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Quinta-feira, 7 de Maio de 1992

I Série - Número 59

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)

PLENÁRIA DE 6 DE MAIO DE 1992

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmo. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião Belarmino Henriques Correia

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Ern debate realizado sobre a situação política na Região Autónoma da Madeira, proposto nos termos do artigo 76.º do Regimento, intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Jaime Cama (PS), Duarte Uma (PSD), Octávio Teixeira (PCP), Manuel dos Santos, António Campos, Eurico Figueiredo, Fernando de Sousa, Rui Vieira, José Magalhães, Arons de Carvalho, António José Seguro, Edite Estrela, Ferro Rodrigues, Guilherme Oliveira Martins, Luis Filipe Madeira e Alberto Martins (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Emanuel Jardim Fernandes e Almeida Santos (PS), Odete Santos (PCP), Narana Coissoró (CDS), Manuel Sérgio (PSN), Mário Tomé e Raul Castro (Indep.), Guilherme Silva, Carlos Lélis, Cecília Catarino, Fernanda Cardoso, Margarida Silva Pereira e Pacheco Pereira (PSD) e José Apolinário (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Soares Campos.
Alberto Cerqueira Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Ana Paula Matos Barros.
António Barbosa de Melo.
António Barradas Leitão.
António Correia Vairinhos.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Sá e Abreu.
António Paulo Coelho.
António Santos Pires Afonso.
Arlindo da Silva Moreira.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Costa da Silva.
Carlos Almeida Figueiredo.
Carlos de Almeida Coelho.
Carlos Duarte Oliveira.
Carlos Lopes Pereira. Carlos Lélis.
Carlos Manuel Gonçalves.
Carlos Miguel de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Domingos José Soares Lima.
Duarte Rogério Pacheco.
Eduardo Pereira da Silva.
Elói Franklin Ribeiro.
Ema Maria Lóia Paulista.
Fernando Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Gomes Pereira.
Fernando Marques de Andrade.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Bernardino Silva.
Francisco Fernandes Martins.
Guido Orlando Rodrigues.
Guilherme Rodrigues Silva.
Hilário Azevedo Marques.
Isilda Maria Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja Silva.
João de Oliveira Martins.
João do Lago Mota.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Salgado.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Roque da Cunha.
José Alberto Puig Costa.
José Álvaro Pacheco Pereira.
José Ângelo Correia.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Correia.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário Gaspar.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero Cunha Pinto.
Manuel Baptista Cardoso.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Lima Amorim.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Marques.
Maria da Conceição Pereira.
Maria de Lurdes Póvoa Costa.
Maria Fernanda Dias Cardoso.
Maria Helena Ramos Mourão.
Maria Leonor Beleza.
Maria Margarida de Sousa.
Marília Dulce Pires Morgado.
Mário Belo Maciel.
Mário de Oliveira Santos.
Melchior Pereira Moreira.
Miguel Bento Macedo e Silva.
Nuno Delerue Alvim de Matos.
Olinto da Cruz Ravara.
Pedro e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Miguel.
Virgílio de Carneiro.
Vítor Manuel Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
António Correia Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues Azevedo.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos Costa.
António Marques Júnior.
António Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
António Ribeiro Campos.

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Armando Martins Vara.
Artur Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Edite Marreiros Estrela.
Eduardo Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Emanuel Jardim Fernandes.
Eurico José de Figueiredo.
Fernando Manuel Costa
Fernando Pereira de Sousa.
Fernando Pereira Marques.
Guilherme de Oliveira Martins.
Helena Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Ferraz de Abreu.
João Maria Meneses Ferreira.
Joaquim Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Hasse Ferreira.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Ernesto dos Reis.
José Manuel Lello Almeida.
José Manuel Magalhães.
José Sócrates de Sousa.
Júlio da Piedade Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho Santos.
Luís Capoulas Santos.
Luís Filipe Madeira.
Manuel António dos Santos.
Maria Santa Clara Gomes.
Raúl Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Machado Ávila.
Rui Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião.
António Simões de Abreu.
Apolónia Maria Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Lino Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria Almeida Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira Cunha.

Deputados independentes:

Mário Baptista Tomé.
Raul de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 24/VI - Alteração à Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), que baixou à 3.ª Comissão; projectos de lei n.º 140/VI - Lei de Bases dos Arquivos (PS), que baixou à 8.ª Comissão, 141/VI-Alteração à Lei n.º 77/88, de l de Julho (Lei Orgânica da Assembleia da República) (Deputado independente Mário Tomé), que baixou à Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento, 142/VI - Alteração à Lei n.º 77/88, de 1 de Julho (Lei Orgânica da Assembleia da República) (PSN), que baixou também à Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento, e 143/VI - Recolha de papel usado e utilização de papel reciclado pela Administração Pública (Os Verdes), que baixou à 6.º Comissão; projectos de resolução n.ºs 23/VI - Alterações ao Regimento da Assembleia da República (Deputado independente Mário Tomé), que baixou à Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento, e n.º 24/VI - Proposta de alteração ao Regimento da Assembleia da República (PSN), que baixou também à Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da nossa ordem de trabalhos de hoje consta um debate sobre a situação política na Região Autónoma da Madeira, proposto nos termos do artigo 76.º do Regimento.
Como poderão verificar no placará dos tempos atribuídos aos partidos, os Srs. Deputados independentes dispõem de catorze minutos e não dos seis minutos inicialmente previstos. Isso significa que o Sr. Deputado Mário Tomé, por cedência de cinco minutos do Partido Socialista e de três minutos do Partido Comunista Português, tem mais oito minutos que os três de que dispunha pela repartição normal do tempo dos Srs. Deputados independentes.
Para a intervenção inicial, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reúne-se a Assembleia da República, em sessão especial convocada pelo seu Presidente, para apreciar a situação política da Região Autónoma da Madeira.
Desde que, em 13 de Março, o PS, na Assembleia Legislativa Regional da Madeira, e aqui, na Assembleia da República, propôs que se discutisse o estado da autonomia madeirense, para exprimir a sua preocupação com as respectivas insuficiências de funcionamento, um longo caminho foi necessário percorrer para a efectivação deste debate.
A ideia central dos seus detractores era a de que a Assembleia da República não era constitucionalmente competente para apreciar o problema em causa quer porque ele dissesse respeito a outros órgãos de soberania (o Presidente da República ou os tribunais), quer porque ele se situasse no âmbito exclusivo dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.
Em nome desses preconceitos - e ao mesmo tempo que se adiava a marcação da interpelação pedida na Assembleia Legislativa Regional da Madeira - foi-se ao ponto de negar ao Grupo Parlamentar do PS, na Assembleia da República, o direito de fixação de uma ordem do dia, com clara violação dos direitos fixados na Constituição e de um vasto conjunto de precedentes.

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Foi a persistência do PS e o peso da opinião pública que acabaram por fazer inverter tal estado de coisas, obrigando, na Madeira, à comparência do Presidente do Governo perante a respectiva Assembleia Regional - o que ocorreu pela primeira vez num caso de interpelação - e agora, quase dois meses depois da nossa iniciativa, à convocação desta reunião especial do Parlamento nacional.
Em democracia ninguém se deve furtar aos debates políticos e a Assembleia da República não deve abdicar de, apreciar e discutir qualquer assunto que diga respeito ao país que os seus membros representam.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso interesse pela Região Autónoma da Madeira e o nosso empenhamento na consolidação da sua autonomia democrática não são de hoje.
Os socialistas participam na vida local, municipal e regional daquele arquipélago com a mesma- dedicação e convicção dos adeptos de outras forças políticas que aí se manifestam. ....

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - São todos, alias, a expressão de um povo laborioso e honesto, apegado, de há muito, aos valores da democracia e que, quando não foi levado a procurar na Venezuela, nos Estados Unidos ou na África do Sul o pão do seu sustento, edificou na sua própria terra uma agricultura de esforço e minúcia que é um dos maiores prodígios da criação humana.

O Sr. Rui Ávila (PS): -Muito bem!

O Orador: - Cumprimento nos nossos colegas madeirenses e eleitos pela Madeira à Assembleia da República essa magistral realização, que é, para todos nós, redobrado motivo de orgulho dentro e fora das nossas fronteiras.

Aplausos do PS.

O espírito com que o PS entra nesta discussão é o mais convicto, mas o mais aberto e tolerante possível. Recusaremos, por isso - e como sempre -, a via do insulto, do ataque pessoal, da demagogia estéril,...

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Olha quem fala!

O Orador: -... porque o que nos interessa, fundamentalmente, é o debate político, o debate institucional, o debate intelectual.

Aplausos do PS.

Não visamos acumular acusações, proceder a um julgamento sumário e muito menos concretizar uma condenação exemplar. Não nos movem as pessoas, mas as ideias.
Até agora, o mérito do PS foi já o de ter conseguido fazer com que uma temática diluída pela acomodação à rotina tivesse passado para o primeiro plano de uma controvérsia. Ao suscitá-lo com a dimensão com que o fez no último Congresso do PS, o engenheiro, António Guterres fixou, na verdade, um ponto para a agenda política do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pode a bancada da maioria supor que nos move a amargura ou o ressentimento dos resultados eleitorais do PS na Região Autónoma da Madeira. Gostaríamos, obviamente, que os números fossem outros, mas - fique bem claro! - não pomos em dúvida a legitimidade dos titulares do poder regional à luz das escolhas democráticas que têm sido feitas na Madeira.

O Sr. Rui Ávila (PS): - Muito bem!

O Orador: - A questão não é a de o PSD ser governo regional, a questão é a de como governa. O que está em causa não é a legitimidade, é o exercício do poder.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque a nossa opinião é a de que o PSD, para ganhar eleições na Madeira, não necessita de recorrer aos métodos que emprega no desempenho do seu mandato governativo regional. Há, nitidamente, no balanço da autonomia madeirense, uma interpelação política, um repto institucional, um desafio intelectual, que está colocado de forma muito pertinente e responsabiliza todo o PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu colega Emanuel Jardim Fernandes, presidente do PS/Madeira e líder parlamentar do PS na Assembleia Legislativa Regional, que reassumiu as suas funções de Deputado à Assembleia da República para participar nos nossos trabalhos, trará a esta discussão o testemunho credenciado da sua experiência política naquela Região Autónoma. Articulará um rol impressivo de situações anómalas e preocupantes, que para uns são interpretadas como abusos de poder ou violações da lei, para outros representam desvirtuamento das práticas institucionais e que nós, no PS, sem pretender o monopólio da perfeição terminológica, classificamos como défice democrático. Porque a substância importa mais do que a forma - e ainda mais do que a fórmula -, têm à vossa disposição um dossier elaborado pelo PS, com base em dados fornecidos pelo PS/Madeira, pelo nosso grupo parlamentar na Assembleia Regional e por várias organizações sociais e cidadãos - muitos dos quais se reportam a factos de conhecimento em pequenos círculos - e em que se fundamenta o essencial das nossas análises e apreciações, para além do conhecimento directo da situação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A autonomia político-administrativa que a Constituição garante à Região Autónoma da Madeira aponta a articulação .dos seus órgãos de governo próprio para um modelo de funcionamento democrático. O conjunto do sistema institucional autónomo submete-se, assim, aos valores da democracia política que inspiram e regem o quadro constitucional. A ideia de autonomia está conotada com o projecto regionalizador e descentralizador, mas leva-o ainda mais longe ao admitir a existência de órgãos de governo cuja regra do funcionamento não deve ser outra que a da democracia, política Esta - a democracia política -acaba por ser a razão de ser última da necessidade da «distinção» autonómica no contexto amplo do sistema de instituições e o seu último garante. Por definição, autonomia é democracia e uma sem a outra acaba por ser por completo anulada. A nossa preocupação com a performance política e institucional da Madeira radica no nosso compromisso com a autonomia político-administrativa das regiões insulares e este na constância da nossa convicção democrática.
Pelos elementos de que dispomos, sete são as nossas observações à saúde institucional da Região Autónoma da Madeira e da prática política aí conduzida pela maioria regional.

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Primeiro: Um peso asfixiante do poder político-partidário e da Administração sobre a economia e a sociedade.
Num espaço relativamente pequeno como é o de uma ilha, o hiperdimensionamento da máquina política e administrativa acaba por voltar-se contra a dinâmica crítica e criadora da sociedade civil, atrofiando parte dos seus potenciais. A confusão entre Administração e partido, aliada à confusão entre poder institucional e poder pessoal, agrava o fenómeno de centralização, retirando as desejáveis margens de liberdade. Com o volume excessivo da administração regional, na Madeira, com notáveis excepções, é enorme a quantidade dos que trabalham para a Administração, dela dependem ou a ela querem acolher-se. Daqui nasce o nada saudável fenómeno de uma gigantesca clientela, agravado pela conexão entre as esferas do partidário, do público e do privado. Dificilmente cidadãos, associações ou empresas se libertam dessa teia de dependências, e os que o fazem receiam sempre algumas consequências.
A autonomia, correctamente entendida, requer aligeiramento desta carga obsessiva do trio partido-política-administração e mais dinamismo para a intervenção da sociedade, das empresas, das associações e dos cidadãos.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Segundo: A notória falta de regras nas contas regionais.
Se excepcionarmos o problema da derrapagem na dívida pública regional (cerca de 100 milhões de contos), a que os governos da República tom procurado dar resposta com sucessivos programas de reequilíbrio financeiro, a panorâmica da utilização dos dinheiros públicos na Região não é nada tranquilizadora: não existem informações sobre a atribuição de subsídios; quando existem, não se fundamentam em normas legais; os apoios financeiros às autarquias não se baseiam em critérios minimamente objectivos e são feitos totalmente à margem da Lei de Finanças Locais, com significativos favoritismos partidários; os orçamentos regionais são feitos sem o menor realismo quanto à previsão de receitas e despesas; a concessão de avales processa-se em termos de profundo descontrole; não está eliminado o favoritismo na outorga de contratos ou na concessão de empreitadas; a escrituração e contabilização do movimento da dívida regional enferma de graves lacunas; não existem elementos convincentes sobre o sector público regional; e o facto de serem muito duvidosos os elementos de fiabilidade de escrita e contabilidade da tesouraria do Governo Regional levou a que não fosse possível ao Tribunal de Contas julgar a conta do tesoureiro da Região referente a 1989.
A tudo isto acresce o facto de que não são publicados dados estatísticos.
A credibilidade do sistema autonómico exige uma clara transparência quanto à utilização de dinheiros públicos por parte da administração regional madeirense.

Aplausos do PS.

Terceiro: Um irrespirável controlo governamental da comunicação social pública.
A RTP/Madeira tem um director nomeado mediante parecer vinculativo do Governo Regional e é hoje um órgão de propaganda continuada do seu Presidente.
Contrariando o movimento de privatização da imprensa, as autoridades regionais compram publicações, umas para as fechar, outras para lhes ditar a orientação.
Conjugando a concessão de subsídios com os contratos de publicidade, o Governo Regional procura influenciar a linha editorial da imprensa independente. O visionamento prévio de reportagens, a retirada do mercado de números com artigos incómodos, a condenação pública de jornalistas e periódicos, tudo serve para manter na Madeira um clima de ausência de informação e discussão, sem paralelo em qualquer outro ponto do território nacional.
A autonomia democrática é incompatível com a repetida utilização de técnicas primárias de acção psicológica, antes exige uma opinião pública responsável, adulta e rectamente formada.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

Quarto: Um clima de permanente intimidação sobre os discordantes.
Quando, em qualquer parte, os poderes democráticos fomentam o próprio sentido crítico, o julgamento independente, o espírito analítico, a controvérsia, a discordância, a confrontação aberta de pontos de vista, o Governo Regional da Madeira intimida, por sistema, todo aquele que ousar divergir.

Uma voz do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - Notas oficiosas que, em princípio, se devem destinar ao esclarecimento das populações sobre questões de interesse público, são, frequentemente, usadas para insultar os autores de qualquer apreciação menos conforme com os valores oficiais.
O Presidente do Governo não se inibe, minimamente, de insultar, com os mais gravosos impropérios, qualquer cidadão que exerça o direito de pronunciar-se de forma heterodoxa em relação aos méritos da administração regional. Os funcionários públicos são proibidos de emitir opiniões (há processos por delitos de opinião) e os seus pareceres são obrigados a não terem pontos de vista discordantes do Governo Regional.
Nos conselhos directivos das escolas só elementos da confiança do PSD tom direito a assumir funções. Numa sociedade tradicional, em que ninguém aprecia sobremaneira ver o seu nome agredido ou insultado, o peso intimidatório do terrorismo verbal - a que recorrem, por sistema, o principal responsável do Governo ou o líder parlamentar regional do PSD -' é um poderoso factor de inibição e bloqueamento político.
O reforço da autonomia madeirense exige, em absoluto, o fim deste género de práticas. Democracia não é tirania da maioria.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

Quinto: O desrespeito pela oposição - por toda e qualquer oposição -, nomeadamente na Assembleia Regional.
Para o poder instituído na Madeira a oposição não é uma outra forma de servir os interesses do arquipélago, uma alternativa possível à governação regional ou um fiscalizador saudável e necessário dos actos governativos. Não! A oposição é, pura e simplesmente, um bando de criminosos, tratados como animais e não como pessoas de bem.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Isso não é verdade!

O Orador: - Seja comunista, UDP ou CDS, seja independente ou PS, um oposicionista ao PSD/Madeira não tem a menor razão para existir. A redução a nada, à ínfima

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espécie dos mais abjectos e desprezíveis dos seres, a sua fustigação como trânsfugas, delinquentes ou traidores, é um dos mais perturbantes aspectos da filosofia e da prática políticas do PSD regional.
É, aliás, dessa derrapagem totalitária - que só não assiste a graus mais elevados de concretização final em virtude do enquadramento nacional - que decorre o nível de funcionamento da Assembleia Regional, um órgão parlamentar em que é extremamente difícil e raro interpelar o Governo, realizar sessões de perguntas, obter respostas a requerimentos, constituir comissões de inquérito.
A transmissão de algumas peças do debate da interpelação suscitada, há dias, pelo PS na Assembleia Legislativa Regional da Madeira - e a farsa condenatória que ali ocorreu no dia seguinte -, deu a conhecer a muitos portugueses o que significa a democracia parlamentar para o PSD daquela Região Autónoma.
A autonomia reclama um outro entendimento das funções positivas da oposição, o seu direito de audição pelo Governo em matérias de interesse regional, uma urgente revalorização da dignidade institucional da Assembleia Regional da Madeira.
Sexto: O procurado confronto sistemático com as instituições.
A lógica de actuação do PSD/Madeira é, de há muito, a lógica do poder de facto, à margem das instituições e contra elas.
Durante 16 anos, a Região viveu sem estatuto definitivo, um capricho longamente tolerado e sistematicamente usado numa paranóia de confrontação cega a que ninguém escapa.
Um sindicato, uma associação ou um partido discordam - são sumariamente julgados, condenados e politicamente executados.
Um empresário não percorre o corredor certo para a obtenção de graças - é um capitalista ordinário.
Um jornalista, ou um jornal, não obedece - não leva subsídios, corta-se-lhe a publicidade, compra-se a edição ou a empresa, insulta-se e calunia-se.
Um bispo atreve-se a referir condições de extrema pobreza e promiscuidade - apanha com uma nota oficiosa.
A polícia ou os tribunais querem exercer as suas funções de forma independente - terão de ser regionalizados.
As Forças Armadas não se coadunam com os caprichos da autoridade existente na Região - são um bando de efeminados e cobardes.
O Ministro da República atreve-se a vetar um diploma - é cubano.
O Primeiro-Ministro e o Governo não pagam a dívida - «não precisamos do PSD nacional para nada e se for preciso temos sempre o recurso àqueles argumentos que se sabe».
A Assembleia da República quer discutir a Madeira - não é competente e os seus membros, a começar pelos do PSD, pertencem a uma classe política sem nível.
O Presidente da República diz que há um défice democrático na Região - não merece que se levantem da cama para o reeleger.
Este activismo, que se alimenta ainda da sempre tenaz conspiração contra a Madeira, arrasa e não deixa ninguém de pé.
Com os anos, na democracia portuguesa, tudo se civilizou, excepto este furor contra as instituições, as pessoas e até as coisas.
A autonomia regional precisa, na Madeira, de mais serenidade e de outro sentido das responsabilidades cívicas, políticas e institucionais.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

Sétimo e último: Uma concepção isolacionista - e isolada - de autonomia.
A doutrina do PSD/Madeira sobre o modelo autonómico desejável é a de que ele se define, principalmente, pela negação. Quando em toda a parte se esbatem barreiras de informação, circulação, comunicação - para mercadorias, para bens, para capitais, para ideias e para pessoas - o poder autonómico PSD/Madeira coabita, com agressividade desmesurada, num espaço nacional que a concretização da integração europeia forçosamente está a conduzir a outros padrões de cooperação, entendimento mútuo, comparticipação, activa solidariedade e entreajuda generalizada
Ora, a autonomia existe para vencer barreiras e não para que se transforme ela própria, a autonomia, em mais uma barreira. Isso seria o pior de todos os anacronismos e a negação da ideia mesma que levou à admissão, na Constituição democrática, de regimes específicos de autonomia político-administrativa com órgãos de governo próprios, para os arquipélagos insulares portugueses, cujas desigualdades e assimetrias se pretendia superar.
É cada vez mais necessário substituir um modelo isolacionista, isolado e confrontacional de autonomia por um conceito e uma prática integradores, participantes, solidários e construtivos da autonomia regional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se não é lícito duvidar da legitimidade do PS para tematizar as questões que acabei de enunciar, ninguém deverá, por outro lado, pretender confundir os objectivos políticos com que foram formuladas as observações precedentes. Disse-o e repito-o: não se trata de lançar um anátema trata-se de contribuir para que, de futuro, possam ser evitados abusos, corrigidas anomalias, eliminadas deficiências e défices e repostos padrões inquestionáveis de funcionamento institucional numa Região Autónoma que tanto prezamos.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não ignoramos .que a falta de uma política nacional em relação às autonomias, tão necessária num período de construção acelerada da União Europeia, assume também uma pane de responsabilidade pelo que acabei de referir.
Região ultraperiférica, na designação comunitária, a Madeira e Porto Santo, para vencerem atrasos no seu desenvolvimento económico e social, tem de continuar a merecer a solidariedade activa em fundos e programas, das autoridades nacionais e comunitárias.
À autonomia negativista não deve responder o Estado com a indiferença o alheamento ou a redução das suas responsabilidades constitucionais.
As ligações aéreas e marítimas, o transporte de mercadorias e passageiros, as telecomunicações, os estímulos ao investimento, designadamente no turismo, a defesa do poder competitivo da produção madeirense, o acesso a mercados (é o caso da banana), o incentivo à modernização do comércio e à defesa dos consumidores, eis áreas prioritárias em que uma solução só regional ou a mera extensão automática das políticas nacionais e comunitárias não serão suficientes para resolver os problemas. A conjugação destas três instâncias e dimensões - a regional, a nacional e a comunitária - é a peça-chave para o progresso da Madeira.
É por isso que, mais do que nunca os órgãos de soberania se devem interessar, com pleno respeito do recorte autonómico, pelas realidades, potencialidades e desafios da economia e da sociedade madeirenses.

O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!

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O Orador: - É óbvio que, neste quadro, assume especial relevo o debate sobre o aperfeiçoamento institucional e político da autonomia regional que quisemos suscitar em relação à Madeira. O repto esta lançado e, pela nossa parte, assumimos, também neste caso, os valores do reformismo consequente que queremos ver influenciar, de forma decisiva, as instituições, os métodos e estilos de governo e de oposição naquela Região Autónoma.
Quer o PSD acompanhar-nos nesta tarefa comum? É sensível aos dados da inventariação que fazemos? Quer debater terapêuticas positivas ou limita-se a convalidar, acriticamente, uma versão unilateral desta situação, sobre a qual continuam a persistir as maiores dúvidas e interrogações?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumprimos o nosso dever. Mas não temos, naturalmente, a arrogância das análises perfeitas e, muito menos, a pretensão das soluções definitivas.
Cedo ou tarde este assunto teria de ser discutido. Mais vale fazê-lo aqui em voz alta do que abordá-lo à boca pequena ou em surdina.

O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!

O Orador: - No PS não desistiremos nunca de tratar, com correcção e frontalidade, as questões necessárias, sem interdições abusivas, cautelas complacentes ou silêncios cúmplices. Foi para isso que, em todo o País, a começar pela Região Autónoma da Madeira, os portugueses nos elegeram.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, para o PCP é claro e inequívoco que o quadro democrático em que se desenvolve a vida quotidiana na Região Autónoma da Madeira está profundamente viciado e limitado.
Conhecemos as práticas efectivas de limitação às liberdades e de condicionamento da lei da expressão dos nossos concidadãos na Região Autónoma que visam impedir a livre expressão, a livre afirmação política das forças políticas e dos sectores sociais que se opõem ao PSD e ao Governo Regional da Madeira.
Sabemos que, na Região Autónoma, não está garantida a plena democraticidade na formação da opinião dos eleitores e que a igualdade de oportunidades não passa de uma mera figura de retórica.
Assim como é publicamente conhecido o nepotismo na acção prática do governo do PSD e do Presidente do Governo, o despotismo e autoritarismo deste, quando, ainda há poucos dias, foi bem expresso na agressão física a um trabalhador da construção civil em plena via pública.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sobretudo por isto, e muito mais, como demonstraremos durante a intervenção do meu grupo parlamentar neste debate, não temos quaisquer dúvidas e não poupamos o PSD e Alberto João Jardim às nossas fundadas críticas e acusações, quer aqui, quer na Região Autónoma da Madeira.
As vissicitudes do processo que conduziu a este debate podem, porém, criar a ideia, junto dos menos atentos, de que a viciação e a limitação do quadro democrático, a acentuação do autoritarismo, da prepotência e da intolerância na política e na actividade governativa se circunscrevem, no nosso país, à Região Autónoma da Madeira em virtude de nela imperar o Sr. Alberto João Jardim.
É no sentido de clarificar esta questão que lhe coloco alguns pedidos de esclarecimento: para além das particularidades despóticas e autoritárias do Presidente do Governo Regional da Madeira, a limitação das liberdades e o despotismo são uma característica exclusiva dessa Região ou, pelo contrário, são uma realidade sentida em todo o País sob a governação do PSD? A acção prática do governo do PSD na Região Autónoma da Madeira será, no essencial, diferenciada da que se vive na Região Autónoma dos Açores ou a diferença é apenas acessória e reside nos estilos próprios de intervenção de cada um dos presidentes dos governos regionais? O domínio partidário do aparelho do Estado que se vive na Região Autónoma da Madeira não é idêntico ao que se verifica na Região Autónoma dos Açores e no continente? Não é verdade que a fúria política do Governo Regional da Madeira contra os direitos dos trabalhadores imita e reflecte a posição do governo de Cavaco Silva? Não é um facto, afinal, que as ofensivas do Governo Regional da Madeira contra o regime democrático são igualmente patentes na acção do Governo da República, liderado por Cavaco Silva?
Por exemplo, Alberto João Jardim, certamente, não desdenharia fazer o elogio ou a recuperação política de inspectores da ex-PIDE/DGS, como, certamente, não desdenharia assinar o acto censório que afastou um livro de Saramago de um concurso europeu.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Em suma, Sr. Deputado Jaime Gama - e sintetizaria o meu pedido de esclarecimento -, a ausência de plena democraticidade e de igualdade de oportunidades, as práticas efectivas de limitação de liberdade e de condicionamento da livre discussão de opinião são um défice exclusivo da Região Autónoma da Madeira ou, existindo ía, como existe, são extensivas a lodo o País, que é governado pelo PSD?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, existe mais algum pedido de esclarecimento?

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado.

O Sr. Jaime Gama (PS): -Sr. Presidente, não vou, obviamente, concluir que o silêncio da bancada do PSD é uma aquiescência com aquilo que acabou de ouvir da tribuna porque isso seria, manifestamente, um mau julgamento da minha parte sobre VV. Ex.ªs, mas, na verdade, não deixamos de poder concluir que as palavras «debate político», para VV. Ex.ª, não suscitam um grande entusiasmo.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

Aproveitaria, então, para responder ao Sr. Deputado Octávio Teixeira e para lhe dizer, com toda a clareza, sem

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a menor ambiguidade, que nós exercemos a oposição na Região Autónoma da Madeira, na Região Autónoma dos Açores e à escala nacional e que temos sobre a situação de funcionamento das instituições na Região Autónoma da Madeira uma leitura e uma interpretação específicas que apontam para a conjugação de dados que nos suscitam uma enorme preocupação que nós analisamos com gravidade.
A situação da Região Autónoma da Madeira não tem, em termos de funcionamento institucional, comparação possível com a Região Autónoma dos Açores ou com o todo nacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
Neste momento, um elemento do público presente nas galerias manifestou-se exibindo um cartaz.
Peço aos agentes da autoridade que retirem das galerias a pessoa que se está a manifestar.

Pausa.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Gorando as expectativas do Sr. Deputado Jaime Gama, vamos participar, como não podia deixar de ser, neste debate.

Vozes do PS: - Obrigado! .

O Orador: - O debate a que hoje procedemos é o exemplo acabado do artificialismo político em que se esgota o estilo de actuação da nova direcção do Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Desde o seu último congresso, ficou claro que a febre «obreirista» do seu secretário-geral não augurava nada de bom. Preocupado em manter atulhadas de factos políticos as páginas dos jornais, cedo se percebeu que a direcção do PS confundia eficiência com movimento, o «falar claro» com a pequena habilidade que faz as delícias dos frequentadores das tertúlias, a agressividade gratuita e, por vezes, ofensiva, como teve aqui expressão nesta Casa, com a frontalidade de ideias e de alternativas.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - A agressividade é sua!...

O Orador: - Ó Rêgo, olhe o seu coração!... Deixe-me falar, senão há défice democrático!

Aplausos do PSD

Todos temos presente o espectáculo inolvidável do Telejornal que nos mostrava o ar feliz e traquinas com que o engenheiro António Guterres anunciava à Nação, no fim de uma conferência de imprensa, que fizera uma finta ao Deputado Pacheco Pereira. Naquele sorriso de satisfação e de candura se esgotava toda uma concepção da política que sobrepõe a jogada ao confronto de alternativas sólidas, a manobra e o pequeno golpe à afirmação dos princípios: insólita forma de malbaratar um talento, que todos reconhecemos ser grande, quer política quer intelectualmente!
Todos nos lembramos, igualmente, da fúria bamboleante do Deputado Jaime Gama - qual diletante do pitoresco hórrido - atacando o Presidente do Governo Regional da Madeira aos gritos de «Bokassa! Bokassa!», que ficarão a atestar, nos anais desta Assembleia, a acusação de tribalismo com que o Eurodeputado João Cravinho brindou á actual direcção socialista.

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - Para já não falar desse nado-morto, que foi a iniciativa do referendo, parturejada pela criativa task force do PS e ridicularizada pela opinião pública, e que teve, como se impunha, o destino das coisas inúteis.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O artificialismo, sempre, Sr. Presidente e Srs. Deputados!

Aplausos do PSD.

É levado a extremos tais que o PS aqui quis vir hoje, depois de dois debates realizados na Assembleia Legislativa Regional da Madeira, debater, pela terceira vez, a situação política naquela Região Autónoma. Lembro Jorge Luís Borges, quando escreveu que «na verdade, uma pessoa é muito pobre. Vive de ser o seu próprio eco». Isto aplica-se inteiramente, quanto a este debate, ao Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

Vamos, pois, participar neste debate, eu e os meus colegas que se vão seguir à minha intervenção. Mas vamos aproveitar a oportunidade da sua realização para tentar ajudar o PS a libertar-se do artificialismo de que se encontra prisioneiro e a reverter à autenticidade que lhe deveria impor a sua condição de maior partido da oposição.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, queremos lançar-lhe um repto muito claro e frontal, para o qual exigimos resposta até ao fim do debate. Vai ou não o Partido Socialista solicitar, ainda hoje ou amanhã, uma audiência ao Sr. Presidente da República, pedindo-lhe que assuma todas as responsabilidades que a Constituição lhe comete, face às reiteradas acusações que tem dirigido ao Governo Regional da Madeira de violação da Constituição e das regras democráticas?

Aplausos do PSD.

Isto foi claro na vossa acusação inicial - no primeiro e malogrado requerimento para realização de um debate nesta Assembleia - e foi patente, ainda hoje, quando o Sr. Deputado Jaime Gama aqui falou da derrapagem totalitária. Quando se fala nestes termos, Sr. Deputado, é uma hipocrisia falar no aperfeiçoamento das instituições!
A ser verdade aquilo que os senhores acusam, há uma degenerescência tal das instituições que os senhores não podem falar em aperfeiçoamento das instituições, têm de requerer ao Sr. Presidente da República que actue com todos os meios que a Constituição lhe comete, pois não podem ficar por paliativos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque esta é a opção inevitável que decorre das vossas acusações, até hoje não provadas podiam

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dizer a mesma coisa de muitas câmaras municipais, como nós poderíamos falar do estilo do presidente Mesquita Machado, ou de outros assim, mas não é por aí que lá se chega...

Aplausos do PSD.

Esta opção inescapável de se dirigirem ao Sr. Presidente da República deveria ter sido tomada por um partido que preferisse a autenticidade ao artificialismo.
Sem essa conclusão, e só sem ela, é deslocado, aqui e agora, este debate, porque será um debate sem consequências, e, para questões tão graves, não pode deixar de haver consequências. Primeiro, porque constitucional e politicamente não compete a Assembleia da República, ainda que fossem verdadeiras as vossas acusações, o que, para nós - não é o caso - tomar qualquer iniciativa política neste domínio; segundo, porque o próprio Governo da República, que é apoiado politicamente por esta maioria, não exerce, nos termos constitucionais, qualquer tutela, directa ou indirecta, sobre os órgãos próprios das Regiões Autónomas.
A Assembleia e o Governo da República são destinatários errados para os vossos queixumes. Todavia, é preciso lembrar que, nos termos da Constituição, existe um órgão de soberania ao qual compete, caso se verifiquem as alegadas situações invocadas pelo Partido Socialista, agir e actuar, designadamente utilizando a faculdade prevista no n.º 1 do artigo 236.º da Constituição da República Portuguesa, que estabelece:
Os órgãos de governo próprios das Regiões Autónomas podem ser dissolvidos pelo Presidente da República, por prática de actos contrários à Constituição, ouvidos a Assembleia da República e o Conselho de Estado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Quaisquer actos?! ...

O Orador: - Não é quaisquer actos, pois os que os senhores invocam são muito graves.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O PS não conhece a Constituição!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que anda a fazer a imaginosa task force, que até inventou um referendo para o Dr. Eduardo Moniz, que não se lembrou de ir à fonte política dotada de competência e autoridade para resolver o problema que a atormenta?
O que leva o Partido Socialista, sempre tão pressuroso de invocar com abundância-e às vezes com despropósito - as opiniões do Sr. Presidente da República, a acanhar-se neste caso de se dirigir ao Chefe de Estado, pedindo-lhe que ponha termo às coisas horríveis que, na sua opinião, sucedem na Madeira?

Aplausos do PSD.

Será, Sr. Presidente, Srs. Deputados, simples timidez?
Será excesso de temor reverenciai pelo Presidente da República?
Ou, pelo contrário, falta de convicção e sinceridade nas suas acusações, fruto de mero oportunismo ditado pela proximidade das eleições regionais?
Para nós, esta última é a verdadeira explicação.

Aplausos do PSD.

Algo não bate certo, e aí voltamos ao artificialismo: o Partido Socialista não acredita naquilo que diz, como acontece na célebre história do pastor que gritava «aí vem lobo», como forma artificiosa de criar alarme no povoado.
O Partido Socialista queria um caso. E como queria um caso, inventou um problema: a ausência de liberdade, ou os atropelos à liberdade, na Região Autónoma da Madeira. Não é este um discurso novo; o PS fizera o mesmo no continente, antes das eleições legislativas de Outubro. Ciente de que ia perder o pleito eleitoral, afirmou que havia um problema de liberdade em Portugal, por causa da falta de isenção da televisão. Foi uma maneira de antecipar as desculpas para uma derrota anunciada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Passaram as eleições, e o Partido Socialista mandou às malvas o problema da liberdade no continente. Ou antes, exportou-o para a Madeira. Porquê? Pelas mesmas razões: porque há eleições regionais à porta, e porque é preciso preparar a desculpa para a derrota que, também aí, se anuncia.

Aplausos do PSD.

São tristes as razões e são mais tristes ainda as consequências, Sr. Presidente e Srs. Deputados. Porque, em última instância, quem sai atacado não é o Dr. Alberto João Jardim, o que em si não é grave.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não apoiado!

O Orador: - Quem sai atacado é o povo madeirense, que foi aqui elogiado pelo Sr. Deputado Jaime Gama, o seu espírito democrático e a sua consciência democrática também, povo madeirense que o escolheu sucessivamente para conduzir os destinos do Governo Regional.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quem sai diminuída, com a actuação do Partido Socialista neste caso concreto, é a causa da autonomia, que nos cumpre preservar e defender, como órgão de soberania que somos.

Aplausos do PSD.

Da autonomia da Madeira, do seu significado e alcance, falou assim o Sr. Presidente da República, Dr. Mário Soares, em 1986 na sua deslocação à Assembleia Regional - e passo a citar o Diário da Assembleia Regional:
[...] As experiências autonómicas portuguesas, à semelhança do que sucede com outros países da Comunidade Europeia, que hoje integramos, alcançaram o reconhecimento de prestigiados organismos internacionais, como o Conselho da Europa e o Parlamento Europeu, e constituem, em termos democráticos, um motivo de legítimo orgulho nacional.

Aplausos do PSD.

Acrescentava, depois, o Dr. Mário Soares:
Como tenho dito, é indiscutível que a Região Autónoma da Madeira conseguiu, nestes 10 anos, realizações e progressos materiais, sem paralelo na sua história, ao mesmo tempo que tem vindo a ganhar uma

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voz cada vez mais audível nas questões nacionais e um peso considerável no âmbito internacional, tem sabido também relacionar-se com as comunidades emigrantes espalhadas por três continentes e atrair o seu interesse em investimentos para a terra de origem [...]. O povo da Madeira sabe e sente que a autonomia permitiu a recuperação do atraso em relação a vastas zonas do continente, a indiscutível melhoria das suas condições de vida e um maior desenvolvimento da Região a todos os níveis. Por isso a considera, legitimamente, um bem a preservar e a desenvolver, com virtualidades que importa saber explorar, com determinação, prudência, mas sem temor.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E rematava o Dr. Mário Soares, numa fórmula feliz:

[...] Dez anos são tempo suficiente para dizermos: valeu a pena. Saudemos pois os obreiros da autonomia, os constituintes de 1976, esta Assembleia Regional e as anteriores, os governos regionais e permitam-me que eu destaque a figura do seu actual Presidente, Sr. Dr. Alberto João Jardim, e, bem assim, também os partidos da oposição [...]

Aplausos do PSD.

Não pensem, Srs. Deputados, que era alguma reflexão menos bem ponderada do Chefe de Estado. No ano seguinte, em 1987, voltava ele à Assembleia Regional da Madeira e aí acrescentava de novo - e volto a citar o Diário da Assembleia Regional:

[...] Temos agora mais de uma década de experiência, que tem sido singularmente rica e criativa, traduzindo-se num surto de desenvolvimento e de bem-estar para as Regiões Autónomas, sem paralelo na nossa história. É esse património incomparável que temos de saber preservar e desenvolver. Num momento particularmente significativo da vida nacional [...]

- como também aqui referiu o Sr. Deputado Jaime Gama - [...] quando se abrem para Portugal, no seu todo, fundamentadas perspectivas de desenvolvimento e de progresso - recuperando do atraso secular que nos separa das nações mais ricas da Europa - importa que saibamos aumentar os consensos nacionais e reduzir as áreas de conflitualidade [...].
Foi, talvez, esquecendo este conselho de reduzir as áreas de conflitualidade quanto as autonomias que o Partido Socialista se lembrou de levantar em mau momento esta querela e esta cizânia no todo nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -E continuou, ainda em 1988 - e peço-vos desculpa de continuar a citar o Sr. Presidente da República, mas sei como VV. Ex.ªs prezam a opinião dele...

O Sr. Jaime Gama (PS): - E vai citar aquela frase posterior?!

O Orador: - E continuou, em 1988:

[...] É nesse quadro de efectiva solidariedade nacional que tem sido possível desenvolver, com êxito, a experiência tão rica das autonomias regionais. Experiência que, por ser essencialmente democrática e descentralizadora, implica a crescente responsabilização dos cidadãos, no pluralismo das suas opções essenciais, que lhe dão corpo, vida e expressão.

O Sr. Armando Vara (PS): - Está quase a chegar à citação do défice!

O Orador: - «Através da experiência autonómica [...]» - toma ele a repisar- «[...] foi possível recuperar atrasos quase ancestrais e alcançar melhorias significativas nas condições de vida das populações. É um progresso que beneficia não só a Madeira como a Nação no seu conjunto, e que só foi possível num quadro de solidariedade nacional [...].»
Eloquentes, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tão significativas palavras do Sr. Presidente da República. Eloquentes e estimulantes para que continuemos a lutar pela causa da autonomia regional, que o Dr. Mário Soares, numa expressão feliz proferida no dia 21 de Novembro de 1990, muito recentemente portanto, qualificou como sendo - e cito de novo - «a autonomia na Madeira o florão da democracia portuguesa, indiscutivelmente».

O Sr. António Guterres (PS): - E a citação do défice em 1991?!

O Orador: - Sr. Presidente, nós devemos, como VV. Ex.ªs costumam dizer, Srs. Deputados, dar a devida ponderação às afirmações que são feitas em clima eleitoral!
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Para não ser uma fraude, este debate tem que ter uma consequência. Deixamos o repto ao Partido Socialista, que queremos ver respondido, para não estarmos aqui a debater por debater: vão ou não vão pedir audiência ao Sr. Presidente da República, após fundamentação das suas acusações, para o convencer de que deve mudar radicalmente de opinião quanto ao papel do Governo Regional da Madeira no processo autonómico, e solicitar-lhe que exerça todas as suas competências constitucionais, nomeadamente a prevista no artigo 236.º da Constituição da República Portuguesa?
Se as violações à Constituição e o desrespeito pela democracia são tão graves como VV. Ex.ªs invocam, não podem ficar-se por este debate.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se se contentarem apenas com este debate, é porque não são sinceras as vossas preocupações. Se as vossas acusações forem provadas e objectivas, será clara, naturalmente, a decisão do Sr. Presidente da República - não lhe fazemos a injustiça que não seja pensar o contrário.
Se o Sr. Presidente da República não actuar nos termos do artigo 236.º da Constituição da República Portuguesa é porque não são verdadeiras, nem fundamentadas, nem objectivas, as vossas acusações.
Os senhores, neste caso, podem invocar os casos que quiserem, podem exemplificar com os casos que quiserem, nós também exemplificaremos. Também daremos os exemplos dos cidadãos que vêem postergados os seus direitos, muitas vezes por decisão de um governo regional, como acontece também com as decisões do governo central em qualquer país - é para isso que existe o recurso hierárquico, o recurso contencioso, é para isso que existe a jurisdição administrativa E o que é mau, é quando num Estado o cidadão recorre contra os órgãos da Administra-

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cão e normalmente a Administração tem sempre razão; isso é típico dos Estados totalitários. Quando por norma, e com muita frequência, a jurisdição dá razão aos cidadãos, significa que as instituições funcionam e exemplos desses também temos para dar.

Aplausos do PSD.

Mas, a questão política por excelência, com a qual este debate tem de culminar, é esta: os senhores tom de responder porque não têm escolha alternativa que seja credível.
Aguardamos até ao fim do debate a vossa resposta. Requeiram ao Sr. Presidente da República as providencias constitucionais que decorrem das vossas acusações.
Se o fizerem, merecerão o nosso respeito - pese embora a nossa frontal discordância dos vossos argumentos.
Se o não fizerem, os Portugueses ficarão elucidados quanto à verdadeira natureza das razões que vos movem nesta cruzada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, muitos Srs. Deputados, pelo que peço ao Sr. Secretário Lemos Damião que refira todos os nomes para se verificar se há alguma omissão a corrigir.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Duarte Lima, os seguintes Srs. Deputados: Manuel dos Santos, António Campos, Eurico Figueiredo, Fernando de Sousa, Rui Vieira, José Magalhães, Arons de Carvalho, Lopes Cardoso, António José Seguro, Ferro Rodrigues, Fernando Pereira Marques, Júlio Henriques, Domingues Azevedo, José Lello, Guilherme Oliveira Martins, Luís Filipe Madeira, Alberto Martins e José Apolinário.

Vozes do PSD: - Inscrevam-se todos!

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - E ainda os Srs. Deputados Correia de Campos, Edite Estrela, Isabel de Castro e Armando Vara, num total de 20 Srs. Deputados.

O Sr. Rui Ávila (PS): - Não entrem em pânico, Srs. Deputados do PSD!

O Sr. Presidente: - Como compreenderão, Srs. Deputados, terei de ser estrito na observância do tempo. Contra o que é meu hábito, vou cumprir o Regimento, pelo que VV. Ex.ªs apenas disporão de cinco minutos para formularem cada uma das perguntas.
Sr. Deputado Nuno Delerue, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, sou testemunha de quão difícil 6 para V. Ex.ª, por vezes, e para a Mesa, dirigir os trabalhos. Mas, exactamente porque acabamos de assistir à enumeração de uma listagem exaustiva feita pelo Sr. Secretário, que teve algum coeficiente de dificuldade, atrevia-me a sugerir que V. Ex.ª estudasse a disponibilização por esta Câmara ao Sr. Deputado Arons de Carvalho, eventualmente, de teclas de cores diferentes que lhe permitissem determinar quantos e quais os Deputados do Partido Socialista se inscrevem para colocar questões ao líder da minha bancada. Porque o meu colega Duarte Lima falou, na sua intervenção, de artificialismo, e a listagem que acabamos de ouvir não é nada mais do que exactamente Isso: artificialismo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, pela minha parte não lhe criarei nenhuma dificuldade porque penso não utilizar mais do que um minuto.
Em primeiro lugar, queria confrontar a atitude de passividade da bancada do PSD com a atitude de actividade da bancada do PS,...

Risos do PSD.

... o que significa que encaramos este debate de maneira substancialmente diferente. Da nossa parte, encaramo-lo de maneira séria.
Sr. Deputado Duarte Lima, apesar das provocações que V. Ex.ª produziu...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Provocações!?

O Orador: - Desculpe, apesar das provocações que produziu na parte inicial da sua intervenção; quanto à segunda parte respeito o tipo de argumentação que aqui desenvolveu. E não vou responder a essas provocações neste momento, alguém lhe responderá na altura oportuna.
V. Ex.ª é o presidente do Grupo Parlamentar do PSD, tem especiais responsabilidades, não é um Deputado qualquer. Queria, pois, perguntar-lhe o seguinte: concorda que o Sr. Deputado P. Martins tenha visto suspensa a sua imunidade parlamentar apenas porque, procurando que se realizasse, na Assembleia Legislativa Regional da Madeira, um inquérito sobre o desaparecimento de alguns bens patrimoniais que estavam no gabinete do Sr. Presidente da Assembleia Legislativa Regional e perante a negativa da realização desse inquérito, comentasse: «quem não deve, não teme»!? V. Ex.ª, democrata, cidadão honrado, está de acordo com este tipo de comportamento?
E já agora perguntava-lhe, Sr. Deputado: sabe, por acaso, onde é que param as pratas que desapareceram do gabinete do Sr. Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, não vou fazer a injustiça de fazer a leitura deste rol imenso de inscritos do Partido Socialista como uma tentativa de monopolizar aqui o debate e de afastar os outros partidos da possibilidade de, num tempo útil, sobretudo para a comunicação social, se pronunciarem. Nem sequer vou cometer a injustiça de dizer, porque podia assim ser interpretado, que querem com esta fórmula - VV. Ex.ªs só dispõem de trinta e nove minutos, e com os 20 pedidos de esclarecimento totalizam sessenta minutos -, com este artifício regimental, impedir o líder do vosso partido na Região Autónoma da Madeira, que se encontra presente e que nós

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cumprimentamos com respeito, de se pronunciar, porque vão esgotar o tempo. No fundo, é um atestado de menoridade que lhe estão a passar!

Protestos do PS. Aplausos do PSD.

Poderia fazer essa leitura e continuar na tecla do artificialismo, como fez o meu colega Nuno Delerue, mas não o vou fazer. E quero desde já esclarecer uma coisa ao Sr. Deputado Manuel dos Santos: não fiz qualquer provocação ao seu partido. Como sabe, a linguagem parlamentar tem a sua arte. Utilizei figuras de estilo que podem ser mais ou menos agradáveis, como é mais ou menos agradável referir factos concretos - o seu líder parlamentar também veio aqui chamar Bokassa ao líder do Governo Regional da Madeira.
Invoquei o facto de o Sr. Deputado António Guterres ter falado, na televisão, da finta que fez ao Sr. Deputado Pacheco Pereira. É verdade que fez uma finta, mas disse-o com todo o respeito.

Risos do PS.

Já mais do que uma vez, nesta Câmara, acabei por dizer que o Sr. Deputado António Guterres malbaratava o seu talento, que era muito político e intelectual. E como já várias reiterei esse respeito, penso que o Sr. Deputado não pode considerar isso como uma provocação. A vida parlamentar tem destas coisas e V. Ex.ª é também um parlamentar brilhante e experiente e tem obrigação de não se deixar beliscar por este tipo de atitudes.
Quero fazer-lhe uma observação, que serve para si e para os seus colegas que me venham com casos particulares e concretos...

Protestos do PS.

Peço-lhes que me ouçam, senão há défice democrático. Vá lá! Tenham paciência!

Protestos do PS.

V. Ex.ª acertou quando disse que sou presidente do meu grupo parlamentar! Sou, mas não sou polícia! Portanto, não lhe posso responder à última pergunta que me fez.
E quero também dizer-lhe o seguinte: na minha intervenção expliquei que as questões concretas que VV. Ex.ªs podem invocar valem o que valem, como valem as outras questões. Os senhores vêm dizer: «isto significa que a democracia não existe», mas eu tenho aqui um rol de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que lhes prova que quando há cidadãos que não concordam com decisões, desde nomeações a expropriações, tomadas pelo Governo Regional, recorrem para os órgãos judiciais. E, na maior parte destes casos, ao longo dos últimos quatro ou cinco anos - tenho aqui dezenas de acórdãos desses - os tribunais dão razão a esses cidadãos contra o Governo, anulando os despachos do Governo Regional.
Isto significa, Srs. Deputados, que as instituições funcionam quando os cidadãos a elas recorrem. Se nós passamos deste patamar para o patamar da violação das regras essenciais da democracia e da constitucionalidade, VV. Ex.ªs tom de se dirigir a quem tem o poder constitucional para dirimir esse litígio, que é o Sr. Presidente da República Disto não se sai. Portanto, não vou entrar no domínio de pequenos casos, que até podem ser verdade, porque não os conheço.
O que lhe refiro é o princípio que serve de base: há órgãos judiciais e políticos que tem responsabilidades constitucionais e que podem encontrar solução para esses casos e para outros.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, admiro-o por querer escusar-se à discussão aqui no Plenário e ao procurar indicar ao PS os caminhos que há-de percorrer para que a opinião pública nacional tenha conhecimento do que se passa na Madeira. Mas gostaria de lhe colocar questões de princípio e questões de funcionamento de qualquer democracia normal.
Gostaria de saber se o Sr. Deputado concorda com as declarações do Sr. Presidente do Governo Regional quando, um dia antes das eleições autárquicas, diz «é um suicídio pretender tomar conta das autarquias sem a solidariedade política do Governo Regional...», e, quando depois, ao perder as eleições no Machico, diz «nem mais um tostão para o Machico!»?
Desejo saber se o Sr. Deputado, que prega aqui a democracia, exige aos seus correligionários que também a pratiquem!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado Duarte Lima pretende responder no fim, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, a lógica da democracia impõe que as razões éticas que a fundamentam sejam as liberdades democráticas e os direitos humanos. Nenhuma lógica imperativa se poderá opor a tais razões, nem de natureza científica, como no marxismo-leninismo, nem de natureza racial, como no nazismo, nem ainda de natureza ético-religiosa, como nos diferentes fundamentalismos.
Estas razões, para entrarem no jogo da democracia, têm de passar pelo desejo e vontade dos cidadãos, sempre limitado, todavia, pelas liberdades e direitos dos outros.
Em democracia não há posições certas ou erradas, boas ou más. Há, sim, opiniões respeitáveis de partidos, grupos de cidadãos e pessoas. A democracia postula a bondade das posições e intenções dos outros, desde que respeitadas as regras de jogo do sistema.
Como entender, então, que se possa afirmar que «quando vejo um socialista ponho logo a mão na carteira»?

Uma voz do PSD: - Também eu!

O Orador: - Já sei que sim, Sr. Deputado...
Aqui, caro Sr. Deputado, há défice pela certa: ou défice de chá em pequenino - é uma hipótese benevolente - ou défice de respeito por si próprio - pela parte de quem o afirma, qualquer pobre diabo, para se compensar e imaginar importante, terá de insultar os outros e, assim, diminuí-los - ou, então, défice do conceito de democracia. Deixo a V. Ex.ª o trabalho de decidir.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

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O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, de acordo com a sua filosofia, nunca houve ditadura em Portugal, uma vez que durante o Estado Novo houve tribunais independentes do governo.
De qualquer modo, gostaria concretamente de saber se na Região Autónoma da Madeira há ou não concursos para o lugar de orientadores pedagógicos. Não acontece que os orientadores pedagógicos estão a ser nomeados pela Secretaria Regional de Educação, depois de uma professora ter visto recusada a posse do lugar que ganhou em concurso por razões políticas, apesar de o Supremo Tribunal Administrativo lhe ter dado razão no recurso que interpôs?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, tivemos conhecimento pela imprensa, no fim do mês passado, de que a Bolsa de Lisboa, mais concretamente a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, tinha anulado uma transacção de 317 850 acções da Madeirense de Tabacos, promovida pelo Governo Regional da Madeira.
Esta operação pública de venda de bens patrimoniais do Estado, que ascendem a mais de 760 000 contos, teve muito pouco de pública e suscita dúvidas quanto à sua transparência.
Com efeito, ao contrário do que é habitual e esta legalmente estipulado relativamente a operações desta natureza, esta passou praticamente sem publicidade. De facto, o Governo Regional da Madeira apenas fez inserir um anúncio no Jornal da Madeira e um outro num semanário do continente, onde o Sr. Presidente do Governo Regional tem uma coluna que alguns consideram de maledicência política.
Por outro lado, ignorou completamento, ou fez que ignorou, a lei ao não inscrever previamente aquela operaçao pública de venda na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, não tendo sido disponibilizada informação a todos os investidores nacionais interessados.
Ora, este procedimento afigura-se-me, Sr. Deputado Duarte Lima, pouco claro e autoriza todas as dúvidas quanto à transparência da operação.
O que lhe pergunto é se, no caso de ter conhecimento da forma como ela se processou, não será legítimo termos dúvidas quanto a saber se efectivamente tal operação proeurou beneficiar interesses privados à custa do erário público e se, na sua opinião, defendeu os legítimos interesses do Estado português.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, por razões de brevidade, não lhe irei perguntar nada, nem chamá-lo à responsabilidade pelo que diz o Dr. Jardim, designadamente aquelas famosas imputações que chamam àquelas criaturas que ali estão sentadas o «quarteto satânico». Refere-se aos jornalistas do Público, do Diário de Notícias, do Expresso, etc.

Vozes do PSD: - Fale lá, Sr. Deputado José Magalhães! ...

O Orador: - Tenham mais confiança no chefe, Srs. Deputados.
A questão que lhe quero colocar, Sr. Deputado Duarte Lima, é muito simples. Quero perguntar-lhe o que é que V. Ex.ª pensa sobre a anómala situação que dá ao Governo Regional direito de veto em relação à nomeação dos directores da RTP/Madeira. É um regime absurdo, inconstitucional e sequer incompatível com regras de bom senso.
Gostaria que não saísse deste debate sem discutir tal questão, que é séria e pertinente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, não irei, obviamente, responder ao Sr. Deputado Nuno Delerue, que há pouco fez o seu auto-retrato.
Apenas perguntarei ao Sr. Deputado Duarte Lima se considera que o subsídio de 19 000 contos que anualmente é conferido a vários jornais, entre os quais o jornal O Dia, é compatível com a liberdade e a independência da imprensa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, sabe que tenho bastante consideração e estima pessoal por V. Ex.ª, mas a sua intervenção faz-me lembrar uma anedota que não deixo de reproduzir nesta Câmara.
Um casal encontrou-se. Ele despediu-se da mulher e disse: «Volto às cinco da manhã!». Acontece que voltou mais cedo a casa, às quatro da manhã, e encontrou a mulher na companhia de outra pessoa. Ela voltou-se para ele e disse-lhe: «Não me disseste que chegarias às quatro!». Ele, por sua vez, replicou-lhe: «O que é que fazes acompanhada de outro?». Ela respondeu-lhe: «Não mudes de conversa!».
O que o Sr. Deputado aqui veio fazer foi mudar de conversa.

Risos do PS e do PCP.

E mudou de conversa, Sr. Deputado, porque o problema essencial é responder às questões concretas e aos atropelos à democracia que se cometem na Madeira.
Mas o Sr. Deputado Duarte Lima não irá sem resposta quando diz que nós prezamos o Sr. Presidente da República. Prezamo-lo sim, Sr. Deputado, por ser uma referência para nós. Os senhores, quando tem conveniência, por hipocrisia, também o prezam e, sobretudo, o não desapoiam, como aconteceu nas eleições presidenciais.
Pergunto-lhe, concretamente, se não considera que há atropelo às liberdades na Madeira quando, por exemplo, para festas e iniciativas da Juventude Social-Democrata estão sempre disponibilizados os terrenos da Quinta de Vila Paços ou da Escola Francisco Franco, que nunca o estão para a Juventude Socialista ou para independentes.
Desmente o Sr. Deputado o que mostra esta fotografia que agora exibo, com este autocarro de campanha do PSD ao lado de um outro da Secretaria Regional de Educação e que está num centro de emprego e formação profissional da Madeira a ser, quando necessário, arranjado por alunos desse centro de emprego?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

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1856 I SÉRIE-NÚMERO 59

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de responder já aos pedidos de esclarecimento que acabaram de ser formulados, quando já atingimos um conjunto de sete ou oito perguntas. Respondendo por lotes, até darei tempo ao Partido Socialista para arranjar fórmulas e perguntas mais imaginativas que tenham efectivamente a ver com o debate do défice democrático.
Ao Sr. Deputado António Campos gostaria de dizer que me assiste a liberdade de dar ao Partido Socialista as sugestões que entender, como ao Partido Socialista assiste a liberdade de as aceitar ou não. Os senhores passam o tempo a dar-nos sugestões e conselhos, que não levo a mal. Pelo contrário, até recolho alguns conselhos de prudência que os senhores nos duo. Não têm, pois, de levar a mal que eu do a sugestão que acabei de avançar. Fariam bem em aceitá-la e, portanto, em recorrer ao Sr. Presidente da República.
Quanto ao caso que apontou, já disse que não iria entrar no domínio da casuística, mas a informação que tenho é a de que não é verdade. A ser assim, seria mau e criticável. Mas a informação que tenho é a de que o facto referido não é verdadeiro e os critérios são iguais para todos os municípios.
Gostei muito da «redacção» do Sr. Deputado Eurico Figueiredo, meu caro amigo. A democracia é tudo o que o Sr. Deputado disse e muito mais coisas, como, por exemplo, o respeito pela vontade das maiorias. A democracia é, no caso da Região Autónoma da Madeira, o respeito pela vontade que o povo da Madeira periodicamente exerce. Não irá decerto cometer a indelicadeza de dizer que o povo da Madeira é inconsciente, não sabe escolher ou escolhe sem liberdade. O povo da Madeira tem feito as suas escolhas livremente.
No caso singular do Dr. Alberto João Jardim, ele tem uma legitimidade acrescida, pois é eleito para a Assembleia Legislativa Regional e para a Assembleia da República. Seriam vezes demais...

Protestos do Deputado Raúl Rêgo, do PS.

Vozes do PSD: - Olhe a sua saúde, Sr. Deputado!...

O Orador: - O Sr. Deputado Raúl Rêgo sabe a consideração que tenho por ele. Por isso, deixá-lo-ei interromper-me, se o desejar.

Pausa.

Como o Sr. Deputado Raúl Rêgo não pretende, afinal, usar da palavra, continuarei a responder aos Srs. Deputados interpelantes.
A fórmula que mencionou, traduzida na referência que fez à carteira, é, obviamente, criticável e que não poderia aceitar. Mas o Sr. Deputado também deve dar um desconto ao que é dito no calor da luta política. Não tenho, naturalmente, qualquer problema em lhe dizer que nunca proferiria essa afirmação, nem o meu partido alguma vez o faria.
O Sr. Deputado Fernando de Sousa, que é um ilustre professor, conhece muitas coisas bem, mas conheceu mal o sistema político-constitucional e, sobretudo, o sistema judicial, bem como a dependência de alguns tribunais das decisões do governo central no anterior regime. É, pois, de todo em todo infundada a asserção que fez de que eu estava a dizer que havia democracia no anterior regime.
Ao Sr. Deputado Rui Vieira tenho de dizer que continuo à espera de que falem do défice democrático e deixem os pequenos casos, que não têm a ver com o défice democrático. Já disse que em qualquer democracia há imperfeições e se cometem erros. Não estou a dizer que o Governo Regional da Madeira ou o Governo Regional dos Açores não cometem erros, como não digo que o Governo da República não os comete. É claro que sim e que muitas vezes se tomam decisões erradas e decisões que violam os direitos dos administrados, dos cidadãos. Só que, meus senhores, isso acontece em todos os Estados de direito. É por isso, porque os próprios órgãos de poder se podem equivocar, que existe a jurisdição administrativa e a jurisdição constítucional.
Nós, nesta Assembleia já temos aprovado legislação que é declarada inconstitucional pelo Tribunal Constítucional. Se tivéssemos a certeza de que nunca erraríamos, não necessitaríamos de ter uma jurisdição constítucional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Da mesma forma a Assembleia Legislativa Regional da Madeira aprovou há dias, com os votos favoráveis do Partido Socialista alterações ao estatuto da região que foram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constítucional. Será que o Partido Socialista que lhes deu o seu voto favorável, queria provocar défice democrático?
Naturalmente que não!
Isto é linear, é elementar, meu caro Deputado José Magalhães! É o sistema que vigora há 12 anos! V. Ex.ª quer alterá-lo? Então, apresente uma iniciativa legislativa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Já apresentei! Votem!

O Orador: - Eu sei! O seu estatuto de independente do Partido Socialista permite-lhe isso e iremos discutir essa iniciativa.
Sr. Deputado Arons de Carvalho, quanto à questão de saber se 19 000 contos é pouco ou muito, apenas lhe posso responder que não sei. Mas essa questão também não tem a ver com este debate. Francamente, não sei se é muito ou pouco, se calhar é pouco, se calhar é muito, não sei!
Sr. Deputado Arons de Carvalho reverta as questões! É ridícula a estratégia do cogumelo que os senhores estão a seguir, ou seja, a de 30 Deputados virem aqui referir pequeninos casos pontuais, quando o Partido Socialista fala de uma questão maior que tem a ver com o funcionamento das instituições.
Os Srs. Deputados andam a dizer que há défice democrático, tenho aqui o primeiro requerimento do Sr. Deputado Jaime Gama que fala das graves violações à democracia na Madeira e o Sr. Deputado Arons de Carvalho vem-me perguntar se o subsídio de 19 000 contos atribuído ao jornal não sei quantos é pouco ou muito?!
Sr. Deputado Arons de Carvalho, permita-me que lhe diga, mas V. Ex.ª, «se não se põe a pau», vai acabar como chefe de redacção de algum jornal, porque vive, permanentemente, obcecado com estas questões.

Risos do PSD.

Quanto à questão do Sr. Deputado António José Seguro, que eu, pessoalmente, muito aprecio e por quem tenho particular simpatia devo dizer que já sabia que o meu amigo, tal como outros distintos, colegas socialistas, além de cantarem bem o fado, contam bem anedotas. É pena que não façam outras coisas tão bem, e por isso o País os reconhece como reconhece.

Aplausos do PSD. Protestos do PS.

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7 DE MAIO DE 1992 1857

O Sr. Presidente: - Para polir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Deputado Duarte Lima, V. Ex.ª revelou que não tem ideias, não tem respostas, apenas tem um banco de dados.

Protestos do PSD.

E anda tão incomodado com a actuação da nova direcção do PS que até parece que já tem alucinações. Anda de roda, de roda, não vê o essencial, só vê o acessório.
Sr. Deputado, preocupa-me esta miopia política e a tendência galopante do PSD e dos seus governantes para conjugar o verbo proibir. Vota-se o livro de Saramago e na Região Autónoma da Madeira proíbe-se que um grupo coral participe num filme que está a ser, integralmente, rodado na Madeira e que se chama Até Amanhã Mário! Como é que o Sr. Deputado justifica esta proibição? Será que voltámos ao tempo do proibicionismo?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Deputado Duarte Lima, segundo o último número do semanário Expresso, Q confirmando notícias anteriores, um dirigente do PSD, em dissídio com o regime da Região Autónoma da Madeira, terá sublinhado, em entrevista clandestina, a existência de um serviço de informações, ao serviço do Presidente do Governo Regional, serviço também ele clandestino, dirigido por um cidadão conhecido por Machadinho.
Neste sentido, em primeiro lugar, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Duarte Lima em que princípios do Estado de direito democrático assenta esta situação que, a ser verdade, é tão grave como caricata.
Em segundo lugar, está o Sr. Deputado Duarte Lima em condições de desmentir solenemente estas notícias, responsabilizando-se, pessoal e politicamente, por esse desmentido? Ou, pelo contrário, vamos todos ser obrigados a concluir que, à revelia das palavras do poeta, o Presidente do Governo Regional da Madeira pensa que é possível com o Machadinho cortar a raiz ao pensamento?

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Marques.

O Sr. Fernando Marques (PS): - Sr. Presidente, prescindo de pedir esclarecimentos, porque o Sr. Deputado Duarte Lima ilude bem as questões, mas não responde.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Henriques.

O Sr. Júlio Henriques (PS): - Obrigado, Sr. Presidente, mas tendo em atenção que à questão fundamental que pretendia colocar, a qual tem a ver com a relação do Governo Regional com as autarquias, e que em resposta à questão muito directamente formulada peto meu camarada Deputado António Campos o Sr. Deputado Duarte Lima disse nada, estou esclarecido!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, dado que o Sr. Deputado Duarte Lima, em todo o rol de afirmações inconsequentes que fez, do alto daquela tribuna, invocou um prestigiado presidente de câmara deste país, com provas dadas ao longo de todo este tempo, e como já sei que não vou obter resposta convincente para a pergunta que pretendia colocar, prescindo do meu pedido de esclarecimentos.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, vou prescindir de usar da palavra para pedir esclarecimentos, porque o Sr. Deputado Duarte Lima não costuma ser timorato e agora foi, pois em vez de responder assobiou.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, começo por salientar que as citações do Sr. Presidente da República, que V. Ex.ª aqui nos trouxe, são fundamentalmente elogios ao sistema constitucional da autonomia regional e não podemos confundir esse sistema, que subscrevemos e defendemos, com as questões de abuso de poder que ocorrem na Região Autónoma da Madeira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Agora, a questão que gostaria de lhe colocar tem a ver com a vida parlamentar que, na sua tradição multissecular, tem na figura das interpelações e dos inquéritos parlamentares algo que me parece central na limitação do poder e na salvaguarda do respeito da lei e do direito. Então, por que razão é que na Região Autónoma da Madeira a figura da interpelação ou do inquérito parlamentar nunca teve a concordância ou a aprovação da maioria que, naturalmente legitimada pelo voto, tem o poder na dita Região?

O Sr. Rui Ávila (PS): - Quero ouvir a resposta a esta pergunta, Sr. Deputado Duarte Lima!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, o meu camarada Deputado Jaime Gama referiu as palavras do Presidente do Governo Regional da Madeira, quando este qualificou os Deputados do PSD, nesta Assembleia da República, como políticos de baixo nível. E V. Ex.ª, com a sua intervenção manchada pela

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cobertura que deu às práticas «jardinescas», pensa que o «caudilho madeirense» o vai promover a político de alto nível ou que, pelo contrário, perdendo-lhe ainda mais o respeito, acrescentará ao baixo nível que lhe imputa o desprezo devido a um «cubano de Miranda», isto para usar a sugestiva linguagem do falado diligente do PPD?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, a sua intervenção caracterizou-se por uma lateralização das questões enunciadas pelo meu camarada Deputado Jaime Gama.

O Sr. Rui Ávila (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, V. Ex.ª cometeu, desde logo e à partida, no rol de citações do Presidente da República, a que procedeu, a uma grave amnésia: ter esquecido a consideração do Presidente da República quanto à sua ideia de que, neste momento, há défice democrático na Madeira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª teve este défice de lembrança, esta amnésia e, por outro lado, teve uma alucinação de lembrança, a de propor que usássemos da competência ou induzíssemos a competência do Presidente da República para dissolução dos órgãos regionais. Essa é uma competência que cabe ao Presidente da República, que ele deve usar, se entender, e cada um assume as suas responsabilidades. A nossa, neste caso, é a de considerarmos que na Madeira, como foi feito na intervenção do meu camarada Deputado Jaime Gama, há um peso partidário excessivo e inaceitável sobre a economia da Madeira, há falta de regras na apreciação das contas regionais, há manipulação da comunicação social pública, há intimidação sobre os discordantes, há desrespeito pela oposição, há um ataque sistemático às instituições, há, enfim, uma concepção isolada e isolacionista da autonomia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A isto, V. Ex.ª nada respondeu. Se isto for verdade, e é como sabemos, na Madeira está em causa o regular funcionamento das instituições democráticas.
Por isso, o que iremos fazer, pela nossa parte, é apresentar uma proposta de constituição de uma comissão de inquérito ao que se passa na Madeira.

Aplausos do PS.

Estamos certos de que se VV. Ex.ªs estiverem de boa-fé, como apregoam, votarão a favor dessa comissão de inquérito, para a Assembleia da República assumir as suas competências de fiscalização como órgão de soberania.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, prescindo de usar da palavra pelas razões apresentadas pelo Sr. Deputado Fernando Marques.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Correia de Campos.

O Sr. António Correia de Campos (PS): - Sr. Presidente, em face da sequência do debate, prescindo de usar da palavra, neste momento.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima em primeiro lugar, penso que é incorrecto tentar situar este debate no campo de um confronto entre o PSD e o Partido Socialista, pois a questão da falta de liberdade, da violação dos direitos na Região Autónoma da Madeira é uma questão nacional que não se pode circunscrever a dois partidos.
Portanto, uma vez situada a questão - e porque o Sr. Deputado referiu que este debate tem lugar não existindo problemas e, portanto, é a situação eleitoral que se aproxima que o sugere e que o provoca - e fazendo uma retrospectiva relativamente às questões eleitorais, iria, exactamente, referir um caso ocorrido em 1988.
Nesse ano, o candidato ecologista de Os Verdes, médico, residente e a exercer a sua actividade em Curral das Freiras, num local altamente carenciado e onde não existia, para além dele, nenhum outro médico, tendo aí sido colocado em regime de dedicação exclusiva - lugar este que foi destinado por despacho do Secretário Regional dos Assuntos Sociais, desde 23 de Junho -, viu, dois dias depois, a 7 de Agosto, na data em que ele publicamente deu a conhecer que iria ser candidato de Os Verdes às eleições na Região Autónoma, ser-lhe retirado, sem qualquer justificação, o regime de exclusividade em que se encontrava. Depois disso, foi abusivamente transferido de Curral das Freiras para Câmara de Lobos.
A razão da sua transferência foi, obviamente, de ordem política de perseguição política e reveladora de autoritarismo, já que nenhuma outra razão de carácter profissional o justificava.
Digo isto, porque, na altura, quem foi o primeiro e único médico colocado em regime de exclusividade, conforme foi constatado no próprio Jornal da Madeira, no dia 25 de Junho - dois dias depois da decisão do Governo Regional -, que o destacou, em face da importância que constituía ter um médico naquela região.
Portanto, como já referi, esta foi uma situação claramente provocada por perseguição política.
Assim, tendo o Sr. Deputado referido que não existiam problemas de liberdade na Madeira, este é, de facto, um problema de liberdade e, como tal, deve ser aqui colocado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima. Para tanto, dispõe de apenas 7,6 minutos.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, penso que o tempo irá ser suficiente.
Sr.ª Deputada Edite Estrela, quero começar por cumprimentá-la porque leu bem o texto que trazia escrito. Leu de facto bem, mas não tão bem como nas suas prelecções televisivas, mas quase tão bem!

A Sr.ª Edite Estrela (PS):- Engana-se, Sr. Deputado!

O Orador: - Acusa-me de não ter ideias, de não ter respostas. Prometo-lhe, se puder, que vou fazer umas sessões

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de terapia psicológica de aprendizagem com V. Ex.ª, porque no campo da educação política e cultural V. Ex.ª tem cartas para dar a todos. Se estiver disponível, aceitarei de bom grado.
Por sua vez, o Sr. Deputado Ferro Rodrigues está muito preocupado com o «Machadinho», não é?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E vocês não?!

O Orador: - Pensei que os senhores estavam antes preocupados com o Machado dos Açores. Mas não! Está preocupado com o «Machadinho»? Eu não estou preocupado nem com o Machado nem com o «Machadinho» e nem com o Machadão!
Quanto ao comentário que me pede para fazer...

Protestos do PS.

Lá estão os senhores com o défice democrático outra vez, a provocá-lo...

O Sr. José Magalhães (PS): - O superavit!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, sobre o défice democrático não faça muitos comentários...

O Sr. José Magalhães (PS): - Sobre o superavit!

O Orador: - Ah!, superavit, sim!.. O Sr. Deputado está num processo de aprendizagem acelerada para o superavit democrático, isso é verdade.

Risos do PSD.

O Sr. Deputado Ferro Rodrigues fala-me de um anónimo que fez umas declarações nos jornais, sobre uns sistemas tenebrosos de informações. Nilo lenho o hábito de comentar questões relativas a anónimos, e compreenderá porquê! Portanto, também não lhe respondo.
Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins, quanto as citações dos discursos do Presidente da República, repare que essas afirmações foram feitas em relação ao sistema e aos gestores do sistema. Quem é o sistema? É uma hidra de sete cabeças, que ninguém sabe quem é? Não, o sistema tem a conduzi-lo representantes eleitos pela população.
O Sr. Presidente da República fez um elogio concreto, que aqui citei, ao Dr. Alberto João Jardim, destacando-o entre os outros. Tais apreciações foram feitas ao sistema, mas também as conquistas concretas do sistema e aos que por vontade popular o gerem e conduzem.

Aplausos do PSD.

Corroboro a sua preocupação e a sua opinião quando diz que as interpelações e as comissões de inquérito são, por excelência, os processos mais importantes da fiscalização política.
Pergunta-me por que é que não ocorreram lá! Creio que sou rigoroso ao dizer-lhe que, relativamente aos pedidos de comissão de inquérito, pelo menos até há muito pouco tempo, nunca a oposição terá pedido uma comissão de inquérito.

Vozes do PS: - É falso!

O Orador: - Perdão, moções de censura. Tem toda a razão - interpelações e moções de censura. Mas, quanto às comissões de inquérito, os senhores sabem que há um número mínimo de Deputados para as pedir, aliás, como acontece, aqui, na Assembleia da República - os senhores lá tem apenas seis Deputados.
Nesta Assembleia Os Verdes, sozinhos, também não podem, potestativamente, pedir uma comissão de inquérito; o Partido Comunista, só por si, não tem as 50 assinaturas necessárias para fazer uma comissão de inquérito. É este o regulamento da Assembleia da República! Há, por isso, défice democrático? Porque o Partido Comunista não o pode fazer sozinho?! A culpa não é nossa, já que o PCP só tem 13 Deputados.

Vozes do PSD: - Graças a Deus!

O Orador: - Também não é culpa nossa que os senhores só tenham - ou antes, de certa maneira é - seis Deputados na Assembleia Regional Legislativa da Madeira! Como também não temos culpa de que não tenham acesso, por falta de votos e por falta de Deputados, ao conjunto de instrumentos mínimos que estuo abertos à possibilidade de qualquer partido político.
A resposta é muito simples...

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Ainda tem poucos caudilhos!

O Orador: - O Sr. Deputado Luís Filipe Madeira fala em caudilhos, só que essa linguagem é deslocada e não merece qualquer resposta. Não considero que haja qualquer fenómeno de caudilhismo na Madeira, pois lá há eleições livres, como o senhor sabe. Aliás, pensar que o Sr. Presidente da República pactuaria com fenómenos de caudilhismo em Portugal, constitui uma ofensa grave. Essa é a questão central do debate: os senhores tom de ir lá, sempre, ao Sr. Presidente da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Alberto Martins falou na lateralização que eu teria feito das questões apresentadas pelo Sr. Deputado Jaime Gama. Com certeza, V. Ex.ª não estaria à espera que eu fosse na minha intervenção, ou em três minutos num pedido de esclarecimento, retorquir ao Sr. Deputado Jaime Gama, quando este fez uma densíssima e longa - cerca de trinta e tal minutos - intervenção que eu desconhecia.
Tenho muita consideração pelo Sr. Deputado Jaime Gama, mas não vivo obcecado pelas intervenções dele! Aliás, a minha intervenção é muito mais simples e lança um repto muito concreto a que os senhores não responderam!
De facto, não há lateralização das questões. O que acontece é que pode haver casos concretos e, por isso, em qualquer país democrático - em Portugal, em Espanha, em França, na Grã-Bretanha ou em qualquer outro país - existem recursos dos cidadãos em relação ao governo central.
A verdade é que os senhores colocaram o patamar da discussão e a gravidade das acusações a um nível que não tem recuo: o do défice democrático, o da violação reiterada e sistemática da Constituição e o da violação das regras fundamentais do exercício da democracia. E daqui os senhores não escapam!
Se isto é assim tão grave, tom de ir até as últimas consequências, caso contrário o artigo 236.º da Constituição seria um simples adorno ao dizer que o Presidente pode

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dissolver os órgãos regionais se eles violarem a Constituição e a democracia! Acham que esse artigo foi criado para ser um simples adorno?
As questões ou são tantas e graves - como os senhores dizem - e, então, têm de ir lá ou, de facto, não são e, por isso, não podem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Diz que me esqueci das afirmações do Presidente da República quanto ao défice. Não me esqueci e, como sabe, aquando da minha intervenção houve apartes da sua bancada a que respondi, referindo que, de facto, o Sr. Presidente da República o disse na campanha eleitoral. Ora, repito que na campanha eleitoral todos proferem afirmações que, no fundo, podem de facto não sentir.
Posso dizer-lhe que também não concordei com muitas das afirmações que o Dr. Alberto João Jardim fez na campanha presidencial relativamente ao Dr. Mário Soares. Ele lê-las no momento eleitoral. Há-de consentir que é legítimo que isso aconteça.
Assim sendo, também acho legítimo que o Sr. Presidente da República tenha dito isso. Agora, o que é importante é que o disse na campanha. Mas o Sr. Presidente da República foi eleito e eu, que o prezo como democrata, não caio em fazer-lhe a injustiça de dizer que era um homem, pelo seu passado - e podemos discordar dele em muitas coisas concretas -, para pactuar, em qualquer parte do território nacional, no continente, na Madeira ou nos Açores, com violações graves e reiteradas à Constituição e à democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não lhe faço essa injustiça e esperava que os senhores fossem os últimos a fazê-la.

Aplausos do PSD.

Quanto à comissão de inquérito, Sr. Deputado Alberto Martins, V. Ex.ª é um Deputado inteligente e com brilho, mas percebo que não tem muitas saídas neste debate. O que propõe é a chamada «fuga em frente», a tal finta! Não cultivem muito isso das fintas porque vai dar maus resultados.

Risos do PS.

Isso é «fuga em frente», pois os senhores sabem que, constitucionalmente, não podem propor uma comissão de inquérito. Sabem perfeitamente disso!
Certamente saberão que o Sr. Deputado Almeida Santos irá, na altura, invocar a sua autoridade de constitucionalista para lhes dizer que isso não pode ser. Sei que, de vez em quando, essa bancada diz coisas dessas, como, por exemplo, aconteceu em 1980. É certo que, às vezes, o clima do debate vos leva a dizer coisas que não ponderam bem.
Recordo-me que, em 1980, houve uma veleidade semelhante, houve alguém da sua bancada que chegou a pôr a hipótese, aqui, publicamente, de fazer um inquérito ao Sr. Presidente da República que, na altura, era outro. Essa hipótese foi aventada, e a pessoa que a aventou senta-se aí...

O Sr. José Lello (PS): - Está aí ao seu lado!

O Orador: - Mas convenhamos que, se queremos discutir com seriedade, esse argumento não serve.
Portanto, Sr. Deputado, é muito mais simples dizer-me que a competência que está expressa na Constituição é do Sr. Presidente da República e que, por isso, não tem nada que lá ir. E não têm por quê?!

Sr. Jaime Gama, quando, há dias...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Orador: - Vou terminar de imediato, Sr. Presidente.
Dizia eu que quando, há dias, relativamente a um agendamento, houve uma decisão da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares que não lhe deu razão, o Sr. Deputado Jaime Gama pediu uma entrevista ao Sr. Presidente da República para lhe dizer «estou preocupado, a Assembleia funciona antidemocraticamente, estão a postergar os direitos das minorias». Por que é que foram ao Presidente da República por tão pouco e já não se dispõem a ir por uma coisa muito mais grave!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Já pensaram, se as vossas acusações são verdadeiras, nas pessoas que sofrem na Madeira, que estão a sentir na carne, todos os dias, a opressão, a falia de democracia que estão a respirar, as atrocidades!... Então, e os senhores não vão ao Presidente da República?!
Há, aqui, qualquer coisa que cheira a falso, meus senhores. Esta questão tem de ser respondida, e se os senhores não responderem significa que não estiveram com autenticidade neste debate.
Termino, Sr. Presidente, logo que responda à Sr.ª Deputada Isabel de Castro, pois não queria que fosse a única a ficar sem resposta.
Digo-lhe que concordo consigo quando afirma que é incorrecto centrar este debate entre o Partido Socialista e o PSD. Foi o que procurei dizer: isto não é uma questão a dois, é uma questão que, a serem verdadeiras as acusações do Partido Socialista, diz respeito a toda a comunidade democrática e a todos os partidos.
Concordo, pois, consigo e, por isso, lhe digo que situações como a que referiu não podem ser utilizadas como casos genéricos. Aliás, dei-lhe outros casos concretos em que, ao contrário, os cidadãos recorrem para os tribunais ou, então, se as violações são muito mais graves e reiteradas - situações em que o próprio tribunal não pode dar resposta -, aí sim, estamos perante a falência das instituições democráticas e o Sr. Presidente da República tem de intervir. Esta é a questão central do debate e ninguém pode fugir a ela.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra os Srs. Deputados Emanuel Jardim Fernandes, Guilherme Oliveira Martins, Alberto Martins e Almeida Santos.
Sr. Deputado Emanuel Jardim Fernandes, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Emanuel Jardim Fernandes (PS): - Sr. Presidente, é para defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.
O Sr. Emanuel Jardim Fernandes (PS): - Sr. Presidente, utilizo esta figura regimental porque o Sr. Deputado Duarte Lima fez afirmações que não são verdadeiras e quem as ouviu poderia pensar que estaríamos a criar outra farsa, tal como o seu partido criou na Assembleia Legislativa Regional da Madeira, no passado dia 23.

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7 DE MAIO DE 1992 1861

A verdade é que foram recusados todos os pedidos de inquérito parlamentar apresentados durante esta legislatura - são 12 ao todo, é dos quais de iniciativa do meu partido - e, ao contrário do que sucede nesta Assembleia da República, na Assembleia Legislativa Regional da Madeira não existe a obrigação de realização de um inquérito mesmo que subscrito por um determinado número de Deputados.
Quanto à moção de censura. Sr. Deputado, já ouvi o mesmo durante o debate efectuado na Madeira. De facto, o Presidente do Governo da Região Autónoma da Madeira espalhou a notícia de que o PS não tinha apresentado uma moção de censura. Assim, convém esclarecer V. Ex.ª que não tínhamos essa possibilidade, já que era necessária a subscrição de 25 % dos Deputados...

Protestos do PSD.

... e a verdade é que só há pouco tempo, após a última alteração do Estatuto da Região Autónoma da Madeira, é que é possível recorrer àquela figura.
Sr. Deputado, também fiquei chocado por ter dito que na Madeira não se sente esse estado de espírito, embora V. Ex.ª lá tenha estado há bem pouco tempo em visita partidária - aliás, lamento não lê-lo encontrado na altura, mas V. Ex.ª esteve em «visita guiada».
Assim, sugerir-lhe-ia que visitasse a Madeira clandestinamente...

Risos do PSD.

... e que procurasse falar com o povo e até com alguns dos seus companheiros de partido, mas sem que se saiba a sua verdadeira identidade. Se o fizer, após o seu regresso a Lisboa, certamente reconhecerá que na Madeira a democracia está de facto debilitada e a carecer de intervenção.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Emanuel Jardim Fernandes, relativamente ao problema da apresentação de uma moção de censura, tal como referi na minha intervenção, o vosso partido não dispõe do número suficiente de Deputados para a propor, mesmo após a recente alteração do Estatuto. Concordo que, antes, o sistema era diferente, sendo necessárias 25 assinaturas, mas o actual já vigora há dois anos, já não é necessário o mesmo número e, que eu saiba, o senhor também não apresentou qualquer moção de censura. Portanto, não tem desculpa.
Note que, em face das situações graves aqui invocadas pelo Sr. Deputado Jaime Gama, deveria até ter havido mais do que uma moção de censura, pelo que V. Ex.ª não terá actuado com a diligência que provavelmente era devida.
Quero retribuir a sua nota de simpatia, dizendo-lhe que também lamento não ter tido a oportunidade de o encontrar pessoalmente quando me desloquei a Madeira, por ocasião da realização das jornadas parlamentares do meu partido.
Por outro lado, quero informá-lo que fiquei muito satisfeito por ver que, na sala de visitas do edifício do Governo Regional, o Dr. Alberto João Jardim tem a sua fotografia em ponto grande, bem como a do Sr. Dr. Ricardo Vieira e a do líder regional da UDP, o que constitui uma prova de tolerância e de democracia que registo com muita satisfação.
Devo dizer-lhe que me preocupam muito as suas afirmações, pelo que vou seguir o seu conselho e arranjar um disfarce para não ser reconhecido na Madeira, a fim de poder investigar com critério o que V. Ex.ª acaba de sugerir.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins, tinha pedido a palavra para que efeito?

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, penso que para este debate será importante recordar que os elogios do Sr. Presidente da República, não só ao sistema mas também à autonomia regional, tiveram uma correspondência clara no resultado eleitoral das eleições presidenciais na Região Autónoma da Madeira. Essa legitimação foi clara e inequívoca e foi feita após o Sr. Presidente da República ter referido que, efectivamente, havia défice democrático na Madeira. E o povo, através da sua votação, sufragou, de forma clara e inequívoca, o Sr. Presidente da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa, nos estritos lermos em que a fez o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, é para dizer que vou enviar cópias das intervenções do Sr. Presidente da República, tal como constam do Diário da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
Também quero dizer ao Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins que o facto de o Sr. Presidente da República ter afirmado que havia défice democrático na Madeira e de a sua candidatura ter sido votada por esmagadora maioria, contra a opinião expressa do Presidente do Governo Regional, constitui a prova mais inequívoca de que não existe défice democrático.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, tinha pedido a palavra para que efeito?

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, é para defesa da consideração pessoal.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, relativamente à última afirmação do Sr. Deputado Duarte Lima, quero dizer que o voto no Sr. Presidente da República é a confirmação de que o povo da Madeira lhe dá razão. Portanto, existe défice democrático.

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O Sr. Deputado Duarte Lima está em dificuldades quanto à defesa desta matéria relativa ao défice democrático na Madeira.

Protestos do PSD.

Por isso, acusa os outros de fazerem o que ele próprio tem feito e que é a «fuga para a frente». Se não, vejamos.
O Partido Socialista apresentou um largo acervo de acusações ao funcionamento das instituições democráticas na Madeira e fez um conjunto de perguntas sobre o respectivo funcionamento. O Partido Social-Democrata ainda não respondeu, não se defendeu, deu como não merecedoras de defesa aquelas acusações e aquelas perguntas.
Perante isto, nesta fase, a nossa postura é uma única: que haja um inquérito parlamentar porque a opinião pública portuguesa tem o direito de saber o que se passa.
A realização do referido inquérito é, evidentemente, constitucional e legal, porque os inquéritos parlamentares tem como objectivo averiguar o cumprimento da Constituição e das leis em todo o território nacional, bem como os actos do Governo e da Administração, sem quaisquer restrições.
Assim, neste sentido, o inquérito é pertinente e, se está de boa-fé, o PSD não pode deixar de aceitar a sua realização para apuramento da verdade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, vai longo o panai mas serei rápido.
Sr. Deputado Alberto Martins, como pode dizer que estou em dificuldades se - modéstia à parte - «vos despachei» com tanta «limpeza» que, de forma tão rápida, tiveram de abdicar de metade das vossa intervenções? Nilo pode dizer uma coisa dessas!

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, sabe bem que não vamos alinhar nesse atropelo à Constituição e é por sabê-lo que o senhor tem a facilidade de dizer o que diz.
A verdade é que, até ao final deste debate, V. Ex.ª e o seu partido tem de ter a coragem de dizer se vão ou não colocar esta questão ao Sr. Presidente da República. É que, por solidariedade democrática, nós somos capazes de muita coisa mas, Sr. Deputado Alberto Martins, não queiram obrigar-nos a sub-rogamo-nos ao que deve ser a vossa competência, do maior partido da oposição, que. programa um debate destes, que agita o País durante três meses, quando, afinal, isto não passa de um «floco», não é nada. No fim não há uma consequência?. Não, Sr. Deputado, não podem ficar-se por aqui! Têm de ir mais longe com este debate, porque se não forem é porque não querem extrair as consequências dele e não acreditam nas acusações que fazem.
Os casos concretos de que falou o Sr. Deputado Jaime Gama valem o que valem, os meus colegas irão falar de outros casos concretos - e não seremos nós que vamos desempatar a questão. Repilo que os meus colegas vão falar de outros casos concretos, mas de sentido contrário, que terão a ponderação política que os senhores quiserem dar-lhe, tal como os que os senhores apresentam também têm a que nós quisermos atribuir-lhes, mas é preciso arbitrar esta questão noutra instância...

Vozes do PS: - Inquérito!

- O Orador: - ...e a Assembleia da República não tem competência para fazê-lo.
Por isso, solicito democraticamente ao Partido Socialista que tenha a coragem política de chegar ao fim deste debate com uma consequência: ir ao Sr. Presidente da República, sob pena de forçar-nos a irmos nós próprios perguntar-lhe o que diz dessas acusações e se acha que há ou não défice democrático na Madeira. É que não prescindiremos disso!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, tinha pedido a palavra para que efeito?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, é para defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santas (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, devo à sua amizade o ter invocado um argumento de autoridade com a menção do meu nome. Se bem entendi, terá dito: «perguntem aí ao vosso camarada Almeida Santos e ele dir-vos-á que, neste caso, não há lugar a um inquérito parlamentar.»
Ora, antes que as pessoas que me atribuem alguma competência nesta matéria - pessoalmente, não atribuo nenhuma específica - e pensem que tenho a opinião que o Sr. Deputado me atribui digo-lhe que não tenho. É que tenho exactamente a opinião contrária, daí a defesa da minha consideração: quero ser considerado como defensor da opinião que passo a expender.
O artigo 252.º do Regimento diz que «os inquéritos parlamentares têm por objecto o cumprimento da Constituição e das leis». Ora, como o Regimento não diz «salvo se a violação da Constituição e das leis for cometida por um governo regional» - e, nessa altura, não haverá lugar a inquérito -, e como a Constituição da República também se aplica na Região Autónoma da Madeira, e como o respeito pelas leis também vincula a Região Autónoma da Madeira, acontece que esta e as suas autoridades não podem deixar de estar submetidas ao inquérito parlamentar para se apurar se as mesmas violaram a Constituição e as leis. É esta a minha opinião e, por favor, daqui para o futuro, invoque-a assim e não «assado».
Quero também dizer-lhe que o Sr. Deputado, com a habilidade que todos lhe reconhecemos, desde que começou a falar está a repetir até à saciedade o que se chama um repto: «Repto que dirijo ao Partido Socialista para irem pedir ao Sr. Presidente da República que use a "bomba atómica" e dissolva os órgãos do governo próprio das regiões.»
Sr. Deputado, também é minha opinião que esta competência indiscutível do Sr. Presidente da República não se exerce a pedido. O meu ponto de vista é que devemos averiguar a verdade que existe sobre as acusações graves que hoje aqui se fizeram ao Governo Regional e às autoridades da Região Autónoma da Madeira, no fim se verá que verdade há nessas acusações e só então o Sr. Presidente da República tinirá das conclusões do inquérito as consequências que entender dever tirar.

Aplausos do PS.

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7 DE MAIO DE 1992 1863

De maneira que não me levará a mal que, tal como fez o meu camarada Alberto Martins, lhe devolva o repto: estão os Srs. Deputados do PSD dispostos a concordar com um inquérito parlamentar para o apuramento da verdade? Aliás, penso que se o vosso grupo parlamentar não votar favoravelmente este pedido de inquérito esta a ofender as autoridades da Madeira. E por que é que estão a ofende-las? Porque não lhes dão a altíssima possibilidade de fazerem a demonstração de que estão inocentes e de que nunca violaram a Constituição e as leis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vamos acabar com essa dúvida cruel, vamos acabar com acusações infundamentadas dos «malandros» do Partido Socialista e vamos apurar a verdade! Estão os Srs. Deputados do PSD dispostos a colaborar nesse apuramento ou não estão? É o repto que lhes faço.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, pelo grande respeito e pela muita amizade que há muitos anos tenho por si, V. Ex.ª sabe bem que seria uma das últimas pessoas cuja consideração pessoal ofenderia.
Invoquei, em relação a esta questão, a sua autoridade porque - e não posso, neste momento, prová-lo com documentos - tenho mais ou menos presente que quando aqui, em tempos, se discutiu o problema dos inquéritos a algumas câmaras municipais - tenho essa ideia, que pode não ser correcta, mas V. Ex.ª corrigir-me-á...

O Sr. José Lello (PS): - Pedidos por quem?

O Orador: - Solicitados pelo PSD...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - À Câmara de Loures, que é do PCP!

O Orador: - Nomeadamente, em relação a Loures,...

Protestos do PS.

... V. Ex.ª terá sido uma das pessoas que argumentou: «Isto é inconstitucional, não se pode fazer um inquérito a uma câmara municipal porque viola a Constituição. Inclusivamente, é violar o princípio da descentralização e, por este caminho, vamos chegar a uma situação ainda mais grave, a de um dia se pedir...»
Esta foi a argumentação do Partido Socialista, não sei se nas palavras de V. Ex.ª. Mas a questão não interessa, porque o Partido Socialista argumentou: «Por este caminho, qualquer dia, onde é que cairemos?» Mas agora dizem: «Vamos fazer inquéritos às assembleias regionais.»
Como esta foi, na altura, a argumentação do Partido Socialista, daí a razão por que invoquei a autoridade de V. Ex.ª, sem prejuízo de ter a minha própria opinião.
A minha opinião, relativamente a este caso, é negativa. Tal não é constitucionalmente possível. De facto, é correcta a interpretaçâo que V. Ex.ª fez, só que é preciso fazer uma interpretação integradora com os artigos da Constituição e com tudo o que a autonomia regional significa.
É por essa razão que existe um parlamento regional que tem poderes de fiscalização, de aprovar moções de censura e de constituir comissões de inquérito à actuação do Governo Regional.
Permitir, numa situação destas, que se fizesse um inquérito parlamentar era lesar gravemente a autonomia constitucional e a autonomia regional.

Termino com outra questão. V. Ex.ª diz: «Vamos apurar...» Mas, Sr. Deputado Almeida Santos, percebi, ao longo destes últimos três meses, quais eram os argumentos dos vossos Deputados regionais nos debates que lá se processaram; ouvi as acusações reiteradas do Sr. Deputado António Guterres no fim do Congresso do Partido Socialista e no programa televisivo Primeira Página e as proferidas na declaração política aqui efectuada pelo Sr. Deputado Jaime Gama, após o vosso congresso.
De todas essas declarações, percebi que as acusações feitas estavam para VV. Ex.ªs mais do que provadas. E querem agora fazer um inquérito? Não! Se para VV. Ex.ªs isso é evidente não vamos discutir a evidência das vossas evidências!
Portanto, dirijam-se ao Sr. Presidente da República. E torno, com toda a contrariedade que isso vos possa causar, a lançar o repto: não deixem, em abono da democracia e do prestígio das instituições democráticas e desta Assembleia da República, terminar o debate sem nos dizer, já que estamos nessa angústia, se vão ou não ao Sr. Presidente da República.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para esse efeito, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, informo a Mesa, na qualidade que tinha então de líder do Grupo Parlamentar do PS, que o PS anunciou que votaria favoravelmente o inquérito parlamentar à Câmara Municipal de Loures, apresentado pelo PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem a palavra.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, é que há uma correcção a fazer.
Não falei em inquérito ao Governo Regional da Madeira ou à Assembleia Legislativa Regional da Madeira. Isso não está em causa! Mas referi-me a inquéritos que tom por objecto o cumprimento da Constituição e das leis. Foram ou não, na Madeira, violadas a Constituição e as leis? Por quem? Depois se verá.

Aplausos do PS.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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1864 I SÉRIE-NÚMERO 59

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, as leis não nascem por geração espontânea. As leis têm de ter um autor material e um executor. Não vale a pena falar se as leis são violadas em abstracto ou se silo feitas contra a Constituição em abstracto. É preciso saber se o autor as faz contra a Constituição e se aquele que as aplica o faz contra a Constituição. Portanto, isto é uma tautologia, não se pode sair daqui e não tem objecto aquilo que o Sr. Deputado Almeida Santos acaba de dizer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr.ª Deputada Odete Santos.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para esse efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, quero dizer à Mesa que fui o primeiro orador a inscrever-me para este debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a ordem que a Mesa organizou, de acordo com o Regimento, atribui a palavra à Sr."ª Deputada Odete Santos.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, com certeza que a Mesa organizou o debate de acordo com a ordem das inscrições.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sou informado - e aceito a informação como correcta - que, de acordo com a praxe parlamentar, os partidos têm precedência relativamente aos Deputados independentes. E o Sr. Deputado Mário Tomé é o primeiro deputado independente inscrito para este efeito.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, pode existir essa regra, mas não é assim que se tem processado.
Sr. Presidente, já me inscrevi mais do que uma vez em primeiro ou em segundo lugar e tenho falado nessa altura. Isto, de facto, é uma exclusão, é uma situação de fim do debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa tem esta informação e vou segui-la.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, quando me inscrevi foi-me dito que estava inscrito em primeiro lugar e, com certeza, o Sr. Secretário da Mesa confirmará esta minha afirmação.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado será o primeiro Deputado independente a usar da palavra.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, desejava dizer, simplesmente, que existe a tradição de nos debates desta natureza os partidos usaram da palavra segundo a ordem decrescente dos seus votos. Perante esta tradição não me inscrevi, senão também linha corrido para a Mesa para me inscrever e não sei quem é que chegaria lá primeiro!...

Risos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que chegados a esta parte do debate já nos podemos congratular de uma coisa: é que, de facto, a crer no que a imprensa regional da Madeira relatou sobre o debate na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, o debate na Assembleia da República tem decorrido a um nível muito superior. Aliás, seria difícil ficar no nível dos insultos que foram trocados na Assembleia Legislativa da Madeira.
Antes de entrar nas questões concretas gostaria de clarificar que para nós, PCP, a situação na Região Autónoma da Madeira não pode desligar-se daquela que se vive no resto do País. À democracia inacabada da Região Autónoma da Madeira corresponde também a nível de todo o País uma democracia confiscada ou, pelo menos, com tentativas de confisco. A situação não é de hoje nem de ontem. Existe desde que o PSD conseguiu e alicerçou na Madeira a maioria absoluta.
A democracia incompleta não pode nem deve fulanizar-se em tomo de A, B ou C. Prestaríamos um mau serviço ao País e à Região Autónoma da Madeira se não evidenciássemos as consequências para os Madeirenses, para o País inteiro, da aplicação por parte do PSD do seu conceito de democracia vigiada.
O debate de hoje deverá servir - aliás, como disse no início - para restituir a dignidade a um tema que, assim discutido, não pode deixar de interessar a opinião pública.
Apesar de instilado na Quinta da Vigia-parece que nem de propósito é este o nome -, utilizando, parece que, também, um existente Pina Manique que dá pelo nome de «Machadinho», de bom corte à laia de censura prévia, não poderá a maioria do PSD, nem com os antecedentes de processos de que lemos notícia e que foram instaurados na Polícia Judiciária por afirmações feitas pelos Deputados regionais, calar aquilo que o PCP há muito vem denunciando relativamente ao pleno exercício das liberdades na Região Autónoma da Madeira.
Como disse, e repito, a questão não é de hoje nem de ontem. Já há muito tempo que me foi dada a possibilidade de constatar, pessoalmente, casos concretos de limitação e mesmo de violação de direitos, liberdades e garantias.
Há mais de ano e meio verifiquei, lá na Região Autónoma da Madeira, que uma professora tinha sido punida por ter cedido a sala de aula para as comemorações do 25 de Abril. E não admira para quem não se importa que o 25 de Abril seja comemorado no 24 de Abril.

Vozes do PSD: - É mentira!

A Oradora: - Que uma outra solicitara, chorosamente, a um sindicato que rasgassem a sua ficha de inscrição porque receava perder o lugar, por via daquela inscrição; que uma escola fora obrigada a comprar pão a um determinado fornecedor, ainda que as condições de higiene não fossem as melhores, mas apenas porque o pretenso fornecedor era militante do PSD e se fora queixar à Secretaria Regional.

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Pude constatar que continuava a ser difícil o trabalho organizativo do PCP, porque alguns dos militantes viviam quase em clandestinidade, por puro receio de perder o emprego.
Mas se isto eu não soubesse já alguns flashes recentes da vida política madeirense ter-me-iam dado a medida exacta dos objectivos gerais do PSD. Democracia sim, ma non troppo.
Isto para não citar um caso flagrante bem conhecido - e que nem sequer trago escrito - de um trabalhador agredido pelo Sr. Presidente do Governo Regional apenas por estar no exercício das suas funções, a dirigir o trânsito, e ter mandado parar o carro do Sr. Presidente do PSD.
Gostaria ainda de citar aquilo que, por acaso e por coincidência, se passou na véspera da minha saída da Região Autónoma na Assembleia Municipal do Funchal.
A Assembleia Municipal do Funchal aprovou um regulamento sobre a afixação de propaganda, em vésperas de eleições, que ficará na história da ofensiva contra a liberdade de expressão. É que tal regulamento - que tenho em meu poder e que também se dá ao luxo de fixar o período de toda a campanha eleitoral - faz depender a propaganda política de prévio parecer da Câmara Municipal do Funchal.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - V. Ex.ª é jurista e não sabe interpretar um regulamento?

Vozes do PSD: - Isso é mentira!

A Oradora: - É verdade Srs. Deputados, mostrar-lhes-ei o texto.
Não se faz distinção entre a propaganda comercial e a propaganda política, mas diz-se, pura e simplesmente, que toda a propaganda depende de prévio parecer da Câmara Municipal do Funchal. Quando terminar esta minha intervenção distribuirei esse texto.
Pasmemos com o descaramento. Fazendo letra morta do direito à liberdade de expressão, consagrado constitucionalmente, tripudiando sobre uma lei da República, o PSD legisla avulsamente numa assembleia municipal, sujeitando os cidadãos, as organizações sindicais, os partidos políticos ao visionamento dos autarcas do PSD, ao exame prévio do conteúdo ideológico da mensagem.
A inconstitucionalidade e a ilegalidade do regulamento são manifestas.
Mas até que esses vícios sejam reconhecidos - e segundo o Sr. Deputado Duarte Lima leríamos que ir para os tribunais, devo dizer que um caso destes contra um regulamento deste género andou quatro anos no Tribunal Constitucional - passaremos seguramente por proibições, talvez processos judiciais por desobediência, pela negação de um dos mais elementares direitos.
Tudo a calhar num momento em que se avizinham as eleições.
A imposição de mais esta forma de censura ajudará a completar o sistema de manipulação da opinião, de pactuar com a ilegalidade, no qual assume papel fundamental o controlo da informação difundida pelos órgãos de comunicação social regional.
Sabe-se que o trabalho dos jornalistas é alvo de uma apertada vigilância. Reportagens e notícias são por vezes passadas a pente fino na Quinta da Vigia.
Acontece também que o Presidente do Governo Regional ousa puxar as orelhas a quem se atreve a agir com independência na direcção de periódicos. Chega-se ao ponto de encerrar um jornal, como o Jornal da Madeira, por não se enquadrar no objectivo de assalto do PSD à comunicação social. Um outro periódico, que também ousara rejeitar as baias alaranjadas, encerra por falta de publicidade. Os seus anunciantes foram delicadamente convidados a terminar os contratos de publicidade.
Um projecto de constituição de um novo jornal que desse voz à voz amordaçada dos que se opõem ao PSD viu encerrarem-se todas as tipografias da Região, receosas das consequências do que seria encarado como uma rebeldia.
Discricionariamente - a discricionaridade é fundamental para a imposição de arreatas - financiam-se os órgãos de comunicação social de acordo com os serviços prestados.
No Estatuto da RTP, o PSD/Madeira pretende ver consagrado a necessidade de parecer favorável, vinculativo, do Governo Regional na nomeação do director regional. O que já acontece, de facto, com a chefia de órgãos de comunicação social públicos, nomeadas ou sancionadas pelo Governo Regional. E tudo isto em nome de quê?
Em nome dos interesses do PSD que, na Madeira, domina o aparelho de Estado, domina o poder económico e abusa do poder político. Abuso é a confessada utilização de dinheiros públicos na propaganda eleitoral dos sociais-democratas. O método não é, aliás, desconhecido no continente. E quem o confessa é o Presidente do Governo Regional que, deslocando-se nessa qualidade a vários locais da Região, reconhece que essa é a melhor forma de fazer campanha, de lazer passar a mensagem.
E, também, como cá, surge o ataque às ideologias, quando diz que deixou de brincar aos partidos.
Em Outubro, proclama o Presidente do Governo Regional: «Vamos buscar os partidos porque eles são necessários para as eleições, mas depois disso vão para o Purgatório.» Extraordinário exemplo de democracia!
Abuso de poder em favor apenas do PSD, que não dos interesses do povo madeirense, é a manifesta utilização do aparelho do Estado, poder económico, poder político, para reprimir todos os «desmandos». Leia-se: todas as formas de manifestação de uma ideologia que não seja a do partido maioritário.
Já aqui foi citado pela Deputada Isabel Castro o caso do médico Carlos Alberto da Silva Abrantes, que foi, de facto, saneado por motivos ideológicos. Recorreu ao Provedor de Justiça, que fez uma recomendação ao Governo Regional, recomendação que não foi aceite.
Um outro cidadão, não interessa o nome, comete também a ousadia de se apresentar às eleições autárquicas no concelho do Machico, em lista de oposição ao PSD. O castigo de tal afrontamento ao Adamastor veio célere. Desta vez impôs-se o afastamento da mulher, professora e na alçada da Secretaria Regional, que foi, pura e simplesmente, transferida da escola para local de onde não pudesse regressar diariamente a sua casa.
Destes e doutros casos, do medo que se instala, das malhas que se abatem sobre os conselhos directivos das escolas, cerceadas na sua autonomia, alguns, um pelo menos, nem posse chegaram a tomar porque o Governo Regional se recusou a dar-lhes posse por não terem sido eleitas pessoas da sua confiança política.
Disto tudo se forma a tal teia laranja criada pela estratégia de uma aranha que silencia denúncias, afirmando-se, arrogantemente, como os únicos representantes da Madeira. Mas a aura quase divina que se arrogam não está lá.
De facto, «o rei vai nu», embora a sua nudez se esconda em vestes de prepotência.
Quem chegou ao ponto de julgar ter a rédea suficientemente solta para agredir um trabalhador de que falei muito

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teve de trabalhar para esconder a verdadeira façe. E para ocultar também a outra face da Região, aquela que não se vê na marginal, nas águas azuis da baía. Aquela de que o PSD não quer que se fale, não recuando em actos de censura como os que enlaça, por exemplo, em torno de uma: equipa de filmagem, que, no dizer do Presidente do Governo Regional, se prepara para filmar meninos descalços, o que é uma suprema ofensa para a Região. A ofensa está não na filmagem mas em deixar propalar a pobreza e não tomar as medidas para a combater, para controlar crises que são, de facto, incontroláveis.
Sabemos que o sector da produção de banana está em crise. Em crise está a indústria do vime, isso mesmo se lê nos jornais da Madeira, e, para não destoar, também o bordado, que a contas com a concorrência do bordado chinês, viu, nos últimos cinco anos, decrescer em 30 % a sua exportação - e estou a citar dados fornecidos pelo director do Instituto do Bordado, que, segundo creio, é do PSD.
O sector do mercado imobiliário é também acometido de recessão. Os problemas de habitação silo graves. As fumas existem, estão ía, não vale a pena proibir que se fale delas.
Quando temos amor a um ser querido não escondemos as feridas por detrás de pó-de-arroz, que não cura, antes, agrava a infecção. E são essas as medidas que faltam para pôr cobro a determinadas situações.
Os resultados provisórios do recenseamento de 1991 começaram já a revelar algumas situações preocupantes.
Relativamente à Região Autónoma da Madeira, ficámos a saber, desde já, que apenas 11,19% das 708 localidades da Região dispõem de rede de esgotos. Por exemplo, relativamente ao concelho de Santana, de maioria PSD, constata-se que nenhuma das 85 localidades dispõe daquela rede.
Por outro lado, o Governo Regional propagandeia muito a zona franca. Acontece, porém, que a zona franca emprega pouco mais de 50 trabalhadores, com ordenados baixos, praticando-se mesmo a discriminação salarial entre homens e mulheres.
No sector da indústria hoteleira, importante para a Região, apesar do crescimento do número de camas, 4000, constata-se que o número de postos de trabalho aumentou apenas em 110.
No meio deste panorama de falta de perspectivas para o desenvolvimento, o jovem madeirense vê-se forçado a emigrar mesmo para países que, habitualmente, não são procurados pelos madeirenses, como a Suíça.
No mundo laboral, avolumam-se na Inspecção Regional do Trabalho as queixas, sem solução, por violação de disposições legais e convencionais, naturalmente porque são queixas contra entidades patronais, na sua maioria do PSD, como os dados demonstram.
Os magistrados alertam para o aumento da delinquência, nomeadamente a juvenil.
Mas, por sobre tudo Isto, alguém vocifera: «Aqui d'el-rei que estão a atacar a autonomia.» De facto, isto é uma hipocrisia, mas parece que PSD/Jardim dixit e está dito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será preciso dobrar o cabo das Tormentas, ultrapassar abusos de poder para verdadeiramente chegarmos àquilo que nos ensinaram a chamar, na escola primária, a «Pérola do Oceano».
O próprio Tribunal de Contas encalhou nos escolhos das contas da Região relativas a 1989, por inexistência de registo contabilístico de tesouraria.
De resto, quanto às finanças da Região, já há mais de um ano afirmámos ser necessário, para bem da autonomia, estabelecer os critérios que devem regular os financiamentos à Região Autónoma. Sem essas regras não pode haver planificação, tudo caindo ao mais puro arbítrio. Arbítrio, tão ao gosto dos responsáveis do PSD na Madeira; que os leva mesmo a atitudes de verdadeira ingerência no poder local, quase totalmente govemamentalizado, na Região Autónoma.
A retenção na fonte de parte das verbas do Fundo de Equilíbrio Financeiro, retenção feita pelo Governo e que poderá ultrapassar o ano 2000, afronta a Lei das Finanças Locais e retira às autarquias a capacidade de resposta aos problemas das populações. Mas o PSD prefere governar por uma legislação costumeira, formada na sua vontade, no quero, posso e mando da sua maioria absoluta, que por ser mais cedo alcançada na Região Autónoma, mais cedo conduziu a abusos de poder, à limitação de liberdades, a uma democracia rigorosamente vigiada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nas sociedades modernas está assumido como valor universal o carácter intrínseco da liberdade. Também a autonomia regional não terá verdadeira dimensão se as liberdades forem condicionadas ou mutiladas.

Aplausos do PCP è de Os Verdes.

O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No debate realizado há dias na Assembleia Legislativa Regional da Madeira sobre o, improriamente chamado, «défice democrático» naquela Região Autónoma, o Grupo Parlamentar do CDS, naquele Hemiciclo, teve a oportunidade de definir a nossa posição, que repetimos ontem numa conferência de imprensa a que comunicação social de hoje se refere com um certo relevo e que se resume no seguinte: o sistema político-partidário que estrutura o regime democrático pluralista e parlamentar próprio das democracias ocidentais, especialmente a portuguesa, tal como é configurado na Constituição da República depois de duas revisões, apresenta na Região Autónoma da Madeira distorções, defeitos e perversidades originadas pela total subordinação da maioria parlamentar, do Executivo e do partido local à figura do seu chefe naquele arquipélago; pela total «ghethização» - passe o termo - das oposições; pelo domínio das alavancas da comunicação social e das instituições da sociedade civil pelo aparelho partidário do PSD local; pela intervenção inesgotável do Estado em todos os domínios; pela aliança estreita e recíproca entro Governo e a Igreja da Madeira; pelos abusos do poder potênciados pela ausência de fiscalização parlamentar, devido à obstrução feita pelo Governo; pela discricionaridade dos gastos não apresentados ao Tribunal de Contas; pela recusa do exercício de poderes próprios pelo Ministro da República; pelo domínio autoritário do Governo sobre o aparelho administrativo e produtivo; etc.
A juntar a esta panóplia do poder personalizado, com toda a liturgia e parafernália do seu culto, em vários tons e sons, temos também a própria especialidade do facto do subsistema político madeirense: o seu sistema eleitoral, com a divisão de círculos ao nível concelhio, aos quais se atribui a totalidade dos mandatos, o que atenta, mesmo com o método proporcional, contra o princípio da representatividade e favorece a constituição de maioria absoluta, apenas com 33 % do voto. em qualquer partido. Contribui para o mesmo desiderato a inexistência de um quadro previamente fixado das relações entre a Região Autónoma e o Governo da República, que coloca nas mãos do Presidente do Governo a

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própria definição e, depois, o modo, a forma e os timings de execução em matérias de grande importância para o arquipélago, de quo o actual chefe do Executivo tem sabido tirar todo o proveito, a ponto de querer apresentar-se como dono e senhor das ilhas, e a própria personificação do povo da Madeira.
Tudo quanto se lhe aponte em seu desfavor é imediatamente transferido como ofensa directa e imediata ao povo madeirense, que, na sua peculiar linguagem, elege Deputados do PSD, «criaturas do PS» e «criaturinhas do CDS» como seus representantes parlamentares.
Os adversários do chefe do Executivo são sempre os inimigos da Madeira a soldo de interesses estrangeiros e traidores da autonomia política regional. Os apoiantes são, sem excepção, os heróis da autonomia, os verdadeiros madeirenses e únicos Deputados da totalidade da população daquelas duas ilhas. Por isso, não há lugar neste subsistema a qualquer fiscalização dos actos do Governo, nem é tolerado o debate regular e normal entre o Governo e a oposição sobre os grandes temas que interessam à Região. Tudo é pensado, avaliado e avalizado, legislado e executado, pelo Presidente do Governo, com o carimbo automático dos restantes membros do Governo ou da maioria parlamentar social-democrata.
Certamente que este subsistema político madeirense só se torna viável porque nenhum Governo central foi ato hoje capaz de cumprir as suas próprias obrigações políticas com a Região, dando corpo aos princípios de solidariedade, próprios de um Estado unitário, como é Portugal.
Não se quantificam nem se definem com total transparência as transferências orçamentais do Estado para a Região; não se determina o conteúdo ao dever do Estado no desenvolvimento económico e social da Madeira e na correcção das assimetrias, nos tão falados custos da insularidade; não se sabe qual o papel dos Madeirenses - exceptuando os seus Deputados na Assembleia da República - em outras instituições e actividades nacionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição da República define claramente, no seu artigo 231.º, que os órgãos de soberania têm por obrigação e responsabilidade em cooperação com os órgãos do Governo Regional corrigir as desigualdades derivadas da insularidade. Para tanto, previamente, devia esta Assembleia da República estar informada sobre vários aspectos actuais deste relacionamento: qual a situação actual das finanças regionais? Qual o montante exacto das dívidas da Madeira? Qual a situação dos transportes marítimos e aéreos, de passageiros e mercadorias? Que medidas vêm sendo adoptadas na protecção de mercado da banana da Madeira? Que regras de concorrência vigoram para os produtos originários da Região? Que auxílios financeiros são dados ao investimento turístico? Como é encarada a modernização do comércio? Que incentivos foram dados para a agricultura local? Que meios existem para a protecção do ambiente? Qual é a política florestal em vigor? Como vai a administração da justiça? Como se combate a toxicodependência e a criminalidade endémica na região? Como foram divididos, entregues e aplicados os fundos estruturais da CEE?
Existe um enorme défice de solidariedade entre o Estado e a Região, como se vê, talvez porque os responsáveis das duas partes estejam de acordo em que estas matérias não devam ser debatidas publicamente mas tratados nos gabinetes partidários, com total desconhecimento do oposição e do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É esta a razão porque tomámos hoje, na Conferência de Líderes, a iniciativa de pedir o agendamento ainda para este mês, para o dia 21 de Maio, de uma interpelação ao Governo sobre o cumprimento do artigo 231.º da Constituição da República Portuguesa e a avaliação da performance do Governo quanto ao importante dever político de solidariedade com a Região Autónoma da Madeira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A característica saliente deste decénio em que estamos é o triunfo da democracia com dois efeitos indissociáveis e simultâneos: o avanço das liberdades e a transição para/ou a consolidação, conforme os casos, da democracia política pluralista e representativa em áreas anteriormente sujeitas a outros regimes políticos.
Em primeiro lugar, contudo, este fenómeno não é linear nem isento de dificuldades, porque o estabelecimento de um regime autenticamente democrático não pode existir se os actores políticos de um determinado espaço não tiverem, eles próprios, uma cultura democrática e se não existir ao mesmo tempo um «vencido», que é o regime afastado, porque o peso do passado pode hipotecar o futuro de uma comunidade.
Em segundo lugar, a democracia representativa só é possível funcionar se actuar sobre uma estrutura material própria, qualquer que seja a economia de mercado, porque onde a liberdade económica está sufocada pelo Governo não há o livre conluio das opiniões e sem este não há representação política.
A verdadeira natureza do regime, neste caso, não passa do cesarismo da fachada democrática. A sua forma natural é o que Cari Shmitt chama de «Estado total», com tendencia para intervir em domínios cada vez mais amplos: o debate e o confronto de ideias ser substituído pelo cálculo dos interesses governamentais; as instituições da sociedade civil transformadas em meros instrumentos de adesão às políticas definidas em círculos cada vez mais restritos; e a relação directa por vídeo-polílica, entre o chefe e as massas, erigida a forma normal de publicitação das decisões.
A transição do cesarismo para a democracia pluralista não é uma tareia fácil. Requer, antes de mais, a ruptura com o modelo vigente; a reconversão económica dirigida para um modelo liberal; o empresariado independente do Estado; a alienação da sociedade civil, através de autêntica revolução das mentalidades, principalmente das elites políticas e sociais; uma reforma profunda no domínio educacional; a independência e a transparência da Administração Pública; o respeito e colaboração com as demais instituições; a separação dos poderes; a sujeição as formas democráticas de fiscalização judicial e parlamentar, o respeito pelos direitos das minorias e pela diferença das opiniões; e a aceitação incondicional do jogo democrático.
Os novos homens do poder devem instaurar um novo clima político, em que seja visível e respeitada a livre manifestação da vontade popular. O sistema eleitoral deve permitir a representação real das diferentes noções de interesse geral ou bem comum; o clientelismo deve ceder o passo à igualdade das oportunidades; o mérito deve tomar o lugar de subserviência de não estendida.
Tudo isto é possível se aqueles que detêm as rédeas não tiveram uma visão patrimonialista de poder; se estiverem verdadeiramente convencidos de que o progresso das populações pode ser feito por diversas vias; se forem criadas as condições para uma salutar possibilidade de alternância

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governativa e poder parlamentar, e se as eleições gerais ralo forem, sistematicamente, transformadas em plebiscitos do chefe eterno e imutável.
A situação política da Madeira certamente que não está longe do regime de cesarismo de fachada democrática. Aliás, um recente estudo jornalístico põe em evidência muitos dos aspectos dissonantes com a democracia pluralista 'que todos defendemos.
Não é com a negação obstinada da verdade que se caminhará para um modelo que, naturalmente, tomando em consideração as peculiaridades locais, não deve ser muito distanciado do traçado na Constituição da República.
Srs. Deputados do PSD, o partido maioritário, aqui no continente e na Região da Madeira, principalmente os seus dirigentes devem analisar as causas destes desvios e apontar novos caminhos para garantir a igualdade de todos os governados perante os governantes.
Nunca deveis subestimar que o Estado democrático, «baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democrática e no respeito da garantia da efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, que tem por objectivo a realização de democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa», é de todos nós, continentais, madeirenses e açorianos - o mesmo é dizer de todos os portugueses.

(O orador reviu).

Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira coisa que, em rigor, há que afirmar sobre a realização deste debate é que ele suscita uma inevitável reserva formal, já que se a ideia é promover, um debate, supostamente urgente, sobre assunto «de relevante importância» 6 porque se lhe reconhecem implicações substanciais e graves no próprio regime democrático.
Mas é ao Presidente da República que, nos lermos da alínea e) do artigo 137.º da Constituição da República que cabe «pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da República». Pois bem, a suspeita levantada sobre o exercício da democracia no portuguesíssimo arquipélago da Madeira configura objectivamente um quadro de degenerescência do regime que pode afectar a vida da própria República.
Mais radicalmente ainda: se, como se afirma, um tal quadro de subversão democrática é, inequivocamente, confirmado pelos factos, então só se vislumbra um caminho constitucionalmente pertinente e politicamente eficaz, que consiste no exercício, pelo Presidente da República, da competência prevista na alínea j) do artigo 136.º da Constituição, que me permito recordar:

Dissolver os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, por sua iniciativa ou sob proposta do Governo, ouvidos a Assembleia da República e o Conselho de Estado.

Ora, todos faremos, de bom grado, a justiça ao actual Presidente da República de lhe reconhecer o elevado e indiscutível mérito de ser um estrénuo defensor da democracia, razão mais que suficiente para que o seu actual silêncio, sobre a matéria deste debate, seja para todos nós um reconfortante aval de tranquilidade cívica e democrática.

Aplausos do PSD.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Mas, admitindo que, em vez da alínea d) é a alínea e) do artigo 76.º do Regimento que 6 invocada, então a inoportunidade formal desta discussão afigura-se-nos mais evidente ainda, já que um debate «sobre assuntos de interesse local, regional ou sectorial», no caso vertente regional, deverá, creio - e não sou advogado mas julgo que é assim - ser efectuado pela respectiva Assembleia Legislativa Regional, pois só assim se dará uma prova concreta de confiança nas virtualidades intrínsecas do processo autonómico e das próprias regras democráticas.

Aplausos do PSD.

Se o quadro institucional da Região Autónoma da Madeira não foi material e funcionalmente subvertido, então por que razão se levantou esta contenda que poderia ter desestabilizado a sociedade madeirense?

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É que este debate chega a ler contornos de «terapia de grupo», numa espécie de exorcismo psicanalítico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A democracia não tem que gerar, necessariamente, uma média aritmética nos ciclos de alternância do poder, como se se houvesse de recorrer a um pacto de mediania - para não dizer mediocricidade - como forma de garantir a escala do poder. Não! A democracia deve premiar os melhores, prémio que é atribuído pelo júri soberano, que é o povo, nos actos eleitorais, como vai acontecer em Outubro próximo.

Aplausos do PSD.

Há que ter fé nos mecanismos de reposição e de auto-regeneração democráticos. A cadência das alternâncias não se altera por força de um voluntarismo político qualquer mas, sim, por força dos dinamismos internos da própria sociedade.
Um segundo tipo de reserva, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, no entender do PSN, importa aqui referir é a que se prende com o perigo objectivo que uma eventual perturbação da ordem social da Madeira poderia constituir.
Se é verdade que a ninguém assiste o direito de julgar as intenções dos actos políticos, também é verdade que uma conturbação social e política no arquipélago da Madeira poderia ler implicações graves, até ao ponto de vista geoestratégico.
Se olharmos, com efeito, para a cintura marítima e insular da Europa, aquilo a que poderíamos chamar, mutatis mutandis, os postos avançados gerais da Europa, que é que observamos? Uma Malta dividida...

Risos.

Bem, Malta aqui é a ilha... Uma Malta dividida e com problemas políticos historicamente persistentes; uma Córsega com terrorismo activo; umas Canárias com crescentes pretensões independentistas e uma Madeira estável, imprimindo uma fecunda lusitanidade à sua própria experiência autonómica.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Interessará um arquipélago da Madeira instável? Claro que não! É do próprio interesse europeu que a Madeira viva em paz e democracia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de ter em atenção o seu tempo e não pode ser assim tilo liberal como isso.

O Orador: - Sr. Presidente, tenho mais tempo, porque o PSD concedeu-me uns minutos.

Vozes do PS e do PCP: - Ah! Então é isso?...

O Orador: - Até parece que os senhores são virgens nisto! Até parece que nunca concederam tempos aos outros grupos parlamentares? Não sei qual é a admiração!...

Aplausos do PSD.

Bom, mas eu quero é chamar a atenção do seguinte: embora a natural admiração que nutro por muitos dos Srs. Deputados, embora o espanto cego e os terrores supersticiosos por alguns ditos, eu quero dizer-lhes que não aprendi a pensar nesta Casa.
Por outro lado, a frente mediterrânica com fundamentalismo islâmico, crescentemente ameaçador e alteroso, sobretudo nos países do Magrebe, deve constituir uma das pedras de toque da reformulação da própria estratégia da NATO.
Com efeito, a ameaça de uma força organizada em suportes religiosos e com uma prática cruzadista não muito diferente dos desígnios internacionistas do marxismo-leninismo, constituída em guarda avançada de um terceiro mundo, é, infelizmente, um cenário cada vez menos académico.
A este propósito, não poderemos nunca esquecermo-nos que o Funchal fica a 400 km de Casablanca.
Falo nisto não para agitar fantasmas, mas tão-só para chamar a atenção para o dever, que iodos lemos, de sermos cuidadosos na abordagem da situação das nossas ilhas atlânticas, já que, em conjunto com as outras ilhas acima mencionadas e algumas mais, constituem, afinal, a orla descontínua da defesa da Europa sobre a qual impendem ameaças novas.
A solidariedade nacional exige a humildade do respeito pelas opções de qualquer parcela do território nacional, garantida que esteja a democraticidade das mesmas.
Eventuais casos de desvios às regras do Estado de direito, desde que tais tenham sido processados e decididos pelo poder judicial, não só não reflectem a inexistência de democracia como, pelo contrário, são a prova humana da sua existência, uma vez que, no dizer de Churchil, «a democracia é a pior de todas as formas de governo [...] com excepção de iodas as demais», o que equivale a dizer que ela comporia naturalmente erros e vícios.
De resto, eu gostaria de aproveitar esta oportunidade para apelar publicamente ao zelo democrático de todos os partidos para que não se distraiam tanto com a Madeira e que olhem para mim, conviva democraticamente eleito para este «banquete» parlamentar e estranhamente ignorado, remetido para sub-cave - aliás eu sou o único não independente que estou no 1.º andar, sintomaticamente -, como se fosse um mero Deputado independente. Os 100 000 eleitores que me elegeram esses, sim, é que poderão clamar por «défice democrático»! E eu não sei como ressarci-los.
Terá que ser esta Câmara, através do empenho democrático das várias bancadas, a ajudar-me a reparar tão dolorosa e injusta dívida. Neste caso, é a própria condição democrática que exige a reparação desta injustiça!
É mistificação alargar a acção inspectiva desta Assembleia para fora dos seus muros quando no seu seio alimenta, por omissão, uma tamanha contradição. O PSN não falará de outro «défice democrático» a não ser daquele de que, claramente, continua a sentir-se vítima.

Aplausos de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero começar por agradecer aos grupos parlamentares do PS e do PCP o tempo que me cederam...

Vozes do PSD: - Ah! ...

O Orador: -... e também à Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que permitiu o consenso para que isso acontecesse.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que melhor prova da existência de um défice democrático na Madeira quando a maioria PSD suspendeu o mandato do Deputado do Grupo Parlamentar da UDP, Martins Júnior, por, no exercício das suas funções, ler exigido um inquérito ao desaparecimento de valiosas pratas da Assembleia Regional?
Que melhor prova da existência de défice democrático do que a ocupação policial da Igreja da Ribeira Seca para impedir o P.º Martins Júnior de exercer o seu múnus sacerdotal?
Que melhor prova do que a atribuição de subsídios, fora de qualquer enquadramento legal, à diocese do Funchal, a várias igrejas e paróquias e confrarias religiosas?
Que melhor prova da existência de défice democrático do que a atribuição arbitrária e discricionária a autarquias previamente sufocadas financeiramente pela retenção na fonte dos valores de amortização de dívidas contraídas em função de orientações do próprio Governo Regional desde 1976?
Que melhor prova do que a maioria PSD elaborar e aprovar legislação que cobrisse retroactivamente despesas irregulares dos Deputados da maioria?
Que melhor prova do que a conciliação com a violação da Lei das Incompatibilidades por parte de detentores de cargos públicos?
Que melhor prova do que transformar o último debate na Assembleia Legislativa Regional, sobre o défice democrático em caso de polícia, instaurando processos judiciais a Deputados e a condenação do Partido Socialista, enquanto tal, pela maioria do PSD em nome da Assembleia Legislativa Regional, órgão fundamental da legitimação da autonomia?
Que melhor prova do que um delegado do Governo em Porto Santo - sem cobertura constitucional - quando tanto se grila contra o Ministro da República?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se trata apenas de abuso do poder, como pretende o CDS, agora apostado em se encostar ao PSD, mas de uma tentacularização do aparelho do PSD através do aparelho de Estado e da tentativa de pôr o poder ao serviço do PSD.
Trata-se da identificação do partido com o Governo; da limitação do espaço de liberdade dos que não se identifi-

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cam como poder/PSD; da dissuação planeada da participação democrática, através da intimidação, da perseguição, da marginalização; do impedimento pelo controlo arbitrário de meios e estruturas e pela absolutização da maioria do funcionamento transparente das instituições e da legítima e necessária participação das forças da oposição na formação da opinião pública madeirense.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A maioria do PSD/Madeira já tem idade suficiente para ter amadurecido e temperado os seus ímpetos radicais, a sua arrogância, compreensível, ale certo ponto, face ao acumular de vitórias eleitorais, ou mesmo o seu exclusivismo autonomista.
E se tivesse amadurecido saberia ver que 6 o povo da Madeira, na sua diversidade, que dá razão de ser à autonomia e que os que discordam do PSD não podem ser identificados como agentes do exterior. Os tempos em que isso acontecia eram tempos sem autonomia porque sem democracia.
O poder corrompe e o poder absoluto pode corromper absolutamente! As leis produzidas pelas maiorias tem de ser limitadas pela normas constitucionais, pelo equilíbrio e divisão de poderes e pela instalação de uma prática de participação democrática.
Os recentes acontecimentos de Leste mostram que, mesmo sob as melhores intenções e com base em teorias libertárias, a democracia pode ser devorada. Quanto mais num sistema como o nosso em que começa a ser atribuído à própria atitude de devorar um valor quase ético e estético, expresso no estímulo à concorrência sem limites, à disputa, ao confronto, conferindo à lei do mais forte o papel de dinamizador social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A realidade aí está, na opinião pública, através da comunicação social, que não se limitou a relatar a opinião dos partidos, mas assumiu o corajoso papel de investigador minucioso e lúcido, pelo que não quero deixar de saudar os seus representantes.
O PSD/Madeira compra consciência e subsidia amigos; toma conta da economia através do Governo e põe o Governo nas mãos da economia; isola e insulta os críticos; ameaça e intimida quem não o segue e invade a Administração com os seus homens de mão.

O Estudo e o partido, numa paixão irreprimível, numa promiscuidade sem limites, deram um nó cego,- a Constituição é macerada enquanto dela se reclamam para violar o que de mais estrutural a caracteriza: a separação dos poderes.
Estabeleceu-se um poder de excepção na maior das normalidades, engrinaldado com antúrios e estrelícias.
A perseguição ou marginalização ideológicas declaradas, quando apoiadas no poder, têm um efeito terrível: criam uma mística totalitária, abafam e adormecem consciências e atemorizam, porque assentam numa gestão discricionária não só dos privilégios mas também das atribuições legítimas.
Em nome do dogma laranja - temos maioria absoluta, o povo votou em nós, temos razão, logo tudo nos é permitido - definem-se traidores e divisionistas; estigmatizam-se os opositores; instala-se o «défice de algibeira» como muito bem definiu o meu camarada Paulo Martins no recente debate na Assembleia Regional da Madeira, caracterizando as desigualdades económicas e sociais; distribuem-se prebendas e espórtulas; utiliza-se o decreto como lei universal; insulta-se o Parlamento na sua essência pluralista; desconsideram-se es seus próprios representantes.
A maior vítima são os cidadãos, desapossados da informação, temerosos de se expressarem, limitados na sua acção reivindicativa e na sua participação democrática.
O pior desta asfixia da participação, deste tolhimento dos mecanismos democráticos de controlo e de fiscalização institucional e de opinião, quando não da sua eliminação, é que obscurece as consciências e priva, por vezes, as próprias vítimas da percepção do que lhes está a acontecer, da privação intrínseca da sua própria liberdade: não só na comunicação social mas também na sociedade instala-se a auto-censura.
Quando os incensam estão a ir-lhes ao bolso - aliás, já fui alvo de processo judicial por ter dito isto na Madeira-, quando os exaltam cortam-lhes a liberdade, quando os exortam tiram-lhes o tapeie.
Mas os Madeirenses têm homens e mulheres capazes de mudar a situação. A eles lhes compete fazê-lo, e ainda bem que o debate começou por lá.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Ah, pois!...

O Orador: - A Madeira, com 16 anos de maioria absoluta de PSD/Madeira, tem sido um laboratório para o PSD nacional. A. J. J. é o pioneiro truculento, espalhafatoso e irreverente para melhor garantir que a experiência dá certo.
As inaugurações em campanha eleitoral, escondendo a violação do preceito da neutralidade do Estado nas eleições, atrás da satisfação causada pela apresentação de obras necessárias ou desejadas. O casamento Estado-partido, a identificação do Governo com o povo que, a nível nacional, tende a evoluir para a de Cavaco com a Pátria.
Cavaco Silva acha que a oposição, nomeadamente o PS, divide os Portugueses. Porquê? O PSD une-os?
Conseguirá unir os democratas com os PIDES a quem conferiu pensões honrosas? Conseguirá unir os trabalhadores com Champallimaud que os ameaça de saneamento político nas empresas que lhes estão a ser entregues sem coerência? Os intelectuais e a inquisição da Secretaria de Estado da Cultura? Os trabalhadores do Metro que lutam por salários dignos com os administradores aumentados 40 %?
O PSD confunde união nacional com solidariedade nacional só possível com a assunção das diferenças e na prática democrática.
A quem o contesta, A. J. J. chama de traidor da Madeira. Mas, mais cauteloso, aos que se lhe opõem Cavaco Silva coloca-os no rol dos politiqueiros e desestabilizadores.
A oposição é tratada como uma doença do regime que se tem de tolerar enquanto não surgir a vacina. Preparam-se, para isso, alterações à lei eleitoral que garantam maiorias absolutas com menos votos.
Nada mais legítimo do que uma maioria absoluta, mas nada menos legítimo do que a absolutização da maioria e do que dispensá-la da legitimação da proporcionalidade e legitimidade permanente da prática democrática.
Cavaco Silva não devia avalizar o défice democrático na Madeira, mas avaliza-o, porque segue as pisadas daquele que hoje parecer ser seu professor, e Cacavo não é mau aluno.
O nosso país tem uma lamentável tradição de soberania do executivo Costa Cabral e João Franco, Sidónio e Salazar. O governo do PSD ao governamentalizar o País cede a essa trágica tentação. Os proprietários querem também ser os donos da política e tem encontrado os seus homens dedicados.
O lúcido empresário Henriques Alves, deixou bem claro, outro dia em debate televisivo, que Salazar protegia os empresários quando limitava os direitos dos trabalhadores.
As ameaças de alterar a lei da greve e as leis de intervenção sindical nas empresas, a sua limitação, ai prática,

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a desvalorização de datas essenciais para a liberdade e o trabalho como o 25 de Abril e o l.º de Maio, a corrupção que se instala encavalitada no poder e na arrogância executiva que se transforma em executora da democracia, devem fazer-nos pensar.
A. J. J. é um bandeirante que desbrava o caminho, Cavaco Silva vai atrás a ocupar o terreno! Em linguagem militar, um é a cavalaria o outro a infantaria, só que no terreno está o povo, estilo os cidadãos, é a eles que compete a última palavra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A UDP desde sempre tem denunciado a evolução negativa da democracia na Madeira e por isso tem sido o partido mais atingido.
O Governo da Madeira não é apenas um governo antidemocrático, com um comportamento que viola a democracia, ele é um governo antiautonómico. É uma repartição de finanças do Governo da República. Com ele a autonomia parece morar no Terreiro do Paço, com uma antena na Quinta da Vigia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O povo da Madeira saberá reconquistar a sua autonomia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou ainda mal refeito do encontro que acabo de ter e da surpresa que este me provocou. Nilo quero deixar de aqui explicar que acabo de me encontrar, num corredor mal iluminado desta Assembleia, com Eça de Queiroz. Nem mais nem menos!
É claro que, como ele me disse, era o seu fantasma e não o Eça ressuscitado, o que seria bem oportuno, sobretudo se ele pudesse intervir neste debate. Mas, na verdade, o que tive na minha frente, por uns momentos breves, foi o fantasma de Eça de Queiroz, com o seu sorriso irónico e o seu monócolo. O Eça de Os Maias, de A Relíquia e de O Crime do Padre Amaro, o criador de tipos inesquecíveis como o conselheiro Acácio, o conselheiro Pacheco e o inolvidável conde de Abranhos, que iniciou a sua brilhante carreira denunciando um condiscípulo, como decerto se recordam.
E quando, naturalmente surpreendido, lhe perguntei o que viera aqui fazer ao Parlamento, respondeu-me exactamente assim: «Eu podia lá perder este debate sobre a Madeira do Dr. Jardim!»
Quis então saber se iria escrever algum romance com base neste tema, mas ele esclareceu que não. Lá em cima, no outro mundo, já não escreve e entretem-se, sob a forma de fantasma que tudo lhe permite ver sem ser visto, a deslocar-se aos vários locais onde ocorrem acontecimentos que suscitam o seu interesse. «E o que eu lenho visto, não só na Madeira mas também no continente, dava para muitas páginas de crítica» - acrescentou.
Não pude deixar de lhe observar que o objecto deste debate era um assunto muito sério, porque o que eslava em causa era o atropelo de direitos dos cidadãos, a discriminação por razões políticas, o clientelismo e a corrupção. E, naturalmente, sendo um assunto tilo sério, talvez não se harmonizasse com o seu estilo sarcástico.
Eça encolheu os ombros, alargou o seu sorriso e respondeu-me: «Eu sempre analisei as pessoas e os assuntos, pondo em evidência os seus aspectos caricatos e risíveis. E, se continuasse a escrever, não alteraria o meu estilo. Pois se até presentemente vi que há quem pretenda alterar a minha legenda,
substituindo-a pela nova versão "sob o mando diáfano da maioria, a nudez crua da verdade"». E, tirando do bolso do colete o seu velho relógio, Eça despediu-se, dizendo: «Vou indo para as galerias».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A quem instintivamente dirija o olhar para as galerias, permito-me prevenir que Eça está lá mas não é visível, porque é apenas um fantasma Mas, apesar disso, não se esqueçam, Srs. Deputados da maioria, que ele está a observar-vos e a sorrir com aquele seu habitual sorriso sarcástico.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando se esperava que a eleição do novo secretário-geral do PS revitalizasse a maior força política da oposição e lhe permitisse apresentar ao País um líder e um programa alternativos ao actual Primeiro-Ministro) e ao seu governo, assistimos com estupefacção ao precipitado anunciar de um debate na forma de interpelação ao Governo, na Assembleia da República, sobre um alegado défice democrático na Região Autónoma da Madeira.

Vozes do PS: - Outra vez!...

O Orador: - O secretário-geral do PS reduzia-se, assim, na sua primeira intervenção pública, nessa qualidade, à condição de uma espécie de líder de oposição regional e elegia como seu principal adversário político o Presidente do Governo Regional da Madeira.
Um conhecido cronista em artigo de análise política deu para tal iniciativa a explicação que se passa a citar:
Não fossem as próximas eleições regionais e talvez ninguém tivesse levantado o problema do défice democrático. Não fosse a necessidade de afirmação do novo líder do PS e a polémica leria inexistido.

Não querendo, de forma alguma introduzir algum veneno nas relações intentas do PS, em que não me vou, obviamente, imiscuir, tenho para mim que a explicação para ião atabalhoada iniciativa tem, principalmente, a ver com o segundo vector referido pelo cronista - a necessidade de afirmação do novo líder do PS. Direi mais: não hesitou o secretário-geral do PS, para efeitos de afirmação mediática em arrastar o seu camarada, líder regional do PS da Madeira, para uma luta contra a sua própria terra e para os mais infundados ataques as populações da Região Autónoma a que pertence.

O Sr. Rui Ávila (PS): - Que exagero!

O Orador: - Dir-se-ia que o secretário-geral do PS tinha encontrado a forma mais subtil de retaliar o apoio que o Dr. Emanuel Jardim Fernandes tão acertadamente dera ao Dr. Jorge Sampaio. Os resultados do debate na Assembleia Legislativa Regional da Madeira são do conhecimento público e não lemos dúvidas serão devidamente confirmados nas unias. O Dr. Emanuel Jardim Fernandes não precisou de fazer mais nada para pagar, na mesma moeda, a «desajuda» que o engenheiro António Guterres lhe concedeu.
Para tanto, necessitou o Dr. Jardim Fernandes apenas de deixar e quiçá estimular o secretário-geral do PS e o seu grupo parlamentar na Assembleia da República a continuar o «folhetim» do debate sobre a Região Autónoma da Ma-

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deira com as tentativas de atropelo ao Regimento e à Constituição, já conhecidas, a ponto de se queixarem ao Sr. Presidente da República, inevitavelmente sem êxito, tanto mais que não era previsível que S.ª Ex.ª pudesse recriminar quem defende intransigentemente a Constituição e a lei nesta, Casa-Mãe da democracia que é o Parlamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A muito custo, o PS, que queria os efeitos mediáticos do anunciar e do arrastar da iniciativa, mas não queria o debate, acaba contrariado por ser forçado, a requerê-lo depois de lhe ter sido ensinado os termos regimentais em que o deveria fazer, embora recuando no tema que deixou avisadamente de ser défice democrático na Região Autónoma da Madeira, passando a ser sobre a situação política na mesma Região.
Esperemos que, pelo caminho atribulado em que se meteram, os socialistas, apesar de tudo, tenham, embora muito tardiamente, aprendido alguma coisa. Continuam, porém, os socialistas a revelar publicamente que eles próprios não se entendem entre si sobre esta matéria. E ainda no último fim de semana vimos o subalternizado Dr. Martins Goulart declarar que défice democrático existe na Região Autónoma dos Açores e não na Madeira e que nesta haveria, quando muito, casos pontuais de abuso de poder.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas veio logo aquele líder regional do PS a ser desmentido, em sua própria casa, pelo Secretário-Geral do seu partido, que adiantou «que não senhor, nos Açores haveria algumas imperfeições do sistema, como no continente, e que na Madeira, sim, existe défice democrático»!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não existe nenhum défice democrático nem abusos de poder em qualquer das Regiões Autónomas. O que existe ú um superavit de contradições, de leviandade e de incoerência do PS neste caso, como em muitas outras matérias.
Em recente oportunidade e no âmbito da Região Autónoma da Madeira afirmei que, apostados que estávamos - e estamos - na batalha da qualidade, arriscávamo-nos, dentro em pouco, a manter apenas uma coisa sem nível europeu: a oposição. Penso hoje que, para ser justo, não devo generalizar este juízo a iodas as forças políticas, da oposição regional, mas receio bem que em relação ao PS lenha de alargar nu opinião ao âmbito nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS não ignora que o exemplo de estabilidade democrática e de progresso económico e social que as Regiões Autónomas registaram se ficou a dever à acertada escolha do eleitorado ao votar maioritariamente em sucessivas eleições no PSD. Como não ignora que tal constituiu exemplo que o povo português seguiu a nível nacional, conferindo nas duas últimas eleições para a Assembleia da República a maioria ao PSD.
O PS receia, pois, e tem razões para isso, manter-se eternamente colocado no papel de partido da oposição. Neste contexto, com estas preocupações e em ano de eleições regionais, o PS não olha a meios para tudo fazer no sentido de que a maioria do PSD nas Regiões Autónomas seja posta em causa. E é caso para, perguntar quando, nu sequência do anunciado exemplo de Ponta Delgada, o PS promoverá as adequadas sondagens que permitam revelar ao país qual o presidente de Câmara, seu ou alheio, melhor colocado para substituir o engenheiro António Guterres como alternativa do PS para Primeiro-Ministro.
Não deixou nem deixa de se colocar,- em todo este percurso, a questão da sede própria para o debate que o PS, em repetidas metamorfoses, anunciava pretender realizar. A questão, antes de mais, unha a ver com a forma confusa e contraditória utilizada com que o PS anunciava o seu propósito. Se o debate pretendia avaliar ou julgar politicamente actos do Governo Regional, inserindo-se no âmbito da fiscalização política daquele executivo, dúvidas não temos de que, constitucional e estatutariamente, é a Assembleia Legislativa Regional a sede própria para esse debate.
Esse debate está feito e leve lugar há pouco mais de uma semana na Assembleia Legislava Regional. Que debate é este, então, que hoje aqui tem lugar na Assembleia da República ?!

O Sr. Carlos Coelho: - Muito bem!

O Orador: - Não 6 pela nossa mão que esta Assembleia vai preterir a autonomia regional ou interferir no âmbito da competência própria da Assembleia Legislativa Regional da Madeira. Que fique claro, porém, que não temos a menor dúvida sobre a plena legitimidade e competência desta Câmara para debater e se ocupar de questões relativas a qualquer parle do território nacional e da Administração em geral, nomeadamente a situação política na Região Autónoma da Madeira, posto que se respeite o Regimento e se observe a Constituição.
Em maioria de natureza institucional Ião delicada, responsabilidade acrescida cabe ao partido que promoveu o agendamento do debate, para que, sem abdicarmos das plenas competências desta Câmara, não nos deixemos enveredar por caminhos que nos possam levar a invadir competências alheias.

Sr. Presidente; Srs. Deputados: A Região Autónoma da Madeira e as suas populações têm dado mostras do seu apego à democracia em momentos dos mais difíceis da nossa história. Uma das primeiras e mais importantes sublevações contra a ditadura de Salazar ocorreu na Madeira, em 1931, através de um movimento que ficou conhecido por «Revolta da Madeira», a que a população aderiu em massa e que se prolongou por cerca de um mês, período durante o qual a Região não aceitou subordinar-se ao Governo da República.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Muito bem!

O Orador: - Foi a revolta sufixada por forcas militares idas do continente para dominarem os revoltosos. E este apego à democracia custou caro às suas populações a quem Salazar aplicou, durante longos anos, um imposto especial alegadamente destinado a recuperar os custos do apaziguamento e da revolta.
E quando em anos mais recentes as liberdades voltaram a estar ameaçadas e no continente se caminhava para novas soluções totalitárias, as populações insulares utilizaram iodos os seus legítimos meios de resistência e não deixaram de lazer sentir que se não subordinariam a soluções nacionais que pusessem em causa a democracia pluralista que se pretendia instaurar e que constituíra razão principal do 25 de Abril, porque muitos haviam lutado.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não foi fácil fazer a recuperação que a autonomia regional vem permitindo. O atraso em que se encontravam as populações da Madeira em 1974, que tinham na emigração a sua única e dolorosa saída, é hoje inimaginável.

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Foi possível, com estabilidade política que a livre opção dos Madeirenses tem garantido e com a solidariedade nacional- só quebrada em períodos de governação socialista - e, nos últimos anos, com o apoio comunitário, mudar a face da Região em todos os domínios.
Instituiu-se um serviço regional de saúde, que é apontado como exemplar. Deu-se cobertura médico-sanitária a toda a ilha e a todos os concelhos. Criaram-se escolas secundárias em todos os concelhos. Extinguimos esse regime odioso da colónia, fazendo uma autentica reforma agrária sem ocupações e sem atropelos. Abriram-se estradas, electrificou-se toda a ilha e desenvolveram-se as infra-estruturas básicas que faltavam de todo. Desenvolveu-se o turismo e outras indústrias complementares e modernizaram-se as telecomunicações.
Criaram-se estruturas de articulação da Região com as comunidades madeirenses espalhadas pelo Mundo. Criou-se e vem-se implementando a instalação da universidade. Ganhou-se credibilidade interna e externa que nos tem permitido, num quadro de solidariedade e apoio do Governo da República, obter ajudas comunitárias significativas, no âmbito especial de programas e incentivos destinados as regiões ultraperiféricas.
Dotámos a Região Autónoma do seu estatuto definitivo. Temos a consciência de que há muito por fazer. E é exactamente para isso que desafiamos a oposição, quer a nível regional, quer a nível nacional. Temos a perfeita consciência de que a democracia não se esgota nem se realiza apenas através do voto e da garantia do exercício do direito de votar. A democracia realiza-se com a garantia de melhor bem estar económico e social, com o acesso à saúde, ao ensino, à cultura, aos tribunais e ao direito.
Fizemos a consciente opção de nos integrarmos, de pleno, com o resto do País, na Comunidade Europeia, porque queremos garantir as populações da Madeira e do Porto Santo o acesso a padrões de vida similares aos dos países mais avançados da Europa.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É esse défice que as distancia ainda dessas sociedades que queremos continuar a combater, em liberdade, em diálogo com todos os que sintam esta luta como sua, mas sem querelas inúteis que a todos nos desgastam e nos desacreditam interna e externamente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nilo é o facto deste debate advir da iniciativa de um partido da oposição, e a que não nos opusemos, que nos impede de ter a maior preocupação de lhe emprestarmos toda a dignidade, pois que assim o exigem a Região Autónoma da Madeira e o respeito e consideração que a todos deve merecer as suas populações e assim o impõem também o prestígio e a responsabilidade desta Câmara.
É oportuno que se coloquem aqui questões da maior importância para o futuro da Região e das mais prementes que em alguma medida dependem dos órgãos de soberania ou do seu apoio e para o que também é importante saber se a oposição se dispõe colaborar, enquanto necessários ao desenvolvimento da Região e à melhoria do bem-estar das suas populações, ou se antes, apenas porque nelas está fortemente' empenhado o Governo Regional, nalguns casos em articulação com o Governo da República, pretende manter a sua tradicional posição de sistemática discordância: à continuação do acompanhamento do «dossier da banana», a nível nacional e comunitário, na sequência da vitória recentemente obtida com exclusão daquele produto das negociações GATT; à necessidade de complementar o quadro jurídico-legal da zona franca e do off-shore; à necessidade de garantir o acompanhamento das negociações na Comunidade Europeia no âmbito dos programas em aplicação e numa perspectiva post Maastricht, com especial relevância para a obra de ampliação do aeroporto do Funchal; à necessidade de garantir a implementação da Universidade da Madeira, assegurando-lhe os meios financeiros e humanos que lhe permitam cumprir a sua missão de formação das novas gerações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Subsistem na Constituição, e mantêm-se na estrutura político administrativa das Regiões Autónomas, soluções que são, essas sim, de défice autonómico e de défice democrático. E é para essas questões que eu lanço aqui o repto ao PS no sentido de confirmar da autenticidade das suas intenções e apregoadas preocupações, designadamente com este debate, para saber da sua disponibilidade para, em próxima revisto constitucional, alterar tais situações.
Refiro-me à eliminação do cargo de Ministro da República, figura sobre a qual o Sr. Prof. Barbosa de Melo, ilustre Presidente desta Assembleia, escreveu o seguinte, em trabalho publicado aquando da 1.º Revisão Constitucional:

Não se ignora o desajustamento desta espécie de alto comissário a um sistema de autonomia constitucional propriamente dito.

Refiro-me também, neste quadro de revisão constitucional, à consagração do direito de voto aos emigrantes, quer para eleição do Presidente da República quer para as Assembleias Legislativas Regionais.
Queremos, pois, saber, claramente e sem rodeios, de uma vez por todas, qual é a posição do PS sobre estas questões. E pelas suas respostas ficaremos a saber da boa fé das suas preocupações relativamente às regiões autónomas e as suas populações, incluindo os emigrantes.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Finalmente - e dirijo-me de forma particular ao Sr. Deputado Jaime Gama - um compromisso e um desafio: V. Ex.ª e o seu partido trouxeram a esta Assembleia e vêm agitando graves acusações aos órgãos de Governo próprio da Região Autónoma da Madeira e ao PSD, enquanto partido maioritário e que apontam como déspota e opressor das populações da Região. A importância e a gravidade que VV. Ex.ªs atribuem às vossas próprias acusações tornou-se manifesta. Significa isto que esta questão não pode deixar de ser, pelo menos no vosso entendimento, da maior relevância regional e até nacional. Assim, sendo, não poderá deixar de ter a maior e decisória influência no veredicto eleitoral regional de Outubro próximo.
Sr. Deputado Jaime Gama, se o seu partido, como recompensa por esta defesa oficiosa, por este papel de advogado de uma causa inexistente, obtiver a maioria nas próximas eleições regionais, fica aqui o meu compromisso de vir a esta Tribuna reconhecer a razão que lhe assistia. Este o meu compromisso.
O desafio é o de que, caso tal não aconteça e o PSD tiver, de novo, a maioria nas próximas eleições regionais, como estou certo de que terá, V. Ex.ª assuma também, desde já, o compromisso de subir a esta Tribuna para daqui reconhecer a sua falta de razão e a falta de razão do seu

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partido e publicamente desagravar a ofensa com que, prolongada e insistentemente, tem atingido as populações da Região Autónoma da Madeira.

Aplausos do PSD.

Isto é, no mínimo, o que manda a ética política e se exige das responsabilidades institucionais e partidárias de V. Ex.ª e de um partido que é o maior partido da oposição.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Emanuel Jardim Fernandes.

O Sr. Emanuel Jardim Fernandes (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O engenheiro António Guterres, ao anunciar a sua determinação de desencadear o debate nacional, manifestou a sua solidariedade e a do PS aos Madeirenses e Portossantenses. Não actuou à revelia dos socialistas da Madeira, como alguém quis fazer crer, nem por motivação de ordem partidária ou eleitoral. Tenhamos em conta que o PS/Madeira sempre denunciou e criticou a forma perversa como o PSD exercia o poder.
Como questão eminentemente regional, o debate iniciou-se na Assembleia Legislativa Regional e deixou claro haver factos que comprovam a subversão do regime autonómico, a partidarização do poder, a corrupção política, o desrespeito pelos direitos dos cidadãos e dos partidos da oposição. O PSD/Madeira, o Governo Regional e o seu líder não desmentiram os factos, nem os comportamentos perversos. Não podendo esconder a sua responsabilidade, avançaram para o insulto, separando os cidadãos e os próprios Deputados em «fiéis» e «traidores».
Por outro lado, limitaram-se a ordenar ao Presidente da Assembleia que procedesse ao envio das declarações dos Deputados da oposição à Polícia Judiciária para averiguação e procedimento criminal, revelando assim o seu conceito de democracia policiada.

O Sr. José Lello (PS): - É um escândalo!

O Orador: - Na ânsia de «criar» inimigos externos, capazes de aprofundar a fusão estalinista entre partido e Estado e entre o povo e o partido, insistem na maquiavélica associação do presidente Bush com a Maçonaria, a Mafia e o PS, apostados no combate à Europa, a Portugal, à Região Autónoma da Madeira e à sua política. A verdade é que, vindo isto de alguém responsável, tal deveria ter merecido uma resposta pronta do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Embaixador dos Estados Unidos da América.
O silêncio justificou que Augusto Abelaira tivesse dito que o Presidente do Governo Regional da Madeira, com este comportamento, não passa de um
«fala-barato». Eu, como madeirense, tenho de dizer que tudo isto me entristece, bem como ao povo da minha terra.

Aplausos do PS.

A ousadia do PS ao requerer uma interpelação ao Governo, para mais sobre as condições democráticas, não poderia ficar «impune». Daí a «condenação» do PS e dos seus dirigentes, na sessão do dia 23 de Abril na Assembleia Legislativa Regional, transformada pelo PSD em instrumento de julgamento popular, já que o PS e os demais partidos da oposição, CDS e UDP, se recusaram a participar na votação que constituiu uma farsa desprestigiadora do primeiro órgão da autonomia regional. A tentativa de condenação de um partido político não é mais do que um grave e flagrante abuso de poder.

Vozes da PS: - Muito bem!

O Orador: - O debate nacional e, designadamente, neste Parlamento, tem toda a justificação. Espanta-me mesmo que o PSD, e especialmente o PSD/Madeira, o ponha em causa. Mais uma contradição! E isto porque o Presidente do Governo Regional da Madeira, em 11 de Dezembro de 1988, no Jornal da Madeira, defendeu a realização de um debate nacional na Assembleia da República sobre a questão financeira na Região, dizendo - e refiro as suas palavras: «Daí que eu pretenda um debate nacional sobre a matéria das negociações financeiras...»
Então, como é? É possível sobre a questão financeira e é impossível sobre a questão da democracia?! Não entendo, Srs. Deputados!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não digo que esta seja uma posição de todo o PSD, pois conheço casos, até muitos casos, de discordância, mas a verdade é que a responsabilidade por esta situação tem de ser apontada ao PSD/Madeira e ao seu líder.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não está em causa, como há pouco foi dito, o povo madeirense, como também nunca esteve em causa o povo português no período da ditadura e esse perigo foi efectivamente apontado. Também não está em causa a questão do poder. O que está efectivamente em causa é a forma como ele é exercido.
O Sr. Deputado Guilherme Silva falou de obra feita e devo dizer que não negamos nem contestamos a obra Aliás, com os meios financeiros postos à disposição com autonomia e com os meios da Comunidade, algo deveria ter sido feito e muito mais poderia ler sido. Mas quero recordar aos Srs. Deputados que, se as obras feitas não são ignoradas nem contestadas, tal não constitui, por si só, a expressão e a prova de comportamento democrático do poder.
Também a ditadura fez obras e nem por isso o regime de Salazar deixou de ser contestado e derrotado por recusar precisamente a plena democracia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A demonstração dos factos foi feita e eu não queria voltar a fazê-la aqui, mas como o Sr. Deputado Duarte Lima duvidou dos factos, quero deixar-lhe um desafio - ele não se encontra aqui presente, mas peço que lho transmitam: por honestidade moral e intelectual, o Sr. Deputado Duarte Lima não pode duvidar daquilo que aqui digo ou terá de dizer publicamente que se compromete a averiguar e disponho-me a acompanhado nessa prova. Ou, então, aceite, hoje mesmo, antes do debate, aquilo que foi proposto pela bancada do PS, ou seja, levar avante um inquérito, com o vosso apoio e não com as 50 assinaturas, a fim de verificar se os factos são ou não verdadeiros.
No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, referirei apenas alguns factos para demonstrar tipos de comportamento que se consubstanciam na derrogação do pluralismo do regime autonómico, na governamentalização da Assembleia, na utilização abusiva de meios do poder em

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favor do partido, em acções de controlo da comunicação social, em abusos de poder, em acções e técnicas intimidatórias autoritárias e em terrorismo verbal.
No plano parlamentar, não posso deixar de referir a constituição da Mesa por um só partido e a partidarização da função «Presidente da Assembleia», que recusou receber o candidato a Presidente da República, Mário Soares, e o secretário-geral do PS, António Guterres.

O Sr. Rui Ávila (PS): - Muito bem!

O Orador: -Mas também não posso esquecer a recusa sistemática em comparecer no Parlamento para responder às interpelações da oposição - nesta sessão legislativa apresentámos quatro e só uma foi avante. E porquê? Porque esta questão transbordou para o âmbito nacional.

Aplausos do PS.

Por outro lado, temos de contestar a recusa sistemática a uma simples sessão de perguntas ao Governo - e apresentámos duas nesta sessão legislativa!
Refiro ainda os inquéritos parlamentares, também recusados, com a agravante, como é evidente, de não existir uma norma que determine que um número mínimo de Deputados possa obrigar ao processamento do inquérito, tal como acontece aqui e nos Açores, e a retirada da imunidade parlamentar ao Deputado Martins Júnior, porque teve a ousadia de querer fazer um inquérito parlamentar sobre as pratas, acrescentando que «quem mio deve não teme».
Isto para além da recusa de um estatuto, durante 16 anos, que, aliás, já foi aqui referida, e do bloqueio de uma iniciativa legislativa apresentada pelo Plenário e retida pelo Presidente da Mesa, por ordem do Presidente da Comissão Política do PSD e do Governo. Ora, pergunto: nesta Casa, será, alguma vez, possível uma situação destas, Sr. Presidente?
A tudo isto acresce a recusa em ouvir a oposição sobre as principais questões fundamentais da política regional e a sonegação de toda a matéria importante sobre a integração europeia e sobre outras questões de relevo, com o pretexto de que o segredo é a alma da sua política. Imaginem que o Protocolo de Reequilíbrio Financeiro e questões importantes como o POSEIMA chegam ao fim e os Deputados da oposição só podem saber pelo Diário da República, porque não lhes é permitido participar na fase de elaboração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que se refere à pouca transparência, o Tribunal de Contas foi claro ao reconhecer que havia um «buraco», ao fim e ao cabo, de meio milhão de contos e ao não poder confirmar o saldo da conta.

Mas há mais, Srs. Deputados, e sobre esta matéria só queria recordar o Prof. Sousa Franco quando dizia que «a autonomia progressiva [...]» - e nós, o meu partido e eu próprio, defendemos intransigentemente a autonomia - «[...] não pode fazer-se sem grande rigor de gestão, sem evitar e criticar os desperdícios e sem implementar a legalidade financeira», que não existe na Região Autónoma da Madeira. Ora, as necessidades de rigor e disciplina não são contrárias ao dinamismo mas impedem que ele se transforme em dinheiro malbaratado e na fuga para a frente.
Mas há ainda mais, Sr. Presidente e Srs. Deputados! Ficou comprovada a atribuição de subsídios e outras formas de apoio, sem definição de critérios. Porquê? Bem, é legítimo dizer-se que é para satisfazer a clientela.
Ficou provada a prática discriminatória face às autarquias, já que os subsídios às câmaras foram discricionários e sem critérios objectivos, discriminação e poder discricionário que se deveriam esperar das declarações do Presidente do Governo Regional quando, nas autárquicas de 1989, disse a célebre frase: «Sem a solidariedade política do Governo Regional, é um suicídio tomar conta de autarquias.» E depois, quando referiu, na frase lapidar: «Nem mais um tostão para Machico.»
A produção de tempos de antena do PSD num serviço de tuna escola foi confirmada pelo Presidente do Governo na Assembleia Legislativa Regional.
A utilização de actos públicos, como inaugurações de obras públicas regionais, das autarquias, de empresas públicas como os CTT e, mais recentemente, das visitas de campanha aos concelhos, para desferir ataques à oposição e promover as campanhas a favor do seu partido é outro exemplo de verdadeira e profunda corrupção política que enxovalha a democracia da Madeira.
As visitas aos concelhos, justificadas para preparar o programa que o PSD vai apresentar em Outubro ao eleitorado, deveriam ser do partido e não do Governo. O Presidente do Governo diz mesmo que, com estas visitas e com o seu discurso nas mesmas, a passar melhor do que nos comícios, a oposição está liquidada. Mas, então, o Presidente quer liquidar a oposição? Quer um partido único? Aliás, na última visita, lançou o slogan de campanha partidária para as próximas eleições: «Madeira P'ra Frente».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A confusão e a promiscuidade entre o poder e o partido é total.
A utilização do emprego público como forma de pressão e chantagem é evidente numa declaração de um militante social-democrata, à saída de uma eleição interna, onde dizia: «Sou forçado a estar satisfeito. Por várias razões. A maior parte dos filiados do PSD tem emprego no Governo ou no aeroporto e é natural que isso represente, em determinados momentos, um peso com o qual eu não podia contar.» É óbvio que o derrotado era delegado do Governo e era director do aeroporto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao nível da comunicação social, existe outra forma de averiguar a perversão que se verifica na Região Autónoma da Madeira: a manutenção do direito de veto na nomeação dos directores da RTP e da RDP, que, aliás, os Deputados dos Açores, por consenso, irão abolir; a atribuição de subsídios à comunicação social, em função dos critérios do poder; a proibição a um jornal diário da Madeira, o Diário de Notícias, de fazer publicidade a qualquer serviço regional, por ordem da presidência do Governo, apenas porque o referido diário teve a ousadia de pôr mais 2 mm numa fotografia de um comício do Partido Socialista; processos disciplinares, suspensão de programas e substituição de jornalistas por terem feito reportagens que não agradaram ao poder ou ao PSD. E isto, a tal ponto que os canais l e 2 da RTP, no dia 19 de Janeiro de 1990, acusaram o Presidente do Governo Regional de advogar o consolo de informação e de subordinar o seu trabalho de jornalistas aos interesses que ele considera superiores. A declaração da direcção não passou na RTP-Madeira mas, por acaso, passou a resposta do Presidente do Governo às declarações da direcção da RTP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda um outro caso, o do dispêndio de verbas, e não são poucas, para silenciar e controlar órgãos de comunicação social ou divulgar a imagem do PSD ou do seu líder, como é o caso da compra do Diário da Madeira, por 35 000 contos, ou do Jornal da Madeira, ou os subsídios encapotados ao Dia e ao Diabo.
A utilização abusiva de notas oficiosas - mais do que uma por mês -, a maioria das quais contra o Partido Sócia-

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lista e demais partidos da oposição, são verdadeiro repositório de insultos e injúrias aos seus opositores.
Os abusos de poder são da mais diversa índole: nos processos disciplinares mandados instaurar por razões político-partidárias, muitos dos quais, evidentemente, anulados pelo Supremo Tribunal Administrativo; nos concursos a que não foi dado provimento por razão de discriminação partidária; nas recusas de homologação de conselhos directivos e de alguns dos seus elementos, através de um despacho que, perdoem-me Srs. Deputados, mas tenho de ler, uma vez que refere que «o plenário do Governo Regional decidiu não homologar, nos conselhos directivos das escolas, os elementos que, pela sua conhecida ideologia e pratica, não dêem garantia de cumprimento das regras de pluralismo democrático, subscritas pela maioria da população» - já ouviram alguma coisa como esta, Srs. Deputados?!; no caso da professora que foi penalizada por festejar o 25 de Abril; na '«lei da rolha» que o Presidente do Governo impôs aos funcionários públicos, quando determinou por circular, e leio, «punirei quem desobedecer à minha ordem de não fazer declarações públicas ou prestar declarações sem autorização do Secretário ou Director Regional da tutela»; na proibição imposta aos técnicos de emitirem pareceres negativos sobre pedidos de investimentos sem a anuência do Governo - nem sei para que existem os técnicos!; no apelo à abstenção, enquanto Presidente do Governo, nas eleições presidenciais; no apelo, televisionado, à população para que fizesse «justiça por próprias mãos» e não esperasse nem pela polícia nem pelo presidente da Câmara, ou seja, dêem-lhes pancada. Foi assim que foi dito, referindo-se a elementos da oposição.
As manobras intimidatórias e o terrorismo verbal são outra faceta do poder regional. Os insultos são dirigidos a iodos: aos militares (considerados indignos e efeminados), aos magistrados, aos ministros, ao Primeiro-Ministro, ao Presidente da República ao anterior Presidente da Assembleia da República aos Deputados e até a empresários, como recentemente aconteceu com o engenheiro Delmiro de Azevedo. São especialmente visados, como é óbvio, quem é da oposição. «Tontos», «porcos», «bêbados», «abutres», «atrasados mentais», «traidores» são alguns dos termos com que o Presidente do Governo «mimoseia» os seus opositores, apenas porque divergem, porque tem a ousadia de terem outras propostas, outras soluções ou, até, por quererem essa coisa terrível que é disputar o poder. E ainda aquela outra, que ale me custa dizer, de falar de «burros e cabais», dirigindo-se a Deputados, que foi a forma encontrada pelo líder parlamentar do PSD/Madeira para mostrar que está a cumprir a orientação do poder.
Bem, acho que chega Sr. Presidente, e espero que o Sr. Deputado Duarte Lima lenha a disponibilidade para ir comprovar estes fados, mesmo antes do inquérito. Mais do que ofender os destinatários, o que se pretende com este terrorismo verbal é afastar os cidadãos da participação política.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

Dirão os Srs. Deputados que quantos menos melhor, pois virão certamente engrossar as fileiras da oposição.
A democracia na Madeira está, efectivamente, doente e carece de tratamento urgente e profundo. O excessivo peso na economia e na sociedade tem de ser combalido e reduzido. Como alguém dizia, «o poder está sentado em cima da cabeça dos cidadãos». Não contestamos o poder, mas a forma como é exercido. O PSD tem legitimidade para governar, mas já não tem legitimidade para fugir à lei, para perverter o regime, para violar direitos dos cidadãos, para desrespeitar as competências dos outros órgãos.

Aplausos do PS e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.
A democracia significa participação e respeito pelas minorias. Pressupõe liberdade, pluralismo, legalidade, transparência e também ética. O poder é, em democracia, limitado. Queremos, por isso, maior abertura, mais participação, mais tolerância! Queremos acabar com o clima de medo, com as ameaças, as chantagens, as práticas discriminatórias, para melhor potencializar os meios e recursos na resolução dos problemas da habitação, do emprego, da educação, da saúde, da formação, dos desafios que se colocam às empresas, aos trabalhadores e aos madeirenses em geral. São os Madeirenses e os Portossantenses, como primeiros beneficiários, os responsáveis por mudar este estado de coisas e colocar a autonomia e o seu futuro colectivo na via da democracia plena, a única que pode assegurar o aprofundamento da autonomia e a criação de melhores condições para promover o desenvolvimento da Região e do seu povo, segundo os padrões nacionais e europeus a que têm direito.
A comunidade nacional, os órgãos de soberania e, em especial, esta Assembleia da República não podem negligenciar a responsabilidade que também lhes cabe de promoverem a coesão económica e social, em todo o território nacional; de normalizarem e estabilizarem as relações entre o Estado e as Regiões Autónomas; de garantirem o funcionamento democrático dos órgãos de Governo Regional, com respeito pelos direitos dos cidadãos e da oposição, pela autonomia do poder local e pelo princípio da separação e hierarquia de poderes.
Nesse sentido, este debate deve abrir caminho a quadros normativos de índole constitucional, estatutária e legal, capazes de regular o comportamento do poder, com salvaguarda dos direitos da Região e dos seus cidadãos, designadamente ao nível da lei eleitoral, das finanças regionais, das relações do poder com a comunicação social, com as autarquias, com a oposição.
O desenvolvimento da Região exige solidariedade nacional e comunitária e implica a adopção de políticas nacionais, designadamente de transportes e de agricultura, em que sejam acauteladas as especificidades regionais, como ressalta da crise actual de produção da banana na Madeira. É indispensável a criação de condições de democracia plena no funcionamento dos órgãos de governo próprio e no seu relacionamento com a sociedade civil, com a oposição e com os órgãos de soberania.
A vida política regional também merece equilíbrio e serenidade. O debate na opinião pública e na comunicação social continua aberto e é promissor. Chegou às instituições parlamentares regional e nacional que assumirão, certamente na pluralidade das suas opiniões, as suas responsabilidades. Confiamos no povo, na democracia e na autonomia. Não desistiremos de defender, na Região e no País, os interesses dos madeirenses e dos portugueses em geral, certos de que a via da plena democracia, do respeito pelo pluralismo, pelos direitos dos cidadãos e da oposição será também alcançado na Região Autónoma da Madeira. A solidariedade nacional deve ser prestada também nesta questão.

Aplausos do PS, de pé, e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro

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7 DE MAIO DE 1992 1877

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado Emanuel Jardim Fernandes, V. Ex.ª pediu a suspensão de funções de Deputado à Assembleia Legislativa Regional para as assumir aqui, na Assembleia da República, e eu estava na esperança de que V. Ex.ª viesse aqui redimir-se de algumas faltas graves que vem cometendo na Assembleia Legislativa Regional...

Risos do PS.

... e que iria aproveitar esta vinda à Assembleia da República para defender a Madeira, para aproveitar a circunstância de esta Assembleia dedicar uma sessão à Região Autónoma e para perspectivarmos, no quadro da cooperaçâo entre órgãos de soberania, as questões indispensáveis de equacionar para o desenvolvimento e para o futuro da Região!... Pensava eu que a mudança de nome, que o Partido Socialista aceitou, deste debate, que passou de «défice democrático» para «a situação política na Região Autónoma da Madeira» trazia essa boa nova! Infelizmente, vejo que V. Ex.ª cometeu uma atitude mais grave que aquela que comete diariamente na Assembleia Legislativa Regional: é que saiu de portas, não para defender a Madeira...

O Sr. Rui Ávila (PS): - E fê-lo!

O Orador: -... mas para apontar, mais uma vez, o dedo acusatório infundadamente e com as contradições...

Protestos do PS.

... e com as contradições...

Protestos do PS.

Estou a ver que o défice democrático se situa na vossa bancada!...

Protestos do PS.

O Sr. Deputado Emanuel Jardim Fernandes veio aqui dizer que, ao fim e ao cabo, e contradizendo o Sr. Deputado Almeida Santos, há razões para usar a «bomba atómica». E, mais, V. Ex.ª comparou o exercício do poder na Região Autónoma da Madeira - e isso ofende o meu partido, ofende a minha bancada - ao exercício da ditadura de Salazar...

O Sr. Emanuel Jardim Fernandes (PS): - Eu não disse isso!

O Orador: - V. Ex.ª fez essa afirmação da tribuna.
Esclareça o seu camarada de partido Dr. Almeida Santos de que, ao fim e ao cabo, no seu entender - e V. Ex.ª é que é de lá, V. Ex.ª é que é meu conterrâneo, V. Ex.ª é que é da Madeira -, há razões para usar a «bomba atómica». O Sr. Deputado Almeida Santos entendia que não e esta 6 mais uma das contradições dentro do Partido Socialista e com a gravidade de isto se passar com o líder regional do Partido Socialista que vem à Assembleia da República e que devia ser o portador das questões que se passam na Região.
Ora bem, VV. Ex.ªs transformaram este debate,...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Orador: -... com ofensa não só para a Região Autónoma da Madeira como para com esta Câmara, num debate paroquial, num debate de campanário, porque não conseguem demonstrar o défice democrático na Madeira...

Protestos do PS.

... e fazem o rol dos recorrentes para os tribunais administrativos, esquecendo que, desta forma, ao trazerem questões que estão pendentes nos tribunais, estão a ofender um velho princípio da democracia, que é o da separação de poderes.

Risos do PS.

A míngua e a falta de argumentos quanto a um défice democrático reduz este debate ao caso do «Sr. António», da «Sr.ª Joaquina»... Com ofensa desta Assembleia da República, com ofensa da Região Autónoma, com ofensa das suas populações, VV. Ex.ªs tranformam este debate num debate paroquial! Ora, isto basta para revelar e para demonstrar a total inexistência de défice democrático!...
Sr. Deputado Emanuel Jardim Fernandes, para a próxima pense duas vezes antes de vir aqui, porque talvez ficando na Madeira faça menos mal h Madeira, apesar de tudo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Emanuel Jardim Fernandes.

O Sr. Emanuel Jardim Fernandes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, já nada me admira. V. Ex.ª e o seu partido condenam o meu partido, naquela farsa da Assembleia Legislativa Regional, invocando, por exemplo, que nós votamos pela manutenção do Ministro da República, quando a sua bancada também votou pela manutenção do Ministro da República. Essa é uma ofensa a VV. Ex.ªs...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Eu não!

O Orador: - O Sr. Deputado não, mas a sua bancada sim! Se não é uma ofensa a si é aos seus pares!
Sr. Deputado Guilherme Silva, apesar do muito respeito que tenho por si - bem sei que a palavra «porcos» entrou na linguagem política! -, V. Ex.ª afirmou que eu vinha tomar «banho», que vinha à Assembleia da República tomar um novo «banho». Eu, de facto, tomei banho...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Eu não disse que vinha tomar banho!

O Orador: - No entanto, eu não lhe admito essa de vir dizer que eu saí da Madeira. Sr. Deputado, eu estou aqui com o mesmo direito que V. Ex.ª e V. Ex.ª não é mais madeirense que eu!...

Aplausos do PS.

Devo dizer que só vivi fora da Madeira durante o tempo em que frequentei a faculdade - e V. Ex.ª também lá esteve!- e prestei o serviço militar - aliás, pago lá os meus impostos. Não sei se V. Ex.ª por lá os paga!...

Risos do PS.

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1878 I SÉRIE - NÚMERO 59

Quanto a vir dizer que eu fiz uma comparação com Salazar, devo dizer que também não era escândalo nenhum, mas não o fiz. Aliás, sobre Salazar, vou. ler-lhe um texto, publicado em 1970, que dizia:

Ficou Portugal a dever a Salazar a paz de épocas difíceis. Puderam muitos lares adormecer quietos na certeza do amanha, enquanto Salazar, só, velava afanosamente, até de madrugada, nos meandros difíceis das - notas diplomáticas. Àqueles que por chauvinismo, político pretendiam comprometê-lo por ideais que não os da causa aliada, desmentiu-os publicamente em discurso de 8 de Maio de 1945. Bendigamos a vitória.
Isto foi escrito pelo Dr. Alberto João Jardim na Voz da Madeira, em 29 de Julho de 1970.

Aplausos e risos do PS.

Mas eu não fiz comparações...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Fez, fez!

O Orador: - O Sr. Deputado não tem o direito de dizer isso e eu leio-lhe o que disse: «Não negamos nem contestamos a obra feita.» E depois disse: «Com os meios financeiros, com a consagração da autonomia e com os meios da Comunidade muito se poderia e deveria fazer, mas muito mais poderia ter sido feito.»
E disse ainda: «Se as obras feitas não são ignoradas nem contestadas, elas não são por si só a expressão e a prova do comportamento democrático do poder. Também a ditadura fez obras». O Sr. Deputado talvez não saiba - não, sei - se conhece bem a Madeira dessa altura! - quais foram: dois aeroportos, cinco centrais hidroeléctricas, a ampliação do porto, muitos edifícios e estradas. Mas isso não chega...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas V. Ex.ª fez a comparação!

O Orador: - Não fiz, nem estou a fazer. No tempo do Salazar, eu contestava o poder e a forma de fazer o poder. Neste tempo, contesto a forma de fazer o poder e devo dizer-lhe, Sr. Deputado...

O Sr. Presidente: - Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado!

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

E devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que os factos aqui demonstrados são a elucidação clara em qualquer sociedade democrática de que há um desvio, uma perversão, uma subversão do regime.

Vozes do PS: - É uma vergonha!

O Orador: - Se assim não é, Sr. Deputado, aceite clarificar a situação. Agora, o que não podem, nem V. Ex.ª nem o Sr. Deputado Duarte Lima, é invocar subterfúgios processuais ou regimentais para dizer; «Não se pode averiguar! A lei não o permite! O processo não o permite!» E, então, não se averigua
nada! ...
Mas o que eu digo é verdade. Aliás, V. Ex.ª sabe bem que é assim, pelo que não vale a pena perder mais tempo!

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Levantei-me, como se fosse um dos réus. E sou «réu», porque sou ou fui um dos acusados de raspão no processo e no debate que aconteceram na Madeira.
Situaram as minhas culpas, o meu défice democrático, num despacho meu de 1978 - tão «perto» - quando se procurava ainda, a essa data, um perfil à medida para a gestão das escolas. Coisas de há 14 anos, já com barbas!
Assisti ao tal debate na Assembleia Legislativa Regional. Aí ouvi, sem pestanejar, um rol muito enrolado de pecados mortais à força. Nessa lista, o tamanho e a distância no tempo dos casos apresentados revelava, alto e bom som, a industriosa diligência de quem procura, com olho mau, agulhas em palheiro.
Assisti ao debate, lá no Funchal; participo neste, hoje, aqui, e o meu espanto contínua, lá e cá.
Por que «cargas de água» é que isto acontece? Por que raios de caminhos, nos mecanismos legais, é que isto chegou aqui? Por que é que o PS bisa, nesta Casa, o seu debate que não mereceu palmas no espectáculo da estreia? Por que é que o PS bisa à cena aqui, o mesmo agente, o mesmo actor? Refiro-me ao Deputado Emanuel Jardim Fernandes acabadinho de chegar para uma entrada que me parece ser uma recaída.
Chego a não reconhecer, cá e lá, as pessoas, as coisas e os factos que julgava conhecer. O Deputado Jaime Gama, no que diz e repete, não é a mesma pessoa a quem me obriguei, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, a respeitar. O líder do PS madeirense, com a navegação hoje aqui à vista, tornou-se irritadiço, briguento, de mal com todos.
Alguns jornais semanários, às sextas e sábados, dão um «concerto» de editoriais, de colunas e de páginas e, para além do registo de opinião, esfolam mais do que matam.
O PS, partido que se quer alternativo, procura ganhos eleitorais próximos, acendendo rastilhos, atirando pólvora seca e fogo de armazém, dando tiros na água e no pé e fica-se por embrulhar o saldo e os restos em papéis de jornal?
Será que, quando os pretensos autos de culpa passaram um a um, logo de imediato, ali mesmo, no debate da Assembleia Legislativa Regional, passaram para o poder judicial? Será que o fôlego de tantas pragas não pode esperar que as coisas e as loisas sejam apuradas e venham ao de cima, sem as artes e manhas do confronto montado para as manchetes dos jornais?
Que tipo de razoabilidade democrática e de senso comum tem a articulação destes dois debates sujeitos ao mesmo mote, em sedes institucionais diferenciadas com competências próprias e que se não prestigiam, uma e outra, com esta sobreposição? Ou valem já todos os expedientes?
Será que há um sentido no que não faz sentido quando se reveste desta forma insidiosa, tentacular e, ainda por cima, inconsequente?
Ele há coisas entretanto lidas e ouvidas, escritas e derramadas, que são de propósito como o carvão, mesmo quando não riscam, mancham.
E a imagem institucional da Madeira, da Região Autónoma da Madeira, que tem sido uma carta jogada a favor do País na mesa de negociações no estrangeiro, que tem ajudado a afirmar Portugal no Mundo como Estado de direito, merecia melhor do PS, merecia, diferente, merecia cuidado.
A oposição nunca quer que se lhe diga que mente. Pois hão, o PS não mente, o PS inventa e aumenta as suas verdades!
Na questão do défice, o PS partiu das conclusões que lhe dariam jeito, jurou armar «trinta por uma linha» e pôs-se, de candeia, a arranjar os tais contras de que precisava à partida.

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7 DE MAIO DE 1992 1879

Para a oposição, para alguma oposição com ganas de ser alternativa, dizer que o poder eleito e legitimado está doente é um arranjo de pobres para que essa mesma oposição se sinta com saúde. Esta foi, mais ou menos de memória, uma quase citação de um sério humorista, muito crítico e atento.
E, neste cenário, Sr.ªs e Srs. Deputados, os maiorais do PS parecem sentir-se felizes como um ponto de exclamação! Como diria o ex-Deputado António Barreto sobre outra individualidade, parecem «o Zorro, mas sem cavalo».
Os fados do Deputado Almeida Santos são guitarradas que, às vezes, saem uma Beleza... Mas as «gutierradas» a que assistimos de algum tempo a esta pane são encomenda e confronto a mais a qualquer preço e a toda a pressa.
Com tanta pressa que ao Deputado e líder António Guterres se lhe retira a ilusão daquele cowboy que disparava mais rápido do que a própria sombra. E nós recomendamos-lhe, agora, a sabedoria daquele sempre novo aviso do povo: «Não lhe corram os sapatos mais depressa do que os seus pés.»
Há quem perdoe e não esqueça. Há quem esqueça e não perdoe. Os agentes do PS deste episódio em várias partes, com eventual anúncio de outras cenas, talvez venham a ser esquecidos mesmo antes de serem perdoados.
A história e os costumes têm destas coisas e não há morte mais anunciada do que aquelas mortes que o eiró político dá.
No debate na Assembleia Legislativa da Madeira, um dos oradores terminou a sua intervenção dizendo: «Os navios perdidos no nevoeiro são os que apitam mas e fazem mais barulho.» Mas do nevoeiro do PS, digo eu agora, não sai nenhum D. Sebastião.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Pensava eu que o novo líder do Partido Socialista, pela sua formação de raiz católica e pelo seu estilo ousado e aguerrido, ia finalmente dotar o País de uma verdadeira oposição a altura do Estado. Ingenuidade minha!
Depois de sete anos de liderança governativa competente, esclarecida e eficiente do País pelo Prof. Cavaco Silva, traduzida num sem número de indicadores de progresso a todos os níveis que, paulatinamente, foram mudando a face de Portugal e durante os quais a oposição ficou manifestamente impotente e desbaratada pensava eu que o regime ia finalmente ter uma oposição credível, forte e construtiva. Ingenuidade minha!
O ataque sem pudor, sem dignidade e sem rigor movido contra a Madeira, as suas gentes e o seu líder, as acusações caluniosas contra a figura generosa, carismática, competente e vertical do Dr. Alberto João Jardim, repetidamente sufragada nos últimos 14 anos pela esmagadora maioria da população madeirense, veio tomar claro que o PS continua igual a si próprio, incompetente, demagógico, invertebrado e intransparente, sequioso apenas do poder pelo poder.
O ataque desesperado, insultuoso, ignorante e despropositado movido pelo novo líder do PS e seus seguidores contra a figura impoluta do Presidente do Governo Regional da Madeira constitui uma lancinante injustiça para com o político do pós-25 de Abril que operou na sua terra a mais profunda transformação sócio-económica verificada em Portugal.
E basta ver para crer, meus senhores! A justiça social e o progresso económico abrangeram todas as camadas sociais, todos os recantos da Madeira e todos os sectores de actividade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - A saúde, a assistência social, a educação, as infra-estruturas de transporte, as telecomunicações, a habitação, o turismo, o tecido empresarial, a agricultura e outros sectores sofreram profundas metamorfoses, tomando-os aptos para os desafios e as necessidades do presente.
Estará, então, tudo feito? Com certeza que não, meus senhores.
O trabalho vai continuar, quer os senhores queiram quer não, empenhado, exigente e permanente.
Só as avestruzes não reconhecem a profunda modernização operada na Madeira pelo PSD sob a incontestável liderança, esclarecida, patriótica e regionalista, do Dr. Alberto João Jardim.

Aplausos do PSD.

Enquanto no continente grassava a instabilidade política, o País estagnava e retrocedia mesmo, a vida das populações se degradava, sob a liderança ou com indiscutível e indisfarçável conivência do Partido Socialista, pelo contrário, na Região Autónoma da Madeira, o Partido Social-Democrata, interpretando o sentir das populações e fortemente apoiado por elas e pela generalidade das instituições da Região, governava com estabilidade e prosseguia uma caminhada segura de modernização e de progresso sem paralelo entre nós.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): Muito bem!

A Oradora: - É verdade que, nestes 16 anos de autonomia, o PSD da Madeira tem exercido, em pleno, o poder, tem liderado todas as dinâmicas de progresso, mas tem-no feito com dignidade, com transparência, em sintonia com o querer e com o apoio da generalidade da população.
O Partido Socialista da Madeira, que nem sequer é a segunda força política mais activa da Região, tem-se revelado completamento incapaz de se constituir em alternativa ao partido do poder. De congresso em congresso,... a preparar as alternativas há 16 anos!
Estou em crer que, no futuro, a génese de uma alternativa poderá surgir mais facilmente de outro quadrante político do que do PS da Madeira. Este nunca passou de força política minoritária, suportada por um grupo de
pseudo-intelectuais, pseudo-aristocratas e novos ricos do Funchal, cujos representantes na Assembleia da República ou na Assembleia Legislativa Regional tem, por vezes, sido pessoas do continente, incapazes de se enraizarem na população, de serem a voz dos seus anseios, de serem intrépidos defensores da autonomia.
Na verdade, têm assumido historicamente o papel do mais continentalista e do menos autonomista dos partidos políticos da Região.
Por que terá o novo líder do PS embarcado na frustração acumulada, na inadaptação e incapacidade reincidentes dos seus camaradas da Madeira? Por que não seguiu o novo líder do PS caminhos próprios para a construção de uma verdadeira oposição, para a criação de uma alternativa de poder séria e credível como, de resto, seria desejável e com certeza bem entendida pelos portugueses, a bem do fortalecimento do regime democrático?
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A resposta a esta questão fundamental é simultaneamente simples e complexa e deveria merecer a atenção e a reflexão empenhada e determinada de todas as pessoas de bem, políticos e não

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políticos, que têm responsabilidades nos partidos políticos, nas instituições do Estado, no tecido sócio-económico e nos órgãos de comunicação social.
Por que razão o PS moveu tilo ferozes ataques, por exemplo, àquele que foi, na minha opinião e não só, um dos mais competentes ministros da última década - o Dr. Miguel Cadilhe -, mesmo admitindo que tenha cometido alguns erros, e não belisca, minimamente sequer, outras figuras que poderão ter eventualmente telhados de vidro?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - É que o PS, estando formalmente na oposição há vários anos, pratica o concubinato do poder. Homens poderosos do PS ocupam lugares de relevo na Administração Pública, no sector empresarial do Estado e ou detém o capital em muitas empresas favorecidas por actos talvez pouco transparentes de quem é suposto exercer o poder.
As injustiças que se praticam, a corrupção que continua a existir em muitos sectores de actividade favorecem e beneficiam simultaneamente figuras do PS e, indirectamente, o próprio PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Por que razão tudo ou quase tudo fica em silêncio ou é silenciado quando se fazem adjudicações directas no valor de milhões de contos, quando se fazem contratos de exclusividade plurianuais com determinadas empresas, quando se favorecem alguns grupos económicos?
Por que não se investiga a sério o que se passa, por exemplo, nos seguros, na actividade portuária, nas telecomunicações, nos transportes, no turismo? Isto só para vos dar algumas pistas.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Tem de demitir o Governo!

A Oradora: - É porque em cada decisão intransparente, que lesa o Estado e os contribuintes, beneficiam figuras gradas do Partido Socialista, empresas dominadas por socialistas, campanhas eleitorais de figuras socialistas ou o orçamento real do próprio PS! Alguém duvida de que algumas formas de financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais em que se empenham estão na origem de certa imoralidade de gestão e do enriquecimento fácil de alguns?
Este estado de impunidade só é possível porque o PS pratica a concupiscência do poder. Está ferido, enleado, comprometido demais para poder ser verdadeira oposição - frontal, profunda, séria e transparente!
O ataque soez ao Dr. Alberto João Jardim e as populações da Madeira e Porto Santo não passa de um fait divers.
Meus senhores, o eleitorado da Região Autónoma da Madeira, o povo pacato, trabalhador, cioso da sua terra, dar-vos-á a resposta dentro em breve.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Se o novo líder do PS não corrigir rapidamente a sua estratégia ou se, face as suas previsíveis derrotas, quem lhe vier a suceder não adoptar outra postura ético-política, não faltará muito para vermos o PS clamar, também no continente, pela existência de défice democrático perante a sua inevitável e consequente incapacidade de se constituir em alternativa de poder, face ao patriotismo, à sabedoria, à eficiência, ao progresso e ao apoio popular que caracterizam a governação do Prof. Cavaco Silva.
Senhores do Partido Socialista, querem que o povo vos reconheça alguma credibilidade? Deixem de ser hipócritas!

Risos do Deputado do PS Rui Ávila.

Não ria, Sr. Deputado, porque na sua bancada sabem bem que o que estou a dizer é muito sério, que é bem verdadeiro! Talvez o senhor, por ser das ilhas também, tenha a ilusão de que está tudo muito bem. Mas olhe que não está!
Vão ao fundo das questões, das questões de Estado e das questões fundamentais. Deixem o Dr. Alberto João Jardim, as populações insulares e o PSD da Madeira continuar o progresso naquela parcela de Portugal, tão pequenina mas tão querida de todos quantos nela tenham nascido, crescido ou vivido e a sentem permanentemente no coração e para ela trabalham.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fernanda Cardoso.

A Sr.ª Fernanda Cardoso (PSD): - Sr. Presidente, desejava solicitar que me fosse permitido usar da palavra ao abrigo do n.º 2 do artigo 80.º do Regimento, ou seja, utilizar os dez minutos a que cada Deputado tem direito para produzir uma intervenção por cada sessão legislativa.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, já tinha chegado à Mesa essa sua intenção. Sem prejuízo de, em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, se ter de rever a maneira de se interpretar com praticabilidade esta disposição regimental, a verdade é que a Sr.ª Deputada tem este direito e sem norma que o regulamente não posso recusar-lhe a palavra.

A Sr.ª Fernanda Cardoso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Logo no fim do congresso, o Partido Socialista ao querer desencadear na Assembleia da República uma interpelação ao Governo central sobre a falta de democraticidade na Madeira, não só cometeu um erro político como, inclusivamente, resvalou para terrenos perigosos, com consequências incertas, mas necessariamente negativas.
Se afirmar que existe na Madeira défice democrático é grave, tomar a iniciativa de promover uma interpelação ao Governo central, a ter lugar na Assembleia da República, já é uma atitude perigosa e, acima de tudo, ofensiva de todos os madeirenses, já que atinge a própria Madeira e a essência do seu sistema político. E, antes de mais, porque a interpelação era dirigida ao destinatário errado.
Com efeito, não se entende como é que o Governo central havia de responder e dar explicações sobre situações concretas na aplicação quotidiana dos princípios fundamentais, no espaço fisicamente delimitado da Região Autónoma da Madeira. É que o Governo central, para além de não ter que dar explicações pelos actos de outrem, não devia dá-las porque não sabia nem podia dá-las porque não devia.
Entretanto, o Partido Socialista, que apenas quis encontrar um tema entre vários para poder dar a ideia de activismo da nova direcção do partido, apercebeu-se que se dirigia à entidade errada e resolveu arrepiar caminho, mudando para um agendamento nesta Assembleia de um debate sobre a situação política na Madeira, o que não deixa de ser uma irresponsabilidade política, visto o local constitucionalmente consagrado para o debate destas questões ser o Parlamento regional, uma vez que só perante este é que o Governo Regional responde politicamente. Nem poderia ser de outra forma sem se afectarem gravemente os princípios básicos da autonomia.

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Portanto, trata-se de uma tentativa de subverter as instituições, porque de duas uma - ou, na realidade, existem situações concretas de postergado dos direitos humanos na Região Autónoma da Madeira ou não existem. Se existem, imporia ainda distinguir se os direitos violados são de natureza civil ou criminal ou, pelo contrário, se são de natureza estritamente política.
Se são do primeiro tipo, terão de ser encaminhados para as respectivas autoridades judiciais para que não se faça uma intromissão na competência própria dessas entidades, maxime os tribunais, que, como os senhores bem sabem, são órgãos de soberania.
Mas se são direitos de natureza política que estão em causa, então as queixas sobre violação dos mesmos teriam de ser encaminhadas para as entidades que estão especialmente vocacionadas para a defesa da Constituição: o Tribunal Constitucional e o Presidente da República. Para o primeiro, se a violação emerge de acto legislativo ou administrativo que esteja sujeito ao seu controlo; para o Presidente da República, como supremo garante da Constituição e do regular funcionamento das instituições, se as violações atingissem um grau de intensidade tilo elevado que pudesse pôr em causa o próprio regime democrático, o que permitiria, em última análise, a própria dissolução da Assembleia Legislativa Regional e, com ela, a queda do próprio Governo Regional que dela depende politicamente.
A verdade, meus senhores, é que o Partido Socialista devia perceber que vive num Estado de direito e que a história do seu fracasso e o ego ferido dos seus dirigentes não justificam a difamação que cultiva.
O Partido Socialista viola a legalidade e exercita uma irresponsabilidade quando acusa pessoas e instituições, sem especificar, fundamentar e provar os alegados actos de ilegalidade, corrupção e abuso que imputa.
E tanto são falsas as acusações feitas, que o Presidente da República não só não acciona os mecanismos atrás referidos, dissolvendo a Assembleia Regional, como em sessão solena da mesma, comemorativa do Dia da Região, proferiu as mais elogiosas afirmações, como já referiu aqui, hoje, o líder da minha bancada, Dr. Duarte Lima.
Como vêem, o Partido Socialista está a afrontar gravemente o Presidente da República e a acusá-lo de pactuar com a ilegalidade.
Em primeiro lugar, ao dizer que não há democracia na Madeira, o PS está a desafiai- a sua autoridade, dando a entender que ele se demite das suas responsabilidades, e, em segundo lugar, indo contra as suas convicções pessoais publicamente expressas.
Mas as referencias elogiosas não vêm só do mais alto dignitário da Nação. Não, Srs. Deputados! Vêm também - e é com muito prazer que passo a lê-las, com o seu autor aqui presente - do líder do PS/Madeira.
Na mesma sessão comemorativa do Dia da Região, o Sr. Deputado afirmou o seguinte: «Ultrapassada a primeira década, no final de um novo mandato parlamentar, é justificado expressar, como impressão de viagem, a continuar e em jeito de balanço, que o saldo é positivo.» E diz, mais, que «muitos são os avanços concretizados em prol da Região e do seu povo, visíveis uns, outros não, no plano das infra-estruturas (como aeroportos, portos e estradas), na área da saúde, da educação e da habitação».
Sr. Deputado, eu nem lhe pedia tanto; pedia-lhe, sim, que tivesse mais respeito pelos Madeirenses. Porque as suas afirmações, quanto à suposta falta de democracia, são a pura consequência de quem não mede as palavras, desconhece os factos e despreza a verdade.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A haver alguma situação deficitária, essa encontrar-se-ia na Constituição da República Portugesa. O artigo 230.º da Consumição admite discriminações atentórias da unidade nacional e está eivado de suspeições, receios e dúvidas quanto à idoneidade e maturidade institucional das Regiões Autónomas.
Como se a inexistência deste artigo facultasse a estas Regiões o direito de restringir os direitos legalmente reconhecidos aos trabalhadores, ou estabelecesse restrições ao transito de pessoas e bens entre elas e o restante território nacional, ou tão pouco reservasse o exercício de qualquer profissão ou o acesso a qualquer cargo público a naturais ou residentes na Região, princípios que já resultam de outros artigos da Constituição.
Esta disposição choca os sentimentos das populações insulares. Trata-se de uma situação discriminatória, que se refere apenas a duas parcelas do território nacional que são as Regiões Autónomas.
Uma outra situação é a do artigo 232.º da Constituição. Trata-se de uma representação especial da soberania nas Regiões Autónomas, feita através de um ministro que se chama da República e que, de maneira especial, representa a soberania na Madeira e nos Açores. Como se houvesse necessidade de interpostas pessoas para se assegurar e representar a soberania nestas Regiões!...
E, para mais, esta figura, com os contornos que tem e as funções que exerce, não provém de um processo eleitoral, sofrendo assim de pouca democraticidade no que toca à força que advém do voto e que lhe falta, para além de não estar assegurado o princípio democrático de que em democracia se iniciam e cessam funções, não tendo o Ministro da República limitação do seu mandato, como sabem.
Meus senhores, as Regiões Autónomas não precisam de uma representação especial de soberania. A soberania é representada em todo o País, continente e ilhas, pelos órgãos próprios. Como madeirense, entendo este cargo como uma desconfiança nas autonomias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num quadro mundial, as ilhas, salvo algumas excepções, possuem geralmente as características de zonas pobres, habitadas por gente idosa que restou de uma forte emigração causada pelo desemprego e pela ausência de oportunidades. Este atraso económico e esta ausência de populações jovens conduzem quase sempre à desertificação das zonas dos seus territórios com menos valor económico e a um forte atraso cultural. Em quase todas as ilhas, nestas circunstâncias, existe ausência de poder político residente.
A Madeira antiga enquadrava-se perfeitamente neste cenário. Tal facto, contudo, não obstou a que a Madeira da autonomia rompesse com esta situação e arrancasse para o desenvolvimento.
Os jovens, por razões naturais, têm estado em condições de assegurar esse desiderato. A arrancada coerente e sustentada do desenvolvimento só foi possível devido à existência de medidas de discriminação positiva para os jovens,
tendo-lhes sido dadas oportunidades de educação, de emprego e de qualidade de vida, por forma a valorizá-los como agentes únicos da unidade e da emancipação insular conceptualizada na autonomia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Estabelecido o processo de desenvolvimento, não ignorando os atractivos dos centros mais evoluídos e de maior dimensão e tendo em conta que viver em ilhas é mais caiu, foi necessário criar mecanismos compensatórios de tais custos, como instrumento de fixação da população.

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Meus senhores, tenho a felicidade de pertencer a uma geração liberta e autonomista, a uma geração que, do fundo do coração, assume a conquista da sua dignidade cívica e política, como tarefa prioritária absoluta, como conquista irreversível.
A autonomia foi a nossa libertação e projecção, a ligação ao todo nacional a que queremos pertencer por opção. Foi também o nosso querer insular plasmado em liberdade e democracia, a nossa integração e afirmação no espaço europeu, cuja componente atlântica enriquecemos.
De facto, desde as ilhas adjacentes e subjugadas de ontem à Região Autónoma da Madeira de hoje, vai uma escalada no progresso social, económico, cultural e político que orgulha e enobrece.
A Madeira tem evoluído com base na própria vitalidade da sociedade democrática, em liberdade, em função das opções, do protagonismo e da participação dos cidadãos.
A Madeira é uma sociedade informada, esclarecida e livre. Uma sociedade que usufrui dos benefícios estimulantes da livre expressão de pensamento, do estimulante exercício da crítica e do debate de ideias, em suma, do indispensável apetrechamento para a análise e a acção criadoras.
Orgulho-me de pertencer a uma terra que sempre lutou para assegurar e garantir a liberdade essencial de informar e de ser informada, que sempre se bateu pelo progresso e pelo desenvolvimento.
Da mesma forma, com a mesma tenacidade com que ainda hoje combatemos os empecilhos constitucionais do regime, em demanda da realização plena do nosso direito essencial de cidadania, com a mesma frontalidade com que desafiamos consensos tutelares na afirmação efectiva do direito à diferença.
Meus senhores, hoje, a autonomia regional é forte e é indiscutível que isso se deve inequivocamente à acção do Governo Regional.
Esta autonomia reforçou o portuguesismo das gentes, fortaleceu de forma clara a coesão e a unidade nacional e criou laços de solidariedade mais fones entre os portugueses.
E é esta autonomia que faz sofrer e provoca incómodos aos nossos adversários políticos. Aqueles que hoje atacam levianamente as instituições regionais, que resultaram de eleições livres e de opções inequívocas do povo madeirense,
fazem-no sem qualquer pejo de insultar uma população e, de lhe passar um atestado de menoridade.

Aplausos do PSD.

Mas os Madeirenses, gente séria e inteligente, não se deixam enganar com jogadas politiqueiras e continuarão a ver nos sociais-democratas os intérpretes mais fiéis ,dos seus anseios e das suas aspirações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço á palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, há pouco não fiz esta interpelação à Mesa porque não quis que aquilo que vou dizer pudesse, de algum modo, traduzir a nossa intenção de não permitir que a Sr.ª Deputada usasse da palavra. Por isso, fi-la apenas no fim da intervenção da Sr.ª Deputada.
Sr. Presidente, do nosso ponto de vista, nesta sessão, não há direito a que qualquer Deputado possa utilizar os tais dez minutos previstos no artigo 80.º, n.º 2, do Regimento.
Julgo que não vale a pena discutirmos esse assunto agora; podemos analisá-lo mais tarde. Assim sendo, quero apenas que esta observação fique registada.

O Sr. Presidente: - A Mesa quer informar os Srs. Deputados do seguinte: no n.º 2 do artigo 80.º do Regimento faz-se referência expressa ao artigo 76.º, ao abrigo do qual foi convocada esta sessão. A interpretação a que chego, e na base da qual dei a palavra à Sr.ª Deputada, toma impraticável este direito, pelo que se toma necessário regular esta matéria. O Regimento tem de ser ordenado mas, estando ele em vigor, tenho de o aplicar, porque, caso não o faça, cerceio direitos individuais dos Deputados, isto é, direitos que ultrapassam a gestão do grupo parlamentar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Sr. Presidente, como disse, não quero introduzir uma matéria nova, neste momento, mas, salvo melhor opinião, em lermos do artigo 76.º, só é aplicável a alínea e). Caso contrário, assistiríamos à utilização deste direito para debater lodo e qualquer outro assunto que consta do artigo 76.º, para os quais são distribuídos tempos para debate. Portanto, julgo que a única alínea do artigo 76.º que se aplica, neste caso, é a alínea e). Ou seja, neste caso, só se pode utilizar o direito previsto no artigo 80.º para a «realização de debates sobre assuntos de interesse local, regional ou sectorial».

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, deixaremos a discussão dessa matéria para outra oportunidade. No entanto, quero dizer-lhe que, em nossa opinião, e salvo o devido respeito pela opinião alheia, neste caso, aplica-se todo o artigo 76.º
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela primeira vez, realiza hoje o Plenário da Assembleia da República um debate centrado nos fundamentos do Estado de direito. De facto, esteve subjacente a esta sessão uma afirmação grave produzida pelo PS, relativamente à democraticidade da Região Autónoma da Madeira. O libelo acusatório foi bem expressivo: existência de défice democrático naquela parcela do território nacional.
Fazemos, pois, um debate incomum, que nos impõe uma reflexão sobre o significado do tema em causa. É à sua luz que se há-de aferir da oportunidade e da legitimidade desta forma de tratar a questão.
Reflictamos, em primeiro lugar, sobre a oportunidade do tema.
Falemos de défice democrático. Défice democrático é, desde logo, uma expressão que traduz uma realidade quantitativa e um enorme desnível entre os pesos de uma mesma balança. Significa que, entre a democracia efectivamente existente e as ameaças que a atingem, tem estas últimas um papel de monta. Ou seja, que a democracia acaba por não ler vigência real, que ela se encontra posta em causa de uma maneira poderosa.

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É este o cerne da questão que o PS levantou. É este o aspecto que compete averiguar.
O Estado democrático dos nossos dias é reconhecidamente uma realidade multímoda. Não se reduz a um único aspecto ou denominador, desdobra-se, antes, por partes integrantes entre si relacionadas.
Isto significa que o conceito de democracia possui certamente alguma fluidez. Por isso, comentou Thomas Mann que, quando duas pessoas dizem a palavra democracia, é muito provável que, logo à partida, não pensem a mesma coisa.
Mas temos de reconhecer que o pensamento político moderno e a constitucionalização que a nossa lei fundamental fez da democracia recortaram um núcleo que não deixa margem para dúvidas; ele é absolutamente inequívoco.
Quando se fala de democracia e de Estado democrático, é-se transportado para um conjunto de princípios que hão-de estar seguramente presentes. E é da sua afirmação na praxis da Região Autónoma da Madeira que se traia de observar.
O primeiro desses princípios será o do Estado constitucional, ou seja, a autêntica submissão à Constituição de iodas as formas de organização e acção do poder político. Significa isto, fundamentalmente, que os órgãos de soberania eleitos o terão de ser nos estritos termos constitucionais, sem irregularidades de qualquer espécie.
Ora, este princípio do Estado constitucional não o pôs, até hoje, nem aqui neste debate, em causa nenhum partido ou instância política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em segundo lugar, impõe o Estado democrático a independência dos tribunais e o acesso à justiça, como formas supremas de garantia dos cidadãos perante os poderes públicos.
Esta correcção do exercício das magistraturas não foi, até ao momento, igualmente questionada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sublinha-se, de resto, que, ainda recentemente, discutiu esta Assembleia da República matéria relacionada com este tema - a Lei Orgânica do Ministério Público-, sem que se tenha ouvido na Câmara qualquer voz, designadamente vinda do PS, de preocupação sobre o funcionamento das magistraturas, em qualquer pane de Portugal.

Aplausos do PSD.

Impõe o Estado de direito o respeito integral pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nos termos exactos, e que sabemos amplos, em que a Constituição os prevê.
Ocorre perguntar, uma vez mais, neste debate, se existem provas materiais de violação do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à liberdade; das liberdades de expressão, reunião e associação; do princípio da segurança jurídica dos cidadãos; das garantias processuais, de acesso aos tribunais e das garantias do processo judicial; de todos os direitos económicos, sociais e culturas que a Constituição contempla.
E sabemos já que nenhum destes aspectos fulcrais, no desenho da democracia, foram invocados.
Toda a acusação, que vimos primeiramente desenvolvida na Região Autónoma da Madeira e hoje perante esta Assembleia, se situou no plano das discussões pontuais sobre a maneira como a Administração, aqui e além, actuou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Mas importa dizer que, por cada hipotética e alegada violação da legalidade administrativa, existem meios jurisdicionais de controlo, que, aliás, foram accionados tantíssimas vezes e com êxito para os cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Ou seja, a dramatização política que o PS assim promoveu circunscreve-se, afinal, na prática, às «patologias» próprias de um regime democrático que, pretendendo-se, é certo, tilo perfeito quanto possível, possui, como toda a obra politica, a vulnerabilidade do que é humano. Essa vulnerabilidade apenas as ditaduras procuraram obnubilar.
Mas admitamos ainda assim que entende a oposição, concretamente representada pelos seus Deputados eleitos neste Parlamento, que cada violação desta natureza - das aqui expendidas - assumia e assume foros de uma gravidade particular e que exprime propósitos políticos merecedores de fiscalização e censura.
Pergunta-se nesse caso: por que motivo nunca tais questões particulares foram trazidas a esta Assembleia da República?

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por que motivo nunca se ouviu qualquer voz levantar-se contra as situações em causa? Como é explicável, perante este Parlamento e perante a opinião pública, que a percepção do alegado défice democrático tenha surgido de chofre num determinado momento e não resulte antes de uma atenção aguda e de uma actuação empenhada no sentido de evitar a acumulação e o empolamento das situações aludidas?
E não se vislumbra outra explicação que não seja uma conexão directa entre o facto político assim criado e as realizações próximas nesta Região Autónoma, a saber, as eleições que se aproximam.
A concretização do Estado de direito, que hoje se realiza com enorme pujança em toda a Comunidade Europeia e se alastra a zonas da Europa onde era absolutamente imprevisível há muito poucos anos atrás, constitui, sem dúvida, a maior conquista política e cultural que marcará a Europa do nosso tempo.
A sua sedimentação numa democracia jovem como a portuguesa é um aspecto precioso e não deve ser exposta à vulnerabilização por ataques manifestamente desnecessários.

Aplausos do PSD.

E as suas possibilidades de alastramento a certas zonas de África e a outros lugares constitui um bem ainda escasso, que em nenhuma circunstancia deverá ser malbaratado.
Por isso, a banalização da expressão política «défice democrático» não deverá ser aceite como uma normal figura de estilo político. Ela está por demais carregada de consequências, geradoras de perturbações, cujos efeitos temos a obrigação política e moral de evitar.
É certo que a democracia, pela sua própria essência, não será nunca uma obra acabada, mas é preciso ser criterioso na destrinça dos seus graus de violação.

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O «reino da razão» a que a democracia aspira não se evidencia ainda por todo o lado. Depois do marxismo-leninismo, do fascismo, das monocracias religiosas, ou seja, das expressões do poder totalitário, o Estado de direito deve aprofundar as suas justificações e desenvolver a sua capacidade de concretização ao serviço do homem total.
E é essa missão pioneira que constitui, no nosso entender, o grande desafio democrático, evidentemente meta-partidário, que uma actuação como a do Partido Socialista pode muito bem subverter.
Passemos à segunda questão enunciada: legitimidade desta Assembleia da República para o tratamento cabal da questão em causa.
O Partido Social-Democrata, naturalmente, mio contesta a função nobre desta Câmara como sede por excelência de todos os debates de natureza politica, que, efectivamente, estejam na ordem do dia e suscitem a atenção dos Deputados. O que nos perguntamos é coisa completamento diferente. Aquilo que nos suscita reparo é o sentido de um debate deste tipo, sediado na Assembleia da República, atendendo à forma como constitucionalmente foi delineada a autonomia regional e à sua concreta articulação com os órgãos nacionais.
De facto, nos termos da Constituição, compele ao Presidente da República apreciar a actuação dos orgão próprios das regiões e de tal modo que é seu o poder de dissolução dos mesmos, ouvidos o Conselho de Estado e o Governo.
Por outro lado, o Governo Regional responde perante a Assembleia Regional, mas a Constituição em nenhum ponto prevê a sua presença na Assembleia da República, o que significa que lhe está vedada a prestação directa de esclarecimentos a esta Assembleia e o exercício do direito de resposta.
Se olharmos a articulação que a Constituição estabelece entre os vários órgãos de soberania, verificamos que o sistema político português se desenvolve através de mecanismos de articulação entre aqueles que são interdependentes e reciprocamente responsáveis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jaime Gama (PS): - Ao contrário da Madeira!

A Oradora: - Basta tomarmos os exemplos óbvios da responsabilidade do Governo da Nação perante esta Assembleia, que aqui toma assento em todos os momentos da vida parlamentar em que a sua fiscalização se concretiza.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.

E esta estrutura jurídico-constitucional não é obra do acaso; é antes um corolário dos princípios de filosofia política que enformam a Constituição e um afloramento indirecto de alguns direitos fundamentais, designadamente o direito de resposta, o exercício do contraditório e o direito em geral dos cidadãos à informação.
Deturpar esta harmonia institucional, chamando desta forma ao debate lemas da actuação do Governo Regional que, não tendo aqui assento, não pode aqui responder, exercer o direito de defesa, esclarecer a comunicação social e a opinião pública, é, em última análise, ter do Estado de direito e dos seus fundamentos uma visão incompleta, senão algo distorcida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A autonomia regional sedimentou-se no pensamento político português e no texto constitucional por impulso directo e mercê do especial protagonismo do meu partido. De facto, era o projecto do Partido Popular Democrático aquele que, no seu artigo 8.º, com mais minúcia e uma concepção já mais amadurecida, estruturava o sentido da autonomia, sentido que, aliás, o então Deputado à Constituinte Barbosa de Melo, em declaração de voto, plenamente sintetizava, dizendo: «A Constituinte acaba de fixar uma correcta e autêntica regionalização relativamente aos Açores e à Madeira. Assentou-se no princípio de que as Regiões Autónomas têm competência legislativa; definiram-se os limites dentro dos quais essa competência se há-de exercer, com respeito pela Constituição e com respeito pelas leis próprias da competência dos órgãos de soberania [...]. Com este passo a Constituição deu, na verdade, um avanço extraordinário para uma concreta democratização do nosso país.»
De facto, o regime político-administrativo dos Açores e da Madeira assim nascido tem sido sucessivamente adequado aos condicionalismos geográficos, económicos e sociais das ilhas e às históricas aspirações autonomistas das suas populações e é ele que, sobretudo, favorece a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico e social, a promoção e a defesa dos interesses regionais, o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses, solidariedade que, alias, bem sublinhava o então Primeiro-Ministro, Sá Carneiro, em 28 de Julho de 1980, em reunião com o Governo madeirense; solidariedade que institucionalmente se exprime numa articulação eficaz e de elevado sentido cívico e político entre os órgãos próprios e os órgãos nacionais; solidariedade que o meu partido, nesta Assembleia, sempre promoveu e continua a reiterar a bem da unidade do Estado Português e da efectiva sedimentação do Estado de direito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Como os Srs. Deputados puderam verificar, a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira utilizou também tempo cedido pelo CDS.
Entretanto, como o Sr. Deputado Narana Coissoró pediu a palavra para pedir esclarecimentos, vai ter de dividir o tempo que lhe resta para que a Sr.ª Deputada possa responder-lhe.
Tem, pois, a palavra, Sr, Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, mas não posso pedir os «tais» dez minutos que já cedemos para dividirmos?! ...

Risos.

Bom, passado este momento de humor, quero dizer que a Sr.ª Deputada, na intervenção que acabou de produzir, tentou corrigir o «tiro» da sua bancada, lançando esse debate para um campo completamento diferente daquele para que estava, e está, projectado.
Em primeiro lugar, relativamente à expressão «défice democrático», todos sabemos que esta expressão se tomou vulgar a partir do momento em que a ouvimos no Parlamento Europeu, uma vez que o Parlamento Europeu não podia controlar os actos da Comissão e não tinha poderes que normalmente os parlamentos tem.
O défice democrático, na linguagem política não é uma perversão do Estado de direito, não é o judicial estar dependente ou o não funcionamento do equilíbrio dos pode-

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rés, a separação dos poderes, etc. O «défice democrático», de momento, e da maneira como estamos a trata-lo - e foi tratado aqui -, é um modo de demonstrar que as instituições representativas de um Estado democrático estilo encurtadas, quanto ao seu funcionamento, na Região Autónoma da Madeira. Aliás, sempre dissemos que não havia défice democrático, porque as instituições democráticas funcionam, só que funcionam mal, isto é, há perversões, ou mau funcionamento, nas instituições democráticas.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Onde é que não há?!

O Orador: - Tem razão para perguntar. Quer V. Ex.ª dizer que aqui também as há?!

Risos.

Ora bem, se a oposição não pode fazer perguntas ao Governo, porque este não aparece, se os inquéritos suo sistematicamente rejeitados, se os Deputados da oposição são tratados publicamente da forma como o meu colega líder parlamentar da bancada do CDS é tratado - e a expressão com que o tratam é «criaturinha» -,...

Risos.

... se na televisão, nos órgãos de comunicação social e não digo na laracha partidária, digo comunicação social -, na RTP, se diz que a Assembleia Regional da Madeira tem «tantos» Deputados do PSD, sete criaturas do PS e duas criaturinhas do CDS,...

Risos.

... isto, ou é falta de educação democrática ou é défice democrático!

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Isso é carinho!

O Orador: - Em segundo lugar, quando num Estado de direito, onde a comunicação social devia ser independente, existe um preceito legal que dá ao Governo o direito de veto sobre uma direcção de informação de um órgão de comunicação social, isso é um défice democrático!
Quando, por exemplo, as reportagens são visionadas previamente, antes de serem transmitidas ao público, aqui há défice democrático!
Quando se nega ao Tribunal de Contas a contabilidade do Estado ou quando não se lhe dá importância na altura em que ele diz que não pode proceder ao controlo das finanças regionais porque não lhe são fornecidos os dados, aqui há défice democrático da Região!
É isto que queremos dizer. Não estornos a fazer qualquer perversão ao Estado de direito!...

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira, dispondo para o efeito apenas de três minutos.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, agradeço-lhe a pergunta que me colocou, porque ela permite estabelecer aqui algumas precisões que talvez sejam úteis neste momento.
Em primeiro lugar, quero dizer que acompanho V. Ex.ª e a literatura dos politologos no sentido exacto que a expressão «défice democrático» adquiriu, sobretudo a partir da Europa comunitária, mas não acompanharia já o significado
exacto da expressão porquanto, infelizmente, ele sofreu na portugalidade uma evolução semântica, a partir do momento em que houve uma conotação, uma identificação e uma utilização de uma imagem por parte de um Sr. Deputado da oposição, mais concretamente do PS, aqui há uns tempos atrás, nesta Assembleia, e que me permito não sublinhar através da palavra, neste momento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - De facto, o «défice democrático», tal como foi aplicado à Região Autónoma da Madeira pelo líder da bancada do PS, linha um significado completamento diferente,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: -... que nos transportava para uma ideia, infelizmente, nova no léxico político português, que, do nosso ponto de vista e a bem do esclarecimento da opinião pública e da tranquilidade das pessoas que nos acompanham no conhecimento das coisas políticas, é preciso clarificar neste debate.
Por outro lado, Sr. Deputado Narana Coissoró, para terminar, devo dizer-lhe que na minha intervenção tive a preocupação de acentuar uma ideia que temos e que se compagina muito com o ideário do meu partido: é a ideia da democracia e do Estado de direito, que é uma ideia de humildade. Acreditamos que o Estado de direito é uma realidade «em crescendo» e que, portanto, é sempre susceptível de aperfeiçoamento.
Acreditando que é sempre susceptível de aperfeiçoamento, estamos perfeitamente conscientes de patologias pontuais que o possam caracterizar. O que não vamos, de maneira nenhuma, é contribuir para um acréscimo dessas patologias.
E num debate em que pairou esta expressão, desgraçadamente portuguesa, acerca do «défice democrático», o quisemos significar. Sr. Deputado Narana Coissoró, foi que a periclitação dos direitos, liberdades e garantias de que se fala na Região Autónoma da Madeira não pode ser ajudada ao nível da prática do Parlamento nacional, desde o momento em que não se possa exercer aqui o direito do contraditório por parte do Governo Regional, que não tem aqui acento e que, portanto, não tem aqui direito de resposta.
Era, sobretudo, essa realidade que era importante trazer para a opinião pública.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção final em nome do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD soçobrou neste debate.

Risos do PSD.

Aliás, outro resultado não era de esperar. E não o era porque o resultado estava, à partida, conhecido.

Risos do PSD.

Os Srs. Deputados do PSD começaram por chamar a atenção para a necessidade de apontarmos factos. Nós apontamos factos, factos e factos - um caudal de factos - e VV. Ex.ªs a eles não responderam.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PSD agora, numa última intervenção da Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira, tentou colocar - dando-nos, aliás, razão parcial - as questões da imperfeição do regime existente na Madeira. É essa, rigorosamente, a questão que cobre os factos que nós apresentamos. A questão é, rigorosamente, a da competência que a Assembleia da República tem para vigiar o cumprimento da Constituição e das leis, que conduz a que, na Madeira, não haja um regular funcionamento das instituições democráticas. É esse o cerne do problema.
E não há um cumprimento e um regular funcionamento das instituições democráticas, desde logo, porque, como provamos, há uma osmose entre o poder político e o poder económico, porque, como provamos, as contas regionais não merecem credibilidade na opinião do Tribunal de Contas, uma opinião evidentemente insuspeita, porque a comunicação social é manipulada, como é evidente para qualquer pessoa de boa-fé e de presença e espírito crítico assinaláveis, porque os Deputados são intimidados, desde logo, quando se ameaça com procedimentos judiciais - aliás, caricatos e sem suporte legal - ou quando se decide como a Constituição - como os tribunais provaram, recusando razão à maioria do PSD no Parlamento da Madeira -, retinindo a imunidade a um Deputado, porque não encara a prática efectiva do estatuto da oposição, ouvindo-a regularmente, informando-a sobre os negócios públicos e dando-lhe a possibilidade de tempo regular na comunicação suciai pública.
Srs. Deputados, todos estes factos - factos e factos e factos - foram por nós arrolados e não foram desmentidos!
VV. Ex.ªs fizeram nalguns momentos, entermeados por uma ou outra intervenção de natureza pernóstica ou paroquial, incursões no domínio de acusações concretas. A Sr.ª Deputada Cecília Catarino fez aqui acusações graves e de duas uma: ou a Sr.ª Deputada acciona os mecanismos que tem ao seu alcance para apurar a verdade - e esses mecanismos são vários - ou, então, a Sr.ª Deputada produziu um puro acto de difamação, o que é inaceitável em nome de uma ética democrática e do relacionamento entre nós.
Por isso apelamos à Sr.ª Deputada para que, connosco, pelas vias judiciais ou parlamentares, do consistência ao instrumento que aqui propusemos e que é o maior instrumento que a Assembleia da República tem: fiscalizar politicamente o cumprimento da Constituição e das leis ou os actos de qualquer órgão de soberania.
Há um princípio constitucional que diz que a autonomia político-administrativa regional não alceia a integridade da soberania do Estado, exercendo-se no quadro da Constituição. É no quadro da Constituição, em nome da soberania da Assembleia da República, em nome da solidariedade nacional, que propomos uma comissão de inquérito. E o que os Srs. Deputados do PSD tem de fazer é o seguinte: perante factos e factos e factos, apuramento da verdade! Contribuam, pois, para o apuramento da verdade e não tenham medo que ela venha a superfície,...

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Quem é que tem medo?

O Orador: -... porque isso serve a democracia!

Aplausos do PS.

O Sr. Carlos Lélis (PSD):- Medo?! ... Mas, afinal, quem tem medo?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pacheco Pereira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Para defesa da consideração da minha bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ern todos os debates que o Partido Socialista tem feito nesta legislatura, a última intervenção que faz é para dizer que os venceu. Em todos, sem excepção, desde o primeiro!
Compreendo esta preocupação, mas mais importante do que a vontade de mudar, com palavras, a realidade é o entendimento que o Partido Socialista tem da politica, como sendo uma espécie de jogo em que ou se ganha ou se perde, em que se vence ou se é derrotado. Não compartilhamos desse entendimento.
Ao Partido Socialista, que a concluir o debate disse, ipsis verbis, que na Madeira não há funcionamento regular das instituições democráticas, queremos lançar daqui um repto que lhe fazemos desde o primeiro minuto e que é este: sejam consequentes com as vossas acusações, sejam consequentes com a atitude de acusação que tomaram e vão ter com o Sr. Presidente da República para que ele desencadeie os mecanismos constitucionais que são coerentes com essas acusações,...

Risos do PS.

... porque senão o que os senhores estão a fazer é, outra vez, um jogo, uma finta, uma partida, ou seja, fazem as acusações e, depois, não tiram as consequências da sua gravidade.
Ao fazerem isso estão a prestar um mau serviço à democracia, porque estão a destruir o significado das palavras, estão a destruir o sentido das coisas e estão a transformar o vocabulário político numa coisa que, a prazo, para a grande maioria dos cidadãos, vai perder todo o sentido.
Sejam, pois, consequentes com a gravidade das acusações que fazem e tirem as consequências dessas acusações. Vão ao Sr. Presidente da República e pecam-lhe para proceder em consequência das acusações que fazem.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da minha honra pessoal.

O Sr. Presidente: - Primeiro, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Alberto Martins para dar explicações, depois disso, naturalmente, dar-lhe-ei a palavra para defender a sua honra pessoal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, a consequência e o levar aos últimos resultados a acusação que fazemos sobre o défice democrático e sobre o funcionamento não regular das instituições democráticas na Madeira, baseada em factos concretos, significa que a solução prática e o efeito que a Assembleia da República tem, ou pode ler, é o seguinte: ou aceita as nossas acusações ou, então, de acordo com o espírito que aqui propusemos, abre-se uma comissão de inquérito para apurar a sua consistência.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

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7 DE MAIO DE 1992 1887

É a única possibilidade constitucional que a Assembleia da República tem, pois não tem qualquer outra, como órgão próprio. A Assembleia da República não é um orgão de apelo ao Presidente da República.
Portanto, a única conclusão a que pode chegar é a de emitir um juízo político, indiscutível, na base de uma comissão de inquérito. Depois disso, o Sr. Presidente da República assumirá as responsabilidades que entender. Nós, neste momento, assumimos as nossas.
VV. Ex.ªs não queiram fugir para a frente, que é o que estão a fazer!

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra, tem agora a palavra a Sr." Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, referiu V. Ex.ª que fiz afirmações graves. É capaz de ser verdade, mas fi-las conhecendo, talvez menos bem do que VV. Ex.ªs, aquilo que disse. Talvez os Srs. Deputados saibam bem...
Porventura, talvez na vossa bancada - dos poucos que aqui estão agora - haja alguns Deputados que saibam muito bem do que é que eu falei. Por isso é que reitero tudo aquilo que disse e gostaria que os Srs. Deputados do Partido Socialista, toda esta Câmara, os órgãos de comunicação social, as instituições responsáveis deste País, todos pensassem e ponderassem sobre o sistema que denunciei quando subi àquela tribuna. Denunciei um sistema, fiz referência a factos que são graves e em que VV. Ex.ª tem grandes responsabilidades e de que são os principais beneficiados.
E eu concluiria, Sr. Deputado Alberto Martins, perguntando-lhe o seguinte: como é que VV. Ex.ªs chegam ao fim deste debate com coragem para dizer que o venceram?!... Porventura apresentaram a vossa alternativa para a situação na Região Autónoma da Madeira?

Risos e protestos do PS.

Sr. Presidente, peço licença à Mesa para citar o insuspeito Diário de Notícias do Funchal, de que o Governo Regional ó acusado...

Vozes do PS: - Ah! Ah! Ah!

A Oradora: - Sim, sim! O Governo Regional é acusado pelo senhores de lhe ler cortado as verbas porque só veicula as vossas opiniões, portanto é «insuspeito»! No Diário de Notícias do dia 8 de Julho de 1990, na reportagem do vosso congresso reproduz ipsis verbis as palavras de um Sr. Deputado aqui presente e de outros companheiros vossos de bancada. Referia o, na altura, Deputado Luís Amado: «[...] não estuo aqui figuras capazes de promover tecnicamente uma alternativa [...]» e considerou que o poder está, de lacto, lá fora na sociedade, com um ideário, uma estratégia, organização partidária e vontade, «l...] só com isto será possível ir buscar o potencial alternativo que na sociedade existe».
E no dia seguinte, na edição de 9 de Julho, quando o Sr. Deputado Luís Amado vinha reforçar a sua opinião emitida na véspera, o Diário de Notícias releria o seguinte: «[...] os próprios socialistas madeirenses interrogam-se sobre as possibilidades de o partido estar a caminhar para a alternativa [...]». E o Sr. Deputado Luís Amado dizia que «a alternativa não está cá dentro», cá dentro do PS. E o Sr. Deputado Emanuel Jardim Fernandes respondia: «por isso mesmo é que a sua moção não é intitulada alternativa, mas sem preparar a alternativa, porque uma alternativa precisa de quadros». E pergunto aos Srs. Deputados: Já encontraram quadros, já tem alternativa preparada?

Protestos do PS.

Que credibilidade podem merecer VV. Ex.ªs de uma população...

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Oradora: -... à qual são incapazes de se misturar, ao ponto de um militante vosso, que é rural, manter as suas críticas e dizer...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço-lhe para concluir as suas considerações, pois senão vejo-me forçado a cortar-lhe a palavra.

A Oradora: - Peço-lhe apenas mais uma fracção de segundo para concluir. Sr. Presidente.
Dizia, então, esse militante rural: «possivelmente estão à espera que o povo ponha uma gravata e venda as semilhas para vir a um almoço na Caravela!.»

Protestos do PS.

Para quem não sabe, a Caravela é um restaurante chique lá do sítio...

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, serei breve, pois quero apenas confessar a minha perplexidade perante esta declaração da Sr.ª Deputada Cecília Catarino.
Perplexidade, desde logo, porque a interpelação que dirigi à Sr.ª Deputada foi no sentido de clarificar e concretizar as denúncias que fez relativamente a factos graves de natureza económica. Isso comina uma difamação, se não for provado, e constitui uma insinuação inaceitável.
O que pedimos à Sr.ª Deputada é que os factos graves de natureza económica que a Sr.ª Deputada afirmou serem praticados por alguém desta bancada sejam concretizados, sob pena de termos da Sr.ª Deputada uma opinião que por certo não merece.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar apresentou na Mesa um projecto de deliberação que visa, acerca de tudo, face, designadamente, à forma como este debate decorreu,...

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Fazer uma inquérito à Madeira!...

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1888 I SÉRIE - NÚMERO 59

O Orador: -... deixar clara a posição de solidariedade da Assembleia da República para com as autonomias regionais.

Trata-se de um projecto que está acima de todas as questões que aqui debatemos, pelo que gostaríamos de fechar o presente debate com a respectiva votação. Nesse sentido, solicito à Mesa que ausculte os di versos grupos parlamentares com o objectivo de averiguar se há consenso para esse efeito. É porque, dada a simplicidade e o conteúdo do projecto de deliberação, pretenderíamos saber se haveria disponibilidade das diversas bancadas para realizar a votação do dito projecto, sem necessidade sequer de discussão do mesmo.
Perante essa informação tiraremos as ilações necessárias da vontade que os restantes grupos parlamentares manifestarem a este propósito.

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, à Mesa já chegou a informação de que o Partido Socialista não daria o seu consentimento à votação imediata do mencionado projecto de deliberação.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Peço de novo a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É apenas para pedir à Mesa que proceda à leitura deste projecto de deliberação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: -Com certeza, Sr. Deputado. A Mesa não vê qualquer inconveniente em que se proceda à leitura do projecto...

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra também para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, para além do mais, não vemos absolutamente qualquer urgência em votar agora este documento intitulado de projecto de deliberação.
De resto, a minha bancada ainda não conseguiu descobrir que proposta de deliberação esta contida neste documento...!? Efectivamente, parece-nos que não há qualquer uma. Este documento é, antes, um voto!...

Vozes do PCP: - Exactamente. É um voto!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - É uma petição, um abaixo-assinado!

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, também eu peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, como Deputado sem assento na Conferência de Líderes, vejo-me na necessidade de recorrer à figura regimental da interpelação à Mesa para pedir um esclarecimento a V. Ex.ª.
É porque, de facto, já aqui temos assistido sucessivamente, quanto a votos de saudação, como, por exemplo, o que foi apresentado a propósito do Dia do Estudante e que mereceu um vasto consenso da Câmara, ou votos de pesar, à circunstância de o PSD, não concordando com o respectivo conteúdo, não dar a necessária aquiescência à sua votação no terminus da sessão.
Gostaria, pois, de saber se a prática desta Casa em relação aos projectos de deliberação, independentemente da qualificação dos documentos entregues na Mesa, tem sido a de agendar esses projectos em Conferência de Líderes ou, pelo contrario, a de «apontar a faca» à oposição dizendo: «Agora, ou votam ou nós tiraremos as devidas ilações».
Pretenderia, pois, saber junto do Sr. Presidente qual é a prática que tem sido seguida nesta legislatura.

O Sr. José Lello (PS): - Era uma finta! ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Apolinário, a resposta é muito simples: a prática que tem sido seguida é a de só se poder fazer qualquer votação depois da hora regimental perante a concordância de todas as bancadas. Não havendo esse consenso, a Mesa nada submete à votação. Esta tem sido a prática da Mesa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra também para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, para que o Sr. Deputado Guilherme Silva não extraia as consequências que ameaça tirar,...

Risos.

... resta-me dizer que os outros Deputados da minha bancada também gostariam de participar na votação do referido projecto e que eu não posso retirar-lhes esse prazer!...

Risos.

Vozes do PS e do PCP: - É evidente!

O Orador: - É exactamente essa a razão pela qual não pode nem deve ser votado hoje o documento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Bom, Srs. Deputados, bastaria que alguém se opusesse para que tal votação não se realizasse.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, quero, sob a forma de interpelação à Mesa e a propósito deste voto, dar um esclarecimento sobre a respectiva substância.
É que votaremos a favor de iodos os seus parágrafos, com exclusão da penúltima linha do § 7.º, onde proporíamos uma alteração do seguinte teor: onde está «[...] que se preserve a paz social e a estabilidade democrática que tem caracteriza-

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do o desenvolvimento das Regiões Autónomas» escrever-se-ia «[...] que se preserve a paz social e a estabilidade democrática nas Regiões Autónomas [...]».

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como eu já disse, votar-se-ia este denominado projecto de deliberação com a emenda proposta pelo PS apenas e só se todas as bancadas estivessem de acordo, mas como o CDS mantém a posição que há pouco expressou ele ficará em agenda para ser oportunamente votado.
Antes de terminar, relembro que a reunião plenária de amanhã terá lugar às 15 horas, dela constando, atém do período de antes da ordem do dia, a ordem do dia de que faz parte a apreciação conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 81/VI - Programa de rearborização para áreas percorridas por incêndios florestais (PCP); 82/VI - Programa de emergência para a defesa da floresta portuguesa (PCP); 1367VI - Ampliação da competência das comissões especializadas de fogos florestais, municipais e adopção de medidas contra fogos florestais (PS), e ainda do projecto de resolução n.º 8/VI - Promove a realização de um seminário sobre fogos florestais e defesa do ordenamento da floresta portuguesa e do espaço rural (PCP). Terão, ainda, lugar as votações no seu horário regimental.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 35 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António José da Mota Veiga.
Carlos Oliveira da Silva.
Fernando Cardoso Ferreira.
João Carlos Duarte.
João Granja da Fonseca.
José Bernardo Falcão Cunha.
Manuel Casimiro de Almeida.
Maria Conceição Rodrigues.
Maria Luísa Ferreira.

Partido Socialista (PS):

Ana Maria Bettencourt.
António Alves Martinho.
José Apolinário Portada.
José Gameiro dos Santos.
Júlio Miranda Calha.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adriano da Silva Pinto.
António Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
Aristides Alves Teixeira.
Armando Guerreiro da Cunha.
Cipriano Rodrigues Martins.
Fernando Monteiro do Amaral.
João Álvaro Poças Santos.
Joaquim Fernandes Marques.
José Borregana Meireles.
José Reis Leite.
Manuel Azevedo.
Manuel Cosia Andrade.
Maria Manuela Aguiar.
Miguel Fernando Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Crisóstomo Teixeira.
António da Silva Braga.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Costa Candal.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
José Eduardo Cruz Jardim.
José Manuel da Silva Lemos.
José Rebelo dos Reis Lamego.
José Rodrigues dos Penedos.
Manuel Alegre Melo Duarte.
Maria Julieta Sampaio.
Raul Fernando Costa Brito.
Rogério Conceição Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

João Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Miguel Urbano Rodrigues.
Vítor Manuel Ranita.

Centro Democrático Social (CDS):

Casimiro da Silva Tavares.
Manuel Rodrigues Queiró.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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