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I Série - Número 70

Quinta-feira, 2 de Maio de 1991

DIÁRIO Da Assembleia da República

V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE ABRIL DE 1991

Presidente: Exmo. Sr. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu

Secretários Exmos. Srs.
Daniel Abílio Ferreira Bastos
Vítor Manuel Caio Roque
Apolónia Maria Pereira Teixeira
João Domingos F. de Abreu Salgado

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de vários diplomas, de requerimentos e da renúncia ao mandato de um deputado.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Elisa Damião (PS), a propósito das comemorações do Centenário da Encíclica Papal Rerum Novarum, criticou a política social do Governo
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Paula Coelho (PCP) falou da comemoração do 25 de Abril na Assembleia da República para criticar as orientações governativas no sector da juventude.
Também em declaração política, a Sr. Deputada Maria Leonor Beleza (PSD) enalteceu a participação de Portugal na Comunidade Económica Europeia, tendo respondido, depois, a pedidos de esclarecimento e a uma defesa da honra e consideração da Sr.ª Deputada Natália Correia (PRD)
Finalmente, em declaração política, o Sr. Deputado Rui Silva (PRD) homenageou a Associação de Educação Física e Desportiva de Torres Vedras (Gimnoeste), na sequência do que foi apresentado o voto n.º 204/V, subscrito por deputados de todos os partidos, de louvor e reconhecimento pelo contributo que tem prestado à prática do desporto e à divulgação da cultura portuguesa, e que viria a ser aprovado no período da ordem do dia. No fim, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Vasco Miguel (PSD).

Ordem do dia. - Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de deputados do PSD e do PCP.
Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 177/V - Autoriza o Governo a legislar com o objectivo de rever o Estatuto da Ordem dos Engenheiros, tendo intervindo, além do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira), os Srs. Deputados Eduardo Pereira (PS), António Filipe (PCP), João Maria Oliveira Martins e António Santos Pereira (PSD).
A Câmara debateu ainda, na generalidade, a proposta de lei n.º I79/V - Autoriza o Governo a alterar o Estatuto da Ordem dos Advogados, procedendo à transposição parcial da Directiva n.º 89/48/CEE, do Conselho das Comunidades, de 21 de Dezembro de 1988. Intervieram, a diverso título, além do Sr Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro), os Srs. Deputados Carlos Candal (PS), José Manuel Mendes (PCP), Rui Silva (PRD), Narana Coissoró (CDS) e Guilherme Silva (PSD).
Apreciada, na generalidade, foi também a proposta dê lei n.º 186/V - Autoriza o Governo a legislar no sentido de criar a Ordem dos Médicos Veterinários e aprovar os respectivos estatutos, tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Álvaro Amaro), os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Laurentino Dias (PS), Rui Silva (PRD) e José Ferreira de Campos (PSD).
A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Cosia da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Maios.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José de Oliveira Bastos.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria João Godinho Antunes.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques Oliveira.

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António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Laje.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Matreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Leite Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Maria Helena Salema Roseta.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.º 195/V - Autoriza o Governo a aprovar o Código das Expropriações, que baixa à 3.ª Comissão, e 196/V - Permite a redução da taxa do imposto sobre os produtos petrolíferos incidente sobre o gasóleo utilizado na actividade agrícola, que baixa, respectivamente, às 7.ª e 11.ª Comissões; proposta de resolução n.º 50/A - Aprova o acordo especial por troca de notas entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para supressão do artigo 19.º do Tratado Luso-Britânico de Comércio e Navegação, de 12 de Agosto de 1914, que baixa à 4.ª Comissão; projecto de lei n.º 738/V - Alteração aos artigos 126.º, 188.º e 189.º do Código de Registo Civil, apresentado pelo Sr. Deputado Cal Brandão e outros, do PS, que baixa à 3.ª Comissão; ratificação n.º 184/V, relativa ao Decreto-Lei n.º 135/91, de 4 de Abril, que procede à revisão global do regime jurídico das sociedades de gestão e investimento imobiliário, requerida pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos e outros, do PS.
Deu também entrada na Mesa um relatório da Comissão de Equipamento Social sobre a ratificação n.º 162/V, do seguinte teor: «Para efeitos do artigo 203.º, n.º 7, do Regimento da Assembleia da República, informa-se que as três propostas de alteração, duas do PCP e uma do PS, à referida ratificação foram rejeitadas, pelo que se considera caduco o processo de ratificação». Assina este relatório o Sr. Presidente da Comissão, Sr. Deputado João Rosado Correia.
Foram igualmente apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os requerimentos seguintes: à Secretaria de Estado das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Brito; à Secretaria de Estado do Orçamento, formulado pelo Sr. Deputado João Proença; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pela Sr.ª Deputada lida Figueiredo; aos Ministérios da Justiça e dos Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ainda ser lido um ofício dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República pelo Sr. Deputado Carlos Campos Rodrigues Costa.

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Foi lido. É o seguinte:

Ao abrigo e nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março, comunico a V. Ex.ª que, para todos os efeitos legais, renuncio ao mandato de deputado, com efeitos a partir de 1 de Maio de 1991.

O Sr. António Barreto (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, desejo solicitar a V. Ex.ª que mande efectuar uma diligência, dado que, há muitas semanas, enderecei um requerimento ao Tribunal de Contas solicitando informações e o envio de alguma documentação relativa ao Centro Cultural de Belém.
Infelizmente, por um episódio que parece estar agora esclarecido, o requerimento ficou retido na Assembleia da República durante várias semanas. A situação foi detectada a tempo, o requerimento seguiu para o Tribunal de Contas - pude já verificá-lo - e sei também que a resposta a esse requerimento já foi remetida para a Assembleia da República.
Porque, tanto eu como o meu grupo parlamentar, temos muita urgência na documentação e nas informações pedidas, solicito a V. Ex.ª que, se possível, mande verificar da sua chegada atempada, para podermos começar a trabalhar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa apenas tem conhecimento de que o requerimento que referiu foi enviado ao director-geral do Tribunal de Contas em 18 de Abril. Como não tem conhecimento da chegada de qualquer resposta à Assembleia, vai informar-se sobre o que se passa e transmitirá depois a informação ao Sr. Deputado.
Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Celebra-se, amanhã, mais de um século de lutas sociais pela dignificação do trabalhador.
O projecto de modernidade e de mudança civilizacional em que os trabalhadores se empenharam nas suas organizações cívicas e políticas alargou o conceito de cidadania dos direitos políticos para os direitos cívicos e sociais.
O nosso século foi marcado pela emergência de fortes movimentos sociais, em reacção ao despotismo e, mesmo, ao formalismo do direito napoleónico. O direito do trabalho é um edifício. É, porém, um edifício frágil, edificado contra o modelo liberal.
Entre duas guerras mundiais e o início e o fim de processos revolucionários, o pragmatismo reformista, não destituído de utopia, promove a difícil conciliação da liberdade com a igualdade, tendo a solidariedade como o mais nobre dos instrumentos políticos de justiça social.
Neste momento, regista-se burburinho na Sala.
Sr. Presidente, o barulho impede-me de prosseguir a minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Deputada tem razão.

Solicito, pois, que ocupem os seus lugares e prestem atenção à declaração política da Sr.ª Deputada Elisa Damião. Sc precisam de ter conversas inadiáveis, há outros locais mais próprios nesta Assembleia para lê-las.

Pausa.

Sr.ª Deputada, pode prosseguir, pois creio estarem reunidas as condições necessárias para ser ouvida.

A Oradora: - Espero que as questões dos trabalhadores mereçam a esta Câmara algum respeito.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Claro que merecem! Eu estou aqui!

A Oradora: - No final do século, o balanço é extraordinariamente positivo: as lutas sociais renovam-se e são renovadoras; os conflitos sociais e políticos, num estado de transição pós-moderna, são reconhecidos como potenciadores de soluções e impulsionadores de progresso e avaliados à luz das novas ciências sociais como o alargamento dos espaços da democracia participativa, no sentido da redução intervencionista e formal do Estado para a sociedade civil, valorizando o individual e o conjunto das particularidades e especificidades das comunidades de trabalho e locais, em detrimento de uma visão colectivista e uniformizadora; a emancipação das diversas formas de poder está na reciprocidade, que se estrutura como resposta social em função das regras de jogo político.
Está, efectivamente, condenado o Estado autoritário ou proteccionista. O primado da liberdade de mercado está definitivamente consagrado na construção da Europa da paz e do progresso, que não pode ser confundida com o princípio neoliberal do laissez faire: deliberadamente indiferente às exclusões sociais, instrumento político favorável ao lucro fácil, responsável pelo crescimento sem desenvolvimento, acentuando as desigualdades.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Não somos apenas nós que o afirmamos, pois a Igreja acaba de celebrar o Centenário da Encíclica Papal Rerum Novarum, com a realização da semana social 1991.
Referirei afirmações do Prof. Sousa Franco, presidente do Tribunal de Contas, que, na sua reflexão crítica sobre as consequências do liberalismo económico, apelou para os valores da solidariedade numa defesa activa dos direitos do homem e do trabalhador.
A doutrina social da Igreja, detectando e apreciando os «sinais dos tempos» no mundo actual e visando responder à luz dos valores da humanidade, pugna pela adopção de preceitos jurídicos, com valores e ideais que a comunidade cristã pretende ver consagrados, face aos problemas do desenvolvimento equilibrado no respeito pela natureza.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - O desenvolvimento, para ser autêntico, deve ser integral para «todo o Homem e o Homem todo», nos termos da Populorum Progressio, de Paulo VI.

Vozes do PS: - Muito bem!

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A Oradora: - Saudamos, pois, esta iniciativa, de que desejamos fazer eco nesta Câmara, reconhecendo à doutrina social da Igreja e à intervenção progressista do associativismo cristão muitos e valiosos contributos no progresso social que fomos construindo.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - São exemplares da eficácia, sem virtude, do PSD as estatísticas do desemprego, exibidas como o ex libris social da acção governativa, que ocultam a qualidade desse mesmo emprego.

Vozes do PS: - Uma vergonha!

A Oradora: - Um estudo da Comissão da CEE sobre Portugal, recentemente divulgado, alerta para a necessidade de reduzir a inflação, tendo em vista uma bem sucedida participação no Sistema Monetário Europeu, e aconselha o aumento da carga fiscal sobre bebidas alcoólicas, tabaco e do IVA, mas refere também que a baixa taxa de desemprego co-existe com o subemprego.
De acordo com os dados do Ministério do Emprego e da Segurança Social, o emprego decresceu 1,25% em 1991, registando-se uma redução progressiva, desde 1987, do emprego estruturado, permitindo-nos concluir que nas estatísticas do INE, que indiciam uma crescente criação de emprego, este não passa de subemprego.
Segundo o INE, o desemprego atingiria apenas 260 000 desempregados, valor bastante inferior aos 306 000 inscritos no Instituto de Emprego e Formação Profissional em 1990, que registou uma subida para 308 000, em 1991.
Apesar de se constatar uma redução para 18% dos contratos a prazo, fazendo crer que há um aumento considerável da contratação efectiva, a verdade é que uma parte significativa dos 2150 contratos de prestação de serviço para trabalhadores ditos independentes é, na verdade, trabalho subordinado, prática que se generaliza mesmo nas empresas públicas.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Estima-se que a economia subterrânea ultrapasse os 20% e que mais de um terço dos activos ganhe o ordenado mínimo nacional.

O Sr. Rui Ávila (PS): - É uma vergonha!

A Oradora: - A proporção média das despesas com a alimentação no orçamento total das famílias é de 38,4% - o valor mais elevado da Europa -, em contraste com os 18% da média europeia.
35% das famílias portuguesas vivem abaixo dos consumos mínimos de dignidade e indicador importante de que se acentuam estas desigualdades, por acção do Governo, é a redução dos consumos domésticos de energia e de bens essenciais, por contraste com o disparo do consumo de automóveis.

O Sr. Rui Ávila (PS): - É uma desgraça!

A Oradora: - A protecção social em que os parceiros sociais se empenharam, apesar do ligeiro aumento da percentagem do PIB verificada em 1991, não recuperou o constante decréscimo dos anos anteriores por acção do PSD, sendo a saúde um dos aspectos mais evidentes desta política. O Governo gasta com a saúde 6,4% do PIB, menos de um terço da média comunitária.
O Sr. Primeiro-Ministro celebrou, no Luxemburgo, a vitória da livre circulação. Com escassa escolaridade e sem formação profissional ou com formação profissional especializada mas não certificada, os trabalhadores portugueses parlem para a Europa à procura de melhores salários em condições desiguais e discriminatórias. O Governo Português acomoda-se à perspectiva de ser um grande exportador de portugueses indiferenciados e serventes.
O XI Governo Constitucional inscreveu, no seu programa, os objectivos de reforçar a administração do trabalho e da segurança social, a componente inspectiva, a higiene e a segurança, bem como o combate a situações fraudulentas de utilização de mão-de-obra e à evasão contributiva para a segurança social.
Nesta área governamental - de que o PSD, há 12 anos, detém a exclusiva responsabilidade política -, o Governo prometeu e prometeu bem, pois se os níveis de incumprimento da legislação eram, até aqui, bastante elevados, agora são ainda superiores: verifica-se também a precarização ilegal do emprego, a discriminação e exploração do trabalho das mulheres e dos menores, o trabalho clandestino, o trabalho independente e ilegal, a fuga ao pagamento de contribuições para a segurança social, a discriminação e violação dos direitos sindicais, trabalhadores estrangeiros clandestinos (pessoas sem existência legal), condições de higiene e segurança agravadas, consequência da precariedade e da ilegalidade, mais acidentes de trabalho, designadamente mortais.

Aplausos do PS e do deputado independente Jorge Lemos.

Esqueceu-se o Governo que tão importante como haver legislação é cuidar do seu cumprimento,...

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: -... através de um sistema de garantia adequado.

O Governo não cumpriu...

O Sr. Rui Ávila (PS): - Nunca cumpre!

A Oradora: -... o reforço da componente inspectiva no combate às situações da utilização fraudulenta da mão-de-obra. Na Inspecção-Geral do Trabalho, dos 728 inspectores previstos, existem apenas 308, havendo 420 vagas por preencher.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É um escândalo!

A Oradora: - Em matéria de prevenção de riscos profissionais, os inspectores, engenheiros e médicos são apenas cinco numa dotação de 30, o que é insuficiente.
O Governo tudo sacrificou ao aumento da quantidade do emprego, que, objectivamente, conseguiu através de uma política de flexibilidade defensiva, que hipoteca o futuro e afectará a qualidade do emprego, por muitos anos.
Teria sido possível com outro governo, dadas as condições extremamente favoráveis, uma política de flexibilidade ofensiva na base de uma nova relação salarial, do fomento da negociação no interior das organizações produtivas, na emergência de novos modelos organizacionais, na melhoria

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dos níveis de formação para os trabalhadores, para as mulheres e para os desempregados.
Em nome do Secretariado Nacional do PS, termino com uma saudação, à UGT e à CGTP, centrais sindicais que são a expressão do pluralismo sindical e que deverão contribuir, na sua acção e convergência, para defender os trabalhadores portugueses: a dinâmica de identificação com o progresso social, ao qual as duas centrais sindicais têm dado o seu inestimável contributo, será para o PS um referente essencial para a modernização solidária da sociedade portuguesa.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Maria Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Coelho.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Se e sobre o 1.º de Maio, já ouvimos o discurso anterior. De 1.º de Maio chega!...

A Sr.ª Paula Coelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Estávamos no dia 25 de Abril, o ano era o de 1991 e o cenário esta Câmara. Comemorava-se o 17.º aniversário da Revolução de 1974.
Os discursos que aqui foram proferidos fizeram questão de referir o tema «juventude», com maior ou menor sinceridade. Tentavam-se respostas, focavam-se e omitiam-se problemas actuais.
Uma questão persistia e a resposta tardava em ser encontrada: como dar a conhecer aos jovens o que significou e significa o 25 de Abril? Que ideais persistem hoje nos jovens portugueses? O que é que os preocupa? Que querem?
Importa, então, perguntar: qual o rumo da política do Governo em relação à juventude?
Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: As questões fundamentais continuam a não ser resolvidas. O Governo e o PSD persistem em negar a realidade e até já se habituaram a mentir e a deturpar dados.
Iniciativas de fachada não faltam. São importantes? Algumas sê-lo-ão, certamente!
Neste momento, regista-se burburinho na Sala.
Sr.ª Presidente, peço desculpa, mas creio não ter condições para continuar.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, solicito à Câmara que reunam as condições mínimas para prosseguirmos os nossos trabalhos.

Pausa.

Faça favor de continuar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Obrigada, Sr.ª Presidente.
Mas será que é a mesma coisa, para alguns, o acesso ao programa de turismo juvenil ou o acesso a um emprego estável? Terá o mesmo valor o direito de todos à educação e ao «Cartão Jovem»? O Governo, apesar das grandes acções propagandísticas, demonstrou não ser capaz de resolver os grandes problemas dos jovens portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora:- Quererá isto dizer que não tem linhas programáticas? Certamente que as tem!
Vejamos, então, quais são as linhas programáticas do Governo.
Na área da educação, o sistema educativo nacional mantém uma situação de atraso e inadequação que o coloca a crescente distância dos países desenvolvidos, a começar pelos da CEE; persistem os estrangulamentos estruturais que impedem a reforma democrática da educação, prevista na Lei de Bases do Sistema Educativo e aprovada em 1986; continuam a frustrar-se as melhores expectativas abertas pelo 25 de Abril na sociedade portuguesa, no que diz respeito à igualdade de oportunidades educativas, à existência de uma formação de qualidade e de uma qualificação para todos.
Segundo dados recentemente divulgados pelo Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação, relativos ao ano lectivo de 1989-1990, aos 13 anos, um quinto dos jovens já está fora do sistema de ensino; aos 14 anos, um quarto; aos 16 anos, um terço; aos 17 anos, 40%. Isto significa que há cerca de 235 000 jovens portugueses na faixa etária entre os 12 e os 17 anos que já não estudam e que enfrentam a inserção no mundo do trabalho apenas com a frequência escolar do nível elementar.
Neste quadro, é de prever que muitas crianças que, em 1987, se matricularam pela primeira vez e que já estão abrangidas pelo regime de escolaridade de nove anos não vão ter, de facto, direito ao ensino que a lei estabelece como obrigatório.
No que respeita ao ensino superior, é conhecido que Portugal apresenta, de longe, os índices mais baixos da CEE em relação à oferta de acesso e ao número de alunos.
Além disso, a elevação dos índices tem vindo a ser realizada nos últimos anos em grande parte à custa da proliferação de estabelecimentos e cursos privados de ensino superior, na sua maioria de baixíssima qualidade.
O insucesso escolar em todos os níveis de ensino, a carência gritante do apoio social (bolsas de estudo, cantinas, residências...), a degradação das instalações e equipamento escolar, o estrangulamento no acesso ao ensino superior, são hoje alguns dos muitos problemas sentidos por milhares e milhares de estudantes e que o Governo foi, e é, incapaz de resolver.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Na área do emprego, as linhas fundamentais são: a precarização e a flexibilização dos direitos laborais, os contratos a prazo e ou à tarefa, as admissões à experiência sem qualquer vínculo, os mapas falsificados.
Num estudo recentemente efectuado em 24 empresas de diferentes sectores de actividade, a situação é elucidativa - e solicito a atenção dos Srs. Deputados do PSD, que tanto gostam de contrapor estes dados: em 31 411 trabalhadores por conta de outrém, 18 559 estão contratados a prazo, ou seja, 59,1% dos jovens; num total de 14 132 novas admissões no mesmo ano, 8084 foram despedidos; das novas admissões, 92,8% foi por via de contrato a termo e 80,2% das saídas foram, igualmente, de trabalhadores com contrato a termo.
Para o patronato, são inegáveis as vantagens: mão-de-obra mais barata, desprotegida, sem direitos, flexível; porém, para os jovens, a precariedade no emprego traduz-se na impossibilidade de acesso a uma vida estável e

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independente, perdendo direitos fundamentais, como os da sindicalização, da greve, das Terias, entre outros.
O Governo continua a dizer-nos que «a penalização do recurso ao trabalho infantil tornou-se mais severa [...], visa-se, com as novas sanções, combater drasticamente a chaga social do trabalho infantil».
A chaga do trabalho infantil não acaba apenas com multas aos empregadores (para mais, quando a fiscalização é ineficaz); quanto muito, consegue-se uma maior ocultação do problema, pois os problemas resolvem-se atacando-se-lhes as causas. E as causas do trabalho infantil tem raízes sociais e económicas profundas: a grave situação económica de inúmeras famílias, o insucesso e o abandono escolar de milhares de crianças.
Se os actos do Governo fluíssem como lhe fluem as palavras, Portugal seria, sem dúvida, o País mais próspero do mundo...
No domínio da habitação - e cito, mais uma vez, o Governo -, «foi criado o regime especial de comparticipação para a recuperação de imóveis arrendados. O mercado de arrendamento urbano apresenta-se como um segmento de mercado fundamental para a resolução do problema do acesso à habitação».
Aparentemente, deparamos aqui com a preocupação do Governo em permitir o acesso ao arrendamento de habitação por parte dos jovens (e não só!). Mas, atrás das aparências, vem a triste realidade.
O Programa RECRIA apoia, a fundo perdido, os senhorios de imóveis para arrendar e as medidas tomadas, no que respeita ao mercado de arrendamento, traduzem-se, fundamentalmente, no aumento e actualização do valor das rendas, o que, aliado à existência de uma procura maior que a oferta, leva à especulação imobiliária e a valores mensais de renda incompatíveis para a maioria dos jovens.
«No tocante ao crédito para aquisição de casa própria, o sistema em vigor conheceu importantes ajustamentos e melhorias» - citei, uma vez mais, o Governo. Mas que melhorias, se o crédito continua inacessível para a maioria dos jovens, com entradas avultadas, prestações mensais elevadíssimas na ordem dos 70 000$ a 80 000$, incomportáveis para jovens em situação de trabalho precário, que nem ao crédito têm acesso, e ou com rendimentos económicos médios? E algumas delas promoveram mesmo a especulação imobiliária (com aumentos que, em 15 dias, chegaram a alcançar o valor de 2000 contos).
Na prática, assistiu-se a quatro anos de alterações pontuais, que mantiveram e agravaram o acesso à habitação para a maioria dos jovens, conseguindo-se apenas dinamizar a especulação imobiliária e gerar um agravamento real do custo da habitação.
Não foram tomadas medidas, tais como a definição de uma política de solos, que ponha cobro à especulação imobiliária, o reforço de verbas para os municípios para construção de habitação social, o apoio efectivo a experiências de cooperativismo, a autoconstrução e a recuperação de casas degradadas, que permitissem o acesso ao crédito pela generalidade dos jovens.
Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PSD, no governo, desde 1986 - primeiro, em minoria na Assembleia da República e, a partir de Julho de 1987, apoiado por uma maioria absoluta parlamentar -, definiu grandes linhas programáticas para a área da juventude.
No entanto, e após a análise feita desta política, concluímos que o PSD se mostrou incapaz de resolver os graves problemas que afectam hoje os jovens portugueses, não sendo sequer capaz de concretizar algumas dessas linhas programáticas que definiu para a sua acção; desenvolveu uma actividade de fachada; distribuiu migalhas e alguns rebuçados, mas não nos alimentou.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - No sentido de ocultar a inoperância real da sua acção em dar resposta e em atacar os grandes problemas juvenis, o Governo desenvolveu uma intensa campanha propagandística em tomo da chamada «política global de juventude», apoiada em medidas pontuais de impacte, que, dando ou não resposta a essas questões, não resolveu de facto qualquer problema de fundo; deu particular atenção a questões que eram alvo de grande pressão juvenil não com o objectivo de acabar com as causas dos problemas mas, sim, de calar essa mesma pressão, como demonstram os dados vindo a público sobre o desemprego, o acesso ao ensino superior ou as questões do ambiente; utilizou a demagogia e falsificou dados.

A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada Paula Coelho, peço-lhe desculpa por interrompê-la, mas quero apenas lembrar que já esgotou o tempo atribuído ao PCP para o período de antes da ordem do dia de hoje.

A Oradora: - Vou já terminar, Sr.ª Presidente.
O Governo levou a cabo campanhas em torno da droga, da SIDA e do ambiente, que visavam fazer crer que as complexas questões relacionadas com estes problemas estariam em vias de resolução; demonstrou uma grande capacidade de associação entre a hipocrisia e a superficialidade na abordagem dos problemas; tentou transmitir uma imagem que não corresponde, de forma alguma, à realidade que se vive hoje no nosso país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: As grandes questões continuam por resolver não só nos domínios da educação, do emprego e da habitação mas também do ambiente, da cultura e do desporto. Perguntamos, Srs. Deputados: até quando?
Amanhã, comemora-se o dia 1.º de Maio.
A juventude, particularmente a juventude trabalhadora, tem razões fortes para nele participar, inserindo as suas aspirações nas reivindicações centrais dos trabalhadores portugueses. O pacote laboral, que o Governo resolveu retomar, também é contra eles, contra o futuro em segurança.
Ao pretender aumentar, desmesuradamente, o período experimental, facilitar os despedimentos por inadaptação, desorganizar os tempos de trabalho e acentuar a precarização, o Governo quer levantar novas dificuldades, novas inseguranças e exclusão aos jovens que iniciam a sua vida no mercado do trabalho. Mais do que apelos e reflexões, importante será que os seus problemas, aspirações e sonhos sejam concretizados com medidas onde prevaleça a dimensão social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Uma política democrática, para que se assuma na sua verdadeira dimensão, tem de contar necessariamente com

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um papel determinante de intervenção da juventude. Os ideais que um dia, em Abril, foram exaltados só assim poderão ter plena concretização.

Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.

A Sr.ª Presidente: -Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Leonor Beleza.

A Sr.ª Maria Leonor Beleza (PSD) : - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Encontramo-nos, hoje, num momento particularmente decisivo para a nossa natureza de país europeu de vocação universal. Empenhados, como estamos, na redefinição do equilíbrio e da solidariedade na Europa, encontramo-nos igualmente envolvidos na sorte de muitos que, do outro lado do mundo, procuram ainda os caminhos da paz, da democracia e do desenvolvimento. Refiro-me em especial, como é óbvio, ao processo em curso relativamente a Angola, em que me orgulho do posicionamento a um tempo sábio, carregado de emoção e eficaz que Portugal tem vindo a assumir.
A integração europeia constitui para nós um dado em si já não discutido em tempos significativos do nosso presente e do nosso futuro.
O êxito evidente que ela para nós tem constituído apagou completamente os cepticismos de muitos que, se discutem ainda - e bem! - a forma como deve ser encarada a futura evolução da Comunidade, já não questionam - senão, às vezes, para efeitos da pequena política interna - os benefícios óbvios que Portugal e a Europa souberam colher.
Aí estão, aliás, nesse sentido - e se pouco fosse o que os nossos olhos voem -, tantos observadores externos e imparciais atestando o acerto com que nos integrámos e fomos acolhidos.
Também não é com razoabilidade questionada, face à nossa qualidade de País activamente interveniente na Europa, a ligação de uma história de séculos a outros continentes, ligação que, nas suas características essenciais, o nosso passado recente não abalou e o nosso presente demonstra sermos capazes de manter, em contexto político tão diferente e, hoje, tão promissor. A menos de duas décadas depois dos processos de independência, com tantos aspectos dolorosos, nos países africanos, onde há marcas indeléveis da presença portuguesa, pudemos encontrar amplos espaços de mútua colaboração e até, com alguns anos de intervalo, caminhos paralelos de procura da democracia e da liberdade.
Era a esta encruzilhada permanente, para nós, portugueses, entre a Europa em que, antes de muitos outros, nascemos como Estado e a África que deliberadamente procurámos, que se referia o Prof. Cavaco Silva quando, há uns dias atrás, na cerimónia em que lhe foi concedido o Prémio Joseph Bech 1991, falava do «espírito aberto e universalista com que Portugal está hoje nas Comunidades Europeias» e apelava a suma Europa aberta ao exterior e preocupada com os problemas do desenvolvimento do Terceiro Mundo», ao mesmo tempo que chamou a atenção para a necessidade de a «ideia europeia optar por um progresso equilibrado, respeitador das identidades nacionais e dos interesses diferenciados que séculos de História consolidaram no nosso velho continente, onde a diversidade constitui uma inestimável riqueza».

Aplausos do PSD e da deputada do PRD Natália Correia.

Exprimia-se, assim, o Primeiro-Ministro, logo a seguir a ter ouvido o Sr. Jacques Santer, seu colega luxemburguês, justificar a distinção pelo facto da «contribuição notável para esta etapa essencial da construção europeia» que lhe é atribuída.
Disse ainda o Sr. Jacques Santer, textualmente, que o Primeiro-Ministro de Portugal se situa sna corrente da grande família política europeia dos democratas da sensibilidade de um Joseph Bech» e «de um Robert Schuman e de outros país fundadores da Europa comunitária», tendo salientado os seus méritos pessoais e os do Governo Português para o êxito da integração de Portugal na Comunidade.
E acrescentou, ainda, o Primeiro-Ministro do Luxemburgo que, através da pessoa do Prof. Cavaco Silva, o prémio pretende homenagear - e cito, de novo - «todo um povo que fez a escolha corajosa em favor da Europa e que produz um esforço prodigioso para se inserir na Comunidade dos Doze e para participar na prossecução do processo de unificação».
Como deputada da Assembleia da República e em nome do meu grupo parlamentar, permitir-me-ão que me orgulhe por este reconhecimento da contribuição do Primeiro-Ministro de Portugal, bem como por esta manifestação de apreço pelo povo do meu País, que aceitou um desafio que todos sabíamos difícil e que todos sabemos estar a ganhar.

Aplausos do PSD.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A integração europeia traduz-se num exercício colectivo de solidariedade, lendo o nosso País sempre sublinhado que nenhum passo é possível sem que a coesão europeia e social seja assumida como um objectivo essencial. Mas a integração significa também o risco do confronto permanente com algumas das economias mais prósperas do mundo, com alguns dos povos que conhecem melhores índices de bem-estar, com algumas das democracias mais experientes e mais rodadas.
É esse confronto, que só é razoável e legítimo exprimir em termos de aproximação ou de não aproximação real aos índices que ambicionamos, que tem sido positivo para nós. Sc outros o reconhecem, não vejo por que razão alguns, de entre nós, gostam tanto de, permanentemente, tentar denegrir a capacidade com que os Portugueses têm sabido corresponder àquilo que lhes é exigido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É claro, Srs. Deputados, que a nossa contribuição para a Europa não se traduz apenas nas preocupações, nas experiências e nos sentimentos que nos são próprios e com que podemos enriquecer o património comum europeu. E o êxito da integração não resulta, sobretudo, da «caridade» com que os nossos parceiros têm olhado para o nosso atraso e nos têm, passe a expressão, ajudado.
Toda a gente sabe que a Europa é um palco de negociação permanente em que se obtém aquilo que se é capaz de obter. E os números são hoje tão evidentes!
Em 1985, mesmo antes da adesão, os negociadores portugueses previam uma transferência líquida da Comunidade para Portugal, no período entre 1986 e 1990, de 180 milhões de contos. A transferência líquida efectiva foi de 500 milhões de contos, isto é, perto de três vezes mais.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Permitam-me que repita: o que, em 1985, se julgou ser capaz de obter em cinco anos era 180 milhões de contos; aquilo que os governos do Prof. Cavaco Silva, efectivamente, obtiveram foi 500 milhões de contos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Essa não!

A Oradora: -Face a estes números, ressalta, da parte de alguns, a falia de crença em nós próprios; da parte de outros, a confiança e a capacidade de negociar.
Resulta mais: que possamos mais facilmente compreender as reticências que muitos sentiam em 198S, bem como o silencio que, durante anos, foi mantido para de nenhuma maneira prejudicar a nossa imagem externa, a nossa capacidade de negociação e os resultados do nosso esforço. Mas hoje nada nos impede de reivindicar o Êxito de um processo que, à partida, era infinitamente menos evidente do que é hoje.
Mas há mais: se os meios financeiros entram, porque os Portugueses e o seu governo se mostram capazes de fazê-los entrar, a contribuição que demos, e estamos a dar, assume muitas outras formas.

O Sr. José Lemos Damião (PSD): - Tomem nota!

A Oradora: - É que só dinheiro a entrar não resolve nada: em primeiro lugar, porque, como todos sabemos, ele só entra com contrapartida nacional; em segundo lugar, porque só resulta com esforço, trabalho e capacidade de realização.
Não vejo ou, melhor, vejo excessivamente bem por que é que alguns querem «deitar poeira para os olhos» dos Portugueses, dizendo que nos limitámos a usar os dinheiros da CEE. Todos sabemos muito bem que esses dinheiros só pagam se nós também pagarmos e se, simultaneamente, concebermos e executarmos aquilo que há para realizar!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Permitam-me que vos cite alguns números de contribuições comparativas entre Portugal e a Comunidade em relação aos projectos em curso.
Apenas alguns números: em relação aos projectos que estão, neste momento, em curso na Região Autónoma da Madeira, a comparticipação europeia é de de 219 milhões de ecus e a nacional é de 94 milhões de ecus; em relação à zona de Lisboa e Vale do Tejo, a comparticipação europeia é de 144 milhões de ecus e a nacional é de 90 milhões de ecus; em relação à Região Centro a comparticipação europeia é de 148 milhões de ecus e a nacional é de 111 milhões de ecus; e em relação ao Algarve, para apenas escolher algumas zonas do nosso país, a comparticipação europeia é de 55,3 milhões de ecu e a nacional é de 93 milhões de ecus. Não é possível esquecer a ampla comparticipação que, com os nossos meios de investimento público e privado, temos dado para os investimentos co-financiados pelas Comunidades.
Mas há mais, Srs. Deputados.

Aplausos do PSD.

O que fizemos e fazemos não se limita nem se limitou a pagar a nossa parte.
É que fomos nós. Portugueses, que escolhemos, dentro, obviamente, das regras existentes para cuja conformação nós próprios já contribuímos, os projectos que deviam ser financiados, tendo, acertadamente, orientado as nossas prioridades internas também em função daquilo que nestes anos poderíamos obter das Comunidades. E sobretudo fomos nós. Portugueses, que confiámos, que realizámos, que conseguimos.
Nós, sociais-democratas, temos confiança nas pessoas e na sua capacidade de escolher e de realizar, sabemos do papel determinante que assumiu o nosso Governo e, sobretudo, de que o progresso resulta da capacidade de cada um tomar em mãos o seu próprio destino, sem esperar, eternamente, que tudo lhe venha de fora, seja do Estado, das Comunidades ou de qualquer outro lado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O progresso devemo-lo, antes de mais, a nós próprios e à capacidade com que os Portugueses souberem utilizar a integração europeia. A nossa contribuição para a Europa traduz-se, também, no êxito que hoje podemos oferecer à Comunidade.
Mas não quero deixar aqui só esta mensagem.
Quero ainda compartilhar convosco alguns dados particularmente reveladores da nossa situação actual, que não só traduzem o acerto do caminho que estamos a escolher mas, sobretudo, mostram o percurso que falta e o enorme esforço que ele ainda exige.
Muitos gostam de, sistematicamente, nos comparar com o resto da Comunidade e de lamentar a diferença. Ela é grande e isso é óbvio! E vai ser ainda grande por bastante tempo. A integração é positiva se, e na medida em que, a diferença puder ir sendo progressivamente diminuída.
Em termos de índice de paridade dos poderes de compra entro Portugal e a média comunitária, encontramo-nos hoje praticamente ao nível de 1973.

A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada, peço-lhe desculpa por interrompê-la, mas gostaria de informá-la de que já esgotou o tempo atribuído hoje ao PSD para o período de antes da ordem do dia e que o excedente será descontado no tempo global da quinzena.

A Oradora: - Isto é, depois de alguns anos, logo a seguir à Revolução de 1974, em que aquela comparação, que traduz realmente a diferença de nível de vida, foi piorando em relação a Portugal, de alguma recuperação logo a seguir desmentida no início dos anos 80, os últimos anos vêm traduzindo uma subida sustentada que nos conduziu, em 1990, quase ao mesmo nível de 1973. De qualquer maneira, o nível actual de comparação entre a nossa situação e a da média europeia é ainda inferior a 60%. Isto é - e espero que os economistas não me levem a mal por traduzir nestes termos a realidade -, em Portugal vive-se, em média, ao nível de menos de 60% do nível de vida médio da Europa Comunitária.
Não é preciso muito mais para se compreender a legitimidade das aspirações que os Portugueses hoje sentem a viver melhor do que viviam.
Hoje, o nosso confronto é com os povos mais desenvolvidos da Europa. A distância é muito longa e só pode ser percorrida se os Portugueses souberem utilizar as suas máximas capacidades de trabalho, de esforço e de

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perseverança; se os Portugueses souberem manter as condições de que manifestamente têm conseguido tirar partido; se, sobretudo, os Portugueses continuarem a saber confiar em si próprios e no futuro do seu País!

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Deputada Natália Correia fala para o microfone, mas, porque não accionou o respectivo botão de ligação, a sua voz é inaudível.

Vozes do PSD: - Tem que carregar no botão!

A Sr.ª Natália Correia (PRD): -Ai o botão!...

Risos.

Aí é que é: é no esquecer do «botão» que está a nossa diferença, minha querida companheira, Sr.ª Deputada Maria Leonor Beleza! Preocupa-se excessivamente com o «botão».
A Sr.ª Deputada sabe quanto já lhe tenho, pessoalmente, manifestado o meu apreço, embora, publicamente, tenha discordado de uma política que seguiu, mas não vamos falar do passado...
Penso que é uma mulher cheia de qualidades. Porém, penso que as suas qualidades deviam ser postas ao serviço de uma nova política, que compete à mulher introduzir no universo...

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: -... parlamentar do poder de todos os níveis de decisão que fazem marchar o mundo. Lastimo Leonor Beleza - deixe-me tratá-la assim, com um certo carinho - que realmente tenha reduzido o seu discurso a um somatório de um relatório de gestão.
Você vale mais do que isso! Peço-lhe, carinhosamente, que mude de rumo nos seus discursos!

Aplausos do PRD, do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Leonor Beleza.

A Sr.ª Maria Leonor Beleza (PSD): - Sr.ª Deputada Natália Correia, agradeço-lhe as palavras amáveis que me dirigiu e permita-me que lhas retribua mas, certamente, há pontos em que não estamos, e é natural que não estejamos, de acordo.
A Sr.ª Deputada disse, por um lado, que aquilo que eu própria linha referido se traduzia apenas num «relatório de gestão» e, por outro, fez apelo à nossa qualidade comum de mulheres, pretendendo retirar desse apelo contribuições qualitativamente diferentes, pelo menos em relação àquilo que tem sido a minha, no que respeita à nossa intervenção na política.
Permita-me, Sr.ª Deputada, que me refira a esses dois aspectos.
Em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada qualifica como entender aquilo que eu disse e terá a opinião que quiser sobro aquilo que afirmei. Permita-me, no entanto, que lhe diga - tendo em atenção, porém, os nossos pontos de substancial desacordo - que pretendi ir mais longe do que a Sr.ª Deputada entendeu.
Assim, «relatório de gestão» significaria simplesmente - segundo presumo das suas palavras - referir aquilo que está bem. A Sr.ª Deputada, certamente, terá notado que eu, de propósito, no final da minha intervenção, não me limitei simplesmente à constatação do bem-estar, mas referi - e é, sobretudo, nessa expressão que entendo a participação de Portugal nas Comunidades - o enorme caminho que há a percorrer.
Muito frequentemente, as pessoas tendem a ver a nossa participação na Comunidade apenas numa perspectiva de desenvolvimento económico. É uma perspectiva que não é a minha e se, eventualmente, assim tiverem entendido, terão entendido mal, pois não foi isso que eu quis traduzir.
Por outro lado também, as pessoas vêem a integração em termos estáticos, fazendo comparações com o que existe actualmente. Mas eu, de propósito, depois de assinalar o que me parece óbvio, isto é, o êxito que tem sido a integração de Portugal, referi que o nível médio de vida em Portugal se situa a cerca de 60% do nível médio de vida nas Comunidades Europeias. Fiz isto de propósito, porque não pretendo, de maneira alguma, desprezar ou deixar oculto o enorme espaço de percurso que há ainda a percorrer. Aliás, como também não pretendi, nem pretendo, e por isso referi muitos aspectos que não têm natureza meramente quantitativa, diminuir os aspectos de outras naturezas que a nossa integração na Comunidade tem assumido, e tem de assumir, e que têm a ver com as diferenças e com tudo o que nos caracteriza como povo, com uma experiência e com sentimentos diferentes, em muitos aspectos, de todos os nossos parceiros europeus.
Em relação à questão do apelo à qualidade de mulheres, a Sr.ª Deputada sabe que eu compartilho da sua opinião, pois entendo que as mulheres podem e devem dar uma comparticipação qualitativamente diferente em todos os meios onde participam. Assim, não é indiferente que as assembleias - nacionais, da República ou parlamentos, tenham elas a designação que tiverem - ou quaisquer outros órgãos de intervenção política sejam constituídos apenas por cidadãos de um ou dos dois sexos.
Quanto a esta questão - aliás, como já tenho referido publicamente muitas vezes - , suponho que estamos de acordo e, ao contrário daquilo que classicamente, muitas vezes, se diz em relação à participação política, referindo-se que ela deve visar a indiferença quando se trata de homem ou mulher a ocupar um determinado cargo, devendo procurar-se apenas ver as capacidades individuais de quem o ocupa, eu acrescento: não é indiferente que se seja de um ou de outro sexo, não é indiferente que um órgão qualquer de participação política tenha só pessoas de um ou de outro sexo, pois, em meu entender, a participação das mulheres é qualitativamente diferente. Mas, Sr.ª Deputada, não compartilho da sua opinião quando espera, talvez demais, da participação acrescida das mulheres na vida política, porque nós, mulheres, somos diferentes em muitas coisas, mas não somos melhores nem piores, trazemos apenas uma participação qualitativamente diferente. Não comparticipo, portanto, também da sua opinião quando pensa que é só por aí que o mundo mudará e que a participação política será diferente.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para esclarecer a Câmara, uma vez que a

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Sr.ª Deputada Maria Leonor Beleza deturpou as minhas palavras.

A Sr.ª Presidente: - A Sr.ª Deputada deseja usar da palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração?

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Presidente, se lhe dá prazer que eu utilize essa figura regimental, também me dará prazer a mim.

Risos gerais.

A Sr.ª Presidente: - Sr.ª Deputada, não tenho prazer mas, isso sim, a obrigação de fazer cumprir o Regimento.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Mas a obrigação, às vezes, pode ser um prazer, Sr.ª Presidente!

Risos gerais.

A Sr.ª Presidente: - Neste caso, não será...

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Se assim não fosse, esta vida seria uma desgraça, não acha?! Somos obrigados a viver tantas coisas que, por vezes, temos de fingir que é um prazer...

A Sr.ª Presidente: - Para exercer o direito de defesa da honra e consideração, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Deputada Maria Leonor Beleza, de forma alguma V. Ex.ª interpretou bem o que eu disse. Aliás, devo dizer-lhe que sublinhei, com palmas, a passagem da sua intervenção em que acentuou a vantagem, a necessidade e a indispensabilidade das diversidades culturais europeias. De facto, acentuei com palmas, mas o que lastimo é que a sua intervenção tenha degenerado realmente numa expressão estatística.
Minha querida senhora, eu não defendo o poder acrescido da mulher, era o que faltava! A mulher a mandar no mundo?! Que mandem os homens! A mulher a mandar?! Ah não, que grande «chatice»! ...

Risos gerais.

Sr.ª Deputada, que mandem eles, orientados ou completados com o saber que é próprio da natureza feminina, sem o qual o mundo Ficará desequilibrado. Sabe, minha senhora: não sou feminista no sentido académico, mas não sou a favor da mutilação da humanidade e, de facto, é uma mutilação da humanidade a mulher usar o discurso masculino, como a senhora acabou agora mesmo de usar.
Com toda a consideração, permita que lhe diga isto!

Risos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Leonor Beleza.

A Sr.ª Maria Leonor Beleza (PSD): - Sr.ª Presidente, estou desolada por ter de responder à Sr.ª Deputada Natália Correia, a quem o Regimento terá obrigado a usar a figura da defesa da honra e consideração.
Sr.ª Deputada, de facto, não é a primeira vez que debatemos estas questões da participação das mulheres e devo dizer-lhe que não penso que a participação das mulheres deva limitar-se a orientar ou a completar a forma como os homens mandam no mundo. Há, de facto, aqui uma diferença importante...

A Sr.ª Natália Correia (PRD): -Eles é que mandam!

A Oradora: - Que eles mandam, eu sei!

Risos do PSD.

O que eu não penso é que a participação das mulheres deva limitar-se a orientar e a completar a forma como eles mandam. Não! Quero uma participação efectiva dos dois lados e a todos os níveis, pois, repito, julgo que ela pode trazer mudanças qualitativas. Não se trata de uma simples questão de o poder ser democraticamente repartido entre todos; em meu entender, é um pouco mais do que isso.
Por outro lado, também não é a primeira vez que a Sr.ª Deputada diz que o meu discurso 6 de homem. A Sr.ª Deputada pensa assim e sinto-me desolada por isso, porque não tenho, nem nunca tive, essa percepção.
Digo-lhe até mais: julgo que muito dificilmente o discurso de uma mulher pode ser igual ao de um homem. Mas isto são considerações que talvez não devam ser agora para aqui chamadas!
Sr.ª Deputada, há, de facto, entre nós algumas diferenças de concepção em relação ao que deve ser o papel da mulher na vida política, pois não quero que as mulheres orientem os homens, nem que os completem, mas que uns e outros partilhem a vida em sociedade e, nomeadamente, o exercício do poder.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O PRD entendeu produzir esta intervenção no período destinado às declarações políticas, principalmente porque para nós o mais importante é referir nesta Câmara o que, em nosso entender, é louvável e merece destaque na intervenção política dos deputados. Assim, o conteúdo desta declaração política pretende, única e exclusivamente, ser uma homenagem a uma instituição que tem sabido transportar o nome de Portugal além fronteiras e é, hoje, promotora dos maiores certames do género que se produzem em Portugal.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Durante quatro dias, a cidade de Torres Vedras foi, uma vez mais, rainha da prática da ginástica no nosso país. De 25 a 28 do corrente mês, a Gimnoeste, na sua 7.º edição nacional e, pela primeira vez, internacional, repetiu o êxito dos anos transactos, com a maior participação de sempre, contando com a presença de mais de 70 clubes e 2100 atletas nacionais e estrangeiros.
Com a dedicação e o entusiasmo que são reconhecidos à Associação de Educação Física e Desportiva de Torres Vedras, a Gimnoeste, anualmente, transporia o nome desta prestigiada Associação e o de Portugal para as primeiras páginas da prática desta modalidade num empenhamento louvável e que da Tribuna nos permitimos saudar.

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Com pergaminhos invejáveis, a Associação de Educação Física e Desportiva de Torres Vedras, fundada em 9 de Abril de 1925, é hoje detentora no seu historial das mais altas condecorações atribuídas a este tipo de colectividade. Assim, em 1928, é louvada por portaria de 19 de Janeiro; por decreto-lei é considerada instituição de utilidade pública, em 21 do mesmo mós e ano; por decreto-lei de 14 de Agosto de 1960, a Associação foi agraciada com a Ordem de Benemerência; em Janeiro de 197S, é-lhe atribuída a medalha de ouro do concelho; é galardoada com o trofeu olímpico, em 1976; e, em 24 de Abril de 1989, foi-lhe, finalmente, atribuída a Medalha de Bons Serviços Desportivos.
Com óptimas e funcionais instalações, a Associação possui, neste momento, dois pavilhões gimno-desportivos, dois ginásios e dois tanques-piscina de aprendizagem, onde cerca de 400 atletas federados praticam as modalidades de ginástica, hóquei em patins, basquetebol, ténis de mesa, futebol de salão, andebol, vólei, ballet, artes marciais e natação. Possui, ainda, secções de cicloturismo, campismo, tiro e pesca desportiva, em que participam cerca de 1500 praticantes activos.
Paralelamente ao desporto, o âmbito cultural não foi esquecido e é assim que a Física de Torres Vedras mantém em perfeito funcionamento a Escola de Música Luís António Maldonado Rodrigues, na qual 165 alunos recebem preparação musical até ao 6.º grau, com acesso imediato ao curso superior de Música.
A ocupação dos tempos livres é outra das preocupações desta prestigiada Associação e, no apoio à infância e terceira idade, a Associação põe à disposição de jovens e idosos uma colónia balnear na praia de Santa Cruz, que, funcionando 365 dias por ano, proporciona agradáveis momentos de lazer a todos quantos queiram usufruir daquelas óptimas instalações, já que mantém protocolos de acordos, nomeadamente com instituições de solidariedade social e com o Ministério da Educação.
Enfim, exemplos que todos devem seguir para prestígio e dignificação do desporto e da cultura nacionais e, principalmente, da abnegada missão do associativismo no nosso país.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de destacar a feliz experiência a que ave o prazer de assistir e que foi a Gimnoeste, na sua 7.ª edição.
Tendo sempre à frente o dedicado e competente professor Joseph Sammer, figura ímpar do desporto torreense, a edição deste ano excedeu, uma vez mais, todas as expectativas. Iniciada há seis anos, com a participação de cerca de 50 atletas de clubes locais e dos concelhos vizinhos, a Gimnoeste é, hoje, considerada - e justamente considerada - a maior exibição de prática de ginástica que se realiza no nosso País. Foram mais de 70 clubes com a participação de mais de 2100 atletas, este ano com a presença de equipas da República da Estónia e da Suécia, que, durante quatro dias, deleitaram os milhares de visitantes que, nestes dias, tiveram o grato prazer de se deslocar à cidade de Torres Vedras.
Ginástica rítmica e acrobática, trampolim, dança jazz, aeróbica, movimentos livres e obrigatórios, esquemas gímnicos e ginástica de grupo, a tudo foi possível assistir neste espectacular sarau de ginástica, onde campeões internacionais participaram, nomeadamente duas ginastas da Física de Torres Vedras, que, actualmente, integram a Selecção Nacional de Saltos em Trampolim.
Com uma organização modelar, a Gimnoeste é, hoje, um exemplo para muitas outras iniciativas, que, felizmente, começam a aparecer no nosso País. A alta e louvável dedicação de todos os atletas que se deslocam a Torres Vedras, suportando uma parte das suas despesas, é exemplo único e ímpar de como o espírito desportivo está bem vivo na mente dos Portugueses e que a Física de Torres Vedras proporciona, abrindo as suas portas aos milhares de atletas e visitantes, que, durante estes dias, a procuram para dar voz ao seu entusiasmo participante e espectador.
Simultaneamente, a Região Oeste, mais concretamente Torres Vedras, vê assim comprovada toda a sua potencialidade como região promotora deste tipo de iniciativas com elevadas capacidades de realização humana.
Para a realização deste certame, a Física mereceu, e tem merecido, apoios não só de empresários, industriais e comércio local mas, principalmente, do Governo Civil de Lisboa, autarquia local e Região de Turismo do Oeste, aguardando os seus responsáveis que a Gimnoeste venha a ser, como merece, integrada num conjunto mais amplo e variado de manifestações desportivas, de forma a promover e a dinamizar, de uma forma coordenada, a prática do desporto não só na Região de Turismo do Oeste como em lodo o Portugal. Aos responsáveis fazemos o nosso apelo para que este objectivo seja em breve consagrado.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Termino, consciente não só de ter trazido a esta Câmara e ao conhecimento dos Srs. Deputados uma das mais belas manifestações de carácter desportivo e cultural a que, anualmente, pode assistir-se no nosso País, mas também de que a Física de Torres Vedras, os seus dirigentes e atletas estão de parabéns, uma vez mais - e pela sétima vez consecutiva -, pois, pelo seu historial e dedicação à cultura e desporto nacionais, merecem o reconhecimento e agradecimento desta Câmara, dos Srs. Deputados e de todos os portugueses.
Neste sentido, farei, de seguida, a entrega na Mesa de um voto de louvor e reconhecimento à Associação de Educação Física e Desportiva de Torres Vedras, para o qual solicito, e estou certo de que merecerá - aliás, já o mereceu, pois está subscrito por deputados de todas as bancadas -, o apoio de todos os Srs. Deputados.

Aplausos do PRD e do PS.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Deputado Rui Silva, utilizando a figura regimental do pedido de esclarecimentos, apenas quero associar-me à sua intervenção.
De facto, o Sr. Deputado trouxe a esta Assembleia um tema importante. É que a Gimnoeste, festival de ginástica de Torres Vedras, representa, acima de tudo, um património de todos nós da região Oeste e não apenas daquela cidade. Esta é uma iniciativa que, mesmo além-fronteiras, merece o nosso aplauso.
Assim, Sr. Deputado, quero testemunhar-lhe o meu agrado por ter trazido a esta Câmara o tema da educação física em Torres Vedras, mais propriamente o da Gimnoeste, e associar-me por inteiro à sua intervenção.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Deputado Vasco Miguel, de facto, ambos testemunhámos o êxito da Gimnoeste deste ano, tendo tido oportunidade de verificar que, durante

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quatro dias, mais de 2000 atletas estiveram presentes em Torres Vedras, cidade que, afinal, é lambam um pouco nossa.
Congratulo-me, então, por V. Ex.ª ter vindo associar-se à minha intervenção e agradeço-lhe a sua participação.
Quero, ainda, dizer que ambos esperamos que a oitava edição nacional - e segunda internacional - deste festival de ginástica possa consagrar, novamente, este Êxito, e a cidade de Torres Vedras propriamente dita, como um dos baluartes da prática de ginástica no nosso País.
Finalmente, solicito à Câmara que o voto de louvor por mim entregue na Mesa e que, como referi, está subscrito por todas as bancadas possa ser votado ainda na sessão de hoje, como uma homenagem à Física de Torres Vedras.

ORDEM DO DIA

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, antes de entrarmos na discussão da proposta de lei n.º 177/V, informo que são as seguintes as petições que serão apreciadas na sessão da próxima quinta-feira, dia 2 de Maio: n.º 116/V, apresentada pelo Conselho Consultivo da Condição Feminina das Organizações não Governamentais, requerendo que, na próxima sessão legislativa, que se inicia em 15 de Outubro, seja criada na Assembleia da República uma comissão para a igualdade de direitos e participação das mulheres; n.º 126/V, apresentada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional, reclamando a aprovação de um diploma que proceda à actualização do valor de todas as pensões e altere a forma de cálculo das pensões de reforma e invalidez; n.º 132/V, apresentada pela Federação dos Sindicatos da Metalurgia, Metalomecânica e Minas de Portugal, reclamando a aprovação urgente da redução do horário de trabalho semanal, com vista a fixar-se como máximo 40 horas semanais; n.º 168/V, apresentada pelas comissões negociadoras da Plataforma Reivindicativa para a Administração Pública e da Frente Sindical da Administração Pública, solicitando que, na discussão da proposta de lei do Orçamento do Estado para 1991 e no seu texto final, haja a garantia de condições para o crescimento real dos salários e pensões dos trabalhadores da função pública.
Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Combato de Regimento e Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 30 de Abril de 1991, pelas 10.00 horas, foram observadas as seguintes substituições de Deputados:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata (PSD):

César da Costa Santos (círculo eleitoral de Viseu) por Manuel Augusto Pinto Barros [esta substituição é determinada nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 1 de Maio inclusive].

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP):

Octávio Floriano Rodrigues Pato (círculo eleitoral de Lisboa) por António Filipe Gaião Rodrigues [esta substituição 6 solicitada nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Marco (Estatuto dos Deputados), para o período de 1 a 29 de Maio próximo, inclusive];
Carlos Campos Rodrigues Costa (círculo eleitoral do Porto) por Manuel António Teixeira de Freitas [esta substituição 6 motivada pelo pedido de renúncia ao mandato do Sr. Deputado Carlos Campos Rodrigues Costa, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), a partir do próximo dia 1 de Maio, inclusive].
Nestes termos, e a partir do próximo dia 1 de Maio, inclusive, passa a exercer as funções de deputado com carácter definitivo (efectivo), o Sr. Deputado Manuel António Teixeira de Freitas;
Manuel António Teixeira de Freitas (círculo eleitoral do Porto), por Júlio José Antunes [esta substituição 6 solicitada nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de seis meses, com início em 1 de Maio próximo, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente - José Manuel M. Antunes Mendes (PCP), secretário - Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - António Paulo M. Pereira Coelho (PSD) - Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD) - José Manuel da Silva Torres (PSD) - Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Carlos Cardoso Laje (PS) - Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - José Manuel Mata Nunes de Almeida (PCP) - Hermínio Paiva Fernandes Maranha (PRD).

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Srs. Deputados, o parecer está em discussão. Como não há inscrições, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 177/V - Autoriza o Governo a legislar com o objectivo de rever o Estatuto da Ordem dos Engenheiros.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não são somente as condições do exercício de uma profissão que evoluem no tempo. Quando uma sociedade experimenta alterações substanciais na sua economia ou na sua organização, alargando-se o número dos que exercem certas funções e flexibilizando a entrada a muitos indivíduos para grupos que eram anteriormente restritos, impõe-se uma revisão das regras que orientam a prática das profissões correspondentes.
Ao longo da última década, foram essas duas coisas que aconteceram no nosso país e em relação aos engenheiros: em primeiro lugar, o progresso científico e tecnológico, a introdução de novos e potentes meios de cálculo e o tipo e dimensão dos desafios a que os engenheiros têm de responder mudaram radicalmente o conteúdo e as condições da prática da profissão; em segundo lugar, a adesão à Comunidade Europeia determinou uma evolução económica geral que reclama uma procura crescente de engenheiros e conduz à abertura das fronteiras para acolher os que, dos restantes Países membros, no nosso queiram vir exercer a sua profissão.
Modificou-se, assim - e de forma substancial -, o conteúdo das funções e o modo de as desempenhar.
Alargou-se enormemente o número dos engenheiros que praticam a profissão, criaram-se as condições para fomentar a procura destes profissionais e abriram-se as portas para um lado e para o outro, podendo os estrangeiros comunitários cá trabalhar e sendo desejável que alguns portugueses mantenham a tradição de país aberto que envia os seus naturais para toda a parte do Mundo e, particularmente, para a Europa comunitária, à qual nos ligam agora laços muito especiais.
Os que nós acolhermos têm de preencher requisitos fixados em directivas expressamente elaboradas para definhas condições do exercício da profissão. Em sentido inverso, queremos, naturalmente, aproveitar as oportunidades que se abrem aos Portugueses para lhes garantir todas as formas possíveis da sua realização pessoal.
Os grandes números impõem a definição de regras claras de ética do exercício da profissão, para que esta não se transforme numa forma incivilizada de trabalhar, de explorar ou de ser explorado. Essas regras devem reforçar o sentido da responsabilidade de cada um, conciliando-a com modos desburocratizados de assegurar a correcção do exercício de uma profissão por um indivíduo que põe a comunidade a que pertence ao abrigo das vicissitudes que sempre induz uma prática incompetente ou abusiva de funções que reclamam preparação especial.
Mas é evidente que não deve ser o Estado a fazer tudo neste domínio, assegurando, por um lado, a formação e, por outro, estabelecendo que os diplomados que prepara estão aptos a exercer toda a gama de funções para as quais o certificado dado os habilita.
Hoje, a vida profissional é muito mais complexa do que já foi algum dia e a competição, sendo muito dinâmica - para usar um termo brando -, reclama a observância de regras deontológicas muito rigorosas. Mas a experiência mostra, em muitos países, que a sua aplicação fica bem nas mãos dos pares que, zelando por um, acabam por zelar por todos e contribuir, dessa forma, para o prestígio da profissão e, também, para o progresso da colectividade, que, dessa maneira, será servida por profissionais competentes, rigorosos e responsáveis.
São estes, afinal, os propósitos maiores do pedido de autorização legislativa que apresentamos: primeiro, enfrentar a questão da abertura das nossas fronteiras aos profissionais nacionais dos outros Estados membros da Comunidade Europeia; segundo, resolver a questão, há tanto tempo mal definida, da definição de regras deontológicas para o exercício da profissão e da sua aplicação; terceiro, adaptar os estatutos da Ordem dos Engenheiros às novas funções que se quer cometer-lhe; quarto, fixar os requisitos para o exercício da profissão de engenheiro.
A proposta que apresentamos à Câmara não visa a defesa de meros interesses corporativos. O sentido do que temos em mente é o do reforço, por via da responsabilização de cada um e da Ordem dos Engenheiros no seu conjunto, das exigências estabelecidas em relação ao exercício da profissão de engenheiro, cada vez mais determinante do nosso progresso e do estilo rigoroso que gostaríamos de ver generalizado a todas as profissões.
Estou certo de que todos compreenderão a relevância do que está em jogo.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sr. Ministro, a razão pela qual não lhe fiz qualquer pedido de esclarecimentos é porque, indo eu próprio apresentar algumas questões nesta minha intervenção, teremos possibilidade de debatê-las a seguir.
Com data de 16 de Janeiro de 1991, deu entrada na Assembleia da República um pedido de autorização legislativa que, votado favoravelmente, possibilitará ao Governo rever o Estatuto da Ordem dos Engenheiros.
Na exposição de motivos dessa proposta de lei, que tem o n.º 177/V, acentua-se que o actual Estatuto da Ordem, que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 352/81, de 28 de Dezembro, contém imprecisões e deficiências. Aliás, vários anos atrás, a própria Ordem o reconhecia, pelo que, atenta à valorização e ao prestígio da profissão, procedera à sua correcção.
Os estudos de revisão do Estatuto tiveram início há já vários anos, tendo ficado concluídos no final de 1989, pelo que se passou a uma ampla discussão do seu articulado entre os seus membros.
Em 5 de Abril de 1990, o novo Estatuto foi aprovado por referendo nacional da classe. Este Estatuto apresenta-se - cito a Ordem - «inovador, com uma visão europeia

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em que se procura a valorização profissional do engenheiro, através da existência de colégios de especialidades».
A transposição, para a legislação nacional, da Directiva do Conselho das Comunidades n.º 89/48/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, aponta, seguramente, para a necessidade da sua regulamentação pela Ordem, passando esta a funcionar em Portugal como «autoridade competente» para garantir o cumprimento do que foi estabelecido pela CEE nesta directiva.
De acordo com o Regimento da Assembleia da República, devia o Governo, ao apresentar este pedido de autorização legislativa, definir de forma rigorosa o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização.
Salvo no que se refere à duração da autorização, que de forma clara, se indica que caducará no prazo de 180 dias, em tudo o mais a definição é confusa. O Governo não quis ser claro ou, o que ainda é pior, não sabe a que revisão irá proceder.

O Sr. José Sócrates (PS): - É isso mesmo!

O Orador: - A Ordem dos Engenheiros fez, seguramente, entrega ao Governo, logo após o referendo, de um exemplar da nova versão do Estatuto e outro do seu código deontológico.
Possuindo o Governo em seu poder uma revisão da nova lei estatutária, referendada pela classe, servindo os objectivos que a Ordem persegue, por que razão não respeitou a data de 4 de Janeiro de 1991, que nessa directiva lhe era apontada, como data limite para a transposição da directiva para a legislação nacional?
O Governo obriga os outros a cumprir mas raramente cumpre!
Se o Governo pensava adoptar, como sua, esta nova versão, por que razão não a fez distribuir com o pedido de autorização legislativa? Por que preferiu apresentar, no artigo 2.º da proposta, quatro vagas alíneas que não apontam um caminho determinado? Ou pensa o Governo solicitar a um «especialista em estatutos» uma nova revisão do anterior, fazendo vista grossa sobre o trabalho realizado pela Ordem e sobre o resultado conseguido?
Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Em 8 de Agosto de 1989. o Conselho das Comunidades fez distribuir uma nova directiva relativa a um segundo sistema geral de reconhecimento das formações profissionais, que vem completar a Directiva n.º 89/48/CEE.
Esta nova directiva pretende cobrir as situações dos diplomados do ensino superior «curto», dos diplomados do ensino secundário e de alguns não diplomados, detentores de uma certa experiência profissional.
Esta directiva baixou a várias comissões que me permito não citar, tendo sofrido diversas alterações. A versão corrigida foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades em l de Setembro de 1990. Não temos conhecimento de que já tenha sido aprovada e notificada, mas é do perfeito conhecimento do Governo Português.
É nossa opinião que a Ordem, como entidade competente para garantir o cumprimento da primeira directiva, devia ser, simultaneamente, autoridade competente para garantir o cumprimento da segunda directiva.
O relacionamento vertical das profissões e o seu acompanhamento pela mesma autoridade pode vir a ser de grande importância no futuro.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Meia dúzia de palavras sobre estas directivas.
Portugal sempre lutou pela abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e serviços entre os Estados membros.
Congratulamo-nos, pois, com a publicação destas duas directivas. Somos pela sua rigorosa aplicação e acompanhamento porque não podemos aceitar que o princípio enunciado seja subvertido nos Estados membros de acolhimento com possíveis prejuízos para os nossos emigrantes. Mas, paralelamente, defendemos o maior rigor no julgamento das situações de cidadãos de outros Estados membros, possuidores de cursos tecnicamente menos evoluídos, que procuram na periferia solução para as suas questões de desemprego ou de insuficiente valorização.
Recomenda-se, pois, que a determinação das características de experiência profissional, as condições de estágio de adaptação e ou a prova de aptidão garantam que as condições a preencher pelos migrantes para completar uma formação de origem que não corresponda à do Estado membro de acolhimento sejam as adequadas.
O presente pedido de autorização legislativa deveria, pois, ser concedido, mas com algumas condições.
Gostaríamos de ouvir do Governo explicações aos reparos que até agora fizemos, às dúvidas que até agora manifestámos e às apreensões que nos acompanham. Uma vez concedida a autorização legislativa, deveria o Governo organizar um grupo de trabalho que prepare a versão final do Estatuto a publicar, de que façam parte representantes dos mais directamente interessados, com muito especial destaque para os representantes da Ordem dos Engenheiros.
Acompanharemos o debate, iremos ainda intervir, ouvidas as razões do Governo, e colocamo-nos à disposição do Plenário para qualquer esclarecimento.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A forma como o Governo fundamenta a apresentação da presente proposta de lei de autorização legislativa assenta numa evidência. Publicada em 24 de Janeiro de 1989, a Directiva Comunitária n.º 89/48/CEE, relativa a um sistema geral de reconhecimento dos diplomas de ensino superior que sancionam formações profissionais com uma duração mínima de três anos, importa, naturalmente, proceder à sua transposição para o direito português através da aprovação de um diploma legislativo.
É também uma evidência que, em face dos desafios colocados com a plena adesão de Portugal às Comunidades Europeias e da construção do mercado único, com as suas consequências a nível da mobilidade do mercado de trabalho, se torna necessário adaptar as normas reguladoras do exercício da engenharia aos ordenamentos existentes nos Estados membros das Comunidades Europeias, procedendo à adaptação da cilada directiva e actualizando para tal o Estatuto da Ordem dos Engenheiros.
Acontece, porém, que a autorização que o Governo pede à Assembleia da República não se limita estritamente, por um lado, a adaptar a directiva comunitária e, mais importante do que isso, não esclarece como pretende transpô-la. Com efeito, o Governo propõe-se regular a admissibilidade do exercício da engenharia por nacionais de outros Estados membros das Comunidades Europeias, desde que validamente o possam fazer no respectivo país, mas a proposta

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não se limita a isso. Propõe-se também regular as normas deontológicas para o exercício da profissão de engenheiro e o respectivo regime disciplinar e reestruturar a Ordem dos Engenheiros, bem como alterar a sua constituição, as suas competências e o funcionamento dos seus órgãos. Propõe-se ainda regular os requisitos para a inscrição na Ordem e para a utilização do título de engenheiro e bem assim as condições para o exercício da respectiva profissão.
O que é surpreendente e não é admissível é que o Governo venha pedir a autorização legislativa em branco, sem qualquer articulado anexo e sem esclarecer qual vai ser a sua posição e o que propõe à Assembleia sobre questões de grande actualidade e importância que se relacionam com o Estatuto da Ordem dos Engenheiros. Importa esclarecer, designadamente, em que sentido propõe o Governo alterar as normas deontológicas ou o regime disciplinar para o exercício da profissão de engenheiro e que requisitos propõe o Governo que venham a ser exigidos para a utilização desse título. Concretamente, pretende ou não o Governo inviabilizar o acesso à inscrição na Ordem aos titulares de licenciatura conferida pelos institutos superiores de engenharia?
Creio ser importante que neste debate não se fuja a esta questão. Como se sabe, os institutos superiores de engenharia podem atribuir o grau de licenciatura a indivíduos habilitados com cursos de estudos superiores especializados que, de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo, formem um conjunto coerente com um curso de bacharelato precedente. Não prevê a Lei de Bases do Sistema Educativo qualquer discriminação entre o título de licenciatura obtido em universidades e o mesmo título de licenciatura obtido em institutos politécnicos.

O Sr. Manuel Vaz Freixo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sucede, porém, que não está assegurada a integração destes engenheiros na Ordem, não sendo tal discriminação admissível no quadro institucional definido para o ensino superior.
O Governo propõe que a Assembleia da República o autorize a legislar, mas não diz o que propõe sobre esta questão.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Exacto!

O Orador: - Importaria ainda esclarecer outras questões candentes no quadro da integração comunitária.
Como e sabido, a FEANI, federação de engenheiros à escala comunitária, ao definir o sistema que permita a um profissional de engenharia ver reconhecidas noutro país da Comunidade as suas qualificações, em relação aos níveis de qualificação profissional estabelecidos nesse país ou a níveis que venham a ser admitidos em todo o espaço europeu, considerou que cabem no mesmo grupo de qualificações profissionais todos os que possuam estudos secundários e três anos de formação técnica conferida por uma universidade ou por outro organismo de nível universitário. Aponta, pois, para a equiparação referida. Sabe-se como esta orientação é contestada em Portugal, designadamente pela Ordem dos Engenheiros. O que não se sabe e qual a posição do Governo relativamente a esta questão, nem em que sentido é que o Governo propõe que a Assembleia o autorize a legislar sobre esta matéria. Importaria que isso fosse esclarecido no decorrer deste debate.
Coloco ainda uma questão relativa à Directiva Comunitária n.º 89/48/CEE. Nela se considera que, «para efeitos da presente directiva», se entende por «diploma» qualquer diploma que tenha sido emitido, designadamente, por uma autoridade competente de um Estado membro, desde que dele se depreenda que o titular concluiu com êxito um ciclo de estudos pós-sccundários com uma duração mínima de três anos ou com duração equivalente a tempo parcial numa universidade, num estabelecimento de ensino superior ou noutro estabelecimento com o mesmo nível de formação. Exige-se ainda que se depreenda desse diploma que o titular possui as qualificações profissionais requeridas para o acesso a uma profissão regulamentada nesse Estado membro ou para o seu exercício.
Assim sendo, nos termos da directiva, e não sendo reconhecidos em Portugal, a nível da inscrição na Ordem dos Engenheiros, os licenciados nos institutos superiores de engenharia ou mesmo os bacharéis formados nesses institutos, estes ficam seriamente afectados na sua mobilidade profissional, dado não possuírem as qualificações profissionais que são exigidas.
É importante, no momento em que discutimos o estatuto de uma ordem profissional, que se evite cair em espíritos que acabem por prejudicar os profissionais portugueses junto dos restantes Estados membros da Comunidade Económica Europeia. Há que evitar espíritos de isolamento, que seguramente só prejudicariam a própria classe profissional. Importaria que, neste debate, o Governo esclarecesse que posição tem em relação a esta matéria, para que a Assembleia possa avaliar e decidir.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Maria Oliveira Martins.

O Sr. João Maria Oliveira Martins (PSD): - Sr. Deputado António Filipe, se bem entendi a sua intervenção, referiu dois planos e parece-me importante distingui-los.
Um deles diz respeito às várias categorias profissionais que exercem a engenharia em Portugal, em termos de se saber em que medida é que elas poderão ficar ou não em condições de desvantagem relativamente a estrangeiros. Penso que a sua preocupação é legítima. Só que a sede própria para resolver tal problema não é o estatuto de uma organização existente, mas outra sede. Felizmente, existe em Portugal o direito de associação, em face do qual cada categoria profissional pode ter a sua associação. Em nome de que é que uma associação que existe e está constituída, com os respectivos associados e estatutos, pode ser forçada a admitir outro tipo de associados?! Por que não usar do direito à liberdade de associação e, evidentemente, respeitar as regras dele decorrentes?

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado João Maria Oliveira Martins, devo dizer-lhe que sou um firme defensor das virtual idades do direito de associação e do próprio direito de associação, mas creio que a questão que aqui estamos a discutir é diferente. O Governo pede à Assembleia autorização para transpor para o direito português uma directiva comunitária e essa transposição coloca problemas como os que referi, sendo também evidente que,

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ao se proceder a essa transposição, há opções que tom de ser tomadas.
A questão que coloquei é a de saber qual é a posição que o Governo tem em relação a este problema, precisamente para que a Assembleia possa avaliar qual é, afinal de contas, o sentido da autorização que lhe está a dar.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Santos Pereira.

O Sr. António Santos Pereira (PSD): - Sr Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de começar esta breve intervenção referindo que me é particularmente grato poder, em nome do Partido Social-Democrata, pronunciar algumas palavras sobre o pedido de autorização legislativa que hoje o Governo submete a esta Assembleia, no sentido de alterar o Estatuto da referida Ordem, por forma a eliminar imprecisões e deficiências do texto de 1981, actualmente em vigor, bem como a consagrar um conjunto de novas normas capazes de estruturar e facilitar a actuação dos engenheiros tanto no País como internacionalmente.
A história e a acção da Ordem dos Engenheiros, actualmente com cerca de 55 anos, ultrapassam largamente os termos iniciais do regulamento da antiga Associação Portuguesa dos Engenheiros e acreditam-na e fazem-na merecedora da sua qualidade de instituição de interesse e utilidade pública. As múltiplas e diversificadas iniciativas que recheiam a sua história falam por si.
A presente iniciativa constitui o início da resposta do Governo ao referendo nacional promovido entre os membros daquela instituição, realizado a 5 de Abril do ano transacto, acto este que sufragou entre a classe profissional dos engenheiros dois objectivos primordiais: o desejo de um novo estatuto que encontre soluções para as exigências da aceleração tecnológica, se adapte ao quadro dos desafios decorrentes da adesão nacional às Comunidades Europeias e consequente criação do mercado único e a necessidade de um novo código deontológico que, pelo exercício profissional, realize o engenheiro a si próprio, contribua para a valorização dos outros que com cie contactam e dignifique o próprio trabalho por ele realizado.
Na nossa perspectiva, relativamente aos estatutos em vigor, releva do texto referendado pela classe um conjunto de cinco grandes alterações, que merecem registo e justificam a nossa tomada de posição, as quais passo a enumerar.
Em primeiro lugar, conta-se o respeito pela filosofia predominante em toda a Europa sobre a forma de funcionamento de instituições desta natureza, ou seja, a necessidade da existência de colégios de especialidade. Com esta solução poderá a Ordem, através destes órgãos e sem perda de identidade própria, intervir nos domínios profissional e técnico-científico das diferentes especialidades, permitindo e incentivando a formação permanente e a valorização dos seus membros.
Em segundo lugar, retoma-se e dignifica-se a atribuição do título profissional de engenheiro, enunciando claramente que o seu uso ou o exercício da profissão, salvo nalguns casos especiais, depende de prévia inscrição na Ordem. Sobre esta matéria, passam, portanto, a ser atribuídos à Ordem dos Engenheiros, relativamente à classe, poderes semelhantes àqueles que no seu âmbito actualmente detêm ordens como a dos médicos e a dos advogados - é pelo menos essa a pretensão da Ordem dos Engenheiros. Para o efeito, o estatuto referendado dispõe que a admissão como membro da Ordem está condicionada à habilitação académica com diploma universitário de licenciatura em Engenharia, nacional ou estrangeiro, mas neste último caso apenas se oficialmente reconhecido como equivalente por uma universidade portuguesa ou mediante provas da própria Ordem. Às escolas continua, assim, a competir a atribuição do título académico de licenciatura e à Ordem o título profissional.
A este propósito, vale a pena referir que esta exigência tem um alcance consensual por parte da grande maioria dos membros da Ordem, bem patente no facto de ela constar do programa das duas listas que se apresentaram a sufrágio nas últimas eleições internas.
Em terceiro lugar, sem prejuízo do primado do direito comunitário, a Ordem pretende estar em condições de, com a edificação do mercado único, poder protagonizar um papel actuante na defesa dos seus membros. A Ordem passará a ser o garante de que o exercício da engenharia em Portugal, por parte de estrangeiros, depende de exigências de qualificações equivalentes às que são feitas relativamente aos profissionais nacionais do sector. Adivinha-se a importância destas normas quando, a partir de 1992, a liberdade de circulação nos trouxer técnicos com níveis de formação de engenharia muito diferenciados, oriundos da globalidade dos países da Comunidade Europeia.
Vale a pena, a propósito, relembrar que a Directiva n.º 89/48/CEE tem carácter geral, pois apenas dispõe, na globalidade, sobre o reconhecimento de diplomas de ensino superior que sancionam formações profissionais com duração superior a três anos, pelo que o Governo, se eventualmente aprovar os estatutos no uso da presente lei de autorização legislativa, regulamenta sobre o exercício específico da profissão de engenheiro, cometendo a Ordem para a qualidade de «autoridade competente» para efeitos de aplicação da directiva.
Em quarto lugar, assinala-se que o estatuto referendado não é reivindicativo relativamente à fixação de quotas de mercado de trabalho que pertençam a outras profissões.
Por último, é de registar a definição de um código deontológico que confere uma dimensão ética ao trabalho profissional e disciplina o seu exercício. Significativamente, os engenheiros resumem o essencial das regras da sua conduta profissional a uma carta magna de 10 artigos fundamentais, todos eles de profundo alcance humano e social.
Do exposto ressalta um importante conjunto de subsídios que porventura o novo estatuto pretende trazer à engenharia portuguesa e que justificam, na perspectiva do Partido Social-Democrata, o apoio ao pedido que o Governo nos submete para legislar nesta matéria. A sua opinião será sempre soberana.
Votaremos, pois, favoravelmente a proposta de lei n.º 177/V.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os Srs. Deputados Eduardo Pereira e António Filipe fizeram algumas observações à minha intervenção, pelo que gostaria de deixar claramente esclarecidas as posições do Governo nesta matéria.

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Devo dizer desde já que, tendo nós começado por ser dos últimos em matéria de transposição de directivas, somos hoje um dos países que mais transpôs directivas no seio da Comunidade Económica Europeia. Fomos até, por isso, felicitados pelo próprio Presidente Jacques Delors, que demonstrou apreço pelo facto de termos recuperado muito do tempo perdido a esse respeito. Chegou agora a vez desta directiva. Temo-nos aplicado em muitas delas e a transposição desta, tendo sido todavia das mais atrasadas, vem no momento certo. No meio de todo este enorme movimento de transposição de directivas comunitárias, esta concretizou-se quando foi possível, ou seja, agora.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Que azar!

O Orador: - O segundo ponto focado, com o qual não estou nada de acordo, reside na questão da pouca clareza do pedido de autorização legislativa. Dizemos muito claramente, no artigo 2.º da proposta, o que é que se pretende com o pedido de autorização.
Em primeiro lugar e seguindo a recomendação do Sr. Deputado Eduardo Pereira, com a qual não posso estar mais de acordo, define-se muito claramente a admissibilidade do exercício da engenharia por nacionais de outros países membros. Foi dito que era necessário haver um grande rigor no julgamento da situação e o Governo não pode estar mais de acordo com esse rigor, que, tal como tive ocasião de referir na minha breve intervenção de apresentação do diploma em apreço, vai no sentido da elevação da dignificação da profissão e da elevação das exigências no exercício da profissão.
Por outro lado, quanto à questão da fixação das normas deontológicas, é efectivamente necessário fazê-lo. Tive oportunidade de dizer há pouco, na intervenção introdutória, que o julgamento e definição das condições deontológicas pelos pares é sempre mais eficaz do que a definição de um código pelo Governo. É isso - a autodisciplina através da definição de regras de rigor - que pretendemos.
No que respeita ao terceiro ponto abordado, que se refere à questão da reestruturação da própria Ordem, devo dizer que as coisas evoluem e que já tive ocasião de me referir a essa evolução. A própria profissão evoluiu muito nas suas exigências e daí que haja vantagem em adaptar os desafios àquilo que vem a ser a resposta estrutural da própria Ordem.

O Sr. José Sócrates (PS): - Concretize, é preciso concretizar!

O Orador: - Não vamos consultar nenhum especialista em estatutos, mas considerar todo o trabalho que a própria Ordem produziu a este respeito. A Ordem trabalhou muito, na sequência daquilo que já foi aqui referido a propósito do referendo. Há muito trabalho acumulado, mas nós vamos, naturalmente, basear-nos naquilo que foi a experiência adquirida.
O último ponto que gostaria de deixar bem claro tem a ver com os requisitos para a inscrição na Ordem dos Engenheiros, que têm de estar sempre em consonância com esta postura de evolução progressiva da profissão para níveis mais elevados de responsabilização.
Pensamos que deve haver graus acrescidos de responsabilização dos engenheiros por aquilo que fazem, porque se trata de profissões que são mais arriscadas do que aquilo que pode parecer à primeira vista, na medida em que está sempre em jogo a segurança, quer de pessoas
quer de bens. Sendo assim, a correcção da aplicação de dinheiros, a segurança de pessoas, o respeito pela fazenda das pessoas, tem de ser, naturalmente, mais exigente. Caminharemos sempre - e é esse o sentido da evolução - no sentido do reforço da exigência dos atributos e da preparação dos engenheiros.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.
O Governo já não dispõe de tempo para responder.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr.ª Presidente, o PRD concedeu-me dez minutos do seu tempo e, desse tempo, concedo cinco minutos ao Sr. Ministro, que, assim, poderá responder às questões que vou colocar-lhe.

A Sr.ª Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Ministro, V. Ex.ª voltou a falar no artigo 2.º e no rigor pretendido para as avaliações de conhecimentos. Disse, aliás, que este artigo 2.º aponta claramente para aquilo que o Governo pretende fazer.
Em relação a esta matéria, há uma diferença entre nós: enquanto que eu coloco as questões mas não tenho necessidade de dar respostas, o Sr. Ministro tem de o fazer, porque foi o Governo que pediu esta autorização legislativa. E se não nos conseguir convencer, não votaremos favoravelmente, o que seria maçador porque, nesse caso, esta autorização só seria aprovada com os votos do PSD.
Há um ponto importante - e que, aliás, já foi aqui focado por um outro Sr. Deputado - que o Sr. Ministro não mencionou na sua intervenção. Eu também já o tinha abordado, mas vou fazê-lo de novo para que V. Ex.ª possa dar-me uma resposta fácil. Mas, neste caso especial (e para facilitar-lhe a vida), vou dar-lhe a minha opinião.
Tal como o Sr. Ministro, entendo que a cursos diferentes, a graus de responsabilidade diferentes, podem perfeitamente corresponder associações diferentes. Esta é a Ordem de Engenheiros que temos, mas a verdade é que poderíamos ter outras ordens, com graus de responsabilização e designações diferentes, mas que seriam complementares. Nada exige que aquele que se forma e tem qualquer grau de responsabilidade em engenharia tenha de estar inscrito na mesma ordem. Não há razão nenhuma!
No entanto, lanço aqui uma ideia - e gostaria que o Sr. Ministro a comentasse -, que é esta: embora sendo assim, e sendo a Ordem a associação dos engenheiros de maior qualificação em Portugal, creio que seria interessante que esta fosse a associação responsável pela análise das situações não só dos cursos superiores a três anos mas também dos cursos mais pequenos, dos cursos médios de Engenharia e até daqueles engenheiros que têm alguma experiência, embora eles pudessem ter associações distintas. Seria interessante que a Ordem dos Engenheiros, a que existe e cujos estatutos vamos alterar, pudesse, na realidade, fazer o acompanhamento e a fixação das condições, quer para estrangeiros quer para alguns casos nacionais, ou seja, para aqueles que se quisessem revalorizar.
Gostaria de ouvir a sua opinião sobre esta matéria. Não me parece que seja interessante manter esta «guerra entre engenheiros de primeira e de segunda». Penso que a questão de saber se devem ou não ter todos a mesma associação está ultrapassada. Melhor seria que tivéssemos as associações que merecemos e que, na verdade, a Ordem dos Engenheiros, através desta nova responsabilidade que lhe é dada pela Comunidade Económica Europeia, pudesse

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estar na cúpula do acompanhamento e julgamento de situações de valorização, quer estrangeiras quer nacionais.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Mota.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Deputado Eduardo Pereira, creio que estamos muito mais de acordo do que aquilo que pode parecer à primeira vista, pois, nas intervenções que Fizemos, ambos nos referimos ao reforço da exigência da profissão e à necessidade de valorização da mesma.
Há pouco V. Ex.ª fez referência ao rigor na admissão de diplomados estrangeiros com extracções profissionais e de preparação muito diferentes. Ora, na minha intervenção inicial, embora não tenha referido esses candidatos com tal pormenor, falei da necessidade de curar a preparação do engenheiro.
Relativamente ao exercício da profissão, tive também oportunidade de dizer que hoje há uma grande variedade de profissões e que o exercício profissional das diversas funções numa sociedade compreende muitos estratos, muitos profissionais, muita variedade de especialidades, que tom de se encaixar.
Há algumas coisas em relação às quais nós somos teimosos. Quanto à liberdade de associação, somos teimosos e não podemos deixar de o ser, e somos também, naturalmente, teimosos naquilo que vem a ser o reforço da sociedade civil.
O Sr. Deputado perguntou-me se não deverá ser a Ordem responsável por muitas funções que, neste momento, «Só do Estado e a minha resposta é, inequivocamente, «sim»! Cada vez mais a Ordem deve ser responsável pelo juízo de muitas coisas que, neste momento, são da atribuição do Estado.
Já tive ocasião de referir que há toda a utilidade em distinguir-se quem dá os diplomas e quem julga da sua bondade para o exercício de uma profissão. Sabemos muito bem que há diplomados que nunca exerceram uma profissão e outros que acabaram por se entregar «de alma e coração» a uma determinada actividade que reclama preparação, prática e condições de aquisição de capacidades, o que os torna profissionais que merecem ser, com certeza, distinguidos ao longo da evolução da carreira, preparando-os para voos mais altos. Isto, em nosso entender, deve ser da responsabilidade da Ordem. Como já tive ocasião de dizer, a Ordem deve curar dos indivíduos e do prestigio da profissão no seu conjunto.
A minha resposta à sua última questão é, pois, esta: tudo vai no sentido - e essa é a nossa convicção! - de que deve haver uma maior transferencia de funções para a Ordem do que aquela que existe neste momento. Matérias como a intervenção, o julgamento, quer deontológico quer das condições de admissão, o julgamento do próprio tipo de diplomas, a adequação dos diplomas à função, a evolução na carreira, devem ficar muito mais dentro do âmbito do julgamento dos pares do que de uma carreira burocrática qualquer ou de procedimentos burocráticos que não distinguem a fineza de muitos factores que estão em jogo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, esta minha curta intervenção não assume a forma de pedido de esclarecimento, mas, como apela para um esclarecimento da parte do Governo, deixarei um minuto para que o Sr. Ministro possa responder-me.
O Governo não esclareceu a sua posição quanto à questão que coloquei na minha intervenção e que é esta: neste momento, em Portugal, temos várias instituições que conferem licenciatura em Engenharia. Para além de instituições integradas em universidades, temos institutos superiores de engenharia que, nos termos da Lei de Bases do Sistema Educatico, estão autorizados a conferir a licenciatura, isto é, conferem o bacharelato após três anos e licenciatura depois de mais dois anos de curso superior especializado que tenha uma articulação coerente com o bacharlato anteriormente obtido. O título académico «licenciatura» atribuído pelo Instituto Superior de Engenharia é rigorosamente o mesmo daquele que é dado por faculdades de engenharia integradas em universidades.
A questão que coloco é esta: entende ou não o Governo que os licenciados pelos institutos superiores de engenharia não devem ter possibilidade de se inscrever na Ordem dos Engenheiros?
O Sr. Ministro deveria responder a esta questão para que possamos avaliar o que é que o Governo pretende fazer na revisão do Estatuto da Ordem.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Deputado António Filipe, estava convencido de que isso tinha ficado esclarecido na resposta que dei ao Sr. Deputado Eduardo Pereira, quando referi, muito concretamente, que o Governo era a favor da liberdade de associação.
Quanto à distinção de funções, na minha intervenção inicial disse que o Estado cura de assegurar a formação e dá um diploma. Porém, o Governo não tenciona dar ordens à Ordem, Sr. Deputado. É esta a resposta sintética que dou.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas então quem é que vai publicar os estatutos? O Sr. Ministro não quer responder!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encerrada a apreciação desta proposta de lei, vamos passar agora à discussão da proposta de lei n.º 179/V, que autoriza o Governo a alterar o Estatuto da Ordem dos Advogados, procedendo à transposição parcial da Directiva n.º 89/48/CEE, do Conselho das Comunidades Europeias, de 21 de Dezembro de 1988.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Directiva do Conselho das Comunidades Europeias n.º 89/48/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, visa introduzir nos Estados membros um sistema geral de reconhecimento

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de diplomas do ensino superior que sancionam formações profissionais com a duração mínima de três anos.
O objectivo é facultar, aos nacionais dos Estados membros, o exercício de uma profissão independente ou assalariada num outro Estado membro diferente daquele onde adquiriram as respectivas qualificações profissionais.
A directiva em causa constitui, assim, um instrumento de abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e serviços entre os Doze, de acordo com um dos grandes objectivos do Tratado de Roma.
Tendo em conta os objectivos referidos, toma-se imperioso implementar, em cada Estado membro, os meios necessários à sua consecução.
O estabelecimento desses meios passa, necessariamente, pela transposição para a ordem jurídica interna da directiva referida, tal como exige o seu artigo 12.º
Em Portugal e no que respeita ao exercício de advocacia, ele depende da inscrição válida na Ordem dos Advogados, de acordo com o disposto no artigo 53.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março, pelo que deve tal Estatuto passar a prever as condições em que nele se possam inscrever os advogados oriundos dos países da Comunidade Europeia.
Tal inscrição ficará, no entanto, dependente da prévia aprovação em provas de aptidão efectuadas em língua portuguesa, que incidem sobre deontologia profissional, organização judiciária e outras matérias de direito português, substantivo ou processual, como sejam direito constitucional, direito civil, direito comercial, direito penal, direito do trabalho, direito administrativo e direito fiscal.
Face à autonomia institucional da Ordem dos Advogados, é natural que seja um dos seus órgãos - o conselho geral - a entidade que detenha a competência para aprovar os regulamentos de inscrição de advogados nacionais de outros Estados membros das Comunidades Europeias, bem como para fixar o regime das respectivas provas de aptidão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de lei de autorização legislativa é mais um passo que vem demonstrar, inequivocamente, o sucesso obtido nos cinco anos após a adesão, na área da transposição de directivas, quer do acesso comunitário, quer das correspondentes às medidas previstas no denominado «Livro Branco do Mercado Interno».
Com efeito, cabe realçar, a respeito da transposição das directivas, que Portugal se apresenta, no acervo comunitário, num honroso 3.º lugar, entre os demais Estados membros. Ao votarem esta proposta de lei, V. Ex.ª estarão, uma vez mais, a contribuir, num esforço solidário e institucional para que tenhamos os instrumentos legais necessários com vista a dar real expressão ao espírito e às directrizes do Tratado de Roma.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Estou a lembrar-me do estudante cábula que, interrogado sobre as Guerras Púnicas, dizia que eram importantes mas muito mais o eram as pérsicas.

Risos do PS e do PCP.

E, realmente, estar aqui a perder tempo com este tema é um pouco fútil quando centenas, porventura milhares,
de estudantes de Direito questionam o problema do acesso à Ordem dos Advogados. Esse, sim, é um tema político quente, de relevância, e que, embora possa não parecer, prejudica e responsabiliza, mais do que as faculdades de direito e mais do que a Ordem dos Advogados e a sua bastonária, o Governo.
E porque estamos aqui para tratar do acesso genérico à Ordem dos Advogados, ou seja, ao exercício da advocacia, em Portugal, por cidadãos da Comunidade, é adequado abordar o problema do acesso de cidadãos nacionais.
Porquê a responsabilização do Governo? Porque, na sua política de ensino superior, se quedou num inaceitável relaxado liberalismo de laissez faire, laissez passer, isto é, faculdades de direito todas as que calharem...

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se ontem eram 13, hoje não sei se são 14 ou 15. No piso onde tenho o meu escritório somos cinco advogados e estamos a pensar em montar uma pequena faculdade de direito em duas salas livres que temos e como há dois bons solicitadores também teremos assistentes... Este, sim, é o problema.
Estas faculdades, este ensino superior, em Portugal - desculpar-se-á a expressão -, «é mato», não se acautelando o nível didáctico, nem preocupações curriculares, e qualquer concelho reivindica a sua faculdade. Resumindo, em matéria de faculdades de direito, é «o da Joana» - permita-se-me o tom grosseiro da expressão mas ele sublinha realmente o problema. Então, com tanta faculdade de livre acesso, os estudantes - não todos, é evidente - criam a expectativa de se poderem inscrever na Ordem dos Advogados para virem a ser advogados e, de repente, a Ordem dos Advogados, mais cautelosa, mais sensata, mais responsável, corporativa se quiserem, do que o Governo, sente necessidade de pôr barreiras e de fazer exigências no acesso à Ordem, que é como quem diz no acesso ao exercício da advocacia.
É esta uma preocupação corporativa? Em certa medida sim, só que é lícito à Ordem dos Advogados, como representante da classe, pôr problemas profissionais, de advocacia, no interesse dos próprios advogados, dos que são e dos que virão a sê-lo, no interesse da justiça, no interesse dos utentes da Justiça e, ao fim e ao cabo, no interesse nacional.
É, portanto, legítimo a Ordem dos Advogados pôr condições de acesso e graus de exigência na matrícula de jovens licenciados na Ordem, até porque importa impedir que, das tais numerosas faculdades de direito sem grau de exigência, comecem a «chover» catadupas de advogados, muitos dos quais destinados ao insucesso.
E o problema não é de protecção dos advogados em exercício, porque a advocacia é uma profissão altamente selectiva. A questão é outra, é saber se dentro em pouco, com uma abertura total, não se criará um excessivo lumpen de advocacia marginal.
Aliás, devo dizer que a lula pela sobrevivência é má conselheira em matéria de deontologia...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -... e os advogados e a sua Ordem não querem que grassem advogados que de manhã façam cambão na Boa Hora e à tarde sirvam à mesa em qualquer tasco da Rua dos Correeiros. Essa situação seria degradante para a profissão, perigosa para os utentes da justiça e

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globalmente, em termos de equação profissional, preocupante a nível da comunidade nacional.
Esse é que é o problema. Se o estágio e as condições que a actual bastonária e os corpos directivos da Ordem dos Advogados estabeleceram são ou não os melhores, é outro problema e eu, pessoalmente, penso que não.
Só que é difícil estabelecer critérios. Estabelecer quatro centros de estágio é limitativo. Pretender dar formação prática a jovens licenciados em três ou quatro meses é caricato. Estabelecer um regime de faltas, sobretudo tão reduzido como o que está instituído ou tenderá a estar, é um mau ponto de partida para quem vai advogar, porque a advocacia é uma profissão livre, de homens livres, mas também e sobretudo responsáveis, e daí não haver razão para estabelecer um regime de «carteira» para quem frequentar preparação prática de advocacia, pois é de supor que quem se destina ao exercício dessa profissão tenha, à partida, o sentido da responsabilidade das coisas.
Por que razão os países da Comunidade colocam condições de acesso às suas ordens de advogados? A pergunta é pertinente porque, em princípio, a livre circulação determinaria que não houvesse limite. No entanto, essas exigências têm a ver com o controlo da qualidade técnica e alguma triagem, para que os países de recepção não importem os técnicos marginais dos outros países.
Não é pensável que quem advoga em Portugal não possa exprimir-se minimamente na nossa língua e não domine minimamente umas quantas especialidades jurídicas do nosso ordenamento. Estas limitações destinam-se a que não se crie, em Portugal, uma marginalidade internacional de advogados desqualificados, que viessem aqui como se viessem para o Terceiro Mundo montar os seus cambões internacionais, os seus lobbies de influência, porque bem basta os que já cá temos...
Terminarei dizendo que, abstractamente, o texto é de aprovar, pois trata-se de uma necessidade de adequação da nossa legislação às regras europeias. Porém, não pode o problema profissional e nomeadamente o exercício da advocacia em Portugal ser perspectivado de um prisma estritamente formal e abstracto, tem de se baixar mais, tem de se ir ao concreto, tem de se ter consciência e conhecimento do que é o exercício da profissão no terreno e no quotidiano. E daí esta querela que está estabelecida entre os estudantes das numerosíssimas faculdades de direito e a Ordem dos Advogados.
Termino como comecei: a grande responsabilidade e a grande responsabilização - e não o digo por razões de oposição política, porque quem me conhece sabe que se o Governo fosse do Partido Socialista e tivesse práticas censuráveis teria o meu comentário ácido - é do Governo, que tem estado quieto e calado, tem-se escondido, nomeadamente tem deixado que a bastonária e os reitores das universidades que têm faculdades de direito suportem o debate da polémica, quando deveria vir à ribalta para se sujeitar a ser censurado pela sua falta de coragem na definição da equação profissional nacional, o que tem a ver com o controlo, a limitação, a fiscalização e a exigência de qualidade das faculdades que vão proliferando por esse país fora.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo reincide, em matéria de Estatuto da Ordem dos Advogados, no mecanismo da autorização legislativa. Já em 1984 se conseguiu subtrair a Câmara à consideração concreta de um articulado que viria a suscitar polémica e que viria a ser aprovado, mais tarde, pelo Conselho de Ministros sem que, à partida, pudesse contar com uma ampla base de consenso...
Agora, a pretexto ou a propósito da introdução na ordem jurídica portuguesa do conteúdo de uma directiva comunitária, recorre também ao mesmo instituto. Não nos parece sadio o procedimento, tanto mais quanto é certo que uma Ordem - e eu tenho muita pena de que não se encontre aqui o Sr. Ministro Valente de Oliveira! - é ao mesmo tempo uma associação de profissionais e uma entidade que recolhe poder de império, em que o Estado delega competências que só a ele pertencem. Isto quer dizer que não é possível dar respostas como a que o Sr. Ministro Valente de Oliveira há pouco desentranhou diante de uma interpelação desta bancada proclamando: o Governo não quer dar ordens à Ordem! Tal afirmação parece, à primeira vista, inteiramente plausível, e até aplaudível; acontece, todavia, que se não deve escamotear que é exactamente ao Estado que cabe definir as regras da delegação de poderes a que houver de proceder-se...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Eis-nos, então, em sede de alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados, via Directiva n.º 89/48 (CEE), que, por sua vez, se esteia numa série de previsões normativas constantes do Tratado de Roma e que têm como objectivo fazer com que nacionais de países estrangeiros possam, em Portugal, aceder ao exercício da profissão de advogado. Segundo um perfunctório olhar, dir-se-ia que nada de especialmente controverso se suscita. Lê-se a nota de apresentação, que é breve e pálida, e fica-se com a ideia de que estamos a tratar de uma problemática bastante consensual, ausentes de limos.
Não temos, em absoluto, essa opinião. Em primeiro lugar porque o texto que nos foi enviado é incongruente. Chamo a atenção do Sr. Secretário de Estado Borges Soeiro para a circunstância de, no pedido de autorização legislativa, se conter a técnica redactiva no âmbito do que parece ser a aplicação, no ordenamento interno, da convenção da CEE, ou seja, o exercício da advocacia por nacionais de outros países membros das Comunidades Europeias. E, de seguida, para a circunstância, não apenas incongruente mas altamente perversa, que nos deixa as maiores dúvidas, de, no artigo 2.º do projecto de decreto-lei que vem em anexo, se transcrever um artigo 42.º, em que se diz esta coisa, aparentemente anódina e afinal bastante pútrida: «a) Elaborar e aprovar os regulamentos de inscrição de advogados nacionais ou de outros Estados membros.»
Peço ao Sr. Secretário de Estado que nos esclareça: estamos diante de uma gralha que, como tal, deve ser rasurada, ou de uma intenção que contrabandeadamente acabaria por fazer com que se aplicasse aos nacionais de Portugal um regime que, de todo em todo, seria intolerável?
Feita esta observação, eis-nos chegados à abordagem mais vasta do que ocorre, entre nós, com o regime dos estágios.
A uma leitura desinformada, a intervenção do Sr. Deputado Carlos Candal poderia ter parecido um desvio

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em relação à matéria em agenda, mas não o foi porque, efectivamente, estamos a tratar, desde logo, da Ordem dos Advogados e do seu Estatuto; e, depois, da inserção, na ordem interna, de uma directiva comunitária que, como acabo de demonstrar, vem transcrita por forma errónea; por último, um magno problema da hora que passa é mesmo esse, o de saber como é que vai aceder ao exercício da advocacia o jovem que obteve o seu curso na instituição universitária, numa escola pública ou numa das diversas escolas privadas, que, insindicavelmente, por aí proliferam, e se acha perante um verdadeiro suceder de barreiras que um dia teremos, porventura, que analisar.
A opinião do PCP é, neste domínio, a da expressão de uma preocupação sincera com o curso das coisas e a de tomar patente que não poderemos delongar uma exegese aprofundada dos caminhos a prosseguir em tudo quanto respeita à dignificação da profissão de advogado e, portanto, também ao aceder a ela.
Acabado o curso de Direito, parece prever-se venha o estudante universitário a realizar provas, com alguma contumácia ou sem ela. que se encontram escoradas no argumento de que, em regra, a preparação obtida, sobretudo nas instituições privadas, é altamente insuficiente. Pois bem, trate-se do problema a montante, garantindo a qualidade do ensino onde é preciso garanti-la, e pense-se, após isso, num conjunto de regras justas para aquele que será o múnus forense, mediante um acesso qualificado e condigno.
Não quero, sequer, entrar na discussão - que não é, de todo em todo, despicienda -, da obrigatoriedade da inscrição na Ordem como condição sine qua non para o exercício da profissão. Admitamos como irretorquível que assim é e vamos enfatizar que, a partir deste patamar, o que urge fazer é tomar a Ordem dos Advogados enquanto ente deontológica e instituição que. acolhendo poderes do Estado, não dilatará, de forma alguma, as suas competências e capacidade de acção.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Depois do esclarecimento que o Sr. Secretário de Estado da Justiça vier a dar em relação à questão que suscitei, a bancada do PCP ver-se-á habilitada a reconfigurar ou não a posição de voto para que, neste momento, se inclina.
No entanto, deixaria dito que não parece sufragável esta propensão, este tropismo do Governo, para a abusiva busca, pela via das autorizações legislativas, de instrumentos normativos que podem bem ser obtidos através de uma tramitação legiferadora substantivamente produzida na Câmara, com um debate que é enriquecedor, como se tem provado.
Não podemos coonestar este método, mesmo em diplomas singelos como este. E aqui fica uma vez mais esta afirmação peremptória. Na sequência das informações em falta que vierem a ser prestadas, constatar-se-á qual é a posição de fundo, face às matérias em agenda, da bancada do Partido Comunista Português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo solicita, através da proposta de lei n.º 179/V, autorização à Assembleia da República para legislar no sentido de transpor, para o direito interno, parte da Directiva do Conselho das Comunidades Europeias n.º 89/48, de 21 de Dezembro.
A referida directiva insere-se num conjunto mais vasto de medidas tendentes à institucionalização e implementação do objectivo da livre circulação de pessoas e serviços entre os Estados membros, contribuindo, assim, para a realização da «Europa dos cidadãos».
Com efeito, pretende-se assegurar que «os nacionais dos Estados membros possam exercer uma profissão independente ou assalariada noutro Estado membro que não aquele onde adquiriram as respectivas qualificações profissionais».
No caso vertente, o objectivo é permitir o exercício da advocacia em Portugal por nacionais dos outros Estados membros da Comunidade Europeia.
A realização desse objectivo pressupõe, em primeiro lugar, o reconhecimento dos diplomas comprovativos das qualificações literárias e profissionais adquiridas e reconhecidas noutro Estado membro; em segundo lugar, assegurar que aquelas cujas qualificações foram obtidas no país de origem respeitem as exigências mínimas de qualidade e possam ter acesso à profissão nos Estados membros receptores.
Finalmente, será necessário assegurar não só condições de acolhimento e oportunidades de inserção, sem o que os direitos referidos não passarão da simples proclamação, mas também exigir garantias de qualidade que passam pela exigência de prévia experiência profissional e pela avaliação da capacidade de adaptação do migrante no sistema judiciário português.
Nos termos da legislação portuguesa, só podem exercer a advocacia os inscritos na Ordem dos Advogados, nos termos dos respectivos Estatutos, estando o acesso à profissão dependente da verificação de uma série de requisitos e condições.
Consideramos que entre as exigências e condicionamentos estabelecidos no actual Estatuto e as alterações que o Governo nele pretende introduzir relativamente ao exercício da profissão por nacionais de outros Estados membros existe um satisfatório equilíbrio.
No entanto, permitimo-nos levantar a questão de saber se deve ou não ser exigido aos nacionais de outros Estados membros uma experiência profissional mínima, conforme prevê o artigo 4.º da Directiva do Conselho das Comunidades n.º 89/48. E isto porque, não obstante o Estado membro de acolhimento não dever recusar o acesso à profissão se o requerente possuir o diploma exigido por outro Estado membro, nos termos do artigo 3.º, alínea a), nada impede que esse requisito seja estabelecido. Poderão, inclusivamente, existir situações em que ele se justificará amplamente, como nos casos em que a duração da formação seja inferior em, pelo menos, um ano àquela que é exigida em Portugal.
Pela nossa parte, entendemos que ela se justifica plenamente, até porque são já demasiadas as dificuldades de exercício da advocacia de portugueses em Portugal e demasiadas as omissões relativamente ao acesso e regulamentação do exercício da profissão, nomeadamente ao nível da especialização, para ampliarmos ainda mais os problemas de exercício de uma actividade e função, sem cuja dignidade nenhuma sociedade poderá, honestamente, considerar-se democrática.
Com estes considerandos e estas reservas, o PRD considera, como dissemos, equilibrada a proposta de lei e, assim, votá-la-á favoravelmente.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: A propósito da introdução na legislação portuguesa de uma directiva comunitária, foram feitas aqui, como era absolutamente previsível, algumas considerações sobre o ensino do Direito em Portugal, sobre o modo como são defendidos os interesses profissionais dos advogados, o que tem a ver com a problemática do estágio, e, também, sobre a necessidade de haver ou não uma proposta de lei substantiva nesta matéria em vez de recurso à autorização legislativa.
Não posso acompanhar, salvo o devido respeito, as afirmações que considero ligeiras feitas pelo distinto colega, jurista e deputado, Dr. Carlos Candal, sobre o ensino do Direito em Portugal pelas Universidades privadas.
Entendo que deve haver e tem havido, por parte das autoridades académicas e governamentais, a necessária cautela em inspeccionar e vigiar o ensino do Direito nas universidades privadas e que, da parte destas, quando ensinam e ministram cursos de Direito, tem de haver, e efectivamente tem havido, a necessária cautela no sentido de que os estudantes não sejam lançados no mercado de trabalho sem as habilitações julgadas necessárias.
Quanto à qualidade do ensino e às matérias ministradas verifica-se, infelizmente, que muitos dos professores das universidades públicas descuram do ensino nas suas próprias faculdades para o ministrarem nas faculdades privadas. Isto é: são, na maior parle, os mesmos mestres que ensinam nas faculdades públicas que vão também ensinar nas universidades privadas e não consta que ensinem melhor na universidade pública para ensinar pior na universidade privada, e vice-versa.
Por isso mesmo, embora eu seja também acompanhante das preocupações do Sr. Deputado Carlos Candal sobre a necessidade de manter o alto grau de exigência quanto à qualidade e principalmente quanto à necessidade de verificar como são conseguidos os diplomas e como é averiguado o aproveitamento nas universidades privadas, não podemos ridicularizá-las, como fez o meu distinto colega, dizendo que, no seu escritório e com os colegas que tem, também podia montar uma faculdade de direito privada.
Acho que, assim, não servimos a juventude nem servimos centenas de milhares de estudantes que normalmente estudam com sacrifícios das suas famílias e não merecem esse «atestado» até porque estamos num processo acelerado de desenvolvimento universitário do País e, naturalmente, as famílias que suportam esses imensos encargos não gostarão de ouvir a qualificação que aqui foi dada sobre o ensino dado aos seus filhos.
O segundo problema é o do estágio, que, embora, creio, não esteja envolvido no lema, a todos nós deixa preocupados quanto ao modo como algumas autoridades académicas, naturalmente para manter o populismo, acompanham os estudantes sem se preocupar como prestigiar o exercício da advocacia em Portugal e, também, como verificar se as directrizes ou as condições postas pela Ordem para o exercício da advocacia são ou não aceitáveis na presente conjuntura.
Ora, nós entendemos que sim, que a Ordem está no bom caminho e que não pode demagogicamente ceder a tudo e todos. É que nós sabemos que o exercício da advocacia não pode ser barateado, desculpem a expressão, de modo que todos possam fazer a chamada «advocacia do sótão», isto é, advogados que trabalham durante o dia como empregados por conta de outrem em diversas empresas e sectores e depois, à noite, têm o sótão de casa para fazer os trabalhos de pequena advocacia, cobrando, muitas vezes, honorários que desprestigiam a própria profissão, fazendo peças forenses à mão porque não têm, sequer, um empregado para lhos passar à máquina e dando, nas audiências preparatórias, nas alegações e nas outras intervenções judiciais, um triste espectáculo.
A este respeito, alguém os chamara de «advogados da noite» porque ninguém os via de dia quer nos tribunais quer nos outros sítios frequentados por advogados. Ora, presentemente, são os «advogados de sótão» porque nem sequer têm um escritório para trabalhar de noite.
Dir-se-á que estas são as leis do mercado e nós não podemos violentá-lo. Se há um «advogado de sótão» que trabalha bem e outro que tem um escritório por que paga 400 ou SOO contos de renda, tem sete ou oito lindas raparigas para receber os clientes e serve uns whiskies e outras bebidas enquanto eles esperam e trabalha mal, é o primeiro que vence e o outro perde... São as leis do mercado, naturalmente. Mas as leis do mercado não podem, também, ser degeneradas de modo a desprestigiar a própria profissão.
Apesar disso, ninguém pode fazer nada contra este estado de coisas, pois não se pode proibir que se trabalhe no sótão, não se pode proibir que se cobrem honorários desprestigiantes, não se pode proibir que um advogado mostre, no pretório, a sua profunda ignorada como, há poucos dias, eu próprio verifiquei quando um advogado, após ter recebido a especificação e questionário, logo que leu «Está provado que [...]?», meteu imediatamente um requerimento ao juiz a dizer: «Estão provados os n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, etc., assinando, «o advogado fulano tal», julgando que se tratava de uma pergunta que o juiz lhe fazia para ele responder expeditamente.
Naturalmente que isto não pode ser aceite e os juizes queixam-se. Mas nós também nos queixamos, muitas vezes, da impreparação aliada à arrogância de alguns juizes porque encontramos magistrados que dizem cada coisa!..., cada coisa!... que não vale a pena repetir.
No fundo, o que está em causa é o exercício e o prestígio da própria profissão. E a Ordem tem de gerir e imprimir à advocacia, como sucede com a magistratura, uma deontologia e um exercício exemplar de profissão. Também a advocacia tem de autogerir os seus próprios interesses profissionais. Nisso estamos todos de acordo!
Com efeito, todos os advogados têm de prestigiar a Ordem, assim como esta terá de prestigiar os seus membros, de modo que eles mereçam a autogestão da sua profissão de advogados.
Ao contrário do que referiu o meu querido amigo e deputado José Manuel Mendes, o Governo não deve intervir, invocando o «direito do império», na gestão da Ordem dos Advogados.
Quanto maior liberdade a Ordem tiver para gerir os nossos próprios interesses, melhor. Deve é fazê-lo na totalidade! Por isso, o mais aconselhável é deixar o Governo fora desta questão, uma vez que, de contrário, começará com o «império», com condições, com «pezinhos de lã», e qualquer dia, com o vezo que este Governo leva, teremos a Ordem dos Advogados governamentalizada. Aliás, seria este o melhor presente que poderíamos dar ao «cavaquismo», ou seja, a governamentalização das ordens das profissões liberais.

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No entanto, não deveremos pactuar com isso. Teremos de defender os direitos das ordens para a autogestão das classes profissionais que em alto grau representam, exigindo-lhes qualidade e competência.
Não vemos, assim, qualquer razão para que a bastonada da Ordem dos Advogados mereça qualquer censura ou desrespeito como está a ser objecto por parte de alguns presentes e futuros estagiários devido à maneira brilhante, superior e consensual como tem sabido exercer as altas funções para que os advogados a elegeram, aqui ficando a minha homenagem nestes dias conturbados por que a Ordem está a passar devido à acção de alguns jovens que não sabem que o que hoje pedem será amanhã, para eles próprios, muito prejudicial.
Nesse sentido, estamos de acordo com a proposta do Governo - aliás, é uma obrigação do Estado Português proceder à implementação desta directiva comunitária no nosso País -, fazendo votos para que a Sr.ª Bastonária da Ordem dos Advogados venha à comissão especializada da Assembleia da República trabalhar connosco sobre este pedido de autorização legislativa, de modo que o decreto-lei seja elaborado de parceria com a Ordem dos Advogados e a Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: De harmonia com o disposto no artigo 8.º, n.º 3, da Constituição da República, «as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos».
Está neste caso o chamado direito comunitário derivado, que, como é sabido, inclui os regulamentos e as directivas emanadas do Conselho e da Comissão das Comunidades. Só que em relação a estas últimas, de um modo geral e em conformidade com o artigo 189.º do Tratado de Roma, toma-se necessário proceder à sua transposição para a ordem jurídica interna.
Em 12 de Dezembro de 1988, o Conselho das Comunidades Europeias aprovou a Directiva n.º 89/48 (CEE), relativa «a um sistema geral de reconhecimento de diplomas de ensino superior», visando, por essa via, assegurar a abolição de obstáculos à livre circulação de pessoas e serviços entre os Estados membros, objectivo para que aponta, aliás, a alínea c) do artigo 3.º do Tratado de Roma.
A adopção de directivas por parte do Conselho e com tal fim vem expressamente prevista nos artigos 49.º, 57.º e 66.º do Tratado constitutivo da Comunidade Económica Europeia.
A directiva em causa tem, assim, aplicação no âmbito do exercício da advocacia, em qualquer país das Comunidades, por parte de nacionais de outro Estado membro.
O artigo 12.º da Directiva do Conselho n.º 89/48 (CEE) a que nos vimos referindo, estabelece que «os Estados membros tomarão as medidas necessárias, num prazo de dois anos a contar da sua notificação», a qual ocorreu em Janeiro de 1989. Está, pois, o Estado Português, por força da nossa integração nas Comunidades, obrigado a adoptar as medidas legislativas internas necessárias à implementação desta directiva do Conselho.
Tal circunstância envolve a introdução de algumas (poucas) alterações no Estatuto da Ordem dos Advogados - aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março. Tratando-se, porém, de matéria da competência exclusiva da Assembleia da República por força do disposto na alínea u) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, o Governo não tinha outra alternativa que não fosse a de submeter a esta Câmara uma proposta de lei de autorização legislativa.
Parece-me não ter cabimento a referência que o Sr. Deputado José Manuel Mendes fez a esta matéria, porquanto o próprio Estatuto foi aprovado por via de uma autorização legislativa e não faria grande sentido que as suas alterações seguissem outro percurso.
É, pois, no estrito âmbito do cumprimento de obrigações do Estado Português, enquanto membro das Comunidades Europeias, e com plena observação dos preceitos constitucionais aplicáveis que se insere a iniciativa do Governo no que respeita à proposta de lei de autorização legislativa, ao abrigo da qual, nos termos já referidos, pretende alterar o Estatuto da Ordem dos Advogados, obstando a que o Estado Português possa vir a ser colocado numa situação de incumprimento perante as instituições comunitárias.
Nos termos do respectivo Estatuto, foi ouvida a Ordem dos Advogados. O Governo anexou à proposta de lei o texto do projecto de decreto-lei que pretende fazer aprovar ao abrigo da autorização legislativa solicitada, o que permite ter uma visão completa do seu âmbito e alcance.
Das duas soluções que a directiva comunitária prevê com vista ao acesso à profissão por cidadãos de um Estado em outro Estado membro - prova de aptidão ou estágio de adaptação -, optou-se pelo primeiro, por parecer, em sintonia com o próprio entendimento com a Ordem dos Advogados, o mais adequado a assegurar uma correcta avaliação da qualificação do candidato para o exercício da advocacia no Estado membro de acolhimento.
Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Tem sido esta a opção seguida por países comunitários como a França e a Espanha. Aliás, o procedimento ora adoptado vem na linha da Directiva do Conselho n.º 77/249 (CEE), de 28 de Março, já transposta para o direito interno e relativa à prestação de serviços em Portugal por advogados de outros Estados membros das Comunidades, transposição a que se procedeu através do Decreto-Lei n.º 119/86, de 28 de Maio, aprovado - este também - ao abrigo de uma autorização legislativa, mais precisamente a Lei n.º 6/86, de 6 de Março.
Assim, a transposição para o direito interno da Directiva do Conselho n.º 89/48 (CEE) completa um quadro regulador da prestação de serviços, por um lado, e da inscrição na Ordem dos Advogados em Portugal, por outro, de cidadãos nacionais de outros Estados membros, com clarificação das regras que, à partida, irão evitar conflitos envolvendo instituições comunitárias, os quais seriam de lodo indesejáveis.
Ainda antes da implementação das directivas sobre esta matéria, o Tribunal das Comunidades Europeias foi chamado a pronunciar-se, ao abrigo do artigo 177.º do Tratado de Roma, relativamente ao exercício da advocacia num país da Comunidade por parte de cidadãos nacionais de outro Estado.
Aconteceu assim em 1974, no famoso caso Reyners, que opôs um cidadão holandês ao Estado belga. Sucedeu ainda, no mesmo ano, no caso Van Beinsbergen, em que, curiosamente, a questão colocada perante um tribunal

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holandês se referia a um advogado que, no decurso do processo, tinha transferido a sua residência dos Países Baixos para a Bélgica, vendo-se, por isso, impedido pelo tribunal de continuar a assegurar o patrocínio do seu constituinte.
Em 1977, o Tribunal das Comunidades voltou a pronunciar-se, mais uma vez a título prejudicial e a pedido do Tribunal de Apelação de Paris, sobre o litígio que opunha um advogado belga ao conselho da Ordem dos Advogados de Paris.
Em 1984, no caso Von Klopf, que também opunha um advogado alemão à Ordem dos Advogados de Paris, o Tribunal das Comunidades voltou, a pedido do Tribunal de Cassação de Paris, a pronunciar-se, ainda e mais uma vez ao abrigo do recurso prejudicial previsto no artigo 177.º do Tratado de Roma.
Em todos estes casos o Tribunal das Comunidades decidiu no sentido de que a ausência de directivas previstas no Tratado não impedia o efeito directo das disposições do Tratado de Roma relativas à livre circulação de trabalhadores, liberdade de estabelecimento e livre prestação de serviços, considerando contrários ao Tratado os obstáculos que se vinham levantando ao livre exercício da advocacia, por cidadãos nacionais de um Estado em outro Estado membro.
As directivas posteriormente elaboradas pelo Conselho, incluindo a que ora se pretende transpor para a ordem interna portuguesa, vão, como não poderia deixar de ser, no mesmo sentido. Há porem, como é óbvio, as maiores vantagens na implementação das directivas, porquanto, ao contrário do que sucederia com a aplicação directa das normas do Tratado, daquelas decorre um quadro regulamentador que fixa as regras que, ao garantirem a livre circulação e livre prestação de serviços dos advogados no espaço comunitário, salvaguardam a prévia avaliação da qualificação adequada e os corpos profissionais em que se inserem, bem como a qualidade dos serviços que os mesmos irão prestar.
Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: A Ordem dos Advogados é uma instituição com uma história ímpar ao longo da sua existência. Já nos anos negros do fascismo constituiu uma consciência atenta às discriminações e à preterição dos direitos fundamentais que, apesar das dificuldades da época, não deixava de denunciar.
Não foi por acaso que presidiram aos seus destinos homens como Pedro Pina e Adelino da Palma Carlos, cujo exemplo de democratas e de intransigentes defensores dos direitos e liberdades fundamentais marcaram gerações e tanto dignificaram os seus mandatos como bastonários da Ordem dos Advogados.
O futuro dos advogados, como o futuro do País, está, por irreversível e benéfico ciclo de gerações, na mão dos jovens, neste caso daqueles que ora ingressam na advocacia.
A profunda mutação que o mundo de hoje vem registando e as transformações a que assistimos também em Portugal não podem deixar de influenciar fortemente o modo de estar de toda uma profissão que, por natureza, intervém no conflito e que, cada vez mais, deverá preferencialmente intervir na sua prevenção.
Uma associação pública como a Ordem dos Advogados, baluarte da defesa e da legalidade e que tem as suas raízes cimentadas nos valores do diálogo e da tolerância, naturalmente empenhada na defesa da dignificação dos profissionais que representa e preocupada com a garantia de que os direitos e interesses dos que recorrem aos profissionais do foro sejam acautelados por uma qualificação e formação profissionais sólidas, saberá por certo, no quadro da observância das regras do direito comunitário a que devemos obediência, encontrar as soluções que conciliem a legítima esperança dos futuros advogados com a salvaguarda de que a Ordem e os advogados continuem, perante todos, a ser respeitados como exemplares defensores e garantes do direito e da justiça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começava, como começou o Sr. Deputado Carlos Candal, com a sua charla das «Guerras Púnicas e das Guerras Pérsicas», lembrando que um aluno, por nada saber sobre as Guerras Púnicas, pedia ao professor para falar das Guerras Pérsicas!...
Sr. Deputado Carlos Candal, é óbvio que não foi por não saber, mas por outros motivos, que não falou das «Guerras Púnicas», isto é, do acesso específico dos advogados dos países membros da CEE à profissão de advogado e não do acesso genérico. Houve, portanto, essa dicotomia, tendo o Sr. Deputado desviado o debate, no seu sentido e objecto, do acesso específico para o acesso genérico à profissão de advogado.
Relativamente a essa questão, o Ministério da Justiça tem uma reflexão e um pensar muito específicos, considerando que, na sua qualidade de associação pública, a Ordem dos Advogados possui completa autonomia face ao Estado. Aliás, logo no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 84/84 se diz ser a Ordem dos Advogados independente dos órgãos do Estado, «sendo livre e autónoma nas suas regras». E quem define tais regras, nomeadamente as fundamentais para o seu funcionamento, é o seu conselho geral. Na verdade, ao conselho geral são dadas diversas atribuições, entre as quais se fixa o regulamento dos estágios e a forma de acesso à profissão.
Por conseguinte, e salvo o devido respeito, penso que é um pouco apressado o raciocínio do Sr. Deputado Carlos Candal quando refere que o Estado deve ser responsabilizado por alguma polémica que neste momento está a ocorrer entre candidatos à advocacia e a Ordem dos Advogados.
De facto, o Estado, neste caso concreto o Ministério da Justiça, nada tem a ver com a forma como a Ordem dos Advogados regulamenta o estágio... Aliás, poderá ter, embora de uma forma indirecta, pois é óbvio que o Governo pretende que no nosso País haja profissionais dignos e bem preparados. Contudo, como referi, o modus faciendi, a forma como esse estágio irá ser processado, cabe inteiramente à Ordem dos Advogados.
Poder-se-á, todavia, perguntar por que é que, então, o Governo está a apresentar uma proposta de lei que tem essencialmente que ver com a Ordem dos Advogados, com o funcionamento da advocacia. A resposta está no facto de estarmos perante uma associação pública, cuja definição de estatutos é, como VV. Ex.ªs sabem e nos termos da alínea u) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, da competência da Assembleia da República.
Se assim não fosse, obviamente, não caberia ao Governo o poder de iniciativa.

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Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes, julgo que já vem sendo bastante comum a questão repetida sobre o porquê da autorização legislativa. Neste caso concreto, estamos perante um normativo extremamente simples, porque o que está em causa é somente a transposição de uma directiva comunitária e mais nada. Portanto, trata-se de um diploma linear.
Julgamos que esta é uma forma de legislar mais expedita do que a apresentação de uma proposta de lei. Contudo, e como vem sendo norma, apresentámos o texto do projecto de decreto-lei em anexo ao pedido de autorização legislativa. Assim, os senhores deputados, face a esse texto anexo à proposta de lei, têm a faculdade - como o fez, aliás, o Sr. Deputado José Manuel Mendes - de questionar o Governo sobre o porquê de legislar de uma maneira ou de outra e, inclusivamente - e temos tido variadíssimos casos neste sentido -, de os membros do Governo irem à 3.ª Comissão prestar quaisquer esclarecimentos adicionais.
Aliás, até aconteceu há dias que, havendo um decreto-lei anexo a um pedido de autorização legislativa - estou a lembrar-me do Código do Procedimento Administrativo -, o Ministro da Justiça predispôs-se a discutir com os deputados o articulado do decreto-lei. Portanto, nesta sede, julgo que o Sr. Deputado José Manuel Mendes não tem razão quando refere que pode haver alguma incorrecção na redacção proposta para o artigo 42.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, porque limitámo-nos a introduzir aí o novo tema que é o acesso dos advogados dos países das Comunidades ao exercício da profissão em Portugal. Mas se isso não é claro, eu próprio predisponho-me a, em sede de comissão especializada, esclarecer os Srs. Deputados sobre qual é a intenção do Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A primeira questão que quero colocar é a seguinte: e sou, a que fiz alusão, na linha 2 da alínea e) do artigo 42.º, já referido, nos termos em que está, é altamente nocivo, uma vez que permite que se aplique aos portugueses candidatos a advogados todo o regime que está previsto para os nacionais dos diferentes Estados membros das Comunidades Europeias. A leitura que acabo de fazer é totalmente possível. E, se é possível uma leitura deste tipo - que parece ser perversa em relação ao pensamento do Governo -, este lerá de acautelar o modo escorreito de legislar.
A segunda questão que pretendo salientar é a seguinte: não é impertinente chamar à colação, nesta sede, a matéria relativa aos estágios dos advogados. E porquê? Porque, como singelamente verificaremos, no articulado do pedido de autorização legislativa, apresentado pelo Governo, escreve-se, logo no início, no artigo 1.º, o seguinte: «Fica o Governo autorizado a alterar o Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março, no sentido de - atenção! - «designadamente, o adequar às regras estabelecidas.» O que quer dizer que pode o executivo adoptar providencias normativas para além desta! Sr. Secretário de Estado, em português legítimo, em hermenêutica intocável, é verdade que aqui pode estar contrabandeada a hipótese de se inovar em matéria de estágios...
O terceiro aspecto que quero referir é óbvio que não defendo que o Estado - no caso vertente, o Governo - se intrometa na esfera da livre disposição da Ordem dos Advogados. Mas também não defendo, à outrance, aquilo que o Sr. Secretário de Estado teve a coragem de advogar perante a Câmara, que é a rotunda «insindicabilidade» dos actos praticados pela Ordem dos Advogados, porque isso é contrário à natureza de um ente que, pese embora toda a sua autonomia - que deve ser potênciada - e o respeito que nos merece, detém poderes do Estado que são delegados.
Termino, Sr. Presidente, dizendo que, relativamente à autorização legislativa, a crítica de fundo a que procedi tangia a realidade da presente proposta de lei e situava-se no quadro do debate que precedeu a elaboração do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo seguro que ela se aplica, com muito mais vigor e com muito mais razão, em quanto concerne ao Código do Procedimento Administrativo, por exemplo, porque nessa esfera havia, inclusivamente, projectos de lei de vários partidos e deputados desta Câmara.
A observação ficou; foi uma observação legítima que, julgo, deve servir de meditação ao Governo para não cair, com tanta facilidade e frequência, no atoleiro das autorizações legislativas, quando tem à mão outros mecanismos vantajosos, saudáveis e expeditos que deve preferir.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a apreciação da proposta de lei n.º 179/V, que autoriza o Governo a alterar o Estatuto da Ordem dos Advogados, e vamos dar início ao debate na generalidade, da proposta de lei n.º 186/V, que autoriza o Governo a legislar no sentido de criar a Ordem dos Médicos Veterinários e aprovar os respectivos estatutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Álvaro Amaro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentamos aqui, hoje, esta proposta de autorização legislativa, no sentido de criar a Ordem dos Médicos Veterinários, que é, como se sabe, uma ambição profissional que remonta já aos anos 40 e que vem colmatar uma lacuna importante, na altura em que o Governo e a própria Administração estabelecem um diálogo com os parceiros sociais que queremos cada vez mais profícuo e com um âmbito de intervenção equiparado ao das profissões congéneres na Europa.
Com efeito, em todos os países da Comunidade, a representação profissional dos médicos veterinários é levada a cabo por associações de direito público, as Ordens, e, até agora, apenas em Portugal os médicos veterinários não têm uma associação equivalente.
Já mesmo no seio comunitário, foram estabelecidas regras para o exercício da actividade dos profissionais veterinários, de acordo com um currículo académico equivalente, tendo em vista a sua livre circulação nos países da CEE, e sem prejuízo de um elevado grau de qualificação académica e científica. Tal pressupõe um sistema de controlo, nomeadamente no que aos certificados e ao exercício profissional diz respeito.

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Também aqui, os títulos de exercício profissional deverão ser emitidos e avalizados por uma associação profissional que garanta igualmente a aplicação das normas éticas e deontológicas que o exercício da medicina veterinária impõe, retirando ao Estado o ónus dessa aplicação e assegurando à sociedade essa fiscalização, que a profissão tem capacidade para executar.
Os médicos veterinários, profissionais com grande tradição no País rural e com não menor importância como profissionais que intervêm na saúde pública, através da defesa da saúde dos animais e da inspecção sanitária dos produtos deles derivados, para além das actividades ligadas ao ensino e à investigação, grangearam, pois, face à sociedade, o direito à sua auto-regulação profissional.
Foi este reconhecimento que o Governo fez, após várias sessões de trabalho com os seus representantes, apresentando, por isso, neste momento, o respectivo pedido de autorização legislativa.
Por último, e sem que isso pretenda aumentar a importância da justificação, a auto-regulação profissional, que entendemos poder ser desenvolvida através desta associação profissional, tem a ver com a estratégia encetada pelo Governo de transferir para a sociedade civil e para as formas de organização, quer ao nível da produção animal quer ao nível das questões hígio-sanitárias, funções que, até hoje, ao Estado competiam. E, aqui, com particular destaque para o papel que têm desempenhado - e que queremos que, por esta via, continuem a desempenhar com particular força - os médicos veterinários.

Aplausos do PSD.

Entretanto reassumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Maria Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.- Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Quero apenas referir que a matéria sobre que incide esta iniciativa é largamente consensual nesta Câmara e a criação de uma ordem profissional dos médicos veterinários corresponde a uma sua reivindicação já muito antiga. Portanto, iremos dar a nossa concordância à criação desta ordem.
O que não podemos deixar de fazer notar neste debate é que, mais uma vez, o Governo nos apresenta uma proposta de lei completamente em branco, relativamente aquilo que o Governo define, como extensão e sentido da autorização que solicita. É evidente que seria difícil legislar sobre uma ordem profissional sem definir estes pontos mínimos que estão aqui apresentados na proposta de lei, mas, infelizmente, o Governo não apresenta mais do que isto! Ou seja, toda a discussão substancial sobre o estatuto da Ordem dos Veterinários terá de ser transferida para a discussão em sede de comissão, o que de algum modo inviabiliza que, neste momento, em sede de Plenário, possa haver um debate mais aprofundado, o que é pena, na medida em que a criação da Ordem dos Médicos Veterinários merecê-lo-ia.
Mas como foi isto que o Governo nos apresentou, é sobre isto que nos vamos pronunciar e, pela nossa parte, não colocamos qualquer objecção a que, o mais rapidamente possível, se crie a Ordem dos Médicos Veterinários e se aprovem os seus estatutos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Durante a discussão desta tarde sobre estatutos e ordens, já aqui foram feitas algumas importantes considerações sobre a natureza e o âmbito de intervenção das respectivas áreas profissionais e sobre aquilo que, em termos de estatutos, deve ou pode ser definido quando se pretende legislar no que respeita ao exercício de uma actividade profissional, às suas normas, ao aspecto sancionatório e a tudo o mais.
Daí que, por razões de mera economia de tempo e para não ser repetitivo em relação a essas matérias, nós queiramos aqui, sobretudo - e dada a consensualidade que certamente esta proposta de autorização legislativa merecerá desta Câmara -, realçar a importância que tem para a classe dos médicos veterinários a legislação que aqui se propõe, ou seja, a autorização legislativa de que resultará o estatuto a ser publicado.
Naturalmente, trata-se de uma classe que, pela sua intervenção profissional na área específica que lhe compete, tem tido e terá sempre uma importância relevante, de interesse público, que importa acautelar num estatuto, que, dizendo respeito à carreira, contenha as normas deontológicas necessárias para que a profissão se exerça de forma absolutamente correcta e nos parâmetros que sejam em tudo idênticos aos de outras carreiras profissionais equivalentes; ou seja, um estatuto que dignifique esta actividade e que, assim, ponha termo a uma indefinição que, neste País, se vinha verificando com a carreira dos médicos veterinários, sobretudo, com a sua forma de intervenção directa no importante trabalho de interesse público, que vem sendo definida e fiscalizada por entidades que não são propriamente entidades que têm a ver com o estatuto e a deontologia próprios desta carreira.
Nessa medida e esperando que o decreto-lei para que esta autorização legislativa aponta contenha, em relação a este estatuto, as normas de carácter geral que igualmente outros estatutos de carreiras idênticas merecem e chamando aqui a atenção simplesmente para a definição de rigor do âmbito das incompatibilidades e impedimentos que têm de ser assegurados em tal estatuto, com o objectivo, como aqui se diz, de «manter e assegurar a independência no exercício da medicina veterinária», o PS dará a este pedido de autorização legislativa o seu parecer e voto favoráveis e aguardará que o decreto-lei contenha os princípios que nesta autorização emanam do seu artigo 2.º

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os médicos veterinários, profissionais que têm tido um papel importante no nosso País, designadamente no âmbito da sanidade animal, saúde pública e fomento pecuário, são também uma das classes cuja influência social é essencialmente relevante no nosso meio agrícola.
Com efeito, os médicos veterinários têm estado na primeira linha de combate e prevenção as epidemias animais que mais impacte têm na economia agrícola e maior perigo

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representam para a saúde pública (são exemplos a brucelose, a tuberculose, a febre aftosa, a raiva, a peripneumonia contagiosa e a peste equina, entre outras).
Igualmente em termos europeus lhes está reservado um papel relevante, sendo os veterinários especialmente qualificados e os técnicos melhor preparados para garantir, no âmbito do mercado único, a vigilância e a profilaxia sanitárias, a higiene dos géneros alimentares de origem animal, o emprego dos medicamentos de utilização animal e todas as substâncias que se venham a utilizar em produção animal.
Por outro lado, as Directivas Comunitárias n.ºs 1026 e 1027/78 -já hoje aqui citadas também pelo Sr. Secretário de Estado -, que estabelecem as regras para o exercício da actividade dos profissionais veterinários, definem um currículo académico equivalente e pressupõem que essa fiscalização deva ser levada a cabo para garantir um elevado grau de desempenho científico.
Hoje, esta incumbência cabe ao Ministério do Trabalho, o qual não pode de maneira alguma garantir o cumprimento no exercício profissional das normas éticas e deontológicas.
A criação da Ordem dos Médicos Veterinários, anseio da profissão com mais de 50 anos, é um acto de justiça e de reconhecimento social a que estes profissionais têm já merecimento.
Com efeito, numa altura em que o único país da Comunidade onde não existe ordem para estes profissionais é Portugal, o assegurar a auto-regulação ética e deontológica por uma associação de direito público é um imperativo que o seu estatuto de parceiro social próprio lhe dita.
Neste sentido, o PRD apoia e louva a iniciativa do Governo e votará favoravelmente a proposta de lei n.º 186/V.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Ferreira de Campos.

O Sr. José Ferreira de Campos (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Portugal é, neste momento, o único país comunitário em que não existe uma associação profissional de médicos veterinários de natureza não sindical, do tipo das ordens das restantes profissões liberais que prosseguem um interesse público e cujo exercício está sujeito a regras técnicas e deontológicas próprias.
Sendo a actividade veterinária uma das que têm regulamentação específica a nível comunitário desde 1978 (Directiva do Conselho n.º 78/1026(CEE), que estabelece o reconhecimento mútuo dos diplomas, certificados e outros títulos de veterinário, e Directiva do Conselho n.º 78/1027(CEE), que subordina o acesso às actividades de veterinários à titularidade de um diploma, certificado ou outro título que garanta uma formação adequada, cujas matérias constam de um seu anexo), torna-se imprescindível a existência de um organismo que, em Portugal, exerça as funções de controlo da actividade veterinária, tendo em vista a salvaguarda, com garantias, do exercício do direito de estabelecimento e da livre prestação de serviços da actividade veterinária por quem, efectivamente, seja titular do adequado diploma de formação obtido em qualquer dos Estados membros da CEE.
Em todos os restantes países comunitários o exercício dessa actividade de certificação e controlo é desenvolvido por associações profissionais, mais concretamente, por ordens ou colégios profissionais.
Tendo a natureza de associação pública e, como tal, desempenhando atribuições próprias de uma administração indirecta, a ordem dos médicos veterinários terá por objectivo contribuir para a melhoria e progresso da profissão veterinária, nos domínios científico, técnico e profissional, bem como o apoio aos interesses profissionais dos médicos veterinários e, muito principalmente, a salvaguarda dos princípios e regras deontológicas que se impõem em toda a actividade veterinária.
Fundamental é, também, que sejam definidos, em diploma legal, os requisitos necessários ao exercício da actividade veterinária em Portugal, já que, depois do Regulamento Geral da Pecuária, aprovado em 1886, mais nenhuma norma, com carácter genérico, definiu quem pode exercer a actividade veterinária, o que tem criado evidentes dificuldades na repressão ao exercício ilegal da medicina veterinária, nomeadamente por parte dos chamados alveitares, bem como de outros indivíduos que, sem os necessários conhecimentos, se arrogam uma competência para, inclusive, procederem ao receituário de medicamentos da mais diversa natureza, incluindo os que podem constituir perigo para a própria saúde humana.
A criação da Ordem é, há longos anos, reivindicada pela profissão veterinária portuguesa, que, em congresso há poucos anos realizado, elegeu uma comissão instaladora para proceder à criação da Ordem e à sua instalação futura.
Foi essa comissão instaladora, constituída por figuras do maior prestígio no âmbito da profissão, que elaborou um primeiro projecto de estatutos da futura Ordem e que, posteriormente, veio a dialogar com o Governo, através do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, para a redacção final do texto que, considerado conforme às normas constitucionais e visando a prossecução de interesses públicos evidentes, levou o Conselho de Ministros a aprovar a presente proposta de lei de autorização legislativa, exigida pela alínea u) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição da República Portuguesa.
De acordo com esta proposta - ao abrigo da qual se pretende vir a elaborar um decreto-lei aprovando os estatutos da futura Ordem dos Médicos Veterinários, que mereceu a concordância das estruturas representativas dos médicos veterinários -, estão salvaguardados todos os princípios constitucionais que devem caracterizar uma associação pública.
Tal regulamentação não difere, aliás, da que foi aprovada para profissões com as mesmas ou similares características das definidas para a medicina veterinária.
Ainda que uma quota assinalável dos profissionais médicos veterinários desempenhe funções na administração central ou autárquica, o certo é que, mesmo nesse domínio, os médicos veterinários devem estar sujeitos a regras de controlo próprias da profissão (quer de natureza técnica quer de natureza deontológica), só possíveis de concretizar se existir um organismo com capacidade científico--profissional que abranja o exercício de toda a actividade veterinária, qualquer que seja o sector em que ela se desenvolve.
Sendo uma profissão manifestamente integrada no grupo das «liberais» e prosseguindo um evidente interesse público, parece não serem necessárias mais considerações para defender a necessidade de criação de uma Ordem dos Médicos Veterinários portugueses, através, numa primeira fase, da aprovação da presente proposta de lei.
Aconselham a que assim seja, quer o cumprimento da legislação comunitária, quer a satisfação do interesse pú-

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blico da defesa, ainda que indirecta, da própria saúde humana, bem como da saúde animal e da higiene alimentar do nosso País.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao projecto de decreto-lei, quero apenas dizer, quer ao Sr. Deputado António Filipe quer ao Sr. Deputado Laurentino Dias - que já não se encontra aqui presente, mas agradecia que um dos Srs. Deputados do PS lho transmitisse -, que temos o texto praticamente concluído, de resto em resultado do trabalho que temos tido com os representantes da classe e por uma questão de celeridade e pela importância que ganha ao merecer consenso desta Câmara, ponto com o qual naturalmente nos congratulamos. Portanto, comprometo-me a, logo que esteja concluído e após a sua aprovação em Conselho de Ministros, enviá-lo à comissão parlamentar, pois entendemos que, face à importância que todos nesta Câmara lhe deram, deverá ter a participação de todos.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro também encerrado o debate desta proposta de lei n.º 186/V.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Dá-me licença, Sr.ª Presidente?

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito?

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr.ª Presidente, não sei se V. Ex.ª ia dar por encerrada a sessão. No entanto, permitia-me recordar-lhe que há consenso para se votar o voto n.º 204/V, de louvor e reconhecimento pelo contributo que a Associação de Educação Física e Desportiva de Torres Vedras tem prestado à prática do desporto e à divulgação da cultura portuguesa, subscrito por todas as bancadas.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa tinha a indicação de que hoje não se procedia a essa votação.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr.ª Presidente, esse voto é consensual, tendo sido subscrito por deputados de todas as bancadas. Parece-nos, portanto, até pela oportunidade, dado que se refere a um acto recente e porque todos nós concordámos ser hoje o dia indicado para a sua votação, importante que ele seja hoje votado.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, nesse caso, porque o voto foi distribuído e é do vosso conhecimento, vamos proceder, de imediato, à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.

É o seguinte:

Voto n.º 204/V

A Associação de Educação Física e Desportiva de Torres Vedras, pelo seu empenhamento e dedicação na prática do desporto e dinamização da cultura na zona oeste do distrito de Lisboa, mereceu ao longo do seu historial as mais altas condecorações atribuídas a colectividades de carácter associativo.

Com cerca de 400 atletas federados e mais de 1$00 praticantes amadores, a Física de Torres Vedras promove anualmente a Gimnoeste, já reconhecido como o maior sarau de ginástica nacional e, pela sua qualidade nesta sua 7.ª edição, mereceu a presença de ginastas estrangeiros de nacionalidade sueca e soviética, introduzindo, assim, o carácter internacional ao certame.
Com a presença de mais de sete centenas de clubes e 2100 atletas, a Gimnoeste é hoje, indubitavelmente, um dos catalizadores da prática de ginástica no nosso país, incentivando as camadas jovens à prática desta saudável arte desportiva.
Na data em que a Gimnoeste ultrapassa fronteiras e a Física de Torres Vedras alcança novo e significativo êxito em mais esta determinante iniciativa, a Assembleia da República presta o seu louvor e reconhecimento ao contributo que esta prestigiada instituição tem prestado à salutar prática do desporto nacional e à divulgação da cultura portuguesa.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder também à votação de um requerimento, que vai ser lido.

Foi lido. É o seguinte:

Os Deputados do Grupo Parlamentar do PSD abaixo assinados, nos termos regimentais, requerem que as propostas de lei n.º 177/V - Autoriza o Governo a rever o Estatuto da Ordem dos Engenheiros e 186/V - Autoriza o Governo a legislar no sentido de criar a Ordem dos Médicos Veterinários e aprovar os respectivos estatutos, desde já, sejam consideradas em condições de ser submetidas a votação conjunta na generalidade, na especialidade e final global.
Srs. Deputados, suponho haver também consenso para proceder à votação deste requerimento...

O Sr. António Filipe (PCP): - Dá-me licença, Sr.ª Presidente?

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado António Filipe pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, não percebi exactamente o alcance do requerimento que se pretende votar. Não está bem clarificado e creio haver dúvidas em várias bancadas... É que ficámos sem perceber se é para pedir a baixa das propostas de lei à comissão respectiva.

Vozes do PSD: - É para baixar à comissão.

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A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, julgo que os termos são bastante claros. O requerimento refere que as propostas de lei «sejam consideradas em condições de ser submetidas a votação conjunta na generalidade, na especialidade e final global». É apenas isto que se requer.

O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Sr.ª Presidente, queria interpelar a Mesa no sentido de esclarecer esta questão. O requerimento presente pretendia essencialmente o seguinte: uma vez que, nos termos regimentais, ambos os documentos baixariam à comissão competente da Assembleia, pretendeu-se - porque o objecto eram propostas de lei de autorização legislativa cuja discussão teria já provocado os esclarecimentos necessários sobre o assunto - acelerar o processo, visto que consideramos estar já em condições de se proceder às votações na generalidade, na especialidade e final global.
De qualquer forma, o Sr. Presidente da Assembleia da República, Vítor Crespo, informou-me já de que essa votação se processará na próxima quinta-feira.

A Sr.ª Presidente: - Excacto, e por isso o que a Mesa há pouco propunha aos Srs. Deputados era submeter à votação apenas o requerimento.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr.ª Presidente, o requerimento é feito no exacto sentido em que se antecipa ao momento próprio em que deverá ler lugar um expediente parlamentar desse tipo, tendente a fazer que a votação se processe desse ou de outro modo consoante a maioria que se faça na Câmara. Assim entendido, penso que a Mesa, com o acordo do Sr. Deputado Jorge Pereira e de todos os presentes, o deverá deferir para a reunião de quinta-feira, readequando-se o seu conteúdo por forma a poder ser utilmente considerado.

O Sr. José Lello (PS): - Sr.ª Presidente, peço igualmente a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Lello (PS): - Sr.ª Presidente, a nossa atitude relativamente a esse requerimento não foi logo expressa na medida em que considerámos que seria um requerimento de baixa à comissão, tal como acontece normalmente nestes casos.
Portanto, nessa base, quero dizer que não estamos em condições de votá-lo agora, porque para tomarmos essa opção teríamos de fazer reuniões com os respectivos responsáveis, pelo que a votação do requerimento deverá ser transferida para a próxima quinta-feira, seguindo-se, então, os devidos trâmites.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, como sabem, uma vez chegado o requerimento à Mesa, há que submetê-lo a votação. No entanto, como parece agora haver concordância dos requerentes para que a votação do requerimento seja deferida para a próxima sessão, procederemos nessa conformidade.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária terá lugar na quinta-feira, dia 2 de Maio, pelas 15 horas, constando da ordem do dia a apreciação das petições n.ºs 116/V (3.º), apresentada pelo Conselho Consultivo da Condição Feminina das Organizações não Governamentais, requerendo que na próxima sessão legislativa, que se inicia em 15 de Outubro, seja criada na Assembleia da República uma comissão para a igualdade de direitos e participação das mulheres, 126/V (3.º), apresentada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional, reclamando a aprovação de um diploma que proceda à actualização do valor de todas as pensões e altere a forma de cálculo das pensões de reforma e invalidez, 132/V (3.º), apresentada pela Federação dos Sindicatos da Metalurgia, Metalomecânica e Minas de Portugal, reclamando a aprovação urgente da redução do horário de trabalho semanal, com vista a fixar-se como máximo 40 horas semanais, 168/V (4.º), apresentada pelas comissões negociadoras da Plataforma Reinvindicativa para a Administração Pública e da Frente Sindical da Administração Pública, solicitando que, na discussão da proposta de lei do Orçamento do Estado para 1991 e no seu texto final, haja a garantia de condições para o crescimento real dos salários e pensões dos trabalhadores da função pública.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Eram 15 horas e 25 minutos.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António José Caeiro da Mota Veiga.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Margarida Borges de Carvalho.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques Antunes.
António José Sanches Esteves.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.

Partido Comunista Português (PCP):

António da Silva Mota.
Carlos Alfredo de Brito.
Maria de Lourdes Hespanhol.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.

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Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António da Silva Bacelar.
Armando Lopes Correia Costa.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Domingos Duarte Lima.
Flausino José Pereira da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Gomes Mil-Homens.
José Angelo Ferreira Correia.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.

Partido Socialista (PS):

Alberto Alexandre Vicente.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Jaime José Matos da Gama.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Luís do Amaral Nunes.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel António dos Santos.
Mário Manuel Cal Brandão.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.
João António Gonçalves do Amaral.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria Odete Santos.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

As REDACTORAS: - Isabel Barral - Maria Amélia Martins - Maria Leonor Ferreira.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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