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I Série - Número 91

Quarta-feira, 12 de Junho de 1991

DIÁRIO Da Assembleia da República

V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE JUNHO DE 1991

Presidente: Ex.mo Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Ex.mos Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Joaquim António Rebocho Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.º 778/V e de deliberação n.º 136/V, dos requerimentos apresentados e das respostas a outros.
A Câmara não autorizou a suspensão do mandato de dois Srs. Deputados para comparecerem como testemunhas em tribunal.
Em declaração política, o Sr. Primeiro-Ministro procedeu a um balanço da actividade do seu governo no termo da actual legislatura. Respondeu depois a pedidos de esclarecimento e deu explicações aos Srs. Deputados António Guterres, Manuel Alegre, Jorge Lacão e Sottomayor Cardia (PS). Carlos Brito (PCP), Narana Coissoró (CDS) e Otávio Teixeira (PCP).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo (PCP) criticou a política de ambiente do Governo.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado (PSD) congratulou-se com a acção do Governo durante a presente legislatura e respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Ferraz de Abreu (PS) teceu críticas ao Governo, em particular à sua actuação na área da saúde, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Bacelar e Mano Montalvão Machado (PSD).
Finalmente, em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Lilaia (PRD)fez um balanço da intervenção do seu grupo parlamentar nesta legislatura.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Alberto Martins (PS) iniciou o debate sobre abusos de poder por parte do Governo, solicitado pelo seu partido, tendo ainda usado da palavra, a diverso titulo, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados Sottomayor Carda (PS), José Pacheco Pereira e Luís Filipe Menezes Lopes (PSD), Narana Coissoró (CDS), João Amaral (PCP), José Silva Morgues (PSD). Barbosa da Costa (PRD). Luís Filipe Madeira (PS) e Filipe Abreu (PSD).
Foram votados, em votação final global, os projectos de lei n.º 690/V (PS) - Eliminação do artigo 10.º da Lei n.º 95/88, de 17 de Agosto (Garantia dos Direitos das Associações de Mulheres); 632/V (PSD) - La da criminalidade informática; 686/V (PSD) - Mecenato social, e ainda o texto final elaborado peta Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias relativo ao projecto de lei n.º 362/V (PCP) - Garante a protecção adequada às mulheres vítimas de violência.
A Câmara aprovou também, em votação final global, propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 135/91, de 4 de Abril (Procede à revisão global do regime jurídico das SGII)/ratificação n.º 184/V (PS)] e as propostas de lei n.º 183/V - Autoriza o Governo a conceder diversos benefícios fiscais e a elevar os montantes máximos das coimas por violação do exclusivo da exploração das apostas mútuas hípicas; 194/V - Autoriza o Governo a aprovar um novo regime para o cálculo das indemnizações a atribuir aos titulares de participações sociais no capital de empresas nacionalizadas, e 196/V - Permite a redução da taxa do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) incidente sobre o gasóleo utilizado na actividade agrícola, relativamente à qual foi apresentado, pelo PCP, um requerimento de avocação a Plenário, que foi rejeitado.
Finalmente, foram ainda aprovados, na especialidade e em votação final global, o projecto de lei n.º 419/V (PSD) - Heráldica autárquica e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, e, na generalidade, na especialidade e em votação final global, o projecto de lei n.º 773/V (PSD) - Alteração do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março (Atribuições das autarquias locais e competência dos respectivos órgãos).
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão eram 19 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime pomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barras.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Parado Socialista (PS):

Alberto Alexandre Vicente.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.

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Jorge Luís Costa Catarino.
Jorge Paulo Sacadura Coelho.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Fernandes Miranda.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel Fonseca Leite.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:

António Alves Marques Júnior.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Maria Helena Salema Roseta.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura dos diplomas, requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 778/V - Apoio às rádios locais e regionais, apresentado pelo Sr. Deputado Alexandre Manuel e outro, do PRD, que baixa à competente Comissão; projecto de deliberação n.º 136/V - Comete à Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias a organização de um programa de apreciação legislativa sobre os órgãos de informação, apresentado pelo PS, pelo PCP e pelo CDS.
Entretanto, foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes: à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Henrique Carmine; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho e Júlio Antunes; ao Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho e Miranda Calha; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; ao Ministério das Finanças, formulados pelo Sr. Deputado João Amaral e pela Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pela Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira; ao Ministério da Educação, formulados pela Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira e pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Júlio Antunes; à Secretaria de Estado do Ensino Superior, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha.
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Vítor Caio Roque, na sessão de 8 de Março; José Manuel Mendes, nas sessões de 8 e 27 de Novembro, 13 de Dezembro e 8 de Março; Manuel Filipe, nas sessões de 20 de Novembro e 2 de Maio; João Proença, na sessão de 5 de Dezembro; José Apolinário, nas sessões de 6 de Dezembro e 15 de Fevereiro; Júlio Antunes, nas sessões de 10 e 13 de Dezembro; Carlos Brito, nas sessões de 11 e 20 de Dezembro e 7 de Fevereiro; Barbosa da Costa, nas sessões de 13 de Dezembro, 31 de Janeiro e 21 de Fevereiro; Armando Reis, na sessão de 20 de Dezembro; Rui Silva, na sessão de 15 de Janeiro; Domingos de Azevedo, na sessão de 24 de Janeiro; lida Figueiredo, nas sessões de 5, 14 e 21 de Fevereiro e 19 de Março; Apolónia Teixeira, na sessão de 5 de Fevereiro; Edite Estrela, na sessão de 8 de Fevereiro; Lino de Carvalho, nas sessões de 14 e 21 de Fevereiro; Elisa Damião, na sessão de 19 de Fevereiro; José Magalhães, nas sessões de 19 de Fevereiro e 24 de Abril; Victor Cosia, na sessão de 21 de Fevereiro; Jorge Lemos, na sessão de 21 de Fevereiro; Ademar de Carvalho, na sessão de 26 de Fevereiro; Edmundo Pedro, na sessão de 1 de Março; Pedro Ávila, na sessão de 14 de Maio; Luís Filipe Madeira, na sessão de 14 de Maio.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conhecimento de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário: - Srs. Deputados, o relatório e parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos incide sobre a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo

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Branco, relativamente a um processo pendente que corre os seus termos pela 3.º Secção e que diz respeito aos Srs. Deputados Fernando Barata Rocha e José Pereira Lopes.
O parecer emitido é no sentido de não autorizar a suspensão dos mandatos dos referidos Srs. Deputados, para intervirem naquele processo na qualidade de testemunhas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados está em apreciação.
Como não há objecções, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, de acordo com o que ficou combinado, temos hoje um período de antes da ordem do dia preenchido com declarações políticas, que poderá prolongar-se pelo período da tarde, mas nunca exceder as 16 horas.
Procederemos, de seguida, ao debate «Abusos do poder por parte do Governo», suscitado pelo Partido Socialista, a que se seguirá um conjunto de votações que estão, neste momento, a ser organizadas, mas que conto mandar distribuir durante a manhã de hoje para sabermos, exactamente, o que iremos votar no fim do dia.
Srs. Deputados, relativamente à petição da Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas - FENCA, que acordámos discutir no dia 17, informo que ela seguiu a ordem prevista, isto é, foi incluída na ordem de trabalhos desse dia, sob o n.º 192/V, logo a seguir aos relatórios agendados, vindo já indicada no Boletim Informativo de hoje.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, soubemos, pela comunicação social - e vimos agora também nos écrans do circuito interno de televisão -, que o Sr. Primeiro-Ministro vai hoje intervir no período de antes da ordem do dia.
Na última conferência dos representantes dos grupos parlamentares o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares anunciou o desejo de o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares intervir nesse período, nos termos da alteração que foi introduzida no Regimento.
Não houve qualquer objecção da parte dos representantes dos grupos parlamentares e ficou, de certa maneira, aprazada a ideia de que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares faria hoje uma intervenção no período de antes da ordem do dia. Foi até sugerido que falasse antes da passagem ao período da ordem do dia, ou seja, no termo das declarações políticas dos grupos parlamentares.
Entretanto, os jornais e a comunicação social anunciaram a vinda do Sr. Primeiro-Ministro ao Parlamento e eu gostava, Sr. Presidente, que nos indicasse - será sempre conveniente fazê-lo - em que termos e em que qualidade irá o Sr. Primeiro-Ministro falar: é nos termos em que estava antes prevista a intervenção do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares?
Por outro lado - e aclarando em relação às alterações ao Regimento -, lembro que o n.º 2 do artigo 82.º diz o seguinte: «A seu pedido, com fundamento de razões de urgência ou oportunidade, os membros do Governo podem intervir no período de antes da ordem do dia nas condições que o Presidente determinar, pelo tempo máximo de seis minutos, não contando o respectivo tempo para os limites estabelecidos no artigo 75.º»
É nestes termos que o Sr. Presidente da Assembleia vai dar a palavra ao Sr. Primeiro-Ministro?
Ponho esta questão não porque tencionemos fazer qualquer objecção ao uso da palavra por parte do Sr. Primeiro-Ministro!...

Protestos do PSD.

O que temos criticado é até o facto de o Sr. Primeiro-Ministro vir tão pouco à Assembleia da República!...
Suponho, se não erro, que neste ano de 1991 ainda não fomos honrados com a sua palavra. Portanto, há seis meses que por aqui não passa.
Coloco-lhe estas questões para saber como iremos trabalhar, incluindo com o fundamento regimental...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou dar-lhe uma explicação muito simples.
É verdade que na última conferência de representantes dos grupos parlamentares falámos no assunto, mas não exactamente, se me permite, nos termos em que o Sr. Deputado colocou a questão.
Eu já tinha sido informado de que o Sr. Primeiro-Ministro falaria no período de declarações políticas previsto para hoje. Só que na última conferência dos representantes dos grupos parlamentares se pôs o problema dessa presença estar ou não prevista no Regimento. Nessa altura fiz referência ao facto de essa situação estar prevista no Regimento - e o Sr. Deputado Carlos Brito até acrescentou que, efectivamente, estava no Regimento - e referi também ter havido um precedente que envolvia, exactamente, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Portanto, não foi dito que seria o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares quem falava, mas apenas invocado esse precedente de intervenção de um membro do Governo no período de antes da ordem do dia.
Tem o Sr. Deputado Carlos Brito razão quando diz que, numa situação destas, segundo o Regimento, o membro do Governo interveniente dispõe de seis minutos para a sua intervenção. Em todo o caso atribuiu-se hoje um tempo de dez minutos.
Como também tinha sido estabelecido entre nós que o período de antes da ordem do dia seria mais longo - ao ponto de termos previsto que poderíamos levar as declarações políticas até às 16 horas -, comecei por atribuir um tempo de dez minutos, que terá a elasticidade habitualmente dada a estes mesmos tempos, os quais, muitas vezes, chegam aos dezoito e aos vinte minutos, apesar das chamadas de atenção que normalmente faço quando isso acontece.
Portanto, o Sr. Primeiro-Ministro intervém, nos termos regimentais, no período de antes da ordem do dia de hoje e o que se estabeleceu na conferência dos representantes dos grupos parlamentares não podia, em boa verdade, induzir que seria o Sr. Ministro Dias Loureiro quem o faria, dado que foi apenas invocado ter havido um precedente, em determinada altura, relativamente a ele.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não quero que fique qualquer dúvida, pois entendemos que é o Governo quem organiza as suas intervenções!... Ainda que estivesse, claramente, inscrito o Sr. Ministro Dias Loureiro (presumíamos que assim era), o Governo, a todo o momento, podia substituir o Ministro dos Assuntos Parlamentares por qualquer outro ministro e naturalmente, antes de tudo, pelo próprio Primeiro-Ministro!

O Sr. Presidente: - Se me permite um parêntesis, o PCP tinha inscrito o Sr. Deputado Carlos Brito e substituiu-o pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

O Orador: - Exactamente, Sr. Presidente. Como qualquer grupo parlamentar o pode fazer.
Não levantamos essa objecção e, mesmo em relação ao tempo, também não colocamos qualquer objecção. A interpelação que fizemos à Mesa foi para que tudo ficasse clarificado e para que trabalhássemos dentro das regras, regimentais ou consensuais. Em relação ao tempo damos o nosso consenso.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Secretário de Estado tem sempre razão!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares
(Carlos Encarnação): - Obrigado, Sr. Presidente e também muito obrigado, Sr. Deputado Jorge Lacão.
Queria apenas corroborar em tudo aquilo que o Sr. Presidente afirmou.
Na verdade, não dissemos que era o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares que falaria. Apenas colocámos a questão da presença de um membro do Governo para fazer uma intervenção no período de antes da ordem do dia, para cumprimento do dispositivo regimental que o permitia.
É, portanto, nessas condições que o Sr. Primeiro-Ministro vem hoje à Assembleia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não houve tempo para marcar as grelhas para a sessão de amanhã, que inclui as propostas de lei n.º 196/V, 181/V, 193/V e 202/V, propunha a grelha F para cada uma das propostas referidas, a não ser que haja qualquer divergência.
Se houver necessidade de fazer qualquer alteração, propunha que os grupos parlamentares conversassem nesse sentido e me dessem conhecimento das conclusões, a fim de, eventualmente, chegarmos a um consenso e procedermos à correcção desta proposta, a qual será comunicada à Câmara.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, há objecção da nossa parte.

O Sr. Presidente: - Fica registada, Sr. Deputado. Srs. Deputados, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela primeira vez na história desta Assembleia um Primeiro-Ministro usa da palavra no período de antes da ordem do dia, para uma declaração política.
Não pretendo utilizar este tempo como quem exerce um mero direito. Prefiro atribuir a este facto um outro e mais profundo significado.
Estou aqui para assinalar o termo de uma legislatura que, pela primeira vez, se completa. Uso da palavra como corolário lógico de uma atitude de permanente atenção ao valor da cooperação institucional entre a Assembleia da República e o Governo.
Na sua relação privilegiada com a Assembleia da República, o Governo esteve sempre presente, quer quando solicitado para os trabalhos em comissão, quer quando interveniente nas figuras regimentais das interpelações e dos debates políticos, quer na discussão de iniciativas legislativas, quer no decurso dos processos de fiscalização da competência do Parlamento, quer ainda no cumprimento do instituto das perguntas.
O Governo esteve presente na Assembleia da República em grau, porventura, sem comparação com qualquer outro Executivo ao longo do nosso percurso democrático.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Neste, como em outros domínios, é sempre admissível às oposições a proverbial insatisfação. Mas o observador atento não encontrará motivos sérios para considerar válida qualquer crítica à colaboração institucional do Governo com o Parlamento.
Confrontados com os factos e com os números, os argumentos destinados a provar a crítica habitual da alegada insuficiência da presença do Governo na Assembleia inevitavelmente caem no ridículo de uma teimosa afirmação sem sentido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo compareceu sempre, repito, gerindo, como a ele próprio reconhecidamente compete, a sua representação.
Seria certamente, pelo menos, tão impróprio às oposições discretearem sobre a representação do Governo, como seria descabido que este entrasse em considerações sobre a forma de representação assumida pelas oposições. Este é o domínio das discussões estéreis que nada produzem, que a ninguém dignificam e que, por isso, não alimentamos.
Importa mais, a nosso ver, verificar se o relacionamento entre Parlamento e Governo contribuiu, ou não, para o reforço do regime democrático e o aperfeiçoamento das instituições.
Ora, é forçoso reconhecê-lo, foi precisamente nesta área que no novo quadro de estabilidade política-mais e melhores contributos nasceram.
Aliás, é de notar o facto de um conjunto de diplomas, significativo no número e de manifesta importância substancial, ter merecido uma aprovação que excedeu o âmbito da maioria que apoia o Governo, obtendo mesmo, em não poucos casos, a unanimidade da Câmara.
Com a estabilidade política, o Parlamento recuperou uma dimensão essencial e apreciada de produtividade. Realizou mais e melhor e teve ainda oportunidade de repensar os seus mecanismos de funcionamento.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sempre defendemos, como essencial no processo democrático português, o aperfeiçoamento do sistema político, a promoção das liberdades fundamentais, o melhor equilíbrio institucional, a actualização dos mecanismos de participação democrática, a clarificação e abertura do sistema económico e a reforma das políticas sectoriais mais importantes.
Sentimo-nos hoje naturalmente satisfeitos por termos a noção clara de que o nosso pensamento acompanhou a história e a evolução que se regista em todo o mundo.
Esta legislatura foi um marco decisivo no sentido da nossa grande meta: um País mais livre, mais próspero e mais digno.
Num tempo de abalos de dimensão mundial em sistemas políticos e económicos, esta legislatura permitiu testar a coerência das nossas posições. Foi, no fundo, o fim de um ciclo de experiências, por vezes envolvendo custos bem elevados, e a afirmação de uma nova e serena fase de confiança na construção do futuro do País.
Foi uma legislatura rica e modeladora do futuro. Na sua pendência decorreu um longo, denso e significativo processo de revisão constitucional.
Deste frutuoso debate resultou o fim de uma vinculação ideológica redutora para se consagrar um texto fundamental aberto e actual.
Teve esta Câmara a clarividência para encontrar, como encontrou, uma lei fundamental que une os Portugueses em vez de os dividir, uma Constituição que, em vez de nos afastar dos padrões dos nossos parceiros comunitários, representa, pelo contrário, um significativo factor de aproximação aos outros Estados membros das Comunidades.
Quer quanto ao seu processo, quer em relação às conclusões, a revisão constitucional de 1989 fica na história democrática portuguesa como uma realização notável, que honra os representantes do povo na legislatura que agora chega ao seu termo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas a revisão constitucional representou ainda o início de um vastíssimo conjunto de reformas legislativas.
Dela resultaram iniciativas tão importantes como a definição do regime das privatizações, a criação do quadro da regionalização e do Conselho Económico e Social, a abertura da televisão à iniciativa privada e a nova disciplina do regime de propriedade das terras expropriadas na zona de intervenção da reforma agrária.
Como também não se pode esquecer que no decorrer da presente legislatura se aprovaram as Leis de Bases do Sistema Estatístico Nacional, da Prevenção, Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, do Sistema de Transportes Terrestres, de Telecomunicações, do Sistema Desportivo, da Saúde, da Organização das Forças Armadas e da Protecção Civil.
No domínio dos direitos fundamentais surgiram os diplomas sobre o direito de petição, a criação do Conselho Nacional de Bioética, a protecção de dados pessoais face à informática, o exercício da actividade de radiodifusão, a criação da Alta Autoridade para a Comunicação Social, a Lei da Identificação Civil e Criminal, o novo Estatuto do Provedor de Justiça.
Recordo ainda o que se avançou no âmbito da legislação eleitoral e das leis das sondagens, do referendo local e do referendo nacional.
Na área da educação foram marcantes os textos legais sobre o estatuto do ensino superior politécnico e da autonomia universitária.
Nesta evocação, meramente exemplificativa, não se poderão deixar de referir também a reforma fiscal, a alteração da Lei de Delimitação dos Sectores, as bases gerais da reforma da Contabilidade Pública e a reforma do Tribunal de Contas.
É, assim, profundamente diferente, porque muito mais positivo, o saldo dos trabalhos parlamentares desta legislatura. Com isso me congratulo, felicitando os Srs. Deputados.

Aplausos do PSD.

Por mais iniciativas legislativas que ficarem pendentes, agora que os trabalhos terminam, nunca tal número será comparável às iniciativas perdidas e retomadas ao longo das legislaturas anteriores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nesses anos, quantos e tão esperançosos projectos e propostas se perderam e se retomaram, exactamente porque a regra era a incerteza e era curta a vida dos governos, tornando-se naturalmente inesperado o fim das sessões...
Agora, pela primeira vez, o caminho foi o da normalidade. Por isso também quatro Orçamentos de Estado e quatro Grandes Opções do Plano foram apresentados no respeito pelos prazos legalmente fixados, o que introduziu um ambiente novo, mais rigoroso e de maior eficácia, na própria Administração Pública.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto é, a via seguida não só revelou excelentes resultados em termos de produção legislativa como tem igualmente proporcionado melhorias óbvias em termos institucionais. Uma conclusão, Srs. Deputados, me parece óbvia: estamos no bom caminho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Agosto de 1987, aqui nesta Assembleia da República, afirmei durante a apresentação do Programa do Governo: «Convidamos a oposição democrática a associar-se à realização das grandes reformas necessárias ao desenvolvimento do País e partilhar um êxito que queremos, de facto, colectivo.»
Não gostaria que tivessem entendido, então, esta declaração política como mera afirmação de circunstância. Eram palavras sentidas e constituíam um marco a atingir. Quando as pronunciei, desejava expressamente que elas viessem a obter um alcance concreto e significativo.
Tal declaração era portadora de quatro mensagens essenciais: primeiro, o comprometimento na mudança e na supressão dos constrangimentos que, a nosso ver, impediam um Portugal diferente e melhor, depois, a certeza assumida do sucesso que sabíamos, com a convicção segura, ser possível; em terceiro lugar, que as nossas apostas encontrariam eco no esforço conjunto dos Portugueses; e, em quarto lugar, que não possuíamos uma concepção solitária da política.

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Hoje, quando já não Talamos apenas de esperanças ou desejos, mas são visíveis os resultados, renovamos o convite para que aquela mesma oposição, sem prejuízo das naturais divergências político-partidárias, se associe aos efeitos das reformas, ao legítimo orgulho do esforço dispendido pelos portugueses, ao País recuperado e mais solidário que agora temos, ao sucesso que todos conseguimos e que obtém amplo e explícito reconhecimento na cena internacional.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se constrói um país moderno sem fomentar a criação de riqueza, sem promover o crescimento do emprego, sem garantir o investimento, sem estancar a dívida pública, sem desenvolver a educação, sem melhorar as condições de vida dos cidadãos e sem realizar os imperativos maiores da solidariedade e da justiça social.
Os países modernos não são um campo de experimentação ideológica ou reinos de utopia, mas também não são corpos sem alma e sociedades sem valores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É certo que nos tornámos mais competitivos e que avançámos no desenvolvimento. Mas é igualmente singular quanto conseguimos em domínios que nos enobrecem, de forma particular, como povo.
Nos quatro anos desta legislatura assistimos, no mundo inteiro, a mudanças sem paralelo em muitas décadas de história. Ruíram muros porque antes deles haviam caído dogmas, pretensas verdades tidas por absolutas e preconceitos políticos, sociais e culturais.
Temos nós, portugueses, de nos sentir vaidosos pelo facto de não havermos necessitado do exemplo de outros para evitarmos tamanhos erros, já que, na nossa imensa maioria, sempre os tivemos por falsidades grosseiras que, por isso, sem desfalecimentos, rejeitámos.
Mas também em outros níveis e em outros domínios foram este quatro anos decisivamente históricos.
Foi o tempo em que nós portugueses teríamos de dar provas - perante os outros e perante nós próprios - sobre se seríamos ou não capazes de enfrentar com sucesso os primeiros anos da nossa integração nas Comunidades Europeias.
E isto num duplo sentido.
Por um lado, se seríamos ou não capazes de acompanhar a passada dos outros mais desenvolvidos, se seríamos ou não capazes de encetar uma caminhada de convergência em relação a esses países nos domínios do progresso económico, social, cultural e tecnológico.
Por outro lado, se, no concerto dos países comunitários, conseguiríamos ou não ser um parceiro dinâmico e criativo, capaz de contribuir para a construção e o progresso colectivo da Europa.
Temos de concluir que, num caso e noutro, fomos um povo à altura do desafio.
Fomos também capazes de criar mais riqueza e de a distribuir com maior justiça, vencendo atrasos de anos incontáveis, superando barreiras que alguns, menos crentes nas nossas capacidades colectivas, julgavam intransponíveis.
Nesta caminhada de quatro anos, fomos capazes de dar de nós próprios uma imagem nova. Afirmámo-nos como gente realizadora e com isso ganhámos prestígio nos olhos do mundo.
Fomos capazes, no percurso comum com os nossos parceiros europeus, de ser uma voz respeitada, sabendo defender os nossos próprios interesses sem perder de vista os interesses do todo. E por isso, na Europa a que pertencemos, nos afirmámos como parceiros credíveis e empenhados, como voz responsável e como parte activa.
E fomos capazes também de não esquecer que, sendo Estado Membro da Europa Comunitária, somos, ao mesmo tempo, um povo que conhece outros destinos.
Fomos capazes de ser Europa, sem esquecermos o Atlântico e sem esquecer os laços que, ao longo da história, tecemos no mundo inteiro.
Acima de tudo, fomos capazes de não esquecer que este povo de pouco mais de 10 milhões de seres humanos pertence a uma comunidade mais vasta de 170 milhões de pessoas que têm por sua a nossa própria língua.
E por isso nos voltámos para África e para o Brasil.
Com África reconstruímos laboriosamente uma relação que, sendo nova - como nova a queremos -, significa um reencontro que a nossa consciência colectiva não perdeu nunca de vista.
É uma relação nova porque a queremos de respeito mútuo, de cooperação e de vantagens partilhadas.
E porque é de um futuro novo que se trata, preocupámo-nos, antes de mais, com a condição primeira da felicidade do homem: a paz. Ora, ser instrumento de paz, como fomos e continuaremos a ser, é aquilo que mais legitimamente pode orgulhar uma Nação.

Aplausos do PSD.

Com essa imensa pátria, que é o Brasil, começará, com certeza, um período novo. Vamos valorizar o que sempre nos aproximou e vamos, sobretudo, encetar caminhos novos, que passam pela concretização efectiva de uma vontade mútua de um mais estreito relacionamento há muito proclamada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fizemos muito e há ainda muito para fazer. Sabemo-lo bem.
Temos todos de estar orgulhosos de quanto fomos capazes de realizar. É orgulho que legitimamente todos podemos e devemos assumir, porque de obra colectiva se trata.
E temos todos também razões suficientes para encarar o futuro com muita esperança. Aquilo que já conseguimos dá-nos a medida da nossa capacidade para realizar o muito que nos falta fazer.
Mas para isso, digo-o com sinceridade, não podemos esquecer a lição destes quatro anos.
Não podemos esquecer que estes quatro anos constituem a prova indesmentível de que a estabilidade governativa é condição propícia, se não mesmo indispensável, para agir, para trazer e para construir.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E constitui ensinamento destes quatro anos que a estabilidade governativa não prejudica, antes promove com eficácia o funcionamento normal das instituições, do Estado e da sociedade civil.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Houve estabilidade e os tribunais puderam dar provas da sua inteira independência face ao poder político.

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Houve estabilidade e progrediu a cooperação institucional.
Houve estabilidade e desenvolveram-se, como nunca, o diálogo e a concertação social.
Houve estabilidade e a comunicação social conheceu um período de independência face ao poder político, que não encontra similar na história da nossa democracia.

Aplausos do PSD.

Uma comparação objectiva não deixa margem para dúvidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A legislatura que agora termina é, repito, uma legislatura histórica. Aperfeiçoámos as nossas instituições e, sobretudo, tornámos evidente, em Portugal, que a democracia - como sempre acreditámos mas já alguns começavam a duvidar - é um regime onde o êxito e o desenvolvimento podem e devem ter lugar.
Portugal é, hoje, uma democracia de sucesso.

Aplausos do PSD.

Termino, assim, com uma cordial saudação a todos os Srs. Deputados que, neste órgão de soberania, entre todos importante, foram co-autores empenhados da história que nestes quatro anos escrevemos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados António Guterres, Manuel Alegre, Jorge Lacão, Sottomayor Cárdia, Carlos Brito, Narana Coissoró e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Primeiro-Ministro, em boa hora V. Ex.ª veio a esta Câmara. E gostaria de lhe dizer que, se alguma crítica temos em relação a isso, é o facto de o cá vermos tão poucas vezes.
O Sr. Primeiro-Ministro é, seguramente, o primeiro-ministro da Europa Ocidental que menos vezes vem ao Parlamento.
Mas acontece que, dada a distribuição de poderes no seio do Governo e da maioria, é tal a concentração desses poderes nas suas mãos que a sua ausência em certos debates faz com que eles percam, em grande medida, significado e conteúdo.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - É pena que, no futuro, já não venha a ter oportunidade para corrigir esta prática.

Risos do PSD.

Mas teria sido importante contar consigo, nesta Câmara, para podermos discutir com mais frequência os grandes problemas nacionais e, sobretudo, aquilo que separa as perspectivas da acção governativa, tal como o PSD as entende, e as perspectivas que seriam as de um governo do PS. Isto quanto à questão do funcionamento da democracia, quanto aos problemas do desenvolvimento do País e quanto aos problemas das desigualdades na sociedade portuguesa.
Desde logo, e em relação ao funcionamento da democracia, vemos com extrema apreensão o que se passa na comunicação social e não podemos, senão, sublinhar a mensagem do Sr. Presidente da República.

Protestos do PSD.

Srs. Deputados do PSD, penso interpretar o pensamento do Sr. Primeiro-Ministro se lhes disser que não é pelo facto de fazerem mais algazarra hoje que têm lugar mais assegurado nas listas do PSD.

Aplausos do PS.

Risos do PSD.

Vemo-lo com preocupação, não tanto por este Governo sucumbir à tentação da manipulação da comunicação social estatizada - sabemos que a tentação é forte e a carne 6 fraca, mesmo a sua, eventualmente, Sr. Primeiro-Ministro -, mas, sobretudo, porque este Governo se tem obstinadamente recusado a considerar uma alteração no estatuto dos órgãos de comunicação social estatizados que os ponham a coberto da manipulação deste Governo, como de qualquer outro governo no futuro, inclusivamente de um governo do PS.
Não posso deixar de dizer também com grande franqueza que não aceitamos a forma como está a ser feita a privatização de uma grande parte da comunicação social estatizada que, em nosso entender, está a ser conseguida de forma a concentrá-la em grupos de comunicação social, que consideramos ligados ao «partido laranja».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas as questões da democracia não se resumem aos problemas da comunicação social.
Vemos também com preocupação os problemas do financiamento da vida política e não percebemos a obstrução do PSD em relação à necessidade de se adoptarem regras moralizadoras do financiamento da vida política que ajudem a combater um flagelo da última década do nosso país, que é a generalização do tráfico de influências e da própria corrupção.
Como não aceitamos a perspectiva centralista de quem vai sempre adiando as regiões administrativas, ou de quem procura asfixiar financeiramente os municípios, como temos dificuldade em conceber que o diálogo social se resuma aos anos em que há eleições - o diálogo social deve ser uma prática constante de todos os governos.
Em relação aos problemas do desenvolvimento, não nos conformamos com o facto de a única vantagem comparativa significativa que Portugal continua a ter serem os baixos salários e a mão-de-obra barata.
É verdade que tem havido algum crescimento económico, mas ele não tem sido aproveitado para um verdadeiro desenvolvimento e é verdade também, Sr. Primeiro-Ministro, que muito se poderia fazer de diferente se houvesse uma estratégia concertada entre o Governo e os parceiros sociais, com ideias claras, para um desenvolvimento mais autêntico que criasse novas vantagens comparativas, baseadas numa mão-de-obra qualificada, numa capacidade tecnológica nacional, num maior equilíbrio entre o homem e a Natureza e, afinal de contas, também numa maior inovação cultural e tecnológica.
Quanto às desigualdades, não nos conformamos que, em período de relativa prosperidade, induzido por uma situação económica favorável internacionalmente, as desigualdades estejam a agravar-se no nosso país. Os rendimentos do trabalho todos os anos vão caindo em percentagem do rendimento nacional.
No plano fiscal, enquanto que aqueles que vivem do rendimento do trabalho pagam ao Estado até 40%, os que

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vivem da especulação, financeira ou imobiliária - e algumas vezes fizeram fortuna com isso -, ou não pagam nada ou pagam, no máximo, até 10%.
Como não aceitamos uma prova geral de acesso ao ensino superior baseada num elitismo que consideramos injusto; como temos dificuldade em compreender a degradação no funcionamento de tantos e tantos estabelecimentos de educação ou de saúde; como não compreendemos a política do Governo no que diz respeito aos medicamentos para as pessoas idosas; como não podemos aceitar que a habitação social seja o parente pobre deste período, que tem causado a muitos e muitos portugueses, a todos aqueles que não têm meios para acederem ao mercado de habitação, quer na compra quer no arrendamento, as maiores dificuldades.
Só que, Sr. Primeiro-Ministro. estas questões não são fáceis de discutir consigo, porque V. Ex.ª nunca nos dá essa oportunidade. Vem pouco ao Parlamento e, mesmo quando está na televisão, está normalmente sozinho ou rodeado de uma corte mais ou menos reverenciai. O Sr. Primeiro-Ministro nunca aceitou discutir na televisão com os líderes dos partidos da oposição os grandes problemas nacionais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E quando se fala sozinho é fácil evitar as questões delicadas - o Sr. Primeiro-Ministro ainda não disse nada sobre a mensagem do Sr. Presidente da República ou sobre a amnistia, como se tudo isso estivesse para ser resolvido pelo meu amigo e Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, quando todos sabemos que não 6 assim - e distorcer as realidades, como quando, na sua última comunicação televisiva, V. Ex.ª desvalorizou o papel dos fundos comunitários ou quando até atribuiu ao mérito do Governo a duplicação desses créditos, quando todos sabemos que ela se deveu à alteração estrutural das comunidades, decorrente da criação do Mercado Único.
Como chegou mesmo - permita-me que o diga com frontalidade - a dizer coisas que, pura e simplesmente, não são verdade. Recordo que o Sr. Primeiro-Ministro disse que desde a construção do Hospital de Santa Maria e até ao seu Governo não se linha feito nenhum grande hospital no nosso país.
A verdade é que basta que me acompanhe de Lisboa até ao Fundão...

Vozes do PSD: - Referia-se a Lisboa!

O Orador: - No nosso país... Não emendem mal! No nosso país...
E mais: citou como exemplos de hospitais construídos por este Governo o de Guimarães - que eu saiba o Hospital de Guimarães não é em Lisboa!
Basta o Sr. Primeiro-Ministro deslocar-se comigo de Lisboa até ao Fundão para encontrar três hospitais que não foram feitos pelo seu governo: um em Santarém, outro em Abrantes e um outro em Castelo Branco e há também o Hospital Central de Coimbra, iniciado antes do seu governo; há, enfim, todo um conjunto de outros exemplos.
Mas a questão central para que queria apontar é esta: sendo assim, sendo verdade, estando o Sr. Primeiro-Ministro normalmente sozinho quando fala ao Pais, quer ou não, daqui até às eleições, aceitar um debate televisivo com o líder do meu partido,...

Vozes do PSD: - Onde é que ele está?!

O Orador: -... ou o problema pôr-se-á em relação ao seu partido? Quer ou não o Sr. Primeiro-Ministro...

Protestos do PSD.

... discutir os grandes problemas nacionais, ou será que tem medo de os discutir com Jorge Sampaio, perante todos os portugueses?

Aplausos do PS e do deputado independente Jorge Lemos.

Vozes do PSD: - Ah!...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chamo a atenção para o facto de se estar a ultrapassar, razoavelmente, o tempo regimental para os pedidos de esclarecimentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Primeiro-Ministro, não esperava que V. Ex.ª viesse ao Parlamento penitenciar-se pelo facto de aqui vir tão pouco nem pela circunstância de ter sido o único Primeiro-Ministro a não vir ao Parlamento aquando, por exemplo, da crise do Golfo, mas gostaria de ter visto o Primeiro-Ministro do meu pais fazer um acto de pedagogia cívica democrática, de valorização do Parlamento, como centro vital da democracia.

Vozes do PSD: - Então não foi isso que fez?!

O Orador: - Mas, de facto, V. Ex.ª não fez isso,...

Vozes do PSD: - Fez, fez!

O Orador: -... embora tenha falado, na sua perspectiva, de relações entre o Governo e o Parlamento. O que V. Ex.ª veio fazer foi, de novo, o exercício de autoglorificação do Governo e dar mais um passo na consumação de uma estratégia, que tem um objectivo muito claro: a tentativa de sobrepor o Governo aos outros órgãos de soberania, afirmar o primado do Governo como princípio e fim da actividade política, o que suscita uma primeira questão de regime.
V. Ex.ª veio ao Parlamento depois de uma mensagem dirigida à Assembleia da República pelo Sr. Presidente da República, no uso das suas competências. Essa mensagem é um alerta e convida-nos, a todos, a uma reflexão sobre um problema essencial da nossa democracia: o da liberdade e do pluralismo na comunicação social. E lançava um desafio para que, alterando o estatuto do serviço público da Radiotelevisão, se possa garantir a isenção e a independência necessárias ao normal funcionamento da nossa democracia.
A essa mensagem V. Ex.ª disse nada!

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - A mensagem era para a Assembleia da República!

O Orador: - A seguir à mensagem do Sr. Presidente da República, assistiu-se a um acto intolerável: ...

Protestos do PSD.

... um director de informação, de um serviço público, agravou o Sr. Presidente da República.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Agravou?!...

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O Orador: - E V. Ex.ª, como Primeiro-Ministro, nada fez, nada disse, o que suscita uma segunda questão de regime.
Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de saber se o Governo e V. Ex.ª estão ou não dispostos a responder ao desafio lançado pelo Presidente da República, porque entendemos que se nada se fizer, se nada se alterar, teremos uma terceira questão de regime: a genuidade da livre expressão da vontade popular, a genuidade das eleições, isto é, o problema essencial, a própria legitimidade democrática.

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Estão a preparar-se para perder as eleições!

O Orador: - Uma democracia, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Deputados, sem ser formalmente destruída, pode ser, pouco a pouco, degradada.
Não queremos, nem permitiremos, Sr. Primeiro-Ministro - e digo-o com toda a serenidade mas também com toda a firmeza -, que novos medos, novos conformismos e constrangimentos se instalem na sociedade portuguesa.

Vozes do PSD: - Quem não permite somos nós!

O Orador: - Não permitiremos que a nossa democracia se transforme numa caricatura de si mesmo e não estamos dispostos a consentir que na Europa a democracia portuguesa venha a transformar-se numa democracia de segunda.
V. Ex.ª exalta, como valor supremo, o valor da estabilidade. A estabilidade é um valor importante mas, para nós, o valor supremo, o valor de todos os valores, é o da liberdade.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sim!...

O Orador: - Foram colocados desafios sobre a questão essencial da isenção e da independência do órgão que tem a influência e o poder que tem hoje a televisão. Um desafio lançado pelo Sr. Presidente da República, que tem a legitimidade do sufrágio popular directo. Esse é um desafio para o Governo e para todas as forças políticas aqui representadas. Da resposta que for dada depende ou não o normal funcionamento das instituições democráticas; da resposta que for dada depende uma questão essencial, que é a da própria legitimidade democrática.

Aplausos do PS e do deputado independente Jorge Lemos.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Para que é que os senhores querem os inquéritos?!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Primeiro-Ministro, a sua intervenção foi também significativa por aquilo que entendeu não nos dizer. Mas este silêncio, porventura eloquente, acerca de algumas matérias essenciais, não nos impedirá de colocar-lhe algumas questões.
Ouvimos, recentemente, o Sr. Primeiro-Ministro dizer na Radiotelevisão que, afinal, o impacte dos fundos estruturais em Portugal não seria tão significativo como se pretenderia, uma vez que até agora apenas teriam entrado SOO milhões de contos, por via dos fundos estruturais. Se o Sr. Primeiro-Ministro perguntar ao Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, ele dir-lhe-á que, até agora, já entraram 850 milhões de contos através dos fundos estruturais. Dir-lhe-á mais do que isso: que a soma do investimento público, que tem sido tradicionalmente realizada pelo PIDDAC, através do Orçamento do Estado, tem sido igual à soma, ao volume, das verbas comunitárias que, em cada ano, chegam a Portugal, razão porque há enorme capacidade de aumento do investimento público em Portugal por via dos fundos comunitários.
Mas o Sr. Primeiro-Ministro também disse que o êxito da duplicação dos fundos estruturais se devia à capacidade negociai do seu governo na Comunidade Europeia.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - O que o Sr. Primeiro-Ministro não disse, e teria sido importante que o fizesse, é que a duplicação dos fundos estruturais se deveu a uma decisão comunitária, na medida em que a decisão de aprovação do Acto Único implicou, pela Comunidade, a definição da prioridade à realização da coesão económica e social, o que determinou o aumento, para o dobro, dos fundos estruturais comunitários.
Em consequência disso, o Sr. Primeiro-Ministro não explicou ao País, e seria interessante que o tivesse feito agora, como é que, apesar de tudo, seis anos volvidos sob a sua governação, dos 18 distritos do continente em 13 deles a população continue a envelhecer, o emprego a diminuir proporcionalmente, a taxa de formação da riqueza...

Risos do PSD.

Não se riam, Srs. Deputados. Não se riam, porque a invenção não é minha, faz parte de um relatório oficial do Ministério do Planeamento e da Administração do Território, e é aí que se pode ler que, justamente, em 13 distritos portugueses a população envelhece e a taxa de formação da riqueza continua proporcionalmente a diminuir.
Sr. Primeiro-Ministro, se o objectivo prioritário da Comunidade, ao duplicar os fundos estruturais, era o de realizar a coesão económica e social no espaço europeu, como responde V. Ex.ª perante a evidência de que a sua governação não logrou realizar, internamente, os objectivos da coesão económica e social? E não lhe parece, para quem tem posto tanta ênfase nos problemas do desenvolvimento, que esta circunstância, de terem aumentado em Portugal as desigualdades territoriais, está, manifestamente, a provocar o aumento das desigualdades sociais, embora este não seja o exemplo mais concludente do fracasso do Governo em matéria de desenvolvimento regional.
O Sr. Primeiro-Ministro não fica preocupado quando o índice dos salários, designadamente na indústria, era na década de 80 superior, em termos de rendimento real dos trabalhadores, àquele que ocorre neste momento? Como é que explica ao País que, num período de crescimento económico, que não contestamos, num período em que há mais investimento, o rendimento real dos trabalhadores, justamente no sector económico, onde tem existido maior investimento, esteja agora abaixo daquilo que existia no início da década? Não é este facto, testemunhado pelo relatório do Banco de Portugal, o facto mais eloquente do fracasso social das suas políticas?
Sr. Primeiro-Ministro, direi, como o meu camarada António Guterres, que estes problemas do desenvolvimento

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de Portugal são demasiado sérios, que exigem de V. Ex.ª a coragem política para assumir o confronto democrático e aceitar o desafio que os socialistas há muito lhe fizeram. Debata, perante o Pais, com o líder do meu partido e assuma, com o rigor, este conjunto de problemas.

Vozes do PSD: - Ele que venha aqui!

O Orador: - Aproveito, Sr. Primeiro-Ministro, para sublinhar que, da última vinda do secretário-geral do meu partido ao Parlamento, não houve, nessa ocasião, perante o debate político aqui travado, oportunidade de contar com a presença do Sr. Primeiro-Ministro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - O seu líder desapareceu logo!

O Orador: - Para concluir, sublinho que o tipo de reacção, extremamente nervosa da bancada do seu partido, de que o Sr. Primeiro-Ministro hoje é testemunha, ilustra bem as condições de trabalho político que a oposição leve ao longo desta legislatura.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Disparate!

O Orador: - Com efeito, na Assembleia da República, a oposição deu ao trabalho legislativo uma contribuição muito mais construtiva do que a que a maioria foi capaz de absorver; ou seja, a maioria não foi capaz de absorver positivamente as contribuições construtivas que, ao longo de quatro anos, tivemos ocasião de dar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Primeiro-Ministro, no balanço dos sucessos (para usar a sua expressão) deste seu hexanato, omitiu V. Ex.ª o traço mais relevante da obra feita.
Com efeito, V. Ex.ª é o grande e vitorioso gestor do servilismo. É essa a razão pela qual os indomáveis espíritos liberais de Portugal repelem na figura de V. Ex.ª a imagem de um estranho. Honro-me de pertencer a um universo cívico, que não é o de V. Ex.ª, e de pertencer V. Ex.ª a um universo feudal que não é o meu.

Vozes do PS: - Muito bem!

Risos do PSD.

O Orador: - Decerto me satisfaz que os valores do meu universo cívico - simbolizados nesta Casa - tenham corrompido a antecedente e resistente visão do mundo de V. Ex.ª É essa uma das mais maiores virtudes da democracia: seduz adversários, enrola-os na tolerância de que vive, atrai-os às regras do jogo eleitoral e parlamentar.
De facto, não há pequena alma de ditador, nem mesmo grande (tranquilize-se!), que resista a uma vitória eleitoral, análoga àquela que a V. Ex.ª foi oferecida em 1987.
Grave seria, contudo, a minha omissão se não observasse que as concessões de V. Ex.ª às liberdades públicas se medem apenas por palavras e por sorrisos. Nunca por obras e por acções.
Ora, nestas coisas, o que conta não 6 o que se diz; o que conta é o que se faz!

Vozes do PSD: - Está a fazer um discurso e não a pedir esclarecimentos!

O Orador: - Assim, o essencial na ocorrência é que V. Ex.ª logrou, do alto do seu universo senhorial, corroer e domesticar os valores cívicos de demasiados líderes de opinião do universo da democracia. Logrou e logrou lograr. São em número excessivo os conduzidos ao redil ou às prudentes cercanias. Outra não é a obra de V. Ex.ª: refeudalizar a sociedade portuguesa.

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Está noutro planeta!

O Orador: - E refeudalizou-a enquanto ela se modernizava à custa dos fundos comunitários e enquanto no mundo ruíam dezenas de ditaduras.

Risos do PSD.

Possuímos, hoje, uma vasta legião de sensibilidades feudais, como a de V. Ex.ª, em demasiadas chefias de serviço, de secção, de repartição e de divisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Onde é que está o pedido de esclarecimento?!

O Orador: - Os meus parabéns!

Vozes do PSD: - Muito obrigado!

O Orador: - Um liberal vencido, mas em nada convencido, pode desdenhosa e ironicamente saudar quem o venceu e quem domesticou a liberdade. Desde que o faça de pé, com altivez, sem curvatura e com sentido de humor. É o que ora acontece.
Uma esperança me anima, todavia. E parafraseando o que, neste hemiciclo, disse o deputado Miller Guerra, em 1973, sempre direi que vivemos tempos difíceis para o pluralismo, mas os valores da liberdade renascerão e vencerão.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - É uma vergonha!

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - E assim a tolice pode ser medalhada, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Primeiro-Ministro, o seu pedido para usar da palavra, no período de antes da ordem do dia, poderia traduzir uma mudança no seu estilo de relacionamento com a Assembleia da República, mas, neste momento, já podemos concluir que não aconteceu nada disso.
Na verdade, V. Ex.ª veio aqui mais para fazer um monólogo do que para dialogar com a Assembleia da República, isto é, com as bancadas da oposição.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Veio aqui falar. O que é que o Sr. Deputado está a fazer? Não está a falar também?!

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O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro veio aqui não para ter em consideração as posições defendidas pela oposição e para discutir as boas razões do Governo, mas para, mais uma vez, fazer a glorificação do Governo, mesmo quando elogia a Assembleia da República.
Na verdade, o Sr. Primeiro-Ministro não tomou em conta as queixas e as preocupações que quer o meu partido quer os outros partidos da oposição aqui tom veiculado em relação à situação política. Preocupações quanto à degradação da democracia política, às manifestações de autoritarismo e de abuso de poder, à situação que se vive no mundo laboral, designadamente quanto ao pacote laborai, às injustiças e ao agravamento das desigualdades, que, aliás, foi confirmado pelo relatório do Banco de Portugal, que desmente o que o Sr. Primeiro-Ministro acabou de dizer.
De facto, o relatório da gerência do Banco de Portugal, de 1990, diz: «Continuou a verificar-se uma perda do peso do factor trabalho na repartição do rendimento nacional, mas, em contrapartida, a poupança das sociedades conheceu um novo e assinalável aumento.»
Ora, é isto que temos vindo a dizer: verifica-se a acumulação da riqueza, de um lado, e o alastramento das zonas de miséria e de pobreza, no outro.
O Sr. Primeiro-Ministro disse ainda que esta foi a legislatura da estabilidade. E eu acrescento: da estabilidade, de facto, para as grandes fortunas e para os privilegiados da sociedade.
Com efeito, esta foi a legislatura das OPV e de todo um conjunto de dispositivos tendentes à concentração da riqueza. É esta a questão que sempre temos colocado, mas ainda não foi desta vez que o Sr. Primeiro-Ministro se dignou dedicar-lhe uma palavra.
E fez o mesmo em relação à situação de degradação que existe na área da saúde e aos escândalos do Ministério da Saúde. O Sr. Primeiro-Ministro também não dedicou uma palavra a estes aspectos, embora a maioria parlamentar do PSD tenha sufocado p inquérito parlamentar que se destinava a esclarecer a situação no Ministério da Saúde.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - Os escândalos continuam!
Por outro lado, é de referir também a situação caótica que se vive no ensino, com o problema do acesso ao ensino superior, que aqui tem sido constantemente focado pela oposição.
A situação ao nível da segurança social, com o problema das exíguas reformas e pensões, também aqui referido por nós veementemente. A nada disto o Sr. Primeiro-Ministro se referiu.
Em relação à democracia política, devo dizer que o simples facto de o Sr. Primeiro-Ministro não ter dito uma palavra sobre a mensagem do Sr. Presidente da República é significativo.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - A mensagem foi dirigida à Assembleia!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Os senhores o que querem é guerrilha institucional!

O Orador: - Existem regras, Srs. Deputados, e o Governo não pode vir ao Parlamento e ignorar um facto de tanta importância política, como é uma mensagem do Sr. Presidente da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Não é o Governo que aqui está, mas sim o Primeiro-Ministro!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, a situação de abuso de poder existe aqui mesmo na Assembleia da República, onde os direitos da oposição são frequentemente preteridos, mesmo os mais legítimos e até em matérias tão delicadas como, por exemplo, os inquéritos parlamentares. Mas V. Ex.ª passou sobre tudo isto, sem referir uma palavra, sem prestar um esclarecimento.
A vida parlamentar não é assim! Não é vir aqui fazer a glorificação do Governo e desconhecer totalmente os pontos de vista da oposição, pois o que dá vitalidade ao País é o diálogo e o debate, em que há pontos de vista diferentes. Em nosso entender, o pluralismo é isto, mas o Sr. Primeiro-Ministro, mais uma vez, não o praticou.
Reparo ainda que no balanço feito pelo Sr. Primeiro-Ministro há uma grande falha: o balanço da actividade do Primeiro-Ministro como agente parlamentar que também é e que, em muitos casos, não pode ser substituído.
Ora, o Sr. Primeiro-Ministro não participou numa única sessão de perguntas ao Governo, embora, algumas vezes, tivessem sido feitas perguntas que lhe eram directamente dirigidas; não participou numa única interpelação ao Governo; não presenciou um debate sobre inquéritos parlamentares; não apresentou qualquer proposta de lei do Governo, nem mesmo as mais importantes.
Durante todo o período da crise do Golfo não veio uma única vez à Assembleia informar os deputados e debater a situação com eles.
Além disso, não tem proporcionado e tem contrariado o envolvimento da Assembleia da República nas questões da integração europeia, quando se trata de algo que é manifestamente do interesse do País e que contribuía para reforçar a posição negociai de Portugal na CEE.
Em face de tudo isto, ouvimos, frequentemente dizer nos corredores da Assembleia, que o Sr. Primeiro-Ministro estava a precisar de ser multado, aliás, como acontece com os deputados do PSD, quando não são assíduos.

Risos do PSD.

Mas, Sr. Primeiro-Ministro, não lhe vou perguntar se veio hoje à Assembleia para evitar a multa ou se a sua vinda aqui hoje significa que vai ser mais assíduo.

O Sr. José Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado fale em coisas sérias!

O Orador: - Até ao termo dos trabalhos da Assembleia da República, vão ainda ler lugar duas interpelações: uma do PCP sobre questões de cultura, que, de alguma maneira, estão sob a sua tutela; e outra do Partido Socialista sobre questões de política geral. O Sr. Primeiro-Ministro vai participar nestas interpelações, como é seu dever e sua obrigação, tal como um primeiro-ministro deve fazer?

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado!

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Assim, é para nós evidente que há no nosso país um grande débito de debate político por parte do Primeiro-Ministro. Vai o Sr. Primeiro-Ministro continuar a recusar-se a ir à televisão debater a situação geral do País com os líderes da oposição e a fazer o balanço da política destes últimos quatro anos?

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Sr. Primeiro-Ministro, se a sua vinda hoje à Assembleia da República tem em vista disfarçar as manifestações de abuso de poder, de autoritarismo e de falta de respeito pela Assembleia da República, creio que é uma tentativa baldada. Na verdade, os partidos da oposição não deixarão que isso aconteça. Como também não deixarão que avancem as tendências para o autoritarismo e para o abuso de poder.
Estamos, Sr. Primeiro-Ministro, habituados a lutar pela liberdade, pela democracia e vamos continuar a fazê-lo, designadamente exigindo condições de igualdade para desenvolver um trabalho sério na Assembleia da República.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Primeiro-Ministro, em primeiro lugar, quero saudar V. Ex.ª por ter dado o ensejo ao Parlamento de, no termo da legislatura, socorrendo-se da figura regimental da declaração política, evitar um debate sobre a política geral ao ser chamado várias vezes pelas oposições.

Risos do PSD.

Mas, tendo V. Ex.ª gasto dezasseis minutos na sua intervenção e dispondo cada um de nós apenas de três minutos para pedir esclarecimentos, é manifesto e evidente que esta não é a altura adequada para debatermos em profundidade muitas matérias tratadas por V. Ex.ª
Sr. Primeiro-Ministro, um dos motivos da sua intervenção foi, e vai, naturalmente, continuar a ser durante a sua campanha eleitoral, o conceito de estabilidade, pelo que perguntaria se V. Ex.ª não sente algum pudor em falar de estabilidade, quando o PSD foi o principal responsável pela instabilidade antes de 198S. É que foi o PSD, com alguma colaboração e intervenção de V. Ex.ª, que destruiu a AD.

Vozes do PSD: - É só disparates!

O Orador: - Foi V. Ex.ª que, após ter assumido a presidência do seu partido, terminou com a estabilidade do bloco central, criando um clima de instabilidade que levou o País a novas eleições e novo governo.

Risos do PSD.

Deste modo, gostaria de saber se, em sua opinião, a instabilidade é boa quando é provocada pelo PSD e, principalmente, por V. Ex.ª, e se a estabilidade também só é boa quando tem à frente do Governo um primeiro-ministro como V. Ex.ª
Um outro aspecto tem a ver com o rol das grandes realizações levadas a efeito no âmbito da CEE. Neste campo, V. Ex.ª não pode invocar qualquer governo anterior, na medida em que Portugal entrou para a CEE numa fase decisiva, já no fim do governo do bloco central e, naturalmente, o único governo que leve a oportunidade de tratar das matérias relativas à CEE e de obter os fundos estruturais foi o seu, pelo que não há possibilidade de se fazer qualquer comparação com outros governos, uma vez que não tiveram tal experiência.
Gostaria ainda de salientar um aspecto que considero muitíssimo importante. Hoje, mais uma vez, V. Ex.ª não esclareceu esta Assembleia sobre a posição de Portugal quanto à questão da unidade política da Europa e como têm decorrido as negociações nas reuniões de chefes de Estado e de Governo. Não foi, de facto, dita uma única palavra sobre este problema, que é importantíssimo, até porque V. Ex.ª é o primeiro a dizer que está em causa a soberania e que temos de ser pragmáticos.
Repare que só temos conhecimento das posições que têm sido assumidas por V. Ex.ª pelos relatos impressos dos órgãos de informação da Comunidade, e V. Ex.ª, ao contrário do que fazem todos os outros chefes de governo, não informa a Assembleia da República dessas posições. Ora, como não estamos perante um assunto sectorial, V. Ex.ª não pode ser substituído por um qualquer ministro ou secretário de estado nessa informação a fornecer ao Parlamento.
Trata-se de uma matéria da responsabilidade pessoal e directa de V. Ex.ª, na medida em que é Primeiro-Ministro e é nessa qualidade que participa nas reuniões. No entanto, não se dignou vir aqui ao Parlamento dizer, pelo menos, ex post factum, que posições vem adoptando Portugal nesta matéria, como é que quer continuar a conduzir este problema e qual é o sentido (de diminuição, de transferência, de subsidaricdade) que o nosso país adopta em relação ao conceito da união política.
Deste modo, o que vai suceder é que toda a campanha eleitoral e todo o debate eleitoral, que vai ter lugar nos próximos três meses até às eleições, vai ser feito sem que todos os partidos políticos saibam, exacta e concretamente, qual é a posição de Portugal neste magno problema de transferências de soberania ou de unidade europeia. Será que estamos perante um segredo de Estado - da tal lei que lambem ainda não existe e pela qual, desde há dois anos, nos batemos?
São estas as questões que lhe deixamos, Sr. Primeiro-Ministro.
A terminar, gostaria ainda de salientar que estou certo de ir ouvir mais vezes a intervenção que V. Ex.ª proferiu hoje aqui, uma vez que a mesma foi filmada e gravada com vista a ser utilizada, certamente, durante o seu tempo de antena. Seria bom que as respostas dadas também fossem filmadas e gravadas para que o País, durante os meses em que ocorrer a campanha eleitoral, pudesse ficar a conhecer algo sobre a Comunidade Europeia.

Aplausos do CDS e do PS.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Primeiro-Ministro, gostaria também de começar por registar a sua presença nesta Assembleia, tão rara ela é, e ainda que ela se verifica em forma de despedida desta legislatura.

O Sr. João Amaral (PCP): - É um adeus português!

O Orador: - Veio hoje à Assembleia, talvez para tentar responder às críticas que têm sido feitas à sua ausência nesta Casa, mas. sem dúvida, o Sr. Primeiro-Ministro veio hoje a esta Assembleia, fundamentalmente, porque lhe faltava, para os tempos de antena, uma gravação em que estivesse a falar, ali daquela bancada. A comprovação está ali, naquela galeria, toda a gente pode ver. Foi esse o objectivo fundamental.

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O Sr. João Salgado (PSD): - Então e as montagens?!

O Orador: - De qualquer modo, Sr. Primeiro-Ministro, embora em tom mais moderado do que o que tem usado em algumas aparições na televisão, V. Ex.ª voltou a fazer um discurso em que, fundamentalmente, omite situações e factos e, além disso, distorce-os.

A Sr.ª Maria da Conceição Castro Pereira (PSD): - Dê exemplos!

O Orador: - Os exemplos aqui vão, Sr.ª Deputada, não tenha pressa!
Sr. Primeiro-Ministro, ainda há pouco V. Ex.ª acabou de afirmar que o povo e a Assembleia irão recordar esta legislatura. Pelo contrário, diria que esta legislatura foi um período de dolorosa experiência para o povo português e para a democracia política.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - É a cassette!

O Orador: - Refere o Sr. Primeiro-Ministro que durante esta legislatura, isto é, durante este anos do seu governo, nos aproximámos do nível de desenvolvimento de outros países comunitários.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Tem feito esta afirmação variadas vezes. O Sr. Primeiro-Ministro sabe que esta afirmação não é verdadeira, nem sequer tem um fundo de verdade.
V. Ex.ª sabe que, em termos do indicador que é usado pela Comissão das Comunidades, o PIB/habitante, e em paridade com o poder de compra, afastámo-nos da Espanha e da Irlanda.
Em termos de investimento, o Sr. Primeiro-Ministro tem consciência da inverdade daquilo que afirmou, ou seja, de que fomos o país cuja taxa de investimento foi maior no âmbito da CEE. Sabe, por exemplo, que, durante o período dos primeiros cinco anos, fomos largamente ultrapassados pela Espanha e, nos dois últimos anos, pela Irlanda e, no ano de 1990, pela própria República Federal Alemã. Tudo isto, Sr. Primeiro-Ministro, quando precisamos muito mais de investimento do que esses países.
Na realidade, Sr. Primeiro-Ministro, esta foi uma legislatura do agravamento das desigualdades.
É um facto indesmentível a desigualdade existente na distribuição do rendimento nacional!
Também é facto que foi nesta legislatura que aumentou a precaridade do emprego. Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro conhece a diferença que existe entre a percentagem de criação de postos de trabalho e a criação de trabalho efectivo e sabe que isso significa a precaridade no emprego, o emprego em pari time. Essa situação não resulta de uma opção dos Portugueses, mas, sim, do facto de eles não conseguirem arranjar emprego em full time.

Vozes do PSD: - Isso não é verdade!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro sabe que foi durante esta legislatura que o sector da habitação teve uma quebra brutal, em que se degradaram as condições de habitação, em que se construiu menos, em que se passou a conceder menos crédito, em que os jovens passaram a ter cada vez mais dificuldade no acesso à habitação.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - É o discurso do Avante de há 40 anos!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro sabe que foi nesta legislatura que se avançou com o processo de privatizações, que, para além de estar a defraudar interesses nacionais, tem sido feito com completa falta de transparência e com a recusa de o Governo fornecer elementos que lhe foram solicitados, não só pelos deputados como também pela própria Comissão de Economia, Finanças e Plano!
Foi durante esta legislatura que o Governo Português tomou as posições mais retrógradas em relação à Carta Social Europeia!
É, de facto, durante esta legislatura que Portugal corre o sério risco de perder muitas dezenas de milhões de contos de fundos comunitários, porque o Governo é ineficaz e incapaz de os utilizar - veja-se o caso concreto da OID da Península de Setúbal, em que, da despesa pública que era prevista realizar em relação à autorização de fundos do FEDER para 1990, a taxa de utilização foi apenas de 8 %!
Esta é a legislatura em que há fortes contradições entre as políticas monetárias prosseguidas pelo Banco de Portugal e pelo Governo. Ainda há poucos dias tivemos um exemplo desta situação: depois de o governador do Banco de Portugal ter anunciado e ameaçado que se não travassem a entrada de fundos para a compra de títulos públicos tomaria medidas sobre os bancos, o Governo, dois dias depois, veio à Assembleia da República aprovar uma redução da taxa do imposto que incide sobre os rendimentos dos títulos públicos adquiridos por estrangeiros.
Esta foi, de facto, uma legislatura para esquecer!
Com as propostas de lei de bases da protecção civil e do segredo do Estado que o Governo apresentou na Assembleia da República, com o pacote laborai (que quer aprovar amanhã) esta é, de facto, uma legislatura contra a democracia, contra os interesses dos Portugueses!
É, pois, uma legislatura que os Portugueses vão esquecer muito rapidamente!
Durante esta legislatura o Sr. Primeiro-Ministro veio poucas vezes a esta Assembleia. Esperamos vê-lo mais assiduamente a partir de Outubro, naquelas bancadas, onde hoje se sentam os deputados que o apoiam.

Aplausos do PCP e do deputado independente Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço as questões que tiveram a gentileza de me colocar e que se interpenetram umas nas outras; no fundo, não são substancialmente diferentes e, por isso, vão permitir-me que as agrupe por assuntos.
Gostaria de começar por dizer que este já não é o tempo para as «miudezas», para a pequenez, para as tricas, para as questões mesquinhas! Este é o tempo - e foi esse motivo que me trouxe aqui - para sublinhar o acontecimento histórico, no nosso país, embora normal nos outros países, de uma legislatura completar o seu período normal e de esta ter permitido desenvolver um trabalho notável. Por isso, discordo frontalmente daquilo que o Sr. Deputado Octávio Teixeira acabou de dizer.

Aplausos do PSD.

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É tempo de sublinhar o trabalho notável - que ficará na história! - realizado por esta Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo apresentou a esta Assembleia 143 propostas de lei, que foram aprovadas e convertidas em lei; dessas 143 houve 51 que foram aprovadas por unanimidade, Srs. Deputados!

Aplausos do PSD.

Repito, Srs. Deputados, que, de entre 143 propostas de lei, esta Câmara aprovou 51 por unanimidade e 22 com a aprovação da maioria e a abstenção da oposição, portanto sem votos contra.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Ponham isso no Avante!

O Orador: - Com os votos do PSD, do PS e do PCP foram aprovadas 7 e com o voto simultâneo do PSD e do PS 14.
Quer isto dizer, Srs. Deputados, que dos 143 diplomas apresentados pelo Governo dois terços foram aprovados com uma maioria bem superior àquela que apoia o Governo!

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, não é a quantidade que vai marcar, na história, esta legislatura, mas, sim, a qualidade e a profundidade das reformas a que os Srs. Deputados tiveram a honra de ficar associados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De facto, tenho de me congratular com o trabalho notável realizado ao longo destes quatro anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma outra questão que foi aqui colocada - e que eu já tinha abordado na minha intervenção - diz respeito à presença do Governo no Parlamento. O Governo esteve aqui presente, Srs. Deputados! Compete ao Governo determinar, com a oposição, o tipo da sua presença, mas quero aqui recordar que, ao longo destes quatro anos, verificaram-se 705 presenças de membros do Governo nesta Assembleia, o que não tem comparação alguma com qualquer período similar da nossa história democrática!

Aplausos do PSD.

Estamos a discutir o funcionamento da democracia em Portugal, desde que a conquistámos em pleno.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados da oposição, calculem este ratio simples entre sessões realizadas e a presença de membros do Governo nesta Casa!...
E, mesmo quanto à presença do Primeiro-Ministro na Assembleia da República, agradeço que façam a comparação com todos os outros primeiros-ministros em período similar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os Srs. Deputados esquecem-se de uma coisa que, aliás, tive ocasião de verificar: nesta Câmara tiveram lugar debates sobre o Orçamento do Estado que, desde o primeiro até ao último dia, só contaram com a presença do Secretário de Estado do Orçamento! Nem tão-pouco tiveram a presença do Sr. Ministro das Finanças... Ora, nunca o Primeiro-Ministro deste Governo faltou ao debate do Orçamento do Estado!

Aplausos do PSD.

Ou os Srs. Deputados de vocação economista esqueceram-se de que passaram aqui, inclusive com governos com o apoio maioritário desta Câmara, orçamentos sem a presença, no Plenário, do Sr. Ministro das Finanças?
É esta democracia e o seu funcionamento que nos interessa discutir!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tal como disse na minha intervenção, compreendo as críticas aqui apresentadas, porque é normal que a oposição as faça. Mas, para tristeza da oposição, os dados objectivos vão contra os seus próprios argumentos!
Agora, depois de tudo o que realizámos, creio que ainda há muito para aperfeiçoar, mas têm de reconhecer, Srs. Deputados - sobretudo os do PCP -, que já percorremos um caminho importante e que o fizemos no bom sentido. Por isso, disse que «estamos no bom caminho»!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Penso também que este é o tempo para sublinhar o apreço e o respeito que hoje, no mundo inteiro, é consignado ao nosso país. Os Srs. Deputados sabem muito bem que dos mais diversos locais, das mais variadas personalidades, das mais diferentes instituições chegam palavras de grande apreço, de elogio e de respeito por aquilo que os Portugueses fizeram nos últimos anos. Por isso, penso que esta é a altura de reafirmar, nesta Câmara, o País novo, o País renovado, o País confiante que somos hoje!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isso pode custar a alguns, mas é a realidade!
Os Srs. Deputados até podem estar angustiados com os números relativos à evolução do emprego - e compreendo a angústia que o Sr. Deputado revelou!... Talvez estejam também angustiados com a evolução dos números sobre a mortalidade infantil, sobre a esperança de vida, sobre a evolução do investimento, sobre o rendimento per capita!...
Deve ser uma angústia terrível abrir o Diário de Notícias e ler: «Relatório da ONU diz que Portugal é o país de maior crescimento de rendimento per capita de todo o mundo!»
Compreendo a vossa angústia, Srs. Deputados!

Aplausos do PSD.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso é só o título, Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - Que angústia não será andar, tempos e tempos, a dizer que o Governo é autoritário, que o Go-

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verno não dialoga, que o Governo é arrogante e depois ser ele o único que consegue realizar três acordos de concertação social...

Aplausos do PSD.

... classificados de «históricos». Terão sido assim classificados por mim? Não, Srs. Deputados! Foram-no, sim, pelos parceiros da Europa comunitária e pelos parceiros sociais deste país, incluindo a UGT.
Mas passaria pela cabeça de alguém que estas confederações assinassem acordos de concertação social com o Governo se não vissem nele o portador do crescimento económico, da melhoria do bem-estar, da justiça social? Até a própria Intersindical só não os assinou - e confessa-o indirectamente! - por meras razões político-partidárias!

Aplausos do PSD.

Aos deputados que colocaram questões sobre justiça social, sobre desequilíbrios regionais, diria o seguinte: os indicadores que são hoje universalmente aceites estão à vossa disposição. Não quero maçá-los com esses números, porque, repito, são muito objectivos e estão à disposição de todos. Os Srs. Deputados devem fazer, em relação a todos os aspectos, uma comparação entre a «fotografia» do País de hoje e a «fotografia» do País de há alguns anos atrás. É assim que tem de ser, Srs. Deputados! Quem contesta que existem hoje situações intoleráveis no nosso país? É claro que nós e todos os partidos estamos insatisfeitos.
O que interessa saber é se esta política é ou não correcta e para isso temos de fazer a comparação com o ponto de partida. Ao chegarmos ao fim desta legislatura, uma vez que estamos no fim de um período e a partir para outro, é legítimo, é correcto, é sério fazer a comparação com o ponto de partida. Não é dizer que existe hoje pobreza em Portugal. Com certeza que existe, Srs. Deputados, mas ela também existe em Espanha, em França, na Inglaterra, nos Estados Unidos!
O que nos interessa saber, Srs. Deputados, é se a situação de justiça social era pior ou melhor há quatro anos atrás.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os indicadores estão à vossa disposição, não os vou maçar com eles, até porque, se o fizesse, logo mencionariam o meu «ar professoral»...

Risos do PSD.

Como sabem, conheço-os todos e só não os refiro porque cies são óbvios!
Quanto às desigualdades sociais, peço ao Sr. Deputado António Guterres para visitar um único distrito: o seu! Quem diria há uns atrás que o distrito de Castelo Branco poderia ser um distrito industrializado? Quem diria há uns atrás que este distrito poderia ser um forte pólo de crescimento económico de uma região? Vá lá, Sr. Deputado, e veja as indústrias instaladas, os empregos criados, as vias de comunicação e todos os indicadores normais da redução de desequilíbrios - a educação, a formação profissional, a saúde e aquilo que o senhor quiser - e depois faça a comparação com o ponto de partida!

Aplausos do PSD.

Hoje voltámos a ouvir muita coisa sobre os fundos estruturais. Este assunto quase que dava para uma dissertação.
Mas, quanto aos fundos estruturais, também não necessito de defender o Governo. Basta os senhores consultarem aquilo que dizem o presidente e os
vice-presidentes da Comissão e os comissários.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Leia os relatórios!

O Orador: - E não me digam que nós temos qualquer influência particular sobre essas pessoas. Sabem, com certeza, que não temos nenhuma. Eles são objectivos e não têm interesse político-partidário aqui, neste país, para ganharem eleições, para denegrirem os partidos da oposição... Eles têm dados objectivos e falam com base nesses dados.
Certamente que não dizem sempre que a economia portuguesa está uma maravilha. Mas o que dizem - e isso todos têm dito - é que Portugal tem sido um exemplo, dentro da Europa comunitária, na utilização dos fundos. E isto é dito em privado, é dito em público e é referido nas conferências de imprensa.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Não é verdade!

O Orador: - Bem, eu admito que o Sr. Deputado tenha opiniões divergentes e respeito-as muito, mas o senhor sabe muito bem que os relatórios que hoje se publicam no mundo...

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Ele só sabe dos relatórios do Avante!

O Orador: -... sobre Portugal têm todos um traço comum: é que elogiam substancialmente os resultados conseguidos em Portugal nos últimos anos, sem paralelo com o que aconteceu ao longo da nossa história. Não têm comparação, nem vaie a pena entrar em pormenores, porque, no fim de uma legislatura, já não é tempo para isso. Mas, Srs. Deputados, já agora não resisto, até porque sabia que me iam falar na mensagem do Sr. Presidente da República.
O debate já ocorreu aqui, na passada sexta-feira, e com certeza que vai continuar. Não é o Primeiro-Ministro que vai entrar num debate que pertence aos senhores, mas deixem-me que saliente apenas dois princípios, quanto a nós essenciais, que sempre respeitámos e vamos continuar a respeitar.
Por isso, só indirectamente é que os senhores os podem ligar à mensagem do Sr. Presidente da República porque o debate é vosso. Os senhores é que o vão continuar a fazer, vão fazer inquéritos... Façam tudo isso.
Desde que assumi a função de Primeiro-Ministro, sempre defini como orientação principal em relação à comunicação social a não interferência e a redução do peso do Estado.
E aqui desafio todos os Srs. Deputados a convidarem os jornalistas que quiserem a dizer quantas vezes este Primeiro-Ministro ou este Governo fez pressões para que eles fizessem isto ou aquilo. E pecam-lhes também que façam a comparação com períodos anteriores ao meu governo.

Aplausos do PSD.

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Prezo muito a minha independência, em frente de todos e também dos órgãos da comunicação social. E, por isso, desafio qualquer pessoa a vir dizer se, alguma vez, este Primeiro-Ministro, pessoal, telefónica ou telegraficamente, lhes mandou alguma mensagem para fazerem isto ou aquilo.
Isto que estou a dizer é extensivo a qualquer membro do Governo.
O outro princípio é o da autonomia dos conselhos de gestão. Iniciei a prática desse princípio em relação a gestores da comunicação social e de outras empresas públicas.
Com efeito, já desta Casa partiram apelos para que o Primeiro-Ministro fizesse intervenções na comunicação social em relação ao conteúdo de programas ou de notícias.
Nunca o fiz e nunca o farei!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Façam os pedidos que quiserem nunca o farei, porque entendo que tenho o direito de discordar dos programas da televisão mas não o direito de interferir. Não sei se o meu julgamento é melhor que o de outros, incluindo o dos Srs. Deputados.
O Ministro da pasta, julgo, só utilizou o poder de exonerar um gestor em relação a um matutino que hoje também já não é do Estado, e os senhores sabem muito bem porquê.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nunca um gestor foi exonerado por conteúdo de notícias. E não o será enquanto eu for Primeiro-Ministro.

Aplausos do PSD.

Pode sê-lo por gestão financeira da empresa, pode sê-lo por demitir um director do jornal sem, ao menos, dar um telefonema ao Ministro da pasta, mas nunca por aquilo que diz o jornal A ou o jornal B, o canal C ou o canal D. Isso nunca se verificará. Este é um princípio de que não abdico.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Foi assim. Podem discordar e eu aceito que discordem, mas entendo que o Primeiro-Ministro tem o direito de não ver os programas da televisão, tem o direito de não ver os telejornais, tem o direito de fazer o que entender em relação aos programas da televisão e, por isso, não é ele o árbitro nesta matéria. A lei é que diz quem é o árbitro.
Por isso, surpreende-me que, muitas vezes, cheguem desta Casa apelos que são ilegais!

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Querem que o Primeiro-Ministro determine a readmissão do funcionário A ou B! Mas quem é que, nesta Casa, pode dizer que isto é legal?
Querem que o Primeiro-Ministro determine que o Herman José volte à televisão! Mas quem é que se atreve a dizer que isto é legal?
Querem que o Primeiro-Ministro demita um director de informação! Mas quem é que se atreve a dizer que isto é legal?
Isto é uma profunda ilegalidade!

Aplausos do PSD.

Outro ponto aqui levantado, aliás de forma simpática, pelo Sr. Deputado António Guterres, refere-se ao debate ou debates - uns utilizam o singular, outros preferem o plural.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - O Sr. Primeiro-Ministro não gosta?!

O Orador: - Srs. Deputados, acho que as pessoas devem subir pelos seus próprios méritos, pelas suas próprias capacidades. Eu demonstro as minhas no Governo e os outros demonstram as suas noutros sítios!

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Que grande modéstia!

O Orador: - Já aquando das eleições presidenciais ouvia dizer: «Agora vamos subir à custa do Sr. Presidente da República! Agora quero subir à custa do Primeiro-Ministro!»
Já é obsessão por subir à custa dos outros!

Aplausos do PSD.

Cada um tem de revelar, no local próprio, as suas próprias capacidades, os seus próprios méritos e afirmar-se pelo que vale.
As eleições presidenciais são as eleições presidenciais, o Primeiro-Ministro é o Primeiro-Ministro, cada líder presidente da câmara é o presidente da câmara, enfim, cada um no seu lugar. Assim é que está bem.

Risos do PSD.

Por último, vou fazer uma referência pessoal, mas o Sr. Deputado Narana Coissoró permita-me que o faça porque tenho de lhe agradecer a sua intervenção. Agradeço--lhe porque não esperava a ajuda que me deu sobre as quedas dos governos anteriores.
Como sabe, cada eleição é um julgamento, cada eleição é um mandato renovado. Ora. o senhor disse que precisamos de uma maioria clara de um partido, porque quando se trata de um governo de coligação ou de um governo minoritário acabam por cair mais tarde ou mais cedo.
Agradeço-lhe, portanto, o apoio, porque penso exactamente a mesma coisa.
Portugal precisa de uma maioria muito clara!

Aplausos do PSD.

Portugal, repito, precisa de uma maioria muito clara para, neste mundo complexo e de dificuldades em que vivemos, enfrentar os grandes desafios que tem pela frente, quer sejam em resultado da integração na Europa Comunitária, quer sejam em resultado das mudanças em África, quer sejam ainda as sequelas do Golfo, quer sejam em resultado das mudanças do Centro e do Leste da Europa... Nunca falei na União Soviética hoje, já reparou?!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não convinha!

Risos do PSD.

O Orador: - A minha postura dialogante vai até esse ponto!
Falei no «muro» mas eram «muros» referidos a preconceitos culturais e sociais! Foram tabus, foi uma expressão genérica.

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Por isso, quero, de facto, agradecer aos Srs. Deputados esta oportunidade que me deram de poder esclarecer mais um pouco, com certeza que insuficientemente. De qualquer modo, devo salientar que nunca faltaram aqui membros do Governo, até em relação à crise do Golfo e à União Política de que também falou.
Como sabe, tive conversas com os líderes partidários sempre que ocorreram cimeiras e fui eu que vim a esta Câmara aquando do debate sobre a União Política. Fui eu que estive aqui. E fui precisamente o primeiro a dizer a opinião clara que entendia dever ser defendida nas conferências da União Política. Mais: estive aqui presente em todos os debates sobre a Comunidade Económica Europeia e o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Secretário de Estado e o Ministro da Defesa foram às Comissões todas as vezes que foram solicitados.

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Já se esqueceram!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Já modificou essa opinião!

O Orador: - Por isso, Srs. Deputados, desejo um resto de sessão frutuosa, tão alegre quanto possível, e àqueles que não conseguirem regressar, paciência!
Cá nos encontraremos no próximo ano!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres inscreveu-se para que efeito?

Sr. António Guterres (PS): - Para defesa da consideração da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Helena Roseta pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra para?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para defesa da consideração da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Narana Coissoró pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para um leve protesto, Sr. Presidente, mas não sei se o novo Regimento...

O Sr. Presidente: - Não, não, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Então é para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem, nós temos lido regras quer para os tempos de intervenção, quer para os tempos de perguntas e respostas, quer para as defesas da consideração e, neste caso, os tempos são mais rigorosos.
Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, não vou referir-me as coisas mesquinhas e às miudezas mas gostaria de focar três pontos essenciais.
A primeira questão é sobre a comunicação social.
Sr. Primeiro-Ministro, não sei nem preciso saber quantos telefonemas faz por dia para a televisão ou para os jornais estatizados. Não sei. E digo-lhe mesmo mais: era preciso que o Sr. Primeiro-Ministro fosse - desculpe o vulgarismo - muito azelha para ter de telefonar!

Risos.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - São os considerandos do Dr. Mário Soares!

O Orador: - Pois se todas as pessoas que lá estão foram postas por si e são da sua confiança, se todas as relações de dependência funcional são em relação ao Governo, por que é que ainda era preciso telefonar? É manifesto que não é necessário fazer mais telefonemas.
Mas mais grave do que isto, Sr. Primeiro-Ministro,...

O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Está a pensar na EMAUDIO!

O Orador: -... é que o PSD não está a fazer isto apenas nos órgãos da comunicação social que estão e permanecem no espaço, mas está a fazer de tal maneira que, ao utilizar o mecanismo da privatização para colocar meios de comunicação social, que eram públicos, nas mãos de grupos ligados ao próprio PSD, o PSD está a criar condições para que o Sr. Primeiro-Ministro não tenha de telefonar, mesmo quando deixar de ser Primeiro-Ministro, para esses órgãos de comunicação social.

Aplausos do PS.

E é por isso, Sr. Primeiro-Ministro, que a única coisa séria que interessa discutir é se está ou não V. Ex.ª disposto a alterar os estatutos dos órgãos de comunicação social estatizados para que os conselhos de gestão não sejam pura e simplesmente nomeados pelo Governo!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é bem a figura da defesa da consideração que está a usar.

O Orador: - Sr. Presidente, não tenha medo porque o Sr. Primeiro-Ministro sabe-se defender muito bem!

Protestos do PS.

Risos do PSD.

Portanto, a questão essencial é saber se entende ou não dever alterar os estatutos desses órgãos para que nenhum governo, este ou outro qualquer, no futuro - as tentações são grandes e outro governo, mesmo o nosso, pode ter as mesmas tentações-,...

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Está a pensar na EMAUDIO!

O Orador: -... esteja em condições de manipular esses órgãos da comunicação social.
Esta é que é a questão decisiva.
O Sr. Primeiro-Ministro fala essencialmente de três coisas em apoio do seu Governo: estabilidade, crescimento e as coisas estão melhor - é o seu discurso codificado.

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A estabilidade não é mérito do PSD, que é, isso sim, seu beneficiário.

Protestos do PSD.

A estabilidade é mérito do País que deu uma maioria absoluta a um partido e que nas próximas eleições a irá dar a outro - assim o espero. A estabilidade é ainda mérito do Sr. Presidente da República que assegurou condições de estabilidade institucional impecáveis.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Quanto ao crescimento, é claro que tinha de haver algum...

Protestos do PSD.

Sr. Presidente, V. Ex.ª que se indigna com o que digo, faça favor de se indignar também com a sua bancada.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

A sua bancada não permite que se discutam seriamente estas questões.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - É uma vergonha!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quero dizer-lhe duas coisas. A primeira é que tenho chamado, regular e genericamente, a atenção de todas as bancadas quando há ruído, porque, como V. Ex.ª sabe, não é apanágio da bancada X, Y ou Z fazer barulho.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A segunda questão é que, embora não renegue e afirme publicamente que sou membro do PSD, não estou aqui nessa qualidade e, portanto, a sua observação não vem a propósito.

Aplausos do PSD.

E, já agora, se me permite, uma vez que fez um reparo e apesar da amizade que tenho por si, sempre lhe digo que lambem me assiste o direito de julgar se a figura da defesa da honra e da consideração está a ser convenientemente utilizada, independentemente da responsabilidade ou da capacidade do respondente.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Da bancada!

O Sr. Presidente: - Dito isto queira terminar dentro do tempo normalmente atribuído a essa figura.

O Orador: - Sr. Presidente, é na qualidade de presidente desta Assembleia que eu gostaria de o ver sempre. E com isto termino esta observação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quero ainda, e para concluir, dizer ao Sr. Primeiro-Ministro que há muitas coisas que estão melhor porque tinham de estar. Só que. no essencial, isso não é mérito deste Governo.

Protestos do PSD.

É mérito de um conjunto de circunstâncias que, como V. Ex.ª muito bem sabe, têm sido totalmente favoráveis a Portugal. E o que lhe dizemos é que podiam estar ainda melhor e, sobretudo, melhor de uma forma mais justa para todos os portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como sabe, há aquele famoso exemplo da galinha: quando um português come uma galinha inteira e outro não come nada, em média, cada um come meia galinha. Quer dizer, há muitos portugueses que, ao ouvirem dizer que tudo está melhor, olham para a sua própria vida e ficam preocupados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:-Aliás, V. Ex.ª deu um exemplo do meu distrito e, de facto, há algum crescimento nos concelhos de Castelo Branco e Fundão mas que se deve mais à acção local do que à do Governo.

Risos e protestos do PSD.

Cito-lhe alguns exemplos do que o Governo devia fazer: reestruturação dos têxteis da Covilhã, onde a acção do Governo foi limitadíssima; IP2, cuja construção está atrasadíssima; regadio da Cova da Beira, que foi adiado para as calendas.
O que o Governo devia fazer, infelizmente, não tem feito!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos debates, quero dizer o seguinte: o debate entre o líder do Governo e o líder da oposição não é um exercício de subir a pulso, mas sim uma exigência democrática, que, aliás. V. Ex.ª fez quando não era primeiro-ministro e quando entendeu, como candidato, que tinha o mesmo direito que os outros candidatos a fazer debates na televisão.
Aí, Sr. Primeiro-Ministro, valia a pena seguir o exemplo do Dr. Mário Soares que, embora sendo Presidente da República, nunca se recusou ao debate com candidatos em relação aos quais as sondagens davam valores extremamente baixos nas eleições presidenciais. No entanto, ele fez questão de debater com todos os seus opositores porque esse era um exercício salutar da democracia, porque essa é a lição que um homem de Estado democrático deve dar e que outro homem de Estado democrático deve seguir.
Aplausos do PS e do deputado independente Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, é possível responder no fim?

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, há já um precedente de agregação de respostas às defesas da honra e da consideração, mas o Regimento aconselha a que seja dada resposta uma a uma.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença?

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, no exercício da flexibilidade que reivindicamos num debate como este, deve ser concedida ao Sr. Primeiro-Ministro a possibilidade de responder no fim de todas as interpelações.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, para defesa da honra e consideração da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-Ministro: A minha intervenção tem por objectivo repor a verdade em relação a alguns pontos.
No entanto, antes de o fazer, quero dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que o facto de o Governo se recusar a discutir, na Assembleia da República e com as oposições, a questão das desigualdades de uma forma séria e responsável revela, quanto a mim, que se, por acaso, o PSD continuasse no Governo este problema não teria mais solução e teria continuado o agravamento.
Esta é a conclusão que tiro das suas palavras.
Falemos agora da reposição da verdade. Quanto às leis aprovadas por unanimidade, era importante que o Sr. Primeiro-Ministro citasse os títulos das leis aprovadas só pelo PSD. Esse seria um exercício interessantíssimo e esclarecedor acerca das leis que o PSD impôs ao País, ...

Vozes do PSD: - Impôs?!

O Orador: -... apesar do combate do conjunto da oposição.

Protestos do PSD.

É claro que outras não «passaram», e estou a lembrar-me da lei eleitoral e da lei do segredo de estado, que será provavelmente discutida noutra legislatura e com uma base completamente diferente.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, cite também as votações em relação aos inquéritos parlamentares que consubstanciam alguns dos factos mais graves que ocorreram na presente legislatura. Isto é, o sufocamento do esclarecimento da verdade política que era o objectivo nos diferentes inquéritos parlamentares aos quais o PSD impôs abrupto termo e a aprovação de relatórios que tiveram a oposição do conjunto das oposições.
Finalmente, Sr. Primeiro-Ministro, quero dizer-lhe que na nossa história parlamentar, após o 25 de Abril, não há nenhum caso em que o Primeiro-Ministro tenha estado seis meses sem vir à Assembleia da República e sem participar nos debates. Isto é que é significativo!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Mas isso não é assim!

O Orador: - Relativamente aos debates, creio que o que diz é uma ingratidão e é preocupante. É uma ingratidão porque o Sr. Primeiro-Ministro reconhece que subiu à custa dos que eram líderes políticos em 1985, os quais, como reconhece, lhe «deram a mão» e V. Ex.ª subiu ...

Vozes do PSD: - Ninguém disse isso!

Protestos do PSD.

O Orador: -... para essa categoria de líder partidário.
V. Ex.ª reconhece esse facto e, no entanto, agora entende que debater com os líderes da oposição é estar a permitir que eles subam. Permita-me que lhe diga, Sr. Primeiro-Ministro, que, como critério democrático, isto é complicado. Aliás, eu creio que V. Ex.ª não encontrará disto exemplos em parte alguma e que esta sua afirmação seria curiosamente comentada pelos tais comentadores internacionais que, segundo afirmações suas, tanto elogiam o Governo.
Como nota final dos nossos debates saliento que esta afirmação do Sr. Primeiro-Ministro corrobora todas as preocupações que temos manifestado quanto ao futuro da democracia portuguesa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para a defesa da consideração entre aspas, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Aspas?!... Aspas porquê?

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Ele próprio disse entre aspas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Primeiro-Ministro, começo por lhe dizer que não nos sentimos ofendidos, mesmo quando, arrogantemente, omitiu as votações do CDS nas suas estatísticas sobre quem votou o quê. Não nos ofende este desconhecimento propositado que V. Ex.ª quis demonstrar quanto à minha bancada mas, de qualquer modo, também não precisamos de números para dizermos da nossa independência porque sempre votámos da forma que entendemos ser a melhor para servirmos o interesse do País, segundo a nossa óptica.
Relativamente às coligações, antes do 25 de Abril dizia-se que a democracia não servia para Portugal, que éramos diferentes dos outros países europeus, pelo que não podíamos vestir o mesmo fato que os outros usavam e por aí adiante...»
Hoje V. Ex.ª vem com esta mesma história mas contada de maneira diferente. Vem dizer-nos que Portugal, ao contrário dos outros países europeus, não pode ter governos de coligações. Ora, se o Sr. Primeiro-Ministro reparar, por toda a Europa as coligações garantem por tempo de legislatura inteiro, o progresso social, a estabilidade governativa e a estabilidade das políticas. Aliás, o que estará mal é que V. Ex.ª talvez não sabe ou não quer trabalhar em coligação, mas isso será um problema pessoal, seu, não é problema político deste país.
Aplausos do PS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Jorge Lemos.
E, se for assim, teremos de mudar de primeiro-ministro à frente das coligações - aliás, V. Ex.ª já disse que não seria primeiro-ministro à frente de uma coligação.
Em segundo lugar e quanto ao próprio conceito de estabilidade, V. Ex.ª confunde o País quando fala em estabilidade das pessoas em vez de falar da estabilidade das macropolíticas. Isto é, o que o País precisa é da esta-

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bilidade de determinadas políticas, como, por exemplo, face à CEE, a política externa, a política de defesa, ao núcleo duro da política económica, etc.
Por outras palavras, o Pais não pode mudar de quatro em quatro anos aquilo que é o núcleo duro dos grandes consensos sobre progresso e desenvolvimento social. É esta estabilidade das políticas que é necessária e não a estabilidade das pessoas, ido a estabilidade de um partido. V. Ex.ª quer confundir o Pais dizendo que a estabilidade de que o País precisa, que a classe média precisa, que a sociedade civil exige, não é a das políticas de consenso, mas antes a estabilidade das pessoas. Não é assim, as pessoas vão e vêm e os cemitérios estão cheios de pessoas insubstituíveis, como dizia De Gaulle.
Aliás, da única coisa que V. Ex.ª tem de convencer o País é que paia Portugal ser digno de integrar a Europa precisa de políticas de estabilidade e não estabilidade desta ou daquela pessoa ou mesmo de um partido, como V. Ex.ª quer incutir durante a campanha eleitoral.
Em terceiro lugar, Sr. Primeiro-Ministro, é verdade que V. Ex.ª veio cá há uns sete ou oito meses falar sobre a União Europeia mas sabe que depois disso «muita água correu debaixo das pontes». V. Ex.ª sabe muito bem que decorre na Europa um debate com bastante urgência sobre a unidade política e o País, esta Assembleia da República, não sabe qual tem sido a orientação do Governo nestes últimos meses sobre os debates que estão a decorrer acerca, por exemplo, da carta de Delors, da proposta luxemburguesa dos três pilares. Nós só sabemos disso através do trabalho pessoal de cada um e não devia ser com o nosso trabalho doméstico que nos actualizamos, mas V. Ex.ª é que devia vir cá dizer qual é a orientação do Governo nesse e em muitos aspectos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Srs. Deputados, eu não queria, de forma alguma, nesta minha vinda ao Parlamento, atingir a honra ou consideração de qualquer de VV. Ex.ªs porque, ao sair deste debate, quero que a honra e a consideração de todos os deputados permaneçam intactas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ao ouvir o Sr. Deputado António Guterres tocar novamente na questão da comunicação social, eu pensava que ele ia dizer que nesta matéria o PSD era «azelha», invocando A República, A Luta, O Portugal de Hoje, A Primeira Página, As 24 Horas, O Diário, etc.,...

Aplausos do PSD.

... e que, invocando tudo isto, ia afirmar que o PSD nunca teve a mínima habilidade e jeito - e ainda bem - para tentar criar órgãos de comunicação social.
O Sr. Deputado diz que se fez muito mas que era possível fazer muito mais, o que não contesto. Não quero contestar.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - E a comunicação social?

O Orador: - A questão da comunicação social é demasiado clara para que eu insista nos mesmos pontos. Os dados são objectivos. Pergunte aos jornalistas, porque não quero, eu próprio, fazer um discurso sobre essa matéria, na qual o Sr. Deputado tanto insiste.

Vozes do PSD: - Só quem não quer é que não vê!

O Orador: - Não contesto que o Sr. Deputado alimente essa ambição, que eu próprio alimento, mas é bom que hoje se considere que no País existem condições para todos sermos mais ambiciosos. Só que há anos atrás eu só via apatia, descrença, pessimismo, miserabilismo e afirmações do tipo «os Portugueses não são capazes» ou «nós estamos na cauda da Europa em tudo». Hoje há lugar a que todos tenhamos mais ambição, o que mostra que o Sr. Deputado, tal como eu, sente um grande orgulho pelo que os Portugueses fizeram nos últimos anos, ...

O Sr. António Guterres (PS): - Desde 1143!...

O Orador: -... facto que lhe agradeço.
Penso que o Sr. Deputado partilha de facto daquilo que é o nosso sentimento, o sentimento de todos, apesar de tudo, nesta Câmara e dos portugueses em geral, ou seja, o sentimento de que conseguimos muito, embora ainda tenhamos muito por fazer. Vamos fazê-lo, e temos hoje, com certeza, condições para ter essa forte ambição.
Poderia dizer-lhe aqui que muitos outros países não conseguiram o que nós conseguimos, mas certamente que me iria responder imediatamente, por exemplo, que hoje a situação de Portugal é diferente. Poderemos talvez deixar essa questão para um debate técnico, porventura em privado, destinado a demonstrar essas matérias, que aqui, no Parlamento, provavelmente só um número reduzido de pessoas acompanhariam, precisamente dado o seu carácter demasiado técnico.
Diz o Sr. Deputado Carlos Brito uma coisa que me surpreende: que nos recusamos a discutir as desigualdades. Ainda há dias ocorreu aqui um debate sobre as desigualdades. A este respeito, passo a citar, com a permissão do Partido Socialista, a Sr.ª Edith Cresson, que há dias foi ao parlamento e disse que as desigualdades provêm acima de tudo do desemprego», o que significa que o primeiro indicador a observar para saber se aumentaram ou não as desigualdades é o indicador do emprego e do desemprego. Ora, Sr. Deputado, os números, que estão à disposição de todos, apontam que criámos nos últimos quatro anos mais 500 000 postos de trabalho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Até há pouco tempo, os senhores tinham a mania de dizer-estava aqui curiosíssimo para saber o que iriam agora fazer-que havia, sim, emprego, mas emprego temporário. Mas também nesta matéria a pouca sorte quis colocar-se ao lado do Partido Socialista, pois foi logo agora, em período pré-eleitoral, que o emprego precário veio a diminuir 8%. Isso é que é!...

Aplausos do PSD.

E se tivéssemos de acrescentar um segundo indicador, talvez indicasse o dos salários. Sabe o Sr. Deputado que o que hoje se ouve dizer muito por aí e até, em privado, a alguns sindicalistas é que a taxa de crescimento real dos salários está bastante acima do que eles esperavam no início do ano?

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É hoje reconhecido por todos que a taxa de crescimento real dos salários se situa em cerca de 3% ou 3,5%, porventura 4% nalguns casos. Isto é um resultado que ainda não permite - certamente que não - que os trabalhadores portugueses ganhem o mesmo do que os espanhóis, porque estes também não ganham o mesmo do que os franceses, nem estes o mesmo do que os alemães, tal como os marroquinos e os moçambicanos não ganham o mesmo do que os portugueses e levarão talvez 100 anos, com as actuais taxas de crescimento, a alcançar os salários destes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Alguns dos Srs. Deputados ainda não conseguiram estabelecer esta relação, mas o que é importante saber é se em cada ano o poder de compra sobe ou não.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não é só isso!

O Orador: - Os senhores sabem que tem subido, o que lhes provoca angústia, dificuldades e a necessidade de encontrar mais uma distribuição funcional do rendimento, da qual falam muito porque as pessoas não entendem o que é a distribuição funcional do rendimento.
Um terceiro indicador que vos aconselho a ter em conta...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E a produtividade?

O Orador: - A taxa de produtividade - o Sr. Deputado deveria sabê-lo - é de 2,7 %, mas a dos salários, de 3,5%, ainda é superior.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não é verdade!

O Orador: - Mas se o Sr. Deputado pretender que eu aponte um terceiro indicador, atente no poder de compra das pensões, que aumentaram 115%, sem contar com o 14.º mês. Será com certeza pouco, mas iremos fazer muito mais no futuro, porque os senhores, quando influenciaram um governo, não fizeram nada.

Aplausos do PSD.

Em relação ao trabalho da Assembleia, diz agora o Sr. Deputado que os senhores fizeram pouco - essa é uma atitude de autofagia - mas penso que fizeram muito. Estão a dizer que fizeram mal, mas eu acho que fizeram bem.

Risos do PSD.

Sr. Deputado, penso que esta Assembleia é histórica, mas que nessa matéria temos um divergência de facto. Esta Assembleia - não tenha dúvidas - ficará na história e o Sr. Deputado ocupará um lugar nessas páginas da história, ...
Risos.
... até porque votou ao lado do Governo, por unanimidade, 58 vezes. Aproveito a ocasião para agradecer tal facto à bancada do Partido Comunista.

Aplausos e risos do PSD.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O terço! Diga os títulos das leis aprovadas!

O Orador: - Mas uma maioria serve para exercer o poder quando é necessário, porque nós estamos aqui para executar o nosso programa e não o vosso. Deus nos livre de executar o vosso programa!...

Aplausos do PSD.

Quanto à última parte da intervenção do Sr. Deputado, a sugerir que em Portugal não há democracia, devo aconselhá-lo a não dizer isso muito mais vezes, porque teria de inferir imediatamente que em Espanha não há democracia, designadamente no que respeita aos debates, mas também teria do o inferir em relação à Alemanha e à Holanda. Poderia indicar-lhe mais alguns países e certamente encontraria mais uma boa meia dúzia deles em toda a Europa comunitária. Refiro, porém, apenas a nossa vizinha Espanha, acima de tudo para embaraçar o líder da bancada do Partido Socialista.

Risos.

Sabe quantos debates há em Espanha? Zero! Sabe o que é que isso significa? Zero!

Risos do PSD.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Deveria haver!

Vozes do PSD: - Mas não há!

O Orador: - Não pretendo, todavia, que o Sr. Deputado peça novamente a utilização da figura da defesa da honra e consideração.
Há sempre, com certeza, um tempo e um espaço para fazermos melhor. Havemos de chegar lá!...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP):-Nós temos parabólicas, Sr. Primeiro-Ministro.

O Orador: - Veja lá, Sr. Deputado!... Há uns tempos atrás quem diria, com esse à-vontade, que em Portugal quase todos têm parabólicas?!... Sabe o Sr. Deputado quantas pessoas têm hoje televisão em Portugal? 97% das pessoas possuem aparelhos de televisão! Sabe quantas é que tinham receptores de televisão há uns cinco anos atrás? Apenas 86%!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - São indicadores concretos...

Protestos do PS e do PCP.

A minha intenção não foi, de forma alguma, desvalorizar o envolvimento do CDS na aprovação das propostas de lei. Peço desculpa por eventualmente o ler feito, mas, desde logo, referi o número de propostas - o mais amplo de todos - aprovadas por unanimidade, nas quais sem dúvida se inclui o CDS.
O Sr. Deputado Narana Coissoró voltou novamente à questão das minorias, dos governos minoritários, dos governos de coligação, e colocou todas as culpas sobre mim. Eu, coitado, que só sou Primeiro-Ministro desde 1985?!... Fui eu que derrubei todos os outros governos minoritários e coligações governamentais?! A culpa era toda minha?!

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O primeiro governo da responsabilidade do PS caiu e eu não estava cá. O governo de coligação do PS com o CDS caiu e o mesmo aconteceu com o governo da Aliança Democrática...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Estava cá!

Vozes do PSD: - Quem é que mandou embora o Prof. Freitas do Amaral?

O Orador: - Na altura do governo da Aliança Democrática estava cá, com certeza. Não estou a negá-lo. Não vejo é que possa assacar-me ou, pelo menos, atribuir-me a intenção de os governos minoritários e de coligação deixarem de ser eficientes só porque sou o Primeiro-Ministro. Essa ideia não é correcta.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Veja a Alemanha e a Bélgica, por exemplo!

O Orador: - Mas certamente que existem vários outros países, como há outros que não existem.

Risos do PSD.

Temos é aqui uma situação concreta a que não podemos fugir: em 11 anos tivemos 16 governos. O Sr. Deputado não consegue contestar esta realidade, que faz parte da nossa experiência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Até poderia mencionar um governo minoritário - o dinamarquês - mas que sempre o foi, desde a 2.ª Guerra Mundial. A Dinamarca tem tido sempre, talvez com uma ou outra excepção, governos minoritários, que, apesar disso, conseguem funcionar.
O Sr. Deputado está a imaginar Portugal a resolver todos os seus problemas através de governos minoritários, sem capacidade de decisão? Continuo convencido, embora o Sr. Deputado possa discordar de mim, de que Portugal necessita neste momento, de forma muito clara, de um governo maioritário, ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas não de um só partido!

O Orador: -... sem o que terá grandes dificuldades em responder aos desafios que tem pela sua frente.
Srs. Deputados, na quase certeza de que não serão solicitados mais pedidos de reacção contra ofensas à honra ou consideração, terminaria...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Não respondeu às questões políticas!

Vozes do PSD: - Quais?

O Orador: - Diga-me, Sr. Deputado, qual é a questão a que não respondi.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Colocámos questões de regime!

Vozes do PSD: - Trata-se de explicações por ofensas à honra ou consideração!

O Orador: - O Sr. Deputado colocou questões de regime relacionadas com a comunicação social às quais penso já ter dado resposta.
Termino, agradecendo, mais uma vez, todas as perguntas que me fizeram.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Sr. Presidente, estava à espera que a Mesa, quando o Sr. Primeiro-Ministro invocou os números relativos ao trabalho parlamentar, trouxesse ao debate os verdadeiros números, já que o Sr. Primeiro-Ministro só citou os do Governo.
A interpelação que faço à Mesa é precisamente nesse sentido. Recordo aqui que, segundo um relatório publicado por esta Assembleia, deram entrada na Mesa, nos primeiros três anos da presente legislatura, 592 projectos de lei, dos quais 462 provinham da oposição e 130 do PSD, mas que desses 592 projectos de lei apenas foram aprovados 26, não sabendo eu quantos destes 26 são oriundos da bancada do PSD. Deram ainda entrada 162 propostas de lei, mas também 139 pedidos de ratificação, dos quais só 2 permitiram a aceitação de alterações.
Quero, assim, pedir à Mesa que em próximos relatórios sobre o trabalho parlamentar sejam indicados, não apenas o número de diplomas aprovados, mas também os resultados das votações e a circunstância de ter havido ou não alterações às propostas iniciais. Porque o Sr. Primeiro-Ministro disse aqui que foram aprovados 51 diplomas por unanimidade, e concluiu que, portanto, a oposição esteve com o Governo. Ora, não sei se foi a oposição que esteve com o Governo ou o Governo com a oposição, porque não sei se esses diplomas referidos pelo Sr. Primeiro-Ministro sofreram alterações introduzidas nas respectivas comissões.

Vozes do PS: - Exacto!

A Oradora: - O trabalho parlamentar é um trabalho colectivo, que o Sr. Primeiro-Ministro mais uma vez reduziu às iniciativas do Governo, no que constitui uma visão redutora do trabalho parlamentar. É este o sentido da minha interpelação à Mesa.

Aplausos do PS, do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Helena Roseta refere-se certamente ao primeiro documento que foi elaborado nesta Casa sobre a matéria. Presumo até que ele possa ter um ou outro erro, embora julgue que não.
Em todo o caso, é evidente que se trata de um documento que se refere às três primeiras sessões legislativas, sendo certo que só se pode avaliar o trabalho da legislatura quando terminarem as quatro sessões legislativas de que se compõe. Esse documento está a ser elaborado, estando também a ser melhorado aquele que a Sr.ª Deputada teve ocasião de apreciar.

O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Sr. Presidente, dado que estamos em maré de aperfeiçoar tudo um pouco, designadamente o funcionamento e o esclarecimento sobre o trabalho desta Casa, sugeriria também que nesse mesmo trabalho o Sr. Presidente fizesse incluir as iniciativas legislativas da oposição que essa mesma oposição deixou cair, nunca as agendando para discussão em comissão ou em Plenário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, daria agora a palavra, para uma declaração política, à Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, penso que seria preferível iniciar já o intervalo para o almoço, uma vez que muitos dos Srs. Deputados acabam de abandonar a Sala. Sugeriria, assim, que as restantes declarações políticas previstas ficassem para o reinicio da sessão, porque, com a debandada que se está verificar, creio não estarem reunidas as condições de dignidade mínimas para que tais declarações sejam produzidas e debatidas pelo Plenário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Dado serem já 12 horas e 40 minutos, não haveria inconveniente em iniciar de imediato o intervalo para o almoço, retomando-se os trabalhos com as declarações políticas que restam, as quais, conforme previsto, poderão ir até às 16 horas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, recordar-lhe-ia que quando foi proposto o limite das 16 horas, agora referido pelo Sr. Deputado Carlos Brito, não se tratava sequer de um agenciamento da responsabilidade do PS, pois na altura era um agendamento do PSD. Foi o PSD que o sugeriu e todos estivemos de acordo com ele. Tratando-se agora, todavia, de um agendamento do PS, quero deixar claro que não abdicamos do limite das 16 horas.
Se se entender que este período de antes da ordem do dia pode ser prolongado noutra sessão, caso não esteja concluído às 16 horas, não temos qualquer objecção ao que acabou de ser proposto pelo Sr. Deputado Carlos Brito. Se, no entanto, se entender que às 16 horas a sessão prosseguirá até ao fim das declarações políticas, nesse caso, sim, teremos, sinceramente, de objectar.
Estamos, pois, abertos à possibilidade de interromper imediatamente a sessão e retomar tais declarações políticas à tarde, mas com a condição de as que não forem feitas hoje o serem numa outra altura dos trabalhos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é irrealista pensar que poderemos terminar todas as declarações políticas restantes só na parte da tarde. Ainda faltam 20 minutos para as 13 horas, hora a que normalmente terminamos as sessões matinais. É óbvio que estão presentes neste momento muito menos deputados do que o habitual, mas nada impede que continuemos com as ditas declarações políticas até cerca das 13 horas.
Assim, dou de imediato a palavra, para uma declaração política, à Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos dias - e mesmo para quem tenha estado distraído-, realizaram-se por todo o País diversas iniciativas promovidas por autarquias, associações de defesa do ambiente, escolas e outras entidades que, a propósito das comemorações de mais um Dia Mundial do Ambiente, quiseram, sobretudo, alertar para a necessidade de todos os dias serem dias do ambiente.
No entanto, na Assembleia da República, o dia 5 de Junho só não foi ignorado porque, nesse dia, por proposta do Grupo Parlamentar do PCP, a Subcomissão Permanente de Ambiente procedeu a uma audição parlamentar, visando a defesa e salvaguarda da baía de São Maninho do Porto.
Procurámos que se fosse mais longe, demos sugestões, propusemos a discussão dos projectos de lei do PCP sobre educação ambiental e associações de defesa do ambiente. Tentámos sensibilizar o novo Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, na primeira e única reunião que fez com a Subcomissão Permanente de Ambiente, para a sua participação no debate da especialidade dos projectos de lei quadro das áreas protegidas, apresentados pelo PCP e pelo PS, já aprovados, na generalidade, por unanimidade.
Insistimos nas alterações à legislação sobre impacte ambiental e sobre a lei da água, tendo em conta que há propostas nossas na Subcomissão Permanente de Ambiente e que o novo Ministro declarou à comunicação social ser necessário alterar aquela legislação.
Só que as respostas que até agora obtivemos demonstram que não se devem confundir declarações de intenção, de marketing político a quatro meses das eleições, com as medidas que, de facto, vão ser tomadas.
Assim chegámos ao fim da V Legislatura, quatro anos depois da aprovação da Lei de Bases do Ambiente, sem que a Assembleia da República tenha aprovado, em votação final global, uma única lei em matéria de Ambiente - há pouco o Sr. Primeiro-Ministro esqueceu-se de dizer isso. E o pouco que foi feito deve-se, unicamente, às propostas e insistências dos partidos da oposição.
Foi o PCP quem apresentou um projecto de ordenamento florestal e medidas de emergência para a defesa da floresta. O PSD rejeitou-as.
Foi o PCP quem insistiu na urgência em aprovar medidas de combate à poluição marítima, de regulamentação e vigilância adequadas do tráfego marítimo, em especial das operações de carga e descarga de matérias poluentes e da limpeza de petroleiros nas águas da Zona Económica Exclusiva. O PSD considerou que estas medidas, embora necessárias, não eram urgentes.
E assim, ao longo de quatro anos, foram-se adiando soluções e promovendo um crescimento económico desordenado, sem quaisquer preocupações ambientais, ao sabor dos interesses especulativos e do lucro fácil no presente.
Quando a opinião pública foi mais forte e havia eleições no horizonte, o Primeiro-Ministro criou o Ministério do Ambiente, para que, assim, o Ministro e o Secretário de

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Estado pudessem ir fazendo muitas declarações e exibições, mesmo que contraditórias, enquanto o Governo prosseguia o seu labor das privatizações e dos apoios e incentivos a grupos económicos, sem qualquer preocupação ambiental; enquanto dava força e alento à eucaliptização de vastas zonas do País, mesmo quando punham em causa a floresta de usos múltiplos, as economias serranas de subsistência e até biótipos classificados; enquanto aumentava a desertificação das zonas do interior do País e criava condições para a proliferação dos fogos florestais.
Depressa ficou claro que nem para flor de lapela o Ministro Real servia. O passo seguinte foi a sua substituição, a seis meses de novas eleições, por alguém que, pelo menos, tinha fama de ser bom técnico.
Então, sucederam-se novas declarações, entrevistas e contradições de quem não pode defender uma política que não existe. Mas grave é que afirme que os problemas do ambiente em Portugal não são ainda significativos. É que tal afirmação demonstra irresponsabilidade ou desconhecimento da realidade do País. Em qualquer dos casos, o que fica claro é que a nomeação do novo Ministro do Ambiente foi apenas uma operação de marketing eleitoral, tendente a fazer esquecer a falta de uma política de ambiente e dos necessários instrumentos legais e financeiros para a sua concretização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Tenta-se fazer esquecer que em Abril do ano passado o Primeiro-Ministro prometeu, numa comunicação ao País, a elaboração, durante 1990, de um Plano Nacional de Política do Ambiente, cujo processo formal foi estabelecido através do Despacho n.º 28/90 da Presidência do Conselho de Ministros, publicado em 10 de Abril do ano passado.
Como se diz na introdução do documento de trabalho chamado «Plano Nacional de Política do Ambiente 1991-1995», que chegou a ser elaborado, «a abordagem dos problemas de ambiente deve ser enquadrada por instrumentos adequados de planeamento, traduzindo-se as acções concretas no desenvolvimento de uma estratégia de actuação a médio prazo».
Aliás, idêntica preocupação tinha tido a Assembleia da República quando, quatro anos antes, estabeleceu, na Lei de Bases do Ambiente, a obrigatoriedade de o Governo apresentar à Assembleia da República, no prazo de um ano, a estratégia nacional de conservação da Natureza, para debate e aprovação. Só que os anos passaram; estamos no final da legislatura e não há nem estratégia de conservação da Natureza, nem plano nacional de ambiente, nem sequer o «livro branco sobre o estado do ambiente»! O pouco que se sabe é que o documento de trabalho sobre o Plano Nacional do Ambiente foi «rasgado» pelo actual Ministro do Ambiente, que considera prioritário elaborar a estratégia nacional de conservação da Natureza. Por conseguinte, voltámos ao princípio e não temos nada...
Como justifica agora o Sr. Primeiro-Ministro que a sua comunicação televisiva de há um ano tenha sido afinal tempo perdido, com promessas para esquecer?
De um Ministro do Ambiente que inicia a actividade ministerial esperava-se que conhecesse os grandes e pequenos problemas ambientais que fazem o dia-a-dia das populações dos grandes centros urbanos, cada vez mais desumanizados e onde, em vez de uma política de habitação social e de fomento de rápidos e bons transportes públicos, campeia o lucro especulativo e o negocismo, deslocando
as populações trabalhadoras para a periferia e obrigando-as a passar largas horas do descanso a que têm direito em maus transportes públicos ou em bichas intermináveis de automóveis, nos difíceis acessos rodoviários, com crescente poluição atmosférica e ruídos cada vez mais intensos. Em vez de reconhecer estas situações, o Ministro do Ambiente prefere seguir os exemplos do Governo, escamotear os problemas, fazer promessas, meter a cabeça na areia e deixar que prossiga a descoordenação entre as várias políticas de ordenamento do território, industrial, agrícola, de construção e obras públicas.
Quem acredita que agora, no final do mandato, se vá criar uma guerra de competências entre os vários ministérios do governo de Cavaco Silva para garantir que, finalmente, haveria uma política integrada de ambiente, coordenada por um ministro que até diz ser independente? Ninguém acredita, mesmo que alguns órgãos de comunicação social tentem criar essa dúvida!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Até porque a desfazê-la estão as recentes declarações do ministro a desvalorizar os problemas do ambiente no País quando comparados com outros países estrangeiros. E assim, em vez de Portugal tirar as necessárias lições dos erros de crescimento praticados noutros países em estádios de desenvolvimento idênticos ao nosso e que hoje enfrentam graves problemas ambientais - alguns de difícil ou impossível solução - o Governo opta por escamotear os problemas ecológicos.
Prefere continuar a construção e programação de estradas sem preocupações ambientais; ignorar se o traçado atravessa áreas protegidas ou destrói terrenos agrícolas.
Adia a regulamentação e definição da reserva ecológica nacional, designadamente da zona costeira, apesar de saber que existe uma forte pressão urbanística e especulativa sobre o litoral.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Isso é o que se passa com as câmaras socialistas!

A Oradora: - Depois acusa as câmaras municipais - estamos a ouvir o Sr. Deputado José Silva Marques a fazê-lo! - de não elaborarem rapidamente os planos municipais de ordenamento do território, embora não disponham dos elementos que o Governo lhes deveria fornecer, designadamente acerca da reserva ecológica nacional!

Aplausos do PCP.

O Governo encerra linhas e ramais de caminhos de ferro, numa visão puramente economicista, apesar de saber que o comboio é um meio de transporte menos poluente.
Insiste na realização de obras portuárias, de dragagem de rios e estuários - como acontece no Douro -, sem os necessários estudos de impacte ambiental e de alteração das correntes marítimas.
Deixa que se continuem a extrair areias dos leitos dos rios, mesmo quando as populações protestam pelas consequências nefastas.
Assiste, com indiferença, fora dos períodos eleitorais, à exploração industrial de pedreiras em zonas urbanas, junto de escolas e no meio de povoações.
Chora «lágrimas de crocodilo» quando ardem as florestas e as áreas protegidas ou as cheias inundam povoações

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porque os leitos dos rios não são regularizados, mas continua sem uma política de ordenamento florestal e sem um plano de regularização dos leitos de cheia.
Mantém uma política centralista, fechada e autoritária que dificulta a informação e a participação das populações na conservação da Natureza; afasta os municípios da gestão das áreas protegidas e dos recursos hídricos e não promove uma política sistemática de educação ambiental, capaz de criar uma nova mentalidade ecológica.
Neste prenúncio do Verão deveriam merecer particular atenção os alertas que estão a ser lançados pelas mais diversas entidades contra a poluição crescente dos cursos de água, dos aquíferos do solo e do litoral.
Logo nos primeiros dias da época balnear multiplicaram-se os problemas. Nas praias de Matosinhos foi a nafta de um petroleiro que descarregava combustível no porto de Leixões. No estuário do Douro surgiu, há uma semana, uma maré vermelha que, de acordo com declarações de técnicos, resulta de algas tóxicas que proliferam em meios férteis em bactérias. Assim, as praias de Vila Nova de Gaia e do Porto conhecem novas poluições, a acrescer aos restos do naufrágio do Reijin e à poluição dos efluentes industriais e domésticos.
Voltaram os fogos florestais e tomou-se dramático o estado de degradação e abandono a que chegaram as áreas protegidas, com destaque para o Parque Nacional da Peneda-Gerês; o Parque Natural da Serra da Estrela, onde nos últimos dois anos arderam 20% da sua área; a área protegida da serra de Sintra, onde este ano já arderam quase tantos hectares como no ano passado.
De nada valem os alertas aqui lançados, as propostas feitas, as promessas governamentais, quando os fogos acontecem. Depois é a passividade e a ineficácia.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - De nada está a adiantar a chamada de atenção da comunicação social, dos bombeiros ou do inspector regional de Incêndios da Zona Centro, que, ainda há dias, alertava para o facto de que o Verão de 1991 poderá deixar marcas mais devastadoras na floresta portuguesa do que no ano passado, em que arderam 127 000 ha, o que perfaz, nos últimos 10 anos, 850 000 ha de área ardida - uma catástrofe de consequências alarmantes, com vidas perdidas, milhões de contos de prejuízos, destruição de fauna e de flora, aumento da erosão do solo e desertificação do interior do País.
Bastaram uns dias de calor intenso no final de Maio para voltarem as pragas de lagostins no Mondego, o cheiro nauseabundo no Alviela a invadir uma vez mais a vila de Pernes, os peixes mortos no Tejo.
Desta vez a ETAR de Alcanena não está parada para reparação, nem a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira está a fazer qualquer desratização. Desta vez não há álibis para os problemas que se repetem.
Como diz o nosso povo, «apanha-se mais depressa um mentiroso do que um coxo». O que irá dizer agora o Sr. Secretário de Estado Macário Correia?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que é urgente é uma política integrada de recursos hídricos e de gestão democrática das bacias hidrográficas, no sentido que tem vindo a ser defendido por associações de ambiente,
técnicos do sector e autarquias e para a qual o PCP já apresentou várias contribuições, incluindo um projecto de lei.
O que é urgente é construir as infra-estruturas que faltam no sistema e na ETAR de Alcanena e no sistema de Minde-Mira de Aire e despoluir o rio Alviela, como propusemos em sede de debate do Orçamento do Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O que é urgente é concluir as obras de saneamento básico lançadas há anos, como na Costa do Estoril, e avançar, com maior determinação e mais meios financeiros, no vale do Ave, no estuário do Tejo, na ria de Aveiro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O que é urgente é dotar as autarquias locais dos meios financeiros adequados, para que, rapidamente, se construam as redes de saneamento e as ETAR necessárias, para que os municípios não deixem de participar nalguns projectos de saneamento básico comparticipados pela CEE no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio.
Daí que assuma particular importância a proposta que o PCP faz de que se proceda a um aumento intercalar do Fundo de Equilíbrio Financeiro de 157,5 para 180 milhões de contos, por forma a reforçar a capacidade financeira dos municípios e dotá-los dos meios indispensáveis à plena captação dos fundos comunitários.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Assume igualmente particular importância que, neste final de legislatura, se tomem ainda as medidas necessárias para aprovar, em votação final global, a lei quadro das áreas protegidas.
De qualquer modo, o que esta legislatura demonstrou foi que, em matéria de ambiente, só é possível melhorar a qualidade de vida dos Portugueses com um governo de outra qualidade e com uma composição diferente da Assembleia da República.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Martinho.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos chegados ao fim de uma legislatura, a qual, na vida democrática portuguesa, se completou pela primeira vez. Sentimo-nos legítima e profundamente orgulhosos de que isso tenha acontecido por obra nossa ou, melhor dizendo, pelo querer livremente expresso do povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com a legitimidade que me dá a minha idade, o meu passado político e o papel que desempenho na vida política de hoje, vejo concretizado um sonho que sempre tive na vida: um Estado democrático, pluralista e livre.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Sonhei também, tantas e tantas vezes, com a paz no Mundo e com a paz entre os Portugueses. Conseguimos esta, mas não vimos concretizada aquela. Porém, é motivo de nossa grande satisfação que a paz entre os Portugueses tenha sido um empenho de todas as nossas forças, de toda a nossa capacidade e de todo o nosso querer-que muito é.
Contribuímos, da forma notável que nos foi permitida pelo povo português, para a estabilidade da nossa vida política. Conseguimos provar que só com estabilidade se constrói uma democracia, só com estabilidade se realiza uma obra; só com estabilidade se instala um clima de confiança no presente e no futuro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O País viveu, nestes quatro anos, aquilo que não conseguiu viver em dezenas de anos atrás. Despegados do passado, olhando apenas o amanha e não o ontem, realizámos uma obra que os Portugueses sentem; que os homens e mulheres deste pais têm à sua disposição para o alcance de uma vida melhor e de um ainda melhor futuro. Temos o legítimo orgulho deste ontem, de quatro anos, que realizámos em benefício deste país e das suas gentes.

Aplausos do PSD.

Sem estabilidade política e social é impossível viver, beneficamente, numa sociedade humana. E muito menos possível é, para qualquer governante, realizar a obra a que se proponha. A nossa crença no que acabo de dizer é de tal forma grande que nos dá o direito de afirmar que o povo português deve decidir por uma maioria, nossa ou de outrém, para que essa estabilidade exista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portugal é hoje um País respeitado e prestigiado aqui e lá fora. Há estabilidade política, há expansão económica; o povo dispõe de melhores condições de vida e de amplas oportunidades individuais e colectivas.
Não temos o direito de destruir a obra feita; não temos sequer o direito de dificultar uma obra futura. A estabilidade governativa é imprescindível para que, nos anos mais próximos, se consigam concretizar os grandes objectivos da modernização e do progresso económico e social do País, de um desenvolvimento ecologicamente equilibrado, de uma cada vez melhor justiça social, de uma redução das disparidades regionais de desenvolvimento e da afirmação de Portugal no Mundo.
Só com maioria parlamentar franca se conseguem governos estáveis e duradouros, governos de legislaturas. Os governos minoritários são sempre vulneráveis, já que receiam fazer o que deve ser feito e temem ferir os interesses instalados e os grupos de sociedade. A sujeição a guerrilhas permanentes, o desgaste da angustia da não aprovação e o receio da queda de um momento para o outro são motivos, além de outros, para que essas minorias não possam governar em pleno. E o governo em pleno, com um programa e um tempo dilatado, são indispensáveis ao querer de um Portugal que quer viver melhor e que nós queremos que viva melhor!

Aplausos do PSD.

Como já aqui hoje foi largamente afirmado, somos os primeiros a não estar inteiramente satisfeitos com a situação em que o País se encontra. Esta será uma das razoes que nos levará a querer continuar a governar para fazer cada vez mais e melhor - fazer o que, porventura, não foi feito. Fizemos muito, cumprimos praticamente tudo a que nos comprometemos, mas sentimos que muito há ainda para fazer.
O nosso futuro próximo exige uma determinação, uma capacidade e um conhecimento e bom relacionamento externos para defender os interesses nacionais. Teremos de ter, acima de tudo, uma boa capacidade de decisão, a par de uma boa capacidade para manter uma linha de rumo certo, mesmo em situações difíceis.
Importa-nos, de maneira assinalável, um crescimento económico e um desenvolvimento. A esse respeito citaria algo que no estrangeiro dizem: «A principal condição para aquilo a que chamamos de coesão económica e social, tendente à eliminação das disparidades entre os ricos e os pobres, é o crescimento. Toda a nossa experiência desde o início da Comunidade demonstra que, sem crescimento, essa disparidade tenderá a ampliar-se.»

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - «Com uma taxa de crescimento suficiente, essa diferença diminuirá. Temos assistido a uma evolução impressionante em Portugal e Espanha nos últimos quatro a cinco anos, com laxas muito elevadas de crescimento. Sc essa evolução continuar a um tal ritmo, ao fim de uma geração, verificarão que o País se transformou radicalmente. Aliás, isso já pode ser observado.»
Quem diz isto é o Sr. Cristophersen. vice-presidente da Comissão Europeia, em entrevista ao Diário de Notícias, em 25 de Março deste ano!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Julguei que fosse o Deputado Cárdia!...
O Orador: - É isto que nós queremos, com a evolução, com o interesse e com os resultados.
Não queremos parar. Enquanto a maior parte dos países comunitários evidencia alguma tendência para a estagnação, Portugal faz parte do reduzido número de Estados que deverão assinalar um franco crescimento este ano.
Uma das acusações que os partidos da oposição nos fazem, sem razão e sem fundamento, é a da má aplicação dos fundos comunitários. Mais uma vez lhes falha a verdade e lhes sobra o engenho e a arte de mal dizer.
Diz o Sr. Martin Bangemann, vice-presidente da Comissão Europeia: «As experiências do PEDIP são extremamente boas. Quer em termos da utilização da totalidade dos fundos disponíveis quer na substância intrínseca dos projectos promovidos. A gestão e aplicação destes fundos, da responsabilidade do Ministro Mira Amaral e da sua equipa, têm sido excelentes. Esta situação permite considerar um prolongamento dos apoios comunitários que, em minha opinião, poderiam tomar a forma de um PEDIP 2 ou de uma combinação de fundos específicos, como o PEDIP, com fundos estruturais de âmbito regional e social. Vale a pena pensar num fundo global, pois lemos de pensar em melhorar as infra-estruturas.»
O Sr. Bangemann proferiu estas palavras em entrevista ao Diário Económico, de 2 de Abril deste ano!

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Note-se que não é um parlamentar do Partido Social-Democrata a dizer isto. Não é sequer um militante. É um especialista na matéria, um estrangeiro que vê Portugal como vê, com isenção, todos os países comunitários. Não é, pois, um estrangeiro que queira fazer propaganda política, mas que vê objectivamente os problemas e que é capaz de os transmitir a toda a Europa comunitária com a isenção que o caracteriza.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Outra das acusações que as oposições nos fazem é a do não respeito pelos direitos dos trabalhadores. Mais uma vez falha a verdade e a razão.
A Organização Internacional do Trabalho não tem qualquer queixa contra Portugal. Disse-o, em Lisboa, há dois meses, o seu director-geral Michel Hansenne. E disse-o com razão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Partido que somos de trabalhadores - os vadios não têm vaga nos nossos quadros - ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ...sempre temos respeitado, desde que nascemos, os seus legítimos direitos. Na verdade, vivem hoje como nunca viveram; têm hoje posses e salários como nunca tiveram. O que não lhes prometemos, como outros fazem, é o irrealizável; não os fazemos acreditar em benefícios que não poderão alcançar tão cedo! Damos-lhes aquilo a que têm legítimo direito e que sabemos que podemos dar-lhes!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Muitos e muitos outros sectores poderia aqui abordar sem receio de desmentido ou confronto sério. Ficam estes como meros exemplos - aqueles que, porventura, mais interessarão aos Portugueses.
Sr. Presidente, Srs, Deputados: Não queria terminar sem uma palavra, que me atrevo a classificar de institucional.
A Assembleia da República desempenhou, ao longo destes quatro anos, o seu papel de forma exemplar - já aqui foi dito hoje e repito-o. Os Srs. Deputados, todos eles e sem excepção, cumpriram com o seu papel de legisladores e fiscalizadores da administração.
Aos meus deputados deixo aqui o meu agradecimento neste fim de legislatura. Aos das outras bancadas rogo-lhes que o aceitem, se assim o entenderem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vivemos nesta Casa em democracia. Não receamos comparações com outros parlamentos do Mundo. Houve sempre liberdade, luta na boa acepção da palavra e vivacidade nos debates. Os excessos não foram mais que excepções para confirmar a regra da boa vivência em democracia.
Não procuramos conflitos institucionais. Mais que isso, nunca os procuraremos, nem os desejaremos. Pretendemos, isso sim, que cada órgão de soberania se mantenha dentro das suas competências e do seu campo de acção. Tais conflitos só servirão para enfraquecer a democracia, o que nós não queremos, mas também não permitiremos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, naturalmente que não lhe vou pedir esclarecimentos, uma vez que, como V. Ex.ª compreenderá, sendo o CDS um partido da oposição, o nosso adversário político não são outros deputados, mas sim o Governo. Assim, na luta política democrática, nós confrontamos com o Governo, e só na falta deste ou quando haja iniciativas próprias apresentadas pelo PSD nós enfrentamos o partido que o apoia.
Tivemos hoje o ensejo de conversarmos e de nos confrontarmos com o Sr. Primeiro-Ministro e naturalmente que muitas das afirmações que V. Ex.ª agora fez mereceram as nossas críticas quando proferidas pelo Sr. Prof. Cavaco Silva.
De qualquer modo, quero aproveitar esta oportunidade para dizer, face ao discurso institucional que dirigiu a todas as bancadas, que não posso deixar de ficar sensibilizado com o mesmo, designadamente no que respeita às palavras de amizade e de companheirismo, ato em trabalhos conjuntos que elaborámos no decurso desta legislatura.
É evidente que numa boa democracia, principalmente tomando em conta os nossos costumes parlamentares, todas as batalhas têm sempre um denominador comum: a amizade. Na realidade, não há nenhum deputado que não tenha subjacente aos seus confrontos políticos uma grande amizade, uma grande lealdade e uma grande solidariedade pessoal e parlamentar com os seus colegas.
Durante estes quatro anos, tivemos muitos confrontos, trocámos muitas palavras duras, tivemos muitas diferenças, mas sempre houve uma coisa: fomos deputados da mesma Casa, do mesmo País, do mesmo eleitorado, que respeitámos.
Ao fazermos hoje estas declarações políticas, que constituem uma forma de despedida desta legislatura, a que o próprio Primeiro-Ministro deu o tom, não quero deixar de, na sua qualidade de presidente do maior partido parlamentar desta Casa, de presidente do grupo parlamentar que apoia o Governo e de primeiro dos nossos companheiros pela quantidade da representação que aqui sempre encabeçou, manifestar-lhe os nossos protestos de viva homenagem, de amizade e de que, acima de tudo, a Assembleia da República é uma só e os deputados são todos irmanados na mesma fé que é a de servir a democracia e servir Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, muito obrigado pelas suas palavras.
Na verdade, é altamente consolador verificar que, ao fim de quatro anos, conseguiu-se viver nesta Casa com um clima de lealdade, de correcção e de luta política-aliás, como referi. E, há pouco, talvez me tenha falhado um aspecto que gostaria de referir, que é o do bom entendimento que mantivemos em sede da conferência de líderes. Aí, sim, é que, na verdade, a democracia se viveu num plano que considero suficientemente elevado para ser aqui realçado. Por conseguinte, muito obrigado pelas suas palavras, Sr. Deputado.
Quanto ao resto, o Sr. Deputado não me pediu esclarecimentos, já que, efectivamente, o que eu disse não terá constituído novidade depois do que, hoje, se passou nesta sede.

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No entanto, não quero deixar passar algumas das suas palavras que me soaram mal.
De facto, o Sr. Deputado disse que não me pedia esclarecimentos porque o opositor do CDS é o Governo, que 6 com este que tem de bater-se e não com o meu grupo parlamentar.
Sr. Deputado, anoto este seu excelente entendimento institucional. Quer dizer, e nós é que diminuímos o papel da Assembleia da República...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não, não!

O Orador: - Sim, Sr. Deputado. Pois se os senhores se recusam a discutir connosco e querem discutir com o Governo, é porque esto a minorizar notavelmente o papel da Assembleia da República!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Eu não disse isso!

O Orador: - Foi isto que o Sr. Deputado disse. Acredito que não fosse o que tivesse querido dizer, mas, porventura por lapso, foi o que afirmou. Assim, anoto as suas palavras para que conste, como costuma dizer-se.

Aplausos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, é para dar uma explicação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, quero dar-lhe uma explicação para que não fique qualquer dúvida nem menosprezo pelo Grupo Parlamentar do PSD.
O que eu disse foi que, sendo os mesmos os temas tratados nesta Assembleia pelo Governo e pela vossa bancada, nós, CDS, preferimos tratá-los directamente com o Governo de quem somos opositores. É que a nossa oposição 6 ao Governo e não aos partidos entre si.
Desta mesma forma, também somos oposição ao PS, porque o nosso ideário é diferente do deste partido e somos oposição ao PCP, porque os nossos objectivos também são diferentes dos deste partido.
Portanto, o confronto é mais entre o Governo e um qualquer partido da oposição do que entre um destes e o PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, é só para dizer que, afinal, eu não estava enganado quando entendi as palavras do Sr. Deputado Narana Coissoró e ele próprio também não se enganou.
Na verdade, anoto que o Grupo Parlamentar do CDS prefere discutir os problemas com o Governo do que discuti-los na Assembleia da República com os grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão suspensos os trabalhos para o intervalo regimental de almoço. Recomeçaremos às 15 horas.

Eram 13 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Nunca é demais recordar que as eleições são um acto de grande transcendência e significado nos regimes democráticos pois que elas são o momento em que lodo o poder é restituído aos cidadãos eleitores que, em assembleia magna, irão usá-lo para designarem quem os representará na Assembleia da República.
Existe um calendário para todo este processo, mas a tentação para o antecipar é grande, como se verifica neste momento entre nós, onde todos os partidos já estão empenhados em contactar os eleitores.
Mas há que reconhecer que, neste empenhamento, quem leva a palma a todos os outros é o presidente do PSD, não despindo para isso as vestes de Chefe do Governo. Efectivamente, alardeando a obra feita, o Prof. Cavaco Silva foi possuído pela «Febre dos Sábados» e é vê-lo nas suas digressões, vangloriando-se aqui, prometendo ali e inaugurando acolá obras mesmo já há muito acabadas ou ainda por acabar.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Está no seu direito!

O Orador: - E embora nessas andanças se apresente não como um líder partidário mas como Chefe do Governo, não deixa de as aproveitar para difundir a ideia de que toda a magnífica obra feita e o mais que estará para vir se perderá se ele, com a sua maioria, não permanecer no Governo.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!

O Orador: - A acompanhá-lo, como a sua sombra, lá tem sempre a independente e isenta televisão que enche com a sua imagem todos os telejornais de sábado, com repetição integral nos de domingo, não vá ter havido alguns eleitores distraídos.
Mas o Prof. Cavaco Silva, pressentindo que algumas falhas poderão ser notadas, procura tapá-las com promessas, algumas inesperadas, na boca de um conceituado economista.
Assim, não se cansa de repetir, entre outras coisas, que a sua permanência no Governo será a garantia de que o crescimento económico continuará de modo a colocar-nos, a curto prazo, entre os primeiros países no comboio da CEE.
Tem sido também pródigo em promessas nos campos da educação, da habitação, das vias de comunicação, do ambiente, das pensões, das condições de vida e dos salários dos trabalhadores, com soluções risonhas e optimistas para o futuro dos Portugueses.
Mas, pelo sim pelo não. e para mostrar que as promessas são mesmo para se cumprir, o Prof. Cavaco Silva vai oferecendo, de moto próprio, uma ambulância aqui, um

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cheque chorudo ali, dando desde já andamento a uma ou outra pretensão das gentes visitadas.
Quanto a esta última parte no programa (e sem querer ofender), para mim, que já tenho alguma idade, ela faz--me recordar cenas «eleiçoeiras» dos tempos de Salazar. Com uma diferença: é que Salazar não descia ao ponto de assumir o espectáculo, encarregava dele os seus Heis serventuários.
Reconhecemos que o Prof. Cavaco Silva aprendeu a aparecer em público e a vender bem a sua imagem. Ainda hoje tivemos, nesta sede, um testemunho disso mesmo. Já quanto ao seu discurso, a grande maioria dos portugueses tem razões e discernimento para não se deixar enganar e verem nas- suas palavras aquilo que elas na verdade representam: um bonito fogo de artifício. É que, como diz o ditado, «quando a esmola é grande, até o santo desconfia».
Os eleitores reconhecerão, e com justiça, que alguma coisa se fez durante o seu reinado absoluto de seis anos, mas não deixarão de ter em conta as excepcionais condições de que beneficiou.
E a contrariar as suas promessas optimistas, o pior é que há outros economistas igualmente conceituados a dizer que, mesmo mantendo o ritmo do crescimento actual, serão necessárias algumas décadas, e não poucos anos, para apanhar o tal comboio; e que este crescimento tem gerado assimetrias sociais graves, dando lugar a uma nova geração de ricos, à custa, por vezes, de protecções e benesses escandalosas e com manifesto prejuízo dos rendimentos do trabalho que não têm cessado de minguar; que a valorização social do dinheiro a que se assiste está gerando uma sociedade dominada pela ideia do lucro fácil a todo o custo, egoísta, exibicionista e alheia a qualquer sentimento de solidariedade, que o Governo falhou redondamente no controlo da inflação e que tem desperdiçado oportunidades únicas para preparar convenientemente o País para a sua plena integração na CEE.
Por outro lado, toda a gente tem consciência do que tem sido o fracasso das políticas da educação e da habitação deste Governo. E quanto às autoestradas, muitas já projectadas e mesmo iniciadas anteriormente, o que muitos cidadãos desejarão saber é a razão do atraso e agora da aceleração súbita da sua construção, dado que o Governo sempre contou com os subsídios da CEE. E os Portugueses não vão deixar de se interrogar sobre o que vai acontecer aos restantes 12 000 km de estradas, agora desclassificadas, abandonadas e esburacadas e, no entanto, fundamentais para a sua vida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E quanto à saúde? Eis uma área a que todos os portugueses são sensíveis e, por isso, o Governo tem repetido todos os anos ser uma das prioridades, afirmação que a Assembleia da República também todos os anos tem posto em causa, ao denunciar que o aumento das verbas que lhe têm sido afectadas nos Orçamentos do Estado têm sido sempre praticamente para cobrir a inflação.
A verdade é que o acesso aos cuidados de saúde tem vindo a tomar-se, de ano para ano, cada vez mais difícil para os Portugueses. Os bloqueamentos residem, essencialmente, em três áreas: cuidados primários, hospitais, com relevo para as urgências, e medicamentos.
O Serviço Nacional de Saúde, apesar das acções deste Governo e de outros do mesmo quadrante político que o antecederam e que impediram o seu pleno desenvolvimento, trouxe consigo benefícios notáveis, traduzidos na melhoria dos indicadores de saúde dos portugueses. Mesmo o Governo se tem vangloriado, com um certo despudor, de um desses indicadores: o da mortalidade infantil. Mas as distorsões e os entraves a que foi submetido e, sobretudo, o estrangulamento financeiro terminaram por degradar a qualidade da assistência e gerar o descontentamento da população.
O Governo sentiu, assim, chegado o momento para a tão desejada mudança do sistema e fez aprovar na Assembleia da República a sua lei de bases para a saúde. Curiosamente, nota-se um silêncio inesperado à volta desta lei por parte do Governo e do seu partido. Porquê tão estranho comportamento?
É que a lei visa, fundamentalmente, desmantelar o que resta do Serviço Nacional de Saúde, promovendo a sua privatização e libertando o Estado dos seus encargos e obrigações e penalizando fortemente os cidadãos que verão fugir-lhes inestimáveis regalias.
O Governo está consciente da reacção negativa dos cidadãos quando se aperceberem do que os espera e, por isso, a lei e a sua regulamentação aguardam, há meses, numa gaveta, que se resolva primeiro a contenda eleitoral.
Entretanto, o Governo limita-se a algumas medidas pontuais e a manter o sistema à beira da falência. Daí os bloqueamentos, com listas de espera nas consultas de clínica geral, nas especialidades e nos internamentos.
Nos cuidados primários, há listas de espera para as consultas e os doentes, em alguns centros, fazem mesmo madrugadas às suas portas para serem atendidos.
A nível dos hospitais, a degradação é uma constante e instalou-se neles o caos. Falta de meios, endividamento e administrações partidarizadas, dóceis e não poucas vezes incompetentes e suspeitas de corrupção agravam todos os dias a situação.
Relevo para as urgências, onde o caso de Lisboa atingiu o clímax na última semana, com um verdadeiro psicodrama no decurso da tentativa de implantação de uma solução irrealista e incorrecta, tentativa que abortou neste fim de semana, num vale de lágrimas, depois de se terem gasto centenas de milhares de contos e causado uma forte perturbação nos hospitais. O único benefício que dela resultou foi, para já, o prolongamento das horas de consulta naqueles hospitais.
É que, tentar resolver o problema, dispersando as equipas de médicos e enfermeiros do banco do Hospital de São José pelos Hospitais Curry Cabral e Capuchos era, à partida, um erro tão evidente que não era difícil prever o malogro que fez rolar cabeças dos que assumiram os desígnios do Governo. No fundo, tratava-se de uma solução para produzir impacte na opinião pública, em época eleitoral.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, já há meses, nesta Câmara, tínhamos alertado o Ministro da Saúde para o erro da solução escolhida que, para além de impraticável como estava a ser concebida, significaria a «urgentalização» da medicina. É que sem cortar o afluxo dos doentes que não carecem de cuidados de urgência - e isso faz-se, como todos reconhecem, com a melhoria dos cuidados primários -, a abertura de novos «bancos» só promoverá o agravamento daquele fluxo.

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A título de curiosidade, registe-se o comportamento da televisão, que pouco ou nenhum relevo deu a estes acontecimentos e passou mesmo em claro o desfecho, que consagrou o fracasso da iniciativa do Governo.
Mas os problemas da saúde subsistem e o Partido Socialista tem soluções para as três áreas onde existem os bloqueamentos, algumas já divulgadas pelo seu secretário-geral. Nos cuidados primários, propomo-nos criar as condições para acabar com as listas de espera, para que o doente obtenha uma consulta do seu médico no próprio dia em que é solicitada e para que se proceda à triagem correcta daqueles que deverão ser enviados ao hospital.
Para além de melhorar a qualidade da assistência prestada, estas medidas constituirão também a primeira etapa para a solução das urgências, pois que reduzirão substancialmente o número de doentes que a elas recorrem. Uma vez aplicadas, ficar-se-á melhor colocado para avaliar as necessidades reais dos serviços de urgência, a sua concepção, o seu número e a sua localização.
Entretanto, há que dotar os hospitais com autonomia e com administrações competentes, para o que deverá ser reformulada a actual Lei de Gestão Hospitalar, que tão más provas tem dado. Há que dotá-los ainda com os meios necessários e proceder sem demora à revisão e actualização dos seus quadros.
Quanto ao problema dos medicamentos, limitamo-nos a referir apenas que o Estado não pode deixar de continuar a comparticipar nos seus custos, a alargar mesmo as situações clínicas de completa gratuitidade e a possibilitar o acesso gratuito a todos os medicamentos indispensáveis à sua saúde, aos idosos com doenças crónicas, beneficiários de pensões muito baixas, conforme o nosso projecto de lei, já apresentado nesta Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E não se argumente com os custos elevados destas medidas, pois que, em Portugal, a parte do PIB canalizada para a saúde é das mais baixas da Europa.
Não temos dúvidas que um Serviço Nacional de Saúde modernizado, bem equipado e bem enquadrado no contexto nacional é o instrumento fundamental, embora não único, de uma política de saúde guiada pelos princípios da solidariedade, da justiça e da igualdade de oportunidade para todos.
Engana-se quem julgar o Serviço Nacional de Saúde já destruído. Ele é hoje uma realidade irreversível, desejada pela maioria dos cidadãos, que apenas pretendem vê-lo a funcionar melhor.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamento não acompanhar o optimismo patenteado esta manhã pelo Sr. Primeiro-Ministro e pelo Sr. Deputado Mário Montalvão Machado sobre o funcionamento da Assembleia da República. Esta legislatura foi fértil em incidentes entre o Governo e a Assembleia da República e entre a maioria e a oposição e, na própria Assembleia da República, foram notórios os entraves regimentais à participação dos deputados nos debates, impedindo, não poucas vezes, o seu aprofundamento.
Estes factos merecem, da nossa parte, uma longa reflexão, pelo que não quero terminar sem deixar aqui o meu contributo. Mas a falta de tempo obriga-me a fazê-lo de forma breve e sob a forma dos seguintes votos: que Portugal, depois das eleições de Outubro, assuma os caminhos de uma democracia descentralizada e sem quaisquer vestígios de autoritarismo; que,, na nossa Assembleia da República, os deputados tenham condições regimentais para exercerem o seu mandato, com alargada capacidade de intervenção nos debates e em toda a vida parlamentar; ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -... que os grupos parlamentares, mesmo quando apoiantes, actuem sempre com independência crítica face aos governos e que os comportamentos de submissão e subserviência, que levam a defender o indefensável e a recusar, indiscriminadamente, as propostas da oposição, sejam definitivamente banidos da prática parlamentar; ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -... que as relações entre o futuro governo e a Assembleia da República sejam de total independência e de total respeito pelas respectivas prerrogativas; finalmente, que a comunicação social em geral, mas com relevo para a que trabalha na Assembleia da República, tenha condições para que a imagem do trabalho parlamentar que transmite para o exterior seja objectiva, pluralista, isenta e independente. Só assim será possível dignificar os órgãos de soberania e aprofundar e consolidar a nossa democracia.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Bacelar e Mário Montalvão Machado.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, ouvi a sua intervenção e gostaria - não será propriamente uma pergunta, mas o constatar de factos-de saber se considera que o aumento do orçamento da saúde em 30% é insuficiente. Claro que se fosse 50% seria melhor, mas em relação ao que era já não se pode dizer que seja uma situação muito má.
Qual é a sua opinião acerca da esperança de vida dos Portugueses que, neste momento, é igual à do Reino Unido? Tem alguma coisa a obstar a que a mortalidade infantil tenha diminuído nos últimos cinco anos em 37,5%? Está de acordo ou contra o facto de as crianças serem vacinadas em Portugal de acordo com as normas de Organização Mundial de Saúde? Está contra os programas materno-infantis, oncológicos, ortopédicos, de medicina física e de reabilitação, oftalmologia, reumatologia, saúde mental e Projecto VIDA?
Muito sucintamente, dado que o tempo não é muito, quero também perguntar-lhe se deseja voltar ao tempo das caixas de previdência. É que nós não desejamos isso para o povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, V. Ex.ª sabe que tenho muita consideração por si e, por isso, foi com algum espanto e surpresa que o ouvi dizer que não comungava do que foi aqui referido hoje de manhã, quer pelo Sr. Primeiro-Ministro, quer por mim próprio, quanto aos trabalhos da Assembleia da República nesta legislatura.

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Referiu V. Ex.ª que houve entraves ao bom funcionamento da Assembleia da República criados pelo grupo parlamentar maioritário que apoia o Governo. Por um lado, gostaria que V. Ex.ª nos explicasse onde estão as questões de facto em que apoia o seu raciocínio e, por outro lado, dizer-lhe, antes disso, que não deixe de pensar que, em democracia, as maiorias têm o seu valor mas as minorias também tem o seu. Se V. Ex.ª não atribuir valor à maioria, aquela maioria que foi criada pelo povo português, por expressa vontade do povo português, atribuindo a um partido político a maioria nesta Câmara, se essa maioria não existe, muito menos pode existir uma minoria.
Gostaria que me dissesse onde é que está o atropelo de regras, resultante do Regimento, resultante da vida democrática e do bom convívio entre os grupos parlamentares, por forma a que não tenha aqui havido, como houve e como salientei na minha intervenção, uma sã convivência parlamentar, uma sã discussão de questões, embora com o vivo debate e com a luta política que é apanágio desta Casa.
Muito grato ficaria se V. Ex.ª me esclarecesse.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Deputado António Bacelar, julguei que V. Ex.ª estivesse suficientemente esclarecido sobre a «história» dos 30%.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Estou, estou!

O Orador: - Nós recebemos um documento do Sr. Secretário de Estado em que concorda que, de facto, o aumento do orçamento tinha sido de onze e tal por cento, visto que, levando em consideração os milhões de contos com que o orçamento de 1989 foi reforçado durante o ano, o orçamento dos 30% fora ao ar, tendo-se ficado nos 11%.
Creio que tudo isso foi bem esclarecido em sede de Comissão de Saúde, onde eu próprio levantei o problema ao Sr. Ministro, e o Sr. Secretário de Estado foi obrigado a mandar-nos esse documento, em que reconhecia que, de facto, o aumento real era onze e tal por cento.
Sr. Deputado, em relação à mortalidade infantil, naturalmente que todos nós, médicos, nos regozijamos e todos os cidadãos portugueses se regozijam, mas isso começou com o Serviço Nacional de Saúde e nunca mais parou. A queda dos índices da mortalidade infantil começaram com o SNS, com a materno-infantil estabelecida nos postos, nos centros de saúde. Foi a grande vitória do Serviço Nacional de Saúde, que não foi deste Governo! Tem sido um constante baixar desde que começou o SNS.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Mas continuou!

O Orador: - Com certeza que continuou. É das poucas coisas que continuou.
Sr. Deputado, o que está acontecer agora com os postos da Caixa de Previdência é, com excepção de alguns centros de saúde, exactamente isto: as pessoas levantam-se de madrugada, vão para a porta dos centros de saúde, fazem bicha e não têm médico... A figura do médico de família foi totalmente destruída, ...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: -... de tal maneira que teve de recorrer-se a uma outra variedade de médicos, etc.
Temos projectos e programas para isso, e entendemos que a figura do médico de família tem de ser reabilitada, tem de permitir-se a livre escolha do médico pelo doente e nós temos programas que nunca foram postos em prática por este Governo.
Sr. Deputado, quanto a vacinas, em Portugal, a Direcção-Geral de Saúde, já desde o tempo dos anteriores directores-gerais de saúde, mesmo até antes do 25 de Abril, tinha programas de vacina que eram aplicados. Esses programas têm vindo a ser adaptados e, naturalmente, são cumpridos, mas já há algumas vacinas, como o Sr. Deputado sabe, que o Governo discute a sua atribuição gratuita. O Sr. Deputado sabe isso tão bem quanto eu!

O Sr. António Bacelar (PSD): - E os programas?

O Orador: - Sr. Deputado, os programas não conseguem obstar à decadência, à degração dos serviços médicos. É por isso que o País e os cidadãos se queixam. Os senhores têm mantido isto apenas no limiar da falência. E até estranhei que o Sr. Deputado não me tenha feito qualquer pergunta sobre o que se passou com as urgências em Lisboa.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estranhei muito, porque, como sabe, foi uma iniciativa do Governo que fracassou estrondosamente, depois de gastas centenas de milhares de contos.

Vozes do PS: - Muito bem! É uma vergonha!

O Orador: - E, para além de não ter sido aproveitado, acabou, como sabe, num vale de lágrimas. Não cito as pessoas que choraram, mas toda a gente sabe disso. Movimentou e perturbou a vida dos hospitais, o ministro foi obrigado a engolir aquilo, e acabou o programa das urgências tal como tinha sido planeado.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Adiou! Adiou!

O Orador: - Estranhei! Portanto, o erro foi cometido, os dinheiros foram gastos, o espectáculo foi lamentado, e não sou o primeiro a ter pena das pessoas que foram envolvidas nisso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não cito sequer nome algum, porque tenho respeito pelas pessoas e sou o primeiro a sentir a mágoa e o grande drama que viveram e sentiram.
Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, tenho, de facto, muito respeito e muita consideração por si, mas o que é verdade é que não é preciso repetir que se criaram vários entraves ao funcionamento desta Câmara e, em primeiro lugar, à acção dos deputados em geral. Por que é que, por exemplo, se abusa tanto, nesta Câmara, da figura regimental da defesa da honra? Nunca ninguém foi aqui desonrado! Porque o Regimento não permite que os deputados possam aprofundar um debate que as vezes está no seu interesse, recorrendo-se então a essa figura. Todas as bancadas o fazem!

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Mas a culpa é nossa?

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O Orador: - A culpa é do Regimento que a maioria apoia, e sem o seu apoio não o podemos alterar nem modificar.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Tem alguma proposta nesse sentido?

O Orador: - Temos, temos! Para o ano vamos alterar isso.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Para o ano?

O Orador: - O Sr. Deputado aprova ainda alguma alteração nestes oito dias que restam para terminar a legislatura?

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Apresente uma proposta concreta!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, temos várias propostas de alteração ao Regimento. Faça favor de agendá-las e aprová-las!
O Sr. Deputado Mário Montalvão Machado falou-me no respeito que se deve ter pelas maiorias. Democraticamente, aceitamos as decisões da maioria, o que não estamos é de acordo, muitas vezes, com essas mesmas decisões. Porquê? Porque elas também não respeitam as minorias. E mais: já temos visto aqui, nesta Câmara, reprovar textos que depois o próprio Governo retoma e apresenta aqui como seus. Isso já aconteceu.
Em segundo lugar, já vimos aqui reprovar textos que eram perfeitamente válidos, e a maioria, usando e abusando do seu direito, pura e simplesmente vota contra.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Dê um exemplo!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, não tenho tempo para dar exemplos.

Vozes do PS e do PCP: - Rádios regionais, leis laborais, pensões de reformados, horário de trabalho!...

Protestos do PSD.

O Orador: - Sr. Deputado Montalvão Machado, nos nunca deixámos de votar um inquérito. Nunca! O PS aceitou sempre todos os inquéritos. O PSD chumbou vários. Recusou-se a vários.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Quais?

O Orador: - Ó Sr. Deputado, está a pôr em dúvida que reprovou vários?
Há meia dúzia de dias, os senhores reprovaram a continuação do inquérito relativo ao Ministério da Saúde. Os senhores acabaram-no intempestivamente, encarregaram o relator de fazer o relato, e, segundo os jornais, em colaboração com a Sr.ª Deputada Leonor Beleza. Vem nos jornais deste fim-de-semana.
Por outro lado, é ou não verdade que o PSD se opôs a esse inquérito, eliminando-o?
Julgo que todos quantos trabalham nesta Câmara têm a consciência de que raras vezes a maioria resolveu aceitar a colaboração dos partidos da oposição. Enquanto o Sr. Primeiro-Ministro aqui disse hoje que várias vezes a
oposição votou propostas de lei do Governo, foi raro isso acontecer com o partido da maioria em relação às propostas da oposição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, tinha ficado combinado que o período de antes da ordem do dia terminasse às 16 horas, mas, atendendo a que há mais uma declaração política, estaríamos dispostos a prolonga-lo até às 16 horas e 30 minutos para que nenhum dos partidos Ficasse prejudicado.

O Sr. Presidente: - A Mesa agradece a intervenção do Sr. Deputado, de qualquer modo julgo que não vai ser preciso prolongar este período até às 16 horas e 30 minutos, porque, de facto, só há mais uma inscrição.
Tem, pois, a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No termo da única legislatura que completou o seu ciclo constitucional, parece-me particularmente importante fazer o balanço da intervenção do meu grupo parlamentar na Assembleia da República. Trata-se, essencialmente, de apresentar contas ao eleitorado relativamente aos compromissos que perante ele assumimos.
No entanto, permitam-me ir mais longe e ser mais audacioso, levando a minha reflexão para o que, apesar de ter estado e estar permanentemente presente nas nossas palavras e na nossa acção, tem sido insuficientemente compreendido na sua correcta formulação e conteúdo.
Sempre nos acusaram de não termos ideologia. Reconheça-se, porém, que nunca nos referimos ao «ideário renovador» como um pensamento político sistemático e acabado. A verdade é que sempre insistimos nos nossos princípios e na nossa declaração de princípios.
É desses princípios que importa falar agora e saber até que ponto as ideias que lhe são ínsitas passaram a fazer parte do discurso e da acção política em Portugal. Por outras palavras, até que ponto são esses princípios e essas ideias um dado adquirido na ordem jurídica, política, económica e social do nosso país e em que medida poderão influenciar o futuro.
Em 1985 vivia-se «uma situação de crise profunda do todo português», crise que não era só económica e financeira, mas que tinha também a ver com o modo de funcionamento das instituições, com a credibilidade do Estado, com as relações sociais e humanas, enfim, uma crise geral de valores culturais, políticos, sociais e humanos.
Esta dimensão, mais grave e transcendente, de crise moral, afectava e pertubava, de modo cada vez mais inquietante, tanto as relações entro o Estado e a sociedade, como o próprio funcionamento do aparelho de Estado e os mecanismos de regulação das relações entre indivíduos ou entre grupos e classes sociais diferentes.
Tomava-se então imperioso «organizar um novo quadro de referências - nos planos ético-político, económico, social e cultural - capaz de mobilizar a confiança dos portugueses na sua efectiva capacidade de criar um presente

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melhor, mais harmonioso, mais justo e mais humano, e na vontade de preparar um futuro mais digno, uma sociedade mais equilibrada, onde os valores fundamentais da democracia, da liberdade, do progresso e da justiça se convertam, de meras referências ou de meros signos ideológicos, em práticas efectivas na actividade do Estado, na vida das empresas e das escolas, do tecido complexo das relações sociais e culturais».

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - A articulação de «um novo quadro de referências, identificava-se com a elaboração de um sistema de princípios e valores que, se devidamente organizados, hierarquizados e coordenados ao nível do Estado e da sociedade, poderiam constituir a estrutura de base de um modelo social e económico que apresentasse potencialidades alternativas viáveis».
Hoje, podemos afirmar que o núcleo essencial desses princípios e dessas ideias influenciou decisivamente uma nova arquitectura política e social, se bem que ainda incompleta, cujo reflexo maior são, sem dúvida alguma, os próprios comportamentos dos diferentes agentes.
Comecemos com o primeiro, princípio - o da «democratização real da sociedade». É precisamente em relação a esta ideia-base que obtivemos os maiores resultados. Com efeito, fomos nós quem mais contrariou as tendências de hegemonização do sistema político e do Governo pelos partidos.
Por outro lado, fomos nós que abrimos «novas perspectivas quanto à diversificação e aprofundamento dos modos de representação da vontade popular e quanto às formas de nomeação do poder, na sociedade e no Estado».
Se bem que muitas das nossas iniciativas não tenham sido impressas no Diário da República, quero recordar aqui algumas propostas fundamentais: a da alteração do Regimento da Assembleia da República, no sentido de reforçar os poderes de fiscalização do Parlamento, nomeadamente ao nível das comissões de inquérito; a do exercício do direito de petição, com a preocupação expressa de garantir a discussão das petições pelas assembleias das diversas pessoas colectivas públicas territoriais; a das candidaturas de independentes aos órgãos autárquicos e da limitação dos mandatos dos presidentes das câmaras municipais; a do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, verdadeira reforma estrutural do sistema político-partidário português, e ainda, entre outras, a lei quadro do processo de regionalização.
Outras iniciativas e sugestões foram avançadas neste capítulo. Refiro-me, entre outras, à ideia de dar aos cidadãos a possibilidade de escolher, de entre os candidatos apresentados pelos diversos partidos, aqueles que considerem representarem melhor os seus interesses; à realização de consultas directas ao eleitor; à prática interna do referendo partidário; ao respeito da liberdade e independência dos deputados, de tal forma que hoje essa prática vai sendo, a pouco e pouco, é certo, assumida noutras bancadas, e não só em relação a matérias de consciência.
Finalmente, gostaria de referir uma última ideia de que fomos persistentemente arautos e em relação à qual pouco ou nada se avançou - a do reforço da componente presidencial do regime. Não temos dúvidas, esta ideia acabará, mais cedo ou mais tarde, por ficar registada nas páginas da Constituição da República, porque o futuro, mais do que o passado e ainda mais do que o presente, nos dará razão.
Mas passemos ao segundo princípio - o do «primado do Homem sobre a economia». Não se avançou muito na sua concretização, o que não deixa de ser natural se atentarmos no facto de os últimos seis anos terem sido os da afirmação da sociedade de consumo e da «visão excessivamente tecnocrática e mecanicista» na sociedade portuguesa.
Seja como for, fizemos os avisos necessários, nomeadamente através dos debates e interpelações que promovemos e em que participámos em torno dos temas sociais. O impacte do futuro Mercado Único já se faz sentir e será cada vez mais real. Na discussão dos temas comunitários, insistimos particularmente na ideia de que é preciso fazer um esforço complementar, para compensar as consequências sociais da afirmação do modelo liberal vigente na Europa e do crescimento económico, que, apesar de tudo, se apresenta como absolutamente necessário para nos aproximarmos das médias comunitárias. Insistimos na ideia de protecção das camadas mais desprotegidas da sociedade portuguesa, desde os jovens aos idosos. A ideia é simples: «a economia deverá estar ao serviço do Homem e da sociedade, e não o contrário».
O que nos leva, necessariamente, ao terceiro princípio - o da «afirmação do trabalho como valor essencial». Proclamámo-lo, em diversas ocasiões, desde o momento em que era necessário resolver o problema dos salários em atraso, em relação ao qual apresentámos e fizemos aprovar um diploma exemplar, à discussão do último pacote laborai, nascido do recente Acordo Económico e Social. É preciso, e é essencial, ensaiar «novos modelos de diálogo entre o poder político, os trabalhadores e os empresários», pois não é possível nem desejável continuar a percorrer os caminhos da conflitualidade dialéctica entre uns e outros. É preciso «desenvolver novas dinâmicas embuídas de um espírito de verdadeira solidariedade social». Por outras palavras, é necessário, mais do que nunca, um novo modelo de empresa, onde o interesse e o papel do trabalhador e do empresário resultem na valorização dos objectivos comuns e na colaboração mútua.
Se assim não pensarmos, não é possível entender o quarto princípio - o da sequidade na repartição do esforço e dos seus frutos».
Com efeito, na superação das crises e agora em particular, no esforço de adaptação do País às realidades do Mercado Único, tem de haver não só uma «repartição equitativa dos custos económicos e sociais», mas também a «repartição equitativa dos benefícios que forem alcançados».
«Só tem significado socialmente justo e só são colectivamente aceitáveis os sacrifícios e os esforços de desenvolvimento do País, se forem satisfeitas as necessidades básicas da população», nomeadamente dos mais carenciados, ou seja, daqueles que mais dificuldades têm em prover ao seu sustento.
Honrámos, por diversas vezes, este princípio, e não só através de iniciativas legislativas, em que releva a proposta de uma nova fórmula de cálculo das pensões de velhice e invalidez e a garantia de um valor mínimo das mesmas. Por outro lado, fizemos da criança e dos deficientes lemas nacionais com dignidade própria para serem discutidos na Assembleia da República.
Conseguir um nível e uma qualidade de vida mais elevados para os Portugueses impunha, e impõe, uma

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atenção especial pelas gerações mais novas, pois é nos Portugueses e na sua formação e valorização pessoal e profissional que reside o segredo e a chave de um futuro melhor.
Daí que o quinto princípio apareça como sendo o da «imperatividade da reforma do sistema de educação», objectivo para o qual contribuímos amiudadas vezes, devendo realçar-se aqui a nossa participação, na legislatura anterior, activa e decisiva, na elaboração e na aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo.
Quanto à «dignificação dos cargos políticos», a nossa participação foi importante, através da apresentação de diplomas relativos ao seu estatuto e ao exercício das suas funções.
Finalmente, demos as nossas contribuições, nem sempre recusadas, para a resolução dos problemas com que se defronta a juventude portuguesa. É preciso um grande esforço para restituir aos jovens a confiança e respeito pela democracia e a esperança num futuro melhor.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste curto período de tempo, não é possível ir muito mais longe na avaliação dos resultados da nossa intervenção parlamentar. No entanto, gostaria de realçar que, apesar das limitações, ela abarcou todas as áreas, desde a saúde à defesa, e que se traduziu na realização de iniciativas tão diversas e originais como as relativas à comunicação social, à protecção civil, ao sistema fiscal, ao combate à corrupção, à cooperação externa, ao desporto e ao exercício e garantias de direitos e liberdades fundamentais.
Avaliámos e votámos as iniciativas presentes a esta Assembleia, de acordo com a sua validade intrínseca, subvalorizando o partido e o parlamentar que lhe deu origem. Esta nossa postura nem sempre foi bem compreendida, mas ela é reflexo directo dos nossos princípios e, simultaneamente, aquela que nos permitiu colocar o interesse nacional e a nossa consciência acima dos interesses pessoais e de partido.
Sem essa postura, não teria sido possível, por razões políticas, termos a coragem, que mais ninguém assumiu, por exemplo, de votar contra o diploma que previa a redução do serviço militar obrigatório. Fizemo-lo conscientemente, entendendo que essa lei não só viola a Constituição, como põe definitivamente em causa o único modelo de dissuasão e de defesa possível para Portugal, para além de vir a frustrar, na prática, as enormes expectativas criadas aos jovens.
Não fizemos tudo quanto desejávamos ter feito. O sistema impõe limitações. Não foi fácil, particularmente a partir de 1987, influenciar os acontecimentos com um reduzido número de deputados. Mas é preciso reconhecer que foi mais pela nossa postura, em particular neste órgão de soberania, do que pela nossa força eleitoral que conseguimos alcançar resultados para além do que seria de prever.
Portugal mudou muito nestes seis anos. Portugal continuará a mudar, se não se pensar, erradamente, que o nosso papel e as nossas contribuições estão esgotados. A nossa força e a nossa convicção mantêm-se. Continuaremos a ser fiéis aos nossos princípios. Se for possível, continuaremos a trabalhar por eles.
A sociedade portuguesa ainda espera muito daqueles que, em Tróia, rubricaram a declaração de princípios que corporizou o PRD.

Aplausos do PRD e do deputado independente Marques Júnior.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, admitindo que o Governo deseje estar presente no debate que se segue - como, aliás, decorria de vários contactos feitos -, sugeria que fosse feita uma troca de comunicações com o gabinete do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, informando-o de que se vai dar início ao referido debate. Pela nossa parte, esperaremos o tempo que for necessário, para que o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado cheguem ao Hemiciclo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa já linha estabelecido previamente o contacto com o gabinete do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares e foi informada de que o Governo pretendia estar presente no debate. Penso que, neste momento, estamos somente a aguardar que o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado percorram o espaço que medeia entre o seu gabinete e o Plenário.
Entretanto, posso informá-los de que, para o debate que se segue, sobre abusos do poder por pane do Governo, estão já inscritos os Srs. Deputados Alberto Martins, João Amaral, Barbosa da Costa e Narana Coissoró.
Dado que o Governo já está presente, penso estarem reunidas as condições para darmos início ao debate sobre abusos do poder por parte do Governo, debate este que foi solicitado pelo PS.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A tentação de uso das maiorias, com desprezo por uma cultura de diálogo, contraditória, tolerante e reflexiva, espelha a vontade de reduzir a democracia à pura forma maioritária, a qual, na secura da vontade estrita do mais forte, é a mãe de todas as intolerâncias e abusos.
A nossa democracia está doente. É vítima de abuso do poder por parte do governo do PSD, pois: que dizer de um governo que governamentaliza a comunicação social pública? Que dizer de um governo que se furta e repudia os poderes de controlo do Tribunal de Contas? Que dizer de um governo que foge aos poderes de fiscalização da Assembleia da República, impõe as regras do jogo parlamentar e favorece a diluição e atrofia das comissões fiscalizadores de inquérito? Que dizer de um governo que elege a regra ao clientelismo e do favor, como mecanismo de acesso à função pública e domínio do Estado? Que dizer de um governo que se desinteressa das regras de transparência da administração, do financiamento dos partidos e recusa soluções rigorosas de incompatibilidades nos cargos políticos? Que dizer de um governo que se substitui à função jurisdicional dos tribunais e se apropria indevidamente das verbas das autarquias locais? Que dizer de um governo que se casa com processos expeditos e ilegais em matéria de obras públicas? Que dizer de um

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governo que sonha com o segredo de Estado, como capa protectora dos segredos governantes, em vez de protecção residual dos interesses públicos essenciais da comunidade? Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Quando o Sr. Presidente da República denuncia o abuso do poder por parte deste Governo ao nível da comunicação social, fá-lo como uma denúncia em prol da liberdade, na convicção «de que o pluralismo e a isenção não estão a ser suficientemente observados, como determina a Constituição, em órgãos de comunicação social do sector público». E, particularizando o caso da RTP, o Presidente de República faz-se eco, em relação à governamentalização da RTP, «da manipulação dos telejornais, como uma prática constante, indigna de um país democrático, membro da Comunidade Europeia».

Aplausos do PS.

Acresce a todo o rol de críticas do Presidente da República o comportamento antidemocrático e vexatório para a democracia de um director do serviço público de televisão que gasta seis minutos para criticar, com insolência menor, uma mensagem do Presidente da República à Assembleia da República, noticiada durante três minutos e quarenta segundos. A inversão despudorada, e total, das regras e valores do comportamento democrático só pode, porém, manter-se pela cumplicidade anestesiarão de um poder que se identifica com tais procedimentos e abusos.
Com meridiana clareza, Cavaco Silva e o seu governo têm que vir dizer a público, com a coragem de que não têm dado mostras, e não fugindo mais uma vez às suas responsabilidades, como aconteceu esta manhã, se aceitam ou não as críticas do Presidente da República, o que pensam corrigir e quais as medidas que vão tomar para acabar com os abusos do poder de que são responsáveis.
Cavaco Silva e o Governo tem que esclarecer o legítimo incidente de suspeição difundida perante a credibilidade pública pelo Presidente da República, no que respeita à privatização, nomeadamente dos jornais JN e DN, para não falar do favoritismo na atribuição das rádios regionais, e qual a reflexão que o Governo faz quanto à suspeita de opacidade de processos e de sinuosas participações múltiplas e cruzadas, conducente a benefícios ilegais que favorecem a concentração dessas empresas, à margem da Constituição.
E se é certo que a escondida identidade de alguns dos compradores destes jornais evoca a manhã de nevoeiro de Alcácer Quibir, não fiquemos, enquanto é tempo, apenas pela memória do desenlace. O Sr. Primeiro-Ministro tem que ir, desta vez e definitivamente, na esteira da profecia de Bandarra e dizer ao que vem, o que se passou e quem são os encobertos.

Aplausos do PS.

Também o Tribunal de Contas foi objecto de gula governamental, quando os seus poderes de fiscalização foram legalmente reduzidos por este Governo, deixando o visto prévio de incidir sobre «apreciação se as condições (dos contratos) são as mais vantajosas para o Estado». O juízo de mérito desaparece, quedando-se apenas o visto do Tribunal pela apreciação da estrita legalidade, e mesmo esta é, quanto possível, e se possível, torneada ou evitada.
Bem pode reclamar o presidente do Tribunal de Contas, ao clamar que a dispensa sistemática do visto prévio (para as minutas dos contratos de empreitada a ele sujeitos, relativos ao Ministério da Saúde) põe em causa o próprio controlo financeiro que deixa de ter sistema.
A porta aberta para este sistema expedito vem, no entanto, e apesar disso, dando os seus passos e já de novo atinge situação clamorosa no Centro Cultural de Belém, dando assim razão ao dito premonitório do presidente do Tribunal de Contas, quando este diz que «o Governo opta por legislar, de modo a que cada serviço tem a sua lei; o que se diz ser a excepção é, afinal, a regra; o controlo financeiro deixa de ter sistema; e, como não há hoje demoras (nas obras), é legítimo pensar que são outros (que não a celeridade) os interesses e as razões que determinam medidas deste tipo».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os poderes fiscalizadores da Assembleia e os direitos personalizados de cooperação e de informação dos deputados, por sua vez, não têm contrapartida por parte do Governo e sendo o seu papel fiscalizador potenciado pelas comissões de inquérito, este é regularmente cerceado pelo Governo e pela maioria PSD que o suporta.
Assim têm sido criadas dificuldades na vinda, a trabalhos destas comissões, em prazo razoável, de documentação necessária ao exercício das suas competências e até a tentativa de total desvirtuamento da finalidade das comissões de inquérito.
Quando, na Assembleia da República, ocorre uma comissão de inquérito a alegadas ilegalidades no Ministério da Saúde e quando o desenrolar desse processo abre a hipótese de serem convocados à comissão, para depor, na base de novos dados entretanto publicitados, responsáveis notórios desse Ministério, e o acesso de documentos da investigação judicial, o PSD, em pura exibição de força, à margem das regras de procedimento contraditório e do dever de transparência, encerra a comissão e atribui a função relatora, em exclusivo, a um seu deputado, cominando, assim, o princípio do juiz paroquial em causa própria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Atitudes deste tipo vêm, aliás, na sequência de atitudes anteriores, de que se destaca a famigerada Comissão de Inquérito ao Fundo Social Europeu, também abruptamente encerrada, e dando lugar a um relatório igualmente branqueado e idílico, de suculenta tonalidade laranja.
Neste, como no caso do Ministério da Saúde, a opinião pública certamente se interroga, e por certo descrê, de uma comissão de inquérito, onde afinal, em conclusão e em resultado final, tudo correu mais ou menos bem, no melhor dos mundos possíveis, as irregularidades cometidas foram s«a bem da nação», enquanto que à volta, e nestes domínios, pululam notícias de fraudes, corrupções, acções judiciais e práticas nebulosas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à responsabilidade política do Governo, não se ouve falar dela nem se vê. Dizem que passou a monte, a altas horas da noite, sorrateira.
E tudo o que aconteceu, neste âmbito, ao nível do processo do Ministério da Saúde, susceptível de acusação do «crime de burla agravada, corrupção passiva, ilícito criminal geral, ilegalidade nos concursos públicos, eventual negligência», tudo se projecta apenas nalguns bodes expiatórios perante a inexistência de culpa do poder político.

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O Primeiro-Ministro, a Ministra da Saúde de então e porventura o Secretário de Estado fazem parte dos portugueses que seguramente de nada sabiam e em nada podem ser responsabilizados. Não há juízo político que atinja o Governo de que faziam, ou fazem, parte. As subtilezas da ironia, neste como noutros casos, nem sempre fazem rir, Srs. Deputados.
Mas há outras comissões de inquérito que a maioria impediu, ou objectivamente obstruiu. Significativamente, à televisão e à atribuição de canais regionais de rádio.
O clientelismo laranja e o aproveitamento da máquina de Estado foram um mal geral, nesta legislatura. Um dos seus momentos mais concentrados e insólitos é a gestão hospitalar sob direcção do Ministério da Saúde. Aqui, chegou-se ao descaramento de serem nomeadas pessoas sem qualquer qualificação profissional, ou até em contraste com a função para que eram chamadas a desempenhar, e no âmbito de critérios de arbitrária confiança pessoal.
Desde comerciantes de cutelarias a engenheiro mecânico, recém-licenciado em Direito, engenheiro de obras, recém-licenciado em Economia, funcionário dos serviços do IVA ou a coronel de cavalaria, tudo serviu para colocação na lista de espera das colocações. Poderíamos até, eventualmente, vermos serem recrutados para a gestão hospitalar, quem sabe, eventualmente, um calceteiro marítimo, um trapezista ou até um locador de flauta, se eles, eventualmente, fossem do PSD.

Aplausos do PS e do deputado independente Jorge Lemos.

Protestos do PSD.

Ora, num Estado democrático, não é admissível que um partido se solde à máquina administrativa e às empresas públicas, numa osmose clientelar, onde o privilégio do adepto e o tributo das simpatias ganha à competência e à legitimidade dos procedimentos.
Desde o inicio da legislatura o PS empenhou-se num claro objectivo de aperfeiçoamento do sistema democrático, de modo a garantir as condições da sua visibilidade institucional e as condições de um exercício imparcial e isento por parte dos agentes políticos.
Apresentámos, por isso, nesse âmbito e desde o início da legislatura, projectos de lei referentes às incompatibilidades dos membros do Governo e dos deputados, reforço dos poderes do Provedor de Justiça, acesso livre aos documentos da Administração e reformulação do financiamento da actividade dos partidos políticos. Este conjunto de iniciativas foi só timidamente acompanhado pelo PSD.
O governo de Cavaco Silva foi uma vez mais incapaz de assumir as suas responsabilidades. Impediu a aprovação de um sistema de regras de financiamento da política que superasse uma situação anómala e arcaica, preferindo a nebulosidade da situação actual.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PSD foi incapaz de adoptar regras de incompatibilidade que apontassem para a solução tendência! da exclusividade das funções políticas, como nós propúnhamos, e, por isso, e contra isto, cerca de 60 dias depois de ter sido aprovada, por unanimidade, nesta Câmara, uma lei de incompatibilidade de cargos políticos e altos cargos públicos, o PSD veio dar o dito por não dito, excepcionando o pessoal dos gabinetes dos membros do Governo, remetendo a disciplina desta matéria para legislação posterior. Naturalmente que a posterioridade desta legislação posterior do PSD não está inscrita nos horizontes temporais deste Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo foi ainda incapaz de, em tempo útil, criar as condições do exercício da transparência institucional da Administração Pública. O carrocei de influências, perverso, entre os que decidem, influenciam as decisões ou governam e os destinatários dessas decisões continuam, assim, a ter um caminho de percurso mais ou menos acessível, ou possível.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Constitui ainda abuso do poder, no âmbito autárquico, nomeadamente o caso da retenção reiterada de verbas do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF), legalmente destinadas aos municípios, previstas no Orçamento do Estado, em favor, por exemplo, da EDP, em que o Governo faz reter os valores apresentados a crédito pela EDP em relação aos municípios, sem atender às reclamações destes e sem precedência de decisão judicial que dirima o conflito, fixando quem é credor ou devedor e o respectivo montante do débito ou crédito.
Apesar de o Supremo Tribunal Administrativo já se ter pronunciado contra esta prática, julgando-a inconstitucional, o Governo continua a violar a autonomia patrimonial e financeira dos municípios e o princípio da reserva da função jurisdicional dos tribunais, consagrados na Constituição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Acresce que o Governo tem vindo ainda a fixar, unilateralmente, isenções ou reduções de impostos que constituem receitas dos municípios, sem proceder à respectiva compensação a favor daquelas entidades beneficiárias, em desrespeito pela lei, pela autonomia patrimonial e financeira dos municípios e o direito às suas receitas, consagradas na Constituição.
No âmbito dos transportes e obras públicas, segundo a imprensa, o Ministro Ferreira do Amaral, sob grande segredo, determinou à inspecção do Ministério a abertura de um inquérito a actos de gestão do conselho de gerência da CP.
O inquérito refere-se à intervenção da administração da CP no concurso para a sinalização electrónica do nó ferroviário do Porto, no processo de aquisição de equipamento automático de controlo de velocidade e em empreitadas relativas a fornecimentos para o programa de renovação da via.
Porque será que o Ministro Ferreira do Amaral-que mandou fazer isto em Março -, dentro das atribuições de one num show inaugurativo, e tendo sido tão lesto a abrir este mais do que necessário inquérito, nunca mais torna públicas tais conclusões?...
Os Portugueses têm direito a que, desta vez, o Ministro inaugure as estradas da verdade sobro o que leva os Portugueses a viajar cada vez pior na CP e em menores condições de segurança.
Os Portugueses têm ainda direito a saber por que razão o Governo escolheu a proposta mais cara, em cerca de 4 milhões de contos, e com maior prazo de execução, para

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a empreitada de construção da barragem de Odeleite, apesar da comissão técnica de avaliação ter defendido que a valia técnica dos dois concorrentes era idêntica.
O Governo tem que esclarecer os resultados dos inquéritos do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações ao trabalho realizado na sala VIP do Aeroporto de Lisboa, pela ANA, com o recurso ao regime de administração directa, numa obra cujo custo final foi superior a 250 000 contos. Além deste há outros exemplos, como a empreitada da CRIL, as quais cominam uma prática de soluções expeditas a que este Governo vem recorrendo, numa invocada «urgência operacional das obras», a qual faz tábua rasa da legalidade, das precedências de concurso ou consulta e sem forma legal.
Quantos milhões de contos a mais custa ao País a febre inauguracionista de quem não programou a tempo? No Centro Cultural de Belém, sabemos que foram 10 milhões de contos de desperdício, por conta da imprevidência.
Só por isso este Governo deve um conto de réis a cada português!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E não foi o PS que tirou esta conclusão mas o próprio presidente da empresa que gere a obra.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Mausoléu de Belém, dito Centro Cultural- cuja sombra necrófila se projecta sobre o nosso autêntico património histórico pátrio, como parece ser reconhecido internacionalmente - tem sido a expressão acabada de soluções e encargos assumidos pelo IPPC que, e cito, «não foram objecto de concurso ou consulta, nos termos em que a lei geral o impõe, nem os contratos respectivos redigidos a escrito».
O que se passou foi a fuga ao controlo democrático. Tudo foi organizado para fugir ao Tribunal de Contas e ao controlo parlamentar. O Mausoléu de Belém lesa a paisagem, a cultura, a história e a seriedade da democracia portuguesa.

Aplausos do PS.

Finalmente, não tivesse a opinião pública e o Parlamento feito eco dessa estranha aberração que é o projecto de lei do PSD sobre o segredo de Estado, cuja elaboração veio a saber-se ter sido insolitamente congeminada no Ministério da Justiça, e teríamos uma nova moldura para os abusos do poder.
No desfile dos segredos de Estado do PSD, a fazer fé no seu projecto legislativo, teríamos o abuso do segredo de Estado. Perdões fiscais, agravamento de impostos, punições fiscais, adjudicação ou preterição de empreitadas de obras públicas, inquéritos fiscais judiciais ou parlamentares, publicidade de certos actos do Governo, compra de material de guerra ou até alteração do preço da gasolina, tudo isto poderia caber no cesto largo do segredo de Estado.
A democracia livrou-se disso, no limite, e o PSD, pelos vistos, já se envergonha de prosseguir na iniciativa, porque a deixou cair e fá-la - e bem! -, neste caso, jazer em paz. Que a terra lhe seja leve, pois senão, em vez do segredo do Estado, teríamos um regime de Estado do segredo, cúmplice directo dos segredos dos governantes, dos actos do Governo, da sua impunidade e dos seus abusos.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O exercício do poder e dos poderes na democracia faz-se de um modo concorrencial, cujo equilíbrio assenta no pluralismo, na deliberação contraditória e na visibilidade dos actos das instituições e dos seus titulares. A margem de manobra das maiorias políticas não pode, por isso, evaporar-se na voragem de quaisquer apetites exclusivistas ou totalizantes. O uso do poder que nasce nas margens da ilegitimidade, em veredas que se afastam ou furtam ao rigor das leis, e acena aos prodígios do arbítrio é abuso do poder.
Este Governo é um governo de abuso do poder que anestesia a democracia. Vai ter o destino que merece. Os Portugueses vão usar do seu poder para acabar com este abuso.

Aplausos do PS e do deputado independente Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, o Sr. Deputado José Pacheco Pereira, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares e os Srs. Deputados Luís Filipe Meneses Lopes, Narana Coissoró e Sottomayor Cárdia.
Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro): - Sr. Deputado Alberto Martins, como sabe, não é normal que o Governo compareça aos agenciamentos que os partidos fazem, sejam eles da oposição ou do partido que apoia a maioria.
Desta vez, no entanto, dado que se anuncia um grande debate sobre abuso do poder, pareceu-nos que o caso merecia a nossa presença. Aliás, este debate foi longamente noticiado, ainda hoje de manhã, pela rádio e pelos jornais, e nós pensávamos que daqui iriam sair coisas novas, importantes, graves, porventura gravíssimas. Entendemos, portanto, devermos estar aqui, neste lugar, para dar as respectivas respostas.
Pois bem, ouvi o seu discurso, Sr. Deputado Alberto Martins, com a atenção que ele sempre me haveria de merecer e pude constatar que V. Ex.ª veio aqui falar de coisas «novíssimas»: da mensagem de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República à Assembleia da República, da governamentalização dos meios de comunicação social, do não respeito pelo regime de concurso nas obras públicas, da apropriação indevida de dinheiros que cabem e são das autarquias locais, da concentração de empresas de comunicação social, da febre inauguracionista e, certamente, de mais alguma coisa. Foi disto que tomei nota e me pareceu mais importante.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - E isso é pouco?! Já é bastante!

O Orador: - Sr. Deputado Raúl Rêgo, admito que tenha falado de mais coisas, mas o Sr. Secretário de Estado Adjunto também tomou notas e, certamente, poderá referir mais.
O que me parece evidente é que aquilo que o PS aqui, mais uma vez, veio fazer foi - perdoe-me a Sr.ª Deputada Edite Estrela, que por acaso não se encontra aqui presente, esta expressão - uma reprise.
A política, sobretudo a política de sucesso, deve basear-se em actos criativos e inovadores, em coisas novas que

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diariamente se fazem. Deve basear-se em estreias. Mas o PS traz aqui hoje à cena uma reprise. Vem aqui dizer coisas que já disseram algumas quatro, dez ou, porventura, mais vezes.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ah! Já as sabia todas!

O Orador: - Mas vamos ver, um a um, os factos que aqui citou.
Em primeiro lugar, quanto à mensagem do Sr. Presidente da República a esta Assembleia, todos os partidos sobre ela se puderam pronunciar no próprio dia em que aqui foi lida.

O Sr. Narana Coissoró (CDS) - Menos o Governo, que não esteve presente!

O Orador: - Eu, nesse dia, estava no estrangeiro, Sr. Deputado Narana Coissoró. Se assim não fosse, teria cá estado, com todo o gosto.
No dia seguinte, houve aqui um debate - aliás, promovido pelo CDS - e hoje, de manhã, esta matéria foi aqui chamada perante o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Que nada disse!

O Orador: - Enfim, tem sido recorrentemente discutida desde que foi aqui lida, embora o PS venha trazê-la aqui, mais uma vez, como coisa nova. Sobre a questão em si, Sr. Deputado, não vou dizer-lhe mais do que aquilo que disse aqui esta manhã o Sr. Primeiro-Ministro.
Mas gostaria que ficassem claras duas coisas: em primeiro lugar, o PSD inaugurou em Portugal uma época nova de diálogo e de cooperação institucional, quer com a Assembleia da República, o que ficou demonstrado nos números que hoje de manhã aqui foram trazidos, quer com o actual Presidente da República, tanto no actual como no anterior mandato. Aliás, nesta matéria vamos manter a mesma postura e não é uma eventual divergência de opinião sobre uma qualquer matéria que vai tirar-nos deste caminho que achamos ser mais útil ao País.
Em segundo lugar, o que isto revela é que o PS retoma aqui a sua estratégia quanto às eleições presidenciais.
É sabido por toda a gente que o PS quis fazer das eleições presidenciais a muleta de que julgava necessitar para vencer as eleições legislativas. Não o conseguiu até agora e achou que, miraculosamente, lhe caía do céu um facto que o poderia fazer retomar aqui a estratégia de muleta, de ajuda necessária para as eleições legislativas. Devo dizer que, do meu ponto de vista, não vai acontecer assim!

Protestos do PS.

Em terceiro lugar, o Sr. Deputado Alberto Martins falou dos concursos das obras públicas. Dir-lhe-ei que há três obras que foram aprovadas em Conselho de Ministros sobre as quais foi decretada a dispensa de concurso, mas não, obviamente, os outros mecanismos. Foi o caso da reparação do molhe de abrigo da praia da Baleeira, das defesas de emergência na ilha de Faro e na praia da Valgueira, do tabuleiro da ponte rodoviária sobre o Tejo e do alargamento do actual tabuleiro da ponte da Arrábida. Tudo isto soma 750 000 contos.
Sr. Deputado Alberto Martins, referir - mesmo nas condições em que são feitas - a dispensa de concurso de 750000 contos de obras num governo, em que se tem adjudicado centenas de milhões de contos de obra, é um exagero dos que, habitualmente, o PS costuma usar!
Em relação à concentração de empresas da comunicação social, eu não sei o que se passa, mas sei que foram vendidos, em OPV, jornais estatizados. É curioso - e queria notá-lo - que o PS venha aqui falar de concentração de empresas, quando, há alguns tempos, houve um projecto em Portugal, que se chamava Emaúdio, que visava a produção gráfica, a televisão, a rádio e os jornais e, nunca, nessa altura, se falou em concentração de empresas, nem nunca isso preocupou o PS!
Falou também o Sr. Deputado das autarquias locais, mas não tenho tempo de lhe citar as verbas que, hoje em dia, passam do Governo para as autarquias locais e aquelas que passavam em 1985!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino dizendo que o caminho que o PS escolheu é um mau caminho. O PS não fará por aqui a sua vitória! Aquilo que o PS tem feito são discursos gastos e que já nos cansámos de ouvir. Por esta razão, não concordei com quase nada daquilo que disse, hoje de manhã, o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia. Mas concordei com uma frase sua e acho útil que o PS, para seu próprio governo, a retenha. O Sr. Deputado Sottomayor Cárdia disse, com propriedade, esta manhã, que sem democracia não conta aquilo que se diz, mas aquilo que se faz». Tomem esta lição para VV. Ex.ªs!

Aplausos do PSD.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Ministro, vou dar-lhe um exemplo de uma situação extremamente grave, que é a seguinte: os senhores, sem lei, sem regulamentação, sem justificação, sem motivo de interesse público determinaram que, por mero despacho interno, funcionários públicos de numerosos ministérios - e não apenas os dos Ministérios da Defesa Nacional, Negócios Estrangeiros e Administração Interna - não possam prestar declarações sobre o que se passa nos serviços, inibindo-os, dessa forma, de prestarem ao País a contribuição de informar sobre as carências dos seus próprios serviços.
Ora aí tem, Sr. Ministro, um exemplo daquilo que os senhores fazem, sem dizerem!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, julguei que, quando o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia pediu a palavra, porventura iria negar-me e iria dizer que não afirmou aqui aquilo que eu pus na sua própria boca. Verifico, no entanto, que isso não foi feito.
Consequentemente, mantenho o que afirmei, ou seja, aquilo que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia disse aqui esta manhã - no que estou plenamente de acordo - foi isto: «Em democracia não conta aquilo que se diz, mus aquilo que se faz.»
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que penso que estas palavras são, sobretudo, apropriadas para o seu partido!

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Pacheco Pereira.

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins é um verdadeiro retraio do impasse político em que se encontra o Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se ela não existisse, dificilmente teríamos um retraio tão perfeito. É uma intervenção triste e repetida, através da qual o Partido Socialista, num momento em que atravessa sérias dificuldades, pensa conseguir fazer como aqueles jovens do Hare Krischna que acreditam que, repetindo o nome de Deus em quantidade suficiente, Este descerá à Terra para salvar os humanos.
Os Srs. Deputados do Partido Socialista resolveram ultrapassar, ou tentar ultrapassar, os seus impasses políticos repetindo sempre as mesmas coisas, convencidos de que alguma diferença qualitativa introduziam na vida política portuguesa.
Compreendo que é triste estar na situação em que o Partido Socialista se encontra neste momento. Estamos a poucos meses de eleições, o Partido Socialista está em dificuldades com as sondagens, seja qual for o valor que lhes atribuamos como tendência geral, e o Dr. Jorge Sampaio, por mais tempo que tenha na televisão a dançar, a falar ou a prometer resolver num ano problemas em que, aqui, os senhores criticaram o Governo por este ter pedido idêntico tempo para resolver - como é o caso do Alqueva -, não consegue impor-se como um líder aceite pelo País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto, para além do espectáculo degradante das listas. Porque nem é tanto a competição pelos lugares públicos e a forma, nua e cruel, como essa competição se fez. É mais: a falta de respeito que o Partido Socialista tem por si próprio e pela vida política do País, ao não ter feito absolutamente nada para minimizar um espectáculo que, notoriamente, era degradante e que atinge não só os senhores como também a vida política portuguesa em geral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para além do mais, em matéria substantiva, ou seja, em alternativas substantivas ao Governo, o Partido Socialista caiu na mais completa demagogia. As sete medidas do Dr. Jorge Sampaio, e aquelas que ele vai acrescentando todas as vezes que lhe fazem uma pergunta, são indignas de um partido que quer ter credibilidade em vésperas de eleições.
Portanto, somando tudo isto, poderemos dizer que o Partido Socialista está num momento difícil e a primeira das tentações é a de disfarçar na manipulação alheia aquilo que é impotência própria e para isso os senhores têm de ter um bode expiatório. Assim, este discurso sobre os abusos do poder é um puro discurso de bode expiatório, no qual os senhores projectam muito mais a vossa própria impotência do que as críticas que fazem ao Governo.
Mais: o vosso discurso começa a ser o da preparação psicológica para a derrota, inclusivamente no interior do Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores estão a começar a dizer aos vossos militantes que vão perder as próximas eleições, porque o Governo manipula a televisão, porque o Governo abusa do poder. Portanto, o demérito de perder as próximas eleições não é da direcção do partido mas, sim, das malfeitorias do Governo e do PSD.
É exactamente este o único aspecto novo da intervenção do Partido Socialista nos últimos dias, ou seja, a tentativa de começar a explicar que vai perder as próximas eleições, porque o PSD abusa do seu poder político, esquecendo-se, inclusive, que este teve um bom resultado nas eleições autárquicas - quando muitas das coisas que agora os senhores denunciam, segundo o vosso próprio entendimento, já existiam nessa altura - e nas eleições para o Parlamento Europeu, num contexto muito semelhante.
É exactamente por isso que não podemos aceitar o discurso do «bode expiatório».
Os Srs. Deputados do Partido Socialista têm de compreender que, quando não se utilizam os instrumentos institucionais, não se pode falar dessa forma. Aliás, choca-me que os senhores vejam por tudo e por nada abusos do poder e não mostrem a mínima preocupação em desencadear os mecanismos institucionais ao dispor da oposição, nomeadamente as leis, os tribunais, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, para revelar esses abusos do poder!

Vozes do PS: - Ora essa!...

O Orador: - Os senhores só tinham razão se utilizassem, em primeiro lugar, esses instrumentos institucionais e depois tirassem as devidas conclusões, se, na utilização desses instrumentos, se verificasse que tinham razão. Assim, os senhores estão a preparar a opinião pública e a opinião do vosso próprio partido para tentar sobreviver politicamente, depois de uma derrota eleitoral em Outubro próximo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Respire fundo!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - O Sr. Deputado quer respirar fundo? Eu não quero que V. Ex.ª fique aborrecido e preocupado quando intervenho. Quero que V. Ex.ª fique satisfeito, como penso que estará satisfeito, com certeza, com a acção do Governo, só que não quer confessá-lo!
Gostaria de analisar um pouco mais detidamente a intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins, meu querido e velho amigo, porque nela descobri algumas coisas com as quais fiquei preocupado.
Em primeiro lugar, deve ter sido muito penoso para o Sr. Deputado Alberto Martins fazer um discurso destes, até pela própria postura com que se colocou. O Sr. Deputado assumiu um ar de carmelita descalça, pôs um baraço à volta do pescoço e veio aqui pedir perdão pela ineficácia da sua oposição e pela inexistência política da sua liderança.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Já vem sendo hábito a falta de ideias políticas concretas, por parte do seu partido. De qualquer forma, o Sr. Deputado nem é dos mais «pobres» nesta matéria. Aliás, reconheço-lhe grande capacidade de gerar algumas ideias políticas e até de resolver problemas importantíssimos do PS, como seja, por exemplo, o das listas,...

O Sr. António Guterres (PS): - Não fale muito que vêm aí as vossas!...

O Orador: -... pois foi graças a si que o País viu realizado alguns dos seus objectivos essenciais.
Mas, na verdade, o Sr. Deputado Alberto Martins divagou e isso suscitou-nos, imediatamente, um conjunto de três questões que, com toda a seriedade e frontalidade, lhe coloco: onde, como e quando é que a Assembleia da República foi impedida de fiscalizar o Governo?

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Sim. É verdade!

O Orador: - Onde, como e quando é que os tribunais foram impedidos de funcionar? Onde, como e quando é que, em Portugal, foi reprimida a liberdade?
Se V. Ex.ª me responder afirmativamente a estas ires questões, lerá, eventualmente, razão em dizer que a democracia está doente! Mas o que vejo, Sr. Deputado Alberto Martins, é que V. Ex.ª diz que a democracia está doente não por isso mas porque, para o Sr. Deputado, a doença da democracia é a sua eficácia e a saúde da democracia é a incapacidade. Estamos, perfeitamente, entendidos!...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porém. V. Ex.ª esqueceu-se de algumas coisas essenciais, que me permito relembrar-lhe.

O Sr. António Guterres (PS): -O que?... Fizeram mais malandrices que nas não saibamos?!...

O Orador: - Nós, para além de todas as coisas a que V. Ex.ª chama «malandrices» e que foram boas e positivas para bem do povo português, fizemos ainda o seguinte: aperfeiçoaram-se vários mecanismos de actuação a nível da revisão constitucional para defesa dos mecanismos de controlo democrático; aumentaram-se os poderes do Tribunal de Contas, esse mesmo tribunal de que V. Ex.ª agora fala; aumentaram-se os poderes do Provedor de Justiça; construiu-se o primeiro sistema completo de incompatibilidades, no qual VV. Ex.ª e eu tanto trabalhámos- aliás, o primeiro sistema de incompatibilidades completo que a República Portuguesa conheceu foi com esta maioria e não com nenhum governo socialista (mas, com certeza, VV. Ex.ªs esqueceram-se de fazer isso quando eram governo, mas nós lembrámo-nos!...); finalmente, garantiram-se as liberdades fundamentais.+

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, já ultrapassou o seu tempo.

O Orador: - Terminarei rapidamente, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Alberto Martins, apesar de já não dispor de tempo e de a Mesa impedir-me de continuar, gostaria ainda de dizer-lhe quatro coisas fundamentais que, penso, são o objectivo que o PS quer.
Em primeiro lugar, o PS, já que não é capaz de realizar, quer impedir os outros de fazê-lo; em segundo lugar, o PS, já que não gere ideias, desertifica e banaliza o debate político; em terceiro lugar, o PS, já que não é capaz de conduzir-se a si próprio, apanha a primeira boleia que lhe oferecem; em quarto lugar, o PS, já que não é poder, quer branquear a sua imagem, substancialmente enegrecida, e falar de abusos do poder.
No fundo, o que p PS queria hoje, aqui e agora, era poder cair no esquecimento!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, a Mesa não pretendeu impedir V. Ex.ª de continuar. A Mesa, com a dose de bom senso, que é razoável, tudo fará para dignificar esta Casa, por isso devemos respeitar as regras estabelecidas.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares:-Sr. Presidente, a última coisa que eu queria fazer na vida era colocar algum labéu à Mesa e abusar das suas prerrogativas. O que pretendi dizer, quando referi que a Mesa estava a impedir-me de continuar, foi que estava a fazê-lo no uso dos seus poderes regimentais. Portanto, não foi qualquer censura mas. antes, coonestar e cumprir aquilo que a Mesa determina, em cumprimento dos deveres regimentais.

O Sr. Presidente: - Estamos perfeitamente compreendidos. Sr. Secretário de Estado.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses Lopes.

O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dar publicamente uma explicação relativa a uma certa heterodoxia quanto ao comportamento da minha bancada nos últimos dias.
Assim, faço questão em falar de nuca voltada para as câmaras da televisão, na medida em que não quero deixar de recuperar para o «Estado laranja» a prerrogativa de que a nuca de um social-democrata responsável pela direcção da bancada do PSD possa ser equiparada com a ilustre nuca do deputado Carlos Brito, que, durante tanto tempo nesta Câmara, se vangloriou de ter a nuca mais conhecida de Portugal!...

Risos do PSD.

Nós, fazendo jus às criticas da oposição,... pois ainda julgamos que em 15 dias podemos recuperar essa prerrogativa...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... e porque, além disso, a minha nuca não é mais feia do que a do Sr. Deputado Carlos Brito!...

Risos do PSD.

Em relação a este debate, penso que é necessário recuar no tempo e, se possível, ir ao inicio da legislatura, para constatar que, neste momento, este é um debate lógico se olharmos para o comportamento das oposições, particularmente da oposição socialista, durante os últimos quatro anos.

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Há quatro anos atrás, o PSD tomou conta do governo do País e, utilizando a sua maioria, «oprimiu» fortemente as oposições...; criou condições para que, durante quatro anos, «nenhum dos partidos com assento parlamentar tivesse possibilidade de emitir opiniões» sobre as questões mais candentes do Estado...; durante estes quatro anos, o País «andou para trás»; o nível de vida dos Portugueses «degradou-se»; a qualidade de vida dos Portugueses «afastou-se» da média comunitária; os Portugueses «estão a caminho da miséria das misérias», reconhecida por todas as instâncias independentes internacionais que olham para este país pequenino no Ocidente da Europa!...
Para além de tudo isto, o PSD «inundou» o aparelho de Estado, «inundou» a Administração, de funcionários, de empregados do partido, de homens com a «camisola laranja», ...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - De yesman!

O Orador: -... que, com a sua «incompetência», fizeram com que o País estivesse no «caos» em que está!
A oposição, liderada pelo PS, durante quatro anos, com o povo ululando atrás de si, projectou esta «realidade». Portanto, não é de estranhar que apareça, no fim da legislatura, um agendamento com esta classificação, ou seja, não é de estranhar que esta matéria tivesse sido deixada para uma altura tão nobre como é a do fim da legislatura!
E vemos também, como disse o meu companheiro José Silva Marques - e é por isso que ele está ausente, pois não queria fazer a mea culpa -, as bancadas «cheias» de um povo que adere a esta mensagem do PS..., a esta spreocupação» pelo regime democrático..., a este acompanhamento das «preocupações» que o PS tem em relação a este inacreditável - e inacreditavelmente sustentado durante quatro anos - abuso do poder por parte do PSD!...
Vemos também a bancada da comunicação social, em contraste com o debate sem interesse» desta manhã, «cheia» de jornalistas atentos, venerados e preocupados com a democracia portuguesa!...
Vemos as bancadas da oposição «cheias» de deputados, que julgam que este é o derradeiro debate, aquele que, se for ganho, permitirá a «grande viragem» no sentido da democracia e do pluralismo defendidos pelas oposições, nomeadamente pelo PS!
Penso que esta é a grande «vitória» deste debate! Portanto, nem sequer vou entrar nas questões concretas, que, timidamente, o Sr. Deputado Alberto Martins abordou, e que já foram contestadas pelo meu companheiro José Pacheco Pereira.
Assim, a única coisa que faço, para terminar, não é uma pergunta mas, sim, uma provocação, no bom sentido: ontem, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, ficou provado que a relação institucional correcta entre o Sr. Presidente da República e as oposições, entre o Sr. Presidente da República e a maioria, entre o Sr. Presidente da República e o País, é uma relação normal, é uma relação que está de acordo com a estabilidade que a maioria do PSD soube dar ao País. O Sr. Presidente da República não deu uma comenda ao Sr. Deputado Alberto Martins pelo serviço que este está hoje a prestar ao Partido Socialista, o que fazia com que ele merecesse essa comenda, porque o Sr. Presidente da República não é parcial.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Narana Coissoró, para pedir esclarecimentos, informo que às 18 horas e 30 minutos precisas, no meu gabinete, haverá uma conferência dos representantes dos grupos parlamentares.
Para pedir esclarecimentos, tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Alberto Martins: Julgo que V. Ex.ª , em nome do Partido Socialista, fez aquilo que, na ciência política, é conhecido por gesto de savonerolla.

Risos.

Savonerolla foi um crítico de Lorenzo de Médicis que, tendo vivido uma existência cheio de abusos de Lorenzo de Médicis, quis, antes de pôr termo ao seu magistério, fazer um rol de queixas, que terminava dizendo: «Para que não digas que não sabias.»
O Partido Socialista tem, como o maior partido da oposição, a obrigação estrita, politicamente, de, no fim da legislatura, fazer um rol de críticas dos abusos praticados pelo Governo, para que ele não diga, amanhã, que a oposição apenas andou a falar dos abusos sem os concretizar, devidamente, na Assembleia da República.
É uma obrigação estrita das oposições, aqui, neste lugar e neste tempo, apresentar esse rol de queixas para que o Governo, durante a campanha eleitoral, não diga que as oposições não concretizaram esses abusos e, por isso, ele não sabia quais eram.
Estamos todos agradecidos por este gesto, independentemente do tratamento que a comunicação social vai dar - ou pode dar - a este gesto.
Em segundo lugar, penso que este debate também é importante para o Governo. Ouvi ontem à noite, na Rádio Renascença, o Dr. Mário Montalvão Machado e ouvi hoje de manhã, na TSF, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Como sou ouvinte atento das declarações destes ilustres políticos, fixei que, ontem, o Dr. Mário Montalvão Machado disse estar à espera da concretização dos factos para hoje, na Assembleia da República, o Governo e a bancada do partido que o apoia poderem responder, cabalmente, em diálogo directo, às acusações da oposição, pois tudo não passaria de mero «folclore parlamentar».

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Eu não disse isso!

O Orador: - Não foi esta a expressão, mas peço licença para dizê-la.
Hoje de manhã, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares disse também que estava à espera de queixas concretas para poder responder à oposição.
Pois temos agora um grande rol dos abusos que a oposição, durante estes quatro anos, tem vindo, pontualmente, a apontar ao Governo. Foi hoje o momento de os elencar. Têm agora, tanto o presidente do Grupo Parlamentar do PSD como o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, a oportunidade de os rebater, como prometeram através de órgãos de comunicação social ontem à noite e hoje de manhã.
Queria apenas acrescentar que gostaria de ver rebatida pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, em nome

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do Governo, um assunto a que, hoje de manhã, o Sr. Primeiro-Ministro não teve a oportunidade de responder - ou respondeu de uma maneira que pouca gente compreendeu.
O CDS foi o primeiro partido que pediu a demissão do Sr. José Eduardo Moniz e o Sr. Primeiro-Ministro disse que esse pedido era ilegal. V. Ex.ª, que é um jurista e não um economista, que não trabalha com máquinas de registar mas, sim, com leis. sabe perfeitamente que uma das atribuições da tutela-e ainda existe a tutela da empresa pública RTP peto Governo, através do ministro do pelouro - é velar pela legalidade e pela observância do estatuto das empresas públicas.
Ora, o Sr. José Eduardo Moniz permitiu-se fazer uma declaração no serviço público de TV, para responder à mensagem do Sr. Presidente da República. Nas entendemos que isso viola os estatutos e a Lei da Televisão actuais e viola não só a legalidade a que estão sujeitas as empresas públicas como a legalidade da própria tutela. Isto é, a tutela tem de respeitar e fazer respeitar as leis que se aplicam às empresas públicas.
V. Ex.ª vai aqui explicar, se faz favor, onde está a ilegalidade do pedido do CDS, ao verberar o comportamento do Sr. José Eduardo Moniz e ao pedir a sua demissão por ter excedido, intoleravelmente - e ter violado -, a Lei da Televisão e, acima de tudo, ler violado a ética constitucional e o respeito pelo Sr. Presidente da República.

Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer e identificar-me com as palavras do Sr. Deputado Narana Coissoró, pois do que se trata, efectivamente, é de estabelecer um rol dos abusos do poder -deste poder -, que continuam a verificar-se.
Constato, aliás, que a minha intervenção mexeu com a consciência dos Srs. Deputados do PSD e dos Srs. Membros do Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E mexeu-lhes com a consciência, dado que tiveram alguma perturbação na resposta, o que os levou ao insólito de não terem recusado nenhuma das acusações que lhes fiz.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - O que aconteceu - e nisso têm razão - foi que eu fiz um discurso novo sobre vícios velhos. Nisso têm razão!... Os vícios suo velhos, tem longa data e continuam a manifestar-se!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - A vossa confissão e autocrítica merecem o meu reconhecimento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente ao discurso do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e às matérias nele versadas, devo dizer o seguinte: quanto aos concursos de obras públicas, o presidente do Tribunal de Contas, com a autoridade indiscutível que lhe é reconhecida, tem vindo a denunciar a prática ilegal, imoral e inaceitável de ausência de concursos públicos. E cito-lhe dois exemplos retumbantes, que V. Ex.ª conhece, onde isso se verificou, com largos milhões de contos envolvidos, como foi o caso do Centro Cultural de Belém e o Hospital de São Francisco Xavier.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isto basta! V. Ex.ª sabe isso e não pode fugir a estas questões!
Quanto aos projectos de empresas de comunicação social privadas, a questão que aqui se levanta - e V. Ex.ª colocou essa questão-não é a da possibilidade de o sector privado agir como bem entende (a EMAUDIO ou outro qualquer) dentro da liberdade comercial ou industrial natural de qualquer empresa privada mas, sim, o facto de ter havido um cordão umbilical do sector público para o sector privado, cujo corte, cujas sinuosidades, cujas regras, cuja fluidez não estão esclarecidos.
V. Ex.ª não esclareceu, e nós continuamos à espera!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não pode fazê-lo!

O Orador: - Sr. Deputado José Pacheco Pereira, invoquei, há pouco, os tocadores de flauta para um previsível emprego do PSD, mas essa não é a sua função, pois admito atribuir-lhe uma função mais nobre. No entanto, de há uns tempos a esta parte, o Sr. Deputado dá ares de oráculo...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Dalai Lama!

O Orador: -... e vem dizer sempre a mesma coisa num tom religioso, prometendo cataclismos à oposição, com uma religiosidade impenitente que não sabemos de onde vem. Essa religiosidade, se calhar, tem origens históricas precisas, mas. quanto a esta matéria, o Sr. Deputado tem de perceber que, em Portugal, não há impunidade. Sr. Deputado, tenha paciência, mas em Portugal não há impunidade!
Os abusos cometidos contra o Tribunal de Contas, ao nível da comunicação social, nas comissões de inquérito verificadas na Assembleia, ao nível do recrutamento de quadros políticos, são inaceitáveis numa democracia moderna.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares fez também uma referencia aos bloqueamentos da Assembleia da República, invocando as «carmelitas descalças», porventura, a meu ver, com a proximidade cultural de ter, eventualmente, visitado ou vivido próximo da casa onde reside a Irmã Lúcia, que é uma carmelita descalça. Reconheço-lhe essa influência, aceito-a e respeito-a!
Com certeza, não vai esperar que eu lhe diga aquilo que V. Ex.ª já sabe. Só que está a não querer saber por razoes puramente políticas, mas a sua consciência sabe que assim é!
A comissão eventual de inquérito ao Ministério da Saúde, a Comissão Eventual de Inquérito às formas de que se revestiram o lançamento e o desenvolvimento de

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iniciativas susceptíveis de comparticipação do Fundo Social Europeu, a comissão eventual de inquérito à atribuição de canais das rádios regionais foram deturpadas nas suas finalidades e funcionamento ou, então, grave, insólita e antidemocraticamente bloqueadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª não fará também o ar angélico, inspirado pelas «carmelitas descalças», de pensar que o Tribunal de Contas tem mais poderes, pois é um jurista atento e sabe que foram cerceados os poderes desse Tribunal. Aliás, no meu discurso acabei por citar isso ao falar nesse cercear da capacidade de apreciação, em matéria de mérito, por parte das contas públicas. Aí fiz a citação precisa do Sr. Presidente do Tribunal de Contas.
V. Ex.ª não me levará a mal que lhe reconheça a ele maior autoridade para saber se as suas competências são maiores ou menores. Ele diz que são menores!
Quanto às liberdades - as doces liberdades! -, o PSD até a liberdade dos polícias queria cercear. E vem o Sr. Secretário de Estado falar-me em liberdades!...

Risos do PS.

O Sr. Deputado Luís Filipe Meneses Lopes, devo convir, fez uma boa descrição contra o Governo, com a qual, no essencial, estamos de acordo. Apenas a consideramos, talvez, um pouco exagerada!...

Risos do PS.

Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Enumerei um rol de abusos e VV. Ex.ªs não responderam a um único.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa anotou diversos pedidos de palavra e eu gostaria de saber com que fim.
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - E o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares?

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Para o mesmo efeito, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses Lopes?

O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Para o mesmo efeito, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração - e peço que tenham em atenção os tempos -, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, gostaria de começar por confessar que, de facto, o uso desta figura regimental, pela minha pane, pode ser um tanto abusiva, mas creio que é a única maneira que tenho - e há pouco fiz um gesto para pedir uma interrupção ao Sr. Deputado Alberto Martins, mas ele, certamente, não viu - de poder dar possibilidade ao Sr. Deputado de responder a duas coisas que, neste momento, me parecem importantes.
O Sr. Deputado Alberto Martins continuou a insistir na questão do Centro Cultural de Belém, esquecendo uma coisa que tem de lembrar é que, como sabe, o Centro Cultural de Belém é uma SGII.
V. Ex.ª podia tê-la discutido na altura da constituição dessa sociedade. Nessa altura, podia ter sido um problema político saber se devia ou não ser uma SGII, mas, desde que o é - e é-o há muito tempo-, ela tem de seguir o regime legal a que está sujeita.
Parece-me que desconhecer isto é discutir as coisas da maneira que não é a mais correcta.
Mas, Sr. Deputado, mais grave do que isso, penso eu, são as considerações que, em resposta, me deu sobre privatizações de meios de comunicação social e, sobretudo, a referência que fez de estar em dúvida e de ter sido pouco transparente o corte de um cordão umbilical.
Sr. Deputado, penso que isso é ofensivo não para o Governo mas para os privados que compraram os órgãos de comunicação social em causa. Penso que se referia ao Jornal de Notícias e, sobretudo, ao Diário de Notícias.
Sobre este assunto, queria lembrar-lhe apenas aquilo que, em editorial, o Diário de Notícias, do passado dia 6 de Junho, refere: «Como é do conhecimento público, jornalistas e outros trabalhadores desta casa, recorrendo a meios de financiamento usuais nas economias de mercado, foram os únicos concorrentes a uma operação pública de venda, que respeitou, integralmente, as regras de um sistema aberto.»
Sr. Deputado Alberto Martins, se V. Ex.ª duvida daquilo que se escreve neste jornal a este respeito, eu não tenho qualquer razão para duvidar.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, é evidente que a formação de uma SGII teve como objectivo, precisamente, a fuga ao controlo do Tribunal de Contas...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Quem é que disse isso?!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Foi dito aqui, no Plenário!

O Orador: - Foi denunciado aqui, no Plenário, e é isto o que o relatório do Tribunal de Contas diz. Essa solução implicou um aumento de custos da ordem dos 10 milhões de contos, sendo certo que soluções desse tipo se destinam, basicamente, à habitação.
Quanto à questão das empresas privadas de comunicação social, o Sr. Ministro dissipará as minhas dúvidas se disser já quem são os titulares do capital social do Jornal de Notícias e do Diário de Notícias.

Aplausos do PS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado Alberto Martins, quero apenas dizer-lhe três pequeníssimas coisas.

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Em primeiro lugar, em relação à questão do Tribunal de Contas, V. Ex.ª tem ao menos razão quanto melhores, mais profundas e repetidas no tempo são as intervenções do Sr. Presidente do Tribunal de Contas. Se, na verdade, tivesse menos poderes, menos vezes e profundamente poderia intervir, com certeza.

Risos do PS.

Portanto, V. Ex.ª não tem razão, e sabe-o, mas persiste no erro. É consigo! Não lhe ficará muito bem, mas, de qualquer maneira, com o problema gravíssimo que tem para gerir, penso que é uma boa salda. Fala nisto, mas também podia assobiar e olhar para o tecto! Penso que é bom repetir estas coisas.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É bom ir ao fundo das questões!

O Orador: - Em segundo lugar, vou passar de relance a referencia infeliz e inoportuna relativa aos direitos dos agentes da PSP, porque V. Ex.ª sabe - e o Sr. Deputado Jorge Lacão, que está a seu lado, lembrá-lo-á que fez um elogio público à minha intervenção nesta matéria - que conseguimos resolver um problema grave e complicado que há longo tempo, mesmo de outros governos, se mantinha, com grande espírito de diálogo, de tolerância e de eficácia. Se V. Ex.ª se esqueceu disto, o Sr. Deputado Jorge Lacão lembrá-lo-á!
Por último, a título de comentário.
V. Ex.ª disse que eu frequentei muito o convento da Irmã Lúcia, em Coimbra. É capaz de ler sido assim, mas V. Ex.ª deve ter-se perdido mais para os lados do pátio da Inquisição e ficaram-lhe, desse pátio, algumas desgraçadas sequelas e consequências!
V. Ex.ª, nesta altura, está transformado não num deputado mas num inquisidor. V. Ex.ª é o inquisidor-mor do reino de Lisboa!...
V. Ex.ª, ao mesmo tempo que estão a desenrolar-se inquéritos, vem à Assembleia da República, retira-se da regra democrática e tira conclusões. Este é o espelho da actuação do Partido Socialista, em relação aos inquéritos que tom sido feitos nesta Assembleia!
É, portanto, difícil virem defender qualquer abuso de poder por parte do Governo, quando são VV. Ex.ªs a retirarem-se da regra democrática, a fugirem às conclusões, a não aceitá-las e a teimarem na vossa versão dos acontecimentos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, relativamente ao Tribunal de Contas, quero dizer-lhe que as frequentes intervenções do Sr. Presidente do Tribunal de Contas são públicas, precisamente porque os meios jurídicos ao seu dispor foram cerceados. V. Ex.ª confunde as intervenções públicas, que suo de alerta, de defesa da legalidade e da democracia, com as intervenções que este deixou de ter no plano institucional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Lanço-lhe o seguinte repto: se é isso que pretendem, V. Ex.ª nada mais tem a fazer senão extinguir o Tribunal de Contas, mas assuma-o com clareza, correcção e coragem!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Desta forma, é que não!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão da liberdade dos polícias, certamente que eles não se esquecem da liberdade que VV. Ex.ªs prodigalizaram.

Risos do PS.

Quanto ao pátio da Inquisição e ao inquisidor-mor, enfim, V. Ex.ª não se leva, muitas vezes, a sério. Revela algum sentido de ironia e, certamente, também neste caso, não se leva a sério-e faz bem!
O que eu disse, digo e mantenho é que não tirei conclusões sobre a matéria das comissões de inquérito. O que eu disse, digo e mantenho é que as regras de procedimento na definição de finalidades, na elaboração dos relatórios, na audição de depoimentos e na chamada às comissões de pessoas não foram rigorosas.
A Comissão Eventual de Inquérito às formas de que se revestiram o lançamento e o desenvolvimento de iniciativas susceptíveis de comparticipação do Fundo Social Europeu, a que presidi, é uma vergonha para a democracia!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A forma como a Comissão Eventual de Inquérito a Actos Administrativos na área do Ministério da Saúde foi terminada é uma vergonha para a democracia!

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É isso o que eu digo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses Lopes.

O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - O Sr. Deputado Alberto Martins tem sempre uma postura extremamente civilizada e gentil que faz com que as intervenções, mesmo as que, porventura, não mereçam, tenham, por ele, sempre uma resposta. Estou a referir-me à minha intervenção de há pouco, porque a forma como parodiei o que eram os argumentos fundamentais para que o Partido Socialista tivesse, esta tarde, esta iniciativa, talvez não merecesse resposta. Mas a gentileza do Sr. Deputado Alberto Martins faz com que eu possa, talvez de uma forma abusiva, utilizar esta figura de protesto, na medida em que posso acusá-lo de me ter levado a sério.
De facto, a minha intervenção de há pouco não era para ser levada a sério, mas, dado que o Sr. Deputado Alberto Martins leve essa gentileza, tentarei agora ser levado a sério e, de uma forma circunstanciada, abordar duas questões, que podem ser respondidas concreta e objectivamente e que têm a ver com a intervenção de fundo do Sr. Deputado Alberto Martins.

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A primeira questão, que, em meu entender, é pertinente que seja seleccionada entre as que o Sr. Deputado Alberto Martins abordou, tem a ver com a adjudicação da construção da barragem de Odeleite. Como conheço suficientemente bem o tipo de intervenções que o Sr. Deputado Alberto Martins costuma fazer neste Plenário, o que me leva a considerá-lo uma pessoa séria, pergunto-lhe se esta obra é aquela que foi conceptualizada e lançada a concurso durante um governo do bloco central, liderado pelo Partido Socialista e sob a responsabilidade de um ministro do seu partido; se o caderno de encargos dessa obra estava redigido - e aí está uma antecipação brilhante do Acordo Ortográfico, agora aprovado - em brasileiro; e, por último, se as empresas, que agora aparecem a contestar a adjudicação a um consórcio maioritariamente nacional - e daí ser liderado por uma empresa nacional -, eram lideradas por uma empresa brasileira.
A segunda questão tem a ver ainda com a conturbada discussão da alienação das participações do Estado na comunicação social. Dos casos que citou - Jornal de Notícias e Diário de Notícias -, pergunto-lhe se é capaz de me dar um exemplo de um grupo económico, de um investidor individual ou então de um grupo de trabalhadores que se tenham sentido prejudicados com a privatização e que tenham accionado os mecanismos que estão previstos na Constituição e na lei para contestar as decisões que foram tomadas pelo poder político.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foi distribuída a lista de votações que estão pendentes, mas chamo ainda a vossa atenção para outras que dizem respeito a um voto e a uma deliberação. A Mesa vai procurar elucidar-se sobre elas e, na altura própria, informará a Câmara.
Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, começo por registar a declaração do Sr. Deputado Luís Filipe Meneses Lopes de que eu não deveria tê-lo levado a sério. Retenho esse dado.
Quanto à questão do processo relativo à construção da barragem de Odeleite, devo dizer que é verdade que a empresa preterida no concurso é brasileira e que o relatório estava escrito em brasileiro, o que não impede que não deva ser feito um esclarecimento preciso sobre esta matéria. Assim, exigi que o esclarecimento preciso sobre a matéria fosse feito.

O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Sr. Deputado, só falta uma terceira confirmação: se esse caderno de encargos foi feito por um governante socialista durante o governo do bloco central.

O Orador: - É um facto e, por isso, estamos mais à vontade para levantar a questão.
Quanto à privatização das empresas públicas, continuamos a fazer uma exigência, que é parlamentar, política e constitucional: os Portugueses têm o direito de saber, ou melhor, é exigível que se saiba, quem são os titulares do
capital social dessas empresas. É exigível que se saiba, até à luz da Constituição. O Governo não está a cumprir com esta exigência e, por isso, a questão que deixamos ao Sr. Primeiro-Ministro, ao Governo e aos Srs. Deputados é a de saber se o governo do PSD está disponível e se quer, ainda durante esta legislatura, para que se dissipem quaisquer dúvidas, votar o estatuto independente da televisão. Esta é a questão essencial.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs Deputados: O termo da legislatura permite evidenciar e mesmo fazer um balanço - como, aliás, foi aqui feito pelo Sr. Deputado Alberto Martins - das actuações e concepções autoritárias e governamentalizadoras e das práticas de abuso do poder, que, crescentemente, caracterizam a actuação do governo de Cavaco Silva e da sua maioria parlamentar.
Há muito tempo que o PCP vem alertando os Portugueses para esta situação. A estratégia do PSD de Cavaco Silva contra a democracia política e o Estado de direito democrático foi a estratégia da aranha. O cerco foi sendo estabelecido em pequenos passos, mas com persistência.
Lentamente, o PSD foi enxameando de militantes a Administração Pública. Foi forçando as consciências com a prática das «vantagens pessoais a troco de filiação partidária». Por tal forma que, em muitos sectores, se criou um espírito de conformação, de inevitabilidade, como se se pensasse que «se o Egipto teve as sete pragas», por que não há-de Portugal ter também a praga laranja?
A mesma prática de deslizamento foi usada, por exemplo, na área da transparência dos actos do Estado. O governo do PSD não teve hesitações em sustentar, apoiar e desculpar os actos ilegais e corruptos que ocorreram no Ministério da Saúde, em numerosos casos, com particular realce para o caso do Hospital de São Francisco Xavier. Não teve dúvidas em apoiar um ministro das finanças que usou a sua posição para proveito próprio, isto é, para pagar mais barato um apartamento nas Amoreiras. Não teve hesitações em «deixar correr o marfim» durante muito tempo, nos casos, mais do que denunciados, de desvios de verbas do Fundo Social Europeu. Com estes e outros casos, o Governo e o PSD procuraram instalar - e em grande parte conseguiram-no - a ideia de que a corrupção seria inevitável, seria mesmo normal e corrente, seria como que típica dos ministros.
Assim como faz parte do anedotário sobre os cientistas mostrá-los distraídos, seria característico, ou, pelo menos, normal, que os agentes superiores do Estado, os ministros, fossem corruptos. Quem se preocupa hoje (e isso é uma consequência deste comportamento governamental!) com novos «casos» que apareçam, como o «caso César Torres»?
Esta postura de normalização da doença, do abcesso, das práticas antidemocráticas, constitui o cenário próprio para tentar fazer passar por «normal», por «aceitável» a prática reiterada de abusos de poder.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Muitos exemplos foram já aqui apresentados, mas importa salientar o que se passa com o sector

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público da comunicação social. A mensagem do Presidente da República e o debate ocorrido na sexta-feira mostram, à saciedade, que o Governo e o PSD abusam dos seus poderes de tutela para instrumentalizar o sector público da comunicação social em proveito próprio. O espectáculo dado publicamente por um mandarete (que foi mandado pôr-se nos bicos dos pés para responder, no seu Canal 1, à mensagem presidencial com um texto provocatório), é um exemplo dos altos níveis de degradação da democracia política a que foi conduzido o País pelo governo de Cavaco Silva e pelo PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Degradação, Srs. Deputados! Ao fim desta legislatura, a democracia portuguesa está mais pobre, espartilhada e reduzida. É preciso denunciar que se instalaram medos, que se alastraram nódoas de corrupção e de compadrio, que se vulgarizam os abusos de poder.
A questão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que o Governo e o PSD introduziram na sociedade portuguesa os piores critérios, que, por definição, desdenham da ética dos comportamentos e ignoram os valores intrínsecos da democracia política. O critério máximo, erigido em «mãe de todos os critérios», resume-se em pouco: o que interessa é atingir os fins, sejam quais forem os meios usados e mesmo que eles extravasem os poderes próprios do Governo, mesmo que contrariem a transparência, mesmo que violem as regras do Estado de direito. A asserção é: «os fins justificam os meios». Isto é, pura e simplesmente, a inversão de uma regra de ouro da ética, Srs. Deputados!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas foi este critério e este espírito que o Governo e o PSD procuraram instalar na sociedade portuguesa. Os contravalores do «êxito a todo o custo», do novo-riquismo, da ostentação, da futilidade, do luxo, alastraram e impuseram-se, submergindo os valores da solidariedade e da coesão que pautaram a Revolução de Abril e se plasmaram na Constituição da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Este pragmatismo, que é tão caro ao Primeiro-Ministro, sem fundamento ético inquina hoje a democracia portuguesa. Sob a batuta do Governo e do PSD - é preciso dizê-lo! - a democracia degradou-se e descaracterizou-se!
O Primeiro-Ministro gabou-se, hoje de manhã, de não dar ordens pessoais à televisão. Oh, Srs. Deputados, o Sr. Primeiro-Ministro não dá ordens pessoais, porque não precisa! É que o PSD tornou «corrente», «normal», «aceitável» a partidarização dos órgãos de comunicação social, a preferência nas nomeações de chefias aos que usem o cartão de militante do PSD, e, mais do que isso, mais grave do que isso, o medo, o medo de desagradar ao PSD e ao Governo, o medo de com esse desagrado perder a carreira, o medo de ficar na prateleira, o medo até de perder o emprego, que é o que se pode passar com a legião de contratados a prazo ou outras formas de trabalho precário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quando é já o medo que pauta condutas, quando as práticas de abuso do poder, de compadrio, de manipulação se tomam correntes e integram a prática da política normal do Governo, quando o exercício da função política, por parte do Governo e do partido que o apoia (e que constitui a maioria da Assembleia da República) se dissocia do fundamento ético, então, Srs. Deputados, o défice de democracia que necessariamente disso resulta é já sistémico, é já um sistema. Ficam regras formais - e nem todas! Mas a essência dos direitos individuais e colectivos, o seu valor material, que constitui o corpo central da democracia, perde-se e degrada-se. Democracia pobre é o que ficou desta legislatura!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Neste debate já foram dados exemplos muito significativos. Gostaria de acentuar alguns pontos, mas com um pressuposto. Da nossa parte, PCP, considerando que a democracia deve ser política, económica, social e cultural, atribuímos à democracia política um valor intrínseco, pelo que entendemos ser necessário salvaguardá-la e assegurá-la como elemento integrante e inalienável da sociedade portuguesa.
Entretanto, o facto é que a vida confirmou que os ataques à democracia social e económica, os ataques contras as transformações democráticas operadas no nosso país com o 25 de Abril implicaram, da parte do Governo e do PSD instalado no poder, o aviltamento da democracia política e a limitação, a adulteração, quando não mesmo a supressão, de garantias democráticas inscritas na Constituição da República.
O processo de entrega de terras (a título de reserva, com outros títulos e até sem título nenhum) é, sem dúvida nenhuma, o melhor exemplo!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A prepotência, o abuso de poder, o desrespeito dos tribunais e das suas sentenças, a corrupção descarada, a instrumentalização da GNR, valeu tudo para conseguir entregar as (erras aos agrários! O processo, no seu conjunto, constitui uma monstruosa afronta às regras do direito e um atentado inominável aos direitos dos cidadãos.
Sob a batuta e a benção do Governo e do Ministro da Agricultura, funcionários lacaios viciaram documentos e processos, receberam luvas, usaram torpes expedientes para defraudarem direitos individuais e colectivos, resistiram grotescamente ao cumprimento de mandatos judiciais. Multiplicaram-se as situações de prepotência, de ilegalidade, de desvirtuamento da Administração Pública, do seu enfeudamento a grupos de subornos. Ó próprio Ministro da Agricultura, rodeado no seu gabinete por um bando de escribas sem escrúpulos, exarou, com conhecimento de causa, centenas de despachos ilegais, recusou-se a cumprir centenas de sentenças dos tribunais. Foi o mais activo e mais empenhado na sanha devastadora e a todo o preço-mesmo a preço das regras democráticas! -, do direito, da justiça e da transparência.

Vozes do PCP: - É verdade!

O Orador: - E, Srs. Deputados, como é possível, perante estes actos e perante a denúncia que dela sucessivamente foi feita, deixarmos de nos preocupar profundamente

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com o estado de saúde da nossa democracia? Como foi possível que aquele cortejo de abusos de poder, de ilegalidades, de actos de corrupção tenham ficado impunes? Como foi possível perpretar os alentados contra os órgãos de soberania e tribunais?
Bem pode o Primeiro-Ministro vir aqui clamar o respeito - que não tem! - pelos outros órgãos de soberania, que são os factos a desmenti-lo. Os factos e as intenções expressas, como, por exemplo, no conteúdo de propostas de lei apresentadas na Assembleia, durante mesmo este ano de 1991.
É o que se passa com as propostas de lei de bases de protecção civil e de organização das Forças Armadas. Na primeira, o Governo prevê a existência de uma nova figura jurídica, um novo estado de excepção, que designa por «situação de calamidade»; na segunda prevê também um novo estado de excepção, a «situação de crise». Nos dois casos, é o Governo (ou órgãos que o Governo e o PSD controlam) que terá competência para a declaração desses estados de excepção. Estas propostas são, inquestionavelmente, inconstitucionais.
Para além disso, gostaria de relevar dois aspectos que se ligam a estes debates. Primeiro aspecto: em ambas as propostas o Presidente da República, o órgão de soberania com competência reservada pela Constituição para declarar os estados de excepção, depois de ouvido o Governo e de autorizado pela Assembleia da República, seria expropriado dessa competência, que passaria para o Governo e para órgãos onde este tem maioria absoluta. Que é isto. Srs. Deputados? Não bastava o abuso de poder, vem agora a usurpação de poderes? Que concepção enforma estas propostas, onde a interdependência dos órgãos de soberania é sacrificada aos interesses do PSD e do Governo, onde o próprio Presidente da República é secundarizado, onde a Assembleia é ela também afastada de um processo onde tem competências próprias?
A segunda nota refere-se à concepção de garantias individuais que o Governo formula naquelas duas propostas. A verdade é esta: nos dois casos, quer na «situação de calamidade», prevista na proposta de lei da protecção civil, quer na «situação de crise», consagrada na proposta de lei de organização superior das Forças Armadas, as garantias de que o legislador constituinte tão minuciosamente rodeou os direitos individuais no artigo 19.º da Constituição são, pura e simplesmente, postergadas. Nenhuma garantia, zero de garantias para os cidadãos e seus direitos! Que tipo de democracia seria esta que incorporasse estados de excepção declarados por decisão unilateral e não controlada do Governo, e sem limites de duração e garantias de direitos individuais devidamente definidos?
É esta mesma concepção que levou o Governo a propor, na proposta de lei quadro da regionalização, que o governador regional detivesse poderes para requisitar as Forças Armadas para missões de segurança interna
É esta mesma concepção que levou o PSD a apresentar o projecto de lei de segredo do Estado (tal como já foi aqui descrito pelo Sr. Deputado Alberto Martins) como uma peça redutora das liberdades de expressão e informação, a um nível inimaginável.
Ao fim destes quatro anos de legislatura, de governação PSD não se trata só, Srs. Deputados, de verificar, de constatar que a democracia portuguesa está mais espartilhada, mais pobre e reduzida. Trata-se de mostrar que os planos do Governo e do PSD apontam para mais, para um quadro mais drástico de redução das garantias fundamentais, de limitação das liberdades, de fragilização da estrutura democrática do Estado.
Aproximam-se agora as eleições para a Assembleia da República. E como Ficou demonstrado com a mensagem do Presidente da República e com o debate aqui ocorrido na passada sexta-feira, os tentáculos do PSD asfixiam o pluralismo na comunicação social, abafam as garantias de isenção que constitucionalmente devem pautar os órgãos do sector público de comunicação social e, em particular, a RTP. Faz parte da encenação governamental gritar, como o fez o Primeiro-Ministro, que «somos todos igualmente livres» quando está implicitamente dito que «alguns, os do PSD, são mais igualmente livres que os outros».
É chegado o momento de acabar com este tempo de abusos de poder, de democracia tutelada à maneira de Cavaco Silva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É tempo de afirmar, sem rebuços, os valores da legalidade, do Estado de direito democrático, da transparência, do respeito pelos limites emanentes do poder. De um poder usado não com fins desviados, de auto-serviço e autoglorificação, como tem feito este Governo, mas de um poder democrático, que respeite as regras democráticas e éticas, controlado pelos adequados mecanismos constitucionais, exercido para defesa dos interesses do povo e do País, exercido para o progresso do Homem e da Humanidade!
Aplausos do PCP, do PS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Martinho.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se entre nós, na tribuna do Corpo Diplomático, um grupo de Srs. Deputados do Japão, que estão de visita ao nosso Parlamento e que, dentro de alguns minutos, participarão numa reunião com o Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Japão.

Aplausos gerais.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, não me inscrevi para pedir esclarecimentos mas, sim, para fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, é que o Sr. Deputado João Amaral fez um tal número de acusações de tal forma graves, sem ter o cuidado de, minimamente, as fundamentar - o que, em termos gerais e por maioria de razão, se impunha, dada a gravidade das suas acusações-, que não desejo responder-lhe, nem sequer esclarecer-me, mas apenas protestar.
E o meu protesto resulta, precisamente, do seu discurso e daquilo que cie tem de ofensivo, em termos genéricos, não a nós, em particular, mas às próprias instituições do Estado democrático.

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O seu discurso, de forma violenta, no seguimento do discurso socialista - embora este não tenha atingido a violência das suas acusações - não nos põe em causa propriamente a nós, mas, sim, o Estado democrático e sobretudo, Sr. Deputado e Srs. Deputados, incluindo os Srs. Deputados socialistas que incorrem no mesmo vicio embora não com a mesma violência, os tribunais e instituições acima de toda a suspeita como a Procuradoria-Geral da República, etc. Mas não desejo insistir nesta questão para não colaborar na vossa atitude que me parece inaceitável.
Sr. Deputado João Amaral, se deseja prestar-me atenção...

O Sr. João Amaral (PCP): - Diga lá, então!

O Orador: -... e sem que o aconselhe a ler o livro todo de que nos fez a citação tão tardia e ião parcelar, quero apenas dizer-lhe, sem pretender fazer qualquer memorização e falando apenas de factos e da actualidade, que, relativamente às violações do Estado de direito e aos medos, há ainda restos, sim, dessas violações e desses medos. Todavia, não é o meu partido que faz, seja em que caso for. perseguição política no domínio do foro pessoal e privado, como acabou de fazer o seu com o caso do presidente da câmara de Montemor-o-Novo, o qual declarou publicamente - graças à existência do Estado de direito, Sr. Deputado, e aí é que está a diferença! - que foi perseguido na sua vida pessoal pelo seu partido.
Ora, isso significa que, pelo menos nesse caso - e o seu partido, até este momento, não o rejeitou formalmente -, o seu partido ainda hoje guarda alguma natureza de associação privada ou de privatização das questões do Estado, em matéria política.
Termino, Sr. Deputado, lembrando-lhe apenas o facto de que, em matéria de abusos, na minha bancada, não está ninguém condenado por abuso de liberdade de imprensa pelos tribunais e mais do que uma vez.
Sr. Deputado, os senhores do que tem medo é do Estado de direito e dos tribunais!

O Sr. Presidente: - Para fazer um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado José Silva Marques, vou contraprotestar porque, em primeiro lugar, V. Ex.ª não questionou nenhuma das acusações que formulei ao Governo e ao PSD, como partido constituindo maioria parlamentar, em lermos da caracterização que fiz das situações de abuso de direito, de prepotência e outras, fundamentadas no texto da minha intervenção.
Coube ao Sr. Deputado José Silva Marques, unicamente, o papel de tentar um registo em torno da intervenção mas sem ser capaz de ir ao essencial das questões. E não indo ao essencial das questões, levantou, pelo menos, a questão do respeito pelos tribunais, que é inaceitável.
Sr. Deputado José Silva Marques, quem é o PSD para falar nesta situação, quando referi precisamente que o PSD teve, no Ministério da Agricultura, uma prática sistemática de violação dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo - mais de 500 acórdãos ficaram por cumprir-, com obstrução directa, frontal e de má-fé aos mandatos oficiais? Quem é, afinal, o PSD para vir aqui falar do respeito pelos tribunais? Quem é o próprio Sr. Deputado José Silva Marques para vir aqui falar no respeito pelos tribunais quando, no outro dia, acusou de «guerrilheiro» o presidente do Tribunal de Contas?

Vozes do PCP: - É verdade!

O Sr. Narana Coissoró (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, um dos aspectos sobre que mais chamei a atenção na minha intervenção foi o dos fundamentos éticos da política.

Aplausos do PCP.

Porque os tenho, não vou trazer à discussão da Assembleia a vida privada seja de quem for e muito menos para, nos termos em que o fez o Sr. Deputado José Silva Marques, tentar fazer chicana. Não vou, pois, discutir questões do foro privado. O Sr. Deputado, sim, é que queria discuti-las e com isso demonstrou que, também nesse campo, está muito longe de ter uma concepção ética da política. Com efeito, é esse aspecto das ré ações entre a ética e a política que, de uma forma mais que sensível, considero ter sido afrontado pela política e pela prática do PSD no Governo. E esses fundamentos éticos da política defendi-os daquela tribuna e continuarei sempre a defende-los, como faz o meu partido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em tempo de rescaldo e de balanço da acção política de uma legislatura e quando se afinam as máquinas partidárias para um novo acto eleitoral, é proposto pelo Partido Socialista a esta Assembleia um debate sobre abusos do poder por parte do Governo.
É quase uma fatalidade a tentação do abuso por quem detém e exerce o poder, sendo naturalmente legítimo e necessário questionar o seu exercício por quem, sendo oposição, está em situação privilegiada para pôr a descoberto as formas visíveis e as menos claras de abuso do poder.
É verdade, como considera Arnold Brecht, que «a palavra poder designa sempre a possibilidade de impor a própria vontade e anular planos contrários a ela, embora não expressando univocamente quais os meios e os fins pelos quais se procura e utiliza essa possibilidade».
De facto, o poder implica o exercício da actividade governativa decorrente das perspectivas, conceitos e princípios de quem o detém. Cremos ser legítima tal postura quando o poder, oriundo de um mandato democrático, e o seu desenvolvimento respeite as regras essenciais.
No caso vertente, importa ter em conta que o poder de governar o País foi conferido ao Partido Social-Democrata pelo veredicto popular, que lhe deu um mandato claro e inequívoco para definir e desenvolver uma actividade governativa consentânea com as suas propostas eleitorais, consubstanciadas no programa apresentado ao eleitorado.
Todavia, tal outorga não implica um cego e irresponsável laissez faire, laissez passer, antes impõe uma fiscalização permanente e atenta desta Assembleia, da qual o Governo haure, sob pena de abdicação da função fiscalizadora do Parlamento, que é uma das suas importantes competências.

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Assim, ninguém se pode admirar nem melindrar com a existência e a oportunidade deste debate.
Sc é verdade que o poder exercido pelo Governo é legítimo, porque suportado por um acto democrático fundamental, importa, contudo, que esse poder seja balizado pelo respeito estrito pelas normas constitucionais e legais e por princípios éticos transparentes e inquestionáveis.
E, infelizmente, nem sempre assim acontece. Apesar dos limites impostos pela lei e pela moral há, não raras vezes, a tentação da prossecução de caminhos ínvios que autorizam as oposições a pôr em causa a bondade da acção governativa. A natureza do regime vigente, a maioridade cívica do povo português, a nossa inserção na Comunidade Europeia, afastam a existência do poder através da força bruta e do seu efeito intimidatório, experiência essa que naturalmente esconjuramos, que não desejamos ver repelida entre nós e que desejamos seja erradicada dos países onde ainda prevalece.
Entretanto está-se, algumas vezes, na fronteira do poder com base no prestígio e na autoridade, no uso de meios financeiros que dão aos detentores da governação a possibilidade ou o poder de comprar, ilegitimamente, as consciências dos cidadãos menos atentos ou mais tíbios nas suas convicções. É também frequente a utilização abusiva de naturais carismas, caindo-se facilmente num qualquer peronismo de efeitos perversos.
Parafraseando o social-democrata Otto Wells, consideramos que «nenhuma lei dá o poder necessário para destruir as ideias, as quais são eternas e indestrutíveis» e comungamos ainda do pensamento de Charles Peirce quando postula que «a verdade e a justiça são literalmente as forças mais poderosas do mundo».
Todavia, a permanente ambiguidade entre os meios e os fins cria naturais dificuldades ao acesso e ao exercício correcto do poder. Neste contexto, imporia ler em conta que o poder não se deve apresentar como valor último, como fim desejável em si mesmo. Se tal acontecer, há ioda a legitimidade e mesmo o dever, de criticar e verberar tal perspectiva de poder, pondo em dúvida a consequência lógica da construção de uma doutrina que pretende desligar o poder das suas fontes e dos seus fins e chamar a atenção para as implicações que acarreia para o desenvolvimento de ideais como a paz, a harmonia, a liberdade, a igualdade e a justiça, que constituem a valorização suprema do poder, como preconiza Arnold Brecht.
Após esta tentativa de definição de uma grelha referencial, é chegada a altura de questionarmos a execução do poder, por parte do Governo, através da apresentação de dados exemplares reveladores de abusos evitáveis e indesejáveis.
A desejada e respeitável vontade de eficácia não pode ser razão justificativa para a ultrapassagem de princípios fundamentais, designadamente na adjudicação de obras públicas, ao arrepio de práticas que se exigem a outros órgãos de poder e que enfermam, repelidas vezes, de vícios indesejáveis e que lançam suspeições evitáveis sobre os seus responsáveis.
A nomeação generalizada dos áulicos subservientes e afectos ao partido do poder tem colocado, em lugares e funções importantes, autênticas nulidades que deveriam ser, com evidente benefício para a comunidade, substituídos por cidadãos e técnicos competentes, qualquer que seja a sua filiação partidária.
A outorga de benesses e subsídios a instituições e entidades diversas, em momentos privilegiados e com a necessária ressonância pública, levam-nos a considerar que anda mal este ou qualquer outro governo quando utiliza bens públicos em benefício dos seus interesses eleitoralistas, num claro e condenável desvio da função governativa.
O incitamento à participação da poupança no mercado financeiro, sem credível suporte, conduziu muitos portugueses à desconfiança, possibilitando, entretanto, um acréscimo de riqueza desproporcionado e imoral de agentes económicos e diferentes pessoas conhecedoras dos meandros obscuros dessa actividade. A bem da verdade, convém referir que houve algum bom senso do Governo ao «dar a mão à palmatória», apesar da existência do prejuízo de muitos se verificar na proporção inversa dos benefícios de alguns.
A ausência de humildade democrática no reconhecimento das virtualidades das ideias e projectos da oposição, que viram quase sistematicamente rejeitados os seus projectos, assumidos, algumas vezes, mais tarde pelo Governo; a governamentalização frequente de organismos e departamentos do Estado, aos quais se deveria dar os meios necessários à sua independência, possibilitando-lhes as condições essenciais ao exercício da actividade em benefício da comunidade; o indesejável clima de confronto e hostilização a órgãos e instituições públicas que têm pautado a sua conduta pelo rigor e isenção, num correcto desenvolvimento das suas funções: o processo nebuloso como foram atribuídas frequências de rádios regionais e locais, que pouco abonam a favor dos critérios que presidiram ao seu licenciamento, são apenas alguns dos aspectos que apresentamos, a título exemplificativo, e que elucidam e testemunham comportamentos políticos que gostaríamos de ver afastados da actividade governativa e que poderão ser confundidos com uma qualquer tentação totalitária.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As considerações expendidas e o elenco apresentado mais não pretende ser senão uma contribuição serena e responsável para que o vício e a distorção não presidam aos destinos do poder, qualquer que seja o partido que o detenha. Não gostaríamos de ver repetida a postura dos partidos dos últimos anos da monarquia, que se acusavam mutuamente dos erros por si já cometidos. Seria óptimo que os acusadores de hoje se revissem nas críticas ora formuladas e tudo fizessem para que, quando fossem poder, não viessem a praticar os mesmos erros. O povo português merece-o.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Partido Socialista trouxe hoje ao Plenário da Assembleia da República um debate sobre os abusos de poder do governo do PSD. O meu camarada Alberto Martins fez aqui uma listagem não exaustiva mas suficientemente exemplificativa do que foram esses abusos.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Nem exemplificativa!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro): - Coisa ligeirinha!

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O Orador: - Gosto de ouvir esse optimismo da parte do Governo.
Pensávamos nós que o Governo iria, logo a seguir à intervenção do meu camarada Alberto Martins, fazer o seu mea culpa e encontrar justificações, encontrar aquelas razões de ordem política ou conjuntural que permitissem, se não absolvê-lo, pelo menos condená-lo a um purgatório mais ou menos curto.
A este propósito, lembro-me sempre daquela história - passe o racismo implícito - do cigano que, alegando a sua inocência, contava que era tão sério que, certa vez, encontrara um cilindro de alisar as estradas e não o roubara. Podia o PSD fazer a mesma coisa e dizer: «tivemos tanta ocasião para fazer despautérios e abusos de poder e só o fizemos 50 vezes; por isso, não é caso para que a oposição venha agredir-nos desta maneira».
Só que do Governo exige-se - exige o País, a democracia, as regras constitucionais, as regras de convívio democrático - que não cometa nenhum desses despautérios, salvo grave distracção de que viria penitenciar-se de seguida.
No entanto, o Governo acha que aquilo que fez foi no uso do seu poder normal e isso é que é grave, porque, assim, considera normal o abusar do poder.
Considera normal o que se passou no Ministério da Saúde, o que se passou e passa com as verbas comunitárias, com as verbas do FEF, com as manipulações financeiras e as compensações leoninas que o Governo impõe às autarquias, com o abuso de poder na RTP, com os perdões fiscais em que o Governo, de facto, descriminou, tornando possível a existência de contribuintes mais contribuintes que outros, como num certo clube onde se contava a história de que havia sócios que não eram sócios. Aliás, agora parece que é igual, porque parece que há contribuintes que não são contribuintes, dado que uns têm perdões fiscais e outros, exactamente nas mesmas circunstâncias, não merecem essa generosidade da parte do Governo, que usa, nesses casos, os fundos públicos como se fossem fundos da Rua de Buenos Aires.
Mas há mais! Há dias trouxe aqui, numa intervenção algo insólita, uma acusação gravíssima ...

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Ele próprio a classifica de insólita!

O Orador: -... insólita em regime democrático e só possível com um Governo deste género. É que há um Governo, que é, supostamente, o guardião da verdade das leis, que é o director do órgão oficial de imprensa legislativa, que é o Diário da República, que falsifica uma lei. Bem, nesse dia houve aqui alguma celeuma, alguns Srs. Deputados da maioria, não acreditando que isso era possível, vieram dizer que eslava a lançar um labéu terrível sobre gente honesta. No dia seguinte, todavia, o Governo veio dizer que era verdade, mas ficou por aí.
Então como é que ficamos? Houve uma falsificação, foi publicada no Diário da República uma certidão falsa, que afirmava falsamente um facto que não existia. Quais foram as sanções aplicadas? O funcionário, aliás alto funcionário, que assinou a certidão foi suspenso ou objecto de processo disciplinar? Há algum inquérito a correr termos?
Sabemos que não foi o funcionário o principal responsável. O funcionário em causa foi tão-só o homem de palha que se mandou para a frente para ser queimado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não se queimou!

O Orador: - Alguém por detrás, um distintíssimo ministro, deu a ordem, que o funcionário, revelando ser um funcionário «laranja», acatou, apesar de ser seu dever não acatar. O dever de desobediência a ordens ilegítimas é não só moral mas também jurídico e constitucional. Face àquela ordem, ilegítima, que consistiu em alguém lhe ordenar que fizesse uma certidão falsa, ele deveria ter dito que a não fazia. Mas, como «alaranjado», fê-la. O que é certo também é que quem deu a ordem ainda hoje não deu a cara.
O Governo confessou isto, que, aliás, do ponto de vista criminal, está a correr os seus termos na Procuradoria-Geral da República e que, do ponto de vista político e disciplinar, constitui matéria distinta e autónoma. A responsabilidade política afere-se aqui, na Assembleia da República, e perante o eleitorado, mas já a responsabilidade disciplinar tem a ver com a entidade que exerce competência disciplinar sobre o funcionário em causa, ou seja, com o Governo da República. Do mesmo passo que o criminoso confessa o crime e o corrige ou do mesmo modo que o carteirista, apanhado quando foge com a carteira roubada, a entrega, também o Governo, depois de ter sido apanhado quando precipitadamente fugia após o roubo, entregou a carteira, mas deve dizer por que é que o fez e apresentar-se às autoridades. Não o fez!
Não fiquemos, todavia, por aqui. Este caso é já de si suficientemente grave para, em qualquer democracia normal não sujeita a estes poderes, mais insólitos do que a minha denúncia, que temos vivido em Portugal, fazer cair um ministro ou até mesmo um governo. Não esqueçamos que o Diário da República está sob a tutela directa do Sr. Primeiro-Ministro, através do seu Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Em vez disso, vi aqui o Sr. Ministro Dias Loureiro rebater a intervenção do meu camarada Alberto Martins com coisas simples, dizendo que tudo isto não passa de lentilhas, que não há nada de novo, que o debate foi uma reprise, que o PSD inaugurou uma nova época de diálogo, que o que dói ao PS é o facto de vivermos sob a égide de um governo iluminado.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - É verdade!

O Orador: - Dizia o meu querido colega (camarada ainda não) Luís Filipe Meneses que o País progrediu e, como o País progrediu, o Governo é iluminado. Sem querer tirar poderes aos historiadores dos tempos áureos, recordo aqui o D. Sebastião, que organizou uma luminosa força armada, mas era um mentecapto, e o D. João V, que, abençoado pelo ouro do Brasil, fez o Convento de Marra e por isso ficou para a história, mas em cuja época, quando acabou o ouro, acabou a prosperidade.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Os arquitectos eram socialistas!

O Orador: - Não é o progresso aparente do ouro do Brasil que hoje vivemos que toma este Governo num governo iluminado. Este Governo é um governo furta-cores porque também, como aqui se viu há pouco, furta-poderes.
Vim, no passado domingo, de uma ilha cujo presidente diz, escrito e assinado, tratar-se de suma ilha periférica sob a soberania de um país pobre». Essa ilha periférica sob a soberania de um país pobre é muito mais pobre do que o país, porque tem uma assembleia regional com um regimento próprio, mas na qual, apesar de a oposição

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marcar interpelações ao respectivo governo, este não comparece reiterada e contumazmente. Trata-se de outro abuso de poder, também da parte de um outro governo «laranjinha».
Poderia continuar por aí fora, sempre lamentando que nesta Assembleia a maioria, que assumiu perante o eleitorado que nela votou o compromisso de defender e fazer respeitar as leis da República, aplauda atropelos sistemáticos deste género. No crepúsculo deste Governo e desta maioria, seria elegante e exemplar que o Governo se libertasse da sua ganga «m-1», deixasse de recordar o livro vermelho - ou, melhor, o livro laranja - e passasse a recitar melhor a Constituição da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, não conhecíamos o seu estilo teatral que acabámos de ver na tribuna, mas parece-me que a representação a que assistimos resultou da chamada de um elemento espontâneo à ribalta da tribuna, esgotados que estavam os brilhos das estrelas da primeira fila da sua bancada. Chamaram, então, um espontâneo, para colmatar o desinteresse que efectivamente este debate está a demonstrar, bastando para tal atentar no índice de ocupação deste Hemiciclo neste momento.
Falou V. Ex.ª do abuso de poder na RTP. Apesar de pensar que essa matéria já está muito debatida, pergunto-lhe o seguinte: como é possível que os senhores acusem o PSD de abuso de poder em relação à RTP, quando ainda há bem pouco tempo o Partido Socialista, numas pretensas jornadas parlamentares que fizeram deslocar alguns dos seus deputados ao Algarve, teve honras de primeiro plano no Telejornal, no qual os vimos a visitar obras do governo social-democrata de Cavaco Silva? Tom todo o direito de visitar essas obras, mas o que é certo é que tiveram um espaço de cinco ou seis minutos no Telejornal de maior audiência.
Há uma semana atrás o Partido Social-Democrata realizou um congresso regional em que estiveram cerca de 1000 personalidades do Algarve, provenientes de todos os quadrantes políticos, inclusivamente um presidente de câmara socialista, em que se discutiram os assuntos de ioda uma região - o senhor também lá deveria ter estado, mas não esteve... -, mas quanto a televisão, nem vê-la!...
Enfim, não sei, nem me interessa saber, quem manipula quem. No entanto, as diferenças têm de ser reveladas. Aliás, o Sr. Deputado António Guterres também esteve no Algarve e teve honras de primeira página!
Falou também V. Ex.ª de abuso de poder em relação às autarquias. Porém, neste caso é mais grave. Gostaria assim de ouvir a sua opinião acerca de um facto que lhe vou passar a descrever.
Em 1985 a Câmara Municipal de Portimão, por exemplo, tinha um orçamento de 850 000 contos. Porém, sabe V. Ex.ª qual é hoje o orçamento desta câmara? É de 3,3 milhões de contos, Sr. Deputado!

Vozes do PS: - Eh!

O Orador: - É verdade, Srs. Deputados! Os senhores mostram a vossa ignorância em questões deste tipo, fazendo afirmações gratuitas! Desmintam-me, se forem
capazes! Aliás, isso não se passou só na Câmara de Portimão, mas também noutras! Vão a Tavira, a Olhão, a Faro ou a Silves!
Dêem-me então resposta a isto e digam-me se isto representa algum abuso de poder por pane do governo social-democrata, tendente a cercear a capacidade de acção do poder local, nomeadamente das câmaras socialistas! Como se isso fosse possível, havendo, como há, uma Lei das Finanças Locais, ...

O Sr. João Amaral (PCP): - Que os senhores não cumprem!

O Orador: -... aqui aprovada por unanimidade e que, quer os senhores queiram quer não, está a ser cumprida!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na Assembleia da República de um país democrático como o nosso, o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira tem toda a liberdade de criticar o Governo. Todavia, é de mau gosto comparar este Governo a um governo de carteiristas!
Já percebemos, já entendemos, já conhecemos o seu tipo de linguagem, aqui e no Algarve. É que V. Ex.ª é infeliz, pelo que, para dignificar a sua própria pessoa, o deputado algarvio e este Parlamento, deveria ter um pouco mais de contenção verbal e de tento na língua!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro): - Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, devo confessar-lhe que não lhe vou fazer nenhuma pergunta e que, por isso, não quero qualquer resposta sua. Pretendo apenas pontuar uma coisa que acabou de afirmar e que não corresponde à verdade.
V. Ex.ª fez um discurso que não sei como é que hei-de qualificar, pelo que direi, por isso, que é inqualificável! No entanto, cometeu um claro abuso auditivo quando quis dizer que teríamos aqui vindo hoje reconhecer que tínhamos feito 50 abusos e que poderíamos ler feito muitíssimos mais.
Não dissemos nada disso. Aliás, devo mesmo dizer-lhe que não é nosso hábito brincarmos com coisas que são sérias.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Deputado Filipe Abreu, começo por lhe agradecer a liberdade que me concede para criticar o Governo. De facto, vai sendo tempo de pensarmos que se o Sr. Deputado não se dignar autorizar-me, não poderei criticar o Governo...
Quanto ao resto e pelas expressões dos membros do Governo que está a apoiar, fiquei perfeitamente esclarecido quanto ao interesse da sua intervenção.
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, mantenho o que disse. É que, de facto, em debate directo e imediato, quando o Governo não nega nenhuma das acusações que foram aqui feitas...

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Até agora!...

Risos.

O Orador: - Sim, até agora! Ainda está em tempo...
Como ia dizendo, o Governo foi acusado de actos de abuso no âmbito do Ministério da Saúde e de actos de abuso legislativo, como foi o caso das assembleias distritais- Lei n.º 5/91 e a respectiva e falsa rectificação; foi acusado de abusos na retenção de verbas comunitárias, nas prestações do FEF e nos perdões fiscais; foi acusado de abuso de poder na RTP; foi acusado de abuso inconstitucional e de claríssimo desafio às regras da democracia na Região Autónoma da Madeira, que é a tal ilha periférica sob a soberania de um país pobre a que me referi há pouco. Porém, o facto é que o Governo não negou nada, apenas pretendendo lançar para a vala comum da discrição ou do desconhecimento os seus próprios abusos.
Foi, portanto, nestes termos que afirmei que o Governo não veio aqui para justificar os seus abusos ou para os negar, mas apenas para dizer, como o fez o Sr. Ministro, que o PS está num grande impasse e que necessita de acusar o Governo de alguma coisa, embora não tenha dito se falsamente ou se com verdade...
Aliás, esta do «impasse» não é do Sr. Ministro, mas do Sr. Deputado José Pacheco Pereira. Com efeito, não queria acusar o Sr. Ministro de palavras que não são suas, apesar de saber que o Governo e a maioria estão sintonizados e que aquele não desautoriza esta ou vice-versa...
Portanto, o Governo não negou nada, apenas pretendendo lançar algumas atenuantes - entre elas o tal «crescimento económico» - sobre as suas falhas confessadas, admitidas e irrecusáveis. Assim, Sr. Ministro, o que é inqualificável é o comportamento do Governo nesta Assembleia e neste país!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No dia 21 de Janeiro de 1986 dirigi um requerimento ao Governo, no sentido de conhecer o despacho interno do Ministro da Educação e Cultura, de 3 de Dezembro de 1985, não assinado, relativo às condições que o pessoal superior deve observar na prestação, a órgãos de comunicação social, de declarações sobre o funcionamento dos respectivos serviços. O Governo não me respondeu.
Sei que este despacho não foi apenas proferido pelo Ministro da Educação e Cultura, de então; há muitos ministros que o fizeram. Como disse há pouco não me refiro, em particular, ao Ministro da Defesa, nem ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, nem ao Ministro da Administração Interna em certas das suas competências. Mas isto é um atentado à liberdade e um abuso inqualificável. São despachos que não apenas lesam os direitos de os funcionários manifestarem os seus pontos de vista mas que, essencialmente, lesam o direito de o povo português conhecer, através de pessoas especialmente qualificadas, as desgraças que se passam nos serviços públicos.
Peço ao Sr. Ministro Dias Loureiro que me diga o que sabe a este respeito e que me comunique o despacho do Ministro da Educação e Cultura do dia 3 de Dezembro de 1985. É que, embora o senhor não fosse ainda ministro nessa altura, esse despacho é apenas um. Pretendo conhecer todos estes despachos que VV. Ex.ªs têm proferido e na base dos quais os funcionários deste país estão amordaçados.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado não haver mais inscrições, dou por encerrado o período da ordem do dia.
Segundo as informações de que a Mesa dispõe, há consenso no sentido de iniciarmos, de imediato, as votações.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, só para informar a Mesa de que vou entregar ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares o texto a que me referi e sublinhar que o Sr. Ministro não me respondeu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, pois, dar início ao período das votações.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, temos conhecimento de que, neste momento, estão em funcionamento algumas comissões parlamentares especializadas. Assim sendo, haveria necessidade de se chamar os nossos colegas para estarem presentes nestas votações, na medida em que foram alguns desses nossos colegas, companheiros de diversos partidos, que trataram de algumas das questões que vão ser votadas.

O Sr. Presidente: - Agradeço a sua intervenção, Sr. Deputado. No entanto, a Mesa já tinha accionado os mecanismos à sua disposição para alertar os Srs. Deputados de que se iria dar início ao período das votações.
Podemos, contudo, aguardar alguns momentos.

Pausa.

O primeiro diploma a ser votado é o projecto de lei n.º 690/V, da autoria do PS, sobre a eliminação do artigo 10.º da Lei n.º 95/88, de 17 de Agosto (Garantia dos Direitos das Associações de Mulheres). Srs. Deputados, podemos votá-lo?

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, solicito uma interrupção dos trabalhos por cinco minutos.

O Sr. Presidente: - Vamos então interromper os nossos trabalhos por cinco minutos. Agradecia que não se afastassem muito do Hemiciclo.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

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Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início ao período das votações.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, pretendo apenas fazer uma pequena correcção.
De acordo com a informação de que dispomos, o projecto de lei n.º 690/V, do PS, já terá sido votado na especialidade, pelo que, neste momento, é apenas necessário proceder à votação final global.
Julgo que esta é uma informação partilhada por todas as bancadas.

O Sr. Presidente: - A Mesa agradece a interpelação do Sr. Deputado. De facto, também já tínhamos essa indicação. Assim sendo, o projecto de lei n.º 690/V apenas irá ser posto à votação final global e já não, como vem referido na folha distribuída, à votação na especialidade.
Pretendia, antes disso, informar os Srs. Deputados do seguinte: amanhã, está previsto que o período das votações de vários diplomas tenha início às 19 horas e 30 minutos. Contudo, segundo as previsões que a Mesa faz, 6 possível admitir que os trabalhos de amanhã possam estar concluídos por volta das 18 horas ou das 18 horas e 30 minutos. Portanto, fazíamos um apelo aos Srs. Deputados no sentido de que fossem reunidas as condições para que, logo após o período da ordem do dia de amanhã, se iniciassem as votações, que vão ser um pouco mais demoradas do que o habitual.
Feito este apelo e dada esta informação, vamos proceder à votação final global do projecto de lei n.º 690/V, da autoria do PS, sobre a eliminação do artigo 10.º da Lei n.º 95/88, de 17 de Agosto (Garantia dos Direitos das Associações de Mulheres).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Marques Júnior, Raul Castro e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global das propostas de alteração aprovadas na especialidade em comissão relativas à ratificação n.º 184/V (PS) - Apreciação do Decreto-Lei n.º 135/91, de 4 de Abril (Procede à revisão global do regime jurídico das SGII).

Submetidas à votação, foram aprovadas, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS, votos contra do PCP e a abstenção do deputado independente Jorge Lemos.

Srs. Deputados, passamos agora à votação final global da proposta de lei n.º 183/V - Autoriza o Governo a conceder diversos benefícios fiscais e a elevar os montantes máximos das coimas por violação do exclusivo da exploração das apostas mútuas hípicas.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PRD e do CDS e votos contra do PS, do PCP e do deputado independente Jorge Lemos.

Srs. Deputados, procederemos agora à votação final global da proposta de lei n.º 194/V - Autoriza o Governo a aprovar um novo regime para o cálculo das indemnizações a atribuir aos titulares de participações sociais no capital de empresas nacionalizadas.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do PRD, votos contra do PCP e do CDS e abstenções do PS e do deputado independente Jorge Lemos.

Srs. Deputados, submeteremos agora à votação a proposta de lei n.º 196/V.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, sobre esta proposta de lei foi feito um requerimento de avocação, que queríamos justificar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho, que dispõe de dois minutos para apresentar a avocação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quando da discussão na generalidade, aqui em Plenário, desta proposta de lei, que estabelece um novo regime do subsídio de gasóleo para a agricultura, considerámos que, embora tardia, criando um novo sistema burocratizado e ficando aquém do que seria possível, ela constituía e constitui um avanço em relação à situação actual.
Nesse sentido, votámos, na generalidade, a favor desta proposta, tal como hoje a iremos votar a favor.
Contudo, foi reconhecido, por unanimidade, na Comissão de Agricultura, Pescas e Alimentação e em contactos informais com deputados do PSD, que alguns dos aspectos do pedido de autorização legislativa do Governo mereciam melhor consideração, designadamente em relação à matéria sobre a qual apresentámos aqui um requerimento de avocação, qual seja a de que este sistema, tal como está instituído, deixa de fora uns milhares de pequenos agricultores, seareiros 'e rendeiros que, desde a Madeira a Trás-os-Montes, ao Algarve, Alentejo, Ribatejo ou à Beira Interior, exploram áreas de terra sem qualquer tipo de título escrito.
Como se sabe, para que esses pequenos agricultores possam ter acesso ao sistema de subsídio de gasóleo para a agricultura, eles precisam de apresentar, na respectiva direcção regional de agricultura, um contrato de arrendamento. Ora, como o não têm e apesar de explorarem a terra e dispenderem, portanto, gasóleo nessa sua actividade, acabam por não ter acesso ao respectivo subsídio.
Na prática, muitas direcções regionais de agricultura, ou pelo menos algumas delas, superam este problema através de uma relação de favor entre os funcionários das direcções regionais de agricultura e os respectivos agricultores que se lhes dirigem sem contrato, sendo, apesar disso, ratificado e reconhecido pelas direcções-gerais de agricultura o facto de eles explorarem a terra, fazendo-os assim entrar no sistema.
Não existe, contudo, um sistema legal implantado, o que significa que esses agricultores estão dependentes da boa vontade e dos favores dos funcionários das direcções regionais de agricultura e dos serviços do MAP. Nesse sentido, apresentámos uma proposta de alteração - aliás

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até redigida de acordo com deputados da bancada do PSD - a fim de que os rendeiros e os seareiros nessas condições pudessem possuir prova testemunhal na própria direcção regional de agricultura, nos lermos em direito permitidos e com verificação posterior pelos serviços regionais do MAP, tendo assim entrada no sistema.
Esta proposta, Srs. Deputados, foi redigida, como já referi, de acordo com deputados da vossa bancada. Estranhámos, pois, que, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, p PSD não tivesse votado a favor. Considerámos que leria sido certamente um lapso-a menos que os senhores queiram que esses pequenos agricultores que não possuem documento escrito continuem a ficar dependentes da boa vontade dos funcionários do «Estado laranja»!
Não é com certeza disso que se trata e, por essa razão, trouxemos aqui este requerimento de avocação. convictos de que, certamente, o PSD vai rever a sua posição e vai votar favoravelmente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Lino de Carvalho acaba de apresentar o requerimento de avocação, que está na Mesa e vou colocar à votação...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação à Mesa, gostaria de lembrar à bancada do PSD que, na Comissão de Agricultura, Pescas e Alimentação, o relatório que aconselha o Governo a, nesta matéria, inserir esta disposição que aqui propomos foi aprovado por unanimidade, por todos os partidos representados na respectiva Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, julgo que não há qualquer dúvida sobre o requerimento de avocação que o Sr. Deputado Lino de Carvalho acabou de apresentar.
Vamos, pois, votá-lo.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do deputado do PSD Coelho dos Santos e do deputado independente Jorge Lemos e abstenções do CDS e dos deputados do PSD António Ramos, Armando Cunha e Luís Rodrigues.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 196/V - Permite a redução da taxa do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) incidente sobre o gasóleo utilizado na actividade agrícola.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Marques Júnior, Raul Castro e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, vamos passar à votação final global do projecto de lei n.º 632/V (PSD) - Lei da criminalidade informática.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Marques Júnior, Raul Castro e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação final global do projecto de lei n.º 686/V (PSD) - Mecenato social.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Marques Júnior, Raul Castro e Valente Fernandes.

rs. Deputados, relativamente ao projecto de lei n.º 362/V - Garante a protecção adequada às mulheres vítimas de violência-, da iniciativa do PCP, existe um texto, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que já foi votado, na especialidade, em comissão. É esse texto, Srs. Deputados, que vai ser posto à votação final global.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, se me dá licença, quero apenas confirmar o que a Mesa acabou de dizer. Ou seja, segundo nossa informação, o texto de que a Mesa dispunha inicialmente ainda não unha inserto as alterações votadas na Comissão. Porém, não haverá qualquer objecção, por parte do PSD, desde que a votação recaia sobre o documento final saído da Comissão.

O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado. Há pouco tínhamos passado à frente deste projecto de lei, uma vez que ainda não estavam reunidas as condições e por a Mesa não estar na posse desse texto final.

Pausa.

Srs. Deputados, enquanto se reúnem as condições para podermos proceder à votação, quero relembrar que, embora estejam previstas votações amanhã às 19 horas e 30 minutos, e de acordo com o que disse no início destas votações, a previsão da Mesa é de que os trabalhos estarão concluídos antes dessa hora, eventualmente até antes das 18 horas. Por isso, pretendo apenas alertar os Srs. Deputados para a eventualidade de, logo após o período da ordem do dia, que poderá terminar às 17 horas, procedermos às votações, que irão ser possivelmente mais demoradas.
Vamos então proceder à votação final global do projecto de lei n.º 362/V, na versão do texto final aprovado na Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Marques Júnior, Raul Castro e Valente Fernandes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, devo comunicar, a respeito deste projecto de lei do PCP, que faremos a entrega na Mesa de uma declaração de voto.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos ainda por votar os projectos de lei n.º 419/V (PSD) - Heráldica autárquica e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa - e 773/V (PSD) - Alteração do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março (Atribuições das autarquias locais e competência dos respectivos órgãos).

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, em relação ao projecto de lei n.º 419/V ter-se-á de proceder às votações na especialidade e final global.
Quanto ao projecto de lei n.º 773/V, creio que há consenso para procedermos, em simultâneo, às votações na generalidade, na especialidade e final global.

O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado. Vamos então votar, na especialidade, o projecto de lei n.º 419/V.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Marques Júnior, Raul Castro e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global deste projecto de lei.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Marques Júnior, Raul Castro e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação, em simultâneo, na generalidade, na especialidade e final global, do projecto de lei n.º 773/V.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Marques Júnior, Raul Castro e Valente Fernandes.

— Srs. Deputados, a nossa reunião plenária de amanhã terá início às 10 horas. Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação relativa ao projecto de lei n.º 362/V

O Grupo Parlamentar do PCP não pode deixar de assinalar o facto de uma lei da República respeitante às mulheres, aprovada por unanimidade pela Assembleia da República, ter nascido de um projecto de lei do PCP. E mais ainda: a lei só diverge do projecto do PCP no que toca ao local de funcionamento do Gabinete SOS para atendimento telefónico das mulheres vítimas de violência. No mais, a lei corresponde rigorosamente ao projecto de lei que, em 8 de Março de 1989 - no Dia Internacional da Mulher-, entregámos na Mesa da Assembleia da República.
A partir da publicação da lei e graças ao projecto do PCP, o Governo fica obrigado a: desenvolver campanhas de sensibilização da opinião pública através dos órgãos de comunicação social, com vista a prevenir a prática de crimes contra a dignidade da mulher, publicar e distribuir gratuitamente um guia das mulheres vítimas de violência; apoiar e estimular a criação de centros de estudo e investigação sobre a mulher e as actividades editoriais no domínio dos direitos da mulher, apoiar e estimular a criação de centros de atendimento e abrigo das mulheres vítimas de violência; criar, no Ministério da Justiça, um Gabinete SOS de funcionamento permanente para atendimento telefónico às mulheres vítimas de violência; instituir gradualmente, junto dos órgãos de polícia criminal, secções para atendimento directo às mulheres vítimas de crime, com um quadro de funcionários a recrutar entre licenciados em Direito, psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e pessoal feminino da PSP; apoiar associações de mulheres que prossigam fins de defesa e protecção das mulheres vítimas de crimes, a quem é conferido o direito a constituírem-se assistentes, do processo penal, em representação da vítima.
A Comissão da Condição Feminina e a CITE ficam com igual direito: legislar quanto ao adiantamento pelo Estado da indemnização devida às mulheres.
A unanimidade na aprovação da lei exige que o futuro governo dê cumprimento aos preceitos destinados a garantir às mulheres informação e consulta jurídica gratuitas e a contribuir para uma nova mentalidade que eleve a mulher à sua dignidade.

A deputada do PCP, Odete Santos.

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação relativa aos projectos de lei n.ºs 419/V e 773/V

O Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata votou favoravelmente o projecto de lei n.º 419/V, sobre a heráldica autárquica e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, que tive a honra de subscrever conjuntamente com o meu colega deputado Sousa Lara.
Tornava-se imperioso há muito completar e actualizar a legislação vigente sobre a simbologia autárquica e a Assembleia da República, ao votar por unanimidade este projecto de lei, acaba de concretizar esse objectivo.
Deste modo se dá um contributo decisivo para um melhor e mais correcto ordenamento dos símbolos heráldicos dos municípios, freguesias, cidades e vilas e ainda das futuras regiões administrativas do continente.
A concluir resta-me desejar e esperar que a lei que vai resultar da votação do projecto de lei n.º 419/V, que acabámos de efectuar, seja integralmente respeitada e cumprida, para uma maior dignificação dos símbolos heráldicos no nosso país.
Os sociais-democratas votaram igualmente o projecto de lei n.º 773/V - Alteração do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março (Atribuições das autarquias locais e competência dos respectivos órgãos), no qual se aditou às competências dos respectivos órgãos deliberativos das autarquias locais a capacidade para aprovarem os símbolos heráldicos. Estes aditamentos decorrem naturalmente ou são uma consequência lógica da aprovação do projecto de lei n.º 419/V.

O deputado do PSD, Manuel Moreira.

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12 DE JUNHO DE 1991 3059

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro José Martins Viegas.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António Maria Oliveira de Matos.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Mendes Costa.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Vilela de Araújo.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel João Vaz Freixo.
Maria João Godinho Antunes.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António Domingues de Azevedo.
António José Sanches Esteves.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Henrique do Carmo Carmine.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.

Partido Comunista Português (PCP):

Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Domingos Abrantes Ferreira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Antunes Mendes.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Natália de Oliveira Correia.

Deputados independentes:

Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António José Caeiro da Mota Veiga.
Flausino José Pereira da Silva.
José Júlio Vieira Mesquita.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Mário Jorge Belo Maciel.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Partido Socialista (PS):

Francisco Fernando Osório Gomes.
João Rosado Correia.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.

Os REDACTORES- José Diogo - Cacilda Nordeste - Ana Maria Marques da Cruz - Isabel Barral - Maria Amélia Martins.

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