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I Série - Número 54

Sexta-feira, 15 de Março de 1991

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE MARÇO DE 1991

Presidente: Exmo. Sr.
Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a alguns outros entrados na Mesa e ainda da remitida ao mandato do Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes.
A Assembleia denegou autorização a dois deputados para deitarem em tribunal.
O Sr. Presidente deu conhecimento à Câmara de uma mensagem do Sr. Presidente da República, que fundamenta o veto político do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Foi aprovado o voto n. º 192/V, de pesar pela morte de José Mendes Melo Alves, deputado à Assembleia Legislativa dos Açores e ex-deputado à Assembleia da República.
Entretanto, foi aprovado também um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de um deputado.
Em declaração política, o Sr. Deputado Manuel Alegre (PS) congratulou-se com o fim da guerra do Golfo e abordou algumas questões que o conflito evidenciou.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Domingos Duarte Lima (PSD), a propósito da realização das jornadas parlamentares do PSD, em Setúbal, enalteceu a acção do Governo e do Grupo Parlamentar do PSD e teceu considerações acerca
do funcionamento da Assembleia. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento e ou protestos e defesas da honra e da consideração formulados pelos Srs. Deputados Alberto Martins (PS), José Silva Marques (PSD), José Magalhães (Indep.),Herculano Pombo (Indep.), Carlos Brito (PCP), Carlos Lilaia (PSD), Manuel Alegre (PS), José Manuel Mendes (PCP) e Luís Filipe Meneses Lopes (PSD).

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 41 a 43 do Diário.

Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 700/V (PCP) - código do procedimento administrativo - e 701/V (deputados independentes José Magalhães e Jorge Lemos) - aprova um código mínimo de procedimento administrativo - e da proposta de lei n.º 172/V - autoriza o Governo a legislar no sentido de aprovar o código do procedimento administrativo. Intervieram no debate, a diverso titulo, além do Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio) e da Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa (Isabel Corte-Real), os Srs. Deputados Odeie Santos (PCP), Guilherme Silva (PSD), Alexandre Manuel (PRD), Jorge Lacão (PS), José Manuel Mendes (PCP), José Magalhães (Indep.), Narana Coissoró (CDS), Rui Macheie (PSD), Alberto Oliveira e Silva (PS) e Rui Silva (PRD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Cosia.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Frei ias Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maças.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Cosia Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

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Vítor Pereira Crespo.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmino.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Castro Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santas.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.

ui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Vítor e Baptista Cosia.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Cosia Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:

Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas e requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: projecto de resolução n.º 80/V, apresentado pelos Srs. Deputados Independentes Herculano Pombo e Helena Roseta, que propõe a realização de um referendo nacional sobre a instalação de centrais nucleares com fins energéticos no território nacional; projecto de lei n.º 703/V, apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Lacão e outros, do PS, propondo o reforço das garantias e direitos dos cidadãos perante a Administração a nível nacional, regional e local; projecto n.º 704/V, da iniciativa do Sr. Deputado Raul Brito, do PS, propondo a elevação da freguesia de Rio de Moinhos à categoria de vila; projecto de lei n.º 705/V, também da iniciativa do Sr. Deputado Raul Brito, do PS, propondo a elevação da freguesia do Paço de Sousa à categoria de vila; projecto de lei n.º 706/V, apresentado pelos Srs. Deputados Carlos Lago e outros, do PS, propondo a alteração da designação da povoação e da freguesia de Vilar de Perdizes, em Santo André; projecto de lei n.º 707/V, da iniciativa do Sr. Deputado Amónio Paulo Pereira Coelho e outros, do PSD, propondo a elevação de São Pedro de Alva à categoria de vila; projecto de lei n.º 708/V, apresentado pelo Sr. Deputado Alberto Cerqueira de Oliveira e outros, do PSD, propondo a elevação da povoação de Caldelas à categoria de vila, e a proposta de lei n.º 184/V, que autoriza o Governo a alterar a Lei de Delimitação dos Sectores.
Entretanto, foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os seguintes requerimentos: ao Mi-

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nistério da Saúde, formulado pelos Srs. Deputados Carlos Lilaia e Henrique de Oliveira; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, apresentado pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira, Herculano Pombo e António Vairinhos; ao Ministério da Administração Interna, apresentado pelos Srs. Deputados Hilário Marques e Barbosa da Cosia; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado José Manuel Maia; ao Ministério da Educação, apresentado pelo Sr. Deputado Vítor Costa ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelos Srs. Deputados Vítor Costa, José Manuel Mendes, Jerónimo de Sousa e Luís Roque; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Luís Roque; ao Governo, apresentado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; ao Ministério da Saúde, formulado pelos Srs. Deputados Raul Brito, João Amaral e Luís da Silva Carvalho; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, apresentado também pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, e ao Ministério da Educação, formulado pelos Srs. Deputados José Apolinário, José Manuel Mendes e Lino de Carvalho.
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Amónio Vairinhos, na sessão de 9 de Novembro; Ademar Carvalho, na sessão de IS de Novembro; lida Figueiredo, nas sessões de 21 de Novembro e 10 e 11 de Dezembro; António Guterres, na sessão de 30 de Novembro; António Filipe, nas sessões de 10 e 20 de Dezembro; Helena Torres Marques, na sessão de 11 de Dezembro; José Manuel Mendes e José Apolinário, na sessão de 13 de Dezembro; Vítor Caio Roque, na sessão de 18 de Janeiro; Rui Ávila, na sessão de 24 de Janeiro; Octávio Teixeira e Luís Roque, na sessão de 5 de Fevereiro; Cristóvão Norte, na sessão de 19 de Fevereiro, e Jorge Lemos, na sessão de 21 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero informá-los que recebi uma carta do Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes do seguinte teor:
Em conformidade com o n.º 1 do artigo 7.º do Estatuto dos Deputados, venho comunicar a V. Ex.ª a minha renúncia ao mandato de deputado eleito pelo círculo de Lisboa nas listas do Partido Renovador Democrático.
O Sr. Secretário vai agora proceder à leitura dos relatórios da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário: - A solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Comba Dão, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar a suspensão do mandato do Sr. Deputado António Maria Oliveira de Matos para intervir num processo que aí corre os seus termos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Raul Castro e Valente Fernandes.

O Sr. Secretário vai passar à leitura do segundo relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário: - A solicitação do Tribunal de Polícia de Lisboa, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar a suspensão do mandato da Sr.ª Deputada Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela para intervir num processo que aí corre os seus termos.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Raul Castro e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, enquanto se procede à distribuição do voto de pesar pelo falecimento do Sr. Deputado José Mendes Melo Alves e antes da sua leitura e votação, vou ler uma mensagem que recebi de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, que vem captada com um ofício de remessa, que é do seguinte teor:

No exercício das competências que me são atribuídas pelo artigo 139.º, n.º 1, da Constituição da República, devolvo, para nova apreciação dessa Assembleia, o Decreto-Lei n.º 293/V, que aprova o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Ponderei profundamente esta atitude, que se baseia apenas num ponto do referido Estatuto, sobre o qual tive dúvidas anteriormente quanto à sua conformidade constitucional, mas que o Tribunal Constitucional, uma vez solicitado em sede de Fiscalização preventiva, decidiu não se pronunciar pela inconstitucional idade (Acórdão n.º 1/91, de 22 de Janeiro de 1991). Trata-se do artigo 10.º, n.ºs 2 e 3, onde se definem os círculos eleitorais da Região Autónoma da Madeira e os critérios que determinam o número de deputados a eleger para a Assembleia Legislativa Regional.
A Assembleia da República foi, no entanto, chamada a reapreciar o referido diploma, uma vez que outras disposições - os artigos 10.º, n.º 4, e 11.º, n.º 2 - também em matéria eleitoral foram, essas sim, declaradas inconstitucionais pelo Tribunal em sede de fiscalização preventiva. Entendeu, porém, o Parlamento, ao reapreciar o diploma, limitar-se a expurgar as normas julgadas inconstitucionais, lendo reenviado o decreto resultante desse processo para promulgação do Presidente da República.
Ocorre, porém, que o artigo 10.º, n.ºs 2 e 3, já citado, respeitante à definição dos círculos eleitorais e aos critérios que determinam o número de deputados a eleger, consagra uma solução política que pode conter inconvenientes e que não recolhe um consenso alargado das forças políticas.
Ora, tenho entendido e manifestado publicamente esse ponto de vista, que a definição das regras fundamentais de direito eleitoral com repercussão na expressão da vontade popular manifestada no sufrágio carece de amplos consensos. Trata-se de permitir que os diversos pontos de vista possam ser harmonizados através de soluções inequivocamente equilibradas e equitativas. Acresce que este mesmo entendimento levou o legislador constituinte a estipular, no n.º 3 do artigo 139.º, uma maioria reforçada de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, para confirmação dos decretos que respeitem à regulamentação dos actos eleitorais previstos na Constituição. Esta preocupação baseia-se na necessi-

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dade sentida pelo legislador constituinte de assegurar a formação de um consenso amplo, por forma a evitar dúvidas sobre o carácter de equilíbrio e de equidade relativamente às soluções legislativas em matéria eleitoral.
No caso vertente, verifica-se que as normas de carácter eleitoral tom natureza própria no seio do Estatuto Político-Administrativo, suscitando-se mesmo dúvidas no plano jurídico-constitucional sobre se devem ser incluídas nessa sede ou se devem constar de diploma próprio. Importa, aliás, salientar que em matéria eleitoral estamos perante um caso de reserva absoluta da Assembleia da República, mantendo-se incólume o direito da iniciativa do Parlamento independentemente de a mesma estar referida no Estatuto Político-Administrativo. Sem entrar nesse tema, o certo é que há a salientar que o esforço de consenso se revela de maior acuidade no caso destes preceitos, que gozam, aliás, por isso mesmo, de regime especial em matéria de veto e confirmação.
No que toca à solução constante do artigo 10.º, n.º 2, estamos perante uma alteração do regime constante do Estatuto Provisório da Região Autónoma da Madeira, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril (artigo 7.º, n.º 2), pela qual se eleva de 3500 para 4000 e de 1750 para 2000 o número de recenseados, ou sua fracção, para eleger um deputado em cada um dos círculos eleitorais em que se divide a Região. Tal matéria foi objecto do Decreto da Assembleia da República n.º 99/V, cujo artigo 1.º foi declarado inconstitucional em sede de fiscalização preventiva, por violação dos artigos 116.º, n.º 5, e 233.º, n.º 2, da Constituição da República, pelo Acórdão n. º 8183/88, do Tribunal Constitucional, de 3 de Agosto de 1988 - uma vez que tal preceito estava em violação do princípio da representação proporcional por aumento do número de círculos uninominais. Para obviar a essa desconformidade veio estipular o n.º 3 do mesmo artigo 10.º que cada «círculo elege sempre pelo menos dois deputados».
E foi esse ponto que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 1/91, já citado, veio considerar como não estando agora em contradição com os artigos 116.º, n.º 5, e 233.º, n.º 2, da lei fundamental. A verdade, porém, é que não se formou um consenso amplo em tomo desta solução.
E o certo ainda é que poderemos estar com esta solução distantes do respeito do princípio da proporcionalidade na conversão de votos em mandatos - e isto uma vez que um número reduzido de eleitores passa a eleger sempre dois deputados.
Podem criar-se desta forma discrepâncias significativas com círculos maiores que beneficiam de idêntica representação - com prejuízo da representatividade equitativa dos cidadãos eleitores. Nesta medida, julgo ser desejável proceder a uma reapreciação deste ponto específico, para que não se possam pôr no futuro dúvidas quanto à correspondência exacta entre a composição da Assembleia Legislativa Regional e a expressão democrática do voto. Penso, por isso, dever existir um esforço de consenso que permita encontrar uma solução proporcional, que estabeleça uma razão sensivelmente uniforme entre o número de eleitores e o número de eleitos aplicável às diversas circunscrições. A democracia portuguesa
e o processo de autonomia regional tudo terão a ganhar se se encontrar uma solução consensual, equitativa, proporcional e equilibrada.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura do voto de pesar, apresentado pelo PSD e pelo PS, designadamente por deputados do PSD e do PS eleitos pelos círculos dos Açores e da Madeira.

O Sr. Secretário: - O voto de pesar é do seguinte teor:

Voto n.º 192/V

Faleceu ontem, na Região Autónoma dos Açores, o deputado à Assembleia Legislativa dos Açores e que também o foi à Assembleia da República na anterior legislatura e na primeira metade da actual, Dr. José Mendes Melo Alves.
Deputado competente e dedicado, o Dr. José Mendes Melo Alves foi ainda membro do Governo Regional dos Açores de 1976 a 1982, funções que exerceu com notável brilho, reconhecido interesse para a Região Autónoma dos Açores e para o próprio País.
Defensor do ideário autonômico e possuidor de um alto sentido da unidade e solidariedade nacionais, o falecimento do deputado José Mendes Melo Alves representa uma perda para a Região Autónoma dos Açores de difícil reparação.
A sua dedicação à causa política justifica que esta Assembleia manifeste o seu pesar por tão triste acontecimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Raul Castro e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, vamos guardar um minuto de silêncio em memória do nosso
ex-colega.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Vai ser lido um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Comissão de Regimento e Mandatos

Relatório e parecer

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 14 de Março de 1991, pelas 15 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP):

Rogério Paulo Sardinha Sousa Moreira (círculo eleitoral de Lisboa) por António Filipe Gaião Rodrigues. Esta substituição é motivada pelo pedido de renúncia ao mandato do Sr. Deputado Rogério Moreira, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 5 de Março corrente.

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Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa 6 de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente-José Manuel M. Antunes Mendes (PCP), secretário - Manuel Amónio Sá Fernandes (PSD), secretário - Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - Belarmino Marques Correia (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD)-Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD)-José Manuel da Silva Torres (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS)- Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Herminio Paiva Fernandes Maninho (PRD).
Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Raul Castro e Valente Fernandes.

Estão inscritos, para declarações políticas, os Srs. Deputados Manuel Alegre, Domingos Duarte Lima, António Filipe e Rui Silva.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista congratula-se com o fim da guerra do Golfo, fazendo votos para que a derrota da agressão e a reposição do direito internacional contribuam para o reforço do papel das Nações Unidas, para o estabelecimento de uma paz duradoura e justa, lendo em vista a segurança de todos os Estados, incluindo o de Israel, o reconhecimento do direito do povo palestiniano a uma pátria, o reequilíbrio dos armamentos (com a eliminação das armas químicas, bacteriológicas e nucleares) e o desenvolvimento da região, por forma a atenuar as desigualdades entre países árabes ricos e pobres.
Como todas as guerras, de todos os tempos, a guerra do Golfo não foi uma guerra cirúrgica, asséptica, limpa; foi uma guerra em que muitos seres humanos morreram. Por isso, é preciso recusar a perversão moral que consiste em reduzir a guerra a um simples jogo de computador. Nenhuma guerra é, já Clauscwitz o sabia, uma operação algébrica ou tecnológica.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como todas as guerras, de todos os tempos, a guerra do Golfo acelerou a morte da velha ordem internacional, acentuou crises e fragilidades e revelou novas forças. Com ela, morreu definitivamente o sistema bipolar. Mas ainda é cedo para saber se foi a última guerra fora do tempo ou o primeiro conflito de média intensidade de uma certa desordem provocada pela desestruturação do sistema de relações internacionais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A lógica das afinidades étnicas, históricas, culturais e religiosas parece tomar agora o lugar da velha rivalidade Leste/Oeste. Renascem os nacionalismos, autonomizam-se os conflitos regionais, até há pouco controlados pelas duas superpotências. O problema está em saber se a cooperação internacional originada pela crise do Golfo poderá ou não travar a anarquia das relações internacionais e ser o fermento de uma nova ordem e se esta nova ordem se fará pelo reforço e pela renovação das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança, pela criação de formas institucionais de cooperação internacional alargada, ou, pelo contrário, sob a liderança e a hegemonia dos Estados Unidos da América. Esta é a grande interrogação!
Há quem diga que o conceito de superpotência está, hoje em dia, ultrapassado. Para estes, nenhuma potência está em condições de impor o seu modelo e a sua liderança: a União Soviética pela falência do modelo, pelo colapso económico, pela crise das Repúblicas, pelo risco de desagregação; os Estados Unidos porque, sendo embora (como a guerra do Golfo o demonstrou) a maior potência militar, dependem cada vez mais do crédito externo e apresentam sinais preocupantes de recessão interna. Como disse alguém, são «ricos no domínio militar e pobres noutros domínios se comparados com os concorrentes», sobretudo o Japão e a Alemanha. Uma das original idades da situação actual reside, aliás, no facto de a força económica destes dois países ser muito superior à sua influência política e militar e na circunstância de os Estados Unidos pedirem a estas duas potências económicas para financiarem a sua projecção militar.
A Europa, que tem sobre outros concorrentes a vantagem de as suas trocas comerciais se processarem em grande parte no próprio continente europeu, revelou, no entanto, durante a crise do Golfo, algumas fragilidades. Não tanto as suas frágil idades militares, mas, sobretudo, as da sua diplomacia e da sua capacidade política para ter uma voz única, autónoma, própria.
Fala-se já da necessidade de criar um corpo de intervenção militar europeu. Em nosso entender, as questões de defesa não poderão ser resolvidas através de esquemas artificiais e abstractos. Como aqui sublinhou o Sr. Presidente da República, a construção da união política, ou seja, a necessidade de uma coordenação efectiva das políticas externas e de defesa (o que não quer dizer de uma política única de defesa), está na ordem do dia. É esse o caminho: solidariedade e convergência, portanto nunca a uniformização e imposição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E as uma matéria que requer uma urgente reflexão. Retomo as palavras do meu camarada Jaime Gama: a liberdade nacional e a segurança dos Portugueses não podem deixar-se envolver em soluções precipitadas.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A libertação do Kuwait e a derrota do Iraque não resolverão, só por si, os problemas da paz no Médio Oriente. As Nações Unidas têm agora uma nova oportunidade histórica, mas é preciso que não haja «dois pesos e duas medidas».

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - É preciso, como alertou o Papa, evitar punir e humilhar. A construção da paz tem de passar pela cessação do estado de guerra entre Israel e os países árabes e pela solução do problema palestiniano;...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador. -... por criar um novo clima de confiança e um novo relacionamento entre Israel e os estados árabes; por responder à grande questão: «Onde, como e quando uma pátria para o povo palestiniano?»

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Eis as tarefas a que a comunidade internacional tem de dar resposta, sob pena de ser acusada de hipocrisia e de os ressentimentos e frustrações dos povos árabes conduzirem a novas crises e novos confrontos.

Aplausos do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.

Portugal tem também uma palavra a dizer, não apenas através da coordenação, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, da participação dos empresários portugueses na reconstrução do Kuwait. A palavra de Portugal tem de ser uma palavra diplomática e política, a palavra da tolerância e da capacidade de compreender outras culturas, outros povos, outras memórias, a palavra dos laços históricos com o mundo árabe, principalmente com o Magrebe, que tem de ser uma prioridade e uma urgência da nossa política externa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Essa é a palavra que Portugal tem a dizer, porque é por aí que passa também o futuro da Europa. É por aí que tem de passar uma política externa capaz de afirmar a diferença e a especificidade de Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nova situação internacional caracteriza-se pela incerteza. Como todas as guerras, também a guerra do Golfo criou a esperança (ou a ilusão) de que uma nova ordem é possível. Mas ela própria foi o resultado de uma certa desordem internacional e foi o primeiro aviso de que o fim dos blocos e da guerra fria poderá não ser afinal um «mar de rosas» de paz e estabilidade.
A história não acabou! Uma era termina, outra começa, cheia de interrogações. Todo o tempo, afinal, é composto de mudança.

O Orador: - É a hora de repensar as concepções estratégicas, os meios e os fins da nossa política externa, tanto mais que se aproxima a data da participação de Portugal na troika comunitária. Não podemos fazer de conta que nada aconteceu nem adoptar uma estratégia de omissão ou de puro seguidismo. A política externa não pode ser um processo masoquista de autodissolução ou auto-apagamento nacional.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.

Portugal não se mede em quilómetros quadrados. Portugal tem o tamanho da sua história, da sua singularidade e do seu relacionamento multissecular com outros povos e outros continentes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ao contrário de outros parlamentos europeus, não tivemos o privilégio de ter aqui, durante a crise do Golfo, o Sr. Primeiro-Ministro. Não fizemos disso uma questão polémica, porque entendemos que o essencial era então a coesão nacional e a cooperação institucional. E a verdade é que esta, sob a égide do Sr. Presidente da República, permitiu afirmar, com sensatez e dignidade, a posição portuguesa,...

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: -... apesar das críticas e dos apelos guerreiros dos que estão sempre prontos a pedir que outros vão morrer.

Mas as que, de súbito, o Governo e o PSD pareceram assustar-se com a hipótese de a política externa poder ser partilhada com outros órgãos de soberania, nomeadamente com o Sr. Presidente da República.
Foi primeiro a pequena guerrilha interna a propósito da iniciativa do Presidente em relação ao apelo de Arafal, depois de informar o Governo e sem que o Governo a ela se opusesse.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E mais recentemente a descortesia de, sem consulta ou pedido de autorização, desmarcar o encontro do Ministro inglês Douglas Hurd com o Sr. Presidente, encontro esse que nunca poderia ser visto como um detalhe protocolar. Por isso, o leviano acto do Sr. Ministro não pode deixar de ser considerado como tentativa de subalternizar o Presidente da República, o que é, politicamente, grave e inadmissível.

Aplausos do PS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.
Passarão, provavelmente, muitos anos antes de Portugal voltar a ler na chefia do Estado alguém com a projecção internacional do actual Presidente da República. Só por miopia política se pode ignorar tal evidencia. E só por irresistível tentação de partidarizar a política externa se poderá pretender diminuir ou subalternizar a posição do Presidente da República, o que, além de tudo o mais, contraria a natureza do regime,...

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: -... porque não é precisa uma leitura inovadora da Constituição para compreender que o Presidente da República não pode ser ignorado e, muito menos, subalternizado nas grandes questões da política e da representação externas de Portugal.

Aplausos do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.

A cooperação institucional é a via apropriada para a obtenção dos consensos em torno de uma política externa que represente todo o país e não só o Governo nem só um partido. A valorização do prestígio internacional do Presidente da República só pode contribuir para reforçar a posição de Portugal.
Oxalá que, por estreiteza de vistas ou por ciúme político, não venha a perder-se a oportunidade histórica de, através do diálogo e da cooperação institucional, se encontrarem os reajustamentos e adaptações indispensáveis à afirmação de Portugal num mundo caracterizado pela mudança e pela incerteza.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, não abdicaremos de fazer ouvir a nossa voz nas grandes causas nacionais.
Apontamos algumas prioridades: a participação activa e criadora na construção europeia, para o que se torna necessário preparar, desde já, com o concurso de todos os partidos e de todos os parceiros sociais, a próxima presidência portuguesa da Comunidade,...

Aplausos do PS.

...tarefa nacional que o Governo parece reservar só para si, apesar de pelo caminho se realizarem eleições legislativas - aliás, segundo notícias vindas hoje a público, parece que a descoordenação já começou!
O aprofundamento das relações com os países africanos, tendo em conta que, depois da transição exemplar para a democracia em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe e com a abertura e a paz no horizonte de Angola e Moçambique, é necessário redefinir uma estratégia nacional que de um novo impulso à construção de um grande espaço luso-africano de cooperação económica, cultural e política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Uma estratégia da língua, para que não se prolongue a vergonha de em Angola haver apenas 13 professores portugueses, número esse que chega, por si só, para condenar uma política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A iniciativa diplomática e política em direcção ao Magrebe, onde Portugal pode ser o interlocutor privilegiado de uma nova era de cooperação; talvez tenha chegado o tempo de propor a realização, em Lisboa, de uma cimeira luso-magrebina.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, Timor, porque depois do Golfo e do Kuwait a comunidade internacional, sob pena de hipocrisia e de se reger, consoante os interesses, por «dois pesos e duas medidas», não pode continuar a ignorar a gravíssima violação do direito internacional que constitui a ocupação de Timor pela Indonésia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Temos o dever de o lembrar às Nações Unidas e a todas as instâncias internacionais e talvez Portugal deva propor e patrocinar uma conferência internacional sobre Timor Leste.

Aplausos do PS, do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.

Eis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, grandes causas que não podem ser partidarizadas, porque são de todos nós, são causas de Portugal.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Duarte Lima.

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD realizou esta semana, em Setúbal, as suas últimas jornadas parlamentares desta legislatura - legislatura que se concluirá em Outubro e que será a primeira, neste século e em regime democrático, a chegar ao fim.
Porque Setúbal e porquê este balanço da legislatura?
Escolhemos a região de Setúbal porque ela é o melhor exemplo da transformação profunda que se operou no País ao longo dos últimos quatro anos. Em 1986, a península de Setúbal registava problemas económicos e sociais gravíssimos, que todos temos ainda presentes nas nossas memórias: linha um dos maiores índices de desemprego do País; era considerada zona de alto risco para os investidores; estavam à beira do encerramento algumas das suas mais importantes unidades industriais, centenas de milhares de trabalhadores viviam o drama angustiante dos salários em atraso; proliferavam as negras bandeiras da fome, grassava perigosamente a alienação social.
Parecia inexplicável que isto se passasse numa das regiões do País com condições naturais privilegiadas para, só por si, fazerem dela um dos pólos de desenvolvimento mais dinâmicos de Portugal.
Contudo, Srs. Deputados, o problema não estava na natureza nem eslava nos homens - executivos ou trabalhadores. O problema estava na política seguida para a região, tanto como nas condições políticas gerais do País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O clima de estabilidade política que se vive em Portugal desde 1987 tem sido o principal garante do sucesso das políticas de crescimento económico sustentado, que têm permitido desenvolver harmonicamente o todo nacional.
A estabilidade política garantiu a retoma da confiança por parte dos investidores e por parte dos trabalhadores; permitiu a definição de quadros de referência seguros para a programação e execução dos investimentos; proporcionou as condições materiais indispensáveis à concretização de planos e operações integradas de desenvolvimento.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Criou-se mais riqueza e distribuiu-se com mais equidade. Hoje, o índice de desemprego na região de Setúbal é inferior à média nacional. Os salários em atraso são praticamente uma realidade do passado. Os investidores estrangeiros aguardam em lista de espera a concretização das suas intenções de investimento. Os empresários da região afirmaram, recentemente, a sua preocupação - note-se a diferença, Srs. Deputados - pelo facto de considerarem que começa a ser excessivo o volume do investimento na península. Graças à acção concertada da administração central, de executivos de empresa e de trabalhadores, em clima de concertação social que foi precursor em relação ao acordo social a nível nacional, estão hoje em franca recuperação algumas das principais unidades industriais do distrito - que o são também do País - que há quatro anos estavam no limiar da falência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não podemos deixar de destacar o papel determinante que nessa recuperação tiveram os operários dessas empresas, aceitando, em muitos casos, voluntariamente, renúncia ao legítimo direito de fazer greve e aceitando igualmente políticas de contenção salarial que foram o pressuposto indispensável para a recuperação das unidades em que trabalham.

Aplausos do PSD.

O seu exemplo deve ser homenageado e é imperioso que, após o reequilíbrio financeiro das empresas em questão, sejam eles os primeiros a ver reflectido nos seus salários, de modo justo, o contributo que deram para que fossem viáveis algumas das principais unidades industriais do País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque fazer, nas nossas últimas jornadas, o balanço da legislatura? Porque entendemos que o exercício do poder, em democracia, se baseia no contrato estabelecido entre quem elege e quem é eleito. Esse contrato postula uma exigência de responsabilização política, que coloca os que são eleitos - todos os que são eleitos - perante a obrigação democrática de demonstrar, periodicamente, o bom ou mau uso que fizeram do poder que lhes foi conferido.
Em 1987, assumimos perante os Portugueses o compromisso claro de modernizar o País, preparando-o para o desafio da plena integração europeia, o que pressupunha a introdução de profundas reformas legislativas na nossa ordem interna.
Porém, a maior parte dessas reformas legislativas não era possível sem a prévia reforma das reformas e esta consistia na alteração profunda do nosso texto constitucional, cuja componente económica era ainda marcada por um pendor colectivista que endeusava o Estado e a iniciativa pública em detrimento do dinamismo e da iniciativa da sociedade civil.
Foi possível, graças à perseverança e ao empenho dos deputados do PSD, estabelecer nesta Assembleia plataformas de diálogo com outros partidos que viabilizaram, em tempo útil, a aprovação desta reforma, dotando o País de um texto constitucional equilibrado, que abriu as portas à concretização daquele que era um dos nossos mais importantes compromissos políticos: a aprovação das chamadas «reformas estruturais», que permitiram, no campo da legislação ordinária, ultrapassar os crónicos obstáculos à modernização do País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não vale a pena enunciar exaustivamente o seu número: da reforma fiscal às leis de privatizações, da lei de gestão hospitalar à reforma da contabilidade pública, da Lei de Delimitação de Sectores às alterações profundas na Lei da Reforma Agrária, da Lei de Bases do Sistema Educativo às alterações no domínio da segurança interna, ou a profundíssima alteração, ainda em curso, na organização e funcionamento das Forças Armadas, são apenas alguns dos exemplos que historicamente ficarão a marcar esta «legislatura de ouro», como, rapidamente, a qualificou noutra oportunidade o Primeiro-Ministro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estas reformas legislativas foram o suporte imprescindível para o «sucesso notável» - para utilizar uma expressão do último relatório da OCDE - da política do Governo em todos os domínios, com particular incidência no domínio do crescimento económico, na promoção de importantíssimas medidas de justiça social, na infra-estruturação nas vias de comunicação - que está a aproximar o litoral do interior -, na reconversão e na modernização das nossas estruturas produtivas, na revolução em curso no sector da educação e da formação profissional.
Os deputados do PSD deram o seu inequívoco apoio e ligaram o seu mandato a estas importantíssimas reformas,...

Aplausos do PSD.

... em espírito de solidariedade com o Governo que apoiam, com quem honrosamente partilharam um compromisso solene perante o povo português, traduzido no programa eleitoral do partido e no Programa do Governo, a cujo destino, politicamente, se ligaram no momento da investidura parlamentar.
Esta foi a legislatura, no período posterior ao 25 de Abril, que permitiu erguer o edifício legislativo do Portugal pós-revolucionário, trabalho que os deputados sociais-democratas levaram a bom termo, dialogando sempre que possível, não tendo complexos em assumir a sua condição de maioria sempre que necessário.
Sei, Srs. Deputados, que neste momento estareis a pensar que vou evitar referir, na minha intervenção, aquele aspecto destas jornadas que nos dias que a antecederam tomaram, quase em exclusivo, as atenções da comunicação social.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Não!

O Sr. Herculano Pombo (Indep.): - Nem pensar nisso, Sr. Deputado!...

O Orador: - Refiro-me às alterações introduzidas no regulamento interno do meu grupo parlamentar, que visam - dando resposta a uma exigência expressa em congresso pelas bases do meu partido - garantir uma maior assiduidade aos trabalhos parlamentares.

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É, pela sua natureza, uma questão de organização interna do meu grupo parlamentar.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas ó igualmente, Srs. Deputados, uma questão pública, seja pela repercussão que teve na comunicação social, seja por algumas das causas que lhe estão na origem...

O Sr. Herculano Pombo (Indep.): - É o filme do Pai Tirano na segunda versão!

O Orador: - O único tirano aqui presente é o Sr. Deputado!

O Sr. Herculano Pombo (Indep.): - Eu não pago multa!

O Orador: - V. Ex.ª não paga, com certeza, multa, mas vai-se embora no rim da legislatura.

Aplausos do PSD.

Pode ser uma questão incómoda, mas não evitarei abordá-la.
O fenómeno do absentismo parlamentar, em determinados momentos da actividade da Assembleia da República - fenómeno a que ao longo dos anos, recorrentemente, a comunicação social faz referência -, sem dúvida que se repercute negativamente sobre o prestígio e a imagem do Parlamento.
A este respeito, falemos claro: podemos, se quisermos. Fingir que não vemos, metendo a cabeça na areia. Ou podemos, pelo contrário, reconhecer que o problema existe, está colocado aí perante nós e que cada um tem a obrigação de fazer o melhor possível para lhe dar solução.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muno bem!

O Orador: - O absentismo parlamentar e um problema comum à generalidade dos parlamentos, portanto não é um fenómeno exclusivo do Parlamento Português.
Em Portugal, o fenómeno do absentismo parlamentar, em determinados momentos da actividade da Assembleia da República, é um problema comum à generalidade dos grupos parlamentares, não sendo, igualmente, exclusivo do PSD.
O sistema eleitoral vigente, desresponsabilizante do deputado perante os eleitores, potência-o; a organização deficiente dos trabalhos parlamentares, centrada nas luxes da ribalta do Plenário, onde só poucos podem usar da palavra em cada sessão - em detrimento das comissões - estimula-o; as degradantes condições em que se trabalha na Assembleia da República agravam-no.
Tudo isto e verdade, mas nada disto deve chegar para nos consolar. O problema existe e exige uma solução.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Contrariamente a outras forças políticas que fingem não dar por ele, o PSD reconheceu que era necessário dar-lhe uma resposta, resposta essa que vem na continuidade de outras medidas avançadas pelo PSD para a modernização do nosso sistema político e para uma maior responsabilização dos titulares de cargos electivos (como sucedeu, aliás, com as propostas de alteração à Lei Eleitora! para a Assembleia da República e Autarquias Locais). Os deputados do PSD presentes nas jornadas parlamentares de Setúbal tiveram a coragem de aprovar, por esmagadora maioria, as novas regras que visam garantir uma maior assiduidade aos trabalhos parlamentares, recomendando, inclusive, a entrada imediata em vigor dessas regras.
Ser deputado não comporta apenas direitos, regalias e estatuto.
Comporta igualmente deveres, responsabilidade e exigência acrescidos em relação àqueles.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Foi exaltante, mas não foi fácil, o trabalho parlamentar ao longo dos últimos quatro anos.
Ele só pôde ser bem sucedido graças à estabilidade política propiciada pela existência de uma maioria absoluta monopartidária, coerente e homogénea.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Acerca da maioria e da estabilidade, muito se falou. A melhor fala, porem, é a do resultado, mais do que a das palavras. Lembrar, Srs. Deputados, o Portugal que encontrámos e ver o Portugal que temos hoje.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Claro que há os que não sabem, nem querem, viver com a estabilidade. São aqueles que, incapazes de levar ate ao fim o cumprimento escrupuloso dos seus compromissos eleitorais, necessitam da instabilidade política, do «ciclo curto» governativo, para, permanentemente, desculpabilizarem os seus insucessos e não terem de prestar contas ao eleitorado. Como pode prestar, seriamente, contas quem não leva o mandato até ao fim? E como podem ser-lhe seriamente pedidas?
São os mesmos que hoje nervosamente clamam por eleições antecipadas. O PSD sempre tem dito que está em condições de disputar eleições em qualquer momento - no momento que o Sr. Presidente da República, a quem compete fazer a sua marcação, entender mais adequado.

Aplausos do PSD.

Mas é necessário que haja poderosíssimas razões para pôr em causa a estabilidade política, a que, de resto, o Dr. Mário Soares, no seu discurso de tomada de posse, associou o sucesso do seu primeiro mandato, lendo, várias vezes, afirmado que não via razões para qualquer antecipação. Este pedido do PS é, pois, uma maldosa rasteira ao Sr. Presidente da República.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Isso é verdade!

O Orador: - É sabido que, no passado, havia um tarefeiro com a incumbência mensal de pedir a antecipação das eleições: era o Partido Comunista! Sempre se compreendeu o horror do Dr. Álvaro Cunhal a qualquer estabilidade que não fosse a «estabilidade eterna» dos regimes do socialismo real de que sempre foi acrisolado prosélito.
Porém, a idade também cansa e o Dr. Cunhal já não clama por eleições antecipadas. Também já não precisa: outrem tomou o seu lugar, algures no Partido Socialista, hoje preocupado com um hipotético atraso de um mês na aprovação do Orçamento do Estado e ontem, quando foi governo, com orçamentos que só viam a luz do dia em Maio, em Junho, quando rolo mais tarde.

Aplausos do PSD.

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Aliás, a justificação deste pedido é coisa curiosa de ser meditada: reside ela na necessidade de um Orçamento do Estado aprovado a tempo e na presidência portuguesa do Conselho das Comunidades em Janeiro de 1992.
Mas todos sabemos - menos os que andam distraídos -, pelo menos desde 1987, desta inelutável realidade: que 6 preciso ter o Orçamento pronto para entrar em vigor no princípio do ano e que em Janeiro de 1992 é portuguesa a presidência comunitária.
Sendo assim, porquê só agora põe o PS a questão na ordem do dia?
Só há uma explicação: É que vai começar a segunda fase do «Agora nós». Bom, agora juízo, Srs. Deputados Socialistas!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É uma atitude de oportunismo político, que não merece mais comentários nem mais perda de tempo - esse recurso 12o escasso que os senhores, frivolamente, desbarataram como pródigos quando governaram.
Mas as dificuldades, nesta legislatura, não foram apenas do Grupo Parlamentar do PSD. Foram também do Governo.
Foi com graves custos políticos que o Governo concretizou, com inegável êxito, o cumprimento quase integral do seu Programa. Foi preciso tomar opções difíceis, tantas vezes impopulares e tantas vezes incompreendidas.
É preciso ter verdadeiro sentido de Estado para assumir, na plenitude, que, muitas vezes, governar e descontentar. E esse sentido de Estado não faltou ao Primeiro-Ministro de Portugal.

Aplausos do PSD.

Continuará a ser difícil manter o esforço gigantesco, que está a ser feito, para aproximar, progressivamente, Portugal dos níveis de desenvolvimento dos nossos parceiros comunitários, seguramente ainda mais difícil do que até aqui, porque são extraordinariamente complexas as decisões que o novo condicionalismo internacional vai exigir do País.
Preparar Portugal e os Portugueses para essa dificuldade é uma atitude de seriedade política, imprescindível para qualquer governante ou candidato sério a governante.
Por isso denunciamos a irresponsabilidade do discurso facilista de alguns vendedores de ilusões, que se pretendem assumir como alternativa. Há mesmo um caso extremamente curioso: trata-se de um conhecido presidente de câmara, cujo nome não revelarei, que pretende ser primeiro-ministro.
Sempre que o referido presidente de câmara, cujo nome, repilo, não revelarei, fala no que faria se fosse primeiro-ministro, não encontramos rasto de coisas difíceis.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Isso é o discurso da TSF!

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Mas é feito aqui também!

O Orador: - Descobrimos que - caso único na Europa -, com esta «maravilha fatal da nossa idade», para lembrar o poeta, a governação seria uma sucessão ininterrupta de coisas doces, agradáveis e fáceis. Seriam as bem-aventuranças na terra.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Já ouvi isso hoje de manha!
Neste momento, trocam-se protestos entre deputados do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados,... Srs. Deputados...
Srs. Deputados, em primeiro lugar, solicito que a Câmara crie as condições para que o Sr. Deputado Domingos Duarte Lima possa continuar e, em segundo lugar, peço ao Sr. Deputado Domingos Duarte Lima para que termine a sua intervenção o mais brevemente possível, uma vez que já ultrapassou, em seis minutos, o tempo atribuído.

O Orador: - Pensões e reformas? Ele subiria sempre a parada para o dobro do que faz o Governo, fazendo felizes os infelizes.
Estradas? Ele faria, seguramente, três vezes mais!
Escolas ou hospitais? Mandaria construir a um ritmo mais rápido e seguro!
Europa? Portugal já leria aderido ao Sistema Monetário Europeu (SME), mesmo que a economia ficasse em fanicos!
O Golfo? Portugal teria enviado destacamentos e fragatas!
Privatizações? Ele, que resistiu 11 anos a consenti-las, diz agora que está disposto a privatizar as pontes!
A quem é ião decidido e determinado cabe perguntar: se no Governo tudo seria tão fácil, tão rápido e tão agradável, por que é que tudo é tão estranhamente difícil, complexo e moroso na Câmara que dirige?

Aplausos do PSD.

Aí, Srs. Deputados, onde os buracos engordam, o trânsito enlouquece, as estradas se adiam, as casas esperam e só, estranhamente só, a propaganda e o furor publicitário prosperam...
Desbaratam-se, em propaganda, centenas de milhares de contos - ao que diz um jornal de hoje, de forma suspeita que merece ser investigada -, faltando por causa disso recursos para responder às necessidades mais prementes do município.
Razão linha D. Francisco Manuel de Melo ao avisar, nas suas Epanáforas Políticas, que «nunca faltou razão ao príncipe descuidado para pedir com justificação e gastar sem, ela».
Por que razão, nesse município, está tudo tão confuso e tão parado, à espera que chegue ao fim o interminável «grande debate» que, nos casos difíceis, o referido presidente de câmara, cujo nome, reafirmo, não vou revelar aqui, sempre descobre para não ter de decidir?
São palavras sem obras! E lembro o padre António Vieira, que nos advertia, no Sermão da Sexagésima, que «palavras sem obra são tiro sem bala; atroam, mas não ferem».
Pelo nosso lado, a obra feita será a garantia com que nos apresentaremos aos Portugueses, quando lhe pedirmos, em Outubro próximo, a renovação da maioria absoluta - obra feita que, neste caso, não é sinónimo de obra terminada.
Temos a consciência de que o Portugal mais justo do futuro só agora desponta. Esse Portugal que nós dissemos que não podia parar e que, de facto, não parou.
Os Portugueses, porém, lerão a última palavra. A eles caberá dizer se querem interromper ou continuar esse caminho.
Ao Sr. Deputado José Magalhães, que sente as dores do PS como ninguém, por razões que bem compreendemos, concluo, dizendo: disse!

Aplausos do PSD, de pé.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como habitualmente, chamei a atenção do Sr. Deputado Domingos Duarte Lima para o tempo de seis minutos gastos a mais.
Devo dizer que acabou por ser mais, o que não é caso único, mas continuo a chamar a atenção de Iodos os grupos parlamentares para que respeitem os tempos das declarações políticas, porque todos os tempos gastos a mais, quer nelas quer nas respostas que se lhes seguirem, serão descontados nos tempos do período de antes da ordem do dia, pois é a regra que temos vindo a seguir, desde há muito tempo.
Inscreveram-se, para pedir explicações, alguns Srs. Deputados, mas também se inscreveu o Sr. Deputado José Magalhães, pelo que lhe perguntava para que efeito o fez e em que tempo.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, a minha intervenção tornou-se absolutamente desnecessária, porque V. Ex.ª já explicou que, quanto a tempos, o Sr. Deputado Domingos Duarte Lima se excedeu...

O Sr. Presidente: - Então, Sr. Deputado, já está esclarecido.

O Orador: - Não, Sr. Presidente! Eu exprimiria a minha dor e o meu sofrimento incomensurável por aqueles seis minutos a mais.

Vozes do PS: -Seis não, oito!...

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Alberto Martins, Carlos Brito, Carlos Lilaia e Manuel Alegre.
Chamo, mais uma vez, a vossa atenção para o facto de os tempos gastos com as declarações políticas, para além dos que foram atribuídos, serem descontados nos tempos do período de antes da ordem do dia. Peço, por isso, aos grupos parlamentares que já ultrapassaram o tempo normal para declarações políticas para serem o mais breves possível.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Domingos Duarte Lima, não vou responder à sua cassette habitual de campanha eleitoral, que, aliás, não tem credibilidade e assenta vulgarmente no elogio dos benefícios e dos actos propagandísticos do Governo e nos malefícios da Câmara Municipal de Lisboa. Ninguém acredita nesse discurso, pois ele é vazio e justifica-se por si próprio.
Quanto à recomendação que transmitiu à minha bancada, vou retribuí-la, no sentido de V. Ex.ª ser dotado de juízo, bom senso e capacidade funcional, que não demonstrou. V. Ex.ª 15 mal, ouve mal e, pior do que tudo - isso seriam incapacidades funcionais superáveis -, interpreta mal.
O que o PS disse, relativamente às eleições, e que entendia que elas deveriam ser feitas antes do período de férias, por razões de interesse nacional, sem dissolução da Assembleia da República e depois de terminado o período normal da legislatura.
V. Ex.ª interpretou mal e pretende criar, mais uma vez, um dissídio, que não existe, com o Presidente da República.
A opinião do Presidente da República está de acordo com a proposta que apresentámos ao PSD. Se este partido, em homenagem ao interesse nacional, não quer fazer as eleições antes das férias, é com cie, não fazemos disso grande questão. Provavelmente, pretende aproveitar o período de férias para um arraial de comemorações, de inaugurações e de coisas desse tipo, que não interessam, manifestamente, aos Portugueses.

Aplausos do PS.

Não é, no entanto, dessa questão que quero, basicamente, tratar. É, sim, da famigerada questão das multas. Devo dizer-lhe que o faço com grande gosto, porque represento uma bancada que fez, nesta legislatura, um trabalho criativo, satisfatório, consistente e moderno, contrariamente à bancada de que V. Ex.ª fazem parte, que, na própria voz dos vossos dirigentes, é uma bancada que não trabalha e que, por isso, deve ser multada.

Aplausos do PS.

O País vai compreender as multas impostas aos vossos deputados por não trabalharem e, certamente, não vai votar em deputados que não trabalham.

Aplausos do PS.

Devo dizer que há aqui uma questão constitucional e de regime que, porventura, é mais grave. Os senhores transformam os vossos deputados em súbditos,
retirando-lhes a situação de cidadãos titulares de um órgão de soberania, sujeitando-os a sanções inadmissíveis, inaceitáveis, ilegais e contra o espírito constitucional.

Aplausos do PS.

E isto é feito por razões muito simples, é feito para desvalorizar o Parlamento, mesmo que seja para desvalorizar a dignidade dos vossos deputados, a vossa dignidade como cidadãos e como titulares de um órgão de soberania, pura e simplesmente por pretenderem exaltar a vontade de um chefe, que tudo faz, tudo comanda, e que se revela contra o espírito democrático e contra o sentido mais profundo da Constituição da República.

Aplausos do PS, do CDS e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e José Magalhães.

Neste momento, deputados do PSD protestam, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.
O povo português saberá dar resposta a esse chefe, porque defende a democracia.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Isso é demagogia!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Para defesa da consideração da minha bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Alberto Martins, foi profundamente lastimável o tipo de comentários que acabou de fazer. Os senhores não são capazes de optar e nós já o sabíamos a propósito de diversas situações, mas, pior do que isso, não são capazes

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de falar livremente sobre vós mesmos. E quem não é capaz de começar por Talar livremente de si muito menos é capaz de o fazer sobre o País.
Os senhores não têm andado a falar livremente, tem andado a falar acorrentados pelos vossos meros intuitos de guerrilha política e de conquista do poder, espezinhando todos os valores que deviam respeitar.

Aplausos do PSD.

Demonstro o que disse ao Sr. Deputado Alberto Martins e aos outros deputados socialistas, mas nem todos: temos um sistema político fundado numa determinada lógica - discutível, mas enquanto não for alterada e essa -, que, como sabe, diversas correntes políticas tem discutido e a minha, para além de a discutir, tentou alterá-la num determinado sentido que o Sr. Deputado acabou de preconizar; no entanto, os senhores, por um lado, não aceitam a alteração desse sistema e, por outro, não aceitam, coerente e frontalmente, a lógica do sistema político actual.
Aliás, não é só o Sr. Deputado que, se o sistema político fosse outro, não estaria aqui, porque chegou cá graças a manobras de aparelho dentro do seu partido, pois, de outra forma, estava muito longe de estar aqui.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Sim, Srs. Deputados! Sei que os senhores não tom liberdade para falar de vós mesmos, mas vivemos em democracia e jamais conseguirão que os sociais-democratas não falem livremente de si mesmos e, por maioria de razão, dos senhores e do país inteiro.
O Sr. Deputado Alberto Martins e alguns dos que estão aí nessa bancada, se não fosse o sistema político actual, não estavam cá, porque chegaram aqui graças à manobra de aparelhos partidários.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Como 6 que o senhor chegou aqui?!

O Orador: - Em segundo lugar, alguns dos deputados que aqui estão e que se permitem o desplante de, hoje e aqui, nos darem pequenas lições de moral e de ética já teriam desaparecido se, por acaso, respeitassem a legitimidade do mandato popular que aqui os trouxe. Refiro-me aos deputados que aqui vieram, em nome da fidelidade ao partido por que foram eleitos, romperam com o partido, aliás, na base de um falatório inconsequente, e, no entanto, aqui continuaram, quando o elementar pudor os levaria a desandarem daqui.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Srs. Deputados, quem tem medo da liberdade? Quem tem medo de falar livremente? Quem tem medo de si próprio? Nós não lemos e assumimo-nos tal como somos face ao povo português. Nós não só queremos que o povo nos conheça, como nós próprios nos queremos revelar na nossa autêntica...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradecia que terminasse, porque já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Nós não temos medo de ninguém e muito menos das vossas atoardas e dos vossos ataques mesquinhos!
Mas não queria acabar a minha intervenção, Srs. Deputados Socialistas, sem dizer o seguinte: os senhores pedem mais aos outros do que aquilo que pedem a vós mesmos.

O Sr. Raul Rego (PS): - Isso é ordinário!

Tenha vergonha!

O Orador: - Não é ordinário, não! É verdadeiro. Sr. Deputado! O senhor confunde incomodidade com outras coisas. E, quanto a incomodidades, contem connosco, porque nós incomodamos, mas, sobretudo, incomodamo-nos a nós mesmos, porque sabemos, Sr. Deputado, que o sistema político actual ajuda muito os partidos a acomodarem-se, graças à protecção do monopólio político que tem. Sabemos que é incomodando-nos a nós mesmos que estamos em condições de mudar Portugal, de o fazer mexer e de não desistir de construir um futuro.
Não queria terminar, Srs. Deputados, apenas com afirmações gerais, mas queria perguntar-vos se, depois de os senhores terem feito um combate, durante dois anos, e hoje mesmo, achincalhando o Parlamento, perseguindo pessoalmente, para efeitos de guerrilha política, certos companheiros meus, não estão incomodados pelo facto de a Câmara de Lisboa contratar a sua publicidade a uma empresa cujos sócios não são apenas socialistas, mas, sim, militantes da campanha de Jorge Sampaio?! Os senhores não estão incomodados?!
Srs. Deputados, não acrescento mais factos, mas é com factos que nós trabalhamos.

Aplausos do PSD.

Se os senhores não estão incomodados, nós estamos, para bem de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado José Silva Marques, V. Ex.ª acaba de fazer uma intervenção que não é séria, é nervosa e apopléctica,...

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Tenha vergonha!

O Orador: -... e por isso o meu camarada Raul Rêgo, que foi um homem que lutou contra todas as censuras, tem lodo o direito de se revelar contra a indignidade da sua declaração.

Aplausos do PS.

A Câmara Municipal de Lisboa tem disponibilidade para, com toda a transparência, permitir que todas as suas contas, todos os seus actos sejam expostos à apreciação pública de quem quer que seja.
Outro tanto não tem sido feito pelos senhores em outras ocasiões.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado José Silva Marques, não venha dar lições de liberdade ao Partido Socialista nem a mim! Não autorizo que o faça!

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1740 I SÉRIE - NÚMERO 54

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E devo dizer-lhe que foi o Sr. Primeiro-Ministro, o seu chefe de partido, que disse publicamente que o seu grupo parlamentar não linha autonomia.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - Foi o Sr. Primeiro-Ministro, foi o seu partido e a sua direcção que, por delito de opinião, expulsou um militante do seu partido! No Partido Socialista jamais alguém foi expulso por delito de opinião, pela simples razão que no Partido Socialista não existe delito de opinião.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Então onde é que estão o Aires Rodrigues e a Carmelinda Pereira?!

O Orador: - Sr. Deputado José Silva Marques, a sua intervenção não é séria, é irresponsável e, em matéria de liberdade, V. Ex.ª tem muito a aprender connosco.

Aplausos do PS.

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - E aquela questão da publicidade?

O Sr. João Salgado (PSD): - Não respondeu à questão da publicidade!

O Orador: - Votaremos a favor de um inquérito!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa incentiva qualquer debate vivo, desde que respeite as regras habituais e adequadas.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, é para, inevitavelmente, exercer o direito de defesa da honra e consideração, uma vez que foi isso que o Sr. Deputado José Silva Marques desejou ao falar da forma que falou.

O Sr. Herculano Pombo (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Suponho que é também para exercer o direito de defesa da honra e consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Herculano Pombo (Indep.): - É sim, Sr. Presidente!

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - O Sr. Deputado Herculano Pombo não tem boca para falar? É preciso que seja o Sr. Deputado José Magalhães a falar por ele?!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sem que entendam o que vou dizer de forma errada, solicito à Câmara que mantenha as condições adequadas à continuação do debate, de forma viva, sim, mas serena e respeitando os limites próprios.
Solicito ainda aos Srs. Deputados que utilizem as figuras regimentais para o exercício do direito de defesa da honra e consideração com alguma moderação.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, correspondo com todo o gosto ao apelo que acaba de fazer, mas devo dizer que, nas presentes circunstâncias, V. Ex.ª não poderá ter grande êxito, porque não é essa a vontade da bancada do PSD. Não o multará, certamente, mas não é essa a vontade da bancada do PSD, ale porque a intervenção do Sr. Deputado José Silva Marques é tipicamente um
hors-d'oeuvre provocatório ao nível mais pedestre, rasteiro e elementar e, portanto, é insultuoso.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - Ele poderia ter colocado todas as questões que colocou de forma civilizada, constitucional e digna, mas resolveu colocar-se ao nível da mais baixa lama, sem necessidade!

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Muito bem! Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, no seguimento do meu apelo de há pouco, solicito aos Srs. Deputados, incluindo o Sr. Deputado José Magalhães, que tenham em consideração as minhas palavras e mantenham as condições adequadas ao bom funcionamento dos nossos trabalhos.

O Orador: - Na verdade, o Sr. Deputado José Silva Marques arroga-se do papel de juiz, censor, polícia, guarda-nocturno da bancada do PSD, mas desta aqui não! V. Ex.ª censure os seus, que, para já, censura 147 - não censura 148 -, multe-os, aplique-lhes coimas, retire-lhes o salário, ponha-lhes as orelhas de burro, ali ao lado!...

Risos do PS, do deputado Narana Coissoró, do CDS, e dos deputados independentes Herculano Pombo e Jorge Lemos.

Protestos do PSD.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Isto é uma vergonha!

O Orador: - Obrigue-os a virar-se para o canto, se acaso se portam mal! Mas a nós não!...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, insisto nas palavras que há pouco proferi. Sc pretendem continuar a agir desta forma, vejo-me obrigado a interromper a sessão.

O Orador: - Não, Sr. Presidente, V. Ex.ª não lerá necessidade de interromper os trabalhos...

Protestos do PSD.

Sr. Presidente, creio que, depois do que aconteceu ontem, a bancada do PSD está diferente!

Protestos do PSD.

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15 DE MARÇO DE 1991 1741

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicito que se mantenham em silêncio. Faça favor de terminar, Sr. Deputado José Magalhães.

O Orador: - Sr. Presidente, vou concluir.
Gostaria de salientar que não dou qualquer explicação política ao Sr. Deputado José Silva Marques sobre o meu processo de ruptura política, que conduziu ao presente modo de exercício do mandato. Não dou, pura e simplesmente!
Mas lembro apenas que a Constituição da República permite inteiramente esse sistema e garante essa liberdade aos deputados em caso de ruptura política e, mais, que no vosso partido houve várias pessoas que já o exerceram, designadamente o Prof. Mota Pinto, já falecido, nos tempos em que exercer esse direito era possível no vosso partido, no tempo em que o vosso partido não aprovava multas e no tempo em que os deputados não eram polícias dos outros deputados! Esses tempos passaram e, pelos vistos, os senhores não têm saudades deles. É isso que lamento, 6 por isso que protesto! É esse o sentido último das minhas afirmações em defesa, naturalmente, da liberdade, da independência e da integridade do exercício do mandato parlamentar.
Contra isto, V. Ex.ª não pode fazer nada. Repito: ponha-os de castigo! A nós não nos castiga!
Perante o povo português, sim! Perante ele responderemos para o bem e para o mal e assumimos todas as responsabilidades disso!

Aplausos do PS e dos deputados independentes Herculano Pombo e Jorge Lemos.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado José Silva Marques para dar explicações, se assim o desejar, gostaria, mais uma vez, de fazer um apelo à Câmara no sentido de, mantendo um debate vivo, respeitar os limites de linguagem adequados ao sistema democrático em que vivemos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já há pouco chamei a atenção da Câmara no sentido de ser utilizada uma linguagem moderada.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, a sessão está a seguir uma dinâmica natural!

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se a Câmara não mantiver as condições adequadas à continuação dos trabalhos, vejo-me obrigado a interromper a sessão.
Atendendo a que a sessão está a seguir uma certa dinâmica, penso também que não podemos tomar à letra algumas expressões de retórica que têm sido utilizadas.

O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): Podemos, podemos!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, gostaria de deixar bem claro que não pretendi referir-me a V. Ex.ª, mas já que tirou a cabeça de fora,...

Risos do PSD.

... aceito, como sempre, sem reticências, o diálogo que me propõe.
Assim, Sr. Deputado José Magalhães, começo por dizer-lhe que o senhor não linha o que quer que fosse a ver com a matéria em causa - aliás, nem nós -, mas já que sentiu necessidade de dizer que não linha de revelar o processo de ruptura com o seu partido...

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Estou no meu direito!

O Orador: - Exacto, está no seu direito! Mas lambem não é por acaso que lemos comportamentos diferentes aqui. É que eu - já agora, e embora os senhores não precisassem de saber, como o Sr. Deputado José Magalhães também contou a sua vida privada, se me permitem vou contar a minha - revelei, igualmente, ao País o meu processo de ruptura com o PCP!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, como vê, Sr. Deputado, as diferenças provem de raízes muito profundas e, por isso, é natural que raízes diferentes dêem também comportamentos distintos, até no linguajar vocabular.
Já sabia que a riqueza do seu linguajar é ilimitada e permanentemente surpreendente!
Por outro lado, o Sr. Deputado manifestou ainda uma outra preocupação, que é do domínio íntimo, e acusou-me de fazer censura...

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Fale do Sérvulo Correia!

O Orador: - Sr. Deputado, posso dizer-lhe que, deste lado, há censura, sim, a censura intelectual e moral da vergonha própria, a censura que fazemos a nós próprios! Mal estaremos se algum dia não formos capazes de nos censurar, porque isso significará que perdemos a consciência dos nossos deveres, das nossas obrigações e da clareza do nosso comportamento.
Sr. Deputado, cara a cara, responda-me a isto: não defendeu o Sr. Deputado, durante anos, o actual sistema político partidário? E ainda há quatro meses atrás não o defendia veementemente com a criatividade do seu linguajar específico?

O Sr. José Magalhães (Indep.): - O quê? As multas? Nunca!

O Orador: - Pois bem, Sr. Deputado, o nosso sistema político, bom ou mau, está baseado nos partidos políticos e o senhor chegou até aqui, jurando, prometendo -não nesse documento que escreveu mas publicamente - ao eleitorado, que em si confiou, vir para aqui pelo seu partido. Mas teve uma trica, um acidente, e não teve a coragem de «perder os anéis e guardar os dedos» da sua consciência.

Aplausos do PSD.

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1742 I SÉRIE - NÚMERO 54

Há censura, sim, Sr. Deputado! Há, sim! Sei que aí, nessa bancada, não há censura porque não há limites à criatividade, inclusivamente do comportamento.
Mas aqui há, sim, Sr. Deputado! Há censura do pudor político, do imperativo moral e da honradez dos mandatos que subscrevemos e aos quais, com muito orgulho, somos fiéis. É, de facto, esse o nosso grande ponto de honra. O Sr. Deputado discorda de nós neste ponto. É esta uma profunda divergência que nos separa!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Indep.): - Sr. Deputado José Silva Marques, não pretendo fugir à questão central do debate, mas não posso deixar de salientar que, em meu entender, as suas palavras são a negação daquilo que é um direito constitucional, que faz parle do nosso sistema político actual, designadamente no que respeita à existência, neste Parlamento, de deputados independentes, eleitos directamente pelo povo, representando todo o país, que têm, entre outras, a missão de legislar e fiscalizar os actos do Governo.
É nessa qualidade de deputado independente que aqui me encontro e, deixe-me dizer-lhe, já há bastante doutrina sobre a matéria dos deputados que passam a independentes. Aconselho, pois, o Sr. Deputado a ler tudo quanto a este propósito aqui foi dito durante os debates da Assembleia Constituinte.
Com efeito, não foi por acaso que, na Constituição, o legislador constitucional, muito claramente, consagrou a possibilidade real de a situação em causa vir a acontecer, e tem acontecido vezes sem conta. Porquê? Talvez porque o sistema partidário vigente, com o qual concordo, não deva nunca confundir-se com a «partidocracia» que os senhores querem impor e contra a qual me revoltei e me revoltarei sempre!
Mas, Sr. Deputado José Silva Marques, a questão central não e essa! A questão central, que o Sr. Deputado Domingos Duarte Lima hoje aqui trouxe, não está na existência de deputados independentes neste Parlamento, mas, sim, no facto de a Constituição «estar a fazer o pino». Os senhores, durante as vossas jornadas parlamentares, em Setúbal, inverteram a Constituição. De facto, o Parlamento deixou de fiscalizar o Governo e passou o Governo a fiscalizar, a repreender, a ameaçar um grupo parlamentar, criando-lhe até novas regras.
Na verdade, Sr. Deputado, não me choca que a direcção de um grupo parlamentar crie regras e discipline a sua bancada. Não me choca mesmo! Bem pelo contrário, acho que é razoável, mas que um primeiro-ministro o faça acho vexatório até para mim, que não me sinto incluído no rol daqueles que vão submeter-se a tal!
Diga-me, Sr. Deputado, que não foi assim que as coisas se passaram em Setúbal, porque foi precisamente assim que tive conhecimento delas, através de um órgão de comunicação social. Isto é, realizou-se um comício feito por um
primeiro-ministro para uma maioria parlamentar que se arrogou o direito de parar os trabalhos parlamentares para fazer um comício de dois dias com o Sr. Primeiro-Ministro.
Foi, de facto, o que vi através da televisão! Sc isto não aconteceu, se não foi a realidade, Sr. Deputado, diga-me, porque me senti vexado durante este dois últimos dias.
Por isso, ainda há pouco, tive alguns desabafos a que o Sr. Deputado Domingos Duarte Lima teve a gentileza de responder.
As vezes, Sr. Deputado, é preferível pagar a multa e ir para casa durante algum tempo, em vez de ficar a assistir à descida da Assembleia da República no conceito da opinião pública e, sobretudo, no que é o nosso sentir e u nossa dignidade como representantes do povo.
É ou não certo, Sr. Deputado, que o nosso sistema constitucional é um sistema semipresidencial, semiparlamentar, em que os órgãos de soberania, que são directamente eleitos pelo povo, são os que devem assumir, de facto, a legitimidade democrática plena enquanto órgãos de soberania? Será que deve caber ao Governo, que é a emanação desta Assembleia, criticar ou vir à Assembleia quando bem lhe parece? Ou não terá a Assembleia vindo a perder, desde que este Governo é governo e desde que esta maioria é maioria, grande parte do seu poder fiscalizador, se não mesmo a totalidade dele?
Sr. Deputado, creia que não me chocava que a sua bancada organizasse umas jornadas parlamentares e elogiasse o trabalho do seu grupo parlamentar e o do Governo. Em que é que isso me poderia chocar? Em nada! Achava perfeitamente normal e banal! Mas choca-me, de facto, que um primeiro-ministro faça críticas e ameaças à Assembleia, quando ele é a emanação dela.
E o que me chocou, particularmente, foi ver a Constituição invertida, em Setúbal. Não posso suportar isto, quer como deputado independente quer em qualquer outra qualidade.

Aplausos de alguns deputados do PS e dos deputados independentes Helena Roseta e Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, embora com dificuldade, por respeito para com o Sr. Deputado, esboçarei uma justificação.
Sr. Deputado Herculano Pombo, não tenho bem a certeza de o Sr. Deputado ter entendido tudo o que lhe aconteceu desde que, pela primeira vez, se candidatou ao cargo de deputado. De facto, não estou seguro de que tenha entendido tudo o que se passou, desde esse primeiro dia até hoje, todas as atribulações e surpresas que lhe têm surgido...
Sr. Deputado, o problema é que na política, como em tudo na vida - afinal, por que é que a política haveria de ser diferente? -, não há borlas,...

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Há multas!

O Orador: -... nada é gratuito - e ainda bem que assim e -, tudo deve depender do risco que se corre, do risco de nos apresentarmos tal qual somos face àqueles a quem pedimos a confiança e o voto.
Sr. Deputado, saiba que transitar com protecção é agradável, parece rápido, mas é muito inseguro. Sei que o seu caso e muito diferente. Sc me permite e sem ofensa, direi que, no seu caso, se tratou de uma agradável distracção - apesar de tudo, há-de reconhecê-lo - num lapso da sua vida. Digo-lhe que foi agradável porque este assento de deputado não tem só espinhos... Resta saber se nós - o senhor e eu próprio - aceitamos as consequências difíceis que ele implica. E, aí, estou à espera dessa sua incomodidade, tão difícil, tão horrível,...

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O Sr. Herculano Pombo (Indep.): - Nunca pagarei para ser deputado!

O Orador: -... que nos leva, decerto, a reflexões profundas à noite, a hesitações, a dilemas dilacerantes, tão dilacerantes que nos levam a
mantermo-nos tranquilamente no assento...
Aliás, reconheço que, apesar de tudo, trata-se de uma solução compreensível, dada uma das vertentes da natureza humana que 6 a da estabilidade. Só que esta não 6 a do nosso partido. De facto, a nossa estabilidade 6 a de honrar os nossos compromissos face ao eleitorado,...

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Vocês não honraram!

O Orador: -... independentemente do direito positivo. Nós respeitamos o direito positivo, Sr. Deputado, mas há uma coisa que está antes, com e para além deste, que ó a alma de cada um de nós, a ética de cada um de nós e, sobretudo, esse elo sagrado que é fidelidade para com quem falámos, a quem pedimos a confiança e a quem prometemos servir com lealdade, com coerência e com honradez.
Sr. Deputado, fique no seu lugar, porque, de facto, a comodidade também é tolerável. Somos todos humanos e temos de compreender aqueles que não conseguem arrancar-se do assento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Domingos Duarte Lima, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Domingos Duarte Lima, vamos ver se conseguimos retomar «o fio da meada», depois de todas estas defesas da honra e respectivas explicações.
Vou colocar-lhe algumas questões, que reputo de muito sérias, sobre a Assembleia da República, o seu prestígio e a sua dignidade. Não me referirei às suas habituais manipulações em relação ao relatório da OCDE, as quais já conhecemos. Aliás, também não são diferentes as que fez em relação à realidade do distrito de Setúbal, particularmente a sua tentativa de falar de um antes e de um depois do PSD. Só que o PSD está sobretudo no «antes» e muito menos no «depois».
A questão que quero colocar à sua reflexão é a da imagem, do prestígio, da dignidade da Assembleia da República e - se quiser - do Parlamento, de uma forma mais geral.
Como sabe, esta é uma questão que tem preocupado todas as direcções das bancadas, pelo menos assim me tem parecido em sede das conferencias de representantes dos grupos parlamentares. Aliás, o próprio Presidente da Assembleia da República - a sua ausência do Plenário neste momento até facilita o que tenho para dizer a este respeito - tem-se mostrado permanentemente preocupado com esta questão.

ortanto, debruçar-me-ei sobre as últimas jornadas parlamentares do PSD, sobre algumas iniciativas nelas tomadas e sobre algumas considerações hoje produzidas nesta sede pelo Sr. Deputado e também por colegas seus.
Quero dizer-lhe que os senhores não tom razão quando procuram justificar a atitude que tomam relativamente a comportamentos e atitudes que, em vosso entender, se verificaram no seio do vosso grupo parlamentar, designadamente quanto ao absentismo, à falta de empenhamento, à ausência dos deputados da vossa bancada durante as votações. Repito que os senhores não têm razão quando, a este respeito, invocam a Lei Eleitoral e o sistema político português. E já veremos porquê.
Mas, antes, queria dizer-lhe que estas questões deveriam ser tratadas entre nós com a seriedade de quem sabe que, no nosso país, existem ainda fortes preconceitos anti-parlamentares, preconceitos que, naturalmente, foram alimentados durante 50 anos de ditadura e de tirania em que o Parlamento foi usado com uma imagem rebaixada para justificar estas.
Ora, o Sr. Deputado procura justificar as atitudes do seu partido com o argumento de que a Lei Eleitoral é que é a responsável por factos menos positivos que ocorrem no seu grupo parlamentar. Os senhores lá saberão o que se passa em vossa casa. mas tenho algo a dizer-vos sobre isto: é que a nossa história parlamentar demonstra que alguns dos Parlamentos mais negativos que tivemos e aqueles que alimentaram toda essa especulação no sentido de rebaixar o papel do Parlamento na sociedade portuguesa eram constituídos por parlamentares eleitos por leis maioritárias e em círculos uninominais.
Sr. Deputado Domingos Duarte Lima, repilo que a história parlamentar portuguesa demonstra que foram sempre trágicos os momentos em que se quis rebaixar o Parlamento para erguer o rei, em que se quis apoucar a Assembleia para reforçar o Governo, em que se quis indignificar os deputados para honrar um chefe. Suponho que é este o erro que, neste momento, os senhores estão a cometer.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - É este o erro grave de que temos exemplos anteriores que resultaram em experiências bastante trágicas para o nosso país.
Em segundo lugar, julgo também que os senhores estão a procurar rebaixar os vossos próprios deputados para justificar medidas de emergência que, ao fim e ao cabo, são muito concretas e que todos entendemos muito bem, a saber: «aguentar» os deputados nas votações que, nos próximos tempos, vão seguir-se até ao fim desta legislatura e quando uma parte considerável do vosso grupo parlamentar sabe que não voltará a esta sede após as próximas eleições legislativas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - No fundo, para justificar as medidas de emergência para a contenção dos deputados e para não perderem as votações doravante, os senhores não hesitam em apoucar a Assembleia da República e em apoucar e rebaixar os vossos próprios deputados. É isto que considero grave e a repetição de outras atitudes insensatas, registadas quer pela nossa história mais remota quer pela mais recente, as quais constituíram um erro grave que, no passado, sempre minou o sistema parlamentar no nosso país.
Portanto, muito concretamente, o que se passa é que a vossa maioria se comporia com a ligeireza de outras maiorias que já conhecemos. A verdade é que a maioria absoluta não pode ser poder absoluto, como a oposição

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repetidamente tem afirmado, estes dias, na Assembleia da República, a propósito da forma como os senhores quiseram pôr termo à Comissão Parlamentar de Inquérito aos Actos do Ministério da Saúde.
A tendência para o abuso do poder está na vossa maioria e em actos que se repetem, desde o problema do segredo de Estado à tentativa de congelar a regionalização, de congelar a amnistia e de congelar a reforma da legislação sobre as freguesias, bem como todos os inquéritos parlamentares que possam revelar as vossas fraquezas, o erro da vossa administração, o erro da vossa gestão, a fraqueza do vosso chefe, o Primeiro-Ministro Cavaco Silva.
E tudo isso que os senhores querem apagar e, para isso, não hesitam em rebaixar, em comprometer e em indignificar a Assembleia da República. É isso que os deputados não podem admitir e que, creio, nenhum dos deputados, incluindo os vossos, deveria admitir.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Martinho.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado Domingos Duarte Lima, segui com natural atenção, através da comunicação social, as jornadas parlamentares do PSD, tomei conhecimento das vossas conclusões e, como ouvinte, participei nesta sede de algumas das principais deliberações que foram tomadas a nível das referidas jornadas.
Uma das questões a que dei particular atenção foi a referente a um problema complicado que é o das relações entre os eleitores e aqueles que foram eleitos - neste caso, os deputados.
Trata-se de um problema ao qual o meu grupo parlamentar também tem prestado a maior atenção e pude constatar que, mais uma vez, V. Ex.ª chamou à discussão pontos aos quais lemos dado a nossa maior atenção. Destes destaco o caso das candidaturas independentes e o da limitação do número de mandatos dos presidentes de câmara.
Constatei igualmente na sua intervenção a referência ao problema concreto da gestão do vosso grupo parlamentar, à questão da assiduidade, à questão da relação entre os deputados e os eleitores. Aliás, devo dizer que esse não é um problema especificamente vosso e que outros grupos parlamentares têm exactamente o mesmo. No entanto, quero dizer-lhe que, salvo melhor opinião, algumas das medidas tomadas me parecem constituir um lodo de carácter repressivo.
Assim, gostaria de pôr-lhe esta questão: V. Ex.ª não acharia bem que, complementarmente ou até em alternativa, pudesse caminhar-se no sentido de outras medidas que tivessem mais efeito quanto à aproximação e responsabilização dos deputados perante os eleitores?
Em concreto, pergunto-lhe o que foi decidido nas jornadas parlamentares do PSD e o que pensa o seu partido sobre questões que tem a ver com a liberdade e o direito de voto dos vossos deputados relativamente a determinadas matérias. No quadro de aproximação com os distritos e com os concelhos, o que pensa o PSD de determinadas figuras como, por exemplo, os gabinetes do eleitor, que, de alguma maneira, o PRD trouxe à discussão perante o País e que, entretanto, outros partidos já retomaram sob a forma de iniciativas legislativas?
Estas são questões relativamente importantes sobre as quais gostaria de ouvir a sua opinião.
O que pensa o Sr. Deputado de algumas figuras caras ao PRD, como, por exemplo, a do contrato de deputado, a celebrar entre este e o eleitor, sob a forma de um compromisso pelo qual, num determinado período de uma legislatura, se podem trazer à Assembleia da República umas certas iniciativas legislativas? Estes contratos constituiriam outros tantos compromissos tomados mutuamente entre os eleitores e os deputados. Assim, gostaria de saber a opinião do Grupo Parlamentar do PSD sobre estas questões, que, quanto a mim, podem contribuir para os mesmos objectivos procurados pelo PSD e que, provavelmente, teriam um carácter menos repressivo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Domingos Duarte Lima, (em a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Quem tem medo da liberdade? Esta a pergunta que aqui foi feita.
Ora, Srs. Deputados, quem tem medo da liberdade é quem apresenta nesta sede um projecto de lei como o do segredo de Estado. E felizmente que não há segredo de Estado porque, se existisse, certamente seria secreta a questão das multas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quem tem medo da liberdade é quem abafa inquéritos!

Vozes do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Srs. Deputados, quem sobretudo tem medo da liberdade é quem vota a favor da abdicação da parcela de soberania que cada deputado individualmente representa e quem vota contra a liberdade pessoal e contra a liberdade de consciência que cada deputado deve ler.

Vozes do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães: - Muito bem!

O Orador: - Quem tem medo da liberdade 6 quem põe em causa o vínculo essencial do deputado, quer perante o País quer perante o povo. É que o deputado, antes de responder perante o chefe ou perante o partido, responde perante a Nação, perante o povo. Os senhores, ao subverterem isso, estão a subverter a própria natureza do regime.

Aplausos do PS e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.

Por isso, Srs. Deputados, não podemos deixar passar esta questão em claro, porque ela não é uma questão interna do PSD. Trata-se, antes, de uma questão de regime, da democracia, uma questão que afecta e degrada o Parlamento Português e que se inscreve na mais baixa tradição antiparlamentar.

Vozes do PS e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães: - Muito bem!

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O Orador: - O que os senhores querem demonstrar é que um primeiro-ministro que é capaz de pôr na ordem os seus deputados também é capaz de pôr na ordem o País, mas nós já sabemos a que é que isso conduz.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Srs. Deputados, estamos preocupados. Sempre lutámos, antes e depois do 25 de Abril, pelo sistema de partidos, mas não queremos um sistema em que se abafe a consciência dos homens. Queremos um sistema de homens livres, um sistema em que os homens sejam livres dentro dos seus próprios partidos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores fazem parle de um partido importante na vida portuguesa, mas a degradação dos sistemas começa muitas vezes na degradação dentro dos próprios partidos.
O acto que os senhores praticaram ao aplicar um sistema de multas é um acto que afecta a dignidade da democracia portuguesa, mas também uma questão de regime. Levantá-la-emos, porque, Srs. Deputados, não temos nem nunca tivemos medo da liberdade. Por isso, não temos medo de nos sujeitarmos ao veredicto popular nem medo de votar de acordo com a nossa consciência, por sermos um partido de homens livres onde ninguém é expulso se votar de acordo com o seu vínculo essencial, que é o da sua consciência e da sua responsabilidade perante o povo e o País.
Os senhores praticaram um acto de subversão do vosso próprio estatuto, um acto de subversão da democracia. Creio que politicamente irão pagar por isso.

Aplausos do PS, do deputado do CDS N ar anã Coissoró e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Duarte Lima.

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por responder à pergunta que o Sr. Deputado Manuel Alegre me colocou, de forma exaltada...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Exaltante!

O Orador: - Sim, de forma exaltante e exaltada, se assim quiser...
Perguntava o Sr. Deputado Manuel Alegre quem tem medo da liberdade. Penso, Sr. Deputado, que seria importante recorrer à memória. Ora eu tenho memória e posso dizer-lhe que não tenho medo da liberdade, cujo valor em parte aprendi consigo, muito antes do 25 de Abril, quando ainda era estudante do liceu, através da leitura dos seus poemas.
Mas pensa o Sr. Deputado que lerão medo da liberdade os seus camaradas da Internacional Socialista e bem assim os seus camaradas do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que têm um regime semelhante a este, ou seja, um sistema de multas e penalizações para os seus deputados que faltam às sessões? Acha que eles têm medo da liberdade e que são menos dignos dela do que V. Ex.ª?

Aplausos do PSD.

Não confunda as coisas, Sr. Deputado Manuel Alegre!
Sr. Deputado, é fácil fazer um discurso que, com todo o respeito que tenho por si, contém alguns laivos de demagogia, e que apenas é parcialmente verdadeiro. É verdade que o deputado responde perante a Nação, mas o Sr. Deputado sabe perfeitamente que, face ao sistema constitucional e eleitoral que temos, os deputados, antes de serem eleitos, são escolhidos pelo partido respectivo. O vínculo de responsabilidade que têm é, desde logo, e em primeiro lugar, para com o próprio partido.
Não foi por acaso que o líder do seu partido reivindicou a «modesta» quota de poder escolher pessoalmente 25 deputados... Quem é que escolhe esses 25 deputados, Sr. Deputado Manuel Alegre: ele, desde logo, ou a Nação? Excite-se com o secretário-geral do seu partido, Sr. Deputado!...

Aplausos do PSD.

Em que é que as multas afectam a dignidade da democracia se elas não foram impostas, mas, pelo contrário, aceites, através de votação, pelos meus colegas? Com isto respondo-lhe a si e a outros colegas do seu partido.
Mais: a proposta da direcção do meu grupo parlamentar era no sentido de que este sistema entrasse em vigor apenas em Outubro, mas foram colegas meus que não fazem parte da direcção - são deputados, aqui presentes, com uma dignidade igual à do Sr. Deputado Manuel Alegre - que desejaram que ele entrasse já em vigor.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): -É verdade!

O Orador: - Esses deputados não têm menos dignidade parlamentar que V. Ex.ª

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado Carlos Lilaia colocou-me algumas questões e disse, nomeadamente, que chamou a atenção para problemas a que o PRD tem dado particular relevo.
Dir-lhe-ei que nós não temos o mérito exclusivo da virtude, reconhecemos que também o PRD tem suscitado questões importantes em Portugal, e não queremos nós diminuir a importância dessas questões.
Pergunta o Sr. Deputado se as medidas em apreço são de carácter repressivo e se há ou não outras medidas para aproximar os deputados dos eleitores. Como ó que o Sr. Deputado pode chamar medida de carácter repressivo a uma medida que é
auto-imposta pelos próprios deputados?
Certamente que há outras medidas, designadamente as que o Sr. Deputado enunciou e as que aqui referi a propósito da discussão da Lei Eleitoral, no sentido de aproximar os deputados dos eleitores. A medida que aqui avançámos a respeito da Lei Eleitoral é uma medida que aproxima os deputados dos eleitores, mas os Srs. Deputados não quiseram aproveitar a nossa proposta de lei aqui e aprová-la em conformidade.
Em relação ao que pensamos sobre a liberdade de voto quanto a certas matérias, dir-lhe-ei que dentro do meu partido existem matérias passíveis de objecção de consciência. Ainda recentemente, a propósito da proposta sobre o serviço militar obrigatório, o meu companheiro Angelo Correia, que discordou da iniciativa legislativa em questão, não esteve aqui presente...

O Sr. Rui Ávila (PS): - Nem está!

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O Orador: -... e não a votou. Como pode ver, isso já acontece no meu partido.
No que respeita à introdução ou não deste tipo de medidas e à questão da ética, diziam os senhores, quando aqui apareceram em 1985, que eram contra a disciplina de voto. Recordar-se-á certamente o Sr. Deputado de que passado pouco tempo introduziram a disciplina de voto no vosso grupo parlamentar.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Isso não 6 verdade! Vozes do PSD: - É, é!

O Orador: - Coloca o Sr. Deputado Carlos Brito a questão de «Setúbal - antes e «depois». Trata-se, de facto, da questão do «antes» e do «depois». Sc, seriamente, o Sr. Deputado quiser comparar, com os factos e os dados disponíveis, a situação do distrito antes e depois, chegará às conclusões que enunciei.
Quanto à questão da imagem e dignidade do Parlamento, não tenho quaisquer problemas em subscrever muitas das considerações que fez sobre a forma como a imagem do Parlamento foi degradada no passado, mas o Sr. Deputado não pode confundir esta decisão com uma medida desse género, porque, então, terá de dizer que o Parlamento Francos, o Parlamento Inglês e o Parlamento Espanhol estuo degradados pelo facto de certos partidos que os compõem, designadamente partidos socialistas e conservadores, preconizarem soluções como a que nós adoptámos no interior do nosso grupo parlamentar. Penso, pois, que a expressão que empregou é aqui completamente destituída de sentido.
Diz também o Sr. Deputado que estamos a rebaixar o nível dos próprios deputados para acautelar as votações que aí vem. Não brinque comigo, Sr. Deputado Carlos Brito, pois sabe bem que o Grupo Parlamentar do PSD fez aqui passar todas as iniciativas legislativas que considerava serem de importância primordial para o cumprimento do seu programa e não vai ter, seguramente, necessidade de fazer aquilo que insinuou.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mas doravante vai passar a ler!

O Orador: - Além disso, como disse há pouco, este regulamento interno não era para entrar em vigor agora. Foram os meus companheiros de partido que quiseram que ele entrasse imediatamente em vigor.
Há, todavia, uma afirmação do Sr. Deputado que não posso deixar escapar. Diz o Sr. Deputado que, por causa das multas que os deputados se auto-impõem e eles próprios soberanamente regulamentam, esses deputados não têm dignidade. Pergunto-lhe, então, qual é a dignidade dos deputados do PCP que não são multados mas são obrigados a descontar o vencimento em favor dos cofres do partido?!... Que dignidade é essa, Sr. Deputado?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Onde está a dignidade em mandar, quando querem, esses deputados para casa? Que liberdade têm os deputados do seu partido, se este pode mandá-los para casa e suspender-lhes o mandato quando quiser (coisa que, aliás, os deputados que hoje se sentam na fila de trás, como independentes, não quiseram aceitar, passando, por causa disso, à situação em que se encontram)? Qual é a dignidade desses deputados?
Protestos dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.
Seria melhor, Sr. Deputado Carlos Brito, que houvesse algum comedimento e alguma modéstia nas suas palavras.
O Sr. Deputado Herculano Pombo não me colocou propriamente questões, mas, como se referiu à minha intervenção, eu gostaria também de tecer algumas considerações sobre as suas palavras.

O Sr. Deputado - permita-me que lho diga - fez uma leitura alada, a voar, da minha intervenção. Ouviu mal o que eu disse e daí que o Sr. Deputado tenha começado, no início da legislatura, ali, naquela bancada, esteja hoje aí, nesse lugar, e provavelmente, na próxima legislatura, não esteja nem aqui nem ali.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Vai para as galerias!

O Sr. Herculano Pombo (Indep.): - Estarei aí, se me deixarem!

O Orador: - Mas, por acaso, o Sr. Deputado não reparou que quem ontem estava a encerrar as jornadas parlamentares do meu partido era, como é tradição, o presidente da Comissão Política Nacional do meu partido, que por acaso é primeiro-ministro.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Por acaso?!...

O Orador: - Podia não sê-lo, mas, de facto, é primeiro-ministro. Só que por isso não abdica da sua qualidade de líder do partido e todos os anos encerra as ditas jornadas parlamentares. O Sr. Deputado não reparou nesse pormenor em anos passados, porque certamente andava distraído. Daí que eu lenha dito que fez a tal leitura alada da minha intervenção. O líder do meu partido encerrou as jornadas este ano, como o fez nos anteriores. O Sr. Deputado não linha de se espantar com o que viu na televisão. Mas, enfim, é apenas a sua necessidade de espanto que o leva a espantar-se.

O Sr. Herculano Pombo (Indep.): - Ainda a conservo!

O Orador: - Volto rapidamente ao que foi dito pelo Sr. Deputado Alberto Martins, que praticamente não colocou questões sobre a minha intervenção, mas que de vez em quando tem o hábito de, nesta Sala e num estilo adamastoriano e com voz de remador de galés, nos dar lições de cátedra.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Alberto Martins, que não tem autoridade moral para dar-nos lições de cátedra ou, sequer, lições de mestre-escola.
Quanto à minha cassette propagandística, ela é, seguramente, muito modesta, inferiormente mais modesta do que essa despudorada cassette propagandística do seu partido que hoje está em curso pela cidade de Lisboa e pelo País, da forma ínvia que hoje não quero discutir mas que certamente haverá oportunidade para debater. Ultimamente, os senhores têm falado muito de outras campanhas publicitárias que, pelos vistos, parecem, ao pé da vossa, campanhas publicitárias de brincar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Sei que o Sr. Deputado Alberto Martins está preocupado com as inaugurações que o Primeiro-Ministro vai fazer. Tem toda a razão para isso, já que, se foram feitas obras, tem de haver lugar a inaugurações.
Quero, todavia, tranquilizá-lo quanto ao seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro não irá fazer a inauguração de qualquer mercado que tenha sido construído pelo Sr. Engenheiro Nuno Abecasis, como o fez o líder do seu partido. Nisso não irá o Sr. Primeiro-Ministro - pode o Sr. Deputado ficar rigorosamente tranquilo -
fazer-lhe concorrência.

Risos do PSD.

Passo agora ao epíteto de «súbditos» que o Sr. Deputado lançou. Por causa da aprovação deste regulamento, o Sr. Deputado Alberto Martins chamou «súbditos» aos meus colegas de bancada.
Recordo ao Sr. Deputado duas coisas: a primeira é a de que foram eles próprios que aprovaram as medidas em causa, perante um problema que é real e com o qual também os senhores se debatem, mas que não querem encarar; a segunda é a de que atitudes de súbdito...

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): No campo de concentração também é assim!

O Orador: - No meu grupo parlamentar não há qualquer deputado que tenha ido pedir desculpa ao almirante Américo Thomaz. Atitudes de súbdito, Sr. Deputado Alberto Martins, são as de quem no passado teve actos desses. Atrás de mim, o Sr. Deputado não encontra seguramente alguém que tenha lido uma atitude de súbdito.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães e contraprotestos do PSD.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Para defesa da honra da minha bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Alberto Martins (PS): - Para defesa da minha consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, quero anunciar desde já que, ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, o meu grupo parlamentar irá pedir a interrupção dos trabalhos por 15 minutos, a fim de levarmos a efeito uma conferencia de imprensa. Solicitaremos essa interrupção, naturalmente, logo após as intervenções dos deputados inscritos e das correspondentes respostas.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas anunciar que, para o bom andamento dos trabalhos, também o meu grupo parlamentar irá solicitar, a seguir ao intervalo que o PRD acabou de requerer, a interrupção da sessão por 15 minutos, para igual efeito.

O Sr. Presidente: - Faremos, então, um intervalo de 30 minutos.
Para defesa da honra da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado Domingos Duarte Lima, devo dizer que foi o respeito que tenho pelo seu partido e por pessoas que se sentam nessa bancada que me levou a proferir as palavras que proferi. Custa-me aceitar que pessoas com uma história pessoal de lula pela democracia e um partido que se reclama do legado político de Francisco Sá Carneiro Tenham podido aprovar aquilo que os senhores aprovaram.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: -- Não fale de Sá Carneiro!

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Devia era ter vergonha!

O Orador: - Se é verdade que os partidos escolhem e apresentam listas ao País, também é verdade que os deputados, do ponto de vista da nossa Constituição, não respondem perante as direcções partidárias ou os secretários-gerais, mas, sim, perante o País, perante a Nação. A subversão desse princípio é a subversão do Estatuto do Deputado e da própria natureza do nosso regime.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Penso que o Sr. Deputado está mal informado sobre o que se passa no PSOE, mas devo dizer-lhe que não lenho por modelo nem a Internacional Socialista, nem o PSOE, nem qualquer outro partido; o meu modelo é a minha consciência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Do ponto de vista dos princípios e da minha condição de socialista, o meu modelo é a concepção de partido formulada, em 1921, por Leon Blum, segundo a qual o critério essencial de um partido socialista é a liberdade individual dos seus membros.

Aplausos do PS e da deputada independente Helena Roseta.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Duarte Lima.

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O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, pouco resta para lhe dizer. O Sr. Deputado reiterou a sua concepção, já afirmada na primeira intervenção, em relação ao assunto em apreço, mas o que é facto é que os senhores também têm disciplina partidária e também se reportam, no interior do vosso partido, aos respectivos órgãos nacionais, tal como acontece com o meu.
Mais: os senhores também expulsam. Recordo-lhe apenas, a este propósito, os casos de José Rabaça, Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira.

Protestos do PS.

Não vale a pena reabrir essas páginas, porque nessa matéria o Sr. Deputado seguramente não tem razão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Domingos Duarte Lima, a última parte da sua intervenção é indigna e mentirosa.
Tive a honra de, em nome da Academia de Coimbra, afrontar Américo Thomaz. Na sequência desses acontecimentos, fui preso, expulso da Universidade, tive um processo político, um processo militar - fui expulso do Exército e estive sujeito ao regime de disciplina militar desde 1969 até 1976 - e, cumprindo os votos da Academia, declarei, de acordo com a direcção da Associação Académica, que Américo Thomaz não estava envolvido directamente na nossa luta.
Foi uma decisão da Academia que honrei, que cumpri, na sequência de uma luta que foi a maior greve da história da resistência ao fascismo e contra a ditadura, e que tive a honra de encabeçar.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.

Tive a honra de encabeçar essa lula e já aqui nesta Câmara fui saudado pelo seu camarada, um homem seno, o deputado Costa Andrade -que era meu colega na Academia de Coimbra -, que me felicitou pelo meu comportamento.
Sr. Deputado Domingos Duarte Lima, lenha vergonha do que disse e reveja-se nas palavras do seu camarada Costa Andrade!

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do deputado do CDS Narana Coissoró e dos deputados independentes Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.
Ouça-o! Peca-lhe o testemunho e depoimento! Na luta pela liberdade não tenho lições a receber de ninguém! Não quero dá-las, mas também não lenho lições a receber!
Quanto à questão que V. Ex.ª colocou, devo dizer-lhe que cia é muito simples quanto à vossa decisão: o problema da soberania e um problema de liberdade e lembro-lhe uma frase célebre de Jean-Paul Sartre que refere que a liberdade é a liberdade de escolher; a liberdade de não escolher é a morte! Os vossos camaradas deputados não têm liberdade de escolher nas questões das multas!

Aplausos do PS, do PCP e dos deputados independentes Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Duarte Lima.

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados...

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Peça desculpa!...

O Orador: - Quero dizer ao Sr. Deputado Alberto Martins o seguinte: tenha vergonha o senhor, porque, independentemente do que dizem as suas palavras, as suas fotografias de capa e batina, que vêm nos jornais da época, e o significado que isso tinha são claros...

Vozes do PCP: - Isso é um escândalo!...

Protestos do PS, do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães, batendo com os punhos no tampo das carteiras.

O Orador: - Sr. Presidente, quero lembrar que os meus...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por não existirem na Sala as condições necessárias à prossecução dos trabalhos, interrompo a sessão por um minuto.
Eram 17 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 27 minutos.

Sr. Deputado Domingos Duarte Lima, queira continuar a dar as suas explicações.

O Orador: - Sr. Presidente, eu estava a terminar e apenas gostaria de lembrar a V. Ex.ª e à Câmara que quem levantou este incidente, desta forma desagradável, chamando súbditos aos meus colegas de bancada, que estão aqui em igualdade de circunstâncias com os demais deputados, foi o Sr. Deputado Alberto Martins.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Aldrabão!

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Peça desculpa, que é o mínimo que pode fazer!

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma serena interpelação à Mesa.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra, para, através de uma interpelação à Mesa, dar público testemunho do que aconteceu em Coimbra, em 1969.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, o que o senhor pretende fazer não é uma interpelação à Mesa, pelo que, para já, penso não dever dar-lhe a palavra.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

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O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, quero apelar a V. Ex.ª para que coisas como aquelas que se passaram há alguns minutos não voltem a ser possíveis nesta Câmara.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E queria, aqui, em nome de todos os portugueses que não foram perseguidos pelo amigo regime e que não estiveram presos, prestar uma pública homenagem de desagravo à figura da Alberto Martins.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito. Sr. Deputado?

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa nos termos usados pelo Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apesar da forma como o Sr. Deputado José Manuel Mendes justificou o seu pedido de palavra, concedo-lha, mas não sem antes referir que se há alguém que, nesta Casa, tem, sucessivamente, apelado no sentido de que certas coisas não se passem, esse alguém tenho sido eu.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a máxima serenidade de que sou capaz, quero afirmar, em meu nome e no de alguns dos meus camaradas desta bancada, protagonistas que fomos de todo o processo da luta académica de 1969, que a acusação proferida pelo Sr. Deputado Domingos Duarte Lima contra o Sr. Deputado Alberto Martins é uma inqualificável calúnia!
O que se passou então foi exactamente o que o Sr. Deputado Alberto Martins teve oportunidade de dizer perante a Câmara: nós estivemos lá, na assembleia que decidiu o que decidiu, por razões tácticas e estratégicas de uma luta que foi conduzida, em sintonia com muitas outras que se desenvolviam à escala do País, contra o regime fascista e pela construção da liberdade em Portugal.
Qualquer tentativa de, a pretexto de um obtuso jogo político, misturar o Sr. Deputado Alberto Martins e aqueles que, em 1969, foram intérpretes desse mal invocado acto, desde Coimbra, com leituras da história que são verdadeiros insultos aos combates que travámos, é pura indignidade e contra ela me rebelo!

Aplausos do PCP, do PS, do PRD e dos deputados independentes Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa mas não para reproduzir acusações e muito menos acusações insultuosas como as que acabaram de ler lugar relativamente à minha bancada. Não queremos prolongar o incidente, mas sentimos que não lemos razão alguma para ficar calados quando o Sr. Deputado António Guterres apela a todos os portugueses que não foram vítimas do anterior regime...

O Sr. António Guterres (PS): - Eu não apelei!...

O Orador: -... para desagravarem o Sr. Deputado Alberto Martins, dando como certo que o meu colega Domingos Duarte Lima agravou alguém.
É preciso que fique claro que o meu colega não agravou ninguém!

Vozes do PS, do PCP e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães: - Isso não é verdade!

O Orador: - O meu colega falou e respondeu frontalmente a quem começou por caluniar!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS, do PCP e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.

Srs. Deputados Socialistas, que fique claro que nós não aceitamos as vossas acusações, as vossas classificações políticas!...

Protestos do PS, do PCP e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.

Os senhores podem chamar-nos súbditos, sendo certo que nós, em primeiro lugar, não aceitamos e reagiremos sempre às vossas acusações insultuosas e que, em segundo lugar, Srs. Deputados, não somos súbditos! Nós lutámos, desde a primeira hora, contra a tentativa totalitária comunista, que muitos outros ajudaram... E alguns estão hoje na vossa bancada...

Aplausos do PSD. Protestos do PS e do PCP.

Ou os senhores julgam que, por repelirem as vossas acusações insultuosas relativamente a nós em vez de travarem connosco um debate frontal, conseguem calar-nos? Não, Srs. Deputados! Nós nunca nos calámos! Bem pelo contrário, levantámos sempre a nossa voz com frontalidade e fá-lo-emos sempre!
Não agravámos ninguém, Sr. Deputado António Guterres! Defendemo-nos, e é isso que os senhores não aceitam! O que os senhores queriam não era que no meu grupo parlamentar houvesse apenas multas; o que os senhores queriam era, graças às vossas calúnias, criarem-nos complexos e com isso lançarem sobre a minha bancada o silêncio! Pois, em vez do silêncio, os senhores tento sempre e sempre a nossa voz.

Aplausos do PSD.

O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para, no mesmo espírito invocado pelo Sr. Deputado António Guterres, fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, antes de dar-lhe a palavra quero lembrar à Câmara que há dois pedidos de suspensão dos nossos trabalhos, solicitados um pelo PRD e outro pelo PSD.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

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1750 I SÉRIE - NÚMERO 54

O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Sr. Presidente, o PS e o PCP têm o excesso de se julgarem, por repelidas vezes, os únicos donos da moral na política e de quererem ser os únicos protagonistas para a história da lula pela liberdade em Portugal.

Protestos do PS e do PCP.

A luta pela liberdade em Portugal, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não terminou em 1971! Ela ainda hoje não terminou e nunca terminará!

Vozes do PS: - Ah, agora reconhecem isso!...

O Orador: - A luta pela liberdade é uma luta permanente! E, se é verdade que nas bancadas do PS e do PCP existem muitos democratas que ale 1974 se bateram contra o regime fascista em Portugal, também é verdade que existem muitos outros que, depois de 1974, nos quiseram impor uma nova ditadura.

Aplausos do PSD.

Eu e outros companheiros de bancada, que à época éramos estudantes universitários no Porto, lutámos contra esses que também aí estão - e que não vou, por pudor, enumerar - e que nas suas faculdades, nomeadamente nas da Universidade do Porto, tentaram impor uma nova ditadura sucedânea à de Salazar.
Srs. Deputados, tinha de dar aqui este testemunho para que outros não tenham vergonha de aparecer aqui como as «virgens puras» da democracia em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos prolongar por mais tempo este incidente.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, para defesa da honra da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta será a última intervenção que permitirei ames do intervalo. Tem a palavra, Sr. Deputado Amónio Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, depois de tudo a que assisa a melhor maneira de defender a honra da minha bancada e dos deputados é pedir ao Sr. Presidente que interrompa esta discussão e dó continuidade à ordem de trabalhos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - É sempre assim!...

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma sereníssima interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em primeiro lugar tenho de dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Filipe Meneses Lopes.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - O meu colega não se importa.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, com a mesma legitimidade usada pelo Sr. Deputado António Guterres, peço a V. Ex.ª que faça tudo para evitar cenas destas, não se usando a linguagem provocatória e malcriada que foi usada daquelas bancadas para com esta.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS, do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nos lermos regimentais, concedo as suspensões solicitadas pelo PRD e pelo PSD, pelo que declaro interrompida a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, estavam inscritos para declarações políticas os Srs. Deputados António Filipe e Rui Silva. De acordo com os próprios, as declarações políticas que iriam ser proferidas hoje são transferidas, com prioridade óbvia, uma vez que já estão inscritos, para uma próxima sessão do período de antes da ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Srs. Deputados, entrando no período da ordem do dia, ponho à vossa apreciação os n.ºs 41, 42 e 43 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 8, 14 e 15 de Fevereiro.

Pausa.

Visto não haver objecções, consideram-se aprovados.

De acordo com a informação que prestei no início desta sessão, vamos proceder à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 700/V (PCP) - código do procedimento administrativo - e 701/V (deputados independentes José Magalhães e Jorge Lemos) - aprova um código mínimo de procedimento administrativo - e da proposta de lei n.º 172/V - autoriza o Governo a legislar no sentido de aprovar o código do procedimento administrativo, sendo o primeiro orador inscrito a representante do Partido Comunista Português, Sr.ª Deputada Odeie Santos, a quem concedo a palavra.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Dezembro de 1989 deputados eleitos nas listas da CDU apresentaram na mesa da Assembleia da República um projecto de carta de garantias dos direitos dos cidadãos perante a Administração.
Partiam os proponentes de um debate que se vinha travando nas autarquias de maioria CDU sobre as formas de concretizar um novo relacionamento
cidadão-Administração Pública baseado num estatuto de paridade, um relacionamento que garante uma participação quotidiana em defesa de direitos quotidianos, isto é, um relacionamento indispensável a um Estado de direito democrático.

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É ao nível dos poderes locais e regionais que normalmente se começa a questionar a Administração Pública, a sua organização, o seu procedimento. Foi o que aconteceu, por exemplo, na Itália, onde se vem travando um aprofundado debate sobre os direitos dos cidadãos e a Administração Pública, em torno das autonomias regionais.
Entre nós, infelizmente, como vem sendo adiada a regionalização, o debate coloca-se sobretudo ao nível do poder local, porque é a nível autárquico que deparamos com formas, algo tanto avançadas, de exercício de democracia directa. A prestação de contas, Srs. Deputados, nas autarquias CDU é um dado real, efectivo e não é nenhuma campanha de propaganda, porque, de facto, deve ser feita ao longo do tempo e não apenas em períodos pré-eleitorais. Por exemplo, a discussão pública de planos de actividade, prévio à sua definitiva elaboração, lambem é um dado já existente e configura um direito de participação dos cidadãos na gestão pública que não se basta nem pode reduzir-se apenas a momentos eleitorais ou pré-eleitorais.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Não admira que as questões relativas aos direitos dos cidadãos perante a Administração se coloquem com particular clareza ao nível local. De facto, a administração autárquica é a que está mais próxima do cidadão. É aí que, no exercício dos seus direitos materiais, o cidadão procura exercer os direitos instrumentais à realização daqueles.
Não admira, assim, que na epígrafe do projecto de lei apresentado pelo PCP se tenha colocado o enfoque na administração local. Mas, como se vê do conteúdo do diploma, o seu âmbito alarga-se a todos os patamares da Administração e pode mesmo afirmar-se que, sendo o projecto um valioso contributo para o exercício dos direitos dos administrados na administração local, é ao nível da administração central que se torna mais urgente e imprescindível densificar o conteúdo dos direitos dos cidadãos.
Porque é a esse nível que se vive no maior dos secretismos. É aí que se decidem planos de desenvolvimento regional sem qualquer discussão pública; é aí que se privatizam serviços, património e equipamentos com prejuízos de direitos, sociais dos cidadãos, sem qualquer intervenção destes. É a esse nível que encontramos uma Administração Pública visando apenas a sua manutenção como estrutura e subalternizando o interesse público.
É ao nível central que mais visivelmente encontramos a burocracia como uma estrutura de poder autónoma, asfixiante do exercício da cidadania. Os tímidos ensaios de desburocratização esvaem-se num dia a dia marcado pelo secretismo e pelo autoritarismo. Os cidadãos continuam sem acesso à informação dos dossiers e arquivos, a processos a eles mesmos respeitantes; continuam manietados no exercício dos seus direitos constitucionais por regras internas que permitem a classificação de documentos como secretos, reservados, confidenciais. A situação que se vive não é, de facto, a de uma administração aberta, como a Constituição a configura, mas a de uma máquina caracterizada pela opacidade, perante a qual nada mais restará ao cidadão peticionante do que pedir desculpa por ter pretendido exercer o direito de ser informado.
A situação bem pode caracterizar-se pela seguinte prosa de um autor italiano: «Entre o palácio e a praça há uma névoa tão espessa ou um muro tão grande que não penetra lá a visão dos homens; tanto sabe o povo daquilo que faz quem governa, ou da razão por que o faz, como das coisas que se fazem na índia; e por isso o mundo enche-se facilmente de opiniões erróneas e vãs.»
Ora, essa situação não é compaginável com o que a nossa Constituição prevê. O modelo constitucional do relacionamento cidadãos-Administração Pública não ó o modelo clássico manifestamente em falência. De facto, tal modelo caracterizado pela sujeição do cidadão à Administração Pública, limitando a participação dos cidadãos na gestão pública aos momentos em que se exerce o direito de voto, conduz a perversões da actividade administrativa, a favoritismos a clientelismos, ao afastamento dos cidadãos, e está na base da inadequação dos canais tradicionais de representação.
O que se exige agora é que esses canais sejam complementados com contactos directos entre o sistema social e político por forma a impedir a
super-representação de certos interesses prevalecentes nas instituições e a
sub-representação de interesses que permanecem difusos por forma a criar-se a paridade entre o cidadão e a Administração.
O que está em causa, portanto, é a própria participação popular no exercício de poder que aparece cada vez mais como necessária, por forma que a democracia seja um poder visível. De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o conceito de cidadania não pode bastar-se com «a obtenção do consenso dos cidadãos através de promessas ou da distribuição de prémios, isto é, através de um comportamento eleitoral clientelista, o qual se baseia num comércio buscado na troca, no apoio político como vantagem pessoal ou de grupo».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei apresentado pelo PCP densifica os direitos dos administrados perante a Administração Pública, com vista a garantir uma administração eficaz e participada. É óbvio que do exercício dos direitos previsto no diploma resulta uma participação dos cidadãos na própria Administração Pública. Por isso, o diploma não tem uma visão puramente garantística. É óbvio que do exercício dos direitos resultará: um contacto permanente entre cidadão e Administração Pública, uma Administração Pública como serviço e não como autoridade; o papel preponderante do cidadão na formação do acto administrativo; a possibilidade de um pleno exercício de direitos quotidianos; uma nova dialéctica entre representantes e representados; uma vivência quotidiana da democracia.
No projecto de lei explicitam-se os direitos e contra-põem-se-lhes os correspondentes deveres por parte da Administração Pública.
O direito de atendimento, um atendimento personalizado, eficiente e eficaz terá, por exemplo, o dever, por pane da Administração, de responder a todas as pretensões - e nas autarquias CDU isto já foi posto em vigor -, o dever de descentralizar serviços, o dever de os desburocratizar por forma a destruir a teia que empurra cidadãos de guichet em guichet à procura do formulário 2000 ou 2001 - um dos 12 ingentes trabalhos de «Asterix»!...
O direito de informação é, sem dúvida, um direito fundamental, instrumental do exercício de muitos outros direitos. A tal direito está inerente, por exemplo, o dever, por parte da Administração, de facultar o acesso aos processos administrativos. E um direito que se deve desenvolver nos princípios da pluralidade, da acessibilidade, do controlo das fontes, na execpcionalidade das matérias reservadas, na funcionalidade informativa.

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O direito de participação (através, nomeadamente, do direito de petição, do direito ao princípio do contraditório, de iniciativa cívica, de organização popular, entre outros) assegura a própria participação popular nas decisões da Administração, o que lambem acontece com o exercício do direito de fiscalização.
O direito de oposição, associado aos outros direitos atrás referidos, assegura a participação na formação do acto administrativo e a censura perante o acto praticado, censura essa que pode levar ao exercício do direito à indemnização e de participação criminal.
Este é, resumidamente, o conteúdo do projecto de lei do PCP, que é complementado no objectivo de conseguir uma administração aberta, pelo projecto de código de procedimento administrativo que também hoje estará em debate. Assinale-se que a Assembleia da República discute hoje uma matéria extremamente importante que, a ser levada à prática, talvez não com este Governo ou seguramente não com este Governo, melhorará o exercício dos direitos por pane dos cidadãos, melhorará a democracia. Penso que este debate poderá dar para o exterior uma imagem muito diferente da que resultou da primeira pane dos, trabalhos da Assembleia.
É essa Administração, transparente, subtraída à arbitrariedade, ao favorismo e à clientela, que impedirá o alheamento dos cidadãos relativamente à política em geral e garantirá o seu empenhamento na resolução dos interesses gerais da comunidade.

Aplausos do PCP e do deputado independente José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guilherme Silva e Alexandre Manuel.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr.ª Deputada Odete Santos, antes de colocar-lhe as questões que a sua intervenção de apresentação do projecto de lei do PCP sobre a aprovação de uma carta de garantias dos direitos dos cidadãos perante a Administração, eu queria adiantar que eu próprio e o Partido Social-Democrata estamos receptivos a todas as iniciativas que reforcem os direitos e garantias dos cidadãos.
No entanto, quero colocar-lhe algumas questões.
A primeira é a seguinte: este tipo de diploma não terá mais cabimento numa Administração relativamente à qual não aconteça o que, acontece na nossa estrutura político-administrativa, com uma Constituição que consagra efectivamente, felizmente e bem, um elenco vasto de direitos fundamentais que, como é sabido, tom aplicação directa independentemente de diplomas regulamentares que lhe seguiram.
A segunda questão é a de saber se esta iniciativa não estará, em pane, prejudicada quer pelo projecto de código de procedimento administrativo, que hoje se vai aqui discutir e relativamente ao qual o seu partido também apresentou uma iniciativa, quer por outros diplomas que estão pendentes nesta Assembleia, como seja o arquivo aberto.
Ainda uma última questão: este proliferar legislativo como intenção de consagrar e dar aos cidadãos maior protecção e garantia no âmbito dos direitos fundamentais não redunda, muitas vezes, em sentido contrário? Ou seja, não corremos o risco de fazer aqui um puzzle excessivo domínio legislativo, prejudicando diplomas fundamentais onde podemos, e, repito, onde o código de procedimento administrativo e o código do contencioso, que se lhe seguirá, serão diplomas onde podemos incluir e recolher eventualmente alguns dos elementos desta iniciativa do PCP mas pondo, um pouco, termo a um defeito que já se aponta à nossa Administração que é o de ser prolífera em termos legislativos com os inconvenientes que isso tem para os próprios cidadãos e para os seus direitos?
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Mata.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, deseja responder já ou no fim dos pedidos de esclarecimento?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr.ª Deputada Odeie Santos, é importante a discussão que, hoje, aqui estamos a travar. E não tanto, nem principalmente, pelos projectos apresentados - eles não sofrem discussão nas suas linhas gerais, creio eu -, mas sobretudo porque essa discussão acontece num momento bastante significativo. Ou seja, quando ainda está bem viva, preocupantemente viva, a polémica gerada em redor do segredo de Estado e, sobretudo, do estado de segredo. É, no fundo, a importante questão da transparência a suscitar-me algumas reflexões que gostaria de aqui deixar.
O Estado toma-se menos transparente na proporção do crescimento dos gabinetes da Administração Pública e na multiplicação dos seus assessores? Então, como já em tempos concluía o clube Jacques Delors, o ministro que e, que devia ser um político e como tal dialogar com os cidadãos, afasta-se deles para apenas falar com os seus assessores, além de que (acrescentavam os membros desse clube), sobremaneira interessado na sua popularidade, o ministro privilegia a televisão, onde só fala, mas não ouve.
Aliás, não pode deixar de ser preocupante, Sr.ª Deputada, o facto de um ministro, há meia dúzia de dias, ter admitido, publicamente, a hipótese de um projecto apresentado nesta Câmara ter sido, eventualmente, elaborado no seu gabinete. Aqui não coloco a questão política do documento em si, mas apenas faço a pergunta: ao serviço de quem estão esses trabalhadores? A quem servem e por quem são pagos? Já não está em causa o facto de se pretender criar um Estado que seja mudo, onde tudo ou quase tudo é segredo, mas que também seja surdo em relação aos cidadãos, não os ouvindo, nem os querendo ouvir. Surdo e mudo como o pretendem, só falia agora um projecto que venha dizer que o Estado, também cie, é ceguinho.
Um Estado transparente é aquele que, entre outras coisas, prefere a informação ao segredo, que utiliza uma linguagem simples e acessível, que tem serviços para esclarecer os utentes - aquilo a que poderemos chamar «pilotagem burocrática» ou «os ministérios abertos» -, que publicita todos os incentivos, todos os favores e todos os perdões, para não haver privilegiados, que dialoga com os administradores dos serviços de saúde, de instrução, ele, para saber sempre o modo como esses serviços estão a funcionar, e que sabe que o funcionário público não é um servidor do Governo mas um servidor dos cidadãos.
Sr.ª Deputada, o projecto que V. Ex.ª apresentou a esta Câmara tem coisas boas que, por certo, irão ser aceites.

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No entanto, não lhe parece que o processo mais simples de aproximar os cidadãos da administração local seria reforçar os poderes das freguesias, as quais, apesar das suas comprovadas virtualidades e das suas enormes capacidades, continuam sem dinheiro e quase sem funções?
Recordo, a esse propósito, o trabalho publicado sobre o assunto pela Associação Nacional das Freguesias que contou com a colaboração de nomes importantes, que finam ou suo ainda deputados nesta Casa. Cito, entre outros, os nomes conhecidos de Sérvulo Correia, Freitas do Amaral. António Barreto, Magalhães Mota, António Vitorino ou Luís de Sá.
Não são, de facto, Sr.ª Deputada, as freguesias que estão mais próximas das populações? Não suo elas que deviam ser privilegiadas neste processo?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Guilherme Silva, não me parece que lenha razão nas críticas que fez. A propósito, começaria por lhe contar um episódio, que é autentico, omitindo apenas as referencias ao lugar e às pessoas, para que V. Ex.ª - e os Srs. Deputados, se quiserem ouvir - possa considerar da importância, ainda que só a nível de divulgação, de uma carta de garantias dos direitos dos cidadãos.
Há cerca de um mês, uma profissional do foro, devidamente mandatada por procuração em processo de execução, dirigiu-se a uma repartição de finanças para consultar um processo.
Ora, a essa profissional do foro foi-lhe, em princípio, negado o acesso ao processo e leve de esperar meia hora pelo fim de um misterioso conciliábulo entre o funcionário que a atendeu e o chefe da repartição de finanças, porque, segundo parece, deveria haver qualquer circular interna para proibir o acesso e a consulta desses processos aos próprios advogados. Isto passou-se, de facto!
E se, em vez de uma profissional do foro, se tivesse apresentado o cidadão vulgar, como aquele que tinha passado a procuração, esse cidadão tinha vindo embora sem ter tido possibilidade de exercer o direito de ser informado, direito de que era titular em relação àquele seu processo.
Não pretendemos ir mais alem do que fazer um projecto de carta de garantias dos direitos dos cidadãos nem sequer criar novos direitos, porque direitos individuais e colectivos já estão, como V. Ex.ª disse, efectivamente consagrados na Constituição; pretendemos, isso sim, densificar esses direitos,
explicitá-los, torná-los claros, inclusivamente através da imposição de deveres para a Administração, que, segundo reparou com certeza, em cada artigo, em relação a cada direito, vêm contrapostos os deveres, para que os cidadãos possam saber que direitos tom neste país e para que, efectivamente, a Administração também sinta quais os deveres que tem e a obrigação do seu cumprimento.
Parece, portanto, que esta iniciativa legislativa não prejudica em nada todos os outros diplomas, mas, antes, se afigura como uma base que, quanto ao procedimento administrativo, por exemplo, no nosso projecto de lei. complementa e pormenoriza, de facto, alguns dos direitos inseridos nesta carta de garantias dos direitos dos cidadãos, que, aliás, não é mais do que o que já existe noutros países, como é o caso da Itália.
Ao Sr. Deputado Alexandre Manuel direi, em primeiro lugar, que concordo inteiramente com o preâmbulo do seu pedido de esclarecimento.
Quanto à questão do «segredo de Estado», todos nós pudemos ver que a intenção do Governo era a de aumentar o número de matérias reservadas e impedir o exercício dos direitos pelos cidadãos, portanto instituir, de certa maneira, um regime que contribui para o afastamento dos cidadãos em relação à política, o que me leva a perguntar a quem serve esse alheamento dos cidadãos em relação à política. A resposta parece-me obviai
Em relação à questão das freguesias, e para concluir, dado que em tudo o resto estou de acordo com V. Ex.ª, o nosso projecto de lei prevê, efectivamente, num dos seus artigos, a descentralização, que, penso, é fundamental para se exercerem estes direitos perante a Administração.
A descentralização para as freguesias também é uma prática nalgumas autarquias, pese embora a míngua de meios de que dispõem; contudo, têm-se feito um esforço no sentido da descentralização.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Permite-me que a interrompa, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Muito obrigado. Sr.ª Deputada, lenho presente o projecto do seu partido, designadamente quando se refere à questão das freguesias. Creio, porém, que essa descentralização deveria centrar-se mais nas freguesias e não contemplar apenas as freguesias. Era isso, pois, que eu gostaria de ver mais assumido no projecto.

A Oradora: - Com certeza, Sr. Deputado.
Vou terminar porque o tempo é escasso e ainda temos outra intervenção para fazer. É que, Sr. Deputado, embora o título do nosso projecto de lei refira a administração local, nós pretendemos fazer uma carta de garantias para todos os patamares da Administração. Daí que não se tenha colocado mais a tónica em relação a essa questão da descentralização para as freguesias, mas, sim, da descentralização em geral.
Esperemos que o projecto de lei seja aprovado e possa eventualmente vir a ser melhorado, pois, cremos, será um bom contributo para que os cidadãos vejam os seus direitos reconhecidos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacto.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Desejo começar por congratular-me pelo contributo positivo que as iniciativas legislativas, hoje em apreciação, representam nas aspirações de modernização, simplificação, humanização e maior transparência no funcionamento da Administração Pública Portuguesa.
Uma primeira palavra para saudar as iniciativas relativas ao código de procedimento administrativo, há tanto tempo esperado e que, sem dúvida, contribuirá para melhor racionalizar a vida administrativa e clarificar o regime de exercício de direitos por parte dos administrativos. Deve, sem dúvida, o Governo proceder com diligência no sentido de sensibilizar os serviços públicos para a aplicação integral das regras de procedimento administrativo, consubstanciadas no que vier a ser a versão final do código.

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Uma segunda palavra para o projecto de lei do PCP sobre a carta dos direitos dos cidadãos perante a administração local.
Trata-se, a nosso ver, de uma iniciativa meritória, talvez não tanto pelo conteúdo jurídico inovador das suas disposições, como, aliás, reconheceu, agora mesmo, a Sr.ª Deputada Odete Santos, mas principalmente pela sistematização didáctica de uma carta de direitos, cujo valor informativo e pedagógico, tanto para os agentes da Administração como para os cidadãos em geral, é merecedor de acolhimento.
A terceira palavra para o projecto de lei do PS, que me incumbe apresentar.
Não estamos, assumidamente, nem perante um código de procedimento nem perante uma carta de direitos, no sentido de soluções legislativas com a ambição de dar resposta a um universo completo de situações conexas. Mas estamos, creio bem, perante uma aposta de aprofundamento e de reforço efectivos das garantias e dos direitos dos cidadãos perante a Administração, tanto a nível nacional como a nível regional e local.
O propósito foi o de corporizar, de forma concreta, o núcleo essencial de certos procedimentos que marcam o dia-a-dia da interacção entre os cidadãos e a Administração, impulsionando novos hábitos de relacionamento e de participação, estabelecendo condições adequadas de exercício dos direitos dos administrados e garantias efectivas de protecção do cidadão.
Presidiu à elaboração do projecto uma preocupação dominante: a de alcançar, por aplicação da lei, soluções eficazes para muitos dos problemas que os cidadãos vivem no quotidiano, alguns deles aparentemente triviais, mas que, em grande medida, são a pedra de toque da verdadeira natureza da Administração, do modo como realiza as suas missões de serviço público e como institui, ou não, a pessoa - a pessoa concreta - no cerne essencial das suas preocupações.
Diria que o projecto de lei do PS é a expressão de um compromisso político a favor do bem-estar dos cidadãos e da modernização dos métodos e dos procedimentos da Administração por forma a introduzir no sistema mais responsabilização, mais personalização, mais transparência e mais eficácia.
Num tempo em que muitas são as tendências para a burocratização dos procedimentos administrativos, destituindo a pessoa pela condição algébrica do mero número; num tempo em que a impessoalidade e a despersonalização são riscos permanentes, geradores de muitas indiferenças, múltiplas suspeições e outros tantos fenómenos de alienação da cidadania; num tempo em que as próprias exigências da modernidade, ligadas à informatização, se tomam tantas vezes cúmplices do anonimato e da desresponsabilização; num tempo em que a Administração corre o risco de perder o rosto, induzindo o cidadão a perder a confiança, é tempo de inovar soluções que contraponham movimentos positivos a tendências negativas e resgatem, para um relacionamento saudável, as práticas de interacção entre prestadores de serviços públicos e seus destinatários.
O PS aposta, por isso, na modernidade, mas numa modernidade que não perca o sentido da pessoa, das suas dificuldades e dos seus problemas, da autonomia e do respeito que são devidos à personalidade concreta de cada cidadão.
A linha de orientação inscreve-se, naturalmente, num quadro geral de iniciativas que conferem ao PS uma posição preponderante no propósito de reforma do Estado e da Administração Pública.
Desde a defesa do princípio da «administração aberta» pela liberdade de acesso aos documentos da Administração, sem prejuízo das cláusulas excepcionais de reserva da intimidade dos cidadãos ou das condições de segurança interna e externa do Estado, à protecção dos direitos dos cidadãos perante a informática; desde as garantias dos direitos participativos de petição e do referendo à consagração do direito de acção popular, passando pela aposta na descentralização aos vários níveis da organização democrática do Estado, pela regionalização e pelo reforço do poder local, em tudo o PS exprime uma concepção da vida pública assente na ideia da liberdade e na autonomia do cidadão activo, na valorização da iniciativa pessoal, no dinamismo da sociedade civil, nos princípios da igualdade e da solidariedade como indispensáveis à realização integral do homem.
Nesta perspectiva, para o PS, o administrado não é um súbdito e o utilizador de bens e serviços não é um consumidor abstracto.
Para o PS, o que está em causa é a intransigente defesa de uma Administração que funcione em condições de transparência e assegure a igualdade de tratamento, sem prejuízo da aplicação de medidas sociais destinadas a garantir os mínimos de sobrevivência e de dignidade humanas.
Assim, através do presente projecto de lei, propõem-se concreta e designadamente as seguintes medidas: consagração do princípio da igualdade de tratamento, tanto na fase de celebração do contrato como na da efectivação das condições nele estabelecidas, por forma a evitar situações singulares de discriminação que hoje em dia ainda se verificam, em razão das estratégias de certos serviços públicos aplicadas de costas voltadas para os interesses das pessoas; personalização do atendimento, instituindo-se o assistente no processo, incumbido do acompanhamento do processo nas várias fases do procedimento administrativo e por ele respondendo perante os interessados; garantia do princípio do atendimento reservado, por forma a preservar a privacidade mínima no tratamento dos assuntos próprios de cada cidadão; estabelecimento de procedimentos simplificados de apoio aos utentes, facilitando o acesso a Administração, em particular aos incapacitados de ler ou escrever, por analfabetismo ou deficiência; consagração da existência de linhas abertas de comunicação destinadas a facultar aos interessados as informações necessárias no âmbito dos respectivos serviços; criação, no âmbito da Administração Pública, da figura do livro de registo de sugestões ou reclamações, instrumento indispensável ao exercício do direito de reclamação e consequente direito de resposta;...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -... criação do princípio do aviso prévio, antecedendo qualquer corte voluntário de fornecimento de serviços domiciliários essenciais, como a electricidade, a água, o gás e o telefone, prevenindo-se assim frequentes transtornos e perdas de tempo na reposição de situações de normalidade; a previsão, também aqui inovadora e tributária de uma justiça social mais efectiva e atenta às situações de dificuldade familiar, de medidas de apoio social as famílias de rendimentos insuficientes, de suporte, em situações de precaridade, de despesas com a utilização de serviços domiciliários, como a água e a electricidade, indispensáveis a um mínimo de dignidade humana;...

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: -... a obrigatoriedade de discriminação nas facturas e recibos de serviços públicos, com particular destaque para os telefónicos, das unidades de conversação, datas e número de impulsos de cada utilização efectuada, por forma a garantir ao assinante a total genuinidade dos pagamentos que lhe são debitados; aplicação da legislação geral de defesa do consumidor nas situações de fornecimento de bens e serviços domiciliários essenciais e nas modalidades de atendimento público, conferindo assim aos consumidores de serviços públicos instrumentos de defesa do maior alcance; a previsão obrigatória dos encargos anuais resultantes dos consumos domiciliários, quando tomados em base de cálculos previsíveis; a garantia da aplicação dos juros de capital nos pagamentos ou restituições devidos pela Administração e efectivados para além dos prazos legal ou contratualmente estabelecidos.
Visando sempre aprofundar os direitos e garantias dos cidadãos, igualmente no domínio da administração autárquica e para além das medidas de âmbito geral já referidas, o projecto de lei estabelece ainda, com particular alcance e inovação, a criação legal da figura do provedor municipal, com competência para receber queixas dos munícipes por acções ou omissões dos órgãos e serviços do respectivo município, apreciando e podendo estabelecer as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças.
O provedor municipal é sujeito ao dever de cooperação com o Provedor de Justiça, podendo, perante ele, representar os respectivos munícipes.
Deste modo, não só a acção do provedor municipal não entrará em rota de colisão com as atribuições do Provedor de Justiça como, ainda, este verá ampliadas as possibilidades de extensão eficaz da sua acção.
Se a criação, em concreto, do provedor municipal vai depender, como não podia deixar de ser, da deliberação das assembleias municipais, verdade é que aos municípios portugueses é conferido um quadro de referência legal do maior alcance na concretização de modalidades locais de transparência administrativa e defesa dos direitos dos cidadãos.
Com idêntico propósito, previu-se o alargamento aos municípios, por regulamentação adequada, do exercício do direito de petição e ainda do direito de acção popular, com vista à deliberação, pelos competentes órgãos municipais, das consultas locais aos cidadãos eleitores.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, perante um projecto de lei que, como nele se diz, reforça os direitos e as garantias dos cidadãos perante a Administração de nível nacional, regional ou local.
Várias das medidas propostas poderão significar uma pequena revolução na superação de inércias, velhos hábitos, práticas rotineiras. Outras virão dar cobertura legal a procedimentos aqui e ali já instituídos, o que, evidentemente, em nada prejudica o sentido geral das mudanças qualitativas a que se pretende dar vida.
Direi, pois, em conclusão, que, com a presente iniciativa legislativa, o PS está certo de contribuir para conferir à Administração um novo rosto, nesse sentido apoiando e estimulando pela valorização os que nela trabalham e estreitando os laços de solidariedade entre os agentes do serviço público e os seus destinatários, afinal o conjunto dos cidadãos portugueses cujos direitos e interesses legítimos deverão encontrar na Administração acolhimento adequado e realização eficaz.

Aplausos do PS, do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, ainda que importante, como já o afirmei, este debate deveria estar a mais. É que, num regime democrático consolidado, como já é o nosso, os princípios hoje aqui defendidos já deveriam ter sido assumidos administrativamente pelo Governo, para que tudo fosse transparente. Assim, não seriam necessários estes projectos de lei nem esta discussão.
De qualquer modo, como isso ainda não acontece, vamos à discussão.
O projecto do Partido Socialista diz-se nacional, regional e local. No entanto, parece ficar-se em demasia pelo local. Por que não, Sr. Deputado, um provedor regional, designadamente em relação às Regiões Autónomas?
Na alínea a) do artigo 9.º, diz-se que «nenhum corte voluntário de fornecimento ou prestação poderá «efectivar-se, qualquer que seja o motivo, sem prévia notificação escrita». Muito certo. Falta, no entanto, Sr. Deputado, quanto a mim, a existência de uma sanção a aplicar à empresa ou serviço que proceda a tal corte voluntário sem prévia notificação. Caso contrário, poderá de nada valer o princípio.
Outra questão, ainda, esta em relação ao artigo 10.º Para evitar dificuldades técnicas evidentes, não seria preferível determinar, antes, que a discriminação dos impulsos telefónicos apenas fosse feita quando requisitada?
No n.º 6 do artigo 16.º, quem define o conteúdo essencial das petições, Sr. Deputado? E ainda: por que não estabelecer a garantia de que as assembleias de freguesia e as assembleias municipais analisarão, obrigatoriamente e em plenário, as petições legalmente feitas?
É que, além da pouca difusão dos boletins, como V. Ex.ª sabe, cabe perguntar quais os benefícios reais da sua publicação.
Outras questões poderia levantar, mas ficarão para o debate na especialidade, já que, segundo quero crer, o projecto irá, por certo e bem, ser aprovado.
De qualquer modo, pretendo sublinhar ainda um questão. Refiro-me concretamente ao n.º 2 do artigo 11.º, onde se determina a publicação da tabela anual da situação de rendimento familiar insuficiente. Sr. Deputado, ou é uma medida estrututal de largo alcance, e isso é de saudar, ou, então, não tem aplicação prática.
A propósito, onde se situa esse limiar de pobreza? No salário mínimo nacional? É que, de facto, o limiar real situa-se abaixo do salário mínimo nacional...

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito telegraficamente, dadas as dificuldades de tempo da minha bancada, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Alexandre Manuel que, naturalmente, tomo o conjunto dos reparos que fez como sugestões construtivas susceptíveis de ponderação, eventualmente de melhoria, em sede de debate na especialidade, designadamente no que concerne à hipótese de criação da figura do provedor regional.

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Quanto aos outros aspectos que referiu, permita-me sublinhar que a eventual cominação de sanções às empresas que não cumpram estas disposições poderá lambem ser articulada em sede de especialidade, sendo igualmente certo que a vocação fundamental desta iniciativa legislativa não é sancionatórina, mas tendente a contribuir, pelo alcance das medidas que nela se prevêem, para uma modernização e uma adaptação dos hábitos da Administração. No fundo, trata-se daquilo que o Sr. Deputado Alexandre Manuel referiu também no início, isto é, que, de facto, muitas vezes se dispensariam soluções legais se a prática administrativa tivesse já conduzido a este tipo de comportamento.
Portanto, o que, em suma, este projecto de lei pretende ser é uma contribuição positiva para arejar o modo de procedimento da Administração Pública, naturalmente intensificando alguns direitos e procedimentos administrativos, na preocupação de garantia de melhores condições de acesso dos cidadãos à actividade administrativa.
A propósito do exercício do direito de petição, referiu depois o Sr. Deputado a eventual entidade que, apenas para efeitos de publicação, definisse o conteúdo essencial dessas petições.
Como aí se refere, será sempre, nas respectivas assembleias municipais, nomeada uma comissão no interior da assembleia municipal, que, como é evidente, deverá ter uma composição proporcional a esta, para acompanhar a petição apresentada. Assim, no nosso entendimento, seria essa comissão que definiria esse conteúdo essencial, sem embargo de melhores soluções que venham a ser apresentadas.
Finalmente, quanto à medida estrutural de largo alcance, considero que a prevista medida social de apoio às famílias com rendimentos económicos insuficientes consubstancia exactamente uma medida social de largo alcance.
Tivemos uma dificuldade na altura da elaboração da norma, tal como ela está, e vou ser franco para o Sr. Deputado Alexandre Manuel. É que se adoptássemos soluções semelhantes às recentemente adoptadas no projecto de lei do PS a propósito dos idosos e dos medicamentos, o PSD dir-nos-ia que tal violava a
lei-travão nesta fase intercalar em que não há Orçamento, e isso poderia constituir um pretexto fácil para condenar o projecto. Nestes lermos, e como é óbvio, não quisemos dar esse pretexto fácil.
Por outro lado, há outras soluções já consagradas no direito positivo, algumas das quais se encontram patentes na actual lei das rendas, designadamente no que se refere aos subsídios a atribuir às famílias com rendimentos económicos insuficientes. Portanto, há já, ao nível do direito positivo, soluções que podem ser adoptadas. Desejável 6 que possamos depois contar com a boa vontade dos deputados do PSD para as configurar em concreto. De qualquer modo, fica já a definição do princípio, como um princípio social a concretizar.
Sr. Deputado, peço-lhe desculpa se não respondi a todas as suas perguntas; no entanto - volto a sublinhar -, tomo as suas sugestões como boas para o aprofundamento do diploma em sede de especialidade.

e qualquer modo, parto do princípio de que, neste caso, o silencio da bancada do PSD é um silêncio aprovador.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto apresentado, sob a forma de proposta de autorização legislativa, mas
substancialmente acompanhado do respectivo projecto de decreto-lei, visa disciplinar a actividade da Administração e o seu relacionamento com os particulares.
Temos publicamente afirmado ser a justiça uma questão de Estado e que o seu titular originário é o cidadão. Mas porque a justiça se não esgota na função jurisdicional, cometida ao poder judicial, também e ainda de justiça se trata em sede de direitos dos administrados, face a uma Administração que se quer realmente prestadora.
Partindo do tópico fundamental, segundo o qual direitos sem garantias não são direitos, entendemos o Estado, na acepção administrativa, como pessoa que desempenha a actividade administrativa, e falar nesta é falar em Administração Pública; é referir um universo de necessidades colectivas cuja satisfação incumbe a serviços.
Doravante, e com a presente iniciativa legislativa, o cidadão e a Administração passam a dispor de regras pelas quais pautam as respectivas condutas nas relações que entre si estabelecem. É todo um conjunto de comandos normativos que visa disciplinar a organização e funcionamento da Administração Pública, bem como a formação da respectiva vontade, por forma que sejam tomadas decisões justas, legais, úteis e oportunas e se assegure cabalmente a informação dos interessados e a sua participação na formação das decisões que lhes digam directamente respeito, salvaguardando a transparência da actuação e o respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, com consagração expressa dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses do cidadão, da igualdade e da proporcionalidade, os princípios da justiça e da imparcialidade, da colaboração da Administração com os particulares, da participação, da decisão, da desburocratização e da eficiência, da grutuitidade e do acesso à justiça.
Não é tarefa fácil compatibilizar a necessidade de eficácia da Administração e a participação dos interessados na sua manifestação de vontade, tendo sido recolhidas da doutrina e da jurisprudência muitas das soluções adoptadas.
É despiciendo enumerar a multiplicidade de necessidades cuja satisfação impende sobre a Administração e que vão desde a necessidade de protecção de pessoas e de bens à identificação das sociedades e dos cidadãos, neste caso assegurada por serviços do registo civil, comercial e predial, incluindo actividades económicas, de carácter social e cultural.

e a Administração Pública tem de garantir a satisfação de necessidades colectivas tão distintas e diversas, impõe-se que a sua relação com os particulares se assuma como relação transparente, participada, eficaz e justa. No entanto, e ao contrário, vulgarizou-se, para referir este complexo sistema de serviços e funcionários, a designação de «burocracia», designação em que transparece toda a dificuldade, quando não mesmo o antagonismo, entre o particular e a Administração.
Consciente dessa dificuldade, tem vindo o Governo a promover iniciativas que obstem a que a Administração seja um embaraço para o cidadão e antes se assuma como resposta às suas dificuldades e necessidades, isto é, à satisfação dos seus legítimos interesses. Com efeito, até hoje, e sem embargo de longínquas promessas que remontam ao ano de 1962, nem os cidadãos sabiam com clareza quais os seus direitos perante a Administração Pública, nem esta se pautava por normas uniformes de procedimento.
Releva-se, do mesmo passo, no diploma agora proposto, o conjunto de normas referentes à enumeração dos órgãos

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da Administração Pública, ao seu funcionamento e competências, à resolução de conflitos de jurisdição, atribuições e competências, bem como as garantias de imparcialidade. Mas o escopo principal desta iniciativa legislativa é, inequivocamente, o reforço das garantias dos administrados, sem que tal reforço seja meramente formal, o que se alcança com a previsão de um estatuto que lhes permite exigir uma Administração responsável e colaborante.
O regime instituído é assim um regime de dupla garantia, quer para o cidadão, quer para a própria Administração, através do reconhecimento de direitos e da protecção de aspectos de dimensão individual e social, que encontram num novo contexto normativo também a sua dimensão cultural.

uma época de avanço tecnológico, o reforço das garantias dos particulares é imperativo de justiça, pelo que a sua intervenção no procedimento administrativo, bem como o direito de participação nas decisões que lhes digam directamente respeito e o direito à informação, são inquestionáveis.
Assim, consagra-se, amplamente, o direito de intervenção dos particulares no procedimento administrativo.
O projecto representa ainda uma verdadeira revolução na administração tradicional, pela responsabilização dos actos que praticam os respectivos órgãos, funcionários e agentes e pela preocupação de promover a colaboração entre a Administração e os particulares.
Outros aspectos fundamentais do regime contido no projecto, e que concretizam a definição de uma política de justiça na área da Administração Pública, merecem ainda referência.
A compilação, num único documento, de toda a legislação relativa a organização e funcionamento da Administração tem por si um significado de certeza e de segurança jurídicas.
Sublinhe-se que, pela primeira vez, em casos de comprovada insuficiência económica, a Administração pode dispensar o pagamento das taxas ou de despesas a que houver lugar, no âmbito de qualquer procedimento administrativo. O Governo responde assim a mais uma preocupação eminentemente social, numa área em que os pagamentos pelos actos dos serviços eram efectuados sem ter em conta as carências dos mais necessitados.
Todavia, foi-se mais longe: não só os particulares têm o direito de intervenção no procedimento administrativo enquanto titulares de direitos, como lambem, pela primeira vez, esse direito é atribuído, para defesa de interesses difusos, às associações que tenham por fim a sua defesa.
Enfatize-se também o conjunto de disposições que concretizam o direito à informação e tomam a Administração mais transparente, bem como a participação real dos cidadãos na formação das decisões que lhes disserem respeito, como o direito de audiência dos interessados antes de tomada a decisão final.
Inovação é também o conjunto de situações a que, no silêncio da Administração, se passa a imputar o significado do deferimento, não se penalizando o particular por situações de ineficácia dos serviços.
Reforçadas estão também as garantias em sede de publicação e notificação dos actos administrativos, não devendo deixar de referir-se o regime de nulidade de todos os actos que ofendam direitos fundamentais e ainda a possibilidade de apreciação contenciosa dos actos de execução arguidos de ilegalidade própria.
Quanto às regras aplicáveis à actividade regulamentar, os cidadãos passam a ter o direito de solicitar a elaboração de regulamentos, podendo estes ser submetidos a discussão pública.
Cremos ter, com a presente iniciativa, plantado as raízes que permitirão fazer frutificar a árvore da eficácia do sistema administrativo, no respeito pelos direitos dos cidadãos, efectivando uma verdadeira inovação cultural nas relações entre Administração e administrados, a qual foi também possível mercê da imprescindível colaboração de figuras tão prestigiadas da nossa universidade.
Trata-se de um diploma de fundo. E a despeito do rigor técnico colocado na sua formulação e do valor político-jurídico das suas opções, deverá ser este sempre um projecto em busca de um consenso que, sem perder a matriz originária de quem o propõe, permita assumi-lo, uma vez aprovado, como um código para todos. Por isso aqui fica a nossa abertura a um cotejo com outras propostas, que, sem o descaracterizarem, eventualmente o valorizem, desde que a discussão democrática, que se deseja, se assuma, como deve, enquanto debate de ideias e não como processo de intenções. E que o que está em causa é o Estado e são os cidadãos. É em nome deles que aguardaremos o veredicto do vosso voto.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para uma melhor organização dos nossos trabalhos, entende a Mesa que será melhor continuarmos a sessão até terminarmos este debate. É que, se fizermos um intervalo para jantar, tal perturbaria os trabalhos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Ministro da Justiça, creio que neste caso todos sabemos quem fez o projecto, quem são os autores da reforma - não há segredo nenhum. Com efeito, estiveram envolvidos na reforma alguns dos mais prestigiados juristas especialistas na matéria, lendo o Sr. Prof. Doutor Freitas do Amaral assumido a responsabilidade da sua finalização.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É preciso esconder o nome dele! É segredo de Estado!

Risos do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Orador: - Por conseguinte, suponho, Sr. Ministro, que, desta vez, V. Ex.ª controlou politicamente os resultados, assumindo aqui, diante da Câmara, aliás com visível bonomia, os resultados do trabalho desenvolvido, sendo quanto a estes que gostaria de lhe fazer algumas perguntas.
A primeira pergunta é a seguinte: porquê a «maldição» da autorização legislativa? Na verdade, dir-se-ia que esta Câmara está condenada a carimbar autorizações legislativas, ainda por cima, como V. Ex.ª verificou, completamente vazias, sendo esta um mero sumário do conteúdo do bojudo articulado que lhe vem anexo e que, como V. Ex.ª também sabe, é juridicamente irrelevante. Com efeito, trata-se de uma cortesia e não de uma vinculação do Governo.
Por outro lado, porquê apresentar uma proposta de autorização legislativa, sendo certo que a Câmara teria

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condições para aprovar materialmente um código, podendo gerir as suas prioridades e tendo em conta a vontade política da maioria, a qual presumo que, mesmo sem multas, estaria em sintonia com o Governo?
A segunda questão que gostaria de lhe colocar diz respeito ao modelo do código. É que creio que passaram demasiados anos desde os tempos em que, de algum modo, era ambição dos juristas portugueses imitar o exemplo alemão e fazer uma lei sobre o procedimento administrativo que tivesse em conta o caso alemão.
Muitas águas passaram, designadamente em países com experiências semelhantes às nossas. Por exemplo, no caso italiano, malogrou-se por completo a hipótese de elaboração da lei de procedimento administrativo, que chegou a estar almejada. Porém, não é por acaso que isso acontece. É que há dúvidas sobre a vantagem da existência de um código com um carácter forçosamente geral, destinado a ser aplicado a uma multidão de destinatários e que, portanto, tem de ter regras com uma compreensão adequada ao seu nível de aplicação.
O Governo insiste nesse resultado. Por conseguinte, este modelo é, na minha opinião, excessivamente doutrinarista, minucioso e regulamentar, trinchando questões de doutrina num sentido que, há uns anos, o Dr. Rogério Soares, num célebre artigo publicado na revista Legislação e Jurisprudência, considerava perigoso.
Não sei o que é que ele considerará hoje face a este articulado. Não estou a emitir nenhum juízo, não me escoro de nenhuma autoridade, nem invoco nenhum precedente. Estou apenas a invocar um critério geral para questionar um resultado.
O outro aspecto sobre o qual gostaria de ouvi-lo versa sobre as razões e a metodologia a seguir para as próximas fases: uma autorização por 120 dias, portanto para ser executada com uma grande latitude, através de decreto-lei, o qual, por sua vez, terá uma vacatio, suponho que lambem dilatada, e uma comissão de reforma a controlar o processo. É que, Sr. Ministro, isto levará muitos meses, pelo que gostaria de pergunlar-lhc por que é que, uma vez mais, se isso nos leva tão longe, não se faz uma lei material, também com uma vacatio.
Sr. Ministro, a última pergunta que gastaria de fazer-lhe é de harmonização.
Esta é uma lei que deveria jogar com muitas outras leis: a lei do segredo de Estado - a tal, a infausta, aquela de que não vamos falar para não lhe causar ainda mais dores de cabeça!... a lei da administração aberta, com a qual, em princípio, todos nos alegraríamos, e a lei do contencioso administrativo, que, face à calamidade da justiça administrativa, é necessária como pão para a boca.
Por conseguinte, já que é um dos responsáveis pela arquitectura geral que aqui nos é submetida, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro como é que encara estas operações legislativas e para quando então a revisão do contencioso administrativo, que é uma peça fundamental para que tudo isto faça sentido e para que se possa dizer que os cidadãos ganharam com esta operação.
São estas as perguntas que lhe deixo, as quais, como vê, são simples.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Deputado José Magalhães, sem querer fazer barulho - como V. Ex.ª não fez - e querendo discutir seriamente as questões, gostaria de perguntar se sobre os projectos de lei que versaram o segredo de Estado, exceptuando o que foi apresentado por dois deputados independentes, alguém nesta Câmara sabe quem são os respectivos autores.

Vozes do PCP: - Estão assinados!

O Orador: - Creio que todos sabem que foram discutidos cinco projectos de lei, todos assinados - o projecto de lei do PSD foi também assinado. Não vejo, portanto, razão para dizer que é um projecto sem autor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Foi enjeitado!

O Orador: - Não tenho a informação de que lenha sido enjeitado. Fiquei com a ideia de quem, estando de fora, achou que se perdeu uma boa oportunidade para discutir ideias e se pretendeu antes perseguir pessoas.
Não foi, certamente, essa a intenção e, neste momento, o projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD é aquele que tem a sua gestação melhor definida - isto, sem discutir, evidentemente, o seu conteúdo.
Todos sabem que foi pedida uma colaboração a juristas do Ministério da Justiça, que a prestaram enviando um texto de trabalho técnico ao Grupo Parlamentar do PSD, que, por sua vez, elaborou o projecto e o apresentou. Significa isto, portanto, que, neste momento - sem que isto constitua um problema grave -, o projecto de lei do Grupo Parlamentar do PSD é aquele que tem, na elaboração e no trajecto da sua elaboração, uma autoria melhor definida. Porventura, não valeria a pena discutirmos este ponto. O diploma é do Grupo Parlamentar do PSD, como os outros foram do Grupo Parlamentar do PS, do Grupo Parlamentar do CDS, do Grupo Parlamentar do PCP e de dois deputados independentes.
Já agora, se me permitem, limitar-me-ei a chamar a atenção e a memória de W. Ex.ª para o facto de que todos os projectos de lei que têm sido apresentados no Parlamento e que justificam a presença de um membro do Governo da área da justiça têm sido acompanhados, sem excepção, pelo Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, porque se entende, bem ou mal - é um critério que não lenho qualquer dificuldade em tornar explícito -, que a participação do Governo não é aí decisiva; é uma participação de acompanhamento, de uma eventual intervenção supletiva, e têm-se seguido, sem excepção, a regra de que é o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça que está presente. Isso não significa diminuição de qualidade, visto que todos conhecem, e reconhecem, a qualidade do meu Secretário de Estado.
Quanto ao problema global do segredo de Estado, espero bem que, logo que passada uma fase de maior turbulência e a serenidade regresse à discussão jurídica do problema, encontremos aquela que também foi sempre a intenção do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, isto é, uma lei de segredo de Estado que seja consensual e que suponha ler por detrás, na sua elaboração, democratas, ião democratas uns como os outros, Ião capazes de definirem, abertamente e sem receios, que, numa administração aberta, o segredo de Estado é excepção e que, numa actividade e num regime democrático, o segredo ilegítimo é totalitário - aliás, lemos coisas escritas acerca disso e fizemo-lo antes da discussão da lei, pelo que não lemos complexos. É importante discutir - e já tive ocasião de
dizê-lo - se o texto que apresentámos pode, ou não, conduzir à interpretação perversa que lhe foi dada. Se não pode, é um

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texto que merece ser colocado em compaginação com os outros, como trajecto para encontrar uma norma consensual; se pode ser merecedor dessa interpretação perversa, então nós próprios seremos os primeiros a avançar com a sua modificação.
Referiu V. Ex.ª a maldição da autorização legislativa. Mas referiu algo mais e 6 com agrado que o verifico: salientou a cortesia do Governo, ao apresentar a formulação definitiva - na sua perspectiva, evidentemente - do respectivo decreto-lei. V. Ex.ª sabe que essa tem sido uma regra, também ela sem excepção, no Ministério da Justiça. Mais uma vez o fizemos, conjuntamente com a Secretaria de Estado da Modernização Administrativa, e assim o faremos, a não ser que alguma situação pontual, que justificaremos, nos leve a proceder de modo diverso.
Mais direi, Sr. Deputado, que um código de procedimento administrativo é também ele um diploma legislativo que tem de ser testado e o mais consensual possível. E, sendo certo que se trata apenas de uma proposta de lei de autorização legislativa, não se prevendo, por isso, a sua descida à Comissão, não tenho dúvidas em propor a V. Ex.ª, Srs. Deputados, que, uma vez aprovada a proposta de lei de autorização legislativa, a Comissão reúna informalmente comigo próprio e aí possamos encontrar aquilo que for susceptível de ser alterado no decreto que juntamos com a proposta de lei. Não queremos escamotear à Assembleia da República a sua intervenção decisiva; queremos, sim, ler alguma aceleração na regulamentação de uma área que é fundamental. Portanto, suponho que esta abertura mostra bem a dignidade e a transparência com que pretendemos regular uma matéria que tem também no seu cerne o cidadão português, como o único e verdadeiro interessado.
V. Ex.ª referiu o caso italiano. Ora, o caso italiano abandona o sistema regulamentarista com um argumento que, felizmente, podemos suportar. Dizem os Italianos que não pode ser assim, porque a Administração deles não responderia; que não têm uma Administração suficientemente preparada para suportar um procedimento administrativo regulamentado, tendo, portanto, que a deixar aberta para permitir que ela se reformule em si própria e possa, um dia, aceitar um código mais transparente, porque mais sério na sua explicitação. Felizmente, nós acreditamos que o impulso que vem sendo dado, nos últimos anos, à Administração Pública - onde, evidentemente, se notam ainda lacunas graves - é, todavia, susceptível de criar em nós o optimismo crítico suficiente para permitir que um código relativamente regulamentarista tenha por detrás de si uma Administração já capaz de responder. Mais que isso, entendemos que passámos o tempo das leis que escondiam as incapacidades para podermos, hoje, legislar de uma forma entusiasmante para a própria Administração, puxando por ela, incentivando-a e dirigindo-lhe um desafio. As mentalidades mudam a partir das próprias leis e, estando nós claramente num processo de mutação cultural, não temos dúvidas em aceitar o desafio.
Por outro lado, o Prof. Rogério Soares, que muito estimo quer do ponto de vista pessoal quer do ponto de vista académico, quando falou no perigo da regulamentação, falou ainda numa época em que a relação entre transparência, Administração e cidadão conhecia contornos diferentes. Hoje, como se sabe, a excessiva regulamentação pode significar falta de transparência, exactamente do mesmo modo que significa falta de transparência a falta de regulamentação. A excessiva regulamentação só é falta de transparência quando o cidadão não tem acesso, não é participante, não chega, e, então, não compreende. E, porque não compreende, é envolvido numa máquina burocrática que atrasa a resposta e não atinge os objectivos. Mas, num diploma totalmente transparente, em que a participação do cidadão é decisiva, a regulamentação é a forma clara e real de transparência.
As razões de metodologia são claras e fáceis de explicar: a vacatio é exactamente igual àquela que é proposta no projecto de lei apresentado por V. Ex.ª...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, considerando que V. Ex.ª quis fazer um inciso, deixo-o prolongar um pouco mais a sua resposta, mas, apesar de tudo, peço-lhe que abrevie.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente, dizendo apenas que não é pelas sucessões que vão conduzir à entrada em vigor do diploma que ele não encontrará o seu tempo exacto para vir a funcionar na sociedade portuguesa e, ao mesmo tempo, lembraria que já foi aprovada nesta Câmara a lei de acesso aos documentos administrativos (a lei da administração aberta, portanto); está em curso a discussão sobre o segredo de Estado - cê importante que a própria lei sobre o segredo de Estado seja também compaginada com estes outros, pelo que o seu agendamento deve ser lido em conta, e, por último, o diploma sobre o contencioso administrativo está, neste momento, numa fase final de circulação no Ministério da Justiça - o primeiro projecto, também da autoria do Sr. Prof. Freitas do Amaral, está em discussão e análise e a expectativa é a de que seja apresentado ainda nesta sessão legislativa. E digo «a expectativa», porque não nos interessa correr na sua apresentação para mostrar trabalho feito, mas, sim, trazê-lo aqui, quando houver, na consciência do Governo, a ideia de que se chegou a um bom diploma, ele também capaz de responder aí às necessidades dos cidadãos portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É vasta e intensa a controvérsia em torno da codificação do procedimento administrativo. Não só, com alguma veemência, se considera, entre nós e noutras latitudes europeias, que a experiência havida - de menos de um século - é insuficiente para a constituição de um diploma solidamente travejado. Há quem avente a impossibilidade de uma disciplina normativa que não redunde em prejuízo para a índole flexível de que devem revestir-se as práticas quotidianas da Administração. E sobram as vozes que aconselham sobriedade e rigor, extrema ponderação, uma estratégia de consagração do útil em detrimento das pomposas arquitecturas inexequíveis. Na outra margem ficam, é bem de ver, os apóstolos da adequação a Portugal de modelos ensaiados em países como a Alemanha, a França ou a Áustria, com toda a sua contraditória matriz, num tropismo que bem pode revelar-se inconsistente e pernicioso.
Por nós, PCP, pioneiros na apresentação de iniciativas legislativas nestes domínios, asseveramos opções seguras, bastamo-nos com o estabelecimento de regras elementares e claras, segundo o paradigma da simplicidade, que consideramos verdadeiramente estruturante nesta zona do direito e da vida pública,...

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: -... regras capazes de harmonizar uma plasticidade antiburocrática com o desenho preciso de garantias para os administrados e de instrumentos
interventivos idóneos para a Administração. Assim, preconizamos um regime que, subordinado ao princípio da legalidade na formação do acto administrativo, se assume enquanto mecanismo dúctil e eficaz de defesa dos cidadãos, num quadro de instituições abertas, destinadas à solução dos problemas que afectam a comunidade e o homem singular, bem como a máquina estadual, profundamente desregulada por erros, inércias e indefinições.
Na consciência de que o pensamento jurídico, nestes territórios moventes, desafiado pelo impacte das transformações tecnológicas, se acha em permanente laboração e, em Portugal, longe dos níveis desejáveis de consenso conceptual, optámos por um pragmatismo informado. De entre alguns traços fundamentais, acentuamos os que, expressamente, prevêem o direito dos administrados ao conhecimento do conteúdo dos processos, à participação em reuniões que lhes respeitem e à audição imperativa antes das resoluções finais que sobre eles venham a ser tomadas. Por outro lado, procedemos a mudanças no concernente aos actos tácitos, determinando a adopção de uma última diligência importante. Sc, com tal figura, se visa proteger o particular contra uma Administração relapsa ou intempestiva, não se desconhece o quanto esta, por vezes, se encontra manietada por prazos e incidentes compósitos, o que gera naturais dificuldades, nomeadamente no plano da legalidade de revogação. Tudo aconselha um delinear de concertação dos interesses em jogo, na esteira do que, em diversos ordenamentos, se tem ensejado com êxito. Ademais, definem-se, com precisão, os meios de reacção dos cidadãos, sobretudo reclamações e recursos, e os processos de suspensão de eficácia, de execução e de reposição do status quo ante anulação do acto administrativo, na óptica da solvência ou do franco atenuamento de atritos entre os interesses dos administrados e o interesse público, tal como do reforço das garantias daqueles.
Paralelamente, recobrem-se de cautelas tendentes a uma densificação da segurança os preceitos que, procurando acudir à necessidade de facilitar as acções suscitadas, acolhem a substituição da notificação por publicação e, bem assim, os que tutelam a moldura da caducidade por inércia ou incúria de quem detenha interesse protegível.
Partimos do concreto da vida, cujos afloramentos medulares perpassaram a apresentação, pela minha camarada Odeie Santos, de um outro nosso projecto de lei conexo, do testemunho multilateral, da simbiose dos dados empíricos e da ciência estabilizada. Evitámos qualquer propensão para a inovação polémica, o labirintismo tramitacional, tão ao gosto de certos dos nossos doutrinadores, a híper-regulamentação que rigidifica condutas, imutabiliza o que por sua natureza e susceptível de mudanças contínuas, entorpece - em vez de fluidificar - a produção de decisões justas. Somos adversos à lese de que o emaranhar de intenções quantitativistas é preferível à natural busca de caminhos escorreitos e lineares. A isso nos conduz uma visão assente nos padrões de eficiência e de optimidade, não singelamente garamística, sem sacrifício de uma evidente gratuitidade e das leis e dos valores que elas promovem ou salvaguardam. O Estado de direito democrático não é o cantão, nestas como noutras águas, dos escassíssimos amantes das excursões teoréticas, dogmáticas, não unívocas, impostas de cátedra a uma multidão de ignorantes. Muito ao invés: efectivando o programa constitucional, no sentido de tornar melhor o quotidiano de todos e de cada um, é a conjugação das engrenagens mais simples e menos imediatas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É imperioso, quando se legisla, não esquecer o destinatário comum: o autarca, membro de uma junta de freguesia, o anónimo português que, abjurando dos universos de papelada em que a justiça se embota, intenta a concretização de uma aspiração honesta ou se insurge contra uma Administração frequentemente fechada e autoritária que o lesou.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A proliferação das vias de informação do cidadão é, deste modo, impreterível.
Pena é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o articulado anexo ao pedido de autorização legislativa se não paute por idênticos critérios. Como já foi sublinhado, fora desta Casa, por autorizados comentadores - que, decerto, o Sr. Ministro da Justiça leu -, ele arroga-se a vocação monumentalista e barroca de uma obra imortal; não passa, todavia, de um friso de imperfeitas capelas, ao lado da construção do óbvio e de um mal disfarçado vezo secretista. Misturando um saber de compêndio com o pendor para a circular de serviços, a configuração de conceitos discutíveis com uma pormenorização ião excessiva que faz difundir a confusão e a inacessibilidade, renega a lógica do essencial e de uma franqueza redactiva indispensável, espartilha a actividade dos órgãos administrativos, em regra impreparados, metendo o pobre mortal do concidadão pagador de impostos e alvo de chatezas sem limite num apertado colete-de-forças.
O Governo não se poupou, com efeito, a uma exaustividade provisional que tange a incongruência e o irrealismo nem a uma propensão definitória, a muitas luzes, inconveniente.
Artigos como os 128.º, 129.º, 132.º a 137.º, 139.º, 140.º, 141.º, 145.º, 146.º e 150.º, n.º 1, devem, sem tibiezas, ser eliminados da economia de um diploma que se proclama codificador e acima do que é precário, não cristalizado suficientemente, procedendo-se às adaptações a que houver lugar, se - o que não é unânime! - se trilharem percursos de matriz teorizante. Estas disposições, a nosso ver, constrangem a jurisprudência e os doutrinadores no tratamento e na evolução das concepções jurídico-administrativas. Amiúde, no transcurso do documento apenso à proposta de lei, se ultrapassa aquele limiar de ordenamento bastante do viver da Administração e, em vertente complementar, a esfera do procedimento gracioso, incrustando-se de um plasma judicializador que se reivindica das instâncias e estruturas contenciosas.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Isto dito, de forma sumária, impõe-se afirmar com ênfase que a escolha da autorização legislativa, pelo executivo do PSD, é inaceitável. Não só o que se pede não deveria pedir-se - porque o debate material, nesta Câmara, se afigura indeclinável, em homenagem ao órgão de soberania que é e em benefício das normas a elaborar - como se pede mal: os três esquálidos e vazios artigos distanciam-se das exigências constitucionais, pelo

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que se reclama uma sua radical apreciação, no âmbito da 3.º Comissão, conjunta com os projectos da oposição.
Do que tratamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é de realidades que dia-a-dia se nos deparam: não de abstracções ou especiosidades de eruditos, por muito que se não desvalie o trabalho do pensamento arquitector de todos os renovos. É essencial, neste espaço de legislação, um aumento de certeza e de participação dos cidadãos, vector insuprível da funcionalidade da coisa pública e de uma democracia que se não quer apodrecida num mero representativismo, alargando, intoleravelmente, o fosso entre os impérios do poder e quem os recebe ou sofre.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aproximar a Administração dos administrados não pode servir de pólvora seca no fogo preso dos discursos. Tem de ser uma meta para que, instantemente, se avance.
O projecto de lei do PCP é um contributo decisivo para tal desiderato, um passo reflectivo, morigerado, para um operoso disciplinar do procedimento administrativo, um rio aberto aos afluentes da discussão serena e, por isso, disponível para fertilizar não só uma lei a empreender mas, bem mais que isso, o regime democrático que tanto haveremos de aperfeiçoar ainda.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao longo do trabalho preparatório de elaboração do projecto que apresentei juntamente com o Sr. Deputado Jorge Lemos, reforçaram-se-me as dúvidas sobre os méritos de uma lei geral do procedimento administrativo que, na esteira da Verwaliungsverfahrensgesetz germânica, lente estabelecer um quadro aplicável a tudo e a coisa pouca, a entidades públicas da maior importância e a pequenas estruturas (sem esquecer entidades situadas no sector privado).
Em todo o caso, compreendo que o desafio da tarefa seja suficientemente relevante e procurei reeditar em projecto de lei uma tentativa, aliás modesta -por isso lhe chamei mínima -, de reflexão sobre esse lema, encetada no início dos anos 80.
Reforçaram-se-me, pelo caminho, as certezas sobre as virtudes do revigoramento de direitos fundamentais e, nesse sentido, tanto o projecto apresentado pelo Partido Comunista, em primeiro lugar, como o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista, mais tarde, me parecem positivos e aperfeiçoadores de um quadro que, embora flua da Constituição e de certas leis, só ganhará com a explicitação pedagógica, a densificação legal. Devo dizer-vos, com toda a verdade, que recordo, com bastante saudade, alguém que trabalhou comigo nesse projecto do PCP, um autarca da CDU, José António Veríssimo, que muito se bateu para projectar no articulado alguns dos ensinamentos da experiência autárquica própria e do direito comparado, em particular do espanhol, e de outros que estudámos na busca de soluções razoáveis para conseguir uma lei da República que fosse eminentemente pedagógica e aditiva em relação a conteúdos já constitucionais.
Nesse sentido, o Sr. Deputado Guilherme Silva tem alguma razão - mas não ioda a razão! - ao criticar o projecto do PCP sobre o reforço do direito dos cidadãos perante a administração local.
Precisamos de inovar - isso é seguro. Todos os dias e de toda a parte nos vem a certeza de que as mudanças do mundo são tão vertiginosas que não deixam, seguramente, este sector imune e estanque.
Uma dessas novidades centrais é a progressiva difusão de uma concepção e de uma ideologia, tendencialmente universal, de uma nova cidadania capaz de quebrar, no dia-a-dia, as mil e uma sujeições e teias de dominação, que nos despojam dos nossos direitos e perpetuam as desigualdades mais lamentáveis.
Por entre sobressaltos, creio que andamos, uns mais do que outros, em busca de uma concepção igualmente aplicável em Lisboa, na Sérvia, em Leninegrado, em Luanda, em Havana, em Paris, em Pequim ou em Coimbra, aqui ao pé.
Portugueses e europeus que somos, estamos confrontados com o repto e com o drama de dar um salto no tempo para mergulhar no espaço desconhecido de um mercado único e de uma União Europeia que vão pulverizar, definitivamente, um certo modo de estar e um certo modo de fazer, que é ainda a alma da Administração Pública e da nossa vivência burocrática.
O próprio facto da União Europeia implica novos poderes de uma outra administração - a administração comunitária - e, logo, há-de implicar também novos direitos, novas garantias, ampliação do conhecimento dos actos, alargamento do direito à informação, novas legitimidades para intervir em procedimentos, garantias de notificação oficial de actos, obrigações de fundamentação das decisões, recursos acessíveis, controlo interno das decisões, alargamento da jurisdição do Tribunal das Comunidades, etc.
Ainda hoje mesmo, em carta dirigida aos deputados desta Casa, a DECO alertava para o facto de, amanhã, ser o Dia Mundial dos Consumidores e ser preciso lutar para que a Conferência Intergovernamental, que se realizará sobre as reformas institucionais da CEE, consagre a política de protecção dos consumidores como política comunitária e confira poderes aos órgãos comunitários para intervirem nessa área. Mas isso tem de significar também direitos para os cidadãos, sob pena de risco não de protecção mas de desprotecção.
Nestes tempos de abertura dos contratos de fornecimento e de obras, de liberalização plena da actividade bancária, seguradora, de transportes, de comunicações e económica, em geral, a reforma da Administração Pública e o reforço dos direitos dos cidadãos são condições absolutamente fundamentais para que o edifício a construir não cresça sobre um agravamento do défice de cidadania e uma magnificação da máquina supranacional, omnipotente, alimentado por partidocracias nacionais e internacionais, ciosas talvez das suas prerrogativas mas desinteressadas de uma estratégia dos direitos quotidianos dos cidadãos.
É com isso que se procura romper aqui, hoje, e isso é, na minha opinião, positivo.
Como bem lembrou Paolo Flores d'Arcais num estimulante seminário anteontem realizado em Lisboa, a partidocracia asfixiante da cidadania e da própria legalidade abre caminho à corrupção, ao clientelismo, ao próprio loteamento do Estado em talhões atribuídos a uns e a outros, mas não constitui alternativa ao desabar irreversível dos sistemas que, durante decénios, existiram no Centro e no Leste europeu e deixaram um triste rasto histórico.

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Precisa-se de uma imaginação nova, são necessários novos pais fundadores de ideais que evitem a desnaturação dos sistemas representativos, confiram genuinidade à participação, criem mecanismos que invertam a relação entre governantes e governados, quebrem barreiras visíveis e invisíveis que façam recuar o Estado secreto.
Os Portugueses não querem ser oprimidos pelas pequenas, médias e grandes burocracias. E, seguramente, também não querem entrar no século XXI duplamente albardados pelos burocratas nacionais e por supereurocratas de espora de aço, rédea firme e olho distante.
Analisado nesta óptica, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o nosso atraso é incomensurável e precisamos, de facto, de reformas. A Administração Publica Portuguesa conseguiu o prodígio de chegar à parte final do século XX irreformada, carregada da maior parte das pechas velhas e ciosa de vícios novos, centralizada, bastante prepotente, distante e sem rosto ainda. Funciona a duas, a três, a mil velocidades, segundo as posses, as condições sociais, em flagrante violação de disposições fundamentais do nosso texto constitucional.
As engrenagens pesadas movem-se mal, demasiadas vezes lubrificadas por taxas privadas a acrescer às públicas. A somar aos vícios públicos há vícios secretos, volta e meia lancetados em escândalos. Como a padaria faz pão, o actual sistema fabrica Costas Freires. Os sábios laranjas que nos governam edificaram, nestes anos, um verdadeiro Kafarnaum administrativo e uma flagrante desprotecção dos administrados.
Pior ainda, a crise da justiça impossibilita, em caso de prepotência, uma resposta célere, adequada, atempada e eficaz. Isso cria uma espécie de beco sem saída em que o cidadão é vítima de prepotência e não tem acesso à justiça, garantia fundamental e constitucionalmente prioritária.
Digo isto, Srs. Deputados, apenas para sublinhar uma questão crucial: a poucos meses da presidência portuguesa da Comunidade Económica Europeia, estamos atrasados em matéria de modernização administrativa. Devíamos chegar a essa presidência de carro e, provavelmente, vamos chegar ainda de charrete.
Cabe perguntar de quem é a culpa. Digo e respondo rapidamente: da Constituição não e, certamente, pois ela traça o quadro de uma verdadeira revolução administrativa.
A culpa também não é, em segundo lugar, da legislação ordinária em vigor. No fundamental, temos ainda excelentes leis, as mais delas aprovadas após o 25 de Abril ou em 1977, que conferem aos cidadãos importantes garantias. Há discrepâncias, há desarticulações, há lacunas, há problemas de aplicação, mas não está aí o problema.
Onde está ele, então? Quem matou essa Laura Palmer do nosso direito administrativo?
Creio impossível deixar de considerar o PSD responsável por este atraso, o PSD que renunciou à perspectiva de uma reforma administrativa para a substituir pelo SMA, o Secretariado para a Modernização Administrativa. Mas onde esta esteja ninguém vislumbra - com excepção, naturalmente, da sua ilustre e respeitável representante, que se senta aqui em baixo.
O SMA, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é, desde logo, 22 pessoas, o que é respeitável: um director, dois adjuntos, sete assessores, sete secretários...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, queira terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, para a descrição do SMA e das restantes misérias só preciso de mais uns segundinhos.
É, pois, uma estrutura pequena, cujo orçamento entre 1990 e 1991 decresceu numa área que não a das despesas de pessoal. Tem menos 19,3 %, o que deve entristecer bastante os responsáveis e tem consequências.
Mas eu diria que o SMA também não é o culpado bastante. Creio que o problema está em que o «cavaquismo», Sr. Presidente e Srs. Deputados, abandonou a reforma administrativa e inventou a reforma por epístolas.
O Primeiro-Ministro, nesta matéria, em regra não faz leis!... O que agora vai acontecer é importante. Vai ser aprovada uma lei!
Habitualmente, o Sr. Primeiro-Ministro escreve epístolas!... E eu tenho aqui uma colecção das epístolas do Sr. Primeiro-Ministro aos ministros. E o que é que lhes pede?!... Num tom que, aliás, acho gentil, solícito e atencioso - nada ditatorial e sem ameaça de multas -, pede-lhes que façam reformas administrativas modernizadoras sectoriais.
Tenho a carta de 1990, que é de uma gentileza extrema, mas lenho também, Srs. Deputados, o plano do ano em curso.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira abreviar.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
O plano do ano em curso pede outra vez aos ministros para, por favor, cumprirem os planos de modernização sectorial, o que quer dizer que os ministros, manifestamente, não cumprem!... Nem comparecem às reuniões!... E no relatório em causa - que não tenho tempo para ler, mas a Sr.ª Secretária de Estado, seguramente, nos contará com detalhe como foi - constata-se que há dificuldade em fazer essas reuniões, há dificuldade em chegar-se à modernização. Não se moderniza!
Chegamos então, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao código em debate.
Sobre o código já deixei em acta as críticas fundamentais e o Sr. Ministro da Justiça teve ocasião de deixar exarado em acta um compromisso. Creio que esse compromisso é importante.
Por mim, teria preferido - preferiria sempre - que a Assembleia da República aprovasse uma lei material. Acho que os deputados podem ter competência para o fazer. Sc necessitam de explicações e de apoio da comissão de reforma, pois que esta compareça, apoie e forneça explicações. Se precisam de ser activados com a fixação de prioridades, fixem-se as prioridades. Faça-se o trabalho, marquem-se prazos imperativos. Nada impede isso. Trabalhe-se de noite se for preciso trabalhar de noite - isso aconteceu aquando da revisão constitucional, por que é que não pode acontecer para o código de procedimento administrativo?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Haja vontade política!
O compromisso do Sr. Ministro, embora não substitua uma boa autorização, devidamente densificada, é a assunção da responsabilidade de comparecer perante o Parlamento, na sede própria, para discutirmos o código em detalhe. Código que, como disse, foi elaborado por um conjunto de competentes juristas, mas não infalíveis.
Daí as dúvidas que exprimi, mas daí também o voto que faço, seriamente, de que se consiga levar a cabo, com êxito, este conjunto de reformas...

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado.

O Orador: -... e que a Administração Pública Portuguesa, nas suas diversas componentes, consiga levar a cabo a reforma que nunca poderá apenas vir de Tora e que terá de contar também com o empenhamento dos trabalhadores, daqueles que tomam as decisões, daqueles que, no dia-a-dia, são o rosto visível da nossa Administração. Sem esse esforço, e também sem a participação das autarquias locais, fundamentais neste contexto, a reforma não será possível.
Daqui lanço não um anátema mas um voto positivo: que essa reforma administrativa seja possível, seja um êxito. O êxito não será do Governo, será, naturalmente, de todos nós.

Aplausos do deputado independente Jorge Lemos, do deputado do PCP José Manuel Mendes e do deputado do CDS Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados: A essência do regime democrático é o equilíbrio entre a sociedade e o Estado.
Por um lado, é necessário evitar a apropriação da sociedade pelo Estado, estimulando a diferença entre as duas realidades, incentivando as particularidades, a diversidade dos interesses, a heterogeneidade das actividades e das suas finalidades por parte dos cidadãos.
Por outro lado, garantir a missão do Estado, que é a de reagrupar o que está dividido, imprimir-lhe a coerência e o sentido da unidade, em nome do interesse geral ou o bem comum.
Por isso, não pode um partido ou um governo ou uma maioria, por mais extensa que ela seja, identificar-se com o próprio Estado. O Estado não consente qualquer apropriação. Todos se devem reconhecer na sua estrutura interna e externa e encontrar na sua acção uma resposta para todas as preocupações. Pertence-lhe a função de arbitragem, de garante de valores que são a expressão da comunidade nacional. A tão falada transparência do Estado democrático é, ao fim e ao cabo, a visibilidade da pluralidade dos interesses e das aspirações reinantes na sociedade civil e o modo prático como estão asseguradas as condições institucionais, normativas e axiológicas do debate.
Com efeito, a existência contigente da pluralidade de ideias, dos valores, se não forem organizados, correm o risco de se destruírem mutuamente. O Estado tem de ser o nó duro e irredutível para manter este debate sempre em acção, através de mecanismos que garantam não apenas a liberdade de proposição e de crítica mas também o denominador comum da responsabilidade colectiva. São estes, aliás, os princípios democráticos consubstanciados no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa.
É desta relação entro a sociedade e o Estado que nasce o direito de o cidadão pedir contas a qualquer agente da actividade pública, ou seja, à sua Administração, e o dever do Estado de gizar todas as formas do controlo legal da mesma actividade. Nos Estados modernos estes mecanismos de controlo são de quatro tipos: o autocontrole (mediante o exercício do poder hierárquico, poder de inspecção e poder disciplinar), o controlo jurisdicional do Provedor de Justiça e os poderes fiscalizadores do Parlamento.
Não é todavia directamente o controlo, mas o próprio processamento da actividade administrativa que está hoje e aqui em debate.
Na versão inicial da Constituição de 1976, o artigo 202.º distinguia, por um lado, a administração directa e indirecta, colocando ambas sob a direcção do Governo, e, por outro, a administração autónoma, na qual o Governo apenas superintendia. Em 1982, com a primeira revisão constitucional, o apuro técnico das distinções foi mais longe e, assim, passam a ter um esquema segundo o qual o Governo dirige os serviços e actividades da administração directa, superintende em administração indirecta e exerce a tutela sobre a administração autónoma.
Adoptou-se, assim, o princípio de descentralização e uma configuração pluralista da nova Administração Pública. Com a introdução da administração autónoma, o Estado Português, sem ser um «Estado das autonomias» como o espanhol, marcou definitivamente a passagem de uma administração centralizada, hierárquica e napoleónica para uma administração pública descentralizada com largas zonas de autonomia.
Por outro lado, nos últimos 15 anos caminhou-se bastante no sentido da autonomia do poder local e das autonomias regionais insulares dotadas não apenas de
auto-administração mas também de autogoverno.
Se no plano da administração autónoma temos hoje soluções positivas, na administração directa e indirecta as coisas vão de mal a pior. A reforma administrativa marca passo e espera um governo do CDS para levar a cabo tão necessária tarefa. Criam-se novos institutos públicos que ultrapassam largamente o milhar sem que haja uma lei geral.
O artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa consagra cinco princípios - de desburocratização, de aproximação dos serviços às populações, de participação dos interessados na gestão administrativa, de descentralização e de desconcentração - que tomam, assim, inconstitucionais todas as normas que contrariem a orientação por eles expressa. São por isso feridos de inconstitucional idade todos os diplomas que transferem para o Estado as atribuições municipais por ofenderem o princípio de descentralização.
A desburocratização não se esgota no mailing dos desdobráveis e na colocação de cartazes nas repartições públicas. Como há um ano dizia o Sr. Deputado José Magalhães, so chamado Secretariado para a Modernização Administrativa não passa de uma pequena central de conselhos piedosos que oferece às vítimas da burocracia cartazes e folhetos coloridos, onde se desenha um mundo idílico cheio de funcionários com um belo sorriso nos lábios, bem pagos e bem formados, em serviços bem organizados e bem instalados, em bichas felizes - se isso se passa em algum sítio é no paraíso, mas não em Portugal!». A participação dos interessados na gestão da Administração Pública não passa de um ideal distante diariamente espezinhado!
Quanto ao processamento administrativo, antes do código que hoje nos ocupa, foi elaborado um projecto do Código de Processo Administrativo Gracioso, em 1980, que após uma revisão ministerial conduzida pelo Professor Diogo Freitas do Amaral - que agora se chama controlo político - foi divulgado e submetido à discussão pública. Daí resultou uma segunda versão, igualmente publicada em 1983. Após quase oito anos de hibernação, é trazida hoje aqui uma versão mais simplificada.

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Antes tarde que nunca. Saudamos o novo código que muito deve ao eminente administrativista e político Professor Diogo Freitas do Amaral, que Finalmente vê coroada de êxito a aspiração que, desde 25 de Abril, todos acalentamos para dotar o País com uma Administração Pública moderna, participada, própria do Estado de direito democrático que somos. O código de processo administrativo, em primeiro lugar, consagra os princípios, formulados inicialmente pela doutrina e recebidos depois pela jurisprudência, que estão hoje consagrados na Constituição. A maior parte deles são princípios tradicionais cujo enunciado, em forma explícita, não traz grande novidade: é o caso do princípio da prossecução do interesse público, do princípio do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos particulares e do princípio da legalidade. Mas há dois outros princípios que nem a doutrina nem a jurisprudência portuguesas tinham ainda acolhido de modo generalizado e que a Constituição formulou em termos inovadores: o princípio da justiça e o princípio da imparcialidade.
A importância especialíssima destes dois princípios reside no facto de eles consubstanciarem limites intrínsecos do poder discricionário da Administração, isto é, critérios que devem nortear o exercício desse poder e que, quando desrespeitados, geram a ilegalidade do acto administrativo correspondente.
Não posso aqui alongar-me demasiado sobre este ponto, mas direi ainda assim o seguinte.
O princípio da justiça é aquele segundo o qual os órgãos e os agentes administrativos devem actuar com justiça no exercício das suas funções. Desdobra-se, por sua vez, em três corolários: princípio da justiça stricto sensu; princípio da igualdade; princípio da proporcionalidade.
Quanto ao princípio da imparcialidade, é aquele segundo o qual os órgãos e os agentes administrativos devem actuar com imparcialidade - isto é tautológico - no exercício das suas funções. Também comporta três corolários: proibição de favoritismos ou perseguições; proibição de decidir sobre assunto em que seja interessado; proibição de tomar pane ou interesse em contratos celebrados com a Administração ou por ela aprovados ou autorizados.
Durante muito tempo entendeu-se em Portugal que o único limite intrínseco do poder discricionário da Administração - para além, naturalmente, dos limites extrínsecos da competência, da forma, das formalidades e do objecto - era constituído pelo Hm do acto administrativo, crismado de desvio de poder. O desvio de poder era, pois, o único vício característico do exercício ilegal do poder discricionário.
Ora, e esta perspectiva que sofre uma alteração radical com a introdução constitucional dos princípios da justiça e da imparcialidade, porque a violação desses princípios no exercício de poderes discricionários já não constitui matéria de administração pura, mas de administração contenciosa; já não é assunto que releve da esfera da discricionariedade, mas da esfera da vinculação; já não traduz má administração, mas ilegalidade.
E assim que um acto administrativo viole o princípio da justiça é um acto administrativo ilegal. O mesmo se passa com um acto administrativo que viole o princípio da imparcialidade e também com qualquer acto administrativo que viole alguns dos corolários do primeiro ou do segundo destes princípios que enunciei.
De modo que o exercício de poderes discricionários já pode ser agora fiscalizado contenciosamente. E o desvio de poder já não é a única ilegalidade que pode afectar um acto administrativo discricionário: a violação do princípio
da justiça ou do princípio da imparcialidade, bem como de qualquer dos seus corolários, gera o vício de violação de lei.
De tudo resulta, assim, uma radical transformação. O acto administrativo decompõe-se agora em dois hemisférios: o da legalidade e o do mérito. No primeiro, analisa-se a sua conformidade com a lei; no segundo, o aspecto da conveniência do acto. Antes desta Constituição, a injustiça do acto era equiparada à sua inconveniência, e situa-se por conseguinte na causa do mérito. Um acto injusto não era um acto ilegal; era apenas um acto ferido de um vício de mérito - e, portanto, só fiscalizável pelas autoridades da administração activa, nunca pelos tribunais.
Actualmente, e por força do princípio da justiça consagrado na Constituição em 1976, um acto injusto é um acto ilegal - a injustiça é um vício da legalidade, constitui violação de lei - e, portanto, o acto injusto pode ser contenciosamente impugnado. A injustiça pode e deve ser jurisdicionalmente apreciada e declarada, constituindo fundamento de anulação de todos os actos inquinados.
Quer dizer, a justiça do acto administrativo transitou do hemisfério do mérito para o da legalidade, o que é uma revolução no nosso mundo jurídico, mas que tem, afinal, todo o sentido. Quem melhor que os tribunais, que são os templos da justiça, pode apreciar se um acto administrativo é justo ou injusto?
Daí a necessidade daquilo que hoje aqui ouvimos - como do pão para a boca - aquando da reforma do contencioso administrativo.
Com estas alterações, atingiu-se na nossa ordem jurídica o ponto mais alto das mutações do direito administrativo material que se verificaram em Portugal desde 1974 e que são bem dignas de uma revolução que se anunciou libertadora e ao serviço do Estado de direito.
O código do procedimento administrativo consagra harmoniosamente todos os princípios que ficaram enunciados e representa uma das reformas estruturais de que a nossa Administração carece.
Votaremos, por isso, favoravelmente a autorização legislativa e levaremos em conta o compromisso do Sr. Ministro da Justiça que está aberto para integrar no debate, na especialidade, todos os projectos apresentados nesta Câmara.
É um compromisso de diálogo, de honra e esperamos que o novo código do procedimento administrativo seja, autenticamente, um novo código saído dos serviços técnicos e periféricos do Ministério da Justiça.

Aplausos dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr.ª Secretaria de Estado, Srs. Deputados: Infelizmente, o adiantado da hora não propicia que possa dedicar-se uma análise tão detalhada quanto seria desejável a esta proposta de lei e aos projectos de lei relativos ao procedimento gracioso administrativo que agora estão a ser discutidos na Assembleia da República. Mas, Srs. Deputados, permitam-me sublinhar com alguma emoção o facto de, volvidos tantos anos sobre o preceito da Constituição que previa a elaboração de uma lei que

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regulasse o procedimento da Administração Pública, finalmente, nos encontrarmos peno de realizar esse desiderato. É, efectivamente, um momento extremamente importante que nem o adiantado da hora obnubila.
Srs. Deputados, gostaria também de referir-me à circunstancia, extremamente significativa, de o Governo ter feito acompanhar a sua proposta de autorização legislativa de um projecto de decreto-lei que permite determinar com suficiente rigor, embora não tenha uma valia formal vinculativa, quais são as suas intenções, qual é o objecto, a extensão e o sentido da autorização legislativa. Ela, de resto, resulta claramente, ao contrário do que foi aqui afirmado, da circunstância de o n.º 4 do artigo 267.º da Constituição, já por si, delimitar claramente esse objecto e o sentido estar enunciado no n.º 2 da proposta de lei.
Penso que, justamente, se deveria ter em atenção duas questões básicas que esta proposta de lei do Governo bem como os projectos de lei do Partido Comunista e dos Srs. Deputados Independentes suscitam.
A primeira diz respeito a uma questão que, aliás, já foi aqui levantada pelo Sr. Deputado José Magalhães relativa a antinomia que todos os projectos sobre o procedimento administrativo tom de resolver, de uma maneira ou de outra: entre a legalidade e a eficiência.
A lei do processo administrativo alemão, a Verwaltungsverfahrensgsetz, de uma maneira muito clara optou pela legalidade e pela diminuição da discricionariedade da Administração Pública.
Fê-lo na sequência dos traumas que envolveram a Alemanha no período da guerra e, na altura, chegou a dizer-se que a discricionariedade era o «cavalo de Tróia» que eliminava a legalidade administrativa. Mas não deixa de ser curioso que, hoje, os comentaristas dessa mesma lei sublinhem a profunda obra de flexibilização que a prática administrativa, e a própria jurisprudência dos tribunais administrativos alemães, tem vindo a operar, no sentido de reconhecer à Administração Pública a necessidade de possuir iniciativa e de dispor de um poder discricionário que, nos limites da lei - e sem ofensa dos direitos fundamentais -, possa garantir-lhe a flexibilidade e a agilidade necessárias para enfrentar os problemas e resolver as questões que se põem no Estado de direito.
Estamos, agora, em Portugal, precisamente, perante esse problema. Ora, a meu ver, ele não é resolvido, ao contrário do que diz o Sr. Deputado José Magalhães, pela circunstância simples de o número dos artigos ser maior ou menor, chamar-se um projecto mínimo ou chamar-se um projecto máximo. Não é assim, salvo o devido respeito, que as questões devem ser encaradas. E vale a pena, aliás, ter em consideração ires debates fundamentais que se registaram a este propósito.
O primeiro, justamente na Alemanha Federal, numa célebre reunião dos professores de Direito Público Alemão em que se discutiu precisamente esta matéria.
O segundo foi invocado pelo Sr. Deputado José Magalhães. Trata-se da posição dos autores do projecto do Código de Processo Administrativo Gracioso, de 1983, e da reacção lida pelo Sr. Professor Rogério Ehnharcht Saars e agora, o terceiro, mais recentemente, a discussão havida em Itália a propósito do projecto Nigro, que, justamente, representa um pólo de algum modo oposto em relação aquilo que representa a lei alemã do procedimento administrativo.
Diria que a proposta do Governo - aliás, o mesmo poderia dizer-se em relação aos projectos de lei do PCP e dos Srs. Deputados Independentes, apesar de conterem
algumas lacunas que me parecem significativas - tem uma visão equilibrada do problema, embora pense que seria importante, por uma questão de cautela, mencionar claramente que não existem formalidades indispensáveis, senão aquelas que são absolutamente essenciais em matéria de processos sancionatórios, e que, fora essas, sempre poderão encontrar-se fórmulas alternativas que substituam um processo por outro processo. Isto é, justamente, a tal flexibilização de que falei há pouco e que existe quer na Alemanha Federal quer no projecto Nigro em Itália. É assim aconselhável a formulação de um artigo que permita que a Administração Pública escolha a forma procedimental mais adequada, desde que isso não envolva diminuição das garantias dos particulares.
De qualquer forma, penso que o projecto do Governo é uma solução equilibrada e que não vem criar constrições que não sejam susceptíveis de serem perfeitamente ultrapassadas por duas vias fundamentais: em primeiro lugar, uma vacado legís suficientemente larga, e ela está consignada na proposta governamental; em segundo lugar, por uma preparação cuidada da Administação Pública, que terá, naturalmente, de aprender a trabalhar com este código que impõe níveis de exigência bastante mais elevados que os actualmente praticados.
Sabemos que a Sr.ª Secretária de Estado tem já preparados processos que visam dotar os funcionários da Administração Pública dos necessários conhecimentos. Portanto, há uma esperança fundamentada que as perturbações, que são inevitáveis e que acontecerão com a entrada em vigor de um diploma desta relevância, serão suportáveis e ultrapassáveis e que, finalmente, teremos o inestimável benefício de possuir um código de procedimento administrativo tal como a Constituição durante tanto tempo previu em vão.
Srs. Deputados, gostaria de chamar a atenção da Câmara para a possibilidade de as disposições do código - afinal de todos os códigos - admitirem um posicionamento da Administração Pública que não me parece compatível com aquilo que resulta da Constituição: refiro-me à matéria relativa ao privilégio da execução prévia.
Penso que, hoje, em que quando os actos administrativos ofendam o conteúdo essencial dos direitos fundamentais tem de considerar-se nulos, em que há uma acção para defesa de um direito interesse legalmente protegido, e quando estão previstas fórmulas jurisdicionais para a aplicação das sanções mais graves, designadamente coimas e multas - inclusivamente, no que diz respeito as coimas, há até um processo que vai ao ponto de atribuir essa competência aos tribunais comuns, pela sua proximidade com o direito penal, mas noutras matéria são os tribunais de execuções fiscais que as aplicam -, não é aceitável prever-se que, fora de muitos contados domínios, uns pela natureza das coisas, como em matéria policial, e noutros quando a lei expressamente o autorize, a Administração Pública lenha uma prerrogativa genérica, uma nota que exista em todos os actos administrativos, salvo indicação em contrario, de poder fazer a execução prévia dos actos que pratica.
É que uma coisa é a imperatividade dos actos, a sua eficácia unilateral na esfera jurídica dos destinatários, independentemente da vontade destes e apesar de poderem não ler a colaboração dos particulares no seu teor formativo, outra a possibilidade de imposição coactiva das obrigações que cria. A Administração Pública já não tem nem deve ter as prerrogativas do passado, nem é esse o seu posicionamento no ordenamento jurídico-constitucional português.

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Gostaria ainda de referir a - esta de menor importância - que diz respeito à circunstância de no projecto de decreto-lei do Governo o âmbito da aplicação do futuro código ser determinado em função do critério das actividades de gestão pública, por um lado, e de se excluírem, por outro, as empresas públicas, mesmo quando actuem segundo processos de autoridade. Julgo que são matérias que, justamente pela abertura que o Sr. Ministro da Justiça aqui demonstrou, e a meu ver em termos muito oportunos e justificados, devem ser discutidas de modo a colher a impressão da comissão especializada no que diz respeito ao articulado concreto do diploma, permitindo apurar se essa é, efectivamente, a solução melhor do ponto de vista pragmático.
Além destas observações, em que me circunscrevi àquilo que considerei absolutamente essencial, não queria deixar de fazer uma outra: a dificuldade que existe quanto à inclusão no código da problemática da feitura dos regulamentos administrativos. E, neste caso, por uma razão simples: é que a elaboração doutrinal em Portugal não está, face às mutações sofridas pelas fontes, após a entrada em vigor da Constituição de 1976, suficientemente amadurecida para, de uma maneira clara, se distinguirem os regulamentos independentes daqueles que os não são ou, pelo menos, fazê-lo em lermos que não suscitem dúvidas.
Ora, tal como se encontra regulado isso pode conduzir, por uma via indirecta, a que as próprias leis, mesmo na consonância da obrigatoriedade constitucional, quando ela exista, sejam na sua elaboração sujeitas à audição dos interessados. Não é mau que assim aconteça, mas se assim for, então, é preferível ter uma imposição directa em relação à feitura das normas legais e não consigná-la pela via indirecta dos regulamentos que as disciplinem.
Julgo, assim, que o projecto de decreto-lei do código apresentado pelo Governo, como exemplificação do modo como vai utilizar a autorização legislativa, é efectivamente um bom trabalho. É um trabalho extremamente positivo e pode permitir, se se adoptarem as cautelas que a enorme revolução da entrada em vigor deste diploma impõe, que a Administração Pública dó um passo em frente extremamente importante e que, simultaneamente, os administrados vejam substancialmente reforçadas as suas garantias e vejam, na sua actividade quotidiana - que é o mais importante -, que os direitos fundamentais se tornam realmente operativos. Penso que esse é o resultado mais significativo e mais importante que irá ser conseguido com a autorização legislativa, que o meu grupo parlamentar está disposto a votar.
Já agora, digamos que é importante que o processo de elaboração seja célere, porque, aproximando-se como se aproximam eleições legislativas, não gostaríamos de ver este processo interrompido, não porque tenhamos receio quanto ao resultado dessas eleições, mas porque a formação inevitável, do ponto de vista constitucional, de um novo governo sempre introduz atrasos em matéria de elaboração legislativa que, neste caso, seriam extremamente perniciosos.
Não julgo que a circunstância de a autorização legislativa ser aprovada e de Ficarem prejudicados, do ponto de vista formal, os projectos apresentados pelo PCP e pelos Srs. Deputados Independentes seja um resultado grave, sobretudo porque, justamente, as contribuições - e algumas existem que merecem ser acolhidas no diploma final - poderão vir a ser consideradas quer pelo Governo directamente quer através do processo que foi sugerido pelo Sr. Ministro da Justiça.
Portanto, resta-me dizer que é com muita satisfação que vejo aproximar-se o momento de ser dada uma autorização para que, finalmente, tenhamos em Portugal um código de procedimento administrativo ou um código de processo administrativo gracioso - consoante lhe queiram chamar. Já não é sem tempo! Bem hajam aqueles que permitiram que isso seja uma realidade!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Rui Macheie, acompanhei, com o maior empenho, a intervenção que acabou de produzir e que trouxe à superfície do debate um conjunto de indicações - a nosso ver positivas -, quanto ao que pode ser a tramitação a que haveremos de dar lugar para o culminar de uma boa lei do procedimento administrativo.
Na economia do discurso que fez escolheu uns quantos lemas que lhe são fagueiros e não incorporou alguns outros.
Assim sendo, gostaria de perguntar-lhe, primeiro, se entende ou não que, tal como está, o projecto anexo à proposta de lei do Governo incorre num vício de excessiva dogmatização, de excessivo pendor de manual, de desmesurada cristalização conceptual em domínios onde não há, entre os administrativistas portugueses, consensos estabelecidos.
Depois, em segunda questão, indagar se pensa ou não que algum tropismo
hiper-regulamentarista acaba por permitir relações menos fluidas entre a Administração e os administrados, desta forma peando uns e outros e não contribuindo quer para a realização do princípio da justiça, que é elementar, quer para o paradigma da simplicidade, à sombra da qual, por exemplo, nós elaborámos o nosso projecto de lei.
Eram estes os dois temas que lhe deixava para uma resposta clarividente e, espero, esclarecedora...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PRD teve a gentileza de me ceder cerca de 60 segundos, que procurarei não exceder.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Deputado Rui Macheie, devo dizer-lhe que tive grande gosto em ouvir a sua intervenção, diria até que julguei não estar na mesma Câmara onde estive às IS horas e 30 minutos, coisa que, aliás, muito me satisfaz.
Agradou-me, particularmente, ouvir as suas considerações sobre a necessidade de enterrar certa noção do privilégio de instrução prévia e outras doutas considerações. Como é óbvio, isto são cumprimentos e flores, aliás razoavelmente merecidas.
As perguntas que vou colocar têm a ver com o carácter excessivamente conceptual islã do código, portanto, com os riscos de travar a evolução normal da jurisprudência.
No estado em que está a jurisprudência portuguesa em relação a determinadas matérias, com o grau de polémica que é conhecido, não considera o Sr. Deputado Rui Machete que há algum risco de imposição manu nulitari de certas orientações em detrimento de outras? Pensa que isso é benéfico?

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Não considera, igualmente, que deveria ser deixada maior margem de normação para alguns dos aplicadores e destinatários do código - e estou a pensar não só nas autarquias locais como nas Regiões Autónomas (vejo que o Sr. Deputado Guilherme Silva ficou, e com toda a razão, com os ouvidos mais esticados)? É que o caso das Regiões Autónomas é particularmente importante, uma vez que, como se sabe, estas têm limites particulares para legiferarem. Na sua opinião, é ou não preciso ter em conta essa margem de segurança, sob pena de, naturalmente, haver ilegalidades ou, então, ignorância do código? Neste último caso, o código será ignorado, não passará de um belo hino a um projecto nunca concluído, nunca executado, e como os cidadãos têm pouca margem de defesa, devido à crise da justiça administrativa, gera-se uma situação que me parece extremamente perigosa.
São estas as considerações que gostaria de fazer-lhe, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Macheie (PSD): - Penso que as questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes e pelo Sr. Deputado José Magalhães, de algum modo, são próximas e se entrelaçam.
Muito sucintamente, diria que, quando V. Ex.ª s olham para aquilo que é a experiência da Alemanha Federal, que foi uma fonte confessadamente inspiradora das propostas em que colaborei, verificarão que não há regulamentação superior àquela que existia e que está em vigor no Venvaltungsverfahrensgeseiz.
V. Ex.ªs poderão perguntar: «Bem, mas isso, em relação à fase de elaboração da doutrina e da jurisprudência portuguesa, não será demasiado adiantado?» Nesse caso, diria que, curiosamente, há uma resposta, que nos dá alguma ajuda. Trata-se de um manual, elaborado pelo Dr. Esteves de Oliveira, que tomou o projecto de código de procedimento administrativo como base, quase como se ele estivesse em vigor, o que conduziu a alguns resultados bem interessantes do ponto de vista dogmático, tendo demonstrado que as coisas não ficariam com a fixidez e sem possibilidade de evolução, como parece que os vossos comentários prenunciariam.
Isto não quer dizer, todavia, que, aqui ou além, não possa suscitar-se, num ou noutro sector, alguma dúvida, que valeria a pena discutir com pormenor. Mas não penso que exista o risco de a doutrina nada ter para discutir ou de a jurisprudência e a Administração terem dificuldade em flexibilizar suficientemente o código. Portanto, a minha resposta, em relação aos dois casos, é negativa.
Também não penso que os outros dois problemas que colocaram, no sentido de o código poder diminuir a agilidade da Administração Pública e a própria maneira como os administrados se poderão defender ou, ainda, quanto à possibilidade de flexibilizar ou de agilizar a sua aplicação por parte das autarquias locais, resultem, necessariamente, do código.
Todavia, penso que estamos numa matéria em que é necessário ter cautela e ser prudente. Julgo que valerá a pena, e isso será tido em consideração por parte do Governo, que exista um período de experiência em que justamente seja feita a análise de como o código é aplicado, de quais são os seus efeitos negativos, porque com certeza terá alguns, pois é um diploma muito complexo na sua engenharia jurídica e, portanto, não pode deixar de ler alguns efeitos perversos.
Mas o que espero, sinceramente, é que esses efeitos perversos sejam muito menores do que as melhorias substanciais que ele permitirá introduzir a curto prazo e, sobretudo, a médio e a longo prazos.
Já agora, permitam que vos diga que a circunstância de confiar exageradamente em que os princípios consignados em códigos minimais, ao refractarem-se nos casos concretos, não levam a grandes perturbações na prática administrativa e não levam a grandes confusões na jurisprudência e, porque não dizê-lo, em alguma doutrina menos avisada não é, seguramente, uma opinião que tenha por segura ou que perfilhe.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Oliveira e Silva.

O Sr. Alberto Oliveira e Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Com a iniciativa agora em discussão quer o Governo que lhe seja concedida pela Assembleia da República autorização para legislar sobre o procedimento administrativo e sobre a actividade da Administração Pública.
Conformando-se, para esse fim, com o princípio da especialidade, a que, por imperativo constitucional, devem obedecer todas as autorizações legislativas, explicita o Governo, além do objecto, o sentido e a extensão daquela que agora pretende ver outorgada.
Ora, não se põe em causa a legitimidade, a oportunidade e nem mesmo o mérito desta iniciativa legislativa, o que, de algum modo, dá testemunho do espírito de justiça e isenção com que o Partido Socialista sempre aborda os actos do Governo.
Na verdade, quanto ao primeiro aspecto, a matéria que se deseja regulamentar, contendendo frontalmente com as garantias dos administrados, inclui-se na exclusiva competência legislativa da Assembleia da República. Pode esta, porém, autorizar o Governo a legislar sobre ela, como se vê no artigo 168.º da Constituição, desde que se observem os requisitos previstos no n.º 2 do mesmo preceito, que na proposta se mostram, aliás, completamente respeitados.
E certo que o assunto em apreço, pela sua magna importância, bem poderia ser tratado directamente por esta Assembleia, tanto mais que se inclui na reserva relativa da sua competência, e essa é mesmo a motivação que, em grande parte, justifica o projecto de lei apresentado sobre o mesmo tema pelos Srs. Deputados Independentes José Magalhães e Jorge Lemos.
São, todavia, estes parlamentares os primeiros a reconhecer que o código do procedimento administrativo, que o Governo nos apresenta, obedece aos mais elevados padrões da reflexão e produção jurídico-administrativa nacional e
sabe-se que a comissão de deputados especialistas que o elaborou pôde contar com o inestimável contributo do Professor Freitas do Amaral, autor ou responsável das primeiras versões do diploma, que vieram a público em 1980 e 1982.
Estas circunstâncias impedem-nos, obviamente, de opor qualquer reserva à iniciativa do Governo, que só não apodamos de tardia por termos consciência bastante da complexidade e do melindre das questões nela envolvidas.
E será mesmo de justiça sublinhar que, se elas obtém agora soluções técnicas plausíveis, isso se ficará a dever em larga medida àquele eminente professor, que se empenhou, assim, com todo o seu saber na produção de um diploma que vem, indiscutivelmente, dar um contributo

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muno relevante ao reforço do Estado de direito no nosso país e ao aprofundamento do seu regime democrático.
Se considerarmos, finalmente, que o decreto-lei que aprovar o código proposto, ao abrigo da autorização legislativa impetrada, poderá ser objecto de apreciação parlamentar, para efeitos de alteração ou recusa de ratificação, lógico é concluir que a iniciativa do Governo não briga com uma ampla responsabilização desta Assembleia na configuração definitiva do diploma.
As considerações que assim ficam expendidas propendem a ultrapassar a controvérsia, mantida desde remota data e cujo termo não se vislumbra no horizonte, sobre as vantagens ou mesmo sobre a praticabilidade da codificação administrativa.
Contra ela não se volvem apenas as imputações de fomentadora do imobilismo legislativo, do conservadorismo doutrinal ou do ideologismo legalista, anátemas comuns a qualquer espécie de codificação.
Outros acrescem, na verdade, a visar especialmente a cobertura jurídica da Administração Pública.
É o próprio Professor Freitas do Amaral que aponta a juventude como um dos traços específicos do direito administrativo, que, tendo nascido apenas com o consulado de Bonaparte, após a primeira fase da Revolução Francesa, entra em Portugal pela mão de Mouzinho da Silveira, com as suas reformas de 1832.
Constituído, assim, por uma grande variedade de normas, de formação recente e durabilidade diversa, sem o suporte de princípios forjados por uma tradição milenária, como o direito civil, derramando-se por uma infinitude de situações, que postulam estatutos profundamente dissemelhantes e, às vezes, até antagónicos, inquinado por frequentes imperfeições técnicas e submetido, enfim, ao casuísmo de uma permanente influência jurisprudência!, a codificação do direito administrativo estaria, segundo muitos, condenada de antemão a um irremediável fracasso.
Marcelo Caetano, nas suas Lições de Direito Administrativo, de 1934, chegou a sustentar que nós, portugueses, beneficiávamos de uma experiência singular, pois leríamos sido, de todos os povos, os primeiros a tentar a codificação administrativa, acenando a este propósito com o código setembrista de 1836.
Mas nem esse, nem os que se lhe seguiram durante a monarquia constitucional, nem sequer o actual, herdado do regime anterior, constituem verdadeiros códigos do direito administrativo.
Nenhum deles leve por objecto uma codificação global do direito administrativo, ou, ao menos, da sua parte geral. Todos eles se contentaram em dispor apenas sobre a administração local comum, explicando-se as diferentes versões que vingaram a partir de 1836, sobretudo pela luta constante entre as concepções centralistas e descentralizadoras, que, com acesso efémero ao Governo, tentaram impor-se alternadamente no decurso da monarquia constitucional.
O código do procedimento administrativo, agora em apreciação, ao sistematizar os princípios gerais que devem reger os actos da Administração e o processo de formação das suas decisões, com os desenvolvimentos nele consagrados e sem prejuízo de eventuais alterações que possam ser acolhidas como contribuição útil deste e outros debates, se vier a entrar em vigor, como é de presumir, será, pois, o primeiro diploma no nosso país a codificar a parte geral do direito administrativo.
O que não significa, porem, que venha a receber o aplauso caloroso de toda a nossa doutrina.
Assim é que de Coimbra chega-nos a voz, repassada de cepticismo, do Professor Rogério Soares, que, depois de sustentar que um código de procedimento administrativo não responde a qualquer exigência ética, nem é via indispensável à realização do Estado de direito, podendo ale comprometê-la, exorta a uma postura de humildade, conducente a reconhecer a ausência de um consenso generalizado na doutrina portuguesa que permita ambientar a gestação neste domínio de uma obra proveitosa.
Negando ainda a existência de substanciais atropelos aos interesses dos administrados ou à eficiência da Administração, acaba por concluir que, onde houver necessidade de uma cristalização legislativa, algumas leis avulsas poderão resolver as dificuldades.
Porventura menos radicais, outros, como o Dr. Barbosa de Melo, estribados na experiência e cultura jurídica de países onde a elaboração científica do direito partilha os mais altos níveis de desenvolvimento, como a França e a Itália, que não codificaram até hoje o seu direito administrativo, defendem que essa codificação, a fazer-se, não deverá exceder os limites de pouco mais que a mera catalogação de princípios gerais, assentes e consolidados por uma aceitação unânime.
E é, justamente, este minimalismo que vem assumido no projecto de lei dos Srs. Deputados Independentes José Magalhães e Jorge Lemos, embora nos pareça que o trabalho produzido ultrapassa largamente as fronteiras da principiologia anunciada.
Seja como for, por mais ou menos fundamento que tenha aquela argumentação, a verdade é que, pelo menos, pane dela inspira-se em concepções que põem em causa a clássica separação dos poderes ou a sua ordenação, para afirmar uma crescente autonomia da Administração, conflituante com a sua sujeição estrita ao princípio da legalidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é esta, como se sabe, a rota inscrita na nossa Constituição, que, pelo contrário, impõe expressamente a vinculação legal da actividade administrativa.
Dispõe, na verdade, o artigo 266.º, n.º 2, da Constituição que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei, acrescentando o artigo 267.º, n.º 4, que so processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial».
À luz deste inciso, a elaboração do código do procedimento administrativo afigura-se-nos, pois, sobejamente justificada, embora não se considere, como é óbvio, uma exigência indeclinável da Constituição.
Seria agora o momento de valorar o mérito do diploma, numa perspectiva de política legislativa, que permitisse confrontar os resultados obtidos com os imperativos constitucionais, já que do ponto de vista puramente tecnico-jurídico a autoridade de quem o elaborou dá antecipadas garantias de trabalho altamente qualificado.
O tempo que nos é concedido para esta intervenção só nos consente, porém, algumas considerações e mesmo essas necessariamente ligeiras ou perfunctórias.
Desejaríamos realçar, antes de mais, que o código com que nos confrontamos não se limita a assegurar a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços da Administração Pública e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.

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A regulamentação proposta ultrapassa os objectivos especificados no artigo 267.º, n.º 4, da Constituição, o que, longe de constituir um defeito, é, pelo contrário, uma qualidade.
Na verdade, regula ainda, de acordo com os artigos 61.º e seguintes, e em termos que suscitam a nossa inteira concordância, o direito à informação consignado no artigo 268.º, n.º 1, do texto constitucional, segundo o qual a Administração deve informar os cidadãos, sempre que estes o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como dar-lhes a conhecer as resoluções definitivas que sobre cies forem tomadas.
É que, sem este direito à informação, a administração participada, garantida pelo n.º 4 do artigo 267.º da Constituição, seria, em grande número de casos, impraticável, e daí a necessidade da sua regulamentação conjunta no diploma para assegurar a exequibilidade daquela participação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas a segunda revisão constitucional consagrou também o princípio da administração aberta, prescrevendo agora a Constituição, no seu artigo 168.º, n.º 2, que os cidadãos têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei, em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
Esclarece o código em apreciação que as pessoas com direito de acesso à referida documentação são mesmo aquelas contra as quais não se encontra em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito.
Suscitam-se neste campo, como se sabe, questões de grande melindre, sendo inegável a dificuldade, que por vezes existe, em conciliar este direito com a confidencialidade imposta pela salvaguarda dos interesses públicos e privados que a Constituição e o código do procedimento enunciam.
Nos regimes democráticos, o sistema do segredo de Estado vem perdendo terreno para o sistema do arquivo aberto, já solidamente implantado nos países escandinavos e outros.
Não obstante, o PSD ousou apresentar nesta Assembleia um lastimável projecto de lei, que mereceu a repulsa generalizada de toda a oposição e da opinião pública esclarecida,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... pelas absurdas limitações que pretendeu impor ao direito à informação, típicas de um verdadeiro modelo de Estado burocrático e totalitário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Foi, sem dúvida, um mau serviço que o PSD quis prestar à democracia, mas pensamos que não terá outro remédio senão arrepiar caminho, desistindo sem demora de tão insólita iniciativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ficam, assim, por tratar múltiplos e importantes aspectos do diploma, que, aliás, na sua esmagadora maioria não nos suscitariam qualquer impugnação.
Finalizamos, vaticinando que a entrada em vigor deste código irá tornar ainda mais evidente e premente a necessidade de o articular com um diploma que sistematize a responsabilidade civil da Administração Pública perante os administrados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O suprimento dessa lacuna constituirá, sem dúvida, mais uma contribuição de vulto à implantação do Estado de direito em que estamos empenhados.
Mas, agora, só há tempo para dizer que contará com o nosso voto a autorização legislativa solicitada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa.
A Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa (Isabel Corte-Real): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com grande satisfação que, nos termos constitucionais, apresento à Assembleia da República a presente proposta de lei de autorização legislativa para que o Governo possa legislar em matéria de procedimento administrativo.
E, quando afirmo que o faço com satisfação, fundamento-me em três ordens de razões.
A primeira tem a ver com o significado político desta apresentação.
O código do procedimento administrativo é algo que vem sendo destacado como necessário para a modernização da Administração Pública há quase 30 anos. Não pode o Governo deixar de congratular-se com o facto de protagonizar o presente pedido de autorização legislativa, no qual concretiza a esperança de muitos que, no interior da Administração ou fora dela, prosseguem os objectivos de melhoria do serviço público.
A segunda ordem de razões dirijo-a às condições que possibilitaram esta apresentação. Fala-se com frequência no muito saber acumulado na comunidade científica que a Administração deve saber utilizar e potenciar.
Para além do empenho político do Governo, esta apresentação é também possível porque a comunidade científica e uma geração de ilustres administrativistas e especialistas em ciência da Administração generosamente se têm entregue, há várias décadas, ao estudo e debate destes temas, criando um terreno propício ao florescimento de novas ideias.
Permito-me relembrar nesta sede os nomes de Rui Machete, Osvaldo Gomes, Rui Pestana, Pamplona Corte-Real, Professor Freitas do Amaral e a equipa que liderou, constituída por João Raposo, João Caupers, João Martins Claro e Vasco Pereira da Silva.
A terceira ordem de razões dirijo-a à própria Administração Pública. O Governo apresenta este pedido de autorização legislativa confortado com o apoio que esta matéria mereceu por parte da organização administrativa, o que é, sem dúvida, sinal de que o conceito da Administração dos cidadãos vem ganhando gradativamente novas adesões.
A proposta que hoje apresento a esta Assembleia está fundamentada numa longa exposição de motivos e documentada, também, com um anteprojecto, o qual permite melhor compreender o objecto, sentido e alcance

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do que se propõe, anteprojecto que poderá vir a receber os ajustamentos que ainda se revelem necessários.
Não irei debruçar-me pormenorizadamente sobre toda esta documentação. Julgo, porém, oportuno referir os objectivos em que se funda, todos eles tendo como meta a melhoria do serviço público e o reforço dos direitos e garantias dos cidadãos.
Primeiramente, visa-se disciplinar a organização e funcionamento da Administração Pública, procurando racionalizar a actividade dos serviços.
Visa-se, ainda, regular a formação da vontade da Administração, por forma que esta tome decisões justas, legais e oportunas.
Assegura-se, também, a informação aos interessados e a sua participação na formação das decisões que lhes digam directamente respeito.
Salvaguardam-se princípios de transparência da acção administrativa e o respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos.
Finalmente, preconiza-se a desburocratização da Administração, a fim de assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões.
Os princípios que o informam, no desenvolvimento e em articulação com os princípios constitucionais, são elencados e caracterizados nos primeiros artigos do código, dos quais me permito destacar os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade, o princípio da proporcionalidade, no sentido de que as decisões da Administração que colidam com direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar, o princípio da colaboração da Administração com os particulares e o princípio da participação, no sentido de que os cidadãos devem participar na formação das decisões que lhes interessem.
O elenco dos objectivos e princípios norteadores e, sobretudo, a sua concretização, consubstanciada na presente proposta, permitem desde logo avaliar do seu carácter inovador.
É ainda de assinalar o facto de se reunir num único diploma um conjunto de matérias que até à data têm conhecido grande dispersão e fluidez. Está o Governo convicto de que esta codificação se traduzirá em vantagens significativas de transparência, clareza, certeza e eficácia, tanto para os funcionários que o irão aplicar como para os cidadãos que irão accionar os seus mecanismos.
Não se ignora a profunda mudança que se preconiza com a presente proposta de lei nem se ignoram as dificuldades que se antevêem, razão pela qual se acautelará a vigência do código do procedimento através, designadamente, das medidas que passo a referir.
Em primeiro lugar, tratando-se de legislação que importa ser bem conhecida e incrustada nos procedimentos da Administração Pública, revela-se necessária a fixação de um período de vacatio legis adequado a uma ampla divulgação prévia à entrada em vigor do diploma.
Em segundo lugar, para além da ampla acção de informação e divulgação, também no domínio da formação se terão de desenvolver sérios esforços, que já se preparam.
Em terceiro lugar, releva-se o carácter não estático e experimental da legislação cuja aprovação se preconiza, a qual poderá vir a receber ajustamentos resultantes da experiência de aplicação e dos contributos que a jurisprudência e a doutrina produzirem.
Não gostaria de terminar a minha intervenção sem, finalmente, destacar o significado desta iniciativa, em articulação com as políticas de reforma administrativa prosseguidas pelo Governo: a mensagem da modernização administrativa proposta pelo Governo tem sido a da «Administração dos cidadãos».
Considera o Governo como aspecto positivo o facto de esta perspectiva da Administração - de, para e com os cidadãos - vir ganhando adesões, que se reflectem, designadamente, na forma como estas questões são cada vez mais abordadas por diferentes grupos, líderes de opinião, pela comunicação social e até por esta Assembleia, o que tem vindo a conduzir a uma mudança de atitude da Administração face aos seus diferentes utentes.
O processo de modernização administrativa é, em pane, uma tarefa de conquista dos espíritos. Diria, assim, que os sinais de mudança que se começam a desenhar indiciam que o rumo prosseguido é certo e seguro.
A esta mensagem de melhor serviço e de melhoria da qualidade tem o Governo associado um conjunto de iniciativas de supressão de dezenas de formalidades. Lançou-se, ainda em 1987, uma campanha para a personalização dos serviços e a supressão do anonimato e para a melhoria do atendimento do público. Criaram-se «linhas azuis» disponíveis para prestar informações e melhoraram-se os horários de atendimento. Publicaram-se guias e suportes de informação. Realizou-se pela primeira vez, em 25 de Outubro do ano passado, o Dia Nacional da Desburocratização, que conseguiu congregar medidas legislativas ou de outra natureza propostas e conduzidas por múltiplos sectores.
Mais de 100 serviços e organismos da Administração Pública desenvolveram iniciativas específicas. O poder local, por iniciativa própria, vem-se preocupando também com esta temática. Tendo como pólo dinamizador a Equipa de Projecto para a Desburocratização da Administração Local, decorrem experiências em muitas autarquias locais e também projectos-piloto nas Câmaras Municipais de Vila Real, Matosinhos, Espinho, Albergaria-a-Velha, Mangualde, Vila Franca de Xira, Cascais, Nisa e Castro Marim.
Uma palavra ainda quanto ao método. O Governo tem apostado em dinamizar este processo de mudança nele interessando todos os departamentos e níveis da Administração, com uma filosofia descentralizadora. Não se traia, de facto, de conduzir um plano por forma centralizada e global, mas, antes, de levar a que cada sector e nível da Administração conduza cie próprio o seu programa sectorial de modernização administrativa. Decorrem, aliás, neste momento encontros sectoriais com os membros do Governo e os directores-gerais de cada ministério, com vista ao aprofundamento das questões.
Tem o Governo aliado a esta postura pragmática e de gradualismo a iniciativa de dinamizar, realizar e conduzir reformas de fundo no âmbito da função pública e noutros domínios.
Com a publicação do código do procedimento administrativo, o Governo, ao mesmo tempo que realizará uma das tarefas fundamentais do seu Programa em matéria de Administração Pública, tem fundada esperança de que ele constitua um dos instrumentos importantes da reforma administrativa empreendida.
Não quereria alongar-me mais e desejaria terminar aqui a minha intervenção.
Conhecedor dos ganhos conseguidos e também do muito trabalho feito, o Governo está consciente do muito por fazer. Os políticos da nossa geração têm tido a ansiedade e a pressa de tudo realizar em poucos anos, por forma que a sociedade portuguesa atinja a plenitude social, cultural e de desenvolvimento que desejamos.

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Pica-nos, porém, a satisfação de com muita perseverança e modéstia sermos capazes de ir construindo e aprovando os instrumentos que o viabilizem. Colocar o Estado ao serviço dos cidadãos é ganhar a confiança destes face às mutações presentes e futuras e é, sem sombra de dúvida, missão difícil e permanentemente inacabada, mas justamente por isso mais estimulante e responsabilizadora.
Temos vindo a dar passos seguros para vencer estes desafios, mas o futuro exige-nos que se faça mais e melhor.
A construção da perfeição e das utopias é, porém, trabalho de deuses que os homens não se devem arrogar, pois está para além da sua dimensão. Cabe, antes, ao poder político e aos homens e mulheres que o exercem uma postura de modéstia e de Estado, dinamizando medidas como a que hoje discutimos, as quais reforçam decididamente os direitos e garantias da pessoa humana.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, em tempo cedido pelo CDS, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que seria injusto deixarmos a Sr.ª Secretária de Estado fazer aqui o seu primeiro discurso sobre uma matéria fascinante como esta sem fazermos qualquer pergunta, mesmo atendendo ao adiantado da hora.
A Sr.ª Secretária de Estado, devo dizê-lo, foi bem subtil no que disse e também no que não disse. Teve a gentileza de, designadamente, não fazer a mínima alusão a algumas das questões que eu tive ocasião de suscitar sobre o funcionamento do SMA, que deve ser a coisa que a Sr.ª Secretária de Estado mais directa e imediatamente conhece e com a qual mais padece.
Na verdade, a Sr.ª Secretária de Estado não veio aqui lamuriar-se, o que é digno e fica-lhe bem, só que não correspondeu à nossa expectativa de informação.
A questão é que noutros países seguiu-se uma via, como sabe, de reforma globalizante, que falhou em Portugal quando tentada. Em todo o caso, nada obrigava a que, em vez de se aprovarem leis, se fizessem as reformas por despachos, resoluções e, agora, por epístolas. E sobre o mistério das epístolas queria colocar-lhe algumas questões.
Inquieta-me o insucesso das epístolas do Primeiro-Ministro. Como é que as epístolas daquele que deveria ser o hierarca do Executivo, o apóstolo dos apóstolos, ficam sem a mínima das mínimas opções, a ponto de no programa das actividades do Secretariado, a que V. Ex.ª preside ou sobre o qual superintende, se repelirem iodos os anos os mesmos apelos lancinantes para que os ministros cumpram e façam planos sectoriais de modernização. Pergunto-lhe, pois, Sr.ª Secretária de Estado, se não ha aqui um problema de autoridade e de hierarquia.
Em segundo lugar, é muito difícil, como disse V. Ex.ª, que outros - que não deuses - se lancem à utopia... Bem, mas nós somos deputados, governantes, responsáveis políticos e V. Ex.ª tem um Programa do Governo à frente e essa é a sua utopia possível, a sua utopia do concreto.
O que lhe pergunto é como consegue consagrar essa utopia do concreto com o Orçamento que decresce 19,3 % entre 1990 e 1991 na área que citei há pouco. Gostava de saber se isso lhe provoca alguma adição ou se para o efeito modernizador resultante do verbo essa falta de verba não a incomoda.
Gostaria, pelo menos, que não nos abandonasse sem nos deixar o confronto de saber o que lhe passa na alma e no cofre nestes dois domínios.

O Sr. Jorge Lemas (Indep.): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que o PSD está na disposição de ceder tempo para que a Sr.ª Secretária de Estado possa responder.
Tem, pois, a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa.

A Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa: - Segui com muita atenção os comentários que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de fazer e gostava de dizer que tocou numa matéria que, obviamente, me é grata, porque tem feito parte da minha vida profissional nos últimos cinco anos, três dos quais como membro do Governo e os outros dois como directora dessa estrutura que referiu.
Tenho, pois, algum orgulho e vaidade na acção da modernização administrativa que tem vindo a desenvolver-se.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Não se nota muito!

A Oradora: - O discurso em matéria de modernização administrativa mudou muito!

Vozes do PS: - O discurso...

A Oradora: - Se, de facto, no passado, quando se falava na modernização administrativa, se referiam, essencialmente, matérias de natureza estrutural, meios, gestão, orçamentos, a proposta que se tem vindo a fazer vai no sentido do cumprimento das missões de cada organismo. Aliás, costumo dizer que o termo de posse de cada funcionário público encerra em si um programa de modernização administrativa, porque quando se afirma que se vão cumprir com lealdade as missões que são confiadas e que nisso se empenha a honra está aí uma mensagem muito mobilizadora da mudança que todos desejamos.

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Isso é bem observado!
Tem é de ser cumprido!

A Oradora: - Fundamentalmente, tem-se procurado uma mudança de atitude e esta tem levado, na minha perspectiva, a que a sociedade lenha aderido à linguagem da Administração para o melhor serviço.
Isto tem sido feito, de facto, com uma pequena equipa, muito qualificada, a que me honro de pertencer. Efectivamente, somos um grupo muito pequeno de pessoas, mas com muita flexibilidade a resolver as questões que todos os dias nos são postas. A pequenez tem, por um lado, uma contrapartida de flexibilidade e, por outro, uma de inflexibilidade. É impossível pensar, como já se pensou, que uma estrutura central pode chegar aos muitos serviços da Administração Pública e aos seus numerosos funcionários. A filosofia de crescimento dessa estrutura só levará a onerar os cidadãos com novos gastos, novos dispêndios e sem resultados.

Aplausos do PSD.

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Não é possível pensar que uma estrutra central se consegue desdobrar pelos múltiplos serviços da Administração ou que possa constituir, de alguma forma, um espelho daquilo que se passa na Administração Pública. Aliás, esse sentido de flexibilidade tem levado a que o método seja, de facto, dinamizador.
Diria também que os resultados alcançados deixam que esta equipa e o Governo se possam congratular com o que se tem feito no domínio da modernização administrativa. Nestes últimos anos suprimiram-se dezenas de formalidades que não eram mexidas há muitos anos por nenhum sector da Administração Pública. Algumas supressões eram muito óbvias, muito simples, mas só agora foram suprimidas e, em simultâneo, foi lançado lodo um método de trabalho que conduziu a reformas de fundo, designadamente no âmbito da função pública, e ainda a uma dinamização de iodos os sectores que neste momento trabalham empenhadamente nos planos sectoriais que tanto preocupam o Sr. Deputado José Magalhães. Os planos estão a ser feitos,...

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Ainda bem!

A Oradora: -... tendo-se dado conta deles no ano passado no final do Congresso da Modernização Administrativa. Neste momento, decorrem encontros em todos os ministérios destinados a fazer um ponto da situação em que se encontram os trabalhos. Realizaram-se 10 encontros, faltando realizar 7 encontros, porque algumas áreas lerão de ser mais trabalhadas.
Esse é um trabalho de paciência, de persistência e de profundidade. Diria que é uma reforma discreta, mas firme; é uma reforma gradual e não centralizada; é uma reforma que procura chamar à responsabilidade cada funcionário.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao fim de 15 anos parece, finalmente, que so processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial», conforme dispunha o então artigo 268.º, n.º 3 (actual artigo 267.º, n.º 4), da Constituição de 1976.0 dispositivo constitucional tinha e tem em vista assegurar, nomeadamente, «a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito».
A aprovação de um código de procedimento administrativo constitui, pois, uma peça fundamental, sem a qual o edifício legislativo preconizado pela Constituição da República, nomeadamente na área da Administração Pública, jamais ficaria completo.
Cabe aqui realçar, independentemente de quem partiu a iniciativa e da justeza das opções adoptadas, o papel desta legislatura e desta Assembleia da República na construção desse edifício, destacando os processos legislativos já terminados e em curso, como os relativos ao direito de petição, à acção popular, à administração aberta e ao segredo de Estado, entre outros, para alertar para a urgência e para a necessidade de não as deixarmos cair em saco rolo por menos esforço.
Não se pense, porém, que com este conjunto de diplomas tudo está feito no sentido de realizar uma reforma estrutural de fundo da Administração Pública, de modo que esta possa desempenhar um papel relevante na modernização da sociedade portuguesa.
Com efeito, as assimetrias de desenvolvimento da sociedade portuguesa continuam a manifestar-se na organização e funcionamento da Administração Pública. Ainda são particularmente evidentes as tensões resultantes da coexistência de sectores modernos e tradicionais, sujeitos a comandos pesadamente jurídicistas e de organização de pendor centralizador e formalista, tudo se conjugando para tomar a Administração pouco eficaz.
É necessário e urgente que o Estado possa dispor e apoiar-se sobre uma Administração prestigiada, autónoma do Governo, responsável, eficaz e capaz de estabelecer um diálogo com os cidadãos. Para o efeito, afigura-se imperativo implementar o processo de desburocratização da máquina administrativa.
Desburocratizar, em primeiro lugar, em consonância com a aspiração do utente, individual ou colectivo, que se asfixia no meio de tanta praxe e formalismo. Em segundo lugar, desburocratizar para fazer face às novas, crescentes e complexas solicitações de rapidez e flexibilidade impostas pelo rápido desenvolvimento da sociedade portuguesa e, também, pela integração num espaço social, económico, político e cultural alargado. Desburocratizar, finalmente, no plano dos próprios princípios não fomentando excessos de controlos a priori, mas também não fazendo depender tudo dos necessários controlos a posteriori.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para o PRD desburocratizar não significa outra coisa senão repensar a Administração Pública que temos, definindo uma nova estrutura administrativa de acordo com novos princípios e novos objectivos, revendo, nomeadamente, o seu próprio funcionamento em termos tais que permitam reduzir e simplificar o processamento administrativo à luz de novos conceitos de ordem administrativa, de tempo e eficiência.
Impunha-se, pois, que todo o progresso legislativo que temos realizado e ainda em curso fosse precedido por essa reflexão. Apesar de tudo, ainda estamos a tempo, pois é certo que o fundamental, sem o que qualquer das medidas legislativas, inclusive e nomeadamente, as que aqui discutimos hoje, não terão consequências de relevo. Refiro-me, naturalmente, à orgânica administrativa e ao papel dos agentes públicos.
O PRD considera fundamental adequar a actual estrutura da Administração Pública, aos diversos níveis, de acordo com o princípio da especialização, em função dos fins e dos meios necessários à sua prossecução. Os serviços carecem de maior autonomia administrativa e, até, em casos específicos, de alguma autonomia financeira, criando, assim, estruturas mais simples com modelos de gestão próximas da empresarial, sem prejuízo do reforço do controlo sobre a sua actividade. Os serviços executores permanentes, nomeadamente ao nível da administração central, como as direcções-gerais, deverão dispor de maior capacidade de gestão dos respectivos orçamentos e adoptar procedimentos tendentes a aumentar a rapidez da sua intervenção.
A criatividade, a eficácia e, mais importante, a responsabilização dos serviços e agentes passa, necessariamente, pela atenuação significativa do princípio hierárquico.
Daqui decorre: a necessidade de diminuir drasticamente a imposição hierárquica, excepto na definição de programas e de objectivos, de fiscalização da actividade e de controlo dos resultados; a necessidade de assegurar a responsabilidade administrativa, reduzindo-se, também drástica-

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mente, o número de actos discricionários e acabando a exigência generalizada do recurso hierárquico necessário; a necessidade de reduzir a intervenção do poder político no funcionamento corrente da Administração pelo recurso à via normativa, garantindo-se, assim, a autonomia da Administração face ao Governo.
A actividade administrativa deverá ser programada por objectivos. Todos os órgãos e serviços da Administração Pública terão de elaborar programas de actividades e os respectivos orçamentos programáticos, sujeitos à apreciação e aprovação do Governo.
A criação e extinção de serviços, a atribuição de dotações orçamentais e a sua alteração não podem continuar desligadas da aprovação e revisão dos programas de actividades.
Todos os organismos da Administração Pública, nomeadamente aqueles que prestam serviços personalizados, deverão adoptar métodos que permitam conhecer e melhorar a relação custo/eficácia da actividade exercida.
Posto isto, resumidamente faltará referir a necessidade de a designação «funcionário público» passar a aludir, apenas, ao seu comprometimento com os fins e interesses públicos. A aproximação do seu estatuto ao regime geral deverá efectuar-se em termos tais que o desenvolvimento de uma carreira dependa directamente das qualidades, da forma de actuação, da capacidade de empreendimento e liberdade de iniciativa, da criatividade e produtividade, o que trará, não temos quaisquer dúvidas, um acréscimo de eficácia e abertura à pesada e cinzenta Administração Pública Portuguesa.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O modelo de administração pública que defendemos não se afasia substancialmente da administração e gestão privada, excepto no que é absolutamente justificável por inerente ao prosseguimento dos fins e interesses públicos.
O princípio da hierarquia, por exemplo, não e exclusivo da Administração Pública nem tem de ser tão característico e ter as implicações que actualmente tem. O mesmo se diga dos princípios rígidos que ainda regem a orgânica administrativa e o relacionamento dentro da própria Administração, o que prejudica mais o prosseguimento dos fins públicos e o relacionamento com os cidadãos do que as dificuldades materiais de resposta.
A concepção, antes exposta em traços gerais, tem implicações directas e indirectas no presente debate acerca do futuro código de procedimento administrativo. Essas implicações passam pela definição de procedimento administrativo e, necessariamente, pela determinação do âmbito do diploma, mas começam logo com a necessidade de acabar, em particular nesta matéria, com modelos de diplomas legais demasiado técnicos e juridicistas.
O diploma que regulamenta «a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução» deve ser, antes de mais, um guia de fácil compreensão dos agentes públicos e dos cidadãos.
O acesso à lei é a primeira condição, por isso mesmo essencial, para o exercício pleno e esclarecido dos direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Não nos parece que qualquer dos projectos em discussão comece por contribuir para estes propostos objectivos. Não nos parece, por exemplo, que alguns dos dispositivos do projecto de lei do Governo, como o relativo ao recurso hierárquico (artigo 167.º, n.º 1), sejam, pela sua redacção, facilmente compreensíveis pelos seus destinatários. E as normas podem e devem ser claras sem deixarem de obedecer aos requisitos técnicos exigidos.
Não valerá a pena adiantarmo-nos na discussão técnica dos projectos em Plenário. Qualquer dos projectos, nomeadamente o do Governo, traz contribuições amplas e valiosas para o debate. Recusar o verdadeiro debate na especialidade não faria, em nosso entendimento, qualquer sentido.
E, sendo assim, o PRD vai votar favoravelmente todos os projectos em apreciação e disponibiliza-se, desde já, para dar os contributos necessários em sede de especialidade.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate. A próxima sessão é amanhã, às 10 horas, com perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António José Caeiro da Moita Veiga.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
José Angelo Ferreira Correia.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Leonor Coutinho dos Santos.

Partido Comunista Português (PCP):

António da Silva Mota.
Carlos Alfredo de Brito.
João António Gonçalves do Amaral.
Maria de Lourdes Hespanhol.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António José de Carvalho.
António Maria Pereira.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Maria Oliveira Martins.
Licínio Moreira da Silva.

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Partido Socialista (PS):

Armando António Martins Vara.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Manuel Anastácio Filipe.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

Deputados independentes:

Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Os REDACTORES: Maria Amélia Martins - Maria Leonor Ferreira - Isabel Barral -José Diogo.

Depósito legal n.º 8818/85

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