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Sexta-feira, 30 de Outubro de 1992 I Série - Número 7

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE OUTUBRO DE 1992

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs.

João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Alberto Monteiro de Araújo
Maria da Conceição Figueira Rodrigues
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Na abertura do debate da interpelação n.º 7/VI - Sobre a situação da economia portuguesa e o sentido da política económica do Governo (PS) intervieram o Sr. Deputado António Guterres (PS) e o Sr. Ministro da Indústria e energia (Mira Amaral), tendo-se-lhes seguido o uso da palavra, a diverso título, além do sr. Ministro do Comércio e Turismo (Faria de Oliveira), os Srs. Deputados Pacheco Pereira, Rui Carp, Guido Rodrigues, Castro Almeida (PSD), Nogueira de Brito (CDS), Octávio Teixeira (PCP), Silva Marques (PSD), Manuel dos Santos e Joel Hasse Ferreira (PS), Lino de Carvalho (PCP), Mário Tomé e João Corregedor da Fonseca (Indep ), Ferro Rodrigues (PS), Rui Rio e Álvaro Barreio (PSD) e João Proença (PS).
No encerramento do debate, usaram da palavra o Sr. Deputado Almeida Santos (PS) e o Sr. Ministro das finanças (Braga de Macedo).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 40 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Albino Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santas.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata Silva.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos José Soares d'Almeida Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Eigi Franklin Fernandes Ribeiro.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Helena Falcão Ramos Ferreira Moerão.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Berrardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.

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Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Apolinário Nunes Portada.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Paulo Martins Casaca.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Cato Roque.

Parido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

João Carlos da Silva Pinho.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
15abel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Joio Cerveira Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ciar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 219/VI - Altera parcialmente o instituto e o regime da adopção (PCP), que baixou às 3.ª e 10.ª Comissões; as ratificações n.º - 41/VI - Decreto-Lei n.º 208/92, de 2 de Outubro, que autoriza o Serviço de Transportes Colectivos do Porto a subconcessionar a exploração de carreiras de transporte rodoviário de passageiros que ultrapassem o limite urbano da cidade do Porto (PCP), 42/VI - Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 519-C1179, de 29 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico das relações colectivas de trabalho (PCP), 43/VI - Decreto-Lei n.º 210/92, de 2 de Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro, que estabelece o regime jurídico da suspensão do contrato de trabalho (PCP) e 44/VI - Decreto-Lei n.º 195-A/92, de 8 de Setembro, que extingue a empresa que gere o Teatro Nacional de S. Carlos, e, finalmente, a audição parlamentar n.º IOIVI - Importação de resíduos tóxicos feita pela empresa METALIMEX (Deputado independente Mário Tomé), que baixou à 6.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia de hoje, que consta da apreciação da interpelado n.º 7/VI - Sobre a situação da economia portuguesa e o sentido da política económica do Governo (PS).
Para abrir o debate, em nome do partido interpelante, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Portugal enfrenta hoje a mais grave situação económica desfile que, em 1983, a Aliança Democrática nos deixou, com o maior desequilíbrio das nossas contas externas desde o início do século.
O problema agora é de outra natureza. O que está em causa é a asfixia da economia real e das empresas.
Sabem-no dramaticamente os agricultores. Sentem-no claramente os empresários. Começa a aperceber-se a população em geral, embora ainda parcialmente embarcada, por inércia, no mito do sucesso e numa lógica consumista já sem sustentação. Só o Executivo/PSD se recusa a aceitar a gravidade da situação, talvez por que saiba ser sua, em larga medida, a culpa do que está a acontecer.
São quatro, em meu entender, os pecados capitais deste Governo.
Primeiro, o pecado capital da cegueira ou a tentação de esconder a realidade, fugindo à verdade sempre que necessário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Segundo, o pecado capital do fundamentalismo do escudo caro, a que chama, com presunção e sem fundamento, moeda forte.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: -Terceiro, o pecado capital da permanente subordinação dos interesses da economia nacional ao interesse partidário do PSD. As políticas do Governo não têm em conta os ciclos da economia. As políticas do Governo só têm em conta o ciclo eleitoral.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quarto, o pecado capital da insensibilidade lace ao agravamento das injustiças e das desigualdades. Esquecer a solidariedade é sempre grave. Fazê-lo em momento de crise é intolerável.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!

O Orador: - Vejamos o primeiro pecado.

O Ministro das Finanças tala do oásis da economia portuguesa. Mas qual oásis?
Apesar da injecção, a fundo perdido, de mais de 700 milhões de contos, vindos da Europa, na agricultura portuguesa, o rendimento médio dos nossos agricultores baixou cerca de 10 %, de 1987 a 1991. Em contraste, subiu na Grécia perto de 20 % e em Espanha quase 30 %.
O Primeiro-Ministro devia contactar os lavradores do Douro, que estiveram dois anos sem receber o juro das suas colheitas; devia talar com os responsáveis das adegas cooperativas, que não conseguem escoar os seus vinhos; com os produtores de fruta, que têm de a destruir; com aqueles que o Governo incitou a equipar-se, endividando-se em parte para produzir mais cereais e que agora vão ter de reduzir a produção.
Mas será que a agricultura é um drama isolado, uma palmeira seca no meio de um oásis verdejante? Não é verdade!
A indústria transformadora está em recessão desde M um ano e meio. O índice de produção industrial diminuiu 2% em l «W l, 3,1 % no 1.º trimestre deste ano, 3,2 % no 2.º O futuro, esse será pior. A importação de máquinas reduziu-se 10.2 % em valor, no 2.º trimestre de 1992.
Com as políticas cambial e monetária que tivemos nos últimos anos vai haver uma verdadeira desindustrialização. O Primeiro-Ministro deverá aproveitar a sua visita à Grã-Bretanha, em Dezembro, para entender este conceito, em toda a sua dimensão, no que ele pode vir a significar em matéria de desemprego, de pobreza, de degradação urbana, de criminalidade e de insegurança.
Também o turismo está em queda. Também uma parte do mercado imobiliário passou da especulação a paralisia quase total. Os inquéritos aos empresários da construção civil dão uma visão claramente pessimista.
Não vou sequer talar da crise das bolsas de valores ou dos graves problemas do sector dos seguros.
Bem, bem, pelo menos por enquanto, têm estado os bancos. Nunca os bancos ganharam tanto dinheiro em Portugal como nos últimos anos. Este é verdadeiramente o Governo dos bancos

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A política monetária foi orientada de tal maneira que todos, cidadãos e empresas, tomos postos a trabalhar para os bancos As autoridades monetárias conseguiam até agir de tal modo, quando quiseram fazer baixar as taxas de juro, que os bancos puderam aproveitar o momento para ainda aumentar mais as suas margens, à custa de todos nós, de quem deposita e de quem pede emprestado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas até os bancos começam a preocupar-se com a capacidade de recuperar as créditos concedidos. Quando cai um castelo de cartas, nada fica de pé.
A evolução da economia real, que descrevi, vai sentir-se cada vez mais ao nível do emprego, embora sejam ainda reduzidas, admitimo-lo, as taxas de emprego. Mas o número de desempregados registado já está a crescer: 2 % no 1.º trimestre, 5,7 % no 2.º E é bom saber que os números oficiais sobre o desemprego, aliás, de acordo com as normas internacionais, contam como empregados muitos que efectivamente o não são. Para dar um exemplo, o inquérito ao emprego não considera como desempregado quem tenha trabalhado apenas uma hora na semana de referência.
Há um significativo desemprego oculto na economia portuguesa, que tenderá agora a vir progressivamente à superfície e que afectará sobretudo aquelas mulheres e homens de meia idade de difícil reconversão e para quem o desemprego será um drama humano de grandes proporções Muitos postos de trabalho estão em risco, suportados na lógica da economia do endividamento, em que as empresas não pagam umas às outras, não pagam à banca, à segurança social, aos sindicatos, não pagam por vezes os próprios salários.
O Governo é, aliás, o principal inspirador desta política de endividamento. Ele próprio não paga a empreiteiros, a farmácias e a fornecedores de hospitais.

Aplausos do PS.

Sr Presidente, Srs. Deputados: O Governo enganou-se rotundamente em 1991 nas suas previsões sobre a economia portuguesa para 1992 (basta comparar os dois textos orçamentais). Também agora o Governo se engana, ou melhor, nos engana, no quadro macroeconomia) que apresenta, quer para 1992, quer nas previsões para 1993. O PS, no debate do Orçamento, irá apresentar um quadro macroeconomia) alternativo, elaborado pelo seu conselho económico, seguramente muito mais próximo da realidade, o que aliás não é difícil.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ninguém tem dúvidas que nem o produto, nem o investimento, nem as importações irão crescer sequer ao nível que o Governo agora assume no texto orçamental.
O pouco dinamismo que a economia portuguesa, neste momento, regista deve-se aos apoios europeus e à manifesta dificuldade que o Governo tem, bem contra a sua vontade, para conter o consumo. Enfim, tudo ao contrário do que nos foi prometido, tudo ao contrário do que nos é dito.
Com um quadro macroeconomia falseado, o Orçamento do Estado para 1993 perde credibilidade e não se ajusta às necessidades reais da economia portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em matéria económica, o Governo foge da verdade como o diabo da cruz. Então, não foi o pró-

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prio Primeiro-Ministro que, solenemente, nos prometeu que os impostos não subiriam em 1992, para depois fazer aumentar o IVA, o imposto sobre os veículos automóveis e fazer-nos pagar a todos uma taxa média de IRS mais elevada, por insuficiente actualização dos escalões? E não voltou, este ano, a fazer a mesma promessa, para nos entregar um orçamento do Estado que, uma vez mais, confirma o agravamento da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho'? Este ano até já pagamos adiantado. A mim já me calhou essa sorte.

Risos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O segundo pecado mortal é o fundamentalismo do escudo caro. Pecado que vem de longe, desde a revalorização de 1980 que deu o primeiro empurrão que conduziria ao descalabro da economia portuguesa em 1982. As autoridades monetárias conduziram, entre 1989 e 1991, a uma revalorização real de 15,5 % na taxa de câmbio efectiva do escudo. Quer o dólar, quer o ECU comunitário valem hoje menos escudos do que valiam há dois anos.
No entanto, Portugal teve sempre uma taxa de inflação mais alta que a dos Estados Unidos ou a média comunitária e a economia portuguesa é bem mais fraca que a norte-americana ou a dos nossos parceiros europeu. Não somos adeptos de uma política de desvalorização contínua do escudo. Mas para tudo há limites. Nem 8 nem 80.
O escudo inseriu-se, assim, com um valor excessivo no mecanismo de taxa de câmbio do sistema monetário europeu. Curiosamente, se tivéssemos entrado há dois anos para o SME, o escudo estaria hoje menos valorizado do que está. Como se isso não bastasse, durante a recente crise do SME, as autoridades monetárias portuguesas recusaram qualquer realinhamento e a nossa moeda valorizou-se nominalmente, desde o principio do ano, 12 % em relação à peseta, 14 % em relação à lira e mais de 16 9'o em relação à libra britânica.
É uma política suicida. Suicida para quem exporta para aqueles países. Suicida para quem com eles concorre noutros mercados ou no nosso próprio mercado interno. Em Espanha, nomeadamente, produz-se tudo o que nós produzimos. A partir de 1 de Janeiro, a Espanha terá o seu mercado unificado com o nosso, só que com uma agricultura mais forte e empresa, em geral, mais sólidas, mais produtivas. O Governo Português, cota a sua política cambial, dá uma ajuda decisiva às empresas espanholas, aqui bem perto, para destruírem as suas concorrentes nacionais. 15to é intolerável.

Aplausos do PS.

E não venha o Governo argumentar com o bom andamento das exportações, que foi anómalo no 1 º trimestre. Desde Maio, a exportações estão já a diminuir em relação ao ano passado. Os números de Agosto para o comércio externo são aterradores, embora também aí se possa admitir alguma situação anormal. Só que os mercados que até ao realinhamento no sistema monetário europeu mais vinham sustentando as nossas exportações eram o inglês e o espanhol. Não custa prever o que irá acontecer no futuro.
Aliás, é conhecida a tendência amortecedora do comportamento das empresas que, numa 1 º fase, se sujeita a exportar com margens diminutas ou mesmo a perder dinheiro, para manterem, até ao limite, a produção e o emprego. Depois...

A política cambial deste Governo, a manter-se, irá liquidar uma parte substancial das nossas empresas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Algumas porventura sem remédio em qualquer caso, mas muitas cheias de potencialidades de desenvolvimento e modernização. Não há moeda forte com economia fraca. Temos um escudo caro, não temos escudo forte.

Aplausos do PS.

O terceiro pecado capital é a subordinação das políticas económicas aos interesses do ciclo eleitoral do PSD. Em 1991 houve eleições legislativas e por isso estimulou-se o consumo e aumentou-se fortemente o défice do Estado, pois um Estado gastador é sempre um Estado popular. Em compensação valorizou-se o escudo acima de tudo o que é razoável e aplicaram-se taxas de juro reais incomportáveis.
Como os cidadãos votam, permitiu-se-lhes uma melhoria temporária da situação. Como as empresas não votam e os empresários são proporcionalmente poucos, sacrificou-se drasticamente a prosperidade das empresas produtivas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Agora, que as eleições estão a três anos, que acabou a Presidência Portuguesa das Comunidades, mesmo com a recessão a manifestar-se em vários sectores, mesmo com os apelos do Presidente da Comissão Europeia ao relançamento da economia europeia, aí está o Governo a apertar todas as torneira. Até os trabalhadores da função pública sofrem ameaças de marginalização, talvez para que o medo melhor os subordine ao poder laranja.
Segundo o Ministro das Finanças o défice orçamental em 1993, em termos anualizados, descontando os efeitos de transição na cobrança do IVA, já se aproxima bastante do que Maastricht obriga só em 1996. Não se trata do complexo de bom comportamento. Trata-se do objectivo de concentrar agora todas as medidas impopulares deixando para perto da eleições o abrir dos cordões à bolsa na esperança de que seja curta a memória dos homens.
Em nenhum momento dos últimos anos foi tão nítido o contraste entre as necessidades para que a conjuntura aponta e a política conjuntural que o Governo adopta. O que preocupa o Governo não é a economia, é o calendário eleitoral. Só que nenhuma economia resiste a esta política, à sua lógica do zig-zag sem gradualismo nem coerência nem persistência.

Aplausos do PS.

Quarto pecado capital é o da insensibilidade às injustiças e desigualdades.
O Orçamento para 1993 mantém um sistema fiscal injusto. Temos um imposto único ma quase só sobre os rendimentos do trabalho. As classes médias são as principais vítimas da política fiscal deste Governo. As grandes fortunas quase não pagam impostos.
O Orçamento do Estado para 1993 confirma claramente também a inaceitável desatenção do governo PSD em relação às políticas sociais. A habitação social continua

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esquecida. O Ministro diz confiar no mercado, mesmo sabendo que o mercado nunca resolverá o problema da habitação dos 20 % a 30 % da população portuguesa de recursos mais débeis.
AS despesas correntes com a educação diminuem, em termos reais, quase 10 9'0, em 1993. isto sem que o Governo possa ignorar a alarmante degradação da qualidade do ensino em Portugal. A educação, a ciência e a cultura são a perspectiva do nosso futuro e a garantia da nossa identidade no quadro europeu. A1 vai estar a prioridade das prioridades na intervenção e nas propostas do PS no próximo debate do Orçamento.

Aplausos do P.S.

No quadro da saúde, após hesitações e contradições várias, tudo começa aficar claro, nas intenções do Ministério. Primeiro foram as taxas moderadoras, taxas sobre os meios auxiliares de diagnóstico, bem como a redução das comparticipações nos medicamentos, agravando a participação dos cidadãos nos custos da saúde, cuja percentagem já era, em 1991, a mais elevada da Europa - 38,3 3.º. O Governo revela agora o que verdadeiramente deseja quanto ao Serviço Nacional de Saúde: desmantelamento progressivo, desnatação e parasitagem.
O PS sabe que o Serviço Nacional de Saúde deve evoluir. O PS reconhece o efeito estimulante da acção do sector privado, quer no financiamento, quer na prestação dos cuidados de saúde. Mas o PS não abdicará da defesa do SNS, da sua qualidade e humanização, porque o considera um instrumento essencial de justiça no acesso à saúde e porque não aceita que a saúde passa ser vista como um negócio semelhante a todos os outros.

Aplausos do PS.

Privatizar um banco não é a mesma coisa que privatizar um hospital. Não é por acaso que mesmo qualquer ministro, por muito liberal que seja a sua retórica, em situações graves ou de emergência, recorre aos hospitais do Estado e não às clinicas privada, mesmo tendo dinheiro para as pagar.

Aplausos do PS.

O agudizar da crie exige um programa integrado de combate às situações de pobreza degradante e não apenas já para os cidadãos portugueses. Tenho chamado, vezes sem conta, a atenção do Governo, até agora sem resultado, para as consequências da ausência de uma política de integração harmoniosa das comunidades de imigrantes africanos em Portugal. A discriminação no acesso à habitação, as taxas aflitivas de insucesso e abandono escolar na segunda geração vão criar todas as condições para que se formem bolsas de marginalidade, que gerarão inevitavelmente, em Portugal, as manifestações de racismo que hoje condenamos nos outros.

Aplausos do PS.

Ninguém trata desta questão. O Primeiro-Ministro e o Governo não podem continuar indiferentes a este problema. Se não prevenirmos agora, depois será tarde demais para remediar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo quanto disse revela também que está esgotado o modelo de crescimento económico dos últimos anos. Um modelo que só foi possível graças ao suporte dos fundos comunitários, que é hoje de 1,5 milhões de contas por dia, a fundo perdido. Um modelo que assentou na mão-de-obra barata, no agravamento das desigualdades, na degradação ambiental, na desertificação do interior e na excessiva concentração humana e urbana nas áreas de Lisboa e Porto.
São conhecidas as posições do PS sobre as correcções que devem ser introduzidas neste modelo e as políticas estruturais que o mercado não substitui. Não cabe neste debate desenvolver este tema que já aqui abordei noutras ocasiões. Vou concentrar-me na resposta à afirmação do Ministro das Finanças de que não há alternativa para a actual política macroeconómica. Felizmente para Portugal essa alternativa existe. Limitar-me-ei a enunciar cinco diferenças fundamentais.
Primeira diferença, o Governo e o Banco de Portugal devem aproveitar e, se necessário, suscitar um realinhamento das moedas no seio do sistema monetário europeu fazendo com que a paridade do escudo, no mínimo, acompanhe o valor da sua relação com a peseta, tal como definida antes da última crise, sendo certo que nessa crise foi a peseta a moeda que menos desvalorizou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Segunda, Portugal deve manter o seu programa de liberalização dos movimentos de capitais. Mas, ao contrário do que este Governo prometeu, não precisa - não deve - liberalizar em 1 de Janeiro de 1993 os movimentos de capitais monetários a curto prazo.
Sem as duas medidas que referi o escudo ficará em posição extremamente vulnerável, pois os especuladores ainda não fizeram um ataque em força sobre o escudo, não tanto pelo receio do volume de reservas do Banco de Portugal, que até estimularia o apetite pelo elevado prémio que estaria em jogo, mas por não haver no mercado um volume suficiente de escudos disponíveis a curto prazo para ter a garantia de conduzir esse ataque com êxito. Não deve o Governo Português facilitar a vida, desnecessariamente, a quem especula.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Terceira diferença, só a política cambial acima referida evitará novas pressões sobre as taxas de juro no sentido da alta, já indiciadas, aliás, neste momento. A política monetária deve ser conduzida com o objectivo de apertar as margens de intermediação bancária e de promover uma redução prudente mas gradual nas taxas de juro real.
Quarta diferença, por tudo o que foi dito, consideramos o Orçamento para 1993 socialmente injusto e excessivamente restritivo, face às necessidades da conjuntura económica. A lógica recessiva para que caminham vários sectores facilita a desaceleração da subida dos preços e justifica alguma margem de manobra em matéria orçamental. Apesar disso, o PS será prudente nas suas propostas de alteração do Orçamento.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Então?!

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O Orador: - Vamos limitar-nos a insistir na necessidade de reforma tio sistema fiscal em termos que corrijam a injustiça e a iniquidade. Opôr-nos-emos a qualquer agravamento da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho. Vamos propor, sem aumento da despesa, uma reorientação no investimento público, no sentido de conferir maior peso relativo à habitação social e à modernização das estruturas produtivas. Concentraremos na educação, na ciência e na cultura, bem como na saúde, se necessário, as nossas prioridades em matéria de despesas correntes, podendo justificar-se um aumento, sempre muito moderado, na despesa global.
Aguardamos o Orçamento rectificativo para 1992 a fim de, em função do que ele revelar, decidirmos quanto ao volume das nossas propostas. A política monetária que defendemos permitirá ainda aliviar um pouco os encargos com a divida pública, mas não cairemos na tentação fácil, mesmo em período difícil e de recessão, de propor aumentar todas as despesas e reduzir todas as receitas.
Quinta diferença, num ano como este o Governo não pode ter iniciativas de redução dos direitos dos trabalhadores, que sabotem a negociação com as organizações sindicais. A moderação do crescimento dos salários reais, que é necessária, exige contrapartidas de natureza social e um acordo mais global sobre as perspectivas do emprego e do desenvolvimento a médio prazo. O Governo tem de perder a visão estreita de quem só discute o que lhe convém.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que acabei de dizer ressalta um novo equilíbrio na articulação das políticas macro-económicas, para que seja possível evitar a crise e relançar o crescimento, com a moderação indispensável para evitar uma derrapagem na progressiva redução da subida de preços. Mas combater a inflação por muito importante que seja - e é - não pode ser, numa situação destas, o único objectivo de uma política económica fundamentalista, cada vez mais isolada no contexto europeu e mundial.

Aplausos do PS.

Manter a actual política macroeconómica e, nomeadamente, a sua componente cambial conduziria ao desastre e comprometeria a modernização dos sectores produtivos. Mas, pior ainda, se o Governo persistisse no erro, e estou certo que acabará por reconhecer a razão, poderia vir a sofrer amanhã uma derrota humilhante kc mãos dos especuladores internacionais, cuja fortuna se faria à custa das nossas reservas, desorientando toda a política económica.
Teríamos então aqui o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças de joelhos perante a Assembleia da República e o Pais, como de joelhos ficaram perante a Câmara dos Comuns e o povo britânico John Major e Norman Lamont. No entanto, para o PS, isso nem de consolação serviria. Nós não queremos que as derrotas políticas deste Governo se traduzam em derrota para Portugal.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para intervir na abertura do debate, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia (Mira Amaral): - Sr. Presidente, Sr. primeiro-ministro, Sn. Deputados: Estou impressionado com as afirmações do

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Sr. Deputado António Guterres. Na realidade, a sua intervenção mostra bem o estado de depresso em que está o PS. Aliás, ele quer passar esse estado para o País e para a economia portuguesa.

Aplausos do PSD.

No fundo, ele quer utilizar a linguagem de catástrofe do PS para a sociedade portuguesa. São angústias da oposição, que nada têm a ver com o País real.
Por outro lado, quanto à questão do fundamentalismo do escudo caro é matéria em que eu talvez já não consiga dizer que existe fundamentalismo no PS, visto que, com o estado de depressão em que se encontra, não é possível ter uma visão tão exacerbada de fundamentalismo...

Protestos do PS.

Apenas alguns números mostram que o Sr. Deputado António Guterres não tem razão no que disse.

A Sr.º Edite Estrela (PS): - Tem, tem!

O Orador: - O Sr. Deputado quer confundir a situação económica portuguesa com aquela que havia aquando do bloco central: um crescimento económico positivo, superior à média comunitária; a balança externa confortável e o nível do emprego.
Estes indicadores chegam para mostrar que a situação é totalmente diferente.
Além disso, há uma grande incoerência quando diz que o modelo económico está esgotado. Sr. Deputado, o modelo do escudo fraco é que estava esgotado. Foi aquele modelo que, no governo do bloco central, conduziu a uma economia fraca, conduziu aos salários em atraso, conduziu ao desemprego que tivemos em Setúbal.
Querer controlar a política monetária através da intervenção do Governo é também uma visão ultrapassada das realidades económicas. Não podemos dar ordens aos bancos para efectuarem empréstimos, não podemos dar instruções aos bancos para reduzirem as margens. O que podemos - e foi o que fizemos - é criar o enquadramento, e depois a concorrência encarrega-se de reduzir as margens, na banca, como em qualquer empresa.
Em termos de impostos, Sr. Deputado, fiquei bastante admirado, porque confundir taxas médias com taxas marginais e rejeitar aumentos nas taxas marginais já nem os liberais mais exacerbados ousam dizê-lo.
Mas foi o que o Sr. Deputado António Guterres quis afirmar. No fundo, ele pretende que se mantenha a política da moeda fraca para continuarmos com uma economia fraca, mas é um modelo que está esgotado e é perfeitamente contraditório com as suas afirmações.
O PS vem fazer esta interpelação não por razões de crise económica no País, que não existe, o que existe é a crise do PS.

Aplausos do PSD.

Tortos sabemos que estamos a atravessar uma conjuntura internacional, que é difícil, com uma grande turbulência e uma incerteza em relação ao futuro.
Temos, nos nossos dias, uma envolvente internacional em grande transformação, com a conclusão efectiva do mercado único europeu e o seu aprofundamento através da união económica e monetária.

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Temos profundas dificuldades na evolução para a economia de mercado dos países do centro e leste europeu.
Temos a crescente interdependência das economias nacionais devido à globalização dos mercados, tornando a economia europeia e, portanto, também a portuguesa, cada vez mais inseridas na economia mundial.
Temos um novo modelo de desenvolvimento industrial e tecnológico que a economia portuguesa terá de acompanhar.
Não podemos deixar de assinalar as dificuldades que as economias industrializadas enfrentam hoje, o que se traduz, nomeadamente, numa quebra significativa do ritmo de crescimento económico. Inicialmente, esta quebra foi vista como resultado de factores não económicos, nomeadamente da guerra do Golfo.
Porém, e em meados de 1991, tolos tivemos a noção clara de estarmos perante um abrandamento bem mais profundo do que o inicialmente previsto. Tal abrandamento encontra explicação na necessidade de correcção de importantes desequilíbrios macro-económicos nas economias dos países industrializados, confirmados, de resto, com o registo de crescimentos negativos nalguns deles.
Hoje é bem nítido que a recuperação tem vindo a processar-se de uma forma menos expressiva do que a prevista, levando a que as perspectivas de uma retoma significativa do crescimento mundial não tenham sido confirmadas.
Obviamente que este cenário não poderia deixar de marcar a economia comunitária.
Permitam-me que, a este propósito, concretize o que disse apresentando alguns indicadores.
Os Estados Unidos da América esperam registar em 1992 um crescimento de cerca de 2 %, contra-1,2 % em 1991, o que mesmo assim representa um ajustamento para baixo do que inicialmente estava previsto.
O Japão está confrontado com um forte arrefecimento da sua economia. Trata-se actualmente do mais baixo crescimento da economia japonesa verificado desde meados da década de 70.
A economia comunitária, que registou uma taxa de crescimento de 1,3 % em 1991, espera para 1992 um valor próximo de 1 %.
No Reino Unido, a taxa de crescimento deverá ser negativa em 1992, à volta de -1,5 %.
Portugal, pequena economia aberta, cujo crescimento económico tem no sector exportador o seu tradicional e grande motor, não poderá obviamente ficar imune à situação internacional.
É neste cenário internacional adverso que temor de conduzir a nossa economia rumo à união económica e monetária.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - É um oásis, Sr. Minis-

O Orador: - Este enquadramento internacional teria naturalmente de se reflectir no comportamento da economia portuguesa em termos absolutos. Contudo; vamos continuar a manter em 1992 e 1993 um diferencial positivo em relação à taxa de crescimento da Comunidade, continuando assim o caminho para a convergência real.
O Programa de Convergência Q2 e o Orçamento do Estado para 1993 balizara o nosso raminho para a união económica e monetária, procurando as convergências real e nominal da nossa economia com a economia comunitária.

Vejamos, então, alguns indicadores: para 1993 é expectável que o crescimento real da actividade económica assente no investimento e nas exportações. Assim, o investimento deverá crescer em termos reais a uma taxa de 5 %, taxa a que também se deverão situar as exportações. O consumo público deverá registar, em 1993, um crescimento virtualmente nulo.
Quanto à taxa de inflação, é muito credível que venha a situar-se entre os 5 9ó e os 7 %, sendo fundamental, para que este imposto oculto se reduza e atinja os valores necessários, que se registe uma moderação no crescimento dos salários reais respectivamente aos valores atingidos em 1992, valores esses que permitiram termos um crescimento cerca de quatro vezes a média comunitária em termos dos salários reais.
Com essa mcxleraç3o salarial, podemos prosseguir, com sucesso, no próximo ano, o processo de convergência nominal para a média comunitária, que temos vindo a seguir e que já é bem reflectido, nos resultados obtidos para a inflação em 1992, para o mês de Setembro.
Este quadro de estabilidade exige também, para a sua concretização, que todos nós aprofundemos o consenso social em torno do objectivo da convergência nominal.
Por outro lado, o grau de utilização da capacidade produtiva na indústria transformadora manteve-se, no 1.º semestre de 1992, acima dos valores registados em igual período de 1991, a taxa de desemprego baixou em Agosto último de 4,1 % para 3;9 %. As taxas de juro, na sequência da recente liberalização dos movimentos de capitais começaram a descer.
Tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mostra que essa visão de catástrofe é totalmente infundada.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, todos conhecemos as recentes perturbações nos mecanismos de taxas de câmbio do sistema monetário europeu. Também aqui o escudo resistiu bem à forte especulação então verificada.
Tudo isto mostra que vão longe, felizmente, as tempos em que uma crise internacional era sentida de forma ampliada na economia portuguesa.
Os recentes acontecimentos demonstram uma muito maior capacidade de resistência e absorção dos choques externos, o que prova a solidez da nossa economia e a validade da nossa política económica e social.
A indústria é, e continuará naturalmente a ser, um motor do nosso desenvolvimento económico e social.
Os tempos de mudança que estamos a viver na presente década, bem como os condicionalismos que daí decorrem, estão a pressionar a nossa estrutura industrial de forma nunca sentida até aqui.
É isto que V. Ex., que não consegue perceber.
Não poderemos deixar de reconhecer que muito foi feito nestes últimos anos, quer na modernização empresarial quer no ressurgimento de uma nova cultura empresarial, trais dinâmica e mais moderna, e, por isso, capaz de superar os desafios do futuro.
Temos consciência de que existem dificuldades no sector exportador, não só em Portugal como também noutros países - e há países como a Espanha, a Itália e o Reino Unido cujas dificuldades não se conseguem comparar, pela sua gravidade, às nossas dificuldades.
Temos consciência de que existem dificuldades de adaptação de alguns sectores industriais aos novos desafios da concorrência e temos consciência de situações especificas

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de algumas regiões afectada por essas dificuldades. Mas temos o diagnóstico feito e formulámos as estratégias possíveis e as terapêuticas adequadas no quadro de uma economia de mercado, em que o Governo não se pode substituir aos empresários, a quem cabe a responsabilidade principal pela formulação das estratégias empresariais.
Ao Governo compete a criação do enquadramento adequado e a montagem de esquemas de apoio que actuem como complemento do esforço dos empresários.
É isto que faz um governo, numa moderna economia de mercado, com preocupações de justiça e de solidariedade sociais, e que o PS tem dificuldade em entender.
A adesão ao mecanismo de cacas de cambio (MCT) do sistema monetário europeu esgotou definitivamente para a indústria portuguesa um modelo de desenvolvimento baseado apenas no factor preço e na mão-de-obra barata, onde a taxa de câmbio era um instrumento fundamental para repor a competitividade dos sectores exportadores portugueses.
O modelo que o PS nos vem propor hoje, de escudo fraco, é que conduzia a este modelo já gasto, definitivamente ultrapassado na economia portuguesa Estamos, pois, na transição desse modelo para o doas países desenvolvidos, assente na estabilidade cambial e na eficiência das empresas. É evidente que, nessa viagem, há empresas que, naturalmente, irão ficar pelo caminho, o que é perfeitamente normal numa economia de mercado que se quer mais competitiva e mais sólida. Aliás, é este o resultado esperado por todos os que se interessam por estas matérias.
O Governo irá preocupar-se cada vez mais cosa um ambiente favorável às empresas viáveis e competitiva`, não querendo distorcer o enquadramento para permitir a vida artificial de empresai ineficientes e inviáveis.

Aplausos do PSD.

Com as recentes medidas de liberalização dos movimentos de capitais estamos a caminho da plena integração do sistema financeiro português no sistema financeiro europeu e estas medidas são um passo decisivo para que as empresas portuguesas tenham condições de financiamento idênticas às das empresas europeias.
Em suma, taxas de juro em sintonia com o perfil Comunitário e preços estáveis constituem o melhor - ambiente para promover o crescimento sustentado da economia portuguesa. É isto também, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que o Partido Socialista tem dificuldades em compreender.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Aliás, recentemente, alguns têm vindo a pedir a desvalorização do escudo devido à depreciação da lira, da peseta e da libra em relação ao escudo, na sequência das perturbações no mecanismo de taxas de c.unbio do sistema monetário europeu.
É importante notar a esse respeito que aquelas desvalorizaçe5es não foram feitas por razões de competitividade das respectivas economias mas sim devido ao funcionamento dos mercados cambiais.
É importante chamar-vos a atenção para o facto de que o escudo se depreciou em relação às moedas da zona do marco e do franco francês, responsáveis por cerca de 40 9b das nossas exportações.

É importante chamar-vos a atenção para o facto de que em mercados em recessão como o inglês ou o espanhol não é o preço dos produtos que vai fazer vender mais.
É igualmente importante ensinar-vos que a estabilidade cambial é de grande importância, pois todos sabemos - e os senhores do Bloco Central deveriam ter aprendido isto - ...

Protestos do PS.

... que as desvalorizações alimentam a espiral inflacionista e agravam a especialização industrial portuguesa.
Compreendemos as dificuldades e os problemas de curto prazo surgidos aos exportadores muito dependentes de mercados como o inglês, o espanhol e o italiano, mas é preciso entender que o que está em causa é uma trajectória de longo prazo em que a competitividade da economia portuguesa não pode assentar em ganhos fugazes associados à desvalorização do escudo mas passa, sim, por um ataque decisivo às questões estruturais de eficiência empresarial que atrás citámos.
É facto que esta integração plena de Portugal no espaço comunitário esgota esse modelo de moeda fraca e economia fraca que, hoje, os senhores vêm defender. Esse ciclo está encerrado e cada vez mais teremos de preocupar-nos com os factores dinâmicos da competitividade, impondo opções de modernização das tecnologias, da gestão e do rnurketing, contribuindo tais estratégias para um crescimento mais selectivo, privilegiando a qualidade em detrimento da quantidade.
O modelo de escudo fraco que o PS hoje vem propor-nos mantinha o tal esquema já gato de crescimento em quantidade e não em qualidade.
Também em termos de fundos comunitários Portugal deu uma grande lição à Europa comunitária e a todos os países do Leste europeu.
De facto, é reconhecido que, em Portugal, ocorreu uma experiência extremamente válida na transição gradual e realista para uma verdadeira economia de mercado. Sr. Deputado António Guterres, nesta matéria, não temos nada a aprender, não temos qualquer fundaunentalismo, antes temos uma visão extremamente realista da transição para uma verdadeira economia de mercado. Além disso, os êxitos na gestão dos fundos comunitários, reconhecidos, aliás, por toda a Comunidade Europeia e internacional, são bem exemplo do que acabei de afirmar.
Na indústria portuguesa são já nítidos aumentos substanciais de produtividade como, por exemplo, a introdução de sistemas de gestão da qualidade industrial na sequência da acção dos fundos comunitários. Igualmente são já nítidas as tendências de diversificação industrial de que o projecto FordNolkswagen é o mais recente e concreto exemplo.
Por outro lado, enquanto não entrar em vigor o novo quadro comunitário de apoio, pretendemos desenvolver mais algumas medidas de apoio a sectores em reestruturação. É o caso do Programa Intercalar de Apoio ao Sector Têxtil e de Vestuário, que está a ser lançado pelo Governo e que passa por um conjunto de instrumentos extremamente importantes, tais como os novos fundos de capital de risco, a que chamámos Fundo de Reestruturação e Internacionalização Empresarial, ao qual já estÃo afectados 12 milhões de contos, 10 dos quais destinados ao sector têxtil e do vestuário, sendo os outros 2 milhões destinados aos processos de internacionalização das empresas portuguesa.

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De entre as medidas a serem lançadas pelo Governo no sentido do apoio a sectores industriais e a regiões que passam algumas dificuldades, saliento o programa comunitário RETEX, elaborado na sequência das diligências portuguesas junto da Comunidade, que vai disponibilizar 50 milhões de contos para apoio as regiões fortemente dependentes do sector têxtil. Temos também o novo diploma dos benefícios fiscais destinado a sectores em dificuldades e ao apoio à internacionalização da economia portuguesa, para além de programas como o PRISMA e o PERIFRA.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As empresas portuguesas já começaram a pensar nos factores de desenvolvimento de ordem qualitativa. Estamos, pois, a ganhar o desafio europeu e a aproximar-nos dos padrões de eficiência e de funcionamento das empresas dos países mais desenvolvidos.
O Sr. Deputado António Guterres contunde desindustrialização com a necessária «cura de emagrecimento» nalguns sectores industriais, com vista ao aumento da eficiência e da produtividade.

Risos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

Ora, trata-se de questões básicas que não podem ser confundidas.

Aplausos do PSD.

O Sr Deputado António Guterres confunde desindustrialização com a terciarização do emprego, isto é, com o natural aumento do peso do sector ternário na estrutura do emprego em Portugal, que é a tendência nos países mais desenvolvidos.

Aplausos do PSD.

Estas são questões básicas numa economia de mercado moderna, que não podem ser esquecidas.
Assim, Sr. Deputado António Guterres, em relação a estes aspectos, o Governo e eu próprio teremos todo o gosto em dar-lhe uma explicação sobre o que é a intervenção do Estado no quadro de uma economia de mercado ...

Aplausos do PSD.

... que, aliás, é o que inserimos na parte económica do Programa do Partido Social-Democrata. Assim, tanto o Sr. Deputado Duarte Lima como eu próprio teremos todo o gosto em lhe explicarmos como é uma social-democracia feliz,

Risos do PS e do PCP.

... em contraste com a social-democracia infeliz e depressiva que o Sr. Deputado aqui veio anunciar-nos.

Aplausos do PSD.

O Sr Presidente: - Srs. Deputados, informo que se encontram presentes nas galenas alunos da Escola Profissional de Agricultura de Cister, de Alcobaça, e alunos do Externato Brinqueduca, da Póvoa de Santa Iria

Aplausos gerais.

Para pedirem esclarecimentos ao Sr. Deputado António Guterres, inscreveram-se os Srs. Deputados Pacheco Pereira, Rui Carp, Guido Rodrigues, Castro Almeida, Nogueira de Brito, Octávio Teixeira e Silva Marques. Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, compreendemos que nos tale do ciclo eleitoral e das medidas benéficas que é suposto serem tomadas quando o ciclo eleitoral se aproxima do fim. De facto, é algo em que o Partido Socialista tem uma grande experiência, a qual vemos todos os dias quando atravessamos Lisboa e Porto e encontramos a realidade material do que é uma política feita em relação ao ciclo eleitoral e que não tem em conta nem os direitos dos cidadãos nem o respeito pelos mesmos.

Aplausos do PSD.

É que ninguém contesta a necessidade das obras, contesta-se é que elas sejam feitas todas ao mesmo tempo, sem respeito pelas pessoas, de maneira a que correspondam não apenas a um princípio de necessidade mas sim a um princípio de oportunidade política. Portanto, não venha talar-nos de ciclo eleitoral pois, quotidianamente, quando nos deslocamos a esta Assembleia, temos boa experiência física do que é o ciclo eleitoral em funcionamento.
Mas há mais: na verdade, temos um bom exemplo de um outro tipo de ciclo, através das motivações da intervenção do Sr. Deputado António Guterres.
Faço esta afirmação porque temos sempre ocasião de ler com antecedência as meditações do Secretariado do Partido Socialista sobre as intenções de fundo do que pretende ser o seu discurso. Por exemplo, hoje mesmo encontrámos essas meditações publicadas no jornal Público, nas quais o Secretariado do Partido Socialista nos dá várias informações que passo a enumerar.
Em primeiro lugar, é-nos dada a informação de que o Partido Socialista vai deixar de fazer oposição civilizada. Ora, gostaria de saber que tipo de oposição vamos ter a partir de agora porque, tanto quanto sei, o antónimo de civilizado é bárbaro, bruto ou incivilizado. Assim, custa-me compreender que um partido que aspira a ser Governo vá deixar de fazer oposição civilizada, que é o que eu próprio presumia que ele fazia sempre.
Outra das informações que nos foi veiculada hoje pela leitura daquele jornal é a de que o Partido Socialista tem dificuldade em compatibilizar oposição construtiva com oposição efectiva. Ora, também aqui há algo que está errado, pois é suposto que a oposição construtiva seja a efectiva. Assim, ficámos a saber que, a partir de agora, o Partido Socialista vai fazer uma oposição não construtiva no pressuposto de que ela é efectiva.
Devo dizer-vos que, para mim, isto soa a já ouvido porque, com a anterior direcção do Partido Socialista, também se sucediam os ciclos em que pensavam fazer oposição construtiva com aqueles em que julgavam fazer oposição mais dura e passavam de um ciclo a outro, à medida que as sondagens iam mostrando as dificuldades de implantação do Partido Socialista.
Portanto, esta dificuldade também se manifesta na necessidade que o Sr. Deputado António Guterres hoje teve de vir fazer-nos um discurso que, presumivelmente, é duro, destinado a «descolar» do PSD, ao qual suponho - faço-lhe este gosto - que o Partido Socialista nunca esteve «colado» e que, para além disto, é pressuposto assinalar o início de um novo ciclo político. Ora, também pensei que não era esta intervenção de hoje mas sim o último Con-

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grosso do Partido Socialista que teria constituído o início do referido ciclo político...
Portanto, repito que as frases que citei são muito reveladoras da principal motivação da intervenção do Sr. Deputado António Guterres e desta interpelação ao Governo, apresentada pelo PS, e que, mais do que falar sobre o País, é a de tentar superar as dificuldades objectivas em que se encontra o Partido Socialista.

Protestos do PS.

Ora, o Partido Socialista fala sempre de crise quando se refere ao País porque este partido não sabe fazer política a não ser com a linguagem da crise. Mais: para tentar fazer política, o Partido Socialista precisa que o País esteja em crise. Claro que não digo que os dirigentes do Partido Socialista queiram que o País esteja em crise, digo é que não sabem falar do País, a não ser partindo do pressuposto que está em crise. Aliás, bata recordar-vos as soluções económicas que o PS propôs ao Governo por ocasião da guerra do Golfo, proclamadas com o mesmo ar doutoral com que foram ditas agora É que, também naquela altura, os senhores diziam que íamos entrar numa crise ...

Protestos do Deputado do PS Raúl Rêgo.

Se o Governo tivesse aplicado as soluções que o PS preconizava, estaria agora em grandes dificuldade.
Se quisermos retirar algo de essencial da intervenção do Sr. Deputado António Guterres será a constatação de que a mesma constitui uma espécie de defesa sindicalista dos maus empresários. Na verdade, a única substância do seu discurso é um sindicalismo dos maus empresários, dos que querem soluções de facilidade tais como a desvalorização do escudo ou os subsídios. Srs. Deputados, é esta, hoje, a política do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Guterres, pretende responder já ou no final?

O Sr. António Guterres (PS): - Prefiro responder já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, há um dado comum nas intervenções de V. Ex.ª e do Sr. Ministro Mira Amaral, que é aquilo a que eu chamaria, em futebol, a tentativa de «desvio para canto».

Protestos do PSD.

15to é, quando se fala seriamente de política económica, quando se discutem seriamente os problemas económicos do Pais, o Sr. Ministro Mira Amaral vem falar da crise do PS e o Sr. Deputado Pacheco Pereira vem continuar a sua estratégia de embrulhar os problema internos do PS nos problema do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quero dizer que poderíamos ir pelo mesmo caminho, ou seja, eu poderia dizer, por exemplo, que o Governo se comporta hoje como o Benfica, substituindo o Sr. Ministro das Finanças, como o Benfica substituiu o Ivic pelo Toni, por não ter confiança na sua capacidade para treinar a economia portuguesa.

Aplausos do PS.

Risos do PSD e do CDS.

Mas não vamos por aí, porque o que está em causa é muito sério. Só espero que, apesar da política do Governo, o País resolva os seus problemas com a mesma dificuldade com que o PS resolve as suas crises.
Em relação ao argumento da conjuntura internacional o Governo só o utiliza nos maus momentos, porque nos bons momentos a conjuntura não conta, só conta o mérito do Governo!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Ora bem!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas, diz-nos o Sr. Ministro: com um crescimento de 0,75 96, segundo o Ministro das Finanças disse há dias, estamo-nos a aproximar da Europa, mesmo com esta conjuntura difícil. Mas nós sempre nos aproximámos da Europa, mesmo sem os fundos comunitários e mesmo com conjunturas difíceis

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Agora oiçam!
De 1976, quando o PS chegou ao poder pela primeira vez, a 1985, no fim do bloco central, com a absorção de dois choques petrolíferos, com as dificuldades que tivemos cromo consequência da descolonização, de uma revolução, etc., com tudo isso e sem um tostão da Europa, nós crescemos mais 0,8 % por ano, em média, do que a Comunidade Europeia, tal como agora crescemos mais 0,75 3'0, em média, do que a Comunidade Europeia.

Aplausos do PS.

Ou seja, na vossa própria análise, este Governo não está a fazer rigorosamente nada, a não ser a dificultar o impacte dos fundas comunitárias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Depois, dizem-nos que a economia vai crescer com o investimento e com a exportações. Não é possível. Os vossos números para 1993 são uma pura fantasia. Só um milagre!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Ninguém acredita nisso!

O Orador: - Ninguém acredita nos vossos números respeitantes a investimentos e a exportações para 1993 ..., e nem sequer nos números para 1992.
Mas vamos à questão decisiva do Sr. Deputado Pacheco Pereira: a grande diferem entre este Governo e a Câmara Municipais de Lisboa e do Porto é que este Gover-

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no ajusta as obras e as políticas ao calendário eleitoral e as Câmaras de Lisboa e do Porto fazem obras, em bom ritmo, permanentemente, durante todo o ciclo da sua permanência. É essa a diferença e é isso que o preocupa!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Penso também que o Sr. Deputado Pacheco Pereira, que pertence à maioria nesta Câmara, deveria propor, em sede de alterações ao Regimento, a figura da interpelação ao jornal Público,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Exactamente!

O Orador: - ... para que fosse possível um debate, seguramente esclarecedor, entre a bancada do PSD e o jornal Público acerca da política e da estratégia do Partido Socialista.
O que quero dizer ao Sr. Deputado Pacheco Pereira é que a estratégia do Partido Socialista é uma estratégia de oposição firme, serena, mas muito clara. E mais: é uma estratégia de oposição que não tem complexos, porque o PS denuncia, com firmeza, os erros da política económica do Governo, que estão a causar as maiores dificuldades a todas as empresas, excepto aos novos empresários, pois esses são os que melhor se defendem, esses são os que não pagam a ninguém, esses são os que deixam os salários em atraso, esses são os que fazem concorrência indevida aos outros empresários.

Aplausos do PS.

Repito: trata-se de uma política que está a causar as maiores dificuldades a todas as empresas, e não aos novos empresários, mas é necessário dizer, com clareza, que, ao mesmo tempo que denunciamos esta política, estamos aqui disponíveis para, com o Governo, encontrar boas soluções para o funcionamento da Assembleia da República e para permitir a ratificação tio Tratado de Maastricht, que permitirá duplicar os fundos comunitários, e talvez, assim, nos aproximemos mais depressa da Europa, porque, com os que temos, só conseguimos o ritmo dos governos do Partido Socialista. .

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de prosseguirmos, fazia um apelo para que todos os intervenientes se cingissem aos três minutos regimentais.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, antes de começar a expor as questões, quero dizer a V. Ex., que o Governo «não atira bolas para canto», o Partido Socialista é que mete golos na sua própria baliza, como agora vamos ver.
A sua intervenção suscita-me um comentário à atitude que tomou durante o seu discurso, um comentário às suas afirmações e uma pergunta final.
No que se refere à atitude que tomou durante o seu discurso, quero dizer-lhe que, francamente, não gostei...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Ainda bem!

O Orador: - ... que V. Ex." tivesse exibido um ar feliz cada vez que disse que o País está pior. Podemos estar em desacordo sobre esta matéria, mas penso que referir com um ar feliz, aqui no Plenário, que o País está pior, não fica bem ao líder do maior partido da oposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos ataques que fez à política do Governo, quero dizer-lhe que julgava que, na semana passada, VV. Ex.- tivessem absorvido o modelo de política económica do Governo. Houve até um semanário que expressou, com uma certa graça, que o Governo trouxe aqui a «artilharia pesada» - aliás, como hoje, que está aqui representado ao mais alto nível, pois está aqui o Chefe do Governo -, mas que VV. Ex.- deram apenas uns tiritos, prometendo, afinal de contas, que hoje haveria artilharia pesada.
Escutei com muita atenção o seu discurso e penso que nem tiritos deram. Mas, se deram, foram de pólvora seca! E porquê de pólvora seca? Porque V. Ex.ª vem aqui com uma série de ataques exacerbados, revelando algum saudosismo do estatismo do passado, referindo-se, por exemplo, ao desemprego quando o nosso é o mais baixo da Europa e falando, por exemplo, da falta de confiança dos empresários na política económica do Governo.
Mas eu tenho aqui, por exemplo, o último inquérito do CISEP, que é o Centro de Investigação sobre a Economia Portuguesa, que é dirigido pelo professor Brandão Trigo que V. Ex., conhece muitíssimo bem, ...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Que é insuspeito!

O Orador: - É insuspeitíssimo, pelo menos para o Partido Socialista!
E no relatório desse inquérito, a dada altura, diz-se, naus expectativas para o 4.º trimestre sobre a política económica do Governo, que 71 % dos empresários consideram que a capacidade para resolver o problema do País mantém-se idêntico ao que está, 15 % consideram que ainda melhorará e apenas 14 %b consideram que pode piorar. 15to vem, a par de outros elementos, do CISEP e por isso não vai pôr em dúvida a origem desta informação.
Posso dar-lhe fotocópias, no entanto suponho que já deve ter este estudo.
Sobre o crescimento da economia portuguesa, apenas quero corrigir um aspecto que referiu e que não está correcto. É que a economia portuguesa, desde que o Governo é social-democrata, tem crescido a um nível superior a 2 % relativamente à média comunitária. Só quando a economia internacional e a economia europeia entrou em recessão é que esse gap diminuiu para cerca de 1 %, o que, apesar de tudo, é extraordinário, porque quanto menor for a média do crescimento económico internacional tanto mais valor tem esse gap.
Portanto, não podemos estar a fazer comparações com o passado, ou melhor, se as fizermos, são abonatórias para a actual política económica do Governo.
Sobre a habitação, quero referir aqui o seguinte: V. Ex., sabe quanto é que a Câmara Municipal de Lisboa gastou com aquela exposição da habitação que se realizou no Terreiro do Paço, com aquele mamarracho que lá puseram? Pois, foi uma quantia equivalente à construção de 200 fogos, ...

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A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Quanto é que o Governo gastou na campanha das propinas?!

O Orador: - ... ou seja, houve 200 famílias que deixaram de ter os fogos a que teriam direito devido à política municipal da sua Câmara.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Sr. Deputado, como é natural e ficámos a ver, o Partido Socialista não tem qualquer política económica, não tem alternativas melhores em relação às do Governo, nem mesmo em matéria de política cambial. V. Ex.ª, falou aqui da desvalorização, mas o porta-voz do seu partido, que está a( ao seu lado, disse, numa entrevista ao Semanário Económico, há pouco tempo, que o PS não defende que a política cambial deva ser uma política de desvalorização real do escudo, que funcione como balões de oxigénio em empresas que não têm condições de concorrência. Portanto, veja-se bem qual é a coerência!
A pergunta que lhe faço é a seguinte: Sr. Deputado e ilustre líder do PS, quem é que tem razão? É o Deputado socialista economista Dr. Vítor Constâncio, que todas nós muito estimamos e respeitamos, quando, numa entrevista designada «Esperava mais de Guterres», disse «Vítor Constâncio é contra a redução da despesa do Estado» ou é o Sr. Deputado, porta-voz do Partido Socialista, que disse, numa entrevista ao Semanário Económico, «PS: necessário reduzir as despesas».

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - 15so é um título! Nada tem a ver com o conteúdo da entrevista!

O Orador: - Quem é que tem razão, Sr. Deputado?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Guterres, V. Ex? pretende responder já ou no final? É óbvio que o Sr. Deputado tem cerca de cinco minutos para responder. É o princípio da igualdade. Só que, se vamos por sete caminho, nem de madrugada temos o debate encerrado.

O Sr. António Guterres (PS): - Pretendo responder já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para esse efeito, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, julgo que é vital dar vivacidade ao debate parlamentar e penso que a sua vivacidade decorre do facto de se responder imediatamente a cada pedido de esclarecimento e não desta forma ritualizada de responder no fim, porque essa a melhor maneira de leão responder a ninguém. Por isso, embora custando mais tempo ao meu grupo parlamentar, prefiro seguir este método.
Sr. Deputado Rui Carp, terrível exemplo o seu. É que não afirmei que estava feliz com as dificuldades económicas do País, nem mostrei tal felicidade. Até referi que isso não seria consolação para o PS.
Quem está feliz com as dificuldades económicas do País é o seu grupo parlamentar, porque só interrompeu o Sr. Ministro da Indústria e Energia duas vezes, e em ambas para aplaudir o fecho das empresa.

Espero que nenhum dos Srs. Deputados que bateu palmas ao fecho cias empresas venha alguma vez a ficar desempregado com o encerramento de uma unidade empresarial.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Depois diz que o Governo, este ano, faz com que o crescimento seja apenas menos um ponto acima da média europeia, mas que, nos outros anos, quando a conjuntura era boa, estava nos dois pontos acima. Ora bem, tive a honestidade intelectual de incluir o período de 1976 a 1985, mas, como já previa essa sua resposta, também mandei fazer as contas para o período de 1976 a 1982. Sabe quanto é que dá? O resultado é 2 %, precisamente porque não houve o impacte negativo das medidas que tiveram de ser tomadas durante o Governo do bloco central, para salvar o País da banca rota, como o Sr. Deputado sabe muito betu.
Ou seja: nem em conjuntura alta, nem em conjuntura baixa - e de 1976 a 1982 também estão governos do PSD, com certeza,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Do PSD?! ...

O Orador: - Mas no bloco central também está, e isso os senhores constantemente omitem!
A diferença é esta: nós falamos das coisas com honestidade intelectual e os senhores fazem, sobretudo, propaganda política, mesmo esquecendo que, na sua bancada e ao seu lado, está um membro do Governo do bloco central.

Aplausos do PS.

Disse-nos que 71 % dos empresários pensam que o Governo não vai ser nem melhor nem pior, que 15 % pensam que vai melhorar e que 14 % pensam que vai piorar. Ora isso quer dizer que fica tudo na mesma. O que lamentamos é que o Governo não seja capaz de melhorar, porque os problemas do País exigiam uma acção do Governo bem mais eficaz.
E, depois, o Sr. Deputado vem-nos com o desperdício de uma exposição sobre a habitação em que, aliás, a Clamara de Oeiras - não sei se sabe que o presidente da Câmara de Oeiras é um membro do seu partido- tinha um pavilhão. Seria, seguramente, para evitar também a política de habitação social em Oeiras!

Risos do PS.

Sabe quantas habitações sociais se fariam sem aquele projecto - esse, sim, megalómano e aparentemente inútil - do Centro Cultural de Belém? Quem tem esse pecado na consciência não pode dar exemplos como o que deu!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, nunca o Governo definiu como objectivo único a convergência macroeconómica. Foi sempre dito que se queria uma política global, alicerçada

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nos tais três pilares: por um lado, o Orçamento do Estado; por outro, a concertação social, e, por outro, as políticas de reestruturação e financeiras.
Sempre se procurou ligar o êxito das políticas macro-económicas ao bem-estar social, ao progresso social, e o Governo sempre procurou atingir as convergências nominal e real. É falso, portanto, que nas empresas não se pense na economia real como o corpo social de trabalhadores e empresários. Defender a economia real não é só talar em taxas de câmbio e de mercado. Não se detende a economia real nas empresas talando exclusivamente nisto Há que falar de investimento e de reestruturações.
Concretamente, Sr. Deputado António Guterres, falar em economia real é falar em investimentos, como o projecto Ford/Volkswagen e, nomeadamente, no efeito multiplicador que ele está a ter no nosso país. O Sr. Deputado sabe que há cerca de 47 empresas (algumas novas e outras já existentes) que estão neste momento qualificadas como fornecedoras do projecto Volkswagen? O Sr. Deputado sabe que, no projecto de apoio às indústrias novas do Vale do Ave, que são indústrias diferentes das tradicionais, já há 28 projectos no valor de 14,6 milhões de contos de investimento!
Falar de economia real é também falar dos programas de reestruturação em curso, na liberalização do movimentos de capitais, nos Fundos de Reestruturação e Internacionalização Empresarial (FRIE), nos fundos de capital de risco Tudo isto é que é economia real, Sr. Deputado!
Na verdade, a política de estabilidade cambial que o Governo tem vindo a seguir é correcta. Se tivéssemos ido atrás de desvalorizações apressadas, das flutuações ao sabor dos mercados, onde é que estaríamos neste momento? Estaríamos agora a permitir a especulação, mesmo sendo o mercado do euroescudo um mercado estreito, como V. Ex.ª bem sabe.
O Sr. Deputado demonstrou, no seu discurso, que prefere a desordem cambial, que pretere deixar a nossa economia à mercê dos especuladores, que prefere que o nosso país caia numa situação de crise declarada, como aquela que existe neste momento no Reino Unido, na Itália e em Espanha Se, efectivamente, quer isso, então digo-lhe que vai num mau caminho e que só podemos dar graças a Deus pelo facto de estar cada vez mais afastado do poder.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, uma resposta brevíssima ao meu quando amigo Guido Rodrigues cujas boas intenções mereciam, aliás, que estivesse no Governo, em vez daqueles que seguem uma política contrária às suas intenções
Sr Deputado, hoje, eu não quis talar de políticas estruturais e já o disse aqui expressamente. Tenho feito aqui várias intervenções sobre isso e algumas das coisas que o Governo procura hoje dizer sobre a necessidade das políticas estruturais já foram ditas há muito tempo pelo Partido Socialista.

Risos do PSD.

A primeira coisa que ouvimos dizer ao Governo foi a de que não era preciso uma política industrial, pois o mercado resolvia por si só todos os problemas.

Vozes do PS: -É verdade!

O Orador: - Nós sempre defendemos as políticas estruturais, Sr. Deputado, V. Ex.ª falou de instrumentos e não da economia real. Quanto aos instrumentos, vamos ver o eleito que terão. Aquilo que afirmamos é que eles são muito limitados e, na maior parte dos casos, muito caros para as necessidades da economia
Falou do projecto Ford/Volkswagen. Sr. Deputado, nós não fizemos sequer a demagogia, que outras forças políticas e sociais fizeram, de acusar o Governo de gastar 100 milhões de contos para subsidiar esse projecto, em vez de gastar a mesma verba na indústria nacional. Não o fizemos, porque reconhecemos a importância que o projecto pode ter para o futuro da nossa economia. Agora, Sr. Deputado, não esqueça do custo enorme que ele tem para o erário público e para todos nós. Por isso não lance esse projecto como argumento contra aquilo que eu disse, porque não tem nenhuma razão.
Desordem cambial? Pelo contrário! O que dizemos é que, para evitar uma desordem cambial, sobretudo se houver a irresponsabilidade de liberalizar, no fim do ano, os movimentos de capitais monetários, as autoridades monetárias portuguesas deviam ter aproveitado o último realinhamento para aí incluir o escudo e para, de uma forma segura, salvar os interesses da economia portuguesa. O problema que está em causa não é o da desvalorização mas, sim, do excesso de revalorização, continuada durante três anos, que coloca enormes dificuldades à nossa economia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não queremos, pois, nenhuma desordem cambial. Queremos é evitar que aconteça a este Governo o mesmo que sucedeu ao governo inglês, que recusou a possibilidade de um realinhamento e que depois teve de baquear face à pressão dos especuladores, que, em relação à libra, tinham instrumentos que ainda não têm relativamente ao escudo, mas que vão passar a ter no fim do ano.
Como VV. Ex.ªs gostam muito de fazer citações - e por acaso a sua até tinha uma gralha, porque essas duas entrevistas dizem precisamente o mesmo, só que a gralha não lhe permitiu compreender (enfim, é um pormenor) -

Risos do PS.

... vou ler declarações de um alto funcionário do Banco de Portugal (do Danai de Portugal, autoridade monetária) ao Finantial Times: «Penso que, quando estabilizarem os mercados cambiais, veremos uma dramática desvalorização do escudo. Não é sustentável e será inevitavelmente reflectida na deterioração das contas externas o actual valor do escudo.» Quem diz isto ao Finantial Times é o Dr. Miguel Namorado Rosa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.

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161 30 DE OUTUBRO DE 1992

O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, depois de ouvir a sua intervenção fiquei com a noção de que se o secretário-geral do Partido Socialista fosse primeiro-ministro ou ministro das Finanças tinha uma solução milagrosa para superar os défices de desenvolvimento económico do nosso país.
V. Ex., apresentou, hoje, uma nova solução, que passa por desenvolver o nosso país fazendo três telefonemas: ao governador do Banco de Portugal, dizendo «desça o escudo»; a meia dúzia de presidentes de bancos ou só à Associação Portuguesa de Bancos, pedindo «baixem as taxas de intermediação»; e ao Deustch Bank, dizendo «alinhem aí um realinhamento monetário para resolver os problemas de Portugal».
Sr. Deputado António Guterres, nós não vamos nessa conversa, nós não acreditamos que as manipulações macro-económicas possam resolver os problemas da economia Queremos, sim, um crescimento sustentado da economia, feito a partir das empresas e não de qualquer manipulação macroeconómica.
O Partido Socialista tem-nos habituado, em várias matérias e não só na económica, a estar ao lado de tudo o que é desgraça. Onde houver uma crise, uma contestação, uma revolta está o Partido Socialista e solidário com toda a gente, mesmo que as reivindicações sejam incompatíveis entre si.
Relativamente a esta matéria, o Partido Socialista coloca-se ao lado de todos os focos de problemas que existem na economia. Só não consegue colocar-se ao lado dos factores mais dinâmicos da economia portuguesa. No seu discurso, não ouvi uma palavra sobre os empresários de sucesso que estão no nosso país, a alimentar o nosso desenvolvimento. Falou da crise no Douro e de não sei onde, mas não disse uma única palavra de reconhecimento pela importância dos empresários de sucesso, das empresas e dos homens dinâmicos deste pais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Parece que o Partido Socialista só não está ao lado desses (aliás, creio que nunca esteve).
O Partido Socialista prefere ser o administrador da massa falida da economia portuguesa.

Protestos do PS.

Sr. Deputado, nós aceitamos e assumimos que o desenvolvimento da economia portuguesa não pode ser feito como um parto sem dor, porque não só não se resolve em nove messes como implica alguma dor. Algumas empresas vão ter de fechar para beneficiar justamente aquelas que têm condições de competir, de afirmar a sua modernização.
Sr. Deputado, uma palavra final pira a questão dos ciclos eleitorais. Perdoe-me - e digo-o respeitosamente -, mas o secretário-geral do Partido Socialista não pode dizer coisas excessivamente infundamentadas e passíveis de ser imediatamente contrariadas pelos números.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: - A UGT, Sr. Deputado, vem reconhecer que, no ano de 1992, há, em Portugal, um acréscimo de 4 % nos salários reais, e a` eleições foram em 1991. Como é que V. Ex.ª, pode afirmar que o Governo governa «à boleia» dos ciclos eleitorais? Sr. Deputado, as eleições passam, as aumentos dos salários reais ficam!

Aplausos chi PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Castro Almeida, umas vezes sou a favor do Sindicato dos Empresários e outras vezes estou contra os empresários. Antes de virem para aqui falar, é melhor combinarem melhor as vossas interpelações!
Quanto aos telefonemas, creio que V. Ex.ª deveria fazer alguns aos bons empresários de calçado e de outros sectores do seu distrito. Ouça o que eles têm a dizer sobre a política macro-económica deste Governo! ...
É claro que têm de fechar algumas empresas. Se calhar, algumas daquelas que deveriam fechar não fecham porque, como são da clientela do PSD, há sempre alguém que lhes deita a mão...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas é evidente que há empresas que devem fechar. O que importa é que, num quadro económico normal, fechem as empresas que não têm condições de sobrevivência e que não se obriguem a fechar as empresas que têm condições de sobrevivência. É esse quadro económico normal que, neste momento, não existe!

O 'Sr. Castro Almeida (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Não, Sr. Deputado.
Quanto à questão dos salários reais, V. Ex., não ouviu aquilo que eu disse há pouco. Se tivesse ouvido, notaria que refeci que se mantém ainda uma certa euforia consumista, já sem sustentação, contra a vontade do Governo.
É que em política económica as coisas têm a dinâmica que têm e as dinâmicas, Sr. Deputado, não se invertem muito rapidamente. É óbvio que a intenção do Governo, desde 1991, era a de reduzir o crescimento dos salários reais, só que, pela lógica que estava lançada na economia portuguesa e por ela se encontrar ainda muito perto do pleno emprego, não teve capacidade para o conseguir. Não foi, pois, por causa das intenções do Governo, pois este queria restringir o consumo e aumentar o investimento. Só que o que aconteceu foi que o consumo aumentou mais do que aquilo que estava previsto e o investimento menos do que aquilo que estava previsto.
Repito, isso não se deve às políticas do Governo mas, sim, à incapacidade que teve de aplicar os seus próprios fins.
15so, Sr. Deputado, tem de ser compreendido por vós!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, confesso que, quando cheguei esta tarde à Assembleia da República e vi o Governo na sua máxima força, presidido pelo Sr. Primeiro-Ministro, e V. Ex., com todo o seu estado-maior, no con

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texto do que tem acontecido ultimamente, perpassou-me pelo espírito

O Sr. Rui Carp (PSD):- Um fantasma!

O Orador: - ... uma visão fantasmagórica do bloco central, com uma ligeira alteração: presidindo, beatificamente, o Professor Cavaco Silva e V. Ex.` acolitando-o, com a agitação brilhante que o caracteriza.

Risos gerais.

Devo dizer que o discurso que o Sr. Deputado fez adensou este fantasma, pelo que fiquei um pouco atrapalhado, devo dizê-lo. E porquê? Porque V. Ex., fez apenas uma crítica correctiva, bem expressa ou traduzida numa expressão que utilizou: «nem 8 nem 80» (é como está agora o PS: nem 8 nem 80)! 15to é, disse que estamos longe do orçamento alternativo de há dois anos..., já não há orçamento alternativo, já foi mesmo prometido, porque este agora é feito de tira para dentro Mas está bem, já não há orçamento alternativo E, depois, como grandes medidas para o problema grave da política cambial, V. Ex.ª deu o remédio: apoiar ou suscitar um realinhamento e entrar.
Para um problema que também pode ser grave, que é fundamental e que está ligado à política cambial da liberdade de movimento de capitais, V. Ex.ª diz que há pequenas correcções a introduzir pelo Banco de Portugal. E quanto ao mais, fez uma homenagem a esse mito do PS, a «Lei Arnault», e nada mais.
É pouco, Sr. Deputado António Guterres! Já não há alternância, já não há alternativa, há apenas pequenas correcções.
Pergunto-lhe: perante a gravidade do mal da política cambial, admitiria ou não V. Ex.ª que, se a despeito do apoio e do esforço em suscitar o relançamento ele não se desse, nós, tal como outros, suspendêssemos a presença no mecanismo das taxas de câmbio do sistema monetário europeu? Perante a liberalização do movimento de capitais, devemos utilizar as prerrogativas que temos para adiá-la até 1995 ou queremos apenas corrigir os males que V. Ex.ª, apontou e que, naturalmente, nem sequer necessitam de qualquer limitação, pois para isso bastará o poder de regulamentação do Banco de Portugal em relação à utilização de descobertos por não residentes (basta isso, não vale a pena mexer no princípio)? Será só isto, Sr. Deputado?
É a isto que se reduz a crítica de V. Ex.ª? Para isso, devo dizer-lhe que não valia a pena desvalorizar o debate do Orçamento como, apesar de tudo, esta vossa interpelação, habilmente utilizada pelo PSD e pelo Governo, acabou por fazer.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, percebo a dificuldade que o Sr. Deputado Nogueira de Brito tem de se inserir num partido que, agora, é de «bota-abaixo»!

Risos do PS.

0 Orador: - É que um partido de «bota-abaixo» tem sempre uma enorme dificuldade em perceber o que é o inevitável gradualismo das políticas económicas.

Vozes do PS: - Muito beto!

0 Orador: - É evidente que vejo agora o CDS como um partido de lógica revolucionária - mas não é possível fazer revoluções em políticas económicas na Europa comunitária, porque isso daria um péssimo resultado. Contudo, é possível e é necessário corrigir políticas e alterar a inflexão dessas políticas, bem como a hierarquia dos objectivos - e foi isso o que nós fizemos. E fizemo-lo com clareza e de uma turma bem distintiva em relação às políticas macro-económicas de curto prazo. Dissemos e mantemos que a actual paridade do escudo é uma paridade irresponsável para a economia portuguesa, mas, sinceramente, é preferível corrigi-la por realinhamento do que corrigi-la saindo do sistema monetário europeu. E devem ser «queimados todos os cartuxos» para a corrigir por realinhamento, com a solidariedade dos outros parceiros europeus! Percebo que um partido de «bota-abaixo» queira dar cabo do sistema monetário europeu, mas esse não é o melhor caminho.
Da mesma forma, a liberalização dos movimentos de capitais é positiva, em geral! Mas tem um risco, com os capitais monetários, com a existência de moedas, a curto prazo, que querem competir com o escudo. É essa que queremos evitar, e foi essa que o Governo anunciou. Esta é uma diferença fundamental que não foi por si convenientemente sublinhada, tal como não sublinhou as questões das políticas sociais e do Orçamento, assim como a necessidade (que VV. Ex.- não reconhecem) das políticas estruturais.
Hoje, aqui, não disse-mas deixei indiciado quando disse que o modelo de desenvolvimento estava esgotado - que é necessário criar novas vantagens comparativas, o que exige uma concertação estratégica com os agentes económicos que nunca houve em Portugal; que é necessário um modelo de desenvolvimento sustentável e não apenas sustentado; que é preciso travara desertificação do interior e esta concentração excessiva em torno de Lisboa e do Porto, porque tudo isso envolve toda uma outra lógica, toda uma outra estratégia de desenvolvimento, mas que ficará para um outro debate.
Quanto a desvalorizar o debate do Orçamento, de maneira nenhuma! O que nós não podíamos permitir é que esse debate não fosse inserido no aprofundamento da discussão sobre a situação da economia portuguesa, porque este Orçamento não tem o mesmo significado em função de um diagnóstico diferente que façamos sobre o estado da economia portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com o nosso diagnóstico, este Orçamento, hoje, é excessivamente restritivo; ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... com o vosso diagnóstico, porventura, este Orçamento, hoje, ainda é demasiado «mãos largas». 15so veremos quando virmos as vossas propostas para reduzir as despesas na educação, na saúde, na habitação social e na segurança social.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

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30 DE OUTUBRO DE 1992 163

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado António Guterres, começaria por lhe dizer que convirjo, no essencial, da análise sócio-económica que V. Ex.º tez sobre a situação real da economia portuguesa e, bem assim, na crítica que faz sobre as políticas que o Governo tem vindo a seguir, designadamente na utilização elas políticas
monetárias e da política cambial. Julgo que, neste momento, não valerá a pena avançar mais em relação à gravidade efectiva da chamada economia real, porque é um facto e alio é apenas num ou noutro subsector da indústria, não é apenas na agricultura, não é apenas nas pescas mas está cada vez mais generalizado na própria indústria e nos próprios serviços. Ao fim e ao capo, os serviços que, agora, estão a aguentar-se - por enquanto, como V. Ex.ª referiu são os serviços financeiros, a banca. Aqui, manifesto uma leve divergência porque julgo que não é propriamente um governo dos bancos mas, sim, um governo dos banqueiros, porque só começou a fazer essa política pró-banca quando começou a privatizar a banca nacionalizada.
Por outro lado, ainda em relação ás políticas monetárias, a nossa principal preocupações - e julgo que será essa também a de V. Ex.ª e a do PS - não é a eventual vulnerabilidade do escudo; a nossa principal preocupação deverá ser a realidade da vulnerabilidade profunda da economia portuguesa.
Estamos ainda de acordo em relação à análise que faz sobre a profundidade das injustiças e iniquidades. Assim, Sr. Deputado António Guterres, no sentido de tentar minimizar estas injustiças e iniquidades, agora, em sede do Orçamento, gostaria de lhe perguntar se haverá disponibilidade do PS para, pelo menos Duas medidas: por um lado, reluzir substancialmente os benefícios fiscais à actividade financeira especulativa, e, por outro lado (tal como temos proposto e até agora ainda não tini aprovado, mas alio desistimos!), que se obrigue, em sede do IRS, à globalização dos rendimentos - até porque agora está muito na «berra» a questão da apresentação das declarações de IRS, mas é evidente que, enquanto não for obrigatória a globalização dos rendimentos, isso não passa de um fogacho! É um tiro de pólvora seca!
Há um aspecto que V. Ex.ª não referiu na sua intervenção mas sobre o qual gostaria de ter a sua opinião e do PS, e que se refere a todo o processo relativo às privatizações, que tem muito a ver com a situação da economia no momento presente. É o problema do processo que tem vindo a ser seguido nas privatizações, das negociatas - que são efectivas, que são públicas! É o emblema do enfraquecimento da capacidade & economia portuguesa para resistir aos embates externos. É o problema das indemnizações que, aliás, está na ordem do dia em termos do Orçamento, onde está previsto o aumento das indemnizações para 270 milhões de contos. 15to para não falar do caso concreto da Petrogal, que também está no Orçamento: uma parte do actual ISP (imposto sobre os produtos petrolíferos) vai passar para a Petrogal, depois de esta ter sido privatizada. Gostaria de ouvir a sua opinião sobre esta perspectiva.
Finalmente, Sr. Deputado António Guterres, estou de acordo, no essencial, com as críticas que fez à política que está a ser seguida pelo Governo e estou de acordo com a questão do ciclo eleitoral, do ciclo político - aliás, já analisámos isso na discussão do Orçamento do Estado para 1992. O problema que coloco é este: como V. Ex.ª referiu, o Governo está a fazer, neste momento, por antecipação (e vou citar a expressão que utilizou), aquilo a que
Maastricht nos obriga, mas o problema é o da política em termos estruturais porque, depois de Maastricht, iremos ter esta política - a política monetarista - porque é ela que é imposta peio Tratado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E aqui é que não vejo possibilidade de compatibilização das críticas que V. Ex.ª faz, em termos estruturais e em termos de fundo, a essa política com a defesa que eu diria acérrima, a critica ou (utilizando uma expressão sua) fundamentalista do Tratado de Maastricht e do conteúdo do Tratado da União Europeia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, essa questão dos banqueiro, dou de barato, não tenho grande dificuldade. Acho positivo que estejamos de acordo em relação ao diagnóstico feito.
Em relação aos benefícios fiscais, a nossa posição é a de que, em matéria de despesas de investimento, gostaríamos de ver uma maior ponderação a favor da habitação social e dos apoias à modernização dos sectores produtivos. Por isso, não estaremos de maneira nenhuma interessados em facilitar movimentos especulativos e em conceder benefícios fiscais para esse efeito. Lembro-lhe, no entanto, que a situação actual do passo mercado de capitais não é a situação de 1987 em que, aí sim, se teria justificado um muito maior aperto de natureza fiscal - fizeram-se fortunas de milhões de contos sem pagar um tostão de impostos ao Estalo, por determinação deste Governo ou do seu antecessor, a actual é uma situação de completa paralisia do mercado, pelo que, em relação a isso, devemos ter também algum cuidados.
Sobre a globalização do IRS, conhece-se o projecto de lei que entregámos aqui há dois anos, que visa, e mantemo-lo - essa é uma das nossas propostas permanentemente em cima da mesa - poderem ser tratados de forma unificada todos os rendimentos e não apenas os rendimentos do trabalho. É evidente que há um dos rendimentos que tem de ser modulado em função de vários critérios, que é o das mais-valias, mas, mesmo esse, tem de ser incorporado, embora de uma forma modulada, como disse.
Quarto às privatizaçt5es, distingo dois períodos, e devo dizer que o PS não considera as privatizações como um real ou como um bem mas, sim, como um instrumento político e penso que o PCP, mais cedo ou mais tarde, também chegará a esta visão das coisas. Numa primeira fase (e está aqui o Ministro que, na altura, como Secretário de Estado das Finanças, a conduziu), houve preocupações de transparência no processo de privatizaçi5es que mereceram o nosso apoio; numa segunda fase, o processo de privatizações degenerou numa lógica pouco clara em relação à qual, várias vezes, nós interpelámos este Governo e estamos particularmente à-vontade para continuar a denunciá-lo. De facto, há dois períodos diferentes e, sobretudo na segunda lógica, há, ao abrigo de atirurações nacionalistas sem fundamento, uma transferência efectiva

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de activos fundamentais para mãos estrangeiras, nem sequer por via de concurso mas, sim, de negócio encapotado, o que é, do nosso ponto de vista, condenável.
Quanto a Maastricht, eu sempre disse publicamente que há uma disposição no Tratado de Maastricht (entre outras) com a qual não estou de acordo - aliás, dissemo-lo antes de o Tratado ser assinado e recomendámos ao Governo Português que procurasse evitar essa inserção: trata-se da limitação fixa de 3 % no défice do sector público administrativo para todos os países da Comunidade. E por que é que não estou de acordei? Não estou de acordo politicamente porque, em certas situações, pode ser necessário ir mais além e não estou de acordo tecnicamente porque não faz sentido tratar igualmente todos os países, com tradições diferentes e com capacidades diferentes de poupança das respectivas famílias. Não faz sentido e, mais, eu desejaria que, no processo que está em curso e no novo passo que virá a ser dado a partir de 1996, isso possa ser renegociado.
Contudo, Maastricht não é apenas isso. Maastricht é isso mais coesão económica e social. O que quer dizer que é isso mais o conjunto de condições que tomam isso possível - e tornam isso possível sem custos acrescidos para a economia portuguesa. Assim, Maastricht é globalmente positivo para a economia portuguesa e, por isso, Maastricht nos permite uma inserção no sistema monetário europeu com muito menores dificuldades, desde que seja bem conduzida a política económica interna para os nossos sectores produtivos, do que a nossa introdução no sistema monetário europeu sem o conjunto das disposições que Maastricht traz consigo. Respondo-lhe com toda a honestidade intelectual que esse ponto particular, relativo ao défice, é um ponto no qual eu próprio espero que venha a ser possível introduzir correcções no processo negocial que há-de seguir-se em 1996 e 1997.

Vozes do PS: - Muito bem!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputadas socialistas, há pouco reparei na vossa reacção de incomodidade quando pedi a palavra, mas chamo-vos modestamente a atenção para o facto de outros, aliás, pertencendo ao vosso campo político, quando tomam a palavra, vos incomodarem muito mais. Por isso, que sou eu, relativamente aos incómodos dessas tomadas de palavra? Mas posso explicar-me melhor, bata-me fazer um pedido de esclarecimento.
Sr. Deputado António Guterres, desejava, com tala a franqueza, colocar-lhe algumas perguntas que, tal como eu, cidadão comum, devem estar na mente dos cidadãos portugueses e desejaria que me respondesse com clareza e frontalidade.
Repare, Sr. Deputado: ao ouvi-lo, fiquei com a sensação de que a política que V. Ex., preconiza para o nosso país é uma espécie de simbiose entre o PREC (Processo Revolucionário em Curso) e o «pântano» central - não é bloco central, é pior, é «pântano» central! Por isso, eu gostaria que, nas suas respostas, V. Ex.ª fosse acutilante para que, não apenas eu, mas os portugueses, que neste momento estão ansiosos por captar a sua proposta política, o pudessem ouvir.

É claro que não posso deixar de dizer que fico preocupado quando oiço V. Ex., dizer que coincide com o diagnóstico do PCP ou que o diagnóstico do PCP coincide com o vosso. E por uma razão muito simples: como sabe, o PCP, desde há 50 anos, que se engana no diagnóstico. Poderemos estar perante uma excepção, ma nem por isso há-de deixar de considerar natural a minha preocupação.
Vou, por isso, pedir-lhe que responda com clareza: se o PS fosse governo, já teria desvalorizado o escudo? Sim ou não? Presumo que a sua resposta ao País será: eu, Guterres, se fosse Primeiro-Ministro, já teria desvalorizado o escudo.
Mais, penso que V. Ex.a, como Primeiro-Ministro, deveria dizer o seguinte ao País: já desvalorizei, e em quanto. Espero, Sr. Deputado, que não fuja às questões que estou a colocar-lhe porque os portugueses, neste momento, interrogam-se, o que é um gesto de homenagem ao líder de um partido que merece teclo o respeito, não apenas a nós, mas aos portugueses; evidentemente, não lhe merece um cheque em branco nem há-de estar h espera disso. Se quiser corresponder a essa expectativa, que é um gesto de respeito relativamente ao PS, tem de responder.
Em segundo lugar, V. Ex.ª se fosse Primeiro-Ministro, aumentaria claramente o imposto sobre o património? E a partir de que escalão? V. Ex." disse que é preciso que os ricos paguem mais, mas tem de dizer ao País onde começam esses ricos, mesmo sob pena de se demitir da condição de Primeiro-Ministro, a que se candidata.
O Sr. Deputado disse que concordava com uma política de salários moderados. Parece-nos excessiva a sua posição relativamente a este ponto. O Sr. Deputado deve dizer ao País o que significa salários moderados para o Primeiro-Ministro, que o senhor pretende ser.
O Sr. Deputado António Guterres classificou a situação económica portuguesa como a crise mais grave desde 1983 e, no entanto, na fundamentação dessa caracterização, invocou um ligeiro acréscimo do desemprego, algum abrandamento no crescimento do sector industrial, etc.
Sr. Deputado, classificar deste modo a actual situação, sobretudo nos termos de passado imediato, que é de energia e de dinamismo da economia, o português comum, como eu, considerará a sua afirmação como o melhor e o mais insuspeito elogio prestado ao Governo. Assim, pretendia que o Sr. Deputado explicasse como transforma esse elogio objectivo numa acusação grave.
Finalmente, Sr. Deputado António Guterres, quanto a pecados, tenho a impressão de que V. Ex.ª, por razões várias, está transformado no mais impenitente dos pecadores. Repare, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, queira terminar, por favor.

O Orador: - Termino de imediato, Sr. Presidente, mas, em nome da vivacidade do debate, nesse ponto coincidente com a oposição, permita-me a bondade de meio minuto.
O Sr. Deputado disse que não queria ver aqui o Primeiro-Ministro de Portugal de joelhos, porque a derrota do Governo Português é a derrota de Portugal. Sem dúvidas Mas o Sr. Deputado amparou o Primeiro-Ministro português e a sua política com o que se passa em Inglaterra?! O Sr. Deputado julga-se em Inglaterra e está em Portugal! De quem é a maior cegueira, nossa ou vossa? De quem são os pecados capitais?

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Vozes do PS: - Fraquinho!

O Orador: - Permita-me a mcxléstia da minha suposiç-ão, mas penso que, ao ponto a que o Sr. Deputado chegou, mesmo indo de joelhos a Belém, não conseguirá a remissão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, vou falar a sério consigo.

Risos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Acho muito bem!

O Orador: - Talvez, manifestimente, não false a lógica esperada, mas vou falar a sério consigo.

O Sr. Silva Marques (PSD): -Desvalorização!

O Orador: - Sabe qual é a diferença entre a política que nós afirmamos e a que o Governo afirma?

O Sr. Silva Marques (PSD): -Desvalorização!

O Orador: -Já lá vamos. É a seguir.
Primeiro, foi o comentário sobre o «pântano», lembra-se? Vou falar a sério e responder a tufo.
Olhe, é a diferença entre uma política coerentemente social-democrata, que é a nossa - ...

Risos do PSD.

... repito, que é a nossa, e digo isto sem qualquer complexo -, no quadro europeu de hoje e o «Pântano» entre o populismo e o liberalismo envergonhado do seu Governo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - I: essa a diferença.

Aplausos do PS.

O segundo ponto tem a ver com o imposto sobre o património. Neste momento, nós não defendemos a introdução do imposto sobre o património em Portugal, e, como sabe, esse imposto não existe.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Então, como é que os ricos vão pagar?!

O Orador: - Ainda não acabei, Sr. Deputado. Vai, vai pagar alguma coisa, esteja Jeuansado!

Risos do PS.

Apresentámos um projecto de reforma do imposto sucessório, que é um dos maiores escW Jatos em Portugal. Sr. Deputado, há patrimónios de milhes de contos sem pagarem um tostão de imposto sucessório, enquanto que uma casa, que um tio queira, porventura, transmitir a um sobrinho, é capaz de pagar de imposto, se estiver reavaliada, quase metade do seu valor.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, é preciso fazer uma alteração ao imposto suc,essório, que é um escândalo em Portugal, e foi pena os senhores terem votado contra o projecto de lei que apresentámos.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado - estou a falar a sério consigo -, um dos problemas mais difíceis que boje existe na Europa é a taxação dos capitais, e todos temos consciência disso. Uma das formas de, neste momento, mitigar a enorme injustiça fiscal, embora limitadamente, é tratar o IRS em termos de imposto englobante de todos os rendimentos e não apenas dos rendimentos do trabalho. E também apresentámos, relativamente a este ponto, uma proposta. Foi pena que o PSD tivesse votado contra, porque iria permitir reluzir essa enorme injustiça da sociedade portuguesa, que se traduz neste dado numérico: salvo erro, em 1990, fins da década
de 80, verificou-se, pelas declarações de IRS das familiar
portuguesas, que só 700 família.,; Declararam um rendimento ilíquido superior a 10000 contos/ano. Ora, isto é a prova da gigantesca iniquidade que o IRS hoje representa em Portugal...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e de que tudo aquilo que com base no IRS se faz, sejam as propinas, seja o que for, é igualmente iníquo na sociedade portuguesa.

Aplausos do PS.

O que é um crescimento moderado dos salários? Se não houver alteração nos termos de troca, o que faz com que o peso dos salários no rendimento nacional não se altere num ano é, se os salários desse ano subirem, a inflação mais a produtividade desse mesmo ano. É isso que, na ausência dos termos de troca, corresponde a uma lógica de moderação no crescimento dos salários. Talvez tenhamos alguma dificuldade em nos entendermos sobre as nossas previrdes de inflação e de produtividade.

O Sr. Silva Marques (PSD): -Quanto?!

O Orador: - Discutiremos isso no debate do Orçamento, porque, em primeiro lugar, temos de apurar os valores da inflação e da produtividade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Diz-me que não é verdade que a economia portuguesa esteja em crise. 6 Sr. Deputado, só não está em crise na voz do Governo, porque se falar com os industriais, com os agricultores, com quem anda na economia real, verá que todos reconhecem a sua existência. Por outro lado, o CISEP não diz que ela não existe, o que diz é que este Governo não serve nem para uma coisa nem para outra. 1.á vai andando! Tanto dá lá estar como não, não melhora nem piora!

Vozes do PSD: - Não, não!

O Orador: - Aí não se fala em crise!

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Ora bem, todos os empresários, os trabalhadores, que são os que, logo na segunda linha, cada vez mais sofrem os mesmos efeitos, a população em geral, começam a aperceber-se disto. $ uma crise de natureza diferente da crise de 1983, porque a de 1983 foi motivada por uma bancarrota devido às políticas irresponsáveis da Aliança Democrática, ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... que empurraram este país para um défice externo da ordem dos 13 % do PIB, o que é uma coisa verdadeiramente intolerável em qualquer país digno
desse nome.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E por causa disso, houve uma crise, gravíssima, financeira no País e a necessidade de se aplicarem medidas de austeridade. Esta crise é de natureza
diferente, induzida por política.; macro-económicas sobre o tecido produtivo, pelo que tem, por isso, remédios diferentes, mas é também uma crise e não quer ser esquecida.
Quanto à história dos pecadores, devo dizer que o grande mal deste Governo é ser um pecador que não se confessa.

Risos do PS.

15to é, perante a evidência dos seus pecados, ele chega aqui ao confessionário e diz «Eu matei, mas foi bem morto! Eu roubei, mas foi bem roubado!».

Risos do PS.

É esse o grave problema deste Governo. Devia ser um pecador que se confessasse. Talvez até merecesse perdão!
Como não se confessa tem o destino que já sabe!
Mas a grande questão tem a ver com o facto de o nosso Primeiro-Ministro ter tilo sempre uma enorme tendência para copiar as políticas que vêm de Inglaterra.
Começou por ter uma grande sedução intelectual pela Sr.ª Thatcher e, mais tarde - não vou agora usar a palavra sedução -, começa a verificar-se uma identidade
muito interessante entre o actual discurso do Governo e os discursos de John Major e de Norman Lamont, antes de terem baqueado perante os especuladores internacionais.
Diziam, mais ou menos, a mesma coisa!
Só espero que não aconteça a Portugal o mesmo que aconteceu à Inglaterra.

Aplausos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da consideração.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente,

Srs. Deputados socialistas, de facto, não haveria rio para Ricos do PS.
exercer o direito de defesa da consideração se o Sr. Deputado António Guterres não tivesse, por um momento de fragilidade, desnecessário, introduzido, de forma infeliz, permita-me que lhe liga, aspectos pessoais, visto tê-lo questionado, como sabe, com seriedade mas não de forma casmurra, tal como o Sr. Deputado respondeu com alguns comentário irónicos, sem que a sua resposta tivesse deixado de ser séria. Então, para quê introduzir, de forma fácil, que foi, a meu ver, motivada por um momento de nervosismo, aspectos de natureza pessoal?
Por isso, independentemente da seriedade ou não, uma vez que o Sr. Deputado responde sempre de forma séria, só que nem sempre, como se acabou de ver, de forma rigorosa e clara, o que, aliás, presumo ser o reflexo da falta de clareza, quer da política do Partido Socialista, quer, eventualmente, da própria liderança, da própria clareza da liderança, ...

Risos do PS.

Sn. Deputados, a clareza da liderança resulta não do tom de voz mas da clareza das respostas.

Vozes do PS: - Ainda queria mais!?

O Orador: - Por - isso, estou a tentar contribuir para a afirmação da liderança socialista, Srs. Deputados.

Risos do PSD e do PS.

Estou a tentar! Estou a (Lar o meu molesto contributo, mas, como é evidente, por muito que nos esforcemos, não conseguimos fazer com que uma pereira dê melões, se por acaso não for realmente um meloeiro.

Risos do PSD e do PS.

Sr. Deputado António Guterres, como o teste ainda não está feito, volto à carga: como Primeiro-Ministro socialista, desvalorizaria ou não o escudo? Parto do princípio de que há pouco não respondeu porque se esqueceu por um momento, então, de distracção e não por uma dúvida íntima!...

O Sr. António Guterres (PS): - Tem tada a razão!

O Orador: - Muito bem, mas, atenção, desta vez responda com clareza, pontue os portugueses estão à es-

O Sr. António Guterres (PS): - Com certeza!

O Orador: - O Sr. Deputado, como Primeiro-Ministro socialista, teria já desvalorizado o escudo? Se não fosse muito incómodo, gostaria que nos dissesse em que momento o teria feito...

O Sr. António Guterres (PS): - Sim, senhor!

O Orador: - ... para que possamos visualizar a sua liderança governativa. Em que momento o teria feito e em quanto? Eventualmente, já teria desvalorizado o escudo uma segunda vez. E em quanto?

Vozes do PS: - Não exagere!

O Orador: - Sr. Deputado António Guterres, quanto à moderação salarial -- peço desculpa, mas tenho de voltar à carga, porque o Sr. Deputado tem de se imaginar

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como Primeiro-Ministro, tem de interiorizar a ideia de que é Primeiro-Ministro -,já esguia, neste momento, a discutir a concertação social. Já deveria, portanto, ter uma noção do que significava, em termos quantitativos, moderação salarial. Portanto, tem a obrigação de nos dizer o que isso significa.
Sr. Deputado António Guterres, temos uma crise económica. É evidente, ninguém o nega, ...

Aplausos do P.S.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É o oásis!

O Orador: - Sr. Presidente, visto estas patinas não pertencerem à defesa da consideração, peço que o tempo seja descontado.
Srs. Deputados do PS, temos uma crise económica em termos relativos.

Vozes do PS e do CDS: - Ali!...

O Orador: - Exacto! Os senhores têm de analisar a situação da economia portuguesa em termos relativos. De facto, existem sinais de abrandamento no crescimento de alguns sectores, ...

Vozes do PS: - Ah!...

O Orador: - ... tal como...

O Sr. Presidente: - Relativo também é o tempo, Sr. Deputado Silva Marques.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
A questão está nisto: se não é seguro classificar o abrandamento do crescimento da economia, que o Sr. Deputado invocou e que danos como bom, como uma crise maior do que a de 1983, isso representa ou não um elogio ao Governo, sobretudo se compararmos com a situação de outros países? Tem de responder, Sr. Deputado António Guterres, porque, lembro, em termos imaginários, é, neste momento, o Primeiro-Ministro português.
Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, acaba de me fazer lembrar o Frei Luís de ,Sousa, porque se lhe perguntássemos, depois do seu «ninguém o nega», quem está sentado na bancada do Governo e na do PSD, o senhor responderia: «Ninguém!»

Risos do PS.

O que quiseram fazer, durante tala esta hora de debate, foi negar aquilo que o senhor, finalmente, com honestidade intelectual, no último momento, de joelhos, aqui confessou.

Aplausos do PS.

E, tal como em Scxloma, bastaria um justo para salvar a cidade, talvez essa sua confissão acabe por salvar o Governo da perdição!...

Risos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito obrigado!

O Orador: - Mas vamos às questões, Sr. Deputado Silva Marques.
Perguntou-me se eu teria ou não desvalorizado o escudo, se tosse Primeiro-Ministro. Devo dizer que, no respeito por uma autonomia saudável do Banco de Portugal, que este Governo não gosta de respeitar,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não se desvie!

O Orador: mas seria isso que recomendaria e organizaria as coisas nesse sentido, teria mantido, desde 1989, a taxa de câmbio efectiva real do escudo, em vez de a ter revalorizado, como aconteceu.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito betu!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Está a fugir!

O Orador: - Deixe-me acabar. Infelizmente para o Pais, o seu cenário de eu ser Primeiro-Ministro não se concretizou até ao momento em que se promoveu o realinhamento das moedas, porque, caso contrário, eu teria recomendado e agido, uma vez que a1 poderia agir o Sr. Ministro das Finanças sob minha orientação, no sentido de que o escudo realinhasse no último realinhamento geral das moedas, pelo menos, mantendo a sua paridade com a peseta. É esta a resposta que dou, que é clara e evidente.
Não se trata de fazer uma desvalorização unilateral do escudo mas, sim, de ter um estratégia global de inserção do escudo no sistema monetário europeu.

Aplausos do P.S.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Ficámos a saber!

O Orador: - Mas existem coisas que nunca conseguirei explicar ao Sr. Deputado Silva Marques, porque nunca as quererá apreender.
Sobre a questão da moderação salarial, já disse mais do que foi dito pelo actual Primeiro-Ministro...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Quanto?

O Orador: - ... porque já defini um critério e o actual Primeiro-Ministro nem isso fez. Quando o Primeiro-Ministro disser qual é o critério que adopta, darei mais um passo e avançarei com dados numéricos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É a segunda questão a que V. Ex.º foge!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Correcção!

O Orador: - Espero que ele leve mais a sério o trabalho que faz do que aquele a que me candidato.
Finalmente - segunda questão -, pergunta se não é um elogio dizer-se que esta é a crise mais grave desde 1983. Não! É a constatação de um facto. Desde 1985, o País beneficiou de duas circunstâncias extremamente favoráveis: uma conjuntura muito positiva, ...

Vozes do PSD: - E agora?

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O Orador: - ... com termos de troca favoráveis à economia portuguesa, sempre nesse período; e ajudas comunitárias extremamente fortes.
Neste momento, o Governo beneficia ainda de uma evolução de termos de troca, que, até ao ano passado, continuou a ser favorável e que dá uma enorme margem de manobra à gesto da economia portuguesa, e do apoio comunitário, que é de 1,5 milhões de contos, por dia, a fundo perdido.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Está a fugir à questão!

O Orador: - Sendo assim, incluindo ainda a possível receitas das privatizações, devo dizer-lhe que a performance económica portuguesa, neste momento, é uma performance que, em termos relativos, é incomparavelmente pior do que a de qualquer outro governo constitucional, desde 1976.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Terminaram os pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado António Guterres.
Vão ser feitos, agora, os pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Indústria e Energia. Inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel das Santos, Joel Hasse Ferreira, Lino de Carvalho, Paulo Casaca, Mário Tomé, João Corregedor da Fonseca e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Indústria e Energia, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Infelizmente, por um lado, e felizmente, por outro, a vivacidade deste debate e a forma como ele tem sido conduzido tirou algum sentido a certas questões que a minha bancada teria para colocar ao Sr. Ministro, aliás, falando aqui não como Ministro da Indústria e Energia, mas enquanto representante do Governo, nesta interpelação que o Partido Socialista apresentou.
Começaria por dizer que o Sr. Ministro conhece a consideração pessoal que vários Deputados desta bancada têm em relação a V. Ex ª. Entretanto, vai permitir que lhe faça um pequeno reparo: não é admissível que o Sr. Ministro se retira, sobretudo quando fala da Tribuna, aos Deputados da oposição em termos de dar lições. V. Ex.ª disse várias vezes «se quiserem, eu explico». 15so não me parece correcto e, embora saiba que é apenas um deslize de natureza formal, pela nossa parte, gostaríamos que o Sr. Ministro não incorresse nesse tipo de considerações, que nos parecem totalmente despropositadas.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, entendemos que V. Ex.ª apareceu aqui de castigo, porque ainda há pouco tempo, em Agosto, era exactamente o seu sector - o seu Ministério e a política industrial - que maiores dificuldades criava à ideia de oásis, do Governo. Então, o Sr. Primeiro-Ministro, atento como estava, resolveu castiga-lo e decidiu que, na primeira oportunidade que houvesse, na Assembleia da República, seria o senhor quem iria defender aquilo que é indefensável.
Sr. Ministro, qual é o seu discurso? É o de Agosto, em que um relatório que foi discutido por V. Ex.ª, e apresentado em Conselho de Ministros, dava uma visão catastrófica da situação do sector produtivo nacional,

nomeadamente da indústria, ou é o discurso de hoje, que aí nos apresentou! Esta parece-me ser uma primeira questão que o Sr. Ministro deveria resolver.
Em meu entender e em relação à sua intervenção, ficaram por referir coisas que nos parecem essenciais e fundamentais, talvez devido ao pouco à-vontade que V. Ex.ª, pôde imprimir a essa intervenção.
Em primeiro lugar, embora tenha falado enquanto membro do Governo, é óbvio que também é o Ministro da Indústria e Energia e, por exemplo, não falou aqui na situação do sector têxtil. Aliás, V. Ex.ª, enquanto político, tem tido as mais variadas posições em relação à situação desse sector. Começou por dizer que não havia nenhuma crise no têxtil, mais tarde admitiu que essa crise existia, recentemente V. Ex.ª diz que há têxtil bom e há têxtil mau e que o têxtil bom deve prosseguir, enquanto que o têxtil mau deve ser eliminado.
Convinha que soubéssemos qual é a última e definitiva visão do Sr. Ministro relativamente a este to importante sector da economia nacional e que nos pudéssemos entender todos sobre isso e, nomeadamente, sobre a influência que os avultadíssimos fundos comunitários têm tido para a situação desse sector.
No seu discurso de carácter global, não fez referência àquilo que chamei aqui, no debate da semana anterior - e a que o Sr. Ministro das Finanças não me deu a honra de responder -, as heranças da tia, nem ao 1,5 milhões de contos de fundos comunitários que todos os dias entram na economia portuguesa, e não se referiu aos 600 milhões de contos das privatizações.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Talvez fosse necessário, uma vez que fez uma abordagem pretensamente global da situação que se vive na economia portuguesa, que também referisse todos esses factos, porque a única coisa que disse foi que a conjuntura poderia ser adversa. E, quando a conjuntura não é adversa, VV. Ex.ª - não reconhecem que não é face a essa conjuntura que conseguem atingir as metas da forma que as atingem? Por que é que não o reconhecem também na altura em que a conjuntura não é adversa e, sobretudo, quando esses milhões de contos estão a entrar no sistema produtivo e no sistema financeiro português? Só o reconhece quando a conjuntura é adversa? Essa é outra questão que lhe coloco.
Infelizmente, o único exemplo que nos deu - há outros, eu sei-o e com certeza que vai dá-los - de capacidade dos empresários portugueses, curiosamente, no dia em que o congresso dos empresários se vai realizar no Porto, foi o da Ford/Volkswagen, que não é, manifestamente, um bom exemplo para a capacidade e a iniciativa dos empresários portugueses.
Falou em intermediação financeira, um velho tema seu, e foi pena que não tivesse desenvolvido essa questão. Como Minuto da Indústria e Energia seria muito importante se soubéssemos qual o entendimento de V. Ex.ª, relativamente às consequências negativas que têm as elevadas margens de intermediação financeira sobre o sistema produtivo. O Sr. Ministro tocou ao de leve nisso, mas não desenvolveu o seu raciocínio.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

0 Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.

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Termino com uma última questão: V. Ex.ª acredita mesmo que é viável, para 1993, o modelo de desenvolvimento assente no crescimento de 5 % do investimento e das exportações, quando se sabe que, em 1992, em condições ainda menos adversas do que aquelas que sentiremos em termos de cenário internacional em 1993, esses valores não ultrapassarão seguramente os 2 %? São estas as questões que lhe deixo, Sr. Ministro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos, muito obrigado pela sua observação inicial. Como compreende, e já me conhece bem, não tenho qualquer intenção de estar aqui a dar lições aos Deputados da oposição. Tinha intenção, isso sim, de discutir, de uma maneira franca, aberta e democraticamente, as questões postas. Foi esse o meu objectivo e até agradeço que tenha colocado a questão. Talvez eu me tenha entusiasmado mais. Aceito isso, mas não há qualquer objectivo da minha parte de dar lições. Pela consideração que tenho por si e pelo Sr. Engenheiro António Guterres, é óbvio que não me passaria pela cabeça estar aqui com um tom professoral, que nunca tive, a dar-lhe lições. Estou num debate vivo, nesta Assembleia, e é essa a minha postura.
Justamente por isso, permita-me que felicite o Sr. Deputado António Guterres pela imagem futebolística que deu. Achei imensa piada - também gosto de futebol -, mas devo dizer-lhe que meteu golos na sua baliza porque quem se chama António é o Sr. Deputado e, portanto, se há algum Toni que possa ser Ministro das Finanças é o Sr. Deputado António Guterres, não sou eu. Permita-me que lhe faça esta observação.
Continuando a nossa discussão, falemos tomando o tal famoso relatório, que a imprensa anunciou que eu teria levado a Conselho de Ministros. Não há nenhum relatório, Sr. Deputado, e é útil que tenha posto o problema.
O que é que aconteceu? Existe um estudo, um inquérito à indústria portuguesa, feito pelo Secretariado Europa-92, que, quando procedeu à elaboração desse estudo, pediu à secção autónoma de Economia e Gestão do Instituto Superior Técnico para fazer o relatório e pediu ao Gabinete de Estudos e Planeamento do meu Ministério e ao Gabinete de Estudos do Banco de Fomento e Exterior para formarem o grupo técnico que iria analisar o trabalho, o draft preliminar, elaborado pela secção autónoma de Economia e Gestão do Instituto Superior Técnico, que daria origem ao relatório final.
Mas, do ponto de vista técnico, quer o Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério, quer o Gabinete de Estudos do Banco de Fomento e Exterior, não concordaram com o trabalho que estava a ser feito pela secção autónoma de Economia e Gestão do Instituto Superior Técnico. E as únicas instruções que dei ao GEP são as seguintes: do ponto de vista técnico, fazem o que entenderem, se estiverem de acordo com o que for feito, porque o relatório sai à cena com a vossa assinatura mas, se não estiverem de acordo, saem do grupo de trabalho e quem quiser publica o relatório. É esta a situação existente.
Até vos posso dizer que ainda há pouco tempo o GEP do Ministério pediu um relatório ao CISEP sobre inovação tecnológica, em que se mostra de forma, eu diria, quase dramática, as nossas carências em inovação tecnológica. Esse relatório saiu a público e foi publicado pelo Ministério, porque quando peço relatórios pretendo que estes mostrem os pontos fracos para que, a partir daí, possa fazer medidas políticas que combatam essas fragilidades da indústria.
Nunca houve, nem há, no meu espírito qualquer veto político a um relatório * que mostre os pontos fortes e fracos da indústria portuguesa Pelo contrário, desejo que trabalhos destes sejam feitos, só me facilitam a vida no desenho e concepção de medidas de política industrial.
Ainda quanto ao tal relatório, ele não existe, há um draf feito que não tem o acordo do Gabinete de Estudos e Planeamento e do Gabinete de Estudos do Banco de Fomento e Exterior. É evidente que não lhe vou dizer o que referi em Conselho de Ministros, o tão famoso Conselho de Ministros de São João da Barra, não o vou aqui revelar, mas posso adiantar-lhe que para dizer em Conselho de Ministros aquilo que tinha que dizer não precisava desse nem de outro relatório qualquer.
A minha preocupação nesta matéria é muito simples: considerava e considero que, de facto, para as boas empresas, as que são viáveis e competitivas, aquelas que têm todas as condições para permanecer na estrutura industrial portuguesa e de se desenvolver com supressão de barreiras, é evidente que existia uma situação de desvantagem relativa em relação às empresas europeias. Porquê? Porque - e também já disse em público - a indústria portuguesa estava exposta à concorrência em termos internacionais e era financiada por um sistema financeiro que não estava sujeito a essa concorrência e, portanto, era aqui que batia o ponto. Foi isso que eu sempre disse, já o disse em público e volto a repeti-lo.

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Ministro.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente. É esta a chamada de atenção que faço sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Indústria e Energia: Em primeiro lugar, agradecemos o cuidado demonstrado pela saúde do nosso partido. Registamos também a critica que fez aos membros do PPDIPSD, que integraram o Governo do bloco central, do qual alguns se vão esquecendo que foram parte integrante ou entusiasticamente apoiante.
Sr. Ministro, ouvimos as suas preocupações com a crise económica internacional, mas estranhamos a ausência de referências ainda mais explicitas, no seu discurso, à situação real da economia nacional. Não referiu, sequer, como costuma fazer, o chamado sucesso de Setúbal, e pareceu-nos francamente mais preocupado com a crise japonesa do que com os problemas dos trabalhadores e dos industriais do Vale do Ave.
Aliás, indirecta e diplomaticamente, o Sr. Deputado Guido Rodrigues chamou-lhe a atenção para o facto de, praticamente, não ter falado da economia real.
Refugiou-se V. Ex, na fastidiosa enumeração de taxas de crescimento enunciadas (aliás, pouco credíveis), que nos levarão à aproximação das tais médias comunitárias daqui a muitos anos, a prosseguir a vossa política. Este aspecto,

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aliás, foi já bem desmontado pelo meu camarada António Guterres, numa das respostas dadas.
Ao menos, com o conhecimento da realidade que o caracteriza, não nos talou de oásis e confessou mesmo, na prática, alguns dos pecados capitais aqui enunciados no início da interpelação por nós apresentada.
Pelas talhas, responsabilizou V. Ex.ª os empresários e a economia de mercado. Tal consideração integra-se, certamente, no quadro de homenagem ao empresário português, que se encontra em curso no Porto.
Disse também o Sr. Ministro que o Governo estava a estudar os assuntos e a pensar nas estratégias. De si mesmo, trouxe-nos V. Ex.ª a falta de convicção e de entusiasmo. Com o que não nos congratulamos, embora também confirme a nossa análise da situação industrial globalmente considerada.
Por outro lado, V. Ex.ª diz muitas vezes que os socialistas não entendem o que o Sr. diz. Saiba, Sr. Ministro, que entendemos o que diz, só que não gostamos nem concordamos frequentemente com o seu conteúdo, para não lhe criticar a forma. É uma questão de opções políticas, não é uma questão de entendimento! Entenda isso, por favor!
Confessou na prática - o que, aliás, lhe Uca muito bem -, que os fundos europeus eram os grandes responsáveis pelo crescimento que, apesar de tudo, se verifica nalguns sectores ou regiões. Ou seja, os responsáveis são os fundos europeus e não a política governamental, já que o Sr. Ministro, ainda assim, tem uma política contraria à dos seus correlegionários que o antecederam.
Sr. Ministro, depois destas considerações e de dizer-lhe também que nenhum de nós contunde o aumento do sector terciário com os aspectos mais graves da crise em que se encontram diversas indústrias e outros sectores da área económica, porque isso foi, como já foi dito, uma tentativa de desvio do assunto, que aqui não pegou, formulo a minha questão: qual foi, afinal, o objectivo do seu discurso, já que nada trouxe de novo, nem aportou qualquer contributo de resposta às questões formuladas, não lendo apresentado sequer nenhuma alternativa à linha estratégica proposta, em nome do Partido Socialista, pelo meu camarada António Guterres? Foi para vir apresentar-nos a inovadora proposta daquilo a que chamou a «social-democracia feliz»! Se assim foi, na sua formulação não foi nada feliz!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, relativamente à sua observação sobre a homenagem ao empresário de sucesso, devo dizer-lhe que ela nos merece tanta consideração que o Sr. Primeiro-Ministro vai encerrar esse Congresso. E já que talamos em empresários de sucesso e uma vez que me perguntaram por que dei apenas o exemplo da Ford/Volkswagen, diria que referi esse caso como exemplo de um investimento que é útil e extremamente interessante para o País - só que não o apliquei em termos do empresário português. Mas, ainda, na linha do Congresso, posso referir-lhe uma empresa, a SIFIAL, do presidente da Associação Industrial Portuense, que é um exemplo de sucesso empresarial que deveremos seguir em Portugal - passe a publicidade ou o termo.
Quanto ao objecto do discurso, tentei explicar que a política económica e social do Governo é correcta e que não temos alternativa, como pudemos verificar pelos vossos discursos, chamando a vossa atenção para a realidade do enquadramento internacional adverso em que nos encontramos que terá necessariamente como consequência alguma desaceleração do nosso crescimento económico, pois não poderemos ficar totalmente imunes aos problemas da economia mundial. Agora, em termos técnicos, não faz sentido dizer que temos recessão ou crise económica no nosso país. Existe uma desaceleração do produto, com algumas dificuldades que reconhecemos, e eu disse-o claramente em termos dos sectores industriais, um dos quais - não faço segredo - é o sector têxtil/vestuário. Devo dizer que, ao longo do tempo, sempre fui coerente nesta matéria, pois sempre rejeitei a palavra «crise» neste sector, visto poder agravar os respectivas problemas, como alguns empresários hoje em dia o reconhecem. Aqueles que falavam em «crise» pretendiam semeá-la de tacto para recolher subsídios, só que essa nunca foi a minha lógica nem a minha estratégia. Sempre reconheci que existiam empresas em graves dificuldades, das quais muitas eram obsoletas e deveriam fechar, e que outras estavam financeiramente desequilibradas, mas eram economicamente viáveis. E vejo, hoje, um dirigente sindical chamado José Luís Judas dizer: «Não me talem em crise no sector têxtil/vestuário, pois nesse sector o que temos são empresas em dificuldade.» Afinal, são já os dirigentes sindicais que concordam com aquilo que ando a dizer há dois anos! Só que a coerência é minha, pois tenho sido totalmente coerente sobre essa matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Indústria e Energia, apontando ainda duas questões que já foram aqui referidas, diria que pensávamos que, após a última publicação das contas trimestrais do INE, o Governo moderasse o falso optimismo com que, designadamente através do Sr. Ministro das Finanças, nos tem brindado nos últimos tempos em matéria de previsões económicas que não têm nenhum assento na realidade. Eu reconheço que o discurso do Sr. Ministro, hoje, aqui, foi sem dúvida mais moderado do que o discurso do Ministro das Finanças há uma semana, mas diria, como os ingleses, too litle and too late!
Por essa razão, gostaria de fazer duas perguntas ao Sr. Ministro, a primeira das quais é a seguinte: como compatibiliza o discurso de optimismo que nos traz aqui e as indicadores macroeconómicos que o Orçamento do Estado apresenta para 1993, que o Sr. Ministro aqui reiterou, com os resultados apresentados nas contas trimestrais do INE, que apontam, relativamente à agricultura, desde 1990, taxas de crescimento negativas do produto, tal como apontam taxas de crescimento negativas, desde meados do ano passado - e continuam a apontar, pois as perspectivas indicam que no futuro se agravarão -, para o conjunto global da indústria transformadora e não só neste ou naquele sector da mesma?
A segunda questão que lhe coloco é a seguinte: o Sr. Ministro negou o relatório que veio retendo na imprensa e que teria sido a base do seu discurso em São Julião da Barra, em Julho, mas não negou completamente

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o discurso que, na altura, veio retendo na imprensa, que não foi desmentido, e que passo a lembrar. Teria dito o Sr. Ministro que tinha pensado que a crise na indústria era passageira, mas que afinal era um puro engano, tal como terá dito «as falências sucedem-se, os grandes grupos económicos tentam vender os respectivos sectores industriais e mesmo as boas empresas podem não resistir muito tempo».
Ora, de então para cá, a situação não melhorou; pelo contrário, agravou-se, segundo todos os indicadores e todos os analistas.
Por consequência, a minha pergunta é esta, Sr. Ministro: como é que compatibiliza o discurso que hoje fez aqui com o discurso que fez na altura e com o agravamento da situação, de então para cá, que nalguns casos não tem traços de mera recessão conjuntural, mas já traços estruturais?
Relativamente aos estudos e relatórios, perguntaria - mesmo não existindo os relatórios que o Sr. Ministro referiu: para quando a publicação do relatório da aplicação do PEDIP em Portugal?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr Ministro da Indústria e Energia.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Presidente, Sr Deputado Lino de Carvalho, quanto à sua primeira questão, ainda bem que falou no INE e no índice de produção industrial. Eu considero que, hoje em dia, esse índice é capaz de estar desajustado da realidade da indústria portuguesa, visto tratar-se de um índice que tem como cabaz os sectores a que se aplicava em 1980, ou seja, representa a estrutura sectorial da indústria de 1980. Ora, com os novos investimentos que têm sido realizados em Portugal, esse índice é bem capaz, pela composição do seu cabaz, de não representar a realidade industrial portuguesa de hoje em dia e daí ele ser, de tacto, mais negativo e mais pessimista, não correspondendo totalmente à realidade. Não nego que há dificuldades em certos sectores industriais, já o disse claramente, mas considero que tecnicamente não é correcto talarmos em crise ou em recessão no nosso país e reafirmo aquilo que disse há pouco
Quanto ao discurso de São Julião da Barra, volto a afirmar o que já disse: não fui eu quem escreveu esse artigo que o Sr. Deputado citou e, consequentemente, não tenho de o discutir.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas não desmentiu!

O Orador: - Se eu tosse desmentir tudo aquilo que os jornais escrevem, não conseguiria exercer o cargo de Ministro porque não teria tempo. Mas, como já disse, não escrevi esse artigo e, consequentemente, não tenho de justificar coisas que não disse. É tão simples quanto isso. As dificuldades que existiam ao nível da indústria, já lhas expliquei e posso dizer que, com a liberalização do movimento de capitais e com as taxas de juro a descerem, é evidente que as desvantagens que as empresas portuguesas tinham, em termos de financiamento face às suas congéneres europeias, reduziram Não digo que se atenuaram de um dia para o outro, pois isso não seria possível - e não lenho agora tempo para lhe explicar porquê-, mas, de tacto, reduziram e, portanto, muito naturalmente, a situação da indústria para 1993 será, nesta perspectiva, mais optimista do que era no passado. Agora, não poderemos antecipar a situação da economia mundial, embora aí, evidentemente, tenhamos consciência das dificuldades Mas, em termos internos, das nossas taxas de juros, é também evidente que a situação melhorou.
Gostaria de lhe recordar que, até 1990, a realidade foi totalmente diferente. O volume de negócios nas empresas portuguesas subiu cerca de 20 % desde 1986, bem como a rentabilidade das mesmas, e o nível de autofinanciamento foi quase de 30 % - são relatórios que estão bem leitos que o mostram Em 1990 e 1991, houve um pico de dificuldades, mas teremos de fazer o integral do acumulado ao longo do tempo e não é lícito nem correcto, do ponto vista técnico, citar apenas o ano de 1991. O Sr. Deputado acumule desde 1986 e verificará que a situação é diferente daquela que nos quer fazer crer.
Quanto ao relatório do PEDIP, o Sr. Deputado deve estar distraído, visto que todos os anos têm sido publicados relatórios de execução do PEDIP, havendo agora um relatório de avaliação desse programa cujas conclusões preliminares, fornecidas por mim, foram já divulgadas na imprensa. Devo dizer que as subscrevo e que, se quiser, hoje mesmo poderei fornecer-lhe cópias dessas conclusões...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já deviam ter sido enviadas para a Assembleia da República.

O Orador: - Estou à vossa disposição para, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, discutir este assunto e, quando quiserem, dar-vos-ei todos os elementos que aqui tenho, porque creio que não faz sentido entregar-vos estes elementos no Plenário. Tenho esse relatório preliminar leito e terei todo o interesse e gosto em discuti-lo convosco - aliás, como disse, já o divulguei e veio publicado na comunicação social.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Só não veio para a Assembleia da República!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Paulo Casaca prescinde do seu pedido de esclarecimento, pelo que, para o mesmo efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep ): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr Ministro: Só espero que a «cura de emagrecimento» da indústria, a que o Sr. Ministro se referiu, não colha os amigos do PSD, o próprio PSD e aqueles que a ele estão ligados
E colocar-me-ia num quadro real, com o que me parece estarem todos de acordo, que é o seguinte, nunca houve tantas transferências de lundus comunitários, tantos investimentos e tantas entradas de capitais estrangeiros Portugal, em reservas, encontra-se em 8.º lugar no nível mundial e em 2.º lugar, em previsões de vários meses, relativamente às importações e o Governo arrecadou centenas de milhões de contos em consequência das privatizações.
Este é o quadro geral e aquilo a que o Sr. Ministro e o Governo têm de responder aos portugueses é, atendendo ao que acabei de referir, com estas verbas monstruosas para uma pequena economia como a nossa, a uma real desaceleração da economia e ao espectro da crise estrutural que já nos cobre com o seu manto

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Aliás, quero saudar a forma como o Ministro da Indústria defende toda uma política do Governo orientada para o poder da banca e dos grupos financeiros, que espalham os seus tentáculos na economia portuguesa e a mantêm na subordinação ao estrangeiro. Enquanto os grupos financeiros engordam, a indústria e a agricultura afundam-se e com elas o nível de vida.
Queixam-se os agricultores, queixam-se os industriais, queixam-se os trabalhadores! Dizer que os salários se estão a aproximar dos salários europeus, ... só se forem os dos administradores! São explorados dez milhões de trabalhadores para que os grandes grupos lucrem, uma vez que têm tudo na mão, gerando, não já corrupção na política, mas uma política corruptiva.
As consequências estruturais de toda esta política fá-las o Governo cair sobre quem trabalha. 0 Governo fala dos aumentos salariais dos últimos anos, mal os trabalhadores muito se esforçaram e deveriam ter ganho muito mais, porque nem sequer viram ganhos de produtividade.
É preciso, mesmo assim, saltar das estatísticas para a vida e para o devir. E o que vemos é uma maior contenção salarial para os trabalhadores - os aumentos prejudicam o desenvolvimento, disse o Sr. Ministro das Finanças -, vemos a demissão do Estado quanto às prestações sociais, alegando o Governo que a saúde, a educação e a habitação dão prejuízo, ao mesmo tempo que o INE diz que o desemprego está a aumentar. Os índices do Governo são um espelho chapado da tal história dos dois homens em que um come a galinha por inteiro e as estatísticas referem que cada um comeu meia galinha.
O Governo, em vez de entregar milhões de contos para pensões, prefere entregá-los aos grupos económicos em isenções e coisas parecidas e, com a actual política cambial, fomenta as importações e dificulta as exportações, sabotando assim a economia e o desenvolvimento, abrindo as portas ao desemprego e a um pior nível de vida dos portugueses.
Ora, pergunto se é com esta política, em nome de uma convergência nominal que está a impedir a convergência real, que o Governo quer o consenso social, como disse o Sr. Ministro.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

0 Sr, Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Deputado, o que V. Ex.ª acabou de referir está de tal modo desfasado das realidades económicas e sociais dos nossos dias - está esquecido da falência económica do modelo dos países do Centro e Leste europeu que defende que não vale a pena responder-lhe. A única questão a que gostaria de responder é a relativa aos grupos económicos que o Sr. Deputado referiu.

0 Sr. Mário Tomé (Indep): - 0 Sr. Ministro está a dizer que não vale a pena responder-me?! O Sr. Ministro está a dizer isso?!

0 Orador: - 0 Sr. Presidente, dá-me licença que continue?

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro é senhor do seu tempo e responde como entender. O Sr. Deputado Mário Tomé não tem o direito de interromper, a não ser, que a interrupção lhe seja consentida pelo orador.
Queira fazer o favor de continuar, Sr. Ministro.

O Orador: - De tudo quanto o Sr. Deputado disse, há apenas um assunto que gostaria de referir, para lhe dizer que gostaria que Deus o ouvisse quanto à existência dos grandes grupos económicos! É que, infelizmente, não temos grandes grupos económicos e na economia portuguesa bem necessitávamos deles. Só que a política que o Sr. Deputado defende foi a responsável pela nacionalização da economia portuguesa e pelo impedimento que de uma revisão constitucional que permitisse, ao longo do tempo, que, antes de entrarmos na Comunidade, gradualmente, tivéssemos grupos económicos. Esses grupos não são constituídos por decreto-lei e, apesar de os devermos ter, infelizmente não os temos.
Deus o ouvisse nessa matéria, Sr. Deputado!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): -- Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - St. Deputado, fá-la-á no fim.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Ministro, a intervenção de V. Ex.ª pareceu-me exageradamente optimista e contraria, ao que parece, as posições recentes de variadíssimos industriais, a julgar por aquilo que vem publicado na imprensa; a não ser que utilizem também a estilo de V. Ex.ª, com a seguinte argumentação: «não fui eu quem publicou, a responsabilidade não é minha!» Mas a verdade é que os nossos industriais não estão muito satisfeitos, Sr. Ministro. V. Ex.º fala da solidez da nossa economia e diz, nomeadamente, que «no ano 2000 a nossa indústria será diferente, mais diversificada e compatível». Esperemos isso! A esse respeito, a minha primeira pergunta é a seguinte: para esse esforço, de modo a que no ano 2000 tenhamos uma indústria mais «compatível», o Governo já contabilizou o tipo de custos sociais que iremos ter no País? A julgar pela prática política levada a efeito até agora, não iremos ter, Sr. Ministro, mais empresas a encerrar, mais desemprego e muito maior instabilidade familiar?!
Sr. Ministro, retive da sua intervenção uma questão que me parece importante: V. Ex.ª referiu-se e fez um apelo ao «consenso social». Mas, ao mesmo tempo que faz apelo ao consenso social, V. Ex.ª acentua a necessidade de moderação no crescimento salarial e aqui bate o ponto, Sr. Ministro. Á moderação do crescimento salarial, que V. Ex.ª exige, aliam-se outros (e bem graves) problemas sociais que o Governo não pode esquecer. E esta interpelação não respeita apenas a questões industriais. Assistimos a ataques à Lei da Greve, vem aí a lei dos disponíveis, vamos ter mais impostos, menos justiça social, maior desemprego e maior agravamento das questões relacionadas com a saúde, habitação social e ensino- como ficou, aliás, patente na interpelação que o Governo fez a si próprio na semana passada. V. Ex.ª, ao dizer que a nossa indústria continuará a ser o motor do nosso desenvolvimento económico e social (acentuou bem isso), torna evidente também que não há uma modernização industrial desejável, há ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Dizia eu, há pouca eficiência empresarial, não há valorização neste sector, creio que aí estamos. Sendo assim,

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Pergunto: perante este «esforço» que o Governo diz que vai fazer, gostava de saber, entretanto, quantas empresas nos últimos dois anos e neste último ano ficaram pelo caminho? V. Ex.ª disse há pouco, não o pode desmentir, que «algumas empresas irão ficar pelo caminho». É possível; mas quantas já ficaram neste último ano, Sr. Ministro? Quantas encerraram? Quantas faliram? Já foi feita essa contabilização? Que tipo de razões determinam esse encerramento?
E para finalizar: V. Ex.ª passa muito rapidamente sobre os problemas das pequenas e médias empresas. No sector das pequenas e médias empresas V. Ex.ª fala em movimentos de cooperação, de fusão e de concentração. Ora, esses industriais queixam-se realmente de faltas de apoio. Portanto, Sr. Ministro, que tipo de política vai o Governo desenvolver para este sector tão sensível e importante da nossa economia?

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, reafirmo-lhe aquilo que tenho dito ao longo do dia: não foi uma intervenção exageradamente optimista, foi uma intervenção realista, consciente das nossas dificuldades, consciente de que nos estamos a comportar-nos melhor do que a média comunitária e a generalidade dos grandes países industrializados.
Na nossa economia, estamos a comportar-nos de uma maneira que seria impensável há sete, oito, dez anos atrás, em que, quando havia uma crise internacional, esta reflectia-se em Portugal de forma ampliada. Agora está a acontecer exactamente o contrário e, portanto, o meu discurso é realista, não é optimista no sentido que V. Ex.ª, a colocava.
Quanto aos custos sociais da reconversão, falamos com autoridade política e moral. Veja-se o exemplo de Setúbal, em que reconvertemos toda uma região industrial deprimida, gerando empregos em vez de os perder. E gerámos empregos como? Através de investimentos alternativos, pois é essa a maneira de o fazer e estamos a fazê-lo de novo no Vale do Ave, onde já existem 28 projectos, como aqui foi dito, candidatos ao SINDAVE.
A diversificação da estrutura produtiva, com novas indústrias e novos serviços, é a nossa estratégia no quadro de uma economia de mercado com preocupações de justiça e solidariedade sociais. A nossa filosofia é não apoiar empresas ineficientes e inviáveis e estamos a apoiar os trabalhadores, fornecendo-lhes a rede social de apoio, dando-lhes depois a reciclagem e a formação profissional e favorecendo investimentos alternativos que absorvam esses trabalhadores. Por isso, se mantivermos o clima de confiança e dinamismo que temos tido na economia nacional (é para isso que o Governo luta com todas as suas forças), apesar da conjuntura internacional adversa, conseguiremos sem grandes dificuldades resolver e gerir os custos sociais que sempre existem numa reconversão.
Quanto à questão que coloca relativamente às PME, há todo um conjunto de apoios que são lançados. Lembro-lhe a última medida do PEDIP, as redes de cooperação industrial, justamente para favorecer esse movimento de fusão e concentração que pode passar, numa primeira fase, apenas por esquemas de cooperação, sem ser de fusão e concentração. Lembro-lhe também o recente programa de apoio à internacionalização das empresas portuguesas, que pretende, justamente, dar instrumentos às PME para desenvolverem um processo de cooperação com vista a atingirem, aí se estabelecendo, mercados mais vastos do que aqueles em que agora estão inseridos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro, como cidadão, como deputado e até como dirigente empresarial, estou condenado a ouvir o discurso de V. Ex.ª para o exterior, o discurso oficial, digamos. Mas confesso que hoje, quando vi V. Ex.ª subir à tribuna, pensei que ia finalmente ter a sorte de ouvir o seu discurso para o interior, aquele de que falam os jornais mas que nós não conhecemos. E porquê a minha esperança? É que V. Ex.ª, terá feito, e hoje mesmo o confessou, esse discurso para o interior movido fundamentalmente por uma razão, a revolta que sentia face à circunstância de os nossos empresários terem de concorrer no mercado com os seus colegas dos outros países e estarem sujeitos a condições diferentes, designadamente no que respeita ao preço do dinheiro.
V. Ex.ª terá ganho, pois esse seu discurso terá sido eficaz: o Governo deu orientações manifestando a sua opinião muito firme e o Banco de Portugal teve de tomar medidas que conduziriam pretensamente à descida da taxa de juro.
Mas nos últimos dias, Sr. Ministro, estamos a assistir ao contrário. No mercado monetário interbancário, a taxa de juro, relativa a uma taxa fundamental de referência, está a subir há três dias. Essa taxa é indexante para muitas instituições financeiras, o que significa que a taxa de juro está outra vez a subir.
Porventura, Sr. Ministro, essa política de dinheiro caro no mercado monetário vai ser necessária para apoiar a nossa política cambial. Por outro lado, a liberdade de movimentos de capitais significa alguma coisa para algumas empresas, mas não significa nada para a maior parte delas.
Sr. Ministro, se há um discurso para o interior diferente de outro para o exterior, não pensa que seria a altura de os compatibilizar hoje, aqui, perante nós!?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, já lhe expliquei que não sou responsável por aquilo que os jornais dizem e que tentam pôr na minha boca e também não tenho tempo para andar a rectificar tudo o que dizem, pois de contrário não fazia mais nada. Este o primeiro ponto.
Em segundo lugar, o meu discurso é o mesmo no interior e no exterior. Não fiz aqui um discurso de facilidades para a indústria portuguesa, antes pelo contrário! Fiz um discurso realista, reconhecendo dificuldades nalguns casos. Se for ler o texto que distribuí, e que não li todo aqui, verá que reconheço que, em termos genéricos, há dificuldades para o sector exportador. Agora, não alinho nessa ideia de conjuntura de crise recessiva que alguns,

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fazendo um mau serviço para a economia por razoes políticas, pretendem ver na economia portuguesa.
Gostaria de lhe dizer também que, em Portugal, há, naturalmente, independência do banco central. Mas o banco central e o Governo estão convergentes em termos de inflação, estão perfeitamente alinhados e concordam inteiramente em que este é um problema central da política económica portuguesa. Até porque - e vou mesmo mais longe - a liberalização do movimento de capitais não chega. Se continuarmos a ter taxas de inflação muito superiores à média europeia, é óbvio que as dificuldades de financiamento das empresas portuguesas se mantêm, visto que não teremos o mesmo rating que têm as empresas europeias. Portanto, só por aí se demonstra que também estamos perfeitamente alinhados e convergentes.
Em suma, Sr. Deputado, o meu discurso para o interior é o mesmo do exterior. É, alias, o mesmo movimento que pretendemos com as taxas de juro, ou seja, pretendemos as taxas de juro internas alinhadas com as taxas de juro externas. E permita-me que lhe diga, em termos de prime rates (isto dado por uma instituição bancária que V. Ex.ª conhece bem), que, em Portugal, elas eram da ordem dos 16.25 quando na Alemanha eram da ordem dos 11.75, pelo que, em termos de prime rate reais, estaremos quase ao mesmo nível da Alemanha.
O mesmo acontece em relação à prime rate espanhola que ronda os 13.5, contando com a inflação, andando os seus valores reais praticamente pelos oito pontos. Se compararmos com a França, cuja prime rate é de 9.85, contando com a inflação, a sua taxa em termos reais andará pelos 7 %. Portanto, houve uma descida dos valores das prime rate.
Só que vou ainda mais longe. É evidente que ainda existe, em Portugal, uma diferença entre uma normal rate e uma prime rate que talvez seja maior do que nos outros países europeus. Portanto, está a ver que reconheço as especificidades e as dificuldades portuguesas. Agora, o que lhe posso dizer é que, com a liberalização dos movimentos de capitais, o canal para o exterior foi aberto, é irreversível e vai no sentido que eu e o Sr. Deputado, estou certo disso, desejamos, ou seja, dando condições de competitividade às empresas portuguesas, visto que o Sr. Deputado acredita numa economia de mercado e sabe tão bem como eu que sem empresas viáveis e competitiva não teremos uma economia sólida em Portugal.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Ministro, queria começar por referir que não defendo aquilo que V. Ex.ª disse que eu defendia. Além disso, o Sr. Ministro classificou a minha intervenção de desfasada em relação à realidade e eu lamento dizer que foi um subterfúgio do Sr. Ministro para não responder a questões que lhe coloquei.
Perguntei como é que, com milhares de milhões de contos que o Governo recebeu e deveria gerir, numa economia pequena como a nossa, estamos a entrar numa situação de crise. E faço justiça ao Sr. Ministro, pois não está tão optimista como tem sido aqui dito. Aliás, já pensei se, em vez do oásis de que fala o Sr. Primeiro-Ministro, não estaremos apenas num tufo de urze raquítico...
O Sr. Ministro sabe perfeitamente que a situação que é revelada pelos agricultores, pelos industriais, pelos trabalhadores e pelos protestos de todos os sectores deste país indiciam, de facto, que estamos a entrar numa situação de crise. E também queria que o Sr. Ministro reconsiderasse, ou considerasse, se efectivamente esta adequação à outrance à convergência nominal não está a ter consequências desastrosas na nossa estrutura económica, na estrutura da nossa indústria e da nossa agricultura.
Parece-me que, para o nível do défice do sector público administrativo estar de acordo com o nível do défice do Orçamento, temos de obedecer às imposições de Bruxelas e, então, pergunto se isso não está a obrigar o Governo a tomar atitudes como a privatização da saúde e da educação porque estas dão prejuízo, ou se os aumentos salariais dificultam o desenvolvimento da economia, como tem sido dito pelo Governo. Era a isto que queria que o Sr. Ministro respondesse,

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Deputado, a sua tese é muito simplista, porque o que o Sr. Deputado diz é que, afinal, com o dinheiro que veio, os problemas deviam estar resolvidos e não precisávamos de mais dinheiro. 15so é totalmente errado do ponto de vista económico e a sua tese é muito simples: o dinheiro que veio já deu para resolver os nossos problemas e, a partir de agora, no processo de integração europeia, a dinâmica espontânea dos mercados vai funcionar.
O Sr. Deputado é extremamente liberal, nós não somos tão liberais...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Eu não disse nada disso!

O Orador: - Acreditamos que é preciso continuar a haver mecanismos de compensação para a integração portuguesa e essa é feita pelos fundos estruturais, que é necessário continuarem a existir em Portugal, Sr. Deputado.
Quanto à questão da convergência nominal e da convergência real, poder-lhe-ia explicar, em termos económicos que, num quadro de completa liberdade de circulação de capitais, as duas convergências têm ele ir a par. Dito de outra forma, é possível haver convergência nominal sem convergência real mas é fundamental, para que tenhamos convergência real, que exista a convergência nominal ou, se quiser, dito ainda de outra forma, para que continuemos a ter um crescimento superior à média comunitária num quadro de liberdade de circulação de capitais, precisamos, de facto, de ter a nossa inflação a aproximar-se da dos países europeus.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O pior é para chegar lá!

O Orador: - Se isso não acontecesse, precisaríamos de ter taxas de juro muito superiores às dos outros para segurar os capitais em Portugal, o que prejudicava o investimento e também o crescimento económico, logo, a convergência real.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Não estou de acordo. 15so não explica nada, Sr. Ministro!

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O Orador: - O Sr. Deputado não percebe isto mas, num quadro de liberdade de circulação de capitais, as duas convergências tem de ir a par. Daí a nossa grande preocupação com as questões da inflação, Sr. Deputado. Estou disponível para lhe explicar isto mais em pormenor, em termos técnicos e económicos mais precisos.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Não me explica nada! Não estou é de acordo com isso!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No início deste ano, quando da discussão do Orçamento do Estado para 1992, o Sr. Ministro das Finanças, com o sorriso aprovador do Sr. Primeiro-Ministro, brindou-nos - todos estamos recordados - com a pedagogia do número oito. Mas, afinal, ao chegarmos a este momento, compreendemos todos que o que o Sr. Ministro das Finanças, subliminarmente, estava a antecipar, no seu discurso de Fevereiro, era a «crónica anunciada» dos oito fracassos do Governo em matéria de política económica.
Com efeito, garantia uma inflação de 8 % e ela aí está superior a 9 %, apesar da mudança da base de cálculos no índice de preços no consumidor; jurou que o investimento subiria a 7,5 % mas, agora, já só nos oferece 4 % e, mesmo assim, sem qualquer base porque o que todos os indicadores do INE apontam é para uma taxa que, no máximo, será idêntica à de 1991, na ordem dos 2,5 %; afiançou que o produto cresceria 3 % e, afinal, ele irá pouco acima dos 2 % e, mesmo assim devido, sobretudo, ao sector de serviços; teimou na precipitação de integrar o escudo no mecanismo de taxas de câmbio do SME e tal decisão só veio agravar os desequilíbrios da nossa economia; prometeu o reforço da competitividade da economia e das empresas portuguesas mas, com a política cambial, de uma artificial valorização do escudo, e monetária, de elevadas taxas de juro, o resultado é de regressão na capacidade competitiva da nossa economia e de crescentes dificuldades para as empresas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Afirmava a pés juntos que não haveria aumento da carga fiscal, mas é o Orçamento do Estado para 1993 a confirmar que as receitas fiscais cresceram de 23,2 % do PIB em 1991 para 25,1 % em 1992, com particular incidência nos rendimentos dos portugueses de menores recursos, nos trabalhadores por conta de outrem.
O Estado como pessoa de bem é um conceito que enche as páginas dos discursos do Governo, em especial do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças. Mas que dizer da coerência deste discurso quando se prevê que, no final deste ano, as dívidas do Estado só aos fornecedores do sistema do Serviço Nacional de Saúde (farmácias, convenções e outros) atinjam os 114 milhões de contos!?
Por fim, do alto da sua cátedra de Yale, o Sr. Ministro das Finanças falou-nos do rigor das suas previsões contra todas as vozes da oposição, dos analistas, dos sindicatos, dos empresários.
Como se vê - oitavo fracasso - as previsões do Sr. Ministro têm tudo menos rigor e seriedade.
Assim, oito foi o número do Governo e oito são também os fracassos da sua política económica e financeira! Afinal, este último é o único número em que o Sr. Ministro das Finanças parece ter acertado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, ao contrário do optimismo sem bases e demagógico do Governo, estamos perante uma forte desaceleração do crescimento do produto e do investimento, como o confirmam as contas do INE, recentemente publicadas, e que está a atingir, particularmente, a indústria e a agricultura.
A evolução é francamente negativa, a recessão está a atingir já aqueles dois sectores e as perspectivas futuras não são as mais animadora.
Entretanto, enquanto todos os indicadores apontam para uma forte contracção na economia mundial e aconselham prudência e moderação nas projecções macro-económicas, o Governo opta, de novo, por insistir na apresentação de valores de crescimento para 1993 que, tal como há um ano, só ele e só ele acredita.
Srs. Deputados, há, evidentemente, razões para a situação global a que chegámos. E aponto duas: por um lado, o Governo optou por forçar a convergência nominal da economia nacional com a economia europeia, através de políticas monetárias não assentes na economia real; por outro lado, o Governo é responsável por uma política que tem levado ao desmantelamento de uma boa parte da estrutura produtiva do Pais, a partir do processo de privatizações, de empresas e sectores fundamentais, transferindo-as para grandes grupos económicos cuja lógica obedece, sobretudo, a interesses de ordem financeira e especulativa.
Por isso mesmo, e ao contrário do que o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro Braga de Macedo têm afirmado e, hoje aqui mesmo, o Sr. Ministro da Indústria também afirmou, a única política de convergência que está em curso é a da convergência meramente nominal e não a da convergência real e que, por não ter como base uma alteração efectiva da estrutura produtiva do País, está, cada vez mais, a afastar a economia portuguesa da economia europeia.
Srs. Deputados, com as actuais taxas de crescimento médio do PIB em Portugal e na Comunidade, Portugal demoraria 63 anos para alcançar a média comunitária.
A verdade é que os avultados recursos financeiros provenientes dos fundos estruturais da Comunidade não foram orientados, designadamente na agricultura e na indústria, para o fortalecimento da base produtiva do País e para um desenvolvimento equilibrado do todo nacional.
A avaliação que já hoje se pode fazer da aplicação do quadro comunitário de apoio confirma isso mesmo. Onde estão os resultados da aplicação de mais de 1200 milhões de contos? Não se vêem no reforço e na alteração do perfil de especialização da indústria portuguesa.
A indústria está com fortes sinais de crise, como o confirmam todos os estudos existentes e como, aliás, o confirmou o Sr. Ministro no Conselho de Ministros de Julho. E, então, desde já requeremos ao Sr. Ministro da Indústria que nos envie para a Assembleia um relatório de avaliação do PEDIP, que diz que tem na pasta, que diz que divulgou à imprensa, mas que, infelizmente, ainda não enviou a este órgão de soberania que é a Assembleia da República.
Por sua vez, a agricultura está mais vulnerável do que nunca e são crescentes o défice alimentar, a ausência de aproveitamento das nossas vantagens comparativas e a diminuição do rendimento real dos agricultores. A saúde, a habitação e a educação continuam a ser parentes pobres da política do Governo.

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Por outro lado, os primeiros relatórios que começam a aparecer com a assinatura de organismos responsáveis do Governo, no caso, do próprio Ministério do Planeamento, confirmam, por sua vez, o agravamento das desigualdades regionais com a concentração dos investimentos no litoral do País. Um exemplo de um deles, do relatório do trabalho para o novo PDR, referente a uma região como o Alentejo, que corresponde a um terço do Pais, publicado recentemente pela Comissão de Coordenação Regional do Alentejo, diz (e cito): «O SIBR (Sistema de Incentivos de Base Regional) não tem produzido os efeitos desejados na correcção do défice de desenvolvimento industrial da Região...; no PRODAC (Programa Operacional de Desenvolvimento das Acessibilidades) os investimentos realizados não correspondem a investimentos estruturantes na melhoria da acessibilidade regional; no PRODEP - os resultados alcançados ficaram bastante aquém das necessidades existentes; no Programa CIÊNCIA, a correcção dos desequilíbrios regionais, ao nível da investigação cientifica e tecnológica não foi atingida», etc.
E, perante isto, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, ainda se fala que estamos a corrigir as assimetrias, que estamos a ter um desenvolvimento equilibrado do todo nacional, quando, afinal, são os próprios relatórios do Governo, que começam a ser tornados públicos, de avaliação do novo quadro comunitário de apoio, que desmentem exactamente estas afirmações.
Mas, em contrapartida a todo este quadro, e significativamente, crescem de forma exponencial os lucros da banca e das empresas financeiras do País.
O Governo tem preferido apostar na manutenção de elevadas taxas de juro activas, provocando a sobrevalorização do escudo, como forma de reduzir a procura interna pela via financeira em vez de criar condições estruturantes que tornassem o dinheiro mais barato, designadamente para as pequenas e médias empresas.
Como é possível o Governo falar em competitividade internacional das empresas portuguesas quando ele próprio tem estimulado as mais elevadas taxas de intermediação da Europa Comunitária: mais de 7 % em Portugal contra 4 % em Espanha; 2,9 % no Reino Unido; 2,7 na França; 1,8 % na Alemanha; 0,3 % na Bélgica; 2,2 % como média comunitária.
É, pois, bem verdade que a indústria e também a agricultura estão a alimentar os altos lucros do sector financeiro.
Srs. Deputados, o que se tem passado com as privatizações, elas próprias uma das razões do descalabro do mercado de capitais, é a demonstração de uma estratégia que tem pouco a ver com os interesses nacionais e que tem estimulado a especulação financeira e bolsista, o tráfico de influência, o crescente domínio do capital estrangeiro, a crescente insegurança no emprego.
A este propósito é paradigmático o que nos vem proposto no Orçamento do Estado para 1993: mais de 270 milhões de contos de indemnizações a somar aos milhões já anteriormente orçamentados, para além de múltiplos outros benefícios pela via fiscal.
Em vésperas da privatização da Petrogal, o Governo propõe-se alterar, por via do Orçamento do Estado, a fórmula de cálculo do imposto sobre os produtos petrolíferos com um objectivo claro: para que os futuros proprietários da Petrogal passem a embolsar, eles e não os cofres do Estado, uma parte da receita do actual imposto pago por milhares de cidadãos.
Para a Siderurgia Nacional, empresa estratégica para o País, o Governo anuncia um preço de saldo (20 milhões de contos) quando, ainda há dois anos, foi avaliada em cerca de 60 milhões de contos. Com a forte probabilidade do capital estrangeiro vir a deter uma fatia considerável da empresa não é de excluir, face à situação dos mercados do aço, que se venham a desenhar estratégias subordinadas aos interesses dos grupos multinacionais de encerramento da Siderurgia.
Srs. Deputados, para terminar, as consequências desta política de subordinar tudo a uma convergência nominal forçada com a Comunidade, dos indicadores monetários e financeiros e de privatizar a todo o custo, sem olhar às consequências, está a condenar os sectores produtivos à recessão, a hipotecar o futuro da economia nacional, e é o pretexto para o Governo procurar baixar salários reais, designadamente dos trabalhadores da Administração Pública, está, em suma, a conduzir à divergência real.
Não é este o caminho que interessa ao País e à economia nacional.
É preciso apostar numa política de desenvolvimento, assente numa sólida base cientifica e técnica e numa acrescida especialização produtiva.
É preciso garantir uma economia de alto valor acrescentado nacional e com elevados níveis de tecnologia, de produtividade e de emprego, de salários e de formação.
É preciso assegurar uma economia em que os principais défices estruturais sejam substancialmente reduzidos. É preciso uma economia mais produtiva e menos especulativa.
E é preciso, sobretudo, uma política económica que, em vez de garantir altas taxas de rendibilidade e de lucro para os sectores financeiros, defina orientações e assegure os apoios indispensáveis ao relançamento da nossa base produtiva, sobretudo a indústria transformadora e a agricultura, para o que se impõe uma política cambial e financeira substancialmente diferentes com uma depreciação competitiva do escudo e taxas de juro mais baixas; uma política que assegure o aumento sustentado das condições de vida dos portugueses e que não queira fazer pagar o preço da crise e da convergência nominal aos trabalhadores e reformados, aos salários e às prestações sociais.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A discussão e votação do Orçamento do Estado constitui a oportunidade por excelência em que a Assembleia é chamada, simultaneamente, a apreciar a execução do programa económico do Governo no ano que finda e a aprovar o conjunto de medidas através das quais o mesmo Governo se propõe executar esse mesmo programa no próximo ano.
Discutem-se políticas, sem dúvida, mas discute-se e aprova-se a sua tradução em medidas, máxime em programas quantificados e vinculativos das receitas a arrecadar e das despesas a realizar e da legislação fiscal destinada a tornar possível a sua execução.
A discussão não corre, portanto, o risco de resvalar para o terreno académico do confronto árido entre posições de

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escola sobre a marcha das principais variáveis macro-económicas e da forma mais adequada e eficiente de as inflectir.
Não, em última análise, é a dotação para remunerações do funcionalismo que vai ser votada, assim como a forma de actualização dos escalões do IRS ou as taxas concretas do IVA ou o destino de impostos obsoletos como a sisa e o imposto do selo. E isso é compreendido por todos e se for feito com dignidade e seriedade é interessante para os eleitores.
Ora, é essa discussão que está a ser preparada na Assembleia e que vai ter lugar nas próximas semanas, em Plenário e em sessões públicas das comissões interessadas.
É essa discussão que torna possível à oposição apresentar propostas concretas, com medidas alternativas, justificando-as à luz de uma perspectiva global diferente que pode ir desde um modo diferente de conceber o programa económico, como aconteceu com o CDS o ano passado, até à simples forma diferente de calcular os encargos com juros, como aconteceu com o PS há dois anos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Ah! Ah! Ah!

O Orador: - Trata-se, pois, de um debate importante que todos devemos contribuir para valorizar na exacta medida em que constitui peça decisiva para a pedagogia democrática, essencial numa democracia de menos de 20 anos.
É claro, no entanto, que o debate, este ano, é difícil para o Governo, que terá de justificar o realismo das metas apontadas na perspectiva do cumprimento do programa de convergência nominal e real da economia portuguesa com a mais evoluídas economias dos parceiros comunitários; que terá de justificar a medida em que o Orçamento apresentado é realmente um orçamento de rigor e quais as medida que vão efectivamente concretizar tal rigor; que terá ainda de justificar a direcção em que o rigor orçamental, se existe, vai ser exercido, se na direcção dos serviços e, portanto, da despesa, se na direcção da receita e, portanto, dos contribuintes, que continuarão a ver a sua carga fiscal a crescer mais do que a inflação.
Finalmente, terá de justificar se a sua política de escudo forte é definitivamente compatível com a sobrevivência de largos sectores da actividade nacional e se poderá ou não ser compatibilizada com a política de embaratecimento do dinheiro que sob o impulso do Sr. Ministro da Indústria mereceu o acordo do Governo, no Verão passado. Por isso, o Governo tem, naturalmente, interesse em diluir, neste ano primeiro das vacas magras do consulado de Cavaco Silva, o debate orçamental.
Tentar embrulhá-lo com outras iniciativas da oposição, classificadas de mais ou menos demagógicas, umas, ou de perseguição pessoal, outras, transformando o debate orçamental em simples peça de um conjunto de contornos mal definidos, em que se será tentado a discutir-se tudo sem se ter discutido nada.
Em suma, como mais um exemplo acabado do estilo parlamentar numa altura em que é preciso salvar o País da crise, pretende apenas discutir, não deixando trabalhar o operoso o Governo do Professor Cavam Silva e, assim, vai-se transformando a Assembleia da República naquilo que, mais do que caixa de ressonância, é uma autêntica câmara de desculpabilização do Executivo.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - É comum ouvir os Ministros e o próprio Primeiro-Ministro referirem as medidas mais impopulares como medidas da Assembleia da República, em súbitos ataques de devoção ao princípio da separação de poderes. É claro que a referência é feita com total esquecimento de que a Assembleia é o PSD - a não ser em meia dúzia mal contada de casos em que é o PSD e o PS - e que o PSD é o Governo, esquecendo que, salvos raros acidentes de percurso que acabam sempre sanados a contento da ortodoxia, o Parlamento aprova normal e naturalmente o que o PSD-Partido (que é o mesmo que o PSD-Governo) pretende ou aceita, na linha, aliás, da lógica própria do sistema de representação proporcional em que vivemos e convivemos.
O mal, quer porque as medidas são antipáticas quer porque tomadas a destempo, é da responsabilidade da Assembleia. Quanto aos sucessos, aos êxitos, esses pertencem todos ao Governo, quer porque tomou directamente as medidas quer porque apresentou ao Parlamento a propostas mais avisadas e sensatas.
E foi, sem dúvida, com este tipo de atitude, Sr. Deputado Pacheco Pereira, que começou a campanha de descrédito da instituição parlamentar e dos deputados.
Por isso é que, se entendemos, embora não a aceitando, a iniciativa da semana passada, já não compreendemos a iniciativa de hoje do PS. A falta de imaginação e de jeito continua a dominar a sua estratégia eleva-o a colaborar, desta forma, na estratégia do PSD e do Governo de desvalorização do Parlamento. Nisso, não colaboraremos.
Resta-nos esperar que esta colaboração pouco avisada se fique por aqui e não tenha piores resultados..

Aplausos do CDS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza). - Sr. Deputado Manuel dos Santos, presumo que pediu a palavra para um pedido de esclarecimento, mas acontece que o CDS não tem tempo para responder.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr.ª Presidente, pedi a palavra para defesa da consideração.

A Sr.ª, Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Ex.ª tem andado afastado das lides parlamentares e, por isso, cometeu uma gafe. É que a interpelação do Partido Socialista foi pedida muito antes do debate sobre política económica e social agendado pelo Governo.
Portanto, se há uma duplicação ou algo que está aqui artificialmente a mais, é exactamente o debate que efectuámos na semana passada, uma vez que ele - como disse e é facilmente provado, porque toda a comunicação social o noticiou e V. Ex.ª também tem conhecimento disso - foi manifestamente agendado para neutralizar a iniciativa do Partido Socialista.
Infelizmente, para a maioria e para o Governo, esse objectivo não foi atingido!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, creio que, realmente, foi pior a emenda

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que o soneto. 15to é, penso que V. Ex.ª acabou por me dar razão acrescida.
Então, VV. Ex.as é que tomam a primeira iniciativa - e eu sei isso muito bem - que, na prática, se traduz na desvalorização do debate orçamental e que o Governo aproveita habilidosamente para diluir todo este conjunto de debates?! Efectivamente, essa é que é a iniciativa grave!
Sr. Deputado Manuel dos Santos, muito obrigado pela razão que me deu.

Risos do PSD.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Aguarde o debate do Orçamento para depois ver!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo (Faria de Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que mais me impressionou ao longo de debate sobre política económica e social que, há precisamente uma semana, o Governo trouxe a esta Câmara, foi a linguagem catastrofista e miserabilista adoptada pelas bancadas da oposição: «Que estamos perante a crise! Ou que já vivemos mesmo uma crise!...»
São, de facto, as angústias da oposição!
E falo em angústias porque não acredito que, por nostalgia do poder, a oposição pretenda fomentar um clima de pessimismo, gerador de expectativas negativas e de estagnação, que levasse novamente o País a desperdiçar tempo precioso para a prossecução da convergência real, da nossa gradual aproximação aos Estados membros mais avançados do que nós.
Portugal precisa de uma oposição forte, que critique quando e o que deve criticar mas que proponha soluções alternativas, empenhada no desenvolvimento e no progresso do País. Esperava ouvir hoje um discurso forte, critico, alternativo, mas o que escutámos foi dominantemente o discurso do pessimismo.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Está a ler! É um espanto!

O Orador: - Ora, nós, portugueses, já mostrámos nos últimos seis anos do que somos capazes e como somos capazes de vencer.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o mundo vive hoje uma conjuntura de claro abrandamento do crescimento económico ou de recessão, com relevo para o espaço europeu. É num quadro exigente e difícil, marcado por uma envolvente externa caracterizada por uma turbulência acrescida, pelo proliferar de situações imprevisíveis e por incertezas em relação ao desenvolvimento futuro da conjuntura internacional, que vamos ter de enfrentar, nos anos mais próximos, o desafio da continuação da modernização da economia e, como etapa suplementar, a sua afirmação de modo a ultrapassar o ponto de não retorno.
O quadro de fundo em que nos inserimos, caracterizado no seu conjunto pela crescente interdependência das nações, pela globalização dos mercados e internacionalização das economias, pelas reestruturações sectoriais e pela competitividade das empresas num contexto de concorrência acrescida, em plena retracção da economia mundial, não pode deixar de influenciar a economia do nosso país.
Somos uma economia aberta, necessariamente permeável ao que se passa lá fora. Em momentos de expansão, o crescimento é sempre muito maior do que em fases de retracção e não é natural nem desejável, como sabemos do assado, andar em contra-ciclo.
É desde já importante realçar que, não há muitos anos atrás, quando havia crise no estrangeiro ela se reflectia em Portugal com maior intensidade. Agora não: a economia portuguesa está a revelar uma muito maior capacidade para absorver e reagir aos choques externos. Deu-se outra solidez aos alicerces da nossa economia.
O que importa analisar, em cada momento, é o nosso comportamento comparado com o dos outros e, em especial, face aos que nos estão mais próximos. Estaremos, como a oposição pretende, perante a crise? Não é o crescimento do nosso produto maior, claramente superior, ao da média da Comunidade? Não é a nossa taxa de desemprego a mais baixa da Comunidade? Não estão os salários a evoluir favoravelmente e não tem sido o ritmo de aproximação, porventura, até, superior ao adequado? Não está a inflação a descer de forma sustentada e significativa, aproximadamente de 7 %? Não está fortemente excedentária a balança básica? E as exportações, com um comportamento que até agora contraria completamente as previsões? Não mantemos reservas de divisas de enorme volume suficientes para pagar um ano de importações e toda a divida externa? Não tem a nossa moeda resistido muito positivamente ao clima de turbulência do mercado cambial? Por muito que custe aos Deputados da oposição, tudo isto é verdade e os portugueses sabem-no!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, felizmente para Portugal e para os portugueses, estamos a passar muito melhor do que quase todos os outros países da OCDE este período difícil da economia mundial. Vejam-se as medidas de carácter excepcional em curso em Espanha, na Itália, no Reino Unido, em vários países nórdicos. Aí sim, nesses países, trata-se de pôr em prática verdadeiros programas de austeridade!
Mas, se estas dúvidas metódicas da oposição fossem, de facto, acompanhadas de propostas de políticas alternativas, ainda as poderíamos entender. Só que, como habitualmente, não as conseguimos ouvir.
Reconhecendo o esforço do secretário-geral do Partido Socialista para apresentar uma imagem diferente perante os empresários e utilizar uma roupagem mais atractiva, a verdade é que o PS não o acompanha e continua incapaz de explicar qual a sua concepção de economia: o que é ser socialista, na economia, hoje? Os Srs. Deputados já perceberam?

Vozes do PSD: - Boa pergunta!

O Orador: - Por isso, não nos podemos admirar de que a dialéctica dos Deputados do Partido Socialista não seja, apesar de tudo, muito diferente da do passado: andar à procura do empresário mal sucedido ou das empresas inviáveis ou em dificuldade para tomar a árvore pela floresta e apregoar a desgraça. Como também não nos surpreende que privilegiem as soluções fáceis: subsídios, estatizações, para não falar na agora pretendida desvalorização do escudo.

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Mas o quadro de referência da actividade empresarial, em relação a Portugal, será principalmente ditado pelo Orçamento, pela presença do escudo no sistema monetário europeu, pelo arranque do mercado único e pela perspectiva, a prazo, da união económica e monetária. A convergência real vai ser prosseguida a partir deste enquadramento, que é são, que garantirá a continuação do desenvolvimento sustentado e sustentável da nossa economia e a sua competitividade a médio e a longo prazo. Vamos manter um crescimento superior à média comunitária, um alto nível de emprego e melhorar a qualidade de vida dos portugueses, aumentando de forma sustentada as salários reais.
Como é sabido, o nosso desenvolvimento económico baseou-se principalmente no crescimento do investimento e das exportações que, no período de 1986-1991, aumentaram, em média, respectivamente 9,9 % e 10,5 % em volume, por ano.
No passado mais recente, a retracção dos nosso mercados principais, em primeiro lugar, a apreciação do escudo e as altas taxas de juro terão afectado as nossas exportações. Registámos em 1991 um aumento de apenas 1,8 %, mas já se verificou uma recuperação nos primeiros sete meses de 1992, em que a taxa de crescimento, em volume, das exportações ultrapassou os 4 % ou mesmo 5 %.
O Sr. Secretário-Geral do Partido Socialista disse-nos que, em Agosto, as estatísticas apresentavam resultados extremamente preocupantes. Ora, quando se referem estatísticas, é preciso dizer tudo: devido às greves dos ajudantes de despachantes, não estão incluídos, até Julho, 19 % dos documentos únicos de exportação e 8 % na importação. E, se é certo que o preço médio foi penalizado, as razões de troca, que é o mais importante, continuam a estar francamente favoráveis.
Na estrutura das exportações, no 1.º semestre de 1992, as máquinas e aparelhos e o material de transporte são responsáveis por 74 % da variação global, o que indicia estar a verificar-se uma alteração gradual, mas significativa, do perfil da nossa oferta externa.

O Sr. Manuel Castro Almeida (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao turismo, embora em Junho e na 1 ª quinzena de Julho se tenha falado de crise, o número de visitantes até fim de Setembro foi maior em 7,8 % do que no ano anterior!
Há que salientar que, até 1990, na generalidade dos sectores da actividade, cresceram substancialmente o volume de negócios e a rentabilidade das empresas, atingindo o autofinanciamento níveis muito elevados. A partir de 1990, passou a registar-se alguma redução dos diferentes indicadores de rentabilidade, derivada, fundamentalmente, da diminuição das margens, como forma de procurar manter quotas de mercado. Esta situação deriva, obviamente, da conjuntura internacional de abrandamento e é uma estratégia temporariamente adequada Daqui resulta que o objectivo, face à situação, é aumentar a competitividade das empresas e das suas exportações.
O aumento da competitividade dar empresas e das exportações depende muito mais do ataque decisivo às questões de fundo do que dos ganhos transitórios de carácter não estrutural, como são os resultantes da desvalorização da moeda É no ataque decidido e decisivo às deficiências de estratégia empresarial, de dimensão, de
eficiência e de eficácia, de tecnologia e de gestão e, muito em especial, das políticas e práticas de marketing, de comercialização e de distribuição, que encontraremos a forma de diminuir desvantagens ou, mesmo, gerar novas vantagens comparativas. Modernizar e afirmar a economia tem como significado próximo actuar sobre estas questões estruturais.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, alguns observadores têm vindo a reclamar a desvalorização do escudo para aumentar a competitividade a curto prazo. O secretário-geral do Partido Socialista parece seguir essa tese. A este respeito, importa salientar o seguinte: na média ponderada das moedas em que exportamos, a valorização do escudo ocorrida depois da turbulência nos mercados cambiais foi muito pequena.
Considerando os valores do comércio para o período de Janeiro a Junho de 1992 e a evolução cambial entre 31 de Agosto e 15 de Outubro de 1992, o efeito directo da valorização registada do escudo sobre a balança comercial expressar-se-ia numa diminuição do seu défice e num incremento, embora marginal, do grau de cobertura das importações pelas exportações. Assim, usando um modelo aproximativo, em relação às importações, a valorização seria de 0,9 % e, no que respeita às exportações, de 0,8 %.
Mas, se a evolução cambial for considerada entre 31 de Julho e 15 de Outubro de 1992, verifica-se que, em relação às importações, a variação é nula e, em relação às exportações, se registaria uma desvalorização de 0,3 %.
Como é sabido, em relação a algumas moedas - a peseta, a libra e a lira -, que representam, em termos de destino das nossas exportações, aproximadamente 30 %, o escudo valorizou; mas, em relação a outras - das zonas do marco e do franco francês -, responsáveis por mais de 40 % das exportações, desvalorizou. Todavia, em mercados em recessão, a competitividade de preço não influi da mesma maneira.
Quando se aponta uma desvalorização, estar-se-ia a falar de ganhos de 2 % a 5 %. Ora, o custo do produto exportado português é, em média, 25 % a 35 % do preço pago pelo consumidor, isto é, as margens de comercialização são três a quatro vezes maiores do que o próprio preço da exportação!
Há ainda a considerar a forte componente importada na exportação, que joga em sinal contrário; não está ainda terminada a turbulência dos mercados cambiais e nenhum dos países cuja moeda desvalorizou o decidiu com o objectivo de aumentar, por essa via, a sua competitividade. Foram principalmente as forças do mercado, num período de turbulência, que as originaram.
Por outro lado, a política cambial e a liberalização do movimento de capitais permitiram a descida das taxas de juro, já da ordem dos 3 % a 4 %, no que respeita a taxas preferenciais desde que aderimos ao SME. A nossa taxa de juro real deixou de ser a mais elevada da Comunidade e há pelo menos três países com taxas reais superiores.
A estabilidade do escudo é, hoje, uma primeira prioridade. Temos de continuar a prosseguir o nosso programa de convergência. Com as actuais taxas de desemprego e de inflação, que vêm prosseguindo um processo de diminuição sustentado, e o aumento importante dos salários reais, a política cambial tem de ser rigorosa. Caso contrário, poderiam desenvolver-se pressões inflacionistas que se traduziriam no aumento do custo de outros factores de produção.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, num passado não muito distante era-se atacado pelo facto de o escudo não ser forte.

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Agora, os ataques são dirigidos a um escudo forte demais. Com franqueza, parece mesmo a mania de criticar por criticar!

Aplausos do PSD.

Ao banco central compete executar a política cambial, o que tem feito com indiscutível profissionalismo pois, quando se justificam intervenções no mercado, tem feito alterações da composição dos activos, que podem conduzirá ganhos ou a perdas. Até agora - e o Banco de Portugal pode confirmá-lo - temos sido bem sucedidos. Quanto aos especuladores, como em qualquer área de actividade, ganham quando compram baixo e vendem caro.
Por tudo isto, pedir uma desvalorização do escudo, que significa criar instabilidade nos mercados, não me parece ser uma atitude muito adequada.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, na estratégia de desenvolvimento da economia real há que vencer três grandes desafios: em primeiro lugar, o fortalecimento do tecido empresarial, designadamente criando uma indústria mais forte, um sector exportador de bens e serviços dinâmico, uma capacidade de comercialização agressiva e de distribuição eficaz; em segundo lugar, a afirmação do produto português no mercado internacional, actuando sobre a qualidade, a diferenciação, os factores complexos de competitividade, o marketing e a marca e, em terceiro lugar, a internacionalização das empresas, que tem como factores centrais da sua dinâmica o comércio internacional, o investimento directo estrangeiro e o investimento português no estrangeiro.
O modelo de crescimento das nossas exportações, baseando a sua competitividade nos preços baixos e ocupando segmentos de menor qualidade ou segmentos marginais, tem de continuar a mudar. Há que, gradualmente, dominar toda a cadeia de valor do produto. Uma empresa de um país comunitário terá de assentar fundamentalmente a sua força concorrencial no desenvolvimento autónomo dos factores complexos de competitividade, em padrões de qualidade elevados, na diferenciação pelo serviço, no aproveitamento de economias de escala e de gama, na criação de marcas próprias e no controlo dos canais de distribuição.
Em mercados globalizados e economias internacionalizadas, o que é importante é o reforço da capacidade de venda e a presença efectiva nos mercados, localizando-se a produção onde for mais favorável.
Ora, o posicionamento estratégico internacional da maioria das empresas portuguesas é ainda francamente desfavorável. Na grande maioria dos casos, são os compradores que vêm comprar e não os exportadores que vendem e, noutros, vende-se para os mercados e não aos consumidores. Perdem-se, assim, margens de comercialização, tantas vezes superiores ao próprio custo da produção.
O investimento português no estrangeiro passou, assim, a ser elemento essencial do processo de internacionalização empresarial e poderá assumir diversas formas, sendo de destacar o investimento na área comercial e de distribuição, fomentando o associativismo empresarial quando justificado, nomeadamente nos países industrializados e a deslocalização da produção industrial, designadamente adequada em sectores industriais baseados em mão-de-obra intensiva, que podem manter a sua competitividade nos países em desenvolvimento - em especial, nos PALOP- e, selectivamente, no centro e leste europeu.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a competitividade de uma nação depende, sem dúvida, de um quadro macro-económico favorável, mas, muito especialmente, do comportamento das empresas, da chamada economia real.
Sabemos que Portugal apresenta hoje vantagens comparativas facilmente identificáveis, daí o êxito que temos obtido na captação de investimento directo estrangeiro; mas sabemos também que continuamos a ter muitas carências e várias desvantagens comparativas.
O objectivo do Governo, para além do desenvolvimento de um pensamento estratégico global e sectorial e das consequentes políticas, é proporcionar soluções- instrumentos e medidas para, na medida do possível, contribuir para a anulação das desvantagens comparativas existentes, sem deixar de seguir o rumo certo, isto é, aquele que assegure a competitividade a médio e a longo prazo e o desenvolvimento e prosperidade sustentados. E, Srs. Deputados, creio que em Portugal e no estrangeiro se reconhece que temos prosseguido uma trajectória correcta e com resultados visíveis.
O Governo tem procurado criar um quadro adequado para a actuação dos agentes económicos. Com a estabilidade do escudo, reforçada pela sua integração no SME, com a liberalização dos movimentos de capitais, que têm vindo a originar a descida das taxas de juro e com algumas alterações que se prevêem a nível fiscal, designadamente o aumento do crédito do imposto relativo à dupla tributação económica para 50 % do IRC correspondente aos lucrou distribuídos, o quadro para a actuação dos agentes económicos tornou-se, por um lado, claro e, por outro, mais favorável.
Mas, para além destas medidas, o Governo tem procurado criar um conjunto de instrumentos para estimular e apoiar a actividade empresarial e para realizar mudanças estruturais, como a utilização de fundos estruturais e os diversos sistemas de incentivo e de apoio à acção das empresas nos vários sectores da actividade.
De entre os mais recentes instrumentos de apoio à actividade empresarial, quero salientar o Programa de Apoio à Internacionalização das Empresas Portuguesas (PAIEP), o Programa de Acções Estruturantes no Domínio do Turismo e o Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio.
Com o PAIEP, que tem uma aplicação horizontal, criou-se um sistema integrado de apoio ao investimento português no exterior, compreendendo medidas de carácter comercial, designadamente o fomento do associativismo, no domínio do financiamento, em capital próprio e alheio, no domínio fiscal e no da formação. O PAIEP é um sistema de base contratual e os Ministérios das Finanças, da Indústria, e Energia e do Comércio e Turismo colaboraram intensamente na formulação deste programa.
Considero-o um programa indispensável, actual e ambicioso, em que está assegurada a intervenção coordenada de diversos organismos e empresas que têm capacidades especificas nesta área: o ICEP (Instituto do Comércio Externo Português), que coordena, o Banco de Fomento, a COSEC, o Fundo de Cooperação Económica, o IPE (Investimentos e Participações do Estado), os bancos, sociedades de capital de risco, sociedades de leasing, fundos imobiliários, o IAPMEI. Realça-se, sem dúvida, a existência dos fundos para a reestruturação e internacionalização das empresas.
Este programa constitui um grande desafio que se coloca aos empresários portugueses. O funcionamento do mercado único exige respostas imediatas.

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Sr. Presidente e Srs. Deputados, como tenho vindo a
referir noutras ocasiões, com base no diagnóstico realizado no Livro Branco do Turismo, constata-se, com rigor e
frieza, que estamos, de facto, a terminar um ciclo
- com os seus muitos méritos, mas com algumas vulnerabilidades - de crescimento notável do nosso turismo, e
que vamos entrar noutro, em que a qualidade sobrelevará
a quantidade. É por isso que se lançou, na sequência da
nova estratégia de desenvolvimento definida para o sector, um programa de acções estruturantes, no qual o quadro de apoio financeiro ao investimento no sector ocupa lugar de relevo.
São 50 milhões de contos para apoiar a modernização do turismo. De entre essas acções, avultam, designadamente, as acções com vista ao aumento da competitividade da oferta, as acções com vista ao aumento da eficiência e eficácia da promoção, as acções com vista ao aumento do controlo da oferta e as acções com vista a aumentar o conhecimento sobre o sector.
Quanto ao sistema de incentivos para a modernização do comércio, uma iniciativa pioneira na Comunidade e que visa criar condições para que haja harmonia entre as várias formas de comércio, tias diferentes zonas de influência, melhorando as condições de concorrenciadidade das PME comerciais, deve dizer-se que mereceu uma grande adesão por parte dos empresários: em termos de candidaturas, está praticamente esgotado o plafond que inicialmente fora estabelecido e, em termos de execução, atingiu-se já uma elevada percentagem.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a política económica, do Governo seguirá no rumo certo. A evolução dos indicadores macro-económicos, nos contextos europeu e mundial, continua a demonstrar a correcção das políticas, não podendo, nem sendo de esperar a nível macro-económico, crescer como em épocas de forte expansão generalizada. A resposta das empresas vem continuando a ser, globalmente, positiva, mas o que verdadeiramente importa são estratégias empresariais correcta, eficácia e eficiência empresarial.
Mantendo o máximo rigor na prossecução dos objectivos macro-económicos, porque são os que garantem o futuro, o Governo continua a cuidar do presente, proporcionando aos agentes económicos as condições para que tenham êxito. É que o sucesso das empresas é o do País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs., Deputados, a terminar, o Sr. Secretário-Geral do Partido Socialista afirmou que estava a apresentar uma alternativa à política económica do Governo. Ma, francamente, o que ouvimos foram algumas hipóteses. Onde estão as alternativas concretas?

Vozes do PSD: - Não há!

O Orador: - Falou o engenheiro António Guterres em cinco medidas. Em relação ás taxas de juro, perguntar-lhe-ia: quer-nos explicar como intervinha?
Em relação ao realinhamento cambial, quer-nos elucidar quando e como fazia? Saía do sistema monetário europeu? Pedia o realinhamento? E qual era o valor da desvalorização? Está a falar nos 5 % em relação à peseta? Mas a situação económica em Espanha não é bem diferente da nossa?

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - O Sr. Ministro trouxe o trabalho feito de casa!

O Orador: - Em relação à liberalização do movimento de capitais, não acha que põe em causa a concretização final? Não quer que haja um mercado único financeiro? Não quer a liberalização do sector?
E, quanto ao Orçamento, diz que apresentaria um Orçamento diferente. Mas como? Com mais receitas? Com menos despesas? Com outras despesas? Quer concretizar quais as alternativas?
Em relação à inflação, diz que pretende que ela desça mas quer desvalorizar o escudo, o que aumenta à inflação e corta o poder de compra dos trabalhadores, enganando os empresários.
Ficamos à espera, Sr. Secretário-Geral do Partido Socialista, de um esclarecimento sobre as suas propostas.

Aplausos do PSD.

Neste momento, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Comércio e Turismo, lamentavelmente, V. Ex.ª enredou-se, na parte final do seu discurso, num conjunto de considerações que previamente tinha definido como importantes na sua intervenção e que não foi capaz de ajustar à forma como, entretanto, decorreu o debate. Portanto, muitas das perguntas que fez foram respondidas pelo meu camarada António Guterres...

Protestos do PSD.

... em diálogo vivo com os Deputados da sua bancada...

Aplausos do PS.

Em relação àquelas que o não foram ou que VV. Ex.as entenderam não o terem sido suficientemente, cá estaremos no debate do Orçamento para 1993, que de forma alguma desvalorizamos, para vos dar as respostas adequadas.
De todo o modo, Sr. Ministro, faço-lhe as seguintes observações: em primeiro lugar, que fique claro - e felizmente que temos algum mérito no enredamento final de V. Ex.ª, - que não foi proposta pelo meu camarada António Guterres uma desvalorização mas, sim, um realinhamento do escudo, ...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Explique qual é diferença!

O Orador: - ... numa acção concertada no mecanismo de câmbios do sistema monetário europeu. São coisas completamente diferentes, como o Sr. Ministro das Finanças sabe muito bem e como o Sr. Ministro do Comércio e Turismo também sabe.
Entendemos que a continuação desta política cambial é nefasta e cremos que V. Ex.ª e o seu sector vão ser a suas principais vítimas. Aliás, hoje é o «dia de todos os castigos» e V. Ex.ª, de castigo, também foi obrigado a vir aqui, não só pelas suas heterodoxias do passado mas, sobretudo, por aquilo que o vai vitimar no futuro.
Ora, pensamos que a continuação desta política cambial vai inevitavelmente conduzir à elevação real das taxas de juro, o que está ligado a um aspecto que V. Ex.ª tratou na sua intervenção, a meu ver, de maneira menos feliz. Disse que os agentes económicos produtivos nacio

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nais exportadores estavam a ajustar as suas margens a uma estratégia de manutenção de quotas de mercado. 15so seria positivo, só que infelizmente, não é o que se passa, como V. Ex.ª, muito bem sabe.
A maioria dos exportadores portugueses, neste momento, está a ceder gratuitamente ao estrangeiro as suas margens. Como não suporta a sua situação financeira, é obrigada a vender ao desbarato os seus stocks. 15to é, que explica, de algum modo, as pequenas «vitórias» conseguidas no domínio da promoção das exportações. Porém, a realidade é que os exportadores estão a ceder ao exterior, de maneira gratuita, as suas margens mínimas, numa estratégia clara de sobrevivência.
Como é evidente neste tipo de estratégia, o futuro não é um oásis mas sim um deserto.
Por falar em oásis, o Sr. Ministro, na parte final da sua intervenção, referiu-se também ao turismo. A este respeito deve conhecer as conclusões de um inquérito feito junto dos hoteleiros do Algarve, recentemente divulgado, e saberá, seguramente, que nos hotéis de duas e de três estrelas o nível de ocupação em 1992 foi inferior ao de 1991, o mesmo acontecendo com o nível de facturação; que nos hotéis de quatro estrelas os níveis de ocupação foram inferiores aos de 1991 e até inferiores aos de 1988, o mesmo acontecendo com os níveis de facturação; que nos hotéis de cinco estrelas - o tal turismo de qualidade que V. Ex.ª aqui defendeu, aliás na peugada do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território - atingiram níveis de ocupação completamente inferiores aos de 1988.
15to é a tal palmeira, mirrada, do oásis do Sr. Ministro das Finanças para o fim do ano?
Quero deixar aqui uma última palavra, esta para a competitividade. A este respeito permito-me deduzir que, certamente, V. Ex.ª teve acesso ao último relatório do World Economic Forum, onde se diz que a competitividade
da economia portuguesa, no âmbito da OCDE, se encontra na penúltima posição, exactamente em paralelo com a Turquia e apenas acima da Grécia. É a esta competitividade que V. Ex.ª, se refere?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Sr. Presidente, preferia responder em conjunto, no final, se houver mais pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Só houve uma pergunta, Sr. Ministro.

O Orador: Sr. Deputado Manuel dos Santos, agradeço a sua intervenção, que veio confirmar aquilo que referi na minha em que apontei as fragilidades do discurso do Sr. Secretário-Geral do Partido Socialista. Essas fragilidades mantêm-se e o Sr. Deputado acabou mesmo por confirmá-las, ao dizer que não se pretendia uma desvalorização da escudo.
Não foi essa a ideia com que as pessoas ficaram. A mensagem aqui transmitida, claramente, foi a de que devia haver uma desvalorização do escudo e isso é profundamente errado. É totalmente diferente falar, como o fez agora, em realinhamento numa acção concertada do sistema monetário europeu.

O Sr. Manuel dos Santos(PS):- É evidente! Foi isso que dissemos!

O Orador: - Em relação às outras questões continuei, obviamente, sem resposta. Elas, de facto, não estão ainda devidamente preparadas e pensadas.
No que diz respeito à cedência gratuita ao estrangeiro das margens das nossas exportações, quero dizer-lhe, em primeiro lugar, que embora reconhecendo-se que os preços das exportações têm vindo a ter uma degradação, não é claro que as margens das empresas, exactamente porque as importações também tem vindo a ter uma diminuição importantíssima, ...
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Os preços aumentam, os custos diminuem!...

O Orador: - ... não sejam ainda mais favoráveis do que as resultantes da desvalorização do escudo nas exportações.
Por outro lato, Sr. Deputado, é um facto indiscutível que, mesmo tendo-se acentuado o abrandamento das economias e a recessão nalguns dos nossos principais mercados, as exportações portuguesas tiveram um crescimento claro em relação ao ano anterior.
Neste momento é já seguro que, em termos de volume, até ao final do mês de Agosto as exportações terão crescido mais do que 4 % e, porventura, mais do que 5 %.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): qual é a previsão do Sr. Ministro para o fim do ano?

O Orador: - A minha previsão para o fim do ano fica acima dos 4 %, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Não pense nisso!... Contente-se com 2 %.

O Orador: - Quanto ao problema do nível de ocupação na indústria turística, Sr. Deputado, os números são claramente indiciadores de que, contrariamente ao que
aconteceu em outros destinos turísticos, na Europa e no norte de África, nós continuamos a ser um destino privilegiado. O que vem acontecendo, na realidade, desde há alguns anos, é um desajustamento entre o crescimento da oferta e o crescimento da procura. Como sabe, no Algarve, o crescimento da oferta, nos últimos anos, foi superior a 20 %, enquanto o da procura não excedeu os 4 %.
Por outro lado, Sr. Deputado, em relação à actividade turística temos de caminhar no sentido de captar outro nível de oferta, com maior poder de compra e com outros interesses culturais, de maneira a assegurar a sustentabilidade do desenvolvimento do sector do turismo e isso está feito. Não está apenas definida a política, mas sim todo um sistema de acções estruturantes de apoio real à concretização dessa política.
Finalmente, no que diz respeito ao estudo do World Economic Forum, o Sr. Deputado sabe bem que esse estudo, em termos de fundamentação, tem lacunas gravíssimas, designadamente não entra com as razões de troca.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

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O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Neste debate parlamentar ficou claro, quanto a mim, que o Partido Socialista apresentou alternativas consistentes para as várias políticas macro-económicas e para o conjunto da política económica em Portugal.
Aliás, a questão da pseudo inexistência de alternativas, como insiste o PSD e como hoje, infelizmente, também aqui insistiram o Sr. Ministros da Indústria e Energia e o Sr. Ministro do Comércio e Turismo, permitiria, à partida, supor duas hipóteses: em primeira hipótese, tratar-se-ia de uma manifestação de arrogância política a tender para o autoritarismo, visto que, no fundo, gostar-se-ia que a realidade fosse diferente da que é, na prática; em segunda hipótese, tratar-se-ia da crença na própria propaganda que o Governo faz - a interiorização da miragem do oásis.
Suponho que haverá uma parte de cada uma destas explicações na vossa permanente ideia de que nunca há alternativa para nada, de que só os senhores são alternativa a vós próprios. 15so é falso.

Vozes do PS: - Muito bem.

O Orador: - Há, porém, uma terceira hipótese, a de o Governo e o PSD considerarem que a situação é de tal gravidade que a margem de manobra não existe, Ora essa é uma hipótese que vale a pena discutirmos.
Em primeiro lugar, não há qualquer dúvida de que o cenário internacional é agora mais adverso. No entanto, a firmeza e a capacidade dos governos vêem-se com cenários internacionais adversos e não quando o vento sopra magnificamente a favor das economias. A menos que este Governo queira transformar-se numa comissão administrativa da conjuntura internacional!...
Como é evidente, se estivéssemos no início do quadro comunitário de apoio e os fundos estruturais não tivessem já sido gastos, a margem de manobra seria, certamente, maior e não teriam sido cometidos alguns erros de aplicação destes fundos.
É também evidente que, se não tivesse havido a política demagógica e irresponsável que foi levada à prática em 1991, a margem de manobra, hoje, seria também maior.
É evidente que se a política de taxas de juros que os senhores levaram à prática, sobretudo em 1990 e 1991, não tivesse levado à gravíssima situação com que hoje se debatem muitíssimas empresas, a margem de manobra também seria hoje maior e as alternativas mais fáceis de construir.
É evidente que se a entrada do escudo no mecanismo de taxas de câmbio do sistema monetário europeu não tivesse sido feita com a paridade central que foi, altamente sobre-avaliado, a margem de manobra seria hoje maior.
É evidente que, se não houvesse uma situação de profunda recessão na agricultura e na indústria a margem de manobra, para alternativas, também seria maior do que a actualmente existente.
É evidente que, se tivesse havido, nestes anos, a tal transformação das estruturas produtivas, de que as GOP falam todos os anos, a tal mudança na nossa especialização internacional, que todos os anos é também falada, a margem de manobra seria hoje maior.
Mas o que é facto é que os senhores falam sempre em relação ao futuro!... No futuro é que irá haver mudanças estruturais, alterações da especialização, esquecendo-se que estão a governar em maioria absoluta desde 1987 e que estão no Governo em áreas chave das pastas económicas há mais de 12 anos.

Aplausos do PS.

É evidente ainda que, se tivesse havido uma proximidade maior entre a Administração, os cidadãos e as empresas e não se tivesse dado exactamente o contrário, a margem de manobra, hoje, para políticas alternativas, seria também mais forte.
Por outro lado, se tivessem efectuado algumas reformas de fundo nas áreas sociais, participadas pela população, em vez de terem feito arremedos de tipo populista e altamente perigosos, como o que está a acontecer a nível da saúde e o que ameaça passar-se na segurança social, também a margem de manobra poderia ser maior.
Mas, apesar de tudo, estejam calmos, Sn. Membros do Governo e Srs. Deputados: a margem de manobra é menor do que seria se não tivessem cometido tantos erros, mas ainda é maior do que aquela que deixaram em 1983 ao Partido Socialista, depois de anos de gestão, completamente errada, da Aliança Democrática, em que começaram também por uma política cambial de revalorização do escudo, da responsabilidade do então ministro das Finanças, Cavaco Silva.

Aplausos do PS.

Há, pois, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, alternativas.
Há alternativas à direita, como foi visto, e há as alternativas que o Partido Socialista aqui protagonizou, no seguinte sentido: em primeiro lugar, na articulação entre o desenvolvimento económico e o desenvolvimento social - uma articulação que tem estado completamente fora das preocupações do Governo; em segundo lugar, na necessidade de, finalmente, acordar e sobre-determinar toda a estratégia em matéria de convergência nominal pelos imperativos de convergência real.
Não venham, pois, falar-nos apenas de crescimento económico, porque o diferencial deste crescimento em relação à Comunidade, como meu colega de bancada, António Guterres, bem demonstrou, não é nada especial dados os apoios comunitários que temos tido, mas antes uma demonstração de grande falhanço.
É necessário que haja políticas de produtividade, de investimento, de competitividade e de crescimento com qualidade. No entanto, nada disso tem sido feito.
Por outro lado, é necessário que as políticas estruturais visem a transformação na especialização e, portanto, a criação de novas vantagens comparativas, sobretudo assentes em recursos humanos qualificados. Mas, como é que se faz isso quando, ao mesmo tempo, se ataca, ferozmente, o sector da educação, como os senhores estão a fazer este ano? Como é que podem falar no futuro e, ao mesmo tempo, comprometer o futuro imediato com as políticas que estão a desenvolver, repito, no sector da educação? Esta é uma demonstração clara de incapacidade.
Por outro lado, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, é necessário ainda apontar para 1996 para que se consiga, gradualmente, em matéria de convergência nominal, cumprir os calendários europeus, embora haja ajustamentos possíveis - e cada vez mais prováveis - e o gradualismo possa, muito provavelmente, ir até 1998. Convém não escamotearmos também esse facto.
Dentro desse ponto de vista, há que ter, como foi aqui dito, em primeiro lugar, uma política cambial realista.

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E, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, uma política cambial realista é uma política que acabe com as revalorizações nominais que estão a ser feitas este ano, que acabe com as exageradas revalorizações reais, como tem sido feito nos últimos três anos; é uma política que, sem regressar à desvalorizações ditas competitivas, permita que as empresas possam mostrar o que valem e que não sejam penalizadas, artificialmente, pelas políticas do Governo que, ainda por cima, depois fala, sistematicamente, em empresas e em empresários quando, ao mesmo tempo, está a desenvolver políticas que liquidam as empresas e que encostam os empresários à parede.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É também uma política de taxas de juro virada para a rápida descida da taxa de operações activas e que não seja uma política aventureira, que não permita que a especulação internacional, a partir de Janeiro de 1993, torne a nossa economia um alvo facílimo, apesar das reservas. E tudo o que seja a liberalização total à especulação internacional dos movimentos monetários de curtíssimo prazo é uma ousadia que poderá sair cara ao País, como muita gente tem dito, e com toda a razão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, Srs. Deputados, é necessário que haja uma política de combate à inflação fundamentada no incentivo à poupança. Ora, esse incentivo à poupança faz-se sobretudo ao nível das taxas de juro passivas, mas também através dos instrumentos de que o Estado dispõe. O Estado não pode querer poupar no Orçamento do Estado e estar, por essa via, a desestimular a política de taxas de juro dos bancos e, também, a estimular indirectamente o consumo. O combate à inflação vai ter, necessariamente, que adoptar uma política de poupança bastante mais correcta. Também a política de rendimentos tem de estar articulada de forma sapiente, com uma ligação entre a evolução dos salários reais e a evolução da produtividade.
Sobretudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para que tudo isto seja feito, é preciso que o próprio Governo reconheça a realidade da nossa economia.
Para terminar- já que o Sr. Ministro das Finanças normalmente não ouve a oposição -, peço a alguém do PSD ou do Governo que explique ao Sr. Ministro das Finanças que é melhor enterrar de vez a história do oásis, visto que o congresso da imaginação foi adiado por falta de verba.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para fazer pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Silva Marques e Rui Rio.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Outra vez! Agora é um especialista de economia!?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não sou nada, Sr. Deputado. Os senhores é que desacreditam o Parlamento, porque partem do principio de que só um técnico podo tomar a palavra no Parlamento, o que é a rejeição mais surpreendente da cidadania e da representação popular.

Aplausos do PSD.

Da parte de socialista, Srs. Deputados, nunca esperei tal! Nunca esperava que os senhores fossem uns saudosistas da Câmara Corporativa. Felizmente que o 25 de Abril teve lugar!
Aliás, talvez a vossa crise seja de crescimento, isso se os senhores forem capazes de se colocarem em questão a vós mesmos. Se não o quiserem fazer, tanto pior- não só para os senhores mas também para o País. De facto, há pouco o Sr. Deputado António Guterres disse que o mal do Governo é também o mal do País, mas devo dizer-lhes que o mal da oposição também é o mal do País, por que o País andará melhor se tiver um Governo bom - como tem - e se tiver uma oposição também boa e credível. Se os senhores não quiserem dar esse contributo, lastimarei como cidadão e como português.
Mas, passemos ao debate. O Sr. Deputado Ferro Rodrigues diz que há alternativa. Claro que há! Existem teses diferentes: umas num sentido, outras noutro. Aliás, tenho aqui um leque de teses técnicas acerca desta questão.
Como dizia, de facto, há alternativas. O que se passa é que ainda não sabemos qual é a do PS!
Repare, Sr. Deputado, que ao longo deste debate o PS já apresentou várias: o Sr. Deputado António Guterres desvalorizava; o Sr. Deputado Manuel dos Santos não desvalorizava; por fim, o Sr. Deputado Ferro Rodrigues veio com uma terceira tese, a da desvalorização deslizante.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - A sério?!

O Orador: - Exacto, a sério.
Por isso, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, claro que há alternativas, apenas não sabemos qual é a alternativa do PS! E é essa a questão da liderança política da oposição.

Aplausos do PSD.

Deste modo, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, se quiser contribuir para a definição das alternativas tem de ser mais claro e mais incisivo na sua proposta. Para começar, tem de dizer qual posição que apoia: se a do secretário-geral António Guterres, se a do Deputado Manuel dos Santos...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Entre outras!

O Orador: - Sr. Deputado, os senhores são fortes no criticismo miserabilista, e não será por acaso que neste debate o único ponto em que os senhores têm coincidência, técnica e política, é com o Partido Comunista.
Sr. Deputado, tenho aqui um relatório de conjuntura - um relatório insuspeito -, em que...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Tirou-o da frente do Deputado Rui Carp!

O Orador: - ... empresários respondem à seguinte questão: «Como analisa a actividade económica em geral?» 55 % respondem «igual»! É esta a crise?!

Vozes do PS: - Igual quê?

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O Orador: - Igual à anterior, que era óptima!

Risos do PS.

Oh meu Deus! Se quiserem, trago-lhes um outro testemunho: Silva Lopes, que afirma «o comportamento da economia portuguesa surpreendeu-me: Enganei-me nalguns prognósticos e, neste momento, não preconizo qualquer realinhamento precoce do escudo».
Sr. Deputado, posso referir-lhe ainda outro testemunho: João Salgueiro, que refere «as saudáveis contas externas e uma taxa de desemprego muito baixa permitem encarar o futuro com optimismo».
Portanto, Srs. Deputados, quem está cego ou quem quer ver o País? Foi esta a pergunta que há pouco dirigi ao Sr. Secretário-Geral do PS e à qual ele disse ir responder com seriedade, mas, infelizmente, não o fez.
Posto isto, insisto em dizer que esta interpelação só terá alguma utilidade - e aqui discordo do Sr. Deputado Nogueira de Brito - se, por acaso, vier a contribuir para definir bem as teses do Governo e da oposição. Mas se os senhores quiserem acabar esta interpelação sem definirem a vossa tese, o mal é vosso e não da interpelação!
Portanto, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, em desespero de causa, tomo a insistir nestas questões: como é que os senhores caracterizam a crise e com que fundamentos, se as próprias respostas dos empresários negam a vossa tese?
Em segundo lugar, em que ficamos: o Partido Socialista pensa que já devia ter havido desvalorização? Em quanto e quando? O Partido Socialista pensa que os aumentos salariais devem ser moderados, e em quanto? Considerou excessiva a proposta do Governo ou considerou-a pequena? Qual é, então, a do PS? Respondam Srs. Deputados, pois apesar da a interpelação ser vossa nem por isso ficam dispensados de responder.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, devo dizer-lhe que, pelos vistos, para além de ouvir mal também lê mal. De facto, ninguém falou em desvalorização deslizante. Talvez seja o Sr. Deputado que está a deslizar!

Risos do PS.

Realmente, o Sr. Deputado Silva Marques não é um técnico. Sabe-se que tem técnica parlamentar, embora hoje tenha demonstrado ter alguma táctica mas nenhuma estratégia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às ilustres figuras de que falou, aproveito para dizer ao Sr. Deputado Rui Carp - que estava a ouvir muito atentamente - para, na próxima quarta-feira, na reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano, aprovar a proposta que o PS fez - e que os senhores manifestaram a intenção de boicotar - no sentido de permitir que os Srs. Drs. Silva Lopes e João Salgueiro, entre outros, venham à Comissão falar sobre a situação económica e sobre o Orçamento do Estado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Rui Carp pede a palavra para que efeito?

O Sr. Rui Carp (PSD): - Para defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: -- Fica para depois, Sr. Deputado. Para já tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, quem desconhecer a realidade do País e vier à Assembleia da República ouvir o discurso de V. Ex.ª, e do Partido Socialista em geral, é capaz de acreditar que só há desgraças neste pais e que está eminente uma catástrofe. Ora, só pode dizer isso, porque V. Ex.ª se esquece de indicar alguns aspectos importantes, e fá-lo por que não lhe convém.
O Sr. Deputado não referiu aqui que a inflação em Portugal tem estado a descer e que se vai situar nos parâmetros em que apostámos no inicio do ano.

Vozes do PS: - À custa de quê?!

O Orador: - V. Ex.ª não referiu que a economia portuguesa está à beira de conseguir a convergência nominal; também não referiu que o produto interno bruto português tem crescido acima da média comunitária e que, nessa medida, a convergência real também não está esquecida.
De novo, V. Ex.ª não referiu que os salários reais dos portugueses vão crescer 4,5 % este ano. E ficava bem ao Partido Socialista vir aqui dizer - uma vez que andou todo o ano a discutir se a carga fiscal descia ou subia, tentando convencer os portugueses de que a carga fiscal subia...

Vozes do PS: - E subiu!

O Orador: - ... -, que os salários reais subiam! De facto, o que interessa ao povo português não é se a carga fiscal sobe ou desce, é se vivem melhor, se realmente os seus salários sobem ou descem. É isto que interessa, e é esta a mensagem que deixamos ao povo português.
Alias, trago comigo um «quadrozinho» muito engraçado, cuja fonte é a Comissão das Comunidades Europeias, que demonstra a evolução dos salários reais ao longo dos tempos - e V. Ex.ª, tem este «livrinho». Nele, pode constatar que sempre que o PS liderou um governo os salários reais baixaram em Portugal; e sempre que o PSD liderou um governo os salários real subiram em Portugal. V. Ex.ª também tem este quadro, com certeza.

Aplausos do PSD.

Mas a maior critica que o Partido Socializa faz, no âmbito da política económica, refere-se à política cambial. VV. Ex.as- dizem que o escudo está alto e defendem um realinhamento, para baixo. Também para esta matéria trouxe «livrinhos» - hoje vim cheio de «livrinhos» para não me enganar! Assim, tenho aqui um «livrinho» que é o Programa de Convergência - o Q2- que aponta para uma previsão de crescimento das exportações portuguesas de 2 % tenho um outro «livrinho», cuja fonte é o Instituto Nacional de Estatística, que aponta que as exportações portuguesas este ano vão crescer.

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Quanto, Sr. Deputado? 5 %. Ou seja, previmos crescer 2 9ó e vamos crescer 5 %.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E acreditam!?

0 Orador: - No entanto, VV. Ex.ªs - pedem para desvalorizar ou realinhar o escudo com base em critérios de defesa da exportação.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS) - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, agradeço-lhe a pergunta que fez e, de qualquer forma, gostaria de lhe dizer que espero que tenha a coragem política de fazer esse discurso aos empresários do norte do Pais - na região do Porto, donde é Deputado -, que estão hoje lá reunidos, porque, certamente, a resposta não será muito positiva.
Por outro lado, queria apenas dizer-lhe duas coisas telegráficas.
Em relação à inflação, Sr. Deputado, também era melhor que não tivesse descido. Ou seja, com a alteração metodológica que o INE fez e com a política de revalorização real e nominal do escudo, também era melhor que a inflação não tivesse descido.

Vozes do PS: - Muito bem!,

0 Orador: - Quanto à questão da política cambial, o problema é que o Governo ficou preso da sua própria estratégia, porque não querendo realinhar no momento em que a peseta realinhou, ficando à espera de um rápido realinhamento - e isso não se deu -, estão agora sem saber como é que hão-de descalçar esta grandessíssima bota. Esse é que é o problema político de fundo, Sr. Deputado.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Manuel dos Santos pediu a palavra para que, efeito?

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para defesa da consideração pessoal, uma vez que fui invocado e referido pelo Sr. Deputado Silva Marques.

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado poderá usar da palavra a seguir ao Sr. Deputado Rui Carp, que também já fez o pedido para o mesmo efeito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, o meu pedido de defesa da honra fundamenta-se, muito justamente, numa afirmação gravíssima que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues fez.

Vozes do PS: - Gravíssima?!...

0 Orador: - Penso que é gravíssimo dizer que há um grupo parlamentar que está a boicotar a actividade de uma comissão. 15so é muito grave.
0 que se passa, Sr. Deputado, é tão simplesmente isto: VV. Ex.ªs anunciaram que iam propor à Comissão de Economia, Finanças e Plano um convite a várias personalidades para serem ouvidas a propósito do Orçamento do Estado para 1993. Não disseram quais eram as personalidades. Ora, o que o PSD disse foi que na próxima reunião iria tomar uma posição sobre esse assunto e que qualquer grupo parlamentar era livre de ouvir as personalidades que quiser. Porém - e isto é que é grave -, não pode confundir a vontade maioritária desta Câmara com quaisquer boicotes.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - No fundo, o que os senhores querem é que esta Câmara seja governada pela minoria. Só que, enquanto houver democracia, quem governa é a maioria. Aliás, podemos provar, no passado como no futuro, que o que queremos é a discussão, o esclarecimento das questões e que, em matéria de política económica e social, se apresentem alternativa, correcções, comentários e criticas ao Governo.
Contudo, até agora - tal como na semana passada -, o PS não apresentou uma única medida ou política de alternativa, apenas críticas, que nalguns casos roçam o disparate, como, por exemplo, afirmar que «o desemprego está a diminuir, mas o desemprego oculto está a aumentar». Não sei o que é isso de «desemprego oculto».
Relativamente a questões sobre a inflação, também criticaram dizendo que «a inflação está a baixar porque o INE alterou os seus índices».
De facto, os senhores «quando não ganham no terreno querem ganhar na secretaria!» Pois aí já se sabe que ninguém ganha, só através dos jogos sujos. Mas esse jogo sujo não é do Partido Social-Democrata, é do Partido Socialista que vem para aqui tentar baralhar a opinião das pessoa,; sobre a economia portuguesa, e mais: lançar um labéu terrível, porque não há na Europa nenhum partido responsável que queira fazer tal sobre a desvalorização do escudo, pois todos sabemos que em matéria de política cambial tem de haver a maior delicadeza e o maior melindre no seu tratamento, quer estejamos no Governo quer na oposição,
Neste caso concreto nem sequer se justifica qualquer desvalorização, como o Sr. Ministro das Finanças referiu, e muito bem, na semana passada, e como se está a concluir neste debate.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, fiquei a saber que o Sr. Deputado considera como afirmações gravíssima, que põem em causa a sua honra pessoal, questões como a existência de desemprego oculto.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Refiro-me aos boicotes!

0 Orador: - Os Srs. Deputados do PSD estão muito enervados. 0 debate correu-vos bastante mal, mas tenham mais calma. Não é caso para tanto! Há mais debates!
0 problema de base é o problema político. É que o Partido Socialista - ao contrário do que o Sr. Deputado Rui Carp diz -, ontem, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, apresentou uma proposta concreta. Esta era no sentido de que viessem à Assembleia da República,

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Para serem ouvidos sobre a situação económica e sobre o Orçamento, todos os ex-ministros das Finanças que fazem parte da comissão consultiva que trabalha, de vez em quando, com o actual Ministro das Finanças. E foi clara a vossa intenção em negar essa vinda.
Portanto, o argumento técnico e quantitativo é ridículo nesta fase do debate, Sr. Deputado Rui Carp. Assim, todos tiraremos as conclusões da vossa atitude de voto quarta-feira.
Como é óbvio, o Sr. Deputado Silva Marques falou em nomes muito respeitáveis que, certamente, também gostarão de dizer à Assembleia da República o que verdadeiramente pensam sobre a situação económica portuguesa e sobre a política cambial. Por exemplo, estou a pensar no Sr. Dr. Silva Lopes que gostará muito de vir aqui explicitar as suas posições sobre essa matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, a ideia do boicote à proposta é, infelizmente, a ideia que transpareceu daquilo que foi a vossa postura na reunião de ontem.
Esperemos que me engane e que na quarta-feira levantem esta mesma posição.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para defesa da honra e da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, pessoalmente, reconheço ao Sr. Deputado Silva Marques o
direito para intervir em todas as matérias, inclusivamente, mesmo em relação às quais ele se considere tecnicamente menos preparado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito obrigado. Fico-lhe muito grato!

O Orador: - Não tem nada que me ficar grato. 15so, aliás, é uma constatação normal e natural e só a reproduzo
aqui porque V. Ex.ª fez disso o essencial da sua intervenção.
Agora, o que não lhe reconheço é que esteja permanentemente distraído nos debates e embora os discursos
do Governo tenham sido suficientemente sedativos isso não
é justificação. Ou seja, que V. Ex.ª, esteja permanentemente a dormir nos debates...

Risos do PS.

... e, depois, utilize o direito que tem de intervir politicamente para falsear a verdade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que V. Ex.ª, aqui disse é politicamente - entenda-se, não se trata de um agravo pessoal - uma mentira. O que o Sr. Deputado António Guterres disse no seu discurso - já agora peço-lhe que esteja acordado- foi que...

Vozes do PS: - Dá-lhe uma cópia!

O Orador: - ... «O Governo e o Banco de Portugal devem aproveitar e, se necessário, suscitar um alinhamento das moedas no seio do sistema monetário europeu fazendo com que a paridade do escudo no mínimo...», etc.
O que eu disse, Sr. Deputado Silva Marques, é que esta observação devia ser encarada como uma acção concertada no quadro do sistema monetário europeu.
15to é exactamente a mesma coisa. O Sr. Deputado não tem o direito de dizer que há divergência entre mim e o meu camarada António Guterres.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos, o defeito é, com certeza, meu que não sou um especialista!

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Então não fale na especialidade!

O Sr. José Sócrates (PS): - É preciso fazer-lhe um desenho para perceber!

Risos do PS.

O Orador: - Mas já vos agradeci a bondade de me permitirem falar!

Risos do PSD.

Srs. Deputados socialistas, devo dizer-lhes em aparte que os senhores cada vez me desiludem mais.

Risos do PS

Não põem em causa apenas a cidadania e o mandato representativo típico dos parlamentos, mas, agora, até a técnica se puseram a endeusar. Sabem muito bem que é uma das teses mais clássicas da reacção e nem só dos conservadores. Quem endeusa a técnica são sempre os reaccionários, porque é a forma de rejeitar a representação popular. Quem faz o mundo são os homens e as suas opções, não é a técnica. Quem faz girar o mundo é o sonho, não é a técnica!
Os Srs. Deputados socialistas já viram o que era a técnica puxada por um ronceiro? O mundo estava no mesmo sítio há muitos séculos!

Risos do PSD.

Quem puxa a técnica são os sonhadores. Mas, Srs. Deputados, não quero bater-vos mais porque, de facto, isto já é catastrófico. Srs. Deputados, com toda a franqueza, queria apenas que me esclarecessem.
Sr. Deputado Manuel dos Santos, então deverei eu concluir que os senhores estão de acordo com a política do Governo?

Risos do PS.

Srs. Deputados, vou apresentar-vos o legue das propostas técnica,; a fim de que o político sonhador escolha. Portanto, os técnicos ao vosso serviço.
Diz um: «Não há benefícios imediatos na desvalorização.» É uma hipótese, VV. Ex.as- tanto podem escolher como não. Há outro que até diz que se deve desvalorizar mais. Até diz quanto, ou seja, 4 % a 6 % - Alfredo de

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Sousa. Outro a seguir diz: «Não preconizo qualquer realinhamento precoce do escudo.» Portanto, é a técnica.
Qual é a vossa opção. Ou será que os socialistas perderam o sonho e deixaram de sonhar? Provavelmente o que perderam foi o sono! Afiara a lanho, realmente, é surpreendente!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Barreto.

O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de começar esta minha intervenção por manifestar a minha estranheza e incompreensão pelo facto de o Partido Socialista ter decidida agendar um debate sobre política económica, uma semana após uma discussão sobre a mesma matéria ter sido efectuada neste mesmo hemiciclo por iniciativa governamental e a escassas três semanas da discussão nesta Assembleia, quer das Grandes Opções do Plano, quer do Orçamento do Estado. Pessoalmente, parecer-me-ia muito mais lógico e correcto fazer-se, durante esse próximo e importante debate, que é o debate orçamental, a realizar-se já durante a terceira semana de Novembro, um amplo e alargado debate não só sobre a situação actual da economia nacional, ramo também sobre as políticas que o Governo se propõe implementar no próximo ano para manter, ou alterar, as políticas seguidas anteriormente.
Penso, sinceramente, que a realização prévia destes debates vêm de certo modo esvaziar e prejudicar o próximo debate parlamentar sobre o Orçamento do Estado,...

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - ... o que pessoalmente lamento por pensar dever ser essa discussão uma das tarefas mais nobres e importantes da actividade do nosso Parlamento.

Aplausos do PSD e do CDS.

Entrando, agora, na matéria deste debate, veio o Partido Socialista apresentar, através da voz do Sr. Deputado António Guterres hoje, aqui, uma visão catastrófica sobre a situação actual da economia portuguesa, discurso esse que não tem suporte nas indicadores macro-económicos disponíveis e que também é diametralmente oposta ao discurso oficial feito ainda, aqui, na semana passada pelo Sr. Ministro das Finanças.
Pessoalmente, penso, sinceramente, não ter o Partido Socialista razão na visão altamente negativa que faz da situação actual da economia portuguesa, o que não quer dizer que o ritma de progresso da nossa economia não tenha abrandado e que não existam actualmente dificuldades em alguns sectores da vida nacional.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Claro está, que independentemente da política seguida, numa economia com o elevadíssimo grau de abertura externa, que caracteriza a economia nacional, não é possível que, face às graves dificuldades, diria mesmo, a recessão com que se debatem os noves principais parceiros internacionais (Alemanha, Espanha, Reino Unido, EUA, etc.), a economia nacional se não viesse a ressentir fortemente dessa difícil situação externa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Essa é, sem sombra de dúvida, em minha opinião, a primeira e principal razão das dificuldades que a economia portuguesa tem vindo a enfrentar nos últimos tempos e que, infelizmente, terá ainda de enfrentar durante o ano de 1993.
Penso, por isso e sinceramente, que a análise da situação económica não pode deixar de ser feita em termos relativos, ou seja, comparar a nossa evolução económica com a dos restantes países com os quais mantemos relações comerciais e, em especial, com os países da CEE com os quais a nossa economia está profundamente integrada.
Essa comparação, que nos tem sido francamente favorável durante os últimos anos, vai continuar a ser favorável durante o corrente ano, como aliás prevêem as mais diversas instâncias internacionais e mesmo peritos económicos nacionais de posição insuspeita, como é, por exemplo, o caso do Prof. Alfredo de Sousa- bem conhecido pelo sua posição crítica em relação à actuação do Governo - que, embora mais pessimista que o Governo, prevê para o ano de 1992 a seguinte evolução: crescimento da economia, perto de 2%; formação bruta do capital fixo, 3,5 %; exportação de bens e serviços, 1,5 % a 2 %; taxa de desemprego, 4,5 %; taxa de inflação, 9 %; crescimento dos salários reais fixados em valores de 4 %.
Indicadores que mesmo apresentados par um economista com visão pessimista campara, com excepção da taxa de inflação, muito favoravelmente com os que hoje são previstos paca a média dos países da Comunidade onde, por exemplo, não se antevê um crescimento da economia, no corrente ano, muito acima de 1 %.
Mas ao analisarmos com detalhe como é que os diferentes sectores da actividade produtiva nacional estão a evoluir em 1992, e com base nos elementos recentemente publicados (Outubro de 1992) pelo Gabinete de Estudos Económicos do 1NE e referentes ao 1.º semestre de 1992, constataremos que houve uma acentuada queda do produto agrícola (-12 %), uma estagnação da produção industrial geral e um crescimento no sector dos serviços de cerca de 3,5 %, em especial na parte do comércio.
Ora, sabido que a forte queda do produto agrícola nacional teve como principal razão - e é isso dito no relatório do INE - a gravíssima seca que assolou o País no Inverno passado e cuja gravidade foi mesmo recentemente reconhecida pela própria Comunidade, através da atribuição de um importante subsidio aos agricultores portugueses, verificamos que parte da responsabilidade na desaceleração do nosso crescimento este ano se ficou a dever à seca, cuja ocorrência cheguei mesma a temer que o Partido Socialista viesse hoje aqui também responsabilizar o Governo.
Mas é evidente que, se a estagnação da produção industrial geral do índice do INE - e quereria aqui esclarecer aquilo que o Sr. Ministro da Indústria já há pouco disse -, porque é feita com base numa amostra que se sabe hoje estar desactualizada por não incluir sectores novos da indústria portuguesa e que pode ser motivo de preocupação, não devemos esquecer que, desde há muito, os principais analistas económicos nacionais estão de acordo que ainda hoje existe um sector da indústria portuguesa caracterizado por antiquada tecnologia e sem capacidade de gestão e cuja viabilidade tem sido mantida precariamente com base em baixos salários e cujo desaparecimento é, desde há muito, considerado inevitável quando vier a ser confrontado com a concorrência acrescida que irá resultar do início do funcionamento do mercado único europeu.

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Ou seja, a necessária e urgente modernização do tecido
industrial que já se iniciou há alguns anos terá ainda que passar, inevitavelmente, pelo desaparecimento de algumas empresas com tecnologia obsoleta e sem condições para concorrerem em mercado aberto e deverá ser substituída por empresas de tecnologia mais avançada com métodos de gestão modernos e que produzam produtos com a qualidade e o preço que permitam concorrer com as suas concorrentes europeias.
Ora, esse processo de desejável reestruturação industrial que se iniciou, como já se disse, há alguns anos tem agora face à difícil conjuntura internacional uma fase de aceleração que está a traduzir-se nos baixos valores de produção industrial que hoje se estão a registar. Ou seja, hoje coexistem na indústria portuguesa sectores modernos e dinâmicos resultado do elevado investimento dos últimos anos com outros sectores de tecnologias antiquadas e sem capacidade de gestão, cujo desaparecimento a curto prazo será uma dura, mas inevitável, realidade.
A confirmação desta situação é bem evidente se fizermos a análise detalhada das nossas exportações onde novos sectores, como a indústria de componentes para automóveis, de máquinas eléctricas, de produtos mineiros, etc., demonstram grande dinamismo em contrate com outros sectores industriais localizados em áreas mais tradicionais, como o têxtil e o calçado, que não souberam a tempo fazer a necessária reconversão.
Aliás, a actual situação de desaparecimento de sectores obsoletos da indústria portuguesa é uma questão à qual a única crítica válida que se pode fazer é que já deveria ter ocorrido há mais tempo, como aliás reconhecia a meio da década de 80 o actual líder da bancada socialista, o Sr. Deputado Almeida Santos, membro do Governo de então, ao qual com muita honra também pertenci, ...

Aplausos do PS.

... quando afirmava publicamente, e em minha opinião cheio de razão, que havia em Portugal um grave défice de falências e que para a modernização de Portugal era necessário acelerar esse processo.

Vozes do PSD: - Então, não batem palmas!

O Orador: - No entanto, tal não se deu, quer pelo facto de a legislação vigente sobre os processos de falência o dificultar - legislação à qual o Governo está em vias de apresentar uma alternativa para melhorar a sua situação -, quer também pelo período de notável expansão que o País viveu durante a segunda metade da década de 80 e onde, praticamente, todas as empresas, mesmo as menos bem preparadas, conseguiram sobreviver e ter resultados positivos.
Mas a dura realidade, e é necessário que isso se diga com clareza, é que iremos assistir nos próximos tempos a um acelerar do número de falência no sector industrial, sendo por isso muito importante que se mantenha no País, como aliás tem vindo a acontecer, um ritmo elevado de investimento no sector produtivo que venha a substituir as empresa desaparecidas e que rapidamente reabsorva a mão-de-obra assim libertada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, a desejável modernização e reestruturação do tecido industrial português, que é um
processo em curso desde há algum tempo, irá ter uma forte aceleração nos próximos tempos, esperando-se que dessa aceleração não resultem custos de carácter social, tal como aconteceu até esta data.
Mas para além desta situação e para que a análise da evolução da nossa produção industrial, ao longo de 1992, seja feita com objectividade, não podemos também esquecer que alguns dos nossos mais importantes sectores industriais - como a construção e a reparação naval, a indústria de papel - que funcionam em concorrência aberta com empresas da área do dólar, têm visto as suas performances e resultados gravemente afectados não só pelo ciclo de baixa a nível mundial que esses sectores atravessam como também devido à drástica queda da cotação do dólar, o que, obviamente, nada tem a ver com as políticas económicas seguidas em Portugal e que é, exclusivamente, consequência da grave crise que actualmente assola a economia americana.
Mas, na realidade, a existência de uma taxa de inflação muito elevada, ou seja, 9 %, quando comparada com a inflação média dos nossos principais parceiros comerciais (3,5 %) torna indispensável e urgentíssimo que as políticas governamentais ataquem este problema o mais rapidamente possível, pois seria uma verdadeira catástrofe para toda a economia portuguesa, caso a concorrência aberta que resultará do funcionamento do mercado único se viesse a fazer com a manutenção em Portugal de uma taxa de inflação substancialmente superior à dos restantes países comunitários, pois tal representaria a médio prazo uma grave perda de competitividade de toda a economia nacional com enormes consequências negativas em todos os campos e, em especial, no plano social.
Assim, a prioridade absoluta da política económica nacional não pode deixar de se centrar prioritariamente na redução da inflação, utilizando o Governo para esse fim todos os instrumentos de que disponha.
Ora, é sabido que após a recente decisão de liberalização dos movimentos de capitais, que veio responder a uma justa reivindicação dos empresários portugueses no sentido da indispensável baixa da taxa de juro, o Governo e o Banco de Portugal passaram somente a dispor de dois instrumentos para atingir esse fim e que são a política orçamental e a política cambial.
Relativamente à política orçamental, que como já disse iremos aqui discutir dentro de escassas três semanas, penso que o Governo fez as opções certas ao apontar para uma redução do défice para valores da ordem dos 4 % e, muito em especial, por o fazer através do controlo das despesas correntes e sem sacrificar a componente do investimento.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Relativamente à política cambial seguida, é essa a área que mais controvérsia tem levantado e onde o Partido Socialista acusa o Governo de estar a fazer uma política que, embora satisfaça o objectivo de redução da inflação, o está a fazer com elevado prejuízo para as actividades produtivas. Com efeito, preconiza que o Governo deveria ter aproveitado o realinhamento de Setembro passado para preceder à desvalorização do escudo e, assim, aliviar as dificuldades com que se debatem, momentaneamente, alguns dos nossos sectores exportadores.
Já atrás afirmei que, não contestando a existência de dificuldades de uma parte do sector exportador nacional,

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considero que as principais razões destas dificuldades nada têm a ver directamente com a política cambial, até porque além das razões que atrás indiquei acresce que muitos desses exportadores com dificuldades são sectores de relativamente baixo valor acrescentado. Por isso, a política cambial do escudo forte encontra compensação na compra de bens intermédios importados para esses sectores.
Por outro lado, a evolução favorável dos diversos indicadores macro-económicos nacionais, bem como o elevado nível de reservas em ouro e divisas (cerca de 25 biliões de dólares, que é a segunda maior reserva a nível mundial para países da nossa dimensão, basta somente recordar que a França tem reservas na ordem dos 33 biliões de dólares) e, simultaneamente, a nossa baixa taxa de desemprego, levam a que em minha opinião não houvesse qualquer justificação válida para que o Governo português aproveitasse o realinhamento de Setembro para efectuar qualquer desvalorização do escudo.

Aplausos do PSD.

Aliás, para justificar ainda mais essa decisão governamental podemos acrescentar que o ITC, ou seja, o índice de taxa de câmbio que mede o valor do escudo face às restantes moedas comunitárias, apresenta em Outubro valor igual ao que o escudo tinha em Abril passado, aquando da entrada da nossa moeda para o SME. O que é a melhor prova que não é certamente a política cambial que tem vindo a criar dificuldades às, exportações portuguesas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim, pessoalmente, não concordo com a crítica feita pelo Partido Socialista. Mas sabendo que a actual situação cambial e o próprio SME estão longe de estarem estabilizados não afasto a possibilidade de, caso se venha a verificar um novo realinhamento geral das diversas moedas do SME, que muitos observadores internacionais consideram inevitável aquando da reentrada da lira italiana no sistema monetário europeu, que o Governo Português, face aos valores de realinhamento que se verificarem nessa altura, não venha a tomar a decisão de reajustar o escudo nessa ocasião, de modo a não por em causa a política de estabilidade do escudo e o seu contributo para a redução da taxa de inflação e não permita que desse realinhamento venha a resultar a perda de competitividade da economia portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os desafios que a economia nacional vai ter de enfrentar no próximo tempo com a recessão económica mundial e a necessidade imperiosa de simultaneamente nos continuarmos a preparar e modernizar para o mercado único e para a união europeia, fazem-me prever que teremos à nossa frente tempos difíceis, e que a crítica, os ataques e as pressões para que o Governo altere a sua política económica, de modo a momentaneamente aliviar essas dificuldades de curto prazo, virão dos mais diversos sectores da vida nacional, com força crescente durante os próximos anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O passado ainda recente já demonstrou, mas infelizmente muita gente está( ou faz-se esquecida, que
as soluções que parecem mais fáceis, como seria a da desvalorização, não resolvem e, pelo contrário, adiam e agravam os problemas do País.

Aplausos do PSD.

Por isso, pessoalmente, estou certo que o Governo interessado e empenhado como está em resolver os verdadeiros problemas do País não se irá deixar impressionar por estes ataques e críticas e que continuará a trabalhar serenamente para a melhoria das condições de vida de todos os portugueses e para bem de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Ferro Rodrigues e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Álvaro Barreto, como sempre, ouvi-o com toda a atenção e cumprimento-o pela independência crítica aqui manifestada, mais uma vez. Efectivamente, começou por fazer um ataque frontal ao PS, o que é normal, mas acabou por lhe dar razão em pontos essenciais relativos à política cambial.
É pena não termos oportunidade de o ouvir responder a qualquer questão colocada pelo Sr. Deputado Silva Marques.
Sr. Deputado, gostaria de lhe colocar algumas questões concretas.
Em primeiro lugar, quanto ao problema da produção
industrial, não há dúvida de que não é apenas o seu índice que aponta para uma quebra, mas também o decréscimo das importações de bens intermédios. Apesar de o escudo estar a revalorizar-se, é um facto que essas importações estão a diminuir, o que representa um indicador
preciso de crise na indústria.
Em segundo lugar, o crescimento do comércio tem a ver, em boa parte, com o embaratecimento artificial das importações de bens de consumo, como também reconhecerá, Sr. Deputado.
Em terceiro lugar, os resultados que o Sr. Deputado citou para 1992 são muito diferentes dos resultados que o Governo apresenta para o mesmo ano.
Por outro lado, os resultados do Prof. Alfredo de Sousa sobre o crescimento, o investimento e as exportações são completamente diferentes e vejo que o Sr. Deputado Álvaro Barreto também não toma como referência os números do Governo, mas, isso sim, outros, o que me parece saudável.
Quanto ao investimento no sector produtivo, é um facto que está em queda há mais de um ano e, como tal, não percebi a questão que suscitou sobre a continuação de um dinamismo que não existe, uma vez que só existe nas obras pública.
Para terminar, a pergunta que lhe quero fazer vai no sentido de saber qual o impacte que o Sr. Deputado considera que existe ao nível do crescimento económico em Portugal, com a entrada, por dia, de 1,5 milhões de contos provenientes da Comunidade Europeia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Álvaro Barreto responde no fim?

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O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Álvaro Barreto, também me congratulo com a coincidência de opiniões de uma parte do seu discurso com o discurso do CDS e, ainda, com a moderação de que V. Ex.ª, fez eco nesta Câmara, pois parece-me ser adequada para salvar um pouco a opinião do Parlamento nesta altura.
Por outro lado, não é correcto que, perante um ambiente geral que os políticos devem, porventura, tentar inflectir - e estou de acordo que se trata de um ambiente de alarme -, esteja aqui a desmentir completamente as opiniões manifestadas por empresários e, mais, esteja um pouco a denegrir a actividade empresarial. Efectivamente, neste caso concreto diria que o PSD é mal agradecido, porque os empresários votam no PSD e não no CDS, mas o PSD dá-lhes «pancada», dizendo «vocês agora estão mal, mas devem estar mal, porque não prestam e, portanto, estão a pagar o preço da vossa ineficácia».

O Sr. Castro Almeida (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Sr. Deputado, devo dizer-lhe que foi muito este o sentido das vossas intervenções!
Mas queria perguntar-lhe, Sr. Deputado Álvaro Barreto, e o senhor sabe bem disto por experiência própria, se não entende que alguma evolução positiva das nossas exportações, com a qual o Governo se congratula, tem um sentido muito pouco significativo, porque se deve fundamentalmente à evolução muito positiva da exportação de veículos automóveis, por exemplo, que é potenciada por iniciativas de investimento estrangeiro reduzidas e num pequeno número de empresas. E não lhe parece que esta evolução é acompanhada por reduções das exportações não apenas em todos os sectores mais tradicionais, mas também naqueles que até aqui eram exportadores, como, por exemplo, o sector da pasta de papel que tem estado, nos últimos tempos, a ver reduzidas as suas vendas para o exterior?
Por outro lado, Sr. Deputado Álvaro Barreto, queria perguntar-lhe se não é verdade que a política cambial, e, em princípio, estou de acordo que ela não pode servir para transferir as culpas de actividades ineficientes, representa um certo apoio e um certo alívio num contexto de factores de produção caríssimos e ainda mais caros do que aqueles que as empresas suportam nos países que concorrem connosco. Estou a pensar na energia, no dinheiro, na falta de investigação ligada ao desenvolvimento, em todos os factores energéticos, enfim, em todos esses aspectos, e na questão de a política de câmbio também ser justificada nesse ponto de vista.
Gostava que o Sr. Deputado Álvaro Barreto fizesse estes comentários e, repito, elogio o realismo e a moderação da sua intervenção que, no fundo, parecem ser mais eficazes do ponto de vista do CDS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Barreto.

O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, vou responder ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

Na realidade, não me parece que tenha feito um discurso diferente dos que fizeram, quer o Sr. Ministro da Indústria e Energia, quer o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.
O Sr. Ministro da Indústria disse frontalmente o mesmo que eu e reconheceu, como já tem feito noutros locais, que existem sectores industriais no plano nacional que atravessam dificuldades. Aliás, trata-se de uma realidade que não podemos esquecer.
Portanto, o meu discurso foi totalmente coincidente com o discurso do Sr. Ministro da Indústria e Energia, que foi depois confirmado pelo Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, VV. Ex.ªs fazem sempre uma tentativa hábil, e fazem-na bem - ainda há dias ouvi o Sr. Deputado António Guterres referir indirectamente que todos sabiam que havia alguém completamente oposto ao Governo Português -, de me mostrar como um grande opositor à política do Governo, mas isso não corresponde à realidade.

Aplausos do PSD.

No entanto, isto não significa que esteja de acordo com tudo o que o Governo faz, pois prezo muito a minha independência. Assim, apoiarei o Governo, como fiz hoje aqui, quando entenda que o devo apoiar, mas nunca deixarei de o criticar se entender que há razões para isso. Hoje não o fiz e, como tal, se interpretou a minha intervenção como uma critica, parece-me que talvez tenha estado sem atenção, como disse há pouco Sr. Deputado Silva Marques, ou, pelo menos, não prestou a atenção que, normalmente, presta às nossas intervenções.
Em relação ao indicador da produção industrial, é
verdade que as importações de bens intermédios têm descido. 15to é um facto e é o próprio boletim do INE que o diz.
Mas, por outro lado, tenho sempre alguma dúvida sobre a coerência e a validade da diversas estatística, porque, simultaneamente, verifica-se que isso não é coerente com o aumento das exportações que, até ao fim de Agosto, se cifram indiscutivelmente, em valores na ordem dos 4 % ou 5 %, como referiu o Sr. Ministro Faria de Oliveira. Aliás, o próprio Prof. Alfredo de Sousa prevê que no fim do ano estejam em 3,7 % e refere que uma parte importante dessas exportações são exportações de produtos industriais.
Ora, isto não «joga» e, por isso mesmo, a análise que faço é a de que no espectro das empresas há de tudo, ou seja, há um conjunto de empresas modernas e preparadas, cujo dinamismo na exportações é evidente, e há um outro com maiores dificuldades que, em minha opinião, e como dizia o meu amigo e Deputado Almeida Santos em 1984 ou em 1985, já deveria ter desaparecido. E já deveria ter desaparecido nessa altura, porque engloba indústrias que só têm viabilidade no âmbito de uma política de desvalorização que tentasse resolver os seus problemas.
Ora, hoje, passados não sei quantos anos, esses sectores ainda se encontram em piores condições, pelo que teria sido melhor não se ter seguido essa política nessa altura. E estou a referir esta questão, porque pertenci ao governo que a fez e, então, também concordei com ela, ma sou o primeiro a constatar que essa política não deu resultados

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e representa, ao fim e ao cabo, um atraso na valorização do tecido industrial português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Em relação aos resultados apresentados pelo Prof. Alfredo de Sousa, apontei-os e disse que eram pessimistas porque é conhecida a sua posição critica. Indiquei a pessoa que mais tem atacado o Governo para demonstrar que, mesmo ele, apresenta indicadores que demonstram que a economia portuguesa está a comportar-se relativamente bem e, certamente, muito melhor do que a economia dos seus parceiros comunitários. Foi essa a minha intenção ao escolher o Prof. Alfredo de Sousa, que, como todos sabemos, não perde uma ocasião para atacar com virulência o Governo Português e, em especial, o seu Primeiro-Ministro.
Relativamente à entrada de fundos comunitários, é óbvio que ela tem contribuído para o desenvolvimento de Portugal. Aliás, de outro modo não seria possível fazer a convergência real do nosso país. Foi esse o sentido da decisão do mercado único europeu que, em 1986, fez a duplicação dos fundos, reconhecendo exactamente que se as economias mais frágeis não recebessem uma determinada ajuda iriam ser esmagadas e asfixiadas pelas mais avançadas.
Assim, certamente que teve um impacte positivo e contribuiu para os melhores valores da nossa economia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe para concluir porque o seu tempo está completamente esgotado.

O Orador: - É só mais um minuto, Sr. Presidente.
Em relação ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, quero pedir-lhe que me explique como é que o caso da pasta de papel, cujas exportações em 1991 foram de 30 milhões de contos e em 1992 são de 40 milhões de contos, representa um retrocesso. Não sei as contas que o Sr. Deputado fez, mas o facto de estar em crise significa estarmos a ter resultados negativos e não significa, de forma nenhuma, que não tenha havido aumento de exportações.
Por outro lado, o Sr. Deputado disse que ataquei os empresários portugueses, e isso levo a mal politicamente, ma nunca pessoalmente. Na verdade, limitei-me a reconhecer que há pessoas que têm estado a funcionar no tecido industrial que não merecem o nome de empresários e deverão ser penalizadas, não se podendo adiar por muito mais tempo a sua saída do mercado.
No entanto, tenho o maior respeito pelos empresários, considero que eles têm feito um esforço enorme em prol do nosso país, e, nesse sentido, não queria que ficasse a ideia de que fiz um ataque à actividade empresarial.
Para terminar, queria só dizer que o investimento estrangeiro também tem tido um papel importante na dinamização da economia portuguesa, como são, por exemplo, os casos do projecto Ford/Volkswagen, que vai representar um enorme e rico mercado para as empresas portuguesas fornecedora, e do projecto Renault, induzindo no País um desenvolvimento muito grande. O mesmo se diga de outros projectos de capitais estrangeiros.
Assim, perante a economia europeia e o espaço económico-europeu, não devemos ter qualquer complexo,
pelo contrário, devemos apoiar o investimento estrangeiro em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção final, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sn. Deputados: O Governo comemora, hoje, o dia da desburocratização. Os trabalhadores da Administração Pública aguardam a publicação do diploma dito dos disponíveis. E, também por isso, neste debate, deverá ser dada atenção aos problemas da Administração Pública. Analisemos três pontos.
Em primeiro lugar, a estrutura da Administração.
Todos sabemos que existem serviços com competências sobrepostas, que os circuitos administrativos não são claros nem transparentes. Passados sete anos de Governos PSD, cinco dos quais de maioria absoluta, exigir-se-ia uma clara definição das competências e uma estrutura estabilizada em cada Ministério.
Nada disto acontece! Tudo está em permanente mudança, muitas vezes ao sabor dos ministros, e não existem verdadeiramente políticas de governo, mas políticas de carácter pessoal. Muitas vezes, mudam-se os nomes dos organismos para nomear novos dirigentes, de estrita confiança pessoal e partidária.
Á estabilidade governativa corresponde a instabilidade da Administração. A uma Administração Pública eficiente, o Governo prefere uma Administração clientelar e partidarizada.
Em segundo lugar, a questão dos ditos «excedentes» ou «disponíveis».
Textos sabemos que existem trabalhadores subutilizados e desmotivados. Ao mesmo tempo, são de todos conhecidas as carências de pessoal em áreas tão diversificadas como a da saúde, a da educação e em muitas outras.
Globalmente, não existem trabalhadores a mais. Em Portugal, o peso da Administração na população activa é de menos de 14 % contra os 17,5 % de média na OCRE, onde estamos integrados, ou até os 16 % nos liberais EUA.
Existe a necessidade de promover a mobilidade. Deveriam ser criados mecanismos de apoio à mobilidade voluntária e deveria fazer-se um grande esforço na área da formação profissional.
Mas com isto o Governo não se preocupa e tem demonstrado que não sabe o que quer, nem a responsabilidade que tem, pois diz, repetidamente, não saber de onde e para onde se fará a mobilidade e, falando na necessidade de conter a dimensão da Administração, num período de cinco anos, promoveu o seu aumento em mais de 50 000 trabalhadores.
E se tivermos em conta as aposentações entretanto havidas, chegaremos à conclusão de que o Governo, este Governo, promoveu a admissão de mais de 20 000 novos trabalhadores, em cada ano.
A lei dita dos disponíveis traduz a vontade de criar a coacção e o medo nos serviços públicos. Na sua origem era uma lei sem critérios.
O Presidente da República, com o pedido de análise da constitucionalidade, forçou alterações importantes na lei, diminuiu a margem de discricionariedade, melhorou as vias legislativas para promover a criação de excedentes e acabou com a aposentação obrigatória.

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Mas, na nova forma, permanecem muitos dos vícios anteriores. Na prática, permanece a mobilidade forçada.
Permite-se a colocação indiscriminada na situação de excedentes, sem prévia verificação das condições de colocação. Cria-se a total instabilidade na Administração.
Diz o Governo que apenas pretende promover excedentes para, realmente, promover a mobilidade. Verifica-se que não é verdade! O Governo não tem perspectiva de mobilidade, não tem perspectiva de carências e não tem, efectivamente, uma política para o sector. Talvez apenas com a criação de excedentes pretenda fazer algumas poupanças, porque ser excedente também significa receber menos.
Diz ainda o Governo não pretender provocar despedimentos por via desta lei. Mas será isto admissível?
O Governo está já a despedir, através da não renovação de contratos a prazo! Milhares de trabalhadores considerados indispensáveis pelos respectivos dirigentes estão em vias de ser despedidos. Muitos serviços, nomeadamente
escolas, estão em sério risco de paralisia ou com dificuldades de funcionamento.
Para o PS esta não é a política correcta para a Administração. Consideramos necessária uma contenção no aumento de efectivos. Dizemos não aos despedimentos!
Em terceiro lugar, a questão dos salários. Também aqui o Governo conduz uma política cega contra os interesses da Administração. O novo sistema retributivo de 1989 promoveu uma melhoria significativa de salários para muitos trabalhadores, mas criou novas desigualdades e anomalias. O seu objectivo fundamental foi promover a aproximação dos salários às condições vigentes no sector privado. Teve efeitos positivos, mas apesar do grande encargo orçamental envolvido, que o Governo foi incapaz de avaliar em toda a sua extensão, o mesmo veio a originar conflitualidade e descontentamentos.
Mas assumido o grande aumento de encargos de 1989 e 1990, haveria que persistir na política e corrigir os erros e os efeitos negativos da sua aplicação.
Mas a prática salarial da 1992 e 1993 está a destruir tudo. Pela primeira vez, trabalhadores da Administração Pública recebem, já em 1992, o salário mínimo nacional. E para todos os trabalhadores, em especial para os mais qualificados, agrava-se de modo significativo o diferencial salarial em comparação com o sector privado ou para - público.
A proposta de aumento salarial para 4,5 % é completamente irrealista e anti-social.
Neste momento, é claro que o Governo define a sua política salarial para a Administração Pública não tendo em conta as necessidades de modernização e de melhoria da eficiência, mas, isso sim, utilizando-a como mero
instrumento para condicionar a política salarial das empresas e a negociação colectiva. Não se trata, portanto, de uma política estrutural, mas de expediente meramente instrumental.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Também na área da Administração Pública é necessária uma nova política que passa por um diálogo social criador, em vez do monólogo de auto-convencimento
do Sr. Ministro das Finanças, que exige uma gestão competente dos dinheiros públicos e não uma política cega de contenção do défice, que permita combater o desperdício
e aumentar a produtividade dos serviços. Uma política com os trabalhadores e não contra os trabalhadores.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à fase de encerramento do debate.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Porque os macro-economistas são, sem desdouro, uns chatos, um ponto acima, um ponto abaixo de não importa que indicador económico, tentei fazer um discurso ligeiramente diferente.

Chegamos ao fim de dois debates sobre a política económica do Governo com a terrível suspeita de que discreteámos sobre o que não existe.

Do que afinal se tratou aqui foi da dialética do paraíso e do apocalipse, introduzida pelo Sr. Ministro das Finanças. Atribuiu às aposições o papel de «profetas da desgraça», e a si mesmo uma visão panglossiana do universo lusitano.

E como a moeda forte faz forte a fraca gente, ei-lo, impante, a desdizer empresários, a desfeitear agricultores, a desautorizar colegas, numa postura de fazer lembrar, salvo seja, o «optimismo infame» de que falava Shopenhauer. Por outras palavras: uma afronta para quem investe, trabalha, produz, consome, compra, vende, reforma letras, deixa de pagá-las e, deixando, alimenta o cortejo de falências, consumadas e em lista de espera, que agora, finalmente, espevitou o Governo para uma mexida nessa extrema unção da actividade mercantil que é o instituto falimentar.
Abre-se um jornal ao acaso - o Público de segunda-feira, por exemplo- e cintilam os gritos de alarme de uma economia doente: João Salgueiro refere «um grande nevoeiro»; Manuela Morgado «a discórdia entre a economia real e a economia contabilizada»; Ferraz da Costa diz: «Subcontratação de vestuário sem encomendas há um mês», «O Governo optou por uma política de escudo forte e fê-lo com a certeza de que um número muito elevado de empresas ia desaparecer», «A CIP acha que os responsáveis governamentais não conhecem o País».

E de uma colheita ao acaso, no mesmo jornal, registo aqui ainda: «Os industriais não encontram razões para estar satisfeitos»; «Agora, o cenário é cala vez mais negro»; «Os negócios estão praticamente parados»; «O celeiro (Alentejo) fecha as portas»; «Poucos acreditam em que o Alentejo não entre num processo de degradação irreversível».
Foi muito notada por mim a ausência das opiniões do Prof. Alfredo de Sousa, mas fui informado de que guarda o domingo - o jornal é de segunda-feira.
Fique, assim, demonstrado que o Sr. Ministro das Finanças, tal como o Sr. Primeiro-Ministro, tem o hábito de não ler jornais.
Na passada terça-feira, usou aqui cerca de uma dúzia de vezes, a palavra «sustentado». A própria «esperança», que invoca a sustentar o seu optimismo, seria economicamente «sustentada».
Com tão altos níveis de sustentação, que dirão os que «não ousaram enriquecer» acerca do seu próprio sustento?
Que dirá o Ministro, ele próprio, tão mal sustentado pela ausência, aqui, do Sr. Primeiro-Ministro?
Balzac disse um dia: «eu faço parte da oposição que se chama vida». A essa oposição, que hoje integra a ge

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neralidade dos agentes económicos, o Sr. Ministro das Finanças não sustentou nem acrescentou a esperança. O único elixir que ministrou foi um «hipermercado de ilusões», de envolta com alguns preciosismos de sebenta, para os quais disse não existir alternativa Foi de novo repetido aqui hoje que não há alternativa.
É a velha pecha, nossa conhecida de recentes eras, das respostas únicas para os problemas das sociedades humanas.
Ao ouvi-lo discretear sobre as reais aflições de seres humanos, com enfadados malabarismos de macro-tecno-economia, acudiu-me à lembrança a confissão amarga de uma sua ilustre colega americana que, tendo leccionado economia durante muitos anos, acabou em crise de alma a questionar-se sobre se teria ganho honestamente a vida!

Risos do PS.

Faz-se mister sacudir este vazio de lucidez, de informação e de significado de uma política deslumbrada pelas performances da tecno-macro-economia. É cada vez mais irrecusável uma atitude de rompimento com muitos aspectos da prevalecente racionalidade económica.
O Governo adere ao determinismo mecanicista das leis do mercado, substituto de Deus na produção de insondáveis harmonias expontâneas Nova divindade, mas eticamente neutra. Pretende-se que da economia não resulta uma moral. O mercado postula a concorrência e desta decorre a exaltação dos fortes e o aniquilamento dos fracos.
Eis ao que se não resigna um defensor convicto do socialismo democrático ou da social-democracia. Por isso, o PSD, incomodado por perfilhar doutrinalmente o que não praticava, deslizou no seu novo programa da social-democracia para o liberalismo económico.
Se a economia tem grossa fatia na causalidade social, a que ficariam reduzidas as salvaguardas éticas deixando a economia fora delas?
Creio que a questão tem sido posta ao contrário: talvez a ciência económica seja eticamente indiferente; mas a ética não pode ser, nem é, economicamente neutra.

Aplausos do PS.

Cristo disse dos ricos o que disse. Assegurou aos mansos e humildes um lugar no céu. E quando foi preciso pegou no azorrague e vergastou a exploração usurária.
Mais tarde, também a igreja se condoeu dos pobres e os abençoou; dos trabalhadores e os defendeu. E, na esteira de um pensamento personalista renovado, os Direitos do Homem, qual nova religião, arrogaram-se validade universal e derrubaram muros e ditadores.
Deixaremos a economia tora deles ou trazemo-los para dentro dela?
Depois disto, pode a ciência económica continuar a assumir o seu amoralismo técnico. A sua indiferença aos valores? A sua tão só sujeição a visões tccnocráticas sem significado humano? A sua vinculação a performances quantificadas? A sua desatenção ao coro dos abandonados, desorientados e aflitos?
O Sr. Ministro das Finanças é, por certo, um brilhante macroeconomista Rendo-lhe, nesse aspecto, as minhas homenagens! O Sr. Primeiro-Ministro, ao contrário de Cristo, sabe de finanças. Mas eu ia em dizer que nunca descontaram uma letra, se é que alguma vez chegaram a ver um extracto de factura. Para eles, um empresário não é um ser humano, é um agente económico in abstracta.
Para eles, a economia não é uma ciência social, é um exercício universitário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Queixam-se os empresários? Mas como, se o produto cresceu acima da média comunitária? Há desemprego? Mas como, se os manuais ensinam que 4 % de desemprego estatístico - além do oculto - é tecnicamente pleno emprego? Há fome? Negativo! Pois não come estatisticamente o pobre metade da galinha que comeu o rico? Ah, como os pobres devem odiar as estatísticas!... Há falências? É a lei do mais forte! Ah, como as pequenas e médias empresas devem odiar essa lei!...
Antes que mal pergunte: a ética social não tem nada a ver com tudo isto? O desenvolvimento, que hoje se requer voltado para a valorização do homem, pode consumir-se no simples acto de crescer? Quando o PNUD coloca Portugal no pelotão das países de média liberdade - porque lemos analfabetismo, precário acesso à educação, à saúde, à habitação e à justiça, e deficiente qualidade de vida - é por velhaco propósito de discordar do Sr. Ministro das Finanças que se recusa a ver o «oásis» verdejante que o Sr. Ministro vê, ou a «democracia de sucesso» em que o Sr. Primeiro-Ministro se compraz!
E quando o modelo de desenvolvimento do sistema de mercado - o melhor que até hoje se experimentou - coabita, neste mundo de hoje, com um homem com tome, iletrado, sem habitação e sem emprego em cada cinco, e assiste ao crescimento demográfico a ritmo superior ao do crescimento económico, bem como à vertigem de agressões irreparáveis ao próprio planeta, sufraga, porventura, o optimismo técnico dos nossos governantes? A crescente interdependência dos fenómenos ecológicos e sociais, a caminho da sua planetarização, detém-se na fronteira de Vilar Formoso?
Dito de outro modo: qual a finalidade ôntica da ciência económica? A autoglorificação sustentada ou a qualidade de vida das sociedades humanas?

Aplausos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Está a criticar os camaradas!?

O Orador: - «Uma política económica cristã - disse um dia Erhart - é aquela que tem por finalidade ajudar as pessoas, cada uma em particular». Assim sendo, ponha-se no seu lugar - que é em sentido em face de cada homem - a fria cantata dos indicadores económicos e das verdades estatísticas. E dê-se início a um novo sistema de aferição em que possam entrar os reflexos das políticas económicas na dignificação e valorização do homem.
Eis, aí, o Orçamento do Estado para 1993. Foi ele ordenado em função de pessoas concretas e de situações concretas ou por referência a estratégias eleitorais e a equilíbrios de contabilidade?
De uma simples leitura da proposta do Governo, que fiz à pressa, necessariamente, influenciada por manobrismos de ciclo e contra-ciclo, logo ressaltam: uma queda, em termos nominais, do orçamento da segurança social, apesar das perspectivas de crescimento do desemprego e do continuado agravamento da relação activos-pensionistas (de 54,8 para 50,7 milhões de contos); uma redução das verbas para o subsídio por doença (de 77,5 para 71,1 milhões de contos): um crescimento da verba para

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pensões de invalidez abaixo da taxa de inflação estimada (só 4,4 %), o custo de 15 automóveis Mcrcedes (200 000 contos) para fazer face a subsídios de renda de casa - deve o Governo ter pensado apenas na Baixa da Banheira: uma quebra de 5 % em termos nominais, na dotação global para o Ministério da Saúde. Viu tudo tão bem que dá para fazer economias!. . Uma quebra de 0,8 %, em termos nominais, na dotação para o Ministério da Educação, ou sejam, 8 % em termos reais. Com as novas propinas, chega e cresce!
Em suma: uma lógica de desresponsabilização social do Estado. Um Governo que pratica políticas de saúde, educação, justiça e habitação cada vez mais caras, quando a Constituição, no primeiro caso, e exigências de solidariedade elementar, nos restantes, as reclamam tendencialmente mais baratas, não têm dimensão social. Confiante nos prodígios da «mão invisível», põe-se gradualmente de fora.
Acresce o propósito declarado de encolhimento dos salários reais. Cresceram demais na perspectiva de eleições, patriótico é que consensualmente, desçam agora. Fica implícito o conforto de que voltarão a crescer na mesma oportunidade em que cresceram antes.
Como se vê, um orçamento que espelha o economicismo despersonalizado do Sr. Ministro das Finanças.
Apeteceu-me, pois, Srs. Deputados, fazer um discurso diferente. Não sei se consegui. Tive a boa intenção de vos tirar o sono. É que começa a não me ser fácil a mim, adormecer sobre o facto de que ao optimismo irresponsável do Governo corresponde uma sociedade económica esmagada, descrente, vergada ao peso da carga tributária e de taxas de juros pouco menos do que usurárias, dependente dos favores de uma banca que, quanto mais se privatiza, mais imune se torna a sentimentos de amargura: dependente, de novo, dos favores de um Estado que, crescentemente, se liberta - melhor diria, se liberaliza - do dever de ser providente, cedendo à tentação de ser apenas polícia: assistindo de novo, impotente, ao espectáculo da recentração, verticalização e personalização do poder, economicamente enferma: financeiramente exausta; psicologicamente desmotivada: sentada, sem élan, em frente de écrans de televisão que cada vez mais cultivam a «ética da esterilidade» de que falava a Junger. Tudo porque tecnocratas sem alma, ao serviço de uma política económica sem valores, centram nela uma filosofia de vida.
Temos de pôr de novo, em causa a finalidade da ciência económica e o sentido do enriquecimento. Temos de reconduzir a economia a uma moral de solidariedade e de afirmação dos Direitos do Homem.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr Ministro das Finanças (Braga de Macedo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao ouvir o gongonismo com que o Sr. Deputado Almeida Santos nos brindou, lembrei-me de Cícero quando dizia a Catilina «quosque tandem, Catilina, abutere patientia nostra» Até quando é que o Partido Socialista vai abusar da paciência dos portugueses com as suas profecias de desgraça?

Aplausos do PSD.

Até quando é que o Partido Socialista nos vai apresentar esta mistura serôdia de conservadorismo poritano e de síndrome maníaco-depressivo acerca da economia portuguesa?

Aplausos do PSD

Como é possível dizer, neste Hemiciclo, que se vive a pior situação, desde 1976 Como é possível dizer isto.

Vozes do PS: - Não dissemos isso'

O Orador: - E como é possível confundir a social-democracia alemã com a nossa realidade social-democrata, em Portugal, baseada numa combinação entre solidariedade e competitividade, que se tem revelado adequada à realidade portuguesa?

Aplausos do PSD

Como é possível acusarem-nos de economicismo e de tecnicismo só porque gostamos de saber quem paga! Como é possível abusar da paciência dos portugueses?

Protestos do PS

Basta fazer um pouco de investigação para compreender. O Sr Deputado António Guterres, três semanas depois da queda do muro de Berlim, numa intervenção sobre o orçamento, dizia, «não ando longe do que é hoje a clara tentativa de resposta que os países mais desenvolvidos do centro da Europa tentam agora formular, face ao próprio desafio japonês». Estava-se a referir, enfim às «Hungrias», às «Polónias», que, naquela altura, e de acordo com certa propaganda, seriam mais prósperas do que o nosso país?

O Sr António Guterres (PS): - Que conclusão! Não percebeu nada!

O Orador: - Que tristeza. Que tristeza conservadora aquela que animou o Deputado António Guterres!
Mas quem lê isto, quem lê a história dos debates, neste Hemiciclo, não se admira, porque, efectivamente, esta ideia de que se pode tudo planear, tal como se fazia na chamada Alemanha Democrática, na Hungria ou na Polónia, é uma ilusão amarga, que o PSD e o seu reformismo sempre denunciaram. E isso não foi feito pelo Partido Socialista!

Aplausos do PSD

O Partido Socialista gosta de falar em pecados e em extrema unção. E veio aqui várias vezes ao de cima uma ambiguidade a que eu chamei puritana, uma mistura entre a religião e a psicanálise que eu, pessoalmente, acho de mau gosto mas de que dou o exemplo dos quatro pecados. Aliás, essa afirmação não é original porque isso já foi dito ao meu predecessor - Dr. Miguel Cadilhe - com o mesmo mau gosto e agora sem a novidade que na altura tinha.
Ora bem, dizem VV Ex ªs, quatro pecados, só que da vossa parte há um erro. Mas esse erro é, de facto, capital, é só a cegueira, não vêem nada!

Aplausos do PSD

Não vêem nada, a não ser o estatismo ao nível nacional e o federalismo ao nível comunitário, o que no fundo, é o reflexo da mesma visão napoleónica que, lamentável-

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mente, continua a perpassar nas organizações internacionais a que pertencem. Nós não temos esses handicaps!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Como é possível, Catilina, falar de políticas estruturais? Não é verdade que, ao longo de muitos anos, se falava nas reformas estruturais para enganar o povo e se acabava por cair na terapia de choque? Quem é que introduziu reformas estruturais? O partido reformista, o Partido Social-Democrata!

Aplausos do PSD.

Sem o enquadramento macro-económico correcto as políticas estruturais são uma mentira. Nós sabemos isso, dizemos isso e acreditamos nisso. A terapia de choque é a característica do Partido Socialista- 1976, 1977, 1979, 1983, 1984 e 1985, como já foi aqui dito, são anos de salários reais em queda. Essa é a política do Partido Socialista, não é a política de reformismo que nós temos avançado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Nós não queremos mentira. Nós não queremos impostos escondidos, como a inflação, como a desvalorização. A desvalorização é uma impotência dos governos que não são capazes de manter o consenso social.

Aplausos do PSD.

É sobre isso que quero falar. O consenso social é basilar para as políticas do Governo apoiadas no programa do Partido Social-Democrata. Nós não somos aqueles que vão pelo confronto. Nós dissemos que a moderação salarial e financeira, incluindo os juro, é decisiva para que Portugal mantenha a convergência real aliada à nominal. Onde estava o Sr. Deputado António Guterres quando assinámos o acordo de rendimentos para 1992? Estava a apoiar? Não, estava a criticar.

Aplausos do PSD.

Mas estaria a criticar por achar que esses salários eram elevados demais? Não, não era por isso. Não era em nome dos empresários. Não era essa crítica que ele estava a fazer.
E agora não se definiu. Repetidamente instado pela nossa bancada, nos termos políticos que interessam, porque são realidades que interessam a todos os portugueses, furtou-se a dizer qual seria o intervalo de inflação e o intervalo salarial adequado. Nós já o dissemos. Já o dissemos até há muito tempo. Dissemo-lo a meio do ano e estamos a seguir as políticas apropriadas para isso.
Será que o Sr. Deputado António Guterres ou o Sr. Deputado João Proença aceitaria que é uma posição de contenção excessiva uma massa salarial pelo menos de 9%
na função pública? Será que podem dizer isso em voz alta? Não podem dizer isto em voz alta sem vergonha porque é, efectivamente, uma massa salarial enorme. E só medidas estruturais, como as dos disponíveis, é que nos poderão permitir sair desta situação. Por isso, ontem, pedimos às três frentes sindicais para nos apoiarem nas medidas estruturais e em particular na dos disponíveis.
Será que o Partido Socialista aconselha os seus sindicatos...

Vozes do PS: - Seus sindicatos?!

O Orador: - ... a colaborarem connosco no consenso social? Não! Quer a confrontação!

Aplausos do PSD.

O Partido Socialista quer a confrontação, não quer o consenso social. Quer a catástrofe, quer a crise. Nós não queremos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Então, quais são as alternativas, as cinco famosas alternativas aos quatro pecados capitais?
Em primeiro lugar, o realinhamento. Em 14 de Setembro era de 5 % relativamente à peseta - é a alternativa. Um anúncio da liberalização de capitais em 13 de Agosto pelo Banco de Portugal será uma alternativa em 1993 ignorando-se a ligação íntima que nos mercados modernos existe entre os movimentos de capitais monetários e não monetários. Mas isso não interessa, são tecnicismos, e esses não interessam aos gongóricos socialistas portugueses.
Em segundo lugar, a taxa de juro - a política do telefonema, como já foi aqui dito.
Quanto ao Orçamento lá estaremos. Estou ansioso pelos comentários, pelas alternativas do Partido Socialista.
Mas onde eu resisto mais - e esse ponto toca-me pessoalmente - é dizer que estamos indiferentes aos trabalhadores, depois dos ganhos reais, após todos os impostos, incluindo a inflação, que foram conseguidos em 1992, que nem sequer é ano de eleições.

Aplausos do PSD.

Não é ano de eleições no Continente - sabemos, e estamos muito contentes - mas sim nas regiões autónomas. Portanto, o PS não tem essa satisfação.

Aplausos do PS.

Como é que é possível acusar o Governo de tecnocracia quando, há uma semana, houve aqui um debate sobre política económico-social, onde fui, inclusivamente, acusado, por um Deputado que já aqui não se encontra, de falar de matérias que não dominava, tais como de cultura, de ensino e de segurança?
Ora, repetindo aquilo que já dissemos há uma semana, vou preferir algum exotismo geográfico. Já muitas vezes se talou aqui nesse exotismo, ele é próprio da nossa tradição cultural, os Descobrimentos fazem parte de nós, portugueses, de qualquer coisa que é muito importante para nós, a prosperidade em que o PSD conseguiu colocar Portugal permite-nos falar nisso.
Assim, resumiria este debate, onde há um deserto de ideias, muito simplesmente da seguinte maneira: as oposições interpelam mas a caravana passa!

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia a apreciação das seguintes propostas de resolução: n.º 12/VI - Aprova, para ratificação, a convenção entre a República Portuguesa e a República de

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Moçambique para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento; n.º 13/VI - Aprovação do acordo entre a República Portuguesa e a República da Hungria sobre a promoção e protecção recíproca de investimento; n.º 14/VI - Aprova, para ratificação, o protocolo de alterações à Carta Social Europeia, e n.º 15/VI - Aprova, para adesão, o Convénio Constitutivo da Associação Internacional de Desenvolvimento.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António José Barradas Leito.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Castro de Almeida.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.

Carlos Cardoso Lage.
Helena de Melo Torres Marques.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Maria Pereira.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Monteiro do Amaral.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
José Mário de Lemos Damião.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Ana Maria Dias Bettencourt.
António Fernandes da Silva Braga.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
José Barbosa Mota.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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DIÁRIO
da Assembleia da República

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