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I Série - Número 59
Quarta-feira, 3 de Abril de 1991
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 4.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE ABRIL DE 1991
Presidente: Ex.mo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Ex.mos Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Joaquim António Rebocho Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas e de requerimentos e respostas a alguns outros.
A Câmara aprovou, por unanimidade, o voto n.º 198/V, de saudação pelo 15.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa, bem como um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de deputados do PS, do PCP e do PRD.
Em declaração política, o Sr. Deputado Almeida Santos (PS) teceu considerações sobre o actual regime político-partidário português e, no fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Mário Montalvão Machado, Fernando Cardoso Ferreira, José Silva Marques e José Pacheco Pereira (PSD).
Também em declaração política, o Sr Deputado José Manuel Mendes (PCP) congratulou-se com a passagem do 15.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa e criticou a política cultural do Governo. Depois, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Natália Correia (PRD) e Raul Castro (Indep.).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Lilaia (PRD), ainda a propósito do 15.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa, enalteceu a sua importância e prestou esclarecimentos ao Sr. Deputado João Rui de Almeida (PS).
Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 181/V - Autoriza o Governo a aprovar o regime de venda e entrega em propriedade de terras expropriadas ou nacionalizadas, tendo baixado, a requerimento do PSD, à respectiva comissão. Intervieram no debate, a diverso título, além dos Srs. Secretários de Estado da Alimentação (Luís Capoulas) e Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados Barbosa da Costa (PRD), Rogério Brito (PCP), Basílio Horta (CDS), Lino de Carvalho (PCP), Almeida Santos (PS) e Rui Macheie (PSD).
Foram rejeitados os requerimentos de recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 7/91, de 8 de Janeiro - Transforma a empresa pública Electricidade de Portugal (EDP), E. P., em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos [ratificações n.os 152/V (PS) e 155/V (PCP)].
Após terem sido rejeitados os requerimentos, apresentados pelo Sr. Deputado João Amaral (PCP), de avocação pelo Plenário da votação, na especialidade, dos artigos 169.º, 175. º, alínea c), e 235 º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, dos artigos 11.º, n.º2, e 12.º, n.º l, do Decreto-Lei n.º34-A/90, de 24 de Janeiro - Aprova o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, e, ainda, do artigo 9.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 57/90, de 14 de Fevereiro - Estabelece o regime remuneratório aplicável aos militares dos quadros permanentes e em regime de contrato dos três ramos das Forças Armadas, foram aprovados, em votação final global, o relatório e o texto das alterações votadas na especialidade pela Comissão de Defesa Nacional relativamente aos referidos decretos-leis [ratificações n.os 110/V e 118/V (PCP)].
Produziram declarações de voto os Srs. Deputados João Amaral (PCP) e Marques Júnior (PRD).
Foi igualmente aprovado, em votação final global, o texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei n.º 145/V- Lei da identificação civil e criminal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Ouríque Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Hcnríques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Dam ião.
José Pereira Lopes.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Mana Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mary Patrícia Pinheira e Lança.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Fernandes Costa.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
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António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques Oliveira.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
úlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria lida Costa Figueiredo.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 711/V-Prorrogação do prazo limite de aprovação dos planos municipais de ordenamento do território, apresentado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo e outros, do PCP; projecto de lei n.º 712/V - Elevação da povoação de Termas do Geres à categoria de vila (concelho de Terras do Douro), apresentado pelo Sr. Deputado José Leite Machado e outros, do PSD; projecto de lei n.º 713/V - Regulariza a situação dos 17 000 cidadãos que, nos termos do artigo 28.º da Lei da Objecção de Consciência, aguardam há seis anos decisão sobre os seus casos, apresentado pelo Sr. Deputado António Filipe e outros, do PCP; ratificação n.º 177/V, relativa ao Decreto-lei n.º 97/91, de 2 de Março (altera o regime jurídico do imposto para o Serviço Nacional de Bombeiros), apresentada pio Sr. Deputado Gameiro dos Santos e outros, do PS; interpelação ao Governo n.º 19/V - Debate de política geral centrado nas questões de política de habitação, apresentada pelo PS; proposta de lei n.º 187/V - Altera a Lei n.º 6/85, de 4 de Maio (disciplina o regime do exercício do direito à objecção de consciência no âmbito do serviço militar obrigatório; proposta de resolução n.º 47/V - Aprova, para ratificação, a Convenção para a Supressão do Tráfego de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem. Todos estes diplomas baixam às respectivas comissões parlamentares.
Entretanto, foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos seguintes: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Vítor Costa, José Magalhães, Herculano Pombo, José Apolinário e António Mota; ao Ministério da Indústria e Energia, formulados pelos Srs. Deputados Júlio Antunes e José Magalhães; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Júlio Antunes, Ilda Figueiredo e Álvaro Brasileiro; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados António Mota, lida Figueiredo e António Vairinhos; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; ao Ministério da Saúde, formulado pelos Srs. Deputados Ilda
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Figueiredo e Júlio Antunes; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados José Magalhães e Cerqueira de Oliveira; ao Ministério da Defesa Nacional, formulados pelos Srs. Deputados José Magalhães e Carlos Coelho; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados António Braga, João Rui de Almeida, Vítor Costa e Herculano Pombo; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulados pelos Srs. Deputados Herculano Pombo, Ademar Carvalho e Álvaro Brasileiro; à Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, formulado pelo Sr. Deputado Domingues de Azevedo. Por sua vez o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Apolinário, na reunião da Comissão Permanente do dia 13 de Agosto; João Amaral, nas sessões de 9 de Janeiro e 14 de Fevereiro; lida Figueiredo, nas sessões de 18 de Outubro, 22 e 24 de Janeiro, e 14 de Fevereiro; António Braga, na sessão de 24 de Outubro; José Manuel Mendes, nas sessões de 8 de Novembro, 13 de Dezembro e 21 de Fevereiro; Miranda Calha, na sessão de 9 de Novembro; Manuel Filipe e José Manuel Maia, na sessão de 20 de Novembro; Luís Roque, na sessão de 27 de Novembro; Raul Castro, nas sessões de 30 de Novembro e 22 de Fevereiro; Carlos Brito, nas sessões de 7 e 11 de Dezembro; Álvaro Brasileiro, na sessão de 10 de Dezembro; Helena Torres Marques, nas sessões de 11 de Dezembro e l de Fevereiro; Júlio Antunes e Barbosa da Costa, na sessão de 13 de Dezembro; Vítor Costa e Cerqueira de Oliveira, na sessão de 20 de Dezembro; João Rui de Almeida, na sessão de 3 de Janeiro; Cristóvão Norte, nas sessões de 18 e 25 de Janeiro; Ademar Carvalho, na sessão de 24 de Janeiro; António Campos e José Sócrates, na sessão de 29 de Janeiro; João Camilo, na sessão de 31 de Janeiro; Lourdes Hespanhol, na sessão de l de Fevereiro; Lino de Carvalho e Jerónimo de Sousa, na sessão de 5 de Fevereiro; Luís Rodrigues, na sessão de 7 de Fevereiro; Jorge Lemos, nas sessões de 7,21 e 26 de Fevereiro e 6 de Março; José Magalhães, na sessão de 22 de Fevereiro, e Apolónia Teixeira, na sessão de 6 de Março.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte:
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos, realizada no dia 26 de Março de 1991, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputado:
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):
Edmundo Pedro (círculo eleitoral de Lisboa) por Alberto Fernandes Costa [esta substituição é solicitada nos lermos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 22 de Março corrente a 5 de Abril próximo, inclusive];
António Poppe Lopes Cardoso (círculo eleitoral de Setúbal) por Alberto Marques Antunes [esta substituição é solicitada nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de l a 30 de Abril próximo, inclusive].
Socitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista (PCP):
António José Monteiro Vidigal Amaro (círculo eleitoral de Évora) por Joaquim António Rebocho Teixeira [esta substituição é solicitada nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de seis meses, com início em l de Abril próximo, inclusive].
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Renovador Democrático (PRD):
Vasco da Gama Lopes Fernandes (círculo eleitoral de Lisboa) por Miguel António Monteiro Galvão Teles [esta substituição é motivada pelo pedido de renúncia ao mandato do Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes, nos termos do n.º l do artigo 7.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), partir do dia 13 de Março corrente]. Nestes termos e a partir do dia 14 de Março, inclusive, passou a exercer as funções de deputado com caracter definitivo (efectivo) o Sr. Deputado Miguel António Monteiro Galvão Teles.
Miguel António Monteiro Galvão Teles (circulo eleitoral de Lisboa) por Rui José dos Santos Silva [esta substituição é solicitada, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a 15 dias, com início em 14 de Março corrente, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente - Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente - Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário - Alberto Monteiro de Araújo (PSD)-Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - António Paulo M. Pereira Coelho (PSD)-Belar-
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mino Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD)-João Álvaro Poças Santos (PSD)-José Augusto Santos da S. Marques (PSD)-José Manuel da Silva Torres (PSD)-Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD) -Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP)- Francisco Barbosa da Costa (PRD).
Srs. Deputados, está em discussão.
Pausa.
Como não há inscrições, vamos votar este relatório e parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, Raul Castro e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, inscreveram-se, para declarações políticas, os Srs. Deputados Almeida Santos, José Manuel Mendes e Carlos Lilaia.
O Sr. António Guterres (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, como está pronto o texto de síntese e de consenso que permite a apresentação de um voto de saudação pelo 15.º Aniversário da Constituição da República, veríamos com bom grado a sua votação antes de entrarmos no período das declarações políticas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me uma pequena rectificação: o voto ainda não está pronto...
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Está sim, Sr. Presidente. Falta só uma assinatura.
O Sr. Presidente: - Digamos que está quase pronto...
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, enquanto o voto não chega à Mesa (penso que já vai a caminho), quero informar que, dado ter chegado a consenso com os autores desse voto, retiro o que apresentei.
O Sr. Presidente: - Tomámos a devida nota, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Jorge Lemos pretende também interpelar a Mesa?
O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Presidente, uma vez que o voto que vai ser apreciado é um voto de consenso, o que apresentámos está subsumido pelo mesmo.
O Sr. Presidente: - Tomámos nota, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, o voto em questão, que tem o consenso dos grupos parlamentares e de alguns dos Srs. Deputados independentes, acabou de chegar à Mesa e vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
Voto n.º 198/V - De saudação pelo 15.º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
Completam-se hoje 15 anos sobre a data da aprovação da Constituição da República Portuguesa pela Assembleia Constituinte, democraticamente eleita pelo povo português na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974, que a tornou possível.
Tal Tacto confere a esta data particular significado na história da democracia em Portugal, justificando que a Constituição seja devidamente saudada pela Assembleia da República, como referencial máximo da democracia política, económica, social e cultural, da modernização e desenvolvimento de Portugal.
Nestes termos, a Assembleia da República:
1 -Saúda o 15.º Aniversário da Constituição da República, manifestando o propósito de a defender, cumprir e fazer cumprir.
2 - Pronuncia-se pela adopção de iniciativas visando a condigna comemoração parlamentar dos 15 anos da Constituição democrática.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação deste voto.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca e Valente Fernandes.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vos falarei do «mostrengo» que vai ser a sala de visitas da nossa cultura e que até nem seria feio se tivesse sido construído na Tapada de Mafra. O «mostrengo» está certo e espelha o seu criador. A culpa é dos Jerónimos, que escapam ao fatalismo da nossa mediocridade!
Risos do PS.
Oiço dizer que ele ofusca os Jerónimos! É outra falsidade! O Mosteiro é que ofusca o paralelepípedo! O Mosteiro e a História, que não foi medíocre.
Debalde convoquei também a minha indignação contra o facto de o Governo, qual Fontes Pereira de Melo encharcado de anfetaminas, estar imprimindo velocidade supersónica e supercara às obras públicas que tem em fase de acabamento. O sobrecusto é apenas o preço da glória de poder inaugurá-las antes do próximo acto eleitoral.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - É, uma vez mais, o «derrame dos perfumes». O Governo confia, a justo título, que nem todos os eleitores saibam que qualquer governo faz obras desde que a CEE as pague e não faltem arquitectos e engenheiros.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Estou a ouvir Napoleão - sempre ele! - expedindo um recado aos seus legislas: «Acabem depressa esse Código Civil a que quero ligar o meu nome».
Recuso-me também a levar a sério a acusação de «leviandade» que o Sr. Primeiro-ministro fez aos que lhe criticam inércias e atrasos. Tem todo o direito de querer reflectir durante mais quatro anos sobre as conclusões do estudo da viabilidade do Alqueva que decidiu encomendar, depois de ter reflectido, por igual período, sobre a decisão da encomenda. Para elefante branco basta Sines, esse «paquiderme» nascido da anca dos levianos Salazar e Caetano.
Perdoareis, pois, que de nada disso cuide. Hoje as minhas preocupações são de outra ordem. E centram-se nas possíveis perversões, ou já consumadas, do nosso regime democrático.
A mais preocupante de todas elas há-de consistir nesta espécie de regime de assembleia virado do avesso, com o legislativo «sequestrado» pelo executivo: um subtil sequestro mental adormecedor da consciência cívica, que devia animar vontades dotadas de poder de decisão e que, bem ao contrário, estimula aquela espécie de indiferentismo resignado em que Garrett via o maior inimigo da liberdade.
Não julgo concretamente ninguém: «guerra aos factos, paz aos homens» é o lema que peço emprestado às Farpas. Mas coloco a mim próprio e aos meus colegas parlamentares estas perturbamos indagações: desde que nesta Casa impera uma maioria que age como longa manus do Executivo, tão dócil à sua vontade que abdicou da própria, temos sido um verdadeiro Parlamento democrático? Se, na conhecida definição de Sérgio, a democracia é, sob o ponto de vista político, «o regime em que os governos são fiscalizados pelos representantes da opinião pública», temos sido uma genuína democracia? As leis que são o produto final da vontade de uma maioria parlamentar, que reflecte a vontade de um partido, que traduz a vontade da sua direcção política, que espelha a vontade do seu líder, são ainda a expressão da vontade geral? A tudo presidindo um discurso político que desvaloriza a política, os partidos, o Parlamento e até o exercício do voto, além de uma prática política que secundariza a concertação social, a participação política e a busca de consensos, preside acaso a tudo uma ideologia ou sequer um pensamento democrático? Pode a democracia, sem deixar de sê-lo, confinar-se ao seu próprio ritual, tendo a retórica por vedeta?
Fiscalização do Governo pelo Parlamento vai para quatro anos que não há! De evidência em evidência, desembocou-se nessa explosão de mau humor autoritário que foi o fechamento, antes do termo, de um inquérito incómodo. Não está sequer, ao que parece, afastado o risco de uma reincidência ultrajante em face da sua repetição impósita.
Fiscalização da acção legislativa do Governo, pela via da ratificação dos seus decretos, deixou de haver! Sirva de exemplo esse aborto legislativo que foi a conversão por decreto do visto prévio do Tribunal de Contas em vício post. O prévio era incómodo, arredou-se a incomodidade.
Diálogo parlamentar no respeito das críticas e sugestões da oposição só nas precedentes legislaturas. Continuam a ouvir-se no hemiciclo as veemencias da diatribe ou os floreios do repique. O folclore parlamentar subsiste. Mas, na hora de votar, é proibido ter razão. Sirvam de exemplo as óbvias inconstitucionalidades, geradoras de graves distorções eleitorais, do Estatuto definitivo da Madeira, a que a maioria assegurou passaporte.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Debalde pregámos contra elas. O Presidente do Governo Regional linha acertado o voto da maioria com o Primeiro-Ministro. É típica dos regimes rebeldes ao ethos democrático a solução dos problemas «chefe a chefe».
O resultado é conhecido: uma inconstitucionalidade judicialmente declarada e, em consequência, engolida; um veto político e a alternativa desairosa de lhe engolir a causa ou de a Madeira continuar sem estatuto definitivo; um Presidente em risco de ficar sem as chaves da cidade do Funchal, face à alternativa arreliadora de ter de recorrer a um pé-de-cabra,...
Vozes do PS: - Uma vergonha!
O Orador: -... mais uns tantos desmandos verbais do «Grande Chefe Zulu», que, quando se irrita, não respeita o sagrado.
Aplausos do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.
De um poder de que, por perversão antidemocrática devem pessoal, não é de esperar mais do que um respeito relativo pelas garantias constitucionais e pelos direitos dos cidadãos. Sirva de exemplo a tentativa de açaimar uma suculenta fatia dos direitos à informação e ao acesso às fontes contida no projecto destinado a regular o segredo de Estado.
De um poder que, por fidelidade doutrinária, perfilha um modelo de desenvolvimento tecnocrático e fanático do crescimento, prisioneiro de performances que idolatram o «mais» em detrimento do «melhor» e não deixam ao indivíduo margem para destino diverso do que lhe oferece a ordem existente, não seriam de esperar mais altos voos do que a gestão corrente do dia que passa. Por isso, não há sinais de preocupação com a mediocriadade dos resultados obtidos em lermos de construção do futuro, nem de angústia em face das incógnitas deste fim de século.
Indisfarçáveis são, pelo contrário, as agressões do optimismo irresponsável do discurso oficial, impante de satisfação auto-sustentada. Sirva de exemplo a ausência de um verdadeiro debate sobre o projecto europeu ou sobre o esboço da aldeia planetária, com tudo o que isso tem a ver-já amanhã! - com o nosso destino colectivo ou o futuro de cada um de nós.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Que Europa e que mundo, exigidos pela crescente interdependência de tudo e de todos, eis o que constitui, avant la lettre, para os nossos responsáveis, o primeiro dos «segredos de Estado»!
Aparentemente, a actual maioria cavalga o poder, mas não o dirige. Deixa-se ir, tanto quanto possível, na cola de outros, que dirigem, com rédea curta, a respectiva cavalgadura. A esse respeito, vai findar um mandato perdido. Recebemos milhões para a reestruturação da nossa agricultura e aí está ela, fragilizada e em pânico, no temor da panela de ferro com que em breve terá de iniciar a viagem da concorrência. Recebemos milhões para a reestruturação da nossa indústria e aí está ela, sectorialmente exangue e globalmente impreparada para os desafios de uma competição desigual.
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3 DE ABRIL DE 1991 1905
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Dizem-me que a maioria desses milhões, por incapacidade de canalizá-los para a estruturação-reconversão da nossa malha industrial, vai viabilizar a instalação da Ford. Espero que o saldo custos/benefícios tenha sido criteriosamente apurado, pois não tenho razões para pensar que o que é bom para a Ford é bom para Portugal. Ainda assim, melhor será isso do que o desprazer de ler no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, sob a rubrica «Aplicação de programas a favor das pessoas mais necessitadas», que, em 1989, os países membros utilizaram as suas dotações entre 100 % (a Espanha, a Bélgica e a França, iodos países pobres...) e 16 % (a Dinamarca), tendo Portugal utilizado a «robusta» fatia de l %...
O Sr. José Lello (PS): - É um escândalo!
O Orador: - Ou deixámos de ter pessoas necessitadas ou necessitamos urgentemente de outro governo! Deixo aos Srs. Deputados este cruel dilema!
Aplausos do PS.
Não fora o Presidente da República o gigante de prestígio interno e internacional que é e já a esta hora estaria reduzido ao papel deslustrante de um corta-fitas.
Não resisto à preocupação de imaginar a convergência dos três poderes - o executivo, o legislativo e o presidencial - no basket do mesmo partido, sobretudo se configurado nos moldes monarquizantes da actual maioria. Lá se ia, mais do que já se foi, a garantia da separação dos poderes, situação que já a Declaração de Direitos de 1789 fazia equivaler à ausência de Constituição. Temos uma, e é bom que as coisas se não passem como se a não tivéssemos!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Acabámos de saudá-la a justo título e seria uma má maneira de homenageá-la se as coisas continuassem por este caminho.
Aplausos do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.
Assistiríamos, em devido tempo, a esse episódio lamentável e elucidativo, em que o Primeiro-Ministro tentou desvalorizar as eleições presidenciais para exaltar as legislativas - o Presidente do Governo Regional da Madeira foi mesmo ao ponto de vincular regionalmente o partido majoritário a uma campanha pela abstenção, sem que o respectivo líder lenha claramente condenado esse espasmo antidemocrático.
Mas onde este levou mais longe a justificação da suspeita da sua duvidosa democraticidade foi na espantosa e recente afirmação de que ou o povo dá de novo a maioria absoluta ao seu partido ou se recusa a formar governo! E mais: ou lha dá o povo ou não a aceita por interposto Freitas do Amaral. Ou a maioria absoluta do seu partido- que voltaria a poder comportar-se como se fora único - ou que governe a oposição! No fundo, é como se dissesse: só respeito a vontade popular se ela coincidir com a minha!
Aplausos do PS.
Esta atitude tem duas faces: numa delas inscreve-se a arrogância; na outra cunha-se o medo. A arrogância destina-se a obter o que deseja, o medo conduz à fuga a enfrentar o que receia, ou seja, governar com apoio crítico através de maiorias parlamentares circunstanciais e em situação de crise. Mesmo afastando o fantasma da recessão - segundo alguns já encomendada pelos demónios da conjuntura -, o ano de 1993 será, em plenitude, o primeiro do nosso futuro europeu.
O Primeiro-Ministro sabe até que ponto é tentador empurrar a oposição para a travessia de um «deserto», marcando novo encontro com o poder para o primeiro oásis, que bem pode ser a estação em que o carreirismo político faz agulha para uma candidatura presidencial.
Compreende-se, mesmo quando não se aceite: o Primeiro-Ministro tem tido tanta sorte e tem sido tão bem sucedido na estratégia de fazê-la passar por mérito próprio que tem medo de enfrentar dificuldades. «Um príncipe que depende exclusivamente da sorte, cai quando ela muda» - foi Maquiavel que o disse!
Aplausos do PS.
São assim muitos, e de igual sentido, os sinais denunciadores de que o Primeiro-Ministro digere mal o cozinhado democrático. Reconhecido isto ao fim do seu primeiro mandato, é justificável o receio de um segundo.
É pena que um partido tão importante para a democracia, uma maioria parlamentar tão decisiva para a feitura das leis e um Governo tão preponderante na vida de todos nós se reconduzam à vontade de um só homem e esse homem não seja um paradigma de amor à liberdade e um modelo de virtudes democráticas.
Vozes do PS: - Muito bem!
Vozes do PSD: - Muito mal!
O Orador: - Srs. Deputados da maioria: nada a fazer se não derrotar-vos!
Aplausos do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Mário Montalvão Machado, Fernando Cardoso Ferreira, José Silva Marques e José Pacheco Pereira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, de onde em onde, de quando em quando, a direcção do seu grupo parlamentar solicita-lhe que venha à ribalta fazer como que uma espécie de resumo, de pensamento, do que ficou para trás - infelizmente, nunca nada daquilo que está para a frente...
V. Ex.ª falou aqui em termos que não serão talvez os mais próprios de uma intervenção parlamentar. Com efeito, falou em «mostrengos», em «paquidermes», em «cavalgaduras»...
Risos do PS.
É verdade! As expressões são do Sr. Deputado Almeida Santos, que as proferiu sem olhar para dentro do seu próprio partido, sem olhar para a própria cavalariça!
Aplausos do PSD e protestos do PS.
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1906 I SÉRIE -NÚMERO 59
O Sr. Ademar Carvalho (PS): Foi muito infeliz agora, Sr. Deputado!
O Orador: - Se fui só agora, sinto-me muito contente, Sr. Deputado! É que, normalmente, V. Ex.ª é sempre!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, apenas queria dizer-lhe que me chocou a circunstância de V. Ex.ª ter referido que este Parlamento se encontrava em sequestro e, mais do que isso, que esta Assembleia da República estava como que em regime antidemocrático. É que tal significa - suponho - que V. Ex.ª não aceitará nunca que qualquer partido político possa ter uma maioria nesta Assembleia da República, significando também que de maneira nenhuma aceitará que qualquer partido político que tenha aqui um grupo parlamentar maioritário possa, democraticamente, fazer valer a sua maioria perante as minorias.
O Sr. Raul Rego (PS): - Não devem abafar os inquéritos!
O Orador: - Sr. Deputado Raul Rego, eu já estaria à espera que V. Ex.ª tivesse daí a sua diatribe do costume.
Nós não costumamos abafar nada! Onde se abafa alguma coisa, Sr. Deputado, é dentro do seu partido e V. Ex.ª sabe-o muito bem!
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado Almeida Santos, gostaria apenas que V. Ex.ª me especificasse, em concreto e segundo as regras democráticas que compreende melhor do que eu - porque V. Ex.º também é um democrata - , onde está a falta de democraticidade e o sequestro desta Assembleia da República.
V. Ex.ª terminou a sua declaração política dizendo que havia um homem que impunha a sua vontade única dentro desta Casa. Contudo, queria dizer a V. Ex.ª que esse homem único, que, como referiu - se não referiu, deu-o a entender - , se chama Prof. Cavaco Silva, não receia, de maneira nenhuma, e seja com quem for, quaisquer confrontos de democraticidade!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Almeida Santos está a fazer sinal à Mesa, presumo que para responder individualmente...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Só neste caso, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado. É que individualmente levaria muito mais tempo.
Para responder, tem então a palavra, Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, é uma homenagem que se deve a um líder parlamentar e a um amigo, apesar de tudo...
Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, quem me chocou foi o meu amigo. É que ou não entendeu o que eu disse - o que por vezes, quando se ouve mal, acontece - ou, então, deturpou o que eu disse, e não quero acreditar que o tenha feito intencionalmente!
Bem, lá falar em «mostrengo»... Pois o que é que havemos de dizer daquilo que é, de facto, um mostrengo? Não vejo outra solução... E ter-lhe chamado mostrengo, que está à beira-mar, por similitude com o outro, do Fernando Pessoa, que está no fundo do mar, já não foi muito mau!...
Quanto ao «paquiderme», necessariamente que estava na sequência da frase, pelo que não creio que seja ofensivo para ninguém, assim como não creio que o seja «cavalgadura», já que esta expressão se refere ao cavalo do poder. Na verdade, depois de referir o cavalo do poder que outros conduzem com mão fume, disse que nós vamos na onda, que nos deixamos ir sem rédea firme. Ora, isto não ofende ninguém, nem literária, nem psicológica, nem politicamente.
No entanto, o que ofende qualquer pessoa, seja ela quem for, é a referência à nossa «cavalariça»! Não temos nenhuma cavalariça, porque não temos cavalos! E, Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, felizmente que os senhores também a não têm! Porém, acontece que algumas das suas afirmações, nomeadamente esta, poderiam sugerir o contrário e lamento que tenha sido assim!
Aplausos do PS.
Por outro lado, é verdade que falei no «sequestro». No entanto, referia-me a um sequestro subtil, psicológico, de manietação de vontades. E quanto a isso não retiro uma única palavra do que disse!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Os senhores são mentalmente sequestrados e a prova disso é que há quatro "anos que não têm vontade própria!
Aplausos do PS e protestos do PSD.
Não cheguei à afirmação de que há, nesta Assembleia, um regime antidemocrático. O que fiz foi chamar a atenção para as perversões antidemocráticas que se verificam neste regime, particularmente nesta Casa, e acho que os senhores tinham a obrigação, como verdadeiros democratas que têm o dever de ser, de ter pensado mais a sério naquilo que eu disse e de não terem «enfiado a carapuça», porque foi o que fizeram!
A minha maior preocupação surgiu depois de ter ouvido o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, pois a pior de todas as perversões democráticas é a resignação e os senhores estão resignados!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Essa é que eu não esperava! Esperava que um belo dia os senhores se pudessem rebelar! E se alguma vez o meu partido obtiver a maioria absoluta neste Parlamento, se tender para iguais perversões e se eu parecer resignado, peço-vos o favor de me avisarem para que eu me rebele!
Aplausos do PS.
Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, é claro que as maiorias absolutas são democráticas... O que pode não ser democrático é o uso que se faz delas...!
Vozes do PS: - Muito bem!
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3 DE ABRIL DE 1991 1907
O Orador: - O seu partido tem o direito de pedir e de tentar lutar pela maioria absoluta. O meu também a pediu e vai lutar por ela. O problema é o uso que se faz dessa maioria absoluta e esse uso é que pode não ser democrático!
Vozes do PS: - Muito bem!
Vozes do PSD: - Muito mal!
O Orador: - É que nesta Assembleia (e também fora dela) - eu disse em quê e porquê - tem havido uma prática que justifica as maiores reservas e apreensões para o espírito de um verdadeiro democrata. Se os senhores são insensíveis a isso, lamento-o!...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -Já agora, queria dizer que me recuso a comentar essa referência, que não percebi bem, de que quem abafa alguma coisa é o meu próprio partido. Com efeito, Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, se é aquilo que parece, trata-se de uma referência tão infeliz que de modo algum desposa a personalidade do meu amigo Mário Montalvão Machado, pelo que, portanto, me recuso a comentá-la.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - É melhor, é melhor...
O Orador: - Se o Sr. Primeiro-Ministro é tão democrata que não receia confrontos, por que é que ele não aceita os confrontos que lhe são propostos cada vez que o convidamos a vir à Assembleia ou à televisão?...
Aplausos do PS, do deputado do CDS, Narana Coissoró e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.
E por que é que ele prefere o solilóquio na televisão, onde ninguém o rebate e tem sempre as palmas daquele grupo de pessoas que o rodeia? Também isso não é de um verdadeiro democrata!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Agora, se alguma coisa está certa, ela é clara, é óbvia para o meu espírito: é que o Prof. Cavaco Silva não é um antidemocrata - ainda lá não chegou. Porém, num segundo mandato com maioria absoluta, seriam justificáveis os receios de que lá chegasse!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira.
O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, esta foi uma declaração política com pré-aviso. V. Ex.ª tem esta missão de vir aqui, periodicamente, fazer o elenco das críticas que o seu partido faz ao longo de meses, tarefa, aliás, extremamente facilitada. Na realidade, tais críticas são tão pouco consistentes que V. Ex.ª consegue fazer aqui o respectivo resumo em 10 minutos! No entanto, foi uma declaração com pré-aviso porque já tínhamos lido tudo isto, no passado fim-de-semana, num semanário de que não vou citar o nome para não lhe fazer publicidade. V. Ex.ª recheou a sua prosa, ainda que sob a forma de metáforas, com algumas grosserias, provavelmente ao gosto de outros auditores.
Sr. Deputado, ouvimo-lo sempre com grande atenção, pelo respeito e consideração que nos merece;...
O Sr. José Lello (PS): - E fazem bem! Aprendem alguma coisa!
O Orador: -... no entanto - deixe-me dizer-lhe -, esse respeito e consideração que granjeou não lhe dão o direito de vir aqui, ainda que metaforicamente, insultar o Primeiro-Ministro, o Governo, o meu partido e o meu grupo parlamentar!
Aplausos do PSD.
V. Ex.ª não pode utilizar esse estatuto de privilégio merecido para vir aqui, de uma forma literária extremamente habilidosa, dizer coisas que outros mais desajeitados dizem de uma forma claramente insultuosa!
O Sr. Deputado veio fazer aqui o elenco das questões que o seu partido, que o seu candidato a primeiro-ministro, que a sua bancada entendem ser as que devem formular. Porém, Sr. Deputado, será esta a mesma convicção com que fez aqui tantas outras declarações brilhantes, com as quais poderíamos ter discordado - e fizemo-lo -, mas em que sentia alguma convicção? Não será este já um regulem pelo PS relativamente às próximas eleições? Não será já um certo sentir, por parte da sua bancada, de que não há capacidade, resposta ou alternativa políticas a este governo?
Aplausos do PSD.
A crença, o crer, aquilo em que se acredita não pode, de maneira nenhuma, ser escondido pela forma literária, ainda que hábil. Quando olhamos para alguém como o Sr. Deputado e o ouvimos ler, com essa falta de convicção - desculpe que lho diga-, um conjunto de críticas moles, rápida e facilmente amontoadas, chegamos à conclusão de que o PS já sabe quem irá ser o grande vencedor das eleições de Outubro e que esse grande vencedor será o povo português, porque o Partido Social-Democrata vai obter novamente a maioria absoluta.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:-Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, com toda a franqueza, devo dizer-lhe que a sua intervenção não revelou nem rigor intelectual nem teórico e, pior do que isso, a meu ver, revelou um cinismo deletério, que -repito, com toda a franqueza - roça o imoral e me choca profundamente.
Sr. Deputado, em relação à história do «mostrengo», sempre lhe digo que, por coincidência ou não, ainda no último fim-de-semana tive oportunidade de ler várias páginas preenchidas pelas opiniões de vários dos mais ilustres arquitectos portugueses e que nenhum deles admitia a existência do «mostrengo». Aliás, é bom que se diga que alguns discordavam em relação a alguns aspectos da obra, mas nenhum se referia a ela dessa maneira, ou seja, nenhum a considerava como «mostrengo», o que significa que o Sr. Deputado, talvez influenciado -pois, pelos vistos, no seio do seu partido há também influências que
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vos colocam em posições de passividade mimética - pelos discursos semanais, a que já estamos habituados por pane do Sr. Deputado António Barreto, veio também agora com essa ideia do «mostrengo». Mas veio em má altura, Sr. Deputado, porque, entretanto, tivemos a oportunidade - e não foi encomendada, pelo menos pela minha parte - de ouvir vários arquitectos que se pronunciaram sobre o «mostrengo» e concluímos que não há «mostrengo»!
O que há, isso sim, Srs. Deputados Almeida Santos, António Barreto, etc., é uma grande preocupação da vossa parte relativamente às obras que o Governo empreendeu e desenvolveu com um ritmo acelerado. Os senhores estão preocupados pelo facto de algumas das obras, agora em fase de execução, estarem concluídas antes das eleições. Se eu quisesse ser tão cínico como o Sr. Deputado Almeida Santos, então diria: ainda bem que há eleições para acelerar as obras, porque, no fundo, o que importa é que as obras se façam e que o País beneficie delas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, não sei se os senhores estavam no Governo ao tempo da fundação da Nacionalidade, dos Descobrimentos, da construção do Mosteiro da Batalha ou do Mosteiro dos Jerónimos. Não deviam de estar, porque se estivessem, então, essas obras não existiam!
Aplausos do PSD.
Se estavam, então era porque, nesse tempo, não se faziam eleições e, por isso, não tinham o acicate para levar por diante os grandes empreendimentos nacionais.
Risos do PSD.
Mas, Sr. Deputado, já ouvimos tantas vezes falar do «mostrengo» que, se me permite, vou passar à análise de outros aspectos que, no fundo, em meu entender, são ainda mais chocantes, porque põem à evidencia o «cinismo» do seu discurso político - assim o classifico com o fundamento que lhe apresento sumariamente, até para encurtar razões.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Então o Sr. Deputado critica a actual maioria ou o actual líder da maioria só pelo facto de apelar a que o povo português mantenha uma maioria absoluta, que é uma condição fundamental de um governo de continuidade, quando foi o senhor o próprio a lançar o slogan «PS só»? Então o Sr. Deputado faz agora essa crítica, quando foram os senhores que fizeram o primeiro apelo com a mesma raiz política? E devo dizer que tinha um sentido positivo, mas o País não respondeu positivamente ao vosso apelo, porque os socialistas não lhe mereceriam credibilidade. No entanto, o sentido estruturante do vosso apelo estava certo.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Vem, então, agora, o Sr. Deputado, que é o autor do slogan «PS só», criticar o líder do meu partido de fazer um apelo no mesmo sentido, só com a diferença de ser um apelo que encontra eco? Então, Sr. Deputado, estamos ou no domínio do cinismo ou, se quiser, no do ciúme, no da frustração insuportável?
Sr. Presidente, para terminar, gostaria ainda de referir-me a um segundo aspecto do cinismo, pois penso que os Srs. Deputados socialistas, por certo, toleram este excesso de tempo, até porque não recusarão ouvir, de forma clara, as evidências da posição que agora assumem, e que eu classifico de cinismo deletério, que é a expressão daqueles que não têm qualquer esperança positiva relativamente à governação de Portugal.
Então o Sr. Deputado considera que nós somos submissos ao líder só pelo facto de o apoiarmos? Então o que é o Sr. Deputado se não um submisso da minoria, uma vez que nunca o ouvi opor-se ao seu líder legítimo, o Dr. Jorge Sampaio? Quantas vezes o senhor, aí, votou contra? Quantas vezes se opôs à posição do seu grupo parlamentar?
Finalmente, o Sr. Deputado fez-nos um apelo: toquem o alarme quando eu revelar aspectos de adormecimento e passividade! Pois, aí tem o meu alarme: Sr. Deputado, V. Ex.ª está resignado, adormecido! Ainda não o ouvi opor-se ao líder do seu partido. Faça isso e então poderá começar uma nova prelecção pedagógica!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: -Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado José Pacheco Pereira.
O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, em minha opinião, a intervenção que V. Ex.ª produziu, há pouco, foi das «peças» mais tristes e resignadas que já se fizeram ouvir nesta legislatura. Trata-se de uma intervenção que revela impotência política e, essencialmente, impotência sobre o futuro. Ela mostra mais aquilo que o Sr. Deputado não acredita do que aquilo que acredita que vai acontecer. É uma intervenção que traduz falta de esperança e tristeza em face do quotidiano do seu partido.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E é uma intervenção que não nos afronta por várias razões, a primeira das quais resulta do facto de termos uma posição clara de respeito pela vontade do eleitorado quanto às próximas eleições, que vão realizar-se em Outubro de 1991. Governamos em condições que reconhecemos terem sido as ideais, pela primeira vez desde 1974. Mais: foram ideais não porque tivesse havido qualquer subversão da democracia mas porque houve uma subversão do sistema eleitoral, essa sim, feita pelo povo português, que desejou, contra o sistema eleitoral, ter um governo de maioria e permitiu ao PSD governar em condições que qualquer governo normalmente deveria exigir e querer - aliás, como o Sr. Deputado já exigiu e quis em 1985.
Se houve subversão foi essa e é bem-vinda, pois introduziu uma correcção necessária no nosso sistema político. De resto, em Outubro de 1991, vamos pedir ao povo português que nos dê, de novo, uma maioria para governar. É um pedido legítimo, que, essencialmente, revela respeito e humildade perante a decisão de quem manda em nós: o eleitorado! Sobre este aspecto não temos lições de democracia a receber. É esta a posição que vamos adoptar em Outubro de 1991.
O que não lemos é uma posição sobre o que vamos pedir ao eleitorado às segundas, quartas e sextas-feiras e outra às terças e quintas-feiras e sábados. Ou seja: não
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pedimos uma maioria absoluta às segundas, quartas e sextas-feiras e às terças e quintas-feiras e sábados criticamos as maiorias absolutas. O Sr. Deputado, como fez um discurso na terça-feira, criticou as maiorias absolutas.
as, acima de tudo, vemos como um risco para o nosso sistema democrático as teorias abstrusas sobre o conceito do que é governar defendido pelo Partido Socialista, completamente dominado por uma lógica de oposição, por um reducionismo a uma mera oposição, situação que o próprio Partido Socialista devia pensar como sendo circunstancial e temporária, o que não faz, pois pensa-a como definitiva. Mais: torna estruturante do seu pensamento político as teses abstrusas de que se pode governar o País por acordos pontuais na Assembleia - essa coisa ridícula que o Dr. Jorge Sampaio defendeu na entrevista dada ao semanário Expresso, ao dizer que se pode governar um país vindo todos os dias um mensageiro do Conselho de Ministros trazer as leis para negociar com os diferentes grupos parlamentares -, o que é não compreender como se governa, em nenhuma circunstância, pois nem sequer é uma perversão de parlamentarismo; é uma completa dominação por aquilo que deveria ser uma circunstância temporal que é um pensamento de oposição. E as suas teses sobre a rebelião do grupo parlamentar do PSD são a mesma coisa, Sr. Deputado!
De facto, nós, PSD, temos um compromisso, nós votámos o programa do Governo. Assim, o que o Governo está a fazer é da nossa responsabilidade. Fomos eleitos pelo eleitorado em face de um determinado programa e a nossa responsabilidade perante esse programa deve colocar as rebeliões subjectivas num plano próprio, que, sem dúvida, respeitamos, mas que deve ser secundário em relação ao compromisso que temos com o eleitorado. Não sentimos, por isso, que haja aí qualquer limitação de vontade, pelo que faço um apelo ao Partido Socialista para que tenha um pensamento de governo -porque nós precisamos de partidos políticos com pensamento de governo - e que não se deixe dominar por essa tristeza e desesperança profunda de pensar que vai estar na oposição até ao próximo século.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Srs. Deputados da maioria, não esperava -já sou velho demais para isso - que os senhores chegassem aqui e dissessem: «Reconheço que tem razão; na verdade, abdicámos de ter vontade própria, fazemos o que o nosso chefe manda, regressámos ao culto do chefe, estamos cheios de complexos de culpa...» Não esperava que os senhores fizessem isto!... Mas, de facto, a vivacidade com que colocaram as várias questões, só me confirma que, na verdade, toquei na mouche.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Rebele-se, Sr. Deputado! Rebele-se!
O Orador: - Ah, toquei na mouche!
O Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira disse que eu fiz uma espécie de revisão da matéria dada e que, por isso, tive a minha tarefa facilitada, e ainda que fiz um resumo em 10 minutos. Sr. Deputado, numa frase faço o resumo de um regime antidemocrático. Não são precisos 10 minutos para fazer um resumo quando a democracia está em risco. Pelo contrário, quanto mais claras forem as perversões do sistema democrático, em menos palavras se podem caracterizar essas perversões!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, falou também em algumas grosserias. Bem, não costumo ser grosseiro, costumo ser firme e mais uma vez fui firme e ninguém espere de mim a hipocrisia de reservas mentais, pois não uso esse tipo de hipocrisia. O que tenho a dizer, digo, de maneira muito correcta, e como viu, o que fizeram foi deturpar algumas das referências do meu discurso no aspecto literário.
Se eu quisesse poderia ter tentado magoar-vos, mas não tentei. Disse mesmo que não fazia ataques a ninguém. Não falei nas vossas multas, meu Deus! Não falei na «carta de renúncia, sem data»; não falei nisso, de que podia falar, e que, de facto, coloca problemas de personalidade da parte de quem sem resistência aceita coisas dessas.
Aplausos do PS.
Não fiz nada disso!
Portanto, desculpará que lhe diga, mas não fui grosseiro e não insultei ninguém.
De facto, o debate parlamentar inclui alguma vivacidade e eu serei a última pessoa a formalizar-me por isso. Todas as vezes que os senhores entenderem que devem dizer, daquilo que eu digo, coisas desagradáveis de ouvir não me verão formalizado por isso, pois entendo que têm o direito de dizer o que disserem e outras coisas mais. Mas responsabilizam-se pela maneira como se defendem e aí é que vão desculpar-me mas devo dizer-lhes que me decepcionaram porque havia outras maneiras de encarar este problema. Talvez os Srs. Deputados do PSD pudessem preocupar-se em dizer assim: «As suas perguntas nós respondemos assim: há, de facto, uma genuína democracia parlamentar nesta Casa, nós somos independentes, votamos como queremos...»
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Estamos à espera dos comentários!
O Orador: - Eu não o interrompi, Sr. Deputado! Ouvi-o com toda a paciência e em silêncio, pelo que o senhor tem também de ouvir-me em silêncio.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Não estou a interrompê-lo, Sr. Deputado!
O Orador: - Depois, dizem que eu não tenho a mesma convicção já demonstrada em outras intervenções. A este propósito, devo dizer-lhe - aliás, o senhor referiu isto mesmo - que as minhas intervenções são sempre boas com excepção da última, pois essa é sempre má. Mas, enfim, fica a parte das anteriores!...
Risos do PS.
Falou ainda em falta de convicção democrática da minha parte. Então, no momento em que eu reajo exactamente em defesa da democracia, contra as perversões do regime democrático, é que o senhor vem pôr em causa a minha convicção democrática? Ponha em causa a sua, que está mesmo em causa, porque é mesmo disso que se trata!
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1910 I SÉRIE -NÚMERO 59
Agora virar contra mim, neste preciso momento, a falta de convicção democrática, quando estou aqui a fazer a defesa da democracia, que entendo que devo fazer e que fiz?! Bom, isso de maneira nenhuma!
O Sr. José Cardoso Ferreira (PSD): -Eu não disse isso, Sr. Deputado!
O Orador: - Depois diz que fiz críticas moles. Então, afinal de contas, são moles ou duras? Elas doeram-vos e são moles? Então, quando é que uma crítica mole dói tanto como parece que vos doeram estas que fiz?
Bom, de qualquer modo, diz que já sabemos que os senhores vão ter outra vez a maioria absoluta. Eu não sei isso! Sinceramente não sei! O senhor está a insultar o povo português. Penso que se para alguma coisa valem as sondagens é para haver mais alguma prudência nessa expectativa.
O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - A melhor sondagem é a que os senhores revelam!
O Orador: - Enfim, eu nem sequer invoco sondagens, que entendo que valem o que valem, mas agora, neste momento, os senhores estarem a dizer que vão ler com toda a segurança a maioria absoluta é mais uma manifestação de arrogância que já copiaram do vosso chefe.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado José Silva Marques, normalmente, eu era aqui acusado de ser irónico; hoje, fui, pela primeira vez, acusado de ser cínico.
O Sr. José Silva Marques (PSD):É um grau acima, Sr. Deputado!
O Orador: - Não creio que seja cinismo aquilo que eu disse, pois até penso que fui muito frontal e que não havia maneira mais frontal, dentro da correcção, de fazer-vos as perguntas que tinha a fazer - e elas continuam sem resposta, não só no vosso discurso como, tenho a certeza, continuarão sem resposta no vosso comportamento!
Dizem ainda que os arquitectos estão satisfeitos com o «mostrcngo». Mas que me importa a mim que os arquitectos estejam satisfeitos?... Normalmente, as mães e os pais acham bonitos os filhos feios!
O que é que me interessa a opinião dos arquitectos? Então, eu não tenho opinião sobre o «mostrengo»?! Não tenho opinião sobre o Mosteiro dos Jerónimos?! Pensam que, na verdade, tenho de achar que vocês, os arquitectos, colocaram bem aquela monstruosidade que está ali?! É isso que os senhores querem que eu conclua?! Os senhores não conseguem isso comigo nem conseguem isso com o povo português. Não tem defesa, é «mostrengo» mesmo e a palavra mostrengo ainda é bastante amável.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, depois diz que estamos invejosos das obras do Governo!...
Srs. Deputados, devo dizer-lhes que para fazer obras públicas quando há dinheiro, arquitectos, empreiteiros e engenheiros, a única coisa necessária é o «despacho». É a glória do despacho,...
Risos do PS. ... que, na verdade, não gasta assim tanta tinta!...
De qualquer modo, o que é preciso é ver que obras... Que obras?! São obras de fachada ou são obras úteis? E, depois, durante quanto tempo se fazem essas obras e com que custos são elas feitas?
Vocês não puderam desmentir que as obras, inclusivamente as do «mostrengo», começaram por custar 6 milhões de contos, e que já vão em 40 milhões de contos - aliás, há-de custar mais do que isso, pois as estradas estão a ser feitas de noite para que se possam inaugurar antes do próximo acto eleitoral!... Quer dizer, estes aspectos não interessam nada à democracia, isto é, obra de fachada em primeiro lugar -ainda por cima, feia e errada e mal situada; em segundo lugar, obras feitas com preocupação eleitoralista para inauguração antes das eleições- custando duas ou três vezes mais aquilo que deviam custar!... Em nossa opinião, tudo isto é «plenamente democrático», não é merecedor de crítica, é apenas objecto da nossa inveja!... Bom..., se os senhores não vêem na nossa crítica mais do que «inveja», na verdade, têm de ir ao oftalmologista!...
Vozes do PS: - Muito bem! Risos do PSD.
O Orador: - Sr. Deputado José Silva Marques, depois gosto de ouvir as sua intervenções «chocarreiras» e, nesse aspecto, não me chocam. Elas são «chocarreiras» e, para lhe ser franco, não me chocam. E mais uma vez o Sr. Deputado foi «chocarreiro», mas também não foi tão talentoso como costuma ser... No fundo, o Sr. Deputado estava lá com um problema de consciência e diria: «Este 'malandro' tem alguma razão e estou, de facto, sequestrado do pleno domínio da minha vontade!...»
Aplausos e risos do PS.
O Orador: - Depois não sei onde é que o Sr. Deputado descobriu que fui eu o autor do slogan «PS só»!... Bem!... O Sr. Deputado lá deve ter inventado isso, mas acredite que não é verdade. Não fui o inventor dessa política. Agora o que dizemos - e não confunda - é o seguinte: apelar à maioria absoluta é um direito de todos os partidos, sobretudo daqueles que têm algumas chances de consegui-la. O que não é direito de qualquer partido é recusar-se a governar se tiver ganho as eleições e não tiver a maioria absoluta.
Aplausos do PS e do deputado do CDS, Basílio Horta.
Se assim fosse o Primeiro-Ministro Michel Roccard não estaria a governar em França... e a Itália se, desde a guerra tivesse tomado a atitude que tomou o vosso Primeiro-Ministro, não tinha tido um só governo!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, os senhores não desmentiram isto, que é óbvio: é que o Primeiro-ministro quando diz isto é para fugir às incomodidades que vêm aí, ou seja, às que resultam de governar no após-governo.
Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Depois, Sr. Deputado, fala na minha «submissão» ao meu líder partidário!... Sr. Deputado, não sou submisso ao meu líder partidário! Pelo contrario, o
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meu líder partidário sabe ouvir-me, sabe respeitar as minhas vontades, segue muitas vezes as minhas opiniões e não vejo que isso mesmo aconteça do vosso lado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Connosco acontece o mesmo!
O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Só se for em privado!
O Orador: - Em privado pouca relevância tem, porque o que interessa são exactamente os aspectos ostensivos da democracia que contam e não os aspectos secretos da democracia - os vossos «segredos de Estado» não me interessam!
O Sr. Deputado José Pacheco Pereira fala na peça mais triste e mais resignada. Sr. Deputado, triste é! O Sr. Deputado tem toda a razão!... Inclusivamente, nunca o Sr. Deputado teve tanta razão!...
Risos do PS.
E a minha tristeza são os senhores que a provocam!... Resignação?! Só se for a vossa, inclusivamente já falei nela. Minha não será, pois se venho aqui fazer um protesto como é que estou resignado? Queria é que os senhores protestassem, mas não o fazem!...
O Sr. Deputado queria que eu fizesse ali um discurso ao Sr. Primeiro-Ministro a dizer assim: Sr. Primeiro--Ministro, V. Ex.1 não pode dizer o que diz; não pode atacar a Assembleia da República; não pode ser autoritário; não pode fazer eleitoralismo, não pode, na véspera das eleições, mostrar totalmente o seu discurso político?!...» Porque há aqui uma tese académica a fazer - inclusivamente, recomendo aos senhores professores universitários que, porventura, a sugiram aos seus alunos - e que é a de saber por que desvios psicológicos na véspera das eleições os políticos se tornam amáveis quando antes eram de má catadura; se tornam democratas quando antes eram autoritários; se tomam mexidos quando antes eram lentos. É que de repente aparecem coisas com que a gente fica espantada: a objecção de consciência ganha uma cotação inusitada, a regionalização ganha uma cotação inusitada, etc.
Aplausos do PS.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador:-Tudo na verdade se modifica!... Deve haver aqui um fenómeno psicológico que terá a ver com a demagogia, mas também é capaz de ter a ver com honestidade intelectual e com vergonha!...
Aplausos do PS.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, termine se faz favor.
O Orador: - O Sr. Presidente já me «puxou as orelhas» e não quero beneficiar de qualquer espécie de privilégio. Portanto, ficava nesta, que é boa. Fiquem a meditar nela!...
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputados: Há efemérides que passam depressa no rio subterrâneo do esquecimento. Outras, não raro anódinas, são empolgadas pelo circunstancialismo do Poder, revestindo-se de rituais e alocuções grotescas. Sobram, porém, aquelas que o afecto do País escolhe como referências de dignidade colectiva indeclinável. Entre elas, a que hoje ocorre, celebrando novo aniversário da Constituição da República, nascida sob os auspícios da Revolução de 1974 e para um destino de inconformismos realizadores que se viu gradativamente constrangido mas não arredado e muito menos invertido de sinal. Apesar das vicissitudes das duas revisões a que foi sujeita, em especial a última - assente num acordo contra natura entre protagonistas cujos percursos não deveriam confundir-se tanto -, a lei fundamental subsiste, raiz plurívoca do que somos, seiva e sombra acolhedora, matriz de um sistema político idóneo e de uma tecidura de direitos fundamentais que persevera em emergir como singularmente avançada entre as congéneres.
Não renunciamos aos pretéritos juízos críticos quanto às vias prosseguidas para alteração de uma notável malha normativa originária. Tal como no passado, afirmamos, todavia - e, nas actuais condições dá vida nacional, com redobrada justeza- que, não obstante as desfigurações, os compromissos que propiciaram, por exemplo, a degradação das empresas públicas e a consequente premissividade a compressões das prerrogativas dos trabalhadores, a Constituição é obra perdurável que cumpriu e urge cumprir, revigorar, assumir nas impulsões de progresso que contém e irradia. Ao contrário dos que sonham, a partir dos cadeirões do mando crescentemente arbitrário, uma terceira forma pessimizadora, o PCP proclama a necessidade do seu estrito respeito e da sua patriótica potenciação.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Vale a pena lembrar o episódio desonroso do projecto de lei do segredo de Estado, gizado nos gabinetes do Ministério da Justiça, e o imenso que sobrevive irrealizado para que a posição por nós defendida se tome irretorquível.
Evocamos, pois, os 15 anos de um feito memorável! Mas com este conteúdo vigoroso e insubmisso. O mesmo com que, de seguida, nos pronunciaremos sobre a acção da Secretaria de Estado da Cultura, justo alvo de contestação e desprimorosos comentários, departamento governamental de descalabro, a um tempo imagem e espelho de uma política que, erigindo a atritividade e o programa de fachada em regra, denuncia os objectivos e a incompetência do cavaquismo como poucas. A caracterização far-se-á à medida dos factos e observações a expor, num rol transversal e apenas selectivo.
Os Portugueses estão, decerto, recordados do insucesso da surtida eborense do Sr. Primeiro-Ministro e outros membros da equipa que dirige ao Teatro de Gracia de Resende.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Bem lembrado!
O Orador: - Como se compreende, questionarão os iludidos forasteiros que, depois de tantas benesses a um punhado de favoritos, anúncios propagandísticos na TV,
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inflamadas alusões a um diálogo (que não existe além da epiderme de estratégias pseudo-astutas), haja quem ponha de véus por terra a nudez de uma conduta que se pretendeu o traço de ruptura com o passado e a expressão de uma desconhecida vocação de grandes ousadias? A resposta é, no entanto, simples: os critérios de subsidiação do teatro independente - que quase menosprezaram posições unânimes da subcomissão própria que opera nesta Casa - revelam-se claramente desajustados, discriminatórios e até nepotísticos; os magros aumentos de verbas destinados às companhias quedam-se aquém dos mínimos exigíveis, por contraposição às que se gastam em projectos infecundos, ostentatórios, incapazes de se reproduzirem em actividades duráveis; frustram-se os apoios, em termos de instrumentos elementares de trabalho, aos encenadores, actores, dramaturgos e demais agentes do espectáculo teatral; uma opção pela prebenda ocasional e pelos prémios em quadras de conveniência política é antagónica das exigências quotidianas de uma intervenção em que urge viabilizar a livre criatividade. Os aplausos veementes, na cidade de Évora, às acusações dirigidas à SEC foram, na realidade, uma longa pateada dos Portugueses aos procedimentos de uma política sistemática e implacavelmente dirigida contra a cultura, sejam quais sejam as figurações -um tanto risíveis - em que se traveste.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E boa parte dos concidadãos (eleitores ou absentistas) ignora as dimensões da crise: a prática do secretismo por mil modos iníquos principiou antes do ensaio, no hemiciclo, da lei-ostra que o PSD não fará vingar.
Um exemplo de extrema gravidade. O IPPC celebrou, em Janeiro, um acordo com uma empresa de artes gráficas, sem prévio concurso público, que se traduz, basicamente, no seguinte: a entidade comercial privada procederá à divulgação do património mediante publicações sobre a história dos palácios e mosteiros, as quais servirão de roteiro aos nacionais e estrangeiros que os visitam. A tipografia - que deterá os direitos de propriedade das obras - não depara com quaisquer limites de acesso gratuito a gravuras, fotografias, arquivos e documentação sob custódia do Instituto, constituindo-se na obrigação de colocar as edições nos seus postos de venda com a contrapartida de 30 % do preço de capa. Ou seja, Sr. Presidente, Sr. Deputados: funcionando como distribuidora, a rede orgânica do IPPC percebe apenas o correndo desconto de livreiro... Que dirão de tal mostruário de obscurídades e proteccionismos os editores? Como pode, numa administração submetida a regras de legalidade e transparência, lavrar-se pactos leoninos como este sem que ninguém seja cominado com as sanções, de diversa índole, que se justificam? Como replicarão os senhores parlamentares que suportam o Governo ao escândalo, sabendo - tendo obrigação de saber! - que, ao investigador que necessita da reprodução de um espécime, de entre os mencionados, se ergue um calvário de entraves e a espada impenitente de uma taxa?
Não é esta, decerto, a forma escorreita e sensata de o IPPC lutar contra o desmantelamento que o ameaça, se mantém em curso e recobre de erros, intrigas, abandonos e casos quase de polícia. Reduzido à tutela do património edificado, com largo espectro de inércias e desprestígio, e, por enquanto, da arqueologia, esfera assolada por um vendaval de medidas incompreensíveis (como o encerramento das estruturas regionalizadas e descentralizadas), viu-se esvaziado de competências e em prolongada véspera de inanição. Após o fim do Departamento de Etnologia, com a estação de um ente paralelo, após a autonomização dos arquivos e bibliotecas, após a Lei Orgânica que retomou esqueletos funcionais obsoletos e fragmentou os serviços, o IPPC vive a indefinição e a penúria, o desacerto e a experimentação de gestões desastrosas, o silenciamento e o pesadelo. À dinâmica de fundo substitui-se o casuísmo sem norte, à qualificação técnica a impreparação arrogante de comissários em lugares de chefia, à anomia decisória a proliferação de minúsculos mandarins. E tudo isto, claro, na moldura de um orçamento garroteante que gerou absurdos como o de Agosto de 1990: não havia um tostão para o exercício normal das funções, no aparelho central como nas unidades museológicas, mero epifenómeno de uma doença que não poupou nenhuma das dependências da SEC. Os quantitativos consignados para 1991 não inflectiram a marcha da máquina desconjuntada...
Entretanto, surge em cena o Instituto de Museus. Alguém, em bom rigor, se apercebeu do que será ele? Relerá na sua dependência 48 museus, o José de Figueiredo, a Escola Superior de Conservação e Restauro e o Arquivo Nacional de Fotografia.
Afigurar-se-ia uma esperança: é, contudo de temer o sobressalto a curto prazo!... Os palácios, pasme-se!, ficam fora da alçada do Instituto! Interroguemo-nos: quem coordenará as suas actividades, cuidando do recheio e da promoção vivificadora, típicas como são da intervenção museológica? Depois das pugnas que foram inevitáveis para os retirar da abstrusa sujeição ao Ministério das Finanças, aguardam um estatuto correcto, inconfundível com a reposição de velhos conceitos que os cindiam do sopro humanizador de um adequado tratamento voltado para a fruição popular.
Por outro lado, inchando em proporção idêntica à dos dinheiros infundidos no Conjunto Monumental de Belém, pairam dúvidas e inquietações sobre o que levou à anulação da compra do terreno da Ajuda, com fumos de áspera lesão do interesse do Estado. Um dia, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a Assembleia da República terá talvez que esclarecer, por drásticos mecanismos regimentais, o que se esconde por detrás do que parece não ser mais do que um diferendo com o anterior presidente do IPPC...
A face dilacerada do real aí está: museus e palácios, num estado calamitoso, greves que merecem total solidariedade por parte dos trabalhadores que reclamam faculdades adquiridas e condignas melhorias do panorama em que se movimentam, e, noutra vertente, o jorro incontrolado de montantes para o Centro Cultural da era laranja, elefante majestático no coração de clamorosas carências, as alardeadas comemorações pomposas dos 250 anos do l.º de Dezembro, em Vila Viçosa, ou as co-produções de lustre não rendíbil, sorvedouro de despesas sem proveitos para o futuro da arte em Portugal.
É pertinente chamar à colação uma amostragem significativa das opções que importa combater com firmeza.
O Rapto do Serralho, de Mozart, será gravado pela Deutshe Gramophone no São Carlos, mediante protocolo em que a participação da Secretaria de Estado da Cultura não é dispicienda. A orquestra é inglesa; ingleses são os cantores... O empório discográfico será, imediata ou enviesadamente, agenciado pela pobre pecúnia lusa... Por que não o inverso disto, Srs. Deputados? Uma orquestra nossa, uma oficina músico-teatral nossa produzindo realizações de qualidade insonegável, registadas e postas a
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circular aqui e nas latitudes que embasbacam certos governantes? Com espólios diversificados, os dos compositores que são uma glória da memória gregária que não traficamos e os dos que, para deleite da humanidade, pertencem a todas as pátrias? O Ballet Gulbenkian já assim opera. Quando o descobrirá o executivo de Cavaco Silva?
Falamos de música. Em múltiplas diligências, alertámos para o que ocorre e se prepara no São Carlos. A luta de instrumentistas e do corpo de bailarinos, inteiramente aplaudível, não deixa de apontar a dedo um ríseo que causa calafrios: a tentativa de transformar esse Teatro Nacional num entreposto financiador de empreendimentos importados da vasta Europa, da América, de onde quer que calhe no mundo desfronteirizado; sem companhias residentes, porém. Ou seja: o reabilitar de uma cultura ornamental, de episódica e elitista representação, com francos vistos de entrada e nenhuns de saída, que fez a gala dos idos da ditadura. Não será, a essa luz, curial recordar que, enquanto, em Paris, desde longa tradição, uma ópera só podia exibir-se desde que o libreto e o canto se exprimissem na fala de Rimbaud ou Baudelaire, Salazar, entre nós, preferiu sempre os fogos-fátuos de apeadeiro e o italiano como veículo de textos a interpretar, mesmo que escritos por autores portugueses.
Sr. Presidente, Sr. Deputados: Abundam, num breve corte transverso como o que executo, as interrogações exigindo explicação tempestiva e fundada. Eis algumas ainda: primeira, que fez o Dr. Santana Lopes do protocolo sobre o Fundo Bibliográfico, assinado, em Novembro do ano derradeiro, com o Ministro moçambicano Luís Bernardo Honwana?
Segunda, quais os resultados garantidos e a activar do esforço monetário para a cooperação cultural com a África lusofalante? Emaranham-se ou não os bloqueamentos administrativos, as contraditórias orientações de despesa dos não exuberantes 140 000 contos afectados?
Terceira, que actuações para a defesa e promoção da língua e literatura portuguesas além fronteiras, designadamente no território europeu e no dos PALOP? Efectivar-se-ão ou não as previstas feiras do livro em Cabo Verde, na Guiné-Bissau, nas outras capitais africanas, para que haveria de voltar-se a nossa primordial atenção?
Quarta, facto que a administração do São Carlos, à revelia da Lei da Greve, impôs descontos aos músicos, nos arredores da apresentação do Rinaldo, de dias de laboração inequivocamente prestada?
Quinta, que providências serão accionadas -embora com lastimável atraso já- para resolver o contencioso com os bailarinos da CNB, que, com inegável razão, se balem pelo reconhecimento, para todos os efeitos legais, do condicionamento de rápido desgaste das suas carreiras, debilmente remuneradas e subaproveitadas, uma vez que nada se ensejou com vista a um número não diminuível de 100 espectáculos por temporada?
Sexta, é ou não incontestável que o leviano encerramento do Conservatório Nacional de Música deu lugar a uma escola superior formada sobre esteios de incerteza e à custa de professores recrutados à margem de exigências pedagógicas sérias, assim se degradando o ensino e desprevenindo o futuro?
Sétima, como se aceita a imposição irrealista da conclusão do Inventário Nacional dos Bens Imóveis até 1992, quando inexistem quantias de maneio que não sejam de vergonha e um pessoal técnico qualificado? Que se pretende? O holocausto dos bibliotecários, arquivistas e museólogos, com a decorrente paralisia dos organismos a que estão adstritos? O destacamento de professores sem especialização, sob coordenação, por vezes, de técnicos auxiliares, é um dislate. E os 7500 contos, fruto da boa vontade da Fundação Oriente, para tal programação, não prefiguram sequer um bago de uva... Insisto: Que se pretende? Substituir a serenidade e a precisão pelo afogadilho imeritório, num rasgo obsoleto da falaciosa ineficácia?
Oitava, por que martela a Secretaria de Estado o mesmo ignaro prego de obrigar as bibliotecas destinatárias do depósito legal a suportarem os portes, pulverizando as magríssimas disponibilidades com que sobrevivem à pobreza tentacular e hostilizando a unânime opinião de quantos não aterraram na actividade cultural por uma equívoca manhã de nevoeiro?
Nona, diante da quase ausência de estímulo à edição dos jovens, da iniquidade que é o Estatuto dos Benefícios Fiscais para numerosos criadores marginalizados, do apego, no plano do direito de autor, a posturas fossilizadas, que discurso profere o Governo? O discurso do pântano, sem luzes nem credibilidade. Euforiza-se com o mamute de ao pé do Tejo mas deixa à míngua a DGAC (Direcção-geral de Acção Cultural), a cujos préstimos desejam, lidimamente, recorrer os agentes de animação e vitalização do nosso acervo multimódico. Invoca São PRODIATEC, como alguns Santa Bárbara quando troveja, mas cruza os braços ante a utilização dos seus fundos preferencialmente para fomento do turismo. Convida, como se disse, num serôdio sensacionalismo sem lastro fecundante, companhias de renome internacional para meteóricas passagens nas nossas salas, mas faz vista grossa ao estertor que corrói as fortificações das Linhas de Torres, gritando por salvaguarda célere.
Já nem me reportarei, Sr. Presidente, Srs. Deputados, às políticas de nomeações e desnomeações, 15.as escolhas, apostas desconexas, demissões e conflitos. Santana Lopes ocupa, nos ecrãs da televisão e nas colunas da imprensa como nas peças de informação radiofundida, uma posição tristemente célebre.
Associado à polémica infértil e à decisão desconsoladora, falhada, portadora de confrontos sucessivos, merceria, ainda assim, ser guindado, entre os seus, aos mais lustrosos poderes. A tal desconchavo chegou o mexicanismo à PSD... Mereceria, com efeito: executor pertinaz de uma política anticultural, retrógrada e semeadora de feridas que por longo tempo sangrarão. Só que, para geral ganho e melancólico devir dos sonhos decepados da maioria, o meridiano de Outubro aproxima-se. Com ele, está lançado um repto metamorfoseador decisivo a quantos, de maneira consequente, se opõem ao desgoverno de que aqui se delineou um esboço. Impor-se-á mudar radicalmente de métodos, direcções e políticas. Para que a cultura não seja um pasto de incongruências perigosas que a negam, e sim a voz plural, estuante e crítica, do povo, na sua busca da justiça e da harmonia para todos e cada um.
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-presidente José Manuel Mala.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - O Sr. Deputado José Manuel Mendes, na lista negra que apresentou resultante da política cultural do Governo, fez uma referência indispensável às fortalezas das Linhas de Torres.
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Com efeito, algumas fortificações, como os casos do Forte de Calhandras e de Carvalhas, estão a ser ocupadas como depósitos de sucata; outros tem os acessos vedados por particulares como se fossem sua propriedade, como é o caso da Estrada Militar junto ao Moinho do Machado e ao marco geodésico de Cernes, na povoação de Azambuja.
Vou focar agora um assunto que não é do conhecimento geral (talvez seja de V. Ex.ª, mas que tem uma gravidade extrema: é que nesse alinhamento, em que foram edificadas as fortalezas das Linhas de Torres - e por isso mesmo foram edificadas-, encontramos verdadeiras preciosidades arqueológicas que remontam a 25 séculos a.C. e apontam para uma origem no Médio Oriente; integrar-se-iam, porventura, segundo opinam alguns estudiosos, na civilização que foi originária em Tartesso.
Ora, no celebérrimo Forte do Zambujal, onde existe um desses fortins ou silos - não está perfeitamente apurado-, que foi estudado por arqueólogos alemães, por iniciativa do Governo Alemão, existe um relatório de três volumes, que está por traduzir, ao que se julga. Quer dizer, este relatório encontra-se no Museu de Torres Vedras e, repito, está por traduzir, ou, se está traduzido, mantém-se o segredo de uma forma inexplicável.
Outro caso escandaloso, e ainda na sequência desses mesmos fortins ou silos que vêm de uma civilização antiquíssima que faz recuar o nosso património arqueológico muito mais cedo do que se pensava, é o fortim de Vila Nova de São Pedro de Azambuja, que é imponente. A Câmara Municipal pediu financiamento à Secretaria de Estado da Cultura, para continuar as escavações, mas, segundo os jornais, as explicações que foram dadas por aquela Secretaria de Estado para recusar esse subsídio são verdadeiramente inverosímeis, de tal ordem que não as repito aqui porque chegam a atingir o humor.
Gostaria, pois, de saber se o Sr. Deputado está ou não a par destes escândalos.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, de tudo aquilo que referiu quanto à actuação do actual Secretário de Estado da Cultura, eu poderia tirar como conclusão que este governo, nesta matéria como noutras, vive sob o signo da fatalidade, porque a anterior Secretária de Estado da Cultura afirmou que não gostava de teatro e o actual afirmou, numa entrevista ao Expresso, que gosta dos concertos de violinos de Chopin, quando toda a gente sabe que Chopin nunca os escreveu...
Risos do PCP e do CDS.
De forma que é sob a égide desta tragédia nacional que vivemos no nosso país: o actual e o anterior Secretário de Estado da Cultura são duas personalidades que estão divorciadas da cultura!
Portanto, permito-me perguntar se, da análise que o Sr. Deputado aqui apresentou, se pode tirar a conclusão de que, em matéria de cultura, o que o actual governo de Cavaco Silva tem feito, através da Secretaria de Estado da Cultura, é apenas uma grande obra demagógica. Aliás, o actual Secretário de Estado ainda há pouco viu um dos grandes nomes do teatro português recusar o prémio que lhe ia ser atribuído por considerar que esse prémio estaria em contradição com uma política perfeitamente injusta e impeditiva do progresso do teatro em Portugal.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes, solicitando-lhe que seja breve.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo com uma observação. O silêncio da bancada do PSD, ante as graves acusações que produzi, pode ser interpretado de duas maneiras: ou como manifestação de assentimento ou como fruto da proibição de quem quer que seja usar da palavra.
Não acredito que não exista aí quem saiba de questões de cultura e possa, com credibilidade e conhecimento de causa, pronunciar-se, se for caso disso, em defesa das posições do PSD.
Vou concluir - suponho que com inteira justeza - que o PSD preferiu manter-se embaçadamente calado por puro acordo com tudo quanto eu denunciei do alto daquela tribuna.
Sr.ª Deputada Natália Correia e Sr. Deputado Raul Castro, bem hajam pelas intervenções que realizaram. Vou aludir à última, a dos violinos de Chopin. Creio que o Dr. Santana Lopes e o Prof. Cavaco Silva, com a alta arrogância com que vêm exercendo o poder, se pudessem fazer renascer, por umas horas apenas, o compositor célebre obrigá-lo-iam, mediante um prémio laranja, a lavrar uma peça para violino. E assim estaria emendada a gaffe incrível, reposta a glória que se pretende eterna daquele que, neste momento, ocupa a pasta da cultura no nosso país... só que não podem e os erros subsistem, são incomensuravelmente maiores do que o assinalado, e a política calamitosa é o que é, de tal forma indisfarçável que necessitaria de meia hora mínima para continuar a arrolar, sem quaisquer efeitos retóricos, os malefícios que quotidianamente se conhecem.
A Sr.ª Deputada Natália Correia teve oportunidade de mencionar, perante todos nós, circunstancias de extremo relevo que, seguramente, persistem, sendo objecto da completa indiferença por parte de quem detém a pública tutela e a responsabilidade primordial nesta matéria.
Há anos, por exemplo, que a Estação Arqueológica de Santa Luzia reclama verbas quase irrisórias para reescavação e para tratamento, com vista à difusão do belo património castrejo, que lhe são recusadas, porque a política que paira pela Secretaria de Estado da Cultura - sobretudo (há que afirmá-lo!), desde que o actual ocupante a inunda de originalidades nocivas - é dirigida frontalmente contra a vivificação do que é a essência do povo português na sua multilateral e multimódica realização artística e também na preservação do nosso espólio monumental e ou imaterial mais perduradoiro.
Concluiria, porque o Sr. Presidente me pediu para ser breve, com uma observação que julgo sensata e julgo até não ser, absolutamente nada, excessiva. É meu convencimento de que, no ano que corre, aí por Outubro, o governo de Cavaco Silva vai cair. Mas se isso não ocorresse - o que seria teratológico para a democracia - perfeitamente certo seria que o PSD, um dia, teria de se dar conta dos caminhos absolutamente negregados para que aponta a natureza dos actos da Secretaria de Estado da Cultura e promover, com façanhudo gesto, a substituição do Dr. Santana Lopes. Significaria isso uma alteração visível,
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real, concreta, fosse do que fosse? A minha opinião é definitiva: não! Do que se trata, essencialmente, 6 da matriz de uma política a que, na cultura como em todos os outros sectores da vida nacional, urge pôr termo, para bem do povo português e de quantos, no País, não estão dispostos a prosseguir, como até aqui, sob a tutela de um «desgoverno» que ameaça lançar-nos no abismo...
Aplausos do PCP.
O Sr. Edite Estrela (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução atribuiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do País. A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
O texto de que fizemos a leitura, tal como muitos terão reconhecido, é o preâmbulo da Constituição da República Portuguesa, que hoje comemora o 15.º Aniversário.
Festejar a aprovação da Constituição da República Portuguesa é um acto que se confunde e antecipa às próprias comemorações do 25 de Abril. A Constituição, revista por duas vezes, é o texto legislativo que herda o espírito de esperança da Revolução e constituiu-se como o grande fruto da liberdade democrática. Importa, pois, festejar a Constituição, reconhecê-la no momento histórico que representa, mas, sobretudo, identificar a sua ligação com a realidade e a vivência da sociedade portuguesa ao longo dos últimos 15 anos.
Em primeiro lugar, é fundamental avaliar o grau de conhecimento que os cidadãos têm da sua Constituição. Se é verdade que muitos a invocam e a saúdam, justamente, para reivindicar e obrigar à execução dos seus preceitos, também é igualmente verdade que um vasto leque de portugueses não a conhecem, desconhecendo assim, não só os seus direitos, mas igualmente a sua existência.
O Estado e a sociedade organizada fazem questão de dar a conhecer aos cidadãos os seus deveres, de modo que eles os cumpram. Quanto aos direitos há omissões e lacunas na sua divulgação. Hoje, e nas gerações mais jovens, é comum encontrar atitudes individualistas, baseadas no pressuposto de que os direitos fundamentais como o trabalho, a saúde, a segurança social, são direitos pelos quais cada cidadão, isoladamente, tem de lutar e adquirir no seu emprego e na sociedade. A verdade é que esse individualismo é a tradução prática da ignorância de que esses direitos são já consagrados e que deveria apenas ser preciso referir a Constituição da República Portuguesa para a sua aquisição de facto.
Nos direitos, liberdades e garantias pessoais, as condições de acesso à justiça determinam o cumprimento integral da Constituição. Fizemos uma interpelação, na sessão legislativa anterior, sobre as condições de acesso à justiça e pudemos avaliar da morosidade dos tribunais, das condições nos estabelecimentos prisionais, dos problemas sociais deixados sem solução e que acompanham cada caso em tribunal, da desigualdade de acesso, tanto entre regiões como entre cidadãos.
Os meios de comunicação social e a imprensa gozam de liberdade para se expressarem e informarem, mas conhecemos igualmente as múltiplas formas que se desenvolveram no sentido de manipular profissionais, colocando-os na dependência do poder político, bem como as formas de utilização dos órgãos de comunicação social como fortes instrumentos de manutenção e perpetuação do poder.
Também na área dos direitos, liberdades e garantias de participação política, a evolução dos últimos anos tem caminhado claramente no sentido da redução de participação política. A desilusão e descrédito em relação à acção política afastou os cidadãos do exercício dos seus direitos nesta área. Cada vez menos cidadãos exercem o sufrágio e cada vez menos cidadãos tomam parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do País.
A desvalorização destes direitos, fundamentais na arquitectura da Constituição de 1976, deveria ser objecto de uma profunda reflexão sobre estes novos problemas e estas novas necessidades ainda sem resposta.
Por que é que os cidadãos não participam? Serão os próprios políticos que os afastam do exercício do poder? Este é um vírus das velhas democracias: a democraticidade reduz-se, na prática, ao menor denominador comum.
Nos direitos sociais, económicos e culturais, o texto fundamental deve constituir motivo de orgulho, mas 15 anos volvidos sobre a sua aprovação a realidade confronta-nos com a inexistência da aplicação de múltiplos dos seus princípios.
A segurança no trabalho é ameaçada pela proliferação de formas clandestinas de emprego e mesmo por formas legais, que, graças a artifícios, permitem eliminar o direito fundamental à segurança. O direito à segurança social, à saúde, à habitação e à educação, e os direitos especiais dos jovens, dos deficientes, dos idosos, permanecem cronicamente insipientes, insuficientes e de aplicação discriminatória e não universal em condições de igualdade.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Muitos milhares de portugueses vivem em condições dramáticas de pobreza, no limiar da subsistência, com a proliferação dos bairros de lata e das zonas degradadas e clandestinas, em especial nas áreas de maior crescimento económico e industrial.
Milhares de jovens não cumprem ainda a escolaridade obrigatória e o insucesso escolar continua a excluir as crianças do sistema educativo, privando-as desde cedo do gozo de alguns dos mais elementares direitos da pessoa humana.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem sido insuficiente e superficial o debate na Assembleia da República sobre as repercussões sociais do crescimento económico do País no seu conjunto. Vozes autorizadas e independentes têm alertado os poderes para a gravidade ética e política de
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um crescimento económico que acentua as desigualdades, gera a miséria, beneficia os interesses estrangeiros e favorece minorias já privilegiadas. Mas esta temática suscita desinteresse quando abordada seriamente em Plenário e estas questões são em geral usadas para manipulação e como instrumentos de confronto partidário.
Os factores que têm acentuado a precariedade dos direitos políticos e sociais numa sociedade em crescimento económico mantêm-se, enquanto nós continuamos a esgrimir resultados conjunturais nada significativos e de nula validade perante a tendência funesta e claramente estrutural de uma sociedade que caminha inexoravelmente para a desigualdade.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - A democracia, tal como se encontra plasmada no texto constitucional, não existe para os políticos se esgotarem na guerra do poder, brandindo os direitos sociais, políticos e económicos dos cidadãos, como armas de arremesso na luta política e como instrumentos justificadores e legitimadores dos detentores de cargos políticos.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Muito bem!
O Orador: - A luta político-partidária tem consumido a boa consciência dos detentores de cargos políticos que, não abdicando das suas próprias razões, comprometem o objectivo nacional virado para aqueles de que são representantes. Estes, por sua vez, já pouco se interessam por saber se o copo está meio cheio ou meio vazio e de quem é a culpa. Sabem e tomam consciência, na sua maioria, de que sempre e inexoravelmente o conteúdo do copo nunca chega para suprir as suas necessidades básicas.
E isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a resposta que nem uns nem outros souberam ou quiseram dar, mas que nós ainda estamos a tempo de dar.
Aplausos do PRD e do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Deputado Carlos Lilaia, gostaria de saudar a sua intervenção, pois nela V. Ex.ª abordou temas extremamente importantes e para os quais o PS tem dado a sua máxima atenção.
Gostaria, pois, de aproveitar esta oportunidade para dizer que também nós estaríamos de acordo em que os temas que focou pudessem vir a ser profundamente debatidos nesta Assembleia, pelo que damos o parecer favorável para que, conjuntamente com o PRD e outras forças políticas, possamos debater estas questões de forma mais aprofundada.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado João Rui de Almeida, muito obrigado pelas suas considerações.
No que respeita ao PRD, esta é a linha habitual que o meu partido segue para trazer um conjunto de questões fundamentais que têm a ver com o desenvolvimento económico e, particularmente, com o desenvolvimento social do País.
Não fizemos mais do que mostrar aqui a nossa preocupação e chamar a atenção da Câmara para a gravidade dos problemas. Por isso, ficámos muito satisfeitos por saber que este tema merece também toda a consideração por parte do PS e também por parte do PCP que, dentro em breve - suponho que no próximo dia 9 -, trará a esta Câmara uma interpelação ao Governo sobre as questões do desenvolvimento, sobretudo sobre as questões do crescimento centrado na sua perspectiva social.
Nessa altura, teremos oportunidade de debater esse tema, mas - como disse o Sr. Deputado João Rui de Almeida - fica, desde já, referida a disponibilidade do PS, bem como a do PRD, para fazer um debate sobre as questões que hoje trouxemos a esta Câmara.
Vozes do PRD: - Muito bem!
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encerrado o período de antes da ordem do dia, vamos dar início ao período da ordem do dia, com a apreciação da proposta de lei n.º 181/V - Autoriza o Governo a aprovar o regime de venda e entrega em propriedades de terras expropriadas ou nacionalizadas.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que o Governo, bem como alguns grupos parlamentares, ainda não estão preparados para iniciar o debate, solicito uma interrupção dos trabalhos por cinco minutos.
O Sr. Presidente: - É regimental, pelo que está concedida.
Srs. Deputados, está interrompida a sessão.
Eram 17 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados, já estamos em condições de dar início ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 181/V.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Secretário de Estado da Alimentação.
O Sr. Secretário de Estado da Alimentação (Luís Capoulas): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Constitui hoje uma verdade universal a afirmação de que sem iniciativa e propriedade privadas não pode haver desenvolvimento económico nem melhoria do bem-estar social.
Na agricultura, pela dedicação e perspectivas de longo prazo exigidas aos empresários, mais patente se torna aquele postulado, não admirando, portanto, o flagrante insucesso das experiências de estatização e colectivização do sector, levadas a cabo nos países do Leste europeu, com os resultados que hoje, com a queda dos muros, estão bem expostos à vista de todos nós.
Apesar desta evidência, também em Portugal, no recente ano de 1975, se pretendeu impor uma designada reforma
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agrária, sem rosto humano, em tudo inspirada naqueles modelos socialistas e com idênticos resultados.
Foi em 1980 que, com o objectivo da reprivatização e da recuperação social do empresariado agrícola, se encetou decididamente o processo de devolução das terras ocupadas e expropriadas aos seus legítimos titulares, bem como a instalação de cerca de 3000 novos agricultores na chamada zona de intervenção.
Já na ocasião se sublinhava que o verdadeiro sentido do slogan «A terra a quem a trabalha» era o de destinar a agricultura aos agricultores e o do privilégio da exploração directa da terra, mas, lamentavelmente, não era, então, constitucionalmente possível que os agricultores acedessem à propriedade dos prédios expropriados, em face do dogma revolucionário da «irreversibilidade das expropriações».
Tendo este princípio sido, finalmente, removido na última revisão constitucional, é agora possível a venda das terras expropriadas a pequenos agricultores ou a cooperativas, desde que observado um período probatório da efectividade e da racionalidade da respectiva exploração.
10 anos depois, a revisão constitucional de 1989 abriu a possibilidade de se cumprir aquela que foi a vontade dos governos do Dr. Sá Carneiro, isto é, de incentivar não só a fixação de mais agricultores no Sul do País como o acesso à propriedade por aqueles que se revelassem empreendedores, reforçando-se assim o vínculo do homem à terra e o tecido empresarial agrícola, como suportes indispensáveis do desenvolvimento e modernização da agricultura desta extensa região.
Foram necessários 10 anos para que os complexos socialistas cedessem ao modelo de agricultura assente na livre iniciativa dos agricultores e no respeito e promoção da propriedade privada. Mas valeu a pena esperar para se assistir hoje à consagração destes princípios mesmo nos antigos impérios do Estado e do colectivismo.
Com a presente proposta de lei, o Governo culmina o cumprimento de mais um dos objectivos do seu Programa, visando a estabilização de forma duradoura do direito de propriedade e do uso da terra, no respeito dos direitos adquiridos pelos agricultores rendeiros, e a privatização total da exploração e da propriedade agrícolas, condições básicas para a recuperação e modernização do sector e para o sucesso da integração da agricultura portuguesa na política agrícola comum.
Nesta mesma linha se inseriram as últimas alterações à legislação da reforma agrária, com o seu reforço da tutela do direito da propriedade e, também, a nova regulamentação da entrega para exploração das áreas sobrantes à demarcação das reservas, em que é dada preferência a jovens agricultores dotados de preparação profissional adequada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O enquadramento geral em que se insere o pedido de autorização legislativa deriva, antes de mais, do próprio normativo constitucional, nos termos do qual apenas poderão ter acesso à posse ou à propriedade da terra expropriada os pequenos agricultores ou as cooperativas, devendo, como já referido, a outorga da propriedade ficar condicionada à prévia verificação de um período probatório da capacidade empresarial da entidade explorante.
Para o efeito, prevê-se que este período seja de 10 anos, o prazo legal mínimo de arrendamento rural e que se considera suficiente para que se possa aquilatar do bom destino do bem escasso a alienar - a terra!
Haverá, provavelmente, quem sugira que os rendimentos da actividade agrícola não viabilizam, na prática, a compra de terras pelos seus arrendatários. Consciente da utilidade, não apenas económica mas igualmente social, da venda destas áreas de exploração, o Governo propõe que o seu preço seja determinado estritamente em função do respectivo rendimento efectivo e ponderado com o valor da renda máxima legal, bem como admite o pagamento escalonado em 10 prestações anuais.
De qualquer modo, sublinha-se que a candidatura à propriedade é uma oportunidade que se faculta ao agricultor, garantindo-se-lhe a manutenção do seu actual estatuto no caso de não se sentir habilitado à compra da terra.
Por outro lado, entende o Governo dever ser salvaguarda a vertente ética do processo de alienação das terras expropriadas.
Em primeiro lugar, providenciando a prévia atribuição das indemnizações a que os proprietários expropriados têm legítimo direito, para o que foi já aprovada pelo Governo a necessária legislação regulamentar.
Na mesma preocupação se insere a restrição, que se prevê impor, ao direito de propriedade das terras adquiridas ao abrigo do regime em discussão, por forma a evitar-se que o objectivo económico e social em vista, que justifica a aplicação de um preço mais favorável, possa ser defraudado por oportunismos especulativos, qual seria o de a compra vir a servir para a realização de mais-valias a curto prazo.
O longo e atribulado processo da reforma agrária, tão marcado por diversos oportunismos e que tão penalizante se revelou para o desenvolvimento da nossa agricultura, bem justificam esta preocupação de transparência, pois, da mesma forma que a estabilidade e a regularidade da posse da terra são indispensáveis ao investimento produtivo no sector, também a honradez do comportamento e a vontade de trabalhar e de vencer constituem vectores determinantes da forma de estar na vida do agricultor do passado como do empresário agrícola do futuro.
Por isso, o Governo entende que o regime de venda de terras a estabelecer não deverá, por benévolo excesso, degenerar numa cedência quase gratuita, que seria aviltante da dignidade dos agricultores potenciais compradores, nem, por defeito, tornar impeditivo o desejado acesso à propriedade da terra por parte daqueles que a exploram com dedicação, honestidade e saber.
A presente proposta de lei pretende atingir este equilíbrio, mas não constituirá, naturalmente, a verdade última e absoluta.
Algumas disposições a estabelecer, designadamente as condições e garantias de pagamento, bem como as limitações a impor ao direito de propriedade, carecem de cuidada elaboração jurídica, com eventual derrogação de normas da lei geral, e justificam a necessidade do pedido de autorização legislativa a esta Assembleia.
Creio, no entanto, que a presente proposta de lei define suficientemente os contornos no âmbito dos quais o Governo se propõe legislar e em que, certamente, se centrará o debate.
O Governo espera não só recolher contributos positivos como uma aprovação final tão consensual quanto possível.
Afinal, mudados os tempos, quem recusará hoje que seja concedida a oportunidade de surgimento de mais proprietários rurais nesta vasta região desfavorecida e com uma tão baixa densidade populacional, como o partido que apoia o Governo sempre preconizou?
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Secretário de Estado, antes de mais e porque esta foi a repetição de uma prática que julgávamos que o Governo já tinha abandonado- a de apresentar autorizações legislativas como textos de diplomas -, tendo até ultimamente apresentado dois documentos, quero salientar que desta vez não o fez, o que é mau, porque isso dar-nos-ia a hipótese de fazer uma análise mais circunstanciada das intenções e dos objectivos da presente autorização legislativa.
Gostaria de colocar algumas questões, mas antes quero relembrar o quadro em que se insere este pedido de autorização legislativa, que decorre, fundamentalmente, da revisão constitucional de 1989, que prevê o fim do princípio da reversibilidade das nacionalizações e, como consta do n.º 2 do artigo 97.º, «[...] a abertura da possibilidade de as terras expropriadas serem entregues, a título de propriedade ou de posse, nos termos da lei, a pequenos agricultores, [...]».
Ora, é exactamente isso que o Governo se propõe legislar, isto é, sobre o regime de venda dessas terras expropriadas ou nacionalizadas. Assim, estranhamos que só o faça agora, passados cerca de dois anos e meio depois da revisão da Constituição, e que pretenda fazê-lo sob a forma de pedido de autorização legislativa, quando talvez fosse melhor, dado o âmbito, a natureza e sobretudo os problemas suscitados ao longo do processo democrático em Portugal, que o fizesse através da apresentação de uma proposta de lei concreta ou através da apresentação de um projecto de lei pelo grupo parlamentar que apoia o Governo.
Temos, pois, algumas dúvidas quanto às verdadeiras intenções do Governo. Talvez por detrás disto esteja alguma tentativa eleitoralista, porque estamos em ano santo e o ano santo é um pouco propenso à apresentação destas pretensas dádivas - digamos assim -, que às vezes podem ser um pouco envenenadas...
Quanto às verdadeiras condições da venda das terras e o que vai determinar quem serão os seus proprietários, nada se sabe.
Efectivamente, um pedido de autorização legislativa é, pela sua própria natureza, amplo, lato e pouco claro, daí que repita o que disse no princípio, isto é, que este diploma deveria ser apresentado com um texto de decreto-lei.
Apesar de tudo, estabelecem-se limites, mas dentro deles muita coisa pode ser definida e alguma coisa pode ser mudada. São esses limites que, nos pedidos de autorização legislativa, indiciam as intenções do Governo e o que interessa, neste momento, é precisamente esclarecer quais são essas intenções.
No texto do pedido de autorização legislativa começa por preocupar-nos o facto de não haver qualquer referência expressa à preferência estabelecida na Constituição da venda «[...] a pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades de exploração familiar [...]». Isto é dito expressamente na Constituição e não aparece no pedido de autorização legislativa.
Quanto às questões concretas que pretendo colocar-lhe, elas são as seguintes: por que é que há um período probatório de 10 anos, sendo certo que muitos dos actuais arrendatários estão longe de estar nessas condições? Por que é que a alínea que estabelece o período probatório não refere expressamente os concessionários? Será que o período probatório não se aplica aos concessionários?
O que é que o Governo entende por investidura na posse da terra? E por exploração efectiva e racional? Não será que isto são termos demasiado subjectivos, sobretudo o último?
Será que o Governo entende que a possibilidade de pagamento em 10 anuidades é suficiente para os actuais rendeiros e concessionários encararem seriamente a possibilidade de adquirir as terras sem quaisquer outros incentivos? Qual a razão do prazo de 20 anos de limitação à venda da propriedade? Por que é que esse prazo não é reduzido? Não será o prazo de 20 anos dissuasor da compra, nomeadamente para alguns tipos de possíveis pretendentes? Será que o Governo tem consciência de que, na prática, está a exigir a posse da terra por 30 anos?
Finalmente, e como pano de fundo desta questão, gostaria de perguntar se as pessoas que, de certo modo, foram vítimas, em alguns casos, de excessiva expectativa, que lhes foi criada no processo revolucionário - prometendo-se-lhes condições que não vieram depois a comprovar-se -, não estarão agora, por sinal contrário, também a ser um pouco vítimas do processo inverso?
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado da Alimentação, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Secretário de Estado da Alimentação:-No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: Então, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.
O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Secretário de Estado, pondo de lado algumas das suas interpretações históricas, económicas e sociológicas sobre conceitos de economia e de evolução da sociedade, gostaria de colocar-lhe algumas questões que têm a ver com a abertura daquilo que o Sr. Secretário de Estado considerou como sendo a livre iniciativa, final e felizmente na sua opinião, disponível no Alentejo.
Não se trata de discutir a livre iniciativa mas, sim, de discutir o modelo para o qual os senhores têm orientado a economia agrícola - e não só! - do Alentejo e que, devo dizer, contradiz em absoluto aquilo que pretendem, neste momento, enunciar como uma vantagem do vosso processo de transformação da sociedade e da economia alentejana.
É que quando o senhor fala num distrito com uma baixa densidade demográfica devia dizer isto: o distrito que continua a descer demograficamente. E isto acontece porquê? Porque há mais trabalho? Porque o trabalho é melhor remunerado? É por isso que a população mais jovem do Alentejo continua a abandonar aquela terra?
Estas são questões a que o Sr. Secretário de Estado tem de responder.
Outra questão a que terá de responder é a seguinte: por que é que, desde 1975, o produto agrícola bruto não pára de descer no Alentejo? Há mais produção? Há mais produtividade e mais eficácia nas explorações? Será por isso?
Mais: por que é que o Alentejo continua a ter o mais baixo índice de intensidade da actividade económica do país, seja ele medido na área da agricultura, seja na área do investimento industrial, seja na área de serviços?... Por que é que isto acontece, Sr. Secretário de Estado? E não falamos aqui, logicamente, na chamada cintura industrial de Setúbal ou de Sines.
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Uma outra pergunta que gostaríamos de ver respondida é esta: por que é que, se tomarmos por medida padrão ou por medida de comparação a produção agrícola no triénio de 1974-1976, a média de todos os outros triénios dessa mesma produção agrícola se situa 30 % abaixo dessa produção? Porquê, Sr. Secretário de Estado?
Vai desmentir estes dados? Vai recusar os próprios dados da Rede de Informação das Contabilidades Agrícolas (RICA) e os dados que os senhores enviam para o relatório da situação da agricultura portuguesa, designadamente para o relatório das Comunidades? Se o Sr. Secretário de Estado disser que isto não é verdade, desafio-o a, publicamente, em conferência de imprensa comum ou no âmbito da Comissão de Agricultura e Pescas, apresentar os dados que provem que isto que estou a dizer é mentira, porque estamos à vontade para apresentar os nossos dados, que são de organismos oficiais, que provam que isso de que, vos acusamos é verdade.
É, exactamente, por causa dessa incapacidade de lerem a realidade de uma região que faz parte deste país, que tem quase metade da sua superfície, mas que os senhores persistem e teimam em não entender em toda a sua dimensão dos problemas sociais e humanos, que os senhores não resolvem o problema do Alentejo, mas, cada vez mais, o acentuam na sua degradação.
Dir-lhe-ei mais, Sr. Secretário de Estado: sinceramente, e sem pretender entrar aqui numa área especulativa, é muito mau assumir o debate político e o discurso político de problemas quem, no fim de contas, tem interesse nesses mesmos problemas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: -Esta é outra questão que se tem de ter presente e que suscita, ela mesmo, muita controvérsia e muitas dúvidas.
Finalmente, gostaria de perguntar ao Sr. Secretário de Estado se foi por culpa da reforma agrária ou da estatização que, em 1989, no somatório dos perímetros de rega do Alentejo, com excepção do vale do Tejo, a percentagem das terras de rega utilizada não tenha, sequer, atingido os 50 %. Porquê, Sr. Secretário de Estado?
Penso que isto é mais do que suficiente para, pelo menos, alertar a vossa consciência de que não podem chegar aqui como se estivessem a ser, digamos, os proponentes do paraíso para aquela região, porque não estão a sê-lo e nem estas medidas são, de algum modo, benéficas para ela.
Para finalizar, gostaria ainda de lhe fazer uma outra pergunta: que medidas objectivas e concretas é que o Sr. Secretário de Estado ou o Governo apresentam para viabilizar o acesso efectivo dos agricultores ou das cooperativas à propriedade ou ao arrendamento dessas terras?
O Sr. Luís Roque (PCP): - Têm muitas coutadas no Alentejo!
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Secretário de Estado, a autorização legislativa que a Assembleia agora analisa é uma das armas, e talvez a não menos importante, do arsenal eleitoralista do actual Governo. Compreende-se que assim seja, porque há mais rendeiros do que proprietários e é bom ter o rendeiro do seu lado, e se pudesse ter ambos, com linguagens sempre diferentes, melhor seria ainda.
O que acontece é que esta proposta, em boa verdade, não devia agradar a ninguém, porque, em primeiro lugar, é uma proposta que, em meu entender, embora partindo de uma concepção correcta, que nós, democratas-cristãos, sempre defendemos, ofende um princípio fundamental, que é um princípio de justiça, pelo qual as pessoas e o Estado não podem vender a outrem aquilo que ainda não pagaram. Se isso é certo para qualquer pessoa, devia ser inquestionável para o Estado, por maioria de razão, a fim de dar o exemplo.
O que acontece é que nós, que defendemos que os rendeiros do Estado devem ter acesso à propriedade plena da terra, que nos batemos pelo artigo 97.º da Constituição, que entendemos que era uma medida de justiça distribuir a propriedade e consolidar os laços que unem a empresa agrícola à terra, de uma maneira definitiva, olhamos para esta autorização legislativa e a primeira pergunta que nos ocorre é esta: como é que o Estado vai vender estas terras, se ainda não pagou aos antigos proprietários?
Melhor! O Estado, nestas condições, então, nem devia vender, e até podia quase dar, porque aquilo que pagou aos antigos proprietários foi nada.
Portanto, o que o Estado está aqui a fazer com as terras é o mesmo que faz com as empresas públicas, isto é, vende por 100 aquilo que paga por 10. Os rendeiros pensam que têm um grande benefício, mas vão pagar aquilo que o Estado não pagou.
O que se devia fazer primeiro era uma lei de indemnizações correcta, em que não houvesse indemnizações provisórias mas, sim, definitivas, com valores que fossem actualizados e não com valores de 1975/1976, e, depois, sim, vender de pleno direito, com legitimidade jurídica e moral, que é aquilo que se pede e se tem de exigir de qualquer governo.
O segundo aspecto, Sr. Secretário de Estado, é o seguinte: quem vão ser os beneficiários destas entregas? Falamos dos rendeiros, mas quem são eles? Era, pois, importante que esta Assembleia e o País tivessem uma lista dos beneficiários desta medida, de forma a saberem quem são as pessoas, individualmente identificadas, porque, assim, tudo seria transparente e claro e todos nós poderíamos aquilatar e ajuizar dos critérios, seguramente de isenção, que vão estar ou que presidem a este normativo.
Isso era importante, e não se devia avançar nada sem que pudéssemos ter acesso individualmente aos casos concretos que vão ser atingidos por este normativo que agora se propõe ser exercido.
Um outro aspecto que tem a ver com esta matéria ainda diz respeito ao conteúdo da própria autorização legislativa. Fala-se em 10 anos mas, no entanto, o que se prevê é que sejam necessários 20 anos.
Não entendemos esta exigência de 20 anos, pois, se para o pagamento e para a exploração efectiva são 10 anos, por que é que se obriga a uma espera de 20 anos para poderem vender as terras? Não se entende. Se a intenção do Governo é fazer aceder a essa propriedade, embora em condições que não podemos aceitar tal como estão programadas, então que houvesse uma certa lógica e que os 10 anos fossem o prazo limite para tudo.
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, gostaríamos de saber se esta lei tem alguma coisa a ver com uma intenção do Governo de retomar o processo de distribuição de terras. É verdade ou não que o Governo vai retomar o processo de distribuição de terras e, em caso afirmativo,
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qual é a área que está disponível para esse facto? É que o Sr. Ministro fala em 20 a 30000 ha, mas aparecem outros dados diferentes. Onde e como é que ela vai ter lugar?
Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª falou na política do Dr. Sá Carneiro. Se me permite e não querendo, obviamente, entrar em apropriações, pois sei que o PSD é muito peculiar nessa matéria, quero dizer o seguinte: é que há aí uma diferença muito grande, pois penso que essa política foi feita - e vamos dizê-lo claramente - para desmembrar as UCP's e para atacar o colectivismo no Alentejo. Essa foi, obviamente, a política que foi feita.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): -Finalmente!...
O Orador: - Com certeza! Sempre o dissemos e era óbvio. Essa foi a política para atacar o socialismo revolucionário no Alentejo. Claramente!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas diziam que não era!
O Orador: - Claro que sim!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas o seu discurso não era assim há 10 anos!
O Orador: - E agora, Sr. Secretário de Estado, esta entrega de terras é para atacar o quê e quem? É para atacar os proprietários? E para atacar o princípio da reversão? Porquê esse ataque que já não tem objecto? Que clientela quer V. Ex.ª, em nome do Governo, obviamente, satisfazer?
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Bem fez o senhor que não atacou ninguém quando por lá passou! Nem se deu por si!
O Orador: - E quem era o secretário de Estado nessa altura!? Pergunte isso a ele!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Alimentação.
O Sr. Secretário de Estado da Alimentação: - Sr. Presidente, se me dá licença, antes de começar a responder às questões que me foram colocadas, queria afirmar, solenemente, perante esta Câmara - e em resposta a uma insinuação do Sr. Deputado Rogério Brito -, que não tenho qualquer interesse pessoal e directo, nem qualquer familiar meu, nesta matéria.
É uma insinuação torpe, permita-me a expressão, que tenho de repudiar com a maior veemência.
Protestos do PCP.
O Orador: -Nem o meu pai nem qualquer dos meus familiares é mais rendeiro do Estado. Queria, portanto, deixar aqui dito, muito solenemente, ao Sr. Deputado Rogério Brito, muito particularmente, e à bancada do PCP, que é useira e vezeira nestas insinuações e nestes atropelos, até à honra pessoal das pessoas, que esta insinuação não tem qualquer fundo de verdade.
Quanto às questões concretas que me foram colocadas, queria responder ao Sr. Deputado Barbosa da Costa que o Governo não está obrigado a remeter, sistematicamente, o texto dos diplomas juntamente com as autorizações legislativas. Nalguns casos tal é possível, noutros não é.
Esta matéria envolve, como disse na minha intervenção, questões jurídicas complexas, que estão a ser analisadas na sede jurídica própria, e, naturalmente, que os contornos que aqui deixei desenhados e que constam da autorização legislativa permitem, quanto a mim, balizar suficientemente a questão em análise.
epare-se que nos referimos ao prazo e às condições de pagamento, aos critérios de avaliação dos lotes a vender, referimo-nos, inclusivamente, às anuidades que é possível conceder para pagamento do respectivo preço e referimo-nos também aos limites à propriedade privada, que pensamos estabelecer, por forma a evitar negócios especulativos com as terras expropriadas.
Efectivamente, só agora apresentamos esta proposta de lei, porque, por razões éticas - e aqui respondo em parte ao Sr. Deputado Basílio Horta-, não o podíamos fazer antes de legislarmos sobre o processo de avaliação, conducente ao pagamento das indemnizações.
Disse também claramente na minha intervenção que, de qualquer modo, nunca o Estado venderá a alguém aquilo que ainda não indemnizou ao seu anterior proprietário.
Foi esta questão de natureza ética que fez com que esta medida legislativa, inserida num pacote global, tendente a estabilizar definitivamente a posse e a propriedade da tenra no Alentejo, fosse a última medida que tivéssemos oportunidade de aprovar em Conselho de Ministros.
Quanto ao período de 10 anos para a prova da exploração racional da terra, poder-se-á dizer que é muito ou que é pouco e nós entendemos que o período menos arbitrário seria o que resulta do prazo mínimo legal estabelecido para o arrendamento rural.
Mas, como disse na minha intervenção, esta não é uma questão fechada. Se se entender que, atendendo à dimensão da generalidade destas parcelas, se pode configurar mais o caso do arrendamento de um agricultor autónomo e que esse prazo é de sete anos, estamos, naturalmente, abertos a acolher esse prazo em vez dos 10 anos, pois não se trata efectivamente de uma questão fechada.
Já quanto ao prazo durante o qual se deve limitar a alienação, penso que aqui deveremos ser rigorosos, porque se se pretende fazer essas alienações com um preço mais favorável, pois têm um objectivo social, económico e político bem determinado, de modo algum devemos dar azo a que possam servir para negócios especulativos, ou seja, comprar hoje por um preço mais favorável e vender amanhã com lucros ou mais-valias acrescidas.
Sr. Deputado Rogério Brito, não vou agora antecipar-me, como é natural, ao debate que depois de amanhã se fará nesta Casa sobre política agrícola. Nessa altura, quer o Sr. Ministro da Agricultura quer nós próprios, secretários de Estado, leremos oportunidade de responder aos seus números com os nossos números, de responder ao seu pessimismo e à sua análise derrotista sobre a modernização em curso na agricultura portuguesa com as realidades que já começam a ser bem patentes. Portanto, para além do aspecto que há pouco já referi, penso que na próxima quinta-feira teremos oportunidade de responder, com maior detalhe, às questões citadas. Quero, no entanto, dizer que, provavelmente, uma das causas da estagnação relativa em que vive o Alentejo é exactamente a que deriva do pro-
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cesso revolucionário e dos atropelos contra a legalidade que foram cometidos, designadamente em 1975 e nos anos seguintes...
Vozes do PCP: - Ah!... Mas foi feita alguma coisa depois disso?!
O Orador: - Isso, sim, desincentivou o investimento, pois perseguiram-se os empresários agricultores, o que não ajudou, de forma alguma, à recuperação e ao desenvolvimento desta tão vasta região.
Sr. Deputado Basílio Horta, penso que já respondi, no essencial, a algumas das questões colocadas, designadamente às de natureza ética.
Quanto ao pagamento prévio das indemnizações, devo dizer que não é, de forma alguma, nossa intenção estabelecer aqui uma dicotomia entre rendeiros e proprietários. O que procuramos é que toda a vasta área expropriada e nacionalizada tenha o seu destino certo em obediência ao normativo constitucional. Para isso aumentámos o número de reservas atribuídas, a sua dimensão em face da alteração dos critérios de pontuação, permitimos a reversão de prédios que regressaram à posse dos proprietários, mas há, depois disso, uma área sobrante.
Pergunto: o Estado vai ficar, eternamente, na posse dessa área, ou vai prever-se a sua alienação a favor de quem as pode efectivamente trabalhar? É isto o que está a fazer-se! E penso que o objectivo último desta medida é o de se conseguir a privatização total da terra expropriada, porque acreditamos que só o agricultor individualmente e a empresa agrícola viável podem ser competitivos, em termos de política agrícola comum.
O Sr. Narana Coissoró (COS): Mas quando é que sai a lei das indemnizações?
O Orador: - Numa região em que não há muito lugar para explorações minifundiárias, em que as propriedades têm de ter uma dimensão compatível com as suas potencialidades económicas, é fundamentalmente nas capacidades empresariais do agricultor que tem de estar...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas quando é que a lei das indemnizações sai?
O Orador: - Esperamos que esteja regulamentada muito brevemente.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Esse é que é o problema!
O Orador: - Esperamos ter até ao fim do ano calculadas as avaliações e as indemnizações a atribuir a mais de um milhar de empresas agrícolas exploradas. Como deve calcular, Sr. Deputado, é um trabalho complexo que não se faz do dia para a noite, principalmente se se quiser fazer com algum cuidado e rigor técnico.
Quanto à política do Dr. Sá Carneiro, em 1980, e quanto à finalidade, ao objectivo último, das novas distribuições que se anunciam, respondo-lhe, Sr. Deputado, como há pouco fiz no que respeita à alienação destas áreas sobrantes, sobre as quais não incidem índice de reserva.
Sr. Deputado, se ainda há áreas, que sobraram da demarcação de reservas, na posse irregular não se sabe de quem, porque, na prática, hoje já não existe a maior parte das UCP, que fazer? Vão continuar como terras de ninguém, como novos baldios do século XX, do século XXI, ou vamos dar oportunidade aos novos agricultores, particularmente aos jovens, com capacidade empresarial, para fazerem da agricultura a sua vida? Esta questão não pode ter, naturalmente, outra resposta que não seja a de dar oportunidade aos novos agricultores,...
Vozes do PCP: - Isso não é verdade!
O Orador: -... com preferência, obviamente, pelos jovens que possam, em termos empresariais, desenvolver os seus projectos.
Penso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que respondi à generalidade das questões suscitadas, no entanto, Ficarei ao dispor para mais qualquer esclarecimento.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O pedido de autorização legislativa que o Governo nos apresenta hoje constitui mais uma peça no puzzle que o PSD vem, há 11 anos, construindo com o objectivo confessado de privatizar toda a terra expropriada e nacionalizada e liquidar a reforma agrária.
É significativo que matéria desta importância como a que hoje o Parlamento é chamado a discutir nos seja aqui trazida sob a forma de um vago pedido de autorização legislativa que, violando o texto constitucional, não define, de facto, nem o sentido nem a extensão da autorização. Entre outros aspectos, não deixa claro se o período probatório mínimo de 10 anos de exploração da terra, exigido aos actuais arrendatários, se conta a partir do momento em que iniciaram a exploração, em que celebraram contrato com o Estado, ou se conta para o futuro; não define se vai haver condições especiais de acesso a financiamentos específicos para que cooperativas e agricultores, actuais arrendatários, possam ascender à posse da terra, como, aliás, tinha prometido aqui o Sr. Ministro da Agricultura, em Junho passado; não explicita qual a área disponível para a operação proposta.
É evidente que o esclarecimento destes aspectos é indispensável para dar conteúdo concreto e real ao sentido e à extensão do pedido de autorização legislativa.
Mas esta proposta reveste-se mais claramente de um carácter inconstitucional não só por consumar o processo de reconstituição dos latifúndios, mas também por violar o artigo 101.º da Constituição da República Portuguesa. De facto, ao contrário do que estabelece este comando constitucional, as organizações dos trabalhadores rurais e dos agricultores não foram ouvidas na elaboração de legislação que, segundo o próprio texto anexo ao pedido de autorização legislativo, faz parte das bases gerais da definição da política agrícola. Argumenta o Governo na «Nota justificativa», que junta à proposta, que não é necessário ouvir ninguém por se tratar de um pedido de autorização legislativa. O Governo errou novamente!
O recente Acórdão do Tribunal Constitucional, considerando inconstitucional a proposta de lei de autorização legislativa do pacote laborai, exactamente pelo facto de as comissões de trabalhadores e de as associações sindicais não terem sido ouvidas, está a demonstrar que o Governo não tem razão.
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O Governo e o PSD fogem do debate público e do confronto de ideias como «o diabo foge da cruz». Têm má consciência! Por isso, persistem, de forma obstinada, em violar o texto constitucional. Mas melhor andariam em retirarem do agendamento esta proposta e submetê-la à discussão pública para não terem outro dissabor.
Antes de passarmos às questões materiais, é preciso esclarecer o Sr. Secretário de Estado da Alimentação - é bom que fique claro -, ao contrário daquilo que respondeu ao meu camarada Rogério de Brito, está a legislar em causa própria e tem, de facto, interesses directos nesta matéria, o que pode colocar em causa a ética de toda esta discussão. Basta dizer que ainda ontem um familiar seu, o próprio pai, recebeu, como rendeiro, uma reserva na Cooperativa de Aguiar; basta ler as queixas que chegaram a esta Assembleia de outros reservatórios a acusar o Sr. Secretário de Estado de, com outros familiares, a propósito de uma reserva, que foi polémica, terem invadido a Herdade da Defesa numa carrinha de caixa aberta, levando todas as vacas bravas e as respectivas crias, 2 touros, 15 novilhos e 11 éguas que se encontravam a pastar em duas cercas da Herdade da Defesa, de um outro reservatário que se vem queixar.
Vozes do PSD: - Isso não é verdade!
O Orador: - Sr. Secretário de Estado, está escrito, com nomes.
Portanto, é preciso que fique claro que há interesses materiais e pessoais nesta legislação, o que, de algum modo, não abona a uma discussão séria e isenta do membro do Governo que, hoje, veio aqui aprofundar uma matéria de tanta importância.
Vozes do PCP: - É um escândalo!
O Sr. Vasco Miguel (PSD): - E se isso for mentira, Sr. Deputado!?
O Orador: - Mas vamos às questões materiais.
Em recente entrevista, o Sr. Secretário de Estado da Alimentação afirmava que a área expropriada, arrendada pelo Estado, com contrato, a pequenos agricultores e cooperativas, ronda os SÓ 000 ha e que é a essa área que esta proposta de lei diz respeito.
Este número, confessado pelo Governo, vem confirmar que, ao longo dos últimos anos de Governo PSD, cooperativas e centenas de pequenos agricultores têm sido empurrados para fora da terra, que, no caso particular dos pequenos agricultores, o próprio PSD lhes tinha entregue, quando os quis instrumentalizar para dividir as cooperativas e mais facilmente abrir caminho para a posterior entrega de toda a terra aos grandes proprietários, como, aliás, acabou de confessar o Sr. Deputado Basílio Horta.
Ao Sr. Ministro, que gosta de afirmar que isto são fantasias do PCP, aconselhamos a que se reveja nas afirmações produzidas este fim de semana pela direcção da CAP, quando esta afirma que «há 12 anos a criação de novos agricultores tinha um objectivo político: dividir as unidades colectivas de produção». Nós tínhamos razão e hoje o Sr. Deputado Basílio Horta, que conhece bem esta matéria, porque foi nessa altura Ministro da Agricultura, veio confirmar. Hoje já o pode dizer. Há 12 anos não dizia isto, dizia outra coisa, como a de criar novos agricultores, a de querer entregar terras a pequenos agricultores, mas, hoje, já veio revelar o que é a real verdade. O que se procurou com isto foi criar, em cada fase do processo, algumas nuvens para esconder o real objectivo, que é a privatização e a reconstrução completa da grande propriedade.
Comparemos, portanto, alguns números.
O Sr. Secretário de Estado diz que esta proposta de autorização legislativa diz respeito a 50 000 ha, mas, em Abril de 1988, o governo PSD informava esta Assembleia que dentro do «sector estatal, no domínio da entrega para exploração a pequenos e médios agricultores, estima-se hoje [...]» - nessa altura - «[...] em 170 000 ha a área expropriada entregue a título de arrendamento, concessão de exploração ou licença de uso privativo a cerca de 4290 pequenos e médios agricultores, o que a somar-se a 25 000 ha, que estão hoje legitimados por vínculo contratual de arrendamento entre o Estado e as cooperativas, totaliza cerca de 19S 000 ha de terra neste sector».
Se o Sr. Secretário de Estado Luís Capoulas afirma agora que nestas condições, como disse à imprensa, só restam cerca de SÓ 000 ha, sabendo-se que cerca de IS 000 ha estão ainda hoje arrendados a cooperativas, então confirma-se que durante o actual governo de Cavaco Silva 135 000 ha de terra passaram das mãos dos pequenos agricultores para os reservatários, o que corresponde a 80 % da área que lhes tinha sido distribuída pelo PSD, o mesmo se tendo passado em mais de 40 % da área arrendada às cooperativas. Costuma dizer-se que o tempo é o melhor mestre. E o tempo e a vida estão a provar que tínhamos razão quando dizíamos que o que se estava a preparar para o Alentejo não era qualquer política de criação de explorações familiares mas, a partir da instrumentalização dos pequenos agricultores, reconstituir-se por completo a grande propriedade, atirando-os, a certa altura do processo, contra as cooperativas quando ainda não havia força política para liquidar e assumir, claramente, o objectivo da reconstituição dos grandes interesses fundiários.
Afinal, quando em Junho do ano passado, durante a discussão da nova lei de bases contra a Reforma Agrária, o Sr. Ministro afirmava aqui que careciam de qualquer fundamento sério as acusações do PCP quanto são pretenso desalojamento dos pequenos e médios agricultores», prova-se que são as afirmações do Sr. Ministro, do Governo, essas sim, que carecem de qualquer fundamento, que procuram escamotear a verdade.
Mas mais, é que este pedido de autorização legislativa vai exactamente no mesmo sentido. Por debaixo do manto diáfano da propaganda que o Governo tem vindo a fazer, o que se trata agora é da outorga em propriedade aos rendeiros do Estado das áreas que lhes foram entregues para exploração, a realidade é bem outra.
Vejamos: a proposta exige, para essa entrega em propriedade, um período probatório mínimo de 10 anos contados da investidura na posse da terra, durante a qual os arrendatários tenham estado a explorar a respectiva área.
Se este período se refere ao passado, então é preciso que se diga que mais de 80 % dos actuais rendeiros (cooperativas e pequenos agricultores) estão à partida excluídos porque os seus contratos foram celebrados há menos tempo. Por exemplo, das 26 cooperativas com que o Governo decidiu celebrar contratos de arrendamento 21 têm menos de 10 anos.
Mas se este dispositivo se refere ao futuro, então é preciso que fique claro quais as condições em que vai ser exercida a exploração durante os próximos 10 anos e se todos os actuais rendeiros do Estado -repito, todos
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(cooperativas e pequenos agricultores) - vão ter acesso, sem excepção, em condições de igualdade, ao novo regime que o Governo diz pretender estabelecer.
A verdade é que o Sr. Secretário de Estado no seu discurso só fala em agricultores, não referindo as cooperativas nem os pequenos agricultores. E são estas expressões, cooperativas e pequenos agricultores, que estão clara e explicitamente inscritas no artigo 97.º da Constituição.
Portanto, também por esta via, o pedido de autorização legislativa, confirmado pelo próprio Sr. Secretário de Estado, viola claramente o texto constitucional.
Mas outras questões se levantam: onde estão os mecanismos de acesso a financiamentos especiais, que, como disse, o Sr. Ministro tinha prometido em Junho do ano passado, para que os actuais rendeiros possam comprar a terra? Mesmo com os valores ou com o critério que o Sr. Secretário de Estado aqui anunciou, a verdade é que o valor do hectare de sequeiro rondará os 200 ou 300 contos; o valor do hectare de regadio rondará os 800 contos; e mais, calculando-se que os 50 000 ha de terra, de que o Governo fala, ascendam a qualquer coisa como cerca de 15 milhões de contos, a pergunta é clara: onde está a cooperativa e o pequeno agricultor com condições financeiras para tão vultoso encargo? É, no fundo, uma nova versão, mal escondida, do que aconteceu com as terras dos conventos, dos mosteiros e das colegiadas expropriados durante a revolução liberal e adquiridas por aqueles que vieram a formar os latifúndios que chegaram até aos nossos dias, sem ter havido, na prática, qualquer alteração da estrutura fundiária.
Seria bem melhor que, de uma vez por todas, o Governo e os senhores do PSD dessem a cara e falassem a verdade. Digam o que lhes vai na alma e o que é que realmente representa esta proposta de lei. Tenham a coragem de dizer que não querem as cooperativas, que não vêem futuro para os pequenos agricultores e que, por isso, querem-nos deitar borda fora reconcentrando toda a terra, como têm vindo a fazer, nas mãos dos grandes terratenentes. Digam que em Portugal a agricultura é só para os grandes e muito grandes, para as companhias de celulose, para os empresários com acesso aos corredores do poder e da banca. Digam, como aliás o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação disse em 1989, que o que seria fundamental para Portugal é criar um núcleo duro de empresas de grande dimensão que sobrevivessem no mercado comum, estando todas as outras -a quase totalidade - condenadas a desaparecer.
Mas tudo isto para quê? Com a política de privatização de toda a terra expropriada e nacionalizada, abriram-se as portas a uma agricultura alentejana e sul ribatejana próspera, moderna e eficaz? Temos hoje explorações agrícolas competitivas, prontas a contribuir para reduzir a dependência alimentar do País e intervir com sucesso no mercado externo? Criou-se uma nova classe de empresários agrícolas? Os pequenos agricultores têm acesso a explorações racionalmente dimensionadas e a mecanismos de financiamento e de mercado? Os trabalhadores agrícolas encontram hoje melhor emprego? Há maior justiça social nos campos?
Como todos sabemos, nada disto aconteceu com o processo de destruição da reforma agrária. Há pouco, aliás, o Sr. Secretário de Estado nem sequer conseguiu rebater nenhum dos números que o meu camarada Rogério Brito avançou na pergunta que lhe colocou.
Na verdade, perdeu-se a dinâmica introduzida pelas transformações operadas na estrutura fundiária; frustraram-se as expectativas de trabalhadores e pequenos agricultores; enfraqueceu-se a ligação do homem à terra.
Nos últimos 10 anos, o valor acrescentado bruto agrícola do Alentejo diminuiu, em termos reais, a uma média de 2 % ao ano; dos 60 000 ha passíveis de serem regados pelos perímetros de rega, estão aproveitados somente 45 %. Esta é a prova de que a política de liquidação da reforma agrária que o Governo tem prosseguido não tem correspondido a nenhuma alternativa de aumento da produção, de criação de emprego e de desenvolvimento das condições de vida.
Quem hoje visita as aldeias do Alentejo verifica que se perderam, em muitos casos, as novas perspectivas e a nova dinâmica rasgada pelas cooperativas. Mas não se perdem- podem estar certos - nem a esperança e a confiança numa sociedade nova, solidária e justa, nem a perspectiva clara de que os responsáveis de tal situação são particularmente o PSD mas também as políticas agrícolas de governos de variados matizes e colorações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, é necessário criar no País, em particular no Sul do Ribatejo e no Alentejo, uma estrutura agrícola diversificada, onde haja lugar para trabalhadores e agricultores e para cooperativas e explorações individuais e familiares; uma estrutura agrícola dinâmica que esteja em condições de dotar o País da produção agro-alimentar necessária a garantir um nível razoável de segurança alimentar. Os trabalhadores, os pequenos agricultores e o sector cooperativo da reforma agrária têm de ser necessariamente uma componente dessa estrutura.
Não é este, contudo, o caminho que o Governo e o PSD teimam em trilhar, como o atesta esta proposta de lei e toda a sua política agrícola, uma política de clientelas e de navegação à vista com um ministério à deriva.
Continuamos, aliás, à espera da «proposta de lei de bases do fomento agrário e das estruturas agrícolas» que o Sr. Ministro anunciou que apresentaria até final do ano passado.
Impõe-se, sim, com urgência mudar o rumo do Governo e da sua política agrícola; impõe-se rejeitar este pedido do Governo.
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Alimentação.
Volto, porém, a pedir o favor de utilizarem parcamente a figura regimental das reacções contra a ofensa da honra ou consideração.
O Sr. Secretário de Estado da Alimentação: -Sr. Presidente, creio que este caso de utilização da referida figura regimental é plenamente justificado.
De facto, já me vou habituando às calúnias que são perpetradas em determinados órgãos da comunicação social, com objectivos e origens bem determinados, mas não deixa de ser lamentável que igualmente, no uso do Estatuto dos Deputados, se veiculem esses ataques absolutamente infundados.
Como deputado eleito pelo círculo de Évora, o Sr. Deputado Lino de Carvalho tem obrigação de conhecer os factos, de conhecer sobejamente a minha família e de saber que não aceitamos lições de honradez da parte de ninguém.
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O que temos feito, desde os meus progenitores, é trabalhar muito séria e honradamente, fazendo pela vida. Nunca perseguimos ninguém, nunca nos apropriámos de bens de quem quer que fosse, nunca incentivámos ninguém a ocupar terras nem encabeçámos essas ditas ocupações que sacrificaram a vida de tantos e tantos agricultores do Alentejo e do Sul do País, entre os quais se contam alguns dos meus familiares.
Posso, no entanto, assegurar ao Sr. Deputado Lino de Carvalho -e tem de conhecer os factos, se os quiser revelar a esta Câmara - que o meu pai não recebeu qualquer reserva. Os prédios de que o meu pai era rendeiro antes da ocupação foram devolvidos aos seus anteriores proprietários. Tudo o que o meu pai conseguiu foi ver reestabelecido o contrato de arrendamento, que havia sido interrompido à data da ocupação e expropriação desses prédios, como sempre assim foi, desde a Lei n.º 77/77 até à Lei n.º 109/88. O Sr. Deputado não tem o direito, que não lhe admito, de manipular os factos e deturpar as situações com o intuito de ofender a minha honra, porque não tem legitimidade, nem ética, nem moral, nem política, para isso.
Aplausos do PSD.
Valeram a pena estes 15 anos, Sr. Deputado, para que a justiça voltasse aos campos do Alentejo, para que a liberdade voltasse,...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP):São números e factos o que apontei!
O Orador: -... para que as consciências que os senhores fomentaram, desde logo a dos trabalhadores rurais alentejanos, pudessem assentar no pó da revolução, com os estragos evidentes que hoje estão à vista de todos nós e os exemplos, nos quais os senhores se inspiraram, que são bem patentes e nos entram pela casa dentro todos os dias, para que a paz social regressasse aos campos do Alentejo e a concórdia entre quem trabalha e explora a terra e os empresários agrícolas voltasse aos campos do Alentejo.
Felizmente, nós, depois destes 15 anos, conseguimos, com seriedade, trabalho e perseverança, reintroduzir a paz social que os senhores tanto perturbaram no Alentejo, sem a qual não pode haver nem prosperidade nem desenvolvimento nem modernização da agricultura alentejana.
Protestos do PCP.
Deixarei para a sessão de depois de amanhã a tarefa de refutar os factos que o Sr. Deputado expôs na sua intervenção, relativamente ao derrotismo e aos «olhos negros» com que vê o futuro da agricultura alentejana. Lá nascido e criado - o mesmo não pode o Sr. Deputado dizer-, sei bem quais são as virtualidades do Alentejo e as potencialidades do seu povo. Acredite em que há um futuro para o Alentejo e a agricultura alentejana, mas tem de ser um futuro de liberdade e de democracia, sem as algemas que os senhores quiseram impor ao povo alentejano.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: -Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Secretário de Estado da Alimentação, quero dizer-lhe, em primeiro lugar, que estamos num debate político e que não está em causa a honradez pessoal de ninguém.
Protestos do PSD.
O que estamos a debater são factos políticos, nos quais o Sr. Secretário de Estado está inserido como parte interessada na matéria. Assim sendo, questionamos, com toda a legitimidade, se é o membro do Governo que está em melhores condições de isenção para vir aqui defender iniciativas legislativas nas quais o Sr. Secretário de Estado está directamente interessado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): -É a verdade!
O Orador: -Já que o Sr. Secretário de Estado refutou as acusações que lhe foram dirigidas, pergunto-lhe: é ou não verdade que ainda ontem o pai do Sr. Secretário de Estado recebeu, na Cooperativa de Aguiar, como rendeiro, uma área de terra?
Vozes do PCP: - É verdade!
O Sr. Rogério Brito (PCP): - E esteve lá para as receber!
O Orador: - Sim, esteve lá pessoalmente, ontem, no acto de entrega das ditas terras.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Demita-se!
O Orador: - É ou não verdade, Sr. Secretário de Estado, que ainda existem na Assembleia da República duas reclamações de outros reservatórios, como, por exemplo, o Sr. Henrique Herculano?
O Sr. Secretário de Estado conhece perfeitamente o processo relativo à Herdade da Defesa, mas posso relembrar-lhe que nele se fala do interesse do então Sr. Deputado Luís Capoulas. Aí se diz que devidamente interessado neste processo estava o Sr. Engenheiro Luís António Damásio Capoulas e que, quando ele interveio no processo, este se alterou completamente. O referido reservatário acusa que no dia 10 de Julho, cerca das 11 horas e 30 minutos, quando ele, reservatário, que com a sua família linha recebido a terra como rendeiro, regressou a casa, lhe foi comunicado por empregado seu de que haviam telefonado do monte da herdade dizendo que três homens a cavalo - o Sr. António Capoulas e os filhos, Luís e Joaquim Capoulas - haviam levado, em carrinhas de caixa aberta, todas as vacas bravas, no total de 46, com as respectivas crias, 2 touros, 15 novilhos e 11 éguas, com 3 crias, que se encontravam a pastar em cercas da Herdade da Defesa. Isto é ou não verdade, Sr. Secretário de Estado?
Vozes do PCP: - É verdade, demita-se!
Protestos do PSD.
O Orador: - O Sr. Secretário de Estado está ou não, como rendeiro e familiar de rendeiros, viva e directamente interessado nesta matéria?
Vozes do PCP: -Está!
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O Orador: - Se está e se não refuta os factos que apresentei, como é que o Sr. Secretário de Estado, em nome do Governo, que bem poderia ter aqui mandado o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação ou outro membro do Governo, se encontra em condições políticas e éticas para vir aqui discutir esta matéria connosco?
Foi esta a questão que coloquei neste Plenário, no sentido de contestar e mais uma vez provar que os interesses do Governo nesta matéria, como noutras, não são os interesses do povo português, nem dos trabalhadores, nem dos pequenos agricultores, nem ainda do País, mas os interesses pessoais das suas próprias clientelas.
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro e protestos do PSD.
O Sr. Secretário de Estado da Alimentação: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Secretário de Estado?
O Sr. Secretário de Estado da Alimentação: - Para responder ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Embora, em termos regimentais, o Sr. Secretário de Estado da Alimentação não tenha direito a usar da palavra neste momento, dar-lha-ei, em todo o caso, para defesa da honra e consideração.
O Sr. Secretário de Estado da Alimentação: -Sr. Deputado Lino de Carvalho, quero, com serenidade e frontalidade, repetir o que disse há pouco: o meu pai não recebeu quaisquer reservas de rendeiro. O meu pai viu tão-só reestabelecido o seu direito ao arrendamento que detinha à data da ocupação da propriedade, já que os prédios foram devolvidos aos seus legítimos proprietários.
No que respeita ao caso, que referiu, das notícias veiculadas por alguns jornais e dos pedidos de inquérito, estou plenamente à disposição desta Assembleia, do seu grupo parlamentar e da Comissão Parlamentar de Agricultura para dar todos os esclarecimentos que entender necessários. Tenho um passado de que me orgulho...
Vozes do PCP: - Não é isso que está em causa!
O Orador: -... e uma dignidade que não aceita ser maculada por notícias de jornal e muito menos por amplificações que oportunisticamente, do ponto de vista político, o Sr. Deputado queira fazer.
Quanto à questão da legitimidade política para defender esta matéria,...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É isso que está em causa!
O Orador: -... dir-lhe-ia, Sr. Deputado, que ela cabe na minha tutela e que tenho conhecimento de causa suficiente para aqui a poder defender, com efectivo conhecimento dos factos, das circunstâncias e dos contornos políticos, porque acompanhei todo este processo desde 1985 até hoje.
Do que, porventura, o Partido Comunista gostaria era que estas malhos não fossem submetidas à consideração da Assembleia da República, as soluções não fossem
perspectivadas, as medidas não fossem tomadas e se eternizasse no tempo uma situação que tem sido tão penalizante para o Alentejo e para a sua agricultura.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Gostaria de solicitar aos intervenientes o favor de encerrarem este incidente o mais rapidamente possível.
Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, por nós, este incidente já estaria encerrado, mas, como o Sr. Secretário de Estado insistiu nele, temos regimentalmente o direito de novamente lhe dar as devidas explicações.
O Sr. Secretário de Estado da Alimentação não aprendeu bem, porventura, a lição que há pouco o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares lhe deu...
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lino de Carvalho podia ter evitado o aparte que acaba de fazer.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado, mas com mais moderação.
O Orador: - O Sr. Secretário de Estado insiste em confundir...
Vozes do PSD: - Isto não pode ser!
O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados a serenidade possível. Ao Sr. Deputado Lino de Carvalho peço mais uma vez, como Fiz antes de lhe conceder a palavra, que evite incisos desnecessários que conduzam ao prolongamento deste incidente.
O Orador: - Sr. Presidente, estamos num debate político e é no quadro do debate político que essas questões têm de ser consideradas.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado, o quadro do debate político tem certos limites e não abrange tudo.
O Orador: - Certo, Sr. Presidente, passemos ao tema em debate.
O Sr. Secretário de Estado insiste em confundir questões de ordem pessoal com questões de ordem política.
O Sr. Secretário de Estado sabe que, por exemplo, no caso da Herdade da Defesa, da actual Cooperativa de Salvador Joaquim do Pomar, foi atribuída uma reserva de rendeiro. E sobre essa reserva, nessa herdade como noutras, que há processos pendentes, instruídos com documentação que refere expressamente o nome do Sr. Secretário de Estado, o qual não pode contestar com meras afirmações vagas aquilo que são factos que estão registados e em relação aos quais há despachos proferidos e processos em curso.
O Sr. Carlos Brito (PCP): -É isso!
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O Orador: - Esta é que é a realidade, Sr. Secretário de Estado.
O que aqui quisemos fazer foi somente dar relevo a esta promiscuidade entre os interesses do Governo e os da sua clientela, onde se inserem os da clientela interna do próprio Governo e até, como se verifica neste caso, interesses pessoais.
O que quisemos relevar foi que, por detrás desta política agrícola do Governo -e este é um mero exemplo, no quadro geral da política que tem sido seguida - não está, como aliás o provam os números e os dados, nenhum objectivo claro de desenvolver a agricultura, de criar emprego ou estabilidade para os agricultores da região.
Sr. Secretário de Estado, se isso fosse assim, então por que é que, hoje, os trabalhadores agrícolas do Alentejo voltaram a ter que emigrar ou procurar emprego fora da região? Se fosse assim, por que é que as centenas de herdades que foram entregues, no tempo do governo do Dr. Sá Carneiro, a pequenos agricultores, já lhes foram expoliadas, para serem entregues, como reservas, aos antigos proprietários?
Se fosse assim, como é que se permite que, hoje, uma grande parte das terras estejam subaproveitadas ...
O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Estive lá a ver!
O Orador: - Tenha calma! Não se excite, Sr. Deputado!
Como dizia, como é que se permite que grande parte das terras esteja, hoje, subaproveitada, parte delas vendida a estrangeiros ou a companhias de celulose? É este o destino que os senhores querem para o Alentejo? Por que é que se continua a não querer fazer o que é fundamental, por exemplo, dar água ao Alentejo, para que ele possa desenvolver as suas culturas e ter uma política alternativa para esta fase de integração na Comunidade?
Protestos do PSD.
Efectivamente, Sr. Secretário de Estado, não há nenhuma política visível e clara que pudesse servir como alternativa ao trabalho e à obra que os trabalhadores rurais e os agricultores iniciaram.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Os senhores podem e têm o direito de não gostar da reforma agrária e das cooperativas e de entenderem que não há futuro para os pequenos agricultores. Mas os senhores têm o dever moral, ético e patriótico de apresentar uma alternativa para a região que não seja limitada às coutadas, às celuloses, à venda de terras para o estrangeiro, ao abandono, ao subaproveitamento e ao regime extensivo, como está a acontecer.
Essa era a vossa obrigação, com a qual não cumpriram, e os resultados que estão à vista são a condenação dessa política!
Aplausos do PCP.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: -Para defesa da honra do Governo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Apesar de não haver figura regimental que o permita, dado o «calor» da nossa discussão, vou dar a palavra ao Sr. Secretário de Estado e, depois, ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, para responder.
Em todo o caso, quero avisá-los de que não vou permitir que esta discussão prossiga nestes moldes.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, desculpe-me que lho diga mas, neste caso, entendo que há fundamento para invocar esta forma. E há-o, porque, se há pouco houve lugar à defesa da honra e da consideração pessoal do Sr. Secretário de Estado da Alimentação - mais do que justificada, diga-se -, nesta altura, há justificação absoluta para eu defender a honra do Governo, que não é tão difícil de defender como a honra da vossa bancada.
Aplausos do PSD.
O que quero dizer, Sr. Deputado, é o seguinte: nesta altura - digo-lhe, com toda a tranquilidade, porque não sou pessoa que se exalte com facilidade -, está a assistir-se a uma inversão completa das regras do debate político e VV. Ex.as estão a entender, como regras do debate político, coisas tão simples como o insulto, a suspeição, a calúnia ou a insinuação.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - São factos!
O Orador: - Isso não são, nem nunca foram, formas de fazer debate político, com algum nível, nesta Casa. As pessoas que por aqui passaram certamente que verão com muito maus olhos que esta Assembleia siga agora esse caminho, porque esse não é o caminho da sua dignificação. E nós não estaremos na disposição de fazer com VV. Ex.as um debate político a este nível!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Isto era motivo para a constituição de uma comissão!
O Orador: - V. Ex.ª não pode vir para aqui, brandindo factos que não pode provar, ao abrigo de um estatuto que lhe dá cobertura para dizer tudo aquilo que quer, sem responsabilização, e fazendo de um debate político, sobre uma questão nacional séria, um debate que acaba por colocar, em cima de uma pessoa, suspeições inventadas.
O seu grande problema é outro que todos nós conhecemos: é que a solução que os senhores quiseram dar ao Alentejo não vingou, nem vingará nunca! O vosso grande problema é que VV. Ex.as querem manter artificialmente o domínio da revolução e nós queremos o cumprimento da lei! O vosso grande problema é que VV. Ex.as ainda não se habituaram à mudança da Constituição e do quadro legal, que nós estamos a cumprir. Essa é a vossa grande dúvida, a vossa grande incerteza e a vossa grande debilidade!
Quando VV. Ex.as quiserem discutir seriamente esta autorização legislativa que aqui está sobre a Mesa, nós estamos dispostos a isso. Não estamos, no entanto, dispostos a ouvir aquilo que VV. EX.as têm a dizer em relação a estas pequenas questões, que são a vergonha desta Assembleia!
Aplausos do PSD.
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Vozes do PCP: - Isso é Tugir ao assunto!
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Mas qual 6 a vossa solução?!
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, para dar explicações, se assim o entender, quero repetir ipsis vertas aquilo que disse há pouco, ou seja: vamos por cobro a este incidente, de modo a mantermos a serenidade própria à continuação deste debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Secretário de Estado. V. Ex.ª não refutou nenhum dos factos que citei. Aliás, acredito que o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares não acompanhe alguns destes factos, a propósito da discussão deste pedido de autorização legislativa. Julgo, além do mais, que o Governo deveria ter maior cuidado, quando agenda e prepara estes debates, em encontrar formas de quem está aqui a discutir -como é o caso do actual membro do Governo que aqui está-, quando é parte no processo e quando há um envolvimento pessoal e concreto em lodo o processo, poder ser substituído por outro no debate destas questões.
A verdade é que há factos e que eles demonstram que há um envolvimento, uma mistura, uma promiscuidade, entre membros do Governo e a legislação que hoje estamos aqui concretamente a debater. Diria, como já aqui foi dito pela minha bancada, que, em qualquer país democrático, esta promiscuidade e esta falta de transparência -que, aliás, é clara, noutros processos de inquérito que passaram por esta Assembleia-daria, no mínimo, lugar à demissão do membro do Governo nela envolvido. Isto aqui não acontece, porque o Governo tem isso como hábito: esta linha de governamentalização, de abuso do poder, das benesses e de legislar para a sua clientela, é uma estratégia, uma filosofia, do próprio Governo que, naturalmente, vai ser condenada nas próximas eleições, em Outubro. Estes são os factos!
Aplausos do PCP.
E, quanto ao resto, Sr. Secretário de Estado, continuamos à espera da refutação dos factos concretos; continuamos à espera que o Governo, durante este debate, nos diga qual é a política alternativa que propõe para o Alentejo e para o Sul do País que constituem um terço do País, qual é a política alternativa que «têm na manga» para fazer face, neste período de integração comunitária, aos desafios que se nos colocam. Quais são os resultados concretos, os êxitos ou os fracassos, dessa política nos últimos anos? É que uma política mede-se petos resultados concretos! O resto, Sr. Secretário de Estado, é retórica que não tem nada a ver com a realidade que vai por esse país fora!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Decididamente, as autorizações legislativas não colhem a minha simpatia, nem sequer o meu entusiasmo. Porquê? Há pouco, quando falava das perversões do regime democrático, esqueci-me de referir esta, do abuso das autorizações legislativas. É que uma forma de, de algum modo, expropriar as competências desta Assembleia -embora esteja prevista a figura na Constituição-é através do exercício abusivo da figura da autorização legislativa, chamando o Governo a legislar sobre matérias cuja importância deveria relegar-se naturalmente para a Assembleia da República.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Gostava de estar aqui a colaborar com os Srs. Deputados da maioria e com os Srs. Membros do Governo na feitura da lei que vai sair desta autorização legislativa. E porquê? Porque julgo que é uma lei fundamental: trata-se da nossa organização fundiária, do nosso agro, da (erra sagrada que nós temos. E como sempre estive um pouco ligado quer às versões da Constituição (nomeadamente nesta) em matéria de política agrícola, quer as leis da reforma agrária que foram sendo feitas - menos aquelas que foram feitas sob a égide do Governo-, também me sinto espoliado deste prazer.
Gostava de ajudar a fazer uma lei perfeita e lenho uma vaga suspeita de que não vai sair uma lei boa. Estou preocupado com a altura em que o Governo decidiu fazê-lo: é que, entre este momento, em que obterá a autorização legislativa, e os 90 dias, em que se propõe fazer a lei, fecha o Parlamento! Ora, fechando o Parlamento, o Governo «foge» à possibilidade de fiscalização da lei que fizer pela via da ratificação, o que significa que vamos ter, no Verão, um show de entrega de terras a agricultores e, quando, em Outubro, nós chamarmos - se chamarmos- a lei à ratificação, provavelmente, as correcções que lhe introduzirmos já não terão o efeito de fazer andar para trás os erros que se tiverem cometido.
Isso preocupa-me, Sr. Secretário de Estado, e lamento que o Governo não tenha a percepção de que há leis que não devem deixar de ser feitas peto órgão competente para as fazer, que é a Assembleia da República. Esta é uma dessas leis. É uma daquelas em que o Governo não deveria consentir que a sua maioria parlamentar-que, em última análise, haveria de decidir sobre essa matéria, mas lendo que ouvir o nosso contributo crítico - acabasse por fazer aqui uma lei sobre este assunto.
Há pouco, o Sr. Deputado Basílio Horta apelidou isto de eleitoralismo ... De facto, neste final de sessão legislativa estão a acontecer tantas coisas que eram impensáveis no seu início (sobretudo da legislatura) que provavelmente o que está a presidir a isto tudo é apenas e só uma preocupação eleitoralista.
O Governo começa a sua exposição de motivos dizendo que «é orientação permanente do Governo reforçar o vínculo do homem à terra». Curiosamente, esta preocupação não era tão clara à data da revisão constitucional, porque a proposta que conduziu a esta alteração é nossa e não vossa. E a discussão que conduziu à consagração constitucional da entrega aos agricultores de terras em propriedade não foi tão pacífica como isso-leiam-se as actas da respectiva reunião da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Portanto, mais uma vez, o Governo faz o seu show, baseado em méritos que não tem, o que não tem muita importância. Mas, em todo o caso, não quero deixar de «puxar a brasa à nossa sardinha», porque esta proposta é nossa e quem se bateu por ela fomos nós. Por isso, vemos com agrado a preocupação do Governo, ao pretender concretizar este passo da Constituição. Infeliz-
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mente, mal, porque recorre a uma autorização legislativa e, infelizmente, tarde, porque já podia ter feito isto há muito tempo.
Formalmente, tenho dúvidas -embora, não mais do que isso - sobre se esta lei não teria de ser uma lei quadro, a lei quadro prevista no artigo 85.º, n.º l, da Constituição da República, e, como tal, teria de ser aprovada por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, sendo indelegável através da via da autorização legislativa. E isto porque o facto de se chamar expropriação àquilo que foi uma verdadeira nacionalização, com todos os matizes de uma verdadeira nacionalização, e até o facto de a expropriação ser uma forma de nacionalização de terras, faz com que isto seja abrangido pela exigência do artigo 85.º que fala na privatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção. Ora, a terra é um meio de produção. Se vier a entender-se isto, a constitucionalidade de todo este processo poderá vir a ser questionada. Não tenho prazer algum que isto venha a acontecer, mas corremos esse risco.
Por outro lado, existe aqui um outro aspecto, já focado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, de duvidosa constitucionalidade. É que a Constituição tem uma filosofia, um espírito e até uma letra. E a letra da Constituição diz que «as terras serão entregues» - não se diz «podem» mas, sim, «serão», o que é um imperativo! - a pequenos agricultores, a cooperativas de pequenos agricultores, ele. Ora, o Governo parece propenso a reduzir tudo isto a arrendatários e concessionários! Não sei se equivalerá à mesma coisa, o Sr. Secretário de Estado o dirá ... Mas se uma coisa não coincide com a outra, há uma desprotecção de gente que a Constituição quis proteger e as garantias proteccionistas previstas na Constituição não são fáceis de arredar por políticas conjunturais dos governos. Portanto, existem aqui estes dois aspectos para cuja constitucionalidade chamo a atenção do Sr. Secretário de Estado, para que o Governo faça uma ponderação sobre estes assuntos, se é que entende que o deve fazer.
Se fosse assim, ou seja, se tivesse de ser uma lei quadro, não só teria de ser elaborada por nós como - estando embora afastada a regra do concurso por natureza das coisas, uma vez que na parte agrícola isso parece estar manifestamente de fora - não estaria excluída a necessidade de o diploma conter normas relativamente ao destino das receitas, o qual teria de ser, evidentemente, idêntico ao produto de todas as privatizações.
Creio que é muito estranho prever aqui uma venda de terras e não haver uma palavra sobre o destino das receitas. O que é isto? Estamos aqui a fazer um orçamento suplementar, a arranjar um «saco sem fundo»? Temos de dizer alguma coisa sobre isto! Peço ao Sr. Secretário de Estado que «meta na cabeça» do Governo que também tem de se preocupar com este aspecto.
Em matéria deste melindre, em que a maioria vai, com certeza, insistir em aprovar a autorização legislativa que lhe é solicitada - seria a primeira vez que o não faria! -, é normal que a Assembleia da República ache exígua a definição dos aspectos essenciais da matéria a focar. Em meu entender, a lei de autorização legislativa está longe de balizar suficientemente a lei cuja autorização se pede a esta Assembleia que dê. Desta vez o Governo fugiu a apensar ao pedido de autorização o anteprojecto - e isso já foi aqui realçado-, o que também foi pena.
É claro que também tenho uma explicação para este facto. É que o Governo deve ter reunido e dito: qual o «número eleitoral» que vamos fazer esta semana? Como não tinha nenhuma outra matéria para agendar em Plenário, resolveu apresentar um pedido de autorização legislativa para a privatização das terras da reforma agrária. Claro que não tinha - e ainda não tem! - nenhuma ideia de qual seria essa lei e, assim, arranjou este pedido de autorização legislativa reduzido a três ou quatro elementaridades, o que explica a escassez de informações sobre a futura lei.
É esta a explicação que tenho! Sc não é esta, Sr. Secretário de Estado, não se melindre porque, como é óbvio, pode ser qualquer outra.
O Governo pede 90 dias. Ora, daqui a 90 dias a Assembleia da República está fechada e, portanto, não irá haver qualquer ratificação mas, sim, um bom show eleitoral de entrega de terras!... Não tenho a menor das dúvidas a esse respeito!
Outro aspecto técnico é este: o Governo não explica o que significa a expressão «venda e entrega de propriedade aos concessionários e arrendatários». O que significa este se»? Quer dizer que a entrega não é a venda? Pode haver uma figura de entrega sem venda? Tudo se reconduz à venda? Qual a diferença entre entrega, que é a expressão constitucional, e venda? Será que o Governo só concebe a venda ou também, em certos casos, a entrega gratuita ou por preço simbólico? O problema é que depois verificamos que o preço é, no fundo, apurado em termos de mercado, daquilo que as coisas valem! É uma transferencia remunerada, em que se diz aos arrendatários e concessionários o que as terras valem em termos de preço de mercado. É, no fundo, o valor correspondente à sua rentabilidade em lermos de mercado. Creio que será isso.
Ora, gostaria que o Governo tomasse em conta que a Constituição pensou nesta entrega, mas não, necessariamente, em termos mercantilistas. É correcto afirmar «quem pode, deve pagar», mas creio que deve haver um limite. E esse limite, Sr. Secretário de Estado, é este: como é óbvio, o Estado não deve cobrar das pessoas a quem vende as terras mais do que aquilo que pagou por elas. Em relação a isto, há, na verdade, uma garantia de uma relativa modicidade, porque se o Governo receber mais daqueles a quem vende as terras do que aquilo que pagou por elas, é o primeiro e o mais responsável dos especuladores. Isto não pode acontecer e espero que o Governo também não se esqueça disso!
Por outro lado, a Constituição não refere apenas «entregar». Diz que se deve entregar a quem é pequeno e médio e que o Estado tem de auxiliar essa gente. Auxiliar como? Cobrando-lhes o preço justo? Isso não é auxílio nenhum! Parece que deveria haver aqui linhas de crédito especiais, não bastando, evidentemente, a recondução do pagamento às 10 anuidades.
Digo isto porque pode acontecer que não se tome em consideração a rentabilidade da terra, como aqui se diz, mas, sim, o agregado familiar do arrendatário ou do concessionário. Este, às tantas, pode dizer «gostava de comprar, mas não tenho dinheiro. Tenho 10 filhos, um deles a estudar, e o dinheiro de que disponho é o suficiente para matar a fome à minha família. Façam-me o favor de dar a terra a um grande agrário, porque eu não tenho a mínima possibilidade de comprá-la».
O que proponho é que se considere um preço social, portanto não apenas contabilístico, que, em alguns casos, possa ir, inclusivamente, ale a um valor simbólico.
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Dar também não é correcto, porque todas as coisas devem ter o seu preço, resultar de algum esforço. Mais do que simbólico é possível que, em alguns casos, não seja razoável.
Aqui coloca-se o seguinte problema: nem todas as terras expropriadas foram entregues por concessão ou por arrendamento. Suponho que há algumas que não o foram e que outras ainda possam vir a sê-lo. E não vejo aqui solução nenhuma para este caso! O que se diz aqui é que são entregues aos arrendatários e concessionários. E as terras que não têm nem arrendatários nem concessionários? Entregam-se a quem? Tem de se dizer - como a Constituição o determina - que se entregam a pequenos agricultores, a cooperativas de pequenos agricultores, especialmente reunidos em unidades familiares. Se não se referir isto não se cumprirá, uma vez mais, a Constituição, ficará aqui uma lacuna grave e que 6 a de apenas se entregar as terras àqueles arrendatários que podem pagá-las, Ficando, porventura, o Governo com a possibilidade de entregar as restantes a quem quiser. Isto não é possível, porque a Constituição é imperativa e não facultativa!
Aqui tem, Sr. Secretário de Estado, alguns problemas que talvez sirvam para lhe tirar um pouco o sono, o que não será assim tão grave, porque com um Valium 10 a questão logo se resolverá...! Reconheça, porém, que a lei do seu Governo é manifestamente lacunosa, insuficiente para nos podermos, em consciência, pronunciar sobre ela. Provavelmente, não teremos razões para votar contra, porque a expectativa de uma boa lei transfere-se para a lei a fazer e não para a lei cuja autorização se dá. Veremos ainda como é que o meu grupo parlamentar irá encarar a alternativa abstenção, voto a favor, voto contra.
Outro aspecto ainda técnico - mais um para tirar-lhe o sono, mas deixe lá porque são só mais duas voltas na cama! - diz respeito às 10 anuidades para pagar o preço. E se falhar uma, Sr. Secretário de Estado? Segue-se a regra geral, que é duríssima? Neste caso, também se segue a regra geral? E se, ao fim e ao cabo, a exploração da terra não justificar a concessão em definitivo? Perde a terra e o que tiver pago por ela? Tudo isto são lacunas que o Governo, quer queira quer não, tem de enfrentar! É o tal problema de se querer resolver esta questão sem ter ainda pensado a sério na lei...
Depois diz-se aqui que a terra não pode ser objecto de qualquer negócio jurídico durante 20 anos. Nós fazemos muito esta distinção entre negócio jurídico e acto jurídico, mas espero que não estejam a pensar em pedir a um indivíduo que deixe a terra aos seus filhos, sobretudo se estes a cultivarem. Se um deles for doutor, universitário, aí já tenho as minhas dúvidas!... Tenham paciência, mas preocupem-se também com isto. O que é que acontece se morrer o indivíduo que ainda só pagou cinco prestações e que tem um filho que não quer dedicar-se à agricultura, ou vice-versa?
Estes são, pois, alguns dos aspectos lacunosos!
Um último aspecto (e também uma última volta na cama) é este: são 20 anos sem se poder alienar o direito adquirido. Aos 15 anos adquire-se por usucapião, mas aqui são precisos ainda mais cinco. Ao menos os 15 do usucapião, ou, talvez, menos ainda, Sr. Secretário de Estado... Porquê 20 anos? Vamos aqui alterar a regra geral? Como é que se conjugam as regras desta exigência com a figura do usucapião?
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados: Basta matéria esta para preocupações, a reforçar a ideia de que aqui, às claras, contraditoriamente até onde a maioria o conssentisse, é que esta lei deveria ser feita.
Falei há pouco em perversões do regime democrático. Esta é uma delas! Espero que a lei definitiva venha a ser melhor do que esta abordagem feita através do pedido de autorização legislativa. A esperança é a última coisa a morrer!...
Se assim não acontecer, em Outubro cá estaremos- e espero que com outra maioria! - para chamar à ratificação o diploma e corrigi-lo nos seus defeitos.
Aplausos do PS e do PRD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares e os Srs. Deputados Rui Machete e Basílio Horta.
Sendo assim, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado Almeida Santos, como vê, também não me excitei com a sua intervenção... Aliás, as suas intervenções não são, normalmente- embora haja alguns momentos em que isso não acontece -, de molde a excitar as pessoas. Antes pelo contrário: são de molde a adormecê-las e o único problema é o das «voltas na cama» que V. Ex.ª faz, eventualmente, as pessoas darem, com os seus remoques, as suas críticas e as suas apreciações!...
O Sr. Deputado Almeida Santos esteve lodo o dia aqui no Parlamento, o que é sempre bom, porque todos ganhamos com o seu contributo e com o seu prazer - que não é secreto, porque já é público - de participar na feitura de diplomas jurídicos importantes, como têm sido muitos na sua história parlamentar nesta Assembleia.
Por vezes, o Sr. Deputado Almeida Santos tem umas frases que parecem um pouco mais agrestes, mais bombásticas, mais ofensivas, mas que, no fundo, não o são nunca. Começa a falar em perversões da democracia, em perversões do sistema, em violações da Constituição, mas essas coisas, normalmente, não correspondem nem à realidade sonhada, nem à realidade antevista nem à realidade praticada.
É o que acontece com o caso que está agora aqui em apreço! É evidente que uma autorização legislativa pede-se dentro dos limites e nos termos da própria Constituição. Ora, o Sr. Deputado Almeida Santos não descobriu, com certeza, nesta autorização legislativa nenhuma coisa que ofendesse o sentido ou o alcance e que não desse uma ideia clara da lei. E tanto assim é que V. Ex.ª discreteou abundantemente não só sobre a autorização legislativa mas também sobre aquilo que é o seu prazer secreto- agora, público -, que, ao fim e ao cabo, é o diploma a ser produzido ao abrigo desta autorização legislativa.
Gostaria só de lembrar-lhe três pequenas coisas. Em primeiro lugar, V. Ex.ª fez uma alusão à razão de ser da possibilidade de hoje em dia virmos falar deste assunto em termos de lei e referiu-se à revisão constitucional. O problema do Sr. Deputado Almeida Santos é sempre de tempo, porque, como bem compreenderá, a questão em análise não tem a ver com esta revisão constitucional. Esta solução foi tentada na revisão constitucional de 1982, mas, infelizmente, não foi aceite pelo PS.
Não estamos aqui a reivindicar a autoria moral ou material deste benefício. O que importa é o que o Sr. Deputado disse (aliás, está abundantemente explanado nas próprias actas da Comissão de Revisão Constitucional) e que
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é o seguinte: isto é um benefício em si mesmo, algo de necessário que foi acrescentado, na revisão constitucional, à Constituição. Ora, é no uso dele que se encontra contemplado no n.º 2 do artigo 97.º, que o Governo vem aqui resolver o problema.
Em relação à entrega em exploração, assunto sobre o qual V. Ex.ª também discreteou abundantemente, já existe a Lei n.º 63/89 e ela não é, nem se pretende que seja, abrangida por este diploma que estamos aqui a tratar.
Outra questão, Sr. Deputado: que autorização legislativa não deixa que os deputados se pronunciem? Mas o que é que V. Ex.ª fez até agora se não isso? Que autorização legislativa não deixa que a Assembleia se pronuncie sobre a medida legislativa em si? O que é que o Sr. Deputado fez até agora se não isso? O que é que V. Ex.ª fez até agora se não dar-nos alguns contributos, importantes porventura, em relação à perfeição da lei? Nós temos sempre uma postura de humildade perante V. Ex.ª!... O Sr. Deputado só nos dá contributos positivos, excepto, por vezes, alguns arrobas teóricos, literários que tem, mas esses ficam completamente de lado porque, como é evidente, não os aproveitamos.
Se o Sr. Deputado nos disser que há fórmulas jurídicas susceptíveis de ultrapassarem as previsíveis inconstitucionalidades que estariam no diploma a ser publicado de acordo com esta autorização, apreciaremos e agradeceremos os seus contributos; se V. Ex.ª disser «bom, mas pode haver mais benefícios aos adquirentes», aproveitaremos os seus contributos, na certeza, porém, de que o que aqui está é a tentativa de resolução séria de um problema que existia, que só foi passível de ser resolvido depois da revisão constitucional e que, em concreto, só nesta altura o Governo - este e não outro- está, na verdade, a tentar resolver.
Sr. Deputado Almeida Santos, dir-lhe-ei ainda mais, em relação a outra questão que se pode pôr e que o grupo parlamentar do PCP levantou em tempo devido mas que, depois toda daquela excitação -mais dele do que nossa -, não conseguiu ver respondida: vinculando-nos a uma decisão do Tribunal Constitucional, estamos dispostos a aceitar, no próprio processo de autorização legislativa, que a discussão pública se faça.
Portanto, V. Ex.ª tem aí, também, uma questão de constitucionalidade que se poderia colocar mas que nesta altura, penso, deverá ser e será arredada pela nossa intervenção, pela intervenção de todos e da Assembleia.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Maninho.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, deseja responder já ou no final?
O Sr. Almeida Santos (PS): - No final, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, muito rapidamente para lhe dizer que, apesar de, na generalidade, estarmos de acordo com o que disse, há, contudo, uma parte sobre a qual gostaria que esclarecesse a Câmara, até para efeitos de registo.
V. Ex.ª diz que «nas propriedades que foram expropriadas e que não foram entregues em exploração a expropriação não se efectivou». Não pensa V. Ex.ª que essas propriedades estão abrangidas pela «reversão», nos termos da actual legislação, uma vez que a nacionalização ou expropriação não foi exercida dentro do prazo em que legitimamente se poderia pressupor o interesse do Estado?
O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, algumas das considerações que gostava de colocar à ponderação de V. Ex.ª já foram expendidas pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Em todo o caso, permitia-me, de algum modo, insistiu.
V. Ex.ª teve oportunidade de sublinhar a importante contribuição que a última revisão constitucional deu no sentido de valorizar a iniciativa privada, a sociedade, e é por essa circunstância que nós, hoje, podemos estar aqui a discutir esta autorização legislativa. E, nesse aspecto, devo sublinhar o contributo que o Partido Socialista em 1989, e não em 1982, deu nesta matéria.
Mas também gostaria de lhe referir que não compreendi inteiramente os aspectos que V. Ex.ª referiu acerca do problema das autorizações legislativas em si.
A verdade é que temos de ser coerentes, pois admitimos claramente na revisão constitucional que o Governo podia pedir autorizações legislativas em determinadas matérias e esta é uma delas. Portanto, penso que não é para o nível de jurista e de político que V. Ex.ª tem, porque neste momento lhe convém, sublinhar esse aspecto.
É bom que a Assembleia legisle, nas matérias da sua exclusiva competência, com proficiência e não é mau nem é necessariamente negativo que dê as autorizações legislativas que a Constituição, justamente, admite que sejam outorgadas. O ponto é que as autorizações sejam devidamente discutidas. Ora, nesse capítulo, V. Ex.ª deu uma contribuição significativa e uma vez que, de acordo com a doutrina do Tribunal Constitucional -que não é uma doutrina isenta de dúvidas mas que temos, naturalmente, de acatar-, ficou resolvido, digamos, que se passaria a ler uma audição dos interessados em determinadas matérias, a propósito da própria autorização legislativa, isso significa que a discussão vai ser muito mais ampla do que aquela que, inicialmente, poderia ser previsível. E, portanto, também aí, V. Ex.ª vai ter uma oportunidade de, ao tomar em consideração as sugestões que a discussão pública vier a dar, renovar as suas críticas, eventualmente fazer outras ou apresentar propostas de alteração desta lei de autorização legislativa.
Referiu ainda V. Ex.ª outro ponto, em relação ao problema do preço, que não compreendi inteiramente. V. Ex.ª disse que o preço não deveria traduzir-se num preço calculado apenas em termos analíticos, como estava previsto na proposta de lei de autorização legislativa. Porém, a verdade é que se os resultados a que se chegar nesse preço forem resultados que acabam por ser ridículos, não sei se se justificará muito entregar uma terra que, afinal de contas, não pode ter um rendimento que justifique um preço.
Contudo, se V. Ex.ª insistir na necessidade de facultar os meios financeiros para que os agricultores possam ter um acesso directo à propriedade, isso compreendo; agora, jogar na matéria do preço, parece-me manifestamente um equívoco.
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O último ponto que gostaria de referir é o relativo à menção do título jurídico em que a terra é entregue, que não percebi muito bem, visto que o objectivo, claramente, é o de entregar em propriedade.
Com efeito, toda a economia da autorização legislativa visa esse objectivo. Pode haver uma fase intermédia, preparatória, mas o objectivo final 6 certamente a alienação da propriedade por parte do Estado e, consequentemente, a aquisição da propriedade por parte dos agricultores.
E tanto assim é que, depois, o artigo da proposta de lei limita-se ao negócio jurídico de alienação e o acto jurídico, como será o da sucessão, não é abrangido, por razões evidentes.
Deste modo, essa crítica quanto ao negócio jurídico, que é uma garantia, não me parece efectivamente fundamentada; gostaria, todavia, que V. Ex.ª esclarecesse o seu pensamento sobre esse ponto.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
Antes, porém, chamava a atenção do Sr. Deputado para o facto de dispor apenas de 2,1 minutos, embora a Mesa não vá ser mais rigorosa com V. Ex.ª do que foi com o Governo e com o PCP.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Penso que o tempo chega. Em todo o caso, é pena mais esta limitação de tempo. Se estivéssemos na comissão, teríamos o tempo todo para discutirmos todos estes problemas.
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, se as minhas frases são agrestes, são contra a minha natureza porque, por definição, não sou agreste, mas, enfim... às vezes são mais firmes do que talvez devessem ser, embora eu ache que o debate parlamentar inclui alguma firmeza e alguma veemência, sem que devamos reagir como uma «flor de cheiro».
Realmente falei das lacunas e sobre o que cá está disse até quais os aspectos que me levantam problemas; mas falei sobretudo do que cá não está e devia estar. Sei que é normal pedirem-se autorizações legislativas - e com isto passo a responder já ao Sr. Deputado Rui Machete -, mas, com efeito, uma coisa é o direito de usar uma figura e outra o abuso dessa figura. Creio que o uso não legitima o abuso e todos nós estaremos de acordo em que quando, na última revisão constitucional, criámos uma espécie de matérias que constituiu a reserva absoluta, indelegável no Governo, quisemos, desde logo, dizer que «há matérias cuja importância não é delegável». Antigamente, como sabe, todas eram, mas agora só as da competência relativa da Assembleia é que são delegáveis.
Não sei se nas matérias de competência relativa não há algumas que também deveriam ser não delegáveis... A experiência está-nos a ensinar.
O Sr. Rui Machete (PSD): -É um direito do Governo, Sr. Deputado!
O Orador: - Já sei, já sei, Sr. Deputado! Não pus em causa o direito de o Governo pedir esta autorização legislativa, mas o que lhe posso garantir ó que, com outra composição parlamentar em que as maiorias fossem circunstanciais, o Governo não «levava» normalmente, penso eu, esta autorização, porque é exactamente um tipo de lei que tinha toda a vantagem em ser feita aqui, com a presença do Governo, como é óbvio. Vinha cá o Sr. Secretário de Estado, vinha cá o Sr. Ministro da Agricultura, debatíamos o diploma na generalidade, iríamos à comissão e, mesmo assim, havia de sair uma lei com algumas lacunas e algumas dificuldades. Assim, vamos ver a lei que vai sair... Não perco a esperança porque, como já disse, a esperança é a última a coisa a desaparecer... É claro, Sr. Secretário de Estado, que as normas e as soluções jurídicas colhem-se quando estão maduras, como o fruto das árvores. Curioso, ao que parece, é que o PSD, segundo a sua versão -não estou recordado disso - bateu-se pela solução em 1982 e não se bateu por ela em 1989. É claro que, nessa altura, esqueceu-se... Nós, porém, opusemo-nos à solução na 1.º revisão, mas batemo-nos por ela na segunda... O fruto estava maduro! Tudo tem a sua época...
Acerca dos contributos que venho dando, peço para os não confundir com os que estou a dar, agora, com alguma ligeireza, porque não fiz o estudo que deveria ter feito desta proposta de lei, pois, como disse, as propostas de lei de autorização legislativa não me mobilizam para aquele contributo que poderia dar se estivéssemos na comissão a debater um diploma durante duas ou três tardes, artigo a artigo, palavra a palavra. E é isso que tenho pena que não aconteça numa lei desta natureza.
Quanto a possíveis inconstitucionalidades, vão apreciar. Fico satisfeito, já não é mau que o Governo, pela primeira vez, dê, neste aspecto, algum sintoma de humildade, que bem carecido dela anda, nestes últimos tempos.
Também não falei na audição pública porque parece-me não ser um problema do Governo mas, sim, da Assembleia, pois se o Tribunal Constitucional entende que, nesta fase - a meu ver discutivelmente, no que também estou de acordo consigo-, devem ouvir-se os interessados, quem tem de ouvir somos nós e esta não era, portanto, uma observação que devesse fazer ao autor da lei. Com efeito, isso é connosco, o Governo não tem nada com isso...
O Sr. Deputado Basílio Horta pergunta se as propriedades não entregues devem ser objecto de reversão. Podem ser ou não, porque há casos em que a reversão se justifica e outros em que se não justifica, sobretudo quando elas contribuírem para a reconstituição do latifúndio, que continua, como sabe, a ser constitucionalmente proibido.
Hoje, acordei muito sensível -o Sr. Dr. Montalvão Machado já me ralhou por isso-, ao problema da desvalorização da Assembleia da República e, Sr. Dr. Rui Machete, acho que isto de nos tirarem a feitura desta lei é uma forma de desvalorizar o Parlamento. É claro que se fosse um acto já legislado, era capaz de não dar por ele. Mas as críticas ao Parlamento... eu sei lá... depois de tudo o que tem acontecido e que não vamos agora estar a lembrar,... ainda por cima retirar-nos a possibilidade de discutirmos as leis fundamentais, transformando o Governo no órgão legislativo principal e a Assembleia no órgão legislativo secundário, sinceramente sou sensível a esta «expropriação».
Portanto, já referi porque é que não falei na discussão pública e devo dizer também que não estou muito de acordo que seja nesta fase.
Quanto ao preço, acho sinceramente, que a Constituição aponta para um preço social. Portanto, este preço analítico, este preço mercantilista, este preço contabilista fere a minha sensibilidade.
Quando puder ser, claro que sim! Quando um indivíduo receber uma fatia de terra tão importante, tão produtiva e tão rica que pagar o preço seja para ele um sacrifí-
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cio normal, claro que sim, é óbvio que, penso, deverá ser o justo preço. Mas, como será quando não for?! Como será se ele, porque tem uma família numerosa e aquilo rende pouco ou porque, em determinado ano, houve um cataclismo, não puder pagar o preço? Nos termos normais de direito, vencem-se todas as outras prestações?
Também tenho a certeza de que, embora o não tenha dito, o Governo não teve no seu espírito a ideia de impedir que a herança produza os seus efeitos. O que digo é que se em alguns casos a herança deve produzir efeitos, há, porém, outros em que não deve. É que se a entrega da propriedade a quem a trabalha configura a justificação destas medidas, não tendo o agricultor um filho que se dedique à agricultura, não sei se não será de prever outra solução qualquer. Não sei, sinceramente!
Suponhamos que, ao fim de um ano, a pessoa que trabalha a terra morre e deixa quatro filhos doutores, todos com as unhas muito bem tratadas. Será caso para lhes deixarmos a terra, de modo que eles depois negoceiem com outro qualquer? É um problema a pôr. Talvez sim, talvez não...
De facto, parece-me que não está em causa outro título que não o da propriedade - ou o da posse, que também continua a prever-se. O que coloquei em causa foi se a única figura jurídica seria a da compra e venda, ou seja, se a entrega poderia ser feita a outro título que não o da compra e venda.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O CDS gostaria muito - sinceramente o dizemos - de votar a favor desta autorização legislativa. E, mais ainda, gostaria de votar a favor de uma lei acabada, que fosse não uma lei de reforma agrária mas uma lei estruturante de reforma da agricultura portuguesa. Temo-nos balido por isso, pois gostaríamos que houvesse um início de mudança relativamente ao que foi a reforma agrária - política que tanto atacámos-, e penso que este caminho seria um claro indício de mudança. Por isso, sinceramente gostaríamos de votar a favor do caminho que esta autorização legislativa parece indicar. Contudo, por duas ordens de razão, não o poderemos e não iremos votar a favor desta autorização legislativa.
Em primeiro lugar, porque a venda das terras a rendeiros do Estado é, como já tivemos ocasião de dizer, um caminho seguro para fixar à terra unidades de produção que se pretendem ricas, rentáveis e com dimensão europeia. Na verdade, é tempo de acabarmos com o miserabilismo do pequeno agricultor pobre, carenciado, curvado sobre a terra, a produzir de manhã e à tarde aquilo que come à noite. É que há unidades familiares que têm grande dimensão, grande rentabilidade. Há, em Portugal, unidades cooperativas - elas existem, e o PCP sabe isso! - que exploram grandes dimensões de terra e que estão organizadas, algumas das quais com grande rentabilidade. E não podemos estar a encarar isto com preços sociais e com «rodriguinhos» em relação a muita gente que nada tem a ver com isso, que não merece isso porque não está nessas condições.
Felizmente, a agricultura portuguesa já não é hoje aquela que era há 100 anos. E nós queremos que o não seja de lodo em todo, isto é, que o agricultor tenha as ajudas directas que merece e que a Comunidade lhe possibilita ler, mas que não necessite de esmolas, de ser protegido como um incapaz sobre o qual pende uma capitis diminutio de séculos, de que não se pode libertar. Não é esta a nossa visão das coisas.
O problema não está, pois, no preço - não vamos entrar nessa demagogia - mas, sim, no facto de que não consideramos sério nem correcto que o Estado se apresente aqui disponível para vender, sem antes ler pago aos legítimos donos da terra.
Nós lemos proprietários da terra que têm indemnizações provisórias e não lenho conhecimento de nenhum que tenha uma indemnização definitiva. Não percebo, pois, como é que o Estado, que condena o particular que vende a terceiros sem pagar primeiro ao antigo proprietário, se coloca precisamente na mesma situação!
O Sr. Secretário de Estado diz que vai ser aprovada uma lei. Onde é que ela está? Quais são os critérios? Onde está essa lei que regulariza, da parte do Estado e da Administração, um dever não apenas jurídico mas também ético?
Por conseguinte, Sr. Deputado Almeida Santos, não estou nada seguro de que o Governo não se apresente aqui com esta lei para fazer uma mais-valia. Não o tem feito nas empresas de serviços e nas empresas industriais? Não está a receber e a encher os cofres, depois de pagar misérias aos anteriores proprietários? E depois, quando se diz isto, afirmam que não têm a culpa, que esta foi da Revolução e não do Governo.
Então V. Ex.ª ainda acha que este caso é uma excepção? Porquê?! Não está a lavoura habituada a que lhe tirem também? Repare, V. Ex.ª, por exemplo, no célebre caso do subsídio de gasóleo, que. aliás, vai ser discutido, aqui, depois de amanhã. Repare só nisso!
E vem o Governo, agora, em vésperas de eleições, dizer: «Vamos dar 2 milhões de contos à lavoura». Que coisa espantosa!... Mas, até ao fim deste trimestre, só em matéria fiscal que incide sobre o gasóleo, foi buscar 12,2 milhões de contos! Vai, de facto, agora, dar 2$ milhões mas recebeu mais de 12!
Bom, para dizer a verdade, já estamos habituados a estas generosidades, que, em termos eleitorais, são excelentes, nomeadamente quando são reproduzidas através dos órgãos de comunicação social e da forma que todos conhecemos, mas, no fundo e por dentro, não correspondem nem à verdade nem à intenção de fazer uma política limpa, clara e definida, em que iodos nos possamos rever ou, mesmo nas nossas discordâncias, aceitar. E esta é uma das razões que nos impede de votar a favor da proposta de lei em discussão.
Em segundo lugar, e muito rapidamente, gostaria de salientar que uma outra razão está no facto de não sabermos quem é que vamos beneficiar. Sinceramente, não sabemos quem é que o Governo vai beneficiar e, ao contrário do que acontece nas empresas de serviços e nas empresas industriais, não sabemos quem são os rendeiros do Estado.
Deste modo, poderemos nós tratar da mesma forma o pequeno rendeiro, a pessoa que começa de novo ou o jovem agricultor sem meios e a grande unidade cooperativa, que explora milhares de hectares? É tudo a mesma coisa? Mas como? Temos de conhecer! Como é que podemos dar uma autorização cegamente, sem conhecermos o universo a quem nos dirigimos? Este é um aspecto importante, que também nos impede de votar a favor desta proposta de lei.
Finalmente, quero apenas dizer que gostaríamos, sinceramente, de poder colaborar na feitura de uma lei estru-
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turante, que fosse efectivamente a reforma agrária que nós, democratas-cristãos, defendemos, isto é, a reforma da ligação permanente do homem à terra e que difunda a propriedade. Em suma, uma lei que pudesse ser discutida recebendo contributos, para que depois de votada pudesse ser um caminho seno e não apenas um caminho eleitoral. Como, em nosso entender, este 6 um caminho puramente eleitoralista, não podemos estar nessa «procissão», nesse cortejo que o PSD quer, mais uma vez, fazer desfilar perante o País. Para isso não podem contar connosco!
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O pedido de autorização legislativa agora em discussão marca claramente a diferença que existe entre aquilo que era a Constituição antes da 2.ª revisão constitucional e a Constituição actual. Se a 1.º revisão constitucional, em 1982, foi, sobretudo, marcada e caracterizada pela depuração, na orgânica do Estado, daquelas sequelas mais vivas do período revolucionário e menos compatíveis com o sistema democrático e pluralista, a 2.º revisão constitucional caracterizou-se pela valorização da sociedade e das suas instituições não apenas nos domínios económico e social mas lambem em iodos os outros sectores da actividade em que o homem pode desenvolver as suas capacidades.
Isso é particularmente nítido nos «Princípios fundamentais» e ao longo de toda a parte i da Constituição, em que se afirma claramente o reconhecimento da importância das formações sociais, da capacidade da iniciativa privada e de tudo quanto resulta do esforço do homem. Por esse motivo, é extremamente importante que esta Legislatura não passe sem, justamente, se aproveitarem essas potencialidades que a Constituição nos oferece.
Ao fazer-se esta acentuação dos valores do espontaneísmo social e da capacidade da iniciativa privada, nos diversos sectores da vida em comunidade, temos uma clara aproximação da Constituição formal à Constituição material - e, no fundo, a Constituição ganha com isso legitimidade e autoridade.
A abertura do ordenamento jurídico-constitucional à realidade da vida social, aos valores verdadeiramente interiorizados e vividos pela maioria dos portugueses, com supressão dos propósitos de transformação radicais avançados por minorias iluminadas, reconduz a nossa lei fundamental ao papel que cabe a todas as Constituições dignas desse nome: garante da ordem democrática e dos direitos fundamentais e de traço de união entre todos os cidadãos. É por isso que esta iniciativa legislativa do Governo nos parece oportuna.
A circunstância de numa matéria desta delicadeza e deste melindre ser em resultado de um aresto do Tribunal Constitucional -que é certamente discutível mas que nos cumpre acatar- estamos vinculados a ouvir os interessados, nos termos do artigo 101.º da Constituição da República Portuguesa, vai por uma circunstância que é, neste caso, feliz, permitir que se faça uma reflexão mais profunda ainda do que aquela que resultaria de um debate parlamentar rico mas, necessariamente, fugaz como este terá de ser.
Por isso mesmo, algumas das dificuldades, ou das dúvidas, que foram aqui apresentadas poderão, certamente, ser objecto de esclarecimento, quer de um ponto de vista formal, através da sua inserção no texto da autorização legislativa, quer, eventualmente, para serem tomadas em consideração pelo Governo no decreto-lei posteriormente a utilizar.
O Sr. Deputado Almeida Santos fez aqui duas observações. Em relação a uma delas, a do uso da figura de autorização legislativa, já tive oportunidade de tecer algumas considerações, mas. em relação a outra, sobre se se não justificaria a inclusão desta matéria no âmbito da lei quadro, tal como está prevista no artigo 85.º da Constituição, também merece uma ponderação atenta.
Quanto à autorização legislativa, podemos convir que há, certamente, leis que pela sua importância devem ser elaboradas pela Assembleia da República, mas elas são, por definição, aquelas em que a Assembleia reservou por absoluto a sua competência. Se a Assembleia, usando poderes constituintes, admitiu, como aqui o fez expressamente, a possibilidade de uma autorização legislativa, isso significa que, no pensamento do legislador constitucional, não é um menoscabo da Assembleia faze-lo como aqui o estamos a fazer.
No que respeita à inclusão desta matéria na lei quadro, prevista no artigo 85." da Constituição, penso que não é uma conclusão que se imponha. Aliás, V. Ex.ª, Sr. Deputado Almeida Santos, referiu-a em termos dubitativos e eu penso que a dúvida deve resolver-se pela negativa. Efectivamente, o artigo 85.º da Constituição tem, claramente, a sua história na modificação do artigo 83.º e, tal como está definido no artigo 296.º, as características fundamentais da lei quadro não são adaptáveis à ideia de atribuir terras em propriedade a agricultores ou a empresas familiares cuja fórmula nem sequer, normalmente, está estruturada em termos jurídico-formais. Por consequência, não parece que tenha sido esse o pensamento do legislador e esteja no âmbito dos artigos 85.º e 296.º da Constituição incluí-la.
Por outro lado, penso que existe uma observação que tem de ser analisada com cuidado e que se reporia ao ponto de o artigo 97.º da Constituição dizer que «As terras expropriadas serão entregues a título de propriedade ou de posse, nos termos da lei, a pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades de exploração familiar, cooperativas [...]».
A caracterização do universo dos destinatários da entrega das terras em propriedade, deve, a meu ver, exigir uma definição mais pormenorizada do que aquela que faz a autorização legislativa, sob pena de poderem levantar-se dúvidas, que seriam, naturalmente, indesejáveis, acerca da constitucionalidade material da autorização legislativa.
Essa é, justamente, uma das vantagens da discussão aqui feita: permitir que, da troca de impressões, se venham a formular em termos mais precisos e mais correctos as directrizes dadas ao Governo para legislar nesta matéria sensível.
Diria, portanto, que o Governo, ao apresentar esta proposta de lei de autorização legislativa, aproveita uma das virtualidades abertas pela lei da revisão constitucional e, nesse sentido, sublinha a importância da sociedade civil, que, justamente, foi liberta das peias que a condicionavam pela revisão de 1989, e presta, por isso, um serviço importante. Ponto é, naturalmente, que a formulação legislativa, que, na sequência deste pedido de autorização legislativa venha a ser feita, seja feliz. Mas esse é o risco
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que sempre correm todas as formulações legislativas; porém, o Governo tem dado provas de que é possível encontrar soluções capazes e que merecem aplauso.
Aplausos do PSD.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa regista apenas a inscrição do Sr. Deputado Lino de Carvalho para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Carlos Lilaia. Portanto, antes de lhe dar a palavra e antes da respectiva resposta, quero informar a Câmara de que, após estas duas intervenções, passaremos ao período de votações.
Tal como foi anunciado, esse período engloba a votação dos diplomas a que se referem as ratificações n.º 152/V (PS) e 155/V (PCP), a votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 181/V (depois de terminada a sua discussão, é óbvio) e, ainda, as votações finais globais do relatório e texto das alterações, votadas na especialidade pela Comissão de Defesa Nacional, aos Decretos-Leis n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, e 57/90, de 14 de Fevereiro [ratificações n.º 110/V e 118/V (PCP)] e do texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da proposta de lei n.º 145/V - Lei da identificação civil e criminal.
A votação da proposta de lei n.º 16/V - Organização judiciária de Macau não será feita hoje, uma vez que ainda não terminaram os trabalhos em sede de comissão, pelo que ainda não há relatório.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho, utilizando, para o efeito, tempo cedido pelo PRD.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado Rui Macheie, eu tinha alguma esperança de que o Sr. Deputado viesse, com a sua intervenção, esclarecer e clarificar alguns pontos do pedido de autorização legislativa e que o Governo não fez quando questionado, a fim de dar um verdadeiro sentido ao que estamos aqui a discutir e ao que iremos votar.
Por isso, vou fazer-lhe umas perguntas muito concretas, na presunção de que o Sr. Deputado me saberá responder e com o objectivo de aprofundar e ter uma ideia mais exacta do que estamos aqui a discutir e podermos, portanto, votar em consciência.
A primeira questão - o Sr. Deputado, de algum modo, abordou na parte final da sua intervenção - diz respeito ao universo dos destinatários desta proposta de lei.
Ora, a Constituição diz que a terra expropriada será entregue a título de propriedade ou de posse a pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades de exploração familiar ou trabalhadores integrados em cooperativas, e, neste momento, existem umas centenas de pequenos agricultores e umas dezenas de cooperativas que têm contratos de arrendamento com o Estado, já há alguns anos. Portanto, Sr. Deputado, quais os destinatários a que esta proposta diz respeito? São os pequenos agricultores e as cooperativas que hoje têm contratos de arrendamento firmados com o Estado?
E mais, Sr. Deputado: o período probatório mínimo de 10 anos, a que se obrigam para poder fazer depois a entrega em propriedade, diz respeito ao passado? Isto é em relação ao período desde que tem os contratos de arrendamento até hoje ou será que só diz respeito ao futuro? Se assim for, quais as condições?
Este é um conjunto de questões que gostaríamos que ficasse clarificado para termos ideia de quem é que vai, no fundo, ser o beneficiário destas terras.
Segunda questão: o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, em Junho do ano passado, dizia, nesta Assembleia: «O Governo pensa criar mecanismos de acesso a financiamentos por parte dos pequenos e médios agricultores, por forma que possam aceder à terra». Bom, os pequenos agricultores e, certamente, as cooperativas, uma vez que a Constituição as coloca em pé de igualdade.
Mas a questão é esta: o Sr. Deputado conhece alguma iniciativa legislativa do Governo que acompanhe este pedido de autorização legislativa, que dê corpo, que concretize esta promessa e este procedimento que o Sr. Ministro aqui anunciou, sem o qual - como, aliás, o Sr. Deputado certamente estará de acordo - os pequenos agricultores e as cooperativas não terão capacidade financeira para esses encargos? Portanto, nestas circunstâncias, estar a dizer que iríamos entregar a terra para depois os destinatários não terem meios financeiros para adquiri-la era o mesmo que dizer que a terra iria ficar, na prática e porventura, vazia, sem ninguém, ou que voltaria à posse dos antigos proprietários!
Ora, assim sendo, será que o Sr. Deputado conhece alguns mecanismos que possam concretizar e permitir dar efectivo corpo ao acesso à posse da terra por parte de pequenos agricultores e de cooperativas?
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, relativamente à primeira questão que me colocou, já tive oportunidade de referir que o n.º 2 do artigo 97.º da Constituição terá de ser acatado, mas lambem não se deve inferir, daquilo que vem mencionado na alínea a) do artigo 2.º do pedido de autorização legislativa, que ele é desrespeitado. E explico porquê: aqui referem-se «os arrendatários e os concessionários» justamente porque se parte do princípio de que, uma vez definido aquele universo, pelo n.º 2 do artigo 97.º da Constituição, é preciso, além disso, que eles sejam arrendatários e concessionários. Poderá V. Ex.ª dizer: «Bem, mas talvez seja preferível voltar a repeli-lo aqui». Não vou fora disso, razão pela qual, cautelarmente, referi a utilidade de no pedido de autorização legislativa incluir essa menção.
De qualquer forma, já pela circunstância de as entidades referidas no n.º 2 do artigo 97.º serem as únicas que podem ser os arrendatários e concessionários, considerados na autorização legislativa, esse aspecto estava, a meu ver, considerado no pedido de autorização legislativo.
Quanto à segunda observação que fez acerca do problema do prazo, posso dizer-lhe que ele tem de ser medido para trás e para diante, isto é, todo o período do arrendamento ou da concessão será considerado. Portanto, soma-se àquilo que já existiu aquilo que vai existir, pois, o contrário não faria qualquer sentido, porque seria uma lei aplicável apenas daqui a 10 anos, o que, manifestamente, seria absurdo. Relativamente à terceira observação que o Sr. Deputado fez, a propósito do financiamento, dir-lhe-ei que essa previsão não tem de vir no pedido de autorização legislativa, mas é evidente que se o Governo está interessado, como é patente neste pedido de autorização legislativa, em promover o acesso à propriedade, então, vai ter de congeminar os mecanismos adequados para que esse acesso seja possível e praticável e um deles,
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obviamente, é o do financiamento em condições apropriadas. Mas V. Ex.ª diz: «Era bom que aqui isso viesse referido». Bem, por aí caminharíamos no sentido - que o Dr. Almeida Santos preferiria- de, na prática, sermos nós, aqui, a legislar no detalhe.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, entendo que não devemos cair nesse exagero, mas, certamente, na discussão que vai ter de fazer-se a propósito da consulta aos interessados -que, nos termos do artigo 101.º da Constituição se seguirá -, o Governo terá oportunidade de esclarecer as suas intenções, ale porque disso depende, obviamente, o êxito da sua própria política.
Resta-me dizer-lhe que me maravilha sempre o entusiasmo e, porque não dizô-lo, a tempera com que os comunistas, apesar dos desaires que tom acontecido no Leste, continuam a defender determinado tipo de soluções. Não posso deixar de lhe agradecer a circunstância de ler sido tão cuidadoso, de modo a garantir que a política do Governo, nesta matéria, seja um êxito, lembrando-me a necessidade de assegurar boas condições de financiamento.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate da proposta de lei n.º 181/V.
Srs. Deputados, seguindo a ordem que, há pouco, enunciei, vamos votar o requerimento de recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 7/91, de 8 de Janeiro - Transforma a empresa pública Electricidade de Portugal (EDP), E. P., em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos [ratificação n.º 152/V (PS)].
Submetido â votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PS, do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e a abstenção do PRD.
Srs. Deputados, face à votação a que acabámos de proceder, gostaria de saber se o PCP considera prejudicado o seu requerimento de recusa de ratificação do mesmo decreto-Lei.
O Sr. Joio Amaral (PCP): - Não. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Vamos, então, votar o requerimento de recusa de ratificação do Decreto-lei n.º 7/91, de 8 de Janeiro [ratificação n.º 155/V (PCP)].
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PS, do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e a abstenção do PRD.
Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 181/V - Autoriza o Governo a aprovar o regime de venda e entrega em propriedade de terras expropriadas ou nacionalizadas, que, hoje, aqui foi discutida.
O Sr. Rui Machete (PSD): Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, gostava de lembrar a V. Ex.ª de que há necessidade de audição dos interessados, nos lermos do artigo 101.º da Constituição.
É evidente que essa audição poderá fazer-se depois da aprovação da proposta na generalidade, mas parece-me mais correcto que a proposta baixe à comissão sem votação, visto que, assim, deixaria completamente imprejudicada a questão, em termos de não haver sequer uma primeira pronúncia da Assembleia nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por aquilo que entendo, o Sr. Deputado Rui Machete requer oralmente que o diploma baixe à respectiva comissão sem votação.
Pausa.
Vamos, pois, votar o requerimento de baixa à comissão.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Jorge Lemos, José Magalhães, Helena Roseta, Herculano Pombo, Carlos Macedo e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, quanto às ratificações n.º 110/V (PCP) (Decreto-Lei n.º 34-A/90. de 24 de Janeiro - Aprova o Estatuto dos Militares das Forças Armadas) e 118/V (PCP)(Decreto-Lei n.º 57/90, de 14 de Fevereiro - Estabelece o regime remuneratório aplicável aos militares dos quadros permanente em regime de contrato dos três ramos das Forças Armadas), existem seis requerimentos de avocação, apresentados pelo PCP, relativos, respectivamente, aos artigos 11.º, n.º 2, 12.º, n.º l, 169.º, 175.º, alínea c), 235.º e 9.º, n.º 5.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente:--Faça favor.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, chamo a atenção para o seguinte: os requerimentos de avocação dos artigos 169.º, 175.º, alínea c), e 235.º dizem respeito ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas propriamente dito; os requerimentos de avocação dos artigos 11.º, n.º 2, e 12.º, n.º l, referem-se ao Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, que aprova o referido Estatuto.
Peço ao Sr. Presidente que, por uma questão de coerência em relação ao diploma, a ordem de votação seja a seguinte: em primeiro lugar, os requerimentos de avocação dos artigos 169.º, 175.º, alínea c), e 235.º e, em segundo lugar, os dos artigos 11.º, n.º 2, e 12.º, n.º 1.
Sr. Presidente, sugeria ainda que se votasse, logo de seguida, o requerimento de avocação do artigo 9.º, n.º 5, referente à ratificação n.º 118/V (PCP).
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, presumo que a Câmara tem o nihil obstat.
Para apresentar o requerimento de avocação do artigo 169.º do Estatuto dos Militares das Foiças Armadas, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este artigo do Estatuto dos Militares das Forças Armadas aumenta os limites de idade para a passagem à reserva nos postos da carreira militar.
A norma foi muito criticada por ser considerada violadora de direitos adquiridos, por ser injusta e inconsequente. Injusta, desde logo, por manter a permanência no activo para além do que estava estabelecido como direito adquirido para aqueles que acorreram à carreira militar no
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momento em que o fizeram e inconsequente porque, ao invés do que foi proclamado pelo Governo como era sua intenção, esta norma, obviamente, agrava as dificuldades de acesso e promoção dos militares mais jovens; agrava as distorções na pirâmide de postos, mantendo nos postos mais elevados mais militares por mais tempo, e aumenta os efectivos no activo, em vez de os aligeirar.
A solução está, como, aliás, foi proposto pelo PCP, em manter os limites de idade anteriores, isto é, os que vigoravam antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro.
É nestes lermos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que requeremos a avocação do artigo 169.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas e, naturalmente, das propostas de alteração que foram apresentadas a esse artigo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à votação do requerimento de avocação do artigo 169.º
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções do PS e do CDS.
Para apresentar o requerimento de avocação do artigo 175.º, alínea c), do mesmo Estatuto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O requerimento refere-se ã alínea c) do artigo 175.º do Estatuto, que é a alínea que prevê e fixa um limite de nove anos para a permanência na situação de reserva fora da efectividade de serviço.
Este limite, se aplicado a todos os militares no activo, ofende as suas legítimas expectativas e viola o «acordo tácito de garantia com eles firmado quando abraçaram a carreira» militar.
A entender-se, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que este princípio deveria ser introduzido, ele deveria ser sempre restringido, na sua aplicação, aos militares que entrassem na carreira militar depois da entrada em vigor deste Estatuto.
Por isso e nesse quadro, requeremos a avocação deste artigo 175.º, alínea c), e das propostas que prevêem a sua eliminação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação do artigo 175.9, alínea c).
Submetido â votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções do PS e do CDS.
Para apresentar o requerimento de avocação do artigo 235.º igualmente do Estatuto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este artigo 235.º fixa as condições de promoção, estatuindo, em relação a alguns postos, que a escolha é a modalidade exclusiva de acesso. É o caso, por exemplo, dos postos de capitão-de-mar-e-guerra ou coronel e de capitão-tenente ou major.
Este sistema comporta uma margem de arbítrio e é, por isso, indesejável e deve ser corrigido. A solução está precisamente em acompanhar sempre o sistema de escolha pela modalidade da antiguidade.
É nestes termos, Sr. Presidente, que requeremos a avocação pelo Plenário deste artigo 235.º, com vista à sua modificação nos termos referidos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação do artigo 235.º.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções do PS e do CDS.
Para apresentar o requerimento de avocação do artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.9 34-A/90, de 24 de Janeiro, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há pouco, propus a avocação pelo Plenário da alteração à alínea c) do artigo 175.º do Estatuto, que previa a aplicação do prazo de nove anos de limite máximo de reserva fora da efectividade de serviço a todos os militares no activo. Os Srs. Deputados rejeitaram essa avocação e, nessa medida, essa proposta de alteração.
Entendo, entretanto, que há uma segunda linha possível de correcção deste dispositivo, que é injusto, e que é precisamente a sua não aplicação aos militares que já passaram à reserva e que tinham toda a expectativa de se conservarem nessa situação até ao limite de idade de passagem à reforma, fixado no regime anterior ao do Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro.
É com vista a repor essa situação de justiça aos militares que já passaram à reserva, levando à não aplicação do regime do limite máximo de 9 anos a esses militares, que o Grupo Parlamentar do PCP requer a avocação do artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, no intuito de introduzir a alteração referida.
O Sr. Presidente: - Vamos então proceder à votação do requerimento de avocação que acabou de ser apresentado.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, do PRD, do deputado do PS Ferraz de Abreu e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções do PS e do CDS.
Para apresentar o requerimento de avocação do artigo 12.º, n.º l, do mesmo decreto-lei, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este preceito é extremamente curioso, por constituir uma tentativa infeliz por parte do Governo de corrigir ou diminuir os efeitos negativos da aplicação do regime do limite de nove anos aos militares actualmente na reserva. Estabelece tal disposição um complemento de reserva, mas fixa-lhe um limite de idade que não corresponde à expectativa actual de 70 anos. Ou seja, constitui uma correcção insuficiente e com uma nova situação de injustiça.
É neste quadro e apelando aos Srs. Deputados para que pelo menos esta injustiça seja corrigida que propomos que o Plenário avoque a votação do artigo 12.º, n.º l, do Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, e o corrija nos lermos propostos.
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3 DE ABRIL DE 1991 1937
O Sr. Presidente: - Vamos votar o requerimento de avocação que acabou de ser apresentado.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções do PS e do CDS.
Finalmente, para apresentar o requerimento de avocação do artigo 9.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 57/90, de 14 de Fevereiro, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trata-se do artigo 9.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 57/90, de 14 de Fevereiro, relativo ao estatuto remuneratório dos militares das Forças Armadas.
O PCP propõe a avocação da votação apenas deste preceito, no que respeita às propostas de alteração ao regime remuneratório, porque a situação de injustiça que ele configura é tão clara e nítida que estamos convencidos de que o Plenário procederá à correcção adequada. De facto, este dispositivo fixa o montante do suplemento da condição militar, mas fá-lo em valores inferiores em cerca de 4,5 % ao valor que, por um outro decreto-lei do mesmo dia, foi fixado como suplemento da condição militar para os militares da GNR e da Guarda Fiscal.
Trata-se de uma situação insólita, absurda e injusta, que merece urgente correcção: 6 o que se propõe através do requerimento de avocação do artigo 9.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 57/90, de 14 de Fevereiro.
O Sr. Presidente: - Vai então proceder-se à votação do requerimento que acabou de ser apresentado.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, do PRD, do deputado do PS Ferraz de Abreu e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções do PS e do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há um relatório da Comissão de Defesa Nacional que envolve os dois diplomas.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, anexo a esse relatório estão dois textos de leis de alterações: um, é a lei de alteração ao Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, e estatuto anexo; outro, é a lei de alterações ao Decreto-Lei n.º 57/90, de 14 de Fevereiro, que só tem um artigo e consta da última folha do relatório.
Do meu ponto de vista, não vejo qualquer inconveniente em que as duas leis de alterações sejam votadas em conjunto. De qualquer forma, o Sr. Presidente terá de consultar a Assembleia no sentido de tomar uma decisão, uma vez que, materialmente, trata-se de duas leis diferentes.
O Sr. Presidente: - Efectivamente, as duas leis são materialmente diferentes, embora haja só um relatório. Assim, se a Câmara quiser votar em separado, fá-lo-emos; se a Câmara entender votar conjuntamente, também o faremos.
Pausa.
Srs. Deputados, por aquilo de que me apercebo não há qualquer objecção por parte da Câmara a que se vote conjuntamente.
Assim sendo, vamos passar à votação final global do relatório e texto das alterações, votadas na especialidade pela Comissão de Defesa Nacional, ao Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro - Aprova o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas, anexo a esse decreto-lei, e, ainda, ao Decreto-Lei n.º 57/90, de 14 de Fevereiro - Estabelece o regime remuneratório aplicável aos militares dos quadros permanentes e em regime de contrato dos três ramos das Forças Armadas.
Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS e votos contra do PCP, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
Srs. Deputados, embora existam algumas inscrições para declarações de voto, vamos, desde já, votar, em votação final global, o texto final, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da proposta de lei n.º145/V - Lei da identificação civil e criminal.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, Jorge Lemos, José Magalhães e Valente Fernandes.
Para produzir declarações de voto, inscreveram-se os Srs. Deputados João Amaral, José Lello e Marques Júnior. Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP tomou a iniciativa de chamar à ratificação o Estatuto dos Militares das Forças Armadas e o seu Estatuto Remuneratório com o objectivo de propiciar alterações de fundo do seu conteúdo, uma vez que considerávamos o Estatuto frustrante das melhorias de carreira e condições de vida, injusto, ao violar direitos adquiridos, e limitativo no campo dos direitos.
Por este motivo, apresentámos 145 propostas de alteração, das quais 60 foram votadas favoravelmente e 11 foram também acolhidas.
O PCP votou favoravelmente todas e cada uma das propostas de alteração que integram o conjunto da lei das alterações, e há algumas muito significativas. É o caso das alterações consagradoras de direitos, incluindo o direito à carreira; a obrigatoriedade de fundamentação da promoção por escolha; a decisão de não satisfação das condições gerais de promoção; a fixação do princípio de que o militar, quando exerce cargo de posto superior, beneficia dos respectivos direitos e regalias; a objectivação dos critérios de avaliação; a garantia do direito de acesso ao processo individual, nele incluindo o processo de promoção; as melhorias no capítulo sobre reclamações e recursos em matéria administrativa; a definição dos mecanismos reguladores da carreira; a eliminação da aplicação das inconstitucionais sanções extraordinárias, previstas no artigo 166.º; a obrigatoriedade de dar publicidade à realização de cursos de especialização e qualificação; a atenuação das limitações da carreira impostas aos oficiais de certas classes e especialidades na Marinha e Força Aérea; a relevância dada nos processos de promoção aos conselhos de classe e especialidade; e, finalmente, a garantia de assistência
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hospitalar aos jovens no serviço militar obrigatório, para além do período de disponibilidade. Estas alterações são significativas e o quadro delas é claramente positivo.
Por outro lado, é claramente negativo que tenham sido rejeitadas todas as propostas que se destinavam a garantir direitos adquiridos, a repor justiça em situações em que esta tinha sido atingida e em melhorar as garantias do progresso na carreira.
É o caso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a título de exemplo, das seis normas relativamente às quais apresentámos requerimentos de avocação.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mantendo injustiças e violações de direitos adquiridos, mantendo-se frustrante nas expectativas e garantias de evolução na carreira, o Estatuto continua a não corresponder ao que era desejável e possível.
Desta forma, por não se ter realizado esse objectivo, é que votámos contra a lei de alteração. Efectivamente, votámos contra, não contra o seu conteúdo -que aprovamos integralmente - mas, sim, contra o facto de na lei de alterações não constar o que deveria constar.
A situação estatutária dos militares tem de voltar a ser revista e o que está a passar-se, hoje mesmo, com a aplicação dos escalões é bem a demonstração disso. Não pode estar inteiramente correcto, como pretende o Governo, um sistema que provoca tantas injustiças e tantos protestos!
Uma prova de maturidade na sociedade democrática está na capacidade de o poder político dialogar com os interessados e, neste caso, o Governo está a prestar más provas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da nossa pane, PCP, concluímos esta fase do processo com a certeza de termos cumprido para a defesa de um estatuto dos militares dignificante, justo e aliciante. Se o resultado, desta vez, não foi inteiramente satisfatório, não tardará a oportunidade de voltar à questão. Aqui fica registado que damos essa garantia.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As razões da nossa votação serão expressas em declaração de voto que apresentaremos oportunamente na Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabámos de votar, em votação final global, o Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, que aprova o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, e o Decreto-Lei n.º 57/90, de 14 de Fevereiro, que estabelece o regime remuneratório aplicável aos militares dos quadros permanentes e em regime de contrato dos três ramos das Forças Armadas, depois de lerem sido apreciados em Plenário, em 6 de Julho de 1990, e depois de um trabalho de grande intensidade na Comissão de Defesa Nacional, com a participação do Governo.
Era ideia generalizada que seria possível, à semelhança de outros diplomas, que a Comissão, em diálogo com o Governo, encontrasse soluções que permitissem corrigir os aspectos mais gravosos destes diplomas. Neste sentido, foram feitas cerca de duas centenas de propostas de alteração.
Podemos dizer que o resultado foi, de certo modo, frustrante: se, por um lado, o Governo aceitou alterações ao Estatuto naquilo que foram melhorias de conceitos, de redacção e até de uma ou outra solução tendente a uniformizar os Estatutos, como se impunha, com a Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar, por outro, o Governo não aceitou nenhuma proposta, repito, nenhuma proposta, relativamente às questões estruturais relacionadas com os Estatutos em que há uma evidente alteração de condições estatutárias, com violação grosseira de direitos adquiridos.
Podemos mesmo dizer que, enquanto hoje, a generalidade dos portugueses vê, pelo menos ao nível dos princípios, melhorados os seus estatutos, os militares, ao contrário, vêem, todos os dias, o seu estatuto piorado, estatuto esse que vai muito para além das questões de ordem legislativa.
Com efeito, as Forças Armadas Portuguesas, que tantas provas têm dado de total identificação e dedicação à causa pública, identificando-se mesmo com a própria história de Portugal, vêem-se, hoje, confrontadas com um certo «estatuto de desnecessidade e de incompreensão» que começa a persistir na opinião pública, sem a devida resposta ou respostas de efeitos negativos a nível institucional, acabando por ter reflexos que conduzem a uma grande frustração a todos os níveis das Forças Armadas.
Os diplomas que acabámos de votar vão no sentido da desvalorização da função militar que, apesar das palavras, conceitos e metodologias com que se pretende iludir a opinião pública perante a necessária reestruturação das Forças Armadas, é vista mais como um encargo difícil de suportar do que como uma função que urge dignificar dentro de valores e padrões de modernização, que é urgente reformular.
O Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, que põe em vigor o novo Estatuto, consubstancia um conjunto de normas transitórias que, não se limitando, como seria natural, a dispor em termos de futuro, modifica profundamente as condições estatutárias anteriores, violando direitos adquiridos, apesar dos compromissos formalmente assumidos em contrário pelo próprio Governo, nesta Câmara.
Não podemos deixar de nos interrogar, como já o fizemos aquando da discussão da
ratificação destes diplomas, se a passagem compulsiva à situação de reforma, de acordo com os requerimentos de avocação aqui apresentados pelo PCP, relativamente a esta questão, não traduzirá, embora de forma subtil, a maneira de condenar aqueles que fizeram a guerra e por tal motivo tiveram o aumento compensatório de tempo de serviço.
É que, se em todas as instituições, o aumento de tempo de serviço representa a compensação do desgaste, nas Forças Armadas parece ter-se transformado em mais um aviltamento, em decorrência da guerra injusta em que participaram.
Não podem os militares deixar de pensar que, através desta medida agora imposta pelo Governo, se pretende fugir às responsabilidades para com aqueles que, em momentos difíceis da nossa História, não deixaram de estar presentes, quer cumprindo com o que entendiam ser o seu dever, lutando em África de modo a criar condições para o poder político tomar as opções adequadas, quer devolvendo a soberania ao povo português, como aconteceu em 25 de Abril de 1974.
Foram estas, entre muitas outras, as razões de voto do PRD.
Aplausos do PRD, do PS e do PCP.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, voltamos a reunir-nos na próxima quinta-feira, dia 4, às 15 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados
Partido Social-Democrata (PPD/PSD)
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Álvaro José Martins Viegas.
António José Caciro da Mola Veiga.
António Maria Oliveira de Matos.
António Mana Pereira.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
César da Costa Santos.
Dinah Serrão Alhandra.
Flausino José Pereira da Silva.
Joaquim Vilela de Araújo.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques Antunes.
António de Almeida Santos.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Laje.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Hélder Oliveira dos Sumos Filipe.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Carlos Alfredo Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.
Partido Social-Democrata (PPD/PSD)
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Augusto Lacerda de Queirós.
João José da Silva Maçãs.
José Angelo Ferreira Correia.
José de Vargas Bulcão.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel José Dias Soares Costa.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins.
António Domingues de Azevedo.
António Miguel de Morais Barreto.
Jaime José Matos da Gama.
João Rosado Correia.
José Luís do Amurai Nunes.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Partido Comunista Português (PCP):
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito
Deputado independente:
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
Declaração de voto enviada à Mesa para publicação sobre o voto n.º 198/V, de saudação pelo 15.º Aniversário da Constituição.
É possível que, apesar das alterações acumuladas nas duas revisões, a Constituição reflicta ainda bastante da sua natureza compromissória e arraste consigo algumas das consequências do ter sido elaborada em contraposição à de 1933. É possível que devesse ir um pouco mais longe no direito de participação dos cidadãos, que devesse atenuar um pouco a força dos partidos, que devesse alargar os poderes do Parlamento ou que devesse dar mais autonomia às autarquias. É possível tudo isso e talvez mais.
Apesar de tudo, ela constitui um importante documento, uni verdadeiro referencial de democracia, não apenas política, mus do próprio equilíbrio social. Ela, que presidiu à instituição de um regime democrático, baseado no sufrágio universal, no pluralismo partidário, na responsabilidade dos Ululares do poder e na descentralização, além de ter funcionado como factor de coesão política e de estabilidade institucional.
Só por isso ela teria valido a pena.
Mas, ao saudá-la justamente, não podemos esquecer quem, no fundo, a tornou possível: os homens do 25 de Abril. Sem eles, sem a liberdade, ela não teria existido. É justo que, hoje, 15 unos depois da aprovação da Constituição pela Assembleia Constituinte, se saúde também o 25 de Abril, hoje já tão esquecido. Sobretudo por parle daqueles que, nada tendo leito para que ele acontecesse, lhe devem quase tudo o que hoje são.
O Deputado do PRD, Alexandre Manuel.
Rectificação ao n.º 52, de 9 de Março de 1991
Na p 1679, col. l.º, I. 32, onde se lê «monumentoso» deve ler-se «momentoso», e na p. 1680, col. 1.º, I. 12 a contar do fim, onde se lê «Manuel Jardim» deve ler-se «Emanuel Jardim».
AS REDACTORAS: Mana Leonor Ferreira - Cacilda Nordeste - Marta Amélia Martins - Isabel Barral.
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DIÁRIO da Assembleia da República
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