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Quarta-feira, 18 do Novembro de 1992 I Série - Número 14

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

III REVISÃO CONSTITUCIONAL
REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE NOVEMBRO DE 1992

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José de Almeida Cesário
Belarmino Henriques Correia
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos, de respostas a alguns outros e da ratificação n.º 50/VI.
A Câmara deu assentimento às viagens de carácter oficial do Sr. Presidente da República a Estrasburgo e a Espanha.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Leonor Beleza (PSD) apresentou as conclusões políticas do XVI Congresso do seu partido e respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP) e Narana Coissoró (CDS).
Também em declaração politica, o Sr. Deputado Manuel Alegre (PS) teceu considerações acerca do Congresso do PSD, condenando afirmações do seu presidente. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pacheco Pereira e Silva Marques (PSD).
Finalmente, em declaração politica, o Sr. Deputado Luis Peixoto (PCP) criticou a política de saúde do Governo e referiu-se à demissão do Prof. Machado Caetano da Comissão Nacional de Luta contra a SIDA, tendo depois respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Macário Correia (PSD) - que exerceu também o direito de defesa da consideração Eurico Figueiredo e Ferraz de Abreu (PS).
A Câmara aprovou o voto n.º 43/VI, de homenagem ao engenheira Duarte Pacheco pela passagem do 49.º ano do seu falecimento, apresentado pelo PSD.
Ordem do dia. - Foram aprovados quatro pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, um sobre substituição de um Deputado do PSD, dois autorizando dois Deputados a deporem em tribunal e o quarto denegando autorização a um outro.
Após leitura da parte inicial do relatório elaborado pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, procedeu-se à discussão e votação das propostas constantes dos projectos de revisão constitucional n.º 1/VI (PSD), 2/VI (Deputado independente Mário Tomé), 3/VI (PS), 4/VI (PCP), 5/VI (CDS) e 6/VI (PSN) (relativas à alteração do regime referendário, artigos 5.º-A, 7.º, 7.º-A, 15.º, 105.º, 106.º, 164.º, 166.º, 167.º, 168.º, 184.º-A, 200.º, 229.º, 231.º. 284.º e 288.º. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Rui Machete (PSD), Mário Tomé (Indep.), Almeida Santos (PS), João Amaral (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Manuel Sérgio (PSN), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Alberto Costa (PS), Isabel Castro (Os Verdes), António Filipe (PCP), Costa Andrade (PSD), Luís Nobre (PSD), José Magalhães (PS). Guilherme Silva (PSD), Guilherme Oliveira Martins e Jorge Lacão (PS), Luís Pais de Sousa e Mário Maciel (PSD) e Martins Goulart (PS).
Produziram ainda declaração de voto os Srs. Deputados Costa Andrade (PSD), Almeida Santos (PS), Octávio Teixeira (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Manuel Sérgio (PSN) e Mário Tomé (Indep.).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves,
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata Silva.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrígues Martins.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrígues da Fonseca.
João José da Silva Maças.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregaria Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Sousa e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.

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António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luis Santos da Costa.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Ribeiro Marques da Silva.
Artur Rodrígues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Edite de Fátima dos Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luis Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Meneses Ferreira.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrígues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
João Carias da Silva Pinho.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputados independentes:
Mário António Baptista Tomé.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deu entrada na Mesa, e foi admitida, a ratificação n.º 50/VI - Decreto-Lei n.º 247/92, de 7 de Novembro, que racionaliza o emprego dos recursos humanos da Administração Pública (PCP).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Filipe Abreu, Carlos Luís, Apolónia Teixeira e Leonor Coutinho; ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Macário Correia, Crisóstomo Teixeira e Apolónia Teixeira; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados José Calçada, António Filipe e Carlos Lage; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Manuel dos Santos e José Calçada; ao Ministério da Indústria e da Energia, formulado pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Lage; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados João Granja, Macário Correia e José Calçada; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Jerónimo de Sousa e Mário Tomé; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Mário Tomé.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Agostinho Lopes, na sessão de 19 de Dezembro; Fernando Santos Pereira, na sessão de 9 de Janeiro; Luís Sá, nas sessões de 9 de Janeiro e 25 de Fevereiro; Raul Castro, na sessão de 21 de Abril; António Martinho, na sessão de 12 de Maio; Vítor Ranita, na sessão de 21 de Maio; Laurentino Dias, na sessão de 22 de Maio; Rosa Albernaz, na sessão de 28 de Maio; João Rui de Almeida, na sessão de 4 de Junho; Cerqueira de Oliveira, na sessão de 17 de Junho; Miranda Calha, na sessão de 2 de Julho; Lourdes Hespanhol, na sessão de 8 de Julho; João Amaral, na sessão de 14 de Julho; Lino de Carvalho, na sessão de 14 de Julho; Macário Correia, nas sessões de 15 de Julho e dia 30 de Setembro; João Carlos Pinho e João Carlos Duarte, na sessão de 15 de Julho; Rui Cunha, na sessão de 31 de Julho; José Apolinário, no dia 4 de Agosto; Caio Roque, no dia 24 de Setembro; Guilherme Oliveira Martins, no dia 30 de Setembro.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, recebi duas cartas do Sr. Presidente da República, que vou ler.
A primeira data de 6 de Novembro último e refere o seguinte:
Estando prevista a minha deslocação a Estrasburgo, em visita oficial, entre os dias 17 e 19 do corrente mês de Novembro, para a cerimónia de entrega do prémio europeu para a informação sobre o meio ambiente, Ma Région, Ma Planète, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.

A outra carta tem o seguinte teor:

Estando prevista a minha deslocação a Espanha, nos dias 27 e 28 do corrente mês de Novembro, para receber o grau de doutor honoris causa pela Universidade de Santiago de Compostela, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea h), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.
Estas duas cartas foram objecto de um parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, que vai ser lido pelo Sr. Secretário da Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O parecer e proposta de resolução é do seguinte teor.
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar, em viagem de carácter oficial, a Estrasburgo e a Espanha, entre os dias 17 e 19 e 27 e 28 do corrente mês de Novembro, respectivamente, apresenta ao Plenário da Assembleia da República a seguinte proposta de resolução:
Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República a Estrasburgo e a Espanha, entre os dias 17 e 19 e 27 e 28 do comente mês de Novembro, respectivamente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos iniciar o período de antes da ordem do dia de hoje dedicado a declarações políticas.
Para esse efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputadas: O Porto acolheu, no passado fim-de-semana, o XVI Congresso Nacional do Partido Social-Democrata.
É tradição desta Casa que, no termo de cada congresso partidário, aqui sejam apresentadas as principais conclusões políticas nele aprovadas.
O XVI Congresso Nacional do Partido Social-Democrata reuniu sob o lema «Novos horizontes/Novos desafios».
De facto, ele aprovou uma substancial alteração do programa do partido, importantes modificações dos seus estatutos e uma estratégia destinada a orientar a nossa conduta até meados de 1994.
Verificou-se também a substituição de cerca de 50 % dos dirigentes nacionais do partido.
A actualização do programa partidário culminou uma longa e participada elaboração iniciada em 1988 e que envolveu, além das bases e das estruturas locais do partido, incontáveis contribuições individuais e reuniões realizadas por todo o País, um número apreciável de independentes, com relevo para as jornadas de reflexão de Sintra e do Porto, efectuadas em 1990.
O repositório utilizado para a elaboração do texto final decifra-se em milhares de páginas que atestam a riqueza dos debates, a diversidade das contribuições e o louvável trabalho de quem redigiu.
Nos seus traços essenciais, o programa agora actualizado permanece fiel às linhas de força que deram vida ao programa do então Partido Popular Democrático, aprovado em Novembro de 1974: a salvaguarda intransigente da identidade nacional, a opção pela social-democracia, a defesa do reformismo como forma de modernização da sociedade portuguesa, a conjugação da liberdade com a igualdade e solidariedade e a prevalência, em qualquer circunstância, da dignidade da pessoa humana.
É, além do mais, justo que assim seja!
Primeiro, porque foi à luz desse programa que se afirmou e radicou o PPD/PSD.
Segundo, porque hoje, como então, continuamos a considerar a social-democracia como a solução ideológica concreta para Portugal.
Terceiro, porque aqueles princípios acabaram por merecer a adesão generalizada de milhões de portugueses (e até de formações políticas que, há 18 anos, recusavam liminarmente a bondade da social-democracia para Portugal).

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Como todos sabemos, a política deve respeitar os princípios mas pode ajustar as suas concretizações às transformações económicas, sociais, culturais e políticas das comunidades em que se exercita.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Entretanto, como mudaram o mundo e Portugal nos últimos 18 anos!...
A bipolarização pós-Ialta morreu com a implosão do império soviético. Novas democracias nascem na Europa, mas, também, um pouco por toda a parte, nacionalismos, fundamentalismos, neo-racismos e xenofobias de toda a sorte colocam novos desafios à comunidade internacional.
A somar as desigualdades, em muitos casos agravadas entre os países do desperdício e os países da miséria, colocam-se problemas diferentes ou despertam uma compreensão diferente dos mesmos problemas ern domínios como o ambiente, os fenómenos urbanos, as técnicas de comunicação, a bioética, o papel dos jovens e o destino da terceira e quarta idades.
Portugal passou, entre 1974 e 1976, por um surto revolucionário que chegou a marcar decisivamente a feitura

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da Constituição da República Portuguesa, mas de cujos excessos de pendor totalitário já só restam escassas reminiscências neste Hemiciclo.
Na mesma fase processou-se a descolonização, que nem pelo facto de ter sido a possível deixou de marcar os destinos das sociedades envolvidas.
Entre 1976 e 1982, o País institucionalizou a democracia, sem tutelas militares, afeiçoou o Estado de direito e sentiu a crescente necessidade da estabilidade política.
Entre 1982 e 1989 consensualizou-se o regime económico e deram-se os passos determinantes em termos da adesão de Portugal às Comunidades Europeias.
Desde 1987 que os Portugueses optaram por maiorias parlamentares de um só partido, assim consolidando a base política para as transformações económicas e sociais.
Em suma, depois da instabilidade revolucionária e do ciclo da estabilização politica, vivemos hoje o ciclo do desenvolvimento económico e social.
A actualização do programa encara esta nova realidade, concedendo relevo mais amplo a temas cruciais, como a igualdade entre cidadãos, o acesso à educação, à saúde e à segurança social, a evolução tecnológica e científica, os problemas do ambiente, da qualidade de vida, da urbanização, da marginalização social e da solidão, da utilização abusiva do espaço e do direito à diferença.
Mas também equaciona a profunda renovação na Administração Pública, a importância da concertação social, a prioridade da ligação entre língua, cultura, educação e ciência, o desafio europeu e a necessidade instante de nunca sacrificar à construção europeia a identidade nacional e a essência da nossa independência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O programa do PPD/PSD não é nem um programa neutro nem um programa tecnocrático. Obedece aos mesmos princípios de sempre. Rejeita o liberalismo, bem como o colectivismo; sublinha os valores do Estado de direito, desenvolvendo os novos direitos, liberdades e garantias e as novas e urgentes modalidades de participação dos cidadãos e da sociedade civil, bem como reafirmando a inspiração personalista que o enforma e dá razão de ser ao nosso partido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Ao votarmos este programa actualizado, sentimos que, para além de respondermos a uma exigência dos novos horizontes da sociedade portuguesa, homenageamos aquele que foi e será sempre o primeiro de todos nós: Francisco Sá Carneiro!

Aplausos do PSD.

Os estatutos do PPD/PSD foram também alterados para permitir reajustamentos de funcionamento essenciais para um partido que se aproxima dos 140 000 militantes.
Outra preocupação cimeira foi a da renovação dos dirigentes locais do PSD, isto é, daqueles que não são eleitos em congresso representativo da realidade nacional do partido.
Foi acolhido o princípio da limitação a três mandatos. O congresso, soberano, votou que esse princípio apenas se aplicasse para o futuro.
Assim se revelou, uma vez mais, a vitalidade de um partido democrático que não tem medo das inovações e aceita a liberdade e o pluralismo internos, sem pruridos de com isso estar a concordar ou discordar da sua própria direcção nacional.

Aplausos do PSD.

Correspondendo às modificações estatutárias introduzidas, processou-se a uma muito substancial renovação dos titulares dos órgãos nacionais do partido.
Nós sabemos que um dos desportos favoritos ern Portugal é o de especular acerca de quem ganha ou quem perde nos congressos do PSD. Isso é sinal de que, à míngua de outros protagonistas políticos, o PSD absorve as atenções da generalidade dos observadores.
Para corresponder a essa obsessão especulativa que sempre acompanha os nossos congressos diríamos que os nomes sufragados no Porto revelam a conciliação entre a unidade no essencial e a diversidade em tudo o mais. Unidade quanto aos princípios programáticos e estratégicos e à liderança partidária e governamental do Prof. Cavaco Silva; diversidade de origens regionais e sociais, de formação, de carreira, de percurso político e de liberdade permanente no julgamento das coisas e dos homens.
Particular relevância política assume a estratégia aprovada para os próximos dois anos.
Não vou, obviamente, poupar a quem me ouve o prazer da leitura da moção vencedora.
No entanto, passo a citar, sem qualquer intenção de os hierarquizar, os traços porventura mais significativos que foram equacionados.
Em primeiro lugar, referirei o empenho no processo de construção da união europeia, envolvendo a ratificação do Tratado de Maastricht, a salvaguarda da identidade nacional, os esforços no sentido do alargamento da Comunidade (este no respeito pelos princípios já adquiridos e pela coesão interna), a melhoria do funcionamento institucional e a afirmação do primado democrático da vontade dos povos e dos cidadãos.
A segunda questão diz respeito à necessidade de prosseguir e, mesmo, de acelerar a mudança na sociedade portuguesa, olhando sempre ao essencial, com frontalidade, com insatisfação, vencendo resistências e bloqueios, tabus e preconceitos, complexos e inibições, com o objectivo de assegurar aos Portugueses condições de vida idênticas às dos demais povos europeus comunitários, com mais liberdade mas também com mais igualdade e em clima de desenvolvimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O terceiro traço significativo respeita à exigência de maior veracidade e transparência na vida política portuguesa, que passa pela revisão do sistema eleitoral, pela aproximação entre eleitos e eleitores, pela clarificação do sistema de governo local e pela consagração dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Todas estas modificações não podem ignorar que as novas fronteiras da Nação Portuguesa, mais do que geográficas, são culturais, pelo que é inaceitável a marginalização político-eleitoral dos nossos compatriotas residentes no estrangeiro no tocante a qualquer acto eleitoral nacional, a começar pela eleição do representante supremo de todos os portugueses.

Aplausos do PSD.

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Neste ponto, seremos intransigentes e dele faremos depender os consensos com a oposição sobre a revisão das leis eleitorais.
Ern quarto lugar, foi reafirmado o conteúdo do compromisso assumido pelo PSD no seu XV Congresso, realizado em 1990, relativamente às eleições presidenciais de 1991 e ao segundo mandato do Sr. Presidente da República. Em 1990, reconhecíamos que «a acção presidencial tem sido convergente com a do Governo nas questões e opções essenciais para os interesses do País» e que o PSD «não exigiria nem esperaria de outrem, ainda que originariamente pudessem estar politicamente mais próximos de si, comportamento relevantemente diferente daquele que vem sendo assumido pelo actual Presidente». Mas acrescentava: «Entende o PSD que deve assumir, de forma transparente e clara, um compromisso directo com os Portugueses sobre as razões em que assenta a sua decisão.»
E depois segue-se a enumeração dessas razões, que passo a ler.

a) O Presidente da República deve ser o garante do regular funcionamento das instituições democráticas e desenvolver uma colaboração activa com o Parlamento e com o Governo, sem interferir nas suas competências, respeitando escrupulosamente a Constituição;
b) O Presidente da República deve ser um elemento estabilizador da vida política portuguesa, ajudando a criar condições de estabilidade politica, paz social e concórdia nacional;
c) O Presidente da República deve favorecer soluções políticas estáveis e empenhar-se no desenvolvimento de um clima de confiança que permita o investimento, que estimule o trabalho, a criatividade e o espírito empresarial;
d) O Presidente da República deve ter uma conduta marcada pela isenção e independência em relação às diferentes forças político-partidárias;
e) O Presidente da República deve contribuir para o reforço da solidariedade nacional e social;
f) O Presidente da República não deve ser um contrapoder relativamente ao Governo, garantindo-lhe antes a solidariedade institucional e favorecendo a criação de condições que estimulem o desenvolvimento, o progresso e a modernidade.
Pela simples evocação deste compromisso se compreenderá como é injustificada a dramatização com que alguns encararam a estratégia aprovada no Porto. O PSD limitou-se a reafirmar o que aprovara em 1990, bem como a chamar a atenção para o facto de que se considera livre de criticar o Sr. Presidente da República sempre que ele se afastar dos pressupostos em que baseou a sua atitude.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Como é evidente, o Sr. Presidente da República é livre de interpretar como bem entenda o mandato que recebeu do povo português. Mas, democraticamente, será o primeiro a compreender que igualmente livres somos nós, sociais-democratas, em criticar a sua actuação à luz de uma estratégia que, ainda por cima, é pública e notória desde antes da reeleição ern 1991.
Nós não mudámos!
Desejo ainda referir um quinto ponto. Trata-se do lançamento de uma reflexão e um debate acerca do papel dos diversos sistemas de fiscalização do poder político em Portugal, desde a fiscalização jurídica a cargo dos tribunais, com a colaboração do Ministério Público, até à fiscalização jurídico-financeira do Tribunal de Contas e à fiscalização jurídico-administrativa do Provedor de Justiça. Trata-se da questão que está boje na ordem do dia em todas as democracias europeias. Nelas se debate até onde pode ir a função não deliberativa do Ombudsman; nelas se equaciona que estatuto deve ter o Ministério Público, que pertence à Administração Pública ao representar o Estado-Administração no nosso país onde não há advogados do Estado, e que, ao mesmo tempo, é uma magistratura com autonomia, embora sem independência constitucional; nelas, nas democracias europeias, debatem-se também as excelências e os limites das competências dos Tribunais de Contas, nomeadamente quanto à fiscalização prévia e quanto aos juízos de natureza económica e financeira sobre a actividade administrativa.
Igualmente actuais são as reflexões sobre a politização dos juízes ou o «governo dos juízes», nomeadamente constitucionais, e a compatibilização entre o autogoverno judicial e a legitimidade democrático-eleitoral subjacente aos órgãos fiscalizados.
Sobre tudo isto o PSD entende ser oportuna uma reflexão, também em Portugal, limitando-se a lembrar o que resulta claramente da Constituição e que é tão simples quanto isto: só a Assembleia da República dispõe de poderes, assentes na sua peculiar legitimidade, para atribuir e retirar confiança política ao Governo. E lançamos tal debate com a autoridade que nos confere termos sempre tomado a iniciativa nas questões de regime, em que, as mais das vezes, veio a reconhecer-se-nos razão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputadas: Antes de terminar, não quero iludir uma questão que periodicamente apaixona os analistas políticos e, quiçá mesmo, as oposições nesta Casa. Trata-se da miragem de que o PSD, num gesto suicidário, antecipasse decisões em matéria de eleições presidenciais quando dispõe de um mandato maioritário para governar Portugal até 1995. Até todas as últimas sondagens, publicadas antes e depois do Congresso, confirmam a manutenção da mesma orientação por parte do eleitorado. Nós não queimamos etapas e, tal como milhões de portugueses, consideramos efectivamente muito positiva a actuação do Governo presidido pelo Prof. Cavaco Silva.
E, ao dizermos isto, não estamos nem a repetir uma figura de retórica nem a endeusar ninguém; o PSD é um partido que, desde sempre, reivindicou a livre opinião e o pluralismo, que sabe romper quando é indispensável, bem como renovar-se quando conveniente, e que não tem complexos em matéria de estabilidade e de lideranças fortes e frontais.
Terminado o Congresso do Porto, nós, Deputados sociais-democratas, prosseguiremos o cumprimento do nosso mandato perante os Portugueses. Sem alardes nem exibicionismos, mas com a serena convicção de que, por muitos anos, o PSD continuará a mudar a face de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Deputada Leonor Beleza julgo que o Congresso do seu partido, que se rea-

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lizou no passado fim-de-semana, mereceria uma análise mais profunda que um pedido de esclarecimento não permite, devido à sua limitação de tempo. Gostaria, no entanto, de lhe colocar duas ou três questões sobre o assunto. Referiu a Sr.ª Deputada que a questão dos congressos do PSD não se pode colocar em termos de quem venceu e quem perdeu, o que também pouco nos interessa, quando se trata de pessoas. A primeira questão que lhe coloco é a de saber se não houve um grande perdedor neste Congresso, que foi o processo de regionalização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A posição assumida pelo partido de V. Ex.ª de, mais uma vez, rejeitar a hipótese de regionalização em Portugal constitui, de facto, uma derrota para os interesses do desenvolvimento da democracia em Portugal e para os interesses das populações, que há muito clamam pela regionalização.
Na sua intervenção, a Sr.ª Deputada, não sei se por acaso, passou por cima de uma questão que, do meu ponto de vista, foi importante no Congresso do PSD. Refiro-me à declaração do presidente do PSD que tem a ver com a acusação de bloqueio a toda e qualquer força que se lhe oponha. O PSD mais uma vez dá mostras, no seu Congresso, de que não aceita críticas nem oposição. Tudo o que se opõe ao PSD é classificado de «bloqueio» ou de «conservador». Não há lugar, por parte do PSD, à aceitação do diálogo nem de propostas diferenciadas.
Na nossa opinião, quem neste momento está a bloquear o País é o PSD e o Governo. Não são as forças que se lhe opõem que bloqueiam a actividade do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o PSD, no seu Congresso, manifestou de forma muito clara que, para além de não aceitar oposição e de conviver mal com oposições, não aceita as próprias instituições, que têm por obrigação constitucional fiscalizar o Governo. Os ataques descabelados permita-me a expressão - que foram dirigidos, designadamente, ao Tribunal Constitucional, ao Tribunal de Contas e à Procuradoria-Geral da República mostram que o PSD não está disponível e não aceita nem consegue conviver com a democracia tal qual ela está inscrita no nosso regime.
É sobre estas questões que gostaria de ouvir o comentário da Sr.ª Deputada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Deputada Leonor Beleza, como é da praxe, compete-me também, em nome do meu grupo parlamentar e do meu partido, apresentar aos novos dirigentes saídos do recente Congresso os nossos melhores votos de felicitações e de progresso, não obstante o presidente do seu partido ter feito uma referência assaz deselegante e errónea sobre a natureza do CDS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não ocuparei muito tempo nas respostas que pretendo dar.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira não terá possivelmente lido o programa actualizado do PSD, o texto mais importante que foi aprovado no nosso Congresso, onde estão incluídas a referência ao processo de regionalização e a manifestação da vontade do partido de avançar com ele. Acontece ainda que a questão da regionalização foi efectivamente discutida, com toda a liberdade, no Congresso.
Compreenderá, todavia, o Sr. Deputado que num partido como o meu haja militantes que são a favor e outros contra essa e muitas outras questões. Há no interior do partido uma inteira liberdade de expressão, que passa seguramente pela discussão interna de todas as questões importantes, incluindo a da regionalização. O Sr. Deputado terá porventura esquecido, ou não terá lido, o programa do partido onde a questão está consagrada. Não faz, pois, sentido dizer que no Congresso o partido abandonou seja o que for de orientações em relação a essa matéria.
Quanto à segunda questão suscitada pelo Sr. Deputado, faz-me ainda alguma espécie - confesso - que provenha da sua bancada a acusação à minha de que o meu partido não aceita a democracia. Mas, já que o Sr. Deputado quis dizer que o PSD acusa indiscriminadamente a oposição de bloqueio e que é incapaz de aceitar a oposição ou seja o que for que venha de fora, lembro-lhe só o seguinte: que partido no poder, até hoje, praticou nos factos, que não apenas nas palavras, a concertação social? Não vejo nenhuma outra matéria em que tão evidentemente as suas palavras sejam desditas como é a manifesta capacidade de o PSD, no poder, dialogar com as outras forças e com os parceiros sociais e obter acordos que até hoje nunca ninguém tinha conseguido obter, fundamentais para o desenvolvimento do nosso país, em paz.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em relação, por outro lado, às críticas que quer dirigir ao PSD, os eleitores têm-lhes dado a resposta mais evidente. Parece-me que, ao lado do que têm sido as atitudes dos eleitores, nada eu poderia dizer de mais forte ou convincente quanto ao infundado da atitude que o Sr. Deputado do Partido Comunista quer ver no PSD, estranhando - repito - que seja da sua bancada que acusações de falta de democracia se dirijam à minha.
Por último, agradeço muito ao Sr. Deputado Narana Coissoró os cumprimentos que dirigiu aos novos órgãos eleitos do meu partido.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome da minha bancada, cumprimento os novos dirigentes do PSD eleitos em congresso e desejo-lhes as maiores felicidades no exercício dos seus cargos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Congresso do PSD foi um congresso de pompa e circunstância, uma liturgia do conformismo. Por ele perpassou pela primeira vez o reconhecimento de uma situação de crise. Mas nem uma ideia, nem uma inovação, nem uma resposta. Gostaríamos de saber em que tradição ou autor social-democrata se

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inspira o novo programa. Não foi, com certeza, na tradição e cultura da social-democracia europeia.
O Congresso do PSD primou pela negativa. Dir-se-ia que o PSD só sabe afirmar a sua identidade pondo em causa a identidade dos outros. Em vez de uma afirmação própria, optou pela negação dos outros e por uma estratégia de oposição à oposição.
É uma estratégia recorrente no PSD. Sempre que as dificuldades se avolumam, sempre que uma crise se avizinha e a realidade desmente a ficção e o oásis, o PSD inicia um processo de autodesculpabilização que é, ao mesmo tempo, um processo de fabricação de um inimigo. Foi, em tempos, o Conselho da Revolução, depois Ramalho Eanes (com quem, aliás, já anda de braço dado), mais tarde (ou sempre) a Constituição e a ausência de uma maioria. Agora, segundo o discurso que o presidente do PSD fez no Congresso, são «as forças do bloqueio».
E que forças são essas? As «forças do bloqueio» são, para Cavaco Silva, as outras: as que não são o seu partido, nem o seu poder, nem o seu governo, as que dele não dependem nem por ele podem ser controladas, as que garantem o equilíbrio e separação de poderes, as que são a própria essência da democracia.

Aplausos do PS.

«Forças do bloqueio»; algo assim como as forças do mal. O Tribunal Constitucional - eis uma força do bloqueio. O Tribunal de Contas - outra. O Procurador-Geral da República - outra ainda.
A Assembleia da República podia sê-lo. Só o não é porque nela o PSD detém a maioria absoluta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas para o presidente do PSD a suprema força do bloqueio (ou do mal) é o Presidente da República. É ele quem, através do exercício dos seus direitos constitucionais, como, por exemplo, algumas vezes, não muitas, o direito de veto, estimula (segundo o Primeiro-Ministro) os contrapoderes e bloqueia a acção do Governo.
Trata-se de um discurso que indicia um projecto de poder hegemónico alicerçado na descaracterização do regime democrático. É o discurso da governamentalização total da vida política nacional. É o discurso da sagração do Primeiro-Ministro e da diabolização de todos os outros órgãos e poderes. É o discurso ideológico do homem providencial sobrepondo-se a tudo e a todos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É nesse sentido o discurso do arcaísmo contra a cultura política da modernidade, que aponta cada vez mais, na Europa e na América, para a partilha e distribuição dos poderes.

Aplausos do PS.

É, por isso, um discurso grave e perigoso, portador de uma estratégia que o Partido Socialista não pode deixar de denunciar e combater.
Disse o Primeiro-Ministro que o PSD viabilizou a candidatura de Mário Soares. É falso! Na primeira candidatura de Mário Soares, o PSD apoiou um candidato que foi derrotado e que depois abandonou. O vencido não foi apenas Freitas do Amaral. O vencido foi também Cavaco Silva.

Aplausos do PS.

Na segunda candidatura, o PSD não teve a coragem de apresentar um candidato próprio, porque sabia de antemão que seria derrotado. Para não perder por falta de comparência, colou-se à candidatura de Mário Soares.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Afirma o Primeiro-Ministro que o Presidente da República saiu dos pressupostos de viabilização da sua candidatura.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - É verdade!

O Orador: - A verdade é que Mário Soares nunca negociou os pressupostos políticos da sua candidatura. Disse claramente que era socialista, republicano e laico e não negociou com o PSD, nem com Cavaco Silva, nem com ninguém.

Aplausos do PS.

Declarou o Primeiro-Ministro que a promulgação das leis é um acto responsável que não pode ser exercido segundo «o alarido dos interesses».
Depois de, através da sua maioria, ter em parte transformado o Parlamento numa caixa de ressonância do Governo, o Primeiro-Ministro gostaria de encerrar o Presidente numa redoma e de interferir na sua liberdade de decisão. A verdade é que é o Primeiro-Ministro que responde perante o Presidente da República, e não o contrário. Ou será que o Sr. Primeiro-Ministro quer virar o regime do avesso?
Esta é a grande questão, uma questão política e institucional, que o PSD e o seu presidente devem esclarecer, sob pena de se resvalar para um progressivo desvirtuamento da natureza e do funcionamento do regime.
O País tem de saber se a cultura de maioria, que parece imperar no PSD, vai ao ponto de excluir todos os poderes e contrapoderes, toda a fiscalização democrática, toda a autonomia e toda a diferença.
Felipe Gonzalez, que o PSD por vezes gosta de citar, alertou recentemente o seu próprio partido para os riscos redutores de uma cultura de maioria. Esses são os riscos contidos no discurso que o Primeiro-Ministro fez no Congresso do seu partido. Os riscos de uma cultura de maioria que traz consigo uma lógica de empobrecimento e descaracterização da democracia.
Acresce que o Primeiro-Ministro teve o mau gosto de atacar o Presidente da República no momento ern que este lhe manifestava pública solidariedade relativamente às acusações, que nós igualmente repudiamos, de Jonas Savimbi.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Presidente da República tem sabido salvaguardar a separação de poderes e preservar a solidariedade institucional, mesmo quando o Governo, como no caso da política externa, ostensivamente o marginaliza.
Resta a questão do veto da lei dos feriados, também ele considerado como bloqueador do que seria uma medi-

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da de modernização. O Presidente da República não fez mais do que interpretar um sentimento em relação ao qual o Governo revelou uma total insensibilidade. Na verdade, só por insensibilidade se pode propor uma alteração de datas históricas que ofende, simultaneamente, a Pátria, a República, a Uberdade e os sentimentos religiosos da grande maioria dos portugueses.

Aplausos do PS.

Por este andar, ainda acaba por se celebrar o dia 25 de Abril no dia 24, a passagem do ano no dia 2 de Janeiro e, como disse o meu camarada António Guterres, a Páscoa na Sexta-Feira Santa.
São os mesmos critérios economicistas que estão a desumanizar a política de saúde e levaram à demissão do Prof. Machado Caetano. É o primado da contabilidade contra a cultura, contra a história, contra um conceito humanista da política.
O discurso do Primeiro-Ministro tem de ser visto também como uma manobra de diversão. É mais uma tentativa de desviar a atenção dos Portugueses dos seus problemas fundamentais. Basta ler, como assinalava um articulista, os títulos de um qualquer suplemento económico: a queda do rendimento médio dos agricultores, a recessão na indústria, a situação dramática nos têxteis, no calçado, na construção, a crise da saúde, da habitação, da educação.
O problema do País - disse o Primeiro-Ministro - é o problema do desenvolvimento. Pois é. É o problema de um modelo de desenvolvimento que não traga consigo a exclusão de novos-ricos, novos-pobres e novas desigualdades.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O problema do País não é certamente o da existência de poderes a mais. É o do risco de, com tal discurso e tal estratégia, ficar com poderes a menos.
Tal não sucederá por via de revisão constitucional. E o que por certo incomoda o Primeiro-Ministro é a consciência de que tal não será nunca possível enquanto na Presidência da República estiver um homem cuja biografia se confunde em grande parte com a própria história da luta pela democracia em Portugal.

Aplausos do PS, de pé, e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, julgo que há vantagem em discutir estas questões com alguma frieza, porque elas remetem para problemas do nosso sistema político e constitucional e também para a prática dos agentes políticos.
Em primeiro lugar, quero dizer que não temos uma cultura de maioria, temos uma cultura de governo - e o Sr. Deputado faz confusão entre as duas - porque, de facto, elas são fundamentalmente distintas. Nós temas responsabilidades de governação e, portanto, defrontámos problemas que, provavelmente, hoje, a oposição não defronta.
Mas a oposição deveria, ela própria, ter uma cultura de governo, porque se é pressuposto que pretende governar deveria também defrontar os problemas da governação e partilhar connosco das dificuldades de governar um país em que não há tradição de reformas, um país em que há inércias e também interesses instalados que obviamente o Governo defronta na primeira linha.
Em relação à substância da sua intervenção, quero dizer-lhe que, em primeiro lugar, referiu uma tese, que é comum, que é a tese do bode expiatório e que antigamente era o Conselho da Revolução, depois era o Sr. General Ramalho Eanes e hoje são as forças do bloqueio.
Esta enunciação é interessante, porque eu pressupunha que o PS também não gostava da existência de um órgão como o Conselho da Revolução, e tê-lo-ia combatido, no passado, porque numa democracia ocidental estabilizada não tem sentido existirem órgãos cuja legitimidade não seja a democrática.
Portanto, julgava eu que o PS também partilhava connosco da denegação do papel do Conselho da Revolução, particularmente depois dos acontecimentos de 1974 e das críticas que o Dr. Mário Soares fez, muitas vezes, ao Sr. General Ramalho Eanes, críticas essas que são muito importantes para percebermos o problema e o debate da função presidencial.
Aliás, foi exactamente o Dr. Mário Soares que melhor precisou as dificuldades que uma actuação presidencial criava para um governo, que ia muito para além do exercício da mera função presidencial.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E para criticar algumas das atitudes do Sr. Presidente da República não preciso mais do que as suas próprias palavras contra o general Ramalho Eanes.
O PS disse que não houve pressupostos quanto ao apoio do PSD à candidatura do Dr. Mário Soares. Não houve negociação - estamos de acordo - e não houve qualquer espécie de acordo, no sentido formal do termo, mas a verdade é que o PS disse claramente quais eram os pressupostas com que apoiava a candidatura do Sr. Presidente da República que nunca nos disse, nem durante o período da candidatura, que não os aceitava.
Portanto, quer queira quer não, há aqui um acordo e um entendimento de boa fé. O Sr. Presidente da República nunca disse, e podia ter dito...

Protestos do PS.

Sei que vos custa lembrar este assunto.
Como estava a dizer, nada impedia o Sr. Presidente da República de ter dito: «No meu entendimento, os pressupostos com que os senhores me estão a apoiar são inaceitáveis.» Mas não disse. Pelo contrário, disse, claramente, face a críticas vindas da oposição e do vosso lado, que não mudava nem um milímetro o entendimento que tinha das funções presidenciais entre o primeiro e o segundo mandatos, contrariamente ao que os senhores estavam a dizer.

Aplausos do PSD.

E mais, disse, sem dúvida, que ele próprio era socialista, republicano e laico, e que as suas opções políticas particulares não implicavam em nada com o entendimento que ele tinha do exercício das suas funções constitucionais como Presidente da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Disse ainda que a sua interpretaçâo dessas funções devia ser entendida como «restritiva» (o termo é dele), ou seja, ele próprio interpretava o exercício das funções presidenciais não num sentido lato, mas, sim, num sentido restrito e, várias vezes, deu exemplos de como é que entendia esse sentido restrito. Por exemplo, disse ele - referindo-se ao Sr. Presidente da República anterior, e muito explicitamente - que considerava errado que o Sr. Presidente da República exprimisse sucessivas opiniões sobre governação, porque isso só iria causar «dificuldades ao Governo». Disse-o explicitamente!

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Disse várias vezes que uma coisa era o entendimento das suas funções constitucionais como garante da Constituição, que ninguém põe em causa.
Deve ficar claro que, em relação ao Sr. Presidente da República, ao Tribunal de Contas e ao Tribunal Constitucional, ninguém põe em causa o pleno exercício das funções desses órgãos. O que se põe em causa não é o exercício dessas funções, é, no caso do Sr. Presidente da República, aquilo que ele próprio pôs em causa quando criticou o seu antecessor.
Sobre essa matéria, estamos no terreno firme das palavras do Sr. Presidente da República, e quando nos referimos à existência de pressupostos claros na sua recandidatura, esses pressupostos não são as nossas palavras, mas as do Sr. Presidente da República.
Para terminar, devo dizer que ouço os Srs. Deputados falar, muitas vezes, em contrapoderes, expressão, aliás, que o Sr. Presidente da República explicitamente renegou, dizendo que pretendia não ser nenhum contrapoder e que um mau exercício da função presidencial o colocaria como tal. Ele disse-o claramente num discurso.
Os senhores estão a confundir duas coisas. Não podemos admitir que, a pretexto de equilíbrio e de exercício de contrapoderes, os que os senhores querem equilibrar é o resultado eleitoral e o que os senhores querem que funcione como contrapoder é a vontade das Portugueses.
Não admitimos que o exercício normal e legítimo dos órgãos de soberania possa ser utilizado para colocar o PSD, a quem o eleitorado deu 51 %, com 49 %!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, uma vez que está inscrito um outro Sr. Deputado para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, estamos sempre abertos a uma reflexão sobre a prática dos agentes políticos, desde que essa reflexão conduza a um aperfeiçoamento da democracia. Não estamos abertos a propostas de solução que levem a uma alteração qualitativa da natureza do regime e do funcionamento da democracia.
O Sr. Deputado disse que têm uma «cultura de governo»; nós entendemos que têm fundamentalmente uma cultura de poder e que o discurso que foi feito no vosso
Congresso aponta para uma prática de poder, uma prática governamentalista, com subordinação de todos os outros poderes e de todos os outros órgãos de soberania.
É uma estratégia de governamentalização, de presidencialização da figura do Primeiro-Ministro e de subordinação dos outros órgãos de soberania.
Quanto à história do «bode expiatório», tivemos uma atitude política que nem sempre coincidiu com a do PSD. Isto é, vimos de maneira diferente o papel do Conselho da Revolução, considerámo-lo legítimo durante o período de transição, mas entendemos sempre que a democracia não devia ser tutelada. Portanto, na revisão constitucional, e em tempo oportuno, votámos favoravelmente a extinção do Conselho da Revolução.
O presidente Ramalho Eanes tinha poderes que o actual Presidente não tem, e o que nós criticámos foi o uso desses poderes, a utilização desses poderes na perspectiva da criação de um poder que se sobrepunha aos poderes saídos dos resultados eleitorais.
O Sr. Deputado Pacheco Pereira é um homem inteligente, mas julgo que utilizou uma via sinuosa para falar da atitude do seu partido relativamente à última candidatura do actual Presidente da República. O PSD ficou a falar sozinho.
Depois de o Primeiro-Ministro ter falado dos tais pressupostos políticos, Mário Soares disse, expressa e claramente, que não negociava com ninguém e que não pedia votos a ninguém.
Portanto, não foi o Presidente da República que mudou, os senhores é que mudaram de atitude e a vossa crítica ao actual Presidente faz parte da próxima campanha para as eleições presidenciais, em que os senhores têm um candidato que não querem nomear.
O Sr. Presidente da República não é um contrapoder, é um órgão de soberania, é um poder. E a vontade dos Portugueses não resulta apenas da votação para a Assembleia da República e para a formação do Governo. A vontade dos Portugueses é o balanço das eleições para a Assembleia da República e para a Presidência da República - e o Presidente da República foi eleito com 70 % dos votos.
É, pois, esse resultado que estabelece a síntese e o equilíbrio da vontade e da soberania popular.
Srs. Deputados, reflexão, sim, mas descaracterização do regime, não!
Entendemos que a democracia é o exercício legítimo do poder, tal como sai das umas, pelo Governo, mas também pelos outros órgãos de soberania; é equilíbrio e separação de poderes; é a partilha de responsabilidades; é a fiscalização democrática e é também a existência dos contrapoderes, que permitem não só a cultura do poder mas uma cultura de abuso do poder.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, em primeiro lugar, os nossos agradecimentos pela sua saudação aos novos órgãos saídos do Congresso do meu partido.
Muito obrigado!
E digo-o sem ironia. Aliás, estou a aplicar o princípio de apelo, feito pelo Sr. Deputado António Guterres há relativamente pouco tempo, com o qual estou incondicionalmente de acordo, quando disse que os democratas do

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nosso país, quanto mais solidamente estiverem de acordo e em paz sobre questões de princípio, mais fácil e descomplexadamente poderão estar ern divergência, que é esse o ponto fundamental relativamente às alternativas do Governo. E devo dizer, caríssimos Deputados socialistas, que considero a boa relação cívica entre os partidos que se opõem um dado de pacto de regime.

Risos do PS.

Por isso, julgo que os vossos risos não tiveram qualquer razão de ser, a não ser que pensem, erradamente, que a política é, necessariamente, hipocrisia, que não é o nosso caso e também tenho a certeza que não é o vosso.
Passemos, pois, ao afrontamento após o pacto de regime.
Sr. Deputado Manuel Alegre, aparentemente, os senhores estão com um problema de ciúme e visivelmente atrapalhados pelo facto de o líder do meu partido, e por essa via o meu partido, ter tomado a iniciativa de colocar na ordem do dia, e na base de uma discussão frontal e clara, grandes questões do nosso país, neste caso, grandes questões no domínio das instituições. Podemos estar errados, podemos estar certos, mas há uma coisa que os senhores já não podem ganhar, o terem a iniciativa de colocar uma questão séria repito séria discutível - e por isso mesmo é que estamos a discuti-la, até porque quem a colocou na ordem do dia fomos nós -, que diz respeito às instituições do presente e, portanto, do futuro do nosso país.
Infelizmente, Sr. Deputado Manuel Alegre - e, por isso, o ciúme -, o PS continua acorrentado às questões do passado. Isso mesmo decorre do seu discurso, e não apenas do seu, mas de muitos dos seus companheiros. Aquele que está a fazer uma tentativa de inovação, que me parece também séria, embora difícil, é o seu companheiro António Guterres, mas parece-me bastante isolado nesse esforço modernizador. Não sei se não lhe vai acontecer o que aconteceu a um homem ilustre da modernização do socialismo francês, Rocard, e que o velho Presidente Mitterrand deitou pela janela fora.

Risos.

Espero que não seja esse o destino do nosso ilustre colega, António Guterres, mas os velhos socialistas, se calhar, estão a traçar-lhe esse destino.
O Sr. Deputado Manuel Alegre disse que o Presidente Soares não pediu o voto a ninguém. Mas por esse facto estará ele livre de uma obrigação moral e política contratual com o seu eleitorado, que lhe deu a confiança na base de um discurso? Então, o Sr. Deputado vem-nos com essa concepção verdadeiramente arbitrária que é o cerne do totalitarismo político? O Sr. Deputado vem dizer que, pelo facto de um político não ter pedido os votos a ninguém, está livre do plano contratual, moral e político com os seus eleitores, que lhe dão a confiança? Já reparou?
Sr. Deputado, tenho razão quando digo que estão cheios de ciúme de não trazerem as grandes questões do dia e do futuro, porque estão acorrentados às questões do passado.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. O Sr. Deputado acusa-nos de negativismo, de oposição à oposição, mas, Sr. Deputado, no meu Congresso praticamente não se falou no PS. Daí decorre que a verdadeira oposição é o Presidente Mário Soares. Não é, decerto! Mas digo-lhe, com toda a franqueza, que não falámos do PS. É por essa razão, aliás, que o senhor veio dizer que nós opusemo-nos à oposição. Não é verdade, Sr. Deputado! Apenas trouxemos à ordem do dia uma questão relacionada com o exercício das funções presidenciais. Será que a oposição estará na Presidência da República? Também não dissemos isso, Sr. Deputado! Mais: não o queremos aceitar nem creio que corresponda aos factos!
Finalmente, Sr. Deputado, quanto à modernidade, V. Ex.ª comete erros enormes no plano da teoria política. O Sr. Deputado confunde separação de poderes com partilha de poderes. Meus Deus, não é possível! Uma coisa é a separação de poderes, que é um princípio sólido, outra é a partilha, que é uma espécie de «jogo da sueca», em que cada um faz tudo.

Risos do PSD.

Protestos do PS.

Não me interrompam, porque trata-se de questões sérias...
Nós também temos algumas suecas!...

Risos.

Mas o Sr. Deputado confunde participação cívica politica com confusão de poderes.
Como vê, o seu discurso é o discurso do passado. Os senhores afirmam-se facilmente no domínio do «não», do antifascismo e de outros «anti», mas a vossa dificuldade, que é profunda e actual, é a de transformarem as condições de modernidade, é a de transformar um partido do «não» num partido do «sim», num partido do projecto para o presente e para o futuro de Portugal.
De qualquer modo, não quero terminar sem uma pequena nota de descontracção, que tem subjacente um ponto sério. O Sr. Deputado acusa-nos de querermos encerrar numa redoma o Presidente Soares. Meus Deus, que estultícia da nossa parte! Como sabe, o Presidente Soares é impossível de encerrar seja onde for, no País, quanto mais numa redoma.

Aplausos do PSD.

Risos.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª disse que colocaram questões sérias. Mas que questão verdadeiramente séria é que colocaram? A questão dos feriados é uma questão séria e fundamental para o funcionamento do País? Os senhores não levantaram uma questão séria! Os senhores fizeram, sim, um afrontamento político, um afrontamento institucional, ao Sr. Presidente da República.
Com efeito, afirmaram - e não é a primeira vez - ou tentam afirmar a vossa identidade negando a dos outros, e não é verdade que não tenham falado no PS. Falaram no PS, afirmaram uma social-democracia contra o PS e falaram no CDS, e em termos pouco próprios.
O Sr. Presidente da República está comprometido com o seu programa. Tem um contrato com o seu eleitorado e com o povo português, não tem um contrato com o presi-

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dente do PSD - e esse é um problema que vos preocupa. Ele responde perante o povo, perante o País, não responde sequer perante esta Assembleia e, muito menos, perante o vosso Congresso ou perante o presidente do vosso partido.
Não fiz qualquer confusão, pois o artigo 114.º da Constituição da República Portuguesa - leia-o, Sr. Deputado - diz que os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição. Ora, falei de partilha de responsabilidade, é esse o princípio constitucional.
Quanto ao jogo da sueca, esse problema não é nosso mas sim do PSD, é um problema da Maia, é um problema do Porto. O que entendemos é que os senhores não propõem uma reflexão séria e que, maus uma vez, criam factos políticos artificiais para desviar a atenção dos problemas reais, do oásis que está a esfumar-se. Aliás, quando os senhores falam nessas questões institucionais não o fazem no sentido de aperfeiçoar o funcionamento das instituições democráticas, mas sim no de reforçar a concentração de poderes. Isso é o discurso do arcaísmo!
Aliás - e essa é uma contradição curiosa -, no momento em que se verifica a universalização dos princípios democráticos há uma crise de credibilidade nas instituições e no funcionamento da democracia, e isso acontece mesmo em certos países ocidentais. Dir-se-ia que a democracia está doente da sua própria vitória, doente da dificuldade de se criarem alternativas.
Ora, o discurso da modernidade é aquele que aponta para uma renovação e revitalização da democracia, para uma reaproximação das instituições com os cidadãos e com os eleitores, para o reforço da participação democrática e também para o reforço dos órgãos de controlo e de fiscalização.
Sr. Deputado, é esse o discurso da modernidade, aquele que separa as águas. No entanto, no Congresso do PSD foi feito um discurso velho, arcaico, caduco, conservador, com um pendor que aponta não para a tal separação, não para a tal partilha, não para a participação, mas sim para a concentração de poderes, para o primado de um partido, para o primado do Governo e para o primado de um só homem. Ora esse é um discurso arcaico, é o discurso do passado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção politica, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A demissão do Prof. Machado Caetano da Comissão Nacional de Luta contra a Sida foi a gota de água que faltava para que se tomasse evidente o cariz economicista da política do Ministério da Saúde.
Ainda não decorreram 15 dias desde que o PCP, em declaração política, nesta Assembleia, denunciou as medidas anti-sociais que se preparam no âmbito do Serviço Nacional de Saúde e já a gravidade das factos relacionados com o Ministério da Saúde e a luta contra a sida impõem que, novamente, se volte ao tema.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A solução de qualquer mistério segue-se, ern geral, à acumulação de factos/provas e à reconstrução do acontecimento, criando um quadro coerente de elementos aparentemente não relacionados. Não é que, para o PCP e para a grande maioria dos portugueses, constitua um mistério o mecanismo complexo que o Ministério da Saúde usa para impor ao País a sua política de saúde, baseada numa economia de pretenso sucesso que, nesta área, tem conduzido a profundas injustiças de carácter social, mas porque convém não deixar passar em claro tal política. Quem cala consente.
Foi alegando razões hipócritas que o Ministério da Saúde pretendeu, há um ano, racionar a administração de hormona de crescimento a crianças dele necessitadas em hospitais portugueses. Foi enjeitando factos cientificamente comprovados que pretendeu manter a administração de algumas vacinas do Plano Nacional de Vacinação, quando o próprio fabricante reconheceu existirem problemas no produto fabricado. Alegou má gestão para justificar a indisponibilidade de eritropoetina nalguns centros de hemodiálise, para administrar a insuficientes renais. Pretendeu, agora, limitar os critérios de administração de AZT a doentes imunodeprimidos, baseando-se, exclusivamente, em critérios económicos.
Não é inovadora esta política do PSD, que, já no caso do alerta para a necessidade de aplicar um plano nacional de prevenção da hepatite B, desviou a atenção da opinião pública para conspirações diabólicas de empresas multinacionais, às quais, aliás, se prepara para fazer a entrega da saúde dos Portugueses. Ao problema disse nada, como aliás vem fazendo em relação a um outro facto que contribui, decididamente, para o esclarecimento de toda esta encenação, que com ela se relaciona directamente e cuja dimensão ainda não é conhecida na sua totalidade. O Governo/PSD importou derivados de sangue que não foram previamente despistados nem aquecidos contra a sida. Quando foi alertado para o facto, não os despejou directamente no lixo e continuou a introduzi-los nas veias de hemofílicos portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O investimento tinha sido grande e os dinheiros públicos, dizem, não são para desperdiçar. Embora resultando em consequências diferentes, todos os casos descritos têm um factor comum: resultam da mesma política economicista, fria, desumanizada, a política «laranja» de que tanto se fala e com a qual nem todos conseguem coabitar.
Foi essa política que conduziu à demissão do Prof. Machado Caetano, responsável máximo pela Comissão Nacional de Luta contra a Sida. Não quis esse técnico de saúde manter-se à frente de mais uma obra de fachada. Assim, acusou o Ministério da Saúde de factos graves que, até hoje, continuam a não ser desmentidos com coerência, o que confirma a cumplicidade do Ministro da Saúde em mais este escândalo. Disse que não eram desbloqueadas as verbas necessárias para fazer funcionar a Comissão, dando exemplo o caso do Projecto Piloto de Prevenção da Sida para os Toxicodependentes de Coimbra, que nunca avançou, e discordou do encerramento da Linha Sida. Isto para referir só as questões mais conhecidas e que merecem resposta da Administração, através da voz da responsável da ARS de Lisboa, que, pasme-se-e passo a citar -, disse: «A dinâmica do Prof. Machado Caetano fazia que ele pensasse hoje uma coisa e quisesse a coisa feita amanhã. Mas a função pública não se compadece com isso.»
Relativamente às outras questões justificou-se dizendo que, em Coimbra, o Projecto Piloto não avançou por falta de duas assinaturas, que a Linha Sida encerrou apenas temporariamente, acrescentando - e cito novamente - que «a Comissão tem de começar a adaptar-se à realidade da função pública». É com esta naturalidade que a responsável da ARS de Lisboa encara tais factos.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que classifique de escandalosas estas afirmações proferidas por um elemento de nomeação baseada na confiança política. Que irá acontecer a tantos portugueses, já hoje seropositivos para o vírus da sida, e a tantos hemofílicos vítimas da visão economicista que o Governo/PSD impõe aos serviços de saúde, quando se adaptarem «à realidade da função pública»?
A gravidade deste problema de saúde - como a de outros, aliás - exige do Governo mais do que uma resposta estereotipada, exige um esforço concentrado para elevar o conhecimento da população e uma acção imediata, exaustiva e coordenada no tratamento e prevenção, mesmo que não seja essa «a realidade da função pública».
A realidade que se abateu sobre estes doentes, custa-lhes a segurança no emprego, custa-lhes o direito a uma vida livre e custa-lhes também agora, por responsabilidade do executivo do PSD, o direito a cuidados de saúde adequados, a não ser que pelo menos essa virtude tenha tido a demissão do responsável pela Comissão Anti-Sida, ou seja, a de modificar «a realidade da função pública» e que agora, mesmo já tarde, o Governo disponibilize os recursos necessários ao funcionamento desta instituição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não podemos permitir que o Governo deixe as necessidades aumentarem mais depressa que os recursos humanos e financeiros.
A sida é uma das epidemias mais devastadoras e tufe da moderna história da medicina e o seu combate exige uma actuação, se necessário, que crie condições que permitam fugir à rotina e actuar com a emergência que o assunto requer.
Srs. Deputados, face ao exposto, o PCP não só concorda com a proposta já apresentada de ouvir, em sede da Comissão de Saúde, o Prof. Machado Caetano, como irá ainda mais longe, propondo que sejam também ouvidos outros elementos que faziam parte da Comissão Nacional de Luta contra a Sida, a presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e o próprio Ministro da Saúde.

Aplausos do PCP do PS e dos Deputados independentes Mário Tomé e João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Deputado Luís Peixoto, todos os dias, num universo de cinco ou seis mil funcionários dirigentes da Administração Pública - chefes de divisão, directores de serviços, directores-gerais, presidentes de comissões nacionais, de comissões de trabalho, etc. -, há, certamente, demissões e pedidos de exoneração de funções, o que me parece normal. É assim que a Administração Pública funciona e não com um ar estático, tendo sempre as mesmas pessoas a fazerem as mesmas coisas.
As razões que levam as pessoas a abandonarem os cargos que ocupam são diversas, sendo que algumas delas chegam ao conhecimento público e outras não. Digamos que, frequentemente, esses afastamentos dão-se na sequência de actos normais de gestão, em virtude de os próprios manifestarem vontade de abandonar as funções que desempenham, sem que isso se prenda com qualquer quebra de lealdade ou apresente qualquer outra dificuldade que não seja a normal dinâmica e a renovação de quadros nos serviços do Estado.
Ocorre, porém, que uns saem com ética e com dignidade, com discrição e com respeito pelas suas funções, pelos seus superiores hierárquicos e pela opinião pública, mas outros fazem do seu caso um autêntico espectáculo público, sem qualquer norma ética, sem qualquer dignidade, sem respeito não só pelas pessoas mas também pelas instituições que deviam honrar e respeitar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estes últimos vão ao Sr. Presidente da República, estimulam partidos políticos e, na ausência de capacidade criativa noutras matérias, aproveitam a boleia para também alinhar no espectáculo, e o resultado é aquilo a que muitas vezes aqui assistimos.
Sobre o caso «Sida», quero assinalar que a Sr.ª Prof.ª Odete Ferreira, medalhada em Portugal e no estrangeiro pela sua investigação pioneira no campo do vírus da sida, merece-nos o maior respeito técnico e científico. Certamente ninguém quererá aqui acusá-la do que quer que seja, pois ela deve mesmo merecer não só o respeito e a consideração de todos nós, mas também o nosso estímulo, para que faça um trabalho profundo e profícuo nesta causa que, certamente, a todos preocupa.
Sr. Deputado Luís Peixoto, as suas palavras deixaram parecer que, por vezes, o Ministério da Saúde, mais concretamente médicos seus colegas e directores hospitalares, terão agido de má fé, com más intenções, procurando prejudicar os doentes e a população com as suas atitudes. Esquece-se, porém, muitas vezes, que existem interesses comerciais, interesses de lobbies, que se movem neste sector e que fazem chegar à comunicação social preocupações alarmistas que nada têm a ver com a realidade. Ora, nós lemos de estar acima disso.
Sr. Deputado, a Assembleia da República só ao Governo deve pedir contas sobre esta matéria pois não pode tomar-se num palco de audição frequente de funcionários desavindos da Administração Pública. É ao Governo que compete ouvir os funcionários em causa e é o Governo que detém toda a capacidade hierárquica para resolver problemas entre funcionários públicos de si dependentes. O envolvimento da Assembleia da República em questões que dizem respeito ao Governo e em questões menores, que têm a ver com birras e com posturas espectaculares, mediáticas, de funcionários públicos, seria um mau serviço ao País e às instituições que representamos. Não podemos descer a esse nível. Se essas pessoas querem ir a outros sítios, se querem ser ouvidos aqui ou acolá, se querem dar entrevistas para tecerem considerações pessoais, de baixo nível, em relação a qualquer pessoa, façam-no em qualquer lugar menos na Assembleia da República, pois, aqui, não deverão fazê-lo. É esta a nossa atitude e é esta a nossa opinião.
Sobre as declarações a que ontem assistimos ao longo do dia, através dos meios de comunicação social, quero dizer que elas foram autênticos espectáculos de «peixeirada» pessoal, que não há que valorizar, pelo contrário. Sabemos que essas coisas têm um lugar próprio para serem resolvidas, como sabemos também que não faltam temas políticos dignos, com interesse para o País, que, naturalmente, os partidos políticos e os Srs. Deputados podem aqui trazer. O que não devemos fazer é descer ao nível de alinhar em cenas como as que assistimos nos

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últimos dias. Há que ter confiança nas pessoas, cada coisa resolve-se no seu lugar próprio e não temos de estimular pressões e atitudes egoístas, sejam elas de quem for. É essa a nossa atitude, é essa a atitude do PSD.
Para concluir, gostava que o Sr. Deputado Luís Peixoto me dissesse se ponderou esses factos, se ponderou o lugar onde estamos e se ponderou as competências que são definidas para os órgãos de soberania, entre eles, a Assembleia da República, que não tem de imiscuir-se em actos pontuais que qualquer funcionário público entenda, no seu belo interesse ou não, promover junto da opinião pública. Há lugares para as coisas e o lugar da Assembleia da República é pedir contas ao Governo e não, isoladamente, a funcionários. É essa a atitude do PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Peixoto, há mais pedidos de esclarecimento. Pretende responder já ou no fim?

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Deputado Macário Correia, deixe-me dizer-lhe que a sua visão economicista e contabilista do problema apenas acentua mais a insensibilidade do Governo e do PSD para com estes assuntos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A verdade, Sr. Deputado, é que todos os dias assistimos a demissões, mas essas, julgo eu, não se relacionam com este caso. As demissões a que nos referimos têm a ver com técnicos que, não sendo políticos, estão ligados aos problemas práticos e, por isso, têm uma visão humanista das questões. Estes técnicos, que não desmentem a sua conivência a sua ligação e, inclusivamente, a sua admiração pelo Prof. Cavaco Silva, põem os interesses dos cidadãos à frente dos interesses do Estado e dos interesses economicistas da política. É por isso que estas demissões não começaram hoje!... Já antes, o Prof. Bem-vindo Justiça se tinha demitido. Agora foi a vez de o Prof. Machado Caetano fazê-lo, no que foi seguido pelo Dr. João Santos, assessor nomeado pelo Ministro da Saúde para as questões técnicas e científicas. É este o fulcro da questão!... Não se trata de umas quaisquer demissões, mas sim de demissões muito concretas, de técnicos.

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - A Dr.ª Laura Ayres não se demitiu!...

O Orador: - Por outro lado, Sr. Deputado, V. Ex.ª não faz qualquer referência à questão que está aqui a ser discutida. Que medida de moralidade é esta de deixar de administrar aos doentes os medicamentos absolutamente necessários?

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - Aonde?!... Em que hospital?!...

O Orador: - Dá-me licença que continue, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - Responda!

O Orador: - Quando se inscrever para fazer a pergunta, terei muito gosto em responder-lhe, Sr. Deputado.

Sr. Deputado Macário Correia perguntou-me se ponderei os factos e eu respondo-lhe com uma outra pergunta: ponderou V. Ex.ª a gravidade dos factos que estão hoje a ser aqui discutidos?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diz o artigo 165.º, alínea a), da Constituição da República Portuguesa que compete à Assembleia da República «vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração».
Por conseguinte, não me parecem pertinentes as observações do Sr. Deputado Macário Correia, segundo o qual não compete a esta Assembleia pronunciar-se sobre situações que angustiam e preocupam profundamente todos os portugueses. Será que a tentativa de amordaçar a opinião dos Deputados e aquilo que a lei exige vai no mesmo sentido da tentativa que é feita para amordaçar a opinião e as competências do Sr. Presidente da República? Esta é uma pergunta que gostava de ver respondida pelos Srs. Deputados da maioria.
De facto, se aliarmos as acusações que foram feitas pelos demissionários, pessoas respeitáveis e conhecidas, pelo seu passado profissional, como não sendo radicais, mas, sim, pessoas sensatas - as suas carreiras e as suas vidas profissionais são disso uma prova -, à inquietação que os problemas da sida criam, normalmente, nas populações (e nós sabemos que eles são os que mais ansiedades levantam nas populações), não podemos, de maneira nenhuma, ficar indiferentes às acusações que os técnicos demissionários fizeram ao funcionamento do Ministério da Saúde. O menos que podemos exigir, como Deputados, é que todos estes factos sejam completamento esclarecidos.
Nesse sentido, o PS também irá tomar iniciativas para que os factos sejam esclarecidos, as responsabilidades sejam assumidas e os portugueses possam tomar consciência de como é tratada a sua própria saúde.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Deputado Luís Peixoto, quero felicitá-lo por ter trazido a esta Câmara este problema, que consideramos também extremamente grave. De facto, associando-me ao meu camarada Eurico Figueiredo, lamento que tenha havido alguém nesta Câmara que considere que este não é o lugar adequado para discutir um problema de tanta gravidade! É que o problema é grave, e não foram desmentidas aqui as razões que levaram ao despedimento do Prof. Machado Caetano. Temos de considerar que este professor é um homem que foi da confiança do Governo, escolhido e nomeado por este governo, é um homem que está de acordo com a política geral do PSD, mas que, neste momento, entra em desacordo formal e tem a coragem de, publicamente, vir afirmar que pediu a demissão do seu cargo. Chamar a isto

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«politica de espectáculo»? Estamos convencidos de que os Srs. Deputados estão a confundir isto com a política de espectáculo do Sr. Primeiro-Ministro quando atacou o Sr. Presidente da República! Mais uma vez, as minhas felicitações, Sr. Deputado Luís Peixoto, por trazer aqui este problema.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A estas questões, respondo de uma forma muito breve, dizendo ao Sr. Deputado Macário Correia que, quando o PSD apresenta este local como não indicado para discutir este problema, é porque sabe que esta matéria não tem possibilidades de fuga, que a localização e o diagnóstico concreto desta situação estão feitos e que isso irá trazer grandes inconvenientes à política que o PSD pretende incutir na saúde dos Portugueses. É esse o motivo por que tentam fugir e é esse o motivo por que nós estamos interessados em que seja exactamente neste local que tudo seja esclarecido, para que os doentes com sida e outros venham a ter, ou continuem a ter, os direitos que a lei lhes confere.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, uso da palavra para defesa da consideração, porque, mais do que uma vez, foi citado o meu nome e com citações que penso inadequadas à circunstância.
Diz a Constituição que a Assembleia da República tem a missão de fiscalização do cumprimento das leis e, em particular, do funcionamento da Administração Pública; mas dizem também a Constituição e muitas leis que o órgão superior da Administração Pública é o Governo. Portanto, a Assembleia da República deve pedir explicações ao Governo e não directamente aos funcionários, porque estes, sejam eles quais forem, não vêm a despacho todos os dias aqui, aos Deputados, a perguntar o que é que fazem ou a apresentar as razões pelas quais querem ou não continuar num cargo. É ao Governo, como órgão de soberania que a Assembleia se dirige e não aos funcionários de per si, quando entre si têm quesilias e quando entre si se desentendem. Se baixássemos a esse nível, seria um exercício gratuito e irresponsável. É esse o meu entendimento e é assim que está nas leis.
Em segundo lugar, fico preocupado porque o PSD, através de um seu Deputado, de uma forma directa e precisa, perguntou ao colega Luís Peixoto a que instituição e a que caso se referia. Pêlos vistos, não respondeu, o que é sinal de que não tem informação para aquilo que afirmou!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, penso que a Assembleia da República prestaria um serviço importante ao esclarecimento de algumas questões, e desta em particular, se pedisse para, numa reunião com o Ministro da Saúde, tal como muitas vezes acontece, quer em Plenário, no exercício das perguntas ao Governo ou sob outra figura regimental, quer em sede de Comissão, acrescentar essa matéria a outras sobre as quais os Deputados e a Comissão de Saúde gostariam de falar com o Sr. Ministro da Saúde. Essa é uma norma ética, regimental e correcta. De outra maneira, não o seria!
Por último, penso que também poderia haver por parte dos Srs. Deputados a preocupação, dado que por parte do PSD ela existe, não apenas de acusar o Governo ou não apenas de fazer afirmações de matéria não provada, mas, eventualmente, de ficar com a dúvida, de ficar com a preocupação sobre acusações públicas de interesses comerciais de alguns funcionários envolvidos nesta temática, e não ouvi aqui ninguém preocupado com isso. Essa matéria não foi desmentida.
Temos a preocupação, legítima, de saber mais, se possível, de saber tudo sobre esta matéria, mas não apenas fazendo acusações no sentido porventura oportunista no plano partidário, mas porventura não isento no plano das funções que estamos aqui a desempenhar.

E essa a atitude do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Deputado Macário Correia, admiro-me que defenda a sua honra nesta causa, quando V. Ex.ª é uma pessoa tão interessada em defender os direitos dos utentes! É por esse sentido que me custa admitir que V. Ex.ª afirme, em público, aquilo que está a afirmar. É evidente que todos os locais onde se passam estas situações serão esclarecidos, se V. Ex.ª entender chamar à Comissão os responsáveis para, eles próprios, nos dizerem o que se passa.
Permito-me lembrar que é público o local onde ocorrem todas estas situações. E digo-lhe mais: não é só isto! Não é só a questão do AZT que está em causa, nem o facto de que hoje já há doentes que deveriam estar a receber AZT e não estão - há mais questões! Há o caso da eritropoetina, que deveria ser administrada aos hemofílicos, em relação ao qual o Sr. Ministro da Saúde, em reunião de Comissão (e V. Ex.ª ouviu), disse que isso foi um caso pontual e que o administrador que tinha falhado já tinha sido demitido. Mas o administrador é da confiança política do Ministro ou do Governo! E há outras questões como, por exemplo, a dos direitos dos hemofílicos que, por lei, devem receber gratuitamente os medicamentos quando se deslocam aos hospitais e, em alguns hospitais (que não vou dizer agora quais), vêem recusado esse direito. Tudo isto são questões muito para além do AZT!

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - Quais? Não diz? Não sabe! Não existem!

O Orador: - Terei todo o gosto em dizê-lo - são vários! -, quando VV. Ex.ªs chamarem à Comissão os responsáveis para eles, no local, explicarem por que é que isso acontece.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 43/VI, de homenagem ao engenhei-

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ro Duarte Pacheco pela passagem do 49.º ano do seu falecimento, apresentado pelo PSD.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS, votos contra do Deputado independente Mário Tomé e abstenções do PS, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

É o seguinte:

Voto n.º 43/VI

De homenagem ao engenheiro Duarte Pacheco pela passagem do 49.º ano do seu falecimento.
Fez ontem, dia 16 de Novembro, 49 anos que faleceu ern acidente de automóvel o insigne engenheiro Duarte Pacheco.
A Assembleia da República homenageia, invocando nesta data a memória daquele que foi e sempre constituirá uma referência obrigatória na história da arquitectura e da engenharia em Portugal.
O País, a cidade de Lisboa, em especial, e os arquitectos muito devem a este ilustre algarvio, autor da primeira Lei dos Planos Gerais de Urbanização.
O Plano Director da Cidade de Lisboa, que Duarte Pacheco encomendou a De Groer, continua, apesar dos seus quase 50 anos, a influenciar as deliberações camarárias.
Duarte Pacheco possuía a força criadora que torna viável o inviável. Morreu a meio de um sonho, mas a sua obra deixou marcas indeléveis em todo o País, que perdurarão através dos séculos.

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 12 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vamos dar início ao período da ordem do dia, com a leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de Deputados.
Tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor.
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos, realizada no dia 17 de Novembro de 1992, pelas 10 horas, foi observada a seguinte substituição de Deputado:
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD):

Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva (círculo eleitoral de Vila Real) por Elói Franklin Fernandes Ribeiro, por um período não inferior a 15 dias, com início em 13 de Novembro corrente, inclusive.

O parecer da Comissão é o seguinte:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do PSN.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ainda dar conta de três pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Cível da Comarca de Braga, processo n.º 8921, 10.º Juízo, 2.º Secção, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Almeida Santos (PS) a ser inquirido, como testemunha, sobre a matéria dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do PSN.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal do Círculo de Santo Tirso, processo n.º 104, 1.ª Secção, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Carlos Oliveira (PSD) a depor, como testemunha, sobre a matéria dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do PSN.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelos Juízos Correccionais de Lisboa, processo n.º 5218/92.5/TD/LSB, 1.º Juízo, 2.ª Secção, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Manuel Sérgio (PSN) a intervir, como testemunha, sobre a matéria dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do PSN.

Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta dos projectos de revisão constitucional n.ºs 1/VI (PSD), 2/VI (Deputado independente Mário Tomé), 3/VI (PS), 4/VI (PCP), 5/VI (CDS) e 6/VI (PSN). Todos os projectos foram objecto de uma longa análise na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, eleita pela Assembleia da República, em tempo oportuno.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, o meu tempo foi determinado pela Conferência de Líderes e eu tenho isso em conta.

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No entanto, coloco a seguinte questão ao Plenário: dado que eu apresento um projecto de revisão, considero que o meu tempo de debate, que é equivalente (e muito bem) ao do outro Deputado independente, deveria ser acrescentado de um tempo equivalente ao do partido com menor tempo, para que eu possa fazer a apresentação do meu projecto.
Deixo esta questão à consideração de V. Ex.ª para que seja analisada aqui, em Plenário.

O Sr. Presidente: - A distribuição de tempos foi estabelecida em Conferência de Líderes. De resto, o caso do Sr. Deputado independente Mário Tomé não é único, pois também o PSN tem um projecto de revisão. Aquilo que está estabelecido pode ser modificado, mas é necessário que haja acordo geral, de todos, dado que isso implicaria, desde logo, a modificação da grelha de tempos.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, não me parece que fosse preciso modificar toda a grelha. Caso os grupos parlamentares não se opusessem, poderiam ser-me concedidos mais cinco minutos, apenas para garantir a apresentação cabal do meu projecto, entrando no debate com os cinco minutos de que já disponho.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, por cinco minutos, a Mesa permite-se atribuir-lhe esse tempo.
Vamos então dar início ao debate.
Para se pronunciar sobre o trabalho realizado na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, vou dar a palavra ao respectivo presidente, Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No termo dos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, tivemos a oportunidade de elaborar um relatório, que, penso, é circunstanciado e não se justificará que seja lido, em detalhe, pela Mesa, interessando apenas a pane inicial da proposta sobre a sequência dos trabalhos, pois vamos ter oportunidade de discutir e votar o restante texto ao longo da sessão.
Quero também referir que me parece que, uma vez mais, a Assembleia da República, através desta Comissão, deu o exemplo de como deve ser um trabalho parlamentar, em que, sem abdicar das posições próprias de cada um dos partidos, houve oportunidade de se realizarem discussões detalhadas, mas feitas com grande elevação e onde se proeurou chegar a soluções que obtivessem a concordância - pelo menos nas questões fundamentais - e que permitissem realizar as alterações da Constituição contempladas pelas respectivas propostas. Tudo isso, repito, feito com elevação, com um nível científico e uma intenção política que me apraz sublinhar.
Nestes termos, Sr. Presidente, tivemos oportunidade de propor, à Assembleia da República e à Mesa, algumas sugestões quanto ao modus faciendi das votações que, penso, a serem aprovadas, simplificarão os nossos trabalhos e permitirão, também aqui, realizar um debate com as mesmas características.

O Sr. Presidente: - Para proceder à leitura da parte referida do relatório elaborado pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O conteúdo do relatório é o seguinte:

Pela Resolução da Assembleia da República n.º 18/92, publicada no Diário Já República, 1.º série, n.º 135, de 12 de Junho de 1992, a Assembleia da República assumiu poderes de revisão constitucional.
Para o efeito, a Assembleia da República, na sua reunião de 2 de Julho de 1992, deliberou, nos termos do artigo 40.º do Regimento, constituir uma Comissão Eventual para a Revisão Constítucional, para apreciar os projectos de revisão constitucional que dessem entrada até 24 de Julho de 1992.
A Comissão teve a seguinte composição: 13 Deputados do Partido Social-Democrata; 7 Deputados do Partido Socialista; 2 Deputados do Partido Comunista Português; 1 Deputado do Centro Democrático Social; l Deputado do Partido Ecologista Os Verdes, e l Deputado do Partido da Solidariedade Nacional.
A Comissão tomou posse no dia 14 de Julho de 1992, sendo esta conferida por S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República.
Na reunião do dia 21 de Setembro de 1992 procedeu-se à eleição da Mesa.
Nesta reunião foi também discutido e aprovado o regimento da Comissão.
No dia 23 de Setembro de 1992, a Comissão rejeitou, com votos contra do PSD, do PS e do PSN, votos a favor do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS, uma proposta de deliberação, apresentada pelo PCP, sobre a sequência dos trabalhos da Comissão.
Discutiu também uma proposta do PS com vista à realização de um colóquio, centrado na revisão constitucional, e de audições, pela Comissão, de especialistas e dos Deputados portugueses ao Parlamento Europeu.
Esta proposta foi aprovada por unanimidade, tendo as audições de especialistas sido efectuadas nos dias 15 e 16 de Outubro de 1992 e o colóquio no dia 4 de Novembro de 1992.
Na reunião do dia 24 de Setembro de 1992, a Comissão estabeleceu a calendarização dos seus trabalhos e deu início à análise e discussão dos diversos artigos dos diferentes projectos de revisão constitucional, prolongando-se pelos dias 29 de Setembro, 7, 8 e 9 de Outubro.
Na reunião de 16 de Outubro de 1992, teve início a votação indiciaria das propostas constantes dos projectos de revisão constitucional, prolongando-se esta pelos dias 28 e 29 de Outubro e 10 de Novembro de 1992.
No dia 12 de Novembro de 1992, a Comissão reuniu expressamente para discutir e votar o relatório e texto final de revisão constitucional.
Assim, a Comissão efectuou um total de 15 reuniões.
A Comissão, além da análise e discussão das várias propostas constantes dos diversos projectos de revisão constitucional, analisou e discutiu também diversas propostas apresentadas em comissão.
O Sr. Presidente: - Lido o essencial do relatório, para este efeito, suponho que, de acordo com o que é de tradição nas revisões constitucionais - o costume feito - e em concordância, de algum modo, com o que está implícito

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no artigo 153.º do Regimento, não haverá propriamente lugar a uma discussão na generalidade. Far-se-á uma discussão - com que a Assembleia está de acordo, e parece que tem sido este o caminho seguido - na especialidade, seguida de uma votação artigo por artigo, quando tivermos terminado toda a discussão na especialidade e, depois, uma votação final.
A votação na generalidade destes projectos não faz senado e suponho que não é essa a tradição constitucional. Podemos prosseguir assim, portanto.
Entretanto, chegou à Mesa um requerimento, apresentado pelo Partido Comunista Português, relacionado com a metodologia dos trabalhos, da discussão das alterações à Constituição.
Para dar conta do referido requerimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O requerimento tem o seguinte conteúdo:
O Grupo Parlamentar do PCP manifestou-se, desde o início dos trabalhos, no sentido de que o presente processo de revisão constitucional se deveria ocupar exclusivamente da viabilização do referendo, tornando-o prévio e condicionante em relação às alterações à Constituição que visassem remover obstáculos à ratificação do Tratado.
Neste sentido, a proposta do PCP apresenta-se com uma natureza de prejudicialidade em relação à restante matéria, objecto da revisão constitucional.
Isto é, aprovada que seja uma alteração à Constituição, permitindo o referendo, o PCP estará, então, em condições de propor que o processo de revisão constitucional se circunscreva à respectiva norma, até à realização do referendo e ao conhecimento dos seus resultados, só então se retomando os trabalhos parlamentares referentes ao processo de ratificação, nele incluindo, naturalmente, um processo de revisão constitucional, em caso de o referendo ter sentido positivo.
Para que o Plenário possa, eventualmente, deliberar sobre esta proposta, será necessário que aprecie e delibere primeiro sobre a matéria do referendo, com carácter prévio. Se a deliberação for positiva, será natural que a revisão constitucional se circunscreva a essa matéria (o que, de resto, como já anunciei, o PCP sempre proporá). Se a deliberação sobre a matéria do referendo for negativa, então tal proposta está, por natureza das coisas, excluída.
Tendo em vista as razões metodológicas invocadas e, também, já o que foi dito em sede de debate na Comissão, o Grupo Parlamentar do PCP propõe o seguinte:
Que a proposta do PCP relativa à matéria do referendo (artigo único do projecto de revisão constitucional n.º 4/VI) e, por arrastamento, as restantes propostas relativas à matéria do referendo sejam apreciadas em primeiro lugar, na ordenação das matérias em debate.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, não sei se haverá possibilidade de discutir esta iniciativa do PCP, pois trata-se de um requerimento.

O Sr. Presidente: - Como se trata de um requerimento, não é possível a sua discussão, segundo o n.º 5 do artigo 88.º do Regimento, que diz que o requerimento é imediatamente votado sem discussão, pelo que passaríamos de imediato à votação.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD. votos a favor do PCP, do CDS e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do PS.

Vamos, portanto, seguir, nos termos anunciados, a discussão de todas as alterações à Constituição propostas.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

Pausa.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, quero invocar a ordem de trabalhos que V. Ex.ª acabou de definir e perguntar se o Sr. Deputado Costa Andrade vai intervir sobre a proposta do CDS para o artigo 5.º-A. Dá-nos muita honra com isso, mas se não há discussão na generalidade e vamos discutir as propostas apenas na especialidade, suponho que a primeira proposta a ser discutida será a do CDS.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, a minha inscrição tem feita previamente, porque o fiz no pressuposto de que iríamos falar sobre o requerimento do PCP. Verifico, no entanto, que, neste momento, ela está prejudicada.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados entendem que a ordem das inscrições para a discussão na especialidade deve ser a ordem, tal como vem da Comissão, dos artigos da Constituição cuja modificação se propõe, não é? É nesse sentido que querem que as inscrições se façam.
Por isso, vamos começar pelo artigo 5.º-A, que é uma proposta de aditamento. É o primeiro da enumeração constitucional e é este tema que vai ser agora discutido.
Suponho que seria muito mais simples que cada um interviesse pela ordem das inscrições feitas pela Mesa e que fosse feita uma intervenção, por cada partido, sobre os artigos que considerasse relevantes. Depois, a votação seria feita artigo a artigo. Foi esta a proposta que, inicialmente, fiz porque me pareceu ter consenso.
Porém, se o Sr. Deputado Nogueira de Brito propõe algo diferente, deverá ser posto à consideraçâo da Câmara.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, quero concordar justamente com a ideia de V. Ex.ª exprimiu, no sentido de que cada grupo parlamentar poderá, nesta matéria, orientar o uso do seu tempo como bem entender e, portanto, incluir, numa primeira fase, declarações de carácter geral, o que nos parece particularmente justificado pela natureza desse debate que tem por objecto uma revisão constitucional.
(O orador reviu.)

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, quero reafirmar a nossa concordância com a metodologia proposta por V. Ex.ª.
Penso que ganharíamos em clareza de debate e, porventura, em tempo se pudéssemos começar - evidentemente, quem não quiser, use a sua autonomia para o fazer ou não - por uma análise na generalidade de cada projecto. Cada grupo parlamentar apresentaria o que entendesse ser mais relevante acerca do seu projecto e das questões que considerasse merecerem a sua atenção e depois, imediatamente antes da votação artigo a artigo, e a propósito desta, deveria haver intervenções na especialidade, digamos assim.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, dá o seu acordo a esta sugestão?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, dou o meu acordo à tese do Sr. Deputado Rui Machete...

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª transformou um acordo numa tese. Era só uma hipótese, Sr. Deputado Nogueira de Brito! Agora, é já uma tese!

O Orador: - ... com o seguinte esclarecimento: o Sr. Deputado Rui Machete contradiz, frontalmente, o processo proposto por V. Ex.ª.
O que, na realidade, o Sr. Deputado Rui Machete está a propor é que haja uma discussão na generalidade, que as intervenções sobre cada um dos projectos de revisão sejam, na sua globalidade, de carácter geral e que a votação artigo a artigo seja antecedida de uma intervenção sobre esse mesmo artigo. Foi isto o que o Sr. Deputado Rui Machete disse e poderá, com certeza, confirmar.
Ora bem, se V. Ex.ª concorda com este processo, nós também concordamos, obviamente. Isto é, estamos prontos a fazer uma intervenção sobre a globalidade do nosso projecto e a intervir artigo a artigo. Porém, V. Ex.ª terá de escolher entre se há ou não discussão na generalidade.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Isso é discordância semântica!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, comecei por afirmar, e pareceu-me haver consenso por parte das bancadas, que, neste caso, se não deve falar de uma discussão na generalidade, visto também não haver votação na generalidade, uma vez que a votação versa sobre princípios, que, no caso concreto, são os da Constituição. Não estamos aqui a inventar nada de novo, mas apenas a fazer alterações muito pontuais a um texto, cuja filosofia está na Constituição.
Porém, a proposta do Sr. Deputado Nogueira de Brito é no sentido de haver uma discussão na generalidade, após a qual não haveria votação, e uma outra, na especialidade. E, Sr. Deputado, não foi isso o que propus.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Pois não!

O Sr. Presidente: - Ern minha opinião, o mais correcto seria os autores dos projectos de revisão fazerem uma primeira intervenção, de acordo com os tempos previstos, e^ depois de se esgotar o tempo passar-se à votação artigo a artigo, como tem sido feito nas outras revisões constitucionais.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, embora não haja realmente uma votação na generalidade, cada um dos partidos apresentou a sua proposta baseada numa lógica própria e, apesar de se não dever falar em debate na especialidade, podem, em primeiro lugar, dizer qual foi o espírito que as animou e, em segundo lugar, seguir o guião apresentado com o relatório, que é a apresentação sequencial pela ordem dos artigos da Constituição.
Portanto, cada grupo parlamentar pode utilizar um, dois, três, quatro ou cinco minutos do seu tempo disponível para dizer como é que estruturou o seu projecto de revisão, podendo, aqueles que quiserem, dispensar essa intervenção, e depois passar à apreciação artigo a artigo, segundo o guião já referido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, o guião a que se refere, pelo que se pode ler - «Roteiro das propostas a submeter à votação do Plenário» -, é, claramente, destinado às votações e não à discussão.

Vozes do PS: - Exacto!

O Sr. Presidente: - Seguindo a metodologia utilizada nas anteriores revisões constitucionais, o mais razoável será, a meu ver, a Mesa dar a palavra a todos os autores dos projectos de revisão, pela sua ordem de apresentação. Terminado este ciclo, cada grupo parlamentar poderá, se assim o entender, intervir artigo a artigo, ponto a ponto, esgotando o tempo disponível, passando-se depois à votação. É assim que tem sido feito nas outras revisões constitucionais, e consultei o Diário da Assembleia da República dessa altura, pelo que isto é, em minha opinião, o mais correcto. Chegada a hora, procede-se à votação de todas as propostas, sem discussão na especialidade. Tem sido esta a metodologia seguida.
Em todo o caso, a Assembleia tem de estar de acordo quanto a este ponto, pois não se pode prejudicar o uso da liberdade de alguém exprimir o seu ponto de vista.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, no intuito de tentar ajudar a esclarecer, suponho que talvez possa haver consenso se procedermos do seguinte modo: haveria, sem qualificação se seria na generalidade ou na especialidade, uma apresentação inicial de cada projecto de revisão, o que corresponde, aliás, à ideia de V. Ex.ª, e, não só para balizar um pouco a discussão mas também para não nos perdermos, a possibilidade de se discutir artigo a artigo. Isto é, começaríamos pelo artigo 5.º-A, que, suponho, é o primeiro, caso haja inscrições, passando-se, sucessivamente, a outros artigos, mas sem se votar, uma vez que esta se faria no final, sem discussão.

Vozes do PSD e PS: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, a questão é a de saber se é ou não viável fazerem-se as votações ao longo do debate, uma vez que, a não ser isso possível, não faz grande sentido a discussão ser feita bloco a bloco, artigo a artigo, pois não traz qualquer conclusão. Isto é, o debate só faz sentido se for sobre o conjunto das alterações, para poder, depois, haver uma coordenação possível nas votações. Mas, Sr. Presidente, não farei qualquer questão nisso, como é evidente. Compreendo perfeitamente os outros pontos de vista, pelo que, repito, não farei qualquer questão nisso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que há na proposta que apresentei alguma concordância, implícita, de todos.
Neste sentido, a Mesa dará, numa primeira fase, a palavra a todos os autores de projectos de revisão para, no fundo, apresentarem a fundamentação que propuseram; numa segunda fase, a todos os que desejarem intervir nó debate artigo a artigo, seleccionando os que entenderem, no tempo disponível fixado para todo o debate, e, numa terceira fase, chegada a hora, proceder-se-á à votação, sem discussão.
De outro modo, optando pela metodologia que também envolva discussão, artigo a artigo, na especialidade, vai custar muito tempo. Mas se a Assembleia entender ser essa a metodologia correcta, estaremos aqui até que termine.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, devo dizer que concordamos, na generalidade, com o que V. Ex.ª concluiu, mas no pressuposto de que cada grupo parlamentar poderá gerir o seu tempo disponível como entender, e, portanto, fazer o número de intervenções sobre cada um dos momentos da matéria que desejar. Isto é, sem qualquer limitação ao número de intervenções.
(O orador reviu.)

O Sr. Presidente: - O que o Sr. Deputado quer dizer é que não vai haver ordem temporal. Isto é, suponhamos que a Assembleia está a discutir a proposta de alteração ao artigo n, mas eu quero ainda falar sobre o artigo n, porque há uma coisa que se liga... Não há, portanto, marcação nem balizas no tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, gostaria ainda de sublinhar o princípio de cada um dos grupos parlamentares gerir o seu tempo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Costa, desde que começámos, tem sido esse o meu princípio.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, não querendo perturbar a clarificação, que já me parece ser enorme nesta matéria, pergunto: para além dos tempos assinalados no quadro electrónico, não há um tempo final destinado às declarações de voto, após as votações?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, naturalmente que há, de acordo com o Regimento, uma declaração de voto...

O Orador: - Sr. Presidente, gostaria de saber se essa declaração de voto terá de ser feita no tempo disponível de cada grupo parlamentar ou se haverá outro para além deste.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quando há votações finais globais, e tem de se entender que estamos perante uma votação desse tipo, há, naturalmente, lugar a uma declaração de voto de três minutas, como diz o Regimento.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, creio que a metodologia a usar está já apurada, mas gostaria de dar uma sugestão.
São neste momento 12 horas e 35 minutas, o que significa que o debate, se o iniciarmos agora, será interrompido quase de imediato, não havendo sequer tempo para o ciclo das primeiras intervenções.
Neste sentido, proponho ao Sr. Presidente e aos restantes grupos parlamentares que interrompam, desde já, os trabalhos e que o reinicio dos mesmos seja às 14 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, agradeço a sua observação, mas antes de decidirmos se, porventura, essa é ou não a melhor solução, vamos apurar rigorosamente a metodologia.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, entendemos que se deveria dar início, de imediato, ao debate na generalidade, porque temos uma grelha muito longa e a interpretação que fazemos dos tempos disponíveis, atribuídos na Conferência de Líderes, é a de que cada partido poderá fazer a declaração final, mas no tempo global para o debate.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, prevalecendo esta interpretação, significa isso que cada partido deveria retirar do seu tempo disponível global três minutos, que é o consagrado pelo Regimento, para a declaração de voto.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-me a honra de apresentar o projecto de revisão constitucional do PSD, o que vou fazer em breves minutos, porque se trata efectivamente de um projecto ático para uma revisão, que é apenas circunscrita à problemática suscitada pela ratificação do Tratado de Maastricht.
É, portanto, dentro desse âmbito limitado e com apenas esse propósito que apresentámos um projecto de revisão constitucional, que se limitava na sua versão inicial, apenas a consignar uma modificação do artigo 7.º com uma norma habilitante que tornasse indubitável a legitimidade da recepção, no ordenamento jurídico português, das normas do Tratado de Maastricht. Daí termos consignado a necessidade de Portugal, em condições de reciprocidade e com o respeito pelo princípio da subsidiariedade, compartilhar o exercício de poderes necessários à construção da unidade europeia, afastando a ideia de que houvesse uma alienação de soberania, mas consignando claramente que se trata de compartilhar com outros Estados europeus o exercício dos poderes que são necessários para a construção da unidade europeia, e também, porque a relação é tríade e não apenas bilateral, de alguma parcela desse exercício de soberania ser feito pela própria Comunidade.
Apresentámos depois uma disposição que, em relação ao artigo 15.º, viesse clarificar e alargar a possibilidade de atribuir capacidade eleitoral, activa e passiva, aos cidadãos dos outros Estados das Comunidades Económicas Europeias e, por último, uma disposição relativa ao Banco de Portugal, na medida em que o sistema previsto para a unidade económica e monetária pressupõe, justamente, que o Sistema Europeu de Bancos Centrais e o Banco Central Europeu venham a desempenhar algumas das competências que, neste momento, só se encontram atribuídas, expressamente, ao Banco de Portugal, pela norma constitucional.
Tratava-se, dizia eu, de uma proposta que, na nossa perspectiva, satisfazia plenamente os objectivos visados na revisão constitucional e que não careceria de maiores alargamentos.
Todavia e justamente no espírito construtivo que nos anima e caracterizou a discussão da revisão constitucional, acabámos por ir mais longe do que pensávamos inicialmente quanto aos artigos revistos, vindo a subscrever, em conjunto com o Partido Socialista, uma proposta em relação aos artigos 166.º e 200.º da Constituição, que vem clarificar algo que, no nosso entendimento, já estava claramente inscrito na lei ordinária mas que, pela importância e pelo simbolismo que reveste a sua elevação ao nível constitucional e também pela necessidade de clarificar esta matéria, se justifica que fosse também consagrado na Constituição. Refiro-me à ideia de atribuir à Assembleia da República uma competência, que ela já tem, de acompanhar e apreciar os trabalhos que digam respeito à construção da união europeia e à obrigação por parte do Governo de, atempadamente, informar sobre as questões que sejam relevantes nessa matéria.
Foi um ponto de acesas discussões e gostava de sublinhar dois aspectos que me parecem particularmente relevantes: ern primeiro lugar, era já nosso entendimento que a Assembleia da República dispunha dessa competência nos termos das atribuições gerais que lhe estão cometidas; em segundo lugar, a legislação ordinária já previa esses mecanismos de acompanhamento e a necessidade de informação e, por outra parte, era importante que não se tocasse no equilíbrio de poderes nos termos do nosso sistema de governo. Daí rejeitarmos a ideia de colocar esta matéria no artigo 164.º da Constituição, porque poderia inculcar uma impressão errada de que pretendia dar-se à Assembleia da República mais poderes do que aqueles que ela, neste momento, já possui e, sobretudo, retirar legitimidade ao Governo na condução das relações internacionais neste capítulo.
Mas convimos que não se tratava de uma matéria de fiscalização da Assembleia da República pelo que a sua inserção sistemática no artigo 165.º não parecia conveniente, e que, por outra parte, era útil, como disse há pouco, que viesse a ser clarificada esta matéria para que se não desse a impressão de que a Assembleia da República ficava cerceada nos seus poderes mais do que aquilo que acontece inevitavelmente pela circunstância da integração europeia, pelo esquema orgânico e de competências dos órgãos comunitários acabar por, de algum modo, realizar uma certa transferência do exercício de competências do nível nacional para o comunitário, em detrimento das parlamentos nacionais.
Trata-se de uma matéria em relação à qual, como foi sublinhado, pensamos que só pode obter uma compensação cabal ao nível da estrutura orgânica comunitária e, aí, várias hipóteses alternativas de solução terão de vir a ser encaradas no futuro. A união europeia não é um dado acabado, necessita de aperfeiçoamentos e Maastricht claramente implica o reconhecimento de que é apenas um marco miliário importante, mas não é ainda o fim da nossa rota.
Neste contexto e com este significado, acabámos por chegar a acordo com o Partido Socialista em relação a uma solução que, acrescendo, portanto, ao nosso projecto de revisão constitucional, nos parece equilibrada e satisfatória e que, naturalmente, vai ser necessário depois completar com a revisão da lei ordinária que disciplina a matéria.
Penso, assim, que o sentido global da nossa proposta está clarificado. Teremos oportunidade, a propósito dos diversos artigos, naquilo que será, do nosso ponto de vista, uma intervenção mais na especialidade porque se referirá concretamente a cada artigo, de referir as razões pelas quais votámos contra a ideia da realização de um referendo plebiscitará) nesta matéria e as razões pelas quais votámos a favor da clarificação em matéria de revisões ordinárias e extraordinárias da Constituição.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

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O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Caiu o Carmo e a Trindade» sobre a pretensão de um referendo acerca do Tratado da União Europeia! Enfraquecimento da capacidade negocial do País, sinal de parceiro não fiável, mau precedente, complexidade inacessível ao cidadão votante, até o custo financeiro tido por fútil, foram argumentos correntes para obscurecer algo que ficou claro.
A sociedade portuguesa desejava esclarecimento, debate e opção. As implicações da Cimeira de Maastricht são de uma tal dimensão nos fundamentos do Estado que transcendem na substância o mandato representativo e a dignidade do Parlamento seria acrescida com o recurso ao pronunciamento público.
A diferença entre o referendo e um processo fechado nos órgãos de soberania chama-se, na realidade dos factos em causa, liberdade de escolha.
Propomos ainda, aqui e agora, a abertura constítucional, a título transitório e excepcional, do referendo do Tratado da União Europeia na versão actual ou na revista. A simples verificação da crise do Tratado no âmbito dos Doze e o adiamento notório de qualquer decisão unânime são factores que propiciam ainda a prova do voto popular se a simples vontade democrática não fosse liminarmente suficiente.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Para confundir as verdadeiras questões ern debate, o PSD e o PS, promotores desta revisão, ensaiaram uma novela medíocre entre as chamadas revisão minimalista e maximalista da Constituição. Verdadeira escolha europeia entre Dupont e Dupond!
E que temos como desfecho de tanto enfrentamento? Que «Portugal pode convencionar o exercício em comum de poderes necessários à construção da união europeia». O designado exercício em comum não ilude uma transferência de soberania, que não apenas uma gestão diversa de competências. Mas que poderes? Que cheque em branco? De que união europeia, de que tratado, a haver? Se, por ironia, a integração europeia mudar de nome constitucionaliza-se uma ficção! «No respeito pelo exercício da subsidiariedade», logo se acrescenta. Mas, Srs. Deputados, o que quer isso dizer? Não seguramente a aplicação do artigo 3.º-B do Tratado, tão inútil, que todo o Conselho Europeu se dividiu sobre a sua interpretação ainda nem o Tratado está em vigor. Que entidade supranacional vai interpretar o princípio constitucional da subsidiariedade?
Será, Srs. Deputados, que VV. Ex.ªs fecham os olhos a que a apregoada revisão mínima da lei fundamental, ainda que se diga que a federal passada para a união europeia não descaracteriza por aí além a Constituição, contende face à letra do Tratado com extenso articulado da mesma, por ora ou a prazo?
Exemplos a esmo: artigos 106.º e 107.º, acerca do sistema fiscal; artigo 109.º, a propósito da elaboração do Orçamento do Estado; artigos 272.º e 275.º, sobre a missão da polícia ou das Forças Armadas. E o artigo 33.º não ficará afastado na decisão nacional sobre extradições, expulsões e direito de asilo? E que garantia de acesso e registos informáticos transfronteiras nos termos do artigo 35.º?
Estabelecida a separação e a interdependência dos órgãos de soberania, a revisão não reflecte nesse equilíbrio o exercício em comum de poderes à escala supranacional, ficando por saber o valor de inúmeras disposições gerais e de princípio, desde a subordinação do poder económico ao poder político democrático e o conteúdo real da soberania da República permanece tão una e indivisível como a cautela de um penhor. E, já agora, qual o valor relativo do artigo 51.º acerca do papel democrático dos partidos políticos, agora sem qualquer protecção acrescida face à preferência do Tratado por partidos de nível europeu?
Princípio de reciprocidade. Como? Que salvaguarda apresenta esta lei de revisão caso o processo decisório da união europeia em previsão ofenda a euro-optimista reciprocidade?
Apresta-se o Estado Português a reiterar o reforço da identidade europeia. Qual delas? A da união europeia? Qual o sentido das duas designações sobre a Europa no mesmo artigo?
Não se impaciente o Plenário. Pretende apenas sublinhar-se que a maioria PSD/PS constitucionaliza por acção e omissão mais incógnitas que normas, mais frases subjectivas que princípios objectivas.
Sei que dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, da grande «vitória» do PS ao conseguir o acompanhamento pela Assembleia da República que, afinal, é menos do que o próprio Tratado admite e preconiza? Enquanto neste ainda é claro, numa declaração específica, que os parlamentos nacionais poderão ter acesso em tempo útil às propostas legislativas da Comissão, a lei de revisão PS/PSD limita-se a observar genericamente «uma informação sobre a construção europeia» o que, tendo em conta a governamentalização actual, sabemos valer quase nada.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A UDP contesta uma revisão de olhos vendados, contesta este jogo de cabra--cega. Exprime naturalmente discordância com o federal Tratado de Maastricht, mas, mais do que isso e para além de nós, rejeitamos neste acto a obstrução a um referendo e uma revisão em que cabe tudo o que o governo PSD venha a gizar no Conselho Europeu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos suspender neste momento os nossos trabalhos, os quais serão retomados às 14 horas e 55 minutos.

Está suspensa a sessão.

Eram 12 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão. Eram 15 horas e 10 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, suponho que V. Ex.ª deve adivinhar a razão pela qual pretendo interpelar a Mesa.
Desejava saber se poderíamos contar com alguma benevolência da Mesa no sentido de retardar o início dos trabalhos por dois ou três minutos, dado o reduzido número de presentes. E, como pode verificar-se, a falha não é nossa, tanto mais que o Deputado Almeida Santos está disponível para intervir, mas talvez fosse preferível esperarmos um pouco mais, desde que o Sr. Presidente o admita como possível.

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O Sr. Presidente: - De acordo, Sr. Deputado. Pausa.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputadas: Eis, pronta a receber o nosso voto, a Constituição revista! Era impensável não a rever, porque era impensável travar a nossa participação na construção da unidade europeia.
Não obstante, houve quem apostasse nisso. Em nome de conceitos rígidos de Estado-nação e de soberania nacional houve e há ainda em Portugal quem considere erro grave o abrir-se a porta à flexibilização desses conceitos.
Entendo eu que é a propósito deles e da sua irresistível superação que melhor se aceita a abertura à mudança, através do exercício do poder constituinte instituído, também chamado de revisão das Constituições mais rígidas. À parte a Inglaterra, insularizada geográfica e psicologicamente, onde reclamar uma mudança constitucional por via legislativa seria um absurdo lógico e um desdouro político, a generalidade das Constituições prevê, dentro de certos limites, a forma da sua própria revisão. No extremo oposto esta, psicologicamente, a França, onde as mutações constitucionais seduzem os Franceses.
Entre nós, nem oito nem oitenta. De cinco em cinco anos, por maioria de dois terços, e a todo o tempo, pela difícil maioria de quatro quintos, a Constituição pode ser revista, desde que respeitada uma lista de limites materiais impostergáveis.
É sábia, esta semi-rigidez! Se, por definição, as Constituições políticas reflectem a natureza das coisas e a maneira de sentir dos homens, seria incogitável uma Constituição cujo grau de rigidez não reflectisse também a relativa imutabilidade daquela dupla identificação. Os povos não trocam a alma nem mudam de pele a cada Primavera!
Digo Isto para desestimular os que parecem apostados em sucessivas revisões extraordinárias a propósito de não prementes finalidades. Ainda esta revisão não está consumada e já se anuncia o propósito de, a pretexto de discutíveis e até inaceitáveis - ao menos em parte - inovações eleitorais, antecipar-se a revisão ordinária, como se isso fosse constitucionalmente possível, ou dar-se início a nova revisão extraordinária.
Pois nem uma coisa nem outra, enquanto o voto do PS puder garantir aos Portugueses o respeito pela Constituição que a Constituição merece. Se o partido maioritário, para distrair a atenção dos Portugueses dos reais problemas do País, precisa da criação de factos políticos, pois que os crie. Sejam eles tentativas de condicionamento do exercício das competências do Presidente da República - para completar a subversão do equilíbrio constitucional dos poderes do Estado -, sejam eles manobras de exploração eleitoralista de respeitáveis sentimentos populares, como é o caso do eterno retorno ao relançamento do voto dos emigrantes na eleição do Presidente da República. Que tudo isso lhes faça bom proveito! Continuaremos nós a desempenhar o papel que nos cabe de zeladores dos princípios de uma democracia genuína, não pervertida por apetências autoritárias nem perversões demagógicas!

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Na preservação da nossa identidade fomos até capazes de ouvir com um sorriso compassivo a acusação de que só mudámos depois da queda do Muro de Berlim! Curiosa afirmação da parte do líder de um partido que só agora corrige os entusiasmos doutrinários de 1974 no programa do seu partido, enquanto nós os banimos do nosso programa há mais de um lustro e na prática os havíamos banido por actos inequívocos em que não vimos ao nosso lado quem tão sem razão nos acusa, desde meados de 1975!

Aplausos do PS.

Mas é verdade que no essencial procurámos manter a nossa identidade. Somos defensores do socialismo democrático, como tal, membros de pleno direito da maior família política europeia. Se o Sr. Primeiro-Ministro, apesar disso, continua, como disse, sem saber o que o socialismo democrático é, não podemos fazer nada por ele. Se o que pretendeu foi realçar o facto de não termos saltado do socialismo democrático - que também dá pelo nome de social-democracia - para requentadas formas e receitas liberais, assumimos essa culpa. Somos assim dados a confissões comprometedoras.
Viabilizámos pois esta revisão porque eliminar do texto constitucional os obstáculos à aprovação e ratificação do Tratado da União Europeia estava em consonância com o mais eminente interesse nacional. Ou nos apeávamos do «expresso europeu» ou continuávamos nele. A alternativa era tão simplesmente essa.
Acontece que somas de há muito europeístas convictos. Foi pela nossa mão que Portugal entrou na Comunidade Europeia. Tivemos, para tanto, de vencer as resistências dos que, do projecto europeu, hoje se proclamam campeões. Com esse objectivo, impusemos sacrifícios aos Portugueses e praticámos corajosas políticas restritivas que nos derrotaram nas unias. Fomos, depois disso, vítimas de comparações ilegítimas entre indicadores desse tempo e deste agora. Apesar disso, não confundimos o projecto da união europeia com eventuais constrangimentos de percurso.
O Tratado de Maastricht, como o Tratado de Roma e o Acto Único são apenas impulsos do mesmo vector. Os defeitos que têm não inquinam, quanto a nós, o bem fundado do objectivo final. Podem ser discutíveis e devem ser discutidos. Podem conter erros e ser corrigidos. Mas constituiria grave insensatez política e erro sem remédio discutir tudo isso de fora em vez de tentar as necessárias reparações por dentro.
A velha esquerda e a nova direita casaram-se na condenação do Tratado de Maastricht. Se uma e outra me não levassem a mal, confidenciaria a ambas que vejo nisso mais uma razão para dispensar-lhe o meu apoio.
No vicio de tentar prospectar o futuro, para ter a certeza de que não caminho ao arrepio da história, costumo colocar-me no presumível terminal das tendências. E a tendência que, ern termos de evolução da unidade política tenho por constatável, é a do sucessivo alargamento dessa unidade. Da família ao Estado-nação não deixou de crescer, sob o impulso da evolução das comunicações. Estas tendem para a instantaneidade. O nosso mundo é cada vez mais pequeno e, ao diminuir, tornando mais próximos os centros de decisão, empurra a unidade política para fora dos limites das suas fronteiras tradicionais e torna cada vez mais interdependentes as sociedades e as economias. Atingimos a era da universalização das civilizações.

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A ideia, aparentemente utópica e seguramente revolucionária, da aldeia planetária está aí, já concretizada em muitos domínios e em concretização vertiginosa noutros.
As próprias Comunidades Europeias, que nasceram sob o signo de um mercado comum, em apenas algumas décadas saltaram para o patamar de um mercado único, e já em projecto aspiram a ser uma união económica e monetária in itinere para uma união política.
Compreendo a resistência da rotina à inovação e daí a reacção daqueles que, animicamente moldados no quadro de um Estado soberano de modelo clássico, tendem a sobrepor os valores do presente e do passado à erupção de ideias e de modelos portadores de futuro.
Mas não tenho a menor dúvida de que lutam debalde contra os determinismos da evolução. A unidade política não tende para a balcanização, pesem as rearranjos ocasionais resultantes do deslaçar de espartilhos por longo tempo inveterados. Tende sim para o alargamento ao nível das cúpulas, corrigido pela autonomização progressiva, sem quebra de unidade de escalões intermédios e até periféricos. E a própria União Europeia, que é também a Europa das regiões, uma vez politicamente consumada, representará apenas um estádio da evolução para a planetização progressiva dos centros de decisão.
A ideia utópica do «mundo só» tende a converter-se ern realidade. Neste contexto, afigura-se-me de certo modo bizantina a discussão entre federalistas e não federalistas. Que uns queiram prolongar, no quadro de uma confederação ou de uma simples união adjectivada, a fase do Estado-nação é tão compreensível como outros quererem desde já antecipar o futuro, bem certos de que princípio federador sempre o haverá e de que, pela natureza das coisas, tenderá a federar, ou seja a unificar, cada vez mais.
Dito isto, não acompanho os que pretendem ver na presente revisão um conjunto de inovações de diminuto significado. Se é limitado o número de dispositivos constitucionais mexidos, nem por isso deixam eles de consagrar uma autêntica revolução político-constitucional. Tomemos consciência disso. Basílio Teles volta a não ter razão quando disse que «fabricar Constituições é tarefa minúscula e platónica». Como pode errar-se tanto sendo-se tão inteligente!...
O modelo do Estado-nação dotado de prerrogativas absolutas de soberania com que o nosso país se identificava pertence já ao passado. Não irreversivelmente, é certo. A todo o tempo poderemos, se for essa a vontade colectiva dos Portugueses, retomar o modelo clássico. Mas a dinâmica dos interesses obstará sempre à concretização desse recuo.
Pertenceremos então, mais do que nunca, a partir da execução do Tratado de Maastricht, a um espaço económico, monetário e crescentemente político, com órgãos de decisão próprios em domínios cada vez mais relevantes, nos quais a nossa vontade é apenas uma entre várias que procuram reconduzir-se à unidade ou à maioria.
Perda de soberania? Sim e não. Sim, porque abdicamos de exercer sozinhos prerrogativas que eram exclusivamente nossas. Não, porque passamos a exercê-las conjuntamente com outros que puseram em comum connosco iguais prerrogativas. Não ainda porque deixámos implícita uma cláusula de direito ao arrependimento. E se for? Alguém tem dúvidas de que a soberania clássica não é já hoje, e tende a ser cada vez menos, uma realidade dos nossos dias? Queremos iludir-nos ou adaptar-nos? Eis a questão.
Curiosamente, feriram os sentimentos de alguns portugueses os aspectos do Tratado com os quais mais claramente se identifica, em meu entender, o interesse nacional.
Refiro-me à previsão de uma cidadania europeia, comum a todos os cidadãos dos Estados membros. Reagem a partir de um conceito de cidadania ligado ao território. Mas por que não ao sangue, como já hoje, entre nós, predominantemente acontece? E por que não a uma comunhão de valores cívicos e culturais? E por que não, nas longas do amanhã, à comum condição humana? Não há já hoje valores e direitos de validade universal? Não é crescente a consciência que temos da nossa aventura comum sobre a terra e da necessidade de nos vincularmos - todos sem excepção - à preservação dos equilíbrios naturais? Não se reclamaram alguns dos melhores espíritos da condição de «cidadãos do mundo»? Portugal é o país da Comunidade Europeia com mais emigrantes nos outros Estados membros. Será que estes não exigem de nós que lhes asseguremos os direitos e a protecção que a cidadania europeia assegura?
Refiro-me também à previsão de uma moeda única. De repente, o escudo pareceu assumir o valor simbólico do hino e da bandeira. Ouço referir um medo pânico da supremacia do marco. Pois entendo eu que é precisamente esse receio, em parte justificado, que melhor justifica a sua fusão numa só moeda europeia, e que com essa fusão se identifica a melhor defesa das moedas de economias fracas, como é, no contexto comunitário, o caso da nossa. E terá lógica, ou será mesmo possível, um mercado único com uma pluralidade de moedas?
Refiro-me, enfim, à previsão de políticas comuns de relações externas e de defesa. Quereremos nós ser francos e reconhecer que nunca tivemos uma política externa verdadeiramente autónoma e não satelizada? Estaremos nós em condições de reconhecer que, em termos de defesa autónoma, o que nos vale é não termos inimigos?
O mais polémico não resiste assim, ou resiste mal, a confrontar-se com elementares evidências. Para além disso há no projecto de construção da unidade europeia, e desde já na sua fase económica e monetária, garantias de apoio ao nosso país - ern parte já concretizado - e de representação, desenvolvimento, segurança e projectos de vida comuns, que só o regresso dos ouvidos moucos aos conselhos do «velho do Restelo» permitiria menosprezar.
Já se disse que a tarefa das Constituições é «indicar objectivos, mais do que consagrar Estados de facto». Esta revisão preenche os dois requisitos. Constitucionaliza o caminho europeu andado e define para Portugal, constitucionalizando-o, o caminho por andar da construção da unidade europeia. Para além de um sinal de empenhamento no reforço da unidade europeia, que já dela constava, constitucionaliza-se agora a possibilidade de convencionar o exercício em comum das competências necessárias à construção da unidade europeia, que assim fica de igual modo constitucionalizada. Ficam assim criados os instrumentos jurídico-constitucionais da concretização desse projecto de um futuro comum para países europeus unidos historicamente por laços de convivência e de cultura.
Eis, caras colegas, o maior projecto sócio-político de sempre! Que outro mais mobilizador e apaixonante? Grave seria o risco se nos resignássemos a entrar no século que começa, tão prenhe de modernidade, apenas com as obsoletas alfaias políticas e jurídicas do século que finda.
A possibilidade de atribuição a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, da capacidade eleitoral para a eleição dos titulares de órgãos

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das autarquias locais, já a nossa Constituição premonitoriamente a consagrava. Bastou pois agora, para dar satisfação ao Tratado, alargar essa faculdade às eleições para o Parlamento Europeu, restrita, naturalmente, aos cidadãos dos Estados membros da União Europeia residentes em Portugal. A reciprocidade, neste caso, é-nos fortemente vantajosa.
O Banco de Portugal perdeu o exclusivo da emissão de moeda. É uma decorrência da previsão de uma moeda única e de um Sistema Europeu de Bancos Centrais. A restrição carece de autonomia relativamente ao problema da unidade monetária. E é hoje uma evidência que não poderia consumar-se a unidade económica sem ela.
A Assembleia da República, em troca dos poderes que perde, recebe o de acompanhar e apreciar, nos termos da lei, a participação de Portugal no processo de construção da união europeia. Até agora, foi mantida de fora, apesar de lei ordinária, nunca cumprida, prever já esse acompanhamento. Paralelamente, atribuiu-se ao Governo o dever de apresentar em tempo útil à Assembleia da República a informação referente ao processo de construção da união europeia.
Foi possível - e isso é importante - incluir aquela nova prerrogativa da Assembleia da República no dispositivo constitucional concernente às suas competências relativamente a outros órgãos. Os intérpretes e doutrinadores constitucionais não deixarão de extrair deste facto as consequências que comporta. Uma coisa é certa: com esta garantia constitucional, não poderá mais a Assembleia da República ser mantida à margem da formação dos mais importantes actos comunitários e não apenas - realce-se - dos relativos a matérias da sua competência própria.
Este reforço do papel dos parlamentos nacionais na formação dos actos comunitários constitui, aliás, recomendação constante de declaração anexa ao próprio Tratado de Maastricht. E é simples corolário do reforço institucional do papel do próprio Parlamento Europeu.
Pena foi que o partido maioritário não tenha querido acompanhar-nos na atribuição de uma competência paralela às Regiões Autónomas, em matéria de propostas de actos comunitários que lhes digam respeito. O PSD defende em palavras o reforço da autonomia regional. Mas não pratica.
O mesmo quanto à atribuição à Assembleia da República de competência reservada para legislar sobre o regime de designação dos membros dos órgãos institucionais da União Europeia a indicar pelo Estado Português. A maioria é ciosa das prerrogativas do Governo nessa matéria e impôs a continuação do regime de competência cumulativa Já esperávamos por essa atitude.
Não refiro as propostas de outros grupos parlamentares por nós rejeitadas - algumas das quais apaixonaram a opinião pública - não por menos consideração pelos seus autores, mas porque serão objecto de referência expressa por um camarada meu. Aliás, na medida em que não adregaram consagração, permito-me considerar que já pertencem ao passado.

Vozes do PCP: - Não apoiado!

O Orador: - E o que importa é construir o futuro. Um futuro europeu de cooperação e unidade europeia, ern coesão e solidariedade, sem deixar de prescrutar o horizonte, onde crescentemente se hão-de adensar as exigências de novos escalões de unidade, a caminho da universalização do que fatalmente há-de decorrer do património comum de todos os homens.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta revisão constitucional é a que PSD e PS consideraram no seu parecer como necessária e suficiente para viabilizar a ratificação por Portugal do Tratado da União Europeia. Está a ser feita com este calendário porque PSD e PS querem apressar na Assembleia da República o processo de aprovação para ratificação, aceitando assim o timing imposto pelo Primeiro-Ministro Cavaco Silva para que o processo se conclua aqui antes da próxima Cimeira da Comunidade em Edimburgo, antes portanto de 11 de Dezembro próximo. É o chamado gosto pelo pântano central de que o Sr. Deputado Almeida Santos aqui veio louvar-se.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No início deste debate, o PCP quer aqui reafirmar os seguintes quatro aspectos essenciais.
Primeiro, não há nada que imponha este calendário e esta pressa. O Tratado de Maastricht está bloqueado, não entrará em vigor, pelo menos, nos próximos tempos, e esta pressa é mera expressão de um servilismo e de um espírito de capitulação, que enfraquecerá a posição de Portugal retirando-lhe capacidade e autonomia de decisão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Segundo, o processo de ratificação com todas as suas peças, incluindo a revisão constitucional referente ao conteúdo do Tratado, não deveria em caso algum ser concretizado sem a realização de um amplo, participado e profundo debate nacional, dando oportunidade ao povo português de se pronunciar através de referendo. Esse debate e esse referendo deveriam assim ser prévios a qualquer outro passo no processo de ratificação, incluindo as alterações que agora PSD e PS querem aprovar.
Terceiro, as alterações à Constituição propostas e votadas pelo PSD e PS caracterizam-se por, no seu núcleo essencial, visarem possibilitar a transferência de soberania para uma instituição supranacional de natureza federal. A União Europeia, tal como resulta di) Tratado, deterá poderes soberanos em numerosos domínios, poderes construídos à custa dos poderes dos Estados da União, entre eles, claro, Portugal. Não se trata, portanto, de eliminar a soberania, mas sim de transferir a soberania dos Estados-nação para o Estado-união.
Quarto, as propostas referentes às competências da Assembleia da República não só não alteraram num milímetro o alcance e consequências das transferências de competências para a União e para os seus órgãos, como, por outro lado, não têm quaisquer consequências reais no plano dos poderes do Governo e da Assembleia da República quanto aos processos e decisões comunitárias, incluindo no plano da definição das posições portuguesas.
A revisão constitucional que o acordo realizado pelo bloco central pró-Maastricht pretende viabilizar é por isso uma revisão feita à revelia da vontade popular e sem que

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os partidos que a concretizam tenham plena legitimidade política para tal. É uma revisão que pretende atingir a soberania nacional e dessa forma pôr ern risco a defesa dos interesses do povo português e a própria independência nacional. É uma revisão feita de acordo com o calendário e o ritmo que convém ao Primeiro-Ministro e que ele impôs ao Grupo Parlamentar do PSD e ao PS. É uma revisão feita com espírito de cedência e capitulação por parte do PSD e do PS perante a exigência dos líderes europeus que comandam este processo da união europeia, mas também do PS perante o PSD incapaz, como exibiu ser, de impor condições que a situação de partido indispensável para a formação da maioria de dois terços lhe permitiria impor.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estamos, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a fazer esta revisão constitucional num momento em que o eleitorado da Dinamarca já disse, em referendo, que não aceitava o Tratado como está e ern que o «compromisso nacional», aprovado pelo Parlamento Dinamarquês em 27 de Outubro para viabilizar a ratificação do Tratado, exclui a Dinamarca da moeda única, da terceira fase da união económica e monetária, da cidadania europeia, das transferências de soberania em matéria judiciária e policial e da política de defesa. Pouco sobra, Srs. Deputados!
Faz-se aqui a revisão constitucional num momento em que o Reino Unido já adiou por mais uns meses a continuação dos debates parlamentares à espera do referendo dinamarquês e não só, mas também da presidência dinamarquesa que, em matéria de impulso ao processo de ratificação de Maastricht, promete ser ainda mais distante que a vigente presidência londrina. Uma Inglaterra que, também ela, em protocolo anexo ao Tratado, se exclui da terceira fase da união económica e monetária e de mais uma série de disposições da UEM, além de continuar a não aceitar a livre circulação de pessoas, nem qualquer transferência de soberania em matéria de segurança interna, além de explicitar que rejeitará sempre transferências da soberania em matéria de defesa, além de ter recusado integrar o Protocolo relativo à política social! Uma Inglaterra que está, pois, fora do Tratado de Maastricht.
Faz-se aqui a revisão constitucional num momento em que na Europa a oposição popular ao Tratado sobe constantemente. Depois do «sim, que mais parece um não», da França, analisem-se os resultados de fiáveis sondagens de opinião feitas em países como o Reino Unido e a Alemanha, resultados que não deixam margens para dúvidas. Se houvesse pergunta, se houvesse referendo, a resposta seria um não. Faz-se aqui a revisão constitucional quando países mais avisados tratam de se precaver, como fez a Holanda quando decidiu já condicionar a passagem à terceira fase da UEM a uma decisão prévia do seu Parlamento.
O Tratado da União Europeia é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a única razão de ser desta revisão constitucional. Revisão mínima, disseram querer os seus promotores. Mínima em relação a quê? Claro que em relação ao que consideram ser as exigências decorrentes do Tratado de Maastricht. Por isso este debate da revisão constitucional é indissociável do Tratado - e por isso a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos foi sobre o Tratado e não sobre a revisão constitucional -, da sua génese e conteúdo, e não só, mas também das suas vicissitudes actuais.
O Tratado assinado em Maastricht está em crise profunda. Crise, antes de tudo, de legitimidade, negociado, como foi, confidencialmente, sem conhecimento nem participação dos povos e das instituições representativas. Crise que resulta do défice democrático que contém e consagra. Crise que resulta do conhecimento alargado do seu conteúdo, o percurso federalista, o dirigismo burocrático, a subordinação aos interesses do eixo germano-francês. Crise maior, finalmente, vinda da repulsão pelas populações e pelos trabalhadores ern especial do que tem sido a sua antecipação nos orçamentos e nas políticas económicas e financeiras, com a recessão, a austeridade, a degradação das prestações sociais, a quebra do valor dos salários. Tudo muito longe desse idílio, desse paraíso que aqui foi anteriormente descrito pelo Sr. Deputado Almeida Santos.

Aplausos do PCP.

Tratado em crise (aliás impedido de entrar em vigor por força do referendo dinamarquês, pelo que resulta do seu artigo R), crise que não é certamente só o PCP que aqui refere. Um conhecidíssimo militante do PSD, que já foi seu alto dirigente, disse mesmo: «Tal como está, o Tratado está morto.» Isto foi dito pelo Dr. João Salgueiro, no Semanário Económico, de 2 de Outubro. Foi como quando alguém disse, na história, que o traje não existia e o rei ia nu!
Tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, só acrescenta as razões que da nossa parte invocamos para o nosso posicionamento neste processo de revisão constitucional. O PCP considerou, e considera, que prioritário não era o processo de revisão constitucional ou qualquer outro acto integrador do processo de ratificação, mas sim a realização de um amplo debate nacional, que «favoreça uma desenvolvida informação do povo português sobre o que verdadeiramente está em causa, permita, numa base de seriedade e serenidade, um intenso confronto pluralista de ideias e opiniões, e estimule uma ponderação e reflexão colectivas sobre as soluções e caminhos que, no quadro da integração europeia, melhor sirvam os interesses essenciais de Portugal e dos Portugueses». Debate que continua por fazer, já que certamente ninguém defenderá que algumas reuniões que o Parlamento realizou e que não somaram por junto mais que duas ou três centenas de participantes representam um grande debate.
O PCP defende que esse debate nacional deveria concluir pela realização de um referendo, que permitisse a expressão transparente dos que estão contra o Tratado e dos que não encontram na actuação dos partidos em que votaram correspondência com os seus sentimentos profundos e a acção conducente com a defesa dos seus interesses. A nossa proposta em sede da presente revisão constitucional tem precisamente por objectivo, por único objectivo, a viabilização do referendo, através de uma norma transitória, de excepção pontual aos limites impostos pelo artigo 118.º, n.º 3, da Constituição. E, como sempre anunciamos, o PCP propõe que este processo de revisão da Constituição se ocupe unicamente da viabilização do referendo, tornando-o prévio e condicionante a quaisquer procedimentos institucionais de revisão da Constituição e de ratificação do Tratado. Esta foi a posição que assumimos depois de ponderarmos devidamente a situação e face a uma evolução resultante da análise e do estudo das possibilidade que a Constituição oferecia. Não se

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trata, como aqui foi dito de manhã, de qualquer referendo plebiscitado, não tem nenhum conteúdo constitucional, mas é um referendo feito com perguntas concretas em tomo do Tratado em concreto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E não vou, Sr. Presidente e Srs. Deputados, referir aqui nomes dos que acham razoáveis e pertinentes estas propostas. Nomes dos que estão nestas bancadas e que já afirmaram publicamente, em artigos de opinião e em debates, e nomes dos que o confessam nos corredores desta Assembleia da República.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Há um sentimento generalizado de que a proposta é justa e corresponde a uma forte aspiração popular (que sondagens feitas mostram ser largamente maioritária na sociedade portuguesa). Hoje, nem sequer podem ser invocados argumentos de calendário. Em nossa opinião, esses argumentos não existiriam nunca, nem seriam suficientes para impedir a realização da consulta popular em tema tão determinante para o futuro dos Portugueses e de Portugal. Mas, admitindo que outros pudessem ser sensíveis a estes argumentos, a verdade é que à nossa frente estilo meses e meses em que o processo não avançará.
Se o voto destas propostas tendentes à realização do referendo fosse ditado aqui única e exclusivamente pelas consciências e se a apreciação de todo este processo fosse ditada pelo que pensam muitos dos que se calam (e hoje certamente vão voltar a calar-se), certamente que o referendo se faria em Portugal. Mesmo que inicialmente houvesse oposição das direcções do PSD e do PS, desde que ficasse claro que sem referendo não haveria outros passos, então não haveria outra alternativa que não fosse o de possibilitar a sua realização. A questão é pois de vontade política e exclusivamente essa.

Aplausos do PCP.

Não merece a pena nem tem qualquer sentido esgrimir questões técnicas. Todos os problemas técnicos têm resolução, designadamente a questão do objecto do referendo, das perguntas, da forma de as fazer, dos prazos. Todos esses problemas têm solução técnica (aliás, cruzando as várias propostas já se encontram algumas soluções). Não é assim possível obscurecer o alcance político da decisão de rejeitar o referendo.
É precisamente por essa razão que o PCP vota favoravelmente todas as propostas tendentes à realização do referendo. Sem prejuízo das reservas e discordâncias que possa ter com o conteúdo concreto de algumas formulações, como as provindas do CDS, que, se a matéria tivesse apoio que viabilizasse a sua aprovação, teriam de ser corrigidas, o PCP quer deixar inequivocamente registada, sem margem para contestações, a sua vontade política firme de realização de um referendo sobre a matéria relevante do Tratado da União Europeia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O referendo sobre o Tratado da União Europeia justifica-se abundantemente com o alcance do Tratado, particularmente no plano das transferências de soberania e da construção de uma Europa supranacional de natureza federal ou, pelo menos, para-federal. A União Europeia, tal como está definida no Tratado de Maastricht, representa uma profunda alteração qualitativa no Tratado de Roma. A União Europeia não é «um pouco mais de CEE», é uma coisa diferente da Comunidade Europeia, uma instituição nova, com uma nova filosofia e novos contornos.
Neste debate em torno da União Europeia não está em questão a Comunidade tal qual é, incluindo com o Acto Único. Não tem por isso qualquer sentido alegar que o referendo a fazer seria sobre a permanência ou não de Portugal na Comunidade e, esse sim, seria um referendo possível e admissível. O que essa postura (meramente argumentativa, é preciso sublinhá-lo) procura inculcar é a ideia de que não há alternativa a Maastricht que não seja a saída da Comunidade. Esse pressuposto é completamente falso e aí está, em primeiro lugar e desde já, a Dinamarca a prová-lo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ninguém pode obrigar qualquer país da Comunidade a aceitar a alteração radical do Tratado de Roma, como está configurada no Tratado de Maastricht. Ninguém pode expulsar da Comunidade qualquer país que recuse e rejeite tal alteração radical.
Disse-se também contra o referendo que o Tratado era demasiado complexo para poder ser apreendido na sua totalidade pelo povo e para poder ser sujeito a perguntas de sim ou não. Quanto à subestimação da capacidade de entendimento do conteúdo do Tratado, no fundo, ela parte da vontade de que não haja um efectivo debate,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - ... de que, por exemplo, a televisão continue a fechar as portas a uma série de debates que permitissem o confronto de opiniões em diferentes capítulos do texto e onde o essencial do Tratado fosse publicamente analisado e controvertido.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Muito bem!

O Orador: - No fundo, este pseudo-argumento visa conservar o conhecimento do Tratado em meia dúzia de iniciados, quer manter-lhe o carácter confidencial que levou o Primeiro-Ministro ao extremo de dizer, ao longo dos primeiros meses do ano, que não era necessária qualquer revisão constitucional para ratificar o Tratado da União Europeia.
Srs. Deputados, o essencial do Tratado de Maastricht está no percurso federalista que traça, nas transferências de soberania em áreas determinantes para a garantia da soberania, incluindo na definição da política monetária da política económica, da política de segurança interna, da política de imigração, da política externa e, tendencialmente, da política de defesa.
O essencial do Tratado de Maastricht está na perda de poderes soberanos do Estado-nação e na sua transferência para o Estado-união, que se pretende criar, isto é, o tal conceito de soberania, que alguns descobriram que estava em desuso, é afinal simplesmente transferido do conjunto dos Estados da Comunidade para um estado-maior, uma espécie de superpotência que vai reunir o conjunto dos Estados.

Aplausos do PCP.

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O essencial de Maastricht está no veso centralista e burocratizante que o atravessa, com o afastamento dos cidadãos dos centros de decisão e a marginalização e esvaziamento dos parlamentos, com a consequente degradação de mecanismos democráticos essenciais.
O essencial do Tratado está na secundarização das políticas sociais, na ausência de garantias, designadamente financeiras, para as políticas de desenvolvimento económico e social, no privilegiamento dos métodos monetaristas numa economia em que impere um liberalismo sem regras e sem ética, muito longe de qualquer afirmação de fé social-democrata.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O essencial do Tratado está no Estado-fortaleza, xenófobo, dessolidário e policiesco. Como está também no super-Esta-do armado e preparado para ditar leis a vizinhos, com forças de intervenção rápida para impor a prepotência onde queira o núcleo duro de grandes interesses que comandara de facto a União, seja em África, seja no mundo árabe, seja noutros lugares onde a Europa entendesse, nessa conjuntura, reaparecer com o espírito e a prática de rapina que a marcou nos últimos séculos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O que é difícil, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é submeter este núcleo de traços característicos do Tratado a referendo. O que é difícil (ou mesmo impossível!) é, por exemplo, explicar como penosamente foi tentado na Comissão, que as transferências de soberania não significam necessariamente uma diminuição da personalidade internacional dos Estados. O que é difícil (ou impossível!) é explicar o efeito milagroso do conceito de subsidiariedade, quando no pensamento dos eurocratas e na letra do Tratado ele não se aplica à reserva de competências da União, mas tão-somente às outras competências, isto é, acaba por funcionar para permitir à União o exercício de mais competências (as próprias e mais aquelas em que alegadamente esteja em melhor posição de exercer) e não para o inverso.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não apoiado!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Difícil é explicar ao País e aos Portugueses um acordo de revisão constitucional como este que PS e PSD celebraram, um acordo em que o PSD obtém tudo o que pretende, incluindo a salvaguarda dos poderes do Governo, já que o aditamento proposto para o artigo 166.º, como é o próprio PS a pôr em evidência na declaração de voto feita na Comissão Eventual para a Revisão Constítucional por intermédio do seu representante, «não altera o actual equilíbrio constitucional dos poderes entre a Assembleia da República e o Governo», ou, como diz, e ainda hoje de manhã o reafirmou, o Sr. Deputado Rui Macheie, trata-se de uma «competência que já existia por parte da Assembleia da República, mas que agora tem um valor simbólico muito importante».

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É o simbolismo e nada mais!

O Orador: - Difícil, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vai ser explicar, hoje e no futuro, porquê este acordo de oposição ao referendo, por que é que, num momento em que a vontade popular o reclama, um partido como o PS se lhe opõe, por que é que em relação a uma questão com a gravidade e o alcance que esta tem se quer afastar a possibilidade de dar voz ao povo português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Submetemos à votação a proposta de norma transitória que possibilite o referendo sobre o Tratado e a proposta de que esse referendo seja prévio a qualquer outro acto do processo de ratificação, na convicção de que ninguém no futuro se poderá eximir às suas responsabilidades perante o País e perante o povo português.

Aplausos do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos hoje a discutir a revisão extraordinária da Constituição determinada fundamentalmente pela necessidade de discussão e aprovação do Tratado de Maastricht. E em homenagem a essa causa o Sr. Deputado Almeida Santos e o Sr. Deputado João Amaral peroraram largamente sobre o Tratado. Foi pena não terem invertido um pouco a ordem dos factores, porque o Sr. Deputado Almeida Santos fez aqui uma oração - de que, como sempre, gostámos - que valeu como uma justificação ou uma tentativa de justificação. Tentativa, desde logo, perante a sua própria consciência socialista e necessária justificação para quem aderiu entusiasticamente a um tratado onde se tem formulado o princípio de que os Estados membros da Comunidade actuarão de acordo com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência como garante da distribuição eficaz dos factores de produção. É o epitáfio final sobre o socialismo na Europa, tão entusiasticamente apoiado pelo Partido Socialista. Registamos e louvamos ou, antes, congratulamo-nos.

Aplausos do CDS.

E justificação também perante a sua consciência de membro de um partido que teve um papel activo na formulação da versão originária desta Constituição e, depois, na última revisão constitucional, porque também aí carece de justificação por ter aderido tão entusiasticamente a um tratado que terá sido levianamente assinado antes desta revisão constitucional.
Não vamos falar agora do Tratado, deixamos isso para o momento adequado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E o Sr. Prof. Freitas do Amaral?

O Orador: - Também falará! Temos notícia disso.

Embora não integrando o bloco central anti-referendo e não tendo, por isso, participado nas negociações e nos acordos de bastidores que condicionaram, de modo importante, os trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constítucional, o CDS tomou parte activa e empenhada nesta primeira revisão extraordinária - bem-vinda! - da Constituição.

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Fizemo-lo com dois objectivos fundamentais: em primeiro lugar, para viabilizar constitucionalmente o recurso ao referendo nacional para decidir sobre a atitude a tomar pela Assembleia da República, em matéria de aprovação do Tratado da União Europeia, vulgo Tratado de Maastricht, e, em segundo lugar, para acautelar a defesa da identidade e da unidade nacionais, da sua soberania, bem como para preservar as competências dos órgãos nacionais de soberania face aos desenvolvimentos das Comunidades Económicas Europeias, vulgo aprofundamento da Comunidade.
Viabilizar constitucionalmente o recurso ao referendo: com efeito, apesar de incluído, por ocasião da revisão ordinária de 1989, no elenco das formas de participação dos cidadãos na vida politica, o referendo nacional acabou por se revelar praticamente inviável. Que o diga o Partido Socialista, que, depois de tanto procurar, encontrou uma hipótese fraca de exercício do referendo!
Tais foram as limitações impostas, desde logo, na norma constitucional - o artigo 118.º - com o objectivo de defender as instituições próprias da democracia representativa, limitações que a imaginação e a perícia do legislador ordinário não conseguiram ultrapassar, apesar de aconselhado pelo Sr. Deputado José Magalhães, que o recurso ao referendo se revelou impossível, precisamente nas hipóteses em que mais se justificava e a opinião pública mais o exigia.
Foi precisamente o caso do Tratado da União Europeia, ou de Maastricht, em que, face a um movimento generalizado de opinião favorável ao referendo - e isto é indiscutível! -, se levantou a objecção constitucional, transformada, a breve trecho, em autêntica desculpa constítucional.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Desculpa que era, sem dúvida, necessária porque o Tratado de Maastricht não representava, e não representa, um simples desenvolvimento do Tratado de Roma e do Acto Único Europeu, mas constitui uma modificação qualitativa importante da natureza das Comunidades Económicas Europeias, que passam a chamar-se «Comunidade Europeia», a caminho da União Europeia, e das suas relações com os Estados membros.
É que, Srs. Deputados, embora o referendo tenha necessariamente como objecto questões de relevante interesse nacional, incluindo as que devem ser decididas pela Assembleia da República através da aprovação de convenção internacional, a aprovação das mais importantes convenções internacionais está excluída do referendo.
Quer dizer que, num mesmo artigo da Constituição, o legislador abre a porta ao referendo no n.º l, para a fechar logo a seguir no n.º 2, contradição óbvia e grosseira que havia que desfazer, reforçando mesmo o recurso ao referendo precisamente nos casos de tratados que impliquem transferências de soberania.
Daí a nossa proposta para o artigo 118.º
Entendemos preferível corrigir a Constituição a incluir uma norma extraordinária destinada a viabilizar o recurso ao referendo só para este caso. Assim, afectaria o Tratado de Maastricht, que é, quer queiramos quer não, um importante tratado, por ser definitivamente conotado como uma excepção à lei fundamental.
Só lamentamos que os partidos que, desde sempre, defenderam o referendo, mesmo o referendo constitucional, mesmo o referendo plebiscitário, como o PSD, tenham, neste caso, negado a sua tradição, ainda por cima, valendo-se dos argumentos que sempre combateram e que correspondem a um frontal desrespeito pela idoneidade e pela capacidade do povo português.
Preservar a identidade nacional: sendo a língua portuguesa o elemento definidor por excelência da nossa identidade nacional, factor de ligação entre os portugueses espalhados pelo mundo e de aproximação com países a cuja história estamos associados, entendemos necessário afirmá-lo como símbolo nacional, num momento em que se acentuam e multiplicam as formas de integração numa organização internacional em que pode deixar de ser língua de trabalho.
Daí a nossa proposta para o artigo 5.º, que tem um carácter fundamentalmente simbólico, que hoje já foi realçado pelo Sr. Deputado Rui Macheie em relação a outras alterações introduzidas no texto constitucional.
Preservar a unidade nacional: entendemos as regiões autónomas como um factor de descentralização e desenvolvimento, mas não de rotura da unidade nacional.
Num momento em que se multiplicam os contactos directos das regiões com as organizações comunitárias (Comité das Regiões), é necessário preservar e fomentar as ligações a nível nacional, acentuando a participação nos órgãos de decisão nacionais de representantes das regiões a par dos representantes do poder local.
Defender a soberania nacional: as ligações de Portugal às Comunidades Europeias assumiram, desde sempre, uma natureza específica, com o exercício em comum de poderes próprios do Estado nacional e com um papel cada vez mais relevante atribuído a órgãos supranacionais.
Justifica-se, por isso, a constitucionalização das comunidades, sublinhando, ao mesmo tempo, a base convencional da participação portuguesa e as condições fundamentais em que aceitamos que essa participação implique a partilha de soberania.
E justifica-se que essa constitucionalização tenha a autonomia que, sem dúvida, lhe cabe na economia do texto da lei fundamental.
Preservar a competência dos órgãos de soberania nacional: o processo dinâmico de integração, posto em marcha com a adesão às Comunidades e com a já referida acentuação das competências e do poder de intervenção dos órgãos comunitários, traduz-se na diminuição dos poderes de intervenção dos órgãos nacionais de soberania, com destaque para a Assembleia da República.
Daí o falar-se, justificadamente, de um défice democrático.
É um défice que pretendíamos colmatar com a consagração de poderes de intervenção da Assembleia da República no domínio do processo legislativo do direito derivado comunitário, bem como no respeitante a imposições fiscais ou a actos normativos relativos ao sistema financeiro.
É claro que, à semelhança do PS, pretendíamos que esses poderes se incluíssem nos poderes de intervenção política e legislativa da Assembleia da República, de modo que o papel desta, sem pôr em causa as competências em matéria internacional e as normas do artigo 8.º da Constituição, pudesse realmente influenciar o processo legislativo, salvaguardando os interesses nacionais.
Lamentamos, porém, que tenha acabado por não ser assim e que a solução adoptada, ao menos indiciariamente, embora representando um progresso, se tenha traduzido numa redução dos projectos iniciais e do papel da Assembleia.

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E são estas as linhas mestras enformadoras do nosso projecto que, embora indiciariamente não tendo merecido o voto favorável do bloco central contra o referendo, acabou por deixar as suas marcas em algumas da soluções adoptadas.
Não era, porém, isso, ou só isso, o que pretendíamos; o que pretendíamos era que a Assembleia, com respeito integral pelo seu papel, viabilizasse a consulta popular em tema tão importante.
Se assim não for possível, com o destino que vamos conhecer hoje em votação final dos projectos de lei, e se os Srs. Deputados não quiserem, definitivamente, dar-nos a razão, estamos certos de que a história, certamente, acabará por nos dar razão.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dispõe o Deputado do PSN, nos termos do n.º 2 do artigo 138.º do actual Regimento, de um tempo não superior a vinte minutos para a apresentação do seu projecto de revisão constitucional.
À parte o pormenor da interpretação «sumítica» - creio que isto é um neologismo, e por isso peço desculpa - deste «não superior», já que foi reduzido para metade o tempo limite, o PSN, através da voz solitária do seu Deputado, aproveita esta rara oportunidade para protestar contra a atmosfera falaciosa desta reunião plenária e contra a perda de tempo que ao respectivo debate corresponde.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não apoiado!

O Orador: - Protestar, em primeiro lugar, contra o sofisma que consiste em designar este debate - que debate? - de «revisão constitucional» quando o que, na verdade, através dele se pretende é antecipar a atmosfera psicologicamente propícia à ratificação do Tratado de Maastricht, já que outra coisa se não pretende que dar cobertura mediática, mais até do que institucional, ao pacto histórico combinado entre os dois partidos com força conjunta para o impor.
E digo pacto histórico não tanto porque esteja convencido do seu carácter exaltante no plano cívico, mas mais por adivinhar a esses partidos o doloroso dever de terem de responder, perante a história, pelo seu acto, independentemente das consequências que lhe advierem.
Foi por queremos retirar a esta decisão, inegalvelmente histórica, de ratificar ou não o Tratado da União Europeia o seu carácter esotérico, iluminado - e não digo ilumi-nista - e elitista e dar-lhe uma dimensão popular, através de uma efectiva participação opcional, que o PSN não pôde conceber um projecto de revisão constitucional extraordinária sem propor a alteração do actual artigo 118.º, tratando de nele incluir o Tratado de Maastricht, dado o seu excepcional e irreversível significado para o futuro do nosso país, já que os seus efeitos terão sobre a Nação uma afectação essencial.
E p essencial não pode ser tratado com o estatuto das coisas menores ou com a desenvoltura e a ligeireza com que se decide sobre os pormenores.
A pressa, o expediente, o secretismo e a aliança entre as forças que partilham a responsabilidade política dos passos já dados são ingredientes que alimentam um inevitável e legítimo clima de dúvida, cepticismo, se não mesmo de suspeita por parte do cidadão comum, mantido teimosamente na posição de inadvertido espectador.
Quando a revisão constitucional, imprópria e abusivamente assim chamada, repito, se limita, por força de um acordo prévio à sua real e pública discussão, a enxertos visando a mera adequabilidade técnica do texto fundamental às disposições do Tratado de Maastricht, descartando-se, por via dessa imposição maioritária, a simples hipótese de consideração dos elementos que poderiam, ao menos no plano teórico, pôr em causa aquilo que, assim, se quer dar como certo e consumado - a sua ratificação -, quando as coisas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se passam assim, então só há uma atitude responsável e construtiva a tomar protestar.
E de nada valerá invocar o n.º 1 do artigo 284.º da Constituição para dizer que a verdadeira revisão ordinária só deverá ocorrer ern 1994, porque tal alegação é especiosa e, sobretudo, não colhe, quando, há dias, foi tomada pública a possibilidade de as actuais dois maiores partidos se entenderem quanto a uma revisão constitucional mesmo antes de 1994, isto é, antes de expirado o prazo constitucional.
Então, pergunta-se: por que razão se não aproveitou este óptimo ensejo, fornecido pelo Tratado de Maastricht, para se promover uma revisão constitucional que traduzisse, com a nitidez possível, o actual estádio político e cultural da sociedade portuguesa?
Claro que foi porque não se quis. E não se quis apenas porque não convinha. E é, justamente, este pormenor da não conveniência de uma revisão desconjunturalizada do espectro do Tratado de Maastricht, mas incluindo-o, obviamente, que preocupa e inquieta.
Dá até a impressão ao observador atento que se está a querer esconder alguma coisa, o que, admito, não será o caso.
Foi, pois, em nome da própria transparência democrática, para já não falar da libertação de eventuais efeitos culpabilizantes, que, desde o princípio, o meu partido entendeu que o actual exercício de revisão constitucional deveria superar o limiar da mera acomodação técnica e acolher elementos essenciais, incluindo a possibilidade de nacionalizar a própria opção por Maastricht, isto é, pela inserção de Portugal numa Europa económica e politicamente unida.
É bem de ver, porém, que o PSN não está, com estas reservas, a emitir ainda quaisquer juízos de valor acerca do Tratado propriamente dito. Isso será numa outra ocasião.
Mas não deixa de ser elucidativo que, a propósito da revisão constitucional, tanto se tenha falado do Tratado de Maastricht. É que o que está aqui em causa, repito, é a antecipação da ratificação do Tratado de Maastricht, já que foi ele que condicionou e definiu exclusivamente os próprios limites materiais da revisão assim promovida.
E, perante um quadro destes, tão engenhoso quão mistificador, aquilo que o PSN faz - e permitam-me que utilize uma expressão muito usada no Brasil, de onde acabo de regressar hoje - é «retirar o seu time», que é como quem diz abster-se de participar numa discussão que não é a sua.
Temas como a abolição da alínea b) do artigo 288.º ou das disposições constitucionais sobre o equilíbrio orçamental, novidades do nosso projecto, não cabem decididamente neste debate, por vontade daqueles que o iludiram.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, todos os grupos parlamentares ou Deputados autores de projectos de revisão constitucional fizeram a apresentação do seu projecto, e isto, nos termos do que tínhamos convencionado de manhã, valeu como discussão na generalidade.
Vamos agora passar à discussão na especialidade. É evidente que tenho sentido indicativo e não posso impedir que cada Deputado, se entender relacionar temas que o faça, mas vou, passo a passo, pela ordem dos artigos, dar a palavra ao Plenário para intervir no tema respectivo.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, de harmonia com o pressuposto que inicialmente indiquei de que cada grupo parlamentar poderia gerir o seu tempo com total liberdade, sem que ficasse restringido a uma única intervenção na apresentação dos projectos, ainda tínhamos uma intervenção de carácter geral.
(O orador reviu.)

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, a questão que queria colocar-lhe é no sentido de que os grupos parlamentares que não tenham sido proponentes de qualquer projecto de revisão constitucional possam ter a liberdade de não circunscrever a sua intervenção à metodologia que o Sr. Presidente propôs.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, eu disse que a minha sugestão tinha apenas valor indicativo, mas, se nem esse lhe querem dar, retiro a minha sugestão.
Nessa base, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputadas: Debatemos hoje a revisão constitucional extraordinária, tomada possível pelo PS e pelo PSD. Este debate desenrola-se sob o mais completo divórcio da população, muito mal informada sobre o alcance e as razões que determinam as alterações que agora se pretendem introduzir ao texto constitucional.
O processo de revisão extraordinária da Constituição decorre do facto de o Tratado de Maastricht, para ser ratificado, obrigar à alteração de normas constitucionais. Eis-nos, assim, ern pleno debate parlamentar específico, sem que, previamente, houvesse a preocupação de se promover uma ampla discussão pública sobre o Tratado, que irá repercutir-se, sem dúvida, na sociedade portuguesa.
O Governo impediu essa importante discussão pública e democrática sem que tivessem sido distribuídas à população informações detalhadas sobre o Tratado, com a elencagem das consequências que decorrem para os Estados e, em particular, para Portugal, da sua aplicação.
Impunha-se uma debate aberto, como aconteceu noutros países democráticos, que conduzisse, finalmente, a um referendo nacional, para que os Portugueses, com profundo conhecimento, pudessem decidir conscientemente.
Nada se fez! Houve notório receio que um tal referendo se realizasse e, agora, vemo-nos confrontados com a necessidade imposta pelos defensores do Tratado de Maastricht de se apressar uma revisão constitucional que possibilite a sua ratificação, sem qualquer participação ou consulta populares. Não houve qualquer esforço no sentido de se esclarecer convenientemente o povo português.
Sem discutirmos, agora, o conteúdo do Tratado de Maastricht - a seu tempo, fá-lo-emos -, não podemos, contudo, esquecer que o que está fundamentalmente em causa são exactamente as implicações para o nosso país da sua aprovação. Implicações que significam restrições à democracia, que, preocupantemente, já se insinuam a outros níveis, com o Primeiro-Ministro a atacar, de forma inaceitável, injusta e não credível - e não se sabe ainda com que reais intuitos -, todos os órgãos democráticos de fiscalização e os órgãos de soberania, em especial o próprio Presidente da República.
Com o seu comportamento, o Governo e o Primeiro-Ministro pretendem criar um clima propício a conflitos institucionais artificiais, desviando deliberadamente as atenções do povo dos reais e graves problemas sociais em que mergulharam o País.
E é neste momento de particular gravidade e de crise económica e social que se vive em Portugal que nos encontramos a debater as alterações constitucionais, as quais, a serem aprovadas, facilitam a ratificação de um tratado que poderá prejudicar seriamente a soberania do País em áreas essenciais.
Perda de soberania, com a transferência de poderes nacionais como os referentes à política de defesa e de segurança, de política externa ou de emissão de moeda, para só citar algumas das consequências negativas que se farão sentir em Portugal.
Somos de entendimento que um tema desta natureza, que diz respeito a todo o povo português, obrigaria a uma reflexão mais profunda, a um completo esclarecimento da população e a um amplo debate público e político. Essa dinâmica foi recusada.
O País, Srs. Deputados, está mal informado. Há uma gritante carência informativa, global, sobre importantes assuntos que afectam todos os portugueses, como o que hoje debatemos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há quem entenda que esta revisão é mínima, como já a ouvi classificar. Não temos essa opinião. A revisão que ora debatemos é muito mais profunda do que, à primeira vista, parece. A revisão, negociada entre dois partidos, PS e PSD, suscita-nos sérias preocupações, tanto mais que, repito, não se acompanhou este processo com o indispensável esclarecimento popular.
A ID (Intervenção Democrática) não coloca em causa, Srs. Deputados, a legitimidade e a competência das instituições políticas portuguesas, emergentes de actos eleitorais democráticos. Considera, no entanto, que, perante uma matéria de tão amplo alcance e com tão importantes repercussões na vida nacional, a nenhuma instituição assiste o direito moral de decidir sem uma larga audição de todos os portugueses.
Não se nos toma, assim, possível, e com razão, pelos motivos apontados, aprovar esta revisão da Constituição.
(O orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao próximo orador inscrito, queria informar que estão a assistir a

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este debate sobre a revisão constitucional alunos da Escola Primaria n.º 1 de Odivelas, a quem apresentamos as nossas saudações.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como outras revisões constitucionais que este ano se verificaram na Europa, a presente revisão extraordinária da Constituição decorre do impulso fundamental de adequar o ordenamento constitucional em vista do processo de construção europeia.
Na primeira revisão, a Constituição foi no essencial actualizada em termos democráticos. Na segunda revisão, a Constituição foi actualizada, no fundamental, em termos económicos. Está agora na ordem do dia ajustá-la à actualidade da construção europeia.
Esta actualização em termos europeus inclui, mas não tem a sua expressão mais significativa, na reformulação de algumas, poucas, normas constitucionais com que explicitamente iriam colidir disposições constantes do Tratado da União Europeia.
Se o Parlamento Europeu não tivesse sido constitucionalizado na última revisão constitucional, no que foi uma opção justificada mas contingente, não teria de ser provavelmente alterado agora, como é, o artigo 15.º da Constituição, para permitir que residentes cidadãos doutros Estados membros pudessem participar nas eleições para esse órgão. De forma pioneira, aliás, o nosso texto constitucional já desde então prevê expressamente que, em condições de reciprocidade, possa ser atribuída capacidade eleitoral a estrangeiros residentes nas eleições para titulares de órgãos de autarquias locais. Neste ponto, onde outros Estados membros tiveram que alterar a lei fundamental sob o impulso de Maastricht, já nós não precisámos, por isso, de inovar.
Mas regozijamo-nos a este propósito com a consagração constitucional expressa da primeira manifestação visível de uma «cidadania europeia», porque sempre defendemos que a Europa não deveria reduzir-se a um espaço de liberdades privadas, tinha antes de ser também um espaço de comum participação cívica, uma Europa de cidadãos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Inscreve-se ainda no domínio do contingente a intervenção a que houve de proceder no regime constitucional do Banco de Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Foi divergindo das nossas anteriores Constituições, e de quase todas as Constituições do mundo, que no texto que vigora se optou pela constitucionalização do estatuto do Banco de Portugal. Foi essa particularidade que fez que não fosse agora dispensável uma flexibilização de tal estatuto, no respeitante à atribuição do exclusivo da emissão de moeda, para obviar à colisão futura entre o previsto no Tratado de Maastricht para a última fase da união económica e monetária e a redacção actual do artigo 105.º
Sem diminuição de significado e alcance das alterações que havia que introduzir nestes dois pontos, não é neles que se situa o cerne desta revisão europeia da Constituição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O cerne desta revisão é, para nós, a ligação, que sempre tivemos por imprescindível, entre a emissão de uma credencial constitucional habilitando à construção da união europeia e a introdução de uma inovação constitucional na forma de Portugal participar no processo de construção da unidade europeia.
E hoje visível que o Estado nacional, agindo enquanto actor isolado, se tornou em muitos casos um quadro insuficiente para assegurar respostas efectivas às exigências actuais em domínios, para só falar de alguns, como o da prossecução da paz, da segurança, da gestão macroeconómica, da promoção do desenvolvimento e da coesão económica social, da defesa do ambiente, da própria promoção dos valores da cidadania. Só o exercício em comum de alguns dos poderes tradicionalmente exercidos isoladamente pode assegurar efectividade à resposta a tais problemas.
Em vista de alguns de tais objectivos, em diversas Constituições de Estados europeus, como a Itália, a Holanda, a Dinamarca, a Alemanha, a Grécia, a Espanha e outros mais, figuram há muito cláusulas de transferência de competências, também por vezes ditas de limitação ou de transferência de soberania.
Em Portugal ainda não se equacionara expressamente, em termos constitucionais, este novo quadro com que se defronta o Estado-nação. O impulso veio agora da construção da união europeia.
O fenómeno europeu tinha, até ao momento, um registo limitado e insuficiente no quadro constitucional, donde não resultava uma autorização bastante para o passo que o Tratado da União Europeia envolve.
Propusemos que desta revisão resultasse uma habilitação constitucional expressa para que Portugal pudesse convencionar o exercício em comum - o exercício, não a titularidade - das competências necessárias à construção da união europeia. Quisemos, pois, que da Constituição não proviesse um obstáculo para o empenhamento europeu de Portugal, mas sim uma credencial que viabilizasse esse empenhamento, que é seguramente um dos desígnios maiores do Portugal do pós-25 de Abril.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas propusemos uma autorização constitucional orientada por princípios, por valores, por finalidades. Não uma autorização irrestrita para colaborar na edificação de qualquer Europa, de qualquer feição ou com quaisquer prioridades.
Na actual redacção constitucional, o caminho europeu é já percebido e valorizado como um caminho comum no sentido da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos. Propusemos agora que expressamente se consagrasse na Constituição que o devia ser também no sentido da democracia e da coesão económica e social.
A construção europeia que preconizámos e preconizamos que fique constitucionalmente credenciada é uma realização de democracia e não de burocracia - uma realização de mais democracia, de mais cidadania, de mais elevada protecção dos direitos individuais e sociais e das garantias de participação cívica. E também de projecção da democracia: num mundo em procura, à Europa deve

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caber um papel de promoção do modelo democrático e de defesa dos direitos humanos. Se a legitimação e a força identitária da Europa envolvem uma narrativa fundadora, essa é sem dúvida a de uma infindável luta por mais e melhor democracia, por mais direitos para os cidadãos, em mil combates fundadores que não só fazem a memória europeia como prosseguem e inspiram combates de todos os dias, não só nela como em todos os continentes.
Foi essa a Europa que escolhemos depois do 25 de Abril - e onde já antes alguns de nós tínhamos encontrado acolhimento, permitam-me que o diga em nome da própria experiência e memória pessoal - e que queremos que não fique ausente da referência constitucional europeia que hoje modelamos.
Mas a Europa em cuja construção propomos que fique constitucionalmente autorizada a participação de Portugal tem de ser também uma Europa solidária, uma Europa em que a coesão económica e social seja um valor de primeira grandeza, e não apenas um objectivo acessório, sacrificável a qualquer outro.
Por tudo isto, no desígnio europeu que propusemos que a Constituição passasse a conformar, a democracia e a coesão económica e social são dois valores fundamentais que deverão nortear o uso da autorização constitucional que fica dada no sentido de poder ser convencionado o exercício em comum dos poderes necessários à construção da união europeia.
Mas quisemos também um critério de organização europeia em que esta não pudesse conceber-se e funcionar como um centro que fosse absorvendo crescentes competências e capacidades de decisão, com progressivo afastamento das sedes de decisão em relação aos cidadãos e diminuição injustificada dos Estados nacionais e de demais níveis de organização pública.
Daí que o princípio da subsidiariedade seja chamado a desempenhar no plano constitucional uma função nova, não necessariamente redutível à que lhe seja assinalada no plano comunitário, por forma a poder exercer um papel de controlo no domínio da adjudicação e da orientação do exercício de competências.
Decidir e agir tão perto dos cidadãos quanto for possível, transferir apenas para sedes de decisão superiores o que os níveis mais próximos dos cidadãos se não se revelarem suficientes para alcançar é critério de democracia, de legitimação e de eficácia que deve em todos os planos presidir à atribuição de competências.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nem o Estado nacional nem os níveis de organização regional e local poderão pois, sem desrespeito da Constituição, ser vitimados por um centrípeto efeito de spill over, que sobrecarregasse de competências injustificadas um centro de mais difícil controlo e fosse correlativamente esvaziando de conteúdo funcional o que está perto e em melhores condições de ser participado e controlado. A prescrição constitucional da subsidiariedade é, neste quadro, uma outra garantia do Estado nacional, da democracia e da proximidade dos cidadãos às decisões, sem as quais a legitimação que a Europa não pode dispensar desaparece.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quis o PS que esta revisão fosse, a outro título também, uma genuína revisão europeia.
Assiste-se, hoje, ao que já foi chamado «uma mudança de paradigma na construção europeia». O paradigma dito diplomático, em que a negociação e a confidência ou a discrição detêm o papel fundamental, cede o passo a um outro, em que a transparência, a publicidade, o debate e o controlo assumem relevo crucial para responder a exigências novas e incontornáveis no domínio da legitimação, que geralmente se mencionam sob a alusão generalizada do défice democrático.
Neste novo ciclo, a valorização do papel dos parlamentos nacionais na construção europeia é um elemento essencial da legitimação da Europa, da sua proximidade e da sua aceitação pelos cidadãos e da própria garantia de que os Estados nacionais não serão objecto de uma expropriação deslizante de competências, sem justificação e sem controlo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Participando neste espírito, quisemos que ao mesmo tempo que a participação na construção da união europeia tosse constitucionalmente autorizada, o Parlamento nacional fosse também chamado a desempenhar, por força da própria Constituição, um novo papel no acompanhamento e na apreciação da participação de Portugal nessa construção. A Constituição deverá passar a acolher mais Europa com mais democracia, mais Parlamento e mais controlo, não mais Europa ao preço de menos democracia, menos Parlamento e menos controlo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Cumpria evitar que, com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, se agravasse um fenómeno de desequilíbrio que afecta o papel da Assembleia da República, nomeadamente com a passagem do exercício de competências que lhe estão assinaladas para sedes de decisão comunitária, em que o Governo, e não ela, se encontra presente ou representado. Quadro este particularmente agravado num país em que um destacado constitucionalista já pôde falar de uma automovimentação do Governo nas matérias comunitárias!...
Em nome da democracia e da soberania, era imperioso acompanhar o que é a nova exigência quanto ao modo de prosseguir a construção europeia, nova exigência com tradução clara na declaração anexa ao Tratado de Maastricht sobre o papel dos parlamentos nacionais, assim detendo e reequilibrando um processo de marginalização e desapossamento lesivo do papel da Assembleia. Era indispensável consagrar para o Parlamento nacional um novo papel constítucional - pela primeira vez, expressamente, um papel no domínio da construção europeia.
Era um mais que se tornava inadiável, seja para deter a inaceitável progressão interna de um processo de diminuição parlamentar seja para corresponder às novas exigências e compromissos europeus.
Seria inconcebível que uma revisão europeia da Constituição da República Portuguesa não participasse hoje do que é um dos elementos centrais do novo modo de construir e legitimar a Europa.
Para esta perspectiva, que o nosso projecto desde o início traduzia, ao contrário do PSD, não tivemos durante muito tempo nem a companhia nem a receptividade do partido do Governo.
Só muito recentemente foi possível convergir numa formulação, que a nosso ver dá acolhimento ao que eram

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as nossas preocupações de base desde o primeiro momento: primeira, que a Assembleia da República fosse constitucionalmente chamada não apenas a acompanhar como também a apreciar a participação de Portugal no processo de construção da união europeia e que essa apreciação se pudesse fazer em tempo útil, não bastando, portanto, uma competência de fiscalização que se exercesse a posteriori; segunda, que o Governo ficasse constitucionalmente vinculado a fornecer a necessária informação sobre tal processo e em tais condições de oportunidade, por forma que o efeito da intervenção da Assembleia da República pudesse também utilmente ser tomado em consideraçâo nas posições a sustentar por Portugal.
Com a inserção da nova competência da Assembleia no âmbito do artigo 166.º da Constituição e do correlativo dever do Governo no âmbito do artigo 200.º, Portugal passará a incluir-se no ainda reduzido número de Estados europeus que gradua constitucionalmente este novo papel do Parlamento nacional. E receberá e consagrará, no plano constitucional, o compromisso constante da declaração relativa ao papel dos parlamentos nacionais na União Europeia.
Num momento de grande transformação, a Constituição fica assim aberta para integrar as contribuições e as novas fórmulas de articulação, relevadoras do papel dos parlamentos, que tudo indica virão a nascer do processo em curso.
Quisemos ainda no nosso projecto clarificar a intervenção da Assembleia da República, que reputamos de indispensável, na regulamentação do processo de designação dos representantes de Portugal em órgãos como o Comité das Regiões.
Do mesmo modo, pretendemos consagrar expressamente a competência dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas para se pronunciarem sobre as propostas de actos comunitários que lhes dissessem respeito. Tratava-se, também aqui, de consagrar garantias de participação no âmbito de um processo em que a passagem de mais decisões para sedes comunitárias envolve o risco acrescido de marginalização.
Infelizmente, não encontrámos eco suficiente para estas preocupações. Mas são causas que continuam a ser nossas e por que nos continuaremos a bater. Seria incongruente e inaceitável que no nosso país o poder local e as Regiões Autónomas pudessem resultar diminuídas no quadro de uma Europa que se constrói também em nome do local e do regional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendemos com as nossas propostas que esta fosse não apenas uma circunstancial mas uma autêntica revisão europeia da Constituição, uma revisão que não só eliminasse impedimentos e habilitasse à participação na construção da união europeia mas que participasse, ela própria, no espírito e no modo como hoje se reconhece que ela tem de ser feita para poder merecer o apoio dos cidadãos europeus.
Acreditamos, tudo somado, que esse propósito essencial será atingido. As primeiras manifestações de uma assumida cidadania europeia; a coesão económica e social e a democracia como finalidades e critérios da construção europeia: um novo papel constitucional para o Parlamento nacional com a correlativa obrigação constitucional por parte do Governo - são algumas das inovações que o texto constitucional vai, com certeza, acolher e a que o PS se orgulha de ficar associado.
Mas uma Constituição mais aberta à Europa é, sobretudo, melhor para Portugal. E foi isso, acima de tudo, o que quisemos - uma Constituição melhor para Portugal.

(O orador reviu.)

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Para o PSD!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr Deputado Alberto Costa, gostei muito de ouvi-lo falar em transparência no debate que vai presidir agora à sua concepção de Europa, porque começa muito mal, com muito pouca transparência, com muito pouco debate como se constata na recusa de fazer um referendo e de haver um debate público no nosso país.
Aliás, os próprios horizontes, confessadamente pelo PS e pelo PSD, são pouco claros, pois não sabem bem o que é o Tratado de Maastricht, o que vai ser e no que vai dar! Isto é, estão num nevoeiro e querem levar-nos a todos para lá.
Depois, quanto à questão da subsidiariedade, quero dizer-lhe que ouvi uma definição dada por um constitucionalista do nosso país, que seria, por exemplo, como na relação das autarquias com o poder central em que este só fará aquilo que elas não fariam melhor. Mas sabemos como é que, hoje, por exemplo - isto é apenas uma figura -, uma câmara municipal está incapacitada de cumprir as suas próprias responsabilidades, até por que a própria lei determinada pelo poder central não é cumprida.
Que tipo de subsidiariedade é esta, deixando já de barato que os próprios países que estão a constituir a Comunidade Europeia não sabem o que isso é, como há pouco sublinhei na minha intervenção
Eram estas as questões que queria colocar.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Si. Deputado Alberto Costa:

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé, a resposta ao essencial das suas interrogações consta da minha intervenção inicial.
Mas, muito brevemente, dir-lhe-ei que o facto de V. Ex.ª se poder interrogar, hoje, sobre a indefinição do rumo europeu é um sinal da transparência acrescida que esse rumo, hoje, apresenta, porque, certamente, houve outros momentos no passado em que rumos incertos não puderam ser claramente percebidos pelos cidadãos da Europa. E, hoje, essa incerteza - preteria dizer, essa abertura - é uma oportunidade para os cidadãos se pronunciarem, para os cidadãos debaterem e nós, socialistas, como sabe, fomos sempre favoráveis a esse debate.
Relativamente ao princípio da subsidiariedade, quero dizer-lhe que as questões que levanta ilustram o alcance dessa própria inovação constítucional. A partir de agora, não será possível um debate sobre as competências das autarquias, sobre as competências das regiões e da Comunidade, sem que esse princípio seja aplicado.
E o princípio é, basicamente, o de que aquilo que os níveis mais próximos dos cidadãos são suficientemente

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capazes de fazer não pode ser transferido para os níveis superiores.
Isso é o essencial e essa novidade integrada na Constituição representa também uma contribuição positiva para os debates que proximamente teremos de travar nessa matéria.

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao assumir, por resolução de 12 de Junho deste ano, poderes de revisão constitucional extraordinários, a Assembleia da República assumiu implicitamente o compromisso de dar o primeiro empurrão para acelerar o processo de ratificação do Tratado de Maastricht.
Com efeito, a dupla vontade política do PSD e do PS de eliminar as barreiras constitucionais que a ratificação do Tratado da União Europeia exige e a convergência manifesta na adaptação das disposições constitucionais do nosso país às exigências do Tratado é uma inequívoca expressão do desejo de impor a qualquer preço aos Portugueses o Tratado e a opção de construção europeia que preconiza.
A revisão extraordinária surge, assim, não como a eventual conclusão de um processo feito de profundo debate que tivesse percorrido toda a sociedade portuguesa, da livre escolha e da decisão soberana do povo tomada em favor de um determinado modelo de construção europeia, mas como a imposição, pura e simples, aos Portugueses de um facto consumado que se quer ver sancionado.
Em vez de discutir amplamente o Tratado, de divulgar profusamente o seu conteúdo, de multiplicar debates, de desdobrar iniciativas, de pôr a circular dados e de apetrechar os cidadãos de instrumentos que lhes permitissem em consciência tomar decisões e ter voz activa sobre o seu futuro comum enquanto indivíduos, grupo e país soberano que são, o Parlamento usou de poderes extraordinários para, substituindo-se aos cidadãos, antecipar factos, impor escolhas, silenciar vozes que, sem hipótese de se exprimir, assim ficarão.
Uma atitude que, no fundo, antecipa também ela o futuro a que nos querem obrigar: poderes cada vez mais totalitários e centralizados dos Estados; cidadãos amorfos, acéfalos, cada vez mais distanciados dos níveis de decisão e do poder, espectadores mudos e alheados de uma história que lhes quer reservar um papel meramente simbólico.
Um futuro que não permite espaços próprios de afirmação e expressão dos indivíduos e dos povos; que não admite a possibilidade de escolhas, muito menos escolhas diferentes das preestabelecidas como a reacção do referendo dinamarquês com tanta evidência demonstrou!
Afinal, Srs. Deputados, que sentido assim faz hoje ousar falar neste Parlamento de democracia, de participação activa dos cidadãos quando, em questões fundamentais, se lhes nega a cidadania na sua prática de construção quotidiana?!
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Temos para nós, Os Verdes, a participação dos cidadãos como parte integrante da democracia e o livre exercício de direitos cívicos como a corporização desse princípio que não se compadece com vagas intenções e declarações.
O processo de revisão da Constituição que aqui o PS e o PSD contratualizaram na quietude dos gabinetes, anulando o papel dos cidadãos, e que hoje se nos depara, é para nós um processo sem sentido e que não podemos senão recusar.
Decidir sobre princípios cuja aplicação determinará grandemente o nosso destino comum, que tem a ver com a paz, a segurança, a preservação da nossa identidade cultural e nacional, a garantia de que as decisões que nos afectam não ficarão nas mãos anónimas dos eurocratas de Bruxelas são para nós, Os Verdes, questões por de mais importantes para que possam ser escondidas da opinião pública e apressadamente consumadas.
É, pois, neste contexto, e porque recusamos a hipocrisia de debates como meros exercícios de oratória, o exercício dos direitos circunscritos ao ritual do voto e a participação como estado de espírito, que votaremos contra esta revisão constitucional, viabilizando uma norma transitória que permita no âmbito de um profundo debate nacional ouvir os Portugueses através de um referendo sobre o Tratado de Maastricht.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, verificando-se que não existem intervenções para o debate na generalidade e conforme o combinado, vou passar à discussão na especialidade do texto dos artigos da Constituição em relação aos quais existem propostas de alteração.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, com vista a um bom ordenamento dos trabalhos e porque a intervenção que pretendo fazer incide já sobre a especialidade de vários artigos, se fosse possível, agradecia que o Sr. Presidente me desse a palavra.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Expostas que foram, na intervenção do meu camarada João Amaral, as razões que levam o PCP a considerar que a decisão do referendo deveria assumir carácter de questão prévia e condicionante face ao prosseguimento do processo de revisão constitucional, abordada que foi a vertente do acordo entre o PSD e o PS que consiste na recusa concertada desse referendo, é tempo de abordar uma outra vertente do acordo de bloco central pró-Maastricht: a que consiste na definição do conteúdo concreto da revisão constitucional a realizar, por forma a tornear flagrantes contradições entre a nossa lei fundamental e o Tratado de Maastricht, alterando a Constituição e viabilizando a ratificação do Tratado pelo Estado Português.
No fundamental, trata-se, para o PSD e para o PS, de fazer que a Constituição permita o que hoje não permite: a alienação de poderes de soberania a favor dos órgãos próprios da chamada «União Europeia». Sendo este inquestionavelmente o grande objectivo visado pelos proponentes e negociadores da presente revisão, importa analisar as cláusulas mais importantes do negócio PSD/PS, que são: o aditamento de um novo número ao artigo 7.º da Constituição, relativo as relações internacionais, com o ob-

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jectivo de permitir a transferência de poderes soberanos do Estado Português para órgãos comunitários; a alteração ao artigo 105.º, relativo ao Banco de Portugal, por forma a limitar o estatuto do banco central nacional em função dos ditames da união económica e monetária, retirando-lhe o exclusivo da emissão de moeda ern território português; a consagração no artigo 15.º do direito de os cidadãos residentes em Portugal elegerem e serem eleitos para as autarquias locais e a concessão de igual direito aos cidadãos originários de países comunitários nas eleições para o Parlamento Europeu, e, ainda, a questão dos poderes da Assembleia da República, inicialmente colocada a nível do artigo 164.º, relativo à competência política e legislativa, mas que o PS aceitou relegar para um lugar e alcance bem mais modestos, no artigo 166.º, que regula a competência da Assembleia quanto a outros órgãos.
São estas as quatro ordens de questões que abordarei de seguida.
Como disse, a primeira questão é relativa à transferência de poderes de soberania, à luz da redacção proposta para o artigo 7.º e à luz das disposições do próprio Tratado. Propõem o PSD e o PS que, nos seus termos exactos, Portugal possa, em condições de reciprocidade, com respeito pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica e social, convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da união europeia. O objectivo visado com o aditamento desta disposição é claro: trata-se de permitir que as graves mutilações da soberania nacional que decorrem do Tratado de Maastricht possam invocar cobertura constitucional.
O PSD e o PS pretendem arredar os obstáculos constitucionais ao envolvimento de Portugal num processo de integração de orientação marcadamente federalista, caracterizado, entre outros aspectos, pela adopção como regra de decisões por maioria, pela criação de uma política monetária única e de uma moeda única, pela institucionalização de um Banco Central Europeu cujas decisões se sobreponham não só aos bancos centrais nacionais mas aos próprios Estados, pela imposição de regras vinculativas aos orçamentos nacionais e pela atribuição de personalidade internacional aos órgãos da União no âmbito das políticas externa e de defesa, áreas particularmente sensíveis para a independência nacional.
O quadro institucional supranacional desenhado em Maastricht, com a criação de novas instituições supranacionais, a generalização da regra da maioria qualificada nos processos de decisão, paralelamente à implementação de políticas únicas e ao alargamento do âmbito das políticas comuns, significa, sem qualquer dúvida, a institucionalização do direitos de os Estados mais ricos e poderosos poderem impor a sua vontade aos Estados mais pequenos e menos desenvolvidos. Não se trata de aprofundar a cooperação entre os Estados europeus no quadro das Comunidades Europeias, nem sequer de construir a unidade europeia assente em nações livres e Estados soberanos e iguais. Trata-se da opção por uma «união europeia» assente em bases federalistas, com a consequente perda da autonomia politica, da independência e da soberania nacionais e com grave empobrecimento da democracia.
O que basicamente está colocado com o Tratado de Maastricht é o abandono pelos Estados membros dos seus poderes soberanos em áreas fundamentais e a transferência desses poderes para instituições e órgãos de decisão supranacionais, que não são politicamente responsáveis perante os parlamentos nacionais e os povos de cada um e de todos os Estados membros. Não deixa de ser significativo que os termos acordados entre o PSD e o PS, para viabilizar estas graves mutilações de soberania, procurem fugir, na sua formulação, aos termos chocantes que correspondem à realidade decorrente do Tratado de Maastricht. Por essa razão, e para todos os efeitos, é importante registar os termos exactos que forem aprovados.
Importa ainda registar que Portugal continua a reger-se, no plano internacional, pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, do direito dos povos à autodeterminação e à independência, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e progresso da humanidade. Tais princípios, a par dos laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa, não poderão ser preteridas na acção do Estado Português no âmbito das Comunidades Europeias e dos seus posteriores desenvolvimentos.
A segunda questão é a seguinte: o PSD e o PS acordaram em retirar ao Banco de Portugal o exclusivo da emissão de moeda em território nacional, visando possibilitar que essa emissão se faça nos termos previstos no Tratado que apontam para a mera execução no território nacional das decisões de emissão monetária tomadas pelo Banco Central Europeu. Esta limitação do estatuto do Banco de Portugal está evidentemente relacionada com a concretização da união económica e monetária, peça básica do Tratado de Maastricht, tendo como objectivo último a criação de uma moeda única, a que o Tratado pretende conferir carácter irreversível. A UEM tem como objectivos expressos a criação de uma moeda única, a adopção de uma política monetária e de uma política cambial únicas, a coordenação das políticas económicas nacionais e o condicionamento das políticas orçamentais nacionais.
O objectivo da moeda única, que o PS e o PSD aceitam e pretendem consagrar - o que não acontece, saliente-se, com todos os Estados da Comunidade e são conhecidas, para além do não da Dinamarca, as reservas da Grã-Bretanha à UEM -, evidencia a natureza federal da chamada «União Europeia». As políticas monetária e cambial únicas, tendo como objectivo primordial a manutenção da estabilidade dos preços, subordinariam todas as políticas económicas da Comunidade e seriam definidas e conduzidas por um Banco Central Europeu que condicionaria a política económica dos Estados membros. O BCE, de que o Banco de Portugal passaria a ser mera dependência executiva, seria independente dos poderes políticos nacionais e comunitários e a sua comissão executiva seria composta por seis membros, nomeados de entre personalidades de reconhecida competência.
Sintetizando, o essencial da política económica e financeira da União e dos Estados membros seria dirigido por uma instituição supranacional politicamente irresponsável perante os parlamentos e os povos dos Estados membros. É, porém, evidente que o BCE não deixaria de estar sujeito às relações de poder político e económico dos grandes países e à pressão das multinacionais e dos interesses dominantes das mercados financeiras. No quadro da UEM, a coordenação das políticas económicas nacionais concretizar-se-ia através das orientações gerais definidas pelo Conselho Europeu com base nas propostas do ECOFIN, deliberadas por maioria qualificada e sob recomendação

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(...) da Comissão, sendo assegurada pela supervisão multinacional dos comportamentos das economias nacionais, que poderia culminar na decisão, por maioria qualificada, de impor sanções aos Estados membros. No quadro da UEM, o condicionamento das políticas orçamentais nacionais será-já o está a ser - concretizado através da fixação de um limite máximo para o défice orçamental, da imposição de harmonização relativa ao IVA e a outros impostos e sujeitando as prioridades no campo das despesas as decorrências das orientações gerais de política económica definidas a nível supranacional.
Cabe neste quadro perguntar, considerando a moeda única a existência de políticas monetária e cambial únicas, a sujeição a orientações gerais de política económica e a acrescida concorrência internacional, como poderão os países comunitários menos desenvolvidos, como Portugal, crescer mais rapidamente que os outros países? Sujeito a uma estratégia económica supranacional, como poderá Portugal fazer frente a situações de crise provocadas por choques externos, senão através de congelamentos, de reduções salariais ou de aumento do desemprego? E, nestas condições, como será possível a Portugal progredir no sentido da convergência real com os níveis de desenvolvimento económico e social dos países mais desenvolvidos da Comunidade Europeia?
A UEM, à qual, através das alterações aos artigos 7.° e 105.°, o PSD e o PS pretendem adaptar a Constituição Portuguesa terá como resultado retirar aos Estados membros o fundamental das suas competências soberanas na definição e concretização das políticas económicas, impedir que os países menos desenvolvidos tenham um crescimento económico que os aproxime dos países mais ricos, obrigar a que sejam os trabalhadores a suportar os custos dos períodos de crise económica e submeter o desenvolvimento económico e social dos Estados membros, os interesses dos trabalhadores, dos agricultores e dos pequenos e médios empresários, aos interesses dos grandes grupos económicos à escala comunitária.
A terceira questão diz respeito ao direito de voto dos estrangeiros nas eleições para as autarquias locais e para o Parlamento Europeu. O PCP votará favoravelmente a proposta relativa à atribuição a cidadãos estrangeiros residentes em Portugal de capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos das autarquias locais. Não se trata de uma inovação em termos constitucionais - o princípio já se encontra inscrito na Constituição -, nem se trata de uma inovação decorrente do Tratado de Maastricht. Seria evidentemente possível e justo introduzir este princípio efectivamente na ordem jurídica portuguesa independentemente do Tratado.
O PCP é favorável à atribuição de capacidade eleitoral activa e passiva aos estrangeiros residentes em Portugal, sob reserva de reciprocidade, sem no entanto deixar de registar que existem países na Comunidade que, invocando a sua situação particular baseada no elevado número de imigrantes, formulam reservas e expressam oposição à aplicação deste princípio no seu território - como são os casos, conhecidos, do Luxemburgo e da França.
Relativamente às eleições para o Parlamento Europeu, pensamos que se trata de um problema um tanto diverso do anterior. Não temos qualquer dúvida em subscrever a proposta de atribuir capacidade eleitoral activa (direito de voto) nas eleições para o Parlamento Europeu, de acordo com o critério da residência. Porém, a questão tem contornos diversos no tocante à atribuição de capacidade eleitoral passiva (direito de ser eleito), dada a natureza da representação que está em causa. Nas eleições para o Parlamento Europeu está em causa uma representação não igualitária dos Estados membros. Está em causa a eleição de 24 Deputados em Portugal, no quadro dos 518 que compõem esse Parlamento. Está em causa a garantia da eleição de uma representação nacional que assegure a defesa dos interesses nacionais numa instituição comunitária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PCP não vota favoravelmente uma disposição constitucional que possa vir a diminuir as garantias da representação genuinamente no Parlamento Europeu.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A quarta questão é a dos poderes da Assembleia da República. Questão que o PS tentou fazer crer tratar-se da grande questão da revisão constitucional, da grande divergência em relação ao PSD, mas da qual acabou em larga medida por abdicar, aceitando uma formulação que esvazia algumas virtualidades que a sua proposta inicial poderia conter.
A questão dos poderes da Assembleia foi agitada pelo PS para tentar salvar a face depois do acordo que celebrou com o PSD. A propaganda de que seriam introduzidas na Constituição disposições destinadas a reforçar os poderes da Assembleia da República, em matéria de integração europeia, não passa de publicidade enganosa. Se o Tratado de Maastricht entrar em vigor, a Assembleia da República terá uma quebra tão drástica de poderes, designadamente ao nível da competência legislativa que nenhum reforço dos seus poderes de acompanhamento do processo poderá minimamente compensar.
A falta de democraticidade do processo de integração europeia e da tomada de decisões pêlos órgãos da Comunidade, conhecida por «défice democrático», é um problema real, agravado pelo «duplo défice democrático» decorrente de Maastricht, com o reforço dos poderes dos eurocratas não eleitos nem controlados e do Conselho, em que os governos nacionais se eximem, à porta fechada ao controlo por parte dos parlamentos nacionais.
Sendo a quebra de poderes da Assembleia um facto real e grave decorrente do Tratado, o PS aceitou-a como tal, tendo-se limitado a apresentar propostas que, no essencial, não resolviam este problema atribuindo à Assembleia da República tão apenas um direito a pronunciar-se, sem carácter vinculativo, sobre propostas de actos comunitários que versassem matérias da sua competência Se o PS estivesse realmente interessado em consagrar uma solução que conferisse reais poderes à Assembleia da República, tê-lo-ia forçado, dada a indispensabilidade dos seus votos para a revisão constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, não o fez e acabou por decair da proposta que inicialmente apresentou de aditamento ao artigo 164.° sobre competência política e legislativa da Assembleia que previa a possibilidade de aprovação de resoluções sobre propostas de actos comunitários - proposta que estaríamos disponíveis para votar favoravelmente -, para aceitar uma solução genérica e imprecisa, imposta pelo PSD, inserida no artigo 166.° relati-

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vo à competência quanto a outros órgãos, deixando as condições de exercício desse direito dependentes de uma lei que o PSD pode aprovar sozinho.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não apoiado!

O Orador: - O que fica da proposta inicial é muito pouco e representa uma abdicação do PS relativamente à sua proposta. Não contará com o nosso voto favorável. Afinal, a magna questão que tanto dividia na revisão constítucional o PSD, partido do poder, e o PS, partido da oposição, acaba por não ser mais do que a «pena do chapéu» do acordo PSD/PS, de bloco central, destinado a ratificar apressadamente o Tratado de Maastricht.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de acordo com o combinado, vamos proceder ao debate artigo por artigo.
Dentro do tempo global ainda disponível para cada grupo, os Srs. Deputados podem inscrever-se para discutir, na especialidade, as alterações propostas aos sucessivos artigos da Constituição.
O Sr. Deputado Costa Andrade pede a palavra para que efeito?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, para, sob a forma de interpelação à Mesa, interrogar o CDS no sentido de saber se este mantém a proposta relativa ao artigo 5.º

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.ª fez bem pois eu iria pedir a palavra, assim que o Sr. Presidente abrisse a discussão do artigo 5.º, para reforçar a justificação da nossa proposta que obviamente mantemos.
Como tivemos oportunidade de dizer na intervenção com que abrimos este debate, a nossa proposta de inclusão de um artigo 5.º-A no elenco dos princípios fundamentais que constituem o pórtico da nossa Constituição tem um objectivo fundamentalmente simbólico: o de reforçar o valor da língua portuguesa, como elemento identificador fundamental da nossa cultura, da nossa presença no mundo, da nossa ligação com as comunidades de emigrantes. Isto num momento em que não está em causa que ela deixe de ser a língua oficial da República - isso nunca esteve em causa -, mas em que poderá estar em causa a sua influência prática, atendendo à circunstância de poder estar também ern causa, com o alargamento das Comunidades Europeias, a continuidade da língua portuguesa como língua de trabalho das Comunidades.
Por essa razão, a nossa proposta tem um valor simbólico e é com esse alcance e esse sentido que a mantemos e a sujeitamos à votação do Plenário da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre.

O Sr. Luís Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD manterá sobre este artigo a posição expressa em sede de Comissão Eventual de Revisão Constitucional e três são as razões que nos levam a manter esta posição.
A primeira relaciona-se com a forma como a proposta do CDS se encontra formulada, que entendemos não ser a mais feliz mesmo para traduzir essa carga simbólica pretendida.
A segunda razão - que para nós é a mais importante - tem a ver com a forma como a língua portuguesa é já protegida em sede do texto constítucional, em que existem três artigos que expressamente tutelam a protecção da língua portuguesa, sendo o mais importante o artigo 9.º na sua alínea f). Se o objectivo do CDS, para além de simbólico, é o de fazer que a língua portuguesa seja língua de trabalho nas Comunidades, recordo que essa alínea f) do artigo 9.º refere que a tarefa fundamental do Estado Português, entre outras, é a de «defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa». Assim, este artigo protegerá, de uma forma mais forte, o desiderato ora pretendido com esta proposta.
A terceira razão prende-se com os motivos que levaram à presente revisão constitucional. Entendemos nós, PSD, quando iniciámos este processo de revisão constítucional, conjuntamente com os outros partidos, que ele deveria ser mínimo e, como tal, não tem cabimento a proposta apresentada pelo CDS, mal-grado que, com outra formulação, seria uma proposta a considerar, com toda a certeza.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, perante o teor e a falta de convicção da argumentação apresentada, pedia ao Sr. Deputado Luís Nobre o grande favor de fazer as sugestões em matéria de formulação que poderiam levar à adesão do PSD a esta proposta, porque estamos evidentemente abertos a todas as possibilidades de a ver aprovada.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre.

O Sr. Luís Nobre (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, não é uma questão de convicção, mas de certeza.
Essa razão não foi única - invoquei mais duas - e, para além disso, como acabei de referir, esta questão já se encontra devidamente tutelada.
Quanto ao facto de sermos nós a propor uma fórmula mais correcta, o ónus é seu, pois foi o Sr. Deputado que não o fez em sede de Comissão Eventual de Revisão Constitucional.

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de apelar ao CDS no sentido de reponderar a subsistência da sua proposta, porque ficou demonstrado haver um enorme consenso em torno da importância da defesa da língua portuguesa. O Sr. Deputado Nogueira de Brito sabe

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que a última revisão constítucional deliberou positivamente sobre essa matéria por unanimidade, aliás.
A realidade é que esta proposta do CDS, ainda por cima, sugere poderem existir outras línguas portuguesas, sendo esta a oficial - portanto, tal proposta está mal redigida -, não resolvendo, por outro lado, o problema que o Sr. Deputado aqui suscitou.
Esta norma, se fosse aprovada com a vossa redacção, não imporia o uso da língua portuguesa como língua de trabalho em qualquer instância internacional e, portanto, não serve essa finalidade. Se o efeito que V. Ex.ª deseja retirar - e é legítimo - é um efeito simbólico, devo dizer-lhe que já o retirou, pois foi aqui reafirmado, da parte de muitas bancadas, o interesse e o genuíno empenhamento na defesa da língua portuguesa.
O efeito está conseguido e V. Ex.ª pode retirar, airosa e eticamente, a sua proposta com o dever cumprido.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, quero dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que o nosso propósito não é o de sossegar a consciência do PS e do PSD, mas o de apresentar as nossas propostas e pedir para elas a votação da Assembleia.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Então que as façam bem!

O Sr. Presidente: - Dado que mais nenhum Sr. Deputado quer usar da palavra acerca desta proposta, da autoria do CDS, de aditamento de um novo artigo (artigo 5.º-A), vamos agora apreciar as propostas relativas ao artigo 7.º, que são as seguintes: uma, da autoria do PS, de aditamento, no seu n.º 5, do inciso «da democracia» entre «a favor» e «da paz»; uma outra, subscrita pelo PSD e pelo PS, de aditamento de um n.º 6; finalmente, uma proposta de eliminação do n.º 5, apresentada pelo CDS.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação destas propostas.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, julgo que seria útil e conveniente que a nossa proposta de aditamento de um novo artigo - artigo 7.º-A - fosse discutida em conjunto com estas outras.

O Sr. Presidente: - Não pus essa proposta a discussão, dado que a epígrafe é diferente. Mas, se V. Ex.ª assim o desejar, não vejo objecção alguma.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Oportunamente, pedirei a palavra para esse efeito, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo esta a minha primeira intervenção neste debate e não tendo sido o PSD de sobremaneira pródigo na utilização do seu tempo durante a primeira parte da discussão, permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que faça anteceder as nossas reflexões sobre o artigo 7.º, tanto da proposta do PSD como da proposta da Comissão, de algumas observações preliminares.
A primeira, para salientar que o debate que aqui estamos a travar e os resultados que se deixam adivinhar, bem como todos os trabalhos preparatórios, nos confortam na certeza de que em Portugal vivemos numa democracia solidamente implantada e estabilizada. Vem isto a propósito do dever que me cumpre de assinalar - e, de certa maneira, celebrar - o consenso estabelecido entre os dois maiores partidos portugueses, no que toca à revisão constítucional. Isto significa que se verificam aqueles dois pressupostos fundamentais de um regime verdadeiramente democrático: a existência de consensos básicos quanto às questões fundamentais de regime e a existência de conflitualidade aberta e não disfarçada quanto às questões da condução concreta da governação. E talvez nada mais expressivo e simbólico do que o dia de hoje aqui nesta mesma sala. De facto, talvez não tenhamos reparado, mas, de um momento para o outro, vestimos aqui uma nova veste: nós não somos, aqui e agora, o parlamento do poder legislativo ordinário, mas, sim, a assembleia constituinte com poderes constituintes, assumindo-nos, portanto, ao nível dos consensos básicos.
Mas, hoje, já vestimos aqui outra veste e assistimos a um exemplo claro e paradigmático de conflitualidade, designadamente entre o PS e o PSD. Ora, isto é, para nós, de assinalar e de festejar.
Por outro lado, também é importante que assumamos aqui neste debate a postura metodológica mais correcta, reclamada por uma discussão em matéria de revisão constitucional. Estamos a rever a Constituição e, portanto, devemos pôr entre parêntesis, neste momento, todas as questões que relevem da conflitualidade própria da conjuntura, que ninguém quer escamotear nem silenciar. Mas aqui temos de ter a capacidade de ascese intelectual suficiente para pormos essa conflitualidade entre parêntesis. Não estamos aqui a discutir questões de conjuntura, nem sequer - importa acentuá-lo, mesmo apesar de ser óbvio -, o Tratado da União Europeia, como tal. Não estamos a fazer um trabalho apressado, como já foi dito.
Do ponto de vista que nos traz aqui - a revisão constitucional -, temos as questões suficientemente amadurecidas e ponderadas para darmos o passo que agora vamos dar. Como legislador constituinte, estamos perfeitamente à vontade, não sofremos de pressas nem da angústia do tempo, para habilitarmos os órgãos competentes, a nível do poder ordinário, para, a seu tempo, ratificarem, ou não, o Tratado de Maastricht. Nada mais incorrecto do que falar de pressas, porque não houve aqui pressão alguma.
De resto, não deixa de ser irónico que, do mesmo passo que daquela tribuna se enfatiza, por exemplo, a necessidade de rever a Constituição à margem das pressões, se alegue a pressão dos factos e se diga: «Mas a Inglaterra já adiou!» ou «Mas a Dinamarca não vai ratificar!». Mas, mas!... Todo um conjunto de condicionalismos da conjuntura que são estranhos ao processo da revisão constítucional, que estamos, neste momento, a empreender.
Posto isto, Sr. Presidente, cumpre-nos declarar formalmente que o PSD retira, como já o havia feito na Comissão, a sua proposta originária de aditamento de um n.º 6 ao artigo 7.º, subscrevendo e votando favoravelmente a

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proposta conjunta do PSD e PS, de aditamento de um n.º 6 ao artigo 7.º, que vem indiciada com a votação de dois terços da Comissão.
A proposta que vem indiciada da Comissão cobre, no essencial, as nossas pretensões. Houve algumas transigências em relação a propostas apresentadas pelo PS, chegando-se a uma fórmula de consenso, que nos parece perfeitamente adequada, designadamente no sentido de enfatizar aqui - porque aqui é a sede própria - o princípio da subsidiariedade. Também entendemos, contra propostas que chegaram à Comissão e que constam dos projectos de revisão constitucional, que não se deveria eliminar o actual n.º 5 do artigo 7.º, como foi proposto designadamente pelo CDS. Este número, relativamente ao qual lográmos consenso no sentido de ser mantido, tem uma autonomia e uma função normativa importante, que é a de precisar, em termos normativos, que o empenhamento de Portugal pelos valores fundamentais aqui elencados - a que, por sugestão do PS, se acrescenta o valor da democracia - vai para além dos nossos compromissos e da nossa trajectória no âmbito da união europeia.
Do mesmo passo que chegámos a este consenso essencial com as propostas apresentada pelo PS, penso que também demos satisfação ao núcleo essencial da proposta tal qual consta do projecto do CDS e, na parte em que não o fizemos, entendemos que essa satisfação não devia ser dada, designadamente na parte em que, pelo menos de um certo ponto de vista, induziria a uma interpretação do artigo 7.º, segundo a qual haveria como que um imperativo constitucional de pertinência as Comunidades Europeias e, designadamente, às tarefas da união europeia.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Em termos constitucionais, não devemos criar este imperativo. Portugal, através dos seus órgãos de poder, representativos e legítimos, deve ter aberta a possibilidade, como já aqui foi sublinhado - e bem -, de arrependimento; pelo menos, no campo teórico, esta possibilidade deve persistir.
Por isso, a consagração da fórmula prevista pelo CDS na sua proposta de aditamento de um artigo 7.º-A, ao referir que «Portugal participa nas Comunidades Europeias», induziria ao risco de um caminho sem retorno. Reconheço de boa mente, como leitor e como jurista, que esta interpretação não é vinculativa, mas ela não é excluída por este texto da proposta apresentada pelo CDS.
Em conformidade e por isto, para prevenir os perigos - os perigos, às vezes, são maiores e mais graves que os danos -, não votaremos a favor desta proposta do CDS.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A razão fundamental para a nossa proposta de aditamento de uma norma autónoma, um artigo 7.º-A, substituindo o n.º 5 do artigo 7.º, reside no facto de entendermos que esta questão da norma que fundamenta a recepção do direito comunitário e que constitui a matriz e o estilo da nossa participação nas Comunidades tem uma especificidade própria, devendo, portanto, constituir uma norma independente e não um número de um artigo que tem como objecto e como epígrafe as relações internacionais. Entendemos que aqui há algo de diferente e, por isso, propusemos um artigo próprio.
É claro que não fazemos a leitura do Sr. Deputado Costa Andrade, que nos- lembra uma velha graça que se contava em Coimbra sobre o nome do estudante e a forma de o ler. Realmente, Sr. Deputado, não se deve ler «Portugal participa nas Comunidades Europeias», mas, sim, «Portugal participa nas Comunidades Europeias com base nos Tratados que as regem»! O nosso objectivo, que não tem, ao que podemos ver, os perigos que o Sr. Deputado lhe quis atribuir, foi o de sublinhar a natureza convencional da nossa participação nas Comunidades Europeias e que essa participação, ou os seus desenvolvimentos posteriores, não pudessem ter base ou fundamento em puros actos de instituições comunitárias. Esta foi a nossa intenção.
Sr. Deputado Costa Andrade, congratulo-me com o facto de esta nossa intenção ter feito parte do núcleo que foi acolhido no acordo PSD/PS e que se serviu, e bem, aqui, de alguns contributos dados pelo CDS.
Realmente, a nossa intenção era a de sublinhar a matriz convencional, com base numa convenção que assinamos livremente, e a de condicionar a transferência de quaisquer competências às condições de reciprocidade e à observância do princípio da subsidiariedade.
É, portanto, ern nosso entender, uma norma cautelar, como o são as normas que propomos para além da alteração da norma sobre o referendo.
Não fizémos um projecto destinado a viabilizar o Tratado - isso para nós viria, se viesse, em segundo plano, depois do povo português se ter podido pronunciar através de referendo -, mas sim um projecto destinado a acautelar os males que para o interesse e a soberania nacionais podem resultar dos desenvolvimentos das Comunidades Europeias.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ern relação ao artigo 7.º, agora em discussão, as preocupações que estiveram presentes na proposta inicial do PS eram fundamentalmente as que a seguir referirei.
Em primeiro lugar, a de inserir uma nova dimensão, requerida pelo fenómeno europeu, nesta altura, no texto constitucional, no próprio lugar em que o fenómeno europeu tinha emergido na Constituição.
Por isso, desfavorecemos a ideia de autonomizar um artigo, porque nos parece que a autorização constitucional requerida agora, em vista da ratificação do Tratado de Maastricht, mais não é do que o desenvolvimento daquilo que já resultou da última revisão constitucional, isto é, uma recepção, embora limitada, do fenómeno europeu na ordem constitucional portuguesa.
Em segundo lugar, era nosso propósito que fosse introduzida na ordem constitucional portuguesa uma norma de habilitação que tivesse algo de análogo àquilo que existe noutras ordens jurídicas constitucionais europeias, mas que explicitasse alguns valores e orientações para o exercício dessa credencial constitucional.
Daí que, faltando a ideia de democracia na formulação, seja do número atinente à identidade europeia, seja no

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próprio artigo relativo às relações internacionais, nos tenha parecido que esta nota, no momento em que a democracia, como valor a projectar na totalidade da Europa e para lá desta e como requisito da construção europeia se torna fundamental, devesse passar a acompanhar a norma de habilitação a introduzir.
Em terceiro lugar, parece-nos que para um país como Portugal era fundamental que esta norma de habilitação fosse também orientada no sentido de autorizar uma construção europeia em que o valor da coesão económica e social, particularmente precioso para nós, ficasse expressamente acautelado no texto constitucional.
Por outro lado, ao contrário do que acontecia noutras propostas, quisemos tornar claro que a entrada neste regime de exercício em comum, que traduz a nossa maneira de ver o fenómeno europeu, deveria ser feita sempre na base de tratado - como, aliás, há pouco, e nesse ponto convergimos, foi sublinhado pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Por isso, esteve presente na nossa formulação inicial, que felizmente transitou para a formulação final, a ideia de que a autorização incidia sobre o poder de ser convencionado o exercício em comum.
Ora, isto significa a recusa constitucional de um processo aberto de autorização para que, sem ser por via convencional, competências possam ir deslizando no sentido de sedes europeias em prejuízo do Estado nacional; função essa que é também desempenhada pela expressa consagração, na fórmula que propusemos, do princípio da subsidiariedade.
Esta consagração, acerca de cujo alcance apresentaremos oportunamente uma declaração de voto, fará que, na ordem constitucional portuguesa, passe a ser possível apreciar as adjudicações de competências a sedes superiores ao Estado nacional ern função de um princípio que tem, fundamentalmente, a ver com as ideias de suficiência e de proximidade aos cidadãos, isto é, com a ideia de que as decisões devem ser tomadas tão perto dos cidadãos quanto possível.
Finalmente, pretendíamos com a nossa proposta que esta norma de habilitação ficasse expressamente ligada ao próprio fenómeno do reforço da identidade europeia.
Foi possível nas discussões travadas em comissão chegar a um entendimento e a uma fórmula comum que nos satisfez, porque consagrou o fundamental das nossas preocupações.
Na verdade, na fórmula final, tanto a reciprocidade como a subsidiariedade ficam consagradas; as ideias de democracia e de coesão económica e social são acolhidas no texto constitucional a respeito da construção europeia; e a ideia de que as transferências de poderes para o regime do exercício em comum devem ser feitas por meio de tratado fica também acolhida na redacção acordada.
Foi, por isso, com inteira satisfação que o PS pôde acompanhar nesta área uma formulação comum com o PSD.
(O orador reviu.)

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Não havendo mais oradores inscritos para a discussão do artigo 7.º, passamos, de seguida, à discussão do artigo 15.º, relativamente ao qual existem as seguintes propostas: de alteração da epígrafe, de alteração ao n.º 4 e de aditamento de um n.º 5, apresentadas pelo PS e pelo PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta matéria das alterações ao artigo 15.º prende-se com a cidadania europeia que, ao contrário do que alguns tem referido, não é um esbater das cidadanias próprias dos cidadãos de cada Estado que compõem a Comunidade Europeia mas, sim, um acrescer de uma participação desse todo, que é a Comunidade, que tende para a união europeia, como decorre do Tratado que determinou a revisão da Constituição com vista à sua ratificação.
Já na última revisão constitucional tínhamos introduzido no artigo 15.º alterações que, digamos, seriam bastantes para a participação activa de cidadãos comunitários residentes ern Portugal nas eleições para as autarquias locais.
No entanto, no que respeitava ao Parlamento Europeu não era claro que o artigo 15.º já acolhesse solução que bastasse àquilo que no artigo 8.º-B do Tratado da União Europeia se dispunha a esse respeito.
Assim, o PS e o PSD apresentaram nos seus projectos de revisão constitucional disposições no sentido de se alterar o artigo 15.º, de forma a ficar claro que estes aspectos decorriam do Tratado da União Europeia. Estas propostas foram alvo de algumas alterações na Comissão, quer em relação à sua própria epígrafe, quer em relação ao articulado, e delas resultou um texto proposto pelo PSD e pelo PS para o n.º 4 deste artigo, de forma a ficar incluído um inciso que se refere à capacidade eleitoral activa e passiva e ainda uma referência à eleição para os órgãos previstos nesse mesmo n.º 4 do artigo 15.º
Quanto ao n.º 5, ficou também proposta uma redacção que diz:
A lei pode ainda atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados membros da União Europeia residentes em Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu.
Ora, esta é realmente a inovação mais acentuada neste artigo, apesar de haver quem entendesse que não era necessário expressar Isto neste artigo. No entanto, parece-nos prudente que esta situação fique clara e que, portanto, não se discuta a constitucionalidade da ratificação do Tratado de Maastricht na parte que atribui aos cidadãos residentes em qualquer país da Comunidade o direito de eleger e ser eleito para o Parlamento Europeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso voto neste artigo vai ser determinado, fundamentalmente, por considerarmos inútil, face à redacção actual, a alteração respeitante às eleições para as autarquias locais e inconveniente no momento em que, um pouco por toda a Europa, se introduzem limitações à capacidade eleitoral passiva em matéria de autarquias locais.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: ía tomar a palavra para me congratular pelo facto de, em Portugal, não haver nada de similar àquela frente xenófoba que irradia ern alguns países da Europa e vou continuar a congratular-me com isso, porque a intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito foi doce, tímida e recuada desse ponto de vista.
Se bem percebi, o que nos disse foi que na Europa há uma certa tendência para a limitação, mas o CDS não propõe que se transporte, importe e transmigre essa tendência para Portugal.
Portanto, o CDS está de acordo com o texto constitucional actual, pois considera que ele está tão bem feito - aliás, ele é resultante da última revisão constitucional, onde foi aprovado por unanimidade - que não precisaria deste aditamento clarificador.
Na verdade, este aditamento é clarificador, como o Sr. Deputado reconheceu, e é uma benfeitoria útil no sentido de concretizar, preto no branco, uma solução que permite a legitimidade da capacidade activa e passiva. V. Ex.ª está de acordo com isso, porque ern Portugal não há Le Pen!... Pelo menos, o Sr. Deputado Nogueira de Brito não é Le Pen e o Sr. Deputado Freitas do Amaral também não o é!...
A segunda coisa que gostaria de dizer, e que também é positiva, é a de que ao consagrar-se a expressão «cidadania europeia», tendo até direito a projecção na própria epígrafe -apesar de ser apenas uma expressão parcial daquilo que ela consagra -, simultaneamente, não se altera em nada a norma constitucional no que respeita aos direitos de certos estrangeiros que, por força da nossa norma constitucional generosa (com a qual suponho que também há um acordo geral), pode permitir a cidadãos dos PALOP ou do Brasil exercerem determinados direitos políticos em Portugal. Ou seja, não há recuo constitucional nessa matéria e a norma deve ser interpretada globalmente, porque é alterada nestes precisos termos que ficam aqui enunciados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, não há dúvida de que V. Ex.ª acaba de confirmar que o CDS foi o farol desta revisão constitucional!

Risos do PSD e do PS.

A preocupação de todos VV. Ex.ª em acolher no núcleo das vossas combinações o fundamental das nossas propostas, a preocupação em saber qual é a posição do CDS, demonstram-no! Estamos muito satisfeitos com isso!
Quanto às alusões ao Le Pen, posso dizer-lhe que aqui não há Le Pen algum. Aliás, espero que V. Ex.ª não esteja a atribuir a essa figura da cena política francesa importância tão grande que levou à aprovação na Assembleia Nacional Francesa de uma das tais limitações à capacidade passiva para a eleição para presidentes de câmara em Franca.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não gostaria de dizer que estamos aqui a funcionar como farol do CDS, iluminando, com uma interpretação autêntica, aquilo que o CDS diz em obseuro, mas foi isso que acabou de acontecer. Aquilo que disse foi exactamente o que o Sr. Deputado Nogueira de Brito tinha dito antes, mas de forma obscura, não clara nem inteiramente líquida.
Porém, agora, estão corripletamente líquidas duas coisas: primeiro, que o Sr. Deputado Nogueira de Brito não é Le Pen e que esse não está cá!; segundo, que o CDS está inteiramente de acordo connosco, embora parecesse que não estava - mas está connosco, o que também é positivo!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, só espero que numa próxima revisão se reordenem todos os números que aqui estão e também a epígrafe, porque pôr cidadania europeia ao lado de estrangeiros e apátridas, não me parece muito elegante, mas enfim, é uma questão de elegância júris não de decisão constituinte.

Vozes do PSD e do PS: - Ainda estamos a tempo!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 105.º, relativamente ao qual existe uma proposta subscrita pelo PSD e pelo PS.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Ruí Machete (PSD): - Sr. Presidente, a minha intervenção destina-se fundamentalmente a explicar a proposta do PSD e a posição que a final adoptámos.
Como é sabido, a nossa Constituição de 1976, em relação às Constituições Portuguesas, tem a singularidade de consagrar um preceito ao banco central e, por consequência, tomava-se necessário adaptar a sua redacção face à previsível criação de um sistema de bancos centrais europeus e do banco central europeu. Assim, propusemos que o Banco de Portugal, como banco central nacional, colabore na definição e execução das políticas monetária e financeiras de acordo com a lei. É evidente a alteração significativa em relação à redacção anterior, que pressupunha que o banco central agisse isolada e monopolisticamente no quadro do Estado Português.
Decorreu da discussão entretanto havida algum enriquecimento desta ideia inicial e assim viemos a convir com o Partido Socialista numa redacção em que ainda se mantém a ideia de que o banco central português deva continuar a poder emitir moeda nos termos da lei. Permite-se, portanto, que seja a lei a definir com precisão as condições em que essa emissão continue a ter lugar.
É no fundo um preceito onde, de uma maneira mais nítida, se traduzem as necessidades de adaptar às novas realidades, resultantes da integração europeia, os dispositivos nacionais em matéria económica e, neste caso, monetária.
É com um alcance muito significativo, do ponto de vista de um passo em frente, ern termos de integração europeia, que este artigo é modificado, muito embora isso não signifique que não se continue a preservar, naquilo que deve ser conservada, a autonomia monetária dos Estados, visto que eles cooperam pela via dos bancos centrais no Sistema Europeu de Bancos Centrais. Esse Sistema tem de contar com a participação do banco português, tal como com a dos restantes bancos dos países comunitários.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serei muito breve relativamente a este artigo 105.º O Sr. Deputado Rui Macheie já nos indicou os pontos fundamentais que presidiram à elaboração deste texto, pelo que gostaria apenas de salientar duas coisas.
Em primeiro lugar, o facto de o Tratado da União Europeia consagrar uma solução que apenas será posta em prática relativamente ao Sistema Europeu de Bancos Centrais e ao Banco Central Europeu em 1997 ou 1999.
Em segundo lugar, prevê-se no artigo 105.º-A do Tratado da União Europeia que o Banco Central Europeu tenha o exclusivo para autorizar a emissão de notas de banco na Comunidade.
Nesse sentido, a fórmula a que chegámos preserva, por um lado, a autonomia do banco central (do Banco de Portugal) e, por outro lado, salvaguarda o regime para o período que vai até 1997 e 1999. Além disso, permite que, em futuras reconsiderações e reformas relativamente ao Sistema Europeu de Bancos Centrais e ao Banco Central Europeu, salvaguardemos e preservemos melhor a autonomia do banco central nacional num contexto que não põe em causa a soberania monetária, mas aponta para uma partilha dessa soberania.
(O orador reviu.)

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, a intervenção do Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins, com a qual concordo, recordou-me um aspecto que há pouco não tive oportunidade de referir e que vale a pena sublinhar perante a Câmara.
Já na anterior revisão ordinária da Constituição foi amplamente discutido esse aspecto e deram-se alguns passos no sentido de considerar a importância da autonomia do banco central. Não em relação aos seus congéneres e ao sistema de bancos centrais europeus de que na altura se não falava, mas em relação ao Governo. Neste momento, devo sublinhar que essa autonomia, o modelo de banco central que adoptámos com esta alteração constitucional, é claramente o modelo da maior independência do banco central face ao Governo. Penso que a matéria, pela sua importância, merece ser sublinhada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, quero apenas salientar que este tipo de normas foi aquele que o CDS efectivamente não propôs, porque fiel ao princípio de que «primeiro, o referendo e cautelas», só depois viriam os «caldos de galinha», que são realmente estes artigos.

Protestos do PS e do PSD.

Bem, aí não conseguimos iluminar os espíritos de VV. Ex.ªs! Estou de acordo, o farol não funcionou!
No entanto, queria dizer-lhes que o artigo, tal como aparece redigido, ficou cheio de ambiguidades. Não sabemos com quem colabora o Banco de Portugal: se é com o Governo Português, se é com o Banco Central Europeu, se é com o Sistema Europeu de Bancos Centrais; ou, ainda, se é o Banco de Portugal que colabora, se é o governador do Banco! Tenho a impressão de que VV. Ex.ªs acabam por dizer de menos e dizer de mais com a redacção que propuseram.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições para a discussão propostas ao artigo 105.º, vamos passar à discussão das alterações do artigo 108.º da Constituição. Relativamente a este artigo o PSN propõe o aditamento dos n.º 5, 6 e 7.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, apenas para dizer que nada mais tenho a acrescentar àquilo que consta do texto das propostas. Aliás, quando se escreve bem e com precisão, nada mais há a acrescentar! E, demais, para uma Assembleia douta como esta também não há nada mais a explicitar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, apenas para, de uma maneira muito sucinta, justificar o nosso voto contra esta proposta.
Trata-se de aditamentos em que compreendemos as boas intenções, mas que, do ponto de vista técnico, nos suscitam reparos, designadamente alguns aspectos da dívida pública que ficariam inviabilizados se fosse adoptado o aditamento proposto como n.º 6.
Por consequência, parece-nos não serem merecedores da nossa aprovação, muito embora prestemos homenagem aos bons propósitos que ditaram a sua formulação.
O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições para a discussão das alterações propostas ao artigo 108.º, vamos passar à discussão das propostas relativas à alteração do regime referendário. Neste ponto há quatro propostas de alteração, uma do Sr. Deputado Mário Tomé, outra do PCP, outra do CDS e outra do PSN.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para justificar a apresentação do meu projecto, quero dizer que Maastricht surge, pressionando a nossa ordem constitucional, ferido de legitimidade constitucional e democrática. O passo de Maastricht é enorme, inseguro e é um passo no eseuro.
O próprio Tratado é hoje pouco mais do que uma ficção, pelo não da Dinamarca, que o fere juridicamente, pela crise do sistema monetário europeu que abala os pressupostos económicos da união económica e monetária, porque divide cada povo em duas metades (é isso que tem estado a acontecer) e, por isso, carece de vigor democrático. A sua unidade é Lio abstracta que não se aguenta sequer com a PAC, o que ainda seria apenas de uso interno; mas, nem sequer nas negociações do GATT consegue uma unidade sólida.
O voto que formou a maioria que defende o Tratado não contemplou esta matéria. O mínimo respeito pela democracia representativa e sensatez institucional aconselha

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a um referendo que permita o debate e o esclarecimento dos cidadãos, que assegure a manifestação da sua vontade nesta matéria, ou seja, que garanta a liberdade de escolha.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, suponho que está em discussão o conjunto de propostas respeitantes ao referendo. Pouco tenho a acrescentar ao que já disse na intervenção inicial do debate de hoje.
A revisão extraordinária da Constituição constitui o objecto primeiro da nossa proposta, o que passa pela correcção do artigo 118.º por forma a permitir o recurso ao referendo no caso concreto do Tratado de Maastricht. Não propomos deliberadamente uma norma especial para o caso do Tratado de Maastricht, porque entendemos que afectaríamos o Tratado com uma excepção à Constituição se, em vez de preterirmos este método, adoptássemos essa norma excepcional. Por isso é que não propusemos uma norma desse tipo, como aconteceu com o Sr. Deputado Mário Tomé, o PCP e o PSN.
Alterámos o artigo 118.º em primeiro lugar para corrigir a contradição fundamental que há pouco apontei existir entre os n.ºs 1 e 2 do artigo 118.º e que torna praticamente inviável o recurso ao referendo nas hipóteses em que a disposição considera que são hipóteses a decidir por referendo. Citei o caso dos tratados internacionais e, portanto, aí estamos no domínio do referendo facultativo tal como hoje é consagrado no artigo 118.º e que entendemos que deveria ser corrigido com esse objectivo. É aquilo que na nossa proposta aparece formulado sob o n.º 4.
Quanto ao n.º 3, entendemos que, dada a importância e o movimento de opinião que se gerou em tomo de tratados como o de Maastricht, que implicam transferência de poderes do Estado Português para organizações internacionais, deveríamos ir além do referendo facultativo. O referendo deveria ser obrigatório.
É isso que consagramos na proposta que fazemos para o n.º 3, confiando obviamente na lei ordinária do referendo para resolver os problemas sequentes das relações da intervenção da Assembleia da República no processo, da fiscalização da constitucionalidade do mesmo, do papel que cabe, sem dúvida, ao Presidente da República, como tendo que cumprir esta iniciativa que lhe é imposta pela Constituição. Tudo isso se resolverá a contento na lei ordinária.
Este é o conteúdo constante do nosso projecto de revisão constitucional, é realmente o seu objecto fundamental e é sobre ele que centramos toda a sua força.
Entendemos que o referendo, uma vez viabilizado constitucionalmente, deveria ser exercido em relação ao Tratado e, depois, consoante os resultados, é que se deveriam desenvolver as alterações constitucionais decorrentes da redacção desse mesmo Tratado.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, pedi a palavra não só para um pedido de esclarecimento, mas ao mesmo tempo para tornar evidente a lógica da nossa posição a este respeito.
A tese do PSN resume-se ao facto de que, antes de adaptar a Constituição da República Portuguesa a factos supervenientes, é preciso consolidá-la do ponto de vista da sua própria lógica democrática. Ou seja, antes de adaptar a Constituição a Maastricht é preciso que ela própria consagre a possibilidade de os Portugueses aceitarem ou rejeitarem tal Tratado. É só isto que quero dizer e, de facto, esta é acima de mais a tese do PSN a este respeito.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de referendo, há dois tipos de propostas. As que formam um grupo constituído pelas propostas subscritas pelo Sr. Deputado independente Mário Tomé, pelo PCP e pelo PSN, são propostas de referendo circunscritas ao processo concreto de participação de Portugal na União Europeia e, sobretudo, mantêm o sistema normativo que consta do artigo 118.º, designadamente no equilíbrio de relações e de poderes entre a Assembleia da República, o Presidente da República e o Governo.
As propostas de outro tipo são as subscritas pelo CDS, que não particularizam, pelo contrário, até generalizam, e, para além disso, alteram significativamente todo o sistema normativo-constitucional relativo ao referendo, pois, e diferentemente do que sucede com o regime geral, há certas matérias que serão obrigatoriamente objecto de referendo a convocar pelo Presidente da República, retirando ou pondo entre parêntesis a questão da participação do Governo e da Assembleia da República, ou, como acabámos de ouvir, remetendo estas matérias para a lei ordinária.
São, portanto, propostas de tipos diferentes que merecem juízos diferentes.
Em primeiro lugar, as propostas subscritas pelo Sr. Deputado Mário Tomé, pelo PCP e pelo PSN são propostas contra as quais votaremos pela razão simples de que entendemos que a matéria concreta da ratificação do Tratado que cria a União Europeia não deve ser objecto de referendo. Votaremos contra a proposta do CDS por ser, em rigor, uma proposta que, em primeiro lugar, transcende o âmbito da revisão constitucional que temos entre mãos.
Nós, Partido Social-Democrata, sempre definimos esta revisão como de emergência pré-ordenada a solucionar um problema de compatibilização jurídico-constitucional com o processo de criação da união europeia e, por isso, reduzimos o nosso projecto aquilo a que o Sr. Deputado Rui Macheie já aqui, e bem, apodou de ático. Portanto, esta proposta está para além de um projecto de revisão com este alcance e só por isso, e sem prejuízo de uma ulterior consideração, ela não deve merecer da nossa parte um juízo definitivo nesta sede.
De todo o modo, sempre adiantaremos que representamos mal o modo como se vai inserir esta alteração significativa no sistema normativo do referendo e, para além disso, não obtivemos respostas em relação a algumas incongruências de que demos conta ern sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, onde demos notícia de que a proposta enfermava de algumas incongruências, designadamente ao excluir do referendo, não percebemos bem porquê, matérias como o perdão, os perdões genéricos ou a amnistia, uma matéria tipicamente susceptível de sobre ela recair um referendo. Foi-nos dito que esse era um assunto a reconsiderar, não temos notícia dessa reconsideração, talvez ela ainda venha a tempo, pois até ao trânsito definitivo em julgado estamos sempre a tempo, o que só ocorrerá, possivelmente, dentro de aproxi-

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madamente duas horas. Mas mesmo que isso não aconteça, é o sistema ern si que merece a nossa desaprovação, e, sintetizando, acaba por transcender o âmbito desta revisão concreta da Constituição, que perspectivamos e encaramos como uma revisão de emergência. Por outro lado, queremos dizê-lo com toda a frontalidade e lealdade, não concordamos com o teor normativo da proposta.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Costa Andrade, descontado o problema do carácter ático do projecto de VV. Ex.ªs, tal como foi, hoje, classificado pelo Sr. Deputado Rui Machete e por V. Ex.ª, pergunto o seguinte: o que é que, na alteração do sistema, incomoda o Sr. Deputado Costa Andrade? A deficiência que apontou, e com a qual concordamos, pois só por lapso é que ainda não a corrigimos - e tem toda a razão o Sr. Deputado Costa Andrade, aliás, como é natural, pois é membro de um partido que é adepto do referendo e deve estar intensamente a viver o nosso projecto -,...

Risos do CDS.

... ou é o problema do referendo obrigatório? Isto é, com que é que podemos contar, pelo menos, na revisão ordinária (embora, para Maastricht já não nos adiante nada)? O PSD vai acompanhar uma alteração do artigo 118.º, que, corrigidos esses aspectos, isto é, alargando o âmbito de matérias, se mantenha no referendo facultativo, ou vai também, connosco, para a solução do referendo obrigatório?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, in lhe long run ali we are dead! O que vai acontecer a longo prazo não sei, se calhar já estaremos todos mortos!

Risos do PSD.

Portanto, relativamente ao que vai acontecer daqui a uns tempos, confesso-lhe que não é minha especialidade a capacidade divinatória. De todo o modo, Sr. Deputado Nogueira de Brito, respondendo concretamente à sua pergunta «o que é que nos incomoda?», dir-lhe-ei que nos incomoda praticamente tudo. Em primeiro lugar, a inoportunidade, pois trata-se de uma matéria que está para além do horizonte de revisão, tal como nós o definimos e a que nos mantivemos rigorosamente fiéis.
Em segundo lugar, não concordamos com a alteração profunda no sentido de tornar obrigatório o referendo, pois entendemos que, por princípio, o referendo deve ser sempre uma competência do poder político ordinário, que deve decidir da oportunidade e da bondade do referendo.
Para além disso, também não intuímos, ou seja, não representamos correctamente qual a projecção que uma proposta como esta vai ter no equilíbrio de poderes - Presidente da República, Governo, Assembleia da República e Tribunal Constitucional. Todas estas são razoes suficientes para dizermos, aqui e agora, não! Depois veremos, Sr. Deputado!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Já percebi! O que vos incomoda é a consciência!

Risos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na intervenção que há pouco produzi já fundamentei o essencial da nossa proposta, mas, de qualquer forma, queria recordar que o PCP apresentou um projecto considerando que o processo de revisão constitucional visasse, exclusivamente, a viabilização do referendo, que deveria ser prévio e condicionante a qualquer outra proposta referente ao processo de ratificação do Tratado.
Neste quadro, é este o conteúdo real da nossa proposta. Ele está suficientemente fundamentado e não vou repetir o que já disse.
No entanto, adiantava o seguinte: no início dos trabalhos de revisão constitucional foi rejeitada uma proposta, que apresentámos, que ordenava, de certa forma, a matéria da discussão das propostas de alteração, designadamente pondo em primeiro lugar a apreciação da matéria referente às alterações sobre o referendo.
Essa proposta foi rejeitada, mas isso não pretende a possibilidade de, em sede de votações na especialidade, se votar em primeiro lugar estas propostas e, concretamente, a proposta do PCP de viabilização do referendo sobre o Tratado da União Europeia.
Neste sentido, quero aqui anunciar que apresentaremos um requerimento tendente a efectivar essa ordenação do processo de votação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É singular a atitude e a postura que os partidos que apresentaram alguma solução para a questão referendária adoptaram neste debate. E estou a referir-me quer ao PCP, quer ao CDS.
Comecemos pelo PCP. Pode dizer-se que, hoje, o Sr. Deputado João Amaral, no seu esforço argumentativo, o mais que conseguiu foi, em síntese, colocar João Amaral contra João Amaral.
Com efeito, qual é o essencial da argumentação hoje expressa? É que não poderia haver aprovação do Tratado de Maastricht sem prévio referendo e, por outro lado, a revisão constitucional, que agora está em curso, exorbitaria das normais competências desta Assembleia, na medida em que poria em causa o próprio conteúdo da soberania nacional. Assim disse, há pouco, o Sr. Deputado João Amaral.
Srs. Deputados, é, pois, singular que meditemos no seguinte: quando, em Maio deste ano, na altura em que o CDS aqui apresentou um projecto de resolução para a abertura de um período extraordinário de revisão, o Sr. Deputado João Amaral dizia que - e passo a citar - «o projecto de resolução apresentado pelo CDS, apesar de não limitado no seu objecto, já que a Constituição o não permite, é justificado pelos seus proponentes, pela exclusiva necessidade de alterar o artigo 118.º da Constituição e, por isso, na opinião do PCP, é inaceitável.

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Directa ou indirectamente, a possibilidade de referendo, tal como o configura o CDS, irá desembocar no referendo sobre matéria constitucional. Essa possibilidade foi expressamente afastada no processo de revisão constitucional de 1989 pelos perigos que comporta e pela perversão plebiscitaria que permite.»
Srs. Deputados, não são minhas estas palavras, são do Sr. Deputado João Amaral! E aquilo que, há alguns meses atrás, fazia que o Sr. Deputado João Amaral fosse, radicalmente, contrário à possibilidade do referendo como modalidade de aprovação do Tratado, é exactamente o que, em nome desse perigo, agora, o mesmo Deputado João Amaral e o mesmo PCP vêm reivindicar para justificar a possibilidade do referendo como acto prévio à aprovação do Tratado de Maastricht.
São, Srs. Deputados, como bem se compreenderá, duas posições incompatíveis entre si, politicamente falando, e que revelam a atitude do Partido Comunista Português nesta matéria.
Permita-me o PCP que lhe diga: é uma atitude totalmente oportunista. Nada tem a ver com uma concepção sobre o sistema constitucional. E a prova provada está em que o máximo que agora o PCP logrou fazer foi apresentar uma proposta para que se excepcione o regime do referendo, exclusivamente na questão da aprovação do Tratado de Maastricht. O PCP não tem uma visão consciente e coerente sobre a ordem constitucional portuguesa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não apoiado! É falso!

O Orador: - Limitou-se, neste momento, a querer aproveitar a aparência de uma certa popularidade relativamente à questão referendária não hesitou e foi mesmo ao ponto de se colocar em completa contradição consigo próprio.
Assim, Sr. Deputado João Amaral, não levará a mal que o PS entenda que não há nada melhor para contrariar a sua argumentação que devolvê-lo para as suas próprias palavras. E em relação ao PCP, penso que o essencial está dito!
Quanto à proposta do CDS, como já tivemos ocasião de referir, em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, entendo que, do ponto de vista da sua validade constitucional, é uma proposta que tem muito que se lhe diga.
Começa por ser uma proposta para uma modalidade de referendo obrigatório. Depois, todas aquelas questões que implicassem a participação do Estado Português, no âmbito do exercício da competência do Estado e de qualquer organização internacional, implicariam referendo obrigatório.
É caso, portanto, para perguntar o seguinte ao CDS: do BERD ao FMI, ao GATT, à NATO, à FAO, à OCDE, à OIT, à Organização Meteorológica Mundial, à Organização Mundial de Saúde, à União Internacional de Telecomunicações, à UNESCO, Srs. Deputados do CDS, qual destas organizações não implicaria a modalidade de referendo obrigatório para que pudesse admitir-se a possibilidade da participação de Portugal nas referidas organizações internacionais?
Isto só demonstra, Srs. Deputados, que não pensaram minimamente sobre o alcance da vossa proposta. Ela apenas pretendeu ser uma bandeira política já que, quanto à sua tramitação constitucional concreta, como acabei de demonstrar, não tem o mínimo de plausibilidade e de consistência.
Mas não ficamos por aqui, Srs. Deputados. É que, por outro lado, a vossa proposta implicaria que, na modalidade de referendo obrigatório, o Presidente da República estivesse vinculado à convocação dos referidos referendos para aprovação dos tratados internacionais. E, ao contrário do que agora acontece quanto à natureza do referendo constitucionalizado, as perguntas a submeter ao eleitorado deixariam, no referendo obrigatório, de estar subordinadas à obrigatoriedade da fiscalização preventiva por parte do Tribunal Constitucional.
Srs. Deputados do CDS, foi outro lapso grave da vossa proposta. Como é admissível que uma matéria tão sensível, que justificava referendo obrigatório, acabasse por dispensar a fiscalização preventiva da constitucionalidade das questões a submeter ao eleitorado? Insustentável, Srs. Deputados do CDS!
Por outro lado ainda na medida em que o referendo seria obrigatório, o Presidente da República passaria a estar constitucionalmente vinculado à sua convocação. Mas, ao mesmo tempo, os Srs. Deputados do CDS não repararam que mantinham intocável, na Constituição, a faculdade do Presidente da República quanto à ratificação dos Tratadas. E, como sabemos, esta matéria é, nos termos da Constituição, um poder discricionário do Presidente da República que pode ratificar ou não ratificar tratados internacionais.
Só que a partir do momento em que tivéssemos referendos obrigatórios a solução era a seguinte: o Presidente estava vinculado a ter de os convocar, mas não estava vinculado a ter de respeitar o resultado, eventualmente positivo, de um referendo porque o seu poder de ratificação continuava a ser um poder discricionário.
Isto, em síntese, Srs. Deputados do CDS, apenas faz prova de que a vossa proposta, do ponto de vista do rigor constitucional, não tem qualquer rigor, não tem qualquer sustentação e limitou-se a ser uma bandeira política para justificar um discurso demagógico.
Nada mais do que isso, apenas isso. Por isso, obviamente, não temos outra possibilidade senão votar contra e sem nenhum problema de consciência Sr. Deputado Nogueira de Brito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já foi dito quase tudo e, da parte di) Grupo Parlamentar do PSD, deixaria, apenas, mais duas ou três notas sobre a matéria em apreço.
Ern primeiro lugar, começaria, naturalmente, por referir uma nota histórica para que todos e a Câmara retenham o instituto do referendo tal como foi concebido entre nós. Assim, deve ser tida em conta a forma como, desde logo na Assembleia Constituinte, foi proposta a introdução do referendo, que não passou, para depois, na primeira revisão constitucional, só ser consagrado o instituto das consultas directas locais e só mais tarde, na segunda revisão, ern 1989, aí sim, ser consagrado o instituto do referendo à escala nacional, mas, mesmo aí, com carácter facultativo.
Dois anos volvidos, é evidente que poderia ser perigoso subverter o instituto, ou melhor, o instituto poderia ser

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susceptível de instrumentalização preversa. Aliás, como tem sido assinalado por vários constitucionalistas, incluindo Duverger, o referendo é um instituto que, do ponto de vista dos princípios, é impecável, mas, do ponto de vista da sua instrumentalização, pode ser perigoso, pode conduzir a situações de preversão plebiscitaria.
Dito isto, ficamos a saber que, em 1989, o referendo foi consagrado na Constituição com cautelas por de mais evidentes e, como tal, as propostas agora em presença da Câmara são, efectivamente, propostas que desequilibram a arquitectura do instituto do referendo entre nós. E desequilibram porquê? Porque, desde logo, a do CDS esvazia corripletamente a natureza facultativa do instituto e introduz um carácter de obrigatoriedade do mesmo quando fala em «submeterá», excluindo, desde logo, a apreciação do Sr. Presidente da República ou a apreciação da própria Assembleia da República.
Por outro lado, a proposta do n.º 3 do artigo 118.º do CDS põe em causa o princípio da interdependência dos órgãos de soberania que está na base do instituto do referendo tal como foi concebido e consagrado entre nós.
Em relação à proposta do Partido Comunista Português de artigo único, quero referir que se trata de uma norma ad hoc que, como foi dito em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, é, no fundo, superada estrategicamente com uma intenção de instrumentalização.
Com efeito, o Partido Comunista Português nunca defendeu entre nós o referendo a não ser agora. O PCP nunca defendeu mecanismos de democracia directa. Portanto, esta norma surge em termos casuísticos e é introduzida temporalmente em termos sui géneris. Esta proposta do PCP não dá, também, uma resposta cabal, por exemplo, à hipótese de eventuais alterações ao Tratado da União Europeia. É, portanto, também aí, uma proposta incoerente.
As Constituições devem ter um carácter de estabilidade. Portanto, como a revisão agora em presença deve ser mínima, é preciso, também aqui, encontrar um equilíbrio. Ora, o desequilíbrio que resultaria dessas propostas incidiria também sobre a chamada representação. Portanto, entre a representação e os mecanismos de democracia directa é conveniente encontrar um equilíbrio.
Votaremos, pois, contra estas propostas por nos parecerem incoerentes e deslocadas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de explicitar um pouco o conteúdo da nossa proposta, direi que o farei sem nenhuma afirmação de conteúdo pessoal, isto é, não pessoalizarei a intervenção. Não é esse o meu estilo e não será ninguém que, aqui, me convencerá do contrário.
Assim, a questão da possibilidade de um referendo em relação ao Tratado da União Europeia levantava - e levantou ao PCP, inicialmente - reservas enquanto foi considerado que essa proposta podia ter como consequência a submissão a referendo de matéria de revisão constitucional ou matéria constitucional. Esse obstáculo foi evidenciado, foi esclarecido e levou-nos a uma atitude que foi aqui registada pela leitura de parte de uma acta relativamente clara em relação à matéria.
Posteriormente, «marcámos», com clareza, que entendíamos que o debate que estava a ser realizado a nível nacional em tomo desta matéria não era suficiente, que o mesmo devia ser intensificado, e entendíamos também que o referendo, com as virtualidades democráticas que tem, poderia constituir um instrumento positivo para esse debate e para uma consciencialização nacional em tomo deste problema.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A questão dos obstáculos técnicos à realização do referendo foi sendo removida publicamente pelas posições expressas de muitos constitucionalistas. E, como exemplo, quero citar, porque está registada em acta, a opinião do Prof. Gomes Canotilho no que toca à possibilidade de um referendo, nos exactos termos em que é proposto pelo PCP. Para além dela, há opiniões expressas, em vários sítios, por outros constitucionalistas que não desejo referir para evitar levantar algum problema pessoal.
Nesse quadro, a proposta que apresentámos tem, em nossa opinião, completo cabimento constitucional e ninguém a discute a esse nível. Com efeito, a proposta é uma proposta séria, apresentada ao povo português para que a entenda e para que a assuma como sua. Para tanto, é apresentada aqui, na Assembleia, para que os Srs. Deputados se pronunciem sobre o seu conteúdo. E, sobre isso, ainda estamos para saber quais as razões que levam o Partido Socialista a opor-se ao referendo uma vez que não foram explicadas aqui, em momento algum.
Mais: reconhecendo que o referendo era popular, reconhecendo que havia uma exigência nacional de referendo, o PS rejeita essa proposta sem explicar e sem indicar as razões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Para terminar, não quero deixar de assinalar o seguinte: continuo a dizer que não quero pessoalizar e, ali da bancada, disse que não diria os nomes de muitos - uns sentados aqui, nesta Assembleia e outros não vieram hoje aqui sentar-se talvez por alguma razão -, ou seja, daqueles que disseram que era necessário o referendo ou se pronunciaram a favor dele contra as opiniões expressas pela direcção das suas bancadas, nomeadamente pelas direcções das bancadas do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata.
O referendo é uma solução democrática, é uma solução necessária e útil e potenciaria um debate que não foi feito. Por isso, continuaremos a propor o referendo como necessário e urgente no quadro de um debate nacional sobre esta questão.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, o CDS foi aparentemente generoso para com os outros partidos, em especial para com os do bloco central anti-referendo, ao manter, integralmente, a sua proposta referente ao artigo 118.º

O Sr. José Magalhães (PS): - Foi uma asneira!

O Orador: - Foi aparentemente generoso porque facultou a VV. Ex.ªs a possibilidade de argumentarem contra a sua proposta concentrando a totalidade dos vossos esforços críticos no referendo obrigatório.

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Mas a proposta do CDS não é apenas uma proposta de referendo obrigatório para um limitado número de casos; é, também, uma proposta de alteração da norma respeitante ao referendo facultativo. E, aqui, o Sr. Deputado Jorge Lacão, há pouco, disse que havia «Deputado João Amaral contra Deputado João Amaral». Ora, eu diria que, nesta matéria, há PS contra PS e PSD contra PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, há PS contra PS não de há dois meses a esta parte mas desde a revisão constitucional de 1989, em que VV. Ex.ªs apresentavam uma proposta que claramente evitava as contradições que acabaram por inquinar a actual redacção do artigo 118.º, ou seja, as contradições entre o n.º 1 e o n.º 2, tomando inviável e inútil o referendo. E o PSD, então, nem se fala! O PSD já quis referendos obrigatórios, já quis referendos plebiscitários, já quis tudo e mais alguma coisa em matéria de referendo e agora não quer nada! E não quer nada definitivamente conforme o Sr. Deputado Luis Pais de Sousa, indo mais longe que o Sr. Deputado Costa Andrade, acabou por nos revelar em termos de futuro. Não estaríamos, afinal, todos mortos, mas sim a votar contra o referendo!
Ora bem, Sr. Deputado Jorge Lacão, não há sequer na nossa proposta de referendo obrigatório muitos dos defeitos que V. Ex.ª, com a habilidade parlamentar que lhe reconhecemos, tentou efectivamente apontar.
Em primeiro lugar, «o Presidente da República ficava vinculado a submeter a referendo e não ficava vinculado aos resultados do referendo». O Sr. Deputado não leu o n.º 1 do artigo 118.º que vale como norma geral para esta matéria. Não leu, esqueceu-se.
Depois, fez uma grande enumeração, que é sempre um acto de grande efeito, de organizações internacionais sem esclarecer se, ern relação a todas elas, haveria transferência ou atribuição do exercício de poderes do Estado Português. E não há, Sr. Deputado Jorge Lacão, em relação à maior parte das que citou. De facto, ou há decisões por unanimidade ou há poderes puramente consultivos e, portanto, não há o exercício de poderes do Estado Português nesse sentido.
De qualquer maneira, Sr. Deputado Jorge Lacão, nós facultamos ao PS e ao PSD uma «ementa» em matéria de referendo. VV. Ex.ªs podiam escolher: recusavam a nossa proposta respeitante ao referendo obrigatório, que é a única que recusam razoavelmente porque, de resto, não mostraram razões para recusar a proposta referente ao referendo facultativo, mas aprovavam a proposta relativa ao referendo facultativo. Isso é que era efectivamente natural e por isso é que fomos aparentemente generosos, porque, ao sê-lo, acabamos por demonstrar que VV. Ex.ªs não têm argumentos contra a alteração que propusemos para o referendo facultativo e nem sequer têm argumentos de fundo para recusar o referendo no caso do Tratado de Maastricht.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Nogueira de Brito, confrontamo-nos com matéria já relativamente requentada em relação àquilo que ocorreu na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Aí, confrontados com esse mesmo problema, convidei o representante do CDS - e já não me recordo se, nessa altura, era exactamente o Sr. Deputado Nogueira de Brito - para um exercício de rigor e de lógica, dizendo-lhe que só pode haver contradição quando se diz coisa diferente e inconciliável entre si sobre o mesmo problema, no mesmo contexto, com o mesmo sentido e com as mesmas implicações. E isto uma vez que nos acusou de contradição em relação ao nosso passado.
Assim, nós só nos contrariaríamos se, alguma vez, no contexto de outras revisões constitucionais, tivéssemos estado colocados na situação em que hoje estamos, o que nunca aconteceu. Tivemos as nossas propostas ern relação à problemática do referendo no contexto de revisões globais e gerais da Constituição, propostas essas que tiveram o seu curso.
Nestes termos, só será legítimo falar de coerência ou estigmatizar como contraditório se, nesse mesmo processo, ou seja, num processo de revisão global da Constituição, rebux sic stantibus tomarmos posições divergentes. E isso não se verifica. O que se verifica é uma revisão constitucional pré-ordenada exclusivamente para viabilizar a ratificação em termos constitucionalmente admissíveis do Tratado da União Europeia e não, da nossa parte, a verter a disciplina normativa e constitucional do instituto do referendo.
Por isso, Sr. Presidente e Sr. Deputado Nogueira de Brito, não é fundada a acusação de incoerência ou de contradição, até porque ainda não se verificaram os pressupostos de sindicar dessa coerência. Só a seu tempo, por volta de 1994, esses pressupostos se verificarão ou não. Então, uns estaremos vivos, outros estaremos mortos - Deo gratias!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, muito sinteticamente, quero referir-me às intervenções últimas dos Srs. Deputados Nogueira de Brito e João Amaral.
Ao Sr. Deputado Nogueira de Brito digo-lhe que lamento, mas tenho de reconhecer que pela área da sua bancada a matéria constitucional anda muito mal sabida e os senhores têm de fazer melhor trabalho de casa.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Temos de fazer tudo, Sr. Deputado.

O Orador: - O Sr. Deputado tentou explicar-me que não havia contradição entre a modalidade do referendo obrigatório, vinculativo na sua convocação ao Presidente da República, e o poder discricionário do Presidente no acto de ratificação, já que esse poder discricionário deixaria de o ser por efeito do n.º 1 do artigo 118.º

Protestos do CDS.

O Sr. Deputado Nogueira de Brito, o n.º 1 do artigo 118.º refere-se, em termos gerais, à natureza vinculativa do referendo, o qual, todavia, quanto às matérias referendadas, tem de ser sempre precedido de um acto de aprovação pelo Governo ou pela Assembleia da República nos termos do n.º 2 do referido artigo 118.º Isto é, Sr. Deputado Nogueira de Brito, a natureza vinculativa do referen-

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do é sempre dirigida ao acto de aprovação e não ao acto de ratificação.
Posto isto, Sr. Deputado, faça favor de procurar actualizar-se, bem como ao seu partido, em matéria de conhecimento constitucional, para não voltarem a cometer, numa próxima revisão constitucional - quando ela acontecer -, as mesmas gaffes que, desta vez, aqui têm cometido tão abundantemente.

Vozes do CDS: - Muito obrigado!

O Orador: - Em relação ao Sr. Deputado João Amaral quero dizer-lhe que a sua segunda intervenção foi preciosa. E foi, de facto, preciosa, porque revelou a verdadeira natureza da questão colocada para o PCP.
Na verdade, a forma como o PCP se coloca estabelece a grande diferença de posição entre vocês e nós próprios.
Dir-lhe-ei, Sr. Deputado João Amaral, que é muito simples: o PCP explicou aqui como sacrificou as suas convicções à popularidade fácil e o PS demonstra aqui como não subordina as suas convicções à popularidade fácil.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Isso é falso!
Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Nogueira de Brito, face ao seu comentário a respeito da intervenção que produzimos há pouco, não poderia deixar de lhe significar que o PSD não revogou princípios nesta matéria.
Acontece que esta Assembleia assume poderes extraordinários de revisão e o Grupo Parlamentar do CDS pode, do nosso ponto de vista, a todo o momento, à face do artigo 118.º e do instituto do referendo tal como está concebido entre nós, suscitar que se realize um referendo, por exemplo, para sair da Comunidade.
O CDS que tenha a coragem de propor ou desencadear um processo com vista a um referendo sobre integração europeia. Tenham, pois, essa coragem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, o que ficou muito claro, perante a fragilidade dos vossos argumentos, foi que produziram considerações interessantes e, porventura, muito úteis sobre matéria de coerência. Nunca se sabe!...
Quanto ao mais, devo dizer-lhe que o que ficou claro é que VV. Ex.ªs querem aprovar este Tratado sem referendo e rapidamente, tão rapidamente que, como já foi hoje aqui salientado, aceitaram e quiseram alterar o agendamento da matéria da revisão constitucional.
Tal significa que estão interessados, e muito rapidamente, em eliminar esta questão incómoda, porque VV. Ex.ªs sabem que o País quer o referendo. Ora, VV. Ex.ªs não querem o referendo, querem antes aprová-lo «a sucapa», diria eu, Sr. Deputado. Isso é que é verdade!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à matéria referendária, lembrava ao Partido Comunista e ao CDS um aspecto que tem sido esquecido. Se o que VV. Ex.ª pretendem é fazer um referendo a propósito da integração europeia - se sim ou não vamos continuar em matéria de construção da Europa com os outros países que são nossos companheiros nesse processo -, então VV. Ex.ªs não precisam de alterar a Constituição.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não distorça o que eu disse!

O Orador: - De facto, a Constituição permite claramente que haja referendos que tenham por objecto questões de relevante interesse nacional, que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo.
Não excluímos, no futuro, que tal venha, eventualmente, a tornar-se uma matéria em que, se se registarem divisões significativas na opinião pública portuguesa, se possa justificar a realização de um referendo. Neste momento, não são estes os pressupostos que existem e, portanto, não nos parece que isso tenha justificação.
Tal é completamente diferente, Srs. Deputados Nogueira de Brito e João Amaral, de irmos alterar a Constituição - no caso do PCP, apenas momentaneamente fazer uma ruptura constitucional, porque é um acto isolado, no vosso caso, de uma maneira geral - para vir criar uma capitis aiminutio, em termos de negociações internacionais para o Estado Português. Esta é uma solução em que não vos acompanhamos,...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!

O Orador: -... e penso que não vos acompanharemos de futuro.
Isto não significa que - e, agora, falo em termos puramente pessoais - não pense que o nosso propósito de alargamento das matérias objecto de referendo, que foi cerceado na última revisão constitucional, não venha a ser prosseguido e, numa próxima revisão constitucional, não venhamos a alargar o número de matérias que possa ser objecto de referendo.
Mas, neste ponto específico, se é o problema da integração europeia que vos preocupa, o referendo já poderia realizar-se caso os pressupostos existissem e as forças políticas assim o entendessem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o PS não explica por que é contra, os senhores do PSD - o Sr. Deputado Rui Machete repetiu-o agora - são obsessivos na tentativa de arranjar argumentos que não existem.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - E o Sr. Deputado subsiste na tentativa de não nos tentar compreender!

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O Orador: - Nós, PCP, não propusemos em parte alguma que fosse feito um referendo sobre a integração europeia ou sobre a permanência de Portugal na Comunidade. Tive um trabalho enorme - e sei que me seguiu com alguma atenção - a explicar que não era isso que propúnhamos. Antes, pretendíamos que o referendo fosse feito sobre este Tratado e como condição prévia ao processo de ratificação a levar a cabo aqui, na Assembleia da República.
Queria ainda acrescentar o seguinte: o Sr. Deputado Rui Machete sabe, porque é presidente da Comissão, que esta opinião - a possibilidade de uma norma constitucional como a que propomos - foi vertida em sede dos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constítucional por um constitucionalista muito conhecido, como é o Sr. Prof. Gomes Canotilho.

Vazes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, tem a palavra.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Machete, queria dizer-lhe que a interpretação que faz não é clara. O que se exclui do referendo facultativo são as matérias a que se refere o artigo 164.º Ora, a matéria da integração está hoje subordinada a tratamento em tratados internacionais, dos tais que são excluídos e que são referidos no artigo 164.º Portanto, é muito pouco claro que V. Ex.ª possa ter razão nesta matéria.
Por outro lado, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, naquilo que entendíamos que deveria ser submetido a referendo, fizemos uma proposta a esta Câmara, VV. Ex.ª é que não nos acompanharam. Se pretende que o façamos novamente, podemos fazê-lo! Isto só vai entrar em vigor em Maio, Junho ou Julho do próximo ano, pelo que temos tempo para todas os referendos. Essa matéria do tempo é argumento que não vale, pois já foi invocado contra nós.
Sr. Deputado Jorge Lacão, não há qualquer dúvida de que, sendo o referendo vinculativo em termos gerais, a questão que V. Ex.ª pôs não tem razão de ser. Aliás, Sr. Deputado, não há referendo nenhum - mesmo os que não são vinculativos - que, uma vez operada a consulta popular, não se imponha a todos os órgãos constitucionais que têm de decidir na matéria O Sr. Deputado sabe-o muito bem, com certeza.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sabe-se lá!
Neste momento, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Amaral, embora preze muito a opinião do Prof. Gomes Canotilho, não o acompanho neste ponto. Como é evidénte, continuo a pensar que se trata de um processo de rotura constitucional, embora sob a forma de uma proposta de revisão constitucional.
Compreendo que o PCP seja particularmente sensível aos argumentos de autoridade, mas, neste caso, não o sigo.

Risos do PSD.

Sr. Deputado Nogueira de Brito, lambem não acompanho a sua interpretação. Creio, aliás, que a minha interpretação é perfeitamente clara. E se assim não fosse cercear-se-ia o alcance do n.º 2 do artigo 118.º da Constituição.
A razão da limitação no caso da participação em organizações internacionais é, pura e simplesmente, resultante de não se pretender uma limitação do poder negocial do Estado Português nessas matérias quando já se está em face precisamente do Tratado em concreto, o que, de resto, é a situação que VV. Ex.ªs prefiguram na vossa proposta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de referir-me a um aspecto que já foi levantado aqui, no Plenário, e na Comissão, mas que ainda não obteve a necessária clarificação, e que tem a ver com a proposta de método do PCP. O PCP tem defendido, quer aqui quer na Comissão, que, em primeiro lugar, se impfie uma votação da questão do referendo, a que deveria seguir-se a interrupção do processo de revisão constítucional.

O Sr. João Amaral (PCP): - Nunca falámos em interrupção, mas sim em finalização.

O Orador: - Pior ainda, Sr. Deputado.
Deveria haver a finalização deste processo de revisão constitucional ern nome da pré-judicialidade da questão referendária a todo o processo de revisão constitucional. Ora, não há nada menos incorrecto e mais contrário aos princípios de economia processual, porque, uma vez respondida positivamente a questão do referendo em termos constitucionais, uma vez realizado no terreno o referendo, depois leríamos de voltar a alterar as normas da Constituição para viabilizar a ratificação do Tratado. O referendo, só por si, não resolvia o problema constitucional.
Portanto, tudo indica que o melhor método é aquele que estamos a seguir, que é o de votar agora tudo. Votaremos agora as alterações da Constituição que viabilizarão ou não a ratificação (só o saberemos na votação), votaremos a questão do referendo e tudo fica completo, encerrado. É assim em boas contas e é assim em termos de economia processual.
Portanto, o pressuposto da pré-judicialidade que tem sido aqui invocado não se verifica, o que não impede que votemos favoravelmente o requerimento, apresentado pelo PCP, no sentido de que se vote, em primeiro lugar, a questão do referendo, sendo a ordem dos factores relativamente arbitrária.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrado o debate, na especialidade, deste artigo.
Vamos agora analisar a proposta de aditamento de uma nova alínea o) para o artigo 164.º, subscrita pelo CDS.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, propunha que os artigos 164.º, 166.º e 200.º da Constituição fossem discutidos em conjunto, dada a ligação material existente entre eles.

O Sr. Presidente: - A Mesa não tem nada a opor. Pergunto à Câmara se tem alguma objecção a apresentar a esta proposta.

Pausa.

Como ninguém se opõe, vamos, então, discutir, em conjunto, estes três artigos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelos vistos, ficámos isolados na proposta para o artigo 164.º, já que o PS abandonou-nos nesta matéria. Não há problema, pois também não tínhamos feito nenhum pacto.
A proposta do CDS visava preservar o poder de intervenção da Assembleia da República em relação a um deslizamento de competências. Esta intenção do CDS de compensar o esvaziamento de competências resultante do tal deslizamento de que falava o Sr. Deputado Alberto Costa para órgãos comunitários em que está presente o Governo mas ern que não está representada a Assembleia da República só se conseguiria, obviamente, através da inserção deste poder de apreciação no artigo 164.º, do qual constam as competências política e legislativa da Assembleia. A Assembleia teria, dessa forma, o poder de apreciar os projectos de actos normativos comunitários - e refiro-me, fundamentalmente, ao direito derivado - que dissessem respeito a matérias da sua competência. Aí seria possível verificar, por exemplo, o cumprimento, por parte das instâncias comunitárias, do princípio da subsidiariedade. Seria útil e eficaz a intervenção da Assembleia, que colmataria o défice democrático em que esse deslizamento se traduz.
O deslizamento da competência para o n.º 1 do artigo 165.º e, depois, para o artigo 166.º é, sem dúvida, um progresso em relação ao primeiro, mas não tem o mesmo significado.
É bom, no entanto, que retiremos todas as potencialidades da norma que vai ser aprovada. Congratulamo-nos, designadamente, com o facto de uma parte da sua redacção ser aquela que constava da proposta do CDS para o artigo 164.º

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que o resultado a que se chegou, no âmbito da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, quanto aos poderes de intervenção da Assembleia da República no que diz respeito ao processo de construção europeia é em si mesmo positivo.
É positivo, desde logo, por uma razão que não tem sido referida (acho até estranho que ela não seja referida por alguns que proclamam, quanto mais não seja putativamente, um amor acrisolado à Constituição!).
É que este reforço de intervenção e esta redefinição fazem-se no quadro da mesma e precisa Constituição. De facto, a presente revisão não acarreta qualquer alteração de identidade constitucional, nem consagra qualquer solução que altere a natureza jurídica do Estado Português. Esta revisão não afecta o núcleo intangível da soberania do Estado Português. O artigo 7.º, como há pouco foi sublinhado, tem essa finalidade e cumpre esse objectivo, se lido com olhos de ler. O artigo 8.º não foi alterado. As regras sobre a fiscalização da constitucionalidade estão intactas...
Em segundo lugar, a norma que estamos a discutir é importante porque confirma e qualifica a Assembleia da República não como o parlamento de uma federação, mas como o parlamento do Estado Português, no quadro de uma Europa cuja geografia e cujo retrato político são traçados no artigo 1º. Eis um pressuposto fundamental para se perceber este artigo, que não deve ser lido letra a letra, como fazem apenas os maus juristas e os maus leitores. Não se trata, pois, de uma «peninha no chapéu» de quem quer que seja. A sê-lo, seria, em todo o caso, uma pena muito grande no chapéu de Portugal.
Quero sublinhar, em terceiro lugar, que esta solução não perturba os equilíbrios fundamentais do quadro jurídico-constitucional português. É uma solução inovadora, mas não uma solução que altere traves-mestras. Não se confere ao Parlamento um poder de co-decisão ou condução da política externa, uma vez que ele não o tem entre nós. Reconhece-se à Assembleia da República o estatuto que ela deve ter face aos desafios europeus. Nesse sentido, trata-se não de uma solução fechada, mas de uma solução aberta à evolução futura, cujos contornos exactos não somos hoje capazes de prever.
Creio, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que de facto precisamos de estar abertos à dinâmica da evolução das Comunidades Europeias. Tive, há dias, ocasião de receber o recente relatório da comissão liderada por Peter Sutherland sobre as orientações da construção do mercado único em 1992. Trata-se de um documento muito interessante, porque alerta para a necessidade de pensar de outra maneira o próprio processo de preparação e aprovação da legislação comunitária e a imprescindibilidade de maior abertura, maior transparência e maior informação. A nossa Constituição está aberta a tudo isso, por força do artigo 8.º (que não tangemos nesta revisão e que permite esse efeito) e também por força da norma em apreço.
Quanto ao conteúdo exacto do preceito, permito-me fazer mais cinco observações.
A primeira é no sentido de sublinhar que a sua inserção sistemática não é um menos, é uma qualidade. É uma inserção sistemática correcta, cujas potencialidades não devem ser substimadas. No artigo 166.º estão algumas das mais nobres competências da Assembleia da República, designadamente no que diz respeito à actividade de orientação politica, incluindo a valoração decisiva sobre a formação e subsistência do Governo, bem como sobre a governação.
Por outro lado, esta norma, na redacção finalmente obtida, não é uma norma de mero acompanhamento nem uma norma de mera apreciação ex post. E é uma norma de apreciação não apenas de actos normativos, mas de vários tipos de actos emanados de diversos órgãos, o que fica, naturalmente, ao cuidado e à atenção política da Assembleia da República. Em cada momento, a Assembleia da República deve saber escolher os actos

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fundamentais das Comunidades sobre os quais tem de pronunciar-se. Como? Através, naturalmente, dos instrumentos jurídico-constitucionais que tem ao seu alcance todos, mas segundo a sua vontade, apurada pelas formas constitucionalmente próprias.
Em quarto lugar, esta competência não faculta apenas o acompanhamento e apreciação da actuação do Governo Português no que diz respeito à construção europeia, mas sim uma actividade de acompanhamento e apreciação da construção europeia. Estamos assim de acordo com o vento soprado pela declaração anexa ao Tratado de Maastricht. Nesse sentido pode dizer-se, com justeza, que honramos completamente essa declaração contida em anexo ao Tratado da União Europeia tanto no tocante à informação dos parlamentos pelos governos, mas também quanto a uma maior participação nas actividades da União Europeia. Habilita-se expressamente a Assembleia da República para uma intensificação dos contactos com o Parlamento Europeu e com a conferência dos parlamentos das Comunidades Europeias e para a prática de actos como a apreciação do programa de trabalho da Comissão Europeia.
Em quinto lugar, esta norma conjuga-se - e só a essa luz pode ser integralmente compreendida - com a norma do artigo 200.º, que também está em apreciação. A conjugação da norma sobre a obrigação governamental de informação atempada, o mesmo é dizer em tempo útil, da Assembleia com a sua vontade autodeterminada de escolha dos momentos em que se deseje ser especialmente informada e o seu direito de pesquisa, de informação, de obtenção de dados e de diligência no apuramento de factos - que, naturalmente, terá de ser fruto da iniciativa de cada um de nós -, pode permitir um significativo incremento, reforço e melhoria da qualidade da intervenção do Parlamento na construção europeia.
A minha última observação, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é esta: colmatar o défice democrático nas Comunidades pode passar - passa seguramente - por uma morigeração de certas práticas dos órgãos comunitários, mas não dispensa a intervenção dos parlamentos nacionais. Exige-se, como aliás anunciava, no final do Conselho Europeu de Lisboa, o Presidente Delors, um esforço no sentido de que, por exemplo, as directivas em projecto sejam fundamentadas ou justificadas ern função do princípio da subsidiariedade. Não é dispensável o regresso à concepção originária das directivas, a desregulamentação, a elaboração de regulamentos quadro, a codificação do direito comunitário, que é caótico, disperso, confuso, difícil de compreender, e tem uma técnica que torna a sua interpretação sumamente difícil. Isso passa por uma outra atitude mais sensível à vontade, às aspirações e às inquietações dos cidadãos e por um especial esforço de informação. É essencial, por último, que não se percam os sistemas tradicionais de participação, por exemplo das organizações de trabalhadores, na produção de normas que lhes digam respeito, algumas das quais passarão a ser elaboradas no âmbito comunitário.
Há que encontrar essas formas inovadoras, designadamente no terreno da lei ordinária. Trata-se, aliás, de um terreno pelo qual o PCP se poderia interessar, se tivesse coerência nessa matéria.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Coerência?! Olha quem fala de coerência!...

O Orador: - Considero que vale a pena o esforço fundamental que empreendemos. É um esforço a cujos bons resultados acabamos de abrir as portas! Assim haja, naturalmente, vontade e energia para concretizarmos plenamente, como é necessário, esta promissora janela constitucional que agora se abriu.

(O orador reviu.)

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas dizer brevemente, ern complemento da intervenção do meu colega José Magalhães, que o texto a que se chegou para o artigo 200.º possui enormes virtualidades, não apenas em matéria legislativa mas também em relação, por exemplo, à matéria de decisão financeira. Na realidade, não será mais possível que nós, Parlamento, voltemos a ser postos perante uma circunstância que ocorreu quando discutimos a proposta de lei do Orçamento do Estado para 1992 e que se prendeu com o Programa QUANTUM II. Encontramo-nos, pois, perante um aspecto em que as coisas vão melhorar significativamente, uma vez que ao Governo caberá o dever de informar, em tempo útil, a Assembleia sobre compromissos na ordem europeia relativamente a matéria tão importante como, por exemplo, o Programa de Convergência.
Ora isto prende-se com a aplicação do próprio princípio da subsidiariedade, que já aqui foi referido diversas vezes, uma vez que tal princípio, como foi afirmado pelo meu colega Alberto Costa, não só aproxima as decisões dos cidadãos como consagra também a norma segundo a qual a competência nacional é regra e a competência comunitária é excepção, ou seja, tudo aquilo que não está definido, expressamente, em termos comunitárias cabe na esfera nacional, seja em termos do Estado, seja em termos infra-estaduais. Nesse sentido, trata-se de um «mais» importante, que não podemos deixar de saudar neste momento.

(O orador reviu.)

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já na minha intervenção inicial tive a oportunidade de referir que, em nossa opinião, o valor principal desta alteração é, essencialmente, simbólico, o que não significa que seja despiciendo ou que, pelo contrário, possa ser encarado como algo de relativamente pouco importante.
Trata-se, efectivamente, de encontrar, ao nível do ordenamento jurídico português, uma forma de compensar, de algum modo, o esvaziamento ou o deslizamento inevitável que sofrem as competências nacionais face ao processo de integração europeia.
No entanto, essa circunstância não deve fazer esquecer que só é possível colmatar plenamente o chamado défice democrático se houver medidas de compensação na estrutura orgânica comunitária Trata-se de um ponto que, obviamente, foge à revisão da Constituição, mas que não deverá ser esquecido em futuras reestruturações orgânicas dos órgãos comunitários.

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O segundo ponto que gostava de referir diz respeito à circunstância de, para nós, ter sido importante que esta reiteração dos poderes da Assembleia da República e dos deveres de informação por parte do Governo tivesse sido feita através de uma ordenação sistemática correcta. Efectivamente, não seria essa, porventura, a intenção dos proponentes quando pretenderam que no artigo 174.º se inscrevesse uma alínea com esta competência para acompanhar e apreciar a situação de Portugal no processo de construção europeia, mas a verdade é que ela permitia uma interpretação que levava a reduzir ou até a considerar como não legítima de raiz a competência do Governo nesta matéria, para passar a ser algo de autorizado ou concedido pela Assembleia da República. Essa interpretação introduziria um desequilíbrio tanto no sistema de governo como no dos órgãos de soberania, que considerámos totalmente inaceitável e fora do âmbito desta revisão constitucional. Daí que, quando foi possível obter um consenso no sentido de incluir esta matéria numa alínea do artigo 176.º da Constituição, rapidamente conviéssemos que essa solução era satisfatória para, por um lado, acautelar as preocupações do Partido Socialista e dos outros partidos e, por outro lado, para garantir que, afinal de contas, se limitasse a uma reafirmação, com toda a força do simbolismo da consignação constitucional, daquilo que já eram os poderes da Assembleia da República nesta matéria. No entanto, estamos de acordo que se trata de uma janela constitucional extremamente promissora que, naturalmente, terá de vir a ter os desenvolvimentos próprios em matéria de legislação ordinária.
Gostava apenas de referir mais um ponto, para não me alongar neste capítulo. Diz ele respeito à circunstância de nos parecer totalmente desapropriada a ideia que foi ventilada por alguns partidos, designadamente pelo partido do Centro Democrático Social, de regular, com pormenor, a incidência constitucional do procedimento legislativo comunitário. Isto é, de poder vir, afinal de contas, a conseguir-se, através de uma espécie de invocação de uma inconstitucionalidade orgânico-formal, o desrespeito por normas constitucionais a propósito de actos comunitários, aprovados pelos seus órgãos competentes. Isto traduzia-se num perigoso rumo de colisão entre as normas constitucionais e as normas comunitárias, que acabaria por entregar aos tribunais a sua decisão sem proveito, nem para uma nem para a outra.
Tratar-se-ia de uma solução extremamente perigosa, que, felizmente, foi arredada, mantendo-se no plano político, como é a zona onde as questões se devem situar, esta intervenção da Assembleia da República, quando isso for julgado suficientemente relevante quer para a Assembleia quer para o Governo.
Julgamos que, deste modo, se encontrou uma situação equilibrada que, ao nível dos órgãos nacionais, repito, dá uma contribuição significativa para colmatar o défice democrático.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, podendo gastar um pouco mais do que o tempo de que dispõe, que são 4,7 minutos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, agradeço a lembrança e a generosidade de V. Ex.ª.
Julgo que deveríamos salientar, nesta discussão conjunta, um ponto importante, que já foi sublinhado, mas, talvez, não o suficiente. É que depois das várias viagens que esta norma fez, no acordo e nas negociações que o precederam entre o PS e o PSD, restou um aspecto importante- e dele teremos de extrair todas as potencialidades -, que foi a redacção que ficou reservada para o artigo 200.º e a expressão que aí foi posta, em tempo útil. É bom que tique sublinhado no Diário, porque isso pode ter um significado especial.
É evidente que a inclusão dos poderes no artigo 166.º não tem o mesmo significado que teria no artigo 164.º; é evidente que tem mais significado do que teria se fosse um poder meramente fiscalizador, mas o que é importante é que o Governo se compromete a fornecer, em tempo útil, à Assembleia - e isto tem de ter algum sentido - os projectos de actos comunitários que, efectivamente, relevem das competências da Assembleia da República.
Fica, pois, sublinhado, para que todos nos congratulemos com esta solução final.

O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições para estes três artigos.
Passamos, então, para o artigo 167.º relativamente ao qual há duas propostas de alteração, uma do PS e outra do CDS, que se encontram em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, a proposta apresentada pelo PS, no que diz respeito à atribuição em matéria de reserva absoluta de competência da Assembleia da República da competência parlamentar para a aprovação da modalidade de designação das representantes das colectividades regionais e locais ao futuro Comité Europeu das Regiões, tem a ver com a ponderação de que, nos termos da Constituição Portuguesa, nos seus artigos 6.º e 237.º, o Estado deve respeitar a organização democrática das autarquias locais e a autonomia do poder local. E, por isso mesmo, sendo que, no Comité Europeu das Regiões, quem deve estar representado são os representantes das colectividades regionais e locais, pareceu-nos adequado que essa competência pudesse ser figurada em matéria de reserva exclusiva da Assembleia. Não foi esse o entendimento do PSD.
Queremos aqui retirar a consequência de que, pela nossa parte, continuaremos a sustentar o entendimento de que a matéria será sempre, em todo o caso, do domínio da reserva relativa de competência da Assembleia da República.
Porque, em nome da autonomia do poder local e do respeito que o Estado deve à organização democrática das autarquias, já hoje, por via do artigo 168.º, é matéria de competência reservada da Assembleia o estatuto das autarquias locais. Pois bem, a designação de representantes das autarquias locais portuguesas ao futuro Comité Europeu das Regiões deve ser, no futuro, concretizada nos termos da lei que se aprove, de acordo com o regime do artigo 168.º Não sendo possível um consenso mais alargado para introduzir a matéria no âmbito da reserva absoluta, esta ficará subordinada ao domínio de reserva relativa.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, após entrada em vigor do Tratado de Maastricht, o PS apresentará aqui um projecto de lei para habilitar de forma adequada a representação portuguesa e os representantes portugueses das colectividades regionais e locais ao futuro Comité Europeu das Regiões.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

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O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, embora sob a forma de uma intervenção, trata-se antes de uma pergunta ao PS: estamos obviamente de acordo em que o estatuto das autarquias locais seja matéria reservada da Assembleia; estamos de acordo em que o estatuto das Regiões Autónomas seja matéria da reserva da Assembleia da República. Estas não são questões que tenham de ser reguladas de novo - já decorrem das próprias normas constitucionais.
Agora, o que nos parece inteiramente desproporcionado, atendendo àquilo a que já se chamou a «comiteologia» em matéria comunitária, é que venha a referir-se que, em relação a qualquer comité, por mais insignificante que seja, essa matéria tenha de ser regulada pela Assembleia da República desde que não tenha havido uma norma de direito comunitário, original ou derivado, que se referisse a esse ponto.
Trata-se de uma desproporção. No fundo, é referir que, do ponto de vista técnico, nos parece algo errado e não merecedor de acolhimento. Aquilo que já está garantido na Constituição continua a estar garantido na Constituição; o que não está garantido na Constituição não nos merece, pelo menos, a nosso ver, a honra de ser garantido e, menos ainda, em matéria de reserva absoluta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, pretendo, apenas, registar - e registar com agrado - que, não tendo sido possível haver uma convergência quanto ao mais, ela existe quanto ao menos e o menos, aqui, é uma interpretação adequada do texto constitucional no que diz respeito à reserva relativa de competência da Assembleia da República. É esse registo que aqui nos apraz fazer, em consonância com as palavras do Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, declaro encerrada a discussão das propostas de alteração ao artigo 167.º da Constituição.
Vamos passar ao artigo 168.º, relativamente ao qual há uma proposta de alteração apresentada pelo CDS, que propõe o aditamento de uma alínea i) sobre criação de impostas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nassa preocupação, ao formular esta proposta, é a mesma que nos levou a formular aquela respeitante ao artigo 164.º Essa matéria, hoje, não tem sido entendida de modo a levar à ultrapassagem dos poderes da Assembleia da República. Mas não sabemos o que nos reserva o futuro, especialmente face à norma, constante do Tratado de Maastricht, que reduz todos os recursos próprios da Comunidade e que pode levar a soluções de carácter fiscal que tendam para o apagamento das competências da Assembleia da República.
Por isso apresentámos esta proposta que é cautelar e que levaria a incluir, também, na reserva de competência da Assembleia da República em matéria fiscal, que é realmente aquela que está na origem da intervenção parlamentar e da função do Parlamento, os impostos e as normas sobre o sistema fiscal, mesmo que fossem considerados como receitas das Comunidades Europeias.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais pedidos de palavra, declaro encerrada a discussão sobre a proposta de alteração ao artigo 168.º
Passamos, pois, à discussão da proposta de aditamento do artigo 184.º-A. É uma proposta subscrita pelo CDS, que pretende o aditamento de um novo artigo respeitante à criação de uma câmara das regiões.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo apenas expor o fundamental sobre a justificação desta proposta. Ela relaciona-se, também, com um receio que temos face ao que consta do Tratado de Maastricht sobre a União Europeia.
A aproximação das regiões, em relação aos órgãos centrais comunitários, através da criação de um órgão com poderes consultivos - o Comité das Regiões -, merece o nosso aplauso, obviamente, mas, ao mesmo tempo, constitui para nós uma fonte de receio, que reside na circunstância de a ligação directa aos órgãos comunitários e uma certa interpretação do princípio da subsidiariedade poderem levar ao apagamento ou enfraquecimento das ligações das regiões na comunidade nacional, isto é, no Estado nacional,...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Tem razão!

O Orador: -... e, por isso, propomos que como órgão paralelo desse Comité das Regiões seja criada uma câmara das regiões, junto da Assembleia da República, com poderes consultivos para as matérias que dizem respeito às regiões e também aos órgãos de poder local, os quais tomariam, igualmente, parte nessa câmara.
Supomos que é uma das discussões cautelares de alcance da nossa proposta e gostaríamos de ver formado sobre ela o consenso das partidos que podem votar a favor da revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete, para uma intervenção.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Repetindo o que já tivemos oportunidade de dizer sobre esta matéria na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, afigura-se-nos que essa proposta é interessante e que vai permitir que se dêem alguns passos mais em frente em matéria de reflexão quanto à problemática do bicameralismo perfeito e imperfeito no nosso país.
Afigura-se-nos, ainda, que excede o âmbito de uma revisão extraordinária da Constituição, pois é uma medida para a qual não existe ainda um suficiente debate e uma suficiente maturação.
Por outro lado, do ponto de vista técnico, tal como se encontra formulada, a proposta apresenta graves inconvenientes. Aponto apenas um, brevitatis causa: esta proposta considera no mesmo nível, no mesmo plano, as Regiões Autónomas, as regiões administrativas e as autarquias locais, o que se me afigura francamente inconveniente e representa uma deminutio capitis em relação às Regiões Autónomas.
Portanto, a nossa posição é a de que entendemos ser uma pista interessante a vir a ser explorada no futuro. Não sabemos se é por esse caminho que deveremos seguir ou por uma outra via, mas não temos dúvida de que esta pro-

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blemática justifica uma reflexão aprofundada na próxima revisão constitucional. Neste momento, face àquilo a que nos propusemos na revisão extraordinária da Constituição, no âmbito que lhe demos e, naturalmente, com o período de reflexão - não apenas nesta Câmara, mas em termos de País - de que podemos dispor sobre esta matéria, parece-nos não se justificar uma consignação apressada de uma matéria sobre a qual ainda é necessário formular uma opinião.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, pretendo apenas colocar uma questão ao Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Quero dizer que, também por razões de tempo, em síntese, manifesto o meu acordo com a avaliação que acabou de ser feita pelo Sr. Deputado Rui Machete. Por isso, registo o interesse da iniciativa e quero aproveitar para perguntar ao Sr. Deputado Nogueira de Brito se o CDS vai pôr tanto empenhamento, futuramente, na criação legal das regiões administrativas do nosso país, quanto aquele que pôs agora ao apresentar esta solução constitucional. É esse o vosso propósito?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - É claro que vai!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, como V, Ex.ª me dá a palavra, vou usá-la, mas é evidente que não era devida para responder ao Sr. Deputado Jorge Lacão. Estamos a tratar da revisão constitucional nesta matéria e V. Ex.ª não pode fazer esse tipo de derivações. A tempo adequado terá a nossa resposta, obviamente.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Que desapontamento!

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, está concluída a discussão das propostas de aditamento deste novo artigo 184.º-A.
Passamos à discussão, na especialidade, das propostas de alteração ao artigo 229.º, porque as respeitantes ao artigo 200.º já foram discutidas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A obrigatoriedade dos órgãos de soberania em consultarem e auscultarem os órgãos de governo próprios das Regiões Autónomas é, quiçá, uma das prerrogativas autonómicas mais interessantes e que têm mais pujança em termos de descentralização democrática na nossa Constituição da República Portuguesa.
Ela decorre dos artigos 231.º, sob a epígrafe «Cooperação dos órgãos de soberania e dos órgãos regionais», e 229.º, alínea u), sob a epígrafe «Poderes das Regiões Autónomas».
Esses artigos possibilitam que os órgãos de soberania auscultem, consultem os órgãos de governo próprio em matérias da competência daqueles e que digam directamente respeito a estes. Portanto, trata-se de uma prerrogativa importantíssima da qual nós, Regiões Autónomas, jamais abdicaremos.
Neste contexto, o PS avançou com uma proposta para a alínea u) do artigo 229.º para que as Regiões Autónomas pudessem passar a pronunciar-se sobre propostas de actos comunitários. Trata-se de uma proposta, não obstante ter sido elaborada em pleno clima eleitoral e de campanha, que não consideramos eleitoralista - é uma proposta bem intencionada.
Todavia, pensamos que a sua intencionalidade já se esgota no articulado em vigor da Constituição da República Portuguesa; pensamos que a Constituição já permite que os órgãos de governo próprio se pronunciem sobre toda e qualquer matéria desde que instados para tal pelos órgãos de soberania.
Ora, se a expressão «construção da união europeia», que vai ficar assente no futuro texto constitucional (tudo indica que sim), é uma matéria de política externa e se a política externa da República Portuguesa é conduzida pelo Governo da República, obviamente que, em matéria política externa, há incidência directa nas Regiões Autónomas e, tal como a prática o tem confirmado, o Governo da República tem sempre auscultado e consultado as Regiões Autónomas em matéria de política externa.
Portanto, estamos perfeitamente tranquilos face ao futuro porque entendemos que o actual texto constitucional já salvaguarda as prerrogativas das Regiões Autónomas em matéria de consulta neste âmbito.
Assim, consideramos que esta proposta é algo dispensável, tem algo de supérfluo e, quiçá é algo pleonástica face ao actual texto vigente. Todavia, queremos manter, relativamente a esta proposta, um distanciamento prudente e compreensível; ou seja, consideramos a proposta simpática, pelo que os Deputados eleitos pelas Regiões Autónomas vão abster-se na sua votação. A nossa abstenção significa simultaneamente o seguinte: um aceno de simpatia para a proposta e também um distanciamento prudente face àquilo que entendemos ser a sua dispensabilidade no actual quadro constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Martins Goulart.

O Sr. Martins Goulart (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O exercício de poderes constituintes extraordinários pela Assembleia da República, decorrente da inevitabilidade da adaptação da lei fundamental às principais exigências do processo de construção europeia, criou uma oportunidade singular de se introduzirem aperfeiçoamentos significativos no texto constitucional que, à luz do interesse nacional, assegurem a mais adequada participação institucional dos órgãos representativos do Estado Português nos diversos níveis e fases futuras da realização de uma Europa de progresso económico e social.
A convergência conseguida entre os dois maiores partidos portugueses, que viabiliza esta revisão extraordinária, atendeu este objectivo, no que concerne aos órgãos de soberania, ficando salvaguardados, na generalidade, os interesses de Portugal, no contexto da unificação europeia.
Mas, no entender do PS, poder-se-ia ter ido mais longe na configuração de um modelo de participação institucional, que garantisse uma melhor e mais eficaz intervenção nacional no aprofundamento da união europeia, sem, todavia, se correr o risco de ultrapassar as fronteiras, consensualmente aceites, e o âmbito estrito da presente revisão constitucional.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Representando, em nome do meu partido, esta convicção, venho sustentar perante o Plenário, para debate e votação, uma proposta de alteração à Constituição da República, que, apesar de não ter recebido a concordância do PSD nem do PCP ern sede de comissão especializada, merece ser reapreciada nesta ocasião decisiva por envolver uma questão, cuja relevância nacional só será inferiorizada se o poder político maioritário o desejar deliberadamente.
Retomaremos, nesta circunstância, a proposta de alteração à alínea u) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição, que visa consagrar o direito de pronúncia, no âmbito dos poderes das Regiões Autónomas, sobre propostas de actos comunitários que lhes digam respeito. A oportunidade e a justificação desta iniciativa são auto-evidentes.
Bastaria invocar o normativo constitucional, que fundamenta o regime de autonomia político-administrativa dos Açores e da Madeira ou, tão-somente, as linhas de força do Tratado de Maastricht ou, ainda, algumas disposições particulares desse Tratado, designadamente aquelas que reforçam a componente regional da estrutura comunitária, exemplificada pela criação do Comité das Regiões onde as regiões dos países membros estarão directamente representadas.
Saliento e refiro, propositadamente, a constituição do Comité das Regiões em defesa da nossa proposta, na medida em que consideramos que a representação directa das regiões nesse órgão consultivo da Comunidade explicita o reconhecimento, pelos parceiros europeus, do direito de participação regional ao mais alto nível das instâncias comunitárias e abre caminho a que se defenda a concretização do direito de cada região autónoma portuguesa poder passar a intervir individualmente - mesmo que a título de pronúncia não vinculativa - na formulação das políticas comunitárias que as afectem de forma particular.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O direito de participação que preconizamos para as regiões menos desenvolvidas e mais distantes dos centros de decisão da Comunidade carecem de um atendimento diferenciado que lhes proporcione uma integração efectiva nos processos decisórios da união, podendo, assim, recolher a expressão genuína de uma Europa solidária.
A Constituição Portuguesa deve, por isso, incluir um preceito que permita às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira adquirir um nível específico de acessibilidade institucional que as ajude a esbater as vulnerabilidades derivadas da insularidade e da perifericidade, fomentando-se, por essa via, novas formas de relacionamento e de cooperação nacional e comunitária.
A proposta do PS é, por isso, coerente com todo o historial de posições políticas, consistentemente defendidas, para que não haja uma Europa a duas velocidades, nem um Portugal cada vez mais repartido, em função das desigualdades de oportunidades e das assimetrias de desenvolvimento.
Em suma, a nossa proposta enquadra-se, sem equívocos, num permanente esforço de valorização e aperfeiçoamento da autonomia regional, porque este é, e continuará a ser, um dos compromissos políticos de primeira linha que o Partido Socialista assumiu, desde a sua fundação, perante o povo português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Guilherme Silva, gostaria de dizer que há na página 14 do guião, para as propostas entradas, uma gralha quanto ao partido que apresenta uma proposta de alteração à alínea u) do n.º 1 do artigo 229.º Isto é, onde se lê CDS como partido proponente, deve ler-se PS, pelo que solicito a devida correcção do original.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em minha opinião, a discussão da proposta de alteração à alínea u) do artigo 229.º, veiculada pelo PS, também pode absorver a proposta de alteração, apresentada pelo CDS, relativa ao n.º 2 do artigo 231.º, pois, parece-me, há uma conexão expressa entre estas duas propostas, que vou passar a referir.
Em primeiro lugar, devo dizer que as Regiões Autónomas estão, obviamente, com o Tratado de Maastricht, com o Tratado da União Europeia, isto é, estão solidárias com a ratificação do Tratado, que Portugal vai fazer, e, consequentemente, com esta revisão constitucional, na medida do necessário a essa ratificação.
O Partido Socialista apresentou uma proposta de alteração à alínea u) do artigo 229.º, e, a meu ver, a circunstância de o debate da revisão constitucional se ter iniciado praticamente em plena campanha eleitoral para as Assembleias Legislativas Regionais não terá sido de todo alheia a esta inspiração do Partido Socialista quanto a esta proposta. De qualquer forma, esta é, em nosso entender, uma proposta desnecessária e perigosa.
É desnecessária porque a alínea w) do n.º 1 do artigo 229.º e o n.º 2 do artigo 231.º do actual texto constitucional já impõem a auscultação das Regiões Autónomas acerca das matérias que lhes digam respeito, não fazendo a distinção, quanto às matérias, entre as que são ou não comunitárias e, quanto aos Estados, entre os que são ou não comunitários, pelo que temos de entender, como é óbvio, que tudo isso está já incluído.
É perigosa na medida em que, ao ser apresentada, inculca por si própria a ideia errada de que o actual texto constitucional não confere esses poderes às Regiões Autónomas. E é realmente este o perigo que queria denunciar, realidade que foi, aliás, reconhecida, no debate feito na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, pelo próprio Sr. Deputado Almeida Santas, que disse: «Parece-me que isto já está no texto constitucional, pelo que esta proposta terá apenas a virtude de explicitar isso mesmo.» E até usou a expressão, muito própria do seu estilo: «É uma flor para as Regiões Autónomas.» E, como referi na CERC, e repito, esta «flor», vinda de onde vem, é necessariamente uma rosa, mas é uma rosa com muitos espinhos, com esses tais espinhos que há pouco anunciei, de pôr em causa poderes de regiões que, efectivamente, já têm.
Nesta medida, é óbvio que não poderíamos votar favoralmente uma proposta desnecessária e com estes perigos. Aliás, se dúvidas existissem relativamente ao alcance do texto constitucional, no sentido de já outorgar poderes às Regiões Autónomas, penso que, neste momento, são de lodo dissipadas com as alterações aos artigos 200.º e 166.º, alínea y), em que ficou claro os poderes, designadamente da Assembleia da República, de acompanhar as matérias comunitárias. E é óbvio que, se nessas matérias se incluírem actos que digam respeito às Regiões Autónomas, por

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um lado, a Assembleia da República consultá-las-á ao abrigo dos artigos 229.º e 231.º, n.º 2, e, por outro, estas também poderão, por sua própria iniciativa, pronunciar-se sobre as matérias.
Neste contexto, e referindo o que já foi aqui dito pelo Sr. Deputado Mário Maciel, não votaremos favoravelmente, mas, sim, abster-nos-emos em relação a esta matéria, enquanto Deputados eleitos pelo circulo das Regiões Autónomas.
O Sr. Deputado Martins Goulart associou a esta proposta do Partido Socialista o problema da representação das Regiões Autónomas, no âmbito do Comité das Regiões, que o Tratado da União Europeia agora vem consagrar. Parece-me que são duas realidades distintas. Não é por via da alínea u) do artigo 229.º da Constituição que se resolve esse problema; resolver-se-á, sim, no âmbito de uma lei - e o próprio Deputado Jorge Lacão referiu há pouco que o Partido Socialista irá apresentar o respectivo projecto - que regule o âmbito das representações nacionais nestes órgãos comunitários. É óbvio que as Regiões Autónomas terão de ter, nesse caso, uma representação própria, relevante, diferenciada, conforme referiu o Sr. Deputado Martins Goulart, o que nada tem a ver com esta proposta apresentada pelo Partido Socialista.
Saudamos, nessa medida, o Tratado da União Europeia ao criar o Comité das Regiões e a presença que, naturalmente, as regiões autónomas aí terão, assim como também saudamos a declaração adicional que o mesmo Tratado regista relativamente às regiões ultraperiféricas, muito especificamente no que diz respeito às Canárias e às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.
Faremos acompanhar a nossa posição de abstenção, enquanto Deputados eleitos pelas Regiões Autónomas, de uma declaração de voto que apresentaremos na Mesa, mas obviamente que esta posição não impede que o PSD vote contra esta proposta da autoria do Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Este ponto já está esclarecido!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Silva Marques, este ponto já está, de facto, esclarecido. Apenas desejo explicar ao Sr. Deputado Guilherme Silva que não há confusão entre a nossa proposta para o artigo 231.º e a proposta apresentada pelo PS para o artigo 229.º da Constituição, pois elas complementam-se, efectivamente!
Porventura deveríamos ter formulado uma proposta para o artigo 229.º, devendo o PS ter procedido de igual forma em relação ao artigo 231.º, mas é claro que, no nosso entendimento, elas são complementares.

O Sr. António Guterres (PS): - Se fossem iguais, o Manuel Monteiro zangava-se!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Martins Goulart.

O Sr. Martins Goulart (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Guilherme Silva o Partido Socialista considera que valeu a pena ter apresentado a sua proposta, porque leve o mérito de, pelo menos, clarificar uma situação e de permitir constatar que o PSD tem o entendimento de que o conteúdo da nossa proposta está já integrado na interpretação que faz da Constituição. Portanto, terá de ser cumprido o que propomos, mesmo à luz do texto constitucional existente.
Repito, a nossa proposta terá de ser cumprida à luz da Constituição. Portanto, teve esse mérito! Todavia, não podemos deixar de referir que entendemos que o vosso voto de abstenção é, efectivamente, contra a nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está concluída a discussão do artigo 229.º
Uma vez que o artigo 231.º deveria ter sido discutido conjuntamente com o artigo 229.º, porque são complementares, creio existir consenso no sentido de considerar igualmente discutido o artigo 231.º
Passamos, então, à discussão as duas propostas relativas ao artigo 284.º, da autoria, respectivamente, do PS e do PSN, que introduzem a distinção entre revisão ordinária e extraordinária da Constituição.
Estão em discussão.

Pausa.

Uma vez que não há inscrições, até porque esta matéria não suscita problemas, consideram-se discutidas.
Finalmente, passamos à proposta de eliminação da alínea h) do artigo 288.º, apresentada pelo PSN.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, informo a Mesa de que esta proposta foi rejeitada em sede de Comissão. Desconheço se foi agora retomada, mas, como o seu proponente não se encontra presente, não é possível sabê-lo. De lodo o modo, pela nossa parte, consideramos encerrada a sua discussão e, caso seja submetida a votação, pronunciar-nos-emos sobre ela nesse momento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a discussão na especialidade de todos os projectos de revisão constitucional apresentados.
A Comissão Eventual para a Revisão Constitucional entendeu não ser necessário propor ao Plenário um projecto de resolução de fixação de regras para o processo especial de apreciação e de votação dos projectos de revisão constitucional. Julgo que é o alcance claramente limitado desta revisão que o justifica, pelo que as regras para as votações previstas no Regimento deverão ser cuidadosamente aplicadas neste caso, compreendendo-se, neste sentido, a ausência de um processo especial.
Por outro lado, a Comissão organizou - e bem - um conjunto de regras que simplificam muito o processo de votação a que vamos dar início.
Por conseguinte, iremos seguir as normas gerais do Regimento, adaptando-as às circunstâncias do caso.
Assim, não procedemos a uma votação na generalidade formal, mas, substancialmente, houve uma votação na generalidade de todos os projectos de revisão constitucional, que acabaram todos por ser admitidos. O facto de não ter havido uma votação formal enriqueceu o nosso debate, porque permitiu que fosse discutida na especialidade toda e qualquer proposta apresentada pelos vários grupos parlamentares.

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Sendo assim, considero que está implicitamente feita a votação na generalidade e vamos passar, agora sim, à votação na especialidade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma alegação final neste processo de revisão constitucional à laia de declaração antecipada de voto, de que nos absteremos na altura própria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Congratulamo-nos com este processo de revisão constitucional, tanto pelo caminho percorrido como pelos resultados alcançados.
Foi um caminho extremamente enriquecedor para todos aqueles que participaram neste processo. Confrontámo-nos muitas vezes com uma terra incógnita de conceitos e de princípios e tivemos, frequentemente, de apoiar-nos reciprocamente, ficando ainda muito terreno por desbravar. Aos cultores do direito público, do direito constitucional e do direito em geral foi lançado um grande repto.
Por outro lado, foi também um caminho onde soubemos renunciar para actualizarmos as consensos fundamentais à aprovação desta revisão constitucional. No espaço de curtas horas, onde pusemos entre parêntesis o dia-a-dia da nossa vida parlamentar e vestimos a toga de legisladores constituintes, demos um salto gigantesco em termos de repensar novas formas de convivência, de reorganização da sociedade, de reorganização do Estado, das relações dos Estados entre si e de toda a conceptuologia que está implícita neste processo. Talvez nestas curtas horas tenhamos andado séculos de história ern relação aos adquiridos nesta matéria. Oxalá possa o poder político ordinário actualizar e tomar as decisões correctas para as quais abrimos caminho com este processo constitucional.
Todavia deste processo de legislação constituinte, deste promontório, não estamos a visualizar concretamente qualquer governo possível. E não foi sem um certo desgosto que vimos antecipar, como uma espécie de fixação, sempre a referência ao governo de uma determinada maioria, que é a nossa; mas muito nos congratula a expectativa que os partidos da oposição dão a entender quanto à sua perpectuação! No entanto, como legisladores constituintes, numa postura aberta a todas as possibilidades e a todas as áleas, algo nos desgosta a possibilidade ou a convicção de vitórias já antecipadas, sem o risco e sem o gosto da incerteza e da álea que é própria do processo democrático.
Oxalá, dizia eu, possa o poder ordinário trilhar com segurança e rigor os caminhos que agora lhe abrimos. Oxalá que o povo, que é o alfa da nossa legitimidade e o ómega do sentido da nossa caminhada, possa aproveitar do grande salto que agora viabilizamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santas.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Duas breves palavras para dizer que não tencionamos apresentar uma declaração de voto no final da votação. Todavia, entendemos que estamos chegados ao fim de uma jornada que foi polémica, que teve momentos em que os Portugueses se desencontraram de si mesmos, mas que foi responsabilizante.
Penso que o meu partido pode afirmar que esteve à altura das suas responsabilidades. Não agradou a toda a gente, pois havia, porventura, posições mais populistas, mais rentáveis em votos e em simpatia popular, mas o sentido das responsabilidades e os grandes momentos da vida desta Casa são, para nós, mais importante do que as conquistas fáceis.
Devo dizer que, para nós, o importante é que se eliminaram obstáculos a que na próxima discussão do Tratado de Maastricht cada um assuma as suas responsabilidades em plena liberdade e que perante a história responda por aquilo que pensa sobre a construção do futuro do nosso país, nomeadamente no que se refere à sua integração na construção da unidade europeia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como disse na minha intervenção de há pouco, este é talvez um momento histórico e nem toda a gente tem consciência disso. Julgaram talvez que a revisão constitucional era o momento para tricas. Entendemos nós que a revisão constitucional foi um grande momento que permitiu desbloquear um passo em frente para o futuro do nosso país e quando, daqui a uns dias, aqui nos reunirmos para discutirmos e votarmos, em liberdade, o Tratado de Maastricht cada um estará isolado perante si, mas também perante todo o povo português e, pior do que isso, perante a história e as responsabilidades que isso implica.

Aplausos do PS e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nós faremos, tal como os oradores precedentes, uma antecipação da nossa declaração de voto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A convergência, mais do que isso, o acordo entre o Partido Socialista e o PSD impôs, ou vai impor, a aprovação deste processo de revisão constitucional ditado pelo Tratado de Maastricht. Esse acordo, ao menos no essencial, foi feito fora desta Assembleia da República. A forma e o modo como a revisão constitucional se fez decorrem exclusivamente do interesse comum do Partido Socialista e do PSD de procurarem legitimar importantes transferências de soberania do âmbito nacional para órgãos supranacionais, à margem do esclarecimento do povo português e da auscultação da sua opinião soberana.
O PCP considera grave a conclusão deste processo de revisão constitucional, fundamentalmente por três ordens de razões. Em primeiro lugar, porque ela visa expressamente abrir caminho da ratificação do Tratado da União Europeia o qual impõe a perda de soberania nacional em matérias sensíveis para a independência nacional e numa via marcadamente federalista.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, porque o Partido Socialista e o PSD uniram forcas e esforços para negarem ao povo português o direito de se pronunciar sobre deci-

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soes da maior importância para o futuro de Portugal, impedindo a realização de um amplo e profundo debate nacional e recusando aos Portugueses a possibilidade de manifestarem a sua opinião através de um referendo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, porque este processo de revisão, e a próxima ratificação do Tratado que lhe está subjacente, mostram uma condenável aproximação do Partido Socialista ao PSD numa questão de fundo e em orientações fundamentais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isto leva mesmo a poder perguntar-se legitimamente se, ao assumir estas posições, o Partido Socialista está, por exemplo, a afirmar que se voltar ao governo se compromete a prosseguir sem desvios uma política económica ditada pelo liberalismo e pelo monetarísmo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Importa reafirmar nesta ocasião que, nestas condições, é destituída de fundamento a tentativa do PS de apresentar como um resultado extremamente positivo a inclusão, no artigo 166.º da Constituição, da competência da Assembleia da República para apreciar e acompanhar as questões comunitárias. Desde logo, porque o próprio PS já reconheceu que essas competências estão já consagradas na lei e não são exercidas por força da maioria.
Mas fundamentalmente porque esse gesto simbólico não compensa minimamente o esvaziamento de competências efectivas da Assembleia da República, por força do Tratado de Maastricht, e nem sequer garante que ela intervenha na definição das posições do Estado Português no âmbito das Comunidades Europeias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - São estes factos e estas razões que justificam plenamente o voto do PCP inequivocamente contra esta revisão constitucional.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que respeita à votação na especialidade, resumo, como se segue, as razões de voto do PCP.
Votaremos contra os artigos que representam o núcleo essencial das exigências decorrentes do Tratado, ou seja, contra o artigo 7.º, n.º 6, que visa permitir as transferências de soberania e contra o artigo 105.º, através do qual se pretende que deixe de existir a reserva de soberania de emissão de moeda.
Quanto às restantes propostas, que não decorrem do Tratado nem implicam perda de soberania, abster-nos-emos na votação dos aditamentos aos artigos 166.º e 200.º, já que eles representam uma alteração que fica muito aquém do que era necessário em matéria das competências da Assembleia; abster-nos-emos ainda na votação do artigo 15.º, n.º 5, pois, embora estejamos inteiramente de acordo com a concessão de direito de voto para o Parlamento Europeu aos nacionais dos países da Comunidade de acordo com o país em que residem, não consideramos positiva a concessão de capacidade eleitoral passiva a estrangeiros, já que entendemos a representação parlamentar no Parlamento Europeu como uma representação nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Votaremos favoravelmente o artigo 15.º, n.º 4, que diz respeito à capacidade eleitoral nas autarquias locais, já que se trata de uma mera explicitação de um conteúdo que já se encontrava na Constituição.
Finalmente, o aditamento da palavra «democracia» ao artigo 7.º, n.º 5, não tem qualquer relação com o Tratado de Maastricht e é de conteúdo positivo, pelo que o votaremos favoravelmente.
Quanto às normas que não obtiverem os dois terços e que, por isso, não forem aprovadas, apesar de discordâncias quanto às formulações, designadamente em relação as propostas do CDS, votaremos favoravelmente todas as propostas, para não restarem dúvidas acerca da clareza da posição do PCP quanto à viabilização do referendo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, o referendo, que nós próprios propusemos, não será aprovado por força da convergência dos votos do PS e do PSD. E isto por uma única e exclusiva razão: porque o PS e o PSD têm medo de dar voz aos Portugueses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez os efeitos da nossa intervenção foram desproporcionados ao número de Deputados que temos na Assembleia.
Se estamos hoje a falar de revisão constitucional, fomos nós, CDS, que tomámos a iniciativa para que isso se fizesse. Apresentámos aqui o primeiro projecto de resolução para que a Assembleia assumisse poderes de revisão constitucional.
Nessa altura, fazia regra no Governo e no partido que o apoiava, e também no Partido Socialista a tese de que não era necessária a revisão, já que o Tratado podia ser aprovado e ratificado sem que a Constituição sofresse qualquer alteração. Essa opinião foi mudada e hoje estamos aqui a votar uma revisão constitucional.
Porque fomos favoráveis, desde o início, à realização de uma consulta referendária aplicável à aprovação e à ratificação deste Tratado, muitos partidos fizeram nesta matéria mudanças radicais. Estamos a pensar no PCP. Mas congratulamo-nos com o facto.
No entanto, os objectivos fundamentais do projecto que propusemos não foram alcançados. O que pretendíamos, fundamentalmente, era alterar o artigo 118.º e viabilizar, por essa forma, a consulta referendária sobre o Tratado de Maastricht; o que pretendíamos era consagrar salvaguardas e reservas que permitissem defender a soberania, a identidade e a unidade nacionais e os poderes dos órgãos constitucionais portugueses, face aos desenvolvimentos que se avizinham e que já são conhecidos das Comunidades Económicas Europeias.

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Como isso não foi possível, votaremos em conformidade.

Votaremos a favor de todas as propostas que aqui apresentámos; votaremos contra as propostas que representam uma antecipação do Tratado de Maastricht, que não foi sujeito a referendo; abster-nos-emos em relação àquelas propostas que, consagrando soluções que por nós foram sugeridas e propostas, têm, no entanto, redacções que consagram uma antecipação do Tratado, que não foi sujeito ao referendo.
Este será o sentido do nosso voto.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Que importa que nos prometam a abundância, se nos roubam a dignidade?!»
Em primeiro lugar, o PSN não pode concordar que não seja aceite o referendo sobre uma questão como é a do Tratado de Maastricht. É impensável que o povo português seja forçado a aderir a um Tratado que não conhece nem sabe para onde nos conduz.
Em segundo lugar, não pode concordar também que estejamos obrigados a aceitar, per omnia secula seculorum a forma republicana de governo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não apoiado!

O Orador: - Um sistema democrático que não admita todas as formas de governo não é indiscutivelmente democrático!
Por fim, não aceitamos também a disposição constitucional sobre o equilíbrio orçamental, pois pretendemos que haja equilíbrio entre as receitas e as despesas, para que, inclusivamente, os jovens - aqueles que vêm depois de nós - não sejam obrigados a suportar os nossos próprios erros.
Deixo aqui, indiciariamente, os pontos de que discordamos. É claro que a maioria não está de acordo connosco. Estou convencido de que as minorias podem não ter razão, só que as maiorias é que nunca a têm!

Protestos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero manifestar aqui que votarei contra esta revisão constitucional, em primeiro lugar, porque não contemplou o referendo, condição prévia para pôr alguma transparência e garantia democráticas num processo obseuro e escondido dos cidadãos - a não ser que quanto mais nevoeiro mais claridade, como, há pouco, admitiu o Sr. Deputado Alberto Costa,... embora D. Sebastião, habituado, como é público, ao nevoeiro, tenha por pacífico que este esconde porque impede a visibilidade...
Em segundo lugar, porque considero que a revisão escancara as portas a um processo tendencialmente federativo e coloca Portugal e os portugueses indefesos perante interesses de um centro económico e político europeu que ambiciona tornar a Europa numa fortaleza eriçada e numa potência imperialista.
Finalmente, quero lamentar que o Partido Socialista tenha aceitado ser a cópia e não o original. Dizendo não ao referendo, o PS perdeu a oportunidade de estar na frente do processo europeu que defende, ficando totalmente manietado pelo PSD em matéria tão sensível como a da liberdade de escolha e da participação dos cidadãos, aceitando esconder-se nas salas guarnecidas por Cavaco Silva. Perdeu capacidade de oposição consequente, vulnerabilizando, nomeadamente, o próprio Presidente da República face aos ataques do PSD.
Que pena o «vigor democrático» - que, de manhã, tivemos oportunidade de ouvir na declaração do Sr. Deputado Manuel Alegre - esteja a ser abafado pelos ruídos do leito onde se abraçam o PS e o PSD...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo a Câmara de que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca comunicou à Mesa a sua intenção de apresentar uma declaração de voto, por escrito.
Vamos agora proceder à votação de um requerimento, apresentado pelo PCP, nos termos do qual requerem que seja antecipada a votação do regime referendário em relação a todas as outras votações das restantes alterações à Constituição.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP, do CDS, de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e abstenções do PSD e do PS.
Srs. Deputados, tendo em conta o «roteiro das propostas a submeter a votação do Plenário», elaborado pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, vamos passar a decidir constitucionalmente.
Há duas regras que pretendo aqui lembrar e cujo cumprimento vou exigir escrupulosamente: primeira, as votações realizam-se, segundo o Regimento, «por levantados e sentados, que constitui a forma usual de votar», pelo que não aceito acenos de mão; segunda, vou fazer a votação por filas, já que é preciso contar um a um todos os votantes. Por fim, peço aos Srs. Deputados que, em caso algum - salvo um caso de força maior, dizem os juristas -, saiam dos vossos lugares durante as votações.
Com efeito, nos termos do requerimento anteriormente votado, vamos começar pelas propostas relativas à alteração do regime referendário.
Srs. Deputados, vamos votar, em primeiro lugar, a proposta de aditamento de um novo artigo 297.º-A, apresentada pelo Deputado independente Mário Tomé.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 193 votos contra (132 do PSD e 61 do PS) e 21 votos a favor (13 do PCP, 4 do CDS, 1 de Os Verdes, 1 do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé).

Era o seguinte:

Artigo 297.º-A

O disposto no n.º 3 do artigo 118.º não se aplica ao Tratado da União Europeia enquanto se mantiver o processo da sua ratificação.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, sem prejuízo do rigor que V. Ex.ª, e muito bem, quis imprimir à votação desta revisão constitucional, pensamos que, nos casos em que a contagem dos votos positivos, emitidos fila a fila, manifestamente não bastassem para que se pudesse dar por aprovada a nova norma constitucional, não seria necessário fazer a votação fila a fila, nem a contagem dos votos contra e das abstenções.

É, pois, uma sugestão que, no sentido de operacionalizar os trabalhos e sem quebra de rigor, nomeadamente, quanto às normas constitucionais que viessem a ser aprovadas, deixo a V. Ex.ª

(O orador reviu.)

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa tem uma ligeira objecção a fazer a essa sua proposta, pois entende que, na votação da Constituição, se devem apurar até ao fim as posições de cada qual.

Srs. Deputados, vamos passar à votação do artigo único do projecto de revisão constítucional n.º 4/VI, apresentada pelo PCP.

Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, lendo-se registado 192 votos contra (132 do PSD e 60 do PS) e 21 votos a favor (13 do PCP, 4 do CDS, l de Os Verdes, l do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé).

Era o seguinte:

Artigo único

Referendo sobre o Tratado da União Europeia

As exclusões de âmbito previstas no n.º 3 do artigo 118.º da Constituição não são aplicáveis a um referendo que venha a ser decidido, nos demais termos constitucionais e legais, sobre alterações aos Tratados das Comunidades - CEE, CECA e EURATOM - visando a instituição de uma união europeia.

Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração dos n.ºs 3 e 4 do artigo 118.º, apresentada pelo CDS.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 192 votos contra (132 do PSD e 60 do PS), 20 votos a favor (13 do PCP, 4 do CDS, l de Os Verdes, l do PSN e do Deputado independentes João Corregedor da Fonseca) e a abstenção do Deputado independente Mário Tomé.

Era o seguinte:

Artigo 118.º

Referendo

1 -(Sem modificação.)

2 - (Sem modificação.)

3 - O Presidente da República submeterá a referendo nacional a aprovação de tratados que comportem a atribuição a uma organização internacional de exercício da competência do Estado Português.

4 - São excluídas do âmbito do referendo as alterações à Constituição, as matérias previstas nas alíneas a) a c), g) a O e/) a m) do artigo 164.º e no artigo 167.º da Constituição e as questões e os actos de conteúdo orçamental tributário ou financeiro.

5 - (Idêntico ao actual n.º 4.)

6 - (Idêntico ao actual n.º 5.)

7 - (Idêntico ao actual n.º 6.)

8 - (Idêntico ao actual n.º 7.)

9- (Idêntico ao actual n.º 8.)

rs. Deputados, votaremos agora a proposta de aditamento de um novo artigo 297.º-A, apresentada pelo PSN.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 192 votos contra (131 do PSD e 61 do PS). 20 votos a favor (13 do PCP, 4 do CDS, l de Os Verdes, l do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca) e a abstenção do Deputado independente Mário Tomé.

Era a seguinte:

Artigo 297.º-A

O Tratado da União Europeia, dada a sua incidência excepcional nos destinos do País, não é incluído na disposição excludente do n.º 3 do artigo 118.º da Constituição.

Srs. Deputados, está votada toda a matéria respeitante ao regime referendário.

Passaremos agora a seguir o guião fornecido pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, votando uma proposta de aditamento de um novo artigo 5.º-A, apresentada pelo CDS.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 14 votos contra (13 do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca). 5 votos a favor (4 do CDS e l do PSN) e 198 abstenções (133 do PSD, 63 do PS, l de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé).

Era a seguinte:

Artigo 5.º-A

Língua oficial

A língua oficial da República é o português.

Srs. Deputados, passamos agora à votação de uma proposta de aditamento ao n.º 5 do artigo 7.º, apresentada pelo PS.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, estamos a votar as propostas referentes ao artigo 7.º?

O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Então, a primeira proposta a votar é a de eliminação do n.º 5, apresentada pelo CDS.

O Sr. Presidente: - Vou seguir o guião elaborado pela Comissão, Sr. Deputado. E isto, por uma razão muito simples: esta eliminação não é de nenhum artigo de um projecto de lei, mas sim de um artigo da Constituição que está em vigor. Portanto, essa regra do Regimento não se aplica aqui. Teve razão a Comissão quando elaborou, deste

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modo, este guião. Aliás, segundo o acordo de cavalheiros que fizemos, no início, devemos seguir o guião.
Vamos, portanto, repetir esta votação, sendo certo que o que se vai votar é a proposta, apresentada pelo PS, de aditamento de uma expressão num preceito da Constituição. De facto, o que aqui está em causa é sempre a Constituição e não outro projecto de lei que está a ser modificado ou aditado.
Srs. Deputados, vamos então proceder à votação da proposta de aditamento, no n.º 5 do artigo 7.º, do inciso «da democracia» entre a expressão «a favor» e a expressão «da paz», apresentada pelo PS.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 212 votos a favor (133 do PSD, 63 do PS, 13 do PCP, l de Os Verdes, l do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca) e 5 abstenções (4 do CDS e do Deputado independente Mário Tomé).

É a seguinte:

5 -Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos.

Srs. Deputados, vou dar a palavra ao Sr. Secretario para proceder à leitura de uma proposta comum do PS/PSD de aditamento de um n.º 6 ao artigo 7.º

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A proposta é do seguinte teor:

Portugal pode, em condições de reciprocidade, . com respeito pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica e social, convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da união europeia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar esta proposta comum do PS/PSD de aditamento de um n.º 6 ao artigo 7.º, que acabou de ser lida.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 196 votos a favor (133 do PSD e 63 do PS), 16 votos contra (13 do PCP, l de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé) e 5 abstenções (4 do CDS e l do PSN).

Srs. Deputados, segue-se uma proposta de eliminação do n.º 5 do artigo 7.º, subscrita pelo CDS.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 211 votos contra (133 do PSD, 63 do PS, 13 do PCP. l de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca), 4 votos a favor do CDS e 2 abstenções (l do PSN e do Deputado independente Mário Tomé).

Srs. Deputados, vou dar a palavra ao Sr. Secretario para proceder à leitura de uma proposta de aditamento de um novo artigo 7.º-A, apresentada pelo CDS.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta é do seguinte teor

Artigo 7.º-A

Comunidades Europeias

Portugal participa nas Comunidades Europeias com base nos Tratados que as regem e que assinou com outros Estados soberanos que escolheram livremente exercer em comum algumas das suas competências, em condições de reciprocidade e com respeito pelo princípio da subsidiariedade.

O Sr. Presidente: - A Mesa tem algumas dúvidas sobre se esta proposta está, ou não, prejudicada.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, nós, que somos os autores da proposta, entendemos que ela está prejudicada. Como também o estava a proposta de eliminação do n.º 5 do artigo 7.º, que acabou de ser votada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos, então, às propostas referentes ao artigo 15.º, a primeira das quais é uma proposta conjunta PSD/PS de aditamento da expressão «activa e passiva» entre «capacidade eleitoral» e «para a eleição», no seu n.º 4.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 212 votos a favor (133 do PSD. 63 do PS, 13 do PCP. l de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé) e 5 abstenções (4 do CDS e l do PSN).

É a seguinte:

4 - A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais.

Srs. Deputados, vou dar a palavra ao Sr. Secretário para proceder à leitura de uma proposta conjunta PS/PSD de aditamento de um n.º 5 ao artigo 15.º

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta é do seguinte teor

A lei pode ainda atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados membros da União Europeia residentes ern Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta conjunta PS/PSD de aditamento de um n.º 5 ao artigo 15.º, que acabou de ser lida.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 196 votos a favor (133 do PSD e 63 do PS), voto contra do Deputado independentes Mário Tomé e 20 abstenções (13 do PCP, 4 do CDS, l de Os Verdes, l do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca).

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Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração à epígrafe do artigo 15.º, apresentada pelo PS e PSD.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 197 votos a favor (133 do PSD e 64 do PS) e 21 abstenções (13 do PCP, 4 do CDS, l do PSN, l de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé).

Ê a seguinte:

Artigo 15.º

Estrangeiros e apátridas, cidadania europeia

Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta referente ao artigo 105.º, apresentada pelo PS e PSD.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 196 votos a favor (133 do PSD e 63 do PS) e 21 votos contra (13 do PCP, 4 do CDS, l de Os Verdes, l do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé).

É a seguinte:

Artigo 105.º

Banco de Portugal

O Banco de Portugal, como banco central nacional, colabora na definição e execução das políticas monetária e financeira e emite moeda nos termos da lei.

Srs. Deputados, vamos votar uma proposta de alteração aos n.º" 5, 6 e 7 do artigo 108.º, apresentada pelo PSN.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado l voto a favor do PSN, 212 votos contra (133 do PSD, 63 do PS, 13 do PCP, l de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé) e 4 abstenções do CDS.

Era a seguinte:

5 - O Orçamento deve estar equilibrado, devendo as despesas estar no nível das receitas.

6 - Não poderá recorrer-se a empréstimos públicos se não para utilização extraordinária como as que decorram das necessidades de defesa da manutenção da ordem democrática quando claramente ameaçada e de outras situações de manifesta emergência nacional.

7 - As despesas e as receitas do Estado não podem exceder 35 % do produto interno bruto (PIB).

Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de aditamento da alínea o) ao artigo 164.º, apresentada pelo CDS.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 4 votos a favor do CDS, e 213 abstenções (133 do PSD, 63 do PS. 13 do PCP, l de Os Verdes, l do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé).

Era a seguinte:

o) Apreciar, tendo-se designadamente em conta o cumprimento do princípio da subsidiariedade, as propostas de actos a emanar dos órgãos próprios das Comunidades Europeias sobre matérias da sua competência, podendo pronunciar-se acerca de tais propostas através de resoluções nos termos da Constituição e da lei;

p) [Actual alínea o).]

Srs. Deputados, relativamente à alínea f) ao artigo 166.º, referente à competência da Assembleia da República quanto a outros órgãos, o PSD e o PS propõem o aditamento de uma nova alínea que o Sr. Secretário vai passar a ler.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, é a seguinte:

f) Acompanhar e apreciar, nos termos da lei, a participação de Portugal no processo de construção da união europeia.

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à sua votação.

Submetida à votação, obteve a maioria necessária de dois terços, tendo-se registado 196 votos a favor (133 do PSD e 63 do PS) e 21 abstenções (13 do PCP, 4 do CDS, l de Os Verdes, l do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé).

Vamos passar ao artigo 167.º da Constituição, relativo à reserva absoluta de competência legislativa. Há duas propostas de alteração à alínea m), uma apresentada pelo PS e outra pelo CDS. O Sr. Secretário vai proceder à leitura da proposta do PS.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, é a seguinte:

m) Regime de designação dos membros dos órgãos institucionais da União Europeia a indicar pelo Estado Português, quando ou na parte em que tal regime não decorra directamente do direito comunitário;

n) [Actual alínea m)].

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à sua votação.

Submetida à votação, não obteve a maioria necessária de dois terços, registando-se 133 votos contra do PSD, 64 votos a favor (63 do PS e do Deputado independente Mário Tomé) e 20 abstenções (13 do PCP, 4 do CDS, l de Os Verdes, l do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca).

A proposta do CDS, que se seguiria, suponho que está prejudicada.

Não havendo objecções, vamos passar à votação da proposta de alteração do artigo 168.º, alínea i) do n.º l, relativo ã reserva absoluta de competência legislativa, da iniciativa do CDS, que o Sr. Secretário vai passar a ler.

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O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, é a seguinte:

i) Criação de impostos e sistema fiscal, incluindo os que constituem recursos próprios das Comunidades Europeias. O Sr. Presidente: - Vamos proceder à sua votação.

Submetida à votação, não obteve a maioria necessária de dois terços, tendo-se registado 197 votos contra (133 do PSD e 63 do PS e do Deputado independente Mário Tomé), 4 votos a favor do CDS e 16 abstenções (13. do PCP, l de Os Verdes, l do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca).

Vamos passar à votação de uma proposta de aditamento de um artigo 184.º-A, apresentada pelo CDS, e que respeita a uma câmara das regiões. É uma proposta longa, que suponho que todos conhecem, está identificada, e dispensam a leitura. Vamos proceder à votação.

Submetida à votação, não obteve a maioria necessária de dois terços, tendo-se registado 15 votos contra (13 do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé), 4 votos a favor do CDS e 198 abstenções (133 do PSD, 63 do PS, 1 de Os Verdes e 1 do PSN).

Era a seguinte:

Artigo 184.º-A

Câmara das Regiões

1 - A Câmara das Regiões é um órgão de natureza consultiva, que funciona junto da Assembleia da República, composta por representantes das Regiões Autónomas e dos órgãos de poder local.

2 - A Câmara das Regiões tem um mínimo de 40 e um máximo de 50 membros, a designar em conformidade com a respectiva lei orgânica aprovada pela Assembleia da República.

3 - Os representantes das Regiões Autónomas e do poder local em corpos previstos em tratados de que Portugal seja parte terão assento na Câmara das Regiões, sem prejuízo do disposto no número anterior.

4 - A Câmara das Regiões, sem prejuízo de outras competências que por lei lhe sejam atribuídas, será sempre ouvida pela Assembleia da República nas matérias a que se referem os artigos 164.º, alíneas h), f) e h), 166º, alínea;), 167.º, alíneas;),/), n) e o), e 168.º, alíneas p) e .v).

5 - Aos membros da Câmara das Regiões aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições dos artigos 160.º, 161.º e 162.º da Constituição.

Vamos passar ao artigo 200.º, relativo à competência do Governo. No que se refere ao n.º l, o PS e o PSD propõem o aditamento de uma nova alínea/), que o Sr. Secretário vai passar a ler.

O Sr. Secretário (João Salgado):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, é a seguinte:

O Apresentar, em tempo útil, à Assembleia da República, para efeitos do disposto na alínea y) do ar-

tigo 166.º, informação referente ao processo de construção da união europeia.

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à sua votação.

Submetida à votação, obteve a maioria necessária de dois terços, tendo-se registado 196 votos a favor (133 do PSD e 63 do PS) e 21 abstenções (13 do PCP, 4 do CDS, l de Os Verdes, l do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé).

Sr. Deputado Nogueira de Brito, entende que a proposta do CDS relativa à mesma alínea i) está prejudicada?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, quero solicitar a V. Ex." que, face às votações que já ocorreram, corrigisse a remissão que se faz na nossa proposta e que deve passar a fazer-se para o artigo 166.º

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura da proposta de aditamento de uma nova alínea O ao n.º l do artigo 200.º, da iniciativa do CDS, com as devidas correcções.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, é a seguinte:

O Submeter à Assembleia da República, a fim de esta exercer a competência prevista nos artigos 166.º, alínea o), e 168.º, alínea i), as respectivas propostas de actos comunitários;

j) [Actual alínea i).]

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, salvo melhor opinião, esta proposta está prejudicada, porque não é possível aprovar duas redacções para a mesma norma.

Ora, acabou de ser aprovada uma norma sobre a apresentação, em tempo útil, à Assembleia da República, de informação referente ao processo de construção da unidade europeia e essa norma, salvo melhor opinião, repito, prejudica qualquer outra com o mesmo alcance. Portanto, apelo ao CDS que pondere este aspecto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa entende que esta proposta está prejudicada.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Está efectivamente prejudicada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora às propostas de alteração relativas ao artigo 229.º

A proposta de alteração da alínea u) do n.º l do artigo 22º.º, apresentada pelo PS, é do seguinte teor

u) Pronunciar-se por sua iniciativa, ou sob consulta dos órgãos de soberania, sobre as questões da competência destes bem como sobre propostas de actos comunitários que lhes digam respeito.

Srs. Deputados, vamos votar.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 65 votos a favor (61

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do PS e 4 do CDS) e 149 abstenções (132 do PSD, 13 do PCP, l de Os Verdes, l do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé).

Srs. Deputadas, passamos agora à proposta de alteração do n.º 2 do artigo 231.º, da iniciativa do CDS, que é do seguinte teor

2 - Os órgãos de soberania ouvirão sempre os órgãos do governo regional relativamente às questões da sua competência ou atribuídas por tratado a instituições próprias das Comunidades Europeias e que sejam respeitantes às Regiões Autónomas.

Srs. Deputados, vamos votar.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 65 votos a favor (61 do PS e 4 do CDS) e 148 abstenções (132 do PSD, 12 do PCP, l de Os Verdes, l do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé).

Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação da proposta de alteração do artigo 284.º, apresentada pelo PS.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 198 votos a favor (132 do PSD, 62 do PS e 4 do CDS), 15 votos contra (13 do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé) e 2 abstenções (l de Os Verdes e l do PSN).

É a seguinte:

Artigo 284.º

Competência e tempo de revisão

1 - A Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária.

2 - A Assembleia da República pode, contudo, assumir ern qualquer momento poderes de revisão extraordinária por maioria de quatro quintos dos Deputados em efectividade de funções.

Srs. Deputados, há ainda, relativamente a este artigo, uma proposta de alteração, apresentada pelo PSN, que se considera prejudicada.

Passamos à votação da proposta de eliminação da alínea b) do artigo 288.º, também da autoria do PSN.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado 201 votos contra (122 do PSD, 61 do PS, 13 do PCP, 2 do CDS, l de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé), 7 votos a favor (4 do PSD, 2 do CDS e l do PSN) e 7 abstenções do PSD.

Srs. Deputados, vamos passar agora à votação final global do texto que já foi apurado. As votações realizadas em Plenário coincidiram com as votações feitas em sede de Comissão, a qual, como se recordam, já tinha apresentado um texto do qual constam todas as alterações votadas na especialidade. É esse texto que vai ser agora votado.

Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com 196 votos a favor (133 do PSD e 63 do PS). 20 votos contra (13 do PCP, 4 do CDS, l de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé) e a abstenção do PSN.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um requerimento, subscrito por alguns Deputados do PSD e do PS.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o requerimento é do seguinte teor

Os Deputados abaixo assinados requerem a baixa à Comissão Eventual de Revisão Constitucional das normas aprovadas por maioria qualificada pelo Plenário, com vista à redacção final da Lei Constitucional n.º 1/92, no prazo de vinte e quatro horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS e do PSN, votos contra do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Srs. Deputados, há alguma coisa que tenha sido omitida nas votações?

Pausa.

Parece que não e, assim sendo, antes de encerrar a sessão apenas informo que a próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas, tendo como ordem do dia o debate, na generalidade, das propostas de lei n.º 36/VI - Grandes Opções do Plano para 1993 e 37/VI - Orçamento do Estado para 1993.

Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 5 minutos.

Declarações da voto enviadas à Mesa para publicação

O projecto de revisão constitucional n.º 3/VI, subscrito pelo PS, que integra as iniciativas destinadas a introduzir na Constituição as alterações necessárias à ratificação do Tratado da União Europeia, inclui nova redacção da alínea u) do artigo 229.º referente aos poderes das Regiões Autónomas.

Com tal alteração pretende-se deixar expressa a possibilidade de as Regiões Autónomas pronunciarem-se «sobre propostas de actos comunitários que lhes digam respeito».

É óbvio que aquelas alterações não são indispensáveis, nem necessárias, à adaptação do actual quadro constitucional para efeitos da ratificação do Tratado assinado em Maastricht.
Não terá sido alheia à proposta do PS a circunstância de a revisão constitucional em curso ter sido debatida na Comissão em plena campanha para as eleições para as Assembleias Legislativas Regionais de Outubro último.
É entendimento dos Deputados abaixo assinados que a alteração proposta pelo Partido Socialista é perigosa e desnecessária.
Efectivamente, a actual alínea u) do artigo 229.º da Constituição, e o mesmo se diga do n.º 2 do seu artigo 231.º, não distingue entre actos comunitários e não comunitários, pelo que tem de se concluir que tais matérias estão já incluídas naquelas disposições, sendo assim tal alteração desnecessária.

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Aquela proposta é perigosa porquanto a sua formulação pode inculcar a ideia errada de que a Constituição não confere já tais poderes às Regiões Autónomas. Aliás, a prática seguida confirma já a auscultação das Regiões Autónomas relativamente aos «actos comunitários que lhes digam respeito».
O Sr. Deputado Almeida Santos reconheceu, no debate na CERC, que tal matéria já está incluída na actual alínea u) do n.º l do artigo 229.º e que a proposta do PS visava apenas uma mera explicitação dispensável.
O Sr. Deputado Rui Machete, presidente da CERC, pronunciou-se também no sentido da inutilidade da proposta face ao actual texto constítucional, o que foi corroborado pelo Prof. Jorge Miranda, quando foi recebido em audiência na Comissão.
Tal interpretação e alcance são agora reforçados com a nova redacção dada na presente revisão à alínea f) do artigo 166.º e à alínea i) do n.º l do artigo 200.º, que toma ainda mais patente a desnecessidade da proposta do PS.
Por todas estas razões, os Deputados signatários não podiam votar favoravelmente a proposta de alteração à alínea u) do n.º l do artigo 229.º da Constituição, constante do projecto de revisão constitucional n.º 3/VI.
Admitindo, porém, que se trata de uma iniciativa bem intencionada e que, de boa fé, se pretendia explicitar poderes que as Regiões Autónomas já detêm, de se pronunciarem sobre actos comunitários que lhes digam respeito, os Deputados do PSD abaixo assinados, eleitos pelos círculos eleitorais dos Açores e da Madeira, abstêm-se na votação da alteração da alínea u) do n.º l do artigo 229.º do projecto de revisão constitucional n.º 3/VI.

Os Deputados do PSD: Guilherme Silva - Mário Maciel - Carlos Lélis - Cecília Catarino - José Reis Leite -Manuel Silva Azevedo - Correia de Jesus - Ema Paulista.

Os Deputados signatários congratulam-se com a consagração constítucional do princípio da subsidiariedade, que propuseram e foi acolhido, em termos e condições que importa precisar. Trata-se, sem dúvida, de uma das inovações centrais da terceira revisão constitucional, com profundas implicações.

l - O preceito aprovado como novo n.º 6 do artigo 7.º estabelece:

Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica e social, convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da união europeia.
Articulado com o disposto no artigo 8.º da Constituição (e em especial com o que decorre no seu n.º 3), o preceito em causa dota a Constituição, no plano político e técnico-jurídico, dos instrumentos necessários e adequados à plena inserção de Portugal no processo de construção europeia.
Importa desde logo assinalar que, no contexto referido, a referência constítucional à subsidiariedade é relevante para o exercício de qualquer das suas funções exercidas pelo novo n.º 6 do artigo 7.º:
A função de habilitação, permitindo aos órgãos de soberania portuguesa negociar, aprovar para ratificação e ratificar as futuras modificações dos

Tratados comunitários (a começar pelo de Maastricht);

A função programática, fixando os parâmetros essenciais a que deve obedecer o estabelecimento convencional das formas de exercício em comum de poderes necessários à construção da união europeia.

A decisão de exercício em conjunto de determinados poderes só pode ser tomada (pêlos órgãos competentes e segundo os procedimentos adequados):

a) Em condições de reciprocidade (entendida de forma distinta da que é tradicional no direito internacional público: no contexto do Tratado da União Europeia, cuja ratificação se pretendeu viabilizar, não só não se consagra uma literal identidade dos compromissos assumidos pelos Estadas membros, como são admitidas diferenciações reputadas não prejudiciais ao equilíbrio global);
b) Tendo em vista a realização da coesão económica e social (o que projecta no plano externo objectivos e fins essenciais do Estado de direito democrático enunciados no artigo 2.º da Constituição, erigindo em meta da acção do Estado Português a construção do Estado de direito social europeu);
c) Com respeito pelo princípio da subsidiariedade.

O debate realizado quanto ao alcance deste princípio permitiu apurar importantes elementos de clarificação da opção assumida em sede de revisão constítucional.
2 - Em primeiro lugar, não se tratou de transpor mecanicamente para o direito interno o princípio subjacente ao artigo 5.º do Tratado CECA, implícito no Tratado de Roma, expressamente mencionado no Acto Único a propósito do ambiente (130.º-R) e consagrado expressamente no preâmbulo e nos artigos B e 3.º-B do Tratado de Maastricht.
O novo n.º 6 do artigo 7.º não é uma mera clausula de reenvio para o que for o entendimento comunitário prevalecente sobre a subsidiariedade (que carece ainda de sedimentação no plano legislativo e jurisprudencial). É um princípio próprio do direito constitucional nacional.
Tal opção é tanto mais justificada quanto, através desse princípio, se visa regular não apenas as relações entre Portugal e as estruturas comunitárias, mas, mais ambiciosamente, a articulação entre as instâncias decisórias comunitárias, estaduais e infra-estaduais.

Parte-se de duas ideias fundamentais:

O Estado contemporâneo é, simultaneamente, grande de mais e pequeno de mais para que se possa desempenhar cabalmente as funções tomadas necessárias para responder aos estímulos e desafios do futuro;

As decisões que afectem os cidadãos devem ser tomadas ao nível que lhes seja mais próximo possível.

Ao contrário do princípio homólogo no direito comunitário (apenas relevante para definir as formas e modalidades de exercício de competências, sem servir de critério para reger a sua repartição - que terá sempre de decorrer das Tratados), a subsidiariedade constítucional ser-

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ve precisamente para regular a adjudicação de competências. Tem uma função de parametrização da fixação convencional do acervo de competências a exercer em comum, permite ajuizar sobre as decisões tomadas ou a tomar nesse domínio.
Não se trata, porém, de um espartilho da construção da união europeia.
Por um lado, a norma faculta aos órgãos de soberania uma ampla margem de ponderação e decisão face aos concretos conspectos de poderes em discussão em cada momento histórico. O valor conformador do novo princípio apresenta, nesta óptica, potencialidade e dificuldades. Umas e outras assemelham-se, porém, às do princípio da descentralização e nesse sentido poderão beneficiar da longa elaboração que sobre este tem sido sedimentada.
Por outro lado, no que diz respeito ao modo de efectivação das competências cujo exercício em comum tenha sido validamente decidido, o artigo 8.º, n.º 3, continuará a facultar a desejável aplicação no direito interno das aquisições do direito comunitário em matéria de subsidiariedade.

3 - Crucial para o entendimento correcto do novo princípio é a sua não identificação com uma específica corrente inspiradora.
Constando originariamente de projectos de partidas com tão distintas raízes programático-ideológicas como o PS, o PSD ou o CDS, a subsidiariedade entra na Constituição liberta de uma conexão apendicularizadora e redutora.
É manifesta, pelo contrário, a plasticidade do conceito e a pluralidade das suas fontes de inspiração, caldeada de forma expressiva nos trabalhos preparatórios.
A solução adoptada caracteriza-se por:

Sublinhar o importante papel desempenhado pelas estruturas locais, regionais, estaduais e comunitárias na solução dos problemas dos indivíduos e das sociedades (recusando assim visões que, a pretexto da salvaguarda do indivíduo e da empresa, rejeitam a intervenção pública na vida social);

Oferecer critérios para ordenar as competências dos níveis estruturais em causa em termos equilibrados que não facultam um neocentralismo comunitário, nem a desvalorização das identidades estaduais, nem o despojamento do poder local.

4 - Quanto aos critérios fixados, importa assinalar os seguintes aspectos:

O respeito pelo princípio da subsidiariedade exige que só seja feito a cada nível o que a esse nível pode ser feito com mais eficácia. Daí, por exemplo, a necessidade de uma distinção clara entre compenetrais exclusivas da Comunidade e competências concorrenciais com os Estados membros, bem como a compreensão de que a intervenção dos órgãos comunitários deve ser limitada pela legitimidade (carecendo, por isso, de habilitação convencional), necessidade e proporcionalidade no tocante à intensidade e modalidades. Deste modo, as acções que se revelem necessárias para cumprir objectivos convencionados devem respeitar as esferas próprias dos Estadas e das estruturas infra-estaduais, em nome da eficácia, eficiência, equidade e autonomia.
Sendo certo que, para realizar os seus objectivos, a Comunidade está subordinada a obrigações de acção (nomeadamente a criação de um espaço sem fronteiras internas, o reforço da coesão económica e social, o estabelecimento da união económica e monetária), as competências exclusivas decorrentes de obrigações de acção devem interpretar-se restritivamente, não só porque devem ser subordinadas aos imperativos de livre circulação, mas também porque há que compatibilizar os diversos espaços de soberania, de autodeterminação e de autogoverno. A Comunidade só deve intervir quando as objectivos de acção em causa não possam ser realizados de forma suficiente pelos Estados membros;
A subsidiariedade é um factor de dinâmica transformadora Não fixa imutavelmente uma repartição de competências. Não se estabelece uma directiva tendente a impor um núcleo de competências, mas antes um elenco variável em função da eficácia comparativa da acção conjunta e do imperativo de superação do défice democrático. Esse elenco será historicamente determinado em função das constituições de cada um dos Estados membros e da vontade dos povos legitimamente expressa.
Assim entendido, o princípio da subsidiariedade é um importante contributo para que, a todos os níveis de que dependem as decisões essenciais, a construção europeia signifique sempre mais e melhor democracia.

Os Deputados do PS: José Magalhães - Alberto Costa - Guilherme Oliveira Martins.

Quanto à proposta de artigo 5.º-A, «Língua oficial», o PCP considera que não existe qualquer dúvida quanto ao facto de que a língua portuguesa é a língua oficial da República, tendo já aliás a protecção constitucional que decorre da alínea f) do artigo 9.º da Constituição, introduzida ern 1989 por proposta do PCP.
Assim, o PCP votou contra a proposta do CDS por considerar que esta pode traduzir a ideia da existência de alguma dúvida quanto ao carácter oficial da língua portuguesa.

O Deputado do PCP, António Filipe.

As alterações introduzidas à Constituição da República Portuguesa, tomadas possíveis através do acordo celebrado entre o PS e o PSD, não podiam merecer o meu apoio e o da associação Intervenção Democrática (ID). Elas consubstanciam não uma «revisão mínima», como a tentaram classificar, mas uma profunda revisão que enfraquece o nosso texto constitucional.
A revisão extraordinária imposta pelo PSD e pelo PS visou criar as condições constitucionais necessárias para facilitar a ratificação do Tratado de Maastricht. Somos, porém, do entendimento que, sendo essa a intenção dos referidos partidos e do Governo, tal alteração à Constituição deveria circunscrever-se à inclusão de uma norma clara que possibilitasse um referendo popular sobre uma matéria tão transcendente para a sociedade portuguesa. Só depois desse referendo se alteraria, ou não, a Constituição.

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Acontece, contudo, que o Governo, o PS e o PSD se manifestaram surpreendente e com veemência contra tal iniciativa. Essa oposição à efectivação de um referendo ficou a dever-se, também, à decisão de se impedir a todo o custo uma ampla discussão pública que, inevitavelmente, teria de ser promovida sobre um tratado que pode repercutir-se negativamente no nosso país.
É notório que o Tratado de Maastricht vai afectar a soberania portuguesa ern áreas essenciais, a transferência de poderes nacionais, como as que dizem respeito, designadamente às políticas de defesa e de segurança, à política externa ou à emissão de moeda.
Presidiu à revisão extraordinária da Constituição o interesse de se proceder à imediata ratificação daquele documento. O interesse nacional, no entanto, obrigaria a que essa ratificação fosse antecipada de um debate público sobre as consequências que a aplicação do Tratado terá a Portugal, debate esse que deveria culminar no referendo.
A população portuguesa, para poder decidir com perfeita consciência, teria de dispor de uma completa informação sobre o Tratado, das razoes políticas que destinaram a sua elaboração, bem como da elencagem exaustiva das inevitáveis implicações que decorrem para os Estados e para o nosso país em particular.
Os defensores do Tratado receiam não só o referendo, como a discussão pública. Não houve, como não há, qualquer intenção de esclarecer convenientemente a nossa população. Foi deliberada a atitude do Governo e do PSD, que beneficiou do apoio do PS, partido interessado, também, em ratificar a todo o custo e o mais rapidamente possível o Tratado de Maastricht.
Acresce, ainda, o facto de, num assunto de tal magnitude, se verificar uma inegável falta de informação global, ao contrário do que se observa noutros países democráticos europeus, o que, forçosamente, implicaria proporcionar os meios necessários para que os Portugueses pudessem, finalmente, ser esclarecidos sobre um tratado que, ern nossa opinião, vai impor ao Pais ainda mais restrições à democracia.
Assim não o entenderam o Governo, o PSD e a direcção do PS. Apressadamente fizeram aprovar as alterações à Constituição sem terem ern consideração a opinião pública e os argumentos sensatos dos que, previamente à revisão extraordinária da Constituição, entendiam ser essencial uma democrática consulta popular.

O Deputado Independente, João Corregedor da Fonseca.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adriano da Silva Pinto.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Delmar Ramiro Palas.
Elói Franklin Fernandes Ribeiro.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
João Álvaro Poças Santos.
João de Desus Rogado Salvador Pinheiro.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Domingues de Azevedo.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Elisa Maria Ramos Damião.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Apolinário Nunes Portada
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Centro Democrático Social (CDS):

Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.

Partido Socialista (PS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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