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I Série - Número 74
Sexta-feira, 10 de Maio de 1991
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 4.º SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE MAIO DE 1991
Presidente: Exmo Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos Srs.
João Domingos F. de Abreu Salgado
José Carlos Pinto Bastos da Mota Torres
Joaquim António Rebocho Teixeira
Maria da Conceição U. de Castro Pereira
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as IO horas e 30 minutos.
Na abertura do debate, solicitado pelo PRD, sobre política geral centrado nas questões de política de cooperação externa (interpelação n." 20/V), usaram da palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho (PRD) e o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (Durão Barroso}.
Intervieram, também, a diverso título, além dos Srs. Ministros do Emprego e da Segurança Social (Silva Penedo) e da Saúde (Arlindo de Carvalho), os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Rui Gomes da Silva e Pedro Roseta (PSD), Carlos Lilaia (PRD), João Corregedor da Fonseca (indep.), José Lello, José Apohnário e Edite Estrela (PS), António Mota (PCP), Rui Silva (PRD), Manuel Alegre (PS), Miguel Urbano Rodrigues (PCP), Adriano Moreira (CDS), Natália Correia (PRD), João Rui de Almeida (PS) e António Sousa Lara (PSD).
Encerraram o debate o Sr. Deputado Carlos Lilaia (PRD) e o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo a substituição de dois deputados do PS.
Lidas as actas dos escrutínios relativos às eleições para o conselho directivo do Instituto Nacional do Ambiente e do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos, foram proclamados os membros eleitos.
A Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República a Moscovo, entre os dias 17 e 23 do corrente mês de Maio.
Foi aprovado o voto nº 207/V, de congratulação pela passagem dos 200 anos do início das relações diplomáticas entre Portugal e os Estados Unidos da América.
Foi igualmente aprovado o voto n.º 185/V, de congratulação peto primeiro centenário da encíclica Rerum Novarum, de S. S. o Papa Leão XIII.
A Câmara aprovou ainda o texto final elaborado pela Comissão de Agricultura e Pescas de alteração ao Decreto-Lei nº 327/90, de 22 de Outubro (ratificação nº I48/V), e na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 185/V - Autoriza o Governo a legislar em matéria de importação e exportação de bens que possam afectar os interesses estratégicos nacionais, tendo o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) produzido uma declaração de voto.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 35 minutos
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Lopes de Melo.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Lopes Correia Costa.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto de Barros.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva
Valdemar Cardoso Alves.
Vítor Pereira Crespo.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Alexandre Vicente.
Alberto de Sousa Martins.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Manuel Henriques Oliveira.
Edite Fátima Matreiros Estrela.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Cominho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Carlos Alfredo Brito.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
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Maria de Lourdes Hespanhol.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Herminio Paiva Fernandes Maninho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
António Alves Marques Júnior.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Srs. Deputados, na reunião plenária de hoje será debatida uma interpelação ao Governo, apresentada pelo PRD, sobre política geral centrada na política de cooperação externa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Importantíssimas mudanças político-sociais recentemente registadas nos PALOP- referimo-nos, concretamente, à institucionalização do multipartidarismo na República de Cabo Verde e na República Democrática de São Tomé e Príncipe, culminando em actos eleitorais que podem ser considerados um exemplo no continente africano e, bem assim, à celebração, de há muito previsível, de acordos de cessar fogo na República Popular de Angola e na República Popular de Moçambique - levaram o PRD a suscitar este debate sobre os novos desafios e os novos caminhos de Portugal no domínio da cooperação.
Entendemos preencher aquilo que seria uma lacuna desta legislatura e por isso solicitámos o debate, nesta sede, da questão - que reputamos de crucial - da cooperação.
Continuamos, pois, a ser oposição construtiva. Foi nesse quadro estrito que entendemos promover esta interpelação.
Queremos que dela resultem ideias, debates e propostas para uma política de cooperação diferente no futuro que está a configurar-se.
Queremos, enfim, que a interpelação seja muito mais uma atitude prospectiva, definidora de cenários estratégicos de cooperação, do que uma atitude persecutória contra este ou aquele Governo.
A cooperação não é apenas uma questão de Governo. É uma questão nacional e, por isso, deve ser debatida - pelo menos nas suas orientações estratégicas prioritárias - na Assembleia da República. E esta é a primeira vez que, ao cabo de cinco legislaturas, o Plenário é chamado a debater este importantíssimo tema.
Por isso - e só por isso - ousámos interpelar: para debater, para discutir novos rumos para os caminhos do futuro que temos de saber trilhar. A bem dos PALOP e para bem de Portugal.
É incontestável que os governos de Cavaco Silva têm sido aqueles que mais se preocuparam com a chamada «política de cooperação». Esta convicção está, inclusive, presente nos discursos da generalidade dos líderes dos PALOP, pelo que parece-nos não dever merecer contestação.
O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Muito bem!
O Orador:-Todavia, esses governos não lograram conceber, organizar e implementar uma verdadeira política, concertada e integrada, de cooperação.
É que, independentemente da seriedade, das boas- vontades e da eventual competência técnica dos governantes, a cooperação não é um simples estado de espírito, mas antes uma prática sistemática, orientada para a previsão - e até, por vezes, para a própria antecipação - dos acontecimentos, por forma a encontrarem-se, em cada momento, as soluções adaptativas mais eficazes e mutuamente mais gratifícantes.
Quer isto dizer que não basta ser interlocutor passivo. É preciso que haja também uma vontade política forte, determinada e divulgada junto de adequados universos alvo, que se expresse, no quotidiano, em acções de antecipação e na criação de esferas de influência e de poder real.
Em Portugal ainda vamos tendo gente que se preocupa com - e quer - a cooperação. Mas não temos estruturas e recursos que, na escala desejável, respondam às novas e crescentes solicitações que, directa ou indirectamente, nos são formuladas.
Em termos institucionais, a cooperação tem vindo a ser conduzida sem preocupações de mútua dependência e de integração das acções conduzidas por vários ministérios. Não há programas finalizados de actuação em sectores estratégicos de cooperação e não existe, verdadeiramente, uma instância política preocupada, exclusivamente, com a coordenação das acções e com a compatibilização dos objectivos subjacentes a uma política, organizada e actuante, de cooperação.
Há países europeus - como a França - que parecem entender melhor os resultados da análise custos/benefícios que se impõe formular em matéria de cooperação. A França aplica uma política agressiva, partindo das questões culturais, para penetrar nos aspectos económicos. Essa política é definida e coordenada por uma instância, no caso, o Ministério da Cooperação, que não se miscigena nem confunde com o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Em Portugal temos um Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma Secretaria de Estado da Integração Europeia e uma Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, que também faz cooperação. E temos ainda o Instituto para a Cooperação Económica, a Direcção- Geral da Cooperação, a Secretaria de Estado da Cultura, os ministérios - com vários departamentos orientados para a cooperação -. as empresas públicas (financeiras e não financeiras) e organismos públicos diversos, todos eles, decerto, fazendo o melhor possível, mas sem qualquer fio condutor que articule e integre as actividades que desenvolvem, visando a prossecução de objectivos concretos à luz de uma motivação nacional.
A sobreposição de funções entre delegados do ICEP
- Instituto do Comércio Externo Português -, do ICE
- Instituto para a Cooperação Económica - e dos conselheiros económicos das embaixadas revela bem a descoordenação existente. Que papel se encontra reservado aos representantes de cada um dos organismos citados? Quem assegura a necessária coordenação das suas intervenções? Que articulação existe entre cada uma das referidas antenas[...]
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[...]e os órgãos centrais que devem divulgar a informação junto dos operadores económicos? E quem coordena, trata e divulga a informação relevante?
No Orçamento do Estado existem várias dotações afectas à cooperação, todas elas insuficientes, apesar de, as mais das vezes, acabarem por não ser utilizadas.
Ninguém sabe, ao certo, quanto se investe na cooperação. Menos ainda se conhece a eficácia dos gastos realizados.
Portugal tem vindo a fazer cooperação, mas sem objectivos concretos e sem uma política envolvente que anteceda e subordine as acções que levamos a cabo.
Acresce a lamentável circunstância de termos revelado uma notória incapacidade para, sobretudo em termos políticos e empresariais, nos consorciarmos com o Brasil no sentido de afirmarmos a nossa presença histórica, linguística, cultural e, claro está, económica.
O Brasil, país irmão que fala português com pequenas, mas alterosas, adaptações ortográficas, tem de ser um parceiro da cooperação com os PALOP. Mas um parceiro real, não economicista, e verdadeiramente empenhado no aprofundamento tanto de factos como da nossa história e da nossa cultura.
As situações descritas podem- e devem - ser corrigidas. Bastará que, para o efeito, se afirme uma vontade política forte e determinada.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nenhuma potência colonizadora pode dizer, como nós podemos, que a sua colaboração é tão desejada nos países ex- colonizados. No cômputo dos cinco PALOP, não há nenhum que não queira a participação de Portugal e dos Portugueses nas tarefas de desenvolvimento e de reconstrução.
Dissemos «no cômputo dos cinco PALOP». Pena é que não possamos ter falado em seis. É que não podemos lavar, de Timor, as nossas mãos.
Trazer Timor a Portugal, levar Portugal a Timor, não é uma utopia. O povo timorense anseia pela democracia e pelo desenvolvimento económico e social. Temos, nesta matéria, uma grande responsabilidade. É preciso que afirmemos em Timor a nossa história e a nossa cultura. Sejamos, para isso, fortes e determinados. É preciso saber corrigir os erros enquanto é tempo. Com humildade, mas com a força da nossa razão.
Cinco séculos de dominação - e, em três casos, uma guerra de libertação não foram suficientes para enraizar ressentimentos. Este facto pode ser-e é-o, em certa medida - decorrente da maneira portuguesa de estar nas coisas e no mundo, mas é, sobretudo, um mérito dos povos desses cinco países, hoje independentes, que suportaram os ónus da colonização e da guerra de libertação. Em alguns desses países - é o caso paradigmático da Guiné-Bissau -, se ainda se fala português, é porque as suas autoridades se bateram por isso, talvez mais do que Portugal.
Temos todas as condições subjectivas para praticar uma política de cooperação despida de heranças colonialistas e mutuamente gratificante. Faltam-nos as condições objectivas. Até quando aceitaremos o aparente fatalismo deste constrangimento?
Durante muitos anos deixámos que fenecesse a nossa «cultura africana». Soubemos muito de África, hoje sabemos muito menos e corremos o risco de nada saber no futuro se não motivarmos a nossa juventude para estar em e com África.
A geração que conheceu os problemas africanos está hoje, na generalidade, numa faixa etária que lhe não permite participar nos desafios da cooperação. A juventude, essa, não é minimamente estimulada sequer para reflectimos problemas africanos. E, afinal, quem melhor do que os Portugueses pode trabalhar e estar em África?
Na educação, quem é que domina a língua e, portanto, consegue essa coisa elementar-mas decisiva-que é a de fazer entender-se?
Na saúde, quem é que, mesmo à escala mundial, melhor conhece que nós as doenças tropicais e sabe adequar o receituário as condições locais?
Na indústria, quem, melhor que os empresários nacionais, pode assumir o processo de redimensionamento empresarial em curso?
Na agricultura, quem sabe como produzir, por exemplo, café e cacau? Quem, senão os Portugueses, pode repor os níveis de produção registados no passado?
No comércio, quem sabe montar e implementar esquemas de distribuição e de comercialização de mercadorias, por forma que as mesmas cheguem aos produtores agrícolas?
E quanto à informação sobre África? Que outro país dispõe de um espólio de informação tão precioso e multifacetado sobre os PALOP?
Deixem que acrescente, à guisa de comentário a este último aspecto, ser injustificável que um tal património documental e de informação, de valor incalculável, tenha permanecido improdutivo durante tanto tempo, sem servir a ninguém.
Os exemplos referidos poderiam multiplicar-se sem que a conclusão se alterasse: Portugal é o parceiro mais adequado -e, também, o mais desejado- para apoiar o processo de reconstrução das economias e das sociedades africanas.
Os governos de Cavaco Silva optaram por tratar as questões da cooperação numa base bilateral, privilegiando as relações Estado a Estado em detrimento do relacionamento Estado - PALOP.
É evidente que essa postura permitiu um conhecimento mais aprofundado das realidades e das preferências reveladas por cada um dos Cinco, propiciando consequentemente, maior eficácia em determinadas áreas da cooperação. Mas o radicalismo com que, por vezes, essa posição foi assumida impediu que para além da árvore se visse a floresta. Não teria sido difícil definir uma política activa de cooperação, pelo menos com os três mais pequenos países de língua portuguesa que não enfrentaram guerras civis subsequentes às guerras de libertação.
Angola e Moçambique constituem casos à parte, que importava, de facto, tratar isoladamente, mas as Repúblicas da Guiné-Bissau, de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe poderiam encontrar-se hoje em estádios mais avançados de desenvolvimento se tivesse havido, por parte de Portugal, maior vontade política em matéria de apoio técnico, científico e financeiro.
À limitação referida acresce uma outra que não pode deixar de ser mencionada. Sem que, de alguma forma, se pretenda pôr em causa pessoas, não restam dúvidas de que nem sempre se escolheram as personalidades mais adequadas para dirigir as embaixadas de Portugal nos PALOP. Um embaixador de Portugal num pais africano de língua portuguesa dispõe, à partida, de vantagens comparativas, que importaria ter sabido explorar com maior antecipação, sagacidade e agressividade.
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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se os PALOP precisam de nós, Portugal também precisa de Africa. Não apenas para encontrar aí mercado para produções com procura em declínio na Europa. Não apenas para «descolonizar» para África processos produtivos-ou segmentos de processos produtivos-que não são competitivos em termos não apenas da concorrência que já nos é movida pelos países desenvolvidos e pelos novos países industrializados, mas também pela concorrência acrescida decorrente da plena formação do mercado único europeu. Não apenas para transferir tecnologias intermédias, obsoletas no mercado europeu, mas apropriadas ao actual estádio de desenvolvimento da economia africana. Não apenas, enfim, para apresentar saldos comerciais positivos no comércio com África.
Portugal precisa de África para que uma das grandes opções do Plano, «a afirmação de Portugal no mundo», possa, de facto, concretizar-se.
África é, além do mais, uma importante moeda de troca no jogo de influências ditado pela nossa adesão plena à CEE.
A partir dos PALOP podemos chegar, em condições preferenciais, a novos mercados, como, por exemplo, os da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), os da Conferência para a Coordenação e Desenvolvimento da África Austral (SADCC), etc. A partir dos países africanos de língua portuguesa podemos aumentar o nosso grau de penetração no comércio intra--CEE, beneficiando das disposições da 4.1 Convenção de Lomé, nomeadamente no que toca às regras de origem.
A partir dos Cinco, poderemos alargar a nossa área de influência cultural e política à América Latina, a países do Médio Oriente e até ao Norte de África.
A partir dos PALOP poderemos, inclusivamente, afirmar a nossa vocação atlantista, reduzindo a distância económica e as barreiras pautais e administrativas que nos separam dos Estados Unidos da América.
Vamos continuar a deixar que estes trunfos sejam jogados quando a partida já estiver perdida?
Quem tem medo de preconceitos neocolonialistas? Quem tem ainda complexos estéreis?
Vamos ser pragmáticos. Se não for Portugal a polarizar o apoio ao desenvolvimento dos PALOP outros países o farão. Certamente pior do que nós.
Portugal está inserido num espaço económico que revela grande vocação e apetência africana.
Mais do que a Itália, a França ou a Inglaterra, Portugal poderá desempenhar um papel insubstituível no relacionamento Europa/África.
A exiguidade de recursos financeiros do País serviu, durante alguns anos, de pretexto - para não dizer de álibi - para disfarçar posturas passivas no domínio da cooperação com África.
E certo que o País continua a não dispor de recursos suficientemente vultosos para praticar uma política de «farturas» na área da cooperação, mas também o é que, em termos de custo de oportunidade de aplicações alternativas, não se tem ponderado, adequadamente, a reprodutividade económica, social e cultural dos investimentos na cooperação.
Como explicar que um país como a Itália orçamente, para a cooperação com um só país-no caso, a República Popular de Moçambique -, provavelmente mais do que a verba que Portugal dispende com os cinco PALOP?
É óbvio que as nossas maiores vantagens comparativas assentam, também em matéria de cooperação, no capital humano que possuímos. É com esse capital humano que podemos afirmar, aprofundar e desenvolver a nossa cooperação.
Mas, para que tal possa ocorrer, é necessário que os técnicos portugueses interessados em trabalhar em África sejam minimamente estimulados. Os estímulos, nesta matéria, consubstanciam-se, no essencial, na definição de um quadro fiscal que salvaguarde os legítimos interesses de quem se dispõe a cooperar e, bem assim, na concessão de garantias em matéria de segurança e assistência social.
Injustificavelmente, estes elementares estímulos não têm sido concedidos, pelo menos na escala necessária.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao contrário do que parece ser a postura de muitas das entidades oficiais envolvidas na cooperação, esta não se confina à cooperação bilateral Estado a Estado. É, antes, indiscutível que o instrumento fundamental da política de cooperação reside na cooperação empresarial. E esta tem sido negligenciada, quando não penalizada.
Com efeito, as empresas portuguesas que laboram em África são forçadas a competir numa envolvente que lhes é profundamente desfavorável. Casos há - e são, infelizmente, muitos-em que a nossa participação em ; estratégicos tem sido prejudicada, contra os desejos das próprias autoridades locais, pela inexistência de apoio financeiro por parte do Estado Português. As empresas espanholas, francesas e italianas são acarinhadas e apoiadas pelos respectivos Estados, podendo, por isso, recorrer a práticas de concorrência desleal, nomeadamente ao dum - ping.
Lamentavelmente, nem do ponto de vista fiscal se confere às empresas portuguesas a possibilidade de beneficiarem de um estatuto especial em termos de IRC. É certo que, na última lei orçamental - e por iniciativa do PRD-, se deram passos importantes para potenciar esse benefício fiscal, mas a questão não foi ainda regulamentada, persistindo dúvidas quanto à forma de demonstrar que um determinado contrato é de interesse nacional.
Por outro lado, as empresas portuguesas não são informadas, atempadamente, dos concursos que vão sendo lançados e têm as maiores dificuldades em obter informações precisas, que lhes permitam fundamentar, adequadamente, as suas propostas, visto que a informação disponível -nomeadamente a que resulta do funcionamento das comissões mistas - circula muito pouco e, quase sempre, tardiamente.
Vem a propósito sublinhar que, sobretudo nos últimos tempos, tem vindo a assistir-se a uma nova-e obviamente perversa-forma de concorrência entre o sector público e o sector privado na área da cooperação.
Com efeito, alguns organismos públicos - ou para- públicos-começam a competir com empresas privadas em concursos internacionais. Nada haveria a opor a esta situação se as empresas e instituições dos sectores público e privado concorressem em igualdade de circunstâncias. Sucede, porém, que as empresas e instituições públicas ou parapúblicas podem praticar preços de venda mais baixos, visto beneficiarem de financiamento por via do Orçamento do Estado, para além de não estarem sujeitas a impostos.
Esta concorrência desleal, a prosseguir, tenderá a prejudicar os interesses e a penetração portuguesa em vários mercados.
Também em matéria de defesa - que tem de ser «intransigente» dos interesses das empresas portuguesas junto das grandes instituições internacionais que financiam[...]
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O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (Durão Barroso): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me, em primeiro lugar, que felicite o partido interpelante pela iniciativa que tomou de trazer a esta Assembleia o tema da cooperação.
Vozes do PS: -Claro!
Vozes do PSD: - É devido!
O Orador:-Pergunto-me, aliás, por que razão só agora esta Assembleia resolveu tratar a nível de Plenário um assunto de tão relevante interesse nacional.
Aplausos do PSD.
Desde o primeiro momento que o Governo considerou a política de cooperação como um vector essencial da política externa portuguesa O Programa do Governo apresentado em 1987, a esta Assembleia, é muito claro quando refere a este propósito que se trata de suma política de interesse nacional a longo prazo».
Hoje, passados que são quase quatro anos, é possível dizer que os resultados obtidos são indubitavelmente positivos. E isto essencialmente porque toda a actividade desenvolvida pelas estruturas competentes tem assentado em bases sólidas e em princípios claros e sem ambiguidades, ou seja, porque existe de facto uma política.
Como todos estão certamente recordados, as relações entre Portugal e as ex-colónias caracterizaram-se, inicialmente, por uma enorme instabilidade, que só a pouco e pouco pôde ser ultrapassada com o desenvolvimento e sedimentação da indispensável confiança entre todos os países envolvidos e ultrapassados que foram, na medida do possível, os traumas que a colonização e, sobretudo, a descolonização criaram.
Manda a verdade que se reconheça que o salto qualitativo nesta matéria só veio porém a ser dado com os governos do Prof. Cavaco Silva, isso pareceu-me, aliás, ter ficado reconhecido na intervenção inicial do Sr. Deputado interpelante. Com efeito, o êxito ou inêxito de uma qualquer política de cooperação depende essencialmente da base em que assenta, ou seja, da definição clara, a nível político, das relações entre os Estados envolvidos.
Nessa medida, o correcto desenvolvimento da política de cooperação dependia, prima facie, da criação de relações políticas de alto nível e sem ambiguidades com os países africanos de língua oficial portuguesa assumindo conscientemente essa prioridade.
Ao colocar as nossas relações com esses países no plano Estado a Estado e Governo a Governo, conseguimos aprofundar um relacionamento descomplexado e qualitativamente novo, recusando alinhamentos ideológicos e partidários que tão nocivos ao interesse nacional demonstraram ser no passado. Interesse nacional cuja defesa ,nunca é demais dizê-lo, constitui sempre o primeiro motivo da actividade do Governo nesta matéria.
Toma-se particularmente gratificante verificar que a melhoria dessas relações políticas é sobretudo reconhecida, em palavras e actos, pelos países com os quais cooperamos. Símbolo evidente desse facto foi a realização, em Bissau, da primeira cimeira dos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos países africanos de língua oficial portuguesa e de Portugal, ideia que havia sido lançada há já bastante tempo, mas que nunca, até agora, tinha sido concretizada.
Não é também, certamente, por acaso que, num momento histórico em que profundas mutações tinham lugar, esses países procuraram auxílio junto de Portugal, que assim pôde apoiar, recentemente, as primeiras eleições realmente democráticas em Cabo Verde e em São Tomé Príncipe. Nem a nossa intervenção mediadora no conflito angolano teria sido possível se não fosse o paciente e por vezes imperceptível trabalho de criação de confiança que antecedeu a actuação visível nesse mesmo processo. Criada, assim, a indispensável estabilidade no relacionamento político, novas perspectivas se podiam naturalmente abrir ao desenvolvimento da política de cooperação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política portuguesa de cooperação, para além das considerações de fundo que orientam qualquer esforço de ajuda ao desenvolvimento, tem assentado em quatro ideias essenciais.
Em primeiro lugar, trata-se de um instrumento indispensável da acção diplomática, contribuindo de forma decisiva para a afirmação do nosso país no seio da comunidade internacional, permitindo-nos granjear o respeito generalizado dos nossos parceiros, pelo modo actuante e responsável como temos assumido como imperativo ético de solidariedade o auxílio ao desenvolvimento dos países e povos mais necessitados que vivem, com frequência, condições dramáticas que todos conhecemos.
Em segundo lugar, é um meio de reforçar os laços que nos unem aos Estados e regiões a que tradicionalmente nos encontramos mais ligados por motivos que a história e a cultura criaram e que a vontade dos homens alicerçou, muito em especial no que toca aos países africanos de língua oficial portuguesa. Se tradicionalmente a manutenção desses laços sempre foi uma prioridade da acção externa do Estado, hoje, perante as mutações aceleradas e de consequências imprevisíveis a que assistimos nas relações internacionais, torna-se ainda mais indispensável estreitar esses vínculos.
Com efeito, é nestes momentos de maior instabilidade que os países devem afirmar, reiteradamente, os elementos definidores da sua especificidade político-diplomática e geopolítica no plano internacional.
O nosso país está hoje envolvido profundamente no esforço da construção europeia e, precisamente nessa perspectiva, o reforço das nossas ligações a África é útil. Com efeito, a Europa, espaço tradicionalmente aberto ao relacionamento com outras áreas do mundo, não pode nem deve fechar-se sobre si própria neste momento crucial e a actuação de Portugal e de outros países comunitários com vocação extra -europeia é indispensável para contrariar uma eventual tendência exclusivista ,ou centrípeta no processo de integração.
Em terceiro lugar, a política de cooperação constituição um meio indispensável para o reforço, no plano externo, da acção dos agentes económicos portugueses, tendo em conta a necessidade da internacionalização da nossa economia. Há que ter sempre em mente que, no quadro da criação do mercado único europeu, se poderá naturalmente vir a assistir a uma especialização das economias dos diversos países em determinados sectores ou mercados. O nosso país terá assim de utilizar as suas armas específicas, uma das quais é, sem dúvida, o especial relacionamento com África, que tenderá naturalmente a contribuir para o aumento do seu peso relativo no quadro europeu.
Em quarto e último lugar, a política de cooperação tem partido da assunção clara e descomplexada de que é uma actividade que, dentro dos objectivos que visa obter, se deve nortear sempre pela necessidade de criar vantagens e benefícios para todas as entidades envolvidas, quer o pais dador, quer os países beneficiários.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assente nestas quatro traves mestras básicas, a política portuguesa de cooperação tem vindo a desenvolver-se em dois planos diferentes mas complementares: o sócio - cultural e o técnico - económico.
No que respeita ao primeiro, toda a actividade no domínio sócio - cultural tem sido norteada pela prossecução de dois objectivos essenciais: a afirmação da presença da cultura e da língua portuguesa no mundo e o desejo de contribuir por acções específicas, nomeadamente no domínio da saúde, para a luta contra os efeitos negativos do subdesenvolvimento.
Com efeito, se o desenvolvimento económico é um factor indispensável de progresso, não é menos verdade que esse progresso depende em medida não despicienda do nível de evolução dos sectores educativos. O futuro da economia de qualquer país resulta, em grande parte, dos factores ligados ao desenvolvimento humano. O investimento no homem é a base de todo o progresso futuro. Significado particular têm vindo a assumir certas acções no domínio social, como é o caso da saúde, tendo em conta os benefícios e efeitos que têm sobre as condições de vida de populações mais carenciadas.
Este governo tem, pois, colocado ênfase especial na cooperação sócio - cultural em todas as áreas, da língua portuguesa ao ensino, passando pela comunicação social, a saúde, a cultura, a formação profissional e pelo apoio que julgamos insubstituível aos sistemas jurídicos e de administração desses mesmos países.
Importantes projectos têm sido levados a cabo nestes domínios, espelho prático da preocupação que nos tem norteado.
A título meramente exemplificativo cito os seguintes: a instalação da televisão de língua portuguesa na Guiné- Bissau; a instalação dos centros de medicina tropical na Guiné - Bissau e em São Tomé, o apoio ao Hospital Agostinho Neto em São Tomé, em colaboração com a Fundação Calouste Gulbenkian; o projecto em curso da Faculdade de Direito de Bissau; a realização, em todos os países africanos de língua oficial portuguesa, de feiras do livro; a criação com possibilidade de extensão aos outros países do fundo bibliográfico de Moçambique; a concessão de um número progressivamente crescente de bolsas de estudo (de formação profissional, ensino superior e não superior) que, hoje em dia, se cifra em cerca de 1900 por ano; as diversíssimas acções que, no campo de cooperação técnico - militar, têm vindo a ser desenvolvidas, sobretudo, em termos de formação profissional.
Como objectivo primordial da nossa acção nesta área situa-se porém o reforço da promoção da língua portuguesa. Trata-se com efeito de um domínio onde a nossa cooperação é insubstituível e cujo incremento contribui de forma especial para o reforço da posição portuguesa no mundo, mas que é também fundamental para os países africanos de língua oficial portuguesa, na perspectiva do desenvolvimento futuro das relações entre todos, baseadas na partilha de uma língua comum. E não se trata de uma qualquer tendência exclusivista da nossa parte.
O nosso país não é o dono da língua portuguesa, mas tem naturalmente uma responsabilidade especial na sua defesa e divulgação por todo o mundo. Divulgação que é também do interesse dos países africanos lusófonos, como o demonstra o facto de por sua iniciativa o português ser hoje língua de trabalho na Organização de Unidade Africana e na Conferência de Coordenação para o Desenvolvimento da África Austral (SADCC).
Por outro lado, se a língua é um património comum de todos estes países, a sua defesa contribuirá certamente para o reforço do espaço lusófono e para a sua reafirmação na comunidade internacional.
Daí o grande dinamismo que este governo tem vindo a colocar no desenvolvimento de acções nesta área, através de uma actividade que se desdobra pelos mais diferentes departamentos do Estado.
Prova concreta desse interesse especial são os projectos como o do ensino de e em português, a colocação de leitores do ICALP -antes deste governo não havia um único leitor colocado nos países de língua portuguesa, embora houvesse leitores de português colocados nos mais diferentes países europeus e asiáticos-, os diversos centros culturais que têm ultimamente vindo a prestar cursos de aperfeiçoamento de português a funcionários dos ministérios locais, os diversos programas de alfabetização que têm vindo a ser conduzidos através do apoio às escolas portuguesas ou a versões em português de conhecidos programas educativos, para além do acento tónico colocado na formação de formadores, dadas as limitações orçamentais conhecidas. É mais útil ao nosso país investir na formação de formadores dos próprios países que vão depois, eles mesmos, divulgar a língua portuguesa do que estar a pensar - no que não seria realista, nas actuais condições - numa deslocação maciça de professores do português para esses países.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também no plano técnico - económico se tem vindo a assistir a um aumento qualitativo e quantitativo de indesmentível relevo, através, sobretudo, da utilização dos instrumentos já existentes ou de outros que têm vindo a ser criados de modo a estimular a actuação dos agentes económicos portugueses, com o objectivo de mobilizar a sua colaboração na recuperação de infra-estruturas produtivas e em indispensáveis acções de formação. Trata-se, de resto, de uma área também ela de decisiva importância, pois o investimento, o comércio, as transferências de tecnologia, representam elemento indispensável para o crescimento dos países com os quais cooperamos e para a melhoria das condições de vida das respectivas populações. Cooperação essa que, de resto, tem sido facilitada pelo notável esforço de racionalização da economia e de ajustamento macroeconómico que os países africanos de língua oficial portuguesa têm vindo a empreender. Também lá a retórica e o voluntarismo dos tempos iniciais deram lugar ao pragmatismo e ao realismo das escolhas económicas.
A filosofia que o Governo tem aplicado no domínio da cooperação empresarial é bastante clara. Ao Estado deverá caber a criação das condições políticas e económicas ao incremento da actividade do sector empresarial privado e o apoio supletivo a essa acção sempre que as condições conjunturais o justifiquem ou que um relevante interesse político se manifeste.
O Estado e as estruturas da Administração Pública não são os agentes exclusivos da cooperação e a chamada «sociedade civil» só terá a ganhar com a redução do papel que o Estado tem vindo a exercer, devendo este limitar-se, logo que possível, a criar os instrumentos de enquadramento dos operadores privados, orientando-os e garantindo-lhes o espaço de manobra necessário à prossecução dos seus objectivos económicos.
O apoio aos agentes económicos nacionais tem sido, de resto, uma das áreas que mais atenção tem merecido por parte das estruturas oficiais de cooperação e onde os[...]
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[...]resultados obtidos são de indiscutível relevo, tendo por diversas vezes sido reconhecido pelo empresariado nacional o papel estimulante das entidades oficiais.
Temos assistido a uma progressiva penetração dos agentes económicos portugueses nos mercados dos países africanos de língua oficial portuguesa, patente no número de concursos internacionais que têm vindo a ser ganhos, nas inúmeras empresas mistas constituídas, na progressiva instalação nesses países de bancos nacionais e crescente número de projectos de investimento.
Prova evidente do incremento de toda a actividade empresarial é o facto de o saldo comercial global com os cinco países africanos de língua oficial portuguesa atingir, em Novembro de 1990, o montante de 54,204 milhões de contos, quando em finais de 1986 se cifrava em 11,200 milhões descontos, o que traduz um aumento de cerca de cinco vezes.
No domínio técnico- económico tem merecido igualmente a particular atenção do Governo, por motivos que todos compreenderão, a cooperação técnico- financeira, especialmente no que se refere ao problema da dívida externa dos países africanos de língua oficial portuguesa ao nosso país.
Essa dívida tem sido objecto, em diversas situações, de sucessivos reescalonamentos, alguns deles em condições particularmente favoráveis. Em determinadas situações recorreu-se mesmo a algumas soluções mais imaginativas como seja a ideia de conversão dos débitos de capital de empresas mistas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desenvolvimento eficaz de qualquer política de cooperação depende naturalmente dos meios e dos instrumentos que ao seu dispor são colocados. O Governo não ignora esse facto.
Há que ter porém em conta que se o nosso país dispõe de algumas importantes vantagens comparativas neste domínio, resultantes das nossas particulares condições de adequação cultural e humana àquelas áreas e ao facto de dispor de um nível tecnológico que muitas vezes é o mais adequado para responder às exigências e aos interesses dos estados beneficiários, não é menos verdade que existem limitações importantes de carácter financeiro que são um elemento restritivo do nosso papel, limitações essas que esta Assembleia conhece, pois é esta Assembleia que aprova o Orçamento.
Com efeito, e de acordo com os últimos dados completos de que dispomos, o nosso país gastou em APD (ajuda pública ao desenvolvimento), a preços internacionais, no ano de 1989, cerca de 11,7 milhões de contos, o que, representando 0,23 % do produto interno bruto, nos coloca numa posição internacionalmente muito respeitável entre o conjunto dos países dadores.
Gostaria, aliás, de vos dizer que este orçamento da cooperação, que elaborámos com o apoio de técnicos internacionais de agências especializadas, nomeadamente a OCDE, representa o primeiro esforço que até hoje foi feito para uma contabilização aproximada do nosso esforço de cooperação. Até hoje nunca tinha havido esse orçamento de cooperação, limitando-se os diferentes departamentos governamentais a gastar, sem que fosse feita, sequer, uma contabilidade do ponto de vista da política de cooperação.
A nossa actuação tem, porém, naturais limites decorrentes dos factores acima referidos. Por isso, e embora privilegiando a cooperação bilateral, o nosso país, num esforço de racionalização da sua actuação, tem incentivado a participação nas diversas instâncias de cooperação multilateral, aí buscando indispensáveis e suplementares fontes de financiamento. Daí a nossa participação activa em organizações como a CEE, o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), o Banco Mundial (BM), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para cujo conselho de administração fomos recentemente eleitos, a UNIDO e outros.
E também aí os resultados têm ultrapassado todas as nossas expectativas.
Refiramos, por exemplo, que, ao nível do Fundo Europeu para o Desenvolvimento (FED), Portugal ocupava em Setembro de 1990 a 7ª posição nos concursos de adjudicação de serviços, fornecimentos e obras, não só nos países africanos de língua oficial portuguesa, mas também no conjunto dos países ACP. com um total de 53375 milhões de ecus, o que dá, aproximadamente, 10 milhões de contos.
Queria dizer-vos que, em termos relativos, este é o melhor resultado de todos os países da CEE, se considerarmos aquilo que o País dispõe para a contribuição para o FED e aquilo que as nossas empresas ganham. É, em termos relativos, o primeiro resultado, o que demonstra, sem dúvida, como, aliás, foi dito na intervenção do Sr. Deputado, uma especial vocação do nosso sector empresarial para estas áreas.
A eficácia na utilização das verbas depende, porém, frequentemente, da racional utilização dos instrumentos disponíveis e dos métodos utilizados. Fazer muito com muito dinheiro não tem nada de especial, o hábil está em fazer muito com pouco.
Aplausos do PSD.
Desde o início da sua actividade que este governo apostou, e correctamente, seja-me permitido dizer, numa actuação descentralizada que melhor se coaduna com a natureza horizontal da política de cooperação.
Nesta perspectiva, os recursos não ficaram concentrados apenas numa entidade, ainda que ela fosse o próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas antes distribuídos pelos diversos departamentos, permitindo a intervenção activa de todos os ministérios, quer ao nível da planificação quer no plano de execução das acções que, pela sua natureza, cabem no respectivo âmbito de actividade.
Por isso temos vindo a assistir a uma progressiva especialização e interesse dos diversos ministérios no relacionamento com África, como sucede, por exemplo, com os Ministérios do Emprego e da Segurança Social, da Defesa Nacional, da Saúde ou da Educação, e praticamente todos os nossos ministérios, hoje em dia, desenvolvem acções de cooperação. Esta perspectiva, julgo eu, é a correcta.
Se tivéssemos optado pela via oposta, ou seja, centralizar tudo numa única agência de cooperação, teríamos perdido vocações, teríamos perdido recursos e teríamos perdido, ao fim e ao cabo, acções concretas de cooperação.
Ao Ministério dos Negócios Estrangeiros deverá caber o papel de coordenação e orientação, de modo a assegurar a coerência global de toda a política e a sua harmonização com os interesses externos do Estado.
Para prover a essa necessidade o Governo dinamizou a Comissão Interministerial para a Cooperação, a qual já foi criada há bastantes anos, mas que nunca tinha funcionado e nunca tinha reunido antes deste governo.
Por isso a proposta que aqui foi feita não se pode entender muito bem, visto que já existe a Comissão[...]
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Interministerial para a Cooperação, já existe a Comissão Consultiva para a Cooperação e também já existe uma Subcomissão na Assembleia para acompanhar os assuntos da cooperação.
Também nesta perspectiva de coordenação, embora a outro nível, foi dinamizada a Comissão Consultiva para a Cooperação, no sentido de trazer um importante contributo por parte de diversas entidades da sociedade civil, como associações empresariais, sindicais ou organizações não governamentais.
A propósito destas últimas, uma merecida palavra, para referir o papel importante que têm vindo a assumir, progressivamente, na cooperação portuguesa, dada a sua particular facilidade em apresentar respostas a problemas que dificilmente encontrariam solução através das estruturas mais burocratizadas da Administração Pública.
A este nível, também o Governo tem dado o seu contributo para apoiar a acção meritória, através da inclusão no Orçamento de verbas para apoio às organizações não governamentais.
A actuação no domínio propriamente financeiro tem também merecido particular atenção. Nesse sentido se orientou a especialização do Banco de Fomento e Exterior e a recente criação do Fundo para a Cooperação Económica, fundo esse que já existia no projecto de muitos governos, mas que só o actual governo veio a criar efectivamente.
Este fundo vai, sem dúvida, colocar ao dispor dos agentes económicos um mecanismo adequado à criação de condições indispensáveis, em matéria de financiamento de investimentos, exportações e estudos de base e projectos, permitindo aos nossos empresários concorrer, em condições mais favoráveis, com os seus homólogos de outros países.
Ainda no que aos instrumentos se refere, merece particular relevo a introdução, feita também por este governo, da técnica dos «programas quadro» de cooperação.
Trata-se, com efeito, de uma tradução prática dos novos laços que nos ligam aos países africanos de língua oficial portuguesa e que constitui a forma adequada para proceder à articulação entre as prioridades de desenvolvimento dos países beneficiários e as possibilidades de resposta portuguesas. Além do mais, esses «programas quadro» garantem igualmente a necessária visão do conjunto, asseguram a calendarizarão das acções indispensáveis a uma correcta avaliação e possibilitam a hierarquização das acções de acordo com a sua importância. Quer isto dizer que, hoje em dia, para além dos objectivos da cooperação, temos vindo a pôr em prática uma série de instrumentos que permitem a sua correcta avaliação e a permanente medida dos resultados dos projectos e acções empreendidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo, a que me honro de pertencer, tem a plena consciência que existem ainda limitações e determinados constrangimentos que pesam sobre a política de cooperação. Mas estamos também certos de que, porque existe uma estratégia definida, contribuímos para atingir um nível de relacionamento político e de cooperação com os países em vias de desenvolvimento e, em particular, com os países africanos de língua portuguesa que nunca, como hoje, tinha sido conseguido. Bom exemplo deste papel foi a actuação portuguesa ao nível da negociação da 4ª Convenção de Lomé.
Estou certo, que o debate que hoje aqui estamos a travar reforçará a cooperação institucional entre a Assembleia da República e o Governo na prossecução daquele que é, sem dúvida, um grande desígnio nacional, uma política de
cooperação que decisivamente contribua para a crescente afirmação no mundo de uma emergente comunidade dos países lusófonos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado os Srs. Deputados Carlos Lilaia, João Corregedor da Fonseca, José Manuel Lello, José Apolinário, Edite Estrela, Hermínio Martinho, António Mota Veiga, Rui Silva e João Amaral.
Começando pelos pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Hermínio Martinho, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Hermínio Martinho, V. Ex.ª , no início da sua intervenção, começou por expor e analisar os objectivos que, no seu entendimento e no do seu grupo parlamentar, se pretendiam com esta interpelação e assinalou, como o principal deles, uma função prospectiva em relação à matéria da cooperação e não tanto a análise ou a crítica à acção do Governo, deste ou de qualquer outro.
Creio que a figura da interpelação tem, no quadro constitucional e regimental, um papel claramente definido, isto é, está enquadrada no conjunto das figuras e dos meios de fiscalização política da acção do Governo, por parte da Assembleia da República.
Assim sendo, parece-me que esta situação não é muito clara, porque a figura da interpelação está a ser usada para uma função diferente daquela que deveria ser a sua. Creio, no entanto, que devemos preservar a função e a dignidade próprias das figuras constitucionais e regimentais.
Portanto, perguntava ao Sr. Deputado Hermínio Martinho se, neste quadro, não teria sido preferível utilizar outro sistema para atingir este objectivo, fazendo, por exemplo, como fizemos ontem em relação ao acordo ortográfico, um colóquio parlamentar, o que, aliás, permitiria a intervenção de técnicos e de outras pessoas sobre esta matéria, salvaguardando, dessa forma, a função e a natureza próprias da figura da interpelação, que são totalmente diferentes.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): -Sr. Deputado Hermínio Martinho, o PSD compreende o seu dilema, isto é, querer dizer mal sem ter de quê.
O Sr. Deputado veio aqui com concepções que nos espantam: apresentou uma concepção mercantilista da cooperação, quando diz que esta tem de ser uma moeda de troca; referiu um não muito definido relacionamento entre o Estado e os PALOP, que nós preferimos classificar de Estado a Estado, e apelou, indirectamente, a políticas de dumping, quando diz que o Governo não olha a isso, porque outros países o fazem.
No fundo, o que o Sr. Deputado Hermínio Martinho aqui trouxe foram, tão-só, críticas orgânicas e acabou propondo, como súmula da sua intervenção, a criação de comissões... e mais comissões...
Uma só nota, Sr. Deputado Hermínio Martinho: a tal comissão interministerial que o Sr. Deputado aqui propôs está criada desde 1983 e só reuniu neste governo por iniciativa do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.
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Mas as duas questões que, muito directamente, aqui lhe quero colocar são as seguintes: quanto à primeira, o Sr. Deputado referiu-se a Portugal como sendo tão-só um interlocutor passivo da cooperação. Assim, perguntar-lhe-ia se pensa isso mesmo, ou seja, se o êxito da recente mediação de Portugal no conflito angolano o faz levar a pressupor que Portugal é tão-só um interlocutor passivo e se o exemplo dos arranjos monetários, dos diferentes acordos bilaterais, que o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação aqui bem referiu, e a diferente participação de Portugal nos acordos multilaterais classificam Portugal como um interlocutor passivo. Mais: o Sr. Deputado disse que, em relação à Guiné- Bissau, a língua portuguesa foi aí defendida sem qualquer esforço do Governo. Quero aqui referir que talvez o Sr. Secretário de Estado lhe possa esclarecer melhor esta questão, pois talvez tenha sido na Guiné- Bissau que o esforço financeiro e diplomático de Portugal mais se fez sentir, no sentido de garantir a perenidade da língua portuguesa, como meio de comunicação entre Portugal e esse país africano de língua oficial portuguesa.
Uma segunda questão, Sr. Deputado: V. Ex. refere-se à não existência de um fio condutor e de objectivos da política de cooperação do Governo, no entanto, o Sr. Secretário de Estado ainda há pouco aqui apresentou um conjunto concreto de objectivos dessa mesma política.
Mas a minha pergunta é esta: quais são os objectivos concretos do PRD em relação à política de cooperação, isto é, para além das comissões e para além de um arrazoado de argumentos que, no fundo, vêm a concordar, em algumas partes, com a política que o Governo tem vindo a seguir, o que é que o PRD propõe em termos de objectivos concretos para a política de cooperação portuguesa?
O Sr. Presidente: -Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Deputado Hermínio Maninho, todos reconhecemos o grande interesse desta interpelação, mas não quero deixar de referir que, ao contrário do que poderia resultar da sua intervenção inicial, a política de cooperação já foi debatida com a presença, que todos agradecemos, do Sr. Secretário de Estado, no seio da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, desta Assembleia.
O Sr. Deputado, na sua intervenção, reconheceu que os governos de Cavaco Silva são os que mais se têm preocupado com a cooperação. Era o que faltava se o não fizesse, pois julgo que essa é uma opinião pacífica, mesmo fora das nossas fronteiras!
No entanto, surpreendeu-me muito a sua intervenção pelas razões que passo a expor em primeiro lugar, não compreendo como é que se pode ter uma perspectiva da cooperação, a meu ver, mais negativa do que os próprios dirigentes de todos os países de expressão oficial portuguesa; em segundo lugar, como é que ainda se pode assentar, em grande parte, a crítica, como, aliás, já foi aflorado pelo meu colega Rui Gomes da Silva, sobre questões orgânicas. Isto é, Sr. Deputado, uma visão completamente ultrapassada da política, é o velho vezo que ainda aparece - e que não esperava ouvir sair da sua boca - de pensar que se resolvem os problemas criando mais organismos ou mais comissões. É evidente que isto é uma concepção totalmente -e não quero empregar alguma expressão excessiva, pois tenho muito respeito por si - arcaica da política.
Por outro lado, ainda, a concepção redutora da cooperação que resulta da sua intervenção deu-me a impressão de que o Sr. Deputado faz uma apreciação demasiado quantitativa da cooperação. Esperava ouvi-lo falar mais sobre os princípios, a qualidade e a eficácia da cooperação que Portugal faz.
O Sr. Deputado também nada disse sobre o papel de Portugal no debate e preparação da 4.ª Convenção de Lomé e, com surpresa minha, não referiu a acção desenvolvida pelo Governo para a obtenção da paz, sobretudo em Angola, nem o apoio dado, quando solicitado - não apenas pelo Governo, mas também por esta Assembleia-, para a realização de eleições e para o funcionamento de instituições democráticas.
Assim, pergunto: não considera o Sr. Deputado que o trabalho sobre os pressupostos em que deve assentar a cooperação se deve incluir dentro dessa concepção alargada de cooperação? O desenvolvimento de que tanto se falou e que o preocupa tão justamente será possível sem que antes se trabalhe para a paz? Dentro em breve, quando fizer a minha intervenção, tentarei demonstrar que não é possível! Terá a cooperação o mínimo de eficácia sem paz?
Finalmente, Sr. Deputado, quer eu, quer outros deputados, já aqui temos falado da concepção de democracia actual, que, para além dos direitos do homem e de todas as liberdades que a ela estão ligados, é hoje também um pressuposto do desenvolvimento. Ora, ao auxiliar a instauração e o funcionamento dos mecanismos democráticos nesses países africanos, não estará também Portugal a fazer cooperação ao mais alto nível ético, cultural e axiológico que a cooperação pode atingir?
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Srs. Deputados, vou tentar ser breve, pois o tempo não é muito e, como já referi, vão ainda fazer-se diversas intervenções sectoriais.
Sr. Deputado João Amaral, em meu entender, a figura da interpelação é para interpelar, e de facto nós interpelámos. Basta lembrar as questões colocadas pelos deputados do PSD e as críticas que fizeram à minha intervenção para perceber que, de facto, a questão que me colocou está, de certa forma, ultrapassada. De qualquer forma, agradeço-lhe, mas devo dizer-lhe que o facto de interpelarmos aqui o Governo não impede que não se desenvolvam mais iniciativas, como, por exemplo, colóquios ou quaisquer outras, para debater esta questão, que, como referi na minha intervenção, é nacional e não apenas uma questão de Governo.
No entanto, pretendi sobretudo deixar claro que muito mais do que estar a olhar para o passado, sem, no entanto, deixar de olhar, sobretudo, para aquilo que não se fez e se poderia ter feito, estou preocupado em debater as questões do futuro, exactamente numa altura em que, neste ano de 1991, se realizaram eleições em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, que podem ser consideradas um exemplo para toda a África e em que, finalmente, estamos à beira da assinatura dos acordos de cessar fogo em Angola e Moçambique, tentando demonstrar que não é possível, no futuro, continuar a encarar estas questões da mesma fornia como têm sido encaradas, porque as respostas vão ter de[...]
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[...]ser dadas rapidamente, de forma concertada, organizada e integrada para não perdermos definitivamente muitos comboios em África.
Para mim é claro que ou somos nós a fazer algumas coisas com os PALOP, que, em meu entender, para benefício mútuo, só nós em conjunto com eles podemos fazer, ou então ninguém vai poder fazer, para prejuízo desses povos e de Portugal. Portanto, foi sobretudo voltado para o futuro que pretendi fazer a minha intervenção, lembrando, Sr. Deputado, que a cooperação é uma questão nacional da maior importância, que esta Assembleia nunca debateu desta forma, ao cabo de cinco legislaturas que estamos neste momento a completar.
Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, confesso que a sua conclusão de que o que eu quero é dizer mal sem saber de quê me faz sorrir, em primeiro lugar porque, como V. Ex.ª sabe, não é meu hábito dizer mal de nada e muito menos de quem quer que seja. Na verdade, não tenho esse hábito-talvez seja um princípio que absorvi quando ainda estava na barriga da minha mãe e que, possivelmente, já foi transmitido pela minha avó. Portanto, Sr. Deputado, essa sua afirmação não faz qualquer sentido. Que eu possa falar sem saber de quê ainda admito que por vezes possa acontecer, uma vez que mesmo até nas matérias que melhor conheço não me sinto totalmente à vontade, mas dizer mal sem saber de quê nunca o Sr. Deputado me poderá ter ouvido falar, e muito menos sobre uma questão como é a da cooperação, em que se calhar todos temos muito a aprender. E até talvez seja para aprendermos alguma coisa que estamos aqui, hoje, a debater esta questão.
Sr. Deputado, não fiz apelos a políticas de dumping, fiz críticas à passividade e à falta de iniciativas e de medidas do Governo, que permite que, noutros países, determinadas empresas, através de outros mecanismos, nomeadamente do dumping, saiam beneficiadas em detrimento e em prejuízo do nosso país e de empresas do nosso país. Portanto, eu disse exactamente o contrário, Sr. Deputado!
O Sr. Secretário de Estado esclareceu, e muito bem, que existe, de facto, uma comissão interministerial com fins e objectivos consultivos do Primeiro-Ministro, mas a minha proposta é no sentido de se criar uma comissão interministerial que coordene a enorme descoordenação que existe, ao nível de quase todos os ministérios, nas acções de cooperação e que faça a gestão de todas elas no plano técnico e não no plano consultivo. Penso que fui claro, Sr. Deputado!
Em relação à paz em Angola, V. Ex.ª e o Sr. Deputado Pedro Roseta ficaram aborrecidos e preocupados por eu não ter feito referências elogiosas ao trabalho do Governo e, nomeadamente, do Sr. Secretário de Estado, mas devo lembrar que sempre que entendi ser útil, oportuno e politicamente correcto não as deixei de fazer porque sei criticar e quando devo criticar. Más também nunca deixei de elogiar quando era caso disso, mas penso que estar a fazer isso hoje aqui não fazia sentido, até porque não queria estar a causar incómodos ao Sr. Secretário de Estado, pois ele sabe melhor do que ninguém o trabalho que teve, e o País - e penso que Angola também - saberá reconhecer o trabalho extremamente importante que ele tem tido nessa matéria.
Sr. Deputado Pedro Roseta, quanto à perspectiva dos dirigentes dos países africanos é óbvio que se trata de uma questão que me preocupa e penso que nos deve interessar a todos, mas o que pretendi dizer - e não deixei de fazer referências à análise e às opiniões desses dirigentes de países africanos - foi que devemos ter particularmente em atenção a nossa perspectiva, tendo em linha de conta as nossas obrigações e deveres, além dos nossos interesses. Portanto, é sobretudo nessa perspectiva que saliento as minhas preocupações e foi sobretudo nessa perspectiva que abordei aqui esta questão.
Embora o tempo seja muito escasso, gostaria ainda de me referir a uma outra questão colocada pelo Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, que tem a ver com a subcomissão que já existe e que, de resto, até mereceu um aparte do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que faz parte dessa subcomissão.
Sr. Deputado, em relação à sua observação de que eu estava a interpelar a Assembleia da República, devo dizer que não foi essa a minha intenção; pretendi apenas salientar que, de facto, pelo menos no papel, existe uma subcomissão. Mas, na realidade, já há quantos anos é que ela não reúne, Sr. Deputado? Sabe, por acaso, que o responsável pelos serviços teve dificuldade em me dizer quem é que, neste momento, era presidente dessa subcomissão?
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?
O Orador: -Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Deputado, V. Ex.1, que é líder de um grupo parlamentar, é capaz de me dizer se alguma vez levantou essa questão em sede de conferências de líderes? Quem é o deputado do PRD que faz parte dessa comissão? Que tipo de cooperação tem dado o PRD à cooperação institucional que deve existir nessa comissão e, nomeadamente, também na Comissão dos Negócios Estrangeiros? Vamos lá ver se realmente nós podemos ver as coisas tal como elas são!
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, em relação à questão que me coloca sobre a Comissão dos Negócios Estrangeiros, gostaria de responder, mas não posso. Talvez o meu colega, Sr. Deputado Marques Júnior, que faz parte dessa comissão, queira responder-lhe, embora o tempo de que dispomos seja já muito escasso.
Em relação às outras questões, endereço a resposta para o líder parlamentar do PRD, que já há muito tempo não sou eu, mas o Sr. Deputado Carlos Lilaia, que certamente terá todo o prazer em lhe responder.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou agora dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.1 começou a sua intervenção dando nota de uma certa admiração por este tema da cooperação nunca ter sido discutido, em jeito de interpelação, na Assembleia da República.
V. Ex.ª tem razão e, pela parte do PRD, penitenciamo-nos por esse facto e estamos aqui hoje para nos redimirmos, ficando mais uma vez demonstrado que só por nossa iniciativa veio à Assembleia da República um tema da maior actualidade e relevância para o futuro do País e de muitos portugueses.
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Mas, Sr. Secretário de Estado, a sua admiração é também a minha, embora tenha para ela uma explicação. De facto, Sr. Secretário de Estado, em relação a esta matéria, já há muitos anos que muita gente tem andado distraída e só a coragem de algumas pessoas, entre as quais se inclui o Sr. Secretário de Estado, conseguiu acordar essa gente. O mesmo fizemos nós hoje aqui, pois muitos dos que nos criticaram, e que hoje já fizeram aqui alguns indignos apartes, andavam também eles distraídos, e só hoje de manhã é que se aperceberam de que esta matéria nunca tinha sido objecto de interpelação na Assembleia da República. Isto é um lacto indispensável, que deve ser tido na devida consideração.
Devo dizer-lhe também que isso me causa alguma apreensão, porque provavelmente o País não vai tirar o devido proveito desta nossa iniciativa. Com efeito, não está aqui em jogo nenhum pseudo- escândalo. não está aqui em jogo o Centro Cultural de Belém ou a propaganda feita pela Câmara Municipal de Lisboa ou qualquer outra coisa do género porque, se estivesse, seguramente que esta matéria já teria sido discutida há mais tempo.
Entendem muitos que isto não é política nem eleitoralmente rentável. Tenho as minhas dúvidas! Mas, Sr. Secretário de Estado, gostaria apenas de deixar esta nota: o ciúme político é mau conselheiro! Outros gostariam de ter tido a imaginação e o alerta que os levasse a tomar a iniciativa que aqui hoje tomámos, mas não o fizeram, e, como já disse, o ciúme é mau conselheiro, sobretudo quando estão em causa os verdadeiros interesses nacionais e o futuro de Portugal no que diz respeito à cooperação de Portugal com os PALOP nas próximas décadas.
Entrando, agora, directamente nas observações que gostaria de fazer à sua intervenção, começo por dizer que, em minha opinião, ela centrou-se mais sobre os aspectos do passado numa avaliação daquilo que tem sido a política do Governo. Evidentemente que isso não lhe fica mal, mas gostaria também que nos tivesse revelado a política futura do Governo relativamente a esta matéria. Ou seja: quais são os instrumentos que o Governo pretende utilizar? O que é que o Governo vai fazer relativamente à cooperação multilateral? O que é que o Governo pensa relativamente a algumas das propostas que nós aqui avançámos?
Na verdade, esta mataria preocupa-nos. O Sr. Secretário de Estado avançou com alguns números, naturalmente fazendo apelo aos gastos com a cooperação, mas gostaria de dizer-lhe que também já fizemos contas e já reflectimos sobre esta matéria e avaliámos o que tem sido a política do Governo relativamente, por exemplo, à utilização dos recursos financeiros e humanos. Chegámos, entretanto, à conclusão de que, não obstante os números que o Sr. Secretário de Estado referiu para este ano, os gastos com a cooperação, em termos reais, são inferiores aos que se verificaram em alguns dos anos anteriores. Por outro lado, em termos de recursos humanos, é muito elucidativo o facto de hoje o número dos nossos cooperantes estar reduzido a 50 % do total que existiu no passado. Isto é um facto real sobre o qual devemos reflectir.
Sr. Secretário de Estado, na sua intervenção, V. Ex.ª também não abordou -penso eu- uma área que, em meu entender, é fundamental e que necessita de algum enquadramento. De facto, no nosso país, temos assistido a algumas iniciativas isoladas de algumas organizações no sentido de obter donativos e contribuições para o ataque à fome que existe em vários países, nomeadamente em Angola. Ora, penso que estas acções têm de ser coordenadas com base na nossa experiência. Não basta arranjar géneros alimentícios ou vestuário, é preciso distribuí-los e sobretudo, é preciso dar o nosso apoio a algo que, provavelmente, só nós é que sabemos como se faz, e que é o comércio interno em países como Angola e Moçambique. Mais ninguém no mundo teve a experiência que tivemos.
Para falar, de facto, em processo de democratização, que traz consigo, naturalmente, a abertura política, a desconcentrarão e uma forma de regionalizar a economia, é necessário que Portugal também leve a experiência, com a sua humildade, partindo da figura do velho cantineiro, para esses países, porque é disso que esses países precisam, em termos de uma organização funcional no sector do comércio. Temos nisso uma grande responsabilidade e temos gente que sabe muito sobre essa matéria. Não basta arranjar alimentos e vestuário, é preciso dar uma contribuição para organizar funcionalmente o comércio.
O Sr. Presidente:-Sr. Secretário de Estado, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?
O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: - No fim. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, depois de o ouvirmos poderíamos dizer que vivemos num mar de rosas no campo da cooperação. É evidente que V. Ex.ª sabe como todos nós sabemos, que não é assim, basta falar com cooperantes, com os agentes económicos e também com as embaixadas e com os governantes dos PALOP.
O Sr. Secretário de Estado declarou que os resultados positivos assentam em bases sólidas e que existe, efectivamente, uma política de cooperação.
O Sr. Deputado Pedro Roseta vem e diz: «Essa política de cooperação já foi apresentada na Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.» E não é apenas num discurso, Sr. Secretário de Estado, nem apenas numa reunião da Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação para tratar de questões específicas, nomeadamente sobre Angola, que é exposta uma política de cooperação.
Ao longo dos anos não tem sido apresentada qualquer política de cooperação, nem pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, nem por V. Ex.ª, e se, por um lado, compreendemos alguma dificuldade por parte de V. Ex.ª em fazê-lo, a verdade é que o Governo, em geral, devia apresentar uma política concreta de cooperação e de pôr preto no branco o que existe de positivo e de negativo nessa matéria.
Sr. Secretário de Estado, sei que há casos pontuais, alguns positivos, e V. Ex.ª pode com isso fazer um brilharete- não sou contra isso -, mas o que, efectivamente, há são alguns casos pontuais e pouco mais, como, aliás, facilmente se verificará. Aliás, o seu discurso carece de uma outra apreciação mais profunda, que estamos dispostos a fazer, caso por caso, ponto por ponto, país por país e por sectores.
V. Ex.ª, a certa altura do seu discurso, disse uma coisa que considero grave: «Ultrapassados os traumas da colonização, e sobretudo da descolonizaçao [...].» Sr. Secretário de Estado, para os países africanos não há traumas da descolonizaçao.
Protestos do PSD.
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Os países africanos lutaram pela libertação, pela descolonização e pela sua liberdade. Não devemos misturar questões internas com questões africanas!
E por falar em traumas, Sr. Secretário de Estado, a política portuguesa visa acabar com o boicote económico aos racistas da África do Sul, o que é francamente rebatido por naturais desse país, nomeadamente por um grande líder chamado Nelson Mandela.
Ora, como é que se repercute esta posição portuguesa nas relações com os países africanos e como é que se vai repercutir no futuro esta actuação governamental portuguesa? Servirá para reforçar a nossa posição ou poderá prejudicá-la?
Em relação aos cooperantes, já aqui foi dito que baixaram em cerca de 50 %. Por que é que o número de cooperantes baixou nos países africanos? Por que razão é que o fluxo de cooperantes portugueses para África é inferior ao das saídas? Que situações existem nos cooperantes, que dificuldades existem em variadíssimos sectores, uma vez que as queixas são constantes? Por que razão é que estamos a ser suplantados, nomeadamente pela Itália em Moçambique, pela França e também pela Espanha em quase todos os países africanos de língua oficial portuguesa?
Quanto às relações económicas - matéria em relação à qual também seria bom obtermos alguns esclarecimentos -, o Sr. Secretário de Estado falou em 54 milhões de contos. Em minha opinião, as relações económicas com os países africanos são simplesmente ridículas, e o Governo não vai dizer o contrário.
No entanto, seria bom sabermos que tipo de investimentos existem, em que sectores, que valores e que tipo de controlo? Somos ou não ultrapassados nesse tipo de actividade pela Itália, pela Espanha, pela França? E evidente que V. Ex.ª poderá dizer que esses são países maiores. Mas Portugal tem outro tipo de posição que faz que se devesse situar melhor nesses países.
Sr. Secretário de Estado, vou terminar, porque, como é evidente, é-nos distribuído pouco tempo, mas antes gostaria de saber como é que estão a ser implementados certos acordos, nomeadamente o das pescas com Moçambique, que, ao que parece, não está a ser devidamente implementado. Devo dizer que estive lá e verifiquei que estamos a ser claramente ultrapassados pelos Espanhóis, pelos Soviéticos e pelos Japoneses. Porquê?
Como é que estão os acordos existentes, nomeadamente na área económica, entre esses países e Portugal?
A dada altura, o Sr. Secretário de Estado disse haver uma afirmação da política de defesa da língua portuguesa no mundo. Foi pena o Sr. Secretário de Estado não ter tido oportunidade de assistir a um colóquio realizado ontem aqui, na Assembleia da República, sobre o acordo ortográfico onde essa opinião não foi expressa. Por outro lado, também já tivemos oportunidade de, na Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, com o Sr. Secretário de Estado, verificarmos como é realmente difícil a defesa da língua, de como não há uma defesa da língua portuguesa no mundo.
Sr. Secretário de Estado, quantos pedidos de professores existem para África que não foram ainda cumpridos? Qual é a situação dos professores portugueses em África? Que tipo de defesa da língua portuguesa se faz em África?
Sr. Secretário de Estado, em Moçambique encontrei pessoas estrangeiras a ensinarem técnicas de pesca aos pescadores em alemão, traduzindo os livros para inglês e depois para português. Perante isto, Sr. Secretário de Estado, pergunto: que tipo de defesa da língua portuguesa é que existe? Os professores queixam-se ou não de gravíssimos problemas, o que está a levar a uma diminuição de pedidos de professores para África? Sobretudo, por que razão é que não canalizamos para África maior número de professores e por que é que não há, efectivamente, uma política de defesa da língua portuguesa? Não falo só em relação a África, pois sabemos o que se passa em certos países onde existem milhares, e às vezes mais de l milhão, de portugueses emigrados sem que aí tenha lugar qualquer iniciativa de defesa da língua portuguesa.
É evidente que uma interpelação destas poderia fazer que V. Ex.ª fizesse um brilharete, mas o problema é muito mais profundo e os assuntos carecem de um maior aprofundamento. No entanto, penso que a Assembleia da República estará, com certeza, disposta a isso, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, adivinhou-se alguma amargura, porventura, a perpassar das suas palavras quando lamentou o facto de só agora ser tratada no Parlamento a questão da política de cooperação. Era justo que assim o fizesse, mas também era justo que fosse o PSD a suscitar aqui tal debate.
Esteve bem o PRD que, assim, ao debater a cooperação, objectivamente cooperou com o Sr. Secretário de Estado.
Alguns aspectos da política de cooperação desenvolvida pelo Governo têm merecido, como é conhecido, o apoio institucional do PS, como aconteceu, designadamente, no caso do recente acordo preliminar de cessar fogo em Angola. Essa posição é conhecida e não constitui novidade!
Contudo, é patente como a política externa portuguesa vem sendo desenvolvida em compartimentos estanques. Não se entende, pois, muito bem se a política do Sr. Secretário de Estado se insere, e como, na política global do Estado Português. Não se entende, porque ressalta de tudo isto uma clara assintonia entre as posições do Sr. Secretário de Estado e as do Ministro dos Negócios Estrangeiros, de quem ele, institucionalmente, depende.
Pior: percebem-se claras quebras de solidariedade institucional não só entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Secretário de Estado, mas também entre o Primeiro-Ministro e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, que é permanentemente curto- circuitado - utilizando uma linguagem técnica- na ligação preferencial entre o Primeiro-Ministro e o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.
Não acha, Sr. Ministro,... perdão, Sr. Secretário de Estado - ainda não é ministro, sê-lo-á...
Risos.
Vozes do PSD: - Se ganharmos as eleições em Outubro!
O Orador: - Eu explico: é que o Sr. Secretário de Estado é tão jovem que tem tempo suficiente para esperar um dia ser ministro. Neste momento é demasiado jovem, e, portanto, só se afirma como ministro apenas nessa relação como Secretário de Estado.
Aliás, o mesmo verifica-se não só nesta pasta dos Negócios Estrangeiros, mas também na pasta do Ambiente,[...]
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[..]onde havia um ministro in nominae, que era um ministro virtual, e um secretário de Estado «real», que era, de facto, o real ministro.
Risos.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Ficamos a saber que o deputado José Lello nunca vai ser ministro!
O Orador:-Portanto, coloco a seguinte questão: não pensa que esse clima, essa perda permanente de solidariedade institucional no seio do Ministro dos Negócios Estrangeiros, é funesto para a política externa portuguesa? Não pensa que esse clima retira uma maior dimensão estratégica à política global do Estado Português em matéria de negócios estrangeiros? E não pensa que aí, sim, se percebe um espírito tribal em tudo contrário aos interesses de Portugal?
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS):-Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, vou colocar--lhe uma questão parcelar no quadro da intervenção produzida por V. Ex.ª, mas é uma questão que considero ler um efeito multiplicador, porque sou fiel à frase popular que diz: «Em vez de dares um peixe a alguém com fome ensina-o a pescar.» Exactamente porque penso que a questão da cooperação não é, em relação à formação de quadros superiores e de quadros, dirigentes para os países africanos de língua oficial portuguesa, apenas uma questão de exportação de quadros, mas, sim, de formação e de apoio à formação, gostaria de colocar a V. Ex.ª algumas questões. Considerando, portanto, a necessidade de aprofundar esse relacionamento, nomeadamente através da formação adequada de quadros superiores dos PALOP nos próprios países e em Portugal; considerando a importância de o Estado Português investir fortemente na formação, designadamente garantindo adequadas condições de estudo aos bolseiros nos estabelecimentos de ensino em Portugal; considerando, até, que, para as novas gerações, já se ultrapassou a síndroma do império e, eventualmente, o conflito geracional que tenha existido aquando da guerra colonial; tendo ainda em consideração que o Sr. Secretário de Estado tem manifestado uma particular sensibilidade pessoal para esta temática; tendo em consideração as iniciativas positivas já realizadas pelos serviços competentes da Direcção-Geral da Cooperação, o balanço positivo do trabalho do gabinete de apoio aos bolseiros desta direcção- geral, a execução da parte do Governo de algumas propostas, também por nós subscritas, de melhor acolhimento aos estudantes bolseiros -e a propósito continuamos a aguardar que as associações de estudantes dos PALOP beneficiem da pequena verba de 5000 contos para apoio às suas actividades, aprovada na Assembleia da República por iniciativa do Partido Socialista -, coloco ao Sr. Secretário de Estado quatro questões.
Quais as medidas tomadas para a prossecução de adequadas condições de acolhimento aos bolseiros, nomeadamente o reforço do número de residências disponíveis e, em conjunto com os órgãos próprios dos estabelecimentos de ensino, a adopção de medidas visando promover o sucesso escolar e o processo de retribuição de bolsas e incentivos diversos, etc.?
Para quando a actualização da bolsa que, neste momento, é de 35 400$, após a actualização resultante do passe social e da cantina, que, segundo o Sr. Secretário de Estado, deveria ter sido actualizada em Janeiro -recordo que a última actualização foi feita em Janeiro do ano transacto para 33 400$ -, e que tem sido paga tarde e a más horas? A este propósito, assistimos, ainda recentemente, a uma movimentação dos estudantes de Coimbra, e, Sr. Secretário de Estado, se já não foram bater-lhe à porta terá proximamente uma petição, assinada por todos os estudantes dos PALOP, sobre esta matéria, porque, apesar de V. Ex.ª ter prometido que seria possível pagar a bolsa até ao dia 25 de cada mês, todos os estudantes bolseiros em Portugal têm recebido depois desse dia. É apenas uma decisão administrativa, pois é possível aos serviços pagar no mês anterior àquele a que a bolsa diz respeito.
Para quando e que acções tem desenvolvido no sentido da desburocratização da concessão de vistos para os estudantes bolseiros, uma vez que há casos inadmissíveis devido à burocracia, do ponto de vista da estrutura universitária, e dado que, devido a uma «pescadinha de rabo na boca», se assim se pode dizer, tem havido problemas concretos na concessão de vistos a estes estudantes bolseiros?
Para terminar, para quando a revisão da bolsa aos estudantes dos PALOP?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.1 Deputada Edite Estrela.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Secretário de Estado, quem o ouvir afirmar, com aparente convicção, que a política de cooperação é uma prioridade do Governo até é capaz de acreditar. Quem o ouvir declarar que a cooperação cultural deu um salto qualitativo, ainda pôde ser levado a pensar que isso é verdade. Mas quem conhecer a realidade cedo se desilude e rapidamente verifica que a política de cooperação cultural não vai além de mera declaração de intenções e, em alguns casos, de belas frases.
Não existe uma estratégia de projecção da cultura e da língua portuguesa no mundo, particularmente em África, nos países de língua oficial portuguesa. Há esforços dispersos, mas não há um plano integrado. E esses esforços dispersos andam pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, pelo Ministério da Educação, pelo ICALP, mas também, e fundamentalmente, pela Fundação Calouste Gulbenkian, pela UNESCO e pela UNICEF.
É, de facto, a Fundação Calouste Gulbenkian que tem desenvolvido um projecto de cooperação para promover o ensino da língua portuguesa em África. É esta fundação, e não o Governo, que está a definir os conteúdos programáticos do ensino da língua portuguesa em África e que está a produzir os suportes de apoio - material áudio- visual , livros, etc.!
O Sr. Secretário de Estado falou de feiras do livro - uma por ano, quando é!
Falou também no Fundo Bibliográfico de Moçambique, que seria extensível aos outros países africanos. No entanto, Sr. Secretário de Estado, já ouço isso desde que foi criado esse fundo bibliográfico...
O combate ao analfabetismo tem sido desenvolvido pelos respectivos governos desses países; a formação de formadores também tem sido levada a cabo através da Fundação Gulbenkian.
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O Governo não tem, pois, uma política de cooperação cultural, uma estratégia da língua para África, mas o Sr. Secretário de Estado atreveu-se a falar de uma estratégia definida. Qual, Sr. Secretário de Estado? Onde estão esses centros culturais? E que centros culturais? Onde está, de facto, a cooperação com esses países?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.
O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Era minha intenção fazer um comentário às palavras iniciais do Sr. Deputado José Lello a propósito da realização deste debate, para as quais não consigo encontrar justificação. Mas não o vou fazer, ou, por outras palavras, faço-o agradecendo à Sr.ª Deputada Edite Estrela e ao Sr. Deputado José Apolinário, porque as questões que colocaram demonstram a pertinência e o interesse deste debate.
E talvez tenhamos todos de pensar por que é que uma matéria desta natureza, que, repito, é das mais importantes para o futuro do nosso país, sobretudo devido às profundas transformações que estão a ocorrer nos cinco países africanos de língua oficial portuguesa, só hoje está a ser debatida na Assembleia da República.
Sr. Secretário de Estado, vou apenas colocar-lhe duas questões.
Uma prende-se com a proposta que fiz há pouco, e que é esta: é incontestável que existe em Portugal a mais vasta informação, os mais valiosos documentos relativos a estudos sobre os mais diversos recursos minerais, agrícolas, silvícolas, piscícolas, redes viárias e tudo o mais que tem a ver com os países africanos de língua oficial portuguesa. É do conhecimento geral que a maior parte desses documentos, desse riquíssimo espólio - que, tal como, disse na minha intervenção, já não dá frutos há muitos anos-, se encontra disperso (sabe-se lá em que condições!) pelos mais variados organismos e departamentos.
V. Ex.ª não acha que é do maior interesse a construção de um centro documental e de informação que reuna todo esse riquíssimo espólio sobre os PALOP?
Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, todos reconhecem as enormes dificuldades que irão surgir com a unificação dos exércitos em Angola e Moçambique. Existe a consciência de que o respeitar do cessar-fogo é extremamente importante para aquilo que vier a acontecer no futuro e para o desenvolvimento desses países.
Sabendo-se que as Forças Armadas portuguesas dispõem de recursos humanos altamente qualificados, pensa V. Ex.ª que deverá ou não haver um empenhamento e uma participação portuguesa, em termos de cooperação específica, nesta matéria?
E sabendo-se que há uma enorme quantidade de material, algum dele encaixotado há quase duas décadas no depósito de Beirolas, que não tem uma utilidade directa para o território nacional, mas que a pode ler para esses países, o que é que o Sr. Secretário de Estado pensa que pode ser feito para que esse material seja bem utilizado em benefício desses países e deixe de estar a apodrecer no depósito de Beirolas?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.
O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Secretário de Estado, gostaria de lhe colocar duas perguntas sobre uma matéria que V. Ex.ª não referiu na sua intervenção.
A primeira tem a ver com os 7000 clandestinos oriundos de países africanos que se encontram em Portugal e que estão numa situação que, tal como o Sr. Secretário de Estado sabe, ofende qualquer estatuto de dignidade do cidadão, que tem o direito a viver, sobretudo quando comparada com a de outros cidadãos de outras comunidades que também vivem em Portugal. Esses cidadãos trabalham nas piores condições, são explorados, ganham 60% do salário de qualquer outro trabalhador, não fazem qualquer desconto para a segurança social, enfim, vivem nas condições que todos conhecemos. Nós, o Governo e o Estado temos uma grande responsabilidade por essa situação, que seria bom que analisássemos.
Mas não é só para o empresário privado que esses cidadãos trabalham. Ao passarmos pelo Centro Cultural de Belém, verificamos que é o próprio Estado que emprega nas suas obras essa mão-de-obra barata e fortemente explorada.
Sr. Secretário de Estado, o que pensa fazer para legalizar esses 7000 clandestinos?
Esse é um problema «quente», de todos nós. Contudo, é o Governo que tem a responsabilidade directa por essa situação. O que é que se está a fazer para a resolução deste problema?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A outra questão que queria colocar-lhe tem a ver com o facto de o Sr. Secretário de Estado ter falado na Convenção de Lomé, dos apoios e da participação de Portugal.
Todos sabemos que os países da CEE não aceitaram as condições mínimas dos países ACP para o perdão das suas dividas externas, as quais são, como V. Ex.ª sabe, asfixiadoras para o seu desenvolvimento. Como podemos verificar no nosso dia- a - dia , nesses países há milhares de crianças a morrer de fome, sem quaisquer condições de sobrevivência.
Sendo assim, pensamos que não só é necessária a ajuda directa, que é importante, mas que também há que discutir as dívidas desses países. Essa, sim, é que seria uma boa ajuda para o desenvolvimento desses países.
Dado que não conhecemos a posição de Portugal em relação à Comunidade, gostaria de perguntar ao Sr. Secretário de Estado qual foi a posição que Portugal assumiu na discussão do perdão da dívida desses países. E pergunto isto porque, para nós, essa é uma parte importante da cooperação, e na qual nós também temos grandes responsabilidades.
Como sabe, as matérias-primas caíram para preços muito baixos, o que já não acontecia há IS anos, e o problema é que esses países vivem quase exclusivamente à base delas. Portugal deveria, assim, contribuir e defender na Comunidade a renegociação das dívidas desses países. Aliás, note-se, Sr. Secretário de Estado, que também beneficiamos dessas dívidas!
Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Falar de cooperação para com os povos dos antigos territórios em que Portugal[...]
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participava é, de facto, importante. No entanto, falar hoje de cooperação sem referir o povo do qual ainda somos particularmente responsáveis parece-me errado.
V. Ex.ª não se referiu, nem nenhum Sr. Deputado o fez até agora, ao povo de Timor Leste, num território a que não temos acesso, onde não podemos participar numa cooperação directa.
Timor Leste tem os seus legítimos representantes, não só em território português como em muitos outros pontos do mundo.
Abordarei esta matéria numa sintética intervenção sectorial que irei fazer, onde salientarei os esforços que tem sido feitos pela diplomacia portuguesa, mas onde não poderei deixar de questionar o Governo - e fá-lo-ei agora - sobre o que é que se passa com o apoio que está a ser prestado aos milhares de timorenses que se encontram dispersos pelo mundo, concretamente no nosso país.
Sr. Secretário de Estado, há, neste momento, 45 bolseiros timorenses em Portugal, apoiados pelas Fundações Austronésia Borja Costa e Calouste Gulbenkian. Não há, pois, um único bolseiro timorense apoiado ou subsidiado pelo Governo para a formação de quadros superiores; não há um único organismo, a nível do Governo, vocacionado para o intercâmbio e cooperação com o futuro território de Timor autodeterminado e para o qual o Governo tem vindo a lutar em conjunto com os outros órgãos de soberania. Com efeito, isso verifica-se relativamente a Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde, mas não no que concerne a Timor Leste.
Por conseguinte, Sr. Secretário de Estado, a questão é esta: encontrando-se os legítimos representantes do povo de Timor Leste não só em Portugal, mas também nos quatro cantos do mundo, gostaria de saber o que é que pensa fazer para poder com eles cooperar e colaborar e de modo a que, se vier a ser um território autónomo, Timor Leste disponha também dos seus quadros autónomos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Secretário de Estado, vou fazer-lhe uma pequena pergunta para esclarecer uma dúvida.
V. Ex.ª assinalou-e com isso suponho que estamos de acordo - que em matéria de cooperação económica com estes países de que estamos a falar - tal como os países do Terceiro Mundo e os países africanos de língua oficial portuguesa - é sem qualquer dúvida necessária uma intervenção, um apoio do Estado, o qual poderá configurar-se dos mais diversos modos, uma vez que só dessa forma se poderá concretizar essa cooperação, aliás integradora de várias vertentes implicadoras de riscos que terão de ser garantidos de alguma forma.
Esta linha de pensamento, sendo adequada e razoável, confronta-se com uma realidade curiosa. É que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros disse, há pouco tempo, que a cooperação económica era da exclusiva responsabilidade dos empresários.
Ora, face àquilo que V. Ex.ª acabou de dizer, pergunto-lhe se estas afirmações do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros correspondem a uma alteração da política do Ministério ou àquilo que se suspeita, isto é, que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não está muito a par do que se passa com a política de cooperação, que é da sua exclusiva responsabilidade.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.
O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, como se constata, foi oportuna a interpelação feita pelo PRD...
Risos do PS.
... porque havia imensa matéria que os Srs. Deputados pretendiam abordar. De facto, quando há pouco me admirei por não ter havido até hoje uma discussão em Plenário deste tema, não o fiz por mera figura de retórica, foi sim uma admiração genuína que sinceramente exprimi.
Congratulo-me que tenha sido, de alguma forma, resolvida esta dificuldade, sem prejuízo de constatar que, em sede de comissão, já houve várias ocasiões em que o Governo participou, com os Srs. Deputados, em discussões sobre esta matéria. Não haverá um único caso em que possam dizer que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros ou eu próprio se furtaram a participar nessas discussões.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Nem todos são assim!
O Orador: - Quanto ao pedido de esclarecimento formulado pelo Sr. Deputado Carlos Lilaia no que toca ao facto de a minha intervenção ter sobretudo reflectido questões do passado, é óbvio que pretendi prestar contas à Assembleia. O Governo depende politicamente da Assembleia e julgo que ao sermos interpelados temos o dever de apresentar o que fizemos e a nossa perspectiva sobre o que fizemos. Fi-lo reconhecendo que houve um grande salto em frente, neste governo, com a política de cooperação, mas também sem deixar de reconhecer que ainda persistem dificuldades. Foi por isso que me centrei efectivamente no balanço da actividade recente, sem embargo de agora o nosso debate permitir, quiçá, lançar novas linhas para o futuro.
No que respeita aos aspectos do Orçamento, quero salientar um ponto importante: o nosso Orçamento tem vindo a crescer em termos reais. Não se pode olhar apenas para as inscrições orçamentais no capítulo do Instituto para a Cooperação Económica e da Direcção-Geral da Cooperação, que são os organismos que, no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros, estão encarregados da execução da política de cooperação. Como há pouco salientei, praticamente todos os ministérios desenvolvem hoje em dia acções de cooperação e dispõem de orçamentos próprios. Devo dizer que foi julgado útil prosseguir isso, porque é a forma que temos de mobilizar mais recursos através até das verbas concorrenciais de cada um dos ministérios. Só o Ministério da Defesa Nacional inscreveu já este ano, para cooperação no domínio da defesa, 250000 contos, para além de outras verbas que pode ir buscar a outros programas. Também o Ministério do Emprego e da Segurança Social tem desde há muito uma tradição de programas nesta área.
Poderei depois, se estiverem interessados nisso, fornecer os números exactos sobre esta matéria, em relação à qual, apesar de bastante técnica, disponho de números concretos. Posso, no entanto, assegurar-vos que tem havido nos últimos anos um crescimento muito importante, em termos reais, do nosso esforço financeiro neste domínio da cooperação.
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Quanto ao número de cooperantes portugueses, tem também havido uma alteração na política que regula esta matéria. Sejamos muito sinceros na explicação do que é que se passou.
Aconteceu que logo a seguir à Revolução houve uma série de cooperantes que foram para aqueles países e, como é próprio dos portugueses, a maior parte deles adaptou-se, diria que em muitos casos excessivamente bem: ficou por lá, casou-se, introduziu-se no próprio meio local. Ou seja, ao contrário dos outros países, Portugal não tem um corpo de cooperantes altamente especializados que se desloquem para um país e depois regressem à base para depois irem fazer missões noutros países. Tornámos os cooperantes quase numa espécie de funcionários públicos que por lá iam ficando.
Ora, nós decidimos acabar com esse estado de coisas. É por isso que está a haver uma redução no número de determinado tipo de cooperantes e que estamos a promover, isso sim, a ida de novos cooperantes, seja inserindo-os em projectos específicos, seja colocando cooperantes de altíssima qualidade, que são os chamados «assessores de alto nível». Hoje em dia, temos assessores de alto nível que assistem os governos e às vezes os próprios primeiros-ministros ao nível superior da Administração Pública na formulação das próprias políticas. Temos nove assessores deste tipo na Guiné-Bissau, dois em Cabo Verde, dois também em Moçambique e cinco em São Tomé e Príncipe. Estes cooperantes são - repito - pagos directamente pelo Estado Português.
Investimos, pois, na qualidade, em vez de investir na quantidade, e de deixar ficar alguns cooperantes apenas para manter postos de trabalho, até com um vencimento que vinha sendo degradado. Pensamos que a política tem de ser definida em cada caso e não ter apenas um estatuto de cooperante pagando a todos eles o mesmo. Temos, sim, de ver, consoante as funções em causa, qual a remuneração e o estatuto que atribuímos a cada um destes nossos cooperantes.
Mas tem havido, efectivamente, um aumento de cooperantes, que tem também sido feito através de concursos para consultores especializados, pagos muitas vezes por organismos multilaterais. Todos os Srs. Deputados sabem que temos realmente dificuldades orçamentais- esta Assembleia, que aprova anualmente o Orçamento do Estado, sabe-o muito melhor do que eu. É precisamente por existirem dificuldades orçamentais que, a nível das estruturas da cooperação, em vez de sermos nós próprios a suportar todas as despesas com os cooperantes, mas através de uma boa articulação com os organismos multilaterais, como o Banco Mundial, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Banco Árabe para o Desenvolvimento Económico da África (BADEA) e a CEE, procuramos enviar portugueses que, mantendo uma ligação a Portugal, passam a ser consultores especializados que têm vindo a produzir um bom trabalho. Nesse capítulo tem havido um aumento efectivo de cooperantes. Posso dizer-vos que só pelo Instituto do Comércio Externo (ICE) conseguimos neste momento ter 88 cooperantes multilaterais.
Em relação às campanhas contra a fome, nomeadamente em Angola, gostaria de salientar que há nessa matéria determinadas iniciativas em curso - estou a pensar, por exemplo, nas levadas a cabo pela Organização das Nações Unidas - e que convém não multiplicar essas iniciativas. Convirá, sim, integrar o esforço nacional naquilo que já está a ser feito internacionalmente. Às vezes há certas ideias de protagonismo que me parecem bastante desvantajosas. Havendo um esforço internacional em curso, Portugal deve dar o seu contributo e assumir, se possível, um papel de relevo no conjunto desse esforço. É nesse sentido que estamos a trabalhar com a Comunidade Económica Europeia, com vista a esta avançar com um programa específico, nomeadamente tendo agora em atenção o processo de paz em Angola, sobretudo no capítulo do apoio aos desmobilizados.
Como sabem, a formação do exército nacional, das forças armadas angolanas, vai levar a que uma grande maioria dos actuais efectivos militares, quer do lado do Governo, quer do lado da UNITA, sejam desmobilizados. Deparamo-nos, então, com o problema de saber o que é que vai fazer toda aquela gente. Tem de se arranjar ocupação ou trabalho para os mesmos, sendo nesse sentido que estamos a trabalhar com a Comunidade e, obviamente, com o Governo Angolano, que tem nesta matéria, claramente, o apoio da UNITA a fim de pormos em prática programas de reinserção social e formação profissional para os desmobilizados.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca referiu que a visão que apresentei não coincide com a que lhe é transmitida por outras fontes, nomeadamente os governantes dos países de língua oficial portuguesa. Nesta questão - o Sr. Deputado desculpar-me-á - peço meças a qualquer outro governo, e com a avaliação que tem sido feita pelos governantes dos países de língua portuguesa, do que fizeram todos os governos que antecederam o actual.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se me mostrar um outro caso em que os governos desses países digam o que dizem do actual governo em matéria de cooperação, render-me-ei aos seus argumentos. Sc não, o Sr. Deputado desculpar-me-á mas terei de manter os meus argumentos.
Aplausos do PSD.
No que toca à colonização e à descolonização, não quis aqui abrir uma polémica sobre essa matéria, nem penso que ela seja oportuna.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - V. Ex.ª é que a trouxe para aqui!
O Orador: - O que vos posso dizer, muito sinceramente, é que há feridas da colonização, mas também houve muitas feridas abertas pela forma como decorreu o processo de descolonização. Essa é a verdade dos factos que temos de encarar de frente, pois trata-se de uma verdade histórica a que não podemos fugir. É pela nossa acção actual e futura que poderemos ajudar a sarar todas essas feridas e a colocar as nossas relações num plano extremamente salutar.
Não desejaria entrar num resposta detalhada aos pontos concretos que referiu, mas posso dizer-lhe que o acordo de pesca celebrado com Moçambique e as dificuldades que se fazem sentir na sua implementação têm a ver com dificuldades logísticas próprias. Os nossos empresários da área das pescas têm preferido como destino das suas pescas quer a Guiné-Bissau quer a Namíbia, que é hoje em dia um dos principais bancos das nossas pescas. Trata-se de uma escolha dos empresários. O acordo está feito e não sou eu que agora vou determinar que os empresários da pesca devem pescar ali ou acolá.
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Quanto à questão da África do Sul, a nossa política em relação a este pais é conhecida, pelo que não insistirei nela. Permito-me apenas dizer que é uma política que tem a grande compreensão dos países africanos de língua portuguesa. Foi já há algum tempo que o Presidente José Eduardo dos Santos me disse, num encontro que tive com ele, que Portugal poderia desempenhar aqui um papel importante no sentido de levar à moderação do próprio Governo Sul-Africano, ao mesmo tempo que o próprio Governo Angolano estava já a recomendar moderação ao ANC. Isto porque o Governo Angolano já considerava, há alguns anos, que era pela via do diálogo, e não pela da violência, que iria ser encontrada uma solução para o problema da África do Sul. A nossa posição é, pois, a de apoiar uma política de diálogo, moderação e tolerância e uma evolução controlada e sem rupturas de tipo revolucionário, que poderiam pôr em perigo o futuro da África do Sul e a segurança da própria comunidade portuguesa que lá vive. Esta é a nossa política, que me parece estar correcta e que tem o apoio, de uma forma geral, dos países de língua portuguesa com que cooperamos.
O Sr. Deputado José Lello fez uma série de considerações, que lhe agradeço, sobre a minha juventude. Mas, francamente, não vejo o que é que isso tem a ver com a política de cooperação.
Risos do PSD.
Relativamente aos problemas que diz existirem na articulação entre ministro e secretário de Estado, esclareço, mais uma vez, que o Ministro dos Negócios Estrangeiros é o responsável pela política externa e tem a seu cargo secretários de Estado que se ocupam de determinadas funções no âmbito das competências por si delegadas. A política de cooperação que executo é a política de cooperação do Governo, que tem aliás vindo a ser acompanhada directamente pelo Primeiro-Ministro, por envolver, como disse há pouco, praticamente todos os departamentos governamentais. Houve já, aliás, uma série de conselhos de ministros para os assuntos económicos, e não só, que se debruçaram sobre a política de cooperação, o que mostra o tal nível de prioridade que este governo deu à política de cooperação e que o Partido Renovador Democrático fez o favor de reconhecer.
Risos do PS.
Esta é a política do Governo.
É óbvio que o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, como está especificamente vocacionado para a cooperação, tem uma maior visibilidade neste capítulo, o que é perfeitamente natural, nada havendo que estranhar.
No que se refere ao processo de paz em Angola, a sua condução foi chamada, como é sabido, ao gabinete do próprio Primeiro-Ministro, por razões que têm a ver com a importância do mesmo e com o que estava em jogo. O Primeiro-Ministro dirigiu esse processo de paz em Angola e coube-me a mim a sua condução prática. Isso foi perfeitamente transparente, sendo normal hoje em dia, nos sistemas europeus, desenvolver-se aquilo a que muitos chamam a diplomacia de primeiro-ministro, o que não invalida o papel próprio do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Há efectivamente alguns casos em que se desenvolve uma diplomacia de chefe de governo, que existe não só em Portugal com» também nos países europeus.
De qualquer forma, agradeço ao Sr. Deputado as suas considerações sobre a minha juventude. Permita-me é que lhe diga que se o Partido Socialista continua, em vez de ver a política nos seus grandes objectivos, apenas a lidar com estas pequenas coisas, o Sr. Deputado será já, quando o PS for governo, muito velho sequer para ser secretário de Estado ou até ministro.
Aplausos do PSD.
No que respeita ao pedido de esclarecimento formulado pelo Sr. Deputado José Apolinário, gostaria de lhe dizer que as preocupações que tem em relação aos bolseiros em Portugal são exactamente as nossas. Temos vindo a aumentar e a melhorar as condições desses bolseiros, sendo certo, assim, que os números referidos pelo Sr. Deputado não são totalmente exactos. Hoje em dia, um bolseiro do ensino superior em Portugal ganha 36 100$ por mês,.»
O Sr. José Apolinário (PS): - Este mês pela primeira vez, embora o Sr. Secretário de Estado tenha prometido que seria desde Janeiro!
O Orador: -... a que acrescem 17 contos que recebe de três em ires meses e 6500$ para instalações, o que soma cerca de 41 contos por mês. Sendo actualmente o salário mínimo nacional de 40 100$, não poderemos pagar aos bolseiros africanos muito mais do que isso. É verdade que não é muito, mas constitui uma ajuda para os seus estudos, que não vamos poder aumentar.
Não percebo por que é que a oposição em Portugal quer sempre que se gaste mais.
O Sr. José Apolinário (PS): -O Sr. Secretário de Estado foi bolseiro, mas não certamente com esta bolsa!...
O Orador: - Penso que esta bolsa é a bolsa adequada em termos das possibilidades financeiras de Portugal. É claro que seria melhor que os bolseiros recebessem mais, mas também temos outras prioridades, e neste momento estamos a discutir, por exemplo, a política de cooperação. É evidente que há um interesse desta Assembleia por esta política e, então, todos queremos concentrar mais recursos para a cooperação. Espero que este desejo se concretize no próximo Orçamento do Estado, mas a verdade é que há também outras prioridades em Portugal, como as do nosso próprio desenvolvimento, da saúde, da educação e das infra-estruturas. Existe, enfim, uma série de prioridades em Portugal e não podemos estar constantemente a pretender aumentar os recursos.
Julgo que estas bolsas são importantes, mas temos ainda outras bolsas de formação profissional, que rondam os 90 contos por ano, e que, em alguns casos, para o doutoramento ou estudos muito avançados, atingem valores superiores. Julgo que se trata de um esforço importante, que é reconhecido.
Em Portugal, hoje em dia, de acordo com os números fornecidos pelos serviços, temos 1883 bolseiros originários dos países africanos de língua oficial portuguesa. Este é um aumento muito importante e representa um esforço considerável que temos vindo a fazer, o que não quer dizer que não pudéssemos aumentá-las se houvesse mais recursos.
A Sr.ª Deputada Edite Estrela disse que não há uma política de língua portuguesa e, contrapondo-a à actividade da Fundação Gulbenkian, refere a inactividade do Governo.
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Em primeiro lugar, deixe-me dizer-lhe que não tenho nenhum problema - pelo contrário, ato fico satisfeito - em que a Fundação Gulbenkian tenha esses projectos. A nossa filosofia é a de que quanto mais for feito por fundações e organismos privados em matéria de cooperação mais nos satisfazemos. De facto, não estamos em competição, pelo contrário, no âmbito das minhas responsabilidades, tenho procurado motivar a actividade de outras instituições nesta área. Até porque, sendo os nossos recursos escassos como são, o Estado, sem prejuízo da autonomia e da independência desses organismos, tem de contar com uma actividade dessas fundações.
O que posso dizer-lhe é que, de qualquer maneira, o esforço do Estado continua, de longe, a ser o maior, quer em níveis de financiamento, quer em níveis de resultados. Quem nos dera que assim não fosse! Quem nos dera que o Estado fizesse comparativamente menos e que houvesse muitas mais fundações Gulbenkian a darem o seu contributo para o ensino do português.
Para lhe dar uma ideia, digo-lhe que, em 1991, para o ensino do português, temos prevista, no orçamento da cooperação, a verba de 1,31 milhões de contos - quem nos dera que houvesse outras instituições civis que gastassem o equivalente! -, dos quais 452 000 contos são destinados a cooperantes e 565000 contos a bolsas de estudo.
Embora, posteriormente, o Ministério da Educação possa vir a fornecer mais elementos, sempre lhe digo que, hoje em dia, temos nove leitores do ICALP em países africanos de língua oficial portuguesa: dois em Angola, um em Cabo Verde, três na Guiné, dois em Moçambique, um em São Tomé. Sabe a Sr.ª Deputada quantos leitores do ICALP existiam antes deste governo? Nenhum! Portanto, é uma comparação que resiste bem...
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Não se pode comparar o incomparável!
O Orador: - De facto, não posso comparar o incomparável!
Aplausos do PSD.
Julgo, sinceramente, que tem havido um esforço.
O Fundo Bibliográfico de Moçambique, que representa um esforço financeiro no total de 115 000 contos, está a funcionar bem - é a opinião do Ministro da Cultura de Moçambique. Quanto aos programas de alfabetização, foi este ano a primeira vez que o Ministério da Educação deu apoio estruturado às escolas portuguesas. Aliás, no que se refere às escolas portuguesas nos países africanos de língua oficial portuguesa - em Luanda, Maputo, Songo, Cabora Bassa, Bissau -, nunca tinha havido esse apoio financeiro. Portanto, sinceramente, acho que este esforço tem de ser reconhecido.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - E os centros culturais?
O Orador: - Os centros culturais estão a funcionar regularmente. Dão cursos de Português, muitas vezes até a técnicos dos próprios países.
Sr. Deputado Hermínio Maninho, quanto ao espólio documental, digo-lhe que existe esse centro no Instituto para a Cooperação Económica. Simplesmente, todo o espólio do antigo Ministério do Ultramar está guardado, com a máxima segurança, no Instituto para a Cooperação Económica. Porquê? Porque, evidentemente, trata-se de documentação com um valor económico muito grande. Aliás, já uma vez fiz esta revelação em sede de comissão e também posso fazê-lo em Plenário.
Eu próprio já recebi comunicações, por exemplo, de companhias petrolíferas internacionais, pedindo estudos sobre o petróleo em Timor. Ora, é óbvio que esses estudos têm de estar sob segredo. Assim, só podemos utilizá-los em casos que sejam a pedido do próprio país beneficiário, e é isso que tem vindo a ser feito.
Portanto, não pode fazer-se a tal política de completa abertura desse espólio documental porque vale muito dinheiro, e embora nalguns casos os estudos estejam desactualizados noutros mantêm-se úteis. Mas a informação relevante possível de ser divulgada está a sê-lo. Ainda agora o Instituto para a Cooperação Económica editou um livro sobre a investigação geológica em Angola.
O ponto da cooperação militar, referido pelo Sr. Deputado, é também matéria que nos tem merecido o maior interesse. Foi este governo o primeiro a realizar acordos de cooperação técnico-militar com os países africanos de língua oficial portuguesa. Repito que não havia um único acordo neste domínio antes de este governo ter entrado em funções. Aliás, (fim vindo a desenvolver-se muitos programas nessa área.
O Sr. Deputado António Mota colocou o problema dos clandestinos e da respectiva legalização. Não se trata de matéria da minha área, mas sim do âmbito do Ministério da Administração Interna. De qualquer maneira, sei que está a proceder-se à elaboração de um diploma, a ser apresentado à Assembleia, para a legalização dos clandestinos em Portugal. Simplesmente, trata-se de uma matéria muito delicada porque, agora, não pode criar-se a ideia de que o nosso país está completamente aberto.
É que, como sabe, cooperar com países com um nível de desenvolvimento muito diferenciado pode provocar correntes de imigração que venham a registar-se e que não são do interesse nem de um nem de outro país. Mas foi-nos solicitada, pelo Governo de Cabo Verde, uma atenção especial neste domínio. E no seguimento dessa pretensão contactámos o Ministério da Administração Interna, que está a preparar um diploma tendo em vista uma resolução global do problema dos clandestinos.
Inquiriram-me ainda sobre a posição de Portugal, no âmbito da Convenção de Lomé, quanto à dívida externa.
Portugal foi dos países que mais se bateu pela adopção, pela primeira vez, na Convenção de Lomé, de um capítulo sobre a dívida e o ajustamento estrutural, ligando o problema da resolução da dívida à adopção, por esses países, de programas de ajustamento estrutural.
Para terminar, quanto ao que referiu o Sr. Deputado Rui Silva, respondo-lhe que Timor Leste é, talvez, uma lacuna. A nossa política de cooperação tem-se desenvolvido Estado a Estado, mas tomei nota das suas palavras que focaram um ponto importante, o qual, sem dúvida, merece a maior atenção.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte.
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 8 de Maio de 1991, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista:
Armando António Martins Vara (círculo eleitoral de Bragança) por Fernando António Aires Ferreira [esta substituição é solicitada nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 9 a 23 de Maio corrente, inclusive];
António Poppe Lopes Cardoso (círculo eleitoral de Setúbal) por Alberto Marques Antunes [esta substituição é solicitada nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 1 a 31 de Maio corrente, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente - Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente - Manuel António Sá Fernandes (PSD) - Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - João Álvaro Poças Santos (PSD) - José Augusto Ferreira de Campos (PSD) -José Augusto Santos da S. Marques(PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Júlio da Piedade Nunes Henriques(PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Hermínio Paiva Fernandes Maninho (PRD).
Srs. Deputados, como não há objecções, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, vamos interrompera sessão para o intervalo regimental do almoço. Está suspensa a sessão.
Eram 12 horas e 55 minutos.
Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados, vais ser lida uma acta relativa ao escrutínio da eleição dos membros para o conselho directivo do Instituto Nacional do Ambiente, realizado na sessão da passada terça-feira.
Foi lida. É a seguinte:
Acta
Aos 7 dias do mês de Maio de 1991, realizou-se na sala de visitas deste Palácio de São Bento, ao abrigo do artigo 39.º, n.º 7, alínea b) da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, a eleição dos membros para o conselho directivo do Instituto Nacional do Ambiente.
Foram presentes a sufrágio duas listas constituídas como seguidamente se indica:
Lista A:
Paulo Guilherme da Silva Lemos.
Vítor Manuel de Oliveira Faria.
Pedro Manuel Portugal Natário Botelho Gaspar.
Lista B:
Armando Abel Castelo Trigo de Abreu.
O resultado da votação foi o seguinte:
Total de votos entrados:
Lista A - 110;
Lista B - 47;
Votos brancos - 3;
Votos nulos - 8.
tendo sido eleitos pela aplicação do método de Hondt:
Paulo Guilherme da Silva Lemos - lista A;
Vítor Manuel de Oliveira Faria - lista A;
Armando Abel Castelo Trigo de Abreu - lista B.
Para constar se lavrou a presente acta que vai ser devidamente assinada.
Srs. Deputados, proclamo eleitos para o conselho directivo do Instituto Nacional do Ambiente os Srs. Paulo Guilherme da Silva Lemos, Vítor Manuel de Oliveira Faria e Armando Abel Castelo Trigo de Abreu.
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Srs. Deputados, vai ser lida a acta relativa ao escrutínio da eleição para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Foi lida. É a seguinte:
Eleição para o Conselho Superior dos Tribunal Administrativos e Fiscal
Aos 7 dias do mês de Maio de 1991, realizou-se na sala de visitas da Assembleia da República o escrutínio eleitoral para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, tendo-se verificado a entrada nas urnas de 168 votos, assim distribuídos pelos diversos candidatos:
(Ver tabela na imagem)
Verifica-se assim que foi eleito o candidato Laurentino da Silva Araújo, que recebeu os votos necessários à sua investidura.
Não foram eleitos os restantes candidatos.
E nada mais havendo a constar, se lavra a presente acta, que vai ser devidamente assinada.
Srs. Deputados, proclamo eleito para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais o Sr. Dr. Laurentino da Silva Araújo.
Aproveito para, no seguimento do que ficou combinado e já foi anunciado, avisar a Câmara de que a eleição para os restantes membros deste conselho, incluindo o membro do CDS, terá lugar no dia 14 de Maio, estando abertas as umas entre as 17 horas e as 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, vai ser lido um relatório da Comissão dos Negócios Estrangeiros.
Foi lido. É o seguinte:
Parecer e projecto de resolução
A Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocarem viagem de carácter oficial a Moscovo, entre os dias 17 e 23 do corrente mês de Maio, apresenta ao Plenário o seguinte projecto de resolução:
Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República a Moscovo, entre os dias 17 e 23 do corrente mês de Maio.
Srs. Deputados, está em apreciação. Como não há objecções, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes
Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, vou proceder à leitura de um voto n.º 207/V, subscrito por mim próprio e por um representante de cada um dos grupos parlamentares.
Voto n.º 207/V
Em 13 de Maio de 1791, David Humphreys apresentou à rainha D. Maria I as suas credenciais como Ministro residente dos Estados Unidos da América em Lisboa.
Era o primeiro representante diplomático dos Estados Unidos da América do Norte em Portugal.
Assim, há 200 anos, tiveram efectivo começo as relações diplomáticas entre a Nação Americana e o nosso país, relações que, desde logo, foram consideradas, numa como na outra capital, importantes e significativas, nunca tendo sofrido qualquer interrupção.
À medida que o tempo passou, foram-se afirmando e revigorando de forma tal que se caldearam num espírito de confiança mútua, amizade e aliança. Por isso, hoje, no seu segundo centenário, a Assembleia da República, em plenário dos seus deputados, pode, solenemente, assinalá-las com toda a justiça!
A Assembleia da República quer fazê-lo em nome de todo o povo português que, legitimamente, representa, endereçando ao Congresso dos Estados Unidos da América a expressão da profunda amizade de Portugal pelo povo e pela Nação norte-americanos e exprimindo o voto mais sincero pela felicidade e pela prosperidade dos Estados Unidos da América.
Srs. Deputados, está em apreciação. Como não há objecções, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.
Aplausos gerais.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, amanhã, chega a Portugal o papa João Paulo II, pelo que gostaria de saber se, logo à sua chegada, V. Ex.ª, na qualidade de segunda figura do Estado Português, estará presente na placa de aterragem do aeroporto a recebê-lo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, trata-se de uma visita de carácter pastoral, completamente organizada pelo protocolo do Estado em consonância com a Presidência
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da República, por esse motivo não estarei na placa do aeroporto, mas estarei nas missas em Belém e em Fátima. É tudo quanto tenho a dizer sobre o assunto.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, creio que a Assembleia da República deve manifestar a sua estranheza pelo facto de o seu presidente não ocupar o segundo lugar na hierarquia do Estado a receber o papa João Paulo II.
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos continuar o debate da interpelação.
Está inscrito, para uma intervenção, o Sr. Deputado Manuel Alegre, a quem concedo a palavra.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos interromper a sessão por um período de cinco minutos.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Após a interrupção reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Mata.
Eram 15 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em estilo mais ou menos telegráfico, porque as circunstâncias não permitiram que fosse de outro modo, venho dar a minha contribuição a esta interpelação.
Começo por felicitar o partido interpelante e, não fazendo juízos sobre as intenções, o momento e a oportunidade registo apenas que se trata de uma interpelação sobre uma matéria que sempre considerámos de grande relevância nacional. E, já agora, permita-se-me sublinhar que talvez eu tenha sido o deputado que mais vezes, desta tribuna, falou sobre política de cooperação.
Quero também, em primeiro lugar, cumprimentar o Sr. Secretário de Estado Durão Barroso pelo papel pessoal que desempenhou na mediação do conflito angolano. Faço-o sem qualquer hipocrisia, também sem qualquer ciúme político, dado que um sucesso do Governo, seja ele qual for, em matéria desta natureza, é um sucesso de Portugal com o qual todos nos devemos regozijar. Espero que a tentação de certos aproveitamentos ou a tentação do exclusivismo não venha a apoucar um evento que é, em si mesmo, um importante sucesso da diplomacia e da política de Portugal.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!
O Orador: - Recordo também a posição responsável das diferentes forças da oposição que souberam compreender que a posição portuguesa nesta matéria representava o interesse nacional e estava acima de qualquer querela partidária.
O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!
O Orador: - Aliás, não foi por acaso que nenhum partido político fez uma interpelação sobre a mediação portuguesa, mas sim porque ela estava acima de qualquer aproveitamento desse tipo.
E já agora, se me permite, Sr. Secretário de Estado, recordarei que no início deste processo apoiámos a política de V. Ex.ª de privilegiar a relação Estado a Estado, mesmo quando, de entre os seus, alguns suspeitavam de certas inclinações de V. Ex.ª, tendo tido, talvez, mais compreensão da nossa parte do que da sua bancada, por considerarmos que a política de V. Ex.ª e do Governo correspondiam, neste caso, ao interesse de Portugal.
Aplausos do PS.
Pensamos também que este processo, para além das virtudes da mediação portuguesa, resulta de uma nova situação histórica, de uma nova situação internacional - o fim da guerra fria, o fim da lógica dos blocos - que originou uma nova atitude, uma nova cooperação soviético-americana que conduziu à resolução de conflitos regionais, à independência da Namíbia, à evolução da situação na África do Sul, e também do cansaço da guerra e de uma nova vontade política das partes em conflito.
No entanto, é justo salientar que a mediação portuguesa valoriza Portugal e cria a Portugal novas responsabilidades.
Mas o acordo de cessar fogo não é, em si mesmo, a paz. Permito-me lembrar aqui aquilo que pode hoje ser considerado como o testamento político de uma grande figura política, cultural e moral de Angola - o meu querido e saudoso amigo Mário Pinto de Andrade -, quando ele dizia que o MPLA e a UNITA não eram apenas dois exércitos, dois partidos armados, mas eram dois poderes, duas culturas, duas psicologias, em que cada um era a proibição do outro.
Ora, a questão fundamental da paz em Angola passa pela pacificação dos espíritos, pela reconciliação dos espíritos, porque não basta o silêncio das armas, mas é preciso, talvez, uma grande mudança de atitude mental.
Por isso, parece-nos que a construção da paz tem de começar por um acordo de cessar fogo entre as partes em conflito, mas exige, também, a participação e envolvimento de outras forças políticas, cívicas, sociais, morais e religiosos com um enquadramento moral que impeça a repetição de uma tragédia, já conhecida. A partir da assinatura dos acordos pensamos que, na medida das nossas possibilidades, devemos contribuir para que assim seja, para que se faça esse enquadramento moral, para que o silêncio da armas corresponda, de facto, à paz nos espíritos e para que as armas para sempre se calem em Angola.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - A evolução política e a abertura democrática também obrigam Portugal a repensar a política de cooperação. Penso que deixou de haver um único modelo político-ideológico e que a diversidade é inevitável, sendo necessário criar novos mecanismos tendo em conta essa nova realidade.
Mas, Sr. Secretário de Estado, se o cumprimento com gosto pela sua mediação, pela sua contribuição, pela assinatura dos acordos preliminares de paz em Angola, já tenho uma grande dificuldade em poder cumprimentá-lo pela política de cooperação, porque não sei se Portugal tem uma política de cooperação ou, pelo menos, não sei qual é a filosofia nem qual é o modelo.
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É um modelo liberal? Pretender-se-á também retirar o Estado de áreas onde o seu papel é fundamental? Anunciou-se a fusão do Instituto para a Cooperação Económica com a Direcção-Geral da Cooperação, mas nada se fez. Prometeu-se a criação de um instituto para a cooperação, mas não se cumpriu. Anunciou-se, há já muito tempo, um miniplano Marshal para Angola. Onde é que ele ficou? Falou-se depois do plano para ajudar a recuperação económica de Angola. Onde é que está? O mesmo se diga em relação à Conferência Internacional de Ajuda, anunciada para o 1.º semestre de 1990. E, embora tenha aumentado a dotação orçamental para a cooperação, devemos perguntar-nos se ela corresponde às responsabilidades históricas, políticas e culturais de Portugal.
Penso que seria necessária uma definição estratégica do orçamento para a cooperação. Mas a questão essencial, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é a da política cultural e, sobretudo, a estratégia para a preservação da nossa língua. A língua é a questão decisiva, porque é ela a nossa trincheira de resistência contra a concorrência francófona e anglófona.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!
O Orador: - Os Ingleses e os Franceses têm uma política da língua para os países africanos. Nós não temos estratégia, não temos política, não temos coordenação! Fazemos algumas «flores», acções desgarradas, umas feiras, mas as despesas totais com o funcionamento e actividade dos centros culturais da Praia, do Mindelo, de Bissau, de São Tomé e Príncipe, Maputo e Beira somam 35 217 contos - esta é a realidade. E se é verdade que somos um país pobrezinho, também é verdade que um país com a nossa história, com as nossas responsabilidades, tem de ter algo mais do que retórica. A política da língua tem um preço. A política cultural e da nossa afirmação cultural em África tem um preço que Portugal tem de pagar e não pode reduzir-se a esta verba.
Aliás, como várias vezes temos dito, essa estratégia implica um grande envolvimento nacional, pois trata-se de uma prioridade nacional, e não pode ser tratada como um luxo ou como um resto, e não pode ficar à mercê dos trocos do Orçamento ou do mecenato. O Estado não pode continuar a demitir-se.
O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!
O Orador - O centro cultural de São Tomé tem apenas uma pessoa e, tanto quanto eu saiba, a conselheira cultural em Cabo Verde continua por substituir.
Estes casos serão insignificâncias, mas é destas pequenas insignificâncias que se faz ou não se faz uma política.
O centro cultural de Luanda ainda não está, pelo menos que eu saiba, a funcionar, porque faltam professores, faltam casas, falta resolver o problema da equivalência do estatuto do cooperante com as remunerações das organizações internacionais ou, pelo menos, tentar aproximá-lo um pouco mais. É talvez por isso que o número de cooperantes tem vindo a diminuir: em Angola, de 70 em 1983/1984 para 13 em 1989/1990; em Moçambique, de 125 para 24; na Guiné, de 52 para 7; em São Tomé e Príncipe, de 33 para 16; em Cabo Verde, de 27 para 11. Isto é, no total, de 338 para 73.
Estes são números que falam por si, que chegam para condenar uma política ou, pelo menos, para ilustrar a ausência dela. V. Ex.ª já aqui falou hoje da sua preferência pela qualidade em detrimento da quantidade e, por isso, penso que Portugal tem de ter mais do que assessores em pontos estratégicos ou de ministros com pastas estratégicas. Portugal tem de ter uma presença de qualidade, mas em todas as áreas da cooperação.
A nova situação em África e os novos desafios implicam também uma mudança de atitude e exigem uma nova coerência das políticas de cooperação. É, pois, tempo de encarar a cooperação como uma opção nacional e como uma componente fundamental da solidariedade europeia. É preciso pôr fim à dispersão, racionalizar os instrumentos estatais, realizar a fusão prometida e não cumprida e criar, finalmente, o anunciado instituto para a cooperação.
Ao mesmo tempo, é necessário apoiar a formulação de políticas na universidade e na investigação, fazer formação e investigação em questões africanas, criar um instituto de estudos africanos, porque a cooperação é também uma questão cívica, pedagógica e de sensibilização, havendo uma memória, uma acumulação de experiência e de conhecimentos que não podem perder-se, assim como uma vivência que deve ser transmitida às novas gerações.
Uma estratégia nacional para a cooperação exige a criação de quadros capazes de a levar a cabo.
Aliás, devo dizer que o Sr. Deputado Adriano Moreira teve a ideia, que considero original e brilhante, de criar uma Universidade Luís de Camões que poderia ter as suas projecções nos países africanos de língua portuguesa. Esta seria a forma de o Estado Português e de Portugal contribuírem para a concretização de uma efectiva política de estratégia da língua e da difusão da nossa língua e da nossa cultura.
Mas a verdade é que as verbas atribuídas à cooperação, apesar dos aumentos verificados, não permitem responder às solicitações apresentadas pelos países africanos, nomeadamente no que respeita ao atendimento de pedidos de formação e assistência técnica de grande efeito multiplicador e que se não forem satisfeitos por Portugal sê-lo-ão por outros países.
Outro problema é o da preservação do riquíssimo espólio documental da antiga administração ultramarina portuguesa, que carece urgentemente de instalação adequada, sob o risco de deterioração a curto prazo.
O pudor quase me obriga a calar o estado em que se encontram algumas embaixadas, como a de São Tomé e Príncipe, que visitei quando acompanhei o Sr. Presidente da República, bem como o parque automóvel da representação portuguesa em Angola, para já não falar de algumas insignificâncias, como o problema do gerador da embaixada de Luanda e da alcatifa rota. Estas serão pequenas insignificâncias, mas a presença de Portugal em Angola não é compatível com insignificâncias desta natureza.
Sr. Presidente, Sr. Membros do Governo, Sr. Secretário de Estado: A vida anda, as sociedades relacionam-se e em muitos aspectos a cooperação desenvolveu-se, mas não foi resolvido o problema da sua coordenação, da criação de instrumentos que permitam a sua coordenação. Nós somos partidários do relacionamento não só Estado a Estado, mas povo a povo, sociedade a sociedade, mas o Estado não pode demitir-se da sua missão.
Assim, há que criar mecanismos de um outro tipo de articulação entre o que é a iniciativa privada e a iniciativa pública nesta matéria, porque a cooperação é uma causa nacional e por ela passa, mais do que nunca, a afirmação da nossa identidade e da nossa singularidade.
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O que vai marcar a nossa diferença na Europa é a nossa capacidade de uma nova etapa no relacionamento com a África e com o Brasil. Mas uma causa nacional como esta exige meios, políticas, instrumentos, quadros, formação e vontade política, e não pode continuar a ser uma carolice de alguns e um desleixo do Estado.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, apenas um pequeno registo, que é, também, um agradecimento. V. Ex.ª, com esta intervenção, elevou o debate, sobretudo quando comparado com aquilo que hoje, de manha, aqui se passou.
Em nome do PRD, os nossos agradecimentos. Não é verdade. Não ficamos sozinhos, por agora, e espero que outros se juntem a nós.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.
O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este debate realiza-se num momento em que a opinião pública portuguesa acompanha, com muita atenção, acontecimentos que envolvem o futuro próximo em Angola e vão influenciar o desenvolvimento global da situação em toda a África Austral.
Tal coincidência tende a polarizar a discussão em tomo de aspectos conjunturais da política externa de cooperação, subalternizando o que nela deve ser fundamental.
Não vou, por isso mesmo, falar do circunstancial. A minha intervenção não está orientada para a exegese da cooperação concebida na perspectiva do governo Cavaco Silva. Não me ocuparei dos seus actos e iniciativas, inseridos numa estratégia em que a autopromoção constitui meta prioritária e obsessiva.
Afigura-se-me mais útil aproveitar estes minutos para uma breve e desambiciosa reflexão inseparável de princípios e questões de actualidade permanente e da necessidade de desmascaramento da falsa cooperação no relacionamento entre os povos.
Portugal é um pequeno pais, insuficientemente desenvolvido, cuja contribuição para o avanço e a integração da humanidade foi muito importante. Pelo relacionamento antigo e complexo com povos de outros continentes e pela nossa posição mundial no limiar do século X», estamos numa postura favorável para compreender um dos problemas mais dramáticos que a humanidade enfrenta hoje: a desigualdade crescente entre países ricos e pobres, entre o reduzido grupo de nações de economia desenvolvida e os Estados do Terceiro Mundo, ou seja, aqueles que, representando apenas um quinto da população da Terra, consomem ou controlam 80% da riqueza produzida no Planeta.
Estamos na CEE, integrados no pelotão dos ricos. Mas somente por demagogia e hipocrisia se pode sustentar que Portugal é um país plenamente desenvolvido. Situamo-nos a meio caminho entre a industrialização e o subdesenvolvimento, entre a abundância e a pobreza.
Seria farisaico assumirmos o discurso da generosidade da ajuda numa época em que o fosso entre os dois mundos se aprofunda. Não é a solidariedade, mas, sim, o egoísmo que caracteriza hoje, mais e mais, as relações Norte/Sul.
A exploração dos povos que não conseguem defender-se dos mecanismos dela - e são pouquíssimos - alastra como realidade trágica. A cooperação autentica emerge como excepção. O que se desenvolve, o que cresce, são sistemas de dominação e espoliação sob a máscara da ajuda económica solidária.
A tentativa de passagem para o limiar do mundo moderno de sociedades que, há poucas décadas, mal haviam ultrapassado a fase tribal efectuou-se em função de interesses incompatíveis com os desses povos. O resultado foi, em dezenas de Estados - nomeadamente em África - , uma proliferação de desequilíbrios estruturais alarmantes.
O homem desceu já na Lua, mas nunca houve tanta fome, tanta miséria, tamanha devastação do ambiente em África e em amplas regiões da América Latina e da Ásia.
A deterioração constante dos termos de intercâmbio tem contribuído para o galopante empobrecimento dos mais pobres. Enquanto as exportações dos países desenvolvidos se valorizam, os recursos naturais vendidos pelos mais pobres desvalorizam-se. O que a Europa, os EUA e o Japão compram ao Terceiro Mundo é cada vez mais barato, mas os seus produtos manufacturados são cada vez mais caros.
A transformação da política de exploração colonial durante as duas décadas que precederam a última Guerra Mundial e as que se lhe seguiram, fez do Terceiro Mundo uma área preferencialmente receptora de capitais. Hoje, a situação é inversa. O aperfeiçoamento das relações neocoloniais levou a uma exploração cada vez mais predatória, mas também muito mais sofisticada, dos recursos existentes em muitos países atrasados. Agravou a contradição entre exploradores e explorados.
O Brasil produz hoje mais aço do que a Grã-Bretanha no auge do seu poderio imperial. Das suas fábricas sai, anualmente, 1 milhão de automóveis. Mas o Brasil, o México e a Argentina apresentam-se cada vez mais empobrecidos e endividados.
Contudo, os mecanismos de dependência fizeram deles exportadores líquidos de capitais. Somente da América Latina saem todos os anos, sob a forma de pagamentos do serviço da dívida externa, dezenas de milhares de milhões de dólares para os EUA e a Europa.
Em vez de uma cooperação para o desenvolvimento, para uma ajuda real que permitisse compensar desníveis perigosos, assistimos a um aprofundamento do fosso existente. A bipolaridade, imposta por uma escassa meia dúzia de países, gera uma situação inumana, na qual os mais ricos se alimentam dos mais pobres num processo de antropofagia económica.
A dependência toma-se um colete de forças impeditivo de um crescimento efectivo e equilibrado.
A dívida externa - os próprios credores já o reconhecem - é incobrável. Os devedores procuram obter saldos comerciais positivos, reduzindo o consumo a níveis de subsistência insustentáveis. Apesar disso, a dívida continua a crescer. As do Brasil e do México equivalem já ao triplo do PIB anual português.
Na última década somente em África morreram de fome milhões de pessoas, enquanto dezenas de milhões de toneladas de cereais se acumulavam nos silos americanos e europeus como excedentes, por falta de mercados
Simultaneamente, mundo afora, um rio de palavras transbordava do discurso oficial da cooperação. Os limites da hipocrisia foram ultrapassados quando, na busca de uma salda para o angustiante impasse da dívida externa dos pobres e dos famélicos, apareceu como pseudo-solução
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filantrópica a capitalização da dívida convertida em direitos sobre os activos patrimoniais. Por outras palavras, o leilão das empresas nacionais serve hoje em muitos países para pagar a dívida externa.
Na década de 80, cresceu o clamor em prol de uma nova ordem económica internacional que, embora sem eliminar o intransponível abismo existente entre os países industrializados e os não desenvolvidos, reduzisse as desigualdades, atenuando-as através de um intercâmbio menos espoliativo.
A favor dessa estratégia de gradual redução do processo exploratório estava e está a esmagadora maioria da humanidade. Novos obstáculos entretanto surgiram, dificultando a tentativa da sua implementação. Nesta Primavera do ano de 1991, quando já não explodem bombas no Golfo, quase não se ouve falar mais da nova ordem económica internacional.
Agora, alude-se sobretudo ao projecto da nova ordem internacional, ideado e defendido pelo presidente George Bush. A componente económica que deveria contribuir decisivamente para a humanização da vida de milhares de milhões de pessoas foi retirada da fórmula. A ordem internacional ambicionada pela Casa Branca apresenta os contornos de uma ordem imperial. Por isso mesmo, desponta como projecto vocacionado para o malogro. A sua essência carrega a negação do objectivo enunciado. Não pode merecer o consenso da humanidade uma ordem internacional caracterizada pela hegemonia de uma potência que se propõe a cumprir o papel de polícia do Planeta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A cooperação não é, não deve ser entendida como forma de caridade. Não justifica, também o nome, se assentar numa política de ganância ou de propaganda.
O facto, inocultável, de Portugal ser também um país dependente, de economia frágil, constitui por si só um factor de diferenciação impeditivo de veleidades hegemónicas no tocante à cooperação com Estados do Terceiro Mundo, nos moldes em que ela é praticada pelas grandes potências ocidentais. Isso não significa que Portugal não esteja em condições de desempenhar um importante papel - facilitado pela sua condição de membro da CEE - na cooperação internacional, nomeadamente no que diz respeito aos PALOP. Seja qual for o Governo em qualquer dos Cinco, podemos e devemos reforçar as nossas relações com esses Estados. Caminhámos juntos durante cinco séculos. O esforço para embelezar ou enegrecer esse tempo é igualmente absurdo e vão. Houve nesse meio milénio luz e sombra. A história não muda quando tentam apagar-lhe o curso para a reescrever.
O colonialismo marcou um período da evolução da humanidade e os Portugueses não foram nele a excepção absoluta como alguns saudosistas continuam a sustentar. Mas, no relacionamento existente com os povos dos PALOP, abrem-se novas possibilidades à emergência do que de mais permanente e significante, uns e outros, Portugueses e Africanos, soubemos forjar.
A melhor maneira de conquistarmos a estima e confiança desses povos e de as mantermos pelo tempo adiante será a aplicação coerente e firme de princípios correctos nas acções de cooperação desenvolvidas por Portugal como Estado membro da CEE.
Até agora não o temos feito, como seria desejável e possível.
Durante anos, a política africana de sucessivos governos foi assinalada por atitudes equívocas que desceram, com frequência, à cumplicidade com o Governo da África do Sul, no auge do apartheid.
Não foi, aliás, por má consciência assumida que os doze países da CEE acabaram, no final da década de 80, por aprovar as sanções contra Pretória, contribuindo para o isolamento do Estado racista sul-africano. O distanciamento não resultou de um impulso ético.
Nestes dias, em que a proximidade da assinatura de um acordo de paz em Angola, cuja importância temos salientado e continuaremos a salientar, serve de pretexto ao Governo e ao PSD para um aproveitamento partidário e eleitoral do tema, penso ser oportuno recordar que a mudança da situação global na África Austral somente se tomou possível porque o Governo de Angola, tão insultado e caluniado, e o seu partido, o MPLA, que levou o povo à independência, estiveram nas circunstâncias mais difíceis à altura dos desafios da história.
Se a Namíbia se tomou um Estado independente, se o presidente Frederik de Klerk pôde dar, embora timidamente, início ao processo de desmantelamento do odioso regime do apartheid, se forem criadas as condições que permitiram a libertação de Nelson Mandela, se pudemos festejar esses acontecimentos, foi porque, numa hora entre todas decisiva, a agressão militar sul-africana foi contida na planura de Cuito Cuanavale.
Os historiadores do amanhã registarão que a África do Sul se sentou à mesa das negociações somente quando compreendeu que não podia impor a Angola uma solução militar. Cuito Cuanavale ficará na história como acontecimento de viragem, comparável à batalha de Ain Jalut que no século XIII fechou as portas de África à invasão dos Mongóis.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A cooperação não se limita, todos o sabemos, ao terreno da economia. Para um país como o nosso, cuja língua é falada por 180 milhões de pessoas em enormes espaços descontínuos, que cultura assume, na aventura humanista da cooperação, uma importância prioritária.
Que temos feito, pergunto, para responder positivamente a esse fascinante desafio do diálogo cultural? Que temos feito no aproveitamento da arma da linguagem para chegarmos a uma aproximação e a um entendimento mais profundo e multiforme com a gente que contempla a terra em português?
Pouco, quase nada. É pena porque a língua, falada e escrita, é para cada povo o caminho da descoberta da vida, o instrumento maravilhoso que lhe permite olhar, sentir, pensar, o mundo circundante.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - As nossas relações com o Brasil não saíram até agora do pântano de uma hibernação identificável no discurso oficial das pompas e do formalismo estéril, recheado de solenes promessas de mudança.
No tocante às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, o panorama é igualmente desolador. Três a quatro milhões de emigrantes portugueses são cortejados pelo poder porque constituem fonte de divisas imprescindível ao equilíbrio da balança de transacções correntes, mas, na prática, quando lhes apreciam e discutem direitos e reivindicações, recebem o tratamento de cidadãos de 2.ª classe.
A responsabilidade por esse estado de coisas não é somente do actual governo. Vem de muito longe. Portugal não elaborou uma estratégia de cooperação. Não dispomos, nunca dispusemos, de uma política de cooperação autêntica, planificada. Não temos, sequer, uma política de cooperação para médicos, para professores, digna desse nome.
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No momento em que tanto se fala das oportunidades oferecidas aos empresários portugueses nos PALOP, impõe-se também uma evidência: não existe nada que se assemelhe a uma estratégia de cooperação para o sector empresarial. É suficiente comparar o que nesse campo realizaram e continuam a realizar pauses como a Itália e a Espanha para se avaliar o abandono das comunidades e dos cooperantes portugueses.
É melancólico verificar que em Angola, Moçambique e Cabo Verde se fez mais em duas décadas pela difusão da língua portuguesa do que sucessivas administrações portuguesas efectuaram desde o Congresso de Berlim até ao 25 de Abril...
Srs. Deputados, a cooperação externa, tal como o meu partido a concebe, uma cooperação que nos torne merecedores do respeito dos povos mais carenciados dela, implica uma atitude perante as relações internacionais não apenas diferente, mas incompatível com aquela que o governo Cavaco Silva tem seguido, ou seja. exige uma rejeição clara dos mecanismos de exploração dos fracos pelos poderosos.
Somente uma nova ordem económica internacional poderá eliminar o abismo existente entre a teoria e a prática da cooperação externa.
Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Creio que o primeiro, indispensável, passo para um tratamento sério da problemática da cooperação externa, seria o fim do discurso apologético do auto-elogio do Governo. Este governo, felizmente, passará. Apesar da sua arrogância, é transitório. E virá um tempo próximo, em que Portugal, na fidelidade aos ideais de Abril, desenvolverá uma política de cooperação-em múltiplas frentes, da cultura à saúde - que responde, na modéstia dos nossos recursos, à vocação humanista e universalista do nosso povo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta sessão da Assembleia da República insere-se na sequência do acordo assinado em Nova Iorque, em 22 de Dezembro de 1988. depois de oito meses de negociações. Tendo sido assinado pela África do Sul. Angola. Cuba e Estados Unidos da América, também foi evidente a adesão da União Soviética dentro da política acordada pelas então superpotências no sentido de globalizar o equilíbrio procurada
No que respeita a Angola, os Estados Unidos da América, que resolveram abster-se quando, em 1975, a operação soviético-cubana colocou o MPLA no poder em Luanda (emenda Clark), a partir de 1985, data em que aquela emenda foi suspensa, resolveram apoiar o movimento da UNITA, afastando esta da dependência do apartheid, e apoiando na África do Sul o Partido Nacional por ser o único que parecia capaz de desmantelar aquela política.
O analista Chester Crocker demonstrou, por essa altura, numa conferência em Londres, que o acordo de Nova Iorque deu aos Sul-Africanos e Americanos, com a cumplicidade objectiva dos Soviéticos, a oportunidade de - o que ele chama a «gorbymania» - ajudar a estabelecer a paz na África Austral.
Anunciou-se, por esse tempo, na imprensa internacional, que os Estados Unidos da América não se resignariam ao poder exclusivo do MPLA em Luanda, desafiado por rebeliões, nem à marginalização da UNITA, confinada as chamadas terras livres ao sul do caminho de ferro de Benguela.
O talento da mediação portuguesa, que não dispunha de um poder representado na balança de poderes em causa, foi ter percebido a conjuntura e a oportunidade, realizando uma notável intervenção diplomática a favor da paz. E desta depende tudo no continente africano à deriva que, da Mauritânia ao Como de África, da Etiópia à Namíbia, de Angola e Contra-Costa, escreveu com sangue a história da última década.
Este resultado não pode ser diminuído por questões menores, como também o êxito ido pode levar a perder o sentido das proporções. Precisamos de doutrina política para regular as relações entre as etnias, mas não esperamos que apareça um Sá da Bandeira no governo; necessitamos de assumir o modelo de cooperação militar, mas não esperamos que ofereçam um Mouzinho de Albuquerque; queremos cooperação científica, mas não temos esperança de que apareça um Brotero; apreciamos a vinda das igrejas a Lisboa, mas não seremos surpreendidos pelo desembarque de um São Francisco Xavier; queremos programa, mas não exigimos um Luciano Cordeiro; queremos, finalmente, contenção, modéstia, segurança e pouco triunfalismo porque os factores exógenos são dominantes.
Nesta intervenção diplomática, de que nos ocupamos no processo de pacificação, essas exigências foram respeitadas e esse é um dos motivos de louvor para a intervenção do Secretário de Estado.
Aplausos do PSD e do PRD.
Tendo como ocasião o acordo do Estoril, talvez este primeiro debate, na Assembleia da República, sobre a cooperação possa ir além do circunstancial. Nesse circunstancial incluímos a organização do Governo, que constitucionalmente é responsabilidade dele próprio e não vale a pena querer, agora e aqui, iniciar uma cultura.
Seria importante que pudéssemos, sim, começar a avaliar como é que esta acção mediadora servirá como ponto de partida para avaliação da nossa capacidade de autonomia dentro do projecto da Euro-África a que dá cobertura a Convenção de Lomé. E dentro desta, que espécie de especialização poderemos ambicionar e seremos capazes de construir.
Infelizmente, as questões restritamente chamadas europeias ocupam a cena toda em termos de ser pouca a nossa informação, se há alguma, a respeito da marcha do euro-africanismo. Daquilo que está ao nosso saber, tendo em conta a limitação dos nossos recursos, salientaria apenas alguns pontos.
Parece de primeira evidência que o nosso esforço tem de dirigir-se para a formação de formadores...
O Sr. Manuel Alegre (PS):- Muito bem!
O Orador: - ... e não para o fornecimento dos quadros de ocupação nos vários domínios, porque o não poderemos fazer. Nesse ponto, talvez não devêssemos continuar a adiar a exploração da possibilidade de construir uma cooperação integrada na área da investigação, formação e divulgação a cargo das universidades.
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A réplica de um Projecto Erasmus que, para nós, se poderia chamar «Damião de Gois», está ao alcance do Governo e das universidades portuguesas. Anda pelos diários da Câmara um projecto nesse sentido, que aqui foi recordado pelo Sr. Deputado Manuel Alegre, a quem agradeço a referência, mas não há inconveniente em que a origem seja esquecida e, por isso, aproveitado, assim como convinha que não lhe acontecesse como aconteceu ao Instituto Internacional de Língua Portuguesa, que foi por nós aqui advogado e que, pelo destino reservado pelo sistema às propostas das minorias, foi posto em vigor por iniciativa do Brasil.
Contudo, sendo a África o nosso maior empenho, não podemos todavia deixar de dizer uma palavra sobre Timor.
Há largo tempo que andamos sobretudo ocupados com uma carta dirigida pelo Governo da Indonésia ao Presidente desta Assembleia. Vemos pelos jornais que o processo da carta ainda vai demorar. Entretanto, o Conselho de Segurança da ONU abriu uma nova jurisprudência sobre o genocídio e sobre a intervenção internacional e entendemos que é dever de Portugal obrigar o Conselho de Segurança a debruçar-se sobre o genocídio dos Timorenses. A proposta foi apresentada. Talvez a cooperação pudesse ocupar-se do genocídio, enquanto somos solicitados para que a carta continue a ocupar a cena toda. O genocídio parece-nos mais urgente.
Finalmente, desejaria sublinhar, mais uma vez, que a África se tornou no continente mais ajudado e mais perdido. O principal investimento de que necessita é a paz, porque sem ela não haverá ajuda, nem cooperação, nem direitos do homem, nem Estado de direito. O passo dado, que se inscreve construtivamente na busca mundial da paz, no projecto da Euro-África, na tarefa da recuperação da África, também representa, se a evolução ajudar e o sentido geral da responsabilidade portuguesa corresponder, o primeiro significativo acto dado no sentido do reencontro da nossa comunidade nacional com uma das traves mestras da sua história secular.
Aplausos do PS, do PRD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A cooperação é, para nós, um imperativo ético, político e cultural. Resulta do reconhecimento da unidade fundamental da humanidade e da interdependência cada dia mais acentuada entre os povos. Para Portugal é, além disso, um imperativo histórico e axiológico. É-nos exigida pela riquíssima vivência passada do nosso povo e pelo sistema de valores que soube construir, de entre os quais se destaca o valor da solidariedade, de que a cooperação é a mais lídima expressão no mundo actual.
O patriotismo universalista, que, na feliz expressão de José Augusto Seabra, nos distingue dos outros povos, mantém-nos abertos a eles e dispostos a desenvolvê-la. No entanto, a cooperação tem de começar pela ajuda à concretização da aspiração fundamental de todos os homens: viver em paz. É que da paz tudo depende. Sem ela, tudo o resto será ilusório. Ela é uma condição sine qua non de estabelecimento de qualquer sistema de valores e sem ela é impossível uma cooperação minimamente eficaz.
Por isso, tem o Governo considerado ser tarefa prioritária, fundamento da cooperação, a disponibilidade para a ajuda, quando solicitada, na resolução de conflitos que tem destroçado povos irmãos.
Aprovou esta Assembleia, por larga maioria, um voto de congratulação pelos acordos de paz para Angola, concluídos há dias em Portugal. Eles representam uma grande vitória para o povo angolano, que todos cordialmente saudámos. Esta Câmara reconheceu expressamente que o papel relevante da mediação portuguesa, conduzida pelo Primeiro-Ministro Cavaco Silva e pelo Secretário de Estado Durão Barroso, a quem (apesar de ele me ter dito para não o fazer) quero felicitar calorosamente pelo seu trabalho e pelo resultado alcançado, «representa um ponto alto da diplomacia portuguesa e é um grato motivo de satisfação e orgulho para todos os portugueses».
Aplausos do PSD.
Como aqui disseram alguns Srs. Deputados da oposição, é um sucesso de Portugal sobre o qual, como foi dito pela minha bancada, não nos move qualquer aproveitamento partidário.
Com confiança no futuro, e no entendimento alargado que lenho da cooperação, gostaria de deixar aqui algumas reflexões sobre o objectivo essencial e o significado daqueles acordos. Considero-os simultaneamente inovadores, exemplares e integrados na tradição histórica e cultural portuguesa. Começo por felicitar as partes angolanas que fizeram o esforço para chegar à decisão final de assinar os acordos, que só a elas competia.
Quero colocar-me no campo da axiologia, para caracterizar a paz como um valor fundamental e universal. É fundamental porque é pressuposto do respeito de outros valores - a dignidade da pessoa, a liberdade, os direitos do homem, a solidariedade, o desenvolvimento, o bem-estar - nenhum deles tem fundamento real sem a paz. É, pois, um valor universal a que todos os povos aspiram.
Penso que a unidade essencial da humanidade, verificada pela antropologia, coloca alguns limites à variação dos valores. Cada sistema de valores contém-se numa matriz universal da qual é expressão particular. Progressivamente unificada e cada vez mais consciente da própria unidade, a humanidade, venha ou não a ser a «cidade ou aldeia global» de que alguns falam, não pode avançar se todos não se orientarem para a paz porque só assim todos se orientarão para o desenvolvimento.
Como os direitos do homem não conhecem fronteiras, a paz, que é seu pressuposto, é também uma responsabilidade colectiva. Francisco Sá Carneiro chamou-lhe um problema universal e acrescentou: «Entre os nossos objectivos prioritários Figura o que constitui a filosofia da nossa política externa: a preservação da paz, a construção da segurança pela via da cooperação.» Devo referir ainda que, como Helmut Schmidt, penso que o Estado não cria, nem pode criar, valores. Constata-os na comunidade e, em toda a sua acção, deve partir dessa realidade.
Em Portugal, também a consciência da responsabilidade pela paz universal teve nascimento no seio da comunidade e depois foi consagrada no artigo 7.º da nossa Constituição. A meu ver, os Portugueses, ao longo da sua história, foram os que melhor puseram em prática o essencial do cristianismo: a fraternidade de todos os homens e o elogio dos construtores da paz. Anteciparam mesmo, de algum modo, alguns dos princípios que os defensores dos direitos do homem muito mais tarde propuseram.
Entendo, portanto, que estes acordos se enquadram na concepção da paz como bem universal e na vivência universalista dos Portugueses. A poucas horas da chegada de João Paulo II ao nosso país, recordo que ele próprio,
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entre nas, reconheceu há precisamente nove anos essa universalidade e a nossa especial abertura e respeito pelos outros povos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os acordos há dias assinados no Estoril devem lambem ser assinalados pelo seu carácter inovador. Com efeito, pela primeira vez desde o fim da guerra fria. as duas superpotências contribuíram de forma muito empenhada para o fim de uma guerra civil. Fazem-no com clara intenção de pôr termo ao conflito, que resulta de terem aceite a mediação e o papel central de outro país mais pequeno que lhes pareceu poder contribuir com mais eficácia para alcançar aquele desiderato.
Também a nossa mediação teve muito de inovador. Criou confiança igual de ambas as partes nela própria e no mecanismo que propôs. Levou as parles ao diálogo directo, como única forma de assumirem responsabilidades, reconhecerem as posições reciprocas e aproximarem-se em conjunto das soluções. Foi, com efeito, a primeira vez que, na procura de solução de um conflito regional, o núcleo das conversações se manteve o mesmo, como salientou um dos participantes, que acrescentou, com Ioda a razão: «A metodologia adoptada nunca foi experimentada antes e a forma como o mediador levou todas as parles a viver em conjunto durante quase um mês foi determinante para a criação de um clima de confiança»
Referirei ainda a criação de um sistema de garantias e de responsabilidades, quer das partes, quer dos intervenientes -por exemplo, através da Comissão Político-Militar -, com vista a assegurar o cumprimento do acordado e tendo em conta que se tratou de um ponto de partida e não de chegada. Não compreendo, por isso, que alguns Srs. Deputados dêem a entender que os acordos são já passado. Há que alcançar primeiro a paz efectiva e definitiva e implantar a democracia Ela é a única forma depois da paz, de dar expressão aos anseios de liberdade e progresso dos povos, e de permitir a escolha pacífica dos governantes, como já aconteceu, felizmente, em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe.
No mundo de hoje - já o disse aqui, não gostaria de o repetir, pois outros o disseram já -, a democracia é também condição indispensável para o desenvolvimento. Só ela, como sociedade aberta, permite e estimula a inovação, a criatividade e o desenvolvimento. Tal como a paz, a democracia é um pressuposto, uma condição sine qua non da cooperação eficaz. A ajuda que podemos prestar -estamos já a fazê-lo -, para a institucionalização da democracia nos países de expressão portuguesa é uma forma de cooperação que deve ser salientada.
Srs. Deputados, os acordos de 1 de Maio são, a meu ver, exemplares. Virão, por certo, a servir de exemplo e a inspirar outros processos de construção da paz. Volte ou não Portugal a ser mediador noutro processo, o seu papel pioneiro permitirá utilizar modelos para soluções de conflitos mais ou menos semelhantes que afligem tantos povos, de Moçambique ao Uganda do Sudão e da Etiópia ao Afeganistão. A metodologia inovadora que referi pode bem vir a ser adaptada com vista à solução de outro tipo de conflitos, alguns deles que respeitam a povos ainda oprimidos que buscam a sua autodeterminação, como é, evidentemente e em primeiro lugar, o caso do povo de Timor Leste, perante o qual estamos obrigados a uma solidariedade muito especial.
Não deixa de ser encorajadora a recente aceitação pelas partes envolvidas no conflito israelo-palestiniano da mediação das duas superpotências.
Alguns perguntarão: para Portugal que resultou destes acordos?
Diria, em primeiro lugar, que as vantagens da paz são sempre incalculáveis para todos. Por outro lado, demos satisfação a uma responsabilidade moral que tínhamos contraído em circunstancias conhecidas. Viu-se também que é através da acção liberta de interesses imediatos que se ganha prestígio na comunidade internacional. A credibilidade de Portugal na cena internacional e na cooperação sai acrescida deste primeiro envolvimento na resolução de um conflito, na qual foi o principal protagonista depois dos Angolanos. Representa, por outro lado, um regresso a uma tradição histórica secular de interesse por povos com os quais construímos uma vasta área cultural, na qual uma língua comum veicula quer as diferenças (e ainda bem que há diferenças), quer o património partilhado.
Recordo que Sá Carneiro pôs em prática no seu Governo, há 11 anos, a verdade que proclamava: «Portugal perderia uma das suas dimensões mais importantes se deixasse de se interessar pela África, evidentemente em termos absolutamente diferentes dos que foram desenvolvidos antes de 25 de Abril de 1974. Agora a cooperação com as jovens repúblicas africanas desenvolve-se sobre bases de dignidade mútua e de respeito.»
Estes acordos abrem melhores perspectivas de cooperação em todos os domínios. É que regressar como obreiro da paz é, como tão bem escreveu o Sr. Deputado Adriano Moreira (cuja intervenção aqui também saúdo), suma demonstração de capacidade que serve, ao mesmo tempo, os interesses da paz em geral, da Euro-África. de África, de Angola e que encaminha a comunidade portuguesa para a reconciliação com as traves mestras da nossa história».
A especificidade do génio português está no diálogo dos pluralismos, no encontro das diversidades, das diferenças, das complementaridades. O empenhamento na construção europeia não nos faz esquecer que somos dos que melhor conhecemos e compreendemos o drama dos povos do Sul, que constitui, sem qualquer dúvida, o problema maior do mundo de hoje e, infelizmente, do de amanha. Já a nossa voz se tem erguido, do Governo e dos deputados, em tantos e tantos fóruns por esse mundo sobre este problema. Como se vê, não é esquecido, além das nossas palavras, nas nossas prioridades de acção.
Sei bem que os acordos assumidos não garantem por si só a paz definitiva para a qual suo um simples primeiro passo. A paz exige um esforço continuado e responsabilidades acrescidas a todos os intervenientes-e a nós também. E todos sabemos a importância do desenvolvimento e da justiça para a manutenção da paz. Alguém disse, há milénios: opus justitiae pax - a paz é obra da justiça. É o realismo, a persistência a competência a discrição (que foi um dos trunfos nestas negociações), a consciência clara das dificuldades que distinguem os verdadeiros construtores da paz dos chamados pacifistas.
Já esta semana um novo passo foi anunciado pelo Dr. Durão Barroso ao referir, em Bruxelas, o apoio que a CEE poderá vir a conceder à reintegração de militares desmobilizados em Angola.
Não queremos exibir triunfalismos, mais ou menos megalómanos e, certamente, prematuros. Mas são estas qualidades que referi que são a melhor garantia do êxito da política de cooperação da qual resultarão benefícios recíprocos nos planos cultural, político e económico. Assim, o mundo poderá beneficiar muito com o que nós - e agora falo no conjunto dos povos lusófonos - lhe podemos dar, só nós lhe poderemos dar, como lembrou há dias, e muito bem, entre nós o cardeal D. Alexandre do Nascimento.
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Diz-se há muito que do Oriente vem a luz - refere-se a luz do dia quando nasce e a sabedoria, as muitas sabedorias, que os tempos de lá trouxeram. Não sei se há uma semana a luz veio do Ocidente. Mas sei que desta vez posso dizer: a paz nasceu em Portugal!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.
O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social (Silva Peneda): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Venho a esta Câmara essencialmente para dar conta do modo como o Ministério do Emprego e da Segurança Social vem colaborando numa tarefa considerada pelo Governo como opção estratégica em termos de política externa: a cooperação com os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP).
Durante os últimos anos, foram criadas condições que permitiram desenvolver um vasto conjunto de iniciativas que não só projectaram os nossos interesses como permitiram solidificar relações históricas e culturais do nosso país nesses países africanos.
O primeiro aspecto que gostaria de sublinhar perante VV. Ex.ªs, no que respeita à cooperação do Ministério do Emprego e da Segurança Social com os PALOP, é o conteúdo muito concreto dos projectos que vem sendo realizados.
Assim e durante os últimos cinco anos, o Ministério do Emprego e da Segurança Social levou a cabo 513 projectos, que respeitam às diversas áreas da responsabilidade do Ministério. Esses 513 projectos implicaram a presença de 1212 técnicos africanos que estagiaram junto dos serviços do Ministério do Emprego e da Segurança Social e envolveram a presença física, em África, de 561 técnicos portugueses.
Para 1991, está prevista a execução de cerca de 120 projectos que irão envolver, em termos de missões técnicas, o já apreciável numero de 3584 dias.
Todos estes projectos que têm vindo a ser objecto de protocolos anuais, acordados com base nos pedidos formulados pelas entidades homólogas dos cinco países lusófonos, envolvem, em regra, as seguintes componentes: uma assistência técnica aos serviços ou entidades homólogas dos PALOP, por parte de técnicos portugueses; estágios de formação de técnicos - fundamentalmente de quadros dirigentes - dos ministérios africanos nos serviços do Ministério do Emprego e da Segurança Social.
Os projectos executados cobrem, actualmente, a totalidade das áreas funcionais do Ministério, isto é, abrangem não só a vertente tradicional da administração do trabalho - normativos laborais ou actividade inspectiva - mas também as áreas da promoção do emprego, da formação profissional e da segurança social.
Assim, no que se refere à assistência técnica, no campo legislativo ou no do apoio à estruturação dos serviços, a cooperação prestada vai desde a elaboração de projectos de legislação do trabalho, de legislação de segurança social ou de regulamentos orgânicos até à proposição de medidas de reestruturação orgânica desses ministérios homólogos.
Cito, a título de exemplo, a assistência técnica facultada para a elaboração da Lei Geral do Trabalho da Guiné-Bissau, da legislação laboral de Cabo Verde e de Moçambique e da Lei de Bases do Trabalho de São Tomé e Príncipe, bem como a instalação de centros de emprego em Cabo Verde - um, na Praia, e, outro, no Mindelo.
Tem merecido, igualmente, particular atenção a montagem de sistemas de informação estatística, indispensáveis à definição das políticas de emprego, de trabalho e de segurança social.
Assim, estão em curso, nos cinco países, projectos de assistência técnica na área das estatísticas laborais, que hoje já permitem o conhecimento das situações relativas à estrutura do emprego, às qualificações profissionais, aos rendimentos salariais ou à duração do trabalho, por sectores de actividade.
Têm sido também desenvolvidos, nos cinco ministérios homólogos, projectos de assistência técnica aos correspondentes departamentos da inspecção do trabalho, da higiene e da segurança no trabalho, da informação técnica e documental e da segurança social, quer em lermos de formação específica dos respectivos técnicos quer em termos de apoio à organização desses serviços, dotando-os de algum equipamento indispensável ao exercício normal das suas atribuições.
No campo da formação profissional, vários têm sido também os processos desenvolvidos, especialmente no domínio da formação de formadores.
As leis de segurança social, hoje em vigor, em Moçambique, em Angola e em São Tomé e Príncipe, tecnicamente, foram também preparadas ao abrigo de projectos de cooperação específicos com o Ministério do Emprego e da Segurança Social português.
Para além dos projectos executados em cada um dos cinco países africanos, também têm sido promovidas iniciativas conjuntas, com vista a uma multilateralização da cooperação que permita potenciar as experiências já adquiridas.
A este respeito, não posso deixar de destacar pela sua importância a realização, em 1989, do I Encontro dos Ministros do Emprego e da Segurança Social de Portugal com os homólogos dos cinco países africanos de língua oficial portuguesa.
O balanço que então fizemos permitiu-nos concluir, com realismo, que podemos ir mais além.
Assim, ao mesmo tempo que continuarão a ser executados os diferentes programas de cooperação bilateral, decidimos avançar para um processo de cooperação multilateral, pelo que se decidiu criar uma comissão multilateral de cooperação entre os nossos ministérios.
Entretanto, manifestou-se, clara e formalmente, perante a Organização Internacional do Trabalho, o desejo comum de um reforço da assistência técnica daquela instância internacional, em benefício dos países africanos de língua oficial portuguesa.
Ainda há poucos anos, era praticamente desconhecida a presença portuguesa nos quadros técnicos das missões da OIT em África.
Felizmente que hoje, graças à pressão que, conjuntamente, vimos fazendo junto daquela organização, naquela zona do continente africano não há nenhum projecto da responsabilidade da OIT que não conte com a liderança técnica portuguesa.
Começou a ser emitido, com periodicidade trimestral, um boletim de cooperação entre os seis ministérios. Há uma enorme experiência acumulada, há necessidade de trocar experiências e, por isso, este esforço de diálogo vai seguramente facilitar ainda mais o nosso trabalho.
Vamos realizar, ainda este ano, o I Encontro de Formação Profissional dos seis Governos.
Ainda em 1991, contamos levar a cabo mais as seguintes iniciativas conjuntas: a publicação de mais dois números
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da revista Encontro, que é da responsabilidade conjunta dos seis ministérios; a realização, em Lisboa, do I Encontro de Formação Profissional dos seis ministérios e a realização, também em Lisboa, na 2? semana de Julho, em colaboração com a OIT, de um seminário/colóquio sobre a organização e os objectivos dos diferentes sistemas de segurança social, tendo em vista a sua implementação nos cinco países africanos de língua oficial portuguesa.
As avaliações periodicamente efectuadas pelas delegações técnicas do Ministério do Emprego e da Segurança Social de Portugal e dos cinco ministérios homólogos têm permitido constatar um elevado grau de execução dos programas anuais. Poderei afirmar que, em termos globais, as taxas de execução dos projectos se situaram, em 1990, entre os 80 % e os 90 %.
Quero salientar que, de ano para ano, os programas se vão apresentando mais integrados e estruturamos, o que, em nosso entender, revela, por um lado, os esforços de reorganização e de adaptação que os ministérios homólogos vêm desenvolvendo no quadro das alterações eminentes ou já em curso e, por outro, a confiança dos seus responsáveis na cooperação técnica para apoio e orientação nas medidas a tomar para efectivação daquelas transformações.
A este respeito, não posso deixar de citar as declarações feitas pelo meu homólogo de São Tomé e Príncipe que, em representação dos ministros de Angola, Cabo Verde, Guiné e Moçambique, e por ocasião do Encontro dos Ministros do Trabalho, efectuado em Lisboa, em 1989, afirmou: «Não é sem razão mas, antes, sim, com justificado orgulho e destaque merecido que reconhecemos e não nos cansamos de ressaltar o carácter modelar deste relacionamento entre o Ministério do Emprego e da Segurança Social português e os ministérios homólogos de cada um dos nossos países.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que me encontro numa posição que me permite tecer mais algumas considerações adicionais que, à primeira vista, podem parecer de pormenor, mas que nestas matérias acabam por se revelar essenciais. A primeira tem a ver com a forma simples, desburocratizada e de pequenos passos que permitiu chegar ao ponto em que hoje nos situamos.
Não começámos por definir um longo e vasto programa de cooperação, mas, antes, por pequenas acções muito concretas. Não foi uma atitude modesta, foi, antes, a noção clara de que mais valia uma aproximação sucessiva e de pequenos passos a processos mais ambiciosos e mais elaborados. Este método, em minha opinião, foi essencial para a aquisição de um sentimento que hoje é comum a todos os parceiros: a confiança recíproca.
Paralelamente, fomos definindo regras claras que balizaram o comportamento assente no princípio da partilha de responsabilidades entre as partes intervenientes. É assim que, normalmente, nos meses de Novembro, é possível apresentar, praticamente na sua totalidade, o programa de cooperação, no âmbito dos nossos ministérios, para o ano imediato.
Sendo a relação com os países africanos de língua oficial portuguesa uma das vertentes estratégicas da política externa portuguesa, o Ministério do Emprego e da Segurança Social beneficiou sempre de um inequívoco e claro apoio e colaboração do Ministério dos Negócios Estrangeiros, dentro de uma óptica de coordenação que cumpre assegurar à execução da política externa.
Penso, Srs. Deputados, que, dado o tempo em que venho desenvolvendo as funções de Ministro do Emprego e da Segurança Social, estou em posição de poder acrescentar mais alguma coisa que caracteriza a cooperação que vem sendo desenvolvida com os PALOP. Refiro-me à autenticidade da mesma. Autenticidade que foi facilitada pelo legado histórico e a raiz comum em que foi moldada a nossa forma de estar no mundo, mas autenticidade que foi conquistada por uma vontade política forte e um acentuado empenhamento pessoal na acção.
Ainda ontem, por ocasião do II Congresso Nacional de Segurança Social, onde estiveram presentes e participaram a maior parte dos meus colegas africanos, ficou bem claro que é possível ir mais além, dada a qualidade do trabalho já produzido e a certeza de que, em conjunto, poderemos concretizar os nossos propósitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nestas coisas, penso que nada acontece por acaso. Por trás das muitas centenas de projectos em curso, há, como ficou claro, a preocupação de executar uma orientação estratégica da acção do Governo, como um todo.
Ao Ministério dos Negócios Estrangeiros cabe, naturalmente, a coordenação dessa política; aos ministérios sectoriais, como é o caso do Ministério do Emprego e da Segurança Social, coube, como penso ter demonstrado nesta intervenção, o desenvolvimento de um conjunto de acções que, penso, são importantes para a acrescida credibilidade internacional do nosso país.
Se há domínios onde o factor tempo é determinante, penso que é na política de cooperação. Aí se exige uma visão dê médio e longo prazos e um planeamento cuidado dos meios e dos objectivos a alcançar.
Também nesta área, estou convencido de que o quadro de estabilidade política em que o País tem vivido foi um factor determinante para aquilo que se fez.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se é deficiência notória à sensibilidade e intelligenzia europeia avultar na área económica da CEE a dimensão que a esta mingua no campo cultural, importa, numa época de signo planetário, corrigir esta falha com o agrupamento de países pluricontinentalmente dispersos, mas unidos pela mesma língua em comunidades internacionais cimentadas por afinidades histórico-culturais.
Bafejados são os Portugueses pela fruição dessas afinidades que logo se manifestam na língua, a morada do ser, como já lhe chamavam os árabes, bayt, verso, literalmente casa, e palavra mufrad de fard, ou seja, indivíduo, muitos séculos antes de Heidegger, a expensas de Holderling, ter tomado famosa essa expressão. Pois é imperioso reter que nenhum dos sete países que hoje mantêm de pé essa casa habitada por, aproximadamente, 200 milhões de seres humanos se pode reclamar de ser seu dono exclusivo. Sim, chegados são os tempos em que o orgulho, aliás justificado, de ser o português essa última flor do Lácio, como lhe chamou o poeta brasileiro Olavo Bilac - e, ontem, também alguém o repeliu -, a madre linguística de mais de seis países repartidos pela África e pela América do Sul, terá de regozijar-se e não de sentir-se humilhado com concessões ortográficas que haverão de crescer solicitadas pela evolução dessas sociedades.
Entro, assim, inevitavelmente, no polémico acordo ortográfico, com o qual se visa impedir a desagregação de
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uma língua nutridora de falantes que ocupam um vasto espaço geográfico, desagregação que, a dar-se, seria fatal para a obra que a cooperação tem por Fim edificar.
Assinado por todos os países lusófonos, esse acordo tem, para já, como objectivo a unificação das línguas brasileira e lusitana, cujas divergências ortográficas tom prejudicado a unidade intercontinental do português, deslustrando o brilho devido a uma língua que produziu obras que só do rasgo do génio podem brotar. Contudo, ponhamos os pontos nos ii. Unificação não é a palavra indicada para nomear um acordo que a não generaliza, mas apresenta, sim, unificações apreciáveis, na medida em que abatem obstáculos cuja remoção é exigível para evitar o processo de desagregação.
Não se trata, por isso, de um acordo definitivo, problemática que continuará a pairar face a esse fenómeno de mobilidade da língua, ligada como ela está à corrente do ritmo da vida, problemática que, bem entendido, envolve todos os países signatários do acordo, incluindo o nosso.
E vem a pergunta: será desta vez que se vai pôr termo a 80 anos de desacordo, que começou em 1911, quando os Portugueses fizeram a primeira grande reforma ortográfica não extensiva ao Brasil?
A realidade reclama, hoje, uma resposta positiva a esta pergunta, porque a realidade é hoje diferente. Seja-nos exemplo a serenidade com que está a ser seguida, nos países da África lusófona, a polémica luso-brasileira sobre o acordo, já que, lá como cá, iradas fadas há. É o caso, no Brasil, do Secretário da Academia Brasileira de Letras, Abegard Renaud, e de Millôr Fernandes, que classificam o acordo de absoluta cretinice. Como cá, hostilidade a cedências a que força o acordo: a supressão de acentos em ditongos de palavras - «ideia», «assembleia» - que, no Brasil, são acentuadas.
Mas volto à serenidade dos países africanos lusófonos, que passam à margem destas indignações brasileiras, simétricas dos levantes que, em Portugal, acusam os negociadores do acordo de terem subordinado aspectos técnico-linguísticos aos interesses políticos, que, com a maior propriedade, deviam ser chamados político-culturais.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): -Muito bem!
A Oradora: - Mas estranho, realmente, que essas indignações guardem silêncio perante a anglisaxonização da nossa língua, vertiginosamente invadida por um vocabulário técnico-científico que vai introduzindo outra língua dentro da nossa.
Pois, nessa fervura põem a água da sensatez estas palavras de Filipe Zau, representante de Angola na assinatura do acordo: «Muito mais que uma discussão sobre consoantes mudas, a língua é, para os Africanos, um factor de unidade nacional e de cooperação.» Por isso, nesta intervenção, dou ao acordo ortográfico o papel não só de relevo mas decisivo na perspectiva dos tempos que se seguem, que lhe cabe na política de cooperação.
Impossível, porém, é isolar esse concerto lusográfico de uma política de promoção cultural e, nomeadamente, do livro português nos países que connosco constelam a lusofonia. Sendo certo que os editores portugueses serão, a curto prazo, prejudicados no Brasil, com o tempo, os nossos livros didácticos, e não só, terão excelentes condições para lá penetrarem.
Quanto aos países africanos de expressão portuguesa, urge combater os condicionalismos (falta de convertibilidade das moedas, inexistência de condições de edição, deficiências de distribuição) que têm embaraçado a circulação de livros entre Portugal e esses países. Ora, competindo ao Instituto Português do Livro e da Leitura responsabilidades específicas na promoção do intercâmbio literário entre Portugal e a África de língua portuguesa, não é com a dotação orçamental deste instituto que ele poderá efectivar eficazmente essa promoção.
Outros reparos teríamos de fazer aos travões que reduzem o alcance da política de cooperação - o aspecto cultural, tais como, a título de exemplo, a reserva inserida no protocolo de cooperação na área da educação entre as Repúblicas Portuguesa e de Cabo Verde. A reserva aparece no artigo 6.º desse protocolo, em que a «parte portuguesa só concederá apoio bibliográfico aos cursos para finalistas da Escola de Formação de Professores, na medida das suas possibilidades».
Outra pungente restrição é a que afecta os centros culturais portugueses em África. Ao que se lê no último relatório de actividade da Direcção-Geral da Cooperação que chegou ao nosso conhecimento - e não sabemos se depois desse há outro -, os orçamentos para funcionamento e actividades desses centros dão para o pessoal e pouco mais. Acaso se alterou esta situação ou continuamos a patinar na mesma precariedade?
Também nesta área, apesar dos apoios prestados por várias entidades, reaparece o condicionalismo espectral do nacional miserabilismo na expressão «dentro das suas possibilidades de acção» aplicada aos centros, em relação aos quais devia prevalecer uma largueza de recursos considerando a sua importância como veículos insubstituíveis - estou a citar o referido relatório -, «difusão e promoção da língua e da cultura portuguesas». Tanto mais insubstituíveis, acrescento, quanto é competência do seu funcionamento o contacto permanente com agentes culturais locais e com as populações destacadamente juvenis, não só urbanas, mas de comunidades afastadas dos grandes centros populacionais.
Manda a verdade que se reconheça ser a cooperação uma área em que o Governo se apura, com resultados concretos, em marcar pontos a seu favor. Mas se, nesse empenho, se dá realce ao sector da cultura, em coerência com as afinidade histórico-culturais entre Portugal e os PALOP, não se quede esse empenhamento num princípio gerador de magros frutos que travões económicos impedem que se converta numa prática persistente e penetrantemente fecunda.
Fixemo-nos neste ponto fulcral da cooperação, porque ele rasga a amplitude de um horizonte que, no futuro, nos situa num vasto espaço linguístico-cultural, propício à projecção mundial devida a obras do engenho e do espírito da nossa singularidade criadora, que, só com raras excepções, têm ultrapassado as fronteiras que até há pouco nos encerravam num acanhado território linguístico.
Aplausos do PRD, do PS e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A política de cooperação para o desenvolvimento é, hoje, cada vez mais, um grande desígnio nacional. É, pois, uma vertente estratégica nacional de afirmação de Portugal no mundo, no concerto das nações, não podendo, por isso, ser confundida com qualquer questão conjuntural menor. A cooperação
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para o desenvolvimento, na visão que hoje dela tivermos, perspectivará os desafios futuros da presença de Portugal em África e no mundo. Ultrapassará, certamente, o prazo de uma legislatura, a duração de um governo, desejando--se mesmo que os princípios que a enformam se mantenham por uma ou várias gerações. A tudo isto o Governo de Portugal tem dado resposta positiva.
Ao assumir as dimensões ética, cultural e política das relações com os países africanos, muito particularmente com os de língua oficial portuguesa, o Governo tem sabido interpretar o sentido da responsabilidade histórica de Portugal, da sua presença além-mar, na busca de um destino próprio e autónomo. Foram diferentes as razoes da expansão portuguesa, quando comparadas com os restantes países europeus, como diferente foi a ocupação dos territórios ultramarinos e a sua colonização, sendo lambem diferente o processo que culminou com a independência dos novos países africanos de expressão portuguesa. No princípio, buscámos no mar a segurança, como país, que nos faltava na Europa. Soubemos entender que aí residia - e reside - a razão primeira da nossa existência, como pais independente, que gerações atrás de gerações, séculos após séculos, e angustiadas no momento da decisão, foram capazes de interpretar como sendo o sentir nacional.
Na cooperação para o desenvolvimento, Portugal, muito especialmente durante os últimos anos, soube ser solidário e realista na ajuda, sempre determinado na construção do futuro, nunca deixando de honrar os compromissos a que estava obrigado. Ao contrário de muitos outros países, soubemos encontrar o ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento para que deve contribuir a cooperação e a manutenção de valores e a autonomia total e plena dos países recém-formados.
Descobrimos novas regras e começamos a construir um novo tipo de relações económicas com os países que foram nossas ex-colónias. Definimos o âmbito das regras de mútuo relacionamento, sem esquecermos, de parte a parte, as heranças sociais e culturais. Encontrámos na liberdade a razão para sabermos esperar por um período mais ou menos longo para a efectiva integração e identidade de cada um desses novos países.
Ao estabelecer as suas relações com aqueles países, na base da reciprocidade e do respeito mútuo, Portugal tem conseguido ser o interlocutor válido e desejado, imprescindível até, assumindo-se muitas vezes como porta-voz dos países africanos de língua oficial portuguesa na defesa dos seus interesses noutras instâncias internacionais.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo Português tem sabido manter, para além das circunstâncias, um permanente cumprir dos princípios que elegeu como basilares da sua actuação no campo da cooperação, sem prejudicar os interesses de Portugal, mas entendendo sempre que a lógica da mera rentabilidade deve ceder, se isso for necessário, à lógica dos interesses do Estado, sempre na ânsia de construir, modelar, concretizar uma vertente fundamental de estratégia nacional, ultrapassando a barreira do imediatismo fácil e permanentemente insaciável, permitindo que os frutos de um processo tão complicado como o da cooperação apareçam bem mais cedo, contrariamente a outros que, noutros tempos e noutras paragens, não conseguiram, com muitos mais meios que Portugal. Um caminho onde se tomou necessário separar questões antigas de objectivos futuros, bem definidos e conscientemente escolhidos. Uma questão onde o Governo tem provado que o interesse nacional está acima deste ou daquele partido.
Como já aqui foi dito peto meu colega de bancada Pedro Roseta, a cooperação é, antes de mais. para o Governo e para a maioria, como o deve ser para Portugal, um imperativo ético de solidariedade, uma maneira de assumir realisticamente a interdepência na ajuda e na prossecução dos interesses próprios e autónomos de cada uma das panes envolvidas. O ultrapassar de todas as questões controversas tem sido conseguido por todos compreenderem que nada se faz por interesses apriorísticos ou imediatistas. antes resultando da conjugação de esforços do Governo Português e dos governos de cada um dos países africanos de língua oficial portuguesa.
Quer no quadro bilateral - através dos programas bianuais - quer no quadro multilateral, Portugal tem sabido honrar o seu destino e construir as bases do seu futuro. Saliente-se, no quadro bilateral, a recente assinatura do 4.º Acordo de Lomé. bem como a referência que aí se faz, ao respeito pela dignidade humana, como condição primeira e fundamento essencial da cooperação.
Portugal, durante a vigência daquele acordo, contribuirá com 96,140 mecus, correspondentes a menos de 1 % do orçamento do Fundo Europeu para o Desenvolvimento. O XI Governo provou quanto é essencial fazer coincidir o verbo com a prática, também aqui, no campo da cooperação, deixando cair no esquecimento os tempos em que o discurso radical e ideologicamente marcado pretendia fazer acreditar na capacidade voluntarista de modificar as relações entre Portugal e cada um desses países, clamando-se, então, tão-somente, pela boa vontade de parte a parte, nem sempre existente.
Muitos exigirão que, para além dos actos, se possa contar com mais recursos. Todos gostaríamos de ver cumprido esse desejo. Mas não deveremos esquecer que aqueles que hoje pugnam por esse objectivo são exactamente os mesmos que, quando desempenharam idênticas funções, não provaram ser tão eficientes no gerir dos fundos públicos, se atentarmos nos resultados apresentados. Isto é, geriram, com menos eficiência, verbas proporcionalmente idênticas, sem nunca conseguirem destrinçar objectivos claros, definir políticas precisas, construir uma relação duradoura.
O Governo tem vindo a fazer um esforço na orçamentação das despesas para a cooperação. E citemos alguns números, como prova evidente do que atrás foi dito: em 1989, o montante despendido com a cooperação foi de cerca de 113 milhões de contos, sendo de 19,6 milhões de contos a verba orçamentada para 1991, podendo mesmo ser muito superior, se contabilizada pelas regras do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE.
Portugal é hoje o sétimo país na utilização dos recursos do Fundo Europeu para o Desenvolvimento, com 6,6 % do total das verbas atribuídas à rubrica «Obras, fornecimentos e serviços». Estamos, assim, à frente da Espanha - 8.º lugar, com 3.2 % das verbas do FED, e da Dinamarca, 9.º lugar, com 1,9 % das mesmas verbas -, chegando mesmo à 5.º posição no âmbito dos apoios comunitários, no que se refere ao sector de fornecimentos. O arranjo monetário com a Guiné-Bissau, bem como a aplicação de um regime idêntico a São Tomé e Príncipe, e o aumento do saldo comercial de 11 milhões de contos, em 1986, para 55 milhões de contos, em 1990, são bem alguns exemplos do êxito conseguido pelo Governo nesta área.
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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os quadros técnicos, os arquivos e todo o conhecimento acumulado que Portugal tem de África, bem como as relações históricas que aí mantivemos, poderão servir de grande apoio no atingir das balizas definidas pelo Governo para a cooperação para o desenvolvimento. O aproveitamento intensivo do factor humano e do acervo documental e bibliográfico nacional, na busca dos caminhos do entendimento com esses novos países de expressão oficial portuguesa, faz ressaltar a prioridade das prioridades da política de cooperação: a língua portuguesa.
Eleita, como tal, pelo governo do Prof. Cavaco Silva, a língua portuguesa tem um efeito multiplicador, susceptível de, por si só, ser considerada como o vector principal da cooperação para o desenvolvimento. A língua portuguesa sedimenta a nossa cooperação, tomando-a insubstituível. Assumamos também esse factor de unidade, de entendimento, de compreensão, de preferência, como o Governo o tem feito. A língua e a complementaridade cultural deverão servir de factor de associação dos países que, a partir de 1974, escolheram a via da independência, quando todos nós em Portugal recuperámos a liberdade.
Fundamental, também, deverá ser essa mesma complementaridade cultural para efeitos de associação, coexistindo com critérios de continuidade geográfica, os únicos vigentes nos acordos das Comunidades Europeias com os países ACP, aquando da nossa adesão.
Portugal deverá ter, ainda, uma posição privilegiada e um papel deveras importantes no afastar das ideias de afro-pessimismo que, face ao agravamento de alguns indicadores em certos países africanos, começaram a ter os seus defensores, porque deveremos saber aproveitar as capacidades de quem está disposto a partilhar um saber, de quem quer continuar a fazer viver uma experiência de séculos.
Uma palavra de elogio ao Governo, devida pela criação em Portugal do Centro para o Estudo das Questões de Interdependência e dos Problemas da Relação Norte/Sul, comummente designado por Centro para o Diálogo Norte/Sul. Um êxito do Governo de Portugal, que todos reconheceremos, pela importância de que se reveste, pelo que de importante nele pode ser feito, pelo desafio aliciante que envolve, pelo trabalho que exige, pelas clivagens, quase intermináveis, dos países em confronto, pela imprecisão dos contornos do diálogo que haverá que desenvolver, pela demonstração da força da diferença entre países industrializados e do Terceiro Mundo, que urge encurtar.
Não se julgue, contudo, como outros anteriormente pensaram ser possível, que as simpatias ideológicas e as pretensas solidariedades políticas poderão resolver eventuais atritos no âmbito da cooperação para o desenvolvimento.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo tem sabido criar as condições para cumprir o grande desígnio nacional de incentivar a cooperação com os países africanos de língua oficial portuguesa. Como aqui referiu o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Portugal fê-lo sem cuidar das opções ideológicas, porque de relações de Estado se tratam, permitindo, desse modo, deixar a outros, nomeadamente aos partidos políticos mais vocacionados para o efeito, o combate e a luta por ideias e convicções. O recente acordo sobre Angola aí está para o demonstrar!
E aproveito para, por esse facto, felicitar o Sr. Primeiro-Ministro e o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, aqui presente, pelo desiderato conseguido, pelo esforço posto na tentativa de atingir um objectivo, pela
tenacidade demonstrada no cumprimento de um desígnio, pela capacidade evidenciada na mediação, com êxito, de um caso que dividia o mundo, que apaixonava a opinião pública e que a história há-de reconhecer como uma das grandes vitórias da nossa diplomacia.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A cooperação permitiu um alto nível de entendimento político, plataforma subjacente ao ambiente gerador de confiança imprescindível para a consecução do objectivo pretendido. E estarei tanto mais à vontade para o afirmar quanto é publicamente conhecida a grande admiração e simpatia que tenho pela luta que a UNITA manteve e mantém pela democracia em Angola. A relação pessoal é sempre importante. E muito mais se toma quando não inquinada de preconceitos ideológicos. Foi isso que o Governo fez.
Por tudo isto, a cooperação para o desenvolvimento deve assumir foros de consensualidade na cena política portuguesa, pela certeza dos princípios observados, apesar de se querer fazer sempre mais, mas com a convicção de que se fez o máximo, com os meios postos à disposição do Governo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Compete-nos a nós, como geração, dar razão à razão de sermos portugueses. Sentindo, de novo, o que significa ser português, ultrapassámos, com êxito, a hipótese de nada deixarmos em África senão mal-entendidos.
O Governo garantiu a manutenção de uma presença que, hoje, é forte, sólida e fundamentada junto dos nossos parceiros da cooperação, porque agiu com princípios claros, sem vaguear ao sabor das circunstâncias, porque soube fazer da cooperação para o desenvolvimento um grande vector estratégico político de Portugal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Começo por me congratular com esta interpelação, não pela sua oportunidade, aliás, a vivacidade do debate que aqui está a ocorrer prova que, de facto, foi uma interpelação muito oportuna. Embora eu considere que a política de cooperação deve ser uma prioridade, penso que outras áreas há em que mais se justificava interpelar o Governo, mas a minha satisfação decorre de esta interpelação ter sido pretexto para se falar da língua portuguesa. Penso, por isso, que se justificava uma interpelação sobre a política da língua, política que este governo ainda não articulou.
O Sr. Rui Ávila (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Como Portugal não tem uma política da língua, de âmbito nacional e internacional, contenta-se com medidas avulsas de êxito duvidoso, seja para África, seja para o resto do mundo.
A política de divulgação, promoção e defesa do idioma é objectivo fundamental da política externa dos países europeus mais desenvolvidos, detentores de línguas de projecção internacional.
A política linguística da França - iniciada sob a presidência do general De Gaulle e que, até hoje, não parou
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de se desenvolver e aprofundar-é um caso paradigmático. A França tem. a nível governamental, vários organismos que se ocupam da estratégia de defesa e promoção do francês, interna e externamente: o Alto Comité da Língua Francesa, o Alto Conselho da Francofonia, o Comissariado Geral da Língua Francesa, o Comité Consultivo da Língua Francesa.
A rede de mais de 1500 Alliances, espalhadas por cerca de 100 países, é completada pelos muitos centros culturais, de inegável eficácia e cuja acção não se circunscreve ao espaço francófono. Na lusófona Guiné-Bissau, rodeada pelos francófonos Senegal e Guiné-Conacri, a França instalou, modernizou e equipou um verdadeiro centro cultural, com oferta de leitura variada e rica - jornais, revistas, livros clássicos e contemporâneos, para jovens e menos jovens - e dotado de equipamentos áudio e vídeo e outras sofisticações inusitadas nos poucos e obsoletos centros culturais portugueses, que nem sequer cobrem todo o espaço lusófono.
A ideia de estarmos a ser fautores e agentes de uma expressiva cooperação cultural com os países africanos de língua oficial portuguesa, inculcada no imaginário sócio-cultural por um discurso populista, nem chega a sossegar a má consciência colectiva.
Tendo em conta a privilegiada posição estratégica de Portugal e o seu secular e histórico papel em África, é preciso que Portugal faça mais e melhor pela língua portuguesa no domínio da cooperação. Não bastam os anúncios públicos, nem os discursos inflamados de apoio. Ë preciso agir rápida e eficientemente. É preciso um plano integrado de apoio à dinamização cultural e a divulgação da língua portuguesa nos cinco novos países africanos.
A política da língua deve ser encarada como área prioritária da política externa com os países africanos irmãos.
Cooperar implica desenvolver a rede de institutos e centros culturais, adequadamente apetrechados com bibliotecas e videotecas e com material de suporte para emissões de rádio em português.
Cooperar significa apoiar a realização de cursos de reciclagem e formação em língua portuguesa e promover actividades culturais diversificadas: feiras do livro, exposições e outras realizações em regime de itinerância.
Cooperar é conceder bolsas de estudo a cidadãos dos países lusófonos, quer para a concretização de projectos de investigação, quer para frequência de cursos de língua e cultura, quer ainda para a conclusão de licenciaturas.
Cooperar é incentivar a realização de exposições, congressos, festivais, concertos, ele., em regime de trocas culturais, mediante protocolos a definir.
Cooperar é viabilizar a concretização de obras de grande vulto: enciclopédias, dicionários, prontuários e reedição dos clássicos.
Cooperar é aprovar legislação que conceda tarifas especiais e isenções aduaneiras para a expedição de livros de autores portugueses.
Cooperar é plubicitar pelos meios adequados toda a produção editorial em língua portuguesa: traduções, reedições, novos autores, revistas, jornais, ele.
Cooperar é preciso.
Cooperar com os outros países lusófonos na uniformização da terminologia técnica e científica e na investigação linguística.
Cooperar é unir e não separar.
E «Deus quis que a Terra fosse toda uma». «Que o mar unisse, já não separasse», como reconhece Fernando Pessoa.
Aplausos do PS e do deputado do PRD Hermínio Marinho.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.
O Sr. Ministro da Saúde (Arlindo de Carvalho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Eu penso que nós, lusófonos, temos uma missão; não somos nem melhores nem piores que os outros, mas o mundo poderá receber algo que só nós podemos dar».
Desta forma simples, mas portadora de profundo significado e de raro alcance, se pronunciava há dias, em Lisboa, o cardeal D. Alexandre do Nascimento, arcebispo de Luanda.
Não são certamente muitos os momentos em que uma expressão tão singela e linear, expressa, de modo tão tocante, uma ideia tão nobre, uma mensagem tão mobilizadora, um ideal tão carregado de verdade e de sentido de oportunidade.
É justamente esta ideia, explícita para uns, subliminar para outros, mas presente no espírito de todos, que nos impele e anima a desenvolver uma política responsável que visa a afirmação de Portugal no mundo, a valorização da matriz universalista da Nação Portuguesa e a doação de um contributo sério para o futuro da humanidade.
Daí a importância que o País atribui e a atenção que o Governo tem dispensado à prossecução de uma adequada, correcta e descomplexada política de cooperação, e muito em especial com os países africanos de língua oficial portuguesa.
Trata-se de acentuar e desenvolver a nossa indestrutível vocação universal, cimentando os laços históricos seculares que nos ligam a África, aprofundando e reforçando as marcas culturais que p passado traçou de forma indelével, privilegiando a valorização da nossa língua e dos nossos valores, afirmando e enaltecendo, em suma. a nossa própria identidade como Estado-nação dos mais antigos da Europa e do mundo.
Ao contrário de um passado ido muito distante, deixámos a retórica e decidimos passar à acção, abandonámos a ideia do exibicionismo político para privilegiarmos a discrição, a actuação no concreto, a contribuição palpável, segura e multiplicadora.
É uma política coordenada e harmonizada, mas que, descentralizada e disseminada, envolve todos os sectores e as diversas áreas da governação.
A área da saúde não é, por isso mesmo, excepção.
De resto, importa sublinhá-lo, há um denominador comum e um importante traço de união entre uma correcta política de saúde e uma adequada política de cooperação - esse traço comum radica-se, aliás, na ideia e na noção de solidariedade. Solidariedade para com as outras pessoas, as outras regiões, os outros países, os outros povos.
A Lei de Bases da Saúde, de Agosto do ano findo, afirma expressamente que sé estimulada a cooperação com outros países, em particular com os países africanos de língua oficial portuguesa».
Neste contexto, é natural a dimensão crescente que, sobretudo nos últimos três anos, a cooperação portuguesa tem vindo a assumir na área da saúde, registando-se uma cada vez maior afectação e canalização de meios humanos,
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materiais e financeiros, compatíveis com as possibilidades do País.
Portugal tem com todos os PALOP acordos, protocolos e programas que suportam a cooperação nesse domínio e que procuram orientar as suas linhas de desenvolvimento, aproximando necessidades a capacidades.
Apontam-se, como acções de cooperação mais frequentes: o tratamento de doentes em estabelecimentos oficiais portugueses; a formação profissional, através de cursos regulares, estágios ou seminários; a assistência técnica com o envio de missões técnicas para assessoria, aconselhamento e acompanhamento; intercâmbio documental; fornecimento de equipamento e medicamentos.
Só no ano passado, e nos primeiros quatro meses deste ano, foram internados nos hospitais portugueses mais de 1250 doentes provenientes daqueles países, a que correspondeu um encargo superior a 170 000 contos.
Na área da formação, os estágios em cursos regulares, efectuados desde 1989, foram frequentados, até ao presente, por centena e meia de bolseiros.
A despesa feita com o envio de missões técnicas e remessas de medicamentos, nos anos de 1989 e 1990, ascendeu a mais de 75 000 contos. Essas missões foram, nestes dois últimos anos, em número superior a meia centena. Só no 1.º trimestre deste ano, o seu número eleva-se já a três dezenas.
Fornecemos documentos técnicos produzidos no nosso país, bem como traduções de publicações técnicas, designadamente provenientes da Organização Mundial de Saúde.
Temos projectos de vulto, nomeadamente, com São Tomé e Príncipe e Angola.
Em São Tomé e Príncipe, foram recuperadas as instalações do Hospital Dr. Agostinho Neto, na antiga Roça Rio de Ouro.
Realizadas as obras, que importaram em 60 000 contos e que foram financiadas pelo Governo Português, ficou aquele estabelecimento a dispor de um serviço de medicina, com 40 camas, e um de pediatria, com 20 camas, equipamento de radiologia e laboratório de análises clínicas.
A gestão deste hospital, inicialmente da responsabilidade do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, passou a ficar a cargo dos Hospitais da Universidade de Coimbra, desde 1 de Janeiro de 1991, num regime de afiliação que a toma mais flexível e operacional.
O apoio técnico, bem como o recrutamento do pessoal necessário, é da responsabilidade dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC).
Foram disponibilizados, para integrar o quadro daquele hospital, um administrador hospitalar, médicos, enfermeiros e técnicos de diagnóstico e terapêutica, num total de 18 cooperantes, 14 dos quais já ali se encontram. Brevemente, seguirão para São Tomé e Príncipe mais dois médicos e um engenheiro de equipamentos.
Todo o equipamento, medicamentos, reagentes, material cirúrgico e outro é fornecido pelos Hospitais da Universidade de Coimbra. Este modelo de gestão vai, a pedido do Governo São-Tomense, ser alargado ao Hospital Central de Aires de Menezes.
O bloco operatório deste hospital está a ser recuperado, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, com a qual estão a ser estabelecidos contactos para uma interligação das acções que esta ali leva a efeito e com as que o Governo Português promove.
No próximo dia 14, reunirá, em São Tomé e Príncipe, a Comissão Mista, sabendo-se já que os pedidos de cooperação terão, como uma das prioridades, a área da saúde.
Durante os anos de 1989 e 1990 e o 1.º trimestre do ano corrente, o Ministério da Saúde de Portugal assegurou a deslocação a São Tomé e Príncipe de 10 missões técnicas, constituídas por dois a cinco elementos, e que incidiram nas áreas de otorrinolaringologia e de manutenção de equipamentos, estando em estudo a possibilidade de satisfazer pedidos na área de radiologia.
Um outro aspecto da cooperação com este país diz respeito ao acolhimento de doentes para serem assistidos em Portugal. O maior contingente tem sido o proveniente de São Tomé e Príncipe: 439, em 1990, e 122, nos primeiros quatro meses de 1991.
A cooperação com São Tomé e Príncipe tem, pois, vindo a ser reforçada, quer qualitativa quer quantitativamente, e temos a certeza de que a nossa acção está a contribuir, decisivamente, para a alteração do panorama sanitário daquele país.
A Guiné-Bissau é outro país onde a cooperação, no sector da saúde, se tem vindo a alargar de ano para ano, com inegáveis sinais de sucesso.
Enquanto, na cooperação com São Tomé e Príncipe, tem grande importância a recuperação de instalações e o fornecimento de equipamentos, as solicitações da Guiné têm incidido, sobretudo, no envio de missões técnicas. Os pedidos têm sido satisfeitos através de missões das áreas de ortopedia, cirurgia geral, otorrinolaringologia, cirurgia vascular e, ainda, de manutenção de equipamentos, e a existência de duas residências adquiridas, recuperadas e equipadas permite uma maior facilidade na instalação das equipas que ali se deslocam.
Estamos a colaborar na própria definição do sistema de saúde da Guiné-Bissau.
O Ministério da Saúde guineense reconheceu de grande interesse o apoio que lhe está a ser dado na elaboração da legislação das carreiras e na preparação da futura lei de bases da saúde daquele país.
A Guiné-Bissau, numa demonstração de visão de futuro, vai abrir o sector da saúde à iniciativa privada, para o que conta também com a contribuição de técnicos portugueses.
Conjuntamente com a Direcção-Geral da Cooperação e a Fundação Calouste Gulbenkian, iremos participar, muito brevemente, na construção de uma enfermaria do Centro de Medicina Tropical.
Fez-se também já um estudo técnico, em colaboração com o LNETI, para avaliação do estado do edifício do Hospital 3 de Agosto, que se pretende recuperar.
Encontram-se presentemente em Portugal cinco médicos, no âmbito das acções de cooperação com a Guiné, a frequentar os internatos da especialidade e vários enfermeiros a estagiar em hospitais portugueses.
Mas se a cooperação com a Guiné-Bissau está assente já em bases sólidas, também a cooperação com Cabo Verde tem vindo a desenvolver-se de forma progressiva e constante.
Assim, nos anos de 1989 e 1990, foram enviadas a Cabo Verde várias equipas de manutenção de equipamentos, de radiologia e de imunoalergologia. Outras equipas colaboraram na elaboração de diplomas, regulando as carreiras médicas e de enfermagem, e no apoio à criação da Direcção-Geral das Farmácias.
Os técnicos portugueses estão, tal como na Guiné, a colaborar na definição do próprio sistema de saúde.
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A pedido do Governo de Cabo Verde, têm sido facultados estágios a médicos, enfermeiros e técnicos auxiliares de diagnóstico.
O Ministro da Saúde, recentemente empossado, já manifestou a vontade de continuar as acções que tom vindo a ser desenvolvidas, pelo que prosseguirão as missões da área médica e de formação de formadores.
Em Angola e Moçambique, por sua vez. a cooperação tem sido mais reduzida, resumindo-se a soluções pontuais, por razões que nos são alheias, mas que todos conhecemos.
Esperamos que os avanços alcançados no processo de paz em Angola e os desejos de sucesso no caso moçambicano nos possam permitir encarar o futuro próximo de forma mais empenhada e profícua.
De qualquer forma, há uma grande vontade dos governos daqueles países em estreitar os laços de cooperação com Portugal.
No passado mês de Abril, reuniu-se em Lisboa a Comissão Mista Luso-Angolana, tendo, na ocasião, as autoridades angolanas manifestado a vontade de implementar a cooperação no sector da saúde.
Em Angola, o projecto mais importante neste sector é, sem dúvida, o do Hospital Américo Boavida. Portugal vai ser responsável pelo programa de assistência técnica, que vai arrancar em Julho ou Agosto deste ano, e que implica uma comparticipação do nosso país de 180 000 contos, que acrescerá às contribuições da Itália e da CEE, co-responsáveis pelo financiamento.
Também aquando da reunião em Lisboa, em Dezembro passado, da Comissão Mista Luso-Moçambicana, as autoridades de Moçambique manifestaram o desejo de, logo que resolvida a situação interna, se desenvolverem as acções de cooperação, dando prioridade às equipas de manutenção de equipamentos e à formação de formadores.
Com o apoio do Fundo das Nações Unidas para as Actividades de População (FNUAP), está em execução, para o conjunto dos cinco países, um programa de formação de formadores em saúde materno-infantil/planeamento familiar, que terá a duração de três anos. Precisamente no dia 20 deste mês, tem início o 2.8 curso, que se prolonga até ao final da 1.º semana de Julho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Posso afirmar que estamos a cumprir integralmente os acordos que subscrevemos com os PALOP. Mas a cooperação bilateral está longe de se esgotar nas acções desenvolvidas pelo Estado Português neste domínio e na área da saúde.
Organizações internacionais e nacionais estão também a cooperar, são organizações não governamentais (ONG), que têm manifestado o seu interesse em co-participar nas acções de cooperação.
Para além das acções em que o Ministério da Saúde assume a responsabilidade directa, há ainda que considerar as transferências efectuadas do orçamento do Serviço Nacional de Saúde, transferências efectuadas para a AMI (Assistência Médica Internacional), que foram, em 1988. do montante de cerca de 8000 contos e que se situam, hoje, em 32 500 contos, a que acresce a garantia do pagamento do vencimento para os seus profissionais, durante a participação nas referidas missões. Este apoio directo respeita, no entanto, a independência e autonomia da entidade privada, livre de se autodeterminar em ordem à escolha da melhor forma de prosseguir os seus fins estatutários.
Não podemos, porém, deixar de reconhecer, sublinhar e enaltecer o valioso trabalho e a contribuição inegavelmente positiva que a AMI tem dispensado, também, à cooperação médica com a África que fala o português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No corrente ano, para além da manutenção das acções em curso, espera-se dar um forte impulso à cooperação com Angola, através, como disse, do lançamento do processo de recuperação do Hospital Américo Boavida, projecto em que Portugal tem um papel preponderante, quer no domínio do financiamento quer no aspecto da formação, organização e acompanhamento.
A cooperação com São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau irá sofrer também um forte incremento, prevendo-se no primeiro caso a colocação em pleno funcionamento do Hospital Agostinho Neto, que constitui, naquele país, uma importante unidade de cuidados de saúde, e o início de recuperação do Hospital Aires de Menezes.
Na Guiné-Bissau intensificar-se-á o envio de missões técnicas, de acções de formação e de apoio em medicamentos. Promover-se-ão os estudos técnicos e financeiros, com vista à possível recuperação do Hospital 3 de Agosto.
Por seu lado, o Ministro da Saúde de Cabo Verde, em recente visita a Portugal, teve oportunidade de me manifestar o agradecimento por tudo o que tem vindo a ser feito pelo Governo Português e de, rapidamente, me apresentar um plano das prioridades do novo governo de Cabo Verde, por forma a reequacionar as áreas prioritárias da cooperação.
Conhecendo-se o empenhamento das organizações internacionais no domínio de cuidados de saúde primários e sabendo-se da sua capacidade de intervenção, irá o Governo Português intensificar o seu esforço de cooperação, por forma a ajudar a promover a criação de condições que evitem o recurso à evacuação de doentes em números excessivamente elevados.
Empenhada está, também, a cooperação portuguesa em colaborar na definição da legislação de saúde a adoptar pelos diversos países, não se tendo poupado a esforços no envio de missões especializadas, sempre que solicitada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A cooperação portuguesa no domínio da saúde, para além de ser uma prática constante, é, acima de tudo, uma atitude assente em laços de solidariedade internacional, mais sólidos pelo relacionamento directo entre Estados em que se baseia e, portanto, mais interessada, mais cordial, mais oportuna e profícua.
Estamos, por isso mesmo, satisfeitos e insatisfeitos.
Satisfeitos, pelos resultados já alcançados e pelas perspectivas que foram criadas. Insatisfeitos, porque estamos conscientes de que é possível fazer mais, que é desejável fazer melhor e, sobretudo, que vamos ser capazes de ir ainda mais longe. E fazemo-lo sem qualquer intenção de auto-elogio - que rejeitamos - e sem qualquer preocupação de auto-suficiência - que não cultivamos -, tal como o fazemos sem qualquer preocupação obsessivamente quantitativa, tecnocrática ou orçamental.
É que temos a plena consciência de que a dimensão qualitativa e o factor humano têm, neste domínio, particular importância, valor e significado.
Com a nossa contribuição empenhada e o nosso apoio decidido, fomentaremos e ajudaremos certamente a desenvolver a eficácia dos direitos humanos da terceira geração - os direitos fundados na noção de solidariedade entre os homens e entre os povos, porque, para nós, a solidariedade não conhece barreiras nem fronteiras. Ela é um imperativo universal, ético e de cidadania, um objectivo inalienável de uma sociedade moderna e responsável, um
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contributo indiscutível para com os mais desfavorecidos e carenciados, uma colaboração que se não enjeita nem recusa no processo acelerado, visando uma nova ordem internacional, com mais harmonia, maior entendimento entre os povos, mais fraterna e solidária.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - O tempo gasto a mais pelo Governo é descontado no do PSD. Portanto, o PSD fica com dois minutos e o Governo ficará sem tempo, o que dificulta a resposta ao Sr. Deputado João Rui de Almeida, que quer pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Saúde.
Tem a palavra, Sr. Deputado João Rui de Almeida.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, considero o discurso do Sr. Ministro da Saúde de tal maneira grave que faço um apelo àqueles que acompanharam a missão da Assembleia da República a São Tomé e Príncipe no sentido de fazerem o favor de se pronunciarem sobre a intervenção que acabámos de ouvir.
No início deste ano, tomei conhecimento directo com a realidade ao nível do sector da saúde em São Tomé e Príncipe. Trata-se de uma situação dramática pelas carências e pela notória falta de apoio do Governo às entidades e ao serviço de saúde, que chega, mesmo, a não cumprir os compromissos assumidos, nomeadamente com o Hospital Agostinho Neto.
Protestos do PSD.
Em São Tomé e Príncipe, a maioria das iniciativas de cooperação na área da saúde não fazem parte das preocupações do nosso governo, ao contrário da Itália, da China e de alguns países da América Latina que têm, neste momento, assegurado um determinado sistema de cooperação.
Gostava de fazer a seguinte pergunta: sabe o Sr. Ministro, já que falou tanto no Hospital Agostinho Neto, quantos médicos, enfermeiros e técnicos de radiologia tem?
Aproveito também para lhe perguntar se já terminou o conflito existente com o grupo profissional que exercia a sua actividade no referido hospital e se estão resolvidas as questões das carências quanto ao apetrechamento de material de radiologia.
O Sr. Presidente:- Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.
O Sr. Ministro da Saúde: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Como tiveram oportunidade de verificar, o Sr. Deputado João Rui de Almeida não esteve este ano em São Tomé e Príncipe, mas, sim, no ano passado, e do ano passado para este muitas coisas se alteraram no domínio da cooperação com esse país.
Sr. Deputado, referi no meu discurso que, só pela parte portuguesa, estão 14 médicos e enfermeiros no referido hospital e que, daqui a dois ou três meses, irão estar os que fazem parte do quadro, ou seja, 18.
O Sr. Deputado esteve em São Tomé e Príncipe no ano passado e não neste e eu referi que houve uma alteração qualitativa ao nível da gestão do próprio hospital, porque foi transferida do Ministério da Educação, ou seja, de uma área onde não se localizava correctamente, para o Ministério da Saúde, tendo-se procedido à afiliação com os Hospitais da Universidade de Coimbra.
Por isso mesmo, se o Sr. Deputado visitar agora São Tomé e Príncipe, terá oportunidade de ver um cenário bem diferente daquele que, certamente, viu há um ano atrás.
Aplausos do PSD.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra e consideração.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - O Sr. Ministro da Saúde disse que eu não tinha estado este ano em São Tomé e Príncipe.
Sr. Ministro, em Fevereiro de 1991, estive em São Tomé com uma equipa...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -... e peço o favor, aos elementos que lá estiveram, de se pronunciarem sobre esta matéria. Em Fevereiro de 1991, no Hospital Agostinho Neto, havia um médico em serviço durante 24 horas seguidas, uma enfermeira e um técnico de laboratório, que trabalhavam em condições perfeitamente desumanas e com vencimentos em atraso - situação que se arrasta há vários anos.
Se é a isto que se chama cooperação da parte do Governo Português, parece-me, Sr. Ministro, que é uma ideia completamente errada e que se está a «atirar areia para os olhos» das pessoas ao falar, nestes termos, em cooperação.
Mais uma vez, peço o favor aos colegas que me acompanharam à ilha do Príncipe que relatem as condições perfeitamente desumanas em que trabalham os médicos do Hospital do Príncipe, se é que assim se lhe pode chamar. , Em Fevereiro, havia só um médico no Hospital Agostinho Neto e este governo tem de ser julgado não por aquilo que vai fazer mas por aquilo que fez durante todos estes anos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.
O Sr. Ministro da Saúde: - Certamente que o Sr. Deputado está equivocado, porque Portugal não é responsável pela política de saúde de São Tomé e Príncipe. Portugal é um país que coopera com São Tomé e Príncipe!
Aplausos do PSD.
O Sr. Deputado está, com certeza, enganado e servido por alguns princípios ou pressupostos que não se enquadram na política que o Governo tem vindo a defender.
Devo dizer-lhe que, se estava um médico, temos de elogiar o esforço desse médico; se estava um enfermeiro, temos de elogiar o esforço desse enfermeiro. Neste momento, estão 14 médicos e enfermeiros e, daqui a dois ou três meses, estarão 18, pois integram o quadro daquele hospital.
Aplausos do PSD.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - E no ano 2000 mais vão estar!
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva, que dispõe de cerca de três minutos cedidos pelo CDS.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar agradeço ao Sr. Deputado Adriano Moreira o tempo que me cedeu.
Antes de iniciar a minha intervenção, cumpre-me, se o Sr. Presidente mo permitir, referir que, de facto, estive em São Tomé e Príncipe, em Fevereiro deste ano, acompanhado com o Sr. Deputado João Rui de Almeida e que essa visita não teve nada - vezes nada - a ver com uma apreciação do que se passava no território. Apenas nos deslocámos a São Tomé e Príncipe como observadores internacionais, a convite do Governo deste país, por ocasião das eleições legislativas.
Do resultado dessa visita, existe um relatório, que não só não rejeitamos como o reiteramos, elaborado, subscrito e assinado por todos nós e que é, com certeza, do conhecimento de todos os membros do Governo.
Vou iniciar a minha intervenção fazendo a seguinte citação: «Pedimos a Deus que nos ajude a todos - os do exterior e os outros, como nós, em Timor Leste - a oferecer as nossas vidas, para ganharmos o nosso direito.»
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este é o primeiro parágrafo de uma recente carta que um cidadão timorense enviou a um seu familiar em Lisboa. É este o sentimento que o povo timorense exprime, tal é a sua angústia, quando se vêem amordaçados na sua voz, amarrados nos seus movimentos, impedidos nos seus direitos.
Hoje, aqui, nesta Câmara, falar de cooperação é obrigatoriamente recordar Timor, é falar de uma cooperação desejada que não se verificou, provocando um inedetismo ímpar nos tempos modernos que a comunidade internacional tardou, finalmente, a condenar.
No que se refere ao direito internacional, a cooperação exigida para Timor Leste é uma obrigação de toda a humanidade e, na cooperação imediata, Portugal tem responsabilidades acrescidas, dado que é reconhecido como potência administrante desse território.
No quadro internacional, a acção recente tem vindo a sofrer uma franca evolução, que nos apraz registar e que, já por várias vezes, foi saudada em diversas instâncias. Intensificaram-se as iniciativas, a abordagem diplomática conheceu nova força e, hoje, é indesmentível que a ocupação do território de Timor Leste pelas tropas indonésias não é mais um assunto desconhecido da comunidade internacional.
Desde o Parlamento Europeu às Nações Unidas, desde o Comité de Descolonização ao Conselho da Europa, Timor é, hoje, objecto de negociações, propostas, moções e protestos que espelham o repúdio da comunidade perante tal violação da Carta das Nações Unidas.
No entanto, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, a cooperação com este povo não se satisfaz só com agressividade diplomática que conduza - e todos assim desejamos - a uma célere resolução de tão dramática e insólita situação.
Ao povo timorense, Portugal deve e tem uma obrigação constitucional de acompanhar todos os desenvolvimentos que conduzam a uma pacificação do território e à sua autodeterminação. Mas esta autodeterminação, a realizar-se como o direito internacional obriga, trará novas perspectivas de futuro que deveriam, desde já, vir a ser prevenidas e potencialmente elaboradas.
Para tal - e em nosso entendimento -, a formação de quadros timorenses é condição sine qua non para um futuro autónomo do território gerido pelos próprios timorenses, onde as suas raízes históricas e culturais sejam o baluarte de um desenvolvimento desejável. E qual é a actual situação desses jovens que residem no nosso país?
As bolsas de estudo que hoje lhes são atribuídas são o resultado de um protocolo de cooperação entre a Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundação Austronésia Borja da Costa. São hoje 45, um número que se desejaria substancialmente aumentado face às graves carências de jovens licenciados com que a comunidade timorense se confronta- uma meia dúzia, se existe.
Simultaneamente, o acesso às faculdades por parte destes jovens deveria, em nosso entender, ser objecto de uma apreciação particular porque não faz sentido fazerem-se esforços para conseguir a autonomia de um povo e, simultaneamente, não se criarem as condições paralelas que concretizem, na prática, um verdadeiro projecto autonômico.
Há, nesta Assembleia, um projecto de lei do Partido Socialista que poderia viabilizar esta prática e ninguém, de boa fé, poderia ou, diríamos mesmo, deveria acusar, de má fé, esta Câmara, se institucionalizássemos a preparação de futuros quadros timorenses de uma forma mais célere. Caso contrário, estaremos a dar com uma mão e a tirar com a outra.
Faço um apelo aos Srs. Deputados que integram a respectiva comissão que se consciencializem deste problema. A aprovação deste projecto de lei só nos dignificaria a nós, deputados, e ao País, enquanto representantes do povo que nos elegeu e defensores de direitos dos quais, hoje, somos os primeiros responsáveis.
Hoje, Portugal privilegia -e bem- as boas relações com os países africanos de língua oficial portuguesa e os diversos organismos que se dedicam à cooperação com estes países incentivam e criam condições de intercâmbio a diversos níveis que têm obtido óptimos resultados com amplas vantagens para ambos os lados, prevenindo um futuro de cooperação saudável e necessário.
Nesta fase em que a diplomacia portuguesa investe fortemente na denúncia das violações perpetradas no território de Timor Leste, aos representantes do povo de Timor não têm sido dadas as condições mínimas de intercâmbio recíproco que prevejam e preparem uma hipótese de futura e potencial cooperação e, cada dia que passa, é um dia que se está a perder.
Estamos convictos de que, hoje, no exterior, tal como no interior do território, a luta do povo timorense é internacionalmente reconhecida. A Convergência Nacionalista e a Fundação Austronésia Borja da Costa, cada uma na sua área, têm vindo a patrocinar um exemplar serviço de apoio e dedicação à justa causa da luta do povo timorense e Portugal pode e deve apoiar com maior e melhor eficácia esses esforços.
Desejamos, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, que, com esta intervenção, a já tão saudável solidariedade institucional que hoje existe entre a Assembleia da República, Governo e o Sr. Presidente da República para com a luta do povo de Timor Leste se intensifique, que se promovam acções de formação profissional aos jovens timorenses, que se criem organismos de cooperação com os representantes de Timor dentro e fora das nossas fronteiras, que se fortaleça o apoio aos organismos que hoje lutam pela melhoria das condições do povo timorense, nomeadamente a referida Fundação
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Austronésia Boija da Costa, que, recentemente e por deliberação do Conselho de Ministros, foi considerada instituição de utilidade pública, que se facilite e dinamize a criação de quadros superiores timorenses. Em resumo, que dignifiquemos um povo que, em 400 anos de história, sempre honrou o nome de Portugal com o orgulho ímpar de também serem portugueses. Façamos todos um esforço para que tal suceda.
Aplausos do PRD, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Sousa Lara.
O Sr. António Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vou utilizar este escassíssimo tempo que resta à nossa bancada para dizer, a propósito da intervenção que o Sr. Deputado Rui Silva acaba de fazer, que, como presidente da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste, me congratulo com o facto de a sociedade civil reagir da forma que o Sr. Deputado referiu, porque esta não é uma questão dos deputados, dos políticos, nem sequer é uma questão de Portugal, mas, sim, de toda a humanidade.
Penso que nos devemos sentir «sócios» uns dos outros na defesa dos direitos do povo de Timor. Por conseguinte, como homens e como cidadãos do mundo, temos obrigação de «meter ombros a este andor», que é a questão dos direitos do povo de Timor. E ainda bem que a sociedade civil reage assim!
Aliás, apelo aqui, como académico, às universidades privadas portuguesas para que abram mão, generosamente, de bolsas de estudo, com o propósito que acaba de referir, de modo que um futuro melhor possa raiar para o massacrado povo de Timor.
Aplausos do PSD e do PRD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o debate relativo à interpelação, pelo que vamos passar à fase do encerramento.
Para a intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Por ter tido a ousadia de lançar uma «pedrada no charco», o PRD foi acusado - embora, apenas, em despropositados e ciumentos apartes - de estar a fazer o «jogo» do Governo em matéria de cooperação.
Sabia-se, de antemão, para quem estivesse de boa fé, que o Governo não precisava, neste caso, de aliados de circunstância.
Verifica-se, agora, que o único partido que aqui apresentou críticas pertinentes à actuação do Governo, bem como propostas concretas de acção, foi o partido interpelante.
Para nós, este debate foi extremamente positivo e não apenas por ser o primeiro. Ele permitiu, além do mais, verificar que a Assembleia da República não se encontrava suficientemente motivada e esclarecida para discutir os problemas da cooperação.
Por outro lado, o debate foi elucidativo quanto à inexistência de ideias claras, por parte do Governo, e quanto à política de cooperação a praticar no futuro, apesar - e talvez por causa - da paz. Sobre isso, ouvimos nada ou quase nada!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na nossa intervenção inicial, formulámos um amplo conjunto de sugestões e de propostas concretas de actuação, das quais permitimo-nos salientar as seguintes: a elaboração, e consequente dotação orçamental, de programas finalizados de actuação em sectores estratégicos da cooperação; a avaliação, rigorosa, da eficácia dos gastos realizados com a cooperação; a conveniência de articulação com o Brasil em matéria de política de cooperação, tendo em vista a defesa de uma língua, de uma história e de uma cultura em larga medida comuns; a criação de um lobby financeiro motivado para a defesa dos interesses das empresas portuguesas que laboram no domínio da cooperação; o reforço da nossa influência real nas instituições internacionais que financiam projectos nos PALOP; a motivação da juventude para reflectir os problemas africanos e para trabalhar e estar em África; a conveniência de serem revistos os critérios de designação de representantes diplomáticos para os PALOP; a necessidade de serem revistos os critérios que têm presidido quer à autorização de requisições de técnicos e cooperantes quer à concessão de benefícios fiscais às empresas que fazem cooperação; a conveniência de impedir formas de concorrência desleal entre o sector público e o sector privado em matéria de cooperação; a necessidade de fazer funcionar a Comissão Interministerial para a Cooperação, funcionando na dependência directa do Primeiro-Ministro, com mandato para gerir, no plano técnico, os assuntos da cooperação; a criação de um conselho consultivo para a cooperação, que integre, nomeadamente, os representantes das associações empresariais portuguesas e dos PALOP; a criação de um centro de documentação e informação sobre os PALOP, com as características que definimos e não com a inércia do órgão que actualmente existe; a conveniência de serem definidas formas concretas de apoio político à implementação do multipartidarismo nos PALOP, e, finalmente, a conveniência de serem estudadas novas e mais eficazes formas de cooperação com os PALOP no domínio da defesa.
Sobre tudo isto, o Governo disse quase nada e o Plenário, com honrosas excepções, nada disse!
Se, acerca da intervenção do PSD, não tivemos grandes expectativas, já o mesmo não aconteceu quanto à participação dos restantes partidos, nomeadamente do PS, que não quis valorizar a interpelação. Aliás, p PS só valoriza aquilo que polariza; é uma oposição solitária e não solidária!
Se, hoje, não lográmos configurar os parâmetros essenciais que devem balizar a política de cooperação do futuro, isso não fica a dever-se à ausência de propostas concretas por parte do partido interpelante, mas, sim, à ausência de ideias chave por parte do Governo e bem assim a um relativo desinteresse, por parle da Assembleia da República, face a uma iniciativa que deveria ter merecido maior e melhor atenção.
Fomos acusados de ter feito uma abordagem orgânica e quantitativa da cooperação, o que, aliás, é extremamente injusto, pois na nossa intervenção de fundo nem um número referimos.
Saliento, também, que não defendemos mais departamentalização da cooperação, pois o que queremos é que haja um órgão interministerial que, efectivamente, coordene, avalie e controle os resultados das acções de cooperação em que nos envolvemos.
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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Depois da interpelação continuamos preocupados! Talvez ainda mais preocupados do que estávamos. Que vamos nós fazer no futuro de paz - que já se vislumbra - em Angola e Moçambique?
Será que temos condições para afirmar, nas várias e complexas vertentes da cooperação, e já no curto prazo, as capacidades que demonstrámos como medianeiros, desejados, de conflitos?
Estaremos nós preparados para ajudar à consolidação da paz em Angola e Moçambique e à afirmação do desenvolvimento económico e social dos cinco PALOP? A paz não vai resolver tudo! Temos de ajudar a resolver muitas das questões essenciais que vão colocar-se a esses países. Será que a alternativa é continuarmos a funcionar por inércia, por indução dos acontecimentos? Esta questão não foi esclarecida, talvez por ser decisiva.
Falámos, hoje, de Timor. Fomos, de resto, os únicos a fazê-lo, lamentando que não haja seis PALOP em vez de cinco.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Nós também falámos de Timor! Não ouviu?!
O Orador: - Alertámos para as responsabilidades de Portugal no processo de libertação de Timor e dos Timorenses. Foi mais um recado que, esperamos, faça vencimento.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Fizemos o que pudemos! Com limitações, sem dúvida, mas com a consciência de ter contribuído, corajosamente, para debater um assunto tabu.
Esperamos sinceramente que, no futuro, os assuntos de cooperação sejam debatidos enquanto questão nacional e não enquanto vector, personalizado e mais ou menos clandestino, da política externa.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.
O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante esta interpelação, o Governo procurou dar um quadro tão completo quanto possível daquilo que tem vindo a ser feito em matéria de política de cooperação.
Estiveram aqui, para além do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, o Sr. Ministro da Saúde, como poderiam também ter estado ministros das mais diferentes áreas, pois, como tive ocasião de dizer, a cooperação, hoje, passa por todos os departamentos governamentais.
Assim, poderia aqui ter estado o Sr. Ministro da Defesa, pois foi este governo que lançou acções no domínio da cooperação técnico-militar, o Sr. Ministro da Educação, o Sr. Ministro das Finanças, pois, para além dos problemas da ajuda financeira, o próprio Ministério das Finanças desenvolve uma importantíssima acção de cooperação técnica e de formação profissional, o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, o Sr. Ministro da Justiça, pois estamos a intensificar as acções de cooperação no domínio da administração da justiça, sobretudo naqueles países que estão agora a consolidar um
verdadeiro Estado de direito democrático, o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação o Sr. Ministro Adjunto e da Juventude, dado que também têm vindo a ser desenvolvidas muitas acções nesta área, nomeadamente no âmbito da comunicação social e na política de juventude, o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, uma vez que as empresas públicas tuteladas por este ministério estão também presentes na cooperação técnica com os países de língua portuguesa, o Sr. Ministro do Comércio e Turismo, que tem a tutela do ICEP e também desenvolve acções de formação importantes nesta área.
De facto, hoje em dia, a cooperação, que foi assumida como prioridade deste governo, é tratada ao mais alto nível e ocupa os próprios ministros em Conselho de Ministros e os diferentes departamentos governamentais.
Ora, não consigo compreender algumas das críticas - críticas que são baseadas naquilo a que chamo um certo tropismo organicista ou burocrático - que procuram sempre fórmulas mágicas de cooperação e que menosprezam ou subestimam aquilo que devia ser efectivamente a vossa primeira preocupação, os resultados. A política tem dado resultados, esses resultados têm sido reconhecidos pelos destinatários da nossa política, e somos nós próprios que vamos subestimar esses resultados? Francamente não é correcto Srs. Deputados...
Aplausos do PSD.
Os resultados da política de cooperação estão à vista, sobretudo no modo como os países com os quais cooperamos avaliam essa cooperação nas declarações públicas que fazem, no apreço que reiteradamente nos manifestam. E, a esse respeito, nada foi respondido acerca do meu desafio no sentido de ser dito qual o governo que, até hoje, teve tantas manifestações de apreço por parte dos governos com os quais cooperamos, em termos de política de cooperação. Este desafio não obteve resposta, não foi indicado quais teriam sido esses governos.
Devo dizer-vos, contudo, Srs. Deputados, que também eu, como o Sr. Deputado Carlos Lilaia, fiquei um pouco desiludido com alguns aspectos deste debate e desta interpelação. Houve, da parte de algumas bancadas - vamos ser sinceros -, alguma leviandade na sua preparação. Há, de facto, Srs. Deputados, alguns partidos que vêm em massa e estão presentes quando se trata da política como «politiquice», como manobra, como espectáculo, mas que primam pela ausência quando se trata da política de Estado e dos objectivos estratégicos da Nação Portuguesa.
Aplausos do PSD.
Das críticas que foram feitas, para além desta da coordenação e do objectivo de uma globalização, que me parece ser de facto obsessiva, já expliquei tanto quanto podia e sabia que o nosso objectivo, no Governo e nos negócios estrangeiros, é o de procurar estimular o maior número de iniciativas, compatibilizando-as apenas com os interesses superiores do Estado. Não é, de forma alguma, o de travar, centralizar ou coordenar à outrance aquilo que não tem necessariamente de ser coordenado, porque a política de cooperação, hoje em dia, como vos disse, penetra e atravessa as estruturas da própria sociedade e não apenas do Governo, não apenas da Administração Pública, mas do poder local, dos sindicatos, de toda a espécie de organizações, de associações cívicas, de organizações não governamentais, que temos apoiado com uma política de grande
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isenção. Quando as associações não governamentais nos apresentam determinado projecto, não perguntamos de que partido é que são próximas, não perguntamos em que partido 6 que votam os seus membros; temos apoiado acções de organizações não governamentais desde que, efectivamente, se traduzam num esforço meritório para a cooperação portuguesa.
E há todo um trabalho, muitas vezes silencioso, mas eficaz, que tem vindo a ser feito pelos mais diferentes agentes de cooperação, sejam eles públicos ou privados. Estamos, hoje em dia, a trabalhar na preparação legislativa, estamos a apoiar os próprios processos de revisão constitucional, estamos a trabalhar ao nível do apoio às próprias formulações das políticas.
Temos vindo a conseguir, o que é inegável, um grau de intimidade, um grau de cumplicidade como nunca se tinha atingido com os países de língua portuguesa. E algumas das vitórias que têm sido alcançadas no plano diplomático têm sido, em certa medida, resultado da existência, que se consolida cada vez mais, de um grupo de países lusófonos.
Podia citar, apenas a título exemplificativo, a nossa eleição para o conselho de administração do PNUD ou a eleição de funcionários ou técnicos portugueses para instituições tão importantes como a Comissão da Defesa dos Direitos da Criança, ou, ainda, a eleição de Portugal, por duas vezes consecutivas, para o Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas, contou, desde o primeiro momento, com o apoio activo - como agora às vezes se diz com o lobbying - dos países africanos.
Hoje em dia, conta para a nossa política externa, para a nossa diplomacia, esta relação preferencial, esta cumplicidade, como há pouco disse, que já existe nos fora internacionais entre Portugal e os países de língua portuguesa; isso tem vindo a ser consolidado, é inegável, só quem não quer ver é que não poderá reconhecer os resultados alcançados neste domínio.
Srs. Deputados, hoje - e penso que neste aspecto devemos todos congratularmo-nos porque é de facto um objectivo nacional -, Portugal tornou-se um ponto obrigatório de passagem, na Europa, para a África. Actualmente, o nosso peso específico nas questões africanas e nas questões do desenvolvimento aumentou substancialmente.
Portugal tem uma voz activa nas discussões que se travam à escala internacional sobre os problemas do desenvolvimento. Coube a Portugal a condução de um dos mais importantes sectores da negociação da última Convenção de Lomé. Portugal tem vindo a adquirir esse peso específico. Porém - e vou ser completamente franco e sincero convosco, como, aliás, procuro sempre ser -, não vamos procurar pôr-nos em bicos de pés: Portugal não é uma superpotência, não pode comparar-se a países que têm um nível económico muito superior ao nosso, mas temos, hoje em dia, um peso diplomático e um peso específico, na comunidade internacional, muito superior à nossa dimensão, de que nos podemos orgulhar, nestas questões de África e nas questões do apoio ao desenvolvimento.
Por outro lado, queria salientar que, em algumas das intervenções dos Srs. Deputados, recolhi uma sincera preocupação de procurar ver Portugal a fazer mais. Partilho dessa preocupação. Há sectores onde podemos fazer mais, há sectores onde devemos fazer mais, mas, obviamente, a política é o reino do possível; ternos alguns recursos, não temos todos os que gostaríamos de ter, e compele a esta Assembleia dotar o Governo dos recursos necessários para
prosseguir objectivos ainda mais ambiciosos. Mas, no que diz respeito a essa vossa preocupação com o fazer mais, gostaria de dar-vos ainda um ou dois exemplos.
Hoje, a actividade da cooperação desenvolve-se em termos que poderia quase chamar de integração funcional de alguns sectores; é uma acção discreta, como disse há pouco quase silenciosa, mas podemos referir-vos que não há praticamente nenhum sector da Administração Pública onde não exista cooperação. Sejam os revisores oficiais de contas, sejam as alfândegas, seja a formação de técnicos de estatística, seja a formação de peritos em questões de desporto, todos os sectores da nossa administração, constantemente, nos fazem pedidos de apoio e há um trabalho casuístico - não tenho nada contra o casuísmo, desde que seja criterioso -, apoios casuísticos que têm sido indispensáveis em muitos sectores para a consolidação das administrações dos países com os quais cooperamos.
E a nossa prioridade tem sido concedida a tudo aquilo que se refere à consolidação de uma matriz portuguesa. Essa matriz, actualmente, desenvolve-se e consolida-se nos países com os quais cooperamos; esse trabalho está visível e se os Srs. Deputados forem a esses países (e sei que em alguns casos têm ido) assistirão, sem dúvida, para além de problemas que efectivamente existem também, a um grande progresso da nossa cooperação e a uma presença cada vez mais afirmativa de Portugal nesses países.
Mas, nesta ocasião, queria sublinhar (como, aliás, já aqui foi dito em intervenção anterior) que Portugal não é responsável pela política desses países. Julgo que, por vezes, no nosso subconsciente, ainda existe um pouco essa noção...
O facto de me dizerem, como aqui foi dito, que a saúde no país A ou no país B está muito mal, leva-me a ter, sem dúvida, uma preocupação de solidariedade para com esses países. Todavia, Portugal não é responsável pelo estado da saúde nesses países, assim como não possuímos a responsabilidade de uma nova administração neocolonial!
Aplausos do PSD.
Na verdade, o nosso apoio é supletivo. Nesse sentido, com todos os dados de que disponho, afirmo aos Srs. Deputados que, no seu conjunto, Portugal não tem nenhuma razão para se sentir diminuído, pelo contrário, tem razão para estar orgulhoso pelo esforço que tem vindo a desenvolver neste capítulo da cooperação.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - E em relação à vossa preocupação, isto é, à preocupação sincera que, em muitos casos, vi de fazer mais, designadamente na língua portuguesa, quero afirmar-vos, por parte do Governo, a disponibilidade para continuar a cooperar institucionalmente com esta Assembleia para, também neste capítulo, fazermos mais e engrandecermos o nome de Portugal.
Nesta matéria, se me permitem usar uma expressão que muito se utiliza em Angola, estamos juntos!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate da interpelação ao Governo sobre política geral centrada na política de cooperação externa.
Vamos, de seguida, proceder a um conjunto de votações. Em primeiro lugar, será votado o voto n.º 185/V, apresentado pelo PSD, de congratulação pelo primeiro cente-
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nano da encíclica Rerum Novarum, de S. S. o Papa Leão XIII, que irá, de imediato, ser lido.
Fm lido. É o seguinte:
Comemora-se, no decorrer do corrente ano, uma efeméride referente a um facto da mais relevante importância na história deste século. Referimo-nos ao primeiro centenário da encíclica Rerum Novarum, de S. S. o Papa Leão XIII, cujo providencial pontificado decorreu entre 1878 e 1903.
Tal encíclica, sendo o principal documento definidor da doutrina social da Igreja, tem tido, ao longo destes 100 anos, uma influencia decisiva na vida social, económica, religiosa e política do mundo moderno.
As posições referentes ao direito de propriedade e sua função social, a justiça social e a protecção das classes mais desfavorecidas, com as adaptações decorrentes das transformações económicas e doutrinais, são, ainda hoje, analisadas à luz deste documento e nele se colhem fundamentos e orientações tão actuais quanto decisivos no relacionamento dos povos.
Por tal motivo, o Grupo Parlamentar do PSD exprime a sua satisfação, associando-se a tal efeméride.
O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Joio Amaral (PCP): - Sr. Presidente, pedia a palavra para solicitar que o Grupo Parlamentar do PSD alterasse o conteúdo da parle final do seu voto, pois, de contrário, será inaceitável. Com efeito, não é possível pôr a Assembleia da República a votar a satisfação de um grupo parlamentar.
O Sr. Presidente:- Bem, perguntaria ao PSD se, no voto que apresentou, onde se lê «Grupo Parlamentar do PSD», se poderá ler «Assembleia da República»...
Vozes do PSD:- Com certeza, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente:- Assim sendo, vamos então votar este voto de congratulação, já devidamente rectificado.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, vamos agora passar à votação final global do texto final da Comissão de Agricultura e Pescas relativo à ratificação n.º 148/V (PCP), sobre o Decreto-Lei n.º 327/90. de 22 de Outubro.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, há ainda acordo para procedermos à votação, na generalidade, na especialidade e final global, da proposta de lei n.º 185/V, que autoriza o Governo a legislar em matéria de importação e exportação de bens que possam afectar os interesses estratégicos nacionais.
Srs. Deputados, vamos então passar à votação, na generalidade, desta proposta de lei.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS e a abstenção do PCP.
Vamos proceder à votação, na especialidade, do mesmo diploma.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS e a abstenção do PCP.
Finalmente, vamos proceder à sua votação final global.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS e a abstenção do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Chegou ao fim o processo de ratificação, requerido pelo PCP, do Decreto-Lei n.º 327/90, de 22 de Outubro, que regula a ocupação do solo objecto de um incêndio florestal.
Foi oportuna a chamada a ratificação deste diploma legal, que permitiu, em sede de especialidade, aperfeiçoá-lo em alguns dos aspectos em que o decreto-lei era manifestamente incorrecto. Não foi, contudo, possível introduzir alterações que permitissem, entre outros aspectos, prevenir efeitos injustos para os pequenos proprietários florestais, porque a isso se opôs o PSD.
A elaboração deste diploma legal no ano passado correspondeu a algumas das reclamações e propostas avançadas, durante o Verão passado, pelo PCP e outros sectores. Todavia, o facto de o diploma não corresponder a uma orientação global do Governo para a floresta portuguesa e ter sido manifestamente redigido para responder às pressões e reivindicações das populações, acabou por se traduzir num texto com manifestas incorrecções e erros técnicos e políticos, tal como foi reconhecido na Comissão.
Alguns, como o da escala do cadastro - que originalmente era definida como sendo de 1/1000 -, foi, após termos interpelado o Governo sobre a matéria, rectificado para a escala já mais aceitável de 1/10 000. Contudo, não foi possível introduzir uma rectificação necessária, a de criar um sistema de apoios compensatórios para os pequenos produtores florestais vítimas de incêndios e a proibição da prática de certos actos durante 10 anos, que não se traduzisse, simultaneamente, num estímulo ao deflagrar de novos incêndios.
Apesar disto, entendemos que as alterações introduzidas melhoraram o texto inicial, permitindo, porventura mais claramente, travar as manobras especulativas em torno das áreas incendiadas, designadamente no que se refere as pressões das celuloses para a implantação de novos eucaliptais.
No entanto, o mais importante é agora a sua execução e inserção numa orientação global de prevenção dos fogos
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florestais e de ordenamento da floresta portuguesa, a qual está por fazer.
Quando se aproxima o Verão e com ele o perigo de novos fogos, é criticável que o PSD e o Governo não só não tenham, até ao momento, tomado nenhumas medidas de fundo, como se tenham oposto aos projectos apresentados pelo PCP durante a actual sessão legislativa.
No próximo Verão aí teremos o Governo a dizer-nos que é o clima, quando do que realmente se trata é de uma ausência completa de uma política global do Governo para a floresta portuguesa!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Este diploma, agora ratificado, 6, contudo, um contributo nesse sentido e por isso o votámos favoravelmente. No entanto, continua manifestamente a faltar uma política global de defesa e de desenvolvimento da floresta portuguesa!
Aplausos do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas. Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 35 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro José Martins Viegas.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
Joaquim Vilela de Araújo.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Oliveira Bastos.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria João Godinho Antunes.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António José Sanches Esteves.
Carlos Cardoso Laje.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Fernando António A. Ferreira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Domingos Abrantes Ferreira.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
Natália de Oliveira Correia.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
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Deputados independentes:
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Fernando dos Reis Condessa
João Soares Pinto Montenegro.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS):
António de Almeida Santos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Francisco Barbosa da Costa.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Os REDACTORES: Cacilda Nordeste -Ana Maria Marques da Cruz - José Diogo - Isabel Barral - Maria Amélia Martins.
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DIÁRIO da Assembleia da República
Depósito legal n.º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.
AVISO
Por ordem superior e para constar, comunica-se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.
PORTE PAGO
1 - Preço de página para venda avulso, 5$; preço por linha de anúncio, 104$.
2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.
3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.
PREÇO DESTE NÚMERO 230$00
Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da Assembleia da República», deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E. P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5 - 1099 Lisboa Codex
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