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Sexta-feira, 3 de Julho de 1992

I Série - Número 82

DIÁRIO Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE JULHO DE 1992

Presidente: Exma. Sr.ª Maria Leonor Beleza de Mendonça Tavares
Secretários: Exmos.- Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Alberto Costa (PS) criticou a actuação política do PSD e do Governo, designadamente quanto à reforma do sistema eleitoral, à revisão constitucional e às autonomias regionais, tendo respondido ainda a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado António Filipe (PCP) condenou o projecto de lei do segredo de Estado, apresentado pelo PSD, e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Fernando Condenso (PSD).
O Sr. Deputado Rui Ávila (PS) abordou as consequências para os Açores resultantes da posição da Base Áerea das Lajes no novo equilíbrio político-militar do mundo. Respondeu, depois, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Mário Maciel (PSD).
A Sr.ª, Deputada Ema Paulista (PSD) congratulou-se com a passagem dos 212 actos da Casa Pia de Lisboa.
A Sr., Deputada Apolónia Teixeira (PCP) insurgiu-se contra a reestruturação da CP e respondeu depois a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Elói Ribeiro (PSD).
O Sr. Deputado António Afonso (PSD) referiu-se a várias questões do distrito de Bragança.

O Sr. Deputado Marques da Silva (PS) criticou a política de ambiente do Governo na Região Autónoma da Madeira, respodendo depois a pedidos esclarecimento da Sr.ª Deputada Cecília Catarino (PSD), que também usou da palavra ao abrigo do direito de defesa.

Ordem do dia. - Procedeu-se à apreciação dos projectos de lei n.º 109N1-Lei dos baldios (PS) e 163/VI - Lei sobre os baldios (PSD). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Oliveira e Silva (PS), Carlos Duarte (PSD), Lino de Carvalho (PCP), Raul Castro (Indep.), Luís Martins e Fernando Condesso (PSD), Manuel Queiró (CDS), Manuel Sérgio (PSN), Mário Tomé (Indep.), João Carlos Pinho (CDS) e José Costa Leite (PSD).
A Câmara rejeitou, na generalidade, o projecto de lei n.º 140/VI - Lei de Bases dos Arquivos (PS) e aprovou, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 29/VI - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime geral dos arquivos e do património arquivístico. Produziu uma declaração de voto o Sr. Deputado Fernando Marques (PS).
Foi ainda aprovada, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 27/VI - Autoriza o Governo a introduzir na legislação referente a impostos sobre os rendimentos e benefícios fiscais as modificações necessárias à cobrança do imposto devido pela transmissão de títulos de dívida.
Finalmente, foi aprovado o projecto de deliberação n.º 34/VI-Constituição de uma comissão eventual para a revisão constitucional (PSD e PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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A Sr.ª. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Ana Paula Matos Barros.
António Barbosa de Melo.
António Barradas Leitão.
António Correia Vairinhos.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Sá e Abreu.
António Paulo Coelho.
António Santos Pires Afonso.
Aristides Alves Teixeira.
Arlindo da Silva Moreira.
Armando Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata da Silva.
Carlos Almeida Figueiredo.
Carlos de Almeida Coelho.
Carlos Duarte Oliveira.
Carlos Lopes Pereira.
Carlos Manuel Gonçalves.
Carlos Miguel de Oliveira.
Carlos Oliveira da Silva.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Domingos José Soares Lima.
Duarte Rogério Pacheco.
Eduardo Pereira da Silva.
Elói Franklin Ribeiro.
Ema Maria Lóia Paulista.
Fernando Cardoso Ferreira.
Fernando Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Marques de Andrade.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando Rodrigues.
Guilherme Rodrigues Silva.
Hilário Azevedo Marques.
15ilda Maria Pires Martins.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja Silva.
João Carlos Duarte.
João de Oliveira Martins.
João do Lago Mota.
João Granja da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Salgado.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Roque da Cunha.
José Alberto Puig Costa.
José Álvaro Pacheco Pereira.
José Augusto Silva Marques.
José Borregana Meireles.
José Coelho dos Reis.
José de Almeida Cesário.
José Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Correia.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário Lemos Damião.
Leonardo Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero Cunha Pinto.
Manuel Azevedo.
Manuel Casimiro de Almeida.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Costa Andrade.
Manuel Lima Amorim.
Manuel Maria Moreira.
Maria Conceição Rodrigues.
Maria da Conceição Pereira.
Maria de Lurdes Póvoa Costa.
Maria Fernanda Dias Cardoso.
Maria José Barbosa Correia.
Maria Leonor Beleza.
Maria Luísa Ferreira.
Maria Margarida Pereira.
Marília Dulce Pires Morgado.
Mário Belo Maciel.
Melchior Pereira Moreira.
Miguel Bento Macedo e Silva.
Miguel Fernando Relvas.
Nuno Delerue Alvim de Matos.
Olinto da Cruz Ravara.
Pedro e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes Silva.
Vasco Francisco Miguel.
Virgílio de Carneiro.
Vítor Manuel Igreja Raposo.
Vítor Pereira crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Oliveira e Silva.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Bettencourt.
António Alves Martinho.
António Correia de Campos.

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António da Silva Braga.
António de Almeida Santos.
António Domingues Azevedo.
António José Martins Seguro.
António Marques Júnior.
António Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
António Ribeiro Campos.
António Ribeiro da Silva.
Armando Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Mendes de Brito.
Edite Marreiros Estrela.
Eduardo Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José de Figueiredo.
Fernando Manuel Costa.
Fernando Pereira de Sousa.
Fernando Pereira Marques.
Guilherme de Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Ferraz de Abreu.
João Maria Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Almeida Leitão.
José Apolinário Portada.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Cruz Jardim.
José Eduardo Reis.
José Ernesto dos Reis.
José Manuel Magalhães.
José Rebelo dos Reis Lamego.
José Rodrigues dos Penedos.
José Sócrates de Sousa.
Júlio da Piedade Henriques.
Júlio Miranda Calha.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho Santos.
Luís Capoulas Santos.
Luís Filipe Madeira.
Manuel Alegre Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Sampaio.
Maria Santa Clara Gomes.
Raúl Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião.
Apolónia Maria Teixeira.
João Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia.
Lino Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.
Vítor Manuel Janita.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
João Carlos da Silva Pinho.
Manuel Rodrigues Queiró. .
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
15abel Maria Almeida Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira Cunha.

Deputados independentes:

Mário Baptista Tomé.
Raul de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs, Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: os projectos de lei n.º- 182/VI - Reelevação da povoação de Vilar de Maçada à categoria de vila (PS), 183/VI-Criação da freguesia de Vila Verde, no concelho de Seia (PS), 184/VI - Criação da freguesia de Serém (PSD), que baixaram à 6.ª Comissão; projecto de deliberação n.º34/VI- Constituição de comissão eventual para a revisão constitucional (PSD e PS).
Foram apresentados na Mesa na última reunião plenária os requerimentos seguintes: à Secretaria de Estado da Habitação, formulados pela Sr.ª Deputada Leonor Coutinho; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pela Sr.ª Deputada Edite Estrela; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados João Amaral e José Apolinário; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputadas Casimiro de Almeida, Abílio Sousa e Silva e Macário Correia; ao Ministério da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Casimiro de Almeida; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Macário Correia e Mário Tomé; ao Instituto Nacional de Estatística, formulado pelo Sr. Deputado Mário Tomé; a diversas câmaras municipais, formulados pelo Sr. Deputado Macário Correia.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: António Filipe, nas sessões de 12 de Dezembro, 10 de Março, 14 de Maio e 2 de Abril; Ana Maria Bettencourt, nas sessões de 16 de Janeiro e 6 de Maio; Lino de Carvalho, nas sessões de 11 de Fevereiro e 3 de Junho; Manuel Sérgio, no dia 18 de Fevereiro; José Apolinário, nas sessões de 5 e 24 de Março, 2, 7, 10 e 24 de Abril; Artur Penedos, na sessão de 13 de Março; Apolónia Teixeira, na sessão de 24 de Março; Guilherme Oliveira Martins, nas sessões de 26 de Março e 2 de Abril; Álvaro Viegas, Rui Cunha e Miranda Calha, na sessão de 31 de Março; Marques da Silva, na sessão de 10 de Abril; Vítor Janita, na sessão de 23 de Abril; João Amaral, na sessão de 24 de Abril; Raul Castro, na sessão de 5 de Maio; José Magalhães, na ses-

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são de 12 de Maio; Cerqueira de Oliveira e João Poças Santos, na sessão de 21 de Maio; João Granja e Luís Peixoto, na sessão de 28 de Maio; Jerónimo de Sousa, na sessão de 2 de Junho; Armando Vara, na sessão de 4 de Junho.

A Sr, Presidente (Leonor Beleza): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A maioria e o executivo saídos das eleições de Outubro quiseram iniciar o novo ciclo político com o anúncio de importantes reformas institucionais. Na economia do Programa do Governo e na sua apresentação a esta Assembleia pelo Primeiro-Ministro, a reforma do sistema eleitoral e a revisão antecipada da Constituição foram tópicos salientes.
O presidente do PSD reafirmou então um estilo que dizia caracterizar-se por "mais eficácia, rigor e coerência, mais exigência e competência na decisão".
Aproxima-se o termo da 1.ªsessão legislativa. É agora visível que o Governo e a maioria não dispõem de ideias nem de políticas consistentes para a promoção das reformas institucionais anunciadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que neste domínio saltou à vista foi incoerência, ineficácia, falta de rigor, menor exigência e incompetência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vamos encerrar a sessão legislativa sem que algum dos objectivos do PSD, neste campo, se tenha realizado.
O Primeiro-Ministro declarou em Novembro, nesta Assembleia, que pretendia uma reforma global do sistema eleitoral, a traduzir num código eleitoral. Em Março, o que o Ministro da Administração Interna entregava aos grupos parlamentares da oposição era um documento juridicamente inclassificável, contendo, sob forma articulada, um conjunto de alterações avulsas às várias leis eleitorais vigentes e à Constituição. Ainda nesse mês, os Deputados do PSD apressavam-se a propor a constituição de uma comissão eventual para a reforma do sistema eleitoral, a que caberia a análise de todas as iniciativas legislativas entradas até 30 de Abril. Dentro desse período, por eles próprios escolhido, nem o Governo nem o PSD se mostraram capazes de apresentar na Assembleia da República seja o falado código eleitoral seja qualquer espécie de iniciativa legislativa na matéria.
O prazo acabaria por ser alterado para serem abrangidas as iniciativas legislativas entradas na Assembleia até 30 de Maio, tendo o PSD querido que a Comissão dispusesse, para os seus trabalhos, dos 30 dias subsequentes.
Estamos a 2 de Julho, decorreram todos os prazos escolhidos pela maioria. Nem o PSD nem o Governo foram, mais uma vez, capazes de apresentar qualquer iniciativa legislativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Na sua falta, foi requerido ao Governo o acesso aos trabalhos preparatórios que, num Estado moderno, precedem qualquer proposta séria de reforma do sistema eleitoral. Não há resposta! Se é que não constituem já segredo de Estado, há que concluir que tais estudos não existem.
Ao contrário da promessa de Novembro, o que os factos revelam é a descoordenação entre o Governo e o Grupo Parlamentar do PSD e a falta de capacidade de realização da agenda legislativa.

Aplausos do PS.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Desde o primeiro momento, o PSD extractou do código eleitoral em mente a questão do voto dos emigrantes para dela fazer um insistente consumo político. Pois bem, foi requerido também o acesso aos estudos realizados sobre os diversos e, reconhecidamente, complexos problemas suscitados pelo exercício do direito de voto por não residentes. Não há resposta, não há acesso! Haverá estudos?
O articulado avançado pelo Ministro da Administração Interna passa por cima de qualquer dos problemas específicos suscitados pela participação eleitoral de não residentes. Ora, o simples encurtamento do prazo entre a primeira e a segunda volta das presidenciais, que é proposto, é absolutamente incompatível com o sistema de votação que tem vigorado para a Assembleia da República. Ou não há seriedade, ou não há competência! Para o Governo e para o PSD, o voto dos emigrantes é um bom tema para agitar e usar. O voto dos cidadãos não residentes não é, seguramente, um bom tema para trabalhar, com rigor, exigência e competência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Com a reforma do sistema eleitoral, o Primeiro-Ministro e o PSD avançaram, desde Novembro, com a ideia de uma revisão antecipada da Constituição. Seria um puro logro pensar que com isso revelaram uma consciência apurada do que constitucionalmente existisse de desajustado em relação a uma interpretação actualizada do interesse nacional.
É que enquanto ia negociando, cláusula a cláusula, o Tratado de Maastricht, o Governo foi incapaz de se aperceber que os compromissos a subscrever iam para além das normas constitucionais a que estava vinculado. Em 18 de Dezembro, o Primeiro-Ministro afirmava tranquilamente, nesta Assembleia, que "aquilo que foi aprovado em Maastricht não colide com disposições constitucionais".
Era, em matéria institucional, um novo exemplo do estilo de rigor e de competência anunciado.
Agindo e negociando em estado de inconsciência constitucional, o Governo omitiu um debate nacional, indispensável, sobre o Tratado e as suas implicações. Com isso, tomou-se responsável pelas condições que facilitaram o aparecimento de pulsões referendárias, incompatíveis com a concepção constitucional do referendo.
A revisão constitucional antecipada, a que o Governo e o PSD se mostravam tão sensíveis, não ia, afinal, além das "intervenções cirúrgicas" necessárias para a satisfação dos seus próprios projectos, em matéria eleitoral.
Mesmo quando, finalmente, constrangido a conceber as adaptações à nova fase da construção europeia, como única matéria justificativa de revisão extraordinária da Constituição, o PSD continuou a revelar uma visão estreita do impacte da construção da união europeia sobre os equilíbrios entre órgãos de soberania e entre estes e as regiões autónomas. O projecto de revisão constitucional do PSD

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não consagra as soluções de reequilíbrio indispensáveis para que à nova fase da construção europeia não tenha de corresponder uma democracia mais deficitária no espaço nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O projecto do PSD significa mais Europa, mais burocracia, com menos democracia e menos soberania".

Aplausos do PS.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Enganam-se os que têm pensado que o PS se limita a reagir ao que o PSD vem fazendo, ou falando, em matéria institucional.
Temos ideias e objectivos claros. Tomamos a sério os valores e as reformas institucionais.
Portugal deve ser um pais constitucionalmente previsível. Os Portugueses e a Europa sabem que, com a nossa postura, Portugal continuará a ser um país constitucionalmente previsível. É isso o que o PS, na oposição, pode fazer de melhor para o futuro dos Portugueses.
Como aqui foi dito na altura própria, não há justificação para uma revisão extraordinária da Constituição, em matéria eleitoral; há justificação para um ajustamento extraordinário do quadro constitucional às soluções previstas no Tratado da União Europeia.
Esse ajustamento implica, necessariamente, um reforço das competências desta Assembleia, por forma que ela possa realmente acompanhar o processo de construção europeia, pronunciar-se sobre as propostas de actos comunitários, em matéria da sua competência, e ainda regular o processo de designação dos representantes de Portugal em órgãos, como o Comité das Regiões. 15so implica também o reconhecimento do poder de as regiões autónomas se pronunciarem sobre as propostas de actos que lhes digam respeito. Neste contexto, o PS é claramente a favor do reforço da autonomia.

Aplausos do PS.

Estes são aspectos necessários e inelimináveis do processo de ajustamento constitucional à nova fase da construção europeia. Mais Europa sem mais controlo democrático, mais Europa sem mais poder de acompanhamento e controlo, por parte do Parlamento nacional e dos órgãos das regiões autónomas, significa menos democracia, menos soberania e menos autonomia regional.

Aplausos do PS.

O projecto de revisão constitucional que apresentámos significa que levamos a sério a Europa, a democracia e Portugal; significa mais Europa, mais democracia e mais Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mais, a revisão extraordinária da Constituição e a aprovação para ratificação do Tratado da União Europeia devem ser precedidas de um amplo debate parlamentar e nacional, cujas regras já propusemos e só nós propusemos em projecto de resolução que apresentámos.
A persistente omissão do Governo na promoção desse debate torna o seu desencadeamento argente uma condição política determinante para que a revisão e a aprovação do Tratado se possam efectivar em tempo útil. É legitimo exigir que a opção por mais Europa seja precedida, entre os Portugueses, por mais informação e debate público sobre a Europa.

Aplausos do PS.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O PS está preparado para contribuir, como vem fazendo, para o aperfeiçoamento das instituições democráticas em todos os planos, nomeadamente no eleitoral.
Vamos ainda, durante esta sessão legislativa, apresentar um projecto que regulará as candidaturas de cidadãos independentes às câmaras municipais. Apresentaremos logo no início da próxima sessão legislativa um projecto de revisão da lei eleitoral para a Assembleia da República, consagrando soluções inovadoras no plano da ligação entre eleitores e eleitos.
O PS é o partido das reformas institucionais responsáveis, que não confundimos com a colocação em circulação de spots publicitários. Contribuímos, e vamos continuar a contribuir, para o aperfeiçoamento das instituições com propostas consistentes, realistas e credíveis. Desafiamos o PSD a acompanhar-nos.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, ouvi com interesse e agrado a sua intervenção, embora, como é óbvio, não concorde com algumas das suas posições, que são próprias do PS.
Não aceito a falta do voto dos emigrantes, mas já concordo com o facto de qualquer matéria eleitoral ter de ser precedida pela apresentação de estudos credíveis e várias projecções e dados que permitam aos Deputados, com base nas indicações necessárias, fazerem as suas opções. Não concordo, como é óbvio, com o que chamou de pulsão referendária, porque somos, aliás tal como o Sr. Presidente da República, e dois terços do País, segundo as sondagens, a favor do referendo e isto não tem, absolutamente, nada a ver com a alegada diminuição do valor da democracia representativa nem com a importância devida aos partidos. Certamente, ninguém acusará o Presidente Mitterrand de querer menos democracia representativa, menos democracia parlamentar ou de ser menos respeitador do sistema dos partidos, pela simples razão de, por sua livre iniciativa e sem precisar disso, ter aberto o referendo ao povo francês, dizendo que a última palavra, numa matéria tão importante, seria sempre a dada por uma consulta popular e não apenas pelos Deputados.
Por isso mesmo, numa matéria desta importância, a democracia representativa nada fica diminuída com a realização do referendo.
Porém, gostaria de colocar-lhe uma questão, Sr. Deputado, e desde já digo que a sua resposta será extremamente importante.
Houve um negócio do bloco central, uma conversa secreta entre o secretário-geral do seu partido e o Primeiro-Ministro. Apesar de se não saber bem qual o conteúdo dessa conversa, que, dizem, teria durado meia hora, sabe-

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-se que nela ficou alinhavado e gizado o plano de ataque contra o referendo, contra a consulta popular, contra uma boa revisão da Constituição, fazendo-se, como disse o Dr. Rui Machete aqui, umas pequenas modificações técnicas necessárias para que o Tratado de Maastricht pudesse ser recebido na ordem jurídica interna sem incorrer em inconstitucionalidades, o que já é um avanço em relação àquilo que o Sr. Primeiro-Ministro afirmou, aqui e em outras sedes, que a Constituição estava preparada para receber Maastricht, pelo que não era preciso introduzir quaisquer modificações.
Depois desta negociata entre o PS e o PSD, sobre a própria Constituição, surgiu a conferência de imprensa do CDS, onde pedimos o chamado "seguro de soberania", com 10 propostas, para reforçar a Assembleia da República, o poder local, o poder regional, a defesa da língua, a defesa das autarquias, as restrições aos direitos dos estrangeiros para serem presidentes de câmara, tal como faz a França, sobre a política de vistos, etc.
No seguimento desta nossa preocupação, publicamente anunciada, o PS apresentou um projecto onde também coloca cláusulas de reforço na competência da Assembleia da República, do poder local e do poder autonómico.
Porém, o que tem vindo a público, e é sabido, é que o PSD diz que a reforma constitucional a fazer é apenas dos três artigos apresentados por eles.
Neste sentido, gostaria de saber se, uma vez que até agora nada sabemos, o PS também pretende fazer apenas a emenda constitucional dos três artigos, cedendo às pressões do PSD, ou se, agora que tem o poder na mão, agora que o PSD e o Primeiro-Ministro precisam do PS para fazer a revisão constitucional para efeitos da ratificação de Maastricht, o PS será, capaz de dizer: "Ou aceitam todas as nossas propostas ou não haverá revisão constitucional e, consequentemente, não haverá ratificação de Maastricht." O PS terá coragem suficiente para, nesta Assembleia, manter esta postura? Ou está a fazer pura demagogia para, na hora da verdade, aceitar a negociata, subscrevendo-a e sair pela "esquerda baixa", dizendo que a culpa por o Parlamento não ter sido reforçado é do PSD.

(O orador reviu.)

Vozes do CDS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, respondo com todo o agrado às questões que me colocou, até porque elas foram postas num tom particularmente diferente daquele que o Sr. Deputado Adriano Moreira empregou quando defendi exactamente estas teses e estes pontos de vista. Verifico que há aqui uma evolução do CDS, não sei se em direcção ao bloco central, mas, de qualquer maneira, é uma boa evolução essa que se depreende do tom das palavras de V. Ex.ª
Em relação ao referendo, a nossa posição é completamente clara e o Sr. Deputado conhece-a: não alteramos a concepção e o formato constitucional do referendo à vista de um tratado, e observo-lhe, Sr. Deputado, que nem a Irlanda, nem a Dinamarca, nem a França alteraram qualquer norma ou costume constitucional para empreender os referendos que fizeram.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não proíbem!

O Orador: É que seriamos, assim, o pais que trocaria de regra e de concepção constitucional acerca do instrumento de consulta popular para ratificar um tratado. Recordo também ao Sr. Deputado que somos um país em que os tratados, para serem aprovados para ratificação e ratificados, requerem a intervenção de uma assembleia eleita por sufrágio universal e de um presidente eleito por sufrágio universal.
Sr. Deputado, entendemos que Portugal tem interesse em ser um país constitucionalmente previsível, em ter instituições sólidas e em não mudar de ponto de vista sobre as instituições à medida que são negociados tratados internacionais estruturantes.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mantemos este ponto de vista e não o alteraremos em qualquer ocasião.
O Sr. Deputado refere o ponto de vista do Sr. Presidente da República sobre esta matéria, o qual não conheço,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Eu conheço!

O Orador:- ... mas quero-lhe dizer que temos o nosso próprio ponto de vista nesta matéria e vamos defendé-lo intransigentemente.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O jovem Monteiro é que foi intérprete do Presidente da República.

O Orador: - Sr. Deputado, nunca falámos em pequenas modificações técnicas, sempre dissemos que aceitaríamos uma revisão constitucional restrita às matérias implicadas pela ratificação do Tratado de Maastricht, pelo Tratado da União Europeia. É isso que sempre dissemos e que estamos a fazer. Vamos fazer a revisão constitucional com todas as soluções, nomeadamente as de reequilíbrio democrático e regional impostas pela ratificação desse Tratado. E não duvide, Sr. Deputado, não precisamos das sugestões do CDS para defender energicamente este ponto de vista. V. Ex.ª não tem qualquer razão para duvidar da nossa coragem na defesa dos nossos pontos de vista.

Aplausos do PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vamos ver se são previsíveis!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma declaração política tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez o segredo de Estado volta à ribalta. O PSD já o havia ameaçado nas conclusões das suas últimas jornadas parlamentares.
Como todos nos recordamos, de um passado ainda recente, não é a primeira tentativa do PSD para impor aquela que ficou conhecida por "lei da rolha". Em 1991, a fortíssima contestação de todos os quadrantes democráticos e de largos sectores da comunicação social ao projecto de lei do PSD fez que o partido do Governo,

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consciente de que estava em ano de eleições, metesse o projecto na gaveta de onde há poucos dias voltou a sair.
O projecto não ficou esquecido nem abandonado pelos seus mentores: Limitou-se a aguardar melhor oportunidade.
Também desta vez, o projecto de lei surge rodeado de ingredientes folhetinescos que bem caracterizam os seus autores. É o dito por não dito. É o facto desmentido a pés juntos que, afinal, se revela como sendo verdadeiro. São, mais uma vez, as dúvidas e as especulações sobre a paternidade ou a maternidade de tal projecto, que ninguém ousa recusar inteiramente, mas que ninguém assume com frontalidade.
Mas não é a questão da paternidade do projecto que é verdadeiramente grave. O mal de tal filho que tanto envergonha os seus pais está, precisamente, em ter vindo ao mundo. O grande problema deste projecto não é tanto o de saber quem o pensou ou escreveu. O grande problema é que o projecto de lei do PSD sobre segredo de Estado, preconizando a substituição da Administração aberta e da transparência na condução dos assuntos públicos pelo secretismo elevado a regime regra da actividade governamental e com contornos praticamente discricionários, voltou a ser apresentado. Quanto ao autor material, é o PSD, é Cavaco Silva, independentemente de quem, circunstancialmente, possa aparecer a dar a cara pelo projecto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PSD sabe que falhou na sua primeira tentativa de impor um regime de segredo de Estado subversivo da ordem constitucional, por força de uma poderosa oposição que se manifestou na opinião pública. E sabendo-o, face aos justificados alertas que começaram a surgir por antecipação a esta segunda tentativa, o PSD passou rapidamente à ofensiva e tratou de encenar toda uma operação de charme em torno de um suposto novo projecto, pretensamente respeitador da excepcionalidade do segredo de Estado, para tentar fazer passar por novo e diferente um projecto de lei que, no concreto, em nada difere do anterior.
Este projecto de segredo de Estado é, nada trais, nada menos, a reapresentação do projecto anterior.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A aprovação de uma lei sobre segredo de Estado que consagre a sua estrita excepcionalidade decorre da Constituição. Não para permitir ao Estado passar a ter segredos que hoje não tenha, mas precisamente para limitar os abusos que possam ocorrer da falta de regulação legal desta matéria.
O segredo de Estado deve ser delimitado, para evitar que possam ocorrer situações como a que resultou da invocação escandalosa do segredo de Estado, pelo Primeiro-Ministro Cavaco Silva, para inviabilizar o julgamento em Portugal de indivíduos implicados nas acções terroristas dos GAL.
Uma lei sobre segredo de Estado não pode servir para delimitar extensivamente as matérias sob a sua alçada ou para alargar o secretismo da vida pública. Deve servir rigorosamente para o contrário: para, dando concretização aos princípios da Administração aberta e da publicidade dos actos do Estado, reduzir à mais estrita excepcionalidade os casos em que o segredo se justifique e pôr cobro a situações que, como se sabe, frequentemente se verificam na acção governativa do PSD, de ocultação ilegítima de informação aos cidadãos, à comunicação social ou aos partidos da oposição.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O segredo de Estado não deve servir para defender o Estado dos cidadãos. É algo que, tendo obviamente que ver com a defesa do Estado, tem tanto ou mais a ver com a defesa dos cidadãos, face aos abusos do Estado.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não há nada a opor a uma discussão séria, nesta base, sobre segredo de Estado. O Grupo Parlamentar do PCP chegou a apresentar, na anterior legislatura, um projecto de lei sobre esta matéria e está pronto, a qualquer momento, para o fazer de novo. Só que não é uma discussão séria que o PSD pretende.
O que pretende o PSD é proibir a divulgação dos escândalos em que os seus membros do Governo se vêem envolvidos e ameaçar de prisão os jornalistas que ousem torná-los conhecidos da opinião pública.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PSD não está interessado em delimitar o segredo de Estado, mas apenas em, com esse pretexto, consagrar o "segredo de Governo" e alargar os seus domínios até ao infinito. Em nome do segredo de Estado, o que o PSD pretende é restringir severamente direitos elementares dos cidadãos no acesso a informações e documentação necessários a um correcto acompanhamento da vida pública, em todas as suas vertentes.
Este projecto de lei do PSD está nos antípodas do direito à informação e da Administração aberta, adquiridos constitucionalmente, após uma luta de muitos anos. Visa proteger os governantes contra os cidadãos. Revela o medo que é próprio das consciências pouco tranquilas.
Do edifício do seu anterior projecto de lei, o PSD só alterou ao de leve o tom da pintura.
O âmbito do segredo de Estado é potencialmente o mesmo, o que quer dizer escandalosamente amplo. Pode, designadamente - sublinho o designadamente -,ser submetida a segredo de Estado uma imensidão de matérias onde quase tudo pode caber.
O debate. que, há poucos dias, aqui realizámos acerca do relatório da Comissão de Fiscalização dos Serviços de Informações e a confirmação da vigilância desses serviços sobre cidadãos no pleno exercício das liberdades democráticas foi bem revelador da grave mutilação da democracia que representaria a classificação automática como segredo de Estado de todas as suas actividades. Proteger com o segredo de Estado acções de vigilância a sindicatos, a estudantes, a comunidades africanas ou a autoridades judiciais é algo de absolutamente inaceitável. Não é aceitável que o Governo utilize o secretismo das actividades dos serviços de informações para vigiar os que se lhe oponham.
Acresce ainda que, segundo o projecto de lei do PSD, podem classificar matérias como segredo de Estado todos os membros do Governo ou os seus substitutos legais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pode assim o Primeiro-Ministro considerar segredo de Estado os fracassos da presidência

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portuguesa ou a abdicação na defesa dos interesses nacionais na CE; pode o Ministro Braga de Macedo ocultar o escândalo de compadrio que tem caracterizado as privatizações; pode ser segredo de Estado a responsabilidade do Ministério da Saúde na importação de sangue contaminado; pode o Ministro Couto dos Santos classificar como segredo de Estado o montante da bonificação política que deu à PGA.
O projecto de lei do PSD configura o segredo de Estado verdadeiramente como segredo de Governo. A marginalização da Assembleia da República e a não salvaguarda das suas competências próprias, face ao regime do segredo de Estado, não é dos aspectos menos graves do projecto do PSD.
Na sua ânsia de governamentalização do Estado, o PSD esquece o papel da Assembleia da República como órgão de soberania e, designadamente, as suas competências inalienáveis de fiscalização da actividade do Executivo.
A classificação de matérias como segredo de Estado não pode ser escondida à Assembleia da República. Não chega afirmar que esta fiscaliza o regime do segredo de Estado, o que é necessário afirmar é que a Assembleia da República não pode, a pretexto do segredo de Estado, ser esbulhada das suas competências de fiscalização, e é precisamente aí que o PSD quer chegar, tendo para o efeito alterado para pior o seu anterior projecto.
Ainda quanto às sanções pelo acesso a matérias classificadas e pela sua divulgação questão que tanto indignou a opinião pública e a comunicação social na anterior legislatura, o PSD quis dar a entender que tinha alterado o seu projecto, quando afinal se limitou a camuflar entre vírgulas essa contestada disposição.
Quem ler com atenção o n.º 1 do artigo 12.º aí tem as pesadas penas a aplicar aos profissionais de comunicação social e a todos os que tenham acesso a matérias classificadas como segredo de Estado.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A transparência dos actos públicos é o sangue arterial de uma democracia. A Constituição da República impõe para o segredo de Estado a adopção de regras restritivas e é incompatível com a tentação de tudo incluir no segredo de Estado.
O PSD cultiva o segredo como alma do negócio da governação. Fecha toda a informação que interessa ao Governo para que a possa manipular à vontade. Usa o secretismo como instrumento do poder. Não faltam exemplos disto mesmo. O Governo trata assuntos com a transcendência de um Tratado de Maastricht, sem fazer o mínimo esforço, sequer, para esclarecer os Portugueses sobre os compromissos que, em seu nome, decidiu assumir no plano internacional.
O Governo assume acordos de cooperação policial com outros Estados (veja-se o caso dos Acordos de Schengen), ocultando elementos essenciais não só aos cidadãos mas à própria AR, que é responsável pela sua ratificação.
Na passada semana o Subsecretário de Estado Sousa Lara veio aqui pedir autorização à maioria para que o Governo - com o seu lápis azul - possa limitar o acesso aos arquivos.
O Ministro Couto dos Santos elabora "despachos-rolha" à escala do Ministério, como o já célebre Despacho n.º 18, que proíbe o fornecimento de dados ou de quaisquer outros elementos pelos departamentos ou estruturas do Ministério, reservando para si próprio o exclusivo da prestação de informações.
O projecto de lei do PSD sobre segredo de Estado é mais uma peça do laborioso edifício que o PSD tem vindo a montar e que visa limitar elementos essenciais da democracia política, onde se inserem as tentativas de alterar a lei da greve e de manipular as leis eleitorais, de modo a pré-fabricar a eternização da, sua maioria parlamentar por manobras de engenharia eleitoral.
Como se afirma no mais recente comunicado da Comissão Política do PCP, o projecto de lei do PSD sobre segredo de Estado é um sério e inqualificável ataque à liberdade de informação e visa continuar a eliminação de mecanismos de fiscalização da acção governativa. Contará, por isso, com a firme oposição do PCP e, certamente; de todos os que prezam o direito à informação e a transparência da vida pública.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Raul Castro.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António Filipe, V. Ex.ª referiu-se a uma matéria que tem sido objecto de algum debate, nos tempos que correm, e que, sem dúvida, porque respeita ao segredo de Estado, é uma matéria importante. No entanto, o Sr. Deputado ao referir-se-lhe carreou mais alguns elementos que não são de esclarecimento, mas podem ser de confusão.
Ora, estando nós num regime democrático e não num regime autocrático, aquele que, sem lei ou com lei, pode tudo fechar e, discricionariamente, abrir ou nada abrir como, aliás, são aqueles regimes bem conhecidos, e não apenas os de extrema direita, mas também aqueles que, até há bem pouco tempo, dominavam no Leste europeu, sendo, portanto, o nosso regime completamente diferente, o Sr. Deputado não considera que, num momento em que, por força do n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, um preceito directamente aplicável, é necessário regulamentar toda a matéria referente ao acesso aos registos em geral e aos documentos da Administração, importa simultaneamente dizer qual é a área que vai, seguramente, ser restringida e que vai ser muito menor, uma vez que o que se pretende é abrir o sistema, fixando as áreas que têm de continuar fechadas.
Considera ou não que é necessário dizer quais são as áreas que, por exigência da Constituição, e por razões de segurança interna e externa, têm de ficar protegidas para defesa, precisamente, dessa segurança interna e externa do Estado.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Fernando Condesso, não há qualquer confusão da nossa parte. O que há é um alerta muito sério para que, no período de tempo que ainda falta até à discussão dos projectos de lei sobre esta matéria do segredo de Estado, e que terá lugar nesta Assembleia, as pessoas possam reflectir sobre o que está, verdadeiramente, em causa com este projecto de lei do PSD. Foi esse o sentido dá minha intervenção.
O Sr. Deputado pergunta se não considero necessário regulamentar o segredo de Estado. Considero necessário

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regulamentar essa matéria, no sentido que é imposto pela Constituição, isto é, no sentido de limitar o segredo de Estado e de consagrar precisamente a sua excepcionalidade, pondo termo a abusos, que se verificam, de ocultação de documentação dos cidadãos, da comunicação social e dos próprios partidos da oposição, como tive oportunidade de afirmar. Agora, não é essa discussão que o PSD pretende, não é isso que decorre do projecto de lei do PSD.
Na verdade, o que o projecto de lei do PSD pretende é uma abertura desmesurada e discricionária das possibilidades que decorrem do segredo de Estado, não propriamente dele, mas mais propriamente do segredo de Governo, na medida em que atribui aos membros do Governo, ou melhor, a qualquer membro do Governo, até mesmo aos seus substitutos legais, a possibilidade de classificar qualquer matéria como segredo de Estado. 15so é perfeitamente abusivo, não tem nada a ver com o que está estabelecido na nossa ordem constitucional e configura, de facto, ambições verdadeiramente totalitárias de concepção do Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É isso que queremos impedir e é por isso que este projecto de lei do PSD contará com a nossa firme oposição.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminaram as declarações políticas e vamos prosseguir o período de antes da ordem do dia ao abrigo do artigo 80.º, n.º 2, do Regimento.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Ávila.

O Sr. Rui Ávila (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Encontramo-nos praticamente no final da presente sessão legislativa. Como Deputado eleito pelo circulo eleitoral dos Açores, não quero deixar de referir o contributo empenhado, construtivo e um tanto descomprometido, por parte de alguns, dado pelos Srs. Deputados que se "envolveram" nos debates sobre a temática das autonomias regionais. Registamos mesmo a evolução favorável da opinião pública nacional sobre as grandes opções que hoje se colocam às autonomias insulares.
Após a realização, nesta Assembleia, dos dois debates sobre autonomias regionais, da iniciativa dos partidos da oposição, quer queiramos ou não, nada mais ficará como dantes neste capítulo. O País ficou conhecendo melhor as nossas carências de açorianos e madeirenses e foi alertado para a necessidade premente e constante de possuirmos meios mais dignos e eficazes, disponibilizados pelo Estado e pela Comunidade Europeia, que nos ajudem (e, ao invés, não nos estrangulem) a minorar o nosso isolamento natural e a nossa insularidade periférica. Exigimos mesmo a solidariedade do Estado e da Comunidade no cimentar da nossa dignidade portuguesa e europeia, como primeira e última fronteira com o continente americano.
Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Os acontecimentos históricos que ocorreram nesta última década do século XX, com particular relevância no Leste europeu, por mais paradoxal que pareça, tiveram forte repercussão na Região Autónoma dos Açores. É que o equilíbrio internacional que determinou de forma inequívoca, depois da última guerra mundial de 1939-1945, a formação de dois blocos político-militares Leste-Oeste foi substituído, quase
de um dia para o outro, pela incógnita, que hoje continua sem solução, mas que já nada mais terá a ver com aqueles Blocos.
Os Açores e a Base das Lajes, na ilha Terceira, desempenharam um papel preponderante dentro do esquema militar de um desses blocos político-militares - a NATO. Talvez por isso a Região Autónoma dos Açores, como entidade político-administrativa, como tal reconhecida pela Constituição da República de Abril de 1976, que viu os seus poderes autonómicos reforçados com as subsequentes revisões constitucionais, tem politicamente, de forma algo ingénua, alicerçado uma das suas principais fontes de financiamento nas tão conhecidas e celebérrimas "contrapartidas financeiras" concedidas pelos EUA pela utilização da Base das Lajes.
Se tal opção é errada, não é lícito, politicamente falando, assacar as culpas apenas à Região Autónoma, constituída por dois órgãos políticos: a Assembleia Legislativa Regional e o Governo Regional. O Estado português, com seus sucessivos governos, tem também a sua quota-parte nessa responsabilidade. Mais os últimos governos do que os primeiros. Porquê? O desenrolar dos acontecimentos político-internacionais na Europa foi frenético nos últimos dois anos, o que devia obrigar a um redobrar de vigilância e de atenção da nossa diplomacia sobre essas questões.
Verificamos, contudo, que a Região Autónoma dos Açores se encontra hoje praticamente isolada e entregue a si mesma nesta luta que deveria ser de negociação e ou de diálogo com a Nação americana.
Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A posição da Comissão de Trabalhadores Portugueses da Base das Lajes, ora divulgada e daí a razão fundamental desta intervenção, pedindo à população da ilha Terceira e autoridades açorianas que não compareçam no dia da Comunidade dia em que as Forças Armadas dos EUA franqueiam as suas instalações a toda a população, vem novamente pôr a nu uma situação que não se deve por mais tempo ignorar.
De que servem as declarações políticas de circunstância do Sr. Primeiro-Ministro sobre tal questão, proferidas aquando da visita aos Açores, considerada por alguma comunicação social como de pré-campanha para as próximas eleições regionais de Outubro, se o que é certo é que poucas semanas antes, em visita aos EUA, a renegociação do acordo ou os despedimentos dos trabalhadores da Base das Lajes nem foram referidos na conferência de imprensa no final da visita.
A Região Autónoma dos Açores é, e no entender do PS deve continuar a ser, parte, de pleno direito, da Europa comunitária. Não pode e não deve ser encarada com menos respeito e dignidade pelo Governo da República, ou muito menos como hipotética "moeda de troca" com quaisquer obscuras negociatas EUA-CE. A nossa dignidade de Portugueses e Açorianos, com profundas ligações aos EUA desde o século passado, onde inclusivamente hoje existe uma comunidade açoriana que já atinge a quarta geração, obriga o Estado português a negociar de igual para igual, como já aconteceu anteriormente cito como exemplo a negociação do acordo ainda vigente, independentemente das alterações político-militares que entretanto alteraram ou presumivelmente diminuíram a importância geoestratégica da Base das Lajes.
Adiantamos mesmo que, na hipótese, pouco provável, da ruptura das negociações e mantendo-se o não cumprimento do acordo em vigor por parte dos EUA, no que se refere ao pagamento das contrapartidas financeiras já

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vencidas respeitantes a 1991 e 1992, deve o Estado assumir o pagamento integral dessas verbas à Região Autónoma dos Açores e, inclusive, prever no futuro um esquema adicional e anual do tipo "Transferências do Estado para a Região Autónoma- Indemnização excepcional" ou outro semelhante, durante um período não inferior a 10 anos. Julgamos que não seria descabido negociar-se a possibilidade de ser a Comunidade Europeia, por circunstâncias várias, a encarar, como sendo da sua responsabilidade, a solução desta falta de cumprimento de um acordo internacional, lesando um Estado membro, considerado aliás de "periférico e de fronteira aduaneira".
É que, no entender do PS, não existem interesses comunitários ou outros de índole internacional que se possam sobrepor à nossa dignidade como cidadãos, com direito ao trabalho aqueles que, há dezenas de anos, estão ao serviço da Base como funcionários civis ou, como comunidade, a açoriana, que sempre soube acolher e integrar no seu seio, principalmente na ilha Terceira e, especialmente, no concelho da Praia da Vitória, os militares norte-americanos e os seus familiares que, ao longo destas quase cinco décadas, foram destacados para aquela base aérea em terras açorianas.
Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Está na índole do povo açoriano ser cordato para quem o visita e cordial para quem bem o acolhe. Sempre assim temos sido tratados como emigrantes nos EUA. E a nossa personalidade não se altera. Apesar de tudo, temos orgulho da nossa posição e exigimos mesmo do Governo da República que respeite a nossa dignidade como açorianos, parte integrante que somos do povo português.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr.º Mário Maciel (PSD): - Sr., Presidente, Sr. Deputado Rui Ávila, meu distinto conterrâneo, V. Ex.ª fez uma intervenção construtiva. Quero associar-me a ela, pois estou plenamente de acordo com as preocupações legítimas que o Sr. Deputado expressou, ali, da tribuna da Assembleia da República, no que se refere ao problema delicado e complexo da Base Aérea das Lajes.
Sobre essa matéria, o Governo regional tem entendido, penso que bem, que se trata de um assunto do Estado português e que deve ser tratado entre o Estado português, os seus órgãos de soberania e os Estados Unidos da América. Tem, portanto, manifestado uma opinião clara sobre a matéria.
Entendemos que as preocupações das populações da ilha Terceira, que sobrevivem à custa do seu trabalho na Base Aérea das Lajes, são legítimas, mas obviamente a nova política norte-americana, fazendo face a uma crise económica que grassa nos Estados Unidos da América, de reduzir a sua presença na Europa, também é legítima.
Há que encontrar um ponto de equilíbrio que não danifique seriamente as pretensões portuguesas de ver pago um preço justo pela presença norte-americana na Base Aérea das Lajes, dado que me parece deplorável que se queira estar naquela base e não pagar por isso um preço justo.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, o Estado português, pela voz do Sr. Primeiro-Ministro, já assegurou que irá entabular negociações com os EUA para que esse país amigo pague um preço justo pela sua presença nos Açores.
Sr. Deputado Rui Ávila, queria também afirmar que me parece importante que a Assembleia da República debata assuntos que tenham a ver com as autonomias regionais. Este órgão de soberania não se pode demitir de debater, discutir e analisar matérias e políticas que tenham incidência também na Região Autónoma dos Açores, porque é assim também que as autonomias se dignificam e os Açores e a Madeira não são um ghetto na comunidade nacional.

Vozes do PSD e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria ainda de manifestar a minha preocupação, embora respeite plenamente as vossas decisões e reconheça no Partido Socialista um inegável percurso histórico de oposição na Região Autónoma dos Açores, pelo facto de, neste momento, o Partido Socialista nos Açores estar a desfigurar o seu projecto. Parece-me que o PS está enfeudado a interesses da direita conservadora na Região Autónoma dos Açores.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mário Machado já foi convidado pelos dirigentes nacionais do CDS para liderar o CDS nos Açores. Ora, ele vangloria-se publicamente desse convite e é o candidato socialista à presidência do Governo Regional dos Açores.
Parece-me que a autenticidade do vosso projecto corre algum perigo, já que os militantes socialistas apostaram em Martins Goulart para candidato a presidente do Governo. Ora, ele neste momento está afastado dessa legítima possibilidade e os senhores, afinal, preferiram, com alguma subserviência, entregar de bandeja essa possibilidade a um homem independente, que dá entrevistas falando mal dos políticos e dos partidos, mas que não despreza, afinal, o seu apoio para conseguir ser candidato à presidência.
A opção é com os senhores, mas nós, Partido Social-Democrata, somos genuínos, não nos vamos sujeitar a esses perigosos e sinuosos atalhos.

Aplausos do PSD.

Risos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Ávila.

O Sr. Rui Ávila (PS): - Sr. Deputado Mário Maciel, em primeiro lugar, permita-me que lhe diga que, realmente, não me colocou nenhuma questão, mas agradeço-lhe imenso as palavras elogiosas que teve a amabilidade de me dirigir.
Por outro lado, sabe que o considero amigo e que tenho respeito pelas suas intervenções nesta Casa, pois sei que são realizadas com um alto sentido de responsabilidade e com a intenção de trazer sempre a este areópago nacional o nosso isolamento e as nossas dificuldades, que são prementes e, com certeza, vão continuar, mas que não podemos nem devemos deixar de trazer sempre aqui.

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Sr. Deputado Mário Maciel, as suas preocupações e as do seu partido, sobre algo, de novo que surgiu na vida política açoriana e que tem a ver com as próximas eleições regionais de Outubro, demonstram claramente que as opções tomadas livremente nos órgãos internos do Partido Socialista sobre quem deve encarnar os protagonismos do mesmo partido estão, realmente, a resultar e, desculpe-me que lhe diga, a incomodar o seu partido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas nem por isso deixa de ser deplorável, Sr. Deputado.

O Orador: - Mas, à parte essa lateralidade, também lhe quero dizer, Sr. Deputado, que não tenho dúvidas das intenções do Governo Regional. Ele está altamente preocupado, porque foi colhido no meio da turbulência em que se traduziu todo este esquema que estava montado e que nos tinha garantido, durante os últimos anos, grandes contrapartidas financeiras que eram consideráveis num parco orçamento regional, como o nosso.
Por outro lado, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que se, amanhã, o Partido Socialista estiver no governo também estará preocupado com todo o que se está a passar presentemente.
Por isso é que quisemos trazer hoje, aqui, esta questão e atribuir responsabilidades ao Governo da República, no sentido de começar já a encarar quem é que vai pagar a factura de um acordo que não está a ser cumprido, que é internacional e que, como referiu, e muito bem, é entre dois Estados, servindo a Região Autónoma apenas para fornecer o solo e receber as contrapartidas.
No entanto, Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, fico satisfeito, pois os assuntos que aqui trouxe foram realmente de consenso e, mais uma vez, as Regiões Autónomas demonstraram que quando o bem comum e os interesses são superiores não há guerrilhas partidárias que se sobreponham.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ema Paulista.

A Sr.ª Ema Paulista (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Ocorre amanhã a passagem de mais um aniversário da Casa Pia de Lisboa.
Com efeito, na sequência da ordem régia dada ao intendente Pina Manique, a 20 de Maio de 1780, para a fundação da Casa Pia de Lisboa, esta abriu oficialmente no Castelo de São Jorge a 3 de Julho do mesmo ano, com actividades assistências a 13 órfãos e alguns mendigos.
Estão, pois, passados 212 anos da instituição que Teófilo Braga qualificou como "uma das mais puras glórias de Portugal".
Um quarto de século após o terramoto que assolou Lisboa, eram ainda evidentes, em vários campos, as chagas económico-sociais provocadas pela catástrofe. Entre elas, a constituída pelo elevado número de crianças órfãs e abandonadas, entregues à vadiagem e à delinquência.
Assim surge a Casa Pia de Lisboa, como centro de acolhimento e casa de correcção, minorando a cidade de Lisboa de delinquentes e vadios.
Contudo, logo no início, a referida instituição transformou-se num moderno e audacioso projecto de integração social de crianças pobres, órfãs e abandonadas. A vocação humanista foi sempre e ao longo de mais de dois séculos uma realidade neste projecto.
Com efeito, nascendo a Casa Pia de Lisboa da necessidade de recuperação de jovens para a sociedade, cedo intentou essa acção através de uma "terapia ocupacional" inovadora para a época. Na realidade, desde Pina Manique que se mantêm vivos os princípios em que se baseia o trabalho educativo da Casa Pia: "Todos têm direito à educação, nomeadamente os mais desprotegidos económica, social e culturalmente. Entre os desamparados e carenciados há génios superiores se lhes for dada a oportunidade de o demonstrarem."
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Assim, não admira que, desde os seus primórdios, a Casa Pia se tenha transformado no primeiro estabelecimento popular do País, um alfobre de gente ilustre, no dizer de Latino Coelho, uma "universidade plebeia".
Hoje, a Casa Pia de Lisboa integra sete colégios: Pina Manique, D. Maria Pia, Nuno Álvares Pereira, Santa Clara, Nossa Senhora da Conceição, Santa Catarina e o Instituto Jacob Rodrigues Pereira, dedicado à recuperação de surdos-mudos, introduzido pelo pedagogo com aquele mesmo nome, em 1834, e constituindo neste domínio a maior e mais antiga instituição do País.
Neste conjunto são acolhidos 3700 rapazes e raparigas dos 3 aos 18 anos, alguns dos quais se encontram presentes nas galerias. Destes, cerca de 700 estão na Casa Pia, na valência de internato, instalados em 30 lares ou residências com cerca de 20 alunos cada.
O número relativamente pequeno de alunos por lar e os três educadores com o apoio de outra pessoa permitem a personalização das relações e, tanto quanto possível, procuram recrear o contexto ambiental familiar. Saliente-se que cada um destes lares tem como patrono um ex-aluno que se distinguiu na sua carreira, constituindo assim um estimulo e um exemplo a seguir pelos educandos.
Assim, e meramente a título de exemplo, temos os Lares Gil Teixeira Lopes, Martins Correia, Cândido de Oliveira, Domingos Sequeira e Maldonado Gonelha.
Em regime de semi-internato existem cerca de 3000 alunos, que também usufruem do ensino curricular e da formação técnicoprofissional, para além da ocupação de tempos em actividades desportivas e culturais.
O ensino curricular compreende o ensino pré-escolar, o ensino básico, o ensino secundário e o ensino especial para surdos-mudos e cegos-surdos e na formação técnico-profissional existem 20 cursos do nível I a nível 3 para as mais variadas especialidades, entre as quais canalizador, estofador, panificação e pastelaria, pintura, carpintaria, serralharia, electricista, marcenaria, administração e comércio, relojoaria, electrónica, contabilidade, etc.
A par da actividade escolar, a Casa Pia proporciona aos seus alunos aprendizagem em aspectos tão diversificados como o jornalismo, a música, os grupos corais, o ballet, as artes plásticas e o desporto, continuando ainda a conceder bolsas de estudo aos jovens vocacionados para a formação superior.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Para garantir o bom funcionamento nesta diversidade de domínios, a Casa Pia conta hoje com cerca de 800 funcionários que vão do professor ao monitor oficinal, do estucador ao técnico de serviço social, do administrativo ao operário, do psicólogo ao terapeuta e do médico ao capelão.

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Fácil é perceber que, em grande parte, o êxito da Casa Pia se deve á abordagem integrada da educação de jovens, onde são particularmente importantes três aspectos: os aspectos familiares e afectivos que se procuram reproduzir nas características e funcionamento dos seus lares; os aspectos educacionais, tendo o aluno um ensino humanizado, onde a escola, os trabalhos oficinais, a arte, o desporto e outros factores formativos e lúdicos se combinam, e os aspectos profissionais, sendo o mérito dos seus cursos reconhecido quando se considera esta instituição como a melhor escola profissional do País e daí resultando a procura que os alunos têm por parte dos empregadores.
Assim se compreendem facilmente os acordos de cooperação assinados com associações profissionais nacionais e estrangeiras, com empresas, com federações desportivas, com o Instituto do Emprego e Formação Profissional e com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Sob a tutela do Ministério do Emprego e da Segurança Social é de realçar, no entanto, que a Casa Pia já financia cerca de 25% do seu orçamento, através de receitas provenientes da rentabilização do seu património e dos serviços que presta.
Não admira que desta instituição não tenha surgido uma mas, sim, sucessivas e ínclitas gerações. Nomes como Domingos Sequeira, Gil Teixeira Lopes, Luz Soriano, Afonso Gaio, Soares Louro, Ribeiro dos Reis, Ricardo Ornelas e tantos outras, alguns já atrás mencionados, são disso prova.
Esta obra ímpar foi, aliás, testemunhada em recente visita que uma delegação do Grupo Parlamentar do PSD teve oportunidade de efectuar àquela instituição.
Assim, à Casa Pia de Lisboa, cujo passado e presente asseguram a continuidade de uma obra ímpar, desejo, nesta data, as maiores felicidades, extensivas aos seus educandos, à sua, provedoria e aos seus trabalhadores.
E que melhor epílogo para esta intervenção do que citar o refrão do hino da Casa Pia de Lisboa, do casapiano Joaquim José Branco?: "Instruir, educar e amparar/é o lema da tua bandeira/à família e à Pátria ofertar/os produtos da feliz sementeira."
Bem haja, Casa Pia.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, esta intervenção foi presenciada pelo Sr. Provedor da Casa Pia de Lisboa e outros membros da direcção, bem como por um grupo de alunos, a quem dirijo os cumprimentos desta Câmara.

Aplausos gerais, de pé.

Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O anúncio público de uma jornada nacional de luta desencadeada pelos trabalhadores ferroviários, quando, hoje, tanto se fala na "reestruturação e modernização da CP" com "uma nova orgânica, nova dinâmica, novo élan empresarial", não pode deixar de levantar interrogações à generalidade da população e, particularmente, aos seus legítimos representantes nesta Assembleia da República.
Se estes factos se revelam aparentemente pouco perceptíveis, bastaria ler algumas notícias recentemente vindas a lume em órgãos de comunicação social para se começarem a desvanecer quaisquer dúvidas. Num título de notícia poderia então ler-se "Sindicato dos Ferroviários denuncia ardilosa jogada Alteração dos estatutos da CP visa desmembramento e privatização", enquanto noutro se destacava "Basta Lisboa e Porto para privatizar a CP", como afirmação do presidente do conselho de administração da CP.
Em 22 de Maio e 27 de Junho de 1992, em declarações prestadas 11 imprensa, Carvalho Carreira confirmava muitas das preocupações que têm vindo a ser denunciadas pelas estruturas representativas dos ferroviários a intenção de reduzir 5000 efectivos, a fixação de apenas 15 000 postos de trabalho na CP até 1995, a criação de novas empresas, a privatização de linhas, o encerramento de outras e a liberalização das tarifas.
Preocupações acrescidas, quando é conhecido que o Governo se prepara para viabilizar estes objectivos através da publicação de legislação.
Face a tudo isto é lícito questionar: qual o destino dos Caminhos de Ferro Portugueses? Que futuro para a CP? Que reestruturação e modernização? Como e ao serviço de quem?
Se o comboio, pela sua tradição e características, é um meio de transporte por excelência ao serviço das populações e deve ser encarado como um factor de desenvolvimento, garantindo as ligações a todas as regiões, mesmo as economicamente mais débeis, já assim o não entende, o Governo e o conselho de gerência por ele nomeado, pois a situação actual confirma a lógica economicista com que o governo do PSD encara esta problemática: o que dá lucro mantém-se e entrega-se ao privado e o que dá prejuízo, em termos de receitas directas, encerra-se, sem ter em conta os benefícios sociais das linhas hipoteticamente deficitárias.
É a lógica da política da terra queimada que começa pela degradação das infra-estruturas e dos serviços para, numa segunda fase, justificar o seu encerramento.
Caso paradigmático o que se passou com a Linha do Tua: primeiro, preparou-se um plano para levar a degradação das condições de segurança ao limite do impossível. Depois, foi a tentativa de encerramento, com a hipócrita desculpa de falta de segurança.
Na realidade, a CP já encerrou, desde 1987, 750 km de via e mais de 300 estações ao longo da rede.
No Alentejo, uma das regiões mais afectadas, está praticamente encerrada ao tráfego, sobretudo de passageiros, toda a estrada de Évora ramais de Reguengos, Mora e Vila Viçosa, para além do encerramento dos ramais de Montemor e de Moura.
Mas esta fúria destruidora atingiu também outras regiões tais como os ramais de Montijo e Sines e as linhas do Norte do País, que serviam todo o interior, designadamente a Linha do Tua, Sabor, Corgo, Tâmega, Vouga e Dão, troço de Valença e Monção, do Pocinho a Barca de Alva.
Com esta política de encerramento e abandono de importantes troços da rede da CP, o Governo condena cada vez mais ao isolamento as populações do interior, exactamente as regiões mais isoladas e que mais carecem de meios de transporte, e faz recuar a qualidade e a frequência de transportes ferroviários no interior do Pais a níveis só comparáveis aos oferecidos há meio século atrás.
Como vão longe as promessas eleitorais do PSD de atenuar as assimetrias regionais. Como é hipócrita a afirmação de que se garantem às populações privadas de comboio transportes alternativos. A vida prova o contrário!

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É um escândalo!

A Oradora: - No Alto Alentejo, a empresa rodoviária privada que substituiu a CP não cumpre os níveis mínimos de qualidade exigida não há horários, suprimem-se indiscriminadamente carreiras, chegando a atingir-se o ridículo de não haver caureirts nos dias em que os motoristas estão de folga.
Aumenta-se brutalmente o preço das tarifas, atingindo, num curto prazo, aumentos de 100 %, 200% e 300 %.
É escandaloso, Sr., Presidente, Srs. Deputados, que todo este processo, em vez de se enquadrar num verdadeiro redimensionamento e equacionamento da rede no quadro de um plano integrado, de acordo com os verdadeiros interesses do País e das populações, obedeça, afinal, à mesquinhez dos interesses e clientelas económicas do partido no poder.
Na realidade, depois de anos a proclamar a necessidade de encerramento das linhas pouco rentáveis, o Governo prepara-se para entregar as linhas mais rentáveis ao sector privado, através de um sistema de concessão.
Esquemática e metodologicamente, primeiro, o Estado, com o apoio dos fundos comunitários, recupera as linhas, moderniza as estações e põe o sistema a funcionar. Depois, entrega a exploração a empresas privadas deforma pouco transparente, pondo em causa a qualidade dos serviços prestados e a custos sociais elevados.
A entrega do Departamento de Renovação Integral da Via ao sector privado é disso exemplo. No País, como é do conhecimento público, só a CP tem esta experiência. Ora, a CP acaba de extinguir o seu Departamento de Renovação Integral da Via, colocando em situação de excedentários centenas de trabalhadores, na sua maioria, altamente qualificados, para o entregar a empresas privadas.
É evidente que o Governo visa assim despedir centenas e centenas de trabalhadores ferroviários para que depois sejam admitidos pelas empresas criadas e utilizados como mão-de-obra precária.
No plano social da empresa é inadmissível que o Governo e o conselho de gerência da CP queiram fizer pagar aos trabalhadores ferroviários os custos do abandono do caminho de ferro e a quebra de compromissos do Estado para com a CP.

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - A política sistemática de contenção salarial tem conduzido à degradação gradual dos salários reais e do poder de compra dos ferroviários. Situação que hoje pretende ser moeda de troca no chamado "acordo social para a modernização da CP" onde, a troco de uma pequena recuperação do poder de compra, se exige aos trabalhadores a renúncia ao direito de negociação das condições de trabalho.
A ameaça de despedimentos, a situação ilegal dos excedentários e a carga horária praticada são testemunhos inequívocos da razão que assiste à luta dos trabalhadores ferroviários. São razões que unem os trabalhadores e a população em geral na lute por uma rede ferroviária moderna ao serviço das populações e do País.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Raul Castro.

A Sr. Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Elói Ribeiro.

Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Elói Ribeiro (PSD): - Sr' Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira, à boa imagem do Partido Comunista Português, a Sr. Deputada fez aqui um discurso catastrófico.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Lá vem a cassette!

O Orador: - Dá impressão que não há transportes no País e que as pessoas não têm hipótese nenhuma de fazer as suas deslocações de serviço ou de lazer.

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - São pouco criativos!

O Orador: - A questão que coloco é só uma: sabendo que a situação económica e financeira catastrófica dos Caminhos de Ferro Portugueses é de todos conhecida, como resolver o problema? A situação ronda aproximadamente os 300 a 400 milhões de contos de prejuízo que se tem vindo a acumular ao longo dos tempos. E este acumular de prejuízos da CP teve a sua expressão máxima a partir de 1975, com a entrada galopante de funcionários para a referida empresa. Passaram-se muitos anos e não houve um plano de reconversão ou um plano de reconstituição dessa empresa que, de facto, é de capital importância para o desenvolvimento do País.
Neste momento, e com o plano de reconversão da empresa apresentado em 1988, a administração obteve do Governo a aprovação desse sistema de reconversão a Sr.ª Deputada sabe-o tão bem como eu.
No entanto, há determinado tipo de linhas ferroviárias onde se pode afamar que o transporte de passageiros e de mercadorias é quase nulo, não tendo viabilidade, e relativamente às quais tem de se proceder à desclassificação ou ao encerramento.
Assim, não venha com o discurso miserabilista...

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - E o seu é um discurso desumano!

O Orador:- ...de que as linhas do interior de Trás-os-Montes, de onde sou natural, ou do próprio Alentejo vão fechar, pois isso vai acontecer, porque essas linhas não tem utilidade. Esta é a pura e simples verdade!
Mas, mais do que isto, o Governo adoptou ainda outro procedimento: para encerrar as linhas estabeleceu um plano que as substitui por outras vias de transporte. E, para realizar essa substituição, foi preciso construir infra-estruturas, como é o caso das vias rodoviárias, por exemplo, a via do Tâmega.
Sr.ª Deputada, foi, de facto, com bastante mágoa que a vi fazer uma intervenção miserabilista, sem pensar nos grandes interesses da Nação. Da próxima vez, agradecia-lhe que, face a temas tão importantes como este, que têm a ver com o desenvolvimento da Nação e com o próprio povo português, tivesse mais atenção.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Elói Ribeiro, de facto, é surpreendente como os Deputados do PSD, cada vez mais, estão virados de costas para a realidade do País, para o sentir e viver de uma população inteira, sobretudo das zonas do interior do País. É lamentável, Sr. Deputado!

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Tenho muito pouco tempo para lhe responder, pois um camarada da minha bancada ainda vai fazer uma intervenção, mas remeteria a sua questão a propósito da situação económica e financeira da CP para uma entrevista que o presidente do conselho de gerência da CP, Sr. Carvalho Carreira, deu recentemente ao jornal Expresso, em que é ele próprio quem afirma e leio textualmente: "O buraco sensível da CP existe porque o Estado não paga o custo das infra-estruturas." E continua, desenvolvendo ...

O Sr. Elói Ribeiro (PSD): - A Sr.ª Deputada está a ler mal! Não está a compreender o que ele quis dizer!

A Oradora: - Sr. Deputado, eu empresto-lhe o texto. Mas, já agora, o Sr. Deputado Elói Ribeiro não pode tentar tapar o sol com uma peneira, porque não se pode esquecer que os transportes têm um cunho social. E, quanto ao transporte ferroviário e à CP como serviço público e tradicionalmente assumido, o Governo mão pode obrigar as populações a pagarem a incompetência da sua gestão e da sua política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Afonso.

O Sr. António Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Subo hoje a esta tribuna para vos falar de Bragança. Procurarei, embora de uma forma sintética, fazer a sua caracterização e trazer aqui algumas das suas legitimas aspirações, das suas gentes e das potencialidades de que disfruta.
O distrito estende-se por uma superfície de 6608 km2, o que corresponde a 7,4% da área do continente, e é constituído pelos concelhos de Alfândega da Fé, Bragança, Carrazeda de Ansiães, Freixo de Espada à Cinta, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela, Mogadouro, Torre de Moncorvo, Vila Flor, Vimioso e Vinhais. Segundo o último censo, a população residente cifra-se em cerca de 154000 habitantes, o que origina uma densidade populacional de 27,7 habitantes/km2 aos níveis mais baixos do território nacional, apenas ultrapassado pelos distritos alentejanos.
A pequena importância demográfica do distrito tem vindo mesmo a decrescer nas últimas décadas, num processo que se pode generalizar ao conjunto dos distritos do interior. Os intensos fluxos migratórios explicam, basicamente, as perdas de população a partir de 1960, contribuindo, ainda, de forma decisiva, para o envelhecimento progressivo dos residentes. Desde 1981 e num período de 10 anos verificou-se uma variação negativa de 14,4%; o mesmo será dizer que se registou uma queda de 26057 pessoas da população do distrito. O principal elemento de caracterização da estrutura económica do distrito é a dominância exercida pelo sector primário, que ocupa mais de 50% da população activa. Há, pois, necessidade que se inverta esta situação por forma a combater-se a assustadora desertificação, tornando esta região numa porção do Pais onde dê gosto viver.
Em todo o distrito estão em funcionamento, no ensino oficial, 106 jardins de infância, com 1992 crianças, sob a responsabilidade de 240 educadoras de infância, mas espera-se de algumas autarquias um maior empenhamento que possa levar a um aumento da rede pré-escolar. O 1.º ciclo do ensino básico é ministrado em 503 escolas, com uma frequência de 13532 alunos, por 1440 docentes, funcionando ainda 48 postos de EBM com 87 professores e 848 alunos.
Neste momento, um grave problema que nos preocupa é a elevada diminuição da frequência das escolas no espaço rural, existindo em funcionamento 75 escolas, com 10 ou menos alunos, escolas essas que deveriam encerrar, de acordo com a legislação vigente. Este caso é mais gritante quando constatamos que, dessas escolas, 52 têm menos de cinco crianças.
Temos de ter a coragem suficiente para encarar de vez este problema e arquitectar a sua solução. Do nosso ponto de vista, tem de haver um maior empenhamento das autarquias na ajuda da escolha das soluções alternativas e da parte do Governo terão de ser feitas as transferências orçamentais que viabilizem esta solução. O futuro, já relativamente próximo, vai levar-nos à concentração escolar, com as necessárias alterações na tipologia dos edifícios que têm vindo a ser construídos.
Vai ressentir-se, ainda mais, a vida em algumas das nossas aldeias, mas ganhar-se-á, inquestionavelmente, na preparação pedagógica das crianças. No 2.º e 3.º ciclos funcionam, na área do distrito, 11 escolas preparatórias com 5139 alunos, 5 escolas C+S e 12 escolas secundárias, frequentadas por 13323 alunos e com um número total de 1486 professores. Neste sector não se verificam grandes carências, pretendendo-se que o Ministério proceda à criação do 10.º, 11.º e 12.º anos nas Escolas C+S de Vimioso e de Freixo de Espada à Cinta, indo ao encontro dos desejos dessas populações.
No que se refere a instalações, é necessário que o Ministério, através da Direcção Regional de Educação do Norte, tome as providências necessárias tendentes à rápida construção da Escola C+S de Rebordelo, no concelho de Vinhais. Verifica-se, também, a necessidade da construção de uma nova escola secundária na cidade de Mirandela, motivada pela elevada frequência que origina a saturação das actuais instalações.
No entanto, a grande aposta do Governo nesta área tem de ser no ensino superior. Através do Decreto-Lei n.º 513-T/79, de 26 de Dezembro, foi criado o Instituto Politécnico de Bragança, que é constituído presentemente por três escolas: a Escola Superior Agrária, a Escola Superior de Educação e a Escola Superior de Tecnologia e Gestão, com uma frequência total de 1401 alunos. Além destas três escolas que constituem o Instituto Politécnico de Bragança funcionam, na área do distrito, a Escola Superior de Enfermagem, com 183 alunos, o Instituto Superior de Línguas e Administração, com uma frequência de 250 alunos, e as Escolas Superiores Jean Piaget/Nordeste, que têm matriculados 150 alunos, totalizando, assim, 6 estabelecimentos de ensino superior com cerca de 2000 alunos.
É imprescindível que o PIDDAC do próximo ano contemple a 2.ª fase da construção da Escola Superior de Tecnologia e Gestão e o Ministério terá de financiar esta escola, pois os pressupostos incluídos no decreto-lei que a criou não são realizáveis nesta região pelo menos nós tempos mais próximos. É igualmente necessário que os cursos de Contabilidade e Administração e de Informática de Gestão, que ainda constam das portarias da Escola Superior Agrária, passem para a área da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, tendo em vista eliminar as legítimas preocupações dos alunos que pretendem obter diplomas nestas áreas.
Por último, sobre este capítulo, referirei que o Instituto Politécnico de Bragança tem 4 doutorados e conta com a

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colaboração efectiva de mais 4 professores das Universidades de Vila Real, Porto e Coimbra, estando 15 docentes a preparar o seu doutoramento. Atendendo à sua enorme área de influência e à distância a que nos encontramos das actuais universidades, achamos que chegou a hora da decisão que se impõe para colmatar uma aspiração legítima: a criação da universidade do Nordeste Transmontano.
"Só através da criação da universidade é que será possível efectuar a formação integral, quer dos técnicos superiores a vários níveis quer do pessoal docente necessário para os formar, e criar a massa critica suficiente para acudir aos inúmeros problemas que se colocam ao desenvolvimento regional, face ao desafio da integração europeia." A universidade do Nordeste Transmontano, pelo inerente impacte cultural, propiciará inevitavelmente uma fixação de quadros e de jovens e tornar-se-á num importante pólo de desenvolvimento do distrito de Bragança.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Na área da saúde, o distrito encontra-se bem apetrechado, no que se refere a equipamentos, possui em funcionamento hospitais em Bragança, Macedo de Cavaleiros e Mirandela e 12 centros de saúde com 132 extensões. A saúde nesta região tem demonstrado nos últimos anos uma grande evolução e mudança, não só pelos investimentos estruturais que vêm sendo feitos, mas também pelo interesse e motivação dos seus profissionais.
Prevê-se para este ano a entrada em funcionamento do novo Centro de Saúde de Bragança, bem como dar início à construção do Centro de Saúde de Carrazeda de Ansiães. Encontra-se também numa fase bastante adiantada a ampliação do Hospital Distrital de Mirandela. No Hospital Distrital de Bragança foram feitas adaptações que lhe permitem uma maior funcionalidade. Relativamente a Macedo de Cavaleiros, é urgente que o Governo proceda à construção da variante de acesso ao Hospital Distrital, bem como sejam executados os arranjos exteriores do Hospital e do Centro de Saúde.
Esta realidade foi confirmada pela Comissão de Saúde na recente visita que efectuou ao distrito, tendo ainda constatado a excelente interligação institucional existente. O problema essencial prende-se com a escassez de recursos humanos, especialmente médicos. O Hospital Distrital de Bragança tem um quadro de 61 médicos, estando apenas preenchidos 23 lugares. O Hospital Distrital de Mirandela, num quadro de 44 médicos, tem ocupados apenas 14. No Hospital Distrital de Macedo de Cavaleiros a situação é ainda mais delicada, uma vez que este tem apenas ocupados 3 lugares dos 31 que constituem o quadro.
No âmbito da Administração Regional de Saúde estão colocados 102 médicos dos 158 que fazem parte do quadro. Verifica-se, assim, que, no conjunto, se encontram preenchidas menos de 50% das vagas que constam dos respectivos quadros. Urge, pois, que sejam tomadas pelo Ministério medidas que possam alterar esta gritante situação.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O distrito de Bragança dispõe de um conjunto de motivos, com particular destaque na área da natureza e histórico-cultural, que vale a pena conhecer. O Parque Natural do Montesinho abrange a metade norte dos concelhos de Bragança e Vinhais, junto da fronteira com a Espanha, e desenvolve-se por uma área de 75 000 ha, constituindo uma paisagem extremamente rica e variada. A albufeira do Azibo, em Macedo de Cavaleiros, poderá vir a tornar-se um grande pólo de atracção e desenvolvimento quando se proceder à implementação do plano de ordenamento.
A navegabilidade do Douro começa a ser rentabilizada na componente turística, disfrutando os seus utilizadores de paisagens deslumbrantes, e proporcionando um contacto humano com as nossas tradições e a nossa forma de viver. O complexo turístico de Vila Flor, com piscina e parque de campismo, é um referencial importante do muito de bom que a região possui. O programa das "Amendoeiras em flor" é já um produto turístico muito procurado e que leva à região, ao longo de um mês, muitos milhares de pessoas de diversos pontos do País. "As características festas, feiras e romarias, o folclore, o artesanato rico e variado e a boa cozinha tradicional consubstanciam globalmente um factor importante como manifestação de cultura popular."
Finalmente, do ponto de vista histórico-arquitectónico, merecem destaque os diversos solares e casas brasonadas que se encontram por todo o distrito, a zona histórica de Bragança, com o seu castelo e a Domus Municipalis, a Sé Catedral de Miranda do Douro, a Igreja Matriz de Moncorvo, a Torre do Castelo de Freixo de Espada à Cinta e a Igreja Matriz, o Santuário de Balsamão, a Igreja Matriz de Vimioso, entre muitos outros.
Somos dos que acreditam que o turismo poderá ser considerado a indústria do ano 2000, sendo a região nordestina um potencial no aspecto monumental, cultural e paisagístico, bem como no campo cinegético e na pesca. O distrito tem uma vasta área de fronteira, estando neste momento em funcionamento sete postos fronteiriços por onde circulam anualmente mais de 2 milhões de pessoas. É importante darmos a quem nos visita uma boa imagem do nosso País logo à entrada ou então que perdure pela positiva uma lembrança de Portugal nos inúmeros turistas que por ali se despedem.
No entanto, do Sistema de Incentivos Financeiros ao Turismo (SIFIT), apenas foi atribuído a fundo perdido 0,7% das verbas gastas no País, o que colocou esta região no último lugar da lista de contemplados. É necessário que sejam criadas condições para que os empresários possam investir nesta área, dotando o distrito das infra-estruturas turísticas que permitam alterar a situação do nosso actual "turismo de passagem", aumentando significativamente o tempo de permanência de quem nos visita.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Falámos hoje essencialmente de educação, saúde e turismo. Noutra altura, traremos aqui os problemas que se prendem com outras áreas de actividade. É necessário mudar a paisagem física, económica e social da região. É intenção deste governo prestar uma particular atenção às regiões de reconversão económica, designadamente às regiões fronteiriças, por apresentarem fragilidades ou dificuldades de desenvolvimento. Registamos, com agrado, esse desejo do Governo, pois cada vez mais se justifica a imperiosa necessidade de que o progresso, o desenvolvimento e o bem-estar dos Portugueses seja uma realidade, independentemente do local onde nasceram ou onde vivem.
Procurámos não dar dana ideia miserabilista do nosso distrito, como muitas vezes alguma imprensa mostra ao País, conscientes de que, apesar do muito que tem vindo a ser feito, acreditamos que, do muito que ainda há para fazer, se possa fazer mais e cada vez melhor. Temos confiança no Governo e isso dá-nos a garantia de que continuará o processo de melhoria e transformação de todo este vasto Nordeste Transmontano. Até há bem pouco tempo fomos uma região que contribuía para a

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economia do País e que não recebia, na mesma proporção. Nos últimos anos, esta situação tem vindo a inverter-se, mas ainda é necessário que se reforcem os apoios, para que, finalmente, as assimetrias de que tanto se fala sejam rapidamente neutralizadas.
Nesta altura, sente-se um pulsar de uma nova esperança e a convicção de que é possível recuperar o. atraso de décadas e construir um futuro risonho e promissor para todos os que ali vivem.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques da Silva.

O Sr. Marques da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Indiferente às persistentes críticas da oposição madeirense, da imprensa regional e da opinião pública, o Governo e as autoridades da Região Autónoma da Madeira continuam a permitir constantes atentados ao ambiente e à paisagem da ilha reporto-me ao litoral funchalense.
Relativamente a uma costa, que creio ser de cerca de 10 km, entre o sítio do Lazareto e a praia Formosa, temos de descontar, nessa extensão, as falésias que impedem o acesso ao mar e que constituem o maior óbice à existência de mais praias. Um outro extenso espaço é destinado ao porto do Funchal. Restam, para gozo dos desportos náuticos e de lazer, as zonas de domínio público, ocupadas por piscinas e instalações hoteleiras, vedadas aos Madeirenses e a estes é apenas oferecida a piscina municipal do Lido e, nem sequer, meia dúzia de exíguas e péssimas praias.
Há assim um verdadeiro apartheid. O termo não é meu, mas define rigorosamente a separação das óptimas instalações balneares oferecidas aos turistas e os poucos e medíocres espaços reservados aos Madeirenses. Neste cenário há situações obscuras, entre as quais cito os seguintes pontos, muito concretos: há alguma concessão que preveja o extenso espaço reservado ao Hotel Savoy e a autorização devida às obras aí construídas junto ao mar? Quem autorizou o ex-Hotel Sheraton, actual Carlton, a expandir-se sobre a praia, com construções e piscina, ocupando depois a praia do Ribeiro Seco? Haverá autorizações para os Hotéis Reids e Carlton ocuparem as margens do referido Ribeiro Seco, reduzindo-o a estreito canal e tendo o último hotel sido construído mesmo sobre o estrangulado curso de água?
E continuando: porque se permitiu o fechar-se com portão de ferro a cadeado o beco que conduzia à praia da Forja, impedindo os Funchalenses da sua utilização? Porque abandonou a Câmara o seu projecto de ampliação da piscina municipal para este, oferecendo a um particular uma praia onde emerge agora um monstro de cimento que destrói a vista sobre a baía? Porque se deixa cobrir parcialmente com entulho, pedras e terra a praia da Ponta Gorda, anteriormente tão procurada pelos Funchalenses? Porque se violou o Projecto da Frente-Mar para a praia Formosa, que aí previa a merecida estância balnear dos Madeirenses, e se reserva essa praia para hotéis e apartamentos turísticos?
Consultando o livro do Prof. Freitas do Amaral, com extenso comentário ao Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, sobre terrenos do domínio hídrico, verificamos situações de nítido atropelo à lei. Exige-se uma resposta clara das autoridades e do Governo da Região Autónoma da Madeira. Queremos saber as contrapartidas das alienações feitas.
Para além disto e tendo em vista o próprio Decreto-Lei n.º 468/71 e outras leis sobre o ambiente, é sabido que as construções descuidadas sobre o litoral que coloquem em perigo o ambiente, a fauna e a flora marítimas constituem crime, não falando já na destruição do perfil do belo litoral madeirense. Assim, estamos perante uma nítida violação ao artigo 66.º da Constituição, bem como do n.º 2 do artigo 84.º, este último regulamentado pelo aludido Decreto-Lei n.º 468/71.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Deputado Marques da Silva, ouvi atentamente a sua intervenção e ela vem um pouco na sequência daquelas fotografias que o Sr. Deputado, no outro dia, nos quis fazer o favor de oferecer.
Quanto às referências das suas preocupações relativamente à utilização do litoral madeirense, em especial da costa funchalense que referiu, do Lazareto à Ponta Gorda, quero dizer-lhe o seguinte: a preocupação da preservação do litoral madeirense está patente e faz parte de uma preocupação permanente e mais ampla que é a preservação da qualidade da nossa paisagem e do nosso meio ambiente, porque, como o Sr. Deputado sabe tão bem como eu, tal como muitos Deputados que aqui se encontram, é do nosso bom clima e da nossa bela paisagem que depende o nosso fundo especial de receitas o turismo.
E é exactamente por isso que o Governo Regional e todas as entidades públicas e privadas se preocupam imenso com a preservação do litoral, da natureza em geral e do ambiente em particular. O Sr. Deputado refere que o Governo Regional alienou partes do litoral madeirense, mas isso não é verdade. E não é verdade pela simples razão de que não o pode fazer. O Governo Regional apenas cedeu a exploração dessas zonas a título precário, com a obrigação de as entidades a quem foram cedidas manterem, melhorarem e muitas vezes até fazerem os acessos às praias, que veio servir ao mesmo tempo de local para exploração turística e para os tempos de lazer das populações. É, por exemplo, o caso dos hotéis e das unidades turísticas que foram construídos na Ponta Gorda.
Quanto à não existência de praias e de recintos balneares para a população madeirense, o Sr. Deputado também sabe que assim não é. O Sr. Deputado sabe, tão bem como eu, que a praia da Ponta Gorda estava extremamente degradada e estragada e que as pessoas, para lá irem, tinham muitas vezes de o fazer com mil cuidados porque os respectivos acessos estavam completamente deteriorados: eram as terras que caíam, as pedras e as rochas que caíam também para o pequeno caminho de acesso.
Ainda relativamente aos centros balneares, o Sr. Deputado sabe que o Lido foi completamente remodelado e que hoje é um centro balnear exemplar. É uma coisa muito bonita, que demorou algum tempo a fazer. Durante o tempo em que esteve a ser recuperado, as pessoas refilavam, dizendo que não tinham para onde ir, mas a verdade é que está já há alguns anos em pleno funcionamento.

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Quanto aos trabalhos da praia da Barreirinha estão, neste momento, em fase terminal. Esta é uma outra praia que o Sr. Deputado, muito melhor do que eu, saberá que tinha péssimas condições: era pequenina, as escadas eram difíceis, havia uma série de problemas. Ora, acontece que essa praia está a ser amplamente remodelada, para poder ser usada pela população, sobretudo pela população daquele lado do Funchal.
Há, também, a referir as melhorias das praias em Porto Moniz, no Seixal, em São Vicente, em Santa Cruz e no Porto da Cruz. Assim, o Sr. Deputado não pode dizer que não há preservação do meio ambiente, que o Governo Regional não se preocupa, porque isso não é efectivamente verdade.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Marques da Silva.

O Sr. Marques da Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, agradeço as suas palavras mas tenho o desgosto de lhe afirmar que não concordo absolutamente nada com elas.
É que o Estado não pode ceder, a título precário, uma zona do domínio público marítimo para aí ser construído um hotel ou uma piscina, porque a isso se opõe a lei, mas pode fazer uma concessão que vigorará por determinado tempo, pelo menos 30 anos. 15to é, pode conceder licenças ou concessões, mas não pode conceder licenças a título precário, porque nem sequer existem.
Aliás, também não é verdade que os hotéis sejam assim tão generosos que tenham construído acessos às praias para a população madeirense. E tanto não é verdade que, quando quis documentar este trabalho e pretendi tirar fotografias da zona do Hotel Savoy, fui "corrido" porque, se calhar, pensavam que estava cobiçoso de fotografar algumas valquírias que lá estavam expostas, só que, efectivamente, só pretendia tirar fotografias da baía.
Relativamente à Ponta Gorda é um facto que as terras não escorregaram por si, mas foram atiradas pela praia abaixo. Foi atirado entulho, cimento, pedras e o mar, por si só, encarregou-se de "comer" parte e, quando o fez, destruiu toda aquela fauna e flora subaquática, como sabem todos os presentes que se interessam pela ecologia. Assim, essa praia hoje está encurtada e pouca gente a aproveita.
No entanto, existem outros casos que V. Ex.ª não referiu. Como é que o Hotel Carlton veio ocupar uma praia que é pública, como a praia do Ribeiro Seco? A que titulo? E como é o Hotel Carlton vai reduzir o Ribeiro Seco a uma levada, construindo por cima? Onde estão esses contratos?
É isso que a imprensa e a opinião pública estão sempre a exigir e não obtêm nenhuma resposta. A primeira resposta que se obteve até agora foi em parte a sua que é, infelizmente, insuficiente.
Já no que se refere a zonas fora do Funchal, dou-lhe razão porque acabei de ler hoje no Diário de Notícias do Funchal que o presidente da Câmara Municipal de São Vicente, Gabriel Drumond,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Do PSD!

O Orador: - Tenho todo o prazer em reconhecê-lo, Sr. Deputado.
... fez uma concessão a uma empresa privada a qual reverterá, ao fim de x tempo, para a população. Ora, isto está certo, o que não está certo é o que se fez no Funchal.

Portanto, lutando nós com tantas dificuldades, seria interessante voltar atrás e fazermos, digamos, uma reavaliação daquilo que foi conquistado e obrigar as entidades, que estão a utilizar abusivamente essas praias, a indemnizar o nosso governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Cecília Catarino pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Presidente, sob esta figura regimental, queria dizer ao Sr. Deputado Marques da Silva duas pequenas coisas.
As praias dos hotéis, que V. Ex.ª referiu e que classificou do domínio público e que, por isso, deviam ser utilizadas pela população, estão dentro dos domínios das propriedades privadas onde estão instalados esses hotéis e eram utilizadas pelas populações de vez em quando. E mesmo na praia do Ribeiro Seco, que estava desactivada há bastante tempo, a construção da piscina do Hotel Savoy é antiquíssima. Não é de agora, não é do tempo do Governo Regional, é anterior ao 25 de Abril, e V. Ex.ª, que é mais velho do que eu, lembrar-se-á perfeitamente disso. Essa construção já tem muitos anos e, se o Sr. Deputado vem agora invocar essa situação, devo dizer-lhe que aí não houve nenhuma violação da lei.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Marques da Silva.

O Sr. Marques da Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Catarino, como não sou formado em Direito trouxe uma cábula e não tenho vergonha de o dizer.
Assim, é considerada zona de domínio público marítimo o espaço que medeia entre a preia-mar e 50m de praia e nesse espaço de terreno ninguém pode construir, a não ser através de uma concessão. Portanto, não tem razão quando diz que essa zona já pertence aos hotéis.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Relativamente ao Hotel Savoy, só no caso muito especial dos actuais proprietários poderem demonstrar que possuíam, até 1864, territórios contíguos à praia, é que é feita uma excepção.

A Sr.ª Cecília Catarino (PS): - É isso mesmo!

O Orador: - Mas o Hotel Savoy era uma coisa muito pequenina e já foi aumentado depois dessa data. Além do mais, a praia está desactivada, porque taparam os acessos. Se V. Ex.ª for à Quinta Magnólia e quiser ir como fazia dantes à praia do Ribeiro Seco não o consegue fazer, porque taparam o acesso.
Nesse aspecto temos até um exemplo curioso na Madeira. O Sr. Saviotti quis construir no Machico um grande hotel, mas queria a praia toda e, como o padre Martins disse que não, o Sr. Saviotti retirou-se de lá.
É que as leis existem para serem cumpridas.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 5 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vimos iniciar a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 109/VI e 163/VI, respectivamente do PS e do PSD.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Silva.

O Sr. Oliveira e Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez a Assembleia da República se confronta com projectos de alteração do regime legal dos baldios, que é ainda o plasmado nos Decretos-Lei números 39/76 e 40/76, de 19 de Janeiro.
As novas tentativas têm, como se sabe, fartos antecedentes, que animaram renhidos debates em anteriores plenários, praticamente ao longo de quase todos os anos da década de 80. Não se pode negar que os esforços assim desenvolvidos para modificar o estatuto dos baldios, e que até agora se saldaram, invariavelmente, por um total malogro, foram de algum modo justificados por mutações ocorridas no País que tornaram em larga medida obsoleto o figurino imposto por aqueles diplomas.
Nada nos custa até reconhecer que esse figurino, embora ditado por propósitos de transformação da sociedade rural, já nasceu, em vários aspectos, inquinado de desactualização por conceber e tomar como pressuposto uma realidade económica e social que na época da sua entrada em vigor tinha sido há muito ultrapassada.
Os Decretos-Leis números 39/76 e 40/76, de 19 de Janeiro, têm visto, assim, largamente comprometido o seu esforço para fundamentar o ideal socializante, que os inspirou, numa tradição comunitária, que se proeurou proteger e exaltar como modelo, mas que a evolução da nossa economia agrária vem condenando a inexorável definhamento.
Mas verdade é também que, ressalvadas as iniciativas legislativas do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, as diligências para dotar o Pais de um ordenamento actualizado dos baldios têm enfermado notoriamente do vício oposto, desentranhado no afrontmento constante dos direitos dos povos à fruição dos bens comunitários, que, não obstante aquela evolução desfavorável, continuaram a resistir e a preencher um sector da propriedade com a importância e dignidade bastantes para alcançar o respeito e a tutela da Constituição.
Não é de agora, como se sabe, esta querela em torno dos baldios, que, longe de se ter confinado ao plano da sua ordenação legal e aos órgãos investidos no poder de a decretar, tem descido mesmo no curso da história ao terreno da confrontação violenta, levando os povos ao uso da força como último recurso de defesa dos seus direitos seculares.
Dispensamo-nos de fazer aqui a descrição desses sucessos profusamente desenvolvida por vários Srs. Deputados, e anotada por nós próprios, em anteriores legislaturas.
Só nos permitimos, todavia, repetir que as arremetidas contra a fruição comunitária dos baldios foram desencadeadas ao longo dos tempos, quer pelos particulares, que assim foram logrando consumar múltiplas e consideráveis usurpações, quer pelo poder central, que, tentando a partilha de todos aqueles bens em 1766, renovou esse propósito em várias leis dos séculos seguintes, mesmo durante a vigência da 1 República. O que, aliás, a ninguém pode surpreender, sabido, como é, que as liberdades formalmente instituídas por liberais e republicanos serviam, sobretudo, os interesses da burguesia nacional em ascensão, que, empenhada em enfatizar os direitos da propriedade privada, não tinha interesse nem podia nutrir apreço ideológico pela defesa da propriedade comunitária.
Mas os mais rudes golpes viriam a ser desferidos durante o regime anterior, ao estabelecer a reserva de parte dos baldios para efeitos de colonização interna e ao submeter outros ao regime florestal, nos termos do Decreto-Lei n.º 27707, de 16 de Novembro de 1936. Esta mutilação do património comunitário viria, logo de seguida, a ser agravada com a entrada em vigor do Código Administrativo do mesmo ano, que, dividindo os restantes baldios em indispensáveis ao logradouro comum e dele dispensáveis, atribuiu aos corpos administrativos, a par da administração e policia quanto aos primeiros, amplos poderes de alienação sobre os últimos.
E assim aconteceu que os baldios, que ainda no século XV abrangiam cerca de um quarto de todo o território continental, no ano de 1939, já só rondavam os 420000 ha.
Recuperada a liberdade com o 25 de Abril e enriquecido o seu conceito com novas preocupações de justiça social, que eram estranhas tanto aos ideólogos e revolucionários de 1820, como aos de 1910, a restituição da posse e gestão dos baldios ás comunidades locais logo se antolhou como uma exigência indeclinável da nova ordem democrática.
Ora, coube justamente aos Decretos-Leis nº 39/76 e 40/76 o mérito de a satisfazer, quer impondo ao Estado e juntas de freguesia aquela devolução para os que se encontravam na sua posse, quer prescrevendo a disciplina jurídica necessária para anulação das indevidas apropriações daqueles bens consumados por particulares. Ensaiava-se na altura, como se sabe, uma ampla reforma agrária, que, privilegiando o apoio aos pequenos agricultores e operários agrícolas, segundo o lema "A terra a quem a trabalha", se propusera abolir os latifúndios e destruir, em consequência, o poder dos grandes agrários.
No quadro dessa estratégia, o Decreto-Lei n.º 39/76 criou a assembleia de compartes e o conselho directivo para assegurar uma gestão democrática e desburocratizada dos baldios, esperando-se que esta viesse a constituir, paralelamente, uma válida expressão da nova política, que se queria generalizar, de controlo, pelos trabalhadores do campo, do processo produtivo e dos recursos naturais.
Mas a utopia não vingou. Como por mais de uma vez já se acentuou em anteriores intervenções, importa reconhecer que em grande número de casos as providências adoptadas por aqueles diplomas não tiveram sequer o condão de reconduzir os baldios ao seu papel tradicional.
Muitos continuaram desaproveitados, ou foram mesmo votados ao abandono, por motivos vários, em que sobrelevaram como causas mais imediatas a falta de vontade política das próprias autarquias e dos serviços oficiais, que logo se mostraram avessos a implementar na esfera das suas competências a disciplina prescrita naquele decreto-lei.
Pelo contrário, muitas vezes dispuseram-se mesmo, deliberadamente, a bloqueá-lo, mediante a recusa injustificada da homologação de eleições dos conselhos directivos ou o congelamento de receitas avultadas, indispensáveis à prossecução das suas atribuições.

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A inércia das populações, a demissão de responsabilidades por parte de vários conselhos directivos, a ausência de mecanismos adequados de controlo e responsabilização, o declínio da agricultura e consequente desertificação dos campos, o incremento da industrialização e da emigração constituíram seguramente outros tantos factores que avolumaram as dificuldades criadas ao sucesso do regime jurídico dos baldios moldado naqueles diplomas de Abril.
Foi no contexto desta crise, que subsiste e se agrava, que se sucederam as iniciativas do PSD, e também do CDS, para recuperar a disciplina reinante no regime anterior, mediante o esbulho das comunidades locais da posse e gestão dos baldios, que seriam integrados no domínio público da freguesia, passando a ser administrados pelas respectivas juntas.
Foi esse modelo, vertido no Decreto-Lei n.º 182 que aqueles partidos conseguiram aprovar na V Legislatura desta Assembleia da República e que, submetido a fiscalização prévia da constitucionalidade pelo Presidente da República, o Tribunal Constitucional inviabilizou, como se sabe, pelo seu Acórdão de 4 de Abril de 1989.
Proferido antes da 2.ª revisão constitucional, nele se consignou que o diploma do PSD e do CDS, ao pretender transformar os baldios, de bens comunitários, que constitucionalmente são, em bens de domínio público, da freguesia, transferindo a sua administração para as autarquias, atentava contra os direitos das comunidades locais e esvaziava praticamente o correspondente subsector da propriedade pública, que a Constituição reconhecia e tutelava.
Daí a declaração de inconstitucionalidade dos correspondentes preceitos do referido decreto que, assim, soçobrou por força do veto do Presidente da República. Mas, longe de desarmar, o PSD manteve os seus propósitos e retomou a iniciativa legislativa no ano seguinte, apresentado um projecto de lei em que procura contornar os preceitos da Constituição, que serviram ao Tribunal Constitucional para impedir que as comunidades locais fossem despojadas dos baldios em proveito das juntas de freguesia.
Como denunciámos na discussão do projecto, e proclamada por aquela suprema instância a impossibilidade do pretendido esbulho, à face do artigo 82.º, n.º 4, alínea b), da Constituição, que assegura às comunidades locais a posse e gestão dos baldios, a nova iniciativa tenta iludir essa proibição, valendo-se agora, para o efeito, do governador civil. Aproveitando-se da vocação institucional desse representante do Governo para o exercício de actividades de fiscalização e polícia, o projecto investe-o em amplos poderes de tutela sobre as assembleias de compartes e conselhos directivos, arrebatando-lhes a autonomia de decisão nas áreas mais significativas.
Só que a 2.ª revisão constitucional, já então consumada, antecipadamente condenava também esta tentativa a irremediável naufrágio. Com efeito, deixou agora a Constituição de considerar os bens comunitários como um subsector da propriedade pública para os integrar antes no sector cooperativo e social, onde alinham com os meios de produção possuídos e geridos por cooperativas e pelos que são objecto de exploração colectiva pelos trabalhadores.
Excluídos, assim, os baldios do sector da propriedade pública, onde estiveram integrados, o estatuto da sua posse e gestão tornou-se manifestamente inconciliável com qualquer tipo de tutela administrativa, já que apertas se lhe pode adequar, a nosso ver, uma tutela jurisdicional.

Ora, foi este entendimento que, justamente, veio a ser consagrado por novo Acórdão do Tribunal Constitucional, de 11 de Junho de 1991.
Na verdade, aprovado aquele projecto pela Assembleia da República e transformado no seu decreto n.º 317/V, novamente o Presidente da República suscita a fiscalização da sua constitucionalidade, por se lhe ter afigurado, além do mais, que os poderes agora atribuídos ao governador civil brigavam com a autonomia dominical comunitária, transmudando-a num mero regime de disciplina administrativa.
Estas objecções vieram a ser nesta parte inteiramente sufragadas pelo Tribunal Constitucional que, declarando a inconstitucionalidade de vários preceitos do novo diploma, rasgou o carinho a novo veto triunfal.
E valerá a pena no breve exame a que vamos proceder das duas iniciativas legislativas, agora submetidas ao juízo deste Plenário, enunciar a título propedêutico as ideias mestras daquela decisão que, segundo pensamos, deverão iluminar de vez a abordagem da maioria das questões ligadas ao enquadram então constitucional dos bens comunitários.
Como se afirma no douto Acórdão de 11 de Junho de 1991, aliás, na esteira da sua anterior decisão de 4 de Abril de 1989: "Os baldios constituem o núcleo essencial e imprescindível dos meios de produção comunitários, possuídos e geridos pelas comunidades locais", integrados no sector da propriedade cooperativa e social, pertencendo-lhes não apenas a posse e gestão, mas também a titularidade dominical desses meios de produção. "E isto é assim porquanto, para além das razões já aduzidas, a revisão de 1989, ao desenvolver uma lógica de desestatização dos bens comunitários face ao Estado e ao sector público de propriedade, trouxe para estes bens um acréscimo da sua autonomia enquanto bens integrados no sector cooperativo e social, autonomia essa que há-de traduzir-se num reforço da dominialidade comunitária e cívica dos baldios." E, depois de acentuar que o regime dos baldios deve captar-se essencialmente a partir das normas constitucionais vigentes e não já das leis ordinárias, que, ou estão revogadas, ou se tornaram imprestáveis, conclui-se: "A titularidade dominial dos baldios, tal como acaba de ser definida, significa que, nos termos constitucionais, as comunidades locais são titulares dos seus direitos colectivos sejam de gozo, sejam de uso, sejam de domínio como comunidades de habitantes, valendo quanto a elas os princípios da auto-administração e autogestão."
Sr. Presidente e Srs. Deputados: É pois à luz destes princípios e da experiência colhida com os sucessos que ficaram sucintamente descritos que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista renova agora, com o seu projecto de lei n.º 109/VI, as iniciativas que já tomou na IV e na V Legislaturas para dotar os baldios de um regime que possa contribuir, nas actuais condições de evolução da nossa economia agrícola, para um adequado aproveitamento desse importante património.
Poderá não se contemplar ainda de forma cabal a satisfação de todas as preocupações implicadas pela integração dos baldios numa política global de desenvolvimento.
Termos nesta matéria presente a lição do nosso saudoso camarada, Prof. Azevedo Gomes, que tanto se bateu nesta Assembleia pelo desencadeamento de acções planeadas que, coordenando diversos tipos de fomento e respeitando a autonomia dos compartes e o seu poder de decisão em última instância, pudesse vir a promover a melhoria efectiva das suas condições de vida.

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A par da florestação destinada à produção de material lenhoso continua a impor-se, além do mais, a necessidade de incrementar nos baldios outras modalidades de aproveitamento, como a produção de madeira de qualidade para mobiliário, o fomento da silvo-pastorícia, de espécies cinegéticas e piscícolas, bem como a criação de espaços verdes, que, juntamente com a fauna selvagem, possam constituir áreas de lazer, de desporto e de turismo.
Em suma, e como já tivemos então oportunidade de dizer, importa conciliar as formas tradicionais de gestão comunitária dos baldios com os novos condicionamentos da agricultura, tendo em vista a previsível evolução desta, e com os objectivos de uma política de desenvolvimento que privilegie a qualidade de vida das populações, se ainda se pode querer fixá-las na serra, para combater o despovoamento do território, promovendo o fomento agro-silvo-pastoril, e para obter o concurso delas na luta contra o flagelo dos incêndios.

Aplausos do PS.

Aproximando-se destes e doutros objectivos, renova o projecto do PS a sua proposta dos planos de utilização, a aprovar e actualizar pelos órgãos de autogestão dos baldios, mas a elaborar em cooperação com as entidades administrativas que superintendem no ordenamento do território e na defesa do ambiente.
O estabelecimento desta cooperação como dever juridicamente vinculante e a obrigação para os serviços competentes da Administração Pública de elaborarem projectos tipo de planos de utilização devem constituir imperativos bastantes para assegurar na prática a efectivação da providência, que o Governo fica incumbido de regulamentar adequadamente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas o projecto ensaia ainda um conjunto de soluções noutros domínios que rasga para o futuro perspectivas de um melhor aproveitamento dos baldios no interesse colectivo e no quadro de um intransigente respeito pelo direito das comunidades locais, tal como vem sendo reiteradamente proclamado pelo Tribunal Constitucional.
Por isso, nele se estatui que os baldios são administrados por direito próprio pelos respectivos compartes, através de órgão democraticamente eleito, cuja acção o universo dos compartes superintende e fiscaliza.
Mas, se há terrenos abandonados ou subaproveitados, urge disponibiliza aos para novas utilidades, como a instalação de infra-estruturas ou equipamentos sociais, urbanização ou quaisquer outras formas de utilização, que dêem resposta às necessidades reais dos povos. O instituto da extinção dos baldios, que o Tribunal Constitucional sancionou no seu Acórdão de 11 de Junho de 1991, e o projecto que regula adequadamente nos artigos 33.º e 34.º, permite, sem dúvida, atingir satisfatoriamente este desideratum.
Mas o próprio baldio, que presta a sua utilidade tradicional, poderá constituir objecto de expropriação por motivos de interesse público, como, aliás, sempre decorreria de princípios gerais elementares.
De há muito manifestámos nesta Assembleia o nosso propósito de contribuir para a resolução do problema do crescimento das povoações contíguas a baldios e terrenos de aptidão agrícola, individualmente apropriados, afigurando-se-nos que, em tais casos, a expansão urbana se deverá processar à custa dos solos menos favorecidos.

Para responder a esta necessidade, bem como à de instalação de unidades industriais, de infra-estruturas e outros empreendimentos de interesse para a comunidade local, nomeadamente no plano da criação de postos de trabalho, consagra-se no projecto a alienação de terrenos baldios a título oneroso e mediante concurso público por deliberação da assembleia de compartes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Permite-se, agora, a cessão da exploração de baldios, em especial para efeitos de povoamento ou exploração florestal, o que, aliás, se limita a consagrar torta prática já amplamente estabelecida sem apoio da lei por corresponder, por via de regra, não só às necessidades da indústria, mas sobretudo ao próprio interesse das comunidades locais.
O princípio da exclusão do comércio jurídico dos baldios, que se mantém, sofre, assim, significativas derrogações, mas todas elas sobejamente justificadas por valores de que compartilha o próprio interesse geral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A razoabilidade e justeza das propostas contidas no projecto de lei do PS, agora sujeito à vossa apreciação, afiguram-se-nos suficientemente aclaradas.
Essas propostas obedecem escrupulosamente à Constituição e à jurisprudência do nosso mais alto tribunal, incumbido de fiscalizar o seu cumprimento. Respeitam inteiramente, à partida, a integridade do domínio comunal e os direitos dos seus titulares.
Mas é exigente, já que condiciona, para o futuro, em considerável medida, a sobrevivência desses direitos ao seu exercício efectivo para satisfação das necessidades comunitárias, já que só ela justifica a protecção que a lei constitucional lhes confere.
Não comungamos, assim, do radicalismo estreme e falsamente progressista, que sacraliza os baldios, alçapremando os à categoria de bens intocáveis, mesmo quando há muito jazem abandonados sem qualquer préstimo.
Porque transigir com essa postura conservadora é ignorar a função social que se reclama de qualquer dos sectores da propriedade e atentar contra o próprio interesse geral.
É pois, nestes termos que solicitamos o voto do Plenário para mais esta oportuna iniciativa do Partido Socialista.
Não nos resta já tempo para comentar com o desenvolvimento merecido o projecto de lei n.º 163/VI, mas nada custa reconhecer, lealmente, que ele ostenta uma distância quase abismal das anteriores iniciativas do PSD.
Há que reconhecer, na verdade, que as lições do Tribunal Constitucional acabaram por surtir efeito, já que o estatuto agora proposto para os baldios se contém no fundamental dentro das balizas fixadas pela Constituição.
Mas, infelizmente, nem todos os seus preceitos suscitam a nossa concordância, por se nos afigurar que a lógica da tutela administrativa dos bens comunitários não foi deles completamente arredada. É o que resulta, designadamente, dos n.º 2 e 3 do artigo 3.º, do n.º 3 do artigo 5.º, do artigo 13.º, etc., onde se estabelecem intromissões de agentes do poder central e do poder local que, à luz da Constituição, não podem ser por nós sufragadas.
Mas as inconstitucionalidades mais graves são, no nosso entendimento, as contidas no artigo 15.º, ao instituir uma comissão de fiscalização, formada por membros dos órgãos autárquicos, e no artigo 24 º, ao conferir a admi-

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nistração provisória dos baldios às juntas de freguesia no contexto aí descrito.
Semelhantes preceitos, constituindo, manifestamente, um sucedâneo da tutela do governador civil, embora substancialmente atenuada, e instalando uma autêntica curadoria provisória a favor das juntas de freguesia, mostram as dificuldades com que o PSD anula se debate para aderir a um regime que respeite, de acordo com a Constituição, a autonomia plena dos bens comunitários.
Estamos certos, porém, de que poderão surgir neste debate sinais de reconsideração que nos permitam ultrapassar estas e outras reservas, para que o PS possa assumir na altura própria uma atitude positiva em relação ao seu projecto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Duarte, Lino de Carvalho, Raul Castro e Luís Martins.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Oliveira e Silva, ouvi com atenção a sua intervenção, que vem na sequência do actual projecto de lei do Partido Socialista sobre os baldios.
Concordamos com a afirmação que proferiu sobre a iniquidade inicial da legislação em vigor. Os Decretos-Leis n.º 39176 e 40/76, de 19 de Janeiro, não correspondiam, já na altura, à situação existente, muito menos agora, fruto das alterações económicas e sociais que Portugal sofreu durante estes 15 anos. Nesse sentido, já foram tomadas várias iniciativas a fim de adequar a legislação em vigor às pretensões das populações locais.
Mas, em relação ao projecto de lei actual do Partido Socialista, gostaria de colocar-lhe algumas questões.
Entende o Sr. Deputado que os conselhos directivos, que não têm história na problemática dos baldios pois apenas existiram no século passado durante um curto período de tempo, são obrigatórios como órgãos dos baldios? Não entende que possa ser antes uma faculdade conferida aos compartes em vez de se entender necessário formar e eleger esse órgão? Essa é uma das diferenças entre os dois projectos, pelo que gostava que V. Ex.ª, apreciasse a questão no sentido de saber se há, por parte do Partido Socialista, abertura para a alterar.
Uma outra questão que, para nós, é fundamental e sobre a qual me parece que o Sr. Deputado tem uma visão distorcida da nossa proposta está relacionada com a fiscalização. Não queremos que pairem sobre os compartes insinuações de desvio de dinheiro,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Vocês é que as fazem!

O Orador:- ...de má aplicação de receitas, de deficiências na utilização dos seus recursos. Para nós, é fundamental que haja uma estrutura que fiscalize os baldios, e, aqui, não se trata do exercício da tutela, porque o órgão fiscalizador não suspende nem anula os actos praticados, apenas os acompanha.
Aliás, o último acórdão do Tribunal Constitucional prevê a existência dessa estrutura e, nós, para defesa da honra e da dignidade dos compartes, por princípio, batemo-nos por ela, com esta ou outra composição. Será uma situação a estudar na especialidade, mas, por princípio, entendemos que é necessário e que seria positivo para os compartes que houvesse uma estrutura composta por pessoas estranhas a eles que fiscalizasse e acompanhasse a actividade dos órgãos do baldio.
Uma outra situação que, para nós, merece algum reparo, prendesse com a alienação de baldios para construção de habitação, também prevista no vosso projecto de lei. Enquanto nós prevemos que esta venda se faça pelo preço de mercado, de forma a permitir o acesso das pessoas mais carenciadas, o Partido Socialista prevê a modalidade da hasta pública.
Entende ou não o Sr. Deputado que esta solução permite que só as pessoas com maiores recursos possam comprar os terrenos baldios e que os mais carenciados, os jovens, os que têm menos recursos, as pessoas com economias mais débeis, eventualmente, não tenham acesso a esta habitação, que era disponibilizada pela alienação permitida pela lei?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Silva.

O Sr. Oliveira e Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Duarte, agradeço as perguntas que colocou e creio que é fácil responder-lhes.
Em primeiro lugar, indagou sobre a existência de um órgão executivo na gestão dos baldios, sobre se deveria ser obrigatória ou facultativo, mas creio que esse não é um problema grave. Admito que nalguns baldios de pequenas dimensões possa haver uma democracia directa, digamos assim, e não a intermediação de um órgão executivo. Tal é perfeitamente concebível!
Mas nós seguimos o modelo tradicional: todas as associações e as comunidades locais constituem uma associação são sempre, por via de regra, dotadas de um órgão executivo e de um órgão deliberativo. É essa a tendência que existe e que consagrámos, mas não fazemos dela uma questão fechada; pensamos que nalguns casos excepcionais é possível outra solução.
Quanto ao problema da fiscalização é que nunca poderemos estar de acordo! O Sr. Deputado fala em fiscalização e eu falo em tutela, mas dá-me a impressão de que, ao formular essa pergunta, V. Ex.ª ainda não tem verdadeira consciência da natureza dos bens comunitários.
Passa pela cabeça do Sr. Deputado Carlos Duarte instituir uma fiscalização deste tipo em relação ao sector cooperativo? Acha que as cooperativas também devem ser fiscalizadas por qualquer órgão de tutela desse tipo?

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Há o conselho fiscal!

O Orador: - Existem órgãos próprios, a assembleia... É preciso ver que, como diz o Tribunal Constitucional, quanto às comunidades locais e à exploração dos baldios, vale o princípio da auto administração e da autogestão. É nesse campo que há-de procurar-se a fiscalização.
Uma intromissão nos bens comunitários da parte do poder público tem tinto sentido como uma intromissão nos bens privados. É preciso respeitar a autonomia das comunidades locais na exploração dos baldios. É essa a doutrina do nosso Tribunal Constitucional e, por isso, repudiamos qualquer interferência exógena, qualquer interferência estranha na sua exploração.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

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O Orador: - O Sr. Deputado colocou-me também o problema da hasta pública.
Confesso que até estou um pouco surpreendido com essa objecção, vinda de um sector que tanto defende a economia de mercado.
Na economia de mercado, os bens trocam-se por preços e a verdade é que isso é uma garantia de seriedade e de honestidade. É uma garantia de que o processo é liso, de que é transparente.
Mas se, porventura, da parte do PSD, houver a ideia de que, mediante o acordo dos compartes, é possível adoptar uma política nesta matéria de maior previdência social, digamos assim, afastando-nos das regras do mercado, esse é um problema que, com toda a satisfação, debateremos em sede de discussão na especialidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Oliveira e Silva, permita-me que comece por felicitar V. Ex.ª e o Partido Socialista. E explico porquê: quando o Tribunal Constitucional, em Julho do ano passado, se pronunciou pela inconstitucionalidade do último projecto de lei do PSD saído desta Assembleia, o Partido Socialista, através da voz ilustre do Sr. Deputando Almeida Santos, que "paira" neste debate por intermédio de V. Ex.ª, afirmou que, na próxima legislatura, naquela em que nos encontramos, iria mostrar ao PSD como seria possível fazer alterar as actuais leis dos baldios sem ferir a Constituição.
Não sei se o conseguiu tenho dúvidas, mas o que, com certeza, o projecto de lei do PS conseguiu nesta legislatura foi iniciar um processo legislativo abrindo as portas para que o PSD aproveite os seus próprios ensinamentos de forma a, através do seu projecto de lei, vir tentar subverter por completo (como, aliás, em parte o Sr. Deputado reconheceu) o quadro legal e constitucional que garante hoje a posse, a gestão e a utilização dos baldios pelas populações.
Perante a minha perplexidade, pergunto: o que é que faz correr o Partido Socialista nesta matéria? Se os principais destinatários das leis - os povos dos baldios estão de acordo com o actual quadro legal, se o actual quadro legal, no fundamental, tem servido à boa gestão dos baldios, se há uma relação equilibrada entre os diversos interesses em presença, se o próprio actual quadro legal tem flexibilidade suficiente para ir resolvendo, na presente conjuntura política, os problemas que têm surgido, por que é que o PS vem, ele próprio, abrir um processo sabendo que, neste enquadramento de relação de forças, o que sairá daqui não será uma legislação que porventura venha a melhorar o quadro existente mas, sim, a legislação que o PSD quer?
Esta é uma questão que nos deixa perplexos, pelo que gostaria de saber qual é a estratégia do PS.
A outra questão é a seguinte: em Dezembro do ano passado, o Sr. Deputado Oliveira e Silva referiu-se à extinção dos baldios, dizendo que o tema da extinção e da integração dos baldios no domínio privado das freguesias era um "bizarro temas" Agora, é o próprio PS que vem propor, em determinadas condições, a extinção dos baldios e a sua integração no domínio privado das freguesias. Significa isto, Sr. Deputado, que o PS aderiu a esta "tese bizarra"?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Silva.

O Sr. Oliveira e Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, é fácil responder às suas perguntas e começo pela última, sobre a extinção dos baldios. Efectivamente, há um ano, pensava que o instituto da extinção dos baldios suscitava grandes dificuldades do ponto de vista constitucional e quando fiz essa intervenção estava realmente convencido de que o tema era bizarro e que, por razões que não vale a pena aqui desenvolver, era capaz de estar ferido de inconstitucionalidade. Só que, no seu último acórdão, o Tribunal Constitucional legaliza a extinção dos baldios.
Abordando o problema da instituição dos baldios, considera que a questão não tem fundamento constitucional; mas quanto sua à extinção, entende que, só pelo facto de o prazo ter sido de 2 e não de 10 anos, isso deve ser inviabilizado, pelo que declarou inconstitucional os preceitos do PSD. Ora, eu tenho de me sujeitar e guiar pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, que faço prevalecer sobre a minha opinião aliás, o próprio PS segue essa orientação; portanto, tenho de admitir a extinção dos baldios e, simultaneamente, reconhecer que o problema da sua extinção, com as cautelas que adoptámos, só pode ser determinada por decisão da assembleia de compartes, o que abre um caminho, com as garantias suficientes, para a de defesa dos direitos comunitários.
Estas são, pois, Sr. Deputado, as razões que nos levaram a admitir o instituto. Aliás, o seu caminho já estava aberto para o PSD o propor aqui e obter, então, a sua consagração constitucional.
Pergunta-me qual é a razão que faz "correr" o PS. Sr. Deputado, o PS "corre" autonomamente e não em função da eventual estratégia que o PSD possa adoptar nesta matéria. O PSD pode ou não "apanhar o nosso comboio", mas o que nos determina é, sobretudo, o interesse nacional, o interesse de acudir à situação dos baldios, que, em muitos casos, é gravíssima, tal como eu aqui referi. Há extensas áreas de baldios abandonadas, desaproveitadas; há extensas áreas em cuja gestão as próprias comunidades locais não têm interesse; há extensas áreas que carecem, inclusivamente, de uma nova lei dos baldios.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado, não se questiona de quem é a responsabilidade de algumas áreas poderem estar abandonadas?
Não se questiona o papel de apoio ou não do Estado no processo de aproveitamento dos recursos dos baldios, que os compartes têm procurado fazer, mas em que não têm tido (bem pelo contrário, Sr. Deputado) qualquer apoio do Estado?
Pergunto: esse não será um caminho melhor?

O Orador: - Sr. Deputado, na minha intervenção já referi todas essas circunstâncias.
AS entidades oficiais têm culpa no abandono dos baldios, mas também há circunstâncias mais gerais, como o declínio das formas tradicionais de agricultura, que levaram ao seu abandono.

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V. Ex.ª disse aqui que as comunidades locais estão satisfeitas com as leis que actualmente gerem os baldios. Sr. Deputado, ainda hoje li, no Diário de Notícias, que as comunidades locais se queixam da falta de colaboração do Estado no fomento dos baldios e na criação de novas utilidades para os mesmos. Ora, tudo isso não pode ser conseguido com a legislação actual, tem de ser feita uma nova legislação e os planos de utilização que prescrevemos respondem a essa profunda aspiração das próprias comunidades locais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não é a legislação, Sr. Deputado. É o Estado!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Oliveira e Silva, ouço-o sempre com muito interesse e atenção, e, hoje, posso até acrescentar que grande parte da sua intervenção conta com a minha concordância, nomeadamente quanto à análise que fez do projecto do PSD, manifestando a sua discordância.
Mas, Sr. Deputado, permita-me que lhe diga que, efectivamente, o PSD já apresentou duas iniciativas legislativas, ambas com um denominador comum: a ofensiva contra os baldios! Na primeira, isso era feito à custa das juntas de freguesia e na segunda dos órgãos do Governo. Agora, volta-se à primeira forma, a das juntas de freguesia.
No último acórdão do Tribunal Constitucional pode ler-se: "Estes meios de produção comunitária, nos quais se incluem os baldios, são imputáveis, quanto à titularidade dominial, como a colectividade/comunidade/habitantes, que não se confunde com as colectividades territoriais autárquicas. Esta titularidade é dos povos, utentes, vizinhos ou compartes e não já das freguesias ou o grupo de freguesias." (P. 3287 do Diário da República.)
Embora reconheça que o projecto do PSD consubstancia claramente um objectivo de atingir gravemente os baldios, queria colocar-lhe esta questão quanto ao projecto do PS: no artigo 9.º admite-se a alienação, por razões de interesse privado, dos baldios, designadamente quando estes confrontem o limite da área de povoações, quando for necessária a expansão da área rabona e ainda para a instalação de unidades industriais.
Desde que se admite a possibilidade de alienação para fins privados, também aí o PS entra em contradição com o acórdão do Tribunal Constitucional, onde se diz que a Constituição passou a garantir a existência de um subsector comunitário dentro do novo sector cooperativo social [alínea b) do n.º 4 do artigo 82.º]. De facto, se se podem admitir as alienações que sejam para esses fins, o que se está a admitir é a extinção dos baldios.
Era esta a questão que gostaria de colocar-lhe, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Silva.

O Sr. Oliveira e Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Raul Castro, agradeço as referências que fez - aliás, desmerecidas- à minha pessoa.
Porém, queria dizer-lhe que se me afigura que V. Ex., não tem qualquer espécie de razão, porque o que a Constituição consagra é o sector cooperativo e social como uma categoria autónoma das três formas de propriedade que reconhece.
Sr. Deputado, a Constituição não consagra o princípio da inalienabilidade dos baldios mas, sim, que a sua posse e gesto é feita pelas comunidades locais e diz que elas são titulares do domínio. E foi justamente o acórdão que V. Ex.ª citou que veio a tomar uma posição sobre esta matéria. Se elas são titulares do domínio, se têm a sua posse e gesto e se em nenhuma parte está escrito que os baldios são inalienáveis, por que é que a assembleia de compartes não pode, para estes fins, que são todos de interesse público, proceder à sua alienação? Vamos ficar parados perante baldios que não têm qualquer aproveitamento económico e que, por exemplo, podem ser sede de instalações, de infra-estruturas e equipamentos sociais?
Há, por exemplo, povoações que querem crescer, mas que, por confrontarem com baldios e em nome de uma inalienabilidade que não está escrita em parte alguma, não o podem fazer. Ora, vamos impedir que essas povoações cresçam? 15so é que é contribuir para o interesse das próprias comunidades locais? Creio, Sr. Deputado Raul Castro, que a sua objecção não é sufragada nem pela letra nem pelo espirito da Constituição ou da lei.

O Sr. Presidente: - Para formular o último pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Martins.

O Sr. Luís Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Oliveira e Silva, também o ouvi com a atenção que normalmente me merecem as suas intervenções. Quero colocar-lhe algumas questões em relação a alguns aspectos do projecto do PS e, porventura, a algumas questões gerais.
Um primeiro aspecto tem a ver com o recenseamento. No projecto de lei do PS prevê-se que, aprovada a lei, se proceda a um novo recenseamento dos compartes, feito por eles, contrariamente à situação anteriormente prevista nos Decretos-Leis nº 39/76 e 40/76, de 19 de Janeiro. A questão que quero colocar-lhe, Sr. Deputado, é a seguinte: não é da opinião de que se podem criar aqui, no recenseamento, guerras entre vizinhos, como, por exemplo, aconteceu numa freguesia no concelho de Vale de Cambra, com sete assembleias de compartes, que, durante anos, se guerrearam, até que chegaram à conclusão de que o melhor seria delegar a gestão do baldio na junta de freguesia? Não entende V. Ex, e o PS que seria de encontrar, nesta primeira fase, transitória, uma outra entidade que promovesse o recenseamento, sendo necessário que a lei contemplasse com mais rigor a forma de eleição dos órgãos de administração dos baldios? Esta é uma primeira questão.
Uma outra questão tem a ver com a alienação dos baldios prevista nos projectos de lei, quer em relação à construção de casa própria para habitação quer em relação à implantação de indústrias. Não entende o Sr. Deputado que seria necessário haver uma cláusula de reversão graciosa - especialmente no que diz respeito à construção de casa própria -, se, num determinado tempo, o cidadão que compra o lote de terreno para construir a casa o não fizesse e um determinado tempo em que ele não podia ser comercializado, para evitar a especulação dos baldios após a aprovação desta lei?
Um terceiro aspecto tem a ver com a resposta que o Sr. Deputado deu ao meu colega Deputado Carlos Duarte, relativamente ao problema da fiscalização. Disse o Sr. Deputado que todas as associações têm órgãos de fis-

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calização. Mas é precisamente isso que queremos, ou seja, que os baldios, tal como qualquer cooperativa, tenham um conselho fiscal que aprecie e aprove as contas e que, por tal motivo, como qualquer sociedade, estejam sujeitos ao regime fiscal de inspecção das finanças, assim como a qualquer auditoria por parte da mesma.
Finalmente, um outro aspecto que não está previsto nos projectos é o problema das trocas. Essa é uma questão que se coloca de uma forma geral em algumas regiões, quando há um baldio pequeno que está no meio de propriedades privadas ou um baldio grande que tem no meio pequenas propriedades. Gostava de saber qual é a abertura do PS relativamente a esta alteração ao seu projecto de lei, na perspectiva da filosofia do emparcelamento.
Uma última questão diz respeito à posição do PS em relação ao problema das doações. Como o Sr. Deputado sabe, há diversas assembleias de compartes que têm pretendido fazer doação de uma parte do baldio para instituições de solidariedade social e para a construção de sedes de associações, não o podendo fazer nos termos da lei actual e dos projectos de lei. Qual é, nestes casos, a postura do PS?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Silva.

O Sr. Oliveira e Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Martins, devo dizer-lhe que estamos receptivos à maior parte das questões que colocou, que se me afiguram justas.
Quanto às trocas, se até nos próprios emparcelamentos se fazem operações de recomposição predial, é evidente que não seria justo que, só por se tratar de baldios, a recomposição, que aqui se impõe, não se fizesse. Assim, estamos abertos a consagrar, em sede de especialidade, a disposição necessária.
No que respeita à doação de terrenos baldios para fins de solidariedade social, ela afigura-se uma iniciativa curiosa que também merece plenamente a nossa aceitação e que também, discutiremos em sede de especialidade.
Quanto à reversão graciosa dos bens que não foram aplicados ao fim para que foram alienados, também estamos inteiramente de acordo e, inclusivamente, penso que haverá necessidade, para tornar a disposição mais coactiva e melhor regulamentada, de prescrever uma disposição desse tipo.
Quanto às duas outras questões é que tenho algumas objecções a fazer, embora elas não sejam de fundo. Em relação à existência do conselho fiscal nos baldios, com certeza, desde que seja eleito pelos compartes. E um concelho de baldios, porque isso é que será a expressão da auto-administração e da autogestão a que o Tribunal Constitucional se refere, numa melhor interpretação do texto constitucional. Assim sendo, desde que o conselho fiscal corresponda a essas linhas, tenha essa matriz e essa génese, não há dúvida alguma de que pode ser consagrado.
Quanto ao recenseamento, não me pareceria curial que o primeiro acto de autogestão de uma comunidade em relação a um baldio fosse deferido a uma entidade estranha. Portanto, julgo que o recenseamento deve ser entregue aos próprios utentes. Não podemos desconfiar da capacidade das comunidades locais para auto regularem esse primeiro problema, de saber a quem competem os direitos sobre os terrenos baldios. Até porque, dessa matéria, haverá sempre recurso para os tribunais. Há, portanto, como em toda a vida privada e pública, uma tutela jurisdicional, a que aludi, que será sempre o recurso pára essas questões. Creio, assim, que, nessa parte e só nessa, não merecerão, pelo menos à partida, acolhimento as suas sugestões. Quanto ao resto, julgo-as úteis e proveitosas, pois correspondem ao interesse em colaborarmos na produção de um estatuto jurídico dos baldios que vá de encontro aos interesses dos utentes e do próprio País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O reconhecimento da importância dos baldios na comunidade nacional esteve sempre acima das paixões ligadas aos debates sobre a sua natureza, o seu regime jurídico, a sua gestão ou o seu destino.
O PSD, hoje, como sempre, está presente, com empenhamento total, no debate que finalmente irá criar a lei sobre os baldios do regime democrático do pós-25 de Abril.
E porque,? Porque os baldios ocupam uma grande área do território português, quase meio milhão de hectares, e envolvem muitas populações, de norte a sul do Pais.
Hoje, a sua maior parte encontra-se enriquecida com floresta e com as suas receitas, em muitos sítios, têm sido efectuadas, pelos seus moradores ou peias autarquias, infra-estruturas de grande interesse social.
Para benefício das comunidades locais, encontram-se ainda depositadas verbas significativas, originadas pela sua exploração por parte dos serviços florestais.
Ninguém contesta, pois, a relevância desta matéria para as economias locais e mesmo para a economia nacional. Mas não basta fazer leis, por mais flexíveis, por mais protectoras que se pretendam.
É que se, ao longo dos séculos, os debates se prendiam com a redução das áreas dos baldios ou com a sua administração, nos novos tempos, confrontados com uma sociedade radicalmente diferente, com novas exigências pessoais e colectivas, novos meios de as satisfazer, o desafio é claramente diferente. E para fazer prender formas de subsistência do passado às exigências radicalmente diferentes das sociedades actuais, não há actos de vontade política, não há decretos que, por si só, possam operar milagres.
É nossa convicção que, mais do que do legislado, é dos membros das comunidades locais que depende ó futuro dos baldios. Mas, sem dúvida, que uma boa lei, que hoje não existe, pode ajudar muito.
Terrenos regidos por diplomas que foram concebidos apenas para travar o seu desaparecimento, não se pretendendo como criadores de um verdadeiro direito dos baldios, importa substituí-los de vez.
Com efeito, datados de Janeiro de 1976, justificaram-se não para regular todos os aspectos necessários ao seu enquadramento estável e ao seu desenvolvimento futuro, mas essencialmente para evitar a sua redução acelerada ou o seu desapossamento, em face de legislação oriunda do anterior regime político e que levara à ocupação privada ou à exploração forçada por parte de entidades públicas na sua quase totalidade. 15to é, regemo-nos, há mais de uma década e meia, por textos que apenas poderiam aspirar a dar tempo à preparação, com uma reflexão mais aprofundada, do seu futuro estatuto político.

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Ninguém se admirará, pois, que desde os primórdios do funcionamento do parlamento democrático, a procura de um regime jurídico adequado se tenha tornado verdadeiramente uma justa obsessão dos representantes do povo português.
Os baldios estiveram sempre presentes nas preocupações deste parlamento após a restauração da democracia, desde os tempos constituintes ou reconstituintes às diversas legislaturas, quando não mesmo sessões legislativas.
Terá sido este o domínio legislativo onde, a um tempo, se juntou a maior produtividade em termos de iniciativas e a maior improdutividade em termos de vigência normativa.
Dos 16 projectos de lei entrados até à actualidade, só 2 esgotaram o processo legislativo e mesmo assim logo eliminados em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade.
Cumpre-me apresentar o projecto de lei do PSD. Ele aí está, provando que nos situamos na trincheira dianteira do debate e do repto de encontrar o melhor caminho, sem desfalecer com os escolhos e as dificuldades de conciliar interesses divergentes que, justamente, se entrechocam exigindo uma síntese imaginativa, estimulante e eficaz.
Queremos enquadrar a realidade dos baldios no mais escrupuloso respeito pelo quadro constitucional, não só como ele resulta claramente da letra da nossa lei fundamental, mas mesmo da jurisprudência do Tribunal Constitucional, ou seja, da opinião, nem sempre pacífica, mas maioritária, dos nossos juízes em matéria de conformação constitucional.
Não tem, por isso, razão o orador que me antecedeu nas dúvidas que levantou e que consideramos infelizes, sendo certo que, aliás, se referiu a questões que foram objecto de considerações pormenorizadas no último acórdão do Tribunal Constitucional, mostrando e peço desculpa que não o terá lido com a devida atenção, pois o único limite aí invocado liga-se ao impedimento de atribuição aos poderes públicos da capacidade de condicionarem o valor, convalidando o ou não, das deliberações dos órgãos dos baldios.
Ora, nada disto está em causa no texto em apreço. Por isso, os oponentes de qualquer futura lei, porque sempre julgam lucrar mais com o vazio ou a confusão actual, não venham com argumentos fáceis de inconstitucionalidades. Não as vemos nos projectos em apreço, como concluímos também no parecer desenvolvido e elaborado no âmbito da Comissão dos Direitos, Liberdades e Garantias em relação ao projecto de lei do PS, que me dispenso, por isso, de comentar aqui.
Ao PSD motiva-o uma perspectiva pragmática ao serviço dos reais interesses das populações. Pretendemos construir soluções, não polémica. Contornamos o preenchimento de conceitos, tentador para quem legisla, mas quiçá provocador de novas confusões, num período de mutações, readaptações experiências a fazer, que não permite a ousadia de se pretender fechar reflexões.
Domínios de divisão secular entre juristas, entre políticos, deixamos a sua elaboração, como mandam as boas regras, para a doutrina, porventura ajudada com a concretização de certas orientações expressas no conjunto ora positivado.
Mas se se evita normativizar definições, não se foge, em nenhuma questão pertinente, a construir uma disciplina jurídica coerente, capaz de dar resposta aos múltiplos problemas pendentes ou mal regulados.

Nada nos move contra os baldios ou seus utentes. Podem ter, mas é condição que tenham para justificar a protecção atribuída, uma missão de progresso a bem do todo nacional.
Assume-se a realidade fáctica, dando-lhe tradução jurídica sem necessidade de qualquer favor administrativo ou instituição judicial.
Vai-se mesmo ao ponto de não excluir a submissão futura de outros terrenos ao regime dos baldios.
Com clareza, o PSD toma opções no plano dos princípios e avança com soluções que lhes dão corpo.
A lei deve ser omnicompreensiva da realidade abarcável, independentemente da importância relativa das coisas e, por isso, aplicável a terrenos, mas também a outros equipamentos comunitários, designadamente eiras, azenhas, moinhos e fornos.
Ultrapassando todo o direito histórico, aceita-se um espectro largo, uma pluralidade de destinos, de afectações económicas, que não apenas as tradicionais, embora enquadráveis na natureza dos bens a proteger.
E a protecção levamo-la ao ponto de não só consagrar, com a máxima amplitude, o princípio da invalidade dos actos jurídicos não permitidos por esta legislação, como de atribuir legitimidade processual para requerer a nulidade a um conjunto de entidades com amplitude nunca atingida até agora, entidades que, aliás, podem sempre, e gratuitamente, impedir posses ilegítimas.
Claro que há transmissões admitidas, não no interesse deste ou daquele morador local, mas da colectividade enquanto tal: as expropriações, estritamente necessárias e sujeitas a indemnização, por razões de utilidade pública; as alienações viabilizadoras do crescimento urbano ou do desenvolvimento económico-social, ou seja, do progresso local.
Não se trata, porém, de viabilizar negócios especulativos de bens de todos a favor de uns poucos. Trata-se de alienações onerosas, com receitas a aproveitar em equipamentos duradouros, utilizáveis por todos. E mesmo assim decididas pela comunidade dos moradores, de interesse para estes em termos condicionados e sempre para empreendimentos sujeitos a autorização da autarquia.
São tantos os condicionamentos, as garantias, as convergências de vontade exigidas e tão poucas as situações subsumíveis que se torna incompreensível ouvir, em certos sectores, falar de roubo dos baldios, se não fora chocante saber como alguns, ao longo dos anos, sem prestar verdadeiras contas e sem fiscalização, têm gerido rendimentos e bens, que são de todos e que agora tremem a pensar perder, acusando fantasmas que não existem e ficcionando desconhecer as propostas de flexibilidade de administração e fiscalização, as únicas que verdadeiramente temem.
Obviamente que se admite a extinção de baldios. Estes não são realidades divinas, já aqui foi dito. Não são intocáveis. Existem enquanto estiverem ao serviço de objectivos, respeitados ao longo dos séculos, enquanto forem usados, se revelarem de utilidade para as comunidades locais, sendo certo que há outros objectivos gerais do Estado, também consagrados na Constituição e que se impõem a todos os meios de produção.
E a Constituição não quer ao abandono bens produtivos. A lei geral, dando execução a esta lei fundamental, não o permite além de um período máximo de três anos.
Propomos um prazo de 10 anos, a verificar judicialmente, com todas as garantias do contraditório, o qual,

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aliás, seria excessivo em face do interesse geral quase, se calhar, inconstitucional, se não se permitisse, em nome desse interesse, a sua utilização a título precário, decorridos que sejam três anos, enquanto os moradores continuarem desinteressados e até à sua apropriação, em termos legais, pela autarquia local.
Tudo soluções ditadas por exigências elementares mas permanentemente construídas na procura cuidadosa da defesa, até ao limite, dos baldios e dos seus utentes.
Pretendemos viabilizar um leque flexível de soluções gestionárias para evitar vazios.
É que se há baldios com dimensão e capacidade produtiva tal que, quais empresas, justificam órgãos. executivos permanentes, muitos há de pequenas parecias de simples pastoreio ou mesmo de utilização silvo-pastoril ou de agricultura de subsistência, que não encontrarão resposta a exigências complicadas de administração.
Conselhos directivos, sempre, porquê? Vamos viabilizar os baldios e não acabar com eles, criando exigências insuportáveis, mantendo exigências da legislação vigente que são exorbitantes, inexequíveis e, aliás, sem qualquer sustento no direito histórico.
Por isso, tal como se admite a exploração directa ou por terceiros, sós ou em associação, também se admite, além da administração directa pelos próprios membros da comunidade local, outras formas em que intervêm entidades alheias, públicas ou privadas, sós ou em associação.
Queremos viabilizar a gestão, através de autarcas porque não? Quando as comunidades locais o desejem, experiência que se tem revelado eficaz em muitas regiões, pelo que se acaba com o limite dos mandatos, devendo, aliás, estes ser curtos e renováveis.
Pugna-se pela maleabilidade máxima na divisão de tarefas entre os órgãos dos baldios, considerando-se os conselhos directivos, quando existam, como um órgão executivo, mas sem competências próprias no plano deliberativo, dependendo estas da vontade soberana dos utentes,
E os actos mais relevantes, como a utilização de recursos, os critérios de alienação das produções, a aplicação das receitas, as decisões sobre alienação e as sessões de exploração têm de ter o apoio da maioria dos membros da comunidade local, admitindo-se embora toda a panóplia possível de meios de consulta e expressão.
Atribuímos uma importância fundamental a certos princípios: primeiro, o da abertura máxima do universo dos utentes; todos quantos, de qualquer modo, sejam moradores locais; segundo, o da transparência na gestão: livre consulta de actas das reuniões dos diferentes órgãos e fiscalização do cumprimento da lei e do regular funcionamento e execução das diferentes acções pelos órgãos executivos, não se trata de tutelas, trata-se de fiscalizações; terceiro, o do aproveitamento máximo dos recursos e receitas, em proveito da comunidade local e do interesse nacional, com respeito dos valores ambientais e com o ónus de vigilância e defesa do património comunitário pelos próprios moradores locais; quarto, o da separação entre os baldios e o Estado, impedindo de interferir contra a vontade da comunidade na vida do baldio a Administração Pública, que não intervém nem na constituição dos baldios, nem no seu desenvolvimento normal, nem nas situações de extinção, competindo, aliás, em geral, aos tribunais comuns a solução de todas as questões controversas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No debate de hoje importa realçar sobremaneira, como factor fundamental, o desejo de concluir o longo período de amadurecimento desta complexa matéria, o que 16 anos de debates e frustrações obrigam a procurar, estabelecendo o equilíbrio entre as necessidades económicas, os objectivos políticos e os anseios sociais.
Importa conciliar os interesses das comunidades locais em não perder os baldios, apesar das suas cada vez mais parcas utilidades em termos de aproveitamentos tradicionais e os interesses dos seus representantes políticos, a nível nacional e a nível autárquico, que, por força da Constituição, não os pretendam desaproveitados para o País, abandonados de todo, mal geridos, sem qualquer fiscalização, ou explorados apeiras a proveito de poucos, perante a impotência da maioria.
E importa, também, reconciliar, de vez, as visões dos diferentes órgãos de soberania, ou seja, este Parlamento a quem compete legislar, o Presidente da República, que deve promulgar, e o Tribunal Constitucional, que já por duas vezes inviabilizou diplomas desta Câmara.
O projecto é este: batemo-nos por princípios, por objectivos. Só estes nos importam, só estes nos orientam. Só nestes somos firmes. Os textos estilo abertos à vossa ponderação, com a certeza de que foram redigidos na preocupação permanente de respeito pelo ordenamento constitucional e de criação, a todos os níveis, de fórmulas flexíveis que não inviabilizem o funcionamento, e, portanto, se as comunidades locais continuarem a querer- tudo fica nas suas mãos, a subsistência dos baldios.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel Queiró, Lino de Carvalho e Oliveira e Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Deputado Fernando Condesso, o meu primeiro comentário podia ser também a propósito da intervenção do Sr. Deputado Oliveira e Silva, porque ambas as intervenções defenderam projectos de lei que, no essencial, se assemelham ou até se identificam, como, aliás, já se pôde depreender da troca de palavras registada entre as duas bancadas.
Poucas ou nenhumas diferenças de tomo haverá, que sejam importantes, entre os dois projectos, apresentados pelo PSD e pelo PS. É mais um caso em que se registam diferenças apenas ao nível das tais minudências técnicas.
Começa a tornar-se hábito, nesta Casa, a propósito de muitos assuntos, os dois partidos apresentarem projectos muito semelhantes.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Com a mesma filosofia!

O Orador: - Assim aconteceu também neste caso. Simplesmente, todo este processo legislativo tem uma história, que já ressaltou neste debate.
Estas iniciativas resultam do acréscimo de limitações constitucionais à mudança legislativa a este respeito, pretendida há anos pelo PSD e pelo CDS, no sentido de aproximar a administração dos baldios dos órgãos autárquicos, ao nível da freguesia.
O CDS defendeu essa posição e, coerentemente, continua a defendê-la, porque vai no sentido da realidade da representatividade das populações ao nível da freguesia, tal como ela tem vindo a verificar-se.

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As limitações constitucionais foram impostas pela revisão constitucional, consensualmente negociada entre o PS e o PSD, a última revisão constitucional do bloco central, um bloco central que renasce sempre que nos aproximamos da necessidade de rever a Constituição. Mas essas limitações constitucionais não deveriam, a nosso ver, fazer que o PSD, nomeadamente na iniciativa que agora toma não sei se a reboque da iniciativa do Partido Socialista, propusesse determinados preceitos num sentido totalmente contrário ou oposto ao anteriormente pretendido.
Concretizando: entendemos que se deve obstar a uma oposição entre os órgãos que representam os compartes, os utentes dos baldios, a comunidade e os órgãos autárquicos e que devemos, pelo menos, evitar que se desenvolvam lógicas de oposição entre a comissão de compartes ou o conselho directivo, por um lado, e a junta de freguesia, por outro.
Julgamos até que vamos no mesmo sentido apontado pela própria Lei dos Baldios de 1976, pois, se repararmos, os órgãos, a nível da comissão de compartes, eram eleitos de três em três anos, tal como previa a legislação eleitoral para as autarquias logo a seguir ao 25 de Abril. As autarquias e as comissões de compartes elegiam os seus órgãos por um mesmo período de tempo, isto é, de três em três anos.
Agora, dado a legislação eleitoral autárquica, vemos que as juntas de freguesia, para poderem levar à prática com mais eficácia os seus planos de actuação, são eleitas por períodos de quatro anos e, no entanto, o seu partido propõe, no projecto de lei que apresentou, que os conselhos directivos sejam eleitos anualmente, todos os anos.
O Partido Socialista não tomou essa opção, mas o PSD tomou, e, portanto, pergunto: qual será a verdadeira razão que estará por detrás desta mudança proposta pelo Partido Social-Democrata? O que é que se pretende com esta iniciativa do Partido Social-Democrata de fazer eleger os conselhos directivos todos os anos? Pretende-se favorecer a eleição de conselhos directivos por grupos de activistas políticos completamente desinseridos do sentir da maioria da população?
Aí está uma disposição que o Sr. Deputado Lino de Carvalho votará favoravelmente e com satisfação! No entanto, nós procuramos opor-nos a isso, desde já, com esta chamada de atenção, para que não haja uma completa oposição entre os conselhos directivos e os órgãos autárquicos.
Era sobre este assunto que queria que me esclarecesse.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernando Condesso, tem mais pedidos de esclarecimento. Deseja responder agora ou no fim?

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, para abreviar o debate, responderei no fim, em conjunto, a todos os pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Condesso, V. Ex.ª vestiu, na sua intervenção, a pele de cordeiro, procurando dizer aquilo que não está escrito no projecto de lei do PSD, porque o que lá está não é, de modo algum, o reforço do domínio, da posse e da gestão dos baldios pelas comunidades, pelo contrário, é a tentativa de criação de um quadro jurídico que permita, progressivamente, a alienação dos baldios, a sua extinção, a transferência da sua posse e gestão para outras entidades, como irei demonstrar na minha intervenção.
E o Sr. Deputado e o PSD fazem isso partindo de uma posição prévia, de desconfiança em relação aos compartes. Essa posição de desconfiança está expressa, de uma maneira clara, no preâmbulo, quando o PSD, a certo momento, acusa os compartes de deitarem fogo às florestas, "na avidez de arrecadar receitas", e os conselhos directivos de, muitas vezes, ficarem com os dinheiros que os compartes nunca vêem.
É partindo desta gravíssima acusação, que ofende a Honorabilidade dos homens e das mulheres compartes dos baldios, que VV. Exas, partem para o vosso projecto de lei, pondo em causa a autonomia dominial e civil que o Tribunal Constitucional e a Constituição consagram.
Sr. Deputado, trata-se de acusações graves e, portanto, a minha pergunta é esta: tem o Sr. Deputado e o PSD provas das acusações que fazem? São capazes de sustentar essas acusações num debate, frente a frente, com os povos dos baldios, os compartes e os seus conselhos directivos?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Silva.

O Sr. Oliveira e Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Condesso, desejaria que saísse desta discussão um diploma que regulasse os baldios, em ordem a satisfazer os interesses que enunciei na minha intervenção, em que o Partido Socialista está sinceramente empenhado; mas, pelo teor da sua intervenção, começo a ter algumas
dúvidas.
Essa reincidência em afrontar a Constituição, que se me afigura absolutamente escusada, cria-me sérias preocupações quanto ao futuro, tanto mais que, como o Sr. Deputado sabe, o Sr. Presidente da República e o Tribunal Constitucional têm estado atentos e têm assegurado o cumprimento integral da Constituição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, gostaria de lhe perguntar se há necessidade a não ser que essas disposições correspondam a intenções que, afinal, até estão bastante aclaradas e que gostaria de ver desmentidas de consagrar disposições do tipo desta: "Às reuniões dos órgãos do baldio podem assistir os representantes dos órgãos autárquicos da sua área, os quais têm direito de intervir, expondo as posições dos seus respectivos órgãos, sempre que se trate de matérias de interesse geral da população local." 15to é tanto mais grave quando sabemos que há sempre dificuldades em definir o que é de interesse geral da população local e aquilo que o não é. E nem sequer sei bem quem é que o poderá fazer!
Há necessidade, à luz da configuração dos baldios como bens comunitários e como sector da propriedade cooperativa e social, desta intromissão? Há necessidade, inclusivamente, de referir, no n.º 1 do artigo 13.º do vosso projecto de lei, "que a assembleia de compartes pode eleger, para compor o conselho directivo, os titulares da junta ou

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juntas de freguesia, em cuja área o baldio se situe, devendo a presidência deste órgão ser assegurada rotativamente, por períodos de seis meses, pelos presidentes das juntas que integrem o conselho"? Não será isto uma forma capciosa de preparar o terreno para que as juntas de freguesia ocupem os terrenos baldios? Há necessidade disso, com o respeito da autonomia dos bens comunitários que foi frisada pelo Tribunal Constitucional?
Afigura-se-me que estas disposições, tendo em conta essa autonomia, têm aqui tanto jeito como intrometer, na administração de uma propriedade privada, órgãos das autarquias, para fiscalizarem as contas, etc.
Quanto à fiscalização que o PSD estabelece no artigo 15.º do seu projecto de lei, pergunto: não há, realmente, o propósito de instituir uma tutela? Então, os poderes que são atribuídos à comissão de fiscalização, como sejam, "tomar conhecimento da contabilidade do baldio", "fiscalizar o cumprimento dos planos", "comunicar às entidades responsáveis as contravenções", "servir de contacto" e "investigar irregularidades cometidas", não significam uma inspecção administrativa dentro dos baldios? Mas, então, se esses bens não são terrenos do domínio público e se a sua administração não pertence a qualquer órgão da Administração Pública, a que propósito se instaura aqui este tipo de fiscalização e essas intromissões, a não ser que haja, realmente, o propósito de consagrar um regime de trânsito para a extinção dos baldios a favor da propriedade privada das autarquias locais?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, começaria por dizer que não tenho comentários desfavoráveis a fazer àquilo que referiu em termos de soluções que pudessem ter outro mérito. Acontece que assumimos a diferença entre projectos e projectos, ou seja, entre os anteriores e os actuais. O problema não está em saber se foi o PSD que se aproximou do PS, o que interessa é que nos aproximámos daquilo que é a leitura da Constituição feita pelo Tribunal Constitucional, sob pena de servirmos os interesses daqueles que são contra uma nova lei, unas que, ao fim e ao cabo, acabam por querer uma que sirva os seus objectivos. Porém, sabem que esta é a melhor maneira de a não terem, uma vez que será sempre objecto de declaração de inconstitucionalidade.
Diz o Sr. Deputado que há uma grande proximidade de princípios; dir-lhe-ia que há mesmo comunhão. Efectivamente, em face da leitura dos acórdãos do Tribunal Constitucional, os diferentes projectos acabaram por ter de se aproximar num conjunto de princípios que, admito, são fundamentais.
Falou V. Exas. ainda em minudências e digo-lhe que elas não existem no nosso projecto. Um projecto que prevê um princípio de fiscalização, que exige um órgão fiscalizador, mesmo em 2 m ou 3 m de baldio, é a melhor maneira de não haver nada e, talvez, complicar de modo a nunca funcionar a legislação dos baldios nesses terrenos?!
Fala-me nos baldios, nas autarquias, que na última revisão constitucional houve uma aproximação entre o PSD e o PS e, portanto, isso bloqueia a aprovação de uma lei. Sr. Deputado, a última revisão constitucional, no fundo, não mudou nada de essencial. E se quiser ponderar o que dizem os dois acórdãos do Tribunal Constitucional verá que a essência dos grandes princípios não é objecto de alteração na revisão constitucional.
Coloca-me a pergunta concreta de qual o objectivo na diminuição do tempo do mandato do conselho directivo. Como sabe, ele não é obrigatório; existindo, fixam-se mandatos curtos.
Sr. Deputado, como disse na intervenção, importam-nos os princípios, importa-nos resolver algumas preocupações subjacentes; o texto não nos importa e, se considerar e quiser justificar que deve ser um tempo mais dilatado, estamos dispostos a aceitar essa alteração. Mas, se me permite, eu explico o porquê desta proposta.
Ao longo dos anos tem diminuído o número de baldios que verdadeiramente funcionam em termos de serem administrados pelos próprios compartes e tem diminuído o número de conselhos directivos. É provavelmente um ónus que, ao fim de algum tempo, pesa sobre alguns, sobretudo nalgumas situações, e pareceu-nos que a melhor maneira de fazer que as coisas funcionem com uma certa alternância entre as pessoas que vão ter este ónus de administrar seria fixar mandatos relativamente curtos. Além de que, entre a baliza da inexistência de conselhos directivos e um outro extremo, que é a existência de conselhos directivos com um mandato alargado, sendo renovável, penso que pode sempre ficar um meio termo, onde as coisas poderio ser ponderadas com alguma flexibilidade, que é o princípio que sempre nos orientou em todas as disposições.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Deputado Fernando Condesso, não quero crer que o seu partido proponha esta redução do mandato para dificultar a eleição de conselhos directivos na prática e, assim, inviabilizar a sua existência.
Há um argumento que aflorei há pouco e a que gostaria que o Sr. Deputado respondesse: ambos os projectos falam em planos de utilização os baldios, sendo a sua concretização da responsabilidade dos conselhos directivos está nas competências que o vosso próprio projecto lhes atribui. Como é que o Sr. Deputado concebe que planos de utilização sejam feitos, aprovados e levados à prática num mandato de um alio? Era esta a questão que gostava de ver respondida.

O Orador: - Sr. Deputado, eu distinguiria a sua questão em duas partes: dificuldade de eleição e competências do conselho directivo. Pergunta como resolver a contradição.
Quanto 1.ª primeira, como lhe disse, pode perfeitamente ponderar-se um tempo diferente, mas não há dificuldade de eleição quando, no mínimo, está estabelecida a existência de duas reuniões de compartes para debater aquilo que é o mínimo e que é saber o que vão fazer de um determinado baldio no próximo ano (plantar isto, fazer aquilo, etc.) e, no fim do ano, aprovar contas e destinar às receitas. Como há sempre reuniões, há sempre oportunidade de eleições.
A segunda questão está prejudicada, porque o Sr. Deputado não leu o nosso projecto de lei, que não atribui essa competência que referiu aos conselhos directivos, conforme também abordei na minha intervenção.

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O Sr. Deputado Lino de Carvalho disse que o PSD se apresentou neste debate "vestindo pele de cordeiro". O Sr. Deputado poderá dizer o que quiser, mas disse o que não está escrito. Mas para falar ás bancadas e Impressionar tem de dizer aquilo que convém e não aquilo que leu!... De qualquer maneira, aquilo que disse não está escrito.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Está lá escrito!

O Orador: - Em todo o caso, colocou duas questões sobre as quais quero reflectir. Disse que o PSD acusa os compartes de deitarem fogo à floresta e que há conselhos directivos que ficam com dinheiros. Sr. Deputado, não há nenhuma acusação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não há?!

O Orador: - O que se diz é que há que ponderar o destino das receitas que derivam de incêndios, receitas essas que são sempre menores do que se se verificasse o fechar do ciclo produtivo, em termos que, ao fim e ao cabo, resultam até dos investimentos feitos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Posso ler o que está aqui escrito?

O Orador: - Sr. Deputado, eu, se quiser, posso ler-lhe, pois não tenho dificuldades e o texto é público, mas a reflexão que se pretende prende-se realmente à ponderação das receitas nessas situações. É óbvio, Srs. Deputados, que há sempre uma situação que, com clareza, se pode colocar: uma entidade que gere uma dada propriedade e que a atribui em exploração, para efeitos florestais, a uma outra por um período de 7, 8, 9, 10 anos, se quiser, a cena altura, obter receitas da entidade que fez o povoamento e não houver um acordo para se interromper o ciclo produtivo e deitar o fósforo e obter as receitas todas para si comete um crime; mas essa é uma possibilidade, se não houver um modo mínimo de a enquadrar.

Protestos do PCP.

Porém, não é isso sequer que está em causa. O que está em causa é que há investimentos de povoamento e, para verbas que são diminutas, há que saber a quem, sobremaneira, elas devem ser destinada.
Quanto ao problema dos dinheiros, não há acusação, Sr. Deputado. O que há é um princípio geral que se verifica mesmo no direito privado, nas empresas, etc., que é um certo princípio de fiscalização da maneira como as coisas são administradas, do modo como efectivamente os dinheiros são usados. É um princípio geral.
Sr. Deputado Oliveira e Silva, V. Ex.ª referiu que havia da parte do PSD uma reincidência em afrontar a Constituição. Sr. Deputado, penso que a melhor maneira de responder às questões que levanta era ler textualmente os acórdãos, designadamente o último, do Tribunal Constitucional.
O Sr. Deputado refere como uma inconstitucionalidade a possibilidade de os autarcas poderem assistir a reuniões dos baldios. Sr. Deputado, é o próprio acórdão que diz que o que é inconstitucional é condicionar a validação de actos dos órgãos legítimos dos baldios, suspender essas deliberações, fazê-las depender de um acto da Administração, porque a simples assistência numa missão de formação em formação, essa, não tem nada de inconstitucional. É essa a expressão, e posso ler-lhe o acórdão.
Referiu ainda a eleição de membros das autarquias para o conselho directivo. Sr. Deputado, a solução é exactamente a mesma da do projecto de lei do PS, havendo apenas uma distinção técnica. No nosso projecto de lei vai-se mais longe, em termos que nos parecem tecnicamente mais correctos e até mais democráticos. O Partido Socialista fala em delegação e nós falamos em eleição. Aliás, podendo qualquer terceiro pertencer à Administração, esta norma não era necessária, é uma norma que explicita algo que já era óbvio.

O Sr. Oliveira e Silva (PS): - Então, é melhor tirá-la!

O Orador: - Se isso choca tanto o Sr. Deputado, dir-lhe-ei que não tem qualquer razão. Então, é inconstitucional uma coisa que nem sequer é necessária? Leia, por favor, o acórdão do Tribunal Constitucional! Aliás, os Srs. Deputados dizem isso no vosso projecto de lei, só que, em vez de falirem em eleição pelos compartes, são menos democratas e falam em delegação.
Quanto ao órgão de fiscalização, volto a dizer o que há pouco já referi...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de concluir, uma vez que já gastou nove minutos.

O Orador: - Sr. Deputado, inspecções? Mas até os fiscais fazem inspecções nas firmas, nas fábricas, nas empresas! Inspecção administrativa, sem bulir com a capacidade deliberativa? Srs. Deputados, peço-lhes. atenção na leitura do projecto de lei para efectivamente nos entendermos. Podem criticá-lo em solução de mérito, podemos obter um texto diferente, desde que respeitemos o princípio de que é preciso fiscalizar aquilo que se passa nos baldios, como aquilo que se passa em toda a parte no mundo económico, em Portugal. É preciso fiscalizar as coisas! A fórmula concreta não está em causa, agora não digam aquilo que não é realmente verdade, ou seja, que há inconstitucionalidade onde, quando muito, pode haver divergências sobre o mérito das soluções concretas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Vou ser muito rápido, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Fernando Condesso acusou-me de não saber ler o projecto de lei do PSD, uma vez que não estava escrito aquilo que eu referi, que eram as acusações do PSD aos compartes e aos conselhos directivos.
Para que não fiquem dúvidas, vou ler o que está escrito no projecto de lei do PSD. Diz assim: "[...] nos últimos tempos, apareceu [...] a dúvida de que, na avidez de arrecadar receitas e na impossibilidade de acordo com os serviços florestais em apressar os momentos dos cortes, os conselhos directivos ou os compartes se contentariam com receita de madeira ardida [...]" e o Sr. Deputado sabe que foi mais longe no parecer que escreveu, em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde fala mesmo no facto de serem ateados fogos para este efeito.

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Diz, a seguir, no projecto de lei o seguinte: "No ar [...] aparece também uma ou outra acusação velada a verbas arrecadadas pelos conselhos directivos, que os compartes nunca vêem e de que nem beneficiam."
Estas são acusações concretas que o PSD faz e que denotam e constituem uma posição à partida de desconfiança em relação aos utentes e aos compartes dos baldios. É essa posição de desconfiança que leva o PSD a criar um quadro que permita a transferência dos terrenos baldios para outras entidades, alienando-os, dando a administração a outrem, criando as condições para a extinção dos baldios, o que, naturalmente, é inconstitucional.
O Sr. Deputado não respondeu, pois, à questão de saber que provas concretas tem para o PSD fazer estas acusações.

Vozes do PCP: -- Muito bem!

Aplausos de público presente nas galerias.

O Sr. Presidente: - Peço às pessoas que se encontram a assistir à sessão o favor de fazerem silêncio, pois- é uma regra democrática não podem manifestar-se. Se insistirem nessa atitude, tenho muita pena mas não poderão permanecer nas galerias.
Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, é fácil fazer afirmações para uma plateia que, provavelmente, não teve oportunidade de ler os projectos de lei em debate, como é fácil ler insinuando e entoando de uma maneira muito própria.
Gostaria de salientar que o que se refere no parecer não é mais nem menos do que aquilo que foi dito nas intervenções e nas explicações dadas.
Quanto ao que está escrito no que respeita ao problema dos incêndios, é óbvio que censuro o facto de alguém se poder contentar em guardar receitas, em prejuízo de as reinvestir. É, todavia, normal que, em face de alguma necessidade - um equipamento social ou qualquer obra de que se precise -, se possa ser levado a isso, se a legislação não previr e não acabar por fazer algo que evite essa solução, a qual pode ser a mais imediatista, mas nem sempre a mais rentável.
Relativamente à segunda questão a dos dinheiros, o Sr. Deputado leu uma parte, mas não a outra. Não é preciso palmas para quem lê, até porque as palmas já vieram só para o Sr. Deputado. A verdade, porém, é que no diploma se diz que o princípio da fiscalização não é para pôr em causa seja quem for mas, sim, um principio que à partida, em face, obviamente, de acusações veladas que existam ou possam existir, pretende defender os próprios compartes e a honorabilidade dos membros dos conselhos. É isso o que está escrito no projecto de lei. O Sr. Deputado tem uma plateia, mas aprenda a ler, por favor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de passarmos ao próximo orador inscrito para o debate sobre o tema dos baldios, iremos de imediato, chegados à hora regimental para o efeito, proceder às votações agendadas para a sessão de hoje.

Vai proceder-se à primeira dessas votações, que, conforme consta do boletim distribuído por todos os grupos parlamentares, consiste na votação, na generalidade, do projecto de lei n º 140/VI-Lei de Bases dos Arquivos (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS, do PSN e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

Vamos votar agora, na generalidade, a proposta de lei n.º 29/VI-Autoriza o Governo a legislar sobre o regime geral dos arquivos e do património arquivístico.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS e do PSN, votos contra do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro e a abstenção do PS.

Passando à votação, na especialidade, da aludida proposta de lei, foi apresentada, pelo PSD, uma proposta de alteração à alínea g) do artigo 2.º, a cuja leitura o Sr. Secretário vai proceder de imediato.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, a referida proposta de alteração, relativa à alínea g) do artigo 2.º, é do seguinte teor.

g) Estipular que a importação de documentos integrados no património arquivístico protegido fique isenta de direitos e de encargos fiscais e que estes sejam restituídos, no caso de terem sido pagos, se o documento importado vier a ser classificado.

Esta proposta traduz-se, no fundo, no inciso "direitos"..

O Sr. Presidente: - Vamos, então, votar a proposta de alteração que acabou de ser lida.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PCP, do CDS, do PSN e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro e a abstenção do PS.

Vai proceder-se à votação, na especialidade, dos restantes artigos da proposta de lei.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD, do CDS e do PSN, votos contra do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro e a abstenção do PS.

Srs. Deputados, vamos passar à votação final global da mesma proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS e do PSN, votos contra do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro e a abstenção do PS.

Srs. Deputados, vamos passar à votação, na especialidade, da proposta de lei n.º 27/VI-Autoriza o Governo a introduzir na legislação referente a impostos sobre os rendimentos e benefícios fiscais as modificações necessárias à cobrança do imposto devido pela transmissão de títulos de divida.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

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Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global da referida proposta de lei.

Submetida d votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos passar à votação do projecto de deliberação n.º34/VI-Constituição de uma comissão eventual para a revisão constitucional (PSD e PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, terminou o período de votações de hoje, havendo ainda lugar a declarações de voto, uma vez que tivemos votações finais globais.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, votei favoravelmente a constituição da comissão eventual para a revisão constitucional porque isso é, de facto, regimental...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não vai fazer uma declaração de voto agora. Terá de falar na devida altura...

O Orador: - Não, Sr. Presidente, é para colocar à Mesa a seguinte questão: atendendo que apresentei um projecto de revisão constitucional, gostaria de saber qual a possibilidade de ser revista a composição da comissão eventual para a revisão constitucional, no sentido de que eu possa também fazer parte dela, nos termos em que faço parte da Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, apesar de já estar decidida qual será a composição da Comissão, creio que não está excluída a hipótese de, por concordância da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, ela vir a ser alterada, de acordo com essa pretensão do Sr. Deputado.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Marques.

O Sr. Fernando Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS decidiu abster-se na votação da proposta de lei n.º 29/VI, que autoriza o Governo a legislar sobre o regime geral de arquivo e do património arquivístico, pelas seguintes razões: em primeiro lugar, está de acordo, e por isso não votou contra, com a necessidade e urgência em legislar sobre tão importante matéria; em segundo lugar, e por esta mesma razão, apresentou a esta Assembleia um projecto de lei de bases dos arquivos que, no debate realizado em Plenário no passado dia 30 de Junho, como foi publicamente reconhecido por parte do próprio Subsecretário de Estado da Cultura e pela generalidade dos Deputados que intervieram, constitui um diploma seriamente construído, o qual no essencial não contraria o projecto de decreto-lei do Governo que, na ocasião, foi dado a conhecer aos grupos parlamentares.

Neste sentido, a existência desse projecto de lei e o próprio respeito devido à dignidade da função legislativa da instituição parlamentar deveria ter levado o Governo a legislar através de proposta de lei, de forma a permitir o debate aprofundado, que tão importante matéria justificaria, e a estabelecer um consenso não só factível como fácil que enriqueceria tal diploma na sua formulação final.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas tal sentido da democracia e do interesse nacional não parece motivar o Governo, que prefere assim esvaziar a instituição parlamentar com o permanente recurso a pedidos de autorização legislativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra para declarações de voto, vamos continuar a discussão conjunta dos projectos de lei sobre baldios.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aqui está uma soberana oportunidade que esta Câmara, através destes oportunos projectos de lei, a si própria se oferece de autoconciliação e de desagravo por omissões ou anomalias passadas.
Baldadas que foram insistentes tentativas de enquadrar constitucionalmente a regulamentação sobre os baldios, importa agora, num patriótico esforço de convergência nacional, consagrar a riqueza pluridimensional de uma realidade contida num termo que, em contraste, sugere uma enganosa desvalorização semântica. Baldio não é nem sinónimo de "terra-de-ninguém" nem de terreno inútil!
A função agregadora e solidária que o baldio exerce no círculo cai vida comunitária deve ser vista como um factor precioso de sedimentação cultural e como um eco presencial de ressonâncias ancestrais e históricas, essencial na moldagem da paisagem topográfica e, sobretudo, humana do nosso país.
Subtrair a extensa mancha de baldios que, pela sua descontinuidade, constituem algo assim como as linhas fisionómicas do território nacional, a um qualquer industrialismo sôfrego é um acto de alcance histórico e cultural que honrará os parlamentares desta Assembleia.
É que uma atitude dúplice, e por isso permissiva, que fechasse os olhos a uma política depradatória dos grandes grupos económicos ou que estatizasse, por via de um zelo administrativizante, constituiria uma omissão irremissível e o golpe fatal na descaracterização do País, que não apenas do território nacional.
A este propósito, ainda que ambos os projectos coincidem na exclusão do comércio jurídico destes terrenos (embora divirjam no que à sua usucapião se refere) parece sobressair no projecto do PSD uma mais nítida tendência para uma abertura à interferência do Estado na sua gestão e propriedade, o que, como se compreenderá, poderia constituir um factor de perturbação sobretudo nos meios rurais do País.
É, porém, tal a importância da matéria em apreço que, julgo, vale bem o preço da unanimidade das bancadas desta Assembleia.

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Que ninguém se deixe condicionar por pergaminhos políticos e que todos, agora na generalidade e mais tarde na especialidade, colaboremos para que acabe o "sem rei nem roque" que tem imperado na gestão dos espaços que, por serem de todos, terão que ser fruídos por alguém.
É esse alguém que importa claramente definir para que se acabe com a ideia de que, não sendo de ninguém, podem ser de qualquer um. Pois outra coisa não é a promiscuidade e a anarquia.
É preciso ordem para que se instale a harmonia. Que não seja debalde este esforço para que os baldios não continuem "à balda. Que se me perdoe o calão!

O Sr. Presidentes: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: "A serra era dos nossos pais e avós, dos nossos rebanhos, dos lobos que no-los comiam, do vento galego que afiava lá pelos descampados as suas navalhas de barba." Queremo-la assim, estamos no nosso direito.
Estas falas do romance de Aquilino estarão já fora de moda? Elas foram escritas, de facto, há quase 40 anos, porém os compartes e suas associações continuam a proferi-las.
A serra continua a ser deles e de mais ninguém. Apesar de os lobos já quase não fazerem ouvir o seu uivar por estarem à beira da extinção, os homens resistem. Tratar-se-á de uma interpretação retrógrada, avessa ao progresso?
Sobre Filemo e Báucia, casal que se recusou a abandonar o seu quinhão de tema, reflectia Fausto, antes de os mandar assassinar. "Resistência e teimosia assim, frustram o êxito mais glorioso, até um ponto em que lamentavelmente o homem começa a cansar-se de ser justo".
O PSD há muito que se cansou de ser justo: em nome de um suspeitíssimo progresso ou, mais ainda, do negócio cilindram-se as pessoas e direitos ancestrais que têm resistido a todas as ofensivas. O preâmbulo do projecto de lei do PSD sobre os baldios, que mais parece contra os baldios, assume em todo a sua crueza o mito fáustico - nada deve resistir ao mundo dos negócios.
"OS novos tempos e modelos de sociedade", a que se refere o PSD, são os do negócio, elevado ao podiam de valor em si; é o do fetiche do dinheiro que tudo comanda.
E diz que o projecto pretende conciliar os interesses das comunidades em manter os baldios com os dos seus representantes políticos. Mas se os políticos são os representantes das comunidades, que mais lhes resta do que defender os interesses destas?!
A Constituição tem resistido, protegendo os baldios como propriedade social e com a sua dinâmica própria. Assim, os baldios resistirão à ameaça de extorsão legal. Eles vêm do fundo do tempo.
A luta histórica dos compartes vai prosseguir, não contra o progresso mas contra os yuppies da política que vêem os homens e os seus direitos à medida dos cifrões. Ora, os baldios não têm preço, assim como à desumanização nada compensa.
O ataque aos baldios, aliás, insere-se num ataque mais global ao campo e à sociedade rural e, portanto, aos que nele vivem: paga-se para que abandonem as terras; eliminam-se transportes porque não dão lucro; acaba-se com postos de distribuição do correio pela mesma razão; acaba-se com as cobranças domiciliárias da EDP, apesar das distâncias e da falta de transportes continuarem a justificá-las. E não se faz, entretanto, a regionalização, que é, de facto, a base do progresso harmonioso e que deveria contemplar tudo isto. Aperta-se, pois, o cerco à população rural e, em nome do progresso, ela é arredada do progresso!
Os baldios mantêm a sua actualidade e utilidade e conseguirão, conservando a sua essência e nas mãos dos seus compartes, responder ao mundo em mudança num mundo em progresso. Progresso este que, na sua instância moderna a instância que se pretende para o fim do século XX e século XXI-, é orientado para os homens, e não contra eles.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos Pinho.

O Sr. João Carlos Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos hoje em debate, nesta Câmara, uma problemática que se tem arrastado ao longo dos tempos e que, nesta Assembleia, mereceu já vários e longos debates.
Ambos os projectos de lei em debate têm como pressupostos que o regime instituído pelos Decretos-Leis n.º 39/76 e 40/76 não responde, actualmente, às exigências de um adequado aproveitamento dos baldios.
Antes de passar à análise das metodologias e ideias das iniciativas legislativas, irei dissertar um pouco sobre o tema dos baldios: em Portugal, os baldios ocupam uma vasta área, que rondará os 400000 ha, com maior incidência no Norte e Centro do País. Refira-se, no entanto, que estas regiões se caracterizam por acentuada dispersão do casario rústico e por explorações agrícolas de reduzidas dimensões.
É nestas zonas, onde estas características são mais vincadas e a agricultura menos desenvolvida, que se localizam os baldios, isto é, os baldios situam-se na sua grande maioria em zonas de montanha, menos férteis e maioritariamente ocupadas por povoamentos florestais, constituídos por uma flora diversificada.
Esta dissertação justificará, por certo, o interesse que os baldios tiveram nestas regiões, pois serviram como fonte de subsistência da população agrícola através dos diversos aproveitamentos que deles fizeram, nomeadamente corte de lenhas, roças de matos e apascentação de gados.
Desde tempos remotos que a exploração destas propriedades foi feita sem qualquer tipo de gestão ou coordenação. Em 1938, o Estado apropriou-se de alguns terrenos baldios e submeteu-os no regime florestal; em 1976, estes terrenos foram devolvidos às comunidades locais para seu uso e institucionalizou-se uma forma de administração baseada nas assembleias de compartes e nos conselhos directivos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É fundamental a necessidade de respeitar as formas tradicionais de utilização dos baldios, representadas pela existência de comunidades de utentes e pela forma como estas, produzindo cultura, contribuindo de forma significativa para a história da capacidade do povo português de gerir os seus próprios interesses, têm efectivamente gerido esses terrenos.
É importante conciliar o respeito por estas formas tradicionais com a necessidade de prestigiar os órgãos democráticos, que estão mais perto destes terrenos comunitários e das suas preocupações e competências. Para conciliar estas duas considerações é importante delegar a

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gestão-em princípio, às autarquias locais, que são as juntas de freguesia, cabendo à assembleia de freguesia a decisão nos órgãos representativos das comunidades de utentes. É este o sentir das autarquias locais.
Estamos perante freguesias rurais, nas quais o baldio e o terreno comunitário desempenham um papel importante. Retirar nesta matéria competência à autarquia local e à freguesia significaria não só uma amputação grave das suas próprias competências mas também uma prova de manifesta falta de confiança nas suas responsabilidades.
Rigor nas finalidades que podem conduzir à desafectação de parcelas destes terrenos, finalidades essas necessariamente conexionadas com interesses sociais predominantemente locais das próprias comunidades dos utentes ou das comunidades vizinhas.
E, para terminar, por que não colocar em pé de igualdade aquilo que ambos os projectos tratam como expropriação por utilidade pública, uma figura descabida, em virtude de os terrenos comunitários, vulgarmente designados por baldios, estarem a ter já uma utilidade pública e constituírem propriedade pública, como, aliás, está reconhecido na nossa Constituição?

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: "Tantas vezes o cântaro vai à fonte que um dia lá fica a asa." É um velho aforismo bem aplicado às insistentes tentativas que, nesta Assembleia, têm sido feitas para alterar e subverter a lei dos baldios com o objectivo de ir fazendo caminhos que pudessem conduzir, na prática, à sua extinção.
Com os projectos de lei hoje em discussão, somam 17 o total de iniciativas que desde 1981 têm sido aqui apresentadas. Bem certo é que nenhuma delas passou, porque, na generalidade, tiveram a oposição dos povos afectados ou porque esbarraram com a Constituição e com as respectivas declarações de inconstitucionalidade.
Nem por isso aqueles que se têm empenhado no combate aos baldios, particularmente no PSD, desistem dos seus intentos; no caso vertente, aproveitando a boleia oferecida pelo PS, que vem fazer, nesta matéria, o papel da lebre corredora abrindo portas que os outros escancaram.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora valorando diferentemente os dois projectos de lei hoje em debate, pensamos oportuno fazer a sua apreciação a partir de uma questão prévia, qual seja o valor e a função que as várias forças políticas atribuem, nos dias de hoje, aos baldios e às respectivas comunidades de compartes.
Pela nossa parte, não temos dúvidas: os baldios e o seu domínio, posse e gestão pelas respectivas comunidades existem por direito próprio, mergulham a sua existência nas mais profundas raízes nacionais que identificam culturalmente o povo português, constituem um dos pilares constitucionais do nosso sistema económico e social, continuando a ser hoje necessários ao desenvolvimento dos meios serranos.
Contra os "ricos e afazendados", que ao longo dos tempos têm tentado subtrair os baldios aos povos com os mais diversos pretextos, têm respondido as comunidades locais com a luta, mas também com trabalho, e com propostas de utilização dos seus recursos, nomeadamente os planos de aproveitamento das potencialidades e dos recursos dos baldios, apresentados pelos Secretariados dos Baldios dos Distritos de Viseu e Vila Real.
As cerca de 600 assembleias de compartes que se realizaram após a publicação dos Decretos-Leis n.º 39/76 e 40/76, que elegeram outros tantos conselhos directivos nos cerca de 400 000 ha de baldios, as obras e outros investimentos realizados nestes últimos 16 anos, desde a construção de infra-estruturas básicas até obras de interesse social, cultural, religioso, passando pela abertura de estradas e caminhos, obras de combate a incêndios, instalação de equipamentos, concessão de subsídios a outras instituições de solidariedade social, etc., são demonstrativos do interesse e do empenhamento das populações na recuperação e valorização do seu património comunitário.
Face à ausência de uma política de desenvolvimento regional e rural, podemos dizer que a gestão dos baldios pelos povos, compartes e conselhos directivos têm constituído, apesar de tudo, um travão a um ainda mais acelerado processo de abandono e desertificação das comunidades rurais do Centro-Interior e do Norte do País.
A manutenção da posse e da gestão dos baldios nas comunidades locas corresponde, pois, não só a um imperativo de ordem constitucional, que tem a sua razão de ser nas mais lídimas tradições comunitárias que remontam aos alvores da nacionalidade, como constituem nos dias de hoje um complexo de relações económicas, sociais e culturais necessárias à economia das populações serranas e à revivificação do tecido rural nessa região.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Acresce que a legislação em vigor tem sido, no fundamental, um instrumento de justiça social e de garante da defesa dos direitos dos povos e, ainda, um factor de reposição de equilíbrios sociais e de paz nas relações dentro das comunidades utentes dos baldios e destas com os diversos poderes locais e da Administração Pública.
É, pois, deste ângulo de apreciação que valoramos o quadro legal hoje existente e que, sem prejuízo de melhorias que a própria vida veio a sugerir, corresponde, no essencial, a necessidades actuais. A sua modificação, mais a mais quando põe em causa os direitos dos povos à posse e gestão dos baldios, não é uma prioridade nem corresponde a nenhuma exigência social que justifique acolhimento pelo legislador. Pelo contrário, as sucessivas tentativas de alteração da lei dos baldios constituem, elas sim, um factor permanente de instabilidade para o País e, em particular, para as economias, fazendo que os povos dos baldios se vejam obrigados, ano após ano, a descer a esta Assembleia para dizer a VV. Exas., Srs. Deputados, que o actual quadro legal serve no fundamental os interesses das comunidades locais, que chega de tentativas para violar o direito ancestral dos povos aos baldios, que defendem as leis actuais.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É, aliás, curioso analisar a instrumentalização que certas forças fazem de determinados conceitos para os usar conforme as conveniências do momento: em defesa da "estabilidade" na vida institucional, o PSD defende a alteração do sistema eleitoral; em defesa da "estabilidade" nas empresas, o PSD propõe a alteração da

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lei da greve; em defesa da "estabilidade" e "segurança" da vida pública, o PSD avança com a lei do segredo de Estado.
No caso dos baldios, e como mandam os interesses dos que querem apropriar-se destes bens comunitários, o PSD manda a "estabilidade" às urtigas e insiste, insiste, insiste, ano após ano, sessão após sessão, na modificação das leis existentes e na subversão dos princípios que sustentaram a devolução dos baldios aos povos, criando eles sim (o PSD) a instabilidade permanente na sua administrado e gestão.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - Infelizmente, tanto o PSD como, também, o próprio PS persistem em não ouvir a voz dos povos e, por isso, estamos convictos de que estes projectos de lei terão o mesmo destino dos anteriores.
A prioridade não tem, pois, de ser esta! Prioridade era que o Estado, o Governo e a Assembleia cooperassem e apoiassem a acção dos compartes e dos seus conselhos directivos nos planos de aproveitamento e utilização dos recursos dos baldios, permitindo-lhes, por exemplo, o acesso aos fundos comunitários; prioridade era que o PS não tivesse vindo, de novo, acender desnecessariamente um rastilho que o PSD cuidará de alimentar, rastilho que parece mais corresponder à defesa de certos interesses particulares do que à defesa dos interesses e direitos das comunidades.

O Sr. António Braga (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Prioridade era que o PSD não olhasse para os homens e mulheres dos baldios com total desconfiança, chegando ao ponto, como já disse há pouco e como se lê no preâmbulo, de insinuar que seriam responsáveis - os homens e as mulheres dos baldios - pelo alastramento dos fogos florestais "na avidez de arrecadar receitas" ou de os acusar de arrecadarem receitas que "os compartes nunca vêem ou beneficiam", pondo em causa a honra e a honestidade dos povos dos baldios, dos compartes e dos seus conselhos directivos, tendo ido até mesmo mais longe, como disse há pouco, no parecer elaborado pelo Sr. Deputado Fernando Condesso. Nele pode ler-se, e repito, "suponhamos que o conselho directivo pretende verbas para qualquer empreendimento ou para dividir pelos compartes e não obtém o acordo, neste momento prematuro, dos serviços florestais? Pode deitar o fogo à floresta e arrecadar todo, ou quase todo, o dinheiro da venda do material ardido." Está aqui, Srs, Deputados!

O Sr. José Costa Leite (PSD): - Não está não!

O Orador: - É este processo de desconfiança perante os povos dos baldios que vos leva a estas atitudes em relação à legislação actual.

Vozes do PSD: - Não é verdade! Não é isso que está no texto!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Defendemos que a actual legislação tem suficiente flexibilidade para responder a necessidades de expropriação por interesse público veja-se, a título de exemplo, as numerosas expropriações para abertura de estradas, vias rápidas, etc., ocorridas desde 1976 e mesmo para a expansão de áreas urbanas ou instalação de infra-estruturas visando o desenvolvimento local, num quadro de diálogo e cooperação com as assembleias de compartes.
Mas, dito isto, também afirmamos que é possível encontrarem-se novas soluções no plano técnico legal que, respeitando a Constituição, contribuam para melhorar o instituto da posse e da gestão dos baldios pelos povos. Até podemos dizer que o projecto de lei do PS, embora com algumas soluções que não aprovamos e que, nalguns casos, se nos afiguram inconstitucionais, tem aspectos como, por exemplo, o do recenseamento dos compartes ou a elaboração dos planos de utilização, que poderiam constituir uma base de trabalho se, no actual quadro político e de relação de forças nesta Assembleia, não constituísse o buraco que, rompendo a malha legal, permitisse (e até ensinasse) a abertura do caminho por onde o PSD quer passar, como o revela claramente o seu projecto de lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão central que está aqui em debate e o verdadeiro motivo dos projectos de lei é o da abertura dos baldios ao comércio jurídico e, mais expressamente no caso do PSD, a retirada da sua gestão às assembleias de compartes e aos conselhos directivos.
Os artigos 8 º, 9 º e 10.º do projecto de lei do PS são os nucleares da sua iniciativa legislativa. O PS admite, tal como o PSD, a expropriação por "motivos de interesse público"; prevê o parecer da assembleia de compartes projecto de lei do PS, porque o do PSD nem isso! O que poderia ser uma boa solução, mas não lhe dando nenhuma força vinculativa reduz esse parecer a uma simples figura de estilo sem valor prático.
É que, em todos os casos que a assembleia de compartes emita um parecer desfavorável, o Conselho de Ministros que é a parte interessada no processo expropriatório e que define o carácter relevante do interesse público pode à mesma realizar a expropriação por decreto-lei, isto é, o Conselho de Ministros tem a faca e o queijo na mão. Por que é que se privilegia o Conselho de Ministros e não se comete aos tribunais o poder de dirimirem o conflito quando exista?
Desta forma, e como assinalou o requerimento do Presidente da República ao Tribunal Constitucional na última legislatura, esta norma "não salvaguarda em termos constitucionais o respeito pela manifestação de vontade das comunidades locais, nos casos de desintegração por motivo de utilidade pública de terrenos que façam pane dos baldios, pois que, efectuando-se a desintegração por resolução do Conselho de Ministros, não está claramente expresso que essa mudança de afectação resulte de decisão nesse sentido dos titulares dos bens comunitários".
Acresce que a redacção do n.º 4 do artigo 8.º do projecto do PS pode conduzir à situação limite do "relevante interesse público" levar à expropriação de todo o baldio sem direito a indemnização, o que, aliás, se nos afigura inconstitucional, à luz do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição e do próprio Acórdão n.º 240/91 do Tribunal Constitucional.
Quanto à possibilidade de alienação por razões de interesse privado, embora subordinada à deliberação da assembleia de compartes o que nos parece justo -, seria preferível e necessário fazer depender dessa alienação (a não ser declarada inconstitucional) da existência prévia de aprovação pela assembleia de compartes de regulamentos que definissem planos de uso do baldio, planos das áreas a alienar e respectivas condições de alienação para evitar

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um processo incontrolável de que normalmente só beneficiam os mais abastados proprietários ou os veraneantes".
Quanto à cessão a outrem da exploração dos baldios, prevista no artigo 10.º, a delegação dos poderes de administração, previstos no artigo 12.º e a própria "administração transitória" (artigo 36.º) parecem-nos francamente em oposição à alínea b) do n.º 4 do artigo 82.º da Constituição, onde é claro que os meios de produção comunitários são possuídos e geridos pelas comunidades locais.
Mas é no projecto de lei do PSD que, mais uma vez, encontramos, com toda a clareza, a intenção de alterar e subverter o actual quadro legal e constitucional. No projecto de lei do PSD nunca se reconhece claramente que os baldios pertencem às comunidades locais, de acordo com o que estabelece a Constituição. Limita-se a reconhecer que as comunidades locais gerem os respectivos baldios, mas depois prevê a cessão de exploração (artigo 17.º), a sua alimentação para fins privados (artigo 21.º) e a sua expropriação por motivos de utilidade pública (artigo 19.º) que, na prática, esvaziariam o reconhecimento da gestão dos baldios pelos povos, aplicando-se aqui, por maioria de razão, as considerações feitas para o projecto de lei do PS. A retirada dos baldios do sector cooperativo e social ofende claramente o artigo 82.º da Constituição, que institui um regime que, como afirma o Acórdão do Tribunal Constitucional de Junto de 1991, "além de estabelecer a inegociabilidade dos baldios, radicou nas comunidades de utentes ou compartes [...] a respectiva [...] administração".
Quanto à gestão e administração dos baldios, o PSD procura, de uma forma tosca, enganar a Constituição e o Tribunal Constitucional: substitui a tutela do governador civil, prevista no seu último projecto de lei e que foi declarada inconstitucional, por uma nova tutela designada "Comissão de Fiscalização" por uma "gestão autárquica" ou por uma "administração provisória", que continuaria a violar claramente a Constituição e que, como afirma o Acórdão n.º 240/91 do Tribunal Constitucional (Diário da República, de 28 de Junho de 1991), "envolve violação ao principio da sua autonomia dominial e cívica".
A proposta do PSD de "administração provisória" é, aliás, um dos aspectos mais perigosos e inconstitucionais do seu projecto: se as centenas de baldios existentes não aprovarem em 60 dias dois escassos meses! após a publicação da lei, um plano de utilização dos recursos ou que não elejam, no mesmo período, um conselho directivo passarão automaticamente para a administração da junta de freguesia.
Está bem de ver que incidentes de percurso ocasionados por quem não estivesse interessado em que os compartes administrassem o seu baldio seria suficientes para que, ao fim de escassos 60 dias, uma grande parte dos baldios pudesse cair nas mãos da administração privada das freguesias. Mas como o projecto de lei prevê ainda no seu artigo 26.º que o Conselho de Ministros tem 120 dias para regulamentar a lei, bastaria que este prazo fosse plenamente utilizado para inviabilizar a possibilidade de, em 60 dias, os baldios poderem cumprir o disposto na alínea a) do artigo 24.º do projecto, o que implicaria a sua passagem automática para a administração das freguesias.
Mas não se fica por aqui o projecto de lei do PSD: em vez de ajudar a criar condições para o funcionamento efectivo das assembleias de compartes, institui uma espécie de democracia ao domicílio, prevendo que as deliberações sobre a utilização dos recursos dos baldios e sobre alienações ou extinção dos baldios possam ser feitas através de consultas domiciliárias, casa a casa dos compartes, jogando no princípio de dividir para reinar.
Também é completamente absurdo o regime de afectação de receitas que o PSD pretende instituir. Ignorando que as comunidades de utentes dos baldios têm estruturas organizativas que, na base das decisões das assembleias de compartes, têm como competência a administração e aplicação das receitas dos baldios no interesse da comunidade, o projecto de lei do PSD vem determinar, em certas condições, a sua entrega ao Estado, dando corpo à inaceitável desconfiança pelos povos dos baldios, manifestada no preâmbulo, ou mesmo a sua distribuição pelos compartes, pensando o PSD que, desta forma, pode comprar as consciências das populações utentes dos baldios.
Um aspecto comum aos projectos de lei do PS e do PSD é a insistência no bizarro tema (como lhe chamava o Deputado do PS Oliveira e Silva, num debate que tivemos na anterior legislatura) da extinção dos baldios. Mas, como lembra, na declaração de voto do último acórdão do Tribunal Constitucional, o juiz António Vitorino, a extinção do baldio e a sua integração no domínio privado da freguesia constitui "uma transferência de sectores de propriedade dos meios de produção", o que fere a autonomia dos baldios.
Assim, pode perguntar-se: o que se entende por "não uso", quando os critérios de exploração dos baldios não podem obedecer à mesma bitola de uma exploração agrícola?! Mas o projecto de lei do PSD vai mais longe: propõe-se extinguir o baldio, desde que o seu não uso e fruição se tenha verificado durante um período superior a 10 anos, mas impõe que, após 3 anos, sem sequer haver qualquer decisão judicial nem definição de critérios, as autarquias a favor de quem reverta a futura declaração de extinção, pudessem desde logo utilizá-lo e, pasme-se, cedê-lo a terceiros! 15to é, o alegado não uso pelos compartes daria origem à sua extinção e apropriação por outros, não para estes o aproveitarem mas para o alienarem a favor de terceiros. Gato escondido, Srs. Deputados, não com o rabo mas com o corpo todo de fora.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tempo não nos permite percorrer outros aspectos inaceitáveis ou, no mínimo, polémicos dos projectos de lei, como sejam a definição de compartes (artigo 6.º) ou o modo de funcionamento das assembleias de compartes (artigo 26.º), no caso do projecto de lei do PS, ou o âmbito de aplicação que chega a incluir os equipamentos comunitários (artigo 1.º), no caso do projecto de lei do PSD.
Basta-nos, para terminar, transcrever as palavras do arquitecto Aníbal Aquilino Ribeiro, filho do mestre Aquilino Ribeiro, na nota de apresentação do livro Os Baldios, de Manuel Rodrigues: "Ao contrário do que pode pensar, quem nada saiba da situação no interior do País, os baldios não são terrenos inúteis e desaproveitados" mas, sim, "factores complementares da vida económica, social e cultural dos povos. Têm sido, no decorrer dos tempos, objecto de extorsões, levadas a cabo sem olhar a meios [...]. Os baldios, que subsistem contra ventos e marés, ficam a devê-lo à luta tenaz e corajosa dos compartes que, deste modo [...] são merecedores da nossa solidariedade." Nós, PCP, partilhamos destas palavras! Votaremos contra os dois projectos de lei e estamos certos de que, mais uma vez, os povos dos baldios vencerão aqueles que, sob os mais diversos pretextos, pretendem abrir malhas que objectivamente enfraquecem o edifício jurídico-constitu-

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cional que tem protegido os baldios das sucessivas tentativas de usurpação e entrega a favor de grandes interesses e negociatas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Costa Leite.

O Sr. José Costa Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, a Assembleia da República vai debater a problemática dos baldios e tentar encontrar soluções equilibradas que possam responder a um direito histórico das comunidades e permitir adaptar o uso e fruição destes terrenos colectivos ao bem-estar das populações suas detentoras, conciliando-o com os interesses da comunidade em geral.
Durante séculos, desde tempos anteriores à formação da nacionalidade, os baldios desempenharam um papel importantíssimo, dando o seu contributo para a subsistência das populações, e o seu valor económico não pode deixar de ser realçado. Até há bem poucos anos os baldios foram a reserva de lenha para as necessidades da população rural, em tempos em que não havia outras fontes de energia a que se pudesse recorrer. Mas, se este contributo foi importante, não o foi menos o mato que deles se retirava para a cama dos animais, elemento este indispensável para a formação de adubo orgânico enriquecedor das terras e, ao mesmo tempo, a pastagem colectiva que vai dar origem a costumes comunitários que ainda hoje se podem ver em muitas zonas serranas.
Contudo, a evolução cultural, económica e técnica provocada pela revolução industrial veio alterar muitos deste hábitos e, hoje, os baldios deixaram de representar para as populações a mesma importância que tiveram para os seus antepassados. O mundo em que vivemos evolui a um ritmo alucinante e as populações mais distantes não ficara imunes à sua influência. A electricidade, o gás, os adubos químicos, o cimento e o tijolo vieram substituir vantajosamente aquilo que era fornecido pelos baldios aos nossos antepassados. O êxodo rural e o envelhecimento das populações do interior vêm colocar novos problemas que urge resolver. A comunidade nacional, sem querer interferir nos tradicionais direitos, usos e costumes dos vizinhos e dos compartes, não pode deixar de aproveitar as potencialidades económicas de milhares de hectares que, por incúria, ficam improdutivos.
Esta Assembleia também não pode fechar os olhos, como a avestruz, a uma realidade que abrange muitas povoações do País, essencialmente nas Regiões Norte e Centro, em que se assiste a um bloqueio da expansão urbana, causando sérios obstáculos à elaboração dos planos directores municipais em curso, porque o perímetro dos referidos centros urbanos se encontra rodeado de baldios que impedem o natural crescimento das povoações e o seu correcto desenvolvimento. Dai que esta Assembleia não possa alhear-se dos problemas que enfrentam as populações detentoras dos próprios baldios, em nome de princípios que tiveram uma importância histórica, que é importante referir, mas que hoje não fazem qualquer sentido.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Desconhece completamente o sentido...

O Orador: - É verdade, Sr. Deputado, e posso dizer-lhe que os próprios autarcas ainda há bem pouco tempo, nesta Assembleia, vieram entregar uma moção pedindo a alteração da lei dos baldios, para que se pudessem resolver os problemas das populações.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E os compartes o que é que dizem?

O Orador: - Os compartes também são população que os autarcas defendem.

Aplausos do PSD.

Facto significativo é que são os autarcas eleitos pelas populações, de todos os partidos políticos (e só não vieram os do PCP porque não estavam representados nem têm autarcas no distrito de Vila Real), afirmando o seu respeito pelos direitos históricos dos compartes que solicitam a alteração dos Decretos-Leis n.º 39/76 e 40/76, em nome do bem das populações que representam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É consensual entre todos os sectores da vida política nacional e da Comunidade Europeia que é preciso desenvolver o mundo rural, impedindo a sua desertificação e o abandono dos jovens e dos elementos mais activos do tecido social. Mas isto só é possível se as potencialidades endógenas do nosso interior forem aproveitadas no seu máximo. Por isso, o PSD entende que, tal como no passado os baldios foram a reserva do sustento das nossas populações, hoje poderão desempenhar um contributo importante e decisivo para a fixação e desenvolvimento sustentado das novas gerações. É por isso entendemos que eles, dentro de limites que o nosso projecto de lei define, poderão ser um instrumento privilegiado, gerador do desenvolvimento, e que, tal como no passado, poderão contribuir decisivamente para a criação de riqueza e promoção do bem-estar das populações serranas e não de uma forma restrita como garantia apenas da subsistência das populações.
Com as novas vias de acesso que estão a ser rasgadas pelo País, será possível nos baldios a implantação de parques industriais, sobretudo em terrenos sem aptidão agrícola ou silvo-pastorícia, onde se instalarão unidades industriais que virá. contribuir para a criação de postos de trabalho, a fixação fixação da população no interior e a transformação de matéria-prima gerada nos próprios baldios e nas regiões contíguas, contribuindo assim para o desenvolvimento do interior, a criação de riqueza e a fixação da população.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste momento sabemos que há que aprovar a legislação apresentada e que só com esta aprovação será possível o desenvolvimento da construção de habitação condigna para famílias de condição débil e que não podem suportar os preços especulativos de tantos terrenos e poder-se-á contribuir decisivamente para a legalização de situações de facto de centenas, senão militares, de habitações que, ao longo dos anos, se foram construindo em zonas baldias junto das povoações.
O nosso país, através do empenho, zelo e competência do Ministro da Agricultura, concluiu, com êxito, as negociações da PAC e os regulamentos que a porão em prática. Nestes estão incluídas as medidas de acompanhamento, das quais destaco as agro-ambientais, que procurara reconverter as culturas arvenses em pastagens extensivas, conservar terras florestais, apoiar terras com aptidão para actividades de lazer. Para os nossos baldios abrem-se perspectivas animadoras que têm que ser implementadas.

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Por isso o PSD, ao apresentar o projecto de lei n.º 163/VI, procura criar as condições indispensáveis que permitam uma administração dinâmica dos baldios, fomentando o diálogo, que aliás sempre tentou, entre os compartes, conselhos directivos e autarcas, que, aproveitando os fundos comunitários postos à disposição do País, contribuam para a vitalização do mundo rural, a criação de riqueza e a fixação das populações. O mesmo diploma proporciona as condições indispensáveis para que as verbas de centenas de milhares de contos, de que a Direcção-Geral das Florestas é fiel depositária por falta de órgãos legalmente constituídos, possam ser entregues às populações para as infra-estruturas indispensáveis às suas necessidades.
Esperamos que, desta vez, e depois de tantas tentativas de solução, os partidos da oposição, sobretudo o PS que, com o seu projecto de lei demonstra uma aproximação às ideias por nós há muito defendidas, revelem abertura e disponibilidade para, em sede de discussão na especialidade, se formularem as propostas mais adequadas que façam dos baldios motores do bem-estar das populações serranas.

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate sobre os projectos de lei relativos aos baldios e informo que a próxima reunião plenária realizar-se-á amanhã, com início às 9 horas e 30 minutos, tendo por objecto um debate parlamentar sobre a presidência portuguesa da Comunidade Europeia. Chamo a atenção de VV. Ex.ªs para o facto de que o horário é para ser cumprido.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os .seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro Bissaia Barreto.
António José da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
Carlos Lélis.
José Bernardo Falcão Cunha.
José Pereira Lopes.
Manuel Baptista Cardoso.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Passos Coelho.
Simão José Ricon Peres.

Partido Socialista (PS):

António Luís Santos Costa.
Artur Pereira dos Penedos.
José Gameiro dos Santos.
Rui Rabaça Vieira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Soares Campos.
António Fernandes Alves.
Fernando Gomes Pereira.
Francisco Bernardino Silva.
João Álvaro Poças Santos.
Joaquim Fernandes Marques.
José Ângelo Correia.
José Reis Leite.
Maria Manuela Aguiar.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
Carlos Manuel Costa Candal.
José Manuel Lello Almeida.
Raul Fernando Costa Brito.
Rogério Conceição Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Gomes Carvalhas.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Maria Odeie dos Santos.
Miguel Urbano Rodrigues.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

A DIVISAO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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