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I Série - Número 97

Quarta-feira, 10 de Julho de 1991

DIÁRIO Da Assembleia da República

V LEGISLATURA 4.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

COMISSÃO PERMANENTE REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE JULHO DE 1991

Presidente: Ex.mo Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Ex.mos Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a reunião as 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de deliberação n.º 138/V a 140/V.
Foi lida uma carta de S.Ex.ª o Presidente da República, em que dava prévio conhecimento à Comissão Permanente da Assembleia da República da sua deslocação, em viagem sem carácter oficial, à Galiza entre os dias 8 e II do corrente mês, após o que a Comissão aprovou um parecer e uma proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, dando assentimento à viagem de carácter oficial que irá realizar ao México entre os dias 15 e 25 também deste mês.
Foram aprovados quatro pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos autorizando igual número de deputados a deporem em tribunal como testemunhas, dois recusando essa autorização e um outro sobre substituição de deputados do PS e do PCP.
Foram Igualmente aprovados os n.º 80 a 89 do Diário.
O Sr. Deputado Carlos Brito (PCP) abordou a questão da função fiscalizadora dos actos do Governo que cabe à Comissão Permanente e prestou esclarecimentos ao Sr. Deputado Mário Montalvão Machado (PSD).
O Sr. Deputado Jorge Loção (PS) referiu-se à problemática dos incêndios florestais.
O Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS) falou sobre o processo das privatizações, tendo respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Cuido Rodrigues (PSD) - que, entretanto, deu explicações m Sr. Deputado António Guterres (PS).
O Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira (PSD) contestou os argumentos anteriormente produzidos pelos Srs. Deputados Carlos Brito (PCP) e Narana Coissoró (CDS), tendo ainda respondido a pedidos de esclarecimento destes mesmos deputados.

Ontem do dia. - O projecto de deliberação n.º139/V (PS) - Análise de contratos de obras públicas foi rejeitado, tendo intervindo, a diverso título, os Srs. Deputados Armando Vara (PS), Mário Montalvão Machado e Carlos Coelho (PSD), Octávio Teixeira (PCP), Joio Salgado (PSD), António Guterres e Ferrai de Abreu (PS).
Foi também rejeitado o projecto de deliberação n.º 140/V (PS) - Convocação de reunião plenária da Assembleia da República para apreciação do instituto do indulto, sobre o qual se pronunciaram, a diverso título, os Srs. Deputados Jorge Loção (PS), Narana Coissoró (CDS). Manuel Moreira e Mano Montalvão Machado (PSD), Carlos Brito (PCP) e Fernando Cardoso Ferreira (PSD).
Foi ainda rejeitado o projecto de deliberação n.º I3S/V (PCP) - A Comissão Permanente da Assembleia da Republica delibera requerer a urgente presença do Sr. Ministro das Finanças a fim de prestar esclarecimentos sobre o processo de privatizações, nomeadamente sobre as condições em que decorreram, e os factos que rodearam, as privatizações da Bonança e do BESCL. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP). Manuel dos Santos (PS) e José Silva Marques (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Vítor Pereira Crespo, Presidente (PSD).
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira, Vice-Presidente (PSD).
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu, Vice-Presidente (PS).
José Manuel Maia Nunes de Almeida, Vice-Presidente (PCP).
Hermínio Paiva Fernandes Maninho, Vice-Presidente (PRD).
Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD).
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira (PSD).
António Paulo Pereira Coelho (PSD).
Carlos Miguel M. Almeida Coelho (PSD).
Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD).
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira (PSD).
Guido Orlando de Freitas Rodrigues (PSD).
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD).
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva (PSD).
José Augusto S. da Silva Marques (PSD).
Maria Luísa Lourcnço Ferreira (PSD).
Mário Júlio Montalvão Machado (PSD).
Miguel Fernando C. Miranda Relvas (PSD).
Manuel Maria Moreira (PSD).
António Manuel de Oliveira Guterres (PS).
Armando António Martins Vara (PS).
João Rui Gaspar de Almeida (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
Manuel António dos Santos (PS).
José Sócrates C. Pinto de Sousa (PS).
Carlos Alfredo de Brito (PCP).
Octávio Augusto Teixeira (PCP).
José Carlos Pereira Lilaia (PRD).
Narana Sinai Coissoró (CDS).

ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de se proceder à leitura do expediente, vou ler uma cana do Sr. Presidente da República, que diz o seguinte: «Tencionando deslocar-me à Galiza entre os dias 8 e 11 do próximo mês de Julho, em viagem sem carácter oficial, dela venho dar prévio conhecimento à Comissão Permanente da Assembleia da República, nos termos do artigo 132.º, n.º2, da Constituição.»
Srs. Deputados, da ordem de trabalhos desta reunião consta um período de antes da ordem do dia, em que será feita a leitura e votação de diversos relatórios e em que serão produzidas intervenções, com um tempo global apenas de cinco minutos cada uma, e um período da ordem do dia em que serão apreciados três projectos de deliberação, apresentados hoje na conferência dos representantes dos grupos parlamentares, também com um tempo global atribuído de cinco minutos para cada grupo parlamentar por para cada projecto de deliberação.
Entretanto, o Sr. Secretário vai proceder à leitura dos relatórios.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, há um parecer e uma proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, que são do seguinte teor:

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar em viagem de carácter oficial ao México, entre os dias 15 e 25 do corrente mês de Julho, apresenta ao Plenário da Comissão Permanente a seguinte proposta de resolução:
Nos termos do n.º l do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República ao México entre os dias 15 e 25 do corrente mês de Julho.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, o primeiro relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
De acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, 1.º Juízo, 1.º Secção, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro a depor como testemunha num processo que corre os seus trâmites no referido tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - O segundo relatório da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
De acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Alenquer, 1.º Secção, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Vasco Miguel a depor como testemunha num processo que corre os seus termos no referido tribunal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - O terceiro relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:

De acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca do Barreiro, a Comissão de Regimento

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e Mandatos emitiu parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Francisco Costa a depor como testemunha num processo que corre os seus termos no referido tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido â votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - O quarto relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos 6 do seguinte teor.

De acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Almada, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Joaquim Eduardo Gomes a estar presente no referido tribunal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - O quinto relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos 6 do seguinte teor:
De acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu parecer no sentido de não autorizar a suspensão do mandato do Sr. Deputado Jorge Lemos para comparecer no referido tribunal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Finalmente, o sexto relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:

De acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Almada, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu parecer no sentido de não autorizar a suspensão do mandato do Sr. Deputado Correia Afonso para estar presente no referido tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, estão em apreciação os n.º 80 a 89 do Diário.
Pausa.

Visto não haver objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, há ainda um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos, relativamente à substituição de deputados.
Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão da Regimento a Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 3 de Junho de 1991, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista:

Raul d'Assunção Pimenta Rogo (círculo eleitoral de Lisboa) por Edmundo Pedro [esta substituição é solicitada nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 2 a 31 de Julho corrente, inclusive];

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português:

Oscar Luso de Freitas Lopes (círculo eleitoral do Porto) por Júlio José Antunes [esta substituição 6 solicitada nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a 15 dias, a partir de 3 de Julho corrente, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente-Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente - Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário - Alberto Monteiro de Araújo (PSD)-António Paulo M. Pereira Coelho (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD)-Belarmino Henriques Correia (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD)-José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - Luís Filipe Corrido Pais de Sousa (PSD) - Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Hélder Oliveira dos Santos Filipe (PS)-Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Moía Nunes de Almeida (PCP) - Hermínio Paiva Fernandes Maninho (PRD) -José Luís Nogueira de Brito (CDS).

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Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos agora dar início às intervenções, para o que tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao iniciarem-se os trabalhos da Comissão Permanente, nesta fase derradeira da V Legislatura, os deputados do PCP entendem que é da maior importância esclarecer até que ponto é que o Governo e o PSD aceitam a competência fiscalizadora desta instância parlamentar.
A questão reveste-se neste momento de uma acuidade ainda maior do que noutras circunstâncias.
Encontrando-nos a dois meses do início da campanha eleitoral, tornou-se, entretanto, absolutamente claro que o Governo e o PSD precipitaram o termo dos trabalhos do Plenário para se furtarem ao controlo e à fiscalização da Assembleia da República e poderem manipular à rédea solta e em seu benefício eleitoral os instrumentos, os meios e os dinheiros do Estado.
A Constituição estabelece como primeira competência da Comissão Permanente a de «acompanhar a actividade do Governo e da Administração» e destacados constitucionalistas têm salientado, nos últimos dias, o poder de fiscalização da Comissão Permanente.
Mas a Comissão Permanente só pode desempenhar a sua competência de acompanhamento da actividade do Governo em contacto directo com ele; não pode «acompanhar» pelos jornais ou apenas pela leitura atenta do Diário da República. A Comissão Permanente tem de ter a faculdade de chamar e ouvir os membros do Governo. Há, aliás, precedentes desta ajustada interpretação na história da Assembleia da República.
Recusar a vinda de membros do Governo à Comissão Permanente ou remeter a sua audição para outras comissões, à porta fechada, como têm feito o actual executivo de Cavaco Silva e a maioria que vigorou na presente legislatura, equivale a esvaziar o poder de acompanhamento, reduzir a nada a competência fiscalizadora, transformar os trabalhos da Comissão Permanente numa troca de impressões sem consequências.
A maioria parlamentar está confrontada com a nossa proposta de convite ao Ministro das Finanças para vir à Comissão Permanente prestar esclarecimentos sobre o processo de privatizações, designadamente sobre algumas situações que se apresentam como particularmente obscuras - caso da seguradora Bonança.
A resposta da maioria será um critério para avaliarmos se quer ou não furtar-se furtar o Governo a toda e qualquer acção de fiscalização parlamentar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta questão insere-se na questão mais vasta da garantia da democraticidade idade das eleições para a qual o PCP tem chamado insistentemente a atenção nos últimos dias.
Repetem-se os acontecimentos que confirmam a forma abusiva como o Governo utiliza a sua posição e os seus poderes para beneficiar a campanha eleitoral do PSD. A opinião pública está, no entanto, muito mais alertada para o extremo eleitoralismo em que o Governo está mergulhado depois dos rocambolescos episódios, alguns de graves consequências, que acompanharam a inauguração da Ponte de São João do Porto e das revelações dos dinheiros gastos para fazer coincidir a inauguração da auto-estrada Lisboa-Estonril com o ponto alto da campanha eleitoral. Outras revelações vindas a público mostram que os gastos adicionais relativos à antecipação de obras, cujos prazos de conclusão estavam, aliás, atrasados, atingem cerca de 6 milhões de contos -segundo cálculos por baixo-, que se fossem aplicados em obras sociais poderiam melhorar, significativamente, a vida de milhares de portugueses.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O escândalo permanece na rádio e na televisão públicas, especialmente nesta. É uma ostentatória manifestação de tratamento desigual a forma carinhosa como a televisão apresentou os candidatos do PSD de todos os círculos e o desinteresse que tem revelado pela apresentação dos candidatos dos outros partidos - como acontece com os do PCP -, apesar da informação abundante que lhes tem sido enviada.
Os responsáveis da televisão persistem nas técnicas manipuladoras através da utilização de falsos comentadores, o da área do PSD é um encartado porta-voz do partido do Governo, sempre a par das últimas orientações da Gomes Teixeira e da Buenos Aires. Insistem numa empobrecedora bipotarização, mesmo em áreas como a política externa, o que beneficia acima de tudo os interesses eleitorais do PSD. Fogem quanto podem aos debates políticos generalizados onde a política governamental possa ser desmascarada e posta em cheque.
O Governo e o PSD - tal como fizeram no seu último tempo de antena - gostam de se comparar aos nossos melhores campeões: aos juniores ou a Rosa Mola. Mas parecem-se muito mais com o fraco atleta que faz batota, que procura ganhar ingerindo estimulantes proibidos, rasteirando os adversários, subornando o árbitro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - O árbitro insubornável é o Presidente Soares!...

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É sina da Comissão Permanente lamentar os incêndios que devastam a nossa floresta e causam os maiores prejuízos às populações, e exigir medidas que o Governo teima em não tomar.
O facto de termos de voltar a fazê-lo nesta primeira reunião de 1991, em relação aos incêndios da serra de Monchique, de Mação e da Aroeira, é a prova da persistente negligência, leviandade e desmaselo que caracterizam a acção do Governo nesta matéria.
No Orçamento do Estado para 1991 voltámos a propor um considerável reforço das dotações para meios de combate aos incêndios; apresentámos projectos de lei para a defesa da floresta e da reflorestação, mas o PSD tudo recusou. Vê-se agora como não linha razão!
O devastador incêndio que destruiu muitos hectares de verdejante mala, propriedades e casas da serra de Monchique pôs em evidência que o País não dispõe de meios eficazes para debelar um fogo de grandes proporções. Sc houvesse esses meios o incêndio não teria alastrado durante vários dias, chegando a ameaçar as próprias Caldas de Monchique, enquanto o governador civil procurava iludir, irresponsavelmente, as proporções da tragédia, proclamando

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que eslava «tudo sob controlo». As populações exigem agora indemnizações e subsídios e o Governo deve disponibilizá-los!
Sc gastasse menos em eleitoralismo e mais em dotar o País com meios eficazes para o combate aos incêndios, a situação seria seguramente diferente!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nesta, como noutras matérias, a inversão da situação existente só será possível com um novo governo e com uma nova política, que as eleições de Outubro hão-de tomar possível.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, vamos ver se nos entendemos de uma vez por todas e para todo este período de férias parlamentares, isto é, para o período que vai decorrer ato ao recomeço dos trabalhos normais do Plenário da Assembleia da República, sobre o papel que compete & Comissão Permanente e ao Plenário.
Aquando do encerramento dos trabalhos normais da Assembleia da República nós já sabíamos que VV. Ex.ª e os demais grupos parlamentares iriam usar como «arma de guerra» o argumento de que o Governo e o partido que o suporta queriam fugir a fiscalização e, consequentemente, que todos os assuntos deveriam ser da competência desta Comissão Permanente. Creio até que VV. Ex.as chegaram ao exagero de pedir pareceres a ilustres constitucionalistas - como se isso Tosse necessário, Sr. Deputado, quer no seu grupo parlamentar, quer no meu, quer em qualquer outro!... Nesta Casa há constitucionalistas em qualidade e em quantidade suficientes para nos bastarmos a nós próprios e não precisarmos de pedir conselhos a fonte alheia.
De qualquer forma, neste período de antes da ordem do dia queria dizer-lhe-e gostaria de fazê-lo agora, porque no período da ordem do dia V. Ex.ª irá, por certo, defender os projectos de deliberação que hoje vão ser discutidos - que o Grupo Parlamentar do PSD e o Governo não querem, de maneira nenhuma, fugir à acção fiscalizadora da Assembleia da República que, neste período, deve ser exercida através desta Comissão Permanente. O que nós não queremos, de maneira nenhuma, é transformar esta Comissão Permanente num instrumento à vossa disposição, isto é, numa câmara demagógica de ataque negativo e anticonstrutivo à obra do Governo, ou seja, de campanha eleitoral para W. Ex." e de «descampanha» para nós.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

P Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, eu respondo-lhe de pé, uma vez que foi dessa forma que V. Ex.ª me questionou, embora a praxe usual nas reuniões da Comissão Permanente seja a de falarmos sentados.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): -Foi assim que me ensinaram, Sr. Deputado!

O Orador: - Uma vez que esse procedente foi aberto pelo Sr. Deputado, vou também responder-lhe de pé.
O que nós pretendíamos, Sr. Deputado, era que esta questão dos poderes e da competência fiscalizadora da Comissão Permanente ficasse esclarecida a partir de hoje, primeiro dia de reunião da Comissão Permanente. Por isso, entendo que esta discussão tem a maior importância e o maior interesse.
V. Ex.ª disse aqui que o Governo e o PSD não põem em causa a competência fiscalizadora da Comissão Permanente. Sr. Deputado, a Constituição e o Regimento desta Comissão estabelecem como sua primeira competência «acompanhar a actividade do Governo e da Administração». Mas como é que pode fazê-lo? Não é, com certeza, lendo jornais, ouvindo a rádio, lendo com atenção o Diário da República!... Esses aspectos são, sem dúvida, importantes, mas o que é certo é que tem de haver um contacto directo com o Governo, a possibilidade de colocar-lhe questões, de ouvi-lo, de chamá-lo a debate. É isso que nós defendemos, Sr. Deputado!
Se não for assim não há acompanhamento possível!
Como o Sr. Deputado bem sabe, a fiscalização parlamentar compreende uma componente pública, sem a qual aquela é ineficaz.
Ora, o que os senhores querem dizer é isto: «Sim senhor, os ministros vêm a Assembleia da República neste período, mas não para serem ouvidos em reuniões abertas, na Comissão Permanente, com a presença da comunicação social e do público que estiver a assistir aos debates.» Portanto, o que pretendem é levar os ministros para as comissões parlamentares especializadas, que funcionam à poria fechada, onde não há acompanhamento público das questões colocadas e, portanto, onde a fiscalização parlamentar, numa das suas componentes essenciais - que é a do seu carácter aberto e público -, fica diminuída.
Ora, é isso que nós não aceitamos, pois essa 6 uma forma de esvaziar o poder de fiscalização da Comissão Permanente.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não aceitamos a ideia de que a vinda de um ministro a Comissão Permanente-e isso já aconteceu no passado! - possa proporcionar tiradas demagógicas a oposição ou impedir o esclarecimento dos problemas.
Não pensamos que os membros do vosso governo sejam tão indefensáveis e tão ingénuos que, ao virem ao Parlamento responder a perguntas, sejam «levados» e derrotados pela oposição. Os senhores lá saberão a consideração que tom pelos ministros do vosso governo!...
Nós não temos essa consideração e creio que o vosso partido também não, uma vez que colocou os membros do Governo no topo de praticamente todas as listas de candidatos dos vários círculos eleitorais. Se o fez é porque cies são considerados de uma maneira diferente daquela que parece resultar das considerações que o Sr. Deputado há pouco produziu a propósito das possibilidades e das vantagens que o debate aberto na Comissão Permanente daria a oposição em detrimento do Governo.
O Sr. Deputado também disse que nós procurámos ouvir a opinião de destacados constitucionalistas. Sobre isso, Sr. Deputado, tenho a dizer-lhe que, no dia-a-dia, temos sempre essa preocupação, mas a verdade, Sr. Deputado, é que desta vez não fomos nós que tomámos essa iniciativa. Essa sua observação não é para nós, Sr. Deputado!

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Mesmo assim, entendemos que qualquer órgão do poder político, qualquer órgão de soberania, tem o pleno direito de, em relação às diferentes situações que se colocam na vida política, ouvir os constitucionalistas que quiser. Não nos parece que isso seja errado. O que nos parece mal é não ouvi-los, como é o que acontece com a vossa bancada! Aliás, os constitucionalistas, incluindo os que são identificados politicamente com o PSD, tem salientado como um aspecto importante da nossa configuração constitucional, da configuração do nosso sistema de Governo, o papel de fiscalização que cabe à Comissão Permanente.
Era essa recomendação, era essa observação, era esse conselho, que gostaria que a bancada do PSD fosse capaz de assimilar e de trazer aqui à prática do trabalho da Comissão Permanente, porque, creio, isso poderia contribuir para a garantia da igualdade de tratamento na próxima batalha eleitoral, para prestigiar a Assembleia da República e enriquecer o nosso debate.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, antes de mais gostaria de dizer-lhe que a praxe na Comissão Permanente é a de falarmos sentados, embora não haja nada que impeça que se fale de pé.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, quando era pequeno ensinaram-me a falar de pé com as pessoas. Peço que V. Ex.ª não me leve a mal, mas a verdade é que prefiro falar assim do que fazê-lo estando sentado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem todo o direito de falar de pé. Apenas mencionei essa praxe, porque, de acordo com o Regimento desta Comissão Permanente, os Srs. Deputados podem falar estando sentados.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, agradecendo, uma vez mais, a atenção de V. Ex.ª, gostaria de dizer que presumo que o Sr. Deputado Carlos Brito transformou o período de antes da ordem do dia imbuindo nele matéria da ordem do dia, qual seja a de pretender chamar à Comissão Permanente membros do Governo.
De facto, penso que esse tema faz pane de um projecto de deliberação que está para ser discutido no período da ordem do dia, mas se assim não é terei de dar agora uma resposta. Efectivamente se esse assunto não faz parte do projecto de deliberação que iremos analisar, terei de dar a resposta ao Sr. Deputado Carlos Brito dizendo-lhe que, pura e simplesmente, VV. Ex.as estão a transformar tudo começando pelo fim para chegarem ao princípio.
Assim, quando esta Câmara trabalha com o Plenário em exercício o que é que normalmente acontece em relação aos membros do Governo? Estes são chamados às comissões parlamentares especializadas, discutem aí os problemas e só depois se apresentam no Plenário, apenas se e só se as comissões parlamentares e o Plenário assim o entenderem. Mas VV. Ex.as estão a pretender transformar tudo aquilo que existe na normalidade.
Nós não nos opomos, nem lemos receio - e o Governo também não-, a que qualquer ministro aqui venha, só que não estamos dispostos a aceitar uma subversão das regras. Se VV. Ex.as querem ouvir qualquer membro do Governo sobre qualquer matéria e dado que as comissões parlamentares não estão impedidas de trabalhar -aliás, continuam a trabalhar sempre que os seus presidentes assim o entendem -, porque não convocam os membros do Governo a comparecerem nessas comissões parlamentares, para aí discutirem, na especialidade, as matérias que têm de discutir e depois aqui, nesta Comissão Permanente, se assim for entendido, termos a presença desse ou desses membros do Governo? Antes disso feito, não estamos dispostos a fazer-lhes a vontade só para que VV. Ex.ª transformem este pequeno palco da Comissão Permanente numa espécie de palco de propaganda demagógica a que não estamos habituados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de facto, do período da ordem do dia de hoje constam ires projectos de deliberação (n.º 138, 139 e 140), que foram distribuídos na conferencia dos representantes dos grupos parlamentares, que teve lugar hoje de manhã, um dos quais refere matéria que tem estado, em certa medida, em jogo nas intervenções que tem sido produzidas.
Para uma brevíssima interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, pegando no seu esclarecimento diria que não é só essa questão que tem estado em jogo. Nós quisemos colocar aqui a questão geral da competência fiscalizadora da Comissão Permanente. Aliás, o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado começou por compreender o nosso pomo de vista quando disse «vamos esclarecer de uma vez para sempre...»
Portanto, o que nós quisemos colocar aqui foi a questão geral. E, como questão geral, o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado sabe que os ministros vêm, quando são interpelados, directamente ao Plenário da Assembleia da República responder a perguntas. O Plenário tem diversas figuras para debater directamente com os membros do Governo e a Comissão Permanente por mais forte razão deve lê-las Também.
Nesse sentido, Sr. Presidente, iremos apresentar à Mesa - aqui está a verdadeira interpelação - dois projectos de alteração ao Regimento da Comissão Permanente,...
Vozes do PSD: - Alterar o Regimento!?

O Orador: -... um que tem em vista instituir um período de perguntas ao Governo e um segundo que tem em vista possibilitar à Comissão Permanente proceder a debates rápidos e urgentes com o Governo. Estes dois projectos de alteração do Regimento desta Comissão vão ao encontro desta nossa preocupação, isto é, à possibilidade de a Comissão Permanente debater com o Governo questões de urgência para o País e esclarecer aqui, em aberto, perante o público, perante a comunicação social, as grandes questões que, em lermos de fiscalização, a Assembleia da República deve poder fazer e colocar ao Governo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O flagelo dos incêndios é uma catástrofe ci-

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clicamente repetida, mas não pode transformar-se num pretexto para lamentações mais ou menos conformistas; não pode, sobretudo, deixar generalizar entre os responsáveis sentimentos de impotência. A vingança impenitente dos deuses não pode ter-se abatido sobre as florestas portuguesas. Acreditamos que os deuses não suo vingativos mas, sobretudo, que não pode ser deixado aos caprichos do destino aquilo que são as responsabilidades dos homens.
Por isso levantamos aqui a nossa voz para pedir explicações ao Governo, e mais do que explicações, para pedir acção. É inaceitável que num país de clima mediterrânico como o nosso e com o tipo de Heresia que possuímos se determine um «período oficial de incêndios» como se se tratasse do período de caça. À caça vai-se por vontade própria, mas os incêndios, esses, chegam quando menos se espera e tantas vezes Tora do «período oficial».
É incompreensível que as chamadas «comissões especiais dos fogos florestais», à parte a dedicação institucional de bombeiros e autarcas, estejam largamente desactivadas, sem enquadramento num sistema operacional eficaz e sem meios de intervenção. É necessário repensar todo o problema e o papel que as associações de municípios deverão ter na gestão de centros estratégicos de prevenção e combate.
É inaceitável que as campanhas contra os incêndios, quando existem, não sejam orientadas para uma educação cívica concreta, envolvendo as escolas e as comunidades em acções de verdadeira protecção e defesa da floresta.
É lamentável que continuem por implementar verdadeiros planos de ordenamento florestal com a contribuição conjugada dos serviços oficiais, das autarquias e dos proprietários, designadamente quanto às exigências de limpeza e de acesso às matas.
É imperdoável que os equipamentos de combate aos incêndios das corporações de bombeiros se encontrem largamente cansados e deficitários em grande medida porque não há reposições adequadas em face dos danos provocados nesses equipamentos pela dureza do combate aos fogos
É inexplicável o que acontece com o sistema de meios aéreos, pois toda a frota é alugada. O Sistema de Protecção Civil não dispõe em Portugal de unidades aéreas próprias -aviões ou helicópteros - de prevenção de sinistros, seja no campo, na cidade ou no mar. Os meios aéreos foram alugados para entrar em funcionamento apenas a partir de l de Julho-e o menos que disto se pode dizer é que estamos perante um falhanço de orientação política de consequências gigantescas. A testemunhá-lo está a ocorrência concreta de incêndios em Monchique ou a norte do distrito de Santarém, na zona de Tomar e nos concelhos de Abrantes, Sardoal e Mação - apenas pura citar alguns exemplos entre tantos possíveis -, com milhares e milhares de hectares ardidos, quando, com um mínimo de meios aéreos, susceptíveis de utilização a tempo e horas, provavelmente, nada teria sido como foi.
Srs. Deputados, falo-vos do que vi: na: na de Abrantes os incêndios, que destruíram cerca de 7000 ha de floresta, poderiam ter sido neutralizados e extintos às 12 horas do dia 29, mas, por falta de meios aéreos e escasso equipamento terrestre, não foi possível pôr-lhes termo e, de 29 para 30, o fogo reacendeu-se e destruiu tudo à sua passagem, deixando atrás de si o deserto, a miséria e o desespero de tantas famílias que, impotentes, assistiram ao consumir das suas escassas riquezas.
Nestas condições, não é explicável como só anteontem o C-130 da Força Aérea se tenha integrado no sistema de combate aos fogos, como não é explicável que as Forças Armadas, que, nos termos da Constituição, colaboram «na satisfação das necessidades básicas e da melhoria de qualidade de vida das populações, inclusivamente em situações de calamidade pública», não sejam chamadas a integrar de forma mais eficaz o sistema de prevenção e combate aos fogos. Onde estão os serviços especiais de sapadores ou os meios especiais de engenharia militar visando específica ou prioritariamente estes objectivos? Ou tais objectivos não podem ser integrados nas missões das Forças Armadas? É evidente que, tratando-se de autênticas e genuínas prioridades nacionais, podem e devem, e essa tem de ser uma opção do Governo.
No momento em que o fogo tudo reduz a cinzas, o que vai fazer-se? Tenho comigo o relatório de um presidente de junta - da Junta de Mouriscas, concelho de Abrantes -, que, dando voz aos seus naturais, exclama: «Sem nada, o que ficamos cá a fazer agora?» É urgente tudo fazer para impedir o crescendo de abandono e desertificação a que parece estar condenado o interior do País. Sem agricultura, sem floresta, com o ambiente degradado, sem dignidade na vida rural, não haverá combate às desigualdades regionais digno desse nome.
É por isso, Srs. Deputados, que apelo ao Governo - em particular aos Ministérios da Administração Interna, da Agricultura, Pescas e Alimentação e do Ambiente e Recursos Naturais - para que dê curso às recomendações constantes do recente relatório sobre os incêndios, aprovado na Assembleia da República, e que, em lugar de gastar o tempo em tantas visitas de cortesia eleitoral, providencie urgentemente a definição de programas integrados de incremento económico e de apoio social às vítimas dos incêndios. Já à mercê de criminosos e de múltiplas negligências não podem ficar agora as populações também à mercê dos especuladores. Por isso é urgente que, nos locais sinistrados, directa e pessoalmente, os responsáveis tomem consciência das situações e das consequências de catástrofe com que as populações estão confrontadas.
Que a Assembleia da República aprove, para todos os efeitos legalmente previstos, os dois projectos de deliberação que apresentamos no sentido da declaração da situação de calamidade pública, por um lado, na área do incêndio de Monchique e, por outro, nas áreas ardidas nos concelhos de Abrantes, Sardoal e Mação e ainda que, no plano parlamentar, esta Comissão Permanente delibere a continuação em funcionamento da Comissão Especial de Acompanhamento dos Fogos Florestais. O trabalho útil que já realizou bem o justifica.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os últimos desenvolvimentos sobre privatizações vieram demonstrar aquilo que nós sempre dissemos e temíamos que viesse a acontecer.
Aquando da discussão da lei quadro das privatizações avisámos que ela em nada seria operacional nem correcta se não fosse complementada com disposições relativas às indemnizações porque os antigos detentores de quotas sociais e os proprietários destas empresas acabariam por

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aparecer no momento próprio, mesmo que o Governo os quisesse afastar - como pretendeu durante algum tempo, porque era seu direito legítimo estarem presentes nas privatizações. O Governo foi surdo aos nossos avisos, combateu uma lei das indemnizações até onde pôde, arranjou uma falsa alternativa para o nosso projecto de lei por motivos elcitoralistas, e aí está o resultado que os jornais nos relatam nas últimas semanas sobre o que se passou na última privatização operada na banca, em que se verificaram jogos entrelaçados entre o actual banco e os seus antigos detentores com completo desconhecimento - segundo as declarações radiodifundidas- da própria administração do banco, que se mostra atónita a assistir a este jogo, quando, por outro lado, o Governo, que nos linha prometido acompanhar e pilotar o processo das privatizações, está na prática a faze-lo através de inspecções e inquéritos aos factos consumados, porque perdeu totalmente o controlo sobre o processo.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Particularmente, as privatizações no sector da comunicação social serão um testemunho eloquente. O Governo não sabe onde foram elas parar e só depois do inquérito saberá quem são os verdadeiros detentores dessas empresas. Quer dizer, o PSD sabe, mas o Governo finge que não sabe. Aliás, basta ler os editoriais dos jornais privatizados ou examinar o seu noticiário para se adivinhar de onde veio o capital, onde foi parar e em que mãos está agora a propriedade destes jornais!...
Quanto à outra reforma estrutural, a tão alardeada reforma fiscal, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais «gritou» que nós tínhamos sido «aliviados» da carga Fiscal. Mas, na verdade, o Sr. Secretário de Estado manipulou os números porque comparou duas realidades distintas, isto é, comparou os números somados do ano em que os Portugueses pagaram três impostos - o imposto complementar do ano anterior, o do próprio ano e o IRS, e isto porque era o ano da transição - com os números do ano em que pagaram o chamado «imposto único», o IRS, e disse que houve um «alívio» da carga fiscal.
Ora, é assim que se faz a propaganda eleitoral da chamada «reforma estrutural na matéria fiscal»!
Quanto às leis laborais, gostaria de dizer que o Governo ficou com uma autorização legislativa sobre o chamado «pacote laborai». Arvorou-se aqui em herói, fez promessas e juras, depois de constantes e sucessivos chumbos dos diplomas governamentais no Tribunal Constitucional- o que, aliás, mostra que, realmente, ler de pedir pareceres aos constitucionalistas fora do Governo não compensa como se pensa, porque os «eminentes constitucionalistas» sempre referidos pelo Sr. Primeiro-Ministro e Ministro do Emprego falharam sempre, pelo menos três vezes no «pacote laboral», e este voltou reprovado às mãos do Sr. Ministro, mas, o Governo, no fim da sessão legislativa, depois de ter a autorização legislativa, que com tanta pressa aqui veio solicitar, ainda nada legislou sobre o prometido «pacote laboral» de que todos estamos à espera.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São estas as três principais reformas estruturais que o Governo nos prometeu e fez nesta legislatura!... Isto é, três enormes fracassos: nas privatizações sem indemnizações; na reforma fiscal com uma carga desusada e insuportável sobre a classe média e sobre todos os que trabalham, carga fiscal que chega a atingir os 40%, e na comunicação social, onde o partido do Governo se substituiu ao Estado.
Afinal, fracasso na política global da Legislatura.
É isto que o Governo nega e que não quer confessar de cara levantada aqui, nesta Comissão Permanente. É por isso que o Governo se recusa a estar presente hoje e aqui e é por isso que através dos inspectores e síndicos nos promete morigeração nas privatizações.
É a corrupção que está a campear a lodo o passo, e é o jogo de interesses dos lobbies internos do PSD que está a tomar conta das políticas sectoriais, nas privatizações da banca e seguros, na comunicação social e na reforma fiscal, nos subsídios noutros sectores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há pouco fiz a enumeração dos projectos de deliberação que deram entrada, pelo que gostaria de rectificar que, apesar da numeração que lhes foi dada, os projectos de deliberação que entraram em primeiro lugar na Mesa foram os do PS, tendo o projecto de deliberação subscrito pelo PCP sido apresentado depois. Portanto, a sua discussão far-se-á de acordo com a ordem de entrada na Mesa e não segundo a numeração que lhes corresponde.
Em segundo lugar, gostaria de informar que a próxima reunião da Comissão Permanente terá lugar no dia 25 de Julho, pelas 15 horas.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, muito sucintamente gostaria de fazer-lhe um pedido de esclarecimento respeitante às privatizações.
Sr. Deputado, é ou não verdade que, quando alguma especulação se criou a respeito da seguradora Bonança, o Governo actuou imediatamente na tutela das empresas públicas que estavam envolvidas nessa matéria?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não, não é verdade!

O Orador: - E mais: é ou não verdade que essa empresa pública envolvida era e é presidida por uma pessoa ligada a um partido da oposição?
Uma segunda pergunta, Sr. Deputado: no que respeita ao Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, é ou não verdade que, quando na comunicação social foi levantado um problema, o Governo imediatamente mandou instaurar um inquérito sobre essa matéria? É ou não verdade que o Governo está atento a estas matérias e que nada do que o Sr. Deputado está a dizer sobre as privatizações se passa?

Vozes do PS: - Passa-se pior!...

O Sr. António Guterres (PS): -Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, apenas para dizer que há certo tipo de insinuações que não se fazem.
O Sr. Deputado Guido Rodrigues acabou de fazer uma insinuação que é lamentável! O que está em causa não é qualquer ligação de qualquer personalidade de nenhum partido da oposição, mas, sim, uma responsabilidade do Governo na condução de um processo político que ao Governo compete assegurar em toda a sua transparência e limpidez.

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De qualquer Corroa, quero referir que não há qualquer militante do meu partido envolvido em nenhuma dessas operações, mas, mesmo que houvesse, o partido nada teria a ver com isso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que tem exclusivamente a ver com isso é a capacidade do Governo para definir regras e para fazê-las cumprir com transparência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Assim, este tipo de insinuações deve ser banido do debate parlamentar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guido Rodrigues, deseja usar da palavra?

O Sr. Cuido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, apenas para reiterar os factos objectivos que referi.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Se assim o desejar, para responder às perguntas do Sr. Deputado Cuido Rodrigues, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Cuido Rodrigues, por aquilo que acabou de dizer, percebe-se perfeitamente que o Sr. Deputado não quis ouvir bem aquilo que eu disse, ou seja, que o processo das privatizações já linha fugido completamente ao controlo político do Governo, que, por sua vez, eslava transformado num departamento de inquéritos e de investigações. Foi isto que eu disse!
Na verdade, no processo de privatizações, que devia ser transparente, claro, isento de suspeitas de corrupção, de modo que toda a geme compreendesse os seus resultados, nem o Governo sabe o que se está a passar. É esta a razão pela qual, no fim de cada privatização, o Governo se sente, perante a pressão da opinião pública, na necessidade de nomear uma comissão de inquérito para ele próprio, Governo, saber como é que se passaram as coisas.
Isto foi o que eu disse e V. Ex.ª corroborou este meu raciocínio. Aliás, isto passou-se na Bonança, na primeira fase da privatização do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, no BPA. Enfim, em tudo! Isto ó, o Governo está a ser uma espécie de polícia de investigação das privatizações quando ele é que devia conduzir o processo!
Na verdade, V. Ex.ª acaba de dizer exactamente isto mesmo por outras palavras, pelo que só tenho que agradecer esse seu apoio à minha tese.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira.

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou começar esta minha intervenção por referir-me ao Sr. Deputado Narana Coissoró, dizendo-lhe que me surpreende a intervenção que proferiu.
De facto, fiquei sem perceber se o que critica 6 o processo das privatizações -e, provavelmente, fá-lo em plena consonância com o seu líder partidário, Prof. Freitas do Amaral, uma vez que ele disse que «Cavaco Silva é como Vasco Gonçalves: socializa, só que mais devagar» (e é bom que os senhores dilucidem esta questão no Largo do Caldas para ver se começamos a perceber o que ó que o CDS quer) - ou qualquer outro aspecto.
Em relação às oposições, compreendemos perfeitamente que elas queiram subverter as regras de jogo. É porque a questão da competência fiscalizadora da Comissão Permanente nunca esteve em causa! O que pode estar em causa é a intenção de VV. Ex.ª quererem aproveitar e enquadrar «coreograficamente» a presença de alguns membros do Governo aqui para, porventura, fazer desta Comissão Permanente um tribunal, julgando um por um todos os ministros!...
Mas. ó Srs. Deputados da oposição, o grande julgamento vai ser no dia 6 de Outubro, nas eleições legislativas!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que está em causa - e os senhores sabem-no bem - é um conjunto de realizações que o Governo tem vindo, ao longo do seu mandato, a desenvolver.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E a corrupção também!

O Orador: - Não há corrupção, Sr. Deputado! Aliás, V. Ex.ª ao proferir uma acusação dessas fica, desde já, obrigado a denunciar, concretamente, com os meios próprios ao seu dispor como cidadão e como deputado, quais os casos que conhece.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se o não fizer, essa sua afirmação será uma afirmação gratuita, demagógica, grave e irresponsável!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS e do PCP.

Há tempos, o Sr. Deputado Almeida Santos dizia, aquando da extinção do papel selado: «O papel selado é uma coisa que aguenta tudo; lá, põe-se tudo; lá, escreve-se tudo.» O caso do PCP é exactamente o mesmo: do Partido Comunista tudo é possível; tudo sai; tudo pode ser dito!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Então, esta da corrupção é uma originalidade!

O Orador: - Compreendo, naturalmente, que os senhores coloquem em causa as realizações do Governo, a obra feita do Governo; compreendo a vossa angústia, porque isso terá, naturalmente, reflexos no julgamento que o povo português irá fazer sobre nós no dia 6 de Outubro. E aí que as regras ficarão completamente clarificadas quanto a essa matéria, pois esse é o julgamento supremo que nos confere, a todos nós, o direito de tomar as posições que tomamos.
Não pensem os senhores que, com esta intenção de subversão das regras do jogo democrático do funcionamento desta Casa, podem obter os efeitos que aqui não conseguiram porque não foram capazes de ser oposição,...

O Sr. Carlos Brito (PCP): -Essa é velha!

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O Orador: -... de cumprir o vosso papel, de dizer aquilo que o Governo não fez, de convencer o povo português da bondade das vossas posições Tudo isso está em causa e é tudo isso que, à pressa, VV. Ex.as querem agora tentar resolver, fazendo da bancada do Governo nesta Assembleia o «banco dos réus», colocando os ministros um por um perante aquilo que não foram capazes de fazer durante todo o ano. Ou seja, querem agora tentar, à pressa, através da comunicação social, fazer passar a mensagem para a opinião pública.
Os Srs. Deputados têm todo o direito de exigir que se cumpra o que está estatuído em termos de competência da Comissão Permanente. Façam-no, porque isso nunca esteve em causa, mas não subvertam as regras do jogo a favor de um papel que não conseguiram desempenhar durante quatro anos nesta Assembleia.
Aplausos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, como fui interpelado, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira que...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, gostaria de saber ao abrigo de que figura regimental pede a palavra.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira, sob a figura regimental do pedido de esclarecimento, quero esclarecê-lo acerca do que disse do Sr. Prof. Freitas do Amaral.
Antes, porém, quero dizer-lhe que agora já sei por que é que o Sr. Deputado teve tantas dificuldades em manter-se na lista eleitoral por Setúbal!...
É porque realmente as afirmações que faz...

Vozes do PSD: - Está mal informado!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, em circunstâncias como esta, costumo sempre chamar a atenção do orador...

O Orador: - Bem, fico-me por aqui, até porque, de qualquer modo, são problemas internos do seu partido. Dou-lhe, no entanto, os parabéns pelo facto de a sua «competência» ler vindo a lona de água... Como se está a ver, merecia um lugar nas listas e, realmente, dou-lhe as minhas felicitações porque assim talvez possa voltar a vê-lo aqui a partir do dia 6 de Outubro, para fazer as mesmas perguntas já na bancada da oposição.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Olhe que se calhar não! Talvez não consiga ser eleito!

O Orador: - Ele merece! O PSD vai perder deputados, mas ele vai ficar!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Vai para o Parlamento Europeu!

Risos.

O Orador: - Srs. Deputados, o Sr. Vasco Gonçalves fez nacionalizações de noite para dia. O Prof. Cavaco Silva há três anos que não consegue fazer uma única privatização a 100%. Por isso, parece ser mais socialista, uma vez que o Partido Socialista não fazia pior do que os senhores do PSD. Os socialistas não fariam quaisquer privatizações, mas os senhores sociais-democratas também nada fazem. Há três anos que andam engenhados em privatizações e não fazem uma única.
Por isso, parecem mais socialistas que liberais!
É esta a explicação do Sr. Prof. Freitas do Amaral. Fique com isto, propagandeie e tire lições!

O Sr. António Guterres (PS): - Ó Sr. Deputado Narana Coissoró, são o défice orçamental e a despesa pública!... Não se esqueça disso!
Risos do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira, muito rapidamente, quero dizer-lhe que não somos nós quem, há última hora, vem propor que no funcionamento da Comissão Permanente seja compreendida a possibilidade de se ouvir e de se debater com os membros do Governo.
Creio que o Sr. Deputado tem participado nas diversas Comissões Permanentes que têm funcionado nos intervalos do exercício efectivo da actividade do Plenário e que, por isso, sabe que desde sempre temos defendido essa posição, na qual muitas vezes não estivemos sozinhos. De facto, fomos acompanhados por outros partidos da oposição e mesmo até do PSD, enquanto partido de oposição e partido do Governo. E algumas vezes essa ideia foi concretizada. Aliás, temos exemplos de vindas de membros do Governo à Comissão Permanente para participarem em debates.
Portanto, não se trata de alterar as regras do jogo da Comissão Permanente, pelo que, com essa sua argumentação, não convence ninguém, Sr. Deputado!
Se há questões a colocar em relação à garantia de igualdade das diferentes forças políticas neste período que antecede a campanha eleitoral e mesmo durante o seu decurso, elas não podem ser colocadas aos partidos de oposição por quererem que a Comissão Permanente funcione melhor, por quererem garantir que a Comissão Permanente exerça os seus poderes de fiscalização. Logo, essas acusações têm de ser imputadas ao Governo e ao seu partido e de uma maneira seria, concreta e realista.
Vê-se a actividade que o Governo desenvolve para favorecer as posições eleitorais do PSD na televisão, na rádio, através das inaugurações, no gasto dos dinheiros do Estado para acelerar obras, para as inaugurar e impressionar há última hora. Isto é que é real, Sr. Deputado!
Se os senhores querem «virar o bico ao prego» porque a oposição quer debater um pouco mais, uma vez que a Comissão Permanente só reúne de 15 em 15 dias, que é o prazo acordado pelos senhores... Bom, mas não venha, Sr. Deputado, tentar lançar poeira nos nossos olhos nem nos do povo!
A questão que se coloca e que eu já há pouco colocava, Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira, é a seguinte: não entende o Sr. Deputado que tudo melhoraria e que tudo prestigiaria a Assembleia da República se efectiva-

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mente pudesse haver debates com os membros do Governo nas reuniões da Comissão Permanente? Seriam, naturalmente, debates que obedeceriam a determinadas regras, portanto, com tempos fixados...
Não pensa que isso permitiria, exactamente neste período, um esclarecimento de várias questões, até das que hoje aqui debatemos, e que isso seria benéfico para o País, para as suas instituições, para a Assembleia da República? É porque se isso daria alguma vantagem à oposição também daria ao Governo, uma vez que cada um leria os argumentos, as explicações, as fundamentações para as suas posições.
Eram estas as questões que queria colocar-lhe, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira.

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, voltando à velha questão, limitei-me a citar palavras do seu líder.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não todas! Devia ter lido tudo!

O Orador: - Compreendo a dificuldade de V. Ex.ª, porque ele tem dias em que compara o Sr. Prof. Cavaco Silva a Salazar e outros em que o compara a Vasco Gonçalves... Essa é a minha perplexidade!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ele é como a cana verde!

O Orador: - Vejam se se decidem de uma vez!

Vozes do PSD: - Verde, mas seca por dentro!

O Orador: - Sr. Deputado, quanto a circunstância de eu ter ficado nas listas de candidatos pelo círculo eleitoral de Setúbal, espero que o CDS venha a ter a mesma sorte nesta Assembleia, embora seja uma coisa que só saberemos no dia 6 de Outubro.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito obrigado. Esses são os meus votos!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Brito, V. Ex.ª entendeu perfeitamente o que eu quis dizer.
O que eu quis dizer, Sr. Deputado, foi que as competências desta Comissão Permanente podem ser perfeitamente exercidas por VV. Ex.ªs, nos termos em que VV. Ex.ªs o têm entendido ao longo dos anos noutras reuniões e no exercício de outras legislaturas.
O que acontece, Sr. Deputado, é que, sempre que isso foi entendido e justificado, vieram a reuniões das diversas Comissões Permanentes membros do Governo. A questão é que VV. Ex.ªs querem a presença dos membros do Governo porque tom dela uma concepção espectacular, sendo esse o efeito que pretendem tirar da vinda aqui dos membros do Governo.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Desculpe-me, Sr. Deputado Carlos Brito, mas agora não lhe permito a interrupção.
Portanto, quando defendo que nas comissões parlamentares as questões serão, porventura, muito mais serena e concretamente debatidas, para satisfação de todas as partes e para que se cumpra esta função essencial de fiscalização do Governo por parte desta Assembleia, isso não interessa nem ao Sr. Deputado nem ao seu partido. O que os senhores querem é o espectáculo de ter um membro do Governo aqui, pois não estão interessados no esclarecimento, até porque a maioria das questões que V. Ex.ª hoje colocou, já as tinha colocado durante toda a Legislatura, quer em Plenário...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Desculpe, mas não autorizo a interrupção!
Como estava a dizer, já tinha colocado essas questões, quer em Plenário, quer em sede de comissão.
Por outro lado, sempre que os partidos da oposição quiseram, os membros do Governo vieram aqui esclarecer todas as questões. O Sr. Deputado não levanta aqui qualquer questão nova. O que quer é introduzir aqui o conceito espectacular do exercício de fiscalização que a Comissão Permanente deve exercer.
Na verdade, o Sr. Deputado, como, aliás, o Sr. Deputado Narana Coissoró e outros deputados do Punido Socialista, fazem sempre essa diatribe e referem-se ao eleitoralismo do Governo.
É evidente que, ao longo de todo este mandato, temos exercido com muito mérito as nossas funções. Mas não sejam modestos e assumam também a vossa quota-parte de responsabilidade nesta matéria, pois a oposição tem ajudado, de uma forma extraordinária, o Governo. Não sejam modestos, por favor!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Esse é o papel da oposição: ajudar o Governo a governar!

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Vamos dar início ao período da ordem do dia.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, o PS entregou na Mesa dois projectos de deliberação sobre incêndios e gostaria de saber se seria possível haver consenso no sentido de serem submetidos à votação hoje. Se não se estabelecer esse consenso, eles transitarão para a próxima reunião da Comissão Permanente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como já é costume, a Mesa vai diligenciar no sentido de saber a opinião das várias bancadas sobre a matéria em causa.
Srs. Deputados, da nossa agenda de hoje consta a discussão dos projectos de deliberação, apresentados pelo PS, n.º 139/V, sobre a análise de contratos de obras públi-casa, e 140/V, relativo a convocação da reunião plenária da Assembleia da República para apreciação do instituto do indulto.

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Conforme a vontade manifestada pelos Srs. Deputados do Partido Socialista, vamos iniciar a discussão do projecto de deliberação sobre a análise de contratos de obras públicas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em democracia, a transparência das decisões do poder político deve ser um objectivo a garantir em absoluto como salvaguarda do próprio regime democrático.
Com esse objectivo, o Grupo Parlamentar do PS apresentou, há cerca de um ano, um projecto de deliberação que, alertando para o insólito da situação criada pelo Governo na adjudicação de importantes obras públicas, propunha que a Comissão de Equipamento Social elaborasse um relatório sobre a maioria. O PSD, fazendo valer a sua maioria, rejeitou essa proposta.
Verifica-se agora que todas as interrogações então colocadas eram inteiramente pertinentes. As noticias vindas a público sobre situações controversas em matéria de contratos, acordos e protocolos adicionais, com o pagamento de milhões de contos para acelerar trabalhos, visando a conclusão das obras antes das eleições, indiciam gritantes irregularidades e delapidação do erário público.
A Assembleia da República tem de saber exactamente quanto custa ao País e, portanto, a todos os portugueses a campanha eleitoral do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É legítimo inaugurar o que se constrói. Mas acontece que, em grande medida, por incapacidade e precipitação, algumas dessas obras se deixaram atrasar e está agora a custar milhões de contos a tentativa de recuperação do atraso, para ser possível manter as inaugurações até 6 de Outubro. Temos o direito de saber exactamente quanto e porquê.
Quanto ao Centro Cultural de Belém já sabemos. Como se deduz das declarações feitas em público pelo presidente da empresa que gere a obra, se tudo tivesse sido decidido, planeado e programado a tempo, em condições normais, sem atrasos nem precipitações, o Centro Cultural de Belém custaria cerca de 10 milhões de contos menos do que está a custar.
Estes 10 milhões de contos saíram do nosso bolso. Temos o direito de saber qual o valor desta factura nos casos das auto-estradas, das pontes e das estradas. Como queremos conhecer a dimensão exacta da irresponsabilidade das decisões ligadas à inauguração prematura da Ponte de São João no Porto, cujos prejuízos estão já hoje bem patentes.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: É indispensável que tudo seja claro, que a verdade seja apurada sem margem para dúvidas! Para isso, não chega a vinda à Comissão do Sr. Ministro. É preciso que, primeiro, seja fornecida toda a documentação para que os deputados dos diversos grupos parlamentares possam questionar o Governo sobre as dúvidas que persistirem.
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PS apresenta este projecto de deliberação, requerendo informação detalhada ao Governo sobre as diversas empreitadas de obras públicas e propondo que se mandate a Comissão de Equipamento Social para análise de toda a documentação referente aos respectivos contratos.
À Assembleia da República compete constitucionalmente a fiscalização dos actos do Governo, pelo que seria grave para o funcionamento das instituições democráticas se a maioria se opusesse agora ao exercício dessa competência constitucional.
Que não haja subterfúgios. Tudo o que está em causa aconteceu, porque o Governo e o Primeiro-Ministro assim o quiseram.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- Não vale a pena tentar escamotear a verdade, responsabilizando os que apenas cumprem as instruções do próprio Governo, sejam serviços ou empresas dele dependentes.
Quem não deve não teme. O Governo alega que tudo não passa de desespero e ciúme. Muito bem, então não há qualquer problema e teremos certamente toda a documentação. Mas convém não esquecer que diziam o mesmo no caso do Ministério da Saúde, e foi o que se viu.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Maria Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Armando Vara, V. Ex.ª trouxe aqui para o debate uma questão que já não é nova, até porque foi aqui, várias vezes, levantada, nomeadamente durante o último ano.
Com efeito, o plano de obras públicas, actualmente em execução, foi apresentado pelo Governo a esta Assembleia da República durante a discussão do Orçamento do Estado para este ano e, depois de detalhadamente discutido, foi aprovado. O Governo limita-se a cumpri-lo e a oposição já deveria ler indicado - poderá ainda fazê-lo agora, se quiser - que obra ou que obras é que estão em conclusão e que não foram apresentadas na devida oportunidade, constituindo, por isso, qualquer espécie de surpresa para esta Assembleia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim, perguntaria por que razão é que só agora, que as obras vão ficando concluídas e que o povo português se vai dando conta de que elas se fazem, é que a oposição levanta questões por causa dessas obras. Por que é que não as levantou quando o Governo apresentou o seu programa e o Orçamento do Estado para 1991?
Quererá V. Ex.ª ou qualquer outro membro da oposição indicar qual a obra ou quais as obras que pretendem que se atrasem para que não constituam surpresa para o povo português?
Sr. Deputado, se a oposição, porventura, em sonhos miríficos, fosse Governo, quando é que estariam prontas as obras que agora estão prontas para entrar em funcionamento?

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, não queremos debater mais este problema. E diria mais: para nos acabou o debate. Agora queremos é documentos que provem o que se está a fazer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Nos queremos é obras e não papéis!

O Orador: - Agora, não queremos debater mais esta questão. Há um ano atrás, quisemos fazê-lo. Como certamente o Sr. Deputado se lembra, há cerca de um ano, entregámos na Mesa da Assembleia um projecto de deliberação, chamando a atenção para o insólito de uma situação que estava a ser criada por um conjunto de obras, tendo, na altura, mencionado até que se fosse preciso resolver problemas com celeridade, podiam contar connosco. Refiro até o exemplo da ponte sobre o Tejo, para cuja obra apresentámos uma solução que deveria ser executada com a urgência necessária, à margem do concurso público, se fosse caso disso.
O Sr. Deputado pede-me exemplos? Mas o Sr. Deputado referiu um pormenor que, de facto, toca a questão essencial, pois o problema não está em atrasar obras. O que acontece é que o Governo tinha um planeamento para as obras, apresentou-o aqui em 1987 - tenho-o em meu poder, já o distribuí aos jornalista e também posso mostrá-lo ao Sr. Deputado -, em que previa que determinado número de obras estariam prontas no último semestre de 1990. Acontece, porém, que, por razões que tem a ver com alguma incúria e incapacidade, essas obras ainda não estão
concluídas, pois algumas empresas atrasaram-nas por razões que imputam à tutela, neste caso o Governo, estando agora a ser premiadas com milhões de contos para que se inaugurem as obras antes das eleições. Não se trata de atrasar nada, mas tão-só de cumprir prazos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Carlos Coelho (PSD):- Trata-se de reduzir atrasos!

O Sr. Manuel Moreira (PSD):- Cite exemplos!

O Orador: - Já que me pedem exemplos, passo a indicá-los: o prazo previsto para a conclusão da auto-estrada do Estoril terminava no 3.º trimestre de 1990; o momento previsto para a conclusão da CRIL, entre Minutares e a Buraca, obra da responsabilidade da Junta Autónoma de Estradas, era ainda o 3.º trimestre de 1990; o prazo previsto para a conclusão do nó da Avenida de Calouste Gulbenkian findava no 2.º trimestre de 1990. Todas estas obras estão atrasadas!

Vozes do PSD: - Estamos a recuperar dos atrasos!

O Orador:- Posso, todavia, indicar outros exemplos que não tem a ver apenas com os acessos a Lisboa, mas antes, na área dos itinerários principais, com o programa de execução de novos traçados até 1990: o IP1 tem 68% das obras previstas para 1990; o IP2, 58%; o IP3, 53%; o
IP4, 86%; o IP5. 100%; o IP6, 87%; etc. Poderia continuar a referir todos os outros itinerários principais cujas obras se encontram atrasadas, mas não o farei por economia de tempo.

O Sr. Manuel Moreira (PSD):- O Sr. Deputado critica o facto de estarmos a recuperar de atrasos?!

O Orador: - Diria, em conclusão, que nem a percentagem aqui prevista está executada a mais de 60%.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado Armando Vara, quero apenas pedir-lhe o favor de precisar qual é a crítica do Partido Socialista. Julguei perceber, no início da sua intervenção, que eslava a acusar o Governo de ir depressa de mais, mas com a lista que acaba de enumerar está a demonstrar que há atrasos na execução. Afinal, o que é que estamos a fazer a recuperar de atrasos, a ir depressa de mais ou simplesmente atrasados?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Coelho, a resposta à questão que me colocou é extremamente simples, constituindo também a razão por que queremos os documentos pedidos no projecto de deliberação: estão atrasados, nuns casos por incúria, noutros por incompetência e noutros ainda por irresponsabilidade, pretendendo agora, à custa do erário público, antes das eleições, acabar com esses atrasos.

Vozes do PS:- É isso!

Vozes do PSD:- Provem!

O Orador:- É isso que questionamos, pois estão em causa, nalguns casos, dezenas de milhões de contos.

O Sr. Deputado Carlos Coelho sabe certamente que há outras obras cuja conclusão não traz, à partida, ganhos eleitorais e que, por isso, não têm esse tipo de contratos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- Há obras a andar a passo de caracol e a ficar atrasadas por falta de verba, em virtude de não se pressupor que a sua conclusão traga dádivas eleitorais.

Vozes do PS:- Muito bem!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Eu também queria uma obra na minha terra, em Cruz da Légua, e ainda não foi feita!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Precisamente porque essa não dá nas vistas e traz poucos votos, Sr. Deputado José Silva Marques. Não vê o Sr. Deputado que a cele-

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ridade e vontade do Governo em gastar milhões e milhões de contos é directamente proporcional ao número de votos que as obras podem trazer. Essa é que é a causa central da questão!
Nesse sentido, Sr. Presidente, Srs. Deputados, nós, Partido Comunista Português, iremos, obviamente, votar a favor do projecto de deliberação em apreço,...

Vozes do PSD: - É surpreendente, estávamos convencidos de que não iriam!...

O Orador: -... porque estamos absolutamente convencidos de que se trata de uma actuação do Governo com delapidação de largos milhões de contos do erário público, apenas com objectivos eleitoralistas.
Como, aliás, se infere do aparte que acabou de ser feito pelo Sr. Deputado José Silva Marques, esta urgência manifestada pelo Governo só se aplica a obras que dêem muito nas vistas e possam ter impacte em termos de votos, de resultados eleitorais. A construção da tal obra a que o Sr. Deputado estava a referir-se na circunscrição eleitoral a que pertence, como é muito pequena e traz poucos votos, está atrasadíssima e nunca mais verá o seu fim, enquanto este governo estiver em funções.
Permito-me sugerir ao Partido Socialista que neste projecto de deliberação, para além das solicitações nele feitas, que nos parecem correctas, se acrescente uma outra alínea no sentido de solicitar a indicação de todos os contratos e protocolos adicionais que foram celebrados para acelerar a finalização de obras públicas nos anos de 1988, 1989 e 1990, a fim de se verificar claramente que essa preocupação só existiu - ninguém acredita que por mero acaso - no ano de 1991.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nos anos anteriores não houve qualquer protocolo adicional nem qualquer acordo para acelerar a realização de obras.

O Sr. António Guterres (PS): - Já lá estava um caso, mas podem ser postos todos os outros!

O Orador: - Sim, já agora, poderia ficar completo o quadro da actuação do Governo nesta matéria.
Além do mais, convirá salientar - e esta é uma das razões da crítica que dirigimos ao Governo neste campo - os milhões de contos que estão a ser gastos em excesso. É interessante verificar que o Governo não faz nenhum protocolo em que proponha uma penalização da empresa por ela não cumprir o prazo; faz, sim, o protocolo por x milhões de contos, para que seja cumprido um determinado prazo, e depois dá mais y para que, ao fim e ao cabo, esse mesmo prazo, que deveria ter sido escrupulosamente observado, seja cumprido a posteriori pela empresa, não havendo penalização para o facto de o não ter cumprido em devido tempo.
Por isso, o erário público está a perder milhões de contos por duas vias, que são somáveis, sendo certo que esse somatório atinge, por aquilo que se conhece, pelo menos mais de uma dezena de milhões de contos - e já nem incluo aqui o caso concreto do célebre Centro «Monumental» de Belém - e que, aplicada, por exemplo, na dotação para habitação social no Orçamento do Estado, triplicaria a verba que o Governo orçamentou para 1991.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Há um outro aspecto que vale a pena relevar neste frenesim inauguracionista do Governo em matéria de obras públicas. É que com este frenesim o Governo mostra claramente, ao fim e ao cabo, que não está convencido e até tem sérias dúvidas de que a actividade desenvolvida ao longo de quatro anos possa ser suficiente para tentar obter uma determinada percentagem de votos. Tem tanto certeza de que aquilo que fez ao longo de quatro anos não serve para lhe garantir uma votação razoável que procura agora, contra tudo e todos, e mais uma vez à custa do erário público, conseguir esses votos adicionais que lhe permitam pelo menos não descer muito abaixo dos 36 % ou 37 %.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Só?!...

O Orador: - Neste sentido, e porque o problema em causa é importante, não apenas em termos de erário público, mas também em termos da ética política que um qualquer governo que se queira democrático deve sempre ter em vista, votaremos favoravelmente o projecto de deliberação apresentado pelo Partido Socialista, embora aditado com a sugestão que há pouco avancei aos subscritores do dito projecto.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Salgado.

O Sr. João Salgado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero fazer uma pequena intervenção sobre a demagogia eleitoral e política dos deputados do Partido Socialista, principalmente atendendo ao que ainda há dias ouvi na televisão da parte do líder do seu grupo parlamentar, que, como engenheiro que é, deveria saber (sabe, mas não o quer dizer) que, desde há muitos anos, não há nenhuma obra em que não sejam celebrados acordos ou protocolos adicionais, o que acontece mesmo em relação à construção de um mero edifício.
Dou o exemplo do modesto edifício onde habito, situado na Avenida de Afonso III, cujas obras de construção deveriam estar concluídas em dois anos e meio, mas em relação ao qual foi celebrado um contrato entre a ENGIL e a MERMUL/CPP no sentido de se antecipar a conclusão das obras, findas as quais seria concedido um prémio. Devo até referir que a ENGIL, a empresa construtora, concluiu as obras em ano e meio, em vez de dois anos e meio, e obteve um prémio muito elevado, não sei concretamente de que montante, mas julgo que na casa dos 50 000 contos. Isto aconteceu pela simples razão, aliás lógica, de que quanto mais depressa fosse construído o prédio mais depressa a empresa o venderia, mais depressa se começavam a vencer juros e mais depressa as pessoas pagariam os empréstimos contraídos ao Crédito Predial Português, acrescidos dos respectivos juros.
É demagogia política aquilo que os Srs. Deputados estão a dizer! Ainda por cima, os Srs. Deputados têm na vossa bancada juristas que, por vezes, no âmbito da sua vida particular, elaboram esses contratos!
Com efeito, alguns dos senhores fizeram, nos seus escritórios, esse tipo de contratos para auto-estradas, edi-

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fícios, etc. Aliás, como engenheiro que é, o Sr. Deputado António Guterres sabe perfeitamente que é isso que se passa e que, inclusivamente, sempre se passou!
Srs. Deputados, do que não há qualquer dúvida é de que o PS não tem inaugurações para fazer.
De qualquer modo, não podemos esquecer - não o vi noticiado na imprensa portuguesa - o que se passou em Telheiras e que configura um verdadeiro escândalo. É que o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. Jorge Sampaio, foi inaugurar uma via rápida em Telheiras, a qual não foi feita pela Câmara - que, inclusive, nem um tostão deu para a obra -, mas que foi paga pelo Euromarché no seguimento de um acordo celebrado em tempos com o anterior elenco camarário - esse acordo poderia até ter sido celebrado com o elenco actual, não é isso que está em causa.
Porém, a verdade é que o acordo foi celebrado com o anterior elenco da Câmara Municipal de Lisboa, que não dispendeu um tostão com a obra! A verdade é que o Dr. Jorge Sampaio, na sua qualidade de presidente da Câmara e sem ninguém o esperar, apareceu na inauguração, quando se sabia que o acordo celebrado ia no sentido de o Euromarché só poder abrir se as entidades responsáveis pelo hipermercado construíssem ali uma via rápida!
Isto é que é um escândalo, Srs. Deputados! Com certeza que foi mais um contributo para o tempo de antena do PS!...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Afinal também gostam de inaugurações!

O Orador: - Srs. Deputados, a realidade é que o povo português se está «borrifando» para o facto de os senhores andarem às voltas com essas questões. Aliás, até gosta, pois só não inaugura quem não constrói, quem não faz obras!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E essas os Srs. Deputados não têm, nem mesmo na Câmara de Lisboa!

Aplausos do PSD.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, depois desta exaltada intervenção em que o meu nome foi várias vezes citado, peço a palavra para exercer o direito regimental de defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado João Salgado, só não inaugura quem se envergonha! Foi por isso que o Sr. Primeiro-Ministro não foi à inauguração da Ponte de São João e foi por essa razão que o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações cancelou a inauguração do troço da auto-estrada entre Carcavelos e o Estoril!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado fez aqui várias confusões que importa esclarecer.
Com efeito, uma coisa é um contrato adicional feito com um empreiteiro, do qual constam, normalmente, penalizações quando se verifica um atraso na obra. Aliás, em cenas circunstâncias, pode até haver prémios.
Perguntar-se-á: então os empreiteiros atrasaram-se com as auto-estradas?
Curiosamente, os empreiteiros não se atrasaram. Os atrasos que se conhecem não foram da responsabilidade dos empreiteiros.
Eles decorreram da precipitação com que as obras foram lançadas, o que fez que houvesse empreitadas adjudicadas sem que as expropriações estivessem concluídas e que houvesse obras paradas à espera de expropriações e de peças de projectos! É que tudo foi mal feito; tudo foi feito a trouxe-mouxe, na ânsia de ter tudo pronto a tempo das eleições!
Portanto, como tudo foi mal feito, tudo se atrasou. E agora, quando as coisas já estão atrasadas, quando os erros do passado cometidos pelo Governo e por quem do Governo depende comprometeram o seu programa eleitoralista, o que é que o Governo, em desespero de causa, tenta fazer? Gastar, de qualquer maneira, uns milhões de contos, para ver se, mesmo assim, é possível acabar antes de 6 de Outubro!
Isso nada tem a ver com os contratos iniciais, mas com novos contratos, feitos de qualquer maneira, para tentar conseguir reparar o mal que a própria incúria do Governo cometeu!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, foi isso que, com toda a clareza, se verificou no Centro Cultural de Belém. O Governo está no poder há cinco anos e a presidência portuguesa das Comunidades é conhecida desde há cinco anos. Portanto, o que é facto é que o Governo se atrasou, começando tarde a obra!
Como começou tarde a obra e houve depois atrasos no projecto, foi preciso fazer tudo a trouxe-mouxe! Ora, uma obra que, segundo os responsáveis, poderia ter custado 18 milhões de contos se o Governo soubesse o que eslava a fazer, vai custar 28 ou 30 milhões de contos, porque o Governo não sabe o que está a fazer! E esse dinheiro é meu, é seu e de todos os portugueses, sendo contra isso que nos levantamos!
Jorge Sampaio esteve presente numa obra em que a Câmara não gastou um tostão? Excelente! Isso só prova que o actual presidente da Câmara...

Risos do PSD.

... e que o anterior presidente da Câmara souberam defender os interesses dos cidadãos!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta vergonha vai passar-vos e daqui até às eleições ainda irão fazer algumas inaugurações. Assim, cada vez que algum ministro aparecer na televisão a inaugurar alguma obra, há uma coisa que cada português desde já sabe: uma parte do que aquela inauguração custou a mais, em desperdício, incompetência e incúria, foi paga por cada um dos telespectadores a que, eleitoralmente, for dirigida aquela inauguração!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que os senhores se envergonham agora de as fazer, porque sabem que se as fizerem com ostentação, na lógica populista que vinham conferindo

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à vossa governação, quem irá perder serão os senhores! É que, cada vez que fizerem uma dessas inaugurações, estarão a condenar-se a vós próprios pela forma como delapidaram o erário público em Portugal!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Salgado.

O Sr. João Salgado (PSD): - Afinal, o Sr. Deputado António Guterres não fez nenhuma defesa da consideração, vinda apenas em defesa do seu camarada de bancada.
Sr. Deputado António Guterres, não é verdade que o Governo se tenha atrasado, que não tenha havido expropriações, etc. Aliás, isto é tanto assim que, há pouco, o Sr. Deputado Armando Vara leu que essas obras seriam para estar concluídas em 1990. Estamos em 1991...

O Sr. António Guterres (PS): - Então atrasaram-se!

Risos do PS.

O Orador: - Repare que se tratou de recuperar atrasos, pelo que o que a bancada do PS está é a fazer demagogia!

O Sr. Armando Vara (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Deputado, se o atraso não é imputável ao Governo, então isso quer dizer que o é à empresa. Logo, a empresa, ao invés de merecer prémios, merece é ser penalizada por isso!
Então, a que propósito é que estão a ser dados prémios a empresas que se atrasaram?! Por uma razão muito simples: as empresas provaram que os atrasos não eram da sua responsabilidade e o Governo dá-lhes prémios para cumprirem as obras dentro dos prazos!

O Orador: - Não é nada disso, Sr. Deputado - V. Ex.ª sabe que não é! O que os Srs. Deputados querem e desviar a atenção da opinião pública das inaugurações! É esse o vosso interesse!
O grande problema para o PS é que, em quatro anos, este governo tem obras realizadas! Ora, como há obras realizadas, também há inaugurações! O PS está é envergonhado de as não ter, nem sequer no âmbito da Câmara Municipal de Lisboa!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como há pouco referi, temos o exemplo da inauguração da via rápida de Telheiras, a cuja inauguração o Dr. Jorge Sampaio esteve presente sem sequer ter sido convidado! O que é grave é que a obra é privada e vemos o Sr. Presidente da Câmara a aproveitar-se de algo com que a Câmara nada tem que ver! Isso é que é falta de vergonha, Srs. Deputados!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que não há dúvida é que o povo português os julgará por não terem obra feita, nem no passado, nem no presente - principalmente na Câmara de Lisboa.
Os Portugueses sabem que há uns anúncios nos jornais, provenientes da Câmara de Lisboa, dizendo que há parques de estacionamento. Mas onde é que eles estão?! Sabem que há prospectos afirmando a recuperação de zonas verdes, mas também sabem onde é que elas não estão! Essa é que é a realidade!
Na verdade, ninguém sabe onde é que estão os parques de estacionamento que os senhores anunciam como já feitos, quando os terrenos nem sequer estão ainda expropriados!

O Sr. António Guterres (PS): - Já há concursos feitos!

O Orador: - Concursos feitos?! Onde, Sr. Deputado?! Mostre-os! Nem se sabe nada na Câmara!...

O Sr. António Guterres (PS): - Não seja aldrabão!

O Orador: - Aldrabões são os senhores, pois não têm a dignidade de evitar vir aqui defender assuntos que não sabem defender!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É só propaganda!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - É uma propaganda descarada!

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Para fazer um protesto.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Para fazer uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Para fazer um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Quero apenas chamar a atenção do Sr. Deputado João Salgado de que há afirmações que não se fazem.
Em primeiro lugar, porque não é verdade que alguém tenha anunciado que tinha feito parques de estacionamento subterrâneos. O que foi anunciado é que vários desses parques vão ser adjudicados. Também recebi esses papéis e nunca vi lá escrito que a Câmara «tinha feito».
Em segundo lugar, Sr. Deputado João Salgado, quero dizer-lhe que o senhor tem muito fraca memória, porque o PS, apesar da situação crítica em que governou este país, por culpa da herança que recebeu dos governos da AD, iniciou e projectou muitas das obras que estão agora a ser feitas. Efectivamente, quase todos os itinerários principais foram projectados e começados pelo governo socialista.

Risos do PSD.

O Sr. João Salgado (PSD): - Só se tiver sido na sua rua, Sr. Deputado!

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O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Isso foi no tempo da AD.

O Orador: - O Sr. Deputado está a esquecer-se de que, por exemplo, o início das obras do IP5, a que assisti, deu-se no tempo em que era ministro o Sr. Arquitecto Rosado Correia. O mesmo se passou relativamente ao IP4, à ponte sobre o rio Mondego, na Figueira da Foz, e às variantes de Leiria. Todas estas obras foram feitas no tempo do governo do Dr. Mário Soares.
Assim sendo, o que o Sr. Deputado disse não é verdade. Ora, como aqui devemos procurar ser sérios, não devemos fazer afirmações que não correspondem à verdade.

O Sr. Presidente: - Para fazer um contraprotesto, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado João Salgado.

O Sr. João Salgado (PSD): - Sr. Presidente, vou ser muito sucinto, porque a discussão sobre esta matéria já vai longa e o PS já demonstrou que não tem razão. E não tem razão porque já se desviou do caminho - estávamos a falar sobre empreendimentos em Lisboa e o PS já desviou o assunto para a Figueira da Foz, para o Porto, para Aveiro, etc.
Agora, o que posso garantir-lhe, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, é que parques de estacionamento não existem, zonas verdes não existem e as cargas e descargas continuam a efectuar-se, em Lisboa, a qualquer hora.
Além disso, dos 24 requerimentos que fiz à Câmara Municipal de Lisboa obtive uma única resposta e o mais grave, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, é que essa resposta foi dada por um funcionário da Câmara e não pelo Sr. Presidente ou por um vereador. No tempo da anterior vereação, era o presidente da Câmara ou um vereador que respondia aos requerimentos feitos pelos deputados; agora, é um director de serviços - que nem sequer é o director do departamento - que responde a um deputado. Ora, isto é inadmissível!

O Sr. Presidente: - Para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para fazer uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, não lhe posso dar a palavra - assim como também não a posso dar ao Sr. Deputado Mário Montai vão Machado -, porque tanto o Grupo Parlamentar do PS, como o do PSD, já fizeram uma intervenção, não dispondo de mais tempo pura esse fim.
Posso, sim, dar-lhe a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, pretendia fazer referência a um conjunto de obras que foram adjudicadas por concurso promovido pela Câmara Municipal de Lisboa e já realizadas.
Como não o posso fazer sob a figura da interpelação, terei muito gosto em facultar esses elementos ao Sr. Deputado João Salgado que anda muito distraído.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, já se falou aqui largamente de contratos feitos pelo Estado, pela Junta Autónoma de Estradas, pela BRISA, de adiantamentos e de atrasos de obras, etc. Contudo, creio que vale a pena referir aqui qualquer coisa de concreto, para que sejamos capazes de nos deter nos princípios básicos que têm de enformar esta matéria.
A empresa BRISA é uma empresa privada, ...

Risos do PS

... embora com a maioria do capital pertencente ao IPE - mas é uma empresa privada! A relação contratual da BRISA com o Estado é a relação contratual de concessão. Por exemplo, no caso da auto-estrada do Estoril, a data de referência da entrada em serviço que figura no contrato é a de Dezembro de 1990. Efectivamente, a BRISA atrasou-se! Neste momento, não me importa saber porquê.

Risos do PS.

O que importa, sim, é que o Estado, através do Governo, não está disposto a deixar que os contratos de concessão sejam letra-morta. A BRISA renegociou os seus contratos com os empreiteiros, de forma a limitar o atraso da obra a 10 meses.

O Sr. António Guterres (PS): - Até 30 de Setembro.

O Orador: - É isso mesmo, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Então, são nove meses!

O Orador: - Ora, o Governo não tem nada a ver - até desconhece! - com os contratos que a BRISA firma com terceiros, nomeadamente com os seus empreiteiros.

Protestos do PS.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exacto, desconhece tudo! Só vai às inaugurações!...

O Orador: - Apenas zela para que os contratos de concessão sejam cumpridos. E, para um melhor acompanhamento dos trabalhos, até nomeou um delegado do Governo junto da empresa. Sendo a BRISA, repilo, uma empresa privada, o Governo não lhe pode pedir, de modo algum, o fornecimento de qualquer documentação, para efeitos de fiscalização. Os senhores sabem isto! E, se não o sabem, aprendam!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, sob a forma de uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado, iodos sabemos que quem manda na BRISA é o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. A BRISA é uma empresa cuja maioria do capital é público e que, conforme foi confessado na televisão pelo responsável da BRISA, está sujeita a duas tutelas: uma tutela financeira do Sr. Ministro das Finanças e uma tutela técnica do Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Além disso, a BRISA é concessionária de um serviço

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público essencial e, conforme muito bem explicou o responsável da BRISA, «se eles se atrasassem mais, o Governo caía-lhes em cima».
E o que é o «mais»? É o dia 30 de Setembro. Por que é que o Governo lhes caía em cima? Porque a 6 de Outubro há eleições!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições. Está terminada a apreciação do projecto de deliberação n.º 139/V - Análise de contratos de obras públicas -, apresentado pelo PS.
Este projecto de deliberação tem ainda uma proposta de aditamento de uma nova alínea f) ao n.º 1, subscrita pelo PCP, do seguinte teor:

Todos os contratos, acordos e protocolos adicionais efectuados pela BRISA e pela Junta Autónoma de Estradas, visando a aceleração da conclusão de obras públicas para os anos de 1988, 1989 e 1990.

Vamos, em primeiro lugar, votar o projecto de deliberação que acabou de ser apreciado.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP e do CDS.

Uma vez rejeitado este projecto de deliberação, a proposta de aditamento fica prejudicada.
Vamos, agora, dar início à apreciação do projecto de deliberação n.º 140/V -Convocação da reunião plenária da Assembleias da República para apreciação do instituto do indulto -, também da iniciativa do PS.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar

O Sr. António Guterres (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr.ª Presidente, quero apenas informar a Mesa de que, não tendo o PSD viabilizado que a documentação que poderia esclarecer a verdade fosse pedida pela Câmara, essa mesma documentação vai ser requerida pelos deputados do PS, para que iam bom o Governo tenha de negar aquilo que a maioria, hoje, nos negou.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista apresenta hoje um projecto de deliberação com vista à convocação de uma reunião plenária da Assembleia da República para apreciação do instituto do indulto.
Todos sabemos o que está em causa. E o que está em causa é uma situação que, à medida que o tempo passa, vai ficando cada vez mais ambígua, para não dizer cada vez mais obscura, no modo como o Governo e o PSD a têm encarado. Trata-se do caso das FP-25 de Abril.
Ora, no momento em que se discutia a questão da amnistia, o Governo e, particularmente, o Sr. Primeiro-Ministro remetiam essa responsabilidade para o Plenário da Assembleia da República, para depois, como se vêm, uma maioria de deputados do PSD inviabilizar a possibilidade de a mesma vir a ser aprovada.
Posteriormente, quando o Sr. Presidente da República encetou diligências no sentido da solução do caso das FP-25, que contribuía para uma verdadeira pacificação da sociedade portuguesa, o PSD e o Governo, que nada tinham feito nesse sentido, verificaram então que a lei que define os pressupostos de concessão do indulto limitava a possibilidade desse exercício por parte do Sr. Presidente da República.
Teve, então, o Sr. Ministro da Justiça uma interpretação. Interpretação essa, todavia, discricionária sobre os prazos de concessão do indulto. Na base dessa interpretação discricionária está o facto de se colocar, virtualmente, em causa o princípio de igualdade no tratamento de todos os reclusos nas prisões portuguesas, na medida em que - por interpretação discricionária - parece permitir-se a uns que se ultrapasse o prazo para o pedido do indulto, negando aos demais essa mesma faculdade.
Ora, vivemos num Estado de direito que se funda no cumprimento da legalidade. Porque assim é e porque, designadamente, a lei que define os pressupostos do indulto tem alguns aspectos de duvidosa constitucionalidade, manifestámos toda a nossa disponibilidade para, em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tratar do problema com o Governo e, em particular, com o Sr. Ministro da Justiça.
Verificámos, então, que o Sr. Ministro da Justiça, para além de se manter arreigado a uma interpretação que, a não ser os deputados do PSD, não fez vencimento nessa comissão, reconhecia a conveniência de se introduzirem alterações à lei que regula as condições do exercício do indulto, mas não assumiu a responsabilidade política de apresentar uma proposta de lei. Ou seja, tal como aquando do debate sobre a amnistia, o Governo reconhece, implicitamente, a existência do problema, mas não tem coragem política para o enfrentar e tomar as iniciativas que dele se esperariam.
Nessa circunstância, o Grupo Parlamentar do PS, conhecidas publicamente as intenções e os propósitos do Sr. Presidente da República de contribuir para uma solução deste problema e para que não haja problemas de natureza legal ao exercício de uma prerrogativa presidencial, disponibiliza-se inteiramente para apreciar o instituto do indulto em Plenário da Assembleia da República.
Sendo assim, o Grupo Parlamentar do PS pede aos demais grupos parlamentares que compreendam que este é um apelo que fazemos em nome do Estado de direito e em nome de uma verdadeira pacificação da democracia portuguesa.
Por isso, estamos disponíveis para uma convocação extraordinária do Plenário. Repito: apelamos aos Srs. Deputados para que partilhem esta nossa disponibilidade, de modo que, finalmente, possamos encontrar, no plano legal, uma solução de transparência a fim de que cada um, assumindo responsabilidades próprias, possa contribuir para dissipar todos os equívocos, ambiguidades e incapacidades de tratamento político que este caso, infelizmente, já teve no nosso país.

Vozes do PS: - Muito bem!

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A Sr.ª Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Narana Coissoró, Manuel Moreira e Mário Montalvão Machado.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, gostaria que me dissesse qual é a situação de «grave impasse» quanto à resolução do problema político que representa a situação das FP-25 de Abril. E pergunto isto porque esta Assembleia da República, que é por todos considerada como o «coração» da democracia, por votação secreta e por ampla maioria inviabilizou a amnistia aos terroristas. Aliás, é injurioso para qualquer deputado V. Ex.ª dizer que foi esta ou aquela bancada que a inviabilizou, pois parece que o Sr. Deputado andou a ler os votos dentro da uma para saber de onde é que cada um deles veio...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª julga que a Assembleia da República cria impasses políticos? Ou antes dá soluções políticas para problemas sociais graves? Eu poderia compreender esta linguagem antes da votação, mas agora não!
Assim, ou V. Ex.ª respeita as decisões da Assembleia da República ou mantém que esta Câmara só serve para criar impasses políticos em vez de os resolver.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Assim, Sr. Deputado, faça o favor de me esclarecer sobre esta questão: face à deliberação, clara e definitiva tomada por voto secreto e majoritário deste Parlamento da República Portuguesa, onde está esse impasse político?

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - No fim, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, tive oportunidade de estar presente na última reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde houve uma útil discussão, com a presença do Sr. Ministro da Justiça, sobre esta questão do indulto.
O Sr. Deputado Jorge Lacão, que esteve presente nessa reunião, teve oportunidade de ouvir o Sr. Ministro da Justiça dizer que estava disponível para colaborar com a Assembleia da República, através da comissão respectiva ou, eventualmente, do grupo de trabalho que, em princípio, poderia vir a funcionar, no sentido de apreciar a questão da lei do indulto, ver quais as alterações que se justificariam que viessem a ser introduzidas e de procurar estabelecer um amplo consenso para que, na próxima legislatura, pudesse ser apresentado à Assembleia da República um projecto de lei sobre esta matéria.
Em síntese, foi isto que foi dito pelo Sr. Ministro da Justiça.
Também foi recordado por vários Srs. Deputados e pelo Sr. Ministro de que não há, tanto quanto nos lembramos, qualquer precedente de, depois de encerrados os trabalhos parlamentares do Plenário da Assembleia da República, fazer a sua convocação, pelo que não há razão suficiente para realizar uma sessão extraordinária para tratar da questão da alteração à lei do indulto.
Haveria, se calhar, outras matérias importantes na vida política nacional que justificariam essa convocação. Mas, como não há precedentes, não se justificaria que o abríssemos agora para discutir um projecto de lei ou uma proposta de lei que tivesse por objectivo introduzir essas alterações.
Também foi dito pelo Sr. Ministro da Justiça que mesmo que houvesse a vontade política de fazer, desde já, essa alteração pela Assembleia da República, com isso apenas iríamos ganhar, se tanto, um mós. Isto porque está estabelecido que no dia 22 de Dezembro, em reunião entre o Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Presidente da República, serão analisados todos os processos sobre os quais pode recair a elemência por parte do Sr. Presidente da República em relação às pessoas que estão presas.
Como tal, ficou claramente demonstrado que não se justificava a convocação extraordinária do Plenário, porque, na prática, isso iria apenas encurtar em um mós o processo.
Desta forma, o Governo, o Sr. Ministro da Justiça e o PSD defendem que mais vale que continuem a decorrer os trâmites normais. Aliás, creio que os próprios presos das FP-25 de Abril já requereram os indultos (pelo menos, é essa a informação que tenho), pelo que os processos vão seguir os seus tramites normais.
Assim, haverá a emissão de pareceres por parte de todas as entidades judiciárias, bem como da parte do Sr. Ministro da Justiça, a qual será depois remetida ao Sr. Presidente da República, que terá a última palavra sobre esta questão. Na altura própria, isto é, em Dezembro, isso será apreciado pelo Sr. Presidente da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Ex.ª que é um jurista ilustre, sabe perfeitissimamente qual a diferença entre uma amnistia e um indulto. V. Ex.ª sabe que a amnistia é da exclusiva competência desta Casa e que o indulto é da exclusiva competência de S. Ex.ª o Presidente da República.
O vosso projecto de convocatória de uma sessão extraordinária do Plenário da Assembleia da República é para discutir o problema do indulto, não o da amnistia, porque esse está arrumado, posto de parte, como muito bem disse o Sr. Deputado Narana Coissoró.
Ora, como o vosso projecto fala de uma sessão plenária para tratar do problema do indulto, pergunto: para debater que projecto? Da autoria de quem? Para tratar de que alterações ao instituto do indulto? Da autoria de quem? Apresentadas onde e quando?
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, começo a minha resposta prestando-lhe uma sincera homenagem, porque V. Ex.ª sempre se manifestou contra a possibilidade de aprovação da amnistia e, em consequência, sustentou, clara e inequivocamente, essa sua posição.
Menos compreendemos a posição do PSD, quando fez depender o seu voto sobre a amnistia de haver ou não consenso entre os partidos representados na Assembleia da República. Ou seja, se o CDS tivesse manifestado na ocasião uma posição favorável à amnistia, provavelmente que também o PSD a teria manifestado, uma vez, que o consenso teria sido conseguido. Quer dizer, face à amnistia, a posição do PSD não foi de princípio, mas sim uma posição táctica. Sabêmos isto e sabêmo-lo independentemente do resultado do voto secreto, porque foi publicamente assumido pelos deputados do PSD e, por isso, a tal nos podemos referir.
Quanto à questão do impasse, ele reporta-se naturalmente às condições de exercício do indulto por parte do Sr. Presidente da República. A esse respeito sabemos que o Sr. Ministro da Justiça fez uma interpretação discricionária sobre uma disposição relativa a prazos constantes do decreto que regula o exercício do indulto. E, se não abuso da interpretação da posição do Sr. Deputado Narana Coissoró, também aquele Sr. Deputado tem dúvidas sobre a legitimidade interpretativa do Sr. Ministro da Justiça acerca dessa disposição legal.
Ora, se assim é, se se trata de conferir ao Sr. Presidente da República instrumentos legais inequívocos para o exercício de um direito que lhe é próprio nos termos da Consumição, então que o Sr. Presidente da República possa exercer o seu direito sem qualquer polémica prévia sobre as condições legais de exercício desse mesmo direito.
Portanto, aquilo que consideramos ser o problema do impasse é a questão controversa de um direito estatutário fundamental do Presidente da República estar sujeito a um mecanismo de regulamentação que pode vir a inviabilizar o efeito útil que o Sr. Presidente poderá pretender alcançar com o exercício do indulto.
Nestas circunstâncias, nada mais pretendemos do que sensibilizar a Assembleia da República para a nossa disponibilidade total para revermos os pressupostos do indulto. E com uma preocupação que aqui referi: que os pressupostos sejam definidos em termos gerais, para que não aproveitem discricionariamente apenas a um segmento de reclusos com prejuízo de todos os demais, porque o princípio da igualdade prevalece para iodos os cidadãos portugueses e não pode estar à mercê de uma interpretação discricionária, mesmo que seja da parte do Ministro da Justiça.
Sr. Deputado Manuel Moreira, verdade que V. Ex.ª tem razão quando diz que nos termos da lei vigente a possibilidade de concessão do indulto tem data certa - 22 de Dezembro -, mas essa foi justamente uma das questões mais controversas da reunião havida com o Sr. Ministro da Justiça. Isto é, a questão de saber se e juridicamente adequado condicionar o exercício do direito de concessão do indulto por parte do Presidente da República a uma data prefixada. Como esta prefixação de data em termos legais é de duvidosa constitucionalidade, aqui tem, Sr. Deputado Manuel Moreira, uma boa razão para que o mecanismo jurídico fosse revisto.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Quanto tempo é que ganhava com isso?

O Orador: - Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, estamos no domínio de uma abordagem aos pressupostos do indulto e não à questão da amnistia. Se me reportei à questão da amnistia foi para fazer um juízo de valor sobre a conduta política do Governo e do PSD em todo este processo.
O que gostaria de lhe significar é que, a meu ver, faz pouco sentido que quando se chega a uma situação em que o ministro da Justiça de um país, que vive em regime de Estado de direito, tem de fazer interpretações mais do que polémicas sobre disposições legais e quando é ele próprio a reconhecer da conveniência de alteração em sede jurídica desses mesmos pressupostos legislativos, quando tudo isto e verdade e é verdade que esses aspectos podem condicionar o exercício do indulto por parte do Sr. Presidente da República. Se assim é, da nossa pane, outra coisa não se esperaria do que estarmos politicamente disponíveis para rever esse instrumento legislativo.
O Sr. Presidente da República assumirá, nos termos que entender, a sua competência própria. Aliás não é isso que aqui estamos a julgar; estamos apenas a dizer que o Sr. Presidente da República deverá ter o direito de esperar das instituições, designadamente da Assembleia da República, que colaborem na definição de uma moldura jurídica que não crie entraves a um direito estatutário que lhe é fundamental porque é um direito próprio.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Mas o PS ainda nem sequer apresentou o projecto de lei!...

O Orador: - Quanto à questão de não haver projecto de lei, Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, assuma o compromisso de que seja possível a convocação extraordinária do Plenário da Assembleia da República e nós, pela nossa parte, assumiremos o compromisso de apresentar a correspondente iniciativa legislativa.
Porque, agora, o que não faz sentido, Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, é colocar a questão de uma iniciativa legislativa necessária - como o próprio Ministro da Justiça reconheceu - e, todavia, dizer «Deixem para Outubro a possibilidade de ela vir a ser apreciada.»
Comprometam-se politicamente à convocação extraordinária do Plenário e nós comprometer-nos-emos a tomar a correspondente iniciativa legislativa.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso é virar as coisas ao contrário!

Protestos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Srs. Deputados do PS, vamos lá a ver se nos entendemos, de uma vez por todas, sobre os verdadeiros problemas do caso das FUP/FP-25 de Abril.
Comecemos por analisar o que se passou depois da votação da amnistia no Plenário da Assembleia, ale porque não vamos debater novamente aquilo que aqui já foi discutido e decidido. VV. Ex.ªs disseram ao País que tinham exceptuado os crimes de sangue no vosso projecto de aditamento apresentado aquando do debate do projecto de lei de amnistia. Mas, VV. Ex.ªs sabem bem que o

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projecto que apresentaram - e isso está no Diário que vai ser publicado dentro de dias - não contam rigorosamente nada sobre a excepção dos chamados «crimes de sangue».
O que aqui foi votado, a vosso pedido e por todos nós, foi um projecto da vossa iniciativa que amnistiava os crimes previstos no artigo 288.º do Código Penal, crimes de associação criminosa ou crimes de associações terroristas, e os previstos no artigo 289.º, os crimes de terrorismo, ou seja, os crimes de sangue.
Na verdade, VV. Ex.ªs não exceptuaram rigorosamente nada, pois o artigo novo que apresentaram tinha apenas por objectivo dar indemnização às vítimas dos crimes previstos no artigo 288.º E a este propósito a Sr.ª Deputada Odete Santos, e bem, chamou-vos a atenção para o facto de as vítimas dos crimes previstos no artigo 288.º, relativos a associações criminosas, não serem os particulares, mas, sim, o Estado, porque, neste caso, o bem jurídico protegido é o Estado, a sua segurança e a segurança da comunidade toda, pelo que não há no artigo 20.º vítimas individuais a indemnizar.
De qualquer forma, o Sr. Deputado Alberto Martins disse que o PS estava aberto para incluir essa questão, mas não o fez. Seria para depois da votação? Não!... Então, como é que o PS estava aberto a introduzir essa questão? Mistério!...
Ora, isto demonstra que há um discurso para a televisão, para o País, e outro discurso no concreto, nos projectos escritos, que são diferentes.
O outro problema que VV. Ex.ªs levantam tem a ver com o facto de dizerem que estão disponíveis para aprovar novamente uma lei da amnistia ainda nesta sessão.

Vozes do PS:- Não é bem isso!...

O Orador:- Sim, está escrito nos jornais!...
VV. Ex.ªs dizem que estão disponíveis para realizar uma sessão extraordinária do Plenário da Assembleia da República para tratar novamente do problema da amnistia. Mas, VV. Ex.ªs sabem que na mesma sessão legislativa não se pode repetir uma iniciativa legislativa já chumbada; isto está no Regimento.
Assim sendo - e lembro que todos nós votámos a amnistia dos crimes previstos nos artigos 288.º e 289.º do Código Penal -, os senhores podem apresentar milhemos projectos de lei novos da amnistia até Outubro, isto é, até ao fim desta sessão legislativa, desde que eles não sejam referentes aos artigos 288.º e 289.º, porque estes já foram discutidos.
Portanto, o que os senhores dizem ao País é pura demagogia, isto para não dizer que estão a enganar o que julgam ser o vosso eleitorado. De facto, o País não vos ouve, porque sabe que não pode ser discutida a amnistia do crime de associação criminosa e dos crimes de terrorismo nesta sessão legislativa, uma vez que essa matéria, repito, já foi abordada e está já decidida. Acabou.
Sobre a questão da amnistia ficamos assim entendidos, Srs. Deputados do PS. Aliás, é bom que esta questão fique dam para não criar no País a falsa impressão de que o PS até quer discutir coisas impossíveis de discutir, porque, se assim for, teremos de dizer aos Portugueses que o PS deixou de ser um partido sério e responsável, porque pretende fazer uma coisa que é impossível de ser feita.
Vamos agora falar um pouco sobre o indulto. É da competência do Presidente da República conceder indultos, ouvido o Governo. Ora, VV. Ex.ªs, Srs. Deputados do
PS, sabem que em direito comparado a expressão «ouvido o Governo» não é uma mera formalidade. Assim, se V. Ex.ª consultar qualquer enciclopédia ou manual de direito constitucional que trate do indulto verá que com a expressão «ouvido o Governo» pretende-se garantir a segurança interna do Estado. Isto é, o Presidente da República não deve, pois poder pode, conceder indultos relativamente a pessoas que ponham em causa a segurança interna do Estado.
Isto é, se é ao Governo que cabe zelar pela segurança interna do Estado e por isso de toda a sociedade e dos cidadãos em geral, uma vez que, segundo a Lei de Segurança Interna, o Primeiro-Ministro é o presidente do Conselho de Segurança Interna, e é a ele que cabe julgar e decidir a segurança interna da comunidade, de todo o País. Obviamente ele tem de ser ouvido.
É natural que num Estado de direito esta prerrogativa do Governo, de dar o seu parecer, o seu aviso ao Presidente da República, não seja discricionário a ponto de poder pegar no telefone e dizer que «com este não concordo mas concordo com aquele». Tem de ser uma actividade objectiva, isto é, tem de ter pressupostos, se não seria uma audição arbitrária, o que não pode ser.
Por isso é que há que atender a três pareceres prévios nesta matéria que o decreto-lei vigente prevê.
O primeiro é o das autoridades prisionais, para dizer qual foi o comportamento do preso enquanto está na cadeia.
O segundo consiste no juízo do Ministério Público, que tem de fazer, no processo a correr perante o juiz do tribunal de execução de penas, uma promoção a dizer se, como garante da legalidade democrática, concorda ou não com o requerimento do condenado. O juiz intervém como magistrado judicial - repare bem nisto, um interveniente é um magistrado judicial - a cobrir ou não a alegação do Ministério Público para dizer se deve ou não haver lugar, do ponto de vista jurisdicional. à concessão do indulto, isto é, à libertação do preso. Só que a saída da prisão do condenado pode constituir um perigo para a sociedade, porque até se pode tratar de um perigoso criminoso habitual, que mereça medidas de internamento ou de tratamento de um psicólogo por não estar curado de certas psicopatias ou graves defeitos de personalidade e que ao Estado cumpre manter, por isso, em reclusão.
Há que atender, finalmente, ao juízo de valor final do Ministro da Justiça. Por isso é que o Sr. Ministro da Justiça vai ao Sr. Presidente da República com os processos, munido de todos os pareceres, dizer «Sr. Presidente da República, o Governo, dentro das suas atribuições, propõe-lhe isso...» O Sr. Presidente da República - e tem sucedido, como V. Ex.ª, não nestes casos muito graves, mas nos outros, dizer com estes pareceres eu concordo, com estes outros tomo a responsabilidade de mandar o preso embora. Porque o Governo diz que, do ponto de vista da segurança interna, é bom este senhor não sair, mas o Presidente da República pode dizer «Eu tomo a responsabilidade. Eu cauciono a sua saída.»
Ora bem, isto pode ser feito pelo Sr. Presidente da República e por isso a tramitação do indulto tem de ser regulada por uma lei. como sucede em todos os países da Europa. Concordo que a lei actualmente em vigor precisa de ser revista, porque não só os prazos nela previstos são muito dilatados, como impede que o Presidente da República possa indultar mais de uma vez por ano, obrigando a fazê-lo três dias antes do Natal. Há na actual lei uma sucessão de prazos que têm de ser observados, que o

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Ministério Público só alega em Outubro, que o juizo só despacha em Outubro, que o Ministro da Justiça só opina em Dezembro, etc. Com tudo isto estamos de acordo, isto é, concordamos com o encurtamento dos prazos para que o processo seja mais expedito, mais flexível, e que o Presidente da República possa exercer a sua competência mais vezes em cada ano.
No entanto, o que o Partido Socialista não pode fazer, porque é um partido responsável que teve vários ministros da Justiça que elaboraram pareceres e sempre disseram quem devia ou não ser indultado. Agora, defender a lassidão é demagogia, isto é, dizer que a lei é inconstitucional, que está a limitar os poderes do Presidente da República, que o Sr. Presidente da República quer indultar e que o Governo não deixa, e mais que ouvimos, o Partido Socialista não pode dizer isto desta maneira.
O que é que o actual Ministro da Justiça fez? Primeiro, o Ministro da Justiça fez um disparate, que foi o de abrir, discricionariamente, um prazo para determinados presos. Porque se atendermos à interpretação de que o chamado prazo organizatório está na dependência da Administração, amanhã o Ministro das Finanças ou o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, está bem de ver, pode dizer que os prazos para a entrega das declarações dos contribuintes são só para a Administração financeira as poder processar antes de fixar quanto é que cada contribuinte paga. E como é um prazo a seu favor, para a sua administração, para os seus computadores trabalharem a fim de debitarem quanto é que cada um de nós paga, poderá aumentá-lo aos amigos. Então, uns pagavam multa por terem entregue a declaração fora do prazo e outros, como o Sr. Ministro dizia que aquele era um prazo a seu favor, podiam entregá-la um mês depois do termo do prazo, porque ele faria as contas mais depressa que os outros!
Aqui está o grande disparate cometido pelo Ministro da Justiça, como, aliás, referi na Comissão.
O disparate seguinte foi a abertura do prazo só para alguns presos, quando o Estado de direito se afirmou nesta Assembleia exactamente contra a chantagem da greve de fome. Foi por as instituições não terem cedido perante a pressão violenta da greve de fome - o Parlamento não cedeu, o Governo não cedeu, as autoridades prisionais não cederam - e porque os grevistas acabaram por reconhecer que ninguém iria ceder. Perante as suas reivindicações ilegais é que a greve de fome foi levantada. E agora, nós, nesta Assembleia, depois desta vitória das instituições democráticas, vamos fazer, outra vez, a demagogia dos «impasses»?!
Em terceiro lugar, e para terminar, gostaria de deixar aqui bem claro que o CDS está disponível para debater uma flexibilização da lei do indulto em matéria de prazos. É, realmente, o único aspecto que podemos discutir.
Ainda hoje li na imprensa que alguns socialistas, naturalmente daqueles espontâneos, dizem: «Até é preciso ver se é necessário ou não uma sentença transitada em julgado.» Ora, é evidente que quem «dá esta boca» não sabe, realmente, do que é que está a falar, não sabe o que é uma sentença transitada em julgado, o que é o indulto, o que é a amnistia, por que é que existem os prazos, como é todo o instituto de «indulto». Deus os guarde na sua ignorância! Mas o que não podem é inquietar a opinião pública.
Assim, Sr. Deputado Jorge Lacão e Sr. Presidente do Grupo Parlamentar do PS, do coração vos digo: deixem o problema do indulto seguir o seu curso normal, deixem de fazer demagogia eleitoralista nesta questão gravíssima, porque estão a criar um mal-estar na sociedade portuguesa que não se justifica depois da resposta clara das instituições democráticas de Portugal. Se querem convocar o Plenário para discutir a flexibilização da lei do indulto quanto aos prazos, depois de tudo quanto o Sr. Ministro da Justiça fez e disse, e é verdade, pois os senhores sabem que com a nova lei da flexibilização do indulto se ganharia apenas um mês e ele, Ministro, com a abertura do prazo, fez que se ganhasse um ano. Enquanto os senhores queriam discutir um projecto de lei, ele, por via administrativa, alcançou um resultado melhor para os presos da FUP/FP-25, não fazendo sentido a vossa insistência na abertura do Plenário para este efeito.
Vamos falar a sério e não vamos criar expectativas falsas. Não vamos transformar essa questão no pesadelo eleitoral, até Outubro, porque ela não traz votos, só traz inquietação para a sociedade e para os cidadãos.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão, gostaria de chamar a atenção da Câmara, e, particularmente, de todos os deputados inscritos até ao termo desta sessão, de que a Mesa não pode permitir dilatações tão grandes dos tempos prefixados.
Tem, agora, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, começo por dizer que utilizo esta figura regimental dentro de um espírito de amizade apenas para sublinhar que não concordo consigo quando imputa ao Partido Socialista responsabilidades que este não assumiu.
Em primeiro lugar, o PS disse, efectivamente, pela boca do meu camarada Alberto Martins, que estava disponível para construir uma solução legal que não deixasse qualquer margem de dúvidas quanto à nossa intenção de não isentar, ou melhor, de não abranger, no âmbito da amnistia, os responsáveis pelos crimes de sangue. Se havia dúvidas, da nossa parte, elas não existiam quanto à interpretação que fazíamos do texto legal na concretização do projecto de lei apresentado pelo deputado independente Manuel Coelho dos Santos.
Mas, se havia dúvidas quanto ao texto em concreto, o Sr. Deputado Narana Coissoró não se esqueça que, na ocasião, também foi votado um outro texto, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, que dissipava quaisquer dúvidas interpretativas e que, portanto, não legitima que, politicamente, esse juízo de intenção se faça ao Partido Socialista.
Depois, Sr. Deputado Narana Coissoró, este problema, e nisso estou de acordo com V. Ex.ª, não é um problema eleitoralista e não deve ser discutido tendo em vista a obtenção de votos da parte de quem quer que seja. É um problema do Estado de direito, muito sério, e já traduziu, no passado e no presente, impasses bastante complicados no funcionamento do sistema judiciário português, pois tem envolvido nele o conjunto dos órgãos de soberania, que, de uma maneira ou de outra, por acção ou omissão, têm as suas responsabilidades também no desenvolvimento de todo este processo.

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De forma alguma, o Partido Socialista pretende afectar as condições de segurança interna em Portugal. Honro-me, eu próprio, de ter contribuído para concretizar a Lei de Segurança Interna que está em vigor no nosso país e penso que ela serve, e bem, os objectivos do Estado de direito.
Deste modo, em nosso entender, tratou-se apenas de encontrar soluções que aprofundem condições de pacificação na sociedade portuguesa, justamente, para que também prevaleça a segurança interna em Portugal.
Nesse sentido, quero manifestar ao Sr. Deputado Narana Coissoró que, paru além de haver alguma polémica nesta nossa troca de impressões, prevalece um acordo essencial que se traduz no facto de entendermos que as posições do Ministro da Justiça são discricionárias, uma vez que está a tratar de maneira desigual os reclusos portugueses.
Assim, surgem as dúvidas, designadamente quanto ao sistema de prazos que condicionam o exercício do indulto, que deveriam ser apreciadas em sede legal e a sede para essa apreciação é a Assembleia da República. Em conclusão, deveríamos politicamente assumir a responsabilidade de convocar o Plenário para a apreciação do instituto do indulto.
Permita-me, finalmente, que saliente, quanto à greve de fome, o seguinte: no seu entendimento, a greve terá terminado porque as instituições assumiram a sua autoridade,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A sua democraticidade!

O Orador: -... mas não se esqueça o Sr. Deputado Narana Coissoró de que não foi na sequência da votação produzida no Plenário da Assembleia da República que a greve de fome terminou; foi, sim, na sequência dos apelos do Sr. Presidente da República. Esses apelos têm de merecer, da parte dos deputados, o relevo suficiente para que justamente a concretização do exercício do indulto por parte do Sr. Presidente da República não venha a esbarrar em questões processuais, que dificultariam a solução final de todo este problema.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, gostaria que V. Ex.ª não atribuísse ao Sr. Presidente da República aquilo que nunca disse. Ele não se comprometeu a dar ou não o indulto. V. Ex.ª está a querer dizer que nós estamos a entravar a concessão do indulto pelo Presidente da República, mas a verdade é que ele nunca disse se daria ou não o indulto.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas não disse que não daria!

O Orador: - Não púnhamos o carro à frente dos bois!
Acho bem que V. Ex.ª não repita respostas dessas, porque tenho direito de esperar que o Partido Socialista vá adoptar o bom caminho no que respeita a este problema da amnistia e do indulto.

O Sr. António Guterres (PS): - Sempre esteve no bom caminho!

O Orador: - Veremos se isso vai acontecer, especialmente depois deste debate e de tudo o que ouvi dizer ao Sr. Deputado Jorge Lacão, que é um deputado responsável tanto no seio do seu partido como aos olhos do País.
Devo salientar que graves incompreensões e ameaças têm pesado sobre mim pelo facto de ter vindo a tomar publicamente as posições que venho assumindo. Vamos lá a ver se, após o debate que acabámos de travar, estão colocados os pontos nos ii. O debate da amnistia está terminado, restando apenas a questão do indulto, designadamente no que loca à flexibilização dos prazos, que neste caso concreto dos presos das FP-25/FUP não implicaria mais do que a vantagem de um mês, quando o Sr. Ministro da Justiça lhes concedeu a vantagem de um ano. Se não abrisse o prazo, só no próximo ano é que eles poderiam apresentar o requerimento do indulto.
Espero que doravante passemos a discutir esta questão sem eleitoralismos inconsequentes, tanto da vossa parte, como das outras bancadas. De uma vez por iodas, tratemos o problema com seriedade, porque o que a sociedade portuguesa espera de nós é calma e tranquilidade e que cada um possa viver em paz e serenidade, sem que constantemente tenhamos de falar de amnistias, indultos, greves de fome e presos das FP-2S e FUP, com comandos embuçados e clandestinos a fazerem ameaças de morte, como aconteceu na última edição da revista Sábado. Sc V. Ex.ª não a leu, aconselho-o a lê-la, para verificar que tais elementos fora da prisão afirmam peremptoriamente que estão fora das grades e não entregarão as armas e entrarão em combate quando lhes apetecer. Já nem falo da troca de injúrias e galhardetes entre o Sr. Tenente-Coronel Otelo Saraiva de Carvalho, os seus amigos presos ou os amigos que já saíram da prisão e os que brevemente vão sair em liberdade condicional. Não alimentemos este tipo de debate sobre a violência e o terrorismo político ou não! Vivamos, sim, como a sociedade portuguesa quer, sobretudo, nesta época de Verão, com tranquilidade, sem receios e sem chantagens!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero fazer uma breve intervenção apenas para indicar a nossa posição nesta matéria.
Votaremos a favor do projecto de deliberação apresentado pelo Partido Socialista, que visa notoriamente a apreciação do instituto do indulto. Como decorre do texto do projecto de deliberação, trata-se de flexibilizar esse instituto.
Gostaria de salientar que a inexistência de um projecto de lei que justifique uma tomada de posição positiva por parte da Comissão Permanente em relação à convocação do Plenário não constitui, quanto a nós, justificação.
Temos já elaborado um projecto de lei, que poderemos apresentar imediatamente se se considerar que isso é eficaz para a posição do PSD, a favor da convocação do Plenário. Não é, naturalmente, um projecto de lei que tenhamos por absolutamente perfeito, mas tão-só uma contribuição, que pode ser adiantada em qualquer momento. Aliás, já o tínhamos dito há dias, quando a 3.ª Comissão reuniu para apreciar esta mesma questão.
Não sei se, depois do anúncio da existência de um projecto de lei sobre a matéria, o PSD pretenderá rever a sua

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posição, mas admitiríamos que tal acontecesse e até estaríamos disponíveis para votar favoravelmente uma interrupção dos trabalhos a fim de o PSD poder reconsiderar esta matéria e vir a adoptar uma outra posição, uma vez que aquele me pareceu ser um argumento muito importante para o Sr. Deputado Montalvão Machado. Parece, afinal, que não o era tanto: só o foi enquanto não soube da existência de um projecto de lei sobre o assunto; agora, que existe um projecto de lei elaborado, já não é tão importante.
Como é sabido, sempre fomos favoráveis à amnistia, durante todo o período em que ela foi discutida primeiro com o Sr. Presidente da República e depois na Assembleia da República. Pensamos que esse seria o caminho correcto para a solução da situação dos implicados nos processos das FP-25. Inviabilizada a amnistia, pela posição do PSD, e tendo o Sr. Presidente da República manifestado o propósito de poder usar o instituto do indulto, desde logo nos disponibilizamos para contribuir na flexibilização desse instituto, por forma que o Sr. Presidente da República o pudesse aplicar sem limitações e constrangimentos, que não os que decorrem da própria Constituição.
Por outro lado, o Sr. Provedor de Justiça fez chegar à Assembleia da República uma recomendação urgente relativamente ao modo como estava legislado o instituto do indulto.
Pareceram-nos pertinentes os argumentos do Sr. Provedor de Justiça, tendo sido nessa base que trabalhámos na elaboração de um projecto de lei, o qual se encontra, neste momento e se assim se entender como útil e eficaz, pronto e disponível para os trabalhos da Comissão Permanente da Assembleia da República.
Entendemos também que as tomadas de posição do Sr. Ministro da Justiça são estranhas, aberrantes e susceptíveis de criar um precedente extremamente perigoso na nossa ordem jurídica. Creio até que as intervenções do Sr. Ministro da Justiça nesta matéria consubstanciavam razão suficiente para que a Assembleia da República interviesse, no sentido de repor uma situação de legalidade e na qual o Governo se não possa arrogar o direito de alterar, a seu bel-prazer, os prazos legais. Por conseguinte, pensamos que essa seria, só por si, uma razão suficiente para justificar que a Assembleia reunisse e alterasse a lei, de modo que essa questão não permanecesse suspensa perante a nossa ordem jurídica e face ao viver dos Portugueses.
Nestes termos, entendemos que o instituto do indulto, tal como está legislado pelo Governo, condiciona seriamente os poderes do Sr. Presidente da República nesta matéria.
Inclusivamente, suscita-se a questão da inconstitucionalidade dessa legislação. Naturalmente que não nos compete apreciá-la, mas, do ponto de vista político, parece-nos que se trata de um condicionamento indevido e injustificável.
Por todas estas razões, creio que seria proveitoso podermos continuar o debate em torno desta matéria, fazendo-o sempre com o espírito de aprovarmos uma lei geral - e não um normativo destinado a contemplar apenas determinadas situações - que reponha a legalidade, eliminando todas as dúvidas e questões que nesta matéria se colocam, as quais nos parecem aberrantes e não favorecedoras da boa ordem democrática.
Portanto, é esta a razão pela qual votaremos a favor do projecto de deliberação apresentado pelo PS.

Vozes do PCP: - Muno bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, continuam VV. Ex.ªs a fazer afirmações que não tem qualquer base real. Com efeito, há pouco em o PS que dizia que tínhamos sido nós, PSD e CDS, a inviabilizar a amnistia. Todavia, o Sr. Deputado acabou de referir que teria sido o PSD a inviabilizá-la.
Devo dizer a V. Ex.ª que quem inviabilizou a amnistia foi uma maioria assinalável de deputados desta Casa - porventura alguns da sua, desta ou de outras bancadas. Por conseguinte, o senhor não sabe quem inviabilizou a amnistia, mas apenas que ela foi inviabilizada por uma assinalável maioria de deputados desta Assembleia.
Assim, não falemos mais nisso; não façamos afirmações perfeitamente demagógicas e acusatórias sem qualquer base de verdade e sem qualquer espécie de pudor!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao projecto que V. Ex.ª afirma ter nas suas mãos, confesso que, por mera curiosidade, leria muito gosto em vê-lo. É que, na verdade, não sei que favor é que os senhores querem melhor para uma revisão do problema do indulto que não seja o que já lhes foi oferecido, ou seja, a antecedência de um ano...

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, repare que não falei em votação quando me referi à inviabilização da amnistia, mas tão-somente da posição do PSD. É que a questão da amnistia não se decidiu no dia da votação: vinha já a ser decidida anteriormente.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Então não se votava nada!

O Orador: - Eu estive com o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado na reunião que se realizou em Dezembro, em Belém, com o Sr. Presidente da República,...

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - A pedido do Sr. Presidente da República!...

O Orador: -... discuti, por várias vezes e na Comissão Permanente, a questão da amnistia com V. Ex.ª, voltei a estar com o Sr. Deputado e com o Sr. Presidente da República na última reunião que se realizou a este propósito e sei quais foram, ao longo deste percurso, as posições do PSD. Por isso, quando falo da inviabilização da amnistia pelo PSD, sei do que estou a falar.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - E o CDS não?!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O CDS disse sempre que não!

O Orador: - Repito que sei do que estou a falar, Sr. Deputado Mário Montalvão Machado! É verdade que o CDS disse sempre não, mas o CDS, ao contrário do PSD, contava apenas com quatro votos! Aliás, repare que

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não estou a falar somente do Sr. Deputado ou da bancada do PSD. Quando falo em inviabilização, atribuo-a a todo o PSD! Por conseguinte, reitero que sei do que estou a falar, sei o que estou a dizer e só estou a dizer a verdade!
Quanto ao projecto de lei, ele está disponível e posso ceder-lho.
Como já referi, trata-se de uma contribuição feita com seriedade, com reflexão, mas que, creio, evidencia a seguinte questão em que o Sr. Deputado insistia ainda há pouco: sonde é que está o projecto de lei?» - um deputado da sua bancada ato perguntou se se pretendia «pôr o carro à frente dos bois». Ora, como os «bois» já aqui estão, deixem andar o carro!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira.

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que nós possamos encarar esta proposta do PS com seriedade, há uma questão que é fundamental e à qual o Sr. Deputado Jorge Lacão se escapuliu airosamente. É importante saber se é verdade, ou não, que qualquer alteração legislativa a um instituto do indulto que se viesse a produzir nesta Câmara encurtaria num mós o prazo possível da sua concessão, sendo certo que o Governo diz que se disponibilizou, do ponto de vista da sua competência, para o encurtamento do prazo de um ano.
Esta questão é fundamental para ajuizarmos da seriedade deste projecto, porque parece que a preocupação maior é a de reunir o Plenário a todo o custo - não é por acaso que, de entre três propostas de deliberação, duas são para que se reúna o Plenário - e parece que o que interessa mais é essa reunião do Plenário, seja para o que for. E o pretexto? Bom, é o que houver. Daqui a 15 dias, provavelmente, surgirão outros.

ozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira, quero perguntar-lhe se ainda não teve oportunidade de se informar bem junto dos deputados do seu grupo parlamentar que estiveram na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias com o Sr. Ministro da Justiça sobre o que lá se passou, para ficar ciente do seguinte: nos pressupostos legais vigentes que definem as condições de exercício do indulto, o prazo de apresentação de requerimentos termina a 30 de Maio e o prazo concreto para a concessão do indulto por parte do Sr. Presidente da República é o dia 22 de Dezembro.
O que está em causa 6 saber se é juridicamente adequado condicionar um direito fundamental do Presidente da República - que, nos termos da Constituição da República, é o de conceder indultos ou perdão de penas, ouvido o Governo - a prazos que podem espartilhar esse exercício, esse direito próprio, por parte do Presidente da República.
Portanto, obviamente, a questão não é de um nós, porque só o é quando se faz a interpretação de que a data de 22 de Dezembro é necessariamente fixa, não podendo vir a ser alterada. A partir do momento em que haja flexibilidade para não criar uma imperatividade de datas, toda a questão pode ser reequacionada em termos diferentes, e é este o nosso propósito.
Percebe, agora, Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira, por que é que se justifica a reunião extraordinária do Plenário?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira.

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, julgo que, depois da exposição magistral do Sr. Deputado Narana Coissoró - pela qual o cumprimento - acerca do desenvolvimento de todo o instituto do indulto, ninguém precisaria de saber o que se tinha passado na referida Comissão, para poder ajuizar bem desta questão.

O Sr. António Guterres (PS): - Ah, não sabe responder!

O Orador: - Mas deixe-me dizer-lhe que V. Ex.ª respondeu não respondendo.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Essa agora!

O Orador: - Tenho pena que o seu fundamento tenha tomado esse debate num debate pouco sério.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate do projecto de deliberação n.º 140/V, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS, sobre a convocação de reunião plenária da Assembleia da República para apreciação do instituto do indulto.
Vamos passar, agora, à votação do referido projecto de deliberação.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS e do PCP e abstenções do PRD e do CDS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para fazer uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não há lugar a declarações de voto.
Vamos, agora, proceder à apreciação do projecto de deliberação n.º 138/V - A Comissão Permanente da Assembleia da República delibera requerer a urgente presença do Sr. Ministro das Finanças a fim de prestar esclarecimentos sobre o processo de privatizações, nomeadamente sobre as condições em que decorreram, e os factos que rodearam, as privatizações da Bonança e do BESCL, apresentado pelo PCP, esta manhã, em conferência de líderes.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O aspecto mais característico do processo de privatizações em curso é a completa falta de trans-

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parência que tem presidido à sua concretização. Em torno de cada privatização campeia o jogo dos lobbies, a mais completa confusão entre interesses públicos, negócios privados e vantagens de outras naturezas.
Tal situação não é de hoje; antes remonta ao início do processo. Recordem-se, por exemplo, as privatizações da UNICER ou da CENTRALCER, da Tranquilidade ou do Banco Português do Atlântico.
Mas não sendo de hoje, a verdade é que a opacidade, as negociatas, os escândalos político-financeiros, têm vindo a avolumar-se de privatização para privatização, atingindo níveis de descaramento e impunidade absolutamente inaceitáveis num verdadeiro Estado de direito democrático.
Só a transformação do Estado numa coutada privada do poder laranja, imune ao pudor, à ética e à legalidade pôde conduzir à situação com que hoje nos defrontamos.
O anúncio do vencedor da OPV da Aliança Seguradora é acolhido com um riso geral dos assistentes ao acto, pois que o «negócio» há muito estava feito e era do conhecimento público, revestindo a OPV um mero acto formal, um simulacro, tendente a cobrir com um ténue manto de respeitabilidade um despudorado caso de inside trading.
A privatização da Bonança atinge foros de escândalo público, com dois bancos, ainda públicos, mas em processo de privatização, a utilizarem os recursos financeiros dos seus depositantes ao serviço de estratégias e interesses privados dos respectivos gestores e de grupos económicos a que já se encontram ligados.
O grupo Espírito Santo actua no processo de privatização do BESCL como se já fosse o efectivo e único proprietário do banco, utilizando em seu proveito próprio registos (sigilosos) dos depositantes, instalações e quadros do próprio BESCL.
Perante tudo isto o Governo cala e consente. Melhor: o Governo, activa ou passivamente, não só permite como incentiva e dá cobertura política a este já grande e crescente rol de escândalos. Mais uma vez, o Governo atola-se, ele próprio, no escândalo. E quando intervém, ou aparenta intervir, não é para repor a legalidade, a ética e u transparência, mas tão-só para tomar o partido de um dos lobbies e facilitar-lhe o negócio.
Consideramos imperioso pôr fim a este regabofe. Por isso, o Grupo Parlamentar do PCP requer a presença urgente do Sr. Ministro das Finanças nesta Comissão Permanente, para que, publicamente, dá explicações claras sobre as escuras condições em que tem decorrido o processo das privatizações.
A oposição do Grupo Parlamentar do PSD a este projecto de deliberação só poderá significar a sua co-responsabilização com os escândalos que se estão a verificar, na linha do que já fez em situações anteriores, como no caso do inquérito ao Ministério da Saúde.
Mas, a assumir tal posição, o PSD pode atrasar o processo de clarificação e responsabilização pelos actos ilícitos e ilegais praticados em torno das privatizações.
Pode atrasar,... mas não conseguirá impedir que, a curto prazo, esses processos sigam o necessário caminho do Ministério Público e da Alta Autoridade contra a Corrupção.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de deliberação, apresentado pelo PCP, que visa a discussão em Plenário do processo de privatizações da responsabilidade do Governo e, nomeadamente, das circunstâncias e condições em que decorreram as recentes privatizações da Bonança e do BESCL, tem o inequívoco apoio do Partido Socialista.
Como é claro o nosso apoio enfatiza também a necessidade de o responsável pelo processo de privatizações em curso - o Sr. Ministro das Finanças, Prof. Miguel Beleza - responder, no Plenário, abertamente pela sua política.
De igual modo, entende o Partido Socialista que se toma necessário repor, e repor tantas quantas forem as vezes necessárias (mesmo que canse), a necessidade de esclarecer a circunstância e os factos que rodearam os processos de privatização (primeira fase) do BPA, da CENTRALCER e dos jornais Diário de Notícias e Jornal de Notícias.
Aqui, no Plenário, nas comissões especializadas, se essa for a vontade da maioria, em debates e até na comodidade dos gabinetes ministeriais, o PS estará sempre disponível para discutir esta problemática.
A política de privatizações deste governo é, podemos já hoje afirmá-lo, um logro e uma oportunidade perdida.
É um logro porque se tem reduzido basicamente a dois objectivos: o primeiro é o do simples sucesso formal (financeiro) do processo, ainda que isso implique a necessidade de recorrer a participações cruzadas através das empresas públicas que tem sob tutela; o segundo - não assumido, mas claro e evidente -, é o de consolidar e beneficiar sectores bem identificados de pressão política e financeira, normalmente, por coincidência, ligados ao partido do Governo.
O processo de privatizações e uma oportunidade perdida, porque não consumiu uma política estrutural para a transformação da economia portuguesa, susceptível de produzir maior eficácia empresarial, e, nalguns casos, promover a criação do emprego.
Sendo, como é, um logro e uma oportunidade perdida, a política «estrutural» de privatizações do Governo é um crime contra a economia nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando da discussão da lei quadro das privatizações, o PS afirmou que só é possível existirem privatizações em Portugal porque essa foi, e é, a opção do Partido Socialista. O PS defende as privatizações como reforma estrutural, e, uma vez no Governo, assegurará o respectivo processo. O PS entende, contudo, que as privatizações têm de resultar de um processo transparente, sério e honesto. Só assim ele será consensual e garantirá a estabilidade indispensável e desejada pelos agentes económicos privados nacionais.
Neste processo, a questão nuclear para o Partido Socialista e para os Portugueses é a questão da transparência. As privatizações têm de ser um instrumento do Estado e da política de desenvolvimento e não um mero negócio privado do governo de Cavaco Silva. A venda das empresas públicas tem de ser um processo honesto, sério, publicitado e de mãos limpas, que sirva o interesse nacional.
Para o PS - afirmava eu então -, a questão da transparência e seriedade é a questão decisiva, sendo todo o resto, a esta luz, relativamente acessório.
Pouco tempo decorrido estas preocupações encontram-se, infelizmente, comprovadas e acentuadas.
Compreenderão agora os Srs. Deputados da maioria por que é que o Partido Socialista votou contra a vossa proposta de lei quadro das privatizações e anunciou que irá alterá-la logo que politicamente lhe seja possível.

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E parece também tê-lo compreendido o Sr. Ministro das Finanças, que descarrega no voluntarista Secretário de Estado Elias da Costa o protagonismo privatizador, e assobia para as árvores enquanto os escândalos e as irregularidades se sucedem quase todos os meses.
É, portanto, importante que o Governo responda, finalmente, perante a Assembleia da República e perante o País pela condução de um processo que se apresenta cheio de irregularidades, passível de críticas e vazio de eficácia.
E, pois, importante que o Governo dê a cara, através do responsável da área respectiva, uma vez que utilizou a sua maioria parlamentar para obstaculizar todas as propostas de controlo político oportunamente feitas, governamentalizando e partidarizando uma política estrutural que devia ser uma política nacional.
Nestes termos, apoiamos a proposta do PCP, mas propomos que esta Comissão Permanente considere integrada na respectiva deliberação o pedido de audição parlamentar, apresentado em 15 de Abril de 1991, pelo PS, dirigido ao Governo e à Comissão de Acompanhamento das Privatizações, centrada na apreciação do processo de avaliação e consequente privatização da CENTRALCER, do qual resultou um significativo prejuízo para um considerável número de pequenos accionistas que foram, nesse caso, objectivamente enganados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de dizer que votaremos contra a deliberação.
As acusações feitas pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos são infundadas! De qualquer forma, sempre lhe direi que as eventuais irregularidades são susceptíveis de reacção, por pane dos interessados, através dos meios legais. No plano político os agentes parlamentares, designadamente os grupos parlamentares, podem apresentar requerimentos e ato requerer a presença do Sr. Ministro na respectiva comissão.
Não somos contra a fiscalização dos actos do Governo e da vida pública. Somos, sim, contra esta pretensão lastimável de transformar as instituições da democracia portuguesa em algo de anormal.
Pêlos vistos, o que os senhores queriam era que o Plenário da Assembleia da República, contrariamente a todos os outros parlamentos das democracias conhecidas, reunisse permanentemente.
E somos contra pela simples razão de que isso não se justificaria. Aliás, a nossa opinião, Sr. Deputado, não é assim tão esquisita, pois os deputados dos demais parlamentos pensam do mesmo modo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Menos os Comuns!

O Orador: - Os Comuns, Sr. Deputado, não estão permanentemente reunidos!
E o que digo é que a oposição tem como ideal um plenário permanentemente reunido. E porque? Porque a oposição privilegia a oratória, mas por aí se liça. E, embora a oratória seja fundamental para explicitar as diferentes posições políticas, na nossa óptica, a democracia não vive disso!
Por isso, Srs. Deputados, consideramos infundadas as vossas acusações. Há meios legais - aliás, já aqui invocados pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos - para reagir contra eventuais irregularidades. Para além disso, a oposição tem diversos meios ao seu alcance para poder exercer a sua fiscalização política, razão pela qual somos contra a vossa deliberação.
Depois da intervenção do Sr. Deputado Manuel dos Santos pudemos confirmar a suspeita que sobre os senhores recai, isto é, de, pura e simplesmente, pretenderem pretextos para haver uma sessão permanente do Plenário da Assembleia da República. Embora a vossa proposta tenha por objectivo apreciar e fiscalizar eventuais irregularidades no domínio das privatizações, o Sr. Deputado dedicou a maior parte do seu tempo a discutir a política das privatizações.
Como vê, Sr. Deputado, os senhores não têm verdadeiramente o intuito de fiscalizar. Tiveram, têm e, de certo, terão o, intuito de falar; os senhores estão, de facto, a ter uma «acção frenética» de apresentação de projectos de deliberação.
Esta catadupa de projectos de deliberação só me faz lembrar a série interminável de cartazes que o PS tem vindo a fazer desde Janeiro e que é - convenhamos! - cada vez mais infeliz! Aquela senhora do «Ora bolas, tantos ministros na televisão» qualquer dia irá aparecer com esta frase: «Ora bolas, tantos projectos de deliberação dos socialistas, mas quanto a resultado útil nem vê-lo!»

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel dos Santos e Octávio Teixeira.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Deputado José Silva Marques, vou pedir-lhe um esclarecimento, mas depois vou ter de o justificar.
No fundo, o que gostaria de perguntar-lhe era se o senhor percebeu o que 6 que se estava aqui a discutir e se leu o projecto de deliberação do PCP.
Gostaria também de tecer algumas considerações, que, de algum modo, deveriam anteceder a pergunta que lhe fez.
O Sr. Deputado fez muitas considerações genéricas, disse que nós queríamos manter o Plenário em permanente funcionamento, confundiu o Plenário com a Comissão Permanente, presumiu que a deliberação que foi apresentada pelo PCP se dirigia à Comissão Permanente, chamou guerrilheiros - aliás, uma vez já aqui chamou «guerrilheiro» ao presidente do Tribunal de Contas - a todos aqueles que querem clarificar situações, etc.
Creio que o Sr. Deputado não sabia exactamente do que é que estava a falar porque, por exemplo, nem sequer esteve atento a minha intervenção, pois eu disse que o PS estava disponível para, quer no Plenário da Assembleia da República, quer na Comissão Permanente, quer nas comissões especializadas (e até acrescentei «na comodidade dos gabinetes ministeriais»), para discutir este processo, que, de facto, é muito sério.
O Sr. Deputado ficou espantado por eu ler falado muitas vezes na política de privatizações do Governo. Não sei se V. Ex.ª já percebeu que isto é muito importante para o País; não sei se o Sr. Deputado tem consciência dos meios financeiros e das fatias de Poder que estão em causa e das

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transformações que a própria economia pode sofrer face à filosofia que for concretizada através da política de privatizações. Fiquei com dúvidas se se apercebeu da importância da questão porque, ao ouvi-lo falar de maneira tão displicente, lenho de concluir -se calhar infundadamente - que V. Ex.ª ainda não percebeu bem o que aqui estamos a discutir.
Assim, Sr. Deputado, o que lhe digo e que nós não vamos atrás de ninguém. V. Ex.ª acusou o PS de ter chegado atrasado, mas já tive oportunidade de lhe dizer que no dia 15 de Abril eu e o Sr. Deputado António Guterres fizemos entrar um pedido de audição parlamentar que não era relativa apenas ao Governo, porque interessa também ouvir - e isso foi prometido aquando da discussão da lei quadro das privatizações - a Comissão de Acompanhamento das Privatizações. Aliás, já na altura da discussão da lei quadro nós dissemos que este processo não podia ser governamentalizado, tinha de ter uma componente parlamentar, por isso propúnhamos a existência de uma comissão de acompanhamento parlamentar. Nessa altura VV. Ex.ªs disseram que não era preciso porque sempre que fosse necessário a Comissão de Acompanhamento das Privatizações daria os esclarecimentos adequados.
No entanto, e a propósito do caso concreto da CENTRALCER - e a V. Ex.ª parece que lhe interessam mais os casos concretos -, apresentei uma proposta de audição parlamentar a elementos da Comissão de Acompanhamento das Privatizações, mas a maioria de que dispõe o PSD na comissão especializada não deu seguimento a está minha proposta de audição.
Esta posição do PSD leva-me a concluir que VV. Ex.ªs querem discutir estas questões em segredo, querem que estas questões passem sem conhecimento da opinião pública, o que me parece ser muito grave. Nós já sabíamos que a sua posição seria de obstaculização a uma proposta neste sentido, mas não nos impute pecados que não são os nossos. Nós não somos guerrilheiros, queremos que esta fundamental reforma estrutural da economia portuguesa seja assumida por uma parte significativa da sociedade nacional, o que, infelizmente, não está a acontecer. Existe alguma instabilidade desde que o PS, apesar de ser favorável a uma política de privatizações - e só através do PS isso foi possível -, votou contra a lei quadro das privatizações. Logo aí não se criou o necessário consenso nacional para que haja uma estabilidade do quadro legal...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Que e uma lei só do PSD!

O Orador: - De facto, e uma lei só do PSD.
Portanto, como dizia, logo aí não se criou a necessária estabilidade legal para que este processo seja um processo nacional, o que é mau, porque VV. Ex.ªs estão a meter golos na própria baliza. Por nós podem continuar a metê-los, só que isso é grave e preocupante porque esses golos acabam por ser metidos na baliza da economia nacional e no desenvolvimento do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado José Silva Marques, V. Ex.ª começou por referir que as acusações feitas são infundadas. Assim, gostaria de saber se nos pode dar alguma informação que desconheçamos e se essa informação poderá tornar dispensável a presença do Sr. Ministro das Finanças. É que as acusações feitas são públicas e relativas a quase todos os processos de privatização, designadamente os mais recentes. Parece, pela informação que veio a público, que o Governo também terá instaurado uns inquéritos para saber o que se passa, e, por isso, parece que só para si é que não existe qualquer dúvida e é tudo infundado.
V. Ex.ª refere ainda que há outros meios disponíveis - requerimentos, etc.-, mas sabe que a Comissão de Economia, Finanças e Plano - e não foram apenas um ou dois deputados - há dois meses, depois de uma conversa com o Sr. Secretário de Estado das Finanças, fez um requerimento a solicitar elementos concretos sobre vários assuntos e ate hoje não obteve resposta do Governo? Dir-me-á que outros requerimentos é que existem.
Terceira questão: V. Ex.ª diz que os interessados podem interpor acções ou recursos, mas essa é uma concepção errada da sua parte, porque considera que num processo de privatização os interessados são pura e simplesmente os concorrentes, esquecendo que o interesse primeiro é o interesse público e que este deve ser respeitado e assumido pelo próprio Governo. Essa é uma questão de fundo, porque o problema não é só entre os concorrentes, mas sim o de saber como se fax a privatização e como é ela levada à prática.
Sr. José Deputado José Silva Marques, qual é o seu receio e do PSD em que o Sr. Ministro das Finanças venha a esta Casa? De que é que têm receio? Estão com receio de inculpar desde já o Sr. Ministro das Finanças? Será esta, eventualmente, uma conclusão possível a tirar da vossa posição contrária à presença do Sr. Ministro das Finanças.
Uma última questão, Sr. Deputado José Silva Marques. V. Ex.ª (para nós, PSD, não somos contra a fiscalização dos actos do Governo pela Assembleia da República.
No entanto, não sendo contra, impedem-na!
Esta é a vossa corrente normal, a vossa via normal, mas esse é um sofisma demasiado evidente e, por isso, melhor seria que clarificassem as situações e assumissem a responsabilidade pelos actos que tomam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Srs. Deputados, não vale a pena insistir. Dissemos e repetimos que não somos contra a fiscalização; somos, sim, contra o facto de, a pretexto de tudo e de nada, se pretender criar uma situação de reunião permanente do Plenário e se não for possível do Plenário então da Comissão Permanente da Assembleia da República.
Se, para efeitos de fiscalização política, os deputados não tivessem permanentemente ao seu alcance meios próprios para exercer essa necessária e legítima fiscalização...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Quais?

O Orador: - Os requerimentos, Sr. Deputado Octávio Teixeira. V. Ex.ª acabou de dizer que nunca apresentou requerimentos e que quem os apresentou foi a Comissão de Economia, Finanças e Plano. Ora, isso mesmo só mostra

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que o que vos interessa, no exercício individual dos vossos direitos, para exercer a vossa fiscalização, é promover a reunião, a discussão, etc....

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado, eu não fiz essa afirmação, e já agora completo a informação que há pouco dei à Câmara: o requerimento foi apresentado pela Comissão de Economia, Finanças e Plano, ...

O Orador: - É o que eu estou a dizer!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -... porque eu tinha feito vários requerimentos e o Governo dizia que não respondia aos requerimentos individuais dos deputados. Foi, pois, por isso que a Comissão entendeu apresentar esse requerimento.

O Orador: - Muito bem, Sr. Deputado. O Sr. Deputado fez requerimentos, considerou que eles não obtiveram resposta no prazo que gostaria ...

Risos do PS e do PCP.

Os Srs. Deputados, os senhores não devem estar a par da prática parlamentar... Digam-me, por favor, qual é o regime democrático onde todos os requerimentos são obrigatória e executadamente respondidos?
Os senhores sabem que quando um fenómeno de suspeição, de obstrução à fiscalização, é suficientemente forte para pôr em causa a seriedade de um governo existe um instrumento para dar expressão a essa situação: a moção de censura. Sc os senhores acham que o Governo tem, de forma sistemática, obstruído o esclarecimento das questões, se entendem que o Governo não tem, de forma melódica e deliberada, respondido aos vossos requerimentos para efeitos de ocultar situações de ilegalidade e actuações ilícitas, os senhores, seriamente, deviam fazer o levantamento dessas situações e dizer isso ao País, ou seja, os senhores deveriam dizer «está aqui uma situação deliberadamente insustentável e nós queremos censurá-la!», e apresentavam uma moção de censura.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): Fale sobre as privatizações!...

O Orador: - Mas qualquer Estado democrático que se preze, qualquer deputado que respeita o sentido e a dignidade das instituições democráticas não pode brincar ao gato e ao raio com o Governo e com as instituições.
Sc os senhores têm apresentado requerimentos que não tom obtido resposta, constituindo isso algo de evidente, têm a obrigação de se recorrerem de outros meios políticos que estão previstos no funcionamento das nossas instituições...

Vozes do PS: - Quais?!...

O Orador: -... em vez de trazerem aqui uma série de deliberações nesta tarde de discursos já várias vezes repetidos.
Portanto, se os Srs. Deputados têm os documentos e as indicações que vos permitam afirmar que o Governo está deliberadamente a ocultar situações de irregularidade aos Portugueses, devem censurar publicamente o Governo.
Os senhores nunca tomaram a iniciativa de uma moção de censura..

O Sr. António Guterres (PS): - Nunca?!...

O Orador: - Durante esta sessão legislativa, não! Os senhores experimentaram uma vez, não quiseram repetir a iniciativa...

O Sr. António Guterres (PS): - Não passa!...

O Orador: -... e desculpam-se com o argumento de que já sabiam que iam perder. Mas a apresentação da moção de censura não tem apenas a finalidade de ganhar ou perder: é um meio politicamente simbólico de comunicar ao País determinada posição face ao Governo.
Num país bem aqui ao nosso lado, governado por socialistas, a oposição já apresentou duas moções de censura, sabendo, logo à partida, que elas seriam derrotadas.
Portanto, Srs. Deputados, se a invocação de irregularidades e de actuações ilícitas por parte do Governo é de tal forma grave, como os senhores a apresentam, então assumam outros instrumentos políticos e não obriguem a Comissão Permanente a estar, de forma contínua, a repelir as mesmas questões.
Os senhores resolveram apresentar um molho de deliberações que têm como única finalidade produzir um debate político permanente. Os senhores desejam que esse debate político tenha lugar. Nós também, mas o que achamos é que não tem sentido que um órgão de soberania com a importância da Comissão Permanente da Assembleia da República saia desprestigiado...

O Sr. António Guterres (PS): - Desprestigiado?!...

O Orador: -... por estar permanentemente a discutir a mesma coisa sem consequências. Os senhores assumam as posições políticas em conformidade com as acusações que fazem.
O Governo tem revelado atenção ao processo das privatizações, e tem-no demonstrado, contudo o Sr. Deputado não se referiu a isso. Porquê? Por que e que cometeu essa lacuna na exposição das suas razões?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isto e verbalismo!

O Orador: - O Sr. Deputado acha que o Governo não está suficientemente atento a tal ponto que lança sobre ele a suspeita de que está atento a uns casos e não a outros... Então, por que é que não reage? Sc por acaso está impedido de agir em conformidade com os seus meios políticos como deputado, por que é que não reage como cidadão se tem tantos meios de prova e tantos fundamentos? Por que é que não reage junto das autoridades judiciais competentes para o eleito?
Srs. Deputados, façam o favor de encontrar outros meios de afirmação política porque, volto a repetir, os cartazes e as vossas propostas de deliberação não conduzem a parte alguma, sobretudo para vós mesmos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra e consideração.

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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Deputado José Silva Marques, pedi a palavra para defesa da honra e consideração porque considero esta figura regimental perfeitamente ajustada na medida em que eu falei em alhos e o senhor respondeu com bugalhos...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É o verbalismo!

O Orador: - Exactamente, é o verbalismo!
O Sr. Deputado percebeu o que está a ser discutido? É que não deu resposta... Aliás, até percebo isso, porque o Sr. Deputado não é especialista nesta matéria, não estão cá os deputados Rui Alvarez Carp ou Rui Machete, e encomendaram-lhe esta «história»... Porém, o senhor enrolou-se, digamos assim, no tal verbalismo que o Sr. Deputado Narana Coissoró referiu, e prestou um mau serviço, porque eu tratei este assunto com seriedade, e gostava que ele fosse, da parte do PSD, tratado da mesma forma.
Já agora deixo-lhe no ar estas duas questões, e faço-o porque há pouco o Sr. Deputado Cuido Rodrigues, na intervenção que fez, também, de algum modo, tentou pessoalizar determinada situação.
O Sr. Deputado acha que não é grave - não estou a afirmar coisa alguma - que, havendo fortes suspeitas de irregularidades, por exemplo, na primeira fase da privatização do BPA, estando a ela associado, aí sim, um distintíssimo dirigente do vosso partido, vice-presidente da comissão política - não estou a dizer que há alguma irregularidade -, que se esclareça esse problema perante a opinião pública e a Assembleia da República? O Sr. Deputado pensa que esse problema não tem qualquer importância, que e verbalismo, que é guerrilha parlamentar? O Sr. Deputado vai deixar que continuemos a pensar - não é o senhor, mas o Grupo Parlamentar do PSD - até ao fim, até às eleições, que eventualmente esse processo possa estar inquinado de um favoritismo partidário, uma vez que o Sr. Doutor Magalhães Pinto, que foi o congeminador do processo da primeira fase de privatização do BPA, ó o distintíssimo vice-presidente do vosso partido? Os senhores vão deixar que se mantenha esta suspeita sobre este processo? Não querem esclarecer isto?
Foi a propósito disto que me referi «aos golos marcados na própria baliza».

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado Manuel dos Santos só confirma o que há pouco eu disse, ou seja, que os senhores desejam estar a repetir, permanentemente, as mesmas coisas.
O Sr. Deputado é um especialista na matéria, mas eu não sou. Desejou invocar esse aspecto, mas eu não o invoco em situações inversas. Tem uma concepção diferente do debate parlamentar «até das relações políticas. O senhor tem a sua concepção e eu tenho a minha. Se está muito satisfeito por dominar a matéria e pensar que eu a não domino, pois continue com a sua satisfação...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Não tem nada a ver com isso!

O Orador: - Foi o senhor que fez o remoque. Sc está arrependido,... e acho que deve estar... Mas devo dizer-lhe que continuo com a mesma descontracção. Portanto, uma vez que o remoque está esclarecido, Sr. Deputado, devo dizer que referi, precisamente em consequência disso, o facto de o Sr. Deputado ter falado, numa boa parte do seu discurso, da política de privatizações, quando o que está agenciado são as irregularidades. E foi sobre as irregularidades...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - A política de privatizações também está agendada. Leia o projecto!

O Orador: - Não, não está. Li tudo, nem tinha sentido a política estar agendada.

O Sr Manuel dos Santos (PS): - Leia o projecto de deliberação!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, tem sentido a política estar agendada?! A política já foi discutida várias vezes, já sabemos que os senhores não estão de acordo com ela e que já sabem que nós também não estamos de acordo com a vossa posição, que, aliás, nem sabemos bem qual é. E o senhor acha que devíamos voltar a discutir isso, para os senhores voltarem a dizer que não estão de acordo com a nossa política e nós que não estamos de acordo com a vossa! Como vê, tenho razão.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Leia o projecto de deliberação!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, o projecto de deliberação solicita a vinda do Sr. Ministro a fim de prestar mais esclarecimentos sobre o processo de privatizações, nomeadamente...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - «Nomeadamente», cá está!

O Orador: -... sobre as condições em que decorreram, e os factos que rodearam, as privatizações da Bonança e do BESCL.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - «Nomeadamente»!

O Orador: - Sr. Deputado, estou a discutir com o senhor, claramente, lealmente e de boa fé, se me permite!...
Portanto, não estamos de acordo com este projecto de deliberação porque não nos parece adequado nas condições em que os senhores o apresentam. Os senhores têm meios de fiscalização que ainda não utilizaram e que devem utilizar uma vez que é esse o desenvolvimento normal dos meios de fiscalização parlamentares.
Se, por acaso, se verificar uma situação gravosa do ponto de vista da obstrução do Governo à vossa fiscalização, apresentem uma iniciativa de censura, ou semelhante, e aí sim poderíamos considerar outro meio. Mas os senhores têm requerimentos para fazer, que ainda não fizeram - os senhores ainda não fizeram qualquer requerimento, embora os comunistas digam que sim - e podem chamar o Sr. Ministro à Comissão...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso é mera manobra de diversão!

O Orador: - Não é manobra de diversão. Não é! Chamem o Sr. Ministro à Comissão, façam os vossos

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requerimentos, e quando os senhores verificarem que estuo perante uma obstrução à vossa fiscalização voltem a propor as vossas iniciativas. Por enquanto, as vossas deliberações tem o mesmo valor e o mesmo peso do cartaz, da jovem do «Ora bolas».

Risos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O seu discurso é uma obstrução!

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peco a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, ao longo desta sessão, várias vezes os Srs. Deputados da maioria manifestaram estranheza em relação à intenção das oposições de reunirem permanentemente este órgão. Este órgão chama-se, por acaso, Comissão Permanente da Assembleia da República.
Gostaria de pedir à Mesa, para esclarecimento da Comissão Permanente e da opinião pública, que lesse o artigo do Regimento da Assembleia da República -Regimento para o qual o Sr. Deputado Silva Marques deu, aliás, um contributo decisivo - que fixa o prazo normal de reunião desta Comissão. Penso que e importante que o País saiba quando é que normalmente se deve reunir a Comissão Permanente.
Pedia que a Mesa desse este esclarecimento para que ficasse claro, perante a Comissão e perante o País, quando é que normalmente a Comissão Permanente deve reunir, salvo decisão em contrário, que, naturalmente, tem ocorrido por intenção da maioria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, neste momento, não tenho aqui o Regimento, mas sei de cor o conteúdo do artigo. Assim, embora o pudesse reproduzir, vou, no entanto, solicitar a algum dos Srs. Deputados que tenha o Regimento à mão o favor de ler o artigo em causa.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Tenho eu, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, se faz favor, Sr. Deputado, queira ler o artigo respectivo do Regimento.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - O capítulo do Regimento que se refere à Comissão Permanente engloba o artigo 42.º (Funcionamento), que diz o seguinte: «Fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia da República, durante o período em que ela se encontrar dissolvida, e nos restantes casos previstos na Constituição, funciona a Comissão Permanente da Assembleia da República.»
O artigo 43.º (Composição) diz no n.º 1: «A Comissão Permanente é presidida [...|», e apresenta a composição. Finalmente, o artigo 44.º trata da competência. Não está prevista...

O Sr. António Guterres (PS): - No Regimento da Comissão Permanente!

O Orador: - Sr. Deputado, estou a citar o Regimento que eu fiz..

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não dispõe, neste momento, do Regimento da Comissão Permanente, mas posso dizer, e julgo que não vou errar, que a Comissão Permanente reúne ordinariamente uma vez por semana, salvo deliberação em contrário.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de salientar que sei qual é o período normal de funcionamento da Comissão Permanente mas o Sr. Deputado António Guterres referiu-se a um aspecto que não era aquele a que eu me estava a referir. Com efeito, referia-me ao conteúdo dos debates que estão a ser promovidos na Comissão Permanente, que não tem uma periodicidade prevista no Regimento da Assembleia da República, uma vez que ela tem em vista assegurar uma função permanente, e não uma reunião permanente, embora esteja, de facto, a reunir permanentemente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em meu entender, o Regimento é claro, dispondo no sentido de se fazer um regimento da Comissão Permanente no qual se prevê, em situações normais, uma reunião semanal.
No entanto, devo lembrar que tem sido sempre acordado, em sede de conferência de líderes, que as reuniões da Comissão Permanente se realizem quinzenalmente, à excepção do mês de Agosto, durante o qual, tanto quanto me lembro, nunca teve lugar qualquer reunião da Comissão Permanente.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, gostaria apenas de referir um dado factual no sentido de confirmar que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, em sede de conferências de líderes ultimamente realizadas, tem manifestado, conjuntamente com o Grupo Parlamentar do Partido Comunista, a vontade de que as reuniões da Comissão Permanente sejam semanais.

O Sr. Presidente: - Confirmo as suas palavras, Sr. Deputado, pois ainda hoje de manhã isso aconteceu. Mas confirmo também o que já referi, ou seja, que, em anos anteriores, a Comissão Permanente tem tido lugar quinzenalmente e que durante esta legislatura nunca reuniu no mês de Agosto.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, muito rapidamente, e porque a Mesa não tem, neste momento, o Regimento da Assembleia da República à disposição, gostaria apenas de confirmar que o artigo 44.º, n.º 1, alínea a), diz o seguinte: «Compete à Comissão Permanente: acompanhar a actividade do Governo e da Administração [...]»
Trata-se de uma competência da Comissão Permanente fazer o acompanhamento da actividade do Governo e, por conseguinte, esse acompanhamento não é feito só através das comissões ou de requerimentos.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encerrado o debate do projecto de deliberação n.º 138/V, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP e do CDS.

Srs. Deputados, a próxima reunião da Comissão Permanente terá lugar no dia 25, às 15 horas.
Está encerrada a reunião.

Eram 18 horas e 35 minutos.

Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - José Diogo - Cacilda Nordeste - Ana Marques da Cruz.

DIÁRIO da Assembleia da República

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