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I Série - Número 47

Quarta-feira, 27 de Fevereiro de 1991

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE FEVEREIRO DE 1991

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria Manuela Aguiar Moreira

Secretários: Exmos Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Henrique do Carmo Carmine
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão as 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros
Em declaração política, o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp (PSD) teceu considerações acerca das conclusões do Relatório do Exame da OCDE sobre Portugal.
Em declaração política, o Sr Deputado Lino de Carvalho (PCP) criticou a política agrícola do Governo e, no fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Sotto-mayor Cárdia e António Campos (PS), Vasco Miguel (PSD) e António Guterres (PS).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Armando Vara (PS) abordou a problemática da pobreza e da exclusão social em Portugal, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Barbosa da Costa (PRD), Jerónimo de Sousa (PCP), Rui Alvares Carp (PSD) - que, como o Sr. Deputado José Silva Marques (PSD), também exerceu o direito de defesa da honra e consideração -, Narana Coissoró (CDS), Amândio Gomes (PSD) e Natália Correia (PSD)
Em declaração política, o Sr. Deputado Rui Silva (PRD) congratulou-se com as medidas tomadas pelo Governo no âmbito da protecção civil e depois respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Silva Marques e Francisco Antunes da Silva (PSD).

Ordem do dia. - A Assembleia concedeu automação a três deputados para deporem em tribunal.
O projecto de lei n.º 620/V (PS) -Lei das Finanças Locais - foi apreciado na generalidade Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Jorge Loção (PS), Rui Alvarez Carp (PSD), Nogueira de Brito (CDS), Helena Torres Marques (PS), José Silva Marques (PSD), lida Figueiredo (PCP), Barbosa da Costa (PRD), Luto Martins (PSD), José Carneiro dos Santos (PS) e João Amaral (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos.

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A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, lemos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcínco Amónio Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime pomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Cosia da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Maios.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Paulo Scabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Alfredo Godinho da Silva.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Luís Amónio Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.

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Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Mana Pereira Teixeira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Victor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria lida Costa Figueiredo.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:

Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos seguintes: ao Ministério da Indústria e Energia, formulados pelos Srs. Deputados Pais de Sousa e Barbosa da Costa; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Elisa Damião e Vítor Costa; ao Ministério da Justiça, formulados pelos Srs. Deputados Cristóvão Norte e José Magalhães; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulados pelos Srs. Deputados Joaquim Teixeira, Lino de Carvalho, Vítor Costa e Luís Rodrigues; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Luís Roque, Manuel Filipe, Jorge Lemos e Lourdes Hespanhol; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Luís Roque, Filipe Abreu e Adérito Campos; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Luís Roque, José Magalhães e lida Figueiredo; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pela Sr.ª Deputada lida Figueiredo; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Luís Roque e Barbosa da Costa; à Secretaria de Estado da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Barbosa da Costa, Jorge Lemos e Pais de Sousa; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Lemos e José Manuel Mendes; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados lida Figueiredo, Luís Pais de Sousa e Raul Castro; à Secretaria de Estado da Modernização Administrativa, formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Sérgio Ribeiro, na sessão de 8 de Junho e na reunião da Comissão Permanente do dia 28 de Agosto; António Mota, nas sessões de 21 de Junho e de S de Dezembro; lida Figueiredo, nas sessões de 6, 21, 22 e 27 de Novembro; Mota Torres, nas sessões de 15 e 28 de Novembro e de 11 de Dezembro; Luís Roque, na sessão de 27 de Novembro; Julieta Sampaio, na sessão de 5 de Dezembro; Carlos Brito e José Manuel Mendes, na sessão de 11 de Dezembro; José Apolinário, na sessão de 13 de Dezembro.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Presidente, solicitava a V. Ex.ª que me informasse sobre se ocorrerá de seguida a evocação do Prof. Doutor Eduardo Correia, como foi anteriormente sugerido, nomeadamente por parte da bancada do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não tem qualquer indicação nesse sentido. Na sessão anterior foi apresentado um voto de pesar pelo falecimento do Sr. Prof. Doutor Eduardo Correia e feitas as respectivas declarações por pane de todos os partidos aqui representados.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD):-Posso interpelar a Mesa, Sr.ª Presidente?

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr.ª Presidente, queria anunciar que estamos a envidar esforços no sentido de, rapidamente, traduzir por escrito um voto de pesar pela morte do Prof. Doutor Eduardo Correia, para que fique devidamente registado...

O Sr. António G u ter rés (PS): - Há já um voto de pesar do PS.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, na sessão da passada sexta-feira foi já apresentado um voto de pesar...

O Sr. Armando Vara (PS): - Que foi votado.

A Sr.ª Presidente: -... relativamente ao qual foram feitas declarações por parte de todos os grupos parlamentares.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD):-Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A divulgação das conclusões do exame anual que a OCDE realiza nos países membros deve ser uma oportunidade para os políticos e os economistas desses países reflectirem sobre o que se fez bem ou menos bem e o que se deverá fazer no médio prazo no âmbito das políticas públicas. E o relatório do exame da OCDE sobre Portugal não constitui excepção. Bem pelo contrário: a capacidade técnica e a independência dos examinadores permitem-nos um exame sério num momento oportuno da nossa vida política, económica e social. E oportuno porque tivemos um quinquénio (1985-1990) de governação homogénea, de arranque da nossa integração na CEE e estamos em vésperas de novo acto eleitoral para o Parlamento.
Mas atentemos ao que a OCDE diz sobre Portugal, logo a abrir o seu relatório:

Durante os últimos dois anos, os resultados macroeconómicos de Portugal foram muito satisfatórios, salvo no plano da inflação. A taxa de crescimento da produção manteve-se superior à média do passado, a longo prazo, do país e a taxa média do crescimento da zona da OCDE também foi ultrapassada por Portugal. A taxa de desemprego caiu ao nível mais baixo desde os anos 70 e é nitidamente inferior à média da zona dos países filiados na OCDE.

Tal apreciação global, partindo de quem parte, a OCDE (não é habitual a OCDE tecer apreciações tão elogiosas), deve constituir uma referencia importante, quer para quem governe, quer para quem tem de comentar e avaliar seriamente a política económica, sejam eles partidos políticos, analistas económicos, empresários e trabalhadores, jornalistas e público em geral.
E mesmo o comportamento da inflação em 1989 e 1990 (com índices superiores ao projectado nos dois últimos anos, de 1987 e 1988), se for apreciado no contexto amplo, tem causas que consideraria socialmente justas, embora passíveis de ajustamento necessários, como mais adiante explicarei.
Mas vamos por partes para que todos possam rever os aspectos globais mais significativos do relatório da OCDE, para depois tirarem as suas conclusões sobre a política macrocconómica e social dos governos presididos por Cavaco Silva.
Quanto ao crescimento do produto interno bruto, lê-se no relatório:

O crescimento do produto interno bruto - e sabe-se que ele é apontado como indicador mais geral sobre o crescimento da economia- manteve-se acima dos 4 %, não obstante as medidas desinflacionistas visando arrefecer a procura interna.

E neste crescimento do produto interno bruto veja-se o que diz a OCDE sobre o crescimento do investimento. Diz que o crescimento do investimento atingiu os 9 % em 1990, valor próximo da média nos últimos cinco anos que beneficiou das espectaculares taxas de crescimento de 1987-1988.
Acrescenta-se que, no mesmo período, o investimento atingiu e mesmo ultrapassou o peso do consumo privado no PIB, o que significa que o país beneficia de mais riqueza produtiva, ou seja, criou mais riqueza do que a que consumiu.
Ainda no capítulo do investimento, salienta-se que o investimento directo estrangeiro dobrou em relação ao produto interno bruto, em resultado da forte rentabilidade, da confiança reforçada pela estabilidade política, pela simplificação dos procedimentos administrativos e pelo acesso mais fácil aos incentivos fiscais. Isto cita-o também a OCDE.
Relativamente ao ano de 1989 e dum ponto de vista sectorial, a OCDE considera excepcional o ritmo de crescimento do valor acrescentado na agricultura, na silvicultura e nas pescas, muito superior à média do decénio anterior.
Depois de considerar uma forte aceleração do crescimento da produção industrial, a OCDE alerta para o facto de a construção de habitações não ter crescido tão bem sem resultado do stock acumulado de fogos habitacionais não vendidos em períodos anteriores».
Quanto ao sector dos serviços, diz a OCDE que ele beneficiou de dinamismo apreciável, em especial nos sectores financeiro, do turismo, dos transportes e comunicações.
Quanto ao mercado de trabalho, Srs. Deputados, que é um mercado que tem muito que ver com a política social

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do Governo, o que 6 que se pode ler no relatório da OCDE? Pode ler-se que, «atraídos pela forte procura de mão-de-obra induzida pela viva expansão dos mercados dos produtos e dos serviços, mais pessoas entraram na população activa e cada vez mais empregos em tempo parcial se converteram em tempo inteiro».
Mais adiante diz que «a modificação da legislação laborai, ocorrida no início de 1989 (maior flexibilidade), facilitou esse comportamento laborai e social positivo».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -Não obstante esse aumento da população activa, a OCDE constata, até com certa surpresa, que «o desemprego continuou a descer a um ritmo mais vivo que nos outros países europeus».
E pode-se ler esta afirmação, que nos enche de esperança para o futuro:

Isto dá-nos que pensar que a incidência positiva sobre o emprego pelos investimentos de extensão feitos nos sectores dos serviços (incluindo as infra-estruturas) compensou largamente as contratações de empregos, ligadas aos investimentos da racionalização feitos em algumas indústrias.

Em conclusão, a OCDE afirma que «a taxa de desemprego caiu para o seu nível mais baixo desde o início dos anos 70» e que «a produtividade total da mão-de-obra aumentou mais de 3 % em 1989. em resultado não só da melhoria das taxas de utilização das capacidades instaladas, mas também dos efeitos das políticas estruturais e da rápida modernização do aparelho industrial».
Quanto às reformas estruturais, a OCDE salienta as importantes alterações estruturais e institucionais ocorridas na segunda metade da década de 80, visando elevar a economia portuguesa ao nível dos seus parceiros da Comunidade Económica Europeia, algumas das quais - essas alterações estruturais- conflituantes com os objectivos macroeconómicos da estabilização, o que dificultou, no curto prazo, mais distribuição de riqueza e mais justiça social.
Isto é o que a OCDE diz que geralmente acontece. No entanto, o que a OCDE constata é que essas situações conflituantes, salvo, em parte, no domínio da inflação, foram corajosamente ultrapassadas pela política do governo social-democrata.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador:-Relembra a OCDE que a liberalização dos preços dos bens e serviços, a reforma, a diversificação e a nova regulamentação dos mercados financeiros, a adopção de técnicas indirectas de controlo monetário e a nova Lei Orgânica do Banco de Portugal (onde se proíbe a cobertura dos défices com emissão monetária, é o chamado imposto inflação implícito), o início do processo das privatizações, a total reforma dos impostos indirectos (IVA) e directos (IRS, IRC e contribuição autárquica), com a simultânea extinção de numerosos impostos e taxas, a reforma e o saneamento das finanças e da Contabilidade Pública foram factores que contribuíram para essas reformas estruturais.
Aproveitando plenamente uma conjuntura internacional favorável, as autoridades tomaram iniciativas de grande alcance, que colocaram os principais indicadores macroeconómicos a reagir de maneira positiva (lê-se no relatório). Isto é importante porque há quem diga que as coisas boas não foram mérito do Governo e que aconteceram em virtude do bom clima internacional. Ora. o relatório diz que o que se deu foi o bom aproveitamento desse clima internacional, ao contrário do que se deu noutros países, como a Grécia, o Reino Unido e, em parte, a Espanha.

Aplausos do PSD.

Depois de elogiar, desenvolvidamente, as reformas estruturais no domínio das finanças públicas e na aplicação dos fundos comunitários, o relatório dá especial atenção aos programas que o Governo mantém com financiamentos públicos (em parte do Fundo Social Europeu), visando a formação profissional dos jovens ou de trabalhadores desempregados, incluindo 2 % da população activa, o que é um valor extremamente elevado, sublinhando, no que respeita aos jovens, que os formandos, estando 70 % no desemprego antes da formação, ficavam nos 45 % do desemprego no fim do programa (independentemente dos que arranjavam emprego para depois, quase cobrindo a totalidade dos que beneficiaram desses cursos de formação do Governo).
Quanto à inflação, a OCDE, tal como o Governo português, considera que ela não se portou tão bem em 1989 e 1990 como se havia portado nos três primeiros anos de governação social-democrata.
Mas atente-se ao núcleo justificativo central que a OCDE apresenta para esse comportamento da inflação: «No período de 1985-1987, o reforço de confiança dos consumidores, conjugado com o abrandamento da inflação e com a entrada na CEE, arrastararam-nos a um recuo da taxa de poupança». Por outro lado, «os salários efectivos aumentaram mais depressa do que os salários contratuais» e a aceleração da inflação resultou em larga medida do nível elevado e crescente das pressões de procura, da queda constante da taxa de desemprego e da tendência ascendente das margens das empresas, que permitiram aos empregadores satisfazer reivindicações suplementares de vencimento. Em suma, e ao contrário do que alguns afirmam, não foram só os detentores do capital que beneficiaram do forte crescimento da economia, pois também os trabalhadores sentiram positivamente esse crescimento, ao mesmo tempo que os proprietários e trabalhadores por conta própria aumentaram o seu peso no rendimento nacional.
É claro que ter-se-á de trabalhar muito ainda para alinhar a nossa produtividade com a média europeia, isto se não quisermos perder a batalha de competitividade.
Voltando ao problema da inflação, nenhum partido aqui representado pode reivindicar-se de ter feito ou sugerido melhor política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim, a inflação entre 1975 e 1985 andou sempre acima dos 20 % (com excepção do governo Sá Carneiro em 1980), acumulando com um contexto depressivo ou fortemente desequilibrado, económica e socialmente falando.
Mas a inflação no período de 1986 a 1990 caiu para a casa dos 10 % (chegando mesmo aos 8,5 % em 1987) e, se acelerou ligeiramente nos últimos dois anos. isso sucedeu num contexto de forte crescimento e de modernização das estruturas produtivas e sociais com os salários e as pensões a crescerem realmente. Trata-se, portanto, de dois contextos totalmente diferentes, em que o aspecto virtuoso deste último período bem se salienta e contrasta com os anteriores períodos.

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E perspectivas da OCDE para o futuro?
Reforçar o combate à inflação, prosseguir o saneamento das finanças públicas, em especial os seus défices orçamentais, cumprir a estratégia definida no plano de ajustamento a médio prazo (quantum), aproveitar os programas de privatizações para melhorar a eficiência das empresas e consolidar as estruturas económicas e sociais (a OCDE refere positivamente o acordo social celebrado entre o Governo e os parceiros sociais) são as receitas propostas pelo relatório, propostas essas que estão a ser seguidas pelo Governo, conforme se depreende de recentíssimas análises do Banco de Portugal, o qual acredita que a inflação irá baixar nos próximos tempos, em resultado, sobretudo, da desacelaração da procura interna num contexto de expansão da oferta e de quebra dos preços das matérias-primas importadas (mesmo excluindo o mais que previsível declínio dos preços do petróleo após o fim do conflito no Golfo).
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Esta análise quantitativa está alicerçada na frieza dos números. É claro que a esses números subjaz um grande projecto, lançado em finais de 1985 e onde os valores mais queridos à civilização ocidental, onde Portugal se insere, estão sempre presentes: a confiança nas instituições democráticas, o respeito pelos direitos humanos, o combate as injustiças sociais e às assimetrias regionais, o reforço do poder local, a protecção dos jovens, dos idosos e das famílias desprotegidas, a defesa do ambiente, da soberania nacional e da identidade nacional, velha, de oito séculos.
Mas que melhor conclusão poderíamos desejar para o exame da OCDE do que a que se lê no último parágrafo do relatório:

Em resumo, Portugal obteve estes últimos anos resultados verdadeiramente notáveis no plano do crescimento e da criação de empregos e realizou muito importantes progressos na via do ajustamento estrutural e da reforma institucional, o que deverá tornar bem mais fácil a sua integração progressiva na Comunidade Europeia.

Srs. Deputados, o País vai no bom caminho e pode confiar nos seus timoneiros para enfrentar com êxito os novos desafios que se avizinham. Confiamos em quem cumpre o que promete e é este o caso com o governo Cavaco Silva.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, como não há inscrições para pedidos de esclarecimento, também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Destina-se a nossa intervenção de hoje a uma declaração sobre política agrícola nacional.
Mas não podemos deixar, mais uma vez, de começar por referir aqui a questão do Golfo para salientar que, neste momento, estão reunidas todas as condições que permitem um cessar-fogo imediato e a paz.
Esta nova situação vem confirmar as sólidas esperanças que emanavam do conteúdo da proposta soviética e às quais os Estados Unidos da América e os seus aliados responderam com uma posição de intransigência.
Neste novo quadro, agora aberto com o início da retirada das tropas do Iraque do Koweit, o prosseguimento da guerra, a não implantação de um cessar-fogo imediato, como decorre da declaração de há momentos do presidente Bush, só demonstra que os Estados Unidos da América prosseguem não somente, como afirmavam inicialmente, a libertação do Koweit mas outros objectivos de hegemonismo inconciliáveis com os princípios que regem o direito internacional, o desanuviamento e a paz e, aliás, denunciados no interior dos próprios Estados Unidos da América.

Aplausos do PCP, do deputado do PS Sottomayor Cárdia e da deputada do PRD Natália Correia.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Governo recusou expressamente, em conferência dos representantes dos grupos parlamentares, a realização de um debate sobre política agrícola aqui, no Plenário da Assembleia da República, perante os olhos e os ouvidos do País.
É um facto político significativo; é a melhor prova de que o Governo tem medo de enfrentar esse debate porque reconhece que essa é uma área onde fracassou rotundamente.
Fracassou quando, detendo o PSD a pasta do Ministério da Agricultura há mais de 10 anos, com cinco anos de integração comunitária e usufruindo de volumosos apoios financeiros da Comunidade Económica Europeia, não procedeu às necessárias transformações estruturais da agricultura nacional.
Fracassou quando só agora, tardiamente, vem reconhecer que a política agrícola comum (PAC) não serve o nosso país, não se tendo por isso empenhado desde logo na sua reforma e optando por uma atitude passiva de aceitação dos princípios da política agrícola comum.
Fracassou quando se verifica que hoje a agricultura e os agricultores portugueses estão mais longe dos seus parceiros comunitários. Dois indicadores são significativos: o produto agrícola bruto nacional (a preços constantes) desceu 3,7 % ao ano contra 0,5 % na Comunidade e o poder de compra dos agricultores reduziu-se em 1,4 % ao ano e na Comunidade cresceu 2,5 % ao ano.
As perspectivas até ao final da segunda etapa do período de transição, em 1995, não são mais brilhantes. Segundo estudos de credenciados técnicos do próprio MAPA haverá, entre 1991 e 1995, uma diminuição do valor bruto da produção em 20 % do valor actual e uma quebra superior a 40 % no valor acrescentado bruto. Os preços ao produtor cairão, em termos reais, 10 % a 20 % para o azeite, os suínos, as aves, os ovos e o tomate para a indústria e 20 % a 40 % para os cercais, leite, ovinos, arroz, girassol, soja e bovinos.
É uma perspectiva dramática para a agricultura nacional se rapidamente não for alterada tanto a estratégia negociai comunitária como -e fundamentalmente- a orientação da política agrícola interna. São, aliás, dados que, no sector da política agrícola, vem desmentir cabalmente as afirmação que, há pouco, o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp aqui trouxe.

Aplausos do PCP.

Está hoje instalada na agricultura e nos agricultores nacionais uma crise de confiança perigosa para o esforço de investimento e modernização que é necessário realizar.
Srs. Deputados, o documento de reflexão da Comissão das Comunidades, de l de Fevereiro, enviado ao Conselho sobre a evolução e o futuro da PAC é profundamente elucidativo do que o PCP sempre afirmou. Pela primeira vez, a Comissão reconhece expressamente que s80 % do apoio concedido pelo FEOGA se destina a cerca de 20 %

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das explorações», que «o poder de compra por activo agrícola melhorou muito pouco durante o período de 1975-1989» e que «o sistema não tem em devida conta os rendimentos de grande maioria das pequenas e médias explorações familiares».
A uma PAC inadequada à nossa agricultura soma-se uma política agrícola dos governos do PSD que não souberam criar, no plano interno, as condições necessárias à melhoria da eficiência das nossas explorações e da agricultura no seu conjunto.
Desde a adesão entraram no País 21S milhões de contos de fundos comunitários destinados à agricultura. Cumpre que o Governo explique quais têm sido a eficiência e o impacto da aplicação desse volumoso investimento (a que há que somar as contrapartidas nacionais).
A verdade é que nos últimos seis anos agravou-se o nível de segurança alimentar do País com o aumento do défice na balança agro-alimentar, diminuíram os rendimentos dos agricultores e as dificuldades financeiras do sector cooperativo, reduziu-se o nível de eficiência das explorações agrícolas, baixaram os preços reais nos cercais, na carne ovina e bovina, no vinho, nos horto-frutícolas sem, aliás, qualquer efeito no consumidor.
É a altura de perguntar onde estão as promessas do Governo de que a partir de Janeiro baixaria o preço do pão, da carne, do azeite, assim como de alimentos para o gado. Promessas falsas como se constata.
Em contrapartida, o Governo persiste em manter os preços dos factores de produção e do crédito mais altos da Comunidade Económica Europeia. Enquanto o preço líquido do gasóleo para a agricultura está entre nós em 81$, a média na Comunidade ronda os 41$. Enquanto as taxas de juro atingem entre nós 22 % e mais, na Comunidade oscilam entre os 8 % e os 15 %. Aumentaram-se os prémios dos seguros agrícolas em mais de 400 %, o que também desmente a afirmação aqui feita, recentemente, pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura de que com o novo regime do seguro agrícola os prémios dos seguros não eram aumentados. As novas tabelas aí estão a desmenti-lo, claramente. São aumentos superiores a 400 %.
Desta forma, como se pode exigir que os agricultores e o sector cooperativo nacional produzam em condições de competitividade com as explorações dos restantes países da Comunidade?
A verdade é que não há uma estratégia nacional de desenvolvimento agrícola. O MAPA navega de acordo com os jogos de influência que em cada momento dominam no Ministério. Na ausência dessa estratégia nacional a afectação de recursos tem sido feita numa base casuística, empregues em projectos não estruturamos, prejudicando as pequenas e médias explorações e as regiões mais carenciadas de investimento, acelerando-se o processo de degradação do nosso mundo rural.
Onde está a lei de bases do fomento agrário e das estruturas fundiárias que o Governo prometeu, expressamente, elaborar até ao final de 1990? Onde está a lei de ordenamento florestal? Certamente que repousam nas gavetas do Ministério, uma vez que ela não interessa aos grandes interesses e influências que se movimentam no seu interior e que o ministro vai satisfazendo, ora uns, ora outros, para se equilibrar na cadeira do poder.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Com o objectivo de contribuir para corrigir a trajectória errada que vem sendo prosseguida na nossa política agrícola, o Grupo Parlamentar do PCP tem vindo a apresentar nesta Assembleia um valioso conjunto de iniciativas legislativas em áreas como o fomento e a orientação das produções agro-pecuárias, a defesa e o desenvolvimento da floresta portuguesa, o incremento da produção leiteira, o acesso dos pequenos agricultores aos fundos comunitários, a alteração do regime do seguro agrícola, a devolução aos agricultores de 100 % do IVA cobrado na compra do gasóleo (e, aliás, aprovado em sede do último Orçamento), a garantia de participação das organizações representativas da lavoura na definição da política agrícola.
Avançamos hoje com duas novas propostas: a primeira é a realização de um amplo debate nacional sobre a agricultura, envolvendo as diversas forças políticas e sociais, as organizações agrícolas, que seja mobilizador do «agros» nacional e reforce a nossa posição negociai junto das Comunidades; a outra é aproveitar a nova reforma da política agrícola comum agora proposta pela Comissão para uma reconsideração global da integração da agricultura portuguesa na política agrícola comum.
Quanto à primeira, aproveitamos para salientar que é necessário que o Governo reconheça a pluralidade de organizações confederais representativas da lavoura e dialogue com todas elas em pé de igualdade.
É inadmissível que o Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, ao arrepio das suas afirmações de diálogo, continue a ignorar a Confederação Nacional de Agricultura, que neste fim-de-semana reuniu o seu V Congresso e onde ficou bem demonstrada a sua representatividade e enraizamento na realidade agrícola nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): -O senhor nem esteve lá.

O Orador: - Estive sim. O Sr. Deputado está enganado!

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Eu não o vi!

O Orador: - O que é que o Sr. Deputado quer, não me viu!...
Quanto à segunda proposta, esta é a oportunidade para o Governo corrigir a agulha, rectificando as más negociações que fez em final do ano passado e respeitantes à entrada na segunda etapa do período de transição.
Já nessa altura estava em cima da mesa a perspectiva de profundas alterações à política agrícola comum, por força, designadamente, das negociações do GATT, o que deveria ter levado o MAPA a ser mais firme nas negociações de Bruxelas. Não o fez e agora vamos partir para a nova reforma da PAC em piores condições.
Srs. Deputados: consideramos que a nova reforma da PAC proposta pela Comissão tem alguns princípios que poderão adequar-se melhor à nossa agricultura do que a actual PAC, se tais princípios se traduzirem em orientações adequadas à especificidade da nossa agricultura.
Ao propor reorientar a PAC no sentido de favorecer as pequenas e médias explorações e as regiões menos desenvolvidas, ao propor uma modulação suplementar das ajudas dirigidas às regiões menos favorecidas, ao reconhecer expressamente que a lógica do apoio concedido com dinheiros públicos deve consistir em corrigir as desigualdades entre os agricultores e as regiões, a Comissão avança com um quadro de princípios de que o Governo português deve retirar todas as consequências que favoreçam a agricultura nacional.
Designadamente, não deve aceitar a contenção da nossa produção, a redução de preços sem compensações que

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penalizem os nossos agricultores, o condicionar de apoios no sector da produção animal a taxas de encabeçamento desadequadas da nossa realidade, a redução das quotas do leite ou a imposição de co-responsabilidades em produções em que nada contribuímos para os excedentes existentes na Comunidade.
Tais posições devem traduzir-se, desde já, nas negociações dos preços para a próxima campanha que amanhã mesmo se iniciam em Bruxelas, salvaguardando as posições portuguesas, seja quanto ao nível de quebra de preços que está anunciado, seja quanto à garantia da entrega a Portugal dos montantes compensatórios de adesão referentes à totalidade das importações de cereais.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Depois de cinco anos de oportunidades perdidas o Governo deve reconhecer que fracassou na sua política agrícola.
Embora tarde, ainda é possível rectificar orientações e salvar a agricultura portuguesa se, na base de um nova política, o Governo se dispuser a dialogar, a ouvir .e a considerar as propostas, tanto da oposição como das estruturas representativas da lavoura, sem exclusões.
Sc o não fizer, como não o tem feito, é o único e exclusivo responsável pelas graves dificuldades que a médio prazo a agricultura portuguesa vai sentir ainda mais.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Sottomayor Cárdia, António Campos e Vasco Miguel.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, peço desculpa a V. Ex.ª por não ter tido capacidade para apreender o seu discurso sobre a agricultura.
Na verdade, afigura-se-me que, infelizmente, esta Assembleia está mais interessada noutras questões que não nas da agricultura.
A pergunta que vou formular-lhe é-o a título, mera e exclusivamente, pessoal.
Os objectivos políticos das resoluções do Conselho de Segurança estão alcançados.
Custa-me a acreditar que o presidente Bush tenha ordenado a continuação da guerra. Não pode admitir-se que, em nome da reposição do direito, se pratique um efectivo e inequívoco acto de agressão.
Se o presidente Bush quer exibir a sua concepção mundialista, importa que os valores liberais, tal como os entendo, sejam defendidos por todos os cidadãos que querem prestigiar e respeitar as regras do direito internacional.
Do meu ponto de vista, o Governo português deve reconsiderar a disponibilidade da República Portuguesa nesta emergência.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, peço desculpa por não lhe ter colocado qualquer pergunta.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Guterres (PS): - Sr.ª Presidente, é também para me inscrever para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lino de Carvalho.

A Sr.ª Presidente: - Fica inscrito. Sr. Deputado.

Srs. Deputados, devido ao barulho existente na Sala, informo-os de que os trabalhos não prosseguirão enquanto não forem criadas as condições indispensáveis.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Presidente, não é a primeira vez que dois deputados não têm pontos de vista semelhantes, sobretudo...

A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada Natália Correia, V. Ex.ª não está a usar da palavra ao abrigo de qualquer figura regimental. Portanto, solicito-lhe, solicito a toda a Câmara, que seja feito o necessário silêncio para escutarmos, como é devido, os deputados que estão a intervir ao abrigo das figuras regimentais e que, para tal, estão devidamente inscritos pela Mesa.

Protestos da deputada do PRD Natália Correia.

Sr.ª Deputada Natália Correia, é V. Ex.ª que está a fazer-se ouvir, pelo que, muito directamente, lhe solicito, e a todos os outros Srs. Deputados que seja feito o silêncio necessário à continuação do debate.

Protestos da deputada do PRD Natália Correia.

A Mesa não permitirá a prossecução dos trabalhos enquanto não estiverem restabelecidas as devidas condições.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, começou por dizer que o Governo não aceitou um debate sobre matéria da agricultura que, aliás, vinha programando desde Dezembro, nesta Assembleia da República.
Mas o Sr. Deputado está consciente de que estamos a passar um ponto crucial de negociações a nível da política agrícola comum, o qual tem uma repercussão enormíssima no futuro da agricultura portuguesa.
De facto, poucos ou nenhuns portugueses conhecem o que está a passar-se. Assim, a primeira grande recriminação vai para o comportamento do Governo por não aceitar um debate nesta Câmara sobre uma matéria crucial e relativa a um sector importante da economia portuguesa.
A questão que quero colocar-lhe é a de que me pareceu que o Sr. Deputado subscreveria a orientação da reforma da PAC.
Pessoalmente, não subscrevo essa orientação, embora seja a favor de uma reformulação da política agrícola comum.
Mas, como o Sr. Deputado bem sabe, a prazo, o que está em causa é, de facto, a perda do direito de preferência, a nível comunitário, nas negociações que estão a decorrer - e sabêmo-lo através do relatório apresentado pela Comissão Europeia ao Conselho, em l de Fevereiro. Isto quer dizer que, acabando o direito de preferência, é visível, pelos acordos do GATT, que a agricultura portuguesa não resistirá.
Há uma tentativa de transferir a política de preços para as ajudas aos rendimentos dos agricultores.
Assim, pergunto-lhe se o Sr. Deputado aceita esta transferência, esta falta de protecção e de preferência, a nível da Comunidade.
Está de acordo com o desamparo total a um sector estratégico para toda a Europa?

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Quais são, na sua visão, as consequências, a curto e a médio prazo, deste desamparo para a agricultura portuguesa?
Sabemos que, neste sector, este é um Governo sem ideias e subserviente aos interesses do norte da Europa. Portanto, gostaria de saber se o Sr. Deputado acompanha, de facto, a tentativa de orientação de uma nova reforma da política agrícola comum, ou se, como eu próprio, está de acordo em que é preciso reformulá-la.
Outra questão que tenho para colocar-lhe é a da falta de sensibilidade deste Governo que, quando recebeu 230 milhões de contos, os distribuiu sem critério e sem política nacional. Qual é a sua opinião sobre o que terá trazido à agricultura portuguesa a distribuição daquela verba correspondente a saldos já entregues pela Comunidade a Portugal?

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, não nos admira absolutamente nada o tipo de intervenção que aqui fez, na sua qualidade de deputado do Partido Comunista.
Aliás, em termos de agricultura, as intervenções do seu partido sempre foram feitas nesses moldes.
Como sabe, já pertenço a esta Casa há muitos anos. E, quando aqui cheguei, havia, por parte do Partido Comunista Português, uma oposição sistemática à adesão portuguesa à Europa. Assim, o que mais estranho é que, neste momento, o PCP se preocupe muito com a PAC e com os fundos comunitários.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, desafio-o a que reconheça que, nesta sede, o Partido Comunista nunca teve coragem de dizer exactamente o que pretendia para a nossa agricultura.
Assim, se o fizer, vai ter de dizer duas coisas, Sr. Deputado: concorda ou não com a adesão de Portugal à Comunidade e, por conseguinte, com a nossa adesão à PAC?
De uma vez por todas, para poder discutir esta matéria com seriedade e honestidade nesta Câmara, o Sr. Deputado vai ter de dizer se considera ou não que estamos a aplicar devidamente os fundos comunitários em Portugal e se está ou não de acordo com a PAC e com a adesão de Portugal à Comunidade. Se não for esta a sua atitude, Sr. Deputado, não vale a pena estarmos aqui a esgrimir «lérias ao vento».
É que o Sr. Deputado não acredita no que está a dizer, enquanto eu acredito no que digo. No entanto, até acredito que cada um de nós deseja o mesmo, que é uma negociação efectiva da agricultura portuguesa.
Mas, Sr. Deputado, estamos fartos de demagogia, estamos fartos desse falso discurso, do «está tudo mal; nada está bem; os fundos não são bem empregues; a PAC não presta».
Sr. Deputado, para sabermos efectivamente com quem falamos, diga, de uma vez por todas, que quer que Portugal adira, de corpo inteiro, à PAC e à Comunidade. Vamos discutir em termos sérios porque é falsa a sua afirmação de que o Governo não quer discutir esta matéria.
Não estou a defender o Governo porque tal não me compete, mas certo é que nunca o Governo faltou as reuniões da Comissão de Agricultura, sempre que aí foi solicitada a sua presença. Aliás, para amanhã, está precisamente agendada uma reunião naquela sede, Sr. Deputado. É por isso que, hoje, os senhores vieram aqui falar desta matéria. Aliás, é costume fazerem isto e já estamos habituados. Isto é, quando têm a certeza de que vai concretizar-se algo surgem com grandes reivindicações.
Ora, quero dizer-lhe com toda a clareza que não me parece muito correcta esta vossa atitude. Por que é que o Sr. Deputado não adiou para uma das próximas sessões a sua intervenção sobre esta matéria, somente depois de ter tido p tal diálogo com o Sr. Ministro da Agricultura e de ler sido devidamente esclarecido?
É que, na sua intervenção, nota-se um miserabilismo e um não acreditar na agricultura portuguesa, atitudes que já vem denunciando há mais de 10 anos.
Pessoalmente, sou dos que acreditam no diálogo com o Governo, na PAC, na Europa e na potencialidade dos agricultores portugueses.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, em nome do meu grupo parlamentar, digo-lhe que, seguramente, todos os homens de boa vontade desejam profundamente que, o mais depressa possível, se restabeleçam condições de paz no Golfo Pérsico.

Vozes do PS:-Muito bem!

O Orador:-Pensamos que a paz deve ser seguida do estabelecimento de condições para o equilíbrio político e de segurança na região, da resolução da questão israelo-árabe, com a criação de um Estado palestiniano e com a garantia de segurança para todos os estados da região, incluindo Israel, e do desenvolvimento de formas de cooperação mutuamente vantajosas e possibilitadoras de um clima de paz e prosperidade no Mediterrâneo entre a Europa, com as suas comunidades, e o mundo árabe em geral, especialmente com os países árabes que, no seu conjunto, se situam no Maghreb e na bacia do Mediterrâneo.
Mas, sinceramente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, não entende que o principal obstáculo que, neste momento, ainda se coloca à paz é a obstinação com que o Iraque se recusa a aceitar o conjunto das resoluções das Nações Unidas?
Não entende que, dessa forma, poderia resolver-se, de uma vez por todas, o conflito e que deixaria de haver circunstâncias que, naturalmente, criam um momento que é particularmente preocupante para todos nós - ninguém gosta de ver morrer gente, ninguém gosta do espectro da guerra, ninguém gosta de ver adiar a resolução de problemas que, seguramente, são importantes para a humanidade?

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente:-Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Srs. Deputados Sottomayor Cárdia e António Guterres, agradeço-vos a oportunidade de retomarmos algumas das ideias que exprimimos sobre a situação actual da guerra do Golfo.
Ouvi com atenção a intervenção do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia com a qual me identifico no essencial.

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Agradeço que me lenha dado a oportunidade de reafirmar a ideia de que, em nossa opinião, estão reunidas as condições para um cessar-fogo imediato.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Respondendo agora ao Sr. Deputado António Guterres, digo-lhe que, como 6 publicamente conhecido, sempre condenámos a invasão do Koweit, como condenámos o início da guerra num período em que ainda se assistia a processos negociais possíveis de impedir o avanço dessa mesma guerra.
Condenamos a obstinação de qualquer das partes envolvidas na ultrapassagem das resoluções da ONU.
Só que, no quadro actual, em que, depois das iniciativas de paz soviéticas, se abriram perspectivas e esperanças de paz, quando ontem o Iraque veio afirmar que retiraria e no terreno isso começa a concretizar-se com a retirada efectiva das tropas, sem quaisquer condições, o que verificamos, no momento em que aqui falamos, é que a obstinação no prosseguimento da guerra já não parece ser tanto da parte do Iraque mas, antes, terá mudado de campo para os Estados Unidos e as forças aliadas.
Pensamos, por isso, que, face ao novo quadro gerado pela declaração do presidente iraquiano e ao início da retirada das tropas do terreno, será, então, o momento para o cessar-fogo e para proceder ao conjunto das negociações que levem à paz e posteriormente à resolução dos problemas globais do Médio Oriente, à frente dos quais colocamos, para além da estabilidade global da região, a resolução dos problemas que atravessam toda ela e, em particular, a garantia do direito do povo palestiniano a uma pátria própria na região. É este o quadro em que colocamos a questão.

Aplausos do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

Quanto às questões da política agrícola, concretamente à reforma da política agrícola comum, aqui suscitadas pelo Sr. Deputado António Campos, procurarei agora, se não o fui na minha intervenção, ser claro.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Questão difícil!

O Orador: - Os princípios que são enunciados na declaração do Comissário Mac Sharry constituem, em teoria, princípios com potencialidades e virtualidades que podem ser interessantes de discutir, sobretudo quando, pela primeira vez, a Comissão reconhece que é necessário orientar os fundos no sentido de favorecer as regiões menos desenvolvidas e as pequenas e médias explorações e reorientar a política agrícola comum para fazer diminuir o fosso entre a pequena agricultura e a grande agricultura e entre os países menos desenvolvidos e os mais desenvolvidos.
Com o que não estamos de acordo é que dessas declarações de princípio se retirem depois propostas práticas de política agrícola que na prática contradizem tais princípios. Por isso dizemos que o Governo português, no quadro das negociações feitas em Bruxelas, deve retirar desses princípios teóricos enunciados todas as conclusões práticas que tenham a ver com a especificidade da nossa agricultura. Sobretudo, deve insistir no reconhecimento da especificidade da agricultura portuguesa e não deve aceitar a contenção da produção nem a adopção de taxas de co-responsabilidade em produções de que não somos excedentários, devendo renegociar um novo PEDAP para a agricultura portuguesa, entre outros aspectos. Existem, pois, condições, porventura hoje melhor do que ontem, para o Governo português, no quadro do reconhecimento que hoje é expresso pela própria Comissão das Comunidades, reformular a sua integração na política agrícola comum, retirando dela todas as consequências práticas que possam beneficiar e não prejudicar a nossa agricultura.
O que entendemos é que isso não tem acontecido, quando se pode comprovar, pelos números à nossa disposição, que das verbas que têm vindo das Comunidades para Portugal - os 230 milhões de contos que referi - não se têm tirado, no terreno, as consequências positivas para as alterações estruturais da agricultura nacional que esse volumoso investimento proporcionaria. Ou seja: ao problema, que já referi, de uma política agrícola comum inadequada soma-se uma política agrícola nacional que agravou a integração numa política agrícola que tem pouco a ver com uma agricultura de países e regiões menos desenvolvidas como a nossa.
Quanto ao pedido de esclarecimento formulado pelo Sr. Deputado Vasco Miguel, porventura o Sr. Deputado não acompanha o correr dos tempos. Quando hoje vem repor a questão de saber se estamos ou não de acordo com a adesão à Comunidade Económica Europeia, respondo-lhe que essa pergunta está atrasada cinco anos. A questão que actualmente se coloca não é essa mas, sim, a de que já estamos na Comunidade Económica Europeia. No quadro da Comunidade Económica Europeia, negociámos o reconhecimento da especificidade da nossa agricultura, tendo sido reconhecido pela Comunidade que a agricultura portuguesa necessitava de apoios suplementares especiais para poder desenvolver-se e aproximar-se de agriculturas mais desenvolvidas.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): -Por nós, por nós é que foi reconhecido!

O Orador: - Só que, na prática desses princípios negociados, o Governo português não tem instalado em Portugal uma política agrícola que permita exactamente fazer a aproximação da nossa agricultura às agriculturas europeias e às médias de desenvolvimento das agriculturas europeias. Basta ler os próprios documentos dos órgãos da Comunidade sobre o assunto para constatar isso mesmo.
Aliás, o Sr. Deputado não desmentiu nenhum dos números que aqui apresentei. Limitou-se a fazer formulações gerais, sem desmentir qualquer dos dados concretos que aqui apontei.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Eu disse que eram falsos!

O Orador: - Hoje, todas as organizações confederais da agricultura colocam reservas à política agrícola do Governo.
A melhor forma de responder às questões que o Sr. Deputado colocou e de fazer uma discussão aprofundada dos problemas da agricultura consiste exactamente em abrir neste Plenário, como temos vindo a propor, um debate sobre a política agrícola nacional. Tal debate não pode restringir-se à comissão competente mas, antes, ser feito aqui, perante os olhos do País, perante a comunicação social, perante todos, e ser um debate largo e aberto,

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que o Governo recusou na conferencia de líderes. Se o fez, algumas razoes terá, e essas razoes traduzem-se em reconhecer que não está efectivamente em condições de produzir esse debate, porque ele reconheceria o fracasso da sua política agrícola para a agricultura nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): -Os senhores não querem discutir os problemas da agricultura, querem é fazer «fofoca» com a agricultura, o que é diferente!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Por que 6 que não requerem uma interpelação ao Governo sobre a questão?

O Sr. Carlos Brito (PCP): -Já está requerida!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: No discurso de ano novo ao Corpo Diplomático, o Papa João Paulo II referia: «1990 foi o ano da liberdade. Façamos de 1991 o ano da solidariedade.»

Vozes do PS:-Muito bem!

O Orador: - Sábia orientação que bem poderia ser adoptada entre nós em relação a um problema que tem assumido maiores proporções nos últimos anos e que não pode deixar ninguém indiferente: o problema da pobreza e da exclusão social.

O Sr. António Guterres (PS): -Muito bem!

O Orador: - Apesar de termos uma Constituição das mais avançadas do mundo no que respeita à proclamação dos direitos dos cidadãos, muitos milhares de portugueses, homens, mulheres, crianças, jovens ou idosos vivem uma situação dramática de completa exclusão social. Uma situação que tem na sua génese razoes de extrema pobreza e que cria uma situação de marginalização e um círculo vicioso de pobreza, de onde quase nunca se sai.
Para que se possa avaliar a extensão do drama, permitam-me que dê conta a esta Assembleia de alguns dados de um estudo recente efectuado por uma equipa de técnicos para várias instituições- Só na área de Lisboa existem hoje cerca de 250 000 pessoas em condições sub-humanas de alojamento: vivem em zonas degradadas, bairros da lata e outros clandestinos e degradados, sem um mínimo de condições, completamente excluídos do mercado habitacional normal. Cerca de 60 % destas pessoas vivem abaixo do limiar de pobreza, o que quer dizer que não dispõem de um mínimo de rendimentos para fazer face às necessidades de um cabaz de compras de um nível de vida minimamente aceitável.
Refira-se que 45 % das que trabalham tem salários inferiores ao salário mínimo nacional. Mesmo nas famílias em que duas pessoas trabalham, 36 % estão abaixo da linha de pobreza, normalmente com empregos precários em empresas de subcontratação na construção civil (mesmo em obras do Estado), sem qualquer vínculo contratual e qualquer tipo de protecção social.
67 % deste universo são portugueses e 23 % imigrantes, na sua maior parte provenientes dos países africanos de expressão portuguesa. Dos portugueses, 54 % são oriundos de outras regiões do País, principalmente de meios rurais: pertencem a uma nova geração migrante, sazonal, sem direitos de nenhuma espécie; 20 % não sabe ler nem escrever e só 10 % tem habilitações acima da 4.ª classe.
Nos jovens a situação é ainda mais dramática: 60 % dos jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 24 anos não cumpriram a escolaridade obrigatória e o insucesso escolar das crianças é superior a 50 %. Este grupo caracteriza-se por uma grande precocidade: no abandono da escola, para ir trabalhar, pois a escola não lhes diz nada; na constituição de família, casam e têm filhos muito cedo; no abandono da vida activa, para viverem de múltiplos expedientes; na morte, por acidente, por doença ou por suicídio, por vezes na presença das crianças.
80 % dos indivíduos que se consideram pobres declaram ser filhos de pobres, o que demonstra uma tendência para a reprodução da pobreza, uma vez que as novas gerações não têm condições para se integrarem e tendem para a exclusão. Verifica-se ainda que quanto mais prolongada é a permanência na pobreza mais baixo é o nível de aspirações e maior a resignação: deixam mesmo de acreditar em si próprios.
Outra situação dramática é a dos sem abrigo. Só em Lisboa calcula-se em 2500 o número de pessoas permanentemente sem abrigo, chegando a atingir 4000 em certas alturas do ano. Para avaliarmos melhor a extensão deste drama, valerá a pena acrescentar que em Londres, com cerca de cinco vezes mais população, se calcula, nas piores alturas, em 5000 o número de pessoas sem abrigo. A maior parte são idosos e, das pessoas em idade activa, desempregados sem direito a subsídio de desemprego, gente que caiu na rua por insuficiência de reforma ou por ter perdido o suporte familiar, jovens desempregados, toxico-dependentes e doentes do foro psiquiátrico.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Portugal não é só Lisboa e este problema não existe apenas em Lisboa. A massa humana que constitui os grupos mais vulneráveis encontra--se por todo o País: famílias de baixos rendimentos, crianças de famílias empobrecidas, pessoas idosas e sem abrigo ou mal alojadas, desempregados ou ocupados em empregos precários, deficientes, minorias étnicas, toxi-codpendentes ou alcoólicos, mulher de famílias empobrecidas integram o grupo das muitas centenas de milhar de pessoas que em Portugal vivem abaixo do limiar de pobreza e constituem, no seu conjunto, um imenso grupo de cidadãos excluídos da sociedade e privados, por inexistência de condições para o seu exercício, dos mais elementares direitos da pessoa humana.
Dir-me-ão: «Mas em Portugal sempre houve miséria, sempre houve pobreza. E, mesmo na Europa, não se manifesta ela com formas e extensões diferentes na Europa inteira?» É verdade, mas também é verdade que nunca, como agora, houve tanta manifestação de fenómenos de exclusão social e que no nosso país nunca, como agora, houve condições económicas e financeiras para desencadear um combate sério contra estes fenómenos.

Aplausos do PS.

No que à Europa respeita, tudo é relativo, porque um pobre na Alemanha, por exemplo, tem mais rendimentos do que um remediado em Portugal, situação agravada em Portugal pela inexistência de um rendimento mínimo garantido.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - O problema é outro, como ainda há relativamente pouco tempo salientava o Sr. Presidente da República quando referia:

Sei que há muitos portugueses que continuam a viver mal, em condições de extrema pobreza (...) e que outros, talvez, estão em vias de ser marginalizados e a tornarem-se comparativamente mais pobres, por causa do próprio desenvolvimento da sociedade portuguesa no seu conjunto.

Em Portugal, os responsáveis governamentais têm confundido crescimento com desenvolvimento e aí residem muitas das causas que originam o aumento do fenómeno de exclusão social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Desenvolvimento implica redução das desigualdades no acesso aos bens e serviços da sociedade contemporânea, liberdade de escolha, dignidade, justiça social. O crescimento, quando elevado de instrumento indispensável que é a objectivo final, traduz-se num aumento das desigualdades.

O Sr. António Guterres (PS): -Muito bem!

O Orador: - Apontar como exemplo de desenvolvimento de um país o crescimento do produto per capita sem perguntar quem beneficiou com esse crescimento, escondendo nas médias estatísticas que, na verdade, esse crescimento beneficiou uma minoria, já privilegiada, e fazendo aumentar o número dos que nada têm, não é eticamente aceitável.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como afirmava a Dr.ª Manuela Silva, «não é ética e politicamente irrelevante que o crescimento económico reforce as desigualdades ou as atenue, que combata a miséria ou ao contrário a gere, que aproveite aos nacionais de um país ou vá beneficiar as oligarquias estrangeiras, que favoreça todo o povo ou apenas algumas minorias privilegiadas».
É hoje sabido que a precaridade económica das famílias, o enfraquecimento dos vínculos de solidariedade familiar, a falta de alojamentos, as grandes deficiências no funcionamento dos sistemas de educação, saúde e segurança social e a perda de valores éticos, ainda que por vezes associados às características pessoais dos indivíduos, resultam sobretudo do modo de funcionamento da economia e das estruturas sociais existentes.
Podemos, pois, concluir, em primeiro lugar, Srs. Deputados, que o modelo de crescimento económico seguido é um modelo inadequado, que baseia a nossa capacidade de compelir internacionalmente na mão-de-obra barata e no emprego precário, gerando bolsas de pobreza inaceitáveis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É indispensável um novo modelo de desenvolvimento assente na valorização do Homem, na igualdade de oportunidades e na criação de condições para que todas as regiões se possam desenvolver de uma forma equilibrada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, é grande a ineficácia das políticas sociais, que favorecem mais as classes médias do que as verdadeiramente carecidas. É indispensável rever e aperfeiçoar os conceitos de Estado-Providência e tomar selectiva a sua aplicação em reforço dos mais carecidos, com destaque para a necessidade absoluta de revalorizar a habitação social.
Em terceiro lugar, é necessário criar urgentemente mecanismos de intervenção destinados a resolver os casos mais dramáticos e não cobertos por qualquer sistema de protecção social, os chamados casos extremos e de exclusão social. Há que assegurar que qualquer pessoa, por mais limitadas que sejam as suas capacidades, veja assegurado um mínimo que garanta a sua subsistência. É um compromisso moral irrecusável.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os socialistas querem contribuir para a busca de soluções para este flagelo. Do nosso ponto de vista, a Assembleia da República não deve alhear-se deste problema, um problema humano, moral, social.

Nesse sentido, vamos entregar na Mesa um projecto de deliberação com vista à criação de uma comissão eventual para o estudo e acompanhamento dos problemas da exclusão social em Portugal.
Sabemos que o problema da exclusão social não é um problema conjuntural, embora nos últimos anos se tenha agravado. Sabemos que se trata de um problema estrutural das sociedades e não temos a pretensão de resolvê-lo de um dia para o outro. Não nos resignamos, no entanto, ao pensamento simplista de que sempre houve pobres e sempre os haverá, como não aceitamos o cinismo dos que afirmam que do crescimento resulta sempre melhor distribuição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Uma comunidade é tanto mais justa quanto melhor conseguir resolver os problemas de todos os seus membros e ninguém tem o direito de ficar indiferente a este problema.

Aplausos do PS, do CDS, do deputado do PRD Barbosa da Costa e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Jorge Lemos.

A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Barbosa da Costa, Jerónimo de Sousa, Rui Alvarez Carp, Narana Coissoró, Amândio Gomes e Natália Correia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Deputado Armando Vara, ouvi-o com a atenção que a matéria que V. Ex.ª aqui nos trouxe merece e lembraria que o PRD já apresentou, nesta legislatura, uma proposta para a realização de um debate sobre estas questões, tendo também posteriormente feito uma declaração actualizada dos problemas relacionadas com a pobreza em Portugal.
De qualquer forma, direi que nunca é demais levantar questões que se prendem com desigualdades sociais e com problemas de discriminação social, que infelizmente existem no nosso país. Esta questão deverá sobretudo fazer ponderar tendências para uma certa euforia que perpassa um pouco quando se vêem as coisas crescer de determinada forma, mas penso que deve haver uma certa humildade democrática, sobretudo quando há concidadãos nossos a

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viver abaixo do limiar mínimo de sobrevivência. Importaria, acima de tudo, que reflectíssemos sobre esta matéria, que os partidos que se perfilam para governar o País a partir do próximo acto eleitoral tenham exactamente isso na devida conta e que se prossiga uma política social que não esqueça o Homem, qualquer que seja a sua condição e a sua origem. Se houver respeito pelo Homem, certamente que as coisas mudarão e que a ostentação e os sinais exteriores demasiado evidentes de riqueza se mitigarão.
É neste sentido que me congratulo com a exposição produzida por V. Ex.ª, esperando que cia tenha os devidos resultados.

Vozes do PRD:-Muito bem!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Congratula-se porquê, se o deputado interveniente não apresentou uma única proposta concreta?... Deveria, isso sim, congratular-se com a acção do Governo.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado Armando Vara, nem sempre nesta Assembleia, por motivo de paixões ou acusações mútuas entre quem foi quem e quem não foi, na altura do governo do bloco central, e entre quem faz melhor e quem faz pior, foi possível tratar de uma questão séria da sociedade portuguesa que (em a ver com a pobreza extrema que hoje existe nalgumas zonas do nosso país, tendo o Sr. Deputado referido concretamente a região de Lisboa.
Ouvimos aqui, há pouco tempo, o Sr. Deputado Rui Carp sacralizar o crescimento económico como se fosse uma obra miraculosa do Governo do PSD, o que coloca uma questão de fundo. Aceitemos que houve crescimento económico; há todavia que notar, em contrapartida, que as desigualdades sociais se acentuaram na sociedade portuguesa e que existem manifestações chocantes de pobreza nessa mesma sociedade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. José Silva Marques (PSD): -Não é exacto!

O Orador: - Ora, isso constitui uma contradição insanável que tem de ser resolvida.

Discute-se hoje a questão da pobreza de uma nova forma, em termos de saber, por exemplo, se a pobreza não envolverá também o milhão e seiscentos mil portugueses que recebem de salário 20 000$ ou menos de 20 000$ por mês. Não será também pobreza o jovem que procura trabalho e que apenas conhece, devido ao vínculo precário de que dispõe, o direito a um vencimento sem outro estatuto dignificado e isto apesar de, como disse, a nossa Constituição ser das mais avançadas da Europa?

Mas deixemos isso e tratemos das manifestações mais chocantes de pobreza que existem no nosso país. De facto, sou desta região e ainda há pouco propus a um deputado do PSD que, numa destas noites em que os trabalhos se prolonguem, fizéssemos um périplo por Santos, pelo Terreiro do Paço. pela Estação Sul e Sueste até às Arcadas das Portas de Santo Anulo para descobrirmos o concreto, a verdade do discurso do Sr. Deputado Armando Vara.
Ora bem, é neste quadro, é perante esta realidade que pergunto: não acha pouco apenas a formação duma comissão de acompanhamento? Não valeria a pena que as forças democráticas, aqueles que estão sensíveis a esta questão, que é nacional, avançassem com uma iniciativa legislativa para uma política de apoio e de reintegração na sociedade? Faço esta proposta tendo em conta que é inadmissível que, no limiar do século XXI, continuem a existir estas manchas de pobreza, esta manifestação chocante de pobreza que existe na sociedade portuguesa.

Aplausos do PCP e protestos do PSD.

O Sr. José Silva Marques (PSD): -Porque é que não falou sobre Setúbal?

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD):-Sr. Deputado Armando Vara, V. Ex.ª tratou de uma matéria a que é sensível qualquer deputado, qualquer político, que é a pobreza e a miséria, não só a pobreza e a miséria financeiras mas também a moral, a de saúde e todas as suas formas mais degradantes. Só que a tratou duma forma que é, infelizmente, habitual no seu partido quando está na oposição, mas que, na prática, não é executada quando tem responsabilidades maioritárias no Governo.
O Sr. Deputado falou da pobreza e das suas manchas que, de facto, ainda hoje existem e das quais o Primeiro-Ministro e o Governo tanto falam. No entanto, permita-me que lhe recorde como as coisas se passavam na península de Setúbal antes do governo social-democrata. Qual era a situação e como é que estamos agora? Como era a situação dos salários em atraso antes do governo social-democrata e qual é a situação agora?

Protestos do PCP.

Qual era o nível dos rendimentos e das pensões nessa época e como é que é a partir do governo social-democrata?

Vozes do PSD:-Muito bem!

O Orador: -Como estamos em matéria de desemprego hoje e como é que estávamos nos períodos de governação socialista?

O Sr. Rui Ávila (PS): - O crescimento não é sinónimo de distribuição mais justa de rendimentos!

O Orador: - Isso é verdade e faz parte de qualquer manual, mas também faz parte de qualquer manual dizer que sem crescimento económico é impossível haver melhor distribuição de rendimentos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, o Governo nesse aspecto é transparente e está permanentemente a sujeitar-se ao exame da opinião pública, senão vejamos: quem é que atribuiu um 14.º mês aos pensionistas?

Vozes do PS: -Foi o Pai Natal!

O Orador: -Não foram os governos socialistas! Quem é que criou um plano especial de reabilitação das pessoas deficientes? Quem é que transformou deter-

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minadas instalações de saúde em centros de recuperação de drogados? Quem é que criou e aumentou em nível real as pensões de terceira idade e de invalidez? Quem é que eliminou dificuldades, intransigências e impedimentos legais no domínio da cumulação das pensões, especialmente das pensões mais baixas? Quem é que melhorou o abono de família aumentando-o gradativamente consoante o número de elementos do agregado familiar?
O Sr. Deputado Armando Vara limita-se, no seu discurso, a apresentar aquilo que também é habitual no Partido Socialista, isto é, criar mais uma estrutura - a comissão eventual para o acompanhamento da pobreza. No entanto, permita-me que lhe diga, com toda a sinceridade, que sempre fui muito céptico a entender que as coisas se resolvem com mais serviços públicos. Mas até nesse campo não tem razão, porque o Governo criou os comissariados regionais de luta contra a pobreza. Ou seja, mesmo dentro do campo que e tão do agrado do Partido Socialista - criação de mais estruturas- até aí o Governo se antecipou ao Partido Socialista.
Isto significa que do seu discurso, em matéria tão sensível, a conclusão, infelizmente e com lodo o respeito, e zero! Isto significa que, afinal de contas, o Partido Socialista, como ainda agora se vê na Câmara Municipal de Lisboa, onde, se não fosse a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que é uma instituição de âmbito público...

Uma voz do PS: -É do PSD!

O Orador: - Não sei se o Sr. Padre Vítor Milícias, que me merece o maior respeito, é do PSD. Suponho que não é e que seria um insulto se o considerassem como tal.

O Sr. José Lello (PS): - Tem razão, seria um insulto!

O Orador: - Como estava a dizer, o que é que fez a Câmara de Lisboa que não foi mérito do Governo, através da Misericórdia de Lisboa, do Instituto Nacional de Habitação, do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado? A resposta é nada!
Sr. Deputado, foi bom ter levantado essa questão para se ver que nessa matéria de combate à pobreza o PS só nos apresenta mais burocracia.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se a assistir à sessão um grupo de senhoras que pertencem à Associação Feminina Começar de Novo, para o qual peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Armando Vara, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sr. Deputado Armando Vara, infelizmente não posso dizer que gostei de ouvir a sua intervenção, porque seria puro masoquismo gostar de ouvir falar de pobreza e miséria tal como elas existem e estão a alastrar cada vez mais em Portugal.
Pode o PSD dizer que é falso, porque se o Sr. Primeiro-Ministro vai à Marinha Grande e diz aos trabalhadores «atiram-se contra os empresários para obter mais» e depois vai ao Minho e diz aos empresários «atirem-se contra os trabalhadores para terem mais lucros» e em seguida vai a Setúbal dizer que a pobreza acabou naquele distrito, esta maneira de fazer política não a sabemos fazer nem nunca a praticaremos.

Protestos do PSD.

Mas dizer que é falso que em Portugal haja pobres só a primeira fila do PSD o, pode dizer com o à-vontade com que o faz.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. António Paulo Pereira Coelho(PSD):- Está equivocado!

O Orador:- Não estou equivocado, porque enquanto o Sr. Deputado Vara falava V. Ex.ª estava a dizer sem cessar: «Pare com isso, pare com isso! Dizem sempre a mesma coisa!»
E «parar com isso« o que era? Era parar de falar da pobreza. VV. Ex.ª, Srs. Deputados da maioria, não podem ouvir falar de pobreza...
Ora, eu queria colocar ao Sr. Deputado Armando Vara e à Câmara a seguinte questão: neste momento, segundo os dados existentes, 10% da população de Lisboa é constituída por africanos, que não têm benefícios da segurança social e que são muitíssimos mal remunerados, conforme quem os contrata e a maneira como os trata, vivem, a grande maioria deles, em condições sub-humanas, em estaleiros das obras, em «camas« de palha e trabalham no Centro Cultural de Belém em turnos de 24 horas para levar a cabo uma obra de fachada que o Governo prometeu acabar dentro de meses!

Aplausos do PS.

Eu pergunto à bancada do PSD se acham bem que esta pobreza importada, esta mão-de-obra baratíssima, esteja a trabalhar numa obra de ostentação, em Belém, que se destina a que o Governo do Prof. Cavaco Silva mostre o seu monumento à custa da pobreza e da nova pobreza?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Têm consciência disso, Srs. Deputados do PSD? Gostaria que respondessem à minha pergunta, em vez de se rirem da intervenção do Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): -É asneira!

O Orador: - Diz que é asneira referir este facto, mas faça favor de ir ver qual é a origem e o estatuto desses trabalhadores, como é que vivem em Portugal, em que condições de dureza trabalham, de dia e de noite, para acabarem o Centro Cultural de Belém.
Em segundo lugar, queria saber o que é que, neste momento, está a ser feito em Portugal para, estruturalmente, combater as manchas de pobreza. E pergunto: basta pagar o 14.º mês? Basta prometer melhores condições, principalmente antes de cada eleição? Com estas pequenas receitas compram-se os votos mas isso não chega para debelar a mancha dos velhos pobres e dos novos pobres que cada vez se alastra mais. Leiam os estudos do Dr. Alfredo Bruto da Costa.
Por este motivo estou muito satisfeito ao registar que o Partido Socialista tem estas preocupações, porque mostra

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que o humanismo que falta ao PSD, e acompanha o CDS, nesta constante lembrança. É o humanismo laico que sempre foi timbre do Partido Socialista, ao lado do humanismo cristão que anima a minha bancada.

Aplausos do PS.

Bem haja, Sr. Deputado Armando Vara, pela intervenção que aqui trouxe!

Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para defesa da consideração da minha bancada, face às declarações que o Sr. Deputado Narana Coissoró acaba de proferir.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Sr.ª Presidente, só posso interpretar o que o Sr. Deputado Narana Coissoró acaba de afirmar como de menor atenção por aquilo que aqui se passou ou por uma dificuldade de leitura de afirmações que o Sr. Primeiro-Ministro produziu, e muito bem, nas sua deslocações para verificar in loco os problemas, as questões e os assuntos que têm a ver com as populações.
Ou seja, este 6 um Governo em que o Sr. Primeiro--Ministro se desloca a qualquer parte e, dialogando com os trabalhadores ou com os empregadores ou tendo em conta os diversos interesses sociais e económicos, procura auscultar in loco - e não do Terreiro do Paço, como era frequente no passado que desejamos que não volte - quais são as soluções mais eficientes, dentro dos recursos disponíveis, face à nossa grande ambição e objectivo de colocar Portugal na primeira linha do desenvolvimento europeu.

Aplausos do PSD.

É que o Sr. Deputado Narana Coissoró colocou na boca do Sr. Primeiro-Ministro afirmações que ele não produziu, porque ele nunca atirou trabalhadores contra empresários nem empresários contra trabalhadores. Isso é uma difamação e lamento que o Sr. Deputado Narana Coissoró, mesmo duma forma caricatural, que se admite no discurso político, tenha ultrapassado os limites do admissível.
O que o Sr. Primeiro-Ministro fez, e muito bem, foi transmitir um recado aos investidores e aos empresários para que fizessem investimentos produtivos e não aplicações ociosas - a tal manifestação de novo-riquismo, que, essa sim, é um insulto àqueles que ainda vivem num grau de pobreza que o Primeiro-Ministro tem admitido existir e que, infelizmente, ainda temos e teremos.
E, já agora, aconselho o Sr. Deputado Narana Coissoró, assim como o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, a visitar os périplos, os lumpens das cidades onde existem governos da sua coloração e vejam as misérias, as degradações que existem. Visitem Roma, Madrid, Moscovo ou Bucareste e vejam o que lá se passa!

Aplausos do PSD.

Uma autêntica vergonha!
Quanto ao problema do 14.º mês, o Sr. Deputado acha pouco! Talvez para si seja pouco, mas para aqueles que beneficiam dessas novas e justas regalias, a nível social, é muito. E é também muito para os contribuintes que, quer sejam da Segurança Social quer sejam do regime tributário geral, no fundo, vão ter de financiar, através dos impostos, esses mesmos aumentos, que, repito, em termos de crescimento real não têm comparação desde o 25 de Abril e, portanto, Sr. Deputado - desculpe porque só ofende quem pode e não quem quer -, as suas afirmações só as posso classificar de infelizes e fora do nível das suas intervenções habituais.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, em primeiro lugar, devo congratular-me porque, pela primeira vez, um deputado defende o Sr. Primeiro-Ministro, sendo certo que este, sempre que se trata de assuntos da Assembleia ou de qualquer deputado diz: «Não é nada comigo, é com a Assembleia, é com o Grupo Parlamentar do PSD!»
Assim, já não é a Assembleia que trata só dos assuntos da Assembleia e o Governo que trata só dos assuntos do Governo. Pela primeira vez, vejo que há um entroncamento, até na honra da pessoa do Primeiro-Ministro que é defendida por um deputado. Espero que, de futuro, pelo menos, o Sr. Primeiro-Ministro comece a tratar da honra dos deputados e também dos assuntos urgentes que aos deputados dizem respeito.

Risos do PSD.

Portanto, muitos parabéns por esta nova prática de um deputado defender a honra do Governo como este deve, também, prestigiar os trabalhos da Assembleia.
Em segundo lugar, devo dizer que o que se passa em Roma não tem nada a ver comigo mas, sim, com o governo da Itália.

Risos do PS.

Agradeço, contudo, que diga que os partidos da minha família, bem como os da família socialista, estão representados em governos de vários países da Europa, ao .contrário do PSD, que não tem representação em parte alguma a não ser aqui, em Lisboa, e, por isso, só pode dar os exemplos de Lisboa.

O Sr. Alberto Martins (PS): - E transitoriamente!

O Orador: - Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, V. Ex.ª, que é uma pessoa culta e inteligente, acha que é argumento de defesa contra as acusações da existência de pobreza em Portugal dizer que também existe pobreza em Moscovo ou Bucareste?

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Eu não disse isso!

O Orador: - Então, para que é que se serviu da exemplificação ridícula, dizendo que não vamos tratar dos assuntos da pobreza em Portugal porque também há pobreza em Bucareste ou em Roma?

Risos do PS

Só se for piada a Sua Santidade, mas o Papa não governa a cidade de Roma.

Risos do PS.

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Em terceiro lugar, o PSD não respondeu à parte fulcral da minha intervenção quando eu disse que o Centro Cultural de Belém está a ser construído à custa da nova pobreza importada, que é a dos africanos, das chamadas «colónias interiores», que o Governo está a aproveitar-se para criar uma obra de novo-ríquismo exactamente igual àquela que o Sr. Primeiro-Ministro foi criticar na Marinha Grande.
É a isto que V. Ex.ª não respondeu e devia responder, dizendo que o novo-ríquismo cavaquista é muitíssimo pior do que o de alguns senhores, donos das fábricas do distrito de Leiria e que gostariam que eu vendesse o carro económico que tenho para eles viverem dos lucros da suas fábricas e somar aos proveitos da política. Não é, portanto, este o caso de que estamos a tratar, pois nós não podemos viver destes ditos de mau gosto.
Quero crer que talvez o Sr. Primeiro-Ministro se tenha lembrado de certos empresários de Leiria que exploram os trabalhadores e «enfiaram a carapuça» como estamos a ver... Eu não tenho nada com isso e, por isso mesmo, o carro que tenho não dava sequer para um 14.º mês a meia dúzia de trabalhadores, com o montante de pensão que o Governo lhes paga.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: - Para fazer um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Amândio Gomes.

O Sr. Amândio Gomes (PSD): - Sr. Deputado Armando Vara, queria dizer-lhe que o PSD nunca disse que não havia pobreza em Portugal, nunca o disse nem o dirá enquanto ela existir, porque o PSD gosta de tratar destes assuntos com seriedade. E, porque assim é, lamento que V. Ex.ª, a quem conheço desde há muito, não tenha imprimido a este tema algo mais de seriedade.
Com efeito, o Sr. Deputado Armando Vara disse-nos que havia 250 000 pessoas que viviam em condições infra-humanas de alojamento e que ainda havia muita pobreza.
Contudo, o Sr. Deputado não foi capaz de nos indicar elementos relativos a um período anterior a 1985 para que pudéssemos comparar aquilo que o governo do PSD tem feito sobre esta matéria no sentido de eliminar a pobreza. É que, antes de 1985, a pobreza, essa sim, estava a generalizar-se no nosso país e hoje, graças à acção deste governo, está reduzida a algumas bolsas e constitui um assunto que está a ser devidamente tratado e atacado pelo Governo. Talvez fosse por isso que o seu partido se sentiu na necessidade de trazer este tema à Assenbleia da República só porque sabe da coragem com que o Governo está a atacar o problema da pobreza.
Para terminar, pergunto-lhe se, por acaso, não tem alguns dados relativos a 1985 ou a período anterior para, assim, podermos comparar a acção do Governo. É que eu também gostaria de ter visto tecer, pela sua boca, uma palavra de louvor ao que o nosso Governo já fez até agora.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado Armando Vara, começou V. Ex.ª por dizer que o Papa afirmou que 1991 seria um ano de solidariedade.

Infelizmente, mal começou este ano!... Em sua opinião, essas palavras, pronunciadas à sombra do horror de uma guerra, serão entendidas e assumidas por aqueles que neste nosso Ocidente, que fundou o princípio dos direitos humanos e -sublinho-o porque neste conflito cabem-nos responsabilidades especiais de sermos os fundadores dos direitos humanos, o que não acontece do outro lado - têm poder para pôr termo imediato a uma guerra que, a continuar, só poderá abrir abismos de ódio insanáveis entre civilizações, arredando dramaticamente a solidariedade vaticinada pelo Papa? Pensa V. Ex.ª que esses que têm esse poder poderão realizar, de facto, esse, chamemos-lhe, milagre em tempo de ódio?
É que, Sr. Deputado, a solidariedade num mundo onde há crianças que morrem de fome em cada minuto ou é universal ou não é!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Srs. Deputados, antes de mais, quero agradecer o número de questões que foram postas, porque também eu sinto -como aqui referiu o Sr. Deputado Narana Coissoró- que, de facto, não é agradável trazer a esta Câmara questões de pobreza. É muito mais agradável, e essa é talvez umas das razões por que a maioria das pessoas, que se preocupam com a intervenção política e com a forma de fazer política, procuram fazer apelos e intervenções dirigidas ao imaginário das pessoas, àquilo que as pode levar a encaminhar o sentido do seu voto ou a tomar determinadas opções, e não a este tipo de problemas que, por serem dolorosos, não se trazem à discussão com prazer. Mas, como também não somos masoquistas, não é, portanto, essa a razão que aqui nos traz.
Naturalmente que não posso, por limitações de tempo, sempre inerentes a este tipo de debate, responder pontualmente a cada um das questões. Todavia, não quero deixar de referir três ou quatro questões que me parecem importantes.
Vou começar por uma das últimas questões que tem a ver com o problema da imigração dos africanos em Portugal, para dizer que, de facto, tem razão o Sr. Deputado, como aliás ainda há pouco tempo o meu colega de bancada Rui Vieira aqui referiu, quando diz: «Hoje, em Portugal, os imigrantes dos novos países africanos de expressão portuguesa são pior tratados no nosso país do que os nossos emigrantes o eram nos países para onde se dirigiam no princípio da década de 60».
É uma situação inaceitável, atentatória dos direitos humanos que, naturalmente, não pode deixar ninguém indiferente. E essa é também uma das razões porque aqui a focámos.
O Sr. Deputado perguntou, ainda, se bastaria, para acabar com o problema da pobreza e da miséria, pagar o 14.º mês aos pensionistas e reformados, como tem vindo a dizer o Governo.
Em relação a isso podia dizer-lhe, Sr. Deputado, que o Governo podia pagar 100 meses por ano porque, ao nível que estão as pensões no nosso país, não chegaria de certeza para situar centenas de milhar de cidadãos numa linha média que permitisse um nível de rendimentos razoável ou, pelo menos, acima do limiar da pobreza.
E quando o Governo ou o porta-voz do Conselho de Ministros, como o fez na semana passada, chega à televisão

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e diz: «Em 1990 o Governo terminou com as pensões abaixo da pensão social do regime rural e, ontem, com estas medidas, terminou de vez com as chamadas pensões de miséria no nosso país.» Estas medidas a que ele se referia era a que elevava para 13 500$ mensais a pensão que, então, era atribuída a esses pensionistas. Dizer que se acabou com o regime de pensões de miséria nesta situação é, no mínimo...

Uma voz do PSD: -E de quanto era?

O Orador: - De quanto era? Sr. Deputado, existem ainda hoje 81,4 % dos pensionistas a receber abaixo de 13000$.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD):-E de quanto era em 1984 e 1985.

O Orador: - Em relação à questão das pensões -e para ir já directamente a outra questão -, há um problema que aqui não posso deixar de focar e que tem a ver com um estudo que foi publicado no mês de Janeiro deste ano e que não deixa margem para dúvidas em relação ao que tem sido a demagogia feita à volta das pensões de reforma.
Em 1989 -oiça com atenção, Sr. Deputado, porque este número é importante para o senhor levar ao Sr. Primeiro-Ministro, para que ele perceba, de facto, o que se está a passar-, as pensões do regime geral tiveram um decréscimo real (repare, um decréscimo reall) de 0,3 %; as pensões do regime especial de segurança social das actividades agrícolas tiveram um decréscimo real de l %, quando o Governo, todos os anos, por altura do Natal, da Páscoa e quase todos os meses, a única coisa que faz é dizer que as pensões de reforma aumentaram, que nunca como neste Governo se fez melhor.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - É verdade!

O Orador. - Pois bem, a posteriori, aqui estão os números, os estudos que demonstram que as pensões, em termos gerais...

Vozes do PS: - Muito bem! Protestos do PSD.

O Orador: - Estou disponível para fornecer fotocópias a quem o entender.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que nós criticamos não é o crescimento económico só por si, mas criticamos, e estamos contra, o crescimento e, de certa forma, a arrogância de quem governa em função dos números esquecendo os homens.
Podem os Srs. Deputados do PSD ter a certeza de que quando o PS governar não esquecerá os números, mas governará fundamentalmente para os homens, porque trata-se de questões que têm a ver com os direitos dos cidadãos, com os direitos humanos.
O Governo diz que diminuiu as desigualdades. Porém, os relatórios da OCDE e da CEE provam o contrário. Dizem que há crescimento, mas demonstram que as assimetrias e as desigualdades aumentaram.
Quero lançar aqui um desafio aos Srs. Deputados do PSD e ao Governo - não estamos a falar numa casa fechada, pois há comunicação social e pessoas a ouvir-nos, provem aqui que as desigualdades não aumentaram durante o período de vigência deste governo, ou seja, nos últimos cinco anos! Provem que tal não aconteceu!

Aplausos do PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não podem!

O Orador: -O Sr. Deputado falou na questão da habitação social. No entanto, em relação a isso, e como aqui foi já provado há relativamente pouco tempo, estamos praticamente conversados. É que a Câmara Municipal de Lisboa gasta mais em obras de habitação social do que o faz todo o Orçamento do Estado em relação ao País inteiro!

Aplausos do PS e protestos do PSD.

Referiu ainda o Sr. Deputado os programas de combate à pobreza. Contudo, estes programas obtiveram uma dotação relativa a todo o País, para três anos. de 4 milhões de contos, em alguns casos desviados até para outros fins, representando isto 10 vezes menos do que o que previsivelmente irá custar a obra -a que o povo chama já de «pirâmide de Boliqueime» -, vulgarmente designada de Centro Cultural de Belém!

Aplausos do PS.

Para terminar, gostaria apenas de deixar ainda uma palavra relativa ao pedido de esclarecimento que me foi formulado pela Sr.ª Deputada Natália Correia.
O discurso do Papa João Paulo n foi feito aos representantes do corpo diplomático, dirigindo um apelo às nações, no sentido de o ano de 1991 ser um ano voltado para a solidariedade e para o respeito dos direitos humanos.
Esse foi também o sentido do meu discurso. Aliás, quero dizer à Sr.ª Deputada que, do nosso ponto de vista, não haverá paz no mundo enquanto houver injustiças deste género, enquanto houver desigualdades.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental da defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - Tem a. palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Silva Marques (PSD):-O Sr. Deputado Armando Vara excedeu-se! E foi na sequência dessa intervenção, de um excesso inaceitável, que pedi imediatamente a palavra! É que os socialistas -o Sr. Deputado Armando Vara não representa, aliás, um caso isolado-, arrebatados pela sofreguidão de combater o Governo, cometem excessos inaceitáveis para qualquer português!

O Sr. José Sócrates (PS):-Olha quem fala!

O Orador: - O Sr. Deputado acabou de afirmar que os emigrantes estrangeiros são mais mal tratados no nosso país do que os emigrantes portugueses nos outros países.
É falso! O Sr. Deputado só poderá falar assim devido, por um lado, a um excesso de demagogia contra o Governo e, por outro lado, decerto, por uma ignorância total!

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - O Sr. Deputado Armando Vara, arrebatado pela sofreguidão - repito-o - do discurso oposicionista, cometeu uma grave injustiça para o povo português, porque, com a tradição de hospitalidade e de convívio inter-racial que o povo português possui, e mesmo que existam laivos de racismo no nosso país, eles estão muito longe, a milhas de distância, do racismo de que foram vítimas os emigrantes portugueses em outros países para onde foram trabalhar!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É uma injustiça flagrante, que faz reagir qualquer português, afirmar-se que os emigrantes em Portugal, pelo facto de estarem em condição social difícil ou mesmo devido à existência de certos laivos de racismo, são mais mal tratados aqui do que o são os portugueses em outros países! É que o que acontece é exactamente o contrário, quer pela tradição portuguesa universalista e de convívio inter-racial, quer inclusivamente pelas próprias condições objectivas de vida dos emigrantes que trabalham em Portugal!
Portanto, reajo contra essa afirmação do Sr. Deputado Armando Vara, que só pode ser levada à conta de uma cega necessidade de denegrir o Governo, mesmo com desprimor para o nosso país, relativamente a cujas qualidades e virtudes deveríamos ser unanimemente elogiadores!

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Maria Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Deputado José Silva Marques, eu não falei de racismo.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Disse que os emigrantes em Portugal eram mais mal tratados do que os portugueses no estrangeiro!

O Sr. António Guterres (PS): - Agora cale-se! Agora oiça!

O Orador: - V. Ex.ª enganou-se, pois eu não falei de racismo. Aliás, também não acusei o povo de tratar mal os emigrantes. Com efeito, o que referi foi que há alguns empresários sem escrúpulos, nomeadamente do distrito que o elegeu - isso já foi, aliás, aqui referido pelo meu colega Rui Vieira-, que procedem a essa discriminação. No entanto, temos também um Governo sem sensibilidade para os problemas sociais e que deixa que isto aconteça!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Foi isso que referi. Não falei em racismo, nem acusei o povo português de nada! Aliás, digo-lhe mais, Sr. Deputado: coitados dos emigrantes no nosso país se não fosse a sensibilidade do povo português para estes problemas, que sentiu na sua pele quando teve de emigrar para o estrangeiro!

Aplausos do PS.

O Sr. José Silva Marques (PSD): -Desculpas!...

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra e da consideração da bancada do meu grupo parlamentar, uma vez que o Sr. Deputado Armando Vara, nas respostas que deu aos nossos pedidos de esclarecimento, citou objectivamente um dado, relativo à habitação social, que queria corrigir.

A Sr.ª Presidente: - A Mesa sabe que os Srs. Deputados podem, a todo o momento e na sequência de qualquer afirmação, considerar-se ofendidos e ler a necessidade de defender a honra ou a consideração própria ou da respectiva bancada. Todavia, é de evitar uma espiral de pedidos deste género, já que acabam por servir sobretudo para alongar, excessivamente e sem vantagem, os debates.
De qualquer modo, Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, tem a palavra.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Sr. Deputado Armando Vara, gostaria de o desafiar a comparar o volume de despesas com a habitação da Câmara Municipal de Lisboa com as dotações inscritas quer no Instituto de Gestão e Alienação Patrimonial do Estado (IGAP), quer no Instituto Nacional de Habitação (INH) - ambos fazem parte da Administração Pública e, portanto, do Governo lato sensu -, para ver quem é que investe mais dinheiro na habitação. E que a resposta é muito concreta e objectiva, já que é evidente que o Governo investe muito mais do que a Câmara Municipal de Lisboa.
Já agora, também o desafiava a dizer qual foi, em 1990, a taxa de execução dos investimentos com a habitação, assim como o programa de recuperação das habitações degradadas, em Lisboa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, não é possível comparar o incomparável.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Se ainda há pouco comparou!...

O Orador: - Aliás, permita-me que lhe diga que pretendeu aqui fazer uma confusão deliberada sobre determinado tipo de coisas.
Já há tempos ficou aqui provado que mesmo em 1983, no chamado «tempo das vacas magras», se construiu mais habitação social neste país do que nestes anos todos de «vacas gordas»! Ficou aqui provado, Sr. Deputado!

Aplausos do PS.

Quando V. Ex.ª quiser, estou disposto a discutir a dotação orçamental da Câmara Municipal de Lisboa!
Por outro lado, lamento que cheguemos ao ridículo de ter de comparar o orçamento de uma câmara com o orçamento de um governo!

Vozes do PS: - Muito bem! Protestos do PSD.

O Orador: - É o ridículo da verba prevista para a habitação no Orçamento do Estado! Só o ridículo dessa

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verba é que permite este tipo de comparação, pois, de contrário, não seria sequer possível imaginar isso!

Vozes do PSD: -Foi o PS que fez essa comparação!

O Orador: - O Sr. Deputado fala-me na história do programa de recuperação de imóveis? V. Ex.ª sabe perfeitamente que a forma como, durante todo este tempo, o mesmo esteve organizado não permitia que as pessoas a cie recorressem! Andaram cinco anos para o alterar e não foram capazes, e vem agora dizer-me que a taxa de dotação não foi ocupada, que a verba estava lá e não foi gasta?! Sr. Deputado, isso é comparar o incomparável e não vale a pena continuarmos com esta discussão!

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Onde é que estava o vereador Vasco Franco?!

O Orador: - Digo-lhe que estamos disponíveis para discutir, sempre e onde quiser, as comparações que seja necessário estabelecer em relação às políticas sociais - na habitação, na saúde, na segurança social, em tudo - do PSD e do PS!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: -Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Recentemente, foi aprovada em Conselho de Ministros a Lei de Bases da Protecção Civil - um diploma que esperamos ver em breve nesta Assembleia para aprovação Final.
Esta medida vem, finalmente, colmatar uma lacuna na área legislativa sobre protecção e segurança das populações. O PRD já o disse e reafirma que se congratula com o aparecimento desta lei de bases, tanto mais que ela surge no seguimento de um agenciamento de um debate sobre protecção civil solicitado pelo Partido Renovador Democrático, onde alertámos para as graves carências existentes nesta área e a urgência de publicação de lei sobre esta matéria.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Vislumbramos assim que o Governo se mostrou receptivo às nossas preocupações e tomou as iniciativas que apelidámos, na altura, de necessárias.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esperamos agora o seu envio à Assembleia da República, e o PRD manifesta desde já a sua disponibilidade para o considerar documento de carácter urgente, de forma a que se possa acelerar a sua entrada em vigor no mais curto espaço de tempo.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Finalmente, alguém diz bem do Governo!

O Orador: - Simultaneamente, temos conhecimento de que se encontra também em fase última de conclusão um novo diploma que revogará o Decreto-Lei n.º 418/80
- Lei Orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros- e que também trará a este organismo uma nova dinâmica de execução.
O Decreto-Lei n.º 418/80, criado há 11 anos, tinha um período temporal de eficácia previsto para dois anos, ao fim do qual deveria necessariamente ser revisto. Tal não aconteceu, obrigando os seus responsáveis a fazer «quase milagres» com os meios humanos e financeiros à sua disposição. Hoje, finalmente, começamos a verificar que o Governo olha, preocupado, para a problemática da defesa das populações, e os últimos anos foram de aceleração, o que trará, estamos certos, um novo figurino a esta área tão carenciada.
Praticamente no fim do Inverno, o período dos incêndios florestais está à porta. Seria de bom tom que o Serviço Nacional de Protecção Civil e o Serviço Nacional de Bombeiros tivessem os seus regulamentos internos definidos, os seus quadros actualizados e os seus programas de acção bem estruturados.
As calamidades não se compadecem, nem esperam pelo início das boas medidas legislativas, e o actual quadro, embora já substancialmente favorecido, não reúne ainda, em nosso entender, as condições mínimas e exigíveis para que se leve a bom termo a actuação de quem tão desinteressadamente faz da protecção de pessoas e bens um objectivo diário.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Um dos grandes objectivos do Serviço Nacional de Bombeiros foi sempre a criação da sua escola nacional.
Inicialmente polémica a sua instalação, mereceu, nos últimos dois anos, uma atenção preocupada por parte dos responsáveis, e hoje, embora ainda numa fase de instalação, a escola já cumpre os objectivos propostos e muitos são os quadros que ali se deslocaram a fim de receber a respectiva formação.
Instalada em Sintra, a Escola Nacional de Bombeiros tem óptimas e funcionais instalações, tendo mesmo condições para se tornar, a curto prazo, numa escola superior de bombeiros, que não nos deixará, Sr. Presidente e Srs. Deputados, envergonhados comparativamente com as suas congéneres dos países da orla mediterrânica.
Esta escola, hoje totalmente suportada pelo orçamento do Serviço Nacional de Bombeiros, funciona basicamente com o suporte dos quadros deste serviço, o que obriga a um esforço acrescido de todos aqueles que, tendo as suas responsabilidades no âmbito desse organismo, acumulam as funções de directores e instrutores da escola. E uma vez mais o espírito de sacrifício e solidariedade de quem serve a causa dos bombeiros vem ao de cima, pois são os inspectores regionais e o Sr. Inspector Superior de Bombeiros que, simultaneamente, garantem a manutenção dos cursos como seus directores, tendo, como director da Escola, um quadro do Serviço Nacional de Bombeiros, que, como referi, acumula essas funções.
No entanto, posso garantir, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados que, apesar destas condições ainda precárias e como resultado desta dedicação, a Escola Nacional de Bombeiros é já hoje uma alegre realidade que nos apraz saudar. E foi assim que no ano passado dezenas de cursos foram efectuados, vários quadros viram aumentados os seus conhecimentos e a própria escola colaborou também com outros organismos.
Em intercâmbio com a Direcção-Geral dos Hospitais e Ministério da Educação, procedeu-se a cursos de prevenção e segurança em hospitais e escolas do ensino básico e secundário. Com uma afluência muito significativa, o Serviço Nacional de Bombeiros contribuiu assim para o esclarecimento e formação de quadros, que ficaram habilitados a, melhor e com mais eficiência, defender as pessoas que integram os organismos da sua responsabilidade.

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Simultaneamente, e com a colaboração de elementos da Direcção-Geral de Florestas, Instituto Nacional de Metereologia e Geofísica e Instituto Geográfico e Cadastral, efectuaram-se vários cursos de quadros de bombeiros que serão reeditados durante o corrente ano.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Este ano estão já calendarizados cinco cursos de operadores de centros de coordenação operacional, três cursos de quadros intermédios, quatro cursos básicos para comandantes e três cursos de comandos operacionais, que serão ministrados nos próximos quatro meses.
Vislumbra-se assim, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, uma nova era, mais dinâmica e mais responsável, para a vivência da prática da protecção civil em Portugal. Saudámo-la.
Ao Governo solicita-se, diria mesmo, exige-se, todo o empenhamento no incremento e desenvolvimento destas medidas. O voluntariado em Portugal, com características ímpares em todo o mundo, bem merece esta nova postura do Governo.
Há que sensibilizar camadas jovens para a prática desta forma de solidariedade. Não basta o incentivo local. É aos responsáveis que compete criar as condições que conduzam a este objectivo, agora vislumbradamente atingido.
Parece, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, que estamos no bom caminho. O bom exemplo dos nossos parceiros comunitários está a dar bons resultados. Assim saibamos continuar e desenvolver essas experiências. Pela nossa parte, Partido Renovador Democrático, estamos confiantes nas medidas agora iniciadas.

Aplausos do PRD e do deputado do PSD José Silva Marques.

A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Silva Marques e Francisco Antunes da Silva.
Tem a palavra O Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Quero apenas registar o facto de, numa tarde de tanta e atroz demagogia miserabilista, o Sr. Deputado Rui Silva ter feito um discurso que, embora tenha reconhecido aspectos positivos na acção do Governo, não foi por isso um discurso de elogio ao Governo. Foi, sobretudo, um discurso que contribuiu para a elevação e a dignificação do debate parlamentar.
Quando o debate parlamentar se limita a uma oposição rígida e sectária, não vendo mais do que a luta contra o Governo, não é o Governo que sai mal desse tipo de debate mas sim o Parlamento. Por isso, permita-me, Sr. Deputado, pôr em relevo o seu discurso, porque ele, felizmente, saiu desse sectarismo atroz que causa prejuízo não ao Governo, que passa bem por cima desse tipo de oposição, mas ao País e, muito particularmente, ao Parlamento.
Quero, pois, pôr em relevo o seu discurso, não por pretender que o Sr. Deputado apoie ilimitada e incondicionalmente o Governo - o que pretendeu foi apenas pôr em relevo estes aspectos positivos da acção governativa, como decerto chamará a atenção para as parcelas negativas da sua actuação - mas por julgar que esse mesmo discurso foi uma «ilha» nesta tarde de demagogia miserabilista e sectária contra o Governo, o que, repito, causa prejuízo sobretudo à elevação e dignidade dos debates parlamentares.
Na realidade, Sr. Deputado, não pretendia colocar-lhe uma pergunta mas, sim, fazer uma afirmação. E, por razões meramente formais, não iria escamotear este aspecto afirmativo que, de facto, é o que desejo assinalar.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Rui Silva, há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Rui Silva (PRD): - No fim, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva.

O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Sr. Deputado Rui Silva, pedi a palavra, não para lhe formular um pedido de esclarecimento mas para saudar a sua intervenção. Muito daquilo que gostaria de ter dito já o foi, e de uma forma muito elevada, pelo meu colega de bancada José Silva Marques. Porém, não quero, como pessoa ligada a esta questão dos bombeiros, deixar de fazer esta observação para saudar o realismo do seu discurso, a forma elevada como foi feito e também, em termos temporais, a sua oportunidade.
Estamos, de facto, na altura em que devemos começar a cuidar das questões que nos afligem noutras épocas do ano e também por essa razão aqui fica a minha saudação. A forma elevada e inteligente como o fez, em termos de reconhecimento da acção do Governo numa área e em prol de uma causa que para todos não deixa dúvidas quanto à sua nobreza, contrasta com a cegueira de outras oposições que teimam em dizer mal por dizer. Parabéns, Sr. Deputado!

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Pese embora o facto de não me ter sido colocada qualquer questão, naturalmente que não quero perder a oportunidade para recordar aos Srs. Deputados que me interpelaram o seguinte: tudo aquilo que se fizer em prol dos bombeiros - e dadas as circunstâncias em que eles têm vindo a trabalhar desde há tantos anos - não será demais. Todos aqueles que, como eu e o Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva, comungam dessa preocupação há longos anos, sabem que nunca estarão satisfeitos com tudo aquilo que for feito para aumentar a sua capacidade de intervenção e de formação.
Naturalmente que não poderia deixar de saudar aquilo que está a ser feito no âmbito do Serviço Nacional de Bombeiros e do Serviço Nacional de Protecção Civil, como pessoa preocupada e interessada que sou sobre estas matérias.
Recentemente, efectuei uma visita à Escola Nacional de Bombeiros, o que para mim constituiu uma agradável surpresa e me permitiu verificar que, e afinal de contas, única e exclusivamente com as possibilidades que têm ao seu dispor, recentemente, têm feito, como disse e muito bem, quase milagres. Foi neste sentido que intervim, recordando que os bombeiros portugueses são uma força consideradamente apolítica que, não se interessando nem intervindo na vida política nacional, tem em vista única e exclusivamente, de acordo com o seu sentido altruísta, co-

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laborar na sobrevivência, segurança e salvaguarda das pessoas e bens do nosso país.
Não podia, sob pena de ser hipócrita, deixar de saudar aqui tudo aquilo que tem sido feito, as condições que têm sido postas ao seu dispor neste momento, e acreditar piamente e com sinceridade que, a caminharmos por este caminho, vamos ver ultrapassadas as dificuldades que nós, directores e elementos das direcções e comandos das associações de bombeiros, temos tido ultimamente no recrutamento de bombeiros para connosco abraçarem a causa da solidariedade nacional. Efectivamente, se o não Fizesse, não estaria bem com a minha própria consciência e naturalmente que o farei, sempre que julgar que este ou qualquer governo tem uma participação activa e dinâmica no engrandecimento da solidariedade e voluntariedade no nosso país.

Aplausos do PSD.

ORDEM DO DIA

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia, procedendo de seguida à apreciação e votação de vários pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos.
Para proceder à sua leitura, tem a palavra o Sr. Secretário Reinaldo Gomes.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A solicitação do Círculo Judicial de Évora, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca a comparecer naquele Círculo Judicial para depor como testemunha num processo que ali corre seus termos.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo objecções, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai passar à leitura do segundo parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr.ª Presidente Srs. Deputados: A solicitação do Tribunal Judicial de Porto de Mós, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Licínio Moreira da Silva a depor como testemunha num processo que corre seus termos naquele Tribunal.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo objecções, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ler um último parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A solicitação do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar Dias Moreira a depor como testemunha num processo que corre seus termos na l* Secção do 7º Juízo daquele Tribunal.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo objecções, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do projecto de lei n.º 620/V, de autoria do PS, sobre a Lei das Finanças Locais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - É sempre o mesmo socialista a falar destas coisas!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurarei não defraudar as expectativas do Sr. Deputado Silva Marques e captar a atenção dele próprio - e evidentemente da sua bancada - para a apresentação do projecto de lei do PS.
De novo se aborda o regime das finanças locais que, como todos compreenderão, reputamos, pela nossa parte, ser um instrumento de reforma essencial, no sentido da concretização da descentralização e do reforço do poder local no nosso país.
Não se trata de um objectivo teórico; trata-se de lutar- e de lutar empenhadamente - para a concretização de uma reforma que é essencial à própria modernização do País. Tanto mais que esta reforma não surge isoladamente; ela inscreve-se num quadro de outras iniciativas, oportunamente apresentadas e divulgadas pelo PS, das quais destaco, à cabeça e evidentemente, a iniciativa para a regionalização e, coordenada com essa iniciativa, uma aposta inequívoca no sentido do reforço do poder local.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Apresentámos oportunamente na Assembleia da República um projecto de lei para a criação de empresas municipais e intermunicipais. Nessa ocasião, o PSD suscitou a baixa do diploma à respectiva comissão com a garantia de que o Governo, no prazo de um mês- ou, no máximo, de dois meses -, iria tomar idêntica iniciativa e, então, ambas as iniciativas poderiam ser discutidas conjuntamente. Já lá vai um ano.. Srs. Deputados, e, até agora, nem o PSD nem o Governo tomaram a iniciativa prometida!

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, já tivemos ocasião de debater no Plenário o projecto de lei quadro, da autoria do PS, sobre novas atribuições e competências dos municípios e estamos, como na altura sublinhámos, inteiramente abertos às contribuições dos grupos parlamentares acerca desse diploma.
É hoje o dia de vos apresentar o novo regime de finanças locais. Fazemo-lo, como vos referi, na convicção de que não 6 possível continuarmos a falar de desenvolvimento regional, da qualidade de vida e da realização dos interesses essenciais das populações, se não dermos novos e eficazes instrumentos de financiamento às autarquias locais portuguesas.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Não se trata de uma exigência sem sentido. Chamo a vossa atenção, Srs. Deputados, para o facto de, no quadro da Comunidade Europeia, sermos o país mais atrasado em matéria de descentralização, o que não nos orgulha mas responsabiliza o Governo e o PSD pela inércia revelada, até ao momento, neste como noutros domínios. Nos recursos nacionais, temos uma taxa de participação para as autarquias portuguesas que não ultrapassa os 7 % desses recursos.
Pergunto se é possível continuarmos assim e, sobretudo, se é possível que o PSD feche os olhos à realidade, sabendo da existência de autênticos estrangulamentos no esforço financeiro das autarquias, e até ao momento não tenha tido capacidade política para tomar qualquer iniciativa relevante neste domínio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E lembro aos deputados do PSD que, também aqui e igualmente há cerca um ano, nos prometeram a apresentação por parte do Governo de uma proposta de lei de revisão do regime das finanças locais. Onde está essa proposta, Srs. Deputados? Está esquecida na gaveta de algum secretário de Estado? Ou não chegou sequer a ser elaborada? Provavelmente, é o que terá acontecido.
Em todo o caso, pela nossa parte, e ao contrário do que há pouco sublinhava o Sr. Deputado Silva Marques, não fazemos oposição por oposição e não temos uma posição negativista. Estamos aqui a apresentar medidas concretas que, no que respeita às finanças locais, são, no essencial, do seguinte teor: em primeiro lugar, a garantia de que os municípios tenham um reforço de verba, por forma a que, num ciclo de cinco anos, se processe a duplicação, no mínimo em termos reais, da percentagem dos recursos financeiros transferidos do Orçamento do Estado para as autarquias locais. E esta será, Srs. Deputados, uma reforma significativa, para que, dos 7 % de participação na receita pública, no período de cinco anos, as autarquias possam pelo menos ter 14 % ou IS % de participação, e ainda assim não teremos ultrapassado os países da Europa mais actualizados neste domínio.
Por outro lado, garantir que anualmente, pelo menos, a subida real do FEF seja de 10 % e ainda a possibilidade de participação dos municípios nos impostos directos a uma taxa que pode variar de 2,5 % a 5 % no final do ciclo.
Estabelecer modalidades eficazes de cooperação técnica entre a Administração Central e a administração local, designadamente através da delegação de competências e na base das correspondentes dotações financeiras. Garantir uma reparticipação equilibrada do FEF pelos municípios do continente e de cada uma das regiões autónomas, o que é também uma grande inovação, constituindo três unidades territorias distintas e conferindo responsabilidades na definição dos critérios redistributivos às respectivas assembleias regionais.
Transferir directamente para as freguesias as verbas correspondentes à sua participação no Fundo de Equilíbrio Financeiro, dando assim acolhimento a uma velha e justa reivindicação das freguesias portuguesas que, por unanimidade, foi sublinhada no último congresso da ANMP.
Reconhecer aos municípios um direito de recurso ao crédito sem condicionamento de limites sempre que se trate - e nessas circunstâncias- de garantir a concretização de projectos de investimento comparticipados pelos fundos comunitários, de que o País, a nenhum título, pode prescindir, nesta fase de esforço pela modernização e pelo investimento.
Prever a existência de linhas de crédito bonificadas à disposição dos municípios e simplificar os mecanismos de controlo, designadamente, dos controlos prévios do Tribunal de Contas considerados, nalguns casos em que isso é verdadeiramente justificável, como excessivamente dificultatórios da eficácia da administração local. E aqui nada mais propomos do que acolher a própria sugestão do presidente do Tribunal de Contas nesse sentido há tempos feita.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou convencido que se me perguntarem - e é provável que me perguntem - por que razão, neste projecto de lei, o Partido Socialista não tomou a iniciativa de apresentar novos critérios para a redistribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro a resposta será simples.
É que um partido na oposição, como o PS, que não dispõe dos instrumentos de análise próprios da Administração Pública como o Governo inteiramente detém, que tendo da nossa parte, por sucessivas vezes, pedido ao Governo que nos enviasse os dossiers detalhados sobre os fundamentos de alteração possível dos critérios, o que até agora, verdadeiramente, não foi feito, não seria responsável fazer uma proposta à cabeça de alteração dos critérios, sem que isso resultasse de um estudo profundo, partilhado e consensualizado por todos aqueles que têm um empenhamento verdadeiro no mundo autárquico.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Essa é a melhor da tarde.

O Orador: - É por isso que declaro a inteira disponibilidade do PS para, conjuntamente com o Governo, conjuntamente com os demais partidos da oposição, conjuntamente - e sublinho a importância do facto - com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, encontrarmos a solução adequada para que a revisão dos critérios do Fundo de Equilíbrio Financeiro seja justa, seja transparente e corresponda às aspirações do conjunto dos municípios portugueses.
Em conclusão, os Srs. Deputados, sobretudo, os Srs. Deputados da maioria, têm agora uma hipótese de dar um contributo construtivo às iniciativas do Partido Socialista.
O apelo que vos faço é que assumam as vossas responsabilidades e não percam o vosso tempo a fazer oposição à oposição, porque não é para isso que foram eleitos.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Rui Alvarez Carp, Nogueira de Brito, Luís Martins e José Silva Marques.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, é muito curto o repto, em resposta ao apelo que faz à bancada da maioria, que aqui lhe proponho. É um repto que tem a ver com a sinceridade e a boa-fé da vossa proposta.
Gostaria que o Partido Socialista apresentasse aqui um parecer do Sr. Professor Vítor Constando sobre a formula que VV. Ex.ªs apresentam para o Fundo de Equilíbrio Financeiro.

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Gostaria também que os Srs. Deputados do Partido Socialista proponentes deste projecto de lei me dissessem qual era a coerência de retirar do visto prévio do Tribunal de Contas as contratações de pessoal das autarquias locais, sabendo nós o incidente desagradável que ocorreu no ano passado entre a Câmara Municipal de Lisboa e esse mesmo Tribunal.

Vozes do PSD - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, hoje de manha, enquanto fazia a barba, ouvi o Sr. Deputado António Guterres falar na rádio sobre este projecto de lei. Agora que ouvi a intervenção de V. Ex.ª, digo: como ê bom estar na oposição; tem algumas vantagens, há-de V. Ex.ª concordar comigo!... E recordo-me da Sr.ª Deputada Helena Torres Marques quando foi membro do Governo - hoje está muito calada neste debate. O que irão fazer Vv. Exas a este diploma quando chegarem ao Governo?

Risos do PSD.

Vozes do PS: - Aprová-lo!

O Orador: - Sr. Deputado Jorge Lacão, de qualquer maneira não vislumbro no projecto qualquer ideia que vá no sentido de rever os critérios de distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro. VV. Ex.ªs, mesmo sem conhecerem aqueles dossiers que todos gostaríamos de conhecer, adoptaram pelo menos uma parte dos critérios que o PSD sugeriu, candidamente, à Assembleia na discussão do Orçamento do Estado -já vamos tratar desse assunto, não tardará muito.
Assumiram o critério da autonomização da distribuição entre os municípios das regiões autónomas e os municípios do continente. E pergunto o seguinte: se V. Ex.ª tem a intenção de ir mais longe nessa matéria, como parece depreender-se da sua intervenção, porque é que não foi mais longe e se ficou pelos critérios da Lei n.º 1/87? Pergunto isto porque nada inovou, a não ser nessa medida limitada.

Sr. Deputado Joge Lacão, V. Ex.ª alarga consideravelmente - é por isso que digo que é bom ser da oposição, e também falo de nós, embora sejamos só quatro deputados, mas mesmo assim é um alegria dividida por quatro...

Risos.

VV. Ex.ªs ponderaram devidamente esta nova afectação de receitas aos municípios com imposições de metas a atingir que devem ter algum reflexo negativo em matéria de inflação - suponho eu, mas VV. Ex.ªs saberão dessa matéria? V. Ex.ª ponderou o reflexo que este novo conjunto de receitas vai ter em matéria de Orçamento do Estado, isto é, em matéria da política orçamental que temos e mais do que a que temos? É que, nesta matéria, a oposição deveria tem uma palavra a dizer acerca da política orçamenta] que deveríamos ter e que ainda não temos. V. Ex.ª ponderou isso devidamente ao alargar estes novos fluxos financeiros do Estado para as autarquias locais? É que eles são independentes de novas distribuições de competências porque para essas há aqui uma norma que é diferente e autónoma.
Fico, pois, a aguardar os esclarecimentos do Sr. Deputado Jorge Lacão.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS):-Para defesa da honra e da consideração.

A Sr.ª Presidente:-Sr.ª Deputada, tem a palavra.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Ex.ª invocou o meu nome e eu não podia deixar de intervir aqui em defesa do projecto de lei do PS em matéria de finanças locais.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito tem sempre uma visão extremamente economicista destes problemas ligados às autarquias locais, mas é necessário ter uma visão mais lata porque estamos a tratar não só de aspectos económicos, financeiros, mas também de aspectos ligados ao desenvolvimento do País.
O que o PS propõe não é um aumento de despesas que não seja acompanhado de uma transferência de competências. Aliás, o PS sempre defendeu isto.
Se o Sr. Deputado se recorda, quando fizemos uma lei de finanças locais-estávamos no Governo com o PSD - tentámos transferir novas competências para as câmaras, bem como os meios financeiros adequados, e até conseguimos transferir mais do que estava no Orçamento do Estado.
Este projecto de lei do PS propõe - penso que isto é extremamente importante - fazer com que futuros governos transfiram mesmo competências porque como a lei exige transferências financeiras progressivas (ao fim de cinco anos duplicam-se as verbas que se transferem para as autarquias) então é necessário que os diversos ministérios realizem, realmente, uma descentralização.
Penso que isto é novo, é importante, e tem que ficar claro que é este o nosso objectivo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Depois aparece o FMI a corrigir!

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Deputada, fiquei preocupado quando a vi levantar-se porque não a quis ofender. E devo dizer-lhe que V. Ex.ª devia ter ficado calada por uma razão muito simples que é a seguinte: é que, se as sondagens estiverem certas e o PS vier a ter maioria, naturalmente vai parar de novo a este pelouro...

Risos.

.... o que achamos bem, naturalmente, não achamos mal.

Vozes do PS: - Agora gostei de ouvir!

O Orador: - Sr.ª Deputada, recordo-me do trabalho que teve, como membro do Governo, em defender-se contra

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os deputados, porque quis «arrebanhar» uns dinheiros as autarquias locais!

Risos. Protestos do PS.

É disso que estou a falar, e não deste projecto de lei!... Para este projecto de lei estão de serviço outros deputados!... Isto está bem feito, efectivamente!...

Risos.

V. Ex.ª é que baralhou este panorama completamente!... Risos.

Sr.ª Deputada, o que acontece, como decorre claramente do texto do vosso diploma, é que VV. Ex.ªs querem - e suponho que isso é legítimo - transferir mais dinheiro para as autarquias. Mas estamos num sistema em que a manta não chega para cobrir os pés e a cabeça, e é essa ciência que, aqui, em colaboração, temos que descobrir para conseguirmos que a mania chegue para nos aconchegar devidamente a todos. O problema é só esse! VV. Ex.ªs encaram essa matéria do exercício de competências em colaboração e do exercício das novas competências à parte e consagram-lhe um regime específico e próprio.
Portanto, sou levado a concluir que estas novas receitas, designadamente a comparticipação nas receitas do IRS e do IRC, vão favorecer imenso os municípios de Lisboa e do Porto - é evidente! - e também sou levado a concluir que esta comparticipação e estas novas receitas são destinadas a somar-se àquelas que acompanharão a transferência de competências. Sou levado a concluir isso, no entanto fico à espera de um esclarecimento.
São, pois, estas as explicações que com muito gosto lhe dou, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Presidente: -Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Srs. Deputados, hoje temos tido aqui a expressão de diversas variações nos diferentes campos políticos. O humanismo cristão acabou de apresentar um novo representante. Eu congratulo-me, é uma expressão muito mais realista, mas peca por alguma ingenuidade, sobretudo quando formula perguntas ao humanismo laicista que, infelizmente, persiste no mesmo vício. Com que intenção? Pergunta o humanismo cristão ou o humanismo laicista.
Eles não tem intenção - esse é o grande problema. Ou, se têm intenção, é apenas uma, ou seja, a de tudo sacrificar - princípios, rigor - no altar da sofreguidão eleitoralista. E excedem-se a tal ponto que quando o Partido Socialista apresenta um projecto de lei sobre o regime geral das finanças locais sem definir, ou manter, ou modificar ou propor um conjunto de novos critérios para a distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro, fá-lo precisamente e sempre pelo mesmo vício: não quer optar.
O Partido Socialista está numa de agradar a todos, de dizer sim a tudo, independentemente do rigor ou não da governação. É por isso que nada propõem sobre o FEF, porque a simples proposta obrigava-os a algum grau de optar, e neste momento não interessa optar; interessa o discurso dos «pobrezinhos» de hoje à tarde, interessa o discurso dos reformados de há alguns dias, e hoje é novamente o discurso do imenso e infinito alfobre de distribuição.
Por isso, digo que o humanismo cristão tem discursos muito positivos, como aquele que acabámos de ouvir agora, mas o discurso socialista, infelizmente, está imbuído de um vício inultrapassável, mas não o de todos os socialistas porque quando a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques tomou há pouco a palavra apresentou os artigos que faltam e que não deviam faltar no projecto socialista, os artigos que acompanhariam, se se quisesse um mínimo de rigor na proposta, a distribuição do saco com o aumento das competências. Isso, sim, manteria um mínimo de rigor numa proposta de regime financeiro para as autarquias.
O Sr. Deputado Jorge Lacão diz que a participação das autarquias é muito pequena comparativamente com as autarquias da Europa. Pois é, mas já agora compare também as atribuições.
Recordo-lhe, Sr. Deputado Jorge Lacão, que muitas autarquias na Europa têm a seu cargo o pagamento das pensões sociais. Portanto, imagine, Sr. Deputado, a que distância estamos em matéria de atribuições, de obrigações e de competências!
Por isso, Sr. Deputado, quando compara a participação financeira das autarquias sem, simultaneamente, ter em consideração o grau de atribuições e de encargos não está a ser rigoroso, não tem qualquer intenção de fazer uma proposta séria para uma nova governação do País. Trata-se, pura e simplesmente, de demagogia, com vista ao período eleitoral que se aproxima.
Quando o Sr. Deputado fala dos casos em que as freguesias não recebem a parte que lhes corresponde do Fundo de Equilíbrio Financeiro -e é verdade- nesse caso deveria antes zurzir, reprovar e denunciar as câmaras que não o fazem - e tantas são elas de direcção socialista!
Por isso, Sr. Deputado, proponha algo de minimamente coerente, porque o que os Srs. Deputados hoje fazem é, pura e simplesmente, um discurso eleitoralista. E digo-lhe, com toda a franqueza, que tenho muitas dúvidas de que isso tenha qualquer utilidade para vós mesmos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, estamos hoje aqui a debater um assunto que, naturalmente, merece ser ponderado com todo o cuidado porque o problema das finanças locais é da maior importância para as autarquias. Portanto, falar desta questão, e, sobretudo, propor alterações à actual Lei das Finanças Locais exige muita ponderação e estudos, mas sobretudo exige um diálogo muito profundo entre os directamente interessados, que são os municípios portugueses, e naturalmente esta Assembleia da República e também o Governo, que é quem detém os dados objectivos, os elementos estatísticos, e quem pode formular todos os projectos e todas as possibilidades - infindáveis, certamente - de selecção dos melhores critérios que podem servir melhor o combate as assimetrias regionais.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - É neste contexto, Sr. Deputado, que lhe pergunto o seguinte: pensa que há mesmo condições para melhorar a actual Lei das Finanças Locais, tendo em conta,

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por um lado, o que se passou aqui no debate do Orçamento do Estado e, por outro lado, as propostas que o Partido Socialista apresenta?
Não lhe parece que o mais correcto e sensato é avançar no sentido que propõe a Associação Nacional de Municípios Portugueses, que insiste na constituição de um grupo de trabalho tripartido - Assembleia da República, Governo, Associação de Municípios Portugueses- que elabore uma nova lei das finanças locais mais justa para o poder local e que possibilite uma maior capacidade de intervenção dos municípios portugueses? Não lhe parece, Sr. Deputado, que o melhor é avançarmos neste caminho?
Aplausos do PCP e do deputado do PSD José Silva Marques.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr/Presidente, Srs. Deputados: Vou procurar responder telegraficamente às questões que me colocaram, mas não posso deixar de notar, face às perguntas dos Srs. Deputados Rui Alvarez Carp e José Silva Marques, que, afinal de contas, não só caíram no tal vício de se limitar a fazer oposição à oposição como já o fazem sem qualquer sentido estratégico, ou seja, já não têm um discurso consistente para nos criticar. Ao menos que essa virtude não tivessem perdido!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E daí que as perguntas sejam, afinal de contas, todas elas laterais ao essencial do debate que aqui estamos a travar.
O Sr. Deputado Rui Alvarez Carp pergunta-me por um parecer do Dr. Vítor Constando. Esta questão, Sr. Deputado, é de vontade política. O parecer essencial é a vontade política do meu partido em se comprometer com esta iniciativa.
Quanto à segunda questão - a do visto do Tribunal de Contas - não pedimos mais nada a não ser que o regime para as autarquias locais seja igual ao regime praticado para os restantes órgãos e departamentos da administração pública central.
Quanto ao Sr. Deputado José da Silva Marques - e o Sr. Deputado Nogueira de Brito não me levará a mal que dó aqui um salto nas respostas....

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Pelo contrário. Sr. Deputado!

O Orador: - O Sr. Deputado Silva Marques faz esta coisa espantosa: acusa o Partido Socialista de tudo sacrificar no altar da sofreguidão eleitoralista... Mas então não é o seu partido e o seu governo, como há pouco aqui foi salientado, que, a propósito do Centro Cultural de Belém, abriram as portas ao saco e já nem sequer tem capacidade para contar o esforço de investimento que, nas condições em que está a ser processada a obra, vai resultar? E não é o seu partido que, à custa do aumento artificial e abusivo do preço da gasolina, está a transformar esses dividendos num verdadeiro saco azul à custa de uma usurpação para além de todos os limites, que vai ao bolso dos cidadãos portugueses?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -E não é o também o seu partido que anda a solicitar, por via directa do Sr. Primeiro-Ministro, listas de notáveis pelo País, a serem organizadas por órgãos da Administração Pública, como se elas não servissem para realizar o interesse público mas apenas os objectivos clientelares do Gabinete do Primeiro-Ministro? E é a nós que acusa de tudo sacrificar no altar da sofreguidão eleitoralista?
O Sr. Deputado José Silva Marques obviamente que não anda distraído, está é de tal maneira alienado pela própria sofreguidão eleitoralista que perdeu o discernimento crítico.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, recomendo-lhe que faça uma leitura mais atenta do projecto de lei do Partido Socialista porque se o tivesse feito encontraria, no artigo 13.º, uma norma do seguinte teor: «as transferencias previstas no artigo 12.º são estabelecidas, em cada ano, por forma que a sua aplicação se integre na execução das leis de concretização, nos termos definidos na lei quadro das atribuições e competências das autarquias locais». Ou seja, encontraria a resposta exacta à sua dúvida. E a resposta é a de que há uma articulação funcional entre a aplicação da Lei da Finanças Locais e o reforço das transferências de verbas para as autarquias, com a aplicação complementar e simultânea das transferências de novas atribuições e competências.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Só que, como dissemos, entendemos que isso deve ser feito por leis anuais de concretização, envolvendo a posição favorável da Associação Nacional de Municípios Portugueses. E com isso pretendemos que a Associação não seja ouvida a título de mera consulta formal, como actualmente faz este Governo, mas que seja um autêntico parceiro social de contratualização para os objectivos da área da administração local em Portugal.
Por outro lado, o Sr. Deputado Nogueira de Brito manifestou algumas dúvidas sobre se haveria agravamento da inflação ou da despesa pública. Posso dizer-lhe que não haverá, Sr. Deputado, na medida em que as transferências de atribuições e competências, que complementarmente serão realizadas com as transferências financeiras, não darão, na conclusão, mais encargos para o Estado português.
A Sr.ª Deputada lida Figueiredo suscitou a necessidade da concretização de um grupo de trabalho -eu próprio falei nisso- no sentido de um compromisso para a revisão dos critérios relativamente ao Fundo de Equilíbrio Financeiro. A Sr.ª Deputada sabe perfeitamente que este foi o grande erro político cometido pelo Governo na altura da discussão e aprovação do Orçamento do Estado, porque pretendeu, de uma maneira perfeitamente imponderada, aplicar novos critérios, sem que a contratualização tivesse sido feita, envolvendo o Parlamento e os representantes legítimos dos municípios portugueses, que é exactamente o que nós pretendemos fazer.
Mas, assumido este compromisso, há uma coisa que não nos desculpa, Sr.ª Deputada: é que a Associação Nacional de Municípios Portugueses é um órgão social de contratualização, mas a responsabilidade de iniciativa legislativa é nossa, e só poderemos provocar o diálogo e o consenso na base de propostas e iniciativas concretas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Foi o que fizemos. Aguardamos empenhadamente que os senhores, à minha direita e à minha

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esquerda, possam tomar idêntica iniciativa, e então, sim, a contratualização e o consenso passarão a ter sentido.
Aplausos do PS.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Sr.ª Presidente, gostaria de saber se o texto do projecto de lei de que a Mesa dispõe inclui um artigo 33.º com a epígrafe «Tribunal de Contas» e com um n.º l que diz o seguinte: «Os actos e contratos relativos à contratação de pessoal, celebrados pelas autarquias locais, federações e associações de municípios, não carecem de fiscalização prévia do Tribunal de Contas.» Gostaria, pois, de saber se é essa a versão do projecto de lei que está em discussão.

O Sr. João Amaral (PCP): - Isso não é uma interpelação à Mesa!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - É uma questão muito pertinente!

O Orador: - Custa-me a crer, Sr.ª Presidente, que seja essa a versão, dado que o Sr. Deputado Jorge Lacão disse que essa norma está de acordo com a lei geral para a função pública, e na função pública, Sr.ª Presidente, as admissões de pessoal, sejam quais forem as categorias, estão sujeitas ao visto prévio do Tribunal de Contas.

Protestos do PS.

Portanto, isto significa que o Sr. Deputado Jorge Lacão, para além de apresentar um projecto de lei que revela uma certa loucura financeira, revela também alguma falsidade ou desconhecimento da lei geral do Tribunal de Contas.

Aplausos do PSD. Protestos do PS.

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, queira desculpar, mas tendo em conta a situação em que se encontra o debate, quero pedir a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, solicito que não façam um debate à base da figura do pedido de interpelação à Mesa.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, queira desculpar, as leis e as normas são gerais e abstractas e o bom senso é que as aplica. É obviamente em nome da equidade que pretendo fazer esta interpelação à Mesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, não se trata aqui da regra da equidade, mas, sim, do bom uso das figuras regimentais. E o facto de um Sr. Deputado não fazer esse bom uso de uma figura regimental, como aconteceu, não significa que, de seguida, os Srs. Deputados de todas as bancadas procedam exactamente do mesmo modo.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - A Sr.ª Presidente dá-me, então, a palavra para uma interpelação à Mesa?

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, concedo-lhe a palavra apenas para não quebrar uma praxe, da qual pessoalmente discordo.
Tem, pois, a palavra.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito obrigado, Sr.ª Presidente.
Interpelo a Mesa para que fique registado que o artigo 33.º se encontra expresso no projecto de lei apresentado pelo PS e que o objectivo final desse artigo é o de criar uma harmonização no regime de contratualização de pessoal, entre o que se passa na administração local e o que se passa na Administração Central, dando acolhimento a uma reivindicação associativa e legítima da Associação Nacional dos Municípios Portugueses e dando acolhimento às sugestões já feitas, publicamente, nesse sentido, pelo presidente do Tribunal de Contas.

Vozes do PS: - Muito bem! Protestos do PSD. .

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: As leis, por mais perfeitas que pareçam, por mais consensuais que sejam os caminhos e processos que possam estar na sua origem, estão sujeitas à voragem impiedosa do tempo, que arcaíza, com imparável celeridade, o que se afigura, no momento da sua aprovação, como a resposta correcta e adequada.
A dinâmica da vida actual imprime transformações tão profundas na vida das pessoas e das comunidades que urge ajustar, com realismo e eficácia, os normativos legais à realidade envolvente.
Por outro lado, apesar da eventual manutenção do ajuste das leis vigentes, sucessivos governos têm gerado mecanismos, que contornam, de forma ínvia mas eficaz para os seus interesses centralizadores, o que as normas postulam.
Neste domínio, o actual Governo é mestre. Honra lhe seja feita pelo brilhantismo com que tem esvaziado a capacidade financeira dos municípios e, verdade seja dita, que estes têm aceite esta realidade com excessiva resignação e alguma conivência.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): -Não é verdade!

O Orador: - Veja-se, a propósito, o que se passa com os protocolos celebrados entre o Ministério da Educação e as autarquias, conducentes à construção de novas escolas do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, e que se desenvolve em total contravenção à lei de delimitação de competências entre o poder central e o poder local.
Esconjura-se também, como se do vivo diabo se tratasse, a hipótese de actualização de impostos destinados directamente aos cofres municipais. O chamado imposto municipal de veículos é disso exemplo flagrante. De facto,

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o Governo, na sua proposta de Orçamento do Estado, crismou-o com outro nome, mas esqueceu-se de lhe dar a prenda devida por tão enternecedor acto. Outra designação, sim, mas actualização nos seus quantitativos, nem pensar!
A circunstância de este ano ser ano santo, isto é, ano de eleições, aconselha, naturalmente, a fuga a estas insinuantes tentações.
Como noutra oportunidade afirmámos, p Governo atirou o poder autárquico para a situação mais grave que se conheceu desde 1979. Nos últimos anos, por única e exclusiva acção do Governo, os municípios viram-se confrontados com enormes e inesperados aumentos de encargos, enquanto as receitas não aumentaram como a lei estabelecia. O aumento de encargos salariais, em resultado da imposição dos funcionários em RS e os encargos com novas distribuições unilateralmente transferidas, não tiveram contrapartidas no aumento do FEF na proporção estabelecida pela Lei n.º 1/87, nem as autarquias foram compensadas pelas isenções fiscais concedidas pelo Governo sobre impostos, cujo produto lhes pertence por lei.
Por tudo isto, é de saudar a iniciativa do PS que. através do projecto de lei n.º 620/V, pretende alterar o regime de finanças locais, regulado presentemente pela Lei n.º 1/87.
Na sua exposição de motivos, afirmam os seus subscritores a sua adesão a princípios fundamentais, dos quais naturalmente comungamos, dada a sua evidência. Inscrevem-se, neste quadro, o desejo de uma maior eficácia na resolução dos problemas das comunidades numa mudança qualitativa nas relações entre o poder central e o poder local, de forma a privilegiar, de forma consequente, a descentralização e a resposta adequada às expectativas das populações, a fim de minimizar a tradição centralista do Estado.
Ressalva-se também a necessidade da crescente articulação entre os municípios e o Estado, tendo como pano de fundo o ajuste indispensável de Portugal à realidade comunitária.
Passando do domínio das ideias para a sua concretização, constata-se que o projecto de lei em discussão apresenta algumas soluções inovadoras, talvez ousadas, mas indiscutivelmente aceitáveis.
O novo mecanismo previsto para as transferências para os municípios das verbas do FEF poderá corrigir as disposições actualmente existentes, dado o ritmo anual de crescimento da sua percentagem.
Importante, quanto a nós, é a possibilidade prevista de participação dos municípios nos impostos directos, gerados na área do concelho.
Cabe aqui referir que esta medida, com soluções mais adequadas, poderá minimizar as assimetrias actualmente existentes e que hoje beneficiam fortemente os municípios de Lisboa e do Porto em detrimento dos restantes municípios.
Como já afirmámos em anteriores intervenções, entendemos que deve haver a coragem de levar até ao fim esta alteração, que a equidade de há muito reclama. Sabemos que há susceptilidades que podem ser feridas, mas não é justo que uns tenham o proveito e outros suportem somente os custos.
Consideramos, assim, que se trata de uma medida que deve ter o acolhimento necessário à sua plena concretização.
Embora com as reservas que o bom senso aconselha, acolhemos com expectativa a hipótese da simplificação dos mecanismos de controlo do Tribunal de Contas, já que a rigidez existente cria graves problemas de gestão aos municípios pelos atrasos e dificuldades que gera permanentemente.
Bem sabemos que ninguém se deve eximir ao controlo mínimo, mas neste domínio não fica bem ao PSD manter tais limites no poder local quando, de forma alargada e perigosa, criou mecanismos normativos que libertam o executivo de tais processos. Não queiramos fazer crer que os autarcas deste pais não têm a honorabilidade suficiente para o exercício das suas funções e que só os membros do Governo são entes probos e intocáveis.
Outras inovações são apresentadas no projecto de lei do PS que devem ser consideradas de acordo com a importância de que se revestem. Constam deste elenco a possibilidade de transferencia directa para as freguesias das verbas do FEF, o reconhecimento do direito de recurso ao crédito em condições mais simplificadas e favoráveis, nomeadamente para despesas de investimento, sobretudo na área comparticipada pelos fundos comunitários.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Embora as soluções apresentadas possam não corresponder totalmente aos objectivos desejados e o articulado proposto necessite de algumas correcções, consideramos que a partir da presente iniciativa legislativa é possível surgir a lei das finanças locais adequada aos desafios de futuro.
Esperamos que haja a coragem de aceitar o repto lançado, introduzindo-lhe as alterações julgadas necessárias para que o poder local possa, dentro em breve, ter meios mais adequados ao desenvolvimento da sua importante actividade.

Aplausos do PRD.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Estamos novamente num debate que podia ser um momento importante na vida dos municípios portugueses se fosse p coroar do trabalho e da reflexão sobre as finanças locais entre os municípios, a Assembleia da República e o Governo, e que a Associação Nacional de Municípios Portugueses reclama, sobretudo desde o momento em que o Governo procurou, através de uma autêntica guerrilha institucional, dividir os municípios entre «pobres» e «ricos», do litoral e do interior, tentando assim escamotear o seu sistemático não cumprimento da Lei das Finanças Locais.
O debate de hoje podia ser o culminar do balanço de quatro anos de aplicação da Lei n.º 1/87 -Lei das Finanças Locais -, do confronto entre os princípios consagrados no seu articulado com a intrepretação prática que o PSD, no Governo e na Assembleia da República, tem dado a cada um dos artigos da lei, alterando-os anualmente em cada Orçamento do Estado, sempre que isso signifique retirar às autarquias locais meios financeiros ou aumentar os encargos dos municípios.
Se este debate fosse o resultado da reflexão que importa fazer sobre a problemática das finanças locais certamente que três questões centrais estariam presentes.
Primeiro, os aspectos positivos da actual Lei das Finanças Locais, que importa salvaguardar, designadamente a consagração do princípio de que qualquer nova atribuição de competências aos municípios tem de ser acompanhada da inscrição no Orçamento do Estado da verba necessária para o seu exercício.

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Foi com base neste princípio que os municípios lutaram contra a tentativa que o governo PS/PSD fez, de transferir os encargos com as estradas secundárias desclassificadas, cujo arranjo e reparação está orçado em mais de 50 milhões de contos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Bem lembrado!

A Oradora: - Tal como o foi a luta contra a tentativa de transferir para os municípios os célebres 20 milhões de contos de então, hoje mais de 40, para pagamento dos, então, professores primários que o mesmo governo do bloco central tentou fazer, ou a luta que os cinco municípios, com transportes públicos municipais, têm desenvolvido para tentar receber as indemnizações compensatórias a que têm direito.
É que os municípios sabem quanto lhes tem custado a transferência com os transportes e a acção social escolar e a comparticipação a que vão sendo obrigados nas novas instalações escolares, de saúde, de desporto, etc....

Em segundo lugar, os artigos da lei sistematicamente não cumpridos pelo actual Governo, designadamente a não compensação financeira dos municípios pela criação de novas isenções sobre impostos que são receitas municipais e o cálculo do FEF sujeito às contínuas manipulações das projecções do IVA, o que só nos últimos três anos defraudou as autarquias em 31,7 milhões de contos, sem contarmos com a subavaliação deste ano, que reduziu o FEF em pelo menos 4 milhões de contos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Bem lembrado!

A Oradora: - Em terceiro lugar, os aspectos polémicos da lei, de que são exemplo os critérios de distribuição do FEF, a exigir estudos profundos e um diálogo idêntico àquele que se realizou aquando da elaboração da actual Lei das Finanças Locais entre a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Assembleia da República e o Governo.
Só que o PS não fez este trabalho prévio nem cuidou do diálogo que se impõe num debate sobre a questão fulcral da autonomia financeira dos municípios - a Lei das Finanças Locais. Ouviu à pressa a Associação Nacional de Municípios Portugueses só quando o debate já estava marcado, o que obrigou essa Associação a afirmar que «o tempo restrito que nos foi dado para análise do projecto de lei n.º 620/V não possibilita que nos pronunciemos em concreto».
Em vez de procurar o diálogo com os municípios e de reflectir seriamente sobre a problemática das finanças locais, apresenta um projecto de lei com soluções contraditórias, que serão abandonadas logo que se faça um debate sério e uma análise cuidada sobre cada uma das propostas do articulado.
Aliás, se o debate não acontecesse hoje e fosse dada oportunidade à ANMP de se pronunciar em concreto sobre o projecto de lei que o PS apresenta, certamente se concluiria que este projecto de lei, em vários aspectos, está longe dos objectivos do regime de finanças locais que a ANMP considera fundamentais, nomeadamente o da redução da desigualdade entre as autarquias do mesmo grau, através de indicadores de distribuição do FEF, indicadores esses que o PS não altera e até apresenta propostas que poderão agravar as assimetrias regionais.
Mas o aspecto mais grave do projecto é a porta que abre à repetição da guerrilha institucional entre o Governo e as autarquias locais, que vivemos no debate do Orçamento do Estado deste ano, ao remeter para «leis de concretização anual» a transferência de meios financeiros e de novos encargos. Ou seja, o PS não só não teve em conta a experiência e a luta dos municípios, como, a exemplo do que aconteceu com o projecto de lei quadro de atribuições e competências das autarquias locais, é vago e impreciso, não exprime com precisão os meios financeiros que são necessários para as competências que quer transferir. Daí que a duplicação de verbas, no prazo de S anos, não passe de um slogan de campanha eleitoral para sair na comunicação social.
Se quisessemos seguir o mesmo caminho poderíamos propor triplicar as verbas num prazo de três anos, mas também não teríamos nenhuma forma de provar que essa era a verba mínima necessária para garantir aos municípios uma justa repartição dos recursos públicos entre o Estado e as autarquias locais, através da afectação de novos recuros a estas, como defende, e bem, a ANMP.
Uma análise mais pormenorizada de alguns artigos do projecto de lei do PS sobre finanças locais permite explicitar melhor as contradições e incoerências do seu articulado.
Em primeiro lugar, cria maior instabilidade aos municípios, que todos os anos ficam sujeitos às negociações com o poder central para determinar a efectiva verba do FEF a transferir e os novos encargos a que ficam sujeitos. E, por isso, tal como já interrogámos aquando do debate de 6 de Dezembro, com que bases é possível afirmar que o conjunto das competências estabelecidas na lei quadro de atribuição e competências das autarquais locais é integralmente transferido para as autarquias locais no período máximo de S anos e por forma a que em igual período dupliquem os recursos financeiros transferidos pelo Orçamento do Estado? Não se trata antes de transferir encargos, que hoje custam ao Orçamento do Estado muitos milhões de contos, em serviços que são alvo de permanente contestação, dados os recursos escassos que lhe têm sido atribuídos?
E porque não insistir antes na descentralização efectiva de competências que não custam nada ao Orçamento do Estado e que, pelo contrário, até poderão poupar dinheiros públicos, de que é exemplo a declaração de utilidade pública pelos municípios para efeitos de expropriação?
Em segundo lugar, o projecto de lei não garante a correcção das sucessivas subavaliações do IVA. Aliás, foi com o voto entusiástico do PS que foi adoptada a solução derecorrer ao aumento do IVA para calcular o FEF. Ó PCP votou contra, alertando para a manipulação que isso possibilitava. Infelizmente, tinha razão! Agora, o PS transfere para a previsão da taxa de inflação o crescimento real anual do FEF em 10 %, quando se sabe a manipulação a que também têm sido sujeitas pelo Governo as previsões anuais da taxa de inflação. Então, por exemplo, porque não voltar à defesa da percentagem sobre a despesa do Estado, excluindo os encargos da dívida pública?
Em terceiro lugar, o projecto de lei não combate as assimetrias regionais e tende até a agravar a situação actual ao propor novas receitas com a introdução de percentagens pouco significativas do IRS e do IRC a transferir directamente. Nos municípios urbanos tal receita poderá ter um valor significativo, mas em boa parte dos municípios poderá não ir além do valor do IRS que os municípios entregaram pelos seus próprios trabalhadores.
E quando no artigo 26.º define os critérios das verbas escassas a distribuir pelas freguesias, o PS não estará

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claramente a beneficiar as freguesias urbanas com prejuízo das freguesias rurais?
Em conclusão, a problemática das finanças locais carece de um grande debate e o encontrar de amplos consensos, em grupo de trabalho misto Governo/Assembleia da República/Associação Nacional dos Municípios Portugueses, sendo certo que qualquer nova lei tem de ter em conta fontes diversificadas de financiamento, características diferenciadas dos municípios e das freguesias e assimetrias regionais.
O melhor que o PS tem a fazer é não sujeitar à votação este projecto de lei e apoiar a posição da ANMP que defende a criação do grupo misto AR/Governo/ANMP, para iniciar um estudo sério e um debate profundo da problemática das finanças locais.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O PCP entende que se impõe reforçar os meios financeiros e as competências das autarquias e reconsiderar os critérios de distribuição do FEF para aplicação no Orçamento do Estado de 1992. Mas estas medidas devem processar-se na base de um trabalho conjunto, como propõe a ANMP. Só que este objectivo não deve desviar a atenção de medidas imediatas e urgentes, que o PCP tem vindo a propor, tendo em conta as aspirações das populações e dos eleitos das autarquias.
Importa proceder a uma verdadeira ruptura com a política autoritária e centralizadora do PSD, dessa política que se traduz na transferência de verbas insuficientes e na imposição de encargos sem contrapartidas e num persistente bloqueio da regionalização, como confessaram dirigentes e deputados do PSD no passado fim-de-semana.
O Grupo Parlamentar do PCP desenvolverá todos os esforços para que ainda nesta sessão legislativa se dêem passos decisivos no caminho da regionalização, se reforcem as competências e os meios financeiros das freguesias, se assegure a consagração do exercício do mandato em regime de permanência aos membros das juntas de freguesias, em certos termos e condições, se reforce o poder das assembleias municipais, se garanta maior operacionalidade às câmaras municipais, se atribua aos municípios o poder de declaração de utilidade pública municipal para efeitos de expropriação e se fortaleça os direitos dos cidadãos face ao poder local.
Não basta elogiar a obra do poder local. É necessário viabilizá-la com medidas concretas e pôr termo ao centralismo e aos prejuízos que ela representa no plano administrativo e financeiro para as autarquias e para as populações.
É, pois, nesta situação que o PCP entregará na Mesa da Assembleia da República uma proposta de deliberação que cria uma comissão eventual encarregada de preparar, com urgência, o debate na especialidade da lei quadro da regionalização, bloqueada há mais de ano e meio, de forma a que se proceda à sua votação final global até Maio e se inicie, ainda nesta sessão legislativa, a fase seguinte da criação das regiões administrativas.

Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.

Pela nossa parte, tudo faremos para conquistar uma alternativa democrática e descentralizadora.

Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Martins.

O Sr. Luís Martins (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: É lugar comum a afirmação de que o poder local é uma das maiores conquistas da revolução de Abril quer enquanto esteio fundamental do regime democrático, quer como exercício desse mesmo poder, com benefícios incontestáveis para o País e para os portugueses.
Lugar comum, porque se até há algum tempo era necessário afirmá-lo no nosso quotidiano, ele é já, hoje, uma convicção arreigada na generalidade dos portugueses.
Mas, para que tal conquista fosse e seja hoje uma realidade, concreta e palpável, todos contribuíram com a sua quota parte, cabendo o principal e determinante papel ao legislador que, ao longo dos anos, aprovou legislação adequada, em cada momento, às reformas que consolidaram o poder local.
A legislação sobre o poder local tem toda ela uma característica, que não é comum à generalidade das leis em vigor: foi aprovada ou por unanimidade ou com um vasto consenso, gerado pelos vários partidos, independentemente das maiorias que em cada momento se formaram.
Esta é a quarta vez que nesta Assembleia discutimos a Lei das Finanças Locais, que é um instrumento determinante para as autarquias. É uma lei que, normalmente, mobiliza todos e atrai as atenções de autarcas, deputados, partidos políticos e, sobretudo, do Governo, mercê da importância que todos lhe reconhecem.
A Lei n.º 1/79 foi aprovada por unanimidade, salvo alguns artigos em que houve divergências, e o Decreto-Lei n.º 98/84 resultou duma autorização legislativa ao tempo do governo do bloco central.
A Lei n.º 1/87, aqui descutida e aprovada por unanimidade em votação final global, apenas teve quatro artigos em que não houve unanimidade, embora aprovados por largo consenso, resultou da apresentação do projecto de lei do PCP, do PS, do PRD e do CDS, de uma proposta de lei e de um trabalho exaustivo e eficaz com dezenas de reuniões da Comissão com o Governo e com a participação da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Ao longo das diversas reuniões, foram caindo sobre a mesa variadíssimos ensaios apresentados pelo Governo que permitiram a esta Assembleia aprovar uma lei que, não sendo perfeita, é muito mais justa que as anteriores. É esta, meus senhores, deve ser e é sempre a nossa preocupação fundamental.
É neste quadro que nos encontramos, hoje, aqui a discutir e a votar o projecto de lei sobre finanças locais, apresentado pelo Partido Solialista. Se o fazemos com toda a abertura não o fazemos sem grande surpresa, que resulta duma situação nova. Efectivamente, como atrás ficou dito, todas as anteriores leis de finanças locais resultaram de iniciativas, à partida, de todas as forças políticas. Ao invés, hoje, estamos aqui a discutir tão-só o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista.

Porquê? Será que o PCP não está interessado neste tema? Não acreditamos!... Será que o PRD também não está interessado neste tema? Não acreditamos!...
Será que o CDS, de igual modo, não está interessado neste tema?
Francamente, Srs. Deputados, é coisa em que decididamente não acreditamos!

O Sr. Laurentino Dias (PS): -Então e o PSD?!

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O Orador: - Sc é certo que pensamos serem necessários alguns ajustamentos na lei, também é certo que o PS afirmou em 1987 que «o regime de finanças locais deve caracterizar-se por uma certa estabilidade. É fundamental que o Governo e autarquias conheçam, com profundidade e com o horizonte temporal suficientemente extenso, as normas que condicionam o sistema financeiro autárquico e que as adaptações que venham a ser introduzidas sejam tão-somente aquelas que a experiência ou a evolução estrutural tornem indispensáveis».
Srs. Deputados, não se acuse o PSD de falta de memória!... Não, isso não!...
Mas que adaptações nos propõe o PS em relação à lei em vigor? Será que vamos ferir susceptibilidades em alguns dos Srs. Deputados aqui presentes com estas nossas interrogações?...
Salvo algumas operações de cosmética, o PS propõe-nos, isso sim, alterações profundas que modificam, no fundamental, a filosofia que preside à actual lei.
Assim, o PS propõe uma comparticipação no IRS e no IRC gerados na área de cada município e o retomo a uma forma caduca e negativista do cálculo do FEF.
Efectivamente, na Lei n.º 1/79 e no Decreto-Lei n.º 98/84 o FEF era calculado na base das despesas do Estado, ou seja, quanto maior era a despesa mais recebiam as autarquias. Evoluiu-se depois para uma perspectiva positiva, ou seja, quanto maior fosse a receita mais recebiam as autarquias. Porém, o PS propõe-nos agora que a base de cálculo seja a inflação, estabelecendo uma base mínima de 10 %. Ora, isto, do nosso ponto de vista, é uma perspectiva errada; é, em nosso entender, navegar ao sabor das ondas...
Na nossa opinião, o PS não faz estas duas propostas com o objectivo de serem aprovadas. Ou, melhor, se o faz e apenas o seu modo de nos confessar, a todos nós, clara e inequivocamente, que não vai ser Governo nos próximos cinco anos. E porquê esta nossa afirmação? Pela simples razão de que - e todos facilmente o entenderão - se este tipo de propostas entrasse em vigor em 1991 (e eu digo «se» com enormíssimas reticências e, vá lá, até com um certo mal-estar...), os municípios que receberam do FEF, em 1991, 157,5 milhões de contos veriam as suas receitas aumentadas para 169,5 milhões de contos em 1991 e no 5.º ano as suas verbas seriam aumentadas para várias centenas de milhões de contos.
Mas, pergunto eu, e as assimetrias? Se os municípios tivessem uma comparticipação no IRS e no IRC (como se prevê no projecto de lei) seriam os municípios mais ricos, que arrecadam já mais impostos directos, a ficar mais ricos e os municípios mais pobres a ficar cada vez mais pobres.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - As assimetrias regionais, que ainda hoje subsistem apesar do esforço que ao longo dos últimos anos tem sido feito, não seriam esbatidas. Muito pelo contrário, caminharíamos para um agravamento rápido e progressivo das desigualdades regionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas se não é esta a intenção do PS, temos o Fundo de Equilíbrio Financeiro para corrigir tais desigualdades.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: É aqui, e só aqui, que reside a razão da apresentação deste projecto de lei socialista, se é que de «projecto» o podemos denominar...

O PS foi o único partido que votou contra este artigo na aprovação da Lei n.º 1/87, com o argumento de que «o único indicador, proposto pelo PS e não adoptado, foi o do número de lugares substituído pelo número de freguesias (...).
Parece-nos uma má escolha, pois as freguesias só muito lentamente acompanham a evolução das povoações dentro dos concelhos, não sendo, portanto, o indicador de dispersão mais adequado».
E o PS avançava os exemplos: «Vila Viçosa, Belmonte, Espinho, Mirandela e Gois são concelhos que têm todos 5 freguesias, só que Vila Viçosa tem 6 lugares, Belmonte 22, Espinho 67, Mirandela 90 e Gois 138. E que dizer de Monchique que tem 3 freguesias e 284 lugares? Então esta é exactamente a mesma realidade? Os problemas da rede viária, rede de esgotos e abastecimento de água são exactamente os mesmos em Vila Viçosa, Espinho, Mirandela e Góis?»
Ora, esperaríamos nós que o PS viesse propor a alteração dos critérios para a distribuição do FEF. Não o fez, não o faz agora e, pelo contrário, propõe exactamente os mesmos critérios que, na altura, mereceram o seu voto contra.
Se, por coerência e seriedade política, se esperava essa proposta de alteração, o PS não teve coragem de faze-lo: ficou-se pelo vazio! Não disse o que sabia, talvez com receio de não saber o que dizia!... Aliás, sou daqueles que, ao nível pessoal, concordaram totalmente com a posição então assumida pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.
Porque assim pensamos, foi com júbilo que recebemos a proposta de lei, que, em sede de Orçamento do Estado de 1991, alterava os critérios nos termos defendidos pelo PS. Mas, por incoerência ou falta de memória, o PS deu o dito por não dito e abriu uma frente de luta contra o Governo. Mas já estamos habituados...
O PS foi mais longe: manipulou, na nossa opinião, a Associação Nacional de Municípios Portugueses de uma forma inadmissível, no sentido de conseguir que os municípios se opusessem a esta alteração, e conseguiu-o. Só que «o tiro saiu-lhes pela culatra»...
O PS esqueceu, ou pretendeu fazer esquecer, a afirmação aqui produzida pelo Sr. Primeiro-Ministro de que «só seriam aprovadas essas alterações se a Associação Nacional de Municípios Portugueses ou uma maioria expressiva de municípios se manifestasse inequivocamente nesse sentido». Só que como esse desiderato não foi conseguido, as alterações não se fizeram.
O PS teve, incoerentemente, este comportamento por pensar, de forma errónea, que se pretendia tirar verbas aos grandes e ricos municípios, por serem alguns de presidência socialista, nomeadamente o de Lisboa. Esqueceu-se, porém, do País; esqueceu-se que estava a fechar esperanças à generalidade dos municípios em que, na sua maioria, o FEF representa mais de 80 % das suas receitas; esqueceu-se que os interesses do município de Lisboa são contrários aos interesses da generalidade dos municípios do País e que os interesses do presidente do município de Lisboa são contrários aos interesses dos presidentes da generalidade dos municípios do País.
O PS, Srs. Deputados, é um partido de personalidades que só conhecem as realidades do interior do nosso Portugal - a realidade das nossas aldeias - quando se aproximam as campanhas eleitorais...
Começou, então, o PS a ser confrontado nas reuniões com os autarcas eleitos pelo PS e a receber todo o tipo de

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contestação: a Associação Nacional de Municípios Portugueses viu o logro em que havia caído.
Para emendar o erro e lavar a face, o PS apresentou um projecto de lei de finanças locais, mas não tom a coragem de, coerentemente, propor as alterações no seu aspecto mais duro e mais polémico - a distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 6 esta, e só esta, a razão, apressada e isolada, da apresentação do projecto de lei sobre finanças locais pelo PS. Pretendem, porventura, que sejamos nós a propor as alterações...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Ah, vão fazê-lo?!...

O Orador: -... que eles defenderam primeiro, que negaram depois mas que, no fundo, defendem!...
Para o PS é tudo uma questão de timing, de marés e de marinheiros...
Não contem connosco! Nós não vamos a banhos convosco!...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Ah bem!... Julguei que iam fazê-lo!

O Orador: -Srs. Deputados, o PSD está disponível para rever a Lei das Finanças Locais nos exactos termos em que o Sr. Primeiro-Ministro aqui se manifestou.
Estamos dispostos a rever esta lei desde que a Associação Nacional de Municípios Portugueses ou uma maioria expressiva de municípios o solicite expressamente através de proposta que nos seja apresentada, nomeadamente no referente à distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro, e em que todas as forcas políticas participem num trabalho de fundo.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimentos os Srs. Deputados José Carneiro dos Santos e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Carneiro dos Santos.

O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Deputado Luís Martins, é evidente que sabíamos que não podíamos contar convosco, porque, obviamente, em tudo o que se relaciona com descentralização de poderes, com o reforço do papel das autarquias e das regiões, vocês estão sempre contra! Portanto, já sabíamos que não podíamos contar convosco!...
Em qualquer caso. gostaria de dizer-lhe que o PS sempre manifestou, quer em Comissão quer em Plenário, designadamente no debate do Orçamento do Estado, que estava interessado em que esta matéria fosse alvo do mais amplo consenso.
Assim, não deixa de ser curioso referir, por exemplo -e cito as suas palavras-, que, aquando da discussão da Lei n.º 1/87, surgiram diversos projectos de lei de diferentes partidos políticos e que, depois, foi possível, no debate na especialidade, chegar a um consenso. De facto, houve iniciativas dos diversos partidos.
Sr. Deputado, o PS apresentou este projecto de lei em Novembro de 1990, leve oportunidade de. quer no debate orçamental, como já referi, quer no âmbito da Comissão, sensibilizar os Srs. Deputados para a necessidade de se fazer um debate amplo e aberto sobro esta matéria, mas o facto é que as iniciativas dos restantes partidos aqui representados não apareceram.
Portanto, quando dizemos que temos de amadurecer as ideias para chegarmos a um consenso, antes de as amadurecer temos de apresentá-las com os riscos de, eventualmente, aparecerem alguns erros que seja preciso corrigir. Estamos abertos a isso!
O Sr. Deputado referiu-se também aos critérios de distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro. Quanto a este assunto, o meu camarada Jorge Lacão já aqui se referiu. E aquando do debate do Orçamento do Estado, quando o Governo, de forma curiosa, sugeriu à Assembeia da República aqueles novos critérios, tivemos oportunidade de pedir ao Sr. Ministro do Plano que nos facultasse os estudos técnicos que enformavam esses critérios para podermos debruçar-nos sobre eles. Porém, esses estudos nunca chegaram, por razões que vou passar a expor.
Um dos novos critérios apontados nessa altura era o que estabelecia a ponderação altimétrica dos municípios, mas não deixava de ser curioso que, com base nesse tal critério que o Governo sugeria, os municípios do distrito da Guarda, numa zona como a da serra da Estrela, perdiam receitas em relação aos critérios anteriores. É uma coisa curiosa!...
Aliás, acontecia o mesmo com as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, isto é, pretendia-se lambem atacar a insularidade e o que acontecia é que os municípios da Madeira recebiam mais do que os municípios dos Açores. É evidente que queremos fazer isto com os pés bem assentes na terra, pelo que, em debate da especialidade, estamos abertos a todos os contributos. Aliás, já tivemos oportunidade de referir que concordamos - e manifestámo-lo à Associação Nacional de Municípios Portugueses - com a criação de uma comissão que integre o Governo, a Assembleia da República e a própria Associação para debatermos não só a questão dos critérios mas também para aprefeiçoar o articulado do nosso projecto de lei.
Finalmente, Sr. Deputado, lamento que lenha referido que na altura do debate orçamental nós tivéssemos manipulado a Associação Nacional de Municípios Portugueses. Julgo que V. Ex.ª, se bem entendi, está a passar um atestado de incapacidade aos seus companheiros autarcas do PSD que integram o conselho directivo da Associação, pois, como sabe, a posição deste conselho foi tomada por unanimidade.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - E o fax que mandaram para as câmaras também foi aprovado por unanimidade?...

O Orador: - Lamento, pois, que, nesta Câmara, o Sr. Deputado tenha proferido estas palavras!...
Por fim, o Sr. Deputado fez uma acusação, dizendo que o PS pretendia, fundamentalmente, com as suas iniciativas, beneficiar os municípios urbanos de Lisboa e do Porto. De facto, vocês repetem isto sucessivamente!...
Sr. Deputado, gostaria de chamar-lhe a atenção para o seguinte: quer no projecto de lei que agora apresentámos, quer no debate orçamental, no que se refere às derramas, tivemos oportunidade de apresentar uma proposta de alteração no sentido de que as derramas fossem calculadas em função do rendimento gerado em cada município e não em função da localização das sedes. Curiosamente, o senhor agora vem aqui com uma crítica deste género.

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A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não chegaram a apresentar a proposta. Quem o fez foi o Governo!...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Estão baralhados!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, esta controvérsia entre o PS e o PCP é curiosa e elucidativa!...
Sr. Deputado Luís Martins, afinal de contas VV. Ex.ªs estão ou não de acordo com os critérios da Lei n.º 1/87? Se não estão de acordo com esses critérios será que estão de acordo com os critérios apresentados pela Sr.ª Deputada tida Figueiredo, isto é, estão a aguardar o grande debate para depois conhecermos o vosso pensamento sobre esta matéria?

O Sr. Presidente: -Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Martins.

O Sr. Luís Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado José Carneiro dos Santos disse que sabia que não podia contar connosco. Para manobras políticas deste género, não contam, não!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PS, tal como os outros partidos, conta connosco, como disse na minha intervenção, para um debate profundo como aquele que se fez aquando da discussão da Lei n.º 1/87.
O Sr. Deputado referiu que era necessário haver iniciativas... Ó Sr. Deputado, das outras vezes houve iniciativas de todos os partidos, mas não se pode dizer que qualquer partido fosse à frente, apresentando o seu projecto, fazendo uma marcação e deixando os outros para trás... Porém, desta vez o PS acabou por fazê-lo!

O Sr. Manuel Moreira (PSD):Está isolado !
Ninguém o apoia!

O Orador: - Sr. Deputado, repare o ridículo da situação, com a qual não concordamos de forma alguma: o PS apresenta um projecto de lei, marca a sua discussão, pede-se o parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses, e são deputados do PS que vão a correr à sede desta Associação pedir à direcção para reunir e dar o parecer...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Pressioná-los!...

O Orador: -... em cima da hora!... Na altura, houve presidentes de câmara de diversos partidos que se revoltaram dentro da direcção da Associação e criaram-se problemas, dentro da própria direcção, que nos preocupam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Entendemos que a Associação Nacional dos Municípios Portugueses deve ser uma instituição que tem de ser preservada por todos os partidos políticos, a começar pelos que têm mais responsabilidades.
O Sr. Deputado referiu ainda o problema dos critérios - e aqui aproveito para responder também à questão colocada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito-, perguntando por que razão é que, sendo a Guarda o distrito que é, o critério da altimetria lhe atribuía menos verbas.
Sr. Deputado, isso revela um desconhecimento total da forma como o ordenamento do território está feito em Portugal. Se reparar, o País está dividido em duas zonas distintas: zonas em que os povoamentos são concentrados, isto é, zonas do País onde há frio ou onde os terrenos são muito caros, e zonas onde não há povoamentos concentrados, que são zonas completamente diferentes. Daí que, por exemplo, no concelho de Tabuaço, que é inclinado ao Douro, havia uma perda em relação às verbas atribuídas pela Lei n.º 1/87, como lambem havia no distrito da Guarda para alguns concelhos.
De facto, temos de conciliar este critério com aquele que os senhores sempre defenderam, isto é, de que não eram as freguesias mas sim os lugares que deveriam ser considerados. E o senhor sabe que, em grande parte dos municípios da serra, as freguesias são concentradas num único povoamento.
Quanto à minha afirmação de considerar que houve manipulação, por parte do PS, da Associação Nacional de Municípios Portugueses, é a minha opinião e mantenho-a.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Desafio qualquer um dos Srs. Deputados ou qualquer partido político a dizer se algum dia, enquanto o Partido Social-Democrata presidiu à Associação Nacional de Municípios Portugueses, se passou uma situação dessas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nunca tal se passou, e pensamos que o Partido Socialista - estou convicto disso - está a prestar um mau papel ao regime democrático e às autarquias locais.

Aplausos do PSD.

Respondendo ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, devo dizer que o PSD está de acordo com os critérios da Lei n.º l/87, e tanto assim é que quando o Governo apresentou os novos critérios os apoiou.
A questão é a seguinte, Sr. Deputado: o Sr. Primeiro-Ministro disse que aqueles critérios só seriam aprovados se houvesse uma manifestação positiva da Associação Nacional de Municípios Portugueses ou de uma maioria significativa dos municípios; porém, pelas razões que anunciei na minha intervenção, essa situação não se verificou. Portanto, continuamos a manter a posição de que há necessidade de alterar os critérios, porque se queremos continuar a eliminar as assimetrias regionais, que ainda hoje subsistem, só o conseguimos alterando esses critérios. ' Se o Sr. Deputado José Carneiro dos Santos comparar a situação de privilégio dos municípios da grande Lisboa com a situação dos municípios da generalidade do País- e já não é a primeira vez que digo isto aqui, na Assembleia -, verificará que as competências, as receitas e os critérios são os mesmos, só que há municípios situados na zona da grande Lisboa e na do grande Porto que têm receitas do Orçamento do Estado para os transportes, para a água, para o lixo (pagas, portanto, pelo Estado) e que, no entanto, recebem verbas do Orçamento do Estado na base de que tem essas competências e essas obrigações perante os cidadãos. E não tem!

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O que ressalta da proposta do Partido Socialista, nomeadamente em relação ao IRS e ao IRC. é que há municípios do País em que o retomo de IRS 6 superior ao que o Estado arrecada em termos de receita. Então, em relação a esses, como será?

O Sr. João Rui de Almeida (PS):-O quê?!.,

O Orador:-Os retornos que são pagos.

O Sr. João Rui de Almeida (PS):-Não pode ser!

O Orador: -Ai são, sim, Sr. Deputado! Não tenha dúvidas e, se quiser, dou-lhe exemplos.

O Sr. João Rui de Almeida (PS):-Não pode ser!

O Orador: -Pode ser sim, Sr. Deputado, e se quiser aponto-lhe várias situações dessas.

O Sr. João Amaral (PCP): -Isso é o milagre dos peixes ao contrário!

O Orador:-Pois é!...

Como dizia, Sr. Deputado, a ser aprovado este projecto de lei, imagine o que aconteceria com os grandes municípios, a começar, por exemplo, por aquele em que resido, em relação aos outros municípios. Não haveria justiça em lermos de distribuição. E por tal motivo, nos. Sr. Deputado Nogueira de Brito, mantemos a perspectiva de que há necessidade de fazer os ajustamentos - que a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques defendia em 1987 - que sejam necessários e as reformas, que se vão fazendo, justifiquem.
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso deixar de comentar o ciúme espantoso que o PCP tem sentido ao longo deste debate. No final de contas, nenhum de nós apresentou qualquer projecto de lei, mas, no entanto, VV. Ex.ªs sentem isto de uma forma particular. Não é verdade, Sr. Deputado João Amaral?

Risos.

Pergunto e aguento a pergunta.

O Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença que o interrompa. Sr. Deputado?

O Orador:-Faça favor.

O Sr. João Amaral (PCP):-Quero apenas esclarece-lo. Sr. Deputado Nogueira de Brito, de que o nosso posicionamento nada tem a ver com ciúmes. Não temos ciúmes de uma «cavalidade» tão grande como a que foi cometida pelo PS.

Risos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS):-São democratas! É a convergência democrata, meu amigo, nas «cavaladas»!

O Orador: - Sr. Deputado João Amaral, não há qualquer dúvida de que ficou excluído...

O Sr. João Amaral (PCP):-Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): -Sr. Presidente, peço também a palavra para um protesto.

O Orador:-Até vai haver protesto, defesa da honra e tudo, mas agora não! No meu tempo regimental, não. Fiquem com a honra para VV. Ex.ªs, mas no tempo do CDS é que não vai haver defesa de honra alguma.

Vozes do PSD:-Tire o cavalo e fique com a pileca!

O Sr. Presidente:-Sn. Deputados, o Sr. Deputado Nogueira de Brito está no uso da palavra e, embora tenha autorizado o Sr. Deputado João Amaral a interrompe-lo, o tempo utilizado nas interrupções que permitir é da responsabilidade do Sr. Deputado Nogueira de Brito, uma vez que a Mesa não lhe cederá mais tempo.
Quanto aos pedidos de palavras ao abrigo de outras figuras regimentais, só serão autorizados depois de o Sr. Deputado Nogueira de Brito ter produzido a intervenção. Se o Sr. Deputado Nogueira de Brito quiser ceder tempo ao Sr. Deputado João Amaral para a sua intervenção, é problema seu.

O Orador: - Agora não!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, no seu tempo, faça favor de continuar, se assim o entender, a sua exposição.

O Orador:-Eu «tiro o cavalo da chuva». Sr. Presidente.

Risos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Do tempo de que disponho, gostaria de registar que o termo que empreguei há pouco foi «calamidade» e não «cavalidade», como parece ter sido entendido.

O Orador:-Enormidade!

O Sr. João Amaral (PCP):-Não! O que eu disse foi calamidade!

O Orador: - Alarvidade! Também é mau. Penso que também dá direito a defesa da honra,... mais até do que algumas expressões hoje utilizadas!...
Bom, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de qualquer forma, isto será um intermédio bem disposto no debate de uma questão que me parece importante, apesar de ter uma grelha de tempos tão modesta.
É realmente supérfluo sublinhar a importância da actividade municipal, como tem sido feito, no contexto da vida democrática. Também já hoje foi sublinhado -cê supérfluo voltar a dize-lo - que a face visível ou mais visível do progresso resultante da instauração do regime democrático é, sem dúvida, evidenciada pela actividade dos municípios. São por isso bem-vindas as iniciativas, concomitantes ou não, que visem a discussão séria dos problemas financeiros, que, no fundo, são os problemas

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da delimitação estabilizada de uma repartição devidamente fundamentada de competências entre os municípios e o Estado.
Por isso, consideramos bem-vinda a iniciativa do Partido Socialista.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS):-Ora muito bem!

O Orador: - Simplesmente, entendemos que ela se centra entre duas questões fundamentais: por um lado, o alargamento e, de certo modo, a estabilização pretendida das fontes de financiamento da actividade municipal e, por outro, a regulamentação da repartição do Fundo de Equilíbrio Financeiro. O Fundo de Equilíbrio Financeiro é nitidamente uma questão entre o Governo e a Assembleia.
Com efeito, só para atender à história mais recente, que será, porventura, a mais relevante, foi o Governo que apresentou, de uma forma original e a título de sugestão - o que não era costume, faceta que não conhecíamos -, no fim do ano passado, aquando da discussão da proposta do Orçamento do Estado para este ano, um novo conjunto de critérios de distribuição dos dinheiros do FEF, substancialmente diferente do consagrado no actual artigo 10.º, n.º l, da Lei n.º 1/87.
A Assembleia, nuns casos, por razões processuais, que, nestes debates de fins de legislatura, vão tomando conta de quase todo o nosso tempo e, noutros, por razoes ligadas à própria substância da proposta, não se mostrou favorável ao acolhimento da sugestão apresentada, sendo certo que ninguém, nem o Governo nem o partido que aqui o apoia, se dispôs a chamar a si a sugestão, transformando-a em proposta susceptível de ser votada.
Agora, o PS, e mais ninguém - diga-se em abono da verdade -, aparece a chamar à discussão e votação um projecto de lei de substituição integral da Lei n.º 1/87, muito embora, em boa parte da sua extensão, repetindo-a, que, em matéria do FEF, contraria frontalmente a sugestão governamental e o seu pensamento anterior -é claro que só quem não tem inteligência é que não muda de opinião -, da qual acolhe apenas o princípio da autonomização da repartição entre os municípios do continente e os dás regiões autónomas.
Projecto que existia já -convém acentuá-lo- no momento em que foi discutida na Assembleia a sugestão governamental.
E quanto à sugestão governamental, o que lhe aconteceu, depois de, em Dezembro do ano passado, ter acabado por ser aqui enjeitada por quem a concebeu e deu luz, embora de forma envergonhada, convenhamos?
O PSD, pelos vistos, esqueceu-se dos princípios do favorecimento do interior, que inspiraram então o Governo, levando-o a subir a percentagem do FEF, que é distribuída igualmente por todos os municípios, a criar um novo critério -já hoje aqui tão falado- ligado às características altimétricas dos vários municípios e a substituir a capitação dos impostos directos por um indicador que compensasse os municípios com menores receitas fiscais e com menor poder.
Fica-se assim a cismar sobre as razões do fogacho de Dezembro. Para quê? Para nada ou terá sido apenas um caso de contas políticas mal feitas?
Agora, porém, as contas estão bem feitas e não há dúvida sobre o grande benefício que a manutenção dos critérios, aliada à nova receita constituída pela comparticipação nas colectas do IRS e do IRC na área de cada município, implicará para os municípios da zona desenvolvida do País, maxime para Lisboa e para o Porto, em cujas áreas é gerada a grande ou a maior parte dos dois impostos directos sobre o rendimento.
Nesta matéria, o PS é bem educado ou, pelo menos, é leal às fontes da sua vitória autárquica de Dezembro de 1989. Não há qualquer dúvida! É, nesse sentido, uma boa acção.
A par desta boa acção, deste agradecimento, deste favorecimento, talvez um pouco exagerado de Lisboa e do Porto, trata-se de um diploma generoso, em geral, ou pretensamente generoso, que vai diminuir as receitas do Estado transferindo-as para os municípios, sem qualquer garantia de transferência concomitante de novas competências. Transferências financeiras que, ao fim do ciclo de cinco anos -«ciclo de vida», diz-se no diploma, e não se percebe bem o que isto quererá significar- se situará a um nível aproximado dos 100 milhões de contos (41 milhões a números de 1991, na previsão do Governo, que sabemos sempre ser uma previsão deflacionada). Logo, 41 milhões de contos para já!
Poderão ser, portanto, mais 100 milhões de contos para um mesmo nível de serviços prestados, logo de encargos, já que nada garante - repito - que as novas transferências de competências não impliquem outras transferências de receitas. Há, aliás, algumas disposições no diploma que inculcam que assim será - e estou a lembrar-me do n.º 3 do artigo 3.º, se não estou em erro.
É claro que a generosidade não chega e seria bom que o PS explicasse o porquê desta comparticipação na receita dos impostos directos e como é que a considera possível no quadro da política orçamental que temos e, principalmente, no que deveríamos ter, sendo certos de que o PS manifesta outras preocupações, como, por exemplo, a da adesão à União Económica e Monetária.
Para além disso, seria bom que o PS reflectisse um pouco sobre a acentuação das assimetrias que este novo tipo de financiamentos vai provocar e ainda sobre as consequências que vai ter, porventura, para a inflação, num sistema em que se prevê ou se impõe a duplicação das transferências do Orçamento do Estado em relação ao total das receitas fiscais do mesmo Estado no prazo de cinco anos e em que se impõe, também, um crescimento anual do FEF de 10 %, sendo certo que este passa a ser calculado - e bem - em função da taxa de inflação estimada e não da receita do IVA. Aqui diria que a receita do IVA é muito deflacionada, mas que a laxa de inflação estimada é-o igualmente, e se for o Governo a prever essa taxa ficaremos quase na mesma e não melhor.
São, em nosso entender, estas deficiências de esclarecimento e de fundamento, aliadas a algumas contradições do regime, resultantes da regulamentação na especialidade, que aconselham, porventura, um estudo mais profundo da matéria, antes de discuti-la com o objectivo de votá-la.
A iniciativa é positiva, mas deve ser reflectida em condições que não foram, com certeza, permitidas neste apressado debate de grelha D.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Gameiro dos Santos, que dispõe de tempo cedido pelo PRD.

O Sr. José Gameiro dos Santos (PS): -Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao PRD a cedência de tempo, pois permite-me assim tecer alguns comentários sobre a forma como tem vindo a decorrer este debate.

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Deste modo, e parafraseando o Sr. Deputado João Amaral - que já não está aqui, neste momento -, devo dizer que a «calamidade» 6 evidente e verificou-se neste debate, fundamentalmente, pela falta de iniciativas dos restantes grupos parlamentares. Esta é que foi, de facto, uma grande «calamidade»!
Na verdade, apresentámos o nosso projecto de lei a esta Assembleia em meados de Novembro, os partidos da oposição tiveram tempo, mais do que suficiente, para apresentar iniciativas e nada fizeram.
Por outro lado, ainda mais grave do que a falta de iniciativas foi a postura do PSD e do Governo que -e a fazer fé nas palavras proferidas há pouco, pelo Sr. Deputado Luís Martins-•, através do Sr. Primeiro-Ministro, teriam afirmado, há cerca de um ano, estarem dispostos a rever a Lei das Finanças Locais. Em Maio do ano passado, também nós ouvimos a mesma afirmação, mas dessa vez proferida por um deputado do PSD.
No entanto, Maio já lá vai, estamos no fim de Fevereiro e parece que ainda não houve tempo de amadurecer as posições do PSD e do Governo!

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!

O Orador: -Pelo contrário, curiosamente, o PSD e o Governo vieram aqui, em sede de debate do Orçamento do Estado, fazer sugestões esquisitas que-e isto é que é importante realçar- não tiveram coragem para formalizar através de iniciativas legislativas.

Vozes do PS:-Muito bem!

O Orador: - De facto, o PSD apresentou sugestões que não concretizou. Não há dúvida alguma de que nessa altura o PSD não sabia -e. por certo, também não saberá agora! - o que anda aqui a fazer em matéria de competências ou em matéria de finanças locais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, muitas vezes somos «presos por ter cão» e «presos por não ter cão». Ou seja, se não apresentamos iniciativas é porque não apresentámos iniciativas; se as apresentamos é porque, obviamente, elas deveriam ser precedidas por um trabalho de reflexão sobre a aplicação da lei anterior!... Bom, no futuro, temos, primeiro, de nos dirigir ao Grupo Parlamentar do Partido Comunista e perguntar. Os senhores consideram que já amadurecemos as ideias? Podemos apresentar o nosso projecto de lei? Sc o Partido Comunista nos der a sua concordância, ah!. então já podemos apresentar qualquer projecto!

Vozes do PS: -Muito bem!
Vozes do PSD: -Claro, claro!

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Os senhores deveriam ouvir os autarcas, nomeadamente os do PS!

O Orador: - É evidente que não temos culpa pelo facto de, nesta matéria, ler havido folia de iniciativa.
Gostaria ainda de acrescentar-como, aliás, já foi aqui referido - que este projecto está em estreita sintonia com outro, o da lei das atribuições e competências, que também apresentámos e que foi discutido na generalidade.
Não se preocupe, Sr. Deputado Nogueira de Brito! Fundamentalmente, julgo que as suas preocupações resultam de não ler analisado o outro projecto, pois se o tivesse feito e se tivesse conciliado as disposições do articulado com o artigo 13.º da Lei das Finanças Locais, por exemplo, entenderia facilmente o âmbito das ideias que propomos.
Srs. Deputados, já tive oportunidade de dizer que o Partido Socialista está aberto ao debate, até porque queremos chegar a soluções consensuais...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado!

O Orador: -Termino já, Sr. Presidente.

Como eu estava a dizer, queremos chegar a soluções consensuais que mereçam a concordância, designadamente, da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Por isso, no projecto já referido, quando falamos em contratualização, entendemos este conceito no âmbito de um processo concertado que envolverá o Governo, a Assembleia da República e a Associação Nacional de Municípios Portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -Para terminar, gostaria ainda de tentar esclarecer uma outra preocupação manifestada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me que o interrompa para o informar de que há deputados inscritos para pedir esclarecimentos e V. Ex.ª já não dispõe de tempo. Assim, se não visse qualquer inconveniente, poderia referir-se a mais alguns aspectos no decorrer das respostas a esses pedidos de esclarecimento.

O Orador: - Sr. Presidente, gostaria apenas de dizer que, de facto, queremos chegar a soluções consensuais e, por isso mesmo, vamos propor que este projecto de lei baixe à comissão, antes de ser submetido à votação. Penso que só agindo assim contribuímos, de facto, para o enriquecimento do debate.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Aí está uma medida acertada!

O Sr. Presidente: - Increveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Nogueira de Brito e lida Figueiredo, que dispõem, respectivamente, de um e três minutos.
Embora o PS já não disponha de tempo para responder, presumo que quer o PRD quer o CDS poderão ceder algum tempo.
Para pedir esclarecimentos, tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Carneiro dos Santos, a questão que lhe coloquei foi respondida em boa parte, uma vez que V. Ex.ª acabou de elucidar que vai requerer a baixa prévia à comissão do projecto de lei em análise.
Entretanto, gostaria de informar que o CDS, no decurso do próximo más de Março, vai apresentar um projecto de lei retomando a tese aqui defendida pelo Governo, aquando do debate do Orçamento do Estado. Isto é, o CDS vai

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apresentar um diploma onde se pretende rever os critérios de distribuição do Rindo de Equilíbrio Financeiro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Sr. Deputado José Carneiro dos Santos, em minha opinião, num debate deste tipo, não vale a pena jogar com as palavras para dizer que, afinal, não se verificou qualquer iniciativa por parte dos outros grupos parlamentares.
De facto, o Sr. Deputado, com aquilo que acabou de dizer, no final da sua intervenção, veio dar razão às críticas que fizemos e não posso deixar de me congratular por ter aceite a nossa proposta de baixa à comissão do projecto de lei antes de ser submetido à votação, porque entendemos que só assim será possível fazer a reflexão que se impõe sobre uma matéria tão importante como é a das finanças locais.
Com efeito, antes de mais, é necessário ouvir os autarcas e, naturalmente, todos cies, independemente das suas posições político-partidárias. É também necessário manter um diálogo permanente com a Associação Nacional de Municípios sobre esta questão.
Sr. Deputado, há ainda uma outra iniciativa legislativa importante - e, neste momento, não estou a referir-me ao projecto de lei do PS - que o seu partido esqueceu em todo este processo: a Lei n.º 1/87, que foi feita com o consenso desta Assembleia, da Associação Nacional de Municípios Portugueses e do Governo. É uma lei que deve merecer a reflexão de todos nós nos seus diferentes aspectos, aliás, como já tive oportunidade de referir na minha intervenção de há pouco.
Em meu entender, com base na reflexão dessa lei, e tendo em conta a opinião dos autarcas, é que se devem fazer as alterações que se considerarem necessárias no sentido de a melhorar e ir ao encontro das aspirações das autarquias do País, estabelecendo um grande consenso, que é urgente que exista, em tomo deste problema.
Tendo em atenção a proposta que V. Ex.ª acabou de apresentar, penso que está de acordo comigo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: -Para responder, tendo em atenção as limitações de tempo já por todos conhecidas, tem a palavra o Sr. Deputado José Carneiro dos Santos.

O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Antes de mais, e face à preocupação revelada há pouco - que esqueci de referir- pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito quando falou em inflação e despesas públicas, gostaria de responder unicamente com um indicador que me parece ser fundamental.
Sr. Deputado, certamente saberá que, enquanto os municípios aplicam em despesas de investimento cerca de 52,7 % das suas receitas lotais, a Administração Central aplica cerca de 13,7 %.
Ora bem, isto é sinónimo de uma grande eficiência por parte dos municípios e, obviamente, dentro dos princípios que enunciámos e daquilo que temos vindo a propor ao longo do tempo, num processo de descentralização de poderes, consideramos que muitas das competências e atribuições, que actualmente são exercidas pela Administração Central, poderão vir a ser exercidas muito melhor pelas autarquias locais, com uma grande economia de recursos e com muito mais eficiência.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Estou de acordo!

O Orador: - Sr.ª Deputada lida Figueiredo, quanto às questões que me colocou, devo esclarecer, em primeiro lugar, que não joguei com palavras, mas creio que os senhores jogaram com iniciativas, e isso é que me parece que não foi muito correcto da vossa parte.
Com efeito, solicitámos agora que a discussão do nosso projecto de lei se realizasse antes da votação, uma vez que já o havíamos feito também aquando da discussão do diploma sobre a lei das atribuições e competências. Foi esta a razão por que o fizemos agora, novamente.
Mas não deixa de ser curiosa a afirmação da Sr.ª Deputada lida Figueiredo ao dizer que a iniciativa legislativa já existe, referindo-se concretamente à Lei n.º 1/87. V. Ex.ª, Sr.ª Deputada, até parece que não conhece as críticas que os autarcas e a Associação Nacional de Municípios Portugueses têm vindo a fazer ao longo dos anos. A senhora não conhece, por certo, o articulado da lei! É tempo de mudar a Lei n.º 1/87!

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): -Eu disse isso! Foi isso que eu disse!

Devemos ter a lei como base, mas, após audição dos autarcas, emendá-la no que for necessário!

O Orador: - Então se foi isso que disse, Sr.ª Deputada, apareçam as iniciativas! Não há dúvida alguma de que tenho de dar razão ao Sr. Deputado Nogueira de Brito quando afirma que os senhores tiveram ciúmes da iniciativa do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições, pelo que declaro encerrado o debate sobre esta matéria.
A nossa próxima reunião plenária realizar-se-á quinta-feira, dia 28, às 15 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Martins Viegas.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António José Caeiro da Mota Veiga.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
José Angelo Ferreira Correia.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Manuel Ferreira Martins.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

António Domingues de Azevedo.
Carlos Cardoso Laje.

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João Rui Gaspar de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.

Partido Comunista Português (PCP):

José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odeie Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Maria Pereira.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Flausino José Pereira da Silva.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Manuel Coelho dos Santos.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António José Sanches Esteves.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Luís.
Jaime José Matos da Gama.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
Rui António Ferreira Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério Sousa Brito.

Centro Democrático Social (CDS):
Basflio Adolfo de M. Horta da Franca.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
Maria Helena Salema Roseta.

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação sobre o voto de pesar pela morte do Prof. Doutor Eduardo Correia.
Na madrugada fria do dia 21, e após longa e dolorosa doença, faleceu em Coimbra o Prof. Doutor Eduardo Correia. Com a morte de Eduardo Correia, sofreram a sua
família e amigos uma perda irreparável. A Universidade portuguesa viu-se súbita e brutalmente privada de um dos seus mestres mais eminentes e uma das referências mais credenciadas do seu prestígio nacional e internacional. Recordo que, para além de Coimbra, Eduardo Correia teve cátedra e deu lições em numerosas universidades do Brasil, em Salamanca, Santiago de Compostela, Madrid, Barcelona, Gotlingen, Munique, Tuhingen e Freiburg im Breirgan. Os seus discípulos, entre os quais tive o raro privilégio de me contar, perderam o companheiro e guia de tantas horas de aventura intelectual, feitas de deslumbramento e encantamento. E sentiram, à semelhança dos discípulos de Emaús, que a noite caía. A ciência jurídica portuguesa e, não será atrevimento acrescentá-lo, europeia viram silenciar-se uma das suas vozes mais poderosas e indomavelmente criadoras. Que deixou atrás de si um património bibliográfico dificilmente abarcável, publicado nas principais línguas europeias e não raro dado à estampa pelas mais prestigiadas editoras ou nas páginas das mais qualificadas revistas científicas do velho continente, com destaque merecido para a Zeitschrift fur die gesamte Strafrechtswissenschaft, alemã. E onde não se sabe o que mais admirar: se o rigor e equilíbrio dos sistemas dogmáticos sustentados; se a sensibilidade permanente às aforias e angústias mais fundas e últimas do Homem, medializadas e renovadas pela reflexão filosófica e a teorização antropológica; se, por último, a vigilante e empenhada solicitude pelos problemas reais do homem concreto, maxime do homem caído no crime. Para além disso, não relevará da hipérbole de ocasião, acreditar que, com a morte de Eduardo Correia, vemos extinguir-se um dos espíritos mais inquietos e cintilantes que deixa atrás de si um sulco indelével na cultura portuguesa.
É a memória deste homem que somos, por instantes breves, concitados a homenagear. Fá-lo-emos despertos para as injunções de sentido e os simbolismos emergentes do espaço que ocupamos e da veste que assumimos. Assembleia da República, somos a instância privilegiada de representação e eco das aspirações colectivas. Somos também, e sobretudo, o momento histórico de subjectivização e comunicabilidade daquilo que, dos nossos séculos de gesta, permanece como perene e duradoiro. Os mortos que aqui evocamos reclamam mais do que as lágrimas ou pétalas que o vento cedo dissipará. Aqui só evocam os mortos que sobrevivem na vida das suas obras, por isso persistem como «os pastores e guardas» do essencial de que falava Heidegger. Mais do que de evocação e de saudade, é de celebração e de convívio que se trata.
Para, nesta circunstância, celebrar Eduardo Correia, proponho-me sobretudo assinalar, para além do agente ímpar de cultura, o cidadão que deixa atrás de si uma trajectória de integridade irrepreensível. Democrata e liberal e asceticamente tolerante por idiossincrasia, interventor e solidário por vocação e missão. De Eduardo Correia ficará a imagem do cultor da ciência jurídica que cedo intuiu que o discurso do direito - e do direito penal, em particular - é o questionar permanente da legitimação radical do Estado e do poder de coerção.
E que converteu o seu longo magistério numa sementeira generosa de ideias que haviam de desabrochar no triunfo do Estado de direito. Que trouxe consigo a consagração definitiva e quase total do programa político-criminal de Eduardo Correia.
Não é, na verdade, difícil identificar bem nos alicerces das nossas instituições democráticas pedras basilares directamente pedidas à lição do jurista de Coimbra. É assim

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seguramente com muitos dos dispositivos da arquitectura constitucional. E é-o de forma tão paradigmática como consabida com o ordenamento jurídico-penal vigente, no seu sentido mais compreensivo. Isto é, abrangendo, a par da lei penal substantiva e processual, o direito das contra--ordenações e o direito penitenciário. Um ordenamento em que Eduardo Correia logrou plasmar, em síntese harmoniosa, os axiomas fundamentais do seu pensamento:

A fé ilimitada na liberdade, face à força dos deter-minismos;
Uma antropologia invencivelmente optimista de que se alimenta a crença inabalável e a capacidade de regeneração do Homem;
O imperativo da descriminalização, ditado pela aspiração de uma lei penal liberta das sequelas das ideologias e moralismos e adequada aos tempos da secularização e pluralidade;
A responsabilidade comunitária pela catástrofe do crime, como estímulo ao exercício da solidariedade activa com o condenado;
A reivindicação do esvaziamento possível das prisões, experiência de frustração e humilhação e escola comprovada de reprodução do crime.

No horizonte e como limite, o ambicioso e optimista, o sonho de Radbruch: mais do que substituir o direito penal vigente por outro melhor, é para a substituição pura e simples do direito penal por coisa melhor que deve caminhar-se.
Foi a perda deste homem que já noutra sede tivemos oportunidade de chorar. Aqui e agora, cabe celebrar o enriquecimento do panteão nacional a que Eduardo Correia acaba de ter acesso para tomar lugar de relevo ao lado de vultos como Pascoal de Melo Freire, Levy Maria Jordão e Beleza dos Santos, para nos circunscrevermos à galeria dos mais insignes reformadores penais.
É que, por detrás e para além da morte de Eduardo Correia, há uma passagem para o universo do imperecível e do perene. Portugal, e sobretudo a Assembleia da República, agente privilegiado da produção das leis, continuará a confrontar-se permanentemente com o legado vivo de Eduardo Correia.

O Deputado do PSD, Costa Andrade.

As REDACTORAS: Maria Leonor Ferreira - Cacilda Nordeste - Ana Maria Marques da Cruz - Isabel Barrai.

Depósito legal n.» 8818/85

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