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Sexta-feira, 27 de Março de 1992 I Série - Número 44

DIÁRIO
da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE MARÇO DE 1992

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo.

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
Vítor Manuel Caio Roque.
José Mário Lemos Damião.
Belarmino Henriques Correia

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e das respostas a alguns outros.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Edite Estrela (PS) criticou a política cultural do Governo, tendo, depois, respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Lélis (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD) referiu-se às jornadas parlamentares do PSD realizadas na Região Autónoma da Madeira e respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Jaime Gama (PS) e Manuel Queiró (CDS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) fez uma abordagem critica da presidência portuguesa da Comunidade Europeia, tendo respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado João Oliveira Martins (PSD).
O Sr. Deputado Pedro Roseta (PSD) prestou homenagem ao trabalho dos artesões portugueses.
O Sr. Deputado António Filipe (PCP), a propósito da realização dos Jogos Olímpicos, condenou a política do Governo para o sector do desporto.
O Sr. Deputado Branco Malveiro (PSD) alertou a Câmara para a situação da agricultura no Alentejo, em resultado da seca, respondendo depois a pedidos de esclarecimento das Sr.ªs Deputadas Lourdes Hespanhol (PCP) - que usou também da palavra para defesa da consideração da sua bancada e a quem o orador deu explicações - e Helena Torres Marques (PS).

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 29 a 32 do Diário.
Procedeu-se à discussão conjunta da proposta de resolução n. º 3/VI - Aprova, para adesão, o Protocolo de Adesão do Governo da República Portuguesa ao Acordo entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinado em Schengen a 14 de Junho de 1985, e o Acordo de Adesão da República Portuguesa à Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, da proposta de lei n. º 22/VI - Autoriza o Governo a rever o regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional, e do projecto de lei n.º 1/VI - Regularização extraordinária de estrangeiros não comunitários em situação irregular (PS).
Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro) e do Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia (Vítor Martins), os Srs. Deputados Edite Estrela e Helena Torres Marques (PS), Luís Sá (PCP), Narana Coissoró (CDS), Odete Santos (PCP), Raul Castro (Indep.), Meneses Ferreira (PS), Rui Carp (PSD), Mário Tomé (Indep.), João Poças Santos (PSD), Manuel Sérgio (PSN), Rui Gomes Silva (PSD), Maria Celeste Correia (PS), Guilherme Silva e José Puig (PSD), Manuel Correia (PCP), Fernando Ká e António Costa (PS) e José Reis Leite (PSD).
Entretanto, foram rejeitados os projectos de deliberação n.05 18/VI - Calendário do processo de institucionalização das regiões administrativas (PS) e 19/VI - Definição de um calendário para a regionalização (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 50 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Ana Paula Matos Barros.
António Barbosa de Melo.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernandes Alves.
António Germano Sá e Abreu.
António Paulo Coelho.
António Santos Pires Afonso.
Aristides Alves Teixeira.
Arlindo da Silva Moreira.
Armando Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata da Silva.
Carlos Almeida Figueiredo.
Carlos de Almeida Coelho.
Carlos Duarte Oliveira.
Carlos Lopes Pereira.
Carlos Lélis.
Carlos Manuel Gonçalves.
Carlos Miguel de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos José Soares Lima.
Duarte Rogério Pacheco.
Eduardo Pereira da Silva.
Elói Franklin Ribeiro.
Ema Maria Lóia Paulista.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Gomes Pereira.
Fernando Marques de Andrade.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Fernandes Martins.
Guido Orlando Rodrigues.
Guilherme Rodrigues Silva.
Hilário Azevedo Marques.
Isilda Maria Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João de Oliveira Martins.
João do Lago Mota.
João Granja da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Salgado.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Roque da Cunha.
José Álvaro Pacheco Pereira.
José António Peixoto Lima.
José Borregana Meireles.
José Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Correia.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário Gaspar.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Reis Leite.
Luís António Martins.
Luís Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero Cunha Pinto.
Manuel Casimiro de Almeida.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Costa Andrade.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Marques.
Maria da Conceição Pereira.
Maria Fernanda Dias Cardoso.
Maria Helena Ramos Mourão.
Maria Leonor Beleza.
Maria Luísa Ferreira.
Maria Manuela Aguiar.
Maria Margarida de Sousa.
Marília Dulce Pires Morgado.
Mário Belo Maciel.
Mário de Oliveira Santos.
Melchior Pereira Moreira.
Miguel Bento Macedo e Silva.
Miguel Fernando Relvas.
Nuno Delerue Alvim de Matos.
Pedro e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Miguel.
Virgílio de Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons de Carvalho.
Alberto Bernandes Costa.
Alberto de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
António Alves Martinho.
António da Silva Braga.
António de Almeida Santos.
António Domingues Azevedo.
António Luís Santos Costa.
António Marques Júnior.
António Oliveira Guterres.
António Ribeiro Campos.
António Ribeiro da Silva.
Armando Martins Vara.
Artur Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.

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Edite Marreiros Estrela.
Eduardo Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José de Figueiredo.
Fernando Gomes Ká.
Fernando Manuel Costa.
Fernando Pereira de Sousa.
Guilherme de Oliveira Martins.
Helena Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Ferraz de Abreu.
João Maria Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Fialho Anastácio.
Joel Hasse Ferreira.
Jorge Fernando Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Apolinário Portada.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Cruz Jardim.
José Eduardo Reis.
José Ernesto dos Reis.
José Manuel Lello Almeida.
José Manuel Magalhães.
José Rebelo dos Reis Lamego.
José Sócrates de Sousa.
Júlio da Piedade Henriques.
Júlio Miranda Calha.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho Santos.
Luís Capoulas Santos.
Luís Filipe Madeira.
Manuel Alegre Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Celeste Silva Correia.
Maria Julieta Sampaio.
Maria Santa Clara Gomes.
Raul Fernando Costa Brito.
Raúl Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Gaião Rodrigues.
Apolónia Martins Teixeira.
Daniel dos Reis Branco.
José Manuel Maia.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel Viana de Sá.
Manuel Garcia Correia.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Casimiro da Silva Tavares.
João Paulo Morais Gomes.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira Cunha.

Deputados independentes:

Mário Baptista Tomé.
Raul de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de resolução n.º 14/VI - Constituição de uma comissão eventual para a apreciação da reforma do sistema eleitoral (PSD); projecto de lei n.º 113/VI - Abolição das portagens em troços de utilização urbana da Área Metropolitana do Porto (PCP), que baixou à 12.º Comissão, e proposta de resolução n.º 9/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 102 da OIT, relativa à norma mínima da segurança social.
Nas últimas reuniões plenárias foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pereira Marques, Mário Tomé, Ana Maria Bettencourt, António Filipe e José Apolinário; ao Ministério da Defesa Nacional, formulados pelos Srs. Deputados Mário Tomé e Manuel Sérgio; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Luís Sá e Mário Tomé; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Guilherme Oliveira Martins, Manuel Sérgio e Mário Tomé; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Luís Sá, Lino de Carvalho, Guilherme Oliveira Martins e João Amaral; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Luís Sá; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho, Luís Peixoto, Manuel Sérgio e Mário Tomé; ao Ministério da Indústria e Energia, formulados pelos Srs. Deputados Apolónia Teixeira e Mário Tomé; à Secretaria de Estado da Juventude, formulado pelo Sr. Deputado José Apolinário; ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Júlio Henriques e Raul Castro; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Helena Torres Marques e Manuel Sérgio.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Agostinho Lopes, nas sessões de 21 de Novembro e 19 de Dezembro; Guilherme Oliveira Martins, na sessão de 28 de Novembro e no dia 4 de Fevereiro; Macário Correia, nas sessões de 13 de Dezembro e de 30 e 31 de Janeiro; Rosa Albernaz, na sessão de 17 de Dezembro; Lino de Carvalho, na sessão de 7 de Janeiro; Fernando Pereira, na sessão de 9 de Janeiro; João Amaral, na sessão de 14 de Janeiro; Caio Roque, nas sessões de 17 de Janeiro e de 12 de Fevereiro; António Cosia, na sessão de 23 de Janeiro; Leonor Coutinho, na sessão de 31 de Janeiro; Eurico Figueiredo, na sessão de 11 de Fevereiro; José Apolinário, no dia 4 de Fevereiro e na sessão de 12 de Fevereiro, e, finalmente, Cerqueira de Oliveira, na sessão de 12 de Fevereiro.

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O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, nos últimos dias foram publicadas na imprensa notícias sobre a eventual fuga ao Fisco por parte de detentores de rendimentos de capital da ordem das muitas dezenas de milhões de contos.
O Governo ainda não esclareceu se é verdade que, através de um processo já designado por "lavagem de cupões", vários detentores de obrigações do Tesouro conseguiram evitar tributações avultadas nos últimos anos, tal como também ainda não esclareceu se o processo é legal ou não e, em qualquer caso, o que conta fazer.
Ontem, o PS propôs que o Sr. Ministro das Finanças viesse à Comissão de Economia, Finanças e Plano para esclarecer esta questão, que já é intitulada como "o maior escândalo financeiro e fiscal dos últimos anos".
O PSD esteve contra o consenso, pelo que impediu que o Sr. Ministro das Finanças viesse à Comissão. Só que, entretanto, já afirmou, pela voz dos seus responsáveis, que pretende que o Sr. Ministro venha, com a maior urgência, ao Plenário da Assembleia da República esclarecer os Deputados e o País.
Interpelo, pois, o Sr. Presidente com o objectivo de solicitar-lhe os bons ofícios para, de acordo com as suas elevadas funções, interceder junto do Governo de modo que, sendo utilizada qualquer figura regimental, o Sr. Ministro das Finanças venha urgentemente esclarecer este problema.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Desta forma creio que interpretaremos a vontade de todos os Deputados e de todos os contribuintes, que, neste ano de 1992, estão a ser duramente penalizados.

Aplausos do PS.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, não me quero pronunciar sobre a questão de fundo, porque creio que esta não é a hora adequada para o fazer.
Gostaria apenas de recordar a V. Ex.ª, à Câmara e, particularmente, ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues que não é correcto dizer que o PSD foi contra o consenso. E porquê? Porque o consenso estabelece-se na Comissão com o PSD. Sendo assim, das duas uma: ou há ou não há consenso, mas não há partidos contra o consenso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isso é, pois, um absurdo!

Em segundo lugar, como é uma matéria que foi suscitada em comissão é nessa sede que ela deve continuar a ser analisada. Se a Comissão de Economia, Finanças e Plano considerar que deve solicitar a presença de membros do Governo será no plano da Comissão que isso deverá ser analisado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sc a Comissão considerar que a matéria deve ser trazida ao Plenário, os diversos partidos aí representados também tem figuras regimentais - e são muitas! - para o fazer.
Mas, Sr. Presidente, em nenhuma dessas figuras regimentais consigo vislumbrar aquela que permite, usando a figura de interpelação à Mesa, suscitar esta matéria no início desta sessão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa nada sabe a esse respeito. De qualquer forma, vou tentar esclarecer essa questão junto do Sr. Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Gostaria de informar a Câmara de que se encontra na tribuna de honra o Sr. Embaixador de Cabo Verde e a Sr. Segunda Secretária da Embaixada do Brasil, para quem peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A grave situação a que o Governo conduziu a cultura no nosso país exige que o Parlamento dela tome conhecimento e sobre ela se pronuncie.
Venho, pois, alertá-los para a política de esvaziamento das instituições e para o facto consumado que está a provocar um mal-estar generalizado e a abalar o mundo cultural português.
Jamais no Portugal de Abril se assistiu a semelhante atentado à cultura! Nas palavras de David Mourão Ferreira, chegou-se a uma "situação de absoluta calamidade".
Nunca, como agora, se gerou um tão grave diferendo entre os que fazem a cultura e os que a administram.
Por isso, os criadores culturais, independentemente de ideologias, credos ou filiações partidárias, mobilizaram-se e uniram-se numa Frente Nacional de Defesa da Cultura, de que Miguel Torga aceitou ser figura tutelar.
São dezenas de sociedades, sindicatos, associações e outras entidades culturais e científicas que se sentiram "alarmadas pela agressividade e a irresponsabilidade das medidas previstas de reestruturação da Secretaria de Estado da Cultura e pelos efeitos perversos da aplicação da taxa positiva do IVA ao livro e outros bens culturais".

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - São centenas de personalidades da cultura portuguesa que vêm, publicamente, repudiar a política cultural do Governo, por a considerarem "lesiva dos interesses culturais". Mais: os subscritores deste abaixo-assinado denunciam, também, "a degradação das instituições, o clima de medo administrativo e de perseguição, o ódio revelado contra a criatividade e contra o meio cultural", o que, para os autores do documento, são "sintomas graves de despotismo dirigido contra os que fazem do pensamento o princípio básico das suas vidas".
Muitas são as vozes que diariamente se erguem para dizer claramente que a cultura corre perigo. De Évora a Braga, o descontentamento alastra!
Cada um à sua maneira e no seu estilo próprio, todos são unânimes na condenação do alentado que o Governo se propõe perpetrar. E até especialistas estrangeiros de

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reconhecida competência se confessaram "espantados" e "perplexos" com as medidas preconizadas pela Secretaría de Estado da Cultura.
A autoridade dos nomes envolvidos e a força das palavras usadas justificam a identificação de alguns que, hoje como outrora, o poder não consegue silenciar.
Ouçam-nos, Srs. Deputados, e perceberão, se dúvidas tiverem, a gravidade do que se está a passar.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Magalhães Godinho acusa o Governo de ser uma agência de grandes negócios e de se demitir das suas responsabilidades culturais.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Para José Cardoso Pires a aplicação da taxa positiva do IVA ao livro é uma "forma sofisticada de censura"; Carlos Lança chama-lhe "terrorismo cultural" e Natália Correia criou o neologismo "culturicídio" para designar tão nefasta medida.
Para José Mattoso a integração do Instituto Português de Arquivos na Torre do Tombo é "vandalismo cultural".
Num elucidativo artigo de opinião, o eminente historiador refere o clima pouco saudável e nada cultural vivido em vários organismos da Secretaria de Estado da Cultura, onde se procura "intimidar os funcionários que persistem em querer fazer alguma coisa de útil, instaurando-lhes processos disciplinares".
Na opinião da Manuel Vilaverde Cabral o projecto de reestruturação da Secretaria de Estado da Cultura "confirma a conduta de desmantelamento sistemático das instituições da cultura em Portugal".
O diferendo subiu de tom e alastrou ao ponto de S. Ex.ª Sr. Presidente da República reconhecer que "há fundados motivos para alarme".
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ninguém que ame a cultura portuguesa pode ficar indiferente a tanta contestação! Ninguém com sensibilidade cultural pode ignorar os efeitos perversos das alterações que se avizinham.
Talvez valha a pena caracterizar um pouco melhor a situação para mais facilmente se compreender o que está em causa. Do rol de arbitrariedades e inconsequências com que a Secretaria de Estado da Cultura, quase diariamente, se exercita a escandalizar a gente da cultura, selecciono dois casos paradigmáticos do modo como o Governo encara a cultura.
Primeiro, a supressão da taxa zero do IVA sobre o livro. Segundo, a anunciada reestruturação da Secretaria de Estado da Cultura.
Vejamos, sucintamente, algumas implicações negativas da supressão da taxa zero do IVA sobre o livro. Ao aplicar a taxa positiva do IVA ao livro - tornando-o mais caro e, por consequência, mais inacessível - o Governo trata o consumidor de livros como se de consumidor de whisky ou cigarros se tratasse. Quer dizer, o Governo, ao penalizar fiscalmente o cidadão leitor, está a desincentivá-lo com os mesmos argumentos que usa para com o fumador ou o bebedor! A supressão da taxa zero do IVA sobre o livro, em nome de uma pretensa "harmonização" fiscal, é álibi que não colhe. Veja-se se a Inglaterra e a Irlanda se preocuparam com isso! Admire-se o Luxemburgo que ousa baixar de 6 % para 3 % a taxa do IVA sobre o livro! A harmonização fiscal tem de ser precedida de uma harmonização
sócio-cultural. O nosso atraso em relação aos padrões sócio-culturais da Comunidade é superior ao "atraso" fiscal.
Ora, não é com livros mais caros que se incentiva a leitura. Não é com livros mais caros que se combate o analfabetismo e o iletrismo. Não é com livros mais caros que se evita o encerramento das livrarias que - pasme-se - só em 1991 fecharam mais de 100 postos de venda de livros.
Dir-me-ão que o assunto ficou "arrumado" com a aprovação do Orçamento do Estado. Pode ser que assim seja, ainda que mal. Mas, então, onde está o estudo sobre o impacte do agravamento dos custos do livro no acesso à cultura? Que medidas compensatórias prevê o Governo aplicar para minorar os efeitos nefastos de tal medida? Para quando uma estratégia de promoção do livro e da leitura, interna e externamente? Para quando a definição de uma política de incentivos à edição de obras de qualidade?
Ter respostas para estas interrogações seria uma boa forma de comemorar o Dia do Livro Português que hoje é. O assunto é sério. A língua e a cultura portuguesas exigem do Estado uma maior atenção. Não basta ao Governo dizer que a língua é uma prioridade da política cultural. O Governo tem de agir em conformidade. Criou-se o Instituto Camões. Pois bem, já é tempo de lhe definir a estrutura orgânica, as competências e os recursos. Já estamos muito atrasados, não percamos mais tempo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Analisemos, agora, com a devida atenção a anunciada reestruturação da Secretaria de Estado du Cultura. Não digo que a estrutura orgânica desta Secretaria de Estado não deva ser alterada. O que digo é que deve ser aperfeiçoada no diálogo com todos os intervenientes. Mas a anunciada reestruturação da Secretaria de Estado da Cultura faz lembrar a afirmação de Lampedusa: é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma. Por outras palavras, adequadas ao caso em presença, mudam-se os nomes, trocam-se os responsáveis, e tudo fica na mesma, ou pior.
O desnorte deste Governo é tal que se propõe extinguir serviços que ele próprio criou há bem pouco tempo. E uma fúria destruidora que chega a criar para ter o que "matar". Morte violenta, nuns casos, morte encoberta, noutros. É que também é possível destruir instituições, por processo lento de degradação, de intimidação, de afastamento de personalidades de reconhecido mérito. Ou, ainda, por asfixia, quando se fundem organismos sem respeito por diferenças de vocação, objectivos e funções. Os argumentos do Governo são argumentos demagógicos, invalidados pela actuação do próprio Governo.
Vejamos: argumento do excessivo número de organismos. Este argumento cai por terra no momento em que o Governo avança com a criação de outros organismos que, pelo seu gigantismo, custarão ainda mais ao erário público.
O argumento do excesso de pessoal. Este argumento é contraditado pela prática diária de recrutamento de assessores.
É altura de exigir ao Governo que apresente o estudo sobre as consequências do processo de reestruturação, quer a nível de quadros de pessoal, quer de contabilização dos custos, quer das consequências de tudo isto na vida cultural portuguesa. Só assim haverá condições para se pensar numa reestruturação séria que sirva os interesses da cultura portuguesa.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: As recentes atitudes dos responsáveis pela política cultural indiciam que na Secretaria de Estado da Cultura existe hoje um défice de democracia. Há sinais de repressão contra investigadores

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e estudiosos. Reabilitou-se a "lei da rolha" e instaurou-se um clima persecutório. Neste contexto, não causa estranheza a criação da Inspecção-Geral da Cultura! Quererá isto dizer que vamos ter uma "polícia da cultura"?!
Sentindo que há atropelos às regras de convivência democrática, trabalhadores da Secretaria de Estado da Cultura anunciam, em carta aberta, a realização de uma vigília de luta numa igreja de Lisboa. Mas há, também, arbitrariedades e indecisão, demagogia e intimidação, recuos e avanços ao sabor da maré, numa evidente manobra de "lançar o barro à parede para ver se pega". A mudança radical de opinião do Secretário de Estado da Cultura, no intervalo de uma semana, no que respeita à integração do Instituto Português do Livro e da Leitura na Biblioteca Nacional demonstra bem a leviandade e arbitrariedade do processo de reestruturação da Secretaria de Estado da Cultura.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - O Governo recuou, e ainda bem. Mas o reconhecimento de um erro não absolve o pecador relapso. A alegada reestruturação dos serviços não é feita com base num estudo sério, nem assenta numa perspectiva cultural.
Deixo à reflexão da Câmara estas preocupações. Porventura a situação exigiria maior agressividade da minha parte. O Partido Socialista vai acompanhar com toda a atenção a evolução dos acontecimentos e exigir que os interesses partidários se não sobreponham ao interesse nacional.
Espero que o Sr. Primeiro-Ministro tire as devidas ilações deste movimento de contestação à actual política cultural e saiba agir em conformidade. Que é preciso inverter o rumo não é só uma evidência, é, acima de tudo, um imperativo nacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr.- Deputada Edite Estrela, criticar é folgado e a discussão soma e segue. E benza-a Deus, Sr.! Deputada, pela sua intervenção. Benza-a Deus, em minha opinião, comum e vulgar, tem dois sentidos.
Um, que parece, tal como reagia a vossa bancada, um sentido de bem-vinda, wellcome on board, depois da travessia do PS. Mas outro sentido também: benza-a Deus, Sr.ª Deputada, por algum espanto, por alguma coisa, por tantos alertas, por tantas catástrofes.
Quanto ao primeiro sentido, wellcome on board depois da travessia, tenho de fazer agulha com outra intervenção do PS feita acerca de uma semana. O orador então de serviço mostrou bem que a nova palavra de ordem da bancada socialista é "confronto", como se já não chegasse a evidência vastamente demonstrada de que a oposição faz sempre caricatura, não faz retrato. E caricatura é sempre a traço grosso, acentua o mau, desfavorece o bom ou o quase bom; a caricatura não é retrato, não é ponto de situação, não é diagnóstico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A oradora de serviço hoje foi azeda, o seu colega, há dias, tinha pretendido ser ácido. A oradora de hoje pôs também em fúria, o seu camarada tinha querido pôr força. A Sr.ª Deputada esteve mais próxima da ambição de Cícero quando o seu companheiro de bancada proeurou reviver Catilina.

Risos do PS.

Mas a ambos não lhes chegou, para esta missa, ou para esta missão, o arregaçar de mangas do vosso latim. A sua fonte de informações, aliás catastróficas, a sua esquina de informações excede muito o tamanho da minha rua.

O Sr. José Magalhães (PS): - Trouxe isto escrito?!

O Orador: - É verdade, Sr. Deputado. Rascunha-se. Aliás, o Sr. Deputado quando não intervém, e nós já temos saudades, acende o pisca-pisca dos apartes.

Risos.

É uma posição!

Aplausos do PSD.

É uma forma de estar presente, e agradeço.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, atenção ao tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, agradeço que faça algum desconto para perdão do Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado permitir que o interrompam esse tempo será creditado na sua intervenção.

O Orador: - Sr. Presidente, agradeço a sua benevolência.

Contra as catilinárias por excesso, contra os bruxedos com efeitos milagrosos e mediáticos, o melhor é mesmo abrir o breviário. Nesta Casa de tenores, tenores como dizem, a Sr.ª Deputada é contralto, isto é, é contra quem está no alto, neste caso, da cultura, entenda-se!
Mas quem semeia ventos ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Orador: -... também ouve.
Não quer aceitar, Sr.ª Deputada, não quer reconhecer, que quando há mudanças de fundo, e na Secretaria de Estado da Cultura estão em curso mudanças de fundo, as coisas pioram sempre antes de mudar? Não quer confessar, confessar às paredes ou a si própria, que é exactamente por saber isso que aproveita este tempo de transição na aplicação das medidas que estão em causa para questionar - como o fez -, para pôr alguma verosimilhança - como o fez - no lugar da verdade que pode e deve ser reposta na oportunidade?...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe para concluir.

O Orador: - Já fiz duas perguntas, tinha mais algumas, mas o Sr. Presidente tem razão e, como a Sr.ª Deputada não terá tempo, termino. E termino, não com a pergunta mas quase com um aviso - não é um conselho, pois quem sou eu para os dar?! - para a sua

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voluntariosa caminhada, para as suas metas de carreira. Há lugares públicos, há lugares políticos, como a Secretaria de Estado da Cultura, onde o perigo mínimo que corre um governante é ser devorado ora pelo lobo ora pelo cordeiro e sempre na mesma fábula.
Em contraponto, a oposição, com as suas histórias, factualmente, não corre mesmo perigo nenhum. Creio que é isso que faz correr a oposição, que faz correr a sua bancada...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir senão vejo-me forçado a retirar-lhe a palavra.

O Orador: -... porque na sua bancada o perigo real, mesmo perigo, só o corre o novo líder, o Deputado António Guterres.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, vou tentar responder, embora tenha tido muita dificuldade em perceber a pergunta do Sr. Deputado Carlos Lélis. Aliás, como falou tão nervosa e agressivamente até o som não era muito audível.
No entanto, Sr. Deputado Carlos Lélis, compreendo o seu nervosismo e a sua agressividade porque é sempre muito difícil defender o indefensável.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Penso que a sua posição é incómoda e eu, se estivesse no seu lugar, sentir-me-ia muitíssimo mal.
V. Ex.ª teve oportunidade de preparar a pergunta mesmo sem saber o que iria dizer, mas, naturalmente, os pesos que tem na consciência eram suficientes para trazer aqui essas alegorias, essas metáforas, todas essas referencias que fez de uma forma um tanto incompreensível, até pelo facto de há dias ler respondido ao Sr. Deputado Pacheco Pereira informando-o de que hoje iria intervir acerca da política cultural, que ele, aliás, já criticou por não estar de acordo com ela.
Os senhores queriam que o Partido Socialista fosse uma oposição cómoda, passiva, mas não somos. Somos uma oposição actuante, e isso é que vos dói, e de tal maneira que chegamos a esta caricatura: o Primeiro-Ministro, na Madeira, faz um discurso de oposição à oposição!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - O estilo do Deputado Silva Marques está a instalar-se no PSD, é seguido pelo Primeiro-Ministro e agora também pelo Deputado Carlos Lélis. Mas prefiro o original à cópia porque os originais são sempre mais verdadeiros.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - O Sr. Deputado falou em período de transição, mas pergunto: quantos anos é que precisam para ultrapassarem a transição e fazerem alguma coisa de visível e de válido para a cultura portuguesa?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Os senhores têm um Governo de maioria há quatro anos! Tiveram um Governo de maioria relativa durante dois anos e têm algumas pastas há muitos, muitos mais anos, por isso é altura de saberem o que querem e de sobreporem o interesse nacional ao interesse partidário.
Para terminar, porque o tempo urge, quero dizer-lhe que o Sr. Deputado começou com benzeduras e acabou com comunhões, mas nem umas nem outras me afectam.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Realizou o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, no último fim-de-semana, na Região Autónoma da Madeira, as suas primeiras jornadas parlamentares desta legislatura e desta sessão legislativa.
Integrando o Grupo Parlamentar do PSD e a sua direcção e sendo Deputado eleito pelo círculo eleitoral onde decorreram as jornadas, foi para mim dupla a satisfação e duplo o regozijo pela forma elevada como decorreram os trabalhos e pela profundidade das reflexões a que em conjunto procedemos.
Registo com particular agrado a circunstância de esta oportunidade ter permitido a presença na Região Autónoma do Sr. Presidente da Assembleia da República e do Sr. Primeiro-Ministro.
Programadas há vários meses para a Região Autónoma da Madeira, quis o PS, com os seus recentes ataques e insultos à população da Madeira e às suas instituições democráticas, tornar ainda mais significativa e oportuna a homenagem do Grupo Parlamentar do PSD a essa conquista do 25 de Abril que é a efectiva autonomia política regional da Madeira e tornar mais relevante, ainda, a expressão da nossa solidariedade com a população daquela Região Autónoma.
Expressão real dessa homenagem constituiu a inserção no programa das jornadas parlamentares dos temas "Autonomia regional como pilar do sistema democrático" e "Autonomia regional e as comunidades portuguesas".
E porque tais temas, pela sua dimensão nacional, extravasam o âmbito de reflexão de qualquer grupo parlamentar, cabe aqui adiantar algumas considerações sobre tão pertinentes matérias, tanto mais que, por evidentes razões eleitoralistas, persistem os ataques às autonomias, vindos de quem jamais as compreenderá e de quem tudo tem feito para as prejudicar.
O PSD é a força política, quer a nível nacional, quer a nível regional, a quem se deve essa mais adequada forma de realizar Portugal no Atlântico que é a autonomia regional dos Açores e da Madeira.
Na expressão feliz de Cavaco Silva: "A autonomia é uma estrada de duas vias: a da capacidade própria de decisão em relação a tudo aquilo que diz directamente respeito aos arquipélagos e da assumpção de responsabilidades pelas políticas conduzidas; mas a autonomia é também a via do diálogo aberto e franco entre os órgãos de governo próprio e o Governo da República, um diálogo que privilegia a solidariedade e que exclui o paternalismo e a subordinação."
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os emigrantes que integram as comunidades madeirenses espalhadas pelos quatro cantos do mundo correspondem a um número três vezes superior ao da população residente na Região.

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Constituem tais comunidades um elemento humano da maior importância que consideramos a todos os títulos parte integrante da Região Autónoma e a quem estamos particularmente reconhecidos pelo bom nome que tem granjeado nos países onde se têm fixado, pelo exemplo de apego ao trabalho e pelo contributo que têm dado ao desenvolvimento da Região.
Com estas comunidades se prende a preocupação que vimos sucessivamente veiculando de ver garantido o direito de voto para as assembleias legislativas regionais, a par de idêntica preocupação relativamente aos emigrantes, em geral, na eleição para o Presidente da República.
Não compreendemos, nem aceitamos, com lodo o respeito que nos merecem as comunidades estrangeiras residentes em Portugal, que se apresse e privilegie a concessão do direito de voto a tais cidadãos de terceiros países, quando se recusa a garantia tal direito a cidadãos portugueses que seriam, desta forma, vítimas de uma segunda discriminação, ainda mais escandalosa do que aquela de que têm vindo a ser alvo.

Aplausos do PSD.

Não alinhamos com as posturas de privilegiar vertentes internacionalistas em prejuízo dos cidadãos nacionais.
Envolvendo tais matérias a necessidade de rever a Constituição, fica aqui, claramente e mais uma vez, lançado o desafio sobre se as forças políticas indispensáveis à formação da maioria necessária para a revisão da Constituição e para a sua antecipação estão dispostas a pôr termo, quanto antes, a este real e efectivo "défice democrático" que discrimina os portugueses entre si.
E fica também lançado o desafio para, na mesma oportunidade, serem corrigidos e melhorados os dispositivos constitucionais relativos à estrutura político-administrativa das Regiões Autónomas, com vista a afastar o "défice autonómico" que ainda subsiste.
Não se pode deixar de denunciar a este respeito que o PS, numa postura que é muito sua, anuncia, com frequência, o contrário do que exactamente pretende.
Importa-lhe apenas tirar o "efeito mediatico" desse anunciar de propósitos, atirando posteriormente para outros a responsabilidade da sua não efectivação.
O PS anunciou pretender um debate na Assembleia da República sobre um alegado "défice democrático" na Região Autónoma da Madeira.
Só que o PS não quer efectuar esse debate.

Aplausos do PSD.

E tanto assim é que vem intencionalmente servindo-se, de forma tortuosa e ínvia, de figuras regimentais que sabe não terem aplicação e cabimento e com isso fazendo a má figura a que temos assistido.
O respeito pela autonomia regional constitucionalmente consagrada leva-nos a entender que o local próprio para um debate dessa natureza é a Assembleia Legislativa Regional, órgão a quem compete a fiscalização do executivo regional.
Mas que fique claro que o PSD não se opõe, nem nunca se opôs, a tal debate, desde que inserido num quadro regimental e constitucional adequado.
Saia o PS dos atalhos que sabe conduzirem a um impacte na comunicação social e meta-se nos caminhos correctos da legalidade regimental e constitucional que conduzem ao debate.

Aplausos do PSD.

Não consentiremos que o PS pretenda debater alegadas ilegalidades que ocorreriam na Região Autónoma da Madeira, violando ele próprio o Regimento e a Constituição.
Aproximando-se as eleições legislativas regionais e sabendo o PS que vai ser alvo de mais uma derrota estrondosa, necessita, como sempre, de inventar mais um álibi para os seus fracassos e insucessos.
Desta vez, é o alegado "défice democrático" na Região Autónoma da Madeira.
Não é, aliás, inteiramente nova esta posição do PS.
Ao longo dos últimos anos, assistimos, mais do que uma vez, ao discurso socialista que, directa ou indirectamente, conduzia à ideia de que as maiorias só são democráticas quando socialistas. Quando as maiorias são de outra força política já não são democráticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Constituíram também objecto de debate e reflexão das nossas jornadas as questões da justiça, bem como a presidência portuguesa das Comunidades e o desafio europeu.
Todos estamos conscientes do esforço que se vem fazendo na melhoria dos serviços de justiça em Portugal, no acesso ao direito e aos tribunais por parte dos cidadãos, no melhor apetrechamento e modernização do aparelho judicial e das suas instalações, na reforma de vários institutos e de códigos fundamentais. Há ainda um longo caminho a trilhar que gostaríamos fosse de consenso, por envolver questões de Estado da maior importância e melindre.
O Tratado du União Europeia e os compromissos decorrentes de Maastricht condicionarão a vida portuguesa nos próximos tempos, sendo indispensável o maior rigor, para que sejam atempadamente criadas as condições de convergência que nos garantam uma adequada integração nu união económica e monetária e para que façamos um correcto aproveitamento do aumento substancial dos fundos estruturais indispensáveis ao nosso desenvolvimento.
Imporia ter presente que, no futuro, a utilização dos fundos estruturais comunitários dependerão da concretização das condições de convergência, com vista à união económica e monetária.
O Grupo Parlamentar do PSD, como grupo maioritário, está consciente de que um dos grandes objectivos desta legislatura, se não o maior, é a concretização das condições que levem Portugal à união económica e monetária em construção no quadro europeu em que nos inserimos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que, liderando como lidera o processo de reforma do Parlamento, cuja iniciativa lhe coube, na presente legislatura, o Grupo Parlamentar do PSD não deixou de reflectir e de debater nas suas jornadas parlamentares a reforma do Parlamento.
Estamos empenhados na dignificação do Parlamento e dos Deputados, queremos aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização política, valorizar o trabalho das comissões e o papel dos seus presidentes, reforçar a importância do debate político em Plenário, reformular a calendarização dos trabalhos, de modo a privilegiar o trabalho nas comissões e a reservar ao Plenário debates da maior importância e a garantir também o espaço necessário ao trabalho dos Deputados nos seus círculos eleitorais, contribuindo, dessa forma, para uma maior aproximação entre eleitores e eleitos.
Pretende-se também institucionalizar, com regularidade mensal, debates em Plenário, reformular o instituto das perguntas ao Governo e das respostas aos requerimentos,

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instituir debates abreviados e debates de urgência com a presença do Governo que se pretende possa, igualmente, estar presente no período de antes da ordem do dia, alterar o regime das comissões de inquérito e do processamento das petições, bem como o instituto da defesa da honra tantas vezes utilizado de forma desvirtuada e perturbadora da normal evolução do debate, bem como reforçar os poderes do Presidente da Assembleia da República na condução dos trabalhos.
Igualmente se pretende criar melhores condições de trabalho para os Deputados, dotando-os de gabinete próprio e assessorias mais próximas e eficazes e melhorar os direitos dos pequenos partidos.
No âmbito das iniciativas legislativas, privilegiamos a qualidade à quantidade e recusamos o método de repescar, sem critério, os diplomas caídos em anteriores legislaturas, muitas vezes já ultrapassados, para com isso criar um falso protagonismo e iniciativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, também, em resultado da reflexão e do debate a que procedemos nas nossas jornadas parlamentares e porque nada temos a esconder, nem receamos outras iniciativas paralelas que só enriquecem a vida e o debate parlamentar, podemos, desde já, anunciar que vamos oportunamente apresentar, entre outras, as seguintes iniciativas legislativas: lei de bases da família; nova lei quadro da criação, extinção e reorganização de freguesias; lei do acesso aos documentos administrativos; lei do segredo de Estado; lei quadro sobre a certificação de produtos agrícolas; estatuto do cooperante e lei dos baldios.
O PSD tomará, também, a iniciativa legislativa na área dos novos direitos, de que destaca, nesta sessão legislativa, uma iniciativa sobre aspectos da investigação no campo das ciências da vida e uma outra na área do ambiente, alterando a lei das associações de ambiente e valorizando o papel e a actividade destas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As preocupações que manifestámos relativamente à reforma do Parlamento e ao conjunto de iniciativas legislativas que o nosso grupo parlamentar se dispõe a apresentar revelam quanto consideramos essencial a valorização do Parlamento e o seu papel na vivência e construção diária da democracia que somos e queremos cada vez mais aprofundada.
Assumimos, porém, sem complexos ou hesitações, a nossa qualidade de partido maioritário, que apoia o Governo, com o à-vontade de quem está legitimado pelo voto expresso da maioria dos portugueses, que continua, com impressionante lucidez e perspicácia, a saber quem com ele se identifica e quem efectivamente defende os seus interesses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Manteremos, como sempre mantemos, e é próprio da filosofia social-democrata que professamos e por que nos batemos, uma postura moderada, tolerante e de abertura ao diálogo, sendo mesmo esta a nossa resposta à arruaça e ao insulto, a que só recorrem os que não têm razão e os que, por não a terem, não vêem legitimadas as suas posições pelo voto popular.

O Orador: - Mas que fique claro que não abdicaremos, em circunstância alguma, da execução do nosso programa e da firme defesa dos nossos princípios.
Não traremos o povo português que em nós confiou e seremos fiéis ao pacto que com ele celebramos, em 6 de Outubro último.
E, ao fim e ao cabo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é difícil assim proceder e ser-se fiel aos compromissos assumidos, quando tudo se resume à firmeza das convicções e à intransigente defesa dos interesses dos Portugueses e de Portugal, na sua visão global e solidária, que inclui o continente, as Regiões Autónomas e as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Octávio Teixeira, Jaime Gama e Manuel Queiró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, vou referir-me apenas a um dos aspectos da sua intervenção, àquele que tem a ver com o facto de o Sr. Deputado Guilherme Silva ter vindo novamente fazer um desafio aos partidos da oposição, no sentido de eles permitirem que seja promovida pelo PSD uma revisão antecipada da Constituição, com vista à alteração da legislação eleitoral.
O exemplo que referiu, relativo à votação dos emigrantes portugueses nas eleições presidenciais, se bem ouvi, julgo que foi o único aspecto que abonou em seu favor. Mas, a este respeito, gostaria de lhe colocar a seguinte questão: o que é que faz correr o PSD nessa perspectiva, quando é certo que as próximas eleições presidenciais só terão lugar em 1996 e o período normal de abertura da revisão constitucional se inicia em 1994? Por que é que o PSD quer fazer a revisão, para esse efeito, antes dessa data? O que é que está por detrás dessa sua afirmação? Quais são os outros aspectos que lhe interessam na revisão constitucional e que não foram referidos na sua intervenção?
E, já que estamos a falar de Constituição e de revisão constitucional, aproveito para fazer-lhe uma segunda pergunta. O Sr. Primeiro-Ministro, ou melhor, o presidente do PSD, na intervenção que fez nas jornadas parlamentares do PSD, na Madeira, referiu, a determinada altura, que, se o Tribunal Constitucional viesse a declarar inconstitucional a norma do Orçamento que suspende a aplicação da Lei das Finanças Locais, isso significaria que a Constituição não permitia o aprofundamento da integração comunitária. Esta afirmação veio transcrita nos jornais e eu próprio tive conhecimento dela pela televisão. A questão que lhe coloco, Sr. Deputado Guilherme Silva, na medida em que, para alem de ser jurista, V. Ex.ª é o presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, é a seguinte: como é que uma situação destas, uma eventual declaração de inconstitucionalidade dessa norma, pode significar que a Constituição é contra o aprofundamento da integração europeia? Terá sido um deslize do Prof. Cavaco Silva, ou um dislate do Primeiro-Ministro?

Aplausos do PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, quero, em primeiro lugar, cumprimentá-lo pelo tom da sua intervenção, que é corripletamente diferente do que por vezes nos é dado ouvir. É um tom bastante mais modelado em relação ao registo de intervenções das jornadas parlamentares, perdoem-me, até de desagravo, ...

Risos do PS.

... numa intervenção em que o Sr. Deputado Guilherme Silva, saudavelmente, proeurou gerir de forma integrada as suas preocupações, enquanto titular da representatividade por um círculo eleitoral com todas as consequências inerentes, e as suas responsabilidades como parlamentar na Assembleia da República e ilustre presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias desta Câmara.
Saúdo-o pela parte que se reporta a este último mandato; quanto à primeira, gostaria dê colocar algumas questões. A questão central é naturalmente aquela que tem a ver com a inversão de posição do PSD, inversão operada em relação a este problema do agendamento do debate sobre o «défice democrático» da Madeira. «Défice democrático» da Madeira é uma expressão que não é original do PS, mas cujos méritos cabem ao actual Presidente da República que, como V. Ex.ª sabe, a utilizou em momento próprio, antes da sua reeleição. E, apesar de sobre isso ter mantido com o Presidente do Governo Regional da Madeira uma viva polémica e de o Presidente do Governo Regional da Madeira se ter empenhado militantemente na campanha das presidenciais, este último viu, na sua própria Região Autónoma, os seus pontos de vista serem derrotados e saírem vencedores os do Presidente da República que, precisamente antes da sua eleição, aludiu ao «défice democrático» na Madeira.

Aplausos do PS.

Portanto, V. Ex.ª não tem a menor razão quando vem aqui invocar como que um desagravo da população madeirense em relação a esta iniciativa do Partido Socialista, porque o povo da Madeira já votou, ao reeleger o actual Presidente da República, numa profunda crítica ao «défice democrático» da Madeira.

Aplausos do PS.

Risos do PSD.

O que gostaria de perguntar é se o PSD aceita ou não o repto lançado pelo PS ou se vai continuar a refugiar-se em artigos do Regimento. E já agora lançamos um desafio: qual é o artigo do Regimento que considera adequado para que este debate se realize?

Vozes do PSD: -Ah!...

O Orador: - A partir do momento em que VV. Ex.as apontaram nessa direcção, perderam todo o argumento para obstaculizar este debate, como vêm fazendo desde o início. Portanto, V. Ex.ª tem agora o dever, perante a Câmara e o País, de esclarecer os Portugueses, dizendo qual é o artigo do Regimento a que alude.

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Para o PS, os artigos do Regimento e da Constituição são claros. O artigo 179.8, n.º 3, da Constituição faculta como direito indelével dos grupos parlamentares, em especial os da oposição, fixar ordens do dia.
Na legislatura passada, por consenso de todos os partidos, foi admitido como matéria da ordem do dia a realização de debutes. Nestes termos, realizaram-se debates com marcação do PCP sobre urgências médicas, do PS sobre abusos do poder do Governo, do CDS sobre comunicação social, sendo, aliás, o Grupo Parlamentar do PSD quem iniciou essa tradição de cativar ordens do dia para esse efeito, com o agendamento de um debate sobre a situação nos países do Leste.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jaime Gama, queira concluir!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não vamos fazer nenhum floreado, nenhum jogo de escondidas, com artigos regimentais. A nossa invocação é clara. Seria um gravíssimo precedente constitucional, regimental e de regime democrático que o nosso agendamento não fosse realizado.

Aplausos do PS.

VV. Ex.as tem a maioria, mas não têm, em democracia, o poder de impor, de hegemonizar, de derrogar e anular artigos da Constituição da República.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe para concluir!

O Orador: - Sr. Deputado, este é o desafio do PS: quer ou não o debate? Não se refugie em artifícios do Regimento desta Assembleia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, quero começar por dizer que a questão da prática do poder e as relações entre o poder e os cidadãos na Região Autónoma da Madeira é um assunto demasiado sério, que merece ser tratado e discutido neste Plenário. E é um assunto demasiado sério para se tornar apenas num terreno de luta político-regimental entre o PS e o PSD, porque não diz apenas respeito ao PS e ao PSD como também não diz apenas respeito às forças políticas representadas no Parlamento regional, entre as quais se inclui o CDS; diz, sobretudo, respeito aos cidadãos portugueses da Região Autónoma da Madeira, que mantêm com o poder social-democrata da Região uma relação que precisa de ser aclarada.
A expressão «défice democrático» da Região Autónoma da Madeira, muito embora seja uma expressão de origem presidencial, não vai ser utilizada no debate que, hoje, nós, como o Sr. Deputado, já não temos dúvidas irá realizar-se proximamente.
Portanto, a expressão a utilizar não é essa, porque não temos dúvidas de que o poder social-democrata na Região

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Autónoma da Madeira tem uma origem inequivocamente democrática. Nesse debate, vamos pôr a tónica na demonstração de que existem iniludíveis abusos do poder na Região Autónoma da Madeira. É essa a questão sobre a qual quero questioná-lo.
O Sr. Deputado é da Madeira, sabe bem que o CDS não vai deixar de alinhar aqui argumentos e factos que, indesmentivelmente, estão em seu poder e vai trazê-los ao conhecimento da Câmara - V. Ex.ª sabe bem ao que me estou a referir!
O Sr. Deputado e o seu grupo parlamentar estarão dispostos, no decurso desse debate, a reconhecer a existência de abusos de poder na Região Autónoma da Madeira, aquilo que, em privado, já reconhecem nos corredores desta Assembleia?

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer as questões que me colocaram.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, relativamente à necessidade de revisão da Constituição e ao empenho do PSD nessa matéria, quero dizer-lhe que, mesmo que não se realizassem - se esse fosse o nosso regime constitucional - eleições para a Presidência da República, nos próximos 15 anos, a nossa pressa era a mesma. O problema não está no momento do exercício do direito, está no momento da concessão do direito. A não concessão deste direito é uma injustiça tão grande que cada dia que passa mais ela se agrava.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Octávio Teixeira, acrescem outras razões. Muito provavelmente ter-se-á de rever a Constituição por razões que têm a ver com a concessão do direito de voto a estrangeiros, decorrentes das obrigações de Portugal no Tratado da União Europeia, aprovado em Maastricht, designadamente o direito de cidadãos europeus elegerem e serem eleitos para as autarquias locais e pura o Parlamento Europeu.
Não me diga, Sr. Deputado, que o PCP está de acordo com a revisão deste aspecto da Constituição e não está de acordo que se reveja a concessão do direito de voto aos emigrantes portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se assim for, terão um redobrado esforço da nossa parte para não deixar consorciar unia situação dessas.
Sr. Deputado Jaime Gama, começo por retribuir a apreciação pelo tom utilizado no discurso de V. Ex.ª Penso que o Sr. Deputado se reencontrou nesse tom, porque era, efectivamente, o tom que lhe reconhecíamos há um tempo atrás.
Quero dizer-lhe que a minha intervenção foi exactamente o contrário do que V. Ex.ª referiu. Ó Sr. Deputado é que fez uma inversão da posição do PSD quanto ao debate pretendido pelo PS em relação à Região Autónoma da Madeira.
Portanto, Sr. Deputado, não houve inversão nenhuma. Pelo contrário, houve a reafirmação de que por parte do PSD não há nem nunca houve qualquer oposição a esse debate. Dissemos, em primeira linha, que, por respeito ao princípio constitucional da autonomia -que não podemos esquecer-, entendemos ser essa uma questão que deve ser debatida na Assembleia Legislativa Regional.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Já pedimos, mas ainda não está agendada!

O Orador: - As Regiões Autónomas têm uma estrutura político-administrativa própria, têm um executivo próprio e tem um parlamento próprio, onde, em primeira linha, essas questões se devem colocar.
Por outro lado, VV. Ex.as não responderam ao desafio lançado pelo Presidente do Governo Regional: «Digam concretamente quais são essas violações da Constituição?» Digam concretamente quais são elas?
Portanto, se essas violações tem uma natureza meramente política, o primeiro lugar para o debate é na Assembleia Legislativa Regional. Se elas assumem gravidade, a Constituição também prevê o regime próprio, ou seja, o Presidente da República pode dissolver os órgãos de governo próprio, ouvido o Conselho de Estado e a Assembleia da República. Sc essas violações têm natureza normativa, se são leis ou diplomas regionais, há o sistema de impugnação nos tribunais e, em última instância, no Tribunal Constitucional.
Isto é para demonstrar que VV. Ex.as precisaram de inventar um motivo qualquer para este debate, uma vez que há os mecanismos institucionais para esvaziar todas estas situações.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Este é um mecanismo institucional!

O Orador: - Não compreendemos, pois, como é que V. Ex.ª pode acusar-nos de uma alteração de posição.
Fica reafirmado que estamos abertos ao debate, não vou dizer qual é a disposição regimental que o prevê, mas prevê-o! Não são as disposições que teima em indicar, pois sabe muito bem que não conduzem ao debate. V. Ex.ª tem junto de si regimentalistas bem informados. Seria, pois, fastidioso para a Câmara eu dar agora explicações de Regimento.

Protestos do PS.

Quanto à sua interpretação do comportamento da população da Região Autónoma da Madeira, relativamente à eleição para a Presidência da República, peço desculpa, mas V. Ex.ª fez uma interpretação errada. O que o povo da Região Autónoma da Madeira quis realmente demonstrar, votando no Dr. Mário Soares, é que não existe «défice democrático» na Madeira. A resposta ao Presidente da República foi essa. É a resposta inteligente de uma população inteligente!

Aplausos do PSD.

Se houvesse défice não votava com certeza! É a demonstração evidente e prática, ao mais alto nível, de que não há «défice democrático» na Região Autónoma na Madeira.
Sr. Deputado Manuel Queiró, constato que o seu partido tem duas posições sobre esta matéria. Uma, na Assembleia Legislativa Regional e, outra, a nível nacional.

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O Sr. Deputado Ricardo Vieira, num debate, na Rádio Renascença, comigo e com o Sr. Deputado Manuel Jardim Fernandes, presidente do PS na Madeira, defendeu intransigentemente que esta questão deve ser discutida na Assembleia Legislativa Regional. Ou seja, ele próprio, na minha opinião, defendeu que o respeito pelo princípio da autonomia regional passa por essa solução.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Agora, querem proibir aqui a discussão?

O Orador: - Ninguém proíbe que seja discutido em qualquer lado, em qualquer forum. Estamos abertos a todas as discussões.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Então, não há oposição!?

O Orador: - Já fiz o recorte das possíveis violações que podia haver e do seu enquadramento constitucional e legal. Sr. Deputado, não há, com certeza, ponto do País ou do mundo onde não haja incorrecções do poder, onde não haja actuações menos justas, numa ocasião ou noutra. É por isso que há instituições para corrigir esses erros: os parlamentos, os tribunais, a Provedoria de Justiça. Há todas essas situações. Não é, com certeza, a administração regional que está subtraída a todo esse controlo e a essas situações. E não era eu que ia fazer aqui a afirmação de que a administração regional da Madeira não peque e não despache também, por vezes, com alguma incorrecção, que não despache, uma vez ou outra, com injustiça. São os defeitos de uma obra humana!
O que não consinto nem aceito, Sr. Deputado, é que essas situações, que são perfeitamente isoladas e que tem a sua sede própria, sejam empoladas com fins políticos e eleitoralistas, como está a acontecer com esta matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decorridos os primeiros três meses do exercício, por Portugal, da presidência das Comunidades Europeias e a idêntico prazo do seu termo, impõe-se fazer, nesta Assembleia, uma primeira apreciação do desempenho pelo Governo dessa presidência e, fundamentalmente, fazer o ponto da situação, no que concerne à evolução dos principais dossiers que para ela transitaram e que, por acréscimo, são de interesse prioritário para Portugal.
Essa apreciação objectiva não pode deixar de ser negativa. Na verdade, aquilo que o Governo apelida de low-profile, como estilo de exercício da função presidência, não significa uma modéstia louvável, mas antes a demissão da presidência quanto à orientação e gestão determinada e eficaz das prioridades que se colocam à Comunidade no pós-Maastricht, e a abdicação do Governo português na marcação da agenda e do ritmo de negociação dos principais dossiers comunitários.
O comportamento do Governo tem sido, no essencial, ditado pela opção de «não fazer ondas», de evitar e adiar inevitáveis confrontos de opinião com outros governos comunitários, assumindo, como o PCP já o afirmou, uma atitude de «menino bem comportado, arrumadinho e obediente».
Só esta estratégia do Governo pôde permitir, por exemplo, que o Reino Unido publicitasse, com quatro meses de antecedência, o programa da sua próxima presidência, nele incluindo todos os principais dossiers que a presidência portuguesa herdou.
Com esta tomada de posição, o Governo britânico expressou, publicamente, a sua confiança (ou certeza?) em que, com a presidência portuguesa, nenhum dossier importante será encerrado neste l.9 semestre, sem que, aliás, essa atitude, que se pode considerar afrontosa para Portugal, tivesse merecido qualquer reacção do Governo português.
Esta estratégia não serve os interesses nacionais, não dignifica o País e é prejudicial para a economia portuguesa.
Embora sendo comunitária neste l.º semestre, a presidência não deixa de ser portuguesa. E o Governo não só tem o direito como o dever de se empenhar nos dossiers que mais interessam a Portugal. É essa a situação, entre outras, das questões relacionadas com a dimensão social, com o chamado «Pacote Delors II» e com a reforma da política agrícola comum.
No que respeita à dimensão social, a fracassada reunião informal realizada há 15 dias, no Algarve, é prova evidente da ineficácia, da inoperância e da ausência de vontade política da presidência portuguesa. É significativo que apenas metade dos países comunitários nela se tenham feito representar pelos respectivos ministros.
E é grave, e com grandes consequências negativas para os trabalhadores portugueses, o facto de, nessa reunião, se não lerem registado avanços nas matérias em análise e de, como seu efeito mais palpável, dela ter resultado a hipótese de adiamento da reunião do Conselho de Ministros dos Assuntos Sociais, prevista para o próximo mês de Abril, o que só pode significar mais atrasos inaceitáveis na tão propalada quanto marginalizada dimensão social da Comunidade. Marginalização chocantemente retratada na ausência de resposta e de soluções para o futuro dos 8500 trabalhadores aduaneiros e das 400 empresas de despachantes que, nessa ocasião, ali se fizeram representar.
Não são menos escuras as cores que pintam o quadro em que se arrasta o Pacote Delors II.
Na letra dos acordos aprovados em Maastricht, a coesão económica e social foi considerada um dos pilares do aprofundamento da integração comunitária e elemento indispensável da união económica e monetária.
O Pacote Delors II visa, embora de forma insuficientemente ambiciosa, do nosso ponto de vista, traduzir em lermos concretos, nos planos financeiro e orçamental, a relevância daquelas decisões políticas.
Mas as reacções negativas até agora registadas por parte dos países mais ricos da Comunidade, os obstáculos e as exigências de novas contrapartidas que colocam legitimam dúvidas sobre a seriedade com que assumiram aqueles compromissos políticos em Maastricht O que, aliás, era de prever.
Por isso se torna incompreensível que o Governo português, a presidência portuguesa, não tenha, desde o início, acompanhado, pelo menos, a «cartada» da Comissão, apontando como meta a realização de uma cimeira extraordinária, durante o l.º semestre, para a aprovação das novas perspectivas financeiras da Comunidade para os próximos cinco anos.
É inaceitável que, tal como sucedeu em Maastricht, seja a vizinha Espanha a assumir o papel determinante na defesa dos interesses dos países economicamente mais

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débeis da Comunidade, ao mesmo tempo que o Governo português esconde a sua inacção por detrás do biombo de uma presidência pardacenta.

Aplausos do PCP.

Face às posições e pressões dos países mais desenvolvidos, não basta que o Primeiro-Ministro de Portugal insinue que não haverá alargamento sem que o Pacote Delors II seja aprovado, pois isso já resulta, inequivocamente, dos Acordos de Maastricht.
O que é preciso é menos passividade, mais acção e mais vontade política. Portugal não pode aceitar que o Pacote Delors II transite para a presidência do Reino Unido, reduzindo as hipóteses de um acordo em tempo útil e assegurando, inevitavelmente, condições menos vantajosas que as apresentadas pela Comissão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também quanto à reforma da PAC, a presidência portuguesa está a ser negativa para os interesses da agricultura e dos agricultores portugueses. A actual proposta de reforma da PAC não serve os interesses nacionais.
Não é possível aceitar uma proposta que obrigaria Portugal a reduzir a sua produção agrícola, agravando a nossa já enorme dependência alimentar. Os agricultores portugueses não podem ser penalizados pelos excedentes que outros criam, depois de, nos últimos anos, terem sido mobilizados para investirem e modernizarem as suas explorações.
A especificidade da agricultura portuguesa foi formalmente reconhecida pelas Comunidades. Portugal tem todo o direito, e o Governo tem o dever, de exigir que esse reconhecimento tenha concretização prática.
É inaceitável que o Governo abandone, como o tem vindo a fazer, a defesa da especificidade da agricultura portuguesa. Bem pelo contrário, exige-se à presidência portuguesa que enfatize as diferenças que separam a nossa agricultura das dos restantes países comunitários e que daí decorram medidas, acções e apoios adequados que nos permitam atingir níveis de produtividade e de segurança alimentar mais próximos dos registados nos restantes países da CEE.
O Governo não pode continuar a sacrificar os interesses objectivos de Portugal ao objectivo provinciano de desempenhar um papel simpático, perante os países com agriculturas incomensuravelmente mais desenvolvidas que a nossa.

Aplausos do PCP.

Srs. Deputados, ao falar-se, hoje, de agricultura portuguesa, ainda que no âmbito da reforma da PAC, é inevitável uma referência, ainda que breve, à seca que hoje a atinge.
A situação de real dramatismo provocada pela seca que assola o País, e que atinge com especial gravidade o Alentejo, tem um pano de fundo: a ausência de uma política de armazenamento e gestão dos recursos hídricos, em que avulta o permanente adiamento da construção do Alqueva, e a inexistência de uma política de orientação, reconversão e fomento da agricultura. As graves consequências directas da seca vêm, assim, somar-se à crise que a agricultura atravessa e às dificuldades crescentes dos agricultores, decorrentes da política do Governo.
É por isso que as medidas anunciadas pelo Governo para fazer face aos efeitos da seca são manifestamente insuficientes, porque não cobrem os prejuízos sofridos pelos agricultores e porque não respondem à situação de descapitalização em que vive a agricultura portuguesa. Também aqui se exige o fim da passividade do Governo, que, no essencial, espera que, a seguir à seca, chuvas venham.
Impõe-se, no imediato, adequados apoios, a fundo perdido, aos agricultores e decisões estruturais que impeçam, no futuro, efeitos tão dramáticos pela ausência de chuva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira presidência portuguesa das Comunidades Europeias, a avaliar pelos seus primeiros três meses, provavelmente, não deixará história nos anais dos Doze, mas corre o risco de ser profundamente prejudicial para os interesses de Portugal e dos Portugueses.
Para o evitar, o PCP propõe, designadamente: em primeiro lugar, que, sem necessidade de olvidar a perspectiva comunitária, o Governo se empenhe claramente no avanço efectivo dos dossiers que, sendo de interesse comunitário, são de especial interesse para Portugal; em segundo lugar, que o Governo altere a sua postura e assuma uma posição de efectivo protagonismo, de forma a garantir que seja conseguido, durante a presidência portuguesa, o acordo sobre o reforço inequívoco dos fundos que, na vertente financeira, possam dar corpo à coesão económica e social; em terceiro lugar, que o Governo assuma, inequivocamente, a defesa das especificidades da agricultura portuguesa, no âmbito da reforma da PAC, e que recuse o encerramento desse dossier se nele essas especificidades não forem consagradas.

Aplausos do PCP.

Em quarto lugar, que o Governo português assuma, pública e seriamente, a posição de não apresentar à Assembleia da República, para efeitos de ratificação, os Acordos de Maastricht, sem que, previamente, esteja assegurada a aprovação das novas perspectivas financeiras com um nível de recursos adequado ao efectivo avanço no sentido da coesão económica e social.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira Martins.

O Sr. João Oliveira Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, gostava de lhe colocar aqui algumas perguntas para que me pudesse esclarecer sobre estas matérias.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira tem ou não consciência das dificuldades com que a presidência portuguesa se debate na actual conjuntura em que vivemos, no momento em que a instabilidade no Leste é a que é, no momento em que as negociações entre a Europa e os Estados Unidos são o que são, com tantas e tamanhas dificuldades, que todos temos obrigação de conhecer, no momento em que foi apresentada uma proposta de reformulação de todo o sistema financeiro em que assenta a Comunidade, a que se convencionou chamar «Pacote Delors II», e que suponho que o Sr. Deputado Octávio Teixeira também conhece, no momento em que países com quem temos excelentes relações, já há muitos anos, como a Áustria, a Suécia, põem problemas de alargamento da Comunidade? Quando tudo isto se passa, o Sr. Deputado tem consciência das dificuldades que há em fazer progredir certos dossiers?

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Segunda questão, e também muito concreta, sobre qual é a posição que melhor defende os interesses portugueses? Fechar precipitadamente um dossier ou mante-lo vivo, aguardando que reúna as condições para que o máximo de interesses nacionais sejam lá contemplados? Peco-lhe que me responda claramente a esta pergunta.
Finalmente, o Sr. Deputado conhece os esforços que o Governo português fez no sentido de manter sempre a discussão e os objectivos da vertente social da integração económica europeia. Será que o Sr. Deputado não ouviu, como eu ouvi, será que não leu, como eu li, o que a presidência portuguesa tem feito para que este dossier social se mantenha vivo e bem vivo? Se sabe, como é possível fazer as declarações que acabou de fazer?!
São estas as três perguntas muito concretas que lhe ponho sem trevariações, mas correspondendo à realidade que estamos a viver.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:- Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr, Presidente, Sr. Deputado João Oliveira Martins, vou-lhe responder muito directamente às questões que colocou.
Em primeiro lugar, ninguém desconhece as dificuldades que enquadram, em termos temporais, a presidência portuguesa, ninguém desconhece as dificuldades que o Sr. Deputado referiu, assim como as dificuldades que estão a ser levantadas por países como o Reino Unido, como a Alemanha, etc.
Mas é precisamente por causa dessas dificuldades acrescidas, por causa desses obstáculos que estão a ser colocados por outros países, designadamente pelos países mais ricos da Comunidade, que se exige que a, presidência portuguesa não seja uma presidência «parda», não seja uma presidência de low-profile mas, sim, uma presidência de protagonismo. Não de vaidade, não de aparecer em bicos dos pés, mas de protagonismo efectivo e não de deixar o protagonismo efectivo apenas para outros países, porque o Governo português tem responsabilidades na defesa dos interesses de Portugal e tem responsabilidades acrescidas porque está, neste momento, na presidência das Comunidades.
Por isso, exige-se uma postura corripletamente diferente, pois não é apagando-se; não é escondendo-se debaixo da cadeira, que desaparecem as dificuldades. Pelo contrário, avolumam-se, porque dão força àqueles que têm intenções diferentes, como é o caso concreto do Reino Unido quando apresentou, com quatro meses de antecedência, repito, com quatro meses de antecedência, o seu programa para a próxima presidência.
Quanto à segunda questão, isto é, a de saber se será preferível fechar dossiers apressadamente ou aguardar que haja melhores oportunidades, a situação coloca-se em cada um dos dossiers de per si. Eu próprio referi na minha intervenção dois casos que, para nós, suo completamente diferentes. Entendemos que, quanto ao Pacote, Delors II, o que é necessário fazer é que ele seja fechado durante a presidência portuguesa, porque, se passar para a presidência do Reino Unido, dificilmente haverá Pacote Delors II ,em Dezembro de 1992 - se houver, será um pacote financeiro bastante menos favorável do que aquele que foi apresentado pelo presidente da Comissão* das Comunidades.
Inversamente, não há razão alguma para acelerar o dossier da reforma da PAC, como o Governo pretende fazer, cedendo a exigências dos Alemães, dos Ingleses e dos Holandeses. Antes pelo contrário, se não forem contidas nesse dossier as especificidades da agricultura portuguesa, que já foram formalmente reconhecidas. É preciso, no, entanto, que se passe do reconhecimento formal para o reconhecimento efectivo, para que ele fique consagrado com medidas e com apoio específicos.
Finalmente, em relação à questão da dimensão social, Sr. Deputado João Oliveira Martins, há muito que sabemos qual é a posição do Governo sobre essa matéria. Não é preciso ir mais longe, basta consultar os Acordos de Maastricht para saber aquilo que o Governo português; sem fazer força, cedeu em relação ao projecto inicial, ao projecto que foi apresentado na mesa, no início das conversações, sobre a questão da dimensão social. Cedeu e cedeu muito, sem levantar sequer a voz.

Aplausos do. PCP, de Os, Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e 'Raúl Castro.

O Sr. Presidente: - Terminámos o «período das declarações políticas, mas vamos ainda, durante vinte minutos, continuar o período de antes da ordem do dia com intervenções nos termos gerais.
Mas, antes disso, gostaria de focar dois tipos de cidadãos que vieram hoje ver os trabalhos da Câmara: por um lado, os jovens de sempre, estudantes das Escolas Secundárias de Valença do Minho, de Salão, de Marco de Canaveses e de Vale de Cambra, do Instituto. Superior Politécnico Portucalense, de Penafiel, da Universidade Católica do Porto; por outro lado, um grupo de autarcas do concelho de Alcobaça, que quis ter, a gentileza de me cumprimentar durante a manhã, constituído por representantes da câmara, de todas as juntas de freguesia e de todas as formações políticas, que vieram aqui para presenciar e, assim, tomar parte dos nossos trabalhos.
A todos vós os nossos cumprimentos.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho-me preocupado, desde há vários anos, com as diversas facetas de que se reveste um dos chamados «novos direitos», neste caso, o direito à memória, o direito de cada português a receber, transmitir e enriquecer um património milenário que nos é comum.
Muitos Srs. Deputados se têm referido aos monumentos, às paisagens, aos centros- históricos, às cidades, à criação literária, musical, no domínio das artes plásticas ou outras que dele são, inegavelmente, componentes. Mas eu, hoje, referir-me-ei a outra das realidades que o compõem, as chamadas artes e ofícios tradicionais. Começarei, evidentemente, por prestar a minha homenagem aos artesãos, mulheres, e homens de Portugal, depositários e transmissores de saberes e artes, memória viva do nosso povo.
Em primeiro lugar, por entender que o objectivo essencial da política tem de ser a atenção prestada às pessoas, à consideração do que são, do que fazem e ao estímulo do que poderão fazer. Não podemos esquecer que as artes e ofícios tradicionais têm a ver com cerca de 300 000 portugueses, se incluirmos os dependentes, podendo chegar

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a mais de meio milhão, se englobarmos o pequeno comércio tradicional.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, por saber que os valores que veiculam são fundamentais no nosso modo de ser e de estar no mundo.
Sem pretender ser exaustivo, vou referir alguns aspectos do contributo inestimável que artesãs e artesãos dão à comunidade nacional, numa época em que corremos o risco de ver nascer sociedades uniformizadas e uniformizadoras, copiadas de um pretenso modelo muito estereotipado.
São eles que revelam no que fazem a peculiaridade não só da nossa identidade nacional como das identidades próprias de cada região e até, por vezes, de cada simples localidade. A afirmação dessas diferenças é uma manifestação do chamado «direito à diferença», que, como sabem, considero fundamental nos nossos dias e, ainda mais, no futuro que aí vem, que são enriquecedoras do todo nacional.
No que se refere à educação, o ensino das artes e ofícios tradicionais é uma forma de aprender fazendo, de estimular a curiosidade pelo que é nosso e de desafiar o espírito criativo, apelando à indicação do que é recebido. Além disso, pode habituar, desde a escola, a ver reconhecido - e até valorado pelo mercado - o trabalho feito pelas próprias mãos.
No domínio da cultura, o seu relevo é evidente: as velhas tradições dos mestres artesãos são consideradas em todo o mundo aspecto essencial de cultura de cada povo, sendo eles, justamente, considerados transmissores e criadores de cultura e de saber.
Passando agora à importância económica das artes e ofícios tradicionais, destacarei o papel dos artesãos como pequenos empresários, não importadores de tecnologia nem de matérias-primas, aproveitando, ao contrário, as matérias locais. Lembro o seu papel como alavanca da chamada «pluriactividade» - actualmente, já 68 % deles acumulam com actividades agrícolas.
O seu carácter complementar e estimulador de outras actividades, apesar de evidente, deve também ser recordado, nomeadamente no que diz respeito ao turismo, à indústria, através da inserção de artes tradicionais em indústrias de qualidade, em que a padronização e o design aproveitam elementos dessas artes e incorporam os seus valores estéticos. Os produtos de qualidade podem ser exportados sem necessidade de investir neles capitais volumosos.
Além disso, a rede de pequenas empresas constituída pelos artesãos, a maior parte das vezes familiares, está particularmente bem protegida contra eventuais recessões económicas, contribuindo para a fixação de populações em zonas mais desertificadas e para a revitalização de centros históricos.
Na vertente social, gostaria de destacar o emprego que pode ser criado por estas artes e ofícios, e o facto de se tratar de actividades que podem interessar sectores da população já menos produtivos, como os idosos, que se sentem, assim, mais reconhecidos ao verem estimados e aproveitados os seus saberes e artes.
Na recuperação dos detidos e dos toxicodependentes, também as artes e ofícios tradicionais podem ser, e estão a ser, extremamente relevantes, pois já há algumas experiências em curso neste sentido, nomeadamente em Vila do Conde.
Também as minorias étnicas serão melhor integradas se as suas artes e ofícios tradicionais forem reconhecidos e aproveitados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito se fala, e justamente, da importância vital do ambiente e da luta pela necessária qualidade de vida. Ora, estas artes e ofícios têm como característica o facto de não serem poluentes, nem nos processos de fabrico nem nos produtos finais, o que é mais uma prova de que estas artes e ofícios, ditas tradicionais, nada tem a ver com o «passadismo», antes fazem parte do nosso presente e têm de integrar mais e melhor o novo futuro comum, porque se compõem de valores que são permanentes e, também, de futuro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vou surpreendê-los, Srs. Deputados, se lhes disser quais são os dois países em que o relevo destas artes e dos seus produtos é maior: nada menos que a Alemanha e o Japão. No primeiro, as pequenas micro-empresas tradicionais tem forte peso no PIB, que alguns estimam em cerca de 18 %. No segundo, é através deles que se afirma uma simbiose muito rica, aliás única, entre cultura, artes tradicionais, valores estéticos e indústria. E os artesãos, no Japão, são de tal maneira considerados pelo lodo nacional que os melhores recebem, em vida, a consagração e o respeito de monumentos nacionais - são os chamados «monumentos nacionais vivos».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Houve um projecto criado em 1988, no âmbito do Ministério da Educação, que foi pensado, inicialmente, com a finalidade de estudar a participação dos artesãos na escola, de forma a viabilizar a inclusão dos seus saberes no sistema de ensino. Posteriormente, foi alargado ao Ministério do Plano e da Administração do Território.
Em tão curtos anos, este projecto realizou vários estudos sobre as artes e ofícios tradicionais, a que adiante me referirei; levou a cabo mais de 50 experiências pedagógicas em outros tantos estabelecimentos de ensino; criou as três primeiras escolas de artes e ofícios tradicionais, na Batalha, em Amarante e em Serpa, com base inicial na cantaria, nas rendas e bordados e na queijaria, respectivamente; lançou acções de formação empresarial e reactivou algumas artes quase perdidas, que por pouco não se perderam definitivamente em Portugal, como - e citarei apenas um exemplo- o caso da arte dos abobadeiros no Alentejo; dignificar o artesão e as artes e ofícios, em diálogo com mais de 1000 órgãos de comunicação social de expressão portuguesa, dentro e fora do território nacional.
De entre os estudos e projectos lançados, destacarei a pluriactividade das unidades de produção agrícola, a activação dos idosos com a União das Misericórdias, o apoio ao associativismo dos artesãos e ao lançamento das chamadas «lojas de tradição», o estudo de novos circuitos turísticos temáticos, que já existem nalguns países: o dos barros, dos têxteis, em especial das rendas, dos trabalhos da pedra, dos metais e dos queijos.
Importa referir que este projecto trabalhou sempre em estreita ligação com as autarquias, que foram um dos seus parceiros privilegiados, e com a sociedade civil, que financiou mesmo parte das acções realizadas, pois houve, desde o início, a intenção de levar a cabo acções, não recorrendo apenas a fundos públicos, como infelizmente muitas vezes é comum, mas a fundos provenientes da sociedade civil, e de calcular os custos por acção e por projecto, e não apenas por funcionamento.

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Este projecto recebeu o apoio e distinção internacionais, nomeadamente da Comunidade Europeia e da UNESCO. Merece pois, as nossas felicitações a pequena mas dinâmica equipa deste projecto, chefiada pelo Dr. Carlos Medeiros.
Mas há que avançar mais. Há que, através de um programa interministerial, alargado aos Ministérios da Indústria e Energia e do Emprego e da Segurança Social, desenvolver e aprofundar o âmbito das acções a realizar.
O Programa do Governo, aqui aprovado em Novembro passado, refere, no capítulo sobre a indústria, que «será desenvolvido o apoio ao artesanato e às micro-empresas, recuperando artes e ofícios tradicionais portugueses, através da valorização profissional e social dos artesãos, favorecendo a sua capacidade concorrencial e facilitando o seu acesso aos mercados externos».
Aliás, já antes, há cerca de um ano, fora aprovada em conselho de Secretários de Estado a transformação do projecto a que me refiro em programa interministerial. Uma vez que tal transformação visaria reforçar a coordenação de esforços e a actuação concertada por forma a maximizar a rendibilidade dos investimentos realizados no sector e dinamizar a inovação e qualidade, estou certo de que o Governo não deixará de a ela proceder em breve prazo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apoiando a referida transformação, apoiaremos nesta Câmara aqueles a quem tive a honra de emprestar hoje a minha voz: os artesãos portugueses a quem tanto devemos, que queremos ver mais estimados e dignificados como verdadeiros depositários, transmissores e monumentos vivos da nossa cultura e da nossa maneira de estar no mundo, aos quais presto a minha mais viva homenagem, certo que nisto serei certamente acompanhado por todos vós.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a escassos meses dos Jogos Olímpicos de Barcelona. Ainda recentemente o Secretário de Estado que era responsável pela área do desporto, e que ainda há poucos dias deixou de o ser, anunciou, após uma reunião com o Comité Olímpico Português e com as federações das modalidades olímpicas, a disponibilização de algumas verbas, de forma a permitir a participação dos atletas portugueses em estágios, em provas para obtenção de mínimos e mesmo para pagar investimentos já realizados pelo movimento associativo com vista à preparação da participação portuguesa em Barcelona.
A cinco meses dos Jogos Olímpicos, bem se poderia pôr todo o Orçamento do Estado ao serviço da chamada «preparação olímpica», que os resultados não seriam muito diferentes. A verdade é que ao longo destes anos, o Governo tem faltado com os milhões de contos que seriam indispensáveis para uma preparação olímpica adequada, ao nível da que se verifica nos outros países europeus.
Em Portugal, como afirmou um nome prestigiado do desporto nacional, a preparação olímpica para 1992 é semelhante à de 1947.
O que está em causa é a completa incapacidade revelada pelos sucessivos responsáveis governamentais pela área do desporto (todos do PSD há mais de uma década), para compreender o fenómeno desportivo e as suas necessidades e é a ausência de um projecto de desenvolvimento do desporto de alta competição, com uma visão larga, envolvendo dois ou três ciclos olímpicos, capaz de potenciar meios, seleccionar e promover valores e alterar de forma decisiva a situação da alta competição em Portugal.
Na sequência dos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988, o Governo assumiu compromissos, tendo em conta a participação portuguesa, quatro anos depois, nos Jogos Olímpicos de Barcelona. Mas o que é feito desses compromissos?
Assim, vejamos: as prometidas pistas de atletismo em piso sintético não estão construídas; Portugal continua a não ter uma piscina olímpica coberta - uma só que seja - e os nossos nadadores continuam a ter de estagiar em Espanha; as obras do Estádio Universitário de Lisboa marcam passo apesar das promessas grandiosas de Roberto Carneiro; a nave desportiva do Jamor não foi construída; o Centro de Alto Rendimento Desportivo não passou de um projecto e já foi abandonado; o plano quadrienal de preparação olímpica nem sequer começou, e estamos a quatro meses dos Jogos.
Também, o Estatuto da Alta Competição, com que o Governo encheu páginas de jornais, não tem mecanismos de aplicação prática e não permite aos atletas, dirigentes ou técnicos conciliar o trabalho ou os estudos com a preparação desportiva; o seguro desportivo existente não assegura a recuperação de atletas com lesões graves ou prolongadas.
Os prometidos apoios ao movimento associativo, atribuídos a conta-gotas e insuficientes, não permitiram sequer dar cumprimento às planificações estabelecidas pelas federações, havendo mesmo dinheiros em atraso para o apoio às actividades normais.
Não há uma concepção de apoio ao processo da alta competição globalmente considerado, desde a captação ao desenvolvimento e preparação dos atletas mais jovens, com o objectivo de promover a sua evolução ao longo dos anos. Não é visível, nem no Programa do Governo, nem nos Orçamentos do Estado, nem nas medidas governativas mais recentes, uma perspectiva global e integrada do desenvolvimento desportivo do País.
Após mais de uma década de responsabilidade governativa ininterrupta do PSD na área do desporto, com mais de um ciclo olímpico e meio a governar sozinho, os seus governos foram e continuam a ser incapazes para tomar uma só medida ou para projectar uma única acção que aponte pura o alargamento e a democratização da prática desportiva, para criar condições de infra-estruturas, de apoio técnico, de apoio médico, ou de formação para o desenvolvimento harmonioso do sistema desportivo.
Não espanta, por isso, que nos últimos anos o número de praticantes desportivos em Portugal tenha registado crescimentos percentuais mínimos, estagnação e mesmo decréscimos, conforme a modalidade ou a região, colocando-nos no grupo dos atrasados, a largas milhas dos outros países da CEE.
Em Portugal, o défice de instalações desportivas, em 1988, cru calculado, em dinheiro, em 140 milhões de contos. Estima-se hoje que ascenda aos 300 milhões, já que a área de infra-estruturas desportivas por habitante é de 2,2 m2, enquanto a média dos países europeus é de 4 m2.
Este caso, a nave desportiva do Jamor, traça bem a caricatura da política desportiva dos Governos PSD. A conclusão e entrada em funcionamento da nave chegou

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a estar anunciada para Junho de 1991, como instalação destinada à preparação olímpica de Portugal e ao apoio a estágios de selecções de outros países na sua preparação para os Jogos de Barcelona. Constava do Programa do Governo aprovado em 1987. Já constou e deixou de constar no PIDDAC; voltou a aparecer no Programa do actual Governo - no PIDDAC e respectiva programação plurianual conta com 130000 contos, para 1992, destinados ainda ao projecto. Para 1993 conta com mais 110 000 contos, provavelmente para a conclusão do projecto. De 1993 em diante conta com zero escudos, que podem muito bem ser destinados ao abandono do projecto. Desconhece-se o futuro da nave desportiva do Jamor e subsistem todas as dúvidas quanto à data da sua concretização.
A acção negativa do PSD na área do desporto teve tradução prática nas medidas tomadas pelo Secretário de Estado há pouco demitido. No escasso tempo em que exerceu funções dissolveu a comissão encarregada de elaborar o Programa Integrado para o Desenvolvimento Desportivo, cuja actividade tornou evidente o carácter inconsequente da política do governo anterior e apontou soluções para o desenvolvimento desportivo que chocam com a política pontual e avulsa que o actual Governo insiste em prosseguir; reconstituiu a Comissão para o Desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Desportivo, para assegurar uma maior representação do Governo na sua composição, visando a governamentalização do processo de análise, avaliação e regulamentação do sistema desportivo; criou, em condições ilegais que já tive oportunidade de denunciar aqui mesmo, um novo grupo de trabalho para o desporto escolar, para estudar um novo modelo, que será o quinto modelo criado pelo PSD em cinco anos e que mais uma vez só se destinará a iludir a questão de fundo.
É que, sem instalações desportivas, com escolas sobrelotadas, sem horários disponíveis, sem professores e equipamentos e sem as verbas que são legalmente destinadas ao desporto escolar, mas que o Governo não disponibiliza, não há, evidentemente, modelo que valha ao desporto escolar, sendo os estudantes portugueses os grandes prejudicados pela incapacidade dos governos do PSD de criar as condições mínimas para a prática generalizada, regular e continuada do desporto nas escolas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ó novo Ministro da Educação foi recentemente empossado. Não se sabe ainda que novas formas irá assumir esta velha política. Ao que parece, a área desportiva será directamente tutelada pelo Ministro.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -E muito bem!

O Orador: - Lia-se há dias na imprensa que fontes do PSD consideram que a delicadeza desta área, com a atribuição de subsídios e a complicada gestão de influencias, aconselham uma tutela directa do Ministro.
É essa, efectivamente, a política desportiva do PSD: utilizar as receitas próprias do Fundo de Fomento Desportivo como um «saco azul», gerido ao sabor das opções do Governo, no quadro de um desinvestimento público crescente no desporto que não aponta para o desenvolvimento desportivo, não permite alterar a situação de agravamento do défice de instalações desportivas e adopta cada vez a consigna de «quem quer praticar desporto que o pague».

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Branco Malveiro.

O Sr. Branco Malveiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todo o historial agrícola alentejano sempre esteve dependente das mutações climatéricas na região, que se sucedem ciclicamente, ora com anos de excessiva pluviometria, ora com anos de insuficiência ou mesmo ausência de pluviosidade, o que conduz a uma permanente instabilidade produtiva, com anos de abundância cerealífera e outros de colheitas nulas.
Desta feita, face à situação de pré-catástrofe com que neste momento se confronta a agricultura do Alentejo, em função do que já se convencionou considerar como a maior seca que assolou a região no último século ou, pelo menos, como uma situação sem paralelo desde a seca de 1945, permito-me dar voz, nesta tribuna, às associações representativas dos agricultores baixo-alentejanos, trazendo a este importante órgão de soberania o seu dramático alerta para a gravidade da calamidade que se avizinha.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No que respeita à pecuária, releva-se que no Baixo Alentejo ela é totalmente subsidiária dos cereais, quer através da transumância entre regiões, quer dentro das próprias explorações, com o aproveitamento, no Verão e no Outono, dos restolhos e, no Inverno, das palhas enfardadas. Na Primavera, os gados mantêm-se normalmente em prados naturais ou em prados anualmente melhorados com aveias e leguminosas e nalguns permanentes com cobertura de trevos subterrâneos.
Neste momento toda a pecuária está a ser alimentada com concentrados e estão a consumir-se as últimas reservas de palha. Como muitos dos cereais já estão completamento secos e outros sem recuperação possível, não irão existir condições, a partir de Março/Abril, para manter os animais em estado aceitável. Cabe, pois, perguntar: sem prados naturais, sem prados melhorados e sem palhas nem restolhos, como irão os agricultores subsistir até aos princípios da próxima safra?
É esta uma situação que coloca os agricultores na iminência de uma enorme baixa dos efectivos pecuários, com prejuízos irreparáveis não só para os mais directamente visados, mas também para a economia do País, sendo desde já a zona mais afectada a da margem esquerda do Guadiana.
Quanto aos cereais, também a calamidade é total na margem esquerda do Guadiana e grandes manchas na restante área geográfica do distrito de Beja não tem já quaisquer possibilidades de recuperação. Com perdas totais em valores nunca inferiores a 70/80 contos por hectare, com créditos de campanha a solver e com dois anos de intempéries por pagar, além do investimento feito através dos programas decorrentes do Regulamento (CEE) 797, do PEDAP e do PAF, aos agricultores do meu distrito espera-os um futuro muito pouco animador e que terá consequências imprevisíveis no tecido económico-social da região.

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No sector das cooperativas agrícolas, ao perspectivar-se para os agricultores uma situação de praticamente inexistência de colheitas, para além dos problemas de subsistência dos mesmos, esta crise está a reflectir-

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se directamente nas cooperativas, uma vez que foram feitos fornecimentos de sementes, adubos de fundo, mondas, gasóleos e outros factores de produção, cuja liquidação seria efectuada no fim da campanha. Não existindo rendimento nas explorações, não há pagamentos a quem vende, ou seja, às cooperativas.
Estas adquiriram em devido tempo enormes quantidades de adubo de cobertura e outros agro-químicos que, num ano normal, os seus associados utilizariam. Devido, porém, à falta de chuva, estes produtos não foram vendidos, gerando-se volumosos stocks que só tem hipótese de escoamento daqui a um ano, com a agravante de alguns destes produtos serem degradáveis.
Além do mais, sendo as cooperativas que comercializam os produtos dos seus associados (ultrapassando em 1991 mais de 50% dos cereais de Inverno e 80% do girassol), visando obter para estes os melhores preços e, ao mesmo tempo, retirar do seu comércio os fundos necessários ao funcionamento e manutenção das suas estruturas económicas, físicas e humanas, cumpre perguntar: sem receitas, como irão gerar as cooperativas fundos para a sua sobrevivência?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ironicamente, o perímetro de rega da albufeira do Roxo, em Montes Velhos, que tem armazenado um volume de água que garante uma campanha normal de regadio, numa área de 500 ha com 800 agricultores, vê com preocupação a inviabilidade da laboração e intervenção na campanha do concentrado de tomate do presente ano pelo encerramento da unidade fabril sita em Ferreira do Alentejo.
É de realçar, no entanto, a importância e a atenção que o Governo lhe vem manifestando, ao acompanhar muito de peno o evoluir dos acontecimentos, que se traduziu já em recentes deslocações ao distrito de Beja do Ministro da Agricultura, acompanhado do Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas, de directores-gerais do Ministério e do director regional da agricultura do Alentejo, que mantiveram importantes reuniões com os representantes das associações da agricultura da região e visitaram as áreas mais afectadas. Há que salientar, para além disso, as importantes medidas de emergência já decididas na última reunião do Conselho de Ministros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa vasta zona como a do Baixo Alentejo, que vive exclusivamente de e para a agricultura e cujo futuro já não era risonho, parece-nos vital que medidas verdadeiramente excepcionais continuem a ser tomadas, sob pena de a região a que se enfatizou considerar, no passado, como o «celeiro da Nação» se transformar, no futuro, no Saael de Portugal. Que Deus nos valha!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos as Sr.ªs Deputadas Lourdes Hespanhol e Helena Torres Marques.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol.

A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Branco Malveiro, o Sr. Deputado trouxe hoje aqui um assunto que não é novidade, uma vez que o meu camarada Lino de Carvalho já havia abordado, quer em relação ao Alentejo, quer ao País em geral, as questões relativas à seca. Mas fica-lhe bem trazer aqui as preocupações de um distrito para onde neste momento convergem todas as atenções e onde se fazem várias manifestações e procissões, porque a água falta e os destinos do Alentejo muito dependem dela.
Pensa o Sr. Deputado - e disse-o aqui - que o futuro se mostra pouco animador para o distrito de Beja. Também sou dessa opinião, Sr. Deputado. Mas não será também pouco animador o passado recente? E o que me diz sobre o Alqueva, o plano de rega e as responsabilidades que o seu Governo tem em relação a estas questões? Não pensa o Sr. Deputado que na sua intervenção elas deveriam ter sido fruto de alguma reflexão e crítica por parte do Grupo Parlamentar do PSD no que toca aos problemas que estão por resolver no distrito de Beja?
O Sr. Deputado Branco Malveiro colocou aqui a questão da falta de pagamento às cooperativas agrícolas, que irá criar graves problemas. É verdade, Sr. Deputado. Cumpre perguntar: o que vai acontecer aos pequenos agricultores? Falou da TONCIL, a fábrica de tomate que não irá laborar. Assim é, Sr. Deputado, mas a verdade é que também a Cooperativa Agrícola do Roxo vive actualmente momentos dramáticos e sabemos que a fábrica de Alvalade não irá laborar. O que irá acontecer aos agricultores do tomate e do pimento na região de que estamos a falar? O que vai acontecer aos trabalhadores, que viam muitas vezes como único recurso para viverem em todo o ano os quatro meses em que se ocupavam neste tipo de culturas? Como é que se vai resolver este problema, Sr. Deputado?
Realmente, os problemas que se registam na região são ainda mais vastos e negros do que o Sr. Deputado pretendeu fazer crer.
Outra questão que não foi abordada pelo Sr. Deputado e que me parece de extrema importância é a do abastecimento de água às populações do distrito de Beja. Neste momento o distrito de Beja tem sede, não havendo água potável em muitos dos seus concelhos. Há dificuldades graves e bebe-se a água que se deveria beber em Julho e Agosto. Como é que se irão passar estes meses até que a chuva comece a cair, se isso vier a acontecer?
O Sr. Deputado não focou estes aspectos, pelo que gostaria de lhe perguntar o que é que pensa sobre estas questões, sabendo-se o que é que o Governo, sustentado pelo vosso grupo parlamentar, entende em relação ao problema descrito, que julgo ser dramático. Isto até porque as autarquias, nomeadamente as câmaras municipais, não previram nos seus planos de actividade obras nos sectores afectados, pelo que irão certamente defrontar-se não só com gravíssimos problemas para providenciarem o abastecimento de água e resolverem os problemas das populações, como também com grandes problemas derivados da falta de verbas. Como o Sr. Deputado sabe, não é o FEF que irá resolver tais problemas, ainda para mais no ano em que o Governo negou às autarquias locais as verbas a que tinham direito.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Branco Malveiro, acabou o Sr. Deputado a sua intervenção a dizer «valha-nos Deus!», o que significa que para si a única esperança deve ser depositada

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em Deus, pois neste Governo já não acredita. E tem reais razões para isso...

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

A Oradora: - Não acredita o Sr. Deputado nem, como sabe, a maioria da população do distrito de Beja, o único distrito onde o PSD não ganhou as eleições.

Uma voz do PSD: - Mas esteve quase!

A Oradora: - Havia muitas razões para isso. O Sr. Deputado, que foi governador civil de Beja, conhece perfeitamente, por dentro e por fora, as razões pelas quais o PSD não podia ganhar as eleições em Beja. É que não há zona mais abandonada por este Governo do que o Baixo Alentejo. Não vale a pena o Sr. Deputado vir hoje aqui chorar as desgraças que se estão a passar no nosso distrito, quando durante quatro anos deixou que tudo ficasse literalmente na mesma.
Na passada sexta-feira tive oportunidade de reunir com todas as associações da nossa região, designadamente de agricultores, de comerciantes e de produtores de ovinos, com o NERB e com a Associação Nacional dos Municípios sobre o problema da seca. Os problemas que foram levantados são exactamente os mesmos que se vêm registando de há quatro anos a esta data. Só que agora todos dão razão aos aspectos que vínhamos invocando.
O problema fundamental do Baixo Alentejo é a falta de água, cuja resolução este Governo tem adiado sucessivamente, mas que o governo do bloco central, de que os senhores tanto gostam de falar, teve em atenção tendo aprovado várias medidas e que os vários governos presididos pelo Prof. Cavaco Silva têm vindo a adiar sucessivamente.
Não há direito ao desprezo a que o Baixo Alentejo está a ser votado! Agora, como dizia um dos agricultores que falou comigo, o que se passa assemelha-se ao caso de um aluno que anda a cabular o tempo todo, durante todos os anos lectivos, e depois chega à época de exame sem saber nada. Chegou a seca e com ela a inevitabilidade dos enormes problemas que estão a acontecer, porque no tempo em que choveu não houve capacidade de guardar a água que deveria ter sido guardada. Isto é a prova do desprezo a que este Governo tem votado aquela região.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não apoiado! A Oradora: - Sem água, não pode...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não há desprezo nenhum, Sr.ª Deputada Helena Torres Marques!

A Oradora: - O Sr. Deputado diz isso porque não conhece a região. Acompanhe-me lá - vou visitar a região na próxima segunda-feira - para ver como é que as coisas se passam.
Não é possível continuar a registar-se os problemas que se verificam na região, sendo certo que há soluções para lhes pôr cobro, algumas das quais podem ser adoptadas desde já.
Já sugeri ao actual governador civil e ontem ao Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais que recebi em reunião da Comissão de Assuntos Europeus, que se
encetassem imediatamente negociações com os Espanhóis. Se os Espanhóis fizeram todas as barragens que podiam fazer pelo acordo com Portugal, nós não fizemos as nossas.

Vozes do PS: - É verdade!

A Oradora: - Mas agora estamos numa Europa sem fronteiras. Se há liberdade de circulação de capitais, pessoas e mercadorias, por que não há-de haver liberdade de circulação de água? É claro que temos de pagar essa água. O que não podemos é deixar morrer o gado e as culturas e deixar as populações sem água, nada fazendo para combater a situação. Gostaria de saber qual é a sua posição sobre esta matéria.
Gostaria igualmente de conhecer a sua opinião quanto àquelas ofertas do Sr. Ministro da Agricultura, que, na passada sexta-feira, chegou ao Alentejo com uma mão-cheia de nada. Foi falar em 20 milhões de contos sem nunca dizer a que título era atribuída essa verba, se era dada, se era contra produção ou contra hectares, se era mais um empréstimo. As pessoas dizem-nos que não podem contrair mais empréstimos, pois tem tudo hipotecado e já ninguém lhes concede crédito. Como é que se resolve o problema se não com verbas adequadas e com soluções de fundo?
Coloco-lhe uma última questão respeitante a um tema de que o Sr. Deputado não falou agora, mas ao qual normalmente se refere em Beja: a criação da região do Baixo Alentejo. Iremos hoje votar um calendário para a criação das regiões administrativas, no qual se propõe a criação da região do Baixo Alentejo, que é essencial para o futuro da nossa região, como o próprio Sr. Deputado, quando está em Beja, diz. Como é que o Sr. Deputado vai hoje votar essa proposta do Partido Socialista: a favor ou contra a criação da região do Baixo Alentejo? É importante que também lá se saiba qual é a posição que o Sr. Deputado aqui toma.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

Protestos do PSD.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não há chuva, mas já meteu água!...

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Branco Malveiro.

O Sr. Branco Malveiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para mim foi um grande privilégio e uma grande honra ter sido interpelado pelas personalidades da oposição que o fizeram, pelas quais tenho o máximo respeito e consideração.
Com certas partes das vossas intervenções, de certa maneira, demonstrou-se aqui que, afinal de contas, independentemente das divergências ideológicas que nos separam, há neste Plenário uma unidade entre todos os alentejanos. Embora cada um seguia o seu caminho por vias diferentes, o objectivo, afinal de contas, é o mesmo.
Respondo às poucas perguntas da minha boa amiga - permita-me que fale assim, mas é assim que nos conhecemos Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol, que, mais que uma pergunta, fez uma intervenção política - que respeito e considero -, dizendo-lhe que referiu aqui muito o passado. Criticou o Governo porque no passado,

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no passado, no passado... Mas, felizmente, foi dizendo: «É verdade o que disse, é verdade o que disse.» Fiquei contente com essas afirmações.
O passado, Sr.ª Deputada e minha querida amiga, chama-se reforma agrária;...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... o passado chama-se Alqueva; o passado chama-se ocupações selvagens,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... o passado chama-se destruição da agricultura alentejana;...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... o passado chama-se a destruição do tecido económico-social e político do nosso querido Alentejo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E esse passado não é meu, Sr.ª Deputada, é seu e da sua bancada.

Aplausos do PSD.

Sr.ª Deputada, minha boa amiga, também estou muito preocupado, mas as preocupações que trouxe a este Plenário não são exclusivamente minhas. As preocupações que transmiti - e isso está gravado - foram as apresentadas pelas associações de agricultores, pelas cooperativas do distrito, com quem reuni, com quem trabalhei no Governo Civil, de quem recebi contributos para esta intervenção.
Aliás, fiz questão de afirmá-lo e de trazer hoje a Plenário as suas preocupações. Não fiz só uma intervenção política de minha autoria. Esta autoria é o sentir e o sentimento das associações que me pediram para ser o seu porta-voz aqui.
Falou V. Ex.ª em procissões no Alentejo, em visitas no Alentejo. Poderia falar até em peregrinações ao Alentejo, pois hoje estamos na ordem do dia. A comunicação social trouxe-nos para a rampa do País e há muitas peregrinações ao Alentejo. Foi preciso não chover durante uns meses para que o Alentejo passasse para as primeiras páginas dos jornais e dos noticiários e despertasse o interesse dos políticos. Isso é bom para o nosso Alentejo. Se calhar há males que vêm por bem, se calhar esta seca tem conduzido a que o Alentejo se torne hoje neste grande exemplo. Felizmente, amanhã temos S. Ex.ª o Sr. Presidente da República todo o dia em Beja, a visitar as zonas atingidas pela seca.
Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, a intervenção de V. Ex.ª foi mais uma intervenção política, de uma competente política que muito admiro, tendo-me até já manifestado publicamente nesse sentido. Perfilo-me perante a capacidade política de V. Ex.ª que é uma verdade.
Como bem disse, tive também a honra e o privilégio de ser, durante seis anos, representante do Governo do Prof. Cavaco Silva no distrito de Beja. Logo, não estou habituado a estas lides parlamentares nem aos artifícios da dialéctica para confundir as questões, iludir o adversário e driblar aqui as questões.
Fiz uma intervenção sobre o que pesa neste momento e que são as preocupações da agricultura do meu distrito, do nosso distrito, meu por nascimento, seu por adopção política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas não renego a capacidade, que fez o favor de relembrar aqui, de, como representante do Governo durante seis anos, ter um profundo conhecimento das questões do distrito de Beja. É esse profundo conhecimento que me dá autoridade moral e política para, a este local, a esta Câmara, a este órgão pleno de soberania, poder trazer, com força e com veemência, as preocupações dos meus concidadãos alentejanos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Digo-lhe, Sr.ª Deputada, que não percebi - terá de me explicar isso noutro local ou na reunião que solicitou ao Sr. Governador Civil para a próxima segunda-feira, na qual estarei presente e para a qual terei muito prazer em contribuir - essa história de pagar a água na fronteira. Não entendi!... Até porque a fronteira do distrito de Beja com Espanha é Vila Verde de Ficalho, que é uma fronteira azul e está aberta! Não entendi o que é pagar a água na fronteira - peço desculpa!
Não quero ironizar, pois estou a falar de questões muito sérias e de muita responsabilidade, mas, como não sou tribuno, quero contar-lhes uma coisa.
Ouvi há tempos um distinto humorista português - que também muito prezo - contar na televisão uma história sobre alentejanos - estão muito em moda, como sabe - e esse distinto humorista disse que, durante um comício de determinado partido político - não quero referi-lo por respeito e consideração-, o orador prometia aos Alentejanos muitas coisas. Dizia ele: «Trago-vos Alqueva», mas os Alentejanos, que estavam a assistir, respondiam: «Não queremos!» «Trago-vos o progresso e o desenvolvimento da vossa terra», dizia o político, e os Alentejanos repetiam: «Não queremos!» «Trago a felicidade para os vossos filhos, o bem-estar e a justiça social», insistia o orador, e a assistência respondia: «Não queremos!»
O político desse partido começou a ficar aflito e já nem sabia como havia de terminar o discurso. A páginas tantas parou e perguntou para a assistência: «Mas, afinal, o que é que vocês querem?!» Então, um velhote alentejano, alquebrado pelos anos, com as mãos calejadas, daqueles que trabalham de sol a sol,...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Isso já não faz parte da anedota!...

O Orador: -... daqueles, também, que ainda têm as tais pensões, voltou-se para o orador e disse: «Meu caro amigo, nós não queremos nada daquilo que vocemecê quer!»
É esta a resposta que quero dar-lhe, Sr.ª Deputada.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Conte aquela do Cavaco, que foi lá prometer uma quantidade de coisas e que nem sabiam quem ele era. Pensaram que fosse o Carlos
Cruz!

O Orador: - Para o partido que apoia o Governo, para este Governo, os Alentejanos não querem nada daquilo que o Partido Socialista queira.

Aplausos do PSD.

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A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Branco Malveiro, gostava que o Sr. Deputado tivesse poupado este momento, mas, se calhar, foi bom que o tivesse provocado.
O Sr. Deputado é homem de Serpa e sabe o que a reforma agrária trouxe a Serpa. Sabe que, tendo agora ofendido a honra da minha bancada, ofendeu a honra do povo trabalhador do distrito de Beja e, mais concretamente, a honra do povo trabalhador de Serpa, da margem esquerda.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!...

A Oradora: - Foi com a reforma agrária que os trabalhadores voltaram ao Alentejo, onde encontraram trabalho; foi com a reforma agrária que as terras alentejanas mais produziram, mas também foi com as malfeitorias que os senhores fizeram à reforma agrária que obrigaram os Alentejanos a sair da sua terra. A demonstrá-lo temos os censos de 1991, em que Beja é o distrito do País que maior desertificação sofreu. Isso não aconteceu por as pessoas terem morrido, pois também morreram nos outros distritos! Aconteceu porque as pessoas abalaram, tiveram de sair para a Suíça e para França, tiveram de emigrar dentro do próprio País para procurar o sustento das suas famílias.
E mais, Sr. Deputado: não lhe falei só do passado! Se lhe tivesse falado do passado, Sr. Deputado, teria sido para fundamentar as necessidades que temos no presente. Porque se Alqueva tivesse sido construída, porque se o plano de rega do Alentejo tivesse sido concretizado,...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Exactamente!... Muito bem!...

A Oradora: -... hoje não estaríamos aqui a colocar os problemas da seca, desta maneira.
Quanto ao futuro, Sr. Deputado, diga-me qual será o futuro da TONCIL, qual será o futuro da Cooperativa do Roxo, qual será o futuro da Fábrica de Tomate de Alvalade, qual será o futuro e de onde é que virá a água que as populações do Alentejo irão beber, qual será o futuro dos pequenos agricultores e ceareiros do regadio do Alentejo?

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Branco Malveiro.

O Sr. Branco Malveiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada: Peço desculpa se a ofendi, como a peço à bancada do Partido Comunista, por quem tenho a máxima consideração como partido português.
Quero dizer-lhe que não comento o que disse. O povo português e o povo do nosso distrito tem a resposta.
V. Ex.ª falou na desertificação humana,...

O Orador: - ... e eu podia falar noutro tipo de desertificações. Mas penso que a resposta é a análise dos resultados eleitorais das últimas eleições. Bastará V. Ex.ª verificar e comparar os resultados eleitorais das últimas legislativas para ter a resposta do eleitorado alentejano.

A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Que foram a nosso favor!...

O Orador: - Bastará V. Ex.ª ter visto o que foram os comícios do PSD, o que foi a participação dos cidadãos, o que foi a presença do Prof. Cavaco Silva no Alentejo, para ver qual é a resposta do povo da região.
Falta-nos apenas ultrapassar uma barreira no distrito de Beja: 900 votos. Nas próximas eleições falaremos, Sr.ª Deputada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É a barreira da água!...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Façam lá o Alqueva e talvez resolvam o problema!...

A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Por l se ganha e por l se perde!... Vocês perderam por 900!...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apesar desse diálogo, biálogo, triálogo ou poliálogo que ouço, a verdade e que terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 25 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 29, 30, 31 e 32 do Diário.

Pausa.

Como não há oposição, consideram-se aprovados.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, às 17 horas recebi o relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e, às 17 horas e 30 minutos, o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que contêm os pareceres de ambas as Comissões sobre o Acordo de Adesão da República Portuguesa à Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen.
Quero manifestar ao Sr. Presidente a dificuldade que não só eu mas qualquer Deputado deste Hemiciclo sentirá para, em consciência, assistir-já não digo debater - à discussão e votar esta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em concreto, o que é que pergunta à Mesa?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -É a desertificação Comunista!...

O Orador: - Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de perguntar à Mesa como pensa ela que esta

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discussão está valorizada ou desvalorizada em função do que mencionei.

O Sr. Presidente: - Está formulada a pergunta, Sr. Deputado, e a ela a Mesa responde tratar-se de textos que se encontram nas respectivas comissões já há muitas semanas. Todos os Srs. Deputados neles interessados foram lá saber em que estado se encontrava a discussão destes textos. O relatório entregue exprime o trabalho desenvolvido pelas comissões ao longo dessas semanas todas.
Srs. Deputados, passamos ao debate dos seguintes diplomas: proposta de resolução n.º 3/VI, que aprova, para adesão, o Protocolo de Adesão do Governo da República Portuguesa ao Acordo entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa, relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinado em Schengen a 14 de Junho de 1985, e o Acordo de Adesão da República Portuguesa à Convenção de aplicação do Acordo de Schengen; proposta de lei n.º 22/VI, que autoriza o Governo a rever o regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional; projecto de lei n.º 1/VI - Regularização extraordinária de estrangeiros não comunitários em situação irregular, apresentado pelo PS.
Conforme acordado entre todos os grupos parlamentares, a discussão destes diplomas far-se-á conjuntamente, podendo os tempos disponíveis para a totalidade do debate ser utilizados à livre escolha das bancadas.
A apresentação dos textos que vão ser votados será feita pelo Sr. Ministro da Administração Interna e pelo Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia.
Os pedidos de esclarecimento far-se-ão no fim da intervenção do Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando apenas oito anos nos separam do próximo milénio, é já possível apontar, como um dos mais salientes e preocupantes fenómenos do século XX, o surgimento de acentuados desequilíbrios demográficos.
O aumento da população mundial - 90 milhões de pessoas só no ano de 1990 - constitui fonte de natural preocupação para toda a comunidade internacional.
Estamos perante uma explosão demográfica, sem precedentes na história, que pode hipotecar o futuro de toda a humanidade e perturbar, de modo sensível, o ecossistema planetário.
A população do Globo triplicou desde 1900 e duplicou nos últimos 40 anos. O futuro de certos países encontra, como embaraço fundamental, o peso da sua população.
80 % da humanidade concentrar-se-á, nos próximos anos, nos países em vias de desenvolvimento, como a índia, o Paquistão, o Bangladesh, a Nigéria, a China, o Brasil e o México.
Em apenas 20 anos, a população de Abidjan poderá ser multiplicada por 100, enquanto a cidade do Cairo aumenta a uma cadência de 40 000 habitantes por mês. Por isso, torna-se imperático concretizar, sem demora, aquilo a que as Nações Unidas chamaram «política demográfica responsável». De outro modo, se não se alcançar um razoável equilíbrio entre a população e os recursos disponíveis, é a
própria civilização que corre os mais sérios riscos. O «desafio demográfico» ignora ideologias e transcende as linhas de fronteira nacionais. Assim, à semelhança de outros problemas críticos de expressão universal, como o tráfico de drogas ou a propagação da sida, só globalmente, através da colaboração e da cooperação e solidariedade internacionais, poderão encontrar-se respostas adequadas.
Não se pense, por isso, que este é assunto que não nos diz respeito! Diz respeito, tanto mais que o nosso país se encontra na imediata proximidade da bacia mediterrânica, uma das áreas do mundo de maior potencial demográfico e, como natural consequência, de maior potencial migratório.
Estima-se que a densidade demográfica duplicará, em toda a área do Magreb, nos próximos 25 anos, comprometendo qualquer veleidade de desenvolvimento económico ponderado.
O crescimento previsto da população na zona euro-mediterrânica, até ao final deste século, será desigualmente repartido: 95 % na margem sul do Mediterrâneo e apenas 5 % nos países do Sul da Europa.
Não menos flagrante é o contraste da repartição de idades entre as duas margens: a proporção de menores de 15 anos, relativamente ao total da população, é de cerca de 18 % na Comunidade Europeia e de cerca de 40 % no Sul Mediterrânico, onde se regista, consequentemente, um cada vez maior excedente de jovens não absorvidos pelo sistema produtivo.
Convém reter, como exemplo, que para fazer face às necessidades de colocação da crescente mão-de-obra disponível só a Turquia e o Egipto teriam de criar, em cada ano e durante 10 anos consecutivos, quase 1 milhão de novos empregos!
É grave a situação, perdurando no tempo, quer na África Mediterrânica quer na região subsaariana!
É por isso que a população africana, hoje composta por 650 milhões de habitantes, duplicará dentro de cerca de 20 anos, alcançando então o efectivo da população chinesa.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não se julgue que a pressão migratória sobre a Europa, neste caso resultante, em grande parte, de um exponencial crescimento demográfico, se confina ao eixo geográfico Sul-Norte. Mais recentemente, a partir de 1989, ela começou a fazer-se sentir em outro rumo, na sequência do derrube do Muro de Berlim e dos acontecimentos históricos que a ele se seguiram.
A desintegração do império soviético e a progressiva liberalização dos regimes políticos e económicos que vigoravam nos países do Leste da Europa vieram revelar o enorme potencial migratório, até então controlado, das respectivas populações.
A lenta e dolorosa reconversão das economias, das instituições políticas e das próprias linhas de fronteira tem provocado, numa primeira fase, elevadíssimos custos sociais, com destaque para o desemprego e a alta do custo de vida.
Só a desmilitarização da economia da antiga União Soviética terá conduzido ao desemprego uma enorme percentagem dos 18 milhões de civis que trabalhavam directamente nos sectores da defesa e da indústria de armamento.
Num país, hoje fragmentado, em que o pleno emprego era mantido de forma artificial e o trabalho se quedava por baixos níveis de produtividade, a transição para a economia de mercado poderá custar, a prazo, algumas dezenas de milhões de desempregados, dos quais um

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grande número procurará, de certo, emigrar para a Comunidade Europeia.
Ainda que se possa formular, a médio prazo, um prognóstico favorável para a economia dos países do Leste Europeu, a verdade é que, nos próximos cinco anos, as disparidades de rendimentos entre as suas populações e as da Europa Ocidental tendem ainda a crescer em vez de diminuir.
Acresce, ainda, como circunstância motivadora da emigração, a instabilidade resultante dos conflitos de natureza étnica e nacionalista, envolvendo albaneses e sérvios no Kosovo, arménios e azeris no Azerbeijão, romenos e magiares na Transilvânia, entre outros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pese embora a diferente natureza e dimensão das correntes migratórias, bem como a forma diversa como se repercutem em cada país, é incontestável que se tem vindo a verificar, em todos os Estados membros da Comunidade Económica Europeia, com excepção única da Irlanda, um nítido aumento dos fluxos de imigração.
Os Doze estão confrontados com uma pressão migratória proveniente, em especial, do Norte de África, da Europa do Leste e dos países que em tempos idos constituíram colónias de cada um dos Estados membros.
Actualmente, residem no conjunto dos Estados membros, que constituem a Comunidade Europeia, cerca de 8 milhões de imigrantes originários de países terceiros, de entre os quais 6 milhões provêm de países em vias de desenvolvimento.
Devem ser ainda contabilizados, para além destes, cerca de 2 a 3 milhões de imigrantes clandestinos, dos quais metade, aproximadamente, se radica em Itália, Espanha, Grécia e Portugal.
A não serem tomadas medidas adequadas, estima-se que nestes quatro países do Sul da Europa poderão encontrar-se instalados, no ano 2000, isto é, dentro de oito anos, entre dois e três milhões de imigrantes clandestinos.
A posição geográfica de Portugal se, por um lado, justifica a menor intensidade, aqui sentida, dos movimentos migratórios provenientes do Leste Europeu, por outro lado, torna flagrante a nossa especial proximidade do Norte de África e fundamenta, por conseguinte, uma inevitável e permanente exposição aos fluxos provenientes do Magreb que, num futuro próximo, não deixarão certamente de se acentuar.
No momento que passa, porém, ainda é claramente marcante a preponderância dos movimentos migratórios provenientes dos países Lusófonos, com destaque para Cabo Verde, Angola, Guiné e Brasil.
É reconhecidamente impossível fazer cessar os fluxos migratórios! Urge, no entanto, encontrar a melhor e mais razoável forma de geri-los, de molde a adequar a sua cadência e amplitude à capacidade de acolhimento dos países que os recebem, sem perder de vista que o fenómeno migratório tende a alimentar-se a si próprio, circunstância essa que nunca deverá ser subestimada nos prognósticos de evolução.
Efectivamente, e porque o respeito pelo «reagrupamento familiar» constitui, para Portugal e os restantes membros da CEE, um imperativo moral, não nos podemos esquecer que o número de imigrantes actualmente no nosso país e nos demais Estados da Comunidade pode ser multiplicado, em pouco tempo, três ou quatro vezes, logo que ao trabalhador estrangeiro se vierem juntar os restantes membros da sua família.
Por tudo isto, é hoje firme a convicção de que, nesta matéria, como afinal em tantas outras, as políticas exclusivamente nacionais não constituem resposta cabal e satisfatória.
O fenómeno das migrações requer, pelo contrário, a tomada de posições comuns, articuladas e coerentes, sobretudo agora quando vai enfim abrir-se, na Comunidade Europeia, um vasto espaço sem fronteiras internas onde, por isso, difícil se tornará controlar a passagem, de um para outro Estado membro, de imigrantes extracomunitários.
Sem que se pretenda constituir uma Europa «fortaleza», os Doze tem o dever e a natural conveniência de, entre si, colaborarem na busca de soluções capazes de anular os efeitos perversos que, indirectamente, resultariam de uma pura, simples e descompensada aplicação do princípio da livre circulação de pessoas.
O projecto de construção do grande mercado único, compreendendo um espaço sem fronteiras internas dentro do qual se assegura a livre circulação, tem de combater a criminalidade organizada, o terrorismo, os tráficos de droga e de armas, bem como controlar a imigração proveniente de países terceiros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dando corpo a um crescente sentido de mútua cooperação e de estreita interdependência, cada Estado membro passa a ser responsável não apenas pela sua comunidade, incumbindo-se, desde logo e com todo o necessário rigor, do controlo nas fronteiras externas e da entrada no território dos Doze.
Do esforço de harmonização e de acção concertada que, neste sentido, tem vindo a ser prosseguido, quer a nível comunitário, quer no âmbito da cooperação intergovernamental, resultaram já instrumentos de grande interesse e relevante significado.
É o caso, entre outros, da Convenção sobre a Passagem das Fronteiras Externas, que se espera possa ser brevemente assinada e que estabelece o conteúdo da noção de fronteira externa, que define as condições da sua transposição e que determina as condições de emissão e utilização de vistos, delineado um sistema que permita uma política comum de vistos.
É o caso, ainda, da Convenção de Dublim, de 15 de Junho de 1990, que permite determinar o Estado membro responsável pelo exame de um pedido de asilo.
Cabe aqui referir que os Estados membros, reafirmando o seu empenho em conceder protecção aos refugiados, no escrupuloso respeito pela Convenção de Genebra e pelo direito humanitário internacional, se mostram determinados para combater a apresentação - fraudulenta e abusiva - de pedidos de asilo por parle de um número crescente de estrangeiros extracomunitários, que assim pretendem furtar-se ao regime geral de admissão estabelecido nas leis da imigração.
E o caso, enfim, do Acordo de Schengen, que se propõe antecipar o «derrube» das fronteiras internas e o correspondente reforço das fronteiras externas.
Nele se prevêem, designadamente: a harmonização da política de concessão de vistos a estrangeiros, de forma a evitar as consequências negativas em termos de imigração e segurança, decorrentes da simplificação dos controlos de fronteiras, tendo em conta a necessidade de prevenir e combater a imigração clandestina e as actividades susceptíveis de causar dano à segurança comum; a articulação das acções de lula contra a imigração ilegal; a harmonização das políticas nacionais de combate à droga e ao tráfego de armas, entre outros aspectos que também

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hoje estão aqui colocados perante a Câmara. Mas sobre este Acordo aqui falará melhor e mais detalhadamente o Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: E neste quadro que o Governo apresenta a esta Assembleia o pedido de autorização legislativa que visa habilitar o Governo a: primeiro, transpor as directivas comunitárias aplicáveis e regular as condições de entrada e permanência de cidadãos comunitários em Portugal, segundo, transpor as directivas comunitárias aplicáveis e regular as condições de entrada, permanência, saída e expulsão do território nacional; terceiro, aprovar medidas excepcionais destinadas a regularizar a situação dos cidadãos não comunitários que se encontrem no País em situação ilegal.
No primeiro caso, trata-se de acolher dois regulamentos e transpor um conjunto de directivas comunitárias, que VV. Ex.as tão bem como nós conhecem, e não vou, por isso, neste aspecto, alongar-me.
O mesmo não farei quanto à autorização para rever o regime legal de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros de território nacional, que visa dar resposta às novas exigências que se colocam a Portugal como país de imigração situado no espaço comunitário.
O quadro legal vigente nesta matéria data de 1981, antes ainda, por conseguinte, da nossa entrada, com membro de pleno direito, na Comunidade Europeia.
Entre outros, constituem traços fundamentais do novo regime os seguintes: primeiro, o aperfeiçoamento da disciplina de concessão de vistos, adequando as suas modalidades, formalidades e duração às particulares exigências e à diversidade dos propósitos dos cidadãos estrangeiros requerentes; segundo, a clarificação dos critérios de concessão de autorização de residência; terceiro, o reforço das garantias de controlo para obviar situações de permanência ilegal; quarto, a possibilidade de expulsão, por autoridade administrativa, quando o estrangeiro se introduza ou permaneça ilegalmente em território nacional.
A este respeito, e em parêntesis, importa que esta nova modalidade de expulsão, que acresce à expulsão decidida por autoridade judicial, resulta da última revisão constitucional e vem permitir que Portugal deixe de ser o único Estado membro da Comunidade Europeia em que a expulsão do país de cidadãos estrangeiros decorre exclusivamente de sentença proferida pelos tribunais.
O quinto aspecto é a possibilidade de, nos processos de expulsão, o juiz competente determinar, para além das medidas de coacção previstas no Código de Processo Penal, a obrigação de apresentação periódica no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou determinar a instalação do expulsando em centro próprio, enquanto aguarda a saída do País; sexto, a criação de tipo legal de crime de auxílio à imigração ilegal, punindo quem favorecer ou facilitar a entrada irregular de cidadão estrangeiro em território nacional; sétimo, a criação do tipo legal de crime de associação de auxílio à imigração ilegal.
São estes os sete aspectos que se me afigura útil realçar, por serem os que mais expressivamente marcam a diferença entre a legislação em vigor e aquela que, com base na autorização que se solicita, virá a ser aprovada.
Não escondo, pelo contrário, que se trata de legislação mais restritiva, que visa colocar mais sérios e eficazes instrumentos ao serviço da luta contra a emigração ilegal. Insensato seria que não fosse este, nesta hora, o caminho escolhido por Portugal!
Quanto ao terceiro ponto mencionado - a aprovação de medidas excepcionais destinadas a regularizar a situação de cidadãos não comunitários que se encontrem no nosso país em situação ilegal -, Sr. Presidente, Srs. Deputados, com esta iniciativa, o Governo pretende resgatar à clandestinidade muitos milhares de trabalhadores extra-comunitários, sobretudo de países lusófonos, que vêm mantendo, alguns desde há muitos anos, uma existência encoberta e sobressaltada, por não se encontrarem legalmente habilitados a residir em Portugal.
De um ponto de vista social, a existência de situações de ilegalidade significa a aceitação da marginalização com o cortejo de consequências inevitáveis: ausência de protecção social, exploração no mercado de trabalho, incremento de marginalidade, convite à delinquência e ao crime. Trata-se, pois, de acabar com a hipocrisia de fazer de conta que não vemos o que está à frente dos nossos olhos!
É, evidentemente, uma medida de carácter excepcional e temporário e encontra paralelo em programas de idêntico sentido, levados a cabo em França, Itália e Espanha.
Como regra geral, exige-se prova bastante de condições económicas de subsistência e da chegada ao nosso país em data que anteceda, em 180 dias, pelo menos, a entrada em vigor do diploma. É compreensível a exigência deste prazo! O propósito da medida não é, não pode ser!, o de reconverter pretensos turistas, recém-chegados a Portugal, em residentes permanentes, mas tão-só o de conceder, a quem já se encontre minimamente enraizado, a possibilidade de consolidar e estabilizar a sua permanência.
Todavia, cube assinalar que são diferentemente contemplados, com especial consideração, os cidadãos oriundos de países de língua oficial portuguesa que tenham entrudo no Puís em data anterior a l de Junho de 1986.
A estes, levando em conta o tempo desde então transcorrido, indicador de paulatino enraizamento e de progressiva inserção na sociedade portuguesa - facilitada, aliás, pelo domínio da língua comum -, apenas se exige a prova da presença continuada em território nacional desde essa data.
Pura que a medida alcance o maior número possível de destinatários, o diploma consagra incentivos vários, isentando os trabalhadores estrangeiros, bem como os seus empregadores, de responsabilidades pela declaração da situação de permanência ilegal e de emprego ilegal, respectivamente, e prevê a constituição de uma vasta rede de postos de recepção dos requerimentos, alargada a todos os distritos do continente e às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.
Este constitui o primeiro programa de regularização extraordinária de estrangeiros em situação de clandestinidade. E importa dizer, com clareza, que será, sem qualquer dúvida, o último! Foi inspirado, em grande parte, por razões de natureza humanitária, considerando a circunstância de muitos dos seus naturais destinatários terem nascido cidadãos portugueses.
Medidas desta natureza -repito-o, para que não restem dúvidas - não voltarão a ser aplicadas! Não apenas porque os compromissos assumidos pelo Estado português - designadamente no âmbito do Acordo de Schengen e no contexto da Comunidade Europeia - o não permitem, como ainda porque se pretende deixar claro que a clandestinidade não constitui, nem deve nunca constituir, um meio de acesso, a prazo, à fixação legal de residência em território nacional.
E não terminarei, neste aspecto, sem deixar claro que esta iniciativa traduz não a benesse de um governo ou de um qualquer partido a um conjunto largo de ilegais, mas

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antes uma indiscutível prova de solidariedade da comunidade nacional para com este grupo enorme de cidadãos à maior parte dos quais nos ligam indesmentíveis e indeléveis laços de história e civilizacionais.
O que se espera é que tais cidadãos aproveitem desta oportunidade simples e que através dela se ponha termo ao sobressalto quotidiano de quem vive em regime de clandestinidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As possibilidades de integração de imigrantes estrangeiros não são ilimitadas, nem em Portugal, nem em nenhum dos Estados membros da Comunidade Europeia, nem em qualquer outro país ou continente ou do mundo.
O potencial de imigração é, hoje em dia, tão elevado que excede virtualmente a capacidade de acolhimento dos países, como os da CEE, os Estados Unidos ou o Canadá, que exercem mais intensa atracção.
Nestas circunstâncias, não é compatível descurar o controlo dos fluxos migratórios, facultando a desordenada instalação de novos imigrantes e, em simultâneo, melhorar as condições de vida daqueles que já se encontram radicados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se quisermos - como, de facto, queremos! - promover a plena integração dos estrangeiros residentes, a melhoria do seu acesso à educação, aos cuidados de saúde, a uma habitação digna, à segurança social e à formação profissional, se quisermos - como, de facto, queremos! - combater a discriminação, a exclusão social, a fragilidade económica, o emprego precário e o trabalho clandestino, se quisermos - como, sem dúvida, queremos! - valorizar o trabalhador estrangeiro residente em Portugal, garantindo-lhe, em paridade com os cidadãos portugueses, o efectivo exercício dos direitos económicos, sociais e culturais que a lei a todos confere, então, convenhamos, não nos resta outra alternativa que não seja a de limitar, de forma criteriosa e prudente, a fixação de novos imigrantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós portugueses somos filhos dos homens e mulheres que tiveram um dia de deixar a sua terra e os seus em busca de uma vida mais digna!
Trazemos na nossa alma colectiva o sofrimento e a dor, mas também as realizações daqueles que nas sete partilhas do mundo dão de nós testemunho que nos orgulha.
Porque este é um traço do nosso passado colectivo, queremos que os imigrantes, que escolham Portugal como país de acolhimento, aqui tenham uma vida de inteira dignidade e de realização económica, social e cultural.
Queremos, e queremo-lo em tão grande medida como queremos para os nossos próprios concidadãos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem de seguida a palavra o Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia.

O Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia (Vítor Martins): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A história da Europa é, em grande parte, a história das suas fronteiras. Pelo seu desenho - natural, umas vezes, artificial, outras, de compromisso, tantas vezes também - se descobre o fio da história, não raras vezes sangrenta, muitas vezes polémica!
E ainda agora o Leste do nosso continente vive, em inquietação, o reaparecimento da querela das fronteiras, quase sempre ligada aos nacionalismos, que perduram para além de ideologias e de vicissitudes políticas, que preenchem gerações, mas que, à luz do devir universal, não se revelam mais do que mera conjuntura histórica.
Não é, por isso, de espantar que o que tenha a ver com fronteiras provoque debates vivos, muitas vezes apaixonados. Assim, Schengen, enfrentando, como enfrenta, questões que relevam das fronteiras, não escapa a essa lógica.
E tanto quanto devemos evitar que o debate de Schengen se faça em torno de questões que lhe não dizem respeito, que o transcendem no objecto e no alcance, também devemos, de igual modo, evitar qualquer subestimação, a meu ver perigosa e leviana, do que efectivamente está em causa.
Pedia licença para começar justamente por aí, ou seja, por tentar situar, na medida certa, o que é Schengen e o que ele significa para nós.
Importa, desde logo, sublinhar que o Acordo de Schengen, que VV. Ex.as tem agora presente para decisão, não visa combater as fronteiras no sentido de diluir identidades, de amalgamar culturas, de enviesar o carácter individualizado dos povos da Europa. O que o Acordo contempla, como objectivo central, é assegurar a liberdade de circulação das pessoas na perspectiva que lhe foi dada pelo Acto Único Europeu, isto é, através da criação de um espaço sem fronteiras, daí que um dos objectivos centrais da sua arquitectura seja justamente a supressão dos controlos nas fronteiras internas dos Estados signatários.
É evidente, contudo, e isso mesmo encontra expressão quer no Acordo quer na Convenção de Aplicação, que a eliminação dos controlos nas fronteiras internas impõe o preenchimento de condições indispensáveis à sua realização. Desde logo, porque não é aceitável que o exercício da liberdade de circulação de pessoas possa induzir uma diminuição de segurança, da segurança em geral e, em particular, da segurança que é devida a todos os cidadãos.
Conciliar a liberdade de circulação com segurança é um dos desafios a que Schengen vai procurar responder. Por outro lado, as garantias de segurança não podem ser alcançadas por via de qualquer desvio ou atropelo, explícito ou implícito, às liberdades individuais, ao respeito do homem, do cidadão e da sua dignidade.
Assim, a livre circulação de pessoas, a segurança e as liberdades individuais constituem pontos centrais da arquitectura de Schengen.
Seguidamente, passarei a salientar quais as condições para a implementação de Schengen, e passo a fazê-lo com compreensível brevidade.
Primeiro, a efectiva eliminação de todos os controlos físicos nas fronteiras internas dos estados signatários; segundo, as garantias para o exercício de um efectivo controlo nas fronteiras externas - sempre da responsabilidade de cada Estado, mas a praticar em moldes suficientemente harmonizados para assegurar a indispensável segurança no espaço interno, nomeadamente assegurando a filtragem eficaz contra o tráfico de estupefacientes e de armas, contra a imigração clandestina e contra a criminalidade, em geral; terceiro, as modalidades de cooperação policial e judiciária mínimas para impedir que a eliminação dos controlos das fronteiras possa contribuir para a impunidade dos tráficos ilícitos e, por via disso, para o aumento de insegurança dos cidadãos. É nossa perspectiva que se deve ler grande número de disposições da Convenção de Aplicação do Acordo e, em particular, a criação do sistema de informações Schengen; quarto, as garantias de protecção dos direitos do cidadão,

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nomeadamente das liberdades individuais, em especial a protecção da privacidade, controlando os limites do sistema de informação e impedindo a sua utilização abusiva. A este propósito recordo que a entrada em vigor só poderá ocorrer no quadro das garantias de um respeito integral da Convenção do Conselho da Europa de 1981. Permito-me acentuar que isso mesmo consta explicitamente da Convenção e a participação dos Estados em Schengen exige prova de que assim é e assim será; quinto, as alterações infra-estruturais, em particular a nível dos aeroportos, que permitam executar Schengen de acordo com a sua letra e sem qualquer traição ao seu espírito.
Surge muitas vezes Schengen associado à ideia de «Europa fortaleza», slogan habilmente invocado por muitos dos que não concordam com a construção europeia ou temem o seu sucesso. Por detrás dessa bandeira, como bem sabemos, se têm escondido muitos dos críticos do processo de construção europeia. Schengen não é o embrião da Europa fechada ao exterior. Na realidade, há que sublinhar desde logo que Schengen vem criar um espaço de liberdade de circulação do qual beneficiarão não só os nacionais dos Estados signatários, como também os cidadãos dos restantes Estados membros da Comunidade, bem como de países terceiros, desde que estes tenham entrado regularmente no seu território.
A Convenção contém disposições que permitem assegurar o combate à imigração clandestina que é, reconhecidamente em muitos casos, fenómeno potenciador da marginalidade e da criminalidade.
Não é do interesse nem dos Estados signatários, nem dos Estados terceiros, nem dos imigrantes devidamente legalizados, promover o desregramento da imigração por via da clandestinidade, sempre vizinha de graves consequências sociais e humanas.
Outro aspecto que a Convenção de Aplicação aborda e que, como tal, merece especial destaque é a questão do direito de asilo. A este respeito, a Europa da livre circulação continuará solidária no acolhimento de cidadãos de países terceiros. Neste espírito, os Estados signatários expressamente reafirmaram o respeito pelos compromissos decorrentes da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados e do Protocolo de Nova Iorque, bem como os compromissos de cooperação com os serviços do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
A Convenção de Aplicação não obriga qualquer harmonização de direito das partes em matéria de asilo. Mantêm-se, assim, em cada Estado, as práticas e tradições constitucionais relativas ao acolhimento dos refugiados. Não obstante, a supressão das fronteiras internas acarreta consequências sobre a possibilidade de deslocação dos requerentes de asilo no interior de um espaço único. Neste sentido, a Convenção vem clarificar as regras para a determinação do Estado que será responsável pela análise de um pedido de asilo. Este regime acrescenta, deste modo, uma garantia suplementar à situação actual, permitindo que todo o pedido de asilo apresentado num ou vários Estados Schengen seja analisado, pelo menos, por um desses Estados, o qual acolherá o requerente até ao fim da respectiva instrução. Acresce que a fixação de critérios para a determinação do Estado responsável por esta análise poderá sempre ser derrogada por razões humanitárias ou outras.
Uma referência especial à política de vistos de curta duração. Numa primeira fase prevê-se que os Estados signatários procedam ao reconhecimento mútuo dos vistos nacionais e, numa segunda fase, ao estabelecimento de um visto uniforme válido para lodo o território Schengen. Parece importante relevar que aos Estados signatários é aberta a possibilidade de derrogar, a título excepcional e por motivos imperiosos da política nacional, o regime comum de vistos.
O edifício de medidas relativas ao controlo de estrangeiros salvaguarda as ligações preferenciais de Portugal com alguns Estados terceiros, designadamente o Brasil e os países africanos de língua oficial portuguesa.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Acresce mesmo que a implementação de Schengen proporcionará um valor acrescentado para os cidadãos desses países ao ser-lhes garantida a circulação livre no espaço Schengen, por três meses, após a entrada regular em Portugal. Poderia dizer-se que os laços que Portugal detém com esses países resultam projectados, ao menos parcialmente, para o espaço Schengen.
Mas, a meu ver, não devem confundir-se laços preferenciais com desrespeito pelas normas legais em vigor, com desvio na transparência de processos, tal como seria perigoso confundir atitude de abertura ao exterior com contemporização e laxismo face a flagelos como á droga, o terrorismo e a criminalidade.
Schengen não é seguramente um acordo perfeito, um acordo acabado, uma meta. É sobretudo um movimento de vontade política, de um conjunto de Estados que acredita na livre circulação de pessoas como uma exigência de integração europeia e como uma base fundamental para a construção progressiva de uma verdadeira cidadania europeia.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não se trata de um «ene ía v e», muito menos de um entrave à construção comunitária. Trata-se antes de um factor de impulsão relativamente a um dos seus objectivos mais nobres. E a história da própria Comunidade demonstra à evidência a importância decisiva dos impulsos que iniciativas políticas, aparentemente parcelares ou incompletas, podem ter para dinamizar o processo de integração.
Foi assim com a criação do Benelux, foi assim com a criação da CECA, que se constituíram como pilares e como vectores da construção europeia contribuindo para o dinamismo que tem conhecido desde os anos 50.
Gostaria de deixar claro, contudo, que decorre do Acordo e da Convenção, e é ponto que o Governo tem como exigível que Schengen em nada prejudica o debate a nível dos Doze sobre esta matéria.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Este entendimento é, aliás, partilhado pela própria Comissão das Comunidades Europeias, a qual tem vindo a ser estreitamente associada a todo este processo. Nesta medida, tão-pouco se poderá ver em Schengen uma tentativa intergovernamental de lhe retirar o direito de iniciativa nestas matérias. Com efeito, a Convenção de Aplicação não prejudica as acções a tomar na Comunidade, encontrando-se expressamente salvaguardado no seu texto o princípio do primado do direito comunitário, extensivo não só aos actos das instituições, como às convenções a concluir entre os Doze.

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Não deixa, no entanto, de ser expressivo o facto de as soluções encontradas em Schengen constituírem um modelo que muito tem contribuído para alguns progressos realizados em certos domínios na Comunidade. Prova desta afirmação é a Convenção de Dublim de Junho de 1990, relativa à determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, e também o projecto de convenção de passagem das fronteiras externas. Ainda neste momento, Schengen continua a funcionar como um poderoso precedente nas negociações em curso para a elaboração de um sistema europeu de informações. Com efeito, e dando cumprimento às conclusões do Conselho Europeu de Maastricht, os Doze acordaram em trabalhar sobre a base das disposições relativas ao Sistema de Informações Schengen.
Schengen não será a Europa a duas velocidades. De resto, lembro aqui que a livre circulação de pessoas é prioridade da presidência, que procura contribuir para combater o défice que a realização do mercado único revela nesse domínio. E o próprio Tratado de Maastricht deverá apontar na direcção que é a de Schengen. Do ponto de português, este Acordo passará a ser apenas (e será já muito) uma referência na história da integração europeia quando a Comunidade estiver em condições de assumir, em plenitude, o espaço sem fronteiras, em todas as suas dimensões e vertentes e no quadro de um conjunto coerente de políticas comuns e de cooperação intergovernamental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo assinou em Junho do ano passado a adesão ao Acordo de Schengen de 1985 e respectiva Convenção de Aplicação de 1990. Fizemo-lo por opção política e sem hesitações; porque fomos coerentes com a prioridade que sempre demos à livre circulação de pessoas no espaço europeu; porque somos fiéis ao compromisso de favorecer a integração dos nossos compatriotas que vivem e trabalham em Estados signatários de Schengen;...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... porque acreditamos que este Acordo é um instrumento político que abre caminho à aceleração da integração europeia de que nos reclamamos; porque entendemos que seria imperdoável erro político automarginalizarmo-nos de um movimento europeu desta dimensão e desta natureza; porque consideramos que participar em Schengen é estar na primeira linha da construção europeia; porque ponderamos que a nossa presença no Acordo, longe de enquistar o relacionamento com os Estados terceiros preferenciais, reforça a nossa colaboração fraterna e porque consideramos que Schengen proporciona o aprofundamento dos nossos laços com os outros Estados europeus signatários.
Reconheço que para eliminar os controlos nas fronteiras é preciso coragem política. Reconheço que para aceitar Schengen é necessário assumir a construção europeia como caminho irreversível.
Mas há momentos em que é preciso ir ao encontro da história, em que é preciso evitar a tentação de esperar pela história, o que normalmente se paga por atrasos e vulnerabilidades que o nosso país pôde já testemunhar no passado.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para interpelar a Mesa e para dirigir uma proposta metodológica que creio dever ser formulada neste momento, e não depois.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não vou comentar, como é óbvio, nesta sede, os discursos produzidos pelos membros do Governo, mas gostaria de apresentar uma proposta política à Câmara e, naturalmente, ao Governo também, enquanto interlocutor e agente parlamentar.
Foram aqui apresentadas e introduzidas questões da mais alia importância, por todas as razões evidentes, que me dispenso de reforçar, e que exigem uma aproximação cuidadosa e informada; acabámos de aprovar na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias um relatório, com um consenso alargado, sobre o Acordo de Schengen; e, não entrando nas questões polémicas que agora foram introduzidas pelo Sr. Ministro e pelo Sr. Secretário de Estado, ficou estabelecida de comum acordo a realização de um colóquio sobre esta matéria a curto prazo.
A proposta política que gostaria de formular é, pois, a seguinte: no tocante ao Acordo de Schengen, reputamos de fundamental que hoje se debata, mas não se vote, e que a Câmara não aja sob impulso ou suspeição de actuar de afogadilho. Ora, havendo consenso tendencial da Comissão quanto a este ponto, a minha proposta é no sentido de que o Governo aceite - e interpelava-o directamente nesse sentido - este diferimento por alguns dias no sentido de que a Câmara possa realizar, no ínterim, certas diligências, inclusivamente contacto ministerial e um colóquio público, para aprofundar alguns dos aspectos que hoje vamos aqui discutir. Devemos também discuti-los voltados para o exterior e com conhecimento adicional de alguns dossiers, nos termos do relatório, que tive aliás o gosto de subscrever com o Sr. Deputado Guilherme Silva esta tarde.
É esta a proposta, Sr. Presidente, que para nós é muito importante em termos de posicionamento deste debate.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa no sentido de manifestar concordância com a necessidade de que, antes da votação, haja possibilidade de aprofundar o debate, que, tal como já foi por todos reconhecido, não foi ainda suficiente.
Entretanto, informo que já temos preparado um requerimento, que entregaremos à Mesa, para que a proposta de resolução relativa ao Acordo de Schengen possa baixar à comissão sem votação por um prazo de 15 dias.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Também sob a forma de interpelação à Mesa, para se pronunciar sobre esta questão, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

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O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, como disse o Sr. Deputado José Magalhães - e neste ponto concordamos inteiramente - estamos hoje aqui a debater questões da mais alta importância e relevância para o nosso país, não apenas para o futuro mais próximo, mas mesmo para o futuro mais longínquo.
Pela nossa parte, queremos debater estas questões com a profundidade e o zelo que efectivamente requerem. Não fomos nós - como não somos, a esse nível, agente parlamentar para o ter definido - que estabelecemos a grelha para este debate. Mas para nós, Sr. Deputado José Magalhães e Srs. Deputados, esta questão é muito simples: estaremos aqui uma hora, duas horas, três horas, as horas que os Srs. Deputados quiserem. Como também não temos nada a opor a que a Câmara, para mais completo debate e para um mais completo esclarecimento, possa fazer aquilo que entenda a seguir a este debate.
Em relação ao momento da votação também não é ao Governo, enquanto agente parlamentar, que cabe decidir. Deixamos isso à Mesa da Assembleia, ao critério dos Srs. Deputados, sendo certo que se é clara, por um lado, a relevância e a importância destes diplomas, também não é menos verdade que o seu conhecimento por parte dos Deputados, e sobretudo por parte dos Deputados mais interessados por estas matérias, não vem de há um dia, nem de há dois dias, nem de há uma semana, nem de há duas semanas, nem de há um mês, vem de há muito tempo...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - São documentos que têm estado à disposição de muita gente, e em particular de todos os Srs. Deputados desta Câmara, sem excepção.
Por outro lado, também queria salientar que, em alguns aspectos, ao lado da relevância, e sobretudo talvez até porque se trata de coisas relevantes, há alguma urgência. O quadro que aqui tracei no meu discurso, e que o Sr. Secretário de Estado também já traçou, dá-nos bem a noção dessa urgência.
Sr. Deputado José Magalhães, permita-me que destaque em particular - sem me reportar, repilo, a uma decisão que diz respeito à Câmara, e só à Câmara, que é o momento da votação - uma matéria em que me permito avançar opinião à Câmara. Trata-se da autorização que permitirá o diploma sobre a legalização extraordinária, cujos prazos são já muito apertados, são já muito difíceis de cumprir para a máquina administrativa do Estado e causaria, porventura, forte dano a todo este processo - que viria em desvantagem dos seus principais beneficiários - se retardássemos este aspecto.
Mas que mais posso dizer, Sr. Deputado, sobre isto? Seguramente que mais nada!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Penso que a questão levantada pelo Sr. Deputado José Magalhães se coloca basicamente em relação a Schengen. Em todo o caso, quero adiantar o seguinte: o problema da votação, creio eu, deve ser decidido em sede de Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O PSD, e penso que também o Governo, não levanta obstáculo a que a votação tenha lugar de hoje a oito dias, ou seja, não nos opomos a uma dilação do tempo normal de votação, que seria hoje ou na próxima terça-feira.
As questões que o Acordo de Schengen levanta são questões que, obviamente, não se esgotam na aprovação desta resolução por pane da Assembleia da República, são questões para as quais a Assembleia há-de continuar a ser chamada para além da ratificação.
E em resolução ao próprio colóquio que eventualmente venha a realizar-se, não é requisito indispensável que seja prévio a esta votação. É que, repito, as questões de Schengen e o interesse que as mesmas têm para a Assembleia são questões que se prolongam para além disso e talvez comecem fundamentalmente com a ratificação. Penso que uma coisa não exclui a outra, nem me parece, do ponto de vista regimental, que seja muito adequado subordinar a votação de uma matéria debatida em plenário da Assembleia a um colóquio exterior aos trabalhos regimentais,...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: -... que apoiamos, que entendemos poder ser útil ao aprofundamento das questões que Schengen levanta, mas não me parece que seja de todo indispensável e prévio à sua votação, embora haja consenso para uma semana de dilação neste sentido.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, se no fim do debute for apresentado algum requerimento a pedir a baixa à comissão naturalmente que a Mesa o submeterá a votação. Se esse requerimento não for votado favoravelmente, naturalmente que a votação da proposta de resolução, de acordo com o Regimento, terá lugar na próxima sessão.
Entramos agora no período de pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro e ao Sr. Secretário de Estado.
Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, o meu pedido de esclarecimento radica numa preocupação antiga que já tive oportunidade de formular noutra sede, não tendo obtido uma resposta satisfatória.
Concretamente, desejo saber como é que o Governo pretende compatibilizar os tratados existentes entre Portugal e o Brasil, designadamente o Acordo de Vistos de 1960, com os compromissos assumidos nos instrumentos de adesão ao Acordo de Schengen.
Sr. Ministro, pretendia também saber se o Governo vai produzir uma declaração interpretativa que clarifique a situação dos Brasileiros, designadamente sobre qual é o regime dos acordos de readmissão. Portanto, eram estas questões que gostava de ouvir respondidas.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, dado que temos votações para fazer, se a Câmara o entender, para não as introduzirmos no meio do debate, procederíamos à sua concretização só quando terminassem os pedidos de esclarecimento e as respostas do Sr. Ministro e do Sr. Secretário de Estado.

Pausa.

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Srs. Deputados, uma vez que não há consenso nesse sentido, vamos passar de imediato às votações.
Em primeiro lugar, vamos votar, na generalidade, o projecto de deliberação n.º 18/VI - Calendário do processo de institucionalização das regiões administrativas, apresentado pelo PS.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro e abstenções do CDS e do PSN.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de deliberação n.º 19/VI - Definição de um calendário para a regionalização, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro e abstenções do CDS e do PSN.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - O Sr. Presidente só pediu para se levantarem os Deputados que votaram contra e que se abstiveram. Vai desculpar-me este preciosismo, mas acho que da mesma forma que os votos contra e as abstenções, os votos a favor também deveriam ser evidenciados claramente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a matemática é simples de fazer desde que tenham sido contados os votos contra e as abstenções.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, não estamos numa aula de matemática, mas num debate político, num parlamento político, e quero expressar-me claramente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a decisão da Mesa já foi tomada.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, desejo informar a Mesa e a Câmara que os Deputados do Partido Socialista eleitos pelo Algarve, Luís Filipe Madeira, Fialho Anastácio e José Apolinário, entregarão na Mesa uma declaração de voto relativa às votações que acabámos de realizar.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, desejava informar a Câmara que entregaremos na Mesa uma declaração de voto para justificar a nossa abstenção nas votações realizadas.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, desejava comunicar à Mesa que em nome da bancada do Partido Socialista apresentaremos uma declaração de voto para registar, da nossa parte, a situação de inconformismo político perante a rejeição, por parte do PSD, de que as regiões administrativas possam tempestivamente ser criadas em Portugal.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Já estão divididos!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, peco-lhes que não façam declarações de voto com o pretexto de interpelarem a Mesa.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, o PSD apresentará oportunamente à Mesa uma declaração de voto para dizer qual a razão por que apenas votou contra o calendário da regionalização, que é uma coisa diferente de fazermos a regionalização do País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, sob a a forma de interpelação à Mesa, desejava informar que, metodologicamente, as perguntas que agora são colocadas pelos Srs. Deputados serão respondidas por mim próprio ou pelo meu colega de Governo Dr. Vítor Martins. Mas, de qualquer forma, ambos responderemos no fim.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo: Em primeiro lugar, desejava pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia e, posteriormente, ao Sr. Ministro da Administração Interna.
A livre circulação de pessoas e de mercadorias são liberdades fundamentais com as quais o PS, naturalmente, muito se congratula. No entanto, gostava de perguntar ao Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia, que além de Secretário de Estado é, neste momento, o presidente

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do Conselho do mercado interno, se ao aprovarmos Schengen, no final de 1992, não significa uma prova de que falhou o mercado interno e que as quatro grandes liberdades que se previam para 1993 não serão conseguidas. Não quererá dizer que em 1993 não haverá circulação de pessoas, nem de mercadorias, nos 12 países da Comunidade?
Sr. Secretário de Estado, recebi ontem na Assembleia da República a Comissão de Assuntos Europeus do Bundestag e quando perguntei como é que lá se linha passado a discussão do Acordo de Schengen - sabia que tinha sido recente, e até, pela comunicação social, sabia que ele linha sido aprovado - responderam-me que não tinha sido aprovado, nem o podia ser, já que pressupõe um alteração da Constituição.
Ora, a Constituição alemã não pode ser revista - segundo me foi explicado - porque não há uma maioria de dois terços.
Ora, como a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen diz que o Acordo só entrará em vigor um mês e um dia depois de os cinco países signatários o subscreveram e o depositarem no Tratado, no Luxemburgo, porque é que estamos a discutir esta maioria quando sabemos que não só os países do Benelux ainda não o ratificaram, mas que sobretudo a Alemanha não vai poder ratificá-lo?
As outras três perguntas dirigem-se ao Sr. Ministro da Administração Interna. O Sr. Ministro teve uma reunião com o seu colega espanhol em que, posteriormente, fez um conjunto de declarações sobre uma acordo luso-espanhol na linha dos pressupostos de Schengen. Acontece que não conhecemos o acordo e este não pode existir enquanto não o aprovarmos. O que se passa com o acordo? Afinal o que era aquela declaração? Era um conjunto de intenções? Foi um encontro que o Sr. Ministro leve com o seu colega espanhol e depois aquilo era o ponto da situação do que gostavam de vir a concretizar?
As últimas duas perguntas dizem respeito ao direito de asilo. Sr. Ministro, estive numa reunião de parlamentares dos oito países Schengen, em Bruxelas, em que o ponto fundamental da discussão girava à volta do direito de asilo.
Na reunião de segunda-feira perguntei ao Sr. Secretário de Estado da Justiça o que se passava com o direito de asilo e da sua transposição para o direito português. Disse-me que não sabia, mas que o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna me responderia. No entanto, acontece que não me respondeu e, portanto, espero que o Sr. Ministro o faça.
Finalmente, Sr. Ministro, perguntei quanto é que seria o custo da adaptação das fronteiras externas e da protecção das nossas fronteiras externas ao Acordo de Shengen. O Sr. Secretário de Estado avançou o número de 25 milhões de contos, mas, no entanto, disse que não podia confirmá-lo. O Sr. Ministro pode dizer-me qual é o custo previsto, uma vez que Portugal já apresentou em Bruxelas o projecto das suas necessidades e, ao mesmo tempo, esquematizava essas necessidades de que o País precisa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, foi com bastante surpresa, ou talvez não, porque há coisas a que, infelizmente, o Governo nos habitua, que vimos uma matéria tão importante como a da entrada e permanência de estrangeiros em Portugal ser objecto de autorização legislativa, para mais com os projectos de decreto-lei entregues francamente muito tarde e sem permitir qualquer apreciação com alguma profundidade. De resto, confronto esta actuação do Governo com o facto de, por exemplo, no caso de França, esta matéria ter sido objecto de apreciação quer pela Assembleia Nacional quer pelo Senado e não de uma autorização legislativa ou de um projecto de lei.
Mas gostaria de saber se o Sr. Ministro e o Governo em geral consideram que a obrigação constitucional de definir, com clareza, o objecto, o sentido e a extensão da autorização legislativa está preenchida nos lermos da proposta de lei que é apresentada. Na minha opinião, não estuo!
É uma autorização extremamente vaga e as matérias adiantadas nos projectos de decreto-lei, como se verifica, são de grande complexidade, como sejam a criação de centros de instalação temporária de expulsos, a elaboração de uma lista de pessoas não admissíveis em território nacional, que inclui cidadãos com fortes indícios de que tenham praticado um delito grave - sublinho indícios - ou de que constituam uma ameaça para a ordem pública, para a segurança nacional, ele. - isto é, conceitos extremamente vagos e indeterminados -, ou ainda obrigar a empresa transportadora de passageiros ou tripulantes, cuja entrada seja recusada, a devolver o cidadão à procedência. Dou apenas estes exemplos para simplificar, mas, como é natural, poderia dar muitos mais, pois trata-se de matérias extremamente graves que, a não serem sujeitas a ratificação por parte da Assembleia da República, serão não só um alentado ao papel que este órgão de soberania deve desempenhar no sistema político português como também, em minha opinião, ao próprio espírito da Constituição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, os Acordos de Schengen tem subjacente, de algum modo, a ideia de que há no mundo cidadãos de várias categorias. São de primeira categoria os cidadãos que integram o espaço Schengen; de segunda, os cidadãos comunitários, mas que não integram o espaço Schengen; de terceira, os que podem entrar no espaço Schengen sem visto de entrada, e de quarta categoria os cidadãos que precisam obrigatoriamente de vistos de entrada. E, como ficou claro nos termos da própria intervenção dos membros do Governo, vai haver uma disciplina comum de vistos, na qual o Governo está, de resto, a trabalhar.
Perante isto, gostaria de saber o que é que acontece de ião grave aos cidadãos de segunda categoria, os cidadãos comunitários que não integram o espaço Schengen. Ou seja, gostaria de saber se vão ter, deste modo, dificuldades em atravessar as fronteiras, se o Acto Único não lhes é aplicável e, no fundo, que catástrofe lhes vai acontecer.
Sr. Ministro, o Governo vai ou não seguir uma política de vistos que obrigará o Estado português a, por um lado, dispensar vistos a cidadãos de Estados a quem até agora tem exigido e, por outro, passar a exigir vistos a cidadãos de Estados com os quais tem relações especiais, como é o caso particular dos países africanos de língua oficial portuguesa? Isto é, o que decorre desta matéria vai ou não representar uma alteração negativa do que deve ser a política do Estado português independente e de acordo com as nossas relações particulares desta matéria?

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, em primeiro lugar, quero regozijar-me pelo facto de, pela primeira vez, em Portugal, irmos ter um código de estrangeiros e imigrantes. Presentemente, a legislação é muito avulsa, as práticas são muito díspares e ninguém sabe a que é que o estrangeiro tem direito, como deve ser tratado, a que leis se sujeita e sob que leis vive.
Devo dizer que concordo plenamente com o Sr. Deputado Luís Sá quando diz que, mesmo sob a forma de um decreto-lei, a autorização legislativa poderia ser mais concreta. E como o Sr. Ministro diz que tem muita pressa em emitir esta legislação, tem certamente o decreto-lei, pelo que não teria feito mal algum se tivesse juntado à autorização legislativa uma minuta dos decretos-leis, como, aliás, o Governo tem feito.
A questão que quero colocar tem a ver com esta lei de imigrantes, que está intimamente ligada à lei da nacionalidade, à lei da aquisição ou da conservação da nacionalidade por parte dos cidadãos ou de indivíduos que viveram nas antigas províncias ultramarinas e que, alguns deles, guardam as regalias de requerer a nacionalidade portuguesa. Estou a lembrar-me, por exemplo, do caso dos naturais do ex-Estado da índia Portuguesa, que são regulados, hoje, por uma legislação de 1961, ainda não revogada.
Por outro lado, as leis da nacionalidade posteriores à descolonização têm muitos «buracos» que permitem a nacionalidade portuguesa a muitos indivíduos com ascendência portuguesa.
Há ainda o problema, sobre o qual devemos pensar, do território de Macau. Isto porque se esta lei é para durar para além de 1999, e é com certeza, já que não foi feita apenas para vigorar poucos anos, é preciso saber se o Governo pensou sobre a vinda para Portugal dos actuais cidadãos portugueses residentes em Macau e sobre a forma como aqui serão tratados, já para não falar do que significa para nós, do ponto de vista simbólico, manter a cidadania portuguesa aos habitantes de Timor Leste.
Portanto, trata-se de problemas complicados, complexos, e V. Ex.ª não fez, na sua exposição, qualquer menção a estas questões.
No entanto, penso que V. Ex.ª e o Governo devem ter pensado, naturalmente, em todos estes problemas e seria bom que esta Assembleia soubesse, claramente, como é que os problemas da nacionalidade - e refiro-me não à nacionalidade por via da naturalização ou à aquisição de nacionalidade derivada, mas à própria nacionalidade originária - estão entrelaçados com certos mecanismos que as actuais leis relativas à nacionalidade permitem, principalmente no que toca aos habitantes de Macau e de Timor Leste.

(O orador reviu.)

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, ainda bem que, depois de uma grande porfia, conseguimos receber hoje, à hora do almoço, um dos projectos de decreto-lei de bastante importância, que é o relativo à expulsão. Mas como foi só à hora do almoço, não houve tempo suficiente para o analisarmos. E digo ainda bem que o recebemos porque a autorização legislativa, em algumas das suas alíneas, prima pela brancura, no sentido de corresponder à ausência de cor, de conteúdo definido.
Após uma breve leitura aos projectos de decreto-lei, gostaria de colocar algumas questões em relação à alínea d) O da alínea O da autorização legislativa.
Ora, quem ler a alínea d) inocentemente, que diz que o processo de expulsão autónomo, perante a autoridade judicial, segue os termos de processo sumário - o outro é processo de expulsão como pena acessória -, concluirá que o recurso da decisão, em relação à expulsão, tem efeito suspensivo, porque é esse o efeito dos recursos interpostos das decisões penais condenatórias. Surpreendentemente, no projecto de decreto-lei vem esta coisa espantosa: a pessoa condenada a determinada pena de prisão e de expulsão vai interpor um recursos que tem dois efeitos: em relação à prisão tem efeito suspensivo e em relação à expulsão tem efeito devolutivo.
Pergunto ao Sr. Ministro se realmente isto tem ou não por fim consumar expulsões, repatriar as pessoas antes de decidida definitivamente a questão. Como é que, na verdade, se defendem os direitos destas pessoas, presumivelmente inocentes, até uma decisão transitada em julgado? No caso de serem absolvidas ou de terem uma pena que não dê direito à expulsão, vão buscar essas pessoas ao sítio para onde foram? Esta é a primeira questão.
Como o Sr. Ministro falou, na sua intervenção, de reagrupamento familiar, a questão que coloco tem muito a ver com os emigrantes dos PALOP, que é concretamente a alínea/).
Perante o projecto de decreto-lei, gostaria que o Sr. Ministro nos dissesse se considera que legislou ou que preparou o diploma cuidadosamente, se de facto o que está lá foi aquilo que quis, porque o Governo excluiu situações, ao contrário do que vem no relatório do grupo de peritos junto da Comissão das 'Comunidades, como as de união de facto e ainda as de separação de facto, as de separação judicial de pessoas e bens e de divórcio. As pessoas podem estar nestas situações e terem entrado em Portugal antes de 1 de Junho de 1986, não terem rendimentos próprios, porque tinham os do marido ou da esposa, e não terem uma actividade profissional remunerada. Estas situações podem ter acontecido há pouco tempo e, com este projecto de decreto-lei, elas ficam excluídas da possibilidade de regularização.
Poderia ainda falar do caso, por exemplo, dos enteados, já que o conceito de agregado familiar que VV. Ex.ªs aí colocam restringe efectivamente, e muito, a regularização da situação dessas pessoas.
Neste sentido, gostaria que o Sr. Ministro explicasse bem este ponto, para sabermos qual é a verdadeira dimensão da iniciativa legislativa, ou seja, se é o que prometem nos jornais ou se é, de facto, muito menos, como parece que é.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, não sofre dúvida que, quanto à grande importância dos Acordos de Schengen,

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estamos todos de acordo. Mas não é isso o que está em causa, é que da alta importância das suas cláusulas resulta também a alta importância das questões que se podem colocar.
Perante o que o Sr. Ministro referiu, que se tratava de legislação mais restritiva, e perante o que o Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia disse sobre o respeito pelas normas comunitárias, a questão que coloco a V. Ex.ª tem a ver não propriamente com o respeito pelas normas comunitárias mas com o respeito pela lei interna portuguesa, nomeadamente pela Constituição.
Isto é, tendo-se em conta que a Constituição estabelece que uma das tarefas fundamentais do Estado é garantir a independência nacional e os direitos de liberdade fundamentais e que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente nela previstos, como é que V. Ex.ª explica, por exemplo, o que se expõe no artigo 9.º do Acordo celebrado entre os países de Benelux, Alemanha e a França, que está na p. 6 do texto distribuído, onde, sem qualquer possibilidade de crítica a tal respeito, a cooperação das autoridades aduaneiras e da polícia, referindo-se em concreto às espécies de crimes, nomeadamente ao tráfico de estupefacientes, de armas ou contrabando, não está naturalmente em causa quanto à necessidade de, à escala internacional ou europeia, aperfeiçoar o seu combate. Porém, já está em causa a parte final do artigo, porque fala em reforçar a informação «na luta contra a criminalidade». Ora, isto é uma expressão demasiado vaga, demasiado laia, onde pode caber tudo. Uma coisa é referir em concreto os objectivos penais que estão em vista e outra é uma expressão com esta latitude.
Por isso, Sr. Ministro, penso que, com certeza, não e possível o Governo ter sancionado esta posição ou vir a sancioná-la e, assim, conviria que V. Ex.ª explicasse a razão de ser da posição governamental.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, a Mesa tinha entendido que, primeiro, seriam feitos todos os pedidos de esclarecimentos e que, depois, o Sr. Ministro ou o Sr. Secretário de Estado responderiam conforme entendessem. No entanto, o Sr. Deputado Narana Coissoró inscreveu-se duas vezes para pedir esclarecimentos, uma vez ao Sr. Ministro e outra ao Sr. Secretário de Estado.
Assim, se o Sr. Deputado ainda tem mais perguntas a fazer, a Mesa dá-lhe a palavra.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia, a pergunta que tenho para colocar-lhe já foi feita anteriormente em sede de comissão pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e também por outros Deputados do meu partido.
V. Ex.ª fez um «hino à Europa», tendo afirmado que «a história da Europa é a das suas fronteiras». Ora, o mesmo é dizer que a história da Europa é a história das suas guerras, não é verdade? É que as fronteiras sempre foram traçadas pelos resultados das guerras. Mas, neste momento, estamos a construir uma Europa de paz, portanto, a história da Europa passará a ser a história dos respectivos valores.
Mas deixando de lado as figuras de retórica, o problema fundamental que se nos põe - ao contrário do que V. Ex.ª disse na sua intervenção - não é o de que quem é a favor do Acordo de Schengen é a favor da irreversibilidade da integração europeia e que quem hesita e duvida da bondade das soluções preconizadas por este Acordo também tem de duvidar da integração europeia. De facto, o problema não é nada disso e não podemos estar colocados sob esta pressão do labéu de que quem é contra Schengen é contra a irreversibilidade da integração europeia.
Na verdade, todos sabemos que estamos a caminhar irreversivelmente e a passos largos para a integração europeia, a qual suscita problemas de segurança e de liberdade das pessoas. Assim, e à semelhança do que é dito em todos os outros países, o que não queremos é, em vez de uma Europa de livre circulação de cidadãos honestos, passarmos a ler uma Europa de livre circulação de delinquentes. Ora, a ratificação do Acordo de Schengen pode muito bem vir a significar um «mercado comum dos criminosos», dos traficantes e até dos terroristas, aliás, como V. Ex.ª frisou.
Assim, estes aspectos é que constituem precisamente as nossas grandes preocupações e, também, as de outros países melhor apetrechados com aparelhos de segurança muito mais sofisticados do que os portugueses. Por exemplo, no caso de França, após a aprovação deste acordo pela respectiva Assembleia Nacional, a ratificação está «parada» no Senado. Aliás, até podemos dizer que em todos os Estados da Europa em que existe um sistema de duas Câmaras, esta maioria tem ficado relida na segunda Câmara após ter sido tratada no Parlamento, havendo também casos em que fica retida em sede do órgão de soberania indicado para a promulgação do Acordo, precisamente para dar tempo ao tempo porque esta matéria não é muito fácil.
Pela nossa parte, já sabemos que após a ratificação deste Acordo é que serão promulgadas iodas as medidas que lhe dizem respeito. No entanto, gostaríamos de saber se, neste momento, o Estado português considera que estão satisfeitos os requisitos no sentido de o seu aparelho de segurança interna ser suficiente, de modo que o Governo possa propor a esta Assembleia da República a ratificação do Acordo.
Neste momento, será que o Governo pode pedir a ratificação à Assembleia, dizendo que «estamos em condições de garantir que não haverá circulação de delinquentes nem haverá um mercado comum de criminosos. As nossas fronteiras externas estarão muito bem guardadas e não precisarão de preocupar-se com este problema? Por isso mesmo, podem votar favoravelmente, de alma livre e consciência tranquila, a proposta que vos submetemos?» É isto que queremos que se diga claramente para que o País e a opinião pública fiquem a saber.
É que, ainda hoje, continua vivo o debate sobre as FP-25; ainda hoje sabemos onde começa, mas não sabemos onde acaba a segurança nacional; ainda hoje sabemos que as nossas escolas não tem segurança; ainda hoje sabemos que as lanchas da polícia não têm capacidade para acompanhar a velocidade das que são utilizadas pelos traficantes de droga no mar alto, quando transportam drogas e a desembarcam para, depois, ser passada para o interior do País. Recordo que, há pouco tempo, Portugal foi acusado de não dispor de um aparelho de segurança montado para caçar traficantes de droga que operam no nosso litoral, constituindo o nosso país uma «placa giratória», utilizada por iodos os traficantes para a entrada de droga destinada ao interior da Europa.
Na verdade, a nossa fragilidade é tanta que ouvir o discurso de V. Ex.ª causa certa preocupação. Claro que sabemos que tanto V. Ex.ª como o próprio Governo são entidades responsáveis. No entanto, ao criarem esta ilusão de que tudo está bem no nosso país e que, com facilidade e presteza, podemos avançar na ratificação da adesão de Portugal ao Acordo de Schengen, ficamos algo

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perturbados, nós que, todos os dias, ouvimos e assistimos aos problemas de segurança que existem no nosso país. Portanto, gostaria que V. Ex.ª nos dissesse claramente qual é o seu entendimento quanto ao problema da segurança em Portugal.

(O orador reviu.)

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna ou o Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia, conforme VV. Ex.ªs entenderem. Ao todo, dispõem de quinze minutos.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, começo por responder eu próprio e partilharei criteriosamente o tempo disponível com o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado, desde que não esteja a gastar o meu tempo.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Está sim, Sr. Ministro, ...

O Orador: - Então, ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, é só para dizer ao Sr. Ministro que recebi o texto do pedido de autorização legislativa quando já me encontrava na Sala, após o início desta sessão. Por isso é que, na minha intervenção, errei quando disse que não vinha acompanhado da minuta do decreto-lei. Assim, o Sr. Ministro escusa de gastar tempo a responder-me a esta questão.

Muito obrigado.

(O orador reviu.)

O Orador: - Começo por responder às três perguntas que me foram colocadas pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, já que o Sr. Secretário de Estado, Dr. Vítor Martins, é que responderá ao pedido de esclarecimentos formulado pela Sr.ª Deputada Edite Estrela.
Sr.ª Deputada, em primeiro lugar, começo por responder à questão sobre a minha reunião com o meu homólogo espanhol.
É natural que, na sua qualidade de pessoa muito empenhada e interessada neste tipo de matérias, a Sr.ª Deputada perceba muito facilmente que, quando falamos de livre circulação e de abrandamento ou mesmo de inexistência de controlos interestaduais a nível das fronteiras, também tenhamos de preocupar-nos com a segurança. Também é natural que Portugal se preocupe com uma parte substancial da sua fronteira, que é, precisamente, com a Espanha. Portanto, repito que é perfeitamente natural que entre os Ministros português e espanhol, que tem a seu cargo a respectiva segurança nacional, se estabeleçam alguns acordos de cooperação nesta matéria, no sentido de potenciar a segurança para os dois países. No entanto, no caso concreto a que a Sr.ª Deputada aludiu e que tem a ver com o Acordo de Schengen, não há qualquer acordo e nem sequer um protocolo celebrado entre os dois países. O que se passa é que, no comunicado conjunto elaborado pelos dois Ministros, há uma declaração de ambos - que não vincula mais ninguém -, dizendo que estimamos que, a breve prazo, poderemos pôr em marcha um dos instrumentos da segurança relativo ao Acordo de Schengen, o da perseguição transfronteiriça. Repito que nada há para além disto que acabei de dizer.
Os Ministros da Administração Interna de Portugal e de Espanha reunir-se-ão duas vezes por ano e, porventura, numa próxima reunião, talvez possamos estabelecer um acordo. Mas isto depende dos respectivos governos e não apenas de nós próprios. É este o sentido exacto da declaração conjunta que fizemos.
Quanto à questão do asilo político, a Sr.ª Deputada sabe bem a importância que esta matéria tem na Europa.
Durante o ano passado, no conjunto dos países da Europa comunitária vieram apresentar-se nas fronteiras 320 000 pessoas pedindo asilo político e declarando-se perseguidos políticos. Ora, a Sr.ª Deputada sabe bem o que decorre de tudo isto e também conhece a grande preocupação que a Europa tem em matéria de asilo político.
Há ainda um instrumento que a Sr.ª Deputada sabe que é fundamental. Portugal ainda não ratificou a Convenção de Dublim. Hoje mesmo, em sede do Conselho de Ministros, foi aprovada esta Convenção, para ser submetida ao Parlamento para posterior ratificação. Como afirmei, trata-se de um instrumento fundamental. Digo-lhe também que no grupo ad hoc para problemas da imigração estamos a trabalhar bastante bem nesta matéria, havendo já um documento sobre a interpretação uniforme de conceitos na definição depois de primeiro acolhimento, problema decorrente da Convenção de Dublim e não resolvido.
Em suma, digo-lhe que esta questão do asilo político tem, de facto, uma prioridade, pelo que, durante a presidência portuguesa, vamos seguramente avançar nesta matéria no final do período.
Em terceiro lugar, a Sr.ª Deputada colocou uma questão que dizia respeito à fronteira externa, tendo perguntado como é que iremos reforçar a respectiva segurança.
É evidente que a livre circulação de pessoas tem sempre um contraponto, o da segurança que é necessário reforçar. Como sabe, esta matéria está no âmbito de uma política que ainda não é comunitária, mas, sim, intergovernamental, pela qual os diversos Estados trocam impressões sobre estes problemas e depois tomam algumas posições comuns. Ora, hoje em dia, entre os Ministros da Administração Interna e os da Justiça dos países comunitários existe o consenso de que a Comunidade tem de assumir responsabilidades nesta matéria.
A partir do momento em que se dá o desaparecimento dos controlos nas fronteiras internas, também temos de garantir a segurança de outros países através da nossa fronteira externa. Não seria justo que todo o esforço financeiro nesse sentido fosse exigido apenas aos países que tem fronteira externa, e Portugal é um dos que têm uma grande fronteira externa marítima.
Portugal foi um dos países que chamou a atenção para este problema. A Comissão distribuiu um questionário a todos e, em devido tempo, nós respondemos, pedimos uma verba elevada, de muitos milhões de contos, e, neste momento, estamos à espera da resposta da Comissão.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Mas de quanto é essa verba, Sr. Ministro?

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O Orador: - Sr.º Deputada, a verba é de muitos milhões de contos. Concretamente, Portuga pediu à Comunidade 17 milhões de contos para a segurança da sua fronteira externa.
Sr. Deputado Luís Sá, passo a responder, à sua primeira questão, que, aliás, também foi levantada pelo Sr. Reputado Narana Coissoró. Referiu-se, à questão de o governo ter optado por apresentar uma proposta de lei de autorização, legislativa, pretendendo saber se o pedido e autorização legislativa é ou não habilitante, para o decreto-lei que o Governo quer publicar. Respondo-lhe que, penso que é, pois, de contrário, teríamos alargado o âmbito do pedido de autorização legislativa. Repare que se exibimos o texto do próprio decreto-lei não haveria razão para não alargarmos o âmbito de autorização legislativa, caso entendêssemos que era insuficiente, o que não acontece.
Em relação ao decreto-lei actuámos com grande respeito perante a Assembleia, já que, institucionalmente nada nos obrigava a enviar-lho. Aliás, devo dizer-lhe que foi tudo enviado com bastante antecedência em relação à data e à hora em que dizem que receberam e a culpa não é do Governo.
De qualquer modo e aproveitando para responderam bem à Sr.ª Deputada Odete Santos; devo dizer-lhe que se tiveram ocasião para compaginar esta proposta de lei - chamemos-lhe «lei de emigração» - com a anterior puderam verificar que há sete ou oito aspectos que são de facto, relevantes e novos. Foi sobre estes que tive o cuidado de falar, pois são os que merecem atenção. Portanto, não me parece que tenham tido pouco tempo para verificarem as diferenças entre uma e outra lei.
Quanto à questão dos vistos o Sr. Deputado sabe que esta é hoje muito importante a nível comunitário, sendo um dos instrumentos de que a Comunidade dispõe, pelo que cada vez mais, tenta harmonizar esta política.
Relativamente ao caso concreto que mencionou respondo-lhe que já existe exigência de visto para os cidadãos dos países africanos de expressão oficial portuguesa e vai continuar a haver. Isto é; não vai dar-se; nenhum agravamento pelo facto de Portugal aderir ou não Ao Acordo de Schengen, continuando a manter-se o mesmo sistema que até agora.
O Sr. Deputado Narana Coissoró colocou duas questões: Quanto à lei da nacionalidade, não está em debate agora, e devo dizer-lhe que, neste momento, não existe qualquer iniciativa no âmbito do Ministério que, tutelo quanto a ela. O que há é um pacote completo respeitante à emigração, que aqui vos foi apresentado hoje, e quê tem a ver com o regime de permanência, e entrada dos cidadãos comunitários, com o da entrada e saída dos estrangeiros não comunitários e com a legalização extraordinária.
Colocou ainda o Sr. Deputado uma outra questão, que é crucial, cuja resposta já comecei a dar à Sr.ª Deputada e sobre a qual me alongarei um pouco, mais. Trata-se de saber como compatibilizar segurança e livre circulação! Mais ainda, perguntou-me se estou em condições de dizer à Câmara que estão reunidas efectivas condições de segurança que permitam aprovar hoje, para ratificação, o Acordo de Schengen.
Respondo-lhe que só por haver problemas de segurança não podemos postergar aquele que é um princípio fundador e estruturante da Comunidade, o princípio da livre circulação, que não pode ser posto em causa. Se há problemas de segurança - e há seguramente -, então, resolvam-se esses problemas! Mas, quero-lhe dizer Sr. Deputado, que quer no âmbito do Acordo de Schengen quer no âmbito da Comunidade, já há vários anos que se vem desenvolvendo um grande trabalho.
Na verdade, no âmbito do Acordo de Schengen, V. Ex.ª sabe que há quatro grupos a trabalhar e, curiosamente, o primeiro designa-se por polícia e segurança. Há também o grupo relativo a transportes e o referente aos assuntos aduaneiros, mas o primeiro desses grupos é designado «por polícia e segurança. Trata-se, de facto, de um tema que nos preocupa, pois pretende-se compaginar a liberdade, a segurança e o abrandamento dos contornos de fronteiras até à sua supressão com o aumento efectivo da segurança, porquê queremos uma Europa aberta, onde se pode circular com liberdade, mas onde também se pode viver e circular com segurança.
No âmbito ainda do Acordo de Schengen, V. Ex.ª conhece o Serviço de Informações Schengen, o Sistema SIRENE, o estado em que cada um deles está e, mais do que isso, também um outro conjunto de instrumentos que tem a ver com a segurança da Comunidade, que diz respeito a todos os países comunitários e, portanto, também aos países Schengen e dos quais estes últimos vão, seguramente, aproveitar. Isto é, quando estamos a pensar na Europol e a construir a unidade europeia de combate à droga, como primeiro instrumento no seio da Europol; obviamente que esse instrumento vai servir também os países Schengen. Quando estamos a trabalhar no âmbito do TREVI/92, obviamente que esse trabalho vai servir os países Schengen. Quando estamos a harmonizar as políticas de vistos e asilo, pretendemos tratar de questões que relevam do ponto de vista da segurança. E sendo certo que valemos para os 12 países da Comunidade, valem seguramente também para os países Schengen.
E digo mais, Sr. Deputado: porque se trata de compatibilizar a livre circulação, que nunca se poderá postergar, com a segurança, era nosso dever manter uma colaboração muito mais estreita e concreta com os nossos vizinhos espanhóis; pois temos uma enorme fronteira com eles. Isto não se deve estranhar, antes pelo contrário.
Deste modo, na última reunião, que decorreu em Évora, assinámos cinco protocolos que são outros tantos instrumentos de cooperação para o reforço da nossa fronteira, ou seja, para o reforço da segurança em Portugal e em Espanha decorrente do abrandamento até à supressão dos controlos fronteiriços.
Sr.ª Deputada Odete Santos, em primeiro, lugar, em relação ao recurso devo dizer-lhe que se V. Ex.ª conhecia - e certamente que sim - o decreto-lei anterior, confirmará agora que não alterámos nada do que ele consagrava,, pois mantém-se exactamente o mesmo regime no que, respeita à atribuição do efeito suspensivo ao recurso em causa. Não alterámos, nem mudámos!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tinha efeito devolutivo!

O Orador: - Peço imensa desculpa de a contradizer, Sr.ª Deputada, mas não alterámos essa disposição. Se tinha efeito devolutivo, continua a ter!
Em segundo lugar, quanto à questão do reagrupamento familiar, V. Ex.ª, tem de ter em, consideração que esta lei é excepcional, pois trata da regularização extraordinária dos emigrantes, e nós, apesar de tudo, tivemos em conta o reagrupamento familiar. Lembro-lhe, por exemplo, que o Partido Socialista também apresentou uma lei sobre esta matéria e não considerou, de todo, o problema do reagru-

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pamento familiar. O Governo, pelo contrário, esteve mais atento a esta questão e tomou-a em consideração. No entanto, o mesmo talvez já não tenha acontecido com a questão que a Sr.ª Deputada entende que deveríamos ter considerado.
Com efeito, posso dizer-lhe, por exemplo, que tivemos em conta o reagrupamento no que respeita aos filhos menores, mas não considerámos os incapazes. E quero dizer-lhe ainda que, enquanto no vosso projecto de lei os incapazes não constam, no decreto-lei a ser elaborado pelo Governo, na sequência da autorização legislativa, eles, à semelhança do que acontece com os menores, vão passar a constar. Como pode verificar, fomos bastante longe!
Quanto ao problema que levanta sobre as uniões de facto, a Sr.ª Deputada não tem razão, porque se há uma união de facto, isso só significa que, processualmente, essa união não é tratada conjuntamente, mas qualquer das partes, se reunir os requisitos previstos no decreto-lei, pode, por si só, pedir a sua regularização. Portanto, trata-se de uma situação que não está esquecida.
Mas volto a repelir que, nesta matéria do reagrupamento familiar, fomos tão longe quanto nos era possível ir, atendendo a que se trata de uma medida de carácter excepcional da comunidade nacional em relação aos imigrantes ilegais. E repito ainda que nesse conceito de reagrupamento familiar abrangemos os menores e os incapazes - embora estes ainda não constem do texto do decreto-lei, vão passar a constar também, porque nos parece moralmente adequado e justo fazer esse aditamento.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem agora a palavra o Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia.

O Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No sentido de complementar as respostas já dadas pelo Sr. Ministro da Administração Interna, até porque muitas das referências que ele já fez abrangem perguntas que me foram dirigidas, gostaria de começar por responder à Sr.ª Deputada Edite Estrela, que colocou uma questão que, de resto, já não é nova e já foi respondida em sede de comissão durante a reunião que decorreu esta semana, aqui na Assembleia. Apesar disso, tenho lodo o gosto em repetir a resposta, dado que me parece não ter esclarecido devidamente a Sr.ª Deputada.
Relativamente ao Acordo entre Portugal e o Brasil, no que diz respeito ao acesso de cidadãos brasileiros ao nosso território, não há qualquer alteração resultante da entrada em vigor do Acordo de Schengen. Penso que esta resposta é clara!
Em segundo lugar, a Sr.ª Deputada referiu-se à questão da readmissão dos brasileiros e gostava de clarificar esse ponto. O acesso de cidadãos brasileiros a Portugal por curta duração faz-se por um período de seis meses. Schengen tem por definição um período de três meses. Ora, exactamente porque entendemos que não devíamos alterar esse Acordo entre Portugal e o Brasil, conseguimos fazer vingar para Portugal o período de seis meses. Portanto, vamos respeitar integralmente aquilo que está estabelecido entre Portugal e o Brasil.
No entanto, os cidadãos brasileiros que forem encontrados em situação irregular em qualquer país do espaço Schengen obviamente que serão reenviados para o Brasil. No período compreendido entre os três meses, que o Acordo de Schengen estabelece, e o período de seis meses, que: Portugal concede, Portugal deve assumir a responsabilidade, uma vez que se está perante uma disposição de excepção por respeito a um compromisso que vem, como aliás V. Ex.ª referiu, desde 1960.
A Sr.ª Deputada Helena Torres Marques disse que a aprovação do Acordo de Schengen podia ser um pouco a exibição do fracasso do mercado interno e gostaria de clarificar este ponto.
O mercado único é a constituição das quatro liberdades que teve ocasião de referir. Todos sabemos, e tive ocasião de o sublinhar quando fiz a intervenção inicial, que há um défice no domínio da livre circulação de pessoas em lermos de construção do mercado único. Avançámos, nos últimos anos, muito mais depressa na livre circulação de mercadorias, de capitais e de serviços do que na livre circulação de pessoas. E, de resto, por isso mesmo, tive ocasião de referir que a presidência portuguesa considera como uma das principais prioridades a superação desse atraso que existe na realização do mercado único.
Ora, devo dizer-lhe que o Acordo de Schengen, como bem reconhecerá e como já tive ocasião de dar exemplos, constitui um factor que permite exactamente «puxar» pela realização dessa liberdade no espaço comunitário.
Foi ainda referida, pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, uma questão que me parece relativamente singular. Trata-se da referência à ratificação do Acordo de Schengen pelo Parlamento alemão. Devo dizer que as minhas informações não jogam com as suas. A informação de que disponho é a de que o Parlamento da Alemanha poderá ratificar o Acordo de Schengen por maioria e que as disposições relativamente à política de asilo e à respectiva regulamentação, nomeadamente a Convenção de Dublim, envolvem questões constitucionais que não relevam directamente do Acordo de Schengen.
Por outro lado, embora não sendo minha intenção interferir no funcionamento deste órgão de soberania, a Assembleia da República, parece-me que a sua questão, Sr.ª Deputada - perdoe-me que o diga -, é relativamente singular, porque é algo bizarro que um órgão de soberania nacional fique subsidiário de uma decisão de outro órgão de soberania de um país estrangeiro. A ratificação do Acordo de Schengen cabe à Assembleia da República, que a deve assumir em plena liberdade e responsabilidade.
Sr. Deputado Luís Sá, quanto ao seu pedido de esclarecimento, gostaria de referir que a linguagem do Governo não é essa e que, quer no Acordo quer na Convenção de Schengen, não encontra nada que possa legitimar e estabelecer categorias de cidadãos. Por isso, a sua pergunta, Sr. Deputado, envolve uma perspectiva tão repugnante que julgo que não precisa de mais resposta.

Protestos do PCP.

Relativamente à questão colocada pelo Sr. Deputado Raul Castro, creio que o Sr. Deputado encontra no texto do artigo 9.º do Acordo a resposta à sua pergunta. Nada nesse artigo pode ser estabelecido ao arrepio das legislações nacionais e, por maioria de razão, da Constituição de cada Estado membro.
Assim, de uma forma muito breve, vou ler uma parte desse artigo, que diz o seguinte: «Para o efeito, e nos termos das respectivas legislações internas, as Partes esforçar-se-ão por melhorar a troca de informações, reforçando-a no que diz respeito às informações susceptíveis de apresentar para as outras Partes um interesse na luta contra a criminalidade.»

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O Sr. Deputado perdoar-me-á que tenha lido parte do artigo 9.º, mas entendo que ele revela uma clareza cristalina.
Finalmente, relativamente à questão colocada pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, queria apenas salientar que me revejo inteiramente no estado de alma do Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Meneses Ferreira.

O Sr. Meneses Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Elaborei uma intervenção escrita mas vou poupar esta Assembleia à sua leitura e vou tentar resumir os tópicos principais dessa intervenção, que está obviamente disponível.
Assim, lançando o debate parlamentar por parte da minha bancada sobre a matéria do Acordo de Schengen, começaria por fazer um certo número de afirmações de princípio, que me parecem importantes para bem clarificar a posição do Partido Socialista, e continuaria expressando algumas das muitas interrogações que temos sobre todo este pacote de medidas contidas no Acordo de Schengen.
Uma primeira afirmação é a de que do mesmo modo que Schengen, enquanto cidade que é fronteira de três países da CEE, é um símbolo da velha Europa, porque assim se tornou ao ser o centro da assinatura destes acordos sobre a eliminação dessas fronteiras, os Acordos de Schengen são também um símbolo da Europa dos cidadãos.
Durante 30 anos a Europa criou medidas, sobretudo para as empresas e para os Estados, mas faltava um conjunto de regras que tivessem a ver com o quotidiano dos cidadãos. Mas Schengen, nesse aspecto, tem um valor simbólico e o Partido Socialista tem o espírito de Schengen. Havendo uma eliminação de fronteiras internas, é evidente que os esforços têm de se concentrar nas fronteiras externas e é necessário que os Estados signatários se confrontem com novos problemas muito importantes, ou seja, os da alta criminalidade, do terrorismo, do tráfico de estupefacientes e do tráfico das drogas em geral.
Compreendemos que tenha de haver esse esforço e que, nos anos 90, se tenha de fazer uma nova síntese entre as velhas teorias das garantias das liberdades fundamentais e a necessidade de preservação da segurança das pessoas. O PS está também nesse entendimento.
Uma terceira afirmação, que me parece importante, é a de que também há novos dados que não podem ser negados em relação aos fluxos migratórios. Portugal faz parte da Comunidade Europeia, que, apesar de tudo, é um oásis com enormes pressões migratórias vindas sobretudo do Leste e do Sul e não ficaria bem que, ao pedirmos várias vezes a solidariedade dos outros Estudos, não compreendêssemos também, embora sempre seguíssemos uma política tradicional liberal em matéria de acolhimento de fluxos migratórios vindos de outros Estados, a situação da Comunidade Europeia nesse aspecto. Não se trata de se construir uma «Europa fortaleza», como disse o Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia, mas de ser realista e apreciar os problemas no estado em que eles se encontram.
Outra afirmação inicial - que é, talvez, fundamental - diz respeito à dúvida que possa existir, em alguns Estados signatários do Norte da Europa, sobre a capacidade que os Estados do Sul têm para cumprir as regras do Acordo de Schengen, sobretudo em matéria de controlo das fronteiras externas. É preciso que os Estados do Sul manifestem essa capacidade, mas é obviamente um risco se, ao manifestá-la claramente, não existirem as condições claras e concretas para que ela seja exercida no dia-a-dia.
Depois destas afirmações de princípio, que esclarecem a posição do Partido Socialista, passava a algumas das muitas interrogações que temos nesta matéria.
Em primeiro lugar, colocam-se algumas interrogações a nível da política internacional. A legislação que resulta do Acordo de Schengen é uma legislação celerada, que foi fabricada pelas administrações judiciais, policiais e aduaneiras dos vários Estados signatários completamento à revelia dos parlamentos nacionais, não lhes tendo sido apresentada a eles, nem ao Parlamento Europeu, antes da respectiva assinatura. Ora, isto ocasionou a má recepção que se verifica no momento da ratificação nos vários parlamentos, sobretudo quando se lhes pede que essas ratificações sejam feitas em estilo de «pegar ou largar». Assim, há dificuldades e é normal que no Parlamento português essas dificuldades e esse desconforto se façam também sentir.
Em segundo lugar, esta legislação é já considerada parcelar, por toda a gente. Tem várias hipóteses de aplicação e interpretação - muito divergentes de Estado para Estado - e precisa de grandes melhoramentos em várias matérias, como, por exemplo, e tal como foi assinalado por vários países, em matéria de controlo jurisdicional.
Temos muitas interrogações sobre a qualidade de alguns dos instrumentos dó Acordo de Schengen. Existem neste momento, e já foram aqui referidas, dificuldades na ratificação do conjunto dos instrumentos do Acordo de Schengen pelos Estados signatários e também pelos Estados aderentes. Já .se falou do caso da Alemanha, em que, de facto, a ratificação está dependente de uma revisão constitucional. Isto, aliás, foi-nos confirmado ontem pelos representantes do Bundestag que nos vieram visitar e referiram que essas ratificações estão dependentes de uma alteração constitucional para a qual não há quórum. Em França, por seu lado, o Acordo de Schengen passou no Senado e na Assembleia, mas a promulgação pelo Presidente da República ainda não foi feita. Nos países do Benelux e em todos os outros, há vários problemas que tem de ser resolvidos a pouco e pouco, o que nos poderá colocar na situação, porventura curiosa, de sermos os primeiros a ratificar o Acordo de Schengen. Suponho que percebemos a posição do Governo em não sermos os últimos, mas não creio que, politicamente, fizesse muito sentido que fôssemos os primeiros.
Em relação ao facto de, após o Acordo de Schengen, ter surgido o Acto Único, que estabeleceu a eliminação de fronteiras até 1992, e o Tratado de Maastricht, que no seu terceiro pilar investe bastante num modelo que é semelhante ao do Acordo de Schengen, embora com outras características - mais democrático, se quisermos, menos ambicioso, mais cauteloso -, mas, para todos os efeitos, um modelo a prosseguir a Doze, ou seja, perante as hipóteses de avanço da Comunidade a Doze, nestas matérias, o Acordo de Schengen só é um exercício indispensável se se provar que a Doze não é possível atingir um certo número de objectivos fundamentais. Por conseguinte, há uma interrogação sobre a necessidade absoluta do Acordo de Schengen e sobre a impossibilidade de obtenção de resultados satisfatórios a Doze, que está por provar.

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Destas interrogações externas passo a algumas interrogações de carácter interno e, desde já, em primeiro lugar, à óbvia falta de informação que houve ale há muito pouco tempo nesta Assembleia, para podermos aquilatar todos os documentos que nos foram presentes. Houve uma prestação de informação que diria atabalhoada.
Os Srs. Membros do Governo vieram cá esta semana e fizeram promessas de envio - algumas cumpridas, diga-se de passagem - de textos de anteprojectos de lei e de interpretações autênticas, mas o que é facto é que não tivemos tempo para apreciar devidamente este conjunto de documentos. Por isso, sugerimos o adiamento, por algum tempo, da respectiva aprovação.
Além desta questão, há muita legislação por adoptar, alguma prevista na própria Convenção de Aplicação, outra que vai sendo detectada, na medida em que muita da legislação interna portuguesa vai, com certeza, ter de ser adaptada para estar conforme com a legislação resultante do Acordo de Schengen.
Um problema grave, que é determinante para a entrada em vigor do nosso próprio Protocolo de Adesão, é o dos controlos efectivos das fronteiras externas portuguesas no espaço abrangido pelo Acordo de Schengen, nomeadamente nos aeroportos e portos.
Já foi aqui referido que Portugal, não se sentindo financeiramente capacitado para montar todas as infra-estruturas necessárias, pediu apoio financeiro à Comunidade Europeia, por uma via que não é a do Acordo de Schengen, mas que tem a ver com os problemas que nele se deparam. Esse apoio ainda não veio e estamos na eminência de declarar que estamos preparados para a ratificação do Acordo de Schengen, para executar todas as obrigações que dele decorrem quando, no fundo, pedimos o referido apoio e ele não veio. Trata-se de uma contradição que pode ser perigosa e que, transportada para a lógica, por exemplo, de Maastricht e do Pacote Delors II, na sua pureza, pode levar-nos a raciocínios que seriam catastróficos.
Queria ainda assinalar, muito rapidamente e de passagem, que há negociações económicas em curso não sobre a questão da liberdade de circulação de pessoas mas sobre a circulação de mercadorias e serviços e, nomeadamente, sobre a existência de postos de passagem na fronteira que podem ser considerados exclusivos ou preferenciais. Trata-se de negociações económicas fundamentais que envolvem interesses económicos que se avaliam em milhões e milhões de contos e não fomos informados, embora tenhamos instado o Governo, sobre qual tem sido a sua acção e sobre quais são as suas intenções nesta matéria.
Para não gastar mais tempo, concluiria, sendo pragmático, dizendo que a «máquina de Schengen» está a funcionar de qualquer maneira. Quer como observadores, quer a outros títulos, os funcionários portugueses participam nos mecanismos do Acordo de Schengen e não e o facto de a ratificação ocorrer esta semana, para a semana ou daqui a dois ou três meses que vai alterar a situação.
Assim, consideramos que é importante que esta Assembleia, que começou há muito pouco tempo a controlar e a acompanhar estas matérias com a profundidade requerida, possa, a partir de agora e formalmente, ampliar esse controlo e realizá-lo sistematicamente.
Este dado novo - o acompanhamento sistemático, por parte desta Assembleia, da matéria respeitante ao Acordo de Schengen - é a condição sine quo non para que o Partido Socialista possa dar o seu sim a esta ratificação. E se esse acompanhamento, por qualquer motivo, não se fizer, consideramos que se terá entrado, eventualmente, numa farsa que, com certeza, desprestigiará esta Assembleia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Deputado Meneses Ferreira, escutámos com muita atenção a sua intervenção, dado que V. Ex.ª exerce funções de coordenador do seu partido na Comissão de Assuntos Europeus, e, francamente, ficámos bastante perplexos quando disse que o Governo deu informações atabalhoadas e insuficientes à Assembleia, ou, por outras palavras, que a Assembleia está pouco informada sobre o Acordo de Schengen e as suas implicações.
E ficámos perplexos pelo seguinte: a Comissão de Assuntos Europeus, conjuntamente com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, teve uma reunião bastante desenvolvida com membros do Governo, mais concretamente com o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna; Deputados de ambas as Comissões participaram, em Bruxelas, numa reunião com a Assembleia de Schengen, para o que o Governo disponobilizou até documentação interessante para o efeito; o Ministro da Administração Interna respondeu também, desenvolvida e claramente, a um requerimento de um Sr. Deputado, salvo erro do Sr. Deputado João Amaral, do PCP; antes mesmo do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna ter comparecido na reunião conjunta, anteriormente referida, já cá tinha estado o seu antecessor e o Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia, que também deram informação sobre o assunto; foi criado um grupo de trabalho de acompanhamento da situação relativa ao Acordo de Schengen, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias; esta Comissão recebeu a Amnistia Internacional e o Sr. Procurador-Geral da República e o Governo, na passada segunda-feira, disponibilizou a vinda de ministros e de alguns secretários de Estado para responderem a todas as questões que os Srs. Deputados entenderam colocar-lhe sobre o Acordo de Schengen - e em relação a este aspecto lamento que estivessem tão poucos Deputados do seu partido.
Ora, a questão que lhe coloco, perante toda esta informação e tendo conhecimento de que é um especialista em matéria europeia, é a de saber como é que V. Ex.ª poderia executar ou activar todas as medidas executórias decorrentes do Acordo de Schengen - através da acção do órgão de soberania competente, que é o Governo - sem ele ser previamente ratificado pela Assembleia? Como é que se poderiam desenvolver e tomar as medidas adequadas sem a ratificação?
V. Ex.ª propõem o adiamento, pois é habitual na vossa bancada adiar a resolução das grandes questões. Mas, neste caso, o adiamento seria, clara e inequivocamente, contra os interesses de Portugal.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No fundo, V. Ex.ª falam na necessidade de haver mais pragmatismo e o vosso pragmatismo, salvo melhor explicação da vossa parle, só vai no sentido do

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adiamento enquanto o do Governo é no sentido de resolver questões como estas da forma mais adequada e, como ainda há pouco disse o Sr. Ministro da Administração Interna, com um forte apoio financeiro do orçamento das Comunidades.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Meneses Ferreira.

O Sr. Meneses Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, não sei se também tem estado desalento, mas o que é certo é que o Governo se disponibilizou, agora mesmo, para que haja um adiamento da ratificação destes Acordos, a fim de que tudo aquilo que tive a oportunidade de expor possa ser feito condignamente.
Parece mesmo que esse adiamento pode ocorrer por 15 dias, o que, de certa maneira, vem confirmar a nossa necessidade de aprofundar muitas das matérias, que são, como foi dito, de interesse nacional fundamental e que deveriam ser convenientemente estudadas.
As várias actividades de que o Sr. Deputado falou ocorreram nos últimos dias. Tivemos reuniões sucessivas esta semana, têm aparecido documentos em catadupa e até o relatório das comissões apresentado hoje faz questão de assinalar não só tudo o que já recebemos como o que ainda falta receber. E ainda há muita matéria por estudar.
Ora, devo dizer-lhe, Sr. Deputado Rui Carp, que foi aqui claramente assinalado que a Convenção de Aplicação e que o Acordo de Schengen não estão em vigor, pelo que não há uma pressa tão grande para que não seja feito um adiamento, o que possibilitará que aprofundemos estas matérias.
Portanto e até porque não quero gastar mais tempo, não me parece que os seus comentários tenham grande justificação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para defesa da minha consideração, pois o Sr. Deputado Meneses Ferreira afirmou que estive desatento.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a atenção e a desatenção não constituem propriamente uma ofensa à honra. Todos temos o direito de estar desatentos.

O Sr. José Magalhães (PS): - É óbvio!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, parece-me que é importante esclarecer os termos em que o Sr. Deputado Meneses Ferreira se referiu à minha intervenção, classificando-a de desatenta. Penso que isso é grave, razão pela qual queria defender a minha consideração.

O Sr. Presidente: - O princípio por que nos pautamos é o de que cada um é juiz da sua própria consideração. Tem o Sr. Deputado a palavra para esse efeito.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Meneses Ferreira afirmou que eu tinha estado desatento, porque o Governo se tinha disponibilizado a adiar
a ratificação destes acordos por 15 dias. Mas o Governo remeteu para a Assembleia a decisão da votação, não do debate, e por oito dias, o que é muito diferente do tal adiamento deste debate que o Partido Socialista queria. E volto a colocar-lhe a mesma questão de há pouco, uma vez que não lhe respondeu. Sabendo nós que a ratificação marca o início da vigência da Convenção de Aplicação e do Acordo de Schengen, o que é que o País teria a ganhar quando, depois desta decisão de ratificação,...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe para reverter à defesa da sua consideração.

O Orador: - Sr. Presidente, é que a desatenção foi do Sr. Deputado Meneses Ferreira, relativamente àquilo que foi dito aqui no Plenário, designadamente pelo Governo. Pela nossa parte, pensamos que quem está desatento é o Partido Socialista, que já nem sequer consegue, em matérias europeias, acompanhar a história.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Meneses Ferreira.

O Sr. Meneses Ferreira (PS): - Sr. Presidente, prescindo do direito de resposta, pois não há matéria nova a que valha a pena responder.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A Convenção de Schengen é, a meu ver, um instrumento de federalismo escondido e a adesão da República Portuguesa é uma envergonhada cedência de soberania e um compromisso de menoridade na Comunidade Europeia.
Sob a velocidade determinada pelo eixo germânico-francês e lateralmente ao processo comunitário, o grupo de Schengen antecipa a supressão do controlo de fronteiras interiores, acelera uma integração a oito e - «candeia que vai à frente alumia duas vezes» - avisa os Estados recalcitrantes de que em serviço não se brinca.
Os objectivos de potência imperialista da Comunidade Europeia, rivalizando com o Japão e com os Estados Unidos da América, comandam a integração de mercados, embora difiram a coesão económica, os direitos sociais e a protecção de direitos nacionais dos Estados membros. Os direitos de cidadania pós-Maastricht são escasso emblema para o eufemismo da união europeia. Que o digam os nossos emigrantes europeus mais alvo do que nunca do ressurgimento da xenofobia!
Mas o que é verdadeiramente saliente na Convenção de Schengen é o início da liberdade de circulação das polícias, é um ficheiro comum de cidadãos, é a definição de uma política comum para os imigrantes de países terceiros, é a instituição de um comité executivo supranacional interferindo na segurança nacional, na política de vistos e nos assuntos de polícia.
Não se trata de uma simples cooperação judiciária entre Estados, não se trata da contratualização entre Estados de finalidades comuns com políticas próprias. Será que o Governo português irá ainda mais além até à conhecida pretensão alemã de um FBI europeu?

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Será que vamos assistir à caça dos independentistas bascos em território nacional?
Será que vamos prejudicar a relação especial que lemos com os países de expressão oficial portuguesa na esteira do endurecimento das leis contra a imigração por parte dos países europeus?
Quem garante que a utilização dos dados informáticos do Sistema de Informação de Schengen é feita de acordo com os preceitos e garantias da Constituição Portuguesa?
O que é que vale o direito de controlo nacional junto do SIS se, mesmo em Portugal, as instituições democráticas não tem controlo nessa matéria e nas relacionáveis matérias de segurança interna?
Será que, a par de uma projectada polícia criminal europeia, tudo se encaminha para, a prazo, estabelecer um direito penal comunitário, ao arrepio da Constituição e dando de barato a soberania da República Portuguesa?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A UDP rejeita o Acordo de Adesão à Convenção de Schengen, pela forma, pelo objecto, pela abdicação de soberania, porque recusa a chamada «política de pequenos passos federalistas», chamando a atenção de que este dispositivo jurídico de défice democrático pode convir ao Estado laranja mas dá-se mal com o regime democrático-constitucional.
De qualquer forma, este tipo de instrumentos evidencia a necessidade de um papel cada vez maior da acção de fiscalização e de acompanhamento da Assembleia da República em relação ao Governo nas questões que tem a ver com a Comunidade e com a integração europeias.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Poças Santos.

O Sr. João Poças Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A complexidade das matérias visadas no chamado «Acordo de Schengen» e na respectiva Convenção de Aplicação possibilita e aconselha a sua análise sob diferentes perspectivas. Nesta breve intervenção procedemos tão-só abordar aqueles textos do ponto de vista da construção europeia e da inserção do nosso país em tal processo.
Nesta óptica, consideramos que o objectivo expresso da «supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns» dos Estados aderentes constitui um passo mais no caminho que a Europa vem percorrendo desde há quatro décadas, servindo de suporte à livre circulação de pessoas e de mercadorias.
É certo que não se trata de normativos comunitários em sentido próprio, mas podem e devem inserir-se no esforço preconizado no artigo 8.º-A do Tratado CEE, introduzido pelo Acto Único Europeu, de se proceder à adopção de «medidas destinadas a estabelecer progressivamente o mercado interno», o qual compreenderá um espaço sem fronteiras interiores.
Pode, assim, afirmar-se que os Acordos em causa, não lendo uma génese comunitária, uma vez que foram elaborados num âmbito intergovernamental de tipo clássico, nascem de uma preocupação com origem na Comunidade, a concretização do mercado único.
Neste sentido, Schengen pode traduzir-se no ensaio de medidas e de soluções que, mais tarde ou mais cedo, terão de ser implementadas a Doze. É impensável que se abatam fronteiras sem qualquer controlo sobre a entrada e permanência com os efeitos óbvios quanto à criminalidade. Sem exagero se pode dizer que a cooperação e harmonização nestes domínios são irmãs siamesas da livre
circulação de pessoas: esta não sobreviverá sem aquelas. Não que se pretenda a construção de uma Europa fortaleza, mas porque se defende que a Comunidade não pode ser um espaço de porias escancaradas à imigração clandestina ou ao crime organizado. Daí a importância que assumem as matérias relativas, entre outras, à concessão de vistos, aos requisitos do direito de asilo, à política sobre refugiados e à cooperação judicial e policial.
As soluções previstas em Schengen não substituem decisões a tomar ao nível comunitário, como prova o facto de o Tratado de União Europeia ter acolhido estas temáticas no designado «terceiro pilar de Maastricht». Como afirma a Comissão a propósito da construção do mercado interno, «existem ainda algumas decisões políticas a adoptar para conseguir a supressão total dos controlos nas fronteiras, nomeadamente em matéria de circulação de pessoas».
A interligação entre os Acordos a ratificar e a Comunidade resulta ainda das referencias que naqueles são feitas à necessidade de colaboração no âmbito desta e ao dispositivo que obriga à absoluta compatibilidade dos normativos Schengen com o direito comunitário. Além disso, o artigo 142.º da Convenção de Aplicação prevê a substituição ou a alteração das suas normas à medida que a nível global da Comunidade se vá realizando um espaço sem fronteiras internas.
No entanto, conforme se reconhece no programa da presidência portuguesa, «a livre circulação de pessoas regista, ainda, atrasos evidentes no quadro comunitário. A sua efectivação é, no entanto, decisiva para a credibilidade da Europa sem fronteiras que estamos a assumir.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Defendemos a aprovação do Acordo de Schengen e da sua Convenção de Aplicação. Pensamos que, apesar de todas as dúvidas que legitimamente se podem suscitar, é útil para Portugal aderir a estes instrumentos jurídicos internacionais.
Três razões principais o aconselham. Em primeiro lugar, é do interesse nacional que, sempre que possível, nos afirmemos como país que está na primeira linha da construção da união europeia, mostrando a vontade empenhada de contribuir decisivamente para tal desiderato.
Por outro lado, poderemos beneficiar do estímulo externo que Schengen potência na modernização de procedimentos e de práticas policiais e administrativas, na formação do pessoal responsável e na melhoria de estruturas e de equipamentos.
O combate ao tráfico de droga e de armas, ao banditismo e terrorismo, aos controlos fitossanitários e a salvaguarda da saúde e segurança públicas exigem uma cada vez maior sofisticação de meios. Também neste ponto se lucrará com a cooperação e experiência adquirida dos nossos parceiros.
Por último, não faria sentido que um espaço tão relevante como aquele que incluirá, entre outros, a França, a Alemanha, a Itália e a Espanha, avesso a sua fronteira externa ocidental coincidente com a fronteira luso-espanhola. Isto e, não seria admissível que o nosso país ficasse excluído de um grupo que tenderá a ser a vanguarda do processo de integração. Seria prejudicial à nossa imagem externa e ao nosso próprio autoconceito que se pudesse ter a percepção, mesmo que não fundamentada, de que uma certa Europa terminava na nossa vizinha Espanha.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que não temos uma visão idílica dos Acordos de Schengen. Sabemos que são várias as questões e perplexidades que susci-

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tam, tanto mais quanto são melindrosas e sensíveis as matérias que regulam. Conhecemos as restrições aos poderes dos Estados que potencialmente comportam em matérias fundamentais.
A época que estamos vivendo lembra essa outra em que se fez a transição do mundo feudal para os Estados modernos em que a necessidade de unidade e de ordem conduziu, de modo gradual e penoso, àquilo a que chamamos soberania.
Também hoje, com enormes dificuldades se constrói uma outra realidade mais alargada, dando resposta às novas exigências deste tempo histórico em que os cidadãos requerem, como contrapartida desse imenso espaço político e económico em construção, que se não descure a segurança de pessoas e bens.
Não se trata aqui de qualquer operação ao nível do simbólico para induzir à coesão dos Europeus face a eventuais terceiros ameaçadores e também não julgo que seja útil criar ou ressuscitar fantasmas de xenofobia ou de racismo a propósito destas questões. O que está em causa é conseguir que os controlos efectuados nas fronteiras externas sejam realizados de modo harmónico e eficaz, de tal sorte que tornem a Europa menos permeável à penetração de fenómenos indesejáveis.
Para salvaguardar a transparência das opções a tomar por Portugal neste domínio, tem sido muito positiva a boa colaboração que se regista entre o Governo e o Parlamento, exemplificada nas várias reuniões de informação que tiveram lugar com as comissões parlamentares competentes e tal espírito deverá, pensamos, manter-se no futuro.
Também a constituição de um grupo de acompanhamento entre as Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de Assuntos Europeus permite antecipar que as medidas que vão sendo tomadas terão a necessária fiscalização e o contributo político por parte desta Assembleia.
Podemos dar, assim, a nossa achega específica para este ponto concreto da construção da Europa, que é o da verdadeira criação de um espaço unificado, sendo certo que não existem modelos já experimentados que possamos seguir com total garantia de sucesso.
Daí, como refere Morin, «o problema literalmente desconcertante que se nos põe é o de procurar no presente e não no passado o princípio da organização europeia».
A este desafio, só podemos responder encarando os problemas de frente, sem adiamentos e sem precipitações. Tornar segura a livre circulação de pessoas é a meta que se tem pela frente. Schengen poderá ser, apesar das dúvidas que cada um de nós possa avançar, uma boa pista para lá chegarmos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Creio que pode afirmar-se que a Europa tem desempenhado um papel singular no que à irradiação cultural se refere justamente porque, ao longo da sua história, ela, não tanto enquanto unidade política, que nunca o foi em rigor, mas enquanto modo de mundividência, ela, dizia eu, se tem desdobrado, auto-exposto e quase autodoado a outros povos.
Daí o seu estatuto natural de uma certa exemplaridade de que goza ainda hoje junto de outros povos longínquos, que, nalguns casos mais extremos, não deixa até de constituir tentação ou ameaça para patrimónios culturais e religiosos mais fundamentalizados.
Se é verdade que uma das manias (perdoe-se-me a expressão!) que a Europa deve perder é justamente a de que a eurovisão do mundo é a mais lúcida, a mais sábia e a mais eficaz, temperando a sua tradicional mentalidade cruzadista e desempunhando o facho da missionação do Planeta, tal exercício de humildade não pode significar, em momento algum, uma manobra, um esforço eugénico de autopreservação, como se quisesse tornar-se em oásis edénico, mas delimitado com muralhas.
A Europa não pode tornar-se, principalmente, numa fortaleza de bem-estar, o que a tomaria num espaço de fruição e gozo, cheio de seres fartos do imediato e desabituados da transcendência, numa mortal contradição com a histórica atitude europeia perante a vida e as questões do homem.
De resto, não é difícil imaginar um espaço, dir-se-ia pós-civilizado, habitado por hedonistas embrutecidos com fios ligados aos centros de prazer do cérebro, disfrutando imenso, mas sem sentido de sensações num ambiente estável e, porventura, mecanicamente tranquilo. Só que um mundo deste tipo perderia a condição essencial da vida, a adaptabilidade, tornando-se fatalmente vulnerável a qualquer adversidade.
Que a Europa se não tome num imenso Far-West, com a libaniação das grandes cidades, deixando, assim, de ser a pátria de paz quer para os seus residentes naturais quer para os próprios imigrantes é, há que dizê-lo claramente, um objectivo essencial que haverá que preservar a todo o custo. Mas não creio que a forma mais eficaz de evitar esse desastre seja o exercício de introversão e de ensimesmamento que se desenha com particular nitidez e violência até já em alguns dos mais importantes países da Comunidade Europeia.
Processos de eugenismo eurocêntrico, processos voluntaristas de descontaminação, em vez de uma campanha cultural para re-humanizar a Europa, tão drasticamente seculurizada pelo absolutismo «tecnotrónico» e produtivisia, investindo na sua alma verdadeiramente dialogante e encuménica, tais processos, repito, além de prosseguirem uma eficácia duvidosa, podem potenciar tragicamente os desequilíbrios e distâncias entre os povos e que a vaga de liberalização à escala planetária veio desocultar.
O que pretendo dizer é que o Acordo de Schengen nunca poderá ser um factor de contracção humana e cultural para os países signatários, mas tão-só um instrumento para uma mobilidade humana mais segura e controlada, com vista a evitar excessos migratórios que poderiam, por certo, provocar convulsões sociais de consequências trágicas.
Que o Acordo não adormeça mas acorde os países signatários para a nova realidade mundial, realidade caracterizada pela planetarização do diálogo cultural e dos movimentos humanos, caracterizada, enfim, pela abertura e pelo diálogo. E não será fechando-se que a Europa se preservará, mas abrindo-se e dando-se.
Para isso é preciso que, dentro das suas próprias fronteiras, se recupere a humanidade, que a tecnocracia ceda passo à solidariedade, porque a Europa será tanto mais feliz quanto mais contribuir para a felicidade dos outros. O futuro é solidariedade!

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Para além da seriedade do conteúdo, está aqui hoje colocada também uma grave questão de democraticidade de procedimento.
Os Acordos de Schengen vão ser debatidos sem a informação necessária e audições suficientemente amplas de personalidades, serviços, entidades, organizações, que permitam aproximar-nos de uma análise mais profunda de todas as suas consequências. E não será o facto de a votação ser diferida por 15 dias que vai resolver este problema!
É pedida, por outro lado, uma extensa autorização para o Governo legislar numa vasta área, que compreende não só a regularização extraordinária dos imigrantes mas também diversos aspectos da entrada, saída e expulsão de estrangeiros. O que está aqui em causa é mais um acto de subalternização do papel da Assembleia da República no sistema político. E o facto é tanto mais grave quanto a matéria em causa se prende com o sentido e alcance efectivo do exercício das liberdades individuais.
O PSD juntará a outras a falta de ter provocado mais um défice de democracia e de debate e uma intolerável menorização do Parlamento em mais este assunto. Dir-se-á que o défice de democracia não é exclusivo do processo em Portugal. É verdade! Noutros países, e no próprio processo negocial, foi menorizado o papel dos parlamentos, das organizações representativas dos trabalhadores imigrados, de estudantes não comunitários, de organizações humanitárias que lutam em torno de direitos (como o direito de asilo) de muitas outras organizações interessados.
Mas em Portugal é particularmente gritante a falta de participação e carência de debate em todo este processo. No entanto, as implicações dos artigos da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen vão muito para alem da promessa de maior liberdade de circulação nas fronteiras (que hoje já se processa muito facilmente entre os 12 países da Comunidade Europeia), ou da promessa de maior segurança dos cidadãos. Estamos face a uma verdadeira mini-Europa das polícias, que está a ser concebida e imposta, à margem das instituições da Europa comunitária, com falta de controlo democrático e com uma insuficiente intervenção dos parlamentos nacionais. A criação do grupo de trabalho Schengen na Assembleia da República - o que é importante! - não resolverá o problema essencial de todo este processo. É óbvio que a Europa dos cidadãos não pode ser a Europa do crime, mas é abusivo invocar o pretexto desse perigo para criar uma Europa da vigilância generalizada, da liberdade limitada, de muros erguidos em relação ao resto do mundo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Falta saber por que razão o Governo tem esta urgência de ver o nosso sistema policial subordinado e o sistema de informações conexo e em grande medida dependente a ponto de ele pretender tudo tão rápido e tão pouco medido e devidamente avaliado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Mistério!

O Orador: - A lista restrita de audições realizadas pelas comissões parlamentares respectivas mostra bem a que ponto a Assembleia da República abdicou das suas competências e a que ponto se justifica a proposta de adiamento deste debate apresentada ontem pelo Grupo Parlamentar do PCP e hoje aqui renovada. Nenhuma verdadeira urgência especial impõe que o debate se conclua hoje e não num momento que permita que a instituição parlamentar nacional não abdique de forma tão gritante das suas competências e de garantir uma maior participação democrática.
Recordamos, em especial, o que este debate e a Assembleia da República perderá se for rejeitada a proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP de ouvir os Deputados portugueses do Parlamento Europeu, a Directoria-Geral da Polícia Judiciária, a Direcção-Geral das Alfândegas, o Comando-Geral da Guarda Fiscal, o Serviço de Estrangeiros e de Fronteiras, o Serviço de Informação e Segurança, os presidentes dos conselhos de administração dos aeroportos, a Ordem dos Advogados, a Associação dos Magistrados Judiciais, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, as associações de profissionais representativas da Polícia, o Alto-Comissário em Portugal das Nações Unidas para os Refugiados, as associações de imigrantes, os ex-Ministros da Justiça após o 25 de Abril de 1974 e os ex-bastonários da Ordem dos Advogados.
Preferiu-se uma celeridade que nada de interesse público justifica a uma democraticidade que tudo recomenda.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PSD teme que mais audições e maior debate confiram um papel relevante à Assembleia da República, aumentem a participação e possam deixar mais claro as imensas dimensões e reflexos insuficientemente ponderados desta Convenção.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E, no entanto, em matérias como o Serviço de Informações Schengen e o direito de asilo, a segurança pesa mais do que a liberdade e os direitos dos cidadãos são pouco acautelados a pretexto da segurança.
É certo que passaremos as fronteiras de sete países com mais facilidade, mas prescindimos do controlo das nossas próprias fronteiras e, como já disse a Ministra francesa dos Assuntos Europeus, «a supressão do controlo das fronteiras não implica a supressão do controlo, mas, ao contrário, os controlos móveis serão reforçados e os métodos sempre mais avançados são já examinados pelos sócios de Schengen».
Também o processo de relacionamento com as comunidades imigrantes é tratado com ligeireza. A Liga dos Direitos do Homem de França afirma que «os Acordos de Schengen tentam fazer da Europa uma fortaleza assediada pelo 'estrangeiro', que convém proteger a todo o preço». Que e feito de um Portugal aberto ao mundo, convicto da unidade e igualdade da espécie humana, com aversão ao racismo e à xenofobia, fiel aos laços prioritários com os países africanos de língua oficial portuguesa?

Aplausos do PCP e dos deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

Outras organizações, como o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e a Amnistia Internacional, referem as dificuldades criadas ao direito de asilo, impondo responsabilidades às próprias empresas de

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transportes, e a perspectiva de multiplicação do número de estrangeiros submetidos a vistos. Partilhamos destas apreensões, que estão longe de estar claras. Da mesma forma, perguntamos: com que legitimidade o pessoal das empresas de transportes vai ser transformado em auxiliar de polícia, ao ser obrigado a controlar os seus passageiros e os documentos de que dispõem, sob pena de ser vítima de sanções?
Os países de África, Caraíbas e Pacífico levantaram, por sua vez, a questão de não terem sido ouvidos, apesar de estar subjacente à Convenção uma política de migração muito restritiva e apesar das responsabilidades históricas em situações de subdesenvolvimento de que não podem alhear-se os países subscritores da Convenção de Schengen.
A legalização extraordinária da situação de imigrantes ilegais não resolve o problema de trabalhadores que tem sido duramente explorados, nem das situações que estão na base das imigrações. Portugal, país de emigrantes espalhados pelo mundo e que recebe imigrantes, não pode lavar as mãos e encarar com ligeireza, como se um acto de legalização extraordinária resolvesse um problema que é muito mais vasto e tem implicações muito mais profundas. Os imigrantes ditos clandestinos trabalham à luz do dia, são duramente explorados, são as primeiras vítimas dos acidentes de trabalho, da privação do direito à habitação e de outros direitos sociais. Têm de ser tratados com respeito e de acordo com um política de integração, e não como marginais ou indesejáveis.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas tão sério como a Convenção é o que se faz «no espírito da Convenção», sem que esta esteja debatida e em vigor e sem instrumento jurídico que lhe dê cobertura.
Experimentemos ler um semanário português de há 15 dias e pensar um pouco: «Os Espanhóis não escondiam a sua satisfação por terem conseguido de Dias Loureiro o direito de perseguição (até 50 km e durante duas horas), que lhes fora negado uma semana antes pelo Ministro francês do Interior e que consideram de primeira importância para a prevenção do terrorismo e o combate contra o crime organizado.» Ficamos a saber também, pelo mesmo semanário, que a fronteira portuguesa seria a «principal porta de entrada para a Europa de toda a classe de 'indesejáveis': traficantes de droga ou proxenetas negros ou magrebinos, prostitutas portuguesas ou dominicanas e 'bichas brasileiros'».
Naturalmente que isto significa que Portugal seria alvo de atenções policiais muito particulares. É essa a situação do País: tido como ponto de entrada para o «espaço Schengen», como um lugar para onde se evadem criminosos ou marginais, como fronteira exterior do espaço Schengen, será também espaço de perseguição e de vigilância de polícias estrangeiras, sem que esteja claro quem vigia a vigilância e como se vão garantir as liberdades e direitos fundamentais neste quadro inquietante.
Quanto à política de vistos, verificamos que já está a processar-se a sua alteração, mesmo antes de entrar em vigor a Convenção. Alguns estão a ser abolidos, tudo leva a crer que por pressão da Alemanha (di-lo, por exemplo, Le Monde Diplomatique), noutros vão ser restabelecidos os vistos, prescindindo Portugal de uma política e orientação próprias e do que deveriam ser as prioridades nas suas relações externas, particularmente com os países africanos de língua oficial portuguesa.
O Serviço de Informações Schengen é uma das questões centrais deste imenso iceberg. E chamo-lhe iceberg porque estes tem uma pequena parte de fora e a grande de dentro e escondida.
Ao contrário do que se tem afirmado, o regime de protecção de dados pessoais em vigor em Portugal, consagrado na Lei n.º 10/91, tem insuficiências, ao mesmo tempo que a Convenção contém lamentáveis excepções às normas de protecção em caso de transmissões de dados. Podemos falar de técnicas actuais, mas podemos falar também das técnicas em desenvolvimento, que no futuro talvez encontrem projecção nas legislações nacionais e acordos internacionais.
Esta é uma das muitas inquietações que mostram que, nesta matéria, são muitos os que tem a sensação de que as coisas não estão claras e que é pouco o que é dito e muito o que fica por contar! E provavelmente quem controla o processo Schengen não contou tudo ao Governo, tal como o Governo não conta tudo à Assembleia da República.
Uma outra situação por esclarecer é a da conexão entre Schengen e a Comunidade Europeia. Como é que, depois de Maastricht, pode falar-se de um «terceiro pilar», na área da administração interna e justiça, incluindo matérias como a política de asilo e uma polícia criminal à escala comunitária, e, simultaneamente, desenvolver um complexa estrutura, a «nebulosa Schengen», com amplos objectivos, em grande parte coincidentes, mas apenas à escala de oito países?
Dizer que Schengen é um «laboratório» ou «etapa» a caminho da Europa comunitária não resolve um problema que é muito mais complexo e envolve outras vertentes!
Não peçam, pois, que o Grupo Parlamentar do PCP aprove o que e pouco claro, ainda por cima matéria que envolve direitos, liberdades e garantias individuais. Não nos peçam que legítimas preocupações de segurança prejudiquem a liberdade. Não nos peçam o nosso acordo para que a cooperação e vigilância policial ampla e sem garantias nos transformem num país de gente vigiada. Não nos peçam o nosso voto para que esta Assembleia se demita das suas responsabilidades. Um Portugal seguro pode também ser um Portugal livre e aberto ao mundo. Não contem connosco para acompanhar uma pressa, que não foi explicada, quando estão em causa problemas de direitos humanos e liberdades individuais.

Aplausos do PCP e dos deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes Silva.

O Sr. Rui Gomes Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Portugal vive hoje outro momento grande da sua história, própria das experiências apaixonadas e sem dúvidas sobre o rumo a seguir no destino procurado. O empenhamento na construção europeia, desde 1986, faz parte do nosso ideário nacional, sem que isso signifique o esquecimento da vertente atlântica, factor importante, senão mesmo determinante, da preservação de Portugal como país independente há mais de oito séculos.
Nesse sentido, ainda agora demos mais um passo ou vamos dar mais um passo, lendo em vista obter um compromisso equilibrado e coerente na busca das linhas mestras da construção europeia. Ao ratificar o Acordo de

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Schengen, mesmo não se tratando de um texto pertencente formalmente ao edifício jurídico comunitário, Portugal avança nessa direcção. Somos, assim, o segundo país a fazê-lo de entre os oito signatários, depois da França e antes dos países Benelux, da Alemanha, da Itália e da Espanha. Fizemo-lo tratando das implicações jurídicas e curando das situações de facto, no pressuposto de que, no caso concreto, não haverá transferência de soberania, porque de um acordo intergovernamental se trata, no que realça a posição desta Câmara, de todos e de cada um de nós, Deputados à Assembleia da República.
O desenvolvimento da cooperação internacional de carácter governamental, bem como a não criação de uma ordem jurídica Schengen, leva a que Portugal, sem transferência de qualquer parcela da sua soberania, como se disse, adira a um espaço sem fronteiras, proporcionador de vantagens económicas substanciais, recusando-se assim a permanecer marginalizado dos grandes movimentos de integração, sem atender às teses de conspiração permanente, tão do agrado de alguns, mas preservando posições próprias em várias matérias, tais como extradição, ou tratamento de dados ou o relacionamento bilateral, nomeadamente com o Brasil e com os países africanos de língua oficial portuguesa.
Outros, por razões específicas, não puderam, ato ao presente momento, assumir tal compromisso. Compromisso que para Portugal pode significar também uma maneira, como tantas outras, de afirmar o valor da solidariedade. Solidariedade e cooperação europeia contra o aumento da insegurança, na busca da consecução da livre circulação de pessoas, nos termos do Acto Único.
E nesse sentido que poderemos buscar as justificações para o conteúdo das propostas que o Governo hoje aqui apresenta sobre a entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros e sobre a regularização extraordinária de imigrantes ilegais.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não sendo a isso obrigado nem mesmo sendo usual, o Governo, pela importância da matéria, deu já a conhecer o conteúdo dos diplomas que pensa publicar no desenvolvimento das autorizações legislativas que, estamos certos, este Parlamento não lhe negará.
O primeiro, para além de algumas inovações, trata de adoptar a legislação portuguesa ao espírito Schengen, e, muito especificamente, ao disposto na Convenção de Aplicação do Acordo.
O segundo aborda uma questão bem mais merecedora de alguns cuidados, pelas envolventes, pelas consequências que dele possam resultar, mas, essencialmente, porque nos importa manter Portugal fiel aos seus princípios, conciliando o seu carácter tradicional de terra de emigração com o lugar de acolhimento daqueles que buscam no nosso país melhores condições de vida.
O recurso ao processo extraordinário de legalização segue de peno as legislações espanhola e italiana, indo muito mais além do que alguns documentos apresentados pela oposição sobre tais matérias, há algum tempo atrás. Processo extraordinário que não nos deixará de manter orgulhosos do passado e do papel de Portugal no mundo, numa perspectiva universalista, a que corresponde um espírito aberto, sem preconceitos de qualquer espécie, privilegiando, muito especialmente, os laços históricos e mutuamente vantajosos que mantemos com os países de língua portuguesa.
O aumento dos fluxos migratórios para a Europa, nos últimos anos, levou a que o número de estrangeiros na Europa se cifre em mais de 8 milhões, o que significa uma percentagem superior a 2,5 % de toda a população comunitária.
Portugal, com os seus cerca de 75 000 imigrantes, que correspondem a 0,7 % da sua população, está bem longe dos números apresentados por outros países, tais como a França e a Alemanha, onde a imigração atinge 4,4 % e 5,7 % das respectivas populações.
Apesar disso, não podemos, nem devemos, ficar indiferentes à coordenação de políticas sobre tais matérias no espaço europeu, tendo por base e por objectivo o preenchimento do vasto conceito de cidadania europeia.
A nossa posição cultural própria, se gera especificidades, não impede a participação numa área mais vasta, onde a exigência da legalidade seja efectiva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, a tramitação proposta para a regularização dos imigrantes ilegais, como o vêm solicitando algumas forças sociais, políticas e religiosas, de forma a assegurar um mínimo de estabilidade psicológica e familiar, permitindo-lhes o acesso aos direitos sociais fundamentais, concedendo-lhes um estatuto de cidadania, tal como bem o referiu a Comissão Episcopal das Migrações e Turismo.
Nesse sentido, legislará o Governo português de forma excepcional, mas dando resposta, também nesta matéria, aos desejos mais profundos dos indivíduos que, como imigrantes, têm chegado até nós. Isto pelo efeito conjugado das pressões demográficas e da ausência de condições dos países do Sul e da recuperação económica do nosso país, numa prova bem evidente do sucesso em que Portugal se transformou, nos últimos anos.
A aproximação da entrada em vigor do mercado único, a falta de mão-de-obra em certas áreas, mas, essencialmente, o crescimento e o desenvolvimento económicos atingidos por Portugal, desde que o Prof. Cavaco Silva assumiu o cargo de Primeiro-Ministro, tornaram-nos apetecível como destino, do ponto de vista dos movimentos migratórios, bem como tornará mais evidentes os efeitos dos reagrupamentos familiares, de forma mais permanente e concentrada, num futuro próximo, como aqui já referiu o Sr. Ministro da Administração Interna.
Imporia, por isso, dar hoje uma resposta que satisfaça os anseios dos que aqui se encontram, mas sem que se coloquem entraves à integração plena na Europa, de modo que se possam vir a harmonizar legislações, gerindo esses mesmos fluxos migratórios, reforçando as medidas de integração, assentes num quadro jurídico único.
Se o primeiro dos diplomas é estruturante face à necessária certeza jurídica nas relações que o Estado português possa vir a estabelecer com os estrangeiros que entrem no seu território, o segundo é, em si, um acto de consideração para com aqueles que, com dignidade e de livre consciência, buscaram, numa sociedade diferente da sua, uma forma de contribuir para o seu e para o - por que não dizê-lo? - nosso progresso.
Ao ganharem o seu dia-a-dia, esses imigrantes contribuem decisivamente para o desenvolvimento dos países que os acolhem, havendo por isso que gerar condições para a sua permanência em termos legais.
O vínculo afectivo que Portugal representa para muitos dos que aqui trabalham poderá ser, agora, fundamental na regularização de muitos desses cidadãos de países hoje independentes, a que nos une, mais do que uma história

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vivida em conjunto, uma língua, veículo de entendimento fácil e imediato.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O que hoje aqui aprovarmos será um acto de justiça, mais um passo em frente no cumprimento do nosso destino como povo que sempre soube unir, em vez de dividir, e juntar, em vez de apartar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Num mundo em mudança, em que se questionam princípios e certezas até há bem pouco intocáveis, ou mesmo se destroem realidades que se julgariam imutáveis, tais como as fronteiras, será bem gratificante dizer-se que a participação num espaço português significa, também, a liberdade de buscar meios de sustento em todos os países subscritores de Schengen. E isto de uma forma extensiva, não só para os nacionais mas também para os cidadãos oriundos de países terceiros legalizados em Portugal.
Nunca, por isso, Schengen poderá significar diminuição de liberdade. A não ser para os que, em número reduzido, se encontram a coberto de situações ilegais, insustentáveis e não sanáveis à luz dos diplomas ora apresentados, fundados numa perspectiva nacional e europeia, aglutinadora e consensual.
De outra maneira, aliás, não poderia ser, sob pena de, hoje, negarmos o que, ontem, exigíamos; de, hoje, não atribuirmos aos imigrantes aquilo por que pugnávamos para os Portugueses quando estes buscavam, noutros países, os seus meios de vida.
Schengen, ao contrário do que alguns afirmavam, garante a livre circulação dos trabalhadores como indivíduos, criando, tão-só, mecanismos restritivos em nome da ordem pública e da segurança do Estado, por razões perfeitamente excepcionais.
A criação de uma Europa mais livre, mais aberta, não poderá ser sinónimo de insegurança ou vulnerabilidade ou, ainda, um convite ao terrorismo, à criminalidade ou ao tráfego ilícito.
A regularização hoje proposta atende a isso mesmo e dela beneficiarão, em primeiro lugar, os próprios a quem vier a ser garantida a possibilidade de, por esta forma, adquirir um instrumento legal que justifique a sua permanência em território português e, em consequência, europeu.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Acordo de Schengen e os diplomas hoje apresentados, ou que decorrerão da autorização legislativa que a Assembleia da República concederá ao Governo, são duas faces da mesma moeda: ambas geram mais responsabilidade, porque ambas atribuem mais liberdade.
Liberdade conferida a cidadãos, nacionais ou legalizados, alargando dessa forma o mercado de trabalho, o horizonte da deslocação, o limite da mobilidade. Sem controlos, mas mais exigente. Disso todos teremos consciência! Nós, como portugueses, mas, essencialmente, como comunidade que sabe gerar no seu seio os mecanismos de adopção para quem encontra em Portugal as janelas da esperança do que significa entrar e permanecer legalmente num espaço como o agora criado.
Estas algumas das razões que motivam o nosso apoio às propostas aqui apresentadas pelo Governo.
Sem medos! Não receando, como atrás dissemos, nem acreditando nas teses da conspiração permanente!
Com esperanças! Mas, essencialmente, com certezas nas potencialidades de um espaço único europeu, de uma Europa que será também muito do que nós, portugueses, quisermos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Embaixador de Cabo Verde, Sr.ªs e Srs. Deputados: Desde há longos meses, diversos sectores da sociedade portuguesa - sindicatos, igrejas, instituições humanitárias e cívicas - vêm manifestando a sua vontade de verem regularizada a situação dos imigrantes ilegais.
São boa prova desta vontade a declaração intitulada «A situação dos imigrantes viola os direitos do homem», subscrita por 16 daquelas organizações, bem como a petição entregue nesta Assembleia «em favor de uma regularização justa e respeitadora dos direitos humanos para os estrangeiros ilegais», da iniciativa do Centro de Apoio à Reinserção dos Emigrantes, a qual obteve a subscrição de 2223 cidadãos, número que revela bem a genuína expressão do sentimento e vontade civis.
O princípio da regularização extraordinária era um dado adquirido quando esta Assembleia o aprovou, ao acolher consensualmente o projecto de lei do PS sobre esta matéria, o n.º 1 da actual legislatura.
O que hoje aqui estão em causa e em confronto, de grande importância para as comunidades lusófonas aqui residentes, são exactamente o projecto de lei do PS e a proposta de lei do Governo contida no seu pedido de autorização legislativa.
O que está em discussão é como proceder para com os imigrantes lusófonos que já cá residem, de modo que, perante a adopção de novas regras, não lhes sejam aplicadas restrições retroactivas e lhes seja reconhecido o importante contributo que tem dado à vida portuguesa.
Como dirigente da Associação Cabo-Verdiana e em nome da Casa do Brasil e demais associações da comunidade africana, queremos deixar claro que compreendemos, sem reservas, a necessidade de Portugal definir políticas e um regime que lhe permita regular os fluxos migratórios de que é alvo, de modo que o desenvolvimento nacional possa processar-se de forma harmónica. E que fique claro, por igual, que não propugnamos a legalização de marginais, dos que, comprovadamente, tenham cometido crimes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Quando se fala das comunidades lusófonas e dos clandestinos, tende-se a confundir ambos, sendo certo que existem situações perfeitamente regulares, bem como cidadãos que adquiriram já, e com muito orgulho, a nacionalidade portuguesa. No caso cabo-verdiano, que é a comunidade mais antiga e numerosa, a segunda geração nasceu aqui, em Portugal, e este é o único país que conhecem. Não provêm da explosão demográfica do Magreb, África ou América Latina. Nasceram aqui, na Damaia, na Pedreira dos Húngaros, em Sines, no Algarve.

Aplausos do PS.

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É bom, portanto, que se tenha a noção de que os clandestinos, os que poderão ser abrangidos pela regularização extraordinária, sendo um conjunto qualitativamente importante, quantitativamente não atinge os números que tem sido veiculados.
É importante termos presente que, desses clandestinos, uma parte substancial é de origem cabo-verdiana e, segundo alguns estudos, parte dela já completou o seu reagrupamento familiar, pelo que não é aceitável a criação de fantasmas acerca do perigo de uma invasão massiva, quando mesmo esses números, ainda que empolados, não alterarão substancialmente, no contexto da Comunidade Europeia, a posição de Portugal, que continuará a ter uma das mais baixas percentagens de imigrantes.
Esta é a razão por que não podemos aceitar que a proposta de lei não admita a regularização dos ascendentes quando comprovadamente residam em comum e estejam economicamente dependentes dos filhos, bem como a dos descendentes maiores que, residindo também em comum, não podem comprovar rendimentos próprios ou exercício de actividade profissional remunerada porque dependem dos pais (por exemplo, estudantes maiores) ou ainda que não seja admitida a regularização nos casos das «uniões de facto».
Tais exclusões arriscam a multiplicar casos em que uma mesma família é lançada no caos pela regularização de uns e expulsão de outros, regularizando pais e expulsando filhos, regularizando homens e expulsando as suas companheiras de vida, regularizando filhos, porque nascidos em Portugal, e expulsando pais, condenando todos a separações violentas e humanamente indesejáveis.
É justamente porque tal pode acontecer e porque a esses casos se podem vir a juntar aqueles em que a lei, mesmo contra a vontade e o espírito do legislador, permita ao seu aplicador interpretar a existência de infracção dolosa pelo facto de o requerente se encontrar em situação ilegal, que não concordamos que a proposta de lei não preveja garantias de recurso judicial, com inibição da aplicação da medida de expulsão, ate que esses mesmos recursos se encontrem decididos.
A margem dada ao aplicador na interpretação e preocupante, pois as comunidades conhecem bem como alguns «homens do carimbo» tendem a interpretar e a praticar formas restritivas e distorcidas das leis, pelo que acresce ao Governo a obrigação de um real empenhamento de fiscalização dos aplicadores.

O projecto de lei do PS, mais generoso e clarividente, exige, tão-só, aos cidadãos lusófonos a prova de entrada até 4 de Novembro de 1991 e o requerimento respectivo em que expressem a sua vontade de se regularizar, enquanto a proposta de lei exige, para os que tenham entrado depois de 1 de Junho de 1986 e tenham presença continuada, a prova de exercício de uma actividade profissional remunerada.
Srs. Deputados, em muitas situações tal não será possível. E não será possível porque os empregadores, apesar das garantias de não procedimento judicial, são, entre outras razões, por exemplo, subempreiteiros da construção civil e também clandestinos, portanto sem capacidade para testar seja o que for.
Gostaríamos, pelo menos, de ter visto o Governo prever que, no caso de ao trabalhador ser recusada a declaração comprovativa de actividade profissional remunerada, este pudesse recorrer a alguma autoridade a quem competiria a averiguação da veracidade da recusa e a responsabilidade de, ela própria, passar essa mesma declaração no caso de aquela ser comprovada.
Por outro lado, não podemos concordar com a formulação expressa no pedido de autorização legislativa, que permite ao juiz colocar os expulsandos em «centro próprio». Apesar das intenções do legislador de salvaguardar na lei as garantias dos direitos humanos, há a possibilidade de, na prática, as realidades serem bem diversas do espírito da lei e originarem injustiças e tratamentos inadequados.
Não se pense que não admitimos que o juiz não determine meios de controlo e de fixação do expulsando, mas não podemos concordar com a ideia de um «centro próprio» que levante nos nossos subconscientes a memória não muito distante de outros campos, com as consequências conhecidas para a dignidade humana.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: O enquadramento da lei da regularização extraordinária com outros projectos de lei visando a repressão da imigração, regulando as expulsões, aludindo a terrorismos, delinquências e criminalidade em geral, é, no mínimo, um enquadramento pela negativa e traz as comunidades aqui residentes a sensação de serem agora indesejáveis, o que está em contracorrente com o tratamento quotidiano que a sociedade portuguesa, em geral, dispensa aos imigrantes lusófonos.
O PSD tinha obrigação de fazer aquele enquadramento numa perspectiva dignificadora, que foi exactamente o que o PS fez, em consonância com a sociedade civil, associando-a, pela positiva, a outros projectos de lei, visando uma «política integrada da imigração», promissora de futuros mais risonhos para as comunidades lusófonas e para Portugal.
Creiam que estaríamos aqui a aplaudir a proposta de lei do Governo sobre a regularização extraordinária se nela encontrássemos a capacidade de igualar ou rivalizar com o projecto de lei do PS, no que respeita aos seus efeitos e alcance práticos, garantias humanas, generosidade e solidariedade. Não é esse o caso.
Não o podemos fazer, por existir, em nosso entender, o risco de importantes quantitativos de imigrantes das comunidades lusófonas serem expulsos, responsabilidade que não queremos nem podemos assumir perante elas, porque com elas nos comprometemos aqui dar voz aos seus anseios e expectativas.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: A cooperação positiva com o Brasil e os PALOP, a solidariedade e apoio ao desenvolvimento destes passa aqui, em Portugal, por uma lei de «regularização extraordinária» que não admita a expulsão, em pouco tempo, de significativos quantitativos de imigrantes das comunidades lusófonas, situação que pode vir a fomentar importantes tensões e conluios étnicos em Portugal e que, pela sua importância e pelas suas características, podem contribuir, em Cabo Verde, para desorganizar o seu tecido económico e para fragilizar a democracia recém-iniciada, a qual é, geralmente, reconhecida como exemplar em África e à qual desejamos os maiores sucessos.
A cooperação e a solidariedade medem-se também, Srs. Deputados, pela cooperação e solidariedade claras, sem sofismas nem paternalismos, com a África e o Brasil que aqui temos.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, usando tempo cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, ouvi-a com atenção e percebi claramente o sentido fundamental da intervenção que aqui produziu.

O Sr. José Magalhães (PS): - Para isso é ministro!

O Orador: - Isso permite-me fazer alguns comentários e, sobretudo, colocar uma questão que para mim é um enigma que não consigo decifrar.
No fundo, o que a Sr.ª Deputada veio dizer e que o projecto de decreto-lei que, na sequência desta autorização legislativa, o Governo vai publicar podia ser mais extensivo, podia ser melhor, podia ter em atenção mais alguns aspectos que, do seu ponto de vista, são relevantes. E frisa, nomeadamente, um, que é o do reagrupamento familiar.
Já há pouco expliquei que o Governo introduziu, no projecto de decreto-lei que decorre da proposta de lei de autorização legislativa, uma norma que refere que podem beneficiar do reagrupamento familiar os filhos que vivam com os pais, portanto com os seus ascendentes, e que sejam menores de 18 anos, o que é já uma excepção à lei geral. Se reparar, no outro projecto de decreto-lei que irá dar lugar à nova lei da emigração e, aliás, de acordo com aquilo que se passa noutras legislações estrangeiras, essa idade passa a ser apenas de 14 anos, uma vez que, acima dessa idade, tem de haver um pedido autónomo, pelo que já não pode ser na base do reagrupamento familiar.
Depois, eu disse que esse benefício devia ser estendido aos ascendentes e também alargámo-lo-já o comuniquei aqui - aos incapazes, porque me pareceu moralmente justo, e vamos fazê-lo em sede de decreto-lei.
Mas a Sr.ª Deputada, aliás com os aplausos da sua bancada, fala de reagrupamento familiar e de questões em que o Governo deveria ter ido mais longe, como se não tivesse proposto também, sobre esta matéria, um projecto de lei!...
Sabe, por acaso, o que esse projecto de lei diz sobre o reagrupamento familiar? Zero! Nada diz, pois o PS não se preocupou com isso! Então, apresentou um projecto de lei sobre esta matéria e não se lembrou, na altura, de que havia, de facto, uma questão que era a do reagrupamento familiar e vem agora aqui dizer que nós devíamos ler ido mais longe, porque não nos preocupámos com os ascendentes - os que cá vivem e, se calhar, os que lá vivem, que se podiam juntar?...
Não sei se o Governo, nesta matéria, foi tão longe quanto os senhores gostariam, mas os senhores, nesta matéria, não foram a lado algum, peço imensa desculpa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes Silva.

O Sr. Rui Gomes Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, permita-me que os meus pedidos de esclarecimento incidam sobre dois momentos da sua intervenção: o primeiro quando se referiu aos centros de instalação temporária, nos termos em que o fez; o segundo quando falou da solidariedade e da cooperação com África.
Quanto aos centros de instalação temporária, referidos nos artigos 74.ª e 88.º do projecto de decreto-lei que o Governo apresentou sobre o regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional, seja-me permitido considerar infeliz a expressão utilizada pela Sr.ª Deputada, quando tenta insinuar a comparação desses centros de instalação temporária a qualquer outra situação que, embora não as referindo, deu, pelo menos, a entender aquela a que se referia.
Quero dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que os centros de instalação temporária previstos pelo Governo encontram também sede legal noutros diplomas idênticos, em termos europeus, em países com tradições de luta contra regimes a que a Sr.ª Deputada estaria a referir-se, hipoteticamente,...

O Sr. José Vera Jardim (PS): - E muito criticados!

O Orador: -... e não é por essa razão que esses países são menos democráticos.
A segunda questão tem a ver com a afirmação do PS, neste caso, pela sua voz, mas já aqui discutida várias vezes, em relação às exigências que fazem da cooperação com África.
Sr.ª Deputada, só aqueles que, como o Partido Socialista, tem pesos na consciência poderão buscar ou querer buscar, em iniciativas desse tipo, o arrependimento por erros passados. Nós, no Partido Social-Democrata, como provam as óptimas e excelentes relações do Governo português, desde 1985, com os governos dos países africanos de língua oficial portuguesa, não temos lições a aprender nem nada a receber, nomeadamente do Partido Socialista.
Só pedia à Sr.ª Deputada que fizesse a comparação entre as relações com África antes da tomada de posse do primeiro Governo liderado pelo Sr. Prof. Cavaco Silva e depois dessa tomada de posse, ou seja, depois de 1985. É que, como se não bastassem todos os êxitos mundialmente conhecidos, são os próprios líderes desses países que reconhecem, publicamente, que nunca, como hoje, Portugal manteve tão boas relações com África.
Portanto, Sr.ª Deputada, acenar, aqui, com o fantasma das más relações com África, das más relações com os países africanos de língua oficial portuguesa, não pega, porque nós não temos peso na consciência e devolvemos, como é evidente, esse ataque que não nos atinge.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, através desta lei extraordinária, o Governo vem dar-nos com uma mão o que nos está a tirar com a outra.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Diz-se mãe e faz-se de madrasta, ao mesmo tempo.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - É, pois, um equilíbrio instável e perigoso.

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Diz-se, por exemplo, solidário com os imigrantes, mas trata-os e mete-os no mesmo saco dos terroristas, dos delinquentes e dos criminosos;...

Vozes do PSD: - Não é verdade!

A Oradora: -... vem dizer da sua magnanimidade e, depois, vai expulsar importantes e significativos contingentes de imigrantes; vem falar da necessidade de uma habitação digna, mas vai recusar-já o disse! o direito à habitação social; faz a apologia do agrupamento familiar, mas vem lançar famílias no caos.
E vou-lhes dizer porquê.

O Sr. José Puig (PSD): - Mas o vosso projecto de lei nada diz!

A Oradora: - Relativamente às uniões de facto, o Sr. Ministro disse há pouco que o cônjuge podia pedir a sua regularização. Suponhamos, por exemplo, uma mulher doméstica que não é casada nem trabalha e que, portanto, não tem possibilidade de comprovar o exercício de uma actividade remunerada. O que é que lhe acontece?
Repare, também, no exemplo dos menores de 15 ou 16 anos - porque o seu diploma só refere os menores de 14 anos -, que, caso não trabalhem, não tem, igualmente, possibilidade de comprovar o exercício de actividade remunerada.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr.ª Deputada, permite-me que a interrompa?

A Oradora: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, queria interrompe-la apenas para perguntar por que é que não responde à questão que lhe coloquei, que é concretíssima e que consiste em saber por que é que o PS fala agora nesse problema, quando não o considerou no seu projecto de lei.
Mas também lhe queria dizer outra coisa, mais importante do que tudo isso...

O Sr. José Lello (PS): - Isso não é uma pergunta, e uma nota oficiosa!

Risos.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - De facto, parece-me que a Sr. Deputada, para ter autoridade moral de forma a falar nesse conjunto de questões, tem de responder a isto: por que é que o PS, no seu diploma, não considerou, nem de longe nem de perto, este tipo de questões?
Essa é que é a questão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Ministro, posso talvez responder que a questão do reagrupamento familiar está contemplada na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Vozes do PS: - Muito bem! Vozes do PSD: - Ah!

O Sr. João Poças Santos (PSD): - A dica foi mal dada!

A Oradora: - Relativamente aos centros de instalação temporária, quero apenas dizer ao Sr. Deputado Rui Gomes Silva que não só na Alemanha como noutros países estão a ser tão criticados que os governos estão a preparar-se para os eliminar.

Aplausos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para, ao abrigo da forma regimental que V. Ex.ª considerar mais adequada,...

Risos.

... fazer aqui o meu reparo ao modo como a Sr.ª Deputada respondeu. Talvez sob a forma de interpelação à Mesa ou, se V. Ex.ª preferir, sob a forma de defesa da consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, prefiro uma interpelação à Mesa, pois assim não desconta no tempo do seu partido.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

Risos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia fez aqui uma afirmação que não posso deixar passar: disse que o diploma do Governo punha no mesmo saco os imigrantes, os terroristas e os criminosos.

Risos do PS.

Ora, o respeito e a consideração que nos merecem, particularmente, os imigrantes dos países de expressão oficial portuguesa impedem-me totalmente de deixar passar em branco esta afirmação da Sr.ª Deputada.
Queria, pois, consignar esta minha posição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A Mesa tomou nota e não vai voltar a cometer esse erro.

Risos do PS.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, .Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 22/VI permitirá a consagração de um normativo coerente, com uma política bem definida no âmbito do regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional.
Tendo em conta os principais interesses e valores imanentes à legislação interna vigente, os compromissos que internacionalmente tem de ser assumidos, quais sejam o projecto de Convenção sobre a Passagem das Fronteiras Externas e a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, são regulamentados os diversos temas e situações que neste âmbito se colocam.
Com uma lógica intrínseca e fundamentos sérios, aborda-se, entre outras, a questão dos vistos, nas suas mais

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variadas vertentes, dos documentos de viagem, das autorizações de residência, dos boletins de alojamento, das condições e fundamentos da expulsão do território nacional, das sanções à imigração ilegal e das taxas e contra-ordenações aplicáveis.
Não se trata - deve registar-se - da concretização, numa perspectiva simplista e demagógica, de promessas e acordos pré-eleitorais mas, antes, do ordenamento de uma área particularmente sensível do Estado português, a qual desperta, aliás, idênticas preocupações em termos de Europa comunitária.
De resto, entendemos, de uma forma convicta, que os nossos objectivos de desenvolvimento sócio-económico e de integração plena numa comunidade coesa e harmonizada impõem fortes cautelas na abertura de fronteiras externas.
De facto, se continuamos a lutar para que não existam, na Comunidade Europeia, nações de primeira e nações de segunda, não poderemos igualmente patrocinar a existência de cidadãos de duas categorias e só poderemos triunfar nesta área se soubermos manter os índices de desenvolvimento e, principalmente, de desemprego que actualmente apresentamos.
Não queremos, assim, permitir que medidas e diplomas avulsos sem qualquer consistência criem situações extremas de marginalidade e de difícil integração social e profissional, colocando em causa lodo o esforço dos que vivem e trabalham neste país e contribuindo para os sucessos que lemos alcançado e que se traduzem, afinal, numa melhoria da qualidade de vida de iodos e de cada um. Pelas mesmas razões, não desejamos que cidadãos estrangeiros em situação de ilegalidade, mas, apesar disso, trabalhando com todo o empenho na construção de um novo Portugal, sejam, pura e simplesmente, estigmatizados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De entre estes, é da mais elementar justiça destacar os imigrantes provenientes de países lusófonos, bem como o papel que vêm desempenhando, por exemplo, no surto de obras públicas dos últimos anos. Porque se pretende a sua plena integração, porque não se consente que lhes sejam sonegados direitos fundamentais, propõe-se um diploma que visa a regularização extraordinária da sua situação.
De facto, a nossa conduta não se enquadra na bitola daqueles que se regem por condenáveis critérios de raiz xenófoba ou meramente raciais.
No diploma proposto não queremos deixar de salientar alguns aspectos, pelo seu significado e pelo carácter inovador quando comparados com projectos legislativos que tem o mesmo objecto.
Desde logo, saliente-se a norma prevista no n.º 2 do artigo 1.º, que, concedendo um tratamento de excepção aos cidadãos originários de países de língua oficial portuguesa, não deixará de contemplar muitos milhares de pessoas, constituindo um sinal importante.
Depois, sublinhe-se, no mesmo artigo 1.º, o facto de ser suficiente a prova do exercício actual de actividade remunerada ou por conta própria. É que a exigência de se comprovar o exercício de tal actividade por um período longo conduziria, em muitos casos, à impossibilidade de se demonstrarem situações que presumivelmente seriam reais, para além da excessiva burocratização dos processos.
Por último, uma palavra de especial apreço para com a preocupação de reagrupamento familiar prevista no n.º 4 do artigo 6.º do diploma apresentado sobre a regularização extraordinária de imigrantes ilegais, concretizando a autorização legislativa em discussão. Com efeito, nós, os que defendemos e proclamamos os valores essenciais da denominada civilização ocidental, não esquecemos que a estabilidade da família constitui um factor fundamental de crescimento e integração sócio-profissional correcto e saudável.
Pena é que aqueles que hoje, ao sabor dos ventos, utilizam as mesmas expressões, na hora da verdade, quando se trata de elaborar projectos de diplomas legais, as esqueçam, como que fazendo um «regresso às origens»...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a proposta de autorização legislativa hoje em apreço e os diplomas que a concretizarão, pensamos que, para além de não se comprometer o futuro dos Portugueses e das suas legítimas aspirações em lermos de bem-estar, se faz inteira justiça aos estrangeiros que com eles aqui vivem e trabalham. Estão criadas as condições para que esta comunidade de culturas, tradições e raças continue, com os mesmos objectivos, na senda do progresso e da melhoria da qualidade de vida.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Correia.

O Sr. Manuel Correia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Subindo hoje a esta tribuna, quero, nesta ocasião, saudar o Sr. Presidente da Assembleia da República, a Mesa e todos os Srs. Deputados, com os votos de que este debate possa contribuir para responder aos anseios da comunidade africana que vive e trabalha em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Na qualidade de membro da comunidade africana e, em especial, como dirigente sindical, quero, como deputado do Grupo Parlamentar do PCP, trazer-vos aqui o testemunho vivo desses anseios da comunidade e das grandes dificuldades por que ela aqui passa. Os africanos que aqui vivem acreditam que Portugal está efectivamente interessado em resolver estes problemas e é nesse sentido que tem interpretado as amigas palavras do Presidente da República Portuguesa e as posições que assume.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É clara a posição do PCP, favorável à regularização extraordinária dos imigrantes em situação irregular. Ó PCP entende que a regularização extraordinária da situação dos imigrantes africanos dos PALOP que são considerados em circunstâncias ilegais corresponde a uma necessidade. Esta é uma repetida reclamação das associações de imigrantes que existem e que há muito vêm reclamando essa legalização.
Recordo as posições de organizações como a Associação Unidos de Cabo Verde, a Associação de Imigrantes de Sines, a Associação Cabo-Verdiana, a Associação Mãos Unidas, a Associação Guineense de Solidariedade, a Associação Cultural e Recreativa Angolana, a Associação dos Moradores do Bairro do Zambujal, a Associação de

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Moradores da Pedreira dos Húngaros e tantas outras, que aqui aproveito para saudar e desejando-lhes os maiores êxitos.

Aplausos do PCP e do PS.

Saúdo igualmente a Casa do Brasil e os imigrantes brasileiros.

Aplausos do PCP e do PS.

Além da regularização da situação, a comunidade africana em Portugal debate-se com muitas outras situações humanas que não podem ser descuradas, seja com que pretexto for.
Refiro-me concretamente, em primeiro lugar, à questão da habitação com condições mínimas que preservem a intimidade familiar. É inaceitável a orientação que o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) transmite aos imigrantes em relação à habitação social. Essa orientação constitui uma grosseira discriminação, vedando-lhes o acesso a um tecto e a uma casa condigna. É igualmente discriminatório que, vivendo há 10, 15 ou 20 anos em Portugal, trabalhando e contribuindo para o desenvolvimento do País, os imigrantes tenham as portas fechadas ao acesso a credito bonificado para compra de casa própria.
São, pois, o Governo e alguns organismos do Estado que, ao restringirem o recurso à habitação social e ao crédito bonificado, não deixam aos imigrantes outras soluções que não sejam as de viver em barracas e em condições perfeitamente desumanas.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Foi com esse sentido que o PCP tomou posição favorável aquando da discussão nesta Câmara do projecto de lei do PS sobre esta matéria.
Foi também nesse sentido que o PCP apresentou o seu próprio projecto de acesso dos imigrantes africanos ao crédito para habitação.
Outra questão é a de que, para uma integração harmoniosa dos imigrantes africanos na sociedade portuguesa, terá de haver apoios específicos no campo da formação profissional e na lula contra o analfabetismo, sem a qual todos os esforços poderão ser inúteis.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Também quanto à educação das crianças e jovens são necessários apoios concretos que contribuam para minorar as elevadas taxas de insucesso escolar das crianças e o abandono escolar antes de concluírem o ensino escolar obrigatório.
Quero igualmente chamar a atenção para o projecto de lei n.º 43/VI, da autoria do PCP, que propõe a criação do Instituto do Imigrante, com estrutura descentralizada e participada, dotada de meios técnicos e humanos. O Instituto contribuirá para a integração dos imigrantes na sociedade portuguesa e para a defesa da prossecução dos seus interesses, aproximando a Administração Pública das comunidades de imigrantes.
Srs. Deputados, repilo que o PCP está inteiramente de acordo com a necessidade urgente de regularizar a situação dos imigrantes africanos, considerados em situação ilegal.
O projecto de decreto-lei apresentado pelo Governo não me parece que venha nesse sentido, contendo aspectos que levantam sérias reservas e preocupações aos imigrantes.
Em primeiro lugar, o período de vigência do diploma (quatro meses) é extremamente curto, para além de que é desacompanhado de medidas que garantam a sua divulgação junto das comunidades de imigrantes, o que pode impedir a resolução justa da grande maioria das situações de imigração irregular.
Por outro lado, o diploma exige que os imigrantes que requeiram a regularização da sua situação façam prova documental da entrada e presença continuada em território nacional e da existência de rendimentos próprios ou de exercício de uma actividade profissional.
Todos sabemos, porém, quais são as dificuldades que muitos imigrantes tem, visto trabalharem em situações de trabalho precário, para apresentar documento comprovativo do exercício de actividade profissional por conta de outrem, emitido pela entidade empregadora.
Esta exigência vai, certamente, contribuir para dificultar a regularização de um número considerável de imigrantes que se encontram nesta situação.
Aqueles que estão «isentos» desta prova têm uma dificuldade adicional: provar que entraram no País antes do dia 1 de Junho de 1986 e a sua presença continuada em território nacional a partir daquela data. Perguntamos: como é possível fazer esta prova? E porquê a data de 1 de Junho de 1986?
Concretamente em relação à expulsão, ela preocupa-nos particularmente porque, associada com o Acordo de Schengen - e pelas consequências de alguns dos seus objectivos - visa privilegiar a eficácia da acção policial em detrimento das liberdades, o que não conduz a qualquer solução séria do problema.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A meu ver, a aplicação do Acordo de Schengen traduz, para Portugal, em relação aos africanos lusófonos, uma situação melindrosa do ponto de vista dos direitos fundamentais e pode mesmo afrontar séculos de história comum de Portugal e do povo português no relacionamento com a África.

Aplausos do PCP e do PS.

Srs. Deputados, ficamos à espera de que o Governo ouça e atenda as críticas que aqui fizemos, mas, desde já, importa afirmar que, se o decreto-lei sobre a regularização não for alterado por forma a satisfazer os anseios e interesses da comunidade africana, o PCP chamá-lo-á à ratificação para que a Assembleia faça aquelas alterações.
A terminar, quero aqui dizer, em nome do PCP, que contribuiremos com todos os nossos esforços para melhorar a situação dos trabalhadores africanos em Portugal, para que sejam plenamente reconhecidos como cidadãos de pleno direito.
Em nome pessoal, não quero deixar de sublinhar, mais uma vez, que os africanos que vivem e trabalham em Portugal continuarão a fazer tudo para o desenvolvimento e o bem-estar dos povos de Portugal e de cada um dos países de onde são oriundos.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Ká.

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O Sr. Fernando Ká (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Ex. Sr. Embaixador de Cabo Verde, Srs. Deputados: Decidiu finalmente o Governo permitir que os cidadãos provenientes dos PALOP possam legalizar a sua permanência em Portugal.
Para aqueles que, de há anos a esta parle, vem lutando pela concretização de uma tal medida, esta proposta de lei é um acto de justiça que tardava.
Saudamos a intenção que presidiu à concepção do projecto de diploma, mas importa deixar desde já bem claro que não vai tão longe como seria justo e natural. Diremos até que, num ou noutro ponto, as soluções propostas deixam o terreno livre para o arbítrio discricionário de que tantos cidadãos originários das antigas colónias portuguesas têm sido vítimas.
O n.º 2 do artigo 1.º diz que as pessoas que entraram em Portugal até l de Junho de 1986 estão dispensadas da apresentação da declaração dos meios de subsistência. No entanto, consideramos que esta condição devia ser alargada, igualmente, aos indivíduos que entraram no País ale fins de 1991.
Numa apreciação pontual do diploma é fácil constatar que o Governo foi tímido quando podia ter sido ousado; dá-se ares de magnanimidade, quando se lhe pedia tão-só que fizesse justiça.
Sem querermos parecer ingratos ou mal-agradecidos, diremos até que a proposta do Governo parece ser uma forma de aliviar uma má consciência, ou ale uma habilidade para despoletar, preventivamente, uma situação que pode revelar-se explosiva no futuro.
Se tivermos presente que os negros africanos constituem a imensa maioria da população clandestina e se nos lembrarmos que, na sua quase totalidade, fazem parte da população activa deste país - o mesmo é dizer que se trata de indivíduos perfeitamente integrados no mercado de trabalho -, então podemos perguntar: por que razão estabelece o Governo a data limite de l de Junho de 1986 para as legalizações «semiautomáticas»?
São do conhecimento geral as situações que estiveram na origem destes fluxos migratórios. Mas, aparentemente, esta proposta não traduz o conhecimento destas situações. Senão, vejamos: hoje, a segunda maior comunidade de africanos em Portugal é seguramente constituída pelos seus patrícios guineenses, que, na sua grande maioria, vieram para Portugal depois dos fuzilamentos de Junho de 1986. Ou seja, os que imigraram para Portugal depois que foi patente ao mundo a brutalidade da situação de que fugiam, no esquema desta proposta terão de preencher maiores requisitos para ver legalizada a sua permanência entre nós.
A não definição do que se entende por «presença continuada» pode favorecer actos discriminatórios por parle da Administração, continuando a existir uma multiplicidade de critérios (o que se verificou ale há pouco tempo) na apreciação dos processos.
A alínea c) do artigo 2.º é uma disposição inútil, pois sabemos que, nos casos de expulsão, a polícia acompanha os infractores até ao avião, certificando-se de que abandonam o País.
No n.º 2 do artigo 3.º não se prevê nenhum mecanismo ou meio de compelir os empregadores a serem legalistas, o que seria desejável.
O artigo 4.º impõe, na prática, o requisito da apresentação de um novo requerimento aos candidatos à legalização, o que, no que se refere aos procedimentos administrativos, parece um acto inútil.
O artigo 5.º deveria prever a colaboração das associações reconhecidas, ainda que como organismos de colaboração e parceiros sociais.
O n.º 2 do artigo 6.º deveria, em relação à questão do estado civil, consagrar as uniões de facto, segundo os usos e costumes próprios. No n.º 4 deste artigo não se compreende o limite de idade dos filhos menores nem a prova de residência comum.
No n.º 3 do artigo 8.º o prazo de resposta deve ser determinado pela natureza da exigência e deve ser fixado pela notificação, documentos estes de obtenção difícil.
O artigo 9.º determina que a lei entrará em vigor 15 dias após a sua publicação.
Quanto ao período de vigência da lei, estabelece-se um prazo de quatro meses. Nós consideramos que este prazo deverá ser alargado para seis meses. Se o recurso da decisão negada do grupo técnico de avaliação não for considerado, a expulsão do requerente não deverá processar-se de fornia administrativa. Serão os tribunais que deverão pronunciar-se sobre esta decisão. Com esta medida pretendem evitar-se eventuais arbitrariedades das autoridades administrativas competentes.
Mas esta proposta de lei peca, sobretudo, porque é pouco previdente em relação ao futuro, permitindo a milhares de africanos a permanência legal no País, mas não fazendo o enquadramento legal da problemática da imigração e deixando em aberto a possibilidade de, a breve trecho, sermos de novo confrontados com simulações idênticas àquelas que se pretende ver resolvidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo, através do Sr. Ministro da Administração Interna, pensa ter feito, com esta proposta de lei, um acto de grande coragem, digno dos maiores encómios. Pela nossa parte, fazemos dela uma apreciação mais prosaica. A ter que distribuir elogios, teríamos de privilegiar a compostura, o espírito de sacrifício, a dedicação ao trabalho, a capacidade de sofrimento, a humildade e a dignidade de largos milhares de africanos que demandaram Portugal num momento que para eles foi de aflição.
Assim como milhões de portugueses que partiram desta Pátria, eles buscam apenas um espaço onde lhes seja consentido a possibilidade de uma realização pessoal, dando em contrapartida o seu abnegado contributo para o desenvolvimento deste seu lar de acolhimento.
Se quisermos ser justos, Srs. Deputados, teremos de reconhecer que a paga que recebem não corresponde ao muito que dão. Por isso, apreciando na devida medida o alcance do diploma aqui presente à aprovação desta augusta Câmara, que não fique a errónea impressão de que os africanos não sabem ser reconhecidos.
Mas seria preciso fazer mais! Como todos sabemos, as condições em que trabalham as minorias africanas reclamam medidas de segurança, a que o Governo não pode continuar alheio, ignorando a situação de alto risco a que muitos trabalhadores estão sujeitos. Aliás, a precariedade de segurança, atrás referida, tem a sua expressão máxima nas obras da Caixa Geral de Depósitos e do Centro Cultural de Belém, onde muitos trabalhadores perderam a vida (para além de se terem registado acidentes de diversos graus de gravidade).
Também não entendemos como é que o Governo fala de melhoria de condições de vida dos trabalhadores africanos, quando rejeita, de forma categórica, o projecto de lei de habitação, apresentado pelo Partido Socialista, o qual contempla, igualmente, os imigrantes.

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O Governo, ao legalizar os clandestinos, invoca razões humanitárias. Até prova em contrário, não acreditamos! Se assim é, por que é que o Executivo não tem dado a mesma oportunidade de sucesso aos africanos, o que passa, entre muitas outras coisas, pelo apoio efectivo às crianças e aos jovens, na sua preparação para a vida laboral, e pela formação dos agentes de integração (como, por exemplo, educadores de infância, assistentes sociais, polícias, etc.)? Isto para não falar também da necessidade de existência de um programa intercultural semanal na televisão estatal, à semelhança do que acontece nalguns países europeus, como, por exemplo, no Reino Unido.
Importa deixar claro que, também para os africanos, o 25 de Abril despoletou situações que ainda hoje aguardam uma solução justa. Por isso, dizemos que esta proposta de lei, devidamente corrigida e complementada com as soluções que o Partido Socialista propõe, deve ser urgentemente seguida de uma lei que regule a situação daqueles africanos que, sendo legalmente portugueses ao tempo das independências das respectivas colónias, de um dia para o outro viram-se privados da nacionalidade portuguesa, sem contemplações pelas suas opções pessoais, sem reconhecimento, em muitos casos, pelos direitos adquiridos ao serviço da administração portuguesa e, por vezes, na incómoda situação de apátridas.
Ainda hoje, milhares de ex-funcionários da administração colonial esperam de Portugal a pensão de reforma a que têm direito. Centenas, se não milhares, de antigos combatentes (muitos deles deficientes que se incapacitaram ao serviço de Portugal) aguardam, quase 20 anos depois do 25 de Abril, que se lhes reconheça os seus direitos.
Temos conhecimento de situações desesperadas, de famílias de antigos funcionários que hoje vivem sem recursos, sem meios de subsistência e sem possibilidades de educar os filhos, porque o Estado português não cumpriu com a sua obrigação e a morte sobreveio na pendência do processo de atribuição da pensão.
Muitos, nos novos países independentes, por falta de meios, vêem igualmente frustradas as suas expectativas de uma reforma, e hoje, em vez do merecido descanso, são obrigados a prosseguir trabalhando, pois não lhes resta outro recurso.
Na maior parte dos casos, estas situações resultam de um estatuto de aposentação que faz depender a atribuição da pensão de posse de cidadania portuguesa. Por causa deste requisito legal, que não leva em linha de conta o passado colonial de Portugal, muitos africanos, porque jamais pisaram o solo de Portugal, ou porque não contam na sua genealogia com nenhum ascendente originariamente português, vêem-se privados do seu direito a uma pensão, independentemente de toda uma vida ao serviço do Estado português, por vezes, com estatuto de funcionários públicos.
Para os que não descendem do português originário, exige a lei uma presença de seis anos em Portugal para a obtenção de nacionalidade. É evidente a extrema violência e flagrante injustiça desta exigência! Como esperar, então, que chefes de família abandonem a terra e os haveres, no Outono da vida, para uma emigração forçada? E, no entanto, esta é a violência a que a lei tem sujeito milhares de pessoas e e esta também uma das causas da imigração dos africanos.
Há um tempo para os negócios, há um tempo para a amizade e para os valores espirituais.
Sc quisermos falar de um mundo lusófono, ternos de ser capazes de pensar um homem lusófono, com uma alma, um espírito particular, num mundo não desprovido de espiritualidade, sem prejuízo dos negócios.
Hoje, anunciam-se profundas transformações nos PALOP e tudo indica que, em alguns casos, essas transformações não se operam sem dramatismo.
A amizade, que tantas vezes é apregoada como caracterizando as relações de Portugal com os PALOP, exige de nós, portugueses, em geral, políticos, em particular, uma atenção para as particularidades do momento.
Mais do que esperar que nesses países se operem as transformações democráticas, talvez seja de exigir que Portugal favoreça empenhadamente o surgimento da democracia nesses países, dando a mesma atenção a todo o espaço lusófono.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernando Ká, não posso deixar de relembrar-lhe, tendo em conta o modo como iniciou a sua intervenção, a necessidade de cumprir o que diz o n.º 1 do artigo 96.º do Regimento relativo ao modo de uso da palavra.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna, que utilizará tempo cedido pelo PSD.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, prometo que não vou voltar a usar mais tempo do PSD, a quem agradeço, desde já, a amabilidade das concessões de tempo que me fez.
Sr. Deputado Fernando Ká, não vou produzir sobre este aspecto qualquer intervenção, mas tenho ainda uma ou duas coisas que gostaria de dizer.
Na verdade, estamos num debate parlamentar, num debate político, e é natural que haja perspectivas e pensamentos diferentes - aliás, nada é mais natural nem salutar em democracia. Assim, também é natural que possamos falar das divergências e afirmá-las, porque temos ideias substantivamente diferentes relativamente à matéria em discussão ou até que possamos afirmar as divergências enquanto instrumento para outra coisa qualquer.
Devo dizer que me pareceu, das intervenções do Partido Socialista e também das do Partido Comunista, que, para além de divergências substantivas relativamente a esta matéria, aquilo de que se tratou foi muito de afirmar instrumentalmente divergências. E explico porquê: da parte do PCP, porque este não teve, nesta matéria, qualquer iniciativa, vindo agora dizer por dizer que «o Governo tem esta iniciativa, mas é pequena, é tímida»; da parte do PS, porque, como já há pouco disse aqui - e podia referi-lo em relação a mais alguns aspectos -, a sua iniciativa é muito mais tímida do que a do Governo. Por isso me pareceu que se quis aqui instrumentalizar esta questão, o que foi mal feito.
Foi seriamente que, daquela tribuna, na intervenção inicial deste debate, disse que não entendíamos esta proposta de lei de legalização extraordinária como uma benesse do Governo ou de qualquer partido político e que ela devia ser entendida - e só! - como uma prova de solidariedade da comunidade portuguesa em relação a um conjunto muito grande de pessoas, que são imigrantes ilegais, na sua maioria provenientes de países lusófonos. Foi desta maneira - e só desta maneira! - que encarámos a situação, o que significa que não queremos algum apoio

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indirecto, não queremos instrumentalizar esta questão para obter outros dividendos. Só queremos uma coisa: que os imigrantes que são ilegais possam aproveitar desta lei, que é uma prova de solidariedade, que é um esforço da comunidade nacional para legalizar a sua situação em Portugal e modificar os seus estilos de vida que, a vários títulos, têm levado em Portugal até agora. É este o único propósito que nos anima!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E devo dizer-lhes que esta prova de solidariedade nacional que Portugal faz relativamente a esta matéria não tem que temer ser comparada com aquilo que outros países, também comunitários, fizeram nesta matéria...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não teme ser comparada com o que fez a Itália, que - como sabem os mais atentos a estas questões - nada fez de semelhante com o que fizemos e não pode ser sequer comparada com a espanhola, que como sabem, se dirige nos termos da própria lei a los que trabajam en Espana (aos que trabalham em Espanha) e só! A nossa proposta é mais ampla, é mais corajosa e vai mais longe; portanto, é mais solidária.
E penso que tínhamos particulares razões para ter aqui uma especial atenção à dimensão da solidariedade. Destina-se esta proposta de lei, na sua esmagadora maioria, a pessoas que vieram de países lusófonos, com quem temos laços históricos e civilizacionais muito grandes, por isso parece-me justo que tenhamos ido tão longe quanto fomos. Mas fica claro para mim, e fica claro do confronto que faço entre a nossa proposta e projecto do PS, que a comunidade nacional nesta matéria foi tão longe quanto podia ir. E o medo que tenho - e foi por isso que tomei agora a palavra - é o de que as vossas intervenções, as que aqui produziram e as que já produziram em público, possam criar naqueles que são os beneficiários directos desta acção alguma inibição para a legalização.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Essa é forte!

O Orador: - Devo dizer-lhes que é um receio fundado. Se, perdoem-me a expressão, o discurso do PS e do PCP é nesta matéria o de «esticar a corda» por razões instrumentais, o resultado que daqui pode advir e o de que alguns que podiam, deviam e tinham interesse em acorrer aos centros de recenseamento de legalização o não venham a fazer. E com isso, perdoem-me, estão a prestar um péssimo serviço a essas pessoas,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... porque o que eu, pelo contrário, considerava saudável e esperava era que aqueles que aqui falaram em nome de associações, sejam elas de guineenses, de angolanos, de cabo-verdianos, sejam elas constituídas por cidadãos de que países forem, se empenhassem fortemente para que aqueles que são agora cidadãos ilegais possam aproveitar desta prova de solidariedade que Portugal lhes deu e inscrever-se e modificar o seu estatuto. É esse, Srs. Deputados do PS e do PCP, o nosso único objectivo.
Não estamos com esta proposta de resolução à procura de simpatias ou à procura de votos; estamos apenas - e só! - a tentar resolver um problema, que é um problema grave para esses cidadãos e que é, por consequência, também um problema grave para Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Ká.

O Sr. Fernando Ká (PS): - Sr. Presidente, por uma questão de tempo, vou pedir que o meu colega de bancada responda a esta pergunta na intervenção que fará a seguir.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, para uma intervenção, tem palavra o Sr. António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Coube ao Partido Socialista a honra de apresentar um pacote legislativo que visava definir as bases de uma política integrada de inserção social dos imigrantes.
Disse-o, aqui, em 14 de Janeiro, que o fazíamos com abertura e que convidávamos e esperávamos das restantes bancadas um contributo para a melhoria dessas iniciativas. Quisemos tratar uma questão que entendemos nacional com um consenso nacional. Por isso, optámos pela forma de lei da Assembleia da República, confiando ao Governo, no melhor espírito de solidariedade institucional, a competência para regulamentá-la após um debate em comissão para cuja maioria todos os Srs. Deputados tivessem podido contribuir.
Convém - e é justo fazê-lo - registar que encontrámos em todos os demais partidos da oposição e nos Srs. Deputados independentes um idêntico espírito para resolver esta questão de forma consensual. Contudo, nem o PSD nem o Governo concorreram para esse espírito, pois só permitiram a discussão de um dos projectos em comissão e para anunciar que o recusavam. Finalmente, o Governo, ignorando a iniciativa desta Assembleia de iniciar a abertura para o diálogo, optou por vir aqui sozinho pedir uma autorização legislativa, escondendo durante todo o mês de Fevereiro os decretos que já tinha prontos desde essa altura, mas que só ontem ou hoje, de manhã, enviou a esta Assembleia. Ou seja, o Governo e o PSD não quiseram qualquer consenso sobre esta matéria; o PSD e o Governo fizeram mal, mas têm agora o ónus de suportar o risco que quiseram correr. Quiseram jogar à bola sozinhos?! Pois muito bem, batam-na agora contra a parede!
Quero, aliás, reafirmar as cinco razões essenciais por que não poderemos votar favoravelmente esta proposta de lei de autorização legislativa.
Ouvi o cândido discurso dos Srs. Deputados do PSD e o não menos cândido discurso do Sr. Ministro da Administração Interna, e devo dizer que há limites para a incompetência técnica e para a incompetência política. Os senhores são crédulos, mas foram enganados! Concedo em que o erro não é vosso, mas estou certo de que amanhã os assessores jurídicos do Ministério da Administração Interna terão de mudar.
Bom, mas voltando às razões essenciais por que não poderemos votar favoravelmente esta proposta de autorização legislativa, a primeira tem a ver com o facto de, nos termos da proposta de lei, só os comportamentos não dolosos não serem objecto de processo de expulsão. Seja-

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mos claros: não há violação por negligência das normas que regem a entrada no território nacional e muito dificilmente existirá violação negligente das normas de permanência no território nacional. É óbvio que e possível hipnotizar aquele cidadão distraído, passeando nos arredores de Badajoz e que de repente se surpreende no centro de Elvas... E também possível admitir que haja um cidadão que esteja convencido de que o seu visto só caduca dentro de duas semanas quando o visto já caducou há um mês. Fora estes casos, o clandestino não tem um comportamento negligente, mas doloso. Sabe que viola a lei, age em conformidade e com a intenção de violar a lei.
Então, afinal, quem queremos legalizar? Aqueles que estão cá simplesmente por acaso ou aqueles que cá estão com a vontade livre e consciente de aqui se fixarem, de arranjarem trabalho, de residirem e constituírem família?
A legalização extraordinária só se justifica para quem tem a vontade de se integrar, de aqui trabalhar, de constituir família e residir. Mas os que tem a vontade de fazê-lo são aqueles que não podem invocar o comportamento negligente, são aqueles que, obviamente, violaram a lei conscientemente e com vontade de fazê-lo!...
Sejamos claros: o que o Governo vêm dizer-nos e que os exemplos académicos da violação por negligência poderão ser regularizados; os verdadeiros imigrantes, aqueles que cá estão por acto de vontade, esses não podem ser regularizados e serão expulsos através de uma expulsão administrativa.
A segunda razão por que não podemos votar favoravelmente resulta do facto de o Governo não se satisfazer com a exigência de «condições económicas suficientes»; exige ainda a prova do exercício de actividade profissional por conta própria ou por conta de outrem. Ou seja, como, simultaneamente nas normas sobre agrupamento familiar, o Governo exclui os ascendentes e os filhos com mais de 14 anos, isso significa que nem por via da regularização nem por via do reagrupamento familiar poderemos atender aos casos dos idosos que, a cargo dos filhos, usufruem agora do pecúlio amealhado ao fim de uma vida de trabalho, e manter no território nacional os filhos estudantes que, com mais de 14 anos, sejam sustentados pelos pais.
Portanto, os estudantes com mais de 14 anos e os idosos que vivam do pecúlio amealhado ou estejam a cargos dos filhos não serão legalizados mas, sim, expulsos nos termos da proposta de lei.
Terceira razão: o Governo institui um sistema de prova que é impossível, pois, de duas uma, ou se fax prova de que se exerce uma actividade profissional remunerada por conta própria ou de outrem ou então, se for cidadão de um país lusófono, tem de fazer prova de que entrou em território nacional até 1 de Junho de 1986 e de que aqui manteve presença continuada desde essa data.
Concentremo-nos primeiro no caso da prova da actividade profissional remunerada por conta de outrem.
Nos termos da proposta de lei, a prova e documental, mediante a apresentação de uma declaração emitida pela entidade empregadora. Ora, o legislador não legisla em abstracto mas, sim, num quadro de facto e de concreto, que, neste caso, é a maioria dos clandestinos, o elo mais fraco da teia da economia paralela. E é a economia paralela que, para se alimentar, não vai emitir, como e óbvio, qualquer documento constitutivo de vínculo laboral - se não o fazem para os portugueses muito menos o farão para os estrangeiros... Ou será que o Governo quer combater a economia paralela na construção civil à custa do elo mais fraco dessa leia que são os imigrantes, as maiores vítimas dessa exploração?

Aplausos do PS.

Há, todavia, outra hipótese que é a de essas pessoas terem entrado em Portugal antes do dia 1 de Junho de 1986. Mas, neste caso, como é que se faz a prova da presença continuada? O clandestino é o «sem-papéis», é quem não tem documentos para fazer prova documental, e a tramitação prevista no diploma do Governo não permite a produção de prova testemunhal. Aliás, por experiência profissional, posso dizer que não se faz prova da presença continuada, na generalidade dos casos, sem que seja possível a prova testemunhal.
Logo, nem num caso nem no outro, as pessoas poderão, nos lermos da proposta de lei em discussão, fazer prova suficiente, prova bastante, para poderem obter a regularização.
Quarta razão: o Governo não prevê um sistema especial de recurso, um recurso com efeito suspensivo. O recurso contencioso, ou eventual de suspensão de eficácia, encontrará o requerente já expulso, nos Bijagós, em Minas Gerais, na cidade do Fogo ou em Benguela!...
Quinta e última razão: o diploma apresentado pelo Governo é vago e impreciso. Se não vejamos: o que significa «presença continuada»? A presença continuada é sinónimo do conceito tradicional do ordenamento jurídico português, do local de residência própria, habitual e permanente? Se é, por que e que não foi utilizado o critério e o conceito habitual do nosso ordenamento jurídico? A presença continuada é compatível com a ausência no estrangeiro em período de ferias? É compatível com a ausência no estrangeiro para tratamento medico? É compatível com a ausência no estrangeiro para assistência a familiar em cuidados? Sc e compatível, por quanto tempo? Por uma semana, por um mês, por três meses, por seis meses, por um ano... por quanto tempo? Por quanto tempo é que um estrangeiro se pode manter em presença continuada em Portugal se tiver de ser assistido em cuidados médicos durante um ano, por exemplo, no estrangeiro?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A experiência de outros países europeus ensinou-nos que há duas condições essenciais para o sucesso nos processos de regularização.
A primeira condição e a criação de um regime jurídico e de um clima de confiança, sem o qual os clandestinos não se apresentam a requerer a regularização, temerosos de estarem perante uma armadilha que facilite a sua expulsão massiva.
A segunda condição é a de que o processo decorra célere, seja compreensivo para a generalidade dos imigrantes irregulares, e decorra por uma só vez, por prazo curto e improrrogável.
A iniciativa legislativa do Governo, pelas cinco razões referidas, isoladas ou conjuntamente, não permite, efectivamente, a regularização de ninguém.
O Governo comprometeu o consenso nacional e comprometeu, redundantemente, a possibilidade de uma regularização com sucesso.
Perante a situação criada pelo Governo, só há duas possibilidades para respondermos positivamente ao apelo que nesta Casa lançou S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República, aquando da visita a este Par-

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lamento do Presidente da República de Cabo Verde, tendo dito que temos de fazer tudo para que Portugal não seja uma terra de exílio para os cabo-verdianos que cá trabalham.
Se queremos fazer tudo, ainda estamos a tempo; estamos a tempo de o PSD e o Governo dizerem mea culpa pela arrogância que escolheram utilizar, de arrepiarem caminho para encontrarmos uma solução consensual para uma questão que é nacional.
Portanto, perante a situação criada pelo Governo, só há duas possibilidades: ou a maioria permite a aprovação do projecto de lei do Partido Socialista e o Governo pode regulamentá-lo no prazo aí previsto, ou o Governo retira a proposta de lei de autorização legislativa, ou introduz nesta e no projecto do respectivo decreto-lei as alterações necessárias ao estabelecimento de um clima de confiança, sem o qual o processo está votado ao fracasso.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A iniciativa coube ao PS, mas está nas mãos do PSD e do Governo o sucesso da regularização.
Só desejo, para bem do País e do relacionamento futuro entre os Portugueses e as comunidades imigrantes, que o Governo e o PSD não esqueçam que de nada serve ganhar a todo o custo nesta Assembleia para perder na sociedade.
A responsabilidade é agora vossa!
Nós assumimos a nossa, o que não podemos e consentir que, por precipitação e pura leviandade política, cavemos no território nacional, entre comunidades cínicas, cultural e racialmente distintas, a distância que soubemos ultrapassar há 500 anos, rompendo marés e fronteiras continentais! O caminho do futuro não e o da distância mas sim o da aproximação e da solidariedade.
Assim, lanço um apelo a este Governo e a esta maioria: aceitem o nosso repto e não comprometam a regularização; não nos façam perder mais tempo; evitem, de uma vez por todas, a manutenção de uma bolsa de exclusão social que constitui um perigo brutal para este país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Reis Leite.

O Sr. José Reis Leite (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Após esta longa sessão, pouco me resta para dizer porque já está clara a posição de todos os partidos.
É que, começando no apocalipse anunciado para o dia seguinte pelo Partido Comunista e até ao Partido Socialista, que vem acusar-nos de sermos minimalistas, quando ele próprio apresentou um projecto de lei que, como o Sr. Ministro já chamou a atenção, fica aquém do que e apresentado quer pelo Governo quer pelo Partido Social-Democrata, está tudo dito, nada mais havendo a acrescentar.
Em todo o caso, gostaria de fazer algumas reflexões relacionadas com este problema da imigração.
Tem sido dito e reflectido - eu próprio estou de acordo - que Portugal é um país com uma cultura aberta, nunca tendo havido super-estruturas montadas que tivessem conseguido apagar a tolerância, o gosto e a aceitação pelas diferenças: nem a Inquisição, nem as polícias políticas, nem o COPCON, conseguiram encerrar o povo português numa visão unilateral e surda de uma cultura igual para todos.
Não somos um povo dado nem a racismos nem a xenofobias ou a qualquer outro desses males que, um pouco por toda a Europa, vemos renascer. Estamos e sempre estivemos abertos a outras culturas e à integração de outras pessoas no nosso país e na nossa cultura. Sempre permitimos e defendemos essa integração como uma afirmação pela diferença e não como uma obrigação a respeitar ou a concretizar-se em absoluto nos padrões culturais portugueses. Traia-se de um aspecto que, em meu entender, deve ser realçado.
Considero que aos imigrantes que se integram no nosso país deve ser dada a possibilidade de manterem e de afirmarem as suas diferenças culturais - e estou também de acordo com o Governo neste aspecto.
Por outro lado, sei muito bem qual é a dificuldade em matéria de afirmação dos direitos das minorias, porque, como sabem, sou açoriano e os açorianos têm sido alvo de uma forte emigração e conhecem as dificuldades de se afirmarem em culturas estrangeiras. Mas Portugal tem compromissos internacionais com a Comunidade Europeia e não pode deixar de ter em consideração estes conceitos alargados da própria Comunidade. De facto, é hoje teoria aceite na Comunidade Europeia que a emigração não vai acabar, que até é desejável, sobretudo a que possa ser legalizada.
Com efeito, a imigração alimenta e tem alimentado em todos os países da Europa - e, infelizmente, também em Portugal - o submundo da exploração do trabalho mais barato, da falta de regras, da falta de possibilidade de uma remuneração justa, etc. É preciso acabar com a imigração clandestina e esta é também uma outra proposta do Governo, que é pragmático nesta matéria, pois pretende resolver o problema de uma comunidade de imigrados clandestinos no nosso território melhorando a sua situação dentro das suas possibilidades, absorvendo um número limitado delas.
Gostaria também de dizer que estou de acordo - aliás, os próprios relatórios do Parlamento Europeu expressam isso - em que uma das formas possíveis de acabar com a imigração clandestina e com a imigração de pessoas obrigadas, por pressões internas dos seus próprios países, a saírem deles poderá ser a ajuda a esses países. Mas não confundamos as coisas, pois o que está aqui em discussão não vai resolver os problemas internos dos países geradores dessa imigração. Esses problemas competem efectivamente a essas repúblicas independentes que, aliás, lutaram pela possibilidade da sua afirmação política e cultural como povos com expressão própria.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Onde é que eu já ouvi isto?

O Orador: - Não sei, Sr. Deputado, mas é possível que tenha lido, por exemplo, nos relatórios do Parlamento Europeu, se é que os leu!... É capaz de tê-los lido e não vejo que isso seja uma teoria tão abstrusa que não possa já tê-la ouvido expor noutro lugar.
Assim, em face da discussão aqui travada e dos argumentos apresentados pelo Governo e pelos Deputados do Partido Social-Democrata que me antecederam, esta Câmara está em condições de poder aprovar esta autorização legislativa com a consciência tranquila e sabendo que vai efectivamente contribuir para a solução de muitos problemas dos imigrantes clandestinos no nosso país e para a possibilidade de uma regulamentação da imigração em Portugal.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Esgotaram-se as inscrições, pelo que está terminado o debate que fazia parte da ordem do dia.
Entretanto, chegou à Mesa e foi distribuído um requerimento apresentado pelos Deputados do PCP e pelos Deputados independentes Mário Tome e Raul Castro, onde se requer a baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para nova apreciação, da proposta de resolução n.º 3/VI, pelo prazo de 15 dias.
De acordo com o Regimento da Assembleia da República, passamos à votação deste requerimento.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS e do PCP e a abstenção do CDS.

O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, e para interpelar a Mesa sobre a situação criada por esta votação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, antes desta votação, havia sido admitido que, de facto, houvesse um diferimento do processo deliberativo respeitante ao Acordo de Schengen por um período mais alargado do que oito dias. Ora, presumo que a votação significa que esse período de diferimento será circunscrito a oito dias. É esse o significado da votação?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): -Sr. Presidente, as questões parecem ter o mesmo objectivo, mas foram colocadas de forma diferente.
A questão inicial foi a de um mero adiamento da votação, ou seja, a de não se realizar hoje a votação - o que, aliás, não era mesmo possível -, e o requerimento que acabámos de votar consistia num pedido de baixa à Comissão, por 15 dias. Ora, trata-se de coisas distintas, embora os objectivos sejam eventualmente os mesmos.
O que adiantei, em nome da minha bancada, foi que havia, da nossa parte, alguma disponibilidade para remeter o assunto para a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que é a entidade com competência própria para deliberar em relação à votação, e que a votação desta matéria podia aguardar oito dias.
Neste momento, a questão fica prejudicada pela votação do requerimento e a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares decidirá oportunamente sobre a votação.

O Sr. Presidente: - Na próxima Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares, que se realizará na quarta-feira, agendar-se-á a votação deste diploma, não sendo, portanto, votado na próxima reunião plenária como normalmente aconteceria se não tivesse havido acordo.
Srs. Deputados, a nossa ordem de trabalhos de amanhã será preenchida com perguntas ao Governo, o que terá lugar às 10 horas.

Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 50 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa para publicação relativas aos projectos de deliberação n.ºs 18/VI (PS) e 19/VI (PCP).

O Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata votou contra os projectos de deliberação n.ºs 18/VI e 19/VI, apresentados respectivamente pelo PS e PCP, sobre a calendarização do processo de institucionalização das regiões administrativas pelas razões que teve oportunidade de aduzir aquando da discussão na generalidade dos mesmos.
O PSD não confunde os calendários da regionalização propostos pelo PS e PCP com o processo de criação das regiões administrativas no espaço continental, que defendemos e vamos cumprir.
O PS e o PCP apresentaram calendários para a institucionalização das regiões administrativas irrealistas e inexequíveis.
O PSD continua disponível para se avançar neste processo difícil e complexo de forma gradual, com grande sentido de Estado, ponderação e amplo consenso nacional.
Só o PS e o PCP apresentaram na presente Legislatura os seus projectos de lei para a institucionalização das regiões administrativas, mas toma-se fundamental aguardar que os outros partidos também apresentem os seus projectos de lei com tal objecto, como será o caso do PSD, para depois se fazer um amplo debate e se obter o consenso indispensável em tão importante questão de Estado.
O Governo do Prof. Cavaco Silva, que o PSD apoia convictamente, contempla também esse objectivo no seu Programa.
Assim, vamos continuar serenamente, sem precipitações e muito menos demagogicamente, a trabalhar no sentido de regionalizar, auscultando a vontade real dos Portugueses nesta matéria.
Queremos cumprir com a regionalização do continente à velocidade e ao ritmo que o País e os Portugueses desejarem.
Queremos uma regionalização feita com êxito, para que esta contribua para o reforço da unidade nacional, para o irradicar das assimetrias regionais, para um maior desenvolvimento do País e para uma melhor qualidade de vida dos Portugueses.

O Deputado do PSD, Manuel Moreira.

O PS votou favoravelmente os projectos de deliberação n.ºs 18/VI e 19/VI, visando a criação das regiões administrativas, de forma que a eleição para os órgãos regionais se realize na mesma altura das próximas eleições autárquicas em 1993, porquanto considera que a aprovação do futuro plano de desenvolvimento regional torna exigível a participação das regiões administrativas no grande esforço de desenvolvimento harmonioso do País.
Só assim será possível dar voz às justas reivindicações das populações e dos agentes económicos, sociais e culturais, tão esquecidos na preparação do actual plano de desenvolvimento regional.
Lamentavelmente o PSD, contrariando as suas próprias promessas eleitorais, inviabilizou uma das grandes reformas do Estado no caminho de uma profunda descentralização. Numa Europa das regiões o PSD continua a manter a sua

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posição centralista e bloqueadora de um esforço participativo das populações na definição do seu futuro.

Os Deputados do PS: Jorge Lacão - José Gameiro dos Santos.

Cumprindo os compromissos assumidos perante os Algarvios, os Deputados do PS eleitos pelo Algarve, em declaração de voto, reafirmam que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou na Assembleia da República uma deliberação de calendarização do processo legislativo da institucionalização concreta das regiões administrativas, o qual terminaria com a realização das eleições regionais em simultâneo com as próximas eleições autárquicas (1993).
Ao contrário do que prometera durante a campanha eleitoral o PSD rejeitou esta proposta. Antes das eleições, nos debates públicos travados na região e no manifesto eleitoral dos candidatos a Deputados do PSD pelo círculo de Faro, o PSD prometeu a criação da Região do Algarve, com a realização destas eleições em 1993, mas, afinal, no momento da verdade, os Deputados do PSD eleitos pelo Algarve não cumpriram o prometido durante a campanha eleitoral e votaram contra aquela deliberação.
O PSD do Algarve tem dois discursos: antes das eleições promete a regionalização e, após as eleições, ignora as suas promessas.
O voto favorável dos Deputados do PS eleitos pelo Algarve demonstra que o PS cumpriu o seu compromisso para com os Algarvios.

Os Deputados do PS: Luís Filipe Madeira - Fialho Anastácio - José Apolinário.

O CDS absteve-se na votação sobre a calendarização da instituição concreta das regiões administrativas pelas seguintes razões:
A Constituição da República Portuguesa e a lei quadro das regiões administrativas (LQRA) consagram a regionalização administrativa do continente para combater o centralismo do Estado e a governamentalização da vida local, abrindo caminho a uma arquitectura do Estado democrático plenamente participado a todos os níveis, mediante uma repartição de atribuições entre o Estado, os municípios e as regiões administrativas.
Como nota o Dr. Manuel Porto, «a democracia fica fortemente alicerçada por se adicionarem os vários tipos de eleições, em cada caso com o seu sentido próprio. O próprio papel dos eleitores e assim quantitativa e qualitativamente acentuado. Os cidadãos são mais vezes chamados às umas para decidir acerca da escolha de pessoas que conhecem mais de perto, para resolução de problemas que em muitos casos sentem mais e podem conhecer melhor»; ou, como escreveu o saudoso Baptista Machado, «a descentralização engloba um espaço de participação e de negociação que, dando voz e peso a diversas autonomias sociais, opõe uma barreira ao totalitarismo das maiorias e torna a democracia mais rica e mais humana, impedindo a estatização. Descentralização é, com efeito, o outro nome da liberdade»; ou, no dizer de Francisco Lucas Pires, «contribuem para acabar com o provincianismo político, ainda remanescente, quer com o que há em Lisboa - por novo-riquismo urbano sem comparação no País - quer com o que há à saída de Lisboa - por míngua e pobreza»; ou, como observa Vital Moreira, «a criação das regiões no continente - embora não sejam dotadas de autonomia política - permite distanciar o Estado em relação ao continente, que deixará de ser um bloco contraposto às regiões autónomas dos arquipélagos. Isto permitirá elevar o Estado acima de umas e outras».
O processo de instituição das regiões, que é o passo seguinte à publicação da LQRA, não obstante constituir uma exigência inadiável para o aprofundamento do nosso modelo político do Estado democrático unitário, vai ser um processo moroso. Antes de mais, a instituição de cada região não poderá ser feita à custa das autarquias já existentes - as freguesias e os municípios - e deverá ser marcada por inequívoca subordinação ao princípio de adesão destas autarquias à nova arquitectura regional. O município e a unidade institucional que imporia preservar como base genuinamente portuguesa de regionalização, tendo sempre bem presente que todas as tentativas de implantação das unidades supramunicipais fracassaram em Portugal quando subtraíram poderes aos municípios ou se mostraram inadequadas à efectiva vontade das populações. Por outro lado, a repartição das competências tem de ser feita de modo a evitar graves conditos entre o poder central, o poder municipal e o poder regional (princípio da subsidiariedade), do mesmo passo que e preciso determinar os critérios efectivos para divisão das receitas que as regiões vão ter de dispor para desempenharem eficazmente as atribuições que lhes são cometidas.
A regionalização, que e uma experiência nova, aparece deste modo como uma grande aposta na capacidade de os cidadãos assumirem a decisão dos seus problemas e de passarem a tratar deles em regime de auto-administração, por intermédio dos dirigentes por eles directamente sufragados.
Em teoria, são conhecidas as vantagens da regionalização: vai permitir o planeamento de acções de desenvolvimento económico e social para corrigir as assimetrias espaciais, por forma a optimizar o aproveitamento dos recursos disponíveis, através da criação de vários pólos, através do País; trará manifestos benefícios de natureza administrativa e burocrática. A desconcentração, muito principalmente a descentralização dos serviços, o que vulgarmente se chama «desmantelamento do Terreiro do Paço», levará para as várias partes do rectângulo os serviços e outras estruturas administrativas para enquadrar e decidir sobre todas as iniciativas locais. Como uma das formas de poder local, a desconcentração e a descentralização tem as suas virtualidades, porque as decisões sobre as políticas que dizem respeito directamente às populações serão decididas pelos próprios interessados, por exemplo planeamento económico e social, defesa do ambiente, conservação da natureza, vias de comunicação, formação profissional, assim como educação, cultura, património histórico, turismo, desporto, tempos livres, etc.
A regionalização, que e uma experiência nova, aparece como uma grande aposta na capacidade de os cidadãos assumirem a decisão dos seus problemas e passarem a tratar deles em regime de auto-administração, por intermédio dos dirigentes por eles directamente sufragados.
Convém, no entanto, a propósito do princípio da subsidiariedade consagrado na LQRA, ter presente que muitos dos preceitos da Constituição da República Portuguesa que alargaram as atribuições das autarquias locais, particularmente dos municípios, têm sido restritivamente interpretados pelo Governo reforçando o centralismo estatal.

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O preenchimento do conteúdo das atribuições das regiões administrativas previstas na LQRA não deve, por isso, ser realizado como base nas actuais atribuições admitidas pelo Governo como sendo próprias do poder central, isto é, mediante a contracção das reais atribuições dos municípios confiscadas pelo Estado. A continuar esta prática, a LQRA subverter-se-á num processo centralizador e antiautonómico, em vez de se nos apresentar descentralizador e de reforço do poder local. Assim o impõe não só o respeito do princípio secular em Portugal da autonomia do poder local, como também o disposto na Constituição da República Portuguesa e a LQRA. Também só assim se reagirá em concreto contra a macrocefalia do Estado e constituirá uma resposta eficaz aos anseios da autogestão das populações.
O princípio da subsidiariedade implica, por outro lado, que só passem para a região o que o município com o restabelecimento das suas verdadeiras atribuições e competências não possa realizar segundo um critério de operacionalidade ou de economicidade: poderá acontecer assim, por exemplo, na gestão coordenada de lixos ou com a administração de recursos hídricos. E mesmo assim entendemos que estas atribuições só devem transitar do município para a região, quando não possam ser melhor prosseguidas pelas associações de municípios, cuja dinamização apoiamos vivamente.
O núcleo duro das atribuições da região administrativa deve ser a elaboração dos planos (não imperativos em termos sociais-democratas, mas meramente indicativos) do desenvolvimento regional; o ordenamento do território com a enunciação das linhas mestras do fomento regional ponderando as carências e as potencial idades de cada uma delas, por forma a possibilitar a rigorosa disciplina das decisões de investimento, a protecção de recursos naturais e a conservação do património histórico-cultural. Nestes domínios, o poder do Estado deve ser tão-somente o de definir, por via legislativa, as linhas gerais da política para todo o território da República, cabendo às regiões o poder de, por via regulamentar, adaptar estas linhas gerais às reais e concretas necessidades de cada região.
Outro problema importante é o da revisão do regime financeiro das regiões, integrado no âmbito mais vasto das finanças locais. É urgente que aumentem as receitas das autarquias locais, particularmente através de uma maior participação nas receitas fiscais até aqui cobradas pelo Estado, sem o que não lhe será possível a prossecução condigna e eficiente das suas atribuições. De modo particular, deverão passar do Estado para as autarquias todos os impostos sobre as mais-valias obtidas nas respectivas áreas e as derramas e outros impostos previstos na Lei das Finanças Locais deverão ser arrecadados pelos municípios onde funcionam os estabelecimentos e que suportam os encargos da sua actividade e não nos municípios das sedes das empresas que os gerem.
As regiões, os municípios e as freguesias onde funcionam actividades de interesse nacional que sejam particularmente insalubres, tóxicas ou poluentes, ou que envolvam um especial risco para a segurança das suas populações, deverão obter do Estado uma regular compensação financeira pelos danos causados por aquelas actividades ou pelo risco por elas trazidos para as respectivas populações.
No que toca à política de pessoal, os cargos de membros de órgãos regionais devem ser exercidos por pessoas identificadas com o meio local, portanto por pessoas pertencentes à região para a formação das élites políticas locais, tão necessárias para o enriquecimento da democracia local.
Deve ser intensificada a formação especializada de funcionários e trabalhadores da administração regional, dando-se prioridade a pessoas que habitem na região, invertendo assim a tendência de êxodo para as grandes cidades e reforçando o regresso ao interior do País de quadros que se viram forçados a ir trabalhar fora da sua comunidade de origem.
A imparcialidade, a isenção e a competência devem ser a regra de ouro no recrutamento do pessoal a todos os escalões.
As relações do actual Governo com as autarquias têm revestido um clima de permanente conflitualidade, quer porque o partido dominante se imiscui em excesso na competência própria dos municípios quer porque discrimina os autarcas, protegendo e amparando os que são da sua cor política e marginalizando, quando não perseguindo, os pertencentes aos partidos da oposição parlamentar.
O actual perfil político de governador civil do distrito não pode servir para o de governador civil regional. O governador civil do distrito desde há muitos anos, um comissário político do partido que ocupa o poder central, quase sempre escolhido sem a visão objectiva e imparcial dos problemas locais, porque antes de mais vinculado à política local do partido governamental, prestando contas aos dirigentes da sede nacional do partido, perseguindo os militantes dos demais partidos e dependentes das orientações das comissões de coordenação regional, limitando-se a serem simples correias de transmissão das opções do governo central em matéria de planeamento, desenvolvimento regional e ordenamento do território.
Ora, o que importa é que a tutela do poder central sobre as regiões seja exercida em função das exigências do interesse público, em condições de isenção e imparcialidades, e do respeito do princípio da legalidade-igualdade de todos os cidadãos perante a lei, o mesmo é dizer no quadro global da coesão e da solidariedade de todos os portugueses e das parcelas do território nacional.
Finalmente, as regiões devem articular-se com a nossa representação no Parlamento Europeu, propondo um maior intercâmbio entre dirigentes regionais e seus congéneres de outros países, para melhor conhecerem o modo como nos diversos Estados da Europa comunitária com larga experiência regional resolvem os problemas similares aos nossos.
Os fundos comunitários, especialmente os do FEDER, têm sido repartidos pelos municípios, segundo critérios estranhos, e há freguesias que tem sido votadas ao total esquecimento.
Em matéria de acesso a esses fundos, particularmente vocacionados para o desenvolvimento regional e para o fomento da agricultura, da indústria e das pescas, devem ser as regiões, através dos seus órgãos próprios, a definir o rol de necessidades e de prioridades, sem prejuízo da competência própria dos municípios, a fim de evitar o agravamento das assimetrias de desenvolvimento entre as várias regiões.
Não é ocioso repetir que a instituição das regiões não deve reduzir-se a um processo administrativo artificial nem constituir uma nova forma de interferência do poder central no poder municipal, devendo o respectivo processo de criação coincidir com uma ampla e profunda reforma do Estado, marcada por uma efectiva vontade de descentralizar, que, garantindo a unidade da soberania, procura a aproximação entre a Administração e os administrados

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e tenha em vista a nova dimensão internacional do Estado português decorrente da adesão à CEE.
O processo de delimitação das regiões deve ser aproveitado prioritariamente para resolver lambem a questão da modernização do Estado democrático português, não podendo ser confundido com simples adaptações estruturais à política estatal de distribuição de fundos, lançamento de obras de fachada, nem com oportunismos eleitorais.
A divisão regional é impossível sem um amplo consenso nacional e constitui um instrumento mobilizador do poder local, sem prejuízo da coesão nacional, e o melhor contributo para o desenvolvimento, económico, social e cultural de cada região e do Estado português como um todo.
A regionalização do continente não deve descambar no enfraquecimento da nossa identidade nacional, que e uma salvaguarda indispensável dos interesses do Estado português, não só na Península Ibérica mas no contexto comunitário e mundial. A nossa dimensão e posição geoestratégica, a tradição histórico-cultural presente em vários continentes, que nos permite assumir um papel relevante de intermediação política, com fortes relacionamentos culturais com os povos africanos, a presença da língua portuguesa como instrumento da sustentação e da expansão da nossa cultura nas Américas e no Oriente, em nada poderão ficar minimamente afectadas com a regionalização do País. O mesmo é dizer que para nós é fundamental que a política de regionalização deverá ser também uma política eminentemente nacional.
Estas as razões que nos levam a não votar pela instituição imediata das regiões, mas o mesmo quer a nossa abstenção significar que não alinhamos com a autêntica política de boicote da regionalização pelo PSD.

O Deputado do CDS, Narana Coissoró.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Barradas Leilão.
António Correia Vairinhos.
António José da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
Carlos Oliveira da Silva.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Cardoso Ferreira.
Fernando Correia Afonso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Bernardino Silva.
José Alberto Puig Costa.
José Ângelo Correia.
José Augusto Silva Marques.
José Bernardo Falcão Cunha.
Leonardo Ribeiro de Almeida.
Manuel Azevedo. Manuel Baptista Cardoso.
Manuel Lima Amorim.
Maria Conceição Rodrigues.
Olinto da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Passos Coelho.
Rui Carlos Alvarez Carp.

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Cosia Candal.
Elisa Maria Ramos Damião.
José Gameiro dos Santos.
Rogério Conceição Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

João Gonçalves do Amaral.
Lino Marques de Carvalho.
Miguel Urbano Rodrigues.

Centro Democrático Social (CDS):

Manuel Rodrigues Queiró.

Paliaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
José de Almeida Cesário.
Luís Carlos David Nobre.
Maria de Lurdes Póvoa Costa.
Vítor Manuel Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Ana Maria Bettencourt.
António José Martins Seguro.
José Manuel da Silva Lemos.
José Rodrigues dos Penedos.
Mário Manuel Videira Lopes.
Rui Machado Ávila.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria Almeida Castro.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n. º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

AVISO

Por ordem superior e para constar, comunica-se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

1 - Preço de página para venda avulso, 6$; preço por linha de anúncio, 178$.

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.

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Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República, deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E., P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5-1092 Lisboa Codex

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