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I Série - Número 89

Sexta Feira, 7 DE JUNHO DE 1991

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA RÉPUBLICA

V LEGISLATURA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE JUNHO DE 1991

Presidente: Ex. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Ex. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 1O horas e 30 minutos.

Antas da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação do projecto de lei n.º 777V, da proposta de lei n.º 203/V e de requerimentos e respostas a alguns outros.

A propósito da declaração do director de informação do l.º Canal da RTP relativa à mensagem do Sr. Presidente da República sobre comunicação social, interpelaram a Mesa os Srs. Deputados Carlos Brito (PCP), Alberto Martins (PS) e Mário Montalvão Machado (PSD).
Sr. Deputado Vasco Miguel (PSD) referiu-se ao progresso da Região Oeste do distrito de Lisboa, tendo manifestado preocupação relativamente a alguns sectores. No final, o Sr. Deputado Rui Silva (PRD) colocou um pedido de esclarecimento.
O Sr. Deputado José Sócrates (PS) fez, um balanço da política de ambiente dos últimos quatro anos.
O Sr. Deputado Luís Pais de Sousa f PSD) reclamou a tomada de medidas para algumas situações de preservação do património.
O Sr. Deputado João Amaral (PCP) chamou a atenção da Camará para diversos problemas da Área Metropolitana de Lisboa.
o Sr. Deputado António Vairinhos (PSD) falou das reflexões e propostas apresentadas à sociedade algarvia no I Congresso Regional Social-Democrata do Algarve.
O Sr. Deputado Edmundo Pedro (PS) anunciou o seu abandono da actividade política activa, designadamente ao nível do Parlamento. No fim, agradeceu as palavras de saudação que lhe foram dirigidas pelos Srs. Deputados António Guterres (PS), Joaquim Fernandes Marques (PSD), Barbosa da costa (PRD), João Amaral (PCP) e João Corregedor da Fonseca (Indep.).
O Sr. Deputado João Montenegro (PSD) alertou para a preservação da beleza paisagística e condições ambientais da região do vale do Douro, tendo, depois, respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Barbosa da - Costa (PRD).
O Sr. Deputado António Mota (PCP) criticou a política de habitação do Governo no distrito do Porto.

Ordem do dia. - Foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e. Mandatos, autorizando um deputado a depor em tribunal.
Foi discutido o inquérito parlamentar n.º 23/V (PS, PCP, PRD, CDS e deputado independente Herculano Pombo) -

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Constituição da uma comissão de inquérito destinada a averiguar as condições de legalidade e regularidade financeira de todo o processamento que envolve o Centro Cultural de Belém, que foi aprovado. Usaram da palavra, a diverso título os Srs. Deputados António Barreto (PS), Mário Montalvão Machado (PSD) Natália Correia (PRD), José Silva Marques (PSD), José Manuel Mandes (PCP), Narana Coissoró (CDS), Carlos Coelho (PSD) e Helena Roseta (Indep.).
A Câmara procedeu também ao debate da proposta de resolução n.º 38/V - Aprovar para ratificação, os Protocolos Adicionais I e II nas Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949, que foi aprovada, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional (Eugénio Ramos), os Srs. Deputados Carlos Candal (PS), António Mota (PS) e Fernando Condessa (PSD).
Foi ainda discutida e aprovada a proposta de resolução n.º 47/V - Aprova, para ratificação, a Convenção para a supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem, participando no debate os Srs. Deputados António Maria Pereira (PSD), Natália Correia (PRD), Julieta Sampaio (PS) e José Manuel Mendes (PCP).
Apreciou-se também a proposta de resolução n.º50/V - Aprova o acordo especial, por troca de notas, entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, para supressão do artigo 19.º do Tratado Luso- Britãnico de Comércio e Navegação, de 12 de Agosto de 1914, que foi igualmente aprovada e sobre a qual se pronunciaram os Srs. Deputados Fernando Alves Figueiredo (PSD), Laurentino Dias (PS) e Lino de Carvalho (PCP).
Foi ainda debatida e aprovada, na generalidade, a proposta de lei n. 197/V Autoriza o Governo a legislar em matéria de licenciamento municipal de obras particulares, tendo baixado, o requerimento do PSD, à Comissão de Administração do Território do Poder Local e Ambiente. Usaram da palavra, a diverso título além do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira), os Srs. Deputados Ilda Figueiredo (PCP), José Gameiro dos Santos e Júlio Henriques (PS), José Silva Marques (PSD), Rui Silva (PRD). Nogueira de Brito (CDS), António Fernandes Ribeiro (PSD).
Após discussão, foi por maioria aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global,- a proposta de lei n.º 301/V- Autoriza o Governo a estabelecer um novo regime de restrição do uso do cheque (altera o Decreto- Lei n.º 14/84, de 11 de Janeiro), relativamente à qual intervieram, a diverso titulo, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro), os Srs. Deputados Carlos Candal (PS), Narana Coissoró (CDS), Rui Silva (PRD), Manuel da Costa Andrade (PSD), Nogueira de Brito (CDS) e Odete Santos (PCP).
Foi eleito para presidente do Conselho Nacional de Educação o Prof. Doutor António Maria Barbosa de Melo.
Foram rejeitados, na generalidade, os projectos de lei n.º 709/V (PRD) - Alteração à Lei n.º 4/84, de 5 de Abril (protecção da maternidade e da paternidade), 107/V (PCP) - Atribuição de um subsídio mensal especial aos filhos a cargo de mães e pais sós, 265/V (PCP) - Aprova medidas tendentes a efectivação dos direitos das mães sós e 774/V (PS) - Dá nova redacção a diversos artigos da Lei n.º 4/84, dei de Abril (protecção da maternidade e da paternidade).
A Câmara aprovou, por fim na especialidade e na votação final global, o texto alternativo, elaborado pela comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, relativamente à lei quadro das regiões administrativas, que teve por base os projectos de lei n.ºs 45/V (PS), 60/V (PRD 69/V (CDS), 129/V (Os Verdes) e 134/V (PCP) e à propor de lei n.º 171/V. Produziram declaração de voto os Srs. Debitados Jorge Loção (PS), lida Figueiredo (PCP) e Manuel Moreira (PSD). O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram l0 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados; Partido Social-Democrata (PPD/PSD).

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Amândio dos Anjos Gomes,
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Casimiro Gomes Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil- Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João da Costa Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques,
Joaquim Vilela de Araújo.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Lufe da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Banos.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria João Godinho Antunes.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Beto Maciel
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva .
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Alexandre Vicente.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Domingues - de Azevedo.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Cardoso Lege.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.

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João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa Catarino
Jorge Paulo Sacadura Coelho.
José Apolinário Nanes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Fernandes Miranda.
José Manoel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santas.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santas.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes HespanhoL
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel Fonseca Leite.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís fogueira de Brito.
Narana sinai Coissoró.

Deputados independentes:

António Alves Marques Júnior.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa dois diplomas, que foram admitidos e baixaram à 9.º Comissão: o projecto de lei n.º 777/V, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Oliveira e outros, do PSD, relativo à Associação Profissional dos Médicos Dentistas, e a proposta de lei n.º 203/V, iniciativa da Assembleia Regional dos Açores, propondo uma alteração à Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto-Lei de Defesa do Consumidor.
Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os seguintes requerimentos: ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Barbosa da Costa, António Mota, da Figueiredo. Jorge Lemos, José Manuel Maia; ao Ministério da Justiça, formados pelos Srs. Deputados José Magalhães e lida Figueiredo; ao Governo, formados pelos Srs. Deputados Álvaro brasileiro, Lourdes Hespanhol e Pinto de Bar, ao Ministério da Administração Interna, formulado peio Sr deputado José Manuel Maia; ao Ministério do Emprego , ..u Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados António Mota, da Figueiredo è José Manuel Maia; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa; ao Ministério do Ambiente .e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados da Figueiredo e Miguel Urbano Rodrigues; ao Ministério das Obras Públicas. Transportes e Comunicações, formulados petos Srs. Deputados da Figueiredo e José Manuel Maia; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pela Sr. Deputada Apolónia Teixeira; ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Apolónia Teixeira e António Domingues de Azevedo; à Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, formulado Sr. Deputado Manuel Filipe.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Lino de Carvalho, nas sessões de 19 de Junho, 14 de Fevereiro e 8 de Março; a Figueiredo, nas sessões de 28 de Junho e 19 de Fevereiro; Herculano Pombo, na sessão de 28 de Junho; Maria da Graça Ramalho, na sessão de 6 de Julho; Luís Roque, na Comissão Permanente do dia 25 de Julho; Carlos Oliveira e Miranda Calha, na sessão de 10 de Outubro; José Manuel Maia, na sessão de 20 de Novembro; José Manuel Mendes, nas sessões de 29 de Novembro e 13 de Dezembro; Carlos Brito, ha sessão de 20 de Dezembro; Cristóvão Norte, na sessão de 17 de Janeiro; Manuel Filipe, na sessão de 22 de Janeiro; Octávio Teixeira, na sessão de S de Fevereiro; António Guterres, na sessão de 14 de Fevereiro; Jorge Lemos, nas sessões de 19 e 26 de Fevereiro; Álvaro Brasileiro, na sessão de 28 de Fevereiro; José Apolinário e Ferraz de Abreu, na sessão de l de Março; Apolónia Teixeira, na sessão de 6 de Março; Carlos Luís, nas sessões de 15 de Março e 11 de Abril; José Magalhães, nas sessões de 19 de Março e 14 de Maio; Edite Estrela, na sessão de 11 de Abril; Rui Vieira, ria sessão de 16 de Abril; Júlio Antunes, na sessão de 7 de Maio.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:-Faça favor.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr Presidente, começarei por tecer brevíssimos considerandos, que considero indispensáveis, para depois formular as questões à Mesa.
Sr. Presidente, a peça com que a RTP pretendeu responder a mensagem do Sr. Presidente da República ré-1 veste uma evidente gravidade, tanto do ponto de vista político como institucional.
Esta peça, que parte de um serviço público, que até é conhecida péla mensagem do director de informação do 1.º Canal, suscita espanto, perplexidade e até indignação em alguns sectores da opinião pública. Entendemos que a Assembleia da República não pode ser alheia a esta circunstância, tanto mais quando se vai proceder amanha a um debate sobre a mensagem do Sr. Presidente da República.
Tendo em vista o necessário esclarecimento e a adopção de eventuais medidas, sugiro, Sr. Presidente, que sejam tomadas as seguintes medidas: em primeiro lugar, que sejam tomadas todas as providencias para assegurar o visionamento da peça, conjuntamente por V. Ex. e pelos diversos presidentes dos grupos parlamentares; em segundo lugar, que sejam ouvidos, pela 3.º Comissão da Assembleia da República, o ministro da tutela, o Sr. Ministro Couto dos Santos, que, certamente, está a par de tudo quando se passou, o conselho de gestão da RTP e também o director de informação do l.9 Canal.
Portanto, entendemos que devem ser tomadas as medidas apropriadas, entre outras, com a maior brevidade, de forma a termos, no debate de sexta-feira, todos os elementos relativos a esta questão, que tem um cunho marcadamente institucional, uma vez que temos uma queixa para apresentar à Alta Autoridade para a Comunicação Social.
As sugestões que queria fazer eram estas, Sr. Presidente, e não quis introduzir, embora sentisse grande necessidade de o fazer, outras considerações que não fossem as indispensáveis e úteis para a proposta que acabo de dirigir à Mesa.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:-Faça favor.

O Sr. Alberto Martins (PS): -Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de obter um esclarecimento.
Ontem, na televisão, como é do conhecimento público, e como já foi hoje referido, encavalitada na mensagem do Sr. Presidente da República, surgiu uma declaração do director de informação do l.9 Canal, que é ilegítima. É uma intervenção abusiva num debate institucional, feita à margem da lei por quem é réu num processo aberto pelo Presidente da República ...

Protestos do PSD. ... e se pretende julgador de todo o processo...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, não está a fazer uma .interpelação à Mesa. O Sr. Deputado Carlos Brito fez uma sugestão e peco-lhe também, Sr. Deputado, que se limite a fazer as sugestões que entender.

O Orador: - Sr. Presidente, se me permite, já lá irei

O, Sr. Presidente:-Sr. Deputado, não vamos agora proceder ao debate que está agendado para amanhã. Já ontem tivemos um problema, não vamos repeti-lo hoje.
Faca favor de continuar Sr. Deputado, mas peco-lhe que tenha em consideração o que acabei de dizer.

Vozes do PSD:-Exacto!

O Orador:-Sr. Presidente, terei, naturalmente, isso em consideração, mas penso que já o estava a ter.
Dizia eu, pois, que se tratou de desrespeito, na forma e no conteúdo, pelo órgão de soberania Presidente da República e até pela Assembleia da República.
Perante este abuso de poder, esta ilegitimidade e ilegalidade, e concordando com a proposta do Sr. Deputado Carlos Brito, pergunto: o que é que V. Ex. pretende fazer para salvaguardar a dignidade da Assembleia da República e dos titulares dos órgãos de soberania?

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Já agora, o que é que os senhores pretendem fazer? Antes de perguntarem ao Sr. Presidente da Assembleia da República, digam o que pretendem fazer!

O Sr. Alberto Martins (PS): -Esperem para ver! Vozes do PSD:-É a lei da rolha!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, em primeiro lugar, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias tem todo o direito de se reunir e de tomar as iniciativas que entender sobre a matéria.
Em segundo lugar -é tão simples como isso e já o tenho declarado muitas vezes publicamente, sem atacar qualquer órgão de comunicação social -, por uma questão de princípio, defendo a isenção e o pluralismo de todos os órgãos de comunicação social, ...

Vozes do PSD:-Muito bem!

O Sr. Presidente: -... pelo que, penso, devo ser a última pessoa a ser acusada de tentar influenciar os órgãos de comunicação social.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Carlos Brito, penso que a 3.º Comissão poderá, se assim o entender, reunir-se.
Quanto ao visionamento da peça televisiva, a 3.º Comissão está, melhor do que ninguém, em melhores condições para o fazer.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:-Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, em relação à 3.º Comissão, iremos, desde já, redigir uma carta ao seu presidente a fim de se reunir de imediato, e, nesse sentido, satisfazemo-nos com o que o Sr. Presidente acaba de dizer.
Porém, quanto ao visionamento conjunto da peça por uma reunião da conferência de líderes presidida por

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V. Ex.ª gostaria de saber o que é que o Sr. Presidente pensa a propósito e se poderia ainda hoje ser realizada, portanto ainda do debate de amanha.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, quem pode analisar o problema, porque está em melhores condições para o fazer, é a 3.ª Comissão, uma vez que é vocacionada para isso. Não vejo sentido em ser a conferência de líderes a fazer um visionamento dessa natureza, aliás nem tínhamos materialmente condições para tal.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, permita-me retomar a questão para solicitar a V. Ex.ª a explicitação dos meios que vai accionar no sentido de garantir a isenção e o rigor em que todos estamos empenhados.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, devo dizer-lhe que já accionei os meios que tenho ao meu dispor.

O Sr. José Sócrates (PS): - Quais são?!

O Sr. Presidente: - Procuro, como, aliás, é função do Presidente da Assembleia da República, conciliar e tentar levar as coisas a bons caminhos, e é isso o que tenho procurado fazer.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, à laia de interpelação à Mesa e em resposta aos problemas que foram colocados, quer pela bancada do PCP, quer pela do PS, quero dizer, em nome da minha bancada, que parece haver aqui uma subversão total dos meios que deverão ser empregues pela Assembleia da República.
Não queremos guerrilhas institucionais!
Não ouvi, nem tenho qualquer interesse em ouvir, a peça que foi aqui referida e que foi passada ontem à noite na televisão, interessa-me, isso sim, que esta Assembleia se mantenha acima de guerrilhas e que não sirva, de maneira na, para que algumas forças partidárias venham, vivamente, lançar achas na fogueira de um "conflito" que querem criar, mas no qual não queremos, de modo algum, entrar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V não entramos! O que queremos é discutir este problema convosco, aqui e amanha. Não queremos discuti-lo através das extrapolações para o exterior nem que a Assembleia se meta onde se não deve meter.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel
João Vasco Miguel (PSD): Sr presidente, Deputados: Ser "oestino" foi, desde sempre, motivo de orgulho e, ao mesmo tempo, a certeza de poder contribuir, com as potencialidades da zona, para uma melhoria efectiva da qualidade de vida dos que nela habitam, c também com um trabalho sério e empenhado para o bem-estar de todo o País.
Sem demagogia e muito menos hipocrisia, vou dar-vos uma imagem do que era e do que é hoje o oeste, antes e depois de Cavaco Silva, ou, mais concretamente, sem e com a influência do PSD no Governo.
Antes do governo do PSD, havia ali uma agricultura sem formação profissional, um sector cooperativo perfeitamente descapitalizado, uma indústria e um comércio perfeitamente alheios as inovações.
As estruturas de apoio à saúde e a segurança social eram perfeitamente anquilosadas, a rede escolar diminuta e de difícil acesso por carência de transportes e rodovias e o seu parque habitacional estava perfeitamente degradado.
Depois do PSD. existe una agricultura onde já se notam as influencias das novas técnicas e cultivares, adaptadas às exigências do mercado. H formação profissional agrícola é já hoje uma realidade, as cooperativas registam algum desafogo financeiro, assim como uma modernização e reestruturação tecnológica evidentes. A velha indústria deu lugar a empresas modernas e prósperas.
No comércio começam a surgir os grandes espaços, tanto em estruturas de venda como nas de exposição.
Na saúde, a entrada em funcionamento de um novo hospital distrital e a abertura de um grande número de centros de saúde são uma realidade.
Na segurança social, podemos salientar a construção ou beneficiação de lares, de centros de dia para idosos e de jardins-de-infância.
A rede escolar no oeste, com as novas escolas já em funcionamento e os protocolos que, dentro de dias, serão assinados, vai triplicar.
São também sensíveis, neste momento, as melhorias que estão a ser introduzidas nas rodovias.
O crescimento do parque habitacional tem sido de tal maneira que me atrevo a chamar-lhe gigantesco.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Atrevi-me a maçá-los e a comparar realidades de ontem com as de hoje porque, infelizmente, arautos da desgraça c de memória curta tentam, a todo o custo, denegrir a acção do PSD no oeste, esquecendo-se que nada fizeram na busca de soluções ou de pretensões, dialogando, organizando e colaborando com todos aqueles que, no oeste, querem ser parceiros do progresso, como nós fizemos.
Tudo o que foi conseguido nunca por nós será reivindicado como obra nossa. Será sempre e em quaisquer circunstâncias - apontado um trabalho, dedicação c querer dos "oestinos".
Será que estamos satisfeitos? Pelo contrário. Pensamos muito terá ainda de ser feito: o nível do ensino agrícola efectivamente, de subir e de alargar a sua capacidade se resposta; às cooperativas e agricultores, em geral, as ajudas à modernização terão de continuar; os financiamentos deverão contemplar os agricultores a juros mais acessíveis e, nesta área, os serviços oficiais terão de ser! mais eficazes, deverão atender, prioritariamente, aqueles! que enveredam pelo critério da qualidade e os produtos) típicos regionais deverão, no futuro, ser implementados grande burocracia mas com grande dinamismo e colaboração dos serviços oficiais.

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Se é notório o crescimento dos sectores industriais e comerciais, muito mais, certamente, o seria se tivesse havido orna vontade concreta de criar os espaços adequados" paia a implantação dessas estruturas por parte das autarquias, não permitindo a especulação dos preços de terrenos e, por consequência, a fuga de grandes complexos fabris para outras zonas.
Ainda faltam centros de saúde e, particularmente, centros de atendimento médico permanente -e, muito em especial, um atendimento domiciliário mais eficaz-e lares de terceira idade.
Agora que a rede de ensino preparatório e secundário vai, a breve prazo, ficar concluída, é urgente prever a . criação do ensino politécnico ou mesmo de uma universidade no oeste, mas orientados para o desenvolvimento das aptidões que a zona oferece.
Certamente que a rede viária não é boa, queremos mais
e melhor Ontem ninguém falava no IC1, hoje ele já vai
chegar à Malveira e nós queremos que continue. Também
queremos o ICI l feito. Não falo na renovação da linha do
Oeste, como nossa pretensão, porque, felizmente, foi
anunciado pela CP o seu melhoramento e adequação à rede
inter cidades Lisboa- Figueira da Foz. Ficámos satisfeitos.
Guardei para o fim da minha intervenção um dos temas
mais «badalados» e menos implementado no oeste: o turismo.
Sabemos da grande vocação do Oeste para o turismo, conhecêmo-la bem demais: a sua serra, as praias, as estâncias termais e os seus vinhedos. Por isso é difícil perdoar aos autarcas que fazem conferências de imprensa para iludir a opinião pública acerca da actuação do Governo e não dizem o que fizeram para valorizar os recursos turísticos do Oeste e o seu património histórico e cultural.
Pela nossa parte, vamos lutar para que haja uma política nacional de apoio concreto para esta região, porque acreditamos, ao contrário do que tem sucedido com a actual Direcção Regional de Turismo do Oeste, que ela tem condições ímpares de beleza, recursos naturais e artesanato para que concederem prioridade absoluta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem sofismas e com convicção, vamos continuar a trabalhar porque sabemos que, connosco, o projecto dos «oesanos» será cumprido.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Deputado Vasco Miguel, dado que eu e V. Ex. ocupamos o mesmo espaço geográfico na denominada Região Oeste do distrito de Lisboa, comungo de algumas das suas preocupações e partilho também de algumas das satisfações que aqui trouxe.
De facto, por várias vezes trouxe a esta Câmara um sintoma elucidativo daquilo que tem sido o desenvolvimento da Região Oeste do distrito de Lisboa: o facto de estar às porias da grande cidade, da grande metrópole que é Lisboa.
O desenvolvimento da cidade e a interiorização que foi feita nesse mesmo desenvolvimento- catapultou a nossa região para algum atraso, .que hoje, felizmente, começa a verificar-se em sintoma alterado.
Que quer isto dizer? Quer dizer que as redes viárias que começam a ser construídas irão, com certeza e naturalmente -, catapultar a nossa região para um desenvolvimento industrial que, ato há pouco tempo, não foi, de maneira nenhuma, incentivado.
V. Ex., tal como eu, conhece as grandes dificuldades com que as populações do interior das regiões do distrito de Lisboa se têm confrontado nos últimos anos. Também nós estamos, defeito, optimistas. Não lhe coloco qualquer questão em particular, digo-lhe apenas que, como deputado eleito também por essa região; partilho das suas preocupações, compartilho das suas esperanças e espero bem, isso sim, que, daqui para o futuro, a Região Oeste do distrito de Lisboa e os seus sete concelhos sejam olhados com maior preocupação, com uma incidência de melhoramento e de desenvolvimento. Caso contrário, aquela que foi considerada uma ex libris da zona geográfica e metropolitana à volta de Lisboa poderia começar a sentir um atraso dificilmente recuperável.
Estou consigo. Também eu estou, de facto, confiante e espero que, a muito curto prazo, possamos todos dizer que a Região Oeste do distrito de Lisboa ocupa o lugar que todos nos desejamos.
O Sr. Presidente: Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel
O Sr. Vasco Miguel (PSD): Muito rapidamente, visto que há vários companheiros de bancada inscritos, quero apenas agradecer as gentis palavras que me foram dirigidas pelo Sr. Deputado Rui Sirva.
O Sr. Presidente: Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Comemorou-se ontem o Dia Mundial do Ambiente. Infelizmente, não foi possível a esta Câmara e aos Srs. Deputados, a propósito do dia, abordarem o tema.
Faço-o hoje. E não haverá melhor forma de o abordar que aproveitar esta altura para vos comunicar numa altura de fim de legislatura a avaliação e o balanço que os socialistas fazem da política de ambiente nestes últimos quatro anos. É um direito e um dever que temos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: Estarão, com certeza, de acordo comigo se vos disser que a aprovação da Lei de Bases do Ambiente por esta Assembleia marcou um momento decisivo na evolução da política ambiental do País. Não só porque, por um lado, consagrou a doutrina, as bases para definição das políticas, como, por outro lado, a sua aprovação veio dar, finalmente, o elan e a força que faltavam à política de ambiente, fazendo, finalmente, com que o tema deixasse de ser apenas assunto de polémica para passar a ser assunto de política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porém, a esperança que a aprovação desta lei deixou, na altura, foi-se dissipando ano após ano. Estes últimos quatro anos, Srs. Deputados, os que corresponderam a esta legislatura, foram quatro anos de frustração, quatro anos de desilusão.
A política de ambiente não deixou, nestes quatro anos, de ser uma política periférica, de actuação pontual, uma política limitada.

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O ambiente foi quase sempre, como um empecilho ao desenvolvimento. A defesa do ambiente foi trotada como se fosse um conjunto de peias burocráticas, que apenas serviam paro atrasar e impedir o crescimento
Esta visto está claramente retratada na Hora legislativa desenvolvida pelo Governa A lei de impactes ambientais só foi aceite com reserva mental, em versão minimalista e depois de várias ameaças da Comunidade Económica Europeia de cortes de financiamento, ameaças que permanecem.
A lei da água é claramente controversa, criticada por' todos, por especialistas e associações de ambiente. A Lei da Reserva Ecológica Nacional não consegue reunir um único aplauso nas associações ecológicas.
Por outro lado, a integração das preocupações ambientais nas diversas políticas não passou dos discursos. Basta olhar para as políticas de obras públicas, florestal, indústria, transportes, etc.. para se perceber que o crescimento económico se fez sempre numa perspectiva construtiva, de beneficio imediato e de lucro fácil.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:-Portugal cresceu, é certo. Mas cresceu mal, cresceu sem perspectiva de futuro, sem uma estratégia de desenvolvimento sustentável . Independentemente de um diagnóstico mais rigoroso, penso ser correcto dizer-se que os problemas ambientais são hoje maiores, que a crise ambiental se agravou, que o cidadão suporta hoje mais custos ambientais.
E se nos perguntarem, Srs. Deputados, por que é que isto aconteceu e se isto tinha, forçosamente, de ser assim, convido-vos a essa reflexão para concluirmos que não tinha de ser assim.
Em 1987 o Governo teve todas as condições para ter sucesso na política de ambiente: tinha um quadro coerente de orientação política-a lei de bases; tinha um clima de expansão económica; tinha recursos financeiros disponíveis; tinha o reconhecimento, a caracterização e os estudos técnicos dos principais problemas ambientais; tinha uma opinião pública receptiva e disponível para a temática do ambiente; tinha uma conjuntura política nacional e internacional favorável à prioridade ambiental e, finalmente, tinha aquilo que outros nunca tiveram, ou seja, uma maioria absoluta para quatro anos.
O Governo teve tudo isto, e falhou. O Governo teve tudo isto e desperdiçou. E este falhanço não resultou de nenhuma fatalidade nacional nem de nenhuma má sina dos Portugueses. Correspondeu às decisões políticas. Tudo isto não aconteceu por acaso, não foi um castigo de Deus. Foi escolha dos homens.
O Governo perdeu a oportunidade.
Quatro anos depois, está quase tudo por fazer.
o Governo tentar disfarçar o falhanço, do espectáculo do seu próprio movimento: falha o secretário de Estado, nomeia-se um ministro por cima; falha o ministro, nomeia-se outro a seis meses do fim.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em minha opinião, ao contrario do que diz o Sr. Ministro, as razões para o falhanço do Governo na política ambiental são mais fundas do que podem parecer. Não é indiferente ser ministro de um governo do PS ou ministro de um governo do PSD.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador:- Há questões doutrinárias que estão na base das escolhas diárias sobre as diversas políticas, em que umas consideram mais e outras menos as preocupações ambientais. Há uma do momento entre conservação da natureza e crescimento económico, que tem de ser. considerada no sentido de arranjar uma síntese operativa, e não tenho dúvidas que os socialistas vêem essa de forma diferente do PSD.

Aplausos do PS.

É claro que o Governo faz discursos, chamando a atenção para o problema, apelando para a mobilização de todos, jurando que não dorme a pensar no ambiente.
Mas o que impede o Governo de agir são alguns velhos paradigmas da direita, é, ainda, uma cultura e uma doutrina que estão ultrapassadas, que o manietam e que o impedem de dar resposta às novas necessidades que a questão ambiental coloca.
O problema ambiental exige um Estado mais interventor, e sabe-se que o PSD ainda está preso ao que a direita pensa disto. A direita ama o mercado. A direita idolatra o mercado v Ora o mercado, como se. sabe, tem uma visão imediata uma visão de lucro fácil, uma visão imediata. O m. . : .3 não dá resposta à maior parte dos problemas ambientais. O País necessita de um Estado mais vigilante, de um Estado mais regulamentador e a direita odeia esta ideia. O ambiente necessita de maior intervenção do Estado e, embora reconhecendo-o, a direita tem complexos na sua utilização política de ambiente também não vai bem com os velhos estados nacionais, fones, rígidos e tecnocráticos. No entanto, a descentralização, o desprendimento do Estado, a ventilação dos poderes, são ideias que ainda incomodam a direita e condicionam o PSD.
A direita ainda acha que um Estado forte e centralista, que impõe os seus suindaras de desenvolvimento a todo o País, é uma condição de eficácia económica. Ainda não perceber que a nova cultura ecológica impõe a valorização das culturas locais e dos valores naturais. Deixar de devastar, a estragar, aproximar o poder dos cidadãos, promover, a democracia dos contactos são os novos ventos que abalam os Estados.
O PSD ainda não encaixou esta ideia e foi por isso, por exemplo, que eucaliptizou toda a nossa floresta sem nada pergunta aos homens de Trás-os-Montes aos homens da Beira ou aos homens do Alentejo.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador - Criar vários e plurais centros do poder como condição de uma sociedade viva e dinâmica são ainda ideias velhas mas de que a direita e o PSD desconfiam, incapazes de perceber que esse é o caminho do futuro, que esse e o caminho do progresso, que esse é o caminho que acabará, inevitavelmente, por chegar.
Um Estado mais aberto é uma ideia que horroriza a direita, que ainda desconfia da participação, que não gosta da publicidade nos actos chamados «de Estado», como se esses actos não dissessem respeito a todos nós. É por isso que enquanto o Sr. Ministro do Ambiente faz cândidos discursos apelando à participação dos cidadãos na defesa do ambiente, garantindo-lhes o essencial e legítimo direito à informação, o Governo, o PSD, revela a

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sua verdadeira doutrina, apresentando a lei do segredo Estado, que permitiria, por exemplo, a este Ministro, à Administração, esconder uma decisão tão importante para as matérias ambientais como a de importar resíduos tóxicos ou a de tomar secreta uma opção política pelo nuclear.

Vozes do PS:-Muito bem!

O Orador: -Finalmente, em relação à cooperação internacional, à troca de informações, aos acordos, à entreajuda, tudo isto, que se transformou num imperativo ecológico das sociedades modernas, também aqui o PSD é condicionado por estas ideias, que nunca foram bem vistas pela direita, direita que ainda não se libertou dos velhos fantasmas nacionalistas da soberania total, direita* para a qual partilhar soberanias é ainda perder alguma coisa.
Como se sabe, Srs. Deputados, os problemas ambientais não escolhem fronteiras. Infelizmente, a direita ainda não arranjou maneira de encaixar esta realidade no seu pensamento e na sua doutrina.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A batalha pelo ambiente exige mais intervenção do Estado, exige um Estado mais descentralizado, um Estado mais aberto, um Estado mais cooperante. O PSD está ainda preso as velhas peias ideológicas da direita que o impedem de dar resposta às novas exigências da problemática ambiental O PSD ainda não integrou a questão ecológica no seu pensamento. A batalha peta ambiente não se compadece com os velhos Ídolos da tribo e do mercado» a que o PSD e a direita permanecem agarrados.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador - Estas são as verdadeiras causas do insucesso do PSD nestes quatro anos de política ambiental.
O PSD precisa de renovar e actualizar o seu pensamento, precisa de arejar a sua ideologia.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sabe-se quanto o poder privilegia o pragmatismo e secundariza a doutrina.
Não há dúvida: o PSD necessita de uma cura de oposição.
É isso que vos prometemos para Outubro.

Aplausos do PS.

Uma Voz do PSD: - Está mesmo a ver-se!

O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: A memória colectiva constitui uma dimensão fundamental para a identidade dos povos. E, hoje mais do que nunca, está na ordem do dia evitar a destruição dos suportes físicos dessa memória.
Do que se trata é de salvaguardar, preservar e transmitir às gerações vindouras um conjunto de referências histórico- sociais, afirmando, a todo o momento, a cultura portuguesa.
Como pode ler-se no texto introdutório da Convenção de Granada, do património arquitectónico constitui 'uma expressão insubstituível da riqueza e da diversidade do património cultural da Europa, um testemunho inestimável do nosso passado e um bem comum a todos [...]».
Doutrinas da conservação integrada, mecenato, gestão dos apoios comunitários, planos de salvaguarda e valorização de centros históricos, eis alguns problemas a reclamar participação, individual e colectiva, na cansa do património histórico de Portugal* em especial do chamado «património arquitectónico».
Do nosso ponto de vista, é urgentíssimo prosseguir e ultimar a inventariação e classificação de todas as zonas históricas, monumentos e também bens móveis
para, depois, definir e realizar áreas de salvaguarda, zonas
de protecção, actuações de restauro ou de correcção.
Dito de outra maneira, o Pais carece da implementação de uma estratégia nacional de «conservação integrada», a qual passa, paralelamente, pela aceleração e prossecução rigorosa de planos urbanos e de ordenamento do território.
Dir-se-á que estamos perante uma responsabilidade nacional, mas - e isso é um recto - , a nosso ver, ela não incumbe exclusivamente ao Governo, antes compete também às autarquias locais e, em grande medida, aos cidadãos portugueses individualmente considerados, sendo de registar o importantíssimo papel das associações de defesa do património cultural, a quem sempre é devida uma palavra de reconhecimento pelas suas acções e pelo seu papel até pedagógico.
No fundo, sempre se tratará de conseguir a participação neste processo das populações, de criar estruturas associativas onde inexistiria, de ir construindo uma autentica consciência histórico- cultural. Até porque, atitudes positivas dos cidadãos, desde logo dos habitantes dos pólos históricos em causa, dinamizarão as medidas a propor e farto diminuir os próprios custos financeiros daí decorrentes.
É nesta perspectiva que, como deputado eleito pelo círculo de Coimbra, nos cumpre chamar a atenção do País e da Câmara para algumas situações, as quais constituem pistas de reflexão e, esperamos, sinceramente, patamares para futuras actuações colectivas.
Por exemplo, a aldeia da Malhada Velha, no concelho de Penela, em plena serra do Espinhal, continua a sofrer os efeitos da emigração e de um «progresso» desertificante».
Trata-se de uma aldeia típica, de uma comunidade com cerca de cinco séculos, de um espaço geográfico, cujo património construído se encontra em «estado de necessidade», suscitando intervenção a vários níveis.
Num plano aproximado do que acabamos de descrever, cabe-nos referir, também, as aldeias de Cadafaz e Tarrastal, no concelho de Gois, com as suas casas de xisto, ruas estreitas e clivosas, também a demandarem a atenção da autarquia em cansa e o apoio oficial do possível.
Há, assim, que definir políticas adequadas para futuro, no sentido de redinamizar estas e outras aldeias praticamente desabitadas e em degradação crescente - poderíamos referir casos semelhantes nos concelhos da Lousa e Arganil - , salvando um património singular, de grande atracção paisagística e com potencial enquadramento turístico regional.
Mas, a nossa «viagem» reconduz-nos a Coimbra.
E, rigorosamente, ao seu centro histórico.
Trata-se de um espaço cultural valiosíssimo numa óptica de arte e arquitectura. É um todo em que coexistem monumentos de grande qualidade, do românico ao gótico, sem olvidar o cripto - pórtico romano e uma população envelhecida e economicamente débil
Se, por um lado, nos apraz registar a aplicação do PRODIATEC (Programa de Infra Estruturas Turísticas e Equipamentos Culturais) ao Mosteiro de Santa Clara Velha, por outro, não pode omitir-se, por exemplo, a Sé

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Velha -uma das melhores igrejas do mondo do ponto de vista da sua estrutura- no Convento de São Francisco.

O Sr. Joio Amaral (PCP): - E onde é que estão as verbas do IPPC?

O Orador:-Isto, tendo em conta que não é aconselhável intervir junto de um grande monumento esquecendo espaços envolventes; ou manchas, histórico- culturais de escala diversa.
No caso vertente, Coimbra, e desde logo a sua Alta. reclama a imediata definição e aplicação de uma política integrada interdisciplinar, que inclua argentes medidas preventivas de promoção da salvaguarda do seu património, melhorando substancialmente a sua ambiência, de forma a realçar valores estéticos, culturais, com alcance turístico evidente.
Com efeito, nenhum cidadão do mundo pode ficar passivo perante o excesso intolerável de trânsito automóvel (que devia ser limitadíssimo), perante a violação de estacionamentos, perante os alumínios, superfícies plásticas, lixo, etc.
E não podemos olvidar que, na Alta de Coimbra, onde se situa uma das universidades mais antigas do mundo, e em particular na freguesia de Almedina, existe um património arquitectónico riquíssimo de que cumpre salientar ainda a Igreja de São Salvador, a Alcáçova, o Passo dos Bispos, a Porta de Almedina, a Sé Nova, p Jardim Botânico, inúmeros colégios universitários, em que ressalta a magnífica pedra de Anca.
Como tal, são necessárias iniciativas legais, de planificação e regulamentação, mas também são inquestionáveis acções de sensibilização da opinião pública, de estímulo aos particulares, em ordem a ganhar a sua adesão às tarefas que vimos a expor.
Só assim, num quadro em que a autarquia de Coimbra tem um papel fulcral, mas em que o poder central, designadamente o IPPC e a Direcção-Geral dos Monumentos Nacionais, não está isento de comparticipação, será possível prosseguir acções de limpeza, recuperar habitações (fixando e mobilizando a população), substituir e manter infra estruturas, construir equipamentos sociais, valorizar espaços públicos, combatendo desertificação e reanimando, em termos sócio- cultural cidade.
E isto numa perspectiva vá que acolha os ensinamentos da Carta de Veneza - Carta Internacional sobre a Conservação e Restauro de Monumentos e dos Sítios.
Mais: é neste quadro, face à importância arquitectónica e cultural da zona histórica de Coimbra e tendo em atenção a desproporção entre os recursos disponíveis e as lar. ias de preservação a desenvolver, que, desta tribuna, apelamos às entidades competentes para que sejam efectivamente assumidas iniciativas políticas e diplomáticas tendentes à classificação pela l ISCO da Alta de Coimbra como «património mundial»

O Sr. José Sócrates (PS): - São críticas fortes ao Governo!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dito isto, regressamos à escala, nacional para reafirmar que há que dar continuidade à regulamentação, que se quer coerente, da Lei do Património Cultural e da Lei de Bases do Ambiente, não omitindo mecanismos de participação das populações, sendo certo que constitui um imperativo acelerar a os pianos de salvaguarda e valorização, bem como a tipologia de regulamentos.
Mas, como cidadão e como parlamentar, declaro que, para acreditarmos no futuro, temos de nos comprometer no presente, «marcando encontro com a historia», preservando um legado cultural singular, realizando, criando cultura.
E é nesta dialéctica que se sedimenta a identidade da nação portuguesa, já que a componente cultural é a mais geradora de história.
Daí que nos cumpra, a todos e a cada um, curar o património que nos foi legado, valorizá-lo e transmiti-lo às gerações vindouras.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Maninho.

O Sr. Presidente:-Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é a primeira vez que o PCP traz ao conhecimento da Assembleia da República a situação, os problemas e as dificuldades da Área Metropolitana de Lisboa e dos cerca de 2^ milhões de portuguesas e portugueses que habitam a zona.
Não vamos aqui repetir um diagnóstico que. aliás, está a ser todos os dias enriquecido por novos estudos e contribuições. A consciência de que se vive mal na Grande Lisboa está cada vez mais entranhada. As autarquias tom tido relevante papel na avaliação da situação. E vale a pena aqui recordar mais uma vez o pioneiro e excelente trabalho realizado pela Associação dos Municípios de Setúbal. Refiro-me ao PIDDS (Plano de Desenvolvimento Integrado do Distrito de Setúbal). Mas tenho também de referir as posições concertadas pelos 17 municípios da Área Metropolitana sobre o respectivo plano de ordenamento. Devo ainda referir e salientar o interesse dos jornalistas, produzindo magníficas peças que constituem contribuições muito valiosas.
Prova desta crescente consciência da magnitude e relevância dos problemas é o facto de três partidos -PCP, PS e PSD- terem realizado, no mês passado, iniciativas sobre a Área Metropolitana de Lisboa.
Mas -nalguma coisa se haviam de distinguir as iniciativas-, nós, PCP, entendemos que, preenchida da nossa parte a fase de diagnóstico, é altura de apresentar soluções concretas. Além do mais, é a opinião pública que o exige, coroo sucedeu no tribunal da opinião pública dos utentes da Unha de Sintra, que, há uma semana, condenavam o Governo pelo abandono em que deixa a linha de caminho de ferro Sintra e pelo desprezo que revela pelas centenas de milhar de portuguesas e portugueses que a utilizam diariamente. A opinião pública senta os responsáveis, ministros do Governo, no banco dos réus, e pede-lhes contas.
Contas pelo agravamento das dificuldades de transporte casa- emprego; pela crise profunda da habitação; pelas manchas de pobreza a alastrarem. Responsabilidades pela ausência, por parte do Governo, de uma resposta coerente a estes problemas e a outros, como a degradação do estuário do Tejo, ou a degradação e perda do património florestal, como tem sucedido em Sintra, perante o desinteresse, para não dizer pior, das autoridades governamentais.

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No seminário que realizou no passado dia 24 de Maio, em Olival Basto (na Teatro da Malaposta), sobre a Área Metropolitana de Lisboa, o PCP preocupou-se em apresentar propostas concretas.

Procurámos responder a três desafios centrais: primeiro, à necessidade de Lisboa desenvolver uma estratégia no quadro das metrópoles da Europa, direccionada para especializações vantajosas, que lhe permita vencer o atraso, evidenciado pelas estatísticas, em que se encontra na hierarquia da rede de cidades europeias. O segundo desafio é a necessidade de uma mais intensa ligação às outras regiões do País, com vista à desconcentração de funções, isto é, combater o papel macrocéfalo que Lisboa desempenha a nível nacional e que, não negativamente, se repercute no tecido da Área Metropolitana, já que, sem desenvolvimento regional, se mantém a pressão demográfica sobre Lisboa e o crescimento desordenado e incontrolado. O terceiro desafio tem a ver com a necessidade de construir um sistema urbano descongestionado e policêntrico, combatendo uma das maiores pechas da Área Metropolitana de Lisboa, que é ter-se constituído como área monocôntrica, de desenvolvimento interno desigual e com clara segregação social.
Queria salientar, nas repostas dadas, um aspecto central. É a questão dos sistemas de transportes e viário. Estes • sistemas, sendo estruturantes da ocupação e uso do território, são essenciais para a resposta a este triplo desafio (europeu, nacional e regional), que a Área Metropolitana de Lisboa tem para vencer.
Os sistemas de transportes e viário devem satisfazer, concretamente, os seguintes objectivos: garantir eficiência na ligação à Europa e aos continentes africano e americano; garantir eficiência nas ligações aos principais centros do País; permitirem o descongestionamento interno da Área Metropolitana numa óptica policêntrica.
Saliento algumas das soluções que o PCP apresentou nesse seminário, que realizou sobre a Área Metropolitana de Lisboa em 24 de Maio: novo traçado para o IP1, que, vindo do Norte, passaria' o Tejo no Carregado numa nova ponte, seguindo para Palmeia; aproveitamento dessa mesma nova ponte para fazer uma nova ligação ferroviária (Carregado-Palmela), criando uma alternativa na ligação ferroviária Norte-Sul; o novo atravessamento rodo- ferroviário do Tejo, em Lisboa, seria ligado ao sistema • atrás descrito e que, por sua vez, serviria para lançar o anel de transporte colectivo de passageiros por via ferroviária e para prolongar a CRIL para leste, ligando-a ao anel de Coina (e fazendo um anel rodoviário).
Neste quadro, o novo aeroporto internacional de Lisboa seria localizado em Rio Frio, desactivando-se a Base Aérea do Montijo e o Campo de Tiro de Alcochete.
Das soluções apresentadas pelo PCP, saliento, ainda, o lançamento da ligação ferroviária rápida em direcção à Europa pelo novo atravessamento e aproveitando a planície; o melhoramento dos portos de Lisboa e Setúbal, com a diferenciação e complementaridade das suas funções, admitindo a possibilidade de a função de porto intercontinental de contentores ser exercida por Sines; o anel de transporte colectivo de passageiros em comboio . .especializado ligaria a linha da Cintura de Lisboa a Almada, Seixal e Barreiro, pela actual ponte do Tejo, e mais tarde, a Montijo- Alcochete e Barreiro pelo novo atravessamento; o actual IP1 passaria a integrar a rede regional, a partir do Carregado; a CREL seria lançada, não como actualmente é desenhada, mas em diagonal, até Vila Franca.
Também é preciso concluir imediatamente o IC1, ligando a Torres Vedras, com possibilidade de construir outro pólo.
Lançamento de novas radiais em comboio especializado para Loures, Pragal-Costa da Caparica e Barreiro- Rio Frio- Setúbal
Estas propostas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, articuladas entre si, melhorariam radicalmente os sistemas de ligações exteriores da Área Metropolitana de Lisboa à Europa e ao mundo e às outras regiões do País e alterariam radicalmente o sistema de ligações, possibilitando o descongestionamento e a criação de novos pólos.
Vivemos uma época em que as decisões estruturantes não podem ser adiadas. Da nossa parte. PCP. assumimos responsavelmente este conjunto de propostas, integradas numa perspectiva mais vasta, de ordenamento e de desenvolvimento da Área Metropolitana, tendo em vista a sua transformação profunda e a melhoria da qualidade de vida da sua população.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente:-Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.

O Sr. António Vairinhos (PSD):- Sr. Presidente. Sr.- e Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata do Algarve, através do seu Gabinete de Estudos Distrital, desenvolveu, durante mais de um ano, um conjunto de reflexões sobre o estrangulamento e os grandes desafios qualitativos que se colocam ao desenvolvimento do Algarve no anos 90.
As nossas reflexões e propostas foram apresentadas à sociedade algarvia, no pasmado dia l de Junho, no I Congresso Regional Social-Democrata do Algarve, subordinado ao tema-Algarve uma Região de Futuro.
Neste evento, que contou com a presença de cerca de um milhar de congressistas, representando associações empresariais, culturais, recreativas, quadros técnicos, serviços regionais, representantes de outras forcas políticas, autarcas, trabalhadores, e, foram abordados quatro painéis considerados fundamentais: ordenamento do território e preservação do meio ambiente; diversificação da base económica regional; a reafirmação da identidade cultural; as questões sociais do desenvolvimento.

Sr. Presidente, Sr. e Srs. Deputados: No l.º painel, «ordenamento do território e preservação do meio ambiente», conclui-se que a conservação dos valores ambientais ganha sentido e define-se como uma política de solidariedade entre diferentes gerações, diferentes organismos e entidades, sejam elas locais ou centrais, oficiais ou não governamentais.
Nesse sentido, a conservação do ambiente surge como exigência da primeira das actividades económicas do Algarve: o turismo.
Na faixa litoral, é premente promover a protecção da costa e o ordenamento das praias e suas infra-estruturas. . No interior, o ambiente rural herdado resultante das práticas agrícolas tradicionais, que se traduzem pelas duas formas agro- florestais conhecidas, o montado e o pomar de sequeiro constituem um enquadramento do património construído que se deseja ver conservado.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

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O Orador: -Reside grande esperança no Plano Regional de Ordenamento do Território, mas importa acelerar a execução dos planos directores municipais, face aos atrasos que se verificam na sua elaboração e aprovação, já que são instrumentos fundamentais para o planeamento integrado a nível local.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na diversificação da base económica regional importa que a diminuição da vulnerabilidade da economia regional face ao exterior e o reforço da base produtiva impliquem uma diversificação da estrutura económica, pois ela é condição fundamental para encararmos o futuro com confiança.

A Sr.» Maria Loisa Ferreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Importa, pois, manter a diversidade do espaço rural, conservar a sua identidade, fixando as populações como forma de assegurar a pluriactividade, satisfazendo as necessidades básicas que conduzam à dignificação do homem rural.
É indispensável pôr em prática uma investigação experimentação direccionada objectivamente para o estudo, dos sistemas agrários, valorizando-se os produtos tradicionais, induzindo novas actividades, privilegiando a qualidade dos produtos em detrimento da quantidade.
Deverá ser apoiada a organização e o associativismo agrário n:/i só ao nível económico mas também ao nível cultural.
Na agricultura algarvia, a água é um factor caro. A sua disponibilidade deverá ser uma prioridade presente no planeamento regional.
A actividade pesqueira e a aquacultura no Algarve sofreram, no último quinquénio, uma evolução significativa que não abrange exclusivamente as características da frota e das explorações agrícolas, mas que inclui, também, uma modificação das mentalidades dos agentes económicos do sector. Deverão, porém, ser complementadas as estruturas portuárias já existentes e apoiadas as associações de armadores e as organizações de produtores em simultâneo com o desenvolvimento de novas iniciativas nos domínios da investigação, da formação e da segurança no mar.
Apesar da reduzida dimensão das empresas da indústria transformadora, é conhecido o seu valioso contributo para o aumento do produto e para a criação de emprego.
Há que aproveitar as condições climatéricas na região para a instalação de pólos de desenvolvimento técnico- científicos, dando condições para a fixação de uma comunidade científica geradora de massa critica.
Dentro das condições indispensáveis ao desenvolvimento, situa-se a implementação dos serviços regionais para o sector de energia, por forma a responder, no espaço e no tempo, às necessidades específicas da região, garantindo-se a segurança e a qualidade das instalações.
A importância do turismo no Algarve implica a necessidade de definição clara de uma política para o sector, por forma a contemplar, num plano regional turismo, uma estratégia de desenvolvimento consistente.
A segurança, o ambiente, a qualidade e a promoção dos nossos olores e do património natural e cultural são elementos essenciais daquela política e nesse sentido deverão convergir as diversas iniciativas.
Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: A reafirmação da identidade cultural impõe-se. Por isso a valorização das de crenças que singularizam o Algarve do sul da Europa. Com efeito, o Algarve representa uma unidade geográfica e humana fortemente individualizada e definida, há muitos
séculos, por limites territoriais bem demarcados. Neste território, que integra zonas de grande diversidade, de extraordinária beleza paisagística e elevado valor ecológico, desenvolveu-se uma cultura específica, muito marcada por elementos da ocupação islâmica, patentes, nomeadamente, na arquitectura tradicional algarvia, caracterizada pela harmónica fusão com. paisagem envolvente e por uma criatividade quê teve a sua máxima expressão na típica chaminé.
Verificou-se, contudo, que, nas últimas décadas, a identidade cultural algarvia sofreu um forte abalo, causado por uma explosão urbanística desordenada. Não só a paisagem e a arquitectura tradicionais foram descaracterizadas como a própria gastronomia foi adulterada e mesmo a língua portuguesa corrompida por estrangeirismos de mau gosto, quando não, pura e simplesmente, substituída peto inglês.
Tendo como objectivo a maximização e optimização dos recursos financeiros a afectar às actividades culturais, deverá institucionalizar-se um conselho regional de cultura que integre organismos de âmbito local e regional
A reafirmação da identidade cultural do Algarve é indissociável da preservação e valorização dos diferentes espaços físicos. Daí que urge salvaguardar os valores essenciais ao equilíbrio dos seres vivos, garantindo-se para o futuro as condições ambientais necessárias ao desenvolvimento das actividades produtoras e lúdicas do homem. As áreas protegidas, nas suas formas diversificadas e específicas, constituem a nossa herança natural e cultural, o registo de um passado que é essencial para as decisões do presente e à projecção do futuro.
Sr. Presidente, Sr. e Srs. Deputados: Finalmente, no 1.º painel, relativamente às questões sociais do desenvolvimento, deve acentuar-se que o crescimento acentuado do Algarve nas duas últimas décadas originou profundas transformações no tecido social, na forma como as populações se distribuem geograficamente, na natureza das actividades do seu quotidiano, nas condições perante o trabalho, no próprio estilo de vida e nas maneiras de pensar e agir.
A base económica, muito centrada no turismo, gerou uma natural atracção pelo litoral mas, em simultâneo, provocou novos problemas, congestionou algumas áreas, fez emergir novas necessidades ou ampliou as existentes.
Os desafios que se colocam aos algarvios, desafios provocados pela concorrência decorrente do novo espaço comunitário, associados a ritmos de mudança mais rápidos que no passado- presente não devem, porém, fazer esquecer o modelo de desenvolvimento regional a que aspiramos e no qual o Algarve é entendível como um todo desde a serra ao mar, modelo de desenvolvimento onde ao ordenamento do território e à qualidade ambiental se associam recursos humanos qualificados para o futuro e onde as condições sociais e a segurança das populações sejam factor de progresso e de felicidade.
É importante, pois, concluir pela necessidade de incrementar o apoio às zonas do interior, dotando-as de infra- estruturas e apostando no homem rural como factor de progresso e modernização, contribuindo para diminuir os desníveis entre as zonas rurais e as urbanas. O reforço da base económica regional deverá ser factor gerador de riqueza, por forma à sua justa redistribuição.
No sentido de superar as carências sociais, importa, concretizar com brevidade mecanismos de coordenação, no domínio da saúde das populações algarvias, suportados num edifício legal e normativo, no sentido da descentralização

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e onde se articulem os chamados cuidados primários, os diferenciados e a segurança especial por esta via, atender-se-ão, em particular, as necessidades específicas dos mais idosos.
Reconhece-se o esforço, que está sendo feito pelo Governo no domínio da reforma educativa, esforço que envolve diversas frentes, tanto no âmbito dos recursos físicos como na formação * aperfeiçoamento dos recursos humanos, tendo era vista a melhoria da qualidade do ensino prestado nas nossas escolas. Mas, perante os números do Insucesso escolar, urge tomar medidas mais amplas na região, nas quais se inclui, com maior prioridade, a definição da Carta Escolar do Algarve.
A par do redimensionamento da rede escolar, da construção e beneficiação dos espaços físicos, deverá melhorar-se a qualidade da oferta em educação, o que implica a formação dos agentes intervenientes no processo formativo dos jovens, o reforço da componente profissional da formação e o desenvolvimento da orientação escolar e profissional nas escolas.
O ensino superior no Algarve deverá manter o grau de prioridade que lhe foi conferido pelo Governo, concretizando-se as infra- estruturas em curso e programadas.
A formação constitui uma das prioridades regionais, pois não é possível a modernização das empresas sem indivíduos informados e dotados de formação e qualificação, adequadas ao desempenho de novas funções e tarefas, e preparados para a utilização das novas tecnologias. Para o aumento do nível de produtividade, melhoria na qualidade, maior flexibilidade e adaptação rápida às mudanças por parte das empresas algarvias devem ser incrementadas não apenas acções de qualificação dos trabalhadores, quadros e empresários, como, muito em especial, deverão construir-se os centros de formação de que a região necessita e de que ainda não dispõe.
O futuro de uma região assenta no futuro das suas gentes, em especial dos jovens. Por esse motivo cabe à sociedade civil e às instituições públicas um papel importante no sentido de assegurar as condições indispensáveis à inserção dos jovens na vida activa, criando-se, em particular, as condições necessárias para o acesso fácil à habitação, garantindo-se a qualidade de vida a que os jovens e toda a população algarvia aspiram.
Na obtenção dessa qualidade de vida inscreve-se, por um lado, a prevenção e o combate contra a difusão e o consumo de droga e, por outro, a dinamização de mecanismos de apoio à criança e ao indivíduo deficiente.
Sr. Presidente, Sr. e Srs. Deputados: Estas são as traves mestras da nossa actuação nos próximos anos.
Termino como comecei, reafirmando que o Algarve é uma região de futuro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Edmundo Pedro.

O Sr. Edmundo Pedro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é sem alguma emoção que subo. pela última vez, a esta tribuna. Fui deputado durante cerca de uma dezena de anos - durante uma década que representou, sem dúvida, a última fase verdadeiramente válida e activa de uma longa vida de luta por um mundo melhor e mais justo, sob todos os pontos de vista. Ao longo de dois anos tive o meu mandato suspenso, um dos quais por exigências legais resultantes do cargo público que exerci e outro, como é do domínio público, porque fui injustamente punido pela minha determinação na defesa das liberdades públicas e do rumo democrático da Revolução, rumo de que esta nobre casa é, muito justamente, símbolo mais representativo.

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem.

O Orador-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acompanhei intensa e dramaticamente a vida política do País durante mais de meio século. Suportei, de forma particularmente dura, as consequências do meu profundo empenhamento na luta por um mundo socialmente mais justo, mais fraterno e mais tolerante. De nada estou arrependido. Acho que tudo, a seu tempo, valeu a pena. Mesmo o sopro empolgante da utopia que implicou, dramaticamente, o sacrifício total da minha juventude. Estive preso entre os 15 e os 27 anos. Esse crime, cometido na minha pessoa e na de outros jovens, caracteriza bem a desumanidade do regime salazarista. Mas esse sacrifício foi generosamente consentido na luta por algo em que acreditava sem reservas, por algo que se me apresentava tão belo, tão promissor para o futuro da Humanidade, tão profundamente justo, que justificava, a meus olhos, todos os sacrifícios, mesmo o da própria vida!
Fui, como tantos outros, enganado e frustrado nas minhas expectativas. Mas a generosidade e a elevação das intenções tiveram um significado eticamente válido. Não fui um aparatchic ou um numenklaturista cobrindo-se com a ideologia para alcançar privilégios. Fui um militante disposto a dar tudo e a nada receber-a não ser perseguições, e sacrifícios sem conta- na luta por um mundo melhor, mais humano, mais à medida do destino do homem, ou ' seja, na luta pelos objectivos que sempre nortearam a minha empenhada intervenção na vida pública e que continuam, no fundo, a inspirar, ainda hoje, a minha acção política, embora, evidentemente, com uma perspectiva que tem em conta toda a riqueza da experiência, intensa e dramaticamente vivida, do último meio século da história da Humanidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca me considerei um profissional da política. Foram as circunstâncias da luta pela institucionalização da democracia que me conduziram, bem contra vontade, à profissionalização. Mas, ao ser forcado a fazer essa opção, cortei todos os laços que me ligavam à actividade privada. Nos cargos públicos que exerci -nomeadamente o de presidente do conselho de gestão da RTP- pus toda a isenção e tolerância de que era capaz no exercício desse cargo. A minha gestão foi caracterizada por indiscutíveis métodos democráticos - reuni semanalmente o conselho de directores. Nenhuma medida importante (e foram muitas as que foram decididas no meu tempo, designadamente a compra do edifício da 5 de Outubro) foi tomada sem prévia discussão no âmbito desse conselho.
Ao contrário do que foi aqui afirmado recentemente, o que me forçou a apresentar um fundamentado protesto, o PS não governamentalizou a RTP. Dos cinco gestores que, no meu tempo, integraram a comissão administrativa da empresa só dois eram do PS. O PS, então no poder, reservou para si, por vontade própria, a posição minoritária naquele órgão social da empresa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta foi, no meu tempo, a prática do PS, de que não posso deixar de dar testemunho. Toda a gente sabe, na imprensa, que não fiz quaisquer discriminações. Tenho o prazer de ouvir hoje com

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frequência, quando falo com funcionários da RTP referências saudosas à prática pluralista aberta, tolerante e democrática que caracterizou a minha orientação enquanto presidente da RTP.
Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, abandono a actividade política activa,, designadamente ao nível do Parlamento, com a consciência de ter comprido o meu dever, de me ter comportado, em todas as áreas onde intervim, acima de tudo como um democrata. Sem nada ter feito para aqui chegar sem que tal objectivo tivesse estado, mesmo remotamente, no meu horizonte pessoal, sinto-me recompensado de todos os sacrifícios livremente consentidos, tanto antes como a seguir ao 23 de Abril, por ter tido a honra de ser um dos representantes, nesta nobre Casa, do povo português despeço-me fazendo votos para que o pluralismo, a tolerância, o humanismo, os valores, enfim, que são a honra e a razão de ser do regime democrático, prevaleçam nesta Casa e no País.

O Sr. Laurentino Dias (PS):-Muito bem!

O Orador: - Orgulho-me de ter aqui representado o Partido Socialista. Sou e continuarei a ser socialista; orgulho-me de pertencer a um partido que se bateu, antes e depois do 25 de Abril, pela liberdade, pelo pluralismo, por uma sociedade aberta e democrática; orgulho-me de ter participado nesse combate, antes e após o 25 de Abril, de forma profundamente empenhada e militante e de ter contribuído activamente, ao lado de outros destacados socialistas e democratas, para a defesa e consolidação do regime que tem nesta nobre Casa a sua sede mais representativa.
Deixo o Parlamento com a consciência de ter cumprido os meus deveres de democrata e de socialista, e de ter honrado, com o meu comportamento, em todos os planos, o cargo para que fui eleito.
O meu passado de democrata e todos os sacrifícios livremente consentidos na defesa e consolidação do regime dão-me alguma autoridade, penso, para apelar ao pluralismo, à despartidarização do Estado, à criação de condições reais para a alternância democrática, que é no fundo, a mais alta e valida concessão do regime democrático e das suas virtualidades.
Vejo com preocupação, a progressiva partidarização do Estado por parte do PSD. O Estado não pode estar ao serviço de qualquer partido. Esta observação é válida para todos os partidos. E- o, certamente, para o PS. Trata-se, no fundo, de um problema de regime - de um problema do futuro do regime, que se deseja democrático, pluralista, tolerante, aberto à participação e intervenção de todos.
Estes são os votos que exprimo neste momento particularmente significativo da minha longa, empenhada e militante intervenção na vida política do meu país.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados António Guterres, Joaquim Fernandes Marques, Barbosa da Costa, João Amaral e João Corregedor da Fonseca.
Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados inscritos, Sr. Deputado Edmundo Pedro, gostaria de, em nome da Mesa, apresentar a V. Ex.» vivas saudações pelo trabalho e convívio desenvolvidos e desejar-lhe também os mais sinceros votos de felicidades.

Aplausos gerais.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS):-A vida política tem muitas contrariedades e muitas dificuldades, mas também tem alguns privilégios. E da minha actividade política faço ressaltar como um privilégio da maior importância o de ter podido conhecer, conviver, trabalhar em conjunto e sentir-me camarada de um homem como Edmundo Pedro. Penso que poucos portugueses terão sofrido mais na sua vida pelos valores a que sempre se dedicaram -os valores da liberdade, do pluralismo, dos direitos do homem - do que Edmundo Pedro.
Edmundo Pedro é, seguramente, para o meu partido, uma referência histórica fundamental e um militante activo no presente, empenhado nos seus valores. Mas, mais do que para o meu partido, suponho que Edmundo Pedro é um símbolo vivo da democracia portuguesa. E não faz sentido que o Partido Socialista procure capitalizar uma figura cuja dimensão de democrata e de homem extravasa as fronteiras partidárias e se inscreve naquilo que deve ser o orgulho comum que todos temos de nos batermos sempre pela liberdade e pela democracia.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Fernandes Marques.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Deputado Edmundo Pedro, queria, em nome pessoal e em nome da minha bancada, dizer-lhe que é com mágoa que o vemos (enfim, por razoes naturalmente de carácter pessoal) abandonar o Parlamento. Mas não o abandona porque, no fundo, continua presente em nós através do conhecimento que travamos consiga.
Alguns de nós conhecemo-lo também nos períodos difíceis pós 25 de Abril em que foi preciso que muitos de nós dessem as mãos para que a democracia se consolidasse e para que hoje, aqui, todos os partidos políticos pudessem, em liberdade, expressar as suas opiniões e representar os seus eleitores.
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, em meu nome pessoal, refiro, e em nome da minha bancada, saudamos o Sr. Deputado Edmundo Pedro como um símbolo da luta pela liberdade, dos direitos do homem e da democracia pluralista.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Edmundo Pedro: Habituei--me a ver V. Ex.º neste Parlamento e na vida pública portuguesa a desenvolver um trabalho, a dar uma contribuição discreta, mas eficaz, para que a democracia portuguesa, nas suas diferentes vertentes e componentes, se desenvolvesse.
Considero V. Ex. como uma figura emblemática da democracia portuguesa, tão emblemática quanto foi forçada a viver e a sofrer as contradições que a vida tem: esteve detido no anterior regime, porque queria a democracia, e, devolvida esta ao povo português, foi preso, de novo. São estas as contradições da vida que caldeiam, ainda mais, as almas grandes, os espíritos nobres, como o de V. Ex.

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Quando anuncia que se vai retirar deste Parlamento, creio que só há uma palavra que se pode dizer Portugal e a democracia querem dizer-lhe até sempre, Sr. Deputado Edmundo Pedro.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP):-Sr. Presidente; Srs. Deputados, Sr. Deputado Edmundo Pedro: Naturalmente não podíamos deixar de nos associar, neste momento, às palavras que têm aqui sido proferidas, exprimindo-lhe a simpatia e o calor que sempre pautaram as nossas relações.
Sr. Deputado Edmundo Pedro, permito-me sublinhar haver neste momento uma componente importante de alegria, porque é com profunda e intensa satisfação que vivemos estes anos e vivemos agora neste Portugal democrático, neste Portugal liberdades por que lutamos e pelo que o Sr. Deputado Edmundo Pedro lutou com muito sacrifício.
Sr. Deputado Edmundo Pedro, quero também dizer-lhe que tenho a certeza de que continuará fora do Parlamento com a mesma vigilância e atenção na defesa das liberdades e deste Portugal democrático.
A vida política, na sua perspectiva e na forma como a viveu, não vai parar por sair do Parlamento, vai continuar a entendê-la na mesma luta pela consolidação das liberdades.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Agradeço-lhe Sr. Presidente, pela tolerância de que dá provas por me deixar expressar ao meu amigo e grande democrata Edmundo Pedro o meu pesar por o ver abandonar a Assembleia da República, mas também associar--me à homenagem justa que todos nós aqui lhe prestamos.
É o respeito por uma figura de democrata, que se impôs sempre como um grande lutador pela democracia e que sofreu duramente a repressão dos fascistas quando lutava para que, em Portugal, houvesse liberdades,
Saúdo-o com grande respeito, Edmundo Pedro, e com a amizade que sabe que nutro por si, mas a nossa democracia, Sr. Deputado, ainda espera muito desta figura de democrata e espera o seu conselho, a sua tolerância, de que aqui sempre deu provas, e a sua compreensão.
O seu exemplo, Edmundo Pedro, devia ser seguido por muitos portugueses, dentro e fora desta Casa.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Edmundo Pedro.

O Sr. Edmundo Pedro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Umas simples e breves palavras de comovido agradecimento pelas palavras aqui produzidas a seguir à minha intervenção.
Estou profundamente comovido e naturalmente que não podia esperar, depois de tudo o que se passou comigo, melhor recompensa.
Bem- haja a todos.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, «««»»»» lavra o Sr. Deputado João Montenegro.

O Sr. João Montenegro (PSD): -Sr. Presidente. Srs. Deputados: O Douro, um cenário em mutação, onde se combinam actividades seculares com o germinar de novas iniciativas.
O Douro: o vinho, as barragens, as quintas, os socalcos. Um espaço indutor de cultura.
O Douro: espaço onde existem recursos ainda por mobilizar, lado a lado com áreas ora carentes, ora demasiado pressionadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serve esta pequena introdução para chamar a atenção de VV. Exas para o importante plano que vem sendo desenvolvido pelo Governo, que tem contado com a dedicada colaboração de 13 municípios do vale do Douro e, bem assim, de outras entidades ligadas à cultura e ao turismo. Trata-se do Plano Regional de Ordenamento da Zona Envolvente do Douro, que passarei a designar por PROZED.
Por resolução do Conselho de Ministros, de 10 de Outubro de 1988, a Comissão de Coordenação da Região do Norte foi encarregada de dar início aos trabalhos tendentes à elaboração do PROZED. Este Plano estabelece uma estratégia de desenvolvimento equilibrado, que contempla a definição de modelos de ocupação da Zona Envolvente do Douro, por forma a regulamentar, padrões de uso, ocupação e transformações do solo e, ao mesmo tempo, salvaguardar e valorizar os recursos endógenos e valores da região.
Por outro lado, deve concretizar um regulamento, um zonamento e um quadro de acções e medidas de intervenção que permitam à região a sua diversidade, internacionalizando também os recursos externos que nela possam ser aproveitados.
De Cacto, com o advento da navegabilidade do Douro, com a criação da Região Específica de Aproveitamento Turístico, é previsível a atracção de actividades que se poderão traduzir em alterações do uso do solo qualitativamente indevidas ou quantitativamente exageradas.
Toma-se, assim, necessário definir um zonamento que oriente a gestão do território, no sentido da sua preservação e potenciação, e. estabelecer regras de comportamento bem conhecidas de todos, de modo a valorizar, a curto e longo prazos, as potencialidades desta área.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para isso, a equipa de técnicos da Comissão de Coordenação da Região do Norte, conjuntamente com autarcas, técnicos locais, comissões regionais de turismo, estruturas representativas das actividades predominantes, órgãos regionais e locais da administração central, conseguiram, ao longo destes últimos anos, elaborar um trabalho digno de registo e que assenta, fundamentalmente, em quatro linhas de actuação: estratégia de desenvolvimento; políticas de acessibilidades; estruturação urbana; aproveitamento turístico.
A concentração urbana, constituída pelo aglomerado populacional dos nove municípios da Área Metropolitana do Porto, estende a sua influência muito para além dos limites destes municípios, sobretudo ao longo dos principais eixos rodoviários e ferroviários, e actualmente é marcante o impacte que exerce em relação ao Douro.
A invasão aos fins-de-semana por parte do universo de 1,2 milhões de habitantes da Área Metropolitana do Porto

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E a deslocação pendular diária de trabalhadores ou estudantes de áreas cada vez mais afastadas obrigam a uma rápida implementação do Plano Rodoviário Nacional, à concretização do programa de renovação da CP e à utilização da via navegável do Douro, o Douro que esta cada vez mais ligado á Área Metropolitana do Porto. A melhoria destas ligações possibilitará a extensão de atractivos à novas áreas de modo a permitir um desenvolvimento mais rápido e um aproveitamento mais intenso dos recursos endógenos, nomeadamente a capacidade empresarial.
Por outro lado, a economia de montanha, o turismo e a agricultura em tomo do vinho verde e da fruta, consociando-se, em complementaridades, com a floresta, a aquacultura, o artesanato, etc. poderão concorrer para o bem-estar local, sem o desvirtuamento desta área, que hoje apresenta os indicadores mais desfavoráveis da Região Norte.

Vozes do PSD; - Muito bem!

O Orador: - A estratégia a definir para a Zona Envolvente do Douro deverá ser uma estratégia em torno do recurso polivalente e evolutivo que o próprio rio representa, pelo que se toma indispensável assegurar a maximização do uso dos múltiplos recursos envolvidos e, ao mesmo tempo, garantir a sua sobrevivência, robustecendo-a, por forma que não se desintegre no contacto com os sistemas polarizadores que o rodeiam e que não viriam beneficiar da sua desintegração.
A política de acessibilidades será um efectivo meio de difundir e assegurar elevados níveis internos de acessibilidade, garantindo, no entanto, pela articulação entre os vários sistemas de comunicação na Zona Envolvente do Douro uma forte coesão global
Nesta perspectiva, a rede de acessibilidades assenta, fundamentalmente, na via navegável do Douro, na rede rodoviária, no caminho de ferro e nas ligações aéreas. Não se pode considerar a actividade, o crescimento, a .imagem e demais características de um centro urbano, a nível de uma sub-região como é o Douro, isolado, desligado dos outros que concorrem com ele para a satisfação das necessidades de produção, de consumo, do lazer, considerados no seu todo geográfico.
Lamego, Régua e Vila Real, tendo, sem dúvida, missões específicas e diferenciadas, concorrem simultaneamente para o funcionamento integrado de um conjunto de infra--estruturas e equipamentos urbanos complementares.
Lamego será o interface entre o vale do Douro e o Planalto Beirão; Vila Real será o interface entre o vale do Douro e o Planalto Transmontano, e a Régua será o interface entre o vale do Douro e o Litoral, pela via navegável e pelo caminho de ferro.
É já perceptível a existência de um eixo em relação a estas cidades, apesar da dificuldade de ligações entre estes três pólos, tendo sobretudo em relação a topografia difícil dessa área. Neste quadro, Cinfães, que será com certeza, num futuro próximo pólo de atracção, pois uma rápida ligação entre a minha e o rio permitirá um melhor aproveitamento das suas potencialidades. A região do vale do Douro poderá contribuir para a riqueza nacional em termos de aproveitamento turístico, pois tem conseguido resistir aos atentados paisagísticos que,
por vezes, proliferam em determinadas zonas do País.
Importa sensibilizar todas as entidades, os empresários
e, sobretudo, a população do vale do Douro para a
necessidade de preservar a beleza paisagística de região, impedindo os atropelos que, muitas vezes, a tentação do lucro fácil comete. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deixo este alerta, paia que o Douro seja cada vez mais uma área onde se possa viver bem. que apeteça conhecer e voltar a visitar.

Aplausos do PSD, do PRD e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Deputado João Montenegro, ouvi com muita atenção a intervenção que fez, já que ela me interessa, particularmente na medida em que sou também habitante da chamada «bacia do rio Douro», embora mais a jusante.
Entretanto, a jusante, sofre-se também os problemas que vão surgindo a montante e, por consequência, na zona da foz há graves situações ambientais de todos conhecidas.
Mas não foi disso que V. Ex.º veio falar, mas na viragem que está a verificar-se na zona a montante do rio Douro, sobretudo devido às acessibilidades que começam a surgir, designadamente aos níveis fluvial e rodoviário.
O Sr. Deputado fez algumas reservas quanto à bondade de algumas infra- estruturas que possam ser realizadas e que podem colocar graves problemas às populações, sobretudo - e usando a sua afirmação - pelo desejo do «lucro fácil» por parte de algumas entidades ou empresários.
Creio que é importante não se fazer de algumas zonas do País uma espécie de reservas para os citadinos visitarem. É importante que essas zonas sejam respeitadas, que as condições mínimas de sobrevivência e de qualidade de vida sejam garantidas. É importante também que não se faça um desenvolvimento que vá pôr tudo em cheque e se comece a verificar que indo à região do Douro, ao Alentejo ou ao Algarve tudo é igual, na medida em que a paisagem do betão substitui a paisagem natural, descaracterizando quer a terra, quer as pessoas.
Registo a forma correcta, independente e inteligentemente elaborada como colocou o problema, esperando que, de facto, haja -através do plano PROZED, que está a desenvolver-se- o cuidado de defender as populações desses perigos que possam surgir.
Considero que isso será possível, se os homens quiserem e as instituições vocacionadas não o permitirem.
Espero que o rio Douro, quer a montante, quer a jusante, respeitando e desenvolvimento, mantenha, sobretudo, o respeito pelas pessoas que lá moram e que lá querem morar.

O Sr. Presidente: -Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Montenegro.

O Sr. João Montenegro (PSD): - Sr. Deputado Barbosa da Costa, permita-me que, neste curto espaço de tempo que tenho para lhe responder, explane um pouco mais um assunto, um tema, um programa que parece de grande importância, de grande envergadura, mas que a escassez de tempo não me possibilitou aprofundar da forma como gostaria de fazê-lo.
A minha intenção foi, fundamentalmente, chamar a atenção, sobretudo, dos habitantes da zona do vale do rio Douro, dos empresários, das autarquias, de todos quantos

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estão interessados verdadeiramente no desenvolvimento turístico daquela região, para o cuidado que é necessário implementar nestas circunstancias, por forma a tentar preservar ao máximo as belezas paisagísticas e as condições ambientais que a zona do rio Douro ainda possui neste momento.

Aplausos do PSD

O Sr. Presidente:-Para orna intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dos problemas mais sentidos e de maior urgência de resolução no Parto é o problema habitacional, pois tem a ver directamente com a vida e a saúde e bem-estar dos cidadãos.
É um dos problemas mais graves socialmente do distrito, como também o é em todo o País. Há realidades que não podem ser ignoradas porque fazem parte do dia-a-dia dos cidadãos, e esta é uma das suas maiores angústias. A situação na cidade do Porto é elucidativa: cerca de 45 % das famílias estão mal alojadas; existem 8000 casas de ilha, onde habitam 40 000 pessoas; nos bairros camarários, mais de 70000 pessoas com situações gravíssimas de degradação e superlotação. Crescem, dia-a-dia, as barracas onde vivem milhares de famílias.
Visitando a cidade do Porto e arredores, deparamos com este drama de famílias inteiras a viverem em autênticos letargos - vãos de escada, caves e até em varandas-, como acontece em algumas freguesias do Porto, tais como Sé, Miragaia, São Nicolau, Vitória, Cedofeita, entre outras, em condições que são de total afronta à condição de ser humano.
Cada vez se acentuam mais zonas de barracas, quer na periferia da cidade, quer em concelhos limítrofes, e não é por luxo que milhares de pessoas vivem nestas condições, é pelas suas condições de vida, pelos baixos salários que auferem.
Sendo um problema social com reflexos nacionais, tem de haver uma política governamental -que não tem havido! - capaz de ir ao encontro da resolução deste drama.
Dados recentemente divulgados por várias instituições e especialistas apontam para a carência habitacional no nosso país entre 500 a 800 000 fogos.
Existe uma procura anual de dezenas de milhar de fogos para novos agregados familiares. Por ano, são registados cerca de 70 000 casamentos. Há uma degradação anual e permanente no nosso parque habitacional, na ordem dos 20 a 25 000 fogos/ano.
É possível afirmar também que, sendo este o quadro de carências, por ano constroem-se ou recuperam-se no nosso país apenas 50000 fogos (média de 1987 a 1989)! Em Portugal não se constrói, sequer, por ano, o necessário para corresponder às novas necessidades de habitação, muito menos para diminuir o actual défice habitacional.
A criação de condições para a construção intensiva de habitação e a criação de condições aos agregados familiares para terem acesso à habitação, quer em regime de arrendamento, quer pela aquisição de casa própria, são duas 'vertentes do mesmo problema e que necessitam de ser encaradas em simultâneo.
Atendendo a que, segundo estatísticas oficiais, mais de metade dos portugueses aufere rendimentos mensais per capita inferiores a 45 000$ e que se tem vindo a verificar a perda de poder de compra de largos sectores sociais, a
Grande maioria das famílias não tem, de facto acesso à habitação nas actuais condições.
Em relação aos fogos construídos desde 1980. o sector público nunca ultrapassou os 143 % (1980) e tem vindo a decrescer, atingindo 2,6%, em 1988. e 7%. em 1989. O sector cooperativo atinge cerca de 6 % e o sector privado tem assegurado cerca de 90 % da promoção de habitação nos Últimos anos.
Actualmente, a administração central não promove a construção de um único fogo. Dos fogos construídos apenas 1,7 % se destinaram a arrendamento, com o consequente estrangulamento do respectivo mercado.
A produção de habitação a custos controlados, prevista no Plano de Desenvolvimento da Habitação, lançado em 1988, tem um volume de investimentos de 56 % do previsto.
A aquisição de habitação é feita quase exclusivamente com recurso ao crédito, com elevadas taxas de juro, mas este serve, cada vez mais, apenas famílias de média e alta solvência. E de assinalar que o número de contratos em 1990 corresponde apenas a 60 % dos contratos celebrados em 1987. E também de assinalar que um agregado familiar em 1989, para ter acesso a um empréstimo do montante igual a outro contraído em 1987, necessitava de ter um acréscimo de rendimento da ordem dos 80 % relativamente ao que auferia em 1987, e obteria, mesmo assim, uma habitação de menor valor.
Sendo este o quadro geral da situação, urge serem tomadas por um futuro governo um vasto e radical conjunto de medidas que actuem, em simultâneo, nas várias componentes do processo-desde a política de solos e ordenamento do território, à promoção habitacional, à reabilitação urbana e reabilitação do parque habitacional, ao arrendamento, ao apoio à indústria de construção, ao financiamento e à fiscalidade.
Incumbem ao Estado importantes responsabilidades na resolução deste problema e, no quadro institucional português, essa competência recai, por inteiro, sobre a administração central.
Mas a prática deste Governo nada tem a ver com as suas obrigações institucionais e com os imperativos constitucionais, nem com as promessas que todos os dias os seus ministros, e em particular Cavaco Silva, transmitem através dos órgãos de comunicação social.
É um problema nacional, embora com grande incidência nos grandes centros.
Por isto mesmo, tem de merecer uma atenção mais cuidada, uma outra política, de maneira a que os Portugueses sintam que o seu bem-estar não é uma questão de marketing. Na prática, os Portugueses querem viver melhor, e a isso têm direito.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão ainda inscritos um deputado do PSD, outro do PS e outro do PCP. Acontece, porém, que o período de antes da ordem de dia está esgotado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente,, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente atendendo a que são apenas três intervenções, não vejo qualquer di(...)

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cuidado a que elas sejam feitas, tanto roais que temos de aguardar a presença dos Srs. membros do, Governo que virão participar...

O Sr. Presidente:-Sr. Deputado, temos um longo período da ordem do dia e, em relação à presença o Srs. Membros do Governo, já foi esclarecido que não vem nenhum para participar na discussão das propostas de resolução que estão agendadas.
Por conseguinte, aquilo que a Mesa iria sugerir, alias o Sr. Presidente, Vítor Crespo, já tinha levantado a questão e pareceu haver consenso, era que se deixasse para a parte da tarde a discussão do inquérito parlamentar sobre a constituição de uma comissão de inquérito ao Centro Cultural de Belém e que iniciássemos, ainda da parte da manhã, a discutir das propostas de resolução n. 38/V - Aprova, para ratificação, os Protocolos Adicionais I e n às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949. 47/V - Aprova, para ratificação, a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem e 50/V-Aprova o acordo especial, por troca de notas, entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, para supressão do artigo 19. do Tratado Luso-Britânico de Comércio e Navegação de 12 de Agosto de 1914.
Está estabelecido consenso à volta desta questão.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): -Sr. Presidente, queria dizer que o consenso era no pressuposto de que os Srs. Deputados que queriam intervir nestas matérias se encontravam disponíveis. O meu partido deu o seu consenso nesse pressuposto. Neste momento, não tenho dados de que os Srs. Deputados que querem intervir se encontram aqui no Parlamento. Penso que ainda não.

O Sr. Presidente: -Sr. Deputado João Rui Aline, tem havido alguma dificuldade no contacto da Mesa com os grupos parlamentares, porque os telefones internos estão avariados.
No entanto, até pela deslocação de Srs. Deputados à Mesa, o que agradecemos, a convicção que unhamos era a de que, pelo menos, para a discussão das propostas de resolução n.- 38/V e 41/V estariam presentes no Plenário os Srs. Deputados intervenientes no debate, de quem a Mesa já tem, aliás, inscrições.
De qualquer forma, é óbvio que não podemos iniciar os trabalhos se não estiverem presentes os deputados que directamente estão envolvidos na discussão desses diplomas.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar, a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, há pouco, no início da sessão, demos o nosso acordo a que da parte da manhã, terminado o período de antes da ordem do dia, se discutissem as propostas 'de resolução e soubemos que houve também acordo de todos os grupos parlamentares nesse sentido.
Entretanto, tive conhecimento de que o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares não pode estar presente da parte da manhã porque pela nossa parte, estamos preparados para a discussão e pedíamos a todos os restantes grupos parlamentares, dada a ordem do dia ser tão longa da parte da tarde, que aproveitássemos esta parte da manhã.
Era um pedido que fazia a todos os grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, houve já a indicação, por parte do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, de que estão criadas as condições para iniciarmos o debate.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Joio Amaral (PCP): - Sr. Presidente, em relação à proposta de resolução n. 38/V existe uma longa declaração do Governo interpretativa sobre uma série de cláusulas dos protocolos que, na minha opinião, nem todas estão claras. Gostaria que ficasse registado em acta o conteúdo de algumas alíneas dessa declaração.
Neste quadro, vejo com muita dificuldade que se possa discutir uma convenção em relação à qual não nos limitamos a aprovar, mas que subscrevemos, autorizamos, aprovamos, uma declaração com 3 páginas e umas 10 ou 12 alíneas interpretativas na ausência de um membro do Governo que de algumas respostas, que, creio, seriam possíveis nomeadamente para o objectivo da proposta de resolução.
Em relação às outras propostas de resolução, não vejo qualquer inconveniente que se discutam desde já.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fica registada a sua intervenção.

Penso, portanto, que estão criadas as condições para entrarmos no período da ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Srs. Deputados, antes de iniciarmos a discussão da proposta de resolução, vou dar a palavra ao Sr. Secretário para proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Carlos Brito (PCP):- Sr. Presidente, qual é então a decisão da Mesa:

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Governo anunciou que não estaria presente e, obviamente, a Mesa terá de dar início ao debate. Já não é a primeira vez que vamos discutir uma matéria sem a presença do Governo.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, nós deduzimos, fundamentadamente, uma objecção em relação a uma das propostas de resolução. Portanto, penso que essa

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Deve ser adiada para a tarde com a presença dos membros do Governo, podendo discutir-se agora as restantes duas.

O Sr. Presidente-, Sr. Deputado, se não há consenso e dado que sé trata de uma alteração da ordem do dia, não podemos iniciar a discussão dessa proposta de resolução.
No entanto, vou dar, de. novo, a palavra ao Sr. Deputado secretário para ler um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos e depois a Mesa anuncia o que pensa fazer.
Tem a palavra, Sr. Secretário.
O Sr. Secretário-Srs. Deputados, o relatório e parecer da Comissão de .Regimento e Mandatos vai no sentido de autorizar o Sr. Deputado Abílio Mesquita Araújo Guedes a depor na qualidade de testemunha em processo que corre os seus trâmites no e Juízo Criminal da Comarca de Lisboa.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, José Magalhães, Marques Júnior, Raul Castro e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, de facto, não é possível estar presente nenhum membro do Governo e, inclusivamente, temos indicação de que o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares está numa reunião, pelo que não poderá comparecer.
Não havendo consenso em relação è discussão da proposta de resolução n.9 38/V, ela será discutida na parte da tarde, mas penso que poderemos iniciar a discussão da . proposta de resolução n.º 47/V.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: A questão que se nos está a pôr é a seguinte: a nossa adesão à proposta do Sr. Presidente da Assembleia da República, no início dos trabalhos, no sentido de que poderíamos, no final da sessão matinal, passar ao período da ordem do dia não significa, no entanto, que tenhamos dado o nosso acordo à ausência do Governo para a discussão destas propostas de resolução.
Assim, devo informar a Mesa que, também pelo facto de a nossa própria direcção parlamentar ser composta pelos deputados que vão intervir na discussão das diferentes propostas de resolução, não daremos o nosso acordo ao prolongamento dos trabalhos parlamentares durante a manhã relativamente a qualquer das propostas, se, entretanto, o Governo não estiver presente.
A nossa adesão significou que havia disponibilidade por parte do nosso grupo parlamentar em discutir essas matérias, mas cremos que teria de ser acompanhada, simultaneamente, pela disponibilidade do Governo para estar aqui presente, a fim de presenciar a discussão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não havendo consenso, não podemos iniciar a discussão desta matéria.

O Sr. Laurentino Dias (PS):/- Não é «não havendo consenso mas não havendo Governo!»

O Sr. Presidente: - Sim, não havendo consenso para que essa discussão se faça, sem a presença do Governo.
Foi-nos confirmado que o Sr. Secretário de Estado
Adjunto rio Ministro dos Assuntos Parlamentares está na
reunião do Conselho de Ministros, pelo que não pode estar
Não havendo consenso, não podemos prosseguir os trabalhos.

O Sr. Laurentino Dias (PS):- Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, para esta questão ser correctamente formulada, creio que deve entender-se que existe consenso por parte dos grupos parlamentares aqui presentes. No entanto, como se trata de propostas apresentadas pelo Governo, parece-nos que a discussão fica prejudicada sem a sua presença neste hemiciclo.

Pausa:

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, parece não ser possível a presença, nesta Câmara, de nenhum membro do Governo da pane da manhã. A indicação que a Mesa tinha era no sentido de que o Governo daria o seu acordo para que a discussão fosse feita sem a sua presença. Como não há consenso sobre esta matéria, a Mesa não vê outra alternativa senão a de interromper os trabalhos.

O Sr. Joio Amaral (PCP): - Sr. Presidente, uma vez que há inscrições no período de antes da ordem do dia, penso que elas poderiam ser feitas agora.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já entrámos no período da ordem do dia com a leitura de um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos, pelo que não podemos avançar e recuar.
Antes de entrar no período da ordem do dia, a Mesa não tinha dúvidas. Agora, parece que já não faz sentido recuarmos.

O Sr. Fernando Alves Figueiredo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:- Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Alves Figueiredo (PSD): - Sr. Presidente, inicialmente, pareceu ter sido esboçado nesta Câmara um consenso, na medida em que só um partido invocou a necessidade da presença de membros do Governo para prestarem esclarecimentos quanto a uma das propostas de resolução. Em relação às outras duas, poderiam, eventualmente, ser apresentadas e discutidas agora.
Parece que, entretanto, se deu um volta-face, pelo que gostava que ficasse perfeitamente clarificado se, na realidade, existe consenso quanto ao facto de duas das propostas de resolução poderem ser discutidas agora e se apenas uma requer esclarecimentos do Governo ou se, na realidade, se verificou uma alteração da posição, desig(...)

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necessário do Partido Socialista no sentido de lhe parecer necessário a presença do Governo para as três propostos de resolução.

O Sr. Presidente - Sr. Deputado quando o Sr. Presidente da Assembleia levantou esta questão de manha, não se verificou qualquer objecção por parte de nenhum grupo parlamentar e já foi explicado pelo Sr. Deputado Laurentino Dias que essa tomada de posição era no pressuposto de que o Governo estaria presente...

O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa...

O Sr. Presidente: -Faça favor, Sr. Deputado:

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, quero que as coisas fiquem devidamente esclarecidas. Não é verdade que não tivesse havido, objecções por parte dos grupos parlamentares. Até foi pedido que o Sr. Presidente indicasse 'quais eram as matérias que iriam ser discutidas para que os grupos parlamentares se organizassem, mas o Sr. Presidente também referiu que o Governo deveria proceder da mesma forma e observou, com uma certa graça, que, seguramente, ele o estava a ouvir. Como todos sabemos, o Sr. Presidente referia-se ao circuito interno de televisão a que os líderes parlamentares e o Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares tem permanentemente acesso, enquanto trabalham nos seus gabinetes.
Portanto, falta um elemento para que esta discussão se faça-o Governo-, a quem essa consideração do Sr. Presidente da Assembleia da República também se aplicava. Todos nós, quando demos o nosso consenso, fizemo-lo nesse pressuposto.
Pela nossa parte, já deduzimos objecções em relação a uma das propostas de resolução e outro partido fez outro tanto relativamente às outras. É essa a situação que está criada. Não se pode pois dizer que os grupos parlamentares deram o consenso de manha e que o retiraram agora, porque não é exacto. O consenso foi dado na pressuposição de que o Governo estaria presente, correspondendo ao apelo implícito nas palavras do Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Agradeça ao Sr. Deputado Carlos Brito a informação prestada, que julgo estar na linha do que eu tinha acabado de afirmar.
A situação é clara: não há condições para podermos iniciar o debate de nenhuma das propostas de resolução agendadas, pelo que a Mesa suspende os trabalhos, que serão retomados às 15 horas.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 12 horas e 25 minutos.

Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

O Sr. António Guterres (PS):- Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma breve interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS):-Sr. Na sequência da reunião desta manhã, como o Sr. Presidente saberá, deputado dos Grupos Parlamentares do PS e do PCP propuseram à 3.º Comissão a audição do Sr. Ministro responsável pela tutela da RTP e de membros do conselho de administração da mesma e dos directores dos dois canais; Acontece que a Comissão rejeitou a nossa proposta, por decisão maioritária do PSD.
Independentemente de outras diligencias que possam ser sequência a esse facto, gostava de solicitar
ao Sr. Presidente os seus bons ofícios no sentido de garantir a presença do Governo, no debate de amanhã, no Plenário da Assembleia da República, visto que, para além de outros aspectos. estão em causa as suas próprias responsabilidades.
Nesse sentido, para além de outras iniciativas que possamos tomar, reitero o meu pedido ao Sr. Presidente. solicitando os seus bons ofícios junto do Governo para que estivesse, amanhã, adequadamente representado no debate que vai ser feito sobre comunicação social, na sequência da mensagem do Sr. Presidente da República.
Aplausos do PS, do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Era bom que também estivesse presente o Sr. Secretário-Geral do PS, porque nós temos umas perguntas para lhe fazer!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à apreciação do inquérito parlamentar n.º 23/V (PS, PCP, PRD, CDS e deputado independente Herculano Pombo) - Constituição de uma comissão de inquérito destinada a averiguar as condições de legalidade e .regularidade financeira e técnica de todo o processamento que envolve o Centro Cultural de Belém.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamento que só agora se possa discutir a proposta de inquérito ao Centro Cultural de Belém. Devemos admitir que é tarde! Se. por acaso, for aprovado - o que não é seguro! - , o inquérito não será de todo feito nas melhores condições, dado que, com as férias, com os deputados longe da Assembleia, com muitos organismos públicos em funcionamento de pequena velocidade, não vai ser fácil realizá-lo em boas condições.
Além do mais, uma campanha eleitoral aproxima-se, o que também não é a melhor circunstância para a realização de um inquérito destes. Não vou discutir as responsabilidades individuais nem as de grupos parlamentares neste adiamento ou neste prazo tão dilatado para discutir, aprovar e debater esta proposta de inquérito. Interessa-me, apenas, sublinhar alguns aspectos institucionais.
Quase tudo, nesta Assembleia, é demorado, é burocratizado, é lento e este Parlamento nem sempre, ou muito poucas vezes, reage à vida com a rapidez, a prontidão e a clareza com que devia fazê-lo.
Se me permitem esta brevíssima sugestão de fim de legislatura, gostaria de poder convidar os Srs. Deputados e os grupos parlamentares da próxima legislatura a reflectirem muito mais seriamente do que no passado quanto à funcionalidade e à capacidade de reacção política da Assembleia da República perante a vida de todos os dias.

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Um inquérito como este ao Centro Cultural de Belém, dada a dimensão da obra e o que cata em cansa, evidentemente que deveria Ter sido imediatamente aprovado ou imediatamente rejeitado. Não deveria era ter esperado este prazo e ter aproveitado o aproximar das férias políticas e das férias laborais para que se discutisse em última instância.

O Sr. António Guterres (PS):-Muito bem!

O Orador: - Consideramos que o caso do Centro Cultural de Belém é de tal modo grave para as instituições e, mesmo, para o regime democrático que exige de todos nós um suplemento de esforço, um suplemento de responsabilidade e de empenhamento para que não só possa ser aprovado como também levado a cabo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sobre este Centro Cultural, a que alguns chamam centro comercial de Belém, a que outros chamam mamarracho, a que outros chamam o mausoléu de Belém, já aqui se disse tudo ou quase tudo e quero repetir para todos, para que não sobrem dúvidas: não discuto, não discutimos, questões estéticas. Mal de nós se deixarmos que venha o dia em que à política se começa a ocupar de questões estéticas! Quando a política se ocupa de questões estéticas, estamos no princípio da intolerância, e nós não queremos isso!
Queremos inquirir, porque temos razões sérias e fundadas para isso; porque é uma obra pública, apesar do seu estatuto artificialmente privado; porque é uma das mais importantes realizações do actual governo; porque há indícios de sérias irregularidades e, mesmo, ilegalidades cometidas pelo Governo (repito, há indícios, e nós vamos provar se os há ou não); porque estão em causa elevadíssimos montantes de recursos públicos, dos contribuintes portugueses; porque a obra traduz prioridades mais que discutíveis da política governamental; porque também o processo de decisão e de realização desta obra põe em crise o Estado de direito e as instituições; porque o Governo revelou flagrante imperícia, imperícia essa que é responsável pelo dispêndio não justificado de muitos milhões de contos; porque os custos, não atempadamente orçamentados, subiram escandalosamente de 6 para 27 milhões de contos; porque, estando, actualmente, legalmente orçamentados 27 milhões de contos, a obra já custa, na contabilidade da própria empresa, 3,2 milhões de contos, havendo rumores consistentes de que o custo final ultrapassará muito largamente os 30 milhões de contos e aproximar-se-á dos 40 milhões de contos; porque a responsabilidade dos desperdícios vai directamente para o Governo, segundo opinião generalizada, mas, sobretudo, segundo o relatório de contas da empresa construtora.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, se isto não é matéria para um inquérito parlamentar, digam-me para que servem os inquéritos parlamentares.

Os Srs. Deputados da maioria têm, a meu ver, a obrigação moral de permitir este. inquérito ou, então, a obrigação moral de fundamentar as razões por que o rejeitariam.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador- Os fundamentos, terão se esclarecendo a opinião pública, por que estão satisfeitos com as informações que tem e por que é que não têm dúvidas.
Por múltiplas razões, gostaria de dirigir-me ao Sr: Deputado Mário Montai vão Machado, mas este, infelizmente, está ausente. Porém, poderei fizê-lo ao Sr. Deputado José Silva Marques para lhe perguntar isto: acha bem e considera normal que uma obra inicialmente orçada em 6 milhões de contos custe agora não menos de 30 milhões de contos?

O Sr. José Sócrates (PS):-Muito bem!

O Orador:-Não fica inquieto. Sr. Deputado, coro o neto de a empresa construtora ter declarado, preto no branco, aos accionistas -neste caso, ao accionista Estado -, no seu relatório de contas de fim de ano, que a responsabilidade da explosão dos custos era do Governo, dadas as alterações programáticas e os atrasos dos projectistas?

Sr. Deputado José Silva Marques e Sr. Deputado Carlos Coelho, que também cá esteve em tempos -e dirijo-me agora aos dois -, não ficam preocupados com o facto de o Tribunal de Contas ter levantado sérias dúvidas, após ter analisado o processo de decisão sobre o Centro Cultural de Belém?
Srs. Deputados Carlos Coelho e José Silva Marques, são capazes de esclarecer as minhas dúvidas? São capazes de esclarecer as dúvidas de todos nós? Poderão dizer-nos se estão satisfeitos com a informação que têm? Gostava, sinceramente, de os ouvir!
Ao que foi dito até hoje, em tantas vezes que aqui falámos do Centro Cultural de Belém, quero acrescentar dois ou três factos recentes.
Compreendemos que o Governo tenha ficado crispado e nervoso com a questão do Centro Cultural de Belém. Foi apanhado em flagrante, e ninguém gosta disso. Hesitou na atitude a tomar relativamente ao inquérito. Tentou impedir a ida dos deputados ao Centro Cultural de Belém. Inventou um inquérito à Câmara de Lisboa, para compensar o inquérito ao Centro Cultural de Belém, inquérito esse que acabou por não fazer.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!

O Orador: - Começou por prometer que assinaria o nosso inquérito, não o assinou, não se sabe hoje se o vai fazer, se não. Ainda tenho uma esperança - todas as pessoas mudam! -, mas veremos se vão ou não votar o inquérito!
O próprio Grupo Parlamentar do PSD sente, no seu íntimo, dúvidas e não se sente lisonjeado pela maneira expedita como o Governo tem tratado o assunto, nomeadamente nos seus aspectos orçamentais. Compreendo tudo isso, mas devemos admitir que o mal-estar do Grupo Parlamentar do PSD não é uma razão suficiente para inviabilizar este inquérito!
Um novo facto, em particular, chocou a opinião de todos os interessados. Ó relatório de contas do Centro Cultural de Belém, relativo a 1990'-e lamento que o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, Carlos Encarnação, não esteja presente-, remete para o Governo as responsabilidades. pelos atrasos e, sobretudo, pelos custos exagerados e descontrolados.

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E os responsáveis pela empresa foram mesmo mais longe e, publicamente, segundo eles, os custos normais daquela obra, feita em condições médias normais, elevar-se-iam a 18 milhões de contos, mais ou menos. Por que razões ela custa 30 milhões de contos? Por causa dos atrasos e das alterações impostas pelo Govemo?

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador:-É bom que se saiba: a imperícia e a imprevidência do Governo vão custar aos contribuintes portugueses, pelo menos, 12 milhões de contos. Ainda por cima, as imprevidências não são devidas a motivos acidentais mas são motivadas por razões menores: a vaidade política, o exibicionismo, a vontade de parecer bem, em vez de bem fazer!

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quero, finalmente, referir-me ao Tribunal de Contas. O seu acórdão é inquietante. Só o PSD, em Portugal, não se inquietou! Só o Governo não se inquietou! Posso admitir que, em certas questões, o Tribunal não tenha razão. O Tribunal não é infalível, como ninguém o é, graças a Deus! Mas a verdade é que o seu acórdão tem matéria mais do que suficiente, em qualquer sitio do mundo, para provocar um inquérito. Ora, o Governo nem sequer mandou proceder a averiguações. Pela voz do seu Secretário de Estado, disse que o acórdão não prestava, apesar de o não ter lido e, pela voz do Primeiro-Ministro, tratou de velhos do Restelo todos aqueles que tinham dúvidas.
Devo dizer-lhes, Srs. Deputados, que, quando nem sequer o Tribunal de Contas consegue sensibilizar um governo, há fortes razões para nos inquietarmos com esta espécie de despotismo empreiteiro do Governo.

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados e regozijo-me com a presença do Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, a quem, com todo o respeito, me dirigi várias vezes ao longo desta intervenção, se este inquérito não for feito, é o Estado democrático que está em crise, são as instituições que estão em crise.
E, se eu tivesse de escolher entre não fazer o inquérito ou fazê-lo e dar razão ao Governo, eu preferia fazer o inquérito e dar razão ao Governo do que não o fazer. Porque não o fazer é o pior pecado que se pode cometer. E permiti-lo, na esperança de que com as férias que se avizinham este não se faça, não terá resultado. Porque, mesmo com as férias, se isso for permitido, se fará

Aplausos do PS e dos deputados independentes Herculano Pombo e João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Mário Montalvão Machado, Natália Correia e José Silva Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, quero manifestar a V. Ex. o meu desgosto por não ter ouvido toda a sua intervenção. Infelizmente, só aqui pude chegar no fim.

No entanto, uma coisa eu quero dizer-lhe: nós nunca tivemos receios de inquéritos. Comungo da palavra de V. Ex. de que, mesmo que tivesse de ser feito um inquérito em que eu tivesse que votar contra o Governo que sustento, preferia o inquérito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex. também prefere o inquérito, mesmo quando tiver de votar a favor do Governo! Por conseguinte, o voto da minha bancada vai ser a favor do inquérito que V. Ex. propõe.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra a Sr. Deputada Natália Correia.

A Sr. Natália Correia (PRD):- Sr. Deputado António Barreto, terão de ser económicas as palavras com que manifestamos o nosso apoio ao inquérito parlamentar proposto por vários deputados desta Assembleia ao processamento que, em vários aspectos, está a envolver numa fábula negra, face à opinião pública, o Centro Cultural de Belém.

Essa economia de palavras é, de resto, imposta para evitar a redundância de críticas já muitas vezes feitas neste hemiciclo ao desmesuramento de custos dessa «fachada pimponas da nossa cultura, que contrasta com a escassez de meios orçamentais exigidos pelo desenvolvimento da acção e criação culturais.

Mas, com o desandar» das obras, outras críticas se vêm juntar às que já foram formuladas, como sejam as que acabam de ser feitas pelo Sr. Deputado António Barreto, como porta-voz dos signatários deste pedido de inquérito.
E eu pergunto-lhe: é certo que, para além dessas críticas, os Srs. Deputados socialistas  apuraram, numa visita que fizeram ao Centro Cultural de Belém, que, depois de acolher a nossa presidência da CEE, esse Centro levará ainda 6 a 12 meses a completar, de forma a dar abrigo à sua futura função que permanece misteriosa? Mais: os módulos 4 e 5 do Centro Cultural de Belém só serão iniciados lá para 1992 ou 1993?
Em suma, quero dar destaque para não sair do campo cultural, que é o que fundamentalmente me interessa deslindar nessa embrulhada do Centro, entre as questões a averiguar no inquérito, à necessária indagação de conformidade do processo de decisão com o regime geral de protecção aos monumentos nacionais e suas áreas circundantes.
O destaque que dou a esta alínea do inquérito foi-me suscitado, há dias, pelo susto que, eu e vários acompanhantes meus, ao passar no local onde as obras estão em curso, colhemos. É que, tragando uma área substancial do espaço aberto onde, ao fundo, se erguia majestosamente o Mosteiro dos Jerónimos, as obras obscurecem essa grandeza que testemunha o que, estética e historicamente, foi criação maior do povo português.
Penso que este ponto tem de ser realmente indagado com toda a profundidade.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.


O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado António Barreto, já que me interpelou directamente, res-

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ponder-lhe-ei pelo rigor do respeito parlamentar. Aliás; acho muito interessante cultivar essas interpelações directas não só por razões da mecânica parlamentar, visto que a torna mais viva; como por razoes de individualização do deputado.
Como vê, tá individualidade de deputados dentro do meu grupo, porque, se não houvesse, eu nem sequer receberia a soa mensagem e, por maioria não lhe poderia responder.

Risos do PSD.

O Sr. António Barreto (PS):- O Sr. Deputado José Silva Marques é inconfundível

O Orador: - O que mostra que há individualidade dentro do PSD! Aliás, o Sr. Deputado é também a prova indesmentível de que há individualidade no Grupo Parlamentar do PS! Creio que nesse ponto até nos excede. Nós aqui temos maiores preocupações de trabalho de conjunto.
Mas respondendo à sua interpelação, o Sr. Deputado tem dúvidas sobre o decurso da obra. Apresentou uma proposta de inquérito. É a coisa mais natural deste mundo! Uma das missões da Assembleia e dos deputados é a de fiscalizar. Aliás, tem outros meios, para além do simples í inquérito parlamentar. De qualquer modo, o inquérito parlamentar é um dos seus instrumentos. O Sr. Deputado teve dúvidas e promoveu a iniciativa parlamentar adequada. É natural que o Sr. Deputado António Barreto tenha mais dúvidas do que eu porque V. Ex. não tem confiança no Governo e eu tenho.
Essa é uma distinção de atitude absolutamente natural e
nobre. Espero que também reconheça a nobreza da minha
atitude, na medida em que, partindo eu de uma posição de
confiança no Governo, tenha de ter. maior acervo de
fundamentos para tomar essa iniciativa.
Aceito maior ligeireza de fundamentos da vossa parte, porque partem de uma posição de desconfiança. E reparem que há uma cena ligeireza nos vossos argumentos. E é em relação a isso que vou debruçar-me.
O que há de mal - e é um vício, ainda hoje, das nossas instituições, um vício de que não estou a acusar ninguém em particular - é que, a pretexto de qualquer coisa, mesmo de algo que pela sua natureza e para a sua consolidarão não deve ser inserido no permanente debate genérico e de confronto ideológico que temos, a propósito de tudo e, nomeadamente, dessas matérias, os senhores introduzem o confronto ideológico, o que prejudica o instituto da fiscalização e, inclusivamente, a credibilidade do Parlamento numa das suas mais nobres vertentes.
A prova é que os vossos fundamentos não só são ligeiros como, inclusivamente, os senhores não resistem à tentação de, ao promover um inquérito, imediatamente «despejarem» uma quantidade de acusações e de condenações apriorísticas. Como vêem, no fundo, um dos males no instituto da fiscalização é os senhores não cultivarem o instituto da fiscalização ia] como ele é.
Esta é uma das vossas fragilidades. Não quer dizer que não seja também nossa!...
Por outro lado, o Sr. Deputado apresenta fundamentos para a sua iniciativa, um deles o Tribunal de Contas. Aí está, Sr. Deputado, um caso em que o senhor dá mais confiança ao Tribunal de Contas do que eu. Eventualmente, pelo facto de o Sr. Presidente - digo-o, frontalmente - ter tido, nos últimos tempos, um comportamento que se assumo o que estou a dizer! Tome como boa nota isto vos impressiona, pois façam um inquérito parlamentar... a mim, eventualmente!

Risos do PSD.

Sr. Deputado, quanto aos atrasos e aumento de despesas nas obras, por vezes, torna-se mais barato se, no momento próprio ou no decurso das obras, se fizerem as ampliações que se venham a .verificar necessárias do que retardando as. É certo que esta linguagem é própria de um homem do mundo empresarial e não das academias verbalistas. Mas fiquem sabendo que se ganha dinheiro fazendo despesas suplementares no momento oportuno do que deixando de fazê-las. Por isso, os seus fundamentos são muito fracos.
Finalmente, Sr. Deputado, uma grande obra é sempre motivada pela vaidade. É claro que os senhores não são vaidosos! Também por isso nunca fizeram - e estou certo de que nunca farão- grande obra!

Aplausos ao PSD.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado António Barreto para responder, solicito ao Grupo Parlamentar do PS que nos indique o seu escrutinador para a eleição que vai iniciar-se dentro de trinta minutos.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, regozijo-me com a sua declaração de intenção de votar a favor ou de permitir a realização do inquérito. Acrescento apenas que não pondo, de todo, em causa a suas intenções, esperarei, no entanto, alguns dias para saber se, no desenrolar natural do processo de nomeação da comissão, tomada de posse, início de investigação e disponibilidade dos deputados do PSD. membros dessa comissão, para assegurarem o quorum e funcionamento deste inquérito, poderei ver hão se as suas intenções são correctas mas se o empenhamento do Grupo Parlamentar do PSD está à altura da sua intenção e da sua nobreza...

O Sr. José Silva Marques (PSD):- Nada de acusações apriorísticas! Privilegiem os factos!

O Orador: - Sr.ª Deputada Natália Correia, é verdade p que nos foi informado pelos empresários do Centro Cultural de Belém, não pelo Governo, que estava presente mas não pôde, não quis ou não soube responder, não pelos funcionários da Administração Pública, que também não puderam ou não quiseram responder... Aliás - e esta frase não é minha, Sr. Deputado José Silva Marques - , um alto funcionário disse isto: «Não posso responder». Portanto, não estou a fazer suposições de suspeição. Foi-nos dito que, depois de terminada a presidência do nosso país na CEE, era necessário fechar o Centro Cultural de Belém por mais 6 ou 10 meses para readaptar as obras feitas à nova utilização, dado que uma parte do que está a ser preparado, agora, em toda a velocidade, se destina apenas à presidência de Portugal na CEE, desaparecendo depois, perdendo a sua razão de ser, o que, evidentemente, vai implicar não só prazo mas também mais custos elevados, como é de supor.
Quanto aos módulos 4 e 5, confirmo que nada está planeado nem projectado, não se sabe, sequer, quando poderão

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Começar a projectar ou planear até porque estes módulos vão exigir algum empenhamento da iniciativa privada.
Quanto ao regime geral de protecção, é minha convicção- não tenho a certeza, e é por isso que quero um inquérito-, com os indícios que tenho, de que a obra do Centro Cultural de Belém passou ao todo, dado que foi considerada de interesse público, da legislação em vigor sobre a protecção às áreas envolventes e monumentos, como passou ao lado do regime de convenção e não é um regime legal-da UNESCO sobre o património mundial, uma vez que os Jerónimos, a Torre de Belém e soas áreas envolventes são zonas de protecção. Desde o início-e hoje não discuti o assunto, porque me limitei a falar do inquérito propriamente dito destas matérias mais próprias do inquérito-que eu e os camaradas do meu grupo parlamentar nos levantámos sempre, com alguma força, contra o beto de se ter destruído o que poderia ser uma zona muito própria e singular, do ponto de vista histórico, e de se ter acrescentado o mausoléu que poderia ir para outro sítio-e há sítios disponíveis para isso.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Martinho.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Barreto, peço desculpa por o interromper, mas gostaria que abreviasse.

O Orador: - Sr. Presidente, creio que estou a Calar graças ao tempo que o CDS, tão simpaticamente, me cedeu.

O Sr. Presidente: - Se está a utilizar os dez minutos do CDS, obviamente, pode esgotá-los inteiramente, porque dispõe ainda de quatro minutos.

O Orador: - Sr. Deputado José Silva Marques, em primeiro lugar, o Sr. Deputado disse que fala a linguagem dos empresários e eu falarei, eventualmente, a linguagem dos políticos, dos académicos ou dos artistas.
De facto, limitei-me a citar o relatório de contas da empresa do Centro Cultural de Belém, que diz que os custos e os prazos foram alterados profundamente por causa de alterações dramáticas, que nada tom 3 ver com correcções: de repente, alguém se lembrou de fazer uma ópera, e mandaram-na fazer, o que custou mais de 3 milhões de contos!
Sr. Deputado, sei que para si tudo é natural, os ventos do Leste são naturais e os do Oeste também são. O Sr. Deputado escolhe os seus ventos.
Eu não posso defender a honra de ninguém, mas devo dizer - e é pessoal - que não gostei muito da maneira como o Sr. Deputado classificou, por exemplo, o comportamento do Tribunal de Contas.
O Presidente do Tribunal de Contas e o tribunal de Contas no seu colectivo, politicamente, não me dizem absolutamente nada; mas se não tenho confiança, ou, pelo menos, alguma cerimónia - basta-me isso-com algumas instituições do nosso regime e do nosso país, então, posso permitir-lhes que percam também a cerimónia e o respeito para comigo. Julgo que o Sr. Deputado José Silva Marques não revelou cerimónia para com o titular de um tribunal, que é um órgão que, na Constituição da República, figura em local especial. Não protesto, não defendo a honra de ninguém porque me pessoalmente ofendido, mas não posso deixar de dizer que não partilho de todo em todo da sua posição.
Quanto aos comportamentos ideológicos, o Sr. Deputado José Silva Marques enganou-se. Não falei de ideologia -e vai ter de ouvir outra vez o meu discurso, se tiver paciência para isso dada a maçada -, falei de outra coisa, de hesitações. E recordo-lhe que neste mesmo lugar, há cerca de dois ou três meses, pela voz simpatiquíssima do deputado Carlos Coelho, ouvi uma promessa, uma intenção -não foi uma assinatura- favorável e generosa de vir a assinar a proposta de inquérito que. se tivesse sido assinada pelo PSD, conforme eu esperava há três meses, o inquérito, hoje, já estava acabado. E estava acabado em bom tempo, antes das férias.
Ora, foi em relação a isso que me insurgi e que admoestei o comportamento do Grupo Parlamentar do PSD. Dizer que falei em ideologia, doutrina política... Totalmente limpo, Sr. Deputado José Silva Marques, enganou-se seguramente. Mas devo dizer-lhe que tomei nota de uma coisa importantíssima que o Sr. Deputado disse e que deve ficar na nossa boa memória: «quando os senhores se excitam por motivos de desconfiança, nós excitamo-nos menos e é preciso excitarmo-nos muito e ter muito alta desconfiança para aceitar inquéritos».
Tomo nota que o PSD, desta vez, está muito sensível e tem um alto nível de desconfiança dos elementos que existem sobre o Centro Cultural de Belém, porque desta vez vai permitir o inquérito. Sr. Deputado José Silva Marques, está no bom caminho! Nada está perdido neste mundo Sr. Deputado!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente:-O Sr. Deputado José Silva Marques pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Silva Marques (PSD):-Para exercer o direito da defesa da consideração Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - A questão do Presidente do Tribunal de Contas merece, de facto, um apontamento. E isto para dizer ao Sr. Deputado António Barreto que, de facto, lá fora não faço cerimónias e, aqui, por maioria de razão também não as faço, porque aqui, para além das obrigações de cidadão tenho as de deputado. E se há uma obrigação das obrigações, relativamente ao tacto, é a de falar claro, é a de dizer o que pensa-e eu disse exactamente o que penso, do ponto de vista de alguém que observa o comportamento de uma certa instituição, assim como de todas as outras.
Devo dizer-lhe, .Sr. Deputado, que quando os senhores ficam aflitos com as faltas de cerimónia e a invocam querem sobretudo calar-nos, como já se viu a propósito de outros «cerimoniais». Mas nós não nos calamos, porque não há aqui cerimónias, há, sim, um princípio que é o do respeito institucional, que não tem nada a ver com cerimónias, e um dos fundamentos do respeito institucional é falar claro. Foi exactamente o que fiz, foi exactamente o que produzi: a minha opinião pessoal relativamente ao comportamento de uma instituição. É isso que penso, enquanto observador.
Até por isto: sabe que, quando fui governador civil, o Tribunal de Contas fez com que eu estivesse seis meses à

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O Sr. Narana Coissoró (CDS):- Sr. Deputado José Silva Marques, o que acabámos de ouvir na soa intervenção de defesa da honra e da consideração é totalmente desajustado e agrava aposição do PSD.
Em primeiro lugar, não consta -e eu desafio o Sr. Deputado a demonstrá-lo- que o Sr. Presidente do Tribunal de Contas lenha dado alguma entrevista aos jornais relativamente a assuntos sobre os quais esse Tribunal se pronunciou.
O Prof. Doutor Sousa Franco é um ilustre jurista e sabe que os juizes não dão a conhecer os seus acórdãos à imprensa-nem depois de tomarem as decisões as comentam ou justificam perante alguém.
Nunca por nunca o juiz do Tribunal de Contas Sonsa Franco deu qualquer entrevista, a quem quer que seja, sobre os actos jurisdicionais em que interveio.
Isso é falso!

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, se os analistas políticos estão sempre à espera de, eventualmente, descobrirem qualquer guerrilha institucional, o Tribunal de Contas não é responsável por isso.
Ouvi membros do Governo a atacar o Tribunal Constitucional quando, por exemplo, este devolveu à Assembleia o primeiro pacote laborai, por inconstitucionalidade, mas nunca vi o Sr. Presidente do Tribunal de Constitucional ou do Tribunal de Contas a atacar o Governo para justificar as suas decisões.
O que, hoje, aqui ouvimos é uma declaração de guerrilha que não tem qualquer cabimento. Está-se a avolumar uma guerrilha, isto sim, a criar-se um conflito entre instituições, porque o Governo não pode entrar na campanha eleitoral sem fazer guerrilhas às instituições e a outros órgãos de soberania.
Vimos ontem começar a guerrilha contra o Presidente da República, hoje a guerrilha contra o Tribunal de Contas, a guerrilha contra a Assembleia da República é permanente ...

Aplausos do PS e do PCP.

... e verificaremos que, à medida que a campanha avança, o Governo vai buscar os adversários, as instituições do Estado, para as guerrear e para mostrar que tem um contencioso contra tudo.

Protestos do PSD.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O Sr. Deputado está alterado!...

O Orador: - É a postura natural desta maioria e deste Governo, que só sabe viver em guerrilhas e tudo o resto é hipocrisia. Veremos que, para a campanha eleitoral, o Governo vai. em bola de neve, criar guerrilhas contra todos aqueles a quem devia colaboração.
É esta a verdade que; hoje, a maioria, que apoia o Governo, revela.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se me permitem, aproveito a oportunidade para informar os Srs. Deputados
que estão a começar eleições para, o presidente 40 Conselho Nacional de [...] entre as 16 horas e 30 minutos e as 19 horas e 30 minutos, na sala de visitas do Sr. Presidente.
Agradecia que, logo que fosse possível, fossem votar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado.

O Sr.- Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar ser muito rápido, mas, antes de mais, quero sublinhar que, em nome da bancada do Partido Social-Democrata, me vou pronunciar estritamente sobre a matéria .que deve estar em debate e não sobre matérias acessórias, que podem excitar a nossa imaginação, criatividade ou algum (estrambelhamento parlamentar, mas que, manifestamente, neste momento, não devem suscitar a nossa preocupação maior. .
Aplausos do PSD.
Neste momento, está em causa uma proposta de constituição de uma comissão de inquérito, apresentada peto PS. Sobre essa matéria, gostaria de chamar a atenção para quatro questões, sendo a primeira que o PSD não ignora que o Centro Cultural de Belém tem sido objecto de grandes polémicas nesta Casa e em diversas circunstâncias.
Como já tivemos ocasião de sublinhar em oportunos, duvidamos que a Assembleia da República ser palco para discussões apaixonadas sobre a estética, razoabilidade ou a utilidade desse Centro. Há, seguramen outros fóruns e outros intervenientes. Em rigor, um sobre estes assuntos deve-se colocar não no plano do político mas noutros, designadamente sobre o ponto de académico e
Mas não é sobre estas matérias que o PS suscita a preocupação, através deste inquérito. E justiça se faça, particular ao Sr. Deputado António Barreto, como animador desta proposta.
A proposta de inquérito que está em discussão é alinhavar sério de pontos que, na opinião dos subscritor - do PS e dos outros partidos que subscrevem proposta-, devem merecer a preocupação da Câmara devem suscitar a necessidade de averiguação dos O PSD tem dito e di-lo outra vez na Assembleia República que, para nós, os inquéritos parlamentares uma das expressões privilegiadas dos instrumentos potentes que a Assembleia da República tem à disposição para exercitar as competências de...
Só em circunstâncias muito especiais e com de razões é que a Assembleia da Republica deve poder: a constituição de comissões de inquérito, depois legitimamente propostas petos seus pares.
Já tivemos aqui esta discussão e o Sr. Deputado António Barreto recordou até a primeira vez que, pela sua própria boca, esta matéria foi discutida num Plenário ida Assembleia da República.
Nessa altura tive ocasião de, em nome da bancada do PSD, dizer criar, em princípio, não inviabilizaríamos a constituição os comissão parlamentar de inquérito, ressalvando que seria este sempre o momento próprio para apurarmos das intenções políticas que estariam subjacentes à proposta de constituição desta comissão parlamentar de inquérito.
Foi com agrado que constatámos que o Sr. Deputado António Barreto recusou a tentação de fazer desta proposta um libelo acusatória mas, tão-só (e bem!), como já

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O Centro Cultural de Belém surgiu pensado e estruturado em termos desproporcionados sem a clareza de um projecto a acompanhá-lo. Fantasia árabe ou tropismo megalómano para a monumentalidade, bem ou mal intencionado, representa uma concepção ornamental que se plasma basicamente na ideia do que o que importa é a edificação de grandes éticos disponíveis pare a representação do que se Ce no vasto mundo e não para o incremento da actividade criativa quotidiana em cada cidade, em cada localidade concreta, do Portugal que somos.
Uma concepção que fez época num período tenebroso da nossa história e que, de forma avassaladora, se reimpõe ou tenta reimpor no discurso oficial. Nem contesto, porque não é esta a ocasião, as circunstâncias da opção, em termos geográficos, arquitectónicos, entre outros, pois penso que a simples enunciação do que se exprime com o plano do Centro Cultural de Belém 6 já merecedora de uma crítica veemente, incomplacente, responsável.
Mas acresce que o empreendimento, no que tange à transparência administrativa, se atola, a cada dia que passa, num lastimável pesadelo. Dos 6 milhões de contos, inicialmente previstos, sobem os custos em flecha para volumes que rondam - ou que ultrapassarão mesmo - os 40 milhões de contos. E importa apurar, com o máximo de processualidade judicial e o maior rigor, tudo- o que ocorreu e se passa, designadamente em matéria de concursos públicos, nos domínios da fiscalização da aplicação das verbas e do acompanhamento sério da execução dos encargos.
Não podem ser irrelevadas as posições assumidas pelo Tribunal de Contas, honrado órgão institucional que nos tem habituado a uma análise ponderada das questões com que trabalha. Não podem as opiniões, as dúvidas, as censuras, emitidas por ente tão qualificado como este, suscitar, da parte da bancada da maioria, as considerações bastante desprimorosas que há pouco pudemos ouvir.

O Sr. António Barreto (PS): - Muito bem!

O Orador: - Haverá, por outro lado, que indagar também a dimensão completa dos dispêndios, injustificados, de uma gestão governamental a todos os títulos inepta.
Assim, é necessário ir tão longe quanto nos seja viável na área da clarificação do que permanece obscuro, e muito é, e do que se avoluma em opacidade. Um exemplo significativo e recente: uma proposta de lei foi votada na especialidade, na Comissão de Economia, Finanças e «««»»», retirando um elenco não dispiciendo de benefícios tufais a todas as SGII (sociedades de gestão e investimento imobiliário), excepto uma. Qual, Sr. Presidente, Srs. Deputados? A empresa, um tanto fantasma, que vela, tutela obra a obra que será a consumação do delírio oriental do cavaquismo. Demasiado para não ser inteiramente explícito e capitoso ...
Urge examinar quais foram as alterações de programa, umas após outras, introduzidas, revelando um completo desnorte orientacional que acaba por converter-se na demonstração absoluta de uma incapacidade.
O relatório de contas da empresa sobre o Centro Cultural de Belém, referente ao ano de 1990, a que há pouco o Sr. Deputado António Barreto fez menção, remete, sem margem para ambiguidades, todas as responsabilidades para o Governo, quer pelas dilacções quer pelo disparo dos montantes convocados, e aponta para uma desastrosa utilização dos dinheiros que pertencem, é bom lembrá-lo, a todos os portugueses, contribuintes e não só!

Vozes do PCP: Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bastam as razões invocadas para que se vote a favor da constituição de uma comissão de inquérito, mesmo na consciência, que agudamente temos, de que a actual legislação sobre essas comissões não serve, à partida, resultados perfeitamente credíveis e prestigiosos, mesmo no pressuposto de que uma nova maioria terá. um dia, que alterar as regras por forma que se não chegue apenas a conclusões de teor político e haja a seriedade de analisar, sem qualquer espécie de concessão, até ao limite, toda a matéria controvertida que ponha em causa a imagem do Estado....

Vozes do PCP:-Muito bem!

O Orador::- ...mesmo tendo em conta que moramos no final da sessão legislativa e que o período que se aproxima poderá não ser o mais propício.
A comissão de inquérito merece ir por diante e não apenas pelas razões aduzidas, mas também porque, certamente, por detrás delas muitas outras acabarão por emergir.
Eis-nos perante uma factologia que denuncia bem a essência do actual poder instituído; estamos ante uma factologia que ergue o conjunto monumental de Belém enquanto esquece o Mosteiro de Santa Eulália de Arnoso ou as edificações das Linhas de Torres, que tem do património uma visão elitista, monumentalista, em deferimento de uma linguagem e de um discurso novos, hoje disseminadas à escala da Europa, inclusivamente em diplomas que vigoram na ordem interna e na própria lei por nós lavrada, nesta Câmara, em 1985.

O Sr. José Manuel Maia (PCP):-Muito bem!

O Orador:-Caem telhados de igrejas, há edifícios notáveis -nossa memória do pretérito- que, dia-a-dia, são delapidados. Mas que interessa isso? O Executivo, através do IPPC (Instituto Português do Património Cultural), está exangue, não tem verbas, mas canaliza fundos verdadeiramente otomanos para o Centro de Belém, cujas afectações se ignoram. Acha bem e aplaude!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Estes são exemplos demonstrativos e evidentes, não só da disforia completa a que chegámos no domínio cultural, mas da génese de uma governação de costas voltadas para os anelos predominantes do País, aqueles que a sociedade democrática exigiria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Um inquérito parlamentar não deve escamotear a realidade, não deve edulcorá-la, não deve fazer com que tantos diáfanos sobre elas se estendam para impedir que as pústulas se vejam. Deve ir muito fundo, muito dentro. E trará ao de cima, doa a quem doer, o motivo que nos leva a, alto e bom som, proclamar que esta realização não é, por certo, engrandecedora da imagem do País, ainda quando se pretende um esmero brilhante para abraçar a Europa a partir de 1992 .„

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

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7 DE JUNHO DE 1991 2935

O Sr. Narana Coissoró (CDS):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: O pedido de inquérito tem em vista averiguar a ventado do que a oposição desconfia e aquilo que o poder apresenta como coisas absolutamente adquiridas e definidas.
Naturalmente que não cabe dentro da apresentação do inquérito, e depois de o PSD ter dito - que o aceita, fazer juízos premonitórios, fazer prejuízos, sobre o que se irá passar, mas apenas justificar a sua necessidade.
Entendo que esta necessidade foi amplamente demonstrada neste hemiciclo na primeira intervenção que foi feita, daí que repetir os argumentos que foram expendidos, coadjuvantes da necessidade urgente que existe de a opinião pública e o País saberem o que se passa com o Centro Cultural de Belém não faria muito sentido, pelo que apenas quero adiantar que espero que o PSD cumpra a- sua palavra, isto é, que vote a favor do inquérito, que dê a sua melhor colaboração, independentemente de recorrer a quaisquer reservas mentais e de dizer que, dando autorização a esse inquérito, ele, na prática, não resultará.
O inquérito vai resultar, pelo menos na opinião pública, e quem tomar sobre si o ónus de demonstrar que o inviabilizou, com a reserva mental, também terá uma resposta política do País que, acima de tudo, acima de todas as tricas e demagogias, sabe pensar, sabe ver e sabe onde está a razão.
Não quero terminar esta pequena intervenção sem protestar pela epíteto de «guerrelheiro» que foi dado ao presidente do Tribunal de Contas, que, nos termos da lei, foi nomeado, sob proposta do Governo, pelo Presidente da República.
O Tribunal de Contas é um órgão de fiscalização .do Governo, com as suas competências próprias. Quem desconfia da actuação isenta, independente e imparcial dos tribunais, e principalmente do Tribunal de Contas, mostra bem qual é o conceito que tem de democracia, qual é o papel que o Partido Social-Democrata, que usa e, sobretudo, abusa do poder, gostaria de atribuir ao Tribunal de Contas...
Assim, não podemos deixar de protestar vivamente contra o insulto feito a um órgão de soberania, um tribunal, um órgão fiscalizador do Governo e, acima de tudo, a um cidadão exemplar que cumpre actualmente funções , de presidente do Tribunal de Contas.

Risos do PSD.

O riso alarve que vejo na primeira fila da bancada do PSD...

Vozes do PSD: -Alarve é você!...

O Orador: - De facto, quando se fala no cidadão exemplar, o Prof. Doutor Sousa Franco, que foi presidente da comissão política do PSD, e deputados actuais do PSD riem-se...

Vozes do PSD: - Alarve é o senhor! Esteja calado!

O Orador: - isso é um riso alarve, politicamente falando.

Aplausos do PS, do PCP e da deputada independente Helena Roseta.

Protestos do PSD.

Com certeza que a bancada do PSD não pode subscrever este riso alarve de deputados da primeira fila.
O Sr. Joaquim Marques Fernandes (PSD):-Você é mal educado! Que falta de educação! Veja lá se as pessoas não se podem rir?.

O Orador: -... que nem sequer ouvem o que estou a afirmar e que continuam a insultar um cidadão que, neste momento, está à frente de uma instituição importante para qualquer Estado democrático e, obviamente, para Portugal.

Protestos do PSD.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, há pouco e numa linguagem sintética, individualmente, eu disse que considerava que o presidente do Tribunal de Contas, nos últimos tempos, tinha uma actuação de guerrilheiro. Disse-o e assumo-o pessoalmente! Porém, como essa questão fixou o debate, pretendo fundamentá-la, uma vez que até tenho tempo para o fazer.
Considero que uma pessoa, seja ela qual for, tenha os méritos que tiver, que exerça tais funções deve, até pela própria natureza das funções, ter uma actuação discreta; não deve estar permanentemente na rua, nas páginas dos jornais, dando entrevistas, fazendo declarações, etc.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Declarações só do Primeiro-Ministro!...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): É isso que vos preocupa e incomoda?!

O Orador:- Não me incomoda, porque não tenho medo de ninguém, antes pelo contrário, adoro uma boa discussão e um bom debate e, como sabe, não faço cerimonias com ninguém, nem mesmo com as excelências, ocupem elas os lugares que ocuparem...
Por isso, eu, Silva Marques, que sou livre de exprimir e de ter a minha opinião, afirmo que considero que seja quem for que exerça as funções de presidente de um tribunal, seja ele qual for, deve ter uma actuação discreta, até pela natureza das suas funções, em nome do prestígio da instituição e da própria arquitectura do Estado que pretendemos.
Quem queira ter uma actuação não discreta, uma actuação polémica, deve candidatar-se a deputado do Parlamento Português e aí fazer o «gosto ao dedo». nem deseje polémicas e aceite funções que pela sua natureza implicam o imperativo da descrição, não deve dar aí satisfação as suas eventuais frustrações, pelo que, como já disse, deve candidatar-se a deputado e assim terá óptima ocasião para fazer declarações polémicas, para procurar os jornais - não muito, para não os influenciar -, ou esperar que eles o procurem, para correr atrás dos jornais, dos jornalistas, das rádios, etc. .
Quem quer exercer a polémica política não deve assumir funções que, pela sua natureza, pela sua dignidade e pelas suas finalidades, impõem um imperativo e um bónus de discrição.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS):-Sr. Deputado José Sirva Marques, o que acabámos de ouvir na soa intervenção de defesa da honra e da consideração é totalmente desajustado e agrava a posição do PSD.
Em primeiro lugar, não consta -e eu desafio o Sr. Deputado a demonstrá-lo- que o Sr. Presidente do Tribunal de Contas tenha dado alguma entrevista aos jornais relativamente a assuntos sobre os quais esse Tribunal se pronunciou.
O Prof. Doutor Sousa Franco é um ilustre jurista e sabe que os juizes não dão a. conhecer os seus acórdãos à imprensa-nem depois de tomarem as decisões as comentam ou justificam perante alguém.
Nunca por nunca o juiz do Tribunal de Contas Sonsa Franco deu qualquer entrevista, a quem quer que seja, sobre os actos jurisdicionais em que interveio.
Isso é falso!

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, se os analistas políticos estão sempre à espera de, eventualmente, descobrirem qualquer guerrilha institucional, o Tribunal de Contas não é responsável por isso.
Ouvi membros do Governo a atacar o Tribunal Constitucional quando, por exemplo, este devolveu à Assembleia o primeiro pacote laborai, por inconstitucionalidade, mas nunca vi o Sr. Presidente do Tribunal de Constitucional ou do Tribunal de Contas a atacar o Governo para justificar as suas decisões.
O que, hoje, aqui ouvimos é uma declaração de guerrilha que não tem qualquer cabimento. Está-se a avolumar uma guerrilha, isto sim, a criar-se um conflito entre instituições, porque o Governo não pode entrar na campanha eleitoral sem fazer guerrilhas às instituições e a outros órgãos de soberania.
Vimos ontem começar a guerrilha contra o Presidente da República, hoje começa a guerrilha contra o Tribunal de Contas, a guerrilha contra a Assembleia da República é permanente...

Aplausos do PS e do PCP.

... e verificaremos que, à medida que a campanha avança, o Governo vai buscar os adversários, as instituições do Estado, para as guerrear e para mostrar que tem um contencioso contra tudo.

Protestos do PSD.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -O Sr. Deputado está alterado!...

O Orador: - É a postura natural desta maioria e deste Governo, que só sabe viver em guerrilhas e tudo o resto é hipocrisia. Veremos que, para a campanha eleitoral, o Governo vai, em bola de neve, criar guerrilhas contra todos aqueles a quem devia colaboração.
É esta a verdade que, hoje, a maioria, que apoia o Governo, revela.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se me permitem, aproveito a oportunidade para informar os Srs. Deputados que estão começar as eleições para o presidente do conselho Nacional de Educação, que decorrerão entre as 16 horas e 30 minutos e as 19 horas e 30 minutos, na ala de visitas do Sr. Presidente.
Agradecia que logo que fosse possível, fossem voar Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, S:, Deputados: Vou tentar ser muito rápido, mas, antes de mais, quero sublinhar que, em nome da bancada do Partido Social-Democrata, me vou pronunciar estritamente sobre a matéria que deve estar em debate e não sobre matérias acessórias, que podem excitar a nossa imaginação, criatividade ou algum destrambelhamento parlamentar, mas que, manifestamente, neste momento, não devem suscitar a nossa preocupação maior.

Aplausos do PSD.

Neste momento, está em causa uma proposta de constituição de uma comissão de inquérito, apresentada pelo PS. Sobre essa matéria, gostaria de chamar a atenção para quatro questões, sendo a primeira que o PSD não ignora que o Centro Cultural de Belém tem sido objecto de grandes polémicas nesta Casa e em diversas circunstancias.
Como já tivemos ocasião de sublinhar em momentos oportunos, duvidamos que a Assembleia da República deva ser palco para discussões apaixonadas sobre a estética, a razoabilidade ou a utilidade desse Centro. Há, seguramente, outros fóruns e outros intervenientes. Em rigor, ura debate sobre estes assuntos deve-se colocar não no plano do poder político mas noutros, designadamente sobre o ponto de vista académico e cultural.
Mas não é sobre estas matérias que o PS suscita a nossa preocupação, através deste inquérito. E justiça se faça, em particular ao Sr. Deputado António Barreto, como principal animador desta proposta.
A proposta de inquérito que está em discussão é um alinhavar sério de pontos que, na opinião dos subscritores - do PS e dos outros partidos que subscrevem a proposta - devem merecer a preocupação da Câmara e devem suscitar a necessidade de averiguação dos factos.
O PSD tem dito e digo outra vez na Assembleia da República que, para nós, os inquéritos parlamentares são uma das expressões privilegiadas dos instrumentos mais potentes que a Assembleia da República tem à sua disposição para exercitar as competências de fiscalização. Só em circunstâncias muito especiais e com fundadas razoes é que a Assembleia da República deve poder recusar à constituição de comissões de inquérito, depois de legitimamente propostas pelos seus pares.
Já tivemos aqui esta discussão e o Sr. Deputado António Barreto recordou até a primeira vez que, pela sua própria boca, esta matéria foi discutida num Plenário da Assembleia da República.
Nessa altura tive ocasião de, em nome da bancada do PSD, dizer que em princípio, não inviabilizaríamos a constituição eu comissão parlamentar de inquérito, ressalvando que seria este sempre o momento próprio para apurarmos das intenções políticas que estariam subjacentes à proposta de constituição desta comissão parlamentar de inquérito.
Foi com agrado que constatámos que o Sr. Deputado António Barreto recusou a tentação de fazer desta proposta um libelo acusatória mas. tão-só (e bem!), como já

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7 DE JUNHO DE 1991 2937

tive ocasião de sublinhar (e bem!) um alinhavar das áreas que, em sua opinião, devem merecer o nosso estudo aturado.
Em relação ao que disse sobre as assinaturas, não é verdade que o PSD, em qualquer circunstância, tivesse dito que assinaria a proposta do PS. Houve, sim. uma troca de impressões, aliás bastante amigável, entre mim, enquanto deputado, e o Sr. Deputado António Barreto, que possibilitaria a troca de assinaturas entre dois inquéritos. Essa troca não foi possível, uma vez que um dos inquéritos não apareceu.
De qualquer forma, aquilo que é fundamental é saber como é que o PSD se vai posicionar em relação a este inquérito. O líder parlamentar, Dr. Montalvão Machado, já o tomou claro.
O PSD não tem medo deste inquérito. Vai viabilizá-lo porque considera que a iniciativa do Sr. Deputado António Barreto é credora da nossa admiração, enquanto inscrita no quadro de competências da Assembleia da República, e, portanto, vai votar favoravelmente a proposta que se encontra em discussão.
Queria, no entanto, deixar bem claro que o PSD, ao fazê-lo, não parte dos mesmos pressupostos, nem quanto à suposta inutilidade do Centro Cultural de Belém nem quanto às supostas acusações que estão contidas e vertidas no texto do inquérito, que animaram a proposta do Sr. Deputado António Barreto.
Também fique claro que o PSD vai estar neste inquérito de cara lavada e de cara levantada. Se houver razoes, factos ou indícios que permitam aos deputados provar que houve violação da lei ou prejuízo para o interesse público, estaremos com os outros deputados a aprovar as conclusões que houver por convenientes e razoavelmente provadas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Helena Roseta pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Sr. Deputado Carlos Coelho, dado o evoluir das coisas, a decisão sobre esta proposta do PS, como o Sr. Deputado António Barreto já disse, vai ocorrer numa altura em que, por um lado, o Parlamento já não estará em funcionamento, isto é, o trabalho da comissão, se vier a acontecer, iniciar-se-á posteriormente ao encerramento dos- trabalhos do Plenário. Por outro lado - e isto na minha opinião ainda é mais grave - , as obras estão numa fase adiantada e há uma forte indicação do Governo no sentido de elas terem de ser acabadas em tempo, para a sua inauguração em Janeiro do próximo ano.
Quando um comboio vai em andamento no sentido errado, o conselho que se dá ao maquinista é que desacelere e, depois, pare. Se se vier a provar que estas, obras estão a produzir coisas que não deviam ser feitas, vir-se-á a concluir tarde demais que elas deviam ser desacelera-das ou, simplesmente, embargadas.
Assim, pergunto: não deveria sensatamente pôr-se, neste momento, à bancada da maioria e ao Governo, a opção de desacelerar essas obras e de deixar de ter como prioridade...

O Sr. Alberto Araújo (PSD): - Que disparate!

A Oradora: - O Sr. Deputado pode achar que é disparate, mas deixe-me acabar!
Dizia eu, sensatamente, não deveria por-se a opção de desacelerar essas obras e de deixar de ser prioridade a inauguração do Centro Cultural de Belém em Janeiro de 1992, passado a ser prioridade ter um bom centro cultural a funcionar em Lisboa, na aluna em que ele puder estar feito, com menos encargos para a nação? Será que podemos estar a pagar esse excesso de encargos só por causa da pressa inauguratíva do Sr. Primeiro-Ministro?

O Sr. Presidente;-Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho, a quem solicitava que fosse tão breve quanto possível, porque não dispõe de tempo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, irei ser muito breve, mas não poderei deixar de dizer três coisas à Sr.ª Deputada Helena Roseta.
Em primeiro lugar, sob o ponto de vista dos atrasos, já os discutimos aqui, na Assembleia, várias vezes. Devo dizer que me satisfaz que o Governo, que tem a confiança da bancada parlamentar na qual me integro, seja acusado de acelerar obras e não de as atrasar. Seria muito pior para o interesse nacional ser acusado do contrário!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, quero dizer à Sr.ª Deputada Helena Roseta que não creio que o próprio Sr. Deputado António Barreto, com esta proposta, quisesse impedir a boa marcha das obras do Centro Cultural de Belém.
Um inquérito parlamentar não pode nem deve servir para entravar qualquer tipo de obra, ainda que a Sr.ª Deputada, eventualmente, tenha razão sobre o ponto de vista estético e de utilização daquele espaço cultural. Porém, já tive ocasião de dizer, na curta intervenção que produzi da tribuna, no tempo que tinha disponível, que não me parece que este seja o fórum mais próprio para este tipo de debate.
Mas o inquérito parlamentar não serve para atrasar qualquer empreendimento, serve só para, no exercício da função de fiscalização da Assembleia da República, provar se aquilo que foi decidido e está a ser feito está de acordo com as regras e se prejudica ou não o interesse público.
A nossa opinião é que não prejudica, mas o inquérito parlamentar exige de todos os deputados -quer os da maioria quer os da oposição, quer daqueles que propõem o inquérito quer daqueles que o viabilizam - que estejam sem posições à partida, sem condicionamentos da sua capacidade decisória e com o espírito aberto para apurar da rigorosa legalidade ou da sua falta nos factos com que vão ser confrontados.
Finalmente, a Sr.ª Deputada pergunta: «Nós estamos no fim da legislatura, será que isto vai a tempo?» Não sei se vai ou não a tempo, mas o que lhe posso assegurar é que, por parte do PSD, não vai haver qualquer atitude de obstrução. Mesmo que não terminemos, alguma coisa se há-de apurar, ainda que não estejamos em condições de o terminar, até porque os quesitos da proposta do Sr. Deputado António Barreto são muitos, haverá, com certeza,

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um contanto substancial de factos apurados que tomarão mais fácil o caminho à constituição de outra comissão parlamentar, no âmbito da próxima Assembleia da República.

Quero, no entanto, fazer votos de que isto não seja necessário, que a teve suspeição e insinuação levantada na intervenção do Sr. Deputado António Barreto não tenha acolhimento, isto é, que todos nós sejamos capazes, no tempo que temos à nossa frente e que está disponível, de averiguar todos os factos e de sobre eles opinar de forma consequente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:-Pata uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, é para dar um esclarecimento à Sr.ª Deputada Helena Roseta, apesar de não mo ter pedido. Aproveito para informar a Sr.ª Deputada e os outros Srs. Deputados que, no caso do Centro Cultural de Belém, o Governo tomou uma medida absolutamente excepcional -a meu ver condenável, mas isso ficará para depois-, que foi aprovar um decreto-lei que permite às obras do Centro Cultural de Belém serem feitas sem serem interrompidas, qualquer que sejam as anomalias contratuais decorrentes, o que quer dizer que tudo o que se descubra na vida civil, na vida económica, na vida financeira, na vida política, neste inquérito, no Tribunal de Contas, nos regimes de concurso, nos tribunais - e há vários processos nos tribunais por causa das expropriações -, nada interrompe suas as obras.
O Centro Cultural de Belém é uma excepção, de facto, no País inteiro, prosseguindo as suas obras em qualquer caso: «deverá prevenir-se a possibilidade de qualquer perturbação ou paragem na obra, decorrentes de anomalias contratuais»! Isto foi um decreto-lei que o Governo aprovou.
Repito, o que quer que a Assembleia descubra relativamente ao Centro Cultural de Belém não impedirá a obra. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado Carlos Coelho, que, se eu pudesse, interrompia-a! Não posso, não poderemos! A única maneira de interromper a obra será derrubar o Governo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Vã esperança!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que dou por encerrado o debate sobre o inquérito parlamentar n.º 23/V. Vamos dar início ao debate da proposta de resolução n.º 38/V, que aprova, para ratificação, os Protocolos Adicionais I e II às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional (Eugênio Ramos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é do conhecimento geral, em 1977 foram aprovados dois protocolos adicionais às Convenções de Genebra de 1949. Trata-se de protocolos relativos à protecção das vítimas dos conflitos armados internacionais, no caso do primeiro protocolo, e não internacionais, no caso do segundo. Pretende-se com estes alargar e clarificar alguns aspectos e, sobretudo, alargar o âmbito de aplicação do direito internacional humanitário, cuja entidade primariamente responsável e preocupada nesta matéria é, como sabemos. no nosso caso, em termos de organização não governamentais, a Cruz Vermelha Portuguesa, tutelada pelo Ministério da Defesa Nacional.
Portugal subscreveu na mesma altura, em 1977, estes protocolos e também, como é normal, remeteu para o momento do depósito internacional dos instrumentos de ratificação a formulação de eventuais declarações de interpretação ou reservas ao seu conteúdo. Em 1986, Portugal anunciou a intenção de proceder à ratificação destes protocolos adicionais. Hoje. na sequência de uma decisão já tomada, propõe-se a esta Assembleia a ratificação dos referidos protocolos adicionais às Convenções de Genebra de 1949.

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Gostaria de perguntar ao Sr. Secretário de Estado o que é que é feito do famoso parecer da Procuradoria-Geral da República, anunciado a fl. 3 e que não acompanha o texto.
Segundo: gostaria que me esclarecesse -posso estar errado e não gosto de ser injusto- sobre o que me parece ser uma referência estritamente demagógica de que a aprovação destes documentos possa constituir um instrumento não dispiciendo na política externa do Estado, no que se refere à problemática de Timor Leste. Não entendo como mas V. Ex.ª me dirá!
Terceiro: gostaria que V. Ex.ª esclarecesse a Câmara (compete-lhe a si e não a mim fazê-lo, embora eu conheça o tema) porque é que o terceiro símbolo do n.º 2 do artigo 3.º do anexo I ao Protocolo I, o chamado lion et soleil -entre nós, dizia-se «leão vermelho» -, figura na versão francesa e, na tradução portuguesa, foi suprimido, tanto na figura como no próprio articulado?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Secretário de Estado, ames de mais, quero saudar a assinatura destes dois protocolos pela importância da matéria que eles contêm, mas não sem deixar de lamentar que, só quase passado um ano da sua entrada, seja feita a respectiva assinatura, dado que, segundo julgo saber, Portugal não tem nenhuma restrição à matéria que versam, para além de que, nesta data, já 73 países os tinham assinado. Consideramos que poderia ter havido uma maior celeridade na sua assinatura.
Gostaria de lhe fazer algumas perguntas mas, antes, não posso deixar de fazer uma referencia ao n.º 4 do artigo 1.º, que, pela matéria que contém, vem reforçar os direitos do povo maubere à resistência à potência invasora, que é a Indonésia, pois está aqui reconhecido explicitamente o direito que o povo maubere tem a lutar pela sua independência.
Na declaração de motivos do Conselho de Ministros estão algumas frases que eu gostaria que fossem clarificadas. Na alínea a) diz-se; «as regras estabelecidas neste protocolo têm como fim regular o uso das armas convencionais». Porquê só as armas convencionais? Gostaríamos que isto fosse mais explícito e também gostaríamos de saber se tal é, igualmente, entendimento dos outros países que assinaram já este protocolo.

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Na alínea c), na última linha, afirma-se: «particularmente as que tenham sido relevantes para o sucesso de operações militares». Perguntamos para que é que servem estas precauções, dado que elas estão no protocolo? Para que é que são aqui reforçadas? Há alguma outra posição que o Governo tenha em relação a isto?
Na alínea f), nas últimas quatro linhas, são feitas afirmações como esta: «as informações pertinentes, disponíveis no momento e lugar em que a decisão for tomada, bem como as que, nas condições então vigentes, lhe tiver sido possível recolher». Consideramos que há aqui um reforço, uma linguagem que, para nós, não tem grande, sentido, a não ser que Portugal queira reduzir, as suas obrigações com a protecção aos civis, o que não me parece que seja o objectivo.
Por último, quanto à alínea i), pergunto: para que é que é preciso acentuar esta alínea em relação ao disposto no artigo 52.º, já que a matéria que está aqui também está no protocolo? Não entendemos muito bem porque é que isto aparece na declaração do Conselho de Ministros!
Esta matéria é importante, em nossa opinião, consideramo-la positiva, mas há aqui algumas afirmações que nos deixam algumas dúvidas e que pretendíamos que fossem esclarecidas.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O parecer da Procuradoria-Geral da República é basicamente instrutório, interno e não propriamente um parecer que devesse acompanhar esta matéria, mas de certo que não haverá qualquer inconveniente em pô-lo à disposição dos Srs. Deputados.
Da leitura de algumas das disposições que estão na nossa proposta de declaração interpretativa, penso que se retiram as necessárias conclusões -como, aliás, o Sr. Deputado do PCP referiu - quanto à questão de Timor Leste, designadamente na nossa última ressalva em articulação com aquilo que está previsto no n.º 4 do artigo 1.º do Protocolo I.
Quanto à tradução suprimida, desculpar-me-á, Sr. Deputado, mas a ausência de tradução ó um caso particular, se for lapso, certamente que será corrigida, mas é uma questão tão particular que neste momento não tenho elementos para responder.

m relação às questões que o Sr. Deputado do PCP me colocou, naturalmente que o problema da referência à restrição do uso das armas convencionais tem que ver, muito simplesmente, com o facto de Portugal fazer parte de uma aliança colectiva de defesa cujo processo de restruturação está em curso neste momento mas cuja estratégia não abandonou o recurso a armas de retaliação, como elemento último de disuasão. É por isso que esta referencia é feita aqui, como certamente estará assumida por outras potências nossas aliadas.
Quanto às precauções reforçadas, V. Ex.ª sabe bem que é muito natural, em matéria de ratificação de documentos desta natureza, cada uma das partes- entender que, face a questões de natureza específica -ou porque não se encontra totalmente esclarecido no texto que em determinado momento foi aprovado, ou porque, entretanto, a própria evolução da situação internacional suscitou a necessidade de algum aclaramento, o que é normal -, em termos interpretativas, [...] juntar algumas preocupações.

Esta precaução tem a ver, naturalmente, com o artigo que está relacionado com a protecção geral dos bens de carácter civil e precisa bem em que condições é que uma área específica pode ou não ser sujeita a este tipo de protecção e o que se pretende que se entenda aqui é que ela não estará sujeita a este tipo de protecção se se tratar de um objectivo que possa ter valia estratégica - no caso concreto com a terminologia que aqui está utilizada «que possa trazer ou acarretar uma vantagem militar específica».

O Sr. Presidente:-Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após a Primeira Guerra Mundial e em face das consequências catastróficas da visão dos conflitos armados cada vez mais hiperbolizados, que ela figurava, a mentalidade dos dirigentes das nações evolui. À concepção tradicional que legalizava a guerra, que a considerava, na expressão do seu maior teorizador, Clausewitz, como «a continuação da política, da diplomacia por outros meios», seguiu-se um movimento que culminou no pacto Briand-Kellogg, de Agosto de 1928, grande revolução da história das sociedades humanas, que condenava a guerra entre as nações, ilegalizava o ataque de um Estado a outro, a utilização dos aparelhos militares como meio de resolver os conflitos entre os países.

De qualquer modo, as guerras continuaram e continuarão, apesar da criação da ONU e da Carta das Nações Unidas, a seguir à Segunda Grande Guerra e isto por mais que se considerem como criminosos aqueles que decidem fazê-las, além de que elas poderão também ocorrer para repor a lei internacional, como aconteceu recentemente no Golfo Pérsico. Assim, na impossibilidade de evitá-las e de evitar as suas consequências, pelo menos que as leis que visam proteger as suas vítimas possam ir sendo cada vez mais aperfeiçoadas, no espírito de reforço da defesa da pessoa humana, que, mesmo quando instrumento, não perde a sua qualidade, ontica, conatural à existência, que os dirigentes das comunidades políticas que os comandam não podem eliminar nem os dirigentes dos países ou forças adversárias podem esquecer.

O Direito Internacional Humanitário (consagrado em convenções, desde a Convenção de Genebra de 1864 às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949, hoje universalmente reconhecidas, nas quais a comunidade internacional veio alargar o campo da sua aplicação, adaptando-o as características da guerra moderna e sobretudo à necessidade de proteger os civis e os prisioneiros) visa impor o respeito de princípios humanitários elementares, em situações de conflito armado.
Como já foi referido pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional, os dois protocolos adicionais às Convenções de 1949, ora em apreço, foram assinados por Portugal, juntamente com outros 45 Estados, em 12 de Dezembro de 1977, tendo o nosso país declarado posteriormente, em Outubro de 1986, a intenção de o ratificar, o que nós tomará no 74.º país a fazê-lo.
Estes protocolos completam e reforçam as medidas consagradas nas Convenções de Genebra para protecção das vítimas de guerra.
O Protocolo I aplica-se em situações de conflito armado internacional. O Protocolo II reporta-se a situações de

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conflito trinado que não apresentem caracter internacional, ou seja, que te desenvolvem dentro do território de um Estado, entre as nas forças armadas ou grupos armados organizados que controlam uma parte do território mandando operações militares contínuas.
A declaração interpretativa portuguesa marca, e bem, um entendimento de que o que está em cansa no [...] do Protocolo I é a regulamentação do uso das armas convencionais, sem que se considerem abrangidos quaisquer actos bélicos tipificáveis como actos de terrorismo, nem quaisquer outras actuações, cometidas de modo isolado ou em concertação, que sejam puníveis pelo direito penal dos Estados, o que tem um significado fundamental no contexto do mundo de hoje, em que as alterações das relações Leste-Oeste, comprovadamente, não se traduzem no fim das guerras, mas podem permitir mesmo o potenciar de ambições regionais não controláveis pelos centros tradicionais do poder mundial, sendo certo que, como se viu pela crise do Golfo, se pode procurar o favorecimento de ura dado campo através de instrumentos de terror.
Importa referir que, mesmo nos casos não previstos por estes acordos internacionais, as pessoas civis e os combatentes ficam sob a protecção e a autoridade dos princípios do direito internacional, tal como resulta do costume estabelecido, dos princípios humanitários e das exigências da consciência pública.
E as vítimas de guerra, a que se referem estes acordos, incluem as situações que derivam dos conflitos armados, em que os povos lutam contra a dominação colonial e a ocupação estrangeira, no exercício do direito dos povos à autodeterminação, consagrado na Carta das Nações Unidas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O apoio aos presentes acordos é para nós um acto útil e um acto natural.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, por um lado, defendemo-los com interesse imediato. A ratificação é um acto político, como se diz na nota justificativa, que reforça a nossa asserção junto da Cruz Vermelha Internacional. E o seu reconhecimento pela comunidade internacional dar-lhe-á um instrumento importante na defesa dos direitos humanitários dos cidadãos em vários pontos do mundo, designadamente em Timor Leste, território cuja administração nos compete.
Por outro lado e acima de tudo, subscrevemo-lo com naturalidade.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O reforço do direito humanitário internacional está na tradição portuguesa como um vector fundamental da nossa política externa e flui dos grandes princípios em que assentam as concepções fundamentais do PSD.
Por tudo[...], o meu grupo parlamentar vai votar favoravelmente os protocolos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Socialista também vai votar a favor desta proposta de resolução, mas antes não pode deixar de sublinhar que, de facto, se verificou alguma tocaria por parte do Governo no tratamento destas matérias.
Em primeiro lugar, como já sublinhei oportunamente, faço de novo notar a carência do parecer da Procuradoria-Geral da República. Com efeito, foi anunciado que ele acompanharia o diploma e seria um factor de interpretação da declaração portuguesa; porém, ele foi, pura e simplesmente, esquecido. Se se tratasse de uma prática da direcção de um qualquer clube recreativo, enfim, ainda se desculpava,... pedia-se depois uma fotocópia, escrevia-se lá para casa,... mas perante um documento desta dignidade e dimensão, é realmente uma negligência inqualificável.
Em segundo lugar, faço notar ainda uma outra negligência. Como a tradução dos textos foi feita com base numa versão fora de moda - de facto, a tradução está correcta, a versão francesa é que está errada -, o tal terceiro símbolo, a que me referi, já não existe. O Sr. Secretário de Estado não sabe, mas fica a saber - pois, tenho muito gosto em colaborar para o seu esclarecimento -, que o Leão Vermelho era o símbolo da organização congénere do Crescente Vermelho e da Cruz Vermelha da Pérsia. Foi criado pelo último Xá da Pérsia e desapareceu com a queda dele. Logo, o texto base. que aqui é franqueado, devia ter sido corrigido, também pela mesma razão de rigor e dignidade exigível em face das entidades que estão integradas e que apresentam esses documentos.
Uma terceira nota é de informação. O Governo estava esquecido da ratificação destes protocolos - isto ainda não foi aqui dito, já devia ter sido, pois é bom que se diga- e só deu por isso agora, quando a Cruz Vermelha convidou os PALOP a ratificá-los. Então, verificou-se esta coisa surpreendente: é que Portugal não tinha ainda ratificado diplomas que têm alguma relevância, mesmo considerando que o nosso país não tem entrado em guerras. No entanto, recentemente, podíamos ter entrado. Bom, mas não vou voltar a esse tema, que está ultrapassado!
Por último, saliento uma reserva e uma contestação que ferem a minha sensibilidade. Sem desprimor para a intervenção do deputado do Partido Comunista, devo dizer que estes dois protocolos não alteram, não beneficiam, nem têm qualquer utilidade em relação à questão de. Timor Leste, que é uma questão dramática, de outro nível, com outro enquadramento e outras soluções.
Assim, chega a ser pelo menos, para mim é- chocante falar dela. E sem querer faltar ao respeito, permitam-me que considere falta de pudor vir aqui jogar demagogicamente com este problema de Timor Leste - que é um problema de dignidade nacional, dramático, que tem a ver com a vida e com a liberdade de toda uma comunidade -, vir, despropositada, demagógica, impertinente, descabida e despudoradamente, ligar os dois problemas, quando não têm, em termos institucionais, jurídicos, nacionais e, muito menos, internacionais, qualquer relacionamento.
Fica feito o protesto, com esta firmeza de quem ama muito o povo de Timor Leste e de quem, durante muito tempo, quando não estava na moda defendê-lo, sempre esteve ao lado do povo maubere. mas que agora se apaga porque, actualmente, há muitos defensores do povo de Timor Leste, nomeadamente os subscritores desta proposta de ratificação.

O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional, que dispõe apenas de dezoito segundos.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Deputado Carlos Candal, muito rapidamente, gostaria apenas de dizer-lhe -aliás, como V. Ex.ª, certamente, muito bem sabe - que a reunião com os PALOP sobre direito internacional humanitário, a que tive oportunidade de assistir, realizou-se há apenas 15 dias e o Conselho de Ministros já, no ano passado, tinha aprovado, para enviar à Assembleia, estes dois protocolos. Certamente, o senhor não reparou nisso.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - É um inqualificável lapso! O Sr. Deputado não reparou!

O Sr. Carlos Candal (PS): - Mas ficaram na gaveta!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições, pelo que dou por encerrado o debate sobre a proposta de resolução n.º 38/V.

Vamos agora dar início ao debate da proposta de resolução n.º 47/V. que aprova, para ratificação, a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Maria Pereira.

O Sr. António. Maria Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Convenção, cuja ratificação, hoje, se submete è aprovação desta Câmara, tem como objectivo a supressão do tráfico de pessoas e da exploração da prostituição de outrem, a nível internacional, tendo a sua assinatura sido aberta em Lake Success, Nova Iorque, em 21 de Março de 1950.

Esta Convenção visa unificar, num só instrumento internacional, as diversas convenções internacionais, que, sobre essa matéria, têm sido assinadas, designadamente os Acordos Internacionais de 18 de Maio de 1904 e 4 de Maio de 1910, relativos à supressão do tráfico de brancas; a Convenção Internacional de 30 de Setembro de 1921, para a supressão do tráfico de mulheres e crianças e a Convenção Internacional de 11 de Outubro de 1933 para a supressão do tráfico de mulheres adultas.

Mas, para além da unificação dessas convenções, a presente Convenção tomou em consideração, no seu articulado, várias recomendações sobre este tema, designadamente as das Conferências das Nações Unidas da Década da Mulher, o Relatório Laurent, elaborado a pedido do Secretário-Geral das Nações Unidas, que comparou o tráfico de mulheres com o de escravos, que Portugal foi um dos países pioneiros a fazer terminar; as conclusões da reunião de peritos realizada em Madrid, em 1986, pela UNESCO, através da sua Divisão dos Direitos Humanos e da Paz, e ainda algumas recomendações do Conselho da Europa, o qual, aliás, prepara, neste momento, importantes seminários sobre esta matéria, a realizar em Estrasburgo. Todas estas convenções e recomendações, tal como o texto agora em análise, reflectem uma cada vez maior preocupação pela dignidade da pessoa humana, que é um dos valores essenciais da civilização ocidental e cuja matriz, em termos de direito internacional, e a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Com feito; ao proclamar, seu artigo l.º que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, a Declaração Universal dos Direitos do Homem exprime a condenação de todas as práticas atentatórias desses valores, como o são, indiscutivelmente, o tráfico de pessoas e a exploração da prostituição.

Observar-se-á que esta Convenção visa, não a punição da prostituição em si mesma, mas as actividades que florescem à sua volta e que, em anos recentes, se têm expandido através de novas formas, que se socorrem de um marketing refinado e de indústrias subsidiárias, como a pornografia, o turismo sexual e a angariação de jovens para fins de exploração sexual, nomeadamente através de anúncios de ofertas de emprego no estrangeiro.

No plano da legislação interna, nada obsta à ratificação desta Convenção. Com efeito, as actividades nela previstas já são consideradas crimes pelo Código Penal português, nos seus artigos 215.º, que pune o crime de lenocínio, e 217 e, que pune o tráfico de mulheres.

Por outro lado, ao estabelecer, no artigo 12.º, que os actos nela visados podem, em cada Estado, ser qualificados, julgados e punidos de acordo com a legislação nacional, a Convenção salvaguarda o princípio de competência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento destes crimes.

Para além das razões de ordem cultural e ética, decorrentes do respeito intransigente dos direitos humanos e da dignidade do homem e da mulher, que inspiram o Estado e a Constituição Portugueses, Portugal tem um interesse muito particular na perseguição internacional, destes tipos de crime. São, com efeito, do domínio público e referidas periodicamente nos meios da comunicação social, casos de portuguesas aliciadas por redes de proxenetas para as prostituírem na vizinha Espanha.

É, por isso, surpreendente que uma convenção internacional, cujo interesse para Portugal é mais do que manifesto, tivesse aguardado 41 anos até ser remetida à Assembleia da República para ratificação!

Mas, mais vale tarde do que nunca e, por todas as razões expostas, esta Convenção está em condições de ser ratificada pela Assembleia da República.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): -Sr. Deputado António Maria Pereira, com o devido respeito pela boa intenção colocada nesta proposta de resolução, é, porém, de assinalar que a prostituição foi despenalizada no nosso país com o Decreto-Lei n.º 460/82 de 23 de Setembro, que dá por legalmente extinto o conceito de prostituição. Também faço notar que os intoleráveis tráficos de pessoas e exploração da prostituição são punidos pela nossa lei penal (como aliás, o Sr. Deputado referiu).

Assim, a Convenção que o Governo pretende que ratifiquemos está envelhecida -com uns 40 anos de atraso, pois data de 1950 - em alguns pontos perante o que a nossa lei punitivamente estabelece.

Efectivamente, em relação ao artigo 2.º, que estabelece que sejam punidos os que dirigem ou financiam casas de prostituição, importa recordar que os bordéis já não existem em Portugal, acontecendo até que são proibidos os hotéis e pensões de curta permanência, que aluguem quartos destinados à prática da prostituição.

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Outro artigo obsoleto é o artigo 6.º, que revoga a prática administrativa de as prostitutas se inscreverem em registos especiais e possuírem papéis especais e de semelhantes anacronismos. Ó Sr. Deputado, mas isso 4 dos velhos tempos da caderneta, que, sendo um estigma para estas infelizes, deixou de existir!...

Risos do PSD e do PS.

E se acaso continuasse a existir a segregação, o que aconteceria seria que os proliferantes prostitutos não mencionados na Convenção também seriam obrigados a possuir a infamante caderneta.

Ainda ama observação a fazer no que toca às mulheres que praticam a prostituição no estrangeiro em consequência do tráfico internacional da mesma. No artigo 19.º dispõe-se que elas podem ser repatriadas se o desejarem - o que está certo! - ou se forem «reclamadas por pessoas que sobre elas tenham autoridade». Mas o que é isto, Sr. Deputado? Isto só seria compreensível caso as mesmas estivessem reclusas ou se tratasse de menores, o que não consta do referido artigo. Dá-se, assim, oportunidade a que elas sejam entregues a pessoas cuja autoridade repudiem, repúdio esse que poderá até estar na origem de se terem deixado aliciar por traficantes da prostituição.

Finalmente, rejeito com toda a veemência que na Convenção, que para nós é decrépita, se comece por afirmar que a prostituição é incompatível com a dignidade e o valor da pessoa humana. O meu protesto, aliás coerente com a pureza que emprestei à «santíssima prostituta» da minha peça A Pécora, tem a apoiá-lo Sartre, com a sua Putain Respectueuse, milénios de prostituição sagrada nos tempos de grandiosas civilizações, Santa Maria Egipcíaca, que vendeu o corpo para seguir a luz que a conduziu à santidade, e, sobretudo, Cristo que sagrou na prostituta Madalena a que por, muito ter amado, elegeu como primeira testemunha da sua ressurreição.

Por fim, uma pergunta: não acha, Sr. Deputado, que hoje é bem mais preocupante a prostituição moral e espiritual do que a que é praticada por mulheres que vendem o corpo num mundo onde, degradadamente, quase tudo se vende?

Antes a venda do prazer do que a venda das consciências. Sr. Deputado!

Aplausos do PRD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Maria Pereira.

O Sr. António Maria Pereira (PSD): - Sr.ª Deputada Natália Correia, é sempre com imenso prazer que a oiço, é sempre com imenso prazer que admiro o seu verso. Por vezes estamos em desacordo, mas isso é natural!

O que há aqui é uma abordagem diferente de uma mesma realidade. Come é evidente, a prostituição já não existe, «oficialmente», Portugal.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Então não é crime!

O Orador: - Só que esta Convenção não tem como objecto a perseguição da prostituição mas, sim, as actividades que vivem à sua custa. Eu tive o cuidado de explicar que o que estava aqui em causa não era a prostituição em si mesma, a mais antiga profissão do mundo, mas, sim, o proxenetismo.

Já que estou falar com a Sr.ª Deputada Natália Correia, que é um dos grandes valores literários da nossa cultura, gostaria de recordar o romance de Jorge Amado intitulado São Jorge de Ilhéus, que tinha um personagem, um «Paço», que dizia: «Gigollo es Ia más nobre professión del hombre». Nunca mais me esqueci desta frase, Sr.ª Deputada!

Ora esta Convenção destina-se precisamente aos «Paços», ou seja, àqueles que vivem à custa das prostitutas e não propriamente às prostitutas!

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Gostaria só de recordar à Sr.ª Deputada Natália Correia que a parte dispositiva da Convenção já está prevista no nosso Código Penal.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Claro que está por isso é desnecessária!

O Orador-Portanto, o juiz irá julgar à luz da disposição mais recente, que é a do Código Penal, e servir-se-á da Convenção apenas para aspectos acessórios - como, por exemplo, no que respeita à extradição.

Os registos são abolidos pela Convenção, o que significa que a situação é exactamente aquela que pretendemos. Se a lei pode revogar uma coisa que já não existe, isso significa que este artigo não tem qualquer interesse prático. Esta Convenção vai ser aplicada no nosso país, mas como o legislador convencional não podia conhecer a realidade que se vive em cada país, teve de dizer-se, de uma forma genérica, que não há mais a célebre caderneta e os registos. Neste sentido tudo bate certo, Sr.ª Deputada!

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Natália Correia pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado António Maria Pereira.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada já não dispõe de tempo.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, eu apenas gostaria de dizer que tudo isto é um formalismo, porque, afinal de contas, vamos ratificar uma convenção onde estão expressas coisas que não correspondem à nossa realidade. É mais um acto de hipocrisia internacional!

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente. Sr.ªs e Srs. Deputados: Em Julho de 1988, o PS trouxe a esta Câmara um dos mais delicados problemas sociais, que 6 a prostituição infantil. Fizemo-lo sem preconceitos e com coragem!

Referimos o abuso físico voluptuoso de que são vítimas as crianças de ambos os sexos, os «mercados de carne infantil» para turistas e ricos e outras cruéis realidades de que diariamente a comunicação social se faz eco.

As redes organizadas de tráfico de crianças, adolescentes e mulheres são, hoje, um negócio rentável que tem de

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ser corajosamente assumido pelos governos, É inaceitável que uma sociedade consinta que, no seu seio, existam redes organizadas de venda de crianças e jovens para fins como a prostituição.

São já muitas as adolescentes descaradamente enganadas e aliciadas com promessas de falsos empregos que saem do País. O emprego que as espera é a prostituição! São envolvidas em atracção para turistas, o que as autoridades fingem ignorar. Estas redes organizadas espalhadas internacionalmente não podem ser desmanteladas sem a tomada de medidas apropriadas e especiais, com vigilâncias especiais nos aeroportos, gares e portos marítimos, locais públicos e viagens ditas de turismo, de forma a impedir e a combater o tráfico internacional de crianças, adolescentes e outras pessoas para a prostituição.

A Convenção para a supressão de tráfico de pessoas e da exploração da prostituição de outrem e que. nos termos da alínea d) do n.º l do artigo 200.º da Constituição, o Governo apresenta a esta Assembleia para ratificação merece, da parte do Partido Socialista, um inequívoco apoio. Parece-nos, no entanto, ser muito pouco se o Governo nada mais fizer para combater este flagelo. Se assim for, teremos de dizer, muito claramente, que é muito pouco ou praticamente quase nada!

A impunidade com que boje se movem em Portugal estas redes de aliciamento de jovens e adolescentes para a prostituição não se combate apenas e só com a ratificação de uma convenção.

Este tema, que a todos sensibiliza, impõe, pela sua gravidade, medidas não só jurídicas mas essencialmente sociais e de apoio às famílias que se debatem com problemas familiares de tal gravidade.

O Estado, a sociedade não pode descansar só porque se aprovam convenções, que, só por si não resolvem os graves problemas sociais que estão na origem destes horríveis crimes.

Exige-se que, em simultâneo, o Estado tome medidas concretas que intimidem os traficantes e desmantelem essas organizações criminosas, que vivem da compra e venda de pessoas, que conduzem ao mais baixo que um ser humano pode chegar.

Hoje, no fim do século XX, a escravatura mantém-se, mas esta é a nosso ver tão ou mais degradante que a anterior.

Sr. Presidente, Sr.ºs e Srs. Deputados: Um ser humano aviltado significa que é a Humanidade que é ofendida! A aprovação de disposições jurídicas de combate ao tráfico de influências que conduzem à exploração de seres humanos é de apoiar e incentivar, mas parece-nos ser insuficiente.

É necessário combater este cancro, com coragem e determinação. À sociedade cabe um importante papel neste combate.

Aplausos do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs., Deputados: Na esteira de vários instrumentos internacionais vindos de longe pretende-se agora aprovar a proposta de resolução que ratifica a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da prostituição; de Outrem, o que se traduz na tentativa de unificação de diligências tendentes à dissuasão das práticas de incentivo à profissão, designadamente no que se prende, directa ou subtilmente, com a sua comissão por agentes sôfregos de lucro.

Tal como já foi aqui salientado, nomeadamente pela Sr.ª Deputada Natália Correia, o articulado não é inovador, não traz contributos decisivos, nem sequer, a nosso ver, muito importantes, à ordem jurídica portuguesa, mas, ainda assim, é acolhível, uma vez que tem como objectivo, como meta, algo que entendemos essencialmente positivo. O texto elenca um conjunto de medidas, nomeadamente de cooperação internacional, que podem levar à consecução de um desiderato aplaudível. Incentiva-se até a renovação dos ordenamentos de direito nacionais, por forma a fazer face à emergência de desconhecidas realidades. Estimula-se a colaboração entre Estados em matéria de extradição, fomentando o intercâmbio de natureza tramitacional e judiciária sempre que tal se revele necessário e sem prejuízo da produção legiferante de cada país.

Regras como a do artigo 16.º apontam um caminho que deveria ser prosseguido activamente pelo Governo, isto é, a adopção de mecanismos de índole social, económica, de ensino, de higiene e similares, que, no plano público ou privado, contenham as providencias indispensáveis a prevenir a prostituição neste ângulo de observação em que nos temos detido, ou seja, de escravatura humana, de submissão de pessoas a um mercado que se vai internacionalizando e em que é preciso adoptar também punições severas dos seus fautores mais contumazes.

Não estamos, evidentemente, a falar do amor, nem da indeclinável liberdade à fruição do amor, da ternura, dos espaços de afecto e emancipação do corpo. Não estamos a considerar o que entendemos dever ser conatural a uma sociedade democrática, desconstrangida, que respira sem grades. Estamos, sim, a abordar procedimentos anti-sociais, anti-humanos, que não podem suscitar nenhuma complacência e, pelo contrário, reclamam a acção qualificada do Estado. Aqui existe, a nosso ver, até um largo débito por parte do Executivo. Tal débito terá de ser superado a partir da correcta análise do quadro doloroso que conhecemos: o aumento da prostituição infanto-juvenil, por obra dos que com ele enriquecem e que, sem sanções, vão mantendo cadeias que se desfronteirizam e que, portanto, impõem uma produção legislativa, fiscalizatória e informativa que não tem havido.

Entendemos, entretanto, não confundir realidades e, por isso, damos o nosso apoio à ratificação deste convénio, acantonando no seu reduto próprio - que é exíguo - sem deixar de, ao mesmo tempo, fazer aflorar, no hemiciclo e neste momento, o discurso da libertação das energias individuais na fruição erótica e de todos os continentes que lhe são adjacentes.

Isto basta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para significar a completa dissociação da bancada do PCP em relação a toda a fenomenologia moralista ou pseudofilosófica com a qual se pretende ponderar uma realidade velha de séculos e também, por outro lado, a irrelevação da problemática através de um outro expediente não menos preverso que é o da sua real desvalorização na esfera das acções a empreender.

O nosso voto exprime com rigor a sintonia .em relação à matéria de fundo sem abandonarmos as referências do nosso discurso político e cultural, englo-

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bante, que cabeça noutras circunstancias e noutros debates para além dos que hoje ocorrem.

Aplausos do PCP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O 5r. Presidente: - Sn. Deputados, terminamos a apreciação da proposta de resolução n.º 47/V, peto que vamos, de seguida, dar início à apreciação da proposta de resolução n.º 50/V -- Aprova o acordo especial, por troca de notas, entre o Governo da República Portuguesa e ò Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, para supressão do artigo 19.º do Tratado Luso-Britânico de Comércio e Navegação, de 12 de Agosto de 1914. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Alves Figueiredo.

O Sr. Fernando Alves Figueiredo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 12 de Agosto de 1914 foi celebrado um Tratado entre Portugal e o Reino Unido sobre comércio e navegação.

O artigo 19.º desse Tratado previa o auxílio mútuo em matéria de entrega de desertores de navios mercantes.

Todos nós sabemos, e ainda recordamos, a férrea disciplina existente em tempos na Marinha Real Britânica, alguns processos de engajamento não voluntário de tripulantes e compreende-se que de algum modo, tenha sido transposta para a legislação referente à marinha mercante parte desses princípios da Marinha de Guerra Britânica.

Por outro lado, em 1914 vivia-se um clima de guerra que, de certo modo, podia justificar, a inclusão deste artigo 19.º no Tratado que assinámos com a Grã-Bretanha.

Entretanto, verificou-se uma evolução em quase todas as premissas iniciais, como o reconhecimento e a protecção dos direitos do homem. As próprias alterações na legislação justificam hoje que o artigo 19.º deva, no nosso entender, deixar, de produzir efeito.

Nestes termos, recomendamos que o pedido formulado da supressão do artigo 19.º do Tratado Luso-Britânico, que, através de um troca de notas, foi já aprovado em Lisboa. em 4 de Julho de 1990, seja votado favoravelmente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção. tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Apenas para, muito singelamente, dar conhecimento à Câmara da adesão do Partido Socialista e do seu voto positivo a esta proposta de resolução, pelo que sobre ela nos abstemos de tecer qualquer comentário ou de fazer alguma intervenção. .

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PÇP): - Sr. Presidente, nos consideramos desnecessário intervir. Damos, no entanto, o nosso acordo a esta proposta de resolução, votando favoravelmente a matéria em debate.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, depois de se terem pronunciado os grupos parlamentares, dou por terminada a apreciação da proposta de resolução n.º 50/V.

Assim, estamos em condições de passar a discussão, aã generalidade, da proposta de lei n.º 197/V, que autoriza o Governo a legislar em matéria de licenciamento municipal de obras particulares.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: O Governo comprometeu-se a rever a urbanística em vigor e tem vindo a fazê-lo com a discrição que a eficácia impõe e com a tenacidade que as matérias complexas reclamam.

O objectivo central dessa revisão é levar a cabo um ordenamento conecto do espaço onde vivemos e trabalhamos defendendo o património urbano que outros antes de nós construíram e procurando, por todos os meios, valorizar a qualidade de vida dos Portugueses.

A pouco e pouco, dando tempo para que as alterações das regras de proceder sejam absorvidas pelas principais categorias de agentes, mas sendo inflexível nos prazos fixados realisticamente para operar as mudanças, está em vias de concretização a revisão mais completa que, até hoje, teve lugar no nosso país em matéria de ordenamento do território. Ela é importante por ter sido feita de forma global mas também porque se pretendeu alterar em profundidade o estatuto jurídico de todas as acções de transformação e de ocupação dos solos para fins urbanos.

Peça desse complexo conjunto é o regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares que ainda assenta no Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril

Após 21 anos de vigência e com tantas alterações nas regras que regulam a vida pública dos Portugueses e as relações dos cidadãos com os poderes constituídos. não é de admirar que a sua actualização constitua uma necessidade sentida por todos aqueles que, de uma forma ou de outra, lidam com os processos de licenciamento de obras.

O regime que pretendemos alterar, nas suas regras, apresenta numerosos aspectos que não se coadunam com os objectivos actuais de ordenamento do território, nem com a desburocratização da actividade privada que perseguimos.

Com efeito, apesar de constituir um excelente exemplo de técnica jurídica, o regime que ele estatui está muito condicionado pelo enquadramento político e institucional e pela filosofia de planeamento urbanístico da época em que foi estabelecido. Falha, desde logo, pela falta de consideração, em toda a sua arquitectura, da grande autonomia de que desfrutam hoje as autarquias locais, com competências e responsabilidades próprias muito extensas.

Por outro lado, o regime é pouco operacional, por impor uma regulamentação extremamente pesada em termos de conteúdos dos planos e um faseamento muito estanque, sem versatilidade para servir de enquadramento à estratégia de desenvolvimento das autarquias.

Não prevê, ainda, a inclusão de considerações respeitantes ao ordenamento do território e à qualidade das construções nos objectivos, do licenciamento municipal das obras dos particulares, nem o envolvimento das populações, indispensável nos nossos dias nos processos de transformação e de ocupação do solo decorrentes do próprio regime de licenciamento.

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Sucede ainda que o Decreto-Lei n.º 166/70, actualmente em vigor, contém preceitos impossíveis de manter na nossa ordem jurídica. Cito, como exemplo, os seguintes:

1.º Nele prevê-se a possibilidade de recurso para o Governo das deliberações proferidas pelas câmaras municipais no processo de licenciamento, o que é boje claramente inconstitucional por violação da autonomia do poder local;

2.º Nele obrigam-se a licenciamento somente as obras dentro dos perímetros urbanos e nas zonas rurais de protecção às sedes de concelho e demais localidades sujeitas por lei a planos de urbanização e de expansão, quando o País assistiu, durante largos anos, a uma desenfreada ocupação do espaço restante, com construções de qualidade mais do que duvidosa e com densidades mais do que especulativas;

3.º Nele não se faz qualquer distinção entre projectos que carecem de aprovação prévia por parte da administração central, contribuindo ou para a ambiguidade dos procedimentos ou para o congestionamento dos canais de apreciação e dos mecanismos de aprovação.

Compreende-se, assim, que a revogação que temos em mente assente nas orientações seguintes:

Desburocratização, clarificação e simplificação dos procedimentos administrativos;

Demarcação clara das competências entre os níveis central e local da Administração;

Articulação do regime de licenciamento com o processo de ordenamento do território, coadunando-o com as regras vigentes durante o período transitório que decorrerá até o País estar todo coberto por planos municipais de ordenamento do território e conferindo autonomia completa às autarquias locais, quando tal acontecer,

Incentivo à participação da população, de modo que a sociedade civil absorva e respeite a disciplina do ordenamento do território e beneficie, simultaneamente e em consonância, de uma maior transparência e simplificação processual;

Institucionalização de um regime de garantias visando quer a defesa dos interesses públicos e privados, quer a melhoria da qualidade da construção.

Estes são os princípios, mas a forma como eles serão vertidos nos procedimentos pode ser ilustrada da forma seguinte:

a) A competência para aprovar projectos e para emitir licenças de utilização já é exercida pelas câmaras municipais, mas no Decreto-Lei n.º 166/70 apenas se define como seu âmbito o regime de licenciamento das obras, embora se faça referência a uma licença municipal para a utilização de determinadas edificações. Não se consagra, porém, a necessidade da emissão de licença de utilização quando se verificar uma alteração ao uso estipulado. O alargamento do âmbito do regime contribui, assim, para a clarificação de responsabilidades e para a disciplina da utilização dos espaços construídos;

b) A consagração de um pedido de informação prévia ao processo de licenciamento tem por objectivo dar a possibilidade aos particulares de uma obra, minimizando, dessa forma, os custos do projecto, sem interferir no decurso global da apreciação do pedido de licenciamento. Trate-se de tuna alteração simplificadora na tramitação do processo de licenciamento, no sentido da sua desburocratização, conferindo maiores garantias aos particulares que pretendam realizar obras, sem lhes impor despesas que podem ser vultuosas e, em alguns casos, infrutíferas, não descurando, por outro lado, a salvaguarda do interesse público;

c) A imposição de uma aprovação prévia pelo Ministério do Planeamento e da Administração do Território, no processo de licenciamento de algumas obras a realizar em áreas não abrangidas por planos municipais de ordenamento do território, vem no seguimento da política que o Governo tem defendido, no sentido de privilegiar e incentivar a cobertura do território nacional por aquele tipo de planos, como pressuposto básico e fundamental para um correcto ordenamento do território. A intervenção do Ministro só tem como objectivo salvaguardar convenientemente situações de relevante interesse público;

d) A obrigatoriedade de inscrição na câmara municipal dos técnicos autores de projectos já estava consagrada nas disposições legais estabelecidas em 1970 e mantém-se, com redobrada justificação, no regime que se pretende instituir. À maior autonomia tem de andar sempre ligada maior responsabilidade. A obrigatoriedade de inscrição tem justificação acrescida pelo facto de se atribuir à câmara municipal competência para instaurar processos de contra-ordenação aos técnicos que violarem determinadas disposições legais ou regulamentares. Nesse sentido, a verificação da conformidade das habilitações dos autores dos projectos representa uma formalidade absolutamente necessária para a aplicação do novo regime;

e) A competência fiscalizadora e punitiva da violação da legislação em vigor, no âmbito da realização de obras particulares, constitui um instrumento fundamental e preponderante do cumprimento do regime que agora se institui. O sentido é sempre o mesmo: igualdade de tratamento, transparência e rigor,

f) A competência atribuída ao Governo para ordenar a demolição da construção e a reposição das condições em que estava o terreno, em determinadas situações de violação dos instrumentos de planeamento - caso haja, para tal, razões de interesse público - vem na sequência do que já está estabelecido no Decreto-Lei n.º 69/90, que define o regime jurídico dos planos municipais de ordenamento do território, também ele objecto de uma autorização legislativa. Esta medida decorre das competências próprias da administração central em matéria de ordenamento do território, reconhecidas constitucionalmente;

g) Na sequência do estabelecido no mesmo diploma, vem a classificação como ilegalidade grave de determinadas formas de conduta, para efeitos de aplicação da lei da tutela administrativa. Essa classificação visa, afinal, responsabilizar autarcas

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pelo comprimento da legislação em vigor em matéria de ordenamento do território;

h) A atribuição de carácter urgente às acções de conhecimento de direitos em caso de deferimento tácito é imprescindível para que o particular não fique lesado pela eventual inércia da Administração, bem como peto decurso normal dos prazos de apreciação dos assuntos aos tribunais

i) A punição dos funcionários e agentes da Administração quê a proposta consagra, constituindo uma alteração ao estatuto disciplinar (Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro), tem como objectivo punir, exemplarmente, aqueles cujo comportamento resulta em apreciações erradas e muitas vezes ilegais dos titulares do poder de decisão. A omissão de informações ou a prestação de informações falsas ou erradas passarão a ser punidas disciplinarmente com uma pena superior à prevista no estatuto disciplinar, para idêntico tipo de comportamentos. A mesma linha geral de responsabilização acrescida se prevê para os fiscais de obras e para os autores dos projectos. E nesse sentido vai, também, a fixação de valores de coimas muito elevados e, por conseguinte, desincentivadores da violação da lei;

j) Finalmente, a consagração da possibilidade de o recurso a um certificado de qualidade para acompanhar o pedido de licenciamento de obras permitirá às câmaras municipais dispensar a intervenção de serviços técnicos, sempre onerosos, no processo de licenciamento.

Caminha-se, assim, no sentido da desburocratização acrescida dos que intervêm no processo, a começar pelo próprio peticionário, O «certificado de qualidade», que se destina a comprovar o cumprimento das disposições legais e regulamentares na elaboração dos projectos e na correcta inserção das construções na paisagem ou na estrutura urbana, tem como objectivo fundamental aliviar o peso que impende sobre as autarquias tocais, resultante da gestão corrente do território e que é tanto mais crítico quanto 6 certo que muitas delas se debatem com sérios problemas de disponibilidade de técnicos em número e competência adequados.

Por outro lado, se a câmara municipal deliberar aceitar os certificados de qualidade, as vantagens revertem também a favor dos particulares que, desse modo, verão substancialmente reduzidos os prazos de apreciação dos seus pedidos de licenciamento.

Como se compreende, trata-se de matéria de sensibilidade extrema, que reclama uma definição rigorosa tanto do conteúdo do próprio certificado como dos requisitos que devem preencher as entidades credenciadas para emiti-los.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diploma para cuja elaboração o Governo vos solicita autorização legislativa não constitui um mero conjunto de procedimentos administrativos reformulados. O seu conteúdo vai tocar profundamente a vida dos agentes económicos que fazem da ocupação do espaço e da construção a sua profissão, a dos responsáveis municipais e, afinal, também a dos cidadãos, cuja qualidade de vida tanto depende de um correcto ordenamento do território, da valorização da qualidade arquitectónica dos aglomerados onde habitam e dos custos a que tudo se consegue fazer.

É por isso que estou seguro de que compartilham comigo opinião de que se trata, com ele, de dar um passo determinante na concretização de uma política coerente e transparente de ordenamento do território.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:-Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados lida Figueiredo e José Carneiro dos Santos, estando inscritos para intervenções os Srs. Deputados Júlio Henriques, lida Figueiredo e Rui Sirva.

Para pedir esclarecimentos, tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP):- Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Verifiquei que o Grupo Parlamentar do PSD acaba de entregar na Mesa - pelo menos, a mim só agora me chegou às mãos - um conjunto de alterações a esta proposta de lei.

Admito, portanto, que eventualmente algumas das questões que nesta proposta de lei me merecem grande crítica poderão estar atenuadas neste conjunto de alterações, mas não deixa de ser significativo que apenas agora, quando o debate já está iniciado, apresentem essas alterações...

No entanto, e porque ainda não tive oportunidade de apreciá-las em profundidade, aí vão, Sr. Ministro, algumas questões que quero colocar-lhe em relação à proposta de lei n.º 191/V, que contém um pedido de autorização legislativa bastante vago e impreciso, mas que, no entanto, em três u quatro aspectos, apesar dessa sua imprecisão e da sua generalidade, me parece seriamente perigoso, centralista, comprometedor da autonomia municipal e inclusivamente, num dos casos, um castigo muito sério aos municípios que não tenham planos municipais de ordenamento do território aprovados até 31 de Dezembro de 1991 e um outro castigo também igualmente sério aos autarcas que cometam algum deslize na aprovação de processos de licenciamento municipal.

É que o Governo propõe aqui, pura e simplesmente, a perda do seu mandato.

Sr. Ministro, não lhe parece que tudo isto é excessivo e é-o sobretudo quando apresentado em termos de um pedido de autorização legislativa, a oito dias do fim dos trabalhos desta sessão legislativa da Assembleia da República e a poucos meses das eleições?

Não nos podemos esquecer de que o que se pretende é alterar, através de um processo de autorização legislativa, o licenciamento municipal de obras particulares de tão grande importância!

É porque, desta forma, mais uma vez se pretende fazer, agora, em meia dúzia de dias, e de um modo que nos parece profundamente incorrecto, aquilo que não se fez em quatro anos.

Como última questão, desejo pedir-lhe que me esclareça sobre um problema que tem a ver com o artigo 3.D e com esta figura que aqui se cria do «certificado de qualidade urbanística». E porquê? É porque cria-se esta figura do «certificado de qualidade urbanística» sem que se diga, no pedido de autorização legislativa, em que termos será emitido, quem é a entidade emissora e também sem clarificar como todo este processo vai ser desenvolvido. Aliás, sobre este assunto existem vários alertas lançados pela Associação dos Arquitectos Portugueses!...

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Sr. Ministro, é preciso ter muito cuidado na apreciação em concreto de toda esta problemática e daí a minha última pergunta. Qual a razão por que não enviou à Assembleia da República o projecto de decreto-lei?

Sr. Ministro, já começa a ser hábito -e um hábito mau - não enviar à Assembleia da República os projectos de decreto-lei que pretende publicar e que, aliás, envia a todas as entidades excepto aos deputados, isto é, àqueles que tem competência legislativa sobre a matéria. Não lhe parece este comportamento excessivo?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Carneiro dos Santos.

O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Ministro, a minha única pergunta relaciona-se com a antiga alínea c) do artigo 2.º

De facto, a partir de 31 de Dezembro de 1991, dado que a maioria dos municípios ainda não tem os planos municipais de ordenamento do território aprovados nem facilmente haverá condições para que isso venha a suceder - muitas vezes por culpa do próprio Governo que não foi capaz de, nas comissões de acompanhamento, indicar os técnicos que pudessem, em tempo oportuno, resolver os problemas - e se for cumprida esta alínea c), o Ministro do Planeamento e da Administração do Território - espero que não seja V. Ex.ª a partir de 1991 - transformar-se-á numa autentica câmara municipal, porque os projectos de todas as «casinhas» dos municípios que não tenham planos municipais de ordenamento do território terão de ser aprovados pelo Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

Esta é, a meu ver, uma situação insustentável e que não faz qualquer sentido. Como é que V. Ex.ª julga ser possível, a partir de 31 de Dezembro de 1991, resolver estes problemas? Será que o futuro ministro vai despachar isto tudo? Não me parece que seja razoável!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr.ª Deputada lida Figueiredo, ainda há pouco tempo tive ocasião de afirmar perante esta Câmara que o pedido de autorização legislativa é uma figura regimental a que temos acesso e que usamos...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Já não é uso, é abuso!

O Orador: -... com a propriedade que a lei nos permite.

Não estou de acordo com os comentários que V. Ex.ª fez quando disse que a proposta enferma de centralismo e que compromete a autonomia municipal. Tive ocasião de dizer na minha intervenção exactamente o contrário. Aliás, é em nome da autonomia, municipal, do respeito por essa autonomia, que urge modificar a legislação que data de 1970. Como vê, Sr.ª Deputada, a situação é exactamente ao contrário daquilo que afirmou.

A Sr.ª Deputada também afirmou que o diploma é um «castigo» sério aos municípios que não tenham planos de ordenamento. Mas é evidente que é porque entendemos que devem ser castigadas as autarquias nessa situação. Efectivamente não se compreende que estejamos na Europa e que por essa Europa toda a gente tenha planos, que toda a gente saiba ordenar o seu território, que toda a gente procure melhorar a qualidade da ocupação do espaço e que em Portugal não se dêem os passos devidos, tenazes, fortes e determinantes para os possuirmos!...

V. Ex.ª interpretou correctamente o dispositivo legal que propomos. Há efectivamente uma colocação em posição menos adequada dos municípios que não tenham planos de ordenamento.

Por outro lado, também estamos, todos a exigir uns aos outros competência no exercício das nossas funções e se a Sr.ª Deputada é favorável a uma tolerância imensa a quem cometa deslizes, DÓS, pelo contrário, estamos cada vez mais no sentido da evolução e de evitar que as pessoas cometam deslizes que tenham repercussões sobre a população, que, ao fim e ao cabo, é quem sai prejudicada.

Nesse sentido, não se pode admitir que haja quem cometa deslizes que se repercutam sobre os cidadãos.

O «certificado de qualidade» foi longamente tratado com a Associação dos Arquitectos Portugueses e, naturalmente, vão ser entidades credenciadas que vão aliviar muito o peso que hoje se exerce sobre as câmaras municipais.

Sr. Deputado José Carneiro dos Santos, estou convencido de que vai haver planos e quem os não tiver vai ter de acelerar o passo para elaborá-los. Devo dizer-lhe que o Ministro do Planeamento è da Administração do Território, em Janeiro, vai ter várias redes... Não se esqueça, por exemplo, de que nos planos municipais também estão abrangidos os planos gerais de urbanização e os planos de pormenor. Portanto, o sentido é o do rigor e da necessidade de disciplinar um espaço que foi, ao longo dos últimos 20 anos, extremamente penalizado por uma desarrumação muito inconveniente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Henriques.

O Sr. Júlio Henriques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Pretende o Governo legislar em matéria de licenciamento municipal de obras particulares, para tanto apresentando à Assembleia da República a proposta de lei n.º 197/V, que contém um pedido de autorização legislativa. O texto (projecto) do decreto-lei não nos é apresentado, como seria desejável, muito embora saibamos da sua existência, desde há meses, em face da análise e tratamento que mereceu por parte da Associação dos Arquitectos Portugueses no seu 2.º Encontro sobre a Nova Legislação Urbanística, realizado no Porto nos passados dias 24 e 25 de Maio.

A exposição de motivos, optando por generalidades, falando de «[...] consagrar uma nova filosofia de intervenção, nomeadamente em matéria de planeamento territorial [...]» e de «[...] reformular a legislação em vigor [...] com vista à protecção do ambiente e da qualidade de vida das populações [...]», encerra tudo e nada!, isto é, não habilita, por forma minimamente aceitável, ao debate que se impunha em área tão sensível como esta. tanto mais agora quando se exercita a implementação do novo regime dos loteamentos urbanos, dos planos directores municipais e dos planos regionais de ordenamento do território.

O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador - Diga-se, no entanto, que o mais importante é legislar bem: bem no interesse da colectividade; bem na clareza dos objectivos; bem na análise das implicações supervenientes. E aqui, um «alerta» ao Governo

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que sempre exalta, no preambulo dos seus diplomas, os altos valores que todos defendemos, para, ao articulado concreto, se verificar um claro esbatimento da promessa quando não mesmo a filosofia do contrário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É necessário, pois, analisar as implicações. É necessário conhecer o País e discernir entre a realidade que é o mondo rural e aquela outra, bem distinta, que é a dos grandes centros urbanos, isto d, a diferença legal que deve constituir-se no licenciamento de obra destinada a habitação própria, algures no Minho, na Beira ou no Alentejo, e uma outra envolvendo milhões e interesses porventura respeitáveis, por exemplo em Lisboa, no Porto, ou na Costa Vicentina.

É imperativa que seja ouvida a Associação Nacional dos Municípios Portugueses não para cumprir o formalismo, tão-somente, mas para que esta dê, em matéria não sensível, um contributo decisivo.

Tivesse sido esse o procedimento do Governo e não teríamos assistido aos problemas emergentes do cumprimento de Decreto-Lei n.º 19/90, diploma importante sobre o regime de caducidade das licenças municipais de construção, mas que, feito em gabinete e à margem da realidade concreta, teve de sofrer, meses depois, as pertinentes alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 382/90.

Tivesse sido esse o procedimento do Governo e não teríamos, por certo, experimentado as dificuldades e mesmo as distorções que decorrem da aplicação do tão contestado Decreto-Lei n.º 100/88. De facto, este diploma legal, contendo matéria legislativa sem dúvida importante no que concerne ao regime de concessão de alvarás e permanência no exercício da actividade de construção civil, porque não se ajusta às circunstâncias do País real que somos - mesmo diferida no tempo (dois anos) como o foi a sua entrada em vigor na parte mais controversa-, veio a criar graves problemas no que respeita à execução de pequenas obras por administração directa, nestas avultando a construção de casa própria ou de conservação e restauro, por parte de famílias de pequenos recursos, emigrantes e outros, com reflexos muito negativos para os legítimos interesses assim postos em causa, reflexos esses que afectam injustamente a imagem do poder local e que a Portaria n.º 760/90, de 28 de Agosto, publicada 27 dias depois da entrada em vigor do referido Decreto-Lei n.º 100/88 para sacudir-lhe», minimizando os seus efeitos perversos face ao alarme gerado de norte a sul, não veio resolver.

Tanto assim é que, ainda sobre esta candente matéria, também o Decreto-Lei n.º 351/90, de 8 de Novembro, reconhecendo a dificuldade do cumprimento, suspende até 31 de Dezembro de 1991 a aplicação do articulado na sua parte mais gravosa, nada resolvendo em definitivo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E porque vem a «talhe de foice» e a questão é importante e objecto de generalizada preocupação, pergunta-se ao Governo: e depois de 31 de Dezembro? Vão ser retomados os «expedientes» susceptíveis de favorecer o enriquecimento sem justa causa de uns tantos, poucos, à custa dos muitos que mais precisam?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador-Mas. Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Sn. Deputados, retomemos a proposta de lei n.º 197/V, em apreço, para uma referência ao conteúdo dos seus artigos 2.º e 3.º de forma sistematizada.

Assim, em primeiro lugar, ali se pretendem cometer és camarás municipais competências que já lhes estão cometidas alíneas a), b), d) e e) do artigo 2.º.

Em segundo, na impossibilidade prática da existência, até 31 de Dezembro de 1991 de planos municipais de ordenamento do território cobrindo o País, se não houver uma grande dose de pragmatismo e suficiente clareza regulamentar, corre-se o risco da sistemática sujeição à aprovação prévia dos projectos por pane do Ministro do Planeamento e da Administração do Território [alínea c) do artigo 2.º] com todos os inconvenientes de natureza burocrática que daí resultarão, o que se nos afigura insustentável.

Em terceiro, acentuam-se os aspectos repressivos (não escapa ninguém desde o fiscal ao presidente da câmara desde a multa à cadeia) sem que se vislumbre, como é de boa norma em democracia, a introdução de quaisquer medidas visando a acção preventiva. Aliás, constituindo ilícito de mera ordenação social o mais ligeiro incumprimento na execução de um dado projecto, bom será que seja criado dispositivo legal de notificação à correcção em prazo. E mais: que o limiar mínimo da coima [alínea m) do artigo 2.º] seja de 50 000$ e não de 250 000$ como se indica. A manter-se a proposta tal como está formulada pelo Governo, cair-se-á, em certos casos, em autênticas situações de violência.

Em quarto, o cometimento ao Governo da competência para ordenar demolições [alínea f) do artigo 2.º] poderá revestir-se de interesse em casos excepcionais devidamente tipificados na lei, mas somente nestes, e por forma a não conflituar com a competência da câmara municipal.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de autorização legislativa é naturalmente omissa em relação a muitas disposições reguladoras do processo de licenciamento hoje dispersas por diplomas diversos e que urge concatenar, acrescentando, entre outros, dispositivos que contemplem:

a) A definição do regime de licenciamento das obras do Estado, Direcção-Geral de Portos, caminhos de feno, etc.;

b) A garantia aos requerentes da faculdade de consulta aos processos em qualquer das suas fases de instrução e de decisão;

c) A criação de um modelo de impresso, uniforme, simples, com vista ao pedido de licenciamento;

d) A atribuição do efeito positivo ao silêncio da Administração, isto é, regulamentar, em termos de prazos, mecanismo do deferimento tácito;

e) A regulamentação da caducidade das licenças municipais, revogando os Decretos-Leis n.ºs 19/90 e 382/90;

f) A definição organizativa e de conteúdo rios projectos de engenharia e arquitectura, em relevo para os aspectos de segurança.

Por último, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, desejo afirmar que o Partido Socialista não vem aqui, nesta como noutras matérias, fazer a crítica pela crítica, mas vem, antes, emprestar ao debate contributo sério e desapaixonado, denunciando o que considera estar mal, sugerindo as soluções que julga serem as melhores

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para o País, e sem deixar de reconhecer os aspectos positivos, quando existem, como consideramos ser o caso daqueles que podem decorrer do que se aponta no artigo 3.º da proposta de lei n.º 197/V, posto é que o legislador saiba «beber» nalgumas experiências europeias de acesso os aspectos mais inovadores e desburocratizantes em matéria de licenciamento municipal de obras particulares.

Nestes termos, vai o PS viabilizar com o seu voto favorável a aprovação da presente proposta de lei. Se o resultado prático vier a determinar mais uma frustração, ela não persistirá porque, entretanto, chegará Outubro.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo.

A Sr Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste final de legislatura o Governo descobriu que era preciso alterar o enquadramento legal das questões urbanísticas. E então, a poucos dias do final da legislatura, sucedem-se os pedidos de autorização legislativa, com um mero anúncio de intenções mais ou menos vago, impreciso e parcial, seja sobre toda a problemática do Código das Expropriações, cuja votação se fez há dias, seja sobre o licenciamento municipal de obras particulares cujo debate estamos agora a realizar.

Sendo o licenciamento municipal de obras particulares um dos instrumentos mais significativos de intervenção no âmbito do correcto ordenamento do território, como afirma o Governo no preâmbulo da proposta de autorização legislativa que estamos a discutir, então como se compreende que só agora, no final da legislatura, queira proceder à reforma do regime actualmente em vigor? Será que andou distraído até agora? Só no final da legislatura descobriu que era necessário proceder à reforma do licenciamento municipal de obras particulares?

Mas, apesar disso, quando se procuram ó sentido e a extensão do pedido de autorização legislativa verifica-se que a principal preocupação da proposta governamental não é avançar na construção de uma coerente política de solos mas tão-só estabelecer mecanismos de maior ingerência governamental nas competências das autarquias e castigar todos os municípios que até ao final do ano não tenham planos municipais de ordenamento do território aprovados.

Ou seja, em vez de se preocupar com as enormes lacunas e deficiências existentes ao nível do planeamento nacional e regional, em vez de criar as condições para que os municípios possam dispor da necessária e indispensável informação estatística e cartográfica que os diversos organismos dependentes da administração central continuam a não ter disponível, em vez de prorrogar o prazo limite de aprovação dos planos municipais de ordenamento do território por mais um ano, como propõe o PCP no seu projecto de lei n.º 71l/V, o Governo insiste no prazo irrealista de obrigar os municípios a concluírem, de qualquer jeito, os processos de planeamento municipal até ao final do ano, sob pena de serem postas em causa as suas competências em termos de licenciamento das obras particulares.

Assim, o que ressalta das alíneas c), f) e g) do n.º 2 é uma govemamentalização do processo de licenciamento municipal, uma inadmissível ingerência na vida dos municípios e o reforço das competências do poder central à custa de competências dos municípios. Sob o pretexto da defesa do ambiente, da qualidade do meio urbano e da e ao arrepio de todos os princípios de descentralização e participação defendidos pela Lei de Bases do Ambiente, o Governo interfere nas atribuições e competências dos municípios.

Por exemplo, quanto a alínea f), o enunciado é tão genérico que admite toda a interferência do Governo e até uma sobreposição da competência quê é das câmaras municipais, como é o caso das demolições em geral. O mesmo se passa com a alínea c), em que se admite a intervenção do Governo na construção de novas edificações em áreas não abrangidas por planos municipais de ordenamento do território sem especificar os casos, os critérios de volumetria ou de tipologia.

Na alínea g) o Governo prevê uma medida drástica de perda de mandato dos membros dos órgãos autárquicos que licenciarem obras particulares que eventualmente não respeitem planos de ordenamento municipal. Ou seja, para combater eventuais irregularidades de licenciamento de obras particulares, o Governo não está com meias medidas: propõe a perda do mandato dos eleitos da câmara municipal Não acham que é ir longe demais? Claro que é!

Se o Governo tivesse ouvido a Associação Nacional dos Municípios Portugueses como devia ter feito, certamente que todo este processo de licenciamento municipal de obras particulares seria encarado de forma diferente.

Outro dos aspectos melindrosos da autorização legislativa tem a ver com a forma como parecem ser postos em causa aspectos do domínio do direito de autor, de acordo com o alerta lançado pela Associação dos Arquitectos Portugueses. É o quê se passa com a alínea d) do artigo 2.º quando afirma: «O Governo comete às câmaras municipais competências para verificar a conformidade das habilitações dos autores de projectos inscritos.» É que tal competência revelar-se-ia contraditória com as competências atribuídas à associação dos arquitectos portugueses na lei que a institui como associação pública (Decreto-Lei n.º 465/88) e no diploma que transpõe para o direito português a Directiva n.º 384/85/CEE (Decreto-Lei n.º 14/90).

Para além disso, a medida agora proposta parece incumprível. Na prática ela constituiria uma invasão das competências das associações públicas (Associação de Arquitectos Portugueses e Ordem dos Engenheiros) e tornaria ineficaz a acção disciplinar que a estas instituições está atribuída. Assim, a Associação dos Arquitectos Portugueses chama a atenção para a necessidade de aditar à referida alínea a salvaguarda da excepção dos autores que tenham profissão abrangida por uma associação pública.

Por último, em relação ao artigo 3.º, não se entende o que é que em concreto quer o Governo com o «certificado de qualidade urbanística». Será apressar a apreciação dos projectos? Mas quem passa o certificado de qualidade? A câmara municipal? Outras entidades? A este propósito vale a pena referir aqui algumas observações que a Associação dos Arquitectos Portugueses fez a propósito do certificado de qualidade urbanística cujo âmbito, objectivos e proveniência são ambíguos: «Com este certificado de qualidade urbanística o legislador pretende acrescentar mais um elemento ao embrionário sistema nacional de garantia da qualidade da construção. Resta saber se este novo passo vai no bom sentido ou se, pelo contrário, pode vir a prejudicar o futuro desenvolvimento desse mesmo sistema.»

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Impõe-se, pois, que haja, no mínimo, uma reconsideração do sentido e da extensão deste pedido de autorização legislativa; nomeadamente nas alíneas c), f) e g) do n.º 2 e no alcance do artigo 3.º.

É, aliás, com esse objectivo que propomos a baixa à Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente da proposta de lei n.º 197/V, para apreciação na [...].

Esperamos que, da parte do Governo e do Grupo Parlamentar do PSD, haja disponibilidade para rever os aspectos mais gravosos deste pedido de autorização legislativa. Em boa verdade, essa apreciação deve ser feita tendo presente o projecto de decreto-lei que o Governo pretende publicar através desta autorização legislativa, até porque sabemos que esse projecto existe, embora mais uma vez o Governo o tenha sonegado à Assembleia da República. Que pelo menos agora, em sede de debate na especialidade, esteja presente esse projecto de diploma governamental.

O Sr. José Manuel Mala (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, quero, por esta via, esclarecê-la quanto a um ponto da sua intervenção, já que os restantes constituem um acervo de críticas naturais da parte de um partido da oposição.

Afirmou a Sr.ª Deputada que o Governo se lembrou à última hora. Ora, o Governo não se lembrou à última hora!... A Sr.ª Deputada é que reparou à última hora nesta iniciativa legislativa que consta do Programa do Governo, que faz parte de uma acção sistemática, desenvolvida de forma contínua, no que respeita ao ordenamento do território, e que tem sido objecto de diversas iniciativas sucessivamente tomadas, que evidentemente são motivo de apreço de todas as pessoas que se preocupam com estas questões e não apenas motivo para uma girândola de críticas, que sempre podem ser feitas a «este» ou «àquele» título.

Tanto assim é que não usei da palavra em relação à intervenção do Sr. Deputado Júlio Henriques, porque ele teve o cuidado de, através evidentemente da sua girândola própria de críticas, que se encarregou de ser minimamente numerosa, prestar homenagem e manifestar o seu elogio ao Governo. O Sr. Deputado fê-lo, mas, como é evidente, sob uma certa girândola de críticas, de modo até a não poder ser acusado de vir aqui, num debate que por definição, embora errada, tem de ser de crítica ao Governo, elogiá-lo. Em todo o caso, o Sr. Deputado, embora com essa girândola de críticas sobre vários assuntos, elogiou o Governo, o que achei muito bem. Daí que eu não tenha pedido a palavra para pedir-lhe esclarecimentos.

Uso agora da palavra apenas em relação à intervenção da Sr.ª Deputada lida Figueiredo, não propriamente por causa da sua girândola de críticas tecidas mas para chamar-lhe a atenção - porque isso poderia passar desapercebido à Sr.ª Deputada ou a outrem - para o facto de que esta iniciativa do Governo se insere num plano sistemático que foi, contínua e persistentemente, aplicado e desenvolvido. Daí os elogios do Sr. Deputado Júlio Henriques, que como é óbvio, merecem todo o meu louvor.

É evidente que elogios que partissem de mim, de um deputado que dá a sua confiança ao Governo, seriam suspeitos... No entanto, quando esses elogios vêm de um deputado que «desconfia» do Governo, mas que reconhece essa acção positiva e sistemática do Governo, eles merecem o maior louvor.

Manifesto, pois, ao Sr. Deputado, embora tardiamente, o meu apreço por tão grande ousadia e isenção política.

O que pretendo, no entanto, é recordar agora a V. Ex.ª que quem à última hora reparou nestas coisas foi a Sr.ª Deputada, já que o Governo está, desde a primeira hora a aplicar sistematicamente uma, acção sobre o ordenamento do território, como antes ninguém iniciou e sobretudo desenvolveu e aplicou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Q Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): -Sr. Deputado José Silva Marques, quero desde já prestar-lhe um agradecimento pelo contributo que deu para a clarificação deste problema. Pelos vistos, consta do Programa do Governo a imposição de tratar da questão do licenciamento municipal de obras particulares!...

Risos do PCP.

Ora, o Programa do Governo vai fazer quatro anos de existência. Creio não ser necessário tirar conclusões desse facto, mas a conclusão a extrair é óbvia: se o Programa do Governo tem quatro anos e nele está inscrito este propósito, por que é que o Governo demorou quatro anos a lembrar-se de dar-lhe conteúdo legal e só se lembrou dele no final da sessão legislativa, mesmo assim através de um pedido de autorização legislativa, que nem sequer sabemos se vai ser utilizado, e a poucos meses de novas eleições para a Assembleia da República?

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Desenvolveu antes todo o plano sistemático de acção!

A Oradora: - Como o Sr. Deputado sabe, o Programa do Governo não é uma proposta de lei. Se, então, foi há quatro anos previsto no Programa do Governo que este iria procedera uma alteração do processo de licenciamento de obras particulares por parte dos municípios, e atendendo a que esse Programa, como referi, não é uma proposta de lei, por que é que demorou - volto a perguntar - quatro anos a apresentar à Assembleia da República uma iniciativa legislativa nessa matéria?

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Outros governos nem em quatro anos fizeram isso!

O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A modernização da Administração Pública passa necessariamente pela adopção de medidas que não só mudem ou transformem os actos dos seus agentes mas também, e principalmente, disciplinem a sua actuação.

Portugal conheceu durante longos anos uma quase anarquia no ordenamento do território, situação com que, embora não possamos concordar, entendemos ter sido o resultado de um desabafar de constrangimentos e opressão

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com que o povo português se confrontou durante quase cinco décadas. Hoje, felizmente, o cenário começa a ser bem diferente e raras são as autarquias que não possuem já o seu plano director municipal em fiança elaboração, conseguindo já algumas administrar o seu espaço territorial com base em planos já devida e objectivamente, definidos. Mas, naturalmente, os «vícios» subsistem, os erros ainda se cometem e as violações persistem.

É neste sentido que o Governo se propõe agora legislar, procurando com uma nova filosofia - mais europeia, dizemos nós - alterar o rumo dos acontecimentos, cometendo a si algumas decisões de maior vulto e simultaneamente procurando nalguns domínios dar às autarquias mais autonomia que acelere processos e optimize pretensões. Em todos os grupos parlamentares existem deputados que são autarcas e possuem, naturalmente, uma experiência, fruto da sua intervenção local, que lhes permite ter uma certa sensibilidade pata a matéria que esta proposta de lei encena.

Não conhecendo o texto que o Governo se propõe vir a publicar, resta-nos a possibilidade de analisar o conteúdo do diploma reflectindo sobre as grandes linhas que nos são apresentadas no pedido de autorização legislativa.

O ordenamento do território deverá sem dúvida preocupar quem assume as responsabilidades de gerir a conveniente evolução e modernidade dos diversos espaços geográficos, mas não duvidamos também de que as autarquias têm tido um papel importantíssimo nas correcções que se manifestaram necessárias e a maturidade da grande maioria dos autarcas já deu os seus frutos positivos.

Verificam-se ainda, no entanto, grandes e intransponíveis barreiras à actuação das autarquias e a utilização dos solos, permanentemente dependendo de diversos e morosos pareceres prévios, entrava muitos dos licenciamentos, quantas vezes com graves prejuízos para os requerentes e necessariamente para a respectiva autarquia.

É necessário desburocratizar e simultaneamente cometer a quem decide maior sentido de responsabilidade.

Entendemos que medidas punitivas infligidas a quem viola poderão ser necessárias, pois sabemos que, infelizmente, nem todos cumprem como seria sua obrigação, mas afiguram-se-nos demasiado pesadas as penas a aplicar aos funcionários infractores. É bem certo que se trata de penas com limites máximos e mínimos, mas não nos parece razoável tanta severidade. Existe legislação comparada? As penas de prisão e coimas propostas são equiparadas a outros crimes de igual gravidade? São questões que a «exposição de motivos» desta proposta de lei não explica e que mereceriam, naturalmente, ser melhor esclarecidas. Uma outra questão que se coloca tem a ver com a competência que venha a ser dada às câmaras municipais para a verificação das habilitações dos autores de projectos inscritos no município. A preocupação que nos foi transmitida, nomeadamente pela Associação de Arquitectos Portugueses e pela Ordem dos Engenheiros, parece-nos efectivamente legítima. Compete a estes organismos, de acordo com as suas competências devidamente integradas em diploma legal, a fiscalização e a acção disciplinar a executar sobre os seus associados, mas esta norma poderá consistir numa ingerência num foro que já possui órgão próprio de fiscalização. Propomos, pois, que o Governo pondere também este ponto.

Finalmente, há que referir o dado novo da inclusão de um «certificado de qualidade» que comprove o cumprimento das disposições legais e regulamentares na elaboração de um projecto e a correcta inserção da construção pretendida no ambiente urbano e na paisagem.

Desconhecendo também o teor da regulamentação que apenas poderemos abordar a sua eventual aplicação deixando algumas reflexões.

Para começar, entendemos que a dispensa da intervenção dos serviços técnicos no processo de licenciamento, justificada pela presença do certificado, embora reconhecendo que este factor poderá acelerar todo o processo poderá também, traduzir-se num alheamento da autarquia numa questão que lhe diz directamente respeito, o que nos parece de algum modo perigoso. Quem é a entidade que lavrará o certificado? Que conhecimento da zona sobre que se pronuncia terá essa entidade obrigatoriamente de possuir? Quais as áreas objectivas sobre as quais o certificado deverá incidir o seu parecer? Impacte ambiental, rede viária, garantia de construção, respeito pela traça e cérceas existentes? São perguntas cujas respostas não conseguimos, de facto, vislumbrar.

Não sabemos realmente o que se pretende com este certificado e, embora concordemos com a ideia de que a qualidade certificada é muito importante, interessaria eventualmente discutir, entre outros, as finalidades do certificado, o seu objecto, a sua unicidade e, principalmente, os seus efeitos, designadamente no que respeita, à simplicidade do processo de licenciamento.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Colocadas que foram as preocupações que considerámos importantes trazer á esta Câmara, resta-nos referir que estamos disponíveis para com o Governo e os restantes partidos da oposição, caso a nossa intervenção suscite alguma reflexão, discutir e dar o nosso contributo para quaisquer alterações ao texto proposto, já que, conscientes que estamos da necessidade de alterar o actual quadro legislativo nesta área, daremos o nosso voto favorável à proposta de lei em apreço.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Rui Silva, naturalmente impressionado com o pedido de esclarecimento formulado pelo Sr. Deputado José Silva Marques, V. Ex.ª despiu a sua intervenção da roupagem crítica que, com grande condescendência, o Sr. Deputado José Silva Marques hoje aceitou em relação ao Partido Socialista, para fazer uma intervenção de grande apoio à proposta de lei em apreço.

Fundamentou uma parte desse apoio no panorama optimista que traçou sobre a situação do planeamento urbanístico a nível municipal.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Em que sentido está a falar de planeamento? No que é proposto, no que se pretende desenvolver ou em certas situações de caos existentes?

O Orador: - Estou neste momento a fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Rui Silva, mas espero, daqui a pouco, ter a oportunidade de fazer também uma pergunta ao Sr. Deputado José Silva Marques, quando ele produzir uma intervenção na qualidade de autarca e antigo presidente de câmara, mas, naturalmente, sem plano director municipal nem plano de urbanização.

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O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sabe por que é que eles existem por toda a parte? Por terem sido implementados por este governo!

O Orador: - Que informações tem o Sr. Deputado Rui Silva sobre grau de implementação do recente diploma sobre planos directores municipais?

Como sabe, a proposta de lei que boje aqui estamos a apreciar há-de ser em boa pene aferida precisamente pelo grau de implementação dos planos directores municipais, já que a cominação constante da alínea c) sobre as competências que são transferidas para o Ministério do Planeamento e da Administração do Território tem a ver com isso mesmo. Acha razoável que o previsto no diploma sobre planos directores municipais, que apontava, também ele, a data de 31 de Dezembro de 1991, continue vertido nesta proposta de autorização legislativa? Pareceu-me entender que sim, porque o Sr. Deputado disse que já não existe hoje qualquer município que não tenha o seu plano director municipal em fase adiantada de elaboração, fruto do governo do PSD.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Exacto, não é fruto de mais ninguém!

O Orador: - É um governo magnífico, que pôs as câmaras municipais a trabalhar, a fazer planos directores municipais...

É isso, Sr. Deputado Rui Silva?

O Sr. José Silva Marques (PSD): - É isso, sim!

O Orador: - Tem V. Ex.ª informações, estatísticas e dados fundamentais sobre a realidade ou só está a falar do concelho em que é autarca?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, vou voltar a ler apenas a parte da minha intervenção em que referi a situação dos planos directores municipais para que V. Ex.ª possa constatar que eu não disse sem fase de conclusão»; Disse, sim, «em franca elaboração, conseguindo já algumas administrar o seu espaço territorial com base em planos já devida e objectivamente definidos».

Naturalmente, a conclusão dos planos directores municipais inicialmente previstos para estarem totalmente concluídos em 31 de Dezembro do corrente ano foi já eventualmente protelada para finais do l9 semestre de 1992. Também é certo que muitos dos municípios onde eles estavam inicialmente previstos foram interrompidos por força de necessidades decorrentes da nova legislação que veio a ser implementada.

Em todo o caso, possuo os dados solicitados pelo Sr. Deputada que passo a referir em 1989 havia quatro câmaras com planos directores municipais; não tenho a certeza sobre se durante o ano de 1990 existiram mais câmaras municipais com os respectivos planos concluídos, mas sei que no actual momento, segundo informações fornecidas pela própria Associação Nacional de Municípios, se espera que até ao final do corrente ano 167 municípios tenham os seus planos directores municipais concluídos.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Onça bem, Sr. Deputado Nogueira A Brito!

O Orador: - Parece-nos, efectivamente, razoável que se tenha passado de 4 para 167 planos aprovados.

Preocupa-me também, necessariamente, o meu concelho, no qual sou autarca e tenho a responsabilidade da elaboração e acompanhamento do respectivo plano director municipal. Tentarei que venham a ser 168 os planos aprovados, porque o do meu concelho não está incluído nos 167. Se conseguir acrescentá-lo à lista dos já aprovados será mais um dado estatístico que V. Ex.ª também ficará a conhecer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Fernandes Ribeiro.

O Sr. António Fernandes Ribeiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Data de há mais de duas décadas o normativo legal que define e regulamenta o regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares. Referimo-nos ao Decreto-Lei n.º 166/70.

Não obstante a qualidade para a época do documento em causa, não podemos deixar de referir as necessidades actuais de desenvolvimento urbanístico e económico, o enquadramento político, o reforço do poder local, as preocupações cada vez mais evidentes com o ordenamento do território, a defesa e protecção do ambiente e de implementação de planos directores municipais e, em consequência destes, a execução dos diversos planos gerais de urbanização e respectivos planos de pormenor.

Estes são alguns dos aspectos mais evidentes para o aparecimento da actual proposta de lei nº 197/V, na qual o Governo pretende ir mais longe e produzir um diploma legal que venha ao encontro das novas necessidades dos diversos agentes interessados, de uma mais eficaz e célere definição de processos e consequente clarificação das diversas competências e respectiva tramitação processual.

Esta proposta em apreciação vem, de uma forma evidente, reforçar a intervenção das câmaras municipais - da análise da autorização legislativa assim se verifica-, desde a competência para analisar os processos, aprovar e emitir licenças, viabilidades e informações prévias, habilitações dos técnicos autores de projectos, fiscalização e responsabilidade das obras, assim como o cumprimento das disposições legais do licenciamento.

Entretanto, deu entrada na Mesa orna proposta de alteração apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD, no sentido de alargar ao presidente da câmara a competência para decidir nas questões de ordem formal e processual e de a câmara municipal ter competência para ordenar a reposição de terrenos quê, eventualmente, sejam objecto de acções de alteração do seu estado inicial sem para que tal [...] devidamente autorizados e licenciados, o que vem [...] ainda mais a componente competência/câmara

Portanto, a tendência é no sentido de atribuir total autonomia às câmaras municipais em matéria de licenciamento municipal de obras particulares, deixando, em regra, de ser necessário consultar, obrigatoriamente, a administração central a partir do momento em que estejam aprovados os instrumentos de planeamento urbanístico municipal.

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Por sua vez, o Governo ficará com a competência de intervir quando forem desrespeitados os instrumentos de planeamento aprovados, assim como tal é classificado como ilegalidade grave, determinando, consequentemente, a perda de mandato ou a dissolução do órgão, conforme a falta seja individual ou colectiva, quando desrespeitarem os diversos instrumentos de planeamento urbano, de ordenamento do território aprovados e ou outras normas cautelares ou provisórias, áreas de desenvolvimento ou construção prioritárias, alvarás de loteamento, agressões e degradação do meio urbano, do património natural, cultural ou arquitectónico.

Com a actual proposta de lei pretende-se também resolver rapidamente os conflitos que possam surgir entre a Administração e os particulares. Daí a pretensão de se atribuir o carácter de urgência às acções relacionadas coro o deferimento tácito no licenciamento de obras particulares, assim como para prevenir abusos por parte dos agentes e funcionários da Administração que tenham funções de fiscalização e prestem informações falsas ou erradas no que respeitar ao licenciamento municipal.

Pretende-se também fixar e graduar penas disciplinares, assim como classificar como crime de falsas declarações a actuação dos autores de projectos que em tal tenham incorrido no desempenho das suas funções de projectistas, bem como estipular montantes das coimas aos ilícitos de mera ordenação social, assim como, por proposta de aditamento do Grupo Parlamentar do PSD, classificar de desobediência os actos administrativos que determinem o embargo e a demolição de ilícitos, alargando também tal previsão aos que tenham conhecimento, e não as participem, de informações falsas e infracções no licenciamento e fiscalização das obras particulares.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A presente proposta de lei solicita também, no seu artigo 3.º, autorização para legislar no sentido de dispensar a intervenção dos serviços técnicos no processo de licenciamento, quando o projecto for instruído com um certificado de qualidade, assim como solicita autorização para legislar no sentido de definir as formas em que o certificado é emitido, estabelecer os requisitos às entidades emissoras e o reconhecimento de idoneidade a que devem obedecer. Trata-se de uma evolução qualitativa de alto alcance, que julgo ser inovadora em Portugal - se bem que já implementada em outros países, com significativos benefícios-, quer para os particulares, quer para a Administração, pois tornará, com certeza, mais célere a aprovação dos processos e garantirá uma melhor qualidade dos projectos, dos materiais e técnicas a utilizar, assim como pretende ser mais um garante do cumprimento dos normativos em vigor.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Aqui ficam esboçados os princípios a que deverá obedecer a nova legislação sobre licenciamento municipal de obras particulares, no que respeita às matérias para as quais se toma necessária autorização da Assembleia da República e que se encontram perfeitamente definidas no seu objecto, sentido, duração e extensão.

Por todas as razões expostas, e porque se trata de uma matéria constante do Programa do Governo aqui aprovado nesta Assembleia, o Partido Social Democrata votará favoravelmente o pedido de autorização legislativa a que se refere a proposta de lei n.º 197/V referente ao licenciamento municipal de obras particulares.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção; tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Também nós consideramos importante esta iniciativa.

O Sr. José Sirva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador:-Realmente, pensamos que ela se insere num conjunto importante.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porém, o que já não compreendemos, e que não obteve resposta por parte dos Srs. Deputados apoiantes e vejo agora que não é só um grupo parlamentar que está a apoiar o Governo -, é porque é que esta matéria, figurando no Programa do Governo, ela aparece em vias de ser legislada praticamente no fim da legislatura.

Como tivemos ocasião de referir, é recente a legislação sobre os planos directores municipais, mas estamos agora confrontados com ela. Ainda por cima com datas erradas, pois o 31 de Dezembro de 1991 deveria ser mais tarde...

Para além disso, Sr. Ministro, a dúvida que colocámos ao Sr. Deputado Rui Silva e que foi por ele tão prontamente respondida não sei se em nome da Associação de Municípios Portugueses se em nome dos apoiantes desta proposta».

O Sr. José Silva Marques (PSD): - E que o deixou surpreendido, em estado de choque! Confesse!

O Orador: - Não deixou não, Sr. Deputado.

Portanto, como ia dizendo, a dúvida mantém-se. É que quando aqui foi discutido o diploma dos pianos directores municipais tivemos ocasião de salientar que, em si; o conjunto de normativos era bom. Porém, se os planos directores municipais não fossem servidos por instrumentos correctos de implementação, designadamente que permitissem aos municípios praticar uma correcta política de solos, haveria o risco - no dizer de uma Sr.ª Deputada que na altura usou a expressão - de aqueles planos constituírem meras pinturas, porventura para exibir no salão nobre do município, embora sem possibilidade de grande efectividade prática. Assim, sempre que fosse necessário afectar solo ou utilizações de interesse colectivo, o plano director iria confrontar-se -como até aqui se têm confrontado os planos gerais de urbanização e as várias tipologias de planos de urbanização- com enormíssimas dificuldades.

Os instrumentos até aqui utilizados, isto é, a expropriação e a expropriação sistemática, não são, em si - hoje já o sabemos-, instrumentos aceitáveis e susceptíveis de granjear a aceitação e o consenso das populações. Portanto, é preciso pensarmos em alguma coisa de melhor.

O Sr. Deputado Rui Silva, que parecia já manipular as técnicas de resposta quantitativa do Governo, afirmou estarem 167 planos directores municipais em fase de conclusão até ao fim do ano.

Sr. Deputado Rui Silva, qual é a sua informação nesse domínio? Quero mais informação!

Por outro lado acha V. Ex.ª que esses planos vão ser concluídos até ao fim do ano e que os elementos funda-

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mentais sobre as reservas ecológica e agrícola nacionais vão chagar a tempo aos municípios para concluírem os seus planos directores municipais?

O Sr. José Sócrates (PS): - Ele tem fé!

O Orador: - É um homem de muita fé o Sr. Deputado Rui Silva. Na realidade, também sou um homem de fé, mas não tenho grande fé no Governo e na Administração...

Penso que os municípios estão à cumprir e que conseguiram desencantar o número de técnicos necessários para cumprir estas tarefas técnicas de elaboração dos planos. Todavia, a administração central, que tinha de ler estes elementos, não está a cumprir. E, na verdade, eles não existem ou não estão a ser fornecidos aos municípios, pelo que os planos directores municipais, «em fase de elaboração», estão todos parados! É ou não isto verdade. Sr. Deputado Rui Silva? t ou não verdade que sem estes, elementos não haverá planos directores municipais?

Por conseguinte, o que irá acontecer é que se manterá a data de 31 de Dezembro. Far-se-á então como se fazia antes do 25 de Abril - eu também fiz isso e sou responsável por legislação nesse sentido. Se as câmaras não o podem fazer, fica a administração central a faze-lo!

O Sr. José Silva Marques (PSD):-Ah sim?! Olhe que a confissão é uma importante atenuante!...

Risos.

O Orador: - Sr. Deputado José Silva Marques, ainda havemos de ouvir aqui, com grande prazer, as suas confissões...

Risos.

Por conseguinte, como ia dizendo, se os municípios não o podem fazer, fá-lo-á a administração central, autorizando, mas com esta vaguidade: aquelas construções que pela sua volumosa tipologia e localização afectem o correcto ordenamento do território.

Mas qual correcto ordenamento do território? O correcto ordenamento do território há-de resultar dos planos directores municipais! Ora, se não há planos directores municipais como é que o Governo sabe isto melhor do que os municípios? Por que é que o Governo sabe melhor do que os municípios qual o correcto ordenamento municipal?

Sem dúvida que anda aqui uma mãozinha, não direi da reacção...

Risos.

..., mas da centralização...

Por outro lado, temos também um outro assunto importante, ou seja. o que se coaduna com o facto de, na realidade, passarem um certificado de desconfiança aos municípios em matéria de fiscalização do cumprimento deste diploma.

Poderei aceitar que assim seja, mas quero que isto me seja devidamente explicado, com base na constatação dos factos.

Finalmente, há aqui uma matéria que reputamos da maior importância e que não tem directamente a ver com esta distribuição de competências, mas com as competências aos tribunais administrativos.

Pela primeira vez, VV. Ex.ªs propõem-se regulamentar o processo previsto na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos quanto às acções de reconhecimento e de interesses legítimos.

Como é que W. Ex.ªs pensam faze-lo? Que modelo de processo pensam utilizar? É que sem esta regulamentação do o que diga respeito a autorizações ou a licenciamentos de obras serão palavras vãs que, no fim, encontram uma barreira intransponível; os particulares ver-se-ão cercados por uma barreira burocrática que não conseguido transpor.

Esta iniciativa é importante. Contudo, precisa de um esclarecimento sobre o sentido com que irá fazer-se.

Nestes termos, volto a repetir a pergunta: que modelo de processo é que VV. Ex.ªs pensam utilizar?

Sr. Ministro, V. Ex.ª sabe que esta matéria não tem passado da lei. De facto, esta matéria foi prevista na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, mas não passou de uma previsão. Não tem sido utilizada nos tribunais administrativos, não obstante constituir um passo importante para uma concepção diferente da justiça a distribuir e praticar naqueles tribunais.

É muito importante o que VV. Ex.ªs inseriram nesta parte da vossa proposta, mas gostaria de saber como é que tencionam completá-lo.

No entanto, também gostaria de saber se VV. Ex.ªs persistem na data de 31 de Dezembro de 1991 e se esta é compatível com o enorme estado de atraso, imputável à administração central, da elaboração dos planos directores municipais.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro terminado o debate da proposta de lei n.º 197/V.

Passamos, de imediato, à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 201/V - Autoriza o Governo a estabelecer um novo regime de restrição do uso do cheque (altera o Decreto-Lei n.º 14/84, de 11 de Janeiro).

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A realidade dos últimos anos tem mostrado um impressionante aumento dos crimes de emissão de cheque sem provisão - em 1990 apresentou uma porcentagem de 21 % relativamente a todos os ilícitos denunciados - , o que, para além dos pesados custos sociais inerentes, como que deixa transparecer a relativa ineficácia das medidas preventivas até agora ensaiadas pelo legislador e - o que é pior - das sanções penais estabelecidas para a prática de tais crimes.

A [...] da lei é, já de si, um resultado a que não se pode [...]. Implica, contudo e ainda, efeitos laterais [...], a começar pelo descrédito do cheque como [...] pagamento e o consequente clima de desconfiança generalizada.

Acresce que determina um excessivo empenhamento das polícias e dos tribunais, que se vêem confrontados com uma enorme quantidade de casos de emissão de cheques sem cobertura em detrimento de uma desejável disponibilidade para se ocuparem de outros tipos de criminalidade com maior dignidade penal.

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Uma outra circunstância, que concorre também para enfraquecer a repressão penal
do crime de emissão de cheque sem provisão, radica na atitude das vítimas.

É do conhecimento geral que a estas não interessa sobremaneira a punição do delinquente; antes as move o desígnio de receber á quantia representada no cheque. A este propósito, convém sublinhar que uma parte significativa dos crimes de emissão de cheque sem provisão fica impune, quer porque o lesado consegue fazer-se pagar através do recurso a meios extrajudiciais, quer porque, mesmo após a instauração do processo penal, lhe põe termo através da desistência, naturalmente a troco de certas compensações de duvidosa moralidade.

Também em muitos casos de emissão de cheque sem provisão para pagamento de pequenas quantias, próprias da chamada «hipermassificação» deste tipo de crimes (os pagamentos em supermercados são um exemplo de escola), os lesados renunciam ao procedimento repressivo, conformando-se com os prejuízos sofridos e assim contribuindo para o avolumar das «cifras negras» que caracterizam, um pouco por todo o lado, a criminalidade relacionada com o cheque.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem sido dito, e com alguma razão, que o fenómeno do cheque sem provisão tem, em grande parte, origem no facto de os bancos facilitarem o emprego do cheque, bastando-se, na prática, com a abertura de uma conta de depósito à ordem, ainda que de importância diminuta, para procederem à entrega ao depositante do chamado «livro de cheques».

A proliferação dos casos de uso fraudulento de cheques dificilmente encontra justificação fora das facilidades referidas e da ausência de prévia indagação da credibilidade e da honorabilidade económico-financeira do candidato a cliente. Daí o falar-se em «incauta presunção» dessas credibilidade e honorabilidade, que estará na base do estabelecimento, com o titular da conta, de uma convenção de uso de cheque.

A verificação deste circunstancialismo tem levado a que alguns sistemas jurídicos estrangeiros consagrem, nesta matéria, soluções precisamente destinadas a reforçar a responsabilidade social das instituições de crédito. Essencialmente, tais soluções passam por uma relativa descriminalização do cheque sem provisão e pela imposição de certas obrigações às referidas instituições de crédito, quer de carácter preventivo, quer também de carácter repressivo. Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sentido e a extensão do pedido de autorização legislativa que o Governo ora traz à consideração de VV. Ex.ªs segue a orientação que vem sendo seguida pela grande maioria dos países que integram o Conselho da Europa.

Assim, propõe-se a despenalização do crime de cheque sem provisão sempre que o seu montante titulado não seja superior a 5000S; impõe-se às instituições de crédito a obrigação de rescindir qualquer convenção que atribua o direito de emissão de cheques por quem ponha em causa o espírito de confiança que deve presidir à circulação do cheque; impor, também, a estas entidades que hajam
rescindido a convenção de cheque, o não poder celebrar, em determinado prazo, nova convenção; autorizar, ainda, o Banco de Portugal a proceder à listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco, no caso de terem sido objecto de duas ou mais rescisões da convenção de cheque ou continuem a emitir ou a subscrever cheques, depois de notificados da decisão de rescisão, e, consequentemente, a obrigar as instituições de crédito a não confiarem impressos de cheques às entidades constantes na aludida listagem.

Na proposta de lei em análise tipifica-se o crime de emissão de cheque sem cobertura e prevê-se a soa punição análoga ao crime de burla; prevêm-se também crimes de desobediência para quem não dê cabal execução à sentença condenatória e, finalmente, enlencam-se as adequadas sanções acessórias.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como refere o Sr. Prof. Doutor Figueiredo Dias. «independentemente de qualquer juízo de valor, o certo é que uma primeira conclusão há que retirar [...] o uso do cheque, tal como está juridicamente regulado, bem como tudo o que a prática bancária propicia, são factores criminógenos da infracção consubstanciada precisamente na emissão de cheque sem provisão».

Estamos convictos, está o Governo convicto, que a proposta de lei de autorização legislativa que ora se apresenta a VV. Ex.ªs detém as necessárias virtualidades para alterar profundamente este estado de coisas, tornando mais seguro o trato comercial e contribuindo, de fornia muito significativa, para uma melhor dignificação da justiça penal e, consequentemente, dos tribunais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª fez uma intervenção interessante, mas em matéria de estatísticas referiu pouco ou nada. Por exemplo, disse que há muitos crimes que ficam impunes. Mas isso é empírico, de conhecimento prático ou há estatísticas no seu ministério que o confirmem? Receio que não haja. De qualquer modo, gostaria que me explicasse por que é que se despenaliza o crime de emissão de cheque sem provisão até 5000$, o que é uma gota de água no oceano. Sou advogado do quotidiano e nunca me passou pelas mãos nenhuma queixa-crime por 5000$ em matéria de cheque! Porquê despenalizar até 5000$ quando é exactamente até essa quantia que o receber não é obrigado a aceitar o cheque como meio de pagamento? O que é que se pretende com esta medida?

Outra questão a que gostaria que me respondesse é a seguinte: está V. Ex.ª convencido de que, com esta lei, se reduz o serviço das polícias e dos tribunais?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª disse que o pagamento do cheque com juro mínimo libera já o pagamento, ou seja que o infractor fica isento da pena. Pergunto a V. Ex.ª se isto não irará algumas confusões, quando, há lugar a pagamento de juros maiores do que os mínimos legais, em determinados contratos. Por exemplo, relativamente à renda da casa: uma pessoa paga a renda da casa com um cheque e, depois, quando vai pagar o cheque, paga com o juro mínimo, quando o juro para fora do prazo é de 50 %. O que quero perguntar-lhe é se, depois, se soma mais 50% sobre o cheque, ou se o juro mínimo fica integrado nos 50 %. Como é que se resolve este problema? E que há muitas pessoas que pagam a renda da casa através de cheque.

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Então, como é que se resolve esta questão da harmonização do juro mínimo e do juro legal de moratória no pagamento do cheque? E quem diz este, diz outros juros convencionais. Julgo que o juro é independente da dívida. Será assim?

O Sr. Presidente-Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Relativamente te questões colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Candal, quero esclarecer o seguinte: quando afirmei que muitos crimes ficavam impunes referi em que medida é que o ficavam e liguei-os ao pagamento, ou extrajudicial, ou à desistência na pendência do processo penal, o que levava ao pagamento e, portanto, à satisfação do direito do credor e, por isso mesmo, o processo não chegava ao fim. Nessa medida, como a máquina penal não chegava à conclusão do seu iter processual, é óbvio que não havia uma sentença condenatória e, por isso mesmo, não se poderia dizer que essa justiça penal tinha sido exercitada.

Relativamente à sua pergunta sobre a existência ou não de estatísticas, é óbvio que temos algumas estatísticas, mas, como referi também na minha intervenção inicial, neste caso dos cheques sem cobertura estamos num terreno muito fértil àquilo que os doutrinadores vem chamando de «cifras negras». Como todos sabemos, até por meros cálculos financeiros, há empresas que chegaram à conclusão de que não compensa pôr em tribunal muitos dos cheques sem cobertura quê tem valor diminuto. Portanto, quaisquer estatísticas, nesta realidade que são os cheques sem cobertura, são forçosamente falíveis.

Relativamente à questão do porquê do montante dos 5000$, nós temos seguido sempre uma política gradualista. Na nossa perspectiva, este diploma encarna, em si, um grande salto qualitativo que radica não só na despenalização do crime de emissão de cheques sem provisão até 5000$, mas, sobretudo, no apelo muito veemente que faz à solidariedade social das diversas instituições de crédito. Esse apelo é feito pela primeira vez, e estamos convencidos -aliás, na esteira de alguma experiência estrangeira que nos é afim- de que, conjugando a despenalização até certo montante com a tal solidariedade social das instituições de crédito, conseguiremos levar a bom termo esta nova realidade e esta nova experiência. Posso, por exemplo, dizer-lhe, Sr. Deputado Carlos Candal, que este nosso diploma aponta, nas suas Unhas mestras, para a lei francesa de 1975, cuja aplicação, em França, levou a que, passado um ano, os crimes de emissão de cheque sem provisão descessem drasticamente. Portanto, julgo que temos todas as condições para que, no nosso país, se reaja a esse fenómeno de igual modo. Mas porquê o montante de 5000$? Efectivamente, este montante poderá ser considerado baixo. Mas também disse que este seria o primeiro passo de outros que poderão ser dados, nomeadamente o da actualização deste montante. Mas, por exemplo, mesmo em França, esse valor é, actualmente, de 100 francos (cerca de 2500$) e, na Dinamarca, é de 300 coroas (cerca de 7000$). Portanto, o nosso limite de 5000$ não se afasta muito do padrão europeu. Poder-se-á afastar, por exemplo, da Holanda, onde esse montante é de 300 florins, mas não se afasta grandemente da maioria dos países.

Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, a única resposta que lhe posso dar é a que está de acordo com o que vem dito no pedido de autorização legislativa. E o que o decreto-lei depois irá

dizer é que â valor titulado no cheque, até aos 5000$. não 6 penalizado. Portanto, a quantia em dívida poderá, eventualmente, ser superior, mas não a titulada no cheque. Assim sendo, este normativo só tem razão de ser relativamente ao valor titulado no cheque.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero fornecer-lhes duas informações: em primeiro lugar, estão inscritos, para intervenções, os Srs. Deputados Rui Silva, Manuel da Costa Andrade e Odete Santos.

Em segundo lugar, as umas, para a eleição do presidente do Conselho Nacional de Educação, fecham às 19 horas e 30 minutos.

Mais informo que, depois de terminada a discussão, vamos proceder à votação dos diplomas ontem e hoje apreciados, e ainda à votação, na especialidade e final global, do relatório da comissão que diz respeito à lei quadro da regionalização.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em 15 de Maio de 1991. quando a Assembleia da República analisou o relatório de segurança interna, afirmámos, nesta Câmara, que «este tipo de crime (o de cheque sem provisão), por si só, terá contribuído para quase duplicar os valores da criminalidade». Isto sugeria a conclusão de que suma grande parte das questões levantadas pelo relatório têm de ser corrigidas não apenas ao nível da actuação das foiças de segurança mas fundamentalmente ao nível da luta contra os condicionalismos que geram a criminalidade. Neste ponto, o papel dos poderes políticos é fundamental

Com efeito, está mais do que comprovado que todas as tentativas de solucionar o problema dos cheques sem provisão falharam. E falharam porque não foi ainda possível ou não se quis ir à raiz do problema, que é o da aquisição dos cheques.
É preciso estabelecer condições mais rígidas e rigorosas da concessão dos cheques, nomeadamente a quem já demonstrou não fazer uma correcta utilização deste meio de pagamento, para cuja credibilidade a confiança é fundamental. As instituições bancárias não podem, nem devem, continuar a desresponsabilizarem-se daquilo que concedem ao seu cliente.

Passado menos de um mês, o Governo apresenta à Assembleia da República um pedido de autorização legislativa no sentido de estabelecer um novo regime de restrição do uso do cheque pela alteração do Decreto-Lei n.º 14/84, de 11 de Janeiro.

Devo dizer que, aquando do anúncio público da decisão do Conselho Ministros, apesar de nos congratularmos com a iniciativa, receámos, pelos termos em que o anúncio foi feito, obviamente incompleto, que o Governo tivesse feito de uma boa medida política uma má proposta legislativa que, em alguns aspectos, pusesse em causa direitos e liberdades fundamentais.

No entanto, quando se nos ofereceu a oportunidade de analisar detalhadamente a proposta, devo realçar, com toda a frontalidade, que a mesma me surpreendeu.

Com efeito, o Governo, na definição dos meios, não excedeu os seus próprios objectivos. A análise do actual regime e das causas que determinaram o seu falhanço no combate à praga de cheques sem provisão é neste diploma, correcta, e as soluções definidas adequadas para pôr um travão e contrariar o actual estado de coisas, sem que, no entanto, sejam excessivas e ponham em causa outros valores.

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Referirei, Sr Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, apenas dois exemplos daquilo que consideramos a sensatez da proposta - os das alíneas e) f) do n.º 1 do artigo 2.º

O primeiro refere-se ao estabelecimento, sempre justificadamente polémico e delicado, das presunções. Quanto a nós, estas só devem funcionar depois de esgotadas todas as possibilidades e como meio último de recurso de defesa da ordem jurídica e da legalidade. Presunções sim, mas sempre em casos excepcionais e depois de assegurados todos os meios de defesa.

O segundo refere-se ao registo e publicidade dos nomes dos utilizadores de cheques que oferecem risco. A publicidade deve, também, ser sempre um último recurso, pois, como se sabe, o seu efeito estigmatizante é grande e susceptível de contrariar um princípio fundamental, que é também uma das conquistas fundamentais, e, portanto, uma das bases essenciais das ordens jurídicas democráticas - o da crença na capacidade do homem em reconhecer os seus erros e de os superar, enfim, uma crença no humanismo e na integridade do ser humano.

Qualquer destes meios, utilizados sem mais, é susceptível de pôr em causa princípios fundamentais, dissemos. Ao invés, a sua utilização moderada, e sempre em última instancia, é susceptível de contribuir positivamente para os fins determinados sem colocar aqueles princípios em causa.

É o que acontece com as soluções, em nosso entendimento, propostas pelo Governo. Com efeito, a presunção não actua automaticamente; somente depois de a entidade que emitiu o cheque ser notificada para a sua regularização, num prazo que consideramos absolutamente razoável. Quanto ao registo é publicidade, ela só tem lugar depois de as entidades a elas sujeitas terem sido objecto de duas ou mais rescisões da convenção de cheque ou continuem a emitir ou a subscrever cheques depois de notificados da decisão de rescisão.

É claro que poderíamos discutir se o prazo de regularização deveria ser superior ou não a 10 dias e se o registo e publicitação só deveriam ter lugar apôs a terceira, quarta ou quinta rescisão da convenção de cheques. Mas tal discussão não incidiria sobre o essencial nem seria conclusiva quanto à eficácia do novo regime, que hoje aqui discutimos.

Seja como for, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, a proposta parece-nos completa, correcta e equilibrada quanto à determinação das causas da actual situação e eficaz quanto aos objectivos. Não temos dúvidas em afirmar que, em nosso entendimento, disporemos, finalmente, de um instrumento que permitirá, pela responsabilização das instituições de crédito, a recuperação e a manutenção do espírito de confiança neste meio de pagamento.

Por todas estas razões, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, votaremos integralmente a favor da proposta de lei do Governo, esperando que o futuro decreto-lei traduza fielmente o espírito e as soluções nela preconizadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:

Poderia, naturalmente, dispensar-me da curta intervenção com que me proponho tomar alguns minutos à Camará louvando-me e subscrevendo integralmente a intervenção que acaba de ser feita pelo Sr. Deputado do PRD. Só por um certo dever de justiça para com a Câmara e para adimplemento de deveres próprios darei conta das breves considerações que trazia alinhadas.

O problema do cheque sem provisão é um problema com que recorrentemente o legislador português se vem debatendo, é uma espécie de estigma de Sisypho da política criminal portuguesa. De quando em vez, quando parecia que se tinha encontrado a solução, voltamos de novo a ter pela frente o mesmo e ingente problema. É um problema caracterizado pela sua massificação - é conhecida a massificação do cheque sem provisão-, pelos seus elevadíssimos custos económicos, pelas disfunções que introduz no livre fluir dos negócios e da actividade económica, pelos elevadíssimos custos institucionais - são conhecidos os grandes recursos que o Estado tem de mobilizar para fazer face a este comportamento desviante, em detrimento da luta contra outras formas de criminalidade que exigiam uma maior atenção (os meios de prevenção e de repressão da criminalidade são escassos e os meios desviados na luta contra o cheque sem provisão são meios que não são utilizados na luta contra formas mais ameaçadoras e mais drásticas de criminalidade, designadamente a criminalidade violenta e a criminalidade contra as pessoas). Por último, trata-se de um problema que se caracteriza peia falência sistemática da solução que antes unhamos considerado como pedra filosofal - isto acontece, mais uma vez, em relação às soluções introduzidas em 1984, aquando da publicação do Decreto-Lei n.º 14/84, de l de Janeiro.

Neste contexto, o primeiro juízo que a proposta de lei em análise nos merece é um juízo francamente de apoio. Também o Governo, constatando este mesmo problema, tomou a atitude intelectualmente correcta, ao fazer o juízo que Popper indicava: raciocinar e reagir por trial and error.

Por decisão e erro, verifica-se que as soluções até agora encontradas não deram resultado. Pareciam boas, mas a experiência não as confirma, pelo que vamos avançar. É também uma solução que a sabedoria legislativa recomenda.

Neste contexto, o horizonte geral de equacionação da solução de um problema como este é mais ou menos conhecido.

Os paradigmas gerais de resposta ao problema do cheque sem cobertura são três: por um lado, o problema que assenta na criminalização, geral e sistemática, do cheque sem cobertura é a solução tradicional em França, em Itália, na Suécia; por outro lado, poderíamos recorrer à solução da não criminalização do cheque sem cobertura: o cheque sem cobertura não constitui, em si e de per si, um crime, a não ser se e na medida em que o cheque sem cobertura é instrumento de realização ou de consumação de outro crime contra o património, normalmente, por via de regra, o chamado crime de burla. É assim, por exemplo, na Alemanha, onde não conhecem a criminalização do cheque sem cobertura; quem passa um cheque sem cobertura só é punido se e na medida em que, através daquele expediente fraudulento, logrou preencher a factualidade típica do crime de burla.

Há uma solução intermédia, para onde se inclinam, mais ou menos, os países do Conselho da Europa, que é a descriminalização até determinados montantes conjugada com a criminalização para além desses montantes. A solução portuguesa vigente é, tendencialmente, assente na ideia de

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criminalização articulada com a ideia de providência, siderada pelo legislador como de natureza administrativa, de restrição ao uso do cheque. Todo este sistema foi, e bem, considerado ineficaz.

Se nos interrogarmos sobre o que Jazer, qual o modelo a adoptar, não devemos, naturalmente, aspirar a modelos arquétipos imperfeitos contra os modelos arquétipos perfeitos - inseridos, por exemplo, ao nível da teoria -, onde está sempre o peso das representações colectivas e dos estereótipos colectivos, que nunca acompanhariam esses modelos ideais e que, portanto, criariam desfasamentos indesejáveis.

Logo, o legislador nunca deve adoptar paradigmas conceituais, que considere teoricamente perfeitos, se não tiver a certeza de que as representações colectivas os acompanham.

Assim, uma solução de descriminalização generalizada seria aquela que eu adoptaria. No entanto, tenho muitas dúvidas de que a sociedade portuguesa aguentasse, neste momento, uma solução como essa.

Nesta medida, parece-me que uma solução intermédia, como a que o Governo aponta, é uma solução perfeitamente ajustada, uma vez que assenta na ideia de cheque garantido até 5000$. Tal como o Sr. Deputado Carlos Candal, não disponho de dados estatísticos, pelo que não me peça para concretizar, mas recordo-me de já ter lido informação estatística, de acordo com a qual o cheque até 5000$ representava, apesar de tudo, um número significativo na percentagem dos cheques sem provisão.

De todo o modo, a proposta de lei assenta na ideia de que o cheque é garantido até 5000$, o que pode ser já um bom caminho, embora ainda se não consiga a solução para o problema do cheque sem cobertura. Porém, na medida em que esta solução vai onerar, significativamente, as instituições bancárias, uma vez que sabem agora que quando dão um livro de cheques a uma pessoa se responsabilizam pelo menos até 5000$ e que podem ser muitos os cheques desse valor, porque podem ser muitos os clientes , elas vão ter muito cuidado e estar mais vigilantes, e é isso o que se espera. A partir daqui, a vigilância vai ser maior.

Esta medida é conjugada, e bem, com a descriminalização do cheque até 5000$, substituindo-se depois o velho mecanismo da restrição ao uso do cheque pela rescisão da convenção do cheque. Numa maior aproximação à realidade, são as instituições bancárias em si e não o sistema, como o vigente, que, desde 1984, assentava no Banco de Portugal.

Por outro lado, admite-se, como sanção acessória, a interdição temporária do uso do cheque, uma solução também perfeitamente adequada, e depois criminalizam-se algumas manifestações de desobediência a deveres que o sistema, para que aponta o decreto-lei que o Governo há-de legislar em cumprimento dessa autorização legislativa, reforça com as penas próprias do crime de desobediência.

Por todas estas razões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do PSD aplaude a proposta de lei, vota-a e, mais uma vez, renovo o apoio, que comecei por fazer no início da minha intervenção, à intervenção do Sr. Deputado Rui Silva.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, V. Ex.ª situou a intervenção num nível próprio da sua formação académica e, realmente, investigou as soluções possíveis face à prática da infracção de emissão de cheques sem cobertura. Estava inclinado pessoalmente suponho eu, para uma solução de despenalização generalizada; concluiu, porém, pela sua inadequação a um sentimento social.

Suponho que essa solução se baseava, Sr. Deputado Costa Andrade - e ninguém melhor do que V. Ex.ª poderá esclarecer-me neste domínio - na consideração de que não havia uma consciência penal que suportasse, realmente, este tipo de crime. Portanto, V. Ex.ª encontrava, por outras vias, a solução para o problema e congratulou-se com o facto de o legislador português ter enveredado, em parte, por essa via, ao despenalizar o cheque sem cobertura emitido até ao montante de 5 contos.

Mas, depois, V. Ex.ª penetrou na verdadeira razão que levou o Governo a tomar esta medida, ou seja, que não foi qualquer consideração sobre a eficiência da penalização ou despenalização destes factos mas, sim, a [...] de forçar o sistema bancária a restringir o uso [...], o que levou o Governo a instituir a figura do cheque, garantido dos 5 contos. E V. Ex.ª disse-o!...

Realmente os bancos vão ter muito mais cuidado, pois sabem agora que não há crime de emissão de choque sem cobertura até ao montante de 5 contos. Portanto, vão ter mais cuidado!

O Sr. Carlos Candal (PS):-Penso que não!

O Orador: - O Sr.º Deputado Carlos Candal diz que não. Vamos ouvir o que ele diz.

Pelo menos, a intenção, é essa. O Sr. Secretário de Estado até já piscou o olho. É essa, realmente! Vão ter mais cuidado! Digamos que desta forma se aristocratizou a utilização do cheque. Sr. Deputado Costa Andrade, suponho que é essa a ideia e V. Ex.º confirma-o.

Não há aqui considerações de carácter teórico sobre a penalização ou despenalização, sobre a adequação ou a inadequação social deste tipo de crime. O que há é uma consideração de ordem prática, ou seja, a intenção de forçar quem possibilita a utilização dos cheques a não a possibilitar, a ponderar melhor esta matéria. Especialmente agora, que os bancos - fazem uma campanha desenfreada da sua própria actividade e dos seus serviços, o Governo pretende levá-los a ter um pouco mais de cuidado.

No entanto, Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.º apontou outra característica do diploma: para além da inibição do. uso cheque, a obrigação da rescisão da convenção do cheque. Bem, isto é uma formalidade pura! Até porque se obriga, simultaneamente - e, portanto, o esquema vai ser rigorosamente o mesmo-, as instituições bancárias a [...] a convenção em relação a todos os indivíduo que figurem nas listas do Banco de Portugal, [...] com base na prática da infracção.

Mas, Sr. Deputado Costa Andrade, gostava que me esclarecesse - [...] que ainda não houve qualquer intervenção do Governo (ou eu não a ouvi e peço desculpa) - sobre o alcance que V. Ex.ª atribui a esta obrigação de rescisão da convenção.

Na alínea c) do n.º l do artigo 2.º estabelece-se uma obrigação geral: a de rescindir qualquer convenção que atribua o. direito da emissão de cheques. Sr. Deputado, o sentido e a extensão desta autorização legislativa não pecarão por excesso? Isto é, não estará a obrigar-se exageradamente a instituição de crédito?

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Se a convenção é, por exemplo, aquilo que normalmente; se designa como uma convenção de overdraft, uma convenção que é, simultaneamente, um contrato de concessão de crédito em que a instituição bancária se obriga a prover a conta, onde é que está, neste caso, a fronteira para aplicar a obrigação de rescisão?

É ou não possível um tipo desses de convenção, ficando do critério do banco rescindir ou não? Ou não haverá aqui uma interferência exagerada quanto ao próprio funcionamento das instituições de crédito?

Agradeço ao Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade o esclarecimento destes pontos.

O Sr. Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, que dispõe de 1,9 minuto.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD):- Sr. Deputado Nogueira de Brito, será uma resposta sem «muita cobertura de tempo»:

O Sr. Deputado começou por caracterizar a minha intervenção, falando do nível em que eu a teria colocado. Ora, Sr. Deputado, digo-lhe que foi apenas ao nível modesto a que penso que deve colocar-se uma intervenção de carácter geral, já que não se trata de uma discussão na especialidade mas, sim, na generalidade e, por isso, limitei--a às grandes linhas.

O Sr. Deputado fez muitas considerações, que, por economia de tempo, me permito não comentar, indo directo à sua pergunta.

Perguntou-me mais ou menos duas coisas. Por um lado, perguntou-me se não poderia deixar-se a rescisão do cheque ao critério da instituição bancária, sem imposição de uma obrigação legal de rescisão, e, simultaneamente e imbrincada nesta, formulou a questão de saber se não se terá ido longe demais na ideia de impor à instituição bancária este dever, esta obrigação de rescisão do contrato de cheque.

Quanto à questão de saber se poderia ser de outra maneira, respondo-lhe que sim. Mas, Sr. Deputado, sou um positivista e não um jusnaturalista. Ora, em matéria de direito, quem é positivista tem esta noção: todo o direito é contingente, é como o legislador o quiser. O direito «escrito nas estrelas», editado pela natureza das coisas, pelos deuses e pela metafísica, esse já não é do meu tempo. Sou do tempo do direito positivo, portanto entendo que as soluções são contingentes.

Mas passemos à questão fundamental, que é a de saber se, do ponto de vista da legitimidade das relações Estado legislador-cliente utilizador do cheque e instituição bancária que faz a sua convenção de cheque, é justificável impor, também, à instituição bancária. Sr. Deputado, respondo-lhe que é legítimo, de um certo ponto de vista.

E porquê? Porque o Estado não considera que o cheque em si seja uma matéria de plena disponibilidade das partes. Se a manutenção e a preservação da confiança no cheque fosse um valor que contendesse apenas com a livre disponibilidade das panes, o Estado poderia deixar ao livre jogo cidadão-cliente-banco a solução: «Portas-te bem? Não te rescindo!» De facto, o Estado poderia deixar o problema a este nível, Mas como o cheque é um bem jurídico fundamental para a própria colectividade, tem uma certa componente de publicidade - que o cheque seja um instrumento prestigiado com crédito, é um bem para a economia nacional-, está aqui em causa aquilo a que, em direito penal, se chama um bem jurídico transpersonalista, um bem jurídico colectivo e não apenas bens jurídicos disponíveis, individuais.

Por outro lado, Sr. Deputado, os bancos são os grandes beneficiários do sistema que, presentemente, está montado. De facto, os bancos são os beneficiários do sistema segundo o qual o cheque é uma peça e não tem qualquer custa É porque, quando algo corre mal, os custos vão para o Estado: p Estado que ponha a sua máquina a funcionar, o Estado que aguente os custos de meter uma pessoa na prisão. E meter alguém na prisão tem custos mesmo para o Estado, tem todos os custos da relação criminoso-Estado.

Ora, os bancos também são co-responsáveis pelo sistema. Assim, se os bancos querem gozar das garantias, também têm de ter a sua quota de co-responsabilidade nó sistema. Neste diploma, aquela é dada por duas vias: por um lado, a obrigação de pagar o cheque até 5 contos e, por outro, a obrigação de colaborar na prevenção. É que a rescisão do contrato é a prevenção da criminalidade.

Portanto, Sr. Deputado, no fundo, a ideia é como o exemplo do filho que chega a casa e se queixa de que um vizinho lhe bateu, ao que o pai, como primeira condição, lhe responde: «Estás proibido de voltar para junto dele.» É uma medida de prevenção. O filho podia ir bater no vizinho, mas o pai proíbe-o de frequentar a companhia do agressor. Ora, também aqui, o Estado como que exige aos bancos que tomem as suas próprias medidas de prevenção.

Trata-se de uma co-responsabilização e penso que os bancos, que são os privilegiados do sistema, devem ser também protagonistas dos programas de prevenção da criminalidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente. José Manuel Mata.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Liminarmente, gostaria de agradecer a amabilidade dos esclarecimentos que o Sr. Secretário de Estado prestou, só que há diferenças entre o nosso país e os países que mencionou.

Desde logo, esses montantes a que aludiu são montantes que, tanto quanto sei, não são de agora mas pretérito, ou seja, são já antigos.

Por outro lado, enquanto em Portugal ainda estamos numa fase de uso crescente do cheque, nesses países o cheque está em decréscimo e o que está a crescer é o «papel de plástico», são os cartões de crédito, que tem, enfim, uma outra cautela e uma outra segurança. Tanto quanto sei, em nenhum desses países se mantém uma lei que entre nos é um pouco anómala, que é a da obrigatoriedade de receber o cheque para pagamento de mercadorias (não de serviços) a partir de S contos, com uma pena pelo não recebimento superior em certos casos ao valor do próprio cheque sem cobertura. Tenho, portanto, muitas dúvidas de- que este sistema vá funcionar.

Quanto aos bancos, penso que não vão ter problemas, porque o que vão exigir - e agora com a concorrência - é de um fiador prévio ou uma caução de x. Os bancos não vão perder absolutamente nada com isso, pelo que não vai haver o controlo de não passar livros de cheques a quem os não mereça, a quem não inspire confiança. Não tenho qualquer espécie de dúvidas sobre isso. E veremos a curto prazo.

O Sr. José Sirva Marques (PSD): - Apesar de tudo!

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O Orador: - Pode ser uma contenção, é evidente. O Partido Socialista não vai votar a favor deste diploma, vai abster-se, exactamente porque somos cautelosos, não passamos cheques em branco! E a verdade é que não está aqui o extracto de conta-corrente. O Governo - sejamos fianças - anda ainda a apalpar este terreno,
não sabe ainda o que quer nem como vai regulamentar. Senão, tinha trazido um articulado instrumental, como é tradicional. Bem, e vamos ver o que sai!

É lisonjeira a ideia de regulamentar esta matéria, só que vamos ver como! E quem trabalhou este texto, fê-lo na base do Decreto-Lei n.º 14/84 mas ficou a suspeição de que, mais uma vez aqui, os juristas estão a ser suplantados pelos economistas. Isto porque quem fez este texto não sabe que existe o Código Penal e vem propor coisas que aí estão previstas, nomeadamente as penas acessórias, a reabilitação das condenações acessórias. Para quê?! Está tudo previsto. Se os juizes não aplicam é por outra ordem de razoes!

Por outro lado, quem articulou esta exposição de princípios, a puxar para o filosófico, propõe a penalização de situações que estão já penalizadas. Por exemplo, quem levantar, após a entrega do cheque, os fundos necessários ao seu pagamento integral comete crime de cheque sem provisão. Mas isso já hoje acontece, pelo que não é novidade nenhuma.

Também actualmente não pode dar-se uma ordem de cancelamento ao banco de não pagamento de determinado cheque sem se correr o risco de ser arguido de crime de cheque sem cobertura.

Quanto ao cancelamento da convenção, isso vai ser muito complicado, porque se já é difícil manter uma listagem a nível do Banco de Portugal, por causa da informática, dos cheques sem provisão, vai ser impossível fazer uma informação quotidiana e atempada à generalidade dos bancos a transmitir às suas sucursais sobre quem tem convenção revogada no banco x.

Portanto, com a concorrência, os bancos vão continuar a dar livrinhos de cheques, desde que venha o parente, o patrão ou o amigo capitalista assinar uma letrazinha ou uma livrança de garantia até determinada altura. Vai ser fatal!

De qualquer maneira, com esta reserva, é possível que se avance melhorando este terreno.

Por exemplo, não compreendo qual a razão de ser da proposta no sentido de que se punam como burlas determinados ilícitos praticados com cheque. É que a punição de um cheque sem provisão prevê já uma medida máxima de penalização que não necessita de um sucedâneo de agravamento da burla a menos nas situações que o Dr. Manuel da Costa Andrade referiu de o cheque, além de ser sem cobertura, constituir modo de prática de um crime típico de burla. Mas esse é outro terreno!

Por outro lado, quando se prevê a reabilitação em [...] do uso de cheque, não está dito algo [...]: a de que não pode ser reabilitado quem não tenha [...] prova de ter pago aos seus credores a quantia em divida.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Parece que está!

O Orador: - Não está escrito: «Desde que se torne razoável supor que não cometerá novos crimes da mesma natureza.» E se é pobre e não paga? Estou a levantar algumas pistas, no sentido de colaborar no enriquecimento da solução articulada.

Gostava de ser bem entendido no que diz respeito à publicidade da pena. Pessoalmente - e penso que não seca a maneira de sentir da maioria dos meus camarada de bancada - julgo que os criminosos também têm direito a não ser enxovalhados. Para mais, a publicidade é feita através do Diário da República. Por amor de Deus! Que ideia é essa?! Em que série? Na série nobre, para chegar a todas as repartições? Nos jornais? A publicidade não é o enxovalho que apenas afecta o réu, mas é susceptível de contaminar, por exemplo, toda a família.

O Sr. José Ferreira de Campos (PSD): - E nos crimes antieconómicos?

O Orador: - Normalmente, o anúncio que se fez da condenação por crimes contra a economia, porque antieconómicos era a terminologia anterior, é em relação a empresas - que é uma coisa diferente - e são crimes que não chocam socialmente.

Tenho muitas reservas sobre esta matéria. Senão - cuidado! - , qualquer dia optamos pelo método do «amputa a mãozinha». que também é um sistema eficaz... Se é canhoto, corta a mãozinha esquerda, não preenche mais cheques; se é dextro a direitinha!... Precisamos ter cuidado, porque senão qualquer dia estamos com os «pelourinhos» e as pessoas expostas, durante vinte e quatro horas, à chacota da opinião pública, para serem bem conhecidas como criminosos passadores de cheques! Ou, então, o juiz manda desfilar os não pagadores de cheques, que condenou naquela semana, na rua principal do burgo! Cuidado com isso.

O criminoso deve ser sancionado, mas não perde por isso a sua dignidade humana. Cuidado com isso da publicidade!

Esta medida também é excessiva, porque, como pena acessória, o juiz pode decretar a publicidade, nomeadamente, quando suspende a pena. Pode faze-lo - e já tenho visto isso acontecer - sob condição de ser publicitado em determinados termos.

Ficamos à espera de ver como é que o Governo desenvolve esta teoria. O articulado terá de ser feito na base das perspectivas bancárias, das estatísticas, da terminologia económica, do Decreto-Lei n.º 14/84, mas também do Código Penal Não vá repetir-se dispositivos já existentes, porventura escrevendo-os piores ou criando dúvidas de interpretação.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Nessa perspectiva, se não constassem as sanções acessórias ao tipo legal de crime, havia uma inconstitucionalidade orgânica, porque, como o Sr. Deputado sabe, o Governo só pode legislar nessa matéria autorizado pela Assembleia da República. Portanto, o facto de já constarem do Código Penal não significa que não tenham de constar da proposta de lei de autorização legislativa.

O Orador: - Não vou discutir isso com V. Ex.ª, mas realmente, não tem razão porque a possibilidade da aplicação de penas acessórias está concedida ao juiz e a parte geral do Código Penal não diz que é ...

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O Sr. João Salgado (PSD): - O Tribunal Constitucional!

O Orador: - Tem de haver lá técnicos de maior gabarito criminal, é evidente!

Vou terminar perguntando se V. Ex.ª não poderá emendar esta coisa dos 5 contos? É que com 5 contos, hoje em dia, pagam-se dois almoços. Parece que este é um diploma de favor aos restaurantes, em detrimento dos bancos! Há aqui uma opção de linha económica, que não entendo bem!

Penso que é lealmente caricata - a palavra é essa, não quero ser excessivo- esta referência aos 5 contos, porque não remedeia nada, literalmente nada. Daqui a algum tempo, com V. Ex.ª ou com quem o substituir no Ministério da Justiça a seguir às eleições, veremos o que é que isto vai dar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a seguir à intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos, vamos entrar no período de votações.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odeie Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: Tem acontecido, na minha vida profissional, ser nomeada oficiosamente - e bastantes vezes, ultimamente - para defender crimes de emissão de cheque sem cobertura.

De facto, sei que estes delitos proliferam nos tribunais e que, com alguns «jeitinhos», até se vão adiando julgamentos para permitir que as pessoas tenham tempo de pagar - e aí talvez a lei processual penal sobre este crime não seja uma lei ajustada! Posso avaliar que a presente proposta de lei de autorização legislativa não resolve, quanto a mim. algumas questões que considero serem de suma injustiça provocadas por uma lei que pretende ser justa e que me afligem sempre que encontro situações dessas no tribunal.

Posso citar um caso que se passou comigo - e há muitos parecidos com este-, que não acontecia na lei anterior. É o caso de alguém que celebrou um contrato-promessa de compra e venda como comprador, passou um cheque para uma determinada data e, a certa altura, verificando que a casa que pretendia comprar tinha terríveis defeitos de construção, não esteve disposto a cumprir o referido contrato-promessa.

No entanto, entregara um cheque para pagamento do sinal e, como retirara o dinheiro do banco para o não pagar, uma vez que considerava que o promitente vendedor estava em falta, foi condenado a dois anos efectivos de prisão.

Isto porque a lei actual - e esta proposta de lei não mexe nisso - se basta apenas com a existência de um cheque que não tem cobertura, sem, de facto, atender a outras circunstâncias.

E outras circunstâncias existem, também, quando as pessoas -e são numerosos os casos - são coagidas a passar - cheques pré-datados. Nesses casos, a pessoa que conseguiu usurpá-los -e, muitas vezes, para se fazerem acordos nos tribunais a fim de que uma pessoa não seja despejada, isso acontece - vai imediatamente apresentá-los a pagamento, quando sabia, porque a outra pessoa lho disse, que estes não tinham provisão naquela altura.

Estas questões que se passam nos tribunais parecem-me ser questões humanas do máximo interesse para serem atendidas numa lei de criminalização dos cheques e, consequentemente entendo que esta proposta de lei é uma proposta magra e que não responde a casos gritantes de injustiça.

Por consequência, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, terminarei por dizer que, tendo-se falado tanto, ultimamente, sobre o facto de vir aí uma lei sobre o cheque que era uma coisa espantosa, a leitura da proposta de lei me decepcionou profundamente, porque creio que não vai alterar substancialmente a situação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a discussão da proposta de lei n.º 20 l/V. peço ao Sr. Secretário Reinaldo Gomes o favor de ler a acta correspondente à eleição para o cargo de presidente do Conselho Nacional de Educação.

O Sr. Secretário - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A acta é do seguinte teor

Aos 6 dias do mês de Junho de 1991, na Assembleia da República, realizou-se a eleição para o presidente do Conselho Nacional de Educação.

A eleição obteve o seguinte resultado:

Votantes - 187; brancos - 0; nulos - 1; sim - 129; não - 56; abstenções - 1.

O candidato do PSD António Maria Barbosa de Melo foi eleito presidente do Conselho Nacional de Educação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, proclamo eleito para presidente do Conselho Nacional de Educação o Sr. Prof. Doutor António Maria Barbosa de Melo.

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, passando ao período de votações, vamos seguir o seguinte critério: começaremos com as votações correspondentes aos diplomas apreciados hoje, depois aos diplomas apreciados ontem e terminamos com as votações, na especialidade e final global, da lei quadro das regiões administrativas.

Vamos votar, em primeiro lugar, o inquérito parlamentar n.º 23/V (PS, PCP, PRD, CDS e deputado independente Herculano Pombo)-Constituição de uma comissão de inquérito destinada a averiguar as condições de legalidade e regularidade financeira e técnica de todo o processamento que envolve o Centro Cultural de Belém.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Marques Júnior e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, passamos agora à votação da proposta de resolução n.º 38/V- Aprova, para ratificação, os Protocolos Adicionais I e II às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Marques Júnior e Valente Fernandes.

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Vamos votar a proposta de resolução n.º 47/V - Aprova, para ratificação, a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição: de Outrem.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Jorge Lemos e Raul Castro e a abstenção do deputado independente Herculano Pombo.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de resolução n.º 50/V-Aprova o acordo especial, por troca de notas, entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, para supressão do artigo 19.º do Tratado Luso-Britânico de Comércio e Navegação, de 12 de Agosto de 1914.

Submetida â votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Marques Júnior e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, no que respeita à proposta de lei n.º 197/V -Autoriza o Governo a legislar em matéria de licenciamento municipal de obras particulares, vamos votá-la, na generalidade.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS, votos contra do PCP e do deputado independente Raul Castro e abstenções dos deputados Herculano Pombo e Jorge Lemos.

Vamos, agora, passar à votação do requerimento, apresentado pelo PSD, de baixa à Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente peto prazo de cinco

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Marques Júnior e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, eu proposta de lei n.º 201/V - Autoriza o Governo a estabelecer um novo regime de restrição do uso do cheque (altera o Decreto-Lei n.º 14/84, de 11 de Janeiro).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PRD e do CDS e abstenções do PS, do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e Raul Castro.

Vamos, agora, votar, na especialidade, esta mesma proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PRD e do CDS e abstenções do PS, do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e Raul Castro.

É a seguinte:

Artigo 1.º Fica o Governo autorizado a legislar em matéria relativa à emissão do cheques sem provisão.

Art. 2.º - l - A legislação a publicar pelo Governo, ao abrigo do artigo anterior, lerá o seguinte sentido e extensão:

a) Obrigar a instituição de crédito sacada a pagar, não obstante a falta, insuficiência ou indisponibilidade de provisão, qualquer cheque emitido através do módulo por ela fornecido de montante igual ou inferior a 5000$.

b) Limitar a obrigação referida na alínea anterior apenas aos casos de falta, insuficiência ou indisponibilidade de provisão;

c) Obrigar as instituições de crédito a rescindir qualquer convenção que atribua o direito de emissão de cheques quer em nome próprio, quer em representação de outrem por quem, pela respectiva utilização indevida, ponha em causa o espírito de confiança que deve presidir à circulação do cheque;

d) Obrigar as instituições de crédito que hajam rescindido a convenção de cheque, nos termos da alínea anterior, a não poder celebrar nova convenção desta natureza com a mesma entidade antes de decorridos pelo menos 6 ou 12 meses, consoante se trate ou não de primeira rescisão, salvo quando circunstâncias especialmente ponderosas o justifiquem e se mostre provado o pagamento de todos os cheques ou suprimidas outras irregularidades que tenham constituído fundamento da decisão de rescisão;

e) Regulamentar o processo de rescisão da convenção de cheque, estabelecendo-se a presunção de que põe em causa o espírito de confiança que deve presidir à circulação do cheque toda a entidade que, em nome próprio ou em representação de outrem saque ou participe na emissão de um cheque que, apresentado a pagamento no prazo legal, não seja pago por falta de provisão e [...] o proceda à sua regularização nos 10 dias seguintes à recepção da notificação feita [...] pelo [...] dando conhecimento daquela situação;

f) Autorizar o Banco de Portugal a, com base em comunicações das instituições de crédito, registar todos os casos de entidades abrangidas pela rescisão e a incluí-las numa listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco, nos casos em que aquelas entidades tenham sido objecto de duas ou [...] da convenção de cheque ou [...] a emitir ou a subscrever cheques dói vis de notificados da decisão de rescisão;

g) Obrigar as instituições de crédito a não confiarem impressos de cheques às entidades que integrem a listagem referida na alínea anterior e a rescindirem qualquer convenção de cheque que mantenham, com as mesmas entidades na data em que tomarem conhecimento da referida listagem;

h) Prever a possibilidade da aplicação da sanção de multa nos termos dos artigos 89.º a 989 do Decreto-Lei n.º 42 641, de 12 de Novembro de 1959, do artigo 8.º do Decreto-lei n.º 47 413, de 23 de Dezembro

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de 1966, e dos Decretos-Leis n.ºs 205/70, de 12 de Maio, e 301/75, de 20 de Junho, às instituições de crédito que violem as injunções contidas nas alíneas anteriores.

Art. 3.º - l - Fica igualmente o Governo autorizado a considerar como autor de crime da emissão de cheque sem provisão quem:

a) Emitir e entregar a outra pessoa cheque de montante superior a 5000$ que não seja integralmente pago por falta de provisão, verificada nos termos e prazos da lei uniforme relativa ao cheque;

b) Levantar, após a entrega do cheque, os fundos necessários ao seu pagamento integral;

c) Proibir à instituição sacada o pagamento de cheque emitido e entregue, coro isso causando prejuízo patrimonial à mesma pessoa ou a terceiro, e a punir este tipo de crime com as penas previstas no Código Penal para o crime de burla, de acordo com as circunstâncias.

2 - Fica ainda o Governo autorizado a legislar no sentido de considerar.

a) Aplicáveis a quem endossar cheque que recebeu, conhecendo a sua falta de provisão e causando com isso a outra pessoa um prejuízo patrimonial, as penas referidas no número anterior;

b) Aplicável a quem não respeitar a determinação constante de sentença de restituir às instituições de crédito todos os módulos de cheques em seu poder ou em poder dos seus mandatários, a pena do crime de desobediência;

c) Aplicável a quem, enquanto durar a interdição temporária do uso do cheque fixada em sentença, emitir cheques, a pena do crime de desobediência qualificada;

d) Aplicável a quem, na qualidade de sacado e para justificar a recusa de pagamento de um cheque, declarar provisão inferior à existente e disponível, a pena de multa de 100 a 360 dias;

e) Aplicável a quem emitir cheques sobre instituições de credito que hajam rescindido a respectiva convenção de cheque, a pena de crime de desobediência qualificada.

3 - A legislação a publicar ao abrigo do artigo 1.º da presente autorização legislativa poderá ainda prever que a quem for condenado por crime de emissão de cheque sem provisão possam os tribunais aplicar as seguintes sanções acessórias:

a) Interdição temporária do uso de cheque;

b) Publicidade da sanção condenatória.

4 - A autorização constante do número anterior tem a extensão e os limites seguintes:

a) A interdição temporária do uso de cheque terá a duração mínima de seis meses e a máxima de três anos;

b) A publicidade da decisão condenatória far-se-á, a expensas do condenado, em publicação periódica editada na área da comarca da praticada infracção ou, na sua feita, era publicação periódica da comarca mais próxima, bem como através da afixação de edital, por período não inferior a 30 dias, podendo, em casos particularmente graves, o tribunal, também a expensas, do condenado, ordenar que a publicidade seja feita no Diário da República ou através de qualquer meio de comunicação social;

c) A sentença que condenar em interdição temporária do uso de cheque deverá ordenar ao condenado que restitua às instituições de crédito que lhos forneceram todos os módulos de cheques em seu poder ou em poder dos seus mandatários, e será comunicada ao Banco de Portugal para os efeitos legalmente previstos;

d) O condenado em interdição do uso de cheque poderá ser reabilitado judicialmente se, pelo menos por um período de dois anos depois de cumprida a pena principal, se tiver comportado por forma que tome razoável supor que não cometerá novos crimes da mesma natureza, devendo a sentença de reabilitação ser igualmente comunicada ao Banco de Portugal para os efeitos legalmente previstos.

5 - O tribunal competente para conhecer do crime de emissão de cheque sem provisão será o tribunal da comarca onde se situa o estabelecimento de crédito em que o cheque for inicialmente entregue para pagamento.

Art 4.º A presente autorização legislativa tem a duração de 90 dias.

Srs. .Deputados, vamos, agora, passar à votação final global desta proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PRD e do CDS e abstenções do PS, do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 709/V (PRD) - Alteração à Lei n.9 4/84, de 5 de Abril (protecção da maternidade e da paternidade).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS e votos a favor do PS. do PRD. do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 107/V (PCP) - Atribuição de um subsídio mensal especial aos filhos a cargo de mães e pais sós.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS e votos a favor do PS, do PRD, do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e Raul Castro.

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Srs. Deputados, também na generalidade, o projecto de lei n.º 265/V (PCP) -Aprova medidas tendentes i efectivação dos direitos das mães sós.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS e votos a favor do PS. do PRD, do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos Raul Castro.

Srs. Deputados, votaremos agora, igualmente na generalidade, o projecto de lei n.º 774/V (PS) - Dá nova redacção a diversos artigos da Lei n.º 4/84, de S de Abril (protecção da maternidade e da paternidade).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS e votos a favor do PS, do PRD, do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos votar, na especialidade, o texto final foi elaborado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente relativo à lei quadro das regiões administrativas que tem por base os projectos de lei n.º 45/V (PS), 60/V (PRD), 69/V (CDS), 129/V (Os Verdes), 134/V (PCP) e a proposta de lei n.º 171/V e que foi aprovado por unanimidade na respectiva Comissão. Srs. Deputados, vamos, pois, votar, na especialidade.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Marques Júnior e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, vamos passar à votação final global do mesmo texto.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Marques Júnior e Valente Fernandes.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, inscreveram-se, para declarações de voto, os Srs. Deputados Jorge Lacão, lida Figueiredo, Manuel Moreira e Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, era para informar a Mesa que o CDS irá entregar uma declaração de voto por escrito.

Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: E eis que, à vista da meta eleitoral, o PSD acordou, fez alguma ginástica de manutenção e apresentou-se preparado para encetar, finalmente, a regionalização.

Mas há por aí quem desconfie dos propósitos do partido do Governo.

O Sr. Álvaro Martins Viegas (PSD): - Não senhor!

O Orador: - Afinal, aprovar, nos últimos dias da legislatura, uma solução legal que quase todos os parados haviam, apresentado nos primeiros dias da legislatura quatro anos que lá vão - é uma aparência de generosidade que dá para desconfiar.

Por que terá sido que orna matéria de tão vasto consenso, reproduzido na votação favorável a que assistimos, foi tão difícil de chegar ao momento da aprovação?

O Primeiro-Ministro terá, há dias dado a explicação: é que ele há a Jugoslávia e os perigos da desagregação nacional!

Ou seja: o Primeiro-Ministro considerou serem as regiões administrativas, que, tal como os 305 municípios, são autarquias de base popular e natureza representativa, sem participação nas funções de soberania, apesar disso, espaços de potencial ameaça à unidade nacional.

Empurrado, todavia, pelo apelo ao voto, eis que o PSD chega ao ponto de parecer querer correr o risco de, também por suas mãos. vir, afinal, pôr em causa a unidade do País.

Estranha situação política, em que o Governo e o partido do Governo fazem o contrário do que dizem, dizendo o contrário do que fazem.

Ou será que mais do que uma contradição, verdadeiramente do que se trata é de uma mistificação?

Protestos do PSD.

Será que, em vista do propósito de ganhar as próximas eleições, o PSD vai assumir a regionalização como prioridade política com prazo de concretização? Ou vai tão-só fazer da lei agora aprovada o seu alibi de campanha, sugerindo que o processo está, finalmente, em marcha, sem jamais dizer quando poderemos, peto seu concurso, chegar ao fim da jornada?

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Nunca o ouvi Calar disso!

O Orador: - Por parte do PS a questão 4 clara: votamos favoravelmente esta lei, ainda, em muitos aspectos, incompleta, mas, em todo o caso. servindo de base à definição do sistema regional

Já apresentámos o nosso modelo concreto de criação das regiões administrativas e já assumimos igualmente o compromisso político de criar as regiões, a prazo de um ano, se, como esperamos, dispusermos de maioria na próxima legislatura.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Quem ganha as eleições?!

O Orador - Ao contrário do PSD, não acordámos agora; ao contrário do PSD, não nos preparamos para voltar a adormecer amanhã.

Na Europa das Comunidades, na Europa dos cidadãos, na Europa das regiões, do que se trata é de conferir à sociedade portuguesa instrumentos democráticos de desenvolvimento a outro ritmo e com outra dinâmica de justiça que este Governo não soube encontrar.

As regiões criarão, em Portugal, uma nova política de desenvolvimento. É, pois, por uma nova política de desenvolvimento que o PS criará ás regiões em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): -Vocês sempre impediram a regionalização, quando eram governo!

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7 DE JUNHO DE 1991 2965

O Sr. José Sócrates (PS):- Eu sei que isto vos dói!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo.

A Sr.ª Ilida Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Regozijamo-nos com a aprovação da lei quadro das regiões administrativas, muito embora não dê plena satisfação a todas as necessidades das futuras regiões.

É um passo em frente no processo da regionalização.

Esperamos que, no início da próxima legislatura, se dó o passo seguinte: a aprovação da lei de delimitação territorial para que, durante 1992, se proceda à instituição em concreto das regiões administrativas e se realizem as primeiras eleições das regiões, entretanto criadas. Só assim ficará definitivamente desbloqueado o processo de regionalização.

É nesse sentido que o PCP continuará a intervir de uma forma persistente, activa e empenhada.

A lei quadro das regiões administrativas que acabamos de aprovar é o resultado de um trabalho da Comissão Parlamentar de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, que, em colaboração com o representante do Governo, procurou acolher os possíveis consensos das iniciativas legislativas dos diversos grupos parlamentares e do Governo.

Ninguém porá em dúvida a intervenção criadora e persistente do Grupo Parlamentar do PCP em todo o processo de elaboração da lei quadro da regionalização, cujo conteúdo final é bem diferente da proposta de lei que o Governo aqui apresentou, em Novembro do ano passado.

Neste momento, merece particular referência toda a luta desenvolvida ao longo dos anos. contra o bloqueio ao processo de regionalização. Saudamos, de uma forma especial, as autarquias locais, a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a ANAFRE pelas posições assumidas na defesa da criação das regiões administrativas.

Mas queremos alertar que a luta não terminou. É necessário estar alerta. É que a lei agora aprovada não garante, só por si, as fases seguintes do processo de regionalização. Por outro lado, o seu conteúdo, em vários aspectos, é vago e remete para futuras leis e decretos-leis. É o caso das competências das regiões, do regime das finanças regionais, da transferencia de serviços e das condições gerais a que deve obedecer a celebração dos contratos-programas. Ficou-se aquém do que era desejável quanto à composição dos órgãos, designadamente da junta regional, onde não se assegurou o mesmo pluralismo do órgão donde emana, a Assembleia Regional. Quanto ao governador civil regional, apesar de terem sido profundamente alteradas as suas competências e terem caído todas as inconstitucionalidades contidas na proposta de lei do Governo, mantêm-se ainda poderes que suo exagerados para um delegado do Governo junto das regiões.

Postas estas reservas, queremos reafirmar que se trata de um passo em frente, mas um passo em frente que tem de ser consolidado com o aperfeiçoamento da legislação que acabamos de aprovar e com novas iniciativas.

Com este objectivo, o PCP não poupará esforços, convencido, como está, de que a regionalização 6 uma reforma indispensável ao desenvolvimento harmonioso do País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território: o PSD sempre defendeu que a regionalização do continente é ama questão de Estado, que deve ser feita de forma faseada, com serenidade e amplo consenso político.

O Grupo Parlamentar do PSD congratula-se por a sua postura política desde sempre, nesta matéria de Estado, ter sido entendida por todos os partidos com assento nesta Câmara, porque foi possível, a nível do grupo de trabalho para a regionalização, que funcionou no âmbito da Comissão Especializada da Administração do Território, Poder Local e Ambiente, durante longos meses, fazer um amplo debate e colher a experiência europeia em matéria de regionalização, e foi acompanhado pelo Governo, na pessoa do Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território. Conseguiu-se assim aquilo que sempre desejámos e que deve ser o desejo de todos os deputados desta Câmara: um amplo consenso político, uma lei quadro da regionalização equilibrada que vá ao encontro da vontade real de Portugal. Foi isso que hoje aqui conseguimos apresentar um texto síntese consensual para votar na especialidade e em votação final global.

Por isso estamos todos de parabéns e está de parabéns,. penso eu, Portugal e os Portugueses, porque foi possível fazer sentir e convencer os partidos da oposição de que, numa matéria de tanta complexidade e, naturalmente, de tanto alcance nacional, nós não temos de ter apenas uma perspectiva partidária, temos de ter, fundamentalmente, uma perspectiva nacional. E foi isso que aconteceu nesta Câmara.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Está cumprida assim, com a aprovação hoje e aqui, por unanimidade, a primeira fase da regionalização do continente. Assim, também o Governo do nosso país, que nos honramos de apoiar, cumpre com mais um dos seus objectivos políticos, porque inscreveu em 1987, no seu Programa do Governo, que apresentaria a esta Câmara a lei quadro da regionalização. E hoje, aqui, com a votação que fizemos, cumprimos em pleno esse objectivo.

Por isso, o PSD, mais do que palavras, tem obras, tem acção, tem uma prática política a favor da descentralização e da regionalização do continente.

Vozes do PSD: - Muito tem! Aplausos do PSD.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos continuar com o mesmo empenhamento, com a mesma serenidade, com a mesma vontade política para prosseguirmos neste processo. Vamos naturalmente, na futura legislatura, prosseguir e encontrar a- solução, o figurino regional mais adequado ao nosso espaço continental.

O PSD, desde já, aqui declara que- estaremos, como sempre estivemos, na primeira linha deste combate, desta afirmação, porque nós - repito - não somos um partido apenas com um discurso político, nós queremos levar à prática os nossos objectivos.

Por isso, na futura legislatura, iremos prosseguir em conjunto com todos os partidos que tiverem assento nesta Câmara, procurando auscultar as forças vivas do País, as autarquias locais e, naturalmente, a sua associação representativa, a Associação Nacional de Municípios

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2966 I SÉRIE-NÚMERO 89

Portugueses, para podermos, tal como fizemos hoje com a lei quadro da regionalização, concluir este processo de forma consensual e com total sentido de Estado. Para que possamos dispor, no nosso espaço continental, das futuras regiões administrativas a funcionar, no sentido do reforço da unidade e coesão nacionais, da redução gradual das assimetrias regionais entre o litoral e o interior e para que todos os portugueses possam usufruir por igual, tanto quanto possível, de bem-estar e de uma boa qualidade de vida.

Por isso, o PSD continuará disponível para fazer esse diálogo com os outros partidos e, acima de tudo, com os Portugueses.

O PSD defende a regionalização ao serviço de Portugal e dos Portugueses para o seu pleno desenvolvimento e progresso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária terá lugar amanha, às 10 horas. Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Martins Viegas.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Ourique Mendes.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Dinah Serrão Alhandra.
Eduardo Alfredo de Carvalho da Silva.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Maria Oliveira Martins.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Angelo Ferreira Correia.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo [...] Ribeiro de Almeida.
Luís [...] Costa Geraldes.
Manuel [...] Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Muno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Jaime José Matos da Gama.
José Luís do Amaral Nunes.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Rui Pedro Machado Ávila.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Maria Odete Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.

Deputado independente:

Maria Helena Salema Roseta.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Parado Social-Democrata (PPD/PSD);

António Costa de A. Sousa Lara.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Monteiro do Amaral.
José Júlio [...] Mesquita.
Licinio [...] da Silva.
Manuel Dias Soares Costa.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António José Sanches Esteves.
João Rosado Correia.
José Carlos P. [...] da Mota Torres.

Partido [...] Português (PCP):

Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
Luís Manuel Loureiro Roque.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
José Manuel Santos Magalhães.

AS REDACTORAS: Ana Maria Marques da Cruz - Isabel Barrai - Maria Amélia Martins - Maria Leonor Ferreira.

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Página 2968

Diário da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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Por ordem superior e para constar, comunica-se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da Republica desde que não tragam aposta à competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

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