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3190 I SÉRIE -NÚMERO 94

Srs. Deputados, não havendo cedência de tempo, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr; Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: À medida que a cultura se vai transformando em beberete de qualquer festarola dada pela reinante futilidade, torna-se cada vez mais difícil reconhecer-lhe as feições sob as camadas de cosméticos fabricados pelas indústrias que «vendem por lebre cultural» qualquer «gato» que mie artes e letras e sua parentela.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Neste amálgama das chamadas indústrias culturais (tudo 6 cultura) a destrinça é imperativa. Pelo que, entendo eu que urge desagravar o universo cultural de uma confusão aliada das ordenações do reino consumista, que o degrada, desde há tempos venho pondo, nas minhas intervenções nesta Assembleia, a tónica de uma preocupação maior pelos bens culturais de raiz, testemunhos da fonte onde bebemos as nossas ideias próprias, os nossos sonhos, as nossas paixões, ousadias e desastres - os únicos valores capazes de colorirem a nossa apagada singularidade cultural numa Europa que nos atrai para modelos uniformizamos que sugam esse miolo da independência que é a cultura de um povo.
Onde, porém, uma política de descentralização que salvaguarde esses haveres culturais cuja preciosidade vai sendo cada vez mais posta em relevo pela etnologia e pela arqueologia? Desinteresse imperdoável, pois é por aí que chegamos ao fundo, antiquíssimo e sagrado, das riquezas entesouradas na arca da nossa arte, das nossas tradições populares e do nosso património pré-histórico e histórico-cultural, alicerces da nossa identidade.
Mas, mais faustoso - lá lenho eu de ir ao inevitável Centro Cultural de Belém, mas não demoro muito tempo-do que alimentar essa substância primeira da nossa cultura, é, em supina contradição com a ênfase dada ao mar como última fronteira do planeta que vencemos, botar figura com o tal Centro Cultural de Belém, que, com o crescer das obras, se revela uma interposição aberrante entre o mar e o monumento associado aos feitos náuticos que motivam tanta exaltação comemorativa.
Enfim, um assunto estafado cuja abordagem seria de remeter para o respectivo inquérito, se não viesse a UNESCO pôr a hipótese, como foi aqui dito pela deputada Edite Estrela, da desclassificação de património mundial do conjunto formado pelos Jerónimos e pela Torre de Belém devido ao facto de o Governo ter avançado com a construção do Centro sem dar quaisquer informações ao Comité do Património Mundial. A confirmar-se a hipótese posta pela UNESCO, o vexame é duplo, pois não só nos atinge na competência para salvaguardarmos o nosso património como na ordem ética que nos obrigava a não desrespeitar a regra que exigia uma informação prévia à construção.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Mais solícito foi o Governo em reverenciar o estrangeiro, satisfazendo o pedido da National Galery of Ari, de Washington, de ceder o Painel do Infante para a exposição CIRCA 92. O que trai a ligeireza da cedência é ter-se decidido enviar só um painel, para poupar os outros. Porque se há perigo para estes, também há para o Painel do Infante. Além disso, só no conjunto de todos os painéis o políptico tem a sua integridade de obra mítica da cultura nacional, como acentuaram vozes autorizadas, tal é o valor que se perde com o empréstimo à National Gallery do Painel do Infante, expondo-o ainda por cima ao risco a que está sujeita a pintura sobre madeira, que não deve viajar dada a sua propriedade de absorver a humidade. É também de recordar o que nos dizem os peritos e que é uma opinião que recolhi pessoalmente: as viagens das obras de arte encurtam a sua vida, devido à vibração.
Deixou-se porém a Secretaria de Estado da Cultura persuadir pelo Sr. Brown, que veio lá da National Gallery para nos convencer de que são os melhores do mundo na embalagem de peças de museu contra os perigos da temperatura. Serão, mas, pergunto eu, são também excelentes na embalagem de aviões contra o perigo de quedas e bombas? Contra as garantias do Sr. Brown, fico com os portugueses zelosos do seu património artístico que apontam os riscos da viagem dessa parte integrante de um testemunho raríssimo da nossa exígua pintura do século XV e dos primeiros retratos colectivos da Europa do seu tempo.
E cito, em abono da minhas afirmações, José Luís Porfírio, conservador de pintura do Museu Nacional de Arte Antiga, Maria Alice Beaumont, ex-directora do mesmo museu, a Academia Nacional de Belas-Artes, a Sociedade Nacional de Belas-Artes, a Associação Portuguesa de Historiadores de Arte, etc... e entre grandes personalidades do nosso meio artístico, o professor Abel Moura, uma sumidade em questões de restauro artístico.
É de lastimar que o Sr. Secretário de Estado da Cultura tenha sido mais sensível aos argumentos do estrangeiro Sr. Brown do que à opinião dos portugueses que, com saber e amor pelo seu património artístico, se opõem à perigosa viagem do painel inserido numa obra de arte que faz parte da integridade nacional.
E por fim vem o meu espanto perante declarações do Sr. Secretário de Estado da Cultura publicadas no Expresso, segundo as quais a cedência do painel fora sujeita à aprovação da Comissão Permanente da Cultura - refere-se certamente o Sr. Secretário de Estado à Subcomissão Permanente de Cultura. Apenas, ao que averiguo, pois encontrava-me em Macau nessa altura, tal afirmação de modo nenhum corresponde à tomada de posição da referida Subcomissão, no que invoco o testemunho da presidente da referida Subcomissão, deputada Edite Estrela, aqui presente.
E vou até Tomar, de onde nos chegam protestos contra o projecto de se instalar uma pousada no Convento de Cristo. Sei perfeitamente que é hábito, por essa Europa fora, aproveitar castelos e outros edifícios de valor patrimonial para esse fim. Mas não em monumentos como este, que tem o timbre da Ordem dos Templários já residente em Portugal antes da fundação da nacionalidade, para cuja consolidação contribuiu, passando depois, quando extinta, as suas posses e saberes à Ordem de Cristo, que a essa herança científica e pecuniária muito deve para empreender a gesta marítima com que desvendámos mundos desconhecidos. Monumento único, sede do prolongamento da Casa dos fabulosos Templários, o que devia poupá-lo a que nele, espuriamente, introduzissem o comércio do vai-vem de uma estalagem.
E chego ao cúmulo das preocupações que na área patrimonial inspiram esta minha intervenção. Recente-

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