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19 DE JUNHO DE 1991 3195

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Costa.

O Sr. Victor Costa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado da Cultura disse que já muita coisa válida ouviu neste debate.
Pela minha parte, em forma de aparte, e antes de começar a minha intervenção, enquanto os deputados do PSD se acomodam, vou dizer-lhe que me vou esforçar para que as coisas assim continuem, esperando, pois, que a capacidade de recepção do Sr. Secretário de Estado se mantenha.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Presidente, «Boa tarde. Senhoras e Senhores/Que aqui (não) estais, neste salão/A todos quero saudar/e pedir desculpa pelo incómodo/desta minha intervenção/Que aqui (não) estais, neste salão...»
Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Numa interpelação centrada sobre a política cultural do Governo não fazer uma abordagem da acção governativa na área da cultura popular falada, rezada, cantada e dançada, os hábitos, os rios e os mitos, a gastronomia e o património construído seria não lutar contra a tendência para considerar a cultura tradicional e popular como subproduto e tudo fazer para que venha a ocupar o lugar que lhe pertence na nossa cultura activa.
Com efeito, este é um dos muitos subsistemas dotados de autonomia relativa cujo valor particularmente se contrapõe ao sentido globalizante da cultura. Equivaleria a fazer opíparo cozinhado, mas a que faltaram arcinhas de sal; era como falar só da bela porta dos Jerónimos do mestre Nicolau Chanterene, ignorando a querida e graciosa sacada da casa da minha aldeia; era ter a mão pesada no tempero da posta mirandesa ou regatear o vinho à chanfana.
A propósito da posta mirandesa, um pequeno parêntesis: Miranda do Douro, nestas coisas, dá o nome e goza da fama, porque a posta é de enternecer em Sandim e os Pauliteiros são de Duas Igrejas.
Na respeitável Miranda recomendo-vos que gozeis com as belas carrancas que, do cimo das harmoniosas casas, parecem escarnecer de tudo e de todos e deixem o frenesim dos atoalhados para nuestros hermanos...
Falar de uma política para a área da cultura tradicional e popular é ter em conta, é analisar, políticas de governos e mesmo políticas de gerações.
Entretanto, o PSD há 11 anos consecutivos que está na governação deste país. E se da cultura, em geral, o Governo e o PSD revelam uma singular sensibilidade e apetência políticas -o seu negócio são números-, quando se fala de cultura popular e tradicional sentimos que bastantes dos jovens governantes que nos visitam, aqui na Assembleia da República, ou amiudadamente invadem os nossos lares, ao ouvir falar em cultura popular reagem antropologicamente buscando na algibeira o nosso tradicional «varre canelhas» miniaturizado, última novidade do shopping center da esquina mais próxima.
Se a obra ou o pecado é de governos, não há reza ou mezinha que cure o actual «mau olhado» que permanentemente se vem lançando à cultura. Assim, não há Congresso de Vilar de Perdizes ou remédio em toda a semelhante maleita...
Por outro lado, também somos obrigados a esta referencia, até pela coincidência desta interpelação com as celebrações tradicionais que se realizam em Junho, compreendidas no ciclo de São João, difundidas não só em Portugal mas em todos os países da Europa, em terras americanas e, até mesmo, no Norte de África. De feição eminentemente festiva, extrovertida e popular, ricas na sua problemática, representando resíduos de ritos de fecundidade no seu duplo carácter casamenteiro e pastoril, e significações, quando interpretadas em função de velhos ritos solsticiais, recorre-se, nas noites deste ciclo, às virtudes das ervas, do fogo e das águas, às fogueiras e banhos rituais.
São os santos populares festejados a preceito pelo nosso povo em lodo o País. São os santos populares ostensivamente utilizados a preceito, por certos dirigentes políticos, em vésperas de eleições.
Sr.a Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com o 25 de Abril abriu-se e floresceu o sentimento colectivo do reencontro com as nossas raízes mais profundas e populares, do ressarcir de décadas de cultura oficial, do nacional cançonetismo e do folclorismo abjecto ditado pelo SNI.
Foi o multiplicar de iniciativas; foi o «colectorismo» espontâneo; foi a consciência colectiva e profunda de que, no dizer de Ernesto Veiga de Oliveira, «poderiam ajudar as novas gerações a construir a imagem de um mundo que viveu até então isolado no sistema ainda integrado da sua realidade, com as suas festas e jogos, crenças e símbolos, os seus valores e formas de pensar, de estar e de trabalhar próprios e peculiares, e que, contrariamente ao que supuséramos de entrada, se encontra em vias de mutação essencial, para não falar mesmo, talvez, de extinção, mas que é indispensável conhecer para se compreender cabalmente o momento presente».
Foi, enfim, o transformar desta cultura, que é sempre de resistência, também em cultura de progresso.
Quem não tem presente o notável trabalho de numerosas autarquias, em particular no Alentejo, com a criação de inúmeros espaços museológicos. Foram as associações e as colectividades, foram os mais jovens e os menos jovens que, de novo, partiram em busca dos cantares e da música populares, não só pelo seu interesse patrimonial mas, também, como preciosa matéria-prima para formas mais elaboradas de expressão cultural.
Foi o retomar aprofundado da cobertura etnográfica integral do País, na melhor tradição legada, entre outros, por Rocha Peixoto, Consiglieri Pedroso, Leite de Vasconcelos, Jorge Dias, Michel Giacometti e Ernesto Veiga de Oliveira e continuadores de um filão que vinha desde Garrett, passando por Teófilo Braga.
A acompanhar lodo este largo movimento quase sempre faltou e falta, ao contrário do que disse o Secretário de Estado, a acção coordenadora e incentivadora dos competentes departamentos governamentais, que são mantidos inertes e desactivados na actual Secretaria de Estado.
Qual tem sido a política de descentralização e de apoio ao associativismo, aos grupos de teatro, que cada vez são menos, aos clubes e colectividades, às bandas, que se vão reequipando porque imigrante amigo leva velho e irás novo, aos coros e ranchos folclóricos?
Como podia, devia e deve, ainda, ser preservado o núcleo central do património construído em torno da capela em muitas das nossas aldeias e vilas, respeitando e dando satisfação simultânea, através do diálogo, ao

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