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I Série - Número 93
Terça-feira, 18 de Junho de 1991
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE JUNHO DE 1991
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Joaquim António Rebocho Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Deu-se conta dos diplomas entrados na Mesa.
Foram aprovados os n.ºs 74 a 79 do Diário.
O Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos (PSD) interpôs recurso da decisão do Sr. Presidente de não agendar para discussão conjunta com o projecto de lei n.º 779/V (PSD, PS, PCP, PRD e CDS) - Amnistia diversas infracções e concede outras medidas de demência, o projecto de lei n.º 388/V - Amnistia do crime de organização terrorista, de sua autoria, o qual foi rejeitado. Usaram da palavra, a diverso titulo, os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Narana Coissoró (CDS), Mário Montalvão Machado (PSD) e Carlos Brito (PCP).
Foi apreciado o relatório da Comissão Eventual de Inquérito ao acidente de Camarote, tendo-se pronunciado, a diverso titulo, os Srs. Deputados José Luís Ramos (PSD), Narana Coissoró (CDS), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Fernando Correia Afonso (PSD), Rui Silva (PRD), Rui Cunha (PS) e António Mota (PCP).
Procedeu-se também à apreciação do relatório da Comissão Eventual de Inquérito aos alegados perdões f iscais atribuídos ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, sobre o qual intervieram os Srs. Deputados Álvaro Dâmaso (PSD), Manuel dos Santos (PS), Carlos Lilaia (PRD), Octávio Teixeira (PCP) e Rui Alvarez Carp (PSD).
O relatório da Comissão Eventual de Inquérito para análise e reflexão da problemática dos incêndios em Portugal foi debatido pela Câmara, com a participação dos Srs. Deputados António Campos (PS), Rui Silva (PRD), Lino de Carvalho (PCP), Francisco Antunes da Silva (PSD) e lida Figueiredo (PCP).
Foi igualmente debatido o relatório da Comissão Eventual de Inquérito com vista a averiguar os actos administrativos na área do Ministério da Saúde, intervindo, a diverso titulo, os Srs. Deputados Nuno Delerue de Matos (PSD), Jorge Catarina (PS), João Amaral (PCP), João Rui de Almeida (PS) e Luís Filipe Meneses Lopes (PSD).
Finalmente, após a leitura do relatório e parecer da Comissão de Petições, a Câmara apreciou a petição n.º 192/V (4.º), apresentada pela Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas - FENCA, solicitando a promoção de um debate sobre as consequências da política agrícola que tem sido seguida na zona de intervenção da reforma agrária e a tomada de medidas adequadas, tendo produzido intervenções os Srs. Deputados Carlos Duarte de Oliveira (PSD), Rogério Brito (PCP) e Alberto Avelino (PS).
Entretanto, havia sido aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de um deputado do PCP.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 5 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condessa
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João da Costa Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barras.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Rosem.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Alexandre Vicente.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
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António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Miguel de Morais Barreio.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
Jorge Paulo Sacadura Coelho.
José Barbosa Moía.
José Manuel Fernandes Miranda.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odeie Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
António Alves Marques Júnior.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 781/V - Criação de um novo regime de acesso ao ensino superior, apresentado pelo Sr. Deputado António Filipe e outros, do PCP, que baixa à 8.º Comissão; projecto de lei n.º 782/V - Elevação à categoria de cidade da vila do Seixal e povoações contíguas (Arrentela, Torre da Marinha e Casal do Marco) do concelho do Seixal, apresentado pelo Sr. Deputado José Manuel Maia e outros, do PCP, que baixa à 6.ª Comissão; projecto de lei n.º 783/V - Elevação a categoria de cidade da vila de Amora, no concelho do Seixal, apresentado lambem pelo Sr. Deputado José Manuel Maia e outros, do PCP, que baixa à 6.ª Comissão; projecto de lei n.º 784/V - Elevação à categoria de vila da povoação de Corroios, do concelho do Seixal, igualmente da iniciativa do Sr. Deputado José Manuel Maia, do PCP, que baixa à 6.ª Comissão; proposta de resolução n.º 51/V - Aprova o Acordo, por troca de notas, entre o Governo Português e o Governo da República Popular da China, Relativo à Abertura em Macau de Uma Delegação de Vistos do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China; proposta de resolução n.º 52/V - Aprova a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substancias Psicotrópicas; proposta de resolução n.8 53/V - Aprova, para ratificação, a Convenção Europeia para o Reconhecimento da Personalidade Jurídica das Organizações Internacionais Não Governamentais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.º 74 a 79 do Diário.
Pausa.
Como não há oposição, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, passo a ler um ofício de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, que. para além da parte protocolar, é do seguinte teor: «Tenho a honra de junto devolver a V. Ex.ª, nos termos dos artigos 139.º, n.8 S, e 279.º, n.º 1, da Consumição da República, o decreto da Assembleia da República n.º 317/V, de 14 de Maio de 1991, referente a baldios, uma vez que o Tribunal Constitucional, através do douto Acórdão n.º 240/91, de 11 de Junho, se pronunciou, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, pela inconstitucionalidade das seguintes normas do referido decreto: do artigo 8.º, n.º 2 e 3; do artigo 15.º. n.º 2, alínea b), salvo quanto ao segmento relativo ao conhecimento da contabilidade, e alínea e); aos artigos 16.º, 17.º a 22.º ,25.º, n.º 3; do artigo 29.º, n.º 1, na parte que se reporta ao período de não utilização dos baldios, e ainda dos artigos 30º, 33.º e 34.º»
O Sr. Manuel Coelho dos Santos (PSD): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Coelho dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª determinou, em relação ao agendamento da próxima quinta-feira, dia 20, a subida a Plenário do projecto de lei n.º 779/V, que amnistia diversas infracções e concede outras medidas de clemência, que é posterior, em dois anos, ao que eu apresentei.
Deste modo, pretendo recorrer da decisão de V. Ex.ª.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pode recorrer, naturalmente. A análise de recurso precede a análise da discussão do projecto de lei n.º 779/V.
O Orador: - Não percebi, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Naturalmente que o Sr. Deputado pode recorrer e a análise do recurso precede a discussão do projecto de lei n.º 779/V, que está agendado para o próximo dia 20.
O Orador: - Quer dizer, Sr. Presidente, que só na próxima quinta-feira poderei recorrer?
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, V. Ex.ª pode recorrer quando entender. A análise do recurso é que será feita nesse momento.
O Orador: - Então, recorro agora. Estou, exactamente, a declarar que interponho recurso.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tenho na Mesa qualquer documento de interposição de recurso. A não ser que o Sr. Deputado queira interpô-lo sob a forma de requerimento oral.
O Orador: - Estou a fazê-lo verbalmente, Sr. Presidente. Suponho que o formalismo da Casa não vai ao ponto de exigir que faça um requerimento por escrito.
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado entende interpor recurso do agendamento sob a forma oral, pode fazê-lo, ao abrigo do artigo 89.º, n.º 8, do Regimento e dentro do tempo que este lhe concede.
O Orador: - É isso que estou a fazer Sr. Presidente. Estou a recorrer oralmente. V. Ex.ª vai dar-me a palavra para interpor recurso?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 179.º da Constituição diz que sa ordem do dia é fixada pelo Presidente da Assembleia da República». E o Regimento acrescenta que a ordem do dia é fixada depois da audição dos líderes dos grupos parlamentares.
Este poder do Presidente não pode ser delegado, nem pode ser partilhado, mas também não 6 arbitrário, já que se lhe impõe a obediência às prioridades estabelecidas no Regimento, no mesmo artigo 179.º
As prioridades fixa-as o artigo 58.º do Regimento, colocando em 14.º lugar as amnistias e perdões. Estabelece o n.º 2 deste artigo 58.º, textualmente: «Dentro de cada matéria funciona a precedência temporal da apresentação.»
Assim, dentro da matéria referida em 14.º lugar
- amnistias e perdões -, há dois projectos de lei: um, da minha autoria, com mais de dois anos de vida, e outro apresentado há escassos dias.
Cumprindo-se o disposto no Regimento, é agendado o projecto de lei que apresentei e o segundo projecto de lei só poderá ser agendado em simultâneo, com base na conexão a que se refere o artigo 145."
Por outra via - e independentemente do que, com clareza, estatui o Regimento -, quem dá um direito está a dar, necessariamente, os meios processuais para que ele possa ser exercitado, regra que todos conhecemos.
Quando a Constituição dá ao deputado, por si ou como tal, o direito de apresentar projectos de lei (é o poder mais relevante que lhe dá), está a dar-lhe, ao mesmo tempo, o direito de ser informado sobre a tramitação desses projectos de lei e, sobretudo, está a dar-lhe o direito de os ver discutidos e votados em Plenário, com tempo suficiente para intervir nos debates.
A atitude de V. Ex.ª, Sr. Presidente, corresponde, na prática, à eliminação do preceito constitucional que dá ao deputado o poder de apresentar projectos de lei.
Intencionalmente, escuso-me a tecer quaisquer comentários, circunscrevendo esta breve intervenção, com o tempo ridículo de três minutos, ao problema da legalidade, que está para além de qualquer propósito de solidariedade política.
Deixo à consciência de cada um dos meus colegas esta pergunta singela: se a Assembleia da República se permite violar, frontalmente, as suas leis, se não respeita as leis que ela própria fax, quem é que há-de sentir-se obrigado a respeitá-las?
Aplausos do PS, do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para intervir ao abrigo do artigo 89.º, n.º S, do Regimento, os Srs. Deputados Jorge Lacão, Narana Coissoró, Montalvão Machado e Carlos Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vai para mais de um ano que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias aprovou um parecer, da autoria do Sr. Deputado Almeida Santos, considerando que o projecto de lei sobre amnistia, da autoria do Sr. Deputado Coelho dos Santos, estava perfeitamente em condições de subir a Plenário.
Solicitava-se nesse parecer que a conferência dos representantes dos grupos parlamentares tivesse conhecimento do facto e, em consequência, procedesse ao respectivo agendamento do projecto de lei.
Ocorre que, entretanto, como foi sublinhado agora mesmo, uma outra iniciativa legislativa foi apresentada.
É da praxe, na Assembleia da República, que projectos e propostas de lei sobre matéria com idêntico objecto sempre subam a Plenário no mesmo dia de agendamento.
Eis, portanto, Sr. Presidente, esta questão singular: há mais de um ano que um projecto é dado, pela comissão competente, como inteiramente em condições de subir a Plenário e de ser agendado; um projecto de lei posterior é agendado por pai te do Sr. Presidente, entidade que, na Assembleia da República, tem competência para os agenciamentos, com recusa de anexar o projecto apresentado em primeiro lugar, para debate simultâneo no Plenário.
Daí, Sr. Presidente, a nossa perplexidade. Perplexidade e desacordo, que já tivemos ocasião de transmitir-lhe em
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reuniões dos representantes dos grupos parlamentares, como igualmente lhe dissemos que teríamos a ocasião de o sublinhar aqui. no Plenário da Assembleia da República, porque nos parecia que esse gesto era demasiado arbitrário para que permanecêssemos em silêncio.
Por isso. Sr. Presidente, claramente, o questiono, para lhe perguntar ao abrigo de que disposição constitucional, ao abrigo de que disposição regimental, ao abrigo de que nova praxe parlamentar, o Sr. Presidente da Assembleia da República recusa agendar em simultâneo um projecto de lei com precedência de entrada na Mesa e com objecto idêntico ao que, entretanto, já foi por V. Ex.ª agendado. em matéria de amnistia. Qual o critério?
A nosso ver, do que se trata é do uso de dois pesos e de duas medidas. Pela primeira vez, na Assembleia da República, o seu Presidente recusa, liminarmente, o exercício de um direito parlamentar nunca até hoje negado a qualquer deputado, a qualquer grupo parlamentar.
Agradecíamos, portanto, de V. Ex.ª, uma cabal justificação acerca deste acto, que nos parece, claramente, um acto discriminatório.
Aplausos do PS, do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e José Magalhães.
O Sr. Presidente: - Estão inscritos outros Srs. Deputados mas, como o Sr. Deputado Jorge Lacão não esteve na conferência dos representantes dos grupos parlamentares, permito-me ler-lhe o n.º 4 do artigo 20.º do Regimento da Assembleia da República: «As decisões da conferência, na falta de consenso, são tomadas por maioria, estando representada a maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções.»
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todo o Plenário sabe qual é a posição do CDS sobre a amnistia aos crimes de associações terroristas e contra a segurança do Estado. Repito: somos contrários à amnistia para crimes políticos, crimes de alto terrorismo e de alta violência. Por isso, estamos à vontade para tratar do projecto de lei que foi trazido a Plenário pelo Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos.
Pensamos que a Assembleia da República não se prestigia escondendo a cabeça na areia, isto é, não trazendo à luz do dia todos os projectos de lei sobre a amnistia dos crimes políticos que deram entrada na Mesa da Assembleia.
Na verdade, pensamos que só com um debate largo e amplo sobre os chamados crimes políticos e sobre como e quando devem ser utilizados os poderes desta Assembleia na matéria das amnistias é que todos nós, deputados, podemos assumir as nossas próprias responsabilidades perante este problema que procura também o Presidente da República.
De facto, não há qualquer norma regimental que proíba o Sr. Presidente da Assembleia da República de agendar um projecto de lei que, constitucionalmente, foi entregue por um deputado. Aliás, isto é um direito constitucional, que não pode ser negado a qualquer deputado, e não podemos cair no contra-senso de que os deputados podem individualmente apresentar projectos de lei e, depois, estes ficam a jazer na gaveta por não haver nenhum grupo parlamentar que os traga ao Plenário. Assim, estaríamos a revogar um preceito constitucional, o que não podemos admitir.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Muito bem!
O Orador: - Por isso mesmo e apesar de sermos contra este projecto de lei, nós. os quatro deputados do CDS, tomaremos a responsabilidade de debater o diploma e dizer por que votamos contra, porque não somos, como já dissemos, a favor da amnistia de crimes políticos.
Desta forma, daremos todos os argumentos que nos parecem válidos, e por isso não podemos admitir que um debate como este seja afastado, com fundamentos adjectivos, processuais e formais, para que a Assembleia não possa pronunciar-se sobre o fundo do projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos.
Por isso e desde já, informamos a Câmara que votaremos favoravelmente o recurso interposto pelo Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos.
Aplausos do deputado do PS Sottomayor Cárdia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao recurso interposto pelo Sr. Deputado, e meu companheiro de bancada, Manuel Coelho dos Santos, gostaria de fazer alguns pequenos apontamentos.
Em primeiro lugar, gostaria de referir-e o Sr. Presidente já chamou a atenção para este ponto em resposta ao Sr. Deputado Jorge Lacão- que, efectivamente, em conferência de líderes, não houve consenso para que este diploma fosse agendado em conjunto com qualquer outro diploma concernente à amnistia; houve, isso sim, consenso para que fosse agendado um diploma, da autoria de todos os grupos parlamentares, e esse foi agendado por V. Ex.ª
Por conseguinte, agendou-se aquilo para que havia consenso e não se agendou aquilo para o que não o havia, e nem sequer falo em maiorias ou minorias. Aliás, também é muito bem conhecida a posição do meu partido em relação ao projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos.
O projecto de lei foi apresentado pelo meu companheiro de bancada contra a vontade expressa do presidente do grupo parlamentar de que ele faz parte. Assim, foi-lhe solicitado que não o apresentasse; apesar disso, o Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos fê-lo aliás, no uso de um legítimo direito constitucional, que não impugno - e, por conseguinte, não era agora que iríamos dar o nosso acordo para que ele fosse agendado.
Isto não é meter a cabeça na areia, como disse o Sr. Deputado Narana Coissoró, para não debater os problemas, porque, como todos sabem, há várias maneiras de o Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos, ou qualquer outro deputado, discutir o seu projecto de lei sobre a amnistia: basta pedir um simples aditamento ao projecto que foi agendado por consenso!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado revelou parte daquilo que se passou em conferência de líderes, apenas quero sublinhar que tudo aquilo que ele acabou de dizer foi, efectivamente, o que se passou.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já aqui foi dito, o projecto de lei apresentado
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pelo Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos está em condições de subir a Plenário já há cerca de um ano.
Entretanto, como todos recordamos, por altura do Natal, o Sr. Presidente da República fez um apelo aos deputados, depois de um encontro que teve com os diferentes líderes parlamentares, para que a Assembleia da República se empenhasse na elaboração de uma lei de amnistia aos implicados no processo das FP-25.
Na altura e tendo presente o apelo do Sr. Presidente da República, não se considerou, desde logo, o agenciamento do projecto de lei do Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos, mas contava-se que o apelo do Sr. Presidente da República pudesse ser coroado de sucesso. Assim não sucedeu, pois o PSD opôs-se, alegando que só cooperaria na elaboração de uma lei de amnistia se o CDS também o fizesse...
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Não, não!
O Orador: - Ou melhor, o PSD só cooperaria desde que fosse por unanimidade dos deputados,...
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Exacto!
O Orador: -... o que significava que, uma vez que a única oposição partia dos quatro deputados do CDS, só cooperaria se o CDS também o fizesse.
Ora, considerámos esta posição absurda, ou seja, que quatro deputados pudessem contestar a vontade de 147, pois pensávamos que perante uma maioria tão folgada - porque a amnistia correspondia a um grande sentimento nacional e a uma grande vontade política da Assembleia da República - esse problema não se devia colocar. Mas a posição do PSD era intransponível, como depois se verificou.
Assim, e logo que nos apercebemos disso, propusemos, em conferência dos líderes parlamentares, que o projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos - e isto já foi há meses - fosse agendado. Nessa altura verificou-se que a única oposição partia do PSD, pois o CDS, muito embora anunciasse que votaria contra esse projecto de lei, caso ele subisse a Plenário, não se opunha a que ele fosse agendado, debatido e votado.
Portanto, há meses que esta questão está colocada. E, mais: recentemente, quando se decidiu fazer a amnistia aos pequenos delitos, que vai ser discutida no próximo dia 20, os Grupos Parlamentares do PCP e do PS colocaram novamente a questão de, conjuntamente com o projecto de lei elaborado e assinado por todos os grupos parlamentares, subir também a Plenário o projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos, mas, mais uma vez, houve oposição formal da parte do PSD.
É, pois, nesta situação que estamos e é assim que surge o recurso interposto pelo Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos.
Pensamos que o recurso tem toda a legitimidade e que não se lhe pode recusar provimento, uma vez que é praxe da Assembleia da República, sempre que é agendado um projecto de lei, subirem a Plenário todos os projectos de lei que tratem de matéria congénere, e é o caso.
Além do mais, será absurdo que, desfrutando a legislação sobre a amnistia de prioridade regimental, um projecto de lei que está em condições de subir a Plenário há cerca de um ano não tenha essa possibilidade.
Na verdade, entendemos também que, politicamente, todas as razões militam a favor da discussão e votação deste projecto de lei, pois trata-se, sem dúvida, de uma aspiração de um sector muito vasto da sociedade portuguesa- e lembro que nos chegam à Assembleia, regularmente, tomadas de posições das mais diversas personalidades do País, de grandes figuras de intelectualidade, da ciência.
Em face disto, creio que há todas as razões para que a Assembleia aborde frontalmente a questão: quem está a favor vota a favor e quem está contra que traga argumentos e vote contra! É só isto que pretendemos: a democracia é a clarificação.
Assim, apelamos ao Sr. Presidente e aos deputados de todas as bancadas, em especial aos da bancada do PSD, que permitam que a Assembleia da República clarifique completamente a sua posição, pois há aqui quem queira a amnistia e se bata por ela e quem não a queira. Portanto, cada um deve assumir frontalmente e sem vergonha, perante o País, a sua posição!
Este é, pois, o nosso apelo, que, pensamos, não pode ser recusado. Na nossa opinião, não é a Assembleia da República que recusa a amnistia aos implicados no processo das FP-25 mas, sim, p PSD que recusa essa amnistia e que recusa que um projecto de lei sobre essa matéria possa ser discutido e votado na Assembleia da República.
Assim, pretendemos que cada partido assuma, perante o projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos, a sua posição com todas as responsabilidades que isso possa implicar.
Aplausos do PCP, do PS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Presidente, em resposta à minha alegação de há pouco, citou o artigo 20.º do Regimento da Assembleia da República, no ponto em que ele se refere a que as decisões da conferência, na falta de consenso, são tomadas por maioria. Todavia, isso deixaria supor que a competência para o agendamento das matérias era da conferência de líderes.
Assim sendo, Sr. Presidente, a minha interpelação vai no sentido de lhe chamar a atenção para que a fixação da ordem do dia é, nos termos da Constituição e do Regimento, uma competência própria do Presidente da Assembleia da República e não da conferência de líderes, sendo dever do Presidente ouvir, e apenas ouvir, a conferência de líderes a título indicativo, como se refere no artigo 55.º do Regimento. Portanto, mantenho a minha alegação de há pouco.
Na verdade, quando o Sr. Presidente da Assembleia da República, no uso de uma competência própria, recusa o agendamento de um projecto de lei que é prioridade regimental, que foi prévio à apresentação de um segundo diploma sobre o mesmo assumo, quando isso acontece, o Sr. Presidente da Assembleia da República, desculpar-me-á que lho diga, está a tomar uma atitude a margem da Constituição e do Regimento e, por isso, à tomar uma atitude com algum autoritarismo, e isso que não podemos aceitar.
Aplausos do PS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, vou apenas dizer-lhe o seguinte: em primeiro lugar, gostaria que a interpelação que fez tivesse sido feita pelo seu líder parlamentar.
Essa matéria foi discutida em conferência de líderes sob todas as formas processuais, nomeadamente o agendamento, um possível aditamento ao projecto de lei elaborado por todos os grupos parlamentares, etc. Enfim, esta questão foi amplamente discutida e analisada e já se sabe quem vota a favor e quem vota contra, quem é que apresenta um aditamento ao projecto de lei, quem o vota a favor e quem o vota contra, pois isso, como já referi, foi discutido várias vezes.
Em segundo lugar, devo dizer-lhe, Sr. Deputado Jorge Lacão, que quer eu próprio quer os presidentes que me precederam - e tive ocasião de verificar isto quando fui Presidente do Grupo Parlamentar do PSD e pertenci à conferência de líderes - sempre e em todos os casos (e honro-me que assim tenha sido nesta legislatura) discutiram e apreciaram os agendamentos na conferência de líderes, havendo por vezes divergências, noutras concordâncias, estabelecendo-se estratégias, e, felizmente, só em duas circunstancias, durante todo o meu mandato, que está quase a terminar, necessitei de pôr à votação o agendamento.
Não quero prolongar mais estas considerações, quero apenas dizer-lhe isto, porque as palavras do Sr. Deputado - permita-me que o diga, com amizade e com franqueza são de uma injustiça a toda a prova.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Para defesa da honra e consideração da minha bancada.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se é para exercer o direito de defesa e se eu estou envolvido, tem a palavra, mas julgo que a não ofendi.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Presidente lamentou a circunstância de, neste momento, o líder da minha bancada não estar presente e, como tal, eu assumir este processo.
Quero lembrar ao Sr. Presidente que numa ocasião não distanciada, em que o líder da minha bancada se encontrava ausente no estrangeiro, fui eu próprio, como vice-presidente do meu grupo parlamentar, que sustentei em conferência de líderes a posição do PS sobre esta matéria, que, entretanto, não mudou.
E a posição, Sr. Presidente - permita-me que a recorde -, foi a seguinte: demos a nossa total concordância para que fosse agendado o projecto de lei sobre a amnistia, que, por consenso, foi preparado nesta Casa, e, simultaneamente, dissemos que não desistiríamos de, pelos meios processuais ao nosso alcance, apoiar o Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos no seu objectivo de lograr o agendamento do seu próprio projecto de lei.
Mais: avisámos na própria conferência de líderes que, quando o Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos suscitasse o recurso do não agendamento. aqui lhe daríamos todo o apoio, por considerarmos que não havia razão para a posição do Sr. Presidente.
Se o Sr. Presidente estiver lembrado, ficou adiado para este momento o levarmos até às últimas consequências
— regimentais, naturalmente - este debate. É o que estamos a fazer, nos exactos termos do Regimento, e é nesses exactos termos que não nos dispensamos de reafirmar que consideramos que o Sr. Presidente não tem instrumento normativo ao seu alcance para impedir o agendamento que o Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos acabou de solicitar à Mesa.
O Sr. Presidente: - É verdade que o PS e o PCP disseram que apoiariam e votariam a favor do recurso, se ele fosse apresentado, como é verdade também - e posso revelá-lo- que declararam que votariam a favor de um aditamento ao diploma que seria apresentado ao Plenário, em devido tempo.
Mas o Sr. Deputado sabe perfeitamente que o assunto foi discutido até às últimas consequências. Não nego o que o Sr. Deputado afirmou em relação à posição do PS, nesse aspecto o Sr. Deputado está totalmente correcto, mas, pelas suas palavras também se deduz que o assunto foi clara e exaustivamente debatido e que já se sabia até quais eram as consequências desse acto.
Aliás, o Sr. Deputado estava aqui no Plenário e não lá e quando fiz referência ao presidente do seu grupo parlamentar não foi para fazer qualquer censura mas, sim, porque cie conhece uma história que o Sr. Deputado não pode conhecer, porque só esteve presente em algumas conferências e não em todas.
De há muito tempo a esta parte que o assunto unha sido discutido, desde logo para o início dos trabalhos de preparação de um diploma consensual.
Ò Sr. Deputado Mário Montalvão Machado pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para confirmar tudo aquilo que V. Ex.ª acaba de dizer e para referir ao Sr. Deputado Jorge Lacão que tudo isto resultou de uma das últimas reuniões, após essa conferência de líderes a que o Sr. Deputado Jorge Lacão não esteve presente, o que se supõe do sentido das palavras de V. Ex.ª, quando se referiu à ausência do Sr. Deputado António Guterres, ilustre presidente do Grupo Parlamentar do PS.
Nessa reunião foram largamente debatidas duas questões. A primeira foi a de se apresentar um diploma consensual sobre a amnistia, que foi apresentado por todos os grupos parlamentares.
Para o efeito, constituiu-se um grupo de trabalho que, depois do seu trabalho...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sabemos isso!...
O Orador: - O Sr. Deputado sabe isso, mas há outras coisas que não sabe. E, como não sabe, fica agora a saber! Fica a saber, por exemplo, que dessa conferencia de líderes resultou, muito claramente, que, com efeito, não seria agendado, conjuntamente com este diploma da amnistia, o projecto de lei do Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sottomayor Cárdia pede a palavra para que efeito?
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O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, esta questão é basicamente uma questão institucional, tal como a pôs o Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos.
Ora, do ponto de vista institucional, afigura-se-me evidente que a atitude de V. Ex.ª só pode ser a da imparcialidade e a do respeito pela Constituição e pelo Regimento. Todas as considerações relativas a reuniões, que, até como se acaba de verificar, são, de algum modo, secretas, não têm qualquer valor nem relevância institucional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação do recurso, apresentado pelo Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos, relativo ao não agendamento do projecto de lei n.º 388/V, de sua autoria, também referente a amnistia.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, do deputado do PSD Manuel Coelho dos Santos e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não há declarações de voto!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Era para uma brevíssima interpelação à Mesa, para anunciar que o Grupo Parlamentar do PCP apresentará, na discussão da especialidade, como aditamento ao projecto de lei que vamos discutir sobre a amnistia aos pequenos delitos, o projecto de lei do Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos, com quem conversámos e que nos autorizou a fazê-lo.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres para o mesmo efeito, segundo julgo.
O Sr. António Guterres (PS): - Não só mas também, Sr. Presidente.
É, efectivamente, para confirmar que também o meu grupo parlamentar apresentará, na discussão da especialidade, propostas de aditamento que permitirão que o projecto de lei do Sr. Deputado Manuel Coelho dos Santos possa ser rejeitado, mas não ignorado por esta Câmara.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, queria dizer que, em todas as instâncias, sempre foi expresso pelo meu grupo parlamentar o entendimento de que o agendamento deste projecto de lei referente a amnistia deveria ser feito com o que vamos apreciar na próxima quinta-feira.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, porque não esteve aqui presente...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas dissemos a mesma coisa!...
O Sr. Presidente: -.... por razões que são do seu foro pessoal, embora seja um deputado perfeitamente assíduo, quero dizer-lhe que nunca pus isso em dúvida e até o afirmei.
Srs. Deputados, vamos entrar na apreciação do relatório da Comissão Eventual de Inquérito ao acidente de Camarate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-me hoje a subida honra de, em nome do PSD, proceder à intervenção final no Plenário acerca do inquérito parlamentar que investigou as causas e circunstâncias da tragédia que vitimou Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa e os seus acompanhantes.
Não vou fazer uma apresentação do relatório que escrevi e que mereceu a aprovação da Comissão de Inquérito sem votos contra. Julgo, Sr. Presidente, que o relatório fala por si mesmo, consistindo numa síntese do que foram sete anos de inquérito que se encontram reunidos em 129 volumes, num total de 38 456 páginas de processo.
Porém, isso não significa que queiramos afastar o debate ou a contradita, pelo contrário.
Desde o início, temos adoptado uma postura de serenidade, de quem possui a fundamentação necessária do que afirma e até agora, após a conclusão do inquérito, todos os responsáveis da investigação oficial, desde a Direcção-Geral da Aeronáutica Civil (DGAC), à Polícia Judiciária (PJ) e até ao Instituto de Medicina Legal (IML), se têm furtado ao debate e se tom refugiado num silêncio envergonhado de quem não se orgulha do que fez e, sobretudo, de quem não pode negar nada das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito.
O relatório e todos os documentos que o acompanham deve merecer ampla divulgação pública e um aturado estudo e análise, pois que se trata de um importante contributo para a verdade que o País exigia e a que, até agora, o Estado se tinha mostrado incapaz de responder.
O impressionante conjunto de factos e as inúmeras provas reunidas sedimentam com toda a segurança as conclusões do relatório.
O Sr. António Lacerda de Queirós (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se dúvidas houver, cá estaremos, disponíveis como sempre, para contribuir para o seu esclarecimento, já que nos encontramos totalmente empenhados no seu esclarecimento, bem como no cabal apuramento das responsabilidades emergentes de uma notória incúria e negligência das investigações oficiais.
Como no passado, também agora o nosso propósito é o daqueles que acreditam que Portugal é um Estado de direito onde o receio, o temor, a omissão e o encobrimento de crimes não pode nem deve ter lugar.
Não temos medo e não desistiremos, porque esta questão se revela um imperativo categórico da nossa consciência colectiva. Nesse enfoque há que salientar e registar o relevante serviço que o Parlamento, como órgão de Estado, presta no sentido de cumprir aquele desiderato.
Sabemos que a verdade não é política nem partidária, que não se negoceia e, talvez por isso, inerva e incomoda muita gente.
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Assim, não podemos aceitar certas mistificações vindas a lume nalguma imprensa e que tiveram origem num alucinado depoimento pseudo jornalístico destinado a abalar as provas do relatório. Fazem-nos crer que uns técnicos estrangeiros construíram umas conclusões sólidas e definitivas. Será assim? Não é! Pelo contrário! A investigação dita oficial vai ter que explicar porque se recusou obstinadamente a que Camarate fosse investigado desde o início por peritos estrangeiros, nomeadamente da National Transport Safety Board (NTSB), pois não é isso que acontece em outros países. A título de exemplo, refira-se a morte de Zia-UI-Haf, Presidente do Paquistão, que originou investigações realizadas desde o início por autoridades nacionais e estrangeiras.
Mas em Camarate foi diferente! As autoridades nacionais, DGAC e PJ, constróem sozinhas uma tese de acidente em nítida infracção pelos regulamentos internacionais da ICAO e só muitos meses mais tarde convidam o NTSB a vir a Portugal, que, condicionado, se recusa a elaborar um relatório e produz uma simples análise.
O Sr. António Lacerda de Queirós (PSD): - É escandaloso!
O Orador: - Esta análise não compromete o NTSB pois que, como muito bem sublinharam os seus responsáveis, aquele instituto trabalhou com uma base de factos alegados e fornecidos pelas autoridades portuguesas. Não houve, assim, qualquer independência técnica e investigatória. No entanto, o NTSB põe em causa algumas das refutáveis conclusões da DGAC.
Talvez por isso, por todo esse procedimento e apesar de múltiplas insistências das Comissões Parlamentares de Inquérito, o NTSB se nega voltar a Portugal e isso nunca vai acontecer.
Quanto à participação dos Srs. Mason e Newton, muita coisa poderia e poderá ser dita, mas apenas adiantamos a censura feita pela RTP às suas palavras quando levantaram a hipótese de atentado, já que a televisão, que arvorava de uma aparente isenção, foi um dos instrumentos ao serviço da tese de acidente. Temos os factos e se for preciso prová-lo-emos.
Quanto aos fragmentos nos pés do piloto Albuquerque, diremos apenas que os fragmentos de densidade metálica foram recolhidos por peritos portugueses em 6 de Novembro de 1982 e acondicionados na amostra O. que desaparece a caminho do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (LNETI). Quando os peritos Mason e Newton procedem a uma segunda colheita dos restantes fragmentos metálicos ainda encontrados nos calcãneos, estes peritos não esperam pelas análises e regressam precipitadamente ao Reino Unido, confidenciando que sofreram pressões do seu próprio Governo para não porem em causa as conclusões do acidente, forjadas pelas autoridades portuguesas. Se for preciso, prová-lo-emos.
O Sr. António Lacerda de Queirós (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao depoimento do Sr. Newton sobre o bário, diremos o seguinte: que melhor crítica ao trabalho do Sr. Newton do que o aparecimento de fósforo na roupa das vítimas e de sulfato de bário no cockpit do avião Cessna! As correspondentes análises e exames químicos das roupas e do avião seriam elementares, mas o Sr. Newton, inexplicavelmente, nunca as executa nem as solicita, e será a Comissão Parlamentar de Inquérito a insistir, por diversas vezes, que a sua realização seja feita; só após muitas resistências das entidades oficiais são apresentadas tão importantes conclusões.
O Sr. António Lacerda de Queirós (PSD): - É incrível!
O Orador: - Quanto à proveniência do bário, é o próprio Sr. Newton que reconhece agora a ausência de informação ao afirmar: «apenas posso especular sobre o assunto». Porém, a Comissão Parlamentar de Inquérito analisou exaustivamente a espuma dos bombeiros, as tintas e todos os materiais componentes ou integrantes de um avião Cessna daquele modelo e série e não encontrou sulfato de bário; por outro lado, são vários peritos em explosivos ouvidos pela Comissão que afirmam categoricamente que, de facto, há uma total compatibilidade entre os teores de sulfato de bário encontrados no Cessna sinistrado e os contidos em certos engenhos explosivos como a gelatina III e o sismogel I.
O Sr. António Lacerda de Queirós (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Talvez agora se perceba a recusa reiterada destes peritos em virem a Portugal para serem questionados pela Comissão Parlamentar de Inquérito.
r. Presidente, Srs. Deputados: Perspectivando os factos, diremos o seguinte:
Na madrugada do dia 5 de Dezembro de 1980, os relatórios das autópsias patenteavam uma ausência de fracturas reactivas nos corpos das vítimas;
Na manhã do dia 5 de Dezembro de 1980, uma equipa da PJ detectou um rasto nos terrenos sobrevoados pela aeronave, entre o fim da pista e as casas de Camarate;
No dia 9 de Dezembro de 1980, o Laboratório de Polícia Científica confirma que todos os materiais apanhados no terreno e que compunham o rasto pertenciam à aeronave sinistrada;
No dia 8 de Janeiro de 1981, a PJ recebia uma informação da Scotland Yard de que encontrara um suspeito, que havia detido em Londres vindo de Portugal, que poderia estar relacionado com a eventual sabotagem do avião em que seguia Francisco Sá Carneiro.
Mas que fizeram as entidades oficiais de investigação? Ignoraram os factos e construíram laboriosamente, ao longo de um ano, uma tese de acidente cheia de contradições entre si. Para tanto, houve que proceder ao descaminho de peças essenciais para a investigação, ao amedrontamento de testemunhas oculares, ao afastamento de um inspector da PJ, que levantou a hipótese de sabotagem, ao esquecimento das informações de entidades idóneas de que algo de grave estava em preparação, etc., etc.
Basta afirmar, a título de mero exemplo, que, se dúvidas houvesse, enquanto a PJ amedrontava as testemunhas oculares e elaborava um auto que consistia num resumo escrito por um agente diligente daquilo que se tinha dito, as Comissões Parlamentares de Inquérito gravaram integralmente os depoimentos, acareações e perícias para
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que não restem dúvidas a ninguém do material probatório recolhido. Talvez assim se perceba porque existem pequenas dissemelhanças de depoimentos.
Como já afirmei, o relatório fala por si e as provas aí contidas consubstanciam a conclusão da sabotagem do Cessna em que viajava Francisco Sá Carneiro e seus acompanhantes e que as entidades oficiais encarregadas da investigação praticaram actos muito graves e lesivos da descoberta da verdade.
Nem se diga, como pretendem alguns, que, sem porem em causa uma linha do relatório e que, no passado, não propuseram mais nenhuma diligência investigatória com vista ao esclarecimento da verdade, têm agora dúvidas sobre as conclusões do relatório ou que ele patenteia meros indícios probatórios.
Para a ciência do direito, o que se tem de provar são factos e a prova significa o pressuposto da decisão, que consiste na formação, através do processo, de que certa alegação é justificavelmente aceitável como fundamento da decisão.
Sem querer entrar em aprofundamentos doutrinais sobre a questão, direi que é exactamente isso o que se passa em Camarate. Os factos apurados justificam ou. melhor, impõem a prova de sabotagem. Daí que, a meu ver, após todo o decurso do processo de inquérito, do fecho dos trabalhos, sem o requerimento de qualquer outra diligência, porque, ao que julgava, estava formada uma convicção em todos os membros da comissão de inquérito, não se pode vir agora afirmar que não temos provas mas indícios. De duas uma: ou existe prova, porque os factos apurados são verdadeiros e fundam a justificação da alegação e logo a prova, ou, o contrário, são falsos e a prova não existe.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Querer desvalorizar a prova desta maneira, apelando aos indícios, é, a nosso ver, juridicamente inconsistente e politicamente contraditório.
Mas há mais! Aqueles que falam nos indícios são os mesmos que afirmam que se abstêm, porque consideram excessiva a sindicância às autoridades oficiais. Excessiva uma sindicância a quem não preservou os destroços da aeronave?
O Sr. António Lacerda de Queirós (PSD): - Escandaloso!
O Orador: - A quem escondeu o adiamento de um rasto entre o final da pista e Camarate? A quem executou mal as autópsias? A quem foi responsável pelo descaminho de peças fundamentais para o apuramento da verdade?
O Sr. António Lacerda de Queirós (PSD): - Que vergonha!
O Orador: -A quem linha juízos pré-concebidos sobre a causa da tragédia? A quem intimidou testemunhas oculares? A quem se recusou a proceder às necessárias análises laboratoriais? A quem nunca conseguiu descobrir por que é que morreu José Moreira, para não enunciar outros aspectos?
A diferença é que nós acreditamos que estamos num Estado de direito e não num país de brandos costumes;...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -... num país em que a negligência merece castigo e onde o crime não pode sobreviver impune; num país em que a verdade deve ser revelada e não onde o encobrimento e o silencio sejam o apanágio e a regra.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Finalmente, desenganem-se aqueles que querem confundir a seriedade e o rigor das investigações parlamentares, por forma a apurar as causas da morte das vítimas de Camarate, com uma filiação política e partidária e até com os ideais de Sá Carneiro. São coisas distintas!
A homenagem política a esse homem ímpar será feita pela história e a continuação dos seus ideais será tarefa de muitos portugueses.
O apuramento do que aconteceu em Camarate foi um trabalho que - estou certo - prestigiará o Parlamento e o País e que outras instituições do Estado não deixarão agora, com certeza, de prosseguir,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -... por forma a descobrir os autores do atentado e a apurar eventuais responsabilidades da deficiente investigação realizada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou certo que assim se fará, pois, para além dos que, infelizmente, morreram, os vivos, ou seja, todos nós, exigimos saber toda a verdade.
Aplausos do PSD, de pé.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Maria Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Se alguma vez, com propriedade, se pode dizer que um documento fala por si, o relatório aprovado na Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate é dos tais documentos que não precisa de outros suportes para se impor à consideração e à consciência de todos aqueles que, de boa fé e de recta intenção, queiram ajuizar sobre o que se passou em Camarate na trágica noite de 4 de Dezembro de 1980.
Por outro lado, é raro o país com regime democrático, como nosso, em que, depois de uma aturada investigação feita pelos representantes do eleitorado, no exercício de um direito próprio, trabalharam, recolheram material, interpretaram, desenvolveram e apresentaram ao público o resultado para livre exame de todos os que sobre ele queiram debruçar-se e formular, por si próprios, as próprias conclusões, apareçam pessoas, cuja legitimidade não sabemos de onde vem - a não ser de um qualquer lobby poderoso, que é preciso investigar e talvez seja necessário fazer mais um inquérito a fim de se saber quem sustenta esses lobbies -, que põem em causa as conclusões tiradas pelos representantes do povo, ...
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Muito bem!
O Orador: -... e que se permitem atribuir legitimidade igual para discutir em público este mesmo relatório.
Não há qualquer mal em que o relatório seja discutido amplamente, pelo País fora, mas se, por um lado, estes
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mesmos senhores julgam que prestam um serviço à democracia, lançando suspeitas sobre uma comissão de inquérito, pondo em cheque as suas conclusões objectivas e laboriosamente alcançadas, rejeitando tudo quanto se apurou, estarei eu mal se perguntar: são estes os verdadeiros democratas? São estes os que querem a Assembleia da República como o coração da democracia portuguesa? São estes que querem Portugal como País livre e com um Parlamento respeitado e prestigiado por todos? Se tudo aquilo que o Parlamento faz é posto em dúvida sem se apresentar provas, isto não é de aceitar como um bom serviço ao País, à democracia e ao Parlamento. Durante os trabalhos não requereram vir dar o seu testemunho, que lhes não seria negado, a fim de contribuírem para o apuramento da verdade, gesto que lhe agradeceríamos, tendo-se mantido afastados, silenciosos, calados, e vêm agora, depois de publicitado o relatório, discuti-lo na praça pública, invocando aspectos que dele constam mas cuja interpretação é distorcidamente feita?! Por tudo isto protestamos contra esse tipo de actuação.
Em segundo lugar, as conclusões estão no relatório, pelo que não há que temê-las.
Se há pessoas que pensam que foi um acidente, podem cultivar essa fé, o que não podem é impô-la aos outros. Se há pessoas que pensam que Sá Carneiro e Amaro da Costa morreram porque o avião se incendiou por mero acidente, podem viver seguramente com essa sua verdade, mas o que não podem é dizer aos outros que o relatório da Comissão Eventual ao Acidente de Camarate, feito pela Assembleia da República, é falso. Ninguém põe em dúvida as suas crenças arreigadas!
Passados 2000 anos, há ainda pessoas que pensam que Jesus Cristo nunca existiu. É crença também! São deduções! São interpretações! Cada um tem o direito de fazer o que quer, mas não pode, de forma alguma, dizer que aquilo que quer é que é o Novo Evangelho!
É este o ponto da situação em que nos encontramos. Para nós, o trabalho realizado pela Assembleia é da Assembleia; o trabalho feito pelos parlamentares é dos parlamentares e se qualquer cidadão, probo e honesto, o quiser analisar, ele estará, de futuro, inteiramente à sua disposição, como sucede em todos os parlamentos democráticos.
Não vamos passar a vida a discutir o relatório. Para nós não foi acidente! O sucedido em Camarate indicia um crime, que as autoridades agora devem investigar. E não venham os ministros da época dizer que confiaram demasiado nos relatórios técnicos, razão por que não agiram a seu tempo. Se assim fizeram, agiram mal e nós, CDS, dissemos que devia haver no relatório uma conclusão política referindo que os políticos que superintendiam os serviços policiais e administrativos confiaram na má investigação, nos maus relatórios e disseram: «nós, por nós, vamos atrás destes relatórios». Se nós, políticos da Assembleia da República de hoje, seguíssemos o mesmo exemplo, este relatório que hoje apreciamos não teria existido!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se duvidámos, também os políticos da época, principalmente os Srs. Ministros da Justiça e dos Transportes e Comunicações, deviam ter duvidado, até para benefício da própria verdade, a Hm de saberem se, realmente, aquilo que os serviços diziam tinha algum fundamento válido. Mas esta Assembleia da República não quis tirar esta conclusão e essa é uma das lacunas importantes deste relatório.
De qualquer modo, o relatório ali está, os próprios Ministros da época sentiram-se na obrigação de vir a terreiro dizer que realmente confiaram demais nos serviços técnicos. Portanto, eles próprios tiram uma conclusão política, que foi negada no relatório.
Foi o que fez o Sr. Conselheiro Meneres Pimentel, Ministro da Justiça da época, há poucos dias, num jornal diário, disse que linha realmente confiado nos serviços e que, por isso, acreditou nesses relatórios.
Era isso o que queríamos que fosse dito no relatório da Comissão, pelo que, sem esta conclusão, o relatório, torna--se meramente técnico e não político, porque lhe falta uma conclusão política, está feito para ser continuado por instâncias políticas e judiciais, como já nos prometeram a Procuradoria-Geral da República, o Ministério da Justiça, o Ministério da Administração Interna e todos os departamentos ministeriais que têm de intervir imediatamente para que não se continue a espalhar que Camarate foi um acidente.
Para terminar, não quero deixar de referir o imenso serviço público prestado pelo Dr. Fernando Correia Afonso quanto a este inquérito de Camarate.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Como presidente da Comissão de Inquérito, o Dr. Correia Afonso colocou acima de tudo a sua isenção de jurista, a sua boa fé, a sua recta formação de cidadão probo e respeitado, o seu amor à verdade, o seu sentido político de deputado. A ele devemos, também e principalmente, este relatório de Camarate que hoje é apreciado apreciado nesta Câmara.
Bem-haja, Sr. Deputado Correia Afonso, pelo grande serviço prestado ao País, à democracia, à Assembleia da República e a todos aqueles que acreditam que os deputados portugueses sabem investigar e concluir. Muito obrigado, em nome da minha bancada.
Aplausos do CDS e do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos. Dispõe de um minuto.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, de facto, algumas coisas foram ditas, após a aprovação do relatório, por certa imprensa e por certas pessoas, talvez de forma menos correcta.
No entanto, há uma coisa, referida pelo Sr. Deputado, que de alguma maneira pode ser mal interpretada: nem eu nem o Sr. Deputado Narana Coissoró ou qualquer outro membro da comissão, tem medo do debate e da confrontação pública de todas as conclusões e afirmações feitas no relatório. O Parlamento não quer impor uma verdade, verdade oficial ou não, o que quer é contribuir com um relatório que agora responde por si e pelo qual todos respondemos. Penso que o entendimento do Sr. Deputado é este, pelo que gostaria apenas que esclarecesse, a fim de não ser mal entendido ou deficientemente entendido por quem não quer entender.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado José Luís Ramos, é óbvio que é esse o meu entendimento. Mas
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gostaria de frisar que lamento que todos aqueles que, hoje, dizem que sabem muito sobre o acidente de Camarate se não tivessem, durante o decurso dos trabalhos, oferecido para virem à Assembleia da República depor.
Aplausos do CDS e do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República está hoje confrontada com um dos problemas mais graves e delicados, pelo que não deve compadecer-se com qualquer tipo de especulações nem com qualquer tentativa de obtenção de efeitos para atingir objectivos políticos ou pessoais de qualquer espécie.
Todos sabem que participei em quatro comissões parlamentares de inquérito ao acidente de Camarate. É, pois, possível que eu seja um dos mais antigos deputados que conhece, com uma certa profundidade ou mesmo totalmente, todas as peças desta tragédia. Recusei, ao longo das quatro comissões de inquérito, qualquer tipo de especulações; recusei facilitar à comunicação social, fosse ela qual fosse, qualquer tipo de informação dos autos; recusei entrevistas e recusei discutir na praça pública este problema, o que, infelizmente, não aconteceu na quarta comissão de inquérito, que hoje concluímos. Outros entenderam por bem, e lamentavelmente, especular para tirar efeitos fáceis e desagradáveis; entenderam especular sobre uma situação que todos deveríamos preservar desse tipo de actuação.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A terceira comissão parlamentar de inquérito fez um exaustivo trabalho e, perante as dúvidas existentes na altura e as conclusões a que se chegou, foi entendido recomendar que fossem enviados todos os autos ao Procurador-Geral da República, para que, caso assim o entendesse, ele pudesse, posteriormente, desenvolver ou não novas investigações. Assim foi feito, tendo o Tribunal de Instrução Criminal de Louros mandado abrir novo processo, processo esse que acabou por ser arquivado através de um despacho do juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Louros, creio que já este ano, aguardando melhores provas. Mesmo assim, a quarta comissão de inquérito prosseguiu, e muito bem, os seus trabalhos, tendo concluído novamente pela recomendação do envio dos autos ao Procurador-Geral da República, o que merece a minha inteira concordância.
Contudo, Srs. Deputados, entendo que é excessivo dizermos que há provas ou fundamentos que levam à conclusão de que houve sabotagem, atentado ou crime, como consta deste relatório. Se alguns deputados têm dúvidas, dúvidas circunstanciais ou não, faça-se uma nova investigação, faça-se uma nova inquirição e facilite-se as autoridades judiciais e policiais todos os meios para que não subsistam dúvidas. Mas não se conclua, como também se diz, pela existência de crime ou por ocultação grave de actos correlativos a um crime, porque, em consciência, penso que não se pode concluir isso.
Não obsto a que todas as investigações devam ser efectuadas logo que haja um só deputado da comissão parlamentar de inquérito que tenha dúvidas, e há deputados que entendem que existem indícios que merecem ser aprofundados, nomeadamente indícios relacionados com a existência de bário.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não sou contra a remissão de todos os autos - não só os da quarta
comissão mas também os das anteriores - ao Procurador-Geral da República para que, nessa instância, lhes seja dado, então, o caminho que for entendido.
A Sr.ª Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado, pois já terminou o seu tempo.
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como disse na altura, na comissão de inquérito, considerei ainda a posição assumida por peritos estrangeiros e não deixei de tomar em consideração os depoimentos dos cientistas chamados à comissão, bem como os relatórios científicos apresentados. Depois de estudar e ponderar todo o processo e ao verificar que subsistem algumas dúvidas sobre matérias específicas, como alguns indícios de existência de bário e algumas deficiências ocorridas durante as investigações oficiais logo após a queda do avião, considero um excesso que as negligências encontradas possam ser interpretadas como ocultação grave de actos correlativos de um crime. Uma vez que defende a clarificação total e a busca da verdade sobre a tragédia de Camarate, entendo que toda a matéria constante dos autos desta quarta comissão de inquérito é, contudo, insuficiente para se determinar que lenha havido qualquer alentado, por enquanto!
Como disse, congratulo-me pelo facto de todos os autos possam vir a ser remetidos para a Procuradoria-Geral da República, a fim de serem devidamente analisados.
Entendo também que a quarta Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate não deve propor a realização de quaisquer sindicâncias, a quem quer que seja, uma vez que ultrapassa a resolução que criou a Comissão e que elaborou o seu próprio regimento, e extravasa as competências próprias da Assembleia da República.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, expresso a opinião de que uma tragédia desta natureza não deve, não pode, por motivos éticos, morais e culturais, ser objecto de especulações e de aproveitamentos políticos ou pessoais ocasionais.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, remetam-se estes autos para a Procuradoria-Geral da República, os desta e os das anteriores Comissões de Inquérito, e que essas autoridades judiciais determinem as investigações que entenderem por bem. E se houver novas investigações, o Governo que facilite todos os meios necessários à prossecução dessa actuação judiciária.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca duplicou o tempo de que dispunha e ainda estão inscritos, para lhe pedirem esclarecimentos, os Srs. Deputados José Luís Rumos e Fernando Correia Afonso, que também já não dispunham de tempo. Mas, entretanto, o Grupo Parlamentar do PRD dispensou um minuto ao PSD e dois ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca para responder.
Os Srs. Deputados José Luís Ramos e Fernando Correia Afonso têm um minuto. Não sei como pretendem gerir esse tempo.
Tem a palavra, Sr. Deputado José Luís Ramos.
O Sr. José Luís Rumos (PSD): - Sr. Presidente, vou tentar geri-lo com muita habilidade, gastando apenas trinta segundos.
Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, em primeiro lugar, se o Sr. Deputado, hoje, tem dúvidas, gostaria de saber se aquando do fecho dos trabalhos também as tinha. É que, durante um mês, praticamente, estivemos à espera
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que os Srs. Deputados requeressem novas diligências e, para que conste, o Sr. Deputado não requereu nem uma sequer! Se tinha dúvidas, o seu dever era propor novas diligências, mas não o fez!
Em segundo lugar, relativamente aos indícios e à prova, já expliquei a diferença, mas, de toda a maneira, calculo que ela subsista.
No entanto, Sr. Deputado, assim que os peritos disseram que no cockpit do avião havia bário, o Tribunal de Instrução Criminal de Loures encerrou os trabalhos e aguardou por melhor prova. Assim, como no passado várias interveniências da comissão de inquérito fizeram com que o processo, a nível da instrução criminal, andasse, nós, Sr. Deputado, sabe muito bem o que fizemos. Depois da descoberta do bário, descobrimos o sulfato de bário; pedimos um avião de comparação; escrevemos à Cessna e andamos muito mais para a frente do que propriamente aquilo que era pedido pelo Tribunal de Instrução Criminal de Loures!
Com isto só queria mostrar as diferenças!... É óbvio que não temos medo da verdade nem do esclarecimento até às últimas circunstâncias, nomeadamente até à entrega do processo à Procuradoria-Geral da República, mas queremos que, a par disso, se demonstre o trabalho notável que foi feito no passado, como agora, pela comissão parlamentar de inquérito em contraposição com outras autoridades competentes na matéria.
A Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernando Correia Afonso, dispõe também de trinta segundos para fazer o seu pedido de esclarecimento.
Tem, pois, a palavra.
O Sr. Fernando Correia Afonso (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O mínimo que posso dizer num quadro democrático como é este Parlamento, a respeito das palavras do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, é que elas são desajustadas. Desajustadas porque a análise do «caso Camarate» precisa de uma seriedade e de uma objectividade que sejam compatíveis com a dignidade de uma tragédia desta dimensão.
Dos factos que se passaram, todos sabemos que a verdade é só uma! Aquilo que ocorreu em Camarate foi apenas uma realidade. Não há várias! O que pode acontecer é que, para descobrir essa verdade, haja vários caminhos. A prova pode, portanto, variar para se descobrir o que se passou. E os factos, que são a prova, podem ser mais ou menos convincentes, pode ser uma prova mais forte ou mais fraca.
Na Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate todos consideraram que a prova apontava para sabotagem do avião e aquilo que distinguiu as diversas posições foi que uns consideraram que essa prova era suficiente e bastante para mostrar que linha ocorrido uma sabotagem e, por isso, votaram a favor do relatório, enquanto que outros consideraram que ela não era suficiente e bastante, era apenas indiciaria, e, nessa altura, abstiveram-se. Portanto, aquilo que distinguiu os membros dessa Comissão foi apenas a força da convicção e cada um de nós tem o direito de ser o juiz das suas próprias Pascal disse: «O homem foi feito para pensar. Essa é a sua dignidade e o seu mérito.» Eu acrescentaria: mas cada um pode pensar como quiser. Esse é o seu direito, mas desde que pense, com seriedade, por um lado, e com ética, por outro.
É nesta perspectiva que o «caso Camarate» deve ser encarado. E lamento ter de dizer ao Sr. Deputado que não foi nessa perspectiva que ele proferiu as palavras que acabou de proferir.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Deputado Fernando Correia Afonso, começo por responder-lhe sem. com isso, querer faltar à consideração ao Sr. Deputado José Luís Ramos.
Creio que palavras mais desajustadas do que aquelas que até agora foram proferidas foram as de V. Ex.ª, nomeadamente a meu respeito, uma vez que propõe que todos os autos de todas as comissões sejam colocados para análise de quem o quiser. V. Ex.ª verificará, e todos verificarão, como realmente me comportei sempre com grande seriedade e objectividade em relação a esta questão.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que em relação à ética e à seriedade, bom teria sido que, ao longo destes últimos anos, em alguns aspectos, este assunto não tivesse sido discutido, às vezes, com muita falta de dignidade e de ética! Não me refiro aos deputados da Comissão mas à especulação que houve em torno desta lamentável tragédia - e V. Ex.ª sabe muito bem que estou a referir-me, nomeadamente, às especulações lamentáveis surgidas em sede de comunicação social.
É evidente que quando fala na busca da verdade, remeto-o para a minha declaração de voto, que está apensa aos autos.
Sr. Deputado José Luís Ramos, quanto às diligências que referiu deverem ter sido por mim desenvolvidas no caso de eu ler lido dúvidas, disse e repito, alio e bom som, que se algum deputado da comissão de inquérito parlamentar tem dúvidas, pois que se abra imediatamente a possibilidade ao Procurador-Geral da República de determinar o processo. Não vamos agora abrir um debate sobre essa matéria, não fujo a ele, sobretudo, ao esclarecimento do tipo de diligências que foram ou não feitas, que poderiam ou não ter sido feitas!...
Basta V. Ex.ª ter uma dúvida para que eu manifeste esta opinião: remetam-se todos os autos ao Procurador-Geral da República e ele que determine. Mas devem ir todos os autos!
Que nunca com o meu apoio se possa chegar à conclusão de que «há provas»! Há, isso sim, «questões indiciarias» - como foi referido -, há algumas dúvidas. Estive presente na votação daquele relatório e, por isso, entendo que o processo deverá ser enviado para as autoridades competentes e que o Governo deve conceder todas as facilidades e os meios para que, a partir desse momento, sejam abertas novas investigações.
Creio, contudo, Sr. Deputado, que é excessivo concluirmos pela existência de qualquer de crime sobre esta matéria. Ficam as dúvidas de V. Ex.ª, por um lado, e as minhas, por outro. Clarifique-se a situação através das autoridades competentes!
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Votei favoravelmente o relatório da Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate e as suas conclusões. E fi-lo em consciência porque, não tendo estado
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presente em qualquer outra das comissões de inquérito anteriores, balizei esta minha postura, única e exclusivamente, pelos dados que foram adquiridos e apurados ao longo desta 4.ª Comissão de Inquérito. Não fui influenciado por nada nem por ninguém! Assumi esta minha posição com clareza, convicto de que estava a fazer aquilo que era o resultado do trabalho árduo e laborioso desta 4.ª Comissão de Inquérito. Assumi-o em meu nome pessoal e não tenho quaisquer pruridos em afirmá-lo!
Queria também - corroborando, aliás, as palavras do Sr. Deputado Narana Coissoró - saudar o presidente da Comissão, Sr. Deputado Fernando Correia Afonso, que, ao longo deste período, soube, com saber e capacidade, levar a bom termo e com total isenção as conclusões a que chegámos. É por essa mesma razão que me permito saudá-lo!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Passaram mais de 10 anos sobre a data em que, no trágico acidente de Camarate, morreram Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa e os seus acompanhantes. Ao longo desta década observadores, técnicos, especialistas, jornalistas dedicaram muito do seu tempo a tentar desbravar a face oculta desse acidente, procurando insistentemente a resposta certa ou, pelo menos, a mais provável. Camarate foi acidente? Camarate foi alentado?
Milhares de horas consumidas, milhares de folhas de papel escritas, inspecções e investigações, certezas e suposições tudo faz parte das actas das quatro comissões de inquérito, que, ao longo desta década, tiveram uma principal e única preocupação: o apuramento da verdade!
E essa verdade é urgente que se apure, porque, em 4 de Dezembro de 1980, Portugal perdeu dois estadistas que ainda muito podiam dar ao País e muitos de nós perdemos os amigos do dia-a-dia, cuja prática política ajudou a consolidar numa profunda amizade.
Hoje tudo me parece mais claro. Essa a razão por que votei favoravelmente o presente relatório e as suas conclusões. Quem teve a oportunidade de acompanhar a evolução das outras comissões de inquérito - e eu apenas li algumas parles das actas da 3.ª Comissão -, pôde verificar que, após o trabalho desta 4.s Comissão, nada ficará como dantes.
Em relação ao passado, não irei acusar ninguém, não falarei da ocultação ou mesmo do desaparecimento de provas, da negligência ou da falta de profissionalismo. Para mim esses foram episódios encerrados dos capítulos anteriores.
Nestes dois últimos anos esta Comissão foi mesmo ao fundo da questão e estou convencido de que neste momento não é possível apurar mais do que o que se conseguiu até agora.
Não sou - e suponho que nenhum dos Srs. Deputados o é! - perito nem de explosivos nem de aeronáutica. A minha decisão de votar favoravelmente o relatório teve como principal e único fundamento o aparecimento de dados até agora desconhecidos, que podem muito bem provar a existência de um engenho explosivo no interior do avião. E, se alguns peritos foram mais cépticos, a verdade é que durante as audições ouvimos muitos depoimentos, uns convictos e outros manifestando algumas dúvidas, mas, pelo menos que eu me lembre de ouvir ou tenha lido em qualquer acta, nunca ninguém disse clara e convictamente que a tragédia de camarate foi um acidente e que não teve quaisquer hipóteses de ter sido um atentado. Isto nunca ouvimos dizer!
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Entendo que esta comissão cumpriu cabalmente as funções para que foi designada!
Entendo também que os seus objectivos estão esgotados e que daqui para a frente competirá a outras instituições o apuramento total e final da verdade.
O presente relatório constitui uma base de trabalho séria e isenta. Nada foi omitido, nada se alterou ou se pretendeu esconder.
Em meu nome pessoal e do meu grupo parlamentar, desejo expressar os votos sinceros de que, a bem da democracia e da própria dignidade humana, a verdade se conheça para que as memórias de Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa e seus acompanhantes permaneça bem presente nas nossas mentes como cidadãos que, embora infelizmente ausentes, continuam a ser um baluarte da democracia que, a essa data, tanto ajudaram a consolidar.
Aplausos do PRD e do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.
O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Embora as conclusões das várias entidades que procederam as averiguações sobre a tragédia ocorrida em Camarate, em 4 de Dezembro de 1980, tivessem concluído no sentido de acidente à descolagem, a postura do PS na Comissão de Inquérito pautou-se sempre pela viabilização de todas as diligências que procurassem o esclarecimento total dos factos.
Para o efeito, apoiámos iniciativas de terceiros e tomámos, através dos nossos representantes na Comissão, a iniciativa de requerer várias diligências, todas estas conducentes ao apuramento da verdade.
Não pretende, porém, o PS o estatuto de exclusividade nesta matéria.
Assim, e muito embora as conclusões não mereçam o nosso voto favorável, não podemos deixar de realçar que o funcionamento desta Comissão de Inquérito foi, em lermos de procedimento, exemplar.
Todos os requerimentos no sentido de se proceder a novas diligências - solicitação de pareceres técnicos, audições (houve pessoas que depuseram por várias vezes), acareações, reconstituições em vários locais, pedidos de informação, etc. - foram consensuais, nunca tendo surgido a necessidade de se recorrer a qualquer votação.
A iniciativa individual de qualquer membro da Comissão foi sempre respeitada e apoiada pelos seus pares.
Considerados esgotados os trabalhos da Comissão, foi dado um prazo para que qualquer dos seus membros, se assim o entendesse, pudesse ainda solicitar novas diligências.
Findo aquele prazo, e dado que nenhuma diligência havia sido requerida, passou-se à designação da comissão de relatores, a qual, por proposta do PS, integrou um deputado de cada um dos partidos políticos representados na Comissão de Inquérito, o que foi aceite.
A votação do relatório foi nominal, para que cada deputado, embora sem abstrair da sua condição de representante do respectivo grupo parlamentar, votasse em lotai consciência e responsabilização individual.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!
O Orador: - Esta foi a forma paradigmática como funcionou a 4.ª Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate.
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Se lamentos há a referir eles não se reportam ao funcionamento desta Comissão de Inquérito mas, sim, à prática inversa assumida, infelizmente, pelo PSD em comissões congéneres.
As comissões parlamentares de inquérito não podem ser banalizadas nem se destinam a obter dividendos partidários, quando convém, ou a obstruir o apuramento dos factos, quando tal se mostre partidariamente conveniente.
Às comissões parlamentares de inquérito são exigidas eficácia e isenção.
Os factos sujeitos a averiguações são de tal forma graves que a obstrução das mesmas põe em causa a dignificação do Estado democrático e do seu órgão mais representativo.
Ao PS interessa, acima de tudo, o esclarecimento da verdade, não enfileirando em interesses menores nem em juízos preconcebidos.
Analisemos, pois, as conclusões e as propostas constantes do relatório ora em apreciação.
Ao surgirem novos indícios durante os trabalhos da 4.ª Comissão, e dada a limitação de meios inerentes à mesma, entende o PS que os autos deverão ser remetidos à Procuradoria-Geral da República para que, tal como se propõe no relatório, «os possa examinar, avaliar os elementos dele constantes e proceder em conformidade».
Quanto à menção expressa da descoberta dos autores do atentado referida no relatório, entende o PS que os novos indícios surgidos deverão ser lidos em conta como base para o prosseguimento das averiguações por parte das entidades competentes para o efeito, mas que será excessivo concluir, nesta sede e apenas na base de indícios, pela existência de atentado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Com efeito, se a determinado passo do relatório se critica a existência de juízos preconcebidos no sentido da conclusão da existência de acidente à descolagem (que terão influenciado e limitado as averiguações em determinado sentido, desvalorizando outros indícios), não deverá o Parlamento assumir procedimento análogo mas, sim, facultar a Procuradoria-Geral da República todos - repito -, todos os indícios que, sem juízos preconcebidos, possam determinar o apuramento final da verdade.
Sérias reservas nos merece, igualmente, a proposta de sindicância às entidades averiguadoras, designadamente pelos pressupostos em que assenta.
No relatório em apreciação aquelas entidades são acusadas de incúria, negligência e eventual encobrimento de factos, mas não podemos omitir alguns factores que, entre outros, enquadraram a sua actuação.
Assim, aquando da queda do avião, a área não foi devidamente isolada, proporcionando que vários populares que acorreram ao local remexessem os destroços e levassem até para suas casas peças ou fragmentos «como recordação».
Por outro lado, a inexperiência em acidentes deste tipo e a limitação de meios poderão ter impedido que, sobre o acontecimento, se tivesse ido tão longe quanto possível na aplicação de técnicas de investigação existentes em países com maior experiência em casos desta natureza.
A juntar aos indícios então obtidos no sentido de se concluir por acidente à descolagem, não podem ter sido alheios na formulação dessa convicção o comunicado do PSD, emitido na própria noite do acidente, e a nota oficiosa do Governo de 13 de Dezembro de 1980, documentos que rejeitavam liminarmente qualquer hipótese de atentado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Com efeito, não nos podemos esquecer de que o malogrado Dr. Francisco Sá Carneiro era líder do PSD e Primeiro-Ministro e que o PSD era o partido maioritário do Governo que emitiu a referida nota oficiosa. Sendo assim, a influência daqueles documentos públicos não poderá ter sido despicienda!...
O PS apoia vivamente as propostas contidas no relatório, no sentido de ser dada total publicidade aos autos nos termos das disposições legais aplicáveis e de ser manifestado público reconhecimento a todos os que colaboraram com a 4.º Comissão de Inquérito.
O PS entende que, face aos novos indícios surgidos, as averiguações deverão prosseguir através das entidades competentes para o efeito, com o objectivo do total apuramento da verdade, mas rejeita que, perante o conjunto de indícios e meios disponíveis e face à insuficiência de provas, esta Comissão possa apresentar conclusões determinantes.
Em nosso entender, as conclusões formuladas têm natureza intercalar, são sumárias e apenas assentam em indícios. Daí que o nosso voto vá no sentido da abstenção.
Aplausos do PS e do PRD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.
O Sr. António Mota (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: 10 anos decorridos após a tragédia de Camarate terminaram os trabalhos da 4.ª Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate, ficando, assim, concluídas as investigações encetadas em anteriores legislaturas.
Este relatório que hoje estamos a apreciar é um volumoso processo, que tem inúmeros documentos emanados das diversas entidades que nele intervieram a vários níveis, contendo exaustivos estudos e relatos de inúmeros cidadãos que vieram depor a esta Comissão no sentido de que o seu esclarecimento contribuísse para o apuramento da verdade desta tragédia.
Foi atribuída particular importância aos elementos qualificados como novos; foram também lidas em conta todas as sugestões no sentido de reaquilatur atentamente dos dados constantes deste processo.
Pela importância de que se revestia este inquérito, examinámos cuidadosamente todos os aspectos susceptíveis de induzirem, com carácter seguro, uma revisão das conclusões fundamentais a que tinham chegado todas as entidades anteriormente encarregadas de se pronunciarem sobre esta matéria.
Neste sentido, demos todo o nosso apoio e acordo à encomenda de estudos e pareceres sobre aspectos de cuja clarificação pudessem ser extraídos resultados úteis à investigação e que são objecto, em larga escala, deste relatório.
Contudo, e apesar do referido, é meu entendimento que continuam a subsistir alguns factos que, por várias razões, não foram suficientemente explicados.
A esta circunstância não é certamente alheio o tempo que mediou entre o acidente e as conclusões desta Comissão.
Por isso mesmo, exigir-se-iam melhores estudo e investigação.
Receia-se, assim, que factos menos claros ou de dúbia explicação estejam a ser aproveitados e instrumentalizados
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para a obtenção de efeitos políticos circunstanciados, que em nada contribuem para ajudar a fazer luz sobre as causas da tragédia.
Por outro lado, considero que estão esgotados os meios de que a Assembleia da República dispõe para aclarar as causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia de Camarate.
Entendo, no entanto, que, podendo haver dúvidas perante estas conclusões, compete às entidades oficiais especializadas e competentes debruçarem-se sobre os factos, no sentido da descoberta da verdade, em que, profundamente, os membros da Comissão se empenharam.
Assim, em consciência e sem prejuízo de imprescindível investigação a proceder pelas autoridades competentes, os elementos constantes do processo não me permitem concluir com certeza pela existência de um acto criminoso.
Daí a posição de abstenção que assumi na votação do relatório, em sede de Comissão.
Aplausos do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Jorge Lemos.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, encerrámos o primeiro ponto da ordem do dia de hoje e, antes de passarmos ao seguinte, vamos votar um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 17 de Junho de 1991, pelas 15 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado:
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP):
Manuel António Teixeira de Freitas (círculo eleitoral do Porto) por Oscar Luso de Freitas Lopes [esta substituição é determinada nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 18 de Junho corrente a 31 de Outubro próximo, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente - Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente - José Manuel M. Antunes Mendes
(PCP), secretário - Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário - Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - António Paulo M. Pereira Coelho (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Batista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - João Álvaro Poças Santos (PSD) - José Manuel da Silva Torres (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Hermínio Paiva Fernandes Maninho (PRD).
Srs. Deputados, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, José Magalhães, Marques Júnior, Raul Castro e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do relatório da Comissão Eventual de Inquérito aos alegados perdões fiscais atribuídos ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Dâmaso.
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mesmo que estejam em causa funções políticas de grande responsabilidade, que exigem total transparência de procedimentos, equidade nas decisões sobre direitos, permanente defesa do interesse geral, nunca se pode deixar de considerar, para todos os efeitos, que o suporte do cargo político é a pessoa humana. A sua honra e dignidade devem ser respeitadas, a sua vida privada protegida e presumida a sua inocência até que o contrário seja provado em processo adequado.
Um Estado de direito deve privilegiar e tutelar esses valores, que, de resto, estão consagrados em convenções internacionais de todos conhecidas e em que Portugal é parte. Não consigo ver em nome de que princípios, interesses, lugar ou conjuntura política é que possamos afastá-los.
Não me conformo com a ideia de que na apreciação de actos praticados por alguma pessoa ou das consequências que eles produziram, mesmo que estejam em causa funções governativas, desde logo, se estabeleçam ou se presumam nexos de causalidade ou de perversa intencionalidade entre o comportamento adoptado e as convicções ou ligações partidárias. Trata-se de um preconceito susceptível de comprometer a objectividade da análise viciar os resultados.
Não se pode aceitar que a conjuntura política que se vive, caracterizada essencialmente pela preparação de um acto eleitoral de enorme importância, condicione decisivamente a formulação do juízo político sobre o caso que agora nos ocupa ou contribua para toldar a sua compreensão.
Deve-se, em síntese, procurar apurar a verdade material, assegurar a credibilidade das instituições democráticas, garantir a equidade e a transparência na actuação do Governo como objectivos sempre presentes, mas sem pisar os direitos da pessoa humana.
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Este um quadro de cautelas que esteve sempre presente nos trabalhos da Comissão Eventual de Inquérito que averiguou os «alegados perdoes fiscais» concedidos pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Evitaram-se especulações; não se tiveram em conta indícios não apoiados em provas; fizeram-se todas as indagações requeridas; não se deixou de ouvir alguém cujo depoimento tivesse sido considerado relevante; analisaram-se pareceres de consagrados jurisconsultos sobre a matéria objecto do inquérito; prevaleceu entre todos os seus membros o ambiente de cooperação e de isenção na busca dos factos que pudessem fundamentar o juízo que à Assembleia da República compete no âmbito dos seus poderes de apreciação dos actos do Governo e da Administração.
«Quem faz o que pode, faz o que deve». Fez-se o que se podia para saber a verdade, despida de preconceitos políticos, sobre os critérios da administração fiscal usados no tratamento e liquidação de juros e multas resultantes de impostos por regularizar, como, principalmente, sobre o procedimento da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais no denominado «caso da Cerâmica Campos». Fez-se o que se devia!
No fundo, e em primeiro lugar, surpreenderam-se as dificuldades de transição do antigo sistema fiscal, onde as preocupações de justiça quase cediam perante a fria lógica da arrecadação da receita, concretizada no mecanismo da presunção de rendimentos, para o novo sistema orientado por propósitos de equidade e eficácia.
Apesar das modificações introduzidas, a margem de discricionariedade em matéria de exigibilidade de juros moratórios e compensatórios conseguiu ainda sobreviver e carece de uma disciplina jurídica adequada. O sistema fiscal mudou, mas não completamente todos os seus hábitos.
A disciplina jurídica que fixar o grau de discricionariedade deixado à administração fiscal no domínio da gestão dos elementos não essenciais dos impostos, vinculando o administrador tributário a um conjunto legal de critérios, há-de com certeza conceber, num quadro de justiça distributiva, um sistema que permita resolver o crescimento desmesurado das dívidas e contencioso fiscal, com eficácia para a fazenda nacional, sem prejudicar um adequado quadro de garantia dos direitos dos contribuintes.
Não se pode censurar a administração fiscal por não querer - ou por não ter querido - penalizar o contribuinte quando reconheça ter ela própria cometido exageros na liquidação, ler prestado informações deficientes ou ter demorado a prestá-las. Trata-se de um procedimento que configura um acto de apreciação e revisão dos pressupostos da responsabilidade civil para determinação da exigibilidade de juros ou dos pressupostos da verificação de infracções fiscais para efeitos da graduação das multas. Identifica-se mesmo uma praxe generalizada na administração fiscal, bastante antiga neste domínio.
Não se trata de perdão de juros ou de multas - este previsto nas amnistias fiscais ou no diploma das tréguas fiscais (Decreto-Lei n.º 53/88 - Lei n.º 16/86).
De qualquer modo, a fronteira poderá ser difícil de definição, especialmente quando se estiver em presença de liquidações que tenham por base as «famosas» presunções. É essa definição que julgamos não dever ficar no campo de actuação da administração fiscal.
Daí, a necessidade de aperfeiçoamentos legislativos que vinculem a administração a critérios conhecidos quanto à gestão de impostos em situação de regularização para que o princípio do Estado de direito relativo à «igualdade perante todos os actos dos poderes públicos» seja efectivamente respeitado.
Prosseguir a reforma fiscal com este sentido clarificador dos poderes da administração fiscal e de garantia dos direitos dos contribuintes, em matéria de gestão de pagamento de impostos, não é só completá-la como objectivar e credibilizar o relacionamento dos contribuintes com o fisco.
Passemos agora à outra matéria do inquérito: «o caso da Cerâmica Campos».
O caso parece-me ter sido dominado por duas grandes convicções: uma, exterior à administração fiscal, no sentido de que a empresa Campos teria sido beneficiada por um perdão de juros e multas de elevado montante; outra, do próprio Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no sentido de que a referida empresa Campos não teria obtido o resultado económico que os serviços de fiscalização da Direcção Distrital de Finanças de Aveiro, por presunção, lhe imputavam a partir de Fevereiro de 1984.
Veio a apurar-se que ambas as convicções não estavam certas. Nem o despacho de 21 de Maio de 1990 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais é um despacho definitivo e executório, definidor da situação da Cerâmica Campos perante o fisco, porquanto determina a realização de uma segunda fiscalização à empresa, que, com «rigor e objectividade», proceda à revisão da primeira efectuada, na sequência, aliás, de dúvidas sobre os montantes presumidos que aquele membro do Governo sempre havia manifestado; nem se apurou que os rendimentos presumidos da empresa Campos pudessem ter outra proveniência que não fosse a sua actividade económica directa; nem é possível concluir do procedimento do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no caso da Cerâmica Campos, outra coisa que não seja a procura de uma fundamentada definição da situação da empresa perante o fisco; como não é possível concluir que o procedimento do Secretário de Estado protegeu a empresa, porquanto foi ele próprio que não deixou caducar o direito à liquidação dos impostos da Cerâmica Campos, relativamente a 1984, e não aceitou a informação dos serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (DGCI), no sentido de deferir um segundo requerimento da empresa, e ainda condicionou o seu despacho, de 21 de Maio de 1990, aos resultados de uma segunda fiscalização.
O despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais é um despacho condicionado. O próprio director de Finanças de Aveiro o confirmou perante a Comissão Eventual de Inquérito.
Por outro lado, seguramente, decisivo para a formulação de um juízo sobre a eficácia condicionada do mencionado despacho, é o facto de a empresa Campos ter sido notificada de todo o seu conteúdo, como o declarou perante a Comissão o seu presidente, ao tempo, lendo todo o despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O resultado da segunda fiscalização tanto poderia ser o de apurar um valor inferior ao dos montantes presumidos, como um valor superior, o que, de facto, veio a acontecer, obrigando à correcção da liquidação. Daqui não podem tirar-se conclusões de intenções de protecção da empresa.
O convencimento dos interessados de que a segunda fiscalização só poderia baixar o valor presumido na primeira fiscalização não é, por si só, prova de que houve um «perdão de juros» acordado ou concedido.
De resto, as averiguações feitas e os depoimentos recolhidos permitem concluir, seguramente, que a realização de uma segunda fiscalização às empresas é um procedimento usual no âmbito da administração fiscal.
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Como conclui o relatório, «o inquérito não apurou factos que permitam fundamentar qualquer juízo de censura indiciador de uma responsabilidade penal ou mesmo de uma actividade administrativa culposa imputável ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais».
Os julgamentos, quanto aos aspectos jurídicos, serão, porventura, dirimidos em sede própria, como é natural!, mas não vimos quaisquer provas que fundamentassem a emissão de um juízo, mesmo de mera probabilidade, quanto à transparência ou equidade do comportamento da administração fiscal.
Conheço o momento político, mas não compreendo que ele possa determinar o sentido do juízo que possamos formular sobre a matéria deste inquérito. Como suporte do cargo político está a pessoa humana, com um comportamento que não merece ser censurado por nós - aliás, nem o político merece!
Para o resultado conseguido pela Comissão Eventual de Inquérito, principalmente para a qualidade dos trabalhos desenvolvidos, seu rigor, transparência, isenção e cooperação entre todos os seus membros, foi decisiva a orientação definida pelo seu presidente, Sr. Deputado Rui Machete, sem a qual não teria sido possível concluir uma tarefa tão complexa e melindrosa, no espaço de tempo que nos foi dado.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Umas brevíssimas palavras mais para, em jeito de despedida - porque, seguramente, não estarei entre os deputados da próxima legislatura - dizer do muito que apreciei e aproveitei dos trabalhos desta Assembleia, na parte do mandato em que estive em efectividade de funções. Levo gratas, mas, sobretudo, úteis recordações e partilho da opinião de que esta legislatura contribuiu, decisivamente, para modernizar Portugal e consolidar a democracia que o Movimento do 25 de Abril nos possibilitou.
Uma palavra final para a Comissão de Economia, Finanças e Plano, pela forma consensual, pelo ambiente de cooperação e de competente orientação do seu presidente, de que também partilhei.
Preferiria ter-me despedido com a apresentação de um projecto de lei sobre a autonomia financeira, que «tenho concluído» - isto para usar uma designação criativa de um deputado desta Assembleia, cujo nome não cito para não o ligar a uma tão modesta iniciativa. Não o permitiram as circunstâncias. Muitas vezes, a maior parte das vezes, somos mais as circunstâncias do que nós próprios.
Estou convencido de que voltarei. Espero que o recente exemplo de Itália frutifique!
Aplausos do PSD.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, antes de iniciar a minha intervenção, gostaria de entregar na Mesa, requerendo a V. Ex.ª que mande juntar ao relatório, a minha declaração de voto, que não foi entregue na altura devida por não se encontrar dactilografada. No entanto, presumo que seja necessário que seja registada para que possa ser considerada como um documento oficial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O inquérito aos perdões fiscais, que a Assembleia da República aprovou, constituiu a síntese (o compromisso possível) de duas propostas substancialmente diferentes, apresentadas respectivamente por deputados do PSD e do PS.
No plano político, pode afirmar-se que o referido inquérito tinha como objectivos principais os seguintes:
Apreciação do comportamento do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais em matéria de perdões fiscais, face à legislação em vigor e, nomeadamente, face ao Decreto-Lei n.º 53/88, de 25 de Fevereiro;
Existência ou não existência de critérios de objectividade, em matéria de perdão de dívidas fiscais, que permitissem anular a presunção, decorrente de generalizada denúncia, por parte da comunicação social, da existência de critérios de acentuado favoritismo na prática dos correspondentes actos, por parle da administração fiscal e, nomeadamente, por parte do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais;
Clarificação da intervenção do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no «caso Cerâmica Campos», visando determinar se, neste caso concreto, teria sido respeitado integralmente o espírito e a letra da legislação aplicável, se a prática administrativa consubstanciava um perdão fiscal que atingia montantes elevados (da ordem das centenas de milhares de contos), se esse eventual perdão fiscal resultava de um tratamento de favor do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para com os proprietários de então da empresa Campos e se a negociação posterior da empresa, por venda à CAIMA, linha decorrido e incorporado a situação fiscal anteriormente referida.
Os três objectivos políticos do inquérito que referi foram, obviamente, objecto de tratamento específico diferenciado.
Ficou claro que o que, realmente, acabou por interessar à Comissão foi o esforço de apuramento da verdade no «caso Campos», não tendo, provavelmente, sido alheia a esta atitude a notoriedade que o referido caso de perdão fiscal assumiu junto da opinião pública.
Pode, assim, afirmar-se que a Comissão deu como adquirido, sem que tenha havido lugar a fortes discordâncias, que a generalidade do «procedimento da administração fiscal, em matéria de facilidades no pagamento de juros compensatórios ou moratórias e multas, observou, em regra, o disposto na Lei n.º 10/86, de 11 de Junho, ou as determinações do Decreto-Lei n.º 53/88, de 25 de Fevereiro», embora conclua «pela conveniência em introduzir, nesta matéria de perdões de multas e juros fiscais, aperfeiçoamentos legislativos que dêem parâmetros mais claros e precisos para o exercício do poder administrativo discricionário, que caracteriza a competência dos membros do Governo com autoridade no domínio fiscal».
Estes juízos constam, de resto, das conclusões e, porque respondem, significativa e claramente, ao primeiro dos três objectivos políticos do inquérito - segundo a interpretação que eu próprio faço da realidade política que o condiciona - tom a minha plena concordância.
Quanto ao apuramento da existência ou não existência de critérios de objectividade, em matéria de perdão de dívidas fiscais, os depoimentos recolhidos e relevantes para a matéria ou apontaram claramente para a existência de situações de favoritismo - desde logo com as declarações do Sr. Dr. António Martinho, jornalista do semanário
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Expresso, e, de certo modo com as declarações do Sr. Dr. Mota Figueiredo, da Cerâmica Campos -, ou foram insuficientes e contraditórias para anularem essa presunção - nomeadamente a declaração do adjunto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Dr. Catarino.
Acresce ainda que constam dos autos informações relativas a comportamentos diferenciados perante situações fiscais, aparentemente similares, que não podem ser ignoradas. Cito, a título de exemplo, os casos das Caves Aliança, da METALTORRE - Sociedade de Montagens e Estruturas Metálicas, Lda., e o da SIVA-Sociedade de Importação de Veículos Automóveis, Lda.
Porque assim é, não posso aderir à conclusão do inquérito que aponta para a inexistência de arbitrariedade na concessão de facilidades no pagamento de juros e multas, mesmo considerando que tal afirmação assenta apenas na insuficiência objectiva dos indícios existentes para comprovar uma prática de perdoes fiscais destinados a proteger empresas, amizades pessoais ou cumplicidades políticas.
Relativamente ao apuramento e tratamento da situação fiscal da empresa Campos, a discordância do PS com o relatório e respectivas conclusões é notória e acentuada.
Com efeito, resulta claramente das averiguações da Comissão, suportadas pelos documentos apreciados e pelos depoimentos prestados, que:
1.ª A empresa Cerâmica Campos requereu, em 15 de Maio de 1990, ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, perdão total dos juros e multas eventualmente exigíveis, sem prejuízo de manter as reclamações oportunamente apresentadas quanto ao valor dos impostos entretanto apurados;
2.ª Este requerimento, apresentado na sequência de dois outros anteriormente apresentados (Novembro de 1987 e 6 de Fevereiro de 1990), 6 elaborado depois da realização, em 3 de Maio de 1990, de uma reunião na Secretaria de Estado com o objectivo exclusivo de tratar este assunto. Como ficou provado, por declarações diversas, nesta reunião esteve presente o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais;
3.ª Ao contrário do que sucedeu com os dois requerimentos anteriores, cujos propósitos eram semelhantes, o terceiro requerimento foi enviado para informação a um técnico da dependência directa do Secretário de Estado e da sua máxima confiança, pois desempenha funções de adjunto do respectivo gabinete;
4.ª O referido técnico produziu uma informação, que entregou em 21 de Maio de 1990, onde, inequivocamente, recomenda ao Secretario de Estado dos Assuntos Fiscais que, excepcionalmente, autorize o que é solicitado pela empresa, ou seja (como se refere na aludida informação): que seja levada em conta a quantia de 1 018 928$ já paga; que sejam perdoados juros e multas; que sejam extintos os processos de execução instaurados e levantadas as apreensões de bens para garantia; que se considere não precludido o direito de reclamar contra as fixações apuradas;
5.ª Esta informação, ao contrário do que é referido nas conclusões do relatório, constitui um parecer muito claro sobre a globalidade da situação fiscal como a empresa a apresenta e nos exactos termos em que a requer, e não pode ser reduzida, como contraditoriamente pretendeu o adjunto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nas declarações que prestou à Comissão, a uma afirmação exclusivamente produzida («para especialistas») sobre a situação fiscal da empresa Campos relativa ao ano de 1986;
6.ª Consequentemente, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais quando, em 21 de Maio de 1990, despachou: «Concordo. Autorizo conforme proposto» estava, de harmonia com o mais elementar bom senso, a despachar favoravelmente o que lhe era requerido pela empresa, nomeadamente o perdão dos juros e multas relativos a todos os impostos já apurados ou a apurar devidos pela Cerâmica Campos;
7.º Não se trata, ao contrário do que se conclui no relatório, de um despacho condicionado quanto ao perdão dos juros e multas; antes se apresenta, neste domínio específico, como um despacho claramente definitivo;
8.ª Com efeito, o que ficou indeterminado é o que consta de um novo despacho, com a mesma data, proferido sobre a mesma informação, ou seja, os valores dos impostos em dívida anteriormente apurados, porque - e só porque - pareceram ao Secretário de Estado exagerados face às condições existentes no sector onde a empresa laborava. Daí que se tenha determinado uma nova fiscalização à empresa - não é relevante, como é óbvio, para a matéria objecto do inquérito (existência ou não de um perdão fiscal) que a nova inspecção tenha confirmado, praticamente, e ao contrário do que eram as expectativas do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, os valores anteriormente determinados;
9.ª Ficaram suficientemente comprovadas a existência de uma relação directa entre a realização da reunião de 3 de Maio de 1990, onde estiveram presentes representantes da Cerâmica Campos, da empresa CAIMA, da empresa DECA e da empresa Emsi & Young e o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, as respectivas conclusões e compromissos, a forma e a data de apresentação do terceiro requerimento e o teor do despacho do Sr. Secretário de Estado;
10.ª Esta relação directa e o entendimento generalizado da sua existência foram determinantes para a concretização do negócio de venda da Cerâmica Campos à empresa CAIMA, bem como à fixação do respectivo valor de transacção;
11.ª Todos os intervenientes na referida reunião, com a excepção, obviamente!, do Sr. Secretário de Estado, confirmaram que dessa reunião saiu o compromisso inequívoco de esclarecer a situação fiscal da Cerâmica Campos e de proceder ao perdão de juros e multas de natureza fiscal. Nestes termos, o despacho do Sr. Secretário de Estado de 21 de Maio de 1990, quando foi conhecido, foi avaliado como a concretização do compromisso assumido na referida reunião. Ninguém, com excepção do Sr. Secretário de Estado, considerou que, no que respeitava ao pagamento de juros e multas fiscais, o despacho fosse condicionado ao apuramento de uma outra verdade fiscal;
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12.ª Resulta de tudo o que venho referindo que o recuo do Secretário de Estado - que, aliás, se louva de permitir à administração fiscal arrecadar receitas que lhe são devidas - se verifica, exclusivamente, depois de este assunto ser conhecido da opinião pública, ser objecto de tratamento da comunicação social e ser matéria de discussão na Assembleia da República;
13.ª Não está em causa, porque isso, sim, não foi provado - e teria sempre de sê-lo - qualquer juízo negativo sobre a honorabilidade pessoal do Sr. Dr. José de Oliveira e Costa. Realça-se, mesmo, a colaboração que deu à Comissão Eventual, pois nunca se furtou a responder a todas as perguntas e a fornecer todos os dados que lhe foram solicitados. A este propósito, acompanho as considerações que o Sr. Deputado Álvaro Dâmaso fez sobre a condução que da mesma Comissão Eventual de Inquérito fez o Sr. Deputado Rui Machete, que daqui saúdo com simpatia;
14.ª A realidade política, no entanto, é incontroversa. O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais despachou favoravelmente e com carácter definitivo, segundo o mais elementar senso comum, um pedido de perdão de juros e multas fiscais que lhe foi apresentado pela Cerâmica Campos, e este comportamento foi, no mínimo, controverso - pois, se o não fosse, não havia agora que o negar - e não foi, generalizadamente, aplicado a situações similares;
15.ª Poderá dizer-se que o despacho é superficial (por isso, posteriormente, se corrige) e tem por base uma informação que, embora muito clara, é insuficiente quanto à fundamentação jurídica, apesar de ser produzida por um jurista, mas isto não nos impede, antes pelo contrário, de pensarmos que há lugar à formulação de um juízo de grave censura política ao Sr. Secretário de Estado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por todas estas razões votámos desfavoravelmente o relatório, incluindo as conclusões da Comissão Eventual de Inquérito «aos alegados perdões fiscais atribuídos ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais».
A avaliação que fizemos da intervenção do Sr. Secretário de Estado no «caso Campos» teve, nesta decisão, um peso significativo.
Por culpa exclusiva do Sr. Secretário de Estado o «caso Campos» acabou por se transformar num caso de simples irregularidade fiscal, o que, provavelmente, estará longe de constituir a sua faceta mais destacada.
O Sr. Secretário de Estado deveria ter acautelado, até porque quando proferiu o despacho já possuía indícios suficientes, uma apreciação diferente desta realidade.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por voluntarismo e superficialidade na apreciação da situação, não o fez.
Merece, pois, uma grave censura política!
Aplausos do PS.
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - É para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, embora quer o PSD, quer o PS já não dispusessem de tempo, como o CDS acabou de ceder-lhes algum tempo, tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - Desde já, agradeço ao Sr. Deputado do CDS a cedência de tempo.
Sr. Deputado Manuel dos Santos, é evidente que o Sr. Deputado teria de vir aqui fazer uma intervenção como a que fez. Há pouco, ali da tribuna, disse perceber o momento político, mas, de facto, não compreendo que as conclusões, que o Sr. Deputado retira, se baseiem, tão simplesmente, em convicções pessoais.
Na verdade, tal como aconteceu com outros depoimentos que recolhemos na Comissão, as conclusões sobre o que se passou na reunião que antecedeu o despacho de 21 de Maio - e que V. Ex.ª aqui referiu como tendo sido conclusões peremptórias relativamente à forma, ao conteúdo e ao momento da apresentação do requerimento -, que depois levou o Sr. Secretário de Estado a proferir o despacho, são perfeitamente descabidas por não fundamentadas.
De facto, não foi nada disto que recolhemos na nossa Comissão Eventual de Inquérito. O que apurámos na Comissão foi que a reunião durou cerca de dois ou três minutos e que nela o Sr. Secretário de Estado dissera que a intenção não era a de inviabilizar a transacção de empresas por dúvidas que pudesse ter, pois o que ele queria, efectivamente, era apurar a verdade fiscal da empresa. E verificámos, de facto, que em todos os documentos deste processo, a que tivemos acesso, o Sr. Secretário de Estado colocou sempre dúvidas relativamente à presunção levantada pela primeira fiscalização que foi feita à empresa. E nessa altura, Sr. Deputado, estávamos muito longe de pensar que este caso iria ter uma tal expressão pública.
Assim, não posso deixar de dizer que o Sr. Deputado se baseou em convicções meramente pessoais para retirar as conclusões que referiu e, sobretudo, para dizer que houve ligeireza no procedimento da administração.
Sr. Deputado, tenho aqui, na minha frente, e poderia ler, os depoimentos prestados pelo director de Finanças de Aveiro, que, em meu entender, são fundamentais quer quanto à natureza e eficácia do acto praticado em 21 de Maio, que referi na minha intervenção, quer quanto às próprias declarações do jornalista do semanário Expresso, que, aliás, em relação a factos de que tinha tido conhecimento por terceiros, disse que se baseava em meras convicções pessoais. Não os refiro, nem os leio. Tenho-os aqui, na minha frente, mas não os leio, porque o Sr. Deputado, tal como eu, esteve presente na Comissão de Inquérito e, portanto, tem conhecimento disto.
Sr. Deputado, em nome da verdade, da honra e da dignidade que merece o Secretário de Estado e a pessoa que suporia o cargo, penso que V. Ex.ª não pode retirar as conclusões que manifestou na sua intervenção.
Gostaria, no entanto, de perguntar em que é que o Sr. Deputado se baseia, concretamente, para dizer que da reunião do dia 21 de Maio resultou claro e inequívoco que havia de apresentar-se ao Sr. Secretário de Estado um requerimento com o conteúdo que foi apresentado, no momento em que o foi e com o pedido concreto que foi feito.
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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Deputado Álvaro Dâmaso, se V. Ex.ª seguiu atentamente a minha intervenção, como me pareceu, verificará que as conclusões a que cheguei se espraiam por 15 pontos e não se limitam aquele que V. Ex.ª citou, pretendendo dizer que, no fundo, me estribei em meros indícios e convicções pessoais, quando, obviamente, se eu me fundamentasse em convicções pessoais, que foram transmitidas à Comissão por várias pessoas, teria então de fazer afirmações, essas, sim, extremamente graves, pois teria de dizer que houve favoritismo político-partidário. Não afirmei isso, nem o afirmo. Isso foi dito pelo jornalista em causa ou, melhor, foi dito por um depoente, que embora fosse jornalista, na circunstância, prestava depoimento na qualidade de simples depoente.
Todavia, devo salientar que não se tratou de convicções pessoais mas de coisas improvadas, que não tinham possibilidade de ser provadas, na medida em que o sigilo das fontes tinha de ser perfeitamente assegurado. Aliás, é isso que está nas declarações, que, presumo, virão a ser publicadas e irão estar a disposição de toda a gente.
Quanto à ligação que faço entre a reunião do dia 3 de Maio. que, segundo soubemos, através do último depoimento, foi uma reunião extremamente rápida - mas as reuniões também não se medem aos minutos -, confirmo o que foi dito apenas por um depoente -chega-me que tenha sido dito por um apenas -, pois, não é por uma reunião ter durado apenas três ou quatro minutos que podemos pensar que não se combinaram várias coisas.
Realmente, a apreciação global que se faz do processo e das declarações que foram feitas durante o processo de inquirição são. a meu ver, susceptíveis de permitir este tipo de conclusão. Estou absolutamente convicto -aliás, os elementos que foram carreados para o inquérito constituem o meu elemento suficiente de prova - de que a estrutura do terceiro requerimento, a forma como foi apresentado e o despacho que depois foi vertido sobre cie são uma consequência lógica e natural da reunião do dia 3 de Maio.
Isso, aliás, foi claramente dito, por exemplo - e julgo que esse depoimento até foi escrito, portanto, além de gravado, foi escrito -, no depoimento do presidente, agora jubilado, da empresa CAIMA, portanto presumo que não estamos apenas a falar de meros indícios e de meras convicções pessoais mas estamos, isso sim, a falar baseados em testemunhos ajuramentados...
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - Posso interrompê-lo. Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - Sr. Deputado, se me conceder um minuto, eu posso ler o depoimento do presidente, hoje jubilado, e que é do seguinte teor: «Não. O nosso entendimento foi este [...]» Para mim resulta claro que este «nosso entendimento» revela uma convicção pessoal.
O Orador: - Sr. Deputado, concedo que é com base em «entendimento», mas que é o entendimento de todos menos de um.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Foi o entendimento de todos excepto do Sr. Secretário de Estado!...
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - O do Dr. Catarino.
O Orador: - Não me fale do Dr. Catarino!
Risos do PS.
Aliás, eu penso que só o Sr. Deputado Álvaro Dâmaso...
O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Não ficou provado que o Sr. Secretário de Estado esteve na reunião.
O Orador: - O Sr. Deputado, porque não está provado que esteve, portanto «não esteve»?...
Sr. Deputado, essa é a questão fulcral que nos divide, porque, se assim não fosse, leríamos votado a favor do seu magnífico relatório. Aliás, V. Ex.ª fez uma boa defesa de uma coisa relativamente indefensável. No entanto, eu continuo a pensar e julgo que o PS me acompanha neste raciocínio - que o Sr. Secretário de Estado é, no mínimo, passível de uma censura política...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -... e que este assunto foi tratado com superficialidade e podia, e pode ainda, vir a provocar um grave problema.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 15 de Janeiro deste ano. quando foi discutida e aprovada a constituição da Comissão Parlamentar de Inquérito, cujo relatório analisamos agora, afirmámos que os perdões fiscais eram uma mataria melindrosa, na medida em que se por um lado são úteis em certos casos para assegurar a viabilidade das empresas, a estabilidade dos postos de trabalho e a cobrança de uma receita fiscal mínima, por outro «transportam para o contribuinte uma carga de suspeição que interessa afastar», nomeadamente se não forem discutíveis critérios de equidade e justiça na sua atribuição.
Era precisamente este o objectivo da Comissão de Inquérito aos perdões fiscais atribuídos pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, designadamente à empresa Campos, S. A., isto é, o de saber em que medida notícias vindas a lume na comunicação social indiciavam ou não práticas e critérios menos correctos na atribuição dos perdões fiscais e a consequente lesão do interesse público.
Registamos aqui a colaboração que, desde o início, os diversos partidos, o Governo e, sobretudo, o próprio Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais encetaram no sentido do esclarecimento cabal da verdade dos factos, postura essa que em raros casos de constituição de comissões parlamentares de inquérito se registou.
Não iremos abordar ou comentar todo o trabalho desenvolvido pela Comissão de Inquérito, mas parece-nos, no entanto, que ele foi exaustivo e que a Comissão de Inquérito foi tão longe quanto poderia ter ido na investigação deste caso.
Quanto ao relatório final e apesar de o tempo disponível não ter permitido que fosse mais completo em determinados aspectos, nomeadamente para esclarecimento da opinião
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pública, as suas conclusões parecem-nos correctas e ajustadas aos factos apurados.
Com efeito, ficou claro que a «intervenção do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais na fase inicial - e realço na fase inicial - no sentido de confirmar os montantes presumidos pelos serviços de fiscalização de Aveiro» não só era «justificável» como correspondia - o que mais tarde se veio a confirmar - à defesa do «interesse público», caso contrário não se teria sequer registado tal intervenção.
Embora não tenha sido registado nas conclusões, o relatório é claro: sa verdade é que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais autorizou -e só ele o poderia fazer - a aplicação do sistema de tributação do grupo B, da contribuição industrial, o que permitiu imputar à empresa Campos, S. A., proveitos extracontabilísticos do exercício de 1984 e colectá-los em contribuição industrial, imposto de transacções, IVA e outros impostos. Se assim não procedesse à empresa aproveitaria a caducidade da liquidação respeitante ao mencionado exercício».
Por outro lado, a realização de uma segunda fiscalização não pode ser entendida, neste caso, se não como uma tentativa de averiguação rigorosa e objectiva da situação fiscal da empresa, e os seus resultados uma «condição voluntária de eficácia do acto administrativo praticado».
Acrescente-se que o comportamento da empresa, mantendo as reclamações contra os montantes presumidos, o valor apurado pela fiscalização e o despacho de 18 de Julho de 1990, que considera prejudicada parte do despacho de 21 de Maio de 1990, são, entre outros, elementos suplementares que fundamentam a conclusão do relatório segunda o qual os indícios «são objectivamente insuficientes» para fundamentar qualquer juízo de probabilidade de falta de transparência ou equidade do comportamento da administração fiscal no processo fiscal da Cerâmica Campos.
Em todo este processo existe, no entanto, um «senão» que entendemos dever realçar. Refiro-me a uma prática que não só é, infelizmente, comum na Administração Portuguesa como gera legítimas dúvidas, que darão lugar a processos desta natureza. Trata-se da falta ou da, por vezes, pouco rigorosa e clara fundamentação dos actos administrativos. Tal acontece demasiadas vezes, sendo difícil discernir os casos intencionais daqueles que resultam de desconhecimento da lei. Resta-nos esperar que a futura legislação, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, salvaguarde mais eficazmente estas situações no sentido de assegurar objectividade, rigor e transparência aos actos da Administração Portuguesa.
Seja como for, neste caso concreto «não se pode inferir que a empresa em causa tenha sido protegida ou alvo de um tratamento mais favorável», nem que tenha sido prejudicado o interesse público.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos, portanto, de acordo com o relatório e as respectivas conclusões, pelo que, naturalmente, à semelhança do que fizemos ao nível da comissão de inquérito, votá-lo-emos favoravelmente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório final da Comissão de Inquérito aos perdões fiscais concedidos pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais à Campos - Fábrica de Cerâmica, S. A., não espelha com rigor e objectividade todas as consequências dos factos apurados pela Comissão.
Por razões de natureza política, os deputados do PSD omitiram no relatório final a conclusão central apurada durante os trabalhos da Comissão, qual seja a de que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais concedeu de facto, e teve manifesta intenção de conceder, um perdão de juros e multas, no montante de 236 600 contos, à Campos - Fábrica de Cerâmicas, S. A., através do seu despacho de 21 de Maio de 1991.
O Sr. Henrique Carminé (PS): - Muito bem!
O Orador: - Comprovam-no, designadamente, o seu primeiro despacho de 21 de Maio sobre a informação n.º 162/90, em que o Secretário de Estado diz: «Concordo. Autorizo conforme proposto.»
Confirmam-no ainda a primeira parte do segundo despacho daquela data sobre a mesma informação e em que o Sr. Secretário de Estado diz: «O meu despacho de concordância tem muito a ver com o facto de me parecerem francamente exagerados os valores apurados. A estes factos junta-se a oportunidade de transacção que não deve ser inviabilizada por dúvidas que possamos ler.»
Comprovam-no ainda a nota de liquidação dos impostos em dívida pela Campos elaborada pela 2.ª Repartição de Finanças de Aveiro, de 30 de Maio, sendo certo que nessa liquidação se diz claramente que é na sequência e para cumprimento do despacho do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, aparecendo essa liquidação expurgada de todos os juros e multas; o facto de na sequência daquela nota de liquidação os serviços fiscais terem recebido da Campos o valor dos impostos em dívida sem qualquer exigência de juros e multas;...
O Sr. Henrique Carmine (PS): - Muito bem!
O Orador: -... o despacho de 18 de Julho de 1990, com o qual o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais pretende anular parcialmente o de 21 de Maio, não o fazendo, porém, em relação ao perdão de multas e juros; o facto de o Secretário de Estado vir posteriormente, em Novembro de 1990, a elaborar um novo despacho pretendendo revogar o de 21 de Maio.
Importa ainda realçar que a reunião do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais com os administradores da Campos e da CAIMA, em 3 de Maio, 15 dias antes da apresentação do novo requerimento, foi omitida pelo Sr. Secretário de Estado, quer no relatório que enviou à Comissão, quer quando por esta foi ouvido.
Não colhe o argumento dos deputados do PSD, constante do n.º 2 das conclusões, alegando desconhecimento, pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de elementos essenciais da empresa Campos quando fez o despacho de 21 de Maio. Não faz qualquer sentido vir posteriormente invocar o desconhecimento de factos fundamentais que constam, de forma clara e inequívoca, da informação sobre a qual recaiu o despacho. A não ser que se admita que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais «despachou de cruz», sem ler a informação sobre a qual despachou, por já ter tomado anteriormente a decisão de deferimento das pretensões da empresa ou por ter sido levado a esse despacho por outrem.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Do mesmo modo, não pode ter acolhimento sério o argumento dos deputados do PSD (expresso
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no n.º 3 das conclusões) de que o despacho de 21 de Maio de 1990, concedendo embora o perdão de juros e multas, era condicionado. A verdade é que a concordância expressa no despacho de 21 de Maio não é acompanhada de nenhuma condição nem limitação de qualquer espécie. De facto, havia várias formas de o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais elaborar um despacho com carácter transitório, condicionando a decisão definitiva à obtenção de novos elementos ou clarificações.
Só que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não o fez. O despacho que deu em 21 de Maio, como o demonstram juridicamente os dois únicos pareceres de professores de Direito, que sobre a mataria foram presentes à Comissão. é um acto materialmente definitivo e executório.
O Sr. Henrique Carminé (PS): - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, o que sucedeu foi que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais desautorizou, com arrogância e superficialidade, os resultados de uma fiscalização efectuada pelos serviços da administração fiscal, sobrepôs o interesse privado da alienação de uma empresa ao interesse público presente nas receitas fiscais e no processo de crimes de associação criminosa, burla e abuso de confiança que então corria no Tribunal Judicial de Aveiro.
Quis, por razões que se não conhecem, perdoar os juros e as multas devidas pela reiterada e confessada fuga ao fisco praticada pela Campos. O facto de, posteriormente, designadamente depois de o perdão ler sido publicitado pela imprensa, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais se ter arrependido de conceder o que concedeu, não pode iludir a questão central de ter, objectivamente, beneficiado a Campos com um efectivo perdão de juros e multas que ele próprio veio, depois, a reconhecer totalmente injustificado.
Na hipótese mais favorável para o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ele foi, manifestamente, negligente e violou, no exercício das suas funções, os princípios da defesa do interesse público, bem como os da proporcionalidade e da justiça, o que é grave num membro do Governo que se arroga o poder de, discricionariamente, perdoar, com um simples despacho, centenas de milhar de contos.
O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tem pois uma efectiva responsabilidade objectiva e política no perdão que concedeu.
O Sr. Henrique Carmine (PS): - Muito bem!
O Orador: - Responsabilidade que a Comissão de Inquérito tinha o dever de publicamente reconhecer e censurar. A maioria da Comissão só não p fez por razões de natureza política: porque o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais é membro do PSD e de um governo do PSD.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, e bem vistas as coisas a 6.º conclusão do relatório não consubstancia uma total e completa ilibação da actuação do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Mas os deputados do PSD não o quiseram explicitar. Por isso, o meu voto contra as conclusões aprovadas na Comissão. Voto em consciência, porque fui dos deputados, como muitos outros, incluindo do PSD, que estivemos sempre presentes nas reuniões da Comissão e não nos limitámos a ir à reunião da eleição da mesa e àquela em que se fez a votação.
Aplausos do PCP.
Vozes do PS: - Muito bem!
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - O Sr. Deputado Álvaro Dâmaso pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - Para um pedido de esclarecimento.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, o PSD não dispõe de tempo para intervir mas, como o PRD lhe cede um minuto do seu tempo, tem a palavra.
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, não é possível o diálogo quando uma das partes se fecha nas suas convicções pessoais.
O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não é possível apreciar objectivamente as conclusões quando as premissas resultam de meras convicções pessoais. Não é possível discutir um raciocínio quando ele é tautológico e vai do mesmo ao mesmo. Foi isso que V. Ex.ª acabou de fazer da tribuna e vou provar-lhe que assim foi.
O Sr. Deputado apenas referiu dois pareceres dos professores de Direito quando coligimos bastante mais. E mais, referiu os dois pareceres citando aqueles que defendem uma posição e, por isso, por defenderem apenas uma das posições, são pareceres parciais.
V. Ex.ª sabe isso e sabe que eles se referem apenas à revogabilidade, ou não, do acto administrativo praticado pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Não é possível partir daí para concluir que esse despacho foi dado com parcialidade para proteger a empresa.
Este é um exemplo claro de raciocínio tautológico, é fechar-se em convicções parciais e partir daí para tirar conclusões.
Ainda lhe digo mais. Não é por muito se adjectivar uma realidade nem é por muito se carregar os adjectivos para definir uma situação que se passa a ter razão.
De facto, como bem sabe, também eu e outros deputados do PSD e do PS estivemos na comissão de inquérito desde o primeiro momento, tendo sido esses mesmos deputados que hoje aqui intervieram porque são os que afim conhecimento dos factos, com excepção do presidente da Comissão e do deputado Rui Alvarez Carp, que não intervieram, mas que estiveram presentes desde o 1.º dia.
Também não é verdade, e V. Ex.ª também não pode tirar essa conclusão, que não seja possível apreciar os resultados da Comissão pelo facto de não se ter estado presente desde a primeira hora até à última. É possível um juízo sobre a matéria de facto lendo todos os trabalhos e todos os documentos carreados para a Comissão.
Risos do deputado do PCP Octávio Teixeira.
Por isso, Sr. Deputado, não posso estar de acordo com aquilo que lhe ouvi.
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Aliás, não é possível concluir de tudo aquilo que ouvimos, de todos os documentos que lemos, das provas que foram produzidas, que o Secretário de Estado teve a intenção de proteger a empresa, porque não é verdade.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Álvaro Dâmaso, começando pela penúltima parte da sua pergunta, dir-lhe-ei que tive oportunidade de referir que a «piada» final da minha intervenção não era dirigida aos deputados do PSD. Mas há-de convir que é, pelo menos, estranho que um deputado em representação de um partido, que não é o PSD, que só vai à primeira e à última reunião, venha depois fazer uma declaração de voto peremptória sobre o que se passou na Comissão - foi o caso do Sr. Deputado que me antecedeu, pelo que, quanto a isso, estamos clarificados.
Sr. Deputado Álvaro Dâmaso, as minhas convicções são pessoais mas assentes nos factos apurados nos trabalhos da comissão ...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!
O Orador: -... e o que não tenho são convicções partidárias nesta matéria.
Risos do PSD.
Não sobreponho convicções partidárias a convicções pessoais, como, na minha opinião, fizeram os deputados do PSD.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Álvaro Dâmaso, acerca dos pareceres, referi expressamente, e está escrito, que os únicos dois pareceres de professores de Direito que se debruçavam sobre o problema de saber se o despacho era condicionado ou se era definitivo e executório, diziam que era definitivo e executório e os outros pareceres tratavam apenas da legalidade do tal despacho.
Quanto a isso mantenho o que disse, porque corresponde à verdade dos factos. Sobre essa matéria, que é a que está em causa, só apareceram dois pareceres e ambos diziam que o despacho era definitivo e executório.
O Sr. Álvaro Dâmaso (PSD): - E legal!
O Orador: - Não tratei da questão da legalidade, mas sim da questão de saber se o despacho concedeu ou não um perdão à Campos. Essa foi a única questão que esteve em discussão e que foi provada.
Finalmente, Sr. Deputado Álvaro Dâmaso, a última afirmação que fez não me pode ser atribuída. Aliás, digo-o desde já, não me ficou dos trabalhos da Comissão qualquer ideia ou convicção que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tenha pretendido beneficiar-se a si próprio, incluindo a hipótese de ganhos pessoais. Não me ficou nenhuma ideia de que o Sr. Secretário de Estado tenha actuado em benefício de uma empresa para obter ganhos pessoais. Nada do que foi apurado pode ferir a sua honorabilidade. Não referi isso, o que disse está escrito, e reafirmo-o aqui claramente.
Mas tenho a convicção pessoal de que foram apurados factos, no sentido de que houve objectivamente um perdão de multas e juros. Disso não tenho a mínima dúvida.
Foi isso que afirmei e é isso que não consta das conclusões, e que acho que devia constar porque é um facto apurado e demonstrado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp.
O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Sr.ª Presidente, pretendo apenas saber se a Mesa já recebeu um projecto de resolução assinado por alguns deputados do PSD aqui presentes, entre os quais me incluo, solicitando ao Plenário, aliás na sequência de proposta constante do relatório da Comissão de Inquérito, que aprove a plena publicitação de todas as peças, incluindo as actas, que são objecto do relatório que estamos a debater.
Consideramos extremamente importante que o Plenário vote favoravelmente essa publicitação.
Se da nossa parte não há qualquer dúvida quanto à ilibação total do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, relativamente ao seu comportamento no chamado caso do perdão fiscal da Cerâmica Campos, depois do debate que agora acabou de ser realizado no Plenário, as dúvidas que pudessem pairar ficarão totalmente dissipadas quando os interessados na plena divulgação e no pleno apuramento da verdade dos factos puderem consultar não só o relatório como também as actas das reuniões.
O que queremos é a total transparência, porque, como diz o povo, «quem não deve não leme».
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, deu efectivamente entrada na Mesa um projecto de resolução, que irá seguir a tramitação normal.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr.ª Presidente, estamos inteiramente de acordo com o referido projecto de resolução, que votaremos favoravelmente.
Pareceria, no entanto, que esse projecto de resolução surgiu agora aqui, mas a verdade é que ele corresponde a um consenso obtido na Comissão. A proposta foi feita pelo Sr. Deputado Rui Alvarez Carp, enquanto presidente da dita Comissão de Inquérito e não na qualidade de deputado do PSD.
Partiu, pois, da vontade de todos os deputados da Comissão que toda a matéria objecto da inquirição viesse a ser publicitada, salvo a que decorre dos problemas técnicos relativos aos próprios depoentes, que têm o direito de reservarem a publicidade das suas declarações. Tais declarações serão certamente acauteladas pela Assembleia da República.
Dito isto, sugeriria que fosse também considerado publicitável, juntamente com os trabalhos da Comissão, o próprio debate que agora está a decorrer. Sei que este debate será publicitado, na medida em que é publicado no Diário da Assembleia da República, mas parece-me importante estabelecer uma ligação material com o debate realizado na Comissão, porque tal facto tornaria as coisas ainda mais claras.
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A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Manuel dos Santos, o projecto de resolução apresentado na Mesa é subscrito, se bem decifro as assinaturas que dele constam, pelos Srs. Deputados Rui Machete, Rui Alvarez Carp e Álvaro Dâmaso.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É um projecto de resolução partidarizado!
A Sr.ª Presidente: - Encerrado o segundo ponto da ordem de trabalhos, passamos à discussão do relatório da Comissão Eventual para análise e reflexão da problemática dos incêndios em Portugal.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 30 de Junho de 1990 foi constituída no seio deste Parlamento a Comissão Eventual para análise e reflexão da problemática dos incêndios florestais. Em 24 de Abril de 1991, foi enviado a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República o relatório final, elaborado e aprovado por unanimidade na Comissão.
Graças ao caso Camarate, o relatório não foi para os arquivos desta Casa e vê-se hoje obrigado regimentalmente a passar por este Plenário. Cumpre a praxe no dia de todos os relatórios, mas não cumpre os objectivos para que foi redigido. É o ritual da democracia formal a impor-se à democracia viva, discutida e consciente.
A Comissão reflectiu e analisou com todos os membros do Governo ligados a esta problemática, desde os da agricultura e justiça, aos da indústria, ambiente e administração interna. Visitou zonas sinistradas e dialogou com bombeiros e protecção civil. Apesar de todo este esforço e da unanimidade de pensamento conseguida dentro da comissão, nem uma única alteração houve no comportamento do Governo.
O lema continua: «deixa arder que nós vamos ver apagar». Durante um ano nem uma única medida preventiva com significado foi tomada para evitar incêndios.
Durante o Verão vamos assistir ao correctório de ministros e secretários de Estado junto das áreas sinistradas, a aparecerem nos ecrãs de televisão como senhores solidários com as desgraças dos outros.
Só que a catástrofe é nacional e o problema já não ó com os outros mas, sim, com todos nós. E, quando a dimensão da catástrofe atinge as proporções de 1990 em Portugal, não há cinismo encenado que resista.
Há soluções preventivas para diminuir as áreas ardidas. O Governo, os técnicos, os bombeiros, a Comissão, etc., conhecem-nas. Só que quem as pode implementar é o Governo e esse não se dispõe a tomar a iniciativa.
Passa impune na opinião pública, porque, apesar de ser uma matéria da maior relevância nacional, são silenciadas as causas nos grandes meios de informação.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Preparem-se! O Verão chega e o espectáculo vai começar para o Governo.
Se há nesta Casa ou no Governo alguém que duvide da eficácia das medidas preventivas propostas, há um desafio público a fazer: ponham-nas em prática, ao menos num concelho dos habitualmente mais atingidos pelos incêndios. Tenho a certeza de que ficará demonstrada a justeza das nossas propostas.
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - A política de prevenção contra os incêndios e a política florestal têm de estar interligadas.
O Sr. João Silva Maçãs (PSD): - Que grande novidade!...
O Orador: - Nem uma nem outra existem em Portugal.
Mas hoje o Governo deveria aceitar publicamente o total falhanço do que andou a fazer. O eucalipto, o grande beneficiário dos incêndios, entrou em queda. O compadrio entre Governo e agentes das celuloses entrou em derrapagem. As celuloses perdem dinheiro e os produtores de eucaliptos estão em pânico, com os preços a baixarem todos os dias, como aliás muitas vezes os avisei nesta Casa.
Poderia o Governo agora aceitar o desafio de proteger a floresta tradicional e arrancar com uma verdadeira política florestal.
Chamo a atenção desta Câmara para o facto de que no final da década mais de 5,5 milhões de hectares do solo nacional só terão como aproveitamento a florestação. Se arde actualmente seis vezes mais área do que a que reflorestamos e nos próximos 10 anos vão ser libertados pela agricultura mais de 2 milhões de hectares, terão uma noção da dimensão do problema.
Não vale a pena trazer a esta intervenção o conteúdo do relatório apresentado pela comissão, que é público. O que interessa é tomar medidas para fazer frente ao maior inimigo da floresta, que é o fogo. O seu valor - económico e ambiental - é incalculável.
Aplausos do PS e do PCP.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A Comissão Eventual para análise e reflexão da problemática dos incêndios foi constituída na sequência dos dramáticos acontecimentos que tiveram lugar em diversos pontos do País, com especial incidência na região Centro, nomeadamente no distrito de Coimbra. Em 1990, o fogo não se limitou a consumir mata e pinhal: entrou pelas localidades, semeando dor e morte e, ao mesmo tempo, destruindo moradias e haveres.
Esta Comissão visitou vários concelhos afectados pelos incêndios, nomeadamente Gois, Pampilhosa da Serra, Vila Nova de Poiares e Lousa, e o cenário a que assistimos foi, no mínimo, desolador: floresta ardida a perder-se na linha do horizonte, o ecossistema necessariamente afectado, a economia debilitada, muitos postos de trabalho pura e simplesmente extintos.
Neste relatório as questões são colocadas de uma fornia séria e isenta, mas simultaneamente não podemos nem devemos esconder a realidade da situação, que é - todos estamos cientes - extremamente preocupante.
A evolução e modernidade dos meios de combate aos incêndios é uma realidade que hoje podemos constatar e disso damos conhecimento neste relatório. O número de viaturas de combate a incêndios passou de 3000 em 1985 para 4100 em 1990. Os meios aéreos, que em 1985 eram de 16 unidades, evoluíram para 30 unidades em 1990, distribuídas por 17 pistas de aterragem contra as 5 existentes em 1985. Também a sociedade civil neste período respondeu afirmativamente às necessidades, já que se em 1985 estavam homologados pelo Serviço Nacional de
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Bombeiros cerca de 30000 bombeiros, em 1990 esse número era de cerca de 34 SOO, aumento que nos apraz aqui registar e que saudamos.
No entanto, nada disto impediu que só em 1990 ardessem cerca de 127 000 ha de floresta, com os fatídicos resultados que todos conhecemos. Há bons meios e existem bombeiros altruístas com elevado espírito de sacrifício, mas há, simultaneamente, fogos demais.
A extinção desta calamidade está provado não passa pelo combate, mas antes, como já anteriormente afirmámos, pela prevenção e vigilância. Passa ainda pela formação cívica dos nossos cidadãos e pelo reordenamento florestal.
A lucidez e esclarecimento das nossas populações obriga a campanhas de sensibilização, nomeadamente nos bancos das escolas, para que a criança entenda que a floresta é um bem colectivo, originador de bem-estar, desenvolvimento e riqueza e regulador dos ecossistemas. Não conseguiremos nunca atenuar estes trágicos acontecimentos se não partirmos desta realidade.
As autarquias tem um papel importantíssimo no alcance destes objectivos, já que as comissões especializadas de fogos florestais (CEF) municipais especialmente criadas e implementadas para os atingir são a primeira linha na prevenção aos incêndios.
Simultaneamente, os operadores privados são uma peça importante neste desiderato. Recordo que anualmente mais de 80 % da floresta que arde é pertença dos privados e só a restante é estatal.
Há que encontrar o ponto de equilíbrio entre estes dois factores, os meios postos à disposição das CEF e dos bombeiros e a necessidade de se produzir uma limpeza de matas.
O ordenamento da nossa floresta, resultado de um caótico crescimento, é hoje uma autêntica muralha aos meios de combate existentes; os contra fogos são ainda praticamente inexistentes; os aceiros e pontos de água começam agora a aparecer, em resultado das obrigações legais das CEF e das próprias autarquias.
Sr.! Presidente, Srs. Deputados: O grupo de trabalho que elaborou o presente relatório não pretendeu dar uma imagem de ineficiência ou miserabilismo, nem tão-somente fazer deste estudo uma base alarmante do futuro que nos espera, mas tivemos uma preocupação séria e honesta: a de referir tudo o que evoluiu e, simultaneamente, propor o que pensamos ainda ser necessário.
Propomos, assim, acções sobre os cidadãos que não só sensibilizem quem precise, mas também penalizem severamente quem prevarique, acções severas sobre os interesses económicos ilícitos, e apraz-nos registar que uma das medidas por nós propostas já se encontra em fase de implementação, como é o caso da criação de um departamento da Polícia Judiciária para acompanhamento de toda a problemática dos incêndios.
Propomos também acções de prevenção na floresta, tal como coordenação de todos os organismos ligados à defesa da floresta, através, entre outras medidas, da criação de uma rede nacional de rádio, do aumento dos postos de vigia e do reforço do corpo dos guardas florestais.
Em simultâneo com a prevenção, destacamos a possibilidade de rentabilização do produto excedente das matas, que são, como é do conhecimento de todos, autênticos barris de pólvora. Tal como vem referido no relatório da Comissão, os resíduos, nomeadamente a biomassa, representam hoje mais de 10 % do nosso consumo energético, havendo ainda que considerar o desperdício de mais de
3 SOO 000 t. desses resíduos, que, transformados em energia, representariam, de acordo com dados que nos forneceram, uma economia de mais de 1 milhão de barris de petróleo/ano.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Sou especialmente optimista. Hoje, a situação é incomparavelmente diferente, no meu entendimento para melhor. O que agora é preciso é, em muitas situações, fazer cumprir a lei e accionar os mecanismos de prevenção já hoje implementados ou em fase de implementação. Se tal se fizer e se o reordenamento da floresta ardida for efectuado de uma forma cuidada e eficaz, o flagelo dos incêndios - estamos certos - conhecerá a curto prazo um retrocesso significativo. Isso depende de todos nós, cidadãos, dado que a letra e o espírito da lei, por muito bons que sejam, não irão por si só apagar os fogos.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Deputado Rui Silva, fiquei preocupado com a sua afirmação de que tudo está melhor.
O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - É verdade!
O Orador: - Como, porém, a floresta arde cada vez mais -no ano passado arderam 127 000 há -, gostaria de saber como é que o Sr. Deputado justifica essa afirmação. É por os bombeiros terem mais material para apagar mais fogos?
Como está a ocorrer o abandono do mundo rural e, assim, as áreas ardidas são cada vez maiores, gostaria que explicasse a esta Câmara onde é que a situação está melhor. E refiro-me apenas ao que tem a ver com a acção de apagamento dos fogos, e que está relacionada até com a sua função de bombeiro, porque em relação à prevenção, que eu saiba, o Governo tem nota zero.
O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Não é verdade!
O Orador: - Gostaria, pois, que nos explicasse onde é que a animação melhorou, a não ser que as medidas de prevenção sejam no sentido de incendiar cada vez mais para arder cada vez mais, que é o que temos vindo a notar.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Não brinquemos com coisas sérias!
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Deputado António Campos, não desejaria, muito honestamente, reclamar para aqui alguma da minha experiência anterior em relação a esta matéria, nem o irei fazer, porque, então, teria de lhe recordar que, à frente dos destinos de uma corporação e, nomeadamente, da Federação dos Bombeiros de Lisboa e do próprio Serviço Nacional de Bombeiros, tenho vindo a colaborar assiduamente em grupos de trabalho para a implementação de estruturas e novos métodos de combate aos incêndios.
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Todos estamos de acordo em que muita coisa tem ainda de ser feita - não escondi essa preocupação na intervenção que proferi. Mas, queiram ou não o Sr. Deputado, os mais cépticos ou os que menos conhecem esta matéria, ninguém poderá com justiça dizer que de 1985 até agora tudo ficou exactamente na mesma. Essa é uma injustiça que se faz até aos próprios bombeiros, que têm vindo a reclamar melhores condições de trabalho e melhores meios de combate aos incêndios e que os vão tendo à sua disposição. O próprio ratio que existe entre o número de fogos e a área ardida é substancialmente menor, o que poderemos confirmar pela comparação dos dados que existem com os de 1985.
O Sr. António Campos (PS): - Não é nada disso!
O Orador: - É, Sr. Deputado. O Sr. Deputado não leu o relatório elaborado pelo Serviço Nacional de Bombeiros, mas posso ajudar a fazê-lo.
É bem verdade que todos comungamos de uma preocupação: não é a combater os incêndios que eles vão apagar-se. Não tenho qualquer dúvida sobre isto. Sempre disse - passo a vida a dizê-lo - que os fogos não se combatem no Verão mas, sim, no Inverno. Permita-me que reclame para mim essa frase, proferida há muitos anos nesta Casa.
Não podemos é dizer que tudo o que foi feito não valeu de nada só porque, afinal de contas, os meios postos à disposição dos bombeiros ainda não conseguiram contrabalançar os efeitos. Há efectivamente melhores meios e mais medidas implementadas, os grupos das CEF aumentaram, os meios aéreos já não são os mesmos...
Sr. António Campos (PS): - E a área ardida aumentou!
O Orador: - Se formos atentar nesse aspecto, Sr. Deputado, também se diria, então, que não valeria a pena estarmos aqui, aquando da discussão do Orçamento do Estado, a pedir mais verbas e melhores meios, porque a floresta vai continuar a arder, independentemente das posições que tomemos.
Não contesto essa posição e nem sequer exijo que reclame para mim os meios que têm sido postos à disposição, o que tem acontecido muito devido às intervenções que eu próprio aqui tenho produzido. O que não posso fazer, muito honestamente, é esconder a realidade - para não utilizar outro termo, o que prefiro não fazer agora.
O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não é por uma questão político-partidária que, ao cabo de todos estes anos que tenho vindo a participar activamente e no terreno em tudo o que se relaciona com os bombeiros, não possa dizer o mesmo. Todos os dias compareço nas reuniões dos órgãos de que faço pane, todos os dias tomo posições, todos os dias decido e todos os dias tenho de actuar onde devemos actuar, que é nas corporações e no terreno onde as coisas acontecem. Não posso hoje dizer que nada mudou.
O Sr. Deputado José Carneiro dos Santos está aqui presente - isto para lhe dar um exemplo - e pode confirmar que ainda há relativamente pouco tempo elogiou, na corporação a que pertenço, todo o trabalho que foi feito, em colaboração com o Governo central e com a autarquia respectiva.
O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Foi público e notório!
O Orador: - E pode também dizer que, após os dois últimos anos, temos mais meios do que aqueles que possuíamos. Tínhamos precisamente o contrário daquilo que hoje temos, sendo certo que isso acontece hoje na minha corporação, assim como em dezenas e dezenas de corporações espalhadas pelo País.
Como é que o Sr. Deputado quer que eu venha aqui dizer que tudo está na mesma e nada mudou? Não posso fazê-lo, Sr. Deputado. Lamento, mas não posso acompanhá-lo nesse raciocínio.
Aplausos do PSD.
O Sr. António Campos (PS): - Peço a palavra para uma intervenção, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado.
O Sr. António Campos (PS): - Sr.ª Presidente, é que a intervenção que pretendo produzir tem directamente a ver com o esclarecimento dado pelo Sr. Deputado Rui Silva...
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, se os Srs. Deputados Lino de Carvalho e Francisco Antunes da Silva, entretanto já inscritos para intervenções, permitirem que V. Ex.ª antecipe a que pretende produzir, a Mesa não verá objecções em lhe conceder a palavra desde já.
Bem, visto que os Srs. Deputados já inscritos não se opõem a que faça agora a sua intervenção, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Campos (PS): - Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à Sr.ª Presidente, bem como aos Srs. Deputados que me permitiram o uso da palavra em antecipação às suas inscrições.
Sr. Deputado Rui Silva, há aqui duas concepções sobre as quais esta Câmara necessita de ficar esclarecida.
Na verdade, é um facto que os meios de combate aos incêndios têm vindo sempre a aumentar-aliás, isso figura, com grande ênfase, no próprio relatório. Porém, isso destina-se a provar que o combate aos fogos florestais nada tem a ver com os meios disponíveis, sendo necessário que, anteriormente, haja uma política de prevenção. De contrário, verificar-se-á aquilo a que chamo o «folclore» do Governo durante o Verão, para o qual se serve até dos próprios bombeiros, não atacando, contudo, a essência do problema!
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - Só assim é que se justifica que a área ardida de floresta aumente, à medida que aumentam os meios disponíveis para os bombeiros! E que - repito - todos nós sabemos que os meios de combate aos incêndios nada têm a ver com os meios de prevenção! E não é possível que um governo gaste 5 milhões de contos no ataque aos fogos, despendendo apenas 300 000 contos na prevenção!
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - É assim óbvio que estas quantias deveriam estar trocadas, isto é, deveria gastar-se os 300 000 contos no ataque e os 5 milhões de contos na prevenção!
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Como referi, o Governo tem feito «folclore» no Verão, política que até agrada a algumas «clientelas». Por exemplo, agrada à «clientela» dos bombeiros voluntários, porque lhe dá mais carros; mais meios.
O Sr. João Silva Maçãs (PSD): - V. Ex.ª é contra os bombeiros?
O Orador: - Porém, tal política não aborda o fundo da questão, ou seja, as medidas de prevenção.
Sr. Deputado Rui Silva, gostaria então que V. Ex.ª, que é bombeiro, explicasse a esta Câmara como é que, apesar do substancial aumento de meios que se tem verificado - concordo com V. Ex.ª nesse aspecto -, as florestas ardem cada vez mais!... Explique-nos isso, se for capaz!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Rui Silva (PRD): - Peço a palavra para pedir esclarecimentos, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Deputado António Campos, apenas lhe pediria que lesse a minha intervenção! É que V. Ex.ª não a ouviu; deve ter estado a falar com alguém e não a ouviu!
O Sr. Deputado só me ouviu dizer que havia melhores meios e nada mais! No entanto, em seis minutos de intervenção, disse exactamente aquilo que o Sr. Deputado acabou de dizer! Nomeadamente, quando referi os meios, terminei desta maneira: «No entanto, nada disto impediu que só em 1990 ardessem cerca de 125 000 ha de florestas, com os fatídicos resultados que todos conhecemos.»
Portanto, Sr. Deputado, nada disse que contrariasse aquilo que V. Ex.ª acabou de referir. Com efeito, comungamos da mesma preocupação e consideramos a vigilância e a prevenção como aquilo que, na realidade, deve ser feito.
Nestes termos, e muito honestamente, como é que V. Ex.ª, de uma intervenção de seis minutos que proferi, só regista o facto de eu ter dito que havia melhores meios-o que, de facto, não posso negar? Aliás, o Sr. Deputado foi o próprio a afirmar que esses meios existem!
Todavia, quando V. Ex.ª me diz que não se combatem os fogos com melhores meios, volto a repetir-lhe que não se combatem os fogos no Verão! Temos de o fazer no Inverno; todos estamos sensibilizados para isso e vamos fazê-lo! Não me peça é para omitir a realidade, Sr. Deputado, pois não o farei!
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Com a discussão do relatório sobre os fogos florestais, aprovado por unanimidade na Comissão, chega ao seu termo o trabalho da Comissão Eventual para a análise e reflexão da problemática dos incêndios em Portugal.
Dinamizado a partir de um relatório que o Grupo Parlamentar do PCP apresentou, durante o Verão passado,
após visitas que efectuámos a zonas atingidas por violentos incêndios, e que deu lugar a uma deliberação aprovada pela Comissão Permanente da Assembleia da República, o trabalho realizado pela Comissão e o relatório que agora debatemos merecem-nos três sublinhados: o meritório trabalho feito pela Comissão; o espírito de cooperação e diálogo que se estabeleceu entre os seus membros; as conclusões a que se chegou, traduzidas no relatório ora em discussão.
Pela nossa parte, PCP, reconhecemo-nos neste relatório, tanto no que se refere ao diagnóstico, como nas recomendações que são feitas ao Governo.
Importa, contudo, que o relatório tenha consequências e que não sirva, unicamente, para ilustrar as estatísticas do Sr. Primeiro-Ministro quanto ao trabalho efectuado pela Assembleia da República.
Neste aspecto, o nosso cepticismo é grande. Temos razões para esse cepticismo, a avaliar pelo que já aí vai em matéria de incêndios na floresta. De facto, ainda estamos em Junho e já arderam mais de 8000 ha de floresta e mato.
Porque a Primavera foi mais quente do que é habitual - dirá o Governo! Mas isso é uma das variáveis do problema que existe no nosso clima e que tem de ser permanentemente equacionado no quadro de uma política de prevenção. E a verdade é que ao longo de um ano, desde o Verão passado, o Governo e o PSD praticamente nada fizeram nesta matéria para além de declarações de intenções e somente quando já se avizinhava o início da chamada «época dos fogos».
O Sr. Ministro da Administração Interna anunciava, em Abril, que o Governo iria dar este ano prioridade à prevenção dos incêndios. Mas a verdade é que a realidade desmente o Ministro!
Escorando-se na sua postura ultra liberal e a pretexto da minimização do papel do Estado - o que significa pôr o Estado ao serviço dos grandes interesses florestais privados -, o Governo e o PSD ainda não apresentaram (e vai para 12 anos que o PSD é governo) um programa de ordenamento dos espaços florestais baseado na floresta de uso múltiplo (como preconiza o relatório!) e que constitui a primeira condição de base para uma séria política de valorização da floresta e de prevenção contra os incêndios.
Não se deram passos significativos na rearborização de áreas da zona do pinhal, que sofrem já a erosão resultante de sucessivos fogos.
Recentes estudos sobre a situação da floresta revelam números preocupantes: nos últimos 10 anos teriam desaparecido, por completo, cerca de 100 000 ha de pinhal em consequência dos fogos florestais, o que constitui um altíssimo prejuízo para o País.
O Governo não promoveu a multiplicação da rede de caminhos necessária a melhorar as condições de acesso à floresta!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não foram tomadas medidas sérias para, através de um programa de apoio à limpeza equilibrada dos maciços florestais e de aproveitamento dos matos e lenhas secas, reduzir os elevados níveis de combustibilidade existentes.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Foi anunciado o aumento dos postos de vigia - é positivo. Mas é inaceitável que o seu arranque
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e a vigilância estejam dependentes do fim das aulas, dado que o recrutamento é feito entre os estudantes em férias (sem preparação adequada) e o ano lectivo ainda não terminou. E é feito entre os estudantes - o que até se poderia traduzir numa medida com efeitos pedagógicos positivos se tivessem preparação e fossem acompanhados por pessoal adequado -, porque as magras verbas orçamentadas não dão para pagar a pessoal especializado.
Como reconhece o próprio Ministro, as comissões especializadas de fogos florestais tem menos dinheiro que no ano passado e continuam a não ser dotadas de um mínimo de meios mecânicos próprios que lhes permitam intervir com eficácia nos fogos.
É gritante a ausência de meios financeiros e a demora no apoio às vítimas de incêndios. Só este ano, em Maio, começaram a ser pagas indemnizações a proprietários e populações vítimas de incêndios no ano passado!
Por outro lado, os pequenos proprietários vítimas de incêndios continuam a estar nas mãos dos especuladores abutres, porque não há um verdadeiro programa de organização da produção florestal e de promoção das associações de produtores, continuando por criar ou por ser estimulada a criação de parques de recepção do material lenhoso ardido, com condições de corte, transporte e pagamento, tal como preconiza o relatório e é proposto, inclusivamente, no plano sectorial relativo à melhoria da transformação e comercialização do material lenhoso, recentemente elaborado pela Direcção-Geral das Florestas e pela Direcção-Geral dos Mercados Agrícolas e da Indústria Agro-Alimentar.
Continua a não haver uma coordenação eficaz entre as diversas entidades que intervêm nesta área. E mesmo no que se refere aos meios de combate, tarda a criação de corpos especializados na luta contra os fogos na floresta.
O novo Programa de Acção Florestal (PAF-II) poderia ter constituído uma oportunidade para a mobilização de recursos comunitários, com vista à rearborização das áreas ardidas. Mas p facto de se continuar a impor uma área florestal superior a 5 há - completamente desadequada às estruturas das explorações florestais do País - para os produtores poderem ter acesso às ajudas, afasta mais de 80 % das explorações com área florestal!
Entretanto, só em Abril deste ano saiu a regulamentação que permite pôr em prática o novo regulamento n.º 797 florestal, quando esta nova linha de ajuda aos investimentos florestais deveria ler sido introduzido logo no 1.º ano de adesão à Comunidade!
A verdade, Srs. Deputados, é que, infelizmente, nos continuamos a defrontar com uma política casuística que, não definindo uma estratégia florestal integrada de longo prazo, não permite uma intervenção eficaz contra um dos principais inimigos da floresta: os fogos e os interesses económicos que se perfilam por detrás dos incêndios. Aliás, foi o próprio director dos Serviços de Produção Florestal da Direcção-Geral de Florestas que, ainda há poucos dias, afirmou, publicamente, que Portugal não possui capacidade e não se encontra organizado para resolver o problema dos fogos florestais.
Nos últimos 10 anos arderam mais de 850 000 ha da floresta portuguesa! O ano de 1990 foi o segundo maior ano de sempre, com cerca de 130 000 ha! Porém, os serviços oficiais já alertam que este ano pode ser pior!
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A protecção da floresta portuguesa contra os incêndios poderia proporcionar e exigiria um vasto consenso e convergência nacional, com vista à defesa deste importante património social, ambiental e económico.
Pela nossa parte, PCP, avançámos, ao longo desta legislatura, com propostas concretas, apresentando, entre outras iniciativas, um programa de emergência para a defesa da floresta portuguesa, um programa de rearborização para as áreas ardidas e ainda uma lei quadro de áreas protegidas, bem como um projecto de lei de educação ambiental.
A lei quadro de áreas protegidas foi aprovada na generalidade, mas jaz na comissão por recusa do PSD em promover a sua discussão na especialidade e a trazer a este Plenário...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É inadmissível!
O Orador: - Quanto aos primeiros dois programas que apresentámos, aos mesmos foi dito «não». Porém, também aqui, nem o PSD nem o Governo avançaram com qualquer proposta alternativa! Com efeito, teceram loas à sua obra e agora, quando os fogos já percorrem as nossas florestas, é que se promovem reuniões, se acusa o clima, se fazem declarações de intenções e se apontam algumas medidas avulsas, as quais deveriam, mesmo assim, ter sido, no mínimo, preparadas no Inverno passado!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Lá mais para o Verão, veremos ministros de helicóptero a derramar «lágrimas de crocodilo)» e a falar das mesmas medidas que anunciaram o ano passado!...
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - Fazemos votos para que um complexo de circunstâncias contribuam para limitar os fogos florestais no próximo Verão. Esperamos que o Governo tome em consideração o significativo relatório que estamos hoje a debater. Mas não podemos deixar de acusar o PSD e o Governo de terem sido, ao longo destes anos, de uma completa inoperância e ineficácia na prevenção e combate aos fogos florestais!
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não podemos deixar de acusar o PSD e o Governo de prosseguirem uma política que provoca o abandono de terras, que incentiva a desertificação humana das zonas serranas de que as constantes tentativas de alteração da Lei dos Baldios, de novo declarada inconstitucional, são exemplo-e de promover uma política que desenvolve, de forma anárquica e incontrolada, a floresta industrial de crescimento rápido e de não avançar com uma política integrada de desenvolvimento rural!
Pela nossa parte, assumimos, desde já, um compromisso: o de apresentar, na próxima legislatura, um programa de ordenamento florestal para o País.
Aplausos do PCP e do deputado independente Jorge Lemos.
A Sr.ª Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Não se trata propriamente de um pedido de esclarecimento. Com efeito, solicitei a palavra para aproveitando uma das afirmações aqui feitas, o Sr. Deputado Lino de Carvalho me ajudar.
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É que, há dias, rebati uma afirmação feita num programa de televisão por um alto responsável de uma corporação de bombeiros da região Centro que afirmou, perante o País, que de Abril até agora tinham ardido mais de 50 000 ha de floresta.
O que é facto é que, como se viu, isso é mentira. No entanto, tendo rebatido essa afirmação, esse senhor disse-me que eu era ignorante e que não conhecia a realidade da situação dos fogos.
Por conseguinte, ainda bem que o V. Ex.ª, Sr. Deputado Lino de Carvalho, trouxe aqui, há pouco, a verdade dos factos. Com efeito, embora seja muito, admitimos que o é, V. Ex.ª referiu-se a 8000 e, de facto, são pouco mais do que 7000 ha.
Essa é que é, portanto, a verdade. Assim, aproveito esta ocasião para que o país real possa saber que, afinal de contas, eu estava certo, tendo V. Ex.ª vindo agora confirmar que 50 000 ha...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não foi comigo o debate!...
O Orador: - Não, não foi. Foi um debate televisivo, com uma audiência bastante grande, tendo quase l milhão de pessoas ficado a pensar que, de Abril até agora, tinham ardido em Portugal 50 000 ha de floresta, tal foi a ênfase com que esse senhor o disse!...
Portanto, ainda bem que V. Ex.ª confirma que não foram 50 000, mas 7000 ha que arderam. Aliás, foi pena não lerem sido apenas 7 ha, pois todos teríamos a lucrar com isso.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Compreendo que o Sr. Deputado Rui Silva aproveite o debate parlamentar para, perante o País, reafirmar a sua afirmação no debate televisivo a que aludiu.
De qualquer modo, Sr. Deputado, é com base nos números de que disponho que afirmo o que afirmo. Não sei quem é que tem razão nessa polémica televisiva, mas o facto é que os números de que disponho apontam para que, até este momento, tenham ardido já cerca de 8000 ha, o que só por si é grave! É que no ano passado, até esta data, tinham ardido somente 1642 ha! Por conseguinte, já são oito vezes mais!
Poderá dizer-se que tivemos, este ano, uma Primavera mais quente - isso é possível. No entanto, também é justo que se diga que, sendo as variações climáticas uma constante do nosso país, era necessário que, ao longo deste ano, tivessem sido tomadas medidas - não só de combate, mas também de prevenção - que evitassem este início de ano com tantos fogos.
Aproveito ainda para rectificar um aspecto referido há pouco pelo Sr. Deputado Rui Silva, aquando da polémica que manteve com o Sr. Deputado António Campos. É que o Sr. Deputado Rui Silva linha referido que, nos últimos anos, o número médio de fogos por área ardida tinha baixado.
Não é verdade, Sr. Deputado. De facto, baixou em determinado período, mas desde 1987 que está a crescer. Realmente, em 1987, a área ardida por incêndio foi de 4 ha, em 1989 foi de 6,2 ha, no ano passado foi de 7,2 ha e, por este andar, irá aumentar este ano.
Estamos seriamente preocupados. Pensamos que, ao longo deste ano, a Assembleia da República se debruçou, como porventura não se tinha debruçado antes, sobre a problemática dos fogos florestais em Portugal e estiveram em cima da mesa propostas sérias que poderiam ter traduzido um contributo válido para se avançar na política de prevenção.
E verdade que este relatório foi aprovado por unanimidade - é positivo que assim tenha sucedido. Porém, também é verdade que o PSD impediu a passagem dos projectos de lei que aqui apresentámos e que poderiam, em nossa opinião, ler constituído - como, aliás, alguns deputados admitiram em conversa individual - importantes progressos para aquilo que é necessário fazer: uma séria política de prevenção.
É importante que se combatam os fogos. Todavia, não podemos, todos os anos, estar a gastar milhões e milhões de contos no combate aos incêndios, a repetir sempre a mesma cena e não atacar naquilo que é fundamental, isto é, no ordenamento da floresta e na prevenção contra os fogos florestais! Aí é que está a raiz do problema; aí é que se deveria ler atacado!
O que é facto é que, ao longo de 12 anos, o PSD teve capacidade, condições e tempo para o fazer. Verificamos, no entanto, que chegamos ao fim desta legislatura, ao fim do governo do PSD - esperemos que não se repita...-, e isso está por fazer! É essa a grande acusação que, nesta matéria, se faz ao PSD!
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva.
O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vem de novo à discussão desta Assembleia a questão dos fogos florestais.
Desta vez, não por iniciativa de qualquer dos Srs. Deputados mas na sequência do relatório elaborado pela Comissão Eventual para análise e reflexão da problemática dos incêndios em Portugal, constituída há cerca de um ano, por resolução desta Assembleia da República.
Esta Comissão produziu um documento que, muito embora não possa ser considerado completo e exaustivo, aborda os aspectos tidos como mais relevantes na matéria, salientando, de forma clara, a importância da floresta, a necessidade da sua preservação e as graves consequências dos, fogos florestais.
É-me particularmente grato salientar a maneira como decorreram os trabalhos da Comissão, a forma como os diferentes elementos encararam as questões que se prendem com esta problemática.
Com efeito, e de uma maneira geral, os membros desta Comissão Eventual souberam compreender o que os fogos florestais representam para o País e para a própria comunidade e souberam ainda conferir-lhe um sentido nacional, onde as preocupações e os objectivos são comuns.
Foi assim possível produzir um documento que mereceu o consenso de todos os elementos da Comissão, o que é, em nossa opinião, de realçar.
O flagelo dos incêndios florestais constituiu para os elementos da Comissão, e deve sê-lo para a sociedade em geral, uma preocupação permanente comummente sentida.
Do mesmo modo, a sua erradicação, ou pelo menos uma significativa redução, surge como objectivo por todos reclamado.
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Daí que não se entendam facilmente algumas divergências determinadas por razões político-partidárias e, muito menos, diferentes posturas, consoante o momento e o local onde se aborda este assunto.
Esta referência não significa, nem pode significar, que não possam ou não devam discutir-se os meios, o sentido e a intensidade das acções desenvolvidas e a desenvolver, sem perder de vista os objectivos e preocupações enunciados.
Em nossa opinião, este assunto não deve ser eleito como objecto privilegiado, ou não, de lutas partidárias susceptíveis de se propagar no seio das instituições que têm como missão a prevenção e combate deste flagelo.
Discussão sim, mas com a objectividade e a responsabilidade que o significado e complexidade deste assunto exigem.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O relatório agora apresentado enumera um largo conjunto de acções, levadas a efeito nos últimos anos, a nível dos poderes públicos e da sociedade civil e contém um vasto lote de recomendações em vários domínios, particularmente relacionado com a área da prevenção.
As acções recomendadas têm diferente âmbito de incidência, sendo igualmente diferentes a dificuldade da sua execução e o grau de intervenção do poder central, consideradas isoladamente cada uma dessas acções.
Isto significa, desde logo, a existência de uma pluralidade de entidades intervenientes e implica a necessidade de coordenação e de conjugação de esforços, sem o que dificilmente se alcançarão os objectivos pretendidos. Aliás, o relatório em análise não deixa de evidenciar esses factos.
Várias dessas recomendações foram, entretanto, concretizadas e algumas delas foram-no mesmo antes da finalização do relatório, o que pode significar convergência de posições, relativamente a estas matérias.
E inegável a atenção que o Governo tem dispensado a este problema, no campo legislativo e no reforço dos meios afectados a esta área de acção, sendo igualmente de salientar a correspondência da sociedade, designadamente através das suas corporações de bombeiros.
É, porém, indispensável reconhecer que os resultados obtidos não são ainda os desejados, porquanto o número de incêndios e a área ardida são extremamente elevados. Mas também é certo que ninguém tem a veleidade de afirmar que o muito que já foi feito constitui sobra acabada».
Às medidas adoptadas outras terão de se seguir, cujos resultados dependem em muito da capacidade de coordenação e de conjugação de esforços, como já se salientou.
Nesta, como noutras matérias, ninguém, confiante num paternalismo fácil, deve assumir uma posição de indiferença ou uma postura cómoda de entrega à acção dos poderes públicos, que, só por si, são incapazes de dar resposta a tão preocupante questão.
Aos poderes públicos são, é certo, exigidas acções prontas e eficazes, que só a si cabem, mas a todos e a cada um dos Portugueses são exigíveis uma consciência deste problema e um comportamento activo e interveniente na prevenção e combate aos fogos florestais. Porque proprietários da floresta são alguns, beneficiários dela somos todos nós.
Aplausos do PSD.
Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva, tive alguma dificuldade em compreender o esforço que fez para produzir uma intervenção inócua, concordando simultaneamente com as conclusões do relatório e com a acção do Governo. Apesar de reconhecer o seu esforço nessa matéria, penso, no entanto, que a acção do Governo não é conciliável com as pretensões do relatório.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, e porque a maioria das discussões com o Governo sobre este assunto tiveram lugar antes do debate sobre o Orçamento, fiquei esclarecido quando constatei que o Governo tinha reduzido as verbas para a prevenção.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Assim sendo, Sr. Deputado, e tendo V. Ex.ª votado este relatório, como é que vai conciliar o que está aqui escrito com a incapacidade demonstrada pelo governo em actuar em matéria de prevenção?
Está provado que, quanto mais meios existem, mais hectares têm ardido, e o que estamos a discutir é a prevenção.
Gostaria, pois, que nos explicasse como é que vai conciliar a sua função de membro da comissão e de ter votado este relatório, com o facto de ter pela frente um governo que é um dos mais incapazes que alguma vez passou pelo Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, já que, nesta matéria, não tem nem uma política florestal nem uma política de prevenção.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, em tempo cedido pelo PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva, um dos problemas fundamentais que se coloca nesta matéria é o das áreas protegidas.
Como sabe, em Portugal, há cerca de 600 000 ha de áreas protegidas, mas, infelizmente, nos últimos anos, os incêndios florestais têm-nas atingido, de uma forma brutal. Só nos dois últimos anos, o Parque Natural da Serra da Estrela ardeu em cerca de 20 % da sua área; no Parque Nacional da Peneda-Gerês, o problema dos incêndios tem sido um flagelo e, aqui mesmo ao lado, na serra de Sintra, só este ano, já ardeu quase a mesma área que no ano passado, e o Verão ainda não começou.
A Assembleia da República, no dia 21 de Março, aprovou aqui, por unanimidade, dois projectos de lei quadro das áreas protegidas, apresentados pelo PCP e pelo PS. Era de prever que esses dois projectos de lei tivessem sido debatidos, na especialidade, e que o Governo, inclusivamente, se tivesse associado, apresentando uma proposta de lei. Aliás, o PSD referia no seu programa de governo, que iria aprovar uma lei quadro das áreas protegidas.
O que é certo é que, até hoje, isso não aconteceu e esta sessão legislativa vai terminar sem que haja qualquer lei quadro das áreas protegidas aprovada na especialidade e
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em votação final global - o que me foi confirmado, há pouco, pelo presidente da Subcomissão do Ambiente, Sr. Deputado Mário Maciel. Ou seja, esta legislatura vai chegar ao fim sem que exista uma lei quadro das áreas protegidas.
Sr. Deputado, não é da opinião que isto é, de facto, um factor para que os incêndios continuem nas áreas protegidas?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva.
O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Agradeço-lhes, Sr. Deputado António Campos e Sr.ª Deputada lida Figueiredo, pelas questões que me colocaram, que não me surpreenderam, relativamente àquilo que pretendem saber.
Surpreendeu-me, isso sim, que o Sr. Deputado António Campos tenha dito que tive dificuldade em fazer a minha intervenção. Ora, não tive dificuldade alguma em fazê-la nem em conciliar a posição que sempre defendi no seio da Comissão - a que, e muito bem, V. Ex.ª presidiu - com a acção do Governo. E isto por esta razão muito simples: subscrevi inteiramente as conclusões a que chegámos no relatório, não só porque acredito que elas são sérias e objectivas, mas porque também acredito que o Governo irá desenvolver acções que corresponderão, em grande parte - se não na totalidade -, as acções que foram recomendadas.
Daí ser possível, sem nenhuma dificuldade, esta conciliação de posições, repito, de membro de corpo inteiro da Comissão a que presidiu e de apoiante deste Governo.
O Sr. António Campos (PS): - Ainda tem esperança?!...
O Orador: - Tenho esperança, sim! Mal de nós, se não a tivéssemos! E não vale a pena estarmos aqui a repelir toda uma discussão que mantivemos ao longo de meses, porque iríamos necessariamente chegar à conclusão que estamos de acordo.
Tenho consciência de que este lote tão vasto de acções não pode ser realizado no período de tempo que todos desejaríamos. Penso que, com isto, lhe respondi à questão da possível conciliação desses dois aspectos que referi.
Referiu-se, depois, Sr. Deputado, ao problema do Orçamento, o que nos conduziria a uma discussão que já foi sustentada a seu tempo. Só que, quando se gerem verbas insuficientes e limitadas, há que fazer opções, e não lenho dúvidas nenhumas em afirmar que este é um campo de opção, e que o Governo privilegiou possivelmente outros sectores, como o da saúde, o da educação, e outros.
Relativamente àquilo que a Sr.ª Deputada lida Figueiredo disse, compreendo perfeitamente a questão que colocou e devo dizer-lhe que, em minha opinião, as catástrofes e os flagelos que têm acontecido, particularmente nas áreas protegidas, e os exemplos infelizes que temos, resultaram de um aspecto que tenho salientado e que voltei a salientar na minha intervenção: em primeira linha, a falta de coordenação de todas as entidades intervenientes, acrescida, neste caso das áreas protegidas, ...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - O que aqui propôs prevê isso!
O Orador: - Dizia eu que, no caso das áreas protegidas, este problema surge acrescido até pelo facto de estas áreas terem administrações próprias, o que toma ainda mais
difícil esta conciliação, esta convergência e esta articulação com outras entidades. Nisso estamos inteiramente de acordo.
Acredito, para responder aos dois Srs. Deputados em simultâneo, naquilo que o Governo já fez, está a fazer e vai fazer.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, damos por concluída a apreciação do relatório da Comissão Eventual de Inquérito para análise e reflexão da problemática dos incêndios em Portugal.
De seguida, vamos apreciar o relatório da Comissão Eventual de Inquérito com vista a averiguar os actos administrativos na área do Ministério da Saúde.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue de Matos.
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cai hoje o pano sobre o inquérito parlamentar a actos administrativos na área do Ministério da Saúde, aprovado pela Resolução n.8 12/89, de 14 de Maio, desta Assembleia.
Recorde-se que a Comissão Eventual então constituída visava averiguar da necessidade social, isenção, legalidade e resultados em custos e benefícios obtidos ou esperados com os processos relativos a um universo de situações sobre as quais se suscitaram dúvidas e interrogações a que esta Casa não podia ficar indiferente.
Hospital de São Francisco Xavier, como prato suculento, adornado pelo Centro das Taipas, Hospital de Fafe, adjudicações dos Hospitais de Almada, Matosinhos e Amadora/Sintra, sem esquecer o processo de informatização das administrações regionais de saúde e o acordo do Ministério da Saúde com a Associação Nacional de Farmácias, a que acrescem os anteprojectos de urbanização dos terrenos onde estão implantados os Hospitais de Júlio de Matos e de Curry Cabral, as obras de adaptação do Departamento de Gestão Financeira do Ministério da Saúde e ainda os trabalhos no Centro de Medicina Física e de Reabilitação do Alcoitão, foram as matérias que a Comissão, num período de tempo nove vezes superior ao que lhe havia sido concedido, mais e melhor aprofundou.
Fê-lo, desde sempre, no conhecimento de que, em outras sedes, decorriam em paralelo aturadas e morosas investigações, em parte sobre as mesmas matérias, e, como tal, que a prudência e o bom senso aconselhavam a não converter o inquérito parlamentar no «pai de todos os inquéritos», correndo o risco, mais que certo, de formular juízos que não sendo nossos até poderíamos vir a ler dificuldades em sustentar. Acresce que os processos a que fiz referência se encontram, infelizmente, longe de estar concluídos, com todas as consequências resultantes deste facto.
Mais, os inquéritos parlamentares destinam-se essencialmente a proceder a uma avaliação política das situações a averiguar e, como tal, mal se compreende que as suas conclusões não expressem o sentido da maioria dos seus membros. Pior, os que, depois dos profusos elogios que no decurso dos trabalhos da Comissão dirigiram ao PSD pela forma aberta e dialogante como se posicionou neste processo, o acusaram, depois da audiência de 52 depoentes, a que correspondem mais de 8300 páginas de actas e da recepção de 11 200 folhas de documentação vária, num total superior a 165 horas de trabalho, de prepotência e
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abuso de poder, por entender que a Comissão caiava já em condições de concluir os seus trabalhos, esqueceram-se, por certo, que, se nós tivéssemos alinhado no seu jogo, não estaríamos hoje aqui a discutir as conclusões do trabalho desenvolvido e o inquérito morreria de gordo no fim da legislatura, aumentando a prateleira dos pendentes definitivos de que a história parlamentar é fértil.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - E que dizer dos mesmos que, então imbuídos de um espírito bacteriologicamente puro, aparecem a defender a causa, pretensamente nobre, de que os deputados das comissões de inquérito só representam o seu bilhete de identidade quando suo eles próprios os primeiros a impedir que, por via de alterações das leis eleitorais, o deputado tenha uma legitimidade própria para além da que resulta de figurar numa lista partidária que o acolhe.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, falemos claro: as conclusões que temos para apreciar suo o resultado possível nas circunstâncias e com os condicionalismos próprios da vida parlamentar. Não esperem que parta de nós a crítica ao trabalho parlamentar, dando razões aos que pensam que o Parlamento, no sistema democrático, é um adorno de interesse discutível.
Foi nessa trincheira que se colocaram todos os que, se calhar, à falta de melhores e mais convincentes argumentos, procuraram instrumentalizar esta Comissão de Inquérito, desvirtuando os seus propósitos, fugindo à luta política definida por regras que também aprovaram, jogando persistentemente o jogo ilegítimo das fugas de informação habilidosamente promovidas e indo de boleia em «factos» que, não sendo seus. espantosamente subscreviam sem dúvidas nem reservas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas, para a história, não é isto o que conta. O que conta é apreciar a relatório elaborado, dizer o que nele é verdadeiro ou falso, o que traduz uma conclusão legítima ou impossível, o que desvirtua os depoimentos ouvidos ou a documentação consultada. É esta a apreciação que importa e que todos, aqui dentro ou lá fora, vão poder fazer, porque o PSD decidiu publicitar a totalidade dos documentos em posse da Comissão. O resto, Srs. Deputados, tem nome que as praxes parlamentares me impedem de classificar.
Da mesma forma que se afirma, por exemplo, que a aquisição do material informático para o Hospital de Suo Francisco Xavier e a adjudicação das campanhas de informação pública sobre a existência desta nova unidade de saúde enformam de irregularidades, haverá alguém que duvide do facto de o Hospital em causa traduzir uma correcta decisão política, da sua abertura se ter processado em tempo record e, como tal, ter sido acessibilizado a populações extraordinariamente carenciadas uma nova unidade de saúde de excelente qualidade?
E há alguém que, embora afirmando que no processo de aquisição do edifico do hospital houve pagamentos sem visto prévio do Tribunal de Contas, se arrisque a dizer que tal facto traduz uma intenção deliberada de esconder o que quer que seja? Ou que a aquisição, pelo Estado, de um bem, que no caso presente é manifestamente único, deveria ser precedida de concurso público, o que acarretaria como consequência que ou por o proprietário não estar interessado em vender não venderia, ou venderia por um preço superior?
Existirá alguém que discorde que o SUCH, como pessoa colectiva de direito privado, não estando portanto sujeito às regras da contabilidade pública, foi desde sempre utilizado como entidade pagadora do Ministério da Saúde e que o aumento da frequência com que estas situações se verificaram num passado recente só se ficou a dever à decisão do X Governo Constitucional de transferir a tutela da Direcção-Geral das Construções Hospitalares do Ministério das Obras Públicas para o Ministério da Saúde, ou seja, deste último passar a dispor de avultadas verbas para gastar?
E alguém duvida que o Centro das Taipas, mesmo sofrendo no decurso do processo de instalação de um certo descontrolo nas obras e nas aquisições de equipamentos, provavelmente por recíproca atribuição de responsabilidades entre a Administração Regional de Saúde de Lisboa e o grupo de trabalho institucionalizado por despacho ministerial, constitui uma unidade de saúde modelar, numa área de manifesta carência social e que a sua existência só peca por ser escassa face à preocupante explosão da procura no domínio da toxicodependência?
Será crível remodelar, entre 29 de Junho e 15 de Agosto, o serviço de urgência do Hospital de Fafe que, dado o estado de degradação em que se encontrava, terá levado o director-geral dos Hospitais a ter de, entre o rigoroso cumprimento do preceituado na lei e a satisfação de carências que prefiguravam um autêntico estado de necessidade, escolher o segundo em detrimento do primeiro?
Será ainda hoje discutível que o Estado contrate com uma entidade privada a prestação de serviços que, a serem prestados directamente, o seriam por preço muito superior e só muito posteriormente passíveis de concretização? E será ilegítimo que essa entidade - no caso a Santa Casa da Misericórdia do Porto-, para suprir a dificuldade na gestão da sua nova unidade de saúde, contrate livremente, sem pressões, os serviços de uma empressa privada especializada só porque esta é dirigida pelo ex-chefe de gabinete da então titular da pasta da saúde?
E quando um membro do Governo decide, com o intuito de acelerar decisões, institucionalizar uma comissão para análise de propostas de criação de novos hospitais e centros de saúde de composição alargada e constituída pelas personalidades que nas várias direcções-gerais envolvidas já anteriormente emitiam parecer sobre os mesmos processos, não se estará perante um acto de boa gestão e uma decisão política acertada?
Se o exemplo for o de um governante que entende que o risco para o Estado, ao adjudicar dois hospitais à empresa melhor classificada nos respectivos concursos públicos internacionais - em montante superior a 50 % do volume global de facturação dessa mesma empresa nesse ano, a qual, provavelmente por carência de recursos humanos disponíveis, terá apresentado a mesma equipa para obras que distam 300 km uma da outra-, é enorme e que, portanto, se justificava dividir pelas duas empresas melhor classificadas, por despacho fundamentado, as duas empreitadas, não se estará face a uma decisão que tem tanto de acertado como de corajoso?
E se falarmos no processo de implementação de um sistema nacional de controlo de facturas amplamente descentralizado e que contribui para diminuir especta-
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cularmente a comparticipação do Estado no custo dos medicamentos, a qual tinha atingido, em 1987, 60 % dos orçamentos das ARS e 30% do orçamento do Sistema Nacional de Saúde ou, ainda, do acordo estabelecido entre o Estado e a Associação Nacional de Farmácias, que veio a definir - à semelhança do que já sucedia com muitas outras instituições públicas e privadas - as condições nas quais as farmácias passaram a conceder crédito ao Estado, estar-se-á perante factos discutíveis em termos da satisfação de interesses públicos essenciais?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes são alguns dos muitos exemplos que o relatório em apreciação enuncia. O tempo disponível impede-nos de ir mais longe e a vontade que o mesmo seja profusamente apreciado e contraditado com os elementos de que a Comissão Eventual de Inquérito aos actos administrativos na área do Ministério da Saúde dispôs para a sua elaboração incita-nos a não o fazer. É que já é tempo de acabarmos com a fuga para as generalidades sem substância. O que se impõe é a análise serena dos factos e a sua apreciação crítica. Quem se excluir de uma análise deste tipo exclui-se de um processo que se deseja sério.
Adivinho a dupla crítica de que a Comissão Eventual de Inquérito aos actos administrativos na área do Ministério da Saúde não apurou mais factos susceptíveis de responsabilizar os governantes porque o PSD impediu que os trabalhos prosseguissem e que a urgência nalgumas situações tudo desculpa.
Vamos por partes. Em relação ao primeiro aspecto, e para além do que ficou dito, o argumento não colhe, pois o momento em que se entendeu dar por terminados os trabalhos da Comissão Eventual de Inquérito aos actos administrativos na área do Ministério da Saúde correspondeu já a uma fase de esvaziamento da mesma e coincidiu com o término das investigações da Procuradoria--Geral da República.
Assim, o que o PSD quis impedir foi que esta Assembleia assumisse, simultaneamente, o papel de continuador e fiscal das conclusões a que a Procuradoria chegou e que, como se sabe, está longe de ser o fim do processo.
O segundo aspecto é mais uma das pretensas verdades de que a longa história deste «romance» está cheio. É que a Comissão Eventual de Inquérito aos actos administrativos na área do Ministério da Saúde apurou irregularidades e assumiu que a responsabilidade destas podem e devem ser sempre assacadas aos responsáveis políticos, até porque é a estes que compete alterar as regras, por forma a fazer obra sem necessidade de recurso a determinados métodos.
E aqui - há que confessá-lo- há uma enorme reforma a implementar que compatibilize o andar legal com o andar depressa, a imparcialidade e a isenção do Estado com a defesa dos dinheiros dos contribuintes, em suma, deixar fazer quem para tal tiver capacidade e competência, não permitindo que estas sejam asfixiadas por preceitos que, nalguns casos, a experiência já demonstrou defenderem menos do que se diz e protegerem menos do que seria desejável.
Contudo, e como o relatório refere, o sentido que a responsabilidade de que falávamos deve assumir não pode ser avaliado desligado do objectivo que norteou a tomada de decisão, do seu resultado final e da seriedade que presidiu à actuação.
Ora, em todos os casos apreciados, o objectivo foi sempre a prossecução do interesse público, o resultado final traduziu-se numa melhoria inquestionável dos cuidados de saúde disponibilizados aos utentes e a seriedade da então
Ministra da Saúde é intocável. E este último aspecto foi, desde sempre, o «sal e pimenta» deste inquérito que termina assim, para alguns, bem insosso.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não adianta mascarar a verdade! A desproporção entre o que se disse e o que se apurou é abissal. A diferença que vai do que se insinuou ao que se provou é enorme. A deputada Leonor Beleza foi alvo de parcialidades grotescas e afrontas mais ou menos vergonhosas. A consciência de quem sempre a teve tranquila não necessita de reparo, mas estes últimos dois anos e meio são razões mais do que suficientes para, interpretando o sentimento da maioria dos presentes, lhe dizer, com satisfação, que continuamos a contar com ela.
Aplausos do PSD.
A verdade é que a opinião pública nem sempre coincide com a opinião que se publica e, como é sabido, a primeira escolhe livremente as suas vítimas, mas também escolhe livremente os seus ídolos.
Aplausos do PSD.
O Sr Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Jorge Catarino e João Amaral. Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Catarino.
O Sr. Jorge Catarino (PS): - Sr. Deputado Nuno Delerue de Matos, sem prejuízo das questões que, durante a intervenção que vou fazer, lhe irei colocar, seria interessante que, desde já, conseguisse explicar ao Plenário por que é que a Comissão Eventual de Inquérito, de maioria PSD, modificou, abruptamente, aquilo que estava consensualmente aprovado e votado na mesma Comissão de Inquérito, que seria constituir uma comissão de redacção formada por um elemento de cada um dos três partidos intervenientes.
Em segundo lugar, se este processo é tão simples, tão linear e tão branqueado, por que é que o irmão da ex-Ministra da Saúde continua a monte ainda a propósito de questões relacionadas com este inquérito?!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E gostaria, ainda, que me dissesse, Sr. Deputado, porque é que a maioria decidiu não ouvir novamente dois depoentes fundamentais neste caso -a Sr.ª Deputada Leonor Beleza e o Sr. Engenheiro Costa Freire - que, por unanimidade, por consenso, tínhamos concordado ouvir depois de esgotadas as audições programadas.
Finalmente, gostaria que me dissesse por que é que a PA, inquirida sobre este processo, declarou, por escrito, que todas as suas ligações com o Ministério da Saúde eram praticamente inexistentes, porque todo o processo foi conduzido, pessoalmente e à margem da PA, pelo Sr. Engenheiro Costa Freire.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Nuno Delerue de Matos, queria salientar uma frase por si dita no
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início da sua intervenção, pois creio que ela é muito expressiva. O Sr. Deputado informou-nos de que esta tinha sido a conclusão que foi possível VV. Ex.ªs tirarem. Eu direi que isso regista perfeitamente que esta não é nem a conclusão desejável nem a conclusão necessária para este processo,...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: -... registando, também, que ele continua em aberto e que, na vossa própria consciência, VV. Ex.ªs sabem que esta maneira de terminar não serve os interesses da actividade parlamentar, não servindo igualmente os objectivos do inquérito.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não lhe colocarei agora muitas questões, porque vou ter a oportunidade de fazer uma intervenção, mas perguntar-lhe-ia o seguinte: sendo tão rigoroso e picuinhas no enunciado das questões que enumerou, por que é que V. Ex.ª se esqueceu de informar esta Assembleia e, concretamente, de introduzir no relatório um largo leque de omissões propositadas que o relatório contém?
E dou-lhe exemplos: há ou não uma peritagem que envolve o conhecimento de um determinado conjunto de documentos que podem ter sido escritos pela mesma máquina de escrever, sendo certo que isto veio a público?
O Sr. Presidente: - Para responder aos Srs. Deputados Jorge Catarino e João Amaral, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue de Matos.
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Com a autorização do Sr. Presidente, inverteria a ordem dos {actores e aplicava aqui a propriedade comutativa para dizer ao Sr. Deputado João Amaral o seguinte: eu compreendo que a leitura do relatório dá trabalho e compreendo perfeitamente que o Sr. Deputado é uma pessoa com múltiplos afazeres, está em acumulação em vários lados. De qualquer modo, recomendo-lhe vivamente a leitura alenta do relatório porque o facto que referiu está lá expresso, e propositadamente expresso.
O Sr. João Amaral (PCP): - Não está lá!
O Orador: - É isto que importa discutir aqui. O que quero é que o Sr. Deputado me diga, como relator do relatório, o que é que neste relatório é falso! O que é que aí é uma inverdade ou uma conclusão abusiva! Isso 6 que é importante.
O Sr. João Amaral (PCP): - Eu já lhe vou dizer!
O Orador: - Ainda bem que vai dizer, mas espero que seja mais feliz nos exemplos que vai dar do que naqueles que deu até agora e que só pré-anunciam outras falsidades.
O Sr. João Amaral (PCP): - Mas continua a não dizer onde está o que lhe perguntei.
O Orador: - Salvo erro está na p. 37, mas depois referencio-lho pessoalmente.
Relativamente à primeira consideração que fez, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que é evidente que este é o relatório possível. Mas todos os relatórios das comissões de inquérito são os relatórios possíveis. Todos!
Protestos do PCP.
E são os relatórios possíveis em função de um princípio que para nós é muito caro e que é o de não permitir que, à custa de «engordar» o número de audições - o que nos pareceu, a determinada altura, ser a estratégia concertada do PS e do PCP na comissão -, estas conclusões nunca existissem.
Protestos do PS e do PCP.
Essa é que seria uma crítica a que poderíamos estar sujeitos e ainda hoje teríamos com certeza, dos porteiros aos presidentes da comissão instaladora, milhares de pessoas para ouvir. Essa seria, com certeza, a maior e a mais séria crítica que nos poderiam fazer. Felizmente, para nós, a crítica que nos fazem é outra...
Sr. Deputado Jorge Catarino, não é exacto que a Comissão tenha, de uma forma definitiva, decidido que as conclusões eram elaboradas por uma comissão de redacção.
Protestos do PS.
É verdade que isso foi indiciado numa determinada fase do processo, mas também lhe digo o seguinte, Sr. Deputado: não percebo qual é a vossa argumentação relativamente a esta matéria, porque é evidente que, em face da lei que rege as comissões de inquérito, seja o relatório final feito a uma, duas ou a quatro mãos, há-de traduzir sempre a vontade da maioria dos membros que estão na comissão.
Protestos do PS.
Com certeza que sim. Mas não há nenhum motivo de espanto. Se VV. Ex.ªs julgam que, numa democracia, devem ser as minorias a mandar nas maiorias, devo dizer-lhes que nós não temos essa opinião.
Vozes do PS: - Nós já percebemos! É uma questão de consenso!
O Orador: - Não é uma questão de consenso, é uma questão de uma avaliação política que é feita sobre as situações e essa opinião política deve expressar sempre a vontade de uma maioria, que pode ser a vontade da totalidade dos membros-pode ser, mas pode não ser.
Protestos do PS.
E devo dizer ao Sr. Deputado Jorge Catarino que foi manifestamente por descuido da sua parte que V. Ex.ª fez a referencia que fez à PA. Não tenho nada a ver - e penso que nenhum deputado desta Casa tem nada a ver com as relações profissionais que existiam entre o Sr. Engenheiro Costa Freire e a empresa onde ele trabalhava. Esse é um problema que ao respeito à empresa e ao Sr. Engenheiro Costa Freire.
Protestos do PS.
Se a empresa entendeu que o Sr. Engenheiro Costa Freire era a pessoa que conduzia o processo, a única coisa que posso questionar é se o director-geral de uma empresa tem ou não legitimidade para conduzir os processos como entender.
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Esta é, manifestamente, mais uma das pretensas verdades com que os Srs. Deputados, à custa de uma repetição exaustiva, pensam poder fazer crer ser uma verdade. Mas não é!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório do PPD/PSD sobre as irregularidades ocorridas no Ministério da Saúde é uma monumental fraude política.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A forma como o poder absoluto laranja tenta esconder estas suas misérias causa a maior das indignações.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Interrogamo-nos mesmo sobre como é possível atingir um grau tão elevado e refinado de descaramento e despudor políticos que ousem tentar esconder aquilo que Portugal inteiro sabe e que a imprensa já rotulou de sa maior burla depois de Alves dos Reis:
Ministra da Saúde demitida;
Secretário de Estado da Saúde preso;
Irmão da Ministra da Saúde com mandato de captura e neste momento a 'monte' fugido à polícia;
Amigos e sócios presos;
Acusações de crime de burla agravada, corrupção passiva, ilícitos criminais vários, ilegalidades de concursos públicos, etc.;
Procuradoria-Geral da República, Inspecção-Geral de Finanças e Tribunal de Contas a confirmar e consolidar as acusações.»
Escandalosamente o PPD/PSD passa por cima de tudo isto, impõe a sua maioria absoluta, encerra abruptamente a comissão de inquérito e, sozinho, elabora um relatório que é uma farsa política, fazendo crer que tudo foi feito a bem da nação,...
O Sr. Presidente - Sr. Deputado João Rui de Almeida, está a usar uma linguagem um pouco forte.
Protestos do PS.
... com grande sacrifício, competência, lisura, transparência, honestidade e seriedade por parte dos responsáveis do Ministério da Saúde.
Este acto desprestigia a Assembleia da República, desacredita os seus autores e por arrastamento a classe política, ao utilizar a figura institucional de um órgão de soberania - o caso da Assembleia da República -, onde dispõem de uma maioria absoluta, para decidir de acordo com as suas conveniências partidárias, espezinhando a verdade dos factos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E, como um polvo tentacular, responsáveis pelo Ministério da Saúde, familiares, amigos, gestores de empresas, sócios, empresas, todos ligados entre si por uma cadeia de interesses e favores e onde o rosto da culpa
é sempre uma coisa adiada e de contornos imprecisos, todos se aproveitaram de centenas e centenas de milhares de contos do Estado: sem concursos públicos; sem contratos escritos; sem visto prévio do Tribunal de Contas; com documentos viciados; com propostas de empresas, supostamente diferentes, dactilografadas na mesma máquina de escrever; sem controlo do material adquirido; sem controlo de obras efectuadas; com empresa de construção fantasma sem alvará para construir; com documentos originais importantes roubados.
E - oh céus, pasme-se! - a ocorrência de um milagre no Ministério da Saúde com a aparição de um despacho, num documento roubado, em cuja fotocópia (que se encontrava no Ministério) não havia despacho nenhum a dispensar um concurso público que implicava a compra de material na ordem de várias dezenas de milhares de contos!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas há mais! Com proposta de aquisição de material a uma empresa, com data anterior à proposta emitida pela própria empresa contemplada; com factura apresentada em data anterior ao próprio despacho da adjudicação, e com facturas pagas por campanhas publicitárias não realizadas, etc., etc., etc!
Tudo isto, e muito mais, o relatório do PPD/PSD esquece ou desvaloriza.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E habilidosamente acentua a necessidade social de novos estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde, tratando esta matéria como questão central do inquérito, para, assim, fugir ardilosamente à questão central que é a das irregularidades ocorridas no Ministério da Saúde.
Aplausos do PS.
Confrontados, no entanto, com o peso da opinião pública e de tanta e tanta irregularidade, o relatório do PPD/PSD não conseguiu, mesmo assim, ocultar tudo.
Esconder tudo era demais e, assim, lá aparecem dispersos alguns factos, não deixando de confessar que na rubrica «Informatização do Hospital São Francisco Xavier», a p. 28, diz-se: «Ressalta a inobservância de diversos formalismos legais para este tipo de aquisição de bens.»
E mais à frente pode ler-se: «Este facto é tanto mais importante quanto se sabe que a PA simultaneamente assessorava a comissão instaladora na aquisição de bens e serviços e ela própria os fornecia - o que prefigurava um comportamento que a Administração ou não deveria ter permitido ou a suceder devia ser rodeado de todas as cautelas, o que não terá sido o caso ou a ter acontecido não deixou rasto escrito.»
Confessa ainda o relatório do PPD na rubrica «Publicidade para abertura do Hospital São Francisco Xavier» que, a p. 32 diz: «Houve inobservância de procedimentos tendentes a assegurar a regularidade administrativa do processo. A factura da PA é da mesma data da proposta e qualquer delas é posterior ao seu começo efectivo.»
E não deixa de confessar o seguinte: «[...] não há rasto na RTC de um denominado filme institucional que consta da proposta da PA no valor de cerca de 4000 contos.»
E, em relação ao Centro das Taipas, na rubrica «Centro das Taipas, campanha publicitária», a p. 44, temos uma cena idêntica à anterior relativa ao Hospital de São Francisco Xavier.
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E quanto ao Hospital de Fafe, a p. SI, diz: «Não é possível, na ausência de contrato escrito e de testemunhas concludentes [...] saber exactamente os contornos do acordo (com a PA).»
E na rubrica «Anteprojecto de urbanização para as áreas dos Hospitais de Júlio de Matos», a p. 75, diz: «Existe também no processo um documento datado de 28 de Agosto em que o Dr. Rui de Freitas e a engenheira Paula Melo sugerem a dispensa de contrato escrito, fazendo alusão à adjudicação ao arquitecto Tomás Taveira [...] e sobre o qual há despacho de concordância do Secretário de Estado [...] com a mesma data de 28 de Agosto.»
Há, porém, que ter em conta que o prazo de entrega das propostas terminava a 11 de Setembro.
Tudo foi considerado um lapso. Mais um lapso claro está!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O resultado final é fantástico! Tudo se volatilizou por artes mágicas nas considerações finais do relatório do PPD/PSD e ninguém é responsável politicamente por todos estes actos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A defesa da dignidade do Estado, da dignidade da Assembleia da República, da dignidade do exercício das funções de deputado, exigia que todos os partidos assumissem uma postura exemplar de grande seriedade política na Comissão de Inquérito ao Ministério da Saúde.
Mas assim não aconteceu. O PPD/PSD transformou esta Comissão Parlamentar numa comissão partidária de branqueamento, ilibatória dos responsáveis políticos do Ministério da Saúde e do governo de Cavaco Silva.
Este relatório do PPD/PSD é uma farsa política, é um vexame e alenta contra a democracia.
Aplausos do PS, do PCP e do deputado independente Jorge Lemos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Filipe Meneses Lopes inscreveu-se para que efeito?
O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Para defesa da honra da bancada. Sr. Presidente.
O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Qual honra?!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Sr. Deputado João Rui de Almeida, V. Ex.ª foi coerente consigo próprio e com a forma como o Partido Socialista tem utilizado, ao longo da legislatura, a figura dos inquéritos parlamentares.
Com efeito, foi coerente consigo próprio porque foi trauliteiro quanto baste, pouco bem educado quanto baste e pouco rigoroso como costuma ser em todas as suas intervenções neste Plenário.
Por isso, já não nos espantamos daquelas figuras tristes a que assistimos na escolha dos deputados do vosso partido, lá para os lados de Coimbra.
Em relação à postura do vosso partido, de que V. Ex.ª é hoje, aqui, porta-voz...
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Estou a vê-lo cabeça de lista!
O Orador: - Sr. Deputado, não se enerve porque os protestos sobre essa matéria já foram feitos pelo Sr. Deputado Manuel Alegre e eu não vou falar nisso!
Sr. Deputado João Rui de Almeida, V. Ex.ª, como porta-voz do Partido Socialista, mais uma vez evidenciou que relativamente a questões que têm a ver com o respeito pela dignidade das pessoas, com o respeito pela dignidade dos cidadãos, independentemente de serem políticos ou não, têm, em relação ao PSD, uma atitude diametralmente diferente e ainda bem que diametralmente diferente! -, o que demonstra que a concepção de ética na política entre nós é muito diferente. Nós não temos quaisquer tipo de complexos nem ficamos diminuídos pelo facto de W. Ex.ª passarem a vida a encher a boca com a palavra «ética», porque é na prática do dia-a-dia que se verifica se somos capazes de ter ou não uma postura ética.
E sobre isso, Srs. Deputados, dou-lhes alguns exemplos. O Sr. Deputado veio para aqui falar de chavões de jornais, de fraudes de centenas de milhares de contos. Ora, nem do ponto de vista formal nem do ponto de vista substancial, em relação àquilo que indiciou, quando falava em centenas de milhares de contos, V. Ex.ª tem razão. Mesmo nas acusações que existem, feitas pela Procuradoria-Geral de República, fala-se de «fraudes de alguns milhares de contos» e não de centenas de milhar de contos.
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Isso não tem importância!
O Orador: - Mas, Sr. Deputado, compreendo bem que lhe fuja a boca para as centenas de milhar porque VV. Ex.ªs estão mais familiarizados com os números do Oriente do que com os do Ocidente.
Aplausos do PSD.
Por lá, pelo Oriente, é que as coisas são na ordem das centenas de milhar!
Aplausos do PSD.
Mas nós, Srs. Deputados, em relação a esse tipo de matérias, somos, sim, rigorosos e lemos sentido ético.
Esperamos, também, que os tribunais possam dar a essas pessoas que são acusadas de terem tido um comportamento menos abonatório, lá para os lados da China, a possibilidade de se defenderem e de demonstrarem que estão inocentes. E, então, sim, nós faremos o juízo político conveniente.
VV. Ex.ªs não fazem o mesmo e, mais grave do que isso, quando mais tarde se demonstra que, na maior parte das vezes, não têm razão, não se retraiam. E, a este respeito, lembro casos do passado, como o de Sá Carneiro ou o, mais recente, de Miguel Cadilhe.
VV. Ex.ªs lançaram o anátema sobre as pessoas. Quando os tribunais apresentaram a sua opinião definitiva nem por isso VV. Ex.ªs vieram aqui fazer a mea culpa.
Para terminar, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que se esqueceu de uma coisa fundamental. É que, entre aqueles que estão acusados e que vão ter a possibilidade de se defender e que serão condenados ou, como espero, ilibados, não está nenhum elemento que tivesse, há época das acusações de que são alvo, responsabilidades políticas no governo do PSD.
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Não está?!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas foi por causa disso que foram para o Governo!
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O Orador: - Não está, Sr. Deputado. As acusações são feitas enquanto funcionários de empresas privadas. E, mesmo quanto ao engenheiro Costa Freire, os factos de que é acusado referem-se a uma época em que não era membro do governo do Partido Social-Democrata. VV. Ex.ªs escamoteiam essa questão que, afinal, é uma questão essencial e fulcral na discussão desse problema.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes Lopes, V. Ex.ª, mais uma vez, disse rigorosamente nada e inclusivamente, foi até de algum primarismo de ordem política.
Quero, contudo, dizer-lhe que quem elabora ou quem aprova um relatório destes deixa de ter qualquer credibilidade política. Ora, o senhor colaborou nisso, foi um dos principais obreiros deste relatório e, portanto, pessoalmente, não lhe reconheço autoridade política e moral para lhe pôr qualquer questão.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Pediram simultaneamente a palavra os Srs. Deputados Nuno Delerue de Matos e Luís Filipe Meneses Lopes. Perguntava a ambos os Srs. Deputados para que efeito pediram a palavra.
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Para defesa da honra, como é evidente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tem de acrescentar «como é evidente».
E o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses Lopes?
O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Porque a defesa da honra precede a interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue de Matos.
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Sr. Presidente, o «evidente» era, evidentemente, para mim, na medida em que o Sr. Deputado João Rui de Almeida classifica como alvos de suspeição os deputados que tiveram a disponibilidade, o interesse e a vontade de permanecer nos trabalhos da Comissão Eventual de Inquérito, em função de regras que foram aprovadas, por unanimidade, nesta Casa.
Sr. Presidente, há que convir que esse tipo de classificação, para além do que representa, é inqualificável. E, quanto ao relatório, reforço o aspecto de que, apesar de o Sr. Deputado João Rui de Almeida dizer que ele é uma farsa, depois, nos vários aspectos que refere na sua intervenção, indicia que está de acordo com ele.
Há, portanto, aqui, uma incongruência manifesta. Fica com quem a produziu, mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é inqualificável que se diga que nesta Casa há deputados de primeira e de segunda e que os deputados de segunda são aqueles que cumprem com as regras que foram aprovadas por unanimidade.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Deputado Nuno Delerue de Matos, tudo o que eu disse são factos indesmentíveis e estão provados. Só é pena que a Comissão não pudesse continuar os seus trabalhos.
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Para quê? Já estão provados!
O Orador: - Aliás, o Partido Socialista já anunciou que, com uma nova maioria e uma nova correlação numérica nesta Assembleia, vai abrir de novo o processo porque tal se impõe para dignificar e para tirar a mancha que este relatório é na história desta Assembleia. E, Sr. Deputado, a verdade dos factos ofusca por completo, por completo mesmo, toda a sua fantasia oratória!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses Lopes.
O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Sr. Presidente, durante as últimas semanas que antecederam a apresentação e a discussão deste relatório, algumas das oposições - pelos vistos não são todas senão estavam aqui presentes, mas já deve haver dessolidarização de algumas das oposições em relação à postura maioritária da oposição liderada pelo Partido Socialista - acusaram-nos de querer «branquear» este processo e de querer ocultar a verdade aos Portugueses.
Porém, vou apresentar na Mesa uma proposta de resolução do Grupo Parlamentar do PSD, no sentido de que sejam tornadas públicas as actas e todos os documentos referentes a este processo para que os jornalistas e a opinião pública possam consultá-los e constatar que nós nunca tencionámos esconder o que quer que seja, e julgar por si.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
Entretanto, perguntava ao Sr. Deputado Alberto Martins para que efeito se inscreveu.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Para uma interpelação, Sr. Presidente, na sequência e nos mesmos termos da interpelação do Sr. Deputado que falou anteriormente.
O Sr. Presidente: - Porque é para uma interpelação à Mesa, tem V. Ex.ª primeiramente a palavra.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, é para dar nota da nossa concordância quanto à publicidade de todos os materiais arrolados pela Comissão.
Pensamos que, apesar disso e desta nossa concordância, esses materiais são insuficientes para o apuramento da verdade dos factos...
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Então não havia documentos para as conclusões que vocês queriam!
O Orador: -... e daí termos já dito que continuaremos os trabalhos desta Comissão em momento posterior.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso deixar de começar por me congratular com este reconhecimento, por parte do PSD, da importância de dar conhecimento dos materiais e das actas das comissões eventuais de inquérito para que se possa conhecer a verdade.
Por essa mesma razão propusemos que fossem publicadas as actas da Comissão Eventual de Inquérito aos actos do Ministério da Agricultura relativos à reforma agrária e, provavelmente para que não se conhecesse a verdade, VV. Ex.ªs sempre impediram a sua publicação.
Aplausos do PCP.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, com o documento que está presente para debate, apresentado como relatório da comissão de inquérito, o PSD fez a opção de ilibar e isentar de responsabilidades os autores daqueles actos e de vir, publicamente, afirmá-lo.
Esta «absolvição» de actos ilegais, irregulares, contrários ao interesse público e muitos deles caindo sob a alçada da lei penal é uma absolvição inaceitável. Inaceitável não só por nós, Srs. Deputados do PSD, mas também inaceitável pelas autoridades judiciárias e pelo poder judicial, que, felizmente, funcionam em Portugal com independência e isenção e com o sentido dos seus deveres para com o Estado democrático, para com a comunidade, para com a justiça.
A questão central não está, assim, só no facto de o PSD querer proteger militantes seus, isentando-os de responsabilidades, mesmo quando os factos apontam para o contrário. (E veremos que nem o relatório do PSD consegue esconder isso!)
A questão central está, também, no que significa este comportamento do PSD, face aos interesses e até ao bom nome! - do Estado Português. O PSD revela, com este comportamento, que carece de sentido de Estado e que põe os interesses político-partidários acima dos interesses da comunidade, da sociedade no seu conjunto.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Há equívocos de base na postura do PSD que importa que fiquem aqui clarificados e são pelo menos dois.
Primeiro: o essencial da tese do PSD para isentar de responsabilidades os autores daqueles actos ilegais consiste em considerar que esses actos se justificariam pelos fins, isto é, considerar que os fins justificam os meios.
Não há tese mais perigosa, Srs. Deputados do PSD!
É uma tese que subverte os princípios da ética e os princípios do Estado de direito.
Este rol de ilegalidades e irregularidades que o próprio relatório confirma não é justificável a título nenhum! Esses actos são reprováveis em si mesmos e é muito mau sinal que um partido com as responsabilidades que tem hoje o PSD assuma, de maneira tão descarada, a defesa da ilegalidade, a defesa do arbítrio, a defesa da falta de transparência, a defesa do desrespeito do Estado de direito!
É sinal, Srs. Deputados do PSD, que estão já excessivamente agarrados ao poder, que estão tomados pela usura do poder, que já confundem os vossos interesses com o interesse geral!
O Sr. Rogério Brito (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Daqui resulta um segundo traço da postura do PSD. O PSD não é capaz de ver toda esta questão tal como ela emerge destas práticas ilegais. O PSD só a consegue ver no quadro da questão partidária e do confronto político-partidário. O PSD absolve os seus militantes. O PSD quer sair disto com o mínimo de beliscaduras. O PSD «está-se nas tintas» para o interesse público e para a defesa da legalidade e o que lhe interessa é disfarçar este lamaçal em que se atolou.
Vendo bem as coisas, o PSD nem se importa muito que o relatório seja frouxo, contraditório e omisso nem se importa que isso seja claramente visível. O que o PSD quer é pôr um ponto final e que não se fale mais nisto até às eleições.
Este traço da postura do PSD é preocupante e condenável. É bom que fique claro que ninguém com sentido das responsabilidades e com sentido de Estado pode ter ficado satisfeito com o que se passou no Ministério da Saúde, ou seja, com o rol de irregularidades e ilegalidades, com o jeito de compadrio e de «vale tudo» que perpassou em todo este processo, com o ambiente de impunidade que foi criado por responsabilidade ministerial e que levou pessoas em concreto à prática de crimes, gente sem princípios alguns, mas não só, Srs. Deputados, também jovens apanhados nesta enorme teia.
O PSD, também ele apanhado, mostra-se incapaz de reagir com a dignidade e o sentido de Estado que a situação exigia. O PSD mostra faltar-lhe a coragem para enfrentar os erros que, à sua sombra, são cometidos.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Mostra não ter percebido que o que se exigia, o que era imperioso fazer, era analisar toda a questão, tendo em vista a defesa da legalidade e dos interesses públicos. Analisá-la para lhe encontrar os erros e os culpados, analisá-la e criticá-la, de forma corajosa e contundente, para que servisse de exemplo para o futuro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Com este pano de fundo e com estes objectivos, o relatório não podia deixar de ser uma espécie de «justificação de faltas», um «desculpe lá e obrigadinho» que nada tem a ver com a verdadeira função que deveria ter um relatório.
Srs. Deputados do PSD, para quem conhece o processo é até penoso ler o relatório.
O que releva nele é a malha de «habilidades» e «habilidadezinhas» com que se procura fugir às questões, baralhar os dados e omitir factos.
Habilidades e habilidadezinhas que são às dezenas e que se espalham por todo o relatório.
Três exemplos, tirados da parte do relatório sobre o caso do Hospital de São Francisco Xavier.
Primeiro, para demonstrar que a PA teria sido necessária para concretizar o que os serviços públicos não conseguiriam fazer. Refere-se no relatório que um dos membros da comissão instaladora do Hospital de São Francisco Xavier, que estava em funções na altura, o Dr. Manuel Delgado, tendo embora uma opinião crítica em relação à entrada da PA, acabou por - e cito - «reconhecer que a comissão instaladora não conseguiria abrir o Hospital com os recursos que tinha na altura». Pois não, evidentemente que não
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conseguia fazê-lo! Mas, Srs. Deputados do PSD, não «reconhece» também o Dr. Manuel Delgado uma outra coisa que é a de que a falta de recursos só existiu para os serviços públicos, para a comissão instaladora, ao contrário do que sucedeu com a PA, que teve todos os recursos e a quem foi dada uma espécie de «carta branca»?
Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.
Não «reconhece» o Dr. Manuel Delgado que se os serviços públicos tivessem sido dotados dos mesmos recursos também teriam aberto o Hospital a um ritmo semelhante, mas com uma grande diferença: dentro da lei?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não é mera habilidadezinha a tal frase do relatório, com a qual se procura inculcar a ideia de que só com a PA e com o cortejo de ilegalidades era possível abrir o Hospital? Haja decoro, Srs. Deputados!
Outro exemplo: o esforço do relator para que o Sr. Primeiro-Ministro não apareça no relatório, a propósito da aquisição do edifício onde hoje está o Hospital de São Francisco Xavier.
A aquisição do edifício exigia, nos termos da lei vigente ao tempo, um acto do Primeiro-Ministro, através do qual este dispensava concurso público e autorizava a aquisição daquele edifício em concreto - as leis estão citadas no próprio documento que a Ministra apresentou ao Sr. Primeiro-Ministro. O relatório, sobre isto, reconhece a existência de uma minuta e cito - sem que a então Ministra da Saúde solicitava tal dispensa ao Primeiro-Ministro». Portanto, há prova da existência da minuta. E o Primeiro-Ministro exarou o despacho? E exarou-o com fundamentos legais? E exarou-o antes de haver pagamentos que, segundo o próprio relatório, se iniciaram no dia 7 de Julho? A tudo isto veja-se o que responde o relator: sa existência dessa minuta não prova que a carta em questão alguma vez tenha existido». Isto é, não prova que a Sr.ª Ministra se tenha dirigido ao Sr. Primeiro-Ministro!
Risos do PCP e do PS.
Mas, então, Srs. Deputados do PSD, qual é a dificuldade que têm em saber do Sr. Primeiro-Ministro se recebeu ou não a proposta? Não sabem o número do telefone do Sr. Primeiro-Ministro?
Srs. Deputados do PSD, qual é a dificuldade em saber se o Primeiro-Ministro exarou aquele despacho - e isso é muito importante - antes de ter havido pagamentos?
Os Srs. Deputados do PSD, com esta habilidadezinha, querem retirar o Primeiro-Ministro deste lamaçal e pensam, creio eu, que o conseguem. A minha convicção é a de que, com este vosso comportamento, ficam mais fundadas as dúvidas que. legitimamente, aparecem sobre as responsabilidades do Primeiro-Ministro neste processo.
Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!
O Orador: - Terceiro exemplo: sobre a aquisição de equipamento informático.
Este aspecto já foi discutido nesta sede mas eu repito-o.
Nota-se que o relator salienta que determinada aquisição foi feita «com a inobservância de diversos formalismos legais» e sem que tenha sido «acompanhada de fiscalização
suficiente». Sobre essa aquisição, diz, mais à frente, o relatório: «O processo de aquisição de equipamento informático para a Direcção-Geral dos Hospitais, através de verbas destinadas ao Hospital de São Francisco Xavier, indicia uma tentativa posterior de regularização pela ausência de concurso, com as propostas das empresas PDL, GTI e Evenco, comprovadamente ligadas entre si e com a mesma data, 2 de Abril de 1987, dirigidas à Direcção-Geral dos Hospitais.»
Srs. Deputados, digam-me, com franqueza: o que é que isto quer dizer? Está ou não a tentar escamotear-se esta tentativa de fraude que está documentada nos autos?
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Esconder o quê? Está escrito!
O Orador: - Não está escrito em parte nenhuma!
É ou não verdade que houve peritagens da Polícia Judiciária que comprovam que os três documentos foram escritos na mesma máquina de escrever e que os senhores não escreveram isto no relatório?
Mas há mais, e o que vou perguntar é muito relevante para esta matéria: até que patamar foram os despachos que foram sendo sucessivamente exarados sobre essa documentação? Não será que pretende escamotear-se com esta habilidadezinha?
Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, este último caso tem um interesse suplementar. É que ele mostra o género de razões que movem o relatório quando nele se confessam erros, deficiências, irregularidades e ilegalidades. É que, como sucede neste caso, tal confissão pode, afinal, servir para esconder alguma coisa mais grave - da muita coisa que é escondida e de forma assumida, já que o próprio relatório o diz, ao referir que está «fugindo à tentação de comentar aspectos [...] publicitados na comunicação social».
Que comovente pudor, Srs. Deputados do PSD! Que pudor este, que vos leva a pôr os olhos no chão e a fugir dessas tentações, demoníacas seguramente, de ver o que toda a gente pode ver e que toda a gente sabe!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Com certeza o mesmo pudor que leva o relatório, na parte relativa ao Hospital de São Francisco Xavier (parte que se estende por 30 páginas), a não referir uma única vez o nome do Sr. Engenheiro Costa Freire, que ganhou, com o seu «exemplar» comportamento neste processo, as «esporas» de Secretário de Estado da Saúde.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É verdade!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A conclusão mais sólida que se pode tirar do documento em análise é a de que há razões de sobra para reabrir o processo após as eleições de Outubro, na próxima Assembleia da República.
Aplausos do PCP, do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
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O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Sr. Presidente, é para pedir esclarecimentos. Só que, manifestamente, já não disponho de tempo e não vou «mascara-lo» com um pedido de palavra para defesa da honra.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, é que neste debate os deputados independentes dispõem do módico tempo de três minutos. Assim, é para dizer ao Sr. Presidente que a quota que nos cabe, ao Sr. Deputado Jorge Lemos e a mim próprio, está inteiramente ao dispor do Sr. Deputado Nuno Delerue de Matos, para poder fazer o seu pedido de esclarecimento e, obviamente, também ao dispor do Sr. Deputado João Amaral, para lhe responder.
E que, depois do que disse o Sr. Deputado João Amaral, seria gravíssimo que o Sr. Deputado Nuno Delerue de Matos não pudesse exprimir-se para esclarecer a Câmara e que o Sr. Deputado João Amaral não pudesse clarificar novamente e demonstrar o ponto de vista notável que acabou de sustentar na sua intervenção.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Delerue de Matos, tem, então, a palavra para pedir esclarecimentos, para o que dispõe de 1,5 minuto cedidos pelos Srs. Deputados independentes.
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães é parco a oferecer. Fá-lo com boa vontade certamente, e esperará que em 1,5 minuto eu resolva aquilo que são 20 000 folhas de um relatório... Enfim, bondade sua...
Fico-lhe grato pelo elogio das suas palavras no que me diz respeito.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Vá direito ao assunto!
O Orador: - Em todo o caso, quero levantar uma questão em relação ao que o Sr. Deputado João Amaral apontou e que tem a ver com a celebérrima minuta, que existe apensa ao processo e que, pretensamente, leria sido enviada pelo Ministério da Saúde ao Sr. Primeiro-Ministro.
Sr. Deputado João Amaral, compreendo perfeitamente a sua atrapalhação nesta matéria. É que o Sr. Deputado João Amaral construiu um raciocínio que tinha alguma lógica até ao momento em que percebeu que a minuta existia mas que a carta nunca existiu. Ou seja, o Sr. Deputado João Amaral nunca conseguiu provar que tivesse existido um exemplar da referida minuta, assinada pela Ministra da Saúde.
O que existe apenso ao processo é uma mera cópia de algo que, na altura, foi entendido como necessário e que, posteriormente, o Governo entendeu que, através da resolução do Conselho de Ministros, estava ultrapassado. E foi nessa altura que o Sr. Deputado respondeu àquilo que classifica como a minha «habilidadezinha», ou com uma «habilidadezona», que confesse-o agora que tem essa oportunidade, Sr. Deputado João Amaral! -, manifestamente, tem «pés de barro»!
Aplausos do deputado do PSD Luís Filipe Meneses Lopes.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado José Magalhães, creio que veio criar um problema suplementar ao Sr. Deputado Nuno Delerue de Matos, que é o de ele conseguir explicar, em 1,5 minuto, como é que aquele relatório tem «pernas para andar». Mas, criado o problema suplementar, vou explicar ao Sr. Deputado o que se passa com essa minuta.
Eu nunca quis provar que existia a carta porque não preciso de fazê-lo. A carta existe, por cópia extraída de uma máquina existente no gabinete da Ministra da Saúde.
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Estava assinada?
O Orador: - Essa é a prova provada de que a carta seguiu para o gabinete do Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Não seguiu! Aí é que se engana!
O Orador: - E vou dizer-lhe mais, Sr. Deputado.
Durante muito tempo, foi, de facto, intrigante que, perante as sucessivas insistências que fazíamos junto do Sr. Primeiro-Ministro para que respondesse à pergunta tão simples de saber quando é que exarou o despacho, o Sr. Primeiro-Ministro nunca tenha vindo esclarecê-lo.
Neste momento, devo dizer-lhe que tenho, pelo menos, duas hipóteses de resposta para isto.
Uma, é a de que, tendo lá a proposta e sabendo que o processo era irregular porque já havia dinheiro adiantado, o Sr. Primeiro-Ministro não exarou o despacho e deixou a Ministra da Saúde a descoberto.
A segunda hipótese é a de que o Sr. Primeiro-Ministro exarou o despacho e comprometeu-se, atulhou-se, também, naquele lamaçal.
Qual é a hipótese que V. Ex.ª acha melhor?
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - E a terceira hipótese é a de que a carta não existe!
O Orador: - Sr. Deputado, não vale a pena falarmos mais disso agora. Os documentos vão ser todos publicados e leremos tempo de discutir isso longamente. Mas garanto-lhe que, perante a publicação dos documentos, nenhuma dúvida restará.
Aplausos do PCP e do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Catarino.
O Sr. Jorge Catarino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Nuno Delerue de Matos: Pormenorizemos algumas questões.
Quanto ao Hospital de São Francisco Xavier, é ou não verdade que desapareceram os originais das propostas do concurso limitado para a aquisição de material informático?
Vozes do PS: - É!
O Orador: - É ou não verdade que a peritagem gráfica executada pela Polícia Judiciária sobre as propostas adicionais do referido concurso revelou que todas foram
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dactilografadas na mesma máquina de escrever, embora se tratasse de empresas diferentes, indiciando clara viciação do processo de concurso limitado?
Vozes do PS: - É!
O Orador: - É ou não verdade que o engenheiro Costa Freire era o elemento de ligação de um complexo Holding de empresas associadas que prestaram serviço ao Estado sem nunca se submeterem a concurso público?
Vozes do PS: - É!
O Orador: - É ou não verdade que ninguém, por parte do Estado, recepcionou os equipamentos que deram entrada no Hospital de São Francisco Xavier e na Direcção-Geral dois Hospitais?
É ou não verdade que documentos originais do Serviço de Aprovisionamento do Hospital de São Francisco Xavier foram surripiados pelo então chefe de Serviço, Manuel Cabral?
Vozes do PS: - É!
O Orador: - É ou não verdade que a chamada equipa privada do projecto controlava realmente a comissão instaladora do Hospital, designada e empossada pela Sr.ª Ministra?
Vozes do PS: - É!
O Orador: - Quanto ao Centro das Taipas, é ou não verdade que foram despendidas verbas da ordem dos 300000 contos, sem controlo da qualidade das obras efectuadas e equipamentos adquiridos sem concurso público, enfim, a belo prazer do empreiteiro que actuou impunemente?
Vozes do PS: - É!
O Orador: - É ou não verdade que a empresa Edibloco não tinha alvará de construção e que só o obteve em Outubro de 1989 apenas até 200 000 contos?
É ou não verdade que desta forma o Estado entregou a um simples biscateiro obras de tão vultosos montantes?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E se, porventura, este biscateiro trabalhava por conta do engenheiro Costa Freira esta empresa e ele próprio nunca tiveram alvará de construção de obras, que se saiba.
É ou não verdade que a operação publicitária do Centro das Taipas não constava da proposta da comissão técnica, tendo sido o Ministério a sugeri-la e a entregá-la ao Sr. José Beleza?
O Sr. Rogério Brito (PCP): - É só coincidências!...
O Orador: - É ou não verdade que a empresa Edibloco também fez obras na habitação particular do engenheiro Costa Freire, no gabinete de publicidade de José Beleza, bem como em gabinetes do próprio Ministério?
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Eu não sei! O senhor sabe?
O Orador: - Está no inquérito!
Quanto ao Hospital de Fafe, é ou não verdade que o Estado entregou ao mesmo biscateiro, sem alvará, obras no valor de 300 000 contos?
É ou não verdade que o irmão do engenheiro Costa Freire se movimentava em diagonal auferindo chorudos vencimentos neste processo?
É ou não verdade que a PA foi chamada ao Hospital de Fafe por alegadas razões de extrema urgência e quem acabou as obras, dois anos depois, foi uma entidade governamental, o SUCH (Serviço de Utilização Comum dos Hospitais)?
É ou não verdade que numa imperfeita encenação se fez um concurso limitado para a construção do Hospital de Fafe consultando o tal empreiteiro/biscateiro sem alvará?
Quanto ao Hospital da Perlada, é ou não verdade, Sr. Deputado Nuno Delerue de Matos, relator deste processo de inquérito - nomeado, aliás, pela maioria -, que foi o engenheiro Costa Freire, então Secretário de Estado da Saúde, que, em mão, foi portador da proposta da Hospitália para a Fundação Luso-Americana, logo a seguir adjudicada pela Misericórdia.
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - É mentira!
O Orador: - É ou não verdade que existiam ligações de interesses entre o administrador da Hospitália, Dr. Silveira Botelho, e o então Secretário de Estado da Saúde?
O Sr. Rogério Brito (PCP): - Que coincidências!...
O Orador: - Quanto ao Hospital de Almada, é ou não verdade que o então Secretário de Estado da Saúde, engenheiro Costa Freire, criou por despacho uma comissão de análise de propostas, visando ultrapassar as direcções dos seus serviços?
É ou não verdade que se estas não funcionavam bem nada foi feito para reestruturá-las durante a sua estada no Ministério da Saúde?
Quanto aos Hospitais de Matosinhos e da Amadora, é ou não verdade que a empresa Teixeira Duarte foi preterida, com graves prejuízos, tendo sido a primeira classificada em ambos os concursos, não tendo sido excluída da apreciação prévia simultânea?
Quanto às informatizações das administrações regionais de saúde, é ou não verdade que esta informatização também teve efeitos perversos, pois serviu para «puxar as orelhas» aos 50 médicos mais prescritores?
Quanto ao acordo com a Associação Nacional de Farmácias (ANF), é ou não verdade que a informatização da ANF fora também executada pela PA?
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - É verdade! Em 1981!
O Orador: - É ou não verdade que foi o engenheiro Costa Freire que numa 2.º fase implementou a sua normalização com a informatização que ele próprio tinha feito na ANF anos antes?
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Pois, em 1981!
O Orador: - Quanto aos anteprojectos de urbanização dos Hospitais de Júlio de Matos e Cury Cabral, é ou não verdade que o Ministério da Saúde adjudicou a proposta
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mais cara, porque mais célere, ao arquitecto Tomás Taveira, continuando ainda hoje, quatro anos depois, o processo por implementar e sendo o Governo o mesmo?
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - Deixe-se de demagogias!
O Orador: - É ou não verdade que assim se gastaram a mais cerca de 70 000 contos?
É ou não verdade que a carta de adjudicação ao referido arquitecto foi anterior à data do fecho do concurso?
O Sr. Nuno Delerue de Matos (PSD): - É mentira!
O Orador: - Por fim, quanto às obras de instalação da Direcção-Geral, é ou não verdade que ninguém controlou as obras feitas em concurso público e orçadas em milhares de contos?
É ou não verdade que ninguém recepcionou os equipamentos adquiridos directamente, sem concurso público ou limitado, e orçados também em milhares de contos?
Quanto ao Centro do Alcoitão, é não verdade que o administrador do Centro do Alcoitão, Dr. Roque da Silveira, levantou, por escrito, diversas vezes, a questão das irregularidades das obras que estavam a ser efectuadas sem sequer ser ouvido?
É ou não verdade que ele até o fez em carta dirigida à Sr.ª Ministra?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Nuno Delerue de Matos, percebemos agora por que é que o PSD designou V. Ex.ª para único relator do processo de inquérito em apreço.
Aplausos do PS, do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e José Magalhães.
O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da bancada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Sr. Presidente, vou utilizar a figura regimental da defesa da honra, na medida em que as muitas interrogações postas pelo Sr. Deputado Jorge Catarino visam desacreditar o meu companheiro de bancada relator do inquérito.
De qualquer forma, não vou entrar nesse tipo de chicana e fazer 100 perguntas para as quais não dou respostas, deixando no ar o indício de que elas podem ter uma resposta que agrada ao PS e às oposições.
Vou apenas fazer três perguntas e simultaneamente dar as respostas.
É ou não verdade, Sr. Deputado Jorge Catarino, que o juízo de valor que V. Ex.º aplica na maior parte das questões que suscitou - e dou o exemplo do relacionamento do Ministério da Saúde com a ANF - não o aplica quando está em causa o seu próprio partido a liderar o País?
É ou não verdade, Sr. Deputado Jorge Catarino, que um acordo semelhante, feito nos mesmos termos, teve lugar há anos atrás entre o Ministério da Saúde e a ADSE e assinado pelo Ministro Silva Lopes, que, hoje, tanto quanto sei, até é candidato a deputado como independente nas listas do PS?
É ou não verdade que o PS quando liderava o Governo em Portugal fez acordos, nos mesmos termos e com a mesma cobertura legal, com a PA para a informatização dos hospitais, particularmente do Hospital de Santa Maria?
É ou não verdade que o PS fez acordos com a PA, nomeadamente com o engenheiro Costa Freire, em processos semelhantes, com a mesma cobertura legal, para a instalação dos serviços do IVA em Lisboa?
Vozes do PS: - Não é verdade!
O Orador: - É ou não verdade que os senhores têm dois pesos e duas medidas?
É ou não verdade que VV. Ex.ªs indiciam faltas de cidadãos que não estão aqui para se defenderem, sem apresentarem provas concludentes?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Catarino.
O Sr. Jorge Catarino (PS): - O Sr. Deputado Luís Filipe Meneses Lopes levantou algumas questões que não são verdadeiras e...
Vozes do PSD: - As suas é que são?!...
O Orador: -... que tentam escamotear uma questão muito simples: VV. Ex.ªs não têm resposta para as questões que foram levantadas.
Vozes do PSD: - Temos, temos!
Vozes do PS: - Não lhes interessa responder!... Isso é que é verdade!
O Orador: - De facto, os senhores não responderam a nenhuma das questões que colocámos no que toca ao relatório, e essa realidade está patente perante a Câmara.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de V. Ex.ª oficiar ao Sr. Procurador-Geral da República, fornecendo-lhe todos os elementos recolhidos nesta Comissão de Inquérito e susceptíveis de apreciação, com vista a eventual processo crime.
Aplausos do PS, do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e José Magalhães.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses Lopes também para interpelar a Mesa.
O Sr. Luís Filipe Meneses Lopes (PSD): - Sr. Presidente, a partir do momento em que apresentámos na Mesa o projecto de deliberação para que todos os actos desta Comissão fossem publicitados, obviamente que subscrevemos com muito gosto a proposta do Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa registou a proposta que foi feita pelo Sr. Deputado Alberto Martins e, naturalmente, já tinha registado a do PSD.
Srs. Deputados, vamos iniciar o debate sobre a petição n.º 192/V, da Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas de Produção, solicitando a promoção de um debate
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sobre as consequências da política agrícola que tem sido seguida na zona de intervenção da reforma agrária (ZIRA) e a tomada de medidas adequadas.
Peço ao Sr. Secretário que proceda à leitura do respectivo relatório e parecer da Comissão de Petições.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - É o seguinte:
Relatório e parecer
Foi apreciada na Comissão de Petições, em reunião de 14 de Março de 1991, a petição n.º 192/V, da iniciativa da Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas de Produção, tendo sido aprovado, pela unanimidade dos Srs. Deputados presentes, o relatório e parecer que formula as seguintes providências:
1.º A petição deverá ser enviada ao Sr. Presidente da Assembleia da República para agenciamento, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da lei que regula o exercício do direito de petição;
2.º Deve dar-se cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 8º da Lei n.º 43/90 e do artigo 251.º do Regimento da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Duarte de Oliveira.
O Sr. Carlos Duarte de Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas de Produção (FENCA), através de uma petição dirigida a esta Assembleia, solicita a promoção de um debate sobre as consequências da política agrícola que tem sido seguida na zona de intervenção da reforma agrária e a tomada de medidas adequadas.
Em primeiro lugar, importa referir que, ainda recentemente (em Abril passado), se realizou nesta Câmara um amplo debate sobre política agrícola em relação a todo o território nacional e cujos resultados são do conhecimento de todos nós.
Atendendo a que, para o PSD, não se deve nem pode dividir o País, contestámos sempre a malfadada criação da ZIRA, feita pelo PS com o apoio do PCP.
Não concordamos com este tipo de propostas de abordagem dos assuntos agrícolas, no entanto, e atendendo as gravosas intervenções nesta região, que passaram pelas ocupações selvagens de 1975-1976, fomentadas pelo PCP e pela aventura bolchevique, que tanto atraso e ruína trouxe a esta região, interessava fazer um balanço das consequências da política agrícola seguida pelos Governos de 1974 a 1977, cuja política agrícola era liderada pelo PS e PCP, de que ainda hoje se sentem os seus reflexos.
Só agora, com a legislação aprovada nesta legislatura, esta região terá uma situação fundiária estabilizada.
A instabilidade social, agravada pela instrumentalização política, não permitiu uma maior eficácia no relançamento da agricultura alentejana. O Alentejo, nesta como noutras matérias, foi prejudicado pelas políticas socialistas e comunistas implementadas em Portugal durante o PREC.
O Sr. João Silva Maçãs (PSD): - Ora aí está!
O Orador: - Realce-se que o PS, que criou a zona de intervenção da reforma agrária através do seu ministro Lopes Cardoso...
O Sr. João Silva Maçãs (PSD): - E esta!...
O Orador: -.... para além de expandir as áreas expropriadas em dezenas de milhares de hectares, teve nos últimos 12 ou 13 anos uma atitude nítida de omissão e passividade em relação a esta matéria, tal como em relação a muitas outras.
Contudo, e apesar destes circunstancialismos e das limitações supervenientes, o Governo tem-se empenhado fortemente na modernização e reconversão da agricultura alentejana.
O Sr. Alberto Avelino (PS): - Cite um exemplo!
O Orador: - Tal é deduzido a partir dos indicadores do período de 1986 a 1990, que são públicos e que, por isso, qualquer deputado ou qualquer cidadão pode ter conhecimento deles.
Só na região agrária do Alentejo foram instalados SOO jovens agricultores; foram drenados 33 000 ha de terreno; foram transformados em regadio 37 000; 900 000 ha foram beneficiados pelo Regulamento (CEE) n.º 797, dos quais 320 000 ha eram de rendeiros agrícolas;
O Sr. Alberto Avelino (PS): - Quantos foram?!
O Orador: - 2000 explorações foram electrificadas.
Em relação a toda a zona de intervenção da reforma agrária, o investimento feito durante esses quatro anos foi de 100 milhões de contos, ...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Quem é que beneficiou?!
O Orador: -... dos quais 60 milhões foram de subsídios vindos do FEOGA e do Estado Português. Todos estes dados são públicos, publicados pelo IFADAP, pelo que qualquer deputado ou cidadão tem acesso a eles.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Quem é que beneficiou?!
O Orador: - Contudo, o PSD e o Governo cientes de que fizeram tudo o que era possível, ambicionam fomentar o desenvolvimento agrícola do Alentejo agora que está estabilizada a região e que na Comunidade se discute uma reforma da PAC, que, com as propostas do Governo Português, pode vir a beneficiar o Alentejo, tal como disse o Sr. Ministro da Agricultura, em 30 de Abril de 1991, na tomada de posse do director regional do Alentejo: «A nossa meta não é produzir como se produz em França, Inglaterra, ou noutro qualquer parceiro europeu, mas, sim, produzir da forma mais ajustada possível à nossa realidade. Estamos numa época em que o produtivismo terá atingido os seus limites, e será, com certeza, forçado a retroceder; estamos numa época em que as quantidades perdem importância, porque os mercados estão saturados e os consumidores valorizam, crescentemente, a qualidade do produto. E isto é bom para nós; é bom para o Alentejo.»
E assim, na sequência desta perspectiva, o Governo elaborou e entregou em Bruxelas o NOVAGRI - Programa de Apoio à Reestruturação e Inovação no Sector Agrícola, que provê, entre outros, os seguintes sub-programas, que poderão enquadrar o esforço de reestruturação da agricultura alentejana, diversificando-a culturalmente: para a fruticultura - e há muita fruta no alentejo que pó-
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dera ser abrangida - prevê um investimento de 20,6 milhões de contos; para a apicultura um investimento de 1,4 milhões de contos; para os bovinos autóctones prevê-se um investimento de 1,71 milhões de contos; para os ovinos e caprinos um investimento de 1,35 milhões de contos; para o porco suíno alentejano prevê um investimento de 1,38 milhões de contos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em relação especificamente a esta petição, interessa realçar que o PSD está aberto a todos os debates sobre a problemática agrícola, tal como demonstrou no passado.
Relativamente à zona de intervenção da reforma agrária, pensamos ser de todo o interesse a instauração de um inquérito que averigue da responsabilidade dos governos de 1974 a 1977 na destruição do aparelho produtivo no Alentejo, na violência fomentada e na instabilidade social e económica, que permaneceram na região durante largos anos e que ainda hoje se sentem.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo aceitando a proposta do Sr. Deputado Carlos Duarte de Oliveira, no sentido de se realizar o inquérito, apenas com uma diferença: proponho que esse inquérito se faça não apenas reportado ao período de 1974 a 1977...
O Sr. Carlos Duarte de Oliveira (PSD): - Tem medo!
O Orador: -... mas sim desde 1974 até à presente data, isto é, até ao período do actual Governo, inclusive.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - E que se publiquem as actas dessa comissão de inquérito!
O Orador: - Posto isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nas terras do sul do Ribatejo e do Alentejo a evolução económica e social traduz uma crescente deterioração que compromete o futuro e relança os temores do passado e desmente as loas que o Governo e o PSD vêm lançando quanto ao desenvolvimento daquela região.
Os indicadores económico-sociais revelam, hoje, tal como antes de 1974, os mais baixos índices de intensidade da actividade económica no País, expressando as consequências de uma economia de novo dominada e contida pelos regimes de propriedade e exploração latifundiárias, assentes em sistemas económico-produtivos incapazes de racionalizar e potencializar a utilização de recursos, de dinamizar o crescimento e a diversificação de outras actividades, de promover o desenvolvimento técnico-profissional e de criar e remunerar devidamente o trabalho.
Tal como no passado, a região asfixia, amarrada a um baixíssimo nível de industrialização e a condições de trabalho precário e sazonal, que têm um efeito fortemente repulsivo dos trabalhadores, sobretudo dos mais jovens e qualificados, e que fazem desta zona a mais despovoada do País e a mais envelhecida.
Os resultados, aliás, estão aí, bem evidentes e infelizmente inegáveis, mesmo no domínio estritamente económico: o produto agrícola bruto tem-se vindo a reduzir; a economia da monocultura do cereal persiste; as produções alternativas não são incentivadas nem apoiadas económica ou tecnicamente;...
Vozes do PCP: - É verdade!
O Orador: -... o conjunto dos perímetros de rega permitem regar cerca de 60 000 ha, no entanto só está a ser regada menos de metade desta área...
Vozes do PCP: - Bem lembrado!
O Orador: -... apesar dos milhares de hectares sub-aproveitados e abandonados, nunca até hoje o Governo pôs em execução a legislação que impõe os níveis mínimos de utilização de solos; os atrasos e adiamentos na concretização das barragens do Crato, Minutos, Marvão e Alqueva são responsáveis pelo desaproveitamento de um potencial de rega da ordem dos 180 a 200 000 ha; o sector agro-industrial não se moderniza, não se diversifica, não cresce, continuando, de uma forma geral, incapaz de aproveitar o potencial produtivo disponível na região e de ter uma influência dinamizadora da produção primária; o património florestal degrada-se.
Este é o corolário de uma política e de um governo que elegeram como objectivo maior para as terras do Alentejo a restauração do regime de propriedade latifundiária, não hesitando em relacionar a liquidação da reforma agrária e a destruição das unidades colectivas de produção e cooperativas com o retorno à denominada, por eles, Governo e PSD, estabilidade e às condições para o normal desenvolvimento do sector agrícola e da região, fazendo, na prática, a afirmação de que, graças à sua política, a região está voltando aos «bons velhos tempos» - como se os «bons velhos tempos» fossem tempos de suficiência produtiva e de progresso económico e social.
Apesar de tudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ainda nos espanta a indignidade e a hipocrisia com que o Governo e o PSD procuram absolver o passado e inventar politicamente um presente promissor que a realidade nega.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em relação ao passado, para que não seja omitido nem absolvido por mais torpes que sejam as consciências e curtas as memórias, temos os trabalhos de investigadores e economistas, como André Dumont e Castro Caldas; temos a obra-prima de Rodrigues Migueis denunciando e sofrendo as injustiças que durante decénios atingiram os trabalhadores e agricultores pobres do Alentejo e despertando consciências, porque se pão não cai do céu»; temos as estórias vivas de Manuel da Fonseca; e temos o testemunho de homens e mulheres que quiseram transformar a terra dos latifúndios em fome de trabalho e progresso social e económico.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Trabalhadores que, sem crédito, sem apoio técnico por parte do Estado, com uma mão na terra e outra nas contestações ou recursos jurídicos, saqueados das terras, dos seus gados, das suas máquinas e construções, das suas obras sociais, persistiram em lutar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - Foram e são os homens e as mulheres que, na terra que não sabiam se continuaria na sua posse, teimaram em lançar as sementes, porque nesse gesto se misturavam a fraternidade, o amor e também a revolta de quem, mais uma vez, temia que o futuro, o seu e o do seu Alentejo, lhe fosse de novo roubado.
Aplausos do PCP e do deputado do PS Alberto Martins.
E o presente aí está, justificando os temores e reclamando uma urgente mudança das políticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na direcção da vida política, económica e social do País não basta afirmar-se o que se não quer ou, simplesmente, negar-se o que vem de trás. O mínimo que se exige é que seja apresentada uma alternativa ao que se nega, no mínimo tão eficaz quanto o que se destrói.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ora, o que se tem passado em matéria de reforma agrária, nos últimos IS anos, é que as políticas que elegeram como objectivo - primeiro, limitar e condicionar, depois, erradicar por completo as transformações que se operaram no agros alentejano e ribatejano - não foram acompanhadas de proposta de soluções alternativas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Uma nova dinâmica económica regional, que as transformações iniciadas proporcionaram, foi substituída por um processo de quebra das perspectivas da actividade económica agrícola.
A melhoria das condições de vida, o aumento das condições de emprego estável e o reforço da ligação do homem à terra, traduzido, em 1975-1976, pela primeira vez, em muitos anos, no aumento da população residente e no rejuvesnecimento da população activa, foram substituídos pelo enorme incremento do desemprego e do emprego precário, de novo pela emigração e pelo despovoamento.
A uma nova dignificação e valorização do trabalho, a uma nova esperança no futuro rasgada com a reforma agrária sucedem-se hoje o desalento e a ausência de perspectivas para milhares de trabalhadores e agricultores.
Orgulhando-nos de um património que nos honra e honra os que o iniciaram, importa agora olhar em frente e pensar no futuro. E neste quadro é necessário que cada força política diga claramente o que propõe para uma região que envolve um terço da superfície agrícola do País, num momento em que a aceleração do processo de integração comunitária coloca novas exigências ao futuro da região.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O que é que o PSD, e também os restantes partidos, designadamente o PS, propõem quanto à necessária alteração dos sistemas agrários para a região, ao aproveitamento e valorização dos recursos existentes e para a melhoria das condições de vida de quem trabalha na terra? O que é que os partidos representados nesta Assembleia propõem de medidas que estanquem a «hemorragia» dos campos e o envelhecimento da população e promovam o desenvolvimento rural?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Os trabalhadores e outros cidadãos, que assinaram a petição, enviaram aos grupos parlamentares, para suporte deste debate, um livro onde propõem um programa de desenvolvimento da agricultura do sul do Ribatejo e do Alentejo. O que dizem o PSD e as restantes forças do espectro parlamentar sobre ele?
Por nós, que consideramos aquele programa um contributo valioso para a definição de uma política para a região, não nos limitamos a criticar a acção política, passada e presente, do PS ou do PSD, quanto à matéria hoje em debate. Temos propostas.
Entendemos que a região não está condenada a ter que voltar a uma estrutura da propriedade assente na exploração latifundiária (aliás, inconstitucional) e a um regime cultural baseado na extensividade e no absentismo, limitado à exploração florestal e silvo-pastorícia e a produções relativamente marginais à actividade agrícola. Bem pelo contrário.
É possível e necessário fazer a reconversão dos sistemas agrários, tendo como base: a reorganização da estrutura fundiária com a constituição de uma malha de explorações cooperativas, familiares e empresariais; a melhoria da estrutura e da utilização dos solos; o reordenamento e a reconversão cultural com a recondução dos cereais aos solos adequados e apoio à implantação de culturas alternativas, como as proteaginosas e as leguminosas, o alargamento da área de pastagens e forragens e a aposta na pecuária de carne; a beneficiação e a expansão das culturas permanentes, com relevo para o olival, a vinha e os pomares de frutas frescas e de frutos secos; a utilização dos recursos hídricos aproveitando-se as áreas beneficiadas pelos perímetros de rega e construindo-se a barragem do Alqueva, a cujo sistema poderiam ser ligadas as cerca de 2000 pequenas e médias barragens existentes; a defesa e a expansão da floresta, privilegiando as espécies autóctones (montados de sobro e azinho) e ordenando e disciplinando as espécies de crescimento rápido necessárias à indústria; o aproveitamento das possibilidades cinegéticas, no respeito pelos direitos das populações locais e dos agricultores; a valorização do potencial humano com o incremento da formação e da extensão rural; o apoio à criação de estruturas de acesso aos mercados; a criação de uma base industrial, em que uma das componentes essenciais deverá ser, inevitavelmente, as agro-indústrias.
Isto é a reforma agrária. Há propostas. Há vontades. Faltam as políticas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A história do processo da reforma agrária é a história da luta dos trabalhadores pela sua emancipação social e pelo desenvolvimento da região. Apesar das condições hostis em que viram o seu percurso encerrado fizeram mais no pouco tempo de que dispuseram do que o sistema latifundiário em toda a sua história.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O PCP orgulha-se de, com os trabalhadores, ter contribuído para tão importante transformação democrática nos campos que, apesar de interrompida, deixa traços indestrutíveis na história da luta pela terra, na vida e na economia agrícola do sul. Depois da reforma agrária nada voltará a ser como dantes, sobretudo a dimensão do homem.
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Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Primeiro-Ministro tem agora um novo slogan. Afirma-se orgulhoso da obra dos Portugueses. Nós sentimo-nos, igualmente, orgulhosos da obra dos Portugueses e, neste caso, dos trabalhadores agrícolas do sul. Mas o que importa perguntar a Cavaco Silva é quem é que hoje beneficia e usufrui do trabalho dos Portugueses, da obra dos agricultores do sul, que não seja a minoria dos grandes interesses económicos à custa, isso sim, do trabalho e da obra dos Portugueses, à revelia dos interesses do País.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Constituindo uma solução objectivamente necessária para resolver o problema do sistema latifundiário, com os contornos que a vida vier a definir, a alteração dos sistemas agrários do sul far-se-á, os direitos dos trabalhadores e dos agricultores não se perderão, a reforma agrária ressurgirá e realizar-se-á porque é uma necessidade e uma exigência de justiça e dos interesses nacionais.
Aplausos do PCP e do deputado do PS Alberto Martins.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.
O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, antes de ler o que escrevi, gostaria de perguntar se o Sr. Deputado Carlos Duarte de Oliveira entendeu o 25 de Abril. O 25 de Abril foi uma revolução! Isto para dizer que, de facto, aceitamos o inquérito, se quiser fazê-lo, a toda a actividade do sector agrícola e aos responsáveis pela agricultura desde o dia 26 de Abril de 1974 ale hoje, naturalmente. Iremos ver quem é que, de facto, tem mais máculas em toda a governação durante estes anos.
Vozes do PSD: - Com certeza o PS!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Olhem! Olhem o que eles fizeram à zona de intervenção da reforma agrária! Olhem! Olhem o que eles tom feito à agricultura portuguesa!
É uma realidade que o PSD lidera há mais de uma década o Ministério da Agricultura e até hoje não temos assistido a qualquer reestruturação de fundo que tenha modificado minimamente a agricultura em Portugal. Durante estes largos anos, em que o PSD tem comandado os destinos agrícolas, sempre assistimos a uma política de circunstância, e mesmo após a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia essa política de circunstância e casuística tem sido dominante. Os dinheiros injectados pela CEE no sector agrícola - e não estaremos longe dos 300 milhões de contos - têm dado algum efeito, reconhecemo-lo. Mas é, de facto, o efeito próprio dessa política de circunstância.
Na zona de intervenção da reforma agrária, e com a Lei n.º 109/88, pretendeu-se, isso sim, dar uma machadada a tudo o que era inovador, dar uma machadada aos trabalhadores rurais, aos pequenos e médios agricultores e dar uma machadada à economia portuguesa. Alguém dizia outrora, com alguma graça, mas porventura com alguma razão: «O que convinha à CEE era financiar e premiar
tudo o que estivesse ligado à agricultura e convidar ao abandono, de maneira a que não houvesse mais um concorrente, mais um competidor aos produtos agrícolas dentro da Comunidade. Era como se fosse um set aside ad aeternum.»
A política comercial liberal do PSD tem contribuído para a degradação acentuada dos sectores frutícola, vinícola e leiteiro, e nem as manifestações de rejeição dos fruticultores do oeste, liderados por esse «comunista» e fundador da CAP, Júlio Sebastião, nem a recente manifestação da CNA no Terreiro do Paço perante a vergonhosa entrada de vinhos impróprios para consumo, nem a rejeição dos preços do leite pelos produtores têm sensibilizado o governo de Cavaco Silva.
Lamento que a CAP (Confederação dos Agricultores Portugueses), que se diz tão representativa dos agricultores, se tenha mostrado tão reservada em saltar a terreiro para defesa dos agricultores, embora com uns laivos salpicados, aqui e além, de ataque da política agrícola actual, com umas bicadas envergonhadas pontuais.
Talvez agora, com o engenheiro Casqueiro já publicamente proscrito e renegado e sem lugar na lista de deputados do partido do Governo, talvez, repito, tenhamos agora alguma manifestação de fundo, séria, que obrigue o Governo em geral e o Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação em particular a dedicar-se à agricultura e a dar-lhe a atenção merecida e de que tanto carece.
O que tem feito o Governo à nossa agricultura?
Na zona de intervenção da reforma agrária, aos objectivos prosseguidos por forças de antes do 25 de Abril, continua hoje o Governo a corporizar esse mesmo comportamento: a reconstituição da propriedade e a sua entrega aos antigos latifundiários; o correr com os trabalhadores dessas unidades de produção; o desactivar das cooperativas ligadas ao sector agrícola; o mandar para o desemprego milhares de trabalhadores; o semear focos de instabilidade social; o esquecer a existência de mais de 40 % de ocupação de mão-de-obra activa nesta região; o fomentar a desertificação de uma parcela territorial de cerca de um terço do continente; o desequilíbrio óbvio e as desigualdades sociais, agora que com a Lei de Bases da Regionalização tanto se tem falado em combater, precisamente, estes males.
Aliás, o meu camarada Miranda Calha já há três anos questionava o ministro Álvaro Barreto aquando da discussão do projecto de lei de bases da reforma agrária: «O Alentejo confronta-se com um sério problema de desertificação. Considera o Sr. Ministro que esta legislação vai obstaculizar a tal situação? Que situação se originará em matéria de emprego? O que acontecerá nesta zona em termos de desenvolvimento económico?»
E mais adiante desafiava o ministro: «fale mais de inovação e modernização agrícolas na óptica da CEE e dos interesses do País do que sobre a apresentação de uma legislação que criará instabilidade, o que virá a ser extremamente negativo no Alentejo». A isto o Sr. Ministro disse: «não tenho de discutir isso, apenas estamos a discutir a lei de bases da reforma agrária».
Interessante!
Vozes do PSD: - Não foi bem isso!
O Orador: - Como se compagina esta actuação governamental com o que o partido do Governo defendeu aqui há dias aquando da discussão sobre a regionalização?
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No fundo, o que se antolha é o desenvolvimento da faixa costeira do País, é a inabilidade política para resolver a questão, é a cegueira tecnocrática de finais dos anos 60.
São estas directivas enviesadas que consubstanciam a política agrícola em Portugal, uma vez que as modificações de fundo têm sido feitas pelos agricultores na busca de melhores soluções para o seu dia-a-dia.
Isto representa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a incapacidade e o desconhecimento real do que é a nossa agricultura. O exemplo recente do arranque de vinha é paradigmático do que atrás afirmo. A Comunidade Economia Europeia oferece-nos um prémio para arranque e reconversão da vinha. A aceitação foi imediata, ao contrário dos nossos vizinhos espanhóis. E só não se assistiu à degola total dos vinhedos porque a área era limitada.
A permissibilidade no plantio de eucalipto a esmo é outro bom exemplo da negação governativa.
Mas voltemos à zona de intervenção da reforma agrária. Nesta região encontramos condições e potencialidades para dar um contributo acrescido para a produção agro-alimentar e florestas nacionais. Necessário é que haja uma estratégia nacional de desenvolvimento agrícola integrada regionalmente, que mobilize esforços e vontades, que promova e ganhe o empenhamento dos trabalhadores, agricultores e técnicos, que erradique para sempre o latifundiário absentista e tenha como suportes estruturais o apoio ao associativismo dos agricultores, às cooperativas e à modernização que tarda em aparecer.
Se assim não se fizer, Portugal, inserido no espaço comunitário, corre o risco de ser cada vez mais um país satélite e marginal, empurrado para uma especialização produtiva que não corresponde às necessidades de redução do grau de dependência externa agro-alimentar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Olhem o que têm feito à nossa agricultura! Eles sabem o que têm feito!
Não é por acaso que o Sr. Primeiro-Ministro se escusa, por falta de agenda - imagine-se! -, a estar presente na abertura oficial do maior certame agrícola do País - a Feira Nacional da Agricultura, em Santarém.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não é por acaso, naturalmente! Prefere andar a cancerar pelo País a inaugurar «mictórios públicos», escolas, tudo o que é para inaugurar.
Protestos do PSD.
Se nada houver para inaugurar, não há problema, reinaugura-se mais uma vez! De facto, o que é preciso é mostrar, no pequeno ecrã, que este país é uma obra extraordinária do Prof. Cavaco Silva.
Protestos do PSD.
Antes, a miséria! Agora, a fartura! Sem ele, amanhã, o dilúvio!
E o Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, que foi à Feira de Santarém, em nome do Governo, a queixar-se da CEE? Curiosamente, endossa os males da agricultura portuguesa à CEE. E vamos, certamente, continuar a assistir às queixas dolorosas e pungentes do Sr. Ministro Adindo Cunha até Outubro - e com certeza que esta matéria irá fazer parte do programa do PSD para as eleições- de que os males da agricultura só são devidos à CEE! Isto é, naquilo que é bom encontra-se presente parte do Governo
e das autarquias - por que não dizê-lo?!-, lá encontramos o Sr. Primeiro-Ministro na laudatória costumada. Em relação ao que não presta foge a sete pés ou manda o respectivo ministro, e este, como convém, queixa-se da CEE. Ou, não havendo muito de que se queixar, anuncia-se que daqui a 10 anos vamos ter mais uns quilómetros de auto-estradas, vamos ter comboios de alta velocidade e talvez umas pontes sobre o Douro, o Tejo e o Guadiana, que se inaugurariam oferecendo ou não condições mínimas de segurança. Veja-se a «bronca» com a rapidez da inauguração da nova ponte sobre o Douro ... Que importa que o mestre Edgar Cardoso diga que ainda não oferece condições? O que importa é que o Ministro Ferreira do Amaral diga que tem, sim senhor! Que estes Duartes Pachecos de meia tigela não brinquem com os cidadãos! Mas, enquanto o Primeiro-Ministro faz o périplo de conveniência eleitoral e se recusa a ir à Feira Nacional Agrícola de Santarém, é curioso que, sem convite, o secretário-geral do meu partido, Dr. Jorge Sampaio, se desloque à Feira, a visite, dialogue em todos os stands, seja ouvido com atenção e ouça palavras do género solhe por nós, olhe por nós agricultores!».
Protestos do PSD.
Como vêem, Srs. Deputados do PSD, o Dr. Jorge Sampaio está muito para além de ser «só» presidente da Câmara Municipal de Lisboa! Aquilo que os senhores não conseguiram, aliás.
O engenheiro Álvaro Barreto quis dividir o Alentejo, um terço do continente, em meia dúzia de quintas, achando mesmo assim demais. Acredito, Srs. Deputados do PSD, que alguns dos senhores acharam que esta lei era abusiva. Não terá sido essa a causa primeira da saída do engenheiro Álvaro Barreto do Governo? Era bom que fosse! Era sinal da não aceitação da política agrícola desastrosa que aquele membro do Governo estava a seguir. Mas, infelizmente, não foi essa a causa primeira!
Com o Sr. Ministro Arlindo Cunha a nossa agricultura anda ao sabor desses mesmos ventos e marés. Pobre agricultura! Pobres agricultores!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a nossa ordem de trabalhos de hoje.
A nossa próxima reunião plenária lerá lugar amanhã, dia 18, às 10 horas, e terá como ordem do dia a interpelação ao Governo n.º 20-A/V (PCP) - Sobre política geral centrada nas questões da política cultural.
Eram 21 horas e 5 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Oliveira de Matos.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco Mendes Costa.
João José Pedreira de Matos.
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Joaquim Eduardo Gomes.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Margarida Borges de Carvalho.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alfredo Brito.
Partido Renovador Democrático (PRD):
José Carlos Pereira Lilaia.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Deputada independente:
Maria Helena Salema Roseta.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Maria Pereira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Flausino José Pereira da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
Joaquim Fernandes Marques.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Mário Lemos Damião.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Maria João Godinho Antunes.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Partido Socialista (PS):
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Francisco Fernando Osório Mendes.
João Rosado Correia.
José Luís do Amaral Nunes.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Francisco Barbosa da Cosia.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Os REDACTORES: Maria Amélia Martins - Maria Leonor Ferreira - José Diogo - Cacilda Nordeste - Ana Marques da Cruz.
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DIÁRIO da Assembleia da República
Depósito legal n.º 8818/85
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