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I Série - Número 64
Quarta-feira, 17 de Abril de 1991
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
V LEGISLATURA 4.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE ABRIL DE 1991
Presidente: Ex.mo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Ex.mos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Bastos da Mota Torres
Apolónia Maria Pereira Teixeira
João Domingos F de Abreu Salgado
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 50 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n." 133/V, do projecto de resolução n.º 133/V e da proposta de resolução n.º49/V.
Na abertura do debate da interpelação n." 19/V (PS), sobre política geral centrada nas questões de «política de habitação», usaram da palavra o Sr. Deputado António Guterres (PS) e o Sr. Ministro das Obras Publicas, Transportes e Comunicações (Ferreira do Amaral).
Depois, e a diverso título, intervieram, além deste membro do Governo, do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados Mário Montalvão Machado, Luís Filipe Menezes Lopes, João Maria Oliveira Martins e João Pedreira de Matos (PSD), Rui Silva (PRD), António Guterres (PS). Octávio Teixeira e Luís Rogue (PCP), Armando Vara e José Apolinário (PS), José Manuel Moía (PCP), Leonor Coutinho e Rosado Correia (PS), Natália Correia (PRD) e Nogueira de Brito (CDS).
Entretanto, os Srs. Deputados José Silva Morgues (PSD), António Guterres (PS), Lino de Carvalho (PCP), Rui Silva (PRD) e Narana Coissoró (CDS) expressaram condolências pelo falecimento do Sr. Deputado do PSD Álvaro de Carvalho, tendo a Câmara guardado um minuto de silêncio.
Foi ainda aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de um deputado do PSD.
Encerraram o debate a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho (PS) e o Sr, Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 50 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 50 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Fernandes Ribeiro.
António Jorge Santos Pereira.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Casimira Gomes Pereira.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando dos Reis Condeasso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Gauido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Leite Machado.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Dam ião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
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José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mana Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota. Apolónia
Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque. Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria de Lurdes Heaspanhol.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.9 724/V, apresentado pelo PS (Acesso ao ensino superior dos naturais e filhos de naturais de territórios sob administração portuguesa, temporariamente por Estados estrangeiros), que baixa à 8.º Comissão; projecto de deliberação n.8 133/V, apresentado pelo PCP, propondo a realização no Plenário da Assembleia da República de um debate sobre problemas de financiamento e do Programa CIÊNCIA; proposta de resolução n.º 49/V, que aprova para ratificação a Carta Social Europeia, aberta à assinatura dos Estados membros do Conselho da Europa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é do conhecimento de VV. Ex.ª, a ordem do dia de hoje é preenchida com a apreciação da interpelação n.9 19/V, apresentada pelo PS, sobre política geral centrada nas questões de «política de habitação».
Para produzir a intervenção de abertura do debate, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A habitação é a enteada mais esquecida do PSD.
De facto, o Professor Cavaco Silva e o governo PSD têm sido padrastos -padrastos desatentos, desinteressados, incapazes- de todos os portugueses que não têm uma casa minimamente digna, nem tem os meios para compra-Ia ou alugá-la no mercado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E a atitude do padrasto é tanto mais condenável quanto é verdade que se trata de um padrasto rico.
Nenhum governo teve, como este, reunidas todas as condições políticas e económicas para superar os nossos problemas estruturais, de que a habitação é exemplo: teve a estabilidade que lhe veio de uma maioria absoluta e da solidariedade institucional do Sr. Presidente da República; herdou um país equilibrado nas suas contas externas, após difícil período de austeridade, e beneficiou de uma conjuntura internacional totalmente favorável a Portugal e da entrada das centenas de milhões de contos por ano em que se exprime a solidariedade europeia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O PSD é, por tudo isto, um padrasto sem perdão.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vivemos numa economia de mercado. Não há qualquer solução global para os problemas da habitação em Portugal que esqueça este dado.
Só que o mercado não é um Deus que tudo resolve!
Em primeiro lugar, o mercado da habitação é imperfeito, particularmente imperfeito em Portugal porque são enormes os factores da mais diversa ordem que o distorcem e contribuem para o seu atrofiamento: é a desconfiança gerada por um período de congelamento de rendas que se prolongou para além de tudo o que era razoável - verdade que aqui não quero escamotear-; é a coexistência, mal aliás necessário, de regimes jurídicos diferentes para os diversos contratos de arrendamento; é o desenvolvimento recente de uma especulação imobiliária que encareceu irracionalmente os terrenos e as casas; é a persistência
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sistência de elevados custos e de baixas produtividades na indústria da construção; é a incidência excessiva da carga fiscal e dos emperramentos burocráticos; é o impacte de um crédito demasiadamente tento e caro.
Mas mesmo que fosse perfeito o mercado da habitação em Portugal não resolveria o problema dos que a ele não têm acesso.
Haverá seguramente um terço das famílias portuguesas que não tem rendimento suficiente para comprar casa ou para pagar o respectivo aluguer, em termos de mercado livre, mesmo que essa casa seja pequena, mal equipada e distante dos locais de trabalho.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O problema foi aparentemente minorado, embora com as consequências graves que são conhecidas, pelo peso significativo que ainda têm as rendas antigas; só que, à medida que os jovens vão constituindo família, esta questão assume uma inegável premência, premência que é agravada pela existência, já hoje, de uma carência absoluta de habitações que podemos estimar, por baixo, entre 400 e 500 000 fogos, com barracas, casas irrecuperavelmente degradadas, situações de co-habitação ou sobreocupação.
É assim preciso, por um lado, aperfeiçoar o mercado, eliminar ou reduzir as suas distorções, promover a confiança dos agentes, combater as preversões especulativas, melhorar e simplificar os instrumentos de apoio financeiro, fiscal ou administrativo.
Mas é preciso, também, suprir a incapacidade do mercado para satisfazer as necessidades dos que não têm casa, nem podem pagá-la. E isto exige uma política activa de habitação social que combine o subsídio de renda com a oferta acrescida de habitação pelas autarquias, pelas cooperativas e outros agentes de economia social, e por promotores privados, em todos os casos com o apoio do Estado, ou seja, exige uma oferta para compra e para arrendamento a custos que sejam acessíveis e em volumes que correspondam ao número dos efectivamente necessitados.
Aplausos do PS.
O problema não é só português. Todas as forças políticas europeias significativas, talvez com excepção do PSD, o reconhecem. Já o compreendeu o Sr. Majors, em Inglaterra, o Sr. Kohl, na Alemanha, o Sr. Andreotti, em Itália, só não o compreende o Professor Cavaco Silva em Portugal. Com o Governo mais intervencionista e estatizante da Europa, o PSD persiste em ser liberal na única área em que ninguém o é na Europa; espera que o mercado tudo resolva, precisamente no sector em que em nenhum país do mundo o resolveu.
E chocante comparar, num período de relativa prosperidade e crescimento económico, o esforço que este Governo tem dedicado à habitação social com o esforço realizado pêlos governos anteriores a braços, aliás, com enormes dificuldades financeiras.
De 1981 a 1985 concluíram-se em Portugal 37 800 fogos de habitação social. Nos cinco anos seguintes, de 1986 a 1990, período de governo exclusivamente PSD, apenas cerca de 23 000 fogos (pouco mais do que metade).
Em relação ao seu próprio Programa de Desenvolvimento da Habitação a custos controlados, que o Governo publicou em Outubro de 1988, são particularmente elucidativos os dados de 1990: concluíram-se 43 % dos fogos previstos, contrataram-se 40 % dos estimados e aprovara-se para o futuro - pasme-se! -apenas 11 % do volume inicialmente projectado. Num programa que previa para 1990 a aprovação de 20 6% novos fogos, apenas 2231 foram aprovados.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - É um desaire.
O Orador: - É bom não esquecer que, mesmo no âmbito dos programas de habitação social, só as classes médias têm tido verdadeiramente acesso à compra de habitação. Ora, restes três anos últimos apenas se concluíram 1800 fogos para arrendamento social, destinados a diversos programas de realojamento, os únicos ao alcance dos verdadeiramente necessitados.
Não é assim em qualquer outro país europeu: em média, na CEE, 25 % da construção é feita em habitação social. Destes, cerca de metade para arrendamento. Em Portugal já tivemos taxas na ordem dos 20 % até 1985, mas, de então para cá, a média anda pêlos 9 %. Destes, entre um décimo e um quinto apenas são para arrendamento. O País onde há mais gente que precisa é o País em que quase só se constrói para quem menos precisa.
Aplausos do PS.
A oferta pública de arrendamento é de 27 % na Itália, de 30 % na RFA, de 40 % em França, de 70 % no Reino Unido, ou de 75 % na Holanda É apenas de 10% em Portugal! Temos políticas de habitação como se os portugueses fossem muito mais ricos do que os mais ricos dos europeus. Num país onde o mercado funciona deficientemente, temos níveis de intervenção do Estado incomparavelmente mais baixos do que nos mais liberais dos Estados europeus.
Poderão alguns argumentar que é ineficiente a oferta pública, ou que ela distorce ainda mais o mercado e que o Estado não deve construir casas. Não sendo liberal, não me custa admitir que um crescimento exagerado da oferta pública de habitação não é desejável. Mantendo-se, no entanto, o problema de satisfazer as necessidades de uma parte substancial da população portuguesa que precisa de ter casa, mas que não tem dinheiro para comprá-la ou arrendá-la, a única solução possível está em generalizar a aplicação de um subsídio de renda aos mais desfavorecidos, que lhes permita ter acesso ao mercado do arrendamento e estimular com isso a construção.
Aplausos do PS.
Esta não é uma solução nova! Está prevista num caso particular, na lei das rendas de 1985, só que este Governo nunca a quis nem soube aplicar e generalizar devidamente.
Não promovendo a oferta pública nem subsidiando a procura privada, o Governo exclui, assim, do direito à habitação, em condições minimamente aceitáveis, quase um terço da população portuguesa. E não há declarações bombásticas do Sr. Ministro das Obras Públicas, «da propaganda e habitação» e «presidente-sombra» da comissão técnica eleitoral do PSD que escondam esta verdade lamentável!
Aplausos do PS.
O Sr. João Pedreira Matos (PSD): - Esquecer-se da Câmara de Lisboa.
Estão a es-
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O Orador:-Tudo isto para não falar já dos detalhes: das contradições aparelhísticas do PSD que se transferem para a Secretaria de Estado, para o Instituto Nacional de Habitação e para o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, em que as pessoas dificilmente se entendem; dos favoritismos políticos nos financiamentos as câmaras: Oeiras quer um bairro em Laveiras -como é do PSD. 6 para já! -, a Amadora quer um bairro nas Falagueiras-como é do PCP, a aprovação leva três anos e os fogos já não vão para os desalojados das cheias, vão para os futuros desalojados da CRIL...
O Sr. João Pedreira de Matos (PSD): - E Matosinhos?
O Orador: -.... que os das cheias já se habituaram a viver em barracas e ido convém perturbar estes hábitos...
Aplausos do PS.
...; dos terrenos pertencentes ao Estado que são vendidos a preços especulativos, não dando resposta as necessidades das cooperativas e dos programas camarários de habitação social...
O Sr. Jorge Lacão (PS):-Um escândalo!
O Orador: -...; das casas do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado que vão vagando e são vendidas a quem pode pagar, furtando-as a quem delas necessita, e das que não vagam mas são entregues a sociedades mediadoras a pressão sobre os inquilinos.
Esta é a realidade fria da ausência praticamente total de preocupações do governo PSD com a habitação social.
Não deixa, no entanto, de ser curioso lembrar aqui algumas frases do Programa do Governo de 1987. Aí se afirmava que cabe ao Estado - e cito-: s[...] criar condições para que as famílias de menores recursos tenham acesso à propriedade habitacional [...], garantir o acesso à habitação de famílias de menores recursos e dos jovens [...], assumir o custo social do realojamento das famílias mais carenciadas [...], alargar o âmbito dos subsídios de renda [...]», ou s[...] desenvolver os programas e planos no âmbito da habitação social, especialmente orientados para o arrendamento social [...]». Ou seja, fez--se tudo ao contrário do que se prometeu!
O Sr. Jorge Lacão (PS): -Uma desgraça!
O Orador: - Mas o governo PSD não traiu apenas o seu Programa; traiu também as preocupações com a habitação social dos governos presididos pelo próprio Dr. Francisco Sá Carneiro.
Por ironia do destino, nos dois anos de 1980 e de 1981, iniciou-se a construção de um número de fogos em habitação social igual ao dos que se concluíram nos cinco anos de governo presididos pelo Professor Cavaco Silva, de 1986 a 1990. aproximadamente 23 000 fogos.
Eu não pretendo que o PSD aprenda com as propostas do PS.... já não era mau que aprendesse com as lições do seu próprio passado!
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não vou tratar apenas dos problemas dos estratos sociais mais pobres da população portuguesa, embora para eles vá necessariamente o essencial da minha solidariedade e a prioridade de acção de um futuro governo socialista.
Consideramos como componente fundamental das políticas de habitação as que facilitam a compra de casa própria, quer em regime livre, quer em regime de habitação a custos controlados, com relevo para a acção das cooperativas de habitação.
Para além da burocracia, os compradores de casa própria encontram entre nós duas grandes dificuldades: o aumento recente significativo do preço das casas à venda e os entraves à obtenção do crédito e respectivo custo.
O governo do PSD tem particular simpatia pelos processos especulativos: começou por estimular a especulação na Boba, que ajudou depois a cair abruptamente e favoreceu mais tarde a especulação imobiliária-é, aliás, habitual nas economias de mercado que, aos surtos de especulação financeira, se sigam surtos de especulação imobiliária.
O preço das casas em Portugal mais do que duplicou desde 1986. Quando, na CEE, o valor médio de um T2 corresponde a quatro a cinco vezes o nível médio dos salários anuais, em Portugal esse coeficiente anda entre 12 e IS vezes.
O Sr. Jorge Lacão (PS):-Um escândalo!
O Orador: - Daí a importância essencial do crédito bonificado!
A Sr.ª Edite Estrela (PS): -Muito bem!
O Orador: - Nos seus financiamentos, o Instituto Nacional de Habitação tem causado as maiores dificuldades às câmaras, às cooperativas e aos promotores privados que assinaram contratos de desenvolvimento da habitação. Só no Algarve, Alentejo e Lisboa chegou a haver 5 milhões de contos de financiamentos parados. O orçamento do Instituto Nacional de Habitação para 1991 mal cobre os compromissos anteriores e é manifestamente insuficiente o contrato de financiamento suplementar assinado com a Caixa Geral de Depósitos, o Montepio Geral e o Crédito Predial Português-só 24 milhões de contos para três anos. Os atrasos na concessão de financiamentos fazem • os custos, a ponto de alguns dos cooperantes se transformarem em insolventes e terem de desistir da compra das respectivas casas. Também muitos promotores privados, os que acreditaram no Plano de Desenvolvimento da Habitação, estão agora com as maiores dificuldades, com obras paradas e casas por vender à espera de financiamentos.
Mas o crédito não é só difícil; é também caro, cada vez mais caro. Por cada 1000 contos de empréstimo, ao nível máximo da bonificação nas condições mais favoráveis, a primeira prestação passou de 3793$, em 1987, para 7380$, em 1991, ou seja, duplicou. Não admira, portanto, que tenha diminuído sensivelmente nos últimos anos o volume dos contratos de crédito à habitação.
Em 1987,56 SOO contratos; em 1988,40 500; em 1989, 37 300; em 1990, cerca de 31 000. Tudo se agravou ainda com os limites impostos à utilização dos juros na redução do RS.
As inovações anunciadas pelo Governo nas últimas semanas, já depois de conhecida a iniciativa da nossa interpelação
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com o objectivo de alargar o crédito, suprimindo plafonds, não resultarão enquanto se não agir determinadamente na redução das margens de intermediação bancária, em grande medida responsáveis pelo excessivo custo do crédito, e enquanto o Governo fizer recair sobre a política monetária o essencial do seu combate à subida dos preços.
A verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que temos andado todos a trabalhar para os bancos - as empresas que constróem ou fabricam, os particulares que compram casa ou consomem, e até, em grande medida, o Estado. Para que se acumulem lucros excessivos na banca causam-se problemas às actividades produtivas e atinge-se de forma grave um sector tão sensível como a habitação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É particularmente ineficaz a política de apoio à compra de casas para os jovens. Há que dizer claramente que o crédito de habitação só se aplica a jovens cujos pais tenham significativas possibilidades financeiras ...
Aplausos do PS.
..., até porque continua sem ser aplicado o essencial da lei sobre as cooperativas de jovens, nomeadamente no que diz respeito às bonificações adicionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Direi agora algumas palavras sobre o mercado de arrendamento livre. O PS considera como positivo os passos dados no sentido de permitir uma maior flexibilidade em relação aos novos contratos de arrendamento.
O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - Nós é que tomámos a iniciativa.
O Orador: - As reservas que pusemos à legislação recente sobre o efeito dizem apenas respeito a algumas alterações que nos pareceram menos correctas para os antigos arrendamentos.
Por razões de natureza humanitária e reconhecendo que a esmagadora maioria dos inquilinos com contratos antigos não está em condições de pagar as rendas que resultariam da liberalização desses contratos, não nos parece possível alterar, agora, de forma significativa o respectivo regime que resulta da legislação aprovada ainda pelo governo do bloco central.
Estamos, no entanto, disponíveis para a introdução de correcções que visem eliminar as situações concretas em que a justiça social foi invertida e em que senhorios de baixos rendimentos são hoje vítimas de situações de verdadeira exploração, sem que isto sirva de pretexto para afectar a generalidade dos contratos.
A verdade, porém, é que, apesar das medidas já em aplicação, o mercado de arrendamento livre continua substancialmente atrofiado.
Os organismos públicos colaboram no estabelecimento de valores especulativos em vez de agirem no sentido da moderação das rendas. Tenho comigo uma circular da Caixa de Previdência do Ministério da Educação. Nela, invocando especial favor, oferecem-se, agora, no mas de Abril, aos sócios casas de três assoalhadas, em Lisboa, com rendas iniciais que vão de 92 a 116 contos por mês, para contratos de duração limitada.
A especulação imobiliária, a baixa produtividade na construção e o custo elevadíssimo do crédito não favorecem o alargamento da oferta. Dos instrumentos específicos que foram criados, o leasing não teve qualquer aplicação e as sociedades de gestão de investimento imobiliário só serviram para multiplicar isenções fiscais, sem que se verificasse qualquer aumento da oferta promovida pelas instituições e também um verdadeiro mercado hipotecário continua a não existir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Particularmente preocupante é a acentuada degradação do parque habitacional por falta de uma política eficaz de recuperação e conservação.
O RECRIA é um programa limitado, com baixa dotação e pouco interessante para as autarquias. Praticamente só a Câmara Municipal de Lisboa tem tido a capacidade e a vontade para usá-lo.
Somos favoráveis à introdução de preceitos legais que possibilitem o esforço de participação dos inquilinos nas despesas de recuperação, com contrapartidas claras e em situações que tenham em conta a posição dos senhorios.
Defendemos o alargamento do âmbito do RECRIA, qualquer que seja o estatuto da habitação. Entendemos que é indispensável diminuir a percentagem dos encargos das autarquias nesta linha de crédito, tomando a sua utilização mais atractiva de norte a sul do País. Propomos que a primeira prestação seja antecipadamente financiada, que se actualizem os índices e se fixem melhor os prazos de execução.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo o que já disse constitui um terrível libelo acusatório para o Governo e o PSD, mas não é difícil prever como irá defender-se o Sr. Ministro Ferreira do Amaral.
Porque o tenho na conta de um homem de bem, sei que não ira pelo caminho fácil de arranjar um bode expiatório. Seguramente não virá aqui dizer-nos que a culpa foi toda do ex-ministro Oliveira Martins...
O Sr. João Pedreira de Matos (PSD): - Mas foi do ex-ministro Rosado Correia.
O Orador: -... em boa hora substituído pela clarividência do primeiro-ministro.
Risos do PS.
Aliás, os desastres da política de habitação durante o ano de 1990 também não tomariam muito credível esta forma de fuga às responsabilidades.
Mas o Ministro Ferreira do Amaral não se vai render sem luta. Vai, uma vez mais, enaltecer as virtudes e potencialidades do mercado livre de arrendamento, único instrumento significativo da sua política Já vimos atrás quais as severas limitações ao crescimento do mercado, limitações que se manterão, sobretudo se tivermos em conta o que vamos ouvindo ao responsável das finanças sobre as orientações para a política monetária.
Também vai dizer que as coisas não estão tão mal como isso, porque estará a crescer, segundo ele, o número total de fogos construídos. Atrevo-me até a prever que citará alguns números. Dir-nos-á que, de 1981 a 1985, se construíram em média 40 000 fogos por ano, mas que em 1988 já se fizeram 47 000 fogos. Há até quem se atreva a prever que afirmará que, em 1989, se terão construído 58 000. A minha confiança na honestidade intelectual do Ministro Ferreira do Amaral faz-me pensar que ele não dirá hoje aqui esse disparate.
Risos do PS.
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Ele sabe que são várias as estimativas, e que o valor de 58 000 corresponde à contabilização extraordinária que neste ano terá sido feita pelo INE (Instituto Nacional de Estatística), repescando processos de vários anos anteriores, por alteração dos métodos estatísticos adoptados.
A Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas do Sul (AECOPS), associação empresarial do sector, afirma mesmo que o número de fogos construídos baixou em 1989 em relação a 1988. Se olharmos para o consumo do aço, com uma quebra de l %, ou do cimento, com um aumento de 2,8 %, e pensarmos no programa de obras públicas, rapidamente chegaremos à conclusão de que, quanto muito, se estagnou.
Mas em clima de relativo crescimento económico, que ninguém nega, estes números, mesmo que reais, não seriam nada de especial e são-no ainda menos se tivermos em conta que eles coincidem com um período de euforia, gerado pela especulação imobiliária. Uma parle substancial dos fogos que agora se concluem tem como destino as habitações de luxo, as segundas residências e mesmo os aproveitamentos turísticos em que, como no Algarve, se contabilizam como fogos muitos dos apartamentos que, de forma mais legal ou mais clandestina, concorrem com a hotelaria clássica. Em verdade, a construção no sector da habitação tradicional não só não tem crescido como tem, sobretudo, diminuído para todos aqueles que verdadeiramente precisam de casa e não têm meios para a comprar ou alugar no mercado livre.
Aplausos do PS.
Tentará, depois, já em desespero de causa, o ministro Ferreira do Amaral enaltecer as virtudes das medidas anunciadas pelo Conselho de Ministros em 21 de Março passado. Foi pouco, foi tarde, nem sempre foi bem. Tiveram, pelo menos, o mérito de reconhecer um fracasso de cinco anos e de tentar emendar a mão, à beira das eleições. É positiva -já o disse- a flexibilização introduzida. Só que ela será ineficaz por não ter sido acompanhada de medidas destinadas a reduzir o custo da habitação, a suprir os rendimentos dos que a ela querem ter acesso mas não podem, e a reduzir significativamente as taxas de juro.
Reduzido à impotência, como está este conjunto de argumentos, tentará finalmente o ministro Ferreira do Amaral «tirar do chapéu algum coelho de última hora», no seu estilo habitual de anunciar os «amanhãs que cantam».
Depois de tudo o que ficou dito não custa prever que o coelho será magricela e que nem a pele se aproveitará. Fico, no entanto, cheio de curiosidade para conhecê-lo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS irá hoje apresentar alguns projectos de lei que se destinam a corrigir de imediato deficiências várias, no que diz respeito à defesa dos direitos dos cidadãos neste domínio, e a minha colega Leonor Coutinho irá mesmo apresentar-vos as linhas gerais do programa sobre habitação do próximo governo socialista.
Risos do PSD.
Os Srs. Deputados do PSD vão ter quatro anos para o criticar. Comecem, desde já, a prepararem-se!
Aplausos do PS.
Três eixos fundamentais o sustentam: aplicar uma política de redução sistemática dos custos da habitação, agindo sobre os factores produtivos; estimular o mercado livre, dando-lhe condições de transparência, reduzindo burocracias e aperfeiçoando os mecanismos fiscais e financeiros que o suportam; afirmar uma inequívoca prioridade à habitação social, quer ao nível do aumento da oferta pública das autarquias e da oferta das cooperativas e dos outros sectores da economia social e privada, para venda e arrendamento social, quer ao nível da procura, pelo alargamento do âmbito e aplicação efectiva do subsídio de renda às famílias de mais baixo rendimento.
Para que tudo isto seja possível há, no entanto, algumas coisas decisivas que têm de mudar em Portugal.
Em primeiro lugar, somos dos que acreditam que não é hoje possível alargar significativamente nem a carga fiscal nem relativamente a despesa pública. Mas defendemos que o peso das despesas sociais na despesa pública deve crescer regularmente, à custa de outras despesas de menor reprodutividade social, que importa reduzir.
Defendemos também que, no quadro das despesas sociais, a hierarquia das prioridades tem de ser revista, para dar à habitação o lugar que lhe compete.
Em segundo lugar, consideramos indispensável que se aproveite o momento de viragem que estamos a atravessar na integração europeia para procurar introduzir o acesso da habitação social ao financiamento comunitário, na lógica da coesão económica e social.
Aplausos do PS.
Esta deve ser uma prioridade negociai em Bruxelas para o Governo Português. Se não for antes, aí estará uma excelente iniciativa para a próxima presidência portuguesa das Comunidades.
Não havendo financiamento comunitário, a habitação é duplamente sacrificada: é o porque nada recebe e é o ainda porque se desviam recursos do Estado e das autarquias para co-financiar programas comunitários, quando muitas vezes esses recursos podiam ser mais úteis se aplicados à habitação. Quantas câmaras municipais não estão hoje a vender terrenos no mercado, não para apoiar a habitação social, mas na ânsia de arranjar dinheiro para suportar a componente que lhes cabe nos projectos subsidiados por fundos comunitários.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em terceiro lugar, há que combater os mecanismos especulativos e criar condições para que se disponibilizem, a preços razoáveis, os terrenos para a construção de habitações.
O PS sempre foi, e é, pelo respeito do direito de propriedade. Mas no momento em que se trabalha intensamente na preparação de planos directores municipais e se faz um esforço de ordenamento do território, há que encontrar formas equilibradas que permitam repartir com mais equidade as mais valias e os custos gerados por esse ordenamento.
No que diz respeito à disponibilidade de terrenos urbanizáveis, o PS apresentou, já há dois anos, um projecto de lei que a maioria condenou ao sono letárgico da comissão. Queremos aqui manifestar a nossa disponibilidade para a procura de um novo equilíbrio, tão consensual e pacificador quanto possível, que salvaguarde os legítimos interesses individuais, mas modere o surto especulativo e disponibilize terrenos a preço razoável para a habitação.
Em quarto lugar, quero afirmar que, dada a baixa produtividade e a necessidade de modernizar a indústria de
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construção, é para nós incompreensível que ela continue sem acesso ao PEDIP ou a mecanismos similares de apoio comunitário, que hoje beneficiam a agricultura, a indústria transformadora, o comércio e o turismo. Das duas uma, ou o Governo se esqueceu de negociar isto nas Comunidades - e é gravíssimo! -, ou tentou e perdeu, e é grave que o tenha escondido da opinião pública, com a sua permanente obsessão de fazer acreditar aos Portugueses que conta por vitórias todos os jogos disputados em Bruxelas.
Por outro lado, no plano fiscal, segundo ainda a AE-COPS, SÓ % do preço das casas provém da excessiva carga fiscal e parafiscal que sobre elas incide e o sector gera quatro vezes mais receitas fiscais para o Estado do que o próprio Estado investe na habitação. Mesmo descontando algum natural exagero, está aqui uma área em que é possível rever e inovar, como é possível inovar na desburocratizarão de licenciamentos e créditos, no apoio aos municípios para aquisição de terrenos e infra-estruturação, na correcção das irregularidades nos mercados das obras.
Uma quinta e última observação sobre o custo do financiamento: para além das limitações impostas, para além das complicações mantidas, o Governo tem sido cúmplice activo de uma política de alargamento das margens de intermediação bancária, política que é necessário inverter drasticamente. E não posso deixar de condenar com veemência a hipocrisia com que o próprio Primeiro-Ministro se dirigiu aos empresários, exortando-os a exigir dos bancos taxas de juro mais baixas, na mesma altura em que o Banco de Portugal agia em sentido contrário e oferecia, mesmo, aos mesmos bancos condições particularmente vantajosas para a colocação dos respectivos fundos a longo prazo, com total segurança e com remunerações particularmente atractivas.
Não há política de habitação sem política orçamental e monetária. Não há ministro da habitação que possa agir com eficácia sem uma cooperação efectiva com o Ministro das Finanças.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só resolvendo todos estes problemas seria possível alcançar o ritmo de construção dos 70 a 80 000 fogos por ano, que todos consideram indispensável para responder inteiramente às carências existentes e dedicar cerca de 25 % desse conjunto à habitação social, como é a média na Europa.
Mas o PS não se resigna com o actual estado de coisas. Como evidenciámos já no último debate do Orçamento do Estado, a habitação, sobretudo a habitação social, constitui para nós uma verdadeira prioridade. Ela não pode continuar a ser o parente pobre da política social em Portugal: não pode por razões que têm a ver com a estratégia do desenvolvimento; não pode também porque a política de habitação é um dos instrumentos essenciais do apoio à família, célula base da sociedade; mas não pode, fundamentalmente, por uma ética essencial de compromisso para com os que mais precisam.
Só na área da Grande Lisboa há mais de 200 000 famílias que vivem em condições não humanas de alojamento.
Está hoje provado que a má habitação é um dos factores decisivos de agravamento dos mecanismos geradores da pobreza e da sua reprodução de pais para filhos. Numa casa má, degradam-se as relações familiares, os filhos não estudam, vive-se mal e, sobretudo, desaparecem os incentivos de luta por uma vida melhor.
Esta é uma realidade a que só os cínicos podem ficar indiferentes!
Aplausos de pé do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Guterres o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e os Srs. Deputados Mário Montalvão Machado, Luís Filipe Menezes Lopes, João Maria Oliveira Martins, João Pedreira Matos e Rui Silva.
Também para uma intervenção de abertura, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Ferreira do Amaral): - Sr. Presidente, muito obrigado por me ter dado a palavra, apesar de o Sr. Deputado António Guterres já me ter posto na boca a resposta à sua própria interpelação!...
Risos do PSD.
Mas penso que não será exactamente nos termos que ele previu!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema da habitação é um dos mais difíceis que o Governo tem vindo a enfrentar.
Como já dissemos nesta Câmara, muitos e importantes passos têm sido dados, mas não há que recear afirmar que o combate será longo e que um desfecho acabado não será amanhã, se é que alguma solução definitiva existe para o problema da habitação em alguma parte do mundo.
Trata-se, pelas suas características, de um dos mais persistentes e, porventura, dos mais difíceis problemas da nossa sociedade onde se reflectiram de forma dramática alguns erros do passado que em nada contribuíram para a sua solução.
O partido interpelante, o PS, sabe isto muito bem e sabe-o por experiência própria!
Recordo que já deteve, continuadamente, as responsabilidades do sector da habitação e ainda não há muito tempo em várias ocasiões prometeu, aqui mesmo, no lugar onde me encontro, através dos membros do Governo competentes, que atacaria decididamente o problema da habitação e não o fez. Os resultados da política de habitação do Partido Socialista, se política era, já os conhecemos e não queremos a reincidência.
O Sr. João Pedreira de Matos (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Com a política de habitação, se política de habitação era, o Partido Socialista deu expectativas cor-de-rosa aos Portugueses que depois defraudou, completamente, deixando pior o que encontrara mau.
Com a política de habitação - se política de habitação era!?... -, o Partido Socialista arruinou o Estado, assumindo compromissos para que não dispunha dos recursos que lhes dessem cobertura, deixando milhões em dívida e as casas por fazer e por acabar.
Aplausos do PSD.
Através da política de habitação - se política de habitação era!?...-, o Partido Socialista arruinou famílias prometendo-lhes crédito para a habitação que não era senão uma verdadeira cilada, começando com prestações baixíssimas para atrair compradores e ganhar votos, mas
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que depois iam crescendo de forma tão brutal que ninguém aguentava como muitos não aguentaram.
Vozes do PS: -Já não é assim?...
O Orador: -Através da política de habitação -se política de habitação era!?... -, o Partido Socialista deixou obras de habitação social em construção durante anos, a tal ponto que na contabilidade oficial o número de obras em curso era sempre estranhamente o número mais destacado e mais elevado de ano para ano: é que as obras em curso eram sempre as mesmas!
Risos do PSD.
Tudo isto fez o Partido Socialista enquanto pôde e até que os eleitores compreendessem que não era por aí que o País encontraria as soluções de que necessitava.
E é agora o Partido Socialista, talvez na esperança de que cinco anos tenham sido suficientes para que todos nos tenhamos esquecido do que fiz no seu tempo em matéria de habitação, é agora o Partido Socialista - repito-que interpela o Governo como se a sua própria alternativa não tivesse já sido testada e não tivesse já merecido avaliação tão negativa quanto justa por pane do povo português!
Aplausos do PSD. Risos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A sentença do povo português sobre a política de habitação do Partido Socialista já transitou em julgada Más o Governo aceita a interpelação nos próprios termos em que ela é feita. Não iremos afirmar que o problema da habitação está resolvido, porque evidentemente que não está, nem sequer a solução virá a curto prazo, porque também, evidentemente, não virá. Mas afirmaremos aquilo que me parece que, com seriedade, ninguém poderá contestar, nem sequer o partido interpelante: que nenhum governo democrático apresenta nesta matéria melhores resultados; que nunca se construíram tantos fogos como agora...
Risos do PSD.
.... que nunca as condições de crédito para compra de casa foram melhores que as actuais...
Protestos do PS.
.... que nunca as condições para o renascimento do mercado de arrendamento foram tão propícias; que nunca o apoio às autarquias para terminar com o flagelo das barracas foi tão grande; que nunca os jovens mereceram uma tão grande preocupação especial como presentemente!
O Sr. Eduardo Pereira (PS):-Essa parte deve ter sido escrita peto Sr. Ministro das Finanças!
O Orador: - Antecipo, assim, as conclusões que este debate virá a ter, (antas e tão esmagadoras são as provas que exibirei. E as conclusões serão inexoravelmente estas: que a habitação persiste como sendo um problema a que há que continuar a conceder atenção prioritária, uma vez que ainda aflige milhares e milhares de portugueses; que também nesta matéria o Governo fez muito mais do que qualquer outro e que, sobretudo, aquilo que fez vai no caminho certo e não compromete o futuro; que conseguiu importantes resultados positivos, e que aquilo que fez não tem comparação com o verdadeiro desastre que nesta matéria nos deixou o Partido Socialista, que agora - para espanto do País - se apresenta como partido interpelante!
Aplausos do PSD.
Se o Partido Socialista entende agora que deve interpelar o Governo sobre a habitação, espero que a cada intervenção, a cada crítica que agora queiram fazer, esta Câmara possa imaginar que respostas dariam a cada uma delas os ministros socialistas que foram anteriormente responsáveis por esta área. Isto é: perguntemo-nos todos, se esta interpelação fosse feita ao próprio Partido Socialista, de acordo com a obra que realizou na habitação, de que natureza poderiam ser as respostas. Neste sentido, esta interpelação é uma interpelação reflexa!
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - Herdou este Governo uma política de habitação - se política de habitação era!?... - onde prevalecia o dirigismo burocrático baseado em amplas e desmesuradas estruturas, planos de intervenção desajustados das realidades e necessidades sociais das populações, numa perspectiva imediatista sem atender às suas implicações subsequentes, dentro do lema: «Quem vier a seguir que pague a conta.»
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas as consequências da política de habitação referida foram mais longe e os indicadores abundam e demonstram o que foi a queda da actividade do sector da construção nos períodos até 1985. onde. só entre 1984 e 1985, se perderam cerca de 20 000 empregos, tendo-se atingido em número de fogos para habitação o valor mais baixo desde 1979.
O Sr. Joio Pedreira de Matos (PSD): - Muito bem!
O Orador:-Ficou demonstrada claramente a falência do desenvolvimento de política de habitação social de promoção directa da administração central que se traduziu, entre outras consequências, na mobilização de recursos e implicações financeiras em planos de concretização excessivamente longos e, consequentemente, a preços de construção normalmente altos.
Herdámos um mercado habitacional onde, no último decénio, o número de fogos produzidos anualmente e destinados a renda livre não ultrapassava, em média, os 3 %, registando uma crescente e persistente diminuição - lendo mesmo registado em 1984 o mais baixo valor das estatísticas oficiais, isto é, 0.9 %.
A degradação do parque habitacional, a crescente terceirização dos grandes centros urbanos com a consequente especulação, o desaparecimento de novas casas para arrendamento e a passagem de investimento dos investidores institucionais para os adquirentes de casa própria significou assim um enorme agravamento dos esforços da generalidade das famílias e, do mesmo passo, um enorme esforço do sector público insusceptível de suprir aquela importante lacuna deixada no mercado.
Recordo, para quem já se tenha esquecido, que ao nível do crédito o regime instituído não respondia minimamente a quaisquer princípios de justiça social, para além de se
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constatar que, da sua aplicação prática, resultavam maiores distorções sociais.
Protestos do PS.
Com efeito, instituir um regime de crédito à habitação cujo acesso dependia de um valor de habitação fixo e homogéneo para todo o país e de um valor absoluto de rendimentos, independentemente da dimensão e características específicas do agregado familiar, representava no mínimo a ausência de qualquer perspectiva política e social numa área tão fundamental como a da habitação.
Era assim, recordo a todos, antes deste Governo.
Havia que restituir ao País a confiança no investimento; fazer funcionar o sector; estimular a economia do sector; incentivar a poupança; garantir o crédito à habitação em condições mais favoráveis e socialmente mais justas; dinamizar o mercado do arrendamento, e, muito principalmente, cuidar da habitação dos estratos sociais de menores recursos.
Consolidou-se, pois, um novo modelo de funcionamento do sector habitacional caracterizado por uma nova maneira de actuar das instituições e dos agentes intervenientes: é através de iniciativas dos diversos agentes económicos privados (cooperativas e empresas) e públicos (autarquias locais) em que se poderia-pode! - optimizar a utilização dos recursos disponíveis e a sua utilização racional numa perspectiva social.
Recordo que para que o Estado pudesse cumprir as funções primordiais que tem de desempenhar na promoção de habitação social, houve que: institucionalizar e dinamizar o Instituto Nacional de Habitação - o que se fez em 1986 -; concentrar num organismo público, o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, a gestão do parque habitacional pertencente ao Estado -o que se fez em 1987-, e, por outro lado, houve que estimular e incentivar, nomeadamente pelo financiamento e prestação de assistência técnica, a actuação dos municípios, das cooperativas e das empresas privadas na produção da habitação social.
Punha-se, assim, termo a uma situação - mais uma - aberrante e cheia de contradições que nos foi legada: é que o antigo Fundo de Fomento da Habitação (FFH) estava em processo de extinção, mas continuava a funcionar. Em alternativa tinha sido criado o Fundo de Apoio ao Investimento Habitacional (FAIH), que deveria funcionar mas que nunca chegou a funcionar, e, em simultâneo, é criado o Instituto Nacional de Habitação, que nunca passou da fase de instalação. Tudo isto e as gigantescas dívidas deixadas pelo Fundo de Fomento da Habitação é claramente demonstrativo da situação herdada em 1985-já quase nos esquecemos de como tudo isto é verdade!...
Ao Instituto Nacional de Habitação foi atribuído o papel fundamental de entidade financiadora para construção de fogos a custos controlados, podendo apoiar o financiamento a longo prazo às Câmaras nas linhas de crédito para realojamento.
Com os benefícios emergentes do aumento dos salários reais, diminuição do desemprego, controlo da inflação e diminuição das taxas de juro em conjugação com as orientações da política de habitação, o universo das famílias com capacidade de acesso à aquisição de casa própria aumenta significativamente, tendo-se criado um controlo sobre a evolução dos custos da habitação.
É esse um dos objectivos da habitação a custos controlados. Nada disto havia antes de 1986!
Conferiu-se, ainda, ao Instituto Nacional de Habitação competência para o financiamento à aquisição de terrenos e de equipamento social integrado em empreendimentos cooperativos, incentivou-se a constituição de reservas de construção para reforço dos respectivos capitais próprios e reduziu-se o IVA que lhes é aplicável.
Apostou-se, assim, no apoio à disponibilização de solo urbano, condição essencial para a construção de habitação a preços acessíveis. Até final de 1990, o Instituto Nacional de Habitação já tinha financiado operações deste tipo no montante de 4,2 milhões de contos. Nada disto se fazia antes de 1986!
Ao nível de promoção cooperativa, rejeitaram-se os regimes de financiamento obsoletos, socialmente injustos e desastrosos - refiro-me, obviamente, ao financiamento à propriedade colectiva e à opção clara e coerente pelo financiamento à construção articulado com o regime de aquisição de casa própria. E a melhor prova dos resultados da nossa política é a de que o movimento cooperativo, que está pujante, constitui uma alternativa credível reunindo à sua volta um cada vez maior número de famílias.
Protestos do PCP.
O período de 1986-1990 foi o mais rico desde sempre na criação de novas cooperativas, representando mais de 60% sobre o período 1982-1986. O número de fogos construídos pelas cooperativas entre 1986 e 1990 representa 60 % do total de fogos construídos por este tipo de promotores desde 1974. Só no ano de 1990 estavam em construção mais de 10 000 fogos de promoção cooperativa, o maior valor desde sempre registado.
Ao Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado ficou a competir em termos gerais a gestão do património habitacional do Estado - são cerca de 40 000 fogos -, e dos terrenos do extinto Fundo de Fomento da Habitação, bem como a gestão de duas importantes linhas de apoio financeiro em matéria de realojamento e essencialmente voltado para as camadas da população mais desfavorecidas.
É bom lembrar que, desde a extinção, por decreto, do Fundo de Fomento de Habitação, em 1982, não se lançavam quaisquer novos empreendimentos e projectos para arrendamento social e nem tão-pouco os anteriormente concretizados foram orientados exclusivamente para a eliminação da chaga social que constituem as barracas.
É ainda útil recordar que foi necessário concluir obras do Fundo de Fomento de Habitação que estavam paradas há diversos anos; realizar obras de conservação dos bairros sociais do Estado que se encontravam, em muitos casos, profundamente degradados; pagar aos municípios terrenos há largos anos utilizados pelo Fundo; resolver a monstruosa dívida deixada e suportar os custos resultantes do não pagamento atempado às entidades bancárias do valor das bonificações ao crédito por elas concedido.
Tudo isto numa módica soma de mais de 160 milhões de contos! Foi esta a factura que este Governo pagou das dívidas do governo anterior no campo da habitação.
Aplausos do PSD.
Só o serviço da dívida proveniente das bonificações não pagas e encargos com a dívida assumida do ex-Fundo significa hoje um encargo anual de cerca de 30 milhões de contos.
O Sr. João Pedreira de Matos (PSD): - Foi o resultado da «gestão socialista»!...
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O Orador: - Face a tudo isto, bem podia ser o Governo a interpelar o Partido Socialista!
O Sr. João Pedreira de Matos (PSD): - Muito bem! Risos do PS.
O Orador: - Sob a égide destes dois Institutos foram já celebrados acordos envolvendo 39 municípios para a construção de cerca de 22 000 fogos para realojamento, que significarão, a preços comentes, um investimento global de cerca 54 milhões de contos.
A alienação de terrenos por parte do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, a gestão e alienação do parque habitacional do Estado aos seus inquilinos, a recuperação e conservação desse mesmo parque habitacional, há tantos anos abandonado, tem vindo a possibilitar o acesso à propriedade em termos altamente bonificados de numerosas famílias de menores recursos, permitindo, para além do mais, a consequente libertação de fundos para o reforço da intervenção social do Estado neste domínio.
Com a criação, em 1988, do programa RECRIA gerido pelo Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, o Governo abriu, pela primeira vez em Portugal, uma linha de comparticipações a fundo perdido para apoiar os proprietários na recuperação do parque habitacional arrendado.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): -Não é verdade!
O Orador: - Nada disto havia anteriormente!
Até esta data o sistema que vigorava para a recuperação do parque habitacional era o PRID criado para apoiar os proprietários na recuperação dos seus prédios através de empréstimos bancários - sistema com defeitos desde origem e que, como se esperava, não resultou.
Quando comparamos o PRID com o RECRIA verificamos que a diferença é abissal. Até Abril de 1991 aderiram ao RECRIA 22 câmaras municipais, tendo-se realizado obras de recuperação de fogos no montante de 22 milhões de contos, dos quais 1,214 milhões de contos foram comparticipações. Só na cidade de Lisboa os investimentos resultantes do RECRIA ultrapassam já 1,9 milhões de contos.
Todos estes programas de habitação para realojamento e a custos controlados foram suportados por um novo regime de crédito à aquisição de habitação própria.
Até 1986 o regime de crédito à habitação previa valores fixos de habitação iguais para todo o país, alheio à diferença de preços por região, alheio aos rendimentos anuais brutos dos interessados uma vez que não determinava para as condições de crédito a dimensão dos agregados familiares.
Introduziram-se profundas alterações passando o acesso dos agregados familiares aos diversos escalões de bonificação a resultar da relação que se estabelece entre os seus rendimentos anuais brutos e a sua dimensão.
Reformulou-se, assim, totalmente o regime de crédito à aquisição de casa própria, privilegiando na solução adoptada o reforço da intervenção do Estado numa perspectiva social, apoiando mais quem em termos relativos menos ganha, ampliando o seu regime de aplicação e de bonificação, salvaguardando a necessária correlação entre a progressividade anual das prestações e a política de rendimentos.
Passa, pois, a atender-se à estrutura de rendimentos das famílias de diversas dimensões que recorrem ao crédito à habitação, salvaguardando-se um princípio de justiça relativa fundamental e criando condições mais favoráveis nos agregados de menores rendimentos e às famílias mais numerosas.
Ao longo do período de vida do empréstimo as variações do rendimento anual bruto e dimensão do agregado familiar determinam os reajustamentos correspondentes nos escalões de bonificação a que os mutuários têm direito, por forma a garantir o fim social da aplicação dos recursos do Estado.
Por outro lado, criou-se o regime de crédito jovem, que passa, assim, a apresentar inovações, das quais a primeira se traduz numa percentagem de financiamento até 10 % do valor de avaliação da habitação, instituindo-se, no caso de insuficiência dos rendimentos do agregado ultrapassando a taxa de esforço, a possibilidade da sua dispensa mediante a prestação de garantias por familiares ou, excepcionalmente, por pessoas idóneas.
Para além disso, estende-se o novo regime aos contratos anteriores, permitindo que numerosas famílias viessem de novo a poder cumprir com os contratos celebrados no anterior regime e que bem cedo se revelaram -como já disse - verdadeiras armadilhas.
Ao indexar os escalões de bonificação ao salário mínimo nacional não só se permite a actualização automática destes escalões como se beneficia do seu crescimento a um ritmo superior ao da inflação que se tem registado nos últimos anos.
Sem prejuízo de tanto, em Julho passado ainda novas e substanciais melhorias foram postas em prática no que respeita ao crédito para a habitação. Com a eliminação já aprovada pelo Governo dos limites de valor da habitação para acesso ao crédito não só se eliminaram os constrangimentos anteriormente existentes como, no que se refere aos jovens, estes passaram a ter acesso a qualquer valor de habitação desde que tal o permitam os seus rendimentos ou as garantias prestadas.
Instituídas em 1986 em ordem a estimular a poupança necessária à aquisição de habitação própria ainda as contas-poupança habitação revelaram-se um instrumento importante para quem pretende antecipadamente preparar o futuro, beneficiando simultaneamente de benefícios fiscais ao nível do IRS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas para dar ainda uma panorâmica completa do que o Governo tem feito no sector da habitação, gostaria de falar do problema do arrendamento onde, mau grado as alterações que gradualmente se foram fazendo após a normalização constitucional, há que reconhecer-se, no entanto, que a política de habitação, apesar de todos os benefícios emergentes da Lei n." 46/85, continuava limitada, condicionada e circunscrita ao mercado de aquisição de casa própria com todas as suas consequências negativas, políticas, económicas e sociais.
Há que reconhecer também que o mercado de arrendamento continuou relativamente paralisado, não tendo correspondido às expectativas nele depositadas pela referida lei. Com efeito, apesar da evolução que esta apresentava, mantinham-se no seu regime condições que o limitavam e tornavam pouco atrativo, condicionando a sua adequada e objectiva participação na política de habitação.
Sendo hoje inquestionável que nenhum Estado consegue, por si só, responder às necessidades habitacionais sem
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um mercado de arrendamento que responda em termos eficazes à procura, houve que introduzir no regime alterações significativas susceptíveis de torná-lo aliciante, recuperando a confiança de quem investe sem prejuízo de se garantir mecanismos mínimos que assegurem estabilidade habitacional.
Foi isso que se fez através do novo Regime do Arrendamento, em vigor desde 15 de Outubro passado, mediante autorização desta Câmara e no qual há que depositar as maiores esperanças para o renascimento do mercado de arrendamento.
Srs. Deputados, se estamos conscientes de que muito e mais há a fazer no sector da habitação, temos igualmente consciência de que, sem hipotecar o futuro, sem deixar de gerir com rigor e sentido de Estado e com pleno conhecimento das dificuldades que o sector habitacional que herdamos comporta, nunca se fez tanto neste país pelo habitação!
Vozes do PS: - É obra!...
O Orador: - E os números são significativos... Aliás, os Srs. Deputados poderão tomar nota dos números e compará-los com os relativos ao que se fazia anteriormente, pois as fontes que cito são as oficiais, embora agora pareçam ser, pela primeira, contestadas pelo Partido Socialista...
Quanto ao crédito para aquisição de casa própria concedido pela Caixa Geral de Depósitos, a preços de 1982, aumentou, do período de 1982-1985 para o período de 1986-1989, em 66% - mas se compararmos o ano de 1985 com o ano de 1990 o aumento foi de 42 %. Este salto de 182 para 541 milhões de contos correspondem a um aumento de 50 % no número de contratos realizados.
Entre 1982 e 1985 foram realizados perto de 120 000 contratos de financiamento para aquisição de casa própria. No período entre 1986 e 1989 este número subiu para 175 000 contratos, ou seja, um crescimento superior a 47 %.
O crédito jovem absorve hoje 50 % do total do crédito bonificado concedido contra os cerca de 10 % que representavam nos anos de 1985-1986.
Em 1985 o volume de crédito à aquisição de habitação representava 13 % do total do crédito concedido às empresas e particulares e, em 1989, ano para que há já dados apurados, passou de 13 % para 23 %.
A prestação do escalão mais bonificado (25 anos - I escalão), que, em 1984 e no 1.º semestre de 1985, era, por cada 1000 contos, de 5737$ para a primeira prestação e de 90 860$ para a última (25 anos), é hoje de 7319$ e de 23 669$! Ou seja, hoje quem adquire casa viu o seu futuro largamente desonerado.
O número de fogos novos para habitação concluídos em 1985 foi de 35 475, quando em 1989, último ano para que há dados disponibilizados pelo INE - os quais os Srs. Deputados do PS parecem hoje contestar... -, foi de 58 000, ou seja, mais de 51 %.
Vozes do PCP: - É falso!
O Orador: - O volume de contratos celebrados pelo Instituto Nacional de Habitação tem vindo a crescer ininterruptamente, tendo sido celebrados em 1990 contratos para 7673 novos fogos.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Isso é falso! Tenha pudor no que diz, Sr. Ministro!
O Orador: - Só no triénio de 1988-1990, celebraram-se contratos para 22 118 fogos, ou seja, mais de 35,6 % do que durante todos os restantes anos de existência.
O Instituto Nacional de Habitação concedeu no ano de 1989, ano para que há disponíveis dados do Banco de Portugal relativamente à actividade bancária, 22,5 milhões de contos, situando-se, assim, a par da quarta maior instituição do País em matéria de concessão do crédito à construção (em 1990 este valor subiu ainda para 28,5 milhões de contos, ou seja, mais 27 %).
No corrente ano foram colocados à disposição do Instituto Nacional de Habitação para financiamento à construção 55 milhões de contos, o mais alto número de sempre, estando ainda prevista a sua alteração estatutária que lhe permitirá, a muito breve trecho, reforçar os capitais próprios e adquirir uma estabilidade financeira que lhe permitirá um desenvolvimento consolidado da sua actuação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fizemos mais e fazemos melhor em obra do que nunca alguém se poderá gabar de ter concluído!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Para mostrar que disso temos consciência atente-se nas medidas que temos tomado e que continuamos a tomar com os limites das nossas possibilidades, isto é, com os limites que uma economia geral robustecida vai permitindo.
Ao eliminar o valor da habitação como condição de acesso ao crédito bonificado; ao flexibilizar a periodicidade do pagamento de prestações para que simultaneamente se passará a dispor de um novo modelo; ao alargar à generalidade dos bancos a possibilidade de conceder crédito bonificado; ao propor a ampliação das isenções de IRS no que concerne ao arrendamento; ao aumentar as comparticipações na aquisição de habitações sociais (venda apoiada); ao afectar os recursos de uma nova instituição bancária à habitação social; ao tomar estas medidas, estamos certos de dar um novo passo no sentido de possibilitar às famílias portuguesas um acesso mais fácil à habitação!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Srs. Deputados da oposição queriam fazer deste debate uma mera análise conjuntural da política de habitação deste governo, usando os números da maneira que lhes aprovesse para que pudessem exercer uma verdadeira política do «bota abaixo».
Ora, nós recusamo-nos a alinhar nesse tipo de debate!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Queremos que este debate seja o debate da política de habitação na legislatura e que, em vez de análises pontuais mais ou menos convenientes, se discutam estratégias, objectivos, medidas, mas que, sobretudo, se avaliem os resultados!
Mais do que uma avaliação absoluta, o que me parece que é útil fazer-se é comparar aquilo que fizemos com aquilo que anteriormente não se fez!
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - Ao trabalho que realizámos desde 1986 contrapomos aquilo que se fez em períodos anteriores. E, Srs. Deputados, as diferenças são abissais!
Hoje, por muito que alguns não gostem ou por muito que alguns não queiram ver, é menos difícil o acesso à habitação, mas estamos conscientes de que ainda não é tão fácil como desejamos!
Este Governo deu aos Portugueses condições para obterem mais habitações do que qualquer outro governo no passado e, em 1991, continuaremos a crescer de fornia imparável.
Mas isto foi possível porque tivemos uma estratégia global para o País, porque apostámos no crescimento económico, no aumento dos salários reais, na redução do desemprego, numa política que possibilite às famílias portuguesas um maior rendimento disponível, tudo isto conjugado com uma política de habitação coerente, com metas bem definidas e objectivos claros. Apenas esperamos que os sucessos que vamos obtendo se possam prolongar nos anos futuros!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, feitas as duas intervenções de abertura do debate desta interpelação, informo que se inscreveram para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro os Srs. Deputados Octávio Teixeira, Luís Roque, Armando Vara. Rui Silva e José Manuel Maia.
E agora, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Guiares, tem, em primeiro lugar, a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres: Sob a forma de interpelação ao Governo, o Sr. Deputado e o seu partido trouxeram a esta Câmara um assunto sério, tenho de reconhece-lo!
O problema para mim está em saber se o PS e a sua bancada desejam tratar esse assunto com a seriedade que ele merece ou se, pelo contrário, desejam tratá-lo com a ligeireza com que vêm tratando alguns temas, preocupados apenas com alguma demagogia eleitoralista.
Devo confessar-lhe que não consegui concluir da sua intervenção - e é por isso que peço esclarecimentos adicionais- se, de facto, a sua bancada quer tratar este assunto com seriedade, desde logo, porque V. Ex.ª deixou de considerar como «fonte oficial de estatísticas» o INE e passou a considerar a AECOPS - mas isso é um problema de pormenor e pouco relevante!...
V. Ex.ª apresentou aqui uma política e um conjunto de soluções para este sector. É uma política que se servirá, em seu entender, de instrumentos variados e, como disse aqui, uma política que visa bonificar mais o crédito à habitação, dar mais crédito à habitação ou aumentar o número de anos do empréstimo; uma política que visa o alargamento do RECRIA e que se servirá de um maior e mais amplo subsídio de renda; uma política que se servirá da redução de custos de produção, que vai embaratecer, portanto, a habitação.
É claro que anunciou que, a seguir, a Sr.1 Deputada Leonor Coutinho aqui trará mais um conjunto de iniciativas que visam esclarecer melhor esses instrumentos da política que, agora, vêm apresentar. No entanto, devo dizer-lhe que já ouvi hoje, sobejas vezes, na rádio referencias àquilo que vão ser as propostas da Sr.1 Deputada Leonor Coutinho e já sei que o essencial da sua proposta é o aumento do subsídio de renda.
De tudo quanto fica dito, parece-me claro que a política e os instrumentos que vão usar custarão muito dinheiro ao Orçamento do Estada Isso parece-me ser inevitável e um dado adquirido.
Fora isso. resta apenas aquela questão da redução dos custos de produção e V. Ex.ª não explicou aqui como é que vão reduzi-los nem eu consigo entender. Mas passemos esse aspecto de lado e vamos apenas falar da parte desta política que tem evidentes implicações orçamentais e do dinheiro que elas custam.
Aqui surge a minha primeira questão e o primeiro esclarecimento sério que lhe peço. Certamente que o PS fez contas e o que lhe pedia era uma ordem de grandeza para tudo isto, isto é, a primeira coisa que é preciso saber é quanto é que isso custaria ao Orçamento do Estado, em termos de grandeza e não de escudos exactos, como é óbvio!
Sabido quanto custa e sabido que V. Ex.ª já disse aqui que não vão conseguir esse dinheiro nem à custa de carga fiscal nem à custa do aumento da despesa pública, então, com certeza, VV. Ex.ª vão reordenar e reequacionar as prioridades. Surge, assim, uma pergunta, bem legítima, que é a de saber que prioridades vão agora ter, isto é, o que é que vão fazer. Se não vão aumentar a despesa pública, se não vão aumentar o défice do Estado e se não vão aumentar a carga fiscal, VV. Ex.ª vão despedir funcionários do Estado?
Vão cortar dinheiro à educação? Vão cortar dinheiro à saúde? Vão cortar dinheiro às obras públicas? Vão deixar de pagar juros da dívida pública? Afinal, o que é que vão fazer? Esta é que é a questão.
E porque, Sr. Deputado António Guterres, custa-me aceitar que a única solução que o PS traz na manga para este debate seja aquela que aqui apontou, ou seja, pedir mais dinheiro à CEE. Sr. Deputado, já lá vai o tempo e este Governo já desabituou Portugal de fundamentar qualquer política em pedir mais dinheiro, seja lá a quem for-aliás, este não pode ser o único critério.
Portanto, resta saber, de facto, como é que vai reordenar as prioridades.
E, Sr. Deputado, ainda antes de saber a sua resposta, quero dizer já, em antecipação, que de duas uma: ou V. Ex.1 me sabe responder sobre os custos desta nova política e dos seus instrumentos ou não sabe! Se não sabe responder-me, tenho de dizer já -porque não vou usar da palavra durante o debate-que vir aqui sem saber isso é uma grande leviandade, diria mesmo uma irresponsabilidade. Mas admito que não, que V. Ex.1 sabe quanto é que custa!
Então, quero dizer-lhe o seguinte, Sr. Deputado: quando V. Ex.1, categoricamente, da tribuna, prometeu e garantiu ale, com grande gáudio, à sua bancada vir a ganhar o poder para os próximos quatro anos, então sabe quanto é que isto custa e enganou os seus camaradas de partido!
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª vice-presidente Maria Manuela Aguiar.
A Sr.1 Presidente: -Sr. Deputado António Guterres, deseja responder já ou no final?
O Sr. António Guterres (PS):-No final, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente:-Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.
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O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado António Guterres, os senhores são gente de memória curta; são gente que, efectivamente, esquece as coisas com uma facilidade extraordinária, o que é grave quando se trata de assuntos de Estado.
Os senhores são o exemplo típico de uma força política que, sobre o mesmo assunto, têm uma linguagem quando são oposição e têm outra diametralmente oposta quando são governo.
De qualquer das formas, queria dizer-lhe que interpelações sobre matérias como esta são consideradas por nós extraordinariamente bem-vindas, porque os senhores são confrontados, por parte do Governo e do grupo parlamentar que o apoia, com números que são indesmentíveis e com situações realistas que, aliás, nunca compreendem, mas que não podem desmistificar, a não ser através de sonhos, que são gratuitos e que, por isso, apropriam-se deles com facilidade.
Vou só dar-lhe um exemplo para que V. Ex.1 me diga se o que vou dizer é ou não verdade e para que se veja que, efectivamente, os senhores são na realidade eleitoralistas, como disse há pouco.
Entre 1983 e 1985, a Câmara Municipal de Lisboa, por exemplo...
Risos do PS.
Não se riam! Ou será que a Câmara Municipal de Lisboa já não é vossa?!
Como dizia, entre 1983 e 1985, a Câmara Municipal de Lisboa não recebeu qualquer comparticipação do Governo para a construção de habitações sociais. A Secretaria de Estado da Habitação, na época dirigida pelo Sr. Dr. Fernando Gomes - ilustre militante do PS e não menos ilustre presidente da Câmara Municipal do Porto- e tendo como ministro também o ilustre militante do PS, arquitecto Rosado Correia, não deu um tostão para o realojamento de famílias que residiam em barracas na cidade de Lisboa.
Os exemplos mais flagrantes desta situação são os que se relacionam com as empreitadas n.os 598 e 599/81 - construção de 170 fogos na zona M-1 de Cheias-, 1507, 1508 e 1509/82 -construção de 209 fogos também na zona M-1 de Cheias - e 692/82 - construção de 81 fogos no Bairro do Padre Cruz. Estas empreitadas, iniciadas em 1981 e em 1982 e cujos pedidos de comparticipação foram apresentados ao Governo -com aquelas personalidades que apontei -, em 1983, não tiveram qualquer apoio por parte do PS. Foi o governo do PSD que, através do acordo de colaboração celebrado pela Câmara Municipal de Lisboa, em 1987, viabilizou a construção destas habitações.
Os fogos referidos na zona M-1 de Cheias ficaram concluídos em 1989 e 1990 e os do Bairro do Padre Cruz em 1991. Ou seja, o PS, quando foi governo, atrasou, em mais de cinco anos, o realojamento de, pelo menos, 460 famílias que habitavam em barracas na cidade de Lisboa.
Aplausos do PSD.
Só lhe solicitava, Sr. Deputado António Guterres, que, antes de produzir afirmações como aquelas que aqui produziu, refrescasse a sua memória para relembrar tantos e tantos casos que, através da discussão de hoje - e por isso ela é bem-vinda -, irão ser apontados, e não se esquecesse, por exemplo, deste que acabo de apontar.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes Lopes.
O Sr. Luís Filipe Menezes Lopes (PSD): - Sr.1 Presidente, Sr. Deputado António Guterres: Esta interpelação do PS sobre um tema importante e que preocupa um sector importante da população portuguesa devia ser, como disse o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, um debate sério, e pensava até que as argumentações e as propostas que o PS, pela voz do Sr. Deputado e, adiante, pela voz de outros Srs. Deputados, aqui viesse apresentar, mereceriam, desde o início, pelo menos para observadores menos familiarizados com esta problemática, uma posição de alguma neutralidade e de alguma atenção, no sentido de constatar se eles eram minimamente lógicos e se podiam acrescentar algo de positivo para resolver muitos destes problemas.
Contudo, penso que não se pode, de qualquer forma, depois de ouvir o Sr. Deputado António Guterres, desfocar a discussão desta questão daquilo que tem sido o comportamento político do PS durante toda esta legislatura e, de uma forma muito particular, desde há oito meses ou um ano a esta parte.
O PS, hoje, vem aqui propor medidas que, como o Sr. Ministro disse, certamente vão custar muito dinheiro ao Orçamento do Estado, a não ser que o Sr. Deputado António Guterres tenha uma habilidade e uma criatividade que, apesar de toda a sua capacidade intelectual, não creio que possa ter, para responder aos desafios que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares lhe colocou.
Elas irão, com certeza, aumentar a despesa pública, e o PS, nos últimos oito meses, já fez, em relação a múltiplas matérias tão importantes como esta, propostas exactamente semelhantes.
Por exemplo, há poucas semanas atrás, o PS veio aqui propor que os medicamentos fossem gratuitos para os idosos e que fossem gratuitos para a esmagadora maioria dos pensionistas ...
Vozes do PS: -Não é verdade!
O Orador: -...; o PS chegou a indiciar que as pensões de reforma, que não tinham sido aumentadas para valores para os quais existia capacidade financeira, deveriam ser aumentadas para valores que se aproximassem do salário mínimo nacional; o PS, aquando da discussão do Orçamento do Estado, disse aqui que as despesas da saúde, que ocupavam uma ratio muito pequena, quando comparáveis com o produto interno, teriam de evoluir rapidamente de 3,5 % ou 4 % actuais para 6 % do produto; o PS disse que as despesas da educação deviam, já neste ano orçamental, ser muito aumentadas; o PS disse que as transferências do Orçamento do Estado para as autarquias deviam aumentar 20 % ou 30 %...
Vozes do PS: - E muito bem!
O Orador: -...; o PS disse que a transferência de verbas do Orçamento para a Segurança Social deveriam ser aumentadas. Tudo isto num único ano.
Já tive oportunidade de dizer aqui num debate, há pouco tempo, que se somarmos essas propostas do PS com idênticas propostas do PCP e até algumas do CDS ...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Obrigado pela lembrança!
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O Orador: -... que ouvimos aqui, no último ano, certamente que havia uma duplicação, pelo menos, do Orçamento do Estado de 1991.
Imaginando que o PS vai continuar, daqui até Junho, de forma acelerada, a fazer propostas deste tipo, certamente seriam precisos três Orçamentos do Estado para dar resposta a essas iniciativas!
Portanto, Sr. Deputado António Guterres, parto do pressuposto de que isto é propaganda e, se V. Ex.1 fosse sempre o porta-voz dessa propaganda, diria que, comparando com aquilo que 6 propaganda clara e legítima que o Sr. Ministro da Obras Públicas, Transportes e Comunicações exercita no dia a dia, mostrando a obra do Governo, ele é um aprendiz de feiticeiro quando comparado com V. Ex/
Mas, como não quero apelidar o Sr. Deputado António Guterres de irresponsável, peco-lhe que aproveite este debate para aqui, de uma forma humilde, dizer o seguinte: «Eu, António Guterres, acredito que hoje as propostas que aqui fazemos são propostas sérias e exequíveis» - e acredito em si. Mas, logo de seguida, diga aqui também quais as propostas dos últimos seis meses que não foram sérias, que não são exequíveis, que são demagógicas, que são eleitoralistas e que são irresponsáveis.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Maria Oliveira Martins.
O Sr. João Maria Oliveira Martins (PSD): - Sr. Deputado António Guterres, ouvi-o com toda a atenção na exposição que fez sobre a política habitacional e escutei algumas das propostas que fez, em nome do PS, para que no futuro as coisas pudessem ser melhores do que no passado. Anunciou também que uma sua colega de bancada iria concretizar outras propostas; aguardarei a apresentação do conjunto, para depois fazer o meu comentário.
Mas o seu partido, comandando o Governo e gerindo o sector da habitação, nunca conseguiu incentivar medidas por forma a ultrapassar o valor relativo à construção de 35 000 fogos no País - poderá registar-se um ano excepcional lá pelo meio. O seu partido, no ano de 1985, praticou uma política de crédito à habitação que gerou a insolvência das famílias - o Sr. Ministro das Obras Públicas já referiu a tabela que começava em 5500$ e terminava em 90 000$. Os Srs. Deputados criticam o número de pedidos e o de contratos de crédito à habitação, dizendo que nos recentes anos tem sido pequeno - em todo o caso, é maior que o vosso, além de que se o sistema de crédito se mantivesse o número de pedidos satisfeitos seria zero, porque gerava a falência das famílias. Os Srs. Deputados demonstrem-me se consideraram propostas para o crédito jovem, já que deixaram 40 000 fogos à venda que não unham comprador...
O Sr. João Pedreira Matos (PSD): -Essa é que é a verdade!
O Orador: - Os Srs. Deputados, que deixaram em construção 2000 fogos de habitação social em 1985, foram incapazes de definir um programa para recuperação dos edifícios degradados - veja-se o que é hoje Lisboa e o que era Lisboa em 1985 ...
Vozes do PS: - Já sabemos!
O Orador: - Os Srs. Deputados que nunca fizeram uma obra (uma!) no património imobiliário do Estado as primeiras obras que se fizeram dos edifícios do IGAPHE foram feitas em 1987 -, consentiram na ruína do Fundo de Fomento da Habitação e quando aqui neste Parlamento um ministro da AD sugeriu que o melhor era extinguir o Fundo W. Ex." não tiveram coragem de dizer que não, mas foram para o Governo e deram ao Fundo mais poderes que aqueles que tinha, terminando por ser insolvente e acarretando uma dívida para o Estado de uma centena de milhões de contos.
O PS, pela voz e pela acção do seu responsável pelo sector da habitação, em 1974 e 1975, participou na liquidação do mercado de arrendamento em Portugal...
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Isso é completamente falso.
O Orador: - Sr. Deputado, veja as assinaturas que lá estão!
Os Srs. Deputados, no tempo em que estiveram no Governo, não incentivaram a elaboração de planos directores municipais, sem os quais não pode haver uma gestão correcta da política de solos.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - Depois disto tudo, Sr. Deputado António Guterres, explique-me uma coisa: qual é o passe de mágica que o PS vai dar para demonstrar que ganharam uma capacidade que não revelaram quando foram governo?
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Pedreira de Matos.
O Sr. João Pedreira de Matos (PSD): - Sr." Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Guterres: O meu pedido de esclarecimento está em parte prejudicado pelas intervenções dos meus colegas e do Sr. Ministro. No entanto, quero aqui registar um comentário e colocar-lhe uma questão.
O comentário é de congratulação por o PS, pela primeira vez, num debate com a seriedade e a importância deste, ter dito que a política de habitação deste Governo não é suportada pelos fundos comunitários. Desta vez, e ao contrário do que normalmente acontece - o PS justifica a acção deste Governo em todas as áreas pelo facto de existirem fundos comunitários -, a proposta do PS é de que, no futuro, vamos pensar nos fundos comunitários.
A questão que queria colocar prende-se com o problema da especulação e tem a ver com a política de solos. Como o Sr. Deputado sabe, a política de solos e de planeamento urbano é uma competência dos municípios. Sei que os Srs. Deputados não gostam do exemplo de Lisboa, mas não poderia deixar de o referir, porque penso que a afirmação que o Sr. Deputado hoje produziu nesta Assembleia é muito grave, ao acusar e responsabilizar o Governo pela especulação dos terrenos. Queria de facto dar um exemplo paradigmático do que é a actuação do PS quando assume responsabilidades, já que quando está na oposição tudo é fácil, mas quando tem que assumir responsabilidades vemos o resultado dessa mesma política.
É que a prática corrente do PS na Câmara Municipal de Lisboa é exactamente contrária ao que o Sr. Deputado
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aqui afirmou, pois vai no sentido de promover a especulação. E vou dar-lhe um exemplo: em hasta pública realizada com lotes de terrenos municipais na Avenida de José Malhoa -e como sabe escasseiam os terrenos na cidade de Lisboa-, aconteceu que a Câmara vendeu terrenos, repito, com localÍ7ação estratégica na cidade por preços exorbitantes.
Vozes do PS: - Mas na Avenida de José Malhoa não se faz habitação social!
O Orador: - Em consequência, assistiu-se a uma subida generalizada dos preços. Assim, na Avenida de Columbano Bordalo Pinheiro, onde o metro quadrado para comércio custava, em 1989, 250 contos, em resultado da hasta pública promovida pelo Município de Lisboa, praticam-se hoje preços de 875 contos...
O Sr. António Guterres (PS): - Mas foi em hasta pública!
O Orador: - Sc o Sr. Deputado quiser a confirmação disso dirija-se à loja do n.º 73-B dessa Avenida.
Aplausos do PSD.
O Sr. Eduardo Pereira (PS):-Essa Avenida é em Chelas ou em Telheiras?
Risos do PS. Protestos do PSD.
A Sr º Presidente: - Srs. Deputados, aguardo que se criem na sala as condições para poder dar a palavra ao Sr. Deputado Rui Silva.
Para pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Guterres: Em primeiro lugar, queremos expressar a nossa concordância em relação à maior parte das questões colocadas por V. Ex.ª
No entanto, há uma matéria que o Sr. Deputado não referiu durante a sua intervenção e sobre a qual já apresentámos várias propostas, nomeadamente durante um debate já havido aqui neste Plenário, pelo que gostaríamos de saber qual é a opinião do PS sobre as mesmas.
Diz respeito à política de utilização dos solos e pareceu-me que V. Ex.ª, ignorando-a pura e simplesmente na sua intervenção, concorda com a actual situação existente nessa área.
Entendemos que a política seguida não vai ao encontro dos benefícios que as populações poderiam ter caso se verificassem as respectivas alterações. Assim, gostaríamos de saber qual é a posição do PS relativamente a uma proposta nossa que não foi apoiada por parte do Governo durante a última sessão legislativa e que tem a ver com a elaboração de uma lei quadro da prática urbanística.
Pretendíamos que fosse definida uma transformação do uso do solo, do licenciamento e da gestão urbanística, e essa nossa proposta foi na altura pura e simplesmente ignorada.
Quanto à política de solos, consideramos que seria necessário a aprovação de medidas que capacitassem os municípios para a disponibilidade de solos urbanizáveis em quantidade, preços e locais adequados à promoção habitacional.
Gostaríamos de saber se V. Ex.ª concorda com o centralismo mantido hoje por parte das regiões agrárias, o que implica que, para serem licenciados terrenos para urbanização, essa autorização dependa quase única e exclusivamente de uma decisão do governo central. As autarquias estão completamente cerceadas de qualquer iniciativa própria e autónoma e o que acontece ê que hoje a iniciativa, quer privada, quer colectiva, fica sem apoio, porque quando se requerem as aprovações desses terrenos, nomeadamente ao Ministério da Agricultura, fica-se parado, é interrompido o processo e a maior parte das vezes está-se praticamente seis meses, um ano, dois anos a aguardar que o mesmo parecer seja feito.
Consideramos que esta é uma política retrógrada, que devia ser alterada, nomeadamente devia fazer-se a alteração do decreto-lei n.º 400/84.
Também já aqui hoje foi referida a necessidade de implementação dos planos directores municipais; é verdade que foi este Governo que incentivou a sua criação e a sua aprovação, no entanto, gostaríamos de saber se o alargamento do prazo para a sua aprovação, que segundo se supõe será por mais seis meses, não irá prejudicar a situação de muitas câmaras municipais que já tinham o seu plano praticamente elaborado e que agora vêem esse processo ser atrasado. O que é quero dizer com isto? Havia 104 câmaras com uma expectativa de aprovação até ao fim do ano, mas de acordo com a informação que temos o protelamento do prazo poderá prejudicar muitas que não verão 50% ou mais do plano aprovado. Gostaríamos que V. Ex.ª comentasse também esta situação.
Finalmente, uma questão que me parece muito importante. Refere-se ao pagamento de obras públicas a empreiteiros. V. Ex.1 referiu que a AECOPS tem estatísticas feitas sobre esta matéria e entendemos que há aqui um desfasamento que começa a prejudicar, nomeadamente, a habitação social. Hoje, entre a aprovação de um auto de medição e o respectivo pagamento por parte da Direcção--Geral do Ordenamento do Território chegam a decorrer 180 dias. A maior parte dos empreiteiros vêem-se confrontados com pagamentos de juros que estão a debitar aos próprios clientes e aos donos das obras. Temos conhecimento de empreiteiros que estão a começar a abandonar as obras, porque os pagamentos não lhes são feitos- existem cerca de seis, sete, oito meses de atraso nesses pagamentos que não têm justificação nenhuma. Sendo as obras acompanhadas pelos técnicos do Ministério das Obras Públicas, como é que se entende esta distorção entre quem inspecciona e quem paga se pertencem precisamente ao mesmo Ministério? É um prazo demasiadamente dilatado para o pagamento, já que o Estado não paga juros, que os clientes acabam por pagar e as obras estão mesmo a ser abandonadas. Qual a posição do PS sobre esta matéria?
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr.1 Presidente, Srs. Deputados: Duas respostas concretas às perguntas concretas que foram colocadas. Como todas as outras perguntas versam o mesmo tema a elas darei uma resposta global.
Sr. Deputado Rui Silva, estou de acordo com todas as preocupações que exprimiu. Apesar de tudo, em relação
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aos planos directores municipais, não tenho dúvidas que não será possível cumprir integralmente p prazo e que algum protelamento terá sempre que existir. Em relação às outras preocupações expressas, manifesto a nossa concordância. Lembro-lhe, aliás, relativamente à questão que levantou dos terrenos, que o PS apresentou há dois anos um projecto de lei que contém a nossa proposta de solução para o tema.
Sr. Deputado João Pedreira de Matos, vamos a ver se nos entendemos sobre como funciona o mercado e o que 6 que causa a especulação. O que causa especulação ido 6 vender terrenos em hasta pública; o que causa a especulação é ido haver suficiente volume de terrenos à venda para a procura existente. Quando uma câmara municipal vende terrenos em hasta pública combate a especulação e ido a causa.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem.
O Sr. João Pedreira de Matos (PSD):-Por aqueles preços?
O Orador:-O que se passa 6 que existe no País uma situação de indisponibilidade de terrenos que gera essas questões. E também lhe digo, Sr. Deputado, que ido com os sítios em que se vendem lotes para sedes de bancos e companhias de seguros que estamos preocupados com o preço dos terrenos. Com esses preocupe-se o PSD!
Vozes do PS: - Muito bem.
O Orador: - Estamos é preocupados com o preço dos terrenos em zonas que se urbanizam para a habitação social, e aí quero dizer-lhe que a Cântara Municipal de Lisboa tem agora um programa de habitação social como nunca existiu em Lisboa nos últimos 10 anos.
Aplausos do PS.
Mas vamos às questões de natureza global. O PSD está muito atrapalhado nesta matéria, porque há hoje um consenso nacional que vai dos partidos políticos e da vossa própria má consciência, às associações empresariais do sector, às cooperativas de habitação, à imprensa especializada, que é unânime em afirmar que a política de habitação é o maior fracasso político do governo do PSD.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador:-Como o PSD ido tem resposta para este consenso, quer a intervenção do Sr. Ministro, quer todas as perguntas dos Srs. Deputados tiveram como único objectivo dizer sido falemos agora disto, porque, de facto, não é muito agradável, mas vocês estiveram no Governo e ainda fizeram pior». E toda a vossa argumentação se resume a esta lógica!
Vamos, então, analisar as questões.
O PS esteve no poder - ralemos desta década - entre 1983 e 198S. Ora, é perfeitamente possível ...
O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Só?!
O Orador:-Também esteve entre 1976 e 1978, como sabe. Mas penso que, em relação a todos os números que aqui foram citados, esse período é irrelevante.
Ora bem, no período de 1983 a 1985, o PS, em coligação com o PSD, teve de gerir a fase mais difícil da vida económica e financeira do nosso país. E é perfeitamente possível que alguns departamentos e algumas empresas tivessem sido deixadas em situação de falência técnica em 1985. Porquê? Porque em 1983, quando acabou o governo da Aliança Democrática, gerido pelo PSD, o que estava falido era n País. E, depois, deixou de estar falido, passou a estar equilibrado.
Aplausos do PS
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador:-Ninguém, com um mínimo de honestidade intelectual, pode comparar um período em que se governa sob a alçada do Fundo Monetário Internacional, para corrigir os defeitos de um desvario anterior, com um período em que o País é herdado equilibrado, em que se têm apoios internacionais significativos e vive num clima de prosperidade, gerado por uma economia internacional favorável. Somos favoráveis à discussão destas questões com seriedade, mas, para o fazer, é necessário começar por não se dizerem disparates.
Aplausos do PS.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador:-E depois, Srs. Deputados, onde é que eslava o PSD entre 1981 e 1985? No Governo! Liderando a AD e, depois, no Governo com o PS. Então, vêm agora protestar e, nessa altura, estiveram calados? O que é que estavam a fazer no Governo? Andavam distraídos? Ou só estavam interessados nos lugares de que beneficiavam pelo facto de estarem no Governo?
Aplausos do PS.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador:-O PS cometeu erros entre 1983 e 1985? Claro que cometeu! E pagou por eles, eleitoralmente.
O Sr. Luís Filipe Menezes Lopes (PSD): -E continua a pagar!
O Orador: -E o PSD está a cometê-los agora e vai pagar por eles, eleitoralmente.
Aplausos do PS.
Vamos às questões sérias.
Em primeiro lugar, analisando alguns números ...
O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Vamos aos custos! Diga quanto custa!
O Orador:-Sr. Deputado José Pacheco Pereira, esteja caladinho porque isto não é consigo! Inscreva-se quando quiser falar. Por agora, esteja caladinho! E esteja descansado, porque nós respondemos; vou responder a todas as questões!
Em primeiro lugar, quanto à validade dos números. Aquele que é mais citado por nós, e que serve de teste à credibilidade dos nossos números, é o que se refere aos 58 000 fogos para 1989. Este número, de facto, está nas contas do INE. Como o Sr. Ministro sabe, o INE fez a repescagem, para 1989, de um número muito significativo
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de vários milhares de fogos anteriormente não contabilizados; de tal maneira isto é assim que o Sr. Chefe de Gabinete do Sr. Ministro das Finanças, organismo do qual depende o INE, há três semanas, no Congresso da URBE, sobre habitação, apontou o número de 35 000 fogos para 1989. E nós dizemos, Sr. Ministro, tão errado está o número do INE como o do Ministério das Finanças - na nossa estimativa, a construção de fogos em 1989 andará perto, ligeiramente abaixo, da de 1988. Este exemplo serve para todos os outros números que aqui foram citados.
No entanto, vamos ver os problemas do futuro porque o mais dramático na intervenção do Sr. Ministro é que, sobre o futuro, não disse nada. Disse que o Governo era bom, citou umas medidas dispersas, mas não referiu nenhuma estratégia para o futuro. Para si, o futuro é a gestão de meia dúzia de organismos e é a manipulação de algumas alíneas de alguns decretos. Mas o futuro exige uma estratégia - uma estratégia de corte radical com o passado, seja o passado deste Governo, seja o passado de governos anteriores em que o próprio PS participou. Porquê? Porque os problemas têm uma dimensão tal que, se a estratégia não mudar e os recursos mobilizados para ela também não mudarem, o problema não terá solução.
Quais são as novas pistas de solução, que são indispensáveis?
É preciso reduzir os custos da habitação - isso é essencial e passa pela redução dos preços dos terrenos. Temos há dois anos um projecto de lei com esse objectivo - a maioria que se pronuncie sobre ele, em vez de estar a dormir na comissão.
Passa também por aumentar a produtividade e modernizar a indústria da construção. Em relação a isso, temos um conjunto de propostas, acerca das quais o Sr. Ministro nada disse.
Depois, não basta reduzir os custos da construção. É preciso reduzir os custos do crédito. Para tal, é preciso que a inflação baixe, e este Governo tem fracassado em matéria de inflação...
O Sr. Luís Filipe Menezes Lopes (PSD): - A inflação? Olha quem fala!
O Orador: - É ainda preciso reduzir as margens de intermediação bancária, e este Governo foi cúmplice de um período de sistemática acumulação de lucros na banca, contra os interesses das empresas e dos particulares. É evidente que, se não se reduzirem os custos, o volume de meios postos à disposição pelo Estado para resolver o problema terá de ser muito maior.
Depois, há a questão do financiamento comunitário. Esta é, na nossa perspectiva, uma questão estratégica, porque o investimento em Portugal está a orientar-se nem sempre de acordo com as prioridades do nosso país, mas de acordo com a existência ou não de uma alínea em Bruxelas que permita financiá-las. Esse é que é o drama, actualmente, de muitas câmaras municipais que têm de obter rendimentos na venda de terrenos para acorrerem às comparticipações próprias nos projectos comparticipados, e não o fazem na habitação porque esta não é comparticipada. Não pretendo com isto dizer que tudo se baseie em conseguir financiamento comunitário para a habitação ou em incluir a indústria da habitação nos financiamentos comunitários para a modernização, tal como outras; aquilo que digo, é que essa deve ser uma prioridade estratégica da nossa negociação em Bruxelas e que, se isso for feito, haverá muito melhores condições para resolver o problema da habitação.
Passemos agora à questão orçamental, tendo em conta tudo o que disse anteriormente, isto é, que é necessário reduzir os custos para que a intervenção orçamental seja menor e que é necessário lutar por contrapartidas comunitárias para reduzir o peso da contribuição nacional. Mas, mesmo assim, vai ser preciso gastar mais dinheiro. Já propusemos no Orçamento do Estado para este ano um aumento significativo das verbas para a habitação que nos pareceu ser indispensável para o relançamento da oferta pública de habitação. Em termos de custo e de progressão, relativamente à oferta, pensamos que se deveria trabalhar no sentido de um crescimento regular a partir das propostas que fizemos para o Orçamento de 1991.
Porém, há um dado novo: isto não tem solução estatista, na nossa perspectiva E não tendo solução estatista - compreendemos que não pode o Estado dedicar-se a construir casas em volume gigantesco, passando isto por um conjunto de instrumentos em que o mercado tem de interferir-, a única forma de dar aos que não têm recursos acesso ao mercado é através da generalização do subsídio de renda.
O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Quem é que paga o subsídio de renda? É o Estado!
O Orador: - Esta é uma medida central da nossa estratégia...
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - E quanto custa?
O Orador: - Já lá vamos, Sr. Ministro.
Em relação a isto, o Governo prometeu no seu Programa e nada fez. Para o ano de 1991, na nossa perspectiva, e atendendo a que, felizmente deste ponto de vista, talvez infelizmente de outros, um volume muito significativo ainda está com rendas limitadas, que vêm do passado, consideraríamos que um primeiro passo deveria ser dado este ano com uma verba de 10 milhões de contos (é isto que está no nosso programa) para iniciar a aplicação do subsídio de renda, começando pelos estratos mais desfavorecidos e fazendo crescer este nível progressivamente, à medida das possibilidades. Nunca dissemos que iríamos, por nós próprios, facilmente, atingir os níveis de 70 ou 80 000 fogos por ano, que são necessários; o que dizemos é que, com a introdução progressiva do subsídio de renda, com o aumento da oferta de habitação a custos controlados, com a redução dos custos através de um esforço colectivo do Estado e das empresas, reduzindo os excessos da carga fiscal -o Estado cobra hoje quatro vezes mais do que gasta em habitação social, é bom não esquecermos este pormenor - e, sobretudo, não desperdiçando dinheiro em passar «centros culturais de Belém» de 6 para 40 milhões de contos...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não desperdiçando dinheiro, porque se atrasam empreitadas e depois é preciso negociar aumentos de custo para que elas estejam prontas a tempo das eleições, não desperdiçando dinheiro em política de fachada, muito pode ser feito pelos que não têm dinheiro para ter casa em Portugal.
Aplausos do PS.
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A Sr.ª Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr.ª Presidente, queria apenas fazer uma pergunta a V. Ex.ª
Dado que o Sr. Deputado António Guterres não respondeu a uma questão basilar, crucial para que este debate seja sério, que é a de saber quanto 6 que custa ao Estado esta política, e porque penso que o Sr. Deputado António Guterres não o fez porque, olhando para o placará, verificou que lhe faltava tempo, gostaria de saber se posso ceder um minuto do tempo do Governo à bancada do PS para que possa responder a esta questão.
A Sr.ª Presidente: - Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr.1 Presidente, dado que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares não se preparou para este debate, dado que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares não percebeu a forma como eu respondi à pergunta, invocando as diferentes áreas e decompondo em diferentes áreas as suas propostas, digo-lhe que é muito simples: a inflexão que propomos para este ano custa aquilo que consta das nossas propostas no Orçamento do Estado - que estão à sua disposição -, isto é, mais 10 milhões de contos para subsídio de habitação.
O crescimento regular que propomos é no sentido de dar à política de habitação uma prioridade que, em nossa opinião, não tem tido neste Governo. Mas não se passa nestas coisas do simples para o quádruplo - avança-se com regularidade, definem-se novas estratégias, definem-se políticas, em vez de manipular apenas gestão de departamentos e alíneas de decretos-lei, como fez o Sr. Ministro.
Aplausos do PS.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para fazer uma pergunta ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Não vou entrar na questão dos números por uma razão muito simples: na nossa bancada só conhecemos os números oficiais do INE, isto é, aqueles que são publicados. Julgamos que é uma ofensa à dignidade do INE sugerir que existem números específicos para o Governo.
Em relação à questão global da habitação, diz o Sr. Ministro que a solução não virá a curto prazo; estamos de acordo em que o problema da habitação não se consegue resolver a curto prazo. No entanto, este Governo, tal como o que o precedeu, teve condições ímpares, quer em termos de tempo, quer em termos de recursos económicos e financeiros, para lançar os alicerces e começar a construir a solução do problema da habitação, mas não o fez.
De facto, há uma questão que é iniludível: nunca como agora se construiu tão pouco em Portugal; nos últimos anos tem vindo a decrescer o credito concedido para a aquisição de habitação própria e, mais do que isso, tem vindo a diminuir a concessão de novas licenças para habitação. Estes são os resultados desta política, face a estas condições ímpares.
Assim, uma questão concreta que gostaria de lhe colocar é esta: porque é que o Governo nem sequer foi capaz de definir uma política de habitação global e coerente?
O Sr. Ministro referiu também na sua intervenção que o número de famílias portuguesas com acesso à aquisição de habitação própria tem vindo a aumentar. Face a esta afirmação e face aos elementos que existem, de que não só tem havido baixa na construção como tem havido baixa no número de contratos de aquisição de habitação própria realizados, pergunto: se as famílias aumentaram a sua capacidade de acesso e se esse acesso tem vindo a diminuir, porque é que isso sucede? Será por masoquismo das famílias portuguesas?
A Sr.ª Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.
O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Ministro, quem ouvisse o seu discurso julgaria que, efectivamente, o PSD já resolveu tudo.
No entanto, muito rapidamente, vou colocar-lhe duas questões.
Disse o Sr. Ministro que apoiava as autarquias no aspecto da habitação. Não serão antes as autarquias que apoiam o Governo e o ajudam a cumprir o artigo 65.º da Constituição? Esta a primeira pergunta que lhe faço.
Por outro lado, falou o Sr. Ministro de apoio às cooperativas de habitação. Tanto quanto sei, no ano de 1990, o Instituto Nacional de Habitação só foi capaz de financiar 600 fogos às cooperativas. Em 28 de Dezembro, com a ajuda da AID, financiou mais l SOO. Esse financiamento não se repercutiu, como deve calcular-se, no ano de 1990, mas sim no de 1991.
Que apoio é este que obriga as cooperativas de habitação a pagarem juros elevadíssimos, que levam algumas delas quase à falência?
Por outro lado, Sr. Ministro, gostava de saber, muito concretamente, qual é o diferencial entre os juros que o Governo não paga à AID e o que cobra às cooperativas de habitação.
Por último, queria saber quando é que o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado paga os 3 milhões de contos que deve às autarquias, em termos de terrenos.
A Sr.ª Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Ministro, após a intervenção do meu camarada e presidente do Grupo Parlamentar do PS, António Guterres, e as respostas que deu às diversas interpelações que lhe foram colocadas, pouco há a acrescentar em relação ao que o Sr. Ministro aqui referiu.
Há, todavia, um problema que se levanta, pois o Sr. Ministro referiu-se à política que é, claramente, enteada do Governo, como se estivesse a referir-se às estradas, às vias rápidas e às auto-estradas. É evidente que, apesar de tudo, no que respeita a auto-estradas, a vias rápidas e a outras vias de comunicação o Governo pode apresentar obra, por razões que aqui tom sido referidas várias vezes e de que não vale a pena falar agora.
No entanto, dado que o Sr. Ministro fez aqui, em relação ao problema da habitação, um dos mais sentidos no País - e é evidente para todos que não houve nunca um governo que criasse tanta injustiça como este no acesso à
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habitação -o mesmo discurso que o Governo faz todos os dias, ou seja, «mais ninguém tinha feito, nós é que fizemos, nós é que vamos fazer», a sensação que nos Fica é a de que o Sr. Ministro quer, de facto, fazer jus àquilo que afirmou o secretário-geral do partido que apoia o Governo, quando disse: «Não queremos ser julgados pelo que Fizemos, queremos ser julgados pelo que vamos fazer.»
A serem julgados pelo que fizeram no campo da habitação, nomeadamente no campo da habitação social, a sentença vai ser terrível e de certeza que, a partir de Outubro, não teremos mais o governo do PSD.
Gostava de fazer-lhe, Sr. Ministro, uma pergunta concreta, relacionada com o problema da habitação para as classes mais desfavorecidas. Trata-se do problema das barracas, do problema da comunidade migrante do nosso país - ainda há pouco tempo foi posto o problema da forma como são alojados e tratados os emigrantes, relativamente ao qual gostava de saber por que 6 que o Governo nunca recorreu ao apoio Financeiro da Comunidade Económica Europeia, que permite programas de apoio para a construção, alojamento e até realojamento de famílias migrantes.
Quero ainda perguntar-lhe - de certa forma Ficou aqui patente que a principal diferença entre o que o líder do meu grupo parlamentar aqui propôs e as propostas do Governo (pareceu-me entendê-lo) reside no quantitativo, ou seja, em quanto custariam as nossas propostas - quanto é que o Sr. Ministro estima ser necessário para pôr em prática as propostas que aqui apresentámos?
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Ministro, em Portugal os jovens correspondem a cerca de 40 % do total da população. Somos, aliás, o segundo país mais jovem da CEE e, como tal, justifica-se que o Governo se tenha desdobrado em iniciativas para os jovens. Fala até de uma política global integrada de juventude, em crédito para habitação a jovens, em desenvolver e modernizar o País e em múltiplos programas de juventude, entre os quais refiro: cartão jovem, iniciativas dos ministros em matérias ligadas aos jovens, a Europa e os jovens, programas para a juventude, a cultura e os jovens, os descobrimentos. O Sr. Ministro só não disse - porque não se lembrou - que é possível alojar os jovens nas pousadas de juventude, pois elas existem.
Há múltiplos programas para jovens e tenho comigo alguma amostragem dos anúncios que têm sido feitos sobre esses programas, que posso ceder ao Sr. Ministro caso não conheça alguns. Mas o que realmente falta são respostas às questões que se colocam, de facto, aos jovens portugueses, assinaladas no I Encontro Nacional de Juventude, e repetidas no II, no III e no IV. Recordo que nas conclusões do último Encontro Nacional de Juventude, o IV, se pode ler: «Repetem-se as conclusões do II e III Encontro Nacional de Juventude.»
Perante isto, gostava de colocar três ou quatro questões muito concretas ao Sr. Ministro.
Em primeiro lugar, como é que o Sr. Ministro explica que o número de contratos, ao abrigo do crédito jovem, tenha diminuído, entre 1987 e 1989, de 14 395 para 8500? Como é que se explica esta retracção na entrada de pedidos ao abrigo do crédito jovem?
Em segundo lugar, qual é o tempo médio que medeia entre o momento em que o jovem, a família jovem, o casal jovem, apresenta o seu pedido na Caixa Geral de Depósitos ou na instituição bancária e o momento em que esse processo é decidido?
Em terceiro lugar, o Sr. Ministro acha que é possível comparar realidades que são desiguais? O Sr. Ministro avançou aqui com números em matéria de crédito jovem, mais exactamente em matéria de política de habitação para os jovens, comparando dados que são desiguais. O Sr. Ministro acha que é possível, seriamente, comparar dados que são desiguais?
Termino com uma pequena história a propósito da solução do problema da habitação para os jovens.
O Sr. Ministro disse que o problema resolve-se através do mercado, numa lógica de grande desresponsabilização do Governo, e isso fez-me lembrar a história do jovem que, puxando pela arreata uma vaca pachorrenta, passava na aldeia junto ao adro da igreja. O senhor prior disse-lhe então: «Menino Zézinho, mas onde é que o jovem leva a vaca?» E o jovem respondeu-lhe: «Olhe, vou pôr ali no terreno que é para o touro a cobrir». Então o senhor prior, muito horrorizado por o jovem ir assistir àquela situação, disse-lhe: «Mas o papá não podia fazer isso?» Resposta do Zézinho: «Não, não! Só pode ser mesmo o touro.»
Risos.
O Sr. João Pedreira de Matos (PSD): - Não percebi o alcance.
A Sr.ª Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Ministro, telegraficamente, pois já não temos muito tempo para a próxima intervenção, quero colocar-lhe uma questão muito concreta.
No passado dia 21 de Março, o Governo anunciou, através do Conselho de Ministros, sete medidas para optimizar a construção em Portugal. Recordo, entre elas, a abolição aos limites ao valor da habitação a adquirir como condição ao crédito bonificado -não referiu se haverá ou não aumento do crédito, o que criou alguma apreensão-, o alargamento da possibilidade de concessão de crédito bonificado à generalidade dos bancos - que também consideramos uma medida acertada, que poderá vir a dinamizar e a incentivar a construção em Portugal - , a autorização para a criação de um banco privado no domínio do crédito imobiliário - que poderá também criar um verdadeiro mercado hipotecário. Ora, V. Ex.ª não se referiu a estas medidas, recentemente anunciadas.
Dado que, neste momento, os organismos criaram alguma expectativa em relação a este anúncio e, simultaneamente, se questionam sobre a data da sua entrada em vigor, pergunto ao Sr. Ministro se o facto de não ter referido nenhuma destas medidas durante a intervenção que fez no início deste debate quer dizer que, realmente, a data da sua entrada em vigor não está ainda prevista. Poderei deduzir, Sr. Ministro - e isto pelo facto de elas não terem sido referidas por V. Ex.ª - que se criaram expectativas que não se irão concretizar, medidas que todos nós, os que estamos ligados à área, consideramos pertinentes e úteis, que podiam ocasionar alguma reviravolta nesta matéria e que podiam até servir de baluarte à intervenção de V. Ex.ª para informar que o Governo está, neste momento, motivado e dinamizado para incentivar a construção em Portugal?
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Finalmente, reitero a questão que coloquei ao Sr. Deputado António Guterres relativamente a uma sondagem recente, segundo a qual, durante o ano de 1990,77 % das empresas de construção civil inquiridas referiram atrasos de pagamento por parte da Administração Pública. Qual a razão desta situação, Sr. Ministro?
Poder-me-á responder que o assunto não é da área do seu Ministério. Tudo bem! No entanto, tem de ter consciência que isto provoca sérias dificuldades aos empreiteiros que se vêem, quantas vezes, obrigados a abandonar os trabalhos.
Mais ainda. Como V. Ex.ª sabe, neste momento os empreiteiros, através das revisões de preços das empreitadas, estão a debitar juros incomportáveis aos seus clientes, que orçam em milhares de contos e que estão a sacrificar as autarquias locais, as quais, para ajudar as instituições, nomeadamente as cooperativas, se vêem na necessidade de fazer alterações aos seus orçamentos e planos de actividades.
Quando é que o Governo pensa «ter mão» nesta matéria, para disciplinar o atraso nos pagamentos das empreitadas da Administração Pública? O que hoje está a verificar-se é uma calamidade, um desastre. Tem provocado, nomeadamente, falências em vários empreiteiros e o abandono de muitas obras.
O que é que o Sr. Ministro pensa sobre este assunto? Como poderá o Governo irradicar, definitivamente, este espectro do cenário da construção?
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.
O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr/Presidente, Sr. Ministro: Penso ser indesmentível que Portugal continua a contar com um dos mais chocantes défices habitacionais da Comunidade Económica Europeia, o que acontece não por falta de indicações, de directrizes e até de direitos constitucionalmente consagrados.
A habitação é um problema complexo, uma realidade que todos temos em atenção, mas é na política governamental anti-social e desumana, pelo menos em alguns casos, que reside a causa continuada da actual situação.
Permito-me apresentar dois exemplos, que são demonstrativos desta situação e prova esmagadora do que acabo de dizer. Envolvem um milhar de pessoas ou, pelo menos, 994. Isto, apesar de o Governo ter um staffte que faz parte, neste momento, o Sr. Presidente do IGAPHE, que conhece bem estas duas situações.
O primeiro caso, o Asilo 28 de Maio, fica em Porto Brandão e debate-se com uma situação degradante, pois nele vivem 600 pessoas. Penso que o Sr. Ministro tem conhecimento deste caso, se não de forma directa pelo menos através de informações.
O Asilo é um muito antigo edifício que, em tempos, foi o lazareto de Lisboa. A Casa Pia instalou depois aí um colégio feminino, que foi desactivado por degradação do imóvel e por perigo de derrocada. Após a descolonizaçao foram ali instalados 600 desalojados. O edifício está em ruínas, apresentando zonas destelhadas, paredes-mestras com fendas, longos corredores esburacados e sem iluminação e as paredes e escadas a ruir. O perigo de deslizamento de terras é eminente e as suas condições de higiene são degradantes. Há ali crianças mordidas por ratazanas - não é a primeira vez que isso acontece - e são numerosas as famílias que vivem em pequenos quartos ou em corredores com divisórias de madeira ou de cartão.
A própria situação origina dificuldades sociais de integração e provoca casos de marginalidade.
Sobre este caso pergunto apenas ao Sr. Ministro se confirma a disponibilidade do Governo para entregar a algumas destas famílias - que, dada a sua vida, têm essa possibilidade-, fogos em Abrantes. E que pensa fazer relativamente às outras? Está o Sr. Ministro a envidar esforços para que o plano integrado de Almada, onde existem muitos hectares de terreno, preveja a construção de habitações que solucionem muitos destes casos? Penso ser um erro nacional o Governo estar a perspectivar a venda daqueles terrenos, especulativamente, a entidades privadas, quando, do ponto de vista da habitação social, há carências deste género. Como vai ser feito o realojamento destas pessoas, considerando o apoio que tem sido dado pelo Município de Almada, em contactos com o Governo, para que estas situações sejam resolvidas?
A segunda questão tem a ver com a Quinta de Valdeão, no Pragal, que se situa nos terrenos adjacentes ao novo Hospital Garcia de Horta, onde residiam - e onde, na sua maioria, ainda residem - 394 pessoas, muitas delas de origem cabo-verdiana, guineense e são-tomense, muitas delas já com naturalidade portuguesa.
No passado mês de Fevereiro, com o objectivo da construção da estação de tratamento das águas residuais desse hospital, foram desalojadas 57 pessoas - homens, mulheres e crianças- que, neste momento, vivem sem tecto e pernoitam em tendas da Cruz Vermelha na igreja do Pragal e até no Centro de Dia da Junta de Freguesia.
Sr. Ministro, a construção do hospital é importante e, para o Governo, é até importante que ela se conclua antes das próximas eleições. Penso, no entanto, que esta inauguração deve ter em conta os problemas dos moradores e que as questões devem se equacionadas com humanismo.
Os moradores estão de acordo em avançar para um processo de autoconstrução e o Governo, através do IGAPHE, dispõe de terrenos na Caparica e em Vale Figueira. Vai ou não o Governo proporcionar que esta situação se resolva e de que forma o vai fazer?
Trata-se de 994 pessoas - cito estes dois casos, mas poderia citar muitos mais - que vivem em situação desumana. Que medidas de emergência - trata-se de um caso de emergência e de gente muito carenciada - vai o Governo tomar para resolver estas situações?
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, embora o tempo da resposta do Sr. Ministro vá, com certeza, ultrapassar a hora prevista para a suspensão dos nossos trabalhos - as 13 horas-, julgo que haverá consenso na Câmara no sentido de prolongarmos, ligeiramente, os trabalhos desta manhã.
Já que ninguém se opõe, para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Vou responder, na generalidade, às perguntas que me foram colocadas pelas várias bancadas, porque julgo que este debate dificilmente poderá vir a ter a utilidade final que, provavelmente, o partido interpelante esperava que resultasse dele. Se isso não for possível, faremos uma síntese da situação e tentaremos responder às questões, na sua globalidade, para não nos perdermos com questões pontuais
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e com números avulso que apenas terão significado se integrados no contexto geral.
Julgo, Srs. Deputados, que a interpelação do PS - até pelas próprias palavras do Sr. Deputado António Guterres - pretendia, afinal, o seguinte: aproveitar um problema muito grave de ordem nacional e com raízes profundas na vida da sociedade portuguesa, sublinhar que esse problema não se encontra resolvido e procurar, através dele, encontrar ao menos uma área em que o Governo tivesse rotundamente falhado. Deste modo, colocaria o problema perante a opinião pública, dizendo que, nesta área tão importante -uma área que até é socialmente essencial-, o Governo falhou rotundamente, não tendo qualquer desculpa.
É legítimo e compreensível que a oposição tentasse encontrar, na área da habitação, a argumentação para ataques ao Governo que, noutras áreas, lhe faltam. Contudo - e julgo que esta é uma questão essencial -, a oposição não se lembrou -ou pretendeu que a Câmara não se lembrasse - que ela própria teve as responsabilidades que conhecemos -e durante um período longo-, relativamente a esta questão. E, sobretudo - o que julgo que é ainda mais importante -, a actuação da oposição, durante o tempo em que teve as responsabilidades do programa da habitação, foi desastrosa - e digo-o com imparcialidade e até com neutralidade -, reconhecidamente desastrosa, até pela própria bancada interpelante, embora ela procurasse atenuar essas responsabilidades, dizendo que os tempos não eram propícios, que a situação era diferente e, até, que agora fariam de outra maneira. Ora, isso, Srs. Deputados, é que me parece ser essencial.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O problema da habitação - tenho-o dito e repetido- não pode ser solucionado, nem imediatamente, nem sequer a curto prazo. Quem o prometer, nesta Câmara, ou não sabe de que problema trata ou tenta mistificá-lo com uma solução que vai ser difícil de encontrar e só será, com certeza, a longo prazo.
Por agora, a habitação é um problema persistente, muito difícil, herdado e, sobretudo, um problema para o qual há que ter um ritmo próprio para a sua solução, não sendo possível resolvê-lo de uma só vez.
Isso foi o que procurei demonstrar nas várias intervenções que fiz nesta Câmara, a propósito de diversos diplomas legislativos que o Governo aqui teve de apresentar, o que julgo que também não oferece contestação por parte da oposição. Ela reconhece isso mesmo, ao dizer que o problema da habitação é complicado e duradouro, levando algum tempo a resolver.
Portanto, o que se pode exigir a um governo é apenas que aponte claramente um futuro e, sobretudo, que, em cada legislatura, procure melhorar a situação. Ora, esta exigência foi a que o Governo cumpriu e fê-lo da maneira que objectivamente melhor se pode demonstrar, comparando aquilo que Fizeram o actual Governo e o governo anterior.
Sei que o PS dirá que, nesse tempo, a situação era difícil - era o tempo das vacas magras. Mas, quem engordou as vacas, fomos nós! Criámos as condições de desenvolvimento que permitem resolver o problema da habitação. O problema da habitação não está desligado do problema geral do País. Não é possível dizer que se resolve o problema da habitação, se o País entrar em depressão económica, como se pudesse ser uma ilha em relação a tudo o resto, porque não o é! E nós sabemos, por experiência própria da nossa história, que só um país em progresso e em desenvolvimento tem alguma possibilidade de melhorar o problema da habitação.
Na minha opinião, esta é a primeira questão deste debate. Efectivamente, não se contesta que aquilo que o PS realizou, quando tinha a responsabilidade da habitação, foi um desastre, comparado com aquilo que o nosso partido fez no Governo, depois de 1986, apresentando resultados que não podem ser contestados.
Sei que agora o PS, à falta de outros argumentos, contesta o próprio instituto oficial de estatística ...
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Não se chama oficial, mas sim nacional!
O Orador:-Mas, nessa altura, essa contestação -que, reconheço, é legítima - terá de estender-se a tudo o resto e, provavelmente, iremos ter dificuldade em aceitar alguma referência. O Instituto Nacional de Estatística com certeza que não se deixaria manipular, a ponto de apresentar estatísticas que, de alguma maneira, pudessem argumentar aquilo que não fosse real.
E, insisto, se os números da estatística não são correctos, se eles não servem...
O Sr. António Guterres (PS): - Esses não!
O Orador: -.... os Srs. Deputados far-me-ão o favor de indicar quais são os que servem, porque, então, poderemos comparar fidedignidades e pôr outros valores em causa, nomeadamente alguns que os Srs. Deputados têm apresentado como desfavoráveis ao Governo.
Julgo que não será sério contestar os valores apresentados pelo INE, sobretudo se atendermos que são eles os que oficialmente o País dispõe - e é o País e não o Governo.
Vamos, portanto, aceitar esses números que são inteiramente reveladores. Os Srs. Deputados não podem contestá-los, porque quando se diz que, em 1989, se construíram 58 000 fogos, isso é verdade.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O INE não diz isso!
O Orador: - É claro que os Srs. Deputados gostariam que não se tivessem construído, mas a verdade é que se construíram - construiu-se cerca do dobro do que se construiu no vosso tempo!
O PS diz também que, agora, não se trata de fogos sociais, mas sim de fogos para o mercado. Ora, o que pretendi dizer na minha intervenção é que o grande erro da política do PS -e permita-me agora contestar políticas e não meramente quantidades-, aquele velho gene que o obriga sempre a voltar às origens, é acreditar que é apenas ao Estado que cumpre fazer as coisas. É que os Srs. Deputados confundem habitação social com habitação feita pelo Estado e era isso o que sucedia no vosso tempo. Na prática, o único mercado de habitação que existia, naquela altura, era do Estado. E, como sabe, não era integralmente habitação social, mas habitação feita pelo Estado. Ora, já se sabe que o Estado não é capaz de fazer em condições, em quantidade e, sobretudo, em preços aceitáveis. E, depois, das duas, uma: ou vende ou aluga, a preços irreais, abaixo dos custos, e vai à falência-o que ia acontecendo no vosso tempo; ou vende pelos preços reais, o que sai muito mais caro do que os privados.
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O grande erro do PS-que, pelos vistos, pretende recuperar-, que certamente levará ao mesmo resultado, 6 acreditar que o problema da habitação teria de ser resolvido pelo Estado. Quantos fogos privados foram construídos, no vosso tempo, Srs. Deputados? Uma percentagem ínfima, porque os senhores não acreditaram que o mercado privado da habitação fosse aquele que ajudasse a resolver o problema da habitação.
Hoje em dia, quando se fida em 58 000 fogos construídos -cerca do dobro do que se construiu naquela altura-, esse número reflecte isso mesmo: a iniciativa privada entrou no mercado, construiu com interesse social -porque a iniciativa privada também faz coisas com interesse social, e ido só o Estado-e, nessa altura, a parte que o Estado construía deixou de ler importância.
Quando digo que o PS é recorrente nessa ideia de que o Estado deve misturar-se em tudo, cá estamos outra vez com esta proposta-que não posso comentar, porque ainda não a conheço, limitando-me a comentar o que é anunciado- de subsidiar as rendas. Cá estamos outra vez com esse sistema! Quando se aceita que os inquilinos não querem pagar rendas mais altas - porque não o querem, de facto- sendo, portanto, necessário resolver os problemas dos senhorios, só há uma maneira de se conseguir isso. obrigando os inquilinos a pagarem na mesma rendas mais altas, mas disfarçando isso através de um intermediário que é o fisco. É que eles vão pagar na mesma esse subsídio que generosamente lhes querem atribuir, ou com impostos mais elevados, ou, mais provavelmente, com a inflação que, no vosso tempo, como se sabe, resultou desses esforços generosos do Estado. O Estado não usa os seus próprios recursos -porque ido os tem- mas os dos contribuintes que são os inquilinos. Portanto, se os inquilinos não querem pagar rendas mais altas -e, nesse aspecto, os problemas sociais são muito graves-, não é através de uma ilusão, como a de fazer o Estado pagar esse diferencial, que o problema se resolve, porque, em última instância, são os inquilinos que vão pagar na mesma. Só que vão fazê-lo através de impostos e, se estes ido chegarem, também da inflação, o que constitui um procedimento habitual por parle do PS.
Assim sendo, Srs. Deputados, o PS volta a acreditar que é o Estado, através de subsídios, da iniciativa e da substituição das regras normais, que resolve um problema que só se pode resolver com regras naturais. Essa é a questão essencial.
Srs. Deputados, não quero dizer com isto-não o disse aqui e nunca o direi, pelo menos nos tempos mais próximos - que o problema da habitação está em vias de ser resolvido, ou quase. Não está! O problema da habitação, sendo muito sério, vai demorar muito tempo a resolver e isso tem de ser feito gradualmente. Agora, não pode ser resolvido com retrocessos, como aqueles que propõem aqui, do tipo de subsídio de rendas de habitação ou então considerando que toda a construção é social, como se não houvesse ninguém que tivesse disponibilidade para aceder ao mercado.
Esta, Srs. Deputados, é a grande diferença qualitativa. E, mais do que a comparação do número de fogos que fizemos a mais do que o PS, mais do que a comparação do crédito que demos a mais à compra de casa própria do que deu o PS, mais do que o beneficio que demos aos jovens para adquirir casa própria, julgo que é importante debater nesta Casa -e perceber a diferença- a razão por que o PS falhou e nós vingámos: é porque há uma diferença qualitativa na abordagem do problema da habitação.
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: -Para que efeito?
O Sr. António Guterres (PS): -Para exercer o direito de defesa da honra e consideração da minha bancada, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: -Faça favor.
O Sr. António Guterres (PS):-Sr. Ministro, vamos ver se nos entendemos: como é que se passou de um pouco mais de 40 000 fogos para 58 000, gastando o mesmo ferro e o mesmo cimento? Andaremos a construir palhotas, de norte a sul do País?
Vozes do PSD: -Está enganado, Sr. Deputado!
O Orador: -É evidente que o que houve, nesse ano, foi uma repescagem de fogos antigos pelo INE. E isto é o que o próprio INE lhe vai responder, se lho perguntar.
Portanto, não vale a pena tentar inventar algo que é uma realidade. E também não se pode brincar demais com os números. O Sr. Ministro disse agora que. no tempo em que o PS eslava no Governo -aliás, com o PSD-, o Estado construía cerca de 80 % dos fogos, ou mais. Ora, segundo os números do INE, em 1984, construíram-se 42 671 fogos, o que quer dizer que o Estado terá construído 35 000, de acordo com os seus números. Ora, se o Estado tivesse construído 35 000 fogos, em 1984, nada do que se passou em Portugal se teria passado. Ou seja, não se podem dizer as coisas que nos vêm à cabeça! Quando falamos de números, temos de ter cuidado com a forma como os citamos. E não podemos dizer que o PS, com as propostas que hoje aqui apresentou, reverte a uma posição estatista, em matéria de habitação. Nós começámos por dizer que não queríamos o Estado a construir-foi por aí que começámos. O que dissemos é que, para o mercado resolver o problema, tem de se dar acesso ao mercado a quem não o tem. E não dizemos que isso seja válido para toda a população portuguesa, mas que há um quarto ou um terço da população portuguesa que, sem o apoio do Estado, não terá acesso ao mercado, em regime de mercado livre. Tem-no, naturalmente, nas rendas antigas.
Foi isto o que dissemos. E o subsídio de renda é uma medida que é adoptada hoje, em toda a Europa comunitária, como única, para dar às classes mais desfavorecidas o acesso ao mercado que não queremos impedir. E quem tem de pagar os impostos para esses subsídios de renda não são os inquilinos; é, provavelmente, o Sr. Ministro, eu e aqueles que têm dinheiro para ter casa própria!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
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O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações:- Sr. Deputado, não quero insistir no problema da estatística, porque essa questão toma estes debates muito difíceis. De fano, qualquer número que o Sr. Deputado apresente aqui poderá ser contestado (ia mesma forma. E, se não temos a referência das estatísticas, qual ê a que temos, Sr. Deputado?
Mais: mesmo que se trate de uma repescagem, essa é também uma actividade deste Governo. Portanto, consolida e acabará por ter a soma de todos os fogos construídos no ano anterior. A não ser que me venha dizer que há repescagem desde 1976, e, nesse caso, Sr. Deputado, terei de aguardar que V. Ex." ou o seu partido produzam uma estatística mais fidedigna, em que todos possamos acreditar! Não terei qualquer relutância em fazê-lo pois sei de sua seriedade e da forma como apresentaria esses números. Para já, os números estatísticos que tenho são, neste momento, aqueles em que nos podemos basear para discutir este assunto.
Como o Sr. Deputado sabe, os consumos do cimento e do ferro não vão, obrigatoriamente, de par com a construção de fogos em Portugal. Poderei dar-lhe vários exemplos de como isso sucede, como aliás é normal, porque não se usa apenas cimento e feno na construção dos fogos.
Não tente, pois, encontrar, Sr. Deputado, uma justificação para estranhar esse número. Provavelmente, se o valor fosse abaixo dos 35 000 fogos, o Sr. Deputado aceitaria perfeitamente os números da estatística. Só que nós não podemos ter duas caras; ou aceitamos o que é verdadeiro ou recusamo-lo, o que não podemos é aceitá-lo umas vezes, recusando-o noutras.
Mas, Sr. Deputado, insisto que o que está aqui em discussão é o modelo que o PS tem para o problema da habitação, acreditando que é possível subsidiar as rendas a 1,2 milhões de locatários, praticamente todos com rendas degradadas porque não há rendas novas nem se fizeram quase nenhuns contratos de arrendamento desde 1975. Pode fazê-lo, mas, nessas circunstâncias, provavelmente, fazendo--os pagar através do fisco e com a ineficiência própria, ou seja, aquilo que lhes dá com uma mão, tira-lhes com a outra!
O Sr. António Guterres (PS): - Não é para esses! Não percebeu nada!
O Orador: -Esta estratégia do PS, na minha opinião, já foi testada com inêxito. Esta é uma realidade que as pessoas conhecem e de que ainda se lembram. Foi há cinco anos e são as mesmas pessoas que estão em causa. Julgo, pois, que não valerá a pena insistir nela! Aceito que o PS proponha uma nova política de habitação, mas não que me venha dizer que a política que seguiu foi a certa e que a do Governo está errada, apesar de ter produzido mais fogos do que os que foram produzidos naquela altura.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Maia, V. Ex.ª pede a palavra para que fim?
O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr.ª Presidente, queria interpelar a Mesa quanto ao andamento dos trabalhos.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr.ª Presidente, gostaria de saber - penso que a Câmara terá também todo o interesse em ser disso informada- quais os Srs. Membros do Governo que estão inscritos, por forma que eu possa saber se as questões que coloquei, que considero pertinentes, e em que estão em causa 1000 pessoas do denominado Asilo 28 de Maio da Quinta do Vale de Ao, terão qualquer resposta por parte do Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações!
Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, neste momento, a Mesa tem já inscrições de vários Srs. Deputados - não sei se está interessado em saber quais -, mas informa que não se encontra inscrito nenhum membro do Governo.
Srs. Deputados, vamos interromper os nossos trabalhos, que recomeçam às 15 horas.
Eram 13 horas e 10 minutos.
No recomeço da sessão, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Maninho.
O Sr. Presidente (Hermínio Maninho): - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Que o problema da habitação é um dos mais graves problemas sociais com que o País e os Portugueses estão confrontados é uma constatação que julgamos ninguém põe em causa.
Por isso, assume uma redobrada gravidade política e social uma outra evidência: o Governo não tem uma política para a habitação!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: -É certo que, ao longo dos últimos cinco anos, o Governo se mostrou prolixo em discursos, em documentos e em promessas de resolução dos problemas da habitação. Substituiu ministros e secretários de Estado, mas nunca foi capaz, sequer, de definir uma política de habitação global e coerente.
E, no entanto, o governo do PSD teve, como nenhum outro, condições objectivas para a tomada das medidas de fundo para a solução progressiva das carências habitacionais no nosso país. Dispôs de cinco anos consecutivos de governação, isto é, dispôs do tempo mais que suficiente para estudar, propor e aplicar as medidas necessárias, numa perspectiva de médio e longo prazos, tal como dispôs de uma conjuntura económica que disponibilizou os recursos económicos e financeiros adequados.
Mas o Governo não soube, ou não quis, aproveitar esta excelente oportunidade para alterar significativa e positivamente a situação.
Ao longo destes cinco anos, o Governo limitou-se a, de quando em vez, tomar medidas avulsas, ineficazes, descoordenadas e não raras vezes contraditórias, com reflexos na questão habitacional. E, fundamentalmente,
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prometeu muito, tornou e torna a prometer. Mas, mais uma vez, a sua política fica-se pelas promessas não cumpridas.
Os resultados estão à vista e são conhecidos. A apregoada estabilidade govemativa do PSD conduziu, neste sector, a que haja cada vez menos casas para os Portugueses.
De facto, queira ou não o Governo admiti-lo publicamente, os factos são indiscutíveis e mostram, sem margem para dúvidas, que se tem vindo a regredir na resolução dos problemas da habitação dos Portugueses, que se agrava a crise da situação habitacional do nosso país.
A produção anual de novos fogos não só é largamente inferior às necessidades decorrentes da constituição de novas famílias e das novas demolições, como se situa abaixo do que se construía em 1985.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É verdade!
O Orador: -O número de licenças concedidas para a construção de novas habitações tem vindo a diminuir desde 1987, face à crescente penúria da procura.
O mercado de arrendamento não existe para a maioria das famílias portuguesas.
A promoção de habitação social está quase paralisada, quer porque o Governo deixou de fazer promoção directa, quer porque o Governo não cumpre os compromissos que ele próprio assumiu com os promotores cooperativos e privados e com as câmaras municipais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A confirmação deste último facto é-nos dada, de forma inequívoca, quer pela ausência de dotações orçamentais para a promoção directa pelo Estado, quer pela evolução do chamado Plano de Desenvolvimento de Habitação a custos controlados que o Governo publicou em 1988. Se as metas de tal Plano, de pouco mais de 10000 fogos anuais, já eram, à partida, mais do que desproporcionadas face às necessidades reais, a verdade é que a sua concretização ainda foi muito pior, não ultrapassando, no ano passado, os 2000 fogos! E isto porque o Governo não concretiza os protocolos de execução, nem concede os correspondentes apoios e incentivos às cooperativas, à iniciativa privada e aos municípios.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É um escândalo!
O Orador: - Para o Governo, na sua prática política, a possibilidade de resolução do problema da habitação foi restringida à hipótese de aquisição de habitação própria. Mas também aí os resultados são desastrosos! O crédito à aquisição de habitação própria, cujo acesso só é possível a uma pequeníssima parcela da população com carências habitacionais, não só não tem acompanhado a taxa de crescimento dos preços, como, inclusivamente, tem vindo a decrescer anualmente em termos nominais. Refira-se, a propósito, que, em 1990, o crédito concedido foi inferior, em termos nominais, em 25 % ao concedido em 1987, sendo certo, por acréscimo, que o preço das habitações quase duplicou!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Aí é que está a verdade!
O Orador:-Estes foram os nefastos resultados da política do Governo em matéria de habitação. Por isso, que se não estranhe que o Governo tenha conseguido fazer convergir, contra a sua política, todos os intervenientes no processo da habitação: desde os promotores privados e cooperativos até às autarquias locais e às próprias instituições financiadoras; desde os senhorios aos inquilinos e aos pretendentes à aquisição de habitação própria.
Porque estamos em ano de eleições, o Governo anuncia agora novas medidas alegadamente tendentes a abrir os cordões à bolsa do crédito e a criar novas ilusões em muitas famílias carentes de habitação, nomeadamente nos casais jovens.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Do conjunto de medidas anunciadas, e que praticamente se restringem ao crédito para aquisição de habitação própria, bem se pode dizer o seguinte: até agora, não havia nem fogos nem famílias com possibilidade de acesso à bonificação de juros; a partir de agora passará a haver fogos nessas condições, mas continuam a não existir famílias com rendimentos que, por um lado, sejam tão baixos que lhes permita beneficiar da bonificação de juros e, por outro lado, sejam suficientes para poder pagar o nível das prestações mensais.
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.
Na verdade, duas das questões fundamentais na problemática do acesso ao crédito não foram tocadas: o elevadíssimo nível das taxas de juro e as entradas iniciais não financiadas pelo crédito.
Simultaneamente, e alegadamente visando possibilitar o acesso de mais famílias ao mercado de arrendamento, o Governo anunciou a dedução aos rendimentos, para efeitos do IRS, de rendas até ao valor anual de 600 contos. Ainda pensámos que o Governo tivesse dado a mão à palmatória, propondo agora aquilo que recusou na discussão do Orçamento do Estado. Enganámo-nos, porém! Também aqui a ilusão é manifesta. A proposta de lei que foi enviada a esta Assembleia propõe essa dedução aos rendimentos dos senhorios! As famílias que até agora não tinham rendimento suficiente para arrendar uma habitação aos preços actuais continuarão exactamente na mesma situação.
Isto é, mais uma vez o Governo mostra que não tem uma política de habitação, que não está empenhado em resolver os problemas da habitação e que neste âmbito nada mais tem para oferecer do que uma política de venda de ilusões em anos eleitorais.
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já por mais de uma vez o afirmámos, e, ainda recentemente, na interpelação que fizemos ao Governo sobre a ausência de desenvolvimento social em Portugal nos últimos cinco anos, a gravidade e a amplitude das carências habitacionais no nosso país é um dos problemas sociais que exige prioridade na sua resolução, e esta não é possível fora do quadro de um programa nacional de desenvolvimento económico e social.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Orador: - O diagnóstico está feito, as políticas e medidas necessárias são, no essencial, conhecidas: desde a
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necessidade do enquadramento das soluções em planos de médio e longo prazos, que garantam, designadamente, os recursos necessários ao seu financiamento, desde o reforço da participação financeira do Estado, à complementaridade das promoções pública, privada e cooperativa e à criação de condições para o ressurgimento do mercado de arrendamento, passando por uma disponibilizaçâo de solos a preços não especulativos, pela desburocratização da construção e alienação de habitações e pela tomada de medidas, incluindo fiscais e parafiscais, que reduzam o custo final das habitações.
Os recursos económicos e financeiros, para levar a bom porto este imperativo nacional, existem. Só não tem existido a vontade política indispensável.
Os governos do PSD já demonstraram, cabalmente, que não têm nem querem ter essa vontade. Mas o futuro será dos Portugueses e não do PSD! No futuro, o problema da habitação será resolvido entre nós.
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Silva Marques, pede a palavra para que efeito?
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Álvaro de Carvalho, eleito pelo círculo eleitoral da Guarda, faleceu. Decerto de acordo com toda a Câmara, pedia ao Sr. Presidente que exprimisse as nossas condolências junto da família do nosso colega.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, desejo, em nome do Grupo Parlamentar do PS, apresentar ao Grupo Parlamentar do PSD as nossas condolências, pedindo que estas sejam também transmitidas à família do nosso colega infelizmente falecido, e sugeria que a Câmara guardasse um minuto de silêncio em sua memória.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, naturalmente, essa já era a intenção da Mesa que, no entanto, não quis deixar de dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP) - Sr. Presidente, em nome do nosso grupo parlamentar, queremos, também, por esta forma, prestar as nossas condolências à família do nosso colega deputado Álvaro de Carvalho, ao Grupo Parlamentar do PSD e sugerir que, para além do minuto de silêncio que o deputado António Guterres propôs, e com o qual estamos inteiramente de acordo, esta manifestação de pesar da Assembleia fosse transmitida à família do nosso colega falecido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD) -Sr. Presidente, fomos também surpreendidos pelo anúncio, por parte do Sr. Deputado José Silva Marques, do falecimento do nosso colega Álvaro de Carvalho.
Em nome do meu grupo parlamentar, desejo manifestar as nossas mais sentidas condolências, não só ao Grupo Parlamentar do PSD, como aos familiares do nosso colega, e acompanhamos, naturalmente, a proposta do Sr. Deputado António Guterres
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS) - Sr. Presidente, também em nome do nosso grupo parlamentar e em meu nome pessoal queremos associar-nos a este sentimento de mágua pela perda do nosso colega do PSD, deixando também exarado o nosso voto para a família enlutada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa, naturalmente, apresenta também condolências e fará chegar junto da família do deputado Álvaro de Carvalho e do Grupo Parlamentar do PSD o que aqui foi expresso pelos Srs. Deputados.
Vamos, pois, guardar um minuto de silêncio em memória do nosso colega Álvaro de Carvalho.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Antes de dar a palavra ao próximo orador inscrito, vai proceder-se à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte:
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 16 de Abril de 1991, pelas 10 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado, solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD):
Manuel Albino Casimira de Almeida (círculo eleitoral de Aveiro) por José de Oliveira Bastos [esta substituição é determinada nos termos da alínea b) do n." 2 do artigo 5.º da Lei n." 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 15 a 30 de Abril corrente, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente-Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente-José Manuel M. Antunes Mendes (PCP), secretário - Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário - Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - António Paulo M. Pereira Coelho (PSD) -
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Arlindo da Silva André Moreira (PSD)-Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD)-José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD)-José Manuel da Silva Torres (PSD)-Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD)-Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS)-Hermínio Paiva Fernandes Mar Anho (PRD).
Srs. Deputados, está em discussão.
Pausa.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães e Valente Fernandes.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pedreira de Matos.
O Sr. João Pedreira de Matos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Janeiro de 1991 - subitamente, o Partido Socialista acorda e realiza que está em ano de eleições legislativas. Mais grave: realiza que já passaram três anos da legislatura e que, qual estudante traquina com os trabalhos de casa em atraso, se esqueceu de fazer oposição.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: -E, pegando nos cadernos, a turminha do PS deita-se ao trabalho. Agora nós: eles são inquéritos, conferências de imprensa, desafios e reptos, mais inquéritos, de permeio uns quantos lapsos, e aqui a imaginação começa a faltar. Mas sempre traquina, olha para a carteira do lado, vê o caderno do coleguinha do PC, e lê: «interpelação». Rápido, põe o dedo no ar e diz: seu também quero». Antes que chegue a sua vez, pega no livro da escola, olha frenético para as colunas dos números, e quando encontra alguns que lhe parecem mais baixos pensa: é isto. Um relance no título e lê: «habitação».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que acabo de dizer pode parecer um exagero, mas não andará longe daquilo que o PS, no seu frenesim de apresentar trabalho até às eleições, anda a fazer. É pena! Num momento em que o País precisa e espera dos partidos uma análise rigorosa do trabalho realizado e um debate sério de políticas alternativas, o PS, principal força da oposição, não consegue ultrapassar o estatuto de simples comentador político.
Fica-nos, pelo menos, a satisfação de que, com os diferentes temas que vai sugerindo, o PS vai oferecendo outras tantas oportunidades ao Governo para fazer um balanço do trabalho realizado. Afinal, demonstrar a diferença entra a obra feita pelo PSD e o discurso soco e papagueado» do PS.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador. - É isso o que está hoje a acontecer, mais uma vez, com a presente interpelação sobre habitação. E nesta matéria em particular, o PS, na sua ânsia de existir, leu umas coisas mas não percebeu, somou uns números, mas não foi capaz de pensar. Senão vejamos - começando por esclarecer que não quero entrar na habitual comparação, discussão e confusão de números, tanto a gosto do PS e do seu INEC (Instituto Nacional de Estatística Clandestina), que foram claramente desmontados pelo Governo na sua intervenção.
Mas porque, obviamente, o PS não gostou, nem gosta, dos dados reais apresentados pelo Governo, e porque para si mesmo lhe surge frouxa a desculpa da alteração do método estatístico, resolveu fazer bandeira de uma questão em particular a questão da habitação social. Excitado, ao ver que finalmente encontrava índices de 198S mais próximos dos de 1989, e seguindo a célebre «lógica da batata», o PS julgou ter encontrado o seu sovo de Colombo».
Mas não é assim. Antes, o que se passa é a demonstração da total ineptidão de W. Ex." para a lógica matemática e, simultaneamente, mais um exemplo, bem claro, da diferença de concepção e acção políticas entre o PS e o PSD. Quanto à lógica matemática cumpre relembrar que até 198S, porque ainda não caíra o muro de Berlim e o PS vivia ainda o sonho, ou pesadelo, das economias planificadas, a solução do problema da habitação era simples - habitação social. Não interessava que habitação social significasse a existência de portugueses de 1.º e de 2.º ou que significasse a estratificação institucional da sociedade portuguesa. O que interessava era ser a mão que dava a esmola.
Para trás ficava um pequeno pormenor, evidentemente sem importância: como se pagariam as casas. E não se querendo lembrar de que aquilo que o Estado faz são os Portugueses que pagam, para os Portugueses pagarem ficaram só mais de 100 milhões de contos.
Numa sociedade evoluída como a nossa, a responsabilidade de quem, de forma tão leviana, hipoteca assim o futuro das novas gerações deveria ser suficiente para não permitir que os senhores pudessem estar hoje aqui candidatos à governação do País.
Quanto à diferença de concepção política, é este o aspecto fundamental onde o Partido Socialista, na velha óptica do Estado omnipotente e protector, não conseguiu ver mais longe - habitação social.
O PSD procurou, em primeiro lugar, melhorar o nível de vida dos Portugueses, gerar mais riqueza para que mais riqueza pudesse ser distribuída, afinal diminuir a necessidade dessa mesma habitação social.
Mas procurou, principalmente, encontrar outras soluções que convergissem para resolver o problema da habitação. Assim, onde o PS quase fez desaparecer as situações de arrendamento urbano, o PSD lançou as bases de um novo mercado de arrendamento; onde o PS foi responsável por uma situação que impossibilitava o acesso aos créditos para construção e aquisição de casa própria, o PSD alterou e facilitou esses regimes; onde o PS fomentou pobreza, o PSD criou o Programa Nacional de Combate à Pobreza; onde o PS se esqueceu dos jovens, o PSD apresentou o crédito jovem; onde o PS nos deu o famigerado PRID, o PSD avançou com o RECRIA; onde, com o PS, não era possível poupar, contrapõem-se agora o sucesso das contas poupança-habitação; onde o PS pura e simplesmente não pensou, o PSD avançou, por exemplo, com o leasing
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imobiliário ou a criação de um banco privado na área do crédito imobiliário.
Srs. Deputados do Partido Socialista, a diferença 6 tão grande que me dispenso de comentar. Digo apenas que, por tudo isto, se o PS quiser, de forma séria, discutir a habitação em Portugal que comece por reconhecer a sua incapacidade crónica para encontrar soluções. A seguir, tenha a humildade e o bom senso de aprender com as soluções que outros apresentaram, e só depois, se for capaz de aprender tudo isso, fará sentido vir aqui interpelar o Governo sobre esta matéria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas se é importante analisar a actividade do Governo e as críticas que lhe são tecidas pelo Partido Socialista, igualmente importante será analisar aquele que tem sido o contributo do PS nesta área. Como aconteceu, em termos governativos até 198S, com a gestão do ministro Rosado Correia, e mais interessante, do então secretário de Estado Fernando Gomes. Como acontece actualmente, com evidente destaque para a Câmara Municipal de Lisboa, sob a responsabilidade do suposto candidato alternativo a Primeiro-Ministro.
No que respeita aos governos socialistas, e para refrescar a memória dos Srs. Deputados do PS, que quando lhes interessa é sempre curta, gostava de relembrar o que vivemos até 1985.
A realidade de um governo, que confrontado, por exemplo, pela Câmara Municipal de Lisboa, com diversos pedidos de comparticipação, especialmente na área da habitação, não deu uma única resposta positiva.
Repito, a Secretaria de Estado da Habitação, na época dirigida pelo Dr. Fernando Gomes, não deu um tostão para colaborar no realojamento de centenas de famílias que residiam em barracas, como insistentemente lhe foi então pedido pela Câmara de Lisboa. Mais grave, com esta atitude de total menosprezo pela situação das populações mais carenciadas, o Partido Socialista contribuiu mesmo para atrasos inadmissíveis em obras já lançadas anteriormente, e que só vieram a ser retomadas e concluídas pelos governos do Professor Cavaco Silva.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - São, por isso, irrelevantes as horas que hoje aqui perdermos, quando comparadas com os cinco anos que, por exclusiva responsabilidade do Partido Socialista, centenas de famílias em Cheias e no Bairro do Padre Cruz tiveram de esperar para sair da miséria em que viviam.
Aplausos do PSD.
Por isso, quando criticam hoje um governo que não só actua como tem a coragem de descentralizar e criar condições para que as câmaras possam também actuar, é bom lembrar que no vosso tempo a descentralização começava e acabava no Terreiro do Paço. E mesmo quando outros tentavam colmatar a vossa inépcia, a vossa incapacidade, negavam-lhes ajuda, contribuíam directamente para o agravamento da situação de pobreza das famílias mais carenciadas.
Sr. Presidente, Sr. Deputados: Mais triste do que tudo o que se acaba de dizer é verificar que passados cinco anos o Partido Socialista, agora na Câmara Municipal de Lisboa, mantém a mesma actuação. Com uma diferença: é que onde os governos do PS não concederam qualquer apoio à Câmara Municipal de Lisboa, o governo do PSD disponibilizou, para o ano de 1991, na área da habitação, o maior apoio de sempre.
Aos zero escudos dados pelo PS em 1985, contrapõem-se os 3 581 308 contos já disponibilizados em 1991, por este Governo, a que acrescem os 3 064 269 contos, destinados ao reforço desta verba, ainda no decurso do presente ano.
Mas este apoio concedido pelo Governo à Câmara de Lisboa, em 1991, deve ainda ser referido por uma outra razão: pela espantosa afirmação do Partido Socialista de que para o ano de 1991 a CML vai investir em habitação mais do que o próprio Governo, ou seja, 9 milhões de contos contra 4,4 milhões de contos.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Que a ignorância contabilística do PS o leve a referir a verba de 9 milhões de contos da Câmara Municipal de Lisboa, recorrendo a expedientes tão infantis como a inclusão nesse montante dos financiamentos concedidos pelo Governo, já é grave.
Mas mais grave é a desonestidade e má fé com que, no mesmo valor, são incluídas despesas e investimentos que nada têm a ver com construção de habitação. Refiro-me, concretamente, às despesas para infra-estruturas urbanísticas, expropriação de terrenos e edifícios, arruamentos, arranjos exteriores, equipamentos sociais, etc., todas elas incluídas nos 9 milhões de contos que o Dr. Jorge Sampaio tem o descaramento de anunciar como destinados à habitação.
Descaramento tanto maior quanto a verdade é que a Câmara Municipal de Lisboa orçamentou para o ano de 1991, em habitação, o valor mais baixo dos últimos anos. Para o demonstrar, bastará olhar para um indicador orçamental básico - despesas de investimento em habitação (rubrica 9.02 do orçamento da CML).
Com essa leitura verificamos que o valor absoluto da dotação para 1991 (5 272 808 contos) é inferior à dotação para 1989, ano em que o valor era já de 6 315 905 contos, ou seja, mais 1100 000 contos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como vimos, para fazer a sua propaganda, o Partido Socialista facilmente confunde infra-estruturas, arruamentos e expropriações com construção de habitação, de modo a conseguir os valores que lhe interessam, mas quando passa à leitura dos investimentos do Governo, na área da habitação, vira míope e já não encontra mais do que 4,4 milhões de contos.
Como que por distração, esquece-se de lhes somar l milhão de contos do Programa de Combate à Pobreza (Bairro da Conchada em Coimbra e Bairros da Sé e Ribeira no Porto), 31 500 000 contos do Instituto Nacional de Habitação e os mais de 33 milhões de contos de dotações para bonificação à aquisição de casa própria. Ou seja, os 9 milhões de contos da Câmara Municipal de Lisboa não ultrapassam, afinal, os 4 milhões de contos, enquanto os 4 milhões de contos do Governo correspondem, de facto, a 70 milhões de contos.
Srs. Deputados do Partido Socialista, que se queiram pôr em «bicos de pés» e contrapor as vossas iniciativas às iniciativas do Governo ainda seria compreensível, mas que utilizem para isso e como termo de comparação a Câmara de Lisboa é caricato e de mau gosto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador:-É obrigar a chamar a atenção para alguns dos brilhantes resultados que o Dr. Jorge Sampaio tem conseguido.
Em matéria de habitação social, no primeiro ano do seu mandato não foi iniciada a construção de uma única casa.
E mesmo no que respeita à simples conclusão de habitações, cuja construção fora já lançada, das 1481 casas que o Partido Socialista prometeu entregar, aquando da campanha eleitoral, no primeiro ano do seu mandato, apenas foram entregues 523.
O Sr. José Silva Marques (PSD):-Muito bem!
O Orador:-Em conclusão, comparar os 4 milhões de contos da Câmara com os 70 milhões de contos do Governo, ou as 523 casas concluídas pelo PS com as 6153 que foram terminadas pelo Governo, é comparar a Rua da Betesga com o Rossio...
Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador:-É um péssimo serviço que prestam às aspirações governatívas do Dr. Jorge Sampaio que, pelo bom senso que tem, por certo realiza o pouco que fez.
Pergunto mesmo se ela não fará parte de mais uma das manobras no seio do Partido Socialista, a preparar já terreno para as «guerras» internas que se adivinham após a vossa derrota eleitoral em Outubro.
O Sr. José Silva Marques (PSD): -É bem possível!
O Orador:-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque o tempo mais não permite, referi apenas algumas das questões aqui trazidas pelo Partido Socialista. Mas considero-as suficientes para demonstrar que onde o PS talhou este Governo cumpriu, onde o PS prometeu este Governo apresenta obra feita. Não precisamos, por isso, de copiar o triste espectáculo de mistificação de números hoje aqui apresentado pelo partido interpelante. Antes temos a humildade de dizer que se muito foi feito muito mais haverá a fazer, e que a questão da habitação constitui ainda hoje, para muitos portugueses, um problema para cuja solução o nosso empenho e o nosso trabalho nunca serão demasiados.
Mas. para isso, continuará a ser necessário um governo que, como este, tenha a noção clara dos interesses nacionais, um governo que. como este, mostre determinação e capacidade de decisão, um governo que, por isso, mais uma vez, merece todo o nosso apoio.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:-A Sr.1 Deputada Leonor Coutinho pediu a palavra para que efeito?
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS):-Para exercer o direito de defesa da consideração da bancada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra, Sr.1 Deputada.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): -Sr. Deputado João Pedreira de Matos, as suas palavras, para explicar o fracasso do Governo como bode expiatório, não me merecem grandes comentários.
Gostaria apenas de lhe dizer que quando referiu que o Secretário de Estado da Habitação, Fernando Gomes, não apoiava a Câmara Municipal de Lisboa para programas que, aliás, não existiam na altura, esqueceu-se de dizer que, como todos nós sabemos, se tratava de um momento em que o Pais eslava na bancarrota, bancarrota em que o governo AD o deixou.
Vozes do PS:-Muito bem!
Vozes do PSD: - Isso é cassete!
A Oradora: -Em contrapartida, quando disse que o PSD apoia o realojamento de centenas de famílias que residem em barracas, a pedido da Câmara Municipal de Lisboa, sabe que o faz porque se comprometeu, em 1987, no programa PIMP, a apoiar cinco câmaras, que, aliás, na altura, eram do PSD, o que de resto não impediu que viesse a perder quatro delas nas últimas eleições. Ficando apenas com a de Oeiras.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente:-Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Pedreira de Matos.
O Sr. João Pedreira de Matos (PSD): - Sr.1 Deputada Leonor Coutinho, de facto, não consegui encontrar o motivo do seu pedido de defesa da honra.
O Sr. António Guterres (PS): - Da consideração!
O Orador:-Aliás, de defesa da consideração, como o Sr. Deputado António Guterres acabou de corrigir.
E não consigo encontrar motivo para esse pedido de defesa da consideração, exactamente porque não entendo como é que a explicação da Sr.1 Deputada Leonor Coutinho se fica, única e exclusivamente, pela questão da situação da banca, numa altura em que o País estava-como a Sr.1 Deputada disse-numa situação de bancarrota.
É preciso não esquecer que as reformas foram adiadas em 1985 e que a declaração do Dr. Correia de Campos, feita recentemente em Lisboa, dizia exactamente que só nas alturas mais difíceis é que se vê, de facto, a possibilidade de os governos ultrapassarem as situações. Ora. foi precisamente numa situação difícil que este Governo agarrou a questão da habitação, em 1985. e conseguiu ultrapassar e levar aos dados que hoje temos.
Por isso é que é fácil estar hoje na posição de partido interpelante quando na altura não foram capazes de apresentar as políticas alternativas. E ainda hoje não conseguiram demonstrar o que 6 que o Partido Socialista quer e o que vai inovar em lermos de habitação.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:-O Sr. Ministro das Obras Públicas. Transportes e Comunicações pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Para usar do direito da defesa da honra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Sr. Presidente, julgo que o uso desta
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figura é particularmente adequado porque a Sr.1 Deputada produziu uma afirmação que, no nosso entender, constitui uma ofensa da honra do Governo, uma vez que - e foi o que deduzi da sua intervenção - insinuou que o Governo actua, em política de habitação e na sua relação com as autarquias, de acordo com a cor partidária das vereações.
Vozes do PS: -Exactamente! Não há dúvidas!
O Orador: - Isso é inteiramente falso, Sr/Deputada! O Governo apoia todas as autarquias nos mesmos termos. E a demonstrá-lo está o facto, que torno público aqui nesta Câmara, de que os apoios votados foram bem aproveitados, por exemplo, por uma câmara Social-Democrata, como é a de Oeiras, mas também -por que não dizê-lo?- por uma câmara socialista, como é a de Matosinhos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em compensação, a Câmara Municipal de Lisboa, que vinha aproveitando o programa da direcção anterior, nesta vereação atrasou-se nos programas. Já nos disponibilizámos a reforçá-los e a renegociá-los de acordo com a vontade da própria Câmara, e estamos a fazê-lo.
Sr.ª Deputada, é particularmente injusta a acusação que fez, sobretudo quando não é sustentada pelos factos, e tenho a certeza de que a própria vereação desmenti-la-á.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder ao Sr. Ministro, tem a palavra a Sr." Deputada Leonor Coutinho.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Ministro, infelizmente não posso retirar nenhuma palavra do que disse, uma vez que, como sabem, em 1987, os programas PIMP foram dedicados só às câmaras PSD, com uma única excepção - a Câmara Municipal de Matosinhos, que era do PS.
De qualquer modo, como sabe, nunca, em nenhum dos anos anteriores, o esforço promovido pela Câmara Municipal de Lisboa foi tão grande como é neste momento.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Correia.
O Sr. Rosado Correia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não vos falarei das inaugurações a que o Governo, em vésperas de eleições, nos habituou. Porém, o dimensionamento inusitado de algumas obras em curso, futuras inaugurações, impõe que nos detenhamos um pouco.
Atente-se, assim, na «ducal obra» que é o «palácio» da Caixa Geral de Depósitos, digna da Casa Real de Marrocos.
Atente-se nas «principescas obras» que as sedes bancárias, graças aos dinheiros dos depositantes, têm vindo a revelar e que em breve serão coroadas com a do Banco de Portugal, na Praça de Espanha, digna de um príncipe regente.
Atente-se ainda na «real obra» que é o Centro Cultural de Belém, pirâmide hierárquica da casa real. Sem dúvida que fausto comparável só foi encontrado nas cidades italianas do Renascimento impulsionadas pela família Mediei.
Mas a época é áurea, a Europa é rica e este Governo descobriu-a. D. João V chamou os maiores arquitectos europeus para a dignificação e perpetuação da sua pessoa e do império, em sinal de rebeldia à obediência papal, e impôs aos súbditos a sacralização do seu poder temporal, cujo resultado se corporiza no magnânimo Convento de Marra.
À semelhança daquele monarca, também o «magnânimo» chefe do Governo Português pretende rever-se e perpetuar-se erguendo o «real palácio da cultura de Belém».
Só que o Convento de Mafra foi a perpetuação de um Império, enquanto que o «real» Centro Cultural de Belém é bem o espelho deste Governo, já que, como símbolo de integração, é negativo e consegue a proeza ímpar de, em pleno ano das comemorações dos Descobrimentos, destruir, de uma assentada, dois dos símbolos dos mais cantados nos Lusíadas: o Cais das Descobertas e os Jerónimos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - De certo que no acto da inauguração da «real obra», será dito, tal como Napoleão: «do alto desta Torre de Babel cinco séculos vos contemplam!».
E o povo deste país? Face às «reais obras» que ultrapassam as centenas de milhões de contos, sentirá que os seus reais problemas, onde se centra a carência habitacional, foram de igual modo tratados? Que sentirá ao constatar que o Orçamento do Estado vigente, para uma carência em reabilitação urbana que ultrapassa os 680 000 fogos, previu para os anos de 1991 a 1993 uma verba de l 025 099 contos e afectou para o corrente ano a eloquente importância de 130000 contos? [P. 3(68) do PIDDAC 1991.]
Sabemos, contudo, que o povo terá a satisfação de se sentir moralmente confortado, posto que para o programa de equipamento religioso, só para o ano de 1991, foram previstos 750 000 contos e para o triénio 2 170 626 contos. [P. 3 (67) do PIDDAC 1991.]
Resta ao povo, face a esta perpetuação da carência habitacional, passear-se nos espaços verdes lúdicos que venham a restar na envolvência das «reais obras», esperando-se que pelo menos estes sejam de livre acesso, já que os interiores são, sem dúvida, reservados aos predestinados.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Hoje estamos aqui para ouvirmos o Governo, aquele que nunca se engana, afirmar que os problemas habitacionais do Pais foram resolvidos pela graça dos seus dirigentes.
Sabemos que o Governo afirmará que o quadro actual da situação habitacional portuguesa não é de crise; que o mercado de arrendamento prolifera; que o nível de produção habitacional é o maior de sempre; que as famílias insolventes, devido a uma política de promoção social atempadamente posta em prática por este Governo, têm os problemas financeiros resolvidos, bem como o problema habitacional.
Estamos, pois, aqui, em situação idêntica à da tomada de posse deste Governo, para ouvir afirmar que o Governo e os seus governantes elegeram a carência habitacional como prioridade nacional.
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Mais dirão que o seu projecto estruturante prevê a resolução deste grave problema, até hoje não encarado, como uma certeza, graças à confiança que ao povo transmitem.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se o anteriormente afirmado corresponde ao novo país imposto por este Governo, como gostaríamos de poder lembrar aqui o quanto este Governo teria conseguido conservar, beneficiar e restaurar das nossas cidades, vilas e aldeias, do parque habitacional herdado, o qual, segundo o censo de 1981 era de 3 435 633 fogos. Destes, estima-se que 20 % - e não é exagerar - se encontrem carenciados de restauro, ou seja, cerca de 680 000 fogos, aos quais correspondem os centros históricos daquilo que representa o espaço habitacional português.
Esta política teria sido possível com o bom acolhimento conferido pelo Governo aos projectos de lei, apresentados pela oposição, PS e PCP, n." 557/V e 276/V, respectivamente.
Da referida aceitação pelo Governo resultariam, sem dúvida: que a Lei n." 13/85, Lei do Património Cultural, mereceria de imediato a respectiva regulamentação, bem como os decretos-lei indispensáveis à sua exequibilidade (artigo 61.º, que continua por regulamentar); que seriam imediatamente aceites as propostas sobre agentes interventores, que são vários, e dinamizadores de recuperação; que de igual modo seriam criados os órgãos da administração regional vocacionados para a recuperação urbana, o que também não existe; que as sociedades de economia mista, constituídas em toda a Europa por entidades públicas e privadas, com o objectivo de intervir na recuperação do património habitacional, seriam hoje, em grande parte, graças ao impulso que lhes teria sido dado pelo Governo, responsáveis por elevado número de recuperações de habitação degradada - e nada existe; que as cooperativas, face aos novos diplomas, veriam também a sua actuação alargada à recuperação e revitalização do parque habitacional herdado, onde, com as importâncias disponibilizadas pelo Governo, seria possível implantá-las em todas as capitais de distrito e no maior número de autarquias - está tudo por fazer!; que seria a política posta em prática pelo Governo no tocante a isenções de impostos, de taxas, de sisas, bonificações no IRS, de comparticipações aos privados e às novas entidades interventoras na recuperação do parque habitacional, que permitiria alcançar resultados bem significativos, que seriam reconhecidos por proprietários, por inquilinos e por todos os intervenientes em geral; que acções oportunas levadas a cabo pelo Governo teriam permitido - e isto é realmente importante- orientar os investimentos estrangeiros no sector imobiliário, integrando-se na defesa do património arquitectónico nacional sem demolições, sem aumento da densidade ocupacional, conservando o interior e as fachadas, salvaguardando a traça e os conjuntos; que não se esqueceria este Governo de dignificar a acção preponderante da classe dos arquitectos atribuindo-lhe a exclusiva competência de intervenção arquitectónica e de reabilitação, que hoje qualquer um pode fazer, aceitando a dignificação da classe e o reconhecimento exclusivo do âmbito de actuação dos mesmos, o que desde sempre se verifica no resto da Europa. Continuamos marginais a essa Europa.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Perdoareis, pois, que quanto ficou dito não passe da participação que a oposição quis dar e não foi aceite por este Governo, ao apresentar como contributo para a resolução dos graves problemas que se traduzem em elevada carência habitacional, a qual atinge as famílias mais necessitadas, e que se traduz em projectos de lei apresentados atempadamente a este Plenário pelo Partido Socialista e demais partidos da oposição, os quais, ale ao momento, aguardam oportuno agendamento.
É de salientar ainda os alertas, críticas e propostas concretas que a Associação de Empresas de Construção Civil e Obras Públicas tem apresentado, inclusive em debates promovidos pelo Partido Socialista e pelo Partido Social--Democrata, onde todas essas acusações foram aceites pelo próprio Partido Social-Democrata e nos quais se concluiu pela necessidade urgente de implementar uma política estruturante e prioritária para este sector, já hoje considerado em situação de calamidade pública.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado Rosado Correia, não acha que usou um estilo digno de Mafra mas não do vazio ciclópico desse centro, chamado - não se sabe porquê - cultural, pois que de projecto cultural para ali nada se enxerga, e que de Belém, do espírito local, também ali nada se vê?
Penso que desperdiçou o seu latim inutilmente, mas, de qualquer maneira, felicito-o pelo seu discurso.
O Sr. Silva Marques (PSD):- Mas desperdiçou ou não?
A Oradora: - Desperdiçou.
O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Então dá parabéns ao desperdício?!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Rosado Correia (PS): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo colocar algumas questões mas, antes de mais, gostaria de tecer algumas considerações perante a intervenção, brilhante, do Sr. Deputado Rosado Correia.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - E brilhante porquê? Explicarei de imediato. Foram ditas tantas e tais coisas nesta Câmara hoje, comprovadas com factos, com números ...
O Sr. António Guterres (PS): - Isso é que é falar!
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado. .... comprovadas com verdades indesmentíveis sobre aquilo que foi a governação do Partido Socialista, da sua directa
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responsabilidade enquanto área da habitação, que eu julguei que o Sr. Deputado Rosado Correia pedia a palavra, num impulso e num arrebatamento, para desmentir tudo quanto foi dito, para dizer que não era verdade e que tinham sido injustas para consigo não só as pessoas como as circunstâncias.
Assim, depois de ouvir o que ouvi, fiquei sem saber. Sr. Deputado Rosado Correia, se foi o tempo, se foi a oportunidade, se foram as pessoas, se foi a imaginação, se foi a direcção política do seu governo que foram injustas para consigo. V. Ex.ª disse tanta coisa bonita e não conseguiu realizar nada! V. Ex.ª sonhou tanta coisa ideal e bela e não conseguiu fazer uma que fosse! V. Ex.ª pensou tanta legislação perfeita e não conseguiu alinhavar uma linha completa! V. Ex.ª deve ser o símbolo vivo da frustração, e eu admito que assim seja e que seja isso, fundamentalmente, que o move na sua intervenção hoje.
Se V. Ex.ª tem realizado o seu programa, não aquele que na altura anunciou mas aquele que agora pós-anunciou aqui nesta interpelação, certamente que, das duas uma, ou cada português tinha hoje, com tantas e tais ideias, não uma casa mas um palácio ...
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): -Há quem tenha!
O Sr. Filipe Abreu (PSD): -Olha quem fala!
O Orador: -.... ou cada português tinha hoje, com toda a certeza, não um crédito mas um débito na sua expressão impagável porque, na verdade, quer as casas que V. Ex.ª pensava construir não tinham nem as condições, nem as características, nem o suporte da habitação social, e eram, na verdade, impagáveis pelo Estado, quer o crédito que V. Ex.ª fornecia através dos instrumentos de crédito previstos para acompanhamento da habitação social não era susceptível de ser pago pelas pessoas. E neste sentido que eu digo que eram verdadeiramente impagáveis pelo Estado e pelos adquirentes. Impagável era, portanto, se V. Ex.ª me permite, a sua política de habitação.
Mas o que V. Ex.ª veio aqui dizer foi ainda uma outra coisa. V. Ex.ª veio dizer o seguinte: para os governos do PSD são proibidas, pelo Partido Socialista, as inaugurações, as construções e os êxitos.
Risos do PS.
Isto é, as inaugurações, as construções e os êxitos de qualquer governo que tenha sucesso são proibidos pelo Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, esgotou os três minutos de que dispunha. Agradecia, pois, que concluísse.
O Orador: - Sr. Presidente, acabarei rapidamente.
No entanto, eu pensava que V. Ex.ª, Sr. Deputado Rosado Correia, poderia dizer isso e fazer todas as críticas que dirigiu e fazer aquele discurso grandiloquente comparando tudo aquilo com êxito ou com uma mania de grandeza inscrevendo-se mesmo dentro do número das pessoas que apreciam o Centro Cultural de Belém, dentro dos arquitectos que apreciam o Centro Cultural de Belém, mas aparecer aqui como o único que, nesta altura, desdiz daquela obra é uma singularidade sua, Sr. Arquitecto.
Aliás, eu compreenderia que V. Ex.ª se levantasse no início ou no primeiro ano do mandato deste Governo, no princípio da legislatura, que este Governo cumpriu, e viesse dizer «Isto não está bem, não podemos continuar assim, W. Ex." não estão a praticar a política certa.» Só que V. Ex.ª só se lembrou agora, no último ano, quase no último mês, de vir dizer que as coisas não vão bem.
Sr. Arquitecto Rosado Correia, sempre me habituei a vê-lo como uma pessoa séria ...
O Sr. António Guterres (PS): - Pode continuar.
O Orador: -.... uma pessoa que se entrega com toda a paixão, mas com toda a seriedade, à discussão destas questões e destes assuntos, e daí não imaginar que V. Ex.ª viesse a engrossar o coro de outras bancadas que vêm agora, com críticas infundadas, identificar a política do Governo como qualquer coisa que na verdade não bateu certo, que não fez bem. vv. Ex.ª só no último mês é que se lembram e então acumulam tudo. Como já aqui foi dito de manhã, acumulam todas as acções que W. Ex." entendem que vos devem fazer ganhar votos, tocando de muito perto o sonho de cada português, e vêm aqui dizer que «connosco isto era melhor», «connosco os senhores conseguiam isto».
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem! O Sr. José Sócrates (PS): - Exactamente!
O Orador: - VV. Ex.ª sabem que não são sérios quando dizem isso! W. Ex." sabem que não havia recursos para cumprir todo o vosso sonho! VV. Ex.ª sabem que o vosso sonho não cabe dentro da pequenez do vosso corpo! VV. Ex.ª sabem que o vosso sonho é impossível de realizar!
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, tem de concluir.
O Orador: - Sr. Presidente, concluirei de imediato. VV. Ex.ª sabem que se o vosso sonho fosse retomado não seria um sonho mas um profundo pesadelo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Correia.
O Sr. Rosado Correia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo por agradecer as palavras que a Sr.ª Deputada Natália Correia me dirigiu e às quais me associo. Efectivamente, o que está em causa é também o aspecto cultural e não só o modo de encarar a construção nova ou a reabilitação.
Em segundo lugar, quero dizer ao Sr. Secretário de Estado que é de lastimar que sendo V. Ex.ª uma pessoa que considero brilhante hoje esteja com falta de imaginação. As suas palavras foram um vazio completo quando quis dar resposta a um ponto importante, qual é o da cultura neste país e de como conservá-la, de como beneficiá-la e de como manter a memória nos centros destas cidades e destas vilas. A estes problemas V. Ex.ª não deu resposta.
Quanto à verticalidade, Sr. Secretário de Estado, muito lastimo - talvez não possa lastimar da sua pessoa porque não pertenceu a esse governo, mas já do seu colega de bancada lastimo. E lastimo o quê? É que para nós é uma honra dizer que pertencemos a um governo que teve
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dificuldades, a um governo ao qual VV. Ex.ª criaram dificuldades. E os senhores, estando há 13 anos continuamente no governo, não foram capazes de assumir responsabilidades e fomos nós que o fizemos. Por isso, a quem se deve agradecer as inaugurações de estradas e de pontes? E se não fazem inaugurações de centros históricos, que bem necessitam de ser recuperados, a culpa é vossa, unicamente vossa!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Assembleia da República, na última revisão da Constituição da República Portuguesa, definiu claramente os parâmetros que balizam o direito das populações a usufruírem de uma habitação condigna. No seu artigo 65.º, a Constituição atribuiu a este direito um lugar de destaque, privilegiando na sua utilização as prioridades de higiene, conforto, intimidade pessoal e privacidade familiar. Atribuiu-se simultaneamente ao Estado a obrigação de uma política de habitação que incentive e estimule as iniciativas quer privadas, públicas ou em regime de cooperativas.
Baluarte de todas as campanhas eleitorais, de todos os partidos sem excepção, este problema tem sido dos mais falados ao longo dos tempos, sem que a prática acompanhe a teoria professada. Em intervenções anteriores, que se debruçavam sobre esta matéria, o PRD sempre a considerou como um problema de dimensão nacional que terá de exigir um conjunto integrado e continuado de acções que possam sobreviver às alterações conjunturais, políticas e económicas que ao longo dos anos se vão verificando.
Os resultados do Censos 91, actualmente a decorrer, trar-nos-ão certamente outro tipo de informação que esperamos bem mais animadora do que a que dispomos. No entanto, e de acordo com o último recenseamento da população e da habitação, o défice habitacional português rondava, em 1987, o número de 750 000 fogos. Dado que o défice líquido médio anual se tem sistematicamente situado em cerca de 30 000 fogos, tudo leva a prever que o défice global actual deve rondar os 850 000 fogos.
Mais difícil de avaliar são as carências de ordem qualitativa; no entanto supõe-se que afectarão, neste momento, cerca de um terço de todo o parque habitacional construído.
Alertámos na altura e hoje recordamos que este problema tem graves implicações sociais e económicas, sendo responsável por muitos insucessos em diversas áreas da vida quotidiana dos cidadãos. Associações de experiência comprovada no mercado apontam para a solução teórica do problema da necessidade de investimentos substancialmente superiores, prevendo-se para os próximos 10 anos, para a obtenção de resultados satisfatórios, de uma capacidade de produção tripla da actual, havendo necessidade de duplicar este factor para obras de beneficiação e recuperação. Parece-nos, no entanto, e com o actual quadro, bastante difícil que estes objectivos sejam atingidos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para o actual estado muito contribuiu a restritiva política de crédito à habitação imposta no período de 1987 a 1989. A evolução foi claramente negativa, sendo
o número de pedidos entregue em 1987 de 61 944 reduzido a quase metade em 1989 para cerca de 33 437.
Esta situação foi parcialmente corrigida em 1990, embora no 1." trimestre ainda se tivesse notado um ligeiro decréscimo de cerca de 10 %. As recentes medidas divulgadas pelo Conselho de Ministros no passado dia 21 de Março, incidentes sobre reformulações operadas no âmbito do arrendamento urbano, da actividade de sociedades de gestão e investimento imobiliário e do leasing imobiliário, poderão, de algum modo, iniciar um processo de inversão no actual estado. Estas medidas poderão atenuar alguns dos aspectos condicionantes hoje ainda existentes.
Entre estas medidas cumpre-nos destacar a abolição do limite do valor da habitação a adquirir. A política de separação de direitos era, em nosso entendimento, retrógrada, sem bases consistentes e consubstanciava uma diferenciação ilógica, embora mantenhamos as reservas, já anteriormente expendidas por nós, quanto à manutenção do regime que continua a vigorar como restrição do nível dos rendimentos do agregado familiar, claramente abaixo do escalão médio do rendimento em Portugal. Tornamos também extensivas as nossas preocupações quanto ao desconhecimento que ainda hoje subsiste no que concerne ao plafond do volume de crédito para aquisição de habitação.
Finalmente, o alargamento da possibilidade da concessão de crédito bonificado à generalidade das instituições bancárias incentivará, em nosso entendimento, a livre e sã concorrência, que só poderá vir a beneficiar os compradores. Esperamos também que as condições que venham a ser impostas aos bancos para a sua utilização não venham a retirar a eficácia desta medida.
A proposta de lei n.4 188/V, já agendada para o próximo dia 18, que contemplará as isenções do IRS dos contratos de arrendamento recentemente celebrados, cujo articulado nos suscita ainda algumas dúvidas, mas que em devido tempo exporemos, será na sua essência, estamos certos, um bom incentivo a potenciais investidores, recordando, e desde já adiantamos, que esta isenção não deverá inibir a actual possibilidade de abatimento à colecta do IRS da parte da contribuição autárquica paga pelo senhorio. A partida, esta medida poderá parecer lesiva dos interesses das autarquias, mas acreditamos que o saldo final será positivo para ambas as partes.
A criação de um banco privado no domínio do crédito imobiliário equiparar-nos-á à generalidade das medidas de eficácia e celeridade financeira praticadas na Europa comunitária, que poderá assim também contribuir para um verdadeiro e credível mercado hipotecário. Anunciadas estas medidas, aguarda-se com expectativa que sejam postas em prática, caso contrário o cenário recessivo manter-se-á e o parque habitacional continuará a ser o parente pobre dos investimentos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaríamos de abordar dois pontos que consideramos serem, ainda hoje, duas autênticas barreiras à iniciativa e mobilização para a construção no nosso país.
Referimo-nos aos atrasos de pagamentos nas empreitadas de obras públicas e à já tão velha política de utilização dos solos.
Quanto ao primeiro, é expressa a impossibilidade de se continuar a executar obras públicas, e no caso vertente recordamos, por exemplo, a habitação social, mantendo os governos a mesma política de pagamentos. A deficiente programação das despesas públicas obriga muitas vezes a
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serem os empreiteiros a suportar os seus efeitos e os casos de abandono das obras já não são tão raros assim. Os argumentos aduzidos, tais como exigências administrativas orçamentais ou cláusulas de regulação conjuntural não colhem, pois se outras razões não existissem seria por si bastante o Tacto de todos os trabalhos serem controlados pelos serviços e departamentos públicos, pelo que não há razão absolutamente nenhuma para que muitas vezes o período entre a apresentação de um auto de medição e a data do seu pagamento chegue a ultrapassar os 180 dias. Com o crédito difícil e caro, como hoje já aqui foi expressado, os empreiteiros vêem-se confrontados com graves desequilíbrios financeiros e muitas vezes o abandono das obras é a única solução.
Quanto à política de utilização dos solos o problema não 6 menor. Para a aprovação de loteamentos hoje as câmaras municipais vêm-se confrontando com inúmeros problemas e dificuldades que, em certos casos, provocam atrasos de anos, saturando as iniciativas colectivas ou individuais. Este estado de centralização não pode continuar e às autarquias deverá ser cometida mais autonomia, reclamando simultaneamente mais responsabilidade. Estamos certos que esta medida traria novos incentivos ao desenvolvimento do parque habitacional português.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A complexidade dos problemas, as diferentes capacidades financeiras, a evolução diversificada (desde o estado de conservação dos edifícios até às mudanças ou estabilidade dos inquilinos), os contrastes entre os núcleos históricos e as zonas novas ou entre as áreas urbanas e o mundo rural, os fracassos de várias experiências recomendam que a procura de soluções para o problema da habitação passe pelo recurso a fórmulas variadas.
Assim, uma política habitacional deveria, em nosso entendimento, ter em conta: a participação mais activa do sector público nos domínios do planeamento urbanístico, gestão do território, política de solos, legislação (regulamentação-técnico-urbanístico-financeira, desde o ataque à especulação, restruturação dos serviços da administração urbanística e ao apoio técnico às câmaras, entre outros); o reconhecimento de que o Estado não tem capacidade para dar casa a todas as famílias necessitadas e a vantagem em utilizar todos os recursos e vontades em processos diversificados (desde a promoção exclusivamente pública a diversas formas de associação ou simples apoio); a definição do papel da iniciativa privada, cooperativa e pública e encontrar o justo equilíbrio para a acção do sector público entre apoio técnico e financeiro, incentivos e isenções fiscais; a promoção directa ou em colaboração nas suas diversas modalidades; a necessidade de fortes apoios e incentivos ao sector cooperativo, cuja promoção é insignificante, neste momento, em comparação com a de outros países da Europa (necessidade de um novo regime de enquadramento jurídico e de financiamento); a aceitação do papel importante da iniciativa privada e o reconhecimento aos proprietários do direito de receber um rendimento justo pelo capital investido na promoção e conservação dos imóveis, tendo em conta as características específicas do investimento imobiliário e o papel de risco entre as opções de investimento; o incentivo ao regime de renda condicionado de tal modo que tenda a ser o dominante e o incrementar operações de reabilitação urbana e de defesa do património de um modo geral.
Temos por fundamental que a legislação sobre arrendamento urbano deverá ler como objectivo permitir a utilização integral do parque habitacional. As grandes carências de fogos não se compadecem com a coexistência de fogos devolutos pelo que nós, renovadores, defendemos a penalização destas situações por via da contribuição fiscal. Pensamos também que deverá ser encarada uma pcnalização tributária dos fogos sem ocupação efectiva e situados em aglomerados com uma certa dimensão. Deverá ser criada legislação que contenha medidas que impeçam a demolição de prédios de habitação ainda em boas condições funcionais e que dificultem a conversão de fogos em escritórios e similares. Devem ser também criadas condições para um efectivo planeamento urbanístico e controlo efectivo, pelos municípios, do seu território, principalmente as áreas urbanas ou sujeitas a maior pressão. Defendemos que também se devem promover operações de reabilitação das zonas históricas e degradadas, prevendo o investimento participado do Estado-autarquia, proprietários e inquilinos.
Uma política de habitação obriga, em primeiro lugar, o Estado a dinamizar o seu papel orientador, à revisão do Regulamento Geral de Edificações Urbanas, adaptando-o aos novos tempos e técnicas, à emissão de normas de edificação, à atenção aos aspectos envolventes de habitação, considerada não apenas como alojamento mas como local onde se vive, onde todos nós vivemos. Estes são apenas alguns exemplos de uma função que sucessivos governos e governantes não têm sabido gerir convenientemente.
Basta, aliás, pensar na denúncia, frequentemente vinda a público, do número reduzidíssimo de casas construídas com intervenção do arquitecto, para ter uma noção do mundo que está por fazer, até na educação dos responsáveis que se arvoram em árbitros do bom gosto e que falam de «brincadeiras arquitectónicas» esquecidos das próprias - e essas sim - brincadeiras com o património cultural de uma cidade.
Por outro lado, e tendo em conta a limitação dos recursos do Estado e o facto de os recursos consagrados à habitação terem de ser compatibilizados com os canalizados para satisfação de outras necessidades sociais, levará a uma preocupação maior com a reprodutividade social dos recursos afectados. 3 milhões de contos, por exemplo, têm uma repercussão social diferente se permitirem o acesso à habitação de 300 famílias, à construção de habitações sociais para 1000 ou um subsídio anual de 30 contos a 1000 famílias.
Queremos dizer que é uma opção política a afectação de recursos. É também uma opção política a intervenção do Estado no mercado através das políticas de crédito e subsídios. É, finalmente, também uma opção política a articulação da política de habitação com a de rendimentos, ou seja, do nosso ponto de vista, conferir prioridade às políticas que apoiem quem de mais apoios necessita.
Por assim ser, concordamos com a ideia de um subsídio familiar de renda. Representa a subordinação do regime de arrendamento a uma política de rendimentos, permitindo às famílias de menores recursos suportar a diferença entre o esforço consentido para o respectivo agregado familiar e o valor da renda definido para o alojamento social de tipo equivalente.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Recentemente, durante a discussão da proposta de lei sobre o novo Regime do Arrendamento Urbano, o PRD apresentou cerca de uma dezena de propostas ou recomendações que hoje aqui damos por reproduzidas. Durante a discussão na especialidade não vimos nenhuma dessas propostas ser contemplada - recuperámos algumas delas nesta intervenção - mas, posteriormente, o Governo
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anunciou medidas consubstanciadas nalgumas dessas propostas, o que apesar de tudo nos apraz registar. É sintoma de que temos soluções e de que com elas queremos contribuir e colaborar para o engrandecimento do País e para a melhoria do nível de vida dos cidadãos. Continuaremos a assumir essa postura e a respeitar os nossos compromissos. Queremos e desejamos mais bem-estar, mais conforto, mais higiene, mais privacidade, que se traduza em mais equilíbrio, mais sucesso, menos assimetria. Ao Governo compete zelar pela procura e encontro destes objectivos. Aos Portugueses esse direito é devido.
Aplausos do PRD e do PS.
O Sr. Presidente:-Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportas e Comunicações:-Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Naraná Coissoró pede a palavra para que efeito?
O Sr. Naraná Coissoró (CDS):-Sr. Presidente, depois do pedido de esclarecimento do Sr. Ministro e da resposta correspondente, nos termos regimentais, quero pedir uma interrupção dos trabalhos por trinta minutos, para darmos uma conferencia de imprensa.
O Sr. Presidente: -Sr. Deputado, o seu pedido será atendida No entanto, regimentalmente, o seu grupo parlamentar só tem direito a quinze minutos, tempo máximo que será concedido.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações:-Sr. Deputado Rui Silva, V. Ex.ª, ao fazer o balanço sobre a política de habitação do Governo, não mencionou expressamente aquilo que a Sr.1 Deputada do Partido Socialista há pouco mencionou, embora motivando um protesto de defesa da honra do Governo.
Com efeito, a Sr.ª Deputada, há pouco, insinuou-e depois não retirou uma palavra, segundo ela própria disse-, dizendo que o Governo actuava com as autarquias segundo as suas próprias conveniências partidárias, o que reitero ser manifestamente falso e contrariado petos factos.
A Sr.ª Deputada falou dos acordos de colaboração para habitação social com as autarquias, uma novidade que este Governo instituiu, e, a propósito desses acordos, disse que havia uma preferência clara do Governo pelas autarquias sociais-democratas.
Na altura, contestei e agora insisto. Na verdade, em 1987, houve, apenas, um acordo com uma câmara Social-Democrata, que foi a Câmara de Oeiras; três acordos com câmaras do CDS, embora uma delas apoiada também peto Partido Social-Democrata; três acordos com câmaras do PS, que são as câmaras de Olhão, Portalegre e Setúbal e, finalmente, um acordo com uma câmara do PCP, a de Mértola, mas estou certo de que a Sr.ª Deputada, noutra oportunidade, há-de pedir a palavra para retirar o que disse.
O Sr. Deputado Rui Silva, há pouco, também referiu as novas medidas que o Governo aprovou para relançar a habitação, medidas que são aprovadas porque se considera que, neste momento, a situação económica do País o permite, pois tem sido política sistemática do Governo não tomar medidas que, em consciência, não possa tomar ou para as quais não haja recursos, a fim de evitar que suceda o que se verificou com o Partido Socialista que. como recordei, criou, com a sua política utópica de habitação, que ainda por cima não resultou, uma dívida tal ao Estado que, por força dela, ainda hoje estamos a pagar 30 milhões de contos por ano.
O Governo tomou essas medidas e eu aproveito para esclarecer o Sr. Deputado que elas aguardam, apenas, a publicação no diário oficial, de acordo com o expediente e o procedimento normal. Não haverá, portanto, mais decisão política sobre elas porque já estão tomadas, e foram-no nos termos exactos em que foram publicitadas.
O Sr. Deputado também falou da isenção do IRS e, concretamente, disse que o partido que representa estaria disposto, embora com algumas reservas, a apoiar a medida que o Governo considera de largo alcance, uma vez que se trata de mais uma medida para relançar o mercado de arrendamento.
Sem pretender antecipar o debate que, a este propósito, certamente se dará nesta Câmara, gostaria, em todo o caso, de ser melhor esclarecido sobre quais sito essas reservas a que o Sr. Deputado se referiu.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Ministro, a primeira pane do seu pedido de esclarecimento tem a ver com a questão colocada pela Sr.ª Deputada Leonor Coutinho e, com certeza, ainda haverá oportunidade para discutirem essa matéria. Por isso, permitir-me-ia não intervir sobre ela.
Em relação às sete medidas anunciadas no passado dia 21 de Março, naturalmente que as expectativas por cias criadas são grandes, neste momento, e nós, hoje de manha, tivemos oportunidade de dizer que as apoiamos incondicionalmente, posição que, na minha intervenção da parte da tarde, reiteramos.
A nossa preocupação é se a demora poderá provocar alguns atrasos, nomeadamente nos investimentos que, neste momento, já se estão a programar e que V. Ex.ª sabe, (80 bem ou melhor do que eu, que poderá também, de algum modo, atrasar e ressarcir a capacidade de investimento e de construção em Portugal.
Permita-me, no entanto, Sr. Ministro, que não lhe vá dizer quais são as nossas reservas em relação ao projecto de lei n.8 188/V. V. Ex.ª vai estar cá na próxima quinta--feira e teremos oportunidade, com certeza, de as discutir- aliás, já manifestámos a nossa simpatia pela medida com as reservas que, certamente, iremos apontar.
Contudo, desde já posso adiantar que gostaríamos que a discussão não fosse equiparada à que foi feita, aqui, sobre a lei do arrendamento urbano, em que apresentámos 12 propostas e nenhuma foi contemplada, e bastar-nos-ia, com certeza, que o fossem, pelo menos. 20 % das mesmas, para o Governo ler o apoio do PRD nessa matéria. Não as quis aceitar, nessa altura, e teve o nosso voto negativo. Todavia, saudamos o facto de terem recuperado algumas delas.
Voltamos a dizer que lemos soluções. São plágios.... mas, tudo bem, o que é preciso é que os Portugueses fiquem
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a ganhar com as nossas soluções que são, entretanto, postas em prática pelo Governo.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos interromper os nossos trabalhos.
O Sr. Deputado Silva Marques pede a palavra para que efeito?
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, é para dizer que o novo Regimento entrou em vigor ontem e, por isso, os grupos parlamentares deixaram de ter o direito potestativo à interrupção da reunião. O CDS, na verdade, Talhou por um dia, mas lei é lei!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fez bem em lembrar isso.
De qualquer forma, a interrupção foi solicitada pelo líder do grupo parlamentar que já não se encontra no Plenário. Ora, não tendo V. Ex.ª levantado a objecção na altura do pedido, a Mesa não pode voltar, agora, com a palavra atrás, pelo que vai conceder a interrupção pelo tempo máximo de quinze minutos.
Srs. Deputados, está interrompida a sessão.
Eram 16 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 10 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados - com destaque para os deputados interpelantes e o Sr. Deputado António Guterres que fez, esta manhã, uma intervenção de abertura que, embora não tendo tido oportunidade de ouvir, já tive oportunidade de lê-la: Este tema, que já foi abordado, várias vezes e a vários propósitos, nesta Assembleia, suscita-me que vos conte um pequeno episódio que vivi recentemente e que é ilustrativo da situação do problema da habitação em Portugal.
Conheço uma cooperativa dos arredores de Lisboa que resulta de uma junção de esforços com vista a resolver o problema de um local de habitação degradada e em grande deterioração, poluído e situado no meio de instalações industriais.
Trata-se de uma iniciativa colectiva, na qual foi posto grande entusiasmo, que está prestes a chegar ao seu termo e a conseguir os seus objectivos.
Mas a história desta «saga» verdadeira é ilustrativa deste problema. Com efeito, a cooperativa arranca, procurando obter a cooperação da câmara municipal do local onde se situa mas, efectivamente, não acerta, à primeira, no departamento adequado dessa mesma câmara e sente, por isso, as primeiras dificuldades burocráticas.
Depois, procura obter a colaboração das empresas circundantes com fábricas que, porventura, maculam o ambiente que é dado viver aos cooperantes. De seguida, abeira-se do Instituto Nacional de Habitação que, realmente, a ajuda,
fornecendo-lhe um financiamento intercalar a uma taxa de juro bonificada para poder arrancar com uma empreitada em terrenos que, entretanto, conseguiu, mercê
da colaboração da câmara com empresas do mesmo local. Isto já vai há 12 anos.
Entretanto, os cooperantes obtêm, ou tentam obter, da Caixa Geral de Depósitos um financiamento para a construção das suas habitações em condições boas de preço, o que não se nega obviamente, pois é para este objectivo que existem as cooperativas.
Porém, a certa altura, dá-se um absurdo espantoso: a Caixa Geral de Depósitos, atrasando, propositadamente ou não, o estudo dos processos - a sorte da política de crédito pode ter determinado até o atraso propositadamente, o que não sabemos, mas, mesmo que assim não tenha sido, a burocracia da Caixa atrasa estes processos -, faz com que o financiamento intercalar do Instituto Nacional de Habitação chegue ao termo estabelecido para poder beneficiar do juro bonificado.
Ora, estes pobres cooperantes, que são efectivamente pobres porque vivem em casas degradadas, a certa altura, do dia para a noite, vêem-se a pagar um juro diário elevadíssimo pelo financiamento intercalar. Isto porque a outra entidade, pertencente também ao domínio da iniciativa pública e com responsabilidades e que, até aqui - felizmente que isso acabou- era praticamente monopolista na concessão de tal tipo de crédito, fez depender este de critérios inimagináveis que, a princípio, não constavam das condições conhecidas dos cooperantes.
A título de exemplo, aponta-se um desses critérios, expressado aos cooperantes da seguinte forma: «Os vossos filhos tem 16 anos, pois então vocês não podem obter um empréstimo como, até aqui, lhes tínhamos prometido porque, daqui a dois anos, eles estão fora de casa e não contribuem com os seus rendimentos para o rendimento do agregado familiar e, portanto, vocês não oferecem uma garantia de solvabilidade tão grande como até aqui.»
São coisas estranhas que aconteceram, efectivamente. E o que acontece agora é que esta entidade pública, o Instituto Nacional de Habitação -Estado nessa veste-, falta-lhes com o juro bonificado e as pessoas estão em condições desesperadas. Poderão chegar ao fim mas, para isso, têm praticamente que recorrer à caridade pública.
Sr. Ministro, esta é a imagem do que é hoje a política de habitação no País. O Estado, fundamentalmente, bonifica crédito e concebe iniciativas creditícias às cooperativas, às câmaras, a este e àquele, mas não tem uma política activa, ou seja, não oferece habitações. Já não quero dizer que seja o Estado a construí-las porque, dessa matéria, tenho uma experiência muito pessoal e, por isso, sei como o Estado é mau a construir habitações.
Com efeito, nas várias tentativas que fez e, principalmente, quando centralizou essa preocupação de construir para oferecer, o Estado foi muito mau, foi péssimo como é, normalmente, quando se mete a produzir.
Mas o Estado tem de oferecer habitações no mercado. Isso não pode deixar de ser! É que, na realidade, há um estrato da nossa população que só tem acesso à habitação através da oferta pública da mesma E o apoio às câmaras será suficiente para isso? Eu não me meto nas quesílias que existiram, aqui, hoje sobre câmaras do PSD e câmaras que não eram do PSD...
O Sr. José Silva Marques (PSD): - O CDS não tem, claro!
O Orador: - Tem, tem! O CDS também tem, Sr. Deputado Silva Marques, embora eu não me vá distrair nessa matéria.
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Sr. Ministro, como já disse, não me vou meter nestas quesílias que, conforme ouvi há momentos, já o levaram a defender a sua honra, mas devo dizer que esse apoio ido é suficiente e o Estado tem de ter outro tipo de intervenção.
É que, Sr. Ministro, se, por um lado, ouvi a acusação do Sr. Deputado António Guterres fundamentada em números, dados, estatísticas, por outro, já verifiquei também, não só por aquilo que me foi dado saber do debate mas por uma questão que tive com o Sr. Secretário de Estado do Tesouro, que o Governo, agora, refugia-se no próximo censo e, invocando a inexistência de números fiáveis em parte alguma, não sabe se faltam casas, não sabe o que falta e o que não falta.
Mas. Sr. Ministro, este problema da habitação é um problema em que há um dedo acusador estendido para todos nos, em todos os lados: são as habitações degradadas, são os «bairros de lata» que proliferam efectivamente e que não vêem a sua situação resolvida. Basta-nos isso. Sr. Ministro! Nós nunca poderemos ser cidadãos de corpo inteiro na Europa enquanto tivermos esta chaga completa em volta das nossas cidades. Obviamente que se trata de uma chaga que não é de agora. Porem, ao invés de diminuir, tem aumentado.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Tem diminuído!
O Orador:-Tem diminuído. Sr. Ministro?! Então e esse censo dos «bairros de lata»? Isso desafio-o eu, Sr. Ministro! Situações dessas põem até em causa o censo!...
Risos.
Depois, temos o dedo acusador dos preços que o arrendamento atingiu. E isto aconteceu, é claro, mercê de erros vários que a Assembleia tem tentado corrigir-é certo! - através da promoção de alterações da lei do arrendamento, apesar de tudo, com alguns complexos.
Na verdade, essa abordagem deveria realizar-se de uma forma mais descomplexada. Aliás, poderíamos fazê-la de uma forma tanto mais descomplexada quanto houvesse uma oferta pública de habitações destinada ao estrato insolvente da nossa população-esta é a nossa opinião.
É claro que não vamos negar que, ultimamente, foram tomadas medidas positivas, que, de certo modo, vêm sublinhar a gravidade do problema. No entanto, é estranho que um governo que já governa há tantos anos, com estabilidade -a quem não foi recusado o benefício da estabilidade govemativa-, que tem aqui um apoio que quero considerar voluntário, consciente, mas disciplinado, e que, portanto, não tem tido os problemas da instabilidade parlamentar, só agora, quando está próximo de terminar a sua legislatura, venha tomar duas ou três medidas e corrigir os problemas do crédito.
Há quanto tempo é que isto não poderia ler sido feito?... Há quanto tempo é que não poderíamos ter tratado do problema do valor da habitação e eliminado essa constrição?...
O Sr. José Silva Marques (PSD): -Há 30 anos, no regime anterior, Sr. Deputado!
O Orador:-Olhe, Sr. Deputado José Silva Marques, eu não tenho aqui procuração para defender o regime anterior.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Mas podia tê-la!...
O Orador: - Podia tê-la e olhe que não a enjeitava! E que se fez muito mais nesta matéria no regime anterior do que no actual! E peco-lhe meças quanto a isso, Sr. Deputado Silva Marques!
O Sr. José Silva Marques (PSD):-O 25 de Abril veio atrasar isto tudo!...
O Orador:-No entanto, como eu ia dizendo, foi bom o que se fez ultimamente. Mas porquê só agora, à última hora, no fim da legislatura e antes das eleições?!
De qualquer modo, Sr. Ministro, podia ter-se feito um pouco mais. Aliás, veremos se aquilo que se fez em matéria fiscal - na realidade, esse limite dos 600 contos é dificilmente admissível- se fez de uma maneira integral e completa, isto é, se não se deu por um lado e se tirou por outro. Com efeito, existe o receio que. no domínio da contribuição autárquica- e não me meto no que sejam as responsabilidades que o Estado deva assumir nesta matéria-, se venha a tirar o que se dá no domínio do IRS.
Em todo o caso, Sr. Ministro, esta é a ideia que fica da nossa intervenção. Na verdade, entendemos, firmemente, que. pese embora a posição coerente que tomámos em matéria de despesa pública, de política orçamental, de intervenção do Estado e do carácter supletivo dessa intervenção, o que é preciso é haver uma conecta hierarquia de prioridades, sendo esta, neste momento, a prioridade número um, a qual não poderemos esquecer no âmbito da política social portuguesa. É que, a manter-se o panorama actual, ela poderá ter consequências desastrosas para o nosso futuro.
Neste domínio, Sr. Ministro, é preciso reequacionar o papel que o Estado deve ter nesta matéria, uma vez que temos de ter uma política de habitação que conte com uma oferta pública de habitações.
Todavia, é no mercado do arrendamento que essa oferta deve ter um papel preponderante tendente a corrigi-lo, já que, hoje em dia, com uma oferta escassíssima como a que actualmente existe, esse mercado obedece às suas leis próprias, as quais, no entanto, não fazendo milagres, produzem, ao invés, habitações a preços perfeitamente incomportáveis.
Temos todos de meter a mão na consciência e tentar redefinir a política habitacional do País.
Aplausos do CDS e do PS.
O Sr. José Silva Marques (PSD):-O CDS virou socialista!
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, na sua intervenção, no âmbito da qual referiu um caso de seu conhecimento pessoal - o dos cooperadores dessa cooperativa da tal zona poluída-, V. Ex.ª retratou uma situação que, infelizmente, era comum e que (não há que negá-lo aqui) prejudicou bastante não só a capacidade de algumas pessoas obterem casa ao fim de longos anos como ainda prejudicou as finanças do próprio Estado.
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Efectivamente, uma das actuações do Instituto Nacional de Habitação traduz-se no financiamento, às cooperativas, da construção das casas mal obtenham os terrenos, normalmente em difíceis negociações com as próprias câmaras, negociações essas que, nesse aspecto, são, salvo algumas e honrosas excepções, bastante avaras. Assim, o Instituto Nacional de Habitação financia a construção, normalmente com juro bonificado, na expectativa de que, após a construção estar completa e de os fogos estarem prontos e na disponibilidade das cooperativas, os cooperadores possam, através do regime geral de crédito (muitas vezes bonificado), comprar as habitações.
No entanto, o que sucedia, e sucede, é que, em alguns casos, as instituições de crédito que estavam autorizadas a fazer esse financiamento à aquisição de casa própria (não à construção), por uma razão ou por outra, se atrasavam em relação a esse financiamento. Daí sucedia que, por um lado, caducava o período durante o qual o cooperador tinha direito à bonificação - portanto, por força dessa caducidade, teria um ónus acrescentado-, enquanto que, por outro, tal representava também um substancial peso sobre as finanças do Estado, uma vez que prolonga o financiamento por mais tempo do que o que estava previsto.
Reconheço a crítica, que é inteiramente justa, já que foi um fenómeno que se repetiu com alguma frequência. No entanto, julgo que o Sr. Deputado também fará justiça ao Governo ao dizer que este tomou atempadamente as medidas para corrigir essa situação e que não há melhor medida para o fazer do que introduzir mais instituições de crédito no processo, de modo que se verifique uma concorrência de instituições de crédito, de tal forma que uma só não possa arrogar-se do monopólio da situação, fazendo exigências como se estivesse só no mercado.
Foi isto que, ainda no mós passado, o Governo fez ao deliberar que todas as instituições de crédito poderão conceder crédito para a aquisição de casa. Deste modo, Sr. Deputado, os cooperadores da sua cooperativa poderão, caso não estejam satisfeitos com determinada instituição de crédito, procurar uma outra em alternativa, usufruindo assim do benefício da concorrência. É que, Sr. Deputado, embora a crítica seja justa, só não o ouvi referir, com a clareza que normalmente coloca nestas coisas, que o Governo já encontrou a solução para esse fenómeno.
Devo ainda dizer, Sr. Deputado Nogueira de Brito, que me parece que não apreendeu completamente a distinção que o Governo faz na aplicação da sua política de habitação.
O que criticámos no PS e na actuação desastrosa - insisto, na actuação desastrosa - que teve enquanto possuiu responsabilidades nesta matéria...
O Sr. Vítor Caio Roque (PS): -Tenha vergonha!
O Orador: -... foi a convicção de que, por assim dizer, o problema da habitação em Portugal seria sistematicamente resolvido através de uma solução de habitação social.
Contestamos isso, pois os números demonstram que essa não é a realidade. O que, com efeito, havia -e, em certa medida, continua a haver - era o não funcionamento do mercado normal, isto é, do mercado do arrendamento, normalmente responsável por 50 % da habitação em qualquer país normal - em Portugal é, neste momento, responsável por uma percentagem de um dígito... -, assim como o não funcionamento do mercado normal de compra de casa própria. E o que acontece é que, normalmente, num país com o desenvolvimento de Portugal estas duas componentes do mercado resolvem parcialmente o problema da habitação de muitas pessoas com capacidade para serem actores nesse mercado.
Contudo, o Governo reconhece -já o disse várias vezes publicamente, e isso está, aliás, testemunhado na letra de vários diplomas- que existem, infelizmente maiores do que o que gostaríamos, franjas da nossa sociedade que não são capazes de ser actores neste mercado, isto é, o mercado poderá funcionar, mas não para elas.
Portanto, é apenas com essas franjas que o Governo se tem de preocupar. Porém, repare-se que mesmo essas franjas comportam ainda duas graduações: uma, composta por aqueles que, bonificados, poderão entrar nesse mercado -e para isso existe um esquema, que foi montado pelo Governo e que beneficia os jovens, as famílias numerosas e aqueles que tem menos rendimentos, fazendo-os entrar no mercado, ainda que ajudados pelo Estado-e outra, infelizmente ainda numerosa, que não tem qualquer possibilidade de entrar nesse mercado, mas que, tal como os outros estratos da nossa sociedade, tem um igual direito à habitação. Ora, são estas últimas que têm direito à habitação social, para a qual, como se sabe, o Governo despende anualmente vultuosíssimos recursos, oferecendo praticamente as casas.
Por conseguinte, perguntaria ao Sr. Deputado Nogueira de Brito se, no fim de contas, defende que mesmo aqueles que, no seu entendimento, podem, como em qualquer país europeu, entrar no mercado normal da habitação deveriam ser subsidiados pelo Estado, como parece ser a política do Partido Socialista.
O Sr. António Guterres (PS): -Não percebeu nada!
O Sr. Vítor Caio Roque (PS): - Depois deste debate deveria demitir-se, Sr. Ministro!
O Sr. Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro, V. Ex.1 deve-me, em primeiro lugar, um agradecimento. É que utilizou um pedido de esclarecimento para fazer duas coisas.
Em primeiro lugar, esclareceu, porventura, aquilo que não tinha sido muito claro na sua exposição, ou seja, os benefícios que V. Ex.ª esperava da quebra do monopólio do crédito habitacional, isto é, da generalização da banca, e que, efectivamente, foi conhecida como decisão do Governo no passado mês de Março. Na verdade, o Sr. Ministro deu uma longa explicação, e agradeço-lhe muito que o tenha feito na sequência da minha intervenção.
Em segundo lugar, aproveitou para dar uma «cotovelada» ou uma crítica ao Partido Socialista.
Sr. Ministro, há um autor francês que, num livro que é hoje já muito conhecido, diz que não se muda a sociedade por decreto.
Em relação a essa questão do crédito, é evidente que saúdo amplamente a medida tomada, que, aliás, é uma medida de termo do monopólio do crédito imobiliário. No entanto, direi que esta é uma medida que se inscreve numa tendência já antiga da banca mundial e que se traduz na generalização da banca, isto é, no facto de a banca não ser especializada, mas constituir uma banca geral que pratica todo o tipo de crédito. Na realidade, ainda mantínhamos essa especialidade em Portugal, e isso era negativo.
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Discuto, porém, com V. Ex.ª se, realmente, essa panaceia vai resolver alguns casos. Por exemplo, é capaz de não resolver o caso dos meus cooperantes...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Não tenha dúvidas!
O Orador: - É que os cooperantes de que falei não são bons devedores; não se trata do um crédito bom, mas de um crédito complicado! E o que se passa é que os bancos - quaisquer bancos-, mesmo em concorrência, vão deixar este estrato para a Caixa Geral de Depósitos!...
Risos.
Portanto, Sr. Ministro, não se fie muito nisso! É claro que a medida é boa, é positiva e vai desbloquear e acelerar muita coisa. Contudo, vai acelerar os processos de concessão de crédito para os solventes, porque para os insolventes, para aqueles que contam todos os rendimentos - o do filho de 16 anos e o do filho de 14, que, infelizmente, no limiar da idade de trabalhar, já trabalha e que vai estar ainda com o pai por dois ou mais anos, pois não vai ter casa para onde ir depois de casar-, para esses é que está o problema. E aí, Sr. Ministro, não acredito que, em si, a medida tenha uma capacidade de cobertura tão grande. Deus queira que sim!... De qualquer maneira, a medida ó boa, pelo que eu aplaudo-a.
Quanto aos estratos relativamente aos quais considero necessário que o Estado tenha uma intervenção mais activa, oferecendo habitação, é evidente que são apenas - disse-o claramente - os estratos insolventes, pois aqueles que podem resolver o seu problema no mercado devem resolvê-lo no mercado, quando este for reconduzido a situações que tornem isso possível. Estou assim de acordo em que se deverá, rapidamente, reconduzir o mercado a uma situação de grande fluidez, de modo que ele possa resolver as situações daqueles que podem ir ao mercado, uma vez que essa é a melhor forma de resolver esses problemas. Porém, o mercado não está ali para toda a gente - infelizmente! -, pelo que é em relação aos insolventes que eu tenho de chamar a atenção e, Sr. Ministro, o problema é outro. Aí o Sr. Secretário de Estado do Tesouro é que tem uma palavra a dizer...
É verdade que o Sr. Ministro tem gasto somas consideráveis, o que o Sr. Ministro não tem tido é orçamentos suficientemente dotados para gastar as somas que devia gastar - aliás, devo dizer-lhe que tem gasto algumas muito mal, ou seja, o Estado tem gasto muito mal as verbas que despende em matéria de habitação! Mas, repito, o Sr. Ministro também não tem tido nos orçamentos as verbas suficientes.
Dir-me-á: «Mas, então, você é a favor do aumento da despesa pública!» Não, Sr. Ministro! Sou até contra, mas entendo que há hierarquias, prioridades, que temos de respeitar e esta é uma das primeiras prioridades!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Para quem exclui o Champallimaud da habitação social é razoável!
O Sr. António Guterres (PS): - É preciso saber perder, Sr. Deputado José Silva Marques!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.
O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A ausência de uma política habitacional é dos problemas mais graves com que se debate o País.
Os sucessivos governos ignoraram que muitos portugueses continuam a viver em barracas, panes de casa com familiares, garagens, vãos de escada ou, então, em bancos de jardim e portadas de casa, tendo como tecto a lua e as estrelas. Acresce que estes governos tripudiaram e esqueceram o artigo 65.9 da Constituição da República Portuguesa, que, no seu n." l, proclama que «Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada [...]» e, no n.º 2, alínea a), que s[...] incumbe ao Estado: programar e executar uma política de habitação [...]».
Analisemos a dura realidade, pois essa é que subsiste e não as promessas eleiçoeiras que se fazem na altura própria e que começam sempre pelo «vamos fazer», mas que se esquecem rapidamente.
O défice habitacional, em fins de 1989, era estimado, com base no último recenseamento habitacional, em cerca de 750000 fogos, o défice líquido anual situa-se acima dos 30 000 fogos, enquanto que, relativamente às carências qualitativas, embora mais difíceis de avaliar, se calcula que afectem cerca de um terço do parque habitacional construído.
Conjugando estas vertentes, podemos facilmente chegar à conclusão de que cerca de 45 % da população portuguesa é afectada por problemas habitacionais de gravidade variável.
Esta é a dura realidade que contrapõem os spots publicitários do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações como aquele que dizia: «É bom morar em Portugal»!... Este só por ironia, Sr. Ministro, porque isso era só para alguns portugueses!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em relação à promoção directa, a verdadeira habitação social, propôs o Orçamento do Estado para 1991 a verba de 5,2 milhões de contos, sendo 3,23 milhões para realojamentos devido à construção de vias de comunicação no distrito de Lisboa, e 500 000 contos para o, já célebre, RECRIA. Perante a exiguidade desta verba, propôs o PCP, em sede de debate na especialidade do Orçamento do Estado para 1991, a duplicação desta verba, o que o PSD, pressurosamente, rejeitou.
Esqueceu-se o PSD - ou talvez não!... - dos insolventes, dos que não têm capacidade de acesso ao crédito, e de que a promoção directa por parte do Estado é destinada a habitação social, visando colmatar aquele grave problema que cada vez toma maiores proporções.
Assim, o esforço de investimento necessário é remetido para a iniciativa individual através do crédito à habitação própria. As Grandes Opções do Plano para 1991 proclamam aos quatro ventos «que é necessário reforçar a política de crédito à habitação própria».
Ora bem prega frei Tomás!...
Se atentarmos nos números fornecidos pelas instituições de crédito especializadas, veremos que, ao contrário, o crédito tem diminuído de ano para ano.
Assim, em 1987, foram assinados 56 359 contratos e, em 1990, menos de 33 000.
Em relação ao crédito concedido, este passou de 165 milhões de contos, em 1988, para 125 milhões de contos, em 1990.
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Acrescem as subidas das taxas de juro e a mudança da política governamental do PSD que teve como consequências o aumento da burocracia das instituições de crédito e os célebres plafonds, que vieram a agravar as dificuldades dos mutuários.
Por outro lado, o crédito poupança-habitação não resultou, pelo facto de ser para compra de habitação de mercado e como este cresce, em preço, mais rapidamente que os juros concedidos faz com que os interessados cheguem ao fim do prazo com um saldo inferior ao preço da habitação.
O crédito jovem não passa de mais um slogan deste Governo, pois a bonificação é bastante pequena e por curto período de tempo, o que, aliado ao elevado custo dos fogos e às condições económico-sociais dos jovens, como a precariedade do emprego e os baixos níveis salariais, leva a que os jovens se afastem progressivamente desta linha de crédito e vendam mesmo a habitação recém-comprada.
Os contratos de desenvolvimento de habitação feitos com empresas do sector de construção, onde o Governo depositava grandes esperanças para a solução habitacional, têm-se revelado um verdadeiro fiasco. De facto, os prazos de construção não são cumpridos, o que provoca aumento de custos, a qualidade é deplorável e os compradores são defraudados...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: -.... como nos casos de Braga, Vila Nova de Gaia, Bairro da Bela Vista, Quinta da Varejeira, Mira--Sintra e outros tantos.
No caso daqueles contratos aplicados a câmaras municipais, também o insucesso tem sido tremendo e a adesão fraca. Muitas têm sido as câmaras municipais com problemas para vender fogos, por falta de capacidade de compra dos munícipes, especialmente no interior do País, o que tem levado algumas a venderem por preços abaixo do custo como forma de minimizarem os prejuízos.
A situação é mais grave se falarmos deste tipo de contratos aplicados às cooperativas de habitação, onde os plafonds de crédito e o não cumprimento dos prazos de financiamento pelo INH oneram brutalmente, em juros, o custo final dos fogos, o que obriga a maior parte dos promitentes compradores a desistirem da sua compra.
Casos há de cooperativas que, após esgotarem as listas de espera, devido a desistências, anunciam em periódicos regionais: «Habitação para vender.»
Mas é surrealista pensar que o Governo, aprovando o «Plano de desenvolvimento da habitação a custos controlados», em 1988, obrigou as cooperativas a prepararem-se com terrenos e meios técnicos, quando o próprio Governo, em 1990, prevendo o financiamento de 12 000 fogos pelo Instituto Nacional de Habitação, apenas financiou 2100 fogos!...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -É um escândalo!
O Orador: - Isto é: «A montanha pariu um rato!» A verdade é que o Instituto Nacional de Habitação financiou no l.8 semestre de 1990 apenas 600 fogos, apesar de o Sr. Ministro Ferreira do Amaral ter garantido à FENACHE, em Outubro, o financiamento de 7000 fogos! Acresce que, em 28 de Dezembro de 1990, o Governo autorizou o Instituto Nacional de Habitação a contrapor o financiamento de mais cerca de 1500 fogos, após empréstimo da AID (americana). Isto quer dizer que para estes 1500 fogos os financiamentos só tiveram efeito a partir de 1991.
Em aparte, cabe perguntar ao Sr. Ministro, mais uma vez: a que juro recebe os empréstimos da AID e a que juro o seu Ministério empresta às cooperativas?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É um «negócio» florescente, Sr. Ministro!
Mas sobre a política seguida por este Governo no sector das cooperativas é paradigmático que o INH, que em 1990 tinha um orçamento de 32 milhões de contos - que só lhe permitiu financiar 600 fogos dos 16000 programados-, possa financiar os 10000 fogos em condições de serem financiados com os 31 milhões de contos programados para 1991, com a mesma finalidade.
É caso para dizer que estará para haver algum milagre ou, então, não passará apenas de foguelório eleitoral.
Vozes do PCP: -É evidente!
O Orador: -É verdade que os foguetes não fazem a festa, pois só produzem barulho, o que não é mau se atendermos ao facto de se avizinhar a campanha eleitoral.
Desgraçadamente, esta política, além de provocar, a curto ou a médio prazos, a falência das cooperativas de habitação, teve como consequência a destruição do ideal cooperativo e da composição social das mesmas, visto as habitações ficarem quase a preço de mercado e os cooperantes serem obrigados a empréstimo individual nas mesmas condições que qualquer cidadão.
A isto chama o Governo «política de habitação social» e a nós cabe-nos perguntar como pensa o Governo cumprir o artigo 65." da Constituição, se pensarmos que a maior parte da população portuguesa não tem capacidade de acesso ao crédito?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Debrucemo-nos sobre o caso daqueles que, sendo a maioria dos que pretendem ter casa para viver, são insolventes em relação às regras de crédito propostas pelo Governo.
Que fazer no caso dos bairros do ex-Fundo Fomento de Habitação, ditos de rendas sociais e que, em 1989, foram aumentadas em mais de 1000 %, ficando, por isso, com rendas cada vez mais próximas das rendas técnicas e que hoje não podem pagar? Que fazer, Sr. Ministro? Recorde--se que são 40 000 famílias, que, de norte a sul do País, estão nesta dramática situação.
Com esta política o Governo obriga a que regressem à proveniência, ou seja, às barracas de onde vieram.
Ironizando, se nos permitem, esta política não é habitacional mas, sim, de barracas-ou, então, a «barraca» de uma política que quer ser habitacional!
É justo realçar que, no que concerne a este problema, o PCP elaborou um projecto de lei que mereceu, por unanimidade, o parecer favorável da Comissão, mas que a maioria teimou em «pôr em hibernação», não lhe dando o direito de ser discutido em Plenário.
Mas o verdadeiro retraio desta política, deste e de outros governos que o antecederam, é a proliferação de barracas como cogumelos. Senão vejamos: só no distrito de Lisboa existem 15 730 barracas, onde se alojam 48 121 pessoas - e estou a referir-me apenas às barracas numeradas não englobando
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casas atarracadas, que existem noutros núcleos, como o Casal Ventoso, Tarujo e outros.
É de lembrar que o Sr. Primeiro-Ministro, em vésperas das eleições de 1987, anunciou ao País que iria acabar com as barracas em Portugal. Que classe de «barracas», Srs. Deputados?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Roque, peço-lhe desculpa por interrompê-lo, mas quero apenas avisá-lo de que já não dispõe de tempo.
Portanto, peco-lhe que termine as suas considerações. Sr. Deputado.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PCP considera que a actual situação da habitação em Portugal é dramática, mas não tem dúvidas em animar que essa situação tem solução. Para isso, adiantamos o seguinte:
Primeiro, que é necessário e urgente um plano nacional de habitação a médio prazo, que defina o número de habitações a implementar, a fim de reduzir ou extinguir o défice habitacional.
Segundo, que é necessária a definição de uma política de solos e sobretudo a aplicação inexorável do n.º 4 do artigo 65.º da Constituição, como forma de se criarem bolsas de terrenos a preços razoáveis, acabando, de uma vez por todas, com a especulação imobiliária.
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Orador: -Terceiro, que é necessária a redução dos impostos sobre a construção de habitação, pois representam 40 % do custo final desta.
Quarto, que deverá ser definida uma política de financiamento que facilite o acesso à habitação e acabe com as desigualdades de acesso à mesma.
Quinto, que é urgente a resolução do problema dos insolventes, através da construção em promoção directa pelo Governo de habitações, com verdadeiras rendas sociais para atingir este objectivo deve o Governo recorrer aos fundos comunitários-e por «verdadeiras rendas sociais» entendem-se aquelas em que a taxa de esforço seja no máximo 20 % do rendimento líquido familiar, deduzidas as despesas de saúde e habitação.
Sexto, que 6 necessário dotar as autarquias de empréstimos a fundo perdido ou sem juros para construção de habitação para arrendamento social.
Sétimo, que é fundamental criar condições objectivas para o relançamento do mercado de arrendamento, incluindo, no âmbito da habitação, a construção promovida pelo sector público.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Tentámos trazer aqui a realidade da política habitacional do Governo, tal como algumas das soluções que nos parecem mais urgentes para o sector, pois a política habitacional do Governo, como sói dizer-se em linguagem popular, «tem mais buracos que o chapou de um pobre».
Aplausos do PCP e do deputado independente Jorge Lemos.
O Sr. Presidente:-Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Maria Oliveira Martins.
O Sr. João Maria Oliveira Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma das chamadas de atenção feitas ao longo desta interpelação diz respeito àquilo a que as foiças de oposição chamam de «inexistência de uma política de habitação do Governo».
A política de habitação do Governo decorre, como é normal, do seu Programa, que foi discutido e aprovado na Assembleia da República. E no seu Programa está uma política consistente e coerente nos objectivos formulados nas princípios que respeita e nos meios de acção que se propõe utilizar. Recordo, para quem tem pouca memória, que aí se encontram bem expressos os seis grandes objectivos da política de habitação do Governo, o primeiro dos quais visa acelerar o realojamento de famílias que vivem em condições precárias.
O Sr. António Guterres (PS): - Mas cada vez há mais!...
O Orador: - Sr. Deputado, são perto de 20 000 fogos de realojamento, financiados pelo actual Governo. E eu pergunto-lhe -e insisto nesta comparação - quantos foram financiados pelo seu partido, quando esteve no Governo?
Aplausos do PSD.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Governo não financia nada, só o PSD!...
O Orador: -Responda, Sr. Deputado António Guterres: quantos fogos financiou o seu partido?
O segundo objectivo era o de aumentar o volume da construção a preços controlados e é aqui que se inscreve o problema da habitação social.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Foi um desastre!
O Orador:-Durante os trabalhos da manha referi que o Partido Socialista, quando foi governo, entregou ao primeiro governo PSD um volume de habitação em construção a preços controlados que atingia 2200 fogos.
O Sr. José Silva Marques (PSD):-Exacto!
O Orador:-O documento foi escrito por um insuspeito militante do Partido Socialista, hoje com funções de relevo na política da habitação!... Actualmente estão em construção 12 000 fogos, o que significa que foram multiplicados por seis.
O terceiro objectivo era o de melhorar os esquemas financeiros para compra de casa própria, em especial dos jovens.
Vozes do PSD:-Muito bem!
O Orador: - E também já aqui foi referido que, com o modelo de financiamento utilizado pelo governo do PS, hoje não haveria contratos para compra de casa própria. Logo - cê necessário insistir nisto -, foi o governo do PSD que criou a Conta Poupança-Habilação, que lhe deu os atractivos que tem e que está a funcionar de uma forma surpreendente.
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Vozes do PS: - Surpreendentemente má!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Qual 6 a natureza do «surpreendente», Sr. Deputado?!
O Orador: - O número de contas que todos os meses vai crescendo. É só este, Sr. Deputado! Eu sei que queria mais, mas 6 só este!
O Sr. Vítor Caio Roque (PS): -Enganaram-se a fazer as contas!
O Orador: - O quarto objectivo da política habitacional do programa de governo do PSD é o de flexibilizar o mercado de arrendamento habitacional.
Neste campo, o governo do PSD colocou em vigor a lei das rendas, contrariamente ao voto dado pelo PS, porque este ajudou a fazer a lei das rendas deixando lá uma clausula a dizer que ela só entraria em vigor se fosse publicado o diploma dos subsídios de renda, mas quando o Governo o apresentou à Assembleia da República os senhores, juntamente com o Partido Comunista, votaram contra, ou seja, não queriam que a lei das rendas entrasse em funcionamento. E bom não esquecer isso!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O arrendamento habitacional tem sido melhorado e as últimas propostas feitas e que VV. EX.ª ato acharam razoáveis, segundo ouvi esta manha, também não mereceram o vosso acordo.
O Sr. António Guterres (PS): -É pequenino!
O Orador: - O quinto objectivo da política do Governo é o de incentivar a recuperação dos imóveis degradados. Pergunto: antes de haver o RECRIA, que resultado estava a dar o mecanismo de financiamento de recuperação de imóveis degradados? Veja-se, repito, o que era a cidade de Lisboa em 1985 e o que é hoje, em termos de edifícios a serem recuperados.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. António Guterres (PS): - E o resto do País?!
O Orador: - A degradação dos edifícios, como o Sr. Deputado deve saber, atingia uma intensidade muito grande na cidade de Lisboa...
O Sr. António Guterres (PS): - O que Lisboa tem é uma boa Câmara Municipal!
O Orador: -.... mesmo em número de edifícios degradados/edifícios existentes.
Quanto ao resto do País há, de facto um problema, que, aliás, o vosso deputado Rosado Correia levantou aqui há pouco, que é o das zonas históricas. Este é um problema muito específico, que tem de ter, de facto, um tratamento especial, fora do esquema da política de habitação, na minha opinião.
O último objectivo da política do Governo é o de aumentar a construção de novos fogos, cujos números vieram já à comparação, pelo que me dispenso de fazer-lhe comentários.
Quanto aos princípios, eles estão no Programa do Governo: descentralização ...
Acabaram as pranchetas que os senhores montaram no Terreiro do Paço...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -.... onde se projectava a habitação para Macedo de Cavaleiros, para Vila Nova de Foz Côa, para Vila Real de Santo António! Acabou-se, Srs. Deputados! E penso que o Governo fez uma boa acção em acabar com essa política centralizadora, que era dos senhores e não nossa!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Segundo princípio: funcionamento do mercado nas áreas em que produz os melhores resultados. Estou a ver que, pela intervenção produzida pelo Sr. Deputado António Guterres, hoje de manhã, o PS aderiu à sadia posição de apoiar o mercado naqueles sectores onde ele produz resultados favoráveis, reconhecendo que, na habitação, a par de certos sectores onde ela não funciona, há também segmentos em que o mercado tem de actuar. • Congratulo-me, pois, com essa posição de hoje do PS!
Vozes do PS: - Desde sempre!
O Orador:-Terceiro princípio: enquadrar a política de solos através de planos directores municipais devidamente elaborados. Quem é que está a fazer um esforço, a dar incentivos, inclusivamente financeiros, para que se façam os planos directores municipais?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Respondam a esta pergunta, Srs. Deputados do PS!
Tenho orientado esta minha intervenção para o PS, sem contudo deixar de esperar de ouvir, do lado do PCP, algumas questões essenciais, mas o que é certo é que isso não sucedeu: ouvi, sim, uma crítica de números.
Por parte do CDS esperava que o seu engenho e a sua arte dessem algumas luzes sobre certos problemas, mas não deram. Deram apenas, o que já é razoável, um bom sermão! Pela minha parte registei-o!
Risos gerais.
Por isso, Srs. Deputados, continuo a olhar para a bancada do CDS!
Quanto ao PS, o que é que este partido propôs até agora? Primeiro, uma ruptura com o seu passado, o que registo. Assim, a política que o PS se propõe para o futuro não tem nada a ver com a do passado! Aqui, como em outras coisas, Srs. Deputados do PS, o PSD não tem de fazer rupturas desse tipo!
O Sr. Vítor Caio Roque (PS): - O PSD não tem política!
O Orador: - O PSD procurará aperfeiçoar e melhorar os resultados que já obteve, mas não tem de fazer rupturas como VV. Ex.ª
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Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O que é que os senhores propõem mais: habitação a custos mais baixos. É a verdade do Sr. De La Palice! Como é que os senhores querem obter custos mais baixos? Terrenos mais baratos? Como? Temos o exemplo da Câmara Municipal de Lisboa que, através de hastas públicas, tem originado o agravamento do preço dos terrenos...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Temos os exemplos de câmaras socialistas que, através de uma política de solos criteriosa, têm proporcionado às cooperativas, como é o caso da de Matosinhos, condições bastante boas para se desenvolver.
Que mais propõe o PS para que a habitação seja barata? Diminuição da inflação, é óbvio! Todos temos de diminuir a inflação não só com mas também com outros objectivos.
Com certeza que concordamos com a diminuição da margem de intermediação da banca para estes créditos e para todos os que, igualmente, existem na economia portuguesa. Portanto, não vejo qualquer especificidade da política do PS para a habitação.
Além disso, o PS propõe que a habitação seja comparticipada pela Comunidade Europeia. Srs. Deputados do PS, a proposta para que a habitação fosse financiada pelas instâncias comunitárias foi feita pelo PSD na Comissão de Assuntos Europeus - e o Sr. Deputado António Guterres pode perguntar aos seus camaradas que pertencem a essa comissão quem fez essa proposta - e também pelo Governo Português em Bruxelas. Obviamente que isso é mais uma intenção, uma direcção, que nenhum dos partidos políticos portugueses poderá objectar, mas terá as suas dificuldades, como sabe.
O Sr. António Guterres (PS): - É uma prioridade!
O Orador: - Além disso o PS propõe também subsídios de renda mais generalizados, para não serem só aqueles que existem quando as casas são actualizadas com rendas extraordinárias, mas também aqueles que possam justificar-se face ao novo regime do arrendamento habitacional.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações já aqui referiu o perigo da subsidiação de certas actividades em Portugal.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe-me interrompêlo, mas gostaria de dizer-lhe que esgotou o tempo global do PSD, pelo que agradecia que concluísse o mais brevemente possível as suas considerações.
O Orador:-Terminarei, Sr. Presidente.
Relativamente ao problema dos subsídios a questão que se coloca, como aqui já foi referido, é a de saber de onde vem o dinheiro para esses subsídios. O PS disse, hoje de manhã, que não quer que seja o Estado a resolver totalmente o problema da habitação - aliás, registamos com muito agrado a evolução do PS para a linha constante do programa do actual Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Assim, face à precariedade das propostas apresentadas, pergunto ao PS qual o objectivo desta interpelação ao Governo. Será que o PS está um pouco à deriva na política de habitação? Julgo que não e a minha resposta é simples: o PS, normalmente, quando se move, fá-lo em ziguezagues, não anda numa deriva certa, portanto não deve estar à deriva nesta matéria ...
Será que o PS está em tempo de reflexão? Será que aproveitou este momento para, aqui nesta Câmara, ouvir as críticas à sua política para depois poder aproveitá-las?... Esta é uma interpretação!
Mas permitam-me, Srs. Deputados do PS, que formule a minha interpretação: não será que, perante o gravíssimo problema de inoperacionalidade da Câmara Municipal de Lisboa, os senhores estão aqui a querer desviar a atenção e a querer marcar uma posição, dizendo que faltarão, porventura, ao vosso líder, certas condições para que a habitação na Câmara Municipal de Lisboa ande melhor?
O Sr. António Guterres (PS): - Ela está óptima!
O Orador: - Srs. Deputados do PS, há um grande debate a fazer sobre esta matéria e grandes melhorias a obter no futuro - aliás, o PSD não tem quaisquer dúvidas a esse respeito.
Porém, teremos de saber quem é que tem capacidade para realizar essas melhorias e quem tem orientação política para fazê-lo.
O Sr. Vítor Caio Roque (PS): - Os senhores não têm!
O Orador: - VV. Ex.ª anunciaram um grande debate da «nova esquerda» onde o PS vai ter um lugar especial. Então, o que dirá a «nova esquerda» sobre a política da habitação? Srs. Deputados do PS, estou aqui para ver mas, entretanto, o Governo está para agir e o PSD para apoiá-lo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Maria Oliveira Martins, a Mesa não voltou a interrompê-lo porque foi informada de que foram transferidos cinco minutos do tempo do Governo para o do Grupo Parlamentar do PSD.
Entretanto, o Sr. Deputado Armando Vara inscreveu-se para defesa da honra e consideração da sua bancada e o Sr. Deputado Nogueira de Brito para pedir esclarecimentos.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Deputado João Maria Oliveira Martins, devo confessar que ao longo dos últimos tempos, nomeadamente enquanto o senhor exerceu outras funções, como sejam as de ministro, habituei-me a vê-lo e a ouvi-lo e a participar consigo em alguns debates na Comissão de Equipamento Social e também aqui em Plenário, e confesso que...
O Sr. Filipe Abreu (PSD): -A aprender!...
O Orador: - Sim, a aprender alguma coisa, naturalmente, com a sua experiência como ministro e como técnico do sector.
Mas dizia eu que me habituei a vê-lo como uma pessoa séria...
Protestos do PSD.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sério, é!
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O Orador: - Srs. Deputados, deixem-me continuar, porque eu não quero dizer, de maneira nenhuma, que o Sr. Deputado deixou de ser uma pessoa séria!...
Vozes do PSD: -Ah!...
O Orador: - Habituei-me a vê-lo a pôr rigor nas coisas que fazia, a defender as causas com paixão e, embora por vezes me sentisse em oposição a V. Ex.ª nunca fiz a desfeita de considerar que o senhor não fosse honesto.
Portanto, foi com algum espanto que ouvi o Sr. Deputado fazer um conjunto de acusações, de desafios ao PS, que não fazem sentido...
Vozes do PSD: - Fazem, fazem!
O Orador: -.... razão pela qual solicitei a palavra para defesa da consideração da bancada e não para formular um simples pedido de esclarecimento.
Em primeiro lugar, quem é que pode falar em descentralização? Quem mais do que o PSD e este Governo, a propósito de o Sr. Deputado ter falado na necessidade de descentralizar, centralizou neste país?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado falou ainda na questão dos terrenos para construção e na especulação que tem sido feita à sua volta.
Devo dizer-lhe que ainda há relativamente pouco tempo a Câmara Municipal de Lisboa fez com a Federação das Cooperativas de Habitação um contrato de cedência de terrenos de graça, porque se tratava de construir fogos para habitação social. Ê fê-lo com uma única contrapartida: a de que 10 % desses fogos fossem destinados a programas de realojamento.
Terminarei respondendo a um desafio que o Sr. Deputado aqui colocou: o senhor referiu que este Governo construiu 20000 fogos para habitação social e perguntou quem construiu mais. Ora, Sr. Deputado, em 1983, foram construídos 8613 fogos, que representaram 20 % do total construído; em 1984, foram construídos 97S1, que representaram 23 % do total construído; e, finalmente, em 1985, foram construídos 5730, que representaram 15 % do total de fogos construídos.
Vozes do PSD: - Isso são dados do INE!
O Orador: - Assim sendo, Sr. Deputado, quanto ao aumento de fogos a única coisa que aumentou no tempo deste Governo foram os fogos florestais...
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Isso não é exacto! Risos do PS.
O Orador: - Basta ver, Sr. Deputado, o que se passa em relação à lei quadro da criação das regiões administrativas.
Vozes do PSD: -Lá está a cassette!...
O Orador: - Talvez se as regiões administrativas tivessem sido criadas muitos dos problemas com que nos debatemos hoje no campo da habitação social, bem como em outras áreas, pudessem estar resolvidos. Não defendemos que seja o governo central a, só por si, resolver este problema, pois pensamos que para resolvê-lo nada melhor do que quem está mais perto dos cidadãos e quem melhor conhece os seus problemas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado falou ainda na ruptura com o passado por parte do PS. Quem é que aqui tem protagonizado todas as rupturas com o passado? Quem 6 que renega as suas passagens pelos governos, nomeadamente da AD e do bloco central? Quem renega, inclusive, aquilo que consta, ainda hoje, do programa de governo do PSD?
Protestos do PSD.
Bem, quanto a este assunto ainda bem que o fazem, Srs. Deputados do PSD, porque no vosso programa de Governo encontramos resquícios de ideologia marxista que já não se encontram há muitos anos no programa de governo do PS.
Vozes do PSD: - Muito bem! Protestos do PS.
O Orador: -Nós fomos capazes de renová-lo a tempo! Vozes do PS: - Muito bem!
No que se refere a debates, que focou no final da sua intervenção, direi: «Antes debates da 'nova esquerda* do que debates da 'velha direita'!»
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Maria Oliveira Martins.
O Sr. João Maria Oliveira Martins (PSD): - Sr. Deputado Armando Vara, V. Ex.ª estranha ver-me falar desta maneira, mas gostaria de salientar-lhe que só há relativamente pouco tempo é que estou a colaborar o melhor que posso e sei nesta Casa, pelo que se já tenho esse hábito, aprendi-o com alguém.
Nesta Casa, as discussões têm determinado calor, por vezes, um certo «azedumezinho», alguma ironia e utilizam--se argumentos por conveniência. Todos sabemos isso de ciência certa, mas os parlamentos são assim e eu cumprirei o melhor que posso e sei a função parlamentar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à questão da ruptura com o passado, devo dizer que o Sr. Deputado Armando Vara deu-lhe uma interpretação que, por certo, só pode resultar de não ter assistido à intervenção que o seu camarada António Guterres produziu, aqui esta manhã, durante a qual se referiu à ruptura com o passado. Eu registei este aspecto, uma vez que ele vincou que a política de habitação que o Partido Socialista pretende para o futuro não tem nada a ver com a política que teve no passado. Daí a minha pergunta: anda à deriva? Vai aos ziguezagues?...
De facto, o que disse aqui foi muito pouco. O limão espremido deu muito pouco!
Por último, em relação aos terrenos para habitação, devo dizer que, efectivamente, as câmaras municipais têm dado alguns terrenos no sentido de proporcionar a construção de habitação. Sei também que a Câmara Municipal de
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Lisboa fez um acordo com algumas cooperativas sobre uma certa extensão de terrenos, mas aconselho-o, Sr. Deputado, a ver esses terrenos, a saber de onde vieram e para onde vão. E, neste momento, não lhe respondo mais nada.
Aplausos do PSD.
O Sr. António Guterres (PS): - Penso que eles estão parados no mesmo sítio!
Risos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, em tempo cedido pelo Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado João Maria Oliveira Martins, V. Ex.ª sabe que é sempre com grande prazer que o ouço, embora hoje tenha estranhado um pouco o seu laicismo, a sua animosidade contra os sermões e, por outro lado, o fundamentalismo político que o Sr. Deputado nos trouxe e que eu não esperava de si.
Risos do PS.
De facto, esperava que utilizasse um discurso mais aberto, mais voltado para a enunciação dos problemas, para o apontar de soluções, mas V. Ex.1 veio aqui dizer o seguinte: «Vocês construíram 1000, nós construímos 2000; vocês construíram 4000, nós duplicámos.» Ó Sr. Deputado João Maria Oliveira Martins, e que é isso? Ponha a mão na consciência! O que é isso, Sr. Deputado? Isso não é nada e o senhor sabe bem que não é nada! Se V. Ex.ª duplicaram, dou-lhe os meus parabéns, mas, efectivamente, isso é uma gota de água no oceano e V. Ex.ª sabe bem que 6 assim, pois esse problema 6 uma chaga viva no País e, para contentamento do Sr. Deputado José Silva Marques, digo mais: é até uma chaga velha que já teve melhor solução do que a de hoje.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Não volte ao sermão, Sr. Deputado!
O Orador:-E o Sr. Deputado João Maria Oliveira Martins sabe isso muito bem, pois grande parte das iniciativas e dos empreendimentos que hoje não são possíveis tiveram lugar no passado, talvez porque o Governo, navegando um bocado nesta água legislativa, que é a política da habitação, entendeu que a cura para todos os males estava nas leis. V. Ex.1, navegando também nessas águas, como o actual Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que aqui na Câmara se referiu ao monopólio do crédito, disse: «política de solos [...]» e eu fiquei numa grande expectativa.... o que é que se terá feito? Ah! foram os planos directores municipais? Ó Sr. Deputado, falta-lhes precisamente a política de solos!
Risos do PS.
Aí é que está o problema!... os planos directores municipais - como, há algum tempo atrás, dizia uma Sr.1 Deputada do Partido Socialista - sem política de solos arriscam-se a ser meras pinturas de parede, não resolvem nada.
Era sobre esta questão que gostaria de ouvir o Sr. Deputado João Maria Oliveira Martins, que, sendo uma pessoa esclarecida e sabedora, poderá, certamente, fazer um comentário útil.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Maria Oliveira Martins.
O Sr. João Maria Oliveira Martins (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, de facto, não tenho grandes comentaras a fazer ao que V. Ex.1 acabou de dizer, mas gostaria muito de alimentar aqui uma discussão sobre o que nós fizemos e o que o CDS fez...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O CDS não pôde fazer!
O Orador: -..., mas não é possível. No entanto, acredite que tenho pena! O Sr. Deputado já me conhece há muitos anos e sabe certamente que tenho pena de não poder ter essa discussão, pois a única discussão possível sobre as realidades práticas da vida portuguesa, nesta matéria, é a discussão entre o PS e o PSD.
O Sr. António Guterres (PS): -Então e o João Porto?!
O Sr. José Silva Marques (PSD): - O João Porto não teve tempo para receber a inspiração celestial!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. José Silva Marques (PSD):-Espero que não nos venha dizer que não quer a recuperação do parque habitacional em Lisboa e só a quer em Bragança!
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estava previsto o meu camarada Eduardo Pereira produzir uma intervenção nesta Câmara, mas, por motivos de força maior, teve de ausentar-se e não a poderá fazer. Todavia, parece-nos que a sua contribuição para este debate é importante e não quisemos deixar de a dar a conhecer, razão por que vou proceder à leitura da referida intervenção.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Isso cheira-me a esturro, houve aí dissidência!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: De acordo com o comunicado emitido, o Conselho de Ministros, de 21 de Março último, aprovou algumas regras no sentido de «uma melhoria substancial, efectiva e progressiva» do sector da habitação.
Decorrido quase um mês essas regras ainda não foram publicadas, mas pelos elementos que se conhecem é possível tirar as seguintes conclusões: melhoram pouco a actual situação e destinam-se apenas a uma área do sector habitacional.
Estas regras do crédito à aquisição de casa própria poderão satisfazer a banca comercial mas não satisfazem nem os construtores, nem os visados beneficiários, como claramente o expressaram as associações que os representam. Sabe-se que não se toca nos escalões de rendimento, nem se bonificam todos os juros.
Não é provável que a actual tendência para uma descida do número de contratos realizados e do valor global do crédito concedido -42 SOO fogos abrangidos em 1988 contra 31000 em 1990; cerca de 140 milhões de contos concedidos em 1988 contra cerca de 125 milhões em 1990 - se inverta.
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A medida constitui mais uma revisão das regras de bonificação do crédito à compra de casa própria, que periodicamente são ajustadas, e não tem maior fôlego.
Apetece perguntar: para quando a apresentação pelo Governo, nesta Assembleia da República, de um pacote de legislação que permita a recuperação, essa sim «substancial, efectiva e progressiva», das enormes carências habitacionais existentes?
Continuará o Governo, apesar dos sucessivos fracassos neste sector, convencido de que pelo facto de haver uma enorme necessidade de fogos a procura e a oferta se vão ajustar por simples magia? Será que o Governo, que consegue mobilizar verbas da CEE para tudo o que são obras públicas, não entendeu ainda o significado de não haver ajudas para a recuperação do enorme défice habitacional?
Mas se a crise habitacional se agudiza e o Governo não dá mostras de querer meter ombros a essa tarefa, não devia a Assembleia da República legislar de forma a recuperar a situação?
Agrupemos as principais questões que se colocam sobre esta problemática em cinco famílias: as questões políticas envolvendo a participação das administrações central e autárquica, das cooperativas e da iniciativa privada na satisfação das ofertas previstas no Plano e na aquisição de solos.
As famílias portuguesas têm diferentes recursos, que vão da total insolvência à solvência, passando por situações de baixa ou de média solvência.
Em nossa opinião, só as administrações central e local poderão garantir a oferta de fogos em regime de renda simples ou resolúvel e só as cooperativas reúnem condições para gerir os regimes de posse condicionada.
Com efeito, 25 % a 30 % das famílias necessitam de apoio integral, incluindo ajudas à renda, nos casos de novo arrendamento, não se podendo confiar em quaisquer mecanismos de mercado, pelo que o descomprometimento financeiro gradual do Orçamento do Estado é preocupante.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Preocupante é ainda que o suporte do Orçamento às cooperativas não aumente em vez de diminuir. A aquisição de solos devia competir essencialmente à administração local, que a devia fazer previamente a qualquer intervenção urbana com base em planos desenvolvidos a partir das expansões determinadas pelos planos directores municipais.
Estes terrenos seriam disponibilizados a todos os promotores, evitando-se que a especulação progredisse.
As questões do crédito, da poupança e da fiscalidade ligam-se à diminuição do défice do sector público administrativo.
Em 1988, ano que utilizaremos como referência porque é o último ano em que temos dados para as várias análises, o défice do sector público administrativo expresso em percentagem do PIB era de 7,5 %, continuando a ser um dos mais elevados da Europa.
Este défice cresceu entre 1974 e 1984, tendo atingido neste último ano o valor de 13,5 %, teve recuperações relativas entre 1977,1979 e 1981 e desceu a partir de 1984, acabando por se estabilizar no valor referido.
Em 1988, o crédito bancário interno constituiu a principal fonte de financiamento do sector público administrativo, representando 70 % do total dos recursos utilizados por este sector. Libertando o crédito bancário interno do
financiamento do sector público administrativo, poder-se-ia considerar um aumento substancial do volume de crédito habitacional e aumentar o nível das bonificações.
A poupança habitacional não é privilegiada na medida em que o sector o exige. Praticamente não existe recurso a capitais imobilizáveis a longo prazo nem à emissão de títulos a prazos compatíveis com as imobilizações de recursos pelo sector.
O Governo teima em não querer encarar a redução ou a isenção de parte do valor de cauções, garantias, licenças, contribuições, impostos, encargos, taxas, cujo montante global oscila entre 40 % a 50 % do valor final do fogo, agravando muito os seus custos.
As questões colocadas pela necessidade de um programa de emergência e pela racionalização e baixa dos custos da construção, sem o que o plano pode fracassar no arranque ou no desenvolvimento, não esquecendo as questões da especialização da mão-de-obra, dos custos dos materiais, da racionalização dos componentes, da planificação das obras e da segurança no trabalho.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - As questões colocadas pela existência dos fogos degradados de bairros inteiros ou isolados, que, constituindo cancros sociais, necessitam de ser tratadas de forma distinta e com meios especialmente consignados para o efeito.
As questões de descentralização e de combate à burocracia, de forma a reduzir tempos e custos, racionalizar as acções, apertar a malha do controlo, garantir que as respostas sejam dadas onde as carências mais se façam sentir.
A forma como solucionarmos as grandes questões avançadas condicionará o modelo da política nacional de habitação.
O Governo já perdeu tempo de mais com medidas avulsas, sem qualquer coerência económica, política ou social, esperando a todo o momento por uma solução de Bruxelas ou pelo funcionamento dos mecanismos de mercado, lutando, enfim, contra a evidência.
Sem um maior comprometimento das administrações central e local, sem a completa disponibilidade do movimento cooperativo, sem uma árdua luta contra a especulação fundiária, sem a redução do défice do sector público administrativo, sem o aumento da poupança, sem uma justa política de isenções fiscais, sem descentralizar, sem reduzir a burocracia dos serviços, sem inovar na construção, sem vontade política e sem sentido do social a crise aumenta.
O PS tem hoje respostas para a recuperação das enormes carências habitacionais. Por que não começamos já? Por que temos de esperar pelas próximas eleições?
Aplausos do PS.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: -Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, a propósito da substituição do Sr. Deputado Eduardo Pereira pelo Sr. Deputado Armando Vara, eu proferi um comentário que desejo retirar, visto que o Sr. Deputado Eduardo Pereira foi substituído em consequência de a sua esposa se encontrar doente. É inequívoco, pelo que desejo, aliás
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também a este propósito, publicitar o facto e aproveitar a oportunidade pata lhe dirigir, com toda a sinceridade, a minha solidariedade.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não deu conta do seu comentário, mas regista agora as suas afirmações.
Como não há mais inscrições, dou por encerrado o debate sobre a interpelação ao Governo n.º 19/V, da iniciativa do PS, e vamos agora passar às intervenções finais.
Tem, pois, a palavra a Sr/Deputada Leonor Coutinho.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As intervenções que hoje aqui foram proferidas, no âmbito da interpelação que o Partido Socialista está a fazer ao Governo, reflectem a triste realidade da habitação em Portugal, completamente desajustada às necessidades da população e apresentando, especialmente nas zonas mais urbanizadas, características verdadeiramente terceiro-mundistas.
Para mais de um terço das famílias portuguesas, obrigadas a emigrar para quartos ou barracas, ou amontoadas em casas antigas arruinadas, e ainda para milhares de jovens que querem constituir família, continua a não existir esperança.
Pode perguntar-se para que servem os alegados cinco anos de crescimento e reduzido desemprego. As casas oferecidas no mercado, mesmo as de custos controlados, estão cada vez mais inacessíveis, se compararmos os valores das entradas e prestações devidas com os rendimentos das famílias.
Para estas famílias a taxa de esforço exigida 6 inadmissível.
O seu número e a falta de luz no fundo dos quartos onde vivem constituem hoje, num país da CEE, uma ameaça à coesão social, senão mesmo à qualidade e à segurança da vida urbana.
A opção liberal do Governo tem-no levado de facto a desobrigar-se, cada vez mais, de garantir condições mínimas de solvência às famílias que não podem ainda ganhar para terem uma casa decente como as outras.
Mas não vamos aqui interpelar o Governo pelo número irrisório de fogos de habitação social produzidos ou pela crise financeira do INH (Instituto Nacional de Habitação) e do IGAPHE (Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado), que é pública, como é conhecido o alívio com que estas instituições recebem a notícia de qualquer atraso nas obras que financiam. Porque cada vez nos parece mais irrelevante este tipo de intervenção estatal na produção de «bairros de renda social».
O que queremos é interpelar o Governo por, além de se ter desobrigado, não ter inovado nada em cinco anos, nem na captação de poupanças, nem nos incentivos à oferta de terrenos, nem na generalização de um complemento de solvência que permita às famílias de fracos recursos não serem excluídas das cooperativas e poderem escolher entre renda condicionada e casa própria, em vez de esperarem anos que lhes saia a lotaria dos bairros para realojamento.
O que queremos é interpelar o Governo pela timidez das pequenas inovações fiscais que não alteram o fraco atractivo do arrendamento, como é o caso do leasing ou das SGII.
O que queremos é interpelar o Governo pela incapacidade demonstrada de mexer no regime dos solos que toma praticamente impossível aos municípios renovar os stocks de terrenos e intervir na oferta a preços acessíveis em que dezenas de milhar de famílias estão interessadas - como o demonstra a vitalidade da construção clandestina popular.
O que queremos é interpelar o Governo pela incapacidade que demonstrou em integrar o financiamento da habitação social por poupança, consignada nos acordos da concertação social.
Onde deixou este Governo o seu programa de desenvolvimento da habitação a custos controlados de há três anos?
Onde deixou o seu programa de governo que prometia «assumir o custo social de realojamento das famílias mais carenciadas»?
Será que este governo PSD não tinha meios para desenvolver em cinco anos mais habitação social do que a que os governos presididos por Sá Carneiro promoveram em apenas dois anos?
Com base em que critério é possível dedicar ao Centro Cultural de Belém 10 vezes mais verbas do que as contempladas no Orçamento do Estado de 1991 para o realojamento?
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora:-Não é possível, neste último ano de mandato, vir dizer que não houve tempo, ou dinheiro, ou que se vai nos últimos meses corrigir a actuação de cinco anos.
O Governo tem de explicar, nestes últimos seis meses de mandato, porque sacrificou o sector da habitação e não permitiu que a nossa entrada na CEE se viesse traduzir numa melhoria efectiva das condições de vida dos portugueses mais carenciados.
Ao contrário do Governo, defendemos que a política de habitação social é uma obrigação inadiável que justifica a solidariedade nacional como parte integrante da coesão social e deveria figurar nos acordos de concertação sobre política macro-económica.
Cerca de 30 % das famílias portuguesas não tem acesso à habitação nas condições de mercado nem para aquisição nem para arrendamento.
Apenas 9 % dos fogos construídos nos últimos anos são de habitação a custos controlados e só 2 % para arrendamento a preços sociais.
O PS no governo considera necessário apoiar a promoção de fogos de habitação social que correspondam a 25 % da construção total. E cerca de SÓ % destes fogos deverão ser destinados ao arrendamento como já o foram em anos anteriores.
O PS no governo pretenderá utilizar todos os fundos europeus disponíveis neste domínio e, em particular, elaborar programas para melhoria das condições de alojamento dos trabalhadores emigrantes, tanto pela construção de novos alojamentos como pela renovação dos antigos, de acordo com as normas em vigor na CEE nesta matéria e que o Governo ainda nunca utilizou.
O PS no governo apoiará, por intermédio de órgãos regionais, a promoção de uma política social de habitação coordenada a nível municipal.
Essa política integrará a acção de diferentes promotores, públicos, cooperativos ou privados, e deverá responder às necessidades de fogos a custos controlados, tanto para venda como para arrendamento, assim como os programas
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de reabilitação e conservação do património habitacional existente.
Será incentivada a promoção cooperativa, tanto no domínio da produção de fogos para venda como para arrendamento, por forma a alargar este tipo de organização a diferentes estratos da população dando resposta a necessidades diferenciadas.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Quem
A Oradora: - Para melhorar a resposta em relação às camadas jovens com menores recursos serão particularmente apoiados projectos cooperativos integrando uma forte percentagem de fogos de arrendamento para jovens.
Para viabilizar este amplo e diversificado programa de habitação a custos controlados será necessário reforçar as correspondentes verbas do Orçamento do Estado por forma a garantir os necessários subsídios para bonificação do crédito e suportar as contribuições a fundo perdido necessárias em alguns casos para viabilizar os programas.
Num primeiro ano seria necessário afectar a este programa de habitação social o triplo das verbas que a ele dedica o actual Governo, o que corresponde, aliás, a um reforço de 11 milhões de contos de acordo com o que o PS propôs no âmbito da discussão do Orçamento do Estado para 1991.
O Sr. António G u ter rés (PS): -Muito bem!
A Oradora: - Ao contrário do Governo, não defendemos que se limite a política de apoio do Estado à produção de alguns milhares de fogos de alojamentos sociais.
Defendemos, sim, o alargamento, a dezenas de milhares de famílias, de complementos de renda inversamente proporcionais aos seus rendimentos e tendo em conta plafonds de custo controlados que permitam a expansão da oferta privada e cooperativa por arrendamento.
Defendemos um sistema de complemento de renda, semelhante ao que é aplicado em França, que permita a garantia, para os promotores, de uma laxa razoável de rendibilidade do investimento realizado.
Defendemos um sistema europeu que compatibilize a produção de habitação segundo as regras de mercado com os rendimentos, ainda demasiado fracos, de muitas famílias. Pretendemos apostar no futuro e no crescimento dos recursos dos Portugueses.
Pretendemos liberalizar a produção de acordo com parâmetros realistas e assegurar a necessária solidariedade e coesão social no seio da sociedade portuguesa.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Ao contrário deste Governo, defendemos que tem de haver um compromisso sério de intervenção traduzido num programa global, regionalizado e garantido pelos orçamentos do Estado, que assegure uma estabilidade no mercado da construção e permita atingir progressivamente as metas de produção necessárias, não só para satisfazer as necessidades que anualmente são geradas petos novos casais como para satisfazer as carências que se vêm acumulando há demasiados anos.
Será necessário criar as condições para produzir legalmente cerca de 70 000 fogos por ano.
É necessário apoiar a modernização da indústria portuguesa de construção, proporcionar o pleno aproveitamento dos apoios europeus, garantir condições de especialização e concorrência no âmbito do Mercado Único, em especial no que respeita ao custo do crédito e à maior rapidez e eficiência da burocracia.
Só assim será possível melhorar a rendibilidade da indústria e baixar os custos de produção.
É necessário clarificar regras e procedimentos e não permitir o «jogo do empurra» entre instituições, que tem servido de desculpa para o desengajamento financeiro do Governo.
Não é possível admitir a incapacidade do INH para financiar os programas que aprova, a lotaria das decisões do IGAPHE, as dificuldades de crédito das câmaras ou a ineficácia administrativa de alguns municípios. Porque os portugueses sem casa, esses não podem ser os culpados e são com certeza as vítimas.
Aliás, Sr. Ministro e Srs. Deputados, as dificuldades financeiras dos municípios não podem levar ao atraso das realizações porque o alojamento dos mais necessitados e seus custos não constituem competência transferida para as autarquias.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Ao contrário do Governo, defendemos que um factor decisivo para a urgente expansão da oferta de casas a custos controlados é a disponibilização de terrenos infra-estruturados e bem situados, e que este objectivo não se obtém contando apenas com o instituto da expropriação, aliás, hoje justamente proibitiva. A política de baixar o factor custo do solo é uma política que transcende os interesses municipais e os planos directores municipais, agora tornados obrigatórios, podem conduzir, pelo menos a curto prazo, a uma alta dos preços dos terrenos, pelo que propusemos, em Julho de 1989, no âmbito da Lei de Bases sobre o Regime Urbanístico do Solo e Planeamento Municipal, mecanismos que, por via fiscal ou administrativa, forcem a oferta dos terrenos urbanizados para contrabalançar a tendência altista e permitir que os planos se implementem.
De imediato, propomos uma dotação a fundo perdido e complemento de crédito para que os municípios possam adquirir e urbanizar terrenos para as expansões imediatas de habitação.
Ao contrário do Governo, consideramos prioritária a conservação e reabilitação do parque habitacional existente.
Estimam-se em 400 000 os fogos que, a nível nacional, carecem de recuperação urgente e, no entanto, em Portugal, as obras de beneficiação e reabilitação correspondem apenas a 8 % dos gastos totais de construção, quando em países como a Franca e a Itália se elevam a 35 % ou 40 %.
Aqui também o Partido Socialista entende que é possível e necessário tomar medidas que viabilizem o reforço de uma política realista de reabilitação.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Será necessário adaptar às necessidades o programa RECRIA, alargando o seu âmbito e alterando as condições de financiamento por forma a torná-lo mais atractivo.
Será necessário exigir o efectivo cumprimento das obrigações dos proprietários em matéria de conservação,
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sempre que existam condições económicas de rendibilidade do imóvel a que se dirijam.
Será necessário rever as regras de administração dos condomínios e alterar mental idades, incentivando a valorização do património construído existente sempre que este tenha qualidade a preservar ou satisfaça as necessidades habitacionais para que foi construído.
No que respeita ao crédito à compra de casa própria, é indispensável incentivar a poupança prévia, através de estímulos fiscais, de bonificações de juros e, eventualmente, de privilégios no acesso à habitação a custos controlados.
São igualmente necessárias medidas que tomem mais acessível e menos oneroso o crédito, como acreditamos que venha a acontecer no âmbito da nossa integração na CEE.
O PS sabe que o problema da habitação não será resolvido em dois ou três anos mas considera que urge reorientar a política prosseguida neste domínio e prosseguir os objectivos necessários à satisfação das necessidades de habitação do povo português.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
A Oradora:-Estimular o mercado livre, dando-lhe condições de transparência e aperfeiçoando os mecanismos fiscais e financeiros que o sustentam.
Afirmar inequívoca prioridade à habitação social, quer ao nível do aumento da oferta quer ao nível da procura, pelo alargamento da aplicação de um complemento de renda.
Aumentar a oferta legal de habitação.
Iniciar uma política intensiva de conservação e reabilitação do parque habitacional antigo.
Diminuir significativamente os bairros degradados e de barracas.
Garantir progressivamente a todos os portugueses o acesso a uma casa adequada as suas necessidades, mediante uma taxa de esforço razoável, nem que seja por renda.
Dedicar à melhoria do sector da habitação cerca de metade das verbas que correspondem à carga fiscal que o Estado arrecada neste sector.
Para além de enunciar os eixos principais do programa que pretende prosseguir no Governo, no domínio da habitação, o PS apresenta hoje na Assembleia da República cinco diplomas que visam defender os cidadãos que transaccionam uma habitação, disciplinar as condutas dos vários intervenientes no processo e contribuir para uma melhor qualidade da construção.
Trata-se de medidas que urge serem tomadas por qualquer governo, porque, infelizmente, se verificam práticas que, por vezes, lesam fortemente o cidadão comum, deixando-o desprotegido face a situações gravosas e que o atingem num dos seus direitos fundamentais.
Assim, propõe-se: fixar em cinco anos o período de garantia dos imóveis para os adquirentes e alargar o seu âmbito; criar um seguro obrigatório como medida de garantia que permita aos futuros adquirentes de imóveis para habitação o reembolso das quantias despendidas no caso da obra ou venda não se realizar; criar um seguro de responsabilidade civil que permita aos adquirentes a indemnização por danos registados nos imóveis durante os cinco primeiros anos; regular a actividade de mediação imobiliária, estatuindo um regime que salvaguarde os interesses em presença; evitar que o recurso à multa voluntária venha facilitar a falta de realização de obras quando a tal estão intimados.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Ao contrário do Governo, o Partido Socialista considera que é possível, também na habitação, conduzir uma política europeia, que, por um lado, venha normalizar o nosso mercado da construção e, por outro lado, garantir aos cidadãos mais carenciados o direito a uma habitação condigna.
O Partido Socialista propõe-se, quando for governo, prosseguir uma política aberta e inovadora que nos permita sair do terceiro-mundismo em que ainda vivemos neste domínio e incrementar progressivamente a qualidade que proteja os direitos dos cidadãos e garanta para os mais carenciados a solidariedade indispensável e a necessária coesão social.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações:-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje de manhã, na intervenção que tive ocasião de produzir perante esta Câmara, antecipei...
O Sr. José Sócrates (PS): - Espalhou-se!
O Orador: -... quais, a meu ver, iriam ser as conclusões deste debate de interpelação. Não era difícil fazer essa antecipação, porque os números e a situação conduziam certamente às conclusões que então tive ocasião de adiantar.
Passo a repetir tais conclusões.
A primeira delas foi a demonstração de que o problema da habitação é um dos mais complexos da sociedade portuguessa, constituindo também um problema de resolução muito difícil e de persistência, superior àquilo que todos, nesta Câmara, certamente desejaríamos, e um problema que não será resolvido nem amanhã nem a curto prazo.
A segunda constatação, tão verdadeira como a primeira, é a de que nunca nenhum governo, desde a fundação do regime democrático, pôde apresentar um rol tão positivo e resultados tão animadores como este Governo, através dos números que tive ocasião de expor na altura, pode apresentar. É esta, na minha opinião, uma segunda conclusão tão verdadeira como a primeira.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, entendo mal a interpelação do Partido Socialista...
O Sr. José Lello (PS): - Nós fazemos-lhe um boneco! ...
Risos do PS.
O Orador: -.... não propriamente por o assunto não merecer uma interpelação ao Governo em quaisquer circunstâncias. Trata-se efectivamente de um problema sério que aflige a sociedade portuguesa e individualmente milhares e milhares de cidadãos portugueses, mas julgo que o facto de um partido na oposição fazer uma interpelação ao Governo contém em si implícita a noção
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de alternativa, ou seja, a noção de que pode fazer melhor e demonstrará que é capaz de fazer melhor.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Ora, no caso do Partido Socialista, essa constatação é à partida falsa, porque o Partido Socialista já demonstrou - e fê-lo através de factos concretos que aqui foram demonstrados, ainda há pouco tempo - que fez muito pior e provavelmente deixou uma situação para cuja recomposição o Governo teve de utilizar recursos do Estado. Tal constatação e demonstração está feita. Que moral tem o Partido Socialista para se apresentar como alternativa a uma política de habitação do Governo, quando demonstrou, por factos e por actos, que conduziu uma política de habitação desastrosa para o País?
Mas podemos interrogar-nos: terá entretanto o Partido Socialista mudado? Terá hoje em dia, após reflexão relativamente à obra desastrosa que conduziu na política da habitação, reconsiderado, terá caído em si, terá construído, durante este tempo de reflexão na oposição, uma alternativa credível em matéria de habitação? Pode tê-lo feito, embora não o tenha dito, porque não renegou a sua obra de há cinco anos. Mas acredito que isso esteja na consciência dos Srs. Deputados interpelamos e que neste momento apresentem o remorso de uma obra não realizada e se apresentem modificando e emendando a mão, procurando uma política nova e renegando a anterior. Será talvez o ziguezague de que falava o Sr. Deputado João Maria Oliveira Martins ou talvez até o «zaguezigue»...
Risos do PSD e do CDS.
Mas, Srs. Deputados, a verdade é que, se mudou, se fez essa reflexão, se sedimentou essa política, se encontrou novas soluções, se se propõe como nova alternativa, fê-lo então desde Maio do ano passado, ainda não há um ano. Recordo aqui, Srs. Deputados, o que são as bases e princípios para o programa de governo do PS, apresentado no seu IX Congresso e publicado no suplemento da Acção Socialista de Maio de 1990, portanto ainda não há um ano. Nessa altura, o Partido Socialista confessadamente não tinha política de habitação. Provavelmente não reiterava nem repetia nem propunha a repetição da anterior, tão desastrada, mas nessa altura ainda não tinha feito a reflexão.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Leu mal, Sr. Ministro!
O Orador: - É que, das 43 páginas ou, se incluirmos a introdução e o índice, 51 páginas do documento, apenas 19 linhas são dedicadas ao problema que hoje apresentou nesta Câmara como sendo o problema mais grave da sociedade portuguesa.
Aplausos do PSD.
Apenas lhe dedicou 19 linhas, à parle a introdução, que tem uma redacção porventura feita com vista a um curso complementar dos liceus...
O Sr. José Lello (PS): - É para os senhores perceberem!
O Orador: -.... e o final, que constitui tão-só um encerramento de boas intenções. Diz-se na introdução que são precisas casas e no encerramento que continuam a ser precisas casas.
O que é verdadeiramente político neste documento são quatro linhas. Parece incrível, mas essas quatro linhas espelham a política do PS para a habitação. Para os Srs. Deputados recordarem, chamando a especial atenção daqueles que não são socialistas, porque os que o são certamente lerão lido a edição em causa da Acção Socialista, passo a ler o que é a política do eventual governo do PS para a habitação, tal como foi apresentada no ano passado e sem tomar muito tempo aos presentes, por se tratar apenas de quatro linhas: «A revisão da lei dos solos, o combate à especulação de terrenos e o apoio às cooperativas de habitação como agentes importantes para a superação da crise.» É esta a política do PS para a habitação!
Risos do PSD e do CDS.
O Sr. José Lello (PS): - Isso está mal? O Sr. Ministro está contra?
O Orador: - Srs. Deputados, se reconhecem hoje esta política na intervenção dos deputados interpelantes, a única coisa que posso dizer é que o PS, no afã de ser oposição, a seis meses das eleições, procurou aqui construir, como se viu, uma política de habitação sedimentada e, no fim de contas, sem fundações, uma política de habitação inventada à última hora, provavelmente por ter a consciência de que nunca terá ocasião de demonstrar que esta seria a política de habitação que executaria.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encerramos assim os trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar no dia 18 do corrente mês, quinta-feira, pelas 15 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Álvaro José Martins Viegas.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Domingos Duarte Lima.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Fernando José Alves Figueiredo. Fernando
José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João José da Silva Maçãs.
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17 DE ABRIL DE 1991 2153
João Maria Ferreira Teixeira.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Oliveira Bastos.
Luís António Martins.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Gomes da Silva
Vítor Pereira Crespo.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Henrique do Carmo Carmine.
João António Gomes Proença.
José Barbosa Mota.
José Luís do Amaral Nunes.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Mário Manuel Cal Brandão.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Domingos Abrantes Ferreira.
Júlio José Antunes.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Natália de Oliveira Correia.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Deputados independentes:
Jorge Manuel Abreu Lemos.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Maria Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Jaime Gomes Mil-Homens.
José Luís Bonifácio Ramos.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques Antunes. Carlos Cardoso Lage.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
Os REDACTORES:
Leonor Ferreira
José Diogo
Ana Marques da Cruz
Isabel Barrai
Cacilda Nordeste.
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