria...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Estava tudo bem!
O Orador:-Não, Sr. Deputado. Está enganado!
As questões levantadas quanto à exiguidade da procura, ou seja, as questões levantadas e subscritas pela grande maioria dos presentes foram assumidas textualmente nas intervenções dos membros do Governo presentes nesse simpósio.
E que, embora havendo grande poupança ao nível nacional, em que, por exemplo, nos depósitos a prazo temos 3,7 mil milhões de contos, o problema é a canalização dessa mesma poupança para o processa Isso está claramente assumido pelo Governo.
E quais são os instrumentos que nesse mesmo texto e nessa mesma intervenção, em termos estratégicos, defendemos? Porque é que recorremos ao gradualismo, à cadência, ao direito de preferência, ao preço fixo, ao ónus de inalienabilidade, senão para tentar conseguir, através destes mecanismos próprios, acompanhar as nossas insuficiências de procura e garantir este desiderato fundamental que é a identidade nacional no processo de privatizações?
Tudo isto está nos textos e nas intervenções dos membros do Governo nesse simpósio. Lamento que não tenha tido acesso a eles. mas, como prometi hoje, faço questão em fornecer-lhe toda a documentação sobre essa matéria.
De qualquer forma, existe uma estratégia do Governo para o processo de privatizações, no sentido de compatibilizar essa escassez de procura, não de meios nem de poupança, com o processo de privatizações.
Certamente que houve todo um conjunto de referências por parte dos diversos conferencistas a que o Governo, certamente, não deixará de atender ou de ponderar, mas no caso da CENTRALCER assumi a responsabilidade, como assumirei a responsabilidade em todos os processos cuja execução me esteja cometida. Mas deixe-me dizer-lhe que nesse caso o insucesso deveu-se, sobretudo, à grande preocupação que o Governo teve em satisfazer os interesses nacionais.
Não havia qualquer necessidade de alienar a CENTRALCER com limites para estrangeiros, não havia qualquer necessidade de reduzir o mercado de colocação da CENTRALCER. Isso foi feito porque houve grupos nacionais industriais que manifestaram ao Governo a intenção de concorrer à privatização e, como tal, haver necessidade de alguma protecção das suas posições relativamente aos estrangeiros. Foi isso que fizemos e talvez por isso tenhamos pago a respectiva factura.
De qualquer maneira, Sr. Deputado Nogueira de Brito, não é só no BPA que passo aflições; passo-as em todos os processos de privatização. Cada um destes processos é, para mim, um obstáculo a ultrapassar, é um caso específico e certamente que tenho sempre algumas preocupa-çOes.
Por exemplo, em relação à própria Aliança Seguradora que irá. a breve trecho, ser colocada no mercado, não deixo de ter preocupações, nomeadamente quanto a tentar potenciar a adesão dos pequenos subscritores, dos trabalhadores, porque se trata de um bom investimento e, portanto, queremos que eles participem, mas certamente que passarei também aflições.
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A Sr.ª Presidente: - Para formular uma pergunta à Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.
A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento, Srs. Deputados: Como diz a velha sabedoria popular «o que nasce torto tarde ou nunca se endireita».
A aplicação do novo sistema retributivo, por muitas razões, nasceu torto ao gorar para as carreiras mais numerosas da Administração Pública as expectativas criadas com a apregoada «reforma do século».
Mas, mais do que palavras, valem os exemplos sobre os acréscimos verificados na transição do novo sistema retributivo. Vejamos: um segundo-oficial com três diuturnidades teve um acréscimo de 548$, ou seja, 0,8 %; um segundo-oficial com duas diuturnidades leve um acréscimo de 72$, ou seja, 0,1 %; um segundo-oficial com cinco diuturnidades - mais de 25 anos de serviço - teve um acréscimo de 368$, ou seja, 0,5 %; um terceiro-oficial com três diuturnidades teve um acréscimo de 392$; um auxiliar administrativo com duas diuturnidades teve um acréscimo de 292$. Enfim, é uma lista muito vasta.
Como 1990 foi o primeiro ano em que o 14.º mês foi tributado em IRS, estas e várias outras categorias e carreiras, feitas as contas, ficaram, afinal, a perder com a integração.
Se os técnicos e os técnicos superiores foram os mais favorecidos na transição, em muitos casos tiveram o acréscimo de transição largamente «comido» pela mudança de escalão de IRS.
Quanto à progressão no sistema, o Governo estabeleceu normas, mas logo no Decretos-lei n.º 353-A/89 impôs condicionamentos à progressão, instituindo um período de transição que se estende até Janeiro de 1992 - artigo 38.º
Assim, o primeiro descongelamento reporta-se a l de Julho de 1990, mas além dos períodos necessários para dele beneficiar, levando à exclusão de um elevadíssimo número de trabalhadores, o respectivo diploma só é publicado em 11 de Dezembro de 1990 e só em Janeiro de 1991 começaram a ser abonados os vencimentos correspondentes.
Pergunto: quanto tempo vão, desta vez, os trabalhadores esperar pela publicação do decreto?
Mas há, ainda, quem tenha mais razão de queixa! Refiro-me aos milhares de trabalhadores a quem ainda não foi aplicado o novo sistema retributivo -16 meses depois da sua entrada em vigor.
São mais de 80000 trabalhadores, de 600 carreiras chamadas inespecíficas que se encontram praticamente em toda a Administração Central, de acordo com o artigo 27.º do Decreto-lei n.º 353-A/89.
Há 15 diplomas prontos há quatro meses que os abrangem. Quando vão ser, finalmente, publicados?
Refiro-me, igualmente, aos trabalhadores das carreiras do regime especial, de acordo com o artigo 29.º, cujos sistemas remuneratórios são objecto de diploma autónomo, designadamente técnicos e técnicos superiores da aviação civil e, curiosamente, em «casa de ferreiro, espeto de pau», os trabalhadores da Contabilidade Pública e do Tesouro.
Há 16 meses que se arrastam as negociações para aplicação do novo sistema retributivo a estas carreiras. Se o Governo tivesse que pagar os juros da dívida acumulada a estes trabalhadores, por certo, há muito que teria adoptado as soluções.
Como explica a Sr.ª Secretária de Estado o facto de, num curto espaço de tempo, entre 24 e 30 de Janeiro, a sua proposta para a Direcção-Geral do Tesouro se ter alterado, passando o tesoureiro de Fazenda Pública de 3.ª classe do índice 420 no escalão l para o índice 500, enquanto o técnico de Fazenda de 1.ª classe se mantém no índice 420? Não teria isto a ver com a marcação de uma greve que iria abranger 2400 tesoureiros, enquanto os técnicos de Fazenda Pública eram apenas 400?
Onde está o rigor de critérios?
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: -Para responder, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento.
A Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento (Manuela Leite): - Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira, talvez não me seja possível responder com muito pormenor à questão relativa aos aumentos percentuais das diferentes categorias que V. EX.ª colocou.
Mas devo dizer-lhe que compreendo um pouco a sua perplexidade quanto aos problemas que se levantam com a demora na aplicação do novo sistema retributivo. Compreendo essa sua preocupação, mas a a Sr.ª Deputada também deve compreender que tudo isso é o preço da democracia.
De facto, quando temos de negociar sistemas retributivos, que, por sua vez, resultam de dezenas de diplomas que abrangem centenas de carreiras, quando essa negociação é feita com todas as frentes sindicais e quando não é possível
fazê-las sentar todas à mesma mesa, o que leva à realização do triplo das reuniões que seriam necessárias, não posso deixar de concluir que tudo isto é o preço da democracia. Se estivéssemos ainda sob o regime ditatorial, Sr.ª Deputada, o novo sistema retributivo leria sido aplicado no próprio dia em que o decreto-lei foi publicado.
A Sr.ª Maria da Conceição Castro Pereira (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Quanto aos atrasos que se verificam no que respeita à regulamentação das carreiras abrangidas pelo artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, posso dizer-lhe que a maior parte dos decretos regulamentares já foram aprovados, e penso que até já estão assinados pelo Primeiro-Ministro, faltando apenas considerar dois ou três casos que irão ser alvo de alguns ajustamentos sugeridos pelos sindicatos ou pelos serviços.
Neste momento, estão já aprovados mais de 20 diplomas, o que significa que as situações abrangidas pelo artigo 27.º estão praticamente regulamentadas, o mesmo acontecendo em relação ao artigo 29.º
A propósito, saliento a frase «em casa de ferreiro espeto de pau», que V. Ex.ª disse e à qual dou bastante apreço. Em meu entender, isso significa que o Ministério das Finanças, como responsável pela Administração Pública, numa posição extremamente honesta, não fez da «casa de ferreiro espeto de ferro», mas fez da «casa de ferreiro espeto de pau». É, de facto, um elogio que V. Ex.ª faz ao Ministério das Finanças, o que agradeço.
A Sr.ª Maria da Conceição Castro Pereira (PSD): - Muito bem!
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23 DE FEVEREIRO DE 1991 (1501)
O Sr. Luís Roque (PCP):-Os trabalhadores são 6 capazes de não pensar assim!
A Oradora: - Os trabalhadores do Ministério das Finanças pensam, com certeza!
Na verdade, 6 já tradição na Administração Pública que os trabalhadores do Ministério das Finanças estejam sujeitos a um regime muito diferente do que abrange os restantes trabalhadores da Administração Pública. Por esse motivo, para além das remunerações acessórias contempladas na lei deveriam ter um outro tipo de remunerações pata que a aplicação do sistema fosse tecnicamente correcta
- e friso, tecnicamente correcta- e totalmente transparente, o que £ de difícil avaliação e estudo.
Assim, o que posso dizer-lhe é que, no final, os trabalhadores, quer os da Direcção-geral da Contabilidade Pública, quer os da Direcção-Geral do Tesouro, cujos diplomas regulamentadores irão ser, a breve trecho, aprovados, uma vez que já foram negociados com os sindicatos, não se poderão queixar de haver distorções de natureza técnica relativamente aos restantes trabalhadores.
Sr.ª Deputada, não podemos é confundir a aplicação do novo sistema retributivo com hipotéticas reestruturações de carreiras que se avizinham, quer para a Direcção-Geral da Contabilidade Pública, quer para a Direcção-Geral do Tesouro, como foi feito, em simultâneo, em relação à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. No fundo, o problema é esse! O problema está em determinada fase de aplicação, e o que foi feita na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos criou algumas expectativas de arrastamento para as restantes direcções-gerais do Ministério das Finanças. No entanto, esse arrastamento só poderá ser feito ao nível da reestruturação, já que em relação à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, para além do problema da aplicação do novo sistema retributivo, considerou-se também a reestruturação, resultante de uma reforma fiscal que estava finalizada.
A reforma da Contabilidade Pública e a reforma do Tesouro irá implicar, segura e necessariamente, uma reestruturação dessas direcções-gerais e só nessa sede se poderão fazer os ajustamentos necessários.
Quanto à questão concreta que me colocou, ou seja: por que é que em quatro dias tomei uma decisão sobre os tesoureiros? A resposta é simples, Sr.ª Deputada! De facto, no caso concreto que referiu não havia que negociar, pela simples razão de que a lei era totalmente clara e não deixava margem para dúvidas sobre a equiparação entre a posição dos tesoureiros e a dos seus companheiros também trabalhadores das repartições de finanças. E como a lei era clara, a negociação não se fez sentir, até porque não havia «margem de manobra» para a negociação. Em face de situações deste tipo, não sou favorável à atitude de travar guerras que já estão perdidas perante a letra da lei. Deste modo, é evidente que só por irresponsabilidade poderia tomar uma posição dessas.
Quanto à questão dos descongelamentos, devo dizer-lhe que, neste momento, já foram negociados, já foi feita a aplicação e, embora só agora tivessem começado a ser pagos os descongelamentos respeitantes a 1990, gostaria de frisar que este atraso não tem nada a ver com o atraso na publicação do decreto-lei por parte do Governo. Ele deveu-se, apenas, ao facto de haver necessidade que cada um dos serviços fizesse o respectivo levantamento das pessoas que eram abrangidas pela letra do decreto-lei, e só à medida que os serviços foram apresentando esse levantamento é que o pagamento foi feito e de forma imediata. Portanto, o atraso não se deve ao Governo.
Vozes do PSD:-Muito bem!
A Sr.ª Presidente:-Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.
A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): -Sr.ª Secretária de Estado, em três minutos, não me foi possível dar os múltiplos exemplos que gostaria que V. Ex.ª tivesse considerado na sua resposta com algum pormenor.
Mas aproveito ainda a oportunidade para lhe referir os escriturários-dactilógrafos, os técnicos auxiliares de 1.º classe, alguns deles já com várias diuturnidades, os auxiliares de limpeza, enfim, uma lista longa de carreiras que, de facto, abrangem um grande número de trabalhadores da Administração Central e que não podem ser considerados como questões de pormenor.
Com efeito, o tempo de que dispunha para formular a minha pergunta não me permitiu fundamentar outros aspectos que considero importantes.
No entanto, enunciei a aplicação do novo sistema retributivo às carreiras do regime geral, falei do prolongamento da aplicação do mesmo, mas há ainda outros aspectos a acrescentar.
Na verdade, são inúmeras-e verificam-se ainda, neste momento- as anomalias resultantes da aplicação do descongelamento de escalões, pelo facto de se considerar para as carreiras verticais a antiguidade na categoria e para as horizontais a antiguidade na carreira. Isto cria discrepâncias inadmissíveis!
Posso dar um exemplo gritante: um escriturário-dactilógrafo, com 16 anos de serviço, é colocado, pela nova tabela, no índice 215, enquanto que um terceiro-oficial atinge, no máximo, o índice 200, e pode até ter mais de 25 anos de serviço.
De facto, em relação aos segundos-oficiais, aos primeiros-oficiais, aos técnicos auxilares de 1.º classe, enfim, a todos eles, as anomalias que se verificam não criam qualquer incentivo para um escriturário-dactilógrafo concorrer à categoria seguinte, porque, por certo, são inúmeros os trabalhadores nesta situação e todos estão a ser prejudicados.
Ora, face as explicações que produziu, ainda gostaria de tornar clara a situação dos trabalhadores que tiveram aumentos. Pasma-se: tiveram aumentos negativos, isto é inadmissível, negativos...
O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD):-Não sabe fazer contas!
A Oradora: - Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, também explico isso.
Apesar de nas Leis n.º 184/89 e 353/89 estar estabelecido que da aplicação do novo sistema retributivo não podem resultar reduções aos trabalhadores, não é isso que se passa. A razão de ser desta situação é porque o Governo não fixou e não integrou nos respectivos vencimentos o montante das remunerações acessórias não permanentes àqueles trabalhadores que, há 16 meses, estão a receber um salário inferior ao que venciam -imaginem! - em Outubro de 1989.
É esta a situação de facto e real dos trabalhadores da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos que não pertencem à carreira da administração tributária.
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E, já agora, Sr.ª Presidente, permita-me a leitura rápida de um texto.
«Há dias, houve uma manifestação junto do Ministério e devo confessar que nem me apercebi da razão de fundo que a motivou. Só agora, com as exposições, é que me apercebi. Não há dúvida de que a razão lhes assiste, até porque estão a ganhar menos do que em 1989, em virtude de já não se distribuírem as remunerações acessórias variáveis.
Julgo que é indispensável e urgente dar curso ao que dispõe o n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 187/90, de 7 de Junho.»
Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento, sabe de quem é este ofício?
Este ofício é do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e tem a data de 29 de Novembro de 1990. Ora, estamos em Fevereiro e a situação mantém-se. Isto é inacreditável!
Sr.ª Presidente, o tempo não me permite ir mais longe. No entanto, gostaria de dizer - e ficou claro - que nem foi possível ao Grupo Parlamentar do PCP colocar todas as questões que gostaria nem, provavelmente, à Sr.ª Secretária de Estado responder a tudo o que pretenderia.
Assim, anuncio que, em sede de Comissão do Trabalho e Segurança Social, o Grupo Parlamentar do PCP vai requerer uma audição ao Governo sobre tão importante matéria.
A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada, a Mesa tem estado a ser bastante complacente, deixando que os tempos disponíveis sejam excedidos em quase todas as intervenções.
Para responder, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento.
A Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento (Manuela Leite): - Sr.ª Deputada, compreendo e partilho consigo as preocupações sobre o problema dos escriturários-dactilógrafos e dos técnicos auxiliares.
Trata-se de um problema que o Governo sente que é premente e sobre o qual irá trabalhar em sede de comissões técnicas, mas apenas em conjunto com os representantes daqueles sindicatos que assinaram o acordo laborai com o Governo. A referida comissão técnica vai começar a trabalhar sobre esse assunto que - repito -, efectivamente, preocupa o Governo.
No entanto, estou altamente espantada com o facto de a Sr.ª Deputada do Partido Comunista vir defender ou, pelo menos, levantar a sua voz contra aquilo que, na Administração Pública, se considera uma situação de privilégio.
O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Claro que estou a referir-me às remunerações acessórias variáveis do pessoal da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, às quais os respectivos funcionários obviamente têm direito, embora, como sabe muito bem, o mesmo direito não seja extensível aos outros funcionários da Administração Pública.
Daí que, certamente, essa tenha sido uma matéria que teve de ser tratada tecnicamente com todo o cuidado, para não pôr em causa as situações adquiridas do pessoal e sem que, no entanto, houvesse lugar a erros técnicos, razoavelmente distorçores da realidade da Administração Pública.
Quanto à sua pergunta sobre as anomalias do descongelamento dos escalões, apenas lhe digo que, por enquanto, não pode retirar do andamento do descongelamento dos escalões...
A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª Secretária de Estado?
A Oradora: -Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Muito obrigada, Sr.ª Secretária de Estado.
Queria apenas ler o artigo 40.º, que diz o seguinte: «Em caso algum pode resultar da introdução do novo sistema retributivo redução da remuneração que o funcionário ou agente já aufere, ou diminuição das expectativas de evolução decorrentes, quer da carreira, em que se insere, quer do regime de diuturnidades vigente.» Portanto, este artigo é claro, Sr.ª Secretária de Estado.
A Oradora: - Sr.ª Deputada, responder-lhe-ei a isso.
É que, seguramente, não existe nenhum caso em que a contabilidade pública tenha pago a algum funcionário menos do que aquilo que ele auferia.
O que acontece é que, provavelmente, haveria funcionários que recebiam verbas que a contabilidade pública desconhecia. Portanto, é a isso que a Sr.ª Deputada está a referir-se.
Aplausos do PSD.
Quanto ao problema do descongelamento dos escalões, não pode retirar conclusões sobre as anomalias daí resultantes, porque, claramente, ficou assumido pelo Governo e pelos sindicatos que o escalonamento do descongelamento dos escalões era verdadeiramente um problema orçamental, o qual só se ajustaria em 1992.
Portanto, é natural que, ao longo do tempo em que o referido descongelamento está a fazer-se, haja algumas anomalias, as quais, seguramente, serão corrigidas no final.
Devo dizer-lhe, também, que tem sido preocupação do Governo que a restrição orçamental, que tem estado presente no problema dos descongelamentos, penalize aquelas carreiras que foram mais beneficiadas pela aplicação do novo sistema retributivo.
Talvez a Sr.ª Deputada não o compreenda, mas eu sou profundamente social-democrata.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, acaba de dar entrada na Mesa e foi já distribuído um voto de pesar, cujo primeiro subscritor é o Sr. Deputado Raul Rego, relativo ao falecimento do Sr. Prof. Doutor Eduardo Correia.
Dado haver consenso geral, vamos passar à respectiva votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.
É o seguinte:
VOTO N.º 188/V
Os deputados abaixo assinados exprimem e propõem um voto de pesar pelo falecimento do Prof. Doutor Eduardo Correia, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que deixa após si uma obra notável de investigação e
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criação legislativa, nomeadamente no domínio do direito penal. Ministro da Educação e da Justiça em Governos de após o 25 de Abril de 1974. deixa ainda o seu nome ligado a iniciativas de alto significado na construção do novo regime democrático.
Para fazer uma pergunta ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro-Adjunto e da Juventude, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.
O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): -Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado. Srs. Deputados: O leilão do Diário de Notícias foi adiado para data não divulgada. Temo que venha a ser o mais estranho dos leilões promovidos peto Governo na sua escalada privatizadora.
O Governo remeteu-se a um inexplicável mutismo. Apenas informou que foram de natureza burocrática as razoes do adiamento. Nada informou, porém, a respeito de noticias publicadas na edição de 9 do corrente do semanário Expresso, segundo as quais um ministro, dois bancos, o Tona & Açores e o BESCL, estariam envolvidos no prólogo de uma negociata que, a concretizar-se, imprimiria sinete oficial a um escândalo político-financeiro: o Diário de Notícias seria adquirido pelo grupo Lusomundo por metade do preço.
É do domínio público que o regulamento do concurso relativo à privatização do Jornal de Notícias não exigiu garantias bancárias nem penalizações para o não pagamento das acções adquiridas.
Que aconteceu?
Uma das empresas do consórcio Lusomundo (tal como a cooperativa ALFAPRESS, esta por outros motivos) não pagou na data estipulada a primeira fatia da dívida. Devolveu ao Diário de Notícias a sua participação, pois este detinha a maioria do capital.
Entretanto, a Lusomundo, segundo notícias largamente difundidas, estaria disposta a concorrer ao leilão do Diário de Notícias.
Sendo o Jornal de Notícias devedor, em alguns milhões de contos, do Diário de Notícias, a aquisição deste pelo mesmo grupo permitiria que essa dívida fosse gerida seio do grupo e, por isso, nunca seria paga.
Esta situação permite que o grupo Lusomundo possa oferecer muito mais dinheiro pelo Diário de Notícias do que qualquer outro concorrente à privatização e, mesmo assim, ficaria a ganhar alguns milhões de contos.
O País seria colocado perante uma situação digna de um palco de teatro de absurdo. Durante anos, a maioria do capital do Jornal de Notícias pertenceu à empresa da qual o Diário de Notícias era o motor. Agora, o Diário de Notícias está na iminência de ser comprado pelo grupo que, sem pagar, assumiu o controlo do Jornal de Notícias. Repilo: credor de si próprio, compraria dois jornais quase pelo preço de um só.
Um denso véu de mistério torna fumaremos os bastidores desta OPV em preparação. De concreto, sabe-se que 49 trabalhadores do Diário de Notícias receberam já notas de despedimento.
Segundo o Expresso, o grupo que controla o Jornal de Notícias estaria descapitalizado e, para o ajudar, os dois bancos já citados iriam concorrer à OPV do Diário de Notícias para garantir à Lusomundo o controlo do tradicional matutino.
Entende o meu partido, Sr. Secretário de Estado, que notícias tão preocupantes deveriam ter levado o Governo, por sua própria iniciativa, a informar o País do que se passa no ventre dos leiloes dos dois mais importantes diários portugueses.
Como tem permanecido caladíssimo, pergunto: existe já alguma data marcada para o leilão do Diário de Notícias!
Está o Governo na disposição de permitir que o grupo Lusomundo, que, sem pagar, adquiriu o Jornal de Notícias, possa concorrer à OPV do Diário de Notícias e venha a assumir uma posição monopolista na imprensa do País?
Tem o Governo alguma informação a respeito das estranhas notas de despedimento entregues a quase meia centena de trabalhadores do Diário de Notícias, em vésperas de leilão?
Se o Diário de Notícias, no dizer do Sr. Ministro, está de excelente saúde, se a sua linha editorial é a menos partidarizada dos grandes jornais portugueses, porque o privatizam então, abrindo, ainda por cima, as portas a uma operação de «engenharia financeira» que, objectivamente, favoreceria em alguns milhões de contos o consórcio Lusomundo?
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude (Albino Soares): - Começo por agradecer ao Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues o facto de me ter proporcionado o ensejo de esclarecer esta questão.
De facto, sobre esta matéria, alguns jornalistas tom, repetidamente, feito perguntas, e penso que agora é o momento ideal para a esclarecer, a fim de evitar futuras especulações quanto à questão da Operação Pública de Venda das acções do Diário de Notícias e quanto ao seu adiamento.
Quero dizer, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues -e gostaria que isto ficasse claro- que não conheço pessoalmente qualquer candidato; em segundo lugar, que nunca ninguém me manifestou pessoalmente interesse em concorrer, e, em terceiro lugar, que o que sei relativamente a eventuais concorrentes é apenas pela comunicação social.
Portanto, quanto às noticias vindas a público no jornal Expresso, julgo poder serenar o Sr. Deputado, afirmando-lhe que a alienação das acções do Diário de Notícias vai ser feita com transparência, exactamente como a lei exige, transparência essa que resulta de um regulamento publicado no Diário da República, que o Sr. Deputado deve ler lido, que é a Resolução n.º 48/90, de 28 de Dezembro. Esta resolução fixa regras de alienação das acções, que são idênticas às utilizadas para alienações anteriores, como sejam as do Jornal de Notícias e as de empresas sob a tutela do Ministério das Finanças.
Relativamente à questão do adiamento da Operação Pública de Venda, eu disse-aliás, fiz passar essa notícia através de alguns jornalistas - que era uma mera questão burocrática, e o Sr. Deputado até vai ficar enfastiado de ouvir a história deste processo jurídico, mas posso contar-lha em breves palavras para não o enfastiar muito.
Como sabe, este processo de alienação teve origem no Gabinete do Secretário de Estado responsável pela área da comunicação social que enviou posteriormente o processo para o Ministério das Finanças, porque é este quem detém
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a titularidade das acções, através da Direcção-Geral do Tesouro, e será cie quem arrecadará os proventos da venda, da alienação, através do Fundo de Reequilíbrio da Dívida Pública. Nos termos da Resolução n.º 58/90, eram delegados, com faculdade de subdelegação no Ministro das Finanças e no membro do Governo responsável pela comunicação social, os poderes para contratar a montagem, tomada firme, colocação e demais condições que se afigurassem convenientes para a realização das operações de alienação previstas nesta resolução. Com base no n.º 30 da resolução do Conselho de Ministros, eu e o Sr. Ministro das Finanças assinámos um despacho subdelegado no Director-geral do Tesouro o poder para fazer a montagem, a contratação e a tomada firme das acções do Diário de Notícias. O processo foi seguindo e foi entregue no Ministério das Finanças para posteriormente, como é habitual, o fazer seguir para o Tribunal de Contas. Antes de o processo dar entrada no Tribunal de Contas foi submetido, como também é habitual, à Auditoria Jurídica do Ministério das Finanças que considerou ser necessário um despacho de subdelegação, não do Ministro das Finanças e do Secretário de Estado responsável pela área da, comunicação social, mas antes do Primeiro-Ministro. Porquê? Porque o montante da despesa resultante do contrato excedia os limites de autorização para que, quer o Ministro das Finanças, quer o Secretário de Estado responsável pela área da comunicação social, eram competentes.
Bom, uma vez feito o novo despacho, encarou-se e estudou-se essa questão e o Sr. Primeiro-Ministro fez um despacho em que delegou no Ministro das Finanças os poderes que anteriormente tinham sido delegados pela resolução do Conselho de Ministros.
Esse despacho foi publicado e, posteriormente, procedeu-se à realização de um concurso para selecção das empresas que haviam de fazer a tomada firme da Ope-ração Pública de Venda. Essa selecção já foi feita, me-diante um concurso realizado pela Direcção-geral da Comunicação Social, tendo sido seleccionada uma empresa para fazer a montagem...
A Sr.ª Presidente: - Sr. Secretário de Estado, peço-lhe que abrevie, uma vez que já esgotou o tempo regimental para a resposta.
O Orador: -Termino já, Sr.ª Presidente.
Como dizia, a selecção foi feita e foi adjudicada a montagem e a tomada firme a uma empresa chamada CISF, tendo o processo seguido para o Ministério das Finanças para ser submetido à fiscalização prévia do Tribunal de Contas. Após isso, será marcada a data da Operação Pública de Venda.
Foi esta a tramitação, Sr. Deputado, e a única razão do adiamento desta Operação Pública de Venda.
Portanto, como vê, nada de anormal se passou. Houve uma interpretação diferente da Auditoria Jurídica do Ministério das Finanças que, aliás, parece ser concordante com a interpretação do Tribunal de Contas. Logo, o Governo agiu de acordo com o parecer da Auditoria Jurídica do Ministério das Finanças e com o entendimento, que julgo ser correcto, do Tribunal de Contas.
Era só isto, Sr. Deputado.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.
O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro-Adjunto e da Juventude, não seria sincero se lhe dissesse que esperava que V. Ex.ª respondesse satisfatoriamente às questões que coloquei, porque compreendo quão o Governo está incomodado e entendo o seu mal estar. V. Ex.ª, de certa forma, explicou-o, porque, ao dizer que estava grato por lhe colocarem esta pergunta no Plenário da Assembleia da República, esqueceu-se de que, depois de as questões relativas ao escândalo das pretensões da Lusomundo terem sido levantadas, já passaram 10 dias. Mal vão as coisas quando um governo precisa que lhe façam perguntas na Assembleia da República para vir a público responder a questões que correspondem aos interesses de toda a colectividade!...
O Sr. Raul Rego (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não é exacto que tenha sido apenas o Expresso a levantar a questão, pois nos últimos dias, como ainda ontem aconteceu, uma «cascata» de jornais diários e de estações de rádio tem abordado este assunto. Parece-me muito estranho que V. Ex.ª, como membro do Governo, não tenha conhecimento disso. Basta estar com atenção a ler os jornais e a ouvir a rádio.
O que verifico é que o Governo continua de cima, numa atitude de enorme sobranceria -disse-o há dias na Assembleia -, a olhar os jornalistas como mercadoria. O Sindicato dos Jornalistas recordou recentemente que um ex-ministro disse que gerir um jornal é a mesma coisa do que dirigir uma sapataria, no que constitui, evidentemente, um pensamento que reflecte o conceito que o Governo tem do papel da comunicação social. Se os sapatos são feitos para andar no chão, os jornalistas são tratados realmente como uma quantidade sem importância para ser distratada.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Os de O Diário!
O Orador: - Não estou a falar consigo, Sr. Secretário de Estado. Terei muito prazer em o fazer noutras ocasiões, mas não me interrompa, porque não lhe darei a palavra neste momento.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Foi só um aparte!
O Orador: - Se quiser, permitir-lhe-ei que me interrompa noutras ocasiões, mas agora é que não.
Num país onde o Governo tanto fala e se orgulha do pluralismo do sistema democrático, pergunto que tipo de pluralismo poderemos ter em Portugal se na comunicação social a tendência política e a estratégia do Governo é para a sua supressão e para favorecer a monopolização dos órgãos de informação.
Vozes do PSD: - Não é verdade!
O Orador: - Para terminar, e porque o meu partido considera escuríssimo todo este processo, quero informar que vamos propor a realização de uma audição sobre esta matéria, requerendo que sobre o tema sejam ouvidos o Sr. Ministro-Adjunto e da Juventude e os responsáveis da Lusomundo e dos bancos que eventualmente venham a participar no leilão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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A Sr.ª Presidente:-Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude: - Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, quero dizer-lhe, em primeiro lugar, que não tive qualquer arrogância nem relativamente aos órgãos de comunicação social nem à Assembleia da República. Tanto não a tive que fui dizendo aos órgãos de comunicação social que o adiamento se devia ao que aqui relatei, ou seja, pura e simplesmente a questões burocráticas.
Disse-o também ao Sr. Deputado, mas, se tiver alguma dúvida sobre esta matéria, para além dessa audição a que se irá proceder, estou disposto a ir à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias ou à Subcomissão de Comunicação Social esclarecer o Sr. Deputado. Ainda assim, o Sr. Deputado poderá requerer-me, querendo, o envio do processo, do qual lhe fornecerei cópia, para poder constatar da clareza do mesmo.
Poderia ter-me negado a comparecer aqui, aumentando as suspeitas que o Sr. Deputado lançou.
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Mas não cumpriria o seu dever de governante!
O Orador: - Não o fiz, porque podia responder à vontade. Daí que esteja aqui presente hoje, sendo certo que estarei na Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos, Liberdades e Garantias e na Subcomissão de Comunicação Social quando o Sr. Deputado o entender.
Devo dizer-lhe, em segundo lugar, que, como é óbvio, as explicações foram imediatamente dadas aos jornais. Sempre que os jornalistas colocaram questões sobre o assunto, foi-lhes dada pronta resposta. Recordo-me perfeitamente de, logo que foi levantada a questão do adiamento em dois ou três jornais, lhes ter sido dito que se tratava de meras questões burocráticas. O que é certo é que os jornalistas ficaram satisfeitos e nada mais perguntaram, designadamente em que consistia a burocracia, limitando--se a informar que se tratava de questões burocráticas. O Sr. Deputado, pelo contrário, quis saber mais e soube-o, porque ficou a conhecer o processamento jurídico desta questão.
Por outro lado, o Sr. Deputado fala muito do pluralismo. Por acaso, o Partido Comunista 6 precisamente o partido que menos deveria falar da questão do pluralismo...
Vozes do PCP: -Porquê?
O Orador: -.... porque foi aquele que sempre mais tentou amordaçar os meios de comunicação social em Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem! Protestos do PCP.
Veja-se o caso de O Diário !
O Orador: - É verdade, Srs. Deputados!
Vozes do PCP: - Isso é uma cassette daquelas que se vendem na Praça de Espanha!
O Orador: - A questão do pluralismo resume-se no seguinte: desde 1974, o Partido Comunista foi o partido que mais tentou amordaçar os meios de comunicação social em Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem! Protestos do PCP.
O Orador: -E tanto queria amordaçar que pretendia que estes meios continuassem na posse do Estado, quando, Srs. Deputados, já nem nos países do Leste isso sucede. Estamos, pois, a devolver os jornais à sociedade civil.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Estamos a liberalizar a rádio e vamos liberalizar a televisão. É isso o que os Srs. Deputados do PCP não querem. Querem, sim, uma comunicação social amordaçada...
Protestos do PCP.
.... mas em Portugal não o vão ter. Aplausos do PSD.
O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Peço a palavra. Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Para exercer o direito de defesa da consideração do meu partido.
A Sr.ª Presidente:-Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude, entendi bem a primeira parte da sua intervenção quando anunciou que iria dar uma explicação fastidiosa. Foi realmente bastante fastidiosa e, como vi que estava incomodado, não lhe chamei a atenção para o facto, por uma questão de sensibilidade.
Quando, porém, o Sr. Secretário de Estado, que não é especialista em comunicação social, vem aqui falar com quem já tem 40 anos de exercício da profissão de jornalista, posso dizer-lhe que sobre questões de jornalismo não lhe reconheço autoridade profissional para, fora das questões burocráticas relativas à sua Secretaria de Estado, vir aqui dissertar, fugindo ao âmbito do assunto em discussão, sobre a atitude do meu partido perante a comunicação social. Penso que tal facto é realmente muito impróprio e não dignifica o Sr. Secretário de Estado e o Governo a que pertence.
O Sr. Pedro Pinto (PSD): - É um antidemocrático!...
O Orador:-Não atinge o meu partido, mas deixa muito mal colocado o seu Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude.
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(1506) I SÉRIE -NÚMERO 46
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude: - Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, não quis, de forma nenhuma, ofender o Partido Comunista, mas não posso deixar de repetir que, se há algum partido que tenha tentado que não houvesse liberdade de imprensa em Portugal, é o Partido Comunista.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Quem é que mais defendeu a liberdade neste país senão nós, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: - Decerto que o Sr. Deputado tem 40 anos de jornalismo, mas também é certo que nos países de Leste há pessoas que lutaram, talvez muito mais do que si, contra o pluralismo e que tinham de certeza muito mais idade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Como não há mais perguntas a formular, terminámos por hoje os nossos trabalhos, Srs. Deputados.
A próxima reunião plenária terá lugar no dia 26, terça-feira, pelas 15 horas, com período de antes da ordem do dia e período da ordem do dia, constando deste último a apreciação do projecto de lei n.º 620/V (PS) - Lei das Finanças Locais.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 10 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Francisco Antunes da Silva.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Manuel da Silva Torres.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Vítor Pereira Crespo.
Parado Socialista (PS):
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Parado Renovador Democrático (PRD):
Francisco Barbosa da Costa.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Parado Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Fernando Barata Rocha.
Flausino José Pereira da Silva.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel José Dias Soares Costa.
Parado Socialista (PS):
António Domingues de Azevedo.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
João António Gomes Proença.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Rui António Ferreira Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.
Parado Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Antunes Mendes.
Júlio José Antunes.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria lida Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Natália de Oliveira Correia.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Deputado independente:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Os REDACTORES: Isabel Barrai-Maria Amélia Martins-José Diogo.
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DIÁRIO da Assembleia da República (1508)
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