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I Série - Número 56

Quarta-feira, 20 de Março de 1991

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE MARÇO DE 1991

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de diversos diplomas e de requerimentos.
A Câmara tomou conhecimento da viagem sem carácter oficial que o Presidente da República vai fazer à Galiza, entre os dias 28 de Março e l de Abril, e deu o seu assentimento a duas outras de carácter oficial que irá igualmente fazer às Repúblicas de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, entre os dias 21 e 23 de Março e 2 e 4 de Abril, respectivamente.
Por outro lado, foram aprovados três pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, autorizando igual número de deputados a deporem como testemunhas.
Em declaração política, o Sr. Deputado António Filipe (PCP) abordou algumas situações em que considerou haver abuso de poder por parte do Governo e da maioria parlamentar que o apoia.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Cristóvão Norte (PSD) referiu-se à importância turística do Algarve e à urgência de aí implementar a delegação regional da RTP, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado António Esteves (PS).
O Sr. Deputado António Barreto (PS) trouxe à colação o Centro Cultural de Belém, criticando a política cultural do Governo e falando da necessidade de instaurar um Inquérito parlamentar sobre o assunto. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Carlos Coelho (PSD), Adriano Moreira (CDS), Natália Correia (PRD) e Carlos Lélis Gonçalves (PSD).
O Sr. Deputado Nuno Silvestre (PSD) falou de vários problemas dos jovens e considerou que o programa do Governo nesta área já foi cumprido.
O Sr. Deputado João Camilo (PCP) manifestou preocupação pelas condições de segurança ferroviária na linha de Sintra.

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 157/V - Regula a organização e funcionamento do Conselho Económico e Social - e do projecto de lei n. º 560/V (PCP) - Conselho Económico e Social -, que foram aprovados. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira), os Srs. Deputados Manuel dos Santos (PS), Carlos Lilaia (PRD), Octávío Teixeira (PCP), José Apolinário (PS), Narana Coissoró (CDS), João Proença (PS), Rui Alvarez Carp (PSD), Nogueira de Brito (CDS) e Luís Pais de Sousa (PSD).
Procedeu-se à votação, na generalidade, dos seguintes diplomas: projecto de lei n.º 455/V (PCP) - Aprova a carta das garantias dos direitos dos cidadãos perante a administração local -, projecto de lei n.º 703/V (PS) - Reforço das garantias e direitos dos cidadãos perante a Administração a nível nacional, regional e local -, proposta de lei n.º 172/V - Autoriza o Governo a legislar no sentido de aprovar o Código do Procedimento Administrativo -, que foram aprovados, e projecto de lei n. º 700/V (PCP) - Código de procedimento administrativo -, que foi rejeitado.
O Sr. Presidente respondeu a Interpelações dos Srs. Deputados Teresa Santa Clara Gomes (PS) e Victor Costa (PCP) sobre as obras que estão a ser levadas a cabo na Sala do Senado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.

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António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Natália de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, baixando às respectivas comissões parlamentares, os seguintes diplomas: projecto de resolução n.º 82/V - Recomenda ao Governo que promova a defesa do consumidor, a política comum do processo de revisão de Tratado de Roma- apresentado pelo PS; ratificação n.9 17S/V, apresentada pela Sr.ª Deputada Helena Torres e outros, do PS, relativa ao Decreto-Lei n.º 102/91, de 8 de Março, que cria uma taxa de segurança a cargo dos passageiros embarcados em aeroportos e aeródromos nacionais; proposta de lei n.º 185/V - Autoriza o Governo a legislar em matéria de importação e exportação de bens que possam afectar os interesses estratégicos nacionais, que baixa às 5.ª e 7.ª Comissões, e proposta de lei n.º 186/V - Autoriza o Governo a legislar no sentido de criar a Ordem dos Médicos Veterinários e aprovar os respectivos estatutos - que baixa às 3.º e 11.º Comissões.
Foram também apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos seguintes: ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Rui Ávila; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Raul Castro; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Filipe Abreu, Vieira Mesquita, Cristóvão Norte, António Mota e Carlos Luís; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulados pelos Srs. Deputados Ademar de Carvalho e Lino de Carvalho; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Marques e Carlos Luís; à Secretaria de Estado da Habitação, formulado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques; ao Tribunal de Contas, formulado pela Sr.ª Deputada Edite Estrela; à Câmara Municipal de Lisboa, formulado pelo Sr. Deputado Guerra de Oliveira; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Luís; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Victor Costa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem, no termo da sessão de hoje terá lugar um período de votações, na generalidade, de projectos e propostas de lei que foram discutidos na semana passada.
A Mesa encontra-se ainda de posse de dois pareceres e propostas de resolução da Comissão de Negócios Estran-(...)

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(...)geiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e da Comissão de Regimentos e Mandatos que vão ser lidos e apreciados pela Câmara.
Como ficou previsto, começamos hoje o período antes da ordem do dia com duas declarações políticas que transitaram da última sessão e que estarão a cargo dos Srs. Deputados António Filipe e Rui Silva. Completaremos depois este período com o tempo atribuído normalmente ao período antes da ordem do dia.
Para dar conta dos pareceres da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e da Comissão de Regimentos e Mandatos tem a palavra o Sr. Secretário Reinaldo Gomes.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deu entrada na Mesa uma carta do Sr. Presidente da República, dando conhecimento da sua deslocação à Galiza, sem carácter oficial, entre os dias 28 do corrente e l do próximo mês de Abril.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado este conhecimento à Câmara, vai proceder-se agora à leitura de um parecer, contendo uma proposta de resolução, da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

Foi lido. É o seguinte:

Parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar em viagem de carácter oficial à República de Cabo Verde, entre os dias 21 e 23 do corrente mês de Março, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:

Nos termos do n.º l do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento ao prolongamento da viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República à República de Cabo Verde, entre os dias 21 e 23 do corrente mês de Março.

Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer e respectiva proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, passamos à leitura de um outro parecer, contendo igualmente uma proposta de resolução, apresentado pela mesma Comissão.

Foi lido. Ê o seguinte:

Parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar em viagem de carácter oficial à República de São Tomé e Príncipe, entre os dias 2 e 4 do próximo mês de Abril, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:

Nos termos do n.º l do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento ao prolongamento da viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República à República de São Tomé e Príncipe, entre os dias 2 e 4 do próximo mês de Abril.

Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, deram ainda entrada na Mesa alguns pareceres da Comissão de Regimentos e Mandatos, de que o Sr. Secretário vai dar conhecimento.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O primeiro parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos à solicitação feita pela Procuradoria da República da Comarca de Lisboa vai no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Júlio Vieira de Mesquita a intervir como testemunha num processo ali pendente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, a mesma Comissão, desta vez por solicitação do 2.º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa (1.ª Secção), emitiu parecer no sentido de também autorizar o Sr. Deputado Carlos Manuel Oliveira da Silva a intervir como testemunha num processo que ali corre os seus termos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

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Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes):-Finalmente, a Comissão emitiu parecer igualmente no sentido de autorizar o Sr. Deputado António de Almeida Santos a estar presente como testemunha num processo pendente no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendemos, com esta intervenção, chamar a atenção para uma série de situações de abuso do poder que, deixando de ser casos excepcionais, tendem a transformar-se em regra de actuação do Governo PSD e da sua maioria parlamentar.
O caso do segredo de Estado é, a este respeito, paradigmático.
Quem tenha lido ou ouvido declarações do Ministro Laborinho Lúcio ou de vários dirigentes do PSD a diversos órgãos de comunicação social e acompanhe menos avisadamente os trabalhos parlamentares terá sido, porventura, levado a pensar que o projecto de lei do PSD sobre segredo de Estado não foi apresentado por qualquer deputado do PSD, mas por algum elemento estranho que, abusivamente, se tenha introduzido na bancada do partido do Governo.
Não restam, no entanto, quaisquer dúvidas a este respeito: o projecto agora enjeitado-e cuja paternidade os responsáveis do Governo e do PSD se apressam em escamotear-foi apresentado, defendido e aprovado, na generalidade, nesta Assembleia, pelo Grupo Parlamentar do PSD e foi elaborado sob a direcção superior de membros do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - São de registar os compromissos publicamente assumidos por responsáveis da bancada do PSD no sentido de aceitar, durante a discussão na especialidade, eliminar do seu projecto os aspectos mais acintosos. No entanto, não são nem esse facto nem as declarações do Ministro Laborinho Lúcio, enjeitando a paternidade de semelhante criatura, que isentam o PSD e o seu Governo da pesada responsabilidade de terem concebido, apadrinhado e feito aprovar, na generalidade, um projecto de contornos tão profundamente autoritários como o que nos foi dado debater sobre a tão sensível matéria do segredo de Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: -Não deixa de ser significativo que não tenha sido o Governo a assumir perante a Assembleia e o País a proposta que elaborou, mas tenha sido o Grupo Parlamentar do PSD a fazg-lo. Será que o Governo conhecia tão bem as enormidades que havia dado à luz e estava tão ciente do repúdio que a sua proposta iria suscitar junto da opinião pública que preferiu lavar as mãos de tão suja matéria e passar o odioso para o interior da própria Assembleia?

Este procedimento não seria inédito. Todos nos lembramos de quando o Primeiro-Ministro Cavaco Silva ordenou à sua maioria na Assembleia da República que aprovasse o seu aumento salarial de 56 % perante a reprovação geral do Pais, lavando as mãos da proposta e esfregando as mãos com o resultado.

E todos verificamos o despudor com que o PSD não hesita em denegrir, perante o País, a imagem da Assembleia da República, para dirimir as suas questões internas em face da falta de trabalho e assiduidade que, pelos vistos, afectam a bancada da maioria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sc o PSD conseguisse tornar lei o projecto que aqui apresentou sobre segredo de Estado conseguiria um epílogo para a sua governação bastante revelador dos comportamentos que a têm caracterizado. O Governo passaria a mandar classificar como segredo de Estado tudo aquilo que, pura e simplesmente, não queria que se soubesse e puniria, severa e absurdamente, todos aqueles que tivessem a veleidade de conhecer ou divulgar factos que considerasse melindrosos. O princípio basilar da transparência e da publicidade dos actos públicos tomar-se-ia letra morta. A possibilidade excepcionalíssima do secretismo tornar-se-ia regime/regra, a usar e abusar ao arbítrio do Governo.
Seria, pois, o episódio culminante de um longo folhetim de prepotências e abusos de poder que o Governo PSD e a sua maioria parlamentar têm praticado nos anos já longos que levam de governação e que constantemente têm procurado esconder do conhecimento público, usando todos os meios ao seu dispor, por mais ilegítimos que sejam, e contando com o domínio que exerce sobre a comunicação social, manipulando descaradamente a seu favor os meios do sector público, particularmente rádio e televisão, e o grupo laranja, que pela mão do Governo obtém posições decisivas nesse sector tão crucial.
O PSD faz do abuso do poder a sua prática quotidiana de governação; desprestigia com a sua acção os órgãos e instituições que domina; promove clientelas partidárias e defende interesses em tudo estranhos ao interesse nacional, a coberto da governamentalização ilegítima de toda a vida pública.
Inúmeros exemplos, retirados da prática do PSD no Governo e nesta Assembleia nos últimos anos, comprovam, inteiramente, o que acabo de afirmar.
Não seria mesmo necessário exemplo mais elucidativo do que o comportamento da maioria em relação aos inquéritos parlamentares que foram instaurados na presente legislatura.
A serem confirmadas as notícias insistentemente divulgadas de que o PSD iria, deliberadamente, boicotar os trabalhos da Comissão encarregada de prosseguir as investigações acerca dos actos praticados no âmbito do (...)

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(..) Ministério da Saúde, tal facto representará um precedente de extrema gravidade: o PSD assume a responsabilidade de impedir a Assembleia da República de exercer as suas competências, paralisando o seu funcionamento.

O Sr. João Amaral (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - Com este comportamento o PSD deixa estalar o verniz com que se pretendeu apresentar perante os inquéritos parlamentares. Se, até ao momento, se contentou em boicotar inquéritos parlamentares por ausência ou por fabricação apressada de conclusões, desta vez assume, publicamente, que não deixará prosseguir o inquérito.
Muitas razões poderão ser invocadas para esta atitude, no entanto, a verdadeira razão é a de que o PSD teme que um sério apuramento de factos e responsabilidades demonstre cabalmente perante o País o envolvimento de membros do Governo, ao mais alto nível, e de figuras de proa do PSD num escândalo de grandes proporções.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD leme a realização de inquéritos parlamentares na medida em que eles possam evidenciar os abusos de poder e os escândalos nascidos à sombra da sua governação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A forma como o PSD se tem comportado em relação aos inquéritos instaurados na presente legislatura é absolutamente ilegítima. O PSD não pode usar a maioria de que dispõe para paralisar este órgão de soberania e para o lançar num descrédito que só prejudica a credibilidade das instituições democráticas perante o País.

Aplausos do PCP.

O caso do inquérito ao Ministério da Saúde não é, porém, um caso isolado.
Quando se tratou de averiguar as responsabilidades perante os escândalos e as negociatas praticadas à sombra das verbas do Fundo Social Europeu, o PSD decidiu, abruptamente, encerrar o inquérito, prescindir de audições acordadas, indeferir audições solicitadas, prescindir de documentos essenciais, nomear o seu próprio relator e concluir pela mais cândida inocência do Governo PSD perante um escândalo que se sabe ser de grandes proporções e que se desenvolveu com a conivência dos departamentos governamentais responsáveis pela candidatura aos fundos comunitários. Todos os dias se vão conhecendo novos escândalos à sombra do Fundo Social Europeu. O PSD, porém, nada sabe, nem nada quer saber...!
No caso dos inquéritos à acção dos conselhos de gerência da RTP, embora um deles seja precisamente da iniciativa do PSD, o grupo parlamentar da maioria nunca viabilizou sequer o início dos trabalhos, tendo as comissões sido constituídas há quase um ano.
O inquérito ao escândalo da atribuição das frequências de rádio regionais continua na gaveta, apesar de irregularidades conhecidas no concurso e apesar do manifesto incumprimento da lei pelas entidades licenciadas, com o assentimento expresso do Governo, que assumiu, descaradamente, a sua parcialidade e o seu compadrio em relação aos operadores radiofónicos da sua preferência.
O sector da comunicação social, em particular o sector público de rádio e televisão, tomou-se dos principais veículos do abuso do poder por parte do PSD. O Governo, lançado já em desenfredada campanha eleitoral, não hesita em utilizar ilegitimamente em seu favor meios públicos que são pagos pelos contribuintes e que têm particulares deveres de isenção e pluralismo.
A RTP e a RDP estão a ser transformadas em verdadeiras cassettes de propaganda de um governo transformado em comissão eleitoral; sucede-se uma verdadeira parada de entrevistas a membros do Governo e um festival de spots sobre a sua actividade; relegam-se para um plano secundaríssimo as opiniões que não sejam do PSD; distorcem-se as posições dos partidos da oposição; promovem-se clientelas a cargos de chefia, e instala-se a mais extrema precaridade nos vínculos profissionais dos jornalistas, em claro prejuízo da sua dignidade profissional e isenção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - São a este respeito espantosas as declarações recentes do director da Antena Um, segundo as quais a estação radiofónica que dirige «tem de reflectir, obviamente, algumas preocupações que o Governo tem nas várias áreas de intervenção» e que «é natural que a Antena Um seja veículo dessas mensagens». Deve ser, aliás, o mesmo espírito de veículo ao serviço do PSD que permite que as conferências de imprensa da Comissão Política Distrital do Porto do PSD sejam convocadas através do telefax da Rádio Comercial Norte!...
E tudo isto se passa perante a complacência de uma Alta Autoridade para a Comunicação Social maioritariamente moldada pelo próprio PSD à sua imagem e semelhança.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas o abuso do poder e as demonstrações de autoritarismo do Governo e da sua maioria têm muitas outras expressões: a sua recusa em discutir o problema da amnistia e o seu comportamento nesta Assembleia em relação ao processo de regionalização, impedindo com todos os subterfúgios a plena concretização de disposições constitucionais tão importantes para a configuração do Estado democrático, são exemplos significativos de como o PSD utiliza a sua maioria para travar uma tão importante conquista democrática e defender os seus interesses centralizadores.
Na perspectiva da regionalização, o PSD procura agora salvaguardar os seus interesses e os das suas clientelas, preconizando a figura espúria do governador regional, que não seria mais do que um comissário do governo central, à frente dos órgãos próprios das regiões administrativas.
O recurso à autorização legislativa para fazer aprovar uma nova versão do «pacote laboral», pondo em causa direitos fundamentais dos trabalhadores e esvaziando, na prática, o direito de participação das suas organizações na elaboração da legislação laboral; a aprovação, em Conselho de Ministros, de um decreto-lei, unanimemente repudiado, sobre direcção, administração e gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, que se propõe substituir os órgãos de gestão colegial e democraticamente eleitos por directores nomeados segundo critérios a definir pelo próprio Governo, impondo um modelo autoritário de gestão escolar, são outros exemplos recentes de uma acção governativa assente no autoritarismo e no abuso do poder.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: As correrias desenfreadas do Sr. Primeiro-Ministro por terras alentejanas, no passado fím-de-semana, dão bem a imagem de um Governo transformado em comissão eleitoral do PSD.
Os discursos proferidos pelo Prof. Cavaco Silva no distrito de Beja, com passagens insultuosas para o povo, para as autarquias e para os trabalhadores alentejanos, não são próprias de um governante seriamente empenhado no desenvolvimento regional e no bem-estar das populações mas, sim, de um dirigente partidário inseguro nos seus resultados eleitorais e disposto a recorrer a todos os meios - incluindo meios do Estado - para se promover, a si e ao PSD. No último fim-de-semana no distrito de Beja, no próximo no distrito de Évora, onde a Comissão Política Distrital do PSD faz distribuir publicamente, com o seu papel timbrado, o guião pormenorizado da visita de S. Ex.ª o Primeiro-Ministro ao distrito, discriminando os horários, os trajectos, as paragens, as inaugurações, os discursos e os demais oradores...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso é ridículo!

O Orador: -... numa promiscuidade inaceitável entre os interesses do Estado e os interesses partidários e eleitoralistas do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os abusos do poder, o autoritarismo, a governamentalização da vida pública e a partidarização da actividade governativa que têm caracterizado a acção política do PSD colocam, claramente, a substituição do actual Governo e da actual maioria como uma questão central da vida portuguesa e a construção de uma alternativa democrática como tarefa de todas as forças da oposição.

Aplausos do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de informar a Câmara de que o Sr. Deputado Rui Silva não fará a declaração política que tinha prevista para hoje, pelo que a mesma será feita na próxima sessão.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): -Sr. Presidente, quero apenas esclarecer que só por falta de tempo o Sr. Deputado Rui Silva não teve oportunidade de fazer a referida declaração política na última sessão e que hoje está impossibilitado de fazê-la por se encontrar em visita ao Algarve com a Comissão de Equipamento Social. É esta, pois, a justificação para o adiamento da referida declaração política, que será feita numa próxima sessão.

O Sr. Presidente: -Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Cristóvão Norte.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de iniciar esta minha intervenção, e por hoje ser um dia especial, Dia de São José, Dia do Pai, permitam-me que saúde VV. Ex.as e todos os pais portugueses, desejando-lhes mais felicidade e mais fraternidade.

Aplausos do PSD.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente Srs. Deputados: A província do Algarve, a que corresponde rigorosamente o distrito de Faro e a diocese do mesmo nome, única região natural com contornos precisos e bem definidos em todo o País, tem sido, desde tempos imemoriais, esquecida e quase ignorada pelo poder central.
Mercê das suas inigualáveis condições climatéricas, do seu mar abundante e transparente, das suas praias, que não têm concorrência a nível nacional, da sua agricultura próspera e da sua incomensurável riqueza piscatória, conseguiu, por mérito próprio, ultrapassar as barreiras do anonimato e dum certo desprezo para se transformar na mais elitista e cosmopolita estância de Portugal e a de maior projecção nacional e internacional.
Aquele que era considerado um espaço territorial além de Portugal, como que algo à parte, constitui, nos dias de hoje, a zona dilecta e preferida por milhões de turistas nacionais e estrangeiros, avultando como a principal fonte de divisas, arrecadadas por tão importante e necessária indústria, contribuindo, de modo decisivo, para o precário equilíbrio da nossa balança de pagamentos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A península do Algarve, espaço territorial de individualidade geográfica, cultural, eclesiástica e administrativa únicas, constitui uma potência económica determinante e tem vindo a assumir uma importância cada vez maior no contexto nacional e um ritmo de crescimento que o alcandora a uma posição cimeira e destacada.
E neste momento histórico, em que Portugal dá passos decisivos na internacionalização da sua economia e da sua cultura é justo lembrar, porque é verdadeiro, que o Algarve foi o berço e os algarvios os pioneiros do maior e mais prestigiado feito dos Portugueses: Os Descobrimentos, precisamente o primeiro contacto com o mundo exterior que nos rodeia.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao invés do que muitos propalam por má-fé ou ignorância, o seu meteórico e súbito desenvolvimento não se deveu a quaisquer bênçãos ou simpatias de Lisboa, mas é apenas expressão, quase exclusiva, da descoberta das suas enormes potencialidades, do gerir dos seus recursos e da visão inteligente de alguns particulares nacionais e estrangeiros, que, não obstante a inércia histórica e endémica revelada pelos poderes públicos, apostaram numa região que nunca mereceu a atenção devida, o olhar oportuno e a responsabilidade adequada.
É necessário que isto se diga sem demagogia, não só para repor a verdade mas, fundamentalmente, para desmistificar determinadas ilusões que algumas consciências teimam em não desfazer.
São afirmações que não constituem frases ocas e vazias de sentido mas, sim, a tradução de factos indiscutíveis, que demonstram, de forma inequívoca, o abandono a que o Algarve tem sido votado. Sintoma dessa realidade foi o que aconteceu com a criação dos mais diversos organismos, cuja tutela é da competência do Estado.
Pode afirmar-se, sem margem para dúvida, que no Algarve surgiram determinadas estruturas e instituições, não como estímulo e promoção do seu desenvolvimento, à (...)

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(...) semelhança do que aconteceu em outras partes do território nacional, mas como fruto e corolário irreversível do seu acelerado e imparável crescimento - refiram-se como exemplos os casos bem significativos da Comissão Regional de Turismo, da escola hoteleira e do aeroporto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Algarve não quer nem pretende ser uma região privilegiada, mas recusa, contudo, um tratamento subalterno e de menoridade; aspira e reivindica, com firmeza, um estatuto consentâneo com as suas necessidades concretas no quadro da actual realidade nacional.
Infelizmente, parece que esse louvável objectivo persiste em não acontecer, como, aliás, se vislumbra e depreende claramente com a delegação regional da RTP, que, embora existente no papel e a funcionar, não dispõe dos mais elementares e indispensáveis recursos que lhe permitam desenvolver com eficiência a acção que justificou a sua implantação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É de justiça salientar que só o brio, a dedicação e o profissionalismo dos funcionários ali destacados têm evitado que a situação se degrade ainda mais.
Convém não esquecer um só minuto que esses trabalhadores têm todo o direito a condições mínimas para exercer, com aprumo e competência, a relevante tarefa que lhes foi incumbida.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E esta não é uma questão de somenos importância se tivermos em consideração que o trabalho só assume a dignidade que lhe é inerente se for realizado com a nobreza e o carácter que a sua função social exige.
O Algarve sente-se profundamente discriminado pela RTP e não é exagero afirmar que parte substancial da sua população, particularmente a que vive entre Tavira e Vila Real de Santo António, prefere a televisão espanhola (cuja emissão é de maior nitidez naquela área) ou opta pela marroquina, sintonizando a nacional tão-só nos escassos momentos dos telejornais ou nas horas em que as telenovelas brasileiras prendem os portugueses aos écrans.
É uma situação insustentável, que não se pode prolongar e a que urge pôr termo mediante a adopção de medidas que satisfaçam as necessidades concretas da região. Não podemos esquecer que, apesar de o Algarve constituir uma zona privilegiada de turismo, está longe de usufruir desse importante meio de comunicação social, em conformidade com o seu estatuto.
Não tem qualquer justificação que a RTP reserve para o Algarve um tratamento desigual em comparação com outras estações congéneres, uma vez que, ao contrário daquela, estão tecnicamente apetrechadas e possuem equipas operantes que cobrem, informativamente, os mais diversos acontecimentos quotidianos, veiculando-os para os noticiários a milhões de telespectadores.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Esta situação é tanto mais paradoxal e incompreensível quanto é certo que o Algarve constitui um dos principais fóruns do País onde se cruzam, diariamente, personalidades nacionais e estrangeiras, cujo prestígio e projecção são indiscutíveis.
A tudo isto acresce que novos processos agrícolas, novas iniciativas piscatórias e novas pequenas e médias empresas industriais são, permanentemente, ali ensaiadas numa tentativa acertada de, brevemente, poderem compelir com os nossos parceiros da Comunidade Económica Europeia.
Torna-se, Srs. Deputados, indispensável que a televisão faça eco destes eventos, não só pela importância pedagógica de que se revestem, mas, principalmente, pelo estímulo que incutem.
Mas é evidente também que esse trabalho de informação e esclarecimento pressupõe a existência de meios técnicos, financeiros e humanos que só a criação de um centro de produção pode dotar, tais como um parque automóvel suficiente para percorrer a região e um quadro de pessoal qualificado e em número suficiente para dar cabal cumprimento às solicitações exigidas a cada momento.
Constitui um imperativo de justiça que esta reivindicação seja satisfeita, dotando-se o Algarve de um centro de produção da RTP, com as necessárias estruturas de apoio que lhe possibilitem realizar uma missão que dignifique o Algarve e o aproxime cada vez mais do todo nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Esteves.

O Sr. António Esteves (PS): - Sr. Deputado Cristóvão Norte, gostaria de agradecer-lhe a sua intervenção, que, julgo, contém uma boa notícia. Já não é a primeira vez que se dá a seguinte coincidência: quando um deputado do PSD vem aqui pedir uma determinada providência ao Governo, ou a uma entidade pública, passadas umas semanas as coisas estão decididas!...

O Sr. José Silva Marques (PSD): - E muito bem!

O Orador: - E com isso congratulo-me, Sr. Deputado!
Portanto, creio que a reivindicação do Sr. Deputado, que é um pouco après la lettre, é um bom sinal. Se, de facto, a instalação do centro de produção da RTP já está decidida, dou-lhe os meus parabéns.
Sr. Deputado, não ponho em causa o seu sentido regional e a sua luta pela regionalização, porque já o conheço há muitos anos e até aceito a sua sinceridade. Só que o Sr. Deputado e os restantes deputados do PSD eleitos pelo Algarve já andam há anos a fazer esse discurso para vir nos jornais lá da terra!... Mas o problema é que, desde há 14 anos, o PSD «cá de cima» opõe-se à regionalização!
Sr. Deputado, lamento, mais uma vez, que venha, aqui, fazer «esse número», que já está um pouco gasto!

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Isso não é exacto! Nós estamos a regionalizar.

O Orador: - É só demagogia!
Para além disso, tal como referiu o Sr. Deputado - e muito bem -, o Algarve contribui com uma fatia importantíssima de divisas para o rendimento nacional.
A política de turismo deste Governo para o Algarve está completamente errada!... Ainda esta semana foi decretada a falência de um dos dois principais operadores ingleses que actuam no mercado de turismo do Algarve, que, como sabem, depende em 60 % do mercado inglês. Ora, esse operador faliu, o que implica a anulação de cerca de l milhão de dormidas, com prejuízo de dezenas de milhões de contos.

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Gostaria, pois, de ouvir os seus comentários, Sr. Deputado Cristóvão Norte, acerca da necessidade de mudança desta política de turismo que o PSD vem prosseguindo para o Algarve.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Martinho.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Cristóvão Norte.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): -Sr. Deputado António Esteves, meu querido amigo, ainda bem que reconhece que esta minha intervenção é oportuna!
Gostaria de dizer-lhe que não sei se está ou não resolvida essa questão da implementação do centro de produção da RTP no Algarve, mas o que gostaria que ficasse registado é que, creio, essa é uma necessidade premente.
Mais: independentemente daquilo que pensa ou defende o Governo, sempre tive e fiz ouvir aqui a minha voz!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Algarve necessita de um melhor apetrechamento na RTP e, até, de um centro de produção, e foi isso que aqui vim reivindicar.

Aplausos do PSD.

Em relação à regionalização, referi aqui - e isso transparece claramente das minhas palavras (e eu sou um «algarvio de gema» e o Sr. Deputado, que vive lá, também já está imbuído desse espírito) - aquilo que é indiscutível: o Algarve é, dos pontos de vista cultural, morfológico, eclesiástico e até administrativo, a única região do nosso país com contornos precisos.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Eclesiástico?

O Orador: - Sim, Sr. Deputado! Aliás, chama-se «diocese do Algarve» precisamente porque corresponde inteiramente ao distrito de Faro.

Aplausos do PSD.

Portanto, Sr. Deputado Alberto Martins, aquilo que aqui referi tem pleno cabimento.

Aplausos do PSD.

Nós, algarvios, somos a favor da regionalização. O PSD também o é, Sr. Deputado!

Protestos do PS.

Portanto, essa questão não tem qualquer razão de ser, na medida em que apresentámos na Comissão um projecto que chegará a seu termo e que, naturalmente, criará as regiões administrativas.
No que diz respeito à política de turismo, creio que deve haver uma maior diversificação, isto é, o Algarve não deve depender excessivamente (como acontecia até aqui, em cerca de 60 % ou 70 %) do mercado inglês. Quanto a mim, deve existir um mercado mais diversificado, abrangendo, por exemplo, o alemão, o holandês, o belga e até o americano.
Por isso, penso que a Comissão Regional de Turismo está a fazer uma política acertada e coerente no interesse do Algarve e do nosso país.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, e sem que nunca me canse, quero falar-vos do Centro Cultural de Belém, do opus magnum deste Governo, obra-prima da sua ambição e repositório das suas virtudes duvidosas.
Belém é terra de sonhos, bíblica evocação de outras histórias e de feitos maiores, e, por isso mesmo, irresistível tentação. De Belém partiram naus, em Belém fizeram-se sonhos. Conspirou-se e resistiu-se. Em Belém fizeram-se reis, mataram duques e salgaram o chão. Belém e a sua Torre, símbolo de um povo e de um continente, estão mesmo à altura de ilustrar a Europa. O mundo, com os mecanismos que tem ao seu alcance, tem-no como património seu. Mas Belém também é horta de vaidades, de Salazar a António Ferro. E, agora, de Cavaco Silva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:-Em Belém, à falta do Palácio, perdido em 1986, o Primeiro-Ministro quer um Centro Cultural em 1992. Mas quer um centro maior do que o Palácio, maior do que os Jerónimos, maior do que o Orçamento.

Risos do PS.

Quer um edifício, um escritório apalaçado, um templo plebeu, um arquivo morto, um mausoléu, enfim, donde não se possa ver o mundo, mas onde se possam receber os notáveis. Na esperança de que quem recebe os grandes, em estilo, grande fica! Com este Centro Cultural, cumpre-se o impulso de Narciso: o de inscrever o seu nome no território.
Este Centro Cultural, Srs. Deputados, encerra, sob a capa do vistoso e a aparência do melhor, o pior deste Governo. Com a liturgia que o local exige, falar-vos-ei dos sete pecados capitais do Centro Cultural.
Primeiro: a ilegalidade estatutária e orgânica. O decreto-lei que cria a Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário/Centro Cultural de Belém, S. A., desrespeita a lei quadro das sociedades ditas SGII...

Aplausos do PS.

... nos seus fins, no seu estatuto, no seu objecto. Não é sociedade, não é de gestão, não é de investimento imobiliário, não tem como principal actividade a gestão do parque habitacional, não se propõe arrendar nem construir para arrendamento. É uma sociedade anónima com um só sócio; não existe consenso mútuo; não faz arrendamento, nem investimento. Desrespeita o Código das Sociedades Comerciais. Deveria ter, legalmente, pelo menos dois sócios, mas tem só um, que é a Direcção-Geral do Tesouro; deveria prever a transmissibilidade das acções, interdita-a. É, supostamente, uma sociedade de direito privado, com capitais maioritariamente públicos, mas tem o seu capital, de milhão e meio de contos, exclusivamente subscrito pelo Estado. E por causa do Centro chegou a (...)

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(...) fazer-se lei retroactiva sobre o regime de empreitadas, deixando, todavia, em aberto o regime de concursos públicos, de que este Centro está dispensado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta sociedade é uma pura Ficção jurídica. Imaginada, apenas, para o Governo poder fugir aos controlos e à prestação de contas.

Aplausos do PS.

Segundo: a irregularidade financeira. Raramente se viu um tal pandemónio nas finanças públicas portuguesas!... O custo global do Centro, de 1988 a 1991, subiu de 6 para 27 milhões de contos, esperando-se que atinja os 40 milhões dentro de um ano, talvez os 50 em 1993. Esta escalada de preços, sem precedentes nas obras públicas portuguesas, vai-se fazendo com boa consciência, sem hesitação. O que é aprovado num ano será negado no ano seguinte, sem remorsos. A obra é tão enorme que não se olha a meios!...
Terceiro: a imperícia técnica. Para um Governo que se não cansa de elogiar a sua competência, este Centro merece simples reprovação. Sem apelo nem recurso! Os planos iniciais foram mal feitos, os custos mal calculados. Um dos maiores investimentos de sempre da Administração Pública foi iniciado sem que houvesse previamente um plano de utilização, um modelo de gestão, nem sequer o conhecimento do seu objecto. Os prazos foram adiados, os módulos (como se chama às diversas partes da obra) foram destacados para se poder acabar um e adiar outros. Se o imprevisto é inerente à vida, a imprevisão é já erro e falta - como é o caso do Centro!
Quarto: a vaidade política. É esta e a respectiva ansiedade que explicam os erros mencionados. Este Centro, em muitos aspectos desnecessário, inadequado, é, sobretudo, obra de fachada e de regime.

Aplausos do PS.

«Para inglês ver» - como se dizia - ou para «embasbacar o europeu» - sua moderna versão. Por aquela vaidade atentou-se contra a História, destruiu-se o que tinha significado, e, pior do que a ilegalidade, como disse Herculano, ainda é o despropósito. «Na arte de governar, os despropósitos são, às vezes, piores do que os atentados.»

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para gáudio dos governantes e desespero de todos, este Centro é tudo: atentado, ilegalidade e despropósito.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Pela vaidade, a área de protecção dos Jerónimos não foi respeitada, o Comité do Património Mundial não foi consultado. As novas formas de destruição do património são, para além do tradicional abandono e do velho camartelo, a construção «pechisbeque», o monumento inútil, o escritório como nova catedral. O Centro faz-se, mas Tibães espera, como esperam e desesperam o Convento de Cristo, o Palácio da Ajuda, a Pena, Santa Clara-a-Velha, os Frades Trinos, Santa Maria do Bouro e tantos outros, sem falar nos centros históricos substituídos por tijolo amarelo-de-ovo e coruchéus verde-alface.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas a tanto obriga a vaidade: o impulso era enorme, tanto como a volúpia da História.
Quinto: a propaganda pela cultura. Os que não encontram em si razão suficiente e força genuína vão buscá-las à cultura dos outros, na tentativa de dourar a sua própria auréola. E a cultura, nos tempos modernos e nas mãos dos governos, transforma-se na propaganda do presente, facto agravado, como sempre, como irremediavelmente sempre, pelo nacionalismo barato e pelas comemorações rituais, que, lentamente, fazem dos contemporâneos os «parasitas» da História, que vivem das glórias dos outros e querem ficar na História antes de fazê-la. Pior encarregam-se, eles próprios, não vá o diabo tecê-las, de organizar as homenagens que outros e vindouros poderiam, eventualmente, prestar. E é tanta a força do impulso e tão grande a tentação da propaganda que a verdadeira obra, a que dura, a que muda os homens e a vida, a que se deixa em testamento e se recebe em herança, essa, é descurada, esquecida.

Aplausos do PS e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e José Magalhães.

A política que cultiva os homens e as mulheres, a que cria locais de expressão cultural, a que realmente fica na História, essa virá com as calendas. Em vez de cultura na escola, em vez de música e artes para todos, em vez de arquivos abertos para investigação, em vez de restauro e preservação dos solares, dos templos, dos castelos e das ruas com história, em vez de tudo o que é necessário e urgente, mas deixa vestígios duráveis, em vez disso, temos o Centro... Triste consolação para tantos portugueses analfabetos e incultos, para tantos sem meios de chegar à cultura, até sem vontade, o mais decisivo de todos os meios, mas que sem uso, sem exercício, se perde!
Sexto: a fuga ao controlo democrático. Tudo foi organizado para que não haja controlo parlamentar sobre um dos maiores empreendimentos governamentais em curso. Igualmente, todos os esforços foram feitos, com sucesso, para retirar o Tribunal de Contas dos circuitos financeiros públicos. Os orçamentos globais finais foram três vezes modificados e, acriticamente, votados pela maioria, tendo aumentado, até hoje, 400%. A chamada Sociedade de Gestão do Centro Cultural escapa ao regime geral dos concursos públicos, tendo mesmo fugido, durante um ano, ao regime geral de empreitadas. O Secretário de Estado da Cultura, teoricamente responsável pela perpetração, já recusou, várias vezes - cinco ao que parece!... - vir à Assembleia da República debater a obra que obrigou a sacrificar o seu orçamento para tudo o que era importante.
Sétimo: finalmente, o luxo de um país pobre. A vaidade sobrepôs-se à necessidade. Um país que pede à CEE 15 000 contos para limpar os castelos e 25 000 para caiar os solares, não hesitou em gastar 40 ou 50 milhões com a vistosa aparência.

Aplausos do PS e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e José Magalhães.

Foram 2 % do PIDDAC de 1990 e 4 % do de 1991, foi esta a prioridade das prioridades, num país com tantas carências, bem mais baratas, nas escolas sem artes e sem música, nas escolas sem livros, nas bibliotecas sem aquecimento, na música sem escolas, na mais baixa leitura de jornais e livros de todo o mundo industrializado.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - E, como não podia deixar de ser, num país pobre, com luxos otomanos, as autoridades tratam de demagógicos os que consideram que há despesas mais urgentes, mais interessantes e mais necessárias.

Aplausos do PS e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e José Magalhães.

E apelidam de masoquistas e de velhos do Restelo os que preferem o essencial, em detrimento do acessório. E esse o estilo de quem, todas as manhãs, tem o hábito de falar com o espelho.
Srs. Deputados, sabemos que o Centro Cultural de Belém não é um caso isolado. Integra-se, coerentemente, nas linhas mestras da estratégia governamental, particularmente em dois aspectos: o primeiro é o da fuga ao controlo parlamentar; o segundo é o da política de comemorações e de brilho fácil, de fachada e de vontade de se apropriar a História. Sabemos que, ao lado do Centro Cultural de Belém, outras festividades se preparam para excitar os ânimos superficiais e para promover o aparente. Tudo o que é comemoração exibicionista, tantas vezes sem ter que exibir, recebe logo a prioridade do Governo: de Sevilha às Descobertas, da Europália ao Campeonato do Mundo de Futebol, da Exposição Universal à Lisboa Capital da Cultura, a terminar no satélite português, nosso, todas estas luxuriantes tentações constituem objectos de excepcional preocupação para o Governo, apesar dos patéticos desequilíbrios que criam.
Sabemos tudo isso, Srs. Deputados, mas entendemos que, com o Centro Cultural de Belém, se passaram as marcas: destruiu-se História; agiu-se ilegalmente; gastou--se demais, sem cobertura legal e com irregularidade; fugiu-se ao controlo democrático; escapou-se à fiscalização judicial normal; e, sintomaticamente, evitou-se o regime geral dos concursos públicos!
Esta é a minha convicção. Se errar serei o primeiro a reconhecê-lo aqui, mas para isso é preciso saber!
Creio, Srs. Deputados, que, pelo menos nesta tentativa de conhecer, estarão de acordo comigo. Por isso, entendemos necessária a realização de um inquérito parlamentar ao Centro Cultural de Belém.

Aplausos do PS, do deputado do PCP José Manuel Mendes e dos deputados independentes Herculano Pombo e Jorge Lemos.

Apresentaremos a proposta muito brevemente, mas só gostaríamos de fazê-lo depois de nos entendermos com os restantes grupos parlamentares. Daqui, convidamos todos os grupos (comunistas, renovadores, sociais-democratas, centristas) a examinar connosco a proposta de resolução, tendente à instauração de um inquérito parlamentar.
Ironicamente, serei o primeiro deputado a responder positivamente ao apelo do deputado Montalvão Machado, no sentido de sermos mais responsáveis, de tomarmos mais iniciativas, de desempenharmos melhor as funções para que fomos eleitos. Presente, Sr. Deputado! Estarão de acordo comigo: à cabeça dessas funções, vem a fiscalização dos actos do Executivo, mesmo quando este se esconde por detrás da Figura de uma sociedade de gestão! Sobretudo nessa ocorrência não deixaremos que o Governo se transforme numa sociedade anónima!

Aplausos do PS, do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado António Barreto, a radiografia que acabou de fazer é deveras impressionante e coincide com a que nós próprios temos vindo a elaborar, em vários aspectos nodais, pelo que não será de estranhar que, neste momento, entendamos que o designado conjunto monumental de Belém não é apenas uma pirâmide megalómana; é também o epifenómeno de uma opção pela arte que se pretende asséptica, ornamental e de representação, mas que castra o espólio nacional e a sua reprodução, pelo regresso a concepções que são pré-democráticas e aviltam, sobretudo quando comparadas com o orçamento da Secretaria de Estado da Cultura e com o que ele deveria tutelar, as necessidades vitais dos portugueses em matéria cultural.
É, na realidade, constrangente verificar que enquanto se aponta para a hipótese de 50 milhões de contos gastos com um projecto cuja indefinição é a regra, a Direcção-Geral de Acção Cultural, no âmbito da Secretaria de Estado da Cultura -a quem cabe apoiar as actividades que, de norte a sul do País, se vão prodigalizando nos domínios do teatro, da literatura, do jornalismo, da difusão de uma proposta lúdica infantil-, vai, dia após dia, minguando diante de uma escassez de verbas que outra coisa não visa senão a destruição da criatividade popular.
Por último, é confrangedor constatar que a fuga ao controlo democrático, em quanto se prende com o Centro Cultural de Belém, se impõe como verdadeira «lei de bronze» do Governo de Cavaco Silva...
Por isto tudo e pelos motivos que, em devido tempo, não poderemos deixar de aduzir, será de concluir que um espécime, pensado e organizado para assinalar 500 anos dos Descobrimentos Portugueses, que foram obra durável e perduradoira, se transforme agora em sujo mar que se toma imperioso descobrir, bisturizando o que se está a passar nos últimos três anos de desdouro, de nebulosidade e, em diversos planos, de obscuridade intolerável.
Eis por que a bancada do PCP não pode eximir-se a exprimir, desde já, o seu apoio à realização de um inquérito que apure não apenas o disparo dos montantes monetários, mas o completo e sistemático desordenamento de uma obra de lustre e vazio, que é, ela própria, a imagem de uma governação a que urge pôr cobro tão cedo quanto possível.

Aplausos do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo e Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, da sua intervenção ressaltam, sobretudo, duas questões, a primeira das quais tem a ver com a razoabilidade da utilidade e da necessidade da obra do Centro Cultural de Belém. Se calhar, não estaremos de acordo com esse particular - aliás, é um debate que já se iniciou nesta Casa há muito tempo, desde que o Governo veio, pela primeira vez, à Comissão de Educação, Ciência e Cultura defender a obra em sede de discussão da proposta de lei do Orçamento do Estado. Mas o facto é que na altura não vislumbrei, da parte do PS, qualquer oposição de princípio em relação à obra... Há, no entanto, um debate nacional que, seguramente, ainda não terminou e estaremos, não só neste momento mas depois da obra concluída, em (...)

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(...) condições de avaliar se a obra foi ou não necessária, se o País precisava ou não dela, se a afirmação da nossa dignidade, nomeadamente no momento em que Portugal assumirá a presidência do Conselho das Comunidades Europeias, justificaria ou não este investimento, bem como em relação à utilização de toda esta obra.
O Sr. Deputado António Barreto considera a priori que ela vai ser um espaço vazio..., mas o futuro dirá se ele tinha razão ou se quem a tinha era o Governo no momento em que decidiu pôr mãos à obra.
Sr. Deputado António Barreto, mais preocupante foi a comparação que fez a propósito do orçamento da Cultura. Gostaria de chamar a atenção dos Srs. Deputados para a razoabilidade dessa comparação - essa, sim-, porque, tanto quanto nos é dado ver, o Governo teve uma postura de grande dignidade na forma como apresentou sempre o orçamento da Cultura e a evolução orçamental. O Governo não cedeu à tentação fácil de incluir as verbas do Centro Monumental de Belém nas verbas da Cultura para justificar, de facto, um grande investimento. O Sr. Deputado António Barreto quis dar, do alto daquela tribuna, a ideia de que não havia mais dinheiro para obras instantes da cultura portuguesa por força deste crescimento. Mas assim não é, Sr. Deputado! A gestão do orçamento da Cultura foi sempre feita excluindo as verbas do Centro Cultural de Belém e o aumento do valor nominal e do valor real do investimento do Orçamento do Estado com a Cultura foi sempre feito e contabilizado sem o recurso a esta verba excepcional. Aliás, o Governo disse sempre que o investimento do Centro Cultural de Belém era considerado um investimento extraordinário, um investimento que envolvia toda a Nação, ao nível do Orçamento do Estado no seu conjunto e não roubando as verbas da Cultura, nomeadamente naquelas rubricas que o Sr. Deputado António Barreto, com o brilho que sempre lhe reconhecemos, leve ocasião de referir.
Mas a segunda questão que a sua intervenção me suscitou, Sr. Deputado António Barreto, foi a da legalidade, da transparência, da fiscalização, foi, em suma, a do cumprimento da lei. E V. Ex.ª fez mesmo o anúncio da apresentação de uma proposta de inquérito parlamentar. Sr. Deputado, não nos surpreende essa proposta. De certa forma estávamos à espera de uma reacção do PS, levantada que foi a possibilidade da realização do inquérito sobre despesas de publicidade - quanto a nós irregulares - da Câmara Municipal de Lisboa. Era, pois, de certa forma provável que o PS reagisse com um contra-inquérito e até admitimos que, em função da brevidade das eleições, haja aqui uma certa precipitação em relação aos inquéritos!...
Sr. Deputado, embora não queiramos banalizar esta figura do inquérito parlamentar, dizemos-lhe desde já que, pela parte da bancada do PSD, há todo o desejo de esclarecer as questões que possam eventualmente ter a ver com fenómenos de menor transparência ou de incumprimento da lei.
Aguardaremos responsavelmente pela apresentação da proposta de inquérito do PS, nomeadamente pelos seus considerandos e justificação de motivos, mas desde já fica a afirmação séria de que o PSD não recua no aprofundamento das circunstâncias que tenham a ver com supostas infracções à legalidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado António Barreto, em primeiro lugar, quero felicitá-lo pela serenidade com que fala deste problema, porque - devo dizer-lhe - quando passo em frente do Centro Cultural de Belém julgo que o principal efeito é o de «ficar sem fala», isto porque esta questão tem muito a ver com valores fundamentais portugueses, que não vejo aqui discutidos. E, ao ouvir a intervenção de V. Ex.ª, lembrei-me, porque se trata de Belém, do ensaísta da literatura portuguesa que conheço como tendo o conhecimento mais profundo nestas matérias e que é um marinheiro desconhecido que vem referido no Roteiro de Vasco da Gama. Quando esse marinheiro chegou à índia e lhe perguntaram o que é que iam lá fazer, ele disse: «Vimos saber de cristãos e pimenta.» Ora, nós aqui nas intervenções falamos da pimenta, mas é preciso falar de cristãos. E quando se trata de Belém esses valores são, fundamentalmente, os que estão em causa. E justamente por isso é que encontro muitas deficiências na intervenção do Sr. Deputado e falta de elementos para alimentar a nossa curiosidade.
Aliás, em primeiro lugar, recordo-me dos debates que houve nesta Câmara por causa de um projecto a que se chamou «torres do Tejo» e de todas as razões que aqui foram invocadas para condenar o projecto, porque as estruturas não suportavam a construção dessas torres. Elas estão piores do que nessa altura, mas parece que inteiramente habilitadas a suportar o Centro Cultural de Belém...
Por outro lado, acontece que é a teoria de justificação do Centro que, principalmente, deve preocupar-nos -julgo eu! É porque, a respeito do Centro, ele é um facto irremediável. Como já foi aqui várias vezes observado, o futuro terá ocasião de julgar isso e nós vamos ter pouca ocasião de fazer seja o que for relativamente ao que ali já está construído.
Mas justamente uma das justificações que tem sido apresentada é a da dignidade da presidência portuguesa das Comunidades. Ora, tenho tido dificuldade em entender essa justificação, porque esse é um acontecimento que vem, por força da rotina dos tratados - não resulta de qualquer esforço de bom governo e boa administração -, e porque também não conheço qualquer país -e gostava que o Sr. Deputado fornecesse elementos sobre isso - onde a proximidade da presidência das Comunidades tivesse dado esta movimentação política e cultural porque vem aí a «pedra de toque da capacidade portuguesa»!...
Suponho que isto não aconteceu em qualquer país das Comunidades e há-de haver algumas razões para tomar tão notável este acontecimento da rotina governativa das Comunidades. Por isso mesmo, tem-me parecido que é um pouco demais tapar os Jerónimos, que representam séculos de História, por um monumento dedicado a seis meses de tecnocracia.
Por outro lado, como se trata também de uma obra pedagógica, tem-me parecido que há aí uma certa omissão - e o Sr. Deputado não nos forneceu qualquer elemento-, pois não sabemos qual foi o arquitecto português ou a escola portuguesa de arquitectura que tomou a responsabilidade de assinar o projecto que ali está em construção. Quais são os nomes da arquitectura portuguesa que vão passar à História assinando a responsabilidade daquele monumento?
Finalmente, gostaria de fazer esta, pergunta: Centro Cultural de Belém. Mas que cultura? É a cultura elitista? É a cultura popular? É a pregação da cultura da «nova Europa»? Qual é o objectivo?

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Sr. Deputado, também a este respeito - e eu esperava tanto de si! - não forneceu qualquer elemento. Foi por isso que considerei a sua intervenção útil, oportuna, entendendo, todavia, que falta ainda um conjunto importantíssimo de informações e meditações para conseguirmos entender o que é que está a ser construído diante dos Jerónimos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): -Sr. Deputado António Barreto, é impossível deixar de subscrever todas as negatividades que acompanham, desde o princípio, a realização desse projecto e que V. Ex.ª enumerou.
O Sr. Deputado não acha que a maior de todas essas negatividades é a redundância frívola, a redundância operática, «balética» e de cultura espectacularmente congénere a que o fausto desse Centro está destinado? É porque são estas as vagas notícias que nos dão do seu futuro!
A sensatez e a exiguidade do orçamento para a Cultura tornam óbvio, ou deviam tomar, que a presidência - meteórica! - de Portugal na CEE não justifica um empreendimento que roube ao orçamento da Cultura quantias emergentemente necessárias para acudir a um património edificado - e não só - que está votado ao mais intolerável dos abandonos. E é nesse património, Sr. Deputado, que residem os elementos da tal identidade cultural de que tanto se fala, mas pela qual nada se faz.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis Gonçalves.

O Sr. Carlos Lélis Gonçalves (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, pertenço, tal como o Sr. Deputado, à Subcomissão Permanente da Cultura, presidida pela sua colega de bancada Edite Estrela.
Essa Subcomissão - e a sua colega poderá informá-lo disto - tem um encontro de trabalho solicitado ao Secretário de Estado da Cultura, mas que ainda não está agendado. O PSD, nomeadamente através dos seus deputados Pedro Campilho, António Sousa Lara e de mim próprio, não tem, nessa Subcomissão, criado o menor embaraço à colocação de questões que a sua colega de bancada, na função de presidente, tem procurado suscitar.
Mas os deputados do PSD não são governo e todos carecemos de informação pois sem esta as divergências são maiores e as margens para diferendos políticos crescem quase truculentamente - e faço esta afirmação, na medida em que o Sr. Deputado há pouco dizia que esta era a sua abordagem ao assunto numa tentativa de compreendê-lo.
Pela minha parte, perante o que me excede - e, neste caso, o assunto excede-me por alguma falta de informação -, procuro duvidar de mim e confiar nos outros. Quer o Sr. Deputado confiar no acolhimento que a Subcomissão Permanente da Cultura proporcinará a este assunto, em próxima reunião destinada à sua abordagem?
É que se há áreas que beneficiam da discussão, a cultura é uma delas, sob o signo da excelência e de consensos inteligentes. A truculência é também um condimento cultural e explica-se não só culturalmente mas, por vezes, e mais ainda, politicamente - aliás, reconheço o seu calor político e a sua convicção.

Creio - e o Sr. Deputado esclarecer-me-á - ter lido (e esta minha dúvida é uma questão de probidade intelectual e não são dúvidas apenas) que o arquitecto Siza Vieira, talvez por atender ao processo de concurso internacional a que obedeceu o Centro Cultural de Belém, afirmava, no Jornal de Letras e Artes, concordar com a implantação e com a articulação do edifício com o Tejo. Quer o Sr. Deputado comentar esta afirmação, que reputo técnica, do arquitecto Siza Vieira?
O Sr. Deputado falou ainda do aproveitamento daquelas instalações. A este propósito, gostaria aqui de lembrar - e tenho a abonação, digamos assim, da Sr.ª Deputada Natália Correia que esteve presente- um encontro de intelectuais com o Sr. Primeiro-Ministro em que o aproveitamento das instalações do Centro Cultural de Belém terá sido um dos temas em discussão.
Sr. Deputado António Barreto, eu que não estive nessa reunião, pergunto-lhe se, na verdade, nesta ocasião, e perante uma obra já irreversível, não seria inteligente, pertinente, pragmático, útil, levarmos a imaginação ao poder para uma excelente ocupação dessas instalações.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado António Barreto, tentei apenas corresponder à sua afirmação de que ao intervir estava a tentar conhecer o problema. Eu também. Sr. Deputado!
Quanto às outras questões, a minha bancada procurou responder, nomeadamente na voz do Sr. Deputado Carlos Coelho.
Sr. Deputado, pela fraternidade de alguns dos nossos debates e discussões em comissão, deixe-me fazer um comentário, entre parêntesis, que não quero que interprete literalmente. Se, na verdade, há, por vezes, «versículos satânicos», há também - temos de considerá-lo - leituras perversas e, por vezes - reconheçamo-lo ainda - ligações perigosas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Srs. Deputados, gostaria de poder falar longamente sobre os problemas que levantaram, mas todos conhecem as dificuldades do Regimento. De qualquer forma, tentarei falar daquilo que me pareceu interessar a todos.
Começarei pelo Sr. Deputado Carlos Lélis Gonçalves, dizendo, em primeiro lugar, que não aceito o seu comentário sobre a truculência e sobre o facto de eu, eventualmente, não duvidar de mim e de apenas ter certezas.
Vou apenas citar, bem mais truculento, um juiz do Tribunal de Contas que, depois de referir os custos astronómicos do Centro Cultural de Belém, concluiu na impossibilidade, quase absoluta, do controlo dos custos e acaba dizendo, de um modo geral, que os encargos não foram objecto de concurso nem de consulta, nos termos que a lei geral impõe, nem os respectivos contratos foram sempre reduzidos a escrito. Isto não é truculento mas é bem mais violento do que tudo o que eu possa dizer.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Quanto à referência que fez ao arquitecto Siza Vieira, deixe-me dizer, Sr. Deputado, que não aceito qualquer ortodoxia.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Mas o arquitecto Siza Vieira é um ortodoxo!...

O Orador: - A cidade e a História não são dos arquitectos! Nada é dos especialistas. A cidade e a História são dos cidadãos e não é a opinião do Sr. Arquitecto Siza Vieira ou de qualquer outro que vai condicionar a minha opinião pessoal, política, cultural... E, repare: evitei, cuidadosamente, trazer para uma Câmara política o debate estético.
Pessoalmente, devo dizê-lo, abomino «aquela coisa», mas isso é o meu gosto e não vou aqui discutir gosto e estética, porque a política não deve envolver-se em estética no sentido essencial do termo -pelo que evito fazê-lo -, por isso os juízos mais de cariz estético não me dizem respeito.
Quanto ao uso das futuras instalações conte comigo, Sr. Deputado: vamos em Comissão pensar, discutir, debater... Porém, respondendo também ao Sr. Deputado Adriano Moreira, quero dizer que a minha suspeita - eu sou um céptico, alias, já me trataram de «masoquista» e de «velho do Restelo»... e foi um «yuppie de Belém» que assim me apelidou!... - é a de que ali vamos ter sedes de governos, ministérios, gabinetes, colóquios e seminários. Essa é a minha suspeita! De qualquer forma, vamos tentar, antes que isso aconteça, impedir tal destino para o Centro Cultural de Belém.
Sr. Deputado José Manuel Mendes, tomei nota da disponibilidade do seu partido para subscrever o pedido de inquérito parlamentar sobre o Centro Cultural de Belém, bem como a do Sr. Deputado Carlos Coelho, que, igualmente, se mostrou disponível. Então, Sr. Deputado Carlos Coelho, vamos fazer um contrato: assine o meu pedido que eu assino o seu! Vamos fazer um inquérito à Câmara Municipal de Lisboa? Com todo o gosto e com todo o prazer - aliás, se se tratar de um inquérito da iniciativa do Parlamento, eu assino-o antes mesmo de receber a sua assinatura no meu pedido de inquérito, porque confio e aprecio a sua palavra.

Aplausos do PS.

Aliás, posso dizer-lhe que, há minutos, acabei de ter a alegria de ouvir que o presidente da Câmara de Lisboa, Dr. Jorge Sampaio, está totalmente disponível para fazer inquéritos na Câmara. Vamos, pois, também fazer um inquérito aqui: assine o meu que eu assino o seu, Sr. Deputado!

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, o meu apelo resultou e estou muito feliz porque vamos ter um inquérito ao Centro Cultural de Belém.
Por outro lado, o Sr. Deputado José Manuel Mendes mostrou o que eram as prioridades do Governo em matéria de cultura e o que eram as prioridades do Governo na acção e na História: o Governo tem vindo, em matéria de cultura, a privilegiar, sistematicamente, a corte e o vistoso! A corte e o vistoso são dois dos grandes estilos do Governo em matéria cultural!...
Relativamente ao Sr. Deputado Carlos Coelho, quero lembrar-lhe que estive sempre presente aquando da discussão dos Orçamentos do Estado e que, desde há três anos, refiro, prova provada, o Centro Cultural de Belém sem grande sucesso, pois, como sabe, os Srs. Ministros e Secretários de Estado nunca quiseram discutir esse assunto.
Em lodo o caso, nunca deixei de referir e focar este assunto...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não com muita ênfase!

O Orador: -... nas declarações de voto - aliás, isso consta dos Diários da Assembleia da República. Portanto, desde há cerca de três anos, esta já deve ser a sexta ou a sétima vez que falo neste assunto. Mas, infelizmente, é tarde!
O Sr. Deputado disse que talvez fôssemos a tempo de abrir um debate e que este ainda não tinha terminado!... Ó Sr. Deputado, este debate terminou no dia exacto em que o camartelo entrou!... Não é agora que pode debater-se o que ali está!... Eventualmente, poder-se-á debater, com alguma sorte, o que o Sr. Deputado Carlos Lélis Gonçalves propôs, isto é, qual o futuro a dar às instalações.
Quanto às verbas para a Cultura, o Sr. Deputado não tem razão naquilo que disse: citei - e posso tornar a fazê-lo- 26 monumentos, mosteiros, conventos, solares, castelos e igrejas, que, em 1990, ficaram com as obras interrompidas porque não havia dinheiro que chegasse na rubrica «Património cultural». Bem, o Sr. Deputado dirá: «Mas isso é outro dinheiro!...» Mas, ó Sr. Deputado, o dinheiro é como a água: é um só e quando há dinheiro para uma coisa não há para outra! Essa é que é a verdade!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Isso é um problema geral!

O Orador: - Finalmente, o Sr. Deputado Adriano Moreira falou de coisas que omiti na minha intervenção por falta de tempo, porque estava preocupado com alguns problemas institucionais de inquérito, de ilegalidade, de irregularidade, mas o certo é que o Sr. Deputado frisou coisas indispensáveis para a análise desta «perpetração», que é o mínimo que se pode chamar-lhe.
Estou de acordo com o Sr. Deputado quando disse que se transformou a presidência da CEE numa espécie de «mitologia saloia». Se as pessoas pensarem que já houve 60 presidências da CEE e que nunca houve este estardalhaço que se está a fazer com o Centro Cultural de Belém...

Aplausos do PS, de alguns deputados do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo e João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Mas é a primeira vez para Portugal!

O Orador: - Em todo o caso, gostaria de, em momento ulterior, falar sobre o destino do Centro, sobre a ideia de cultura que está ali a ser feita, se é que está a ser feita alguma cultura!...
Quanto ao nome do arquitecto, o Sr. Deputado Adriano Moreira saberá, seguramente, que o vencedor do concurso é estrangeiro. E talvez seja só nesse aspecto que não estou em sintonia com o que disse, pois no momento actual prefiro a abertura... Aliás, se não me engano, alguns dos mais (...)

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(...) importantes monumentos portugueses foram construídos ou idealizados por arquitectos estrangeiros, nomeadamente italianos e alemães, aspecto que não me choca.
À Sr.ª Deputada Natália Correia direi que partilho do seu ponto de vista. Falou no fausto operático - creio que em sentido figurado e apropriado ao caso. O Teatro Nacional de São Carlos definha, está em ruínas, está fechado, não tem orquestra, quando tem ballet não tem música, quando tem músicos não tem cantores, quando tem cantores não tem bailarinos... Bom, o Teatro Nacional de São Carlos tem falta de cerca de 900 000 contos, está no estado em que está, mas vamos ter a «ópera do Tejo», a ópera do Centro Cultural de Belém ou, como disse o Sr. Deputado Carlos Coelho fugindo-lhe a boca para a verdade, o «Centro Monumental de Belém».

Aplausos do PS, de alguns deputados do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo e João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Barreto, não o interrompi porque o CDS lhe cedeu o tempo suficiente para concluir as suas respostas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Silvestre.

O Sr. Nuno Silvestre (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não sabia muito bem como é que havia de começar esta intervenção, mas, de qualquer forma, seria sempre muito difícil depois da intervenção do Sr. Deputado António Barreto, porque todos reconhecemos a sua autoridade, a sua experiência e o seu «bem falar».
Embora não lhe tivesse feito qualquer pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado António Barreto disse, a dado passo, que, se errasse, seria o primeiro a reconhecê-lo, mas que, para isso, era necessário que soubesse que estava a errar. Queria dizer-lhe que, para mim, e penso que para a bancada do PSD, primeiro é preciso tentar, e, depois, logo se vê se errámos ou não. Penso que isto traduz alguma diferença de postura entre o PSD e o PS.
Em todo o caso, achei estranho que ninguém viesse falar da Associação Académica de Coimbra. E porquê? Porque se, porventura, as eleições para os seus órgãos tivessem sido ganhas pela lista da JS estaria aqui toda a oposição a dizer, é um sinal em relação às legislativas; é o diagnóstico; é a má política de educação; é a má política da juventude. Mas não! É antes uma lista apoiada pela JSD, com a maior diferença de sempre em relação à lista sua concorrente.

O Sr. António Barreto (PS): - Esqueci-me!... Dou-lhe os meus parabéns!

O Orador: - Obrigado.
Em todo o caso, também não era esta a forma de iniciar a intervenção que tinha pensado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu tinha elaborado um discurso escrito, com todos os eufemismos, e todos os palavreados a que estamos habituados nesta Casa.
Porém, numa conversa tida, ainda ontem, lembrei-me que tinha sido eleito pelos jovens, por aqueles que estão ali, naquelas galerias...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Por aqueles!? Como é que sabe?

O Orador: - Se não foi por aqueles, foi pela esmagadora maioria!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Assim, está bem!

O Orador: - Quero dizer-vos, Srs. Deputados, que também por isso e em respeito por aqueles que ali estão nas galerias tirei o meu casaco e arregacei as mangas, porque é para eles que vale a pena falar. É esse o meu sentimento de responsabilidade.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Muito bem! O PS deveria fazer isso!

O Orador: - Foi ontem, quando estava a conversar com alguns amigos, que me decidi a intervir aqui, hoje, de improviso -se calhar, mal...-, porque, quando os informei do conteúdo do discurso que tinha escrito para hoje, disseram-me que não fazia sentido e não valia a pena vir dizer meia dúzia de coisas que toda a gente já sabia, e que não teriam impacto. Retorqui-lhes dizendo que havia necessidade de alguém vir aqui dizer aquilo que eles dizem na escola, no café, na universidade, em todo o lado! Como não foi essa a opinião deles, rasguei as páginas que tinha escrito.
Mas quero dizer-vos o seguinte: depois dessa conversa com os meus amigos, lembrei-me de reler o programa deste Governo, na parte que diz respeito à juventude, e verifiquei que, apesar de ainda não termos terminado o mandato desta legislatura, já cumprimos o que está no programa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - A juventude laranja está satisfeita!

O Orador: - Não! A «juventude laranja» não está satisfeita, de maneira nenhuma, porque nós queremos sempre muito mais do que aquilo que lá está!
Em 1987, aquilo que está no programa era algo que ninguém pensava que fosse possível cumprir, pois os senhores até diziam que nós nunca o conseguiríamos. No entanto, já está mais do que cumprido.
Mas, é óbvio, não estamos de maneira alguma satisfeitos! Enquanto houver alguém, como os senhores muito gostam de dizer, a ganhar 27 000$ num sítio qualquer, por exemplo, uma empregada de limpeza...

Vozes do PCP: - A culpa é vossa!

O Orador: - Mas, se calhar, não tinha emprego e agora tem...
Mas a nós não nos chega que uma pessoa ganhe 27 000$ tal como também não nos chega, quando na semana passada visitámos a Lisnave, ouvir a sua comissão de trabalhadores dizer que estavam muito melhor do que antes. Com certeza! Mas a seguir diziam-nos que ganhavam sessenta e poucos contos... Nós também não concordamos com isso, pois queremos muito mais, só que, ao contrário dos senhores, primeiro, e com o esforço deste Governo, é preciso criar riqueza e a seguir criar os empregos que antes não existiam.
Para além do programa do Governo que considero estar cumprido na parte relativa à juventude, embora também considere que há muito mais coisas a fazer, tenho um compromisso, que tem a ver com o que propuzemos no Manifesto da JSD. Em 1987, dizíamos nesse Manifesto que tinha de ser criado um Instituto da Juventude, porque a JSD não queria atitudes tutelares ou dirigistas do Estado. Por isso, propúnhamos a criação desse Instituto. Ele foi criado, mas pode perguntar-se: o seu funcionamento (...)

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(...) suscita-nos críticas? Com certeza! Porque queremos melhorar o mais possível. No entanto, cumprimos!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Na altura falava-se muito no escândalo dos serviços sociais escolares - eram as más refeições, eram os preços e, enfim, todos leram o que os jornais diziam. Mas, neste momento, apesar de haver ainda muitas deficiências, isso já não é tema para os jornais.
Falava-se, então, no insucesso escolar - e ainda hoje se fala -, na reforma educativa, mas, quer se queira quer não admiti-lo, quem teve a coragem de dar os primeiros passos estruturais nesse sentido foi este Governo!
Temos muitas críticas a fazer? Na altura, dizíamos que a escola era chata e hoje ainda me dizem isso, mas nós temos a coragem de assumi-lo. Agora ninguém venha dizer que não foram dados passos -e muitos passos- no sentido de uma escola melhor.
Dizíamos nós também que tinha de apostar-se no ensino politécnico e no acesso ao ensino superior. Diz-se mal da PGA, com certeza! Diga-se ainda pior, mas dêem-se alternativas. Já agora, porque tanto mal se diz da PGA, direi que se ela já existisse na altura em que entrei para a universidade eu não teria sido vítima do erro de computador que não me permitiu a entrada. Não tenho dúvidas de que se antes da PGA não entrava, agora, se a fizesse, entraria garantidamente.
E antes falava-se também muito em desemprego. Quero dizer que, nessa matéria, o meu distrito, o de Setúbal, em 1985 e ainda em 1987, estava muito debilitado. Toda a gente dizia que o distrito estava em crise, que havia falta de emprego, mas neste momento não tenho dúvidas em dizer que, se ainda existe muito emprego precário, garantidamente foram criados os postos de trabalho que a JSD prometeu!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu teria muitas outras coisas a dizer, mas, para terminar, referirei apenas um facto.
Antes de vir aqui falar, quando disse a alguns colegas que me faltavam alguns dados e que iria falar de improviso, eles responderam-me: «Eh pá, estás parvo? Julgas que vão dar-te alguma atenção?». Ao que retorqui: vale sempre a pena dizer alguma coisa, porque estou com os jovens lá fora e sei, garantidamente, o que eles pensam e querem!
Aliás, não deixa de ser significativo que nas vossas bancadas não esteja qualquer deputado jovem!
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há ainda uma inscrição para o período de antes da ordem do dia, que terminará às 17 horas, mas que, provavelmente, terá de ser prolongado por mais alguns minutos, para permitir que o Sr. Deputado João Camilo faça a sua intervenção.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Venho aqui falar de factos insólitos ou, até, talvez macabros. Alguém morreu, atropelado por um comboio na já famigerada linha de Sintra, ou «linha do inferno», como um semanário recentemente a apelidou, e a CP vai a tribunal pedir à família uma indemnização pelos prejuízos que a vítima lhe causou.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reconheçamos que há limites para tudo. Situações como esta ultrapassam todos os limites do concebível, e denunciá-las nesta Câmara justificaria plenamente, só por si, esta intervenção.
Mas impõe-se, no entanto, dizer mais alguma coisa.
A linha de Sintra, em 1990, provocou 63 mortos e 264 feridos e, em 1991, já morreram mais nove pessoas. Não estou a falar de participantes em qualquer conflito bélico mas, sim, de pessoas que, diariamente, utilizam o comboio no seu trajecto de casa para o emprego e que um dia perdem a vida num acidente, provocado, porventura, por excesso de lotação ou por avaria nas portas da carruagem. Estou também a falar de crianças e de jovens que, no seu trajecto de casa para a escola, são forçados a atravessar a via férrea, sem quaisquer condições de segurança, até que, um dia, o acidente as espreita.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se podem fechar os olhos perante a situação vivida diariamente pelos 240 000 utentes da linha de Sintra, nem perante o sobressalto permanente das populações que habitam nas vizinhanças desta via férrea e que necessitam quotidianamente de a atravessar, sem condições mínimas de segurança.
Esta situação tem causas directas no deficiente serviço de transporte ferroviário que é prestado, na sua falta de resposta perante um enorme crescimento demográfico, na ausência de investimentos e no envelhecimento da rede ferroviária.
Para os utentes da linha de Sintra o acidente e a anomalia tornam-se um acontecimento quase rotineiro e os atropelamentos mortais já quase não constituem notícia. Já todos os passageiros da linha viram as circulações momentaneamente interrompidas por atropelamentos ou por avarias diversas, sem que isso constitua uma anomalia digna de especial registo.
Apanhar chuva dentro das carruagens, que circulam frequentemente com os vidros partidos; demorar mais de uma hora num trajecto que normalmente se faria em 20 minutos; viajar de portas abertas e com cachos de gente apinhada nos degraus exteriores; ir amontoado; ser pisado e empurrado por quem procura ainda entrar num comboio superlotado para chegar a horas ao emprego; centenas de passageiros em estações, como Queluz, Amadora e Damaia, à espera de comboios que foram suprimidos sem explicação; chegar tarde ao emprego ou a casa, tendo, por vezes, que procurar transportes alternativos são situações que pela sua frequência são encaradas pelos utentes da linha de Sintra como algo que faz parte do seu dia-a-dia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podemos encarar com naturalidade que uma via férrea tenha provocado a morte a centenas de pessoas nos últimos anos e não podemos aceitar que este absurdo se confunda com a normalidade, perante a indiferença dos principais responsáveis.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não é admissível que a CP e o Governo, que a tutela, continuem a lavar as mãos, face a uma situação inconcebível, pela qual têm de assumir a mais pesada responsabilidade.
Não é sério dizer-se, como dizem alguns responsáveis da CP, que a degradação das vias e das carruagens da linha de Sintra se devam essencialmente a actos de vandalismo, quando se sabe, por exemplo, que as 12 novas (...)

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(...) carruagens só se esperam para 1992 e que o Governo não tem cumprido sistematicamente o plano a que se comprometeu para a modernização e reconversão dos caminhos de ferro, elaborado em 1988.
Não é sério atribuir a actos de suicídio a maioria dos atropelamentos mortais, ocorridos na linha de Sintra, como se as populações dessa zona tivessem uma propensão significativamente maior para o suicídio do que as populações que residem em zonas servidas por vias férreas menos degradadas.
O que tem de ser dito é que o serviço ferroviário prestado na linha de Sintra não corresponde minimamente às exigências que decorrem do crescimento demográfico verificado em localidades como o Algueirão, Rio de Mouro, Cacem, Queluz ou Amadora e que a insuficiência da rede, a degradação do material, as quase inexistentes condições de segurança das vias e das passagens de nível e a insuportável superlotação criaram uma situação insustentável para os utentes, perante a qual o Governo e a CP culpam as populações e as próprias vítimas, em vez de assumirem as suas obrigações na modernização e remodelação da linha de Sintra.
O Governo e os responsáveis da CP não ignoram que o estado obsoleto dos comboios que circulam na linha de Sintra levou a que tenha sido reduzida em 35 % a respectiva potência de travagem.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Quando, há cerca de um ano, aqui viemos denunciar mais um grave acidente e exigir as medidas há muito prometidas e sempre adiadas, nunca pensámos que seria de tão completa e cínica indiferença a posição da CP e do Governo em matéria de tão urgente e necessária intervenção.
Renovamos, mais uma vez, a nossa intenção de ouvir o Ministro dos Transportes, o presidente da CP e o director do Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa, para o que continuamos a aguardar o agendamento do projecto de deliberação que então apresentámos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

O Sr. António Bacelar (PSD): -Sr. Deputado João Camilo, ouvi atentamente a sua intervenção e devo dizer-lhe que também eu estou plenamente de acordo consigo. Só lamento que o Sr. Deputado não tivesse alargado um pouco o âmbito da sua intervenção, por exemplo, aos acidentes de viação que neste país matam, por ano, 2500 pessoas, que mancham de sangue as estradas portuguesas, além de todas as outras que ficam altamente deficientes ou que acabam por morrer nos hospitais.
Concordo, com certeza, com a necessidade de melhorar o sistema de transportes, de prestar segurança ao cidadão, mas penso que não podemos ficar só por aí. Parece-me que seria necessário alargar um pouco mais o leque e pensar também naqueles que, por outras circunstâncias, que não têm propriamente a ver com as estradas, mancham de sangue as nossas estradas, e são cerca de 2500 vítimas por ano.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.

O Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Deputado António Bacelar, começo por agradecer a questão que levantou, mas devo dizer que não falei das vítimas dos acidentes rodoviários porque o que me preocupou foi um serviço público, que é tutelado pelo Estado e do qual este tem responsabilidade directa.
Por isso, na nossa acção fiscalizadora - e também denunciadora, quando é caso disso-das falhas e do não cumprimento dos compromissos do Estado, viemos fazer esta intervenção, mas, como é natural, estou completamente de acordo consigo quando diz que é lamentável a situação que se vive nas nossas estradas, da qual o Estado tem, naturalmente, uma parcela de responsabilidade mas também todos os cidadãos e a própria Assembleia da República terão uma intervenção a fazer.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia com a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 157/V-Regula a organização e funcionamento do Conselho Económico e Social - e do projecto de lei n.º 560/V (PCP) - Conselho Económico e Social.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na revisão constitucional de 1989 foi determinada a criação de um novo órgão - o Conselho Económico e Social - com funções de consulta e de concertação em matéria de política económica e social.
Essa criação traduz a perspectiva flexível e adaptatíva que deve existir em relação à construção institucional, particularmente em relação aos aspectos instrumentais de orientação da acção que a evolução dos acontecimentos aconselhar a mudar e a prática demonstrar que, eventualmente, funcionam melhor de outra maneira.
O novo Conselho Económico e Social substitui três outros: o Conselho Nacional do Plano, o Conselho Nacional de Rendimentos e Preços e o Conselho Permanente de Concertação Social. Só a economia institucional que essa substituição permite seria uma vantagem muito saudável, mas ela é acompanhada de uma fusão dos três órgãos num só, o que implica que - além de se evitarem duplicações de esforços, interpretações diversas dos mesmos temas, sobre os quais os três órgãos se tinham de debruçar, e, mesmo, qualquer antagonismo de vistas e de posições - se força a integração das diferentes maneiras de olhar para a mesma questão, o que vai originar, seguramente, uma compreensão mais profunda e mais alargada das implicações dessas questões que há-de repercutir-se na justeza dos pareceres e das acções de concertação produzidas no seio do Conselho.
Ao ligarem-se acções com horizonte de médio e de longo prazos com outras que têm tendência a serem resolvidas no curto prazo, substituímos a navegação à vista por uma outra em que se aprecia o sentido de longo alcance de medidas que levam tempo a frutificar, com outras em relação às quais se quer o máximo para hoje, ou mesmo para ontem.
Ora, sucedendo que não há milagres económicos e sociais espontâneos mas, sim, progressos económicos e sociais paciente e habilmente elaborados, equilibrando os benefícios e os sacrifícios de hoje com vista à obtenção de benefícios mais expressivos e sustentados amanhã, pareceu sensato e potencialmente muito eficaz promover o (...)

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(...) equilíbrio de resultados através do confronto dos argumentos em que se apoiam aquelas duas ordens de posições. Não se trata de procurar criar impasses para o órgão executivo ser o árbitro, face à impossibilidade da quadratura do círculo mas, sim, genuinamente, de procurar o caminho estreito do equilíbrio que satisfaz as duas perspectivas, permitindo viver o melhor possível no presente, sem comprometer o futuro. É óbvio que isso implica que no Conselho Económico e Social se sentem delegados da mais alta competência técnica, que sejam capazes de juntar a esse atributo um sentimento político arguto, distinguindo o que é possível fazer daquilo que reclamaria custos intangíveis tão elevados, que só muito dificilmente haveria habilidade ou vontade política para conseguir aprovar.
Os exercícios de planeamento elaborados de modo demasiadamente tecnocrático expõem-se à contestação por parte das forças políticas, ninguém se revendo neles. Por isso, uma auscultação prévia, obtida através da participação dos representantes dos principais sectores económicos e sociais, e uma afinação com ela consequente representam uma prova que dá muitas garantias em relação à aceitação das propostas formuladas.
A junção de competências não só faz aumentar o grau de compreensão mútua acerca das posições dos diferentes grupos representados no Conselho como estimula o alargamento da participação de todos, porque reclama o seu envolvimento em domínios que antes constituíam reserva só de um deles. Estamos convictos de que isso resultará em benefício do conjunto e das partes, porque todos irão ser confrontados com os problemas dos outros e perceberão, de forma directa, as limitações da acção e as aspirações de cada um.
A primeira das funções respeita ao desenho estratégico do futuro próximo: as chamadas grandes opções. É essa a ocasião privilegiada para se debaterem as questões de equilíbrio entre o curto e o médio prazos. Mas, como o Conselho também se deve pronunciar acerca dos planos sectoriais e espaciais de âmbito nacional, estão criadas as condições para se apreciarem as articulações entre os aspectos estratégicos e os tácticos, denunciando incongruências, sublinhando os vectores fortes, arredando os instrumentos inconsequentes e favorecendo, no conjunto, a integração das múltiplas facetas que qualquer acção pública tem.
Pede-se ao Conselho que aprecie regularmente a evolução da situação económica e social do País. Assim, além de se poder pronunciar sobre essa situação, esta função de acompanhamento é instrumental no que respeita às funções anteriores, que não são apoiadas somente nos estudos que acompanham as diversas propostas, mas beneficiam, particularmente, dos resultados de uma observação permanente da realidade nacional. Os estudos de fundamentação não são, assim, facultativos, porque, além de existirem por razões de método para a apreciação do médio prazo, constituem obrigação legal para a análise do presente e do passado recente. Está-se, assim, em imersão total para medir a temperatura da água e a força da corrente e para avaliar do destino desta e do que ela é capaz de arrastar consigo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Hoje ninguém tem dúvidas de que o esforço de desenvolvimento nacional ou é obra de todos ou não existe. Se o esforço de desenvolvimento nacional for objectivo somente de alguns poucos irá parar perto porque é contrariado por muitos, tendo resultante nula ou muito pequena. A concertação não representa o consenso a qualquer custo nem pode fazer-se em torno de «palpites»; a concertação exige muita informação para fundamentar as posições dos diversos grupos de agentes e reclama análises profundas acerca das implicações gerais daquilo que, sendo, por definição, sempre aspirações justas, pode não ser praticável em dado momento, comportando, numa satisfação extemporânea, o germe da sua anulação futura ou o ruído longínquo de um trovão que se aproxima. Não se pretende a diluição tecnocrática de tensões que hão-de subsistir sempre e que é bom que se exprimam de forma clara e sem complexos; o que se quer é ver todas as posições muito fundamentadas no melhor que a observação dos resultados puder dar, que a análise dos dados puder demonstrar e que a interpretação causal dos mesmos puder explicar. O que se pretende, afinal, é a transparência das coisas, o acrescentamento de inteligência na explicação das causas e o equilíbrio na conciliação das posições.
Quanto à composição, convém dizer, desde já, que sabemos bem nunca ser possível chegar a consenso, nem quanto ao número de membros, nem quanto às forças que no Conselho se julgam ter direito a estar representadas. A respeito do primeiro, põe-se a velha questão entre a operacionalidade e a capacidade de gestão de um número razoável, mas pequeno, e a incapacidade de gestão de um conjunto muito numeroso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -O tamanho que propomos, com um limite de 56 membros, permitirá conduzir plenários em que todos se pronunciem, porque os representantes estão agrupados em 17 categorias e não é difícil fazê-las ouvir-se ao longo de um dia de trabalho. Aliás, da experiência de outros países, nos quais funcionam órgãos semelhantes, pudemos colher um conselho prático a este respeito: a força dos acontecimentos e as pressões que se verificaram ao longo do tempo conduziram a aumentos graduais do número dos seus membros.
Ora, ouvidos alguns responsáveis actuais e outros que por lá passaram, foi curioso observar que todos disseram que teria sido muito melhor ter resistido à vontade de ver reflectidas todas as forças, porque nunca será possível lê-las todas, e que teria sido excelente terem-se oposto ao alargamento do plenário. Como hoje são obrigados a viver com números que ultrapassam a capacidade operacional corrente, o procedimento habitual é o trabalho em comissões, reservando-se os plenários para as ocasiões muito solenes, o que retira algumas virtualidades ao jogo das influências intersectoriais e entre grupos para a afinação de posições comuns.
Quanto às diferentes categorias, devo dizer que traduzem uma interpretação das forças que fazem mover a sociedade portuguesa e que preparam o seu futuro. Estão, naturalmente, incluídos nestas forças os empregadores e os empregados, mas também está o sector da economia social, que terá tanto maior relevância quanto mais se concentrar nos sectores em que, efectivamente, ela é insubstituível e em relação aos quais os cooperadores se têm de comportar de forma rigorosa, evitando todas as ambiguidades ou duplicidades, que os fazem sê-lo somente nos maus momentos, esquecendo-se que o são quando as coisas lhes correm bem, em termos privados. Estão ainda representados os investigadores científicos, que representam a modernidade tecnológica, e as profissões liberais que, (...)

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(...) tradicionalmente, têm assumido em Portugal um papel de relevo em todas as acções de desenvolvimento.
O Sector Empresarial do Estado é hoje um domínio importante e sê-lo-á sempre em sectores estratégicos ou com dominante social nas suas actividades; por isso, tem de poder dizer a sua palavra em relação às muitas competências do Conselho.
As Regiões Autónomas conduzem políticas afinadas no seio de órgãos com uma larga responsabilidade e liberdade política em relação às instâncias centrais, mas não devem poder fazê-lo à margem dos interesses nacionais, nem os órgãos nacionais podem esquecer-se das especificidades insulares.
As autarquias locais têm vindo a intervir, de modo determinante e insubstituível, nas muitas acções dispersas que asseguram a qualidade de vida dos cidadãos, mas que têm de ser progressivamente integradas em conjuntos que potenciem o crescimento geral e promovam o desenvolvimento de todas as partes do território.
O ambiente constitui hoje uma preocupação generalizada. O crescimento e o desenvolvimento não podem processar-se à margem das repercussões que cada acção tem sobre o meio que nos rodeia nem ignorar as consequências futuras de cada acto. Impõe-se uma pedagogia permanente a este respeito, à qual o Governo se tem entregue aplicadamente, mas é preciso que, em todos os locais onde se decide acerca do presente e do futuro, as considerações ambientais pesem e conformem as muitas soluções sectoriais que se definem.
Os portugueses começam a estar alertados para os seus direitos, como consumidores, e os fornecedores também já sabem que há garantias e transparências que têm de respeitar; por isso, há um representante dos consumidores no Conselho.
Em Portugal, a tradição da solidariedade social é muito forte e perde-se na memória dos tempos; foram noutras épocas as misericórdias e são, hoje, elas e muitas outras fórmulas institucionais que cuidam, voluntariamente, de idosos e de crianças, de diminuídos de toda a sorte, e que zelam pela permanência de valores humanitários, que nos distinguem de muitos outros, além de garantirem a oferta de numerosos serviços a custos e em condições que não têm comparação com os que a Administração Pública poderia, por si própria e isoladamente, proporcionar. A família, além de constituir um pilar tradicional da sociedade, vê-se hoje chamada a partilhar novas responsabilidades, particularmente no domínio da educação e da preparação dos jovens para o futuro. É, por isso, bom que reflictam as suas preocupações, logo no embrião da decisão e que levem de volta uma informação circunstanciada acerca das constrições gerais que o funcionamento da economia impõe. As universidades não são hoje «torres de marfim», representam locais de excelência onde se amassa o futuro de muitos jovens e onde se faz avançar, em muitos sectores, a fronteira dos conhecimentos. É, por isso, adequado que elas levem para o órgão que as reúne uma informação de primeira mão acerca do caminho que a colectividade se propõe percorrer.
Finalmente, é sempre bom ter alguém que não se represente senão a si próprio e que, de forma desvinculada de quaisquer interesses - naturalmente legítimos mas sempre respeitantes a uma parte do todo -, diga, de forma competente, o que pensa sobre as matérias que se discutem. O objectivo é levantar todas as implicações do que se analisa e forçar a reflexão sobre elas, independentemente das posições dos grupos representados.
Pretende-se dignificar o Conselho assegurando que, para ele, as instituições representadas enviem delegados ao mais alto nível, com capacidade de decisão e que vinculem os organismos de onde vêm, para assegurar operacionalidade às reuniões do Conselho. Se houver uma multiplicidade de conselhos as sessões de trabalho respectivas vêem-se naturalmente multiplicadas, sendo a tendência natural incumbirem-se da representação figuras secundárias ou, então, virem as primeiras sem um apoio de reflexão e de preparação, que é indispensável para o grau de exigência que se espera e reclama dos trabalhos do novo Conselho.
Ao presidente do Conselho Económico e Social estão confiadas funções da maior importância. Além da representação do Conselho e das tarefas que asseguram o funcionamento fluido do órgão, ele fica com uma margem de acção importante para dar eficácia e relevância ao produto do trabalho do Conselho. Basta verificar que ele poderá solicitar estudos, pareceres e informações sobre as matérias que são da sua responsabilidade. Ao fazê-lo, ele estará a orientar as preocupações de atenção do Conselho, e por isso é fundamental a sua capacidade de avaliação da situação e de julgamento das prioridades. Ele poderá tomar a iniciativa de convidar personalidades externas ao Conselho para analisar com ele matérias específicas da sua responsabilidade. Esta é uma nova forma de sublinhar um ou outro domínio, sendo por isso indispensável uma sensibilidade aguda para seleccionar, na vasta gama de assuntos que pode escolher, aqueles que realmente importam.
Não enumero mais nenhuma das funções específicas do presidente que, no seu conjunto, justificam que tenha equiparação ministerial, traduzida, na prática, na autorização de despesas e no exercício de actos administrativos e não somente num posicionamento protocolar em cerimónias públicas. Esta é uma das muitas formas de dignificar o Conselho e de fazer sentir ao público em geral que tudo quanto se passa no seu seio não são actos platónicos mas que, além das matérias próprias da concertação, que têm tendência natural para se dramatizarem, existem muitas outras que tem a ver com a formulação de ideias, de posições e de decisões a médio prazo que acabam por ter, para o cidadão comum, na sua vida de todos os dias e especialmente na sua vida futura, a maior das repercussões.
Moveu-nos a preocupação da representatividade dos diferentes sectores da vida nacional no Conselho, mas quisemos também assegurar eficiência interna aos seus trabalhos. Insistimos nas vantagens da integração e da audição mútua das diversas forças que fazem evoluir a colectividade, mas não queremos perder o património importante, já adquirido no quadro do Conselho Permanente de Concertação Social, de uma convivência dialogante entre os parceiros sociais e o Governo.
Conservando a abertura para criar comissões especializadas temporárias, que ajudem a analisar temas que as circunstâncias fizerem aparecer como reclamando atenção, mas em que esta não se revela como justificando permanência, damos ênfase a três comissões especializadas: a da política económica e social, que corresponde a uma evolução do actual Conselho Nacional do Plano; a do desenvolvimento regional e do ordenamento do território, que vai ter de responder a exigências, cada vez mais sentidas, apercebidas e expressas em matéria de atenuação de disparidades entre regiões e de promoção da qualidade de vida, particularmente através dos instrumentos com tradução específica espacial, no quadro das políticas de (...)

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(...) ordenamento do território; e a da concertação social, que corresponde a uma evolução do actual Conselho Permanente de Concertação Social e que, não obrigando a um sancionamento pelo plenário do Conselho em maiorias de concertação social, sempre proporciona graus acrescidos de informação aos seus membros, em relação aos grandes problemas económicos e sociais nacionais, às perspectivas de evolução da situação, às limitações da acção, às potencialidades dos cruzamentos das cooperações e, especialmente, em relação às muitas formas que coexistem, de olhar para a realidade, que se supõe ser a mesma, mas que, sendo-o na essência, apresenta sempre muitas formas de ser interpretada e oferece sempre muitas modalidades diversas de sobre ela actuar.
Permitam-me que sublinhe o aparecimento da nova comissão especializada de desenvolvimento regional e de ordenamento do território. Às outras duas, já se sabe, em linhas gerais, a que vai corresponder o conteúdo do seu trabalho, embora exercido em moldes mais ambiciosos de inscrição, num quadro em que as interinfluências se mostram de modo mais patente. Mas, em relação aquela, deve entender-se o seu aparecimento como o reflexo de uma preocupação crescente com a qualidade de vida, com as condições em que se processa a distribuição dos frutos do crescimento e com o sentido da importância que, pacientemente, fomos fazendo despertar na população e nos seus eleitos, pelas questões do ordenamento do território.
Após um período de indisciplina nociva e substituindo uma ineficaz e irrealista disciplina comandada (ou descomandada) pelo centro, estamos a entrar numa fase de autodisciplina dos principais protagonistas do ordenamento do território e do desenvolvimento regional exercida no quadro de uma informação abundante aos eleitores e à população em geral, que, assim, se constituem nos principais julgadores da acção de quem vai ter de explicitar, previamente, as regras do que pretende fazer. Ninguém tem dúvidas de que o ordenamento do território está a transformar-se numa questão instante com os mais complexos reflexos e exigências técnicas e com as mais sérias repercussões políticas. Não podia ficar de fora dessa onda um órgão de consulta tão importante como terá de ser o Conselho Económico e Social.
Por outro lado, são hoje muito avultados os meios comunitários que convergem para Portugal com o objectivo de promover o desenvolvimento regional e de melhorar a qualidade de vida, propósitos indissociavelmente ligados ao ordenamento do território. Por isso, propomos que seja permanente a comissão especializada que trata destes assuntos, assegurando o envolvimento continuado das forças económicas e sociais na aplicação dos fundos comunitários, prática que o Governo sempre privilegiou nas grandes questões do desenvolvimento do País e da redução das assimetrias regionais. Foi isso que sucedeu no caso do Plano de Desenvolvimento Regional, apresentado e discutido no Conselho Nacional do Plano e no Conselho Permanente de Concertação Social. Aliás, o papel do Conselho Económico e Social ultrapassará a função de consulta, estando previsto no decreto-lei que define a estrutura de gestão, acompanhamento e controlo da execução do Quadro Comunitário de Apoio que o Conselho Económico e Social será o instrumento de participação social no respectivo processo de execução global.
Queremos garantir ao Conselho Económico e Social as melhores condições de funcionamento e de trabalho. Por isso, damos a nós próprios a obrigação de lhe arranjar uma sede própria e de lhe garantirmos acesso a toda a informação disponível, no Instituto Nacional de Estatística, no Departamento Central de Planeamento e no Banco de Portugal. Mas como a experiência nos mostra que, por sermos poucos, não há muita gente a dominar alguns assuntos, não queremos que os trabalhos do Conselho pequem por falta de assessoria e, por isso, abrimos a facilidade de serem solicitadas informações ao Governo e de apoiarem os trabalhos as pessoas que, na Administração, mais competentemente dominem os assuntos que estiverem a ser tratados.
O Conselho Económico e Social vê, desse modo, garantidas as maiores facilidades para se transformar numa instância muito competente e para se constituir no receptáculo permanente de uma informação e de uma experiência respeitante à actuação pública sobre o País que hão-de conferir-lhe o estatuto de órgão competente e indispensável para a definição das novas políticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há 15 dias, tive a honra de apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei quadro do planeamento. Renova-se, hoje, a honra com a apresentação desta proposta relativa à criação do Conselho Económico e Social. Como então ficou dito, as duas propostas não são independentes. Ambas reflectem uma nova perspectiva em relação ao planeamento, tornada possível pela recente revisão constitucional. Reforça-se o carácter estratégico do planeamento, abandonando textos impositivos, que nunca tiveram uma verdadeira tradução prática; dá-se ao sector privado e, particularmente, às empresas o espaço necessário ao pleno desenvolvimento e à expressão das suas potencialidades e das suas capacidades, favorecendo o papel do mercado, enquanto mecanismo eficaz de afectação de recursos, mas não se prescinde da função de regulação por parte do Estado, que deve propiciar a existência de um ambiente legal, social e económico apropriado ao desenvolvimento, acentuado mas harmonioso da iniciativa privada, no quadro de «regras do jogo» que traduzam os princípios próprios de uma sociedade aberta e democrática. E faz-se também não prescindir o Estado do seu papel de árbitro dos conflitos que possam surgir nas relações económicas e sociais.
Reafirma-se, por esta via, o nosso entendimento de que a actuação do Estado deve ser supletiva em relação à iniciativa privada apenas se lhe sobrepondo ou impondo limites para evitar ou eliminar injustiças sociais graves, para suprir eventuais falhas do mercado ou, mesmo, para promover sectores estratégicos necessários ao desenvolvimento ou ao abastecimento do País.
A criação do Conselho Económico e Social impõe-se porque, estando-se em vias de alterar as regras do «velho» planeamento e da «mecânica» das instituições que a ele proviam, há que encontrar um órgão de consulta para os domínios económico e social que substitua o Conselho Nacional do Plano, estruturado para responder a quadros que foram ultrapassados. O Conselho Nacional do Plano reflectia uma atitude intervencionista do Estado como motor e como regulador da economia. Isso é particularmente patente nas disposições relativas ao Plano, em que se afirmava que ele era imperativo para o sector público estadual; que ele era obrigatório para outras entidades de interesse público, por força de contratos-programa e que ele definia «o enquadramento a que haviam de submeter-se as empresas de outros sectores». Quer dizer, ele representava o plano de actuação de todos os agentes, incluindo os privados, como se fosse possível traçar e conformar comportamentos, no contexto de uma economia (...)

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(...) e de uma sociedade, quando hoje vemos que o importante é estimular todas as energias, devendo os poderes públicos limitar-se a atenuar eventuais disparidades de distribuição e a colmatar as injustiças sociais que surgiram como resultados perniciosas de uma dinâmica de crescimento.
O Conselho Nacional do Plano reflectia uma época nas suas competências e na sua composição e foi o fruto de uma visão demasiadamente intervencionista do Estado no funcionamento da economia e da sociedade. Basta relembrar que ele consagrava, num conjunto de 40 representantes, 4 do sector privado e 8 das associações sindicais. 14 anos passados, o mundo assistiu a muitas mudanças e nós temos de ajustar o quadro legal à evidência das coisas. É por isso que urge possuir uma nova estrutura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O novo Conselho Económico e Social terá um papel do maior relevo na esfera económica e social porque:
Primeiro, funcionará como órgão privilegiado de consulta, vendo nele reflectidos os sectores mais determinantes da marcha e da mudança da sociedade portuguesa. Ao proceder à auscultação desses sectores e ao tomar consciência das suas preocupações, perspectivas e expectativas estar-se-á a caminhar no sentido de preparar as decisões respeitantes às orientações estratégicas da economia portuguesa num quadro mais participado, informado e consensual. Quando os órgãos legitimados para tomar decisões o fizerem terão a apoiá-los uma base de trabalho que lhes permitirá detectar as diversas sensibilidades e, também, comparar as diferentes soluções avançadas, nomeadamente as que forem recomendadas.
Segundo, o Conselho será o veículo adequado para gerar e divulgar informação relevante nos domínios económico e social, tanto no seu estado bruto, como na interpretação de muitos dos indicadores de evolução da economia portuguesa.
Terceiro, ele será também um instrumento privilegiado para assegurar uma mobilização forte da sociedade, por via da participação muito alargada que prevê, na definição das políticas económicas e sociais orientadas para os grandes objectivos do desenvolvimento e também pelo acompanhamento da respectiva execução.
Quarto, o Conselho constituirá um elemento indutor de confiança, particularmente entre os sectores público e privado, que surgirá reforçada no quadro de participação e de mobilização referido e que, simultaneamente, irá contribuir para o estabelecimento de um clima de estabilidade, muito propício ao desenvolvimento.
Quinto, numa época em que as incertezas imperam o Conselho constituirá um elemento redutor da incerteza, na medida em que permite a todos, e especialmente ao sector empresarial, conhecer melhor e compreender a evolução do enquadramento económico e a fundamentação das políticas económicas, concorrendo, desse modo, para a fixação de um quadro coerente, estável e partilhado, no qual as decisões económicas sejam tomadas, melhorando a qualidade e a eficácia dessas decisões.
Simultaneamente, ele representará um instrumento de informação importante no processo de mutação estrutural em que temos de embarcar, por fornecer elementos e permitir a discussão em torno dos factores que estão na base do novo perfil de especialização produtiva, cuja adopção rápida e eficaz constitui um imperativo.
Sexto, o Conselho será ainda um instrumento de minimização dos custos sociais e económicos dos casos pontuais - que queremos que sejam poucos -, nos quais a política económica ou os ajustamentos estruturais induzam custos distribuídos de forma injusta. O Conselho poderá contribuir, não só para a definição de procedimentos adequados à promoção de uma distribuição mais equitativa desses custos, como também para a própria redução do volume total dos mesmos, por via da atenuação da conflitualidade ou da distribuição mais correcta dos custos entre as diferentes forças sociais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Conselho Económico e Social aconselhará o Governo, através dos seus pareceres, na definição e na condução das suas políticas económicas e sociais, proporcionará o diálogo entre as diferentes categorias socioprofissionais nele representadas e promoverá, numa outra vertente, a concertação entre forças que será bom que se entendam na defesa das suas posições no quadro amplo da situação económica e social do País, cujo conhecimento profundo passarão a dispor em primeira mão. O Conselho Económico e Social não pode ser um especialista que se consulta quando se não sabe o que se quer. Ele tem de funcionar como um generalista capaz de integrar as perspectivas dos muitos especialistas que o compõem, de traduzir uma visão competente sobre a realidade que nos cerca e de antecipar as reacções potenciais da colectividade. Ao Conselho não podem ser cometidas funções de decisão, mas reclama-se que ele assegure, de forma competente, o exercício prático da participação, com vista à tomada, por outros, de decisões ajustadas.
O papel do Conselho Económico e Social, depois de tudo quanto referi, é da maior relevância. Foi por isso que estudámos, com aplicação, a experiência dos outros e que analisámos, com minúcia, a nossa experiência nos organismos que agora propomos que sejam integrados.
Parece-nos que a nossa proposta de lei responde muito bem aos nossos problemas e ao nosso tempo. Mas a palavra final, como sempre, será da Assembleia da República.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel dos Santos, Carlos Lilaia, Octávio Teixeira e José Apolinário.
Como o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território esgotou integralmente o tempo de que dispunha, penso que só poderá responder aos pedidos de esclarecimento se o PSD tiver possibilidade de lhe ceder algum tempo.
Para pedir esclarecimentos, tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, começo por dizer-lhe que V. Ex.ª terminou bem a sua intervenção ao dizer que a última palavra cabia à Assembleia da República.
Ora, ainda bem que assim é! Na verdade, V. Ex.ª bombardeou-nos com uma intervenção de tal maneira discriminada acerca do conteúdo das funções do Conselho Económico e Social, que, por momentos, tive receio de que este órgão, que, aliás, é da máxima importância e relevância para o desenvolvimento económico do País, tivesse morrido antes de ter nascido.
No início da sua intervenção, V. Ex.ª referiu também que uma das vantagens da proposta governamental está no facto de ela eliminar três órgãos. Sr. Ministro, devo dizer-lhe que isto é apenas uma constatação sua, não é um valor em si mesmo, pois nem sempre que se eliminam órgãos se (...)

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(...) progride. E, na realidade, a proposta de lei não elimina três órgãos, no fundo elimina dois, uma vez que, como V. Ex.ª sabe, o Conselho Nacional de Rendimento e Preços praticamente já não tinha quaisquer funções.
Por outro lado, também não sabemos se ela vai eliminar mesmo, por exemplo, o Conselho Permanente de Concertação Social. Veremos!... Como a última palavra vai caber à Assembleia da República e esse sector é um dos mais sensíveis, suponho que iremos debater a matéria e se, no âmbito do diploma agora apresentado, não conseguirmos encontrar uma solução adequada, talvez o Conselho Permanente da Concertação Social possa subsistir. Em meu entender, esta é uma hipótese a considerar.
Sr. Ministro, não posso também deixar de criticar a sua intervenção pelo facto de V. Ex.ª ter falado muito em plano e pouco em diálogo social, que é uma das funções nobres do Conselho Económico e Social. De facto, V. Ex.ª falou pouco ou nada daquilo que é também uma das funções essenciais deste Conselho: a função social de acompanhamento do Quadro Comunitário de Apoio. E isto é ainda mais estranho se tivermos em conta que a gestão do Quadro Comunitário de Apoio é uma das funções do seu Ministério!
Mas esta crítica, Sr. Ministro, tem implícita uma pergunta: por que é que V. Ex.ª falou tão pouco em diálogo social e em função social de acompanhamento do Quadro Comunitário de Apoio?
Mas, Sr. Ministro, passando agora a questões mais concretas, coloco-lhe, desde já, a seguinte questão: como é que V. Ex.ª comenta o juízo praticamente unânime por parte de todos os órgãos que se manifestaram sobre a proposta governamental no sentido de que a proposta considera que o Conselho Económico e Social, na sua composição, determina uma excessiva governamentalização deste órgão essencial, uma vez que consagra uma nomeação quer directa, quer indirecta do Governo? Como é que V. Ex.ª comenta esta crítica que - repito - é praticamente unânime em todos os órgãos.
E ainda como é que V. Ex.ª explica que, por exemplo, na vossa proposta de composição do órgão não esteja referido um representante das regiões administrativas? O que é que se passa, afinal, com as regiões administrativas?
VV. Ex.as já desistiram definitivamente de constituir as regiões administrativas? Têm vindo sucessivamente a adiá-las e agora desistiram de todo? Quer isto dizer que já não vai haver regiões administrativas?
Sr. Ministro, responda-me claramente a estas questões para sabermos com o que podemos contar.
É certo que VV. Ex.as indicam como componentes deste órgão alguns representantes das autarquias, mas fazem isso de uma forma fragilizada.
Assim, por exemplo, se a alínea b) do n.º 2 do artigo 9.º da proposta de lei consagra que: «São permanentes as composições especializadas do desenvolvimento regional e do ordenamento do território, cuja composição poderá atingir o máximo de 15 membros» e se o n.º 3 do mesmo artigo diz que «Das comissões previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 farão obrigatoriamente parte um representante do Governo, bem como um representante das organizações representativas dos trabalhadores e um representante das associações representativas dos empresários, a designar nos termos do artigo 3.º », como é que V. Ex.ª explica o facto de a tal comissão especializada referida na alínea b), ou seja, a comissão especializada do desenvolvimento regional do ordenamento do território, não ter um representante das autarquias?

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, deseja responder já ou no final?

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: -No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Ministro, na parte final da sua intervenção V. Ex.ª fez algumas referências e deu a entender, por um lado, e disse mesmo de forma expressa, por outro, que para a elaboração desta proposta de lei tinham lido bastante. Ainda bem que assim foi, mas é pena que tenham lido apenas uma parte da matéria.
Para explicar melhor o que acabo de dizer devo salientar que, em relação à matéria relativa à comissão especializada e permanente do desenvolvimento regional e do ordenamento do território, a ideia que fica é a de que o Governo teve a oportunidade de ler a parte teórica, mas quando se confrontou com as experiências práticas, provavelmente passou as folhas ou, então, as folhas estavam ainda fechadas.
Na verdade, o Sr. Ministro explicitou - a meu ver bem - as atribuições e a competência de uma comissão especializada no âmbito do desenvolvimento regional e do ordenamento do território, só que, Sr. Ministro, em minha opinião, depois havia de ler a hombridade de dizer à Câmara que, pelo menos nos próximos tempos, não é possível, em termos sérios, o funcionamento desta comissão especializada. E não é possível porque, conforme o Sr. Ministro aqui explicou à Câmara, pretende-se que os interlocutores privilegiados com assento no Conselho Económico e Social para discutir esta matéria sejam de facto, como o Sr. Ministro disse, os legítimos representantes das populações, naturalmente agrupados em função das regiões que representam.
Por outro lado, verificamos também que o Governo, ao ver-se confrontado com um problema tão sério, como é este, e sem ter uma solução para o resolver, a não ser uma disposição transitória que diz que a comissão especializada para o desenvolvimento regional e o ordenamento do território não pode funcionar por enquanto, vai, nesta proposta de lei, tentar resolver o problema de uma forma enviesada e chama os municípios para representar este papel, quando, de facto, estes não têm actores preparados para representar os interesses de cada uma das regiões.
Os municípios, como o Sr. Ministro sabe, têm de facto um papel importante a representar, enquanto actores e protagonistas do poder local. E é justamente por esse facto que até na própria composição do Conselho Económico e Social estão indicados os representantes dos municípios.
Por outro lado, não há coragem para considerar nesta proposta - e ainda bem que não existiu essa coragem - as comissões de coordenação regional, mas atribui-se aos conselhos regionais a faculdade de elegerem os representantes destes municípios.

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Sr. Ministro, em meu entender esta é uma má solução, pelo que das duas uma: ou existe de facto uma solução que passa por se ter de assumir que, nos próximos tempos, não há condições reais para o funcionamento desta subcomissão, ou então não ó desta forma que o problema pode vir a ter uma boa solução.
Sr. Ministro, uma outra questão, que gostaria ainda de colocar-lhe, tem a ver também com o facto de, em minha opinião, na intervenção que V. Exª produziu ter havido referências muito ligeiras à intervenção e actuação passada do Conselho Nacional do Plano.
Assim, conviria reflectir sobre esta experiência do Conselho Nacional do Plano e, a partir daí, inferir se não seria útil que a Assembleia da República pudesse, tal como existia no antigo Conselho Nacional do Plano, ter também representantes seus ao nível do Conselho Económico e Social.
Penso que, certamente, não terá sido pelo facto de na grande maioria das vezes não ter havido unanimidade de posições entre o Governo e o Conselho Nacional do Plano que não se utilizou uma pequena parte dessa experiência positiva, sobretudo no que respeita à participação de representantes da Assembleia, o que seria também uma solução possível para este Conselho Económico e Social.
É bem verdade que, em nosso entender, compete ao Governo a elaboração e a execução do Plano, mas penso que a experiência do Conselho Nacional do Plano demonstra que, de facto, houve vantagens no acompanhamento que, muitas vezes, este Conselho deu ao próprio processo de elaboração do planeamento, através das suas críticas, por vezes até relativamente severas em relação à actuação do Governo.
Deste modo, penso que o Governo poderia ter aproveitado esta experiência, apresentando uma proposta que, tendo em conta as funções que anteriormente pertenciam ao Conselho Nacional do Plano, considerasse também a presença de representantes da Assembleia da República no Conselho Económico e Social.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Antes de me dirigir ao Sr. Ministro, gostaria de dizer o seguinte ao Sr. Presidente: Na medida em que, como acabámos de ver, o Sr. Ministro claudicou no planeamento da utilização dos seus tempos disponíveis, pela nossa parte, e para as respostas que entender dar às questões que vamos colocar, concedemos-lhe o tempo que for necessário, até ao limite máximo de três minutos.
Relativamente à matéria em debate, Sr. Ministro, sendo o Governo proponente de um dos projectos de diploma legislativo que hoje estão em discussão, esperei, o que seria natural, que o Sr. Ministro se pudesse referir ao outro diploma, no caso concreto ao projecto de lei que o PCP apresentou, no sentido de discordar ou de concordar ou para exprimir a ideia e opinião do Governo sobre ele. Lamentavelmente, não ouvimos nenhuma referencia do Governo, pela voz do Sr. Ministro, em relação a esta matéria.
Por isso, gostaríamos de lhe pedir a opinião, em termos das grandes questões e das linhas gerais, acerca do projecto de lei que apresentámos e que, logicamente, tem algumas diferenças, relativamente ao que foi apresentado pelo Governo.
Quero agora colocar um conjunto de questões relacionadas com a proposta do Governo. Dentro de momentos terei oportunidade de me referir mais detalhadamente a algumas outras, embora estejamos num debate na generalidade, mas julgo que são questões importantes a ter em conta, desde logo.
Assim, uma delas é o problema da iniciativa do Conselho Económico e Social. Pela nossa parte, julgamos que a proposta de lei do Governo restringe fortemente essa capacidade de iniciativa e, a esse respeito, posso apresentar-lhe um exemplo que é o de o Conselho não ter iniciativa para criar uma comissão permanente. Na proposta do Governo estatuem-se três comissões permanentes e não mais do que essas, não podendo haver mais do que três comissões permanentes. Julgo que este princípio de deixar uma certa margem de iniciativa ao Conselho é importante, pelo que gostaria que o Sr. Ministro o comentasse.
Por outro lado, relativamente à questão do presidencialismo do Conselho Económico e Social, que a proposta de lei acentua, julgamos que ele é excessivo em todo o seu âmbito, designadamente, num que é importante e que tem a ver com a composição do Conselho Económico e Social: é que, à partida, quem tem a última palavra sobre a definição da representatividade dos diversos órgãos sociais é uma única pessoa, o presidente do Conselho Económico e Social, sem haver qualquer possibilidade de recurso para onde quer que seja.
Gostaria que o Sr. Ministro me dissesse por que é que o Governo seguiu esta linha. Como sabe, nós, PCP, propomos uma situação diferente: isso fica dependente da vontade da presidência mas, mesmo assim, sempre com a possibilidade de recurso para o tribunal administrativo.
A terceira questão tem a ver com o problema das atribuições. O Sr. Ministro referiu-se quanto ao acompanhamento dos planos, da situação económica e social e ao acompanhamento da aplicação dos fundos, mas não o ouvi referir-se - pode ter sido lapso meu - à participação do Conselho nas medidas de política económica e social, o que julgo ser importante.
A última questão diz respeito ao problema do conselho, enquanto órgão de consulta. Mais uma vez, parece-nos que há aqui uma certa governamentalização na proposta de lei, pelo facto de o Conselho Económico e Social ser exclusivamente um órgão de consulta do Governo. Parece-nos que é excessivo, quer pelo vezo de governamentalização do Conselho, quer por não abrir possibilidades de haver iniciativa de consulta por parte de outros órgãos, designadamente os de soberania e, no caso concreto, a Assembleia da República.
Por último, Sr. Ministro, gostaria de saber a opinião do Governo - embora isso compita à Assembleia da República, sem qualquer dúvida - sobre o interesse que poderá haver - do nosso ponto de vista, haverá - que, em sede de especialidade, possam ser feitas audições a um grande leque de organizações sociais e de organizações relacionadas com as actividades económicas, para que elas possam dar a sua opinião. É que todos sabemos que existem aqui matérias que são controversas e, por isso, do nosso ponto de vista, conviria que houvesse o máximo de consenso nestas matérias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro: Julgo que todos concordaremos que a juventude, homens e mulheres, constitui hoje uma condição social (...)

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(...) própria de transição para a vida activa, de transição entre a escola e a plena inserção social, que qualquer política moderna ou perspectiva hodierna de ver a integração de interesses e a perspectiva de aprofundamento da democracia, porque a democracia só existe se as pessoas tiverem espaços de participação - se, portanto, os jovens também entenderem a democracia e a participação como algo que lhes diz respeito-, se esses interesses difusos puderem ser integrados. Nesse sentido, é bem vindo um conselho económico e social que possa integrar diferentes interesses e perspectivar diferentes formas de participação.
Ora, para grande desilusão nossa, a proposta que o Governo aqui nos traz é um arrepio total em relação a esta perspectiva de participação juvenil. Não há perspectiva de participação em relação aos jovens empresários - e lembro ao Sr. Ministro que, nos últimos anos, várias centenas de jovens lançaram-se na vida empresarial; nem para os mais de 6000 jovens agricultores que se instalaram nos últimos anos; nem para as várias estruturas de juventude, ao nível das centrais sindicais; nem há qualquer resposta em relação a uma participação, por exemplo, do Conselho Nacional de Juventude - estrutura não governamental que representa 18 organizações não governamentais de juventude.
Julgo, pois, que o Governo desvalorizou uma perspectiva de civismo activo, de participação activa dos jovens no seu futuro, e que, nessa perspectiva, em relação a este estrato etário, o Conselho Económico e Social está de costas voltadas para o futuro. A menos que o Governo tenha uma perspectiva corporativa da participação juvenil, a menos que a questão dos jovens seja vista sob uma perspectiva de corpo, de um certo «juventudismo», e não numa perspectiva saudável de participação e de construção do futuro. A não ser que - e esta era a questão final - o Governo pretenda remeter a participação dos jovens para um conselho à margem, num ghetto, como o é, de alguma forma, hoje, o Conselho Consultivo da Juventude.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, V. Ex.ª dispõe de cinco minutos e meio para responder. O PCP propôs o tempo de três minutos para responder à pergunta que lhe colocou, mas claro que isso é difícil.
Assim sendo, o Sr. Ministro dispõe de cinco minutos e meio para responder - é mais algum tempo que a Mesa lhe concede para poder responder convenientemente.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Agradeço-lhe Sr. Presidente e aos Srs. Deputados que se dispuseram a conceder-me algum tempo para responder. Porque quis ser exaustivo na explicação de tudo quanto foi o conteúdo da proposta, alonguei-me mais do que devia. Agora, naturalmente, irei responder às perguntas em conjunto.
Quanto à questão da excessiva regulamentação, ela não existe. Se virem a composição, os representantes do Governo em si, especificamente, são 8, além, naturalmente, do presidente que tem de nomear. Haver 8 representantes do Governo em 56 membros, suponho que não é excessiva governamentalização; os restantes elementos têm origens diversas, não se podendo pois dizer, de modo algum, que haja um peso de entidades comandadas pelo Governo.
Por outro lado, já que o Sr. Deputado Octávio Teixeira voltou a dizer que havia excessiva governamentalização na questão da consulta, valeria a pena ver qual foi a experiência do Conselho Nacional do Plano com aquilo que acontecia relativamente às grandes opções. Efectivamente o Governo enviava a proposta das grandes opções para o Conselho Nacional do Plano, ela vinha com um parecer e, passados 15 dias, havia uma nova consulta, feita exactamente nos mesmos termos, só para verificar se as recomendações que o Conselho Nacional do Plano tinha feito tinham sido integradas, ou não, na nova proposta. Suponho que era mais saudável que aparecesse a nova proposta com o parecer, sem estarmos com uma nova consulta formal que só desmerecia na própria actividade do conselho que se via repetidamente a fazer a mesma coisa sem variedade de temas de auscultação. Fundamentalmente é essa a razão pela qual julgamos que deve haver um órgão privilegiado que toma a iniciativa de fazer a consulta: o Governo.
Passando agora a responder à questão sobre as diferenças entre a proposta do Governo e o projecto do PCP, devo dizer que, em condições a especificar, estamos naturalmente abertos para, em trabalho de comissão, ver exactamente quais são as situações em que deve haver a consulta da Assembleia da República, porque não vejo que outros órgãos de soberania, tal como está no projecto do PCP - «outros órgãos de soberania», em vago-, devam consultar o Conselho Económico e Social. Agora, com ressalvas, com limitações, com uma definição muito específica daquilo que deve ser a consulta, não vejo que haja antagonismo. Mas, quando fizemos o estudo de outros órgãos semelhantes que há por essa Europa fora, verificámos que efectivamente os órgãos são responsáveis perante um dos órgãos de soberania que, por via de regra, é o Governo.
Contudo, não vejo que não haja margem para um entendimento no trabalho de comissão, especificando, muito claramente, quais são as ocasiões em que isso deve acontecer-mas não deve ser a regra.
Quanto à questão da iniciativa, tive ocasião de, no meu discurso, dizer das muitas oportunidades de iniciativa que o presidente tem: escolhe os temas de atenção, as pessoas que vai ouvir; é o presidente ...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não pode ser!

O Orador: - Sr. Deputado, é, e deve ser, o presidente, porque, caso contrário, dilui-se demasiadamente a autoridade dentro do próprio Conselho. É que, sendo um órgão consultivo em que todos dão «palpites», acabaria por ser um órgão sem unidade. Um órgão tem de ter um rosto; o presidente do órgão consultivo, para que ele funcione bem, tem de ser uma pessoa a quem se peçam contas. É que, se se trata de um órgão consultivo que não tenha um rosto a representá-lo é um órgão que tem a maior das dificuldades em funcionar e a experiência prática demonstra-o.
Quanto à questão do presidencialismo e da última palavra, estão definidas as regras de designação para a composição do Conselho. A representatividade de que fala só acontece quando há grandes dúvidas. E, nesse caso, estando as regras estabelecidas, incumbir-se a responsabilidade ao presidente, não me parece mal, porque no fim de contas é a ele que se vai pedir contas das dificuldades, facilidades ou qualidades de elaboração dos próprios pareceres.
Os Srs. Deputados Manuel dos Santos e Carlos Lilaia, suscitaram reparos quanto à questão dos representantes das regiões.

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Ora, ainda não existem regiões administrativas e daí que tenhamos aqui incluído as autarquias locais. Só quando houver regiões haverá ocasião de, na própria lei que as criar, tratar de verificar se é melhor fazer a integração dos pareceres regionais ou dos pareceres das autarquias através de representantes regionais ou fazer representar as autarquias. É ao quadro actual que temos de nos referir e em torno do qual está feita a proposta de lei, que é aquela que é imediatamente operacional, pois desejamos, naturalmente, que esta proposta seja um diploma operacional.
No que respeita à questão da audição, ainda colocada pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, resulta bem claro da proposta de lei apresentada que podem ser ouvidas muitas personalidades, tendo o presidente a faculdade de chamar várias personalidades. Suponho, assim, que a proposta do Sr. Deputado, no sentido de chamar grandes forças e fazer deste órgão uma grande assembleia indiscriminada e com geometria variável não é de forma alguma adequada, por menorizar e, em qualquer caso, diminuir a importância do Conselho.
Quanto à questão da segunda comissão, referida pelo Sr. Deputado Carlos Lilaia, suponho que o seu conteúdo está muito bem definido na especificação das suas obrigações.
Em relação à possibilidade de dispor, desde já, de oito delegados, nomeados propositadamente para esse efeito, as pessoas sabem que é aí, no momento da delegação, que eles vão intervir especialmente. Tive oportunidade de dizer, tanto na apresentação do texto, como no decorrer do discurso que fiz há pouco, que é muito importante ter cuidado na designação das pessoas que farão parte deste Conselho. Não se pode nomear para ele quem quer que seja, já que as pessoas a nomear para o cargo irão desempenhar funções que estão muito bem desenhadas desde o princípio. Sabe-se, pois, para que é que elas são designadas, sendo naturalmente necessário ter um cuidado especial na forma de o fazer.
Diria, em resposta ao Sr. Deputado José Apolinário, que não estamos de forma alguma a segregar a juventude. Tive ocasião de referir, no meu discurso inicial, que temos de encontrar um equilíbrio neste interminável Conselho. Tivemos pressões para designar toda a sorte de gente e de representações para este Conselho, mas não é, de forma alguma, nosso intuito excluir a juventude, porque ela pode intervir em muitas das delegações representadas no conselho. A propósito, por exemplo, do caso dos jovens empresários, por que não serem tais jovens incluídos nos oito representantes das organizações representativas dos empresários, como me pareceu ser intenção do Sr. Deputado, ou naquelas personalidades que o próprio presidente pode chamar se os assuntos da juventude em causa forem muito determinantes?

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A revisão de 1989 da Constituição da República Portuguesa instituiu o Conselho Económico e Social (CES), como órgão de consulta e concertação no domínio das políticas económica e social, que participa na elaboração dos planos de desenvolvimento económico e social e exerce outras funções que por lei lhe venham a ser atribuídas.
Nos termos constitucionais, compete à Assembleia da República legislar sobre a organização, o funcionamento e a composição do Conselho Económico e Social. É no exercício desta incumbência constitucional que o Plenário da Assembleia da República se debruça hoje sobre o projecto de lei n.º 560/V, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, e sobre a proposta de lei n.º 157/V.
Só hoje, passados que são nove meses sobre a apresentação daquelas iniciativas legislativas, é possível dar cumprimento ao respectivo comando constitucional. Trata-se de uma clara situação de «parto difícil», da responsabilidade primeira do Governo e do Grupo Parlamentar do PSD e cujas razões de atraso manifesto não estão explicadas, tal como sucedeu, aliás, com a proposta de lei sobre o enquadramento da orgânica de planeamento, só há poucos dias apresentada e discutida neste Plenário. O que poderá querer significar que estas matérias, que têm a ver com a democracia participativa e, por isso, deveriam ser consideradas de grande prioridade, não motivam o Governo e o PSD. Só a aproximação do fim da legislatura, a próxima realização de eleições e a necessidade de apresentar trabalho feito parecem capazes de suscitar o seu interesse.
Nos termos constitucionais, o Conselho Económico e Social apresenta-se como um órgão de participação institucionalizada de representantes de interesses relevantes da sociedade portuguesa na elaboração e no acompanhamento da aplicação de medidas de política económica e social e a sua institucionalização implica o cessar de funções e a extinção do Conselho Nacional do Plano (CNP). Mas tal não significa que estejamos perante uma mera substituição formal do Conselho Nacional do Plano pelo Conselho Económico e Social. É certo que o CES, à semelhança do CNP, apresenta uma conexão com os planos de desenvolvimento económico e social, que a sua estrutura participativa assenta nos representantes de organizações de trabalhadores, das actividades económicas, do Governo e das autarquias locais e que as suas competências não têm natureza deliberativa.
Mas é igualmente verdade que existem diferenças qualitativamente significativas.
Nesta perspectiva, importa realçar, pelas consequências constitucionais daí decorrentes, que o Conselho Económico e Social, ao contrário do Conselho Nacional do Plano, não será um mero órgão de intervenção na elaboração e acompanhamento da execução dos planos, mas ainda um órgão de consulta e concertação no domínio de toda a política económica e social.
Isto é, o Conselho Económico e Social herdará do Conselho Nacional do Plano a atribuição da participação na elaboração dos planos de desenvolvimento económico e social, incluindo os planos sectoriais e regionais, mas o quadro das suas atribuições constitucionais vai muito para além dessa herança, compelindo-lhe, designadamente, pronunciar-se sobre as políticas económica e social e a sua execução, sobre a política global de rendimentos e preços, sobre a política fiscal e sobre a política de segurança social. Do mesmo modo, deve-lhe competir apreciar as posições de Portugal nas instâncias comunitárias, no âmbito das políticas económica e social, pronunciar-se sobre a utilização nacional dos fundos comunitários e, bem assim, apreciar regularmente a evolução da situação sócio-económica do País e as principais medidas de política com incidência no domínio sócio-laboral.
O Conselho Económico e Social é, pois, ainda que sem competência deliberativa, um órgão com vastas funções (...)

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(...) de participação e intervenção na vida económica e social do País. Por isso mesmo, por reconhecer a importância que o CES pode e deve vir a ter no nosso ordenamento institucional, o PCP não se furtou a esforços visando apresentar um projecto de lei cuidado que integrasse as contribuições e opiniões de múltiplos sectores relevantes da sociedade portuguesa. Julgamos tê-lo conseguido, mas, naturalmente, não o consideramos um trabalho acabado e fechado. Pensamos que um debate sério e sereno do nosso projecto de lei e da proposta do Governo, bem como as contribuições que possam ser carreadas por outros grupos parlamentares e agentes económicos e sociais, poderão permitir que a Assembleia da República venha a aprovar uma lei enriquecida no seu conteúdo e capaz de suscitar um amplo consenso das partes interessadas.
No relatório elaborado pela Comissão de Economia, Finanças e Plano, afirma-se que, no âmbito das atribuições e competências, não se detecta oposição entre as apresentadas no projecto de lei do PCP e na proposta de lei. Pela nossa parte, não temos essa certeza absoluta, mas queremos acreditar em que assim seja e que as nossas possíveis dúvidas resultem apenas de uma excessiva sintetização na proposta governamental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nessa perspectiva, e para que no futuro, aquando da concretização da lei, não venham a suscitar-se dúvidas sobre a matéria, julgamos preferível e mais prudente a metodologia proposta pelo PCP, no sentido de uma maior discriminação dessas atribuições e competências, sendo certo que essa discriminação não pode pretender ter natureza exaustiva.
Por expressa definição constitucional o Conselho Económico e Social tem necessariamente atribuições de concertação no domínio do social. Nada parece apontar, porém, para que a criação do Conselho Económico e Social implique constitucionalmente a extinção do actual Conselho Permanente de Concertação Social. Sabe-se que há quem advogue a sua permanência, mas quer o projecto do lei do PCP quer a proposta do Governo propõem a sua extinção.
No nosso projecto propusemos a criação, no âmbito do CES, de uma comissão de concertação social de composição tripartida e com relativa autonomia. A proposta do Governo aponta para a criação de uma comissão especializada, igualmente de composição tripartida. Neste âmbito, não temos certezas absolutas e, por isso, estamos disponíveis para, em sede de especialidade, analisarmos com total abertura a solução que se mostre mais consensual.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No que se refere à composição do Conselho, a Constituição obriga a que nele tenham assento representantes do Governo, das organizações representativas dos trabalhadores e das actividades económicas, das regiões autónomas e das autarquias locais. A partir deste quadro mínimo, compete à Assembleia da República legislar sobre o quadro global de representações integrantes do Conselho Económico e Social.
Pela nossa parte, guiámo-nos fundamentalmente por três princípios.
O primeiro é o de que o Conselho não deve ter um exagerado número de elementos que inviabilize, na prática, o exercício das suas vastas e importantes funções, nem pode ter uma composição de tal modo restrita que exclua representações de interesses significativos da sociedade portuguesa.
O segundo princípio por nós seguido é o de que não há nada que justifique que haja no Conselho uma paridade entre os representantes do Governo e os das organizações sociais e das actividades económicas e que as representações dos interesses económicos e sociais devem ter um peso reforçado em relação aos representantes do que se pode designar de interesses políticos.
Finalmente, o terceiro princípio por que se orienta o projecto do PCP é o de que os representantes dos interesses económicos e sociais devem ser por eles, e só por eles, designados e que, quando existam quaisquer conflitos de representação de interesses, a resolução desses conflitos não pode ficar sujeita a um qualquer poder discricionário omnipotente.
Nesse sentido, o projecto do PCP distancia-se de forma clara de algumas das propostas do Governo. Assim, propomos, designadamente, que os representantes de órgãos políticos pouco ultrapasse a metade dos representantes dos interesses económicos e sociais. Consideramos que as confederações de trabalhadores têm um peso próprio e reconhecido no meio sindical nacional e, por conseguinte, não podem ser colocadas em pé de igualdade com qualquer outra entidade que manifeste o desejo de integrar o Conselho Económico e Social, ao mesmo tempo que propomos a participação dos representantes das comissões de trabalhadores, de acordo com o papel que constitucionalmente lhes é reconhecido.
Estabelecemos, por outro lado, a possibilidade de recurso para o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa das decisões relativas à representatividade das entidades candidatas à representação no Conselho Económico e Social, diversamente da proposta do Governo, que deixa essa decisão ao poder discricionário do presidente do Conselho.
Quanto à natureza dos interesses que devem estar representados no Conselho, existem algumas diferenças entre o projecto do PCP e a proposta do Governo.
Julgamos, porém, que isso é natural e que as duas propostas são conciliáveis. Nem sequer nos parece improvável que, em sede de especialidade, possa vir a reunir-se consenso para integrar na composição do Conselho Económico e Social um ou outro interesse económico ou social não contemplado em qualquer das duas propostas agora em discussão.
Uma dessas possibilidades, que aliás já aqui foi referida hoje, tem a ver com os jovens, mas também deveremos encarar, do nosso ponto de vista, a possibilidade de representação das organizações representativas dos reformados.
No que concerne à organização do Conselho Económico e Social, o projecto do PCP clarifica a sua independência em relação ao Governo e propõe, sem carácter limitativo, a criação de três secções especializadas permanentes para os sectores da política económica, do desenvolvimento regional, ordenação do território e ambiente e da política social. Consideramos inadequada a proposta do Governo nesta matéria, quando retira ao plenário do Conselho Económico e Social a possibilidade de criar qualquer comissão especializada permanente.
Quanto ao funcionamento do Conselho, o projecto do PCP garante a sua autonomia e iniciativa e, enquanto órgão de consulta, admite que esta possa ser accionada pelos órgãos de soberania, designadamente, pela Assembleia da República, e não apenas pelo Governo. Julgamos que se trata de matérias da maior importância para que seja (...)

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(...) assegurado o regular funcionamento do Conselho Económico e Social e para que este possa cumprir as funções constitucionais que lhe estão cometidas. De facto, retirar-lhe qualquer poder de iniciativa e transformá-lo em mero órgão de consulta do Governo significaria colocá-lo na estrita dependência do Governo.

O Sr. José Magalhães (Indep.): -Exacto!

O Orador:-Tal significaria, afinal, que o conselho só funcionaria quando e para o que um qualquer governo quisesse, o que seria a pior governamentalização de um órgão que a Constituição pretende seja autónomo. Seria, à partida, limitar a actuação do Conselho Económico e Social aos interesses de um governo, quando a Constituição exige que ele seja independente e com intervenção permanente no domínio das políticas económica e social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela parte do Grupo Parlamentar do PCP, e na sequência da apresentação de um projecto de lei próprio, estamos dispostos a dar continuidade à nossa participação activa e construtiva na criação de um Conselho Económico e Social efectivamente participativo e representativo dos interesses que, no seu âmbito, se manifestam e pesam na sociedade portuguesa. Sem discriminações e sem privilégios ilegítimos.
Queremos acreditar em que os restantes grupos parlamentares compartilharão do mesmo objectivo. Nesse sentido, consideramos útil e indispensável que, em sede de especialidade, a Assembleia da República ouça e recolha os contributos das múltiplas organizações sociais interessadas em dar vida a um efectivo e actuante Conselho Económico e Social.
A unanimidade registada na constitucionalização do CES deve agora ser complementada com um largo consenso quanto às suas atribuições e competências, organização, composição e funcionamento. Será a base necessária para garantir a sua desejável eficácia futura.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, direi, com franqueza, que me surpreendeu bastante o projecto de lei apresentado pelo PCP, pois o que menos esperava por parte da vossa bancada era que ela ressuscitasse o fantasma da Câmara Corporativa e de uma câmara quase paralela à Assembleia da República. Ora, esse ressuscitar vem exactamente do lado de quem menores suspeitas tinha. Veio-me, até, à memória a velha frase: «quando o anti-Cristo vier, ele virá sob a forma de Cristo».
Lendo com atenção o projecto da iniciativa do PCP, verifico que efectivamente VV. Ex.as transferem para o Conselho Económico e Social muito do que há de substancial na competência da própria Assembleia da República. Ou seja, esvaziam a competência da Assembleia da República, transferindo para um órgão consultivo algumas das matérias eminentemente políticas e legislativas. Atente o Sr. Deputado, por exemplo, nas atribuições do Conselho previstas no artigo 3.º do projecto do PCP: «pronunciar-se e contribuir para a definição de uma política global de rendimentos e preços» - alínea c); «apreciar a política fiscal, com vista a diminuição das desigualdades» - alínea d) -, o que constitui uma das
eminentes atribuições da Assembleia da República; «pronunciar-se sobre a política de segurança social, com vista ao cumprimento do disposto no artigo 63.º da Constituição» - alínea e) -, que é ainda uma atribuição da Assembleia da República; «apreciar as posições de Portugal nas instâncias das Comunidades Europeias» - alínea h) -, não temos aqui feito outra coisa senão isso, ao mesmo tempo que não nos cansamos de criticar o Governo por não comparecer na Assembleia da República para dialogar connosco sobre este tipo de políticas.
Assim, VV. Ex.as, quando menos se esperava, somam mesmo as atribuições da Assembleia da República às de um órgão consultivo que, por isso, não pode ser um órgão fiscalizador da política do Governo.
Desta forma, quando se metem no mesmo saco atribuições quase legislativas e atribuições fiscalizadoras da actividade do Governo, além da faculdade de dar pareceres e ajudar à formação de leis, como, por exemplo, acontece nas alíneas g) e f) do artigo 4.º do projecto de lei do PCP, ao estatuírem que o conselho tem competência para requerer e obter informações das entidades públicas competentes e pronunciar-se sobre projectos ou propostas de lei e outra legislação, há manifesta sobreposição de competência própria da Assembleia da República com a do Conselho Económico e Social. Mas isto é o que fazia a Câmara Corporativa, pois dava os pareceres, recolhia as informações, fazia os projectos de lei, pronunciava-se politicamente sobre a política do Governo. São estes aspectos que vêm ao de cima quando se lê com atenção o vosso projecto.
Por outro lado, numa lei geral e abstracta, não deve estabelecer-se logo quem é que vai ter assento num determinado órgão. Isto parece-me, salvo o devido respeito, inconstitucional. Não pode dizer-se que a CGTP, a CNA ou a UGT vão ter assento no Conselho Económico e Social - que é o que aqui se diz. Deve é referir-se genericamente que são as organizações sindicais e patronais, porque a CGTP, a CNA ou a CAP, etc., podem num determinado momento deixar de existir e, em vez delas, surgirem outras confederações sindicais ou patronais para o mesmo efeito.
Agora, numa lei geral e abstracta, determinar logo, concretamente, quais são as organizações que vão ter assento é contra a boa técnica legislativa, senão mesmo inconstitucional.
Já aconteceu aqui um caso semelhante, em que se apontava quem é que devia tomar assento num determinado órgão e foi dito nesta Câmara que isso seria inconstitucional.
Sr. Deputado, são estas, principalmente, as perguntas que queria fazer a V. Ex.ª Infelizmente, não tenho tempo para mais e, naturalmente, espero a sua resposta.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Deputado, apreciámos com a maior atenção o projecto do Partido Comunista. Parece-nos reflectir preocupações interessantes, no que diz respeito às atribuições, competências e funcionamento do Conselho Económico e Social.
Para além disso, detectamos nele uma óptica demasiado regulamentadora que nos parece que devia ser remetida, quer para o decreto regulamentar, quer, sobretudo, para o regimento do conselho, onde se definiria melhor o seu funcionamento.

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Essa óptica regulamentadora existe também, por vezes, na proposta do Governo. Há pouco foi focado o problema de não só se definirem aí as comissões permanentes - e que no projecto de lei do PCP estão muito melhor definidas -, mas de até se estabelecer o número dos seus membros.
Mas parece-nos que é na área da concertação, onde o projecto do PCP vai mais longe e se distingue da óptica do Governo, reconhecendo implicitamente um funcionamento positivo do actual CPCS e reproduzindo no interior do Conselho Económico e Social a composição, as atribuições e um funcionamento próximo do actual CPCS. Ao fazer isso no seu projecto - e parece-nos que é uma solução que deve ser devidamente ponderada e que deve reflectir o sentir de todas as confederações sindicais e patronais com assento no mesmo conselho-, o PCP introduz a possibilidade de um duplo estatuto para os membros do conselho, nomeadamente, os de representação governamental. Ou seja, nesta secção da concertação estarão o Primeiro-Ministro e os ministros que actualmente têm assento no CPCS, mas é evidente e é claro que não são estes membros do Governo que vão ter assento no Conselho Económico e Social.
É uma solução que, como digo, deve ser devidamente ponderada, mas também a Assembleia da República deve, claramente, pronunciar-se sobre ela, no quadro da lei, visto que o diploma é omisso nesta matéria.
É sobre esta matéria que faço ao PCP a seguinte pergunta: qual é a vossa proposta sobre esta questão?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, claramente que algumas das animações que fez acerca do nosso projecto resultam de uma leitura enviezada!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Perversa!

O Orador: - Bastante mais do que perversa!...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Satânica!

O Orador: - Logicamente, que não pode retirar da leitura do nosso projecto qualquer ilação, como aquela que retirou, de uma semelhança, quer com a Câmara Corporativa, quer com uma eventual segunda câmara no nosso ordenamento constitucional, o que nem sequer é permitido.
No entanto, há um facto: é que a Assembleia da República, por unanimidade, resolveu, - e do nosso ponto de vista bem -em sede de revisão constitucional, criar o Conselho Económico e Social como órgão de consulta - para além da questão da concertação - em toda a matéria económica e social.
Nesse sentido, tentamos dar-lhe conteúdo, em termos de atribuições e competências, de acordo com aquilo que decorre da Constituição da República Portuguesa e depois de uma leitura de outros normativos constitucionais que se podem interligar, e que se devem interligar, do nosso ponto de vista.
Sr. Deputado, repare que tudo aquilo que propomos relativamente às atribuições e competências do Conselho Económico e Social não entram minimamente nas capacidades e competências da Assembleia da República, porque apenas dá pareceres, opiniões, apenas pode ser consultado. A Assembleia da República não, pois toma decisões. É uma situação completamente diferente. Penso que esta é a questão essencial...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Pronunciar-se!

O Orador: - Pronunciar-se... Dar o seu parecer...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Pronunciar-se sobre a política. É isso que faz a Assembleia da República!

O Orador:-Não! A Assembleia da República faz mais do que isso. É que, no âmbito das medidas de política económica e social, a Assembleia pode fazer muito mais: naquelas que lhe compete decide e naquelas que compete ao Governo pode decidir através de ratificações, etc. Mas aqui, no Conselho Económico e Social, a situação é completamente diferente, ou seja, pronuncia-se apenas no sentido de dar parecer e dar a sua opinião.
De qualquer modo, penso que a tal leitura enviezada de que enfermou o Sr. Deputado Narana Coissoró - e perversa como lhe chamou - poderá estar um pouco ligada a uma certa incapacidade do CDS para abrir qualquer porta a tudo o que possa cheirar a um laivo de democracia participativa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aí as posições são diferentes e, por conseguinte, o nosso posicionamento em relação a esta matéria.
O Sr. Deputado Narana Coissoró levantou também a questão de se consagrar a priori como membros do conselho a CGTP e a UGT. Eu tive também oportunidade de referir isso, agora, na intervenção que fiz. Penso que, em termos de movimento sindical, a representatividade das duas confederações existentes deve ser reconhecida em termos práticos. Estas entidades, do nosso ponto de vista, não podem ser postas em pé de igualdade com um qualquer sindicato - esta referência não tem um sentido depreciativo -, mas naturalmente que um sindicato que, eventualmente, não esteja integrado em qualquer delas não pode ser posto no mesmo pé de igualdade das confederações. É essa a perspectiva, mas, de qualquer modo, poderemos ver a questão mais em promenor em termos de especialidade.
O Sr. Deputado João Proença detecta alguma óptica regulamentadora no nosso projecto. Não é essa a nossa intenção.
Sr. Deputado, vou tentar explicar o que nos parece sobre esta questão. É que temos receio - e é isso que queremos evitar - que deixando as coisas demasiado vagas, depois, em sede de regulamentação, por parte do Governo, possa verificar-se um governamentalização de todo o Conselho Económico e Social e, por conseguinte, há alguns aspectos que nos parecem fundamentais e que pretendemos que sejam resolvidos e definidos no âmbito mais lato da Assembleia da República. É essa a questão fundamental e não é uma perspectiva de regulamentação.
Relativamente à nossa proposta para a comissão de concertação social, não pode decorrer daqui - e isso garanto-lhe claramente - uma apreciação positiva do funcionamento do Conselho Permanente de Concertação Social. Não decorre nada disso! Decorre, sim, da especificidada das matérias que são discutidas num lugar em que a participação na discussão deve ser tripartida e não (...)

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(...) multipartida como é o Conselho Económico e Social na sua globalidade. É essa a única razão porque fizemos esta integração.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à questão da dupla representação governamental - não foi esta a expressão que utilizou, mas é um pouco este sentido - é uma questão que, de facto, precisa do nosso esclarecimento.
Nós não propomos x elementos do Governo - sete - e mais aqueles que integram a comissão de concertação social. Para esta definimos esses membros do Governo, mas eles integram-se nesse número sete. Mas poderá dizer e muito bem o seguinte: «está bem, mas não vamos obrigar, por exemplo, o Primeiro-Ministro a aparecer em todas as reuniões de concertação social». Mas é precisamente por isso que prevemos que os membros do Governo possam fazer-se substituir.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Com a apresentação da proposta de lei que cria materialmente o Conselho Económico e Social o Governo cumpre o figurino que resultou da segunda revisão constitucional em matéria da representação consultiva-participativa dos interesses sectoriais e regionais nos grandes momentos da política económica e social. Quase em simultâneo com a proposta de lei do Governo o PCP apresentou também o seu projecto de lei criando o Conselho Económico e Social.
Três primeiras ilações podemos tirar da apresentação destes projectos.
Primeira ilação: o Governo apressou-se a cumprir o imperativo constitucional de criar um órgão de consulta sócio-económica regular, do Parlamento e do Governo, alargando a sua competência ao processo de concertação social, actualmente entregue ao Conselho Permanente de Concertação Social e cumprindo também o acordo que neste último Conselho se fez, de natureza tripartida, em 19 de Novembro de 1990.
Segunda ilação: o Partido Comunista Português, seguindo o mesmo desiderato do Governo com respeito à concertação económica e social, procura evoluir, ao menos nesta área, pois, não há muito tempo, sindicalistas comunistas com responsabilidades na CGTP-Intersindical, recusavam-se até a participar no Conselho Permanente de Concertação Social. Evolução dos tempos que apetece recordar, mantendo-nos atentos ao que se seguirá.
Terceira ilação: ao contrário do que seria normal num partido de raiz laborista mas não revolucionária e que nos «encharca» com projectos de lei e de deliberação sobre os assuntos mais variados, quase sempre a despropósito, o PS alheia-se da iniciativa legislativa em matéria relevantíssima dos domínios do planeamento participativo e do diálogo da concertação social.

Aplausos ao PSD.

Poderá agora argumentar que apresentará numerosas propostas de alteração, na especialidade - o que não se verificou -, ou que acabava de entregar o seu projecto na Mesa da Assembleia. Isso também não se verificou!...
Mas, já que não apresentou qualquer projecto, essas ideias de última hora serão bem-vindas. O Governo, desde logo, afirmou essa mesma abertura e o PSD, naturalmente, acompanha-o. No fundo, estamos abertos a considerar tudo o que possa alargar o consenso e enriquecer os conceitos. Mas, repito, o efeito político da ausência (ou da distracção) do Partido Socialista, esse já ninguém o consegue apagar em matéria socialmente tão importante.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os dois projectos em presença recolheram os ensinamentos, positivos e negativos, adquiridos com o funcionamento do Conselho Nacional do Plano (o mais antigo e de criação constitucional) e do Conselho Permanente de Concertação Social (o mais recente), que agora cessam de actuar. Também se denota, aqui e ali, a influência dos órgãos congéneres de França e da Comunidade Económica Europeia. Uma palavra de respeito por todos os que procuraram dignificar e potenciar funcionalmente aqueles dois órgãos participativos e consultivos (o Conselho Nacional do Plano e o Conselho Permanente de Concertação Social já que o Conselho de Rendimentos e Preços nunca funcionou na prática).
Uma menção recordatória para os sucessos, absolutamente inéditos em Portugal e muitos raros em toda a Europa, conseguidos no Conselho Permanente de Concertação Social em matéria de acordos sociais de rendimentos e preços, entre o Governo, os representantes dos trabalhadores e dos empregadores, sucessos obtidos no decorrer da governação social-democrata.
Passemos agora à análise, muito rápida, dos aspectos essenciais que vão caracterizar o Conselho Económico e Social. As três palavras chaves são a participação, a concertação e o apoio consultivo da parte dos cada vez mais diversos interesses económicos, sociais, regionais e locais.
Não tem, contudo, este Conselho qualquer poder decisório (as suas opiniões ou análises podem ser ou não seguidas) cabendo-lhe apenas influenciar os poderes legislativo e executivo. E é assim, muito naturalmente, porque o único poder legítimo. Srs. Deputados, de representação política, é o que emana de todo o povo, através do voto. E o povo é constituído apenas por cidadãos e não por classes profissionais, sejam eles operários, empresários, camponeses, intelectuais, funcionários, etc.... Um poder que se fundamente apenas em classes ou categorias é ilegítimo, tendo sido esse o pecado original do corporativismo, com todo o rol de injustiças que conhecemos.
Mas ignorar, por outro lado, ou desprezar essas categorias de interesses seria, no mínimo, incorrecto, devido à sua força real em qualquer sociedade evoluída: seria o pecado original do liberalismo e do «capitalismo selvagem».
Passemos agora, ainda na apreciação das características principais do Conselho Económico e Social, aos aspectos de autonomia, da composição dos seus órgãos próprios e das suas funções permanentes, afinal aquilo que vai determinar o seu grau de eficácia.
Quanto à autonomia do Conselho Económico e Social, é notório o desejo de a maximizar, dentro dos limites ditados pelo enquadramento orçamental, assim o libertando de quaisquer tutelas, muito embora considere mais correcto o figurino que se seguiu na proposta do Governo (é, salvo melhor opinião, o do actual Conselho Nacional do Plano, (...)

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(...) que nunca ninguém questionou politicamente) do que o figurino adoptado no projecto do Partido Comunista, já que esse inclui o Conselho Económico e Social na Assembleia da República, dando-lhe uma carga político-partidária potenciadora de confusões indesejáveis (idem quanto ao processo de eleição dos vice-presidentes).
Quanto à composição e peso relativos dos diversos interesses no Plenário, e não comissões ou secções especializadas, também nos parece mais correcto o figurino proposto pelo Governo por quatro razões muito significativas e tomando como base de comparação a composição do actual Conselho Nacional do Plano e também do Conselho Permanente de Concertação Social.
A primeira razão tem que ver porque alarga a representação no conselho a sectores do maior interesse para o desenvolvimento económico e social do País, como sejam as instituições privadas de solidariedade social - os casos mais típicos são as misericórdias-, as associações de família, as universidades, as associações de defesa dos consumidores, os profissionais por conta própria e o sector da ciência e tecnologia.
Por seu lado, o PCP também manifesta abertura, mas apenas relativamente a estes três últimos sectores.
Segunda razão, porque inclui oito representantes dos municípios enquanto o PCP apenas propõe quatro, o que só realça o papel motor do PSD e do Governo social-
democrata na defesa do poder municipal.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Essa é boa! Diga o resto!

O Orador: - E não venha o PCP contra-argumentar que o Governo não inclui qualquer representante das regiões administrativas. Ele, PCP, apresenta um por região administrativa. Portanto, se ainda não existem as regiões administrativas, não faz muito sentido estar a prejudicar os municípios em favor de um tipo de autarquia que ainda não existe!
Quando elas forem criadas, nada mais simples do que, na lei respectiva, prever o seu modo de representação no Conselho Económico e Social.
Terceira razão, é que cria, com carácter permanente, a comissão de concertação social (a par das comissões ou secções permanentes de política económica e social e de desenvolvimento regional e do ordenamento do território), onde Governo, associações de trabalhadores e de empresários estão equitativamente representados, «bebendo» a experiência positiva do Conselho Permanente de Concertação Social e evitando a excessiva governamentalização que se propõe no projecto do PCP, sem, neste caso, se entender muito bem porquê, isto é, porque é que o PCP apresenta a composição governamental (isto sem prejuízo de considerarmos que quer o Governo quer os outros membros desta e das outras secções deverão fazer-se representar com nível elevado).
A quarta razão tem a ver com o facto de, na proposta do Governo, se entregar ainda ao plenário do CES a faculdade de não só eleger os quatro vice-presidentes, como também de designar três personalidades de reconhecido mérito (também como membros de pleno direito) a par dos representantes dos interesses, assim se elevando, certamente, a qualidade e o prestígio do órgão que, sem pretender ser uma segunda câmara (até por impedimento constitucional), poderá colmatar, até certo ponto, alguma inqualificação técnica que, uma ou outra vez, se pressente no processo legislativo português.
A propósito dos vice-presidentes, quer-nos parecer menos feliz a proposta do PCP de limitar o poder de iniciativa aos três maiores grupos parlamentares. E se houver empate do segundo e do terceiro como é que se resolve a questão?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Limitei-me a comentar, muito sinteticamente, os aspectos mais salientes para um debate desta natureza. Outros aspectos, mas já muito específicos, poderão ser aprofundados relativamente aos projectos, na especialidade. Mas, nestes casos, a solução adoptada deve ser a que permita, com transparência e sem perda de eficácia no processo legislativo, que a sociedade civil tenha acesso às instâncias do poder político sem perda da autoridade do Estado, sendo este capaz de auscultar as forças sociais, para além dos tradicionais períodos eleitorais, e de regular conflitos através da concertação e do diálogo, mas também sem perdas de tempo nem desresponsabilização. As recentes propostas de lei relativas ao planeamento económico e ao código do procedimento administrativo também devem sugerir a mesma filosofia.
Sr. Presidente, já o grande Alexandre Herculano sustentava que o verdadeiro progresso é o que engloba os factores materiais juntamente com os sociais. E, mais, acrescentava «que os melhoramentos materiais que razoavelmente o País tem direito a pedir não podem lesar ou sequer congelar os sacrossantos direitos dos cidadãos». O país tem beneficiado de um progresso económico e social notável nestes últimos cinco anos. Com o Conselho Económico e Social, que vai sair desta Assembleia, esse progresso vai ser fortalecido e talvez mais bem compreendido pelos que ainda dele duvidam. Nós já não temos dúvidas, mas é preciso continuar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, aquando da revisão constitucional o PS apresentou uma proposta de criação do Conselho Económico e Social que o PSD, mais tarde, veio a subscrever; mas esta proposta de lei, infelizmente, não a podemos subscrever. Este facto não quer dizer que não achemos que vale a pena desenvolver um grande esforço de concertação política para que se crie um Conselho Económico e Social, consensual, na sociedade portuguesa, não com uma estrutura, um funcionamento ou atribuições que representem um modo de pensar dum dado partido, numa determinada altura, mas com um estatuto que ultrapasse as maiorias partidárias existentes na Assembleia da República num dado momento.
Efectivamente, vamos apresentar propostas que resultam da audição e das reuniões que o grupo parlamentar e a direcção do partido tiveram com as principais forças económicas e sociais deste país ...

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Não têm projecto!

O Orador: -... e na qual se manifestaram preocupações relativamente à proposta inicial do Governo - preocupações um pouco ultrapassadas - diria até bastante ultrapassadas - nesta versão agora apresentada à Assembleia da República, mas muitas coisas continuam ainda por melhorar.

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Cito-lhe, por exemplo, uma coisa que afirmou e que não é correcta. V. Ex.ª afirmou que este decreto-lei dá cumprimento ao acordo feito em Novembro com os parceiros sociais representados no CPCS. Ora bem, o acordo dizia que os parceiros desejavam a continuação do CPCS e no caso de se optar, no quadro da Assembleia da República, por uma solução diferente deveria ser criada uma secção com total autonomia. Mas esta proposta do Governo, embora referindo a criação dessa secção com autonomia, não define minimamente o seu enquadramento, o seu funcionamento, a não ser, quando muito, a composição - seis membros do Governo, seis membros das confederações sindicais, seis representantes das confederações patronais.
A segunda questão que me parece relevante é, por exemplo, o problema do direito de iniciativa. Não há nenhum conselho económico que não tenha direito de iniciativa. A governamentalização não é só um problema de composição, de mais ou menos elementos de nomeação directa ou indirecta pelo Governo, mas é também o problema de os membros do conselho se poderem organizar, funcionar e emitir pareceres sobre as matérias que entenderem no quadro das suas atribuições e comparências.
Este aspecto do direito de iniciativa é profundamente menorizado, para não dizer que não existe, na proposta de lei que temos presente, e sobre o qual gostaríamos de ouvir o Sr. Deputado, esperando que, no seio da comissão especializada, seja possível introduzir algumas alterações.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): -No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, apenas duas pequenas - pequenas em termos do tempo que vou gastar a apresentá-las que não do seu conteúdo-mas importantes questões.
A primeira tem a ver com a nossa proposta relativa à participação de representantes da Assembleia da República na direcção do CES. Julgamos que isso não partidariza nem tende a partidarizar o CES. Repare, Sr. Deputado, que o Conselho Nacional do Plano não falhou pelo facto de a sua direcção ser designada por eleição através da Assembleia da República. Não foi por isso que a sua extinção não deixa quaisquer saudades, mas por razões completamente diferentes.

O Sr. José Silva Marques (PSD): -Claro, é evidente!

O Orador: - A segunda questão - mais importante- tem a ver com a afirmação que o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp fez «de que assim se vê» - neste caso não seria a força do PCP - ...

Risos do PSD.

... «quem mostra mais interesse pelo poder local». Aliás. Sr. Deputado, a importância concedida pelo Partido Comunista Português à questão da descentralização, da regionalização e, inversamente, o facto de o Governo se
opor a essa regionalização, estão patentes no nosso projecto de lei e nesta proposta de lei. Isto é, o Governo propõe mais representantes dos municípios porque não prevê e não vê, a prazo, a criação das regiões administrativas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:-Nós propomos, desde logo, a participação das regiões administrativas, porque prevemos, visamos, e é essa a nossa perspectiva, a constituição das regiões administrativas a muito curto prazo.
Por conseguinte, somos nós que mostramos onde está e quem tem o grande interesse na regionalização do País, na descentralização da vida administrativa do País.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Não me convenceu!

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, já há pouco, num pedido de esclarecimento que fiz ao Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, tentei, de alguma forma, demonstrar uma certa incoerência que havia entre as atribuições e competências da possível comissão especializada do desenvolvimento regional e do ordenamento do território. Infelizmente o Sr. Ministro não soube ou não quis explicar e voltou agora o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp a tentar explicar a esta Câmara como é que os municípios poderiam ser os representantes das regiões a nível de um processo como é o que estamos aqui a estudar e a descrever.
Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, compreendi o seu esforço, mas, a ser aprovada a proposta do Governo, seria quase como colocar as delegações regionais da Contabilidade Pública a representarem o Ministério das Finanças.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): -Não existem!

O Orador: -Não existem, mas deviam existir. Aí está a prova de que os senhores não regionalizam. Portanto, percebeu o exemplo que quis dar. Aliás, quero dizer que a si, Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, desculpo-lhe, mas ao Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território não.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Sr. Deputado João Proença, agradeço a sua intervenção porque acaba por confirmar aquilo que disse e que é facto de V. Ex.ª, no fundo, também lamentar que o Partido Socialista, que foi um dos subscritores do acordo de revisão constitucional, não tenha apresentado, tal como o Governo e o Partido Comunista, um projecto para a criação do Conselho Económico e Social.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Mas nós é que temos que fazer o vosso trabalho?!

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Ah!, não querem trabalhar!

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O Orador: - Volto a dizer o que disse há pouco: estamos prontos a enriquecer os diplomas em debate. Os senhores vivem como os cucos - perdoem a expressão- e estão à espera que os outros trabalhem por VV. Ex.as

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Nós trabalhamos.

O Orador: - Quanto ao acordo e à sua autonomia, Sr. Deputado João Proença, logo à partida, não é difícil encontrar na proposta de lei do Governo muito mais autonomia, nos termos do acordo tripartido, do que a que existe no Conselho Permanente da Concertação Social. É que esse conselho estava, digamos assim, na tutela do Governo e mesmo assim apresentou trabalho extremamente útil para o País e para as diversas forças sociais. E, agora, este conselho a criar tem uma autonomia genérica muito superior à do Conselho Nacional do Plano, não impedindo a proposta do Governo que ele tenha também, para além da autonomia geral, uma autonomia específica.
Portanto, não sei como é que se pode conferir mais autonomia à sede da concertação social no âmbito do Conselho Económico e Social.
Quanto ao direito de iniciativa, já li diversas vezes a proposta do Governo e não vejo nela nada que possa impedir que ele se pronuncie sobre diversas matérias ou ainda fiscalizar ou fazer alguma apreciação a posteriori, no âmbito do diálogo social. Dou como exemplo a iniciativa de propor medidas para que o órgão legislativo e o executivo actuem de forma mais correcta do ponto de vista
- volto a dizer- do Conselho Económico e Social. Portanto, nada impede aquilo que V. Ex.ª referiu na sua intervenção.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira fala de representação da Assembleia da República no Conselho Económico e Social, mas eu não disse que o Conselho Nacional do Plano não actuou melhor, não teve mais eficácia, porque os vice-presidentes, além do presidente, eram eleitos por esta Câmara.
No entanto, se queremos que o Conselho Económico e Social seja um órgão que faça a ligação da sociedade civil com a actividade e a representação política, então será muito melhor que o próprio conselho possa indicar os seus vice-presidentes, convidando pessoas do próprio conselho ou exteriores a ele. Por isso, considero que a fórmula do Governo é muito mais ampla e dá maior margem de manobra para que o Conselho Económico e Social actue de forma independente dos interesses partidários.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, quanto ao poder municipal, compreendo o incómodo que o Partido Comunista possa ter nesta matéria...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Nenhum.

O Orador: -... das representações das autarquias, mas o Governo não deixa para amanhã o que pode resolver hoje. V. Ex.ª afirmou que a criação das regiões se vai dar dentro de pouco tempo, mas digo-lhe que pode ser ou não porque se aproxima um processo eleitoral. Aliás, os autarcas tem, desde já, e de acordo com a proposta do Governo, oito representantes. No vosso projecto indicam quatro à espera da institucionalização das regiões administrativas. Isto só demonstra que o Governo procura resolver os problemas já, não deixando para amanhã o que pode resolver hoje.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador:-Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, pretendo apenas dizer-lhe que nós perspectivamos que as regiões sejam constituídas até ao fim do ano e logo a seguir às eleições, porque o PSD ficará em minoria...

Risos do PSD.

... e como as outras forças são favoráveis às regiões, elas vão ser criadas.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Não faça tanta confiança nos socialistas que eles mudam de opinião.

O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, a única resposta que posso dar à sua intervenção deriva do bom senso. Isto é, se nós estivéssemos à espera do Conselho Económico e Social para celebrar acordos tripartidos nunca teria sido celebrado o acordo tripartido de Novembro do ano passado. Talvez fosse esse o desejo do PCP, mas não era o que a maioria da população e da representação desta Câmara desejavam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Lilaia pergunta como é que os municípios representam as regiões. Com certeza que, à falta das regiões, representam muito melhor do que funcionários públicos.
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A criação do Conselho hoje em discussão resulta da vontade repetidamente expressa, pelo poder local e pelas associações de carácter económico e social, de ver criado um órgão no qual pudessem exprimir as suas posições e participar na definição das políticas, que fundamentalmente os abrangem, decisivas para o futuro do País.
E é assim que, na revisão constitucional, o Partido Socialista apresentou a proposta de criação do Conselho Económico e Social, a qual veio, depois, a ser subscrita pelo PSD e votada favoravelmente por todos os partidos.
Na sua composição, reflecte um leque alargado de representação de interesses sócio-económicos e de base territorial.
Esta dicotomia permite ao Conselho uma intervenção muito vasta, quer na elaboração dos planos de desenvolvimento económico e social e no acompanhamento dos instrumentos que lhe dão execução, quer na área do diálogo social e, em particular, na concertação e expressão contratualizadora daquele diálogo.
A presença das regiões e das autarquias locais merece adequado destaque.
É necessário ultrapassar situações em que documentos-base para o futuro do País, como o Plano de Desenvolvimento Regional, são apenas objecto de consultas (...)

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(...) meramente formais. É ainda necessário articular o desenvolvimento regional com a intervenção das associações sócio-económicas.
Por isso a Constituição estabelece claramente a presença das autarquias locais no Conselho, de modo a permitir um diálogo permanente sobre a concepção e execução das políticas nacionais.
Mas se tal merece certamente consenso a nível de todas as forças políticas, já a forma de essa representação se exprimir levanta, certamente, interrogações. E muitas foram, até este momento.
O Partido Socialista considera que a proposta governamental, ao ignorar as futuras regiões e a Associação Nacional de Municípios, escolhe a pior das soluções. É, por isso, imprescindível voltar a este tema, com a maior atenção, em sede de especialidade.
Quanto aos interesses económicos e sociais, o Conselho, cuja criação aqui debatemos, à semelhança dos seus congéneres dos países comunitários e das próprias Comunidades Europeias, integrará representantes das organizações, reconhecidas como os principais interlocutores dos poderes públicos, associando-as à definição das políticas a aplicar pelos órgãos do Estado, mediante a criação de um sistema oficial de consulta.
Contribui, assim, para o estabelecimento de uma democracia económica e social caracterizada pela participação, pelo diálogo e mesmo pela confrontação das forças económicas e sociais na procura de soluções para os problemas da nossa sociedade, de modo a mobilizar os agentes na resolução de situações que directamente lhes dizem respeito. Contribui, também, para aprofundar a democracia política, exercida por órgãos constitucionais directamente eleitos pelo povo.
Por isso podemos dizer que o carácter consultivo do Conselho Económico e Social não põe em causa os poderes deliberativos ou executivos destes órgãos políticos, mas antes os reforça.
Portanto, aqueles que temem o regresso ao corporativismo podem estar descansados. Não é possível estabelecer uma comparação entre a representação voluntária e funcional dos principais grupos sócio-económicos junto aos decisores políticos e a participação forçada desses mesmos grupos na realização de objectivos do Estado totalitário.
É evidente que, por vezes, os textos legislativos não são devidamente cumpridos e interpretados e, por isso, existe sempre o perigo de uma certa corporativização, nomeadamente quando os governos, como o actual, desvalorizam o papel do Parlamento.
A participação levanta, pois, problemas não só para os sistemas políticos mas também para os sistemas de relações profissionais ou mesmo individualmente para as associações directamente envolvidas nestas estruturas de diálogo e concertação. Mas a ponderação dos comportamentos e a valorização do diálogo e da negociação permanentes tornam-nas cada vez mais importantes em países que fazem da participação uma força decisiva para a melhoria das condições económicas e sociais das suas populações.
A concertação e a conflitualidade social são duas realidades que não se excluem mutuamente. Porém, a conflitualidade nunca pode ser o fim mas, antes, a consequência da ruptura do diálogo.
Os conselhos económicos e sociais tem custos e vantagens importantes para os seus membros, nomeadamente quando envolvem actividades de concertação social e assunção de compromissos de carácter contratualizador.
Um estudo da OCDE aponta que, numa concertação tripartida, os custos são maiores para os interlocutores sociais que para os governos e ainda maiores para as confederações sindicais do que para as organizações empresariais. Todavia, e daí a riqueza do diálogo, as vantagens potenciais têm tendência a ser superiores aos custos potenciais para todos os participantes. São, portanto, dados importantes a ter em conta e que exigem de todos uma atitude responsável na compatibilização do que se entende ser o bem comum, com a defesa e a promoção dos interesses imediatos das organizações e dos seus filiados.
Analisar o que tem sido a prática nacional do diálogo e concertação social é fundamental para a construção desta nova estrutura.
O Conselho Nacional do Plano, que goza de dignidade constitucional, tem emitido pareceres de evidente qualidade. Mas, apesar da grande qualidade dos seus membros, o momento em que é feita a sua intervenção e a normal urgência com que os pareceres são elaborados tem diminuído o impacto das suas decisões.
O Conselho Permanente de Concertação Social, criado em 1984 por um Governo presidido pelo Dr. Mário Soares, tem assumido o papel principal na concertação social entre o Governo e as confederações sindicais e patronais.
O nível a que é feita a representação das três partes e a possibilidade de assumir compromissos tripartidos têm feito com que as suas actividades tenham directo efeito nas decisões económicas e sociais. Isto sem prejuízo de considerarmos que, por vezes, uma excessiva governamentalização na gestão funcional administrativa e financeira tem conduzido a fases de grande paralização de actividade, demasiado dependentes de calendários eleitorais que ultrapassam a vontade dos parceiros sociais.
Ao lado destas duas instituições existem outras de carácter parcelar de grande validade. Mas, a nível geral, podemos dizer que o seu número é insuficiente e que o diálogo económico e social não tem tido o devido realce e expressão, a nível sectorial ou regional.
Não falando da grande questão da regionalização e da falta de vontade política do partido governamental em a levar à prática, onde estão os conselhos nacionais da agricultura ou da indústria? Onde está o acompanhamento da execução do Plano de Desenvolvimento Regional, do Quadro Comunitário de Apoio ou outros instrumentos comunitários há muito já em vigor?
O Governo faz do «quero, posso e mando» um modo privilegiado de fazer política. E tal é ainda mais evidente na execução de programas comunitários em que o Governo tem recusado as orientações comunitárias que exigem participação e acompanhamento por parte das forças económicas e sociais.
Tem havido progresso na participação? É evidente que sim, porque partimos do zero. Mas a ausência de informação, consulta e negociação sectorial e regional faz com que desemboquem no Conselho Económico e Social as aspirações de participação legítimas de grande número de forças económicas e sociais que nele vêem o único modo de fazer ouvir a sua voz.
Por isso a composição do Conselho tem que ser, à partida, mais alargada, mesmo tendo em conta que o elevado número de membros e a sectorialização do debate pode prejudicar a eficiência e a profundidade das decisões.
É neste quadro que o PS irá apresentar as suas propostas de alteração ou de aditamento.
Em primeiro lugar, quanto à representação das autoridades regionais e locais, não é possível admitir a (...)

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marginalização da Associação Nacional de Municípios que representa, na prática, a totalidade dos municípios portugueses, nela voluntariamente filiados.
Por outro lado, não é legítimo esquecer a representação das regiões administrativas, logo que estas sejam criadas. E fazemos votos para que o PSD ultrapasse situações de dúvidas e bloqueamentos, permitindo a rápida aprovação da lei quadro das regiões.
Também o Partido Socialista considera, nos termos em que o seu secretário-geral há muito o referiu, que os membros provenientes das associações sindicais e patronais devem ser, pelo menos, metade do número total de membros do Conselho, de modo a evitar uma excessiva governamentalização, partidarização ou fragmentação do diálogo e para que o conselho possa assumir verdadeiramente um carácter económico e social. É de referir que quer o Conselho Económico e Social das Comunidades quer os órgãos idênticos existentes em grande número de países comunitários têm geralmente dois terços ou mais de membros com esta origem.
Ainda a nível de composição, o PS considera desejável diminuir o número de representantes do Governo e dar expressão à participação de interesses diferentes dos previstos, de modo a poder ajustar-se a composição do conselho à das forças activas na sociedade, sem necessidade de alteração desta lei na Assembleia da República. E, aqui, não podemos esquecer as organizações de jovens, quer os mesmos sejam trabalhadores, estudantes ou empresários.
A nível das atribuições e competências interessa realçar a capacidade de iniciativa dos membros do Conselho, quer na escolha da matéria a discutir, quer nas propostas de deliberação e decisão.
Não existe verdadeiro diálogo social sem direito de iniciativa, sem capacidade para promover estudos e emitir pareceres sobre as matérias que mais interessam aos membros e caiam no âmbito do Conselho. Aliás, não existe nenhum órgão deste tipo nos países da Comunidade em que este direito não seja devidamente reconhecido e incentivado.
Interessa, ainda, definir melhor as competências do Conselho, tendo, nomeadamente, em conta o acompanhamento das intervenções que tenham a ver com a execução do Quadro Comunitário de Apoio.
Uma matéria que tem sido objecto de grande debate é a que respeita à estrutura mais adequada para desenvolver a concertação social tripartida. É que todo o diálogo social implica concertação e por isso o Conselho Económico e Social terá sempre esta responsabilidade, conforme o estabelecido na Constituição.
Como bem o demonstrou a discussão nesta Assembleia, aquando da sua aprovação, o texto constitucional não define claramente se o Conselho Permanente de Concertação Social deve continuar ou ser extinto.
Por isso, duas alternativas estão abertas na discussão desta lei: a manutenção do CPCS como órgão tripartido de concertação social, ou a criação de uma secção autónoma no quadro do Conselho Económico e Social.
O Partido Socialista inclina-se para esta segunda solução.
A experiência de concertação tripartida revelou-se importante, só sendo possível entre parceiros que possam assumir compromissos vinculativos, nomeadamente a nível da política de rendimentos e preços e, em geral, da política económica e social, com reflexos directos nas empresas e nos seus trabalhadores.
Por isso, consideramos dever ser criada, no interior do Conselho, uma estrutura com total autonomia e idêntica composição à do actual Conselho Permanente de Concertação Social.
No que respeita ao funcionamento, temos que ter uma preocupação na efectiva autonomia do Conselho, tendo presente que o mesmo, no quadro constitucional, é um órgão de consulta dos poderes públicos e não exclusivamente do Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista sempre defendeu e promoveu o diálogo e a concertação sociais.
Desejamos e defendemos o aprofundamento da participação das organizações económicas e sociais nas matérias que directamente lhes dizem respeito; damos especial atenção à valorização da participação dos trabalhadores a nível da empresa, instrumento fundamental para a democracia económica e social e, por isso, em breve apresentaremos um projecto de lei que crie mecanismos de incentivo a essa participação.
Em torno do Conselho Económico e Social deve criar-se uma atmosfera de adequado consenso político e social, de modo a que o Conselho possa funcionar como uma instituição dotada de estabilidade, independente das maiorias polílico-partidárias.
A mobilização da chamada «sociedade civil» exige que se evitem tentativas da sua divisão ou de manipulação partidária da sua representação ou expressão.
Nesse sentido, e com essa vontade, o Partido Socialista apresentará as suas propostas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp.

O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Sr. Deputado João Proença, V. Ex.ª, na parte inicial da sua interessante intervenção, refere que o Governo tem menor apreço pela Assembleia da República e pela sua actividade legislativa.
Neste sentido, coloco-lhe a questão de saber o que é que valoriza mais esta Câmara, por exemplo, em relação à matéria que estamos neste momento a debater: se é apresentar um projecto de diploma para debate, ainda por cima com a abertura que, há pouco, o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território acabou de nos recordar, ou, pura e simplesmente, não apresentar nada e limitar-se a criticar a proposta do Governo, embora dando algumas perspectivas, que considero positivas, de vir a apresentar propostas que visem enriquecer essa mesma proposta do Governo, bem como o projecto de lei também em debate.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado falou da falta de diálogo e do Conselho Permanente da Concertação Social, criado em 1984.
Ora, parece-me, salvo erro, que só durante a governação social-democrata é que foram conseguidos acordos de negociação tripartida.
Assim, pergunto se terão havido outros acordos antes da governação social-democrata, designadamente durante o período de governação socialista.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Proença, em virtude de haver outro pedido de esclarecimento, pretende responder já ou no final?

O Sr. João Proença (PS): - No final, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado João Proença, na sua intervenção foram visíveis algumas críticas aos textos em discussão e a opção de V. Ex.ª no que respeita à composição do Conselho e à autonomização, dentro do Conselho, do órgão destinado a promover e a realizar a concertação social. A opção nessas duas matérias corresponde àquilo a que eu chamaria, porventura, uma terceira via.
Todavia, Sr. Deputado João Proença, considero importante conhecer a sua opinião nesta matéria, não apenas como membro do Partido Socialista mas, também, como dirigente sindical.
Por isso, gostaria que fosse um pouco mais concreto referindo qual dos dois modelos em presença prefere, isto é, para qual dos dois modelos se inclina a sua preferência, em temas que considero importantes, como, por exemplo, a representação autónoma das comissões de trabalhadores e a discriminação, em termos de composição numérica da representação, das várias organizações patronais e de trabalhadores.
Finalmente, gostaria ainda de conhecer a preferência do Sr. Deputado quanto à forma de autonomização do órgão de concertação social adoptado num e noutro projecto: num, com uma simples comissão especializada; noutro, que é o do PCP, não sabemos bem se é algo que acaba por se integrar ao nível dos órgãos principais do Conselho ou se é qualquer coisa que, efectivamente, corresponde a uma subcomissão autonomizada.
Ficaria grato ao Sr. Deputado se me pudesse esclarecer.

O Sr. Presidente: -Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, dir-lhe-ia que a matéria, rica, de criação do Conselho foi assumida, efectivamente, em sede de revisão constitucional, por esta Assembleia. E, neste momento, estamos a dar corpo àquilo que foi anteriormente decidido.
Referi, com efeito, que existe sempre um conflito de funcionamento entre órgãos legislativos e conselhos de concertação, diálogo social, conselhos económicos e sociais, quaisquer que eles sejam. Existe sempre. Esteve presente nesta Assembleia, ainda há pouco tempo, aquando do debate da legislação laboral, e está presente no debate de outras matérias.
Trata-se, contudo, de um conflito que deve ser valorizado no sentido de incentivar o diálogo económico e social, sem interferir com a decisão política legítima dos órgãos directamente eleitos pelo povo.
O que efectivamente disse é que, por vezes, alguns governos - e este Governo, temos de ter a noção disso, tem sido objecto de frequentes críticas nesta Assembleia - diminuem o papel da Assembleia e, ao diminuir o seu papel, ao diminuir o papel do órgão legítimo de decisão legislativa, estão, com efeito, a criar uma corporativização da sociedade que, efectivamente, não desejamos.
Em relação ao facto de ter havido ou não acordos no Conselho Permanente de Concertação Social antes deste Governo, pensamos que o Sr. Deputado acompanhou, ou, pelo menos, tinha obrigação disso, a actividade daquele Conselho.
O Conselho Permanente de Concertação Social foi criado em 1984 e aprovou o seu regimento livremente, por decisão e consenso dos seus membros. A sua própria lei orgânica vai nesse sentido. E o aspecto talvez mais rico de diálogo social, ou dos mais ricos, porque, efectivamente, tem havido alguns momentos importantes, foi o das chamadas «reuniões de mais de 100 horas» para discutir o PRFE (Programa de Exploração Financeira e Económica) em que se criaram consensos, nessa altura extremamente difíceis, entre as confederações sindicais, patronais e o Governo, em torno de matérias como, por exemplo, a do saneamento do sector empresarial do Estado, a da política fiscal e outras.
Infelizmente, depois, o PRFE não foi aprovado pelo Governo porque, entretanto, caiu e verificaram-se novas eleições legislativas.
Mas o diálogo social em Portugal - e temos de reconhecer que o Partido Socialista teve um papel decisivo-efectivamente começou, foi incentivado e realçado pelo Partido Socialista e pelo actual Presidente da República.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, dir-lhe-ei que estou presente neste debate como deputado socialista. É evidente que também sou sindicalista. E, nesta última qualidade, considero fácil responder, dizendo-lhe que as duas confederações sindicais e as três confederações patronais, no quadro do Conselho Permanente de Concertação Social, manifestaram ao Governo que consideravam desejável a manutenção deste Conselho ou, caso tal não fosse possível, que devia ser criada uma secção totalmente autónoma. Esta foi a posição unânime, e, portanto, é aquela que subscrevo.
Quanto às comissões de trabalhadores queria ainda dizer-lhe que achamos que têm um papel extremamente importante a nível da participação dos trabalhadores na empresa. Com efeito, há que reforçar a negociação colectiva de carácter sectorial na empresa, mas isso passa também por reflectir a interacção entre as comissões de trabalhadores e a estrutura sindical.
Consideramos, portanto, que esse é um ponto em que, efectivamente, ainda não chegámos a uma estrutura estável. E, talvez por isso, as comissões de trabalhadores têm vindo a diminuir em número e a reduzir, cada vez mais, a sua afirmação no sector privado, nomeadamente nas pequenas empresas.
Há que reflectir e, por exemplo, pensar na experiência francesa ou na belga, de eleição das comissões de trabalhadores na empresa e na interacção com o movimento sindical.
Achamos que esse é um diálogo rico que há a fazer, quer a nível dos trabalhadores no quadro do diálogo na empresa, quer a nível dos partidos políticos no quadro de revisão da Lei das Comissões de Trabalhadores e da Lei Sindical, até porque, como sabe, esta última lei, em muitos dos seus pontos, é inconstitucional.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A consagração constitucional, operada na revisão de 1989, de um órgão como o Conselho Económico e Social confirma a necessidade do planeamento para se atingir um adequado, justo e equilibrado desenvolvimento económico e social, mas é sobretudo significativa, na medida em que traduz o reconhecimento da importância da concertação social para se atingir aquele fim.

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A substituição do Conselho Nacional do Plano por um Conselho Económico e Social como órgão, simultaneamente, «de consulta e concertação no domínio das políticas económica e social, que participa na elaboração dos planos de desenvolvimento económico e social», afigura-se-nos, pois, como solução institucionalmente correcta face aos desafios do futuro.
Esses desafios exigem a mobilização da sociedade, mobilização essa que, em primeiro lugar, cabe ao Estado, sendo também certo que a actuação deste só será bem sucedida se for capaz de articular e, mesmo, conciliar a complexa rede de interesses e agentes sociais, políticos e económicos.
É certo que a premissa fundamental a todo este trabalho seria a definição consensual e nacional de um modelo de desenvolvimento capaz de nos servir de bússola nos bons e maus momentos, secundarizando assim os caprichos de uma ou outra gestão partidária e governamental. Todavia, no final de uma legislatura, de pouco ou nada nos serve questionar o Governo para tentar um debate sério sobre esta matéria. Já faremos bastante se criarmos hoje uma das bases institucionais mais importantes para esse diálogo.
A questão institucional é, precisamente, a primeira que se nos coloca no debate de hoje.
Gostaríamos de começar por manifestar a nossa concordância com o relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, na parte em que se esclarece que o Conselho Económico e Social, embora seja uma importante sede de concertação social, não pode ser, nem será certamente, a única. Parecerá evidente esta conclusão, mas nunca será demais realçar e lembrar que a Constituição e a lei prevêem outras formas de participação e de concertação, com relevância própria nas áreas e ao nível em que são realizadas. E nunca será demais lembrar esta realidade se, em face a posturas e factos passados, a proposta e o projecto de lei em discussão não nos confrontassem, noutro plano, com a opção entre a autonomia, a governamentalização e a parlamentarização do Conselho Económico e Social.
Em rigor, o texto dos projectos não nos coloca perante essa opção. Não se poderá juridicamente afirmar que a proposta de lei não garante a autonomia, embora também não a garanta expressamente, muito menos que o PCP, ao propor que o órgão funcione junto da Assembleia da República, pretenda a sua parlamentarização. O que está em causa são, por vezes, práticas menos correctas - como, por exemplo, a recente autorização legislativa para o chamado «pacote laboral» - que em nada abonam a favor do diálogo e da concertação social, para não falar do respeito pela Assembleia da República.
Reconhecemos, pois, que a proposta do PCP vai ao encontro de algumas das nossas preocupações, no sentido de assegurar uma real autonomia do Conselho Económico e Social. Está de resto provado que os órgãos, quando funcionam junto da Assembleia da República, para além de assegurarem a sua autonomia, garantem algo ainda mais importante: a sua própria independência.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Neste momento, não se justifica que se teçam considerações relativamente ao que significam diferenças de filosofia entre os dois projectos em debate. Quanto a nós, justifica-se que se realcem, aqui e neste momento, dois aspectos significativos, tendo o primeiro que ver com a composição do Conselho Económico e Social.
É certo que a Constituição estabelece, no seu artigo 92.º, que «os planos de desenvolvimento económico e social de médio prazo e o plano anual (...) são elaborados pelo Governo de acordo com o seu programa». Não é, porém, menos verdade que é à Assembleia da República que compete aprovar as grandes opções correspondentes a cada plano e a sua expressão financeira: o Orçamento do Estado.
Resulta, portanto, claro que os dois órgãos de soberania têm papéis fundamentais no processo, embora diferentes. E resulta também evidente que não compete ao Conselho Económico e Social a elaboração do Plano, nem a sua aprovação.
Não se compreende, pois, que o Governo exclua a possibilidade de a Assembleia da República acompanhar, a semelhança do que acontece com o actual Conselho Nacional do Plano, os trabalhos do Conselho Económico e Social. Não nos parece que haja uma tradição de interferência da Assembleia da República nas atribuições e competências deste órgão. Pelo contrário, a representação apenas tem favorecido um maior esclarecimento acerca dos interesses em jogo, das opções possíveis e das próprias decisões. Tem sido assim e seria positivo que assim continuasse a ser, tanto mais que a concertação social integra as atribuições e competências do futuro Conselho Económico e Social, assegurando-se uma informação mais completa acerca dos interesses e conflitos sociais e da sua gestão.
A não concretizarmos este objectivo, corremos o risco de acentuar a tendência de governamentalização.
O segundo aspecto que queríamos realçar tem a ver com o exercício das competências que, no essencial, estão actualmente atribuídas ao Conselho Permanente de Concertação Social.
O PRD entende que se deve caminhar por fases para a integração e articulação total das competências de planeamento e concertação no âmbito do Conselho Económico e Social. Não podemos ir depressa demais, sob pena de esbatermos a dignidade, o papel e a projecção pública da concertação social. Não podemos ir devagar demais, sob pena de não realizarmos o objectivo constitucional de integração destas duas componentes fundamentais.
Nesta perspectiva, e partindo do pressuposto de que as intenções são boas, parece-nos que a proposta do Governo avança, minimizando organicamente e pondo em causa o prestígio e a importância do trabalho e dos resultados alcançados pelo actual Conselho Permanente de Concertação Social. Preferimos, pois, neste aspecto, uma solução gradualista, no sentido de dar passos mais firmes e seguros nas formas de articulação do planeamento e da concertação. Transformar o Conselho Permanente de Concertação Social numa mera secção especializada entre outras, não valoriza os objectivos pretendidos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Consideramos fundamental que se criem condições para que o futuro Conselho Económico e Social não nasça torto. Se assim não for, perderemos mais uma oportunidade, talvez única, de mobilizar os portugueses para um desenvolvimento económico e social justo, equilibrado e à medida das nossas capacidades e potencialidades.
Não existem razões suficientemente fortes para não resistirmos à crítica fácil, demagógica e eleitoralista. Da parte do Partido Renovador Democrático só haverá críticas (...)

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(...) construtivas e que contribuam para a definição e realização do interesse nacional.

Aplausos do PRD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para uma boa organização dos trabalhos, atendendo a que estão ainda inscritos os Srs. Deputados Nogueira de Brito e Luís Pais de Sousa e considerando que os tempos disponíveis somam cerca de 15 minutos, sugeriria-julgo que toda a gente estará de acordo - que após este debate procedêssemos às votações na generalidade previstas para hoje e à votação, também na generalidade, dos diplomas que estão em debate.
Há alguma objecção a que assim se proceda, Srs. Deputados?

Pausa.

Não havendo objecções, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O CDS considera indubitavelmente importante o tema que está hoje aqui a ser discutido e as iniciativas presentes à consideração dos Srs. Deputados.
Tratando-se, como é evidente, do desenvolvimento de uma alteração importante do texto constitucional, entende também o CDS que a iniciativa legislativa deveria caber, em primeiro lugar - como, aliás, terá sido entendido pelo Governo -, ao próprio Governo. Daí estarmos a discutir uma proposta de lei do Governo, o que não retira capacidade aos Srs. Deputados e, por conseguinte, ao PCP, que decidiu apresentar também a sua própria versão da concretização desta alteração constitucional.
Efectivamente, esta alteração constitucional que estamos a concretizar visou dois objectivos fundamentais, pretendendo o primeiro eliminar o Conselho Nacional do Plano, o que, em nosso entender, que participámos activamente na discussão e votação do texto constitucional, não pudemos deixar de considerar como mais uma forma de desvalorizar o Plano enquanto instrumento privilegiado de realização da política económica e social. Aderimos, por isso, à ideia da criação do Conselho Económico e Social.
No entanto, por outro lado, também se tratou de transferir para o próprio texto constitucional, conferindo-lhes tal dignidade - a maior dignidade no concerto das instituições políticas portuguesas-, o ainda existente Conselho Nacional de Rendimentos e Preços e o Conselho Permanente de Concertação Social, o que é igualmente pleno de significado, embora tenha levantado algumas dúvidas no que respeita à transferência operada em relação a este último órgão.
Na realidade, em nosso entender, tal significa, em primeiro lugar, valorizar as formas de democracia participada, privilegiando, ao mesmo tempo, a concertação como uma forma de realizar a política, de a conceber e de a aplicar. Esta iniciativa mereceu assim, nessa perspectiva, o nosso acolhimento e o nosso voto favorável.
Por conseguinte, e com estes objectivos, trata-se de consolidar a própria democracia através do aprofundamento do diálogo e da participação, sem esquecer que a democracia que estamos a consolidar é uma democracia universal, directa e representativa. Nestes termos, esta forma introduzida no próprio texto constitucional não significa qualquer desvio orgânico relativamente àquilo a que nos mantemos fundamentalmente fiéis.
Colocadas estas considerações, as quais justificam, desde logo, o apoio do CDS à iniciativa que teve lugar no plano da revisão constitucional e que agora se desdobra, e muito bem, no plano legislativo, cabe, em linhas gerais, apreciar os dois modelos que nos são oferecidos.
Acontece que o PCP nos oferece um modelo de conselho mais rico em termos de competências e atribuições, suscitando, em alguns aspectos, a dúvida sobre se não se estará a ultrapassar uma função puramente consultiva e a entrar nos domínios da própria decisão, o que merece a nossa crítica e não a nossa aprovação.
Por outro lado, no que respeita à composição, opta-se por uma composição alargada, muito extensa, retirando-se autonomia aos próprios parceiros para delinearem moldarem a sua própria representação no Conselho. Com efeito, especifica-se, em termos quantitativos, a quem pertence a representação e quantos os representantes, distinguindo entre os vários órgãos.
Adopta-se ainda, concretamente em relação às comissões de trabalhadores, uma atitude que parece desvirtuar o conceito e o papel de tais comissões, atribuindo-lhes uma representação autónoma no Conselho Económico e Social.
No entanto, já no que respeita à atitude adoptada face ao antigo Conselho de Concertação Social, supomos que o PCP se aproxima mais, relativamente à proposta governamental, do que seria uma solução correcta. É que, na verdade, a solução encontrada pelo PCP concretiza melhor a ideia de autonomização, ao invés de remeter para uma simples comissão especializada, que, no contexto das comissões especializadas, possui características anormais, na medida em que é uma comissão cujas deliberações não estão dependentes de ratificação pelo órgão plenário do Conselho de Concertação Social.
O PCP confere, pois, uma maior dignidade ao órgão de concertação social, autonomizando-o, embora, em nosso entender, com alguns defeitos: os de não estabelecer uma correcta articulação entre este órgão de concertação social e o Conselho como um todo. Por exemplo, é estranho que, na proposta do PCP, tendo o Conselho um presidente eleito pela Assembleia da República, o órgão de concertação social tenha um presidente autónomo - o Primeiro-Ministro -, muito embora, em princípio, a solução de pôr o Primeiro-Ministro a presidir ao órgão de concertação social, mantendo a solução que hoje em dia vigora, nos agrade.
Significa isto que, em termos gerais, consideramos preferíveis as soluções contidas na proposta do Governo, embora, em alguns aspectos específicos, nos pareçam, pelo contrário, preferíveis as soluções do projecto do PCP.
É esta a riqueza do trabalho parlamentar, do confronto de soluções que ele possibilita e que irão também orientar o que será a nossa votação nesta matéria.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O artigo 95.º da Constituição consagra hoje, após a revisão de 1989, o Conselho Económico e Social, «órgão de consulta e (...)

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(...) concertação» na área das políticas económica e social, o qual, entre outras funções, participará na elaboração dos planos de desenvolvimento económico e social.
Trata-se de uma relevante alteração introduzida durante a última revisão constitucional, que aponta, numa «sociedade complexa», para o aumento da participação no processo de desenvolvimento sócio-económico, chamando à colação «outros corpos intermédios».
Só que, sempre haverá que ter presente, num estado moderno, o crucial papel participativo dos órgãos de soberania por natureza co-envolvidos no processo económico e social, bem como a quota de participação e mediação das autarquias locais.
Seguramente, o novo Conselho irá proporcionar um reforço significativo das possibilidades de participação no desenvolvimento social e económico do nosso país, e isto na linha do que vem acontecendo na maioria dos países democráticos e beneficiando da experiência colhida em Portugal nos últimos anos.
Noutro plano, dir-se-á, ao menos em tese, que sempre existirá um risco de conversão do Conselho Económico e Social numa segunda Câmara.
Contudo, vivemos num sistema cuja natureza monocamaral é inequívoca, em face da regra da tipicidade dos órgãos de soberania e do papel fulcral da Assembleia da República.
Numa breve nota histórica, diremos que a instauração de órgãos de consulta e diálogo entre o Estado, assalariados e patronato foi reclamada logo a seguir à Primeira Grande Guerra Mundial.
Com efeito, a par da institucionalização da Organização Internacional do Trabalho - a partir do Tratado de Versailles (1919)-, registam-se por essa altura as primeiras tentativas de co-responsabilização das forças sociais e económicas na definição pelos governos das correspondentes políticas.
Mas, não obstante, só após a Segunda Guerra Mundial é que, designadamente nos países da Europa Ocidental, os sistemas político-constitucionais instituem conselhos económicos, dando forma à consulta regular dos agentes económicos e de forças sociais.
Entrando agora no direito comparado vem inevitavelmente à colação o Conseil Economique et Social francês, controverso órgão instituído a partir da Constituição de 1958. Com uma heterogénea composição de 230 membros, o C. E. S. tem sido qualificado em França como um «para-Parlamento», face à natureza parlamentar do seu funcionamento, inexistindo qualquer regra de paridade sequer de representação tripartida.
Por sua vez, em Itália, a Lei de 5 de Janeiro de 1957 desenvolve a previsão constitucional de um Consiglio Nazionale del Economia e del Lavoro, composto por 80 membros, e que obedeceu a um processo tripartido de representação, sem lugar para o governo, estando representados os trabalhadores e as empresas, havendo ainda um grupo de peritos. De salientar que o o C. N. E. L. é consultado pelo Parlamento, pelo Executivo e pelas Regiões, vivendo, neste momento, uma verdadeira crise de reforma. Acresce que não tem competência para a contratação colectiva, embora tenha poder de iniciativa legislativa.
Por último, a Bélgica criou, com inequívoca autonomia, dois órgãos: o Conseil Central de L´Economie, através da Lei de 20 de Setembro de 1948, e o Conseil National du Travail, criado em 1952. O C. C. E. ocupa-se apenas das questões económicas e tem uma composição paritária de 50 membros. Por sua vez, o C. N. T. é composto por 22 membros, à luz dum critério de paridade entre trabalhadores e empregadores, tendo competência para celebrar convenções colectivas. Anote-se, finalmente, que ambos os órgãos são consultados pelo governo e pelas câmaras legislativas, sendo certo que entre o C. N. T. e o C. C. E. há um grande entendimento e até protocolos de cooperação.
Como se deixou já dito, a segunda revisão constitucional determinou a criação entre nós de um Conselho Económico e Social (CES).
Tal alteração na Lei Fundamental portuguesa nasceu de uma proposta conjunta do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata (a qual tem de ser equacionada à luz do acordo de revisão PSD-PS) de aditamento de um artigo novo, proposta que, aliás, obteve na Comissão Eventual de Revisão Constitucional (CERC) votos favoráveis de todos os partidos intervenientes na respectiva votação.
Nesta sede se ponderou a ineficácia do Conselho Nacional do Plano, bem como o peso crescente da componente concertação social. Mais se reflectiu sobre a inevitabilidade de deferir à lei a definição e composição do CES.
E é altura de proceder a uma breve análise da proposta de lei n.º 157/V e também do projecto de lei n.º 560/V, do Grupo Parlamentar do PCP.
Ambas as propostas apontam para a extinção do Conselho Nacional do Plano, do Conselho Nacional de Rendimentos e Preços e do Conselho Permanente de Concertação Social, passando a caber ao Conselho Económico e Social as funções que competiam àqueles órgãos.
E é a extinção do Conselho Permanente de Concertação Social que constitui o aspecto mais controverso dos presentes projectos de lei ordinária.
Com efeito, não é pacífica a interpretação a conferir ao n.º l do artigo 95.º da Constituição quando refere «o órgão de consulta e concertação no domínio das políticas económica e social», como não é incontroverso saber se, do ponto de vista constitucional, é admissível a subsistência, para além do Conselho Económico e Social, de outros órgãos de consulta e concertação.
Esta questão tem a ver, desde logo, com o conceito de concertação plasmado no aludido artigo 95.º da nossa Constituição (com a sua amplitude), no que deve ser levada em conta a dimensão conceitual vertida no Decreto-Lei n.º 74/84, de 2 de Março.
Neste sentido, alguns juristas vêm de se pronunciar sobre a dualidade concertação em sentido amplo/concertação em sentido restrito, sendo certo que aquela primeira noção abrangeria os chamados pactos sociais e as convenções colectivas, numa óptica de participação, e a concertação social stricto sensu seria em si uma função de autonomia.
Mas é possível anotar ainda outros problemas que suscitam adequada ponderação.
É assim que se traz à colação, inevitavelmente, a composição do Conselho nos articulados propostos, no que uma primeira reflexão aponta para que seja mantida uma equiparação cabal entre empresários e trabalhadores, aos vários níveis.
De registar ainda que a composição global do Conselho Económico e Social não pode deixar de ser híbrida, no sentido de que representará diversos interesses, em escalas diferentes: interesses nacionais e interesses locais; interesses gerais e interesses específicos.
Por outro lado, há que referir que o artigo 9.º da proposta de lei do Executivo aponta para a criação de comissões especializadas, permanentes e temporárias. E o mesmo (...)

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(...) articulado consagra, para além das comissões permanentes de política económica e social e do desenvolvimento regional e do ordenamento do território, a criação de uma Comissão de Concertação Social, propondo-se no n.º 8 daquela disposição que, «em matéria de Concertação social não carecem de aprovação pelo plenário as deliberações tomadas pela respectiva comissão especializada».
Do que se trata é de preservar, formal e materialmente, a específica autonomia das tarefas de concertação social adentro do Conselho Económico e Social e, como tal, restringir à Comissão de Concertação Social a representação tripartida, sem admitir a presença de entidades estranhas a este triângulo da Concertação.
Esta solução de lei é, aliás, conforme ao texto do Acordo Económico e Social, de 19 de Outubro de 1990.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Conselho Económico e Social constitui um imperativo constitucional - no terreno da relação entre a sociedade e o Estado-, de cujo exercício democrático o futuro nos dará conta.
Mas, porque legiferar implica debate e confronto de ideias e porque se devem aprofundar as leis, em sede de especialidade completar-se-á, seguramente, este momento do presente processo legislativo.
No caso vertente, a proposta de lei do Governo de Portugal merece o acordo na generalidade do Grupo Parlamentar do PSD, pelo que lhe daremos o nosso voto positivo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, está encerrado o debate.
Vamos dar início às votações na generalidade, agendadas para a sessão de hoje.
Em primeiro lugar, vamos proceder à votação do projecto de lei n.º 455/V (PCP) - Aprova a carta das garantias dos direitos dos cidadãos perante a administração local.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca e Jorge Lemos e abstenções do PSD e do CDS.

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 703/V (PS)-Reforço das garantias e direitos dos cidadãos perante a Administração a nível nacional, regional e local.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães e abstenção do PSD.

Srs. Deputados, vamos votar a proposta de lei n.º 172/V - Autoriza o Governo a legislar no sentido de aprovar o Código do Procedimento Administrativo.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e José Magalhães e votos contra do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: -Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, está também agendado, para ser submetido a votação na generalidade, o projecto de lei n.º 701/V, subscrito pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e por mim próprio, visando igualmente a aprovação de um código de procedimento administrativo. Ora, quero declarar, Sr. Presidente, que considero que este projecto está prejudicado devido à opção feita pela Câmara de aprovar uma autorização legislativa. Nesse sentido, o nosso projecto de lei não deve ser submetido a votação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assim sendo, não será submetido à votação o projecto de lei n.º 701/V.
Vamos, então, passar à votação do projecto de lei n.º 700/V (PCP) -Código do Procedimento Administrativo.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães e abstenção do CDS.

Srs. Deputados, vamos votar a proposta de lei n.º 157/V - Regula a organização e funcionamento do Conselho Económico e Social.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Raul Castro e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 560/V (PCP) - Conselho Económico e Social.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Raul Castro e Valente Fernandes.

A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS):-Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): -Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): -Sr. Presidente, há pouco tive ocasião de visitar a Sala do Senado, tendo verificado que ali foram iniciadas obras que, a meu ver e de alguns deputados que me acompanharam, vêm alterar, de alguma forma, um património extremamente valioso desta Casa, para o qual já temos chamado a atenção de V. Ex.ª repetidas vezes.
Assim, queria perguntar ao Sr. Presidente se, para o início das referidas obras, foram tomadas todas as providências necessárias. Dado tratar-se de obras de grande calibre - disseram-nos que durarão sete meses -, também gostaria de saber se, de facto, foram feitas as consultas devidas e tomadas todas as garantias para que não venham a causar novos problemas a esta Casa.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tenho o maior prazer em responder-lhe.

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I SÉRIE -NÚMERO 56 1836

Em primeiro lugar, embora o prazo de sete meses pudesse indiciar que essas obras seriam muito extensas e profundas, tal não é o caso.
Na verdade, com uma pequena excepção, trata-se tão-só da reposição das peças fundamentais da Sala do Senado, para além da sua reconstrução e respectivo melhoramento.
A única modificação sensível será a introdução de uma pequena tribuna, frente à Mesa, a fim de permitir que um orador ali suba em caso de intervenção.
Para além disto, far-se-ão pequenas melhorias - reconheço que, apesar de tudo, não são baratas -, tais como iluminação, reconstrução das cadeiras, pintura, polimento do chão, revisão do estado da clarabóia.
Devo ainda dizer que foram tomados todos os cuidados antes do início destas obras.
De resto, aproveito para informar que, nesta Assembleia, todas as obras são feitas pela Direcção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais e, neste caso, acompanhada, estudada e planeada por este organismo e pela conservadora do museu desta Casa.
Devo ainda acrescentar que, ao contrário do que era tradição, autorizei que o edifício desta Assembleia seja classificado pela Secretaria de Estado da Cultura - e, não sei por que razão, tal ainda não se realizou. Portanto, a partir da entrada em vigor da referida classificação, também o IPPC terá de pronunciar-se sobre quaisquer obras que aqui sejam feitas.
Repito que foram tomadas todas as cautelas. Inclusivamente, já há dois anos decorre o debate sobre a forma de substituir o painel que está por detrás da Mesa e que, em tempos, conteve a fotografia do rei ou da rainha e, embora tenham surgido várias soluções, ainda não se chegou a acordo sobre a melhor.
Assim, segundo as indicações que possuo, a Sala do Senado irá ficar melhorada e em melhores condições.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Costa.

O Sr. Victor Costa (PCP): - Sr. Presidente, também tive oportunidade de hoje verificar as alterações que estão a ser levadas a cabo na Sala do Senado já aqui apontadas.
Ora, o Sr. Presidente acaba de dar-nos conta das obras que irão ter lugar, mas há uma alteração que não referiu e que me chocou quando hoje lá me desloquei. É que, após ter falado com os marceneiros que lá trabalham, verifiquei que está a ser feita uma alteração profunda dos tampos das bancadas, designadamente no que toca às gavetas e respectivas chaves, que vão desaparecer, cobrindo-se a bancada com um contraplacado.
Penso que esta é uma alteração profunda relativamente ao estilo daquela Sala. Como o Sr. Presidente não se referiu a nada disto, agradecia que me esclarecesse.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tanto quanto sei, o que se pretende não é retirar ao tampo da bancada a qualidade que já tinha, mas sim fazer o mesmo que, há uns tempos atrás, se fez nesta nossa Sala e que é a reconstrução do tampo de modo a tornar-se operacional para poder ser utilizado.
Repito que examinei o processo com alguma atenção e não tenho conhecimento de que as gavetas venham a ser retiradas.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realizar-se-á quinta-feira, dia 21, pelas 15 horas. Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Maria Pereira.
Arménio dos Santos.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Flausino José Pereira da Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João José Pedreira de Matos.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Edmundo Pedro.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alfredo de Brito.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.

Partido Renovador Democrático (PRD):

José Carlos Pereira Lilaia.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Mendes Costa.
Hilário Torres Azevedo Marques.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Manuela Aguiar Moreira.

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20 DE MARÇO DE 1991 1837

Partido Socialista (PS).

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Domingues de Azevedo.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Laje.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Matreiros Estrela.
João Rosado Correia.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria Odeie Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Rui José dos Santos Silva.

Deputados independentes:

Mana Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Os REDACTORES:

Maria Leonor Ferreira
Isabel Barral
José Diogo
Ana Marques da Cruz

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DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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