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1768 I SÉRIE - NÚMERO 54

muno relevante ao reforço do Estado de direito no nosso país e ao aprofundamento do seu regime democrático.
Se considerarmos, finalmente, que o decreto-lei que aprovar o código proposto, ao abrigo da autorização legislativa impetrada, poderá ser objecto de apreciação parlamentar, para efeitos de alteração ou recusa de ratificação, lógico é concluir que a iniciativa do Governo não briga com uma ampla responsabilização desta Assembleia na configuração definitiva do diploma.
As considerações que assim ficam expendidas propendem a ultrapassar a controvérsia, mantida desde remota data e cujo termo não se vislumbra no horizonte, sobre as vantagens ou mesmo sobre a praticabilidade da codificação administrativa.
Contra ela não se volvem apenas as imputações de fomentadora do imobilismo legislativo, do conservadorismo doutrinal ou do ideologismo legalista, anátemas comuns a qualquer espécie de codificação.
Outros acrescem, na verdade, a visar especialmente a cobertura jurídica da Administração Pública.
É o próprio Professor Freitas do Amaral que aponta a juventude como um dos traços específicos do direito administrativo, que, tendo nascido apenas com o consulado de Bonaparte, após a primeira fase da Revolução Francesa, entra em Portugal pela mão de Mouzinho da Silveira, com as suas reformas de 1832.
Constituído, assim, por uma grande variedade de normas, de formação recente e durabilidade diversa, sem o suporte de princípios forjados por uma tradição milenária, como o direito civil, derramando-se por uma infinitude de situações, que postulam estatutos profundamente dissemelhantes e, às vezes, até antagónicos, inquinado por frequentes imperfeições técnicas e submetido, enfim, ao casuísmo de uma permanente influência jurisprudência!, a codificação do direito administrativo estaria, segundo muitos, condenada de antemão a um irremediável fracasso.
Marcelo Caetano, nas suas Lições de Direito Administrativo, de 1934, chegou a sustentar que nós, portugueses, beneficiávamos de uma experiência singular, pois leríamos sido, de todos os povos, os primeiros a tentar a codificação administrativa, acenando a este propósito com o código setembrista de 1836.
Mas nem esse, nem os que se lhe seguiram durante a monarquia constitucional, nem sequer o actual, herdado do regime anterior, constituem verdadeiros códigos do direito administrativo.
Nenhum deles leve por objecto uma codificação global do direito administrativo, ou, ao menos, da sua parte geral. Todos eles se contentaram em dispor apenas sobre a administração local comum, explicando-se as diferentes versões que vingaram a partir de 1836, sobretudo pela luta constante entre as concepções centralistas e descentralizadoras, que, com acesso efémero ao Governo, tentaram impor-se alternadamente no decurso da monarquia constitucional.
O código do procedimento administrativo, agora em apreciação, ao sistematizar os princípios gerais que devem reger os actos da Administração e o processo de formação das suas decisões, com os desenvolvimentos nele consagrados e sem prejuízo de eventuais alterações que possam ser acolhidas como contribuição útil deste e outros debates, se vier a entrar em vigor, como é de presumir, será, pois, o primeiro diploma no nosso país a codificar a parte geral do direito administrativo.
O que não significa, porem, que venha a receber o aplauso caloroso de toda a nossa doutrina.
Assim é que de Coimbra chega-nos a voz, repassada de cepticismo, do Professor Rogério Soares, que, depois de sustentar que um código de procedimento administrativo não responde a qualquer exigência ética, nem é via indispensável à realização do Estado de direito, podendo ale comprometê-la, exorta a uma postura de humildade, conducente a reconhecer a ausência de um consenso generalizado na doutrina portuguesa que permita ambientar a gestação neste domínio de uma obra proveitosa.
Negando ainda a existência de substanciais atropelos aos interesses dos administrados ou à eficiência da Administração, acaba por concluir que, onde houver necessidade de uma cristalização legislativa, algumas leis avulsas poderão resolver as dificuldades.
Porventura menos radicais, outros, como o Dr. Barbosa de Melo, estribados na experiência e cultura jurídica de países onde a elaboração científica do direito partilha os mais altos níveis de desenvolvimento, como a França e a Itália, que não codificaram até hoje o seu direito administrativo, defendem que essa codificação, a fazer-se, não deverá exceder os limites de pouco mais que a mera catalogação de princípios gerais, assentes e consolidados por uma aceitação unânime.
E é, justamente, este minimalismo que vem assumido no projecto de lei dos Srs. Deputados Independentes José Magalhães e Jorge Lemos, embora nos pareça que o trabalho produzido ultrapassa largamente as fronteiras da principiologia anunciada.
Seja como for, por mais ou menos fundamento que tenha aquela argumentação, a verdade é que, pelo menos, pane dela inspira-se em concepções que põem em causa a clássica separação dos poderes ou a sua ordenação, para afirmar uma crescente autonomia da Administração, conflituante com a sua sujeição estrita ao princípio da legalidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é esta, como se sabe, a rota inscrita na nossa Constituição, que, pelo contrário, impõe expressamente a vinculação legal da actividade administrativa.
Dispõe, na verdade, o artigo 266.º, n.º 2, da Constituição que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei, acrescentando o artigo 267.º, n.º 4, que so processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial».
À luz deste inciso, a elaboração do código do procedimento administrativo afigura-se-nos, pois, sobejamente justificada, embora não se considere, como é óbvio, uma exigência indeclinável da Constituição.
Seria agora o momento de valorar o mérito do diploma, numa perspectiva de política legislativa, que permitisse confrontar os resultados obtidos com os imperativos constitucionais, já que do ponto de vista puramente tecnico-jurídico a autoridade de quem o elaborou dá antecipadas garantias de trabalho altamente qualificado.
O tempo que nos é concedido para esta intervenção só nos consente, porém, algumas considerações e mesmo essas necessariamente ligeiras ou perfunctórias.
Desejaríamos realçar, antes de mais, que o código com que nos confrontamos não se limita a assegurar a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços da Administração Pública e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.

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