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Quinta-feira, 30 de Abril de 1992
I Série - Número 56
DIÁRIO
Da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE ABRIL DE 1992
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José de Almeida Cesário
Alberto Monteiro de Araújo
José Ernesto Figueira dos Reis
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Em debate realizado sobre política cultural, proposto pelo Governo nos termos do artigo 242.º do Regimento, usaram da palavra, a diverso título, além dos Srs. Secretário de Estado da Cultura (Santana Lopes) e Subsecretários de Estado da Cultura (António Sousa Lira) e Adjunta do Secretário de Estado da Cultura (Maria Emília Nogueira Pinto), os Srs. Deputados Manuel Sérgio (PSN), Fernando Pereira Marques e Guilherme Oliveira Martins (PS), Mário Tomé (Indep.), António Abreu (PCP), José Magalhães, Raúl Rêgo, Jaime Gama e Edite Estrela (PS), Carlos Mais, Marília Raimundo, Correia Afonso e Isilda Martins (PSD), Adriano Moreira (CDS), Rui Gomes da Silva (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Raul Castro (Indep.) e Octávio Teixeira (PCP).
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão eram 20 horas e 20 minutos.
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1748 I SÉRIE - NÚMERO 56
O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Sousa e Silva.
Adérito Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
António Barbosa de Melo.
António Correia Vairinhos.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernandes Alves.
António Germano Sá e Abreu.
António José da Mola Veiga.
António Maria Pereira.
António Paulo Coelho.
António Santos Pires Afonso.
Aristides Alves Teixeira.
Arlindo da Silva Moreira.
Armando Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata da Silva.
Carlos Almeida Figueiredo.
Carlos de Almeida Coelho.
Carlos Duarte Oliveira.
Carlos Lélis.
Carlos Manuel Gonçalves.
Carlos Oliveira da Silva.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Pulas.
Domingos Duarte Lima.
Domingos José Soares Lima.
Duarte Rogério Pacheco.
Eduardo Pereira da Silva.
Elói Franklin Ribeiro.
Ema Maria Lóia Paulista.
Fernando Cardoso Ferreira.
Fernando Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Marques de Andrade.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Fernandes Martins.
Guido Orlando Rodrigues.
Guilherme Rodrigues Silva.
Hilário Azevedo Marques.
Isilda Maria Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja Silva.
João Carlos Duarte.
João de Oliveira Martins.
João do Lago Mota.
João Granja da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Salgado.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Roque da Cunha.
José Alberto Puig Costa.
José Álvaro Pacheco Pereira.
José Ângelo Correia.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Silva Marques.
José Bernardo Falcão Cunha.
José Borregana Meireles.
José de Almeida Cesário.
José Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Correia.
José Manuel dá Silva Costa.
José Mário Gaspar.
José Mário Lemos Damião.
José Reis Leite.
Leonardo Ribeiro de Almeida.
Luis António Martins.
Luis Carlos David Nobre.
Luís Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero Cunha Pinto.
Manuel Azevedo.
Manuel Baptista Cardoso.
Manuel Casimiro de Almeida.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Costa Andrade.
Manuel Lima Amorim.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Marques.
Maria Conceição Rodrigues.
Maria da Conceição Pereira.
Maria de Lurdes Póvoa Costa.
Maria Fernanda Dias Cardoso.
Maria Helena Ramos Mourão.
Maria Luísa Ferreira.
Maria Manuela Aguiar.
Maria Margarida de Sousa.
Marília Dulce Pires Morgado.
Mário de Oliveira Santos.
Melchior Pereira Moreira.
Miguel Bento Macedo e Silva.
Miguel Fernando Relvas.
Nuno Delerue Alvim de Matos.
Olinto da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes Silva.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Carneiro.
Vítor Manuel Igreja Raposo.
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Partido Socialista (PS):
Alberto Demandes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Bettencourt.
António Alves Martinho.
António Correia Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues Azevedo.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos Costa.
António Marques Júnior.
António Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
António Ribeiro Campos.
António Ribeiro da Silva.
Armando Martins Vara.
Artur Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Costa Candal.
Carlos Manuel Luís.
Edite Marreiros Estrela.
Eduardo Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Manuel Costa.
Fernando Pereira de Sousa.
Fernando Pereira Marques.
Guilherme de Oliveira Martins.
Helena Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Ferraz de Abreu.
João Maria Meneses Ferreira.
Joaquim Fialho Anastácio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Apolinário Portada.
José Barbosa Melo.
José Eduardo Cruz Jardim.
José Ernesto dos Reis.
José Manuel Lello Almeida.
José Manuel Magalhães.
José Rebelo dos Reis Lamego.
José Rodrigues dos Penedos.
José Sócrates de Sousa.
Júlio da Piedade Henriques.
Júlio Miranda Calha.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho Santos.
Luís Capoulas Santos.
Luís Filipe Madeira.
Manuel António dos Santos.
Raul Fernando Cosia Brito.
Raúl Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Machado Ávila.
Rui Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião.
Apolónia Maria Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia.
Lino Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria Almeida Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira Cunha.
Deputados independentes:
Mário Batista Tomé.
Raul de Morais e Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretariei (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 129/VI - Alterações à Lei n.º 77/88, de 1 de Julho Lei Orgânica da Assembleia da República), apresentado pelo Deputado independente Raul Castro, que baixou à futura Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento, 136/VI - Ampliação da competência das comissões especializadas de fogos florestais municipais e adopção de medidas preventivas contra fogos florestais (PS), que baixou à 6.ª Comissão, e 137/VI - Alarga o período de protecção post mortem dos direitos de autor (PCP), que baixou as 3.ª e 8.ª Comissões; projecto de resolução n.º 20/VI - Alteração ao Regimento da Assembleia da República (Deputado independente Raul Castro), que baixou à futura Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento e, por último, o projecto de deliberação n.º 23/VI - Aprofundamento da análise dos acordos de Schengen e das implicações da sua aplicação em Portugal (PCP), que baixou à 3.ª Comissão.
O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carieis Lélis (PSD): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PSD requer a V. Ex.ª a interrupção dos trabalhos por 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o pedido é regimental, pelo que vamos interromper os trabalhos por 10 minutos.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ao abrigo de que disposição regimental, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Ao abrigo do n.º 2 do artigo 70.º do Regimento, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos.
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1750 I SÉRIE - NÚMERO 56
Srs. Deputados, do período da ordem do dia de hoje consta um debate sobre política cultural, proposto pelo Governo nos termos do artigo 242.º do Regimento da Assembleia da República, que decorre nos termos do seu artigo 150.º
Para a intervenção de abertura do debate, tem a palavra o Sr. Secretario de Estado da Cultura.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura (Pedro Santana Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar quero apresentar as minhas desculpas pelo lacto de ler chegado ao Hemiciclo com alguns minutos de atraso. Estou certo de que, com as inúmeras obras que a Câmara Municipal de Lisboa está a levar a cabo,...
Vozes do PSD: -Muito bem!
Risos do PS.
O Orador: - ... na próxima sessão legislativa todos iremos chegar muito mais depressa.
Com esta nota não pretendo que os Srs. Deputados, designadamente os do PS, gastem algumas energias lura de tempo. Ela apenas pretende traduzir alguma simpatia perante o número imenso de obras que se vê pela cidade de Lisboa. São, pois, boas, e não mas, as razões que me levam a fazer tal afirmação.
Aplausos do PSD e do PS.
E apresento este meu pedido de desculpas apesar de ontem, com todo o gosto e toda a naturalidade, ler também esperado cerca de 1 hora e 30 minutos pelo início da reunião com os representantes dos grupos parlamentares. São incidentes da política, mas eu devia-vos este pedido de desculpas porque a pontualidade também deve ser uma regra importante do comportamento democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: nada há mais nobre, na política, do que a luta por convicções, por ideais, por um projecto em que se acredite.
E quem tenha da política essa visão, que é a única que vale a pena, acolhe sempre de espírito aberto e com um certo gosto o debate entre ideias, princípios e valores distintos ou, mesmo, opostos.
Por isso mesmo, quando alguns sinais exteriores a este Parlamento confirmaram o seu interesse pelo amplo debate sobre a política de cultura, entendeu o Governo solicitar o agendamento desta sua iniciativa. Dela esperamos que resulte claramente o debate entre diferentes perspectivas da política cultural. Somos daqueles que rejeitamos qualquer vantagem na falta de alternativa. Desejamos sinceramente que caminhos diferentes do nosso apareçam traçados, quanto mais não seja por motivos egoístas, pois, assim, estamos certos de que mais nítido será que é mais segura mas mais fascinante, mais cena, embora mais controversa, a trajectória que escolhemos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: vivemos, como cidadãos do mundo, tempos de inquietação interior. Os lemas do ambiente e di paz, aos quais a cultura sempre deve estar alenta, fornecem-nos profundas pistas de meditação e preocupação.
Não é esta a ocasião para divagar sobre este tema, mas quantos de nós não estamos conscientes de que é imperioso encontrar novas fórmulas de lidar com as fontes naturais, de que é preciso bradar contra a utilização do mar como
depósito de detritos energéticos, mar este de onde é suposto virem, no próximo século, 2/3 dos recursos da humanidade?
E na paz e na guerra, que análise podemos fazer do subconsciente nacional neste momento? Que pensará ele, sábio de oito séculos, no momento em que se assiste à' atomização nacionalista do continente em que nos integramos. E que sentirá quando ouve, no dia-a-dia, ecos de distanciamento em relação à potência marítima, nossa principal aliada desde há muitos anos, como se tivessem passado ou não voltassem mais os tempos em que a necessidade dessa mesma aliança se fizesse sentir?
Sem dúvida que lemos mais de 800 anos de História; sem dúvida que já ultrapassámos muitas mudanças de tempo e que vencemos muitas crises. Mas, Sr. Presidente, será que estamos bem cientes de que vivemos uma época em que, pela primeira vez,- tem lugar um processo em que uma comunidade europeia suprime voluntariamente as fronteiras entre vários países? E que essa supressão se integra num processo em que os Estados também voluntariamente decidem gerir em conjunto parcelas de soberania, que ale aqui pertenciam só a cada um deles? E que entre essas parcelas estão as que correspondem aos mais variados domínios da vida económica e social.
Não pensem que estou a extravasar o tema, Srs. .Deputados. Não! E que tudo isto acontece simultaneamente com outro facto de relevância bem mais concreta para o debate de hoje: a informação que nos chega, a formação que é dada aos nossos filhos, as crianças e aos adolescentes, pelas vias audiovisuais é produzida, cada vez mais, em unidades centralizadas que emitem para todo o mundo em línguas outras que não a nossa, segundo pareceres de moral e costumes bem diferentes daqueles que nos caracterizam e tentando ainda uniformizar hábitos de vida e regras de consumo.
Por isso, lemos dito e redito que, mais do que nunca, na política cultural portuguesa, a primeira palavra de ordem, o supremo fundamento da acção, ao contrário dos ventos integradores que sopram na economia e também na política institucional, é, dizia, tarefa principal preservar, manter as diferenças, enriquecer aquilo que nos distingue,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ...Obviamente tarefa aliada à outra, bem relevante igualmente, e que é a da divulgação exterior dos traços dessa mesma identidade.
Esta premissa da política cultural não traduz nenhum recalcamento ou exacerbamento nacionalista. Traduz, sim, e com orgulho, a motivação patriótica que nos leva a escolher as prioridades de uma política que contribua para que, a prazo de décadas e de séculos, Portugal continue sempre a ser Portugal.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: no entendimento do Governo uma vida cultural rica e dotada de motivos de interesse para a participação dos nossos concidadãos, das suas colectividades e da própria comunidade nacional no seu lodo só pode ser conseguida se todo o Portugal conhecer, também neste domínio, os tempos de desenvolvimento infra-estrutural que ocorrem noutras áreas.
A nossa opção é a de gerirmos com rigor os recursos do que dispomos e mobilizarmos, sem demagogia mas com realismo, as autarquias de todo o país para esta tarefa nacional de investirmos conjuntamente nos bens que permitam duradouramente o livre fluir das actividades artísticas.
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A política de conservação, restauro e enriquecimento do património nacional, essa, é prioridade de que o Estado não se demite. Temos obras por iodo o País, como nunca antes houve: de Tibães à Cadeia da Relação do Porto, da Sé do Porto a Santa-Clara-Velha, do Palácio de Queluz ao Museu de Soares dos Reis, da Ajuda a Sagres, do Museu Machado de Castro ao Teatro Nacional de D. Maria II e ao futuro Teatro Nacional de São João (isto para não Talar de muitas igrejas e castelos que estamos a cuidar de norte a sul de Portugal).
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se para respeitar a memória do que fomos e preservar o que nos legaram é essencial uma política de cultura, essencial é lambem enriquecer o que somos e o que temos, bem como garantir o futuro no contexto das nações.
Esta dupla perspectiva aplica-se inteiramente à outra prioridade de acção cultural do Governo, que é a da política da língua. Finalmente foi publicado o diploma do Instituto de Camões; depois do tempo que esteve para promulgação, entramos numa nova era, esperamos, da política externa da língua, A Secretaria de Estado da Cultura tem, nesta prioridade, uma componente essencial: a do livro e a da leitura.
Julgo que já foram publicamente prestados os devidos esclarecimentos sobre o andamento do exemplar programa da rede de leitura pública. Várias iniciativas, em colaboração com a nova direcção da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, lerão lugar nos próximos tempos, todas elas destinadas a criação de condições mais favoráveis à leitura e à difusão do livro.
Na verdade, a literatura, o teatro e todas as formas de expressão intelectual ou artística que contribuam para manter bem viva e, mais do que isso, para enriquecer a língua portuguesa são e serão objecto de atenção prioritária do Governo.
É esse grau de atenção que já há meses conferimos quando, nos pomos agenciados por nossa iniciativa como presidentes do Conselho de Ministros da Cultura da Comunidade Europeia, pusemos em lugar cimeiro o livro e as acções conducentes a sua melhor divulgação e utilização, objectivos estes impossíveis de alcançar sem uma permanente concertação com os Ministérios da Educação de vários países.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: durante anos o Estado alternou entre o pecado da ingerência e o pecado da omissão. Ingeriu-se e desresponsahilizou a sociedade, cidadãos e agentes culturais. Omitiu-se e alienou ou maí cuidou das suas responsabilidades maiores nas diferentes áreas culturais.
O nosso sonho é o de permitirmos que todo o país tenha uma vida cultural digna desse nome!
A nossa razão de trabalhar, nesta Legislatura, como temos dito, é, sobretudo, a de tudo aquilo que não é Lisboa. Por isso, o que anunciámos no Porto há uns dias; por isso foi hoje publicado o regulamento das orquestras regionais, que agora começam a formar-se impulsionadas pelas autarquias e apoiadas por elas e por nós; por isso na semana passada assinámos com vários câmaras - e vamos assinar com muitas mais das regiões centro e sul nos próximos dias - protocolos para a recuperação conjunta de iodos os cine-teatros que existem por este país fora; por isso também não parámos na rede de leitura pública; por isso construímos ou apoiamos conservatórios regionais de música; por isso procedemos à profunda regionalização de serviços no âmbito do quase ex-IPPC.
Como se constata, é ponto essencial desta nova política a definição de funções entre Governo e autarquias. Todos os Governos anteriores o quiseram fazer. Por exemplo, na música nós, Governo, vamos responsabilizar-nos integralmente pela Orquestra Sinfónica Nacional, mas quanto as orquestras regionais terão de ser as autarquias, para além da divisão na responsabilidade dos financiamentos, a tomarem a cargo a gestão e orientação dessas novas entidades.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: há muitos anos que a cultura portuguesa não vivia tempos de tão grande fulgor! Portugal divulga as suas riquezas, os seus criadores e artistas por todo o Mundo, é figura cimeira em exposições internacionais, em que se destaca entre dezenas de países.
Em Portugal, as pessoas dizem já não terem tempo para verem lamas e tão boas exposições. Temos sucessos no cinema e no teatro; os nossos músicos, os nossos cineastas, os nossos escritores, os nossos arquitectos - como ainda ontem Siza Vieira - são distinguidos internaciónalmente.
O inventário do nosso património, também nunca antes feito, prossegue em ritmo acelerado. Prioridade nos museus para as peças de ourivesaria e joalharia; nas bibliotecas para os incunábulos e os códices iluminados e nos arquivos para os registos paroquiais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: certamente que no período de perguntas e respostas eu e os Srs. Subsecretários de Estado leremos ocasião de mencionar outros aspectos que não couberam nesta intervenção ou de aprofundar alguns assuntos já focados.
Depois de lermos estudado exaustivamente tudo o que disseram e fizeram ou não fizeram aqueles que nos antecederam, estamos neste debate com uma certeza: nunca se fez tanto aquilo que era preciso fazer-se e fazer-se bem feito!
Aplausos do PSD.
Dizemo-lo com segurança, mas também com humildade, humildade esta que nos tem levado a saber sempre ouvir, a trabalhar muito, a trabalhar com todos, independentemente de quem sejam ou do que pensem.
Temos sido nós próprios a provocar polémicas, a suscitar os debates, mesmo quando as ideias ainda estão na fase de projecto.
Nunca se falou tanto de cultura! Textos o reconhecem! Prometi-o há mais de dois anos e está cumprido!
Muitas das polémicas que tem existido animaram muito boas intenções, que depois acabaram por reconhecer que a razão estava do nosso lado.
Mas, atenção: não temos dúvidas de que há muito para fazer, há muito que ainda não está bem - e que nunca estará integralmente bem! Há muito para trabalhar, mas temos um estímulo. Como ontem lembrei, é o próprio Sr. Presidente da República que reconhece que a cultura portuguesa vive um momento ímpar de pujança.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Apesar da Secretaria de Estado da Cultura!
O Orador: - Nós, por nos, só cá estamos para servir. Como iodos na vida, como todos na política, estamos de passagem. A passagem terá valido a pena se tivermos tornado melhor a vida dos nossos compatriotas.
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Daqui, desta tribuna, saúdo todos aqueles que, por esse País fora, sentem revolta por tão pouco, durante muitos anos, nesta área, ler sido feito por eles. E principalmente para eles que estamos a trabalhar! Como disse Francisco Sá Carneiro, «sempre coerentes e cada vez mais determinados»!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel Sérgio, Fernando Pereira Marques, Guilherme Oliveira Martins. Mário Tomé, António Abreu, José Magalhães e Raúl Rêgo.
Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.
O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Cultura, a cultura tem de ser poder num tempo de crise. E quando se Tala de crise o termo não implica decadência, mas a incerteza inerente aos períodos de mudança de paradigma.
Sabe-se também que a cultura ou, se se preferir, até a sabedoria, é o resultado de uma aprendizagem, de um treino, de um exercício, de uma educação. Mas essa educação não significa só conhecimento daquilo que é, mas também criação daquilo que deve ser.
Primeira questão: entre os seus objectivos, tem a Secretaria de Estado da Cultura o objectivo primacial de, para além da boa aplicação dos dinheiros públicos, pretender reorganizar-se em relação íntima com o labor interdisciplinar que envolva outros ministérios e secretarias de Estado, nomeadamente o Ministério da Educação?
Segunda questão: tem em mente a Secretaria de Estado da Cultura nesta sua reorganização, a concretização de três princípios fundamentais, o da autonomia, coordenação e representação? É certo que, em última instância, os dinheiros - e até outras coisas essenciais - dependerão da aprovação governamental, mas vai gozar a cultura, em Portugal, da autonomia necessária à criatividade?
Estamos na era da planificação e da programação, cabendo aos poderes públicos uma série de intervenções, visando solucionar problemas de índole estrutural e funcional. Significará a coordenação e a integração uma efectiva governamentalização da cultura. E a representação? Sentem-se os intelectuais e os artistas devidamente representados na Secretaria de Estado da Cultura? E, se assim se passa, com que finalidades e critérios?
Terceira e última questão: suposta a necessidade da reforma da Secretaria de Estado da Cultura -e não me parece fácil encontrar alternativa, a menos que se pretenda destruir tudo para tudo reconstruir pela base -, quando se trata de pôr em funcionamento estruturas complexas, exigitivas de muita capacidade, de muito sentido de adaptação e até de criação, há viabilidade da sua aplicação, com tempo, paciência e dinheiro?
Num momento em que se descobre que o futuro das nações se encontra intimamente ligado à sua vida cultural, nesta passagem de um tempo a outro tempo que o inundo está a viver, bom é que se definam princípios e se fixem bases para a sua aplicação. Por exemplo, um vasto inquérito sociológico deveria preceder ou acompanhar a sua promulgação. Só mediante este inquérito seria possível definir prioridades. De qualquer forma, o projecto aí está e oxalá se concretize com liberdade e eficácia e que a ordem dos factos não prejudique os princípios.
Poderia terminar com a palavra do Evangelho: «De que serve ao homem ganhar o Mundo inteiro se vem a perder a sua alma?» E é por ser alma que o homem é cultura!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.
O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, a bancada do Partido Socialista está obviamente decepcionada com a intervenção do Sr. Secretário de Estado.
Protestos do PSD.
S. Ex.ª veio mais uma vez aqui para que o País oiça as suas realizações. Tudo é grande, espectacular, enorme, sobretudo tudo é motivo para ocupar largo espaço na imprensa.
Mas a política de S. Ex.ª caracteriza-se pela incoerência em relação, inclusive, ao seu objectivo nacional enunciado na intervenção que acabou de fazer. É uma política de todos os azimutes, voluntarista e incoerente. Cria pólos de actividade desarticulados, fomenta práticas contraditórias sem ter a preocupação de criar públicos, não define prioridades, as quais mudam consoante as circunstâncias e as pressões do momento. Caracteriza-se, nomeadamente, pela discricionariedade com que S. Ex.ª usa através de despacho, o Fundo de Fomento Cultural.
A esse propósito apresentei mais uma vez um requerimento para que me fosse comunicado o relatório e balanço a ele referente, que já deve estar feito, e espero que não lhe aconteça o mesmo que a outros e que uma resposta me seja dada, como é de lei.
Predomina uma visão de curto prazo e uma concepção de cultura que se esgota na animação e no espectáculo.
No Programa de Acção 1990/1994 - Cultura: Anos do Nascimento, esquecia-se da música, mas prometiam-se medidas dispersas, que iam da exploração de uma sala de espectáculos para apoio a novos valores e tendências cénicas, à recuperação do Parque Mayer, à instauração de preço fixo para o livro e até de um programa na RTP para o promover, à manutenção e enriquecimento do Museu de Arte Popular, actualmente ao abandono, e até anunciava o encerramento do São Carlos sem ter ouvido os responsáveis.
Ficou esquecido o Programa Especial para a Presidência da CEE e, felizmente, também ficou esquecida aquela fantasmática ideia de uma livraria aberta 24 horas sobre 24 horas. Talvez ela seja recuperada pelo Congresso de Imaginação, actualmente a ser organizado ...
Entretanto, no Programa do XII Governo predomina a retórica patrioteira, que V. Ex.ª aqui trouxe com a afirmação em que se realçava a evocação de feitos que engrandecem a nossa Nação.
Evocar feitos, Sr. Secretário de Estado, não é fazer cultura! É fazer cronologia e a cronologia é história descamada, sem alma nem grandeza.
Vozes do PSD: - Leia mais devagar!
O Orador: - Calma, essa bancada está agitada!
Entre muitas coisas de fundo, esquecia-se, nomeadamente neste último Programa do XII Governo, a lei de bases dos arquivos.
A sua acção pautou-se pela instabilidade e pelo confronto com responsáveis e agentes culturais. Sucederam-se as demissões: António Lamas, José Mattoso e Aires do Nascimento, Maria Alice Beaumont, José Manuel Moisés, Martim de Albuquerque, Ricardo Pais, Raquel Henrique da Silva, José Afonso Furtado, Margarida Veiga cinco vice-presidentes do IPPC - e não esgotei a lista -, para já não falar do
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confronto com a Câmara Municipal de Lisboa, que atrasou a realização de um projecto tão importante.
Sr. Secretário de Estado, quero colocar-lhe uma questão e não me responda como ontem fez ao seu interlocutor na televisão.
Em nenhum país da Europa se confunde gestão patrimonial das colecções históricas constituídas com gestão promocional do livro, da leitura em geral, dos produtos culturais cujo consumo se pretende vulgarizar ou simplesmente estimular.
Desde 1960 que as funções dos arquivos e das bibliotecas nacionais se encontram clara e inequivocamente estabelecidas em sucessivas recomendações da UNESCO e de outros organismos internacionais de que Portugal faz parte e perante os quais o Sr. Secretario de Estado nunca poderá explicar a sua opção em relação à Biblioteca Nacional, cujo modelo actualmente adoptado só se encontra, de facto, na Venezuela e não na França ou em Itália, onde as bibliotecas nacionais gozam de autonomia, de dignidade e de entidade próprias.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.
O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O que aqui nos traz hoje é um debate político, é de política cultural que se trata.
A primeira nota que gostaria de deixar antes de formular a minha pergunta era esta: vivemos, efectivamente, um momento ímpar na cultura portuguesa, que se deve essencialmente à democracia e à liberdade e não à política cultural de qualquer governo, deste ou de qualquer outro.
Aplausos do PS.
Ao ouvir a intervenção do Sr. Secretário de Estado, a certa altura julguei que estava no país das maravilhas. No entanto, vejo a cultura em estado de sítio. E, Sr. Secretário de Estado, aquilo sobre que gostaria de o ter ouvido respeita ao que não foi dito no seu discurso e à política cultural, para além do que está na ribalta.
Quais as medidas complementares, por exemplo, que acompanharam a aplicação inusitada e inesperada do Imposto sobre o Valor Acrescentado relativamente aos bens culturais?
E o mecenato? O que é que se vai fazer realmente em relação ao mecenato? Apenas conhecemos um artigo em branco na Lei do Orçamento, que nada nos diz sobre essa questão.
E o diálogo com os criadores culturais?
E essa questão estranha que conhecemos há bem pouco tempo relativa ao veto a um escritor português - refiro-me a José Saramago - para a atribuição de um prémio?
A política cultural, hoje, tem de ler a cautela de recusar absolutamente todos os dirigismos, todas as tentações de espectáculo e de lavores ou de prebendas. E o certo é que, como Alexandre O'Neil diria, «o País está desconfiado, a reolhar por cima do ombro, que, com razão, duvida».
Precisamos de saber: que Estado cultural está o Governo a criar? O que é que privilegia, realmente, na prática? O património? A língua? A história? O que é que vai ser realmente o Instituto de Camões? E o que é que é feito do Instituto Internacional de Língua Portuguesa?
Discutamos as questões fundamentais. Vamos aos princípios! É disso que se trata quando falamos de política cultural.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a minha intervenção vai limitar-se a este pedido de esclarecimento, mas espero que o entendimento que o Governo venha a ter um dia relativamente a todas estas questões seja no sentido de considerar que esta limitação de tempo é também uma questão anticultural.
Sr. Secretário de Estado, através do seu departamento para a cultura, o Governo insultou os intelectuais portugueses, no que foi diligentemente acompanhado por eminentes Deputados da maioria.
Protestos do PSD.
É inaceitável que sejam classificados como «pessoas fora de época» ou que se insinue que andam à espera da «sopa dos pobres» intelectuais como Miguel Torga ou José Saramago, para não falar de outros embaixadores da cultura portuguesa e de quem se está sempre à espera que ganhem prémios internacionais, a não ser quando são censurados pelo Subsecretário de Estado da Cultura, António Sousa Lara, como o foi José Saramago. Não é a idade que impede os intelectuais de terem ideias novas, pelo contrário, e também não é a pouca idade que impede o Secretário de Estado de ter ideias velhas.
Sr. Secretário de Estado, o Governo vai ou não pedir desculpa aos intelectuais portugueses?
Não é contestável, evidentemente, que a política de subsídios deva ser transparente e rentabilizada, que não devem ser atribuídos por nepotismo ou com critérios aleatórios, mas daí não pode induzir-se que o Estado deva demitir-se da promoção cultural.
Os furiosos anti-estalistas defendem furiosamente o mecenato, ficando os agentes culturais dependentes da expectativa dos lucros dos mecenas. Claro que é preciso temperar!
O Estado, reconhecidamente, investe pouco na cultura. O Sr. Secretário de Estado não entende que o Estado democrático se deve relacionar natural e empenhadamente com a cultura e com os seus agentes, porque se relaciona, e deve faze-lo, naturalmente com toda a sociedade? Se se, considera que, neste caso, é apenas um alugador de funcionários?
Cerca de 400 000 portugueses deixaram de ler jornais nos últimos 12 anos, período de tempo em que encerraram 41 publicações. Mais de 60 % dos portugueses nunca leram um livro e 72 % não sabem interpretar um texto, segundo alguns relatórios da UNESCO.
A aplicação do IVA aos livros tem um critério económico, mas também «cultural» - anticultural. Não basta argumentar que o IVA também incide no pão e no leite e que tal não devia acontecer! É evidente que o livro é o vigamento maior da nossa língua, da expansão cultural, do espírito critico, do pensamento elaborado e criador. O livro está para a imaginação - e só ao homem é possível começar a construir a casa pelo telhado - como a língua está para o pensamento. Não basta aprender a citar Fernando Pessoa, «a língua é a minha pátria».
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Quando, à excepção da Venezuela, iodos os países sublinham a separação entre a preservação do património e a divulgação do livro, quando a Trança prepara o aparecimento de segundas bibliotecas nacionais, a Secretaria de Estado da Cultura ata a Biblioteca e o IPLL com um nó que ameaça estrangular ambos, até porque nem sequer houve qualquer diagnóstico ou estudo adequado.
Estas reestruturações não tiveram por base um debate alargado com a participação dos interessados, dos agentes de cultura, dos intelectuais, dos artistas, das escolas e das universidades.
Pergunto: não se trata apenas daquilo que, aliás, se adivinha, de uma lógica empresarial míope, de garantir o controlo laranja, de arranjar excedentes para preencher o assombroso número de 100 000 excedentes da Administração Pública com que Cavaco Silva dá satisfação à sugestão de Ferraz da Costa para alargar o mercado de trabalho disponível que permita à indústria baixar o preço da mão-de-obra?
O fundamental da reestruturação, Sr. Secretário de Estado, é que não houve debate, nem participação, nem consideração pelos homens e mulheres de cultura deste país, nem pelas organizações sindicais ou associativas. Não houve vontade de motivar os artistas.
Trata-se de um processo tipicamente governamentalizado, dirigista, de cima para baixo, um processo à António Pedro do SNI.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Abreu.
O Sr. António Abreu (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo não quis este debate. Este Governo, em matéria de política cultural, antes de tomar opções fundamentais graves, não ouviu os seus interessados. Não é um Governo de diálogo e, se hoje aqui está presente, tal deve-se ao facto de, em primeiro lugar, a sua política ler sido recusada pelos agentes culturais e pelas instituições atingidas pelas suas medidas; em segundo lugar, porque outros órgãos de fazer colocaram reservas a essa politica e, em terceiro lugar, porque foi proposta nesta Assembleia a realização de um inquérito parlamentar à sua política.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Secretario de Estado veio hoje aqui tentar fazer um renome da sua imagem, mas quero dizer-lhe que cometeu a primeira grande gaffe logo no início: V. Ex.ª omitiu qualquer referência a um acto de censura feito por um seu Subsecretário de Estado, que deve ser assumido por V. Ex.ª. Aliás, espero que já tenha falado com ele, porque ontem à noite ainda não o tinha feito.
Entendo que o Governo tem hoje nas suas mãos meios de seleccionar autores e intérpretes portugueses para a recepção de prémios atribuídos por entidades estrangeiras e de outras formas de representação e que, através da realização de actos decorrentes da sua administração, tem meios para impor condições que afectem, do ponto de vista político e estético, as produções que poderão vir a ser apoiadas. E a primeira questão que quero colocar-lhe é a seguinte: como é que o Sr. Subsecretário de Estado da Cultura entende que isto é compatível com a atitude que tem tomado de defender menos Estado e um Estado menos dirigista? •-
O Governo também tem defendido, para realizar esta reestruturação, que há que conter despesas, para justificar a reestruturação presente é a liquidação de importantes instituições científicas que fundamentam cientificamente as opções em matéria de política cultural em diversas áreas e para fundamentar o despedimento de centenas de trabalhadores. Como é sabido, os gabinetes da Secretaria de Estado da Cultura são os que têm um maior número de assessores per capita, gastando mensalmente milhares de contos com pessoal que não é dos gabinetes - como aconteceu concretamente com uma pessoa que, acumulando funções noutro organismo do Estado, entre 8 de Janeiro e 24 de Fevereiro, recebeu 3300 contos, para não falar do IVA -, e continuando a pagar as suas despesas correntes com fundos de fomento cultural. E a pergunta que coloco a V. Ex.ª é se as medidas de restrição se vão também aplicar ao gabinete de V. Ex.ª.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Verifico, com particular prazer, que V. Ex.ª hoje foi contido e que não trouxe atrás de si -talvez tenham ficado relidas pelo trânsito- a tal legião de assessores a que foi feita referência, mas, em contrapartida, trouxe uma gabaritada equipa, designadamente um especialista em «buracos» orçamentais, que é fundamental para perspectivar as questões da cultura, e um Savònarola monárquico especializado em excomunhões, como se provou com o caso Saramago, e esperamos que ele tenha a decência de se erguer e de explicar aqui por quê é que «dessaramagou» a representação de Portugal, num caso concreto.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Esta é, portanto, uma boa ocasião, desde que V. Ex.ª tenha a coragem de dizer qualquer coisa sobre a política de cultura. É que V. Ex.ª discreteou sobre tudo, praticamente: «Ai, os nossos próprios filhos que vêem desenhos animados em línguas estrangeiras! Ai, a televisão que nos entra por cima, por baixo e pelos lados! Ai, a língua portuguesa, coitadinha»! E nós todos, Sr. Secretário de Estado, estamos seguramente de acordo em preocupar-nos profundamente com tudo isso.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Espero que sim!
O Orador: - Mas V. Ex.ª é Secretário de Estado, o que é diferente! Ou seja, tem a tal máquina gigantesca -não tem um ministério, mas, com os subsecretários, os assessores, os sub-assessores, os secretários de assessores, os avençados, etc., que vai tendo, é quase o mesmo - e tem a responsabilidade de governar. E o que é que V. Ex.ª nos traz? Traz-nos o sucesso dos nossos artistas. Ora, penso que essa é uma operação um pouco sugante: V. Ex.ª está a sugar o sucesso alheio. Com certeza não constava do Programa do Governo que o Siza Vieira, há dias, ia ganhar o prémio de arquitectura!
Aplausos do PS.
Também não constava do Programa do Governo, tenha a humildade de o reconhecer, Sr. Secretário de Estado, a excomunhão de Saramago. Isso foi um lapso daquele Subse-
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cretário de Estado que está ali sentado com o aspecto de São Bento e que precisa de se autocriticar.
Risos do PS.
Sr. Secretario de Estado, a minha pergunta -para lhe fazer uma pergunta, porque tenho de o fazer- é esta: V. Ex.ª teve o cuidado de discretear sobre isto tudo, fazendo um pequeno abecedário de temáticas interessantes, mas não falou sobre as medidas que o trouxeram aqui. Ou seja, V. Ex.ª não justificou por que diabo é que quer «canguruzar» o Instituto do Livro dentro da Biblioteca Nacional e que bem é que advém para o País da mesma «cangurização» dos arquivos no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Essa é uma medida totalmente tola - é esta a palavra -, totalmente disparatada! Tem opositores em toda a pane e não só nesta bancada, porque na bancada do PSD senta-se pelo menos um confesso - há outros, mas esses não tom coragem de se confessar, porque V. Ex.ª «ronca» alto e eles encolhem-se, compreendo ... Mas há pelo menos um que teve a coragem de dizer...
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - São os bons ventos radiofónicos!
O Orador: - Não sei se são os bons ventos ...
Protestos do PSD.
Na vossa bancada é que há esse temor!
Vozes do PSD: - O senhor não se confessava e agora está a confessar-se!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que conclua.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente. É que os Srs. Deputados do PSD, Sr. Presidente, tem uma pele delicada e sensível quando se fala destas matérias.
O Sr. Luís Geraldes (PSD): - O senhor também não se confessava e, quando se confessou, fizeram-no saltar!
O Orador: - Em matéria de saltos, vamos ver os do Sr. Secretário de Estudo.
Gostava de perguntar ao Sr. Secretário de Estado como é que essa política, que é criticada generalizadamente e também no interior da própria bancada do PSD e que, em si, é uma aberração e vai ter custos gravíssimos, a ser implementada alguma vez - coisa que não é líquida, espero, porque há outros órgãos de soberania e outros meios de resistência institucional, em Portugal -, se justifica. É que ainda não o ouvi dizer coisa com coisa sobre essa matéria e V. Ex.ª teve o cuidado de saltar à margem dessa questão. Sem isso, Sr. Secretário de Estado, a sua vinda a esta Câmara terá sido um espectáculo pobre, no fundo, uma finta, e creio que 6 dever institucional da Assembleia da República obrigar V. Ex.ª a que, já que veio, se dispa completamento e nos diga a verdade. É esse o meu voto.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Até hoje nunca houve um governo que tenha falado tanto de cultura como o actual!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Geralmente falamos da fartura quando temos fome.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas se o Governo está tão empenhado na cultura, porque é que quer reduzir a Biblioteca Nacional a uma simples repartição de burocratas?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Manuel Sérgio, em relação à sua intervenção, quero dizer-lhe que tomei nota e é sabido que, no Governo, uma das tarefas principais a que lemos de proceder, neste momento, é a da articulação entre aquela que é a actividade da Secretaria de Estado da Cultura e a que é a prossecução, no dia-a-dia, dos objectivos próprios do Ministério da Educação. Como exemplo, posso citar-lhe o caso dos conservatórios.
Os conservatórios de teatro, as escolas de formação de cinema, a Escola Superior do Cinema e do Teatro, os conservatórios de música, são instituições que, no seu dia-a-dia, não podem estar dissociadas daquela que é a actividade da Secretaria de Estado da Cultura. Não estamos com isto a vislumbrar nenhuma alteração da lei orgânica do Governo mas, sim, a preparar as bases para um trabalho conjunto que nunca existiu, a não ser quando a Secretaria de Estado da Cultura esteve integrada no Ministério da Educação.
Em Portugal existem carências muito grandes nas áreas da formação, do livro e noutras, que só poderão ser resolvidas com um investimento muito forte e com uma acção completamento distinta. Por exemplo, no sector da música tem de haver uma mudança radical. Por isso, em todos estes projectos das orquestras regionais, e mesmo nos das grandes orquestras, que estamos a criar, há uma regra de ouro - a Sr.ª Subsecretária de Estado depois poderá falar sobre isso -, que é a de terem permanentemente agregados núcleos de formação. De facto, todas elas nascem com escolas já em funcionamento.
É que isto é como a «pescadinha de rabo na boca»: não se criam orquestras, porque não há músicos que cheguem e os músicos não vão para os conservatórios em número suficiente porque não têm saídas profissionais que bastem! Assim, dado o tempo limitado de que disponho, permito-me, de entre os vários pontos que mencionou, destacar a necessidade desta articulação com outros departamentos governamentais.
Quanto à intervenção do Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, devo confessar que tive dificuldade em ouvir tudo o que disse, devido à extrema agitação e nervosismo com que falou. De qualquer modo, o que tentei reler, no meio de toda essa agitação e nervosismo, foi o seguinte: os senhores ainda ontem propuseram um referendo, julgo que sobre a RTP e não sei se, em circunstâncias novas, ele também abrangia a RDP. Ora, sem dúvida que defendi e propus nesse documento que a Radiotelevisão Portuguesa fizesse programas do divulgação do livro propiciadores de novos hábitos de leitura - essa foi uma proposta apresentada à administração da RTP. Só que, Sr. Deputado - e essa é mais
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uma prova que lhe dou de que a administração da RTP é absolutamente independente do Governo -, nós propusemos e gostávamos que isso acontecesse, mas tal não foi seguido, ainda no tempo da administração anterior. O ponto não foi retomado com esta nova administração, mas essa proposta foi apresentada. Aliás, não, era a Secretaria de Estado da Cultura a dizer como devia ser o programa ou quem devia apresentá-lo. De tacto, há modelos de programa - como, por exemplo, um que acabou há pouco tempo na televisão francesa - que gostaríamos não que fossem copiados, mas que fossem seguidos, em Portugal, e esperemos que a televisão o faça.
O Sr. José Magalhães (PS): - Fale com o Dr. Marques Mendes, que está aí ao seu lado!
O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, não posso falar com todos os membros do Governo ao mesmo tempo! Hoje de manhã tive de falar com o Sr. Subsecretário de Estado, que vai intervir dentro de alguns momentos, e logo à noite vou folar com o Sr. Ministro Adjunto, Dr. Marques Mendes. Cada um de sua vez! A si, Sr. Deputado José Magalhães, respondo-lhe já a seguir.
Notei algo no tom de algumas intervenções... Por isso, espero algumas outras, para que uma perspectiva séria na abordagem destes problemas da cultura, alguma postura mais séria, possa voltar. É que - notei um grande nervosismo - até falaram em problemas do gabinete e de assessorias, a que já respondo, porque não gosto de fugir a nenhuma das questões!
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Não foge mas torneia!
O Orador: - Quando os Srs. Deputados as «atiram para o ar», pensando que ninguém se lembra delas e passam adiante, estão enganados!
Aplausos do PSD.
Quanto ao que o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques referiu, relativamente ao preço fixo do livro, quero dizer-lhe que essa é uma matéria que, como o Sr. Deputado sabe, não pode ser brandida com facilidade. E é bom que os cidadãos, em vez da gritaria e dos discursos ocos, ouçam a realidade das coisas!
Aquando da apresentação desse documento, anunciei a apresentação de um anteprojecto sobre o perco lixo do livro. Esse anteprojecto foi distribuído, num estilo de trabalho que os senhores não conhecem, por todas as associações do sector: culturais, comerciais, de grandes espaços, de pequenos comerciantes,...
Protestos do PS.
Sr. Presidente, devo confessar que é um pouco difícil falar nessas circunstâncias.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário de Estado não quer ser interrompido no uso da palavra. Peço à Câmara que guarde silêncio.
O Orador: - É que, Srs. Deputados, os senhores não gostam de ouvir as verdades! Era preferível, a propósito da política de- cultura, fazermos aqui um debate sobre, por exemplo, o preço fixo do livro?! Sabe o que é que eu fiz relativamente a essa questão? Na Presidência do Conselho de Ministros da Cultura não fui para lá aos gritos, com graças soltas e de mau gosto sobre os documentos A ou B. Pedi aos meus colegas, responsáveis da cultura nos diferentes países da Comunidade, para fazermos um debate, incluído na discussão do documento das novas orientações para os próximos anos das Comunidades Europeias, sobre o tema «o preço fixo do livro». Depois de todas as contribuições que recolhi em Portugal sobre esta matéria, devo dizer que, relativamente a ela, os argumentos andam à volta de 51 % a 49 %, a favor ou contra. A experiência, por exemplo, em França e noutros países, como sabe, tem resultados de muito diferente interpretação.
Na semana passada recebi a Associação Europeia de Editores, que teve a hombridade de me dizer, quer sobre esse ponto quer sobre o plano da rede de livrarias, que ela própria tem uma grande dificuldade sobre como desenvolver tecnicamente esse projecto, que quer colaborar connosco e agradece o facto de Portugal ter apresentado, na Presidência do Conselho de Ministros da Cultura, esta questão do livro da forma como o está a fazer, porque a Comissão das Comunidades Europeias não aceita discutir... Se há ponto em que há divergência entre as associações do sector e a Comissão das Comunidades Europeias é sobre o preço fixo do livro.
De qualquer modo, mantendo nós aquela autonomia de agendamento e de acção que qualquer presidência deve ter, apesar do bom relacionamento que sempre deve existir com a Comissão das Comunidades Europeias, insistimos nesse ponto.
Na Comissão Parlamentar de Cultura do Parlamento Europeu fiz uma referência desenvolvida à necessidade do lançamento, a nível comunitário, de uma campanha de promoção do livro e dos hábitos de leitura. Lamentei que aparecessem sempre verbas para programas industriais, como a televisão de alta definição, em que existem altos interesses, legítimos, que fazem brotar espontaneamente as verbas que muita falta fazem para campanhas como as da promoção do livro e dos hábitos de leitura.
Portugal foi porta-voz desses interesses que são mais fracos, desses bens culturais que hoje em dia mais precisam de defesa, em debate sério e trabalho aprofundado, e disse às associações do sector em Portugal: «vamos continuar este trabalho técnico, em colaboração com as instâncias comunitárias, para chegarmos a uma conclusão que resulte de um. consenso tão grande quanto possível». Esta é uma decisão muito difícil, mas estamos dispostos a assumir. Os senhores é que não podem atirar para o ar: «E o ponto tal?» «E o ponto tal?» Aliás, esses são os pontos que levantámos e nos quais temos trabalhado.
O Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins permitiu-se dizer, com muita amizade de há vários anos, que «os senhores não dialogam com os representantes do sector». Nós não fazemos jantares, como alguns, em vários sítios de Lisboa com intelectuais e artistas. Isso não!
Aplausos do PSD
Vozes do PS e do PCP: - Fazem, fazem!
O Orador: - Poucos! O que fazemos é no Palácio da Ajuda, nos nossos gabinetes e em todo o lugar.
O Sr. José Magalhães (PS):- Tomam chá!
O Orador: - O chá faz bem, limpa os fantasmas que turbam o espírito. Faz-lhes falta!
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Sr. Deputado, foi a própria comunicação social que falou, aquando das medidas para o sector da música, na reunião de uma assembleia geral da música. Ouvimos crílicos, profissionais, antigos directores do São Carlos, gente ligada à música de todo o país. Que Governo anterior tinha feito isto? Reunimos, dispusemo-nos ao debate com toda a gente, a ouvir tudo, nestes últimos dois meses. Já antes das eleições tinham passado algumas dessas pessoas pelos nossos gabinetes. Aliás, a Sr." Subsecretária de Estado recebeu, nos dois últimos meses, 107 companhias de lealro e a generalidade dos intervenientes disseram que tinham sido debates muito frutíferos para preparar as novas medidas de política cultural, que não de organi/ação de serviços, porque essa matéria é da competência exclusiva do Governo.
O Sr. José Magalhães (PS):—E do Presidente!
O Orador: — Nós não discutimos organi/ação de serviços com ninguém.
Vozes do PSD: —Muito bem!
O Orador: — E o Sr. Deputado José Magalhães, constitucionalista, já desabituado, pelos diversos percalços que tem lido na sua vida política, ainda se deve recordar que podemos discutir, com alguma profundidade, a natureza jurídica de alguns poderes de alguns órgãos de soberania, em matérias que são —como diz a Constituição, que veneram e respeitam tal como nós — da exclusiva competência de outro órgão de soberania, neste caso do Governo.
Era o que faltava! Já lá vïlo os tempos em que, por exemplo, aqui no Parlamento alguns Srs. Deputados, em atitudes de que bem se arrependeram e que levaram a que o povo português, mais uma vez, nos conferisse a maioria até quiseram discutir organização de serviços e preços de bens, porque o Governo era minoritário. Agora lentiun aliciar outros órgãos de soberania.
O Sr. José Magalhães (PS):—Eu!? Aliciar? ...
O Orador: — Não é o Sr. Deputado, porque o Sr. Deputado José Magalhães, em matéria de funcionamento das instituições democráticas, tem progredido. Reconheço que tem progredido, porque aqui há tempos não acreditava nelas mas agora está numa fase de habituação e todas as semanas o leio avidamente, vendo progresso semana após semana.
Quanto ao que referiu o Sr. Deputado Mário Tomé, permita-me que lhe diga — espero que não lhe cause embaraço esta referência elogiosa — que, entre as várias intervenções aqui havidas, o tom e o espírito com que fez a sua intervenção, neste período, se destacou realmente.
O Sr. Deputado fez referência ao IVA no livro — e quero esclarecer este ponto, até perante a assistência tão variada que hoje aqui temos — e ao facto de eu associar o pão e o leite no que se refere à supressão da taxa zero do IVA.
Ontem não tive tempo, com o meu ilustfe interlocutor. Dr. Luís Francisco Rebello, para lhe mostrar alguns recortes, alguns bem interessantes, dos tempos que já lá vão...
O Sr. António Abreu (PCP): — Não leve tempo?! V. Ex." ocupou o debate todo!
O Orador: — Não, Sr. Deputado. (L gentileza sua dizer que ocupei o debate lodo.
Permita-me dizcr-Ihe, Sr. Deputado Mário Tomé, que julgo que é obrigação de quem está em cargos governamentais inspirar-se, nalguma medida, naquilo que vem de trás e respeitar os que vêm depois de nós.
O meu antecessor. Dr. David Mourão Ferreira, anterior Secretário de Estado da Cultura durante dois anos e 10 meses, disse, a propósito de uma guerra muito grande que leve com as companhias do leatro, lendo chegado a constituir uma comissão de inquérito ao seu funcionamento — e é por isso que muitos intelectuais e artistas disseram não a certos movimentos, porque já sabiam o que é que tinham feilo algumas pessoas que lá estavam — e a propósito da responsabilidade do financiamento do teatro por parte do Estado, o seguinte: «Considerando embora um serviço público, não tem a Secretaria de Estado da Cultura a intenção de nacionalizar esse serviço [...]» — e estava a referir-se ao teatro — «[...] também o fabrico do pSo é um serviço público e nãojiá o propósito de nacionalizar as padarias». Estas palavras foram ditas por David Mourão Ferreira, no exercício das funções de Secretario de Estado da Cultura.
Devo dizer que discordo deste discurso.
O Sr. José Magalhães (PS): — Não lira nada do chapéu, é tudo vago!
O Orador: — Tenham calma!
Com isto quero dizer, principalmente —c é o que importa para a generalidade dos cidadãos —, que descentralizar, regionalizar, todos o quiseram fazer! Dividir, repartir as responsahilidades no financiamento dos produtos e dos serviços culturais, iodos o quiseram fazer e iodos o pregaram! Comprar o leatro São João, fazer as obras que estamos a fazer no património, por lodo o país... cada vez que saíam de Lisboa, todos o pregavam! Mas uns pregam, outros fazem. E quem está a fazer somos nós!
Aplausos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PCP): —Quem?
O Orador: — Sr. Deputado José Magalhães, podia demonstrar-lhe, por factos passados, que anteriores responsáveis da cultura já utilizaram comparações, raciocínios ou seja o que for muito mais carregados no «acento tónico». Os senhores, aparentemente, contestam-nos mais do que nós.
O Sr. Deputado José Magalhães disse que eu fiz um abecedário de temas que são interessantes.
O Sr. José Magalhães (PCP): —E são!
O Orador: — Disse ainda que eu tinha obrigação — e fez-me umas propostas que não aceito — de apresentar aqui as acções concretas que a Secretaria de Estado da Cultura, que dirijo, leva a cabo.
Sr. Deputado, julgo que a obrigação de quem pede um debate sobre política cultural é vir aqui expor os fundamentos dessa política...
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: — Atenção ao tempo, Sr. Secretário de Estado.
O Orador: — É vir expor aqui os fundamentos ... Protestos do PS.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos o favor de guardarem silêncio.
Faça favor de continuar, Sr. Secretário de Estado.
O Orador: - Relativamente ao debate televisivo de ontem, os senhores disseram que eu ocupei o tempo todo. Independentemente do juízo que se faça sobre esse debate e sobre as respectivas conclusões, houve uma regra: a do respeito recíproco e a da não intervenção.
Protestos do PS.
Compreendo que os senhores, para tentar evitar resultados semelhantes, queiram interromper permanentemente, mas deixem-me, se faz favor, responder às perguntas que me fizeram.
Sr. Deputado José Magalhães; eu fiz ou não referência ao que está a ser feito na área do Património?
Houve um senhor que escreveu hoje um artigo num jornal diário, cronista e episódico para alturas especiais, em que disse que tinham sido suspensos uma série de projectos na área do Património.
O Sr. José Magalhães (PS): - Maroto!
O Orador: - Ó Sr. Deputado José Magalhães, quer ser rigoroso ou não? Quer correr o País todo, como correram muitos jornalistas...
O Sr. José Magalhães (PS): - Quero! Queremos!
O Orador: - Então eu organizo-lhe a viagem para a semana. Pode ser que dê passos novos na aprendizagem a que tem de se submeter!...
Protestos do PS.
Sr. Presidente, permita-me que refira ainda um ponto aqui mencionado: o das assessorias nos gabinetes dos membros do Governo, concretamente no meu.
O Sr. Presidente: - Permito-lhe, Sr. Secretário de Estado, mas gostaria que fosse breve.
O Sr. Virgílio Carneiro (PSD): - Se os Deputados estiverem calados, o Sr. Secretário de Estado responderá rapidamente!
O Orador: - Exactamente. Faço minhas as palavras do Sr. Deputado Virgílio Carneiro.
Ontem, no debate que houve na televisão, alguém mencionou que eu teria 20 assessores no meu gabinete ...
O Sr. José Magalhães (PS): - São l9! ...
O Orador: - Não são 19, Sr. Deputado José Magalhães!
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - E os directores para que servem?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário de Estado tem o mesmo direito ao silêncio que qualquer dos Srs. Deputados aquando do uso da palavra.
Faça favor de continuar, Sr. Secretário de Estado.
O Orador: - Sr. Presidente, esta questão do número de elementos dos gabinetes dos membros do Governo - e estou a ver que o Sr. Deputado Jaime Gama, que também sabe bem como é, e outros, que exerceram funções governamentais - é uma matéria que, estando com certeza sujeita a fiscalização de outros órgãos, deve ser, por todas as razões e mais algumas, explicada.
Como eu já disse, na Secretaria de Estado da Cultura o número de assessores a que fez referência é menos de metade do número que o meu interlocutor de ontem mencionou. O número de membros que existem, por exemplo, no meu gabinete ou nos gabinetes dos Subsecretários de Estado com certeza que está intimamente relacionado com o facto de a Secretaria de Estado da Cultura ser também o departamento governamental que mais direcções-gerais, ou serviços equiparados, tem sob sua tutela.
Com certeza que os elementos de um gabinete - de um membro do Governo existem para acompanhá-lo, assessorá-lo, para prepararem os dossiers e as decisões nas várias áreas. Devo dizer, porque entendo que essa é uma obrigação de relacionamento entre órgãos de soberania, que há uma série de pessoas que estão alceias ao meu gabinete e ao gabinete dos Subsecretários de Estado que prestam serviço no Centro Cultural de Belém durante a presidência portuguesa das Comunidades ou no Comissariado Lisboa/94. Por exemplo, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa - e muito bem! -, tal como combinou comigo, tem nesse mesmo Comissariado o seu chefe de gabinete - o Dr. José Megre -, que exerce lá funções. São casos semelhantes!
Mal seja criada a sociedade para Lisboa, Capital Europeia da Cultura/94 e mal a Fundação das Descobertas entre em funcionamento iodas essas pessoas serão desafectadas.
O número de membros do gabinete, em termos de assessoria directa, é de nove e, portanto, como eu disse, é inferior àquele número que ontem foi mencionado (20) - é metade!...- e a outro semelhante a que o Sr. Deputado fez alusão.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Está esquecido de alguns!
O Orador: - Se os Srs. Deputados me permitem e se o Sr. Presidente autorizar, passo a palavra ao Sr. Subsecretário de Estado da Cultura para falar sobre o caso a que o Sr. Deputado José Magalhães fez referência.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - O Sr. Secretário de Estado não respondeu às minhas perguntas.
O Sr. Presidente: - Está um pouco fora da estrutura regimental, mas, se ninguém se opõe e porque foi feita a pergunta, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado da Cultura.
O Sr. Subsecretário de Estado da Cultura (António Sousa Lara): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, designadamente, os Srs. Deputados Guilherme Oliveira Martins, Mário Tomé, António Abreu e José Magalhães, vou tentar sintetizar um pouco o historial deste incidente que os senhores criaram,...
Vozes do PS: - Ai nós é que criámos!
O Orador: - ... chamando nomes como «excomunhão», «censura» e outras coisas parecidas, relacionado com o Prémio Literário Europeu.
Acontece que o Instituto Português do Livro e da Leitura, através de despacho do seu presidente, apresentou-me, em primeira mão, cinco obras, de cinco autores, candidatas
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ao prémio em apreço. Acrescentou, posteriormente, uma sexta obra de um sexto autor.
Obviamente que não conheço qualquer meio de designar, entre seis, três pessoas sem cortar três. Se os senhores conhecem outro mecanismo, agradeço que me comuniquem!...
Em segundo lugar, obviamente que havia que optar entre uma série de obras de pessoas, todas elas escolhidas não por mim, mas apresentadas, obviamente, pelos serviços, no caso das cinco primeiras, com o parecer, segundo me informei, da Associação Portuguesa de Escritores, do Centro Português da Associação de Críticos Literários e do Pen Club de Portugal. Portanto, como vêem, não tenho qualquer intervenção na selecção, quer dos cinco primeiros quer do sexto nome, mas havia que exercer uma escolha, que me cabia a mim por ter essa tutela.
Vozes do PS: - Quais os critérios?!
O Orador: - Considerei que a obra, e não a pessoa, pois aqui não está em questão a pessoa de José Saramago, nem a sua obra pretérita ou futura, mas tão-só a obra que me era apresentada para este efeito, ou seja, Evangelho Segundo Jesus Cristo, depois de, obviamente, ter pensado sobre o assunto com bastante atenção,...
Vozes do PS: - Muito!...
O Orador: - ... era profundamente polémica, aliás a crítica também assim a considerou.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então a cultura não deve ser polémica. Deve ser institucional!...
O Orador: - E era profundamente polémica porquê?
Vozes do PS: - Ai era polémica! ...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Era polémica, porque ...
O Orador: - O Sr. Deputado quer ouvir a minha explicação ou quer ouvir a sua? Se quer ouvir a minha, tem de ouvi-la, não tem outro remédio! ... Deixe ouvir! Valha-me Deus!...
E era profundamente polémica ...
Protestos do PS e do PCP.
Sr. Presidente, pedia que fossem criadas condições para que possa continuar a minha intervenção.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Subsecretário de Estado tem razão, quando apela para a presidência no sentido de haver silêncio.
O orador só pode ser interrompido quando o consentir.
O Orador: - A obra é profundamente polémica porquê? Porque ...
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Subsecretário de Estado! dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Não, não dou!
O Sr. Jaime Gama (PS): - É só um minuto.
O Orador: - Ó Sr. Deputado, não dou. Tenha paciência!
A obra é profundamente polémica porquê? Porque atenta...
O Sr. Jaime Gama (PS): - Gostava que nos dissesse o nome das obras propostas.
O Orador: - Quer saber o nome das seis obras? Eu digo, eu digo, com certeza.
São elas: de Fiama Hasse Pais Brandão, Obra Breve; de José Saramago, Evangelho Segundo Jesus Cristo; de Pedro Támen, Tábua das Matérias; de Hélia Correia, A Casa Eterna; de Sophia de Melo Breyner, volume III das Obras Poéticas; de Agustina Bessa Luís, Vale Abraão. Estas são as seis obras propostas, tendo sido as cinco primeiras apresentadas em mão e depois, por despacho complementar do Sr. Presidente do IPLL, foi apresentada a sexta obra, sem qualquer intervenção da minha parte.
Havia que excluir ou, melhor, não era bem excluir, havia que seleccionar três que representassem Portugal no Prémio Literário Europeu e, portanto, três teriam de ficar de fora. Lamento que isto tenha sido tornado público,...
Vozes do PS: - Ai lamenta!...
O Orador: - ... porque acho que as pessoas em questão, todas elas, merecem o mesmo apreço...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Cada vez que fala, mais se enterra!...
O Sr. Jaime Gama (PS): - E quais é que escolheu?
O Orador: - Quais é que foram escolhidas? Foram escolhidas as de Fiama Hasse Pais Brandão, de Pedro Támen e de Agustina Bessa Luís.
Vozes do PS: - Ah!
O Orador: - Mas ainda não dei a razão fundamental que, com certeza, os senhores gostarão de ouvir. Evangelho Segundo Jesus Cristo é uma obra que, a meu ver, atacou princípios que tem a ver com o património religioso dos cristãos, e não só da Igreja,...
Aplausos de Deputados do PSD.
Vozes do PS: - Ah!
O Orador: - ... e, portanto, longe ...
Protestos do PS e do PCP.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Fundamentalismo, não!
O Sr. Presidente: - Peço silêncio, Srs. Deputados.
O Orador: - ... e, portanto, longe de unir os Portugueses, dividiu-os naquilo que é um património espiritual.
O Sr. António Abreu (PCP): - O senhor não tem formação cultural!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Voltou a Inquisição!...
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1760 I SÉRIE-NÚMERO 56
O Orador: - Por conseguinte, ao abrigo da tutela que me está delegada, considerei que esta obra não podia ser incluída nas seleccionáveis.
Aqui tem a explicação pura e simples.
Aplausos de Deputados do PSD.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Falou a Inquisição!...
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Para que eleito, Sr. Secretário de Estado?
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, gostava de, num minuto, fazer um aditamento àquilo que foi dito pelo Sr. Subsecretário de Estado da Cultura.
O Sr. Presidente: - Tem um minuto para esse efeito.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Se os Srs. Deputados me permitem, em relação ao que disse o Sr. Subsecretário de Estado da Cultura, gostava de acrescentar só o seguinte:...
Protestos do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não interrompam o Sr. Secretário de Estado, uma vez, que ele não quer ser interrompido. Senão nunca mais saímos daqui.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Srs. Deputados, este exemplo, este processo é paradigmático...
O Sr. José Magalhães (PS): - Ai é?!
O Orador: - ... do poder que o Estado e o Governo não tem de ter, que não devem ter, ou seja, esta permanente ligação de tudo o que se passa na vida cultural àquilo que é a decisão em sede governamental e que incumbe aos governantes. É porque, como disse o Sr. Subsecretário de Estado, de facto havia uma lista de seis, em que apenas três seriam escolhidos. Tanto é inquisição ou tanto é errado excluir um conjunto...
Protestos do PS e do PCP.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Porque é que não deixam funcionar o mercado?!
Vozes do PSD: - Cale-se!
O Orador: - Têm de deixar...
O Sr. Presidente: - Prossiga no uso da palavra, Sr. Secretário de Estado.
O Orador: - Tenha calma, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, porque é para isso mesmo que estamos a trabalhar. O que temos dito é que queremos ter cada vez menos poder. Este sistema de promiscuidade na atribuição dos prémios, no reconhecimento dos méritos, na distinção das honrarias entre a sociedade civil, os agentes criadores e o Estado tem de acabar de uma vez por todas.
Aplausos do PSD.
E este é um exemplo bem claro. Tão indigno é excluir José Saramago como é excluir Pedro Támen ou Agustina Bessa Luís.
Aplausos do PSD.
É a mesma coisa!
Protestos do PS.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração da minha bancada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, para esse efeito.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: esta declaração do Sr. Subsecretário de Estado da Cultura, depois convalidada pelo Sr. Secretário de Estado, introduz no debate cultural português dados gravíssimos.
Vozes do PS: -Muito bem!
O Orador: - Gravíssimos porque, em primeiro lugar, é inacreditável que as indicações de obras literárias não sejam feitas por selecção de júris independentes, mas por uma combinação de propostas e de despachos entre funcionários e membros do Governo.
Vozes do PS:- Muito bem!
O Orador: - Em nenhuma democracia adulta, para quem os valores da cultura significam qualquer coisa de substantivo, isto se passa por estes critérios, por estes processos e por estas modalidades.
Além de mais, as razões que foram aqui invocadas pelo Governo para eliminar certas obras são completamente inaceitáveis e reproduzem estruturalmente aquilo que, ainda recentemente, foi feito no Irão de Komeini...
Aplausos do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.
... e que era feito nas ditaduras estalinistas.
Por critérios desta natureza, que reproduzem os julgamentos inquisitoriais, seriam indignos de representar a literatura portuguesa obras como Os Maias, O Crime do Padre Amaro, Quando Os Lobos Uivam, a lírica de Camões e muitas outras.
Gostaríamos de ver, definitivamente, erradicado da vida cultural portuguesa este clima persecutório, este clima de intolerância, este clima e estes valores convictamente contrários ao verdadeiro espírito da cultura portuguesa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Um governo que toma atitudes destas e que as justifica no Parlamento desta maneira não tem outro caminho senão o de demitir estes responsáveis pela sua política cultural.
Aplausos do PS, de pé, e do Deputado independente Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.
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O Sr. Secretário de Estudo da Cultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: quem escolhe a pessoa que fala em nome da bancada do Governo, se me permitem, é o Governo. Não sei se também pretendem que essa metodologia seja discutida e participada! ...
O Sr. José Magalhães (PS): - Preferimos o Dr. Marques Mendes!
O Orador: - Sr. Deputado Jaime Gama, já me tinham dito, e eu já tinha lido, que V. Ex.ª andava um pouco mudado: que nos últimos tempos vê ditadores por todo o lado em Portugal. Uns centro-africanos, outros dos confins do mundo!...
Sr. Deputado Jaime Gama, não pense que estou a fazer isto por lisonja ou por mera pausa parlamentar. Sabe bem a consideração e o respeito que sempre demonstrei pelas suas qualidades intelectuais e pela correcção do seu procedimento. Tentei responder-lhe com toda a correcção, e ao seu grupo parlamentar, dizendo que julgo que não há possibilidades de sairmos daqui. A escolha das obras não foi um processo só entre funcionários superiores e membros do Governo. Pelo que o Sr. Subsecretário de Estado me transmite, apresentaram propostas a Associação Portuguesa de Escritores e outras instituições...
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - A Associação Portuguesa de Escritores não participou, não foi consultada!
O Orador: - Não foi a APE, mas foram outras instituições que o IPLL terá consultado.
Agora, é bom esclarecer este ponto. Sr. Deputado Jaime Gama: é da responsabilidade do Governo apresentar as candidaturas. O Governo tem de escolher, de entre os vários nomes que lhe são apresentados, só três. O Sr. Deputado diz que isso não se passa em nenhuma outra democracia. É assim em todas! É um processo comum! São apresentadas candidaturas e os membros do Governo escolhem três, a apresentar à Comissão das Comunidades Europeias.
Sr. Deputado Jaime Gama, é exactamente assim e, se quiser, amanhã mesmo, venho a esta Câmara trazer-lhe, em mão, cópia do regulamento.
Se o processo é assim, as pessoas podem sempre gostar ou não gostar das escolhas que são feitas. Podem mesmo gostar ou não gostar dos critérios que levam a essa escolha.
O Sr. José Magalhães (PS): - Estes critérios são obscenos!
Protestos do PSD.
O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, eu admito que são sempre discutíveis os critérios.
O Sr. José Magalhães (PS): - Estes critérios são obscenos!
O Orador: - Deixe-me terminar, por favor.
A oposição pode e deve discutir as perspectivas do Governo e o Governo pode e tem direito a ter opiniões diferentes da oposição.
O desafio que lanço à oposição, concretamente a uma ilustre representante da APE, a Sr.ª Deputada Edite Estrela, que, finalmente, anteontem conseguiu eleger nova direcção, é o de que este processo...
O Sr. António Abreu (PCP): - E o que é que V. Ex.ª tem a ver com isso?!
O Orador: - ... saia definitivamente da órbita governamental e siga pelos canais próprios da sociedade civil e dos agentes culturais, em todos os aspectos, e o Governo compromete-se, ele próprio, a apresentar a proposta de alteração do regulamento junto das Comunidades Europeias. Aos meus colegas das Comunidades Europeias contar-lhes-ei o exemplo do que se passa em Portugal, para lhes demonstrar como tudo isto é exactamente, como disse há pouco, o símbolo da promiscuidade que por vezes se passa na cultura. Não se trata, Sr. Deputado Jaime Gama, de censura ou de tirania. Trabalhamos com todos os agentes culturais. O escritor José Saramago, muitas vezes convidado por nós, vai falar sobre esta sua obra (e outras) a muitas conferências em Portugal e fora de Portugal, com financiamentos do Instituto Português do Livro e da Leitura, como vulto superior, que é, das letras portuguesas. Foi uma escolha entre seis nomes, que tem uma carga subjectiva, com toda a certeza. Por isso mesmo esperamos que seja consensual esta decisão, que vamos tomar, de retirar estes processos da esfera governamental.
Sr. Deputado Jaime Gama, à minha calma e serenidade espero que contribua a devida medida das coisas. Digo-lhe isto com o respeito e a consideração que sempre tive por si.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada pede a palavra para que efeito?
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, na impossibilidade de invocar a defesa da consideração da Associação Portuguesa de Escritores, invoco a defesa da minha consideração pessoal, já que foi feita uma referência ao meu nome, enquanto vice-presidente da APE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para esse efeito, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, foi invocado o meu nome de uma forma indelicada e incorrecta por parte do Sr. Secretário de Estado da Cultura, ao aludir as recentes eleições na APE. Não é assunto que esteja em discussão nesta Casa,...
Risos do PSD.
... não é matéria da sua competência e, se fôssemos falar do relacionamento da APE com a Secretaria de Estado da Cultura, muito teríamos a dizer. E aí, sim, essa era matéria para ser trazida a esta Câmara, como em outras oportunidades já foi feito por outras bancadas.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura prometeu e não cumpriu! O Sr. Secretário de Estado da Cultura teve para com a APE uma atitude de menino mimado, que tem uma birra porque aparece um título na comunicação social de que não gosta. Como se a APE tivesse responsabilidade das notícias que saem nos jornais e dos títulos que lhes são dados!
Vozes do PS: - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr.ª Deputada, não gosto de entrar por caminhos pessoais, mas diz que sou um «menino mimado». Pelo menos, sou bem mimado! Só lhe quero dizer isso, e mais nada. E fico-me por aqui!
O Sr. José Magalhães (PS): - V. Ex.ª é que sabe!
O Orador: - Deixemo-nos de consideração de ordem pessoal. Exactamente.
Quanto ao que disse a Sr.ª Deputada, não vou afirmar que é censura dizer o que é que está ou não em discussão nesta Casa. Agora, quero recordar-lhe uma pergunta feita ao Governo em 26 de Maio de 1991, em que a Sr.ª Deputada me perguntou, neste Plenário, quando é que eu dava, finalmente, o subsídio à Associação Portuguesa de Escritores. Então a APE está em discussão nuns dias e noutros dias não está?
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - A eleição da direcção da APE não está!
O Orador: - Tem de passar a mandar-me uma carta a dizer: «Olhe, hoje está!» ou «hoje não está»!
Para concluir, só um registo, Sr.ª Deputada. Note bem que há como que um estado de espírito que receia o debate das questões de fundo. É só interrupções e fait-divers tentando desviar o debate. Já demos por isso, as pessoas que extraiam as conclusões desse comportamento! Vamos voltar às questões de fundo, pois foi para isso que pedimos o debate. Se quiserem entreter-se com interrupções, apartes, fait-divers, pormenores, exageros e destemperos, é um mau serviço prestado à cultura de Portugal.
Queremos debater, com elevação, as questões de fundo.
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
O Sr. José Magalhães (PS): - A censura não é uma questão de fundo?!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.
O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, Srs. Secretários de Estado, Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura, Sr.ªs e Srs. Deputados: Pois foi, ontem tivemos debate no pequeno écran sobre cultura.
Pois é: hoje tem pés para andar, neste grande Hemiciclo, a interpelação sobre política cultural.
Nem vale dizer, como nos jogos de infância, «quem é que está primeiro?»
Mas vale sublinhar que esta interpelação é feita a pedido do Governo e que o pronto agendamento restitui a esta Casa maior o seu carácter de sede institucional das questões nacionais, segundo regras parlamentares bem definidas para todos os partidos com assento nesta Assembleia.
A bancada do PSD só agora, quando já vai entrada e madura a discussão, é que chega a tribuna. Deixo ali, no meu lugar, documentos organizados, processos, listagens, notas dispersas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Até um livro do Saramago!
O Orador: - Não as vou utilizar como achegas ao que escrevi e agora lhes conto. Atrás de tempo, tempo vem, não nos vamos perder por todas estas demoras. Separemos as águas, para nos entendermos.
Há o factual, a listagem do que está feito, a indicação do que se encontra em execução ou em estudo. E o peso dessa enumeração factual não é só o do volume que lhe põe uma capa e lhe dá forma. Será capaz, esse peso, de contrariar uma qualquer afirmação mais distraída, uma qualquer informação menos apoiada.
Tenho esperança de que sim, porque a verdade é esta, sem recorrer ao que dizem os manuais e ao que vem nos livros: grande parte das discussões radica na diferença, qualitativa ou substantiva, de informação, das informações a haver.
Algum trabalho de base, Srs. Deputados, também remove montanhas, tal como a fé que vai dando alma até Almeida.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas o que é isto?!
O Orador: - Ainda quanto à separação das águas, dizia eu: há o factual, de que anunciámos a presença dos tais dados, ali de plantão e de serviço, ao pé e ao alcance da mão da nossa bancada.
O Sr. José Magalhães (PS): - Ah! Da sua bancada!
O Orador: - Da minha bancada, Sr. Deputado. Devia ser da sua!
E há os princípios, a filosofia de acção, as linhas de enquadramento, as obrigações do programa e o cumprimento do plano.
Se a terreiro só vier o factual, temos aqui o combate. Se na barra, Sr. Deputado, excelente barrista e parlamentar, se na barra estiver o conjunto das ideias e das razões, teremos então um debate. E debate é o nome de baptismo da figura da interpelação. Pelo Executivo falou já, por direito próprio, pessoal e seu, o Secretário de Estado da Cultura; pela oposição que a casa gasta, já tiveram voz os Srs. Deputados Manuel Sérgio/Fernando de Sousa, Guilherme Oliveira Martins, Mário Tomé, António Abreu, José Magalhães, Raúl Rêgo,-...
O Sr. José Magalhães (PS): - Isto é um relato de futebol!
O Orador: - ... o Sr. Subsecretário de Estado António Sousa Lara e o Sr. Deputado Jaime Gania.
E, é claro, a discussão e os esclarecimentos levaram assuntos, temas, questões, e ninguém se pode banhar duas vezes na mesma água de um rio.
O Sr. José Magalhães (PS): - Felizmente! ...
O Orador: - A esta altura do campeonato, e desde o programa «Primeira página», já tiveram aqui lugar o «Falar claro», a «Conversa afiada» e todas as «Contradições». Quando o espaço de novidade é mais pequeno, não vale a pena bater na mesma tecla. Cortei, então, períodos e parágrafos ao meu texto, ao sabor do «escreveste tu, agora digo eu» e deste «disseste tu, direi eu» que estamos a acompanhar nesta tarde, que ainda é de Abril.
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Vejamos o que ficou da minha peça: todos, culturalmente, têm direito a escolher o seu deus ou o seu diabo, o seu esplendor e os seus tormentos.
O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!
O Orador: - A um Deus, mais nosso conhecido, um crente anónimo rezava, convicto e bom: «Não me deixeis, Senhor, cair em tentação de me preocupar tanto com coisas que não venham a ter, afinal, grande importância.»
E, em contraponto, ainda mais penitente, recitava ele também, humilde e atento: «Dai-me, Senhor, sobre as pessoas, a minha opinião de cada dia e perdoai-me, Senhor, sobre essas pessoas, a opinião que eu delas tinha ontem.»
É urgente e preciso que, antes da chegada dos «améns», as cabeças mais cheias saibam ceder lugar e deixem espaço fresco as mentes abertas. Essa abertura, pois de abertura se trata, vai faltando ao diálogo entre o Governo e as oposições, avessas a ver o cheio, prontas para denunciar o vazio.
Apontar a dedo tem menos carga e nenhum dos riscos de meter mãos a obra. Aquele que faz, aquele que age pode estar a cometer um erro, mas aquele que, podendo, não age já cometeu esse erro.
O Governo está agindo, com a sua política, a sua filosofia, os seus princípios, os seus meios, os seus fins, com plano aprovado e publicado - nihil obstat, imprimatur. Que vá por bem!
O Governo está agindo e quer saber dos erros que lhe apontam. Pediu data, acenou hora, compareceu aqui. Restitui à oposição parlamentar o estatuto de interlocutor principal, nas várias frentes.
O Sr. José Magalhães (PS): - Obrigado!
O Orador: - E digo «frentes» com todas as conotações. E faço plural. E escrevo porquê.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é um plágio!
O Orador: - Se a cultura fosse arruaceira - e não é; se a cultura fosse comicieira - mas não cabe na Avenida; se a cultura fosse só elitista - mas até lá passa no Rossio; se a cultura não fosse o que é - envolvente, abrangente, consciente de que vivemos todos do mesmo oxigénio; se, se e mais, se a cultura o fosse, a cultura gritaria, arruaceira, comicieira, elitista, ferida: «Abaixo os indiferentes!» Porque são eles, os indiferentes, os únicos que estão mesmo a pedir («pedir» no sentido de merecer) como castigo um movimento autêntico de defesa contra a apatia, o nada fazer, delas e deles, os indiferentes. «Abaixo os indiferentes da cultura!»
Que venham outras frentes. E que tragam mais cinco e outro amigo também. Agitar as águas é turbar(e), mas trouver (do mesmo étimo) é encontrar, achar, descobrir.
Cultura não são os serviços ou, menos ainda, a acomodação instalada dos serviços. Ou ainda se quisermos tudo considerar, haverá serviços que podem assumir-se como instituições e reciprocamente ou até vice-versa. Haverá, sim, cuidados a ter, aspectos a ressalvar, com reservas, mas sem preconceitos, nos instrumentos de reestruturação. Cuidados e respeito sim, mas sem inibições.
O Sr. José Magalhães (PS): - Que cuidados?
O Orador: - Nunca fariamos nada se ficássemos à espreita de que só mais tarde, tarde e tão tarde, já ninguém pudesse gritar um erro.
Em política ter razão antes de tempo nem sempre é famoso, nem gratificante no curto prazo, até porque há o colectivo (gerível, enquadrável, referenciado) e o individual (diferenciado como os dedos da mão, único como impressões digitais, centro do seu próprio mundo, logo ofendido mal lhe pisem as suas fronteiras e balizas).
A alguns nomes, falantes ou sonantes, rendo aqui a justiça de saber que o seu perfil responde, por generosidade, ao «santo e à senha» de uma causa, sem o exame prévio às implicações de outras militâncias que os media anunciam depois, para surpresa de quase todos, quer no lado de dentro, quer nos lados de fora.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não quer concretizar?
O Orador: - E quanta e tanta catástrofe anunciada!
Que me perdoem todos quantos respeito muito, que me perdoem todos quantos respeite menos, mas seria de esperar que a sabedoria, a vossa sabedoria questionasse em antecipação as causas, não apenas os efeitos, e que falassem na urgência da renovação e da novidade, em tempo de novidade e de renovação.
Mais ainda e num breve parênteses: há matérias - já aqui foi dito - que são da exclusiva competência do Governo. Má natureza de opções cuja apresentação a critérios de outra entidade por hábitos de circuito parece discutível, faltando-lhe o bom gosto do que é curial.
O Sr. José Magalhães (PS): - O bom senso!
O Orador: - Sr. Secretário de Estado da Cultura, restantes membros do Governo, aceitem a contestação, quando clara, porque só o silêncio é um argumento difícil de refutar.
O Sr. José Magalhães (PS): - O silêncio dos inocentes, sobretudo!
O Orador: - Para aqueles que não estão no mesmo vento, na mesma onda, o entusiasmo, qualquer entusiasmo, é sempre provocação. Sc não houver vento, rema-se. O longe só é longe enquanto não chegarmos lá.
Deixe, Sr. Secretário de Estado, que a oposição dê palpites de desgraças sobre aquilo que um projecto, no espírito ou na letra, não disse nem parece trazer. Deixe que as oposições sonhem, porque nos sonhos não é preciso ter o sentido da realidade e o ónus, muito terreno, das ideias tão ideais. Deixe que a oposição fique acordada muitas noites à espera de ver realizado cada sono mal dormido.
E deixemos que todos falem, ouvindo-os. Deixemos que falem, sabendo, como ouvi em últimos debates na Madeira, que «só se atiram pedras às árvores que dão fruto» e sabendo que cada um poderá contar quantas sementes tem uma maçã,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Essa é a metáfora da banana!
O Orador: - ... mas que só um espírito criativo ou criador pensa em quantas maçãs estão contidas numa semente a lançar.
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O Sr. José Magalhães (PS): - Quer contar isso com bananas e com melancias? ...
O Orador: - Permita-me o Sr. Deputado que continue a minha intervenção, embora deva dizer que estou a gostar de o ouvir, porque faz um feea-back muito bom e que não perturba.
O Sr. José Magalhães (PS): - Que bom!
O Orador: - Antes o Sr. Deputado incomodava mas neste momento não perturba.
O Sr. Deputado tem imensas qualidades, mas, como ninguém pode ter tudo, o Sr. Deputado caiu num erro. É que não tem tudo: não tem razão!
Aplausos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PS): - Em relação à censura?!...
O Orador: - Mas traduzo, avulso, da Unesco, conciliando partes: «A redescoberta de um sentido concreto de movimento cultural num inundo de disparidades com todos os problemas interdependentes - essa outra ordem ou na vida de valores - é um projecto que pressupõe a coexistência pacífica de sistemas diferentes e a aceitação daquilo que os distingue, no respeito pela identidade do próximo». Noutra pagina diz-se ainda: «A solução dos problemas requer um arsenal de novas respostas, coerentes, lógicas, integradas, e não poderá ser encontrada nas exigências verbalistas».
Repito: a solução não poderá ser encontrada na exigência verbalista, porque só nos telegramas é que as palavras contam, mais do que as acções.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Câmara apreciou o esforço do Sr. Secretário de Estado da Cultura para mostrar que tem alguma coisa a ver com a Cultura, mas, lamentavelmente, verificámos que a cultura não tem nada a ver com ele.
A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - Não apoiado!
A Oradora: - O Governo confunde política cultural com comemorativismo, ostentação e propaganda. Ao Governo só interessa a política da fachada do fausto e do espectáculo! O Governo preocupa-se com o festivo e o vistoso. Nós preocupamo-nos com o essencial. É isso que nos distingue. Esta é uma questão de fundo.
Consideramos errado gastar o dinheiro do povo nesse disparate monumental que dá pelo nome de «Congresso da Imaginação». Iniciativas quejandas - e é nelas que o Governo reincide - não interessam, não criam raízes e nada alteram de estrutural. Desmontada a lenda ou fechada a porta, nada resta, nada fica.
É a política do tirar a quem faz falta, neste caso o contribuinte, e investir no que dá nas vistas, mesmo que não se saiba para que serve. O melhor exemplo disso é ainda o famigerado Centro Cultural de Belém.
A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Outra vez?!
A Oradora: - O maior investimento cultural da história portuguesa nos últimos 200 anos foi construído sem que lhe tivessem sido definidas as funções e sem que os responsáveis tivessem uma ideia quanto à sua utilização. Daí as alterações, as indecisões, o adiamento e o incontrolável aumento dos custos.
Não se sabe se vai acolher o Museu da Expansão, se o da Fotografia. Sabe-se tão-só que serve para dar guarida, durante seis meses, à Presidência das Comunidades Europeias. Depois, depois, logo se verá... E tanto basta ao Governo, mas não a nós.
Não é assim que se criam infra-estruturas. Não é assim que se imprime rigor na gestão dos dinheiros dos contribuintes. Não é assim que se promove uma política cultural coerente.
Em nosso entender, uma política cultural correcta deve ser exigente na preservação dos nossos bens mais caros: o património e a língua.
A situação do nosso património arquitectónico e arqueológico é preocupante. O estado de degradação de mosteiros e conventos, palácios e fortalezas faz prever grandes sobressaltos num futuro muito próximo. Veja-se o castelo de Vide ou Elvas, Vila Viçosa ou Tarouca, mas também a Batalha e os próprios Jerónimos. A velocidade da degradação é superior à velocidade da recuperação. Por cada monumento que se recupera, há muitos outros para recuperar.
E preciso evitar a todo o custo a ruína das nossas jóias arquitectónicas. Esta deve ser uma prioridade de qualquer governo. Aproveitem-se bem os fundos comunitários. Apresentem-se os projectos em devido tempo para que não se voltem a perder milhares de contos: Onde não chegar o PRODIATEC, que chegue o Orçamento do Estado.
No que respeita ao património arqueológico, o panorama é igualmente desanimador. Em 1991 não foi prevista no PIDDAC qualquer verba para escavações arqueológicas. E cada vez mais a arqueologia é importante no mundo contemporâneo, em que proliferam as plantações de eucaliptos, se constróem auto-estradas e é preciso fazer estudos dos impactes ambientais. Acresce que há riquezas que urge salvaguardar, designadamente da arqueologia subaquática, que corre gravíssimos perigas.
Falei do património arquitectónico e arqueológico, mas o nosso acervo patrimonial é bem mais vasto. Não vou enumerar, naturalmente, as carências e desleixos que nesta área se fazem sentir. Pela amostra se pode ajuizar o tecido. Para acorrer ao património são precisos muitos especialistas. Mas onde estão as escolas de restauro?
Nós, que nos podemos orgulhar de ter no Instituto de José de Figueiredo dos melhores artistas de restauro, não os temos em número suficiente para dar resposta às necessidades. Não se investiu na formação e o resultado está à vista.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - É preciso criar escolas de restauro de pintura de escultura, de talha de ourivesaria mas também de livros, panos, etc.
Em vez de se dedicar ao efémero, deveria o Governo dedicar-se àquilo que cria raízes, ao que é verdadeiramente importante.
E no que diz respeito à política da língua está tudo ou quase tudo por fazer.
O Instituto de Camões, anunciado urbi et orbi pelo ex-Ministro da Educação, pelo Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e pelo próprio Secretário de Estado
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da Cultura, não passa de um instituto fantasma ou, se preferirem, de papel.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Não se sabe o que vai ser nem como vai funcionar. Não tem dotação orçamental nem quadro de pessoal. No entanto, diz o Governo que é ele o «instrumento fundamental na política de afirmação da Língua portuguesa no Mundo».
O Governo não foi capaz de andar mais depressa e ultrapassar as contradições que o assunto provocou no seu seio.
Também não foi capaz de fazer o Grande Dicionário da Língua Portuguesa. Não uma versão compacta, como a que dizem estar em preparação. Precisamos de um dicionário geral actualizado que dê resposta as necessidades do falante contemporâneo. Esta, sim, seria uma iniciativa tão importante quanto necessária.
É preciso estreitar a cooperaçâo cultural com os países lusófonos, especialmente com os países africanos. Não se compreende, pois, que o Programa África seja inexistente, que o Fundo Bibliográfico com Moçambique esteja cancelado, que se tenham reduzido a zero as verbas para a realização de feiras do livro nesses países e que seja o PIDDAC de leitura pública - pasme-se! - a suportar os encargos da realização da Feira de Cabo Verde. São 30 000 contos subtraídos ao já diminuto orçamento de tão importante, como necessário, projecto: a rede de bibliotecas de leitura pública.
Não basta erigir prioridades. É preciso agir em conformidade. Não bastam promessas. São precisas acções.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a política cultural deve ser o núcleo de um projecto de transformação social. Na difícil e quase sempre desequilibrada relação com os criadores, o Estado não deve ser interferente nem indiferente. Compete ao Estado providenciar infra-estruturas, promover a formação nas várias disciplinas artísticas para que nada se perca e tudo se desenvolva.
A cultura não é monopólio nem dependência do Estado. Ao Estado, porém, compete, sem paternalismos ou dirigismos, criar condições da mais livre e generalizada produção, circulação e usufruicão dos produtos culturais.
Pois bem, que medidas tomou o Governo para estimular o gosto e criar necessidades culturais nos mais novos? Que iniciativas para conquistar novos públicos para a fruição cultural? Que incentivos as novas tendências artísticas?
A maior parte das nossas escolas exibe a mais confrangedora penúria de equipamentos culturais. Faltam milhares de bibliotecas nas escolas portuguesas. Faltam salas de música e de artes plásticas. Faltam salas polivalentes.
A cultura deve começar na escola. E aí que se desperta o apetite cultural e se criam hábitos. É aí que as crianças se familiarizam com os meios de expressão cultural.
Aprender a exprimir-se é ter acesso à autonomia intelectual e à cidadania plena. Essa aprendizagem será mais decisiva para a capacidade colectiva dos Portugueses que qualquer espectáculo ou romaria que se faça. A melhor cultura é a cabeça das pessoas!
E também há uma carência profunda de um esforço visível na criação de uma cultura científica que é dominante para o posicionamento dos cidadãos no mundo actual. Esta é uma dimensão vital para a prática da democracia.
Como a cultura e a investigação científica são áreas marginais na escola, os jovens não são estimulados e as consequências estão à vista. De que servem reformas curriculares se não se inverter este estado de coisas? De que estamos à espera, Srs. Membros do Governo?
Dotar todas as escolas do País, das primárias às superiores, de bibliotecas condignas faz mais pela promoção do livro e da leitura que qualquer campanha publicitária.
Promover a deslocação de músicos e outros artistas às escolas vale mais do que qualquer subsídio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a política cultural não pode ser executada, sequer gizada, à revelia dos criadores e agentes culturais. A cultura a todos respeita e a todos deve implicar. A cultura é disciplina transversal que tudo percorre e influência.
Não é minha intenção gastar muito tempo com a anunciada reestruturação dos serviços da Secretaria de Estado da Cultura. O tema só me interessa porque uma reestruturação da Secretaria de Estado da Cultura não é uma mera alteração técnico-administrativa, deve ter uma concepção de desenvolvimento cultural subjacente.
Ora, a reestruturação proposta não vai contribuir para promover a fruição cultural; não valoriza as novas áreas culturais; não acautela o património musical e etnológico; não valoriza as artes ditas populares.
Os responsáveis pela política cultural continuam a agir sem saber para onde ir. Não têm uma estratégia, daí as hesitações e as medidas anunciadas ontem são retiradas hoje.
O mesmo Governo que criou o Instituto Português de Arquivos (IPA) é o mesmo que agora o extingue. Onde está a coerência? Caso idêntico é o da Comissão Nacional da Língua Portuguesa (CNALP). O Governo gerou-a com grande alarido e vem agora exterminá-la silenciosamente.
É a política do «usar e deitar fora». A CNALP serviu para desviar as atenções da polémica do acordo ortográfico. Prestado esse serviço, o Governo não lhe reconhece qualquer serventia.
Numa semana o Governo anuncia a fusão do IPLL com a Biblioteca Nacional, do IPA com a Torre do Tombo. Perante a contestação surgida, o Governo recua e tenta emendar a mão.
É esta a seriedade com que o Governo decide? A isto chama-se, em bom português, voluntarismo e leviandade,...
O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Dom, porquê?
A Oradora: - ... o que é grave! Grave porque mexe com os dinheiros públicos e o interesse nacional. Fazer e desfazer tem, pelo menos, custos dobrados.
Esta reestruturação é sintoma de uma política cultural doentia, pautada por critérios economicistas, dirigistas e centralistas.
O Partido Socialista defende a simplificação, desburocratização e modernização da Administração Pública mas rejeita a precipitação e o autoritarismo.
Até parece que o Governo, na falta de um projecto cultural credível, anuncia medidas administrativas. É uma autêntica «febre legislativa», como lhe chamou um ex-director da Torre do Tombo, actualmente assessor do Secretário Regional do Turismo e Cultura da Madeira, e cito: «É notória a febre legislativa que se apoderou dos governantes, que, na ânsia de resolverem problemas, o julgam conseguir publicando leis e decretos.»
Uma reestruturação séria deveria ser antecedida de um estudo do impacte cultural. Tal não foi feito.
Não se percebe o que o Governo quer. Faz-me lembrar a Exposição do Mundo Português. Como não houve tempo para fazer os pavilhões de granito, foram feitos de cartão. Era preciso salvar as aparências, como agora!...
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: termino com um caso paradigmático da falibilidade da decisão do Governo e que está a merecer o repúdio de todos quantos prezam a liberdade, e esta é uma questão de fundo que já foi aqui trazida.
O que se passou com o escritor José Saramago - que viu o seu romance O Evangelho Segundo Jesus Cristo vetado pelo Subsecretário de Estado da Cultura à candidatura ao Prémio Europeu de Literatura - é um atentado à liberdade de expressão e à criação literária. É uma atitude filha da mesma mentalidade fundamentalista que levou um Ayatollah Komeini a ordenar a eliminação de um Salmon Rushdie.
Protestos do PSD.
Teremos em Portugal, agora, um Ayatollah Lara?
Risos do PS.
Aliás, até me apetecia adaptar a esta circunstância a resposta que Aquilino Ribeiro deu quando viu censurado o seu livro Quando os Lobos Uivam. Disse, na altura, o mestre Aquilino que «Quando os lobos julgam, a justiça uiva», li eu acrescentaria «Quando os lobos censuram, a cultura uiva».
Mas, como eu estava a dizer, e repito, é uma atitude filha da mesma mentalidade fundamentalista que levou um Ayatollah Komeini a ordenar a eliminação de um Salmon Rushdie, para além de revelar uma enorme hipocrisia, pois contradiz um dos princípios tão defendidos pelo Governo e pelo PSD: o critério da lei do mercado, da receptividade do público. Ora, Saramago é um dos escritores portugueses vivos que mais vende e que mais é traduzido. Quando o Governo tem oportunidade de agir coerentemente e aplicar os princípios defendidos, opta pela derivação oposta.
Há decisões que não podem traduzir os gostos e idiossincrasias dos governantes. Este episódio revela o carácter precário da decisão política do Governo e como tal deve, também, ser analisado.
Por isso, em nome do PS, exijo que seja anulado o despacho do Subsecretário de Estado da Cultura, que vetou o livro de Saramago, e que seja nomeado um júri para o efeito, cabendo depois ao Governo a formalização da candidatura.
Aplausos do PS.
E termino subscrevendo as palavras do articulista Torcato Sepúlveda, no Público de hoje, «em qualquer país livre, o responsável assumido desta medida seria demitido ou demitir-se-ia». É também esta a nossa opinião.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, as Sr.ªs Deputadas Marília Raimundo e Isilda Martins.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Marília Raimundo.
A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Sr.ª Deputada Edite Estrela, foi com atenção que ouvi aquilo que disse hoje aqui e o que já referiu em vários outros locais sobre o Instituto de Camões.
Na verdade, todos nós aplaudimos um pouco a criação do Instituto de Camões, porque, efectivamente, faltava um organismo que preservasse a língua portuguesa e levasse a cultura portuguesa, incluindo nela a língua como património que é, a todo o mundo lusófono, e não só. No entanto, a Sr.ª Deputada hoje veio aqui tecer críticas à implementação do Instituto de Camões.
Assim, gostava de perguntar-lhe se pensa que é possível que uma estrutura que está agora no início, que foi criada e anunciada com o aplauso de todos, pode, de repente, nascer e ser capaz de desempenhar o seu papel tão importante. Gostava também de saber o que é que a move contra o tal Congresso da Imaginação. De facto, pensamos, quando ouvimos determinadas intervenções do PS, que o seu partido não é muito imaginativo, mas gostava que me esclarecesse melhor sobre esse ponto.
Finalmente, gostaria também que me explicasse como é que, defendendo a preservação dos nossos bens, que nos são caros e que todos defendemos, como sejam o património e a língua, não entende que a reconstrução e recuperação de edifícios, em cooperação com as autarquias, para instalação de bibliotecas, em todo o país, de salas de música e de outras infra-estruturas, não é a defesa do património e da língua, não só para a capital, mas também a todo o povo português..
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isilda Martins.
A Sr.ª Isilda Martins (PSD): - Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, para responder, se assim o desejar, a Sr.ª Deputada Edite Estrela.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, naturalmente que compreendo as dúvidas da Sr.ª Deputada Marília Raimundo, porque quando foi anunciada a criação do Instituto de Camões nós saudámos essa iniciativa. Aliás, já se tinha reconhecido a necessidade de uma estrutura desse tipo, mencionada aqui, em Plenário, pelo Sr. Deputado Adriano Moreira uma vez que era necessária a existência de um instituto da língua que coordenasse a política externa nesse domínio.
Porém, não podemos agora silenciar a incapacidade do Governo para lhe dar corpo, porque este organismo foi já criado há tanto tempo, tem sido tão falado por todos os membros do Governo, que nós temos estado a aguardar com expectativa e sentimo-la frustrada.
No que respeita ao Congresso da Imaginação, ó Sr.ª Deputada, acha que a imaginação precisa de um congresso? ... Não será isso falta de imaginação?! ...
Vozes do PS: - Muito bem!
Vozes do PSD: - Aaah! ...
A Oradora: - Finalmente, no que respeita à cooperação entre a Secretaria de Estado da Cultura e as autarquias, quero dizer-lhe que isso tem muito de demagógico, a menos que já se tenham esquecido de que ainda no último Orçamento do Estado foram cerceados às autarquias os meios necessários para poderem fazer uma política cultural como muitas desejam e tinham nos seus planos de actividade.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Portanto, não enjeite o Governo as suas responsabilidades atirando para as autarquias um conceito muito sui géneris de descentralização, que é o de remeter
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competências e responsabilidades sem atribuir os necessários recursos humanos e financeiros.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Abreu.
O Sr. António Abreu (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo não veio aqui de livre vontade discutir a sua política cultural em relação a quem não tem tido vontade de dialogar. As circunstâncias a isso o obrigaram! É a rejeição pelos meios de cultura da sua política cultural, são as reservas expressas por outros órgãos de soberania, é o inquérito parlamentar que o PCP propôs.
Na verdade, o Governo pretendeu com este debate possibilitar ao Secretário de Estado uma prestação que lhe recomponha a imagem. Assim, se esse foi o objectivo do Governo ao vir aqui, começou por cometer uma primeira falta!
Esperávamos que no início deste debate, por iniciativa do Sr. Secretário de Estado, se falasse do acto de censura que um seu Subsecretário acaba de fazer ao cortar da lista dos concorrentes ao Prémio Literário Europeu o escritor José Saramago.
Vozes d» PSD: - Outra vez?! ...
O Orador: - Trata-se de um acto político que deve ser assumido pelo Secretário de Estado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não o fez e isso agrava o escândalo, que já passou fronteiras. Permitam-me ler-lhes o cabeçalho do jornal La Stampa de hoje: «O Governo de Lisboa exclui o mais ilustre autor português do Prémio Europeu de Literatura.» «Não a Saramago por um Evangelho (fala o escritor)! Isto é inquisição!»
O jornal ABC, que não é propriamente um jornal de esquerda, do dia 26 deste mês escreve: «Polémica no mundo cultural português polo veto do Governo a José Saramago». Dou estes exemplos, mas existem outros em jornais em França e no Brasil.
Ora isto apresenta-se-nos como um caso paradigmático de dirigismo - neste caso censório e que está a atingir outros criadores - que se prolonga noutros actos que configuram o condicionamento ao livre governo das associações culturais.
Debater a política cultural do Governo implica verificar no conjunto dos factos, uns negativos outros positivos, quais os objectivos políticos nem sempre expressos no Programa do Governo: desresponsabilizar o listado do desenvolvimento cultural; acentuar o dirigismo frequentemente disfarçado na demagogia populista da descentralização; reduzir a cultura a indústrias de produtos culturais que sirvam um mercado de regras ditadas por grupos económicos; liquidar estruturas científicas montadas durante anos com o trabalho dedicado de profissionais qualificados que neles acumularam know-how e competência; assegurar numa área do aparelho do Estado, que o PSD não considera suficientemente laranja, o seu completo domínio; mobilizar recursos financeiros e bens culturais para obras de fachada, optando pela cultura-espectáculo susceptível de render dividendos políticos a mais curto prazo; praticar, enfim, uma concepção de cultura ornamental e de formação da imagem do poder.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Debater a política cultural implica debater também a educação e o ensino, através dos quais o PSD tem comprometido a formação integral, que possibilitaria a elevação dos níveis de produção e lambem de apetência e fruição culturais. Educação, ciência e cultura constituem vectores estratégicos fundamentais para o desenvolvimento do País, mas o PSD tem nestes 13 anos atrasado o sistema educativo e aprofundado o fosso que nos separa de outros países da CEE.
Na interpelação de Junho do ano passado, o PCP marcou as discordâncias com esta política cultural, contrapondo outra política, outros objectivos, outras concepções - as que defendemos e praticamos e que só são susceptíveis de aqui ser referenciadas sumariamente.
Na nossa opinião, o Estado não pode substituir-se nem tutelar, de forma dirigista, a criatividade individual e colectiva, mas também não pode demitir-se de ser um instrumento fundamental de democracia cultural.
Assim, o PCP defende uma política de cultura que salvaguarde o património e a identidade cultural de Portugal, que favoreça o trabalho e a liberdade criativa, o pluralismo e o confronto de diferentes correntes estéticas, que fomente o desenvolvimento cultural do nosso povo e que estenda a possibilidade de fruição de bens culturais a todas as regiões.
O PCP defende uma política de apoio a todas as artes e aos novos campos de expressão e experimentação artísticas, salvaguardando os interesses dos artistas e garantindo-lhes condições profissionais e de vida dignas.
O PCP defende uma outra reestruturação da Secretaria de Estado da Cultura e a sua transformação em Ministério, a ampliação da dotação do Orçamento do Estado para o sector da cultura.
O PCP defende, ainda, a valorização dos criadores individuais e a difusão do papel da descentralização com a necessidade de articulação entre o poder central, o poder local e as associações culturais.
Para o teatro propomos a reestruturação do sector público, a criação de sectores de produção fora de Lisboa, a melhoria na formação, a recuperação e equipamento de espaços, o apoio ao teatro de amadores, a lei de bases da actividade teatral e o estatuto do artista de teatro.
Para a música, defendemos a criação de orquestras sinfónicas em Lisboa e no Porto, a reestruturação do ensino, orquestras regionais ligadas a conservatórios e outras instituições musicais aí existentes, a reposição no Teatro Nacional de São Carlos da Companhia de Ópera com todos os seus corpos.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Orador: - Nas artes plásticas a concessão de bolsas de longa duração, a retoma das bolsas para o estrangeiro, o cumprimento da lei do 1 %, a comparticipação em ateliers.
Propomos, ainda, a cooperação entre Ministérios para o incentivo ao design português e apoio à produção industrial de projectos de design. Na área do património propomos um instituto reorganizado sem perda de funções correspondentes a uma concepção moderna de património cultural reapetrechado, com reforço de verbas e técnicos, a urgente conclusão de um inventário do património móvel, com o reforço
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dos meios já no terreno e o completar do âmbito do trabalho iniciado, a regulamentação da lei quadro, o reforço da formação de técnicos de conservação e restauro.
Entendemos que se deve alargar o acesso a Torre do Tombo, ser publicada a lei base dos arquivos e recriar um instituto que defina a política arquivístico, de acordo com a lei, para esta área; propomos a aprovação da lei quadro e estatuto do artesão.
Na política do livro e da leitura, defendemos o apoio à edição do obras de novos autores, o preço fixo de capa, a bonificação dos custos de papel, correios e transportes, a fiscalização de tiragens e defesa dos direitos de autor, o incremento da recuperação com autarquias em relação a bibliotecas públicas que sejam atractivas para o incentivo à leitura, a construção de novas bibliotecas escolares e feiras do livro.
Para o cinema, defendemos um enquadramento institucional que respeite a convergência de opiniões debatidas com profissionais, a actualização de legislação, normas e regras para a produção estrangeira em Portugal, a transparência do funcionamento e actos do IPC, a revisão da política de financiamento e subsídios e medidas que salvaguardem a comercialização, distribuição e exibição de filmes nacionais.
Para a projecção universal da nossa cultura, propomos uma política coordenada que respeite a riqueza e a diversidade da criação, sem «tesouras estéticas» e políticas do Estado,...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ... o alargamento da cooperação com mais acções diplomáticas com outras instituições, incluindo fundações e associações de emigrantes e a criação de institutos da cultura portuguesa.
Aplausos do PCP.
Mas o Governo tem optado por uma política de destruição.
No património, a Secretaria de Estado da Cultura produziu em três anos a maior perturbação: as leis orgânicas e cinco vice-presidentes do IPPC sem experiência nesta área, o que, com a falta de verbas, de estímulos e de admissões, atrasou processos, permitindo situações que já aqui têm sido referidas noutras alturas, como, mais recentemente, a do caso do escândalo de Braga, a criação de um organismo paralelo que nada fez e o não cumprimento de compromissos assumidos com os trabalhadores dos museus e palácios, o que dificulta a reformulação do funcionamento destes e uma maior fruição pública.
Na música, concluiu-se a extinção das orquestras sinfónicas, da companhia de ópera, alimentou-se a Regit Sinfonia que faliu, apoiam-se «patos-bravos», mantêm-se marginalizados os compositores portugueses e não há garantia de que as futuras orquestras regionais tenham uma relação estreita e uma interacção com os conservatórios e outras instituições musicais existentes.
Nos arquivos, deixou-se cair a concepção de rede nacional e a publicação de uma lei de bases, abrindo-se caminho à arbitrariedade na definição da política arquivístico, comprometendo um trabalho de anos que daria resposta aos desafios inadiáveis da arquivístico moderna e do interesse nacional.
Bolsas e subsídios de mérito foram sendo cortados.
Na política do livro a grande inovação de Santana Lopes são os 5 % do IVA, inovação tão inútil e tão elucidativa de um miserabilismo que não atinge os gabinetes dos mais altos responsáveis. Tantas queixas, vindas de tantos lados, quase justificavam já a existência de um Provedor da Cultura ...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A reestruturação da Secretaria de Estado da Cultura era reivindicada há muito. O Governo deu-nos ontem, aqui, conta da sua versão, feita inicialmente sem consultas, e que se arrastou semanas no meio de uma grande conflituosidade, depois de, no seu lançamento, não ter faltado para a justificar o insulto soez e a mentirola off the record sobre profissionais competentes.
É uma reestruturação que não está enformada por preocupações de desenvolvimento cultural: não eleva as possibilidades de formação e animação, não contempla a elevação da formação dos funcionários da Secretaria de Estado da Cultura, não dá atenção a novas áreas culturais, não contribuiu para uma descentralização que seja democrática, cientificamente suportada e com capacidade de resposta à criação cultural local.
Receamos que seja posta em causa, a prazo, a rede de leitura pública, tal como vinha sendo desenvolvida; receamos que sejam afectadas as funções que estavam associadas à antiga Biblioteca Nacional.
O PCP exprime estes receios, que são receios expressos de quem ali trabalha nestes últimos dias, que não vislumbram justificação para a nova estrutura apenas por motivos de economia de gastos.
A extinção do Instituto Português de Arquivos e a transferência das suas funções, sem os anteriores especialistas entretanto já dispersos, e sem uma lei de arquivos, ao deixar ao arbítrio de Borges de Macedo - que despreza a necessidade de conservar documentação histórica -, é uma machadada fatal na arquivística nacional.
Sousa Lara, em prejuízo do mais importante, vai optar por uma base de dados a partir de registos paroquiais. É evidente que não nos passa pela cabeça ligar essa opção ao facto de ele próprio ter uma empresa de genealogia...
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não se vislumbram medidas que facilitem o acesso à Torre do Tombo.
A extinção do IPPC culminou um processo de destruição onde esteve sempre presente a resistência à regulamentação da lei do património, que o PSD não quis mas que não teve possibilidade de deixar de votar favoravelmente.
A regionalização de centros de restauro vai fazer-se com que técnicos, com que equipamento, quando um técnico leva 10 anos a formar e o Instituto de José de Figueiredo está carente de meios, alguns dos quais não são descentralizáveis? A não ser que o Governo prepare técnicos de fachada para limpar o pó às peças ...
E a descentralização de competências, sem arquitectos conservadores, sem projectos de defesa dos centros históricos - a não ser no caso de Évora -, que critérios científicos vão permitir confrontar com outros interesses na altura da tomada de decisões?
A extinção da DGAC acarreta a suspensão do apoio a centenas de associações, que era anteriormente decidido com base em propostas de equipas técnicas elaboradas a partir
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dos pedidos recebidos. Agora, o Governo opta por uma política de «espaços», onde na prática imporá a circulação de produções definidas pelas tesouras políticas e estéticas do Governo, inviabilizando o apoio à criatividade local!
O saneamento previsto de centenas de trabalhadores, quando se argumenta que o aparelho de Estado não tem capacidade de resposta, é o reconhecimento da incapacidade de quem dirigiu, o PSD, que incluiu a incapacidade de racionalizar e optimizar os meios humanos para a elevação da capacidade de resposta dos organismos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: não são risonhas as perspectivas para os Portugueses, para o mundo em que vivemos.
O PSD tem vindo a consolidar factores estruturantes de desigualdades, injustiças e discriminações, mantendo no País um modelo periférico de desenvolvimento, acentuando na nossa vida cultural as suas debilidades endémicas. Uma crise de envergadura bate à porta das principais metrópoles do capitalismo, elevando a conflitualidade e o ranger das botas, o Terceiro Mundo mal sobrevive, a extrema direita progride com os fundamentalismos, os racismos e os nacionalismos, quantas vezes estimulados na recomposição de zonas de influência de grandes potências! ...
Face aos desafios do que poderá ser uma crise da civilização, é natural que os intelectuais e os meios da cultura não se satisfaçam com a Disneylândia e as cortes clientelares do Governo!
Aplausos do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.
O PCP saúda, por isso, todos os intelectuais, instituições e outros agentes culturais que desafiam o insulto e o trautileirismo, propondo que a democracia cultural seja uma componente do regime democrático e uma orientação estratégica do desenvolvimento e que entendem e praticam a cultura como factor de reflexão e de transformação da vida, e que procuram a generalização de formas de vida mais livres, mais justas e mais fraternas. Bem hajam!
Aplausos do PCP, de Os Verdes, do Deputado do PS Rui Ávila e do Deputado independente Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimentos os Srs. Deputados Correia Afonso e Isilda Martins.
Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Abreu, a sua intervenção foi, na minha perspectiva, muito interessante. Devo, no entanto, confessar que teve uma parte menor, que foi a que dedicou à estruturação da Secretaria de Estado da Cultura, embora no resto não possa deixar de classificá-la como merecedora da nossa melhor atenção.
Na verdade, quando olhamos para a cultura, podemos dizer, nomeadamente em termos políticos, que há duas partes: uma estática, que é o património, e outra que é, no fundo, a prática, a produção dia-a-dia cultural.
Se em termos políticos - e não só em termos políticos - quisermos olhar para a cultura, verificamos que o vício está sempre na estagnação, na passividade e no conformismo e que a virtude, em termos culturais, está, pelo contrário, na dinâmica, no confronto e no inconformismo.
Portanto, Sr. Deputado, é importante e indispensável que haja um confronto de ideias e de opiniões.
O Sr. João Amaral (PCP): - É verdade!
O Orador: - Que haja um choque de conceitos e de perspectivas; que haja, no fundo, críticas e apoios; que haja, até - e é importante - este aspecto de dialéctica das maiorias e das minorias. Este debate é, portanto, necessário, ou, diria mais, este debate sobre cultura é indispensável. Aproveito, por isso, a oportunidade para felicitar o Sr. Secretário de Estado da Cultura por ter tido a ideia de institucionalmente criar esta conflitualidade, que é indispensável à promoção da cultura.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas, Sr. Deputado, a cultura envolve, necessariamente, uma dependência da consciência colectiva, que, como todos sabemos, evolui com a alteração das estruturas e das relações sociais, com as mentalidades. Portanto, embora o Sr. Deputado tenha feito um inventário de medidas e de meios notável, que não deve ficar esquecido, nós temos de ir mais longe, mais a montante, e sabermos, no fundo, quais são os grandes factores ou as grandes influências que podem contribuir para a produção cultural!
O Sr. José Magalhães (PS): - Quais são?
O Orador: - No fundo é isso que lhe queria perguntar. Vou sugerir alguns, mas existem muitos outros: qual é a grande influência para a produção diária ou dia-a-dia cultural? É a família? É a religião? E a língua portuguesa ou são os costumes locais? São tantos outros elementos que nós, em termos portugueses, temos no nosso país? O que é que amanhã, nessas influências, vai permitir que nós, Portugueses, em termos culturais possamos distinguir-nos do resto da Europa onde estamos integrados?
Penso ser esta a verdadeira questão que deveria ser aqui posta, mas que ainda não foi.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isilda Martins.
A Sr.ª Isilda Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Abreu, não sendo o Partido Social-Democrata defensor de um Estado dirigista, pergunto: na sua opinião, de quem teria este Governo recebido a pesada herança de ser o Estado a classificar quanto à qualidade e mérito a produção literária dos nossos conceituados escritores - isto para efeitos de concurso, como vamos?
O Sr. António Abreu (PCP): - Importa-se de repetir?
A Oradora: - No seu discurso, o Sr. Deputado também diz defender a reestruturação da Secretaria de Estado da Cultura, mas, ao mesmo tempo, criticou a reestruturação por ela promovida, o que me leva a crer que, de facto, V. Ex.ª defende a manutenção da actual máquina administrativa, que está emperrada e obsoleta.
Gostava, pois, que me esclarecesse, porque, de facto, não o entendi.
Também me pareceu que o Sr. Deputado se tinha referido à reestruturação do ensino e que incumbia à Secretaria de Estado da Cultura essa competência. Não sei se entendi mal ou se foi, de facto, o Sr. Deputado que fez confusão, pelo que peço que me esclareça.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Abreu.
O Sr. António Abreu (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: quanto às primeiras questões, considero-as interessantes, mas quanto as questões colocadas pela Sr.ª Deputada Isilda Martins, não compreendi bem a última. Relativamente à primeira, a de se eu queria manter a máquina administrativa do Estado, respondo-lhe que não quero, minha senhora. Aliás, comecei por sugerir ao Sr. Secretário de Estado da Cultura que aliviasse os seus gabinetes.
Defendemos, efectivamente, uma reestruturação que rentabilize os meios técnicos e humanos para produzir, para elevar a capacidade de resposta, porque isso é absolutamente necessário, Sr.ª Deputada.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A reestruturação que está feita não tem esses objectivos.
Procurámos demonstrá-lo de uma forma concreta. Assim, na intervenção que acabei de fazer procurei ser concreto, fugindo às generalidades e à retórica. Fiz-lhe as propostas que faríamos se estivéssemos no Governo, propusemos-lhe as medidas que tomaríamos no sentido de elevar a capacidade de resposta de organismos.
Portanto, defendo, naturalmente, uma reestruturação da Secretaria de Estado da Cultura, mas que, pelas razões que acabei de enunciar há pouco, não é aquela que temos presente nas nossas mãos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Passado cerca de um ano sobre o início deste debate - que agora continua - dedicado aos problemas da cultura, talvez devêssemos reconhecer, com preocupação, que continua dominado pelas questões da intendência e que não sobrou tempo para aquilo em que todo ele talvez devesse ser gasto: a avaliação de uma estratégia de governo e dos progressos conseguidos na sua execução.
À medida que evolui a reestruturação política da comunidade internacional, com uma «sociedade de comunicação» desafiada pelo renascimento de «ideologias de exclusão», e pela explosão de reivindicações de identidade que perturbam a ordem em que velhos listados as supunham domesticadas, cada vez mais Portugal se integra num espaço político europeu dentro do qual se assume que nenhuma definição política afectará a sua identidade.
Esta identidade, que diz respeito a um povo nascido da miscigenação de muitos povos, teve expressão exclusivamente cultural, e uma componente europeísta centenária que se manifestou primeiro na expansão marítima sem a qual não teria existido o euromundo, para colaborar agora no reencontro das famílias europeias e na tarefa de substituir, finalmente, as suas tradicionais guerras civis pela cooperação;
Mas se é justamente a identidade que se assume como o valor hegemónico, as fronteiras espirituais da Europa toda projectando-se na carta do mundo, incluindo o mundo que o português criou, mas também o mundo que o espanhol, o francês e o inglês criaram.
Não é necessário gastar algum do escasso tempo regimental a meditar sobre os reflexos, neste domínio, das transferências de competências! para a estrutura comunitária, porque talvez caiba na área da evidência admitir que a identidade nacional, a sua projecção do mundo, a salvaguarda do património cultural dentro dessas vastas fronteiras é nossa responsabilidade inalienável, para evitar que sejamos atingidos por qualquer alienação.
Esta nova guerra pacífica não nos dispensa de nenhuma das batalhas e em função destas é que incidentalmente temos alguma vez de olhar para a intendência, que organiza e reorganiza os serviços, que certamente exige uma vigilância sobre a racionalidade, mas que está num plano diferente da estratégia, da responsabilidade pela execução desta e pelos frutos.
Por isso, continuamos a entender que, em sede do Governo, e não da Administração, é que precisamos de ter informação e resposta sobre a articulação entre a Secretaria de Estado da Cultura, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério da Educação, para avaliar da razoável utilização dos meios e dos resultados. Por exemplo, quando um escritor da projecção de Toynebee convida e convence os historiadores a identificarem uma nova era, a Era Gâmica, iniciada com a chegada de Vasco da Gama à índia, temos seriamente de meditar sobre o facto de que o mundo está nesta década fixado na data de 1492, transforma Colombo no símbolo da mudança dos tempos, coloca a Espanha no centro das atenções, dos efeitos políticos, culturais e económicos.
Estes últimos, os efeitos económicos, também de considerar porque se o economicismo não pode ser o critério estiolante do governo, tem porém muito lugar entre os critérios da política internacional do Estado. Velhos Estados como a França, a Inglaterra ou a Áustria são imitados por gigantescas operações de exportação cultural, como foram as iniciativas do Festival of índia organizado entre 1984 e 1990, e o mesmo se passou com os Jogos Olímpicos de Seoul de 1998, cujo equipamento sumptuoso incluiu óperas e teatros, como o complexo cultural de Bangkok (1987), ou o Centro Cultural de Hong-Kong (1989), e está a passar-se, neste momento, com Sevilha. A cultura é assumida como possível gerador de bens económicos e financeiros, com resultados frequentemente gratificantes.
Não é a nossa situação. Esta não é de hoje, tem indubitáveis condicionamentos sistémicos agora em variação acelerada com a mudança da arquitectura política mundial, mas um debate sobre a política cultural, construtivo e objectivo, não parece que tenha sentido sem avaliação desta situação que alceia a percepção que o mundo tem da verdade histórica, afecta a nossa imagem, reflecte-se negativamente na relação de Portugal com o mundo que o português criou. E notando isto, temos de reconhecer que algumas intervenções portuguesas neste processo comunitário são notáveis e merecem o nosso reconhecimento, designadamente a Europália e grande parte da actividade da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Mas justamente estas experiências devem ser cuidadosamente avaliadas no sentido de inspirar as novas políticas em face dos constrangimentos sistémicos em cuja definição temos pequena influência.
Entre as questões da imagem, da presença efectiva e das interdependências a defender ou criar na área cultural portuguesa têm certamente relevo especial os casos de Goa e do Brasil, que tomamos como exemplo. O primeiro, o de Goa, porque ao menos nos deve acautelar contra a ilusão de supor que não seremos atingidos pelas ideologias de
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exclusão que estão a renascer, acontecendo que as tomadas de posição do congresso Manila realizado em Goa, dirigidas contra as lembranças portuguesas remanescentes, e de que temos hoje notícia, são uma chamada de atenção que não deve ser minimizada, até porque recomenda moderação sobre o optimismo com que tem sido visto o futuro de Macau depois de findar a administração portuguesa.
Esta questão das ideologias de exclusão, que tem designação já mais aguerrida e ale expressão partidária em vários países europeus, não pode ser tomada como respeitando apenas às áreas fora do território nacional, porque o novo pluralismo étnico e cultural dentro das nossas fronteiras físicas também foi enriquecido e mudou alguns termos de referência dos aparelhos escolares e integração e dos modelos culturais.
Uma cidade como Lisboa, que em grande parte perdeu a função histórica e tem de readaptar-se à nova definição do País, conta neste momento com 10 % da população de origem africana, cujo processo de integração cultural, à luz da regra de que iodos tem direito a ser diferentes e tratados como iguais, precisa de ser discutido, assumido, formulado e executado. Mas creio que não existe ainda projecto.
Parecendo pouco contestável que entre as várias divisões da «Europa grande» avulta a que separa a Europa da economia de mercado da Europa da economia de desastre, mas em que também avulta a que separa cristãos católicos e protestantes de ortodoxos, o crescente pluralismo religioso da população portuguesa, com vinculação a diferentes igrejas institucionalizadas, torna muito mais complexo o desafio do pluralismo interior e exige igualmente atenção aos programas da integração com respeito pelas diferenças.
Talvez um debate sobre a cultura não possa deixar de abordar estas questões, talvez devêssemos considerar que prevenir os problemas é mais recomendável do que remediar, beneficiando de uma resposta conjugada dos departamentos sectorialmente responsáveis.
O direito à diferença, ao particularismo, tem de ser contido pelo limite do interesse geral, com uma razoabilidade de intervenção certamente mais fácil de enunciar como princípio do que de praticar sem defeitos. Entre as transnacionalizações, sobretudo económicas mas também da informação e da cultura, e os particularismos reivindicativos, trata-se justamente de enriquecer a identidade nacional que em nenhum caso pode ser vítima de erosão.
Um equilíbrio que também tem de orientar a relação entre a criatividade e a intervenção indispensável do Estado.
De facto, muitas das respostas a estas questões foram dadas em todos os tempos pela sociedade civil, e o recuo do dirigismo estatal não diminui as dependências que podem vir do mecenato. Esta última foi até uma das opções de Valéry Giscard d'Estaing, quando, pela década de 70, «pareceu aderir ao liberalismo cultural dos EUA e da Inglaterra, advogando a retirada do Estado das áreas da criatividade cultural. Ern substituição, incitou ao mecenato ou sponsoring das empresas». É difícil, porém, dissociar o mecenato da natureza da sociedade de abundância ou de consumo, e a recessão económica com os seus efeitos na cultura, trata de demonstrar quando aparece, como países de mecenato, como os EUA, não estão isentos de mecanismos de censura a cargo de grupos influentes e determinantes. Sociedades pobres ou em vias de enriquecimento, como alguns dizem que é a nossa, devem incentivar o mecenato, mas não podem dispensar o papel do Estado, sobretudo na responsabilidade pelas vastas e dispendiosas infra-estruturas.
Uma das claras razões disso deriva do facto de que o mecenato, como acontece com o Centro Cultural de Belém, anima com o apoio do Estado, o que talvez não seja a mais sábia das utilizações do instituto, mas não é tão pronto para as espontaneidades da sociedade civil. Tudo isso, por brevidade, pode talvez resumir-se em dizer que a intervenção financeira do Estado é indispensável e podem, porque é intervenção humana, praticar-se erros de avaliação ou de decisão, sendo suficiente, embora frequentemente difícil, que se observe esta regra simples: os dinheiros públicos que distribui são uma restituição, não são concessões, e talvez a mudança da semântica corrente ajudasse a não confundir actos de gestão com doações à comunidade ...
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Esta foi uma política que líderes gregos e romanos praticaram para ganhar reputação, mas com o património próprio e não com os recursos do erário público. Por isso ganharam o título de beneméritos e o direito à estátua.
Um debate sobre a cultura, neste fim de século e depois da experiência dos muitos desastres sofridos e dos que se temem, também não pode omitir que é necessário promover as ciências e as técnicas sob o signo da cultura, um dos temas de Fukuyama, e uma das raízes das queixas do mundo contra as chamadas agressões ocidentais, que em todo o caso procuram adoptar. A década finda viu nascer o domínio dos Science Studies que, especialmente nos EUA e na Inglaterra, procuram reencontrar o laço entre as ciências da natureza, a tecnologia e a cultura porque os avanços das primeiras não se distribuem com igualdade entre os povos, originam polémicas agressivas consoante os lugares, não concorrem isoladamente mas, sim, em conjugação para a construção final do modelo cultural da comunidade.
Escreveu Serras Michel, anotando a nova exigência, que «não há mais puro mito do que a ideia de uma ciência livre de qualquer mito». Esta mudança de percepção implica que o debate da cultura inclua necessariamente a meditação sobre a questão de saber em que medida se conjugam os instrumentos pedagógicos e culturais para que as gerações estejam ao menos preparadas para indagar sobre uma resposta. Em suma, como é que a nova aliança se reflecte nos programas nacionais?
A história pouco animadora da experiência que foi chamada prova geral de acesso deu indicações de que o sistema exigia dos estudantes aquilo que lhe não dá: exactamente a informação cultural actualizada, modernizante e dinamizadora.
A fronteira mais visível deste mundo que o português criou, e dentro do qual, para que não haja recuos, é necessário encontrar respostas portuguesas para estes e outros desafios, é a da língua.
Não acrescentará nada repetir tudo o que, mais de uma vez, foi dito neste Parlamento sobre a necessidade de uma política da língua, sobre o facto de que não devemos deixar-nos antecipar por qualquer dos países que a lidam, que o Instituto Internacional da Língua Portuguesa foi proposta nossa e é possível que talvez só por isso o Governo se tenha deixado ultrapassar pelo Brasil.
Finalmente, recordarei a necessidade de acudir com uma instituição universitária às necessidades da cooperação, investindo na formação de multiplicadores, que são os bacharéis, os licenciados, os mestres e os doutores. O modelo da Universidade Internacional Luís de Camões, que anda como um apontamento inútil pelos Diários cia Assembleia, deve-
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ria ser aceite. Não fica mal a nenhum governo, fazedor necessário de ideias, admitir que não as tem todas e que, em matérias para as quais requer justificadamente os consensos possíveis, também alguma vez não o deslustre ser ele a concordar com os outros. Porque neste domínio todos precisamos de admitir, com humildade e alegria, que os homens passam, as etnias desaparecem, as raças são mitos perecíveis, os impérios construções a prazo; apenas as culturas tem a vocação da eternidade.
Julgo que esta convicção faz parte do acervo cultural português!
Aplausos do CDS, do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos o Sr. Secretário de Estado da Cultura e o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Moreira, quando há pouco fiz referencia às intervenções que aguardava com expectativa, para delas tinir as lições que todos e cada um de nós esperamos extrair de debates desta natureza, calcularia V. Ex.Jª que era principalmente à sua intervenção que me referia...
De facto, da intervenção que efectuou podemos todos recolher ensinamentos numa matéria que, como o Sr. Deputado Adriano Moreira salientou, é premissa do desenvolvimento de qualquer política cultural: a consideração do papel e do estatuto da comunidade que somos no inundo e a sua reconsideração face às novas coordenadas vigentes no relacionamento internacional.
O Governo reconheceu, através do Sr. Primeiro-Ministro, na parte final da anterior legislatura, que considera um trabalho ainda muito incompleto a articulação entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Ministério da Educação e a Secretaria de Estado da Cultura.
No entanto, certamente discutível é a sediação do Instituto de Camões e a instalação da sua dependência principal no Ministério da Educação. Foi uma opção que muito debatemos e chegámos à conclusão de que era o melhor caminho.
Outros países tem um instituto desta natureza, como o Sr. Deputado sabe muito melhor do que eu, na dependência do Ministério dos Negócios Estrangeiros, instância da qual devem partir os elementos indutores da concretização da política cultural de um país no plano externo, mas com óbvios reflexos no plano interno. Neste ponto dos contributos para este enquadramento que todos, inclusive o Governo, temos de fazer, a primeira nota será a do agradecimento pelos ensinamentos dados.
Sr. Deputado, em relação a dois pontos, que desenvolveu não devo esconder-lhe que me causaram alguma surpresa, embora agradável: é que eu pensava que o Partido do Centro Democrático Social - não diria que depois do último Congresso, mas, pelo menos, no pensamento de algumas pessoas - não tinha exactamente a concepção, que sublinhou, do que deve ser o papel do Estado na vida cultural do País, principalmente no que se refere à responsabilidade pelas vastas e dispendiosas infra-estruturas.
O Sr. Deputado Adriano Moreira fez referência àquele que foi o entendimento, a certa altura, do Presidente Giscard d'Estaing, do próprio Primeiro-Ministro Chirac e do seu Ministro da Cultura, que de facto, talvez tenha tido ilusões excessivas com aquele que poderia ser o papel do mecenato no desenvolvimento da nova cultura. De tacto, congratulo-me por ver que há aí um entendimento naquilo que procura ser o esforço do Governo.
Como V. Ex.ª disse, estes debates podem e devem servir principalmente para avaliar os resultados do esforço que o Governo diz levar a cabo. De facto, tentamos concretizá-lo.
Sr. Deputado, eu disse nessa altura, há um ano e apesar de toda a polémica, que entendia que no debate que antecede as grandes decisões a cultura é daquelas áreas, como a política externa ou outras, onde um consenso tão alargado quanto possível sobre as principais opções é obviamente desejável. Por isso, a constatação de que exista a consciência desta necessidade de canalizar a principal parte dos recursos para este investimento em infra-estruturas para todo o país é para nós um estímulo, um conforto e um alento.
Sr. Deputado Adriano Moreira permita-me sublinhar esse entendimento que sempre transmitiu para a vida pública portuguesa e que se vê de algum modo reflectido na nova liderança do seu partido, que também terá recolhido algumas dessas orientações: a de que os homens públicos também devem ter a humildade para saber - e então na área da cultura... - acolher as ideias dos outros, ou seja, dos que mais sabem, já que o saber não é mensurável, enfim, dos que sabem muito, principalmente!
Ouvimos outros Deputados da oposição estranharem por o Governo, depois de abrir o debate sobre aquilo a que chamou questões de intendência e que muito preocupava alguns, ter ido ao encontro de sugestões feitas publicamente. Para mim é motivo de orgulho que eu e os meus colegas do Governo tenhamos tido capacidade para acolher essas sugestões e ainda mais confortado fico quando oiço o Sr. Deputado reafirmar que essa deve ser a conduta dos homens públicos. Mal com o seu espírito e com a sua alma ficarão aqueles, que têm dessas atitudes uma visão tão mesquinha!
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Moreira, falo em nome do PSD, se me é permitido, para sublinhar o conteúdo e a forma da intervenção do Sr. Deputado.
O conteúdo, pelo conjunto de informação e de formação que aqui nos trouxe, pelo conjunto de propostas que aqui apresentou à Câmara, no fundo, pelas diferentes ideias e desafios que trouxe ao debate, que o Governo apresentou a esta Assembleia da República, fazendo, no fundo, uma análise concreta de vários problemas da cultura, que, esses, sim, precisariam de ser discutidos.
Quanto à intervenção, Sr. Deputado Adriano Moreira, se me é permitido, gostaria de sublinhar a forma como a fez, o modo sereno como aqui apresentou as suas ideias e fez as suas propostas, não alinhando no desvario, no barulho, que outros confundem com ideias.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A verdade é que não é falando mais alto que se apresentam ideias novas, mas sim, essencialmente, como o Sr. Deputado aqui o fez, trazendo ideias para que sejam discutidas livremente. No fundo, quando há falta de propostas, aumenta-se o volume das nossas intervenções para, dessa maneira, o barulho se confundir com outras ideias.
Sr. Deputado Adriano Moreira, o que gostaria de perguntar-lhe muito concretamente tem a ver com um dos temas
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que V. Ex.ª referiu na sua intervenção, ou seja, com «os investimentos de salvaguarda e de recuperação do património histórico». De facto, eu gostaria de saber qual é o grau de ligação e de repartição óptimo, que entende ser desejável, entre o investimento do listado na salvaguarda e na recuperação desse património histórico e o investimento a fazer pelas autarquias locais.
A verdade é que, se há muitos monumentos que são bens de todos nós, são também bens essencialmente ligados a cada uma das autarquias. Neste sentido, gostaria de saber qual o grau de interdependência e de relação da divisão dos esforços patrimoniais a fazer pelo Estado e pelas autarquias em relação à recuperação e da salvaguarda dos monumentos nacionais, que, no fundo, representam para nós muitos desses momentos bem altos de toda a nossa História.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Embora o CDS já não disponha de tempo, a Mesa concede a palavra ao Sr. Deputado Adriano Moreira para responder, se assim o desejar, pedindo que resuma o mais que puder a sua resposta.
O Sr. Adriano Moreira (CDS):- Muito obrigado, Sr. Presidente.
Quero, em primeiro lugar, agradecer o interesse que o Sr. Secretário de Estado, responsável por este debate, dispensou a minha intervenção e, em segundo lugar, fazer um pequeno comentário.
Quando fiz esta intervenção não me lembrei do partido, pois penso que estes problemas da cultura são os que dizem respeito à maneira de ser portuguesa, à identidade portuguesa e que todos nós somos capazes de estar acima dos partidos, esquecendo-nos mesmo deles. Por outro lado, acontece que sou mais antigo que o partido, ando há mais tempo nestas labutas e quando se trata de meditar sobre estes problemas não tenho compromissos senão com a minha inteligência e consciência. E vejo que muitos Deputados, independentemente das suas filiações partidárias, praticam isto, razão por que chegamos tantas vezes a consenso em questões que são tão importantes. Esta era a homenagem que gostava de prestar à Câmara e ao Governo na sua intervenção.
Realmente, penso que o problema da identidade nacional é o valor central que deve orientar as nossas preocupações, porque - e terei ocasião em outro forum de expor as minhas ideias e preocupações a este respeito -, constantemente, neste processo europeu, nos dizem que a identidade nacional não está em causa. Mas as nações cativas também tem identidade nacional! Não chega dizer isto! E melhor não nos acostumarmos a dizer só isso; há mais alguma coisa para complementar isso que depende muito do dinamismo e da capacidade com que formos capazes de enfrentar estes problemas.
Por outro lado, em minha opinião, estes temas deverão ser abordados com muita humildade. Referi expressamente o problema da investigação científica, que tem de subordinar-se, de ligar-se, à investigação cultura! e faço isso porque andámos esquecidos dessa ligação.
Para ser breve, como o Sr. Presidente me recomendou, lembraria que este encontro entre a cultura e a ciência talvez possa beneficiar daquele conceito de Ghandi, quando falava da mãe: «A minha ignorante e muito culta mãe.» É com a cultura de grupo que temos de humanizar essa intervenção da ciência.
Por outro lado, também tenho a impressão de que os problemas devem ser abordados com humildade, porque de cada vez que encontramos um desafio e pensamos que encontramos uma solução original, com a qual podemos ajudar, lembro-me deste conceito, salvo erro, de Leibniz: «Se eu pude ver mais longe foi porque subi aos ombros de gigantes.» E ninguém vai ser imprudente ao ponto de pensar que a contribuição é apenas sua.
Naturalmente, sou um antigo municipalista, leitor convertido de Alexandre Herculano nas primeiras abordagens da história, portanto não preciso de sublinhar a importância que atribuo à intervenção do poder municipal, mas há o problema das capacidades. Se o poder local conseguir desenvolver o clima de devoção pelos valores de preservação e de defesa já dá uma grande contribuição, porque os recursos são muito escassos. Calculo que aí a função supletiva do Estado vai ser muito necessária e que vai vigorar o princípio da grande responsabilidade do Estado pelas curiosíssimas infra-estruturas que é necessário desenvolver.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Hoje a cultura subiu a Plenário, cuidadosamente precedida que foi de todos os ingredientes tradicionalmente associados aquilo que se pretende que sejam os grandes espectáculos.
O debate iniciou-se, embora, em boa medida, já estivesse iniciado, procurando fazer do tempo de polémica trunfo seu. O clima foi criado, honras de debate televisivo a que, infortunadamente, tantas outras questões, igualmente importantes, se não puderam dar ao luxo.
A informação prévia, quanto baste, aos grupos parlamentares, salutar prática do Governo na relação com os partidos, poderia ser registada como se de uma regra se tratasse, mas, como excepção, não pode deixar de ser interpretada de modo peculiar, interpretada como tentativa de, com elegância, tentar suavizar o impacte, no mínimo, desastroso que a intervenção do Governo na área da cultura tem gerado.
Essa intervenção desencadeou, de modo profundamente inovador, um forte movimento de contestação, que, porventura, por ser inédito, justificará as desabridas palavras de alguns membros do Governo, pouco dados à tolerância, e claramente desajustadas da parte de quem é suposto ler o dever de saber ouvir e respeitar vozes que não exclusivamente as suas. Vozes que neste caso são de um movimento sem precedentes de cidadãos que, de um diversificado movimento de opinião, convergiram contra uma cultura que continua a ser orientada por concepções economicistas, incompatíveis com a criação cultural autónoma, independente e descentralizada; contra uma cultura que continua nas mãos de tecnocratas e que, sendo fortemente condicionada pelo poder político, edita, cada vez mais, produtos standardizados e de elite; contra uma cultura não libertadora dos indivíduos e mergulhada nas nossas raízes populares, antes conformista, castradora e de cúpula; contra uma cultura feita de insuspeitas adesões de associações, entidades e organizações ligadas a produção artística, aos intelectuais, mas, igualmente, representativa de técnicos, autarcas, sindicalistas, ambientalistas, a confirmar também eles, no seu protesto, que algo vai mal no seu país e que começa, desde logo, no optimismo fácil de quem, sendo poder, teima, do cimo da sua vaidade, em negar o que parece óbvio.
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Um país cujo poder insiste em avaliar a sua obra pelo tamanho das aberrações que apadrinhou; cujo poder, orgulhosamente, se afirma membro do «clube dos ricos» e se não pode permitir o prazer de ouvir tocar qualquer obra musical, porque para isso nem orquestra sinfónica possui; cujo poder se embasbaca com as suas próprias obras de tachada e permite que museus como o da Marioneta que aqui trouxemos possam agonizar e ser obrigados a vender o seu espólio, como, aliás, muitos outros, banalmente leiloados nos mercados de arte mundial, porque o Governo não é capaz de enxergar a importância que a sua preservação, em Portugal, significaria; cujo poder fala em preservação da língua e da cultura e não investe na divulgação pelo mundo, mesmo onde a sua presença é fortemente desejada, como o Brasil, Goa ou Cabo Verde; cujo poder corre ufano a antecipar-se no aumento dos livros, disso fazendo mais um meio de empobrecer a cultura e um dos seus mais privilegiados suportes, pese embora, repito, invariavelmente, a importância que a língua e a cultura para si representam; cujo poder insiste em falar de descentralização, mas cuja acção tem sido, durante anos, de estrangulamento cultural, de não criação de infra-estruturas que favoreçam o fim da macrocefalia e que estimulem uma acção cultural descentralizada, que agora se antevê, definitivamente, posta em causa.
E se estas são, porventura, algumas das razões pelas quais os cidadãos despertam hoje contra a intervenção do PSD na área da cultura e do seu agir colectivo fazem causa, estes fenómenos não são novos e de há muito se vinham manifestando em inquietantes sinais e não se circunscrevem, para nós, Os Verdes, à cultura enquanto criação artística, literária, científica e aos mecanismos da sua produção, ou à cultura enquanto complexo sistema com diferentes graus de forma institucional de educação ou ensino, mas à cultura num sentido mais amplo e mais profundo, feita de culturas, que tem a ver com outras necessidades, com os estilos de vida, com as tradições, as práticas e os valores simbólicos que estruturam o nosso modo de viver, de organizar o tempo e o espaço, como as atitudes, os usos, os comportamentos, os modos de relação que se manifestam no nosso quotidiano, o modo como comunicamos, como nos relacionamos com a natureza, nos alimentamos, como, em suma, vivemos.
E é exactamente a esse nível que as mais preocupantes perdas da nossa identidade cultural se multiplicam, perante a ausência de resposta ou mesmo de preocupação do Governo. Dou alguns exemplos:
No interior, sítios e paisagens são descaracterizadas por uma arquitectura desenraizada, ofensiva na cor e na forma, património natural criminosamente agredido, sem que isso pareça constituir um acto anticultural;
Nos espaços rurais desertificados, nos modos de produzir, nas tradições culturais, em risco de extinção, sem que os estudos científico e recenseamento alguma vez tenham sido feitos;
No precioso património, cujo recenseamento nem sequer existe, por forma a permitir uma avaliação aproximada da dimensão das perdas e das agressões de que permanentemente é alvo, nas dezenas de peças de arte criminosamente abandonadas em armazéns, para gáudio de ladrões e alimento de bicharada:
Na cidade, a destruição, quase diária, de cafés, cinemas, locais de convívio e comunicação, pequeno comércio vivificador que vai morrendo, invariavelmente, dando lugar a bancos e a centros comerciais, autênticas fortalezas de betão e vidro a invadir o espaço;
Na imparável «macdonaltização» do nosso país, o plástico feito cultura, alterando, de modo radical, uma herança gastronómica e práticas sociais e culturais que lhes estão associadas.
Na uniformização gradual dos modos de vida, gente do Norte e do Sul da Europa cada vez mais incaracterística e igual; gente moldada por uma cultura europeia não feita de culturas regionais, que na riqueza da preservação da sua diversidade caminhem e se enlacem, mas uma cultura utilizada como instrumento de propaganda, que pretende adaptar os cidadãos a uma identidade comunitária, cada vez mais normalizada e distanciada das identidades nacionais, que, perigosamente, se vão diluindo. Essa uma situação e uma tendência a exigirem que a cultura e a intervenção cultural se façam de modo cada vez mais participativo, em diálogo com os agentes culturais, que se construa da base, ao nível das comunidades, e reclame dos governos e dos Estados, que dela se não podem alhear, não subsídios mendigados mas, sim, a atenção que os novos movimentos reclamam e que este Governo manifestamente provou não ser capaz de interpretar.
Aplausos de Os Verdes, do PCP e do Deputado independente Raul Castro.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, informam-me de que é necessário confirmar uma cedência de tempo.
Neste sentido, informo a Câmara de que o PSD tem todo o prazer em ceder ao PCP três minutos, para que possa continuar a intervir no debate. Concomitantemente, e de acordo com o princípio da equidade que preside sempre à distribuição do tempo do PSD, cedemos 10 minutos ao Governo para poder responder ao PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro, que para o efeito dispõe de 24 segundos e de mais alguns segundos atribuídos pela Mesa, pois esta também pode ser generosa nestas coisas...
Risos.
O Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os generalizados protestos públicos contra a política cultural do Governo, nos quais são de destacar os da Frente Nacional de Defesa da Cultura, que aqui saudamos, levaram o Governo a agenciar este debate para tentar defender a sua política cultural, porque, na realidade, segundo o Sr. Subsecretário de Estado da Cultura, a sua política só teria o apoio da maioria silenciosa dos intelectuais, expressão insólita e recuada, que ninguém sabe ao certo o que é.
A verdade é que vemos esta política cultural estar em último lugar no consumo de livros per capita - isto segundo estatísticas do Euromunditor britânico -, quando, por exemplo, em Inglaterra esse consumo é de 61 dólares/pessoa e em Portugal é de 21 dólares/pessoa, ou seja cerca de 2900$; quando sabemos que em 1990/1991 o preço do envio de livros pelo correio, a franquia postal de envio de livros, aumentou cerca de 130 %: quando sabemos que no fim-de-semana da Páscoa os museus e palácios, com excepção do Museu da Marinha, estiveram encerrados por greve do pessoal, visto continuar a existir um conflito que a Secretaria de Estado não resolve com os trabalhadores dela dependentes.
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Que política cultural é esta? Esta é uma política cultural economicista e partidária, que ignora os verdadeiros valores de uma política autenticamente cultural e é isso que este debate vai permitir concluir.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta do Secretário de Estado da Cultura.
A Sr.ª Subsecretária de Estudo Adjunta do Secretário de Estudo da Cultura (Maria José Nogueira Pinto): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo a cultura uma área que em Portugal prima por estar na margem limite, o que é socialmente sentido como vital e urgente, o descrédito do Estado, das instituições, dos artistas, dos profissionais, é um dos riscos mais sérios. Ultrapassar este risco, evitá-lo, passa por um processo de credibilização colectiva: tomar credíveis as preocupações, as soluções encontradas, os resultados, os projectos, o futuro.
Merece reflexão e deve constituir sinal de alarme o facto de as matérias, ditas culturais, serem as únicas capazes de permitir dois discursos totalmente demagógicos, totalmente opostos, e ambos aptos a potenciar o aplauso da opinião pública, como, aliás, Uca patente neste discurso, cansativamente, alternativo da intervenção do listado em nome da sua responsabilidade ou também contabilizando capitais, talento e sabedoria, assumindo responsabilidades mas exigindo rigor.
Assim, é intenção do Governo, em primeiro lugar, concretizar uma política de supletividade de acção do Estado no domínio da criação e produção cultural, pela racionalização da política de incentivos e de concepção de apoios nos domínios das cénicas e cinematográficas, da música, da dança e das artes plásticas; por uma intervenção de impulso nos domínios com total, ou quase total, ausência de estruturas; pela manutenção de uma fonte apoio à actividade operática, num contexto de maior abertura e participação da sociedade; pela revisão, actualização e harmonização da legislação vigente às normas comunitárias, num contexto de preservação da língua e cultura portuguesas; pela revisão das estruturas que apoiam a definição da política cultural e concretizam os apoios técnicos e financeiros à actividade criadora e à produção cultural.
É, em segundo lugar, intenção do Governo concretizar uma política de incentivo à acessibilidade cultural pela definição e regulamentação das condições de concretização de uma dinâmica de itinerâncias e pela dinamização de um programa de recuperação e criação de infra-estruturas regionais.
Em terceiro lugar, é ainda intenção do Governo concretizar uma política de promoção e estímulo dos talentos e dos valores individuais, pela definição, em colaboração com a Secretaria de Estado da Juventude e o Ministério da Educação, de um programa de sensibilização cultural dos jovens; pela adopção de uma política de formação profissional, conjugando as políticas de juventude e de educação artística, que promova a realização de estágios e de cursos em estruturas profissionais, e a atribuição de bolsas de mérito a jovens estudantes e a artistas em princípio de carreira.
Por fim, pretende o Governo investir na projecção cultural de Portugal no inundo, pela concretização de programas de cooperação e pelo incentivo à realização de programas de intercâmbio cultural a nível internacional.
Como consequência destes princípios encontram-se em curso várias medidas de carácter legislativo.
Pareceu-me entender que a Sr.ª Deputada Edite Estrela teria dito que muitas vezes o excesso de produção legislativa é uma forma de nos defendermos da ausência de ideias. A este propósito gostaria de salientar que, em minha opinião, é complicado executar estas medidas sem recorrer à produção legislativa.
Assim, e correndo o risco de ser um pouco cansativa, gostaria de referir algumas medidas de âmbito legislativo que estão em curso e que, de algum modo, nos responsabilizam perante esta Câmara. Mas, quer estas medidas venham ou não a concretizar-se, penso que só elas poderão conseguir alguma mudança no panorama cultural português.
No âmbito da música, imporia referir o projecto de decreto-lei que precede à extinção da empresa pública Teatro Nacional de São Carlos e à autonomização da Companhia Nacional de Bailado; o projecto de diploma que institui a fundação responsável pela gestão do Teatro, da Orquestra Sinfónica de Lisboa e aprova os respectivos estatutos; o regulamento do programa de apoio financeiro à criação ou desenvolvimento das orquestras regionais; o regulamento do programa de apoio financeiro à concretização de projectos orquestrais e concertos; o regulamento do programa de apoio técnico e financeiro às bandas filarmónicas e coros amadores; a proposta de lei de enquadramento da actividade musical.
Na área do teatro, a proposta de lei de enquadramento da actividade teatral e o regulamento do quadro e fornias de incentivo e de apoio à actividade teatral.
Na área do cinema, a proposta de lei do cinema e do audiovisual.
Na área da dança e das artes plásticas, os projectos de diplomas que visam regulamentar o enquadramento das actividades de produção e expressão cultural e plástica, assegurando a racionalização das políticas de apoio à produção, de incentivo à abertura e alargamento dos respectivos mercados e à projecção internacional; os projectos de diploma de regulação da realização de espectáculos e divertimentos públicos e de revisão dos regimes de trabalho dos artistas; os projectos de diplomas que consagrem regimes de trabalho, segurança social e estatutos de carreiras artísticas mais adequadas à especificidade própria da actividade de produção, criação ou interpretação artística; de registo e protecção do direito de autor e direitos conexos; de reorganização dos organismos da área da cultura. Neste particular, saliento os projectos de diplomas que, entretanto, já foram distribuídos aos Srs. Deputados e ainda o projecto de decreto-lei que cria o Instituto de Artes, do Cinema e do Audiovisual.
Aproveitando esta oportunidade e esclarecendo algumas dúvidas suscitadas, gostaria ainda de dizer que, em nosso entender, os serviços são instrumentos para cumprir objectivos e não são, em si mesmos, um fim. Mas podem tornar-se perigosamente um fim, quando - como é o caso de uma direcção-geral que está sob a minha tutela - das verbas que lhe foram atribuídas pelo Orçamento do Estado gasta 60 % em despesas de funcionamento interno e 40 % em subsídios.
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Relativamente à preocupação manifestada de que os diferentes sectores, como a música, as artes plásticas e a dança, não ficariam devidamente representados nesta nova estrutura, gostaria também de dar a conhecer, embora com alguma pena, que quando foi necessário analisar concretamente a situação da música, do bailado e de outras áreas tive de recorrer à boa vontade daqueles a quem, vulgarmente, chamamos agentes culturais. Não posso deixar de salientar que fizeram o favor de se deslocar ao meu gabinete e ao Palácio da Ajuda e, durante muitas manhãs e muitas tardes de trabalho, colaboraram comigo não só na análise da situação como na elaboração de um programa para o futuro.
Portanto, digo abertamente que os serviços não tinham ainda feito uma analise da situação, como deveriam, nem tinham a perspectiva de todas as medidas correctivas. Esse trabalho foi feito pelas pessoas que estavam inseridas nos vários sectores e que se disponibilizaram a ajudar, de uma forma que, em meu entender, foi bastante produtiva.
Estão, assim, em vias de concretização várias iniciativas: a criação da Orquestra Sinfónica de Lisboa; o aperfeiçoamento da estrutura de gestão e de funcionamento da Orquestra do Porto, Regie Cooperativa Sinfonia: a realização de grandes obras estruturais de conservação e restauro do Teatro Nacional de São Carlos; a preparação das comemorações do bicentenário do Teatro e a respectiva abertura e a autonomização e reinstalação da Companhia Nacional de Bailado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: após esta breve análise da situação e do enunciado das opções tomadas e das medidas em curso, ser-me-ia grato acrescentar algumas considerações pessoais.
E nossa e assumida a consciência de que, na área da cultura, urge proceder a um trabalho que vá bem mais fundo do que um simples acervo de medidas administrativas, um trabalho que promova a criação de um capital de esperança, a dignificação dos profissionais do sector, a criação de um mercado de trabalho, de antepalcos, alguns a constituírem-se desde logo no âmbito das próprias instituições de ensino e as correspondentes saídas profissionais, que promova com coragem a clarificação de critérios de qual idade e dê ao público os direitos de opção que lhe são devidos. Um trabalho capaz de transformar em obra colectiva o que, hoje, são as iniciativas do Governo, que apele e motive os agentes culturais, os responsáveis locais, as instituições de ensino e as associações profissionais. Um trabalho capaz de clarificar os mal-entendidos que assombram o panorama cultural português, geradores de conluios estéreis e propiciadores de vitórias pontuais e cíclicas de tendências que - sabemos - são, afinal, tão personalizadas nestas matérias.
Foi por tudo isto que se proeurou ouvir quantos pelo seu trabalho e dedicação à música, ao teatro, ao cinema, etc., tinham por direito próprio uma palavra a dizer ou um conselho a dar. Foi também neste espírito que se apelou a colaboração, considerando que só num ambiente de serenidade e abertura era possível, de forma credível, lançar o desafio e aceitá-lo.
E apraz-me aqui registar, por exemplo, a forma como tem decorrido a temporada do Teatro Nacional de São Carlos. É que, mais do que instituições ou simples mecanismos, a nossa maior responsabilidade e também a nossa maior esperança assenta nos homens, «matéria-prima» cultural, força e fraqueza de qualquer projecto.
O caminho iniciado não tem nem pompa nem circunstância. Requer uma extrema atenção, um propósito firme de entendimento das questões, uma análise lúcida das soluções, muito trabalho e alguma humildade.
Alguém disse que a grande ousadia era fazer bem feito. E essa a única ousadia que desejamos poder vir a reclamar!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Subsecretária de Estado, com a rapidez que o tempo me exige, gostaria de chamar a atenção para o facto de nos ler aqui apresentado um pacote de iniciativas legislativas que me levam a reflectir e a perguntar-lhe se não considera que o que se está agora a passar na área da cultura poderá significar que o PSD, que nos sete anos que tem gerido a Secretaria de Estado da Cultura nada fez, quer agora fazer tudo com toa a urgência e, provavelmente, também com muita precipitação?
Aproveitaria ainda para lhe perguntar se é desta vez que nesse pacote legislativo está contemplado o desgaste rápido inerente a certas profissões, que, aliás, já foi aqui tantas vezes anunciado por responsáveis da Secretaria de Estado da Cultura, mas que tarda a ser concretizado.
Seria meu desejo ainda poder referir-me às medidas que anunciou, mas vejo-me impossibilitada por limitações de tempo.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Subsecretária de Estado Adjunta do Secretário de Estado da Cultura.
A Sr.ª Subsecretária de Estado Adjunta do Secretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Edite Estrela, em relação á primeira questão, posso dizer-lhe que quer nos últimos sete anos, quer nos últimos 15 - concretamente no que respeita à revisão da lei do cinema e do teatro -, todos os programas de Governo que li a referem. Assim, não estou a dizer que vou fazer coisas que os outros não fizeram, estou apenas a afirmar que vou fazê-las mas não de qualquer maneira.
Penso que estas medidas são indispensáveis para a normalização da vida cultural portuguesa. Mais vale tarde do que nunca e, por isso, entendo que este ano poderá ser uma boa oportunidade para desenvolver francamente estas medidas ou mesmo para implantá-las, a fim de podermos estabelecer, nos próximos anos, um modus vivendi mais normalizado e mais produtivo.
Em relação à segunda questão, referi concretamente que se trata de um dos aspectos mais importantes, uma vez que é susceptível de gerar conflitos sociais a todos os níveis: na dança, no teatro e na música. O caso do Teatro Nacional de São Carlos foi paradigmático, pelo que é inteiramente razoável que se lute por uma legislação adequada a estas profissões de desgaste rápido ou a profissões com especificidades. Neste momento, estamos já em conversações com o Ministério do Emprego e da Segurança Social para esse fim.
O Sr. Subsecretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Subsecretário de Estado.
O Sr. Subsecretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, na verdade era minha intenção fazer aqui uma in-
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tervenção perante a Câmara, mas por falta de tempo não a poderei fazer. No entanto, como nela inseri informações sobre o programa de inventário dos bens culturais moveis, o depósito legal e a alteração prevista do respectivo regime, e ainda sobre outras matérias, solicitava a V. Ex.ª que autorizasse a circulação de cópias deste meu documento pelos grupos parlamentares, uma vez que, infelizmente, não tenho tempo para o ler.
O Sr. Presidente: - Sr. Subsecretário de Estado, logo que V. Ex.ª faça chegar à Mesa o documento, diligenciarei para que seja distribuído aos grupos parlamentares e se os Srs. Deputados não levantarem qualquer objecção, ficará a constar do Diário.
Para uma intervenção, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Marília Raimundo.
A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No contexto europeu em que estamos inseridos, devemos, mais do que nunca, valorizar a nossa cultura e salvaguardar a nossa própria identidade como povo e como Nação. Isto não significa que não devamos abrir o nosso país «a todos esses intensos movimentos da cultura actual, que percorrem o Mundo, e organizar a investigação dos problemas portugueses em moldes de franqueza e objectividade», como, aliás, defendeu Vitorino Magalhães Godinho.
Daí que uma política cultural se tenha de assumir como vedor de orientação, por parle do Governo, em termos de intervenção do listado, sobretudo na preservação da nossa identidade histórico-cultural - já, hoje, muito falada neste debate -, o mesmo é dizer dos seus principais componentes e sustentáculos.
E aqui merecem, por justiça própria, referência a língua portuguesa e a história de Portugal. Somos um povo com mais de oito séculos de história. Esta é uma realidade que não pode, de forma alguma, ser olvidada. «O esquecimento da história é uma forma de demissão e a queda no oportunismo ou nas utopias sem esperança», citando um pensamento conhecido de Jean François Revel.
O processo histórico português - os múltiplos factos históricos registados ao longo dos séculos - deve merecer uma atenção consciente não só por parte das entidades oficiais mas também por parte da iniciativa privada e de cada cidadão em particular.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, é preciso que valorizemos «o que é verdadeiro, recusando pôr a liberdade separada da verdade. Não há forma de verdade sem liberdade, não há forma de liberdade sem verdade». Citei Pinharanda Gomes, pensador e investigador.
Assim, ao promovermos a cultura, devemos ter em conta o vasto espólio arqueológico, histórico, monumental, artístico e etnográfico. Devemos lambem atender as manifestações que, ainda hoje, muitas das populações das nossas aldeias guardam religiosamente e com carinho.
E em cada região do País, é importante não esquecer, há especificidades que são páginas importantes no multifacetado volume da nossa história e da nossa cultura.
Aliás, «as culturas nacionais são formas de síntese superior das culturas regionais. Se alguém ousasse defender a lese de que a cultura portuguesa é uma e a mesma em todo o País, sem distinção de regiões, estaria suscitando, em primeiro lugar, um erro de análise, porque a evidência da diversidade não permite a definição impositiva da unidade; e, em segundo lugar, um juízo de ditadura cultural, em que um padrão nacional absorveria e dissolveria em unicismo aquela mesma diversidade», como defendeu J. Quelhas Bigote.
Foi essa junção, essa «síntese superior das culturas regionais», essa globalidade, enquadrada na evolução secular, que conferiu a Portugal uma presença bem própria no Mundo e que alimentou a esperança e os ideais das gentes de outrora e de agora.
Por isso, no presente, criadas que estão as novas condições económicas e sociais, mercê da actuação dos governos do Prof. Cavaco Silva, «é indispensável reacender o amor das nossas cousas e das nossas gentes [...] porque o que temos é de lidar com homens que têm as suas maneiras de sentir, de pensar, de agir, homens das serras ou ribeirinhos do mar», homens que pertencem a um «país cujas paisagens e cujas pedras nos reenviam a múltiplas passados, e que só em função dessa história se tomam transparentes», citando um pensador conhecido e já citado.
Deverão, assim, ser proporcionadas condições que permitam o conhecimento dessa mesma história e dos seus diferentes legados. Daí que o Governo defenda, e bem, a criação de condições de acesso aos bens culturais e dedique especial atenção à investigação no âmbito das ciências sociais.
Essas condições deverão ser igualmente criadas em cooperação com as autarquias locais, hoje muito mais libertas para esse tipo de actividades. Aliás, essa temática também já foi aqui versada e há exemplos concretos no País: a construção de bibliotecas públicas; a aquisição e recuperação, em todo o País, de várias salas de cine-teatros; a construção de infra-estruturas e de espaços pluri-funcionais para espectáculos de cultura; e o incentivar do gosto pelo livro, através do incremento da rede nacional de leitura pública e da atribuição de prémios, por exemplo, a alunos das escolas, que, aliás, também está já a decorrer.
Emendemos, ainda, como acções de grande relevo, que têm vindo a ser feitas, a inventariação do nosso património e a sua salvaguarda e divulgação junto da comunidade nacional e internacional.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: a língua portuguesa é, por outro lado, um instrumento fundamental dia projecção de Portugal no Mundo e, outrossim, da aproximação das comunidades de língua portuguesa dispersas pelos vários continentes. Nesta projecção deverá ter papel destacado o Instituto de Camões, entendido, e bem, como «instrumento fundamental na política de afirmação da língua portuguesa no Mundo», na preservação e na divulgação da língua e da cultura portuguesa, bem como no reforço da nossa identidade cultural.
Essa afirmação passa igualmente, como já referi, por uma política pautada pelo rigor e pela seriedade no que concerne à divulgação do livro e da rede de leitura pública. E este último aspecto é fundamental na acção de preservação da nossa língua, sendo, simultaneamente, e não menos importante, um veículo de divulgação dos nossos autores.
Na ampliação desta rede há lugar ao apoio da iniciativa privada e também do poder local. Mais uma vez a cooperação entre as autarquias e o Governo, de que têm resultado inegáveis benefícios para o País, já visíveis nalguns locais, não deixará de continuar a acelerar a criação de infra-estruturas de apoio ao desenvolvimento cultural em todo o País e não só em Lisboa.
Optimizar, pois, os meios existentes é uma postura que tem vindo a ser desenvolvida pela primeira vez com particular incidência nas zonas do interior do País, dado que devem ter também, como sempre defendemos, igualdade de oportunidades no acesso aos bens culturais.
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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: a actividade cultural do nosso país passa hoje por uma grande dinâmica, acompanhada, obviamente, por novas exigências e por uma nova maneira de estar e sentir relativamente a cultura.
Incentivar a produção cultural, valorizar a produção teatral e a investigação que pode ser feita em muitas das nossas regiões, desenvolver uma política de apoio ao audiovisual e fomentar um incremento da produção musical, bem como propiciar condições de apoio a artistas e intelectuais são prioridades que tem vindo a ser defendidas e prosseguidas pelo Governo, e bem, em matéria de cultura.
E que a aposta na cultura e no desenvolvimento cultural, feita pelo Governo, representa um forte investimento no futuro, na reafirmação da nossa identidade face à Europa comunitária e ao Mundo.
Podemos dizer que Portugal continua a orgulhar-se dá sua história e da sua cultura.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira Martins.
O Sr. João Oliveira Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As duas questões que motivam esta minha curta intervenção situam-se no âmbito das relações entre o Estado e a cultura.
E, embora me pareça que também no sector da cultura haja razão para menos Estado e mais sociedade civil, não será fácil, nem conveniente, de um momento para o outro, desmobilizar a acção daquele sem a criação de vazios que são sinónimos de retrocesso.
E bem sabido que as gerações passadas nos deixaram um património de grande valia, que os povos, hoje, admiram e veneram. E a primeira das questões que queria referir diz respeito à necessidade de atacar um pouco mais a fundo a conservação e recuperação de construções classificadas como monumentos nacionais.
A região donde sou natural e onde radica a minha representação parlamentar é, todavia, o melhor exemplo do que já se fez e do muito que falta fazer na área da cultura. A Sé de Braga, ou o Castelo e o Paço dos Duques de Bragança, em Guimarães, atesta que o Estado tem estado atento a estas questões. Mas o que não vai pelo Entre Douro e Minho e pelo País em monumentos que, se não se lhes deita a mão, esmoronam rapidamente, como outros castelos do Neiva ou de Faria, de que não restam senão recordações escritas.
O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Muito bem!
O Orador: - Ao falar desta questão seria injusto não lembrar aqui a actividade que, na área dos monumentos, a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) vem exercendo há muitos anos, actuando dentro das suas possibilidades humanas e financeiras e, quase sempre, bem.
A criação, em 1980, do Instituto Português do Património Cultural (IPPC) veio, em princípio, reforçar os meios de intervenção do Estado na conservação do património construído. Mas tendo à sua conta, como sempre terá, a gestão global dos monumentos mais importantes, implicando especiais cuidados no seu uso e vigilância, a competência de que dispõe para obras não tem tido o alcance que há anos se admitia.
A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais tem sido um respaldo favorável, pois além da tarefa, que lhe é própria, de cuidar de milhares de monumentos dispersos pelo País, pequenos em volume mas grandes em significado, também tem acorrido aos grandes monumentos a cargo do IPPC. Este último, por seu lado, tem-se visto a braços com outros tipos de monumentos, para além das construções de pedra e cal.
Do exame das despesas do Estado - finalmente, a poder ser feito a tempo e horas - deduz-se que as verbas consagradas anualmente à conservação e recuperação de monumentos tem crescido nos últimos tempos, mesmo considerando a depreciação monetária, mas era, de facto, necessário um acréscimo maior neste tipo de despesas.
Trata-se de algo que tem necessariamente de ser examinado mas não aqui, na minha opinião, e san no quadro das opções consentidas pelo Orçamento do Estado, porque é aí que temos de fazer essas opções, dando mais a um lado e, logo, dando menos a outro.
Para além disso, haverá, também, que encontrar algumas fórmulas mais eficazes de coordenação entre o IPPC e a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Trata-se de. um problema que, em época de reorganização dos serviços da Secretaria de Estado da Cultura, deixo, aqui, à atenção do Sr. Secretario de Estado.
A outra questão que desejava colocar, nesta oportunidade, diz respeito à participação das gentes da beira-mar na gesta dos descobrimentos. Estamos a viver um período que irá até ao ano 2000, durante o qual celebramos esse esforço colectivo de amplo significado para a humanidade. E a sociedade civil, apoiada pelos municípios, deverá ter nessas comemorações um papel de grande relevo.
Ainda há dias tive oportunidade de apreciar, na minha terra, a exposição «Esposende e as rolas do Mundo», verificando como diferentes instituições civis realizaram um esforço conjunto, ultrapassando as divisões políticas e suscitando uma grande adesão da população.
Ora, sempre que essas terras da beira-mar viessem a tomar iniciativas para dar a conhecer melhor o que foi a sua participação nos anos que durou a nossa aventura das descobertas, justificar-se-ia o apoio conjugado da administração local e da administração central.
E não se atribua a estas iniciativas apenas uma importância sentimental, o que já seria bastante, diga-se.
Dou um exemplo e, neste aspecto, retomo um tema de que ainda há pouco o Sr. Prof. Adriano Moreira falou. Foi recentemente publicado nos Estados Unidos um relatório que, em princípio, nada teria a ver com a cultura, pois destina-se a averiguar as grandes linhas de desenvolvimento tecnológico para anos futuros. E, como é habitual nestes estudos, quando são profundos, deles consta um exame bastante circunstanciado das condições do passado.
Ora, é interessante verificar que nos meios mais evoluídos no campo da investigação se continuam a assinalar os avanços que Portugal leve em matéria de navios e de portos, na época dos descobrimentos, tal como a Inglaterra teve oportunidade de desenvolver a locomotiva a vapor, na revolução industrial, e como os próprios Estados Unidos, na década de 30, com investimentos e desenvolvimentos de outra índole, como os aviões, os aeroportos, etc...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: estes dois apontamentos sobre questões culturais, justificativos das sugestões que me pareceu útil e oportuno fazer ao Governo, num debate que ele, exemplarmente, tomou a iniciativa de suscitar, não são apoiados por qualquer frente de desenvolvimento cultural constituída para o efeito mas exprimem, estou certo disso,
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aspirações e desejos das populações que representamos e perante as quais temos de responder pelo nosso mandato político.
Não se esperava também isso deste debate.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O debate que agora se encerra veio confirmar que a motivação subjacente à iniciativa do Governo não assentou nu intenção - que seria louvável - de abrir um debate público e participado sobre a política cultural, mas, sim, como já referiu o meu camarada António Abreu, na tentativa vil de recompor a imagem da Secretaria de Estado da Cultura face à contestação a que os criadores e agentes culturais tem sujeitado as suas acções políticas.
E não sem falsa modestia afirmar que a apresentação, pelo Grupo Parlamentar do PCP, de um pedido de inquérito parlamentar destinado a apreciar os actos do Governo no domínio da política cultural pesou igualmente na subsequente iniciativa do Governo de sugerir este debate parlamentar.
A este respeito, o debate hoje travado permite uma conclusão imediata: ele comprovou, mesmo para os mais cépticos, que o inquérito por nós proposto é pertinente, necessário e urgente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas o debate mostrou mais! Mostrou que a Secretaria de Estado da Cultura corporiza uma política que exclui a cultura como componente da democracia, reservando-lhe apenas um papel de objecto de consumo, de tráfico de influências, de propaganda e de promoção da imagem do poder.
Mostrou, ainda, que os criadores, os intérpretes e os agentes culturais tem todas as razões para manifestar a sua oposição a uma política que privilegia a lei do lucro das indústrias de produção cultural e desresponsabiliza o Estado no desenvolvimento e democratização da cultura.
Para nós, o Estado não pode demitir-se de ser um instrumento fundamental da democracia cultural. A sua intervenção deve promover as condições de criação e fruição, deve proteger a liberdade, a diferença e a diversidade culturais. A acção do Estado deve construir-se em conjugação com os produtores culturais individuais e associados nas suas organizações sócio-profissionais e culturais.
O que o Estado não pode nem deve lazer é substituir-se e tutelar burocraticamente e de forma dirigista a criatividade individual e colectiva. E é precisamente inversa a orientação do governo do PS D na área da cultura.
São os actos de empobrecimento e descapitalização das estruturas da cultura, a sua partidarização e clientelização.
É a acção política contra os escritores e os artistas portugueses, contra os agentes culturais e contra a cultura nacional.
É a opção por uma política acentuadamente dirigista, de crescente restrição dos direitos dos criadores e dos agentes culturais e de marginalização das associações profissionais na definição de políticas e decisões concretas.
É, afinal, uma política e uma acção partidarizada, em que, como diz David Mourão Ferreira, e cito, «todo o aparelho partidário do PSD está, através da Secretaria de Estado da Cultura, a tentar canalizar a cultura para o terreno dos seus próprios interesses, tudo o que se faz nesse campo é em nome e em glória do Governo».
Neste momento, quero endereçar, da tribuna, à mais recente vítima individual desta acção partidarizada da SEC, o escritor José Saramago, a nossa manifestação de solidariedade e de repulsa pelo acto antidemocrático e objectivamente censório, de riscarem o seu nome da lista de candidatos ao Prémio Literário Europeu.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não os desculpes, Saramago! Foi-se a inquisição; querem agora importar o fundamentalismo, tanto nos impostos como na cultura.
Do mesmo modo, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, quero expressar a nossa solidariedade aos homens e mulheres da cultura que tão bruta e injustamente tem vindo a ser injuriados por responsáveis da SEC, pois a pequenez destes não suporta os vultos grandes da cultura portuguesa, como não aceita a sua democratização.
Aplausos do PCP e do Deputado do PS Rui Ávila.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.
O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na carta que o Ministro Adjunto Marques Mendes enviou ao Sr. Presidente da Assembleia da República, solicitando o agendamento deste debate, era dito que não se quer, e passo a citar, «alhear ou marginalizar a Assembleia da República da discussão serena e aprofundada» da política cultural prosseguida pelo Governo.
Muito obrigado, Sr. Ministro, que aqui não está, por tão meritória intenção que o meu Grupo Parlamentar não deixou de relevar e, assim, aqui estivemos para debater tão serena, apaixonada e aprofundadamente quanto possível, a referida questão. Isto apesar de sairmos daqui, desde já, sem saber as razões por que foi adoptado o modelo da Venezuela no que à Biblioteca Nacional e Instituto do Livro diz respeito, entre outras não respostas do Sr. Secretário de Estado da Cultura.
Todavia, também não podemos deixar de manifestar a nossa estranheza façe a tão súbita abertura, quando se sabe como tem procedido o Sr. Secretário de Estado no que diz respeito a chamada «reestruturação» dos serviços e organismos da SEC, consignada em diplomas já aprovados em Conselho de Ministros e que só ontem chegaram, por favor, a esta Assembleia.
S. Ex.ª o Sr. Secretário de Estado da Cultura Santana Lopes, no resguardo do seu gabinete, acolitado pelos seus assessores fidelíssimos, com a mão firme de um cirurgião e a ousadia de um revolucionário, decidiu, com régua e esquadro, fundir isto, extinguir aquilo, transformar aqueloutro e definir quem estava a mais. Não consultou serviços, nem directores ou presidentes de instituições, não auscultou o Conselho Superior das Bibliotecas Portuguesas, nem associações como a BAD, a APEL ou quaisquer outras, e muito menos se dignou ouvir os trabalhadores, os técnicos e os agentes culturais. Ao mesmo tempo, impôs o secretismo e impediu pronunciamentos públicos sobre a matéria por parte dos funcionários.
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Tão prepotente quanto distraiu» no que concerne à realidade democrática em que vivemos, parece ter ficado surpreendido com a reacção de muitos dos que, desse modo, foram atropelados, ultrapassados e humilhados até, ou dos que, desde o Sr. Presidente da República a alguns dos nomes maiores da nossa cultura, manifestaram o seu protesto e a sua inquietação.
No fundo, S. Ex.ª esqueceu-se de uma questão comezinha: é que, por maioria de razões, quando de cultura se trata, qualquer reestruturação, qualquer alteração orgânica visando a racionalização funcional e uma exigente gestão dos recursos não se esgota na mera dimensão normativa e formal. Há que contar com as pessoas, há que mobilizar as pessoas, fazê-las participar com a sua criatividade, a sua experiência, a sua vontade e generosidade.
Mas as instituições e as estruturas não tem sentido em si próprias.
A Sr.ª Edite Estrela (PS):- Muito bem!
O Orador: - Isto é, tem de se integrar no quadro geral de uma política, para serem seus instrumentos. Neste particular, a política cultural de Santana Lopes é a da pura instrumentalização da cultura, ao serviço de uma carreira pessoal e até partidária. A sua preocupação primordial é a de projectar a cultura para as primeiras páginas dos jornais enquanto projecção de si próprio.
Por isso, tem avançado pela SEC e suas instituições como um bulldozer, multiplicando as demissões, fomentando a instabilidade, desarticulando e esvaziando gabinetes e departamentos e transformando presidentes e directores em meros gestores anónimos e cinzentões.
Por outro lado, através de actos voluntaristas e espectaculares, cria ilhas de actividade, fomenta iniciativas dispersas e anuncia projectos que muitas vezes não se concretizam. Santana Lopes tem-se revelado um especialista em agitação e propaganda ao criar uma ilusão de política cultural.
E assim não se avança no trabalho que urge desenvolver em profundidade nas diversas áreas: do património à animação, à criação de públicos, à inserção de Portugal nas redes internacionais, à formação do gosto, à criação de técnicos e especialistas e ã potenciação da cultura, inclusive na sua vertente económica e enquanto factor de desenvolvimento.
Por isto, também a própria reestruturação é confusa e indefinida quanto aos objectivos, com excepção dos enunciados, de natureza meramente economicista e contabilística.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: destacarei, ainda, para fundamentar estas asserções, e no que a política cultural propriamente dita concerne, a questão do património, que, por todas as razões, mas, agora, por maioria delas, no contexto das novas realidades comunitárias, impõe grande sentido de responsabilidade e a prossecução de medidas que, em muitos casos, já deviam ter sido tomadas há muito tempo. É o caso do inventario dos bens culturais móveis.
No programa de acção 1990/1994 - Cultura: Anos de Projecção, apresentado com pompa e circunstância em Junho de 1990, a livre circulação de bens patrimoniais, que deverá ser uma realidade a partir de Janeiro de 1993, era referida como impondo, cito, «o lançamento imediato de uma campanha de inventariação do património nacional», acrescentando-se que «Particulares e a Igreja deverão ser sensibilizados para contribuírem de forma positiva para a realização desta tarefa».
Entretanto, no Programa do actual Governo diz-se também: «O inventário do património vai prosseguir e será concretizada a regulamentação da Lei do Património.»
A boa intenção expressa em Junho de 1990 não foi mais do que uma boa intenção, pelo que o próprio Programa do XII Governo falta à verdade quando fala em «prosseguir o inventário», pela simples razão de que este só agora está a iniciar-se, na sua expressão mais sistemática, e, mesmo assim, incorrectamente conduzido.
Com o seu optimismo de «corredor de fundo», como a si próprio se classifica, o Sr. Secretário de Estado da Cultura tinha, em tempos, definido o irrealista prazo limite de Julho deste ano para a concretização de tal inventário. Depois viria a dizer, mais comedidamente, que pensa «ter mais de dois terços do património nacional inventariados até 1993», citei, no que foi secundado pelo Sr. Subsecretário de Estado da Cultura Sousa Lara, que também admitiu que o mesmo inventário não estará terminado até Novembro deste ano - nova data limite que tinha sido entretanto definida.
Com efeito, só em Outubro último, por despacho da então Subsecretária de Estado da Cultura, seriam nomeados a coordenadora-geral e os coordenadores-adjuntos da Comissão para o Inventário do Património Cultural Móvel, que havia sido criada no mês anterior.
Mas, entretanto, a situação de confusão e instabilidade existentes na SEC agravou-se, pelo que essa Comissão, condenada à inoperância e após varias peripécias caricatas, se dissolveu. Só agora, no Diário da República, de 15 de Abril próximo passado, é publicada a constituição de uma nova comissão.
Ou seja, para quem tenha a noção das dificuldades técnicas desta tarefa de inventariação que - se for seriamente conduzida - não poderá ser acelerada artificialmente, como quando se quer apresentar obra feita em vésperas de eleições, é evidente que iremos entrar em 1993 ainda quase nos preliminares de uma acção decisiva para a salvaguarda do património e que, por isso, não só nas palavras, mas sobretudo nos actos, deveria ter sido considerada como prioridade nacional.
Por outro lado, a concepção adoptada é simplesmente disparatada, visto só estarem a ser inventariadas entidades públicas (arquivos, bibliotecas e museus do Estado), quando o que importa, na óptica da protecção do património perante o esbatimento das fronteiras, é inventariar prioritariamente os bens dispersos de entidades privadas (Igreja, fundações, coleccionadores, etc.). O que de facto é impossível ou pelo menos difícil legalmente, visto não haver enquadramento legal para o relacionamento entre o Estado e a sociedade civil.
Na verdade, a Lei n.º 13/85, de 6 de Julho - Lei do Património Cultural -, continua inexplicavelmente por regulamentar, não obstante o seu artigo 61.º atribuir ao Governo 180 dias para a publicação dos decretos-leis de desenvolvimento indispensáveis.
Ora trata-se de um instrumento legal de grande valia, indispensável para a caracterização dos bens culturais móveis e imóveis, para a responsabilização de entidades e particulares proprietários ou detentores desses bens, para a descentralização de tarefas, nomeadamente nas autarquias e regiões autónomas, para a mobilização de esforços das próprias populações e a sua associação às medidas de protecção e conservação, assim como de dignificação e fruição do património cultural.
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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: neste domínio importará ainda Calar da política arquivista, apesar de constituir matéria vasta e séria que aqui não se poderá esgotar. Durante os dois anos da acção do Sr. Secretário de Estado da Cultura, o IPA (Instituto Português de Arquivos), em boa hora criado pela sua predecessora, já conheceu dois presidentes (Próis. João Mattoso e Aires do Nascimento), viu subalternizadas as suas funções, esvaziadas as suas competências, ao mesmo tempo que se frustravam os esforços desenvolvidos por técnicos e especialistas competentes que nele trabalharam.
Assim, fazem qualquer das gavetas do Governo, desde 1988, o anteprojecto de lei geral de arquivos elaborado pelo Prof. José Maltoso e a sua equipa. Prolonga-se, por consequência, a situação de o regime jurídico dos arquivos portugueses continuar a ser uma complexa malha de diplomas reflectindo filosofias e tempos diversos, adiando-se a tomada de medidas, inclusive legais, que fixem grandes opções e estabeleçam metas, definam objectivos, responsabilidades e gizem com rigor os contornos de um sistema nacional de arquivos.
O Programa do anterior Governo já prometia uma lei geral nesta matéria, o do actual esqueceu-se mesmo do assunto. Talvez o Sr. Secretário de Estado pense que só merecem ser preservadas as cartas de Pêro Vaz de Caminha, as bulas, os tratados e os seus próprios despachos. Nós não pensamos assim, nem nos esquecemos de tão importante questão, pelo que posso anunciar que o meu grupo parlamentar entregará agora mesmo um projecto de lei de bases dos arquivos - que propomos gere uma vasta discussão e esperamos estabeleça um amplo consenso. Trata-se de matéria de interesse nacional e o PS é um partido responsável. O PS tem alternativas!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Edite Estrela pediu a palavra para que efeito?
A Sr.ª Edite Estrela (PS):- Sr. Presidente, para anunciar à Câmara uma iniciativa do Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, o Partido Socialista entregou na Mesa um projecto de lei que visa alargar a concessão do «porte pago» a várias situações que não estavam contempladas na lei em vigor, designadamente a expedição de revistas em regime de permuta, o que, como deve ser do conhecimento de VV. Ex.ªs, aumenta os custos do porte e dificulta muito essa permuta desejável de revistas que são enviadas pelas nossas universidades para outras universidades e para centros de investigação. Portanto, peço que da parte desta Câmara e do Governo haja uma especial atenção para este projecto de decreto-lei que me parece muito pertinente e muito oportuno.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isilda Martins.
A Sr.ª Isilda Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Num estado de tradição centralizadora, a cultura não podia ficar incólume. Houve sempre a tentativa de impor ao País a cultura elitista emanada de Lisboa. O Estado, baseado, ao que parece, no direito consuciodinário, foi alimentando gerações de clientelas nas diversas áreas da cultura: teatro, música, artes plásticas e outras.
Alguns privilégios tornaram-se vitalícios ou mesmo hereditários. Os denominados «intelectuais» da capital do império autoproclamaram-se lídimos representantes da cultura nacional e, presumidos na sua importância, julgam reflectir a própria identidade nacional. À identidade cultural da Nação é, na sua opinião, eles mesmos. Os restantes 10 milhões de portugueses devem admirá-los e limitar-se a seguir as ideias emanadas dos seus cérebros iluminados. Neste contexto, ao Estado compete apenas distribuir subsídios e perpetuar a sua glória.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: o Governo, de acordo com a filosofia política social-democrata e no cumprimento da Constituição da República, deliberou promover a reestruturação da máquina administrativa da Secretaria de Estado da Cultura herdada dum período em que se defendia a via socializante da sociedade portuguesa.
Relegada essa filosofia politica, a máquina administrativa mostrava-se obsoleta, emperrada e incapaz de dar resposta adequada face aos novos desafios que se nos colocam na construção do futuro que começa hoje. É neste novo contexto que não se justifica, por exemplo, a existência de uma direcção geral da acção cultural.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: é ao povo, à sociedade civil, aos agentes culturais, que compele fazer cultura. Uma máquina administrativa pesada e centrada em Lisboa não serve os interesses do País e o Estado não pode assegurar «o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural», como determina a Consumição da República nos «Direitos e deveres fundamentais». Só uma política de descentralização poderá garantir a todos o direito à cultura. Essa descentralização passa pelo reforço das delegações regionais da SEC, que devem cobrir todo o país.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: para que se cumpra a descentralização e se reúnam as condições necessárias ao desenvolvimento cultural do País é urgente, como já foi aqui referido, a criação de uma rede de infra-estruturas. A sua inexistência constituía uma grave lacuna que nesle momento o Governo lenia colmatar quer recuperando espaços desactivados ou subaproveitados, como os cine-teatros que são recintos culturais polivalentes, por vezes de grande qualidade, quer remodelando ou ainda construindo de raiz outros, nomeadamente as bibliotecas de leitura pública, o Conservatório Regional do Algarve, arquivos distritais e outros.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: a sociedade civil tem acompanhado com entusiasmo a política do Governo e, se me permitem, citava alguns dados referentes ao Algarve. Há cinco anos existiam no Algarve duas galerias de arte e hoje existem 41. Nessa mesma data as associações culturais eram em número de 50, hoje existem 248, a maior parte delas com jovens como directores. As iniciativas de carácter cultural (teatro, música, coros, exposições, conferências, congressos) tiveram um crescimento de 3000 %. Enquanto as edições sobre temática algarvia, que eram quase zero, passaram a ser largas dezenas de títulos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: «Ao Estado compete promover a democratização da cultura.» Ora é extremamente injusto e fere o espírito da Constituição da República que 60 % dos subsídios sejam atribuídos aos agentes culturais da Área Metropolitana de Lisboa (conforme lista que posso mostrar). Só no sector do
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teatro foram atribuídos nos últimos anos cerca de 1,5 milhões de contos às companhias e grupos de teatro de Lisboa.
Pergunto, pois, a VV. Ex.ªs que benefícios recolheu o País, o teatro e a cultura de todo este investimento? Nós no Algarve não demos por nada!
Em Lisboa as salas de espectáculos ficam vazias e as companhias/grupos não se querem dar ao incómodo de ir ao encontro do país real, ao menos para justificarem o subsídio recebido. Alguns grupos de teatro há cerca de 18 anos que estão em fase experimental!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: ao Estado compele a preservação, conservação e valorização do património cultural. O nosso património é uma herança que por razões éticas todos temos obrigação de salvaguardar, de modo a garantir às gerações futuras a sua usufruição. É uma herança que nos une e nos singulariza como Nação. São testemunhos da nossa identidade cultural que se traduzem em manifestações materiais, escritas e orais e a que só uma verdadeira política de descentralização poderá dar resposta.
Sublinhamos, no entanto, o esforço de recuperação do património construído levado a cabo pela SEC e igualmente sublinhamos a atenção que tem tido, por parte do Governo, o património escrito, onde aprovou um programa de construção de uma rede de arquivos regionais para salvaguarda da inestimável riqueza documental municipal.
E, por fim, o mais nobre de todo o nosso património, a nossa língua, que é a nossa Pátria. Para resumir gostava no entanto, de, mais uma vez, chamar a atenção para a importância da rede de bibliotecas de leitura pública e para o dever que temos de as levar a todos os sítios do mundo onde se fala a língua portuguesa, Brasil, países africanos de expressão portuguesa, sem esquecer os principais núcleos de emigração portuguesa na América, Europa e Ásia.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: a reestruturação da SEC ficará na história.
Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª é um jovem dinâmico apostado em lutar contra a tradicional letargia instalada e tem conseguido provocar, como já referimos, um saudável desassossego cultural neste país de brandos costumes de que este debate é um exemplo a registar.
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No encerramento do debate, pedido pelo Governo, sobre a política cultural do próprio Governo permitam-me que faça uma primeira constatação.
A de que, pela composição das diferentes bancadas, nelas presenças neste momento, a animação que talvez pudesse esperar quem há tempos lançou determinado tipo de iniciativas frentistas na sociedade portuguesa não existe de lodo em lodo. Aliás, penso que foi um ponto salutar -com a excepção de um grupo parlamentar, e cabe-lhe esse direito- o facto de essas iniciativas frentistas não lerem sido aqui mencionadas. Os grupos parlamentares, com diferentes orientações, exprimiram as suas perspectivas, disseram qual o seu entendimento sobre a política cultural em curso, mas não se confundiram, não aceitaram contusões com tentativas de regresso a tempos de processos revolucionários ou frentistas que queriam estar em curso mas que nem chegaram a sair da nascente.
Porque é bom que, no fim desta fase, no encerrar deste ciclo, não se esqueça, porque a impunidade em política é também um pecado, como começaram algumas tentativas de agitação frentista no debate da política cultural do Governo e que - permitam-me - exprima aqui a minha preocupação por, de um modo ou de outro, o Sr. Presidente da República ler consentido que o seu nome aparecesse associado a iniciativas que em nada dignificaram o debate cultural em Portugal.
Aplausos do PSD.
Porque na política já andamos todos há muitos anos e todos sabemos o que aconteceu nos últimos dias. Todos sabemos como alguns procuraram sacudir do capote a água que lhes tinha caído em cima por cerimónias em que compareceram indevidamente.
Quando recordamos os princípios da solidariedade institucional pregados em duas campanhas eleitorais; quando recordamos as afirmações, repetidamente feitas, de críticas ao antecessor do actual Chefe de Estado, criticado de interferência, de obstrução e de oposição às políticas governamentais; quando recordamos as garantias de que haveria uma presidência para todos os portugueses - e eu fui daqueles que me entusiasmei com essas propostas, com esses projectos, com esses anúncios -; quando recordamos tudo isso, muito mal fica, no consciente, na ideia, na impressão da generalidade dos cidadãos portugueses ver alguém, que é o símbolo da unidade nacional, um Chefe de Estado representativo de iodos os portugueses, aceitar, de um modo ou de outro, de forma mais ou menos voluntária, associar-se a manifestações perfeitamente ridículas que pertencem a tempos passados e nada tem a ver nem com Portugal nem com a Europa nem com o mundo de hoje em que vivemos.
Aplausos do PSD.
Vozes do PS: - Não apoiado!
O Orador: - E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é por as bancadas da oposição estarem desertas nem por a generalidade das pessoas ter dito quem ganhou e quem não ganhou determinado tipo de debate ou disputa, nem sequer é pelo facto de a comunicação social ter sido unânime na condenação daquilo que se passou há uns dias em Lisboa - em Lisboa, que não em Portugal! -, tentando reeditar tempos antigos.
Porque fácil seria agora fazer de conta que nada se linha passado e dizer «vamos passar a um novo ciclo, vamos entrar numa nova fase: já debatemos e discutimos tudo e quem se queria chegar à frente ficou para trás». Quem reivindicava determinados estatutos desmentiu: já ninguém lá tinha estado, nem como mulher nem como marido de alguém, nem como militante do partido A, D ou C. Eram todos como pessoas ou mulheres de cultura.
Só que em política as coisas são o que são e não aquilo que se pretende que sejam. E a leitura que o povo português fez foi a de que determinados factos ocorridos introduziram dados muito nocivos a um saudável relacionamento institucional. Como disse ontem no debate televisivo, o que não seria se alguém da família do Sr. Primeiro-Ministro estivesse presente numa qualquer cerimónia que visasse criticar a política ou a acção desenvolvida pela Presidência da República, fosse em que aspecto fosse?
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????????????????????????????O???????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????verno é o orgão supremo, eu pergunto: onde poderíamos nos chegar um dia? Quem viria dizer se deveríamos ter a maquina de escrever à direita ou à esquerda? Quem viria dizer se deveríamos ter dois ou três chefes de divisão? Que precedente se abriria?
E não se venha dizer que as instituições na área da cultura, mais direcção-geral, menos direcção-geral - e as razões da referida reestruturação já foram explicadas -, são diferentes. Alguém disse que o modelo adoptado só existe na Venezuela, mas a verdade é que não tive ocasião de estudar as experiências revolucionarias desses países. Estudei profundamente as experiências dos países de culturas semelhantes a nossa. Como já aqui referi, em França, um director-geral tutela simultaneamente a biblioteca nacional e o centro das leiras; em Itália um director da política e do livro tutela oito bibliotecas (com estatuto de bibliotecas nacionais) e o Instituto do Livro.
Os senhores partem de uma presunção que é completamente elidida pela realidade dos tempos: a de que o povo português não conhece, que não ultrapassa fronteiras no seu saber e conhecimento, isto ó, ainda pensam que só os senhores é que sabem, como se estivessem ainda no tempo da clandestinidade, em que nem se usa falar, enfim, pensam que só os senhores conhecem!...
Creio que os Srs. Deputados que citaram modelos comparados precisam de estudar mais, precisam de trabalhar mais, precisam mesmo de aprender antes de debater. Nós conhecemos todos os modelos comparados, mas adoptámos aquele que nos pareceu mais adequado as realidades de Portugal.
Os Srs. Deputados falaram na contestação dos artistas, dos intelectuais; alguns, com boa vontade e boa intenção, até falaram em agitações - que, de resto, foram muito pequenas. Srs. Deputados, até fotógrafos de revistas de ocasião ou de retratos de circunstância tiveram de ser convidados para compor as mesas de jantar, porque não havia intelectuais ou altistas que chegassem.
Risos do PSD.
A verdade, Srs. Deputados, é que muitos intelectuais e artistas estiveram ao lado dos membros do Governo em cerimónias que anunciaram medidas de efectivo interesse para as populações. Foi isso que aconteceu ainda na semana passada no Porto. Estiveram presentes muitos mais do que em qualquer jantar, em qualquer frente ou em qualquer cerimónia organizada numa avenida de Lisboa.
Mas nós não queremos medir graus de adesão, para utilizar o termo que ontem foi referido.
Os Srs. Deputados falam em partidarização. Julgo que nem um militante do Partido Social-Democrata foi nomeado para lugares de chefia na Administração Pública na área da cultura.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Secretário de Estado, pedia-lhe para abreviar as suas considerações.
O Orador: - Com certeza. Sr. Presidente.
Falaram em afastamentos: de uma longa lista, retive o nome de Ricardo Pais, que, por exemplo, está em Coimbra a desenvolver um grande projecto de interesse na descentralização cultural.
Temos trabalhado, por exemplo, com câmaras dirigidas por pessoas de todos os partidos. Perguntam-me: que experiência de relacionamento lemos lido com a Câmara Municipal de Évora? Compreendo que vos deve doer ver militantes do Partido Socialista e outros próximos do Partido Comunista presentes em cerimónias como a de sexta-feira passada, no Porto, a congratularem-se com as medidas anunciadas pelo Governo. Deslocaram-se propositadamente de Évora, de Lisboa, de Setúbal, de vários pontos do País para exprimir a sua solidariedade com as medidas anunciadas. Compreendo que custe, mas não é isso que nos preocupa.
Não é só o caso do Cinema São João, também foram assinados protocolos com as câmaras do norte e vamos assinar outros com as câmaras do sul.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Distinga as coisas, se faz favor!
O Orador: - Não distingo, porque fazem parte de uma mesma política.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Secretário de Estado, peco-lhe para concluir e não animar o diálogo.
O Orador: - Fazem parte de uma mesma política e não devem fazer-se distinções, porque, Srs. Deputados, o mal em que alguns ainda incorrem é o de se considerarem protagonistas per omnia século seculorum da história dos respectivos países.
Estamos iodos em trânsito, em serviço. É uma noção que nunca devemos deixar arredar das nossas mentes. O nosso objectivo, aqui, é melhorarmos a vida dos nossos concidadãos, trabalhando com pessoas de todos os sectores e de todas as orientações políticas.
Mas, se me permite, Sr. Presidente, para terminar, não deve cair no esquecimento, não devem cair em saco roto, os actos políticos de cada um, mesmo que à última da hora se tenha querido recuar para evitar a participação naquilo que foi um verdadeiro fiasco.
O Governo, por si, lira as lições daquilo que se passou e, como eu disse na primeira intervenção, segue em freme sempre coerente, cada vez mais determinado!
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, quero expressar, em nome da minha bancada, o profundo repúdio pela
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intervenção que o Sr. Secretário de Estado acabou de produzir, pelo tom, pelo conteúdo, pelas ataques que dirigiu, aquando do encerramento deste debate, ao Sr. Presidente da República.
Se tivesse tido a coragem de dizer tudo o que acabou de dizer no início deste debate, ...
Vozes do PS: - No início!
A Oradora: - ... teríamos tido a oportunidade de responder-lhe à letra.
Agora temos de recorrer a figuras regimentais de interpelações à Mesa para repudiarmos tal atitude.
É, no mínimo, chocante, Sr. Secretário de Estado, que tenha leito estas considerações neste momento. É bem sintomático do desespero...
Vozes do PS: - Muito bem! Risos cio PSD.
A Oradora: - ... que o Governo sente por ter perdido este debate sobre política cultural.
Aplausos do PS.
O Sr. Secretário de Estudo da Cultura: - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para que eleito, Sr. Secretário de Estado?
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração e da honra, porque, entre outros pontos, foi invocada a coragem da minha atitude.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, nem de si nem de ninguém aceito lições de coragem.
O que tinha a dizer sobre as opções do homem livre que exerce as Junções de Presidente da República já o disse aqui antes deste debate. Ainda ontem, na televisão, referi o que pensava dos seus comportamentos e os senhores ouviram-no, mas quiseram esquecer-se, porque não lhes dava jeito e agora a Sr.ª Deputada vem exprimir essa indignação de última hora.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - Se estava tão indignada, a indignação já vinha de ontem ...
O Sr. Fernando Pereira Marques (PS):- Então, e a humildade de que fala?
O Orador: - Se eslava tão indignada, a indignação devia vir de ontem, porque aquilo que eu disse ontem, no essencial, repito aqui hoje.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Secretário de Estado, nem toda a gente o ouviu ontem!
O Orador: - Sr. Deputado, com certeza que não, mas mesmo que ...
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, peço o favor de não estabelecerem diálogo e deixarem o Sr. Secretário de Estado terminar.
O Orador: - Sr. Deputado, dá-me com certeza licença que termine, já que estou no uso da palavra.
Parto do princípio de que, mesmo quem não tenha ouvido e se lenha querido preparar devidamente para este debate, ...
O Sr. José Magalhães (PS): - Não! Deturpa!
O Orador: - ... tentou saber quer o que eu disse quer o que proferiu o meu ilustre interlocutor, Dr. Luís Francisco Rebelo, porque, se não, tinha-se preparado mal para este debate.
E, Sr.ª Deputada, o Sr. Presidente da República, mais do que ninguém, tem dado exemplos da forma como respeita as opiniões adversárias e aprecia o combate político.
O único ponto que o Governo aqui quis deixar claro é que o combate político, que o Sr. Presidente da República sempre apreciou e desenvolveu exemplarmente, mas que nós também sabemos levar a cabo, deve estar fora das relações institucionais entre órgãos de soberania.
Respeitamos profundamente a pessoa e o cargo do Sr. Presidente da República. O Governo pratica inteiramente a solidariedade institucional. Agora, quem começou, quem deu os passos no sentido negativo, não fomos nós!
Esperamos que este tenha sido um incidente ultrapassado, quanto mais não seja porque reconhecemos no Sr. Presidente da República um homem de cultura, que, se estiver de facto à margem destes incidentes lamentáveis, nos pode dar a todos um contributo indispensável para a acção que temos de desenvolver. O respeito pessoal, o respeito pelo cargo e o respeito pela figura de cidadão nada têm a ver com o combate político saudável! Ele tem sido o primeiro a dar o exemplo!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - A intervenção do Sr. Secretário de Estado é reveladora de como ele percebeu que tinha exorbitado nas suas competências, tendo ido longe de mais, e, portanto, apressou-se a emendar a mão.
Vozes do PS: - Muito bem! Protestos do PSD.
A Oradora: - Mas sempre que algum membro do Governo tenha alguma coisa a dizer ao Sr. Presidente da República, tem os canais próprios para o fazer e não precisa de vir à Assembleia da República para a transformar em mediadora.
O Sr. Rui Ávila (PS): -Muito bem!
A Oradora: - E não é à Assembleia da República que compete ajuizar do modo como o Sr. Presidente da Repú-
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blica exerce os seus direitos de cidadão e intervém na sociedade portuguesa.
É que, como o Sr. Secretário de Estado da Cultura acabou de dizer, não está em causa a figura do Sr. Presidente da República.
Portanto, não percebo porque é que esse assunto foi trazido, nos lermos e no momento em que o foi, à Assembleia da República.
O Sr. Rui Ávila (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Tenho de manifestar a minha estranheza, o meu repúdio e o meu protesto por este facto.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, terminámos o nosso debate de hoje sobre política cultural.
Os nossos trabalhos serão retomados amanha às 10 horas, para uma sessão de perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 20 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro Bissaia Barreto.
Amónio Barradas Leilão.
Francisco Bernardino Silva.
José Pereira Lopes.
Mário Belo Maciel.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons de Carvalho.
Alberto de Oliveira e Silva.
Carlos Cardoso Lage.
Elisa Maria Ramos Damião.
João António Gomes Proença.
José Gameiro dos Santos.
Partido Comunista Português (PCP):
António Simões de Abreu.
Maria de Lurdes Hespanhol.
Centro Democrático Social (CDS):
Manuel Rodrígues Queiró.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Ana Paula Matos Barros.
Carlos Lopes Pereira.
Carlos Miguel de Oliveira.
Fernando Gomes Pereira.
João Álvaro Poças Santos.
Maria Leonor Beleza.
Pedro e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Passos Coelho.
Vasco Francisco Miguel.
Partido Socialista (PS):
António Crisóstomo Teixeira.
António da Silva Braga.
Eurico José de Figueiredo.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joel Eduardo Hasse Ferreira.
José Manuel da Silva Lemos.
Manuel Alegre Melo Duarte.
Maria Julieta Sampaio.
Maria Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Rogério Conceição Martins.
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos.
Vítor Manuel Ranita.
Centro Democrático Social (CDS):
Casimiro da Silva Tavares.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Intervenção enviada à Mesa para publicação a pedido do Subsecretário de Estado da Cultura (Sousa Lara) e referente ao debate sobre política cultural.
Esta é a primeira sessão em que uso da palavra na Assembleia da República desde que deixei o meu dos seus bancos, por virtude do cargo governativo que venho desempenhando.
E assim, longe de qualquer sabujice lamecha ou discurso de circunstância, mas reivindicando a opção parlamentarista que me caracteriza, quero começar por saudar a representação nacional na qual vejo espelhada a riqueza do pluralismo político que a liberdade e a democracia determinam e em cuja legitimidade, assente na sã regra da maioria, se firma o poder político de que, afinal, somos agentes.
Falar-vos-ei, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de alguns assuntos concretos que se desenvolvem no âmbito das lute-las que lenho delegadas, certo que não esgotarei a temática em apreço, mas que trarei ao debate pormenores específicos que permitirão, pela vossa parte, um mais detalhado acompanhamento do trabalho do Executivo nestas áreas.
Referirei em primeiro lugar o programa de inventário do património cultural móvel e subsequentemente as questões inerentes ao regime do depósito legal.
No que concerne à primeira das questões indicadas, mencionarei que a comissão do inventário do património cultural móvel, institucionalizada pelo despacho normativo n.º 199/91, de 17 de Setembro, e alterada pelo despacho normativo n.º 34/92, de 6 de Fevereiro, tem como missão «efectuar o inventário do património cultural móvel de propriedade no Estado ou sob sua tutela».
Todavia, é possível anunciar que estão em curso negociações com a igreja católica nas dioceses de Beja, Évora e Viseu para que os trabalhos de inventariação se possam estender a domínios dessas competências. Nela participam representantes dos organismos da SEC que tutelam colecções museológicas (IPM e IPPC), fundos bibliográficos (IPM e BN) e fundos arquivístico (IPA e ANTT), bem como técnicos de reconhecido mérito, conjunto que só por si dá garantias da qualidade dos resultados que se exigem neste domínio.
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Contrataram-se, após concurso, cerca de cem (100) licenciados, dependentes da coordenação geral do programa, os quais forum distribuídos por lodo o território continental português, e afectos às instituições públicas onde o respectivo património móvel se conserva. Técnicos especializados da SEC ministraram às equipas de inventariação assim constituídas a formação indispensável para uma integração na acção de conjunto que se pretende tomar o mais produtiva possível.
Estabeleceram-se os grandes temas que deverão constituir as linhas de prioridade nos diversos sectores a inventariar, a saber: ourivesaria (abrangendo a propriamente dita ourivesaria, a praiana e a joalharia), os incunábulos, os códices iluminados e os registos paroquiais.
Para a segunda fase seleccionaram-se como prioridades, por razões de diversa natureza, a azulejaria, a pintura e escultura portuguesas do séc. XIX e XX (Museu de Soares dos Reis e Museu de José Malhoa para começar). Na área da azulejaria tem-se infelizmente notado uma maior apetência para a exportação ilícita, que urje impedir; no que concerne a pintura contemporânea, a verdade é que não existem inventários .suficientemente viáveis, o que, não sendo omissão sustentável, implica a prioridade, sendo além do mais necessária a reorganização das colecções.
Decidiu-se, igualmente, proceder á informatização sistemática dos resultados obtidos neste processo com vista à criação de bases de dados acessíveis que, por sua vez, permitam a publicação final dos mesmos, numa colecção em tomos e volumes devidamente uniformizada.
Decidiu-se, ainda, que, em concomitância com este macroprograma, se proceda ao inventário fotográfico das colecções museológicos, lendo como objectivo a constituição de um banco de imagens que terá como primeira utilidade a ilustração dos catálogos das colecções nacionais. Para vos dar uma pequena ideia do tipo de trabalho em curso, direi, por exemplo, que foi lançado e já concluído, só para os objectivos «incunábulos» e «códices iluminados»,um inquérito de questionário dirigido a 536 arquivos, bibliotecas, misericórdias e outras instituições tuteladas pelo Estado, de norte a sul do País, tendo-se obtido um nível de respostas superior a 83 %; das 447 instituições que responderam, apenas 62 demonstraram possuir no seu acervo documental incunábulos, códices iluminados ou ambos, permitindo este levantamento dar uma ideia muito aproximada sobre as qualidades de espécimes existentes em cada instituição.
As equipas que progridem, neste momento, no trabalho de inventariação dos registos paroquiais atingiram já em vários distritos os 100 %. Globalmente, o grau de execução está estimado em 80 % para a descrição e de cerca de 35 % para a respectiva informatização.
E é bom que se saiba que se estimam em cerca de 150 mil os livros manuscritos de registo paroquial existentes em mais de 20 instituições de arquivo. Paralelamente, elaborou-se um recenseamento de arquivos, sendo possível neste momento conhecer as 22 instituições com arquivos próprios nos distritos de Aveiro, Braga, Faro, Leiria, Lisboa, Porto, Setúbal, Viana do Castelo e Viseu.
Também se procede à elaboração de um catálogo nacional de documentos susceptíveis de serem considerados como de valor excepcional, através da prospecção efectuada, tendo em vista, designadamente, estabelecer prioridades nos campos da conservação e da segurança.
No que respeita a códices iluminados, o distrito de Lisboa leva a dianteira, com o impressionante número de 14 834 códices iluminados manuseados. Neste domínio específico, as tarefas de inventariação estão a cargo de uma equipa de 30 técnicos distribuídos por núcleos de trabalho em instituições universitárias e bibliotecas públicas, sendo coordenados pela comissão coadjuvada, conjuntamente, pela BN e pelo IPLL.
Nos inventários de' ourivesaria e joalharia trabalham 35 técnicos, distribuídos, neste momento, pelos museus dependentes do I PM e pelos Palácios Nacionais da Ajuda, Mafra, Pena, Queluz e Sintra, da tutela do IPPC.
Contam-se já pelas largas centenas as peças devidamente identificadas e fichadas, apesar da complexidade que tal trabalho envolve.
O esforço desenvolvido é grande, mas o trabalho que há pela frente é ciclópico; dedicar-lhe-emos, sem dúvida, como acontece agora, a nossa mais empenhada atenção.
Falar-vos-ei, de seguida sobre o nosso projecto legislativo relativo ao novo regime do depósito legal.
O depósito legal rege-se, como é sabido, pelo Decreto-Lei n.º 19 952, de 27 de Junho de 1931, alterado pelo Decreto-Lei n.º 74/82, de 3 de Março, e Decreto-Lei n.º 3627 86, de 28 de Outubro.
No sistema vigente o depósito legal é constituído por 14 exemplares de quase todas as publicações e, ainda, de outras edições, como programas de espectáculos, bilhetes-postais ilustrados, selos, estampas, cartazes, gravuras, fono-gramas, videogramas, obras cinematográficas, microformas e outras reproduções fotográficas.
Desses catorze exemplares, dois integram a colecção nacional no âmbito da BN e os restantes distribuem-se pelas bibliotecas da Academia das Ciências de Lisboa, da Universidade de Coimbra, Municipal de lisboa, Municipal do Porto, Pública de Évora, Geral da Universidade do Minho, Popular de Lisboa, Municipal de Coimbra, de Macau, Real Gabinete PL do Rio de Janeiro e Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Mas, apesar da indiscutível valia que este serviço ímpar presta, apresentam-se tensões de mudança, algumas das quais de sentido contrário entre si.
É, por um lado, o desejo do Governo em ver alargada a possibilidade de estender os benefícios deste sistema às bibliotecas centrais dos PALOP. É, por outro, a queixa dos editores em considerar que se o sistema já hoje é muito oneroso para o livro (e portanto para a leitura), por maioria de razão o ficará com o acréscimo do número de exemplares exigíveis para tal alargamento; são, enfim, as justíssimas queixas dos serviços da BN, que lutam com falta de espaço e empenham avultados meios humanos e materiais no complicadíssimo sistema de depósito legal, para as quais este novo alargamento, sem mais, significaria a pura e simples ruptura do sistema, com prejuízo para todos.
E, assim, graças a uma verdadeira concertação de esforços e de vontades estabelecida entre os representantes dos organismos tutelados pela SEC (CSBP, IPLL e BN) e os próprios editores e livreiros foi possível chegar a um novo arranjo que a todos satisfaça, permitindo o tão almejado alargamento sem diminuir o elenco das instituições já beneficiadas.
O sistema vigente é mantido, a par de um novo sistema que configura o direito à requisição selectiva, feita junto dos livreiros e com base em listas fornecidas pela BN.
Mas, em compensação, o valor de venda ao público dos exemplares entregues passará a ser passível de dedução à matéria colectável do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas.
Inovadoramente se proporá, também, que, embora o depósito legal funcione na BN, espécies com características diversas das atribuídas às publicações periódicas e não perió-
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dicas possam ser depositadas noutras instituições nacionais especializadas e mais adequadas para o efeito.
O Governo apresentara, a muito breve trecho, um novo diploma regulador destas matérias, com vista a difundir e realizar, em toda a sua plenitude, os objectivos actuais e futuros do depósito legal, tendo em vista a defesa, preservação e divulgação da língua e da cultura portuguesas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: muito mais haveria para referir nas iniciativas em curso no âmbito das tutelas que me estão distribuídas; desde o estudo da regulamentação do preço fixo do livro a introdução e regulamentação das carreiras de informática, de conservação e restauro; da implementação da Lei de Bases de Arquivos aos diplomas regulamentadores da sua rede nacional e da gestão de documentos relativos ás funções-meio (contabilidade, pessoal e património); da revisão do regime das carreiras da área da museologia à remodelação da quadrícula museológica sob tutela do IPM, revendo orgânicas, autonomizando serviços, reinstalando espólios.
Poderíamos passar, ainda, pela realização de feiras do livro, pela edição de dicionários (dicionário de autores portugueses, 3.º vol., ou o dicionário essencial de português contemporâneo), pelo apoio à edição crítica das obras dos clássicos portugueses, de Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz e Fernando Pessoa, ou pela conversão retrospectiva total do ficheiro de autoridade manual, bem como da conversão retrospectiva em linha do catálogo de impressos reservados ou pela publicação dos catálogos de tipografia portuguesa do século XVII e estrangeira dos séculos XVI e XVII, ou ainda pela informatização das colecções de humanística, para não falar na realização de exposições e mostras, das acções de restauro urgentes, promovendo adequada campanha para o efeito (campanha «salve um livro»).
Também se poderia falar, nos planos de edições em curso, dos instrumentos de descrição dos arquivos e do guia de fontes para a história de África, Asia e América, do apoio técnico prestado aos arquivos municipais. Inçais e aos arquivos privados, da conservação e microfilmagem sistemática de fundos dos arquivos nacionais, locais ou privados que o justifiquem, ou da reinstalação da rede de arquivos distritais.
Poderíamos falar das grandes obras em curso para instalação, reabilitação, ampliação ou remodelação dos arquivos de Castelo Branco, Guarda, Portalegre, Porto e Santarém ou dos projectos de instalação ou reinstalação dos arquivos de Aveiro, Bragança, Faro e Leiria.
Poder-se-ia falar da publicação dos catálogos das colecções museológicas, das exposições organizadas pelo IPM, ou naquelas em que este organismo colabora, da conservação e restauro sistemáticos das colecções, da dinamização turístico-cultural ou da rentabilização dos museus, e ficaria muito por falar...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a minha intenção não foi a de ser exaustivo; cumpre-me apresentar-lhes contas, exemplificando com pormenor ilustrativo daquilo que fazem alguns dos serviços que o povo português paga exactamente para servir na área da cultura.
E é este o remate das minhas palavras: significar-lhes que em quem governa está a consciência da missão social dos meios que são postos à administração de hoje pelos nossos compatriotas. Perder essa vocação de serviço, ainda que se salve a competência, é actuar sem honestidade e sem sentido social.
E num domínio onde as vertentes são menos absolutas, a opinião de cada um deve ser respeitada como um tesouro.
Com vontade de ir em diante.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.
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