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Sábado, 29 de Fevereiro de 1992 I Série - Número 35
DIÁRIO da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE FEVEREIRO DE 1992
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 10 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Em sessão dedicada a assuntos de interesse regional, usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Carlos Luis (PS), Marília Raimundo, António Morgado e José Piedade (PSD), António Martinho (PS), João Maçãs (PSD), Apolónia Teixeira (PCP), Fernando de Sousa (PS), André Martins (Os Verdes), Carlos Maria Gonçalves (PSD), Correia de Campos (PS), António Filipe (PCP), José Cesário (PSD), Marques da Silva )PS), Macário Correia e Cecília Catarino (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 12 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Sousa e Silva.
Adérito Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Ana Paula Matos Barros.
António Barbosa de Melo.
António Barradas Leilão.
António Correia Vairinhos.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernandes Alves.
António Germano Sá e Abreu.
António Maria Pereira.
António Paulo Coelho.
António Santos Pires Afonso.
Aristides Alves Teixeira.
Arlindo da Silva Moreira.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata da Silva.
Carlos Almeida Figueiredo.
Carlos de Almeida Coelho.
Carlos Duarte Oliveira.
Carlos Lopes Pereira.
Carlos Lélis.
Carlos Manuel Gonçalves.
Carlos Miguel de Oliveira.
Carlos Oliveira da Silva.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos José Soares Lima.
Duarte Rogério Pacheco.
Eduardo Pereira da Silva.
Elói Franklin Ribeiro.
Ema Maria Lóia Paulista.
Fernando Cardoso Pereira.
Fernando Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Gomes Pereira.
Fernando Marques de Andrade.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Bernardino Silva.
Guido Orlando Rodrigues.
Guilherme Rodrigues Silva.
Hilário Azevedo Marques.
Isilda Maria Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João de Oliveira Martins.
João do Lago Mola.
João Granja da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Salgado.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Manuel Barros Sousa.
Joaquim Vilela Araújo.
Jorge Paulo Roque da Cunha.
José Alberto Puig Costa.
José Álvaro Pacheco Pereira.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Silva Marques.
José Bernardo Falcão Cunha.
José Borregana Meireles.
José de Almeida Cesário.
José Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leal Ferreira Piedade.
José Leite Machado.
José Macário Correia.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário Gaspar.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Reis Leite.
Luís António Martins.
Luís Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Azevedo.
Manuel Baptista Cardoso.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Lima Amorim.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Rodrigues Marques.
Maria Conceição Rodrigues.
Maria da Conceição Pereira.
Maria de Lurdes Póvoa Costa.
Maria Fernanda Dias Cardoso.
Maria Helena Ramos Mourão.
Maria Leonor Beleza.
Maria Luísa Ferreira.
Maria Manuela Aguiar.
Maria Margarida de Sousa.
Marília Dulce Pires Morgado.
Mário Belo Maciel.
Mário de Oliveira Santos.
Melchior Pereira Moreira.
Miguel Bento Macedo e Silva.
Miguel Fernando Relvas.
Nuno Delerue Alvim de Matos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Miguel.
Virgílio de Carneiro.
Vítor Manuel Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.
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Parado Socialista (PS):
Alberto Arons de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino Solteiro.
Ana Maria Bettencourt.
António Alves Martinho.
António Correia de Campos.
António da Silva Braga.
António de Almeida Santos.
António Domingues Azevedo.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos Costa.
António Marques Júnior.
António Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
António Ribeiro Campos.
António Ribeiro da Silva.
Armando Martins Vara.
Artur Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Edite Marreiros Estrela.
Eduardo Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José de Figueiredo.
Fernando Manuel Costa.
Fernando Pereira de Sousa.
Fernando Pereira Marques.
Guilherme de Oliveira Martins.
Helena Torres Marques.
Jaime José Maios da Gama.
João António Gomes Proença.
João Ferraz de Abreu.
João Maria Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Fialho Anastácio.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Apolinário Portada.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Cruz Jardim.
José Ernesto dos Reis.
José Gameiro dos Santos.
José Manuel Lello Almeida.
José Manuel Magalhães.
José Rebelo dos Reis Lamego.
José Rodrigues dos Penedos.
José Sócrates de Sousa.
Júlio da Piedade Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho Santos.
Luís Capoulas Santos.
Manuel Alegre Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Sampaio.
Maria Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raul Fernando Costa Brito.
Raúl Pimenta Rogo.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Parado Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno Lopes.
António Gaião Rodrigues.
Apolónia Maria Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia.
Lino Marques de Carvalho.
Luís Manuel Viana de Sá.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Casimiro da Silva Tavares.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Parado Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria Almeida Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira Cunha.
Deputados independentes:
João Corregedor da Fonseca.
Luís Emídio Mateus Fazenda.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 99/VI - Garante o direito à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego (PCP), que baixou à 10.º Comissão, 100/VI - Reforça os direitos das associações de mulheres indispensáveis à construção da democracia paritária (PCP), que baixou à 3.ª Comissão, e 101/VI - Dá nova redacção a diversos artigos da Lei n.º 4/84, de 5 de Abril (protecção da maternidade e paternidade) (PS), que baixou às 3.ª e 10.ª Comissões; proposta de resolução n.º 3/VI - Aprova, para adesão, o Protocolo de Adesão do Governo da República Portuguesa ao Acordo entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa Relativo à Supressão Gradual dos Controlos nas Fronteiras Comuns, assinado em Schengen a 14 de Junho de 1985, e o Acordo de Adesão da República Portuguesa à Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen; projecto de deliberação n.º 20/VI - Consumição de uma comissão eventual para a igualdade de direitos e participação da mulher (PS); interpelação n.º 3/VI - Debate sobre política geral centrado nas responsabilidades do Governo e da administração central no que respeita às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e à contribuição para a resolução dos graves problemas que afectam as suas populações (PCP).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da nossa ordem de trabalhos de hoje consta um debate sobre assuntos de interesse regional.
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Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Luís.
O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Beira Interior continua condenada ao isolamento, à espera de que as promessas do Governo se cumpram e esta região possa ter condições de vida. Os resultados, ainda provisórios, do recente censo confirmam o que já se sabia: o distrito da Guarda perdeu população - perto de 20 000 pessoas em 10 anos.
A Beira Interior não entrou no «festival inauguracionista» que, nas zonas de maior densidade eleitoral, antecipou vias rápidas e auto-estradas, fez construir pontes e pontões, lançou grandes obras públicas a concurso ... Por aqui, é o deserto:
Uma taxa de mortalidade infantil na ordem dos 18,4 %, a sua congénere de analfabetismo a rondar os 27 %, o insucesso escolar nos 29,2 %, índices de poder de compra e de consumo dos mais baixos do País e desertificação humana;
A falta de aquecimento na generalidade das escolas primárias e secundárias das zonas rurais, por exemplo, continua a ser uma das carências mais gritantes numa região em que, nos meses de Inverno, a temperatura quase todos os dias desce abaixo de zero;
As más estradas da rede viária secundária que asseguram as ligações da capital do distrito aos restantes concelhos e uma paisagem em que o verde florestal representa uma espécie em vias de extinção, devido aos incêndios florestais.
Estes são alguns dos elementos que constituem a radiografia do distrito.
O forte êxodo populacional que marcou a região leve especial incidência nos grupos etários mais jovens e justifica o elevado coeficiente de dependência (0,6), valor que se situa acima do valor nacional. Esta situação tem um profundo reflexo na distribuição do emprego por sectores de actividade. No princípio dos anos 80, esta região apresentava uma taxa de actividade de 38 %, encontrando-se 35,8 % no secundário e 32 % no terciário, distribuição que se apresenta substancialmente diferente da do continente (respectivamente de 19,4 %, 39 % e 41,5 %), reflectindo a fragilidade do seu tecido produtivo.
Não obstante o progresso recente, veiculado por alguns indicadores, continuam a verificar-se importantes desequilíbrios e significativas carências em infra-estruturas, equipamentos e serviços básicos, designadamente nos que se ligam directamente à actividade produtiva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O distrito da Guarda encerra recursos e potencialidades que, devidamente aproveitados, contribuirão para ultrapassar os actuais estrangulamentos. O esforço e a concentração de recursos financeiros susceptíveis de serem mobilizados permitirão desenvolver a actual estrutura económica e, deste modo, melhorar as condições de vida das populações do distrito, pelo que o desenvolvimento daqueles dois vectores será decisivo para a fixação populacional.
Decorrente da análise económica e social, verifica-se que o distrito se vê confrontado com um conjunto de problemas que, em síntese, se enumeram: má acessibilidade intra e inter-regional; fortes movimentos migratórios (internos e externos), com reflexos no envelhecimento crescente da população; baixo nível de qualificação da mão-de-obra; fragilidade da base produtiva, casos de concentração mono-industrial (sector têxtil) e dependência excessiva do sector primário; insuficiente cobertura de infra-estruturas básicas e equipamentos; ausência de definição do uso do território, com implicações na degradação do solo, do património paisagístico e arquitectónico e do ambiente.
O distrito encerra, no entanto, um conjunto de potencialidades cujo aproveitamento permite relançar o desenvolvimento a partir da valorização dos recursos disponíveis e de algumas vantagens comparativas: localização fronteiriça interessante na proximidade de mercados externos; disponibilidades financeiras provenientes do aforro local e dos emigrantes; solos com aptidão agrícola, florestal e silvo-pastoril, permitindo a expansão de certas culturas, designadamente olivicultura, vitivinicultura e fruticultura; estrutura fundiária, condições morfológicas e hidrológicas vantajosas para melhorar os níveis de produtividade do sector agrícola - neste contexto, o projecto do regadio da Cova da Beira, que os Governos do PSD têm vindo sucessivamente a adiar, assume a maior importância -; ocorrência de recursos mineralógicos passíveis de exploração; existência de matérias-primas susceptíveis de permitirem o aparecimento de indústrias, designadamente as agro-alimentares e as ligadas ao aproveitamento da madeira; património cultural, arquitectónico e paisagístico de relevo, assim como recursos cinegéticos, piscícolas e termais.
Os responsáveis pelo poder local não têm enjeitado esforços no sentido de colmatar carências e melhorar o nível de vida das populações, contrariando o poder central, que tem votado o distrito da Guarda ao esquecimento.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Marília Raimundo.
A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Luís e meu amigo: Ouvi com atenção o quadro que traçou do distrito da Guarda e gostava de perguntar-lhe o seguinte: será que ao longo destes últimos anos V. Ex.ª andou distraído e não deu conta dos grandes investimentos que foram feitos no distrito, por exemplo, a nível de estruturas da educação?
Quero lembrar a V. Ex.ª que, hoje, o Instituto Politécnico da Guarda (IPG) e o seu pólo de Seia são uma realidade no distrito. Trata-se de um investimento que custou mais de 3 milhões de contos, mas hoje, felizmente, os jovens podem frequentar cursos do ensino superior, adquirir licenciaturas e até frequentar cursos especializados na Guarda, como V. Ex.ª sabe muito bem, pois já teve oportunidade de visitar essa estrutura fundamental para o desenvolvimento deste distrito, pois é na educação dos nossos filhos que todos temos de apostar.
Será que V. Ex.ª não deu conta, também, das mudanças que se verificaram no distrito quanto às acessibilidades, com o final da construção do itinerário principal n.º 5, que ligou a Guarda à fronteira, abrindo-a à Europa, e a Aveiro, bem como ao resto do País?
Será que V. Ex.ª também não deu conta da construção da Escola C+S de São Miguel e de escolas em Seia, em Tourais e em Paninhos, bem como da ampliação da Escola de Vila Franca das Naves e da que vai ser construída, e já está protocolada, em Longa/Aguiar da Beira?
Será que V. Ex.ª não tomou conhecimento da construção do centro e da Pousada de Juventude da Guarda, bem como dos vários centros INFORJOVEM que existem naquele distrito?
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Será que V. Ex.ª também não se apercebeu dos novos centros de dia e lares de terceira idade espalhados por todo o distrito graças à acção do Governo e das instituições particulares de solidariedade social que apoiam a população idosa, que, como sabe, constitui uma larga camada da população do distrito?
Será que V. Ex.ª também não deu conta da construção do moderno e funcional Centro de Emprego e Formação Profissional de Seia e da futura construção, que já consta do PIDDAC, do Centro de Emprego e Formação Profissional da Guarda?
É que estas eram as estruturas que faziam falta ao distrito e que estão equacionadas.
Por outro lado, muito gostaria que V. Ex.ª, tal como eu nascido e habitante do distrito da Guarda, me pudesse esclarecer de qual o conceito que tem de Beira Interior, porque na Guarda não sabemos bem o que isso significa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Também para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Morgado.
O Sr. António Morgado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Carlos Luís, meu caro amigo e quase conterrâneo: Fiquei surpreendido com o dramatismo de V. Ex.ª acerca do distrito da Guarda, se bem que o meu amigo falou na Beira Interior, que é muito mais vasta, pois abrange, como sabe, os distritos da Guarda e de Castelo Branco. No entanto, o nosso distrito, aquele que mais assiduamente teremos de defender, é o distrito da Guarda.
Com certeza que o Sr. Deputado - e a Sr.ª Deputada Marília Raimundo já o referiu - deve ter andado por algum lado - não sei por onde -, mas não andou pelo distrito da Guarda, porque senão apercebia-se das grandes obras que aí foram feitas. É verdade que há muita coisa para fazer, e nesse ponto estamos com certeza concordantes, mas muita coisa já foi feita.
No sector da agricultura, por exemplo, e uma vez que não vou repetir aquilo que a Sr.ª Deputada Marília Raimundo já referiu, se quiser posso acompanhá-lo em visita aos vários concelhos do distrito, pois em quase todos eles foram feitos regadios tradicionais, caminhos rurais, electrificações rurais, existindo já, em alguns, centros de formação profissional para agricultores, uns já concluídos e inaugurados, outros em fase de adjudicação e um, que é o do nosso concelho, em Martim Rei, em fase de conclusão.
Já foram dados muitos cursos em alguns centros e em relação a outros não existem os centros mas existe a boa vontade dos técnicos e do Ministério da Agricultura. Assim, não havendo instalações muito condignas e próprias para leccionar esses cursos, recorremos às associações de agricultores e, nessa medida, alguns foram facultados. Esta é a prova de que, de facto, as coisas estão a acontecer, embora não seja com o sucesso que desejaríamos, mas com tempo lá iremos.
Posso também dizer-lhe que em todos os concelhos do distrito da Guarda estão a funcionar os agrupamentos de defesa sanitária, o que é uma grande prova de que o Ministério está a querer resolver os problemas dos agricultores. Não se pode fazer tudo de uma vez, é preciso tempo.
O que é que o Partido Socialista fez na nossa região até há seis anos? Gostava que me apresentasse exemplos.
Poderia referir-lhe muito mais coisas, mas fica para uma próxima oportunidade.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.
O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, meus ilustres amigos e conterrâneos: Começaria pela última pergunta que o Sr. Deputado António Morgado me colocou, ou seja, a de saber o que é que o Partido Socialista fez nestes últimos seis anos no distrito da Guarda. É evidente que o Partido Socialista não teve o poder nos últimos seis anos na Guarda, mas o poder que tem em algumas câmaras municipais está bem patente na realidade concreta do dia-a-dia.
A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - É uma desgraça do ponto de vista autárquico.
O Orador: - As condições de vida alteraram-se significativamente nas aldeias onde o Partido Socialista é poder de facto, nomeadamente no concelho da Guarda, em Manteigas e em Figueira de Castelo Rodrigo, como sabem.
Mas, enfim, não sou assim tão pessimista como a Sr.ª Deputada Marília Raimundo pretendeu afirmar com a sua pergunta. Reconheço que, de facto, o IPG é uma escola que faz falta à Guarda e à região. O Partido Socialista não refere que o IPG e a Escola Superior de Educação não são elementos fundamentais para o desenvolvimento do distrito da Guarda, mas questiona quantos dos licenciados pelo IPG e pela Escola Superior lá ficam e tom condições de trabalho para aí poderem viver, porque a realidade é bem diferente.
A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - A maior parte, Sr. Deputado!
O Orador: - Não queremos injecção de capitais pontuais, queremos crescimento económico sustentado a nível do distrito, e essa realidade não existe.
Os últimos censos são a melhor resposta às vossas questões, mas o certo é que 20 000 pessoas tiveram de abandonar aquela região, a chamada Beira Interior, que não defino em termos morfológicos, pois, para mim, a Beira Interior vai desde a Beira Transmontana, passando pelo interior do Alentejo, até ao Sul de Portugal, que, como sabem, tem sido esquecido pelo poder central.
Sr. Deputado António Morgado, para lhe responder também, no domínio da agricultura a realidade é bem dramática: o vinho não é escoado, os cercais não são escoados e a batata continua ainda por vender. Esta é a realidade e, se quiser, convido-o para neste próximo fim-de-semana visitarmos o distrito, que conheço muito bem.
De facto, se há distritos que têm sido esquecidos e marginalizados, este é um deles.
A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Não é verdade, Sr. Deputado!
O Orador: - Tem um tecido tecnológico altamente empobrecido e obsoleto, como sabe, e a curto ou médio
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prazo vamos ter graves problemas a nível dos têxteis, nomeadamente em Gouveia e em Seia e provavelmente também na Guarda.
O problema é a alternativa para cerca de 500 trabalhadores da alfândega e despachantes alfandegários que, a partir do dia l de Janeiro, vão ser lançados no desemprego em Vilar Formoso. Para uma vila com as dimensões de Vilar Formoso, cerca de 500 trabalhadores é significativo. Para estes trabalhadores, VV. Ex.ªs e o vosso Governo não encontraram alternativas viáveis para soluções concretas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Piedade.
O Sr. José Piedade (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Com a superfície total de 7400 km2, o distrito de Évora compreende 14 concelhos, cujos solos manifestam razoável elevada aptidão agrícola, sobretudo aproveitados em regime de sequeiro.
O relevo pouco acentuado caracteriza a região de peneplanície contínua, havendo a destacar apenas duas excepções, as serras de Portel e da Ossa, cujas altitudes isoladas pouco ultrapassam os 500 m.
Com clima eminentemente continental e mediterrânico, em cujos Verões as temperaturas atingem valores muito elevados, e nos Invernos, muito baixos, e onde a precipitação, em regra, não ultrapassa os 600 mm, a consequência é a ocorrência de grandes défices de água no solo, e daí a predominância da monocultura cerealífera de sequeiro.
Não obstante a sua vasta riqueza em recursos naturais, mantém-se como um dos mais desfavorecidos do País, sofrendo os efeitos da interioridade, onde as assimetrias são muito sentidas.
A população residente, cujo Censo/91 refere ser cerca de 173 000 habitantes, registou uma diminuição acentuada, superior a 4 % no último decénio, o que se reveste de uma enorme preocupação pois, deste modo, somos cada vez menos num distrito onde a desertificação humana continua a aumentar assustadoramente.
Para a evitar muito há a fazer.
Desde já, dotar a região de infra-estruturas e equipamento que permitam atrair e fixar a população, tentando distribuir, de uma forma mais equilibrada e racional, os recursos humanos do País.
Dinamizar a base produtiva, incentivando a criação de novos postos de trabalho através do aproveitamento dos recursos naturais da região, nomeadamente com a implementação de agro-indústrias, do aproveitamento dos recursos hídricos disponíveis, cujo turismo ainda não potência ou fá-lo timidamente, da divulgação do vasto património cultural e, ainda, da recuperação, preservação e posterior rentabilização da fabulosa riqueza cinegética que tivemos e quase se degradou totalmente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Difíceis, não impossíveis, são as metas de progresso que ansiamos.
Potencialidades não faltam: acessibilidade fácil e distância curta aos grandes centros, nomeadamente à capital.
Com a construção do IP n.º 7, cujo primeiro troço se prevê executado no corrente ano, e da ponte no Montijo, por cuja hipótese pugnamos por aproximar ainda mais as duas capitais - a do País e a do distrito -, encurta-se a distância e a ligação é fácil.
A existência de matéria-prima, aliada à redução da distância, favorecerá a instalação de indústrias transformadoras e a fixação humana.
O privilegiado clima favorecerá a diversificação cultural e permitirá ao produtor, a exemplo dos seus colegas estrangeiros, fazer a opção mais consentânea com as suas potencialidades. Todavia, importa, de uma vez por todas, que os mesmos se consciencializem da imperiosa necessidade de, eles mesmos, se envolverem na comercialização do que produzem. Só assim as mais-valias do circuito se lhes destinam, sem as quais os rendimentos diminuem, correndo o risco de asfixiar.
Nesta perspectiva, importa constituir e animar, à semelhança de outras regiões nacionais bem menos vocacionadas para o sector, o entreposto comercial agrícola de Évora, onde deverão envolver-se não apenas instituições a ele ligadas, mas também as autarquias.
Através desta estrutura será feita a prospecção dos mercados nacionais e internacionais, a promoção da produção nacional e regional, a preservação da qualidade do fornecimento ao consumidor, cuja exigência, hoje, não se compadece com amadorismos.
Intimamente ligado a esta estrutura, há necessidade de um terminal de dados de preços agrícolas e da implementação de uma rede de frio, para cujos produtos agro-pecuários complementará o circuito comercial, indispensáveis à manutenção, protecção e garantia do rendimento dos agricultores, envolvidos num grande «mundo comercial» como a Comunidade Europeia.
Neste sector, como de resto noutros, algo se tem feito no distrito através da adopção de um manancial de instrumentos de apoio ao investimento, que decorreu quer da adaptação ao nosso país das medidas já existentes na política sócio-estrutural comunitária, quer da aprovação, pela CEE, de um conjunto de apoios específicos para o nosso país (inicialmente os Regulamentos n.º 355/77-CEE e 797/85-CEE, posteriormente alterados).
Através deles foram aplicados no distrito, de 1986 a 1990, mais de 3 e 17 milhões de contos, respectivamente distribuídos por subsídios concedidos e investimentos realizados.
A aplicação do PEDAP, no decurso do mesmo período, ascendeu a 9,5 milhões de contos, distribuídos por cerca de 2000 projectos, contemplando os diferentes programas e acções tão diversas como os caminhos rurais, o regadio, a electrificação, a sanidade animal, a florestação, etc.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Apesar dos progressos conseguidos, não podemos sentir-nos satisfeitos.
Muito há ainda para fazer se quisermos igualar a região alentejana aos níveis de desenvolvimento de outras regiões do País.
Importa, para isso, vencer a letargia, característica de um povo em declínio demográfico, cujos jovens carecem de formação profissional adequada à promoção da região e à revitalização de actividades, assentes no artesanato, com elevada procura internacional e nacional, e ern cuja acção os menos jovens podem, decisivamente, ter papel preponderante, transmitindo o saber adquirido.
Importa continuar a modernizar a agricultura, promovendo e incentivando jovens e verdadeiros agricultores dispostos a ver na terra uma fonte de progresso, bem-estar e futuro.
Importa continuar a melhorar as infra-estruturas produtivas, através da implementação de novas zonas de regadio, das quais me permito destacar as de Monte Novo,
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Minutos e Frei Joaquim, cientes de que, em termos agrícolas, no futuro, Alentejo sem água é Vaticano sem Papa; promover o alargamento de outras cuja acção dos agricultores demonstrou ter sido um bom investimento público, como são os casos da Vigia e Lucefecit; preservar os montados existentes, recuperar os degradados e protegê-los, mediante medidas sanitárias, podas e descortiçamentos correctos, investigação adequada, adensamento e protecção da regeneração natural.
Urge definir e concretizar uma política racional de crédito à agricultura.
Se alguma quebra do rendimento de actividade agrícola houve no ano passado, ela lerá tido especial incidência no sector dos cereais, considerado o mais vulnerável por razões meramente técnicas, que se prendem com a fraca rentabilidade dos solos portugueses, mas também históricas, derivadas do proteccionismo vigente.
Por razões óbvias, o distrito é severamente penalizado, importando acautelar, dentro do quadro das negociações decorrentes da reforma da PAC, a manutenção do rendimento dos agricultores, já que produzimos cerca de 23 % dos cercais do País e mantemos uma ocupação de mão-de-obra agrícola superior a 30 %, cerca de quatro vezes superior à média europeia.
Visando a transferencia destes activos excedentários, apela-se aos agentes económicos regionais e nacionais no sentido de desenvolver as agro-indústrias (madeira e cortiça) e agro-alimentares (cercais, conservas, carnes, vinhos, azeite, óleos e vegetais), qualquer delas maioritariamente instaladas fora da jurisdição distrital.
O interessante esboço de indícios de investimentos no sector do turismo leva-nos a supor que, finalmente, a enorme riqueza climatérica da região começa a ser apreciada. A inauguração parcial, muito recente, de uma nova e importante estrutura hoteleira na cidade vem, muito louvavelmente, colmatar uma lacuna desde há tempos sentida no distrito.
Não queremos continuar a «deixar passar» para o Algarve, em busca das praias apetecidas, os nossos irmãos do Norte e Centro - de Portugal, mas também da Europa - sem os «obrigarmos» a uma paragem repousante e retemperadora da jornada. Não porque lhes queiramos exigir o passaporte que, de má memória, esteve iminente, mas porque lhes queremos oferecer condições susceptíveis de justificarem a paragem. Potencial existe e todos o conhecemos bem.
Estimular o seu aproveitamento, essa é a grande tarefa que se nos impõe.
De que forma? Certamente através da promoção, divulgando os recursos e as potencialidades várias, em acções conjuntas, municipais, intermunicipais e distritais.
O Norte do distrito, englobando os concelhos de Estremoz, Borba e Vila Viçosa, graças à riqueza do seu subsolo, é hoje uma zona progressiva. A indústria extractiva dos mármores, que representa mais de 75 % das congéneres do País, distribui-se por cerca de três centenas de empresas e extrai mais de 500 000 t/ano, das quais ainda mais de metade são comercializadas em blocos.
Se neste sector tem havido, ainda assim, algum progresso no que respeita à transformação da matéria-prima, outro tanto não sucede quanto à cortiça. Apesar de produzirmos cerca de 20 % da totalidade do País, apenas transformamos 1,4%.
Os dois exemplos citados são elucidativos quanto à falta de dinâmica referida. Importa, por isso, repensar a situação numa perspectiva de desenvolvimento, capaz de envolver diversos agentes, os quais, em conjunto, partilhem das preocupações manifestadas em diversos fóruns por ilustres eborenses amantes da sua terra, que a viram progressiva e a vislumbram decadente ou, no mínimo, desacertada do passo da Europa.
Finalmente, o apelo: reúnam-se as forças vivas, à semelhança, aliás, de outras regiões, cujo objectivo é o progresso regional, empenhadas na mudança, e em conjunto, será possível rentabilizar os nossos monumentos, oferecer a boa gastronomia e os bons vinhos, mostrar as nossas inigualáveis, asseadas e brancas aldeias, os estupendos trajectos turísticos e exibir a afabilidade do nosso povo.
Com uma certeza, que é demasiado importante para olvidar-se: a um bom projecto é sempre garantido compensador financiamento.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão alunos da Escola Secundária da Rainha D. Amélia, de Lisboa, e do Externato de Irene Lisboa, de Arruda dos Vinhos, para os quais peço a vossa habitual saudação.
Sejam bem-vindos a esta Casa.
Aplausos gerais.
Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Marília Raimundo.
A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado dia 26 de Fevereiro cumpriram-se 66 anos após a morte de uma figura que está intimamente ligada à capital do meu distrito, a Guarda.
Se a propósito da Guarda podemos falar, sobretudo nos últimos anos, de desenvolvimento e modernidade - como, aliás, já tive oportunidade de o dizer hoje, aqui - em alguns sectores - e o resto ficará para uma próxima oportunidade -, e num acreditar colectivo no futuro, devemos também recordar os seus valores culturais e humanos.
Assim, é com particular orgulho que evoco neste Hemiciclo um poeta que nos deixou uma mensagem cheia de humanidade, que nos deixou poemas que ficaram bem guardados na memória do nosso povo.
Evoco, neste Hemiciclo, Augusto Gil.
Este poeta é, inquestionavelmente, uma das glórias nacionais e, sobretudo, glória da minha terra, da Guarda, cujos frios, nevões e geadas não crestam a flor da poesia, nem o seu vento sibilante rouba inspiração aos poetas.
Embora Augusto Gil não tivesse nascido na Guarda, mas, ocasionalmente, em Lordelo, Porto, foi na cidade da Guarda que viveu a maior parte da sua vida. Na Guarda amou o seu doce calvário, na Guarda sentiu e escreveu o melhor da sua obra, na Guarda padeceu a via penosa da sua doença, que ele assim classificou:
Da boémia noctâmbula e mesquinha
O resultado estou agora a vê-lo
Na tortura sem par que me definha:
Tenho cheio de brancas o cabelo
E uma mielite a apodrecer-me a espinha...
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Na cidade da Guarda casou Gil; na Guarda está sepultado, num jazigo simples e austero, construído com o moreno granito da serra, onde estuo cravados quatro versos:
E a pendida fronte
ainda mais pendeu...
E a sonhar com Deus,
com Deus adormeceu.
A Guarda é, no dizer do poeta, a sua «sagrada Beira», a sua terra adoptiva, que amou e cujo cenário invernal tantas vezes aflorou nos seus versos:
Para escrever a carta que te envio
Desentorpeço as mãos à luz da vela
Mal fabricada com que me alumio.
O Inverno aqui, neste degrau da Estrela,
Nem tu calculas como é triste e frio!
De facto, o frio e a neve, que ainda na passada semana cobriu a cidade mais alta de Portugal, foram cantados de forma elevada e ímpar pelo poeta, que foi para a Guarda ainda com tenra idade.
Depois da infância e juventude passadas na Guarda, proeurou, em Coimbra, o curso que lhe garantisse o futuro: frequentou direito e regressou advogado. Mas, como é sabido, a outras aprendizagens se entregou, talvez com mais entusiasmo. Embrenhou-se, por outro lado, no ambiente efervescente e convergente de tantas influências literárias do meio académico de então.
É ele próprio quem o afirma quando diz que «em Coimbra havia a mais perturbadora barafunda no tocante a literatura. Éramos, em arte, babosamente líricos. Em política éramos, quando menos, furiosamente republicanos.»
No ardor dos seus anos, no entusiasmo das suas convicções, a geração de Augusto Gil conciliava o irreconciliável: era iconoclasta do trono ao altar, mas cultivando um dúlcido misticismo de amor universal que abrangia tudo e a todos; envolvia em adoração e carinho as «tricaninhas do chafariz da feira» e declarava guerra às «brutas feras de goela hiante», que eram os lentes.
Augusto Gil, apesar de franzino e do visível defeito físico, não fugiu a mostrar-se conspirador republicano em todas as conjuras académicas e a inscrever-se em projectadas marchas conquistadoras, avançando para o Buçaco; mas reconhecia que era mais «soldado de soneto engatilhado» do que «de espingarda à cara».
Surge-lhe, no entanto, um grave problema de consciência ... Grande óbice se opõe a que ele tome parte na projectada marcha revolucionária, a caminho da vitória: o administrador do concelho da Guarda era seu amigo. Uma condição se impunha e que Basílio Teles aceita: seria poupado, no ruir da monarquia e da «carcomida estrutura da política portuguesa», o administrador do concelho da Guarda, amigo do poeta.
Assim, paradoxalmente, se conciliava o arreganho do implacável revolucionário com a ternura columbina de um poeta compassivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas a Academia de Coimbra, no campo literário, era ainda mais agitada: opostos e desvairados ventos se entrechocam e neles redemoinhavam os futuros poetas.
A velha escola romântica não perdera de todo a sua atracção e tentava influenciar ainda os espíritos; muitos jovens não lhe eram de todo indiferentes. Sentiam-se ainda restos do parnasianismo.
António Nobre, do fundo da sua solidão, qual sereia tentadora, atraía e seduzia. João de Deus pontificava e enriquecia a poesia com a suavidade da sua inspiração enraizada na tradição. Junqueiro, com a musicalidade dos seus poemas e a opulência oriental das suas ruínas, exercia sedução.
Muitos curvavam-se em recolhimento perante os sonetos de Antero, profundos e solenes. Eugénio de Castro, com a sua suprema virtuosidade, era escutado enlevadamente. E começavam a soar nomes vindos de França: simbolismo, decadentismo, neo-religiosismo ... nomes sonantes que encontravam nos jovens espíritos a maior receptividade.
Apesar de todo o entusiasmo, este fogo cruzado de influências causava certo estonteamento. Augusto Gil, ele próprio, o declara: «nós éramos, portanto, um bando de falenas atraídas por lumes vários. Nós éramos, por consequência, uma aula de aprendizes de rabeca».
Mas uma coisa a história registou: dessa rapsódia, aparentemente pouco harmoniosa e sincronizada, brotaram fortes valores, poetas de puro quilate, nomes que enriqueceram a nossa história literária. Entre eles destaca-se e, sobretudo, quero, agora e aqui, destacar Augusto Gil.
Em Coimbra fez-se poeta, de características bem pessoais, não fácil de catalogar em escolas ou correntes.
Para Bulhão Pato, o autor de Musa Cérula «não é um romântico, nem parnasiano, nem simbolista: é ele - o Augusto Gil -, nome que é um gracioso ritmo».
Mostrou-se, desde logo, poeta lírico de grande suavidade e elevação, de maravilhosa espontaneidade e ingénua graça, de verso melodioso e ritmo suave, de linguagem bela e sempre simples.
Cedo se mostrou um autentico talento poético, apesar de ele próprio se considerar «um poeta menor». Naturalidade, observação profunda, sentimento sincero, bondade congénita, ironia fina, arte sóbria e colorida, são qualidades que, com outras, retratam um autêntico talento poético. Mas foi, sobretudo, a inspiração popular, que bebeu da própria alma do povo, quo fez de Augusto Gil um nome quase ímpar na rica galeria dos nossos poetas.
Muitos dos seus versos passaram para o Cancioneiro Popular, enriquecem, anónimos, o folclore popular, o povo aprendeu-os de cor, são cantados no sentido fado coimbrão como jóias do mais puro lirismo. Há poemas em simples quadras. Luz, candura, sentimento, perfeição, definem o seu grande talento poético.
Como escreveu o escritor e jornalista João Patrício, sobrinho do poeta e ainda hoje um guardense na verdadeira acepção da palavra, Gil «foi e é dos poetas entre nós a quem o povo mais abriu o coração, e quando o povo abre o coração a um poeta, o seu amor repercutir-se-á pelo tempo além».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é minha intenção fazer uma análise literária do grande poeta lírico que foi Augusto Gil. Careço, para isso, de saber e de valor crítico. Mas superabundo em admiração, carinho e entusiasmo para dele falar como poeta da Beira, como o maior poeta da Guarda.
Foi, aliás, a Guarda que ele cantou com mais inspiração e carinho; foram as nossas crianças pobres e descalças que ele cantou com mais inspiração e carinho; foram as nossas crianças pobres e descalças que lhe arrancaram versos do mais puro sentimento e ternura; foi o viver simples da nossa gente que ele melhor retratou; foi o amor
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cândido do nosso viver patriarcal a crepitar na quentura da lareira beiroa - onde cabe sempre mais um amigo - que ele sentia não exaltar suficientemente. Quando disse, por exemplo:
Noite de cães.
Dezembro. No Brazeiro
Só restam dois carvões, cinzas agora.
Rufa nos vidros como um pandeiro
A neve. E o vento pelas frinchas fora
Zumbe sinistro, estrídulo, agoireiro.
Só o luar álgido e seco da Guarda, a iluminar uma visão de grandeza, a pratear as rochas morenas da serra, «o luar que alumia mas que não aquece, gelo tornado luminosidade: Luar das nevadas/álgido e lindo/janelas fechadas/fechadas as portas/e ele fulgindo,/límpido e lindo». Só o luar da Guarda podia inspirar este maravilhoso e conhecido «Luar de Janeiro».
E onde é que a neve «bate leve, levemente/como quem chama por mim?»; na Guarda, a cidade branca, onde ela cai «branca e leve/branca e fria».
Rasguem toda a obra de Augusto Gil e poupem a «Balada da Neve», ele continuará grande na nossa história literária e, com jus, continuará a ser o grande poeta da cidade altaneira.
E o mundo de amor, compaixão e revolta que sente, ao ver marcados na neve, na neve que frequentemente existe na Guarda, como cie disse: «por entre os mais/os traços miniaturais/duns pezitos de criança ...».
Aí, o seu coração, perante esta realidade, revolta-se e explode em oração, que é poesia:
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai a neve na natureza...
E cai no meu coração.
Augusto Gil assim cantou na Guarda, vivendo nela, junto à Praça Velha, quase à sombra da catedral. Como toda a cidade, pelo cantar da «Garrida» regulou o seu dia-a-dia:
Dlim, dlim, dlim, canta a «garrida»
Nas torres da Sé da Guarda
Vai a vida de fugida
E o meu bem tanto me tarda!...
Uma das riquezas da história e da tradição da Guarda é a capelinha românica do Mileu:
Oh! Senhora do Mileu
Que estais num degrau da Serra,
Tão pertinho do Céu
E ião chegadinho à Terra...
E quando Augusto Gil lutou pela conquista da sua amada, lutou e rezou ao Senhor do Bonfim:
Fui ao Senhor do Bonfim,
Fui-lhe pôr um lindo ramo,
P'ra que ele me ponha a mim
No coração de quem amo...
A senhora desse coração - é óbvio! - na Guarda havia nascido.
Ventura e desgraça associam-se muitas vezes no pensamento de Augusto Gil. O poeta justifica-se, pois na Guarda encontra significativo símbolo:
Não dizia ventura, mas desgraça
A claridade do sinal aéreo
(Na mesma direcção da Igreja, passa
A rua que vai dar ao cemitério).
E o frio da Guarda? Certo dia, 10 horas. Vento da serra. Três graus negativos. Em «Mãos frias, coração quente...», o poeta escreve:
Agora decerto o tenho
Num braseiro, num vulcão
O frio é tanto, é tamanho
Que a pena cai-me da mão.
Queria dizer-te o que penso
E o que faço e premedito,
Mas posso lá ser extenso
Com este frio maldito!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito mais podia citar, muito mais podia dizer da Guarda através da poesia de Augusto Gil.
Mas é tempo de emudecer, como dizia o nosso poeta, citando uma copla do infante D. Luís:
Muito vence quem se vence
Muito diz quem não diz tudo
Porque a um discreto pertence
A tempo fazer-se mudo.
A Guarda é bem o símbolo da poesia, um quadro humano, cultural e histórico onde pontuam valores imorredouros que cumpre não esquecer.
O distrito da Guarda orgulha-se dos seus filhos, revê-se neles.
É que também as rochas são suaves quando cobertas de neve e há flores entre o cervum, contrariando a canção que diz: «Dos montes de pedras/Não nascem flores.»
As melhores flores do meu distrito são os que, pelo exemplo da sua vida e da sua obra, se souberam libertar das limitações do seu berço.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assim, evocar este poeta, cujo aniversário da morte ainda esta semana foi evidenciado com a publicação do volume II das Cartas de Augusto Gil, é preservarmos toda uma envolvente cultural que, necessariamente, tem de pontuar no contexto europeu em que estamos inseridos.
Augusto Gil é, de facto, um bom exemplo do que muito se poderá ainda fazer, a este nível como noutros, em matéria de investigação:
Quem sobe a maior altura,
Mais largo vê o horizonte...
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.
O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Marília Raimundo: Ouvi com atenção a sua intervenção e estou de acordo com o que disse no que concerne ao
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grande vulto, ao grande homem das artes, das letras e da poesia que foi Augusto Gil.
E como os beirões dizem que quando alguém lhes bate à porta ninguém pergunta quem é, antes pelo contrário dizemos «entre» porque há sempre cama feita ou mesa posta, também a cidade e povo do distrito da Guarda assim fez em relação a Augusto Gil, de facto grande vulto, de que o distrito se honra por ali ter vivido.
O Sr. Presidente: - Para responder, se desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Marília Raimundo.
A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Sr: Deputado Carlos Luís, julgo que V. Ex.ª não fez explicitamente nenhuma pergunta. E óbvio que estou de acordo consigo. A gente da Guarda sabe receber bem. E espero que toda a gente da Guarda, e nomeadamente da autarquia guardense, compreenda o grande vulto que foi Augusto Gil e que ele possa finalmente ler, da parta da autarquia da Guarda, a homenagem que merece.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.
O Sr. António Martinho (PS): - «[...] Vieram trazidos pela fama e, arquejando, dobrados sobre o chão, praguejando e gemendo, lacerando as mãos e os membros contra as lascas das ardósias, banhando a terra em suor e sangue, arrancaram do xisto novas veias, que ampararam com novos socalcos: e o que fora a montanha deserta, tomou-se em jardim suspenso [...] E bem depressa os deuses, que por serem feitos da luz do dia, são invisíveis, mas vêem tudo, deram com aquela fonte de ambrósia e vieram beber pela taça do Sol.» (Jaime Cortesão, Portugal. A Terra e o Homem.)
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Assim se construiu a parte mais a sul do «Reino Maravilhoso» de que fala Miguel Torga. Muito suor e sangue foi necessário para tal. E hoje o Douro vive momentos muito difíceis, numa situação quase explosiva: «O problema é que há um grande nervosismo no Douro», como um homem do Douro, António Barreto, afirmava há um ano atrás. Nervosismo que se traduziu em diversas manifestações de revolta no passado verão e que hoje se evidencia por ansiedade, angústia e descrença em melhores dias.
O Douro parece já não acreditar em nada. Os problemas surgem em catadupa, as dificuldades sucedem-se e não se vislumbra a luz ao fundo do túnel. Uns não conseguem encontrar as melhores soluções, que buscam afincadamente; outros parece não quererem encontrá-las. E quem sofre é o homem que «tornou a montanha deserta em jardim suspenso».
O que aconteceu foi que, na passada vindima, segundo expressão local, «as firmas não foram à lavoura», ou seja, não compraram as uvas. A produção foi boa e as adegas cooperativas ficaram cheias de vinho. De vinho fino e de vinho de pasto.
A situação não evoluiu nos últimos meses. Resultado: os lavradores não têm dinheiro porque não venderam e não vendem o vinho, produto de um ano de trabalho; as cooperativas, poucas são as que, com uma entrada razoável no mercado, conseguem vendê-lo; o acesso ao crédito é, hoje como ontem, muito difícil; as taxas de juros são insuportáveis; as linhas de crédito são poucas e de plafonds reduzidos; os custos dos factores de produção aumentaram aqui, como nas restantes regiões do País; e quantas vezes as culturas não são devoradas por intempéries que surgem a destempo, sem se compadecerem com os calendários artificialmente estabelecidos para o seguro agrícola.
Os anos 80 constituíram um período de grande crescimento das exportações. A preços de 1990, nessa década, o Douro exportou 315 milhões de contos, só em vinho do Porto.
Mas a verdade é que em 1989 se verificou uma ligeira tendência para a diminuição de consumo de vinho do Porto e 1990 revelou uma quebra ainda maior. Razões de carácter conjuntural explicarão esse fenómeno. Mas a evolução estrutural do sector comercial também provoca algumas preocupações, como, por exemplo, a concentração das empresas comerciais em alguns grupos que controlam, praticamente na totalidade, as exportações e o próprio mercado interno. E, de entre essas, o número de firmas portuguesas é muito pequeno.
E quem mais sofre as consequências desta situação são os mais de 25 ooo pequenos e médios produtores. Mas também o pequeno número de produtores-engarrafadores que quiseram fazer renascer a tradição de exportação de vinhos do produtor e vinhos de quinta está preocupado com a situação que hoje se vive no Douro.
O volume de exportações de que atrás se fala levou a que a área de vinha tivesse aumentado mais de 12 % no total. E quantas vezes de uma forma desorganizada, sem um verdadeiro planeamento, provocando até alguns desequilíbrios no meio ambiente.
Os investimentos foram grandes. E grandes também foram os compromissos assumidos pelos lavradores junto da banca. Daí que, devido à incapacidade de solvência dos lavradores, em alguns casos, a Caixa Geral de Depósitos e as caixas de crédito agrícola mútuo da região corram o risco de se tomarem grandes proprietários do Douro.
Este cenário é de crise, não haja dúvidas. Negá-lo revela um desconhecimento total da situação presente. E o Governo, mais concretamente o Sr. Ministro da Agricultura e os seus secretários de Estado, ao negar esta situação, não faz outra coisa que não seja meter a cabeça na areia.
É inegável que o Douro tem contribuído decisivamente para a riqueza nacional. Já vimos a importância do vinho do Porto nas exportações. Também se reconhece o seu relevante papel na produção de energia eléctrica de origem hídrica. O Douro precisa, neste momento, da solidariedade nacional para ultrapassar as dificuldades com que se debate. Além do mais, porque o Douro tem sofrido profundamente, como toda a restante região de Trás-os-Montes, as consequências da grave doença que é a interioridade. O Douro merece essa solidariedade. O Douro merece exactamente, nem mais nem menos, a mesma atenção e dignidade que outras regiões do País que viveram ou vivem uma situação de crise, como Setúbal e o Vale do Ave.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Há sensivelmente um ano, dois Srs. Deputados, Vítor Costa e Daniel Bastos, trouxeram aqui também alguns dos problemas desta região demarcada. E, apesar de integrarem grupos parlamentares diferentes, não é difícil encontrar nas suas preocupações aspectos comuns, como sejam a qualidade do vinho do Porto, o incentivo à exportação directa e o desenvolvimento do associativismo.
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A qualidade exige, antes de mais, boas castas. Daí que o apoio à reconversão e à reestruturação da vinha lenha de ser claro e motivador. A qualidade e a própria natureza do vinho do Porto exigem também apoios à stockagem e ao envelhecimento. E se realçamos o papel decisivo do associativismo como uma boa solução para os problemas de uma percentagem significativa dos pequenos e médios produtores, então não se pode permitir que essas associações fiquem entregues a si próprias pelos investimentos tão avultados que a constituição de stocks exige.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Douro é o vinho e tudo o que o envolve: os vinhedos, as quintas, os solares, as pequenas, cada vez mais pequenas, aldeias e vilas, as cidades que teimam em crescer. O Douro é também os caminhos de ferro a desaparecerem, as estradas que tardam a abrir-se. O Douro é ainda, se se quiser, o rio navegável, talvez «um dos raros presentes do poder central ao Douro» que ainda não é mas pode vir a ser turismo.
Para debater todas estas questões e encontrar os caminhos mais adequados e as melhores soluções para a região, mas também porque não reconhecemos idoneidade àqueles que se intitulam porta-vozes do Norte sem nunca terem defendido Trás-os-Montes e Alto Douro, o meu colega de bancada, o Deputado Eurico Figueiredo, e eu próprio vamos realizar um «encontro» sobre o Douro, no próximo mês de Abril, na cidade que todos reconhecemos como a capital do Douro - Peso da Régua. Das suas conclusões daremos conhecimento a esta Camará oportunamente.
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.
O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como, por várias vezes, tive oportunidade de o fazer nesta Câmara, sempre com o intuito de procurar chamar a atenção para realidades do distrito de Portalegre, novamente o faço em relação a essa vasta área do espaço norte-alenlejano, inserida no interior português e possuidora de características muito próprias, basicamente apoiada no sector primário e, por consequência, de baixos rendimentos e natural tendência para o despovoamento.
Ao longo de décadas não passou de um local recôndido entregue a si próprio, ignorado pelo poder político e até, quantas vezes, por muitos daqueles que, sendo detentores de parte do território, igualmente o desprezaram.
Contrariamente àquilo que foram as expectativas criadas, a Revolução de Abril não só se manifestou incapaz de o arrancar da estagnação em que se encontrava, como ainda o projectou, de forma particularmente grave, para a mais absoluta intranquilidade política e social, obviamente nada propiciadora de um clima de esperança e trabalho.
Passou-se, assim, no distrito de Portalegre e de uma forma geral no Alentejo, do marasmo reinante para a incerteza e desconfiança e daqui, por sua vez, como não poderia deixar de ser, para a desorganização económica e para o empobrecimento.
Se entre nós e as outras regiões do País eram já notórias grandes diferenças, elas tornaram-se ainda mais vincadas, levando a que, nos últimos anos, se assistisse ao crescimento cada vez mais desigual, apesar de todas as forças políticas serem unânimes quanto à necessidade da eliminação de assimetrias, afirmando serem todos os portugueses dignos e merecedores do mesmo respeito, num gesto de grande solidariedade.
E daí, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pensávamos nós que, se alguma região era credora do maior espírito de solidariedade, essa seria a nossa, desde logo porque se encontra no interior, é pobre e por isso a mais envelhecida e desertificada do País.
Durante muito tempo revelámos as potencialidades dos 15 concelhos do distrito de Portalegre e procurámos sensibilizar o poder para as dificuldades com que lutávamos.
Em boa hora o fizemos! Hoje, ninguém desconhece o nosso valioso património histórico, a gastronomia variada e de grande qualidade, o riquíssimo folclore proveniente de uma cultura popular tão diferente de vila para vila, mas tão igual no seu altíssimo valor temperado por séculos de existência.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - Qual, então, a razão das nossas queixas? O que nos faltava? Por que é que a população residente, de acordo com os censos de 1981 e 1991, diminuiu em mais de 7000 habitantes, reflectindo uma taxa de variação negativa de 5,3 %?
A resposta residirá, certamente, na falta de aliciantes para o investimento, investimento em sectores alternativos aos tradicionais geradores de postos de trabalho e verdadeiramente motivadores da fixação da nossa juventude.
Havia, pois, decididamente, que dar passos determinantes nesse sentido e estou certo de que o fizemos quando apresentámos à Comissão das Comunidades Europeias um programa para uma operação integrada de desenvolvimento para o Norte Alentejano, em Janeiro de 1988.
A 7 de Setembro, a Comissão das Comunidades manifestou a sua intenção de contribuir para a realização dos objectivos do programa, nascendo a OID/NA, com uma comparticipação comunitária de mais de 24 milhões de contos.
Se a performance da operação, no 1.º ano (1989), ficou, de facto, aquém das expectativas, fruto de fundamentação insuficiente dos projectos, desactualização de orçamentos e arranque atrasado das obras, a verdade é que foi possível, através da aderência das autarquias e da criação de um núcleo de apoio e acompanhamento em Portalegre, ultrapassar estas primeiras dificuldades.
Assim se conseguiram criar condições para que se caminhasse ao encontro da valorização e aproveitamento do potencial turístico, através da implementação de mais de meia centena de projectos, dos quais destaco a beneficiação das Termas de Cabeço de Vide, a construção da Pousada de São Miguel, em Sousel, localizada num dos mais importantes pólos cinegéticos do País, várias piscinas fluviais, adaptação e modernização da sede da Comissão Regional de Turismo, bem como obras tendentes à valorização e conservação do património arquitectónico e histórico. Igualmente se procedeu ao apoio ao potencial humano e às infra-estruturas para o desenvolvimento, nomeadamente no quo respeita ao reforço de adução de água a populações, à construção de estações de tratamento de águas, à supressão de passagens de nível, à construção de novos centros de saúde e de escolas.
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Também em matéria de desenvolvimento industrial, investiu-se em infra-estruturas físicas, como é o caso da Zona Industrial de Portalegre, entre outras de menor dimensão, e no que concerne à protecção do ambiente e aproveitamento dos recursos naturais, desenrolaram-se, e estão a desenrolar-se, acções da maior importância tendentes a proteger a paisagem, a fauna e a flora da serra de São Mamede, reduto paisagístico da beleza ímpar do Norte Alentejano.
Ninguém ousará, portanto, colocar em dúvida o êxito que a execução da OID atingiu em 1990 e 1991, como todos estamos seguros de que o mesmo ocorrerá no presente ano, tomando-se já visíveis os efeitos dos investimentos efectuados.
No sector agrícola, muitos projectos no âmbito do PEDAP foram contemplados: barragens, electrificações e caminhos rurais contribuíram para a modernização da agricultura no distrito e para a criação de melhores condições de vida daqueles que nela labutam.
Do mesmo modo, no que concerne à formação profissional, também aí a OID contribuiu, de forma muito significativa, para a elevação do nível de qualificação dos recursos humanos em vários sectores, dos quais me permito salientar o do turismo e o industrial, concretamente nas áreas dos têxteis, confecções e agro-indústrias.
A formação profissional assume aqui particular relevância, porquanto estou a falar de uma zona onde se verificam fracos níveis de escolaridade, que radicam precisamente no facto de a grande parte da população activa ser proveniente e dependente da agricultura.
Sobretudo, realmente importante foi o distrito ter revelado possuir uma grande capacidade para reagir aos desafios que o desenvolvimento impõe, conseguindo esgotar as disponibilidades financeiras mesmo muito antes do termo do programa.
Não pode, por isso, dizer-se, neste momento, que as questões não são resolvidas por falta de capacidade, mas tem de se reconhecer que o desenvolvimento não ocorre em virtude da carência de meios financeiros.
Daí que seria do maior interesse, e os Deputados do PSD do distrito de Portalegre tudo farão nesse sentido junto do Governo, que o montante inicialmente concedido ao programa da OID fosse reforçado.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Face aos resultados que tive a honra de vos mencionar, não posso, como Deputado pelo círculo eleitoral de Portalegre, deixar de manifestar a minha alegria pelo facto de ele ter demonstrado estar à altura de encarar o desafio de modernidade que o País impõe.
Fica assim mais do que provado que não fazemos parte de um povo resignado, como alguns pretendem, mas, ao contrário, constituímos um punhado de portugueses de corpo inteiro, vivamente empenhados em tornar o nosso canto num espaço onde, cada dia que passe, se tome mais fácil e agradável viver.
Porém, sabemos não ser possível levar a bom cabo essa imensa tarefa apenas com os nossos meios e a nossa férrea vontade.
É preciso que definitivamente sejamos encarados, pelo País e pelo Poder, com a atenção que merecemos, e julgamos não ter ainda chegado esse momento.
O Orçamento do Estado, que tivemos ocasião de aprovar, não contribui, como gostaríamos, para a resolução dos problemas do distrito de Portalegre. É mais do que evidente que sem meios financeiros não existem investimentos, que sem estes não ocorrem obras, que na ausência destas se dificulta o progresso e se atrasa o futuro de sucesso por quo ansiamos e a que temos direito.
Porém, Srs. Deputados, não interpretem esta observação como uma crítica traiçoeira ou irresponsável ao Governo, que não pode, obviamente, fazer milagres.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Apenas pretendo chamar, mais uma vez, a atenção para as grandes carências ainda existentes, que não vão obter, como gostaríamos, uma resposta imediata. Estou a referir-me à deficiente rede viária de que ainda dispomos e às infra-estruturas que ainda não foram consideradas ou, então, o foram através de verbas extremamente diminutas.
Não resistirei a mencionar o IC n.º 13, espinha dorsal do distrito de Portalegre, protelado ano após ano; o troço rodoviário conhecido pela Estrada da Erra, já prometido mas ainda não concretizado; a sede da A. R. S., em Portalegre, sempre adiada, e os montantes quase simbólicos, que eternizarão obras essenciais já em curso.
Não nego, porém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o muito que, de facto, foi feito nos últimos anos no meu distrito, como seria também profundamente injusto não referir ter sido obra da governação social-democrata.
No entanto, precisamos e queremos mais. E não resisto a reafirmar que, enquanto não dispusermos de uma rede viária à altura, nos manteremos distantes de tudo e de todos, afastados do verdadeiro desenvolvimento.
Sinto-me obrigado, neste fórum privilegiado, que é a Assembleia da República, a assumir esta posição de alguma preocupação, não apenas para que conste, mas com o intuito de que ela constitua um apelo vivo do meu distrito a ser levado seriamente em conta pelo Governo, em que acreditamos.
Estou convicto de que assim acontecerá e de que a minha próxima intervenção poderá já aproximar-se mais das intervenções dos colegas eleitos por outras regiões do País.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.
A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Faz 15 anos que foi institucionalizado o poder local democrático!
Os municípios do distrito de Setúbal, através da sua associação, deliberaram comemorar, este ano, o poder local democrático eleito. E comemorar um dos pilares da democracia e saudar o 25 de Abril e o trabalho meritório levado a cabo em prol das populações por milhares e milhares de eleitos e de activistas das autarquias, não só do distrito de Setúbal mas de todo o País. E lembrar os dois anos de acção das comissões democráticas administrativas, órgãos pioneiros do poder autárquico, que encetaram, logo após Abril, um processo inovador para a melhoria do bem-estar e da qualidade de vida das populações.
Perguntar-se-à: porquê esta comemoração no distrito de Setúbal? Cito o presidente da Associação de Municípios:
Talvez pela dinâmica que sempre caracterizou o poder local no distrito de Setúbal; talvez pela tradição de autonomia; talvez pela caracterização sócio-política; talvez por sentirmos com mais força a força do poder local e do associativismo municipal.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comemorar o poder local é, para nós, lembrar os sucessos, analisar as dificuldades, estudar os impasses e projectar o futuro!
Lembrar os sucessos significa salientar as diversas etapas do desenvolvimento, desde a resolução das carências de base das populações, passando pelas infra-estruturas e oportunidades de acção nas áreas do desporto e da cultura, até ao presente - a fase do desenvolvimento integrado!
Essencial em todo o processo de desenvolvimento foi, e é, a participação permanente das populações e a sua atitude atenta e crítica. O diálogo e a cooperação entre o poder local e os agentes económicos, sociais, culturais e desportivos do distrito de Setúbal.
Mas o desenvolvimento está intrinsecamente ligado à resolução dos problemas do distrito e não à manutenção e agravamento de novos focos de problemas sócio-económicos. E é essa realidade que queremos analisar.
É longa a lista de empresas, em Setúbal, com salários em atraso: Águas da Bela Vista, Vestuários D. Almeida (desde Maio que se verificam atrasos), CONVEX (400 trabalhadores só receberam um terço do salário de Janeiro), Camionagem Torreira (desde Dezembro que os trabalhadores não recebem), Veiga e Lopes (300 trabalhadores sem salário), Malhas Ranito (ainda deve o subsídio de Natal e o salário de Janeiro), NORDALTÊXIL, do Seixal (deve o subsídio de Natal e o mês de Janeiro), e Hotel Espadarte (em atraso desde Novembro).
Com processos de falência são 23 as empresas. A dívida aos 2600 trabalhadores ascende a 2 milhões de contos. O desemprego no distrito 6 muito superior à média nacional, atingindo 12 % da população. De acordo com dados disponíveis, encontram-se inscritos nos centros de emprego 37 000 trabalhadores. Diminuem os postos de trabalho: só na Rodoviária Alentejana pretendem reduzir 125 até final do ano. Três grandes empresas, Firestone, Seagate e COMETNA foram encerradas logo após os resultados eleitorais de 6 de Outubro. Novos despedimentos colectivos foram registados: na SAPEC, 56 trabalhadores; na SECIL, 26 trabalhadores; na TRIMETAL, 30 trabalhadores.
Agrava-se a precariedade das relações de trabalho e aumenta brutalmente o número de acidentes. Só nos últimos dois anos, na LISNAVE, ocorreram 14 acidentes mortais, média igualável ou mesmo superior ao período anterior ao 25 de Abril.
Sobre o desmantelamento e delapidação do sector empresarial do Estado, é bem elucidativo o exemplo recente da fábrica de óleos da QUIMIGAL, no Barreiro, vendida por 5,6 milhões de contos à família Melo, quando só a fábrica de Óleo Fula representa 85 % no mercado nacional.
Se estes são os problemas mais graves do distrito, profundamente sentidos são, também, a habitação, os transportes, a saúde, o ambiente, a qualidade do ar, dos solos e da água e o ensino. Por isso se impõe reflectir sobre os entraves.
As verbas previstas para investimentos nos planos e orçamentos dos municípios do distrito ultrapassam os 30 milhões de contos. Suo investimentos em áreas tão importantes como o ambiente (espaços verdes, águas, saneamento e limpeza urbanas), a recuperação do património paisagístico e arquitectónico, as acessibilidades e as áreas sócio-culturais (o desporto, a cultura, a educação, os reformados, a juventude, a leitura pública, o planeamento urbanístico e a protecção civil).
Se a Lei das Finanças Locais fosse cumprida, o distrito de Setúbal seria dotado de 12,43 milhões de contos. Com a aprovação do Orçamento do Estado para 1992 vêm para o distrito apenas cerca de 10,5 milhões de contos.
Comparativamente com os restantes distritos, Setúbal é o que menos sobe, à excepção do distrito de Faro, e 7 dos seus 13 concelhos tom a percentagem mais baixa prevista.
Importa igualmente reflectir sobre a capacidade de execução do poder central. No PIDDAC de 1991, dos 43 projectos que se previam concluídos 19 não foram iniciados, 14 estão em curso, mas com grande atraso, e só 10 foram efectivamente cumpridas.
Das obras que não foram iniciadas destacam-se, pela sua importância, 5 estradas, 7 relativas ao ambiente, 6 escolas, 3 quartéis das forças de segurança, 1 pavilhão desportivo e 1 terminal de transportes. E o PIDDAC de 1992 continua a não atender às reais necessidades do distrito.
Apesar destes aspectos críticos, que são consequência das políticas erradas conduzidas pelo Govemo PSD, Setúbal deu passos em frente, sobretudo pela acção relevante das autarquias e dos agentes económicos, onde se releva o plano integrado de desenvolvimento.
Ao contrário do que este plano de desenvolvimento harmonioso preconiza, o poder central alimenta unicamente projectos exógenos, que não resolvem as questões de fundo. E os impasses mantidos à volta das questões transcendentes: a nova ponte, o aeroporto, os transportes e as acessibilidades, o porto e o complexo de Sines, entre outros, reflectem as tibiezas e as pressões de vários lobbies e tem reflexos negativos no desenvolvimento do distrito de Setúbal.
Do distrito de Setúbal diz o poeta: «o mar não tem consistência; não é o verde do Norte, não é o caldo a sul do Algarve - é poeira e luz».
É esse traço distintivo que importa reter! Porque em Setúbal existe capacidade, força, empenhamento, honestidade e competência. E são estas características que, vencendo adversidades, dão a certeza de um distrito que se projecta no futuro!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Femando de Sousa.
O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ciclicamente, o Porto e o Norte de Portugal constituem tema preferido dos órgãos de comunicação social, os quais, ressuscitando eternas polémicas que vêm já do século passado, procuram chamar a atenção para as constantes mas sempre legítimas aspirações do Norte e do Porto enquanto sua capital natural.
De vez em quando, levantam-se algumas vozes em defesa das suas populações e dos seus interesses, tentando pressionar os sucessivos governos para que as suas reivindicações, nem sempre bem fundamentadas, sejam atendidas.
Levantando algumas dúvidas quanto a tal metodologia, pensamos que, antes de defendermos o que o Norte quer, temos de saber o que o Norte é, conhecermos a sua realidade demográfica, económica, social, educativa e cultural, detectarmos as suas carências, os seus pontos frágeis, os estrangulamentos, afinal, que impedem o seu desenvolvimento ou, melhor dizendo, a sua modernização, para
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então, e só então, destrinçado o acidental do essencial, reivindicar-se o que é efectivamente necessário.
Sem pretendermos esgotar tal problemática, demasiado ampla e complexa para uma simples intervenção, tentaremos, de momento, chamar a atenção para dois pontos que nos parecem essenciais, não só para explicar a situação de crise que o Norte atravessa, mas também para abrir alguns tópicos que devem levar a uma ponderada reflexão.
O Norte representa 35,2 % do total da população de Portugal e 37 % da sua população activa.
Se tivermos em consideração a estrutura da população empregada por ramos de actividade, constatamos que as indústrias têxteis são responsáveis por 19,2 % do total do emprego, logo abaixo da população que trabalha na agricultura, e que a população empregada nas indústrias têxteis do Norte representa 78,6 % do total da população portuguesa a trabalhar neste ramo do sector secundário.
Por outro lado, passando à educação, verificamos que o Norte, quanto a alunos matriculados na educação pré-escolar e no ensino básico e preparatório, apresenta, respectivamente, 35,6 % e 37,4 % do total dos alunos matriculados nesses sectores do ensino em Portugal, valores, portanto, ajustados ao peso relativo da sua população, mas que, quanto ao ensino técnico, técnico-profissional e superior, esses valores descem, respectivamente, para 29,8 %, 26,6 % e 17,7 %, situando-o, assim, muito aquém da importância relativa da sua população no total nacional.
Sabemos que o baixo nível educativo da população portuguesa se mantém - 15% de analfabetos, 14% de jovens com idades compreendidas entre os 17 e os 25 anos a frequentarem o ensino superior, etc. -, mas verificamos que o Norte, apesar de constituir a região portuguesa em que reside a maioria da população jovem, é a parte do País em que o nível educativo é mais baixo.
As taxas de escolarização dos jovens com 17 anos atingem os 29 % no distrito de Braga, 39 % no distrito de Viana, 46 % no distrito de Vila Real, 53 % no distrito de Bragança e 47 % no distrito do Porto, ao passo que no distrito de Lisboa atingem os 80 %, e nos distritos como Portalegre, Setúbal, Évora, Beja e Faro situam-se acima dos valores registados para todos os distritos do Norte, incluindo, logicamente, o Porto.
No domínio da cultura encontramos idêntica e desigual repartição, uma vez que o Norte representa apenas 27 % do total das publicações da imprensa periódica, 25,4 % do número de bibliotecas, 21,4 % do número de museus, 21,8 % do número de galerias de arte, etc.
Mas não é só na educação e na cultura que nos deparamos com tão deplorável situação. Também no domínio da investigação, Portugal apresenta fortes assimetrias de desenvolvimento regional, como já lucidamente observou o reitor da Universidade do Porto, com a Região de Lisboa a deter mais de 65 % das despesas globais e do pessoal de investigação e desenvolvimento.
O Programa Ciência, ao optar pelo regime de concursos na sua implementação, nada mais fez senão acentuar as distorções de desenvolvimento já existentes no nosso país.
Os resultados obtidos demonstram que a Região de Lisboa obteve 53 % do total dos financiamentos, contra 21 % da Região do Norte, o que vai contra um dos principais objectivos do Programa Ciência, que, justamente, pretendia reduzir as assimetrias regionais das actividades de investigação e desenvolvimento.
E se verificarmos a distribuição das actividades de investigação e desenvolvimento por sectores de actividade económica, chegamos à conclusão de que a indústria têxtil, implantada, praticamente, no Norte Litoral, recebeu apenas uma irrisória contribuição de 2 %, não sendo, assim, possível evitar a grave crise que assola aquela indústria, competitiva apenas pela mão-de-obra barata que utiliza.
Assim sendo, perguntamos: como é que será possível a modernização e reestruturação da indústria têxtil do Norte de Portugal?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se queremos que o Norte volte a desempenhar o papel que já desempenhou a nível sócio-económico, cultural e mesmo político no plano nacional, se queremos que o Norte venha a assumir um verdadeiro protagonismo na Europa das regiões, torna-se necessário, antes de tudo, garantir um forte e sustentado investimento nos domínios da educação e investigação, investimento esse que, façe à lamentável política desenvolvida, até ao presente, pelo poder central no sentido de atenuar as disparidades regionais, só poderá vir a ser garantido e convenientemente aplicado através de uma efectiva e plena regionalização.
Mais do que pressionar o Governo, importa, assim, regionalizar e dar a palavra ao Norte, para que essa região, sem quebra da solidariedade nacional, possa decidir, em primeira instância, dos seus próprios destinos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Numa sessão dedicada ao debate de questões locais e regionais, Os Verdes trazem mais uma vez ao Parlamento questões e factos reais que contrastam profundamente com as promessas repetidas e profusamente divulgadas pelo PSD e pelo seu Governo de que vivemos numa democracia de sucesso e de que estamos no bom caminho.
O distrito de Setúbal serve hoje de base para alguns exemplos que, apesar do ditado popular, somos obrigados a reconhecer, dado que os factos e a realidade permanecem irredutíveis a verdades fabricadas por mentiras muitas vezes repetidas.
Numa região onde a quantidade e a qualidade dos recursos endógenos são razões suficientes para acreditarmos nas possibilidades de se promover um desenvolvimento equilibrado, com reflexos extremamente positivos para a região e para o País, por força de opções políticas exteriores e contrárias aos interesses locais, tem vindo a ser posta em causa a segurança de pessoas e bens, a saúde pública e, assim, o futuro de quem vive e trabalha no distrito de Setúbal.
A insistência em construir o maior campo de tiro da Europa numa das regiões mais povoadas e de maior potencial económico do nosso país não só põe em risco a segurança de pessoas e bens, como põe em perigo a salvaguarda de recursos naturais de indiscutível interesse ecológico, como é o caso da reserva natural do estuário do Tejo, classificada e reconhecida como uma das 10 mais importantes da Europa.
O Campo de Tiro de Alcochete, situado a cerca de 20 km de Lisboa e a menos de 10 km da cidade de Setúbal, tem servido para demonstrar a opção militarista e belicista dos Governos do PSD. Depois da promoção em
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Lisboa da feira intemacional do armamento, quando o Campo de Tiro foi apresentado com grandes potencialidades para fazer demonstrações de material bélico e experiências com novas tecnologias de armamento e explosivos, tivemos agora conhecimento da existência de um programa nacional de mísseis, no qual se prevê investir, só em 1992, cerca de 1 milhão de contos.
A par desta estratégia do Govemo do PSD, de querer tirar benefícios económicos para Portugal da «indústria da morte», surgem agora as exigências da Força Aérea Alemã, que pretende, a par da utilização da Base de Beja, regalias complementares, como sejam a utilização do Campo de Tiro de Alcochete e a realização de voos a média e baixa altitude e rasantes a qualquer hora do dia ou da noite.
Até aqui tudo bem! Estamos no bom caminho porque, segundo o Govemo, investir na produção de mísseis é investir lambem em equipamentos que podem servir para realizar estudos de impacte ambiental, como acontece com os sensores de imagem ou ainda os aparelhos de guiamento de mísseis, que servem para detectar pesqueiros. E assim, Srs. Deputados, dentro de quatro ou cinco anos, quando for possível produzir estas tecnologias de ponta, Portugal vai ficar rico, porque as contrapartidas financeiras serão grandes e os investimentos na educação, na saúde e no ordenamento do território são coisas do passado!
Aliás, foram opções como estas que fizeram aumentar significativamente as nossas exportações, como é o caso do incremento da produção de pasta de papel. A desertificação e o despovoamento de vastas regiões do País, provocadas, em grande parte, pela plantação indiscriminada de eucaliptos, são, em conjunto, as causas próximas da crescente proliferação dos incêndios florestais - mas estes constituem problemas de menor monta para o Govemo.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É neste quadro de grandes opções de vanguarda que temos de entender o posicionamento do Govemo do PSD relativamente a outros problemas que afectam o distrito de Setúbal. Referimo-nos agora à questão dos resíduos tóxicos perigosos importados da Suíça e depositados há mais de três anos a algumas centenas de metros da cidade de Setúbal. O Ministro do Ambiente, depois de ter sido informado de que os resíduos importados pela empresa METALIMEX continham dioxinas, produto altamente cancerígeno, com toda a determinação que lhe conhecemos, informou os Portugueses de que tinha decidido fazer reexportar os resíduos. O primeiro prazo para a reexportação terminou a 23 de Novembro; foi dado um segundo prazo até 23 de Dezembro, mas já passou o dia 23 de Fevereiro e as 20 000 t de resíduos tóxicos perigosos continuam sem se mexer do sítio onde começaram a ser depositadas em 1987, com os perigos que representam para a saúde pública, dado que, por efeito das águas pluviais, certamente as escorrências se infiltraram no solo e poderão vir a contaminar os lençóis freáticos.
Ainda no âmbito do problema dos resíduos tóxicos perigosos, cabe aqui referir um depósito clandestino de grandes quantidades de hidrocarbonetos encontrado numa herdade no Cercal do Alentejo, concelho de Santiago do Cacém, onde já foi confirmada a contaminação da água de vários poços vizinhos, e relativamente ao qual o Ministério do Ambiente ainda não tomou posição.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Depois de assinalar alguns problemas que preocupam as populações e as autarquias do distrito de Setúbal mas que não tem tido grandes repercussões nas opções e na actividade do Governo, vou terminar com uma dúvida que nos assalta e que em breve poderá ser confirmada: uma das razões apontadas para não se optar pela nova travessia do Tejo no Montijo é a da especulação urbanística que tal solução viria a causar. A interrogação que se nos coloca é a de saber se a especulação não é hoje já um facto consumado face à especulação que o próprio Governo vem promovendo ao fazer transparecer em cada semana, através da comunicação social, a hipótese de a ponte vir a passar pelo Montijo, criando assim expectativas que, em nosso entender, não têm razão de ser antes de se conhecerem estudos fundamentados sobre as várias opções.
Também aqui temos a certeza de que não estamos no bom caminho.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta Gonçalves.
O Sr. Carlos Marta Gonçalves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao usar da palavra pela primeira vez nesta Câmara, gostaria, antes de mais, de saudar e cumprimentar respeitosamente V. Ex.ª, Sr. Presidente, bem como os restantes membros da Mesa, todas as Sr.ªs e Srs. Deputados e todos os cidadãos do distrito de Viseu.
Ao iniciar-se esta legislatura, importa relembrar o apoio inequívoco dado pelos Governos do PSD e do Prof. Cavaco Silva para a construção de novos equipamentos e instalações desportivas no distrito de Viseu. De igual modo, importa lembrar todos os Srs. Deputados de que estão a ser cumpridas todas as promessas no tocante à construção de infra-estruturas desportivas, corrigindo-se assim carências e assimetrias de muitos anos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A definição dos princípios orientadores da Rede Integrada de Infra-Estruturas Desportivas em 10 de Maio de 1988, consubstanciada na Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro), constituiu o primeiro passo para uma alteração significativa da rede de infra-estruturas desportivas e do seu desenvolvimento, não apenas em termos quantitativos, mas igualmente em termos qualitativos, de acordo com as exigências internacionais reconhecidas neste domínio, nomeadamente na Comunidade Europeia. Façe a esta nova realidade, foi assim possível eliminar as assimetrias existentes no distrito de Viseu, que, conjuntamente com o de Leiria, era, ao nível do País, o mais carenciado - 11 dos 24 concelhos do distrito não tinham uma instalação desportiva coberta, assim como 23 escolas preparatórias e secundárias não possuíam espaços para o normal desenvolvimento das actividades desportivas. De referir ainda que em todo o distrito apenas existia uma piscina coberta, dois campos de futebol relvados, uma pista de atletismo de cinza e alguns espaços de fraca qualidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passados três anos e com a implementação do projecto RIID (Rede Integrada de Infra-Estruturas Desportivas), foi possível, através de um diálogo profundo e cooperação com as autarquias, escolas, movimento associativo e comunidade em geral, assinar 23 contratos-programa para a construção de 14 pavilhões desportivos, uma sala de desporto, uma pista de atletismo em piso sintético no Estádio Municipal do Fontelo (considerada a melhor pista do País) e respectivo apetrechamento, duas pistas de atletismo em piso de cinza e respectivo apetrechamento, seis piscinas cobertas, um polivalente desportivo de ar livre em piso sintético, um campo de puttergolf (o único existente no País), e dois campos relvados e respectivas instalações complementa-
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rés, bancadas e balneários, num esforço que se traduziu num investimento global superior a dois milhões de contos, o maior investimento de sempre nesta área e que só foi possível pela colaboração, empenhamento e apoio das autarquias envolvidas no processo e, sobretudo, pela coragem de se ter definido claramente uma política de infra-estruturas desportivas integrada, racionalizada e dimensionada para a comunidade, num diálogo aberto com ela, tendo em conta as carências existentes, a população, o nível da prática desportiva e as acessibilidades. Esta política defende ainda que uma instalação de equipamento desportivo deve ser devidamente rentabilizada, pois não podemos mais admitir que sejam património exclusivo do Estado, da escola, do clube, da autarquia ou de qualquer outra instituição.
Por isso, podemos afirmar que estamos no bom caminho e que, também no desporto, as políticas encontradas e aplicadas vieram ao encontro das necessidades e expectativas das populações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Programa do XII Governo Constitucional, na linha dos anteriores, dá particular atenção à construção de novas infra-estruturas desportivas e define claramente a política que o Governo pretende implementar neste domínio e que passa pela melhoria e pelo aumento quantitativo das instalações e equipamentos desportivos a construir, pelo que se propõe ampliar o parque de apoio às actividades desportivas em todos os níveis de ensino do sistema educativo e promover uma maior racionalização da utilização das infra-estruturas desportivas, de modo a optimizar os investimentos já executados e a executar.
E neste sentido que chamamos a atenção do Governo porque, apesar do esforço já realizado para a eliminação de carências de muitos anos, existe naturalmente muito por fazer nesta área e importa aqui lembrar as necessidades: plano de investimento integrado para o complexo desportivo de Lamego, de forma a dotar esta infra-estrutura desportiva das condições necessárias para responder às solicitações dos diversos agentes desportivos regionais, nacionais e internacionais; construção da casa de desporto de Viseu, para instalação das associações de modalidades; apoio à construção de novos campos relvados no distrito; apoio à construção de pistas de atletismo; apoio à construção de piscinas cobertas nos diferentes concelhos do distrito.
Acreditamos, pois, que, com o continuado desenvolvimento económico e social do País, também seja possível não só concretizar os espaços desportivos agora em construção, mas igualmente construir diferentes instalações, de forma a proporcionar aos jovens de todo o País, e neste caso aos do nosso distrito, a formação, o treino, o ensino e a prática desportiva em qualidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não gostaria de terminar esta minha primeira intervenção nesta Câmara sem felicitar o Governo e, em particular, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Educação, com tutela do desporto, pela forma equilibrada, coerente e corajosa como tem pautado a sua acção e o relacionamento que tem mantido com todas as instituições desportivas. Queria felicitá-lo igualmente pela sugestão dada ao movimento associativo e, em particular, à Federação Portuguesa de Futebol, para a escolha das sedes locais e estádios para a candidatura à organização do Europeu de 1996.
Pensamos que não pode ser desprezado o investimento superior a 1 milhão de contos realizado em equipamento desportivo, no apetrechamento dos estádios que serviram de cenário ao Mundial de Sub-20. Pareceu-nos, pois, perfeitamente ajustada a inclusão dos Estádios da Luz e das Antas, assim como permitir que a escolha das restantes sedes seja aprovada depois de uma consulta prévia às autarquias, para aumento do peso negocial, congregando diversos apoios públicos e privados para a realização das diferentes estruturas.
Assim sendo, Viseu e a sua região, com um crescimento e um desenvolvimento a todos os níveis, com excelentes vias de acesso, com investimentos previstos em unidades hoteleiras de grande envergadura nos próximos anos e, sobretudo, com o magnífico Complexo Desportivo do Fontelo, está em condições óptimas para apresentar uma candidatura credível como sede local à organização do Europeu de 1996.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino, finalmente, deixando uma mensagem de esperança na continuidade da política desportiva do Governo, política essa que permita o acesso ao desporto para todos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Carlos Marta Gonçalves, o Presidente em exercício e demais membros da Mesa, Srs. Deputados Secretários, agradecem as amáveis palavras que proferiu no início da sua intervenção e tem todo o gosto em retribuir a V. Ex.ª essas saudações.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Campos.
O Sr. Correia de Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marta Gonçalves: Muito obrigado pelas saudações que dirigiu a todos os deputados.
Vejo que V. Ex.ª mantém uma linha de continuidade relativamente aos ilustres Deputados da bancada do seu partido eleitos pelo distrito de Viseu, que em sessões como a de hoje, mantêm o tom de elogio ditirâmbico ao Governo do Sr. Primeiro-Ministro, que dirige o seu partido.
V. Ex.ª foi mais generoso porque alargou esses elogios aos governantes do sector, dizendo-lhes que, realmente, estava muito satisfeito com aquilo que estava a ser feito e estava cheio de esperança que ainda fossem feitas mais coisas.
Devo confessar que este tipo de discurso ditirâmbico faz lembrar-me hábitos passados de outros partidos, porventura únicos, do nosso espectro parlamentar.
Vozes do PSD: - Não vá por esse caminho, que não o leva a lado algum!
O Orador: - Isto é, pelo estilo, o seu discurso faz-me lembrar hábitos passados e não me parece que isso ilustre ou ajude a realização da nossa terra.
No entanto, a pergunta que pretendo colocar-lhe é a seguinte:...
Vozes do PSD: - Ah!.. Há uma pergunta, afinal!
O Orador: - Ao analisar o PIDDAC de 1992 para o nosso distrito, verifico uma redução de financiamentos para várias obras ou iniciativas lançadas nos anos anteriores. Por exemplo, em 1992, há uma redução em relação às previsões feitas no grande ano de 1991 que começa pelos 55 000 contos da Escola C+S de Santa Comba Dão,
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continuando com mais 115 000 contos em Tondela, 190 000 contos em apetrechamento do ensino básico, 113000 contos em remodelação do parque escolar, indo aos 400 000 do troço Fail/Tondela da estrada que todos conhecemos e até à redução de 880 OOO contos para o Hospital de Viseu, num total de 2 529 600 contos de redução, em 1992, relativamente às previsões para os mesmos projectos em 1991.
Sr. Deputado e meu caro amigo, como é que V. Ex.ª concilia os seus elogios ditirâmbicos esfusiantes com estas reduções no ano pós-eleitoral? Ou será que o Sr. Deputado está à espera do ano de 1995 para voltar a inflacionar o orçamento do PIDDAC e para em 1996 voltarmos a assistir à mesma cerimónia do esvaziamento do PIDDAC?
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta Gonçalves.
O Sr. Carlos Marta Gonçalves (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Correia de Campos: Gostaria apenas de dizer que V. Ex.ª está apenas distraído.
Sr. Deputado, quando referi este investimento, pretendi dizer que, de facto, ele é real, pecando por defeito, e não por excesso.
Gostava ainda de referir que este investimento, num montante superior a 2 milhões de contos, é o maior que se fez até hoje no distrito de Viseu em infra-estruturas desportivas e muitas dessas obras não estão no PIDDAC porque são feitas através de contratos-programa com a Direcção-Geral dos Desportos, como sabe.
O Sr. José Cesário (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Portanto, não só se conseguiu a concretização desse objectivo através da realização desses contratos-programa com a Direcção-Geral dos Desportos e com todas as autarquias do distrito, independentemente da sua cor política, como foi possível um diálogo profundo com o movimento associativo, com as escolas e com a comunidade, dando resposta às necessidades nesta área, que eram muitas, grandes e de há muitos anos.
Desejava lembrar-lhe também que as entidades locais e as autarquias continuam a desenvolver esforços no sentido de mais contratos-programa poderem vir a ser realizados no futuro, de forma - como disse na minha intervenção - a dar respostas a muitos aspectos que é necessário corrigir, possibilitando que os jovens do distrito de Viseu possam ter acesso a um elemento importante para a sua formação, para a sua cultura, o desporto.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. Correia de Campos (PS): - Peço a palavra. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, para que efeito?
O Sr. Correia de Campos (PS): - Sr. Presidente, é apenas uma frase para aclarar...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, vai desculpar-me, mas hoje foi aberto um precedente em relação ao tempo, que não pode continuar a existir...
O Sr. Correia de Campos (PS): - Sr. Presidente, retiro o meu pedido.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Muito obrigado, Sr. Deputado, pela sua compreensão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É curioso que, depois de um Sr. Deputado do PSD ter vindo aqui, pela primeira vez, elogiar o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Educação, José Briosa e Gala, eu venha criticá-lo. E os Srs. Deputados vão ver que tenho razão.
É que, precisamente um ano após a publicação do Decreto-Lei n.º 95/91, de 26 de Fevereiro, que veio estabelecer o regime jurídico da educação física e do desporto escolar, veio o Govemo, por despacho ministerial, considerar que «não se encontra ainda suficientemente definido o modelo conceptual, institucional e orgânico do desporto escolar» e que «não estuo criadas as condições administrativas, pedagógicas e materiais previstas no referido decreto-lei e necessárias à sua aplicação».
Esta situação assume contornos de um verdadeiro escândalo e revela, com toda a clareza, o que tem sido a demagogia e a irresponsabilidade dos Govemos do PSD no tratamento do desporto escolar.
Quando, em 22 de Março de 1991, se debatia aqui na Assembleia da República, em sede de ratificação, o decreto-lei do Govemo sobre o desporto escolar e que o PCP criticou, afirmou o então Ministro Roberto Carneiro:
Passaram os tempos de estruturas de coordenação frágeis e vulneráveis, como passaram os tempos de govemar por despachos transitórios. Agora, com o Decreto-Lei n.º 95/91, de 26 de Fevereiro, tudo fica devidamente estruturado, financiado e em condições de massa crítica propícias a um constante e irreversível avanço para diante.
Passados pouco meses, o resultado está à vista. Nada avançou. O desporto escolar continua sem o mínimo de condições para ser uma realidade na generalidade das escolas e, depois de terem sido criadas por esse decreto-lei múltiplas estruturas nacionais, regionais e locais para o desporto escolar, voltamos ao tempo dos despachos provisórios, com o Ministério da Educação a fazer letra morta dos seus próprios decretos e a nomear, por despacho, um novo grupo de trabalho para a educação física e o desporto escolar.
Antes de quaisquer outras considerações, imporia afirmar a ilegalidade manifesta de um despacho ministerial que nega, expressamente, a aplicação de um decreto-lei em vigor, aprovado pelo Govemo e ratificado pela Assembleia da República.
O que o procedimento do actual Govemo revela é a total incapacidade dos Govemos PSD para tornar realidade, na generalidade das escolas, a leccionação da Educação Física e a prática do desporto escolar em condições minimamente aceitáveis.
A demagogia e grandiloquência do discurso do ex-Ministro da Educação Roberto Carneiro não resolveu
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nada. Os despachos ilegais do actual Secretário de Estado, Briosa e Gala, também nada resolverão se não forem criadas as condições mínimas, ao nível dos meios humanos, materiais, técnicos, financeiros e de infra-estruturas, para o funcionamento do desporto escolar.
Entretanto, a prosseguir a política do PSD, o desporto escolar continuará a ser sacrificado por carências estruturais, pela penúria financeira, pela falta de instalações e pela incapacidade do Govemo e a viver da carolice de uns quantos professores e alunos.
Aplausos do PCP.
O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe: Com certeza que, brevemente, voltaremos a conversar sobre estas matérias, porque muito teremos para aprofundar em torno das grandes questões do desporto nacional.
Em qualquer circunstância e especificamente sobre a matéria que aqui nos traz hoje, que é a questão do desporto escolar, sou obrigado a lembrar-lhe alguns aspectos que julgo que merecem uma abordagem imediata.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado, penso que não é correcto trazer a esta Câmara uma perspectiva negativista relativamente à política do desporto escolar seguida nos últimos anos, esquecendo um elemento fundamental. E esse elemento e que o desporto escolar foi, de facto, ressuscitado em Portugal pelo anterior Govemo, pelo Ministro Roberto Carneiro.
E é também evidente que o quadro legislativo então criado previa já que a política do desporto escolar, então iniciada, deveria ser repensada e deveria ser readequada ao longo da sua própria execução. Neste momento, o que está em causa com a legislação que o actual Govemo emitiu recentemente e que está a preparar sobre a matéria é, apenas e tão-só, conseguirmos continuar a encontrar os meios mais eficazes para a execução de uma política de desporto escolar que sirva, de facto, essa componente fundamental da formação dos jovens que é a recriação e a formação através da actividade lúdica e da actividade desportiva.
Sr. Deputado, há uma certeza que fica e que temos de tomar clara aqui: é que hoje há, de facto, uma política de desporto escolar em Portugal, ao contrário daquilo que se passou logo a seguir ao 25 de Abril e ao longo de muitos govemos que se lhe seguiram. E esta política de desporto escolar consubstancia-se numa actividade permanente que se realiza nas escolas, que se traduz nos quadros competitivos, que se traduz num vasto número de iniciativas, que se traduz num mundo completamento diferente em que, hoje, a nossa escola se insere e se move.
Mas com certeza que fica o desafio claro para voltarmos a discutir estas matérias, porventura com mais tempo, num futuro próximo.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Vai ter alguma dificuldade em responder, Sr. Deputado!
O Sr. António Filipe (PCP): - Não terei dificuldade nenhuma, Sr. Deputado! E até lhe digo mais: vou responder com as palavras que constam do preâmbulo do despacho do Sr. Secretário de Estado Briosa e Gala ...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Que falta de imaginação!
O Orador: -... que refere o seguinte: «Não estão criadas as condições administrativas, pedagógicas e materiais previstas no referido decreto-lei necessárias à sua aplicação.» Está lá escrito! Portanto, à questão que o Sr. Deputado José Cesário coloca o Govemo não responde, porque, de facto, não tem política de desporto escolar.
O Sr. Deputado José Cesário disse aqui que eu não sei qual é a política de desporto escolar. Eu sei, sim, Sr. Deputado, e respondo-lhe: não há política de desporto escolar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, o preâmbulo deste despacho revela-o claramente. Há um ano, sobre um decreto-lei aprovado pelo Govemo, o Ministro da Educação, elogiando-o grandiloquentemente, dizia que «a partir de agora só vamos andar para a frente, pois estão criadas todas as estruturas, estão criadas todas as condições». Um ano depois, vem o Secretário de Estado fazer um despacho que diz: «Não consigo aplicar o decreto-lei porque não tenho condições.»
Isto só revela que o Govemo, que nos últimos cinco anos já criou quatro grupos de trabalho e já os dissolveu e que cria agora um quinto para discutir o desporto escolar, não sabe o que é que há-de fazer ao desporto escolar, porque obviamente não cria um mínimo de condições, nem a nível de infra-estruturas das escolas, nem a nível de condições financeiras e técnicas mínimas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, quando tivermos oportunidade de, juntamente com o Sr. Secretário de Estado, discutirmos aqui o desporto escolar, trago-lhe uma lista, de que tive conhecimento, de equipas de escolas que desistiram do desporto escolar porque não tiveram um mínimo de condições para o assegurar. É que a carolice tem limites! ...
Creio, pois, que é necessário discutirmos esta matéria para que todos nos apercebamos da irresponsabilidade que o Govemo do PSD tem tido na condução deste problema do desporto escolar, porque, como disse, e uma questão extremamente grave, da qual não nos podemos alhear.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques da Silva.
O Sr. Marques da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este ano efectuar-se-á a II Conferência Mundial de Ambiente, no Rio de Janeiro, com a participação de todos os países do inundo e no qual seria de esperar que Portugal, ainda na presidência da Comuni-
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dade Europeia, assumisse uma postura de liderança. Mais do que comemorações, desejaríamos que esta II Conferência vincasse irreversivelmente no mundo uma franca atitude ecológica que apagasse a universal hipocrisia relativamente aos problemas do ambiente.
É de lamentar depararmos, ainda hoje, com discursos ecológicos para uso extemo e a sua inteira negação na prática ou, pelo menos, o desleixo, o fingir que se não vê e a actuação frágil e complacente perante as infracções.
Partindo da Região Autónoma da Madeira, mas não deixando de me reportar ao todo português, abordo aqui o gravíssimo problema das pedreiras e da extracção de inertes e areias em terra e na zona marítima. A legislação é profusa a nível nacional, com o seu natural eco na Região Autónoma da Madeira e, creio, igualmente nos Açores. Concluindo: leis há, o que não há é a verdadeira vontade em fazê-las cumprir!
No inventário possível relativo à Região Autónoma da Madeira, direi que entre pedreiras e locais de extracção de inertes - arção ou areia - ou britadeiras e centrais de betonagem existem, desactivadas ou em exploração, cerca de 20 instalações. Em tão pequena ilha, estas feridas abertas na terra representam algo como um bombardeamento que vai destruindo a beleza da paisagem e degradando o ambiente. Por conveniência dos construtores, estas explorações situam-se, devido a motivos económicos, perto das zonas de construção e as desactivações verificadas devem-se apenas ao esgotamento do filão, satisfação das necessidades ocasionais ou ate falência de firmas construtoras. São então abandonadas as escavações com restos de equipamento, transformadas ou destinadas a constituírem feias crateras, no futuro possíveis lixeiras. Lamenta-se que, em termos de ordenamento territorial, não haja um plano de localização de britadeiras, pedreiras ou centrais de betonagem e muito menos estudos de impacte ambiental.
Há ainda outros aspectos não menos graves, como a exploração de areias do mar em toda a costa sudoeste da Madeira. A população de uma das regiões dessa zona, o Jardim do Mar - lindo nome que em si resume toda a beleza do local -, está a ser particularmente molestada pelos barcos areeiros. Pude constatar os prejuízos causados que determinaram o desaparecimento da Praia de Calhau, sendo o Govemo Regional obrigado à construção de grosso paredão ao longo da costa para proteger a pequena vila. É inadmissível que actividades que tem enriquecido os areeiros, cuja acção é actualmente proibida pelo Govemo Regional, venham a obrigar a dispendiosas obras pagas com os dinheiros da Administração. A exploração em frente do Jardim do Mar prossegue há 14 anos. A partir do Decreto Regional n.º 4/85, desde 1986 existe a proibição de explorar as areias marítimas, mas esta não tem sido cumprida, como se pode verificar em toda a orla marítima que vai da Madalena do Mar a Câmara de Lobos, a oeste do Funchal. No ridente e ameaçado Jardim do Mar verifiquei que um barco areeiro procedia à sucção dos fundos marítimos, mas pessoas do local mostraram-me fotografias em que se viam três desses barcos. Existe uma proibição suplementar em que, devido ao ruído, e proibida a extracção entre as 20 horas e 2 horas da madrugada, segundo me afirmam os locais, mas nem isso é respeitado.
Outros aspectos referem-se aos critérios a que deve obedecer a extracção de pedras e outros materiais inertes e aos cuidados a ler com os lençóis subterrâneos, uso de águas e destruição da fauna e flora. Infelizmente, nada disto é respeitado na Região e ainda recentemente um Deputado regional exibiu, em plena Assembleia, mostras de negra água resultante da exploração da Fundoa, no Funchal.
Muito lamentável é o desrespeito pelas leis, pelo menos as existentes a nível nacional, relativas à obrigatoriedade da recuperação paisagística das instalações desactivadas, isto é, a revitalização biológica, económica e cénica do espaço afectado. Ao que me dizem, isto também não é respeitado em Portugal continental, existindo inúmeros exemplos como os da Arrábida e Serra de Aire. Na ilha da Madeira, a existência de autênticas e feias crateras avulta em muitos locais, como no Jardim do Mar junto à estrada, Pico de São Martinho, zona entre a Ribeira das Caules e o Poiso, Pico da Cancela, Caniçal, ao longo do belíssimo paul da Serra, etc. Verdadeiramente criminoso e o esfacelamento da imponente montanha que marca a espectacular paisagem na encumeada de São Vicente. Muito graves também, dado que representam factos irreversíveis, são as escavações na Prainha, Caniçal, na zona afecta ao Parque Natural da Madeira. A legislação é clara ao dizer que qualquer tipo de intervenção a ser realizada no Parque Natural carece de prévia autorização da direcção do próprio parque. Não se compreende, portanto, a extracção criminosa de areias no Caniçal em dunas com grande riqueza de fósseis vegetais e animais. De resto, parte bastante grande desta estrutura geológica já foi destruída pelos exploradores de areias.
Compete dizer que, para além da ruptura ecológica, há o desaparecimento de vestígios importamos da história natural da Madeira, mas o que resta é ainda património nacional e, creio que poderemos dizer, universal. É verdadeiramente incompreensível que recentemente, após a proibição de exploração de areias nas dunas, elas viessem a ser reactivadas perante a passividade das autoridades, chegando a verificar-se movimentações populares em Maio de 1991. Então a extracção foi efectivamente proibida, mas em Novembro do ano passado voltou. A extracção prossegue e é por isso que eu digo que os discursos ecológicos, em certas horas, são como as prédicas de Frei Tomás!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.
O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques da Silva: Quero desde já felicitá-lo pela intervenção que fez, trazendo aqui um problema actual e acutilante, elucidado com os exemplos que deu relativos à região autónoma por cujo círculo eleitoral foi eleito.
Quero, todavia, solicitar-lhe, sob a forma de pedido de esclarecimento, alguma informação complementar, começando com uma introdução à pergunta que lhe farei. É que o problema por si levantado - o ruído e a destruição paisagística provocados pelas pedreiras e britadeiras - está contemplado em legislação produzida, com coerência, durante os últimos anos, em particular durante a vigência do XI Govemo Constitucional. Quero, pois, recordar-lhe aqui as formas em que essa intervenção está enquadrada, bem como os poderes que estão conferidos às diferentes entidades nessa matéria.
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Em relação ao caso concreto das pedreiras, dir-lhe-ia que, embora havendo legislação com alguma preocupação ambiental desde 1982, só há precisamente dois anos, em 16 de Março de 1990, foi, finalmente, publicado um conjunto de diplomas, sob os n.ºs 88, 89, 90 e 91, que abarca essa matéria, sendo o n.º 89 o que mais respeita à questão que suscitou. A legislação é clara, ao ponto de definir competências específicas para as câmaras municipais no que toca à localização dessas unidades e à aprovação do seu licenciamento, sempre que o plano de lavra não exceda 10 m e o número de trabalhadores ou a potência instalada não ultrapassem certos indicadores.
Quanto ao caso concreto das britadeiras, houve uma evolução legislativa concreta desenvolvida durante o ano transacto, em particular com o novo regime de licenciamento industrial, em vigor a partir de Março de 1991, através do Decreto-Lei n.º 109/91 e do Decreto Regulamentar n.º 10/91, que também nessa matéria definem competências claras para a localização dessas actividades. Tais competências cabem, em primeiro lugar, às câmaras municipais da área onde o pedido se verifica. As questões que essas explorações motivam prendem-se com o ruído, com aspectos de paisagem e com alguns efluentes não tratados e outros. Há, todavia, legislação sobre o ruído, publicada em 1987 e revista em 1989, dispensando-me eu de citar aqui as datas e os decretos-leis emitidos nessa altura. Também nesta matéria várias entidades da administração central, nomeadamente das áreas da saúde, da indústria e do ambiente, detêm competência para intervir, para além da competência das câmaras municipais nesse âmbito.
Igualmente em relação às dunas, não há qualquer vazio legislativo; pelo contrário, há abundante legislação invocável para suster essa degradação. Em particular, a revisão da reserva ecológica nacional, elaborada e publicada, há poucos meses, em 1991, clarifica também esse aspecto.
É, assim, congratulando-me com a preocupação que o Sr. Deputado aqui manifestou relativamente às muitas pedreiras e britadeiras que existem na sua região e às 2000 que existem, 90 % delas ilegalmente, em território continental, que lhe pergunto se porventura não terá pensado também até que ponto se podem sensibilizar as autoridades do poder local para as competências que tem, mas que nem sempre exercem, por desconhecimento ou por às vezes se afigurar difícil ou não pretenderem exercer esse poder que a lei lhes confere, façe à existência de outras entidades que poderão intervir, sendo certo, porem, que algumas delas nem sempre querem mexer em questões que são delicadas, deixando para outras essa intervenção.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino.
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques da Silva: Ouvi com bastante interesse a sua intervenção e devo dizer que também nós nos preocupamos sobremaneira com as questões do ambiente na nossa Região, tanto mais que o ambiente é efectivamente o bem mais precioso que podemos ter. São a boa qualidade do ambiente e o equilíbrio ecológico que se deverão manter a todo o custo e nos permitirão ao longo dos anos ter uma terra onde o turismo constitua a maior fonte de riqueza da Região.
Falou o Sr. Deputado das pedreiras, das britadeiras e dos locais de extracção de areia e outros inertes. É um facto que realmente assistimos durante alguns anos a uma exploração perfeitamente incontrolada de todos esses materiais.
Penso, todavia, que há uma questão de fundo que o Sr. Deputado não focou, mas que talvez seja conveniente salientar: é que a Madeira não dispõe de outros materiais de construção que não sejam as pedras e os derivados que podem ser extraídos da exploração das pedreiras e da areia, quer a do fundo do mar, quer mesmo a que se pode encontrar nos montes. Essa será uma razão para explicar que empresários menos escrupulosos, movidos pela cobiça, e pessoas menos conscientes de que estão a destruir a própria riqueza da ilha tenham vindo a explorar de uma forma caótica todos esses materiais e não tenham conseguido fazer uma exploração racional daquilo que a Madeira ainda pode fornecer como material de construção.
No entanto, o Govemo e a Assembleia Regionais tem vindo progressivamente quer a adaptar à Região legislação nacional, quer produzindo, eles próprios, legislação adequada a fazer façe a estes problemas. Penso que, neste momento, a questão está um tanto ou quanto ultrapassada. Os poderes de fiscalização tem sido implementados, verificando-se uma maior fiscalização de iodas estas situações, o que, segundo julgo, passará muito, por um lado, por uma grande sensibilização da população no sentido de alertar e denunciar às autoridades situações que estejam manifestamente contra a lei e, por outro, por uma maior aceleração dos poderes de fiscalização por parte das entidades públicas.
Estou perfeitamente de acordo com a opinião de que é necessário fazer não apenas a denúncia das situações, mas também um esforço de sensibilização muito grande. Penso, a este propósito, que tal sensibilização pode ser feita por todos e cada um de nós, os mais esclarecidos - passe a imodéstia - para as questões do ambiente e para aquilo que deve e não deve ser feito em matéria de preservação do ambiente natural da Madeira.
É nesse sentido que termino com a seguinte questão: tem V. Ex.ª em mente medidas concretas que possam acelerar e concretizar a breve trecho uma maior fiscalização dos casos de violação da lei e permitam que o seu partido e mesmo o Sr. Deputado façam, na Assembleia Regional, propostas concretas no sentido de evitar que tal situação se prolongue, cortando-a definitivamente?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marques da Silva.
O Sr. Marques da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Macário Correia, cujas palavras agradeço.
Relativamente à legislação existente, ela é realmente profusa, como referi na minha intervenção. Muni-me dessa legislação e verifiquei que realmente muitos desses diplomas, como referiu a Sr.ª Deputada Cecília Catarino, estão adaptados à Região Autónoma da Madeira.
Acontece que na Região Autónoma da Madeira as questões relativas à exploração de britadeiras e pedreiras estão geralmente cometidas à Secretaria Regional de
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Equipamento Social. A essa Secretaria - e respondo também à Sr.ª Deputada - é que incumbe fiscalizar tais explorações.
Quanto à existência de uma pressão dentro da ilha da Madeira relativamente às questões ambientais, verifica-se que dois jornais regionais, tanto o Diário de Notícias como o Jornal da Madeira, tem feito campanhas intensivas em defesa do ambiente da ilha.
Existe também na Madeira um grupo ecológico, Os Barbosanos, que tem exercido uma acção intensa nesse domínio, e nas escolas procede-se à consciencialização a que a Sr.ª Deputada fez referência.
Relativamente às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Cecília Catarino, sobre quais as medidas que ainda podemos acrescentar a estas, tenho a dizer-lhe que, em minha opinião, a principal é a do respeito pelas leis. É que já há leis que obrigam, por exemplo, à reposição cénica das aberturas feitas e por todo o lado encontramos na Madeira, que é uma ilha belíssima, cuja economia vive do turismo e cujo turismo tem como base a beleza paisagística, crateras abertas, lixeiras que, evidentemente, destroem a paisagem e a beleza da nossa ilha e verifica-se, não sei porquê, que há uma complacência das autoridades façe a esta situação.
Portanto, parece-me que é importante fazer cumprir as leis. Aliás, não há motivos para o não serem, incumbindo às Secretarias Regionais de Equipamento Social e de Agricultura e Pescas zelar por esses aspectos.
Quanto às questões que se colocam em relação ao Caniçal, o mais grave é que também se colocam ao Parque Natural da Madeira. O Govemo Regional da Madeira tem feito proibições, mas, à socapa, pessoas sem escrúpulos, enviam camiões e vão extraindo areias para as suas construções.
Pergunta-me também a Sr.ª Deputada: «Então, onde é que se vão buscar as pedras e as areias?» Penso que deve haver um ordenamento, o que, aliás, foquei na minha intervenção, no sentido de não serem apenas certas zonas as únicas sacrificadas, como sucede, por exemplo, no Jardim do Mar.
Do Jardim do Mar desapareceu, por completo, o calhau de pedra e as águas começaram a invadir a pequena vila; entretanto, já ruiu uma casa e, infelizmente, ao contrário do que diz a Sr.ª Deputada, a situação não melhorou. Escrevi esta intervenção há cerca de um mês e meio, mas não foi possível intervir nessa aluíra e, entretanto, novos casos sucederam. Inclusivamente, tenho fotografias que mostram a decapitação de montes, o esfacelamento de montanhas e penso que há possibilidades de procurar outros locais para se proceder à extracção de materiais necessários para a construção.
Não estou a fazer críticas dirigidas a A ou a B, critico genericamente o Govemo Regional da Madeira e, se o faço, é porque tem havido uma campanha intensa dentro da própria ilha e os desmandos sucedem-se.
A minha esperança é a de que, neste Hemiciclo, este problema possa ter uma projecção maior, apesar de se tratar de um dia um pouco negativo, devido ao vazio das bancadas.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, apenas para que a excepção não passe a regra, gostava de frisar que o dia de hoje foi excepcional. A Mesa assumiu o compromisso de se inteirar, junto dos Srs. Deputados, das intervenções que iriam ser proferidas no sentido de considerar se esta sessão deveria ou não ter a duração normal e apenas pretendo esclarecer que esta excepção não passa a regra.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se no dia 5 de Março, quinta-feira, com período de antes da ordem do dia sem prolongamento, destinando-se a ordem do dia à apreciação do projecto de lei n.º 4/VI - Revogação e alteração das normas mais gravosas do pacote laboral (PCP).
Está encerrada a sessão.
Eram 12 horas e 30 minutos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro Bissaia Barreto.
António José da Mola Veiga.
José Ângelo Correia.
Leonardo Ribeiro de Almeida.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Antero Cunha Pinto.
Manuel Casimiro de Almeida.
Manuel Costa Andrade.
Olinto da Cruz Ravara.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Passos Coelho.
Virgílio de Carneiro.
Partido Socialista (PS):
António Crisóstomo Teixeira.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Costa Candal.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jorge Lacão Costa.
José Martins Goulart.
Júlio Miranda Calha.
Luís Filipe Madeira.
Rogério Conceição Martins.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Gomes Carvalhas.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Rodrigues
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
António Bemardo Xavier.
Vozes do PS: - Muito bem!
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.
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DIÁRIO da Assembleia da República
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