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Quinta-feira, 19 do Novembro do 1992 I Série - Número 15

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE NOVEMBRO DE 1992

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs.

João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.ºs 229 a 232/VI e das ratificações n.º 51/VI e 52/VI.
Iniciou-se a discussão, na generalidade, das propostas de lei n.º 36/VI - Grandes Opções do Plano para 1993 e 37/VI - Orçamento do Estado para 1993, temia intervindo, a diverso título, além dos Srs. Ministros das Finanças (Braga de Macedo), do Planeamento e da Administração do Território {Valente de Oliveira), do Ambiente e Recursos Naturais (Carias Borrego), os Srs, Deputadas Manuel das
Santos (PS), Mário Tomé (Indep.), Guilherme Oliveira Martins (PS), Lino de Carvalho (PCP), Rogério Martins (PS), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Isabel Castro (Os Verdes), Ferro Rodrigues, Ferraz de Abreu e João Proença (PS), Rui Carp, Castro Almeida, Rui Rio e Antunes da Silva (PSD), Nogueira de Brito (CDS), Silva Marques e Pacheco Pereira (PSD), Manuel Alegre, Domingues Azevedo, Almeida Santos e Raúl Riga (PS), Octávio Teixeira (PCP), Adriano Moreira (CDS), Gameiro dos Santos (PS), Manuel Sérgio (PSN), António José Seguro (PS), António Filipe (PCP), Pedro Passos Coelho (PSD), José Sócrates (PS) e André Martins (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 45 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata Silva.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Elói Franklin Fernandes Ribeiro.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrígues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrígues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Mana Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custodio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Ganido Pais de Sousa.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Mana Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.

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Alberto de Sousa Martins.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt
António Alves Marques Júnior.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Ribeiro Marques da Silva.
Artur Rodrígues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Edite de Fátima dos Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José emesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luis Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrígues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
João Carlos da Silva Pinho.
Manuel Tomas Cortez Rodrígues Queiró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados Independentes:

Mário António Baptista Tomé.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.º 229/VI - Lei orgânica dos serviços de apoio ao Tribunal de Contas (PCP), que baixou à 3.ª Comissão; 230/VI - Transferência de serviços e património da administração central para as regiões administrativas (PCP), que baixou à 6.ª Comissão; 231/VI - Atribuições das regiões administrativas (PCP), que baixou à 6.ª Comissão; 232/VI - Suspensão temporária da vigência da lei relativa ao sistema de propinas (PS), que baixou à 8.ª Comissão; ratificações n.ºs 51/VI - Decreto-Lei n.º 247/92, de 7 de Novembro, que racionaliza o emprego dos recursos humanos da Administração Pública, e 52/VI - Decreto-Lei n.º 238/92, de 29 de Outubro, que regula o policiamento de espectáculos desportivos realizados em recintos desportivos, ambas da iniciativa do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da ordem do dia de hoje consta a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 36/VI - Grandes Opções do Plano e 37/VI - Orçamento do Estado para 1993.
Para fazer a abertura do debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Braga de Macedo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Faz um ano, quando aqui debatemos o Programa do XII Governo, que pedimos aos Portugueses poupança e paciência em troca de uma política orçamental de verdade e de rigor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com o Orçamento do Estado para 1992 em boa execução, temos seis razões para a Assembleia da República aprovar, na generalidade, o Orçamento do Estado para 1993.
Primeiro, escora a política económica e social do Governo; segundo, assegura a competitividade da economia nacional; terceiro, cumpre os critérios de convergência para a União Económica e Monetária; quarto, reforça o investimento público e as prestações sociais; quinto, aposta na reestruturação da Administração Pública; sexto, garante a estabilidade fiscal.

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Todas estas razões para aprovar o Orçamento do Estado estão relacionadas entre si e cada qual tem a sua relevância na batalha pela qualidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a estabilidade fiscal surge na sequência da harmonização comunitária decidida no Orçamento do Estado em vigor. A actualização de todos os parâmetros fiscais à taxa de 6 % permite o aumento do rendimento real das famílias, à semelhança do que - como prometemos durante o anterior debate orçamental - está a acontecer em 1992.
A estabilidade fiscal, em 1993, inclui novos esforços de moralização fiscal e o objectivo de reduzir as despesas com a administração dos impostos. Por isso, a sexta razão que apontei acaba por ser a mais importante para os contribuintes.
Também a quinta razão, a reestruturação da Administração Pública, cala fundo no espírito dos cidadãos. Prometida há mais de 20 anos, a reforma administrativa tornou-se ainda mais necessária com a modernização iniciada em 1985.
Na linha da reestruturação administrativa em curso, a gestão dos recursos humanos vem prevista no Orçamento do Estado em vigor. Graças à recém-promulgada lei dos disponíveis, que regula a mobilidade dentro da função pública, essa gestão vai ser activada em 1993.
Vão, assim, reduzir-se, pela primeira vez, as despesas de funcionamento de quase todos os Ministérios, sem prejuízo da eficácia e da justiça.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A reestruturação tem por fim melhorar o serviço público. Dirige-se, desde logo, à consolidação da reforma da administração financeira do Estado prevista no Programa do Governo. Do mercado único, com a abolição das fronteiras fiscais, à modernização do sistema financeiro, ao reforço da prevenção e fiscalização tributária, muito há a reestruturar.
A reestruturação da Administração Pública, porque rentabiliza os impostos pagos por todos nós, reforça a estabilidade fiscal. Com as mesmas contribuições, procuramos melhores contrapartidas da justiça, do ensino, da segurança, da diplomacia e do fisco.
A quarta razão para que este Orçamento do Estado seja aprovado também vem na linha da melhoria das contrapartidas dos impostos. Prossegue a aposta no investimento público e nas prestações sociais. Estas e aquele aumentam a taxas muito mais elevadas do que a taxa de crescimento do rendimento nacional.
Estamos perante um compromisso solene para com todos os portugueses: garantir, de uma forma sustentada, a prosperidade e a coesão nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A redução da taxa de inflação para um dígito é indesmentível. A média de Junho a Outubro já é inferior a 4,5 % por cento ao ano sem ajustamento sazonal e a 7 % com ele. A média dos últimos 12 meses está bem dentro da banda acordada em sede de concertação social, entre oito e nove por cento.
Também conseguimos manter a taxa de crescimento do produto quase um ponto acima da média comunitária, ligando, como prometido, a convergência nominal à real.
Com todas as outras economias da Comunidade a crescer pouco ou nada, a nossa convergência passa a ser mais difícil. Mas também é mais essencial defendê-la cautelosamente para corresponder aos anseios dos Portugueses em melhorar o seu nível de vida e evitar as falências e o desemprego que se vêem por essa Europa fora.
Por isso, os critérios de convergência não devem ser vistos como imposições externas mas, sim, como a consequência sustentada das opções políticas tomadas pelos Portugueses em 1985.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Basta reler a apresentação do Orçamento do Estado para 1986 feita nesta Câmara para perceber quê, nessa altura, tinha começado o esforço de convergência. O Sr. Ministro das Finanças de então prometeu uma redução gradual do défice orçamental, tal como, na apresentação do Orçamento do Estado para 1991, defendeu uma redução gradual da inflação.
O gradualismo não é contrariado por reversões temporárias. Os meus predecessores assumiram o aumento da inflação em 1988/1989 e do défice em 1990/1991 com a tranquilidade de quem se não deixa desviar do bom caminho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A continuidade da convergência é a terceira razão para aprovar este Orçamento do Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: através da estabilidade fiscal, da reestruturação, do investimento e da convergência o Orçamento do Estado para 1993 visa defender a competitividade das empresas portuguesas, numa economia mundial repleta de incerteza e insegurança.
A competitividade da economia nacional é a segunda razão pela qual esta proposta de lei deve ser aprovada.
Melhorar as contrapartidas dos impostos e deixar espaço para o investimento privado introduz um quadro estável para as empresas, reflectido na estabilidade cambial e na moderação salarial e financeira.
Ao aderir ao Sistema Monetário Europeu e ao eliminar o proteccionismo financeiro que discriminava contra a produção portuguesa, o Governo preferiu a redução sustentada do diferencial de juros relativamente à média comunitária.
Verificou-se uma aproximação tão rápida dos mercados vizinhos que certos instrumentos dá dívida pública espanhola já são, hoje, mais atraentes do que os portugueses.
Reconhecemos que a moderação financeira não foi ainda suficientemente traduzida nas operações de créditos às pequenas e médias empresas, cuja importância para a reestruturação e internacionalização da economia é decisiva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, em mercados abertos, a competitividade das pequenas e médias empresas só pode ser sustentada se, além de moderação nos juros, se verificar também moderação nos salários.
Não há nenhuma outra economia na Europa nem no Mundo que tenha conseguido ver salários reais a crescer acima da produtividade e o pleno emprego a aumentar nos últimos três anos. Esta convergência salarial deve conti-

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nuar, mas ao ritmo dado pelo diferencial de produtividade e com moderação no crescimento dos salários nominais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A confirmação da convergência salarial, real e nominal durante o ano em curso desmente os observadores académico-partidários que há uns meses embandeiraram em arco com a perspectiva de divergência salarial, real e nominal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Chamaram-lhe logo a «estagnação» de 1992, usando uma palavra típica dos anos 70 de que parecem ter saudades! Mas o povo português não tem saudades de 1977/1979 nem de 1983/1984.

Aplausos do PSD.

Para 1993, o Estado deu o exemplo com uma proposta de tabela para a função pública que, apesar de moderada, corresponde a uma taxa de crescimento de 9 % na massa salarial relativamente à estimativa de execução orçamental para 1992.
A moderação salarial e financeira do Orçamento do Estado terá de ser seguida pelos parceiros sociais. Ficará, assim, assegurada a competitividade das empresas, benéfica para todos. De outro modo, aumentará o desemprego e multiplicar-se-ão as falências, trazendo dificuldades às instituições financeiras. Dificuldades acrescidas à necessidade de competir no mercado financeiro unificado a partir do próximo dia 1 de Janeiro.
Só o aumento do nosso potencial endógeno de crescimento, fruto da produtividade económica e do consenso social, nos poderá valer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A defesa da competitividade depende, pois, da iniciativa dos parceiros, empresários e trabalhadores, a quem o Orçamento do Estado está a sugerir o bom caminho da política económica global.

Aplausos do PSD

Sr. Presidente, Srs. Deputados: por último, a primeira razão - aprovar este Orçamento do Estado significa apoiar a política económica e social do Governo.

Além do rigor orçamental, a modernização exige políticas estruturais como as privatizações, os programas de reestruturação e internacionalização das empresas, que se concretizam em fundos de capital de risco abertos, como os chamados FRIE, a nova lei bancária, a transferência de competências para as autarquias e a reforma da segurança social.
Mas o Orçamento do Estado e as políticas estruturais e financeiras precisam de consenso social. É a concertação e o diálogo que tornam a política económica e social adequada à realidade nacional. Não há outra!

Aplausos do PSD.

A política económica global prevista no Programa do Governo é a chave para a continuada prosperidade dos Portugueses num ambiente de estabilidade financeira e cambial que sempre lhe tem estado historicamente associado.
Desde a nossa saída do padrão-ouro em 1891, as desvalorizações cambiais têm coincidido com crises da economia e da sociedade. Basta lembrar as desvalorizações de 1977 e de 1983 para ver que elas representam provas de impotência de governos incapazes de conceber, apresentar e executar um programa credível.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Impotência que o eleitorado reconheceu e castigou em 1985; impotência que o eleitorado não esqueceu nem em 1987 nem em 1991!

Aplausos do PSD.

Como tive ocasião de referir ao encerrar uma interpelação à política económica do Governo, esta assenta na combinação estável da competitividade e da solidariedade. É a pedra de toque da experiência reformista que, com o apoio da maioria dos portugueses, o Governo tem vindo a executar nos últimos sete Orçamentos do Estado.
Não duvidamos de que o oitavo Orçamento do Estado conta também com o apoio da esmagadora maioria dos homens e das mulheres do nosso país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Solidariedade e competitividade não são conciliáveis sem consenso social. Esse consenso, bem como a coesão nacional, já foram invocados no debate sobre política económica e social que aqui promovemos logo após a entrega deste Orçamento do Estado, em 14 de Outubro passado. É em nome da coesão nacional que o Governo volta a apelar para o vosso voto favorável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, confesso que só consegui prestar total atenção a V. Ex.º quando, aos 12,5 minutos, se referiu aos comentadores académico-partidários. Infelizmente, não os identificou, mas creio que, provavelmente, estariam no seu pensamento militantes do seu próprio partido, como João Salgueiro, Teodora Cardoso, Tavares Moreira e, sobretudo, Miguel Cadilhe (já sei que o Sr. Primeiro-Ministro disse que Teodora Cardoso não é militante do PSD, mas essa informação não é relevante para a Câmara).

Risos do PS.

Realmente, ao contrário daquilo que é habitual, V. Ex.ª desta vez não conseguiu, nem com os seus habituais slogans, dar brilho à sua intervenção, que foi repetitiva e que deu a impressão de que nada se passou no País desde a altura em que fizemos aqui alguns debates sobre política económica.
De facto, desde então ocorreram muitas coisas no nosso país! Por exemplo, nos últimos dias não tivemos conhecimento da inauguração de qualquer quilómetro de auto-estrada, mas temos a certeza de que, em contrapartida, se verificaram muitas falências de empresas, muitas reduções de postos de trabalho e que foram sentidas dificuldades acrescidas por parte das pequenas e médias empresas de Portugal

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª deu-nos hoje notícia indirecta de que, atinai de contas, desceu um pouco à realidade, pelo que corrigiu o irrealismo que consta das propostas orçamentais que o Governo aqui apresentou. Foi pena que não tivesse reconhecido, na altura própria e em debate com os Deputados, que essa correcção tinha necessariamente de ser feita. É pena que V. Ex.ª não tire dessas insuficientes correcções que neste momento está disposto a admitir as consequências claras e inequívocas que elas terão, inevitavelmente, sobre a política orçamental do Governo. É que não é a mesma coisa crescer 3 %, como V. Ex.ª referia, dizendo que 3 % significava três menos um quarto ou três mais um quarto, ou crescer entre 2 % e 3 % (como disse na passada semana na Comissão de Economia, Finanças e Plano) ou crescer, como diz hoje num jornal, entre 2 % a 2,25 %. São coisas corripletamente diferentes sobre a economia nacional, sobre o volume de emprego, sobre a situação real de vida dos Portugueses. Relativamente a esta questão, o Sr. Ministro nada disse!
Mas o que é mais grave é que aquilo que V. Ex.ª diz não tem nenhuma probabilidade de ocorrer. Infelizmente, em 1993, a economia portuguesa não crescerá nem sequer os 2 % a 2,25 %.
Por outro lado, não são, de forma alguma, realistas as previsões que faz sobre o crescimento do investimento e das exportações.
V. Ex.ª apelou à Câmara e aos partidos da oposição para aprovarem a proposta orçamental do Governo, mas temos aqui uma boa razão para lhe dizer, desde já, que vamos votar contra.

Vozes do PSD: - Que novidade!

O Orador: - Mas, como é óbvio, ainda há outras razões. O sistema fiscal continua iníquo e VV. Ex.ªs não o corrigiram; nesta proposta orçamental esqueceram-se também de estabelecer as prioridades fundamentais para o desenvolvimento da economia portuguesa e para o bem-estar do povo português.
Ao tratar da mesma maneira sectores como a saúde, a educação e a administração interna, sem desprimor para esta, o Governo revela que não faz opções políticas, que não tem nenhuma noção daquilo que interessa à realidade da população portuguesa.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O que é que interessa?

O Orador: - O Sr. Ministro, no seu discurso, referiu-se as taxas de juro. V. Ex.ª continua a não entender o mundo real!
O Sr. Ministro sabe que há um conjunto significativo de empresas em Portugal, sobretudo pequenas e médias empresas, que ainda hoje, com o abaixamento que tem havido das taxas de juro, pagam-nas a valores superiores a 25 %. Tem conhecimento dessa realidade? Já foi informado disso? V. Ex.ª sabe que isto é verdade. Tal não o preocupa? Isso não tem qualquer influência sobre o seu raciocínio e sobre as suas respostas?

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, embora, como calcula, a natureza das propostas que nos foram apresentadas justificasse longos discursos...

O Sr. Presidente: - Para isso há o tempo de intervenção propriamente dito.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente. Vou concluir.

O que o Sr. Ministro propõe é manifestamente pouco, sobretudo tendo em conta que continuam a receber, por dia. em média, 1,5 milhões de contos da Comunidade Económica Europeia. Têm receitas de privatizações extremamente significativas e têm tido - é bom que seja dito -, dentro dos limites do funcionamento da democracia, alguma estabilidade social e também alguma estabilidade partidária, porque os partidos da oposição têm colaborado com VV. Ex.ªs com propostas positivas, sugestões criativas, que infelizmente VV. Ex.ªs não têm levado na devida consideração.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe de novo que conclua, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, é a última pergunta.
Conhecendo o Sr. Ministro que os índices de evolução da produção industrial foram inferiores, no segundo trimestre deste ano, relativamente a trimestre homólogo de há dois anos; conhecendo V. Ex.ª que igual situação se verifica na agricultura; conhecendo V. Ex.ª que no comércio e no sistema bancário - ainda não chegámos à Noruega mas estamos quase, V. Ex.ª sabe o que quero dizer - há taxas de crescimento ainda positivas, mas cada vez menos positivas, continua a pensar que não estamos num período de pré-recessão da economia portuguesa? Continua a insistir que vivemos num período de «oásis»? Continua a insistir que não é necessária uma política pública que lute, ciclicamente, contra essa situação e contra essa característica da economia portuguesa?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Ministro das Finanças, quero fazer uma observação geral.
Esta tolerância da Mesa quanto ao tempo explica-se por uma razão objectiva: é que estava a falar o presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano. Nas próximas perguntas serei mais estrito.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, queira desculpar-me, mas estava a falar o Deputado do PS, Manuel dos Santos, vice-presidente da bancada parlamentar e não na figura de presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penitencio-me pelo erro cometido.
Sr. Ministro das Finanças, deseja responder de imediato ou no final dos pedidos de esclarecimento?
O que o seu Governo apresenta é manifestamente pouco. Era possível fazer muito mais.

O Sr. Ministro das Finanças: - Respondo já, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, seguindo o exemplo do meu colega da indústria, que já foi aqui chamado «Tony», responderia directamente a esta questão, até porque, qualquer que seja a qualidade em que falou o Sr. Deputado Manuel dos Santos, é de facto o presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano e conhece, ou devia conhecer, todos estes pontos.
Revelou, aliás, pelas perguntas que fez, que tinha estado mais atento à minha intervenção do que disse que havia estava, porque a repetiu em vários pontos, como nas taxas de juro das pequenas e médias empresas. Repetiu até, com mais eloquência, aquilo que eu tinha dito no enquadramento internacional pré-recessivo, como ele lhe chamou, uma expressão que não sendo tão gravosa como a da «estagnação», não deixa, no entanto, de ter um sabor miserabilista que o meu discurso claramente rejeita.
Aí, não há duvida, estamos em pontos diferentes. A esperança é que, durante este debate, nos aproximemos um pouco e que o PS, em particular, tendo consciência de que não existe, efectivamente, alternativa à política económica e social do Governo, compreenda que o consenso social pode ser ajudado, particularmente em sede de concertação social, por uma postura menos contestatária do que aquela que esta intervenção revelou.
Não vou aqui identificar, fastidiosamente, observadores académico-partidários, nem pelo nome nem pelo sítio onde residem (normalmente é nos arredores de Lisboa), que se julgam mais académicos e, às vezes, são mais partidários.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E o Sr. Primeiro-Ministro também é?!

O Orador: - Têm essa característica e por isso os englobei, mas, normalmente, enganam-se.
Esta noção da «estagnação» está baseada numa divergência, como eu disse, real, nominal e salarial em 1992. Ora, foi exactamente o contrário que aconteceu, e não lamento porque os Portugueses também não lamentam. Aliás, os Portugueses sabem que, em 1992, as coisas correram muito melhor do que se lhes disse durante o debate do Orçamento para 1992.
Devo dizer que estranhei, até bastante, que o Sr. Deputado Manuel dos Santos, leitor atento, não tivesse reflectido que, apesar de numerosas vezes isso ter sido dito, sobre as previsões do Fundo Monetário Internacional (anexo II do relatório do Orçamento), se dissesse que, havendo um impulso internacional mais fraco, o crescimento também seria mais fraco - e nós dissemos sempre que o crescimento andaria entre 2 % e 3 %, consoante o impulso internacional.
Por isso mesmo, num outro gráfico, foi várias vezes referido em sede de Comissão, a que V. Ex.ª tão ilustremente preside, que o que interessava era o diferencial face à média comunitária. Lembro até V. Ex.ª de que se chocou aqui com um diferencial de 0,75 %. Nada mal, disse o Governo, porque os tempos são difíceis.
Não vou repetir, uma vez mais, o que já tinha dito quanto às seis razões para aprovar, na generalidade, este Orçamento. A estabilidade fiscal é óbvia e é compreendida por todos os contribuintes.
Quanto às prioridades, vê-las nas despesas de funcionamento é um erro de tal maneira grosseiro que não posso crer que tenha sido cometido pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos.
É evidente que na saúde estão incluídas as prestações sociais, que crescem, como foi dito na minha intervenção, a uma taxa muito mais elevada do que a taxa de crescimento do rendimento nacional. As despesas de funcionamento são outra coisa e, de facto, aí, como foi dito, os orçamentos dos Ministérios da Justiça e da Administração Interna aumentam e os outros diminuem, mas, por exemplo, o da Educação diminui muito menos do que a generalidade dos outros ministérios.
Não vou aqui insistir na questão dos fundos estruturais, pois há também aqui uma falácia grave. Os fundos estruturais não se podem comparar com o impulso internacional. É um erro grosseiro que nem os observadores académico-partidários cometem.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, nove Srs. Deputados. Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, começo por chamar a atenção do Sr. Ministro para alguns importantes contributos que, nos últimos dias, têm sido dados para o debate do Orçamento do Estado para 1993
Começo pelo contributo dos membros da Comissão Nacional de Luta contra a SIDA, ao demitirem-se, denunciando a política de discurso abundante e de moeda fraca do Ministério da Saúde e do seu titular.
O País ficou, assim, a conhecer factos que atestam a irracionalidade da racionalidade económica do Governo.
Há que corrigir a política da saúde!
Os estudantes do ensino superior recusam aumento das propinas e defendem realmente o direito ao ensino para todos, uma visão de progresso e de modernidade.
Há, pois, que corrigir a política na educação!
Os trabalhadores da Administração Pública recusam a perda de poder de compra e a forte contenção salarial que o Governo quer impor neste «contrato de colaboração com contribuintes», como lhe chama o Orçamento. Mas o mais importante é que os trabalhadores da Administração Pública defendem, em simultâneo, um melhor Estado, garantindo a estabilidade de emprego em articulação com a eficácia dos serviços.
Quanto a essa história dos cupões, não deve passar de mais uma piada de mau gosto do Sr. Ministro da Finanças.
Há que corrigir a política para a Administração Pública!
Sr. Ministro, depois de tanto fósforo queimado, de tanto gráfico traçado, de tanto estudo elaborado, qual o resultado? Qual o saldo global?
Um profundo défice social!
Como justificar, Sr. Ministro, que um orçamento que se precavê com o rigor e que alardeia previsão de crescimento económico, de aumento do investimento e das exportações, da baixa das taxas de juro, se traduza numa grave investida contra as despesas sociais, com diminuições reais na educação, na saúde, nas verbas para o subsídio de desemprego e da doença?
Como justificar as propostas para a diminuição dos salários reais na Administração Pública e a contenção salarial para a generalidade dos trabalhadores?

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Como justificar que este défice social, que atinge, em primeiro lugar, os reformados, cujas pensões não aumentam em termos reais, tenha no verso uma catadupa de benefícios fiscais para o capital de 53 milhões de contos e uma previsão até 270 milhões de contos em «subsídios de reintegração» aos monopolistas do passado.
Neste contexto, não faltam os afortunados, basta ler a revista Fortuna.
Como justificar que, ao mesmo tempo que se esbraceja hipocritamente contra a «imoralidade nas baixas por doença e nos subsídios de emprego», que o Governo aprecia ao microscópio, o Orçamento faça vista grossa ao não pagamento das contribuições para a segurança social e à evasão fiscal por parte do patronato?
Sr. Ministro, vou terminar dizendo que na sua escala de eficiência da utilização dos dinheiros públicos (vícios privados) como mede o Governo os 33 milhões de contos destinados ao ensino privado?

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro pretende responder desde já ou aguarda pela formulação dos restantes oito pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ministro das Finanças: - Aguardo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, registamos neste discurso que está a refrear de algum modo o optimismo sustentado.
Em primeiro lugar, quanto à estabilidade fiscal, o Governo mudou radicalmente de discurso do ano passado para este ano. No ano passado tivemos aqui uma alteração brutal de impostos e nós propusemos uma alternativa, que era a da evolução gradualista. Este ano continuamos com a mesma perspectiva, mas o Governo vem dizer que quer estabilidade fiscal.
Pergunto, pois, Sr. Ministro, onde estão as medidas de equidade fiscal, designadamente no tocante à progressividade, progressividade que, no caso dos impostos directos, atinge, fundamentalmente, os trabalhadores por conta de outrem.
Em segundo lugar - e já sei que o Sr. Ministro não me vai responder -, relativamente às dívidas do Estado, não vou repor a questão que já fiz aqui anteriormente, mas, sim, perguntar-lhe quais vão ser as dívidas que, no dia 31 de Dezembro de 1992, vão passar para o ano seguinte. Isto é, qual vai ser o défice oculto, conseguido à custa dos contribuintes, à custa, afinal, de o Estado não cumprir atempadamente aquilo a que está obrigado.
Em terceiro lugar, o Sr. Ministro disse aqui que a primeira razão para aprovar, na generalidade, o Orçamento era escorar a política económica e social do Governo num elemento social. Não resisto à tentação de citar aqui uma afirmação de um alto responsável, até há bem pouco tempo, do Ministério da Educação, que disse o seguinte: «Qualquer redução orçamental em termos reais na função educação tem efeitos negativos multiplicadores num país como Portugal, ainda por cima num período de aplicação da reforma do sistema educativo equacionarmos carências que temos em matéria de infra-estruturas.»
Gostaria, Sr. Ministro, que comentasse esta afirmação deste alto responsável, até há bem pouco tempo, do Ministério da Educação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Sou informado pelo Sr. Ministro das Finanças de que responderá de três em três perguntantes.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Talvez de seis em seis, Sr. Presidente. O ano passado era de oito em oito!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvimos atentamente o discurso do Sr. Ministro das Finanças a falar de novo de um orçamento de rigor e de verdade e de um País que iria quase a caminho, em matéria económica, do paraíso terrestre. Mas, das duas uma: ou o Sr. Ministro continua a fazer exercícios académicos, sem qualquer correspondência com a vida real, ou o País real, mal agradecido, não compreende V. Ex.ª
De facto, o que verificamos, Sr. Ministro, é que há crise e quebra de crescimento do produto na indústria, quebra do produto, pelo terceiro ano consecutivo, na agricultura e nas pescas e anunciam-se quebras e crises nos serviços financeiros, designadamente na banca.
De todos os lados vêm preocupações quanto à evolução futura da economia portuguesa, mas o Sr. Ministro continua a fazer-nos projecções que nada têm a ver com o que sente a vida social, real, os empresários e os trabalhadores.
Crescem, de novo, os salários em atraso e o desemprego e há uma grande pressão sobre os salários reais dos trabalhadores.
No fundo, a questão que queríamos pôr é a seguinte: de que País fala V. Ex.ª, Sr. Ministro? E se o rigor e a verdade deste Orçamento é o mesmo que o Sr. Ministro aqui trouxe no Orçamento do Estado para 1992, então estamos conversados.
De facto os indicadores de inflação, de crescimento do produto e do investimento, como sabemos, traduziram-se em números e em indicadores que nada têm a ver com as previsões que o Sr. Ministro trouxe aqui o ano passado, apesar de, variadas vezes, a oposição ter posto em causa a correcção e de ter chamado a atenção para o irrealismo dessas projecções.
O Sr. Ministro parece agora - mais claramente na Comissão de Economia, Finanças e Plano, menos claramente aqui - reconhecer uma primeira derrota, isto é, de que as suas projecções macro-económicas para 1993 não correspondem exactamente ao que vão ser os resultados. No entanto, fá-lo sem retirar daí todas as consequências.
O Sr. Ministro corrige, já hoje, na comunicação social, essas previsões e, portanto, a questão que se põe é a de saber se confirma ou não essa correcção. É que, se a correcção das previsões é para vir dizer que, afinal, o crescimento do investimento e das exportações vai ser menos de quatro e o das importações menos de cinco, então, aí, o Sr. Ministro acerta com toda a certeza Não há qualquer dúvida nesse aspecto.
Mas se, de facto, há correcções nas projecções macro-económicas que o Sr. Ministro apresenta, a pergunta - muito simples - é esto: está o Sr. Ministro em condições de apresentar, durante o debate do Orçamento do Estado, as correcções que decorrem dessas alterações macro-económicas, designadamente em matéria de receitas fiscais e cobrança do IVA? Penso que tal decorre, logicamente, tanto das alterações que o Sr. Ministro referiu na Comissão de Economia, Finanças e Plano, como agora, de modo menos acentuado, no seu discurso.

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A outra questão, Sr. Ministro, é que o seu discurso parece ser tão opaco como opaco é o Orçamento do Estado. Continua a não nos dizer - tal como não nos disse na Comissão de Economia, Finanças e Plano - quais as repercussões reais que a política de reestruturação da função pública, de aplicação da chamada lei dos disponíveis ou, como o Sr. Ministro, num momento de rara sinceridade, referiu na Comissão de Economia, Finanças e Plano, da lei dos despedimentos, vai ter em cada Ministério. O Sr. Ministro não o diz, por uma simples razão: está a escamotear e a esconder ao País que a poupança que o Governo quer fazer é, sobretudo e fundamentalmente, à custa dos trabalhadores, dos rendimentos reais e, designadamente, dos trabalhadores da função pública.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Portanto, Sr. Ministro, a questão é saber se ainda durante o debate do Orçamento do Estado nos vai trazer aqui quais as repercussões, ministério a ministério, da reestruturação da função pública, da lei do despedimentos que, como sabe, não está quantificada nem esclarecida neste Orçamento.
O Sr. Ministro falou-nos em seis razoes para votar o Orçamento do Estado. O ano passado tinha-nos falado em oito, pelo que estamos esperançados que, qualquer dia, nos diga, aqui, que já não há qualquer razão para votar o Orçamento do Estado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, ao responder de três em três pedidos de esclarecimentos formulados, faço-o apenas porque penso que há interesse em manter um certo ritmo no debate, embora também pudesse dizer que, de acordo com o nosso programa plurianual, ainda durante a legislatura, esperamos que esse número corresponda à inflação, relativamente à média comunitária. Tal acontecerá, com certeza, se mantivermos, como temos mantido, o consenso social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Considerei, naturalmente, muito interessante a intervenção do Sr. Deputado Mário Tomé quando falou da moeda fraca, embora num contexto sectorial que, a seu tempo, será referido. Mas, de facto, o ponto que aqui trouxe, quanto aos salários reais e quanto ao que considera serem insuficiências no sistema fiscal, espero que tenha ficado perfeitamente claro, na minha intervenção, que pretendemos melhorar e moralizar a administração fiscal. Esta é, neste momento, a nossa grande prioridade.
A reforma fiscal está feita, antecipámos, voluntariamente e de uma maneira ordeira, a harmonização fiscal comunitária. Lembro, a este propósito, que em Espanha este processo não foi ordeiro: acabou de se aprovar o programa de convergência em Bruxelas e, muito rapidamente, o Governo Espanhol teve de introduzir um pacote de austeridade de uma violência que, até para os nossos vizinhos, é absolutamente notória.
Efectivamente, fizemo-lo no quadro de um programa de Governo que, aliás, já vinha previsto, como bem sabem, no programa eleitoral.
Portanto, não há dúvida de que aqui não há nada senão uma melhoria da administração fiscal que é da maior importância. Haverá retoques a fazer no sistema, naturalmente que tem de haver, mas, neste momento, o grande desafio é, no quadro da reestruturação da Administração Pública, a moralização fiscal e a melhoria da sua administração.
Em relação ao ponto dos benefícios fiscais, parece-me que o Sr. Deputado Mário Tomé, de algum modo, vem dizer que há benefícios excessivos. Ora, o que se ouve por toda a parte é que eles não são suficientes. Recentemente, fizemos uma reforma fiscal e, portanto, não queremos escoar a nossa base fiscal.
De facto, quanto a esta matéria, insisto que não tem, efectivamente, qualquer base para aquilo que diz.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Falta de um lado e vai demasiado para o outro!

O Orador: - Diz o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins que o discurso mudou radicalmente. Isto, para quem defende o gradualismo, é uma acusação gravíssima! Felizmente, não está correcta.
Efectivamente, dissemos que fazíamos a harmonização fiscal comunitária no momento em que entendemos que a devíamos fazer e, de resto, mantemos a estabilidade fiscal. Quer isso dizer que nos vamos manter indiferentes ou sem trabalhar na área do fisco? De maneira nenhuma. Vamos melhorar -já o disse - a administração, e vamos fazê-lo afincadamente.
Quanto às dívidas do Estado - um tema que foi abundantemente debatido na Comissão de Economia, Finanças e Plano, pois pertence muito mais à execução orçamental do que ao Orçamento do Estado para 1993 -, já disse que a execução orçamental está a correr muito bem.
Chamo, no entanto, a atenção - é um ponto técnico - ao Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins para o facto de o famoso défice oculto, de que fala, poder vir a ser um superavit oculto, na medida em que as dívidas que transitam para o ano seguinte sejam inferiores às que vieram do antigamente. Há, pois, que ter aqui um bocadinho de cuidado com as ocultações para evitar ocultar a verdade aos Portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Felizmente eles estão esclarecidos.
«A função educação», ora que palavrão! Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins, a função educação não se mede por percentagens do PIB. Mede-se pela eficiência e qualidade do serviço público. Essa vai aumentar fortemente e não vai ser necessário o despesismo ou esconder a incapacidade e melhorar a qualidade através de aumentos quantitativos.

Aplausos do PSD.

Não falemos de função, falemos de qualidade do serviço público, como, aliás, fiz na minha intervenção.

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O Sr. Deputado Lino de Carvalho falou do paraíso. Ora, o paraíso não é para aqui chamado, é de outra questão que estamos a falar, ou seja, estamos a falar do País concreto e os Portugueses sabem-no bem.
De facto, quero chamar a atenção para o grande rigor e consistência que foram postos no nosso exercício macroeconomia), ao ponto de termos o cuidado de o apresentar em diferencial relativamente à média comunitária Fizemos isto porquê? Porque só assim é honesto fazê-lo, num ambiente internacional inseguro e imprevisível! Na nossa memória ainda está presente o Fundo Monetário Internacional, que há bem pouco tempo fazia tremer governantes e enchia de júbilo as oposições e, agora, passam cá os chefes daqueles que faziam medo aos Ministros das Finanças de há muitos anos e ninguém repara.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Passou cá o chefe do Departamento Europeu, que nos vinha falar das revisões das previsões, coisa que nunca fazia noutro tempo, mas ninguém reparou! Não há crise. Nesse sentido, a crise está lá fora,...

Aplausos do PSD.

... e não em Portugal.
Mas se não houver consenso social, a crise vem para cá, sem dúvida! É por isso que apelamos ao consenso social e é por isso que para nós a concertação e o consenso são absolutamente decisivos para conseguirmos ultrapassar as dificuldades internacionais que existem em 1993.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Essa é a mensagem do Orçamento do Estado e essa é também a mensagem que quero referir.
Quanto ao erro das previsões, devo dizer que assumimos, a meio do ano, que, efectivamente, algumas previsões tinham sido revistas para baixo. Mas outras foram revistas para cima, como, por exemplo, os salários reais. Estes cresceram mais, em 1992, do que o Governo pensava durante a discussão do Orçamento.
É evidente que, e já o prevenimos, esse crescimento não será sustentado se não existir consenso social. Mais uma vez, faço aqui um apelo para a concertação social: que aqueles sindicalistas, que também são Deputados da oposição, ajam como sindicalistas e não como Deputados da oposição. É um apelo solene que faço aqui, neste Hemiciclo.

Aplausos do PSD.

É evidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, que não vou confirmar qualquer alteração ao Orçamento do Estado. Já constava do anexo técnico que o crescimento internacional seria menor e, por isso, elaborámos um Orçamento cauteloso. Consistente, mas cauteloso!
Não será, pois, necessário apresentar revisões quanto a despesas ou receitas, dentro do quadro que consideramos mais provável.
A opacidade não existe. Este relatório foi escrito para o cidadão e lê-se muitíssimo bem. É claro e escorreito, mas é preciso lê-lo!

Risos do PSD.

Se não se ler, é opaco, lá isso é!

Aplausos do PSD.

Tem de se ler o relatório!
Relativamente aos sindicatos e à função pública, o Governo fez um apelo pungente aos sindicatos da função pública para que se associassem à gestão da mobilidade prevista na chamada lei dos disponíveis.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não queria mais nada!

O Orador: - Foi convocada a reunião e, para já, aguardamos o resultado, estando seguros de que o bom senso vai vencer e que os sindicatos vão compreender que a reestruturação é um dever para com os contribuintes portugueses e é do interesse de todos os funcionários públicos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Proença pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Proença (PS): - Para defesa da honra e da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Fará a sua defesa no fim. Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Martins.

O Sr. Rogério Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, é evidente que V. Ex.ª não tem os pés na terra, talvez por andar obcecado por esses analistas dos arredores de Lisboa que tanto o preocupam e cujos nomes gostaríamos de conhecer.
Vê-se, pela apresentação que fez do Orçamento do Estado, que, ultimamente, não tem falado muito com os industriais. É que o Sr. Ministro veio dizer-nos, com grande desplante, que as coisas correram e correm muito melhor, que a competitividade é uma coisa que tem no coração e na qual pensa todos os dias, mas os nossos industriais sentem que essa competitividade lhes está a falhar e que as nossas exportações estão estagnadas ou estão a diminuir.
Num momento em que o escudo se mantém forte, como diz, e quando a peseta a Ura e a libra se desvalorizaram - e isso aflige, por exemplo, os franceses, que estão muito preocupados em defender o seu franco, porque vêem as suas quotas de mercado perderem-se -, o Sr. Ministro acha que essa política monetária ajuda a competitividade internacional dos nossos exportadores. Bem, se eles não sentem, os números aí estão.
É claro que o Sr. Ministro não gosta muito de falar de números, pois, quando, na Comissão de Economia Finanças e Plano, lhe perguntei por números,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Discutiu filosofia!

O Orador: - ... respondeu-nos que nós ainda não tínhamos percebido a sua filosofia. Só que a filosofia não entra nas estatísticas do comércio externo!
Ainda no que se refere à competitividade, quero dizer-lhe que as reestruturações industriais não foram feitas na

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altura própria. Já não falo do vale do Ave, mas, sim, no panorama da indústria portuguesa, em que o melhor está à venda e são os estrangeiros que o compram, o que é normal devido às dificuldades dos industriais, que se sentem cada vez mais preocupados, sobretudo os grandes empregadores nacionais, que são as pequenas e médias empresas. Em face de tudo isto, e pelo facto de mais de 80% das nossas exportações serem feitas para a Europa, donde nos chegam notícias cada vez mais preocupantes - na Alemanha o crescimento, no corrente ano, vai ser igual a 0 %, pelo que ela deixará de ser a locomotiva europeia, o que preocupa toda a gente e deve preocupar também o Ministro das Finanças do mais pequeno país da Comunidade -, não pensa V. Ex.ª que é necessário modificar o seu Orçamento por forma a introduzir-lhe medidas que possam ajudar os exportadores portugueses, perante a mudança acelerada da conjuntura dos nossos maiores mercados?

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, é bom que V. Ex.ª responda da forma como o está a fazer porque, pelo menos, nos encara, embora as suas respostas nem sempre nos agradem. É um facto que o sistema de responder, em bloco, a 10 pedidos de esclarecimento é uma forma de, muitas vezes, não responder.
Na sua intervenção, V. Ex.ª falou no compromisso solene de o Governo garantir prosperidade aos Portugueses e de corresponder aos anseios dos Portugueses e, por fim, pediu o consenso social para que a crise que se vive lá fora não chegue a Portugal. No entanto, em nossa opinião, ela existe, desde já, em Portugal.

Este Orçamento, a nosso ver, não vai facilitar a vida dos Portugueses nem o desenvolvimento de Portugal, ao contrário do que possa dizer. Portanto, V. Ex.ª não poderá dizer que este ano não vai ser muito difícil para os Portugueses.
A sua intervenção - desculpe que lhe diga - não agrada, porque se trata, ao fim e ao cabo, de uma repetição daquilo que declarou, há umas semanas atrás, aquando das interpelações ao Governo sobre política económica. Não nos trouxe praticamente nada de novo!
Mas, Sr. Ministro, as questões sociais são aquelas que mais me preocupam, neste momento. A esse propósito, poderá V. Ex.ª dizer, em consciência, que a redução do défice público e da inflação não vai fazer-se à custa da redução dos salários reais, do aumento dos impostos que incidem sobre os rendimentos dos trabalhadores por conta de outrem, do trabalho precário, dos despedimentos, enfim, da instabilidade familiar que existe? É ou não verdade, Sr. Ministro, que a situação social dos Portugueses se está a agravar e que a pobreza aumenta cada vez mais em vários sectores da vida portuguesa?
Este Orçamento não beneficia, com certeza, importantes sectores, como os do ensino e da saúde, que são vistos em Portugal - e desculpe o termo - sob uma mesquinha óptica economicista, e isso é muito grave; não promove o desenvolvimento da agricultura, da indústria, da habitação social e do emprego, o que também é muito grave, numa altura em que precisamos de ser competitivos; e não desenvolve a investigação científica, tão necessária ao nosso país.
Na interpelação ao Governo sobre política económica, o Sr. Ministro da Indústria e Energia não respondeu cabalmente a uma das questões; que me parece ser das mais graves, que é a situação das pequenas e médias empresas neste país.
Por isso, pergunto-lhe agora, Sr. Ministro: será com este Orçamento que as pequenas e médias empresas, tão necessárias ao desenvolvimento do País, se vão desenvolver? É ou não verdade que, neste sector, existem cada vez mais falências, desemprego e instabilidade? A meu ver, não será com este Orçamento que estas pequenas e médias empresas se desenvolverão convenientemente.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, a questão da reestruturação administrativa foi, ao longo do seu discurso, uma constante. Dir-se-ia que, do ponto de vista do Governo, será a panaceia para todos os males.
Recusamos este princípio, já que, em nossa opinião, a reestruturação só poderia e só deveria ser entendida enquanto racionalidade, ou seja, melhor utilização dos recursos humanos.
No entanto, toda a gente sabe que o Ministério do Ambiente é um exemplo claro de uma situação em que os seus técnicos são esquecidos, gastando-se «rios de dinheiro» com contratos de avença com outros técnicos. Recusamos, assim, este entendimento de reestruturação.
De qualquer modo, o Sr. Ministro das Finanças, na enumeração das razões que, do seu ponto de vista, justificariam a aprovação deste Orçamento, coloca a reestruturação, na sua óptica, como uma forma de obter melhores contrapartidas na justiça, no ensino, na segurança, na diplomacia e no fisco.
Nessa conformidade, pergunto-lhe se há aqui algum lapso relativamente ao ambiente, e faço-o porque tivemos oportunidade de ouvir o Sr. Ministro do Ambiente, na semana passada, na abertura da reunião da GLOBE International, com ar crítico e algo agastado, referir-se aos governantes que gostam muito de falar, mas que têm grandes dificuldades em levar à prática aquilo a que se comprometem relativamente ao ambiente -e era disso que se falava e também das conclusões da ECO 92 -, dizendo que estava convicto de que a hipocrisia de alguns iria levar a que se retardasse a passagem à prática das conclusões do Rio.
Agora, ouvindo o Sr. Ministro - e já tivemos oportunidade de saber, através de uma entrevista recente, que há grande consensualidade no Governo relativamente às questões ambientais -, pergunto se esta omissão é um lapso ou se a hipocrisia de que se falava se está a situar incorrectamente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra p Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rogério Martins, ao contrário do que V. Ex.ª disse, falo muito com os industriais e, por isso mesmo, recordo que a segunda razão para aprovar este Orçamento tem a ver, precisamente, com a competitividade da economia nacional. Depois esclareci que se trata da compe-

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titividade das empresas, particularmente das pequenas e médias, que queremos que se reestruturar! e se internacionalizem. Para esse efeito temos programas ambiciosos, que também citei, que são os fundos de capital de risco abertos, que se chamam FRIE (Fundos de Reestruturação e Internacionalização Empresarial). Portanto, falei nisso.
A competitividade é efectivamente a segunda razão para aprovar este Orçamento. Espero poder contar com o voto de V. Ex.ª.
Não falei do escudo forte, porque falei da estabilidade cambial. É essa a política que temos assumido. Referi-me apenas a uma expressão «moeda fraca», que tinha ouvido a um Sr. Deputado, embora em contexto sectorial.
A nossa política cambial é muito clara, é a estabilidade. É isso que interessa aos empresários portugueses, desde que acompanhada como deve ser pela moderação salarial e financeira, e essa só pode ser conseguida em consenso social. Isto é muito claro, muito transparente, muito simples e é verdade.
No que se refere às más notícias da Europa que o Sr. Deputado Rogério Martins teve a bondade de nos retrazer aqui, pois elas já estavam na intervenção inicial, permitem-nos lembrar - e não vou outra vez maçar com os gráficos, já que, possivelmente, eles são conhecidos dos Srs. Deputados - que, no passado, durante as anteriores recessões internacionais, isto é, as de 1975/1977 e de 1981 1983, a recessão, em Portugal, era magnificada: um crescimento de 0 % na Alemanha correspondia a um crescimento de - 2% em Portugal, o que, neste momento, não acontece. Agora continuamos a crescer acima da média comunitária e essa é a nossa aposta!

Aplausos do PSD.

Quando os mercados para onde exportamos estão em recessão, é mentira dizer que a desvalorização ajuda, porque isso não acontece. A política de estabilidade cambial é a que interessa aos empresários, com a moderação salarial e financeira e as medidas estruturais. Isto é que é a realidade e isto é que é compreender os empresários.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca falou na «mesquinha óptica economicista» e disse que a minha intervenção era repetitiva. Não! Repetitiva não é! Eu não falei nos aspectos do ensino, da cultura e da língua, que referi durante o debate sobre política económica e social, e o Sr. Deputado disse que eram temas que não domino. Devo dizer-lhe que a razão não foi essa, pois se trata de temas que são da maior importância. Estamos a tratar do Orçamento, Sr. Deputado! E aquilo a que o Sr. Deputado chama a «mesquinha óptica economicista» é o dinheiro dos contribuintes, que, para o Governo, é da maior importância

Aplausos do PSD.

Quanto às PME, remeto-o para a resposta que dei ao anterior pedido de esclarecimento, bem como para a minha intervenção, em que falei numerosas vezes nelas, como não podia deixar de ser.
É da maior importância o que acontece às pequenas e médias empresas. Daí os Fundos de Reestruturação e Internacionalização das Empresas, que já estavam previstos no Orçamento para 1992 e que estão agora a arrancar.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, V. Ex.ª tem toda a razão, pois a reestruturação da Administração não é uma panaceia. É a quinta razão para aprovar este Orçamento, é uma aposta e é uma promessa que já foi feita há quase 20 anos e que está a ser cumprida desde 1985, gradualmente. Este ano vamos atacá-la com novos instrumentos e em consenso social.
Depois a Sr.ª Deputada, para além desta quinta razão, que aqui repito que não é, evidentemente, uma panaceia e que tem de ser feita em consenso social e com os sindicatos - já os convidámos para isso e estamos em crer que vão aceitar -, põe a questão de ter havido um lapso. Não houve qualquer lapso, Sr.ª Deputada.
Foi aqui referido várias vezes que o reformismo envolve uma combinação estável entre a competitividade e a solidariedade. A solidariedade aqui deve ser entendida, quer em relação às gerações existentes neste momento, quer em relação às gerações futuras. E o ambiente é uma defesa das gerações futuras.
Por outro lado, quando falei nas contrapartidas da segurança, que a Sr.ª Deputada teve a bondade de ler ou de citar, queria dizer que ela é encontrada por nós de uma maneira globalizante e inclui, evidentemente, a defesa do ambiente. Não estava a usar categorias ministério a ministério, pois seria enfadonho e sectorial. O que eu disse - é bom repeti-lo - foi que a combinação da solidariedade e da competitividade é a pedra de toque da experiência reformista, que os Portugueses entenderam muito bem e, estou seguro, de que também este Hemiciclo também vai entender, o que irá certamente ser reflectido na votação deste Orçamento do Estado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Rogério Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há ainda outros pedidos de esclarecimentos, pelo que lhe darei a palavra no fim dos mesmos.

O Sr. Rogério Martins (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª apresentou aqui seis razões para apelar ao voto favorável no Orçamento do Estado e eu vou dar-lhe sete razões para proceder exactamente ao contrário, ou seja, para apelar ao repúdio desta Câmara por este Orçamento.
Primeira razão: trata-se de um Orçamento excessivamente restritivo, atendendo à actual situação de ameaça de recessão que o País vive e que, em conjunto com outras políticas erradas, pode, realmente, levar o País à recessão.
Segunda razão: é um Orçamento que levará não à convergência real com a Comunidade Europeia mas, infelizmente, e ao contrário do que o Sr. Ministro disse, a prosseguir aquilo que vem acontecendo nos últimos anos, ou seja, a diminuição do diferencial existente entre a taxa de crescimento económico em Portugal e a taxa de crescimento económico nos países da Comunidade Europeia Só para referenciar números, posso dizer que essa diferença foi de 2,2% em 1989, de 1,4% em 1990, de 1,2% em 1991, em 1992 vai ser muito menor, e, pelo caminho que as coisas estão a tomar, provavelmente em 1993 até nem existirá, ou seja, nessa altura a convergência real será igual a 0 %.

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Terceira razão: é um Orçamento não de continuidade fiscal, mas de continuidade da injustiça fiscal em Portugal.
Quarta razão: é um Orçamento sem prioridade nas despesas. É um Orçamento sem alma!
Quinta razão: é um Orçamento que vê, com uma lógica de mesquinhez financeira, a reestruturação da Administração Pública como uma mera manobra, sem obedecer a qualquer estratégia de qualidade e de melhoria dos serviços públicos.
Sexta razão: é um Orçamento de intimidação sobre os trabalhadores da Administração Pública, ameaçados de despedimento ou de marginalização.
Sétima razão: é um Orçamento sem rigor, em que o Governo muda as suas perspectivas e o seu quadro macro-económico e não procede a qualquer alteração orçamental, qualquer que seja o nível da receita.
Que rigor é esse, Sr. Ministro das Finanças, que faz com que, de ano para ano, a dívida dos ministérios a fornecedores, a farmácias e até a bombeiros, como ultimamente se tem visto na televisão, vá assumindo proporções inconcebíveis? Que rigor é esse, Sr. Ministro das Finanças, de que tanto aqui nos fala e que tão pouco pratica?
São sete as razões que apresentei, mas podia juntar-lhe mais sete, se tivesse tempo.
Entretanto, gostaria de dizer-lhe, Sr. Ministro das Finanças, que temos sete boas razoes contra as seis más razões apresentadas pelo Sr. Ministro das Finanças, e espero que o Sr. Ministro esteja de acordo comigo, pois é bom que o Governo perca para que o País ganhe. No entanto, no caso de termos uma recessão em 1993, só espero que não nos venha dizer que a culpa foi dos sindicatos ou, utilizando o mote dado pelo Sr. Primeiro-Ministro no Congresso do PSD, que é do Sr. Presidente da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, é um atrevimento da minha parte meter-me nestas matérias complexas, mas mesmo assim gostaria de fazer-lhe uma modesta pergunta, que surgiu por uma omissão de V. Ex.ª no seu discurso.
O Sr. Ministro das Finanças referiu-se ao período que decorre desde 1985 até aos dias de hoje como sendo um período áureo da gestão, da economia. Disse também que os períodos de 1967/1979 e de 1983/1985 foram períodos negros e a esquecer pelos Portugueses. No entanto, esqueceu-se de dar uma palavra sobre o período de 1979/1983 e de dizer qual o seu impacte no período de 1983/1985.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª estranhará, porventura, mas assisti ao discurso de V. Ex.ª pela rádio e não directamente...

O Sr. Castro Almeida (PSD): - É o progresso!

O Orador: - É o progresso, como diz o Sr. Deputado Castro Almeida.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É a democracia de sucesso!

O Orador: - Mas isso não me coíbe, porém, de colocar a V. Ex.ª uma questão, que é, em primeiro lugar, uma observação e um cumprimento.
A bancada do CDS quer, no início da discussão deste Orçamento, deixar claro que deseja cumprimentar V. Ex.ª e o Governo por considerarem que este diploma contém a expressão de um esforço, que, pela primeira vez, é feito de modo coerente, no sentido da contenção da despesa...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... integrado, aliás, numa política global de tentativa de conciliação entre a convergência nominal e a convergência real.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Ministro, este seu esforço de contenção não é recebido, de forma unânime, por todas as forcas políticas. Ouvimos agora mesmo o Sr. Deputado Ferro Rodrigues dizer que esse esforço era de mais e acusar o Governo e V. Ex.ª de tudo fazerem agora para pouco fazerem em 1994.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Exactamente!

O Orador: - O objectivo será o de preparar um ano de maior largueza em vésperas de eleições.
Por outro lado, fora e dentro da Assembleia da República, como V. Ex.ª sabe, e até mesmo referiu de forma indirecta a quem o diz, há quem diga que faz de menos. E ponderando o peso da despesa no produto, dizem que, afinal, não faz nada, isto é, contém de menos, e o Orçamento continua a ser, apesar de tudo, um Orçamento de largueza.
Sr. Ministro, porque não fugir a esta discussão? Fugir não, pois não estamos aqui para fugir de ninguém ...

Risos do CDS.

Mas porque não escapar - esta é, porventura, uma expressão mais agradável- a este tipo de críticas e, ao mesmo tempo, fazer face às preocupações que, sem dúvida, o Sr. Ministro exprime, até somaticamente por vezes, em relação à conjuntura internacional, de certo modo depressiva, que aperta certos sectores do País?
Esta situação é reconhecida por todos, pelo Governo e até pelo próprio Sr. Primeiro-Ministro, que ainda recentemente, no Congresso do PSD, reconheceu que essa era efectivamente uma das suas preocupações. Por que é que não damos um «golpe de asa», Sr. Primeiro-Ministro, e por que é que não mantemos a contenção e até não verificamos se não será possível ir mais longe nessa matéria? Por que é que não descortinamos meios que possibilitem à sociedade civil, às empresas, aos cidadãos respirar um pouco, face a esta ameaça e a esta perspectiva de crise? Isto é, por que é que não caminhamos abertamente no sentido de uma redução da carga fiscal, eliminando im-

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postos obsoletos que neste momento pesam sobre as actividades económicas, fundamentalmente sobre as empresas? Por que é que não arranjamos meios para isso, Sr. Ministro, através da contenção, ainda maior, de certas despesas, através de uma amortização mais acelerada do stock da dívida pública? E por que é que não tentamos amortizar mais aceleradamente a dívida pública, conciliando-a e integrando-a finalmente no processo das privatizações?
Esta, Sr. Ministro, vai ser a tónica fundamental do discurso que o meu partido vai fazer. Vamos, efectivamente, procurar colocar-nos numa perspectiva que não seja a de apenas formular críticas correctivas e a de ter uma preocupação fundamentalmente crítica. Vamos fornecer a V. Ex.ª, que é um brilhante economista, a oportunidade de pensar numa alternativa real para este Orçamento, por forma a libertar os Portugueses do peso e da sombra da recessão.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Sete anos de pastor, Jacob, servia Labão, pai de Raquel, serrana bela...»

Risos.

E não vou até ao fim, uma vez que todos nós conhecemos o desenvolvimento.
Para que hão-de ser precisas sete razoes, se as seis positivas já chegam? É claro que posso virá-las, dizendo que as razões que o Governo e a esmagadora maioria dos homens e mulheres do nosso país encontram para justificar o voto favorável também podem ser utilizadas por alguém, um ou outro, quiçá, para votar contra. E como vivemos em democracia, o Sr. Deputado Ferro Rodrigues fará o que entender.

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Eu vou votar contra!

O Orador: - Mas as razões que indicou são aquelas multiplicadas por menos um - uma operação aritmética simples que, enfim, não sei se acrescenta muito à transparência e à profundidade que o Sr. Deputado pretendeu introduzir.
Quanto à ameaça de recessão internacional, devo dizer que foi reconhecida.
No que toca aos números da convergência real, eles estão evidentemente no relatório, o que mostra, portanto, que houve alguma leitura por parte do Sr. Deputado, com o que me congratulo, é exactamente para isso que fazemos este esforço.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Dispenso esse paternalismo!

O Orador: - Mas sempre dissemos, e é elementar, que quanto menos crescer a comunidade internacional mais difícil é para uma pequena economia manter o diferencial. Por exemplo, se ó crescimento internacional for de 3 % ou de 4 %, podemos ter um diferencial de 1 % ou de 2 %, o mesmo não acontecendo se o crescimento for de 1 %, como é evidente. Portanto, isso não é novidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Ferro Rodrigues referiu-se à continuidade fiscal como sendo uma continuidade da injustiça fiscal. Isto é, onde falamos de justiça, o Sr. Deputado falou de injustiça. Bom, é sempre fácil falar, evidentemente.
O Sr. Deputado disse que este era um Orçamento do Estado sem prioridades. Já indicámos e explicámos as razões para a continuidade do investimento nas prestações sociais. Mas já desconfiamos dos alvos, Sr. Deputado, uma vez que, para nós, o Orçamento não é uma carabina.

Risos do PSD.

Consideramos que no Orçamento deve haver um enquadramento estável e a médio prazo. Isso dos alvos já custou muito dinheiro aos contribuintes!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à lógica de mesquinhez financeira na reestruturação da Administração Pública que referiu, remeto-o para a resposta anterior. A mesquinhez não é mesquinhez mas, sim, rigor na defesa do dinheiro dos contribuintes, e nesta matéria seremos implacáveis, como sempre fomos.
O Sr. Deputado disse que este era um Orçamento de intimidação sobre os trabalhadores da Administração Pública. Recuso-me, liminarmente, a aceitar esta sexta razão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não há qualquer intimidação sobre os trabalhadores da Administração Pública, o que há é a postura de diálogo que sempre caracterizou este Governo e o partido que o apoia.

Aplausos do PSD.

Quanto ao Orçamento sem rigor, as dívidas dos ministérios que sobem, descem, enfim, voltamos à questão da execução orçamental. A resposta do Governo, repetidas vezes dita, foi: o Orçamento para 1992 está a ser cumprido. Repito-o aqui!

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Não é verdade!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Porque é que não dá números?

O Orador: - O Sr. Deputado Ferraz de Abreu fez uma refrescante recordação dos anos 1979/1983. Bom, eles vêm referidos no relatório do Orçamento, nos gráficos. E no gráfico relativo à convergência salarial podemos verificar o seu aumento em 1980 e 1982 e uma situação de equilíbrio em 1981. E vemos também, no gráfico sobre a convergência nominal, uma extraordinária baixa da inflação relativamente à média comunitária em 1980. Depois, na parte da convergência real, podemos constatar que existem quatro anos de crescimento mais rápido do que a média comunitária. Só que foi um crescimento liderado pelo sector público, como alguns despesistas agora querem, pretendendo voltar 10 anos atrás, mas o povo português não quer.

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O povo português não quer voltar 10 anos atrás, não quer voltar para o despesismo.
Sr. Deputado Nogueira de Brito e meu querido amigo, fez-me um cumprimento. Mas que bom!

Risos do PSD.

É claro que a intervenção do Sr. Deputado mostra bem que há, neste Orçamento - e por isso mesmo dissemos que havia seis razões para toda esta Câmara o votar -, um equilíbrio entre os hiperdespesistas e os hiperantidespesistas, e nós estamos, tranquilamente, como reformistas que somos, no meio, no bom caminho. Estamos no bom caminho, mas soube bem esse cumprimento.
Mas estava a lembrar-me agora - e perdoem-me esta veia literária que me assalta sempre que se fala de um orçamento de rigor, e isto não é pensar que V. Ex.ª seja grego nem nada que se pareça -, de Virgílio e da Eneida...

Risos do PSD.

Timeo danaos et dona ferentes - Desconfia das gregos quando te trazem presentes. Eu desconfio quando vêm cumprimentos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra para defesa da consideração dois Srs. Deputados.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª pôs em causa o comportamento de sindicalistas que são também Deputados da oposição.

Vozes do PSD: - Oh!

O Orador: - Quero dizer, com isto, que ofendeu gravemente a minha honra e dignidade e a de outros colegas sindicalistas que estão também na bancada socialista.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Quem é que acredita nisso?

O Orador: - O Sr. Ministro, muito estranhamente, nessa referência, esqueceu-se de incluir Deputados da sua bancada, que também são sindicalistas e que têm, igualmente, assento na Concertação.
Mas o Sr. Ministro, para além deste esquecimento, não tem o direito de levantar as suspeições que levantou.
Em primeiro lugar, não tem esse direito porque os sindicalistas lhe demonstraram, no passado, com os acordos que celebraram, que não estão sujeitos a constrangimentos partidários. Assinam os acordos quando entendem que os mesmos são melhores para os trabalhadores que representam e que os elegeram.
Em segundo lugar, o Sr. Ministro não tem o direito de fazer esses comentários porque, no passado, os sindicalistas demonstraram que são capazes de combater políticas gravosas, mesmo em governos presididos por maiorias coincidentes com maiorias sindicais.
Em terceiro lugar, o Sr. Ministro não tem esse direito porque o Partido Socialista sempre demonstrou que não dá nem impõe orientações aos seus sindicalistas. Dir-lhe-ia que o mesmo aconteceu no passado também com o seu partido, e espero que com esta atitude o Sr. Ministro não esteja a pôr em causa esse comportamento que dignificou também o PSD.
Esperamos que o Governo tenha da concertação uma visão estratégica fundamental para o País e que não a use permanentemente como uma arma de arremesso contra a oposição.
O Sr. Ministro não pode esquecer que a concertação começou em 1984, com um governo de maioria socialista, presidido pelo Dr. Mário Soares. O Sr. Ministro não pode, não deve, cair na tentação de partidarizar a concertação com a tentativa de a usar permanentemente como uma arma de arremesso contra a oposição.
Queria dizer-lhe ainda que, relativamente à maneira como usou a concertação aqui hoje, dizendo que este é um Orçamento de concertação, isso nem sequer é verdade. Não vou entrar na política fiscal ou na política económica, vou dar-lhe apenas dois exemplos: o primeiro, claro e evidente, refere-se aos salários da Administração Pública. O que está implícito, ou pelo menos o que pretende tornar explícito relativamente a este Orçamento, é o que é o aumento de 4,5 %, contra o qual os trabalhadores lutaram e continuarão a lutar; o segundo diz respeito ao que o Sr. Ministro escreveu na página 307 do relatório do Orçamento do Estado: «liderança do sector público na concertação social». Trata-se de uma opção vanguardista que, efectivamente, não esperávamos do Governo e do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É um conceito leninista!

O Orador: - É uma opção totalmente contraditória do conceito de concertação.

O Sr. Presidente: - Faça favor de concluir, Sr. Deputado. Terminou o seu tempo.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Este tempo não desconta no tempo global, pelo que lhe peço para terminar a sua intervenção.

O Orador: - Quero apenas dizer que esperamos que o Governo, relativamente à concertação, tenha um comportamento sério, não lançando suspeições sobre os membros que estão à volta da mesa - o comportamento passado não lho permite -, e esperamos também que não levante esse clima de suspeição, que nada justifica.

Aplauso do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença, meu querido amigo, fiquei surpreendido com a primeira parte da sua intervenção. Não com a segunda, e essa corrigi-la-ei.
Fiquei surpreendido porque o Sr. Deputado João Proença, quer na preparação do acordo de rendimentos de

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1992 - que está assinado, em vigor e aberto a quem se quiser juntar a ele -, quer agora na preparação do de 1993 e, também, na função pública, tem demonstrado um elevado grau de profissionalismo e uma grande vontade de caminhar, cão depressa quanto possível, para o sindicalismo moderno.
Não me estava a dirigir a ninguém em particular, estava a fazer um aviso, que é um aviso sério.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É um aviso muito sério, porque precisamos do consenso social, e tanto mais quanto mais difícil for o ambiente internacional, e particularmente o comunitário, como foi aqui lembrado por vários Deputados da sua bancada.; Portanto, a questão da ofensa da honra, a recordação da concertação social em tempos idos, tudo isso me surpreendeu.
Passaria desde já, Sr. Presidente, uma vez que, além desta questão da honra, depois houve intervenções de substância, a confessar abertamente que, de facto, temos de ter o devido respeito pelo grande sindicalista que ali está - sindicalista, sobretudo, da função pública - e que tem feito um grande esforço para que o sindicalismo seja moderno, adequado aos tempos que temos e não baseado em ideologias ultrapassadas.
Reparem no que se tem passado, na função pública, noutros países comunitários. São corridos a zero, corridos a zero em tantos países comunitários!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Qual é a inflação neste momento? Recentemente, há um dia ou dois, foi dito no Conselho da Concertação Social, e repeti aqui, que, se fizéssemos uma média do índice de preços ao consumidor dos últimos cinco meses - que é o que interessa, uma vez que o efeito sobre o IVA foi metade do efeito mecânico - obteríamos o valor de 4,4 %. Poderão dizer-me: «mas isso é demagogia; e sendo 4,4 % e oferece 4,5 % a todos, embora mais l % para aqueles que ganham menos de 120 contos, por razões de justiça social?» Razões essas que nunca deixaram de presidir às políticas e às ofertas que fizémos e que estão em curso. Não estamos a falar agora da inflação prevista para 1993, mas sim da inflação neste momento. E o valor de 4,4 % não tem o ajustamento sazonal. Não há dúvida de que se refere a meses em que a inflação costuma ser menor do que noutros, mas façamos o ajustamento sazonal. Então a taxa da inflação, nesses meses, passará a ser, como foi dito na minha intervenção, de 6 % a 6,7%. Mas será que o ajustamento sazonal, feito pelos técnicos do Ministério das Finanças, não é um pouco exagerado?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peco-lhe que termine.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
São capazes de exagerar, porque esse ajustamento é baseado na média dos últimos 10 anos, que foram anos de inflação, como aqui lembrei. Por isso disse, na Concertação Social, com toda a tranquilidade, que a inflação actual andara pelos 6 %, e é, de facto, isso que penso. Portanto, é nessa base que devemos encarar essas questões.

O Sr. Presidente: - Peço que conclua, Sr. Ministro.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, mas há um ponto de ordem técnica da maior importância.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro está a dar explicações a uma defesa da consideração.

O Orador: - Sim, Sr. Presidente, mas depois houve uma intervenção substantiva e pedia só que lhe pudesse responder.
Quanto à liderança do sector público, é um termo da teoria dos jogos, que foi descoberta por V. Neumann e O. Morgenstem, em 1944, pessoas progressistas na altura e grandes economistas.
A liderança é uma técnica de jogo. Simplesmente, neste caso, o Governo anuncia primeiro, dá o exemplo. Portanto, substitua a «liderança», se quiser, por «o Estado dá o exemplo». É a mesma coisa. Os Portugueses percebem e sabem que isso é verdade.

O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Martins.

O Sr. Rogério Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, em meu entender, de facto, a consideração que nos é devida como Deputados e a mim, em especial, não foi respeitada quando, fazendo perguntas concretas, não nos são respondidas.
Bem, o Sr. Ministro viu-se «grego» e entrou nas literaturas, e isto não é uma academia literária. O que pergunto é: perante as exportações que estão a diminuir, perante os industriais que estão aflitos com isso, perante a recessão interna que, por essa via, vai entrar, quais são as medidas concretas de alteração deste Orçamento que o Sr. Ministro prevê?

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Ministro quiser dar explicações, tem três minutos, e só, para o fazer.

O Sr. Ministro das Finanças: - Não quero, Sr. Presidente!

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No mês passado, em dois importantes debates sobre o estado da economia portuguesa e o sentido da política económica que está a ser prosseguida, ficou bem patente, perante esta Assembleia da República, perante a grande maioria dos analistas económicos e políticos, perante a opinião pública em geral, o divórcio entre, por um lado, o Governo e o partido que o suporta e, por outro lado, o País. A famigerada doutrina do oásis foi aqui desmantelada apesar dos esforços generosos, mas pouco convictos, de alguns Deputados ou membros do Governo. E foi desmantelada, porque a realidade económica é impiedosa em relação às fantasias e aos optimismos absurdos.
Desde então, nas últimas semanas, as derrotas do Governo nos debates parlamentares confirmaram-se em números e factos. No passado fim de semana a imprensa publicava títulos como as seguintes: «Produto agrícola caiu 13 %»; «Economia está a desindustrializar-se»; «Licenças

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de construção em queda livre»; «Crédito mal parado já vai nos 445 milhões»; «Prejuízos varrem seguradoras»; «Empresas cotadas na bolsa baixam resultados»; «Dívidas à segurança social acima dos 230 milhões»; «Privatizações desertas vêm aí»; «Habitação: taxas iludem»; «Empresas públicas: prejuízos quadruplicam».
Na área da saúde, os obstáculos financeiros criados à luta contra a Sida, que já levaram à demissão de quem fora nomeado, há apenas alguns meses, para coordenar esse processo, constituem uma afronta ao País. É uma vergonha, que tem de somar-se às que se prendem com a falta de meios nas unidades de queimados, nos hospitais, ou à carência de apoios às escolas de crianças deficientes. A insensibilidade social do Governo e algum desprezo pelos mais fracos ficam, assim, bem à vista. E têm como complemento outros factos graves como os miseráveis reduzidos aumentos de pensões -em Dezembro deste ano não há eleições - ou as ameaças sobre desempregados e doentes patentes na proposta de orçamento da segurança social.
O dia de hoje, com uma das mais importantes movimentações de estudantes na história da democracia portuguesa, mostra a incapacidade do Governo em cumprir as suas competências na área universitária. A insistência do PSD e do Governo em avançar com as propinas, sem justiça fiscal, sem um programa de investimentos e de desenvolvimento estratégico e através de uma tosca «macaqueação» dos acordos de concertação, politicamente surdos às aspirações sociais de igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior, não podia dar outro resultado senão a lógica contestação estudantil.
O debate sobre a proposta de Orçamento do Estado e sobre as Grandes Opções do Plano para 1993 faz-se, pois, em contexto de crescentes dificuldades do Governo. E para evitar esta situação não basta a sistemática repetição, de ano para ano, como se de um ritual se tratasse, das mesmas piedosas intenções das Grandes Opções do Plano, sem nada nos dizerem sobre o cumprimento das anteriores. É, aliás, caso para sublinhar que, à medida que a economia se vai degradando, os textos das Grandes Opções do Plano vão-se apurando em grandiloquência desfasada. Mas também não pegam as tentativas de desvio das atenções dos cidadãos para guerras institucionais baseadas não em factos mas em autênticas manobras de diversão, como as que, ao mais alto nível, se manifestaram no recente congresso do PSD.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: o quadro macro-económico que o Governo apresenta para 1993 já caiu de podre. Até o Governo já não acredita nele, se é que alguma vez acreditou. Agora, argumentando com o enquadramento internacional da economia portuguesa, já admite que o crescimento de 1993 poderá estar mais próximo de 2 % que de 3 %.
Mas, mais do que um contexto externo menos favorável, são as actuais políticas económicas que, a continuarem, levarão o País à passagem de uma situação de recessão parcial, sobretudo na agricultura e indústria transformadora de capital português, para uma ameaça de recessão generalizada.
Curiosamente, apesar de admitir hoje uma taxa de crescimento para 1993 significativamente inferior à estimada aquando da elaboração da proposta de Orçamento do Estado, o Governo não retira quaisquer consequências dessa alteração no que se refere às receitas e às despesas projectadas. Trata-se de mais uma manifestação do peculiar rigor de que este Governo tanto fala.
A doutrina básica deste Governo, ou seja, a de que Portugal estará em convergência real com a Comunidade Europeia, já que o PIB, no nosso país, cresce acima do PIB europeu, independentemente da expressão dessa diferença, para além de ser absolutamente primária, já que ignora a questão essencial do tipo e qualidade do crescimento, não resiste a duas observações simples: um país que está a ter o apoio financeiro comunitário de 1,5 milhões de contos por dia, e que é uma pequena economia, tem a obrigação de alcançar, sistematicamente, um diferencial anual muito mais significativo; em Portugal esse diferencial, infelizmente, tem baixado à medida que os apoios comunitários têm aumentado- 2,2% em 1989, 1,4 % em 1990, 1,2 % em 1991, bastante menos em 1992 e, pelo caminho que isto toma, O % ou menos, ou seja, inexistência de convergência real, mas divergência real em 1993.
Por fim, convém não esquecer que entre 1976 e 1982 a média aritmética dos diferenciais anuais atingia 1,9 %, embora a conjuntura internacional fosse muito mais penalizante e os apoios da Comunidade Económica Europeia fossem inexistentes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O País está a marcar passo em termos de convergência real e até corre o risco de regredir, se as mesmas políticas prosseguirem. Na verdade, concluímos que o crescimento económico em 1992, que o Governo apontara há uns meses para 3 % e que agora revira para 2,25 %, não ultrapassará, no ano em curso, 1,6 % e ficará em 0,5 % em 1993, sendo optimistas, na hipótese, que pensamos improvável, de as actuais políticas não serem alteradas.
Também a evolução da formação bruta de capital fixo e das exportações seria, nesse contexto, preocupante: a formação bruta de capital fixo crescerá apenas 2 % em 1992 e não os 4 % expressos nas Grandes Opções do Plano - e muito menos os 7,5 % prometidos há menos de um ano- e, em 1993, não ultrapassaria 1%, o que é muito grave e muito menos do que o Governo aponta, uns inacreditáveis 5 %; as exportações de bens e serviços estagnariam em 1993, em vez de registarem o crescimento de 5 % proclamado pelo Governo e em que ninguém acredita. Aliás, no ano em curso elas apenas chegarão, provavelmente, aos 2% e não aos 5 % apregoados.
Em suma, se o Governo insistir em políticas erradas, 1993 será um ano de atraso para a convergência real. E não é exagero considerar como um crime contra a economia portuguesa o não aproveitamento dos apoios europeus para a diminuição do fosso de desenvolvimento que ainda nos separa da média comunitária.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: este debate parlamentar pode estar, à partida, tão inquinado como as águas do oásis do Sr. Ministro das Finanças. É que, caso se confirme a notícia de que a Direcção-Geral da Contabilidade Pública já tem instruções do Ministro para iniciar os trabalhos de elaboração do Orçamento rectificativo de 1992, para tapar buracos significativos nas áreas da saúde e da educação, então a desconsideração

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politica da Assembleia da República pelo Governo atingiu o intolerável. Há meses que vínhamos exigindo que as alterações ao Orçamento do Estado para 1992 viessem, urgentemente, ao Parlamento, precedendo o debate de hoje. Mas a permanente tentação governamental pela opacidade, contra a transparência, tem aqui mais um lamentável episódio. E aqui estamos, se calhar, a debater o Orçamento do Estado para 1993 sem sabermos, afinal, qual é o Orçamento de 1992!
Esperemos que, pelo menos, o Governo não continue a fugir à apresentação pública da situação actual, da evolução passada e dos compromissos quanto ao futuro das dívidas dos vários ministérios a fornecedores e a outros agentes económicos. O Sr. Ministro das Finanças não gosta de ouvir isto, mas nós repeti-lo-emos as vezes que forem necessárias.
Se a fuga continuar, o País poderá legitimamente concluir que a imagem de um Estado-pessoa-de-bem está a ser, deliberadamente, ofuscada pela prática de um Governo caloteiro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: os critérios de convergência nominal para a passagem à moeda única europeia são mais ideológicos que científicos, sobretudo no que respeita à obrigatoriedade de o défice público global tender para menos de 3 %, independentemente do nível das taxas de poupança das famílias, das empresas, da própria taxa de poupança corrente do Estado e das formas não inflacionistas de financiamento.
A actual situação económica da Europa desaconselha o dogmatismo na busca desse objectivo. Mesmo os mais fervorosos monetaristas começam agora a negar o que antes pregavam e a preocuparem-se com a luta contra a recessão. A vitória de Bill Clinton nas eleições presidenciais norte-americanas marca também, à escala planetária, um momento de viragem e de derrota das concepções económicas reaccionárias, que apenas se preocupam em lutar contra os desequilíbrios nominais, mesmo que à custa do agravamento dos desequilíbrios sociais, da ruína das economias e do desprezo pelos recursos humanos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É o amigo socialista!

O Orador: - O grande desafio de Portugal é o de aproveitar estes anos, até ao fim do milénio, de forma muito mais positiva do que os que decorreram desde a entrada na CEE, para nos tornarmos um País desenvolvido. E é possível, neste período, alcançarmos tal objectivo e termos condições para estarmos na terceira fase da união económica e monetária. É imprescindível que se concretize um excelente PDR decorrente de um novo Quadro Comunitário de Apoio com base em reformas assentes no Pacote Delors II. Mas, sobretudo, há que ter políticas estruturais e regionais capazes de contribuírem, decisivamente, para se passar das palavras aos actos e para transformar uma estrutura produtiva e uma especialização internacional decadentes e vulneráveis, apesar dos enormes apoios financeiros de que Portugal tem beneficiado.
Neste quadro, seria um erro histórico, de proporções incalculáveis, sacrificar o desenvolvimento em nome de uma ortodoxia neoliberal em perda e com crescente falta de credibilidade. Há que manter a desinflação, há que atingir, em tempo útil, os critérios de convergência. Mas seria grave se a pressa de alcançar tais critérios, por motivos eleitoralistas, pusesse em causa o desenvolvimento económico e social, a saúde das empresas viáveis, a dinâmica imprescindível de criação de centenas de milhar de empregos com futuro, porque qualificados ou especializados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: as actuais políticas macro-económicas sintetizam-se numa política económica global perigosamente errada.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Muito bem!

O Orador: - De costas para a economia real, com desprezo pelas empresas e pelo emprego, fingindo não notar as perdas de competitividade e de produtividade, obcecados com os indicadores de convergência nominal, os actuais responsáveis políticos estão a prejudicar fortemente o presente e o futuro da economia portuguesa.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Muito bem!

O Orador: - É preciso que termine, de uma vez por todas, a naturalidade com que o Governo, após sete anos de poder e de apoios europeus, se refere às fraquezas estruturais da nossa economia, das nossas empresas, dos nossos empresários, como se os erros e omissões de sua responsabilidade nada tivessem que ver com este diagnóstico.
É preciso arrancar com verdadeiras políticas estruturais, na indústria, na agricultura, no sector financeiro, mas, sobretudo, na educação e na formação para o emprego qualificado.
E preciso acabar com a actual política de revalorização nominal do escudo que, em 1992, se substituiu às exageradas políticas de revalorização real prosseguidas em 1989, 1990 e 1991, e que, no conjunto, se traduziram em ataques artificiais, mas que atingiram a competitividade das empresas em mais de 20%.
É preciso que as autoridades monetárias contribuam para uma verdadeira queda das taxas de juro reais activas e não entrem no aventureirismo de liberalizar totalmente a entrada de capitais externos no mercado monetário de curto prazo.
É preciso que o Orçamento do Estado para 1993 não seja desnecessariamente restritivo. Apontar já para o próximo ano para um défice global anualizado de 3,5 % do produto para o conjunto do sector público administrativo, quando só daqui a vários anos tal seria necessário, é um exagero e um absurdo, no meu ponto de vista, perante as ameaças de recessão que afligem a economia portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O combate à inflação não pode continuar a assentar numa política cambial irrealista e suicida. Se a contrapartida de uma desinflação, como objectivo único da política económica, for a perda das quotas de mercado nacional, interno europeu ou internacional, há que ser mais realista e mais gradualista, Srs. Ministros, Sr. Primeiro-Ministro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Governo tem tido dificuldade em baptizar esta sua proposta de Orçamento, o que é compreensível, atendendo ao desfasamento entre ela e a realidade portuguesa. Um dos qualificativos que, entretanto, apareceu foi o da «estabilidade fiscal». É um qua-

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lificativo quase verdadeiro - falta-lhe o «quase» -, mas é um qualificativo negativo.
É quase verdadeiro porque, se não há dúvida de que estamos longe das propostas de orçamento para 1989 ou para 1992, em que se consagraram autênticas orgias fiscais, a verdade é que, em 1993, caso esta proposta seja aprovada, agravar-se-á a característica fiscal fundamental - a iniquidade do sistema -, já que se trata - o nosso sistema fiscal - de um sistema só formalmente progressivo, globalmente regressivo, pois a progressividade apenas respeita aos trabalhadores por conta de outrem. A actualização dos escalões do IRS, das deduções e dos abatimentos em apenas 6 % vai agravar essa característica iniquidade do nosso sistema fiscal.
Por outro lado, há que relembrar que essa «quase estabilidade» apresenta excepções de vulto que penalizam a classe média, como é o caso da contínua sangria à volta do imposto automóvel, ou protegem os grandes interesses, como é o caso do imposto sobre os produtos petrolíferos.
Por fim, recorde-se que essa «quase estabilidade» é negativa, porque é sempre negativo estabilizar o que é errado e injusto.
Estabilizar um sistema em que, em 1990, só 700 famílias declararam rendimentos superiores a 10 000 contos é, evidentemente, negativo.
Estabilizar um sistema que necessita de profundas modificações como, por exemplo, no imposto sobre sucessões e doações, é obviamente negativo. A injustiça fiscal pratica-se permanentemente com este imposto, em que os mais espertos, rápidos e informados se evadem com facilidade, enquanto algumas famílias cumprem e empobrecem significativamente.
Esta proposta de Orçamento, tal como a do ano passado, que tanto escândalo justificadamente gerou, é uma proposta de injustiça fiscal, exactamente porque é de «quase continuidade» fiscal. Não deixaremos de insistir em apresentar no debate, na especialidade, as nossas propostas com o sentido de minorar essa injustiça.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: esta proposta de Orçamento é também uma proposta de irresponsabilidade política. Na actual fase da vida do País, a inexistência de prioridades na despesa pública traduz um défice de competência e de coragem políticas. A mesquinhez das poupanças sem critério não pode ser erigida em prioridade e muito menos em estratégia. Educação, cultura, ciência e tecnologia, habitação, modernização das estruturas produtivas, saúde, são, para o PS, prioridades necessárias.
De acordo com a análise que fazemos sobre a margem de manobra em relação ao défice público, durante o debate na especialidade procuraremos reforços, embora limitados, em áreas exemplares, no âmbito destas prioridades.
É conveniente, desde já, sublinhar que é para nós inaceitável colocar ao mesmo nível e debaixo do mesmo objectivo de redução real forte das despesas de funcionamento áreas cujos custos configuram investimento, mesmo quando se trata de despesas correntes, como é o caso das que se ligam à formação do recurso estratégico por excelência, o recurso humano. É o caso da educação, da ciência ou da cultura.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Governo também baptizou esta proposta de Orçamento de investimento. Trata-se de mais uma mistificação. Na verdade, a proposta, sendo restritiva e inscrevendo-se numa lógica pró-recessão e pré-recessão, desfavorece e inibe o investimento privado.
Por outro lado, o investimento público, para além de duvidosamente escolhido, sai também desfavorecido. Na verdade, tendo em consideração os efeitos da chamada, «cláusula de reserva de convergência» (aumentada de 4 %, no Orçamento de Estado de 1992, para 6 %, no Orçamento de 1993), a previsão oficial de crescimento do PIDDAC, em termos nominais, de 1992 para 1993, é inferior à previsão oficial de crescimento do produto interno bruto. Onde é que está aqui o Orçamento de Investimento? Onde é que está aqui o motor do crescimento económico por parte do investimento? Não está, Srs. Deputados.
Um verdadeiro Orçamento de Investimento exigiria o respeito pelas prioridades que atrás apresentámos, com uma verdadeira aposta nas mulheres e homens de Portugal, desde a sua formação até à dignificação das suas condições de vida essenciais - da saúde à habitação e à segurança social. Sabemos que o muito que há a investir nestas áreas não pode ser alcançado de uma só vez, porque existem importantes condicionantes financeiras. Mas não aceitamos que o progressivo avanço nestas áreas fundamentais possa ser sacrificado no altar de uma abstracção, útil só para alguns, como é o caso da galopada para uma convergência nominal a todo o custo. É tempo de nos preocuparmos com o investimento nas mulheres e nos homens do nosso país e não só no betão, no cimento ou no aço.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: antes de terminar, não quero deixar de abordar duas questões políticas e sociais de grande relevância e que atravessam esta proposta do Governo: a chamada reestruturação da Administração Pública e a questão do tratamento orçamental das autarquias.
Relativamente a elas apenas exprimirei posições de princípio, que serão desenvolvidas noutras intervenções.
Quanto à questão da reestruturação, para além de constatar que se trata de outro nome de baptismo deste Orçamento, devo reafirmar que é indispensável uma correcta reforma da Administração Pública, visando a melhoria da qualidade e a eficiência dos serviços, mas que não deve ser baseada na premissa falsa de existência de um excesso de trabalhadores na Administração Pública em Portugal, nem deve, como corolário dessa premissa, visar fundamentalmente as meras poupanças financeiras. Essa reestruturação deveria basear-se num relatório aprofundado sobre a situação nos vários departamentos públicos, tendo em conta a sua capacidade de resposta, os défices ou superavites de recursos humanos a cada nível de qualificação e o desenvolvimento de um programa nacional de formação, assente regionalmente. Não são aceitáveis quaisquer acções de intimidação ou marginalização, como as que estão em curso visando muitos milhares de trabalhadores.
Desde já consideramos como muito preocupantes as contradições do Governo nesta matéria. Por um lado, afirma apenas pretender a mobilidade e não o despedimento ou a marginalização, por outro lado, as grandes reduções dos orçamentos de funcionamento dos vários ministérios só serão possíveis com aquilo que é negado.

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Com as próprias informações constantes do relatório geral do Orçamento do Estado para 1993 pode concluir-se pela redução em 4,2 % nas despesas com pessoal, excluindo pensões, a ordenados constantes de 1992. Isto significaria a dispensa total de pagamento a cerca de 25 000 trabalhadores ou, em alternativa, a passagem para «disponíveis» de entre 75 000 a 100 000 pessoas. Se estes números se confirmassem, o Governo seria responsável por uma crise social de grandes proporções, derivada da incapacidade de os serviços públicos responderem às necessidades básicas dos cidadãos e da dimensão da marginalização social assim gerada. Daqui vos apelo, Srs. Membros do Governo, a não fazerem de aprendizes de feiticeiro.

Aplausos do PS.

Quanto à questão do financiamento das autarquias, reafirmamos que é inaceitável que haja qualquer município que, ao contrário do Estado central, tenha as suas receitas globais diminuídas em termos reais. Em ano de eleições autárquicas seria ética e politicamente inadmissível a criação de novas dificuldades financeiras às autarquias, sobretudo - e julgo que não é esse o caso - se houvesse dúvidas sobre a base partidária dessa lógica.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: temos uma análise diferente da do Governo sobre a gravidade da actual situação económica e dos perigos decorrentes do prosseguimento das actuais políticas.
Temos esperança que, ainda a tempo, o Governo altere as suas políticas, de forma que se evite uma recessão, que só poderá resultar da teimosia e da incompetência e não tanto do enquadramento internacional.
As nossas críticas e alternativas não são meramente técnicas e pontuais. São globais e políticas, pois fundam-se numa diferente articulação entre convergência real e convergência nominal. O Governo e o PSD podem não as apreciar, como se verifica agora, mas não podem dizer que não existem. Isso seria outra manifestação da permanente tentação autoritária que os leva a demasiadas vezes se considerarem os únicos detentores das verdades e das soluções.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Orçamento do Estado para 1993 que o Governo propõe é mais de moeda falsa que de moeda única, pois assenta num escudo artificialmente caro e falsamente forte.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Orçamento que o Governo propõe não é de investimento e reestruturação, mas de recessão e de marginalização social.
E um Orçamento de quase estabilidade fiscal. Estabilidade com continuidade de uma fiscalidade iníqua e intolerável.
Tal como está, trata-se de um Orçamento a que nos opomos. Daqui até ao fim dos debates, na generalidade como na especialidade, em plenário ou em comissão, os Deputados do PS contribuirão, de forma crítica, construtiva e alternativa, para minimizar os graves erros e defeitos desta proposta.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Até agora não se viu nada!

O Orador: - Queremos um melhor Orçamento, uma melhor política económica, um Portugal que se afaste da recessão e avance para o desenvolvimento.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Votem a favor.

O Orador: - Esperamos que este debate, que hoje se abre e só se encerra a 11 de Dezembro, possa prestigiar este Parlamento, o que acontecerá se cada Deputado, independentemente da bancada que ocupa, assumir os seus legítimos poderes.
O País está numa encruzilhada. Saibamos renunciar às vias para a crise. Saibamos escolher a estrada do desenvolvimento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ouviremos os pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados inscritos, bem como as respostas do Sr. Deputado Ferro Rodrigues, após o que suspenderemos os trabalhos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, V. Ex.ª quando subiu à tribuna, em representação do secretário-geral do PS, criou grandes expectativas, porque, no dia 29 de Outubro, o secretário-geral do seu partido prometeu, durante o debate aqui realizado da interpelação ao Governo, que iria apresentar propostas alternativas concretas ao Orçamento proposto pelo Governo. Estávamos, portanto, à espera de as ouvir, o que, infelizmente para as expectativas de alguns - não para as nossas, porque consideramos que este Orçamento é o mais correcto -, não aconteceu.
O vosso discurso, com todo o respeito que V. Ex.ª me merece, começa por um mero levantamento de recortes de jornais - o PS continua a orientar-se pela revista de imprensa e não pela sua própria cabeça -, desenvolvendo, depois, uma série de considerações genéricas, algumas de gosto duvidoso, como a de falar em «macaqueação» a propósito dos acordos de concertação social (posso ter ouvido mal a palavra «macaqueação» e outras de clara contradição. E cito apenas duas, porque há outras: o PS defende a descida das taxas de juro, mas, simultaneamente, V. Ex.ª aponta para a continuação do controlo dos movimentos de capitais externos - e nós sabemos que é através da liberalização desses movimentos que as taxas de juro mais facilmente cederão.

O Sr. António Guterres (PS): - Não percebe nada! Tem de estudar!

O Orador: - O PS defende uma reestruturação e uma melhor gestão dos recursos humanos da função pública, a fim de diminuir, eventualmente, segundo VV. Ex.ª mas com certeza segundo o Governo, as despesas de consumo público, só que, depois, o PS critica a política do Governo, que é corajosa, clara, transparente e até participativa da gestão dos recursos humanos na função pública.

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O Governo, pela voz do Sr. Ministro das Finanças, ainda agora disse que, com o aumento da mobilidade interna da função pública, conseguirá uma forte redução dos desperdícios, chegando até à eliminação dos mesmos em importantes sectores da Administração Pública, coisa que o PS muito prometeu, mas nunca conseguiu fazer quando esteve no Governo - e os dados apontam-no claramente. Deste modo, o Governo conseguirá - e reconhecerá que tenho alguma experiência nessa matéria -, de uma forma social e não à bruta, como o PS tentou fazer no passado em pacotes legislativos da função pública, que, com razão, tanta oposição tiveram por parte dos sindicatos, arranjar as poupanças que lhe vão permitir cumprir este Orçamento num dos sectores mais delicados: o do consumo público.
VV. Ex.ªs não trouxeram nenhuma alternativa. Teceram apenas considerações genéricas e, até mais grave, fortemente contraditórias. Mas dizem, depois, que querem alternativas! Os senhores não as apresentam porque, pura e simplesmente, não existem! Aguardamos que apareçam, pelo menos durante este debate na generalidade, e que V. Ex.ª, nos breves minutos que tem para responder à minha bancada, consiga explicar onde estilo essas famosas alternativas que o Sr. Engenheiro António Guterres prometeu em 29 de Outubro, porque, se não as houver, melhor será seguirem o vosso conselho para a bancada do PSD votando favoravelmente o Orçamento aqui proposto pelo Governo, pois, à falta de outros melhores, esse é o Orçamento que mais convém ao País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.

O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, quando, aos 23 minutos do seu discurso, o ouvi falar de alternativas, pensei que ia finalmente apresentá-las. Se tentou falar delas no meio do discurso, nós não percebemos, pois não descortinámos nenhuma alternativa global a este Orçamento.
O que se passa é que, como o PS não consegue atacar o presente - através deste Orçamento -, ataca o futuro e, então, diz «vêm aí desgraças para os Portugueses, vai ser horrível». Ora, nós gostaríamos de ouvir comentar este Orçamento em concreto e ouvir dizer o que pensam dele, o que acham bem e o que acham mal e, no caso de acharem mal, dizer como fariam melhor, ou seja, concretamente o que fariam.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Não há nada que preste!

O Orador: - Não é anormal e não nos espanta que o PS venha dizer mal do Orçamento, pois diz mal de tudo ou de quase tudo o que é proposta do Governo. Nunca diz bem de um Orçamento nem de nenhuma medida concreta nele inserida. Nós estamos habituados a isso, e os Portugueses também já se habituaram a isso, Sr. Deputado.
A questão que aqui se põe em causa é a da credibilidade, pois o PS vai perdendo credibilidade ano a ano. À medida que votam contra cada um dos Orçamentos, os senhores perdem credibilidade, porque os argumentos que invocam para votar contra afinal nunca se vêm a materializar.
É o caso do Orçamento do Estado para 1992. VV. Ex.ªs vieram dizer que a inflação ia cair fora dos limites a que o Governo se propunha, que o desemprego ia subir em flecha e que os salários reais dos trabalhadores iam diminuir, mas nós vimos esses salários aumentarem, vimos o desemprego estabilizado e a inflação dentro dos limites a que o Governo se propôs.
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, pareceu-me notar na sua intervenção uma posição de princípio, que era esta: quando o Governo atribui menos verbas a um determinado sector isso significa prejuízo para os Portugueses. Ora, esta é a lógica que nós recusamos, pois o facto de um sector poder ser dotado de menos verbas não significa que a sua eficácia diminua. Pelo contrário, o que pretendemos é que exista eficiência e eficácia e que se consigam melhores resultados com menos recursos, com menos impostos dos Portugueses. Nós não medimos a eficiência dos serviços pelas verbas que lhes estão adstritas, mas sim pelo resultado final, que é a satisfação dos consumidores dos serviços públicos, ou seja, dos Portugueses em geral.
Mas, Sr. Deputado, quero colocar-lhe, rapidamente, algumas questões muito concretas, que, se V. Ex.ª quisesse, poderiam dar origem a uma resposta de «sim» ou de «não». Claro que o PS vai ter as maiores dificuldades em dizer sim ou não, pois não gosta de clarificar posições, mas de ficar no vácuo. No entanto, eu apelava a que o Sr. Deputado respondesse com muita clareza às questões que passarei a enunciar: este Orçamento, como o Sr. Deputado há-de concordar, não aumenta os impostos - o PS é a favor ou contra?

O Sr. António Guterres: - Aumenta os impostos, sim!

O Orador: - Este Orçamento consubstancia um ataque ao desperdício, diminuindo as despesas correntes de funcionamento - o PS está a favor ou está contra? Este Orçamento aumenta o investimento em infra-estruturas e em prestações sociais - o PS concorda ou não concorda?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É um Orçamento que aumenta o rendimento real dos Portugueses - o PS quer isto ou quer outra coisa? É um Orçamento que continua-o caminho da convergência real e da convergência nominal - estão de acordo ou em desacordo?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, é um Orçamento que cumpre escrupulosamente a Lei das Finanças Locais - o PS está a favor ou está contra?

Aplausos do PSD.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, V. Ex.ª vem, mais uma vez, aqui clamar pela catástrofe, clamar pela crise e pelo terramoto económico, enfim, trata-se da continuidade de um discurso a que já estamos habituados. Só que VV. Ex.ªs anunciam a catástrofe há anos e esta não aparece! É caso para dizer que só há catástrofe quando VV. Ex.ªs estão no Governo!

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª vem também anunciar um cenário de recessão económica, mas, Sr. Deputado, se este quadro é um quadro de recessão, então temos uma recessão muito sui géneris. Temos uma recessão em que a inflação baixa, em que o défice baixa...

Risos do PS.

..., em que baixa a dívida pública, em que há pleno emprego, uma recessão com os salários reais a subirem e com crescimento económico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

Risos do PS.

O Orador: - É caso para dizer, Srs. Deputados, Deus nos livre da expansão socialista e nos dê muitas recessões destas, porque é disto que o País está a precisar.

Aplausos do PSD.

Mas, Sr. Deputado, quero fazer um breve reparo a uma questão que referiu, no sentido de que as prestações sociais decresciam. Devo dizer-lhe que as prestações sociais aumentam 8,4 %, o que é a prova de que este Governo também dá regalias àqueles que não podem fazer greve, que não têm esse dever reivindicativo nem mesmo à sexta-feira, Sr. Deputado!
Mas há um outro aspecto que é fundamental e do qual ainda não ouvi falar nesta Câmara. É que, neste Orçamento do Estado, vamos pagar menos juros da dívida pública do que os que se pagou no ano transacto. Ora, esta é a melhor prova que podemos ter de que os sucessivos governos do PSD têm vindo a diminuir a dívida e a desipotecar as gerações futuras, bem ao contrário - e por isso VV. Ex.ªs não podem estar de acordo - daquilo que foi feito no passado, em que as gerações futuras foram hipotecadas com aumentos sucessivos de dívidas e de défices do Orçamento.
Assim, era capaz de dizer que, se este Orçamento é um Orçamento de reestruturação e de investimento, acaba por ser também um Orçamento voltado para a juventude, na medida em que defende o futuro. E, Sr. Deputado, a sua alusão às propinas, num dia em que há uma manifestação diante desta Assembleia, vem provar claramente que VV. Ex.ªs não têm um discurso alternativo, pois continuam a andar a reboque das manifestações de rua e das manifestações que os diversos interesses vão fazendo na comunicação social, em lugar de terem um discurso político alternativo no âmbito das reformas que este país precisa. Era isso que Portugal agradecia à oposição e é isso que nós não estamos a ver.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, com todo o respeito que me merece, pelo terceiro ano consecutivo na discussão do Orçamento do Estado, V. Ex.ª desilude-me. Em 1990 V. Ex.ª apareceu para discutir o Orçamento e trazia na bagagem um orçamento alternativo. Verificou-se que esse orçamento alternativo traduziu o seu e o vosso irrealismo e, portanto, para 1991, o PS já não fez essa apresentação.

Vozes do PS: - É impossível!

O Orador: - Poderei estar a enganar-me nas datas, pelo que peço desculpa, mas avançarei um ano para lhe dizer exactamente o que acabei de referir: para 1991, V. Ex.ª trazia na bagagem esse orçamento alternativo, que, no fundo, significou e traduziu o vosso e o seu irrealismo, e, em 1992, para se redimirem dessa fraqueza, ou pelo menos para não a acentuarem, não apresentaram orçamento alternativo. Nesse ano limitaram-se a contestar as previsões e as medidas que o Governo apresentava e que visavam salvaguardar o interesse do futuro dos Portugueses. E o que é que se verificou em relação a essas previsões e a essas medidas? Verificou-se a sua bondade e que elas eram correctas, o que hoje foi já aqui salientado.
E relativamente ao Orçamento para 1993, o que é que o Sr. Deputado nos traz? Uma classificação do Orçamento que, utilizando as suas palavras, é demasiado restritivo. Também já tivemos oportunidade de ouvir hoje, de uma outra bancada, que este Orçamento é a expressão de um esforço na contenção das despesas. Penso que entre estas duas afirmações está a proposta que o Governo aqui nos traz e, utilizando aquele velho adágio, «no meio é que está a virtude». Não eram precisas seis razões para aprovar este Orçamento, bastava-me esta, se fosse caso disso ou se não houvesse outras razões fundamentadas.
Mas, Srs. Deputados, continuam a fazer afirmações que traduzem o vosso habitual miserabilismo e isso, devo dizer, inquieta-me interiormente porque o PS denotou, uma vez mais, que não acredita nas potencialidades dos Portugueses; no fundo, descrê dos Portugueses. Que essa seja uma questão vossa, que não acreditem,... mas nós acreditamos! Não façam essa ofensa ao povo português!
Faz o Sr. Deputado Ferro Rodrigues outras afirmações que são bem reveladoras e temos de tirar delas o seu verdadeiro significado. Afirmou que o quadro macroeconomia) no qual o Governo fundamentou a sua proposta «caiu de podre» (esta expressão é sua) e que já nem o Governo nele acredita. Sr. Deputado, com o mesmo respeito com que iniciei esta intervenção, devo dizer-lhe o seguinte: V. Ex.ª não leu o Orçamento ou, se o leu, fê-lo com pouca atenção; permito-me, para lhe facilitar o trabalho e aos seus colegas de bancada, chamar-lhe a atenção para a página 174 do relatório.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Basta ler o Público de hoje! Não é preciso ler isso!

O Orador: - Uma outra afirmação que retive da sua intervenção foi o desafio ao Governo para não ser «aprendiz de feiticeiro». Srs. Deputados socialistas, fiquem tranquilos! Fiquem descansados porque o Governo, na sua proposta e na sua acção, já deu nota e sinal suficientes de que tem a economia controlada.
Sr. Deputado, se me permitisse fazer também uma classificação deste Orçamento, eu diria que ele é, de facto, a tradução de uma política económica e social ern que algumas vertentes (e passo a ler, fazendo uso daquilo que foi dito no discurso do Sr. Ministro), «a defesa da competitividade da economia nacional, o esforço de con-

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vergências, o investimento em estruturas físicas de natureza social, a reestruturação da Administração Pública e a estabilidade fiscal», assumem contornos essenciais na classificação deste Orçamento. E é sobre estes pontos que me permito solicitar ao Sr. Deputado, mas sem oposição pela oposição, sem se limitar a contestar, que apresente soluções alternativas e que o faça de uma vez, no sentido de não confundir a árvore com a floresta, sem perder esta ideia de globalidade do Orçamento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, apreciei a sua intervenção e parece-me que há nela uma intenção essencial, que é a de disfarçar a pouca crítica com o verbo entusiasmado de V. Ex.ª, que parece crítica a mais. Mas esteja descansado porque a alternativa vamos apresentá-la nós, não há problema!

Risos.

O Governo não fica sem alternativa, vai tê-la e não tem veneno, como julga o Sr. Ministro das Finanças. Não é um presente envenenado, é uma alternativa.
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, ouvi a sua intervenção atentamente e pergunto: o que é que V. Ex.ª põe realmente em causa? Põe em causa aquela percentagem de défice corrigido do Orçamento do Estado, de 3%, com as anualizações, para 1993? É isso que V. Ex.ª põe em causa? A vossa crítica é uma crítica correctiva, quantitativa? Isto é, devia gastar-se mais, designadamente em alguns sectores? O défice devia ser maior? Porque, no fundo, as médias acabarão sempre por ser atingidas. Ou será que V. Ex.ª põem em causa o quadro que fundamenta a tal vigilância multilateral? Será que V. Ex.ª já estão arrependidos de tanto entusiasmo na adesão aos princípios da economia de mercado, da livre concorrência, da estabilidade dos preços, da estabilidade financeira? Devo dizer-lhe que, se fosse socialista, era capaz de já estar; porém, como não sou, o meu problema é outro!
De qualquer modo, a questão fundamental que queria colocar a V. Ex.ª é no sentido de saber se se trata de uma questão de pequenas percentagens ou se é, realmente, uma questão mais vasta. No fundo, é a questão da convergência nominal.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: devo dizer que rompo sempre a lógica corporativa, Sr. Deputado Manuel dos Santos. É um pretensiosismo da minha parte! Quem tem criado essa grande ruptura com a lógica corporativa no nosso país tem sido o meu partido, e eu dou a minha ajuda.
Sr. Deputado Manuel dos Santos, tenho de confessar que algo mudou no PS desde os últimas dois debates.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - A intervenção foi do Deputado Ferro Rodrigues.

O Orador: - Sim, foi do Deputado Ferro Rodrigues, mas o Deputado Manuel dos Santos também contribuiu bastante para a evolução a que vou referir-me. Aliás, na sua primeira intervenção, sob a fórmula regimental de pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Manuel dos Santos já tinha clamado por uma política anticíclica, que compreendemos bem, até porque a experimentámos: a conjuntura em crise, a Europa a travar e nós a acelerarmos. Recordo-me disso!... Não se esqueça de que houve aqui um incidente neste Plenário a propósito disso quando, uma vez, o ministro do CDS (integrado na AD, o que é uma garantia para as loucuras do CDS!) Luís Barbosa propôs a introdução das taxas moderadoras- ao tempo que isso vai!... Nessa altura, o Governo tremeu com a revolta, a indignação! Devo dizer-lhes que, felizmente, uma parte do País compreendeu - a maior parte, felizmente, e é por isso que estamos aqui em maioria -, mas uma outra parte, não tão grande, julgo eu, como aquela que aparentemente está aqui expressa em votos na bancada socialista, ainda está tomada de alguma insensatez, com a agravante de não ter a ousadia de o assumir! E devo dizer que não há nada mais prosaico do que um insensato que não tem ousadia...
Os Srs. Deputados socialistas hoje deram alguns passos em frente no sentido da insensatez! Já sabemos - porque gaguejaram bastante nos últimos dois debates, embora hoje tenham respondido com mais clareza - que são pela desvalorização, pelo aumento da despesa, pela aposta no défice e pela inflação. E, evidentemente, que também sabemos que, em consequência, são pelo agravamento das injustiças sociais e pela colocação do País novamente numa posição de atraso económico, que é aquilo que combatemos!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Só que os Srs. Deputados, tendo aumentado de insensatez (felizmente que ela não tem influência na inflação, senão esta não estaria a baixar!), tendo feito progressos exponenciais na insensatez, não acompanharam isso da necessária ousadia que permitiria que hoje estivessem a trabalhar com uma proposta alternativa - insensata, talvez, não interessa, mas visível.
Os Srs. Deputados não avançaram! E a prova disso é que o Sr. Deputado Manuel dos Santos, assim como o Sr. Deputado Ferro Rodrigues, depois de esboçar esse caminho expansionista, gagueja imediatamente quando questionado sobre a aplicação - ele próprio se sente na necessidade de dizer algo sobre isso, tendo referido as «políticas estruturais e regionais» por quatro vezes, mas não tendo indicado nenhuma. Depois referiu que «é preciso prioridades» -isso também nós sabemos! - e nomeou umas seis ou sete, mas esqueceu-se, por exemplo, da segurança dos cidadãos, que é uma das nossas apostas! Se a incluísse, bem como o ambiente, seriam nove ou dez! É isso que vos coloca numa posição de insensatez lastimável.
Digo-vos, com toda a franqueza, que há um instrumento do progresso no nosso país que não está referido no Orçamento do Estado, nem podia estar. E qual é esse instrumento, Srs. Deputados? É um instrumento que pertence à Nação, é a oposição! Mas, infelizmente, o PS, a oposição socialista, não consegue o rasgo de ousadia, que o afirmaria, de concordar com aquilo que é evidente face aos problemas com que se defronta a Nação. Ficar-lhe-ia muito bem e devo dizer que não era novidade, o que agrava a vossa situação. Relembro-vos o que se passa, neste momento, em França (tenho aqui um recorte, pois,

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Srs. Deputados, tenho o hábito científico de trabalhar com documentos de apoio e não apenas com palavras), onde está em curso o mesmo debate que aqui estamos a travar.

Risos do PS.

E é isto que, em vez de rir, os Srs. Deputados deviam ouvir: em França, está em curso o mesmo debate e eu pergunto se sabem qual é a postura das diferentes correntes políticas. Respondo-vos através de um repórter insuspeito, Pasqua, o homem do não a Maastricht. Pasqua renovou as suas críticas a propósito da política do franco forte preconizada pelo Primeiro-Ministro francês, Pierre Béré Gouvoy, como pelos principais dirigentes da oposição. É lastimável, Srs. Deputados, que, estando o nosso país no caminho certo para vencer os desafios que estão pela frente, não conte com um instrumento que era fundamental, uma oposição sensata e ousada para concordar quando tem razão para Isso.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço todas as vossas questões, começando por agradecer as preocupações, que se repetem aqui como um ritual em todos os debates e desde há muitos anos, sobre a inexistência de uma oposição séria e sobre os problemas do PS - dispensamos esses conselhos técnicos! Apesar das substituições de treinadores que às vezes existem na vossa bancada, é curioso que V. Ex.ª têm sempre o mesmo tique (já não é uma política, é um tique!), que é o de começarem sempre por dizer que não foram apresentadas alternativas. Aliás, eu previa isso neste debate.
A questão fundamental é a seguinte: já por várias vezes, neste Plenário, apresentámos alternativas que se prendem com as questões orçamentais.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Onde é que elas estão?

O Orador: - Por exemplo, a reforma do sistema fiscal, que foi aqui apresentada e proposta, foi «chumbada» pelo PSD! O PSD «chumba» as alternativas e a seguir vem dizer que não há! Estejam descansados porque, na especialidade, vão ser apresentadas alternativas ao nível da despesa e da receita! Estejam calmos! O debate do Orçamento só acaba no dia 11 de Dezembro!
Sr. Deputado Rui Carp, fez uma grande confusão sobre os movimentos de capitais monetários de curto prazo e sobre a liberdade de circulação de capitais para efeitos de empréstimos às empresas, mas não vou agora ter tempo para lhe explicar isso.
O Sr. Deputado Castro Almeida falou em credibilidade. Mas que credibilidade é que pode ter um governo ou um ministro que fala em oásis para definir a situação da economia portuguesa? O défice de credibilidade, neste momento, é do Governo, devido à maneira como avalia a economia portuguesa...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e, sobretudo, ao vir aqui dizer-nos que a diminuição de verbas para os hospitais e para as escolas é óptima porque vai aumentar a eficácia... É o que se está a ver! Vejam televisão de vez em quando, sem ser telenovelas, Srs. Deputados!
Quanto às perguntas sim ou não, devo dizer que é impossível responder-lhes! As premissas são todas falsas! Como é que quer que eu responda a perguntas que estão baseadas em premissas todas elas erradas?!
O Sr. Deputado Rui Rio mostrou-se muito espantado, ou positivamente admirado, porque diminuem os juros da dívida pública, porque tem havido pagamento de amortizações da dívida pública. Também era melhor que não houvesse! Está constitucionalmente previsto que as receitas das privatizações é para isso que servem! Olhe que grande admiração! Mas que grande resultado!...

Risos do PS.

Sr. Deputado Antunes da Silva, quanto às alternativas ao Orçamento que aqui apresentámos num ano determinado e em relação às quais o Sr. Ministro, actual governador do Banco de Portugal, fez aqui um «número» tentando desmontar as nossas afirmações, perante a grande euforia da vossa bancada, veio a verificar-se, no ano a seguir, que nós tínhamos razão. Vá ver os resultados, compare-os com os nossos e veja como V. Ex.ª tinham, de uma forma inconcebível, subvalorizado as receitas dos impostos. Refiro-me aos números de há dois anos atrás, se não estou em erro.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, afinal não somos socialistas!

O Orador: - ... é evidente que há concepções completamente diferentes entre esta bancada, aquela - a do PSD - e a sua, em matéria do Orçamento. Mal de nós se não fosse assim, porque isso significava que a margem de manobra para as alternativas políticas em Portugal, com a integração europeia, tinha acabado. Não posso concordar com essa situação! Julgo que continuará a haver liberais e conservadores, em matéria económica como os que estão, em parte, na bancada do CDS, que vêem no desinvestimento num conjunto de áreas, por parte do Estado, um aspecto sempre positivo.
Do meu ponto de vista, deverá manter-se uma posição à esquerda ern matéria orçamental e, sem prejuízo da contenção do défice público, não pode aceitar-se que o Estado se desresponsabilize das áreas sociais fundamentais num país que, como este, tem tantas carências e dificuldades.

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado Silva Marques falou em contraciclo; mas sabe quem é que começou com as políticas de contraciclo ern Portugal? Foi o Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva, que, depois do segundo choque petrolífero, quando se vivia uma crise internacional brutal, revalorizou o estudo. Por acaso, foi muito interessante, foi muito bonito aquilo que aconteceu a seguir...
Senão, repare, em 1982 o crescimento económico ern Portugal só teve paralelo com o do Japão. E sabe o que é que aconteceu? O País teve uma derrocada e a catástrofe foi de tal ordem que o FMI foi chamado a intervir.
Ora, quando se verificam as catástrofes que os senhores criam, quem vai gerir o Governo é o Partido Socialista. E isso não vai acontecer agora,...

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Vozes do PSD: - Não vai acontecer, não!

O Orador: - ... porque queremos gerir o poder, impedindo que os senhores cometam os erros de política económica que têm cometido até agora. Tudo isto, Sr. Deputado Silva Marques, deve-se à insensatez do Governo, que não sabe manifestamente em que País é que está a viver!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, para exercer o direito regimental de defesa da consideração e da honra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para esse efeito.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, V. Ex.ª criticou-me fazendo algumas alusões no sentido de que eu estava distraído e perturbado. No entanto, enquanto respondia aos pedidos de esclarecimento que lhe foram feitos só registei uma afirmação certa, quando disse - e muito bem - que o Partido Socialista não vai governar outra vez o País. De facto, não vai!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não foi isso que eu disse!

O Orador: - E os Portugueses, ainda por cima com a falta de alternativas do PS, podem estar descansados, pois isso não sucederá nos tempos mais próximos.
Por outro lado, quando fala de Portugal como um oásis,...

Protestos do PS.

... o Sr. Deputado Ferro Rodrigues confirma aquilo que é mais evidente para o País, ou seja, que a política económica tem credibilidade e controlo. Isso é claro na actuação deste Governo, através deste Orçamento e das outras medidas de política económica e financeira tomadas. É clara a credibilidade e o controlo dessa politica, assim como é clara a falta de credibilidade por ausência de alternativas reais da parte da oposição. Isso, que é evidente, ficou bem comprovado hoje de manhã!
Quando se fala em oásis, utiliza-se uma expressão figurativa, naturalmente,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Como todas!

O Orador: - ... mas não somos só nós que falamos nisso.
E, já agora, como os senhores fazem tantos recortes de jornais, também vos devolvo dois.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E a defesa da honra?

O Orador: - Exactamente por essa razão! V. Ex.ª referiu que eu não percebi o que disse, que vejo telenovelas, mas, antes de ver telenovelas, leio algumas coisas, como, por exemplo, The Economist e o Finantial Times.
Há duas semanas podia ler-se no The Economist que a força da economia portuguesa é a principal razão pela qual o escudo se aguentou na turbulência monetária de Setembro.

Aplausos do PSD.

Também refere que os banqueiros falam com admiração do modo como o Governo tem conseguido, através de uma política de intervenção e de persuasão, aguentar a sua moeda. Esta é também uma prova evidente de que Portugal é, de facto, um caso de sucesso, porque todas as semanas vão surgindo artigos em revistas independentes e de inquestionável valor de análise referenciando o caso português. O último The Economist tem mesmo o seguinte título: «Portugal, o oásis ameaçado».

Vozes do PS: - O oásis ameaçado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou o tempo de que dispunha para exercer o direito regimental de defesa da honra e da consideração. Queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente. Diz que o oásis está ameaçado por causa do Partido Socialista e da sua falta de credibilidade...

Risos do PS.

... porque o Governo tem uma maioria parlamentar. Quem ameaça o «oásis» é o Partido Socialista, não é a política económica do Governo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, não considero que o Deputado Rui Carp tenha utilizado correctamente a figura regimental da defesa da honra e consideração. Limito-me apenas a constatar que começou por criticar a minha intervenção, chamando a atenção para o facto de me ter atido à imprensa portuguesa, tendo utilizado agora a imprensa estrangeira, que, infelizmente, está bastante menos informada sobre Portugal do que a portuguesa.

O Sr. Rui Carp (PSD): - O Portugal Socialista é que está muito bem informado!

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Não é pago!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos suspender os trabalhos parlamentares, que serão retomados às 15 horas e 25 minutos.
Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, pretendo dar uma explicação a V. Ex.ª. Há pouco, da parte da manhã, inscrevi-me para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Ferro Rodrígues; porém, depois, a direcção da minha bancada entendeu que já havia um número suficiente de colegas inscritos e que, portanto, não deveria intervir. Por esta razão quero apresentar as minhas desculpas a V. Ex.ª bem como ao meu querido amigo Prof. Braga de Macedo.

O Sr. Presidente: - A Mesa teve em atenção as explicações dadas pelo Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Orçamento do Estado é um acto político por excelência, antes de ser um exercício de alocução de recursos e meios. Tem a ver com a economia no sentido clássico de gestão de recursos escassos, mas tem, acima de tudo, a ver com a política, com o que queremos e desejamos para o nosso país, como compreendemos os seus problemas e como correspondemos às suas expectativas.
O que está ern causa é uma ideia de Portugal, do Portugal que recebemos e do Portugal do futuro. E é exactamente o contraste entre duas maneiras diferentes de ver o País, os seus problemas e o seu destino, que estão em causa, mais do que alternativas de política económica. Estas, se existem, não foram aqui apresentadas.
Chegamos a este debate sem grande surpresa quanto às soluções da oposição, em particular daquela que se senta do lado esquerdo da Câmara. Esta, num afã meramente publicitário, resolveu fazê-lo preceder de uma interpelação ao Governo sobre economia. Compreende-se: a oposição não tem uma política alternativa com consistência e por isso tenta desvalorizar o debate orçamental. Mas, se a oposição não tem uma política coerente, apresentável, que pudesse confrontar globalmente o Orçamento do Estado, tem sempre o discurso da crise. Podia pensar-se que esse discurso da crise data do agravamento nos últimos anos da conjuntura externa e da recessão da economia internacional. Puro engano!
Se consultarmos todos os debates orçamentais dos últimos anos, vemos que, independentemente das variações concretas do discurso ao sabor das circunstâncias, a oposição tem sempre feito o discurso da crise, das dificuldades, das fraquezas, das fragilidades, dos atrasos, das impotências. Fizeram-no quando se dizia que a conjuntura internacional era boa e fazem-no quando ela é má. O discurso da oposição parece singularmente imune à realidade. Foi feito em 1987, ern 1988, ern 1989, em 1990 e em 1991. Não é de estranhar que seja feito de novo ern 1992. Vão continuar a fazê-lo -como admitiu hoje de manhã o Sr. Deputado Ferro Rodrigues - por muitos e bons anos, porque ele é o fruto de uma atitude e de uma mentalidade e não de uma análise ou de uma política. Seja a realidade preta ou branca, o discurso é sempre cinzento!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quando qualquer viragem dos acontecimentos internacionais, real ou imaginária, parece favorecer um aumento de preocupações, a oposição clama imediatamente pelo catastrofismo mais completo. Não é preciso ir muito atrás no tempo, basta ir à guerra do Golfo para ver como imediatamente a oposição reclamou medidas de excepção. O Governo era culpado, diziam eles, porque não «queria reconhecer a crise», nem tomar as medidas necessárias: o aumento dos preços dos combustíveis, o seu racionamento, etc. Saliente-se que as medidas propostas, se tivessem sido tomadas, teriam tido consequências bem gravosas para a nossa economia!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Transpira com evidência que há uma volúpia, mesmo nalguns casos um prazer semidisfarçado, uma fluidez inesperada do discurso da oposição quando fala da crise, em contraste com o modo como ele se torna reticente, pastoso, pesado, gaguejante, quando se trata de referir tudo aquilo que permite ou alimente o optimismo e a esperança dos Portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O retrato do País que fazem é miserabilista. É o Portugal de Salazar revisto e actualizado. Salazar falava de um país sem recursos naturais e condenado à pobreza. Ele dizia que era uma «pobreza honrada», pensando, com certeza, que a adjectivação da pobreza fazia os Portugueses aceitá-la. Enganou-se! Os Portugueses mantiveram intacta a sua vontade de aceder a padrões de vida dignos e, quando tiveram a oportunidade, demonstraram-no emigrando em massa. Como então se dizia «votaram com os pés» e fizeram-no contra um Portugal que lhes roubava a esperança e os condenava à miséria.
Salazar atribuía a pobreza à ausência de recursos naturais do País e à idiossincrasia do seu povo, a oposição atribui-a às malfeitorias do Governo. Mas a verdade é que o modo como vê essas malfeitorias revela um desprezo concreto pela parte enorme do esforço que coube aos Portugueses em mudar as suas condições de vida para melhor.
A oposição não faz directamente a apologia da pobreza, mas é claro pelo seu discurso que tem uma cultura da crise, não vê Portugal pelas suas forcas mas sim pelas suas fraquezas. E, como é inevitável, o miserabilismo conduz à impotência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PSD e o seu Governo não estão acomodados. Como a oposição, nós também conhecemos os atrasos, as dificuldades, sabemos que ainda há muito para fazer, mas temos lucidez e confiança e não recuamos perante as dificuldades.
O Orçamento do Estado não concede à facilidade. Aponta claramente para uma diminuição do peso do Estado na economia, para uma redução do défice global e para a contenção das despesas, para uma significativa reestruturação da Administração Pública, implicando a eliminação de serviços e a mobilidade dos efectivos da função pública, mantendo a função social do Estado e o investimento.
Sabemos que há medidas de fundo de contenção e rigor que Portugal precisa para mudar e cumprir os objectivos nacionais que a integração europeia coloca. Sabemos que a reforma administrativa representa uma das mais antigas exigências da mudança, sempre prometida, desejada por todos aqueles que anseiam pela existência de

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reformas de fundo, mas nunca realizada. Compreende-se porquê, dado o fácil risco de impopularidade.
Sabemos que é necessário que haja um consenso nacional - mais até do que social- que permita a moderação salarial. Sabemos que isso comporta dificuldades e que implica obrigações e responsabilidades.
Sabemos que algumas destas medidas não são fáceis, mas ainda há-de vir o dia em que os problemas se resolvam sem esforço. Defender as facilidades é uma política cómoda, mas sem futuro. E todas as propostas da oposição têm o traço comum de poderem gerar um agrado imediato a todas as forças da inércia - são medidas que apelam aos maus empresários e aos maus trabalhadores, a todos os que não querem que nada mude, pois eles também teriam de mudar. Nenhuma inverte qualquer maí estrutural, como resolve qualquer problema real.

Aplausos do PSD.

No que propõe não existe qualquer esforço de mudança. Não mexem no que deve ser mexido, são acomodados e despesistas. Iludem todos os problemas e não resolvem nenhum. Adiam para amanhã o que podemos e devemos fazer hoje!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O engano da oposição é pensar que os Portugueses não sabem isto e que não desconfiam de uma política de facilidades. As pessoas sabem que, mesmo na Bíblia, o maná só caiu dos céus uma vez, como se Deus quisesse demonstrar que esta é a excepção à regra que impôs a Adão.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, as ideias e as propostas apresentadas no Orçamento são parte integrante de uma política de reformas. E havendo reformas, há necessariamente bloqueios. Não compreendo o espanto que a referência à existência de bloqueamentos na sociedade, nos interesses instalados, nas corporações e nas instituições provoca.
Em Portugal, se não há a tradição de reformar - e as reformas de fundo contam-se pelos dedos de uma mão só nos últimos 100 anos da história portuguesa -, é porque a inércia e a resistência à mudança estão firmemente inscritos em certos grupos sociais, em certas elites e aristocracias corporativas, sindicais e políticas.
Outra coisa não seria de esperar de um país que permaneceu atrasado em relação aos seus congéneres europeus. Onde há bloqueios, há atraso e, se falamos de bloqueios, é porque queremos continuar as reformas.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É legítimo discutir se esses bloqueios têm origem no sistema político-constitucional ou apenas na prática dos seus agentes. Esta é uma matéria que consideramos em aberto para o debate e sobre a qual não temos conclusões. No entanto, não devemos deixar de ter presente que o nosso sistema político-constitucional foi criado em circunstâncias históricas complexas e não foi pensado para governos que, dispondo de apoio maioritário, desejassem fazer reformas de fundo e governar com decisão e sentido.
Pelo contrário, foi pensado para impedir o próprio aparecimento deste tipo de governação. Foi pensado para governos com débil e instável apoio parlamentar, não durando sequer uma legislatura, com políticas precárias e em permanente negociação interpartidária e dependentes de interferências diversas, em particular de carácter presidencial. Por razões de ordem histórica - e que tinham a ver com o facto de a nossa democracia surgir após 48 anos de autoritarismo político e numa situação de fragilidade dos partidos democráticos - construiu-se um mecanismo no qual é mais fácil obstruir e vetar do que fazer política construtiva.
A oposição e os principais partidos que dela fazem parte são fruto deste sistema e é por isso natural que procurem na actuação de outros órgãos do Estado, à revelia das suas funções próprias, uma força que não obtiveram nas umas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Diz a oposição que tudo está bem porque a função desses órgãos é supostamente equilibrar a maioria do PSD. E para se argumentar a favor desse suposto equilíbrio entre órgãos de soberania exclui-se liminarmente a Assembleia da República com o argumento de que está governamentalizada.
Não! O que a Assembleia tem é uma maioria eleita que partilha com o Governo de um programa sufragado pelo eleitorado. E a desvalorização e o ataque à Assembleia da República, que coincide com o apelo à aparição de contrapoderes, é um bom exemplo da intenção de deslocar para fora dos locais onde a soberania popular se exerce, os mecanismos de poder político.

Aplausos do PSD.

Na verdade, o que se pretende supostamente equilibrar é a vontade do povo português e a maioria que dela resulta. O que se pretende é «equilibrar» os 51 % que o PSD teve nas eleições legislativas e transformá-los em menos, a começar por 49 %. O que se pretende, na melhor das hipóteses, é pôr a maioria a partilhar a governação com a minoria e, na pior, pôr a minoria a governar contra a maioria.
Não permitiremos qualquer passe de mágica que transforme os 51%, que a vontade popular deu ao PSD, em qualquer outro número inferior!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, o Orçamento do Estado apresentado pelo Governo não tem qualquer alternativa por parte da oposição. Este facto deve salientar-se, sobretudo, porque os partidos da oposição já apresentaram no passado Orçamentos alternativos ou anunciaram que o iriam fazer e agora pretendem esquecê-lo.
Tal significa que a oposição não tem capacidade política e técnica para apresentar uma alternativa global ou não diverge substancialmente das soluções propostas pelo Governo. Mas a verdade é que o estilo e o tom grandiloquente e agressivo da oposição é contraditório com a escassez das suas propostas de fundo.
O Orçamento do Estado apresentado pelo Governo traduz uma atitude ao mesmo tempo lúcida - ninguém fecha os olhos ao que está por fazer nem à dificuldade de o fazer-, mas também confiante. Não pode governar-se, não pode pretender-se governar o País nem ter cultura de Governo sem ter confiança em primeiro lugar, na vontade própria e na virtualidade dos Portugueses. E nós acreditamos nessa vontade e na vontade dos Portugueses. Os

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Portugueses desejam um país moderno, desenvolvido, onde possam ter padrões de vida e conforto semelhante ao dos seus congéneres europeus, onde a qualidade de vida material e espiritual dê a cada um a felicidade a que aspira. É nossa obrigação política manter intacta esta esperança. O nosso maior património político é a esperança dos Portugueses porque é nela que está a força para mudar!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, veio aqui fazer um discurso essencialmente ideológico, na linha do que foi pronunciado pelo Sr. Primeiro-Ministro durante o congresso do PSD realizado no Porto.
Mais uma vez, em lugar da afirmação de uma identidade própria, fez a negação da identidade dos outros, em vez da afirmação dos objectivos políticos próprios do PSD, através do Orçamento, fez oposição à oposição...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mais uma vez repetiu a crítica aos outros órgãos de soberania, aos outros «poderes», tendo-se referido às chamadas «forças de bloqueio», nomeadamente ao Sr. Presidente da República.
Ora, não queremos pôr em causa a percentagem de 51 % obtida pelo PSD nas últimas eleições legislativas, mas também não deixaremos que esvaziem os 70 % obtidos pelo Sr. Presidente da República nas eleições presidenciais.
Eu próprio também li os manuais em que se dizia que a ideologia deveria comandar a política e que esta última deveria comandar a economia. Sei igualmente que um grande político deste século, o general De Gaulle, considerava a economia como intendência. Mas, até agora, os senhores fizeram da intendência uma ideologia, isto é, afirmaram o primado da intendência e o primado da economia.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ora, o Sr. Deputado vem agora colocar a discussão num outro terreno, vem fazer um discurso eminentemente ideológico. Que quer isto dizer? Quererá dizer que, tendo os vossos economistas perdido os anteriores debates, os senhores não querem discutir o Orçamento propriamente dito nem os seus objectivos políticos, mas, sim, fugir à realidade, agora que estamos em altura de o «oásis» se transformar numa «miragem» que está a esfumar-se?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pacheco Pereira, pretende responder no fim ou de imediato?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, prefiro responder logo após a formulação de cada pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra para responder, Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, não me é claro se critica o papel da ideologia e da política neste debate e se pretende defender um ponto de vista tecnocrático e, como não me é claro, nada tenho a responder-lhe.
Obviamente, penso que o que aqui estamos a discutir é politica, mesmo quando falamos sobre economia. Portanto, para mim, o primado da política é o primado da visão do conjunto e penso que é exactamente esta visão que deve presidir à nossa discussão. Percebo que a bancada do Partido Socialista esteja agora tão interessada em dizer que não devemos discutir política e sim economia, por ser a forma de mostrar que não tem uma visão global alternativa ao discurso do Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, a propósito de intervenções de outros colegas da sua bancada e, nomeadamente, do Governo, V. Ex.ª pretende dizer que o documento que hoje estamos a discutir não tem incidência na vida dos Portugueses, ou seja, pretende dizer-nos que discutamos as ideias e que esqueçamos algumas realidades que este Orçamento consagra. Perante isto, gostaria de colocar-lhe algumas questões concretas.
Sr. Deputado, sabendo-se que, em Portugal, há cidadãos nacionais que podem ter milhões de contos de rendimentos e que, nalguns casos, pagam apenas 10 % de impostos, noutros apenas 20 % e que noutros ainda nada pagam, embora possam descontar até 40 % quando se trata de rendimentos do trabalho, entende V. Ex.ª que esta não é a realidade da vida dos Portugueses?!
Em segundo lugar, V. Ex.ª tentou colocar este debate no domínio das ideias políticas e afirmou mesmo que «a discussão do Orçamento é um acto político por excelência e tem a ver com as opções de quem vai aprová-lo, do que quer para os Portugueses». Assim, gostaria de saber se V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar querem que, quando comparado com 1992, o IRS, imposto que constitui de facto a contribuição dos Portugueses que trabalham neste país, vá aumentar, em 1993, 10,7 % em termos nominais, isto é, mais 84,4 milhões de contos, enquanto o imposto sucessório, aquele que, em princípio, tributará a grande riqueza deste país, terá uma descida nominal de 51,6 %, prevendo-se arrecadar menos 12,2 milhões de contos. E esta a vossa opção, Sr. Deputado Pacheco Pereira?
Na verdade, gostaria de ouvi-lo pronunciar-se quanto ao, que VV. Ex.ª escolhem e querem dar aos Portugueses.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Domingues Azevedo, a nossa opção é a favor da justiça social, tem sido sistematicamente reafirmada e os Portugueses reconhecem-na como tal...

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Reafirmada mas não praticada!

O Orador: - Um partido que, sobre muitas matérias, defende posições francamente injustas, a começar pelas propinas, não tem autoridade para levantar questões desse tipo.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, julguei que vinha assistir a um debate entre economistas e até me preparava para estar silencioso. Mas talvez porque os últimos debates geridos por economistas correram um bocado mal para o PSD, não estranhei que o vosso partido tenha recorrido hoje a um humanista. Como tal, eu próprio também vou «meter o bedelho» para lhe dizer que estou sem perceber se há crise ou não. É que há 10 dias não havia! Aliás, o Sr. Ministro das Finanças foi excepcionalmente optimista e deixou-nos aqui cheios de esperanças de que, na verdade, tudo ia correr às maravilhas. Depois, no último congresso do PSD, o Sr. Primeiro-Ministro admitiu a existência de uma crise - honra lhe seja!
Hoje de manhã, o Sr. Ministro das Finanças também deu alguns sinais de que está preocupado com a eventualidade de uma crise. Agora veio o Sr. Deputado e a crise esfumou-se outra vez: não há crise nenhuma!

Risos do PS.

De modo que já não sei o que hei-de fazer...
Diz o senhor que fazemos o discurso da crise. Ora, fazemos o discurso dos empresários, o da tal economia real de que falam os economistas, o dos juros altos, do crédito difícil, do crédito mal parado, dos bancos preocupados. É o discurso que não podemos deixar de fazer, mesmo que não saibamos muito de economia, porque a tal economia real «mete-se-nos pelos olhos dentro» e desautoriza completamente o discurso do Sr. Deputado, que, de facto, parece feito com as tais «cores garridas» que não encontram no nosso. Mas como podemos nós usar cores rutilantes no nosso discurso se, na verdade, a realidade é triste, começa a sê-lo ou corre o risco de sê-lo?
Para além disto, há uma frase no seu discurso que, só por si, justificaria que eu fizesse uma defesa da honra e que é a sua afirmação de que nós «temos a visão salazarista do País», a visão da pobreza. Ora, não dou o direito, nem ao Sr. Deputado nem ao seu partido, de terem a veleidade de afirmar que fizeram mais para mudar o Portugal salazarista do que eu próprio e o nosso partido.

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado disse também que somos acomodados e «despesistas». Assim, peco-lhe que deixe de lado as leituras humanistas por um momento, que compulse os números do primeiro governo do Sr. Primeiro-Ministro, os deste e do anterior e que me diga se as despesas não cresceram sempre de uma maneira verdadeiramente inaceitável.
Este ano as despesas foram limitadas porquê? Nós já sabemos a razão. Trata-se do contraciclo das despesas para que possam ser relançadas novamente quando se aproximarem os ciclos eleitorais. Repito que sabemos isso muito bem.
Portanto, e para não ir mais longe, digo-lhe que não pode esperar que as oposições apresentem uma alternativa orçamental completa. Aliás, não tenho ideia de que alguma vez tenha havido uma oposição -nem mesmo quando os senhores o foram - que tenha apresentado um Orçamento inteiramente novo, que é o que compete ao Governo.
Quando o Sr. Deputado diz que não temos propostas, não sei a quais se refere, se às que ainda não apresentámos e que são nenhumas - isso é verdade! -, se às que vamos apresentar e que o Sr. Deputado desconhece. Peço-lhe, portanto, que aguarde com paciência e que se pronuncie no fim.
Para terminar, quero dizer-lhe que enquanto o ouvia deu-me ideia que tinha trocado os papéis e que tinha vindo aqui ler o discurso que não teve oportunidade de ler no último congresso do seu partido.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que ouvimos com muita atenção as várias recomendações que tem feito contra a tecnocracia e que, portanto, tendo em conta essas recomendações, resolvemos fazer um discurso que, claramente, colocasse a política no primado que deve ter, enquanto entendimento global do homem e da sociedade. Agora penso, como já pensei na altura do último debate sobre matérias económicas, que as suas recomendações vão direitinhas para o seu partido, visto que a intervenção do Sr. Deputado António Guterres no início do referido debate, essa sim claramente tecnocrática, contrasta inteiramente com a do Sr. Deputado Almeida Santos no final do mesmo debate, essa sim que pretendia ser uma crítica à tecnocracia. Portanto, repito que ouvimos com atenção, que registámos e que não seremos nós a defraudar essa esperança.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o Sr. Deputado disse que o Partido Socialista segue o discurso dos empresários. Ora, eu pensava que, até agora, seguia o discurso dos trabalhadores, mas como diz que segue o discurso dos empresários, duvido que seja o de todos os empresários.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Os empresários também podem ser trabalhadores!

O Orador: - Pela nossa parte, nada temos contra os empresários, só que o discurso destes não é a mesma coisa que os próprios empresários e, como já tive ocasião de dizer, o PS segue o discurso dos empresários que esperam facilidades. Este é que o Partido Socialista tem ouvido e é pena que o ouça e que reduza o seu papel de partido que pretende representar os trabalhadores para se transformar num eco de alguns empresários. É que essa também é uma nova forma de tecnocracia, pelo que talvez convenha estarem atentos a estas invasões do pensamento tecnocrático na formulação da vossa política.
Por último, quero agradecer - e muito - ao Partido Socialista, que está a fazer um grande favor ao Partido Social-Democrata. É que todas as vezes que o Partido Socialista repete que o Governo do PSD está a «apertar o cinto» aos Portugueses nos dois primeiros anos de mandato para «alargá-lo» nos dois últimos anos, está a mostrar que, independentemente de qualquer que seja a situação, os Portugueses têm razão para terem esperanças no futuro. E, ao fazer isto, o PS dá-nos uma grande contribuição e uma grande ajuda!

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, falou em maioria e em minoria. Ora, um dos erros do seu partido e do actual Governo parece-me ser o de que por ter a maioria se julga com poder ditatorial. Mas a maioria democrática nunca é ditadura, a maioria democrática é sempre democrática e tem de respeitar o parecer das minorias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Raúl Rêgo, estamos numa democracia que funciona. Vê-se aqui dentro e vê-se lá fora, na rua.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Devo dizer-lhe que não concordo um átomo com o que pensam os estudantes que estão lá fora, na rua, frente ao Parlamento, mas que sinto uma grande alegria por eles terem oportunidade e ocasião de se manifestarem livremente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Depois da declaração política do PSD - o velho discurso da oposição à oposição, que o Sr. Deputado Pacheco Pereira gostaria de ter feito na sessão de ontem -, voltemos ao debate orçamental, discutindo a política económica e social deste Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Há três ordens de razão fundamentais para rejeitar o Orçamento do Estado para 1993: porque se apresenta orientado de forma contrária às necessidades actuais da economia portuguesa, porque é obsessivamente anti-salarial e porque agrava a injustiça social.
Porque contraccionista no seu conteúdo e deflacionista nas orientações de política, o Orçamento ameaça aprofundar a recessão em que já se encontram atolados vastos sectores da actividade produtiva. Inversamente ao que o Governo sustenta, não é por muito se falar em recessão económica que se corre o risco de ela chegar. A recessão já aí está. Exige-se que nela se fale, para que se adoptem as políticas e medidas que a possam travar e debelar.
A indústria, a agricultura e as pescas há muito registam decrescimento real da produção, o que significa, inequivocamente e em qualquer parte do mundo, que estão em recessão. A construção civil e o sector dos serviços para lá caminham, a passo acelerado. As falências aumentam, o desemprego sobe, os salários desaceleram. As expectativas dos empresários são cada vez mais negativas e o investimento estagna. O crédito mal parado aumenta em flecha e o mercado de capitais dificilmente se poderá afundar mais. As exportações portuguesas perdem quotas de mercado em quase todos os países comunitários e a sua evolução apenas é sustentada à custa da baixa das margens e das exportações de componentes e partes integradas na cadeia produtiva de empresas multinacionais.
Este é o discurso da realidade. O discurso do Governo e do PSD é que é imune à realidade. O discurso do Governo está contra todos, mesmo contra os comentadores da área do PSD. Pior do que isso, o discurso do Governo e do PSD está contra a realidade. Só a irresponsabilidade face ao que se está a verificar nos sectores produtivos da economia pode justificar o optimismo desbocado do Ministro das Finanças e do Governo e a sua teimosa persistência na apresentação de um Orçamento tão fortemente restritivo e no prosseguimento de políticas deflacionistas, designadamente nos domínios monetário e cambial.
É indiscutível que as causas próximas do clima recessivo que vive a economia real radicam na desastrosa opção do Governo pelo «escudo forte» ou «dinheiro caro», para travar a inflação. Essa opção pode travar a inflação e promover a entrada de vultosos capitais especulativos e o aumento das reservas improdutivas em divisas, mas a apreciação real do escudo e o elevado nível de taxas de juro reais dela decorrente traduzem-se numa incomportável perda de competitividade das produções nacionais e na crescente inviabilização económica e financeira de muitas empresas nacionais, com os consequentes efeitos sociais a nível dos salários e do desemprego.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, a própria Direcção-Geral para os Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão das Comunidades vem alertando para os efeitos desta politica, referindo expressamente, no relatório de Julho passado, que «o mais dramático movimento continua a ser observado pelo escudo», já que, por isso e desde meados de 1990, a «perda (por Portugal) de competitividade pelos custos ultrapassou os 30 %». Isto nada tem a ver com estabilidade cambial, Sr. Ministro das Finanças.
Não há aumentos de produtividade que possam compensar tão nefastos resultados desta política É uma situação insustentável, que se agravou com a posição assumida pelas autoridades monetárias durante o recente vendaval que varreu o Sistema Monetário Europeu.
Contrariamente ao afirmado pelo Primeiro-Ministro, o escudo não resistiu à «turbulência nos mercados cambiais, porque a economia portuguesa ganhou alguma solidez nos últimos anos e tomou-se menos vulnerável a choques». O escudo não desvalorizou porque as autoridades monetárias ainda mantêm possibilidades de restrições (que utilizaram) aos movimentos de capitais e porque, só nos últimos 15 dias de Setembro, o Banco de Portugal gastou 500 milhões de contos em divisas para aguentar a cotação irrealista do escudo.
A defesa desta artificial sobrevalorização do escudo é estulta, porque está a pôr em causa a viabilidade das empresas e da economia real e não é passível de sustentação a longo prazo. Diz o Ministro das Finanças que, assim, «temos um escudo forte para as nossas compras». É um sofisma. O que fundamentalmente temos é um escudo madrasto para as nossas vendas, para a nossa produção, para a sobrevivência de sectores e empresas produtivas da nossa economia e para a manutenção dos postos de trabalho.

Aplausos do PCP.

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A anunciada total liberalização das movimentos de capitais, incluindo os de curto prazo, e a manutenção da actual política cambial continuarão a manter suspensa sobre as empresas produtivas a espada de Dâmocles de altas taxas de juros reais, o que, com o início do mercado único, tenderá a colocar ainda maiores obstáculos à viabilidade da produção nacional, quer nos mercados externos, quer no mercado nacional, significando menor produção, mais desemprego, menor procura interna e externa, menor investimento.
Por isso, o quadro cor-de-rosa que o Governo apresenta nas suas projecções macro-económicas está manifestamente desfasado da evolução previsível. Aliás, os governos do PSD já deram provas suficientes, nos últimos anos, de que as suas projecções não merecem qualquer credibilidade. Mais do que isso: é a credibilidade de toda a política económica do Governo que está posta ern cheque, é a completa inadequação dessa política à realidade da economia nacional que se contesta e que rejeitamos.
O Governo põe em causa a evolução da economia portuguesa no sentido da convergência real, a possibilidade de um desenvolvimento sustentado e a própria capacidade de sobrevivência de parcelas importantes da estrutura produtiva nacional. Não estamos perante uma «política económica global», como pretende o Ministro das Finanças. Estamos, antes, confrontados com uma política de desastre económico global.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Orçamento do Estado para 1993 é ainda profundamente anti-social. Apresenta como orientações principais a redução das despesas reais com pessoal, quer pela via salarial, quer pela redução de efectivos, e aprofunda a crescente desresponsabilização do Estado nas suas obrigações sociais, designadamente no âmbito da educação, da saúde, da habitação e da segurança social.
Quando o Ministro das Finanças e o Governo falam numa «opção de fundo de reestruturação da Administração Pública poupando assim nas despesas de funcionamento», o que na verdade querem afirmar, como o comprova o Orçamento, é a sua opção pela eliminação e privatização de serviços públicos, ainda que essenciais, e pela redução das despesas com pessoal. Como os mapas oficiais do Orçamento provam, as dotações orçamentais para aquisição de bens e serviços e outras despesas correntes não só não se reduzem, como aumentam em termos nominais e reais. As únicas despesas de funcionamento que diminuem em termos reais são as remunerações dos trabalhadores da administração central.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É isso mesmo!

O Orador: - A pretensão governamental de impor actualizações salariais de 4,5 % e 5,5 % e a criação dos chamados «disponíveis», como antecâmara dos despedimentos, são inaceitáveis provocações e afrontas à dignidade dos cerca de 500 000 trabalhadores da administração pública central e local.
Essa orientação do Governo insere-se numa estratégia de ofensiva contra os trabalhadores da função pública: numa primeira fase, visa-se reduzir os salários e diminuir substancialmente o número de trabalhadores pela supressão de múltiplos serviços públicos e pela implementação da alcunhada mobilidade e da lei dos disponíveis (ou, como na Comissão de Economia Finanças e Plano lhe chamou o Ministro das Finanças, lei dos despedimentos); em seguida, pretende-se proceder a despedimentos e à reforma compulsiva; finalmente, chegaria a vez de promover o ataque às pensões de reforma desses mesmos trabalhadores.
A orientação anti-salarial do Governo alarga-se a todos os trabalhadores do sector empresarial, visando impor tectos salariais que não ultrapassem a taxa de inflação acrescida do diferencial de produtividades com a CEE, isto é, acrescida de zero. O Governo pretende imputar aos salários a perda de competitividade que a sua política errada provoca e transferir para os trabalhadores os custos de que o Governo é o único responsável.
Paralelamente, o Governo prossegue com este Orçamento a sua estratégia de desresponsabilização perante as funções sociais que ao Estado competem, assente nas teses ultraliberais de que nenhum bem ou serviço, incluindo os serviços públicos essenciais, deve ser gratuito.
Por isso, pretende impor aos estudantes o pagamento de um novo imposto, que dá pelo nome de propinas, e trava as dotações para o ensino público, o que se traduzirá no aprofundamento de carências existentes, no despedimento de professores e funcionários das escolas e no agravamento geral da qualidade do ensino.
Restringe as dotações para o Serviço Nacional de Saúde e propõe um aumento de 40 % nas receitas próprias dos estabelecimentos de saúde públicos, a serem pagas pelos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde, chegando ao cúmulo da irresponsabilidade política e moral de pressionar a redução das despesas com medicamentos para os doentes afectados pela SIDA, do mesmo modo que decreta aumentos das pensões e reformas que, na melhor das hipóteses, apenas acompanharão a inflação.
É a estratégia, retrógrada e conservadora, da poupança nas despesas relativas à reprodução e ao desenvolvimento da força de trabalho, ou seja, a redução das despesas nos salários e nas condições de trabalho, por um lado, e na formação, na qualificação, na educação, na saúde, na habitação ou na investigação, por outro, com o objectivo de libertar recursos para a acumulação do capital.
A orientação da política orçamental para o benefício do capital é ainda significativamente ilustrada pelos artigos 59.º e 43.º da proposta de lei, por um lado propondo o aumento das indemnizações pelas nacionalizações para 270 milhões de contos e, por outro, transferindo para as empresas petrolíferas, nomeadamente para os franceses que se apropriaram da Petrogal, uma parcela do actual imposto sobre os produtos petrolíferos.
O Orçamento acentua ainda o pendor centralista do Governo e do PSD, através de uma injusta repartição de recursos entre a administração central e as autarquias locais, ao insistir no não cumprimento da Lei das Finanças Locais e ao manter a ameaça de transferência de novos encargos para os municípios sem os adequados meios financeiros.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: o vector anti-social do Orçamento está igualmente presente nas opções de política fiscal, reincidindo no agravamento da injustiça entre a tributação dos rendimentos do trabalho e do capital. O Governo continua a não se preocupar minimamente com a triste originalidade portuguesa de o peso da tributação indirecta ser dominante na estrutura das receitas fiscais, consubstanciando a efectiva regressividade do sistema tributário.
Por acréscimo, o IRS mantém-se como um imposto que incide exclusivamente sobre os rendimentos do trabalho e a mera actualização dos seus escalões, como das deduções e abatimentos, a um nível inferior ao da previsível taxa

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de inflação significa o agravamento real da tributação dos rendimentos do trabalho, para além do ónus resultante do efeito da mudança de escalão, como é patenteado no próprio Orçamento, com a previsão de crescimento das receitas do IRS em cerca de 11 %, quando o Governo prevê aumentos salariais não superiores a 7 %.
Inversamente, são aumentados os benefícios fiscais a diversos rendimentos de capital, nomeadamente através do aumento da dedução aos dividendos distribuídos e da isenção permanente dos ganhos especulativos em acções e dos rendimentos de obrigações.
No debate aqui realizado no passado dia 22 de Outubro, o Ministro das Finanças regozijou-se por aquilo a que chamou «a colaboração dos contribuintes pela continuação do admirável exemplo que têm dado». Mas, Sr. Ministro das Finanças, a paciência dos contribuintes tem limites e é chegado o tempo de dizerem basta ao permanente e impune assalto do fisco aos rendimentos dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: existem alternativas à política económica, financeira e social do Governo. Melhor: estas políticas governamentais, de antecipação das orientações do Tratado de Maastricht, é que não são alternativa credível para o País.
Reduzir a inflação para níveis adequados à realidade estrutural da economia portuguesa é compatível com o crescimento económico sustentado e com a melhoria do nível de vida dos Portugueses. A desinflação tem de ser feita com base na modernização e eficiência do aparelho produtivo e não através de uma política deflacionista que atinge pesadamente as empresas e os produtores-consumidores.
A diminuição do défice orçamental não é uma exigência absoluta e muito menos uma necessidade que se imponha conseguir no prazo de um par de anos e à custa dos salários, do emprego e da degradação do nível de satisfação das funções sociais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pelo contrário, a redução progressiva do défice é possível com base num crescimento económico sustentado e mais acelerado, na redução dos ilegítimos benefícios fiscais aos rendimentos do capital e na diminuição efectiva das taxas de juro activas, o que exige, nomeadamente, uma política cambial com racionalidade económica e a utilização plena dos prazos negociados com as Comunidades Europeias quanto à liberalização dos movimentos dos capitais monetárias.
O Governo, com a sua imprevidência, arrogância e irresponsabilidade políticas, perdeu anos e rios de dinheiros comunitários sem promover a indispensável reestruturação de sectores de actividade e de empresas portuguesas. Pretende agora fazê-lo da pior e mais dolorosa maneira: pela liquidação e encerramento de empresas, pela destruição de milhares de postas de trabalho, pela degradação do nível de vida dos Portugueses.
Mas essa não é uma via de solução e muito menos uma perspectiva de futuro. A economia e os Portugueses não podem ser fortemente penalizados pelos erros e incompetência deste Ministro das Finanças e deste Governo. O Governo e o PSD é que têm de ser politicamente penalizados pela sua irresponsabilidade, e quanto mais cedo melhor.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, vou fazer três comentários à sua intervenção e colocar-lhe uma pergunta.
O primeiro comentário - que já fiz na parte da manhã - diz respeito à recessão. Já aqui disse que estamos numa recessão sui géneris, em que todos os indicadores apontam para o contrário do que V. Ex.ª diz. De qualquer forma, o comentário que pretendo fazer - e compreendo o Partido Comunista, que é bem mais coerente do que o Partido Socialista - é o de que VV. Ex.ªs viveram 70 anos em catástrofe económica no Leste, sendo, pois, normal que queiram a catástrofe, porque é nesse contexto que VV. Ex.ªs se mexem e sentem bem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Cassette n.º 1!

O Orador: - O segundo comentário é o de que o Partido Comunista não gosta de nada deste Orçamento do Estado. Para ele, está tudo mal, não gosta de nada! É normal VV. Ex.ªs não gostarem de nada. Julgo até que neste momento VV. Ex.ª já nem do próprio Partido Comunista gostam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Cassette n.º 2!

O Orador: - O meu terceiro comentário refere-se às propinas. Relativamente a este assunto, assistimos a que o Partido Socialista, em tempos, meteu o socialismo na gaveta e agora meteram VV. Ex.ªs o comunismo na gaveta, na medida em que, ao contestarem uma lei deste teor, estão a defender que os estudantes de menores recursos devem pagar para que aqueles com mais recursos andem na universidade. VV. Ex.ªs estão a reboque da manifestação que se faz lá fora, o que constitui uma manifesta falta de força política para apresentarem alternativas.

Aplausos do PSD.

Faço-lhe, finalmente, a pergunta que me propus fazer e para a qual gostaria de obter uma resposta concreta. Começou V. Ex.ª com uma preocupação muito grande em relação ao mercado de capitais. A questão que lhe coloco é esta: que modelo de mercado de capitais o Partido Comunista defende? O modelo soviético?

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Cassette n.º 3!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É por isso que você nunca será alternativa ao Luís Filipe Menezes no Porto! Assim também eu ganhava sempre!...

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, quero fazer-lhe duas perguntas muito directas.
Um camarada seu, dirigente de uma central sindical da função pública, acompanhou a posição de outros camará-

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das seus que fazem parte dessa central sindical, criticando fortemente o Governo por este ter vindo a permitir o pagamento dos impostos não só nas tesourarias da Fazenda Pública mas também em numerosos outros postos de recepção de impostos. V. Ex.ª falou da reforma administrativa e da má gestão dos recursos públicos que este Governo adopta. Pergunto-lhe concretamente se V. Ex.ª concorda com essa crítica e se, assim, preconiza o regresso ao pagamento dos impostos exclusivamente nas tesourarias da Fazenda Pública, através das famigeradas «bichas» para a liquidação dos impostos. É extremamente importante saber aqueles que, concretamente, condenam a possibilidade de se pagar os impostos nos bancos, nas estações de correio e ern numerosos outros locais, facilitando assim os contribuintes. Importa saber se é esse tipo de medidas que os senhores preconizam para modernizar a Administração Pública.
Por outro lado, pergunto, recorrendo à parte da sua intervenção que se refere às propinas e atendendo à legislação atinente ao seu pagamento - segundo a qual apenas entre 20 % a 30 % dos estudantes irão pagar e só em relação a agregados familiares num escalão de rendimento mensal superior a 300 contos, numa base de pagamento parcial de propinas, ou a 500 contos, no caso de pagamento de propinas entre 3 a 5 contos mensais-, se os senhores consideram que, sendo uma minoria de estudantes a pagar as propinas, essa é uma medida de justiça social ou se, pelo contrário, preconizam que os ricos não devem pagar o sistema de ensino.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, já deve ter tido a oportunidade de ouvir comentários da minha bancada acerca das suas posições. De facto, compreendem-se bem muitas coisas quando o Sr. Deputado intervém nesta Assembleia. Os senhores correm é o risco de certas eternizações na zona a norte do Tejo!...
Voltando ao Orçamento, ouvi o Sr. Deputado Rui Rio falar, de manhã, sobre a questão da recessão e dos indicadores e a verdade é que agora já não referiu uma frase que proferiu nessa altura, quando se mostrou assustadíssimo sobre como é que poderia haver recessão com a inflação a baixar. Nunca lhe explicaram!... O Sr. Ministro das Finanças nunca teve certamente oportunidade de lhe explicar o problema da estagflação e outras coisas do género. Passe-se, enfim, por cima disso!...
A questão é que, desmentindo frontal e claramente aquilo que V. Ex.ª referiu, todos - mas todos - os indicadores oficiais apontam para a recessão. Claramente todos, não tenha dúvidas sobre isso!
São os indicadores de recessão do INE, são os de todas as organizações oficiais, são os da CE, são os da OCDE, são os do Governo. Aliás, seria interessante que o Governo, como descrevia há dias mais um comentador político da área do PSD - o Professor Mendonça Pinto -, apresentasse na Assembleia da República não este cenário macro-económico mas o cenário macro-económico real que, segundo aquele comentador, o Governo tem. Assim, porque a informação vinha da parte do Governo, o Sr. Deputado ficava convencido de que esses indicadores de recessão existem.
Faz-me uma pergunta e ainda algumas referências, mas que são completamente deslocadas e sem cabimento. Aliás, só a inépcia, só a indigência, é que podem levar um Deputado a fugir para essas áreas quando se está a discutir o Orçamento do Estado!...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não irei responder a essas observações, mas fá-lo-ei quanto ao modelo do mercado de capitais. E, nesse aspecto, digo-lhe que esse modelo seria certamente um modelo onde não houvesse possibilidade de lavagem de cupões - pelo menos isso!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Ora bem!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas o que referi sobre o mercado de capitais é importante porque é mais um indicador do problema da recessão. E que não pode ir mais abaixo e a Fortune já pode dizer que Portugal tem a primeira bolsa de valores do mundo para investir porque já não pode ir mais abaixo. Enquanto há 15 dias atrás ainda podia vir mais abaixo, e era a quinta melhor Bolsa, agora é a primeira e neste momento é que é investir porque só pode dar lucro para o futuro ou, então, rebenta e explode totalmente.
No que se refere as propinas - e respondo também ao Sr. Deputado Rui Carp -, o problema é que VV. Ex.ª estão a criar impostos ou, se quiser, a aumentar a parafiscalidade porque estão a fazer cobranças à margem dos impostos que existem e que servem para cobrir as despesas com as funções sociais. VV. Ex.ªs estão, de facto, a entrar na via da parafiscalidade cobrando propinas, cobrando as taxas moderadoras, cobrando o acesso a todos os serviços públicos, e isso é, de facto, um aumento camuflado da carga fiscal que está a incidir cada vez mais sobre os Portugueses.
Sobre a sua outra questão, Sr. Deputado Rui Carp, convenhamos que não é um problema para se discutir neste momento, mas posso dizer-lhe muito claramente que nada temos a opor a que os postos de cobrança dos impostos sejam dispersos pelo País, inclusivamente a descentralização das actuais tesourarias da Fazenda Pública. Todavia, o problema é completamente diferente, pois VV. Ex.ªs querem fechar essas tesourarias para despedir trabalhadores e entregar a cobrança a empresas privadas, assim privatizando serviços públicos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em anos anteriores e em apresentações semelhantes a esta referi a razão de ser das opções tomadas, enquadrando-as na situação envolvente e apontando com nitidez o caminho que nos propúnhamos trilhar. Esforçámo-nos neste sentido e temos conseguido cumprir o que prometemos, o que, sinteticamente, representava crescermos mais do que os nossos parceiros comunitários, aproximando-nos deles; atacarmos as problemas estrutu-

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rais, preparando o progresso a longo prazo; e melhorarmos as condições de bem-estar da vida dos Portugueses, reduzindo assimetrias regionais e disparidades de prosperidade entre grupos.
Tudo isso tem vindo a ser realizado, aplicadamente, aproveitando naturalmente os meios que nos são facultados para o alcançar, mas também forçando as coisas para que tal aconteça. Os bons resultados obtidos não se colhem por acaso! Eles decorrem de uma grande determinação em consegui-los e de uma atenção constante com vista à remoção das dificuldades que sempre se levantam diante de quem pretende fazer obra que dure.
Todavia, não houve nos anos transactos e em idênticas apresentações uma acumulação tão grande de incertezas, como as que neste momento nos podem condicionar: incertezas na esfera política, por persistirem factores geradores de insegurança em regiões geograficamente próximas; incertezas na esfera económica, por não se poder definir nem a dimensão nem o grau de solidez da prevista retoma do crescimento económico internacional; e incertezas na esfera da construção europeia, particularmente no que toca à dimensão e à cadência dos passos a dar caminho para a União Económica.
A situação económico-financeira internacional é muito volátil, o que afecta inexoravelmente uma pequena economia tão aberta ao exterior como a portuguesa. Mesmo assim, muito bem se tem aguentado ela!
A situação comunitária está a suportar tensões internas grandes, quase ninguém pondo em causa o património institucional e político erguido em comum, mas tendo algumas hesitações acerca da ambição da nova fase de construção europeia.
A situação política geral é caracterizada pela existência de numerosos focos de instabilidade, com causas diversas entre si, mas também com conjugações que podem ter resultantes inesperadas.
É assim, em ambiente muito instável, que temos de procurar o nosso caminho! Mas é também nos quadros de mudança que melhor se aproveitam as novas oportunidades que se abrem. Por isso se reclama de nós uma atenção redobrada e uma grande abertura para ensaiar soluções inovadoras, envolvendo toda a comunidade nacional na dinâmica propulsora do desenvolvimento, aproveitando todas as energias disponíveis.
A primeira grande opção que definimos foi a de prosseguir o esforço de afirmação de Portugal no mundo. Os seis meses da Presidência Portuguesa da Comunidade Europeia provaram, cabalmente, que nos podemos dar grandes ambições a este respeito, porque nas mais complexas circunstâncias cumprimos exemplarmente o que se reclama de tais funções. Demonstrámos ter ideias claras, vontade firme e flexibilidade táctica, o que, em conjunto, conduziu ao sucesso que todos reconhecem que tivemos.
Mas é preciso prosseguir!
Por isso desdobrámos esta grande opção em dois eixos: a participação activa no núcleo dinamizador da construção europeia e a projecção internacional da nossa posição.
No que respeita à primeira, temos consciência de que um pequeno país periférico que não se esforce por integrar o núcleo propulsor da Comunidade, com todas as exigências que isso implica, se remete para uma posição marginal, com a perda de relevância a ela associada. Mas mesmo que isso nos obrigue a um esforço muito grande e nos imponha modernizações e reconversões que soluções menos exigentes poderiam fazer adiar, a promoção das convergências real e nominal com as economias dos outros países comunitários representa a única fórmula estável de viabilizar a nossa participação da União Económica e Monetária e de criar um clima macro-económico favorável ao investimento e, consequentemente, ao crescimento.
É evidente que não vemos esse esforço dissociado do reforço da Coesão Económica e Social da Comunidade. Temo-nos aplicado no aproveitamento dos meios que nos foram facultados no sentido de facilitar os ajustamentos estruturais necessários e de compensar as dificuldades associadas à participação na União Económica e Monetária. Por isso defendemos o chamado Pacote Delors II, que consideramos um instrumento essencial para a redução das desigualdades de desenvolvimento existentes no seio da Comunidade e nos preparamos com tempo para a utilização mais criteriosa dos novos meios que nos serão facultados, por via da elaboração de um novo plano de desenvolvimento regional ambicioso e ajustado ao salto qualitativo e quantitativo que temos de dar nos próximos cinco anos.
No que respeita ao segundo vector desta grande opção, sentimos que, em paralelo com o reforço da integração europeia, devemos contribuir para a manutenção da nossa tradicional relação atlântica, ajudando a revigorar os laços com os Estados Unidos da América e empenhando-nos na adaptação da Organização do Tratado do Atlântico Norte às novas realidades da segurança europeia.
O aprofundamento das nossas relações com os países com os quais Portugal tem ligações históricas profundas impõe-se-nos! São, naturalmente, os países africanos de língua oficial portuguesa que assumem uma importância especial a este respeito, nas suas vertentes politica, cultural, económica e militar, mas é também o Brasil, o nosso vizinho Magrebe e Timor - que reclama uma solução justa para a sua autodeterminação -, todos merecendo uma atenção especial.
Os membros da nossa diáspora são estimados em todos os países de acolhimento e representam um elo importante para a preservação de focos de cultura lusíada espalhados pelo Mundo. Por isso se entende dever apoiar o reforço da sua relevância social, cultural e económica e facilitar a sua participação na vida portuguesa.
Mas a presença do País tem de se afirmar, especialmente, pelo vigor do foco de irradiação que ele próprio constitui, na ciência, nas artes, nas letras, na tecnologia e nas actividades económicas renovadas, que, tendo de substituir as tradicionais, devem agora primar pela excelência dos produtos e pela forma como são geridas. Em relação a certos domínios científicos, tenho sido testemunha da surpresa de muitos ao verificar como são valiosos os contributos portugueses para o avanço do saber e como são extensas as redes em que se integram os nossos investigadores. É evidente que, nesta área como em muitas outras, o esforço tem de ser de todos e não apenas do Governo. Temos dado mostras de como tomamos a peito estas questões! Continuaremos a fazê-lo, no futuro.
A segunda grande opção que enunciámos tem a ver com o ambicioso projecto de modernização e de ajustamento estrutural que nos é exigido pela integração da economia portuguesa na economia comunitária e pela sua internacionalização. A consolidação da nossa base económica é indispensável e urgente, diversificando o padrão das actividades em que nos ocupamos tradicionalmente e introduzindo muitas outras que privilegiem a qualidade dos produtos e lhes assegurem, por via disso, vantagens comparativas continuamente reconquistadas.

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Para tal, há que empreender acções cujos frutos se coíbem em poucos anos, mas há também que levar a cabo muitas outras cujo resultado só se há-de ver a longo prazo. Não hesitamos em orientar meios para as segundas porque sabemos que, mais do que qualquer outra coisa, é a qualificação dos recursos humanos que representa a receita mais duradoura para assegurar a competitividade e favorecer a inovação. Por isso o primeiro dos eixos em que se desdobra esta opção visa exactamente a melhoria dos sistemas de ensino universitário e politécnico e de formação profissional, o alargamento da base científica e tecnológica das actividades em que nos aplicamos e o estímulo da qualidade, em geral, e do design industrial, em particular.
O segundo eixo visa o reforço da estrutura e do ambiente empresariais. O nosso tecido económico assenta, predominantemente, em pequenas e médias empresas e isso tem virtualidades, desde que elas se enquadrem nos novos contextos de competitividade, que conjugam a sua flexibilidade com a inovação. A atracção do investimento estrangeiro para Portugal e a sua recíproca são vertentes específicas do esforço de modernização e de internacionalização que nos impomos. A experiência de muitos outros ilustra bem as inconveniências de investimentos atraídos por mão-de-obra barata ou por recursos naturais não pagos pelo seu justo valor. Por isso se insiste em ser selectivo, impondo condições que induzam o envolvimento de empresas portuguesas que se queiram associar à reestruturação geral que tem de se operar.
Mas é evidente que se deve articular tudo isso com a obtenção de economias externas expressivas e generalizadas a todo o território nacional. Daí a importância das infra-estruturas de transportes, de comunicações e de produção e distribuição de energia. Construímo-las em quantidade no passado próximo e elas ajudaram a modificar o mapa mental do País. Todos os portugueses e particularmente os agentes económicos têm dele uma visão muito diversa de há sete anos atrás e tomam as decisões de localização de acordo com essa percepção.
Tem-se falado menos nas telecomunicações do que nas estradas e, todavia, ao longo dos últimos quatro anos e no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio (QCA) estão a ser instalados cerca de 180 000 postos telefónicos nas zonas mais desfavorecidas do interior do País e prosseguiu-se com a montagem dos novos serviços avançados, como sejam o videotex, o telepac, a videoconferência e o telefone móvel.
Há, todavia, um factor cujo preço é caro: a energia. Não é, como se diz, o mais caro da Europa, mas também não é tão barato quanto pretendemos que ele seja e como muitas das nossas indústrias - especialmente as mais consumidoras - necessitam. Por isso desencadeámos o processo da introdução do gás natural em Portugal através da construção de um gasoduto para distribuição de gás em alta pressão, tendo estimulado a criação de empresas de distribuição em baixa pressão. Prosseguiremos com a realização deste grande projecto.
A capacidade de empreender representa para nós a mola real do movimento de dinamização do nosso tecido económico. Por isso vimos estimulando a criação de empresas e a sua modernização. O sistema de incentivos associado ao Programa Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa (PEDIP), apesar de ter sido considerado folgado, já esgotou; o Sistema de Incentivos de Base Regional (SIBR) teve de ser renegociado mais duas vezes para aumento de provisões; e o Sistema de Incentivos ao Financiamento de Infra-Estruturas de Turismo (SIFIT) já vai na segunda edição, para corresponder à procura que se manifesta. Há, assim, a vontade de empreender e há, também, um conhecimento muito disseminado acerca das formas de aceder aos estímulos disponíveis.
A terceira grande opção respeita à coesão social e ao bem-estar dos Portugueses, componente indispensável do reforço da dimensão social, da eliminação das injustiças sociais e da protecção eficaz dos grupos mais vulneráveis. Queremos crescer economicamente e modernizar a nossa economia para assegurar a manutenção sustentada das nossas vantagens comparativas. Mas não queremos crescer com fracturas! Ora estas podem ser entre regiões ou entre grupos, todas sendo nocivas por representarem formas de marginalização ou de menor atenção dada às pessoas onde quer que elas estejam, ou vivam de que viverem.
Há formas modernas de isolamento e de alienação que seriam atenuadas se a inscrição de cada um num ambiente familiar saudável pudesse ajudar a incentivar o diálogo entre gerações e a garantir a cada um o quadro afectivo necessário à expressão de todas as suas capacidades de realização. Isso é essencial para os jovens e para os idosos, mas também é importante para os adultos, na força da vida O Estado não pode nem deve fazer tudo, neste domínio. A actuação prática não se faz através de discursos, mas, sim, por meio de políticas muito concretas em relação à habitação, à educação, à formação profissional, ao desporto e ocupação dos tempos livres, à cultura, etc. Se da conjugação de todas elas ainda resultarem casos de segregação social, então ter-se-á de actuar através de políticas específicas contra a droga contra a pobreza ou contra outra qualquer moléstia que afecte um pequeno grupo, que tem de exibir carácter residual. O tronco fundamental da acção tem de assentar naquele primeiro conjunto de políticas.
Mas nem em relação àquelas nem a estas se deve ficar com a pretensão de remeter toda a acção para o Estado! Há na sociedade portuguesa uma grande reserva de afectividade que garante que a solidariedade social pode, em larga extensão, ser confiada a grupos de cidadãos generosos que se realizam pessoalmente através da organização dos meios de inserção social de todas as formas de deserdados. Não se deve desperdiçar essa energia, nem deixar de encontrar fórmulas práticas para escorar a vontade de alguns se entregarem a causas sociais, através das quais são úteis à comunidade e aliviam o Estado de encargos que são sempre elevados e mal ajustados quando permanecem na sua esfera exclusiva de responsabilidades.
Nas disparidades observadas verifica-se que houve, ao longo da última década, uma atenuação dos desequilíbrios entre as zonas mais desenvolvidas e as mais atrasadas do território nacional. Apesar de se terem realizado tantas obras indispensáveis ao crescimento e de elas terem respondido mais a pressões da procura do que ao desbravamento de novas frentes de localização de actividades, a verdade é que não houve, em termos geográficos, uma acentuação do fosso entre o litoral e o interior. Isso deve-se a alguns grandes eixos rodoviários transversais e à localização no interior de muitos outros equipamentos, que vão desde as universidades aos loteamentos industriais, desde os institutos politécnicos aos hospitais, desde as escolas secundárias aos centros de formação profissional.
A grande disparidade que agora começa a evidenciar-se prende-se com a distinção entre o mundo rural e o

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urbano. Os Portugueses querem urbanizar-se, mas, felizmente, estão a mostrar preferência pelos centros urbanos de tamanho médio, ao contrário do que faziam há 20 anos atrás e do que fazem, sistematicamente, as populações do Terceiro Mundo. Mas a problemática das zonas rurais tem de ser discutida e para ela encontradas respostas que garantam muitas coisas em simultâneo: que não se desertifique a parte rural do País; que os que lá vivem possam usufruir de níveis e de qualidade de vida similares aos de todos os seus concidadãos; que fiquem garantidas as funções ambientais indispensáveis ao equilíbrio geral e que se preserve e melhore o património inestimável que toda essa grande parcela do território representa. É como componente indispensável e prévia ao tratamento geral que nos ouvem enaltecer a importância dos centros urbanos de tamanho médio, que, ao cobrirem em rede dispersa todo o País, asseguram à maior pane da população um apoio de serviços indispensáveis à concretização das perspectivas actuais de qualidade de vida que ela ambiciona usufruir.
É, também, como instrumento dessa acção diversificada que nos vêem insistir tanto na preparação dos Planos Municipais de Ordenamento do Território, nos quais se vertam as ideias que os eleitos locais e as populações possuem acerca do desenvolvimento dos seus concelhos.
Mas é certo impor-se, a nível nacional, uma reflexão aturada acerca do mundo rural para desenhar para ele soluções coladas aos problemas que ele atravessa e à cultura que é a sua, sem recorrer a receitas importadas nem a artificialismos, sempre menos ajustados aos problemas que temos de tratar.
É evidente que o foco das atenções da Administração tem de ser o cidadão. Têmo-lo referido vezes sem conta e tomado inúmeras decisões que obrigam-nas a reclamar os seus direitos e outros a reavivar a memória acerca de quem é a verdadeira razão de ser dos serviços que se prestam. Mas nestas matérias dá ideia de que é preciso insistir sempre, para se irem conseguindo alguns resultados que perdurem. Por isso, referimos explicitamente como eixo de actuação o «fomento de uma actuação da Administração ao serviço do cidadão», desdobrando-o em três domínios: o da justiça, o da segurança e o da racionalização e modernização da Administração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: este foi um resumo incompleto das Grandes Opções do Plano para 1993. Tive já oportunidade de apresentá-lo, com mais detença, em cinco comissões parlamentares, com as quais analisei o sentido de muitas das propostas, contribuindo para a elucidação indispensável à condução da vossa parte neste trabalho.
Gostaria agora de referir alguns números!
O PIDDAC continuará a crescer, patenteando a importância que atribuímos ao investimento como instrumento de modernização do País. Esse significativo esforço de investimento dirige-se, sobretudo, à construção de infra-estruturas potenciadoras de economias externas às empresas, valorizadoras do capital humano e de apoio ao investimento privado. Justifiquei, anteriormente, a razão de ser de cada uma destas preferências.
O PIDDAC para 1993 envolverá um montante de cerca de 345 milhões de contos, o que representa um acréscimo absoluto de 35 milhões de contos e um crescimento de cerca de 11% em relação a 1992. Aquele valor dos 345 milhões de contos é inédito entre nós! Em 1985 ele andava à volta de 70 milhões de contas. Em termos reais, assistiu-se, desde a adesão à Comunidade Europeia a mais do que a duplicação dos meios, o que significa que, durante o período de 1986/93, cerca de 10% do investimento total do País se ficou a dever ao PIDDAC. Esta dimensão do esforço é tanto mais apreciável quanto é certo ocorrer num ano em que se reduzem as despesas correntes do Orçamento do Estado.
Trata-se, afinal, da racionalização da máquina da Administração, com vista à orientação do mais que se puder para o investimento. A preparação do futuro prevalece, assim, em relação à facilidade da gestão do presente! Não nos furtamos as dificuldades de só se verem a longo prazo os resultados daquilo em que hoje investimos os meios de que dispomos. Ninguém nos perdoaria, aliás, se não fizéssemos as escolhas certas.
Continuaremos a privilegiar as vias de comunicação, que conduzem às economias externas, que viabilizam novas actividades e que ajudam a equilibrar o desenvolvimento em todo o País. É por isso que o sector das obras públicas, transportes e comunicações absorve quase 38% do PIDDAC.
Logo a seguir vem a educação, com 13,4% dos meios de investimento. Têm-se construído muitas escolas, equipando-as com numerosos complementos, que as tornam caras, mas ainda não é o suficiente para alcançarmos a nossa ambição de ver os jovens portugueses atingirem a preparação máxima que os seus dotes autorizam e eles queiram mobilizar. Por isso, há que prosseguir com a construção de novos estabelecimentos de ensino.
A modernização da agricultura reclama um investimento que tem de prosseguir, por isso absorve 9,3% do PIDDAC. Por outro lado, o sector da saúde é dos que mais sensibilidades levanta; quando se está doente erige-se a saúde em valor fundamental e absoluto, aceitando-se mal não se dispor do melhor. Apesar de muito já se ter investido neste sector. Ele é responsável, em matéria de investimentos, por 8,1% daquilo que iremos gastar.
Poderia prosseguir com esta enumeração, justificando o peso relativo de cada verba Já o fiz pessoalmente, em trabalho de comissão, e está tudo claramente exposto nos documentos que todos receberam. Por isso não me alongarei na descrição. Quero, entretanto, esclarecer que nem todos os investimentos do PIDDAC se podem imputar a cada um dos distritos; há razões de gestão para manter agregadas muitas obras e, desta forma a análise por distrito que muitos gostam de fazer carece de fundamento.
As acções incluídas no PIDDAC e co-financiadas pela Comunidade Europeia continuam a representar cerca de 60% do Plano, viabilizando recursos do FEDER, do FEOGA-orientação e do PEDIP da ordem dos 200 milhões de contos. Compreende-se que tenhamos dado preferência ao investimento co-financiado pela Comunidade, mas não deixámos a descoberto qualquer sector fundamental, mesmo quando ele não é apoiado dessa forma.
A despesa pública nacional e os fundos estruturais comunitários viabilizam um montante total de investimento «com raiz no PIDDAC» que, em muito, ultrapassa o valor deste. Com efeito, aos 345 milhões de contos afectos ao PIDDAC/93 corresponde um valor alargado de investimento que ultrapassará os 800 milhões de contos, o que representa cerca de 30% do investimento total do conjunto da economia. Nesta perspectiva alargada, a estrutura de investimento por sectores altera-se, surgindo o investimento produtivo na agricultura e na indústria com um peso duplo do que se traduz directamente do PIDDAC, revelando a importância que assumem os fundos estruturais comunitárias no apoio à modernização e diversificação da estrutura produtiva.

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Já me referi muitas vezes, nesta Câmara, à importância dos fundos estruturais para o nosso desenvolvimento e ao bom uso que deles temos feito. Como, seguramente, teremos oportunidade de, em breve, sobre este assunto nos debruçarmos de novo, registo-o hoje somente, pro memória.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: à acção das autarquias locais devem os Portugueses uma grande parte do bem-estar material de que desfrutam. Tenho-o dito e repetido e faço-o hoje, de novo, com a consciência de que a homenagem é justa. Mas também nunca dispuseram elas de tantos recursos financeiros para o efeito como ao longo dos últimos sete anos. São os meios comunitários, são os seus recursos próprios e são também as transferências da Administração Central, que, em conjunto, lhes têm permitido realizar tanto. Sei bem que as populações se tomaram impacientes, depois de um largo período de jejum, e conheço o empenhamento dos autarcas em se deixarem ficar ligados a iniciativas que fizeram progredir o seu concelho ou a melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes.
Não faria, contudo, sentido que a Administração Central fizesse uma grande contenção em matéria de despesas correntes e as autarquias não tomassem esse sinal como envolvendo todos os entes públicos do nosso país. As transferências para as autarquias locais crescem de 8%, de acordo com a taxa de evolução do Imposto Sobre o Valor Acrescentado não harmonizado, fixando-se assim em 194,4 milhões de contos. Há, todavia, um sinal no sentido de privilegiar as .despesas de capital em relação às correntes por entendermos que a racionalização de gastos a todos diz respeito. Continuaremos a apoiar a construção dos edifícios das sedes de juntas de freguesia e a celebrar contratos-programa em certos domínios já definidos, de modo a fazer acelerar a realização de coisas importantes para o desenvolvimento local e que, de outra forma, seriam em larga extensão diferidas no tempo.
A experiência mostra que vale a pena talar sempre francamente aos autarcas e dizer-lhes das nossas intenções com frontalidade. Esta pretensão de privilegiar o investimento em detrimento das despesas correntes é, aliás, eloquentemente traduzida no volume das adjudicações de obras pelas autarquias locais: entre Janeiro e Julho de 1991, ele foi de 15,597 milhões de contos; entre Janeiro e Julho de 1992 subiu para 24, 634 milhões de contos, com um crescimento de 57,9%. Sei bem que se trata de obras que estarão maduras por volta do Verão de 1993; todavia, além de revelarem um grau de previsão no tempo muito louvável, os números referidos demonstram que é possível insistir no bom caminho que eles denunciam, fazendo orientar para o investimento o máximo que se puder, com natural detrimento das despesas correntes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: na minha exposição tive de me cingir ao essencial e, dentro deste, omiti assuntos sobre os quais elaborei longamente nas comissões parlamentares especializadas. Por isso não toquei no que estamos a fazer e no que tencionamos promover no domínio da ciência e da tecnologia. Este é, naturalmente, um vector determinante da modernização e do tipo de desenvolvimento que pretendemos para o País, projectando-o no exterior, auferindo dos beneficias da integração em redes de inovação e aproveitando, no campo produtivo, dos resultados do trabalho da matéria cinzenta portuguesa que estamos a apoiar materialmente e a ajudar a formar, alargando a nossa comunidade científica. Seria, todavia, imperdoável que mesmo de raspão eu não fizesse menção ao lugar de destaque em que estimamos ver a ciência e a tecnologia portuguesas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: todos os tempos de dificuldades representam tempos de oportunidades. O que sucede é serem estas mais difíceis de descobrir do que nas alturas em que a navegação é de cruzeiro. Todavia, os prémios para aqueles que se esforçam por ver ao longe, mesmo no meio da tempestade, são sempre maiores do que para aqueles que só olham para o cavado das ondas... Estes ficam enjoados e não se salvam! Os que ousam, chegam a bom porto e progridem!
É por isso que nós ousamos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, ainda agora, quando quis entrar pela porta lateral da Assembleia da República, tive alguma dificuldade em fazê-lo. Encontram-se nesse local alguns cidadãos que não podem assistir ao debate porque não os deixam entrar. Ora, considero que a situação não justifica estas medidas. Não há nada que justifique um desenvolvimento normal dos trabalhos, nomeadamente que os cidadãos não possam assistir a este debate, como, aliás, me foi manifestado na porta de entrada. Nomeadamente, solicitaram-me que transmitisse esta sua vontade...

O Sr. Presidente: - O que o Sr. Deputado acabou de fazer...

O Orador: - Sr. Presidente, ainda não acabei.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já estou esclarecido sobre aquilo que pretende dizer.

O Orador: - Mas não pode estar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, Sr. Deputado, faça o favor de terminar brevemente.

O Orador: - Sr. Presidente, entendo que a manifestação dos estudantes é um exercício salutar da democracia que devia ser saudado por esta Assembleia...

Vozes do PSD: - Essa é outra questão!

O Orador: - ... e que nada justifica uma atitude de anormalidade, nomeadamente a existência intimidatória de polícias de choque lá fora.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não sei o que se passa. Apenas sei que existe alguma perturbação; por exemplo, foram partidos alguns vidros na entrada principal do Palácio. E eu, como representante e Presidente desta Casa, não posso ceder a pressões de quem quer que seja, por mais que isso me custe.

Aplausos do PSD e do CDS.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

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O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a primeira vez que participo na discussão do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano e, sinceramente, sinto-me um bocado como aquela personagem do Ballester, ou seja, pasmado! Só que, ao contrário daquela personagem, não me sinto atraído por aquilo que estou a ver.
Vejo uma opinião eivada de retórica, de dogmatismo neoliberal que impede alguns Ministros e Deputados da bancada da maioria de discutirem com a oposição estes assuntos com franqueza e abertura, quando esta apresenta propostas e assume uma atitude crítica.
Daí que tenha dúvidas sobre se devo colocar algumas questões, de qualquer maneira, vou fazê-lo. São duas questões que, ao mesmo tempo, transmitem a opinião de algumas associações que, quer a Assembleia, quer o Governo, quer a oposição, quer os Deputados da maioria conhecem.
Ouvimos a Associação Nacional de Municípios, a Associação Nacional de Freguesias, ouvimos também outras associações de municípios de carácter distrital e municipal, bem como representantes de diversos municípios - informação esta que, aliás, já transmitimos ao Sr. Ministro desta área -, e todos criticam o Orçamento do Estado na parte respeitante às finanças para as autarquias e a outras matérias referentes às mesmas. Levantam, designadamente, três questões:
Em primeiro lugar, que este Orçamento vai retirar às autarquias 63 milhões de contos, resultante da não aplicação da Lei das Finanças Locais tal como deveria ser aplicada.
Em segundo lugar, algumas autarquias - e serão mais de 50 que vão receber este ano - vão ter um aumento de verbas inferior à inflação, segundo está previsto no Orçamento do Estado.
Em terceiro lugar, o que está nas propostas de lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano não garante que as eventuais transferências para as autarquias sejam previamente discutidas como deverão ser e muito menos que seja orçamentada a parte correspondente a esse aumento de encargos.
Portanto, a pergunta que faço ao Sr. Ministro, se tiver o obséquio de me responder, é se pensa ter em conta a opinião das associações referidas e também, neste caso, a do Partido Comunista Português e alterar o Orçamento do Estado nestes aspectos ou se decide manter as coisas tal como estão.
Por outro lado, também quero aqui deixar uma questão de âmbito regional e informar que também reunimos com trabalhadores, agricultores, empresários, autarquias e instituições politécnicas do Alentejo. O Sr. Ministro esteve lá e também conhece as opiniões destas instituições, bem como a preocupação de todos, mesmos aqueles que são do PSD, do PCP, inclusivamente do CDS e de toda a gente no Alentejo. Assim, como é que o Governo se mantém e mantém silencioso um terço do território nacional, a morrer, a desertificar-se democrática e economicamente? E não estou a exagerar absolutamente nada Como é que esta situação se mantém?
A situação é esta será que o Governo a vai ter em conta e as coisas vão alterar-se?
Mas basta olhar para o PIDDAC que o Sr. Ministro referiu agora: de 345 milhões de contos, apenas cerca de 11 ou 12 milhões de contos - não sei exactamente nem isso importa - são destinados a um terço do território nacional. Como é que pode falar-se de coesão económica e social e correcção das assimetrias com um Orçamento que nestes dois aspectos que citei - e apenas estes dois, mas poderia referir 20 ou 30 mais - mantém este tipo de posições?
Portanto, gostava de perguntar ao Sr. Ministro ou aos Srs. Ministros que entendam falar sobre esta questão se vão ter em conta as propostas construtivas que temos feito ou se vão manter essa tal visão dogmática que os impede de ter ern conta as propostas da oposição.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, calculo que não temos hoje na Câmara quem pertença ao grupo dos enjoados depois de ouvirem o seu discurso porque, normalmente, é capaz de prender a nossa atenção e até persiste cada ano ern trazer-nos aqui uma percepção global do País, que nos dá ânimo para depois escutar as discussões tecnocráticas sectoriais.
Justamente, tenho a impressão de que a sua intervenção, tal como tem acontecido em anos anteriores, merece bastante atenção da Câmara e coloco-lhe algumas perguntas, que não pretendo que esgotem nem sequer os pontos mais importantes da exposição que fez, mas que versam sobre dois pontos que me chamaram especialmente a atenção.
Em primeiro lugar, quando o Sr. Ministro aborda a definição dos objectivos gerais externos do País, verifico que neste mar europeísta em que estamos mergulhados levanta uma pequena bandeira atlantista e fala na necessidade de reforçar os mecanismos da Aliança Atlântica por exemplo.
Creio que não temos tido informação alguma sobre os desenvolvimentos, se existem e quais, das virtualidades do Tratado do Atlântico à margem dos empenhamentos militares. Sobre esses temos bastante informação; temos discussões constantes, presença muito frequente do Ministro nas comissões. Portanto, creio que estamos muito informados, mas a Aliança não é isso! E, justamente, a circunstância de o Sr. Ministro o ter mencionado suscitou-me a curiosidade de saber se há desenvolvimentos nessa área da cooperação política, económica e cultural que a Aliança prevê e que tem estado silenciada até agora.
O segundo ponto que sempre me tem chamado muito a atenção nas suas intervenções diz respeito ao nosso problema da ciência e tecnologia. De vez em quando vejo-o tomar umas iniciativas que me surpreendem um pouco porque não vejo explicados os motivos, por exemplo, por que a Academia das Ciências circulou de tutela, uma coisa que parece ter passado despercebida aos Portugueses e que, provavelmente, não é lisonjeiro para a Academia das Ciências, porque devíamos dar por isso. Creio que a questão merece mais atenção e também que não se fez justiça, certamente, ao seu acto porque já lhe devíamos ter perguntado por que é que fez isso.
Mas, justamente, essa circulação de tutela da Academia das Ciências, independentemente dos motivos que lhe presidiram, quando ela veio a público deu-me esperança de que, finalmente, reparássemos que as academias fazem congregar um capital de capacidade científica e tecnológica que deve servir para mais alguma coisa do que para sessões solenes... Talvez possam ser mobilizadas para a investigação e até para apoiar o ensino.
Por isso, justamente ao lado desse acto isolado da Academia que não abrangeu as outras, recordo outras organizações que temos e que considero que são extremamente

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importantes, como são, por exemplo, o Instituto de Investigação Científica Tropical e o Laboratório de Engenharia Civil.
Com efeito, não posso deixar de reparar - e, sobretudo, hoje temos muitos motivos para reparar quando entramos no Parlamento - que são extremamente difíceis as condições de administração do nosso aparelho escolar a todos os níveis, designadamente ao nível das universidades, dos politécnicos e dos outros graus de ensino. Tudo isso exige, hoje, uma atenção completa de um Ministério.
Assim sendo, quero perguntar-lhe, Sr. Ministro, se o Governo encara, ou não, a constituição de um ministério da Ciência e da Tecnologia. E devo dizer-lhe que advogo isso há muitos anos. Julgo que fui a primeira pessoa que, em Portugal, escreveu um ensaio sobre essa necessidade, no sentido de vencer o nosso atraso.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro: as iniciativas esporádicas, em geral dignas de aprovação, que o Sr. Ministro tem tido não estarão a apontar para a necessidade de não se adiar por mais tempo este problema e, consequentemente, para enfrentá-lo com uma solução global e sistemática?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, V. Ex.ª discursou aqui durante quase 30 minutos, mas sobre as autarquias locais falou praticamente um minuto. Ou seja, V. Ex.ª praticamente esqueceu o trabalho altamente meritório que as autarquias locais têm desempenhado ao longo destes anos e, porventura, falou tão pouco devido ao peso que tem na consciência por o Governo ter adoptado uma política de asfixia financeira para com os municípios portugueses...
Mas V. Ex.ª abordou outra questão muito importante, ou seja, o efeito que o Pacote Delors II pode ter para o desenvolvimento do País. No entanto, é curioso que V. Ex.ª fale em solidariedade da Comunidade Económica Europeia para com Portugal mas esqueça a que o Governo tem de ter para com as autarquias portuguesas.
Passando aos números que V. Ex.ª referiu, quero dizer-lhe que, nesses sete anos, o peso do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) no produto interno bruto (PIB) passou de 1,84 para 1,5 e que, nesses mesmos 10 anos, o peso do FEF nas receitas fiscais passou de 10,33 % para 6,21%. Onde é que está aqui a tão apregoada solidariedade entre a administração central e a administração local?
E isto, Sr. Ministro, porque V. Ex.ª mencionou aqui algo realmente importante, ao dizer o seguinte: «Compreende-se [...]»- referindo-se ao Governo - «[...] que tenha sido dada prioridade aos investimentos co-financiados pela Comunidade Económica Europeia». Foi também isso o que fizeram os municípios ao longo destes anos! E teria sido justo e razoável que, perante um esforço de investimentos desta natureza, o Governo tivesse sido mais solidário para com os municípios portugueses. E, de facto, não o foi! Sr. Ministro, gostaria de fazer-lhe uma pergunta. O Sr. Ministro acredita que, com um orçamento deste tipo, é possível que os municípios façam um esforço muito grande para que a coesão económica e social seja um facto em Portugal?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira, é evidente que também eu ouvi a Associação de Municípios e tudo o que eles têm a dizer a respeito das transferências. Naturalmente, todos os anos se repete esta «cena» - eles, porque querem fazer mais do que aquilo que têm feito, clamam por mais fundos e nós fazemos todo o esforço para dar-lhes o mais que pudermos para eles realizarem aquilo que pretendem. Simplesmente, tudo isto é um jogo de equilíbrio. Cumprimos rigorosamente a Lei das Finanças Locais e isso tem de ser suficiente, porque nós também gostaríamos de ter mais para nós próprios.
Quanto às autarquias que recebem menos do que a inflação, devo dizer-lhe - como, aliás, tive a ocasião de explicar a V. Ex.ª no âmbito da Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente - que nós tínhamos uma de duas soluções: ou afectar o FEF a todas as autarquias, não promovendo grandes distinções e elevando o mínimo para 6%, o que fazia com que não houvesse uma grande correcção das assimetrias existentes em matéria de recursos oriundos do FEF, ou, então, ao fazermos alguma distinção e assegurando que ninguém receberia menos do que no ano passado, tínhamos a possibilidade de contribuir para as que recebem menos poderem vir a receber mais. E foi isto o que fizemos. Ninguém recebe menos do que no ano passado - e daí os 2%, que é o número mágico, resultante da conjugação das despesas de capital e das despesas correntes -, mas é evidente que há um progresso no sentido da aproximação de recursos das mais pobres em relação às mais ricas. Foi a justiça redistributiva que imperou.
Quanto à desertificação, Sr. Deputado, a razão de ser do trabalho imenso que está a ser feito para reequilibrar o País é a de evitar que haja um agravamento das disparidades existentes. Trata-se, efectivamente, de uma zona pouco ocupada - está a referir-se, naturalmente, ao Alentejo- e que reclama uma atenção especial. Temos vindo a fazê-lo, através de investimentos adequados, mas não lhe escondo que essa é uma área que custa muito a «arrastar» para o desenvolvimento. Veremos o que se passa no novo Quadro Comunitário de Apoio (QCA), em que vai continuar a merecer favor.
Sr. Deputado Adriano Moreira, agradeço-lhe os cumprimentos que fez à minha exposição e, relativamente à cooperação política no âmbito da Aliança Atlântica, não gostaria de entrar em grandes elaborações. No entanto, vou naturalmente transmitir aos meus dois colegas da Defesa e dos Negócios Estrangeiros o seu interesse em laborar sobre isso, porque eles, muito melhor do que eu, poderão dar resposta aos pormenores em que está interessado.
Relativamente à Academia das Ciências, tenho muito gosto em esclarecer publicamente esta questão e fico-lhe grato por tê-la colocado. O Governo é de opinião que a Academia das Ciências deve ter outras ambições no nosso sistema científico e tecnológico, designadamente exercendo funções mais alargadas no contacto com outras academias de ciências e sendo um foco mais ajustado à realização de muitas reuniões de carácter científico em Portugal.
De facto, ela tem de ser um foco de irradiação da ciência e, portanto, deve ser preparada para esse efeito. Nesse sentido, já está concluído um longo plano de preparação das instalações, retirando muitas coisas que não têm de lá estar dentro, porque, neste momento, as instalações estão «afogadas» pelo facto de a própria Academia ser um depósito obrigatório de livros. Em

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primeiro lugar, está em preparação um plano de acesso de portões, algo muito simples, porque uma escada Magirus não pode lá entrar, o que me preocupa muito. É isso o que vai ser feito, em primeiro lugar, para evitar qualquer desastre que muito lamentaríamos.
E acerca desta questão devo dizer-lhe ainda o seguinte: primeiro, temos de preparar as instalações para essa grande ambição de intervenção da Academia - e a Academia sabe disto; sabe do plano e do que está a ser feito no sentido de retirar alguns dos organismos que lá estão alojados, há cerca de 80 anos, como é o caso da Biblioteca Popular, que, não sendo frequentada, pode muito bem sair dali para dar lugar a outros. Há negociações em curso com a Câmara Municipal de Lisboa e com a Secretaria de Estado da Cultura para desalojar alguns organismos. Por exemplo, os Serviços Geológicos de Portugal vão ser transferidos para um novo edifício, em construção, perto de Sintra, libertando espaço. Assim, quando tivermos o desafogo físico, podemos começar a pensar na tal grande ambição. Foi por isso que a Academia das Ciências passou para a alçada do ministério que tutela a ciência.
É evidente que o Instituto de Investigação Científica e Tropical tem dificuldades. Mas também tem virtualidades. E é por isso que estamos a tentar encontrar uma maneira de viabilizar novas actividades do instituto de Investigação Científica e Tropical, a saber: uma parceria para tratar do Jardim-Museu Agrícola Tropical; novas instalações na Rua da Junqueira, que estão a ser preparadas para alojar e concentrar muitos dos seus núcleos e centros de investigação e, finalmente, parcerias com outros Estados europeus para abordar em conjunto, mobilizando o grande capital, o grande acervo de conhecimentos que o Instituto tem. Tudo isto no sentido de potenciar todo o conhecimento que lá se encontra. E aquilo que mais me preocupa, neste momento, é encontrar uma nova leva de investigadores que assegure o «render da guarda», porque corremos o risco de perder toda uma geração que poderá vir a ter um papel determinante num outro tipo de cooperação que muito nos interessa.
Quanto à sua questão acerca da constituição de um Ministério da Ciência e da Tecnologia, quero dizer-lhe que a distribuição e a constituição de ministérios é, como sabe, da exclusiva responsabilidade do Sr. Primeiro-Ministro. Quando for oportuno, ele dir-lhe-á se este é o momento, ou não, de criar um ministério autónomo. Para já, tento desincumbir-me o melhor que posso das minhas funções.
Sr. Deputado Gameiro dos Santos, V. Ex.ª deve ter estado muito distraído, porque eu não só falei durante muito tempo sobre as autarquias locais como prestei homenagem ao trabalho dos autarcas. Assim sendo, não tenho peso algum na consciência; ao contrário, tenho a consciência perfeita de que fiz justiça ao trabalho deles e de que lutei por garantir-lhes todos os meios.
É evidente que o Sr. Deputado jogou com números, indo buscar o FEF no PIB, mas esqueceu-se de que há muitas outras transferências para as autarquias, como as de contratos-programa, as de verbas do FEDER e uma série de outras. Não vai, com certeza, fazer crer à Câmara que tem sido feito mais com menos! É que essa é a minha ambição: a de fazer mais com menos! Mas, por acaso, agora está a fazer-se mais com mais!

Aplausos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de saber qual é a sequência dos oradores inscritos.

O Sr. Presidente: - Os oradores inscritos, neste momento, são os Srs. Deputados Manuel Sérgio, Laurentino Dias, Nogueira de Brito e António Filipe e o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.
V. Ex.ª quer inscrever-se?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não, Sr. Presidente. Estava apenas a aguardar a apresentação do «orçamento alternativo» por parte do CDS, o que vou continuar a fazer.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Optar implica, necessariamente, desistir de algo. À opção é inerente a dor da desistência, mas o Governo não está para dores!...
De facto, o documento das Grandes Opções do Plano parece, antes, pretender a quadratura do círculo, optando sem desistir de nada ou, pelo menos, de nada teoricamente importante.
Ora, as Grandes Opções do Plano não são propriamente um enunciado ou um manifesto sobre a Nação portuguesa e, muito menos ainda, um ensaio sobre os desafios que se colocam a Portugal.
Este importante documento deve ter a humildade e a grandeza de espelhar, sem hesitações e com toda a clareza, os aspectos prioritários que vão nortear a acção governativa em 1993.
Pretender converter tal documento numa demonstração da capacidade inventariai dos técnicos ou assessores governamentais, ao ponto de dar dele a imagem mais de um receituário da governação do que propriamente de um plano anual, credivelmente vinculante em áreas de emergência da vida nacional ou irrecusavelmente estratégicas, é um exercício encantatório de mistificação que importa denunciar.
É pedagógico o seu tom predominante, parecendo mais dirigido à boa consciência dos cidadãos do que ao empenho efectivo dos governantes.
É, porventura, um bom manual de consulta para os responsáveis pela governação, mas demasiado «bom» para que possa considerar-se seriamente «grandes opções». Enferma, a nossa ver, do clássico defeito dos documentos ineficazes: a exaustividade.
A quantidade enumerativa do pormenor dilui a qualidade valorativa do essencial e a diligente enumeração de todas as possibilidades e de todas as situações, ditadas pelo actual estádio dos conhecimentos ou, simplesmente, pelo senso comum, parece ser uma boa receita de tranquilização dos cidadãos, mas já se nos afigura de duvidosa eficácia, quando pretende ser um verdadeiro programa de acção para um ano.
Quando se diz tudo, ou quase tudo, o que as circunstâncias aconselham que se diga ou, mais propriamente, quando se promete para um ano tudo o que é boamente desejável para uma vida, torcer o nariz é a reacção mais previsível, já que quando «a esmola é muita, o santo desconfia!...»
Trata-se, enfim, de um documento que impressiona mais do que convence; que se impõe mais pelo seu poder de

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massa e de choque do que pelo seu poder de sedução; que se insinua mais pelo volume que pela subtileza. É um documento que, em vez de se afirmar, como conviria à sua natureza optativa, pela qualidade, tenta impor-se pela quantidade, tentando tirar partido do seu inegável efeito demonstrativo.
Está também o documento contagiado por um estado de arrebatamento economicista que, no narcísico auto-encantamento, subalterniza a busca incessante que cada cidadão não evitará empreender do efeito recentrador da matriz cultural que o identifica e afirma.
E neste sentido é bem pouco explícita - aqui está uma opção! - a vontade do Executivo em empreender uma verdadeira política de salvaguarda das características do nosso país, face à onda homogeneizante que o consumismo nivelador provoca.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: apesar do tom crítico com que me venho referindo a este importante documento, tenho de reconhecer nele o mérito de prestar, objectivamente, um inestimável serviço ao meu partido, o Partido de Solidariedade Nacional, ao consagrar a opção pelo reforço da solidariedade. E porquê? Não porque o PSN esteja a pensar em ganhar mais votos com isso, mas porque, a serem os objectivos de tal opção efectivamente alcançados, os Portugueses, sobretudo os mais indefesos, terão passado a viver com dignidade e, deste modo, terá sido alcançado um dos objectivos programáticos do PSN.
Mas será que este documento fornece elementos suficientemente animadores em ordem a este prioritário, absolutamente prioritário, desiderato?
Bem, quando uma tão edificante intenção é misturada com a necessidade técnica de «assegurar o compromisso adequado entre o papel da segurança social na promoção da solidariedade social e o seu peso no défice do Orçamento» não é difícil antever que a «política da aspirina» irá continuar, como continuar irá a doença que com tal política apenas é momentaneamente iludida.
A solidariedade não é um gesto de generosidade sumptuária do Estado, mas deve ser entendida como inerência radical à própria condição gregária do Homem.
E quando o Governo se propõe «aproximar Portugal dos níveis de desenvolvimento dos seus parceiros da Comunidade Europeia», é lícito perguntar: que desenvolvimento? À custa do Homem?
Quando se preconiza «o avanço na noção de cidadania europeia», será bom recordar que um tal sentido de pertença não é através da teatralidade da política mediática que se obtém mas, para ser verdadeiro, através do sentimento de fraternidade social, fundado na equivalência, que não necessariamente igualdade, do padrão de vida das pessoas e das comunidades.
O humano só sobreviverá pela prática da solidariedade - uma solidariedade com a natureza! Olhando para o escalonamento hierárquico das opções, bem podemos temer, uma vez mais, pela menorização da temática do ambiente, relegada para a condição subsidiária de companheira, não raras vezes incómoda.
O Governo, em suma, demonstra ser mais adepto de uma casuística da solidariedade que seu promotor e praticante quotidiano, quando, a par da abordagem superficial dos problemas do ambiente, se convence da possibilidade de reduzir a taxa de criminalidade através de uma política mais repressiva que solidária, assente numa concepção voluntarista do poder.
A solidariedade não se decreta: vive-se! É esta a grande opção, a primeira de todas! A mais urgente e decisiva, a bem de Portugal!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A par do debate, nesta Sala, sobre a proposta de lei do Orçamento do Estado para 1993, milhares de estudantes encontram-se neste Palácio, nos seus acessos, exigindo que se faça justiça.
Aquilo que pretendo, em nome do Grupo Parlamentar do PS e da Juventude Socialista, nesta Sala, é, mais uma vez, chamar a atenção dos Srs. Deputados da maioria, os responsáveis pela lei das propinas, para que vejam no exemplo dos estudantes e nesta manifestação a vossa incapacidade de diálogo e a vossa incapacidade para compreender a razão dos estudantes portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - É isso que os senhores não aprenderam com a PGA, tendo, depois, de mudar a vossa opinião! Aliás, os Srs. Deputados do PSD não mudam com a razão; os Srs. Deputados do PSD mudam com o medo de perder votos!
Pois, então, convido-vos: vão ver quantos jovens estão lá fora e quantos exigem e apelam ao PSD para que a lei possa ser suspensa.
Falámos com imensos estudantes, ouvimo-los e o que eles querem é, sobretudo, justiça! O que eles querem é qualidade no ensino superior em Portugal, que haja melhores cantinas, mais bolsas de estudo, mais residências. Em suma: que tenham reais e efectivas oportunidades de concretizar um direito constitucional, que é o direito à educação.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): Onde está o Ministro da Educação?

O Orador: - E aquilo que os senhores fizeram, com a aprovação de uma lei elaborada rápida e atabalhoadamente, está aqui neste exemplo e neste espelho.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - E o Orçamento do Estado para 1993?!...

O Orador: - A verdade é dura, Srs. Deputados! Custa, mas estou certo de que, em muitas das vossas consciências, os senhores estão ao lado dos estudantes, porque sabem que a razão está do lado deles.
Ora, foi por isso que o meu partido entregou ontem na Mesa da Assembleia da República um projecto de lei propondo a suspensão da lei das propinas até ao momento em que o Tribunal Constitucional possa tomar uma decisão sobre o assunto.
Com esta atitude, o Grupo Parlamentar do PS quis, de novo, trazer a possibilidade e, sobretudo, a oportunidade para que a paz social voltasse às nossas universidades. É impensável que o País possa fornecer educação e garantir oportunidades às novas gerações se não houver paz social nas universidades.

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O que se trata aqui não é de uma questão de luta partidária mas, sim, de dignidade de Estado e, sobretudo, garantir às novas gerações aquilo que os senhores, com esta lei das propinas, lhes estão a negar.
Quantas universidades neste país tem as portas fechadas? Quantas universidades vivem turbulências internas porque não têm orçamentos que lhes permitam ter meios para que a educação possa funcionar, como os senhores disseram durante a campanha eleitoral?
Srs. Deputados, não vale a pena virem dizer que se trata de uma questão de justiça social, porque se fosse, então teríamos ouvido os Srs. Deputados, durante a campanha eleitoral, dizer aos Portugueses que iam implementar uma lei como a das propinas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Foi exactamente por saberem que não se trata de uma questão de justiça social - que, aliás, vem cavar um fosso entre as classes médias em Portugal e agravar os impostos dessa classe- que os Srs. Deputados não disseram nada durante a campanha eleitoral e, traiçoeiramente, depois de terem sido eleitos, vieram impor a lei aos estudantes.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Srs. Deputados, tenham agora a coragem, a ousadia e a dignidade de escutar as vozes dos estudantes e de votar o nosso projecto de lei, que exige a suspensão da lei das propinas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isto é que é falar sobre o Orçamento?!

Vozes do PS: - O artigo 55.º fala do ensino superior.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - E os senhores deviam era falar da quebra do círculo de segurança da Assembleia da República por parte dos estudantes e dos estragos que estes causaram...

O Sr. António José Seguro (PS): - Os estudantes fizeram isso porque os senhores e o Governo se furtaram ao diálogo...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradecia o favor de criarem condições para que o Sr. Deputado Nogueira de Brito possa iniciar a sua intervenção, que espero seja sobre o Orçamento do Estado para 1993.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, a minha intervenção versa sobre o Orçamento do Estado, mas, como não gostaria de impedir os Srs. Deputados desta lateralidade a que estão dedicados, se o Sr. Presidente assim entender, eu abandono a tribuna...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como já tive hoje oportunidade de afirmar, estamos hoje perante mais um Orçamento elaborado no quadro da vigilância multilateral, antecipando, de certo modo, a aplicação dos dispositivos do Tratado da União Europeia respeitantes à política económica unitária ou, melhor dizendo, à única política económica única.
Não se trata, portanto, de um exercício de plena autonomia como já não o era, de certo modo, o Orçamento de Estado para 1992.
Mas trata-se, apesar de tudo - como já tivemos oportunidade de dizer e, creia-o, Sr. Ministro das Finanças, sem nenhum veneno -, de um exercício que tenta pelo menos ser coerente, patenteando pela primeira vez, e em confronto claro com o que se passou nos anos de 1990 e 1991, o propósito de criação de condições propiciadoras de uma efectiva diminuição da despesa pública e do peso do Estado.
Aliás, para além deste propósito geral, espelhado de certo modo no Orçamento do Estado, surgem aqui e ali iniciativas isoladas que evidenciam a mesma tentativa de introduzir alguma racionalidade na máquina administrativa do Estado. É pouco, é fragmentário, mas é já alguma coisa, na linha dos nossos conselhos do ano passado.
Mas, como dizia, este Orçamento, com estes leves sinais positivos, é já claramente o Orçamento da União Económica e Monetária, destinado a ser observado pelos vigilantes de Bruxelas. Por isso é que ficamos sem saber se os méritos, que registamos, são atribuíveis ao nosso Governo ou ao Conselho das Comunidades, o célebre ECOFIN.
É também por isso que o PS, aliado ao PSD no entusiasmo comunitário, desistiu de apresentar alternativas (a última já lá vai há dois anos!...) e se limita a pequenas críticas correctivas.
Ao contrário dos que entendem, como o Professor Alfredo Sousa, que a austeridade da proposta orçamental é, de facto, muito limitada, quando comparada com a execução orçamental do corrente ano, o PS entende que as despesas deviam ser maiores, os impostos menores e, é claro, o défice mais expressivo.
A margem de manobra não é, porém, muito grande. É a que resulta do compromisso assumido na CEE no quadro da convergência nominal e reconduz-se apenas a saber se os valores médios a que nos comprometemos para os próximos quatro anos devem ser atingidos mais ou menos depressa. Trata-se, portanto, de uma questão de velocidade!
O CDS entende, porém, que a Assembleia da República não pode quedar-se embasbacada e subserviente perante as instâncias comunitárias, abdicando da imaginação e capacidade de iniciativa política que justificam o debate orçamental e que lhe dão sentido face à opinião pública e aos cidadãos aqui representados.
Por outro lado, o Orçamento que seja apenas o da convergência nominal não serve o País, que, num quadro internacional de contornos conhecidos, evidencia sinais cada vez mais preocupantes de depressão.
É necessário, é mesmo fundamental, que, sem comprometer os equilíbrios macro-económicos fundamentais, este Orçamento constitua um sinal claro de devolução à sociedade civil, aos particulares e às empresas dos meios que lhe permitam desempenhar o papel de motores do relançamento da economia, de modo a evitar a recessão, com todo o seu cortejo de misérias.

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É preciso, portanto, no entender do CDS, que o Orçamento consagre um quadro claro de desagravamento fiscal, com a eliminação de impostos unanimemente considerados como obsoletos e que dificultam e encarecem a actividade das empresas, ao mesmo tempo que continuam a constituir um factor de injustiça para os contribuintes.
O CDS vai tomar a seu cargo a apresentação de um conjunto de propostas incidindo nos regimes jurídicos de vários impostos, desde o famigerado imposto do selo ao IRS, que permitirão um alívio substancial da carga fiscal dos cidadãos e das empresas, restituindo-lhes condições que lhes permitirão dedicar uma maior parcela das suas disponibilidades ao esforço produtivo.
Não somos, porém, um partido irresponsável, graças a Deus! E por isso não deixaremos de acompanhar esta redução das receitas com uma concomitante redução de despesas que permita não tocar nas previsões feitas em matéria de défice. Tal redução incidirá, sobretudo, na previsão respeitante aos juros e não resultará, porém, de simples habilidades de cálculo, mas de uma redução substancial do stock da dívida que origina esses mesmos juros.
É, no fundo, disso que se trata Ou seja, de acelerar substancialmente a amortização da dívida pública, permitindo que os respectivos títulos possam ser generalizadamente utilizados no processo das reprivatizações. Assim possibilitaremos, de resto, estamos certos, o aparecimento dos meios necessários ao cumprimento de um programa de privatizações, caracterizado por uma aceleração de ritmo e dirigido à prossecução do objectivo fundamental da racionalização da economia e da recuperação da eficácia pelas empresas.
Haverá, pois, como que uma substituição de activos - onde havia títulos de dívida passará a haver acções representativas do capital de empresas privatizadas -, o que, sem alterar a liquidez à disposição do sistema, permitirá reduzir substancialmente a despesa com juros, diminuir o peso da dívida pública e reduzir o papel do Estado na economia, acompanhada, como é sabido, por todo um cortejo de irracionalidades e de gastos improdutivos.
Ao mesmo tempo, curaremos de propor a alteração da composição das carteiras de activo de certas instituições financeiras, o que dará ao plano acrescidas condições de eficácia e o que estará de acordo com o novo leque de activos então disponíveis.
Mas sendo assim, ou seja, passando as privatizações a ter como objectivo fundamental a reposição da eficácia do sistema, e não a angariação de meios patrimoniais, e criando-se as condições necessárias ao crescimento do interesse pelas empresas a privatizar, estará o Estado em condições de pôr termo às operações de cosmética para venda que tantos meios têm requerido e que são, também, um factor de rigidez da despesa.
É este, Sr. Presidente, Srs. Ministros e Srs. Deputados, a traços largos, o enquadramento da alternativa do CDS, que vai consubstanciar-se nas propostas que, na próxima semana, apresentaremos a VV. Ex.ªs para consideração e votação.
Com a sua aprovação, o Orçamento do Estado não será apenas o Orçamento da convergência nominal mas será, simultaneamente, o Orçamento da convergência nominal e o Orçamento da convergência real, verdadeira, que nos permitirá não interromper a aproximação às economias dos parceiros desenvolvidos e que contribuirá para racionalizar o crescimento, dando-lhe a virtuosidade de que está, sem dúvida, carecido.
Não queremos com elas envenenar a discussão. Queremos, sim, dar sentido útil ao debate parlamentar.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, estive durante toda a tarde à espera do «orçamento alternativo» do CDS, prometido, já lá vão uns dois meses, pela nova equipa económica do CDS. Segundo vi, nela não estava incluído o Sr. Deputado Nogueira de Brito. De «orçamento alternativo», não o podendo assim classificar, vejo o esboço, em parte acabado de ser delineado pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito. A alternância ou a parte da alternância que o Sr. Deputado acabou de esboçar e, se me permite, num domínio muito restrito, é apenas uma parcela do «orçamento alternativo» anunciado pelo novo líder do CDS... Ou trata-se de uma divergência, embora discreta, desenvolvida entre V. Ex.ª e o jovem líder Manuel Monteiro?
Desejava que V. Ex.ª me esclarecesse, com toda a franqueza, porque penso que isso enriquecerá o debate político e a própria perspectiva que teremos relativamente aos diferentes sectores da nossa vida política. É uma pergunta muito concreta: o «orçamento alternativo» do CDS é mesmo esse ou V. Ex.ª não foi a voz fiel (porque não quis, porque não pôde, porque recusou) desse «orçamento alternativo», anunciado pela nova equipa do seu partido?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.

O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Ex.ª veio afirmar que este Orçamento não era um exercício pleno de autonomia, na medida em que estaríamos subjugados à lógica da convergência e à supervisão do ECOFIN. Bem, o Governo tem dito o contrário!
O Governo diz que este é o Orçamento que, na sua avaliação, melhor defende os interesses portugueses no ritmo certo, no tempo certo, com o gradualismo que pretendemos, na linha que coincide com os objectivos da convergência nominal. Enfim, o Governo faz uma afirmação, o Sr. Deputado faz outra contrariando a do Governo. Que razões tem o Sr. Deputado para justificar que este não é o nosso Orçamento, que é o Orçamento do ECOFIN, quando o Governo diz o contrário e quando todos os indicadores que relevam para efeitos da convergência nominal são indicadores que, tanto quanto sei, têm o acordo do CDS e de V. Ex.ª em particular?
Por outro lado, o Sr. Deputado Nogueira de Brito disse, com muito acerto, que o que distingue o PSD do PS nesta matéria é uma questão de velocidade. E, de facto, assim é: no ano passado dizíamos que era o ritmo, este ano é a velocidade. O PS, tanto quanto nos apercebemos, não tem propostas diferentes das do PSD (o ano passado disse-o, este ano ainda não o disse). Não sabemos se é diferente ou não; porventura, tem uma diferente velocidade. O PS quererá chegar mais tarde à convergência, tem menos pressa do que nós em atingir a convergência...
Bem, nós entendemos que se os objectivos finais da convergência são bons, os objectivos intermédios que conduzem à convergência também o hão-de ser. Portanto, consideramos que o País estará tanto melhor quanto mais rapidamente der cada um dos passos que leva à convergência final. Mas assentemos na ideia de que os nossos objectivos não são diferentes dos do PS, que diferimos apenas na questão do ritmo, isto é, nós temos mais pressa, eles têm menos pressa de chegar à convergência. En-

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tão, o que nos distingue, afinal, Sr. Deputado do CDS? São os objectivos, eles mesmos, ou distinguem a posição do CDS da posição do Governo?
Fiquei surpreendido, porque a solução de mágica que aqui apresentou hoje não vem pôr em causa os objectivos (eles mesmos). O Sr. Deputado veio com uma solução inovadora, dizendo: «baixamos os impostos, porque não precisaremos de tanto dinheiro para baixar a dívida». E como é que nós nos libertamos da dívida transformando-a em acções? Isto dito por um homem dos meios empresariais parece-me muito estranho. Como é que o Sr. Deputado aceita, este momento, que uma empresa que tenha um quadro accionista definido veja, de um momento para o outro, alguém que tem uma dívida, ou que é credor de uma certa empresa, passar a ser accionista, alterando, porventura, o quadro (completo) accionista dentro da empresa? Como é que o Sr. Deputado vai aceitar uma ingerência do Estado nas empresas com tanta latitude?
Sr. Deputado, ficamos muito curiosos à espera das suas boas indicações.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Isso foi um tiro na água!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, ouvi-o atentamente, como é hábito fazê-lo quando intervém nesta Casa, e vou retomar resumidamente uma questão que já foi de alguma forma suscitada pelo Sr. Deputado Castro Almeida.
O Sr. Deputado apresentou-nos um esquema de redução da dívida que aparentemente parece ser simpático, mas a questão concreta que lhe coloco é esta: uma vez que com o actual esquema há uma parte dessas receitas, realizadas pelas acções de privatização, que se desuna à amortização da dívida, ponderou V. Ex.ª aquilo que poderia produzir o seu esquema em termos de amortização da dívida? Seria esse melhor, em termos quantitativos, relativamente àquele que hoje vigora no nosso país?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Ex.ª não dispõe de tempo para responder aos pedidos de esclarecimento, contudo o PSD cede-lhe três minutos para esse efeito, pelo que lhe concedo a palavra.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, começo por agradecer aos Srs. Deputados do PSD terem-me concedido tempo, mas, Srs. Deputados, foi também a vossa curiosidade que vos levou a isso, o que é natural!...

Risos.

O Sr. Deputado Silva Marques foi respondido pelos Srs. Deputados Castro Almeida e Antunes da Silva. Quanto ao resto, o Sr. Dr. Manuel Monteiro vai ser eleito nas próximas eleições e vem aqui dar-lhe os seus recados directamente.

Risos.

Esteja descansado! Ele agora não está cá, mas há-de estar!
Quanto ao mais, Sr. Deputado Castro Almeida, V. Ex.ª reconhece que há uma alteração importante. Naturalmente, o Sr. Deputado Silva Marques, seu colega, lembra-se dos tempos em que ambos fomos alunos do Professor Teixeira
Ribeiro e em que o Orçamento era um volume de milhares de páginas. O que o Sr. Deputado Silva Marques queria era o «orçamento alternativo»; então, eu levava ali para cima um volume de várias páginas, deixava-o cair na bancada do Governo dizendo: «Cá está o orçamento alternativo.» Não é assim, Sr. Deputado Silva Marques?...

Risos.

Não é assim! É, sim, como eu disse! É realmente alternativo.
O Sr. Deputado Castro Almeida teceu depois várias considerações sobre as diferenças entre o PS e o PSD e entre o PSD e o CDS. Ora, a diferença é esta, Sr. Deputado - e não se trata de impor às empresas, como num processo de falência, que aceitem transformar as dívidas em capital, não é isso! -: é permitir que os títulos da dívida, não apenas os das reprivatizações, sejam generalizadamente utilizados nos processos de privatizações. E hoje começa a haver alguns senhores do seu partido, ou até do Governo, que encaram com algum pessimismo, por exemplo, o cumprimento do programa dos 200 e tal milhões que consta do Orçamento do Estado e que começam a ter receio de saber se será ou não possível.
Pela nossa parte, estamos convictos de que com esse sistema iríamos possibilitar a existência de meios para acorrer às privatizações em muito maior grau e o resultado actual seria multiplicado por três.

O Sr. Castro Almeida (PSD): - E como fariam isso?!

O Orador: - Sr. Deputado Castro Almeida, conjugaríamos dois aspectos.
Primeiro, como os títulos da dívida pública seriam activos que deixariam de estar ao dispor da procura em geral, iríamos legislar no sentido de permitir, digamos, a substituição nos activos dos activos públicos por determinados fundos de certas instituições financeiras.
Segundo, como supomos que as empresas a privatizar não são todas, necessariamente, «buracos» financeiros completos, parece-nos que isso não seria um prejuízo para ninguém e criaria, efectivamente, uma procura que permitiria uma aceleração acentuada do processo das privatizações. E isto seria benéfico, pois é importante que estas empresas deixem, rapidamente, de estar no património do Estado, que manifestamente não tem jeito, nem vocação, para as deter e, por isso, não deve detê-las.
Entendemos que se deve acelerar o processo de privatizações, gerar meios que permitam amortizar a dívida, descer os juros e, nessa medida, obter a compensação, que não será só por aí, como V. Ex.ª vai ver, para uma acentuada descida da carga fiscal.
Sr. Deputado, não comprometemos os objectivos que o Governo se propõe em matéria de convergência nominal e até estamos de acordo, pois entendemos que já se devia ter caminhado no sentido dessa convergência há muito tempo. Antes...

O Sr. Castro Almeida (PSD): - Isso é para os Srs. Deputados do PS!

O Orador: - Não é para esses senhores, pois eles também são da oposição. Os Srs. Deputados do PSD é que têm de me responder.
Como estava a dizer, Sr. Deputado, antes de estar aqui em causa a execução do Programa QUANTUM, nós já

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dizíamos que devíamos cuidar de o fazer, como nosso objectivo, como nosso programa ou como nossa meta, antes de isso nos vir a ser imposto num quadro internacional.
Assim, não entendemos que seja depressa ou devagar e estamos de acordo. É bem assim e, por isso, não o pomos em causa. No entanto, um orçamento que tenha fundamentalmente esse objectivo não serve ao País neste momento e o Sr. Deputado sabe-o muito bem. E sabe-o lá no Porto, no Norte, se conviver com os seus eleitores.
Por isso, Sr. Deputado, propomos esta alternativa.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para fazer uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo semeou ventos e está a colher tempestades, como se pode ver pela impressionante manifestação que hoje se realiza mesmo à frente da Assembleia.
Os estudantes do ensino superior manifestam-se massivamente contra o aumento das propinas e exigem que o Estado assuma as suas responsabilidade no financiamento do ensino superior.
Os professores protestam contra os aumentos de 4,5% que o Governo lhes quer impor e contra a instabilidade no emprego a que estão sujeitos.
O descontentamento alastra entre os agentes educativo:: e nem o regime de censura prévia, que vigora no Ministério da Educação ao abrigo do despacho «rolha» do Sr. Ministro, consegue esconder o mal-estar causado pela crise em que o PSD tem lançado o sistema educativo, em resultado de mais de 12 anos de irresponsabilidades sucessivas.
Há longos anos que a educação é, para o PSD e para os seus governos, a alegada prioridade das prioridades. Se alguém ainda duvidava de que essa afirmação nunca passou de mera demagogia, a proposta de Orçamento do Estado para 1993 é de molde a dissipar quaisquer dúvidas. A prioridade das prioridades do Governo do PSD é a de restringir o investimento na educação à custa do atraso educativo do País, à custa da degradação do sistema e à custa da estabilidade e da dignificação da carreira docente, sacrificando o direito ao ensino de muitos milhares de jovens.
A proposta de lei do Orçamento do Estado para 1993 significa um retrocesso de pesadas consequências para o País e um atentado aos interesses e direitos dos estudantes, dos professores, dos pais e dos encarregados de educação.
Num país que apresenta, de longe, o maior índice de analfabetismo da Comunidade Europeia o mais elevado índice de insucesso escolar real, a mais baixa taxa de cobertura da educação pré-escolar, a menor taxa de frequência escolar em todos os níveis de ensino, não pode deixar de causar o maior espanto que o Ministro da Educação se apresente a justificar um Orçamento pesadamente restritivo com o argumento de que se encontra encerrado o ciclo da quantidade e de que se vai iniciar o ciclo da qualidade. E inaceitável este comportamento de avestruz.
O parque escolar continua a degradar-se. Continuam a faltar salas de aula, laboratórios, instalações para a prática desportiva e mesmo para a educação física. As escolas do ensino secundário e do 3.º ciclo do ensino básico na periferia das grandes cidades passam por problemas de sobrelotação que comprometem o seu funcionamento normal. A falta de pessoal auxiliar afecta a generalidade das escolas, obriga em muitos casos ao encerramento parcial das instalações, compromete as condições de segurança e afecta seriamente a acção educativa.
Entretanto, de 1992 para 1993, a parte da educação no total do Orçamento do Estado volta a cair, situando-se em 13,2% do total. As verbas para a educação relativas ao funcionamento sofrem uma redução real significativa, que aponta para o despedimento de milhares de professores e de outros trabalhadores das escolas, para o agravamento das carências básicas das escolas e para o adiamento sine die do início do tal ciclo da qualidade.
Na parte relativa ao investimento também se verifica um decréscimo real, a rondar os 5%, que não deixará de afectar programas relativos a instalações e equipamentos, num quadro de grandes carências e de grave degradação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: constitui uma situação inadmissível que a educação pré-escolar, área em que Portugal regista um atraso dramático, com uma taxa de cobertura que não excede os 35% face a uma média na Comunidade Europeia superior a 85%, não tenha qualquer verba inscrita para investimento.
É um verdadeiro escândalo a forma como o Governo encara a educação especial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Estado, nos termos da Constituição e da Lei de Bases do Sistema Educativo, tem a obrigação de assegurar a escolaridade obrigatória de todos os jovens. O Estado não pode excluir os jovens deficientes do direito à educação e ao ensino. Acontece, porém, que o Governo não só se tem demitido do dever, a que está obrigado, de assegurar o ensino especial - e a proposta orçamental claramente o demonstra -, como tem negado aos colégios de ensino especial os apoios necessários à sua viabilização. E agora vai mais longe do que seria imaginável, ao recusar os destacamentos de professores para as instituições privadas de solidariedade social. Se persistir nesta atitude, o Governo assumirá a pesada responsabilidade de destruir as instituições que, sem quaisquer fins lucrativos, asseguram no fundamental o ensino especial, lançando no desemprego os professores do ensino especial (muitos deles não recebem salários desde Setembro) e negando às crianças e jovens deficientes o elementar direito à educação e ao ensino.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: as carências de financiamento do ensino superior público são conhecidas. Ainda há pouco tempo a Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura foi sensibilizada para o grave défice de financiamento que afecta, em particular, a Universidade de Coimbra, e que se traduzirá em 1993, considerando a proposta orçamental, em cerca de 1 milhão de contos. Mesmo considerando as particularidades dessa Universidade, não é abusivo afirmar que as carências de financiamento afectam com gravidade a generalidade dos estabelecimentos de ensino superior, quer no que se refere às verbas de funcionamento, quer no que se refere às verbas para investimento.
Quanto a estas últimas, na proposta de PIDDAC para 1993, ficam 3,5 milhões de contos aquém da programação que havia sido estabelecida no ano passado. Para além disso, o Governo opta pela redução generalizada das dotações afectas a cada instituição e pela inscrição de dotações não especificadas, o que compromete a garantia de financiamento de muitos projectos de investimento e limita drasticamente as possibilidades de controlo da execução orçamental.

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Apesar das promessas assinadas por três Ministros de melhorar substancialmente a acção social escolar no ensino superior, a verdade dos números constantes da proposta de Orçamento do Estado desmente inteiramente a seriedade desses propósitos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O total que o Governo se propõe gastar com os serviços sociais universitários em 1993, 8,2 milhões de contos a preços de 1992, pouco excede o que está orçamentado para os acabamentos do Centro Cultural de Belém e, em termos reais, regista, em relação a 1992, um crescimento de menos de 70 000 contos.
Em termos de investimentos em programas de acção social escolar no ensino superior, o aumento real diminuto que se verificará em 1993 retira qualquer credibilidade aos «compromissos» assumidos pelo Governo perante alguns dirigentes associativos do ensino superior. Essa encenação teatral a que me refiro, também chamada de «protocolo» ou de «contrato social», é uma das peças reveladoras do comportamento pouco sério do Governo no que se refere ao tratamento das questões do ensino superior.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo, em vez de discutir frontalmente e com seriedade os problemas do ensino superior e de assumir as responsabilidades que lhe cabem na sua resolução, prefere a baixa manobra politiqueira e as promessas servidas com aparato mediatico.
Mas se antes tentou, sem resultado, enganar os estudantes com promessas que os fizessem aceitar passivamente o aumento das propinas, agora tenta enganar os reitores com almoços de bacalhau no forno e promessas de financiamento que façam esquecer as verbas que faltam no Orçamento do Estado para 1993 e a golpada institucional constante do artigo 55.º da proposta de lei do Orçamento do Estado.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Concluirei brevemente, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o artigo 55.º da proposta de lei, para além do conteúdo demagógico e inóquo da parte relativa às residências para estudantes, contém no seu n.º 3 o golpe de mágica que permitiria ao Governo impor a aplicação da lei das propinas, mesmo contra a vontade dos órgãos académicos.
O Governo, que, por tanto prezar a autonomia universitária, preferiu que fossem os órgãos universitários a assumir o odioso de aplicar a lei das propinas, despreza agora a autonomia universitária para, face à recusa quase generalizada de aplicação da lei, determinar a fixação automática dos montantes das propinas por força da Lei do Orçamento do Estado.
O que o Governo não contava, quando aqui fez aprovar a lei das propinas, era que a contestação estudantil à sua aplicação tivesse a força suficiente para impedir a fixação do montante das propinas. Os estudantes demonstraram ter essa força e têm vindo a demonstrar, com a crescente determinação e confiança que caracteriza a luta em curso contra o aumento das propinas, ter força suficiente para impedir que vá em frente esta tentativa do Governo de impor as propinas contra a vontade dos estudantes e das próprias instituições.
A posição do PCP em relação à lei das propinas, aqui aprovada pelo PSD, sempre foi muito clara e traduziu-se pela frontal oposição, não apenas por razões de oportunidade mas por questões de princípio.
O PCP entende que o Estado não se pode demitir de assegurar a gratuitidade progressiva do acesso aos graus mais elevados de ensino.
O PCP não concebe a educação como uma mera despesa pública e um mero privilégio individual, mas como um investimento e um direito social que deve ser assegurado.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Volto a pedir-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Terminarei de imediato, Sr. Presidente, dizendo que o PCP considera, portanto, inteiramente justa a lula dos estudantes contra a lei das propinas e considera que a Assembleia da República não pode ficar indiferente perante tão significativa movimentação estudantil.
Assim, considerando os apelos dirigidos à Assembleia da República, quer pelos estudantes, quer por órgãos universitários, para que reaprecie a lei das propinas, o Grupo Parlamentar do PCP apresentará na Mesa um projecto de lei propondo a revogação da lei.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Protestos do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - Vocês costumam ser mais «mãos largas» em questões de tempo, Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Informo os Srs. Deputados que protestam de que dos seis minutos que o Sr. Deputado António Filipe usou a mais, três são por conta do tempo do PCP de amanhã e os outros foram uma distracção da Mesa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tencionava intervir neste debate da apresentação do Programa do Governo...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Programa do Governo?!...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não deixa de ser verdade, pois é uma extensão do Programa do Governo.

O Orador: - Peço imensa desculpa pela minha distracção.
Como dizia, tencionava intervir neste debate das propostas de lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1993, mas não hoje.
No entanto, depois de algumas intervenções que aqui se produziram, talvez os Srs. Deputados da oposição, como normalmente acontece por parte do Partido Socialista, achassem estranho que eu não interviesse.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: quero dizer que não me espanta a fácil tentação que alguns partidos têm sempre de, quando há manifestações à frente de São Bento, as tra-

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zer para dentro da Assembleia. É uma tentação frequente, usual e, devo acrescentar, pouco dignificante.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pela minha parte, tencionava intervir neste debate porque, nomeadamente no que respeita a algumas questões que se prendem com a matéria educativa, pretendia apresentar propostas de alteração à Lei do Orçamento do Estado. Não tencionava fazê-lo hoje, como já referi, pelo facto de que me pareceu mais nobre privilegiar a serenidade da Câmara para essas propostas do que a exaltação da rua.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em todo o caso, compreendo algumas posições e quero dizer algumas coisas sobre elas.
Em primeiro lugar, quero dizer que respeito profundamente a posição que o Partido Comunista tem tido nesta matéria. E respeito-a porque, não sendo a minha, é uma posição franca e directa. O Partido Comunista entende que não são devidas propinas no ensino superior. Não é essa a nossa posição e, que tique registado, não é a posição de mais nenhum partido com assento nesta Casa. Ao contrário, alguns partidos, como o Partido Socialista e o CDS, defendem por princípio a existência de propinas e defendem também que este sistema não é bom. Quando os questionámos directamente sobre que sistema deveria existir, da sua parte só ouvimos silêncio.
Em relação a esta proposta, que não é perfeita, como nenhuma é, queria destacar dois aspectos importantes: primeiro, a seriedade de quem propõe uma gradualidade da actualização do sistema das propinas; segundo, a seriedade de quem diz que durante esse tempo, ou seja, durante o tempo em que se faz essa alteração importante, ela não será feita de forma administrativa mas numa relação directa com os interesses dos estudantes nas universidades. Também por isso ela é socialmente mais justa do que qualquer preço administrativo.
Sobre o que se passa lá fora, quero dizer que ninguém questiona a legitimidade dos estudantes para se manifestarem, muito menos eu. Estarei sempre, sempre, a apoiar qualquer manifestação dos estudantes,...

O Sr. João Amaral (PCP): - Não me parecia!

O Orador: - ... mesmo quando, como aconteceu hoje, represente um sector minoritário da vida estudantil que nem é violento nem despropositado, nem faz recordar tempos passados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - É a chamada «teoria das minorias activas».

O Orador: - Os estudantes, por mais que isso convenha ou não a outros partidos, como já aconteceu com a PGA, rejeitam e repudiam aqueles que vêm a esta tribuna aproveitar-se da sua luta, da sua contestação e da sua reivindicação para creditar em termos partidários.

Aplausos do PSD.

Rejeitaram-no vivamente na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, ainda este ano, quando se manifestaram aqui à frente contra a prova geral de acesso. E disseram mais: que não era nem o Governo, nem o Ministro da Educação que estavam em causa. Hoje, naturalmente, a oposição não dirá isso, mas na ocasião não gostou e, por isso, talvez esteja hoje tão assediada.
Por outro lado, a oposição também não gostou que o Governo, com aquilo a que chamaram protocolo ou acordo social, tivesse chamado os estudantes para o seu lado, como parceiro prioritário e privilegiado da reforma do ensino. É que nenhum Governo ainda tinha feito isto. Nenhum Governo tinha ainda, politicamente, dito que a reforma global do sistema educativo, ao nível do ensino superior, deverá processar-se de acordo com a opinião dos estudantes. E foi isso que magoou as oposições. Teriam preferido que o Governo não tivesse dialogado, que a Assembleia da República se tivesse fechado e feito isso à revelia do interesse dos estudantes.
Não somos nós que temos qualquer incapacidade de diálogo, Srs. Deputados, mas os senhores, que sonham mais depressa com o paraíso do que com o inferno em que andam mergulhados. Não pensem que é aproveitando-se das manifestações que, legitimamente, despontam entre os estudantes que vão obter mais votos.
Finalmente, queria recordar que quando, nesta Assembleia, votei a favor a proposta de lei do Governo sobre a actualização do sistema de propinas, apresentei uma declaração de voto onde, entre outras coisas, disse duas que julgo ser importante recordar.
Em primeiro lugar, disse que se o Governo tinha entendido iniciar, no quadro da actual legislatura, a actualização das propinas, no âmbito da sua responsabilidade como Governo, isto é, nos próximos três anos, deveria complementá-la com um apoio social sério, ou seja, com uma reforma profunda de todo o apoio social aos estudantes. Parece que os estudantes foram ouvidos para esse efeito e que acharam bem que se tomasse em linha de conta, não só a maior transparência dos serviços mas também que se tivesse referenciado o ordenado mínimo nacional para esse efeito.
Em segundo lugar, disse também que essa lei deveria ser complementada por uma atitude diversa relativamente ao ensino superior. A saber: a avaliação das instituições do ensino superior, e para isso deveria ter-se em conta a opinião dos estudantes sobre a performance das universidades, sendo revistos os critérios de financiamento ao ensino público e consagrado, em matéria de Orçamento e de IRS, a dedução para efeitos fiscais, nomeadamente de IRS, dos valores despendidos com o pagamento de propinas.
Foram essas propostas que apresentámos, que constam da nossa declaração de voto e que iremos retomá-las, com serenidade, durante este debate do Orçamento do Estado para 1993. Mas, com serenidade, Srs. Deputados, não faremos como VV. Ex.ªs, que pensam que chegam ao céu sem, primeiro, trabalhar.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, pedi a palavra para defesa da consideração da mi-

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nhã bancada porque ela sentiu-se ofendida pelo facto de o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho nos ter acusado de trazer as manifestações cá para dentro e de fazer aproveitamentos partidários de uma manifestação que está a realizar-se em frente a esta Casa.

Vozes do PSD: - E é verdade!

O Orador: - Em primeiro lugar, gostaria de dizer o seguinte: o Partido Socialista não deixará de falar de política - política actual - e de considerar que uma manifestação é um acto político, que pode ter uma leitura dos diversos grupos parlamentares, nem deixará de trazer para este debate a leitura política que dele faz, manifestando solidariedade quando assim o entender.
É claro que percebemos que essa manifestação é muito embaraçante para o Grupo Parlamentar do PSD e, porventura, muito embaraçante para a juventude social-democrata, mas isso é problema do Grupo Parlamentar do PSD e da JSD, não é problema que nos embarace.
Não pretendemos transformar as manifestações de lá de fora em manifestações cá de dentro, o que pretendemos é exercer o direito de faiar de política e de uma questão política que está em debate. O nosso objectivo foi o de manifestar nesta Sala, nesta altura, uma posição de solidariedade em relação aos estudantes que estão lá fora a protestar, porque o nosso entendimento é, e sempre foi, o de que a Constituição continua a ser válida e aconselha que, em matéria de educação, a tendência seja para uma progressiva gratuitidade. É esse o nosso entendimento, temos pena que os senhores nos tenham abandonado e não façam a mesma leitura.
Por último, quero só dizer, com alguma mágoa - embora perceba o embaraço do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho -, que é pena vê-lo envelhecer tão depressa. Digamos que isso é um dos defeitos das nomenclaturas das juventudes: transformam, às vezes, os dirigentes juvenis, não em representantes das suas associações, mas em membros de uma oligarquia partidária que, às vezes, tem de fazer fretes e jeitos ao Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, presumo que, com aquilo que V. Ex.ª acaba de dizer, me dará razão em que a consideração da sua bancada não foi, de facto, afectada pela minha intervenção.
Sr. Deputado, não questiono o direito político de qualquer bancada fazer a discussão política que aqui cabe. Mas a última acusação que o Sr. Deputado faz às juventudes partidárias não sei se era mais dirigida àquela que eu represento se à que aqui exprimiu a voz do Partido Socialista

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se tiver sido assim, está desfeito o equívoco e, então, o Sr. Deputado deveria ter aplaudido a minha intervenção - e não defendo a consideração da sua bancada.
No entanto, quero dizer-lhe que não existe, nem nunca existiu na JSD, na organização que represento qualquer oligarquia de representação estudantil. Quero dizer-lhe mesmo que, provavelmente, à frente do Palácio de São Bento estarão muitos dirigentes associativos da minha organização, mas não seria isso, Sr. Deputado, que me levaria a vir aqui intervir. Sabe porquê? Porque, provavelmente, o Partido Socialista tem lá bem poucos e, eventualmente, pretenderia ganhar muito mais com esta manifestação do que eu, que estou interessado em que os estudantes façam ouvir a sua voz, com serenidade, para que possamos dialogar, como sempre fizémos, e assim contribuir para que o ensino superior possa evoluir, como todos desejamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, é para defesa da minha consideração pessoal, que foi atingida.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa da Assembleia da República não pode apoiar que se utilize, por sistema determinadas figuras regimentais. Não podemos estar permanentemente a exercer o direito de defesa da consideração, sob pena de não avançarmos com os trabalhos.
Neste sentido, solicito ao Sr. Deputado António José Seguro para reconsiderar o pedido que fez.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, compreendo que V. Ex.ª tem a tarefa, nem sempre fácil, de orientar os trabalhos desta Assembleia, mas continuo com a minha honra ofendida e, portanto, pessoalmente, e como Deputado...

Risos de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, cada qual é juiz da sua honra, pelo que, sem precedentes, tem a palavra.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero apenas dizer, e tão-só, que, em nome da minha bancada e em nome da juventude socialista...

Vozes do PSD: - Outra vez?!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa deu-lhe a palavra para defesa da consideração pessoal e não a da bancada.

O Orador: - ... tive oportunidade de subir à tribuna e de fazer uma intervenção, cujo objectivo era apenas o de dar voz a uma expressão que está lá fora...

Protestos do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - Afinal, onde é que está a vossa serenidade?!

O Orador: - Sr. Presidente, dá-me licença que continue a usar da palavra?

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, deve continuar e concluir rapidamente.

O Orador: - Sr. Presidente, gostaria de concluir, se os Srs. Deputados me permitirem!
Como dizia, foi tão-só para lhe dar expressão - não uma expressão encomendada, mas genuína - que eu, aqui, intervim.

Protestos do PSD.

Srs. Deputados, a manifestação é lá fora!

Risos do PS.

Quero ainda dizer, Sr. Presidente, que a minha honra foi atingida porque não aceito que, por uma questão de interesse nacional, se faça este género de aproveitamento ou, melhor dizendo, não aceito este «mandar a bola» paca aproveitamentos políticos.

Protestos do PSD.

O cerne da questão está lá fora e foi por isso, Sr. Presidente, que ao usar da palavra ficou aqui bem expressa a tolerância dos Srs. Deputados do PSD. Se calhar, portaram-se pior que os estudantes lá fora.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente e meu amigo Sr. Deputado António José Seguro, como calcula, não tive qualquer intenção de ofender a sua honra, nem julgo que o tenha feito. Acredito na sua sinceridade, mas o impacte das suas palavras está muito para além das suas intenções.
Com efeito, foi a isso que, objectivamente, me reportei e o Sr. Deputado não conseguiu contrapor, porque com a sua explicação acabou por explicar também o sentido da minha intervenção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.

O Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais (Carlos Borrego): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aqui estamos para apresentar as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1993, que tem como objectivo «assegurar a coesão social e o bem-estar dos Portugueses», para o que é necessário «promover o ordenamento do território e a qualidade de vida e salvaguardar o ambiente».
Não vou agora repetir o que as GOP detalham, porque isso já certamente tiveram os Srs. Deputados a oportunidade de ler, mas sim apresentar a inclusão das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1993 na política global de ambiente deste XII Governo.
E o objectivo último da política de ambiente é integrar a componente ambiental no desenvolvimento global do País. Para a concretização deste objectivo temos vindo a promover a consciência ecológica dos cidadãos, a integrar o ambiente na economia e a mobilizar os agentes económicos e sociais.
Pensamos que só com uma opinião pública esclarecida, exigente e participante, e contabilizando os custos ambientais no âmbito das actividades económicas, é possível a mobilização e a co-responsabilização dos agentes económicos e sociais para o desenvolvimento sustentável. É isto que nos permite integrar a componente da qualidade que este Governo tem vindo a defender e com a qual o povo português, maioritariamente, se identificou em 1991.
Perante o objectivo da política de ambiente do Governo, e considerando as condicionantes do enquadramento, quer internacional quer nacional, o tema tem de ser «prevenir - preservar - recuperar». Ou seja, prevenir - impedir a degradação; preservar - potenciar a boa qualidade ambiental; recuperar - reparar as situações degradadas.
O plano PPR do ambiente, o plano poupança-reforma no sentido de que com aquilo que hoje fizermos salvaguardaremos o futuro das nossas gerações vindouras.
Neste contexto, que pretendemos simultaneamente moderno e realista, antecipativo e compatível com a situação do País, identificamos três vectores estratégicos complementares como determinantes do salto qualitativo da política de ambiente do XII Governo: primeiro, institucionalizar a economia do ambiente, ou seja, criar novos instrumentos económicos e financeiros, que substituirão o conceito de política de ambiente financiada pelo contribuinte.
Segundo, integrar o ambiente nas políticas sectoriais, isto é, reforçar a articulação entre a política de ambiente e as políticas sectoriais, não ignorando a lógica sectorial de actuação na área do ambiente.
Terceiro, «menos Estado, melhor Estado», ou seja, reservar para o Estado um papel incentivador, regulador e arbitrai, transferindo progressivamente para a sociedade civil tarefas para as quais se encontra mais vocacionada.
Em consequência da estratégia definida, e numa altura em que a política de ambiente assume uma importância decisiva na globalidade da política do Governo, há três áreas que, pelo seu carácter estruturante, serão necessariamente moduladoras e indutoras nos restantes domínios. Concretamente são: a política da água; a política de valorização e conservação dos espaços naturais; e a política de informação e educação ambiental.
Ao nível dos instrumentos de intervenção, merecem prioridade absoluta, na sua concretização, três instrumentos fundamentais, que são utilizados em praticamente todos os domínios da política de ambiente e que concretizam o lema que há pouco apresentei, que é: «prevenir - preservar - recuperar». São eles: o pacto ambiental; os instrumentos económico-financeiros e a empresarialização; e a modernização do Ministério. Ou seja, estamos a gerir o ambiente pensando no futuro.
Sr. Presidente e Srs Deputados, é inquestionável a necessidade de fornecer água em qualidade e quantidade aos Portugueses, mantendo, simultaneamente, os rios e as praias limpos.
Identicamente é necessário criar origens alternativas de água capazes de, simultaneamente, permitir uma distribuição mais homogénea de água no espaço e no tempo e regularizar os cursos de água minimizando as ocorrências de secas e cheias.
De facto, 25 % do comprimento total dos rios portugueses correspondem a águas classificadas de medianamente a muito poluídas; 25 % das praias portuguesas apresentam água de má qualidade; o valor das emissões provenientes dos efluentes urbanos é cerca de 10 vezes superior ao valor admissível pela legislação em vigor, o

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valor das emissões provenientes dos efluentes industriais é cerca de 13 vezes superior ao valor admissível pela legislação em vigor; só 75 % da população portuguesa possui distribuição de água ao domicílio, quando essa percentagem é de 95 % para a média dos países comunitários; 55 % dos portugueses são servidos por redes de esgotos, quando essa percentagem é, em média, de 86 % nos restantes países da CE, e esta discrepância agrava-se mesmo quando se comparam os valores respeitantes aos esgotos tratados.
Fizeram-se grandes esforços nos últimos anos e a situação tem vindo a melhorar. Conseguimos inverter a tendência de agravamento da situação de degradação a que o ambiente em Portugal esteve sujeito no passado. Mas reconhecemos claramente que não se atingiu ainda o nível desejado num sector de tão grande importância para a protecção da saúde e do bem-estar dos Portugueses.
Queremos agora ir mais longe, e esse é o grande objectivo da nova política da água. Impõe-se, pois, a continuação e mesmo o acréscimo de esforços.
Com o pacto ambiental pretendemos dar um passo fundamental na resolução dos problemas de abastecimento de água e na redução da poluição, com destaque para os efluentes líquidos, atingindo no ano 2000 os níveis médios de atendimento de saneamento básico da Comunidade e reduzindo as cargas poluentes industriais para os níveis legalmente estabelecidos.
Vamos também garantir a complementaridade das fontes de financiamento do investimento, agrupando-as no Fundo do Ambiente, permitindo, deste modo, a sua articulação de forma eficaz, através do Orçamento do Estado, das comparticipações comunitárias com o Programa Operacional na área do ambiente e das receitas provenientes dos instrumentos económicos e financeiros através dos princípios do «utilizador-pagador e do poluidor-pagador».
A empresarialização do sector da água, ou de outros, como o dos resíduos sólidos e da reciclagem, é um factor preponderante na viabilização de actividades que são sempre melhor e mais eficazmente levadas a cabo quando feitas em moldes empresariais.
Neste domínio da água, juntamente com o do ar, grandes benefícios resultarão da modernização do Ministério do Ambiente. Passa a haver uma clarificação entre os organismos centrais e entre estes e os regionais, desconcentrando a função decisória Mas apesar de o ar, de a água e conservação da natureza serem domínios eminentemente sectoriais, a nova estrutura está especialmente apta a realizar uma gestão integrada do ambiente.
Com esta reestruturação conseguimos, com o mesmo número de efectivos e idênticos encargos, aumentar a eficácia e a operacionalidade do Ministério.
Na política de valorização e conservação dos espaços naturais, em relação às áreas sensíveis do território nacional, vamos continuar a preservá-las e valorizá-las, quer pela sua importância para outras actividades económicas, quer pelo património natural que concentram, quer, ainda, pela impossibilidade de as reconstruir, caso venham a ser agredidas.
Apesar de as áreas protegidas serem vulgarmente associadas à conservação das espécies, o papel destes instrumentos de gestão e ordenamento não se esgota nesta função. Basta referir, na sequência da análise feita sobre a política da água, que Portugal recebe de Espanha cerca de 55 % da sua água superficial (rios Tejo, Douro e Guadiana).
Esta dependência mostra o interesse estratégico das nascentes de água nacionais, que representam os restantes 45%. É sintomático que essa água tem origens predominantemente dentro de áreas protegidas (serras do Geres, Montesinho, Estrela, Aire e Candeeiros, por exemplo). As áreas protegidas são, portanto, também um instrumento de gestão da água, enquanto recurso escasso e estruturante.
Dentro da política de valorização das zonas mais ricas, estamos a incluir a integração dos conceitos ambientais na gestão do litoral, com especial atenção para os estuários.
A política de informação e educação ambiental é fundamental na nossa estratégia. A eficácia da política de ambiente depende da adesão dos cidadãos às propostas que lhe são apresentadas.
Por outro lado, quanto mais exigente e esclarecida for a opinião pública, mais avançada deverá ser a política ambiental no sentido de atender a essas exigências.
Por isso, vamos continuar a apoiar as associações de defesa do ambiente e a incentivar a participação do público nos processos de tomada de decisão. Só com cidadãos esclarecidos se consegue responsabilizar os autores dos atentados ao ambiente.
É, pois, preciso alterar os padrões de comportamento do público e, nesse sentido, vamos reforçar as acções de educação e sensibilização.
Outra vertente da política do Ministério do Ambiente é a do consumidor. A relação estreita entre o consumidor e o ambiente é condição para uma sociedade mais justa, informada e consciente dos seus direitos e deveres. Deste modo, pretendemos evitar desperdícios de recursos e melhoraremos a qualidade de vida dos Portugueses.
A grande aposta na nova estrutura do Ministério é esta ligação, tendo em conta que um consumidor avisado e conhecedor é um bom defensor do ambiente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Orçamento para 1993 é um Orçamento de investimento e de reestruturação. De investimento, porque as despesas de capital continuam a crescer significativamente em termos reais. De reestruturação, porque assenta fundamentalmente num esforço intenso de racionalização dos gastos de funcionamento e de luta contra o desperdício, conducente a uma forte contenção de despesas.
Pretende-se consolidar o desenvolvimento económico apostando na qualidade de vida e, por isso, vamos continuar o esforço de investimento em infra-estruturas do ambiente.
Face aos dados do Orçamento, que os Srs. Deputados podem, aliás, verificar, pode dizer-se que o Ministério do Ambiente é um Ministério de capital intensivo, onde os custos de funcionamento representam apenas 19 % e os investimentos ascendem a 81 % do orçamento total do Ministério. É, portanto, um Ministério altamente eficaz, que, com poucos meios, gere um investimento vultoso.
O PIDDAC do Ministério cresceu, de 1992 para 1993, ao ritmo da generalidade do PIDDAC global do Estado, mais ou menos 10 %.
Mas mais importante do que avaliar o Orçamento do Estado para o ambiente, dado que é um sector onde é muito amplo o conceito de corresponsabilização, isto é, onde muitos outros agentes da nossa sociedade efectuam despesas muito significativas na área do ambiente - e lembro apenas as câmaras municipais e os próprios privados -, mais relevante será avaliar a despesa nacional em ambiente.
E as estimativas deste ano dão-nos um valor global para o ano corrente de 119 milhões de contos e para o ano de 1993, de 121 milhões de contos, o que significa um peso do sector do ambiente, a nível nacional, não de 0,2 % do

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PIB, como a análise exclusiva do Orçamento do Estado faz crer, mas sim de 1 % do PIB (mais 8 pontos percentuais).
Os grandes objectivos prioritários definidas para a política de ambiente, como referi, são três: a água, a protecção dos espaços naturais e a informação e educação da população.
Quase 100% do investimento actualmente em curso na área do ambiente é canalizado para estas três prioridades, que representam um investimento global de 192 milhões de contos, num total de 198 milhões de contos.
Destes, a água absorve cerca de 150 milhões de contos, as acções no litoral e conservação da natureza, 35 milhões e as acções de informação e educação representam um investimento em curso de cerca de 13 milhões de contos.
No corrente ano haverá investimentos globais da ordem dos 30 milhões de contos, com um esforço do PIDDAC de 17,3 milhões, ou seja, 55% do total do investimento.
Não nos esquecemos que a rapidez da realização dos objectivos a que nos propusemos não poderá pôr em causa o nosso compromisso, perante o povo português e as instâncias comunitárias, de prosseguir no caminho da estabilização económica e de convergência nominal da economia portuguesa.
É neste sentido que o Governo está a trabalhar. Estamos a criar as condições necessárias para que se ultrapassem as insuficiências herdadas do passado, de modo a dotar o País de infra-estruturas em ambiente em quantidade e com a qualidade que o povo português merece.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, estão inscritos os Srs. Deputados José Sócrates e André Martins.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Noto que, de segunda-feira passada para esta quarta-feira, há uma mudança significativa no discurso do Sr. Ministro do Ambiente. E que V. Ex.ª mudou do discurso do «oásis ecológico» com que brindou os Deputados participantes na reunião da Globo, dizendo-lhes que «Portugal é um paraíso ecológico», o que constituiu o grande título dos jornais e das televisões, para nos brindar com um discurso mais realista quanto à situação do País.
Portanto, Sr. Ministro, já tínhamos esse exercício, um pouco delirante, do «oásis económico» e tivemos, na semana passada, o «oásis ecológico». E, agora, algum lampejo de bom senso que V. Ex.ª teve para não vir a esta Assembleia dizer-nos aquilo que o País nos nega todos os dias. E que o País está, em termos de ambiente, como dizia Eça de Queiroz, em «robe de chambre», ou seja, está em condições de não ser visitado.
Mas V. Ex.ª insiste na mistificação total dos números. Aliás, é uma coisa que já fez o ano passado, por altura do Orçamento, e que continua a fazer. Há, pois, uma enorme duplicidade entre o que diz e o que faz. Vejamos, por exemplo, só para caricaturizar - as caricaturas são, por vezes, a melhor forma de vermos a realidade -, como V. Ex.ª, no seu discurso, repetiu umas 10 vezes «grande prioridade na formação, sensibilização e participação das populações» e «não há política de ambiente sem participação das populações, sem educação». Vamos, portanto, a isso!
Ora, quanto é que, afinal, está inscrito no PIDDAC para esta rubrica? Quanto é que o Estado vai gastar? Vou dizer-lhe, Sr. Ministro: 142 000 contos! Saibam VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, o que vão votar. É que para esta rubrica, para esta importante e nobre tarefa do Estado, nós vamos entregar 14$20 dos nossos impostos. Não é sequer o preço de uma bica! Na totalidade vamos gastar 142 000 contos.
Mas vejamos outra área, a da defesa do consumidor. Diz V. Ex.ª que é também uma área prioritária. Temos, aliás, uma Secretária de Estado que se chama «da defesa do consumidor». E os Srs. Deputados sabem qual é o seu orçamento? É de 105 000 contos. Temos, assim, uma Secretária de Estado para tratar de 105 OOO contos, valor que é ultrapassado por algumas mercearias.
E depois V. Ex.ª diz: «Nós temos de investir de forma preventiva.» Pois muito bem, essa é uma das conclusões que toda a gente conhece. Todos sabemos que vale mais prevenir do que remediar, mas fui ver todos os investimentos para prevenção em todos os programas do PIDDAC que me foram fornecidos e dei-me conta que, mesmo com muito boa vontade - como, por exemplo, considerando aquele «espelho de água» em Mirandela como investimento em despoluição -, nós vamos gastar na prevenção 2,7 milhões de contos, o que quer dizer que dos impostos de cada português vão sair 270$00 para política preventiva de ambiente. Não chega para um pequeno-almoço!
Portanto, V. Ex.ª teima em mistificar tudo. E a verdade é esta: do seu PIDDAC do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais mais de metade são para obras de construção civil. A grande prioridade deste Ministério é, pois, a construção de cimento, é o betão armado; mais de metade é para obras de rega, é para barragens. Continuamos, como no passado, entregues fundamentalmente às barragens da Direcção-Geral dos Recursos Naturais.
V. Ex.ª apontou um número surpreendente, dizendo que vai investir cerca de 100 milhões de contos em matéria de ambiente. Ora, gostava que me explicasse onde é que tal verba se encontra inscrita no Orçamento, porque não disponho desses dados.
Espero ter-lhe dado, Sr. Ministro, com precisão, a ideia de que o discurso mistificador dos números pode resultar para quem não ande muito ambientado com eles, mas não para Deputados que já têm uma certa experiência de análise do Orçamento do Estado.
E quando é de mais, a demagogia acaba por nos estoirar na mão.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, em primeiro lugar, quero felicitá-lo porque, finalmente, V. Ex.ª, como representante do ambiente, vem, pela primeira vez, e aquando da apresentação do Orçamento do Estado, à Assembleia da República falar daquela tribuna.

O Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais: - Não é verdade!

O Orador: - Por isso, Sr. Ministro, naturalmente que o quero felicitar.
Referia-me à primeira vez no âmbito da discussão do Orçamento do Estado, embora seja a segunda vez que vem

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a esta Assembleia. Aliás, a primeira foi por iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes, e digo-o apenas para que fique registado.
Mas, Sr. Ministro, o nosso entendimento desta sua vinda ao Parlamento tem a ver com aquilo que consideramos ser a necessidade que o Governo sente de reafirmar a credibilidade perdida do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, que foi criado sem orçamento. De facto, foi criado sem orçamento e, depois de andar enrolado com uma data de problemas, acabaram por substituir o Ministro, depois veio o Sr. Ministro, em pré-campanha eleitoral, afirmar e fazer promessas várias; aliás, até o Sr. Primeiro-Ministro veio à televisão afirmar solenemente aos Portugueses que tudo ia mudar no ambiente.
Ora, ainda hoje estamos à espera do Plano Nacional da Politica do Ambiente. E já lá vão três anos, Sr. Ministro! Também estamos a espera que venha aqui, à Assembleia da República, a estratégia nacional de conservação da natureza, que, desde 1987, está prevista na Lei de Bases, do Ambiente e que era pressuposto que, no final de um ano, seria apresentada na Assembleia.
Em vésperas de campanha eleitoral, o Sr. Ministro apresentou-o à comunicação social. Até hoje já lá vão dois anos e continuamos à espera que essa lei venha aqui à Assembleia para que possa ser ratificada.
Sr. Ministro, face a isto e porque, também no início do ano de 1993, vamos entrar naquilo a que se chamou «o mercado interno», vão ser abolidas fronteiras, ou seja, vão ser solucionadas situações que impediam, designadamente, a circulação livre de pessoas, mercadorias, capitais e bens nas fronteiras.
Nessa altura também vão acabar as barreiras que impedem o investimento livre em qualquer país da Comunidade. E Portugal, aliás como foi verificado num relatório apresentado por técnicos da Comunidade preocupados com esta situação, é considerado como um país onde se deve ter maiores preocupações neste sentido.
A questão que quero colocar, Sr. Ministro, é se o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais se preocupou com esta situação, que foi alertada pela própria Comunidade, e se fez alguma coisa para evitar estas situações.
Embora não disponha de tempo para desenvolver aqui outra vez o tema, penso que o Sr. Ministro saberá muito bem, assim como o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, a que é que estou a referir-me, designadamente o que está em perspectiva na costa alentejana, para não referir outros casos.
Pergunto, pois, ao Sr. Ministro que estratégia, que prioridades é que há para o ambiente em termos de planeamento, de concepção global, tendo em conta aquilo que foi definido e a que Portugal se comprometeu na Conferência do Rio? Que é que, afinal, o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem previsto tendo em conta todas estas situações?
E, agora, gostaria de colocar-lhe apenas três questões muito concretas para ver se é realmente credível ou não a existência do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais ou se, de facto, são apenas promessas e propaganda.
Sr. Ministro, a primeira questão - para começar pelo fim relativamente à sua intervenção - é a que se refere à «defesa do consumidor». E o que quero perguntar é sé existe «defesa do consumidor» em Portugal e se o Ministério está preocupado com isso ou se aquilo que vemos todos os dias numa estação de televisão em que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais afirma que a qualidade do ar em Estarreja, em Lisboa, em Sines, no Barreiro e em Setúbal é muito boa. Todos os dias ouvimos dizer isto! Com que credibilidade é que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais pode afirmar uma coisa destas, quando o senhor foi o subscritor do Livro Branco sobre o Ambiente, onde todas estas afirmações são contrariadas? O que é que mudou? Foi o Professor Carlos Borrego, que deixou de ser Professor e passou a Ministro, ou foram outros interesses, que não estão aqui devidamente salvaguardados?

O Sr. Presidente: - Queira terminar, pois já excedeu o seu tempo.

O Orador: - Só queria fazer mais uma pergunta, Sr. Presidente.
Creio que todos ficaremos mais bem informados e mais satisfeitos com a resposta que o Sr. Ministro dará à pergunta que vou fazer.
Sr. Ministro, o Ministério tem em sua posse, desde 1988, elementos que referem que a partir de 1990 Portugal passará a produzir cerca de dois milhões de toneladas/ano de resíduos tóxico-perigosos. em 1990 os responsáveis pelo ambiente afirmaram na Assembleia da República que havia sido aberto um concurso público internacional, o qual já tinha sido adjudicado. Nesse protocolo ficou expresso que o sistema nacional de tratamento de resíduos tóxico-perigosos entraria em funcionamento em 1992. Já passaram dois anos e ainda boje não sabemos onde estão localizadas essas estações de tratamento.
A pergunta que faço é esta: quais as prioridades do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais no desenvolvimento do nosso país?

O Sr. Presidente: - Não posso louvar o seu comportamento, Sr. Deputado André Martins.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.

O Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais: - Sr. Presidente, estava à espera de ouvir hoje, na Assembleia da República, por parte dos Srs. Deputados, uma crítica à política de ambiente. Afinal, não só não houve crítica como também não foram apresentadas alternativas, o que me leva a concluir que estão corripletamente de acordo com aquilo que aqui foi apresentado.
As posições que aqui foram assumidas respeitam a questões meramente pontuais, que não têm nada a ver com aquilo que referi na minha intervenção. Deve ter sido isso, de resto, que levou o Sr. Deputado André Martins a fazer uma pergunta sobre a concepção global da política de ambiente em Portugal. Isso também se explica pelo facto de, como não esteve presente, não ter ouvido a primeira parte da minha intervenção.
Mas, de qualquer forma, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que me congratulo por estar aqui pela segunda vez. Aliás, como o Sr. Deputado referiu - e bem! -, vim cá pela primeira vez a pedido do seu grupo parlamentar, o que revela o vosso interesse por estas situações. Só não tenho cá vindo mais vezes porque não tem havido esse tipo de iniciativas.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado José Sócrates, de saber se existe ou não credibilidade no orçamento deste Ministério, diria que foi isso mesmo que acabei agora de demonstrar com os números que apresentei. Este é, de facto, o orçamento possível para o ambiente e qualquer outra alteração significará, certamente, que os

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contribuintes terão de pagar não só uma, mas, se calhar, duas ou três «bicas». Não sei se o que o PS pretende é que cada um de nós contribua para o ambiente, em termos de impostos, com três «bicas» em vez de uma. Nós não pensamos assim! Creio que a melhor maneira de o fazer é a de cada um conseguir gerir bem e eficazmente aquilo que é possível ter como orçamento. É isso que estamos exactamente a fazer: com este orçamento estamos a aumentar a eficácia da nossa gestão.
Quanto às promessas relativas ao Plano Nacional de Política de Ambiente e à estratégia nacional de conservação, diria que só quem anda afastado deste mundo é que pode, neste momento, pôr em causa a necessidade da apresentação do Plano. Apresentámos uma política de ambiente coerente, tivemos uma intervenção de grande dinamismo na Conferência do Rio - aliás, reconhecida internacionalmente -, da qual temos tirado os respectivos dividendos e uma certa credibilidade, o que nos permite apresentar internacionalmente aquilo que aí foi conseguido; estamos, ao mesmo tempo, a discutir o quinto programa do ambiente, que tem instrumentos fundamentais da política de ambiente ao nível comunitário.
É, pois, óbvio que, em Portugal, o Plano Nacional de Política de Ambiente não pode esquecer estes instrumentos comunitários: tem de os ter em linha de conta, o que significa que um atraso de seis meses nesse Plano será benéfico para os Portugueses e para a sua qualidade de vida integrando exactamente essas decisões.
Portanto, é isso que, neste momento, estamos a fazer.
Quanto à defesa do consumidor, posso dizer-lhe que ela existe e tem sido extremamente activa. É uma das áreas em que mais se tem feito neste país para conseguir que os consumidores portugueses consigam, de facto, melhorar a sua qualidade de vida e o modo como encaram os produtos nacionais. Não é, com certeza, devido a esse orçamento de 105 000 contos que existe uma Secretária de Estado. Aliás, Sr. Deputado José Sócrates, V. Ex.ª não deve ter visto bem a orgânica do Governo, pois a pessoa que referiu há pouco não é Secretária de Estado da Defesa do Consumidor, mas sim Secretária de Estado Adjunta do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, tendo, pois, outras coisas para gerir.
O Sr. Deputado também não deve ter lido bem o orçamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, do qual fazem parte os fundos comunitários, que constituem a parte fundamental. O orçamento global do Ministério é, em termos de PIDDAC, de 17,3 milhões de contos, mas, na realidade, vamos investir 30 milhões de contos.
Mais, não é só ao Estado que compete investir, e isto é uma da coisas que gostaria que ficasse bem clara. É fundamental que todos os parceiros sociais - e aqui incluo as autarquias, os industriais e todos nós - invistam na área do ambiente, o que se pode traduzir em fundos significativos.
De qualquer forma, temos o dinheiro necessário para criar os saltos qualitativos que temos de dar.
Sobre a mistificação dos números, creio que a nossa posição de credibilidade é mais do que evidente. Temos sido realistas na política que temos feito, na medida em que aquilo que investimos é, efectivamente, aquilo de que os Portugueses necessitam. Não o fazemos, pois, por folclore, como, por vezes, se tem tendência a fazer nesta área; não o fazemos por demagogia ou por razoes meramente eleitoralistas, como acontece, por vezes, com as propostas apresentadas pela bancada do PS.
Quanto às obras de construção civil, só quero dizer-lhe que, durante o Verão passado, ouvi quer as suas queixas quer as dos Deputados do PS por causa da seca. Agora, quando estamos a investir 8 milhões de contos em obras de fundo para dar água aos Portugueses, que são as obras hidráulicas, V. Ex.ª tem o descaramento de vir aqui pôr em causa esta situação, que vai resolver, de facto, as questões de fundo do País; quando conseguimos apresentar aos Portugueses um orçamento que mostra bem que estamos claramente sintonizados com as necessidades reais do País e vamos investir para que não haja problemas de seca no futuro, o senhor põe em causa as obras hidráulicas. Afinal, onde está a coerência do seu discurso, Sr. Deputado? Há aqui qualquer coisa que não funciona!
Quanto à questão da qualidade do ar ser boa, o Sr. Deputado André Martins não deve ter lido bem o Livro Branco do Ambiente. Eu escrevi-o e li-o com certeza melhor do que o senhor e em lado algum se diz que a qualidade do ar em Portugal é má. Em nenhum sítio se diz isso! Diz-se apenas que, se continuarmos a ter este desenvolvimento (o de 1990, pois foi essa a altura em que o livro foi publicado) sem ter em linha de conta as preocupações ambientais, no ano 2000 estaremos com uma situação idêntica a alguns dos países da Europa, como, por exemplo, a Holanda. Por isso, aquilo que a televisão diz acerca da qualidade do ar em Portugal é verdade, são dados concretos, são números exactos.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - É mentira!

O Orador: - É, efectivamente, uma situação que, em termos de ministério, temos conseguido e é por isso mesmo que os senhores usam os nossos dados no sentido de, muitas vezes, quererem fazer sentir à população que o ambiente está pior do que efectivamente está. E a única maneira que têm de o fazer, porque utilizam exactamente o que temos vindo a criar, que é, por um lado, a informação e, por outro, a disponibilização dos dados a todos os cidadãos, para depois serem eventualmente manipulados.
Srs. Deputados, tudo isto para dizer que, em termos de ministério, tem havido uma política de fundo no sentido de conhecer melhor a situação em Portugal e dar a conhecer aos Portugueses a política que estamos a implementar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado André Martins pediu a palavra para que efeito?

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou dar-lhe a palavra, mas vai usar apenas e só o tempo regimental.
Antes de começar, quero avisá-lo de que quando passar os três minutos, cortar-lhe-ei a palavra.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, não penso utilizar sequer os três minutos.
Sr. Ministro, não posso aceitar que V. Ex.ª diga que utilizamos os dados para fins especulativos ou que distorcemos as informações que são dadas aos Portugueses. De facto, elas são tão poucas!... E já agora aproveitava para perguntar quando é que transpomos para a legislação nacional a directiva comunitária que impõe que haja informação do estado do ambiente aos cidadãos.

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Quero ainda dizer-lhe que não sou eu que estou enganado, quem está enganado é o Sr. Ministro - basta ver a forma como faz as suas entrevistas e aquilo que está escrito no Livro Branco.
O que o Sr. Ministro sempre disse e reafirmou é que o estado do ambiente em Portugal não é tão mau como noutros países da Europa. Então, e as situações críticas que eu afirmei, que são precisamente os locais que são indicados na informação que é dada nessa estacão de televisão?...
Além disso, Sr. Ministro, para se saber quem é que manipula a informação, gostaria que nos dissesse que análises são feitas à qualidade do ar e ou a que elementos são feitas essas análises nesses locais e que tipo de informação é essa, se são dados médios ou dados pontuais ao longo do dia.
E esse tipo de informações que o Sr. Ministro nos deve trazer e não enganar os Portugueses com esse tipo de informação.
Por outro lado, registe-se ainda que não respondeu à minha pergunta sobre os resíduos tóxico-perigosos.
Não acreditamos que esta questão não preocupe o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais. Consideramos que preocupa todos os portugueses, porque há problemas de saúde e quem sabe até se não haverá portugueses que tenham falecido por causa dos resíduos tóxicos-perigosos - não quero ser alarmista, sou apenas realista, porque, como é afirmado em várias publicações do Ministério, mais de 80% desses resíduos são lançados no solo sem qualquer tratamento.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.

O Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais: - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, muito rapidamente, quero apenas referir que teria de mudar a situação da Assembleia para explicar ao Sr. Deputado André Martins como é que se fazem as análises da qualidade do ar, entrando no detalhe de lhe explicar o que é um analisador da qualidade do ar, como é que se mede um SO2, um NOx e muitas outras coisas, o que seria, se calhar, extraordinariamente fastidioso para muita gente. Terei muito gosto em explicar-lhe, no meu gabinete, quando quiser.
Mas o que lhe digo, agora, é que os valores que são apresentados são os valores reais, médios horários e médios diários, como manda a directiva comunitária e o decreto-lei que a transpõe.
Portanto, é esta a informação que a Comunidade nos obrigava, e obriga, a ter disponível para os Portugueses. Não há aqui qualquer manipulação em termos de dados.
Já agora quero dizer-lhe, quanto aos resíduos tóxicos e perigosos, que só essa pergunta fez vir aqui o Sr. Secretário de Estado duas vezes, na sessão legislativa passada, para responder. O Sr. Deputado deve ter qualquer cisma contra isso, o que me preocupa, porque verifico que as autarquias são, de facto, os maiores entraves ao processo e não tenho visto por parte do Partido Ecologista Os verdes qualquer acção no sentido de os convencer que este problema tem de ser resolvido, usando exactamente o espaço e o terreno necessário para instalar a unidade de tratamento que o Governo, inclusive, financiará. O Governo tem dinheiro para isso e disponibilizou-o!
Portanto, Sr. Deputado, não podemos fazer mais do que dizer exactamente isso. O que estamos a fazer, neste momento, é garantir aos Portugueses a existência dessa unidade de tratamento de resíduos tóxico-perigosos logo que haja tempo necessário para a sua construção.
Por fim, Sr. Deputado, gostaria de referir que não é necessária a transposição da directiva do direito à informação. O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem os dados para quem os quiser ver. É só ir buscá-los! Portanto, não precisamos da directiva para nada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, verifico que o Sr. Deputado Nogueira de Brito, depois de uma longa ausência, regressou ao Plenário. Presumo que foi buscar as restantes folhas do célebre orçamento alternativo do CDS...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, foi impertinente, porque a pergunta não se dirigia à Mesa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.

O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos chegados ao fim do primeiro dia de debate do Orçamento e eu gostaria de reafirmar algumas das posições do meu partido nesta matéria e fazer alguns comentários sobre o que ouvimos ao longo do debate.
Em primeiro lugar, ficou claro que este Orçamento se insere plenamente na linha que foi enunciada no Programa de Convergência Q2 e que apresenta aos Portugueses e aos partidos políticos uma projecção do desenvolvimento da economia até ao ano de 1995.
Este é apenas um passo gradual, mais um passo, como já foi o de 1992, numa linha que está previamente anunciada dentro da nossa visão de gradualismo e reformismo. É um passo que é consistente, que é dado com tenacidade, com firmeza, com coerência e no caminho certo, sobre o qual, aliás, parece não haver divergências nesta Câmara.
Neste Orçamento, em particular, o Governo propõe-se não aumentar os impostos. É bem certo que, apesar disso, não ficámos livres das críticas da oposição, porque, ainda que não os tenhamos aumentado, a oposição dirá sempre que não os baixamos. Isto é, se tivéssemos aumentado os impostos, a oposição criticava porque aumentávamos; como não os aumentamos, criticam porque não baixam e, se os baixássemos, diriam que não baixam tanto como seria necessário. É evidente que assim é: nesta matéria, a oposição estará sempre contra.
Neste Orçamento ataca-se o desperdício na Administração Pública - é outra das suas linhas mestras.
Srs. Deputados, depois de ter ouvido aqui um Deputado da oposição referir-se ao menor interesse do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território pelas autarquias em função dos minutos que destinou no seu discurso a essa matéria, não me espanta que o PS afira

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da eficácia da Administração Pública em função da afectação de recursos que é feita no Orçamento.
Nós pensamos ao contrário, ou seja, que o que é necessário é diminuir cada vez mais a despesa e é isso que propomos. Ao contrário de VV. Ex.ªs - nesse ponto de vista estamos com o CDS -, pretendemos diminuir ainda mais as despesas, mas, simultaneamente, aumentar a eficiência da Administração Pública. Fazer mais com menos recursos!
É um orçamento de investimento, como fica provado - e não vou referir os diversos números -, que aumenta as prestações sociais. As preocupações sociais não são da oposição, ou seja, não quer dizer que não o sejam, mas nós pômo-las em prática. Até agora temos ouvido os vossos discursos; nós pomos as preocupações sociais em prática, procurando resolvê-las, gradualmente, em cada ano.
Este é um Orçamento e um quadro económico que assegura um aumento do rendimento real dos Portugueses. À semelhança do que tem vindo a acontecer, ele aumenta o rendimento real dos Portugueses.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Principalmente na função pública: 4,5%!

O Orador: - E não me espanto nada que os Srs. Deputados da oposição digam o contrário, uma vez que, há menos de um ano - em Fevereiro -, quando discutíamos o Orçamento do Estado para 1992, já os senhores diziam que ia diminuir o poder de compra dos Portugueses e, afinal, a UGT vem dizer que o rendimento real dos Portugueses aumentou 4% em 1992. E vai continuar a crescer em 1993.
Srs. Deputados, é assim que se ganha credibilidade, não é falhando perspectivas, uma sobre a outra, que os senhores vão ganhar credibilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com este Orçamento do Estado vamos fazer a parte que ao Governo compete para assegurar as convergências nominal e real. Estamos de acordo que ela é necessária, pelo que fazemos a nossa parte para atingir esse fim.
Finalmente, e porque o ano passado foi motivo de muita polémica - este ano foi também referido por alguns dos Srs. Deputados da oposição -, quero aqui reafirmar, e reafirmá-lo-ei tantas vezes quantas as necessárias, até prova em contrário, que neste Orçamento se cumpre escrupulosamente a Lei das Finanças Locais.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Escrupulosamente?!...

O Orador: - Dirão os Srs. Deputados que é pouco, que transferimos pouco dinheiro para as autarquias. Gostaríamos de transferir muito mais, como gostaríamos de ter mais dinheiro para fazer mais obras no Estado.
Contudo, o que não podem é acusar, pelo menos desta vez, o Governo de não cumprir a Lei das Finanças Locais, pois é óbvio que há integral cumprimento da lei.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A suspensão da lei, Sr. Deputado! Faltam essas palavras!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que dissemos e o que disseram as oposições? O PS disse que as perspectivas e as previsões do Governo não são
credíveis porque se fundamentam em números do FMI, que também não são credíveis. Ora, o Governo, tradicionalmente, fundamenta-se nas projecções do FMI, que têm sido consideradas as mais credíveis, pelo menos em termos de comparação.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não foi nada disso! Ninguém disse isso!

O Orador: - Assim, continuaremos a utilizar as projecções do FMI. Aliás, sempre dissemos -está dito no relatório do Orçamento do Estado - que o que estabelecemos, no que respeita ao crescimento da economia, foi um diferencial relativamente à média comunitária.
Evidentemente que a perspectiva de crescimento que apresentámos baseia-se num dado pressuposto comunitário, pelo que, se se alterarem os pressupostos, hão-de-se alterar as consequências, mantendo-se, porém, o princípio e a regra, que para nós é sagrada, de que cresceremos sempre mais do que a média comunitária.
E o que disse mais o PS? De facto, tenho alguma dificuldade em saber concretamente o que disse mais..., mas fiquei vagamente com a noção...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Leia, Sr. Deputado, leia!

O Orador: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, eu reli atenciosamente o seu discurso.

Vozes do PS: - Era atentamente, Sr. Deputado!

O Orador: - E o que é que disse mais o Partido Socialista? Disse, vagamente, que aumentaria a despesa do Orçamento. Não disse em contos nem...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Tenha calma!

O Orador: - Não pedimos que nos diga em contos de reis nem em escudos. Pedíamos, ao menos, em biliões de contos. Ou seja, não disse em contos nem disse onde iria procurar a contrapartida orçamental.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ficámos, pois, sem saber se o Partido Socialista iria procurar esta alternativa num aumento de impostos ou se num aumento do défice. Esperaremos até final do Orçamento do Estado para saber qual é, afinal, a solução do Partido Socialista.
Mas, Srs. Deputados...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Gostamos de o ver sofrer ao esperar mais tempo!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Regimento não o obriga a gastar o tempo!

O Orador: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, não resisto a ler-lhe um pequeno excerto de um discurso recente de um reputado técnico português que é, por sinal, Governador do Banco de Portugal, e que diz, com muito mais eloquência do que eu diria o comentário que tenho para formular à sugestão do Partido Socialista de pretender aumentar a despesa neste Orçamento: «Pretender estimu-

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lar o crescimento à custa de maior despesa e protecção contra a concorrência externa ó puro suicídio. O crescimento tem de basear-se em maior selectividade, transferir recursos de utilizações ineficientes para empregos produtivos.»
Sr. Deputado, não consideramos que seja à custa do aumento da despesa pública que se vai acentuar o crescimento da economia.
No que diz respeito ao CDS, o Sr. Deputado Nogueira de Brito, que muito prezo, resolveu, desta vez, fazer aqui um passo de mágica, procurando descobrir uma forma de diminuir as despesas do Orçamento e chegou à conclusão de que a melhor forma de o fazer era privatizar a dívida. O CDS quer privatizar a dívida para, dessa forma, diminuir os encargos com juros.
Sr. Deputado, as privatizações têm vindo a fazer-se em bom ritmo, de forma gradual, no passo certo e, por Isso, não vamos alterar o nosso rumo nesta matéria.
Vou terminar, Srs. Deputados, dizendo o seguinte: ou VV. Ex.ªs arranjam, para o dia de amanhã, melhores argumentos que aqueles que trouxeram hoje ou seremos forçados a renovar o convite do Sr. Ministro das Finanças para que votem connosco o Orçamento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esgotámos os tempos acordados para hoje.
A Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares que estava marcada para o final desta sessão será adiada para amanhã, dia 19, pelas 10 horas.
A sessão de amanhã terá início às 10 horas e 30 minutos, com a mesma ordem de trabalhos.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António José Barradas Leitão.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
João de Deus Rogado Salvador Pinheiro.
João José da Silva Maçãs.
José Ângelo Ferreira Correia.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Castro de Almeida.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Mário Jorge Belo Maciel.
Vasco Francisco guiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
António Alves Martinho.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Helena de Melo Torres Marques.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raúl D'Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

João Álvaro Poças Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Carlos Ribeiro Campos.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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