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I Série - Número 69
Sexta-feira, 26 de Abril de 1991
DIÁRIO Da Assembleia Da República
V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
SESSÃO SOLENE COMEMORATIVA DO 25 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Apolónia Maria Teixeira Pereira Daniel
Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
Às 11 horas e 45 minutos, deu entrada na Sala das Sessões o cortejo, em que se integravam o Sr. Presidente da República (Mário Soares), o Sr. Presidente da Assembleia da República (Vítor Crespo), o Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, o Sr. Secretário-Geral da Assembleia da República, os secretários da Mesa, os membros da comitiva do Sr. Presidente da República e os secretários do protocolo do Estado.
No hemiciclo, encontravam-se já, além de ministros, o Ministro da República para os Açores, o Procurador-Geral da República, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo Militar, o Provedor de Justiça, o Alto Comissário contra a Corrupção, os Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas, o Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Presidente da Assembleia Regional da Madeira, conselheiros de Estado, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, juizes do Tribunal Constitucional, o governador civil de Lisboa, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o comandante naval do Continente, o comandante do Comando Operacional da Força Aérea, o governador militar de Lisboa e os comandantes-gerais da Guarda Nacional Republicana e da Policia de Segurança Pública.
Encontravam-se também presentes nas tribunas e galenas os Srs. Marechais António de Spínola e Costa Gomes, membros do Governo, do corpo diplomático e da direcção da Associação 25 de Abril, ex-conselheiros da Revolução, o representante do cardeal-patriarca de Lisboa e demais convidados.
Constituída a Mesa, na qual o Sr. Presidente da República tomou lugar à direita do Sr. Presidente da Assembleia da República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, postada na Sala dos Passos Perdidos, executou o Hino Nacional.
Seguiram-se os discursos dos Srs. Deputados Narana Coissoró, Carlos Lilaia, Jerónimo de Sousa, Edite Estrela e Duarte Lima e dos Srs. Presidente da Assembleia da República e Presidente da República.
Eram 13 horas guando a sessão foi encerrada.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 11 horas e 50 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evansto de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José de Oliveira Bastos.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Mana Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria João Godinho Antunes.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mano de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
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Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Alexandre Vicente.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Miguel de Morais Barreto.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proênça.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mano Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Herminio Paiva Fernandes Maninho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do CDS.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Srs. Membros do Governo, Sr. Provedor de Justiça, Altos Dignatários do Estado, Srs. Deputados, Sr.ªs e Srs. Convidados: No dia 25 de Abril de 1974, que hoje solenemente comemoramos, tratou-se, fundamentalmente, de recusar a legitimidade de um regime que não dava voz e participação ao pluralismo dos projectos e vontades dos cidadãos na decisão do processo político, designadamente no que respeitava ao conceito estratégico nacional secular: a função de Portugal no ultramar e o destino deste ultramar em face das exigências da segunda metade do século XX.
Mas pode ter-se por certo que a nenhuma das forças que moldaram o processo revolucionário, nem sequer a qualquer dos intervenientes que pessoalmente assumiram as responsabilidades e o protagonismo histórico da mudança irreversível efectuada, foi possível antever a alteração acelerada que viria a dar-se na estrutura da Europa e do Mundo, mudança que entrou em rumo vertiginoso nos últimos três anos.
O ideal europeu de 1974 andava distante do largo passo dado mais tarde no Acto Único do Luxemburgo e das mutações decorrentes da imprevista queda do Muro de Berlim, da dissolução em curso do Pacto de Varsóvia, da crise do Império Soviético.
A ninguém podia ter ocorrido o conflito do Golfo, nem o ressurgimento da liderança da Organização das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança, a intervenção directora dos Estados Unidos da América na acção da coligação militar que organizaram.
Nas Jornadas do 25 de Abril, baseadas num grande ideal democrático e na condenação e recusa do regime da
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Constituição de 1933, a ninguém poderia ter ocorrido a questão actual da unidade política europeia em discussão ou a problemática grave de uma defesa armada europeia.
O futuro democrático que se quis é valorativamente o mesmo, mas as circunstâncias, em 1991, são radicalmente diferentes, especialmente naquilo que respeita aos desafios internacionais, que hoje já não coincidem com os que enquadravam a conjuntura portuguesa em 1974.
Será exacto dizer, como tantas vezes se escuta, que o processo internacional em curso, no qual participamos, quer no que respeita à unidade política da Europa quer no que respeita à definição de um braço armado das Comunidades, não loca na soberania, não afecta a área de decisão soberana de Portugal?
Somos frequentemente aconselhados a não mitificar o valor da soberania, mas não conhecemos melhor forma de mostrar que se está a ser vítima dessa mitificação do que tentar fazer valer o conceito de que ela não está em causa, quando é dificilmente concebível que uma questão de unidade política, seja esta o que for, e de braço armado de uma unidade política, seja qual for a definição desse braço armado, possa ter resposta que não afecte o conceito e o conteúdo da soberania tal como é classicamente entendida.
Julgamos que, neste fim de século, é o alargamento da democracia que se anuncia aos europeus do Atlântico aos Urais, mas é também a redefinição da soberania que está em causa para os grandes e pequenos países da pequena Europa.
Por muito que a semântica política possa ser usada abusivamente nesta área, estas questões da unidade política da Europa, da defesa da Europa, da segurança do Atlântico, portanto da NATO, da UEO, da CEE, da CSCE, tocam profundamente no conceito estratégico nacional, na função de Portugal no Mundo, na maneira de ser português, de ser cidadão, de ser europeu.
É por isto que, neste dia, 17.º aniversário do 25 de Abril, parece apropriado lembrar que o povo e os seus representantes, de acordo com o ideal proclamado e implantado em 1974, não podem alhear-se ou ser afastados das decisões e das responsabilidades pelas consequências delas, que afectam o futuro das gerações.
Entendemos, assim, que este é o dia certo, o lugar exacto e a cerimónia apropriada para uma chamada de atenção: o processo que diz respeito à unidade política europeia, à segurança da CEE, à segurança da CSCE, não pode ser conduzido, como até agora, com tão escassa participação da Assembleia da República, com a acção discreta da burocracia e o protagonismo ostensivo do aparelho governativo.
O 25 de Abril não consente que, na definição dos futuros do País, não estejam presentes todos os órgãos de soberania, respaldados pelos cidadãos completamente informados, decididos e concordantes.
Só assim a exigência da democracia participativa, que animou o 25 de Abril, será cumprida. Uma vez mais, a nossa revolução continuará a ser a matriz da revolução democrática global que abrasa o Mundo nesta Primavera de 1991.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do PRD.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr. Provedor de Justiça, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Conselheiros de Estado, Sr.ªs e Srs. Convidados: O jovem que nasceu com o 25 de Abril faz hoje 17 anos, está prestes a atingir a maioridade cívica e a ter a possibilidade de, pela primeira vez, concretizar as suas opções políticas.
Um longo caminho teve de percorrer e todas as crises de crescimento teve de ultrapassar.
Nasceu, cresceu, afirmou a sua personalidade com a democracia.
Foi pensando nesse jovem, foi para esse jovem que um punhado de homens, cidadãos e portugueses anónimos se empenharam em derrubar a longa noite da ditadura.
E esse jovem, são esses milhares de jovens portugueses que quero hoje, em nome do Partido Renovador Democrático, homenagear.
É esse, no fundo, o maior reconhecimento que posso manifestar aos capitães de Abril, aqui representados.
Uma nova geração, um novo futuro. Uma nova geração com ideias diferentes: muito mais que um ideal de democracia e de crescimento, há uma ideia de democracia mais verdadeira, de desenvolvimento partilhado.
Não é mais fácil por isso - pelo contrário. Antes, a ditadura servia de referência para unir forças em torno de um objectivo comum. Hoje, os jovens sentem a indiferença e dependem mais de si próprios, numa sociedade que privilegia o egoísmo consumista em detrimento dos valores da solidariedade humana.
Ontem, do que se tratava era de conquistar a democracia quando a ditadura frontalmente se assumia. Hoje, não se trata de a conquistar, mas, simplesmente, de a exercer. Frequentemente, a situação dos jovens é irónica: têm liberdade, mas, na prática, não a suficiente para exercer e usufruir os direitos económicos, sociais, culturais e políticos que a Constituição lhes reconheceu.
Ontem, o que importava à nossa geração em conquistar as liberdades e os direitos, que o resto se seguiria. Hoje, tudo se seguiu!
O País evoluiu muito: para a generalidade da população a vida melhorou, o crescimento económico é patente e as injustiças sociais são, porventura, menores.
Mas assim é para aqueles que viveram o anterior regime. Para os jovens que não o viveram dizer que houve melhorias não faz muito sentido.
Que sentido faz o insucesso escolar que grassa nas nossas escolas?
Que sentido tem o abandono do ensino de milhares de jovens, ainda antes de completarem a escolaridade obrigatória?
Que sentido têm o trabalho infantil, o abandono e a vadiagem?
Que sentido têm a angústia do acesso à universidade e as dificuldades de obtenção de uma formação profissional que seja credível e que garanta a inserção no mercado de trabalho?
Que sentido tem a impossível posse (para não falar da aquisição) de uma casa que seja o lar de uma nova família?
Que sentido faz um Estado e uma Administração que, em vez de apoiar, só empatam e frustram expectativas?
Finalmente, que sentido faz a frustração que derrota os nossos jovens, eternizando o fado nacional?
Nenhum sentido faz, apesar de muitos deles já se terem escravizado a formas de alienação que lhes enfraquecem o físico e lhes toldam o espírito.
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O pior são as drogas, os cultos alheios às nossas tradições e referências culturais e religiosas e, também, o extremismo social e político.
A muitos dos que não se tomaram reféns dos ghetos a que os conduziram, o sarcasmo e a incredulidade marca-lhes a personalidade e a vontade.
É preciso reflectir sobre tudo isto; é preciso reflectir sobre o nosso papel como políticos e homens de Estado.
O que é preciso? Um modelo próprio de democracia e de desenvolvimento económico e social; um modelo de democracia que permita afirmarmo-nos como um povo unido e culturalmente identificado; um modelo de funcionamento democrático que permita o surgimento e a afirmação de ideias e de projectos novos e de formas institucionais novas de fazer a política que sejam percursoras de um novo sistema político baseado na responsabilidade pessoal dos políticos perante o eleitorado; um modelo de desenvolvimento económico que retome o objectivo de uma economia auto-suficiente e auto-sustentada, sem deixar de ser uma economia aberta e competitiva, e, finalmente, um modelo de desenvolvimento social partilhado e solidário, sem deixar de promover a diferença e a afirmação pessoal.
Estes 17 anos marcam o fim da primeira fase, a da construção dos pilares de uma sociedade democrática e desenvolvida. Mas anunciam, também, uma nova crise de crescimento, talvez a mais importante, porque se trata de dar um enorme salto qualitativo.
Não se trata apenas de usar todas as nossas capacidades, no sentido de dar resposta às necessidades próprias de desenvolvimento do País. Trata-se, também, concomitantemente, de encontrar forças para contribuirmos com a nossa quota-parte na construção do mercado único e na consolidação da Europa comunitária, privilegiando a Europa das regiões e a Europa dos cidadãos.
São desafios já suficientemente grandes e perigosos para nos abalançarmos ferverosamente no reforço da Europa política e numa maior transferência de soberania.
A posição do PRD a este respeito tem sido clara. A integração de Portugal nas Comunidades Europeias não é condição sinc qua non do nosso desenvolvimento. Embora a integração possa dar um impulso importante, ela poderá, também, acentuar problemas estruturais - o aumento da dependência externa e o abandono do escopo da auto-suficiência «mínima» - e criar outros novos, nomeadamente no plano social e do conhecimento científico.
Por outro lado, se é verdade que a inserção no maior espaço económico do mundo com tendência a assumir-se como potência política e militar mundial poderá valorizar e prestigiar Portugal, inclusive nas suas relações bilaterais, não é menos verdade que as vantagens poderão resumir-se apenas a isso, já que assistiremos também ao cerceamento da nossa capacidade de definir e implementar políticas internas e externas autónomas e à redução do papel do Estado Português ao plano interno e, mesmo neste caso, com grandes limitações.
A construção da Europa não pode, pois, ser a única nem a principal opção histórica de Portugal. É preciso, primeiro, reconstruir o mundo português, defender a nossa nacionalidade.
Esta opção é o culminar de um processo histórico de 800 anos, que reservou a Portugal o papel de revelar os mundos ao Mundo e, agora, o de os unir.
Portugal nunca deixará de ser «ocidente», mas são as matrizes e os valores culturais que constituem a base essencial das opções fundamentais de um povo. O mais importante não é a opção ideológica, mas a expressão única que cada povo faz dessa opção: a sua identidade nacional!
Para cumprirmos esses objectivos é preciso um novo fôlego, é preciso que os objectivos e o esforço nacional não sejam comprometidos pela instabilidade política, económica e social, que a irresponsabilidade dos agentes sempre promove.
Orgulhamo-nos do 25 de Abril e dos resultados alcançados, mas não podemos pedir aos jovens que usem as nossas referências. Há que lhes dar uma verdadeira oportunidade. Não serve de nada deixar-lhes o horizonte da Europa se não formos capazes de deixar-lhes Portugal. Sc assim o fizermos, então, sim, eles conseguirão erguer um mundo melhor e, como nós, também sentirão orgulho da revolução dos capitães de Abril.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do PCP.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr. Provedor de Justiça, Srs. Deputados, Sr.ªs e Srs. Convidados: Neste momento de comemoração e regozijo, de palavras certas e homenagens proferidas e feitas tantas vezes, já desponta e se inicia hoje a caminhada para os 18 anos de Abril.
Temos dele esta perspectiva de futuro!
De futuro porque a liberdade que foi e é intrínseca ao acto libertador dos capitães de Abril constitui hoje um alicerce das sociedades modernas.
De futuro porque, comemorando a liberdade, não abdicamos de valorizar, de ambicionar e de perseguir os caminhos de concretização dos seus objectivos de justiça social, de progresso e de desenvolvimento para a nossa pátria, que pretendemos pacífica, soberana e independente.
E, no entanto, não esquecemos que, dobrados que foram estes 17 anos, um terço da população portuguesa já nasceu depois de Abril, que cerca de metade das portuguesas e portugueses tinham menos de 10 anos quando se encerrou e venceu um ciclo negro e repressivo da nossa história.
Para o bem e para o mal, a nossa juventude nasceu e cresceu em democracia, juventude que não discute a liberdade, porque nunca lhe sentiu a falta, mas que anseia pela outra dimensão concreta de Abril, adiada, inacabada e sustida por aqueles que nunca se conformaram e sempre procuraram recuperar as parcelas do domínio e do privilégio perdido.
E nós, porque fomos uma geração inconformista, se apelo podemos hoje fazer à juventude é o de que também o seja, já que viver Abril também é recusar o conformismo.
Aplausos do PCP.
E perseguir os seus objectivos é lutar por uma política que defenda as liberdades, ponha cobro às discriminações e exclusões sociais, que rasgue os caminhos do desenvolvimento económico, potencie as nossas capacidades, os nossos recursos, as transformações económicas realizadas no processo democrático.
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Abril é, necessariamente, trabalhadores exercendo direitos, empresas públicas vitalizadas, agricultura apoiada e modernizada, poder local dignificado e regionalização concretizada.
Retomar os seus caminhos é garantir à juventude uma escola de igualdade, de qualidade e de democracia, dar combate à precariedade do emprego e permitir o acesso a uma habitação condigna.
Foi e é reclamação de Abril o dever de dignificar e assegurar a vivência dos deficientes e dos que se encontram no último quartel da sua vida, de agir para que as mulheres assumam por inteiro, sem discriminações profissionais e sociais, o seu papel na sociedade, que a saúde se transforme num direito inalienável de todos os cidadãos.
Dar dimensão a Abril é contar com os trabalhadores, com a sua participação e intervenção criativa e transformadora, é fortalecer e respeitar a liberdade sindical, o direito à segurança no emprego, às férias, a salários e a horários justos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas Abril, pela sua dimensão solidária, é também não esquecer as margens da vida, é recusar e dar combate às manchas de pobreza, às desigualdades e exclusões e ao individualismo feroz, é recusar e dar combate a que, em nome da sacralização do lucro, se desregulamente e fragilize o estatuto social e o direito laboral.
Absolver as causas, promover as montras e a polarização da riqueza e verter simultaneamente lágrimas sobre as injustiças pode dar votos, mas não é, decerto, um acto de Abril.
Mas Abril ainda foi e é um acto moderno e avançado porque, num tempo em que as distâncias se vencem, os homens se procuram, em que o diálogo e o entendimento são mais que exigências da realidade, ele reforçou a nossa identidade de europeus e portugueses para protagonizar um papel de uma pátria de progresso e justiça, numa Europa de paz e cooperação. Face à construção do mercado único, devemos ser ambiciosos como ambicioso foi Abril no desenvolvimento da criatividade e da cultura portuguesa na perspectiva de sermos nós mesmos numa identidade cultural forte e livremente consentida. Incompletos seriam tais esforços se não nos batêssemos para assegurar a nossa independência nacional e contribuir para a paz no mundo, para que a solidariedade e o entendimento entre os povos rasgue alamedas novas no devir da humanidade.
Neste momento solene de comemoração de Abril, permitam-me, Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República e Srs. Deputados, que releve e sublinhe a nossa manifestação de solidariedade com o povo maubere, jugulado no seu direito à autodeterminação e independência e vítima do genocídio. Constitui condição de Abril e da democracia tudo fazer para que o povo de Timor Leste tenha direito à vida, à liberdade, ao seu chão, e seja senhor do seu próprio destino.
Aplausos gerais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falando do futuro parece que falámos pouco dos capitães de Abril. Mas não. Eles mesmo quando chegaram ao fim das suas funções constitucionais ambicionavam o futuro quando afirmaram que Abril foi historicamente o momento da libertação de energias morais, materiais, políticas e humanas que, estando longe de atingirem a sua maturação, se articulam lentamente num processo dinâmico e por isso mesmo contraditório, que apontam irreversivelmente para a organização de uma sociedade livre, justa e fraterna e para a construção de um país verdadeiramente independente. Da aplicação da justiça tinham eles uma visão tolerante na certeza de que os regimes democráticos se reforçam mais com actos de clemência do que com medidas repressivas.
O prosseguimento e concretização de tais objectivos seria decerto a melhor homenagem que lhes poderíamos fazer hoje, sem esquecer nunca o seu rasgo e o seu risco em 25 de Abril de 1974.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta época fascinante de aproximação do século XXI novas realidades emergiram, tomaram corpo e se impuseram nos dias actuais às forças da democracia. Abril, as suas transformações e realizações não poderiam ficar imutáveis. O desgaste do tempo e a não correspondência do poder político à natureza e dimensão das conquistas podem diluir-lhe as páginas mais exaltantes. As investidas e persistência das forças e instituições derrotadas do velho estado de coisas podem enfraquecer a barreira popular e institucional e ocasionalmente quebrar o ímpeto revolucionário e participativo dos dias vitoriosos. Pode, conjunturalmente, impedir-se que sejam os ideais de Abril e o sonho a comandar a vida e ser a vida comandada pelo mercado e pelo lucro desmedido.
Pode tudo isto acontecer! Mas, apesar dos reveses, das coisas não cumpridas, inacabadas ou mutiladas, nós temos uma profunda confiança que Abril, transportando os seus ideais, os seus valores mais generosos, mais nobres e humanistas, que fizeram ousar os jovens capitães, há-de ser projectado para o futuro que aí vem. Não como relíquia, mas como aspiração viva e permanente, ancorado que está no coração e na alma do povo português, dos trabalhadores e dos democratas.
Nós, comunistas, não regatearemos esforços para que viva Abril, para que Portugal seja melhor.
Aplausos do PCP, do PS, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr. Procurador-Geral da República, Sr. Provedor de Justiça, Srs. Conselheiros de Estado, Ex.ªs Autoridades, Sr.ªs e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, quero prestar uma homenagem sincera ao Sr. Presidente da República, que, há pouco mais de um mês, nos termos constitucionais, nesta Câmara e perante todos nós, foi de novo empossado no mais alto cargo da Nação.
Aplausos gerais.
A Oradora: - Saúdo-o enquanto garantia institucional da legalidade e do pluralismo, mas também como verdadeiro símbolo do 25 de Abril. No cidadão Mário
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Soares quero também saudar o homem que viveu Abril e sofreu a ditadura. No Presidente da República saúdo todo o povo português que ateou a «chama que nenhum vento apaga». No Chefe Supremo das Forças Armadas cumprimento os capitães de Abril, cuja acção foi decisiva para que Portugal despertasse do sono letárgico de tantos anos.
Aplausos do PS, do PCP, do PRD e do deputado independente Jorge Lemos.
A Oradora: - Para todos os que trouxeram «Abril a voar dentro do peito», a nossa gratidão. Deles rezará a história, não dos ingratos e indiferentes.
A Assembleia da República - sede da representação nacional, onde se debatem ideias e produzem as leis - é o lugar certo para festejar Abril. Aqui, comungando os ideais de paz, liberdade e progresso, os órgãos de soberania, emergentes do regime democrático, testemunham a grande coesão nacional em torno deste legado fecundo que pode e deve ser aprofundado e desenvolvido. Viver em comum este momento 6 partilhar a alegria daquela madrugada, é viver a utopia feliz e encontrar a distância que não compromete a festa.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Comemorar é um modo de manter vivo um acontecimento. Mas o 25 de Abril não pode ser «pura festa». Celebrar Abril não pode transformar-se num acto de rotina, mera contemplação estática das glórias do passado. A alegria da festa não pode impedir a reflexão nem toldar a lucidez. Acto fundador do regime democrático, o 25 de Abril é o símbolo da libertação de vários povos, de muitas pátrias e culturas. A revolução de Abril, à semelhança da revolução liberal, que tornou o Brasil independente, devolveu a liberdade aos Portugueses, mas abriu também caminho para a liberdade de outros povos, hoje nações soberanas, em busca da paz e da democracia.
Com os países africanos de língua oficial portuguesa e com o Brasil constituímos uma comunidade linguística de mais de 170 milhões de falantes. A língua é um dos grandes valores do património histórico das nações. Obra dos povos que a falam, dos escritores que a recriam, da história que a enriquece no contacto com os outros, a língua é, sem dúvida, o grande cimento de coesão entre os povos. Com essas nações irmãs lemos o dever de aprofundar os laços histórico-culturais e afectivos que nos unem e encontrar novas formas de cooperação e relacionamento a todos os níveis, pela via do diálogo e no respeito mútuo.
País pequeno geograficamente, mas grande pela língua e cultura, Portugal tomou-se, por vontade do povo, pátria da cultura e, em Abril, reencontrou a sua tradição humanista e vocação universal. Abril foi o ponto de chegada da nossa saga de dor e lula, aportando em liberdade. Por isso, o que Abril representa não pode ser reduzido a um acto de memória, a um ritual evocativo, ainda que solene. Tem de ser memória do passado e afirmação do futuro.
O que nesse dia aconteceu foi o início de um novo ciclo da vida nacional. Mudou a cultura política e o tempo histórico. Seguiram-se-lhe dias que abalaram o nosso mundo e deixaram marcas indeléveis em todos nós. O 25 de Abril é património do nosso imaginário colectivo. Foi ruptura com o passado e reencontro com o melhor da nossa história. As coordenadas temporais do mundo ocidental remetem para um minúsculo e decisivo ponto, o necessário hiato entre um antes e um depois. Passado e futuro de que o presente é a inevitável transição.
Para nós, Portugueses, o 25 de Abril é, hoje, a grande referência. A revolução dos cravos é a linha que separa a pré-história política e cultural da história portuguesa. Antes, era a guerra colonial, o isolamento cultural, o «orgulhosamente sós». Depois, o povo, sujeito do seu destino, escancarou as portas ao mundo, ao futuro, à modernidade, à poesia.
No dia 25 de Abril de 1974, a poesia veio para a rua. Natália Correia viu sair «o sol perfeitamente Abril». António Ramos Rosa quis «a espécie viva sobre as membranas da terra». José Manuel Mendes distribuiu «orvalhadas rosas/bagos de coral». «A nossa revolução ainda não acabou/nem tão cedo acaba», adverte José Gomes Ferreira. E porque «o poema é liberdade», afirma Sophia de Mello Breyner, de que Manuel Alegre foi o arauto, dizemos nós, é ocasião para lembrar aqueles a quem Abril ainda não chegou. Intramuros e além-fronteiras, é necessário levar Abril aos excluídos da democracia.
À generalidade dos direitos consagrados, acresce actualmente a exigência dos direitos particulares: de raças, de minorias, de pequenos grupos, de regiões ou localidades. Aprofundar a democracia é defender a mais minoria das minorias. É olhar diferente, com respeito, os que são diferentes. Aprofundar a democracia é também «minimizar o sofrimento evitável», nas palavras de Popper. O sofrimento dos Timorenses a quem tarda o reconhecimento do direito à autodeterminação. Sofrimento de tantos outros que acontecimentos recentes nos tom revelado.
Ninguém verdadeiramente amante da liberdade pode estar em festa, insensível a tantos dramas. Os sobressaltos, as legítimas aspirações à paz, à democracia, à liberdade, que de todo o lado irrompem, prenunciam a abertura de um novo ciclo da história do homem. Todas as grandes reivindicações do passado: do direito ao voto ao voto universal, o estabelecimento da democracia política, a consagração do direito da igualdade de oportunidades e do direito à diferença, à saúde, ao ensino, à habitação, a recusa da guerra e o desejo de paz são, hoje, exigências da humanidade. No entanto, os alquimistas da modernidade não descobriram ainda o elixir da paz e da liberdade eternas. Não há pedra filosofal que valha aos Timorenses e a muitos outros excluídos da democracia.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No plano interno, temos de encontrar a melhor forma de aperfeiçoar o projecto democrático, de aprofundar a democracia na organização social e nas mentalidades. Nem tudo está bem no Portugal de Abril. Temos de descobrir as melhores vias para acabar com a pobreza, com o analfabetismo literal e regressivo, com as desigualdades económicas, sociais e culturais, com a discriminação da mulher, e não podemos tolerar que haja crianças maltratadas, velhos sem abrigo e jovens sem emprego, para que não seja eufemismo dizermo-nos homens livres, cultos e prósperos, de mesa farta em casa boa.
Portugal mudou, é um facto. Mas precisa de mudar muito mais. A democracia tornou-se uma segunda natureza, um modo de vida, um ambiente, uma cultura. Já não é somente uma escolha, o menos mau dos regimes políticos. Tem no homo democráticus o seu principal defensor. Ao comemorarmos os 17 anos do 25 Abril, é a oportunidade de, na presença dos pais, invocar os filhos de Abril. As crianças de Portugal. «Mas as crianças,
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senhor, por que lhes dais tanta dor? Por que padecem assim?», pergunta Augusto Gil. E com razão. De facto, muitos são os problemas que as crianças enfrentam no mundo contemporâneo e que urge resolver. Acabar com o trabalho infantil, garantir à criança o direito à saúde e à escolaridade é um imperativo nacional.
Todos nós, mulheres e homens de Abril, temos o dever histórico de construir para os nossos filhos, se não o melhor dos mundos, pelo menos um mundo melhor: um mundo mais solidário e justo, mais humano e agradável. Só assim «a cor da liberdade» será «verde, verde e vermelha», como a queria Jorge de Sena.
Aplausos do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Jorge Lemos e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Duarte Lima.
O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr. Procurador-Geral da República, Sr. Provedor de Justiça, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Embaixadores, Srs. Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Ao celebrarmos, hoje, o 17.º aniversário do 25 de Abril ultrapassámos o limiar simbólico da duração da I República, sobressaltada pela instabilidade política e por conflitos institucionais, por crises sociais e económicas, cujo desfecho, passados 16 anos, culminou na instauração da ditadura e do autoritarismo.
Este facto é digno de registo, desde logo porque nunca faltaram arautos a vaticinar a nossa incapacidade congénita de adaptação à democracia e aos horizontes da liberdade generosamente rasgados pelos militares de Abril, a quem hoje, uma vez mais, a minha bancada saúda com respeito.
Aplausos do PSD, do PS, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Jorge Lemos e Raul Castro.
Mas é igualmente digno de registo porque ao longo das inúmeras vicissitudes e atribulações por que passou o regime democrático nestes 17 anos não faleceu o ânimo às principais forças políticas democráticas para introduzirem algumas reformas e melhorias no funcionamento do sistema político que permitiram ultrapassar os diversos bloqueamentos institucionais com os quais a sociedade portuguesa se viu confrontada. Essa capacidade de aperfeiçoamento do nosso sistema político, visando a construção daquilo a que o Sr. Presidente da República chamou de uma «República moderna», deve ser um dos grandes objectivos a ter presente nos próximos anos, em particular na próxima legislatura.
Para isso, devemos assumir com desassombro e frontalidade o imperativo de corrigir aquilo que no funcionamento geral do sistema político português 6 ainda objecto justificado de críticas, porque desajustado dos objectivos que deve servir. O fim último da política é o homem, não o homem abstracto que povoa as páginas de alguns manuais, mas o homem concreto de que fala com tanta insistência João Paulo II, o homem que ama, sofre e que trabalha, ser em relação com outros seres que aspira à liberdade e à realização integral da sua personalidade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É ao seu serviço que deve estar organizado o funcionamento do sistema político, e não submetido aos interesses sempre transitórios das diversas forcas políticas que o gerem. Por isso, a celebração do 25 de Abril é o momento adequado para colocarmos a nós próprios a questão: que desafios exige de nós o futuro para consolidarmos a República moderna de que fala, com propriedade, S. Ex.ª o Sr. Presidente da República?
Vamos assumir consequentemente que 6 um imperativo modernizar o nosso sistema eleitoral concebido numa situação político-partidária em que tudo e todos tinham medo de tudo e de todos e cuja arquitectura transforma a estabilidade governativa em excepção e não em regra, como se verificou com a vertigem traduzida na existência de 16 governos em 13 anos?
Vamos assegurar uma relação mais autêntica entre os que elegem e os que são eleitos ou vamos continuar a privilegiar a relação em circuito fechado entre estes e os aparelhos partidários em que se integram?
Vamos potenciar a cidadania activa, alargando o espaço de participação política ao conglomerado de forças sociais que hoje estruturam uma sociedade moderna ou vamos continuar a privilegiar a exclusividade até aqui reservada aos partidos políticos?
Vamos modernizar o funcionamento do Parlamento, adequando-o a dar resposta aos desafios dos novos tempos, ou vamos mantê-lo com uma organização e uma estrutura que teve a sua época, mas que hoje começa a estar claramente desactualizada?
Temos como certo que o principal desafio com que os Portugueses vão ser confrontados nos próximos anos vai ser o de continuar a assegurar a estabilidade política e governativa, porque foi ela a pedra de toque que garantiu o surto de progresso e crescimento económico sustentado que percorre o País e que prestigiados observadores internacionais qualificam como o «sucesso português».
Aplausos do PSD.
Garantir o desenvolvimento de Portugal - um dos principais objectivos do 25 de Abril, que nos orgulhamos de estar a cumprir- pressupõe a criação de riqueza nacional, base indispensável para corrigir desigualdades entre as regiões e os cidadãos.
Mas não há criação de riqueza sem referenciais políticos de confiança e estes só existem se houver estabilidade governativa.
Esta é uma regra pacífica nos países de democracia consolidada, embora tenha em Portugal a marca da excepcional idade, que só a vontade determinada dos Portugueses nas últimas eleições legislativas conseguiu garantir.
Não pretendemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, apropriar-nos partidariamente da ideia da estabilidade. Defendemo-la porque ela é determinante para o futuro do País e para a consolidação da democracia, independentemente do partido que dela beneficia.
Aplausos do PSD.
Por isso, saudamos a nobreza democrática do Primeiro-Ministro de Portugal, que ousou aconselhar, com desassombro, os Portugueses a darem, nas próximas eleições legislativas, a maioria, que garanta a estabilidade,
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a uma força política, mesmo que não seja aquela a cujos destinos ele preside.
Aplausos do PSD.
Era um desafio e era um conselho que mereceria ser seguido por outros líderes partidários, uma vez que hoje é inquestionável que é na estabilidade que assenta a base da recuperação do Pais, como referiu, em Março, o Vice-Presidente da Comissão Europeia Cristophersen, cujas palavras não resisto a citar: «Temos assistido a uma evolução impressionante em Portugal e Espanha, nos últimos quatro a cinco anos, com taxas muito elevadas de crescimento. Se essa evolução continuar a um tal ritmo, ao fim de uma geração, verificarão que o País se transformou radicalmente. Aliás, isso já pode ser observado.
Enquanto a maior parte dos países comunitários evidencia tendência para a estagnação, Portugal faz parte do reduzido número de Estados que deverão assinalar um franco crescimento este ano.»
É pena, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que alguns políticos se recusem a ver esta realidade, por meras razões partidárias, e façam gala em desvalorizar, em Portugal e no estrangeiro, o contributo que todos os portugueses deram para a recuperação do País.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Nós orgulhamo-nos desse esforço e, quando valorizamos a ideia da estabilidade, fazemo-lo, fundamentalmente, pelo respeito que nos merece o contributo que os nossos concidadãos estão a dar, quer no País, quer nas comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo, para que o nome de Portugal seja cada vez mais respeitado na comunidade internacional.
Aplausos do PSD.
Sc, por infortúnio. Portuga] regressasse aos tempos da instabilidade política, ao ciclo curto governativo, seria o esforço dos Portugueses que estaríamos a malbaratar.
Graças à estabilidade de que disfrutámos nos últimos quatro anos foi possível também afirmar externamente o nome de Portugal. Não apenas no sucesso que constituiu a nossa integração na Comunidade Europeia - ainda na passada semana referido pelo Primeiro-Ministro luxemburgues -, mas igualmente no novo e promissor relacionamento que foi possível estabelecer com os países africanos de língua oficial portuguesa, bem expresso no papel relevantíssimo que o nosso país tem assumido na mediação para a paz em Angola, ao lado dos Estados Unidos, da União Soviética e das Nações Unidas, no sentido de contribuir para o reencontro fraterno de um povo generoso há tantos anos martirizado por um conflito ao qual urge pôr termo. No momento em que decorre, próximo de Lisboa, mais uma ronda decisiva de negociações, estou certo de que a Assembleia da República se associa num voto sincero para que se estabeleça rapidamente um acordo sólido entre ambas as partes.
Aplausos do PSD.
Construir em Portugal uma «República moderna», nesta viragem do milénio, implica enraizar e fortalecer as nossas instituições democráticas, particularmente garantindo que os executivos cumpram, na plenitude da legislatura, um «contrato de maioria».
Como há muito escreveu Mendes France, há dias oportunamente relembrado por José Augusto Seabra, é importante que, «quando a Assembleia for renovada por ocasião das eleições gerais, seja constituído um governo à sua imagem e que esse governo dure, em princípio, tanto tempo quanto a própria Assembleia».
São palavras de um homem que marcou neste século a história do pensamento político do seu país e da Europa, recorrentemente invocado como um mentor importante do pensamento socialista europeu e para quem o «contrato de legislatura» era um pressuposto fundamental para o fortalecimento da democracia.
De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, só assim podem os cidadãos responsabilizar com rigor e verdade aqueles que governam.
Em Portugal, esse contrato de legislatura está prestes a ser cumprido pela primeira vez neste século em regime democrático.
As árvores, diz o povo, medem-se pelos frutos e aos Portugueses caberá julgar, pelos resultados, se devemos ou não prosseguir neste caminho.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Srs. Deputados, Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Com a habitual solenidade, celebramos mais uma vez o 25 de Abril.
Importa ao País e a nós próprios que recordemos as datas grandes do nosso percurso histórico e, em particular, as mais felizes.
É essencial não deixar esbater a memória. É essencial que se mantenha vivo o reconhecimento aos capitães de Abril, a quem endereço, em nome pessoal e da Assembleia da República, os sentimentos da nossa gratidão.
Aplausos gerais.
É essencial ainda recordar com o maior respeito todos aqueles que, ao longo dos tempos, se empenharam para devolver a Portugal a dignidade de uma nação livre e respeitada. Aberta à democracia.
Verdade é, minhas senhoras e meus senhores, que só em democracia é possível realizar o progresso e a modernidade. Só a democracia arrancou Portugal do ciclo fechado e do subdesenvolvimento.
Só com o pluralismo político foi possível consolidar o Estado democrático e de direito, o florescimento de uma verdadeira economia de mercado, o reforço do poder local, a criação das autonomias regionais e a busca empenhada da justiça social.
Há duas décadas fomos pioneiros. Somos exemplo. Por isso, nos exigimos um empenhamento na pedagogia do significado dos acontecimentos daquela data.
Basta recordar que, nestes últimos 17 anos, nasceram cerca de 3 milhões de portugueses e, dentro em breve, a sua vontade será decisiva para as opções que hão-de enfrentar os desafios da modernidade.
Nas próximas eleições legislativas exercerão já o seu direito de voto muitos milhares de jovens que, sendo crianças de tenra idade em 1974, não podem ter um
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conhecimento vivido da ditadura e das suas perversidades.
É uma coincidência feliz verificar que, quando a democracia atinge os seus 18 anos, os jovens chegados à maioridade iniciarão o exercício dos seus deveres políticos, na plenitude de uma estabilidade democrática.
Coincidência tanto mais feliz quanto é certo que, pela pela primeira vez, uma legislatura completa o período constitucional de quatro anos.
Espero que assim continue a acontecer. A bem do prestígio das instituições democráticas e da sua eficácia.
A modernização e o desenvolvimento do País, que temos sabido realizar, são consequência, em grande parte, da estabilidade política disfrutada nos últimos anos e, também, da solidariedade institucional entre os diferentes órgãos de soberania, que marcou de forma significativa esta V Legislatura.
Vivemos o retomo de Portugal à sua vocação europeia, sem descurar os laços tradicionais que caboucámos ao longo de séculos.
Na Europa, Portugal encontrará resposta às suas aspirações, sem prejuízo de privilegiar as suas relações com os países de língua oficial portuguesa e com aqueles outros com quem temos afinidades especiais.
Responder aos desafios que o presente nos impõe e preparar os caminhos para o século XXI é a palavra de ordem, que vai pôr à prova a nossa capacidade de realização e de imaginação criadora.
Consegui-lo não se compadece com a inacção, com a displicência ou com o descuido. Exige, pelo contrário, uma atenção séria e constante às realidades e uma aturada e inteligente avaliação das vagas de fundo da sociedade em transformação.
As sociedades que despontam trazem no seu ventre novas exigências, cuja dimensão ética não pode ser descurada. Não se conformam com o quadro doutrinário da primeira parte deste século. Mesmo alguns referenciais do tempo presente carecem de reavaliação.
Desenhar, nestas condições, um quadro preciso do futuro seria sempre uma temeridade. Impõe-se, porém, que estejamos de mentes abertas para despertar as energias e renovar o pensamento e a acção, com uma vontade firme e uma determinação colectiva, animadas pela inovação, pelo progresso e pela justiça.
Encontramo-nos no portal de uma sociedade de criatividade, que se vai construindo pedra a pedra. Criatividade que aposta no homem e na plenitude do seu engenho, que liberta a sociedade civil, acicatando-a para uma competência que melhore a qualidade de vida e preserve o ambiente.
O homem, o ambiente e o desenvolvimento têm de marchar de mãos dadas.
Assim a ciência vencerá a ignorância!
É com satisfação que lembro que fomos o primeiro Estado da Europa a consagrar, na Constituição da República, o direito do homem ao ambiente.
Nos caminhos que temos à nossa frente, a educação, a formação profissional, a ciência e a tecnologia desempenham um papel cada vez maior, sendo a inovação e o rigor os principais motores do desenvolvimento neste fim de século.
Mas não podemos enveredar por um percurso qualquer. O desenvolvimento tem uma dimensão cultural e ética, que se traduzem no respeito exigente pela solidariedade e coesão sociais.
Da forma e da sabedoria como nos empenharmos na sua defesa dependerá o Portugal do século XXI.
Por outro lado, impõe-se que a informação, toda a informação, quer enquanto transmissão do conhecimento, quer enquanto apelo ao saber e conhecer, seja correcta, precisa e acessível.
Que esclareça e eduque.
Que não ensombre a análise concreta das realidades sociais.
Que ajude a rasgar caminhos sólidos, afastando miragens e ilusões.
Que fomente um clima propiciador da paz e solidariedade sociais.
Que, em síntese, satisfaça a sua função de alimento essencial da sociedade deste fim de século.
Quero fazer uma referência muito especial de fraternidade ao povo de Timor Leste, que continua privado dos seus direitos mais elementares.
Apraz-me realçar que a defesa da liberdade do povo maubere tem contado com o empenhamento constante do Governo, da Assembleia da República e do Presidente da República, no quadro de uma efectiva solidariedade institucional.
Aplausos gerais.
Nas próximas comemorações do Dia da Liberdade teremos como pano de fundo:
1.º A nossa presidência na CEE na ocasião em que se constrói uma nova Europa e se dão passos determinantes para a união política e para a união económica e monetária;
2.º Um mundo mais respeitador dos valores democráticos e da dignidade dos homens, mas também mais interdependente;
3.º O reforço da comunidade dos países de língua portuguesa, estendido aos povos e nações que nos sejam culturalmente afins.
Seja-me permitido, neste momento, saudar a democratização em curso nos PALOP, designadamente as eleições livres em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, em cujos actos estiveram presentes representações de deputados da Assembleia da República. Enaltecer ainda o esforço da mediação portuguesa na procura de soluções políticas que tragam, finalmente, a paz aos povos martirizados de Angola e Moçambique, salientando os progressos já conseguidos nas negociações, que nos enchem de satisfação.
Aplausos do PSD, do PS e do deputado independente Jorge Lemos.
É neste quadro de fundadas esperanças no nosso futuro colectivo que se vai desenvolver a actividade da próxima legislatura, a que auguro um trabalho profundo, exigente, pronto a prestigiar a nossa vida política.
O que faz com que as próximas eleições legislativas assumam a maior importância, a impor a cada um o dever cívico de nelas participar.
Participação que dará mais alento e empenho ao trabalho dos deputados, reafirmando a vitalidade da Assembleia da República, para que continuemos a ser dignos da esperança e da liberdade que renasceram em 25 de Abril.
Aplausos gerais.
Por direito próprio, vai usar da palavra S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.
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O Sr. Presidente da República: - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Srs. Deputados, Srs. Embaixadores e Encarregados de Missão, Sr.ªs e Srs. Convidados: Festejamos hoje o 17.º aniversário do 25 de Abril, nos termos consagrados e segundo a forma habitual. Sou, como sabem, assumidamente, um homem do 25 de Abril e por isso vos posso falar com inteira franqueza. Temo que esta celebração ritual, cada ano repetida, longe de despertar na juventude interesse e curiosidade por um maior conhecimento e pelo estudo do que foi realmente - e do que ainda hoje representa - essa manhã heróica da nossa libertação como nação, contribua, por assim dizer, para banalizar a revolução, tornando-a desinteressante e incompreensível aos olhos dos mais jovens.
E, entretanto, para aqueles que viveram o 25 de Abril - e que, portanto, conheceram a dolorosa experiência da ditadura, que amordaçou Portugal durante quase meio século -, se há data viva, que deixou nos nossos corações um vinco inapagável de emoção e que tem um significado nacional iniludível de ruptura com uma situação totalmente bloqueada, é precisamente o dia que hoje comemoramos. Como, porém, encontrar a fórmula mágica para comunicar esse sentimento às jovens gerações, quando já se formaram na democracia e nunca conheceram a opressão? Eis um primeiro ponto que mereceria, com vista ao futuro, alguma reflexão dos Srs. Deputados, ate porque no próximo ano estaremos a iniciar, nos termos constitucionais, uma nova legislatura.
Não gostaria de me repetir relativamente ao que vos disse, em anos passados, nesta mesma Sala e perante, com raríssimas excepções, o mesmo auditório. É nessa repetição que consiste precisamente a criação do rito desprovido de novidade e, por assim dizer, a banalização rotineira de um evento político que foi, em si mesmo, altamente inovador e que, em sentido literal, abriu a todos os portugueses as portas do futuro, modificando profundamente a sua maneira de estar na vida e o seu destino pessoal. Teremos todos consciência de que foi assim?
Sucede que o 25 de Abril, para além disso, foi uma revolução pioneira e com enorme repercussão, não só na Europa, iniciando a série das revoluções democráticas, a ocidente e depois a oriente, com uma década e meia de intervalo, mas também na América Latina, noutras áreas do mundo, como as Filipinas, e, agora, em África. Sublinho, com legítimo orgulho lusófono, que os primeiros países africanos a fazer, sem violência, uma efectiva transição democrática, com a realização de eleições inteiramente livres, o abandono do partido único e da economia colectivista, foram Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, constituindo altos exemplos para todo o continente africano.
Aplausos do PSD, do PS, do PRD, do CDS e do deputado independente Jorge Lemos.
De resto, como pressuposto essencial dos processos de paz em curso em Angola e Moçambique - que faço votos se concretizem o mais rapidamente possível - estão a abertura desses dois, tão martirizados, países ao pluralismo democrático, à economia de mercado e a própria marcação de eleições livres, em datas próximas.
Assistimos assim a uma evolução promissora em todos os países africanos lusófonos - sem excluir a Guiné-Bissau, onde já se anunciou, igualmente, a promessa de um processo democrático-, que terá consequências inevitáveis em lodo o continente e a que, naturalmente, não é estranha a forma feliz como, apesar de tudo, se realizou, com indiscutível sucesso, o processo democrático português.
Na verdade, com o 25 de Abril - sem efusão de sangue e quase sem violência - abriu-se um novo ciclo na história contemporânea de Portugal, caracterizado pelo aprofundamento democrático, pela descolonização, pelo desenvolvimento e pela modernização das estruturas retrógradas, culminando com a integração de Portugal na Comunidade Europeia. Com a perspectiva que hoje temos, resulta óbvio que cada um dos objectivos referidos estava intimamente relacionado com os outros, não tendo sido possível alcançar qualquer deles sem a concomitante realização dos outros.
O processo não foi linear, como se sabe; foi mesmo muito complexo e está longe de se poder considerar concluído.
A plena integração na Comunidade Europeia e a modernização da sociedade e do Estado, em curso, estão ainda no início, como resulta evidente para qualquer observador alento.
Por outro lado, o processo comportou desvios, a seu tempo denunciados e corrigidos, inevitáveis imperfeições e mesmo, como aconteceu com as independências africanas ou com Timor, dramáticos desenvolvimentos, alguns dificilmente reparáveis. Contudo, não deixa de ser consolador verificar, para os que viveram e vivem Abril, que o correr dos anos tem vindo a confirmar, sucessivamente, as opções portuguesas referendadas pelo nosso povo nos anos iniciais da revolução.
É essa linha evolutiva, gradualista, humanamente generosa e livre que teve em conta os indispensáveis equilíbrios sociais e políticos e o bem-estar de todos, que deveremos ser capazes de explicar às novas gerações, defendendo-as contra as tendências egoístas do tecnocratismo individualista e despertando-as para o idealismo social das grandes causas - as carências e os problemas tremendos que continuam por resolver, não obstante o caminho percorrido, desde os bloqueios iniciais até à actual situação de abertura.
Integrados hoje no grupo dos países mais desenvolvidos e de maior bem-estar, embora tenhamos a consciência clara de que, entre eles, somos dos mais pobres e carenciados, temos ao nosso alcance, em aberto, condições excelentes de rápido desenvolvimento e de progresso, se soubermos trabalhar e ser lúcidos. Por outro lado, ninguém melhor do que nós poderá compreender a importância e a urgente necessidade de prosseguir, com realismo e eficácia, o diálogo Norte/Sul, como um imperativo de sobrevivência humana.
Dado o conhecimento que temos de África, sabemos que urge chamar a atenção mundial para a defesa das grandes causas que suscitam o idealismo das pessoas bem formadas, como a luta contra as discriminações raciais e sociais, contra a fome, a ignorância, a doença e o fanatismo. Nesta ordem de preocupações, a defesa do meio ambiente é outra exigência que devemos aprender a ter sempre presente.
Recentes acontecimentos internacionais, de pesadas consequências e com toda a incerteza que comportam, vieram chamar a atenção para a criação necessária de uma
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nova ordem internacional. Todo o prestígio à ONU, claramente; mas a uma ONU remodelada, dotada de eficácia, reflectindo a nova relação de forças internacionais, num mundo que deixou de ser bipolar e donde desapareceu a cortina de ferro, mas que recusa o hegemonismo.
Num tal contexto, a Europa -e emprego aqui a palavra no seu sentido geográfico corrente - está chamada a desempenhar um papel essencial nos novos equilíbrios que se esboçam a nível mundial. E na Europa, obviamente, o seu núcleo mais dinâmico e atractivo - a Comunidade Europeia - , com a condição de ser capaz de acelerar a construção da sua unidade, dotando-se de instituições supranacionais e dos controlos democráticos que a podem exprimir por forma efectiva e dar-lhe sentido.
Portugal, empenhado como está em recuperar do atraso que o separa da quase totalidade dos seus parceiros comunitários, não pode, entretanto, demitir-se de ter uma voz activa e uma acção esclarecida - iniciativas - nas construções que se esboçam quer a nível europeu quer mundial. Somos obviamente um país pequeno, mas sem qualquer razão para termos complexos. Temos prestígio e autoridade resultantes precisamente da maneira como soubemos gerir, atempadamente e por nós mesmos, o nosso próprio processo democrático, iniciado com o 25 de Abril, e como nos temos vindo a relacionar, por forma para muitos surpreendente, com os países africanos lusófonos e com o Brasil. Formamos com eles uma comunidade de língua e de afecto, num cruzamento singular de culturas, que começa a ser reconhecido no mundo e tem um peso demográfico de indiscutível significado.
Para tanto, é fundamental que saibamos ter uma participação efectiva no plano internacional, no quadro das alianças e organizações internacionais em que nos inserimos, definindo com clareza os nossos objectivos e prioridades, por forma tanto quanto possível consensual, e dotando-nos dos meios necessários. Sei que não é fácil e que muitos serão tentados a opor ao meu apregoado optimismo cepticismo, ironia e descrença. Não ignoro as dificuldades: a aparente sensatez dos velhos do Restelo sempre desconfiou das índias por descobrir. É mais cómodo cruzar os braços. E, entretanto, quem pensaria, em 1974 ou 1975, que estaríamos hoje na posição em que nos encontramos como nação, desembaraçados dos conflitos que nos tolhiam os passos, com o percurso de progresso que, apesar de tudo, conseguimos realizar, reanimada a unidade nacional, num clima de convivência cívica de tolerância e de convergência interpartidária quanto aos grandes desígnios nacionais, absolutamente invejáveis, tendo em conta o que vai pelo mundo?
Aplausos do PSD, do PS, do PRD, do CDS e do deputado independente Jorge Lemos.
È a consciência do caminho percorrido, desde o 25 de Abril, que nos deve animar e fortalecer em ordem a prosseguir uma grande ambição nacional. Não devemos ser modestos nos objectivos que fixamos para Portugal. Devemos, isso sim, ser exigentes e rigorosos.
Foi o sopro da liberdade que irrompeu na sociedade portuguesa com o 25 de Abril que nos criou as condições de progresso e nos transformou numa comunidade participativa, aberta sobre o futuro. Velemos para que essa liberdade se alargue e aprofunde a todos os níveis; que o pluralismo, de que hoje se fala tanto no mundo, seja entre nós sempre a regra; que a livre crítica anime as nossas escolas e universidades, os nossos centros de cultura e de ciência. Saibamos criar uma verdadeira sociedade de cidadãos, sem subserviência nem medo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Uma sociedade de livre iniciativa, com certeza, mas impregnada por preocupações de justiça social,...
Aplausos gerais.
... baseada na lei e no direito, com um máximo de igualdade de oportunidades, sobretudo para os mais jovens, onde todas as formas de poder resultem, como ensinava Sérgio, do autogoverno democrático, estejam repartidas e descentralizadas e sejam uma verdadeira emanação da vontade popular. Porque o povo - como se aprendeu a cantar em Abril -, em democracia, s6 sempre quem mais ordena».
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrada a sessão.
Eram 13 horas.
A banda da Guarda Nacional Republicana executou de novo o Hino Nacional.
Realizou-se então o cortejo de salda, composto pelas mesmas individualidades do da entrada, tendo o Sr. Presidente da Republica saudado o corpo diplomático com uma vénia ao passar diante da respectiva tribuna.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Dinah Serrão Alhandra.
Francisco João Bernardino da Silva.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José Apolinário Nunes Portada.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
António de Carvalho Martins.
António José Caeiro da Mota Veiga.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
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26 DE ABRIL DE 1991 2325
Fernando Monteiro do Amaral.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Maria Oliveira Martins.
Joaquim Fernandes Marques.
José de Almeida Cesário.
José Júlio Vieira Mesquita.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel José Dias Soares Costa.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António de Almeida Santos.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
José Luís do Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegro de Melo Duarte.
Partido Comunista Português (PCP):
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
Maria Helena Salema Roseta.
Os REDACTORES: José Diogo - Maria Amélia Martins.
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DIÁRIO da Assembleia da República
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