O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 215

Quarta-feira, 4 de Novembro de 1992 I Série - Número 9

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE NOVEMBRO DE 1992

Presidente: Exmo. Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
Belarmino Henriques Correia

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da atirada na Mesa de variar requerimentos e da voto n.º 30/VI.
O Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins (PS) anunciou a apresentação de uma iniciativa legislativa do seu grupo parlamentar visando a transparência e a responsabilidade no exercício da actividade dos titulares de cargos políticos, após o que respondeu a pálidos de esclarecimento tio Sr. Deputada Silva Marques (PSD).
O Sr. Deputado José Cesário (PSD) teceu considerações sobre a reforma do sistema educativo e respondeu a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt (PS).
A Sr.ª Deputada Julieta Sampaio (PS) trouxe à colação o problema do trabalho infantil. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rui Rio, Rui Salvada e Pereira Lopes (PSD).
O Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrígues (PCP) falou sobre a situação em Angola. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Manuel Alegre (PS), Silva Marques - que também exerceu o direito de defesa da honra - e Cecília Catarino (PSD) e Mário Tomé (Indep.).
Ordem do dia. - Foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um Deputado do PSD.
Após leitura do relatório da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, procedeu-se ao debate da proposta de lei n.º 34/VI - Autoriza o Governo a rever o regime jurídico do trabalho e operação portuários. Produziram intervenções, a diverso titulo, alem do Sr. Ministro do Mar (Azevedo Soares), os Srs. Deputados Jerónimo de Sousa (PCP), José Reis (PSD), João Matos (PSD), Armando Vara (PS), Narana Coissoró (CDS), João Oliveira Martins (PSD), Crisóstomo Teixeira (PS), Apolónia Teixeira (PCP), Eduardo Gomes e António Alves (PSD).
Procedeu-se a apreciação conjunta do relatório faial da Comissão Eventual de Inquérito para apuramento de responsabilidades quanto à decisão e ao processo de vazamento da albufeira do Maranhão, bem como quanto às suas consequências económicas, sociais e ambientais, designadamente na região que envolve os municípios de Avis e Mora [inquérito parlamentar n.º 1/VI (Os Verdes)], dos projectos de resolução n.º 38/VI - Cria uma Comissão de avaliação dos prejuízos causados pelo esvaziamento da albufeira do Maranhão (Os Verdes) e 39/VI - Compensações a atribuir às zonas afectadas pelo esvaziamento da barragem do Maranhão (PS) e dos projectos de deliberação n.ºs 48/VI (PCP) e 49/VI (PSD), relativos à publicação tias actas da Comissão.
Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados André Martins (Os Verdes), João Maçãs (PSD), José Sócrates (PS), Lino de Carvalho (PCP), Fernando Condesso (PSD), Luís Capoulas Santos (PS), Elói Ribeiro (PSD) e Manuel Queira (CDS).
Entretanto, foram aprovadas, na generalidade, na especialidade e em votação final global, as propostas de resolução n.º 12/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República de Moçambique para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, 13/VI - Aprovação do Acordo entre a República Portuguesa e a República da Hungria sobre Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos, 14/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Alterações À Carta Social Europeia, e 15/VI - Aprova, para adesão, o Convénio Constitutivo da Associação Internacional de Desenvolvimento.
Foi ainda aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 34/VI - Autoriza o Governo a rever o regime jurídico do trabalho e operação portuárias.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 20 minutos.

Página 216

216 I SÉRIE - NÚMERO 9

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata Silva.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Elói Franklin Fernandes Ribeiro.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Teixeira Baltazar Gomes.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leilão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira Mourão.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.

Página 217

4 DE NOVEMBRO DE 1992 217

António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
António Ribeiro Marques da Silva.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Edite de Fátima dos Santos Maneiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raul D'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
João Carlos da Silva Pinho.
José Luís Nogueira de Brito.

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado Independente:

Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Caio Roque; a diversos ministérios e à Câmara Municipal de Estremoz, formulados pelo Sr. Deputado Macário Correia; à Secretaria de Estado da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Luís Nobre; a diversos ministérios e à Câmara Municipal de Tarouca, formulados pelo Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, informo que deu entrada na Mesa o voto n.º 36/VI, sobre os acontecimentos em Angola, apresentado pelo PS.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, o Partido Socialista fez entrega de um voto e, como V. Ex.ª já deu a palavra ao Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins, gostaria de saber se o voto não terá de ser discutido e votado antes.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, não é assim, porque nunca foi. Não é assim e só inovamos quando é necessário.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, sendo assim, gostaria de saber qual é o procedimento.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, como é hábito, o voto será discutido e aprovado no fim do período de antes da ordem do dia.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito obrigado pelo esclarecimento, Sr. Presidente.

Página 218

218 I SÉRIE - NÚMERO 9

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, as instituições democráticas reforçam-se e prestigiam-se com transparência e responsabilidade. Transparência, na medida em que os cidadãos tenham o direito de conhecer quem os representa, o modo como o faz e as condições em que exerce o seu mandato; responsabilidade, uma vez que a defesa e a salvaguarda do interesse público obrigam a que os titulares de cargos políticos possam assumir inteiramente as consequências dos seus actos, com independência e dignidade, de acordo com a função que exercem e o serviço que praticam.
Vai fazendo, porém, o seu caminho um discurso fácil e demagógico sobre a política e os políticos - a começar na crítica infundada aos órgãos representativos. Subrepticiamente lançam-se suspeitas sobre os titulares de cargos políticos, de forma indiscriminada, generalizando estereótipos negativos. E o certo é que é a República que se está a atingir em nome de efeitos fáceis e de jogos de palavras e ideias. Em todos os tempos houve Calistos Elóis da camiliana Queda de um Anjo, condes de Abranhos ou émulos de Artur Corvelo. E sabemos como a sua veia moralista coexistiu com a mais evidente das incapacidades para servirem, como se lhes exigiria, a Pátria e as instituições.
É tempo de dar uma resposta positiva às generalizações fáceis e às tentativas de capitalização política à custa das naturais imperfeições de uma sociedade aberta e pluralista e das suas instituições. Não há melhor resposta senão a da transparência e da responsabilidade. É tempo de levantar a voz contra campanhas que mais não visam do que obter efeitos fáceis e imediatos, ainda que com sacrifício e desgaste das instituições da democracia.
É a democracia que está em causa quando, levianamente, para atrair atenções, se elege como bodes expiatórios em relação a males múltiplos e inominados os representantes legitimamente eleitos e os seus supostos privilégios. Num gesto de aparente popularidade, o que se pode estar a atingir é, porém, o cerne da cidadania.
E se é certo que não podemos esquecer que as sociedades contemporâneas necessitam, cada vez mais, de aperfeiçoar os seus mecanismos de democracia representativa, completando-os com mais participação, abrindo-os aos cidadãos sem uma lógica partidária estreita, ligando mais representantes e representados, a verdade é que só será possível enveredarmos sinceramente por essa via se recusarmos as propostas de efeito vistoso, os passes de prestidigitação e se tivermos a coragem de procurar encontrar soluções de facto responsabilizadoras.
Não é aceitável o método das duas faces, dos dois discursos, das duas atitudes - uma aqui no Parlamento e outra lá fora, na rua.

Aplausos do PS.

Lançar suspeitas sobre os titulares de cargos políticos, querer ver a vida das instituições democráticas pelo lado das suas naturais imperfeições, procurar pregar moralismo, que se toma hipócrita rapidamente, sobre o dia-a-dia das instituições, tudo isso sabe-se onde começa mas não se sabe onde pode acabar, na ânsia cega da arenga às massas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que a coragem está não só em reconhecer os nossos erros, mas, também, em recusar a tentação das generalizações primárias, generalizações tanto mais nefastas e incompreensíveis quanto é certo que são feitas por quem usa novas máscaras que procuram fazer esquecer práticas próprias anteriores.
O Estado de direito não é compatível com o vago lançamento de suspeitas ou com a tentativa de impor modelos rígidos de conduta à vida democrática. A sociedade aberta é incompatível com o paradigma de uma virtude imposta unilateralmente. A dignidade das pessoas obriga a que a ética em política se baseie na responsabilidade e no compromisso e não em qualquer lógica transpersonalista nem em novos determinismos.
Um dos temas que tem merecido atenções nos últimos tempos é o das declarações de rendimentos e património dos titulares de cargos políticos, o da publicidade das declarações de impostos sobre o rendimento e, conexamente, a informação sobre interesses e benefícios que possam influenciar o exercício de mandatos políticos.
O Partido Socialista apresentou oportunamente iniciativas legislativas em todos esses domínios, quer permitindo o livre acesso às declarações apresentadas pelos titulares de cargos políticos no Tribunal Constitucional, nos termos da Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, quer propondo a criação de um registo de interesses dos Deputados, quer ainda regulando a publicidade das declarações do IRS respeitantes aos mesmos titulares de cargos políticos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Partimos da constatação de que a Lei n.º 4/83 revelou, ao longo da sua vigência, inúmeros defeitos, quer substantivos quer processuais, que todos reconhecem e que importa ultrapassar, levando em consideração, naturalmente, a experiência obtida. Foi tal verificação que nos levou a apresentar as alterações ou complementos referidos. Por sua vez, na Comissão Eventual de Reforma do Parlamento, propusemos a constituição de um grupo de trabalho para elaboração de um novo texto sobre o tema.
Nessa linha de pensamento, procedemos à nossa própria reflexão e elaborámos um contributo próprio que pretendemos possa servir de base ao trabalho da Comissão quanto a este tema, da maior importância e actualidade. Trata-se de procurar aperfeiçoar o sistema no sentido da transparência e da responsabilidade - com a determinação própria de quem defende que só o jogo da verdade é que deve ser praticado. Procuramos ir ao encontro de críticas que têm sido formuladas, de falhas detectadas, com a ideia de tornar claro e transparente o que não pode deixar de o ser - a situação económica do titular de cargo político e os interesses a que está ligado. Não reduzimos, porém, o âmbito da iniciativa aos Deputados no que toca à informação sobre interesses, uma vez que, a nosso ver, se exige um tratamento coerente e de conjunto sobre não só os rendimentos e o património mas também sobre a revelação dos interesses a que os políticos estão ligados.
Pretendemos, assim, que se dê sentido útil às declarações sobre o património e os rendimentos e às declarações de interesses, devendo estas últimas estar sujeitas a actualização periódica, clarificando ainda as condições de livre acesso dos cidadãos aos elementos constantes das referidas declarações. Não se trata de estabelecer ou de manter um mero formalismo nem de montar uma devassa à vida privada dos titulares de cargos políticos e seus familiares mas, sim, de procurar salvaguardar a indepen-

Página 219

4 DE NOVEMBRO DE 1992 219

dência para o exercício do serviço público. Essa a nossa posição fundamental.
O titular de um cargo político deve ser colocado em posição acima de qualquer suspeita. Com efeito, se qualquer cidadão puder conhecer os interesses a que cada político está ligado, então poder-se-á proteger melhor as instituições contra dúvidas ou suspeições e contra a confusão nefasta entre as esferas pública e privada.
Só a transparência protege a responsabilidade. Só a responsabilidade é que pode ser garantida através da transparência.
Não se confunda, porém, titular de um cargo político com agente ou funcionário da Administração Pública, ainda que investido em tarefas de direcção. Função administrativa e função política não podem ser confundidas. O esforço de dignificação que nos preocupa nesta iniciativa respeita claramente à função política. Do mesmo modo, não podem confundir-se as esferas de controlo político e de controlo jurisdicional - como certas susceptibilidades recentes pretendem, em nome de uma hipersensibilidade estranha e doentia.
A democracia reforça-se pelo jogo complexo dos equilíbrios e compensações, da separação e interdependência de poderes e pelo império da ter legítima e justa. É nesse sentido que têm de se orientar o nosso trabalho e a nossa acção. Só assim poderemos evitar que se estabeleça uma separação entre cidadãos e os seus representantes.
É tempo de ouvir mais os cidadãos e o País. É tempo, porém, de recusar os efeitos fáceis e de usar corajosamente a linguagem da verdade. Daí a nossa aposta na transparência e na responsabilidade.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins, não posso deixar de aproveitar a oportunidade para dizer que este parece tratar-se de um caso flagrante em que os partidos democráticos, quanto mais solidamente convergirem nas questões a que genericamente poderemos chamar de regime ou de Estado e mais claramente se opuserem e divergiram nas questões de governo, mais contribuirão para a consolidação das instituições da República e da democracia e, simultaneamente, melhor farão no sentido da vivacidade e do dinamismo dessas próprias instituições e da nossa vida política.
Por isso, não podemos deixar senão de congratular-nos com a sua intervenção, independentemente das soluções práticas que nela o Sr. Deputado propôs em nome do seu partido e que aceitamos, em princípio, mas que provavelmente, na sua configuração concreta, suscitar-nos-ão algumas discordâncias - mas esse é o aspecto acessório da questão. No fundo, o que quero é dirigir, a si e à sua bancada, o nosso preito pela frontalidade com que abordou a questão. Muitas vezes, no passado, os nossos dois partidos digladiaram-se sobre questões acerca das quais se deviam pôr de acordo, sem complexos, sem que isto significasse passar uma esponja sobre as nossas divergências ou sobre os nossos erros. Mas raramente os nossos dois partidos tiveram a elevação para se pôr de acordo, sem complexos, relativamente a questões de regime e de Estado. E esta é inequivocamente uma delas.
É evidente que os partidos da democracia não poderão surpreender-se de se verem acossados, à esquerda e à direita, pelos demagogos, que, no fundo, brandem, por detrás dessa demagogia, um instinto antidemocrático, anti-Estado democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, só espero, só desejo!... E não estou a revelar qualquer optimismo fácil relativamente a estas questões, porque sei que a envolvência da luta política, que a todos nos condiciona, dificulta que qualquer de nós possa concretizar de forma rectilínea e imediata, e não estou a falar só de vós mas também de mim e do meu partido. Todos nós somos condicionados pelas circunstâncias... Mas, quando há a oportunidade de qualquer de nós se sobrepor ao circunstancialismo dos demagogos, sejam eles de que banda forem, não posso senão, como democrata e como cidadão, congratular-me, em meu nome pessoal e no do meu partido, e dirigir este louvor a si, Sr. Deputado, e à sua bancada.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme de Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, a questão que nos preocupa tem a ver com o reforço das instituições democráticas. E há um espaço de consenso, como há um de alternância e de diferença. E temos de saber preservar esses dois espaços. Naturalmente que estaríamos a trair o nosso eleitorado se não assumíssemos claramente a ideia de que somos alternativa, mas, quando é o prestígio e o reforço das instituições que está em causa, naturalmente que não podemos deixar de elevar a nossa voz pelo respeito da Constituição. E há uma campanha- uma campanha negativa e que não é clara, porque não sabemos exactamente de onde é que ela vem,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Até se sabe bem!

O Orador: -... sabemos quem a defende, mas, depois, nos lugares próprios, ela não é assumida- a propósito do estatuto dos titulares dos cargos políticos, dos supostos privilégios desses titulares, designadamente dos parlamentares.
Não queremos privilégios! Não queremos senão assegurar o aperfeiçoamento concreto da democracia, dos seus mecanismos de representação, através do prestígio dos titulares dos cargos políticos. Mas esse prestígio só pode assegurar-se através da responsabilização, do compromisso e, afinal, do serviço público!

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo mais do que duplicado, desde há cinco anos, o orçamento do Ministério da Educação, é possível hoje reconhecer a absoluta prioridade atribuída à reforma educativa por parte dos governos liderados pelo Professor Cavaco Silva.

Página 220

220 I SÉRIE - NÚMERO 9

A educação constitui-se, assim, como um sector privilegiado no contexto das políticas sectoriais, considerando-se o seu absoluto valor estratégico face à construção de um Portugal mais moderno, em que o desenvolvimento seja a palavra de ordem permanente.
Com um esforço ímpar, conseguiu-se assim transformar a educação numa das maiores preocupações dos Portugueses, fazendo dela um tema fundamental no debate social e deixando assim de ser um exclusivo de quantos vivem dentro das paredes da escola.
Investiu-se, assim, como nunca até aqui se havia verificado, dando-se passos significativos no sentido de uma reforma já inadiável: aumentou-se o ritmo de construção de infra-estruturas educativas para todos os sectores de ensino, apoiada por um programa comunitário habilmente negociado - o PRODEP (Programa de Desenvolvimento da Educação de Portugal) -; valorizou-se de forma evidente a carreira docente, dando-lhe uma dignidade nunca verificada; apostou-se decisivamente no investimento no ensino superior politécnico, como vector fundamental para uma formação académica superior, intimamente ligada às realidades sócio-económicas regionais; criou-se a Universidade Aberta; diversificou-se o ensino secundário, criando-se o ensino profissional; reconheceu-se a autonomia da escola, considerada uma ampla realidade educativa, aberta à participação comunitária; legislou-se no sentido de abrir a administração e a gestão escolar ao empenho dos diversos agentes da realidade educativa; reestruturaram-se os currículos dos ensinos básico e secundário e deu-se corpo a novos conteúdos programáticos.
Em suma, e porque não posso aqui referir todas as medidas adoptadas, começou finalmente a dar-se sentido prático a uma reforma, há tanto anunciada, em estrita obediência a uma filosofia de pendor humanista que encara o desenvolvimento e o progresso em função da pessoa humana.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Deste modo, entramos hoje no chamado 3.º ciclo da reforma educativa - a fase da generalização da execução ao nível de cada escola, à qual se reconhece um espaço próprio de autonomia, no sentido de garantir a qualidade da educação.
Cada escola terá assim de ter uma vida própria, definindo o seu projecto educativo em ligação a uma realidade social, para o que se considera essencial incrementar os fluxos informativos e os meios de formação.
Trata-se, assim, de pôr de pé um novo edifício sócio-pedagógico, a partir do desenvolvimento de novas metodologias de gestão e de novas didácticas, o que obriga a um profundo e permanente debate pois a reforma não se esgota em si mesma... Ela obriga a uma participação redobrada, a uma grande unidade de esforços entre os agentes educativos e a um sentido crítico altamente responsável. Assim se construirá uma verdadeira escola cultural!
Neste sentido, o actual governo proeurou aumentar ao máximo a disponibilidade para o diálogo que permitiu já superar alguns difíceis escolhos que surgiram no seu ainda curto período de existência: deu-se continuidade plena à regulamentação do Estatuto da Carreira Docente do Ensino não-superior, conseguindo-se significativos acordos com as estruturas sindicais; o ano lectivo de 1992-1993 iniciou-se com absoluta normalidade nas escolas dos ensinos básico e secundário; negociou-se com êxito um novo modelo de avaliação dos alunos do ensino básico que agora entra em vigor; implementa-se, finalmente, o novo regime de direcção e gestão das escolas dos ensinos básico e secundário, preconizado no Decreto-Lei n.º 172/91; adoptou-se um novo sistema de formação de professores, que, especialmente apoiado no Programa FOCO, permite uma oferta descentralizada de formação, no sentido da melhoria da qualidade da educação; generalizam-se, no presente ano lectivo, nos 2.º, 5.º e 7.º anos de escolaridade, os novos planos curriculares; deu-se corpo a uma mais eficaz prática de informação a todos os elementos da comunidade educativa, com a divulgação pormenorizada dos aspectos fundamentais da reforma.
Assim, e embora o actual momento essencialmente obrigue a uma grande reflexão sobre tudo o que está a ser feito, não podemos deixar de reconhecer o intenso esforço e a prioridade absoluta que Couto dos Santos e todo o Governo estão a atribuir à implementação da reforma educativa.
É de elementar justiça fazer tal constatação. Porém, investir não pode significar desperdiçar e daí aplaudir-mos igualmente a tónica colocada no sentido de imprimir um grande rigor aos gastos públicos, neste e nos restantes sectores da Administração. Há que pôr de parte tudo o que não seja de facto investimento e não se traduza em eficácia. Temos de ser profundamente realistas para não hipotecarmos o futuro das gerações que se nos seguirão.
Por isso, aceitamos que se ponha de parte o supérfluo, o que não garanta qualidade, tudo o que se traduza num peso morto!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumprirá, porém, debruçarmo-nos um pouco sobre alguns aspectos das medidas agora adoptadas.
Em primeiro lugar, devo referir o Despacho Normativo n.º 98-A/92, que veio instituir o novo sistema de avaliação dos alunos do ensino básico, cujos objectivos se situam na linha de uma escola de sucesso e não na lógica da selectividade que marcou a escola do passado.
Neste sentido, definem-se quatro modalidades de avaliação- a avaliação formativa, a avaliação sumativa, a avaliação aferida e a avaliação especializada -, que visam respeitar o ritmo de aprendizagem e as características próprias de cada aluno.
Procura-se, assim, fundamentalmente, que o aluno aprenda e obtenha resultados positivos, ultrapassando as dificuldades de aprendizagem através de um acompanhamento especial, devendo sempre recuperar dos problemas que atravesse através de um apoio educativo a definir caso a caso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Também aqui a escola começa a ganhar uma vida própria, a sua autonomia, que, finalmente, se traduz num projecto educativo completo, no sentido de garantir a realização pessoal e social dos alunos.
Porém, é óbvio que, para dar condições de adesão a todo este novo sistema por parte dos professores, era necessário promover um forte investimento na sua formação, para o que se disponibilizam finalmente poderosíssimos meios.
Assim, e para além da disponibilidade do Instituto de Inovação Educacional para financiar projectos das escolas, surge agora o Programa FOCO, no âmbito do PRODEP, que permitirá pôr de pé um profundo programa de formação contínua que aposta essencialmente nas

Página 221

4 DE NOVEMBRO DE 1992 221

potencialidade» da escola e na capacidade de levar a efeito acções comuns.
Este programa destina-se, assim, aos educadores de infância e aos professores dos ensinos básico e secundário, que poderão ser directamente apoiados na actividade profissional, melhorando-se a qualidade de ensino e contribuindo-se para a sua progressão na carreira docente, através de um sistema de creditação de tal tipo de acções.
A formação contínua pode assim ser promovida por associações pedagógicas, profissionais e sindicais, por instituições do ensino superior de formação de professores e, sobretudo, por centros de formação de associações de escolas, que assim voltam a ser o centro da inovação e da experimentação pedagógica.
Assim se pensa poder formar cerca de 60 000 professores, até ao fim de 1993, dando-se condições de pleno empenho numa reforma que tem de ser permanente e para cujo êxito contribuirão decisivamente a circulação de informação e os esquemas de formação.
O novo regime de avaliação dos alunos e o sistema de formação de professores, em articulação com a nova direcção e gestão dos estabelecimentos dos ensinos básico e secundário, a valorização do ensino superior politécnico, a continuidade do programa de construções escolares e a execução do estatuto da carreira docente são condições que poderão garantir um significativo êxito da reforma educativa.
Saibamos para isso ter todos uma disponibilidade de espírito suficiente para sermos capazes de, em conjunto, construirmos um edifício educativo virado para o futuro e não para o passado.
Neste sentido, serão sempre bem-vindos todos os contributos positivos, independentemente da sua proveniência. A reforma implica diálogo e este não pode parar. Essa tem sido a postura do Governo!
Saibamos nós, também nesta Assembleia, pôr de parte a demagogia e a falta de rigor, optando pela crítica afirmativa e construtiva e a discussão de ideias, com formulação de alternativas válidas.
O debate sobre o conceito de qualidade em educação é indispensável e para isso nós, no PSD, estamos absolutamente disponíveis. Saibamos fazê-lo com seriedade!
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não poderia, nesta intervenção, deixar de fazer uma referência, ainda que necessariamente breve, ao novo regime de propinas do ensino superior e as alterações da política de acção social escolar neste sector de ensino.
Já tivemos a oportunidade de aqui afirmar, por diversas vezes, que a justiça teria de chegar também ao ensino superior... E inadmissível que um filho de uma família abastada pague uma propina idêntica à de um aluno proveniente de meios modestos!
Isso, a manter-se, significaria que seriam os contribuintes a subsidiar quem disso não necessita, o que obrigatoriamente seria insustentável e injusto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Havia assim que alterar radicalmente o sistema em vigor, de modo a, volto a dizê-lo, garantir um mínimo de justiça social. É isso que está a ser feito com absoluta correcção!
De facto, dissemos então igualmente que o aumento de propinas deveria ter, em paralelo, alterações profundas no regime da acção social escolar, no que, aliás, fomos acompanhados por outros sectores desta Câmara. Seriam necessárias mais bolsas de estudo, mais residências e incentivos fiscais!
E, por isso, não podemos deixar de reconhecer publicamente que o Governo está a realizar um extraordinário esforço a este nível com as propostas que recentemente tornou públicas.
Esta não é altura para demagogia, pois quem o faz está apenas a tentar desestabilizar os meios académicos nacionais, embora com pouca imaginação, ...

Aplausos do PSD.

... bem na linha de políticas já seguidas no conturbado período pós-25 de Abril.
Pela nossa parte, estamos, como sempre estivemos, disponíveis para discutir todas estas questões num plano de seriedade e de realismo, sem hipocrisia.
Congratulo-me, assim, com o espírito dialogante revelado pelo Governo em todo este processo. Nós também estamos nesta linha!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt.

A Sr.ª Ana Maria Bettencourt (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, V. Ex.ª apresentou uma visão da reforma educativa que não existe. Ao ouvi-lo, pensei até que estava a falar de outro país, porque, em Portugal, isso é coisa que só existe no papel. Os senhores pagaram a técnicos e a professores, que fizeram um trabalho honesto durante vários anos, mas, como não há condições, a reforma educativa não existe no terreno.
Nos últimos dias, a Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura deslocou-se a vários pontos do País e verificou que não há condições para se proceder a essa reforma.
O Sr. Deputado disse aqui que é preciso rigor. Isso é verdade, porque não podemos brincar com as crianças e fazer delas cobaias. Mas a verdade é que é isso mesmo que os senhores estão a fazer com o diploma de avaliação e com a reforma curricular!
Como já dissemos repetidas vezes, os professores e as escolas não têm condições para aplicar este diploma.
O Sr. Deputado apresentou, pois, uma realidade que não existe, porque não há reforma alguma em curso. Aquilo que existe nas escolas - e nós vimos isso, por exemplo, em Buarcos - é a maior penúria, a maior pobreza cultural.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Vai haver uma formação de professores, que ainda não foi preparada. Não se podem gastar 13 milhões de contos sem fazer uma preparação no terreno, como, aliás, é feito em qualquer país da Europa.
Mais: os orçamentos das escolas são uma vergonha! As escolas primárias nem sequer têm dinheiro para as coisas mais essenciais (lápis, artigos de limpeza, etc.).
A questão que queria colocar-lhe era a de saber como é que se pode fazer uma reforma com a penúria que existe nas escolas primárias, com a falta de espaços e com a falta de apoio aos professores.
Creio que essa reforma nunca irá existir, mas, de qualquer forma, gostaria que o Sr. Deputado me dissesse como é que ela vai ser desenvolvida.

Página 222

222 I SÉRIE - NÚMERO 9

Aquilo que apresentou foi uma mistificação que não convence nem pais nem autarcas, que têm os orçamentos repetidos, nem a comunidade educativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt, ao ouvi-la perguntei a mim próprio: «Como é que o PS pode assumir-se como alternativa tendo uma visão tão pessimista de questões fundamentais, como são as que se relacionam com a educação?»

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada, uma reforma tem de partir de um princípio, de uma visão optimista, de uma grande disponibilidade para encarar realisticamente que há situações que merecem uma permanente reponderação (haverá outras, com certeza, em relação às quais se darão passos bem significativos).
Uma reforma implica experimentação. Chamar cobaias aos alunos é ofendê-los.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É uma ofensa permanente!

Os Srs. Deputados, em vez de se limitarem a falar, têm de estar atentos à realidade objectiva!
Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada: que alternativas é que o PS formulou, ao longo destes anos, à política de reforma educativa que os governos do Professor Cavaco Silva levaram a cabo?

Vozes do PSD: - Zero!

O Orador: - Que alternativas é que os Srs. Deputados apresentaram, nesta Assembleia, às políticas que o Governo seguiu?

Vozes do PSD: - Nenhumas!

O Orador: - Quantos projectos de lei é que apresentaram nesta Câmara, durante esta Legislatura, na área da educação?

Vozes do PSD: - Zero!

O Orador: - Sr.ª Deputada, registo ainda a crítica que fez às autarquias locais quando afirmou que o orçamento das escolas primárias - e referiu-se só a elas! - é coisa que não existe, pois estas não têm meios financeiros para adquirir lápis, artigos de limpeza, etc. Repito, registo a crítica violenta que a Sr.ª Deputada endereçou às autarquias, que tanto esforço têm feito para apoiar o desenvolvimento da reforma.
A reforma educativa é uma área que gerará necessariamente grandes confrontos, mas que obriga a que existam também grandes consensos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Apelo, pois, a que sejamos todos capazes de, através de uma crítica construtiva, ajudar o actual e os futuros governos a levar a cabo a reforma que a todos interessa.
Estamos convencidos de que já se deram passos significativos (e a Sr.ª Deputada não pode pôr isso em causa!) no que respeita à avaliação, à formação de professores e àquilo que foi feito nos últimos tempos e que é profundamente significativo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Espero apenas que o PS e todas as bancadas apresentem propostas que nos ajudem a, conjuntamente com o Governo, levar esta reforma até onde desejamos.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Ana Maria Bettencourt (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra da minha bancada.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Maria Bettencourt (PS): - Se quer sugestões, Sr. Deputado, é para já: veja o programa do PS, que apresenta, desde há vários anos, uma alternativa em matéria de educação. Em relação a várias aspectos, apresentámos essas alternativas primeiro que os senhores. Foi o caso das matérias respeitantes à avaliação, à dignidade das escolas públicas e ao ensino politécnico. Aliás, no que respeita a este último caso, V. Ex.ª diz que sempre defendeu este ensino, o que não é verdade pois o que o Sr. Deputado deseja é o seu «alaranjamento».

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Foi o PS que criou o ensino politécnico e que sempre apresentou propostas para a sua dignificação.

Aplausos do PS.

Gostaria que V. Ex.ª reconhecesse que se não fossem as autarquias e os conselhos directivos as escolas não se aguentavam. E não é a reforma que está em causa, porque esta não se vê. A reforma está na 5 de Outubro, embora os senhores agora tentem transportá-la - tecnicamente mal! - para o terreno.
Se o Sr. Deputado lesse as alternativas que o PS tem apresentado em matéria de educação poderia constatar que nós temos apresentado uma concepção de implementação da reforma muito mais rigorosa, com muito mais cuidado para as crianças, com uma experimentação mais dilatada no tempo (que já deveria ter começado há vários anos).
Aquilo que os senhores estão a fazer não tem rigor algum! Esta reforma da avaliação é leviana e precipitada.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado, estamos abertos ao diálogo, à construção da reforma. Aliás, o PS é o mais reformista dos partidos portugueses em matéria de educação.

Risos do PSD.

Página 223

4 DE NOVEMBRO DE 1992 223

É verdade! E nós estamos abertos a debater tudo o que sejam propostas inovadoras e criativas. Conte connosco, Sr. Deputado!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr.ª Deputada, não sei onde é que ofendi a honra do PS...

Critiquei a inexistência de projectos de lei sobre estas matérias. E, Sr.ª Deputada, o facto de esta matéria estar prevista no programa do vosso partido não significa que existam, na Assembleia, projectos de lei apresentados.
Os Srs. Deputados do PS que falam desta reforma deveriam preocupar-se, em primeiro lugar, com a vossa própria reforma e com a reforma do vosso próprio partido.
A Sr.ª Deputada, ao referir-se à questão do ensino politécnico, acabou de dar o melhor exemplo do esforço tremendo que os governos do PSD tiveram de fazer para endireitar aquilo que nasceu tão torto. É que VV. Ex.ªs criaram-no de tal forma que Isso obrigou-nos a anos e anos de sucessivos esforços para ter, finalmente, uma estrutura que corresponda, a nível regional, às exigências do tecido empresarial e económico.
De qualquer forma, quero congratular-me com a sua disponibilidade para o diálogo, pois creio que podemos estar de acordo em muitos aspectos. Sei que V. Ex.ª, quando faz estas críticas virulentas, está, por necessidade de estratégia, a exagerar, mas, no seu íntimo, concorda com muitas das acções que estão a ser tomadas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão os alunos da Escola n.º 1 da Amora, para os quais peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, vou falar mais uma vez de crianças, mais concretamente do trabalho infantil, que é por todos condenado.
Condena-o a sociedade e admite-o negligentemente.
Condena-o o Governo e não actua, mesmo quando os factos aparecem e são evidentes.
Condena-o o Poder em geral, mas nunca impotente perante esta dura realidade.
A comunicação social tem dado à página inúmeros casos de trabalho infantil, relativos, na maioria, a crianças com idades compreendidas entre os 9 e os 14 anos, exploradas, primeiro, pelos pais, depois pelos empregadores - parecem «pombos solitários» à espera de uma migalha de felicidade.
Trabalham em tudo: lavam carros, são pedreiros, pintam azulejos, cuidam dos irmãos, vendem nas ruas, são trolhas. Trabalham como homens os «putos», a quem negam o direito a ser criança.
Um chama-se Valdemar, tem 13 anos e trabalha numa fábrica; o António tem 12 e é pedreiro; o Manuel, com 11 anos, lava pratos numa pastelaria; outros, uma dúzia, trabalham com colas de contacto sem qualquer protecção.
São as nossas crianças mal-amadas. Sofrem toda a espécie de violência: é a família que os atira para os duros caminhos da vida, são os empregadores que os maltratam e que raramente lhes pagam o que inicialmente é acordado.
O Valdemar, com quem falei, contou-me a sua vida. Trabalha numa fábrica de sapatos, tira pregos e dá cola a cerca de 100 sapatos por dia. Se não o fizer, é penalizado no ordenado. O patrão não pode ter prejuízo, declara-me. Levanta-se às seis horas e f az a pé o percurso até à fábrica. Sonhava poder tirar um curso de computadores.
No Portugal de hoje, «do sucesso e do oásis», há muitos «Valdemares».
A passividade com que este assunto tem sido encarado teve, como era de prever, um efeito perverso.
Hoje, não é só no Norte que há trabalho infantil.
Casos concretos, perfeitamente identificados, encontram-se de norte a sul.
Há, espalhadas por vários pontos do País, empresas de recrutamento de pessoal que contratam crianças e as põem a trabalhar. Pagam-lhes à hora e afirmam mesmo que não há qualquer problema, pois é raro a Inspecção-Geral do Trabalho aparecer e se aparecer o problema resolve-se sempre.
É aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o problema se agudiza.
A legislação que penaliza os que utilizam trabalho infantil não é cumprida, porque a fiscalização não actua. Ainda muito recentemente o Sr. Ministro Silva Peneda confirmou a existência de trabalho infantil, embora tenha afirmado que o Governo lançou recentemente 62 medidas para combatê-lo.
Mas o que falta é que o Governo, mais concretamente o Ministério do Emprego e da Segurança Social, tome medidas concretas, imediatas e eficazes.
A corrupção, aqui como em outros sectores, é a chave mestra que fecha as portas e esconde este crime.
Crime, Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque mata o sonho da vida quando ela começa; crime, porque nega-lhes o elementar direito de se desenvolverem e se realizarem plenamente.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Em Maio, na cidade do Porto, uma ceramista utilizou crianças para satisfazer uma encomenda comercial. Tinham idades compreendidas entre os 9 e os 12 anos. Trabalharam durante o período lectivo. No trabalho manuseavam colas de contacto e outros materiais tóxicos, sem garantias de segurança. O trabalho era realizado por turnos até altas horas da madrugada. Toda a comunicação social o noticiou largamente. Desconhece-se que a Inspecção-Geral do Trabalho tenha «mexido uma palha» para iniciar a averiguação que se impunha. Igualmente se desconhece se o Governo, a quem a Comissão de Educação solicitou que actuasse, tomou alguma medida.
É, como afirmei no início da minha intervenção, a negligência que confrange.
São os pequenos poderes instalados que já não temem, mesmo em presença de ministros, propor que as leis penalizadoras do trabalho infantil sejam abolidas.
Será este «oásis» de sucesso que se deseja para algumas, mas muitas, das nossas crianças?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto os órgãos de poder não punirem exemplarmente um caso de violação

Página 224

224 I SÉRIE - NÚMERO 9

dos direitos das crianças, não há legislação que acabe com esta praga.
Cada vez mais, crianças iguais a estas deixarão a escola para trabalhar e serem exploradas pelas famílias e empregadores.
Temos o dever moral e constitucional de impedi-lo.

Esta ceramista do Porto, que abusivamente utilizou mão-de-obra infantil, não pode ficar impune.
Quando o Poder não exige o cumprimento da lei, desacredita-se e enfraquece-se face à sociedade.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não podemos permitir que amanhã mais crianças recordem que foram exploradas e que os seus direitos não foram respeitados.
Elas serão os nossos juizes!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr.ª Deputada, não há dúvida de que fica bem ao PS, como a qualquer partido ou a qualquer cidadão, condenar o trabalho infantil.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, apoiaram a intervenção?

O Orador: - Exactamente, Sr. Deputado! Eu apoio quase integralmente a intervenção da Sr.ª Deputada.

O Sr. José Magalhães (PS): - Excelente!

O Orador: - Mas começo a colocar as minhas questões quando a Sr.ª Deputada fala na questão da Junta de Freguesia de Aldoar: aí é que eu coloco as minhas questões! É que a Sr.ª Deputada disse que havia uma ceramista que punha umas crianças a trabalhar na Junta de Freguesia de Aldoar, o que é verdade e é condenável; disse que a legislação tem de ser cumprida, o que também é verdade, mas - e isto também é verdade e a Sr.º Deputada não o disse - o presidente da Junta de Freguesia de Aldoar tinha conhecimento dessa situação...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - E é socialista!

O Orador: -... e é do PS, como disse o meu colega e bem!

Aplausos do PSD.

Foi só isso que lhe faltou dizer, Sr.ª Deputada!

Aplausos do PSD.

Foi isso, repito, o que lhe faltou dizer daquela tribuna para eu poder dar o meu apoio a 100 % àquilo que V. Ex.ª referiu.
Portanto, quando se diz que a legislação tem de ser cumprida, isso é verdade, mas acima disso é preciso que as pessoas, moralmente, cumpram com aquilo que devem quando estão no exercício de cargos políticos, e isso não aconteceu com o presidente da Junta de Freguesia de Aldoar, que é do seu partido, Sr.ª Deputada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr.ª Deputada, havendo mais oradores inscritos para lhe pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr. Presidente e Sr.ª Deputada Julieta Sampaio, tomei a iniciativa de colocar-lhe algumas questões não propriamente pela importância da sua intervenção mas, sim, pela importância do tema. Assim, pedi a palavra mais para deixar aqui uma afirmação de indignação pelo aproveitamento, no meu entender, horroroso que a Sr.ª Deputada fez de uma situação em que deve haver convergência de esforços, porque o problema, como a senhora sabe - se tem essa informação -, não é apenas uma questão de legislação.
Na verdade, se há governos que tomaram iniciativa nesta matéria, eles foram os do PSD e só há cerca de um ano. Quanto se fala em fiscalização pela Inspecção-Geral do Trabalho, em não cumprimento da legislação, etc., o PS deve lembrar-se de que tem, no último governo em que esteve representado, uma história de «exércitos de trabalhadores», e não só de crianças, sem salários, desempregados e com chagas horrorosas em termos de segurança social e de emprego.
A Sr.ª Deputada sabe perfeitamente, até porque está ligada à educação, que o tema do trabalho infantil tem várias origens - uma delas é cultural, outra sociológica, outra económica - e que a sua solução, enquadrada no quadro legal que existe neste momento, tem resposta na família, nas autarquias, na Igreja, nos próprios sindicatos, que devem ter informação sobre esse assunto, para além, como é evidente, do próprio aparelho do Estado.
De facto, a Sr.ª Deputada fez um aproveitamento, diria quase miserável, de uma situação e no meu entender não tem esse direito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pereira Lopes.

O Sr. Pereira Lopes (PSD): - Sr. Presidente e Sr.ª Deputada Julieta Sampaio, direi que o PSD tem, praticamente, todas as preocupações que a senhora expôs e porque as tem tido tem travado, através do seu governo, um combate permanente contra o uso e abuso do trabalho infantil.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - O que não podemos é embarcar em demagogia, pois uma coisa é o combate ao uso e abuso do trabalho infantil e outra é a demagogia com que se sobe a uma tribuna ou se escreve nos jornais - e, infelizmente, na comunicação social estrangeira- dando a ideia, aliás, falsa, de que Portugal é o país do mundo onde há mais exploração de trabalho infantil!
Ora, Sr.ª Deputada, isto tem a ver com uma coisa que transcende e ultrapassa as nossas próprias fronteiras: tem a ver com o lobby organizado internacionalmente no sentido de haver um boicote à nossa indústria têxtil utilizando argumentos que, infelizmente, a oposição usa intra-muros.

Página 225

4 DE NOVEMBRO DE 1992 225

Na verdade, a Sr.ª Deputada e a oposição esquecem-se de que este boicote põe em perigo toda a nossa indústria têxtil, as centenas de milhares de postos de trabalho dessa indústria, com afirmações que são falsas e que têm falta de alicerces verdadeiros.
Reconhecemos que há trabalho infantil, estamos a combatê-lo em todas as linhas, mas uma coisa é reconhecer isto e promover o seu combate é outra é utilizar a demagogia e a mentira.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.º Deputada Julieta Sampaio.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afinal consegui aquilo que queria, isto é, sacudir esta Câmara para um debate sobre uma questão tão importante como é a do trabalho infantil.

Vozes do PSD: - Ah!...

A Oradora: - Quanto ao Sr. Deputado Rui Rio, quero dizer o seguinte: o senhor não sabe mas foi subscrito apenas por mim, porque na altura assim o quis, um projecto de deliberação, apresentado na Comissão de Educação, Ciência e Cultura no passado dia 29 de Julho, no sentido de que fosse averiguado tudo o que se passou na freguesia de Aldoar, incluindo a questão do presidente da Junta.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Nós não encobrimos ninguém!

A Oradora: - Sr. Deputado Rui Rio, o PS é um partido que se bate por princípios e por causas e seja quem for que tenha transgredido os mais sagrados direitos das crianças, ou seja, o direito de elas na sua idade escolar estarem na escola, que é o lugar delas, não transigiremos nisso.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, quero dizer-lhe que foi o PS, pela minha voz, que apresentou na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, um projecto de deliberação que visa, repito, averiguar tudo o que se passou na Junta de Freguesia de Aldoar, ou seja, quem tiver responsabilidades vai ter de assumi-las, seja quer for, seja a ceramista ou o presidente da Junta.

Aplausos do PS.

Somos um partido de princípios e de causa, e disso não abdicaremos! Esta é, pois, a resposta que quero dar-lhe à questão que colocou.
Relativamente aos Srs. Deputados Rui Salvada e Pereira Lopes o que os senhores disseram foi tudo o que eu disse na minha intervenção, por isso só quero dizer-lhe uma coisa, Sr. Deputado Rui Salvada: eu não fiz «aproveitamento miserável» das crianças, pois elas merecem-me muito respeito e tanto que não fiz questão de levantar o problema mesmo sabendo que poderia pôr em causa interesses do PS a um ano que estamos das eleições autárquicas.
Por isso, o PS demonstrou, pela minha voz, que as crianças e os seus direitos são sagrados para o nosso partido!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A guerra voltou a assolar a terra de Angola!
Pela televisão chegam-nos todos os dias imagens da tragédia que se abateu sobre as populações daquele país irmão. A mortandade recomeça após três décadas de guerras encadeadas.
Todos os esforços, venham de onde vierem, desenvolvidos no sentido do restabelecimento da paz, representam, desde que sinceros, uma contribuição positiva. Mas se a situação criada exige serenidade, exige também uma rude franqueza.
O comprometimento desinteressado e humanista a favor da paz em Angola implica consenso em tomo de duas questões prévias: primeiro, o reconhecimento de que as eleições de Setembro foram livres e justas, pelo que os seus resultados devem ser respeitados; e, segundo, o reconhecimento de que foi a UNITA quem desencadeou a actual escalada de violência, ao recusar-se a aceitar o veredicto do povo expresso nas umas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República não pode assistir como espectadora muda ao desenrolar do angustiante processo angolano.
Portugal, através do Secretário de Estado da Cooperação, foi mediador nas negociações que levaram à assinatura dos acordos de Bicesse. Impossível é esquecer também que o nosso país mantém com o povo de Angola relações forjadas ao longo de cinco séculos de uma história que, para o bem e para o mal, se entrelaçou.
A Assembleia da República assumiu uma responsabilidade óbvia ao aceitar um convite que, através de uma delegação multipartidária, fez de deputados seus observadores internacionais nas jornadas eleitorais de 29 e 30 de Setembro.
Fui, como representante do Grupo Parlamentar do PCP, um dos membros dessa delegação da nossa Câmara. Visitei, com outros colegas, entre os quais o Deputado Vítor Crespo, ex-presidente da Assembleia, três dezenas de secções de voto e falei, em todas elas, com os delegados dos dois principais partidos e não ouvi, então, uma só queixa de qualquer representante da UNITA.
Quando as umas foram abertas e se iniciou a contagem dos votos, a atmosfera era de tranquilidade social, tendo os protestos dos dirigentes da UNITA e as acusações de fraude somente principiado a escutar-se quando os resultados divulgados revelaram que o MPLA e José Eduardo dos Santos levaram enorme vantagem sobre Jonas Savimbi e o seu partido.
A representante da ONU, uma alta funcionária de nacionalidade britânica, elogiou a exemplaridade das eleições no contexto africano, tendo em vista as dificuldades técnicas que foi necessário superar. Essa foi também a opi-

Página 226

226 I SÉRIE - NÚMERO 9

nião da esmagadora maioria das quase 800 observadores internacionais.
Entretanto, a direcção da UNITA, quando se tornou transparente a derrota respondeu desafiadoramente ao voto popular.
O seu presidente, tripudiando sobre a letra e o espírito dos acordos de Bicesse e contradizendo declarações que fizera no seu último comício em Luanda, fechou as portas ao diálogo, comprometendo a própria realização de uma segunda volta na eleição presidencial, pois o candidato do MPLA, José Eduardo dos Santos, obteve 49,5 % dos votos, alguns décimos a menos do que o necessário para a maioria absoluta.
A UNTTA não se limitou a recusar os resultados eleitorais alegando fraudes, sem delas ter feito prova. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Savimbi começou por se negar ao diálogo com o Presidente José Eduardo dos Santos, saiu secretamente de Luanda para o Huambo e retirou os generais da UNJTA do comando integrado das novas Forcas Armadas de Angola.
Foi o prólogo da escalada de violência contra o Governo legítimo de Angola, cujo partido, o MPLA, obteve maioria absoluta nas eleições.
Os factos fundamentais são transparentes: foram elementos da UNITA que provocaram os primeiros choques sangrentos em Luanda e assassinaram no Huambo o escritor Fernando Marcelino e a sua mulher e irmã; foram tropas da UNITA que atacaram e tentaram ocupar o aeroporto de Luanda e praticaram ali uma chacina (das vítimas três eram portugueses); foram também da UNITA os destacamentos que tentaram destruir o Jornal de Angola e a Televisão Popular de Angola bem como a sede do Comité Central do MPLA; foram igualmente militares da UNITA, Srs. Deputados, que, em diferentes províncias, assaltam os quartéis da polícia e procuraram ocupar pontos estratégicos e edifícios da administração central.
Utilizando condições criadas pelos acordos de Bicesse, a UNITA, que não desmobilizou o aparelho bélico das FALA, introduziu forças militares em regiões onde a sua presença fora sempre inexpressiva e trata de assumir agora o controlo de capitais e cidades que nunca ousara sequer atacar. Entretanto, desrespeitando compromissos assumidos, não permitiu que a administração central se instalasse em áreas por ela controladas no Centro e Sudeste do país.
Essa é a sua resposta ao voto soberano do povo de Angola que lhe foi desfavorável!
A irracionalidade da escalada de violência da sua iniciativa insere-se, segundo muitos observadores, num plano concebido com antecedência e que contaria com cumplicidades internacionais. Que pretenderá? Balcanizar Angola?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No actual contexto são especialmente preocupantes, justificando inquietação na comunidade internacional, as posições assumidas nas últimas semanas pelo Governo da África do Sul. Assim, declarações recentes do Ministro dos Negócios Estrangeiros daquele país, Sr. Pik Botha, justificam o temor de que o Estado Sul-Africano retome uma perigosa estratégia de intervenção directa nos assuntos internos de Angola.
Em momento algum a república do apartheid exortou os dirigentes da UNITA a respeitarem os resultados das eleições - aliás, Pretória faz precisamente o contrário. O Ministro Pik Botha fala agora de partilha do poder em Angola, alegando que em África a democracia representativa tem regras próprias e diferentes e sugerindo, nomeadamente, o arquivamento dos resultados do voto popular.
Na prática, o governo racista da África do Sul desejaria ensaiar em Angola uma caricatura daquilo que propõe para o seu próprio país, onde 4,5 milhões de brancos pretendem manter o poder real, tripudiando sobre os direitos de 21 milhões de negros e mestiços.
Não menos inquietantes são as notícias que chegam através de denúncia do ANC, e também de Luanda, segundo as quais tropas do famigerado Batalhão Búfalo já teriam penetrado em território angolano. Que jogo está a fazer a República da África do Sul? Que pretenderá? Uma certeza: a ambiguidade das suas iniciativas diplomáticas e o apoio dispensado à UNITA têm implicações negativas no conjunto da África Austral, contribuindo para a atmosfera de desestabilização crescente na Região.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não aceitamos como adequada a situação criada em Angola e a posição daqueles que se calam ou procuram, recorrendo a artifícios, distribuir equitativamente responsabilidades pela UNITA e pelo MPLA.
As Nações Unidas - nunca é demais repetir essas palavras - afirmaram, através da representante da UNAVEM II, que as eleições foram livres e justas. É, portanto, equívoco, para não dizer suspeito, o feixe de apelos ao entendimento entre as partes, formulados por vários governos e organizações internacionais.
Que se fale de diálogo compreende-se, mas, à luz do direito e do respeito pelo povo de Angola, não pode haver um entendimento que não passe pela aceitação dos resultados eleitorais. Ora, Savimbi pretendeu alcançar pelas armas aquilo que o povo lhe negou pelo voto.
Quaisquer pressões exercidas sobre o governo legítimo de Angola e o seu Presidente para que eles negoceiem nos bastidores uma partilha de poder configuram, na prática, ofensa à democracia e desrespeito pelo veredicto das umas. Na verdade, tal atitude implica desprezo pela soberania do povo angolano e apoio indirecto aos que desafiam recorrendo à força.
É amoral pôr no mesmo prato da balança um governo e um partido que, atacados, defendem as instituições e a ordem pública depois de vencerem as eleições e aqueles que, rejeitados pelo povo, pegam em armas. O Estado Angolano está a defender a democracia e a liberdade; a UNITA levantou-se contra ambas! A UNITA, mais uma vez, subestimou o MPLA e o horror do povo à guerra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A história é fértil em exemplos de situações dramáticas em que o silêncio sobre factos que são de conhecimento muito generalizado envolve cumplicidade indirecta com os responsáveis por monstruosas violações dos direitos humanos. Esta é uma dessas situações!
Estamos perante o desenvolvimento alarmante de um processo de violência irracional e assalto à razão em cuja preparação o factor subjectivo pesou decididamente.
O presidente da UNITA tem actuado, sistematicamente, como um caudilho brutal cujos crimes inspiram horror a milhões de angolanos.
Srs. Deputados, a defesa do presidente da UNITA, para todos quantos são sinceros na luta pelos direitos humanos e pela democracia, torna-se, a partir de agora, uma incoerência, porque ela implicaria uma negação de valores indissociáveis do respeito pela dignidade dos homens e dos povos.
Srs. Deputados, desde épocas remotas, no caminhar incerto do processo civilizatório, a Humanidade tem gera-

Página 227

4 DE NOVEMBRO DE 1992 227

do incontáveis «Savimbi». Entregues a si mesmos, a fome de violência, a ambição não são suficientes para que essas criaturas empreendem largos voos. O perigo vem da sua instrumentalização, e é o que mais uma vez parece estar a acontecer.
Afigura-se-me pertinente a pergunta: que forças, que objectivos estarão por trás do desafio e da violência irracional partidos de um aventureiro cuja trajectória lhe tira toda a credibilidade, de um político que não é merecedor do benefício da dúvida?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo Português, repito, tem, como mediador do processo que culminou com os acordos de Bicesse, responsabilidades especiais no acompanhamento da gravíssima crise angolana. Informou, como era seu dever, a população das medidas tomadas para garantir a eventual repatriação dos portugueses que, envolvidos pela guerra, pretendem regressar ao nosso país.
Falta, porém, uma definição clara sobre o significado da rejeição pela UNTTA do voto popular que os seus dirigentes se haviam comprometido a aceitar democraticamente qualquer que ele fosse.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP, na fidelidade aos seus princípios, entende que a contribuição portuguesa para a paz em Angola toma indispensável que a linguagem da verdade prevaleça sobre a tentação do silêncio e a retórica dos apelos ocos que omitem factos indesmentíveis de importância decisiva.
Repito: o restabelecimento da paz em Angola, tão desejado pela humanidade, passa pela aceitação dos resultados eleitorais. Não há como esconder a evidência.
O povo de Angola manifestou a sua vontade soberana e é preciso que a mesma seja respeitada: As eleições foram livres e justas e deram vitória a José Eduardo dos Santos e ao MPLA!

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, cinco Srs. Deputados. Como estamos quase a terminar o período de antes da ordem do dia, peço a todos os Srs. Deputados que se inscreveram, e porque este assunto, no meu entender, não deve ser transferido para a próxima reunião, que sejam muito sucintos nas perguntas e ao Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues que seja breve nas suas respostas.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, tal como V. Ex.ª, também fiz parte da delegação a que o senhor se referiu na sua intervenção. Assim, devo dizer que todos os que foram a Angola, nos locais que cada um de nós visitou, não vimas qualquer irregularidade ou fraude relativamente à votação.
Mas o que é certo é que os próprios representantes das Nações Unidas, sob cuja égide decorreram as eleições, puseram em causa, em alguns locais, o acto eleitoral, o que levou a que, inclusivamente, esse organismo não se pronunciasse imediatamente sobre o resultado das eleições.
O conselho nacional eleitoral não se pronunciou sobre as eleições, sabendo-se da isenção e independência com que exerceu essas funções.
Em terceiro lugar, as nossas próprias autoridades, o embaixador em Luanda, o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, bem como os generais que temos no terreno, até agora não fizeram qualquer declaração pondo as culpas em quem quer que seja. É bom que fique claro que do nosso lado também queremos a paz. Acima de tudo a paz. E queremos contribuir para que em Angola haja livre jogo democrático.
E o que se está a passar neste momento em Angola é de arrepiar. Não se pôde dizer que seja a própria UNTTA a decapitar os seus chefes!

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Não se pode dizer que foi a UNITA que foi ao aeroporto impedir um português, jornalista como o Sr. Deputado, de se ausentar de Angola por ter adoptado posições contrárias às suas, dizendo 10 000 vezes mais brandamente aquilo que V. Ex.ª daí tripudiou, sendo preso posteriormente.
Neste momento não sabemos qual é o destino da Dr.ª Fátima Roque. Os jornais reterem, e se isto é verdade congratulo e felicito-me com a notícia de que o nosso Primeiro-Ministro teria intercedido para que ao menos não matassem os dirigentes da UNITA Fátima Roque e Norberto de Castro, que ainda mantêm nacionalidade portuguesa.
(O orador reviu.)

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Narana Coissoró, recordo-lhe que já esgotou o tempo disponível para o seu pedido de esclarecimento!

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

Se estamos neste momento a receber notícias sem que as autoridades legítimas para se pronunciarem, quer sejam a UNAVEN, os nossos embaixadores em Luanda ou o nosso Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação - que tem 1000 vezes mais informação do que V. Ex.ª, que só deve ter a informação veiculada pelo ANC - até agora, prudentemente, não se pronunciaram, não sei como é que V. Ex.ª vem fazer aqui uma diatribe contra a UNITA, contra o Dr. Savimbi, contra as suas tropas, como se tivesse todos os relatórios na mão, soubesse já a verdade toda e estivesse aqui como juiz a julgar aquilo que até hoje os responsáveis não souberam nem querem dizer.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Narana Coissoró, solicitei-lhe que terminasse a sua intervenção e já vai com mais um minuto!

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Estas atitudes com esta violência verbal não ficam bem ao nosso Parlamento e temos de seguir a voz da prudência com que o Governo Português está a seguir todo este problema, porque é um problema da nossa convivência com Angola e não é uma convivência do Partido Comunista Português com o MPLA!

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PS, julgando interpretar os sentimentos da gran-

Página 228

228 I SÉRIE - NÚMERO 9

de maioria do povo português, apresentou na Mesa um voto de protesto e de pesar sobre os acontecimentos em Angola, cuja votação, segundo julgamos saber, vai ser adiada para quinta-feira a pedido do PSD. Porém, queremos aqui deixar clara a nossa posição.
Portugal tem uma responsabilidade: o respeito pelos acordos de Bicesse, como lembrou, e bem, ontem, o Sr. Secretário de Estado Durão Barroso, que implicavam, por um lado, a aceitação dos resultados eleitorais e, por outro, o não abandono por uma das panes do processo de formação de um exército nacional. Tal não se verificou e a esperança do povo angolano foi defraudada. O voto do povo angolano foi usurpado. Independentemente de se saber, neste momento, quem é ou não o culpado, quem está a ganhar e quem não está, é o povo angolano que está a perder, é Angola que está a perder.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Neste momento, o que está em causa não é só o futuro da democracia, é a viabilidade de Angola como Estado, como nação e como destino. Daí a nossa solidariedade com o povo angolano, daí a nossa preocupação. É necessário repor a paz e o diálogo.
Pensamos que as Nações Unidas, sob cujos auspícios decorreu este processo eleitoral, têm também uma responsabilidade, a paz, mas no respeito pela vontade soberana do povo de Angola expressa nas umas. Não há uma democracia de primeira e uma democracia de segunda, a democracia não é boa se ganham os nossos amigos e má se eles perdem!

Aplausos do PS.

E não pode haver aqui situações em que nos impõem um Koweit como uma causa de todos nós e agora nos vêm dizer que Angola é uma questão dos Angolanos. Não é! A situação em Angola tomou-se numa questão da comunidade internacional e para nós, portugueses, é também uma responsabilidade de que não nos demitimos. Solidariedade com o povo de Angola, mas respeito pela sua vontade, tal como foi expressa nas umas.

Aplausos do PS e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, pretendemos declarar que estamos inequivocamente de acordo com os princípios que dizem respeito ao voto que foi apresentado. Pedi a palavra com o objectivo estrito de produzir um protesto relativamente à intervenção do Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues porque queria lembrar ao Sr. Deputado que perante questões tão sérias, que dizem respeito a nós e aos nossos mais profundos sentimentos, quer como País que tem uma particular relação com Angola, quer como cidadãos, quer como democratas, quer como portugueses a todos os títulos, desejamos que acima de tudo prevaleçam os princípios que defendemos. E embora estando de acordo com os princípios defendidos no voto do Partido Socialista, nem por isso deixamos de pedir o adiamento da sua votação - foi da nossa iniciativa esse pedido e assumimos esse ponto da nossa posição - porque julgamos que, não obstante a Assembleia da República não ser um órgão de governo que conduza a política externa, nem por isso deixa de ser um órgão de Estado. Daí que tenhamos a preocupação de um momento de ponderação.
Não se trata de abdicar relativamente aos princípios e aos valores, de forma nenhuma! Mas reclamamos, e assumimo-lo claramente, um momento de ponderação. Não estão em causa os princípios preconizados no voto proposto, bem pelo contrário. Porém, repito, embora não sendo a Assembleia da República um órgão executivo da nossa política externa, nem por isso deixamos de considerar necessário, para nós, um momento de ponderação. Foi só por isto que o fizemos, Sr. Deputado!
Mas o meu protesto, no fundo, era para lhe dizer, Sr. Deputado, que infelizmente dá impressão que os senhores, quanto menos fiéis são aos princípios do Estado de direito, mais correm!... Infelizmente apenas com palavras, porque só se lembram dos direitos do homem quando não estão no Poder... Quando lá estão, os senhores espezinham-nos! Mais: mesmo que os senhores tenham um alento de regresso ao Poder, voltam a espezinhá-los imediatamente, porque os senhores apoiaram a tentativa de golpe contra a reforma da União Soviética.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é cassette! Vá à questão central!

O Orador: - Não é a cassette, Srs. Deputados! São as verdades, verdadeiras, duras, factuais! Srs. Deputados, deixem de «correr» com as vossas palavras porque estamos fartos de tantas palavras e de tanta incoerência da vossa parte!

Aplausos do PSD.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Eu é que estou farto de si!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, lamento imenso só ter ouvido a parte final da sua intervenção, mas não queria deixar passá-la em claro sem lhe dizer o quanto me surpreende ver o Sr. Deputado verberar tão drasticamente posições de um lado ou de outro e dar como verdades absolutas certas situações que, no meu ponto de vista e penso que no ponto de vista da maioria do povo português, são ainda situações muito estranhas, muito pouco esclarecidas, sobre as quais temos muito poucas informações. As informações têm sido veiculadas aos poucos, dá-se uma informação, momentos depois há outra informação...
Sr. Deputado, penso que o ter feito uma acusação tão grave quer ao lado do MPLA quer ao lado da UNITA é precipitado da sua parte.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ah! Agora não convém!

A Oradora: - Do meu ponto de vista, penso que devemos aguardar um pouco mais para saber efectivamente o que é que se tem passado nesta última semana em Angola.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Houve eleições e resultados que têm de ser respeitados!

Página 229

4 DE NOVEMBRO DE 1992 229

A Oradora: - Sr. Deputado, se quiser falar dou-lhe oportunidade de falar a seguir. Como o Sr. Presidente pediu para sermos breves, agradecia que não me interrompesse!
Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, queria apenas dizer-lhe o seguinte: sejam quais forem as razões para esta situação - e estou perfeitamente de acordo com a intervenção do Sr. Deputado Manuel Alegre -, os acordos de Bicesse têm de ser respeitados custe o que custar, sob pena de os responsáveis angolanos perderem toda a credibilidade internacional.
Sejam quais forem as responsabilidades de cada um - e o futuro se encarregará de as averiguar -, penso que é perfeitamente inadmissível ver, como vi hoje no noticiário das 13 horas na televisão, um cidadão com passaporte português que queria embarcar num enviar, mostrá-lo a umas pessoas que não sei quem eram e pura e simplesmente ser empurrado para dentro de uma carrinha. A única coisa que posso dizer é que essas pessoas estavam armadas, não tinham qualquer identificação de cariz militar ou militarizado, eram civis armados, talvez fossem as chamadas milícias armadas...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Que hipocrisia!

A Oradora: - Que é feito desse cidadão? Que é feito de outros cidadãos portugueses? Que é feito de cidadãos angolanos que desaparecerem e ninguém sabe deles?
Não me refiro à pessoa A, à pessoa B ou à pessoa C, mas aquele cidadão que vi na televisão ninguém me pode negar que foi preso por pessoas que não estavam devidamente identificadas.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Como é que sabe, Sr.ª Deputada?!

A Oradora: - Viu-se na televisão, Sr. Deputado. Se O Sr. Deputado tiver olhos, vê!...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Santa hipocrisia!

A Oradora: - Portanto, Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, gostava de ouvir a sua opinião sobre se considera ou não que é ainda muito cedo para atribuir culpas exclusivas ao grupo A ou ao grupo B.
Penso que, acima de tudo, nós, portugueses, com especial responsabilidade no processo de democratização de Angola, temos de manter uma posição de imparcialidade, procurar informação até às últimas consequências sem tomar partido por uma lado ou por outro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, quero aproveitar a sua intervenção para tecer umas breves considerações. Contudo, queria dizer desde já, no seguimento das suas preocupações e sabendo que, salvo erro, amanhã o Sr. Secretário de Estado Durão Barroso vem à Comissão de Negócios Estrangeiros, que talvez fosse útil para todos as Deputados e para esta Assembleia que essa reunião tivesse lugar aqui no Plenário, com todos os Srs. Deputadas, dado o comprometimento do Governo, no bom sentido, no processo de paz de Angola, as preocupações desta Assembleia e o facto de lá ter estado uma delegação. No entanto, penso que se exige a condenação veemente da UNITA pela comunidade internacional ...

Vozes do CDS: - Já foram condenados!

O Orador: -... perante a brutal violação dos acordos de Bicesse, semeando de novo o desespero e a morte entre os angolanos desejosos de paz e liberdade e também entre cidadãos portugueses que em Angola apostaram num futuro de tranquilidade, progresso e democracia.
O comportamento do povo angolano nas eleições foi uma exemplar demonstração de consciência cívica e de tolerância que a UNITA ultrapassou de forma inqualificável, manifestando insensibilidade e divórcio totais relativamente aos anseios mais profundos do povo. Ao desrespeitar os resultados eleitorais, reconhecidos globalmente como válidos pela ONU e por todos os observadores internacionais, a UNITA revelou-se reduzida a um grupo armado e sectário à margem da democracia, sem respeito pelo povo e pela sua vontade.
Contudo, e aproveito a oportunidade para mostrar uma grande preocupação, a actuação da UNITA não pode permitir que se generalize a perseguição política, como tenho razões para temer. O desaparecimento do Dr. Filomeno Vieira Lopes, distinto líder da oposição democrática, presidente da Frente para a Democracia e da Conferência dos Partidos da Oposição, que se distinguiu sempre pelo seu amor à liberdade e no combate pela paz e pela democracia em Angola, é razão para todas as preocupações e para um protesto formal. O Sr. Dr. Filomeno Vieira Lopes esteve nesta Assembleia, contactou os Srs. Deputados, é conhecido de todos.
O MPLA, que, na minha opinião, usou o aparelho de Estado durante o processo eleitoral para dificultar a emergência de novas forças políticas e a sua afirmação e liberdade num quadro de respeito e tolerância democráticos, deve comprometer-se perante o povo angolano e a comunidade internacional a, de forma inequívoca e empenhada, garantir a segurança física e a liberdade política dos cidadãos, nomeadamente daqueles que se batem pela democracia. Espero ter, muito em breve, notícias tranquilizadoras do Dr. Filomeno Vieira Lopes.
A actual situação em Angola veio, infelizmente, justificar todas as apreensões daqueles que, como a própria UDP, sempre temeram que a marcação prematura da data das eleições, sem se ter garantido o desmantelamento dos exércitos que fizeram a guerra e a construção minimamente consolidada do exército nacional, pudesse dar como resultado a tragédia a que estamos a assistir.
Não estão isentos de responsabilidade, antes pelo contrário, os que pressionaram para que as eleições se realizassem na data em que se realizaram - prematura, como já disse.
Exige-se agora o cessar fogo total e imediato, o restabelecimento das liberdades democráticas e o prosseguimento do processo de democratização e de paz, com base nos resultados eleitorais.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues. Aproveito para lhe solicitar que seja sucinto, Sr. Deputado.

Página 230

230 I SÉRIE - NÙMERO 9

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Vou sê-lo, Sr. Presidente, e sou forçado a isso, até porque tenho pouquíssimo tempo.
Em primeiro lugar, queria dizer que me identifico, no fundamental - na forma e no conteúdo -, com a pequena intervenção do Deputado Manuel Alegre, que não pediu um esclarecimento mas definiu uma posição muito semelhante à que está no cerne da minha intervenção.
Em segundo lugar, queria dizer ao Sr. Deputado Mário Tomé que discordo da sua intervenção, pois coloca questões que não eram para aqui chamadas. Assim, e na medida em que saiu pelos afluentes, afastando-se do rio principal pelo qual seguíamos, estou em desacordo com o Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Essa é boa!

O Orador: - Quanto à Sr.ª Deputada Cecília Catarino e ao Sr. Deputado Silva Marques, estão, no essencial, prontos a defender e a morrer pela democracia e pela liberdade. E junto as duas intervenções porque há um parentesco bastante íntimo entre elas, embora formalmente sejam diferentes, pois a Sr.ª Deputada é sempre mais sóbria do que o Sr. Deputado, com o seu barroquismo um pouco démodé.
Em relação à questão concreta que se coloca, os Srs. Deputados entendem que as eleições devem ser respeitadas e que a democracia deve ser defendida, mas quem desrespeitou o resultado das eleições, quem pede a sua anulação é a UNITA.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Como é que sabe?!

O Orador: - No entanto, aqui d'el-rei, que não se deve tocar na UNITA!
Especificamente no que se refere ao Sr. Deputado Silva Marques, queria dizer, em relação à última parte da sua intervenção - aliás, totalmente descabida -, que hoje, dia das eleições norte-americanas, em que o povo norte-americano está a votar, e durante toda a campanha eleitoral foi chamado à atenção para que o macartismo fez muito mal aos Estados Unidos. Ora, já lá vão 40 anos mas parece que o Sr. Deputado, em Portugal, ainda não entendeu isso, pois continua a ser um «cantor» de estilo macartista.
Deixei a intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró para o fim porque estivemos na mesma delegação em Angola, fomos companheiros durante parte do tempo -depois o senhor foi para o Sul e eu fiquei em Luanda - e queria chamar-lhe a atenção, pois penso que há uma certa contradição.
Em primeiro lugar, não usei uma linguagem violenta. É fácil reler e verificar o cuidado da minha intervenção, que é sobretudo substantiva e não violenta.
Por outro lado, quando o Sr. Deputado refere que é preciso esperar mais tempo e que não pode haver juízos, devo dizer que há um facto concreto que é uma ofensa, uma injúria à democracia, a atitude do Sr. Savimbi logo no dia seguinte às eleições, que não só se recusou a falar e a dialogar com o Presidente que ainda o era e foi também candidato vitorioso das eleições- como se foi embora. Para além disso, estávamos lá no momento em que começaram as injúrias na Rádio Angolana.
O Sr. Deputado citou todas as personalidades que lá estavam, mas todos entendemos - eu mais do que o senhor, pois o Sr. Deputado foi para o Sul -, o Dr. Almeida Santos, o embaixador António Monteiro, na comissão conjunta, o embaixador Paris e o Dr. Sá Machado, que, não obstante as irregularidades, tinha sido uma eleição comovente. Trata-se de algo que ouvi muitas vezes, ou seja, nas circunstâncias do povo angolano, num país com aquela dimensão e sem transportes, mais do que 92 % de participação no acto eleitoral foi uma eleição comovente. Todos estávamos impressionados com isso!
Assim, parece-me que o Sr. Deputado não tem razão nenhuma na sua intervenção, que, no fundamental, acaba por pedir clemência...

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Onde é que está o tribunal?!

O Orador: -... em relação a quem desafiou e calcou com os pés a democracia.

O meu partido, e repito, pois falou-se aqui do meu partido, tem um sagrado respeito pela democracia e pela liberdade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - O Sr. Deputado Silva Marques pede a palavra para que efeito?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Para exercer o direito regimental de defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, a minha reacção ao seu discurso foi uma reacção moral, pois, politicamente, o assunto deixou de ter interesse, ou seja, o Partido Comunista deixou de ter interesse estritamente no plano do debate político.
Mais uma vez, digo-lhe que me ultrapassa, que me revolto, se quiser, quando vejo as pessoas produzirem, seraficamente, com o maior à vontade, discursos em nome dos mais maravilhosos princípios e, no entanto, a cada passo, sempre que são chamados a testar a coerência desses princípios, violam-nos da forma mais flagrante, mais afrontosa e mais impressionante.
Assim, Sr. Deputado, reagi não por razões políticas mas por razões morais, que me parecem ser uma motivação igualmente forte para reagir, pois, repito, o vosso caso está ultrapassado e, politicamente falando, hoje já ninguém vos acredita - repare no seu eleitorado!
Devemos ficar impávidos perante a hipocrisia política mais afrontosa? Penso que não, que devemos reagir.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O senhor é que é a cara da hipocrisia, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, apresentei-lhe factos, disse-lhe que o seu partido, a cada passo em que foi chamado a testar a eventual perestroika no seu próprio âmbito, foi-lhe infiel da forma mais flagrante. Os senhores apoiaram a tentativa de golpe contra-revolucionário na ex-União Soviética enquanto ela vos pareceu com alguma viabilidade, mas logo que fraquejou mudaram imediatamente para outro discurso.
Sr. Deputado, quero dizer-lhe que, para mim, a política tem o seu quê de reacção individual perante as situações.

Página 231

4 DE NOVEMBRO DE 1992 231

E quero dizer-lhe exactamente o que penso até ao fim, pois não penso só isto relativamente ao seu partido e à forma seráfica como ele fala desses princípios e os viola a cada passo.
Assim, Sr. Deputado, e seguindo o meu princípio moral até ao fim, penso que o Sr. Deputado é, ainda por cima, dentro do seu partido e para além dele, um caso infeliz para, com tanto à vontade, nos dar lições sobre esses princípios maravilhosos. É que eu, Sr. Deputado, não aceito que se separe o cidadão do Deputado, pois somos uma peça única, e teria dificuldade em subir àquela tribuna e defender esses tão maravilhosos princípios depois de ter sido condenado em tribunal precisamente pela sua violação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É o típico discurso do cristão-novo!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É um asnático!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, vou ser muito breve e não vou responder ao Sr. Deputado Silva Marques porque, como disse aqui uma vez um Deputado do Partido Socialista, salvo erro, não vale a pena.
No entanto, vou recordar que as ideias que o meu partido defende e pelas quais se bate são ideias eternas.
A história, e isso não vem de hoje mas de épocas milenares, é como as marés, ou seja, a maré que enche e a que começa a vazar. Neste momento, na história da humanidade, estamos num período em que se pode dizer que forças retrógradas, não só aqui mas em todo o mundo, estão na crista da onda.
Em todo o caso, esse fluxo e refluxo mudará e, porque as nossas ideias são eternas, acredito que antes da viragem do século haverá uma maré alta de ideias progressistas. Por seu lado, a juventude, que nessa altura estará a construir o destino da humanidade, vai rir-se dos disparates e das banalidades que as forças que defendem uma concepção absolutamente superada do desenvolvimento da humanidade sustentavam com tanta vaidade em defesa, por exemplo, de um ultraliberalismo que os Estados Unidos acabam de condenar nesta campanha eleitoral, através da sua inteligência.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, como é do vosso conhecimento, o voto será votado na próxima reunião plenária em que exista período de antes da ordem do dia.
Terminámos o período de antes da ordem do dia de hoje.

Eram 16 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, vamos iniciar o período da ordem do dia.
O Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o relatório e parecer refere-se à substituição do Sr. Deputado Domingos de Almeida Lima, do PSD, pelo Sr. Deputado Carlos Filipe Pereira de Oliveira, com início em 2 de Novembro corrente, inclusive.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos proceder à votação do parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
Srs. Deputados, vamos agora dar início à discussão da proposta de lei n.º 34/VI - Autoriza o Governo a rever o regime jurídico do trabalho e operação portuários.
O Sr. Deputado Eduardo Gomes quer fazer o favor de nos ler o relatório da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família ou prefere que a Mesa o faça?

O Sr. Eduardo Gomes (PSD): - Preferia que a Mesa o fizesse, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Secretário vai proceder à leitura do retendo relatório.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o relatório é do seguinte teor:

O Governo apresentou à Assembleia da República um pedido de autorização legislativa para reformulação do regime jurídico do trabalho e da operação portuária ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 200.º da Constituição da República Portuguesa.
É pedida a esta Comissão Parlamentar para se pronunciar sobre a mesma.

Assim:

1 - A reestruturação da actividade portuária pode considerar-se oportuna e necessária, não só pela evolução daquela actividade verificada nos últimos anos como também pelas perspectivas futuras no quadro da integração europeia.
A necessidade de uma maior flexibilidade na organização e na execução de operações de movimentação de cargas portuárias, conducente a uma melhoria de eficiência e competitividade nos portos portugueses, leva pois a considerar a necessidade de uma rápida reestruturação do sector, quer ao nível do estatuto empresarial, quer mesmo ao nível do estatuto laborai do sector.
2 - Nesse sentido, a presente proposta de lei n.º 34/VI, do Governo, apresenta-se, no geral, como uma iniciativa pronta a responder àquelas necessidades.
3 - Em particular, a mudança do regime jurídico do trabalho portuário agora tipificado nesta proposta e a desenvolver no diploma a aprovar ao abrigo da presente autorização não deixará de acautelar os direitos sociais dos actuais trabalhadores do sector, por forma a gerar a pretendida transição de regime, equilibrada e qualitativa.
4 - Foi feita a discussão pública desta proposta de lei através da separata n.º 11 e da qual resultaram os pareceres que se anexam.

Página 232

232 I SÉRIE - NÚMERO 9

5 - Nestes termos, tendo em atenção o exposto, é entendimento desta Comissão Parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Família que o pedido de autorização legislativa está em condições de subir a Plenário.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, há também um relatório e parecer da Comissão de Equipamento Social, cujo relator foi o Sr. Deputado António Alves. Já foi distribuído, é do vosso conhecimento, pelo que a Mesa considera-o como lido.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Mar.

O Sr. Ministro do Mar (Azevedo Soares): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vem o Governo pedir à Assembleia da República autorização para legislar no sentido de rever o regime da operação e do trabalho portuários.
Esta iniciativa inscreve-se na prioridade atribuída pelo Governo e, especialmente, pelo Ministério do Mar à modernização e racionalização da actividade portuária, tendo em vista assegurar que, no presente e no futuro, o funcionamento dos portas portugueses seja um factor de apoio aos ganhos de competitividade da economia nacional.
Cerca de 87 % das mercadorias importadas pelo País passam pelos portos nacionais e, bem assim, cerca de 67 % das mercadorias exportadas.
Isto significa, por exemplo, que, em 1991, 37 milhões de toneladas de carga, ou seja, 81,5 % do comércio externo português transitaram nos portos nacionais.
A estas quantidades devem adicionar-se, no mesmo ano, cerca de 12 milhões de toneladas de carga movimentadas entre portos portugueses.
Estes números, apesar de frequentemente divulgados, parece não despertarem, na opinião pública em geral e nos círculos políticos e económicos em particular, a atenção que julgo deveriam merecer.
Com efeito, toda a economia é, significativamente, influenciada pela forma como funcionam os portos. Os custos portuários, directos e indirectos, afectam marcadamente os preços no consumidor dos produtos que incorporam matérias importadas e, por outro lado, afectam também a capacidade competitiva das empresas exportadoras, as quais podem ver perdidos, nos portos, as ganhos de produtividade que elas terão conseguido alcançar na área da sua responsabilidade.
Se tudo isto é válido para qualquer país que dependa largamente dos transportes marítimos e dos portos para o seu comércio externo, assume muito especial relevo para um país como Portugal que, situado geograficamente na periferia do seu principal mercado, tem a necessidade acrescida de contrariar o factor negativo da distância com os factores positivos de custos, eficácia e qualidade.
Em boa verdade, Srs. Deputados, não é possível modernizar a economia portuguesa, desenvolvendo a sua capacidade competitiva, se esse esforço não for feito no sector dos transportes, em geral, e no sector portuário, em particular.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não vou inundar VV. Ex.ªs com um desfile de números que permitam demonstrar que os portos portugueses estão longe de prestar os serviços, em qualidade e preço, de que o País necessita. Não posso, todavia, deixar de apontar três ou quatro dados que merecem especial atenção.
De 1990 para 1991, os portos nacionais perderam cerca de 5,2 milhões de toneladas de carga transitada. Isto quando na Europa, por razoes de economia geral e protecção do ambiente, se procura desenvolver o transporte marítimo.
O transporte de cereais de Lisboa para o Porto, por exemplo, por camião, custa cerca de 2000$/t. Por via marítima, esse mesmo transporte, só em operações de carga e descarga nos portos, custa cerca de 3100$/t.
O manuseamento de mercadorias em contentor no porto de Lisboa é anunciado em publicação internacional como custando 32 550$/contentor, em comparação, por exemplo, com 18 498$/contentor, em Roterdão.
De resto, na lista da publicação a que me refiro, o custo no porto de Lisboa é superior ao de todos os outros portos europeus mencionados.
A redução de postos de trabalho, nos últimos três anos, atingiu 1900 trabalhadores.
Estes números, Srs. Deputados, não servem só por si para fazer uma demonstração inquestionável. A formação dos custos portuários é matéria altamente complexa, por vezes polémica, e exige uma sofisticação de dados estatísticos de que, infelizmente, não dispomos. Todavia, estes números poderão dar alguma substanciação às referências genéricas produzidas.
É neste contexto que deve ser avaliada a importância do pedido de autorização legislativa apresentado. Está em causa a capacidade competitiva da economia portuguesa no quadro dos desafios que a integração europeia coloca ao País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Está em causa a capacidade de manutenção sustentada dos postos de trabalho dos trabalhadores portuários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Está em causa a viabilidade económica das empresas operadoras portuárias.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do conjunto de áreas onde o Governo se propõe intervir para tornar mais eficazes e competitivos os portos nacionais sobressai aquela que, hoje, se submete à apreciação de VV. Ex.ªs.
Pretende o Governo redefinir o enquadramento jurídico da operação e do trabalho portuários. E pretende fazê-lo seguindo uma orientação fundamental, que é a de assegurar que essas actividades se exerçam por força de necessidades reais e não, como até aqui, por imposição legal, fundamentada em necessidades ou conveniências artificiais. Esta orientação, posta em prática, irá inverter a actual situação, a qual se caracteriza, essencialmente, por um notável paradoxo - mais protecção do sector e mais crise no sector.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E não é apenas o Governo a constatar o facto. A Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores Portuários afirma o seguinte, e cito: «A reestruturação da actividade e do trabalho nos portos pode considerar-se oportuna, conveniente e mesmo necessária, atento o sentido da evolução verificada no decurso dos últimos anos. Não se desconhecem, com efeito, as justificações em defesa de uma maior flexibilidade na organização e na execução de operações de movimentação das cargas portuárias. E admite-se que a pretendida melhoria

Página 233

4 DE NOVEMBRO DE 1992 233

da eficiência e da competitividade nos portos portugueses passe também por uma reestruturação ao nível do estatuto empresarial e do estatuto laboral do sector.»
Por outro lado, a Associação Nacional das Empresas de Estiva reconhece que se verifica, nos principais portos portugueses, a existência de um número de operadores por tonelada de carga movimentada muito superior ao de qualquer dos principais portos europeus.
E não admira que as principais entidades envolvidas neste processo pensem desta maneira, pese embora as soluções divergentes que propõem. É que o actual quadro legal que regulamenta a actividade, apesar dos aperfeiçoamentos que introduziu no sistema, não permite que a resposta às dificuldades actuais se aproxime das regras normais do funcionamento da economia. Essa resposta era dada, no passado, de uma forma muito simples, que consistia em transferir para os clientes os sobre custos resultantes da irracionalidade do sistema. Mas, hoje, este processo é cada vez menos eficaz, porque os donos das mercadorias procuram evitar os portos e vêem essa tarefa facilitada, entre outras razões, pela existência de alternativas rodoviárias muito mais competitivas. Por outro lado, a evolução tecnológica não pára, permitindo que se dispense, hoje, a intervenção de agentes na movimentação de cargas que antes eram imprescindíveis.
Não há leis que possam travar esta evolução! A verdade é que havendo, hoje, uma legislação que pretende garantir a manutenção dos postos de trabalho e também um salário, tal não impediu que, nos últimos três anos, o número desses postos de trabalho se tenha reduzido a metade. No porto de Leixões, na última década, três em cada quatro postos de trabalho foram extintos.
Para o futuro, a garantia do trabalho e do salário tem de vir não de um decreto mas antes da existência e do desenvolvimento da própria actividade portuária, que só pode acontecer se forem criadas as condições de competitividade no interior dos portos. Portos mais atractivos serão portos com mais trabalho!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo pretende legislar no sentido de inverter a actual tendência de enfraquecimento dos portos portugueses. Irá fazê-lo, se esta Assembleia o consentir, com a determinação necessária, mas também em estreita cooperação com todas as entidades interessadas no processo. A matéria é complexa, sendo altamente conveniente que o Governo possa contar com as contribuições dos diversos agentes económicos e sociais. Todos eles dispõem de conhecimentos profundos do sector e, se bem que possam defender, aqui e acolá, interesses divergentes ou mesmo opostos, estão, seguramente, empenhados em dispor de um quadro legal estável e propiciador do desenvolvimento dos portos nacionais.
Convém, de resto, sublinhar que este espírito de colaboração e de diálogo tem existido e será, com certeza, aprofundado durante a feitura da legislação apropriada.
A legislação a elaborar pelo Governo, ao abrigo da autorização legislativa, terá em consideração a necessidade de prever mecanismos de transição gradual, por fornia a permitir a adaptação de empresas e de trabalhadores às novas regras.
Essa legislação, cujas balizas se estabelecem no texto da presente proposta de lei, irá permitir, essencialmente, que a operação e o trabalho portuários se exerçam num quadro mais simples, mais flexível e mais transparente. Serão clarificadas as funções e as possibilidades dos diversos agentes, precisadas as responsabilidades de cada um e racionalizados os mecanismos de funcionamento de todo o sistema.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: a política de modernização dos portos portugueses não se esgota, de forma alguma, na presente iniciativa do Governo. Muitas outras estão a ser preparadas ou já em curso, visando o mesmo objectivo.
Uma coisa é certa: a sociedade portuguesa e a economia nacional exigem portos mais competitivos. O Governo não deixará, pela sua parte, de corresponder a esta exigência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, sem prejuízo da intervenção de fundo que a minha camarada Apolónia Teixeira irá fazer em relação à matéria em apreço, gostaria de colocar uma questão ao Sr. Ministro do Mar.
V. Ex.ª citou um parecer da Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores Portuários, o que, no mínimo, se pode considerar de desonestidade intelectual, pois referiu apenas um ou dois pontos, três ou quatro parágrafos de um parecer que contém 15 páginas, omitindo, fundamentalmente, as suas preocupações e as críticas feitas por esta organização de trabalhadores em relação à matéria que agora aqui estamos a apreciar.
Ora, uma vez que o Sr. Ministro omitiu as críticas profundas e as preocupações centrais dessa organização, pergunto-lhe se leu nesse parecer expressões como - e estou a citar o parecer - «se verifica, pelo teor da inadequada e temerária proposta de lei em referência, que se intenta anarquizar toda a organização do trabalho portuário, a começar pela desregulamentação do sector pretendida por grupos económicos de pressão, que dele pretendem dispor a seu belo prazer, e acabar na visualizada e responsável extinção de quadros de pessoal, exclusivamente afectos à actividade portuária, como se as invocadas razões da eficiência e da competitividade não postulassem a constituição e o funcionamento de contingência técnica e profissionalmente especializados para responder às necessidades e garantir as reclamadas melhorias da eficácia e competitividade.
Há que reconhecer que estes objectivos, que a proposta invoca como suporte da política legislativa que enforma - preconizada na revisão do regime da operação do trabalho portuário -, jamais seriam alcançados se os utentes do porto não dispusessem de uma bolsa de trabalhadores estável e permanente, apta a satisfazer as necessidades estruturais e conjunturais da actividade, nomeadamente quanto aos picos de procura bem característicos desta mesma actividade».
Penso, Sr. Ministro, que num debate como este, e tendo em conta que estamos apenas a discutir uma autorização legislativa, logo a própria Assembleia da República está condicionada, não é sério ler só uma parte de um

Página 234

234 I SÉRIE - NÚMERO 9

parecer de uma organização de trabalhadores e não corresponder às legítimas preocupações nele manifestadas. Creio que seria bom que o Sr. Ministro respondesse a esta pergunta concreta que lhe deixo: são ou não fundadas as preocupações dos trabalhadores portuárias em relação ao seu futuro e, nomeadamente, quanto à estabilidade do emprego e à segurança nos seus postos de trabalho?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Reis.

O Sr. José Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, V. Ex.ª falou-nos de portos, de números e de percentagens e terminou referindo-se à modernização dos portos. Não resisto à tentação de lhe dizer que se a modernização dos portos, que preconiza, for igual à modernização da frota nacional que nos anunciou há uns tempos... Como sabe, já não temos frota nacional, mas meia dúzia de navios, e no que respeita aos portos também não os iremos ter brevemente.
Ainda assim, sempre gostaria de colocar ao Sr. Ministro algumas questões.
Se for aprovada a legislação que nos propõe, vai aparecer um elevado número de trabalhadores adventícios. Como sabe, antigamente, a esses trabalhadores chamavam-se homens de rua. Considera o Sr. Ministro que com esta legislação se respeita a Convenção n.º 137 da OIT?
Uma outra questão tem a ver com o preâmbulo da lei que nos apresenta, onde, a determinada altura, se diz que se propõe eliminar barreiras à livre concorrência do mercado da operação de trabalho portuário. Em face disto, solicitava ao Sr. Ministro que fizesse o favor de nos dizer, de uma forma mais sucinta, a que tipo de barreiras é que se refere. Embora, na sua intervenção, já tenha anunciado algumas, gostaria que o Sr. Ministro nos esclarecesse com mais pormenor.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Matos.

O Sr. João Matos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, a proposta de lei que V. Ex.ª aqui apresentou hoje é, em minha opinião, mais do que um pedido de autorização legislativa. De facto, entendo que V. Ex.ª apresentou a esta Assembleia uma reforma profunda do regime jurídico do trabalho e operação portuárias.
Assim, em nome da bancada do PSD, não queria deixar de sublinhar este aspecto porque o considero fundamental não só para a reestruturação de todo o sector portuário como também para a economia portuguesa. É, de facto, uma mudança qualitativa nos portos portugueses, pelo que não poderia deixar passar esta oportunidade sem a salientar.
Na verdade, como o Sr. Ministro sabe, devido às condições económicas internacionais e à nossa integração plena na Comunidade Europeia, esta reforma tomou-se urgente e inadiável. Por isso, mais uma vez, não me eximo de sublinhar este aspecto.
Há algum tempo que estas alterações vêm sendo sentidas pelas empresas e por todos os agentes que directamente estão ligados a estas questões, mas nunca houve, de facto, uma atitude que, de uma vez por todas, resolvesse este problema, quando, efectivamente, temos os portos mais caros da Europa É, portanto, em meu entender, este o momento para se fazer essa alteração.
As consequências reflectem-se de tal forma que, hoje, como o Sr. Ministro teve oportunidade de dizer, os custos da operação portuária são, de facto, extremamente gravosos. Penso que, de um forma indirecta, acabam por se reflectir no custo final dos produtos.
Quero colocar duas questões ao Sr. Ministro, apesar de, praticamente, já ter dado resposta a uma delas, a que se refere à competitividade das empresas.
Queria saber até que ponto vai baixar também o custo da operação portuária. Não basta só haver mais competitividade nas empresas, é fundamental também que haja uma diminuição do custo da operação portuária.
Por outro lado, quero ainda perguntar ao Sr. Ministro se é legítimo esperar alterações nos preços que os consumidores pagam no dia-a-dia, pois estes são artificialmente acrescidos aquando da operação portuária Até que ponto é que os Portugueses poderão, eventualmente, ver o custo desses produtos diminuídos? São estas as questões que gostaria de ver respondidas, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, pretendo apenas colocar uma questão muito breve, que foi suscitada pelas intervenções do Sr. Ministro e do Sr. Deputado João Matos.
Se esta situação se mantém há bastante tempo, se é urgente e inadiável, por que é que só agora se toma esta medida e o que têm estado a fazer o PSD e o Governo ao longo dos últimos sete anos de governação ininterrupta?

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, pela primeira vez, nesta sessão legislativa, os Deputados estão bem informados sobre esta matéria porque todos receberam dês grandes relatórios: um da associação nacional de utentes privativos, outro da Associação Nacional de Empresas Operadoras Portuárias e outro ainda da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores Portuários. Todos são contraditórios entre si, o que toma este debate ainda mais importante, porque ninguém pode dizer que lhe faltou conhecimento desta matéria para que ela seja tratada em profundidade.
As perguntas que queremos colocar são poucas.

Em primeiro lugar, queremos congratular-nos porque a desregulação dos portos é uma matéria que nos apraz. Uma medida que liberalize, que entregue às forças de mercado o que pode ser exercido pelos particulares é, para o CDS, sempre uma boa medida. Neste caso, como a autorização legislativa aponta para a desregulação e desestatização, para passar para o domínio privado o que os privados podem fazer - e melhor do que o Estado -, estamos de acordo com tal medida. Mas, ao fazer esta desregulação, encontrámos dois tipos de empresas: por um lado, as privadas, que já existiam, ou aquelas a que chamam operadores privados e, por outro lado, aqueles operadores «novos», que agora vão passar a ser privados, por efeito desta lei de desregulação, através da concessão ou de qualquer outro

Página 235

4 DE NOVEMBRO DE 1992 235

instrumento legal que vá estabelecer uma igualdade entre todas as empresas.
Mas será que, efectivamente, essa igualdade vai ser estabelecida? Não haverá um agravamento da situação das empresas privadas já estabelecidas - seja em relação aos contratos de trabalho que têm, aos mercados que tinham, a certos tipos de cargas e descargas e do modo como actuavam -, quando comparada com as possíveis facilidades que se vislumbram na autorização legislativa e que podem vir a ser dadas aos novos operadores, que passam a ser privados?
Por exemplo, e para dar apenas um exemplo - V. Ex.ª corrigir-me-á se estou errado-, os operadores privados ainda não podem recorrer às empresas de fornecimento de mão-de-obra, de man power, de trabalho adventício. Isto porque estão sujeitas à legislação do trabalho normal e, como V. Ex.ª sabe, a lei que regula o trabalho normal só em casos muitíssimo excepcionais e mediante justificações muito apertadas é que permite o trabalho adventício ou o recurso às firmas de man power.
E isto porquê? Porque estas firmas não duo as garantias suficientes ao trabalhador, lucram com o fornecimento da mão-de-obra explorada, o trabalhador não (em qualquer benefício quanto à sua segurança ou estabilidade e, ao mesmo tempo, existe, nesta actividade, uma oferta superior à procura.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Narana Coissoró, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Por isso pergunto se ao permitir que sejam dados às empresas que vão ser privatizadas - ou que vão a caminho da privatização -, benefícios maiores do que aqueles que têm os operadores privados, não se estabelecerá entre ambos uma diferença. Não serão os encargos para as empresas privadas mais onerosos do que para as empresas que vão ser privatizadas?
Gostaria de lhe colocar mais perguntas, mas, infelizmente, o tempo já é escasso.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Mar.

O Sr. Ministro do Mar: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: responderei muito brevemente a estas questões, no tempo de que disponho, e começo por referir ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa que não lhe aceito o qualitativo de desonesto ou de pouca seriedade...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Desonestidade intelectual!

O Orador: - Qualquer que seja, não lhe aceito.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Só admite a parte fundamental do argumento!

O Orador: - Qualquer que o Sr. Deputado queira, mio a aceito, ponto final!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Então leia bem!

O Orador: - Segundo, queria referir-lhe que, certamente, ouviu com alguma precipitação o meu discurso. É certo que invoquei e citei uma parte de um estudo que tenho na minha pasta da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores Portuários. Citei a parte em que a Federação reconhece a necessidade de mudanças. Mas tive o cuidado de referir que diversos agentes têm soluções divergentes para o mesmo problema.

Vozes ao PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não neguei que a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores Portuários tem soluções divergentes. Agora, a Federação concorda, e é um facto, que há um problema...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Mas omitiu-o!

O Orador: - Não omiti, está dito no meu discurso, que certamente será distribuído pela sua bancada.
Mas vamos à matéria que substantivamente referiu, a preocupação de anarquização, da extinção de quadros, de bolsa estável dos trabalhadores. Sr. Deputado, o que referi ao longo do discurso é que não se criam por decreto bolsas estáveis de trabalhadores. Referi que nos últimos três anos desapareceram 50 % dos postos de trabalho nos portos portugueses. Nos últimos 10 anos desapareceram três quartos dos postos de trabalho do Porto de Leixões. Os decretos não criam trabalho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que o Governo pretende é que a actividade seja regulada por normas que resolvam o problema de uma outra maneira e que, em vez de se ir protegendo - o que significa abafar e abafar -, se volte para uma situação em que os portos se tornem mais atractivos, mais competitivos e, por isso, haja mais trabalho para que possa haver mais postos de trabalho e mais salário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que em quase todos os portos do mundo existem as chamadas pools de trabalho ou contingentes comuns de trabalhadores portuários, e estes vão continuar a existir nos portos portugueses. O que não é razoável é que essas pools de trabalhadores tenham de ser geridas em exclusivo, por imposição da lei, por uma associação entre empregadores e sindicatos que, por via da Constituição, não pode ser imposta.
O facto é que, Sr. Deputado, foi criado um organismo de gestão de mão-de-obra portuária em Leixões, mas não foi criado outro em Lisboa, no porto de Lisboa, porque as associações patronais e as associações sindicais não formaram esse organismo. Então aí, sim, se o Governo não tomasse as devidas cautelas, a nível de concertação, com as associações patronais, com a federação dos sindicatos e com os sindicatos, poderíamos correr o risco e respondo a uma pergunta que aqui foi colocada - de, a breve prazo, termos os tais homens da rua, porque deixaria de existir, por via da lei, um organismo encarregado de gerir o contingente comum e de lhe pagar os salários. É isso que o Governo não quer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado José Reis receia que, por via desta modernização dos portos portugueses, se não

Página 236

236 I SÉRIE - NÚMERO 9

tenha o mesmo resultado que se deseja para a frota nacional - apesar de eu não dizer as palavras «frota nacional». Não creio que ela tenha piorado durante o período desta legislatura, antes pelo contrário. Como V. Ex.ª deve estar informado, o registo de madeira conheceu um desenvolvimento espectacular desde que foi criado o Ministério do Mar. A seu tempo esta Assembleia e o País conhecerão as medidas destinadas a tentar melhorar as questões dos transportes marítimos, mas não é disso que aqui falamos hoje. O Sr. Deputado tem receio que as coisas possam não correr bem, eu tenho a certeza, a esperança, de que elas vão correr bem, porque acredito em todos os agentes económicos e sociais que estão interessados no revigoramento dos portos nacionais.
O Sr. Deputado invocou a Convenção n.º 137. Naturalmente que Portugal honrará as leis que incorporaram no seu direito interno as diversas convenções dos organismos internacionais.
Sr. Deputado João Matos, naturalmente que o exercício final de tudo isto será que a economia nacional, ao ganhar competitividade, acompanhará a necessidade de manter e criar postos de trabalho na indústria exportadora e conseguirá que os consumidores portugueses possam pagar preços mais baixos no supermercado.
Sr. Deputado Armando Vara, torna-se difícil responder à pergunta que me colocou. Há muitos anos que se vem legislando e regulamentando sobre esta matéria. Por que não teve o Partido Socialista uma iniciativa legislativa mais cedo sobre esta matéria?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é verdade!

O Orador: - Teria sido bem-vinda e o Governo certamente teria cooperado com o Partido Socialista nesta matéria. Se o Governo não tivesse agora uma iniciativa, VV. Ex.ªs diriam: por que não agora? Era só substituir o «só» por «por que não».
Sr. Deputado Narana Coissoró, penso que a essência das suas preocupações é se o Governo pode garantir a equidade concorrencial. Creio que é esse o cerne da sua questão.
Conforme poderão verificar no texto da proposta de lei - sobre as quais decidirão e que eu também referi no meu discurso -, haverá o cuidado de criar mecanismos de transição que permitam, gradualmente, adaptar a situação actual à situação futura. Não queremos rupturas que sejam prejudiciais para toda a gente, a começar por toda a comunidade portuária.
Temos a noção de que tanto trabalhadores como entidades empresariais têm feito esforços, tendo estas últimas investido capitais para a resolução de um conjunto de problemas. Certamente que o Governo tem isso presente e garantirá a equidade concorrencial às empresas hoje instaladas no mercado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Por lapso não foi dada a palavra, para pedir esclarecimentos, ao Sr. Deputado João Oliveira Martins, pelo que o fará agora.

O Sr. João Oliveira Martins (PSD): - Sr. Ministro, gostaria de lhe formular uma pergunta, mas, uma vez que já excedeu o seu tempo, faço-lhe apenas umas. breves considerações.
Em primeiro lugar, quero felicitá-lo, assim como ao Governo, pelo facto de se propor dar mais um passo, e um passo de grande importância, neste sector das operações e do trabalho portuário. Alguém aludiu aqui «o que é que se andou a fazer tanto tempo?», mas quem examina e conhece estas coisas sabe que há uma continuidade no processo reformista, que se iniciou em 1983, prosseguiu em 1990 e agora dá um passo, a meu ver, decisivo.
Nas reformas de 1990, como sabemos, o respectivo custo foi repartido por todas as entidades que se consideraram beneficiadas por esse processo, designadamente o próprio Estado, na melhoria das condições de funcionamento dos portos, e por outros agentes económicos dessa área.
Prevê, pois, o Governo manter agora, aproximadamente, o mesmo modelo de financiamento, mesmo que as importâncias sejam diferentes?

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Mar.

O Sr. Ministro do Mar: - Sr. Deputado, a legislação que vai ser elaborada pelo Governo, se esta Assembleia assim o permitir, vai incidir em sede de regulamentação e de desregulamentação no conjunto de todo o sistema de funcionamento da operação e do trabalho portuário.
Não tenho quaisquer dados que me permitam visualizar que essa reestruturação implique necessariamente diminuição de postos de trabalho. Não disponho de qualquer dado, tanto da minha análise como dos dados fornecidos por outras entidades, que me permita admitir que possam ser reduzidos postos de trabalho na área portuária por virtude directa da aplicação da futura legislação.
Em todo o caso, Sr. Deputado, o Governo, se porventura alguns aspectos de ordem social decorrerem da aplicação da futura legislação, pela parte que lhe compete não deixará de assumir as suas responsabilidades, como assumiu, bem recentemente, perante a gravíssima crise que atravessou o porto de Leixões.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira.

O Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Ministro do Mar começou a sua intervenção por enumerar alguns sintomas que se sentem na actividade portuária, identificou alguns problemas e pôs a tónica na necessidade de uma terapêutica embora tenha, de forma muito cuidadosa, evitado descrever essa mesma terapêutica, ou seja, a proposta de lei que ora é presente a este Parlamento.
Não discordando da existência de problemas profundos no sector portuário em Portugal, gostaria, no entanto, de referir duas coisas.
Em primeiro lugar, nem sempre se podem tomar as descrições de sintomas referidas por terceiros como sinais de realidade evidente. Em todas as comunidades portuárias que conheço há sempre uma fracção de utentes que insiste em que o seu porto é o mais caro do mundo. O porto de Leixões disputa com o porto de Lisboa a primazia de ser o mais caro do mundo, mas digo-lhe, com toda a franqueza, que o porto de Lisboa não é mais caro do que o porto de Leixões. O porto de Génova diz que é o

Página 237

4 DE NOVEMBRO DE 1992 237

mais caro do mundo e, esse, sim, tem razão se for confrontado com o de Lisboa; o porto de Barcelona diz que é o mais caro do inundo, e tem razão quando confrontado com outros portos espanhóis; em relação a Portugal dir-se-á que é um porto de preço médio. Em Portugal, Sr. Ministro, há portos muito baratos em determinadas zonas, principalmente quando o Estado oferece as infra-estruturas portuárias, não cobrando o investimento que executa, oferecendo essa parcela aos utentes. Assim, é fácil ter portos baratos para os utentes, mas não me parece que este custo deixe de existir. Os portos são sempre caros, só que o utente não paga a parcela.
Em segundo lugar, há, de facto, um problema de decréscimo da actividade portuária em Portugal, mas grande parte desse decréscimo está ligado ao processo de integração comunitária, em que muitos dos nossos parceiros de comércio externo foram sendo deslocados, geograficamente, pelos parceiros mais próximos.
Sr. Ministro, há estatísticas que, provavelmente, poderia encarar com mais atenção, podendo verificar a forma importante como a Espanha, país vizinho, foi deslocando outros países, mesmo comunitários, na importação e na exportação que mantém com o nosso país.
Efectivamente, não é viável que um modo de transporte vocacionado para as longas distâncias e que tem obrigatoriamente quebras na cadeia de transporte, carga e descarga, possa competir com um meio de transporte vocacionado para o médio curso, como é o caso da camionagem, de que é exemplo flagrante a situação de Lisboa/Leixões com a via marítima.
Seria importante, sobretudo, identificarmos a proposta que o Governo nos apresentou e analisar os dois alvos dessa mesma proposta. Os dois alvos são a actividade empresarial, que presentemente se desenrola no sector, e a forma de prestação do trabalho portuário.
É realmente curioso, como o meu colega Armando Vara salientou, que, pela quarta vez, em menos de 10 anos, os diversos governos vêm tentando legislar, definindo as condições de acesso à actividade portuária. Das duas uma: ou efectivamente se está perante um problema extraordinariamente difícil, em que se tem errado muito, ou se está perante uma questão transcendente.
Todas estas quatro intervenções são de governos em que o PSD participou, sendo três delas de membros do governo do PSD.
Esta trivial redefinição periódica das condições de acesso à actividade portuária é, neste momento, posta em contraponto com intenções de liberalizar o exercício da actividade portuária por proprietários concessionários e utentes de cais privativos, independentemente da forma, por vezes bastante obscura, como essas entidades obtiveram o seu título de uso privativo, questão que seria digna de menção.
Quanto à terapêutica, o Sr. Ministro, através da proposta de lei, vai mencionando uma solução que passa pela constituição de um ghetto de precariedade, ghetto esse constituído pelos chamados cais públicos e pelas áreas não concessionadas, a que ficariam limitadas as actuais empresas de operação portuária que passam a ser mencionadas como empresas de estiva.
Julgo que este tipo de modelo da criação de um gueto é reservado em exclusivo às empresas de operação portuária - e não abane a cabeça, Sr. Ministro -, porque se verificarmos o texto da proposta de lei ele diz o seguinte: «Entregar, em exclusivo, às empresas de estiva as actividades de movimentação de cargas nos cais públicos e nas áreas portuárias não concessionadas, compreendendo a estiva», enfim, os diversos itens no que é normalmente considerada a operação portuária.
Efectivamente, existe essa intenção de criar um gueto para as empresas que, hoje em dia, são conhecidas por operadores portuários e que se pretendem vir a dominar as empresas de estiva.
Portanto, este modelo não é o mais adequado para fomentar a criação e o desenvolvimento de empresas correctamente dimensionadas e dotadas de recursos humanos, tecnológicos e organizativos, como, por exemplo, é mencionado na exposição de motivos da proposta de lei.
Julgamos, pois, que estas ideias, no sentido da criação de um gueto, são mais adequadas à criação de reservas de índios do que pólos tecnológicos para a evolução da actividade portuária.
Mas o Governo, certamente com algumas preocupações de equidade, não deixou meramente a sua intenção de legislar restrita à actividade empresarial, porque também se preocupou com o sector do trabalho. E no sector de trabalho apresenta duas ofertas, que são magníficas: a de sujeitar os trabalhadores ao regime de contrato individual de trabalho e a de criar empresas de trabalho temporário.
De facto, julgo que querer submeter estes trabalhadores ao regime do contrato individual de trabalho não é nada de novo, pois a maior parte dos trabalhadores que, hoje em dia, trabalham no sector portuário são funcionários de empresas de operação e já estão, por isso, submetidos ao seu regime. Inclusivamente, os trabalhadores que fazem parte das bolsas e que estão inscritos ora nos OGE ora nos centros coordenadores encaram essas entidades como entidades empregadoras e existe,- efectivamente, um vínculo do tipo do contrato individual de trabalho.
Portanto, nestas condições, julgo que a intenção do Governo nada traz de novo, salvo, efectivamente, este anátema da criação das empresas de trabalho temporário para enquadramento dos trabalhadores do sector portuário.
Julgo, assim, que se trata de uma medida extremamente errada porque o sistema de prestação do trabalho portuário pode ter muitos vícios, mas não dispensa a existência de uma pool organizada de mão-de-obra que seja capaz de compensar as oscilações diárias da procura, conforme haja mais ou menos navios para atender.
Parece-me que a disponibilidade destes trabalhadores, que aceitam diariamente colocações eventuais, em tarefas duras, mudando-se de cais para cais, de armazém para armazém e de lote de mercadoria para lote de mercadoria, por vezes em condições extremamente penosas, deve ser compensada com garantias de emprego. Não me parece que, efectivamente, a oferta de empresas de trabalho portuário para enquadrar este sistema seja uma solução adequada.
Pode, de facto, haver excesso de mão-de-obra, pode haver maus exemplos, mas tem sido sempre possível, através dos parceiros sociais, concertar soluções que não precisem do reforço da precariedade das relações de trabalho. Infelizmente, é isso que o Sr. Ministro vem oferecer através do conteúdo da legislação que propõe, tendo incluído no texto original a extinção dos organismos que gerem essas bolsas de mão-de-obra.
Mas, felizmente, essa proposta foi emendada pela mão de alguns Deputados do Partido Social-Democrata, pelo que o Governo pede apenas para rever a legislação que enquadra esses organismos de gestão de mão-de-obra. Pelo

Página 238

238 I SÉRIE - NÚMERO 9

menos haja alguém que, de vez em quando, considere que há exageros que não devem ser seguidos!
Sr. Ministro, penso que a sua proposta está singularmente mal feita e que o Governo, ao apresentá-la, veiculou, de forma ilegítima, soluções de associações empresariais que se reconhecem em conflito com outros parceiros sociais que actuam no sector portuário.
Para que este pedido de autorização legislativa fosse aceitável, era necessário que visasse objectivos verdadeiramente nacionais e de racionalização económica, em vez de dar seguimento a reclamações de lobbies.
Por outro lado, pensamos que não é numa lógica de afrontamento de estratos profissionais, nem com a manipulação de ressentimentos de sectores da opinião pública que estão mais desfavorecidos que se criam soluções laborais justas.
No passado, o PSD, infelizmente, foi-nos habituando a soluções destas: primeiro, movimentando a opinião pública contra os médicos, depois, contra os militares, contra os despachantes oficiais, contra os funcionários públicos. Por isso pergunto: quem sobrará no fim, se se levar esta lógica até à exaustão e qual será a moral pública imperante se se desenvolverem sistematicamente acções desta natureza?
Penso que, na opinião de pelo menos uma destas bancadas, nem os Deputados acabariam por escapar!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pelas razões que expusemos e pelo facto de este pedido de autorização legislativa poder gerar um aumento da conflitualidade social, não lhe podemos dar o nosso apoio e por isso votaremos contra.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra á Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de autorização legislativa n.º 34/VI, que visa «rever o regime jurídico do trabalho e operação portuários», em apreciação, peca por falta de clareza quanto ao objectivo do pedido de autorização legislativa e é vaga, genérica e imprecisa, quando remete determinadas matérias para decreto-lei, sem, contudo, definir a extensão e o regime a regular.
Importa, desde já, sublinhar que, mais uma vez, o Governo, quando se trata de legislar sobre direitos dos trabalhadores, recorre a autorizações legislativas, limitando as virtualidades do debate e a intervenção da Assembleia da República.
Estamos, mais uma vez, perante uma proposta de autorização legislativa que não preenche todos os requisitos constitucionais.
Mas é também vaga e indefinida quando tudo cabe neste pedido de autorização legislativa: os privilégios para uns em prejuízo da necessária reestruturação do sector portuário e contra os dois sectores determinantes da actividade portuária, os trabalhadores e os operadores.
O Governo fundamenta, em preâmbulo, que «pretende eliminar barreiras à livre concorrência no mercado de operação e do trabalho portuário». Na realidade, não existe qualquer obstáculo legislativo à constituição de empresas no sector, desde que preenchidos os requisitos para esse efeito, situação, aliás, confirmada nos principais portos portugueses pelo número de empresas constituído.
O que o Governo pretende de facto é limitar a actividade dos actuais operadores portuários, facilitar os despedimentos e a precarização do trabalho e conceder livremente o exercício de operação portuária aos utilizadores dos cais privativos.
Em nome da «liberalização» do sector, o Governo esvazia e limita o papel das empresas existentes especialmente vocacionadas para a actividade portuária e faz recair sobre elas o ónus que ele próprio criou, pondo assim ern risco a sobrevivência de umas e degradando outras para mais facilmente vender ao desbarato.
Este quadro, a verificar-se, cedo conduziria à anarquização da actividade portuária e ao «regabofe» da desregulamentação de toda a organização do trabalho portuário, fazendo recair sobre os trabalhadores os custos de uma política contrária aos interesses da economia nacional, que tudo sacrifica para satisfazer as suas clientelas.
No plano social, o Governo avança, na esteira do que vem sendo paradigma de sua fúria desregulamentadora, pondo em causa garantias fundamentais de estabilidade de emprego e de salários e fazendo gorar direitos e expectativas por si criados aos trabalhadores portuários.
Com esta autorização legislativa o governo PSD põe em causa não só os postos de trabalho como os direitos sociais e laborais adquiridos. Escuda-se na reestruturação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O PCP entende que o Estado, responsável pelas causas e medidas, tem de assumir os efeitos daí decorrentes. O Governo tem a responsabilidade e tem de assumir, no quadro do Orçamento do Estado, os mecanismos e os meios de protecção social aos trabalhadores, sem excepção, repito, sem excepcionar qualquer sector, como é exemplo a situação dos 800 trabalhadores despedidos do porto de Leixões, nomeadamente quanto ao licenciamento e à garantia de reformas.
O Governo não se pode limitar a levar um cheque em branco da sua maioria parlamentar, é preciso que, antes da aprovação de qualquer decreto-lei, considere a opinião e as justas reivindicações dos trabalhadores do sector e das suas organizações.
Temos nesta matéria fundadas preocupações. Se houvesse boa-fé, vontade, dedicação e transparência, estaríamos aqui a discutir uma proposta de lei, ern vez de uma seca e cinzenta autorização legislativa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Preocupações acrescidas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando o Governo, ignorando a especificidade e características do sector portuário, visa fazer aplicar o regime geral do trabalho temporário, pondo em risco a estabilidade e a segurança contratual e comprometendo os objectivos da modernização, eficácia e competitividade dos portos portugueses.

O Sr. João Matos (PSD): - É exactamente ao contrário!

A Oradora: - O Governo ignora o espírito constitucional e o quadro legal da segurança contratual e da estabilidade social dos trabalhadores que a Convenção n.º 137

Página 239

4 DE NOVEMBRO DE 1992 239

da OIT define e desrespeita frontalmente o complemento normativo introduzido pela regulamentação n.º 145 da mesma organização, disposições essas que modelam, condicionam e impedem involuções do regime de garantias já consagradas. Convenções da OIT ratificadas pelo Governo Português e não denunciadas!
A consumarem-se os objectivas delineados na presente autorização legislativa, rapidamente assistiríamos à proliferação dos trabalhadores adventícios não qualificados e em situação de precarização do emprego e ao ressurgimento dos novos «homens da rua» ou da «casa do conto» sujeitos aos favores dos capatazes.
O irrealismo, a falta de objectividade e de racionalidade do diploma governamental é tal que até extinguia, repito, extinguia os organismos de coordenação e gestão de mão-de-obra nos portos, não definindo qual a alternativa, remetendo isso para decreto-lei a publicar posteriormente. Esta situação era de tal modo anacrónica que obrigou a bancada da maioria a apresentar uma proposta de alteração, o que não invalida a própria situação criada, designadamente no porto de Lisboa.
Pertinente se torna, pois, perguntar: se a comissão liquidatária, segundo despacho governamental, tem de extinguir o Centro de Coordenação de Trabalho Portuário até final do corrente ano - e estamos a chegar ao fim -, o que vai fazer o Governo? Extingue-o? Cria outro organismo? Prorroga os prazos? O que vai fazer aos trabalhadores? Qual vai ser a entidade que lhes garantirá o emprego?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É paradigmática a atitude do governo PSD, mais uma vez confirmada pela ausência de diálogo e transparência em todo este processo legislativo!
Assume, indubitavelmente, a postura de costas voltadas aos participantes directos do sector, rejeita confrontar posições com as críticas e contribuições validamente apresentadas e ignora a necessidade na procura das soluções mais adequadas à nossa realidade e aos interesses nacionais.
Porque é gravosa para os trabalhadores, porque é gravosa para os operadores, porque gera instabilidade e conflito e porque é contrária aos interesses da economia nacional, o Grupo Parlamentar do PCP votará contra a proposta de autorização legislativa apresentada.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Na ânsia de privatizar e desregulamentar, o Governo está a subestimar a capacidade reivindicativa e de luta dos trabalhadores. Que não se iluda, nem fuja depois às suas próprias responsabilidades!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Gomes.

O Sr. Eduardo Gomes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira, V. Ex.ª lança aqui a ameaça da precarização de trabalho sobre os trabalhadores portuários. Por isso pergunto: pretende V. Ex.ª que a situação se mantenha tal como está actualmente? Pretende V. Ex.ª que os custos da exploração portuária imputáveis à mão-de-obra possam ser repercutidos sobre os custos de produtos alimentares que todos os trabalhadores tom de pagar nos supermercados todos os dias? Julga V. Ex.ª que a maior precariedade de trabalho não resulta mais da falta de trabalho do que da reestruturação desse próprio trabalho? Não
será uma ameaça maior para os trabalhadores portuários, para todos os trabalhadores portugueses, tentar manter postos de trabalho que não são produtivos?
Sr.ª Deputada, gostava que me respondesse qual é, na sua óptica e dentro da sua filosofia a reestruturação, a mudança, a modernização e o futuro para os trabalhadores que deseja.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira, tem a palavra para responder, mas solicitava-lhe que fosse muito breve porque já ultrapassou o tempo que foi atribuído ao seu grupo parlamentar.

A Sr. Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Gomes, gostava de lhe dizer que quando pergunta se estou de acordo ou se o Grupo Parlamentar do PCP está de acordo com a situação actual, devo dizer-lhe que a situação criada é da responsabilidade dos sucessivos governos e do Estado, que assumiu compromissos, mas que não tem tido a capacidade de os resolver.
Por outro lado, quanto à reestruturação do sector, devo dizer-lhe que a necessidade de se proceder a ela é partilhada pela minha bancada, do ponto de vista político, mas é partilhada igualmente pelos sindicatos, pelos próprios operadores e está em vias de concretização uma proposta de reestruturação do trabalho portuário, que visa manter a estabilidade e salvaguardar os interesses e as conquistas dos trabalhadores.
Portanto, para obter a resposta à sua pergunta remeto-o para as próprias propostas que, neste momento, se encontram em negociação e que são um exemplo que o Governo não quer seguir.
Como é possível, por um lado, negociar em diálogo e, por outro, legislar contra a vontade e contra os interesses de quase todos os sectores ou, pelo menos, dos predominantes da actividade portuária?!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lopes.

O Sr. António Alves (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Venho hoje a esta tribuna falar-vos de portos e dos transportes de um modo geral, ou seja, falar-vos de coisas que «metem água», fazendo o possível para não «molhar os pés».
A organização institucional do sector portuário data essencialmente dos anos 40. Concebida a partir da chamada «Lei dos Portos» (Decreto n.º 12 757, de 2 de Dezembro de 1926), recebeu consagração legal no Decreto-Lei n.º 33 922, de 5 de Setembro de 1944, que aprovou a segunda fase do Plano Portuário Nacional, e na Lei n.º 2035, de 30 de Julho de 1949, denominada «Lei da Exploração Portuária», que definiu as bases gerais do Estatuto das Juntas Autónomas dos Portos.
Hoje, de acordo com as respectivas leis orgânicas, os Portos de Lisboa, Douro e Leixões, Sines e Setúbal/Sesimbra são administrações portuárias e têm a natureza de «organismo do Estado com autonomia administrativa e financeira», subordinados directamente ao ministério da tutela dos portos.
As juntas portuárias, sob o ponto de vista institucional, podem caracterizar-se como organismos regionais dotados

Página 240

240 I SÉRIE - NÚMERO 9

de autonomia administrativa e financeira, que, por delegação do Governo, administram os portos sob sua jurisdição.
Com a criação do Ministério do Mar e a publicação da competente lei orgânica (Decreto-Lei n.º 154/92, de 25 de Junho), foi constituído um novo sistema organizativo e funcional, que, no entanto, manteve a estrutura orgânica dos portos - administrações e juntas portuárias.
Pode dizer-se - e a legislação tem-no manifestado - que, no que concerne ao leque de atribuições das administrações portuárias, se prevê que este venha a ser gradualmente reduzido, libertando-as da intervenção na operação portuária e deixando o exercício integral dessa actividade para o sector privado, tendência que tem vindo a registar-se internacionalmente.
A figura do operador portuário apenas surge e recebe consagração legal, em Portugal, no ano de 1983, embora já existisse muito anteriormente nos mais importantes portos mundiais. Na sua origem esteve a necessidade de preencher um vácuo jurídico que se traduzia na inexistência de uma entidade responsável pela mercadoria, entre a borda do navio e o portão exterior do recinto portuário, dado os agentes de navegação se terem até então assumido como meros intermediários no recrutamento de pessoal, o que lhes permitia eximir-se à assunção de responsabilidades.
Operadores portuários são, pois, «as sociedades exclusivamente licenciadas para o exercício das operações portuárias» (Decreto-Lei n.º 151/90, de 15 de Maio).
É de notar que, nos termos do artigo 4.º do citado decreto-lei, que aprova o regime jurídico da operação portuária, os operadores detêm o exclusivo das operações portuárias, à excepção daquelas que, dada a sua especificidade, são taxativamente enumeradas pelo artigo 5.º do mesmo diploma. Os operadores portuários surgem em todas as áreas portuárias onde haja necessidade de proceder às operações que se descrevem no citado diploma e desde que a sua actividade tenha sido licenciada previamente pela autoridade portuária.
A definição de trabalhador portuário que nos é dada pelo Decreto-Lei n.º 151/90 diz que «trabalhadores portuários são os titulares de título de qualificação profissional, devidamente inscritos nos termos da lei». Estes trabalhadores - os chamados dockers - não abrangem a totalidade da força laboral que participa na operação portuária, pois no âmbito desta há a considerar um conjunto importante de actividades que são asseguradas por pessoal das administrações e juntas portuárias (grueiros, manobradores de máquinas, etc.).
Os anos 40 constituem o referencial da organização e forma de gestão do trabalho portuário nos portos portugueses. Em 1945 é aberta em Lisboa a primeira casa de conto de pessoal para trabalhar nos navios e nos cais, operação de recrutamento que até então se fazia, ao ar livre, nos cais.
Durante esta fase, que se prolongou até aos anos 70, o estatuto destes trabalhadores caracterizava-se pelo seguinte: existência obrigatória de um vínculo entre o trabalhador e o seu sindicato, vínculo que confere àquele a qualidade de trabalhador portuário e o direito a comparecer ao conto diário como candidato à colocação solicitada pelos empregadores (armadores e agentes de navegação); inexistência de garantia de colocação e de salário, dado que o trabalhador ganha apenas o salário correspondente ao período de trabalho efectivamente prestado; ausência de descontos para impostos e para a segurança social. Pode, assim, dizer-se que os trabalhadores portuários não possuíam estatuto legal, uma vez que não se lhes aplicavam as leis gerais do trabalho.
Apesar disso, no início da década de 70 verificam-se alguns progressos, ern virtude de as mais importantes companhias de navegação terem constituído quadros privativos de trabalhadores portuários, tanto de hierarquias como de trabalhadores de base, aos quais atribuíram estatuto paralelo aos dos outros trabalhadores dos seus quadros, surgindo assim a distinção entre quadros de empresa e «contingente comum».
Com o evento de Abril de 1974, os objectivos prosseguidos pelos representantes sindicais visaram fundamentalmente: direito a uma garantia salarial; direito a subsídios de férias e de Natal; consagração de um estatuto legal próprio e institucionalização de organizações que viessem a assumir a gestão da mão-de-obra portuária, por forma a dar acolhimento legal às conquistas alcançadas em matéria de pleno emprego e remuneração mensal certa.
Estes desideratos vieram a receber consagração legal no pacote legislativo publicado em 1978, no qual se consagrava um estatuto laboral próprio e se instituía uma organização: o Instituto do Trabalho Portuário e os centros coordenadores do trabalho portuário. O sistema foi revisto em 1984, mas a sua estrutura manteve-se inalterada
No entanto, o novo sistema desde logo se revelou rígido e incapaz de corresponder à dinâmica que pretendia regular, tendo estado na origem do empolamento dos custos portuários, nos quais, como é conhecido, tem expressão significativa a variável «mão-de-obra».
O reconhecimento de que a optimização dos custos da operaçao portuária passaria inevitavelmente pelo redimensionamento dos contingentes de trabalhadores dos maiores portos nacionais e a flexibilização da respectiva gestão deram origem a um longo e difícil processo negocial entre sindicatos e operadores, sob a coordenação da tutela, com início em 1986, que veio a culminar num novo pacote legislativo, constituído pelos Decretos-Leis n.ºs 116/90, de 5 de Abril, e 151/90, de 15 de Maio, e diplomas complementares.
Assim, o número de trabalhadores do contingente dos portos é hoje, apesar de excedentário, muito menor do que era em Dezembro de 1989. No porto de Lisboa passaram de 2063 para cerca de 806 e nos portos do Douro e Leixões passaram de 1102 para 584, em virtude do processo de licenciamento.
Convém lembrar que o Decreto-Lei n.º 151/91 e diplomas complementares têm sido muito contestados pela Associação Nacional de Utentes Privativos de Cais concessionados ou licenciados.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Todas as entidades e organismos a que até agora se fez referência, a que acrescem as capitanias, o Instituto de Pilotagem, a Guarda Fiscal e a Alfândega, constituem uma infra-estrutura complexa que se destina a assegurar a prestação de serviços aos que utilizam a via marítima e, consequentemente, os portos, como meio de transporte de mercadorias e passageiros.
Os principais utilizadores directos dos portos são os armadores e os carregadores (estes e os proprietários das cargas - exportadores e importadores - estão congregados no «Conselho de Carregadores», que funciona sob a égide da Associação Industrial Portuguesa).
É este grosso modo a estrutura e os principais figurantes dos portos portugueses.

Página 241

4 DE NOVEMBRO DE 1992 241

O grande desafio dos transportes será lançado, a partir de 1993, com a entrada em vigor das normas comunitárias sobre fronteiras. O crescimento dos planos de transporte a partir dessa data, a par de uma nova e dinâmica política económica, serão uma realidade.
O aparecimento de centros de transporte combinado (terminais), onde se opere a concentração/distribuição, coordenando com transportadores marítimos e rodo-ferro-viários, vai influenciar decisivamente os novos métodos de movimentação de mercadorias. É a competitividade em cooperação.
No que aos portos se refere, e para além do planeamento das infra-estruturas e equipamentos, os novos métodos de transporte implicarão que sejam revistos os hintertaruts de cada porto, que deixarão de confinar-se à sua área envolvente, alargando-se até para além da fronteira. Conceitos como eficiência, rentabilidade e fiabilidade serão exigências naturais do sistema. Os clientes e as suas necessidades definirão exigências acrescidas com custos competitivos.
A grande mudança nos sistemas de transporte aponta no sentido da evolução tecnológica rápida e da gestão de sistemas intermodais. O mercado único de 1993 é o quadro de referência. Os transportes terão de ser entendidos e geridos como indústria, que vai passar por um grande incremento nos próximos anos. O transporte ferroviário e o marítimo (especialmente o short-sea) vão ter fortes solicitações, em especial pela tendência crescente para o congestionamento da rodovia e pela influência limitativa da opinião pública.
Os portos portugueses podem perder «o comboio». Há que vencer a burocracia, a rigidez e a inércia. É a viragem histórica que os espera. Os dados estão lançados e já se sentem alguns sinais de mudança
É necessária uma contínua modernização dos meios de transporte e respectivas interfaces, numa base de complementaridade e de coordenação. É preciso criar sistemas abrangentes, com bons níveis de investimento, eficiência, rentabilidade e competitividade. A perspectiva da logística exige uma combinação de meios. É a competitividade assente na cooperação. Os preços tem de ser realistas e tem de ser assegurada a qualidade do serviço.
Sabemos que existe relutância e até alguma oposição sempre que se pensa mudar ou inovar. Há hábitos arreigados que não servem o futuro. A desregulamentação, a livre iniciativa e a concorrência não significam anarquia ou selva. Pelo contrário, exigem mais rigor, eficiência e rentabilidade nos projectos perante as exigências do futuro. Não é o Estado que planifica e tudo determina. Ao Estado cabe coordenar e definir a política global, pondo à disposição legislação clara.
A utilização do navio e a oneração portuária são chaves do sucesso do negócio dos transportes. A utilização de navios especializados, a par com custos competitivos na operação portuária, poderá continuar a assegurar a maior parcela de tráfego de mercadorias do comércio externo. De outro modo, a concorrência do caminho de ferro e do camião sairá vencedora desta corrida em que temos de participar.
Resumindo, podemos dizer que: a indústria dos transportes vai sofrer um grande incremento e revolução a nível tecnológico, organizacional e empresarial; o congestionamento e a agressão do ambiente vão ditar o desenvolvimento de outros meios e técnicas de transporte, quer a nível de política comunitária, quer no plano das políticas de transporte dos Estados membros; os operadores de transportes vão ter de integrar-se num novo conceito - a indústria de transportes e serviços adicionais -, numa operaçao alargada de logística; inovação, capacidade de gestão, cooperação e competitividade são os requisitos das indústrias de transportes e serviços; a cabotagem tem de ganhar espaço próprio, combatendo a insuficiência e o elevado custo das operações terminais portuárias.
Diria, em conclusão, que, como é sabido, o transporte de mercadorias por via marítima desempenha um papel preponderante no comércio externo, movimentando cerca de 90 % das mercadorias importadas e cerca de 70 % das mercadorias exportadas. Dada, pois, a importância do transporte marítimo de mercadorias para o nosso comércio externo e do papel que a interface portuária tem no seu movimento, os custos portuários são uma parcela importante do custo deste tipo de transporte, tendo de concluir-se que os mesmos podem contribuir positiva ou negativamente para a saúde da economia nacional.
É assim que, por estudos levados a efeito, se pode inferir que os elevados custos portuários contribuem para o agravamento da nossa balança comercial, fundamentalmente devido ao efeito significativo que os custos dos bens exportáveis tem no volume das exportações.
Acresce ainda que o impacte dos elevados custos portuários se faz sentir significativamente no aumento do índice de preços no consumidor (IRC).
Assim, e para além de algumas disfunções que não vale a pena referir, convém que fique bem vincado que a evolução tecnológica do sector, o aumento da contentorização de cargas e a progressiva sofisticação das operações de carga e descarga, a par da diminuição das fluxos comerciais com os PALOP, foram tomando cada vez mais excessivo o contingente de mão-de-obra portuária
Esta situação, que se esperava que melhorasse em 1990 com o licenciamento de trabalhadores portuários, não deu os resultados esperados, continuando os portos a manter um contingente excedentário em relação ao seu volume real de trabalho, razão pela qual, dois anos volvidos sobre os licenciamentos e apesar do esforço público de financiamento para a reestruturação do sector portuário, se continua a verificar que: a factura portuária é elevada e, consequentemente, os portos portugueses não ganharam produtividade; o volume de mão-de-obra do sector portuário continua excedentário, considerando-se economicamente insustentável a manutenção artificial do emprego, com reservas negativas na economia portuguesa; há um desajustamento dos portos portugueses resultante da manutenção e evolução verificadas quer no sistema portuário nacional, quer nos próprios conceitos e métodos de gestão dos portos (tipo empresarial), quer ainda pela nossa integração no espaço comunitário europeu.
E neste quadro que surge a iniciativa do Governo, que constitucionalmente lhe compete, solicitando autorização para rever o regime jurídico do trabalho e operação portuários, com vista à definição e prossecução de uma renovada política de desenvolvimento e modernização do sector portuário.
Este pedido ocorre no momento em que nalguns portos se observam apreciáveis mudanças de comportamento, o que reforça a nossa opinião de que o Governo está no bom caminho ao pretender definir de um modo claro um «rumo» para os portos portugueses. O Governo, convicto da importância dos portos na economia nacional, entendeu estabelecer um novo quadro legal para o regime jurídico do trabalho e operação portuários.

Página 242

242 I SÉRIE - NÚMERO 9

Pela leitura do diploma em apreço, fácil será concluir que o mesmo se orienta claramente no sentido da concretização do Programa do Governo e das necessidades da economia nacional, acolhendo simultaneamente e tanto quanto possível os legítimos interesses das associações patronais e sindicais envolvidas.
De facto, em relação aos operadores o diploma prevê «empresas correctamente dimensionadas e dotadas de recursos humanos, tecnológicos e organizacionais que lhes permitam enfrentar os exigentes desafios do futuro», amplia o seu âmbito de actividade e permite-lhes participar da melhor forma no processo de privatização portuária (concessões), dinamizando, pois, a sua actividade.
No que respeita aos trabalhadores, pretende-se, para além do cumprimento rigoroso do disposto na Convenção n.º 137 da OIT, quer assegurar um vínculo mais forte à entidade patronal, mantendo a prioridade de emprego dos actuais trabalhadores portuários, quer criar condições para formação e certificação que permita um estatuto profissional qualificado e, sobretudo, condições de eficiência e capacidade competitiva dos portos que assegurem, de forma sustentada, os postos de trabalho, o que o actual sistema não tem conseguido.
Julgamos, assim, que esta atitude do Governo merece ter o melhor seguimento, dados os objectivos que se propõe.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira.

O Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Deputado António Alves, acompanhei a sua intervenção, plena de sensatez e vinda de pessoa que efectivamente conhece bem a actividade portuária.
Só não percebo em que é que a sensatez da sua intervenção coincide com a relativa falta de sensatez da proposta de autorização legislativa. Reconheço que efectivamente o sector portuário se debate com problemas extremamente graves que necessitam de soluções urgentes. Não me parece, no entanto, que algumas das soluções preconizadas pelo Governo correspondam a problemas importantes. E certamente respeitável o litígio que opõe as empresas filiadas na ANUC às empresas que estão filiadas na ANEE, mas não me parece que seja digno de um pedido de autorização legislativa conceder uma liberdade «de revolução francesa» a essas empresas em termos de diploma legislativo.
Também estamos afins na ideia de ser concedida a entidades privadas a exploração de actividades portuárias dentro das zonas geridas pelas administrações portuárias.
A pergunta que, todavia, cabe colocar é a seguinte: será que o Governo necessita do conforto de uma autorização legislativa para forçar essas tecno-estruturas que são as administrações portuárias a aceitar esse princípio que vem sendo afirmado, ano após ano, por sucessivos governos do PSD? Serão ou não os problemas principais de inovação tecnológica, com redução do número de trabalhadores intervenientes, não se colocando, no fundo, a questão essencial em termos de eliminação ou aniquilação dos órgãos de gestão das bolsas de trabalho?
Pensando eu que efectivamente as problemas são diferentes, pergunto-lhe: como é que o Sr. Deputado António Alves defende a proposta do seu governo?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, utilizando tempo cedido pelo PS, tem a palavra o Sr. Deputado António Alves.

O Sr. António Alves (PSD): - Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira, não há falta de sensatez na proposta apresentada pelo Governo. Pelo contrário, estamos a falar de uma autorização legislativa e não do diploma que irá reger a operação portuária. É realmente triste que o Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira, que já foi secretário de Estado, não tenha referido tal facto.
O Governo e o PSD não legislam contra trabalhadores nem contra patrões. O Governo procura, sim, encontrar soluções consensuais entre as partes, o mesmo é dizer entre sindicatos e entre patrões. É nessa base que o Governo irá elaborar a sua lei de bases do trabalho e operação portuárias.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, utilizando tempo cedido pelo CDS, tem a palavra o Sr. Ministro do Mar.

O Sr. Ministro do Mar: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma intervenção muito curta e breve, destinada a precisar duas questões suscitadas no decorrer do debate.
A primeira dessas questões parece-me particularmente lamentável. Foi aqui por duas vezes insinuada pelo Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira, que reduziu o presente pedido de autorização legislativa à intenção do Governo de criar facilidades a uma determinada actividade económica. Tal facto carece de comprovação, cabendo ao Sr. Deputado prová-lo. Se não o fizer, gostaria que olhasse para o pedido de autorização legislativa com outras preocupações. O Governo não olhou para este pedido de autorização legislativa na mira da protecção específica de qualquer sector específico, mas sim na perspectiva da protecção, por um lado, dos interesses nacionais e, por outro, dos interesses gerais de todos os intervenientes na actividade portuária, entre os quais se contam, designadamente, os trabalhadores e operadores portuários, os detentores de cais privativos, os carregadores, os armadores e os agentes de navegação. Parece-me - repito - que a dupla insinuação do Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira não tem cabimento.
Quanto, em segundo lugar, às intervenções dos Srs. Deputados Crisóstomo Teixeira e Apolónia Teixeira, volto à questão referida pelos mesmos. Insistem os Srs. Deputados na estabilidade do emprego, mas não dizem como é que ela deve ser assegurada. O que o Governo vê é os postos de trabalho a desaparecerem. O que o Governo vê é que consegue dialogar com os sindicatos e com os trabalhadores e encontrar soluções para estes problemas. O PS e o PCP vêm aqui dizer que querem estabilidade de emprego e postos de trabalho garantidos, mas não dizem como é que esse objectivo se consegue alcançar.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Através de medidas de protecção social!

O Orador: - Não explicam como é que isso se concretiza, porque sabem, evidentemente, que é ao Governo que cabe, em diálogo com os sindicatos e com os operadores portuários, tentar resolver - e tem resolvido - esses problemas.
Permito-me fazer uma última observação sobre os organismos de gestão de mão-de-obra portuária. Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira, a situação - e agradeço-lhe o fac-

Página 243

4 DE NOVEMBRO DE 1992 243

to de ter dado razão ao Governo - é exactamente a seguinte: neste momento tudo assenta na obrigação de se criarem organismos de gestão de mão-de-obra portuária, os quais terão de gerir a pool dos trabalhadores de contingente comum. Só que depois a lei não pode impor que essas associações entre patrões e sindicatos se constituam, pelo que o contingente comum fica num vazio legal...

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Então extingue e não cria alternativas?!...

O Orador: - Sr.ª Deputada, será com certeza mais uma vez o Governo, e não a bancada do seu partido, a ter de resolver este problema, que advém de defeitos do passado.

Aplausos do PSD.

Protestos do PCP.

O Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideraçâo.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra.

O Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Mar, penso que a palavra «mentira» não pode ser utilizada neste Parlamento. Tal como não acusei o Governo de ter subscrito, linha por linha ou palavra por palavra, uma proposta de lei redigida por uma associação empresarial, também não posso deixar passar a afirmação do Sr. Ministro de que fiz uma insinuação gratuita.
É conhecida no sector portuário a intenção e a campanha de lobbying desempenhada por uma associação empresarial no sentido de forçar uma aprovação de legislação de actividade portuária que seja favorável aos seus interesses. Neste sentido, o Sr. Ministro terá de ser cuidadoso na forma como determinados apoios lhe são colados, porque, inclusivamente, nesta Assembleia, só depois das exposições recebidas, quer da Associação Nacional das Empresas de Estiva, quer da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores Portuários, é que apareceram duas análises críticas a essas formulações feitas pela ANUC, em defesa muito acirrada e usando exactamente a mesma terminologia do pedido de autorização legislativa.
Penso, portanto, que o Sr. Ministro tem de demarcar-se dos apoios que efectivamente são equívocos e desnecessários, porque penso que os parceiros sociais estarão interessados em dialogar sobre a evolução da actividade e o modelo legislativo que sobre ela vai imperar.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro do Mar.

O Sr. Ministro do Mar: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira, como sabe, o Governo tem, como é natural, conhecimento do ponto de vista das variadíssimas associações patronais, entre as quais se encontram a associação dos operadores portuários, dos detentores de cais privativos e da federação dos sindicatos. E como já disse em público, numa entrevista, sofro, como Ministro, pressões, o que é normal, e quem o negar está a esconder a realidade da vida política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O problema está em saber como se resolvem essas pressões...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E o pedido de autorização legislativa tem em consideração o conjunto de interesses em presença e a legislação, que é o que conta. Neste sentido, o que vai ficar a marcar será, certamente, negociado e equilibrado com os diversos agentes do sector.
Porém, o que não posso deixar passar, Sr. Deputado - repito -, é a insinuação de que o Governo, ao vir a esta Assembleia pedir uma autorização legislativa, está a agir de forma a servir um interesse ilegítimo de uma qualquer organização patronal ou sindical.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminado o debate desta proposta de lei, vamos entrar no período de votações.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Faça favor.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de saber se também irá submeter à votação a proposta de lei n.º 34/VI, que acabámos de apreciar.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sim, Sr. Deputado Silva Marques, a Mesa irá submetê-la a votação.

O Sr. Silva Marques (PSD):-Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, em primeiro lugar, vamos proceder à votação na generalidade, na especialidade e final global de várias propostas de resolução.
Vamos votar a proposta de resolução n.º 12/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República de Moçambique para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de resolução n.º 13/VI- Aprovação do Acordo entre a República Portuguesa e a República da Hungria sobre Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos votar a proposta de resolução n.º 14/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Alterações à Carta Social Europeia.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de resolução n.º 15/VI- Aprova, para adesão, o Convénio Constitutivo da Associação Internacional de Desenvolvimento.

Página 244

244 I SÉRIE - NÚMERO 9

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e o voto contra do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 34/VI - Autoriza o Governo a rever o regime jurídico do trabalho e operaçao portuários.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS, votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do PSN.

Srs. Deputados, passando à votação na especialidade desta proposta de lei, vamos votar o seu artigo 1.º

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS, votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do PSN.

É o seguinte:

Artigo l.º

É o Governo autorizado a rever o regime jurídico da operação portuária no sentido de:

a) Definir os requisitos de acesso à actividade de empresa de estiva e de utilização do equipamento e estruturas portuárias, sujeitando às entidades que pretendem exercer essas actividades à realização de um capital mínimo, a prestação de caução, a registo e a outras garantias de capacidade técnica e financeira;
b) Reconhecer às pessoas, singulares ou colectivas, titulares de direitos de uso privado de parcelas do domínio público, de concessões de exploração do domínio público, de concessões de serviço público ou de obras públicas na área portuária a liberdade de exercício das operações de movimentação de cargas e de actividades conexas;
c) Reconhecer aos tripulantes das embarcações e de outros meios de transporte a possibilidade de movimentação de cargas nesses meios de transporte;
d) Eliminar parcialmente as limitações ao exercício da operação portuária;
e) Entregar, em exclusivo, às empresas de estiva as actividades de movimentação de cargas nos cais públicos e nas áreas portuárias não concessionadas, compreendendo a estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação em cais, terminais, armazéns e parques, a formação e decomposição de unidades de carga e a recepção, armazenagem e entrega;
f) Excepcionar da obrigatoriedade de realização por empresa de estiva a carga e descarga dos meios de transporte terrestre ou fluvial, utilizando exclusivamente o pessoal adstrito a esses meios de transporte ou os equipamentos de movimentação de cargas neles instalados;
g) Excepcionar da obrigatoriedade da realização por empresa de estiva as operações de movimentação de cargas cuja natureza se mostre incompatível com tal regime;
h) Permitir a concessão de exploração pela iniciativa privada de instalações, equipamentos e espaços portuários;
i) Permitir a concessão da exploração comercial das estruturas portuárias em que sejam efectuadas as operações portuárias às empresas de estiva;
j) Fixar as condições em que os custos das operações de movimentação de cargas entregues em exclusivo às empresas de estiva podem ser considerados como custos relevantes para efeitos de determinação da matéria colectável ern IRC.

Srs. Deputados, se a Câmara estiver de acordo, vamos proceder à votação da proposta de alteração, do PSD, à alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º, que é do seguinte teor:

í) Alteração do regime vigente para as entidades encarregadas da gestão da mão-de-obra do contingente comum dos portos.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS, votos contra do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e abstenções do PS e do PSN.

Srs. Deputados, vamos votar o artigo 2.º, com excepção da alínea d) do n.º 2.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS, votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do PSN.

Ê o seguinte:

Art. 2.º

1 - É o Governo autorizado a rever o regime jurídico do trabalho portuário tio sentido de:

a) Sujeitar os trabalhadores portuários ao regime jurídico do contrato individual de trabalho;
b) Permitir a constituição de empresas de trabalho portuário, sob a forma de cooperativas ou de sociedades comerciais cujo objecto social consista na cedência temporária de trabalhadores, condicionando o exercício da sua actividade nos portos comerciais à observância da legislação aplicável e à inscrição num registo a manter em cada porto;
c) Extinguir o actual regime de inscrição e de exclusivo do trabalho portuário, reforçando, simultaneamente, a estabilidade do vínculo laboral à entidade empregadora e criando mecanismos adequados a uma gradual e harmoniosa transição para o mercado de trabalho, em condições idênticas às que vigoram para a generalidade dos trabalhadores portugueses.

2 - O diploma a aprovar ao abrigo da presente autorização deverá, no atinente à disciplina do trabalho portuário, contemplar as seguintes matérias:

a) Certificação profissional exigida para o exercício da actividade de trabalhador portuário;

Página 245

4 DE NOVEMBRO DE 1992 245

b) Transição do regime de trabalho portuário vigente para o regime a aprovar;
c) Natureza e objecto das empresas de trabalho temporário com intervenção no trabalho portuário;
d) Admissão de novos trabalhadores portuários.

Srs. Deputados, vamos passar à votação do artigo 3.º

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS, votos contra do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João corregedor da Fonseca e Mário Tomé e abstenções do PS e do PSN.

É o seguinte:

Art. 3.º

A autorização concedida na presente lei tem a duração de 180 dias contados a partir da data da sua entrada em vigor.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 34/VI.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS, votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do PSN.

Srs. Deputados, dá-se assim por encerrado o período de votações.

Vamos, de seguida, proceder à apreciação conjunta do relatório final da Comissão Eventual de Inquérito para apuramento de responsabilidades quanto à decisão e ao processo de vazamento da albufeira do Maranhão, bem como quanto às suas consequências económicas, sociais e ambientais, designadamente na região que envolve os municípios de Avis e Mora - inquérito parlamentar n.º 1/VI (Os Verdes) -, do projecto de resolução n.º 38/VI - Cria uma comissão de avaliação dos prejuízos causados pelo esvaziamento da albufeira do Maranhão (Os Verdes) e dos projectos de deliberação n.º 48/VI (PCP) e 49/VI (PSD), relativos à publicação das actas da Comissão.
O Sr. Deputado Manuel dos Santos pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, o Partido Socialista entregou nos serviços respectivos um projecto de resolução, que deverá estar a chegar à Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, como há um espaço que medeia entre a bancada do PS e a Mesa, certamente estará a chegar. Logo que isso aconteça será feita a respectiva menção.
O Sr. Deputado José Sócrates pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Sócrates (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, aconteceu um caso estranho! Efectivamente, entreguei a um funcionário dos Serviços de Apoio ao Plenário, para que o fizesse chegar a Mesa, um projecto de resolução já lá vão cerca de quinze minutos. Neste momento sou informado - e V. Ex.ª acabou de nos comunicar que ainda não tinha chegado à Mesa - que afinal dera entrada na Mesa e que esta o tinha devolvido aos serviços para numeração.
Gostaria que a Mesa me confirmasse essa versão, pois não vejo razão para que, passados que já são cerca de quinze minutos, a Mesa não anuncie que tem na sua posse um projecto de resolução do Partido Socialista.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado José Sócrates, o processo normal consiste no seguinte: enviada à Mesa uma iniciativa - e neste caso é, para todos os efeitos, uma iniciativa-, um dos Srs. Deputados Secretários dá-lhe entrada, seguidamente segue para os serviços a fim de ser numerada e só depois é que o Presidente decide da sua admissibilidade. O anúncio pode ser feito no momento da sua entrada na Mesa, só que a iniciativa ainda não tem toda a sua tramitação formal e regimental. Neste momento tenho o projecto de resolução à minha frente e vou lê-lo para decidir sobre a sua admissibilidade. Logo que o admita transmitirei a decisão à Assembleia, como é habitual.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Quando hoje, por iniciativa do Grupo Parlamentar de Os Verdes, se aprecia no Plenário da Assembleia da República o relatório aprovado pelos Deputados do PSD na Comissão de Inquérito constituída para apuramento de responsabilidades quanto à decisão e ao processo de vazamento da Albufeira do Maranhão, bem como quanto às consequências económicas, sociais e ambientais, designadamente na região que envolve os concelhos de Avis e Mora, permitam-me que inicie a minha intervenção reproduzindo as palavras com que encerrei o debate no dia 16 de Janeiro passado, quando se debateu o pedido de inquérito parlamentar que apresentámos e que acabou por vir a ser aprovado por unanimidade dos Deputados desta Assembleia.
Na altura teci as seguintes considerações: «Pela forma como decorreu este debate ficou claro não só que a iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes se justificava, dada a relevância dos factos confrontados e a verificação de que houve e está a haver negligência dos serviços da Administração e do Governo, que tem permanecido impávido e sereno ao desenrolar dos acontecimentos, como contribuiu, atendendo até à forma empenhada como os Srs. Deputados se envolveram no debate, para chamar a atenção da Assembleia, do Governo e do País, para a importância que é necessário dar às questões do ambiente, nas suas múltiplas vertentes, sob pena de irresponsavelmente estarmos a comprometer o nosso futuro comum.
O vazamento da albufeira do Maranhão nas condições e na forma como ocorreu revela a necessidade de prosseguir com esforço redobrado uma campanha alargada e diversificada de promoção da consciência ecológica dos Portugueses, a começar pela própria Administração.»
E continuava: «A Assembleia da República, ao decidir, como esperamos, aprovar o nosso pedido de inquérito, poderá dar um passo importante na necessidade de maior transparência da Administração Pública e de transformar

Página 246

246 I SÉRIE - NÚMERO 9

este atentado à vida e ao ambiente num caso exemplar, de forma a prestigiar o Estado Português aos olhos dos cidadãos nacionais e da Comunidade a que agora Portugal preside.
A não viabilização do inquérito parlamentar só poderia levar a compreender o quanto estão as consciências pesadas e a tentativa de esconder a negligência e as responsabilidades de uma Administração que assim seria impulsionada a cometer novos crimes contra o ambiente por razões inconfessáveis.
Porque não acreditamos que algum partido representado na Assembleia da República queira assumir o ónus político de inviabilizar o apuramento de responsabilidades, independentemente de quem esteja em causa, estamos confiantes que os Portugueses e em particular as populações dos concelhos de Avis e Mora verão recompensados os seus esforços e empenhamento na denúncia deste atentado contra o ambiente que poderá ter repercussões ainda imprevisíveis no desenvolvimento daquela região do nosso País. Resta-nos esperar que o inquérito para apuramento de responsabilidades quanto à decisão e ao processo de vazamento da Albufeira do Maranhão não tenha o mesmo o fim que tiveram outros já realizados no Parlamento Português.»
Foi esta a declaração final que proferimos no encerramento do debate que aqui teve lugar no dia 16 de Janeiro.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, as palavras que acabo de reproduzir deixam bem claros dois objectivos na proposta de inquérito que apresentámos - prestigiar a Assembleia da República no exercício das suas competências de fiscalizar, com rigor e isenção, a actividade governativa e fazer deste atentado ao ambiente um caso exemplar de pedagogia pela defesa dos valores ecológicos.
Ficaram igualmente expressos os nossos receios e a advertência para que do relatório a elaborar sobre o Maranhão não resultasse mais uma vez a versão unilateral do PSD. Infelizmente, para o ambiente, para as populações e para a região afectada, de nada valeram as nossas considerações e advertências pois o PSD mais uma vez fez vingar a força da quantidade dos votos sobre a razão sustentada em factos e argumentos.
Após um esforço de trabalho conjunto de Deputados dos vários partidos representados na Comissão, que resultou na elaboração de uma parte significativa do relatório, os Deputados do PSD, contra factos e argumentos, quiseram «ser mais papistas que o Papa», já que mesmo depois de vários membros do Governo e responsáveis da Administração terem admitido erros e prometido que em casos futuros seria respeitada a legislação e alteradas as formas de procedimento, insistiram - continuaram a insistir- em aprovar e incluir propostas que levaram ao branqueamento dos factos no relatório final.
Lamentavelmente, o que fica afectado é mais uma vez o prestígio da instituição parlamentar. O que se pode concluir das conclusões do relatório aprovado pelo PSD é que «factores estranhos e de difícil identificação estiveram na origem do crime do Maranhão».
Devemos afirmar, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, que nem por isso estamos arrependidos de ter requerido um inquérito parlamentar sobre o Maranhão. Estamos em crer que demos um contributo importante para a consciencialização ecológica dos Portugueses. Esperamos que os Deputados do PSD reconsiderem sobre o mau serviço que prestaram à Assembleia da República e ao País.
Esperamos, pois, que a região do Alentejo, que envolve em particular os concelhos de Avis e Mora, possa de alguma forma, e por iniciativa da Assembleia da República, não ser totalmente penalizada pelos danos sofridos. Nesse sentido, apresentamos já, na Mesa, um projecto de resolução que prevê a criação de uma Comissão de Avaliação sobre os prejuízos causados, englobando representantes do Governo, das autarquias e dos interesses económicos e sociais abrangidos.
Terminamos saudando a Câmara Municipal de Avis pelo zelo e comportamento exemplar com que ao longo de todo este processo soube defender, até a deixarem, os interesses dos munícipes e da região e mais uma vez afirmamos que os Deputados de Os Verdes estão à disposição das autarquias e de outras organizações para apoiar qualquer iniciativa judicial relativa ao esvaziamento da albufeira do Maranhão.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado André Martins, já se podia depreender da atitude que V. Ex.ª tomou quando, conjuntamente com os restantes elementos da oposição, abandonou, de uma forma escandalosa, a sala onde estavam a ser lavradas somente e já as conclusões do relatório, que, na realidade, Os Verdes estavam empenhados, conjuntamente com a oposição, em denegrir a imagem do Governo e numa «caça às bruxas» eventualmente na pessoa de algum director-geral e nada mais do que isso. Assim, e naturalmente, V. Ex.ª não poderia fazer outra intervenção que não esta porque esse foi o vosso comportamento.
Mas também seria bom que V. Ex.ª dissesse que esse não foi sempre o seu comportamento. Aliás, durante as 22 reuniões da Comissão de Inquérito houve a oportunidade de se debater exaustivamente toda esta matéria, de se ouvirem dezenas de entidades. Todavia- e curiosamente - VV. Ex.ªs têm perfeito conhecimento que muitas das vossas propostas, ou quase todas, foram consagradas no texto do relatório. VV. Ex.ªs não estiveram foi dispostos a assistir no final, quando faltava meia ou uma hora para ser concluir o trabalho, ao término das questões porque aí não podiam, de forma alguma, «engolir» aquilo que tinham aceite, porque correspondia à verdade, durante a discussão e durante a feitura do relatório.
Sr. Deputado, quais os factos que estão branqueados e quem é que os branqueou?
E, já agora, outras perguntas. A sua consciência, agora que fala das concelhos de Avis e Mora e do Alentejo, não o acusa pelo facto de ter abandonado a sala meia ou uma hora mais cedo? E não o acusa bem como aos restantes membros da oposição que faziam parte da Comissão de Inquérito, pelo facto de terem participado, com honestidade, num trabalho e depois abandonarem a sala e virem cá para fora fazerem, precipitadamente, determinadas declarações à comunicação social através das quais enganaram, induziram em erro a opinião pública? E a sua consciência também não o acusa do facto de, quando se aperceberam de que as conclusões do relatório não correspondiam ao que haviam afirmado, terem sido incapazes de repor a verdade?
Sr. Deputado André Martins, são estas as questões que lhe deixo.

Aplausos do PSD.

Página 247

4 DE NOVEMBRO DE 1992 247

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Maças, lamento não poder responder exaustivamente a todas as suas questões devido ao pouco tempo de que disponho, mas dir-lhe-ei que também não fazia muito sentido estarmos a prolongar o debate porque VV. Ex.ªs não aceitaram as propostas que fizémos e as chamadas de atenção para que reconsiderassem o que estavam a fazer.
Todavia, V. Ex.ª acabou de reconhecer que os Deputados da oposição trabalharam com empenho até determinada parte do relatório. Só que, Sr. Deputado, a partir daí era impossível continuar a sustentar um relatório que, de facto, viciava todos os factos, todos os argumentos. Aliás, Sr. Deputado, as cassetes de vídeo estão aí, podem ser consultadas por quem quiser, e não é preciso mais do que isso para se ver aquilo que a Administração fez no esvaziamento da albufeira do Maranhão. É um facto. Está aí demonstrado, gravado, aquilo que foi feito. Mais argumentos não valem. Dizer, como VV. Ex.ªs sustentaram até ao fim, mesmo depois de admitirem, na primeira parte do relatório, que o esvaziamento da albufeira do Maranhão foi feito numa situação de emergência como as entidades da administração central o afirmaram e verificar-se depois que, afinal, a decisão tinha sido tomada um ano antes do esvaziamento demonstra, Sr. Deputado João Maçãs, que os argumentos e a forma como elaboraram a parte final e as conclusões do relatório caem por terra.
Pode por aqui verificar-se, Srs. Deputados do PSD, que, de facto, não foi cumprida a legislação e dado seguimento àquilo que é propagandeado por quem afirma no Parlamento que defende o ambiente a todo o custo, dado que, neste caso, não reconsiderou o atentado e o assassínio cometido nas espécies, na vida que existia naquela albufeira.
Termino, Sr. Deputado, fazendo a leitura de uma passagem da acta n.º 3 da Comissão de Segurança de Barragens para que fique claro que temos razão, o que também é demonstrado pelas afirmações da própria administração central. O engenheiro Miguel Cavaco, director-geral dos Recursos Naturais, disse que «no Maranhão houve emergência de actuação, mas que para a albufeira de Vale do Gaio se está a preparar, com a devida antecedência, o esvaziamento. Neste caso, será promovido o estudo de impacte ambiental e resolvidos os problemas com as entidades interessadas e definidos os tipos de intervenção de cada uma no âmbito dos seus interesses e responsabilidades. O caso da albufeira de Vale do Gaio não é uma operação de emergência».
Sr. Deputado, é ou não verdade ter-se concluído não ter sido o esvaziamento da albufeira do Maranhão uma situação de emergência?

O Sr. Elói Ribeiro (PSD): - Quem é que concluiu?

O Orador: - Não são estas afirmações que acabei de ler a demonstração de que, de facto, o director-geral dos Recursos Naturais reconhece que deveria ter sido feito um estudo de impacte ambiental, constituída uma comissão com um coordenador nomeado pelo Governo e atribuídas responsabilidades e verbas a todas as entidades envolvidas no processo?

O Orador: - Os Srs. Deputados não o admitiram, quiseram viciar os resultados e, depois - o que ainda é mais grave e não se compreende -, «enterraram-se» neste processo, porque quer o Ministro do Ambiente e Recursos Naturais quer o ex-Secretário de Estado dos Recursos Naturais vieram aqui dizer que foram cometidos erros e que não estavam de acordo com o que foi feito. Os Srs. Deputados do PSD «enterraram-se», porque elaboraram as conclusões e aprovaram um relatório que, de facto, vicia todos os factos e argumentos aduzidos.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da consideração.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Maçãs: Fui acusado por V. Ex.ª de ter tido um comportamento incorrecto ao abandonar a Comissão de Inquérito, mas devo dizer-lhe que, em primeiro lugar, essa atitude deve ter apenas uma leitura política e que não lhe admito julgamentos morais sobre ela.
O facto de termos abandonado a Comissão significou apenas que os Deputados do PS não estavam dispostos a participar numa operação que tinha como único objectivo encobrir a responsabilidade dos Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e da Agricultura no esvaziamento da barragem do Maranhão, porque não participamos em nenhum acto que contribua para o enfraquecimento do papel do Parlamento enquanto órgão fiscalizador. Ora, o que os Srs. Deputados fizeram ao aprovar este relatório desprestigia o Parlamento e diminui a sua capacidade fiscalizadora.
Diz o Sr. Deputado que mentimos à comunicação social, mas creio que se há alguém com complexos de culpa ou de consciência essa pessoa deve ser o Sr. Deputado, porque não há nada de mais evidente, do ponto de vista político, que a peça ridícula e infeliz em que se transformou este relatório que as senhores aprovaram.
Para que os Srs. Deputados saibam o que vamos votar, vou ler-vos apenas uma parte do relatório que dá uma ideia caricata sobre aquilo em que os Srs. Deputados do PSD que participaram nesta Comissão pretendem transformar todo o Plenário. Diz-se no ponto 24 que, «apesar das medidas decididas pela comissão de acompanhamento, não deixou de ocorrer a morte de um número significativo de peixes devido às seguintes razões: a) stocagem de peixe considerado em quantidade excessiva». Isto é, era demasiado peixe e, portanto, o esvaziamento da barragem veio repor alguma contenção no excesso de peixe existente.
Na alínea c) do ponto 25 diz-se que uma das razões da morte dos peixes foi também «uma decisão tomada durante o esvaziamento em face da descoberta, na altura da transferência, de uma doença contagiosa nos peixes». Os peixes estavam doentes - Coitadinhos dos peixes! - e ansiavam pela morte, porque padeciam de uma doença incurável e contagiosa, pelo que foi uma benção dos deuses o facto de a barragem ter sido esvaziada!
Isto, Srs. Deputados, ficar-vos-á como uma nódoa de ridículo que não conseguirão apagar. Foi neste processo ridículo e infeliz que os Deputados do PS não quiseram colaborar, e tenho muito orgulho nessa atitude!

O Sr. João Maçãs (PSD): - Isso está no relatório!

Vozes do PS: - Muito bem!

Página 248

248 I SÉRIE - NÚMERO 9

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado João Maçãs, o Sr. Deputado Lino de Carvalho pediu também a palavra para exercer o direito regimental de defesa da consideração, pelo que, se estiver de acordo, dará explicações no final.
Não havendo objecções, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Maçãs: V. Ex.ª acusou toda a oposição e, portanto, também o PCP, de ter incorrectamente abandonado a Comissão de Inquérito, divulgando informações não verdadeiras que manipulavam a verdade dos factos e de, mais tarde, não ter reposto aquilo que, no entender do PSD, constitui a verdade.
Ora, neste caso, aplica-se bem aquele ditado que diz «O PSD faz o mal e a caramunha!» O PSD, e o Sr. Deputado João Maçãs em particular, sabe que, num determinado período, toda a Comissão de Inquérito chegou, por unanimidade, a um conjunto de conclusões, as quais indiciavam claramente o sentido das responsabilidades em todo o processo de esvaziamento da albufeira do Maranhão. Permitiam aduzir, sobretudo na parte já apurada, que o Governo, através do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais ern particular, não poderia eximir-se a essas responsabilidades, designadamente por não ter realizado o estudo de impacte ambiental.
Foi nessa altura que o PSD, reconhecendo que os consensos a que os Deputados mais conhecedores do processo, incluindo os do PSD, tinham chegado, deu o dito por não dito, recuou, pôs em causa, de um dia para o outro, conclusões já apuradas, refez textos já aprovados por força da maioria e procurou reorientar o inquérito para outras conclusões que responsabilizassem todos os intervenientes - a Associação de Regantes do Vale do Sorraia, a Câmara Municipal de Avis e, porventura, os peixes -, mas que branqueassem a responsabilidade do Governo, designadamente a do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais em todo este processo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi essa a única razão que, como sabe, nos levou a abandonar a Comissão, porque começou a transformar-se num inquérito exclusivo do PSD e não da Assembleia da República, como até aí.
Porém, penso que algo positivo já resultou da forma como levámos a cabo o nosso protesto: é que o PSD reflectiu sobre uma parte do projecto de conclusões que tinha apresentado quando procurava inculpar, invertendo todo o ónus da prova, a própria Câmara Municipal de Avis, tendo retirado posteriormente essa ideia do texto final.
Portanto, se alguma utilidade teve o nosso protesto quando abandonámos a Comissão de Inquérito ela foi a de permitir, pelo menos, uma reflexão, ainda que parcial, sobre estas absurdas propostas que o PSD trouxe para a reunião de apuramento das conclusões.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou procurar ser o mais sucinto possível, até para não provocar o arrastamento desta reunião.
Sr. Deputado André Martins, em primeiro lugar, não tente V. Ex.ª criar aqui uma situação de envolvimento de factos - alguns, apenas existem na sua cabeça - para, na realidade, perverter as conclusões do relatório que derivam, de uma forma clara, do apuramento das situações em que V. Ex.ª participou.
O relatório final, bem como as conclusões da Comissão de Inquérito, são extremamente claros, vão ser divulgados publicamente e certamente que não vão existir dúvidas a seu respeito.
O Sr. Deputado não teve o cuidado de responder à questão que lhe coloquei relativa ao branqueamento. Falou muito, começou o seu discurso com um ar meigo e terminou-o utilizando linguagem característica do Partido Comunista em relação a estas matérias, o que, na verdade, em nada contribuiu para fazer luz sobre esta situação.
Depois, o Sr. Deputado José Sócrates também entendeu que, de alguma forma, tinha sido ofendido. Mas não pretendi ofendê-lo, muito menos V. Ex.ª, porque nem sequer considero que tenha participado nesta Comissão.

O Sr. Elói Ribeiro (PSD): -Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado esteve presente numa, duas ou três reuniões da Comissão, não deu qualquer contributo e, quando falou, foi para desestabilizar e criar problemas no seu seio.

Aplausos do PSD.

E V. Ex.ª tem especiais responsabilidades nesta questão, porque está ligado ao ambiente e à ecologia.
Nem sou capaz de admitir que V. Ex.ª tenha tido qualquer participação útil! E digo mais: a única excepção em que podemos considerar que o Partido Socialista trabalhou foi no caso do seu camarada Luís Capoulas Santos, porque, inclusivamente, o vice-presidente da Comissão, o Deputado Miranda Calha, quase nunca esteve presente e, quando isso sucedeu, não participou inteiramente, pois não apresentou qualquer proposta! Esta foi a vossa actuação, Sr. Deputado!
O Sr. Deputado Lino de Carvalho, depois de referir que tinham abandonado a Comissão, também falou em branqueamento dos factos, mas quero dizer-lhe que, de facto, reconheço ter havido empenhamento da maior parte dos membros da Comissão quer durante a fase das audições quer na altura da elaboração do relatório. Contudo, não ficámos surpreendidos quando os Deputados do PCP, a determinado passo, de uma forma orquestrada e sem mostrarem preocupações no que diz respeito aos interesses dos beneficiários do vale do Sorraia, da albufeira do Maranhão ou do concelho de Avis, desertaram da Comissão, não participando nos seus trabalhos até ao fim.
Há pouco, o Sr. Deputado Lino de Carvalho estava a tentar corrigir o que eu disse, mas é a pura verdade que VV. Ex.ªs abandonaram a Comissão e que prestaram declarações públicas. Os senhores furaram o espírito do inquérito! Havia sigilo e furaram-no, pois o inquérito e as suas conclusões ainda não estavam concluídos os trabalhos foram concluídos apenas com a presença dos Deputados do PSD porque VV. Ex.ªs se ausentaram, deliberadamente, e vieram prestar informações que não eram fidedignas.
V. Ex.ª continua a falar na Câmara Municipal de Avis. Diga-me, então, onde é que, no relatório, alguma vez se mencionou a Câmara Municipal de Avis como sendo o «bode expiatório» deste processo? Tal não se encontra escrito em lado nenhum.

Página 249

4 DE NOVEMBRO DE 1992 249

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Isso é mentira!

O Orador: - O relatório está aqui! Portanto, os senhores induziram a opinião pública e a própria Câmara de Avis. Assim, aquilo que foi um trabalho sério, de 22 dias, foi pervertido e maculado por VV. Ex.ªs, mas que, finalmente, acabou por se traduzir num trabalho com toda a seriedade, no qual foram apuradas responsabilidades e em relação às quais o Governo não está, de facto, isento. Tal está no relatório, e está-o de uma forma muito clara. A VV. Ex.ªs é que não lhes convém agora reconhecer que assim é.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - O Sr. Deputado André Martins pediu a palavra para que efeito?

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, a única questão que ponho é a de que, deste modo, talvez não se pare mais, porque se as defesas da consideração dão lugar a novas defesas da consideração o exercício desta figura tende a deslizar para o infinito e, com isto, somos capazes de não sair daqui a horas convenientes...

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas o Sr. Deputado João Maçãs acusou os partidos da oposição da forma como todos ouvimos.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, tem a palavra.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Maçãs, são os factos que contam e não as acusações de argumentação verbal.
É verdade ou não, Sr. Deputado, que antes de abandonar a Comissão de Inquérito perguntei se a parte do projecto de relatório que me tinha sido atribuído iria ser considerada no relatório final? É verdade ou não que coloquei esta questão? E qual foi a resposta, Sr. Deputado João Maçãs? Foi a de que as questões que estavam incluídas no projecto de relatório que me tinha sido distribuído já constavam do relatório e, por isso, não iam ser consideradas. Este é o primeiro facto.
Tenho aqui a parte do projecto de relatório - que poderá ser consultada - e, por isso, poderemos confrontar o que está expresso no relatório final com aquilo que são os factos que transpus para o meu projecto de relatório.
É verdade ou não, Sr. Deputado João Maçãs, que uma das propostas apresentadas pelo PSD - através do Sr. Presidente da Comissão de Inquérito - era de acusação à Câmara Municipal de Avis e às indústrias locais de terem contribuído para a morte dos peixes? Tenho aqui a proposta que foi apresentada, mas que não foi votada.
Portanto, o Sr. Deputado Lino de Carvalho tem razão ao afirmar que quando a oposição abandonou a Comissão de Inquérito, VV. Ex.ªs recuaram e alisaram um pouco as propostas que tinham apresentado. São estes os factos, e há muitos outros que podem ser confrontados, nos quais nos baseamos para afirmar e demonstrar que houve branqueamento do relatório.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, penso que, de facto, V. Ex.ª está empenhadíssimo em que não surja a verdade mesmo aqui em Plenário!
É óbvio que são os factos que contam, nunca o negámos. Ora, o senhor pergunta-me se é verdade ou não que questionou se a parte do seu relatório ia ser incluído. Mas qual era a ideia que, na altura, o Sr. Deputado fazia dos elementos que constituíam a Comissão? É que o senhor brandiu o seu relatório e perguntou aos mais de 20 elementos da Comissão: «Os senhores vão ou não consagrar aquilo que está aqui no meu texto? É que se não vão, vou-me embora!»

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Isso é especulação!

O Orador: - Sr. Deputado André Martins, tenha paciência, mas tenho que lhe recordar - e V. Ex.ª, com certeza, vai ter de pedir outra vez a defesa da consideração ou da honra- que a Comissão de Inquérito esteve uma semana, ou mais, «entretida» à espera do seu contributo, uma vez que o senhor se unha comprometido a entregá-lo para que fosse analisado. V. Ex.ª esteve uma semana para apresentar o trabalho que tinha dito já ter feito!

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, isto não é concebível!

O Orador: - Portanto, o senhor atrasou deliberadamente o trabalho, logo no início das reuniões da Comissão. Depois, foi fazendo «render o peixe»... De facto, não tem nenhuma razão e, por isso, não pode acusar-nos, de forma alguma, em termos de branqueamento ou de estarmos a denegrir os factos.
V. Ex.ª é que funcionou - ao contrário do que esperávamos -, eventualmente, de má-fé. E, a comprová-lo - conjuntamente com os seus pares -, assumiu a atitude de sair da sala e de ir prestar declarações que não correspondiam minimamente à verdade.
Para terminar, Sr. Deputado, em relação à Câmara de Avis vamos, definitivamente, ser muito claros: nada consta em texto nenhum. Na altura em que se falou das empresas como eventuais tributárias no que diz respeito à poluição da barragem do Maranhão, referiu-se também a Câmara de Avis, ou melhor, se ela também contribuía para isso. Foi claramente expresso que não, pois sabemos perfeitamente- e o Sr. Deputado também sabe que sabemos - que a Câmara de Avis tem estações de tratamento - no Alcôrrego e noutros sítios - e, por conseguinte, não pode ser considerada como uma entidade poluidora da barragem do Maranhão. Como sabemos isso, nunca iríamos procurar vertê-lo no relatório, porque isso, sim, era faltar à verdade.
Portanto, Sr. Deputado, não venha com habilidades e, sobretudo, não venha agora, aqui e neste momento, perante a presença de algumas pessoas que estão ligadas a este processo, querer fazer uma flor em relação a uma matéria na qual o senhor se espetou, uma vez que, logo de início, não funcionou bem e, depois, acabou por agir de má-fé.

A Sr.ª Conceição Castro Pereira (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado André Martins, não lhe posso dar, de imediato, a palavra para exercer o direi-

Página 250

250 I SÉRIE - NÚMERO 9

to de defesa da consideração, portanto, vai aguardar um momento.
O Sr. Deputado Fernando Condesso pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Para defesa da consideração, uma vez que fui citado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, faria um apelo aos Srs. Deputados para que dignificássemos este debate, uma vez que, apesar de não ser uma discussão em que se esteja a defender o futuro da Pátria, se trata, seguramente, de um debate que, se for enquadrado como deve ser, tem que ver com o ambiente e pode ter um efeito pedagógico entre todas as entidades que se tem de debater com estas realidades.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ora, da maneira como se está aqui a acusar, com base em coisas que não têm fundamento, como foi o caso de dizer que houve uma proposta do presidente da Comissão de Inquérito, acusando a Câmara e as empresas pela morte de peixes; ou que a morte dos peixes tem a ver - lendo apenas uma, e só parcialmente, das nove alíneas - «com a quantidade excessiva», que era uma razão que dificultava a gestão, neste momento, ou seja, lendo partes deturpadas, que, aliás, saíram na imprensa em itálico, como se fossem verdades absolutas, não vamos dignificar nada.
Também não vamos dignificar dizendo que se branqueiam factos quando o relatório, claramente, constata que houve morte de peixes, lentidão na sua remoção e destruição, aumento da degradação da quantidade da água, embora não em termos de perigo para a saúde pública; que houve queima de peixe, enterramento no leito e, inclusive, prejuízos, independentemente de não haver uma causalidade adequada entre o fecho da barragem naquela altura e os prejuízos que se ocasionaram muito depois, que têm essencialmente que ver com a seca que se verificou.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Foram os marcianos que tiveram a culpa!...

O Orador: - Isso é uma questão de interpretação. Agora, que não se diga que não consta do relatório aquilo que consta dele, bem como que o presidente da Comissão fez propostas, até porque as propostas do Presidente são as de um membro entre trinta e tal... Os senhores é que não fizeram quaisquer propostas nas conclusões, porque se foram embora. E, já agora, esclareço que o presidente não fez nenhuma dessas propostas.
Em relação à Câmara de Avis, esta teve todo o gosto em afirmar, durante a inquirição, que se tinha negado a colaborar no enterramento do peixe. Tal é para ela uma questão de honra e não uma acusação! O ficar no relatório não é algo que possa ser motivo de desvalorização de algo que resulta. Se calhar teve razoes para tal, por não concordar com alguma coisa que foi feita nesse domínio. Mas isso não tem que ver com a questão.
Quanto ao problema das empresas, a única coisa citada no relatório foi que a poluição relativa a esta matéria orgânica tinha que ver com 20 t que, no fundo, acabariam por significar poluição e degradação da água, sem dúvida.

O Sr. André Martins (Os Verdes). - 20 t bem pesadas, Sr. Deputado!

O Orador: - Mas, o que se disse foi que ela era uma quantidade inferior ao lançamento, no último ano, de outras fontes de poluição. Ora, «inferior» não significa que se negue o facto em si, mas não se pode deixar de a enquadrar na verdade global e total dos factos.
Portanto, não se venha dizer que «seja quem for» fez uma proposta, porque mesmo que ela estivesse errada, uma proposta é uma proposta, não é um texto sem qualquer espécie de valor!

O Sr. José Sócrates (PS): - Ah, então sempre há uma proposta!

O Orador: - Os senhores fizeram imensas propostas - e já agora acrescentava o que o meu colega disse-, e a maior parte dos factos que estão no relatório resultam mesmo de propostas que os senhores fizeram. No entanto, não quiseram contribuir, na parte final, para as conclusões. Mas elas estão lá e não branqueiam nada!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Fernando Condesso, peço que tome atenção ao tempo.

O Orador: - Pelo contrário, leiam com atenção os diferentes pontos, por que isso é importante. De facto, os senhores tentaram branquear, nas declarações que fizeram, as responsabilidades de toda a gente, o que não aconteceu connosco, na Comissão. O relatório refere que houve falta de colegialidade e de planificação; tardia promoção do consumo do peixe; insuficiência da comissão porque foi informal, não tinha uma coordenação clara nem meios financeiros autónomos. Diz-se, claramente, que houve demora na reparação...

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Fernando Condesso, o relatório é muito grande...

O Orador: - Portanto, os senhores não virem contra pessoas aquilo que pode ser a vossa tão forte vontade de acusar, que os leva a desconhecer aquilo que não queriam que lá estivesse, porque assim poderiam acusar mais.
Ou seja, acusam em contra-informação mas nunca em verdade daquilo que está escrito.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado André Martins, tem a palavra para dar explicações.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço desculpa mas, de facto, quem ofendeu a minha consideração, bem como a do meu grupo parlamentar, foi o Sr. Deputado João Maçãs ao afirmar aquilo que é mentira.
Agora digo eu aquilo que é mentira, visto que o Sr. Deputado afirmou que andei a «passar tempo» com o meu relatório. Se assim é, trazemos também outras coisas para o debate: é que o PSD nomeou um relator que, de acordo com o que foi deliberado na Comissão - isto está em acta-, fez uma distribuição de tarefas, em que um representante de cada grupo parlamentar ficava com uma parte do esquema, do qual, juntando as partes, e após um debate e discussão desses projectos apresentados, resultaria o relatório final.

Página 251

4 DE NOVEMBRO DE 1992 251

Porém, o que acontece é que, de facto, esses pontos foram distribuídos e, cada um dos representantes dos grupos parlamentares iniciou esse trabalho.
Chegou a uma determinada altura em que se concluiu que era demasiado tempo, que se andava a arrastar a Comissão e, portanto, o PSD se responsabilizava por apresentar uma proposta final de relatório. No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, acontece que o relator nomeado desapareceu!

O Sr. João Maçãs (PSD): - Falso!

O Orador: - É verdade, Sr. Deputado. Não fui eu que andei a passar tempo. O relator nomeado pelo PSD desapareceu! E o que se verificou é que andámos a passar tempo e não passámos do mesmo ponto. Foi isso que aconteceu!
Então, quando todos os grupos parlamentares apresentaram a sua proposta, a sua contribuição para a elaboração do relatório, chegou-se à parte que me dizia respeito, que elaborei - que tenho aqui e que tinha na altura -, e que correspondia à quarta parte do relatório. Portanto, foi na altura certa que o apresentei. Com efeito, tinha concluído a minha parte e perguntei - está em acta, Srs. Deputados - o que é que acontecia à minha contribuição para o relatório. Então, foi-me dito que aquilo que estava na minha contribuição para o relatório já estava incluído no mesmo.
Sr. Deputado, tenho aqui a minha parte e pode ser confrontada com aquilo que está no relatório da Comissão. Até porque isto que está aqui, que era o ponto do trabalho do relatório que me foi distribuído, diz respeito ao apuramento das responsabilidades quanto à decisão e ao esvaziamento, Srs. Deputados. Aqui está não a argumentação, mas os factos retirados dos depoimentos, dos documentos, do vídeo e da legislação. Estão aqui os factos e não qualquer tipo de argumentação.
Esta questão é que era importante que fosse discutida na Comissão e que alguma coisa ficasse incluída no relatório. Sr. Deputado, não brinco com coisas sérias.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, para que não restem dúvidas, quero informar que deu entrada na Mesa o projecto de resolução n.º 39/VI - Compensações a atribuir às zonas afectadas pelo esvaziamento da barragem do Maranhão (PS). Este documento já foi distribuído e, como tal, encontra-se em discussão conjuntamente com o relatório da Comissão e os diplomas atrás referidos. A votação far-se-á em momento oportuno numa próxima reunião.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: as conclusões do relatório final da Comissão Eventual de Inquérito para apuramento de responsabilidades quanto à decisão e ao processo de vazamento da albufeira do Maranhão, bem como às suas consequências económicas, sociais e ambientais designadamente na região que envolve os municípios de Avis e Mora, traz uma inovação em relação ao projecto inicial que o PSD levou à Comissão de Inquérito: o desaparecimento - como já foi aqui referido na fase inicial do debate - da referência à Câmara Municipal de Avis no ponto 2-A das conclusões onde o PSD, insinuava sem corar, invertendo todo o ónus da prova, uma co-responsabilidade da autarquia quanto à não promoção atempada do consumo público de peixe e quanto a uma pretensa falta de apoio à remoção do peixe morto.
O legítimo protesto que o PCP e toda a oposição presente na Comissão de Inquérito lavraram em Julho passado e que nos levou a abandonar a sua última reunião teve para já um mérito: o de levar o PSD a rever tão absurda conclusão.
O Estado tem a propriedade da barragem através da Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola; é responsável pelo controlo da segurança da barragem através da Direcção-Geral dos Recursos Naturais; é responsável com a Associação de Regantes do Vale do Sorraia pelas operações de esvaziamento que só o Estado e o Estado com a Associação decidiram, mas seria a autarquia a responsável por uma não promoção do consumo de 300 t de peixe, através da qual o PSD certamente tinha o louvável propósito de ajudar o povo do concelho de Avis a conseguir uma dieta mais equilibrada!
Mas, Srs. Deputados, se o protesto da oposição logrou que o PSD alterasse essa sua absurda proposta de conclusão, o mesmo não sucedeu em relação à claríssima responsabilidade da administração central e, em particular, do Ministro do Ambiente em todo o processo.
Em nossa opinião o ponto nuclear deste processo reside no apuramento da necessidade ou não do estudo de impacte ambiental exigido pela legislação comunitária e nacional.
A única razão que poderia afastar a necessidade do estudo seria o carácter urgente, de emergência, da obra.
Foi exactamente, aliás, este o argumento desenvolvido no princípio pelo Secretário de Estado do Ambiente e outros responsáveis, inclusivamente, perante a própria Comissão de Segurança de Barragens.
O inquérito tornou evidente que tal situação não existia, como se pode verificar no próprio relatório. Desde 1980 que havia ofícios trocados entre a Associação de Regantes e a Direcção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos sobre a necessidade de se «efectuar uma revisão geral as comportas». E quando o PSD argumenta que houve um «súbito agravamento do funcionamento das comportas de descarga de fundo», é preciso que se saiba que entre a data em que a Direcção-Geral dos Recursos Naturais decidiu esvaziar a barragem (em 22 de Outubro de 90) e as operações de esvaziamento (Setembro de 1991) decorreu quase um ano, tendo pelo meio, em Dezembro de 1990, o despacho do Secretário de Estado da Agricultura favorável à realização da obra.
Ora, um ano era período mais que suficiente para ser realizado o estudo de impacte ambiental. Aliás, se havia situação de urgência - porque, no entender dos responsáveis e do PSD, haveria perigo para as populações de rotura da barragem - por que é que só em 4 de Julho de 1991, ou seja, nove meses depois, Srs. Deputados do PSD, é que o director-geral dos Recursos Naturais comunicou à Comissão de Segurança de Barragens tal decisão? E por que é que o director-geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola afirma no processo que «se eu soubesse que este ano não chovia, obviamente que não tinha feito a reparação» e por que é o presidente da Associação de Regantes, responsável pela exploração da barragem, afirmou também que «se tivesse de suportar a despesa a 100 % não faria a obra, como a não fez anteriormente?
É óbvio, perante isto tudo, que não estávamos perante uma situação de pré-ruptura ou de emergência como o PSD procura afirmar e afirmou nas conclusões! E por que este

Página 252

252 I SÉRIE - NÚMERO 9

argumento caiu por terra outro surgiu da parte de responsáveis e do PSD: é que a legislação não obrigaria a um estudo de impacte ambiental. Então, se assim fosse, por que é que o Ministro do Ambiente decidiu que no esvaziamento da albufeira do Vale do Gaio, feito posteriormente, se fizesse o EIA? O que não era obrigatório para o Maranhão já era para o Vale do Gaio sem se ter alterado a legislação?
Perante tantas contradições, o PSD, com dificuldades em conseguir argumentos que justificassem a ausência do estudo de impacte ambiental, descobriu uma nova razão de que nem o Governo se tinha lembrado: vem agora dizer no relatório que não foi feito estudo mas que foi criada uma comissão de acompanhamento com objectivos mais amplos que o estudo, «pois a mesma», diz o PSD, «devia não só avaliar as consequências do esvaziamento, como propor medidas minanizadoras». Completo desconcerto!
Primeiro, porque o estudo de impacte ambiental é para ser feito antes do esvaziamento; é para avaliar a solução adoptada e os seus efeitos; é para oferecer possíveis alternativas e, no caso de não haver alternativas, definir - a tempo e horas - as acções necessárias à diminuição dos impactes da obra.
Segundo, porque a própria comissão de acompanhamento, mais a mais sem meios, só reuniu três vezes e nunca depois de se ter iniciado a fase decisiva do processo de esvaziamento.
Terceiro, porque nunca o Ministro do Ambiente e Recursos Naturais e o Secretário de Estado da Agricultura definiram quem coordenaria e seria responsável pela comissão - como, aliás, as próprias conclusões do inquérito reconhecem -, tendo-se assistido ao Ministro do Ambiente e Recursos Naturais a atirar as responsabilidades para cima do Ministro da Agricultura, afirmando que «a coordenação pertencia ao Ministério da Agricultura e à DGHEA» e o Secretário de Estado da Agricultura a dizer, por sua vez, que «não ficou estabelecida no meu despacho qualquer coordenação».
Ora, de tudo isto decorre, necessariamente, que o estudo de impacte ambiental deveria ter sido feito e que se tivesse havido dispensa, por razões de urgência - o que de todo em todo não se verificou -, então, era necessário um despacho com a justificação da sua não realização, como o Sr. Deputado Macário lembrou, aqui, na altura do debate do inquérito, o que não se verificou.
É evidente que nestas condições nem o Ministro do Ambiente e Recursos Naturais nem o Secretário de Estado da Agricultura poderiam ter autorizado a obra sem que previamente tivesse sido realizado o estudo de impacte ambiental. É este branqueamento que o PSD fez na Comissão de Inquérito fugindo a esta responsabilização.
Se tal tivesse sido feito - mesmo que não houvesse outra alternativa técnica à opção de esvaziamento, o que também não ficou provado porque não foi procurada-, então ter-se-ia evitado a morte de cerca de 300 t de peixe, o enterramento à pressa e em condições sanitárias deploráveis e ilegais do peixe morto no leito da barragem e ter-se-iam tomado atempadamente medidas que minimizassem os efeitos do esvaziamento nas actividades económicas, sociais e turísticos da região, que importa agora ressarcir com as necessárias indemnizações.
Ora, foi aqui que o PSD (ou algum PSD) não quis chegar e, por isso, a meio da viagem, quando, na Comissão de Inquérito, os Deputados mais directamente informados e conhecedores de todo o processo tinham por unanimidade apurado um conjunto de factos indiciadores da definição completa de responsabilidades, aí o PSD arrepiou caminho.
Assim, por força de quem mais manda, começou a dar o dito por não dito, e a pôr em causa e alterar, por força da votação da maioria, pontos sobre os quais já se tinha formado consenso e a introduzir formulações que branqueassem a responsabilidade dos membros do Governo responsáveis pelo processo, contrariando os próprios dados apurados no inquérito.
Sr. Presidente, Sr. Deputados: O PSD não permitiu que o inquérito apurasse completamente as responsabilidades do desastre ecológico ocorrido no Maranhão, não tendo, apesar de tudo, conseguido iludir a responsabilidade de Associação de Regantes e a completa ausência de qualquer coordenação responsável de todo o processo, com as consequências que depois se verificaram. É pouco, mas já é alguma coisa.
Mas o inquérito e o alerta da opinião pública feito pela Câmara Municipal de Avis - que despoletou todo este processo que culminou no inquérito - tiveram, pelo menos, o condão de levar o Governo, através do Ministro do Ambiente e dos Recursos Naturais, a reconhecer aquilo que o PSD não reconheceu, que são responsabilidades, e a afirmar que tais situações não se poderiam voltar a repetir. Cá estamos para ver!
Não se pode, em nossa opinião, deixar de louvar a atitude tomada pela Câmara Municipal de Avis e por outras autarquias da região.
Decidido o esvaziamento à sua revelia, sem quaisquer responsabilidades institucionais no processo, informados da decisão de esvaziamento meses depois de ter sido tomada e por sua própria insistência, chamaram a atenção do Governo e das demais entidades responsáveis, propuseram alternativas, foram inclusive boicotadas na tentativa de apresentarem um estudo e eventuais soluções alternativas que encomendaram a uma empresa da especialidade, que não o realizou por lhe ter sido negado o acesso ao projecto da barragem e a outras informações necessárias.
Merecem um louvor e não a torpe insinuação que o PSD ensaiou. Por estas razões, justifica-se a publicação integral das actas da Comissão, para o que entregamos na Mesa o respectivo projecto de deliberação, que já foi distribuído.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, este inquérito revelou também outra grave lacuna: a grande distância que vai entre os discursos oficiais em defesa do Ambiente e a prática do Governo. Um Ministro do Ambiente que deveria funcionar quase como um contrapoder, um alerta permanente contra as agressões ambientais, um exigente cumpridor da legislação ambiental, afinal revela-se como o mais permeável e permissivo a essas mesmas agressões, sendo a sua principal preocupação não a de condenar quem agride mas desculpar o poluidor.
Decididamente não temos nem política nem Ministro do Ambiente!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório da Comissão de Inquérito hoje aqui em apreciação é, infelizmente, testemunho eloquente do descrédito da instituição parlamentar promovido por uma parte dela própria.

Página 253

4 DE NOVEMBRO DE 1992 253

A fobia da protecção do Governo, a todo o preço, leva o PSD a querer fazer aprovar conclusões que o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais decerto não imaginaria quando produziu, e honra lhe seja feita por isso, as comprometedoras declarações perante as câmaras da televisão após a audição parlamentar em que participou no passado dia 8 de Julho.
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ficou inequivocamente demonstrado, como alias resulta do próprio relatório do PSD, que, pelo menos desde 1980, era necessário uma revisão geral das comportas; que o Estado tem um representante permanente na Associação de Regantes à qual está confiada a manutenção e conservação da barragem, pelo que, a haver perigo para a segurança das populações, ele prevaleceu por mais de uma década sem que tivesse sido adoptada uma única medida para o evitar ou atenuar, que a anteceder o esvaziamento não foi realizado qualquer estudo de impacte ambiental, o qual, segundo o próprio então Secretário de Estado do Ambiente e Recursos Naturais, seria obrigatório sem quaisquer margens de dúvidas, só não tendo sido efectuado porque a iminência de rotura da barragem o impediu.
Não foi, porém, provada essa iminência de rotura, porquanto não foi possível à comissão ter acesso a qualquer estudo nem nenhum dos especialistas inquiridos ou a empresa que efectuou a reparação pôde afirmar que se estivesse perante essa situação. Por outro lado, o director-geral dos Recursos Naturais, bem como o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, contradisseram frontalmente nos seus depoimentos o do então Secretário de Estado, afirmando não ter a legislação citada aplicação obrigatória no caso em apreço, razão pela qual não foi aplicada. A própria Comissão de Segurança de Barragens acabou por não ser ouvida como é da lei porque foi infundadamente alegada perante ela a aludida situação de emergência.
No entanto, significativamente, decorreu um ano entre o acto decisório formal de esvaziar e o esvaziamento, o que, por si só, destrói as razões de alegada emergência e o perigo de rotura iminente invocados, ou comprova a total irresponsabilidade de ter mantido, desnecessariamente, por tanto tempo em perigo as populações sem que tivesse sido accionado o mais pequeno mecanismo de protecção civil ou tornado público qualquer aviso. Sintomaticamente o director-geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola afirmou ipsis verbis perante a Comissão e está citado no relatório do PSD a p. 386 que «se soubesse que este ano não chovia, obviamente que não tinha feito a reparação».
O Governo fundamentou, pois, as suas precipitadas decisões na ausência do mínimo estudo, tendo o Secretário de Estado da Agricultura declarado perante a Comissão- pasme-se- «que não tem de ler estudos». Foi constituída, em cima da hora, por insistente reclamação da Associação de Regantes uma denominada comissão de acompanhamento que o Secretário de Estado da Agricultura admitiu ter constituído como medida de recurso para suprir a omissão do seu colega do Ambiente. Por mais paradoxal que pareça, nenhuma das entidades que integrou essa comissão chegou a saber quem a coordenava, incluindo o próprio membro do Governo que a constituiu, enquanto por outro lado, o Ministro do Ambiente não teve dúvidas em afirmar que a coordenação era do Ministério da Agricultura.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como consequência não foram disponibilizados os meios adequados para o seu funcionamento nem foi executado um plano de acção ajustado as circunstâncias, o que provocou a ocorrência de uma série de factos que chocaram a opinião pública de um país civilizado e que em qualquer democracia - mesmo que de não sucesso - levariam à demissão dos seus responsáveis.
Refiro-me à ínfima quantidade de peixes salvos, ao apodrecimento à vista de todos de muitas toneladas, ao enterramento de algumas delas no próprio leito da albufeira, à queima de outra parte com pneus e ao desrespeito indesculpável das normas sanitárias previamente definidas pelos serviços de saúde.
Este lamentável processo é sintomaticamente ilustrador da confiança que os cidadãos poderão ter na eficácia da acção coordenadora destes governantes se, por infelicidade, nos víssemos confrontados com uma situação imprevista de calamidade de grandes proporções.
Pelo que acaba de ser dito, é passível de ser confirmado nos diversos depoimentos escritos prestados perante a Comissão de Inquérito, é claramente insusceptível de ser contraditado que o Ministério do Ambiente, num acto em que a acção executiva foi da sua própria responsabilidade, violou a legislação que lhe cabe fazer cumprir no que refere à questão do impacte ambiental. Não foi provado que se estivesse perante uma situação de rotura iminente da barragem, pelo que o Secretário de Estado do Ambiente se baseou em pressupostos inexistentes para decidir o esvaziamento na data ern que ocorreu, assim como foi ilegitimamente dispensado o parecer da Comissão de Segurança de Barragens.
Foram ignorados por completo todos os apelos e chamadas de atenção para as previsíveis consequências, efectuados por autarquias, associações e movimentos ambientais e órgãos de comunicação social, assim como ficaram também sem resposta, em claro desrespeito pelas normas legais e regimentais em vigor, pedidos de esclarecimento solicitados a tempo, como foi o caso do requerimento do Deputado Miranda Calha Foi desnecessariamente provocada a morte de muitas dezenas de toneladas de peixes e injustificadamente causados prejuízos sociais e económicos de grande dimensão e de difícil avaliação que a situação de seca agravou, como é natural.
Os argumentos invocados pelo PSD na tentativa de desresponsabilizar tudo e todos, à excepção da Associação de Regantes, tais como o excesso de população piscícola e a sua alegada falta de controlo ou a grave doença de que, subitamente, depois de mortos ou agonizantes veio a descobrir-se que os pobres peixes padeciam, são ridículas e revelam apenas a má consciência de quem apenas quer ser mais papista do que o Papa e pretende fazer passar esta Câmara e o País por tolos.

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que aconteceu com o Maranhão é o reflexo visível da total incompetência e insensibilidade ambiental de quem nos governa.
Foram praticados actos e omissões que exigem a clara responsabilização dos seus autores.
Não podemos, por isso, de forma alguma, aprovar este relatório, porque, fazendo-o, tornamo-nos cúmplices e co-responsáveis por este escândalo.
Os factos provados, muitos dou quais constam do próprio relatório do PSD, permitem claramente responsabili-

Página 254

254 I SÉRIE - NÚMERO 9

zar o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, o Ministério da Agricultura e a Direcção-Geral dos Recursos Naturais pela não realização do estudo de avaliação de impacte ambiental legalmente exigível, pela total falta de articulação e contraditoriedade de interpretação e aplicação de normas essenciais, pela co-responsabilidade na constituição, funcionamento e resultados da denominada comissão de acompanhamento e pela ilegítima tentativa de declinação de responsabilidades próprias em órgãos da administração local.

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a única forma de preservar a dignidade da função em que estamos investidos e deste orgão de soberania é votar contra o relatório que nos é apresentado pelo PSD.

Aplausos do PS.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Retiro aquilo que disse de bom a seu respeito!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Elói Ribeiro.

O Sr. Elói Ribeiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem querer entrar em polémica, como o fizeram aqui alguns dos Deputados que me antecederam, impõem-se três ou quatro explicações, já que o meu bom nome foi aqui posto em questão.
A primeira tem a ver com a afirmação aqui feita pelo Sr. Deputado André Martins de que o Deputado relator tinha desaparecido. Até parece que neste país existe uma polícia, como a KGB, que obrigue as pessoas a desaparecer. Para esclarecimento de todos, quero informar a Assembleia que, de facto, faltei a uma reunião, pura e simplesmente porque estive ao serviço desta mesma Assembleia no Parlamento Europeu, em Bruxelas.
A segunda tem a ver com várias questões aqui colocadas. A certa altura, acusaram-nos de ter feito certas afirmações, como a de dizer que os peixes morreram por doença, devido somente às temperatura elevadas que se fizeram sentir e à existência de elevada população, ou a de ter defendido que prejuízos não havia. Foi tentado aqui não provar ou provar outras questões.
Quero, sem entrar em polémica, deixar aqui mais duas questões aos Srs. Deputados da oposição. Uma, a de que não era necessário fazer, de imediato, a reparação das comportas de descarga de fundo - e isto foi provado por alguém e todas as pessoas a quem foi feita esta pergunta, pessoas responsáveis, técnicos qualificados, também não lhe deram resposta. Outra questão fundamental na análise deste desastre é a seguinte: a linha de capacidade morta numa albufeira tem a ver com a capacidade e com a cota até à qual pode ir essa mesma albufeira, sem por era causa a razão por que foi efectivada. E esta é uma cota de projecto - a cota 103.4 -, tendo o abaixamento das águas ido até à cota 104.3.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao encerrar a discussão das conclusões do relatório final da Comissão Eventual de Inquérito para apuramento de responsabilidades quanto à decisão e ao processo de vazamento da albufeira do Maranhão, bem como às suas consequências económicas, sociais e ambientais designadamente na região que envolve os municípios de Aviz e Mora, cabe-me explicitar as vertentes fundamentais pelas quais lhes expressaremos o nosso inequívoco apoio e fazer, por outro lado, algumas considerações sobre o comportamento e intenções da oposição (designadamente do PS, do PCP e de Os Verdes), em sede de Comissão, no desenvolvimento de todo este importante processo.
A elevação sustentada dos padrões de bem-estar da maioria dos portugueses, nos últimos anos, trouxe aos governos de maioria PSD uma exigência acrescida de qualidade na satisfação das necessidades, bem como no modo de vida das populações, mormente no seu envolvimento ambiental.
Subjacente a esta premissa, esteve sempre presente na acção dos Deputados do PSD, e antes de mais, a defesa intransigente da gestão equilibrada do meio e dos recursos naturais, numa óptica de preservação do ambiente ecologicamente saudável. Desta forma, e com clareza, responsabilidade, profundidade e sem inocuidades, tudo fizémos para se apurarem os factos e delimitarem as consequências e as responsabilidades do processo de esvaziamento da dita albufeira.
Por tudo, e essencialmente por isto, as conclusões aqui apresentadas- resultado do trabalho e dedicação do PSD - podem definir-se, de uma forma sucinta, de três maneiras: corajosas e honestas, responsáveis e equilibradas e implicativas e pedagógicas.
Para as primeiras, porque, sem a mais elementar dúvida foi concretamente comprovada: a morte de cerca de 300 t de peixe; a pouca rapidez utilizada na remoção do peixe mono, com o consequente aumento da degradação da qualidade das águas então existentes - mas, note-se, sem atingir limites que possam pôr em causa a saúde pública; a utilização do leito do rio para o enterro do peixe, bem como para aí queimar uma outra parte com pneus e a constatação de prejuízos à economia agrária e afins, na área da dita albufeira.
Responsáveis e equilibradas, porque, independente da nudez das conclusões atras citadas, é necessário, por razões éticas e da mais elementar justiça, na análise de um processo que se revelou tão complexo e multidisciplinar, verificar todos, mas todos, os vectores endógenos e exógenos que concorreram para o desastre.
Nesta medida, foi possível verificar que a morte do peixe reúne várias causas, umas de difícil ou mesmo nenhum controlo, como sejam as temperaturas elevadas que se fizeram sentir, a constatação de um ano hidrológico que é dos mais secos do século, ou de erros de avaliação e de insuficiência dos meios utilizados.
É, no entanto, necessário realçar o facto de que o acontecimento anormal teria a mesma existência se a ARBVS (Associação de Regantes e Beneficiantes do Vale do Soraia) tivesse a necessidade de utilização permanente, ou mesmo quase (o que teria acontecido, de facto, devido às características anormais do ano hidrológico), o que é seu direito, conforme consta do contrato de utilização de exploração, traduzido, de uma forma inequívoca, pela linha de capacidade morta (cota 103.4, inferior à cota atingida no vazamento 104.3).
Por outro lado, ficou tecnicamente provado que as variedades de peixe aí existentes têm, por si só, capacidade de se autodesenvolverem a tempo, não necessitando de qualquer acção humana concertada.
Mas também essencialmente implicativas e pedagógicos, porque, no corpo das conclusões do respectivo relatório, afirma-se que a ARBVS teve tempo mais do que suficiente para a efectivação das obras de conservação, há

Página 255

4 DE NOVEMBRO DE 1992 255

muito necessitadas, pelo que não é lícito invocar a situação de urgência, resultante do súbito agravamento do funcionamento das comportas de descarga de fundo, atirando para as entidades públicas a realização de medidas que a si competiam, como justificação de tudo o que ocorreu.
Por outro lado, esta Associação, enquanto concessionária, tinha a obrigação de propor à respectiva entidade e elaboração de legislação que diminuísse o impacte negativo que tais trabalhos sempre acarretam.
Mas também, e em sequência, que fossem introduzidos melhoramentos à legislação referente à avaliação dos impactes ambientais, que fosse definido claramente a coordenação aquando da constituição de outras comissões de acompanhamento, etc.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queremos, aqui, confessar que assumimos estas conclusões com mais veemência e tranquilidade de espírito - que já era grande - , do que em sede de Comissão. Tal acontece, porque temos vindo a assistir, por parte da oposição, a uma crítica meramente inconsequente e negativista.
Para a oposição, o Governo é o culpado de tudo, porventura também pela incompetência e incongruência desta mesma oposição.
Os partidos da oposição, mas principalmente o Partido Socialista, numa visão meramente egoísta e demagógica e na ânsia de conseguir resultados que o debate consciente e democrático deve alimentar, quis aproveitar esta situação, mas, como diria o seu actual líder, cometeu três pecados mortais: confundiu a essência com o acidental, a reflexão com a leviandade e o trabalho com a demagogia. Isto é, falhou redondamente quando mais se impunha a continuação de um trabalho sério, como sério e construtivo deve ser o de todas as forças políticas nesta Assembleia. Mas, ao invés, abandonou os trabalhos, numa manobra de pura chicana politica, tentando contundir a opinião pública, não hesitando mesmo na utilização da mentira, passando para o exterior as conclusões que nada, mas mesmo nada, têm a ver com as que aqui e agora estamos a discutir.

Aplausos do PSD.

Temos pena, Srs. Deputados do Partido Socialista, pois o maior partido de oposição tinha a obrigação (que lhe impõe essa mesma condição) de não abdicar de concorrer para o engrandecimento e desenvolvimento do nosso país. Como? Sendo rigorosos na analise dos factos, responsáveis e criteriosos no estabelecimento das consequências, bem como corajosos e pedagógicos na apresentação e defesa de conclusões que tomassem a política de ambiente deste Governo e deste país ainda mais eficaz.
Era isto, Srs. Deputados do PS e restantes Deputados da oposição, o que o País esperava de VV. Ex.ªs
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, coube-nos a nós, e só a nós, a apresentação das conclusões do inquérito, que são elas próprias, ao contrário daquilo que pensam, mais um meio de prestígio das comissões eventuais de inquérito, bem como desta Assembleia, uma vez que, através de uma análise profunda e desapaixonada, sobressai a sua principal razão de ser, que é o contribuir para a construção de um Portugal ecologicamente mais são, em oposição aos que, pela inércia que evidenciam, mais do que pelas palavras que proferem, querem fazer do nosso país uma nação eternamente adiada.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Fernando Condesso pediu a todos nós a elevação e dignificação deste debate. Ora, o Sr. Deputado Elói Ribeiro decidiu fazer uma redacção, sem grande rigor e sem grande elegância literária, sobre a «democracia de sucesso», dizendo: «os PSD são corajosos, honestos, responsáveis, equilibrados e a oposição uma coisa horrível».

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Já sabia que a única coisa que V. Ex.ª sabia fazer na Comissão era desestabilizar. Pois ostente isso como uma medalha, Sr. Deputado! Desestabilizarmo-nos já é alguma coisa, pois isso significa que o meu grupo parlamentar pode considerar que já prestou algum serviço.
Sr. Deputado, tanta bazófia cansa e, confesso, irrita-me bastante.

Protestos do PSD.

Alias, isso põe-me as tripas em desalinho. Como já lhe devem ter ensinado, «elogio em boca própria é vitupério». Sr. Deputado, isso fica-lhe mal, não vai bem com o seu parecer, pois o senhor até é uma pessoa elegante, que tem uma certa figura e presença.

Risos do PSD.

De uma coisa V. Ex.ª não consegue livrar-se: é que o Sr. Deputado e o Sr. Deputado Fernando Condesso portaram-se como uns comissários do Governo para o assunto da comissão eventual de inquérito. Os senhores tinham como único objectivo defender o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais neste processo e não avaliar e averiguar, com isenção e objectividade, o que tinha acontecido. Os senhores incapacitaram a Assembleia da República de avaliar politicamente uma questão muito grave. O incidente do Maranhão não foi um incidente qualquer, teve repercussões e consequências ambientais muito graves!
V. Ex.ª não se livra de ficar como uma nódoa da política de ambiente e um exemplo claro do nível a que chegou a política de ambiente no nosso país.
É inqualificável que seja o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais a ter uma visão restritiva da sua própria lei sobre os estudos de avaliação de impacte ambiental. É inqualificável que este desastre tenha acontecido não com outros serviços do Governo a que o Ministério do Ambiente não tenha podido acompanhar, mas, sim, expressamente por instrução e comando do próprio Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - E não tem nenhuma circunstancia que possa servir para atenuar as suas culpas; ao contrário, só tem agravantes, porque o Ministro do Ambiente e Recursos Naturais foi avisado antes, foi-lhe chamada a atenção para as consequências que poderiam acontecer e a verdade é que o Ministro...

Página 256

256 I SÉRIE - NÚMERO 9

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado José Sócrates, é favor terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

A Sr.ª Conceição Castro Pereira (PSD): - E a defesa da honra?!...

O Orador: - Os senhores não vão conseguir esconder que a questão do Maranhão é uma nódoa na nossa política de ambiente; os senhores não vão conseguir esconder que deviam responsabilizar o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais e a única forma que VV. Ex.ªs tinham para dignificar este debate era reconhecer isso no vosso relatório, coisa que não fizeram. Isso é um nódoa que não queremos para nós; fica com vocês!
Mas de uma coisa não se safam: é que vocês tiveram como único objectivo desculpabilizar o Governo neste procedimento e não exercer o vosso papel de fiscalização dos actos do Governo mas, sim, defendê-lo. Isso foi excesso de zelo, que, aliás, foi comprovado pelo Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, porque o respectivo Ministro considera que houve erros e vocês consideram que não houve.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado José Sócrates, tem de terminar.

O Orador: - O que é caricato e ridículo é que vocês pretendam impingir à Assembleia da República...

A Sr.ª Conceição Castro Pereira (PSD): - O que é caricato e ridículo é o senhor!

O Orador: -... que vote o relatório ern que é dado como razão da morte dos peixes o facto de eles serem muitos, de terem uma doença. Enfim, dizer que foi a eutanásia para todos os peixes é ridículo, é caricato e põe a ridículo toda a Assembleia da República e todo o País, porque isto só dá vontade, lendo o relatório, de nos agarrarmos à barriga para não rebentar de dores.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado Elói Ribeiro.

O Sr. Elói Ribeiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, começo por agradecer os adjectivos que aplicou à minha pessoa...

Risos do PSD.

De facto, elegante, grande postura e presença de espírito... Bom, elegante não sei, postura e presença penso que as tenho tido sempre compatíveis com aquilo que é exigível nesta Casa. Não quero adiantar mais sobre essas deambulações ou diatribes que o senhor aplicou, pois isso não tem qualquer interesse para esta questão, porque a politica de ambiente é uma coisa muito séria.
Na verdade, penso que o PS continua nesta matéria, como noutras, nomeadamente nas questões do Orçamento, das comunicações, etc., a fazer uma aposta errada nos discursos e nas próprias pessoas. E, perdoe-me que lhe diga, faço-o para que não volte a cometer os mesmos erros.
Com efeito, para mandar aqui alguém defender a política de ambiente é preciso que, em primeiro lugar, essa pessoa goste de ambiente e para se gostar de ambiente é preciso que as pessoas estejam no local próprio. Ora, como já foi aqui dito, o senhor poucas vezes apareceu nas reuniões, no local onde houve o desastre o senhor também não esteve - aliás, nas estivemos aqui duas horas à sua espera e o senhor não apareceu...

Risos do PSD.

Ora, é isto que precisa de ser dito, para toda a gente perceber!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, apesar disto o senhor continuou a fazer juízos de valor entre os bons Deputados, os maus Deputados, os pouco Deputados, os muito Deputados, os espertos e os poucos espertos...
Bom, penso que sou tão esperto como o senhor, mas, de facto, nós somos muito mais do que vocês E por sermos muitos isso não significa que tenhamos de ter complexos; temos de ter essa afirmação no dia-a-dia, porque foi isso que o povo português nos pediu na votação que constituiu a realização deste governo encabeçado pelo Professor Cavaco Silva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como o senhor não colocou qualquer questão de fundo, também não interessa eu estar aqui a dar-lhe lições sobre a política ambiental.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, é mesmo para pedir esclarecimentos. E vou colocá-los à primeira intervenção que ocorreu neste debate em defesa do relatório produzido pela Comissão de Inquérito. O CDS não teve possibilidade, por razoes que todos calcularão, de participar na maior parte das reuniões desta Comissão. Mas do que sabe dos antecedentes desta questão, do que se passou, do acompanhamento que fez através das actas dessas reuniões e da leitura do relatório que está agora em debate, o CDS naturalmente formula o seu juízo. Um juízo que não vai ser favorável a este relatório. E por isso mesmo coloco as questões a si, Sr. Deputado Elói Ribeiro.
Em primeiro lugar, na parte descritiva deste relatório, são enumeradas as consequências do vazamento da barragem, que são de três ordens. São consequências económicas, que, diz-se no relatório, são devidas essencialmente à seca; são consequências para a saúde pública e conclui-se que não foi colocada em perigo a saúde pública; e são consequências ern termos do stock de peixes.
Ora bem, quem tivesse ouvido a intervenção do Sr. Deputado Mário Maciel, do PSD, quando se debateu a constituição desta Comissão de Inquérito, facilmente depreenderia que o essencial das consequências a analisar eram consequências ecológicas. E parece-me estranho e curioso que neste relatório essas consequências não sejam devidamente enumeradas e devidamente salientada a sua importância, porque aqui chegamos ao essencial do relatório de uma comissão desta natureza.

Página 257

4 DE NOVEMBRO DE 1992 257

Esta comissão, penso eu, devia preocupar-se essencialmente em apurar responsabilidades nesse desastre ecológico, é evidente que responsabilidades de carácter público porque se trata de uma comissão de inquérito parlamentar, não responsabilidades de carácter privado e penso que justamente a esse respeito a Comissão não produziu, em termos de relatório, um trabalho que se possa dizer satisfatório, Sr. Deputado.
Nas conclusões, que são a parte mais importante de qualquer relatório, as duas primeiras afirmações são contraditórias. «A Comissão constata que é a primeira vez que se realiza uma operação desta natureza.»

O Sr. José Sócrates (PS): - Grande conclusão!

O Orador: - É, portanto, algo de totalmente inovatório. Não há precedentes e a seguir justifica-se que não se tenha feito qualquer estudo prévio. Como é que é possível concluir estas duas coisas!? Concluir que se está perante uma operação absolutamente nova, que teve as consequências já apontadas pelo próprio PSD e ao mesmo tempo se defende ou se justifica que não se tenha feito qualquer estudo! Que conclui a Comissão de Inquérito relativamente às responsabilidades públicas a respeito disto? E é isto que nos importa, Sr. Deputado, e sobre isto queria questioná-lo muito concretamente. Porque o PSD já disse pela voz do Sr. Deputado Fernando Condesso, e pela sua voz, que são apontadas algumas responsabilidades públicas. Não são escamoteadas, mas vai-se ver nas conclusões do relatório que responsabilidades de entidades do Estado são constatadas...

Vozes do PS: - Não há nada!

O Orador: - ... que a comissão de acompanhamento não funcionou de modo colegial e, portanto, os componentes não puderam apoiar as suas orientações, que a promoção do consumo público de peixe foi muito em cima dos acontecimentos e que a comissão de acompanhamento devia ser melhor coordenada. Bem, a respeito disto penso que não é preciso dizer mais para, efectivamente, concluirmos que houve alguma preocupação desta Comissão, ou do PSD, em proteger as entidades públicas (isto é, as entidades governamentais) e penso que não era necessário - eu vou esforçar-me por acabar rapidamente, Sr. Presidente.
Os inquéritos parlamentares não são inquéritos judiciais. Apontar responsabilidades públicas perante um desastre ecológico reconhecido, isso sim, teria um efeito pedagógico, Sr. Deputado Fernando Condesso. E não ficaria nada mal ao PSD, tendo dito o que já tinha dito em Plenário sobre esta questão, chegar ao apuramento de algumas responsabilidades.
Havia mais algumas coisas a dizer sobre isto, mas penso que esta questão essencial é suficiente e gostaria de vê-la respondida pelo Sr. Deputado Elói Ribeiro.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Elói Ribeiro, queria começar por felicitá-lo pela qualidade do seu trabalho como redactor deste relatório. Se ele vier a ser publicitado conjuntamente com as actas - como, aliás, esperamos e iremos votar a favor todas as propostas nesse sentido que forem submetidas à votação-, o Sr. Deputado vai arriscar-se a ganhar um prémio literário, pois, logo que concluí a leitura do relatório, descobri que, para além da elegância literária, já aqui referida, ele revela também uma elegância em termos de literatura cómica. Ninguém conseguirá lê-lo do princípio ao fim, designadamente confrontando os factos com as respectivas conclusões, sem que lhe dê um forte ataque de riso. Por consequência, quero felicitá-lo, pois, Sr. Deputado, para além da carreira parlamentar, pôde crer que terá o futuro assegurado!
Concretamente, gostaria de saber se o Sr. Deputado e os seus colegas de bancada conseguirão, a partir de hoje, dormir com tranquilidade se aprovarem o relatório nos termos ern que ele foi apresentado, porquanto o que seguramente se verificou hoje, aqui, foi a criação do precedente do sancionamento da total irresponsabilidade do Governo e da Administração Pública.
Será que é possível Ministros, Secretários de Estado e directores-gerais contraditarem-se, em absoluto, sobre as mesmas matérias? Será que é possível a constituição daquela comissão de acompanhamento em termos tais que se, por hipótese, se gravasse um vídeo sobre o seu funcionamento, ele seria, certamente, muito semelhante a um filme dos Três Estarolas?
Se perante tudo isto não há qualquer tipo de responsabilidade a extrair, fico seriamente preocupado, Sr. Deputado Elói Ribeiro, porque a partir deste momento, neste governo e neste país, tudo será permitido.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Elói Ribeiro.

O Sr. Elói Ribeiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, começo por lhe responder, em primeiro lugar, porque, de facto, continua- perdoe-me esta brincadeira - a ler mal ou, então, está a precisar de óculos. Mas quanto a isso, não posso fazer nada!
Na verdade, tenho de dizer que este relatório está muito bem feito, independentemente de ter sido feito por quem foi. A verdade é que está muito bem elaborado.
Nele se expressam conclusões e, contra a sua opinião, entendo que não demonstra qualquer irresponsabilidade, pelo contrário, o que demonstra é a existência de ética e de justiça na avaliação. Enquanto os senhores o que pretendiam era que o relatório dissesse: o culpado disto é a Direcção-Geral de Recursos Naturais, é a Direcção-Geral das Florestas, etc., a conclusão a que ele chega é a de que houve um desastre ecológico e a verdade é que morreram 300 t de peixe. O relatório não encobre esta situação!
No entanto, para chegar a esta conclusão, qualquer pessoa que esteja a estudar estas questões tem obrigação de se inteirar dos problemas do ambiente, analisar todos os vectores no sentido de alcançar uma verdade que seja a mais global possível e não uma verdade sectorizada, como querem os Srs. Deputados da oposição, neste caso particular o Sr. Deputado do Partido Socialista.
Quanto ao prémio literário, tenho a dizer-lhe que não estou interessado nele, até porque sou engenheiro e, como sabe, os engenheiros têm pouco jeito para isso.
Quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado Manuel Queiró, tenho muito gosto em responder-lhe, porque se tratam de questões colocadas com inteligência e respeito e revelam que analisou este relatório com profundidade.

Página 258

258 I SÉRIE - NÚMERO 9

Quando no relatório se fala em consequências, designadamente as que constam do título «Consequências em termos de stock de peixe», elas já traduzem em si próprias as que o Sr. Deputado classificou de consequências ecológicas, que não se especificam neste relatório. Com efeito, o título que referi tem a ver com a ecologia. Trata-se, apenas, de uma questão formal, de um pequeno lapso, se assim o quiser entender, e não tenho problema algum em aceitar a crítica, que, penso, o Sr. Deputado compreenderá.
De facto, este relatório, na sua globalidade, traduz mesmo isso. Isto é, começou por analisar todos os factos, que não foram refutados pela grande maioria dos Deputados presentes, do PS, do PCP, de Os Verdes e do PSD, e depois passou para a fase de análise das consequências. E as quatro forças presentes na Comissão chegaram à conclusão de que essas consequências, depois de muito debatidas, ficariam bem dentro de três subtítulos: consequências económicas, para a saúde pública e em termos de stock de peixe. Penso que isto é apenas uma questão formal. De resto, o relatório abarcou toda a situação do desastre ocorrido na barragem do Maranhão.

O Sr. Armando Vara (PS): - Ficava bem! Boa resposta!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Fernando Condesso, as alterações ao Regimento ainda não foram aprovadas. Gastaria, pois, que me dissesse ao abrigo de que figura deseja usar da palavra.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, tendo sido nominalmente citado, pretendo, ao abrigo da figura da defesa da consideração, esclarecer afirmações que não são correctas.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Neste caso, Sr. Deputado, tenho pena que, pelo menos, um artigo do Regimento não esteja já alterado.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, só para esclarecer, direi que, mesmo com a alteração do Regimento, e uma vez que estamos no fim, eu falaria na mesma.
O Sr. Deputado Manuel Queiró não foi claro nas acusações que quis fazer ao relatório e aos problemas que este, na sua perspectiva, levantará, mas vou dizer-lhe quais são: o problema do desastre ecológico, o do funcionamento e de coordenação da comissão de acompanhamento e o do estudo do impacte ambiental. É aqui que as questões se levantam.
Quanto ao desastre, ninguém tem nada que dizer sobre o trabalho da Comissão, porque os factos estão apontados e comprovados, como era notório, aliás, na declaração de voto que eu próprio acabei por, resumidamente, fazer.

Protestos do PCP.

Alguns dos Srs. Deputados da oposição não percebiam o relatório e eu resolvi fazer a síntese.
Quanto ao problema do funcionamento da comissão de acompanhamento, o Sr. Deputado leu apenas uma parte das conclusões, não as leu todas, senão veria que o que lá está é também a comprovação das críticas que se fazem ao problema do funcionamento.
Agora, continuam por resolver, ern face do que a oposição queria, duas questões fundamentais: o problema da coordenação e responsabilização pessoal de quem teria coordenado a comissão de acompanhamento e o problema do estudo de impacte ambiental.
Em relação ao problema da coordenação, concluiria dizendo que havia vários ministérios e entidades privadas que estavam envolvidas neste problema ern concreto. Não tendo havido um despacho conjunto e tendo a comissão «.sofrido» a versão de algumas dessas entidades sobre a quem incumbiria a sua coordenação, mais não poderia fazer do que, em termos globais, dizer que houve falhas na canalização de meios, na programação e na coordenação das entidades públicas e não só que pertenciam à comissão de acompanhamento. Não podemos dizer claramente quem é o titular ou o principal responsável dessa coordenação mas dizemos que houve falhas na coordenação.
Portanto, julgo que em matéria de críticas não podíamos ir mais longe; só numa perspectiva político-partidária de ataque poderiamos dizer que tem a ver com alguém da comissão, alguém do Governo ou da Administração Pública. Mas referir uma pessoa em concreto, isso não poderíamos fazer, porque não houve um despacho conjunto clarificando a situação.
Quanto ao volume de estudos de impacte ambiental...

Protestos do PCP.

Sr. Deputado, essa é uma crítica que têm razão de fazer, mas não podia exigir-se que a comissão de acompanhamento viesse substituir-se a um tribunal, interpretando a lei. O que a comissão diz é aquilo que pode dizer, independentemente da nossa convicção íntima! A maior parte das entidades entenderam que não era aplicável a lei por variadas razoes, outras entendiam que era aplicável. Não há, portanto, um entendimento claro das diferentes entidades e é isso que se conclui, ou seja, não houve um entendimento claro das diferentes entidades e não nos substituímos aos tribunais, dizendo qual é o entendimento, qual a interpretação que entendemos que seria a correcta,...

Protestos do PS e do PCP.

... o que dizemos é que, em face da falta de clareza quanto à interpretação da lei, fazemos o apelo para que a lei venha a ser clarificada.
Srs. Deputados, nessa perspectiva, qualquer que seja a vossa versão e por mais justa, compreensível e justificada que seja, ela não poderia ser vertida no relatório, uma vez que a Comissão não é um tribunal que possa proceder à interpretação de leis.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Fernando Condesso considerou que eu teria sido pouco claro.

O Sr. Armando Vara (PS): - O Sr. Deputado Elói Ribeiro é que foi claro!

O Orador: - Admito que eu o tenha sido e, por isso, vou explicar-lhe mais exactamente o que disse.
O Sr. Deputado considera que uma comissão parlamentar de inquérito sobre um desastre ecológico como este se

Página 259

4 DE NOVEMBRO DE 1992 259

deve a ter principalmente às questões formais de cumprimento das leis?
Esta pergunta estava implícita em tudo o que disse, porque há uma questão central neste problema que me parece que é corripletamente torneada e evitada neste relatório.
O Sr. Deputado entende que a comissão de inquérito não podia dizer, mesmo que haja dúvidas, que não esteja claro na lei, que estas operações não podem decorrer sem estudos e que se devia ter elaborado um estudo, qualquer que ele lasse, necessário para realizar esta oneração e que as entidades a quem compete cuidar desses problemas (de elaborar os estudos, de vigiar pela qualidade do ambiente) deviam ser responsabilizadas pela não elaboração dos estudos necessários?...
O Sr. Deputado disse que eu não fui claro. Repeti o que disse e, já agora, se tiver ocasião de intervir ainda neste debate, gostaria que me explicasse por que é que entende que a Comissão Parlamentar de Inquérito não podia chegar a esta conclusão simples e pedagógica!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, terminámos os nossos trabalhos.
Os projectos de deliberação e resolução que foram apresentados com base neste inquérito serão votados na próxima reunião plenária, que terá lugar na quinta-feira, às 15 horas, com período de antes da ordem do dia e período da ordem do dia. Do período da ordem do dia consta a apreciação da proposta de resolução n.º 16/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António José Caeiro da Motta Veiga.

arlos Alberto Lopes Pereira.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Álvaro Poças Santos.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel da Costa Andrade.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
António Manuel Oliveira Guterres.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
João António Gomes Proença.
Jorge Lacão Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Apolinário Nunes Portada
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Deputado Independente:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Moreira Barbosa de Melo.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Socialista (PS):

Carlos Cardoso Lage.
Helena de Melo Torres Marques.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

Página 260

DIÁRIO

da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

AVISO

Por ordem superior e para constar, comunica-se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da Republica desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

1 - Preço de página para venda avulso, 6$ +IVA; preço por linha de anúncio, 178$ +IVA.

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.

PORTE PAGO

PREÇO DESTE NÚMERO 290$00 (IVA INCLUÍDO 5%)

Toda a correspondência quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República» deve ser dirigida á administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E.P. -Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5 -1099 Lisboa Codex.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×