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I Série - Número 98

Sexta-feira, 26 de Julho de 1991

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

COMISSÃO PERMANENTE

REUNIÃO PLENÁRIA DE 25 DE JULHO DE 1991

Presidente: Exmos Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a reunião às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de um deputado do PS.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Foram aprovados três relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, autorizando dois deputados a deporem em tribunal como testemunhas e denegando autorização a um outro.
O Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho (PS) criticou o Governo por este ainda não ter aberto a televisão à iniciativa privada, respondendo, no fim, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Mário Montalvão Machado (PSD).
O Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS) corroborou as palavras do Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho e falou das manifestações dos pequenos agricultores. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Coelho (PSD), Hermínio Martinho (PRD) e António Campos (PS).
O Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) condenou a política do Governo e o processo de privatizações, tendo respondido, no fim, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Guido Rodrigues (PSD).
O Sr. Deputado Hermínio Maninho (PRD) realçou a importância da Primeira Cimeira Ibero-Americana, realizada no México.

Ordem do dia. - Foram discutidos os projectos de deliberação n.º 143/V (PCP) - Proposta de alteração ao artigo 4.º do Regimento da Comissão Permanente, e 144/V (PCP) - Proposta de aditamento de um artigo ao Regimento da Comissão Permanente. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), José Silva Marques (PSD), Jorge Lacão (PS), Mário Montalvão Machado (PSD) e Narana Coissoró (CDS).
Foram rejeitados os projectos de deliberação n.ºs 145/V, 146/V e 147/V (PS), relativos à problemática dos fogos florestais. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados António Campos (PS), Francisco Antunes da Silva (PSD), Lino de Carvalho (PCP), Jorge Lacão (PS) e Narana Coissoró (CDS).
O projecto de deliberação n.º I48/V (PCP) - Convocação de uma reunião plenária da Assembleia da República com o objectivo de apreciar a situação da agricultura portuguesa à luz dos últimos dias, foi rejeitado, tendo intervindo os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Armando Vara (PS) e José Silva Marques (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Vítor Pereira Crespo, Presidente (PSD).

João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu, Vice-Presidente(PS).
Hermínio Paiva Fernandes Martinho, Vice-Presidente(PRD).
Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD).
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira (PSD).
Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD).
Carlos Miguel M. Almeida Coelho (PSD).
Domingos Duarte Lima (PSD).
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira (PSD).
Guido Orlando de Freitas Rodrigues (PSD).
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD).
José Álvaro M. Pacheco Pereira (PSD).
José Augusto S. da Silva Marques (PSD).
Francisco Antunes da Silva (PSD).
Mário Júlio Montalvão Machado (PSD).
António Augusto Ramos (PSD).
Rui Carlos Alvarez Carp (PSD).
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal (PS).
Armando António Martins Vara (PS).
João Rui Gaspar de Almeida (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Manuel Lello R. de Almeida (PS).
José Sócrates C. Pinto de Sousa (PS).
Octávio Augusto Teixeira (PCP).
Lino António Marques de Carvalho (PCP).
Narana Sinai Coissoró (CDS).

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente:- O Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos, realizada no dia 24 de Julho de 1991, pelas 15 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Luís (circulo eleitoral da Guarda), por Alberto Alexandre Vicente [esta substituição é solicitada nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 1 a 31 de Julho corrente, inclusive).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral
apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente - Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente - José Manuel M. Antunes Mendes (PCP), secretário-Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - António Paulo M. Pereira Coelho (PSD) -Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) -Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - Mário Jorge Belo Maciel (PSD) - José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD) - José Manuel da Silva Torres (PSD) - Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Hélder Oliveira dos Santos Filipe (PS) - Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Hermínio Paiva Fernandes Maninho (PRD).
Está em apreciação, Srs. Deputados.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.º 788/V - Criação da freguesia de Bufarda no concelho de Peniche, apresentado pelo Sr. Deputado Rui Vieira e outros (PS); 789/V - Regime jurídico do contrato de trabalho do pessoal da marinha de pesca, apresentado pelo Sr. Deputado José Reis e outros (PS); 790/V - Criação da freguesia de Bufarda no concelho de Peniche, apresentado pelo Sr. Deputado Reinaldo Gomes (PSD); projectos de deliberação n.º 143/V (PCP) - Proposta de alteração ao artigo 4.º do Regimento da Comissão Permanente da Assembleia da República (publicado no Diário da República, 2.º série, n.º 88, de 30 de Junho de 1988); 144/V (PCP) - Proposta de aditamento de um artigo ao Regimento da Comissão Permanente da Assembleia da República (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 88, de 30 de Junho de 1988); 145/V (PS) - Propõe a criação de uma comissão eventual para análise e reflexão da problemática dos incêndios em Portugal; 146/V (PS) - Sobre declaração de calamidade pública; 147/V (PS) - Propõe a realização de uma reunião da Comissão Permanente para análise da problemática dos incêndios com a presença dos Ministros da Agricultura, Pescas e Alimentação, do Ambiente e Recursos Naturais e da Administração Interna; 148/V (PCP) - Propõe a convocação de uma reunião plenária

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da Assembleia da República com o objectivo de apreciar a situação da agricultura portuguesa à luz da reforma da PAC e dos acontecimentos registados nos últimos dias; e ratificações n.º 190/V, relativa ao Decreto-Lei n.º 198/91, de 29 de Maio (estabelece o estatuto do pessoal dirigente da administração local), apresentada pelo Sr. Deputado João Amaral e outros (PCP); e 191/V, relativa ao Decreto-Lei n.º 230/91, de 21 de Junho (transforma a EPAL - Empresa Pública das Águas Livros em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos), apresentada pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa e outros (PCP).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - De acordo com o solicitado no ofício n.º 627, de 28 de Maio de 1991, do Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Lanhoso, enviado à Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Amândio Santa Cruz Basto Oliveira, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a ser ouvido na qualidade de testemunha no âmbito do processo que corre os seus trâmites no referido Tribunal.

O Sr. Presidente: - Está em apreciação, Srs. Deputados.

Pausa.

Não se registando quaisquer inscrições, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder a leitura de um outro relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário: - De acordo com o solicitado no ofício n.º 1847, de 31 de Maio de 1991, do 4.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, enviado à Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Alberto Arons Braga de Carvalho, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a ser ouvido na qualidade de testemunha no âmbito do processo que corre os seus trâmites no referido tribunal.

O Sr. Presidente: - Está em apreciação, Srs. Deputados.

Pausa.

Não havendo quaisquer inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, finalmente, o Sr. Secretário vai ter um último relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário: - De acordo com o solicitado no ofício n.º 548, de 26 de Abril de 1991, da 1.ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca da Moita, enviado à Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Francisco Mendes Costa, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer, aprovado por unanimidade dos Srs. Deputados presentes em reunião desta Comissão Parlamentar, realizada em 8 de Julho de 1991, no sentido de não autorizar o referido Sr. Deputado a comparecer em julgamento no respectivo processo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não se registando qualquer inscrição, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Inscreveram-se, para intervenções, os Srs. Deputados Alberto Arons de Carvalho, Narana Coissoró, Octávio Teixeira e Hermínio Maninho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O executivo que ainda nos governa sempre gostou de apresentar a abertura da televisão à iniciativa privada como uma das suas mais importantes reformas.
Pela nossa parte, sempre dissemos que o Governo não podia reivindicar o mérito dessa mudança e que, pior ainda, tudo fazia para a atrasar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há cerca de dois anos, o PS adiantou mesmo que assim não haveria televisão privada antes das eleições.
O que podemos dizer hoje é que errámos por defeito: em 6 de Outubro, não só não haverá alternativa à monopolista e governamentalizada RTP como não estarão escolhidos os concorrentes a quem será atribuída uma licença para a actividade privada de televisão.
O Governo e o PSD são os únicos culpados deste atraso. Durante muito tempo, por falta de vontade e incapacidade de decisão; nos últimos meses, por evidente cobardia política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Todo o País já percebeu o que se passa: o Governo e o PSD já escolheram os dois concorrentes a quem serão atribuídas licenças. Como o concorrente excluído é a TVI, ou seja, o canal afecto a Igreja Católica, o Governo não tem coragem para o anunciar, temendo as consequências eleitorais dessa opção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Resolveu assim atirar a decisão para o próximo governo, certamente meses depois das eleições.
A subordinação do calendário da abertura da televisão à iniciativa privada aos interesses partidários e eleitorais do PSD é um acto grave e inadmissível num Estado de direito democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PSD não tem lido quaisquer escrú-

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pulos em sacrificar o pluralismo e a concorrência na televisão aos seus objectivos eleitorais, entendidos da forma mais egoísta t desprezível.
Voltemos, no entanto, ao atraso da deliberação sobre a televisão privada.
O Governo e o PSD não podem invocar qualquer atraso na decisão da Alta Autoridade para justificar um adiamento.
Recuemos no tempo.
A revisão constitucional, que tirou todas as dúvidas sobre o exercício da actividade de televisão por operadores privados, concluiu-se em Junho de 1989. Porém, o Governo só enviou à Assembleia da República uma proposta de lei sobre a matéria quase nove meses depois - em Março de 1990. Antes, ires meses antes, já o PS entregara o seu projecto de lei e fê-lo discutir num agendamento fixado de acordo com as normas regimentais.
De Março de 1990 até Julho do mesmo ano, durante mais de quatro meses, o PSD e o Governo hesitaram sobre o célebre artigo 9.º da proposta governamental, em que se previa o tempo a atribuir à Igreja Católica num dos canais privados.
Todos nos recordamos do espectáculo oferecido pelo Governo durante esses quatro meses. De hesitação em hesitação, com a confusão generalizada no próprio Grupo Parlamentar do PSD, o tempo destinado à Igreja transformou-se numa bola de ping-pong.
A decisão final do Governo acabou por ser bem diferente do projecto inicial: a Igreja e as outras confissões leriam de se contentar com um máximo de duas horas no 2.º canal. Ninguém ficou com dúvidas: a solução encontrada foi muito diferente das promessas que o Governo e o PSD fizeram à Igreja Católica.
O passado do PSD em relação à televisão privada não é edificante. Ao contrário do que gosta de fazer crer, o PSD tem ainda um programa onde é clara a oposição à TV privada, votou, na Constituinte de 1975, unanimemente, a favor do monopólio estatal, manteve a televisão com propriedade pública no projecto de revisão constitucional de 1981 e votou contra a primeira tentativa séria de abertura da televisão à iniciativa privada: o projecto de lei de bases do audiovisual, apresentado pelo PS, em 1986.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PSD sempre preferiu apregoar a sua adesão à iniciativa privada em matéria de televisão a esforçar-se por concretizá-la na prática.
Todos sabemos que, agora, a TV privada é irreversível.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não foi por iniciativa do PS!...

O Orador: - O que não calculávamos é que se fosse tão longe e tão baixo no sacrifício do direito dos cidadãos a uma informação mais plural aos interesses eleitoralistas do PSD e à sua enorme cobardia política.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho, ouvi com atenção, mas também com algum espanto, as palavras proferidas por V. Ex.ª É que confesso que não esperava da parte de V. Ex.ª, que é um especialista em comunicação social e um homem politicamente evoluído e sério, que tivesse a audácia de pronunciar aqui algumas expressões altamente contundentes para o Governo, para a honestidade das pessoas e para a seriedade das instituições.
V. Ex.ª afirmou que, neste momento, o Governo já leria escolhido os canais que iriam ser privilegiados em matéria de televisão privada. Porém, que eu saiba, essa afirmação configura uma rotunda mentira, bem como uma ofensa que V. Ex.ª dirige não apenas ao Governo mas também à Alta Autoridade para a Comunicação Social!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª sabe - porque sabe com certeza, e é aqui que se encontra a seriedade com que afronto as palavras pelo Sr. Deputado proferidas - que o Governo só irá decidir a quem entrega os dois canais da televisão privada depois de lhe ter sido entregue um estudo elaborado pela Alta Autoridade para a Comunicação Social, que não irá conceder privilégios a ninguém. Com efeito, irá apenas estudar as ires propostas entregues, remetendo ao Governo elementos para que este possa decidir serena, calma e, acima de tudo, seriamente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª sabe que é assim. Ora, precisamente porque esta traduz a realidade e porque o Governo, como governo sério que é, não dará quaisquer privilégios a nenhum dos concorrentes - coloca-os todos no mesmo plano de igualdade, com vista a atribuir-lhes aquilo que cada um merecer -, parece-me que as palavras que V. Ex.ª proferiu não têm cabimento.
De qualquer modo, como todos nós temos as nossas falhas, V. Ex.ª teve hoje a sua!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, as palavras «altamente contundentes» são adequadas a uma situação em que o Governo, ao arrepio de todas as suas promessas e de tudo o que deveria fazer, está a adiar uma decisão que poderia tomar em tempo e antes das eleições.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, garante o Sr. Deputado que o Governo e a Alta Autoridade para a Comunicação Social não decidiram.
Apenas direi que se o PSD vier, eventualmente, a ganhar as eleições, o futuro dirá quem é que tem razão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de regressar ao tema da intervenção precedente, embora olhando o problema sob um duplo aspecto: por um lado, o comportamento da própria Alta Autoridade para a Comunicação Social e, por outro, a posição, já anunciada pelo Sr. Primeiro-Ministro, de que o Governo não terá tempo para decidir, antes das eleições de Outubro, sobre a atribuição dos dois canais à iniciativa privada.
Todos sabemos que a Alta Autoridade para a Comunicação Social nasceu baixa. Porém, não poderíamos prever que ela chegasse tão baixo. Na verdade, sendo como é um órgão de natureza jurisdicional, a quem compete julgar, decidir ou elaborar os pareceres para submeter à decisão do Governo, a primeira coisa que Tez, no âmbito de um julgamento de tanto melindre, de tanta complexidade e de tamanha importância para o País como este, foi, logo que pôde, pôr na praça pública os seus dossiers, as suas discussões internas, os votos dos vencedores e dos vencidos com os argumentos com que cada um dos seus membros se perfilou internamente. Mais: sem dizer porquê nem como procedeu a modificações nos relatores, designadamente no relator principal, num autêntico golpe de rins, para afastar aquele que, abertamente (segundo a comunicação social), votou a favor do projecto próximo da Igreja.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta não era, ata agora, a prática dos órgãos com a natureza e a competência das altas autoridades.
Com efeito, a Alta Autoridade devia primar-se pela confidencialidade, que é usual manter-se, e os debates internos deviam ser circunscritos a um órgão a quem compete examinar e julgar. Porém, hoje há já desculpas no sentido de dizer que o sistema leria sido já «furado» na Direcção-Geral da Comunicação Social e não na Alta Autoridade que temos, na medida em que circula por todo o País, através das direcções dos jornais e de outras entidades, uma cábula divulgada hoje pelo Público, que estabelece uma comparação clara entre os três dossiers, os quais deveriam manter-se secretos até decisão final do Governo. Por conseguinte, verifica-se que já nada é secreto e tudo já está na rua.
Na verdade, os dossiers, bem como os respectivos elementos e argumentos, caíram na praça pública e circulam por aí numa resenha, num mapa, pelo qual qualquer indivíduo poderá concluir quem será o primeiro, o segundo e o terceiro contemplados com o canal privado e por que é que a SIC do Dr. Pinto Balsemão - antigo primeiro-ministro e prestigiado militante do PSD -, irá ser o projecto premiado, com certeza, na corrida aos canais privados de televisão!
Não bastou que o Governo faltasse ao seu compromisso, que vinha desde 1980, no sentido de conceder um canal de televisão à Igreja, compromisso que foi mantido durante o governo minoritário de 1985. Arranjou-se, com a maioria absoluta, uma forma de suposta inconstitucionalidade que inquinaria esta atribuição.
Tal como referiu o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho - aliás, o Prof. Freitas do Amaral já o havia dito em conferência de imprensa realizada há já mais de 15 dias -, o Governo não tem a coragem de tomar a decisão de conceder à Igreja o canal que lhe prometeu e a que tem direito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E porque o Governo pretende os votos daqueles que apoiam a atribuição de um canal à Igreja, adia para depois de Outubro a decisão de não conceder esse canal à TVI.

O Sr. José Leito (PS): -Que falta de coragem!

O Orador: - No entanto, também é parecer certo que não será um governo só do PSD a conceder-lho, não será este partido só por si a negar o canal à Igreja ou a dar a quem quer que seja, porque está atolado nesta sua indecisão, neste seu oportunismo eleitoral de não querer decidir aquilo que já pode ser decidido e que constava do seu Programa do Governo. É que os trabalhos técnicos foram já realizados, estão até na rua e só não são enviados para o Governo porque o próprio Governo assim quer, por forma a poder invocar que não dispõe de tempo para decidir!
Se a cábula dos dossiers está já feita, se os pareceres técnicos já estão elaborados e se os argumentos e os votos vieram já a público, não se vislumbra razão para que a Alta Autoridade para a Comunicação Social, o mais rapidamente possível - até ao fim deste mês -, não envie ao Governo todos os dossiers que o habilite, durante o mês de Agosto, a tomar a decisão política que lhe compete tomar!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O segundo grande acontecimento verificado entre as duas reuniões da Comissão Permanente foi a denominada «revolta dos agricultores».
A «revolta dos agricultores» surge como um movimento espontâneo e popular de pequenos produtores, que vêem ameaçadas as suas vidas, a sua profissão e os seus bens.
Ao contrário do que o Governo tem argumentado, há motivos para os agricultores solicitarem ao Governo a baixa da taxa de juros, aliás a mesma que reivindicam os industriais do Vale do Ave e do Norte e os industriais da sapataria e da chapelaria. Por conseguinte, traia-se de todos os pequenos produtores deste País, que pagam impostos como qualquer cidadão, sem qualquer discriminação, embora sejam discriminados no que concerne aos custos dos factores de produção.
Sem de forma alguma querer dizer que os agricultores têm razão em tudo quanto fizeram e em tudo o que pedem, verificamos que eles próprios reduziram todas as suas reivindicações a três pontos principais: baixa da taxa de juro, baixa da laxa de imposto sobre o gasóleo e baixa da taxa de energia.
Pensamos que estas três reivindicações devem merecer a imediata análise por pane do Governo. Por conseguinte, gostaríamos que o Governo tomasse em consideração estas reivindicações dos pequenos agricultores de todo o País e criasse condições para eles poderem sobreviver neste mundo criado pelo cavaquismo de «salve-se quem puder».

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Coelho, Hermínio Martinho e António Campos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O Sr. Deputado Narana Coissoró voltou à questão já abordada pelo Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho e, com a contundência de que já deu provas ao longo de toda esta legislatura, veio uma vez mais acusar o Governo de não tomar decisões.

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Sr. Deputado Narana Coissoró, nestes lermos, gostaria de lhe colocar a situação inversa: de que é que V. Ex.ª acusaria o Governo se ele tivesse tomado a decisão?... É que esta configura a típica situação de ser preso por ter cão e por não ter!
Aliás, o PS faria o mesmo. Com efeito, se o Governo, a um mês das eleições, tivesse decidido já a atribuição dos canais privados de televisão, estariam aqui os Srs. Deputados do PS a dizer que o Governo não deveria ter tomado uma decisão tão importante em vésperas de eleições! Estariam a assacar ao Governo a exploração de um interesse eleitoralista!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por conseguinte, meus caros Srs. Deputados, este é o típico discurso de quem se encontra na oposição para criticar o Governo e de quem, em vésperas de eleições, tem de aproveitar um ou outro argumento para agitar o ambiente político. De qualquer modo, não me parece que tenham a seriedade que mereça mais atenção desta Câmara.
Já em relação aos agricultores, a questão é muito diferente, Sr. Deputado Narana Coissoró. Na verdade, os agricultores defenderam um caderno reivindicativo que assentava, sobretudo, na circunstância de pretenderem níveis iguais aos da CEE para as taxas de juro, para o gasóleo, para a energia, para os adubos, para os fertilizantes, pesticidas e outros factores de produção.
Assim, colocaria três questões ao Sr. Deputado, relativamente às quais gostaria que me desse uma resposta muito clara.
Em primeiro lugar, entende o Sr. Deputado que é razoável pedir ao Governo que, de um momento para o outro, intervenha na área económica de forma a colocar todos estes produtos - aliás, alguns deles nem sequer dependem de decisão governamental - aos níveis médios da Comunidade Económica Europeia?
Por outro lado, esquece-se o Sr. Deputado de lodo o conjunto de incentivos que, ao longo destes anos, o Governo tem dado à agricultura? Lembre-se, por exemplo, que nos últimos quatro anos se investiram 600 milhões de contos na agricultura, dos quais beneficiaram perto de 400 000 agricultores.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Foi só metade! Foram 300 milhões de contos!

O Orador: - Não se recorda de lodo o conjunto de situações e de mecanismos que hoje estuo em vigor, nomeadamente o subsídio de gasóleo (em 305/I) e a bonificação de 12 % dos juros no âmbito do Regulamento (CEE) n.º 797, e do facto de as tarifas de electricidade não terem subido este ano?
Finalmente, é o Sr. Deputado capaz de, com a mesma energia, com a mesma contundência, com a mesma veemência, criticar os distúrbios que a «guerra» dos agricultores trouxe para o nosso país ou considera razoável que qualquer classe profissional, na defesa legítima dos seus pomos de vista, interrompa linhas de ferro, vias de comunicação e corte linhas telefónicas?

O Sr. Manuel Moreira (PSD):- Muito bem!

O Orador: - Pensa que essas são formas justas de defender os interesses de quem quer que seja?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Carlos Coelho, nunca ouvi uma argumentação tão fraca e com tanta falta de senso e de seriedade como foi a que agora proferiu!

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, Sr. Deputado, é o próprio Governo que diz que não
é um governo de gestão e que até ao dia 6 de Outubro quer ser um governo em plenitude das suas funções. Só que o argumento que V. Ex.ª deu vai exactamente no sentido de considerá-lo como um governo de gestão.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não, não!

O Orador: - Se fosse um governo de gestão, teria desculpa para não tomar qualquer posição antes das eleições.
Se, neste caso concreto, o Governo se comporta como um governo de gestão, então lambem assim deve proceder em relação às inaugurações, à atribuição de subsídios e em tudo o resto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, não pode haver «dois pesos e duas medidas». Ou o Governo se comporia como um governo de gestão, e não toma medidas importantes até Outubro, ou faz inaugurações e resolve o problema da televisão privada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos agricultores, já disse na minha intervenção que nós não apreciamos positivamente alguns dos actos praticados em defesa dos seus interesses. Mas o Sr. Deputado, como trazia escrito o seu pedido de esclarecimento, porque sabia que o assunto era quente e que seria levantado hoje pelo CDS, nem sequer ouviu aquilo que eu disse!
Quanto aos pontos concretos que referiu, gostaria de dizer-lhe que os macro e os microeconomistas defendem - inclusive o Prof. Alfredo de Sousa - que as taxas de juro, de gasóleo e de energia aplicáveis aos agricultores podem baixar.
Creio, assim, que os agricultores tem razão naquilo que pedem, embora os meios utilizados não sejam sempre os melhores. O desespero, Sr. Deputado, nunca foi o melhor conselheiro! Mas quem lançou os agricultores no desespero tem de pagar o preço dos seus actos irreflectidos e censuráveis.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso é muito grave, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Deputado, não foi nem a oposição nem a atitude partidária do CDS que lançaram os agricultores no desespero! Quem o fez foi o Governo, através da sua «política de anestesia» seguida paru a agricultura durante os últimos quatro anos.

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O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Isso não é verdade!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Maninho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD):- Sr. Presidente, vou pedir um breve esclarecimento ao Sr. Deputado Narana Coissoró sobre a questão colocada ao Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho petos dois Srs. Deputados que me antecederam e que tem a ver com a Alta Autoridade para a Comunicação Social e com tudo aquilo que se prende com a abertura da televisão à iniciativa privada.
Depois de ouvir as intervenções dos Srs. Deputados Alberto Arons de Carvalho e Narana Coissoró, creio que posso afirmar que tudo aquilo que se prende com a questão da abertura da televisão à iniciativa privada está a prejudicar a imagem e a idoneidade de um órgão - a Alta Autoridade para a Comunicação Social - que pode e deve desempenhar um papel importante no campo da comunicação social.
Por outro lado, resulta claro dessas duas intervenções que os sectores menos interessados em que esta questão apareça na comunicação social são os ligados ao Governo e ao PSD.
Sendo assim, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Narana Coissoró se tem ideia de quais são os sectores a que poderão estar ligadas as pessoas que têm agitado esta questão junto da comunicação social e que, repito, está a prejudicar a imagem e a idoneidade de um órgão importante como a Alia Autoridade para a Comunicação Social.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sr. Deputado Hermínio Maninho, eu não tenho nenhuma empresa que Taça sondagens dia-a-dia para regular a política do meu partido, como (cm, por exemplo, o Governo.
Não sei de que sectores é que vem esta propaganda, esta animosidade contra a entrega de um canal de televisão à Igreja Católica. No entanto, creio que isso tem partido dos seus concorrentes, que, pela sua face conhecida, pelos nomes, estão ligados a determinados lobbies, que são por todos nós conhecidos. Talvez por aí V. Ex.ª possa decifrar quem é que está a fazer esta campanha contra a Igreja Católica e por que razão.

O Sr. Presidente:- Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, como foi aqui mencionado o problema dos agricultores, gostaria de lhe colocar uma situação muito concreta.
Em primeiro lugar, gostaria de lhe dizer que penso que todos os agricultores devem ser tratados da mesma maneira e que o Governo, ao fazer negociações em Bruxelas, deve colocar todos os produtores em pé de igualdade.
Como o Sr. Deputado sabe, há hoje produtos que estão em livre concorrência com a Comunidade. É o caso do leite, em que, nos últimos quatro anos, os produtores perderam cerca de 40 % do seu rendimento; É o caso da carne, em que os produtores perderam cerca de 30 % do seu rendimento nos últimos anos; é o problema do vinho, em que os produtores perderam cerca de 40 % do seu rendimento do ano passado para este ano. Porém, há outra classe de agricultores - os produtores de cercais - que tom os preços dos seus produtos protegidos até ao ano 2001.
Concordamos com essa protecção dos cercais, mas penalizamos o Governo pelo facto de negociar acordos de protecção para uns, que tem preços acima dos da Comunidade até ao ano 2001, e não para outros.
Assim, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado se está de acordo com esta estratégia do Governo, no sentido de, dentro da classe dos agricultores, ter «filhos e enteados».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente:- Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado António Campos, a resposta à questão que colocou foi dada pelo nosso deputado ao Parlamento Europeu engenheiro Carvalho Cardoso, numa conferência que deu na semana passada em Évora, na qual explicou por que £ que determinados sectores - que constituem a base de apoio das grandes organizações - não apoiam estes agricultores. Efectivamente, hoje os pequenos agricultores encontram-se marginalizados e têm de fazer as suas reivindicações «desgarradamente», porque as grandes organizações que já viram protegidos os seus interesses não querem colocar o seu peso e os seus grandes nomes à frente dos pequenos agricultores devorados pela política inapta do Governo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os cinco minutos de que o Grupo Parlamentar do PCP dispõe para intervir no período de antes da ordem do dia de hoje não nos permitem abordar os múltiplos problemas da «ordem do dia» da vida nacional.
Não poderemos, por isso, debruçar-nos sobre a tão apregoada «estabilidade política», que gera a luta nacional dos agricultores portugueses contra a política anti-agrícola do Governo; sobre as greves dos transportes, dos técnicos aeronáuticos, do gás de Lisboa ou dos técnicos da saúde ou sobre a recusa inequívoca da Associação Portuguesa de Professores de Inglês face à proposta governamental de reforma curricular desta disciplina.
Igualmente não poderemos analisar, com a profundidade que merece, o grande «buraco negro» da situação ambiental no nosso país e que o livro Branco do Ambiente veio oficialmente confirmar, o atraso inadmissível na elaboração do Plano Nacional da Política do Ambiente, cujo prazo de conclusão já foi há muito ultrapassado ou a irresponsabilidade do Secretário de Estado do Ambiente e Defesa do Consumidor, que aconselha os Portugueses a apresentarem queixas nas instâncias comunitárias contra os crimes ambientais que se praticam no nosso país, demitindo-se assim daquilo que deveria ser a sua primeira responsabilidade governativa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No pouco tempo de que dispomos pretendemos trazer à discussão deste órgão de soberania

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e de fiscalização da actividade do Governo a falta de transparência e os indícios de clientelismo e negocismo que envolvera a actual fase do processo de privatizações.
As privatizações da Sociedade Financeira Portuguesa, da Aliança Seguradora, do BESCL e do BFB apresentam uma característica comum: apenas um grupo económico concorreu à aquisição do núcleo duro das empresas privatizadas! Conhecendo-se as críticas que diversos grupos económicos ainda há pouco tempo faziam à opção pelas operações públicas de venda no processo de privatizações, este facto não deixa de significar uma grande coincidência.
Estranha coincidência esta, quando é certo que a natureza das empresas em questão e a sua rentabilidade seriam elementos suficientes para despertar o apetite de vários concorrentes!... Coincidência que só pode ser explicada pelo facto de existir uma visível concertação provia dos diversos grupos económicos, que dividem entre si os despojos do sector público da economia. Coincidência que só é possível porque o Governo a permite ou, quiçá, porque intervém directamente na concertação desses negócios privados.
Essa intervenção directa do Governo está, aliás, patente na privatização da Bonança. O Ministro das Finanças impediu que a União de Bancos Portugueses adquirisse o lote indivisível de 25 % ao serviço de determinados interesses privados. Mas, simultaneamente, permitiu que um ex-secretário de Estado deste Governo adquirisse, em nome próprio, essas acções (por decisão confessada do presidente do conselho de gestão do BPA) com o dinheiro não se sabe de quem e ao serviço de interesses não menos privados.
Estranha duplicidade de critérios, em tão grande teia de cumplicidades!...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É um facto indesmentível que o processo de privatizações já perdeu toda e qualquer credibilidade pública quanto à sua exigível transparência.
O Grupo Parlamentar do PSD impede que o Ministro das Finanças venha à Assembleia da República dar explicações sobre o que se está a passar. Ele lá sabe porquê!...
Mas o Governo, hoje ou daqui a uns meses, terá forçosamente de responder pela sua actuação e pelas suas irrecusáveis responsabilidades neste processo demasiado escandaloso!

plausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, na última reunião da Comissão Permanente esta matéria das privatizações foi o «prato forte» dos nossos trabalhos. Nessa altura, a propósito da intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró, referi o que pensava sobre está matéria.
O Sr. Deputado só vê «fantasmas» - ou procura que toda a gente os veja - e quer transformar esta questão num «prato forte» pré-eleitoral!
Em relação às privatizações, o Governo tem tomado as medidas que se impõem. Com efeito, quanto aos casos
em que se têm suscitado dúvidas, o Governo tem procurado inquirir, junto das entidades directamente relacionadas com a matéria, sobre o que se passa e tentado esclarecer os factos.
Quanto ao funcionamento normal do mercado, o Sr. Deputado não pode dizer que tem de haver forçosamente três, quatro ou cinco concorrentes à privatização de um banco ou de uma companhia seguradora. O próprio mercado se tem encarregado de funcionar de forma aberta e, aliás, é assim que tem de suceder, pois não temos uma economia planificada mas, sim, uma economia livre, de mercado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O Sr. Deputado Guido Rodrigues disse que o mercado está a funcionar de forma aberta?... Não diga uma coisa dessas, Sr. Deputado!...

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Digo, digo!

O Orador: - O mercado não funciona e o exemplo claro e concreto dessa situação é o das últimas privatizações!
A verdade é que o Governo não deixa funcionar o mercado, pois, através da concertação prévia, tem havido um certo condicionamento.
O Governo tem muitas responsabilidades nessa matéria! E, pelo menos nalguns casos, essa responsabilidade não resulta apenas da sua atitude de passividade mas também da sua própria actividade! O Governo tomou atitudes que impediram que o mercado funcionasse!

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, qual é a prova de que o Governo tem feito concertação nesta matéria?

O Orador: - Sr. Deputado Guido Rodrigues, ainda há pouco dei o exemplo claro e concreto da privatização da Companhia de Seguros Bonança, em que o Sr. Ministro das Finanças se ficou pelo meio.
Se o Governo quisesse evitar o condicionamento do mercado, se quisesse que gestores públicos interviessem a favor de interesses privados nessa privatização, deveria, quando afastou um dos concorrentes, ter suspenso aquele processo. Só assim teria dado mostras de pretender a transparência do processo; só assim teria demonstrado a sua independência nesse processo de privatização. Todavia, não a deu, Sr. Deputado! Pelo contrário...

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Muito bem!

O Orador: -... canalizou o negócio para um determinado interesse privado, o que é um facto muito grave, da responsabilidade directa do Governo, através do Sr. Ministro das Finanças.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Essa é a sua opinião!

O Orador:- É uma opinião, que é comprovada pelos factos!
Permita-me, Sr. Deputado que utilize agora outro recurso. É que não são apenas os factos que comprovam aos olhos de toda a gente essa minha opinião! Todos os analistas económicos das mais diversas áreas político-partidárias - inclusive do seu partido - e que se pronunciaram publicamente sobre este assunto chamaram a atenção para aquilo que se estava a passar!
Finalmente, quanto à questão dos «fantasmas», quero dizer-lhe que com os «fantasmas» posso eu bem! O que não posso é deixar de me pronunciar contra as realidades de facto, contra as realidades concretas e palpáveis que estão a verificar-se. Isto não é um processo de privatizações!

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - O futuro dirá, Sr. Deputado!

O Orador. - É, sim, um processo de transferência de empresas do sector público para determinadas entidades do sector privado!
Então o Sr. Deputado Guido Rodrigues, que conhece bem o mundo dos negócios, acredita que na «privatização transparente» do BESCL só aparecesse um concorrente?! Ó, Sr. Deputado Guido Rodrigues, tenhamos um pouco de prudência!...

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Maninho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Presidente da República e o Primeiro-Ministro acabam de participar na Primeira Cimeira Ibero-
-Americana, realizada no México.
Não podem deixar de realçar-se, no âmbito desta missão diplomática, dois factos extremamente significativos, tanto ao nível interno como externo.
Em primeiro lugar, foi a primeira vez que o representante máximo da República Portuguesa e o responsável máximo pela condução da política externa representaram, conjuntamente, o País numa reunião internacional de alto nível.
Em segundo lugar, no plano externo, o papel de Portugal na comunidade das nações foi, mais uma vez e de forma significativa, valorizado, na precisa medida em que a nossa presença foi considerada indispensável numa reunião que poderá marcar o início de um novo modelo de relacionamento e de cooperação política e institucional entre os países ibero-americanos e que tenderá a aproximar e valorizar as nossas posições na cena política mundial.
É do interesse nacional reforçar os laços de amizade e cooperação entre os países ibero-americanos. É preciso aprofundar e consolidar esses laços, transformando-os em cooperação política, económica e cultural, criando uma voz que possa ser audível nos grandes fora internacionais. Não está apenas em causa o futuro das relações bilaterais e multilaterais. O que está em causa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é o diálogo Norte-Sul e a construção de uma verdadeira nova ordem internacional, na qual todos os países do mundo devem participar.
Por isso mesmo, pela importância e alcance desta iniciativa, não compreendemos que a dignidade e exemplaridade do comportamento dos dois órgãos de soberania na defesa do interesse nacional continue a ser posta em causa com a criação regular de cenários de crise institucional entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro.
Mesmo depois de ambos terem negado, clara e expressamente, a existência de qualquer conflito institucional, há quem continue a insistir nesta tecla, sabendo-se que a linha de acção pautada por uma grande solidariedade é não só um compromisso assumido como uma exigência de interesse nacional.
Sendo assim: quem está interessado em estimular conflitos entre o Presidente da Republica e o Primeiro-Ministro?

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Que tipo de interesses, estranhos ao interesse nacional, se pretendem irresponsavelmente promover desta forma?

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Por que é que só agora, logo após o início do segundo mandato do Sr. Presidente da República, se fala em conflito institucional? Que sentido faz o alegado conflito quando o PSD, com base na acção durante o primeiro mandato, apoiou a recandidatura do Sr. Presidente da República, que, por sua vez, durante a campanha voltou a reafirmar e a dar garantias quanto ao bom relacionamento, ao diálogo e concertação entre os dois órgãos, factor decisivo para a estabilidade, o desenvolvimento do País e a indispensável melhoria das condições de vida e bem-estar dos Portugueses?

Vozes do PSD e do PS: - Muito bem!

O Orador:- Pessoalmente, não acredito que o Sr. Presidente da República queira promover a instabilidade, até porque tem perfeita noção de que os desafios que estão colocados e os que se avizinham, dos quais destacaria a presidência da CEE, suo demasiado importantes para colocar o interesse de alguns à frente dos do País e dos Portugueses. Parece-me, antes, que a tentativa de criação de um clima de desconfiança mais se deve ao facto de termos entrado na fase de pré-campanha, em que o debate deveria estar centrado entre o líder do Governo e o líder da oposição.

Vozes do PSD e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Uma explicação possível será, de acordo com a análise de alguns, o facto de o líder socialista sentir cada vez mais dificuldades em mobilizar e liderar a oposição ao Governo..

O Sr. Armando Vara (PS): - Já me estava a cheirar a algo!

O Orador: - Sr. Deputado, a verdade vem sempre ao de cima!

Risos do PSD.

E, acto contínuo, concluem pela necessidade de erigir em líder da oposição o Presidente da República, em

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substituição do Dr. Jorge Sampaio. Não sou dos que pensam que o Dr. Jorge Sampaio não tem capacidades para se bater contra o Primeiro-Ministro, ao contrário do que deixam transparecer algumas vozes dentro do próprio Partido Socialista. É precisamente essa estratégia de confronto, que o PS adoptou, que não tem sido, em minha opinião, feliz, já que desvia as atenções das questões essenciais e dos principais protagonistas.
Nenhum partido pode sobreviver e fazer vingar as suas teses pedindo um líder emprestado, ainda por cima quando esse líder é o Presidente de todos os portugueses. Só escolhe este caminho quem não se sente capaz de oferecer, sozinho, uma alternativa ao País. Em democracia, a alternância é fundamental! Mas sem convicção, sem propostas credíveis e mobilizadoras da vontade popular, não existe alternativa mas apenas vazio e ilusão de poder!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Resta-nos desejar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o bom senso prevaleça e que o País tenha oportunidade, durante a campanha eleitoral, de ver debatidas, com seriedade e serenidade, as questões essenciais para o futuro do nosso país. A bem de Portugal, para bem dos Portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Hermínio Marinho, mesmo no final da sua intervenção, fez um apelo a que prevalecesse o bom senso e, por isso, eu desisto do meu pedido de esclarecimento.

Aplausos do PS e ao PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia com a apreciação dos projectos de deliberação n.ºs 143/V e 144/V...

O Sr. Armando Vara (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, há cerca de duas semanas foi entregue a V. Ex.ª um requerimento, assinado pelos Srs. Deputados António Guterres, Carlos Brito, Narana Coissoró, Rui Silva e outros, requerendo ao Governo informação sobre contratos de empreitadas e protocolos adicionais referentes a diversas obras públicas. Desejava saber se V. Ex.ª nos pode informar se já deu entrada na Assembleia da República alguma resposta.
Para além disso, gostava de deixar aqui lavrado um protesto. Parece-nos inadmissível que, estando a decorrer a reunião da Comissão Permanente - o órgão que representa e substitui o Plenário da Assembleia da República -, o mais importante órgão de comunicação social do nosso país, que tem por obrigação lambem uma função de serviço público, não esteja presente nesta reunião.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quanto à segunda parte da sua interpelação, devo dizer que também eu lamento que a televisão não esteja presente nesta reunião - tão importante - da Comissão Permanente da Assembleia da República.
Quanto à primeira parte, Sr. Deputado, V. Ex.ª conhece perfeitamente o Regimento, ale porque fez tantos requerimentos como qualquer um de nós, e sabe perfeitamente que eles têm uma tramitação, que me seria extremamente difícil de responder neste momento. Em todo o caso, sempre lhe digo que a média de requerimentos, por ano, anda à volta de 1470 - estive a fazer a estatística esta noite.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E não está cá o Magalhães Mota!

O Sr. Presidente: - Como sabe, os requerimentos entram na Mesa, seguem a sua tramitação, são enviados ao Governo, vem a resposta, que é enviada ao deputado subscritor e, posteriormente, publicada no Diário da Assembleia da República. Por este motivo, é-me materialmente impossível saber se a resposta ao requerimento que citou deu ou não entrada, porque a situação não é conduzida por mim, excepto quando se trata de requerimentos entregues no meu Gabinete.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, é que não se trata de um requerimento qualquer, mas de um requerimento assinado por todos os líderes da oposição, o que, penso, devia merecer, da parte do Governo um tratamento diferenciado. Não quero com isto dizer que deva haver deputados com direitos acrescidos em relação a outros, mas, como se trata de um requerimento subscrito por ioda a oposição, penso que deveria merecer outro tratamento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como já disse, a tramitação não passa por mim e não lhe posso dar uma resposta, sem correr o risco de errar.

ORDEM DO DIA

Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia, com a discussão dos projectos de deliberação n.ºs 143/V (PCP) - Proposta de alteração ao artigo 4.º do Regimento da Comissão Permanente e 144/V (PCP) - Proposta de aditamento de um artigo ao Regimento da Comissão Permanente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos termos do Regimento da Assembleia da República, a Comissão Permanente reúne fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia, isto é, na prática, a Comissão Permanente funciona enquanto não funciona o Plenário da Assembleia da República. Em grande medida, substitui o Plenário da Assembleia da República.
De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do mesmo Regimento, «Compete à Comissão Permanente: Acompanhar a actividade do Governo e da Administração». É nesta perspectiva do acompanhamento da actividade do Governo e da Administração que se inserem os dois projectos de deliberação, apresentados pelo

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Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, de alteração ao Regimento da Comissão Permanente, que, aliás, data de Junho de 1988.
Uma das propostas tem a ver, ao fim e ao cabo, com a explicitação de uma das formas que a Assembleia da República e, no caso concreto, a Comissão Permanente têm de acompanhar e fiscalizar a actividade do Governo, qual é a de poder, nas reuniões da Comissão Permanente, ter a presença de membros do Governo para responderem a pedidos de esclarecimento feitos pelos deputados. Este é o conteúdo do nosso projecto de deliberação n.º 144/V e que, repito, se destina, pura e simplesmente, a explicitar aquilo que nos parece que já está claramente contido no Regimento, porque se não fosse assim cairia por terra uma das hipóteses de acompanhamento da actividade do Governo, bem como da sua fiscalização.
O projecto de deliberação n.º 143/V tem em vista a introdução no Regimento da Comissão Permanente da possibilidade de realização de debates de urgência. Julgamos que - e por isso há pouco referi que o Regimento da Comissão Permanente data de 1988 - seria útil e conveniente que se adaptasse o referido Regimento à alteração regimental do Plenário da Assembleia da República, que se verificou posteriormente a 1988 e em que foi criada a possibilidade dos debates de urgência. É neste sentido e com este estrito objectivo que apresentamos os projectos de deliberação. Julgamos que não há razões válidas que possam obstar à sua aprovação, porque queremos partir do princípio que, tal como resulta da existência da Comissão Permanente, todos os grupos parlamentares estarão disponíveis para que a Comissão Permanente possa realizar a sua competência primeira, qual é a de fiscalização da actividade do Governo.
Aliás, já é demais, pelo menos do ponto de vista do PCP, que a Comissão Permanente só funcione de 15 em 15 dias e que, por decisão da maioria, esteja um mês e meio sem funcionar. Julgo que já é mais do que seria razoável para efeitos de actuação da Comissão Permanente e, por conseguinte, esperamos e estamos convencidos, até prova contrária, de que os nossos projectos de deliberação não terão grande dificuldade em serem aprovados nesta reunião em que estão a ser discutidos.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, nós vamos aprovar as propostas de alteração, porque consideramos que elas não têm outra razão de ser que a de prolongar um debate que já aqui foi feito por diversas vezes. O nosso Parlamento reúne mais vezes do que a maior parte dos parlamentos europeus - tenho comigo um levantamento comparativo da situação na Europa - e, por isso, não teria sentido que, pela via da Comissão Permanente, se prolongasse uma espécie de reunião do Plenário, que ninguém compreenderia e que, consideramos, seria degradante para as instituições.
Aliás, sugiro que, quando a televisão filmar a reunião da Comissão Permanente, se chame a atenção para o facto de não se tratar de uma reunião do Plenário, para que as pessoas compreendam o que se passa. Enfim, todos nós somos responsáveis de tudo e VV. Ex.ªs desinteressam-se destas coisas e todos os dias fazem profissões de fé em nome do prestígio das instituições da República, mas cuidam pouco, em minha opinião, de salvaguardar a credibilidade dessas instituições.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nós somos contra que o Plenário, pela via da Comissão Permanente, crie um novo regime de funcionamento da Assembleia da República, tanto mais que a questão substancial, que é a de fiscalização da acção governativa por parte da Assembleia da República, está assegurada e tem sido efectivada, melhor do que pela via da Comissão Permanente, através das reuniões das comissões parlamentares. Como VV. Ex.ªs sabem, temos estado de acordo com as reuniões dessas comissões e, mais do que isso, com a chamada de membros do Governo a essas comissões.
Portanto, o objectivo, para nós sagrado, da fiscalização da acção governativa por parte da Assembleia da República está assegurado e tem sido efectivado através das reuniões das comissões parlamentares com a presença de membros do Governo e às quais não temos feito qualquer oposição, bem pelo contrário. No entanto, somos opostos a que, pela via de um expediente, que é o da reunião permanente da Comissão Permanente, se crie uma situação que, a nosso ver, prejudica a própria credibilidade e dignidade das instituições da República.
Aliás, nós já fizemos esta exposição de argumentos diversas vezes e não temos qualquer receio em termos de direitos e da prática política comparados e por isso nós, sem qualquer dúvida, opomo-nos às vossas propostas de alteração, que, ainda por cima, são simuladas, uma vez que - foi V. Ex.ª quem o disse - se trata da pretensão de explicitar as actuais disposições.
É evidente que esta Comissão, se assim o entendesse, poderia solicitar a presença de membros do Governo. Nós é que pensamos que está errado, que isso é nocivo à própria dignidade do funcionamento das instituições e que, pelo contrário, as instituições estão muito mais dignificadas, quer do ponto de vista da sua dignidade institucional quer do ponto de vista substantivo da fiscalização e do acompanhamento da acção do Governo, pela via das reuniões das comissões parlamentares com a presença de membros do Governo, que temos aceite e, inclusivamente, preconizado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado José Silva Marques, V. Ex.ª refere que o acompanhamento e a fiscalização da actividade do Governo estão assegurados pelas comissões permanentes e eu gostaria de saber se, com essa afirmação e essa posição do PSD, está a querer eliminar a alínea a) do n.º 1 do artigo 44.º do Regimento da Assembleia da República, que refere que compete à Comissão Permanente essa função e não às comissões especializadas.
Em segundo lugar, gostaria de saber se, quando refere que seria degradante, contrário à salvaguarda da credibilidade das instituições a permanente reunião da Comissão Permanente, está a propor, em nome do seu grupo parlamentar, eliminar o artigo do Regimento Já Comis-

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são Permanente que estatui que ela reúne todas as quintas-feiras. Está a propor a eliminação desse artigo, na medida em que estamos apenas a reunir de 15 em 15 dias e VV. Ex.ªs, durante os próximos 45 dias, não permitem que a Comissão Permanente reúna? Será que não é precisamente o inverso? Não será pelo facto de a Comissão Permanente não reunir durante 45 dias que está a ser prejudicada a credibilidade das instituições democráticas, designadamente da Assembleia da República? Julgo, Sr. Deputado, que a posição do PSD é que é contrária aos interesses da credibilidade das instituições democráticas.
Finalmente - e aí estamos de acordo -, em relação à possibilidade de os ministros virem à Comissão Permanente, ela está, de Tacto, contida no actual Regimento da Assembleia da República e nessa parte, como referi há pouco, trata-se apenas de uma explicitação que nós gostaríamos de fazer em termos de Regimento da Comissão Permanente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, é evidente que nada do que os senhores propõem é necessário ser aprovado, porque já faz parte das possibilidades existentes, e eu disse-o expressamente.
Estamos perante uma divergência política, uma forma diferente de ver as instituições, o que é normal. Quanto à forma de encarar as instituições da República democrática, os senhores, em diversas ocasiões, tom manifestado posições opostas às nossas. E já não falo no cerco da Assembleia, em que estávamos contra ele e os senhores a favor; já não falo...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E quanto ao seu colega de bancada, José Pacheco Pereira, que, por acaso, não está presente? É a história!

O Orador: - Sr. Deputado, o que interessa é a posição institucional de cada corrente política. Deixe-se dessas histórias...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Convém ver a história!

Risos do PCP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Deputado foi buscar lenha e queimou-se!

Risos do PCP.

O Orador: - Ó Sr. Deputado, deixe-se dessas miudezas históricas, que, aliás, são interessantíssimas. Eu fui comunista antes de o senhor o ser e devo dizer-lhe que teve sorte em ter escapado ao meu controlo. Imagine a sorte que teve!

Risos.

Portanto, dê graças a Deus de eu não ter sido seu controlador, o que já foi uma grande sorte da sua parte!

Risos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sorte sua!

O Orador: - Não, a grande sorte foi sua, porque ter-lhe-ia feito a vida negra se tivesse sido o seu controlador!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Grande democrata!

O Orador: - Mas vamos ao assunto.

Sr. Deputado Octávio Teixeira, a possibilidade de a Comissão Permanente fiscalizar o Governo existe e uma delas é a de a Comissão Permanente deliberar no sentido de solicitar a presença dos membros do Governo. Logo, essa possibilidade existe.
No entanto, entendemos que, nas circunstâncias em que os senhores têm apresentado os seus argumentos, é muito mais idóneo...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Silva Marques, informo-o de que o seu tempo terminou.

O Orador: - Sr. Presidente, penso que o tempo daqueles fait divers não contam. Foi um pequeno parêntesis na história das coisas, que não faz parte deste debate parlamentar. Tudo o que havia a dizer está dito e redito e o único aspecto interessante foi esse fait divers, fora de debate, com o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Temos um entendimento diferente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, mas eu já disse que, se os senhores apresentassem iniciativas excepcionais, nós aceitá-la-íamos. E quando falo em preservar a dignidade das instituições, embora o Sr. Deputado não concorde, tenho fortes razões para defender o meu ponto de vista. Devo dizer-lhe que, se aceitássemos a ideia de a Comissão Permanente ser um substituto do Plenário, estaríamos a ter uma atitude inadmissível, relativamente à dignidade quer da Assembleia da República quer de cada um dos seus membros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se a Comissão Permanente, com 20 ou 25 deputados, funcionasse nos mesmos termos e do mesmo modo que o Plenário, que sentido teria o Plenário da Assembleia da República ter 230 deputados?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, tenha calma, porque, quando falo da dignidade e da credibilidade das instituições da República, tenho fortes argumentos para abordar essa questão, que considero não ser de somenos, só que o Sr. Deputado não lhe atribui a mesma importância que eu. Esta é a nossa divergência! E, Sr. Deputado, já repetimos tantas vezes os nossos argumentos para contrariar as vossas iniciativas. Esta situação não é nova, aconteceu na semana passada e, possivelmente, acontecerá na próxima reunião da Comissão Permanente, que os senhores queriam que fosse em Agosto.
Srs. Deputados do PCP, nunca a Comissão Permanente reuniu em Agosto. Nunca, em circunstância alguma! Mas os Srs. Deputados queriam que a Comissão Permanente reunisse em Agosto, o que me permite dizer com contundência, mas não infundada, que os senhores, tal como o Partido Socialista, precisam, no fundo, do Parlamento para a campanha pré-eleitoral.
Ora, isso é mais uma razão de degradação das instituições da República. Os senhores não devem tentar utilizar o Parlamento Português, a Assembleia da Re-

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pública Portuguesa, para efeitos de pré-campanha eleitoral! Aliás, nem necessitam disso,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- O que queremos, e pretendemos, é fiscalizar o Governo!

O Orador: -... tanto mais que têm cartazes e estão, portanto, a gastar a sua fortuna. Enfim, possivelmente, em Setembro estarão novamente falidos.

Risos do PSD.

E os Srs. Deputados do PCP têm brevemente a Festa do Avante, o que é todos os anos um grande acontecimento.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: -Portanto, não utilizem esta Casa, que é da maior nobreza e deve ser defendida sagradamente por todos nós, para efeitos de chicana política. Opomo-nos a isso.
Não recusamos a Fiscalização; para isso temos as comissões, que têm reunido. Só que defendemos, intransigentemente, a dignidade desta Casa e é essa a grande divergência que nos opõe.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha primeira observação nesta matéria é a de que não são os regimentos que dão sentido às constituições mas, sim, as constituições que dão sentido aos regimentos e, como tal, estes têm de se conformar às suas disposições. E o que a Constituição diz quanto à função da Comissão Permanente não deixa margem para dúvidas.
Nos termos da Constituição (artigo 182.º, n.º 3), compete à Comissão Permanente, designadamente, acompanhar a actividade do Governo e da Administração. Ora, se a disposição material da Constituição é a de dizer que quando a Assembleia da República não funciona, em termos de Plenário, a sua Comissão Permanente acompanha a actividade do Governo e da Administração, o que é que isto pode significar? Pode significar que regimentalmente, com legitimidade, se pode fazer a interpretação de que «acompanhar a actividade do Governo» não consente que os membros do Governo sejam chamados às reuniões da Comissão Permanente. Mas essa interpretação, para além de ser uma contradição lógica, é, verdadeiramente, uma interpretação sem cabimento constitucional.
Neste sentido, Srs. Deputados, o que está em causa não é sequer discutir qualquer conteúdo inovatório das propostas apresentadas pelo PCP mas, sim, com essas propostas, ou sem elas, não poder ser denegada à Comissão Permanente uma competência que a Constituição lhe confere ao consagrar-lhe, justamente, o direito de acompanhar a actividade do Governo e da Administração.
Perante isto, o que sugiro ao PCP é que aceite retirar as suas propostas, não que elas não tenham, regimentalmente, um sentido clarificador, mas porque não deveremos dar ao PSD o pretexto fácil de, ao votar contra elas - como já anunciou que faria -, deixar, como interpretação possível da Assembleia da República, a ideia de que a Comissão Permanente não tenha competência para convocar os membros do Governo para as suas reuniões. Na nossa interpretação, essa competência é inquestionável e, como tal, o PSD não deverá ter o «bónus» de se permitir, formalmente, tomar uma posição contrária a essa possibilidade.
Por outro lado, Sr. Deputado José Silva Marques, em matéria de controlo, o que acabamos de verificar é que o Sr. Deputado mantém intactas as suas capacidades de controlador,...

O Sr. José Sócrates (PS): - Está em boa forma!

O Orador: -... só que mudou de partido, mudou, portanto, de área política relativamente à qual exerce essa sua vocação e capacidade.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Se estivesse no PCP teria evoluído!

O Orador: - A verdade é que dizer-se que desprestigia o funcionamento da Assembleia da República o facto de, ao nível da Comissão Permanente, se poder ter reuniões com membros do Governo é qualquer coisa de verdadeiramente inverosímil. E mais inverosímil é pretender dizer que, no fundo, essas reuniões só teriam legitimidade perante o próprio Plenário e com a presença de todos os deputados eleitos. O que faz sentido, relativamente ao Plenário, é o exercício de competências próprias da Assembleia da República, designadamente ao nível do processo legislativo. Aí, sem dúvida, é necessária, para os actos formais do processo legislativo, como para certos actos políticos fundamentais - de investidura, de censura ou de interpelação formal ao Governo -, a presença do Plenário e, portanto, do conjunto dos deputados eleitos. No entanto, Sr. Deputado José Silva Marques, a questão de a Comissão Permanente acompanhar a actividade do Governo e da Administração, ou seja, de exercer a função constitucional de fiscalização dos actos do Governo, não pode ser minimamente posta em causa.
Finalmente, no que se refere à circunstância de se pretender evitar que a Comissão Permanente volte a reunir no mês de Agosto, designadamente, quero testemunhar o nosso inteiro desacordo quanto a essa circunstância porque, em primeiro lugar, ela é contrária à disposição regimental que regula o funcionamento da Comissão Permanente. Mas o mais importante é que isso acontece num momento político em que, pela primeira vez, a Assembleia está parada encontrando-se o Governo em exercício de funções, em plenitude de funções, e em vésperas de um acto eleitoral. Ou seja, o que se passa não é que a oposição precise da Assembleia reunida para exercer a sua actividade mas, sim, que a maioria quer fechar o Parlamento para assim, mais facilmente, por via governamental, tomar conta do País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, lastimo que não tenha o mesmo desportivismo que eu e outros deputados temos, porque acho adorável ralarmos dos pequenos acidentes da nossa vida.

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O Sr. Deputado aproveitou para dizer que eu era controlador; não sei se sou ou não controlador, nem o senhor se pode pronunciar sobre a matéria.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Foi deselegante!

O Orador: - Foi deselegante, mas não tem importância! Por que não falar destas coisas com desportivismo e, mais, até com amizade? Não preciso de perder a amizade pelas pessoas por ter divergências políticas, pelo contrário tenho um particular prazer em mantê-las.
O Sr. Deputado não tem qualquer possibilidade de se pronunciar sobre se eu controlei ou não, porque não domina a matéria, nem podia dominar, visto ser muito novo e não conhecer as coisas do passado. Por isso, a infelicidade do seu remoque. Mas, Sr. Deputado Jorge Lacão, não lhe levo a mal pelo facto de não ter tido oportunidade, pela idade e eventualmente por outros factores, de conhecer a fundo essa matéria.
Voltando ao assunto em questão, é evidente que a Comissão Permanente pode solicitar a presença dos ministros. Não disse o contrário e não vale a pena pôr-se a interpretar a Constituição, porque neste ponto não temos qualquer divergência; o que existe é uma divergência política.
Os senhores querem a presença dos ministros por tudo e por nada e nós não queremos que assim seja. Porém, já disse que aceitaríamos a presença do Governo na Comissão Permanente na base de uma situação excepcional, porque é esse o nosso entendimento da Comissão Permanente.
Mas o Sr. Deputado peca por excesso de argumentação. Senão, diga-me por que e que o Plenário não está permanentemente em reunião? Por que é que alguém entendeu que, em certo momento, o Plenário deixa de estar em reunião e passa a ser uma Comissão Permanente a fazê-lo? Será que o entendimento é o de que uns deputados têm direito a férias e outros não? É uma argumentação absurda! Será que durante certos meses do ano os assuntos precisam de mais público e nos restantes meses de menos público? Será essa a razão? Não, Sr. Deputado! A razão é porque se entende que o Plenário não está, nem deve estar, em reunião permanente e que o funcionamento das competências da Assembleia da República deve ser assegurado por um órgão que, evidentemente, não pode ser tomado como Plenário e daí que deva ser entendido com o carácter excepcional que tem, porque, de outra forma, chegamos a conclusões absurdas. Ou seja, se não entendêssemos assim, amanhã o Plenário reuniria apenas um dia por ano e nos restantes dias reuniria a Comissão Permanente, até porque a despesa seria então muito menor e se não há diferenças do ponto de vista político, então, meu Deus, que se não gaste tanto!
Ora, o Sr. Deputado peca por excesso de argumentação e nenhum parlamento tem esse entendimento do funcionamento das suas instituições.
Concluindo, trata-se de uma divergência política entre nós e os senhores, uma vez que os senhores querem, por tudo e por nada, todos os dias, a presença dos ministros e nós não queremos, não por termos receio mas por entendermos que tal é negativo para a credibilidade e dignidade das instituições. Daí que eu volte a repelir que o vosso comportamento permite afirmar que o PS precisa do Parlamento para a campanha pré-eleitoral e que, pelos vistos, tem da política apenas uma visão de guerrilha permanente, porque de outro modo não nos obrigava semanalmente a discutir o mesmo assunto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD):- Sr. Deputado Jorge Lacão, o problema da fiscalização da Administração Pública, através da Comissão Permanente da Assembleia da República, tem de ser visto com base no que se tem passado até hoje, no que é hoje e no que poderá vir a ser no futuro.
De certo modo, espanto-me que VV. Ex.ªs, durante toda a nossa democracia, toda esta segunda democracia portuguesa, nunca, repito, nunca tenham levantado o problema de não ter havido fiscalização durante o tempo de encerramento do Plenário da Assembleia da República e de nunca ter havido convocação da Comissão Permanente durante o mês de Agosto. Levantam-no apenas agora!
VV. Ex.ªs desenvolvem o argumento de que, não sendo este um governo de gestão mas um governo livremente eleito, com iodos os seus poderes, precisa, consequentemente, de ser mais fiscalizado do que seria possivelmente um governo de gestão.
Sr. Deputado, já hoje foi dito - e permita-me que volte a repelir - que se se tratasse de um governo de gestão, como outros que ficaram em períodos de espera, então, sim, haveria necessidade de um maior poder de fiscalização. Nesse caso é que haveria necessidade de ver se um simples gestor governamental estaria a exceder as suas competências. Agora, pelo contrário, há uma menor possibilidade de tal acontecer e uma maior desnecessidade de fiscalização, dado que se trata de um governo institucionalmente eleito. Não vejo, por conseguinte, Sr. Deputado Jorge Lacão, outros argumentos para todo este vosso anseio de a Comissão Permanente convocar ministros e secretários de Estado e de reunir durante o mês de Agosto senão o de querer transformar esta Casa num círculo de campanha eleitoral e nisso não pactuaremos de maneira alguma!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, embora já não disponha de tempo, mas por uma questão de equidade, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado José Silva Marques, gostaria de dizer-lhe alguma coisa com amizade, na medida em que não vai, e ainda bem que o faz, interpretar a veemência do debate entre nós como uma ausência de menos consideração pessoal.
Sr. Deputado José Silva Marques, V. Ex.ª assume com tanta ênfase aquilo que é ou foi a sua atitude de controlador - e no seu pedido de esclarecimento fez questão em sublinhar que disso não percebo grande coisa - que também faço questão de sublinhar que, acerca disso, não percebo rigorosamente nada, só que não é pela razão que invocou, ou seja, não é por um problema de idade mas de militância num certo espaço político, no espaço político em que me enquadro e em que me honro de não haver tendências controladoras.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Não se meteu no PCP e fez bem, porque correria muitos riscos!

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O Orador: - Quanto ao facto de a minha argumentação pecar por excesso, Sr. Deputado José Silva Marques, se alguma coisa, do seu ponto de vista e com a lógica da sua intervenção, peca por excesso é o Regimento da Comissão Permanente da Assembleia da República, que diz que ela reúne ordinariamente as quintas-feiras, das 15 às 18 horas.
Sr. Deputado José Silva Marques, estamos numa situação em que nem sequer estamos a exigir o cumprimento integral de uma disposição do Regimento que regula o funcionamento da Comissão Permanente. Admitimos tão-só o princípio das reuniões quinzenais e os senhores ainda acham que estamos a ser excessivos. E com isto vou responder ao Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.
O Sr. Deputado Mário Montalvão Machado acha estranho que agora exijamos o princípio da concretização das reuniões da Comissão Permanente, pelo menos quinzenalmente, durante o mós de Agosto e diz que a questão nunca foi suscitada no passado.
Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, o que quero suscitar-lhe 6 que pondere o facto de estarmos perante uma situação política que não teve paralelo no passado,...

O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Isso é verdade!

O Orador: -... porque o que está a acontecer é que estamos perante uma Assembleia que não está em regime de funcionamento permanente, num momento que é de vésperas eleitorais e em que ocorre a existência de um governo em plenitude de funções. Ora, o que distingue a situação actual das situações anteriores e o facto de os governos anteriores, no momento do fecho do Plenário da Assembleia, serem exactamente governos de gestão. É aqui que bale o ponto, porque o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, do meu ponto de vista, distorce completamente o raciocínio ao dizer que é perante um governo de gestão que se justificaria haver especiais cautelas de fiscalização.

Vozes do PSD: - É claro!

O Orador: - Dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que, por natureza, um governo de gestão não tem iniciativa legislativa...

Vozes do PSD: - Não é verdade! Veja o caso do governo chefiado pela engenheira Pintasilgo!

O Orador: - Recordem-se do que fez na aluíra o primeiro-ministro Sá Carneiro, que foi a revogação em bloco de toda esta legislação, exactamente em nome de ter considerado que um governo de gestão não o poderia ter feito.

Vozes do PSD: - Está, afinal, a dar-nos razão!

O Orador:- O que quero significar, quanto à iniciativa legislativa, é que, obviamente, tal governo não a tem perante o Parlamento. No que diz respeito à possibilidade de aprovar decretos-leis, aí está a função do Presidente da República, que, tendo constitucionalmente a competência para a promulgação dos actos legislativos oriundos do Governo, pode, nesse capítulo, exercer essa função. Quando um governo está em plenitude de funções e se impede a Assembleia da República de, com um mínimo de plenitude, poder exercer funções de fiscalização política que lhe são garantidas pela Constituição e, particularmente, pelo próprio Regimento da Assembleia da República, aquilo que então verdadeiramente se revela e que se tem medo do funcionamento normal de um órgão de soberania.
A questão que se coloca, Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, é muito simples: se o Regimento da Assembleia implica reuniões da Comissão Permanente, ou os senhores aprovam uma disposição que altere o preceito em causa neste Regimento ou, quando a Comissão Permanente não reunir, ela estará fazê-lo contra o Regimento da Assembleia da República, por culpa política totalmente vossa.

Vozes do PS: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, da discussão dos dois projectos de deliberação em apreço, da nossa autoria, ficou claro que aquilo que propomos já faz parte das atribuições da Comissão Permanente.
Nesse sentido e para evitar que no futuro possa haver alguma chicana política de aproveitamento de uma votação, já anunciada pelo PSD, contra os nossos projectos de deliberação, ou seja, para evitar que isso possa vir a ser aproveitado em sentido inverso ao que foi proclamado por todas as bancadas, retiramos os dois projectos de deliberação que apresentámos.

Vozes do PSD: - Que recuo!...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, desejaria apenas que ficasse exarado na acta um esclarecimento que pretendo dar sobre os governos de gestão e os poderes da Assembleia, questão sobre a qual se estabeleceu aqui uma grande confusão.
Formalmente, quando está em funções um governo de gestão, a Assembleia está dissolvida; a Assembleia não funciona durante o mandato do governo de gestão. Só existem dois casos de funcionamento simultâneo de um governo de gestão e da Assembleia da República: quando não £ aprovado um programa de governo e quando £ aprovada uma moção de censura, enquanto o Sr. Presidente da República negoceia para saber se deve formar um novo governo ou, antes, dissolver a Assembleia.

Vozes do PSD: - Mas funciona na mesma a Comissão Permanente!

O Orador: - Foi exactamente para que não continuasse a registar-se tanta confusão sobre os governos de

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gestão e os poderes de Fiscalização que pretendi exarar na acta desta reunião o esclarecimento que acabei de dar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, termina assim a discussão dos projectos de deliberação n.ºs 143/V e 144/V, que não serão submetidos a votação por, entretanto, os seus autores terem declarado que os retiravam.
Passamos à apreciação dos projectos de deliberação n.ºs 145/V, 146/V e 147/V, apresentados pelo Partido Socialista e relativos à problemática dos incêndios florestais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trago hoje à Comissão Permanente uma situação que penso ser de calamidade nacional. Refiro-me a toda a problemática dos incêndios em Portugal.
Neste momento vamos já com mais 20 % de incêndios do que no ano passado, com mais 40 % de área ardida do que a que se registava. No ano transacto arderam 127 000 ha. Este ano, se a proporção continuar ao mesmo ritmo que que se tem sentido até agora, iremos ultrapassar largamente o número de hectares ardidos no ano passado.
Como os Srs. Deputados compreenderão, é impossível Portugal manter a actual situação. Diria que o governo do PSD vai deixar arder mais de 1 milhão de hectares. Dos 3 milhões e meio de hectares de floresta que existem em Portugal, vai arder, durante o governo do PSD, mais de 1 milhão de hectares.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- Nos últimos 10 anos arderam 850 000 ha; este ano ultrapassaremos possivelmente, em conjunto, a barreira do milhão de hectares.
Há na população e nos Srs. Deputados a ideia generalizada de que não é tecnicamente possível controlar esta situação. Não podemos, como é óbvio, controlar o número de incêndios; julgo que nenhum Sr. Deputado se atreverá a dizer nesta Casa que é capaz de diminuir o número de incêndios, mas penso - e desafio qualquer Sr. Deputado a discuti-lo comigo - que há técnicas para controlar as áreas ardidas. Não podemos aceitar que haja incêndios que ultrapassem os milhares de hectares de área ardida, o que só se passa por não haver uma política de prevenção, nem uma política de ordenamento da floresta, nem ainda uma política de combate, que muitas vezes foi discutida com os membros do Governo mas que estes até agora não aceitaram.
Apresentámos na Mesa da Assembleia três projectos de deliberação sobre uma situação que, como disse, é excepcional e a que não podemos, de forma alguma, continuar a assistir de braços cruzados. Desafio qualquer secretário de Estado, ministro ou deputado a rebater a minha ideia de que há meios técnicos que podem controlar as áreas ardidas. O Governo faz permanentemente crer à população que isto é uma fatalidade, que não há nenhuma maneira de controlar a situação e que, portanto, é preciso é deixar arder. Até já se passa uma questão grave: é que as pessoas estão tão mentalizadas de que isto é uma fatalidade que já nem reagem contra esta calamidade nacional!

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Governo aumentou sistematicamente os meios de combate aos incêndios. Na proporção em que têm aumentado os meios de combate aos incêndios, tem aumentado a área ardida, o que demonstra claramente que tínhamos razão quando, por alturas do Inverno, nesta Casa, durante o funcionamento de uma certa comissão, pedíamos ao Governo que tomasse medidas de prevenção na floresta. Apresentámos então planos e propostas concretas. O dinheiro é, neste caso, todo ele financiado pela Comunidade. O Governo não pode estancar - é verdade - o número de fogos, mas, se tiver vontade política, pode estancar o número de hectares ardidos.
Como pensamos que se trata de um problema de calamidade nacional, várias vezes propusemos ao Governo que, a nível nacional, escolhesse o concelho mais florestal e nele implementasse as medidas de prevenção adequadas para chegar à conclusão de que valeria a pena tomar essas medidas. Gostaria de salientar que o Governo gasta 5 milhões de contos no ataque aos incêndios, que é já um grande negócio em Portugal, e cerca de 700000 contos na prevenção.
Apresentámos estes projectos de deliberação para pedir que aqui seja feita uma discussão com os Srs. Ministros do Ambiente e dos Recursos Naturais, responsável pelas áreas protegidas, da Administração Interna, responsável pelo combate aos incêndios, e da Agricultura, Pescas e Alimentação, responsável pela prevenção. Pedimos também a declaração de zonas de calamidade em relação às mais afectadas, principalmente no distrito de Santarém, e, finalmente, solicitámos que a comissão eventual que aqui funcionou e entregou o respectivo relatório seja reposta em funcionamento, a fim de pressionar o Governo nalgumas medidas.
Reconheço que foi criada para o efeito uma brigada da Polícia Judiciária e legislação que não permite a plantação de algumas espécies nas zonas de pinhal destruídas pelo fogo, mas penso que há medidas urgentes que poderiam ser implementadas e que valeria a pena repor em funcionamento a referida comissão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva.

O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Sr. Deputado António Campos, ouvi-o com o mesmo sentido de preocupação com que decerto fez a sua intervenção relativamente ao flagelo dos fogos florestais. Não tenho quaisquer dúvidas em o afirmar, porque conheço a sua posição e os seus sentimentos sobre estas matérias, como também conheço os de outros deputados aqui presentes.
De toda a forma, gostaria de lhe dizer, com muita clareza, que, segundo penso, a matéria dos projectos de deliberação que apresentam em relação à presença aqui dos ministros referidos pode e deve ser discutida a nível da respectiva comissão.
Quanto ao projecto de deliberação que apresentam no sentido de certas zonas atingidas serem declaradas zonas de calamidade e de serem estudadas medidas de apoio concretas, estou absolutamente convicto de que tais medidas serão estudadas e implementadas - estão já a sê-lo - independentemente de qualquer declaração dessa natureza.
Np que respeita, finalmente, à proposta de repor em funcionamento a comissão eventual para a reflexão sobre a problemática dos fogos florestais, terminámos um

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relatório há escassos meses atrás, depois de longos meses de trabalho de uma comissão eventual desta natureza, e foram feitas inúmeras propostas e indicados alguns caminhos para a solução deste flagelo. Nesse sentido, pergunto ao Sr. Deputado o seguinte: tendo em conta as competências e atribuições desse tipo de comissões eventuais, que mais poderia fazer uma nova comissão no sentido de ir alem daquilo que já foi feito e daquilo que está ser feito, quer no domínio do Governo, quer relativamente a nós, no âmbito da comissão eventual? Que mais poderá ser feito que justifique de novo a constituição de uma comissão desta natureza?
Repito o que disse no início: compreendo o sentimento e a preocupação com que apresentam esta matéria, mas estou absolutamente seguro de que estão a ser desenvolvidas acções e de que a criação de uma comissão como a que terminou há meses não permitiria ir além do que já foi feito.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva, penso que a única função que a dita comissão eventual podia desempenhar foi a que efectivamente desempenhou, que consistiu em obrigar os membros do Governo a discutir estas situações, fazendo propostas, com as quais estavam de acordo na maior parte das vezes. Só que depois não tomaram as medidas com que tinham estado de acordo na comissão. Foram poucas as medidas que «ganhámos», algumas significativas, mas penso que valeria a pena continuar a pressionar um governo que se toma insensível a esta grande calamidade nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador:- Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Sr. Deputado António Campos, gostaria de dizer, a propósito da insensibilidade do Governo, que não acredito que, nesta matéria, ela corresponda minimamente à insensibilidade a que assistimos nas populações em geral em relação a este flagelo. Penso que hoje a grande causa das dimensões dos incêndios em Portugal reside precisamente na insensibilidade com que as populações em geral enfrentam este fenómeno.

O Orador:- O Sr. Deputado acaba de levantar um problema de uma gravidade enormíssima: Portugal está a assistir indiferente. Sou do mundo rural e recordo-me da colaboração entre todas as populações quando havia algum incêndio. Mas a propaganda do Governo sobre os incêndios é que é de tal natureza que hoje as pessoas estão convencidas de que eles são uma fatalidade contra a qual não vale a pena lutar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- O Sr. Deputado conhece tão bem como eu esta problemática e sabe que, hoje, Portugal está a arder com muito mais violência do que no ano passado,
mas o Sr. Deputado não vê nada na televisão, porque o Governo só esconde.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se o Sr. Deputado passear de carro por Portugal, de norte a sul. poderá constatar que está tudo a arder. O que é mais grave é que já não é só nas zonas habituais ou tradicionais de incêndios que eles ocorrem. É chocante o número de incêndios que hoje ocorrem no Alentejo e o número de hectares que ardem nessa zona.

O Sr. José Silva Marques (PSD):- Não exagere!

O Orador: - É chocante que áreas que tradicionalmente estavam mais ou menos preservadas dos incêndios estejam neste momento a arder. A televisão, por ordem do Governo, «fechou» os canais. O Governo faz crer que se trata de uma fatalidade.
O Sr. Deputado sabe tão bem como eu que um incêndio é uma fatalidade, mas também sabe que a área ardida não o é! Não discuto que sejamos capazes de diminuir o número de focos de incêndio, mas já discuto com qualquer governo ou deputado que há hoje técnicas para dominar o número de hectares ardidos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- Não estou preocupado, nesta fase, com o número de fogos, mas com a destruição, nos últimos 11 anos, de cerca de 1 milhão dos 3 milhões e meio de hectares de floresta que temos.
Mais grave ainda, Sr. Deputado, é que vamos disponibilizar mais 2 milhões de hectares para a floresta. Se não tivermos uma estrutura de prevenção, o que será o futuro deste país, não só em termos ambientais como em termos de valor económico? Esta é uma grande calamidade nacional que está a ser escondida e sonegada a todos os cidadãos; necessitamos, por isso, de continuar a pressionar, para poder haver consciência deste drama.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pensamos, assim, que é importante a declaração de calamidade em relação às zonas mais atingidas, a qual nos iraria algumas facilidades na obtenção de benefícios junto da Comunidade, já que a declaração de calamidade nos permite adquirir esses financiamentos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Deputado sabe tão bem como eu que se houvesse um projecto de prevenção a Comunidade nos pagaria o projecto a 100 %. Não nos pagaria a 50, a 60, a 70 ou a 80 %, mas, sim, a 100 %!
O Governo, porém, é muito insensível a estes argumentos. Compreendo a sua posição de ter de defender o Governo, mas tenho a certeza absoluta de que no coração e na inteligência o Sr. Deputado está comigo, porque vive o problema com a mesma intensidade com que eu o vivo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que há hoje um ponto de consenso entre iodas as Torças políticas, entre todos os que se debruçam e se preocupam com os problemas da floresta portuguesa, que se resume a esta frase: os fogos florestais são hoje o principal inimigo da floresta portuguesa ou, no mínimo, um dos principais inimigos.
A dimensão que os fogos florestais atingiram ao longo desta década e que já estão a atingir este ano justifica, em nossa opinião, que a Comissão Permanente se debruce sobre este problema, sobre a revitalização da comissão eventual relativa aos fogos florestais, e justifica, ainda, a declaração de calamidade pública que é pedida pelo Partido Socialista.
O ano passado foi o segundo pior ano da década em matéria de incêndios; ora, os números que neste momento estou em condições de divulgar apontam no sentido de que poderemos estar a caminhar para uma situação mais grave do que a do ano passado. E os números são estes: até ao dia 15 deste mês, no nosso País, tinham ardido 31 700 ha, contra 20000 ha até igual data do ano passado. Isto é, neste ano, já arderam mais de 50 % da área ardida no ano passado,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -O País está a arder!

O Orador: -... apesar de o Governo ter aumentado as verbas de 2 para 3 milhões de contos e os meios de combate em 50 %.
Ora, isto significa que o Governo não tem tido uma política...

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Quantos milhões é que acha que o Governo devia ter atribuído?

O Orador: - Sr. Deputado, permita-me que fale até ao fim e depois poderá intervir, se assim o entender.
Como dizia, isto significa que o Governo não tem lido uma política eficaz que permita prevenir os fogos florestais, que tem malbaratado os meios de investimento nesta área e, sobretudo, invertido o sentido da sua actuação.

O Sr. António Campos (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Ministro e o Governo têm o hábito de dizer - como disseram, agora, em relação aos agricultores - que não podem resolver os problemas de um dia para o outro, querendo, com isso, fazer esquecer que o PSD tem a responsabilidade da pasta vai para 12 anos e que, nesse espaço de tempo, numa matéria tão delicada e tão importante como esta - até para a economia nacional, pois a floresta contribui com cerca de 15 % para as exportações -, era possível já ter desenvolvido, nomeadamente ao longo deste ano, uma política não só de curto mas também de longo prazo.
Assim, a política de curto prazo apontaria, sobretudo, para a redução do nível de combustibilidade da floresta, que é, hoje, dos maiores da Europa; para a abertura de caminhos e aceiros que permitissem o acesso dos meios de combate; para a construção de novos meios de detecção, de pontos de água, das CEF. Estas são muitas das medidas que propusemos no ano passado e que a comissão eventual, por acordo de todos os Srs. Deputados, também recomendou ao Governo.
Ora, acontece que nada disso foi feito e este ano voltamos a repetir aquilo que todos - o Sr. Deputado Narana Coissoró, eu próprio, o Sr. Deputado António Campos, etc. - aqui, no Plenário, já dissemos. Na verdade, os fogos combatem-se no Inverno mas o Governo começou a fazer as primeiras reuniões para definir algumas medidas para este ano exactamente quando a época de fogos já ia alta.
É evidente que isto traduz uma grande insensibilidade, uma grande incompetência, mas também, e sobretudo, uma política que não tem minimamente em conta os interesses do País e da sua floresta. Trata-se, sobretudo, de uma profunda ineficácia em relação a este problema dramático da vida económica portuguesa.
Mas eu diria ainda que, mais do que uma política de curto prazo, podia ler sido implementada uma política de longo prazo - já lá vão 12 anos - no campo da diversificação das espécies e no do ordenamento florestal, onde era possível fazê-la,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - E está a ser feita!

O Orador: -... e acontece que o Governo também aí falhou.
O Governo tem ao seu dispor instrumentos como nunca teve, designadamente de ordem comunitária, com o projecto florestal do Banco Mundial e posteriormente com o PAF. O que acontece é que o Governo, também aqui, malbaratou as verbas em pequenas obras de beneficiação e aquilo que deveria ser a linha central da aplicação do projecto, que era a reflorestação das áreas ardidas e o apoio ao ordenamento da floresta, ficou por metade da área prevista inicialmente, enquanto as pequenas obras de beneficiação subiram para o dobro.
Ora, isto significa que o Governo tem estado surdo e cego quanto a este problema central, tem sido de uma profunda ineficácia e incompetência em relação ao seu combate e tem, sobretudo, estado de «orelhas surdas» às vozes de boa vontade, sérias, interessadas e que, por consenso, nesta Assembleia, chegaram a propostas conjuntas em relação a medidas sérias para o combate aos fogos florestais.
Esperamos que a partir de Outubro não tenhamos este governo mas outro que pratique uma política florestal diferente e que comece a trabalhar para resolver esta dramática situação com que se defronta a floresta portuguesa.
No imediato, pensamos que as medidas propostas pelo Partido Socialista, não indo naturalmente resolver os problemas com que se defronta neste momento já toda a floresta nacional, poderão ajudar, pelo menos, a uma reflexão mais séria sobre o problema e a um novo aleita à opinião pública e ao próprio Governo sobre as medidas necessárias.
É que hoje, como disse há pouco e só para terminar, os fogos e as áreas por eles afectadas já saem fora daquilo que é tradicional; hoje, o Alentejo está a ser pasto de chamas, designadamente em áreas de coutadas de caça, o que também vem, por esta via, chamar a atenção e confirmar aquilo que infelizmente prevíamos, ou seja, que o desenvolvimento anárquico dos regimes cinegéticos especiais iria proporcionar o aumento dos fogos e das acções criminosas em relação aos centros florestais. E aí está a vida a demonstrar, mais uma vez, que tínhamos razão.

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Portanto, o Governo errou, o Governo enganou, o Governo é incompetente nesta matéria, pelo menos.

Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva.

O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois do que foi dito anteriormente pelo Sr. Deputado António Campos e agora pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, queria apenas referir algo mais sobre esta temática dos incêndios.
Em primeiro lugar, queria afirmar à Câmara que não gostaria que as minhas intervenções fossem tomadas como uma acção de mero apoio às acções do Governo, assim como não gostaria que as intervenções dos elementos da oposição pudessem ser tomadas como forma de aproveitamento de coisas que nos afligem a todos.
Dito isto, gostaria de referir-me àquilo que tem sido a acção do Governo. A tecla é já muito batida mas nem por isso é mais correcta ou mais séria. As acções que o Governo tem tomado nesta matéria são visíveis e não se pode dizer, como o Sr. Deputado António Campos, que elas se situam apenas no domínio do combate aos incêndios, embora isso já traduza um reconhecimento público de que há um aumento dos meios para esse Fim. É que há também aumento e melhoria de meios e medidas que têm a ver com a prevenção.
Poderemos - e eu sou capaz de concordar com os Srs. Deputados - aceitar que elas não são suficientes, face ao número e ao volume dos incêndios que nos estão a afligir e a flagelar todo o País. Mas também temos, em nome da objectividade e da sinceridade, de reconhecer que tem havido mais meios e melhorias no domínio da prevenção, que não vale a pena enumerar porque os Srs. Deputados que intervieram os conhecem muito bem como eu.
Quanto às acções que foram aqui enumeradas, particularmente pelo Sr. Deputado do Partido Comunista, sou capaz de estar de acordo com algumas, mas sem perder de vista que os instrumentos que refere, designadamente o PAF, se destinam a acções que têm a ver com o regime de propriedade privada ou com o regime de propriedade publica da floresta e 85 % da nossa floresta está no domínio de entidades privadas.

O Sr. José Carneiro dos Santos (PS):- Não tem nada a ver uma coisa com a outra!

O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me acabar o meu raciocínio e depois verá que uma coisa tom a ver com a outra.
Todos os projectos que se desenvolvem no domínio do PAF têm de ter, pelo menos, o impulso de entidades privadas. Ora. que mais pode fazer o Estado se os proprietários florestais não tomarem a iniciativa de se associarem no sentido de aproveitarem esse instrumento que é o PAF?
Um outro aspecto que gostaria de novamente referir é o de que me custa aceitar, Sr. Deputado António Campos, que se possa afirmar, com toda a singeleza, que o Governo incitou o «fecho» dos canais da Radiotelevisão Portuguesa para que se não fizesse a cobertura dos incêndios. Deixe-me que lhe diga que a única interpretação que faço disto é a da «passagem» de um atestado de menoridade à Radiotelevisão Portuguesa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso já teve há muito tempo!
O Orador: - Decerto que não seria por qualquer eventual sugestão como a que referiu que a Radiotelevisão Portuguesa deixaria de fazer a cobertura desses acontecimentos! Eu próprio lamento que a Radiotelevisão Portuguesa, ou outros meios de comunicação social, não faça a cobertura deste flagelo no sentido de sensibilizar as populações para o problema. Faço também essa condenação à comunicação social, de uma forma muito franca, mas não atribuo culpas a ninguém porque penso que a comunicação social é autónoma para poder ir ver e fazer essa cobertura. Não posso pensar, portanto, que isto seja uma sonegação de informação atribuível ou Governo.
Um último aspecto que queria referir refere-se ao facto de estarem a arder hoje zonas que não são tradicionais quanto aos incêndios.
Sr. Deputado, quererá dizer com isso que os incêndios que se desenvolvem nas zonas de caça são uma forma de ataque a essas mesmas zonas? Será isso que quer sugerir com a sua declaração? Penso que o problema é igualmente dramático quer se trate de zonas de floresta tout court quer de zonas de floresta onde possam ser praticadas actividades cinegéticas. É grave em qualquer das circunstâncias! E, neste caso, permita-me que sugira que todo o conjunto de medidas aqui referidas, particularmente pelo Sr. Deputado António Campos, deve ser analisado mas no âmbito da comissão respectiva.
Com efeito, podem e devem dar aí um contributo importante no sentido de levar o Governo, talvez, a implementar essas medidas de forma mais rápida, eventualmente a corrigir algumas ou a implementar outras de novo; mas, repito, isso deve ser discutido no âmbito da respectiva comissão, porque se trata de um problema que diz respeito a todos, que é de todos os portugueses e não apenas de um número restrito de pessoas que se podem preocupar mais ou menos.
A falta de sensibilidade de todo o povo português para este problema, na minha óptica e com o conhecimento que tenho destas matérias, leva a convencer-me que esse é, de facto, hoje, o grande problema dos incêndios em Portugal.
Para dar um exemplo concreto, posso referir que, ainda neste fim-de-semana, tive oportunidade de assistir a um incêndio que eu, com os meus escassos sete ou oito anos, apagava com um ramo verde. Porém, as populações estavam à beira das estradas e não o combatiam. É esta situação que me preocupa porque, quanto a ela, não há aceiros, não há divisão da propriedade, não há «classificação da floresta que nos salvem, se não houver uma sensibilização do povo português para este flagelo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados António Campos e Jorge Lacão pedem a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lacão (PS):- Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Lino de Carvalho?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Também para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva, V. Ex.ª terá de reconhecer - aliás, trabalhámos em conjunto na comissão e conforme Tomos acertando os pormenores, ao longo do ano, ficámos todos a conhecer o pensamento uns dos outros - que o Governo, em matéria de prevenção, falhou totalmente, não disponibilizando verbas (porque não quis) e não avançando com projectos, que podia avançar. E chamo-lhe atenção, por exemplo, para o caso da CEF de Ferreira do Zezere, que apresentou 29 projectos de prevenção ao Governo e nem um foi aprovado. Assim, toda a zona de Ferreira do Zêzere ardeu porque as medidas de prevenção que as próprias comissões concelhias apresentaram ao Governo foram, de uma maneira geral, todas elas atiradas para o «cesto dos papéis».
O Sr. Deputado também sabe que a questão do PAF é uma ilusão para os Portugueses em relação à calamidade dos fogos. O PAF arboriza cerca de 15 a 20 000 ha por ano em Portugal...

O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Sr. Deputado, o PAF é um instrumento que serve, de facto, para arborização e reflorestação, mas também serve para limpeza das matas.

O Orador: - Mas que não se faz nem pode fazer porque é impossível economicamente! A finalidade para que ele funciona mais é para a reflorestação. Portanto, o que se passa é esta coisa muito simples: deixamos arder mais de 125 000 ha e vamos reflorestando entre 15 a 20 000. Desta forma, o Sr. Deputado, quando tiver 60 anos, verá o que resta da floresta nacional, se entretanto não travarmos ou invertermos esta situação.
Neste sentido, acho que vale a pena a reactivação da comissão, com o que o Sr. Deputado está de acordo, segundo deixou entender...

O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Referia-me à Comissão de Agricultura!

O Orador: - Ah, na Comissão de Agricultura! Sim, pode passar para a Comissão de Agricultura. O que é preciso é que haja um centro de sensibilização, até porque o Sr. Deputado disse uma coisa que é verdade: a propaganda sobre a fatalidade é de tal natureza que hoje ninguém se mexe para apagar um incêndio. Repito, ninguém se mexe! E o Sr. Deputado tem de culpar, em primeiro lugar, o seu próprio governo, que não tem feito acções de sensibilização das populações para um flagelo que se transformou numa calamidade nacional. E essas acções de sensibilização são decisivas!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva, confesso-me sinceramente chocado porque, a final de contas, parece que tudo resulta da insensibilidade dos Portugueses. Mas o essencial, neste momento e nesta circunstância, seria que, a partir dos poderes públicos, todas as acções possíveis fossem efectivamente concretizadas.
Em primeiro lugar, a reunião conjunta entre os três ministros, que foi suscitada, visa justamente procurar uma visão global e enquadrada para um problema que é ambiental, que tem a ver não só com os meios de prevenção mas também com os de combate, para um problema que é de reordenamento da floresta e que, portanto, exige a participação integrada de vários departamentos públicos.
Quando o PSD recusa a possibilidade da reunião conjunta e remete cada membro do Governo para a comissão especializada respectiva, está a isolar cada um dos problemas e demonstra que não tem a visão política suficiente para realizar aquilo que pedimos e que é a realização de um plano integrado de desenvolvimento para as zonas ardidas. E é aqui, Sr. Deputado, que tem razão de ser a questão da declaração de calamidade. Não é que a declaração em si vá operar o milagre de reconstituição da situação, mas cia é o instrumento fundamental, e designadamente jurídico, para habilitar o Governo, os poderes públicos, as autarquias, o processo de negociação entre Portugal e as Comunidades, a criar meios extraordinários de apoio a essas zonas que vão ficar fortemente deprimidas.
Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva, quando sabemos, designadamente pelos resultados já conhecidos do último censo, que estamos a caminho de uma gravíssima desertificação física e humana do interior do País e quando não revelamos capacidade política para lançar estas medidas em termos de programas integrados, então o que é possível fazer? O Sr. Deputado, aparentemente, diz: «o Governo está a fazer tudo e até já está a gastar mais dinheiro nos meios de combate aos incêndios». Mas, Sr. Deputado, tenha consciência de que a degradação dos meios de combate aos incêndios, face à própria ferocidade dos mesmos, não está sequer a permitir a reconstituição dos equipamentos materiais indispensáveis ao combate. E se o Sr. Deputado quiser confirmar, vá ver as corporações de bombeiros do centro do País e verificará como elas estão profundamente degradadas em termos de equipamento de combate aos incêndios.
Queira o Sr. Deputado reflectir, também, sobre o que se está a passar com os meios aéreos e ficará a saber que a utilização de um meio aéreo alugado, apenas nos 90 dias do período oficial, custa à volta de 300 contos por hora e que, por exemplo, quando é possível utilizar um meio aéreo da Força Aérea, o custo para o País fica em cerca de um terço; ou seja, no domínio do combate e da prevenção, também importa saber se os meios que estão a ser utilizados e a estratégia de aquisição desses meios é a mais adequada para o combate e a mais adequada para a prevenção.
Sr. Deputado, é tudo isto que está em causa e é a tudo isto que o seu partido e o Governo não respondem. Desculpe que lhe diga mas o pior dos inconformismos é seguramente aquele que VV. Ex.ªs estão a revelar perante este problema.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva concordou com algumas das coisas que referi, mas aduziu alguns argumentos sobre os quais me disporia a uma nova reflexão.
V. Ex.ª referiu como argumento, relativamente ao Plano de Acção Florestal (PAF), que sendo a floresta portuguesa essencialmente de propriedade privada, o Estado teria dificuldade em intervir no sentido de orientar o investimento dessa floresta.
Ora bem, aí é que penso que está o erro. O Governo, conhecendo a estrutura da exploração florestal portuguesa, demite-se desse processo e deixa tudo ao livre arbítrio das forcas agora ditas de mercado, o que significa o livre arbítrio dos que têm interesses mais poderosos.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Não repita os argumentos!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Se o Sr. Deputado Silva Marques está fatigado, pode ir lá dentro ao bar beber um café, mas deixe-nos discutir um problema que é sério! O Sr. Deputado está para a chicana, nós estamos para os problemas sérios!
O Sr. Deputado sabe que, neste momento, 71 % dos proprietários florestais em Portugal têm menos de 4 ha e, como também sabe, só é permitido o acesso às contribuições do PAF a propriedades com S ha. Ora, isto significa que o grosso dos proprietários - exactamente aqueles que possuem as explorações que mais problemas têm nesta matéria, e porventura sito algumas delas que contribuem para a propagação dos fogos - não tem qualquer possibilidade de acesso aos fundos comunitários. Era ao que o Governo deveria intervir e traçar, como noutros países da Europa, um programa de orientação para o investimento. Ao demitir-se disso está naturalmente a propiciar as condições para que sejam os mais poderosos a definir, em cada momento, o que lhes interessa mais - e muitas vezes não é a prevenção, mas são sobretudo os interesses especulativos, como sabemos, que rodeiam a floresta.
A crítica à insensibilidade das populações, em relação ao combate aos incêndios, parece-nos ser infeliz. O que se deve criticar é a ausência de uma política que, ao longo dos anos, tem vindo a levar ao despovoamento e à desertificação do mundo rural. Enquanto não apostarmos seriamente numa política de revitalização do mundo rural, num programa de desenvolvimento rural integrado, o que vamos tendo é o envelhecimento do mundo rural e a sua desertificação. Daí, sim. a dificuldade cada vez maior de termos comunidades humanas (até com formas comunitárias de vida adaptadas à época actual) que possam contribuir para esse trabalho de combate aos fogos florestais, que é hoje uma das preocupações da Europa, exactamente nos países onde se procurou revitalizar o tecido rural e onde se alterou o sentido de investimento das verbas, diminuindo as verbas do combate e aumentando as verbas da prevenção, como foi p caso da França, em que houve uma descida da intensidade dos fogos florestais. Mas mesmo nos meios de combate...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isto não é um pedido de esclarecimento, é uma intervenção!

O Orador: - Sr. Deputado, as corporações de bombeiros, que são uma entidade central no combate aos fogos, estão em dificuldades por não terem os meios humanos para poder actuar, porque até ao momento ainda aguardam a alteração do estatuto do bombeiro. Alteração que permita criar as condições necessárias para a existência em Portugal de unidades aptas a combater os incêndios florestais.
Analisando os incêndios que ocorrem, vemos que no primeiro incêndio saem as corporações por inteiro, no segundo saem por metade e no terceiro ou quarto já não têm meios humanos, porque não há um estatuto do bombeiro que defina as condições de apoio social e de emprego.
São estas algumas das medidas que o Governo não implementou ao longo destes 10 anos e, por isso, é gravemente responsável pelo que se está a passar com a floresta portuguesa.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva.

O Sr. Francisco Antunes da Silva (PSD): - Srs. Deputados, o Sr. Deputado António Campos não está presente, de qualquer forma ia repetir algumas das coisas que já lhe disse.
Relativamente a uma afirmação que fez de que a Comissão Especializada de Fogos Florestais de Ferreira do Zêzere teria apresentado 28 projectos, não quero confirmar nem desmentir, porque não sei; parecem-me projectos a mais para uma CEF como a de Ferreira do Zêzere.
Sr. Deputado Jorge Lacão, permita-me que, com o mesmo respeito com que penso que terá feito o seu pedido de esclarecimento, lhe diga que se o Sr. Deputado hoje não entende esta minha afirmação de que o grande problema - e esta é a minha óptica - dos incêndios florestais em Portugal é a insensibilidade das populações em geral, então, tenho de dizer-lhe que ainda não compreendeu este fenómeno. Sr. Deputado, fique com a certeza de que não há inconformismo da minha parte. Não confunda conformismo ou inconformismo, relativamente a esta matéria, com o facto de nos pormos em bicos de pé, aqui ou noutro sítio qualquer, relativamente ao encontro de soluções para debelar este flagelo.
Quanto às propostas que o PS faz, nunca disse nem digo que seja mais conveniente que os membros do Governo referidos no vosso projecto de resolução não se encontrem conjuntamente na respectiva comissão, porque concordo com isso, Sr. Deputado. É, de facto, preciso haver acções coordenadas, concertadas e articuladas, como disse.
Estou inteiramente de acordo consigo e, por experiência, também verifico hoje que há incêndios que alastram porque não há coordenação, uma vez que cada entidade arvora a sua bandeira. É necessário que as entidades que intervêm, responsáveis pelas diferentes áreas de intervenção, se conjuguem, de forma que as medidas possam ser articuladas e integradas.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, muito resumidamente e relativamente ao PAF, V. Ex.ª só me deu razão naquilo que disse. De facto, o regime fundiário em Portugal é como o caracterizou e é, ao mesmo tempo, algo que contraria a aplicação deste instrumento. Concordo com o Sr. Deputado nesse pormenor, e digo-o aqui com todo o

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à-vontade, porque já o referi numa intervenção que fiz há algum tempo no Plenário.
O Governo devia ter aí uma acção mais directa, no sentido de sensibilizar os proprietários florestais para a associação e conceder-lhes meios técnicos, porque não são os pequenos proprietários que podem dispor de dinheiro - condições materiais - para contratar um técnico que lhes faça o projecto. Nesta sede poderia efectivamente, e estou convencido de que o vai fazer, avançar um pouco mais.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já não vai a tempo, porque já não é Governo!

O Orador: - Vai ser Governo e vai com certeza tomar medidas desta natureza e outras.
Sr. Deputado, não identifique a insensibilidade das populações com os despovoamentos rurais, porque é falso. A insensibilidade que noto nas zonas em que há despovoamento é exactamente a mesma que verifico em zonas onde o aumento da população se verificou.
Não identifique as duas coisas, Sr. Deputado, porque talvez o defeito seja que todos encontramos justificações que conjugamos mal ou que pouco têm a ver com a real causa da problemática dos incêndios.
Finalmente, relativamente ao problema da luta que se está a travar quanto à alteração do estatuto do bombeiro. Vejo uma larga corrente no sentido de destruir o voluntariado nos bombeiros e isso, na minha óptica, Sr. Deputado, será o fim de uma coisa que era muito bela. Pode não ser a sua interpretação, se não é retiro-a, mas deixe-me dizer-lhe que actualmente há uma corrente que começa a ser forte no sentido de transformar o estatuto do bombeiro. Para mim isso é perigoso, porque já temos exemplos de situações semelhantes, designadamente o de Itália, onde o voluntariado foi destruído por esta via e estão à vista os resultados que isso deu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A última vez que discutimos nesta Assembleia esta problemática dos incêndios foi aquando do debate da Lei de Protecção Civil. Os dois vértices em que esta lei se baseia, são, de um lado, a prevenção - através de acções concretas, que aliás já vinham de 1980 (porque como aqui se recordou o primeiro projecto de lei de protecção civil foi elaborado pelo Ministro da Defesa de então, Adelino Amaro da Costa) - e, do outro, é o reforço das corporações de bombeiros através do estatuto social dos bombeiros, que também foi da iniciativa do CDS.
O que sucede é que a lei do estatuto social do bombeiro não foi ainda regulamentada. Ora, se se verifica na verdade uma falta de interesse dos bombeiros, derivada da discussão em torno do voluntariado ou da sua profissionalização, é porque não foi feita ainda a regulamentação dos aspectos que deviam ser devidamente ponderados, como, por exemplo, dar melhores condições aos bombeiros. Veja-se o seguinte caso: hoje ninguém emprega um bombeiro, porque sabe que chegado o Verão este terá que faltar ao trabalho e o empresário não está disposto a isso, pois, em primeiro lugar, está a empresa e só depois os fogos.
Um outro aspecto ainda é o problema da vocação e atracção para esta profissão, que coloca em causa directamente a situação do voluntário ou da profissionalização, passando pela própria formação profissional do bombeiro, que não pode ser deixada unicamente ao seu espírito de generosidade. Tudo isto não foi feito.
Relativamente à questão da prevenção, quando o Sr. Ministro veio à Assembleia mostrou-nos uns folhetos em que se davam indicações como se devia fazer a prevenção, folhetos esses que iriam ser distribuídos pelas populações. Tivemos então ocasião de dizer que não é com folhetos que se resolve este problema, mas através de acções directas junto das populações.
Tal como se fez no combate ao analfabetismo, a prevenção tem de ser feita através de cursos e também do apoio das pessoas e de dinheiro dedicado a esse fim, já que as populações pensam que isto é uma fatalidade.
Ora, é um acto de cultura prepará-las para essas fatalidades, mas parece que o Governo ainda não teve tempo, pelo menos ainda não vimos nada feito depois da aprovação da Lei de Protecção Civil.
Portanto, dizer-se que as populações são insensíveis e que causa pena ver esta insensibilidade, como refere o Sr. Deputado Francisco Antunes da Silva, é outra fatalidade do PSD. O PSD diz «as populações são insensíveis e não podemos fazer nada»! As populações não são insensíveis, não foram foi sensibilizadas. Esperemos, pois, que a Lei de Protecção Civil seja realmente regulamentada e posta em prática, tal como o Estatuto Social do Bombeiro.
Quando um deputado da oposição diz que estamos perante uma situação de calamidade e que é necessário adoptar determinadas acções, o Governo não pode pensar que está perante a acusação da sua total responsabilidade por tal situação, como se alguém estivesse a dizer que foi o Governo que ateou os fogos.
É que ninguém está a dizer que o Governo não trata da problemática dos incêndios, que o Governo não adopta medidas para minorar esta calamidade. O que estamos a dizer é que as acções preventivas que deviam ser implementadas não o foram ao ritmo e com a urgência que era requeridas, pelo que tudo agora lhe parece insensibilidade e fatalidade.
Esperemos realmente que, pelo menos para o ano, não arda tanta floresta como está a arder, pois pelos dados disponíveis sabemos que, até esta data, já ardeu mais de 50 % do que tinha ardido no ano transacto.
É este o voto que fazemos, pois não esperamos que o Governo vá agora fazer rapidamente essa sensibilização. Esta deve ser feita no Inverno, na Primavera, porque se sabe que depois da Queima das Fitas dos estudantes de Coimbra vem a queima das matas, o que é realmente um grande pesadelo, ao contrário das festas de Coimbra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a apreciação deste ponto da agenda, vamos passar à votação dos projectos de deliberação que estiveram em debate.
Está em votação o projecto de deliberação n.º 145/V (PS) - Constituição de uma comissão eventual para análise e reflexão da problemática dos incêndios em Portugal.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP e do CDS.

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Está agora em votação o projecto de deliberação n.º 146/V (PS) - Declaração de calamidade pública.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS e do PCP.

Vamos votar ainda o projecto de deliberação n.º 147/V (PS) - Realização de uma reunião da comissão permanente para análise da problemática dos incêndios, com a presença dos Ministros da Agricultura, Pescas e Alimentação, do Ambiente e Recursos Naturais e da Administração Interna.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS e do PCP.

Vamos agora passar ao último ponto da ordem de trabalhos relativo à apreciação do projecto de deliberação n.º 148/V (PCP) - Convocação de uma reunião plenária da Assembleia da República com o objectivo de apreciar a situação da agricultura portuguesa à luz da proposta de reforma da PAC e dos acontecimentos registados nos últimos dias, e que acabou de ser apreciado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: entre as competências da Comissão Permanente da Assembleia da República, inscritas tanto na Constituição como no seu Regimento, insere-se a de poder promover a convocação da Assembleia sempre que tal seja necessário.
Em nossa opinião, se há neste momento um assunto que confirma e que demonstra largamente a necessidade de uma reunião plenária da Assembleia da República é o que se tem vindo a passar no sector da agricultura portuguesa, seja à luz das movimentações que os agricultores tom vindo a desenvolver nos últimos tempos (estão hoje em Lisboa para se manifestarem frente a esta Casa e junto à Presidência do Conselho de Ministros os produtores de arroz), seja à luz da proposta da reforma da PAC que está neste momento em discussão em Bruxelas.
As movimentações dos agricultores a que o País tem vindo a assistir expressam, em nossa opinião, de uma forma clara e gritante, a crise e a preocupação que atravessa o sector, bem como a falência da política agrícola do Governo no âmbito da PAC.
O Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, no próprio dia das movimentações, veio a público - numa entrevista a um jornal diário - dizer sem medo do ridículo que tudo ia bem no reino da agricultura, que o rendimento dos agricultores até estava a crescer, que a produção nacional estava a crescer e que, portanto, a agricultura portuguesa estava em franca ascensão. Mas a verdade é que a vida, que é o melhor juiz das nossas afirmações, está aí a demonstrar exactamente o contrário. Basta olhar para vários aspectos sectoriais da nossa agricultura.
Vejamos o caso dos cercais. A partir de 1 de Julho deste ano entraram em vigor novas regras para o mercado dos cereais, a liberalização do mercado e novas regras de classificação para estes, com grandes quebras de preços que seriam compensadas pelos subsídios compensatórios.
Ora, acontece que estamos em plena época de colheitas, os produtores cerealíferos estão neste momento já com os cereais armazenados e o Governo ainda não definiu as
regras, os regulamentos e as normas que vão regulamentar o funcionamento da nova situação do mercado. A EPAC ora recebe ora não recebe os cereais e as entidades privadas que actuam no mercado dos cercais estão a pagar muito abaixo do preço de intervenção. Os produtores de cereais estão hoje a receber por cada quilo de trigo menos 12 e 13$ escudos do que recebiam o ano passado e a assinar documentos para virem no futuro a receber um subsídio não se sabe quando nem como, porque nem sequer se conhecem as normas que hão-de regulamentar esse subsídio. Há hoje produtores de cereais que estão a desmobilar partes das suas habitações para as transformarem em armazéns de cereais, já que foram de repente confrontados com novas regras de mercado para as quais não estavam preparados. Não houve nenhuma actividade dos próprios serviços do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação de informação, de esclarecimento ou de organização do sector, que tinha há muitos anos naturalmente outro regime e outras regras.
Passemos aos produtores de tomate. Estes, em plena campanha, foram confrontados com novas regras de classificação para o tomate, que não eram conhecidas antes de a campanha se ter iniciado, e novas regras de plantação. Para que pudessem dar resposta a essas novas regras de classificação teriam de plantar variedades diferentes do que aquelas que plantaram de acordo com regras anteriores. Ora, o que acontece é que, confrontados com essas novas regras de classificação a meio da campanha, os produtores de tomate vão ver brutalmente reduzidos os seus rendimentos e os valores pelos quais o tomate lhes vai ser pago na altura em que o entregarem, porque plantaram variedades que não se adaptam às novas regras, uma vez que estas só entraram em vigor depois de a campanha já ir a meio. Mas mais do que isso: estão a ser chamados às empresas da indústria de transformação do tomate para alterar os contratos que tinham feito e na base dos quais tinham plantado certas áreas.
Vejamos agora o caso dos produtores de leite. Pela primeira vez, desde há muitos anos, os produtores de leite no nosso país estão a receber o leite que entregam à indústria com quatro e cinco meses de atraso.
Quanto aos produtores de arroz, sabemos que alguns ainda não receberam aquilo que entregaram no ano passado à indústria.
Os produtores de vinho, em vésperas de uma nova colheita, têm as adegas cheias e se querem vender o vinho vendem-no em alguns casos a 30$ o litro, que é o valor a que por favor lho compram.
Os produtores de novilhos e bezerros estão com dificuldades de escoamento, porque ninguém lhes compra a carne devido à liberalização do mercado de importações e ao facto de o Governo não ter accionado, a tempo e horas, os mecanismos complementares de troca que os acordos com a Comunidade lhe poderiam proporcionar.
Este é um quadro grave que levou a que, nos últimos anos, o rendimento dos agricultores tenha caído em termos reais, em valores médios muito altos, aliás, ao contrário do que aconteceu na Comunidade.
Por conseguinte, é esta situação que está na base da larguíssima movimentação do sector, a qual, até por ter assumido uma dimensão que nunca tinha atingido anteriormente, exige, por parte desta Assembleia, uma reflexão aprofundada sobre a política agrícola nacional.
Por outro lado, esta problemática cruza-se com a proposta de reforma da PAC que está em debate em Bruxelas e que é inaceitável para a agricultura portuguesa,

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o que demonstra também o fracasso da capacidade negociai do Governo, que não tem sabido defender a especificidade da agricultura nacional no quadro das negociações comunitárias.
Na realidade, a proposta de reforma da PAC aponta para a diminuição da produção num país que, pelo contrário, tem necessidade de aumentar as produções e a produtividade; que implica novos estádios para a produção e que atribui subsídios aos produtores portugueses que equivaleriam a que estes passassem a receber subsídios cinco e seis vezes inferiores aos que são auferidos pelos restantes produtores comunitários e que visa a implementação de estímulos ao abandono de terras em pousio - as chamadas medidas set-aside, a serem aplicadas a partir do ano que vem -, quando as nossas necessidades vão exactamente em sentido contrário.
Por conseguinte, esta é uma proposta completamente desadequada à realidade dos países do Sul da Europa, dos países mediterrânicos, em particular de Portugal.
A reforma da PAC é, pois, uma questão que merece também a reflexão desta Assembleia, até porque estou certo de que tal reflexão - creio que todos convergiríamos numa posição comum -, iria reforçar a capacidade negociai do Governo em Bruxelas.
Todavia, o que se passa é que o Governo, não só tem rejeitado esse consenso nacional quanto a estes problemas, como se tem limitado a dialogar com uma única organização - a Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP) -, a qual possui, hoje, uma quase nula representatividade no mundo da lavoura. O Governo escusa-se a encetar esse diálogo com uma vasta malha de organizações representativas da lavoura e, por essa razão, cria, conjuntamente com a CAP, os conflitos sociais que, de outro modo, pela adopção de uma política séria de diálogo quanto aos problemas da agricultura portuguesa, poderiam ser evitados.
É, pois, por este conjunto de razões que hoje atravessam a agricultura nacional e que estão em discussão em Bruxelas, que, em nossa opinião, se justifica o projecto de deliberação que apresentámos, no sentido de se vir a convocar o Plenário da Assembleia da República para discutir a situação da agricultura portuguesa, uma vez que, na nossa perspectiva e no que se refere ao que se encontra em discussão em Bruxelas, tal medida só viria a reforçar a capacidade negocial do Governo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, gostaria apenas de comunicar que o Grupo Parlamentar do PS votará favoravelmente este projecto de deliberação, pois pensamos que a matéria que o enforma justificaria bem a reunião do plenário da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra apenas para dizer que, pelas razões já largamente e por várias vezes explicitadas, somos contra este projecto de deliberação.
Por outro lado, é lastimável que os socialistas estejam, neste ponto, mancomunados com o PCP, uma vez que isso prejudica o bom funcionamento das nossas instituições. Porém, os socialistas perderam a cabeça em vésperas de eleições e, como tal, não há nada a fazer...

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Deputado José S Uva Marques, gostaria apenas de lamentar que V. Ex.ª se tenha, já em fim de reunião, permitido tecer mais algumas das provocações que de quando em vez lança ao Grupo Parlamentar do PS, bem como ao PS em geral.
Sr. Deputado, se há alguma coisa de que não se poderá nunca acusar o PS é de alguma vez ter posto em causa o bom funcionamento das instituições. Com efeito, temos provas dadas em sentido contrário e orgulhamo-nos da nossa história, não só em relação ao bom funcionamento das instituições, mas também na sua génese, por forma a que elas funcionem pelo melhor.
Por conseguinte, Sr. Deputado José Silva Marques, entendo apenas as suas palavras como uma pequena provocação.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Armando Vara, a minha intervenção não se tratou de uma provocação, mas de um comentário - aliás, penso que com algum fundamento.
Na realidade, o PS prestou um grande serviço ao País e à democracia no tempo da liderança do Dr. Mário Soares. Aí sim, foi um factor fundamental para decidir a questão do regime.
Portanto, não apago os contributos reais do PS à democracia. Aliás, ainda hoje o PS continua a dar contributos positivos, mas também outros negativos, pois aí a sua liderança não é tão clara.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, vamos passar à votação do projecto de deliberação n.º 148/V, apresentado pelo PCP, sobre a convocação de uma reunião plenária da Assembleia da República com o objectivo de apreciar a situação da agricultura portuguesa à luz da proposta de reforma da PAC e dos acontecimentos registados nos últimos dias, e que acabou de ser apreciado.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do PRD e votos a favor do PS e do PCP.

Srs. Deputados, vai ter agora lugar uma reunião, onde se irá proceder à apresentação dos primeiros volumes dos trabalhos preparatórios da revisão constitucional e para a qual solicitaria a presença dos Srs. Deputados.
A próxima reunião da Comissão Permanente terá lugar no dia 4 de Setembro, às 15 horas.
Antes de encerrar a reunião, permitam-me que deseje umas boas férias a todos.
Está encerrada a reunião.

Eram 18 horas.

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação sobre a proposta de resolução n.º 52/V - Aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.
A Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas foi adoptada pela conferência que teve lugar em Viena de Áustria de 25 de Novembro a 20 de Dezembro de 1988 e assinada pelo Governo Português em 13 de Dezembro de 1989, em Nova Iorque.

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Hoje, submetida à nossa apreciação para ratificação pela Assembleia da República, imporia sublinhar que, sem qualquer dúvida, é um dos mais importantes e relevantes instrumentos do direito internacional de combate à toxicodependência.
Apesar de ter sido votada num dia em que as atenções da comunicação social e da opinião pública estão viradas para outros temas, que não permitiram o devido destaque para esta resolução da Assembleia da República, o Estado Português fica obrigado a respeitar um conjunto de normas legais que procuram especialmente combater os traficantes e os seus lucros ilícitos.
Importa ainda recordar com satisfação que muitos dos aspectos desta Convenção serviram de modelo inspirador à legislação produzida pelo actual governo no combate ao flagelo da toxicodependência, nomeadamente quanto à possibilidade de aproveitamento dos bens apreendidos provenientes do tráfico para serem utilizados nas actividades relacionadas com o seu combate.
A JSD e o PSD reconhecem que as redes de tráfico estão cada vez mais internacionalizadas e sofisticadas e têm aproveitado as lacunas das legislações nacionais para continuarem o seu negócio macabro e extraordinariamente lucrativo.
No relatório sobre a droga elaborado pela Comissão Parlamentar de Juventude na presente legislatura, e cujas conclusões foram aprovadas por unanimidade pela Assembleia da República, recordámos a necessidade de articulação interna e externa do combate contra a toxicodependência.
Esta Convenção das Nações Unidas pretende colmatar lacunas e omissões das convenções vigentes na legislação internacional (Convenção sobre Estupefacientes, de 1961 e Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971) e dar novo impulso no combate ao tráfico, pretendendo ainda, entre outros objectivos:

a) Privar os narcotraficantes dos meios adquiridos através do tráfico ilícito, apreendendo-os e declarando-os perdidos a favor do Estado;
b) Tentar reduzir ou eliminar as causas que estão subjacentes ao uso e abuso de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;
c) Harmonizar as questões relacionadas com a extradição e reforçar o auxílio judiciário recíproco;
d) Erradicar a cultura ilícita de plantas de que se extraem estupefacientes;
e) Eliminar o tráfico de alto-mar, controlando as zonas francas e portos francos;
f) Controlar as substâncias químicas utilizadas para o fabrico de drogas.

Esta Convenção constitui, pois, um importante instrumento jurídico na luta contra o abuso e o tráfico ilícito da droga, encontrando-se já uma comissão dependente do Ministro da Justiça a terminar os estudos para a adaptação da legislação portuguesa.
Esta ratificação pela Assembleia da República, dentro do prazo acordado no seio da Comunidade Europeia, é um marco importante, revelando que o País está em sintoma e dentro do espírito dos programas mundial e europeu de combate à droga.
Resta esperar que sejam providenciados os meios necessários para a concretização destas medidas e que a comissão que tem como responsabilidade a adaptação da legislação portuguesa a esta Convenção tenha as condições necessárias para que o seu trabalho seja célere.
Foi neste espírito e por estas razões que, com fundado regozijo e satisfação, os deputados da JSD e do PSD votaram a favor da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.

Lisboa, 20 de Junho de 1991

Os Deputados do PSD: Jorge Roque Cunha - Miguel Relvas - Carlos Coelho - Fernando Pereira

Os REDACTORES: Isabel Barral - Maria Amélia Martins-José Diogo.

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DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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