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I Série - Número 33
Quarta-feira, 27 de Janeiro de 1993
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA da REPÚBLICA
VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE JANEIRO DE 1993
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque José de Almeida
Cesário Belarmino Henriques Correia
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diplomas, de requerimentos e de resposta a alguns outros.
A Sra. Deputada Maria Luisa Ferreira (PSD) falou da importância do itinerário complementar n.º 8 no aumento das acessibilidades ao interior do País.
O Sr. Deputado Álvaro Viegas (PSD) abordou a problemática da toxicodependência no Algarve e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado José Apolinário (PS).
A Sra. Deputada Julieta Sampaio (PS) referiu-se à qualidade do ensino no concelho de Baião.
O Sr. Deputado Filipe Abreu (PSD) teceu considerações sobre o papel de Lagos e Sagres nas comemorações dos Descobrimentos e a na EXPO/98.
Em declaração política, o Sr. Deputado António Lobo Xavier (CDS) apresentou as principais conclusões políticas do XI Congresso do seu partido, realizado durante o fim-de-semana na Póvoa de Varzim, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Mário Maciel e Silva Marques (PSD).
Ordem do dia. - Foi rejeitado o voto n.º 58/VI - De pesar pelo recomeço da guerra em Angola e apelando ao diálogo e ao respeito pelos acordos e resultados das eleições (PS).
O inquérito parlamentar n.° 7/VI - Apreciação dos critérios de avaliação e processos de privatização das empresas públicas (PCP) foi rejeitada temia produzido intervenções, a diverso título, os Srs. Deputada Octávio Teixeira (PCP), Rui Carp (PSD), José Penedos (PS), Castro Almeida (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Helena Torres Marques (PS), António Lobo Xavier (CDS) e Mário Tomé (Indep.).
Procedeu-se à apreciação das petições n.ºs 92/IV (1.ª), 10/V (1.ª) e 214/V, 295/V e 312/V (4.ª). Intervieram os Srs. Deputados Elisa Damião (PS), Branco Malveiro (PSD), Jerónimo de Sousa (PCP), José Eduardo Reis (PS), Vasco Miguel (PSD), Lino de Carvalho (PCP), José Penedos (PS), António Vairinhos (PSD), Rodrigues Marques (PSD), Artur Penedos (PS), João Granja da Fonseca (PSD), Carneiro dos Santos (PS), Luís Peixoto (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
A Câmara rejeitou, na generalidade, os projectos de lei n.º 139/ VI - Criação do Conselho Nacional de Juventude (PS) e 187/VI - Estatuto Jurídico da Conselho Nacional de Juventude (PCP) e aprovou o projecto de deliberação n.º 53/VI - Composição da comissão parlamentar de inquérito à alteração alegadamente introduzida em decreto-lei por membro do Governo contra o recebimento de 120 000 contos (PSD).
Entretanto, foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um Deputado do PSD e um outro autorizando três Deputados a deporem em tribunal como testemunhas.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 20 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Leonardo Eugênio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel dá Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça
Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
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António Ribeiro Marques da Silva.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Gomes Sá.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dona Santa Clara Gomes.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
João Carlos da Silva Pinho.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputados independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.º 246/VI - Atribui a todos os trabalhadores subsídio de Natal equivalente a um mês de retribuição normal (PS), que baixou às 3.ª e 10.ª Comissões, e 247/VI - Derroga o período de vigência do Decreto-Lei n.° 212/92, de 12 de Outubro, que regulariza a situação dos imigrantes clandestinos (PCP), que baixou à 3.ª Comissão; ratificação n.° 58/VI - Decreto-Lei n.° 11/93, de 15 de Janeiro, que aprova o estatuto do Serviço Nacional de Saúde (PS).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira, Guilherme Oliveira Martins e António Marques da Silva; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelas Srs. Deputados Carneiro dos Santos, Guilherme Oliveira Martins e Leonor Coutinho; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Fernando de Sousa, Maria Julieta Sampaio e Guilherme Oliveira Martins; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formuladas pelos Srs. Deputados Carlos Luís e José Apolinário; ao Ministério da Justiça, formulado pela Sra. Deputada Isabel Castro; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados José da Silva Costa, Isabel Castro e António Alves; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Apolónia Teixeira, Luís Peixoto e António Alves; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado António Alves; a diversas câmaras municipais, formulados pelo Sr. Deputado António Fernandes Alves.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Mário Tomé, na sessão de 19 de Dezembro; José Apolinário, na sessão de 29 de Abril; Macário Correia, na sessão de 19 de Maio; João Proença, na reunião da Comissão Permanente do dia 10 de Setembro; Carlos Oliveira da Silva, no dia 1 de Setembro; João Granja, na sessão de 16 de Outubro; Filipe Abreu, na sessão de 5 de Novembro; Guilherme Oliveira Martins, na sessão de 17 de Novembro; Joaquim Anastácio, na sessão de 19 de Novembro; Cerqueira de Oliveira; na sessão de 9 de Dezembro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do período de antes da ordem do dia de hoje constam declarações políticas.
Em nome do CDS, está inscrito o Sr. Deputado António Lobo Xavier para fazer uma declaração política, naturalmente relacionada com o XI Congresso do seu partido que teve lugar no último fim-de-semana. Acontece que o avião que o traz do Porto sofreu um ligeiro atraso, pelo que tomo a decisão de transferir a sua inscrição para o fim do período de antes da ordem do dia de hoje.
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Assim sendo, ao abrigo do n.° 2 do artigo 80.° do Regimento, dou agora a palavra à Sra. Deputada Maria Luísa Ferreira que vai fazer uma intervenção sobre um assunto de interesse local.
A Sra. Maria Luísa Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encurtar distâncias através da construção de vias rápidas é tarefa prioritária para o desenvolvimento do espaço europeu que queremos vir a ser, obra gigantesca tantas vezes adiada a que o governo do Professor Cavaco Silva meteu ombros e que tem vindo a transfigurar a face deste país.
Mas quando o traçado de uma nova via obriga a rasgar montes, a furar montanhas, a ligar margens de abismos para não deixar atrás uma parte do povo que somos, então, é justo que a obra feita seja duplamente aplaudida, primeiro, porque evidencia respeito peio direito de todos os portugueses em vencer isolamentos e, segundo, porque reflecte preocupação dos governantes pelo desenvolvimento harmonioso e equilibrado do País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Obra desta natureza, que teve de remover obstáculos orográficos responsáveis por décadas de isolamento de populações laboriosas, vem sendo feita no centro do País, na região do pinhal interior, tendo uma parte ficado pronta no último fim-de-semana.
E o júbilo autêntico das populações servidas saiu à rua, envolvendo S. Exa. o Primeiro-Ministro, que ali se deslocou para abrir ao tráfego mais um troço do itinerário complementar n.° 8, entre Pontão e Pedrogão Grande.
São 23 novos quilómetros de via rápida, verdadeira alavanca de progresso, que, dentro em pouco, fará chegar àquelas terras, até ontem tão distantes, os ansiados ventos da mudança.
O itinerário entre a Figueira da Foz e Monfortinho, com ligação à restante rede europeia por Cáceres, no país vizinho, faz parte do Plano Rodoviário Nacional, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 380/85.
Inicialmente previsto como itinerário complementar, está hoje definido como via fundamental e o troço, ora inaugurado, dispõe já das características de um itinerário principal, nomeadamente nos de acesso, cruzamentos desnivelados e caminhos paralelos, para além de completa vedação lateral.
Esta circunstância, confere ao itinerário complementar n.° 8 condições de via rápida alternativa ao itinerário principal n.° 5 na ligação ao resto da Europa, transformando-o numa infra-estrutura determinante para o desenvolvimento da Região Centro e do País.
É, pois, do maior interesse que o avanço do itinerário complementar n.° 8 se processe sem dilatação de prazos, que originariam grandes prejuízos sócio-económicos às populações residentes e grandes distorsões no desenvolvimento equilibrado da Região Centro e no ordenamento do território.
Nesta conformidade, importa registar desde já, para ser recuperado quanto antes, o atraso verificado na ligação de Pombal à auto-estrada, lanço previsto nesta Câmara para o ano de 1992, pelo ministro da tutela, mas ainda não concretizado.
Para além da indesmentível importância do itinerário complementar n.° 8 a nível nacional, é não menos importante e notório o seu impacte a nível regional e intra-regional.
Atravessando a região do pinhal interior, com inflexão ao Sul, o itinerário complementar n.° 8 transporta consigo o aliciamento à fixação de agentes empresariais e cumpre os objectivos considerados determinantes para a definição
do Plano Rodoviário Nacional, nomeadamente o de assegurar o crescimento económico e a competitividade e o de fixar populações em centros não demasiado concentrados com melhoria do meio ambiente e melhor qualidade de vida.
Assim aconteceu no município de Ansião. Condenado durante décadas por uma difícil acessibilidade, são hoje bem patentes os benefícios resultantes da passagem do itinerário complementar n.° 8 por aquele território.
O itinerário complementar n.° 8 poderá, ainda, a médio prazo, vir a servir um audacioso plano intermunicipal de abastecimento de água a vastas zonas populacionais.
Com efeito, o acentuado abaixamento do nível das águas subterrâneas, fonte de numerosos fornecimentos para consumo público, com águas crescentemente deterioradas ou mesmo poluídas, tem levado responsáveis autárquicos a equacionar uma forma alternativa de abastecimento a partir da barragem de Cabril, que, situada a grande altitude, tornaria esse plano exequível com a simples força da gravidade ao longo do itinerário complementar n.° 8.
Tão vultoso investimento tem cabimento entre as aplicações susceptíveis de apoio dos fundos estruturais e, a conjugarem-se esforços e vontades políticas de governantes e autarcas, poderá vir a tornar-se numa realidade com acentuada melhoria de qualidade de vida das populações residentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Executando a política de prioridades definida no Plano Rodoviário Nacional, o Governo vai rasgando o País de lês a lês, enquadrando regiões com uma rede de grandes eixos fundamentais e numerosas vias complementares.
Mas o estado degradado da rede rodoviária regional, indispensável à ligação entre municípios e entre estes e as sedes de distrito, não pode deixar de ser tida em conta por autarcas e governantes.
Grande parte dessas estradas, desclassificadas no novo Plano Rodoviário Nacional, encontra-se hoje em situação assaz precária, a exigir urgente reposição de pavimentos.
São investimentos pesados que terão de recorrer a fundos incluídos no PRODAC ou outros, pois requerem financiamentos que os municípios, na sua grande maioria, por si só, não comportam.
Felizmente, o sucesso alcançado pelo Governo em Maastricht e Edimburgo, ao conseguir o reforço dos fundos estruturais, veio aumentar a capacidade financeira do País para a resolução de problemas desta natureza.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - A utilização desses fundos comunitários vai ser enquadrada pelo Plano de Desenvolvimento Regional e parece-nos de todo o interesse o estabelecimento de diálogo entre os governantes e os autarcas para a sua optimização.
Com estes novos recursos financeiros, assistiremos, com certeza, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a um salto quantitativo e qualitativo no quadro das infra-estruturas básicas indispensáveis ao desenvolvimento sócio-económico, cultural e ambiental do País, com vista a uma convergência cada vez mais acentuada à Europa desenvolvida para onde caminhamos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria anunciar à Câmara que se encontram a assistir à sessão 100 alunos
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da Escola Secundária n.° 2 de Alverca e 14 da Escola Primária n.° 1 do Seixal, para os quais peço a nossa habitual saudação.
Aplausos gerais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Viegas.
O Sr. Álvaro Viegas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A problemática da toxicodependência no Algarve foi objecto aqui, nesta Câmara, em 1991, de uma intervenção minha, onde salientei a falta de infra-estruturas de apoio no Algarve e de vontade política das autarquias para fazer frente a este flagelo.
Tive oportunidade de transmitir o grito desesperado, em forma de poema, de um jovem algarvio toxicodependente.
Passados quase dois anos, pouco ou nada se fez e a situação no Algarve é desesperante para os jovens, suas famílias e população em geral.
Calcula-se entre 15 a 16000 o número de toxicodependentes neste momento, no Algarve, com idades compreendidas entre os 25 e os 35 anos, em estado avançado de degradação moral, física e psíquica.
Outra realidade, bem mais penosa, é o tráfico de droga a crianças de 12 e 13 anos. Na verdade, a população de toxicodependentes começou, a partir da década de 90, a abranger os escalões etários mais baixos. Na pré-adolescência já é possível assinalar a presença de iniciados no consumo de droga.
A comissão instaladora do Centro de Atendimento aos Toxicodependentes (CAT) do Algarve, actualmente a funcionar em Olhão, encontra-se em instalações provisórias, onde a capacidade de resposta tem sido insuficiente, por motivos de carências logísticas, técnicas e humanas.
Actualmente, apenas um décimo desta população toxicómana tem sido tratada e acompanhada, em condições precárias, por este organismo, que se debate agora com problemas, alguns básicos, como a falta de instalações adequadas.
O número de toxicodependentes aumenta todos os dias, atinge dezenas de milhares de jovens de Norte a Sul do País, destrói famílias, carreiras profissionais e brilhantes futuros académicos.
A droga instalou-se entre nós, é nossa vizinha, esconde-se atrás das portas das escolas, sobrevive nas instituições militares e progride nas prisões!
O tráfico no Algarve apresenta características muito próprias, devido a factores de ordem geográfica e cultural. A Polícia Judiciária pretende agora reforçar os seus efectivos e meios técnicos e promover a interligação entre os vários organismos policiais para que possa ter uma actuação mais eficaz de controlo da criminalidade ligada aos toxicodependentes, nas suas diversas faces, que vão desde o tráfico enquanto actividade até ao furto em pequena escala.
A reforma, já anunciada pelo Ministério da Administração Interna, de redistribuição de esquadras da PSP tem de ter em conta esta realidade. Para tornar mais eficaz o combate ao tráfico, as esquadras de segurança existentes têm forçosamente de ser equipadas com os meios humanos e materiais necessários e suficientes.
Num estudo feito em 1991 constatou-se que 74 % dos reclusos a cumprir pena nas cadeias algarvias eram toxicodependentes e tinham sido condenados por crimes relacionados por essa sua situação.
Os esforços policiais têm aumentado no todo nacional, mas não chegam para desmantelar redes de tráfico
internacional que operam à escala mundial. Mesmo assim, a Polícia Judiciária conseguiu arrancar das ruas, em 1990, 9,51 de haxixe e 40 kg de heroína.
As penas a aplicar aos traficantes deverão ser revistas, tornando-as muito mais pesadas, de forma a condenar eficazmente todos aqueles que lucram com a destruição da vida humana.
O tráfico e o consumo de drogas nas escolas continuam sem merecer, da parte de nenhum organismo, quer público quer privado, de um estudo sério e real da situação.
O Projecto VIDA, que pretendeu ter um controlo efectivo e abrangente da realidade, acabou, por motivos de falta de organização e de verbas próprias, por restringir-se unicamente a uma diminuta actuação ao nível da prevenção primária.
As autarquias do Algarve continuam de costas viradas a este problema: salvo algumas medidas pontuais, que têm mais a ver com a sua promoção política do que com soluções globais, continuamos a assistir a um total desprezo por este flagelo que atingiu os nossos jovens.
Contam-se pelos dedos de uma mão as câmaras municipais algarvias que colocaram à disposição do Projecto VIDA um espaço físico para o atendimento dos toxicodependentes para que possa existir uma rede que abranja toda a região.
Apelo, pois, aos candidatos autarcas algarvios, sejam eles socialistas, sociais-democratas ou comunistas, que, ao assumirem responsabilidades nas próximas eleições autárquicas, façam da problemática da droga uma das suas prioridades políticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As escolas devem incluir nos seus curricula temáticos esta problemática de forma que os jovens se apercebam naturalmente desta realidade e dos perigos ligados ao consumo de drogas.
Ao nível da prevenção secundaria, é urgente a criação de centros concelhios de captação e triagem dos jovens toxicodependentes, devendo posteriormente estes ser encaminhados consoante as suas situações clínicas.
A nível da prevenção terciária urge promover a formação profissional, aproveitando-se os fundos comunitários a ela destinados. Só assim conseguiremos integrar estes jovens, depois de recuperados, no mundo do trabalho, evitando situações de carência económica e de marginalização que os levará à situação anterior de toxicodependência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação da toxicodependência no Algarve é, como se pode verificar, preocupante e necessita de uma concertação dos vários organismos regionais e outros para que possamos, de uma forma gradual mas eficaz, minorar os efeitos desta maldição que afecta os nossos jovens.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Álvaro Viegas, sinteticamente, responda-me à seguinte pergunta: qual a posição de voto do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata e qual foi a posição de voto do Sr. Deputado quando aqui, na discussão do último Orçamento do Estado, o Partido Socialista apresentou propostas construtivas de reforço do orçamento do Projecto VIDA, nomeadamente na área da prevenção primária e da prevenção secundárias
Sr. Deputado, se faz favor, responda-me a esta pergunta.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Viegas.
O Sr. Álvaro Viegas (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Apolinário, em primeiro lugar, agradeço-lhe a pergunta e, em segundo lugar, dir-lhe-ei que creio que o debate sobre a problemática da droga não pode ser visto numa perspectiva meramente partidária, pois é uma questão nacional que tem a ver com os nossos jovens e que não se compadece com abordagens partidárias.
Sr. Deputado, o que posso dizer-lhe é que a sua preocupação é a minha e a dos algarvios do PSD. Como tal, foi aqui levantada esta questão e tenho a certeza de que o Governo terá neste ano de 1993, e em 1994, verbas que irão ao encontro daquilo que são as nossas preocupações e a dos nossos jovens algarvios.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Julieta Sampaio.
A Sra. Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O concelho de Baião fica a 90 km da «Cidade Invicta», num país europeu que alguns teimam em considerar um «oásis». Ao que parece há, neste governo, ministros que estão distraídos, não conhecem o país real, só conhecem o do consumo.
Neste concelho, deste nosso país, há uma escola primária na freguesia de Teixeira que não tem instalações, que não tem equipamentos, onde a humidade escorre do tecto e o espaço destinado à biblioteca é um vão de escada. As carteiras, essas são ainda do tempo de antes do 25 de Abril, inclinadas, não oferecendo o mínimo de condições necessárias à qualidade pedagógica que se apregoa e se deseja.
Como educar não é só ministrar conhecimentos, realce-se que esta escola não tem refeitório, o aquecimento é insuficiente por escassez de combustível - que é a madeira - e são os alunos que nos intervalos a procuram.
A refeição da maioria dos alunos é feita à base de pão sem qualquer alimento quente, o que leva os professores a dizer que apenas «engana a fome».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É uma terra de desterro para alunos e professores, para alunos que ali nasceram e vivem, para os professores que ali são colocados e que apenas pensam em fugir daquele exílio.
Há alguns alunos que percorrem muitos quilómetros a pé, mãos enregeladas, para chegar à escola; há professores que não encontram alojamento condigno e outros que pagam exorbitâncias mensais por um simples quarto sem o mínimo de condições.
O nível de escolaridade é muito baixo: não há ensino pré-escolar oficial; este é o primeiro ano em que há 12.° ano; há enormes dificuldades na colocação e fixação de professores - só para amostragem dir-vos-ei, Srs. Deputados, em 1987, em duzentos e tal professores colocados houve 44 000 faltas... -; há escolas do 1.° ciclo do ensino básico onde foram colocados 12, 15 e até 23 professores no mesmo ano! Chegavam e saíam, ou nem chegavam,... isto porque chegam e não conseguem alojamentos condignos ou não podem pagá-los.
Este panorama leva-nos a perguntar ao Ministro da Educação como vai aplicar, neste concelho, o novo sistema de avaliação que, segundo a sua opinião, se apresenta infalível no combate ao insucesso escolar.
Para as crianças de Baião, o sucesso escolar é uma miragem, nos seus horizontes não há «oásis»! Muitas delas, infelizmente, farão parte do enorme «bolo» das que são, hoje, exploradas no trabalho infantil. Para estas a Europa é qualquer coisa de que ouviram falar mas cujos efeitos não conhecem. O PRODEP não chegou a Baião e receio que nunca chegue ou que chegue tarde de mais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é um concelho real, de pouco sucesso, raramente fotografado, televisionado ou radiodifundido, mas a culpa não é da comunicação social ou, melhor, não é só da comunicação social; é, acima de tudo, do silêncio imposto pelos gabinetes da lisboeta Avenida de 5 de Outubro.
As ordens são para não falar. Os professores têm medo de prestar declarações e dizem: «Tenha cuidado com o que diz, olhe que eu não posso falar.»
A 90 km do Porto, no «portuguesíssimo» concelho de Baião, as crianças e os jovens têm uma qualidade de ensino só comparável à do Terceiro Mundo e os professores não usufruem de condições mínimas de dignidade para o exercício da profissão. Até quando? Será que o princípio da subsidariedade, tão badalada pelo Professor Cavaco Silva, só se aplica à Europa?
E em Portugal? Para quando?
No início de 1993, as crianças e os jovens de Baião reivindicam um concelho de sucesso e europeu e rejeitam ser a areia que circunda o «oásis».
O Sr. Ministro Couto dos Santos julga que Portugal se esgota nas rotas internas das companhias aéreas Portugália ou LAR e na linha do Norte, quando atravessada pelos comboios Alfa.
Tal como dizia Almeida Garrett, se agora vivesse, «para descobrir Portugal nem precisaria de sair do distrito do Porto».
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A EXPO/98 (Exposição Internacional de Lisboa) terá como tema central «Os Mares», onde os Portugueses foram mestres e protagonizaram a grande gesta dos Descobrimentos.
Estamos plenamente confiantes no sucesso que este empreendimento irá ter e que, pela sua dimensão internacional, será acompanhado, apoiado e participado por toda a Nação Portuguesa.
Este acontecimento, que será da mais relevante importância, vai constituir, estamos certos, o ponto alto das Comemorações dos Descobrimentos.
A exemplo do que vimos nos espanhóis, a EXPO/98 deverá ser motivo de orgulho, de mobilização de vontades nos mais variados extractos da sociedade e de afirmação perante a opinião pública internacional. Devemos - e podemos - mostrar a capacidade dos portugueses de outrora... e a dos portugueses de agora.
Para o êxito da EXPO/98 pouco deverão importar-nos as conjecturas de quem, na altura, seja Governo. Importa, sim, que haja agora capacidade de decisão para levar por diante o projecto e, na devida altura, afirmarmos a nossa vitalidade como Nação e como País e demonstrarmos, fielmente, a nossa identidade histórica e cultural, que nos define como povo tolerante, multirracial e pluri-continental.
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Em 1998, teremos também oportunidade de demonstrar que, após um quarto de século de vivência em regime democrático, os Portugueses sabem olhar para o seu passado com orgulho, sem esquecerem a sua perspectiva de progresso e de modernidade.
Teremos, então, oportunidade de demonstrar que sabemos posicionar-nos perante os valores ocidentais da liberdade e da democracia, conquistada em 1974, orientando esses mesmos valores, permanentemente, para a reconstrução de um país, pequeno, é certo, mas em esforço constante para a valorização do homem como meta e objectivo de toda a nossa acção política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: quando queremos celebrar os Descobrimentos, os mares e os oceanos ou o fenómeno da expansão, que espalhou um povo, numericamente pequeno mas de alma grande, pelos imensos novos mundos, temos de ter a perspectiva histórica de como e onde tudo começou.
De pouco ou nada valerá agora a análise das causas ou motivações históricas da expansão, querela permanente entre historiadores e investigadores que, de acordo com o seu posicionamento ideológico à luz da ciência política contemporânea, ora apontam para a divulgação das virtudes da fé de Cristo como salvação das almas, ora apontam para os vícios terrenos e apetências de ordem material.
O Algarve está, indissociavelmente, ligado à epopeia dos Descobrimentos Portugueses e, com particular incidência, a zona do Barlavento, designação esta, aliás, que lhe foi conferida pela Escola de Sagres onde se ensinava a «arte de bem navegar» e que tem a ver com o regime e a intensidade dos ventos que se fazem sentir nessa zona algarvia.
A cidade de Lagos e a vila de Sagres, já outrora «Vila do Infante», situadas no extremo barlaventino do Algarve, desempenharam um papel decisivo e inegável na preparação, nos ensaios e na concretização dos Descobrimentos.
Esta constatação é um facto histórico amplamente reconhecido em inúmeros estudos e artigos elaborados por respeitados e reputadíssimos autores, alguns publicados pela própria Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses na sua revista Oceanos (v. edição n.° 5, de Novembro de 1990, e outras).
Assim, partindo de toda uma realidade histórica, venho aqui, a esta tribuna, chamar a atenção de todas as entidades e organismos responsáveis para que nas Comemorações dos Descobrimentos, especialmente com a EXPO/98 a realizar em Lisboa, se faça não só a ligação dos factos históricos mas se proporcione que Sagres e Lagos venham a ser verdadeiros pólos complementares de animação e de atracção da Feira Internacional de Lisboa, em 1998.
Trata-se, afinal, de potenciar ainda mais a importância da EXPO/98 e do tema «Os Mares» não confinando apenas essa Exposição a Lisboa, onde oficialmente terá de ser realizada, mas conferindo-lhe uma dimensão verdadeiramente condizente com a autenticidade histórica e geográfica.
A ideia aqui defendida não iria, de modo nenhum, bulir com todo o projecto já aprovado na nossa candidatura para a EXPO/98 em Lisboa e que, em boa hora, obteve vencimento.
Como já disse - e convém sublinhar - um projecto autónomo para Lagos e Sagres constituiria dois pólos complementares de animação e de divulgação e sortiria um efeito duplamente benéfico: para a EXPO/98, propriamente dita, a funcionar em Lisboa, que ganharia, seguramente,
com visitas acrescidas das muitas centenas de milhares de turistas que, no Algarve, se sentiriam aliciados para visitar a capital; para os visitantes vindos expressamente para a EXPO/98 que, apercebendo-se da importância estratégica das localidades do Algarve no tema da exposição, seriam tentados a conhecer e a visitar esses centros históricos.
Haveria, assim, um verdadeiro intercâmbio de grandes massas de visitantes, com vantagens evidentes sob p ponto de vista económico e de divulgação da nossa oferta turística.
Esta nossa intervenção não constitui uma mera reivindicação de capelinha ou um qualquer bairrismo exacerbado. A nosso ver, é um projecto perfeitamente lógico e exequível, tendo em atenção os benefícios que todos poderemos vir a colher.
Toda a gente sabe - e é perfeitamente consabida - a urgência que há em perspectivar para a nossa indústria turística uma profunda alteração qualitativa e uma necessária diversificação da nossa oferta face ao mercado que pretendemos conquistar. Vastos e importantes segmentos desse mercado turístico com maior qualidade terão de ser atraídos, através de uma oferta que não se limite apenas ao Sol, à água e à qualidade das nossas praias.
Para já, será de considerar prioritário delinear um programa bem elaborado e planeado de investimentos estratégicos a executar, tendo em vista a valorização e recuperação de todo o vasto património monumental e ambiental existentes nos concelhos de Lagos e de Vila do Bispo.
A concretização do projecto anunciado pelo Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território da construção em Lagos do «Parque das Descobertas» teria, agora, a magnífica oportunidade de concretizar-se.
Trata-se de um grandioso espaço, destinado a dar a dimensão exacta da nossa presença no mundo através dos Descobrimentos e da Expansão que se seguiu, conferindo a esse parque múltiplas funções e equipamentos, que constituirão uma grande mostra permanente para visitantes e residentes.
A intensa e significativa vida cultural que se observa em Lagos, autêntica capital da cultura no Algarve, agora ainda mais valorizada com a recente inauguração do Centro Cultural de Lagos, construído pelo actual executivo da Câmara Municipal, é um equipamento com dignidade para utilizar como um verdadeiro fórum para debates, conferências, exposições e espectáculos de carácter lúdico e cultural.
Em Sagres, a recuperação e valorização de todo o seu património monumental e a construção do Museu das Descobertas são já grandes investimentos em curso que podem e devem ser optimizados em 1998, ponto alto das Comemorações.
Sob o importante ponto de vista das acessibilidades, o Algarve disporá, em 1998, de toda a Via do Infante já construída, atravessando o Algarve de Vila Real a Sagres, e, espera-se, da auto-estrada Lisboa-Algarve. Estão ainda em fase de estudo e projecto outras importantes vias, o que indicia, claramente, a viabilidade de associar Lagos e Sagres ao grande acontecimento da EXPO/98.
Há que reconhecer, no entanto, que, apesar dos grandes investimentos que o Governo está a fazer, se verifica a existência de grandes carências em Sagres e em todo o concelho de Vila do Bispo.
Impõe-se, naturalmente, a continuação do esforço do Governo em investimentos no concelho de Vila do Bispo,
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mas, infelizmente, não se vislumbra, por parte do actual executivo camarário, uma desejada dinâmica capaz de conduzir o município na senda de um verdadeiro plano de desenvolvimento global e integrado.
Em Vila do Bispo urge, a nosso ver, uma profunda alteração de conceitos e uma melhor visão que potencie novos e rasgados horizontes, com projectos válidos, credíveis e exequíveis para o futuro próximo e que se pretende implementar.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tudo aquilo que aqui deixámos registado exige um projecto a pôr em prática conjuntamente pelo Governo, pelas autarquias, pelos organismos responsáveis pelas Comemorações dos Descobrimentos e pela sociedade civil algarvia.
Não aproveitar esta oportunidade seria desperdiçar um momento propício e único para darmos uma verdadeira dimensão a 1998, tendo em vista interesses de âmbito verdadeiramente nacional no campo histórico, cultural, social e económico.
O aproveitamento do Algarve, e pelo Algarve, da EXPO/98 viria, afinal, a ser um contributo positivo para todos, além de fazer-se a ligação coerente com a verdade histórica dos pontos de partida que Lagos e Sagres significaram para a construção da universalidade da nossa história.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que o Sr. Deputado António Lobo Xavier já se encontra presente no Plenário, concedo-lhe de imediato a palavra, para fazer uma declaração política em nome do CDS.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É uma prática parlamentar, com longa tradição, que os Deputados dos partidos políticos aqui representados tragam ao conhecimento dos seus pares as principais conclusões políticas tomadas nos respectivos congressos.
E no seguimento desta tradição que me cabe hoje referir a revisão do programa do CDS/Partido Popular e dos seus estatutos, que teve lugar no XI Congresso Extraordinário, realizado, no último fim-de-semana, na Póvoa de Varzim.
Seria ocioso repetir, hoje e aqui, as grandes e profundas transformações políticas, económicas e sociais que se operaram no mundo, na Europa e em Portugal nos últimos 15 anos, circunstâncias que obrigaram quase todos os partidos a rever os seus programas. Também assim sucedeu com o CDS, que, sob o lema «Por um Partido Popular», debateu várias propostas submetidas à apreciação da magna assembleia, tendo votado um texto que incorpora diversas contribuições apresentadas pelos seus filiados, tanto do ponto de vista global como sectorial.
É minha obrigação recordar, hoje, o tempo em que foi fundado o CDS. São da pena de um antigo Deputado, Adelino Amaro da Costa, estas palavras: «Os fundadores do nosso partido -homens e mulheres de alta coragem cívica - eram pessoas que, em mais de 95 % dos casos, jamais tinham tido qualquer experiência política. E aqueles, poucos, que, de alguma forma, tinham tomado posições sobre a vida colectiva dos Portugueses, tinham-no normalmente feito numa posição crítica de inconformismo ou, pelo menos, de desejo profundo de renovação e modificação das condições em que se processava a vida colectiva dos Portugueses.»
Fundado, de facto, a 19 de Julho de 1974, o CDS foi o segundo partido político a requerer a sua legalização junto do Supremo Tribunal de Justiça, com o programa publicado nesse ano de 1974, na fórmula de texto provisório, para ser discutido pelos membros do partido e pela opinião pública.
Os estatutos do partido foram também elaborados nessa altura. Como todos se lembram, a situação política estava então longe de ser clara, os acontecimentos eram imprevisíveis e o CDS era, ele próprio, objecto de ataques e saques por parte de organizações de extrema-esquerda.
Assim, o caminho percorrido pelo nosso partido é indissociável da história contemporânea portuguesa. Nestes 17 anos estivemos na oposição e no governo, fomos aliados do Partido Socialista quando as condições económicas, designadamente a crise cambial, se ligavam directamente ao facto de se tomar necessária a assinatura de um acordo entre Portugal e o FMI e de o PS, nessa altura, não desejar assumir sozinho tamanha responsabilidade. Acompanhámos depois a Partido Social--Democrata na Aliança Democrática, desde 1979 a 1983.
A resistência do CDS contra as tentativas da sua destruição e o seu confronto com o totalitarismo que o comunismo procurava impor, por todo o chamado «Verão quente», marcou, decisivamente, a alma do partido e granjeou-lhe o respeito de todos aqueles que, por este país fora, participaram neste combate político.
Foi o CDS quem defendeu, desde o seu aparecimento, a opção pela economia de mercado, incluindo nela a vertente da solidariedade social inerente à concepção humanista de matriz cristã. A declaração de princípios do nosso partido mantém toda a sua actualidade e constitui para nós, democratas cristãos portugueses, uma referência permanente.
Como se disse, o mundo mudou: «O que os Portugueses hoje discutem, querem saber e precisam é muito diferente do que discutiam, queriam saber e precisavam há 17 anos. Os problemas políticos, sociais, económicos e morais são outros: já não é necessário discutir a revolução, mas é urgente tomar consciência da crise de representação nas democracias; já não é necessário discutir a Comunidade Europeia, mas é necessário discutir a arquitectura política e institucional que a União Europeia terá na próxima década; já não há necessidade de um discurso ideológico, mas tem nova pertinência o combate de valores numa vida política dominada por agentes tecnocráticos e valores éticos; já não é absoluta a clivagem entre políticas económicas keynesianas e liberais, mas tem cada vez mais importância a diferença entre os que fazem dos impostos o instrumento da socialização do País e os que, como nós, pretendem construir uma sociedade onde os direitos de propriedade, com a sua função social, sejam eficazmente protegidos e democratizados ao maior número; já não faz sentido consagrar o direito universal aos bens sociais, como a saúde, a educação e a segurança social, mas importa clarificar a alternativa entre o Estado assistencial e uma sociedade com efectiva liberdade de escolha; já é pouco provável o regresso dos agricultores portugueses ao perigo da colectivização, mas está em causa a transformação do homem da terra em pensionista forçado.» Citei, nestas palavras, os conceitos nucleares do novo programa.
O CDS/Partido Popular, como passa doravante a ser designado, assume, expressamente, um claro compromisso com a sua raiz democrata cristã, porque a defesa da democracia cristã em Portugal é, actualmente, um combate de valores e o repúdio da violência, da xenofobia, dos fundamentalismos ou dos integrismos religiosos, dos preconceitos rácicos. O CDS/Partido Popular assume-se
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como partido nacional, sem confundir-se com formas erradas de internacionalismos, sempre solidário com todas as correntes de pensamento e partidos europeus que buscam, na solidariedade dos povos e nas suas nações, a paz, o progresso e o bem-estar do homem, da família, e das comunidades local, regional, nacional, europeia e internacional.
O CDS/Partido Popular assume-se como um partido colocado à direita do PSD, tanto no espectro nacional como no arco constitucional, e é uma alternativa para o Governo do País, com um diferente projecto político de mudança. Como partido democrata cristão, contribuirá para a realização plena de cada indivíduo e para a autonomia da sociedade perante o Estado e não admitirá o cerceamento às liberdades fundamentais, sejam elas políticas, económicas, sociais ou culturais. Defende que a verdadeira liberdade de expressão e de pensamento só existirá quando o Estado se retirar do aparelho ideológico, pondo fim ao Estado propaganda e ao Estado-cultura através da devolução à sociedade e à iniciativa privada ou cooperativa de todos os meios audiovisuais, sem excepção.
O sistema de liberdades passa, igualmente, pelo combate decidido às formas de contolo dos direitos individuais e da sociedade, vindas de autoridades políticas não democraticamente sufragadas. O partido quer reabilitar o papel da família na decisão social, especialmente nos domínios da educação, saúde e segurança social. O Estado tem a obrigação de apoiar, mas não deve chamar a si o poder de decidir. Só a sociedade será livre para escolher. Daí que o CDS/Partido Popular tenha um conceito do Estado, que é o conceito de Estado útil e não o de um Estado empresário, de um Estado gestor, de um Estado agricultor ou de um Estado comerciante. Pretendemos que o Estado defina uma clara estratégia nacional, repensando a sua defesa em função de um conceito estratégico novo e credível, prévio a qualquer reorganização de efectivos.
O Estado social, para nós, é o que garante a liberdade de escolha das famílias e presta serviços onde o sector privado não for suficiente. Queremos o Estado a reconhecer o património e o ambiente como valores superiores e instituindo prioridade para a sua preservação.
A Administração Pública precisa de dispor de racionalidade entre recursos e fins, pondo termo às clientelas partidárias. Por isso, como já sucedeu noutros países democráticos, propomos uma auditoria independente para apontar critérios de racionalidade. Um partido popular é um partido de mobilidade social e de elevação por mérito, seja em que domínio for.
Queremos pôr termo à confidencialização do processo político. Embora os partidos políticos sejam o susbtracto e os alicerces do Estado democrático, não podem fazer com que o Parlamento assuma o monopólio de todas as formas de expressão popular, em conformidade com o princípio da subsidiariedade na ordem interna com o reforço de todos os cornos independentes do Estado na decisão pública. Para nós o referendo deve ser um meio para conhecer a vontade popular nas grandes questões de soberania, nas questões estruturantes do regime e nas superiores questões de consciência. É importante a consagração do novo sistema eleitoral, de modo a individualizar a responsabilidade política, reforçar o controlo democrático dos eleitores sobre os eleitos e impedir o pendor para a democracia dos directórios partidários.
Como partido europeísta, consideramos que o futuro de Portugal está, inequivocamente, associado ao processo de
construção, ao aprofundamento e ao alargamento da Comunidade Europeia como grande espaço de paz e de progresso.
A relação de Portugal com os PALOP e com o Brasil deve, por outro lado, fazer-se de Estado a Estado, mas o seu desenvolvimento deverá estar subordinado a rigorosa análise de três critérios importantes: o respeito pelos direitos humanos; a convergência de interesses entre Portugal e cada um deles; a salvaguarda da democracia e da liberdade. Somos firmes na defesa do atlantismo, que consideramos um elemento decisivo, não apenas de independência histórica do País como de definição permanente da sua doutrina diplomática e de conceito estratégico nacional.
A educação, como suporte de formação integral da personalidade, é um factor estratégico de desenvolvimento real, social e económico do País. E um bem, em si mesmo, que não está subordinado a meros critérios de rentabilidade. É o instrumento, por excelência, para assegurar a continuidade nacional. Não há identidade nem cultura nacionais sem o conhecimento do que fomos no passado e sem o código eficaz e distintivo da comunicação.
No domínio económico optamos pelo livre jogo económico do mercado porque ele. garante a liberdade individual e potencializa as capacidades produtivas, a necessidade de consumo de cada indivíduo. Mais economia de mercado e menos Estado na economia é o lema do partido, porque julgamos ser essa a única forma de conseguir o aumento sustentado da riqueza nacional e, por conseguinte, de todos e de cada um dos portugueses.
A questão fiscal é decisiva para o direito das liberdades e, por isso, uma das grandes prioridades é o combate à socialização de Portugal através do imposto.
Finalmente, de acordo com os princípios da democracia cristã, o CDS/Partido Popular defende a solidariedade com os novos pobres do mundo, que incluem os povos da geografia da fome, os povos tratados como dispensáveis, como sucede com os Timorenses e com os estratos sociais marginalizados pelo desenvolvimento.
Para a definição da nova ordem internacional adopta o CDS a Mensagem de Assis como ideal e a Nova Agenda para a Paz do Secretário-Geral da ONU como programa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Longe dos radicalismos de que falam alguns, longe da procura de descontentamentos marginais de que falam outros, está aqui a prova de um esforço de renovação e de adaptação às novas realidades do País e do mundo. Esforço que, é bom salientá-lo, é empreendido por muitos que, se não têm no seu currículo longos anos de prisão nas cadeias do antigo regime, têm, no entanto, um longo passado, enquanto jovens, de defesa da democracia e de luta contra o totalitarismo, por vezes à custa do seu próprio corpo. A uns deixamos a esperança de terem quem os represente, a outros entregamos o ónus da prova de que, por sermos frontais, estamos fora do sistema.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Maciel e Silva Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Maciel.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier: Na pessoa de V. Exa. cumprimento o CDS saído do seu último congresso e os seus novos dirigentes. Faço-o democrática e respeitosamente, como partido parlamentar que é.
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Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, gostaria de reflectir consigo sobre três conceitos que me parecem importantes no presente contexto político em que o CDS está a inserir-se: CDS, partido das liberdades; CDS, partido popular, e CDS, na minha opinião, em conflitualidade geracional.
Permita-me, Sr. Deputado António Lobo Xavier, que reflicta sobre o conceito de conflitualidade geracional. Todos os partidos têm os seus espaços institucionais criados, para que as novas gerações consigam interactuar com as gerações políticas mais experientes. O PS tem esse espaço na Juventude Socialista e o PSD na Juventude Social-Democrata. E é perfeitamente legítimo que os políticos mais novos queiram unir esforços com políticos mais experientes para conduzir, com mais sucesso, os respectivos partidos. Todavia, no CDS, parece-me que está a ocorrer algo de muito grave: uma conflitualidade fratricida entre os jovens e os políticos mais experientes. Gostaria que o Sr. Deputado António Lobo Xavier se referisse a esse aspecto, porquanto não está a haver uma inserção salutar e sadia entre os vossos quadros políticos, mas, sim, uma guerrilha aberta entre os jovens políticos e outros políticos, que já deram muito ao País e que podiam continuar a dar muito ao CDS.
CDS, partido das liberdades. A expressão «partidos das liberdades» partiu, em Portugal, do PCP. Essa expressão tem um autor: o Dr. Álvaro Cunhal. E que liberdades, Sr. Deputado António Lobo Xavier? Pensa quê Portugal está carente de liberdade? Pensa que não há liberdade em Portugal? Que liberdades quer o CDS? Que liberdades pensa o CDS estarem em crise, em Portugal?
CDS/Partido Popular a palavra popular também já tem autor. Quererá o CDS apropriar-se da sigla PPD para conseguir o êxito que tivemos? Quererá o CDS, com a expressão popular, apenas popularidade? Será que, afinal, «partido popular» é uma alísia de popularidade, que tem de ser imediatamente traduzida em votos? Pensamos que a palavra popular é suficientemente importante e profunda para não ser mal utilizada. Portanto, gostaríamos que o CDS nos esclarecesse acerca dos intuitos que tem ao utilizar a expressão popular, porquanto, ao afirmar-se como partido de direita, como partido das liberdades, poderão instalar-se no nosso espírito algumas comparações que queremos rejeitar e que têm paralelo noutros países europeus.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, conflitualidade entre gerações patente, partido de liberdades duvidosas e um partido popular com ânsia apenas de popularidade a todo o custo são questões que preocupam o PSD.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Lobo Xavier, havendo mais um orador inscrito para pedir-lhe esclarecimentos, V. Exa. deseja responder já ou no fim?
O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, também quero dar as minhas saudações à nova direcção do CDS/PP.
Sr. Deputado António Lobo Xavier, o problema subsiste: qual é verdadeiramente o novo CDS? Ao ouvi-lo, ao seguir o seu discurso, apresentado como um discurso que trazia as novas propostas do CDS, dei comigo na tentação de subscrever tudo o que o Sr. Deputado disse. Por isso, perguntamo-nos: afinal, qual é o novo CDS? O que é que o diferencia? O que é que o marca? É claro que o Sr. Deputado, possivelmente, não poderá responder a estas questões, porque, no meu modesto papel de observador político, presumo existir uma considerável diferença entre a direcção do CDS e outros dos seus militantes, mesmo os mais distintos, e, se me permite, admito essa hipótese relativamente ao Sr. Deputado - e, ao dizer isto, não estou a questionar a sua idoneidade ou a sua seriedade, mas somente a tentar interpretar os factos. Qual é o CDS? Qual é o seu discurso? Qual é a sua nova
A nova direcção do CDS tentou - e conseguiu-o no plano estritamente jornalístico - uns momentos de primeira página, uns momentos na boca do palco. E fê-lo
- tivemos oportunidade de comentá-lo- através da forma mais fácil, negativista e demagógica. Esperava-se que essa nova direcção do CDS entrasse numa fase afirmativa, mas isso é mais difícil. Por isso, perguntamos: qual é, afinal, a nova mensagem do CDS? A de V. Exa. não é nova, nem sequer pode ser especificamente do CDS - eu, modestamente, subscrevê-la-ia.
Aguardava-se - e, pessoalmente, segui o XI Congresso do CDS para ver o que daí saía de novo - o partido da direita e, como vê, Sr. Deputado, saiu ò partido de centro-direita, frustrando essa expectativa; aguardava-se o partido da austeridade contra a moleza da classe política, mas também desapareceu esse fulgor inicial e fiquei surpreendido que tão jovens dirigentes políticos se deixassem assimilar num tão curto espaço de tempo; esperava-se o partido corrector dos excessos, da supremacia da lógica partidária sobre o cidadão, o indivíduo e, inclusive, o Deputado, mas o que surgiu foi o ímpeto contrário, um ímpeto, se me permite, esquerdista - de facto, o que consegui reter de parte das declarações do líder do seu partido é que ele quer propor uma alteração legislativa que retire ao Deputado mesmo o último grão da sua individualidade e, sobretudo, da especificidade do seu mandato.
Posto isto, julgo que é legítima a minha questão: qual é, afinal, a mensagem do CDS? Esperava-se um partido antifederalista e nacionalista, mas, repentinamente, desapareceu o fulgor nacionalista e ficou-se a gaguejar perante a questão federalista.
Sr. Deputado, será excessivo da minha parte concluir que, afinal, a única coisa nova é o PP? E, mesmo aí, com que dificuldades interpretativas? O que quererá dizer esse PP?...
Risos do PSD.
Não vou ao ponto da malvadez de um jornalista, que alvitrou que esse PP quisesse dizer Paulo Portas, porque seria um comentário talvez descabido,... mas quererá dizer «partido pequeno»? Ou «partido partido»? Admito que esta última seja a interpretação mais razoável, porque, depois de tantos e tão variados discursos, o partido está muito longe de ficar inteiro!...
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
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O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado Mário Maciel.
O Sr Deputado Mário Maciel esteve pouco atento. V. Exa. saudou a eleição de uma nova direcção do meu partido e agradecemos-lhe, como se as coisas se tivessem passado assim -, mas, de facto, não houve eleições de novos dirigentes. No entanto, aproveito a oportunidade para dizer-lhe que um dos aspectos surpreendentes do XI Congresso foi a participação é o interesse contínuo dos militantes do partido por uma questão programática, de estatutos, sem haver cargos para distribuir, nem problemas de poder. Não sei se noutros congressos de outros partidos, designadamente do seu, poderia haver ordem, calma e sala cheia, se não houvesse lugares para atribuir a quem quer que fosse.
O segundo aspecto que quero focar é o seguinte: o Sr. Deputado queixa-se do facto de, na minha intervenção, eu ter falado nas liberdades, interrogando-me acerca da necessidade de referir isso, já que a liberdade não está ameaçada. Como se os programas dos partidos só tivessem de mencionar tudo o que está ameaçado! Não compreendo essa sua ideia!
É evidente que um partido, ao estabelecer o seu programa e afirmar os seus princípios, fala nas liberdades. E as liberdades, ao contrário do que o Sr. Deputado sugere, estão muitas vezes em crise, mesmo em momentos tranquilos do sistema democrático.
Na última Legislatura dissemos, amiúde, que havia diminuição das liberdades, designadamente da oposição, através da ocupação dos meios de comunicação social públicos. É que, apesar de haver um sistema democrático, em funcionamento normal, nunca é demais continuar a lutar pelas liberdades!
A terceira observação que quero fazer tem a ver com a tal questão do conflito gerational. O Sr. Deputado identifica a salda de três ou quatro militantes do partido que quiseram seguir a sua vida e que, porventura, em média, são mais velhos do que aqueles que hoje dirigem o partido com uma questão geracional. Essa é uma visão apressada e pouco cuidadosa, porque o Sr. Deputado não confronta os fundadores do partido e as pessoas de idade média - e não sei quais são os seus marcos de idade - que se mantêm no partido, para além dessas três ou quatro pessoas ilustres que resolveram seguir a sua própria vida privada. Não existe qualquer conflito de gerações! Porventura, se o Sr. Deputado quisesse incomodar-me, poderia dizer que existiu um conflito ideológico protagonizado por figuras políticas que marcaram a vida do CDS. Desse modo, talvez me embaraçasse. Agora, essa questão do conflito de gerações tem tão pouco significado no quadro da vida do meu partido que não merece grande resposta.
O Sr. Deputado perguntou, depois, qual o significado que atribuímos à expressão «partido popular». Ao Sr. Deputado Silva Marques - que também se referiu a esse aspecto - diria - se pudéssemos, de vez em quando, ser malcriados, nesta Câmara - que pode significar outras coisas, além daquelas que V. Exa. aqui mencionou, dirigidas a quem brinca com isso. Além do mais, devo dizer-lhe que, tanto quanto sei, não é costume, nesta Câmara, fazer chacota ou brincadeira com os nomes dos partidos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Ainda a propósito da alteração do nome do meu partido, quero dizer-lhe, Sr. Deputado Mário Maciel, que V. Exa. está completamente enganado no seguinte: julga que, por ter havido um PPD, é o dono da designação «partido popular» e que nós a fomos copiar só para termos êxito?! Deus nos livre de copiar algo do PPD/PSD! Aliás, se alguém copiou alguma coisa foi o PPD! É que a expressão partido popular é a designação clássica, na Europa, da democracia cristã. Portanto, esta alteração significa apenas o assumir dessa tradição clássica. O Sr. Deputado Silva Marques esperava muitas coisas. Não sei se de mim, se do CDS,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Do CDS!
O Orador: -... mas ficou desiludido, porque nós não falámos contra o federalismo nem contra a Europa e não nos afirmámos radicais nem ultradireitistas. O Sr. Deputado, afinal, queria era «encher-se de gozo» com uma vaga de disparates e de insensatez que tivessem passado pelo meu partido. Mas isso não aconteceu, nem estava para acontecer. Quem desejava a ruptura ideológica e quem criou o ambiente para que se pudesse antever essa ruptura foram pessoas como o Sr. Deputado Silva Marques, mas ela não tinha de acontecer, não estava para acontecer e, nem por o senhor a querer muito, nós a fizemos no nosso congresso.
Houve modificações políticas? Se quiser referir-se a uma ruptura política e a uma modificação de estilo político, com certeza. Agora, tudo aquilo que esperava, graças a Deus, não se verificou! E, enquanto tudo o que o Sr. Deputado esperar do nosso partido não se verificar, estamos no melhor dos mundos!
Para finalizar, quero dizer-lhe que o Sr. Deputado também não ouviu com atenção o meu discurso. Falei da moralização da classe política, do fim dos directórios e do fim do poder sobre os directórios. Assim sendo, julgo que o Sr. Deputado estava à espera de ouvir coisas de mais.
Quanto ao problema do federalismo, pergunto-lhe qual o partido, de entre todos que têm assento nesta Câmara, que já o resolveu. Quem é que já decidiu qual a posição definitiva a tomar quanto à questão do federalismo? Por que razão teríamos de ser mais lestos na resolução de um problema que os senhores não resolveram?!
No entanto, julgo que, com o contributo do meu colega de bancada, Sr. Deputado Adriano Moreira, adiantámos muito nesse caminho, com êxito e com um motivo de esperança para nós.
De qualquer forma, agradeço as questões que ambos me colocaram.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, os Srs. Deputados são designados por dois nomes - o meu primeiro nome é Mário, pelo que agradecia que a Mesa me tratasse por Mário Maciel, caso seja possível.
O Sr. Presidente: - A Mesa terá isso em conta. No entanto, dado que a falha foi minha, peço desculpa por esse facto.
Terminou esta primeira fase do período antes da ordem do dia. Teremos agora de proceder a votações: há um voto que vem de uma sessão anterior, apresentado por Deputados do PS.
Sr. Deputado Duarte Lima, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, creio que não terá sido solicitado à Mesa que fosse, como deveria ter sido, agendado este voto com um tempo mínimo para discussão, antes da respectiva votação.
Parece-nos que não se trata de um voto qualquer, porque se refere a uma comunicação escrita e publicada num jornal sobre uma situação tão delicada como é a de Angola, pelo que gostaria de poder - caso haja consenso da Câmara, se outros partidos tiverem idêntica vontade - ter oportunidade de expressar a opinião do meu partido quando emitir o nosso voto sobre esta matéria. Obviamente que sabemos que não terá sido pedido pêlos outros partidos tempo para esta discussão, mas proponho que seja concedido pelo menos o tempo mínimo, três minutos a cada partido, pois penso que se justificaria, numa matéria tão importante, saber da motivação de cada um de nós relativamente a este voto.
O Sr. Presidente: - De facto, não houve debate sobre este voto, apresentado na sessão anterior. Assim, a Mesa propõe que sejam concedidos três minutos aos grupos parlamentares para intervenções.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, nestas coisas há um paralelismo e não vemos justificação, neste momento, para se debater um voto tão claro - cada um votará como entender.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, a nossa opinião é a de que se justificava porque o voto não é, de facto, claro nem a situação é clara. Achamos insólita, mas respeitamos, obviamente, nem poderia ser de outra forma, a posição do PS de ter apresentado tão rapidamente um voto sobre as declarações do Sr. Presidente da República e, agora, não querer fundamentá-las.
Nesse caso, faremos por escrito a fundamentação da nossa posição nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Queria apenas dizer que, dado que o voto passou da anterior sessão para esta, todos tiveram a oportunidade de reflectir sobre isto. Além disso, existe a figura da declaração de voto por escrito, através da qual todos poderão justificar a maneira como reagiram a esta matéria.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, muito rapidamente, face à solicitação feita pelo PSD, de tempo que necessitaria para explicitar a sua posição de voto e para analisar as motivações que levaram o PS a apresentar este voto, gostaria de dizer que, pela nossa parte, votaremos esta matéria pela sua parte conclusiva, independentemente das motivações, tal como fazemos em relação a todos os outros votos e às motivações que possam ter estado na base da respectiva apresentação.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Deixe-se de lirismos!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, queria dizer que, de qualquer forma, independentemente do meu sentido de voto, que vai ser favorável, considero lamentável que o PS não permita o debate do voto proposto - deste ou de qualquer outro. Penso que é sempre adequado que, nesta Câmara, haja uma discussão clara sobre as motivações dos Deputados dos diversos partidos.
O Sr. Presidente: - O problema que se coloca à Mesa, e que a Mesa coloca à Câmara, é o de que não dispõe de tempo no período antes da ordem do dia porque foi esgotado na fase anterior - aliás, quase todos tinham tempo negativo.
Em termos regimentais, o n.° 3 do artigo 77.°, uma vez que foi adiada a discussão e votação deste voto da sessão anterior, obrigava a Mesa a dar aos grupos parlamentares um tempo para intervir na discussão desta matéria - mas, segundo o Regimento, esse tempo é deduzido no tempo global disponível pêlos partidos.
Ora, dado que esse tempo global já não existe, somente com a concordância de todos a Mesa poderia proceder da forma solicitada.
Nestes termos, não havendo assentimento de todos, não haverá discussão porque não há tempo, pelo que passamos à votação, sem prejuízo de cada grupo parlamentar expressar por escrito o que entender sobre a posição que irá tomar.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.° 58/VI, apresentado por Deputados do PS.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes, dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do CDS.
Era o seguinte:
O Presidente da República acaba de publicar um apelo à paz em Angola.
Dificilmente poderia ter sido mais impressivo e veemente.
Portugal não pode de facto assumir uma postura resignada ou neutral em face do recomeço da guerra entre irmãos, agora mais injusta, porque mais dispendiosa em esperança e em vidas.
Angola não pode, com Portugal como espectador, ser afogada em sangue.
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Na sequência da posição clara e responsável assumida pelo Presidente da República, a Assembleia da República não pode deixar de se associar aos esforços para uma paz rápida em Angola.
Os Deputados abaixo assinados propõem à Assembleia da República o seguinte voto:
A Assembleia da República, interpretando os sentimentos dos Portugueses, que legitimamente representa, deplora e condena o recomeço da guerra em Angola, em detrimento do projecto de democratização daquele grande país irmão, e faz um apelo veemente aos que lutam para que de novo deponham as armas e retomem o diálogo democrático no respeito dos acordos de paz e dos resultados das últimas eleições. Um apelo à liberdade e à vida em substituição da sujeição e da morte.
Srs. Deputados, terminámos o período antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 40 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados vamos começar pela leitura de um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos. Para o ler, tem a palavra o Sr. Deputado Secretário da Mesa, Caio Roque.
O Sr. Secretário (Caio Roque): - Trata-se do relatório n ° 58, no qual foi observada a substituição, solicitada pelo Grupo Parlamentar do PSD, do Sr. Deputado Álvaro Barreto por Francisco José Fernandes Martins; foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis e, finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer.
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Dado que não há pedidos de inscrição, vamos proceder à votação do relatório que foi lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do
PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão do inquérito parlamentar n.° 7/VI - Apreciação dos critérios de avaliação e processos de privatização das empresas públicas (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na passada semana, o PSD apresentou e fez aprovar um inquérito parlamentar que tem como objecto de facto as declarações de uma jornalista sobre eventuais actos de corrupção para os quais, segundo a própria, não existirão possibilidades de prova. Para justificar esse pedido de inquérito parlamentar, o PSD alegou, nomeadamente, a necessidade da «constante responsabilização dos titulares dos cargos políticos e da exigência de transparência da actuação da Administração e dos seus responsáveis».
Na oportunidade, o Grupo Parlamentar do PCP questionou, sustentadamente, que a motivação e o objectivo desse inquérito parlamentar assentassem, de facto, em genuínas preocupações de transparência da actuação da Administração e de moralização do Estado, fundamentalmente por duas razões.
Em primeiro lugar, porque o PSD escolheu para o efeito um facto «em que não há qualquer documentação, factos ou pistas de investigação, já que a única pessoa que referiu o caso diz, ela mesma, que não é possível demonstrá-lo».
Em segundo lugar, porque o PSD noutras ocasiões se tem oposto e tem inviabilizado inquéritos parlamentares suscitados por denúncias da comunicação social em que, aí sim, há factos e documentação que podem ser efectivamente averiguados e que indiciam fortemente a nebulosidade da actuação da Administração, a existência de compadrios económicos e políticos e de «fumos de corrupção».
Caso paradigmático de situações desta natureza e de posições obstrucionistas do PSD é o pedido de inquérito parlamentar apresentado pelo PCP e tendo por objecto a «apreciação dos critérios de avaliação e processos de privatização. de empresas públicas». Esse inquérito parlamentar foi recusado pelo PSD em 25 de Junho de 1992. Julgamos oportuno, neste momento, repor esse mesmo pedido de inquérito. Porque aqui há factos que, suscitando legitimamente a questão da honestidade de processos e actuações, podem ser efectivamente investigados e analisados.
Vejamos alguns, e apenas alguns, desses factos.
Primeiro facto: na sua edição de 12 de Dezembro de 1990, o Semanário Económico escrevia - «a retoma do controlo da Tranquilidade pelo Grupo Espirito Santo custou 18 milhões de contos [...]. Ricardo Espírito Santo Silva Salgado explicou (ao Semanário Económico) que a seguradora tem potencialidades de crescimento, além de possuir reservas ocultas de valor superior a 2200$ por acção devido a uma subavaliação do património imobiliário (num montante global de 11 milhões de contos)».
Segundo facto: as declarações de António Champalimaud ao Expresso, após a aquisição da Mundial Confiança - «em termos de preço foi muito barato, porque paguei apenas 0,8 % a mais que o volume de prémios que a Companhia anualmente faz». E a notícia do Expresso continuava: «de facto, internacionalmente, o cálculo do valor das acções de uma seguradora representa, em média, duas vezes o valor anual dos seus prémios. Na prática, o novo accionista maioritário da Companhia pagou metade do valor considerado internacionalmente justo». Isto é, uma subavaliação da ordem dos 18 milhões de contos.
Terceiro facto: na sua edição de 7 de Novembro de 1992, o Semanário, sob o título «Império em saldo», denunciava - «a operação de privatização da maior seguradora portuguesa ameaça tornar-se num sucesso. Tudo porque a Império está subavaliada em 15 milhões de contos. São reservas ocultas que resultam da diferença, entre o valor real dos imóveis e o valor fixado pêlos avaliadores». Recorde-se aqui que o valor é fixado oficialmente pelo Governo.
Quarto facto: segundo múltiplos órgãos de comunicação social denunciaram no momento oportuno, incluindo entrevistas com os próprios, serviços do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, ainda nacionalizado, participaram activamente, durante as horas de expediente e aos seus balcões, na angariação junto dos clientes do (...)
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Banco de direitos de subscrição em favor do Grupo Espírito Santo. O Governo nada disse!
Quinto facto: o grupo privado que adquiriu o Banco Fonsecas & Burnay foi precisamente o mesmo grupo que procedeu à avaliação do banco para efeitos de determinação do valor de privatização. Isto 6, julgou em causa própria. E o Governo achou normal!
Sexto facto: quer no caso da Tranquilidade quer no da primeira fase de privatização do Banco Português do Atlântico (BPA), o Governo fixou os valores base de privatização a níveis inferiores aos propostos pélas empresas avaliadoras. As razoes do Governo continuam desconhecidas.
Ainda em relação ao BPA, há cerca de 15 dias um conhecido empresário do norte declarava perante as câmaras de um dos canais dá Televisão que neste momento não tinha disponibilidades financeiras para intervir na 3.a fase de privatização do Banco, e que, por isso, esse processo deveria ser adiado. Poucos dias depois, os órgãos de comunicação social noticiavam que o Governo decidira adiar a 3.a fase de privatização do BPA.
Sétimo facto: na privatização do Banco Tona e Açores (BTA) foi legalmente fixado um limite de 10% à participação de estrangeiros. Sucede que o banco espanhol BANES TO se reclama oficialmente proprietário de cerca de 49% do capital do BTA, facto, aliás, comprovado pelo Tribunal das Comunidades Europeias. Perante esta ilegalidade assumida, o governo do PSD desde sempre adoptou unia posição de mudo e quedo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Referi sete factos. Poderia referenciar muitos outros mais. Todos eles noticiados ou denunciados por jornalistas em órgãos da comunicação social. Mas todos eles se distinguindo do «caso da vírgula» num aspecto essencial: ao contrário, daquele, trata-se aqui de casos concretos cuja investigação é possível.
Para além do mais, com a reapresentação deste nosso pedido de inquérito, damos uma oportunidade ao PSD e ao Governo para emendarem a mão, para fazerem um acto de contrição por terem recusado este mesmo inquérito há cerca de um ano atrás.
E não precisam de nos agradecer a nova oportunidade que lhes oferecemos.
Porque o que motiva o Grupo Parlamentar do PCP é uma posição permanente ë coerentemente assumida de considerar a «constante responsabilização dos titulares dos cargos políticos e a exigência de transparência da actuação da Administração e dos seus responsáveis» como um «valor inestimável da democracia».
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Nas palavras, mas fundamentalmente nos factos e nos actos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, Srs. Deputados, queremos deixar desde já bem claro que o Grupo Parlamentar do PCP pretende que este inquérito seja feito, também ele, com toda a transparência e responsabilidade, de modo que não haja possibilidade de bloquear as investigações e de manipular as conclusões, como tem sido prática do PSD em muitos outros inquéritos parlamentares.
Por isso mesmo propomos que o inquérito parlamentar n° 7/VI seja público! Isto é, que todas as reuniões e diligências efectuadas pela comissão de inquérito sejam abertas à comunicação social.
Aplausos do PCP, do PS, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, julgo que quando o Partido Comunista resolve ter uma intervenção, mesmo desajeitada como é esta, contra as privatizações, a conclusão que podemos tirar é a de que o Governo está a actuar bem em matéria de privatizações.
Todos sabemos, Sr. Deputado, quem foi o instigador, o ideólogo do processo de nacionalizações ...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Lá vem a cassette!
Q Orador: - ... desenvolvido em 1975 que destruíram o aparelho e todo o sistema produtivo português e que tantos milhares de milhões de contos custaram aos Portugueses e à própria capacidade de competição nacional.
Todos sabemos que foi um dos mais desastrosos processos da história de Portugal, o que se passou em 1975 em matéria de nacionalizações. É um bom sinal que os Deputados do PCP avancem neste domínio, porque significa que estão a perder um dos últimos, se não o último bastião ideológico da vossa intervenção em Portugal.
Vozes do PCP: - Blá, blá, blá!
O Sr. João Amaral (PCP): - Descobriu a careca ao PSD!
O Orador: - Vou directamente às questões. Vozes do PCP: - Ah!
O Orador: - Em primeiro lugar, conhece algum caso de impugnação judicial contra qualquer processo de privatização desenvolvido em Portugal até agora?
Em segundo lugar, é capaz de nos referir, aqui e agora, quando é que, no âmbito do que se passou durante o processo de apresentação do primeiro requerimento para um inquérito parlamentar, VV. Exas pediram ao Ministro das Finanças ou ao Secretário de Estado das Finanças para vir a esta Câmara falar sobre o processo das privatizações?
Desde já lhe digo que desconheço qualquer pedido do PCP, pelo menos na Comissão de Economia, Finanças e do Plano, para vir ao Parlamento qualquer membro do Ministério das Finanças explicar quaisquer dúvidas que V. Exas tenham sobre o processo das privatizações.
Outra questão é no sentido de saber se conhece algum cliente, algum eventual concorrente, de algum processo de privatização desenvolvido em Portugal que tenha dito que queria pagar mais, designadamente naqueles a que se referiu da Tranquilidade, da Mundial Confiança e, salvo erro, da 3.a fase de privatização do BPA.
O Sr. João Amaral (PCP): - Nunca ouviu dizer que foi tudo combinado?!
O Orador: - Houve alguém que dissesse que até queria pagar mais e não o conseguiu pagar, sabendo nós (...)
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(...) que todos esses processos se desenvolveram em concurso público - repito, em concurso público - ou em OPV, que são processos de privatização abertos?
O Sr. João Amaral (PCP): - Nunca ouviu falar no cambão!?
O Orador: - Se VV. Exas me responderem concretamente, poderemos tomar uma atitude diferente daquela que tomámos quando, no ano passado, apresentaram (e esta é a minha observação final) um requerimento exactamente igual ao que apresentaram agora. Ou seja, VV. Exas tinham várias qualidades, poucas, mas tinham, e uma delas era a qualidade de trabalho. Agora, até preguiçosos já são, já nem sequer conseguiram apresentar um requerimento diferente.
Vozes do PCP: - Os factos é que são mais!
O Orador: - É exactamente igual, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao que apresentaram em Maio do ano passado. Portanto, VV. Exas até já estão preguiçosos. Será consequência da alteração da liderança no vosso partido!?
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): nada!
Aos costumes disse
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Rui Carp, não tenho a mínima dúvida de que se há aqui alguma coisa desajeitada é a argumentação do Sr. Deputado!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Como acabava de dizer há pouco um meu camarada de bancada, o Sr. Deputado Rui Carp acabou de destapar a careca ao Grupo. Parlamentar do PSD! Porque, de facto, tentou fugir à questão e isso é grave.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Não responde é às minhas questões!
O Orador: - O Sr. Deputado há-de verificar que no nosso pedido de inquérito, por um lado, assumimos publicamente que se tratava da representação do pedido de inquérito apresentado há um ano atrás - et pour cause. E foi de propósito, por razões muito claramente explicitadas.
Segunda questão. No próprio pedido de inquérito coloca-se a questão de que não está em causa o posicionamento político de cada força parlamentar perante o processo de prívatizações, perante a questão das privatizações - a nossa posição sobre isso é conhecida.
O que nos interessa aqui, e esta é a questão central, fundamental -a que o PSD tem de dar resposta- é o problema da transparência do processo que tem vindo a ser seguido no âmbito das privatizações.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Aqueles sete factos que referi indiciam não apenas nebulosidade, mas muito mais; indiciam, pelo menos; fortes e legítimas dúvidas sobre a honestidade com que tem estado a ser desencadeado o processo de prívatizações. É a essa questão que o Sr. Deputado Rui Carp e o PSD querem fugir. Ao fim e ao cabo, ...
O Sr. Rui Carp (PSD): - Responda às perguntas que lhe coloquei!
O Orador: - ... não querem assumir claramente o argumento que utilizaram para a apresentação do outro inquérito, na passada semana, da transparência, da moralização do Estado, etc. Ora, o que os senhores querem é atingir outra coisa com aquele inquérito. O que efectivamente seja não sabemos.
Relativamente às questões da transparência, da moralização do Estado, como ás deste caso concreto, os Srs. Deputados do PSD não querem nada, não querem destapar nada, não querem ouvir não apenas os membros do Governo, mas também os próprios intervenientes nos processos de privatização - por exemplo, o Sr. António Champalimaud. Não querem ouvi-los publicamente sobre o porquê e como sucedeu aquilo que o Sr. Deputado há pouco referiu. Como é que para um processo de privatização subavaliadíssimo aparece apenas um concorrente! Como é. que isso sucede!?
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Não conhece a figura do cambão, Sr. Deputado? Não conhece a figura dos negócios de corredor, das combinações, que têm sido denunciadas pêlos órgãos de comunicação social?!
Esta é a questão fundamental a que o PSD tem de dar resposta, quer queira, quer não, porque tem de ficar muito claro se o PSD quer ou não a transparência.
A votação do PSD, relativamente à constituição desta comissão de inquérito, poderá mostrar se quer, de facto, fazer alguma coisa pela transparência neste país. Neste momento, continuamos a duvidar que o queira.
Aplausos do PCP.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Não respondeu a nenhuma das três questões que lhe coloquei!
O Sr.. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Penedos.
O Sr. José Penedos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos hoje solicitados a constituir uma comissão de inquérito para a «apreciação dos critérios de avaliação e processos de privatização das empresas públicas».
Lendo os fundamentos do pedido de inquérito, no que respeita a «situações concretas», não podemos deixar de os associar ao já conhecido «caso da vírgula», igualmente objecto da constituição de uma comissão de inquérito.
É de consciência tranquila que estamos aqui a relembrar a participação do PS no processo das privatizações em curso.
Contribuímos decisivamente, através da revisão constitucional de 1988, para criar as condições institucionais à privatização das empresas nacionalizadas.
Defendemos uma lei quadro que obtivesse o mais largo consenso nesta Assembleia e tal só não foi possível pelo uso obstinado da regra da maioria - sem que poste- (...)
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(...) dormente tivéssemos adoptado qualquer posição de sistemática obstrução aos processos de privatização.
Defendemos, num momento em que ainda não tinham caído os muros, que a privatização poderia constituir à fórmula ideal de reduzir a burocracia e aumentar a eficiência num quadro de concorrência alargada, como era o do espaço comunitário, sendo um passo fundamental para o sucesso na estruturação de novas relações de poder visando 1993 - a data mágica do mercado interno.
Defendemos que a privatização deveria contribuir para a mudança da própria Administração Pública, melhorando os seus sistemas de gestão, permitindo maior independência e assegurando maior flexibilidade nos controlos e nas regulamentações.
Defendemos que a privatização poderia estimular, com o reforço do sector privado e da estrutura de mercado, como meios de formulação e coordenação da decisão económica, o aparecimento de um novo espírito de iniciativa assente numa larga base de accionistas, identificados com o mercado, mas também com o objectivo do fortalecimento do protagonismo nacional na construção da Europa comunitária.
Defendemos, enfim, a transparência como a mãe de todas as virtudes,...
O Sr. Rui Carp (PSD): - VV. Exas estão cada vez mais fotocópia!
O Orador: - ... num processo que beneficiaria de ter um calendário conhecido, para as alienações mais significantes que o Estado se propunha concretizar.
Após quatro anos de privatizações, o que temos?
Um quadro noticioso ou um dossiê r de imprensa que merece a nossa reflexão, porque, por cada operação realizada, o escândalo, a controvérsia e a suspeita de inside trading são uma infeliz persistência: é o clamor dos empresários, que vai do simples protesto contra a entrada de grupos estrangeiros, em percentagens inesperadas em alguns sectores, até à eterna contestação aos valores das indemnizações; é o clamor dos pequenos investidores que, sem posição determinante na condução das empresas, esperaria ganhos que não aconteceram, não raro acusando o Governo de os ter enganado quanto ao valor das empresas privatizadas.
Temos um quadro depressivo da bolsa que, mais do que reflectir a conjuntura adversa da economia internacional, é a expressão de um mal estrutural de um pequeno mercado constituído por empresas, sem cultura bolsista, tudo agravado pelo facto de o Governo ter contribuído para afugentar as poupanças da classe média.
Temos uma Administração Pública mais rígida e regulamentadora, em vez do prometido recuo do Estado, dando corpo à ideia de que privatização associada a desregulamentação é apenas um móbil da propaganda governamental.
Finalmente, temos as declarações do próprio Secretário de Estado das Finanças, que oscila entre o auto-contentamento de quem é procurado para explicar o processo de privatizações e a confissão do proprietário que reconhece estar a vender num momento menos bom.
Bem, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não entro no detalhe que já aqui tivemos o prazer de ouvir, enunciado em sete casos pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, porque o detalhe julgo que cabe ser apreciado na instância comissão de inquérito, mas àqueles gostaria de acrescentar
uma referência global aos meios públicos de comunicação social que foram objecto de privatização.
Por tudo isto, a apreciação que fazemos da conduta política do Governo, neste processo, é negativa.
É negativa porque, em síntese, não acautelou, suficientemente, a transparência do processo de privatizações, não articulou este processo com a resolução necessária e justa do problema das indemnizações nem com a prioritária reestruturação do sector empresarial público remanescente, não organizou um mercado financeiro atractivo, com um sistema eficaz de informação e com o grau adequado de fragmentação do poder económico, não aproveitou o processo de privatizações como elemento estrutural de transformação da economia portuguesa, susceptível de produzir eficiência empresarial e mesmo, nalguns casos, de promover a criação de emprego e não assegurou devidamente o interesse nacional e a eficácia económica.
Na convicção de que seja ainda possível inflectir, com os resultados de um inquérito, a dinâmica das privatizações que, em concreto, tem uma apreciação tão negativa, o Partido Socialista vai apoiar a constituição desta comissão de inquérito, fazendo votos para que as suas audições sejam públicas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.
O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todo o País conhece a posição sistemática e antiga que o Partido Comunista Português tem tomado contra o processo de privatizações e que reafirmou aqui hoje.
De facto, se o Partido Comunista vem tomando esta posição desde há muito tempo, com coerência a vem mantendo e, além disso, como não pôde impedir a aprovação da lei quadro das privatizações, interessa-lhe, e compreendemo-lo, entravar e embaraçar tanto quanto possível este processo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Há quase um ano, o PCP trouxe a esta Assembleia uma proposta de criação de uma comissão de inquérito ao processo de privatizações, que hoje é retomada nos seus precisos termos, com o objectivo adicional, agora confessado, de fazer o PSD cair em si, ao confrontar este processo com aquele que foi discutido na semana passada sobre a acusação que impende sobre um ministro de ter recebido 120000 contos para incluir uma vírgula num decreto-lei.
A primeira conclusão a tirar, e o PCP há-de reconhecê-lo, é a de que o inquérito parlamentar que hoje é proposto tem um fim diferente daquele a que se destinam os inquéritos. O PCP não quer averiguar como decorrem as prívatizações em Portugal, quer, isso sim, obstaculizar ao processo de privatizações e diminuir o impacte que possa ter o inquérito parlamentar aprovado na semana passada.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso é falso!
O Orador: - Com a criação de outros inquéritos parlamentares, o PCP pretende apenas misturá-los e diluir o efeito de cada um deles. Naturalmente, não vamos concordar com esta proposta.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Interessa dizer algumas palavras sobre o que entendemos a propósito do processo de privatizações e da transparência e do rigor que nele deve existir.
A lei quadro, que aprovámos em conjunto com o Partido Socialista, prevê diversas medidas cautelares e de controlo sobre o processo de privatizações que impedem, pelo menos tendencialmente, qualquer falta de transparência no decurso desse processo.
Desde logo, foi criada a regra do concurso público que, não sendo exclusiva, foi generalizadamente seguida pelo Governo, foi criada uma comissão de acompanhamento das privatizações que o PCP e o PS parecem desconhecer, bem como as suas conclusões, já que a referida comissão pronunciou-se, sistematicamente, pelo bem fundado dos processos. A título de exemplo, limito-me a ler um dos muitos pareceres da Comissão, que conclui da seguinte forma: «Ao longo do período considerado, acompanhámos, como nos competia, todas as operações de reprivatização, tanto na fase de estudo e preparação como, depois, na fase de execução, assinalando que decorreram sempre com inteira normalidade, transparência e rigor.» É sempre esta a conclusão da comissão de acompanhamento das privatizações - obtida por unanimidade -, cujos membros, ao que parece, estão acima de qualquer suspeita e cujo presidente é um alto magistrado deste país.
Finalmente, uma outra garantia de controlo da transparência deste processo: na lei quadro está prevista a possibilidade de impugnação, nos tribunais comuns, de qualquer actuação no âmbito do processo de privatizações.
Desafiamos o Partido Comunista Português a apresentar aqui algum caso, mas, que se conheça, não tia nenhum recurso de alguém que se tenha sentido prejudicado com o processo de privatizações. Quem parece sentir-se prejudicado com o processo de privatizações foi quem mais concorreu não às privatizações mas às nacionalizações. E, de facto, o partido que mais concorreu às nacionalizações foi o Partido Comunista Português, que se sente agora prejudicado com o processo de privatizações.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem! Acabou-se-lhes o «tacho»!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E aos factos diz nada!
O Orador: - Ocorre-me recordar uma afirmação do Sr. Deputado Manuel Queiró, que hoje não está presente, quando disse que não percebia como é que o Partido Comunista se embaraçava com o processo de privatizações, pois deveria até causar-lhe um enorme gáudio ver as pessoas que ficaram sem as empresas a troco de nada, comprá-las a troco de milhões de contos. Isto deveria ser objecto de gáudio para o Partido Comunista, mas parece que não é.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Mistério!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aceitamos a forma como o Partido Comunista Português pretende embaraçar o processo de privatizações, mas consideramos que não serve os interesses do País.
Criar uma comissão de inquérito para a questão das privatizações seria lançar um clima de suspeita nacional e internacional sobre o processo, a troco de coisa nenhuma.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - A suspeita já existe e está fundamentada em factos!
O Orador: - A suspeita só existe na vossa cabeça, Srs. Deputados.
Se houvesse suspeita séria e fundamentada, os objectivos da transparência e do rigor teriam de fazer ceder qualquer outro, a bem do País. Porém, a troco de coisa nenhuma, não vamos concordar em lançar um clima de suspeição sobre um processo que tem corrido bem. De facto, este processo tem tido um êxito que deve honrar todos os portugueses, e vai, com certeza, continuar a ter.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de ficar impedido de responder às questões que o Partido Comunista Português não deixaria de colocar se tivesse tempo, queria deixar aqui uma nota sobre as diferenças entre o inquérito parlamentar que aprovámos na semana passada e o que o Partido Comunista pretendia propor hoje como exemplo. Não quero fazer doutrina nesta matéria, mas, apenas, recordar à Câmara algumas diferenças objectivas e materiais entre um caso e outro.
No inquérito parlamentar que aprovámos na semana passada tínhamos identificado a acção material que seria objecto do inquérito. Efectivamente, há uma acção material em causa, pois foi dito que um ministro recebeu 120 000 contos. Mas há mais. Há um leque limitado de suspeitos, ou seja, não foi qualquer um que recebeu o dinheiro mas, alegadamente, um ministro do Governo da República.
Por outro lado, está tipificado um ilícito: há, pelo menos, um tipo legal de crime conhecido, pelo que, se não houver outro, verifica-se um caso de corrupção.
Há ainda uma acusação proferida por uma personalidade sem confessados interesses partidários, o que hoje não acontece.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Acusação a quem, Sr. Deputado?
O Orador: - Finalmente, a afirmação foi proferida perante o órgão de comunicação social de maior impacte neste país.
Vou fazer o confronto entre este caso e o que o Partido Comunista Português agora suscita - as privatizações.
O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, vou fazer o confronto entre os dois casos, porque é preciso que fique muito claro que o inquérito parlamentar que o Partido Comunista Português agora propõe, e passo a ler, para que não haja dúvidas, diz o seguinte: «A comissão de inquérito tem por objecto a apreciação da forma como decorreram todos os processos de privatização de empresas nacionalizadas verificados após a publicação da lei quadro das privatizações.» Ora, isto traduziria um inquérito a todos os processos, não se sabendo a quais, em especial, não visando ninguém, em particular, para procurar não se sabe o quê, mas, talvez, qualquer ilegalidade que lá estivesse, não se sabendo, igualmente quem a podia ter cometido, em que casos, com que indícios.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É como o caso da vírgula!
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe para concluir.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Isto distingue completamente um caso do outro. Assim, tivemos toda a razão em aprovar a outra comissão de inquérito e temos toda a razão em não aprovar esta, pois elas são, de facto, diferentes.
Aplausos do PSD.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - As razões que vocês têm são outras!
O Sr. Presidente: - O PSD não tem tempo para responder, pelo que os Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos terão de o fazer, na altura própria, sob a forma de intervenção.
A Sra. Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sra. Deputada.
A Sra. Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, vou utilizar três minutos do meu tempo para pedir esclarecimentos e cedo os restantes ao PSD para que possa responder.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr." Deputada. Suponho que o PSD aceita.
A Sra. Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, posso usar da palavra?
O Sr. Presidente: - Sra. Deputada, se pretende fazer o mesmo «negócio», devo dizer-lhe que não pode.
A Sra. Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, como não tenho essa possibilidade e como o que foi armado permite-me utilizar a figura regimental de defesa da honra da minha bancada, prefiro utilizar esta figura.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sra. Deputada. Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sra. Deputada Isabel Castro.
A Sra. Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Castro Almeida, na sua intervenção, disse que, naturalmente, não concordava com este pedido de inquérito.
No entanto, se na semana passada se assumiu que o inquérito parlamentar, proposto pelo PSD, relativamente a uma afirmação de uma jornalista portuguesa, não tinha, nem tem, como objectivo colocar no banco dos réus uma jornalista, porque incómoda e corajosa e porque tem levantado questões polémicas, mas era, isso sim, a moralização das instituições, o rigor e a averiguação da transparência, perante o pedido de inquérito que hoje estamos a discutir, a questão que lhe coloco é tão-só um esclarecimento no sentido de me explicar qual o limite da vontade do PSD em moralizar, qual o critério de transparência do PSD, quais as fronteiras do que o PSD entende ser ou não passível de averiguação, de ser conhecido e tornado público, quais os limites em que se move e nos quer obrigar a mover e, no fundo, qual o tamanho da curiosidade que o PSD tem em averiguar a verdade dos factos.
A minha dúvida é se o tamanho da sua curiosidade é, tão-só, o tamanho da vírgula.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Castro Almeida, V. Exa. disse que não há objecto nem «endereçados» para esta comissão de inquérito. Porém, acontece que o Sr. Deputado Octávio Teixeira citou sete casos muito claros e muito específicos, nomeadamente o BESCL, o Banco Fonsecas & Bumay, a Tranquilidade, o Banco Português do Atlântico, o BTA, etc. Assim, creio que há objecto para inquérito.
V. Exa referiu, no início da sua intervenção, frases como a «moralização do Estado». Nesse sentido, Sr. Deputado, pergunto-lhe se entende que todos os exemplos apontados até agora não carecem de um esclarecimento, exactamente em nome da tal moralização do Estado. É que V. Exa está a confundir a privatização em si com o processo de privatizações que tem sido tomado público.
Por outro lado, o Sr. Deputado Octávio Teixeira citou, também, o exemplo de um empresário que pretendia o adiamento da 3.a fase de privatização do BPA. Na verdade, o Governo, depois de esse empresário ter referido essa sua pretensão, adiou a citada 3.a fase. Trata-se, por isso, de casos muito concretos, ao contrário da «vírgula», que V. Exa tanto defendeu.
Eu quero saber se, em nome da moralização do Estado, estes casos concretos não servem para o PSD pretender o esclarecimento claro e cabal do processo de privatizações, nebuloso em todos os sentidos.
(O orador reviu.)
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.
O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sra. Deputada Isabel Castro, em primeiro lugar, começo por agradecer-lhe o tempo que me cedeu e, em segundo lugar, gostaria de dizer que, em minha opinião, há boas razões para que os Srs. Deputados entendam o ponto de vista do PSD.
Com efeito, está fora de causa que estivesse nas nossas motivações levar a jornalista a tribunal, pois isso nunca iria acontecer pela via do inquérito parlamentar. Há outros meios que, ao que parece, até já estão a ser accionados, pois foi feita participação ao Sr. procurador-geral da República, o quê, só por si, poderá levar, eventualmente, a jornalista a tribunal. Se, realmente, fosse esse o objectivo, ficávamos mudos e quedos, porque a jornalista iria responder a tribunal, no caso de não provar a acusação que fez.
Portanto, não há qualquer razão para associar a figura do inquérito parlamentar a uma qualquer alegada vontade de sentar a senhora jornalista no banco dos réus e, muito menos, como por vezes algumas pessoas pretendem fazer crer, a classe dos jornalistas. Logo, essa acusação não tem qualquer consistência!
Quanto às afirmações de António Champallimaud e da família Espírito Santo, que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca reproduz, como já, há pouco, o Sr. Deputado (...)
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Octávio Teixeira havia feito, recordo de já ter dito, há cerca de um ano atrás, que nunca esperaria ouvir a família Champallimaud ou a família Espírito Santo virem dizer para a imprensa que tinham feito um mau negócio, pois o que se espera delas é que digam sempre que fizeram um excelente negócio e que compraram abaixo do preço de custo. Imaginem, por exemplo, o que aconteceria as acções das empresas se os principais accionistas viessem, publicamente, confessar que as tinham comprado caro. É óbvio que, fosse qual fosse o preço de compra, eles diriam sempre que compraram barato. Mas não nos interessa, propriamente, saber se compraram barato ou caro, o que nos interessa, enquanto detentores dos bens públicos, é saber se tudo foi feito para que as empresas fossem vendidas a quem mais oferecesse. Na verdade, elas valem o que o mercado estiver disposto a pagar e o titular será a pessoa que mais oferecer. Acaso, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca quereria também que fôssemos instaurar um inquérito parlamentar para saber se a Mundial Confiança foi bem vendida ou mal comprada?!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Todo o processo de privatizações deve ser apreciado em nome da moralização do Estado!
O Orador: - Sr. Deputado, de moralização estamos à vontade para falar. A comissão de acompanhamento das privatizações, composta por pessoas insuspeitas, diz que tudo decorreu normalmente. Será que os senhores pensam que os membros dessa comissão são suspeitos de conluio ou de conivência com alguém? Não temos uma única razão para acreditar nisso! Não há ninguém que se sinta lesado, a não ser, aparentemente, o Partido Comunista. Não há qualquer razão para que se faça o inquérito.
O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da consideração, tem a palavra a Sra. Deputada Helena Torres Marques.
A Sra. Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Castro Almeida, ouvi uma afirmação sua que quase não queria acreditar que pudesse ser possível, mas desde já lhe peço que, quando me responder, ponha um ponto final parágrafo na questão da vírgula e não volte a invocá-la. A vírgula tem servido de pretexto para nunca mais se falar, em Portugal, no caso dos desalojados de Camarate, da fome no Alentejo, das privatizações e de muitas outras situações. Já acabou essa discussão, já se decidiu o que vai fazer-se, vamos, então, falar de outros assuntos.
O Sr. Deputado disse que o Partido Socialista tinha votado a favor da lei quadro das privatizações, mas nem a desculpa de que estava presente nessa ocasião lhe serve de argumento para tal afirmação. Na verdade, o Partido Socialista votou contra essa lei e elaborou um projecto de lei sobre a matéria em causa.
Na altura, explicámos as duas razões por que votámos contra essa lei.
A primeira tem a ver com o facto de o PSD não concordar que os intervenientes do processo das privatizações fizessem parte do núcleo de pessoas a quem caberia apreciar as privatizações, por exemplo, membros do Governo ou empresas que tivessem a fazer essa apreciação.
A segunda razão derivou do facto de a comissão, porque exclusivamente nomeada pelo Primeiro-Ministro e pelo Governo, não ser, em nossa opinião, independente, e considerávamos que deveria ser. Dissemos ao PSD que estávamos dispostos a votar a favor da lei se estes dois pontos fossem considerados. Como não foram, votámos contra. Isto que fique registado!
Ora, ao ouvir o Sr. Deputado falar tanto desta famosa comissão de acompanhamento das privatizações, só posso dizer que ela não nos dá quaisquer garantias. Aliás, se o Sr. Deputado tivesse tido a oportunidade de ler, como eu li, até aqui, noutra ocasião, os relatórios elaborados por esta comissão, haveria de constatar que contêm apenas duas ou três Unhas que, por acaso, não dizem literalmente nada, limitam-se a levantar problemas do «arco da velha», que não têm resposta adequada. Por esta razão, gostaria que este assunto ficasse perfeitamente claro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.
O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sra. Deputada Helena Torres Marques, compreendo a parte inicial da sua intervenção, porque, como há pouco confessou, não assistiu a todo o debate. Se tivesse assistido, teria verificado que a vírgula foi a questão essencial colocada pelo partido proponente do inquérito, pelo que esse partido acusar-me-ia de estar a fugir à vírgula se não falasse dela. De facto, quem introduziu a questão da vírgula não fomos nós mas o Partido Comunista.
Em todo o caso, conceda-nos o direito de falar dela as vezes que quisermos, pois só falaremos quando entendermos ser oportuno.
Mas que fique claro que não fugimos ao debate das privatizações para falar da vírgula, pois só falámos dela, com toda a liberdade, porque o partido proponente do inquérito assim quis.
Sobre a questão dos relatórios, Sra. Deputada, agradeço a sua observação, porque me permite esclarecer essa questão. Verifiquei que os relatórios da comissão de acompanhamento das privatizações, na versão publicada no Diário da República, e li com tanta atenção como a Sra. Deputada, são extremamente sucintos, sem embargo de conterem a referência que, há pouco, tive oportunidade de ler, ou seja, concluem que tudo decorreu na maior normalidade e em integral cumprimento da lei, pelas boas regras da transparência e do rigor. Esta conclusão parece-me importante.
Na verdade, o próprio texto publicado no Diário da República faz referência ao facto de essa comissão se pronunciar e de avaliar em detalhe todo o processo. É a própria súmula publicada no Diário da República que refere que a comissão analisou, detalhadamente, cada um dos processos e cada uma das questões colocadas, o que não quer dizer que para o Diário da República sejam transpostas todas as conclusões de pormenor e de percurso que a comissão tomou.
De facto, a versão consagrada no Diário da República é a que a comissão de acompanhamento das privatizações mandou publicar, pois a homologação pelo Sr. Primeiro-Ministro, como a Sra. Deputada bem sabe, implica que ele não possa alterar o texto proveniente dessa comissão. O Primeiro-Ministro homologa ou não, e se homologa, fá-lo nos precisos termos em que lhe é proposto, pelo que está fora de causa que o Primeiro-Ministro possa introduzir ou sugerir qualquer alteração ao teor do relatório já publicado.
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Assim, ficámos a entender, e não sei mesmo se a Sra. Deputada tem bem a consciência de qual seja a questão que fica em aberto, que a comissão de acompanhamento das privatizações concluiu pela regularidade de todo o processo e nunca invocou qualquer suspeição. Até prova em contrário, acreditamos no que diz a Comissão de Acompanhamento das Privatizações.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, agradecia que a Mesa informasse, logo que lhe seja possível a recolha de elementos, a Sra. Deputada Helena Torres Marques sobre o sentido de voto dos partidos quanto à lei quadro das privatizações, uma vez que ela afirmou, claramente, que o PS votou contra a referida lei.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa irá solicitar aos serviços que façam essa pesquisa para que se esclareça o Sr. Deputado sobre quem votou e o quê nessa altura.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos a ideia de que este inquérito solicitado pelo Partido Comunista é fundamentalmente político e utilizado como uma arma contra as privatizações. É uma prova de coragem e de coerência, neste tempo e nesta altura, o Partido Comunista vir terçar armas contra as privatizações, desta forma marcadamente política e apenas salpicada de alguns pormenores de incidentes relacionados com o processo das privatizações.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Pormenor?!
O Orador: - É de tal forma política a intervenção do Partido Comunista que não há uma só referência desse partido, neste inquérito que pede, a um outro caso de privatizações em que o adquirente da empresa se sentiu prejudicado pelo Estado. Como sabem, refiro-me ao caso da família Mello, quando comprou a antiga sociedade portuguesa de investimentos. Nesse caso, foi dito claramente, não pêlos proprietários, nem pelas várias pessoas ligadas a eles ou pêlos observadores, que os adquirentes tinham sido lesados. Mas isso não interessa para o inquérito do Partido Comunista!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E foram ressarcidos!
O Orador: - O que interessa para o Partido Comunista é o trauma que lhes causa o regresso dos antigos proprietários à propriedade das empresas de que haviam sido desapossados num processo que ainda nos envergonha.
Devo dizer que para o CDS, porventura, os marcos mais fundamentais do ano de 1992, que saudamos, são o regresso a essas famílias, designadamente à família Espírito Santo e a outras que tinham sido espoliadas pela intervenção do Partido Comunista, das suas empresas. Para nós, repito, o regresso delas «à mão» dos seus antigos proprietários foi, porventura, a nota mais saliente e mais importante do ano político de 1992.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O Sr. Deputado aplaude, mas quem as entrega é o PSD!
O Orador: - Mas isso não quer dizer que tudo tenha corrido da melhor forma. É evidente que nas palavras do Sr. Deputado Octávio Teixeira alguma coisa há de verdade que nos merece atenção, pois o CDS entende que esses processos de privatização deviam ter sido levados a cabo através da negociação directa.
Desse ponto de vista, o CDS critica o Governo neste sentido: por que não assumir claramente que era útil e importante para o País que essas empresas regressassem aos seus antigos proprietários através do pagamento de um preço justo, no entender do Governo, mas que seria sempre historicamente injusto, porque não negociar directamente com eles?
De facto, o Governo pretendeu mascarar de outros processos permitidos pela lei das privatizações uma forma de negociação directa, mas devo dizer que isso em nada nos ofende, embora preferisse, claramente, que se tivesse seguido a via da negociação directa.
Falou-se também aqui em inside trading e alguns Deputados do PSD já disseram, e é verdade, que ninguém se sentiu prejudicado se, de facto, houve acesso a informações do Governo e se, de facto, se transformou algumas destas operações de privatização em autênticas negociações directas encapotadas. A verdade é que não há prejudicados e não tem sentido falar em inside trading sem haver prejudicados ou outros interessados.
Gostaria ainda de referir uma última palavra em defesa da Comissão de Acompanhamento das Privatizações. Alguns dos Srs. Deputados, designadamente do Partido Socialista, pela voz da Sra. Deputada Helena Torres Marques, parecem entender que não pode haver independência se não houver pluripartidarismo na designação dos membros das comissões. Mas, quero desagravar essa comissão, que é composta por algumas das mais ilustres figuras do mundo jurídico e económico, o que só por isso, ou seja, pela sua dignidade, pelo seu prestígio e pelo seu saber dão maior garantia de independência do que qualquer pluripartidarismo que se poderia inventar.
Assim, lembro o desembargador Pinto Furtado, presidente dessa Comissão, Xavier de Basto, Rodrigues de Jesus e Brito Correia, pessoas que, muito embora escolhidas pelo Governo, são uma garantia, mais do que suficiente, de que o acompanhamento do processo das privatizações é feito com independência, transparência, com rigor e com atenção pelo serviço público.
Por Isso, o CDS vai votar contra este inquérito.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero saudar a iniciativa do PCP, uma vez que as nacionalizações constituíram um impulso que foi necessário dar à defesa da democracia no nosso país, atacada como estava pêlos detentores do grande capital, dos grandes grupos económicos, que sustentavam o fascismo e o colonialismo.
As nacionalizações foram, de facto, uma necessidade para que a democracia pudesse irromper no nosso país. Depois de um sinuoso processo de sabotagem, sustentado pelo próprio Estado, surgem as privatizações, destinadas - é assim que são anunciadas pêlos seus promotores - a democratizar a economia.
Todavia, o que tem resultado deste processo é o ressuscitar de grupos monopolistas, é a alienação a investidores (...)
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(...) estrangeiros de partes importantes e fundamentais da nossa estrutura económica e financeira, com consequências materiais e morais na vida dos trabalhadores, que têm sido aurados para o desemprego. Todo este processo se tem desenrolado com falta de transparência e suspeitas de cambalacho e corrupção. Nota-se, aliás, quer pela forma quer pêlos resultados, uma concentração do poder económico à sombra da complacência ou cumplicidade do Governo e os factos tomados públicos configuram entorces graves às normas legais instituídas, à democracia, à liberdade que se anunciava como um dos nobres objectivos das privatizações.
O PSD impôs aqui um inquérito sobre uma vírgula, absolutamente assente numa abstracção total, mas pretende recusar o inquérito assente em factos apresentados à opinião pública, que era preciso investigar para se criar uma opinião sólida, consolidada, de forma a saber-se se é assim ou não. O objectivo do PSD em si é claro e evidente...
Assim, esta contradição do PSD apenas é possível porque ele tem uma maioria absoluta ou, porque, pior do que isso, absolutiza politicamente a sua maioria, mas a falta de seriedade na abordagem desta questão há-de ressaltar na opinião pública e esperemos que o PSD seja penalizado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate sobre o inquérito n.° 1/V 1, da iniciativa do PCP, que será votado, nos termos regimentais, às 18 horas e 30 minutos.
Vamos passar à apreciação da petição n.° 92/1V (l/), apresentada pela Federação dos Sindicatos da Metalurgia, Metalomecânica e Minas de Portugal, solicitando a redução da idade de reforma e a alteração do esquema de pensões dos trabalhadores do sector mineiro.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Elisa Damião.
A Sra. Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.° 92/1V (l.1), subscrita por trabalhadores da indústria mineira, tem o justo objectivo de melhorar a protecção social dos mineiros, regulamentada pela Portaria n.° 656 781, de l de Agosto, que concedeu um ano de bonificação em cada dois efectivos de trabalho no interior da mina ou de lavra subterrânea, com o limite de idade de 50 anos, para a reforma e uma taxa de valorização da pensão de 2% sobre a fórmula de cálculo de então até ao limite máximo de 75% do salário médio.
O Decreto Regulamentar n.° 9/83, de 7 de Fevereiro, e a Portaria n.° 50/84, de 24 de Janeiro, uniformizaram com o regime geral, que sofreu uma evolução positiva, nomeadamente na taxa de revalorização da pensão para 2,2% e os limites mínimos de 30% e máximo de 80% da remuneração média dos melhores 5 dos últimos 10 anos.
Assim, os mineiros ficaram reduzidos, com medidas de excepção compensadoras da extraordinária penosidade do seu trabalho, a antecipação da idade da reforma aos 50 anos e a bonificação de um ano em cada dois de trabalho, em condições muitas vezes infra-humanas, com salários muito baixos e a ameaça de desemprego devido à crise do sector - que, obviamente, não se verifica em todo o sector.
No acordo económico e social de 1990-1991, celebrado entre a UGT, a CIP, a CCP e o Governo, no capítulo da protecção social, alínea i), o Governo compromete-se a
definir, com efeitos a l de Janeiro de 1992, os termos de antecipação da idade da reforma para profissões de desgaste rápido, prevendo-se ainda bonificação no método de cálculo da pensão dos trabalhadores abrangidos, admitindo-se em contrapartida o ajustamento das taxas de contribuição correspondente ao período de antecipação da idade da reforma em relação a cada caso.
O acordo específico sobre segurança social, ainda em fase de estudo pêlos subscritores do acordo económico e social, é, em nosso entender, a oportunidade adequada para o Governo beneficiar a protecção social dos mineiros.
A petição não aponta medidas concretas, à excepção da indexação da pensão mínima para 85 % do salário mínimo, o que, convenhamos, é uma pretensão bastante modesta, embora não dispúnhamos de elementos de cálculo destes encargos para a segurança social.
Se tivermos em consideração que, apesar dos baixos salários do sector, estes situam-se acima do salário mínimo, não nos parece inviável dar acolhimento a esta pretensão. No interesse mesmo da produtividade das empresas c da protecção da saúde e dignidade do trabalhador, parecia-nos oportuno, mais do que antecipar a idade legal da reforma, já em 50 anos para estes trabalhadores, estabelecer um limite temporal de permanência nestas condições de trabalho, que, salvo melhor apreciação, com estudos multi-disciplinares, nomeadamente clínicos, deveria situar-se à volta dos 20 anos, seguidos ou interpolados, independentemente da idade, com a garantia de acesso à pensão máxima de 80% da remuneração com correcção da taxa de inflação, sem que tal implique a reforma compulsiva do trabalhador apto, clínica e voluntariamente, para prosseguir a sua actividade.
O PS tem manifestado preocupação e tem reflectido sobre o futuro da segurança social, face à necessidade urgente de melhorar o seu financiamento, prejudicado consecutivamente pelo incumprimento das obrigações do Governo, e as prestações, particularmente das longas carreiras contributivas, despendidas em nome da solidariedade, que é obrigação de todos os portugueses e não apenas de alguns.
Sabemos hoje que os trabalhadores do regime geral não financiam apenas os regimes não contributivos e fracamente contributivos, mas também a maioria dos outros beneficiários do regime geral.
Há l 600 000 pensionistas e reformados com a reforma mínima, mas também sabemos que mais de 50% dos reformados contribuiu apenas com 10 anos de trabalho para o sistema e estão, essencialmente, a ser pagos, como já afirmei, como os outros contribuintes com longas carreiras contributivas, com um esforço de vida activa, muitas vezes em condições penosas, como é o caso particular dos mineiros, dos trabalhadores das pedreiras, dos estaleiros, etc. Portanto, são situações em que se vêem defraudadas as suas justas expectativas.
Compete, pois, ao Governo repor a justiça, a confiança na segurança social e garantir a coesão social, não apenas como chavão europeu mas também ao nosso país, nestas situações que carecem de uma atenção rápida e urgente.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Branco Malveiro.
O Sr. Branco Malveiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sra. Deputada Elisa Damião fez aqui (...)
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(...) um relato conciso e preciso daquilo que é o problema base desta petição.
Ao Grupo Parlamentar do PSD pouco mais acresce dizer porque vimos a razão e justeza da sua explanação, pese embora alguns considerandos que, para nós, advêm dos problemas financeiros do sistema da segurança social e da sua necessidade de remodelação, dadas as dificuldades de financiamento hoje em dia, de repensar até como é que vai ser o futuro da segurança social em Portugal, no que concerne a esse financiamento.
Também do nosso ponto de vista, a petição é correcta, tem valimento e, por outro lado, os peticionários têm um regime de excepção nas reformas, o que, de qualquer modo, não invalida a necessidade de fazer essas correcções e que o PSD apoie e cumpra as suas promessas em sede de concertação social.
No entanto, quero referir dois ou três aspectos que poderão ser negativos neste contexto. Hoje em dia, o universo de pensionistas já se queda na ordem dos 2,2 milhões e os 700 milhões de contos que a segurança social despende em reformas constituem uma situação financeira dramática para o Governo e para o próprio País, até porque não existem só estes casos de excepção, existem outros que também merecem tratamento especial e muito legítimo!
Sra. Deputada, em nome da bancada do PSD, corroboro as vossas preocupações; de outra maneira não poderia ser a nossa postura ética, a nossa forma de estar na política. Na política, como na vida, tem de se estar com dignidade e aqui o nosso conceito é idêntico ao vosso, as nossas preocupações são comuns. Porém, temas esperança de que, com a evolução do País e aquilo que, ao nível dos financiamentos, se está a tentar descobrir e renovar, até na própria Comunidade Económica Europeia, a situação poderá mudar. Acreditamos que, no futuro, haverá mudanças, não só nestes casos específicos como no regime geral que referiu, e muito bem, e relativamente ao qual também temos consciência de que as pensões estão aquém do limiar dó legítimo, mas casa onde não há pão...
Como já disse aqui, nesta Assembleia, no Evangelho de Jesus Cristo no princípio era o verbo, mas no evangelho da segurança social no princípio é a verba e essa palavra maldita está a prejudicar que o programa do PSD possa já atingir, como também desejávamos, estes estratos populacionais mais em risco, mais carenciados e com maiores dificuldades.
1 Comungo dessas preocupações mas temo que o futuro, embora não seja tão sombrio como a situação actual, também não seja tão alegre como gostaríamos que fosse, porque o envelhecimento da população portuguesa é dramático. Prevê-se já, para o ano 2000, um aumento da população idosa, com mais de 65 anos, que ultrapasse os 13 % da população activa, pelo que estamos preocupados não só com os problemas da terceira idade mas com os da quarta idade, que se aproximam no ano 2000.
Portanto, Sra. Deputada, temos de, em conjunto, entre todos nós - e este «palco» da Assembleia da República é privilegiado nesse sentido-, congregar esforços e encontrar fórmulas para que possamos entrar no ano 2000 dando resposta, afinal de contas, às nossas próprias reformas nessa altura.
Todavia, no caso concreto, Sra. Deputada, que mais podemos dizer, em nome da bancada do PSD, a não ser que estamos atentos e que iremos providenciar junto do Governo no sentido de que se possa fazer um pouco mais de justiça no caso dos trabalhadores mineiros?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Novembro de 1986, ou seja, há mais de seis anos, 2000 mineiros fizeram a entrega nesta Assembleia da petição que hoje apreciamos.
Reivindicavam então medidas sociais sobre a idade de reforma e os horários de trabalho e pensões mais justas. Julgavam eles, ao exercer um direito constitucional, que esta Assembleia seria sensível a reivindicações tão justas. Só que o PSD, exercendo o poder nestes seis anos ou impondo na Assembleia da República a força do voto para obstaculizar todas as iniciativas legislativas que iam no sentido de corresponder a essas aspirações, conduziu a que hoje as coisas sejam piores para os mineiros. Ao ouvir o Sr. Deputado Branco Malveiro, percebe-se por vezes e dá-se a exacta dimensão à hipocrisia política Nas minas de Jales, do Pejão, de Nelas, em Aljustrel e agora na Panasqueira, os homens que arrancavam das entranhas da terra o carvão, o cobre, o volfrâmio e o ouro estão a perder o próprio direito ao trabalho e as casas onde moravam, sem nenhum gesto ou medida solidária do Governo.
E, no entanto, quanto não sobra em declarações e manifestações de boa vontade, como a que agora mesmo ouvimos por parte da bancada do PSD?
Referiu-se a Sra. Deputada Elisa Damião, por exemplo, ao acordo económico e social de 1990. Foi publicada na semana passada, no Diário da República, uma coisa muito importante: a constituição de uma comissão para que, no prazo de 120 dias, se diga alguma coisa sobre estas questões das profissões penosas. É este o resultado concreto desse acordo e desse princípio acordado ao nível do Conselho Permanente da Concertação Social!
Ainda na semana passada instituições da CFR declaravam a profissão mineira como profissão de alto risco. Já se sabia! Já se sabia que um mineiro que começasse como aprendiz ou ajudante, aos 35 anos era considerado um velho, face à penosidade e gravosidade do trabalho, à sua vulnerabilidade a doenças profissionais graves, à erosão física e psicológica que causa aos trabalhadores.
O Decreto Regulamentar n.° 9/83 foi o último e insuficiente avanço nesta matéria. No entanto, as empresas, particularmente através de fundos comunitários, foram largamente apoiadas e financiadas, sendo de destacar, por estar na ordem do dia, a situação das Minas da Panasqueira. Recebeu a multinacional centenas de milhar de contos para se modernizar e reestruturar. Hoje paga para despedir, para reduzir brutalmente o número de trabalhadores. Rescinde os contratos e retira-lhes a chave de casa do bairro mineiro, deixando-os assim sem alternativa que não seja abandonarem a serra, a sua aldeia, e procurarem o caminho de Lisboa, do litoral ou da Suíça, já que na Covilhã a crise também se instala Do Governo tiveram a resposta de que se trata de empresas privadas, logo não se metem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar do tempo e da distância, esta petição vem demonstrar que a reestruturação e a modernização da exploração mineira exigem sempre uma dimensão social. Não se concebe que um mineiro trabalhe mais horas do que um trabalhador dos serviços, que se lhe aplique os mesmos critérios para a idade de reforma em relação a outros trabalhadores, quando a sua esperança de vida é mais reduzida, e que o Estado se demita das suas responsabilidades sociais. É que é precisamente nestas coisas que podemos interpretar qual (...)
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(...) o valor e o sentido concreto que se dão à solidariedade e à justiça social.
Foi precisamente por isso que há poucos dias, exercendo um dos nossos direitos de marcação, nos batemos pela redução do horário de trabalho dos mineiros e que, em anteriores iniciativas, propusemos a redução da idade de reforma, contra as quais votaram o Sr. Deputado Branco Malveiro e a bancada do PSD.
Vozes do PCP: - Exactamente!
O Orador: - O PSD esteve contra! Os mineiros e outros trabalhadores hão-de ganhar uma nova consciência e saber que um dia o PSD não há-de poder bloquear estas medidas, socialmente justas.
Das minas a norte do Tejo chegam à Assembleia da República outras reclamações mais dramáticas e urgentes, tendo em conta que a presente petição já aqui jazia há seis anos. Não se trata tão-só do direito a melhores condições de trabalho. Trata-se agora do direito ao futuro de milhares de mineiros. Como nos disse um mineiro serrano, o valor que o Governo dá aos interesses das empresas e dos trabalhadores é a diferença que se dá ao valor do filão e à escória que dele se separa. Isto subverte uma condição da democracia.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Isabel Castro.
A Sra. Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer tão-só que o Partido Ecologista Os Verdes considera de extrema justeza a presente petição. Penso, aliás, que todas as bancadas se pronunciaram nesse sentido.
O entendimento que temos do direito à vida é o de que ele tem de significar condições de vida dignas. A petição que nos é apresentada coloca a questão, que, segundo julgo, ninguém ousará contestar, das duríssimas condições de vida em que os mineiros prestam o seu trabalho, que os condenam a uma vida mais curta e à vulnerabilidade a doenças profissionais. Os mineiros não têm, manifestamente, condições de segurança social capazes de responder à dureza e à penosidade da actividade que exercem. Esta petição, que do nosso ponto de vista tem toda a justeza, coloca tais situações.
Mais importante do que hoje podermos estar de acordo, lamentando as situações existentes, é prevenir e agir no sentido de as alterar. Em nossa opinião, a situação dos mineiros é também a situação de uma espécie em vias de desaparecimento. Diariamente aparecem na comunicação social notícias de minas que estão a ser fechadas. Há que atentar no facto de os mineiros que nelas trabalham ficarem desempregados, mas também no problema das cadeias familiares e gerações que viveram em tomo das minas, comunidades cuja existência foi feita em função de uma actividade e de uma tradição muitas vezes familiar. Esta questão tem de ser equacionada não só na perspectiva dos problemas que a petição coloca, mas também na perspectiva de saber prevenir e agir no sentido de alterar a situação de miséria e abandono a que os mineiros em Portugal estão a ser votados.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Terminamos, assim, a apreciação da petição n.° 92/IV (1.a).
A Sra. Helena Torres Marques (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, apenas para esclarecer, se a Mesa mo permitir, o assunto que tinha ficado por esclarecer em relação às votações da lei quadro das privatizações.
O Sr. Presidente: - Sra. Deputada, posso adiantar a resposta ao problema, uma vez que os serviços já me forneceram os elementos necessários, que, aliás, já comuniquei, como disse, ao Sr. Deputado Rui Carp.
De qualquer modo, não me custa nada relembrar à Câmara o que se passou a propósito do assunto em causa. A votação final global da proposta de lei n.° 121/V - Lei quadro das privatizações teve lugar no dia 9 de Fevereiro de 1990, tendo votado a favor 132 Deputados do PSD e dois do CDS e contra 18 Deputados do PS, 14 do PCP, um do PRD e dois independentes, registando-se ainda quatro abstenções de Deputados do PRD.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Agradeço, Sr. Presidente, a rapidez com que a Mesa procurou responder à interpelação, mas. gostaria de confirmar que o PS se absteve na votação na generalidade da dita proposta de lei.
O Sr. Presidente: - A Mesa também dispõe, efectivamente, desse elemento. Na votação na generalidade da proposta de lei n.° 121/V registaram-se votos a favor do PSD, do CDS e de Deputados independentes, votos contra do PCP, de Os Verdes e de Deputados independentes e as abstenções do PS, do PRD e de Deputados independentes.
Suponho, assim, que o incidente está suficientemente esclarecido.
A Sra. Helena Torres Marques (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sra. Deputada.
A Sra. Helena Torres Marques (PS): - Agradeço-lhe, Sr. Presidente, o facto de ter esclarecido, com a sua alta autoridade, o assunto.
Gostaria apenas de salientar que, tendo o próprio PS apresentado um projecto de lei quadro das privatizações, deu ao PSD, na discussão na generalidade, o benefício da dúvida. Porém, no decorrer da discussão na especialidade não se conseguiram introduzir as alterações propostas, o que nos levou a votar pela negativa na votação final global, ou seja, votámos contra a referida lei.
O Sr. Presidente: - Resta-me, para rematar este incidente, agradecer aos serviços a presteza com que dotaram a Mesa dos elementos necessários.
Passamos à discussão da petição n.° 10/V (1.1).
Para uma intervenção, com vista, nomeadamente, à apresentação do respectivo relatório, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Reis.
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O Sr. José Eduardo Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.° 1 10/V (1.a), agora em apreço, subscrita por 370S agricultores da área do concelho de Vouzela, do distrito de Viseu, requer a revogação da proibição do cultivo e produção do denominado «vinho americano», bem como autorização para a constituição de uma cooperativa destinada a comercializar o referido vinho.
Fazendo um pouco de história sobre a introdução das videiras que produzem este tipo de vinho, podemos salientar que as mesmas datam de 1868, altura em que as videiras da região do Douro foram atacadas pela filoxera. Como a chamada videira americana fosse mais resistente às pragas, começou, desde essa data, a generalizar-se o seu plantio. Mais resistente às doenças das videiras, a vinha americana tem normalmente uma boa produção, da qual depende a subsistência económica de milhares de famílias.
É conhecida a existência deste tipo de vinhas em várias regiões do centro e norte do País. Interrogamo-nos, pois, das razões da proibição do seu cultivo conforme legislação em vigor.
Foi a partir de 1932 que se tomaram as primeiras medidas legislativas no sentido de se proibir ou pelo menos disciplinar o plantio de vinhas deste tipo. O último diploma legislativo - o Decreto-Lei n.° 504-1/85, de 30 de Dezembro - tentou mais uma vez alterar a situação, o que não aconteceu devido a uma certa condescendência na aplicação do referido instrumento legal.
Nesta fase de integração de Portugal na Comunidade Europeia, é forçoso que se encare esta matéria com a acuidade que ela merece e se discipline efectivamente a actividade vitivinícola, nomeadamente no que concerne ao plantio e cultura da vinha.
Os excedentes de produção do mercado internacional, agravados pela má qualidade de alguns vinhos, poderão vir a ser altamente gravosos para os interesses dos produtores vinícolas portugueses. Há, porém, que salvaguardar os interesses dos produtores do «vinho americano».
Os peticionários pertencem à denominada Região Vinícola de Lafões, criada pelo Decreto-Lei n.° 296 790, de 22 de Setembro. Esta Região possui condições excelentes para produzir um bom vinho branco. É caracterizada por um clima de transição entre um clima mediterrânico e um clima continental.
O vinho de Lafões tem características intermédias entre os vinhos verdes e maduros, mas com uma «personalidade» própria. Com qualidades organolépticas, estes vinhos têm uma acidez fixa elevada e são ricos em ácido málico. A Adega Cooperativa de Lafões produz já hoje um óptimo vinho branco, tendo-se imposto no mercado como um dos melhores do País.
Apesar da criação oficial da região, o Governo não se dignou ainda nomear o seu representante para presidir à comissão instaladora. A Região e os seus agricultores merecem mais respeito e atenção por quem detém o poder.
Há, pois, que implementar claramente a Região Vitivinícola de Lafões, bem como prestar todo o apoio técnico e financeiro aos agricultores que, sendo obrigados a cumprir a lei em vigor, pretendam reconverter as vinhas americanas.
Dos 900 milhões de contos europeus que o Governo desbaratou com a pseudo reconversão da agricultura portuguesa os agricultores da Região de Lafões, bem como os do restante distrito de Viseu, não beneficiaram de qualquer apoio. É, pois, altura de reparar tal situação.
Plagiando o presidente do IFADAP, Ivo de Pinho, direi, para terminar, que «temos que procurar começar a resolver os problemas da agricultura portuguesa. Isso é fundamental, porque não sei onde iremos parar».
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.
O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.° 10/V (1.a), da Câmara Municipal de Vouzela e agricultores da região, solicitando que seja revogada a proibição do cultivo e produção de «vinho americano», não tem, no nosso entender, qualquer cabimento, tanto pelo aspecto legislativo a nível nacional e comunitário como pelo prejuízo efectivo à saúde pública. Assim sendo, o Decreto-Lei n.° 16 684, de 2 de Abril de 1929, que regulamenta a produção e comércio dos vinhos, especifica, no § 1.° do artigo 19.°, que «é expressamente proibido dentro da região dos vinhos verdes expor ou pôr à venda, vender ou expedir vinho fabricado com uvas de produtores directos americanos a partir da publicação do presente diploma».
O Decreto-Lei n.° 24 976, de 28 de Janeiro de 1935, proíbe a plantação de vinha no continente, salvo a retancha de videiras mortas ou doentes, e toma obrigatório fazer--se, até 30 de Março de 1936, a enxertia substituição ou arrancamento de todos os produtores directos existentes, prazo que foi dilatado até 30 de Junho de 1938 pelo Decreto-Lei n.° 27 775, de 24 de Junho de 1937.
O Decreto-Lei n.° 24 977, de 28 de Janeiro de 1935, proíbe o consumo, excepto nas casas agrícolas dos vinicultores, do vinho de produtores directos. O restante será imediatamente desnaturado.
O Decreto-Lei n.° 28 783, de 23 de Junho de 1938, determina que os vinhos de produtores directos americanos ou lotados com estes que existirem nos depósitos dos armazenistas, estabelecimentos e lugares de venda ou outros com destino ao consumo público sejam apreendidos, desnaturados e entregues à Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes ou aos organismos corporativos e de coordenação económica da área em que forem encontrados.
O Decreto-Lei n.° 38 525, de 23 de Novembro de 1951, determinava, no artigo 14.°, que nas novas plantações, reconstituições ou transferências os viticultores só poderiam utilizar na enxertia as castas e respectivas percentagens de acordo com as respectivas licenças e constantes da relação a publicar por cada região. Pelo artigo 15.°, continua absolutamente proibida a plantação de produtores directos, salvo raríssimas excepções. A lista a que se refere o artigo 14.° só viria a ser publicada na Portaria n.° 14 525, de 2 de Setembro de 1953, a qual não englobava qualquer híbrido produtor directo.
O Decreto-Lei n.° 504-1/85, no artigo 3.°, refere que as vinhas de produtores directos deverão, conforme os casos e regiões, ser reconvertidos ou arrancados nas condições e prazos que forem estabelecidos por portaria do Ministro da Agricultura Pescas e Alimentação, sem prejuízo da possibilidade de, excepcionalmente, serem mantidas com destino à produção de sumos ou refrigerantes sem álcool ou ainda de vinhos para consumo exclusivo das respectivas casas agrícolas. É ainda de frisar que a nossa nova lista de castas foi aprovada há dias a nível comunitário, aguardando-se a sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades, não constando, como é óbvio, qualquer híbrido produtor directo.
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Acresce ainda que, de acordo com os Actos de Adesão ao artigo 340.°, a República Portuguesa procederá, durante a 2.a etapa, à eliminação da cultura das parcelas plantadas com castas autorizadas temporariamente, de acordo com a classificação estabelecida nos termos do artigo 333.°
A República Portuguesa procederá ainda, durante a 2.a etapa, à eliminação da cultura das parcelas plantadas com variedades dos híbridos produtores directos não compreendidos na classificação, conforme as disposições do Regulamento n.° 3800/8l/CEE.
Em derrogação do artigo 49.° do Regulamento n.° 3377 79/CEE, temos actualmente o artigo 69.° - n.º 1 e 2 - do Regulamento n.° 822/87/CEE, que regula claramente o regime das uvas das castas autorizadas temporariamente. Concretamente, o n.° 2, alínea a), diz-nos que quando se trate de castas resultantes de cruzamentos inter-específicos (híbridos produtores directos) até 31 de Dezembro de 1979 e, em Espanha, até 31 de Dezembro de 1990. De outras castas, até 31 de Dezembro de 1983, desde que tenham sido classificadas como autorizadas temporariamente antes de 31 de Dezembro de 1976 e, em Espanha, até 31 de Dezembro de 1992.
Para além de toda a incapacidade legal para a produção de vinho americano, é importante salientar que na composição dos vinhos provenientes de híbridos produtores directos verifica-se que os valores do metanol são substancialmente maiores que os dos vinhos provenientes da vitis vinifera.
Importante é ainda tomar conhecimento que este álcool - álcool metílico- é metabolizado quatro vezes mais lentamente que o álcool principal - etanol -, acumulando-se facilmente nos tecidos e no sangue, e que quarenta e oito horas após a sua ingestão ainda se encontra no organismo na ordem dos 30%. Além do mais, o seu efeito manifesta-se mais tardiamente, doze a vinte e quatro horas, tendo efeitos nocivos sobre o aparelho visual.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por tudo o que referimos resta-nos sugerir que os agricultores apelem no sentido de lhes serem concedidos subsídios de arranque ou de reconversão, medidas certamente difíceis de implementar perante a ilegalidade actual, mas devido à importância económica do vinho americano nesta região, talvez fosse motivo bastante para que os agricultores e o Governo envidassem esforços em conjunto na Comunidade, numa tentativa de resolução de uma vez por todas deste problema, que julgo ser preocupação de todos nós.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Fevereiro de 1987 deu entrada na Assembleia da República uma petição subscrita por 3705 agricultores da zona de Vouzela - como já lembrou o Sr. Deputado do Partido Socialista -, acompanhada do apoio expresso da Câmara Municipal e da Federação das Uniões de Agricultores do Distrito de Viseu.
Seis anos depois, finalmente, o debate deste direito de petição, constitucionalmente acarinhado, sobe ao Plenário. Convenhamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que tal dilação no tempo não é compatível com o respeito que nos devem merecer os direitos dos cidadãos quando se dirigem a esta Assembleia.
Srs. Deputados, a petição em apreço reclama a revogação da proibição do cultivo e produção da vinha americana, a livre comercialização do respectivo vinho e o apoio para a construção de uma adega cooperativa para a sua comercialização.
Para compreendermos o sentido da petição é preciso conhecer e perceber a forma como na história, na cultura dos povos e nas economias regionais se insere a velha e secular questão do vinho americano. É que a história da vinha de produtor directo mergulha na própria história da sua implantação em Portugal, designadamente a partir do século XVIII, e na própria história da resistência à ditadura derrubada em 25 de Abril, que, inclusivamente, levou à perda de vidas humanas.
A vinha americana constituiu, desde sempre, um complemento importante às economias de subsistência de agriculturas locais, designadamente na região de Viseu e de toda a Beira; é uma espécie de elevada produtividade e, como lembra e bem o relator da petição, uma espécie resistente às doenças que atacaram a videira, com relevo para a filoxera.
Consumido em milhares de modestos lares beirões, a sua importação e a resistência contra as periódicas ordens para o seu arranque têm pois um fundamento histórico, cultural e económico que não pode deixar de estar presente na nossa reflexão, agora que nos debruçamos sobre a petição.
Todos sabemos, contudo, que o vinho americano é nefasto do ponto de vista dos seus eleitos na saúde e, inclusive, nas condições de desenvolvimento intelectual e psíquico dos seus consumidores, dado que também não pode deixar de estar presente neste debate.
Assim sendo, a questão prende-se com a necessidade de se criarem, para as milhares de pequenas economias agrícolas que vêem na vinha americana um elemento de subsistência para a sua economia, alternativas culturais que permitam a reconversão da área da vinha, oferecendo-se aos respectivos produtores uma perspectiva de remuneração idêntica ou equivalente, para si e os seus familiares.
Para tanto, não bastam os votos piedosos do PSD, que o Sr. Deputado Vasco Miguel aqui trouxe; é necessário que eles se traduzam em políticas concretas que permitam criar as condições para essa reconversão. Depois de anos e anos de gestão dos assuntos da agricultura por parte do governo do PSD, a verdade é que temos, nos dias de hoje, ausência de programas de orientação agrícola para o País e de programas de desenvolvimento regional agrário que permitam responder à crise geral que a agricultura atravessa e definir, para esta situação concreta, um quadro de apoio aos agricultores desta região, resolvendo-se deste modo questões como a que esta petição nos coloca.
Se os 900 milhões de contos investidos no País no quadro dos fundos comunitários tivessem sido orientados de acordo com uma perspectiva dos interesses nacionais, regionais e das próprias pequenas agriculturas familiares, questões como a de hoje certamente seriam resolvidas a bem do País, a bem da agricultura regional e a bem dos pequenos agricultores que dela subsistem.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação da petição n.° 214/V (4.º), apresentada pela Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas de Portugal, solicitando a discussão e tomada de (...)
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(...) posição sobre as medidas propostas pelo Governo para a privatização da EDP, E. P.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Penedos.
O Sr. José Penedos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O modelo anunciado para a reestruturação da EDP foi já criticado pelo Partido Socialista quando aqui submetemos a ratificação o Decreto-Lei n.° 7/91, de 8 de Janeiro.
No essencial, e no dia em que a Assembleia da República discutiu o processo de privatizações, cabe sublinhar que não estão justificados perante a comunidade nacional os fundamentos que suportam a intenção de privatizar as partes em que a EDP vai ser decomposta, à excepção da que deterá a Rede Nacional de Transporte (RNT).
A privatização pode ser a opção política conjunturalmente aceitada num sector em que se espera que o afastamento do Estado permita ganhos sensíveis de produtividade e melhorias consequentes na remuneração do capital proprietário. Acontece, porém, que a gestão da EDP tem vindo a ser elogiada pelo Governo, fazendo-se com isto a prova de que a ineficiência não é maleita endémica da propriedade pública mas, sim, consequência do modo de gerir. Um operador empresarial público pode vir ou não a merecer que o Estado decida aliená-lo.
Estamos a falar de um sector essencial, onde pelo mérito da infra-estruturação do território e da missão de serviço público que lhe está cometida é necessário não perder de vista os últimos 16 anos. Mais do que correr apressadamente atrás de modas que estão a dar frutos amargos aos consumidores de electricidade, noutros países.
A clarificação das funções do Estado pode ser feita, a benefício de todos, mantendo a participação do capital público em zonas da actividade económica que se reconhecem ter conteúdo estratégico, justificando-se, por isso, na perspectiva do Partido Socialista, uma paragem para reflectir.
Para reflectir sobre o que está sendo o movimento dominante com outras empresas eléctricas de países comunitários, que aponta, claramente, para o reforço da dimensão empresarial, prevenindo uma acentuação do espaço concorrencial alargado, e não para a fragmentação, como é o caso português.
Para reflectir sobre o que é a contradição entre os objectivos anunciados para a privatização, como seja o do reforço de grupos económicos nacionais, e a realidade da frustração desses mesmos objectivos.
Para reflectir sobre o que é a disponibilidade de capital nacional, face à dimensão das empresas que podem resultar da divisão da EDP. E para se ter uma ideia com os números que têm sido publicados, estamos a falar de mais de 2000 milhões de contos, ou seja, que qualquer das partes a privatizar envolverá verbas da ordem de quatro vezes a da maior operação de privatização já realizada.
Fica, portanto, aqui um convite sublinhado do Partido Socialista a uma paragem para reflectir.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.
O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Através da petição n.° 214/V (4.1), entendeu a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas de Portugal solicitar um debate a esta Câmara acerca das medidas, então anunciadas pelo Governo, para a EDP e para o sector eléctrico em geral.
Na verdade, a situação do sector eléctrico em Portugal e da EDP, em particular, herdada de um passado não muito longínquo, onde as deficiências de concepção e de gestão arrastaram a empresa para uma acentuada degradação económica e financeira, tomaram urgente a tomada de medidas com vista à sua racionalização.
Assim, o Governo decidiu, e bem, alterar a Lei de Delimitação de Sectores pelo Decreto-Lei n.° 449/88, de 10 de Dezembro, permitindo, a partir de então, o acesso de entidades privadas ao exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica para consumo público.
Posteriormente, o Decreto-Lei n.° 99/91, de 2 de Março, veio disciplinar o regime jurídico do exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica.
Estavam, assim, reunidas as condições para a transformação da EDP em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, o que veio a ocorrer por via do Decreto-Lei n.° 7/91, de 8 de Agosto.
O Sr. José Penedos (PS): - 8 de Janeiro!
O Orador: - Está enganado!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os signatários da presente petição manifestaram, então, as suas legítimas preocupações acerca das seguintes questões: encerramento de centros de distribuição; redução de postos de trabalho; entrega ao exterior de actividades até agora executadas por trabalhadores da empresa, e anúncio da venda a estrangeiros da central termoeléctrica do Pego. É isto que consta na petição, Srs. Deputados, à qual o Sr. Deputado não se cingiu.
Existem diversos postos de atendimento não informatizados, herdados do anterior sistema, com uma capacidade limitada para tratamento dos assuntos dos clientes, aos quais prestam um serviço pouco relevante e com um custo elevado, o qual é suportado por todos nós através do tarifário.
A empresa instalou um completo e complexo sistema de processamento dos seus clientes, integralmente informatizado e que cobre todos os aspectos no seu relacionamento comercial: contratação, leitura de contadores, facturação, cobrança e informações.
Foram disponibilizadas novas modalidades de pagamento das facturas com maior comodidade para os clientes.
As melhorias obtidas com este sistema poderão ocasionar, num caso ou noutro, o encerramento de alguns postos de atendimento,...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já ocasionaram!
O Orador: - ... que será sempre conduzido com critérios de oportunidade e de prudência, respeitando os interesses dos clientes e dos que trabalham na empresa.
No que se refere à redução de postos de trabalho, a empresa tem seguido objectivos de ajustamento e racionalização dos seus meios humanos, consentâneos com a adopção de estruturas de organização e com a instalação de sistemas de gestão, aos seus diferentes níveis.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já racionalizaram 5300!
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O Orador: - Na redução de efectivos realizada, todos os casos renham sido objecto de comum acordo, consubstanciados na prática em reformas antecipadas e rescisões contratuais. em pleno respeito pela legislação em vigor.
A entrega ao exterior de actividades reporta-se à realização de tarefas que, não sendo específicas da empresa ou revestindo-se de uma certa irregulariedade, encontram fora desta custos inferiores e bom nível de qualidade.
Finalmente, a promessa de venda da Central do Pego a um consórcio internacional integra-se no espírito de abertura a iniciativa privada da produção de energia eléctrica, de acordo com o Decreto-Lei n.° 99/91.
Imporia, no entanto, referir que, cumulativamente à venda, foi negociado um contrato de compra de energia da EDP à empresa compradora da central, que garante à EDP e ao País a mesma disponibilidade energética e segurança de abastecimento que existiria se a referida central fosse sua propriedade:
Contudo, é importante não esquecer o elevado passivo da empresa, que, com a venda da central, se virá a situar em níveis mais consentâneos com os valores actuais verificados em empresas congéneres.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O rumo traçado para o sector eléctrico, em geral, e para a EDP, em particular, permitiu que, nos últimos anos, se criassem novas perspectivas para o sector, que a empresa melhorasse a sua estrutura de custos de exploração e obtivesse significativos ganhos de produtividade e os clientes fossem contemplados com um serviço cada vez mais eficiente.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, peço que conclua, porque já ultrapassou largamente o seu tempo.
O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente. Esta situação reflectiu-se em aumentos de preços da electricidade abaixo da taxa de inflação.
De realçar, ainda, o facto de, em 1993, o preço da electricidade para as actividades económicas não sofrer qualquer acréscimo, dando assim o Governo e a EDP um forte contributo para o aumento da competitividade das empresas.
A recuperação financeira que se tem vindo a verificar, nos últimos três a quatro anos, permitiu que, finalmente, a empresa deixasse de sobrecarregar o Orçamento do Estado, tendo-se mesmo verificado, nos dois últimos anos, resultados extremamente positivos, com distribuição de dividendos pêlos seus accionistas.
Estamos no bom caminho!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição sobre o desmembramento e a privatização da EDP, com 3700 assinaturas, que se encontra nesta Assembleia desde Dezembro de 1990, mantém, em nossa opinião, plena actualidade, no que sé refere, particularmente, às consequências que já estuo em curso, em resultado da estratégia de desmembramento da EDO com vista à privatização de sectores fundamentais.
Desde a alteração do estatuto da EDP, 5320 trabalhadores foram lançados no desemprego ou, para usar a linguagem do Sr. Deputado António Vairinhos. Foram racionalizados e generalizou-se a entrega ao exterior de actividades normalmente executadas pela empresa - colocação de contadores, leitura e cobrança, cones e cobranças, etc.
Está em curso um polémico processo de criação de várias empresas de produção e de distribuição, cuja conclusão final tem flutuado ao sabor das pressões e dos lobbies que se vão formando.
Perguntar-se-á se o processo de desmembramento e de privatização da EDP, com a criação de empresas de produção, transporte e distribuição de energia, sobre o qual, no fundo, versa esta petição, se tem traduzido ou se se traduzirá num melhor serviço público e em melhores condições para os seus trabalhadores e quadros técnicos. A resposta é, claramente, negativa.
O encerramento de postos de atendimento e de cobrança tem-se traduzido em mais demoras e, sobretudo, em mais encargos para os cidadãos, que têm de se deslocar, muitas vezes, muitos mais quilómetros e perder muito mais tempo para poderem pagar aquilo que. até há pouco, pagavam muito mais perto da zona onde. vivem.
A alteração do sistema de leitura e cobrança está a originar, como é público, em muitos casos e para muitos cidadãos, facturações acumuladas com valores incomportáveis e não controláveis.
Não ê seguro que a criação de empresas regionais não se venha a traduzir em tarifários diferentes para os cidadãos.
O processo de venda da Central do Pego, com contornos e fundos cada vez mais expressos, que, como disse a comunicação social, deu lugar a que tivéssemos entre nós, de novo, o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva, depois de ter saído da Secretaria de Estado da Energia, significa, como, aliás, o Sr. Deputado António Vairinhos referiu, que a EDP e o Estado passam a comprar a privados, dependentes de estratégias alheias, a energia que, até agora, eles próprios podiam produzir.
O desmembramento da EDP, por sua vez não garante aos trabalhadores a manutenção dos seus direitos, designadamente os que decorrem do estatuto unificado de pessoal. Vai-se, de novo, regredir para um período em que as condições profissionais e de remuneração dos trabalhadores eram diferentes de empresa para empresa, de federação de municípios para federação de municípios.
A subcontratação no exterior de actividades que eram realizadas e que podem e devem continuar a sê-lo pêlos serviços e trabalhadores da EDP está a significar o agravamento do custo desses serviços, da sua qualidade e da própria imagem da EDP.
O que se pretende com isso é pôr trabalhadores numa situação de excedentários, para justificar a afirmação de que há pessoal á mais. Pessoal que, muitas vezes, é aliciado para que rescinda o contrato e que, depois, é subcontratado para exercer actividades que, até aí, desempenhavam enquanto trabalhadores da EDP. Perdem os trabalhadores e perde o erário público!
Neste quadro, em nossa opinião, importa salvaguardar o carácter de serviço público que a EDP presta e travar o processo de desmembramento e privatização em curso.
O Sr. António Vairinhos (PSD): - Viva as nacionalizações!...
O Orador: - Mas, em qualquer circunstância, Srs. Deputados, importa garantir os direitos dos traba- (...)
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(...) lhadores. tanto no momento da sua eventual passagem para futuras empresas a constituir como na manutenção das condições unificadas de carreiras e remunerações, que hoje têm no quadro do acordo unificado de pessoal, porque se trata de direitos adquiridos no âmbito da EDP e é intolerável que, em virtude do processo de desmembramento, eles venham a perdê-los.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Peço que conclua, Sr. Deputado, pois já ultrapassou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Importa, pois, também aqui travar a degradação da actividade da EDP, como pretexto para justificar a sua privatização.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, estamos na hora regimental das votações, mas enquanto aguardamos a chegada de alguns dos Srs. Deputados que estão a trabalhar em comissões ou nos seus gabinetes, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 5.° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a Comissão dê Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os Srs. Deputados Paulo Pereira Coelho (PSD), Aristides Teixeira (PSD) e Arlindo Moreira (PSD) a deporem por escrito, como testemunhas, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do
Deputado independente Freitas do Amaral.
Srs. Deputados, vamos proceder às votações que foram agendadas para hoje.
Em primeiro lugar, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.° 139/VI -
Criação do Conselho Nacional de Juventude (PS).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
Vamos passar, agora, à votação, também na generalidade, do projecto de lei n.° 1877VI - Estatuto Jurídico do Conselho Nacional de Juventude (PCP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes, do PSN, dos Deputados independentes João Corregedor da
Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do CDS.
Srs. Deputados, vamos votar o projecto de deliberação n.° 53/VI - Composição da comissão parlamentar de inquérito à alteração alegadamente introduzida em decreto-lei por membro do Governo contra o recebimento de 120 000 contos (PSD).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS. do PCP, do CDS, de Os Verdes, do PSN e abstenções dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do inquérito parlamentar n.° 7/VI - Apreciação dos critérios de avaliação e processos de privatização das empresas públicas (PCP).
Entretanto, deu entrada na Mesa uma proposta de alteração ao n.° 2 do artigo 3.° deste pedido de inquérito, apresentada pelo PCP, que é do seguinte teor
3.2 - A comissão parlamentar de inquérito terá a seguinte composição:
PSD - 12 Deputados; PS - 6 Deputados; PCP - 2 Deputados; CDS - 1 Deputado; PEV - 1 Deputado; PSN - 1 Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, sugerimos que se realize uma única votação, pois no nosso pedido de inquérito indicámos a composição da comissão e depois o que apresentámos foi a sua alteração.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Muito bem, Sr. Deputado, mas o documento que temos na Mesa é de alteração ao n.° 2 do artigo 3.° do pedido de inquérito, por isso o estávamos a anunciar. Sendo assim, vamos votar o inquérito parlamentar n.° l/VI.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS, do Deputado independente Freitas do Amaral e votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
Srs. Deputados, face ao resultado desta votação, ficou prejudicada a proposta de alteração apresentada e relativa à composição da comissão de inquérito.
Estando encerrada a discussão sobre a petição n.° 2147 V, vamos dar início à discussão sobre a petição n.° 2957 V, apresentada pela Comissão de Trabalhadores da EPAL, E. P., solicitando que seja respeitado o direito de os trabalhadores participarem nos órgãos sociais da nova empresa EPAL, S. A.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigues Marques.
O Sr. Rodrigues Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.° 295/V, de que é peticionante a Comissão de Trabalhadores da EPAL, S. A., é subscrita por 1038 assinaturas e pretende que seja respeitado o
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(...) direito de os trabalhadores participarem nos órgãos sociais da nova empresa EPAL, S. A.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A EPAL, E. P., foi criada pelo Decreto-Lei n.° 553-A/74, de 30 de Outubro, e sucedeu, no serviço público de abastecimento de acua a Lisboa e concelhos circundantes, à Companhia das Aguas de Lisboa, S. A. R. L., no termo da concessão desta. O seu estatuto foi aprovado pelo Decreto-Lei n.° 190/81, de 4 de Julho.
Por sua vez, o Decreto-Lei n ° 230/91, de 21 de Junho, transforma a EPAL, E. P., em EPAL, S. A., de capitais exclusivamente públicos.
O preâmbulo deste diploma afirma, entre outras considerações, que: «[...] a nova legislação sobre a qualidade da água e a legítima expectativa das populações em relação ao seu bem-estar, tão dependente do abastecimento de água, irão impor um forte crescimento do mercado de água em Portugal.
Torna-se, por isso, urgente dotar esse mercado de agentes económicos cuja intervenção permita potenciar a construção de novos sistemas e rendibilizar a exploração do abastecimento de água, preparando a abertura do mercado a uma futura participação diversificada, como acontece na generalidade dos países europeus.
Para o efeito, impõe-se dotar a EPAL de um estatuto mais maleável, que permita a sua intervenção para além da sua actual base regional, em função de contratos ou da associação com os municípios interessados, e determine uma vocação mais sensível ao crescimento do mercado da água.»
Nesta transformação, de que foi objecto a EPAL, através do Decreto-Lei n.° 230/91, foi ouvida a Comissão de Trabalhadores da EPAL, então E. P.
A EPAL, S. A., tem como órgãos sociais a assembleia geral, o conselho de administração e o conselho fiscal, tendo junto da administração um conselho de impacte ambiental.
A sociedade rege-se pelo referido decreto-lei, pêlos estatutos, pelas normas reguladoras das sociedades anónimas -que, como é sabido, não prevêem a participação de representantes dos trabalhadores ou órgãos sociais - e pelas normas especiais decorrentes do objecto da sociedade.
Só por isto se poderia concluir que a EPAL, S. A., apesar de ser de capitais exclusivamente públicos, não se integra no sector empresarial do Estado.
Todavia, aqui reside o âmago da questão, colocada pêlos peticionantes. Saber se a EPAL, S. A., se integra ou não no sector empresarial do Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 230/91 determina que os trabalhadores e pensionistas da EPAL, E. P., mantenham, perante a EPAL,. S. A., todos os direitos e obrigações que determinam à data da entrada em vigor daquela transformação, como, inclusivamente, reconhece o parecer da Comissão de Trabalhadores da EPAL.
Por outro lado, a Procuradoria-Geral da República emitiu parecer, homologado por despacho de S. Exa. o Sr. Ministro das Finanças, onde considerou que as empresas do sector empresarial do Estado são, apenas, as empresas públicas.
Se bem que o n.° l do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 230/91, que estabelece o princípio geral da manutenção dos direitos e obrigações detidos pêlos trabalhadores da EPAL, anteriormente à transformação desta, não distingue entre direitos individuais e colectivos dos trabalhadores, já os números subsequentes, que vêm especificar vários direitos dos trabalhadores, referem-se, todos eles. a direitos individuais.
Por outro lado, se o próprio instrumento de transformação da EPAL quisesse garantir a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais teria consagrado essa participação nos estatutos, que fazem pane integrante do referido decreto-lei.
Também anteriormente à transformação da EPAL não estava prevista a participação dos trabalhadores no órgão de gestão da empresa. Aliás, a própria lei quadro das privatizações estabelece que a empresa objecto de transformação se passará a reger pela legislação comum das sociedades comerciais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de qualquer conclusão, gostaria de referir que, por um lado. a petição ora em apreço solicita que seja respeitado o direito dos trabalhadores de participarem nos órgãos sociais da EPAL, S. A., e, por outro, o parecer da Comissão de Trabalhadores manifesta a sua disponibilidade para defender os direitos dos trabalhadores - sem especificar se estes são individuais ou colectivos -, os postos de trabalho, a continuidade da prestação de um serviço público de qualidade, a preços socialmente justos, o que é totalmente consagrado no Decreto-Lei n.° 230/91.
Assim, deduz-se do exposto e de acordo com a orientação preconizada no parecer da Procuradoria-Geral da República que o sector empresarial do Estado engloba tão-só as empresas públicas.
Deste modo, somos de opinião de que não será possível sustentar a inconstitucionalidade, por omissão, do Decreto-Lei n.° 230/91, visto não serem violadas quaisquer normas constitucionais ou legais pelo facto de não se ter consagrado a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais da empresa, pois esta é facultativa, tendo em conta que não estamos perante uma empresa pública.
(O orador reviu.)
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, ouvir a intervenção do Partido Social-Democrata foi ver aumentado o caudal de água que, permanentemente, vão metendo em relação a estas questões dos direitos dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os membros da Comissão de Trabalhadores da EPAL, Empresa Pública das Águas Livres e grande número de trabalhadores da mesma empresa, no uso dos direitos que a lei fundamental lhes confere, patrocinaram esta Assembleia no sentido de a mesma vir a garantir-lhes os direitos em matéria de representação nos órgãos sociais da empresa. Trata-se de mais uma petição que, independentemente da justeza dos argumentos apresentados - e disso não nos restam dúvidas-, merecerá, certamente, da bancada da maioria, a costumeira desfocagem, isto é, respostas vagas, grandes afirmações de respeito pelos direitos dos trabalhadores.
É, pois, convicção do Partido Socialista que o Governo e a maioria que o suporta nada farão para repor a legalidade e que a presente petição terá o tratamento habitual, isto é, os vários grupos parlamentares usam da palavra apenas uma vez e num espaço de tempo não superior a quatro minutos, considerando-se, assim, cumpridos os (...)
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(...) mecanismos constitucionais, no, respeitante aos direitos dos cidadãos.
Perante conduta tão vergonhosa, fica claro que o Governo e a maioria desta Assembleia, inviabilizando, na prática, a discussão e o aprofundamento das razões que determinam as posições dos trabalhadores e dos cidadãos portugueses, vai tentando fazer crer aos eleitores que as instituições democráticas funcionam plenamente e que aos cidadãos é reconhecida a possibilidade de recorrerem das decisões que considerem ilegítimas e ou ilegais. Só que, através do modelo de funcionamento da Assembleia, imposto pela maioria que o PSD detém, impede, sistematicamente, o funcionamento do principal órgão de fiscalização da coisa pública, evitando, dessa forma, que os actos praticados pêlos agentes .do Governo nos órgãos de gestão das empresas, de que o Estado é proprietário ou detentor da maioria do capital social, possam vir, por todos nós, a ser reprimidos e ou corrigidos.
É neste quadro que se discutem as petições.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição em discussão denuncia comportamentos que constituem violações aos interesses nacionais, designadamente no reconhecimento dos direitos contidos na Constituição da República e demais legislação, aos trabalhadores das empresas públicas ou de capitais maioritariamente públicos de se fazerem representar nos órgãos sociais das referidas empresas. E se dúvidas houvesse quanto ao exercício de tais direitos, por parte dos trabalhadores da EPAL, após a transformação desta em sociedade anónima, uma breve leitura do Acórdão n.° 108/88, do Tribunal Constitucional, facilmente as dissiparia. E, porque nunca é de mais recordar, permitam--me que lhes leia uma passagem desse acórdão:
[...] É de concluir que as sociedades anónimas com maioria de capitais públicos e decorrentes - em função do regime instituído pelo decreto n.° 83/V - de empresas nacionalizadas depois do 25 de Abril de 1974 (tivessem elas ou não o estatuto de empresas públicas) se hão-de situar no sector público [...]
Não colhe, portanto, o argumento usado pêlos representantes do Governo na administração da empresa, de que a sua transformação em sociedade anónima veio retirar aos trabalhadores, de forma definitiva, a sua capacidade de eleição ou de nomeação de representantes para os órgãos sociais da empresa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É obrigação desta Assembleia, perante tão flagrante violação dos normativos legais, exercer as suas competência* de fiscalização, condenando vivamente, por consequência -outra atitude não será de esperar desta Câmara -, actos de tal natureza e exigir ao Governo, único responsável pelas violações referidas, a reposição da legalidade democrática.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para o Partido Socialista, lutar pela reposição da legalidade decorre do normal exercício do mandato que o povo português lhe conferiu e, ao qual, não se exime. Daí que se tome exigível que o Governo assuma o dever legal e moral de pôr fim à situação que ele próprio criou.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta petição, subscrita pela comissão de trabalhadores e pêlos trabalhadores da EPAL, poderia perfeitamente ser secundada por milhares de trabalhadores e pelas estruturas representativas de empresas, como a TAP, a RN, a CIMPOR, a Siderurgia Nacional, a PORTUCEL, a PETROGAL, a EDP, a EPAC, por comissões de trabalhadores de empresas do sector bancário e segurador, das comunicações, ou seja, por todas as organizações de trabalhadores de empresas do sector empresarial do Estado, onde, embora tenha havido alteração estatutária, mantêm o controlo em mais de 50 % do capital por parte do Estado.
Trata-se, nesta petição, do direito de participação dos trabalhadores nos órgãos sociais das empresas, onde se operou uma alteração meramente formal, sem descaracterização da sua natureza pública. Trata esta petição de um direito constitucional e legal sonegado aos trabalhadores pêlos governos do PSD.
Importará traçar o quadro jurídico-constitucional que sustenta a razão dos peticionários.
A Lei n.° 46/79, aprovada pela Assembleia da República, acolhendo os princípios da Constituição de 1976, garante, inequivocamente, nos seus artigos 30.° e 31.°, o direito dos trabalhadores participarem nos órgãos sociais das empresas pertencentes ao Estado. Nestas empresas, as comissões de trabalhadores designarão, ou promoverão, a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais. Nas empresas do sector privado isso fica na disponibilidade das partes.
Na revisão constitucional de 1989 este direito de participação, originário da Constituição de 1976, não só se manteve como foi reforçado através de um novo artigo (artigo 90.°) -aqui omitido pelo Deputado do PSD - que, aliado à alínea f) do n.° 5 do artigo 54.°, tem um carácter vinculativo e de aplicação directa.
Posteriormente, no debate da lei quadro das privatizações e no Acórdão n.° 108/88 do Tribunal Constitucional, aqui referido pelo Sr. Deputado Artur Penedos, do PS, que sobre ela se pronunciava, era inequívoco a interpretação de que os trabalhadores mantinham todos os direitos individuais e colectivos no processo de alteração estatutários. Assim, haveria de ser por força da lei e da Constituição!
Só que o governo do PSD, com a consciência -eu diria má consciência- da necessidade de afastar os trabalhadores e seus representantes dos processos, negócios e leilões ligados às privatizações (onde a passagem das empresas públicas para sociedades anónimas assume um carácter preliminar), começou a arredar dos conselhos de fiscalização esses representantes eleitos pêlos trabalhadores.
Recorrendo às instituições, as comissões de trabalhadores não encontraram, por parte da Assembleia da República, a vontade política para obrigar o Governo a fazer cumprir a Constituição e a lei. Só o anterior provedor de Justiça, num notável parecer, deu razão as organizações dos trabalhadores, recomendando à Assembleia que aprovasse um diploma genérico para dar cabal cumprimento a este direito constitucional e legal dos trabalhadores.
Ora, é pena que o Sr. Deputado do PSD se tenha esquecido desta voz autorizada e insuspeita para si, com certeza, que é a do Sr. Dr. Mário Raposo, o anterior provedor de Justiça, que dizia: «As sociedades de capitais públicos, não sendo empresas públicas, integram-se, sem (...)
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(...) dúvida, no sector empresarial do Estado, quando nelas a participação pública seja estatutariamente maioritária.
As sociedades assim constituídas, mais do que simplesmente participadas, são controladas pelo Estado, na medida em que este detém, necessariamente, mais de 50 % do capital. E o sector empresarial do Estado, nesta acepção, corresponde ao sector público produtivo.» E estou a citar Sousa Franco, em Finanças Públicas e Direito Financeiro, 1987. «Nesta perspectiva, a transformação de empresas públicas em sociedades anónimas, publicamente controladas, nem modifica decisivamente a sua natureza pública. Opera-se uma alteração meramente formal.» Por essa razão, o Sr. Provedor de Justiça recomendava a aplicação da Constituição e da lei, em relação aos direitos dos trabalhadores.
Mérito por isso também à Comissão de Trabalhadores da EPAL, que veio, através desta petição, trazer à ordem do dia o que nem o provedor de Justiça conseguiu.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem não deve, não teme! Quem não deve, não receia formas democráticas de participação e intervenção dos trabalhadores na vida das empresas.
Não é fácil fazer uma lei que diga: cumpra-se a lei! Mas o PCP, a manter-se esta atitude do governo do PSD, considerará a hipótese de uma iniciativa legislativa que ultrapasse este bloqueio ao exercício de um direito por parte do governo do PSD.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, em virtude de não haver mais inscrições, declaro encerrado o debate da petição n.° 295/V.
Vamos entrar na apreciação da petição n. ° 312/V, apresentada pelo Movimento contra o Fogo de Mação, solicitando a implantação de um sistema de prevenção, detecção e extinção de incêndios.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Granja da Fonseca.
O Sr. João Granja da Fonseca (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O autodenominado Movimento contra o Fogo de Mação solicita a implantação de um sistema de prevenção, detecção e extinção de incêndios. Esta petição foi publicada no Diário da Assembleia da República, 2.ª série - C, n.° 24, de 8 de Maio de 1992.
Alegam os subscritores da petição que os cidadãos do concelho de Mação passaram de pobres a miseráveis, em virtude dos fogos que desvastaram as suas terras, casas e animais, entre os meses de Junho e Agosto de 1991.
Na sua petição fazem um conjunto de considerações, nomeadamente que os fogos nas matas não são naturais mas postos por mãos criminosas e que vários incendiários são conhecidos. E «esses criminosos e os seus protectores» - dizem- «continuam impunes e prontos a cometer novas façanhas». Depois, alegam que as pessoas do campo, atingidas pela calamidade dos fogos e tendo perdido a maior fonte dos seus meios de vida, têm tendência para abandonar as suas regiões, emigrando e dando azo à desertificação do campo.
O seu pedido consiste na adopção de um conjunto de medidas: levantamento da situação de devastação e de miséria em que se encontra o concelho após os fogos, em 1991; auxílio pecuniário, técnico e de isenção fiscal, para que cada família possa reconstruir o património; legislação contra os criminosos; meios técnicos de prevenção, detecção e extinção de incêndios.
Desta petição foram subscritores 1412 cidadãos e os factos nela descritos reportam-se ao ano de 1991.
As preocupações e as medidas preconizadas pêlos cidadãos do concelho de Mação merecem, naturalmente, a nossa atenção.
É certo que muitos dos incêndios são provocados e alguns dos criminosos já foram condenados. É também certo que muitas medidas foram adoptadas, posteriormente, em todo o País, pelo que os resultados obtidos no ano de 1992, em relação aos incêndios florestais, foram excepcionalmente bons, porquanto apenas arderam 34 000 ha de povoamentos derivados de 23 000 fogos, o que dá uma área ardida de 1,5 ha, por fogo, resultado este somente alcançado em 1988, cujos finais de Primavera e princípio de Verão foram muito pluviosos, ao contrário do que é costume em Portugal.
As razões de tais resultados devem-se as condições climatéricas menos gravosas, à melhoria sensível da prevenção, à mudança do estado psíquico da população que vê o Governo e as autarquias a preocuparem-se com as suas matas, à dissuasão de prováveis criminosos derivada da actuação de brigadas mistas da Polícia Judiciária e da DGF, à melhoria substancial das actuações dos meios aéreos e da generalidade dos corpos de bombeiros no combate aos fogos nascentes e ao funcionamento satisfatório da Rede Nacional de Postos de Vigia.
Convém, no entanto, incentivar estas medidas e, desde a intervenção junto da comunicação social até à vigilância aérea, à investigação científica, à colaboração íntima com as autarquias e outras entidades privadas, em suma, todos os meios técnicos e operacionais devem ser usados com o objectivo de minimizar os efeitos nefastos dos incêndios.
É minha convicção, quanto à questão particular levantada pelos peticionantes, que as entidades responsáveis já terão tomado as medidas possíveis.
Quanto à questão genérica, embora muito se tenha feito, muito há ainda por fazer.
De qualquer modo, poderão os peticionantes dar conhecimento desta petição às entidades competentes para que supram eventuais deficiências nesta matéria e neste caso específico.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos.
O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero lamentar que, para uma petição deste tipo, relativa a um violento incêndio que atingiu o concelho de Mação e, infelizmente, nessa altura, uma parte significativa do norte do distrito de Santarém, não haja aqui nenhum Deputado do PSD do distrito de Santarém a defendê-la.
E é tanto mais lamentável quanto é certo que este grupo de cidadãos do concelho de Mação tem toda a razão em apresentar esta petição, reclamando, por um lado, o apoio às famílias atingidas pelo incêndio - e só quem lá não esteve é que não pôde assistir, como eu assisti, ao desespero das famílias que perderam os seus haveres nesses violentos incêndios em todo o norte do distrito de Santarém - e, por outro, e muito bem, a aplicação de sanções fortíssimas aos criminosos incendiários que continuam a grassar na época estival.
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Referem ainda, com justeza, que é fundamental gastarmos dinheiro não só no combate mas também e essencialmente na prevenção dos fogos florestais.
É curioso que estas reclamações dos cidadãos de Mação têm vindo a ser defendidas pelo Partido Socialista, ao longo dos últimos anos, sem que o Governo lhes tenha dado ouvidos..
Desde o reordenamento da floresta portuguesa à criação de linhas de floresta junto dos principais acessos, à construção de novos estradões e pontos de água na floresta, ao aumento dos postos de vigia e dos grupos de vigilância que, infelizmente, não existem nem se estimula a participação do próprio Exército, à forma como o Governo tem feito a aquisição das madeiras queimadas, ao próprio e insignificante apoio que tem dado aos corpos de bombeiros, tudo isto espelha bem a forma como o Governo tem tratado a questão fundamental dos fogos florestais.
Com efeito, é lamentável que, quando, em 1991, o PS apresentou na Assembleia da República o pedido de declaração de situação de calamidade pública para a zona norte do distrito de Santarém, o Governo, a isso, pura e simplesmente, tenha dito «nada», e, apenas, tenha feito sair um despacho em Agosto para proporcionar alguns apoios às famílias atingidas, cujo resultado, curiosamente, é também lamentável porque, em primeiro lugar, as indemnizações às famílias, relativas ao fogo de 1991, só foram pagas no fim do ano de 1992 e apenas a algumas. Ainda assim, obrigaram as populações de Mação a fazer grandes deslocações à Sertã e, por não existirem transportes públicos directos, a gastar verbas avultadas noutros tipos de transporte, para receberem as parcas indemnizações que lhes foram atribuídas.
Também o que é grave e é importante perguntar-se é o que o Governo fez em relação aos tão falados parques de recepção de madeira. É que recebeu a madeira em 1991 - e, pasme-se, Sr. Presidente e Srs. Deputados - e só pagou e aos preços que entendeu no fim do ano de 1992, quase um ano e meio depois de grassarem esses fogos florestais.
É evidente que estamos perante uma situação lamentável que espelha bem a forma como o Governo trata os cidadãos que, na calamidade dos fogos florestais, tudo perdem. E em 1991 -é bom recordar aqui-, infelizmente, não foram só haveres que se perderam nesses fogos mas também algumas vidas.
O Governo não pode, pois, continuar a esquecer um problema como este, não pode continuar a dizer muito bem dos bombeiros nas festividades e, na prática, desamparados, não criando condições, designadamente através de investimentos, para que eles possam desempenhar cabalmente a sua tarefa.
Aplausos do PS.
O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - O Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, não sei se o Regimento me permitirá usar da palavra, mas acontece que me senti directamente...
O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Então, Sr. Presidente, usando essa figura regimental, direi que me senti directamente visado pela intervenção do Sr. Deputado do Partido Socialista que acaba de falar, quando afirmou que não estava aqui nenhum Deputado eleito pelo distrito de Santarém para defender esta petição.
Com efeito, estão aqui dois Deputados eleitos pelo distrito de Santarém. E o que quero dizer-lhe, Sr. Deputado, é que tem sido orientação da Comissão de Petições a que presido, na medida em que a Lei n.° 43/90 atribui ao Plenário a competência para conhecer de petições, não tomar senão uma posição de respeito por essa competência e, consequentemente, endossar ao Plenário a sua discussão.
Não tenho, portanto, sobretudo como presidente da Comissão, de fazer rigorosamente a defesa do relatório nem da petição. De qualquer modo, não quero deixar de lhe dizer, Sr. Deputado, que os Deputados do PSD do distrito de Santarém sentem, profundamente, na sua própria carne as consequências dos incêndios que têm ocorrido não só no concelho de Mação mas também em outros. E os mesmos Deputados sabem o que tem sido feito e também o muito que há por fazer.
Como V. Exa. sabe, nesta petição diz-se que a maior parte desses fogos são incêndios propositadamente provocados e, como também sabe, é difícil a identificação dos criminosos que, apenas nalguns casos, se tem conseguido, e que, na medida do possível, tudo tem sido feito. Com toda a certeza, outro Governo nada mais faria para além do que era possível face às circunstâncias.
Em todo o caso, não quero deixar de dizer-lhe que os Deputados do PSD do distrito de Santarém vivem atentamente este angustioso problema e estão prontos a contribuir para a sua resolução, o que V. Exa., no uso das faculdades previstas na Lei n.° 43/90, talvez também possa fazer.
O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - O Sr. Deputado Carneiro dos Santos pede a palavra para que efeito?
O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Para responder ao Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a Mesa é que foi interpelada, mas, uma vez que o Sr. Deputado deseja responder, tem. a palavra para o efeito.
O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, muito rapidamente para dizer ao Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida que eu não afirmei que não estavam presentes na Sala Deputados do. PSD pelo distrito de Santarém. O que disse - e repito - é que não foi um Deputado social democrata do distrito de Santarém, como aliás lhe competia, a defender esta petição relacionada com um violento incêndio que atingiu o norte desse distrito e no qual, como referi, se perderam infelizmente algumas vidas noutros concelhos.
Era importante ouvir aqui também uma voz do distrito que fizesse eco daquilo que tivemos a oportunidade - eu, pelo menos, tive - de ouvir das populações.
O Sr. João Granja da Fonseca (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Pode interpelar a Mesa, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para que efeito, Sr. Deputado?
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O Sr. João Granja da Fonseca (PSD): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Granja da Fonseca (PSD): - Sr. Presidente, é hábito na comissão parlamentar competente distribuir as petições para serem defendidas no Plenário ao relator que fez o primeiro relatório na comissão. Coube-me a mim a sua elaboração e, embora não pertença ao círculo de Santarém, foi por essa razão que aqui defendi esta petição. Além disso - e o Sr. Deputado do Partido Socialista sabe-o muito bem -, o governo civil, a câmara e toda a população de Mação foi carinhosamente tratada aquando do funesto incêndio a que nos reportamos neste momento.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Carneiro dos Santos.
O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Granja da Fonseca, não discuto os critérios do Grupo Parlamentar do PSD. No Partido Socialista, estas questões foram tratadas por quem viveu intensamente estes acontecimentos, ou seja, pêlos Deputados do distrito de Santarém. Para além disso, é curioso ouvir V. Exa. dizer que as pessoas foram muito bem tratadas em 1991, quando só no final de 1992 é que as indemnizações foram pagas e os produtores florestais receberam o valor das suas madeiras! Não há dúvida de que houve um grande cuidado em relação aos atingidos por estes fogos.
O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, estando a dirigir a bancada do PSD, não posso deixar de lamentar este desvirtuamento nado do Regimento, pois, embora tenha sido gerado pela minha bancada, o Sr. Deputado do Partido Socialista teve o intuito claro de, demagogicamente, utilizar um caso lamentável para fazer uma política de promoção do seu distrito.
Sr. Presidente, não posso deixar de lamentar esta situação e apelo para, dentro da medida do possível, darmos continuidade aos trabalhos.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, V. Exa. é livre de expressar a sua opinião, mas, como um Deputado do PSD já havia pedido a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra, parece-me que não teria sido necessário interpelar a Mesa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.
O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considero esclarecedora a reacção dos Deputados do PSD oriundos do distrito de Santarém, pois demonstra que não conhecem bem a realidade do norte desse distrito. Se a conhecessem, tenho a certeza de que não reagiriam desta forma às palavras que foram ditas e teriam tomado a iniciativa de virem aqui defender o povo do concelho de Mação.
Fácil é que possamos considerar esta matéria da petição agora em causa, aparentemente de carácter local, de interesse geral pelo facto de abranger um assunto tão importante como o dos fogos florestais.
Não são exclusivamente os povos de Mação, no norte do distrito de Santarém, que, como dizem, «se viram reduzidos à miséria por via de incêndios criminosos». São, de facto, criminosos porque conhecem-se os veículos do crime e adivinham-se os autores dos mesmos!
Com efeito, este é um dos maiores flagelos que ensombra o Verão português, também ele vítima de ferozes interesses económicos, principal causa desencadeante deste processo de destruição da nossa floresta e da sua progressiva substituição por eucaliptos a que ano após ano vimos assistindo.
No concelho de Mação, em 1991, arderam 12 000 ha de mata quase exclusivamente constituída por pinheiros. Foi em 9 de Setembro desse ano que esta população, enlutada, porque também se verificaram perdas humanas, depositou esperanças neste órgão de soberania sem que daqui lhe chegasse qualquer ajuda, situação que, aliás, se repetiu em todas as outras instâncias a que recorreu. Do governo civil foram prometidos apoios, houve inscrições na câmara municipal mas, até hoje, nada! As populações do concelho de Mação continuam sem saber para que serviram tais inscrições, pois a resposta continua a ser zero!
Do Governo «chegaram» os parques de recepção de madeira queimada, cujo funcionamento se revestiu de aspectos escandalosos: abertos apenas por um período de cerca de três meses, a quase totalidade dos proprietários de terrenos queimados não teve meios para proceder à recolha da madeira ardida vendo-se na necessidade de fazer a entrega de tal tarefa a madeireiros que recolheram a grande fatia do dinheiro disponível para compra de madeira queimada. Chegaram mesmo a vendê-la por 3500$ o m3, depois, compraram-na por 1000$ e, seguidamente, revenderam-na pêlos mesmos 3500$ noutros parques, tudo isto, com conhecimento das autoridades que, comprometidas, com certeza, continuam também ainda hoje por responder a um requerimento do PCP no qual se colocavam algumas questões pertinentes relacionadas com este assunto.
É assim que, passados quase dois anos, o panorama local é o mesmo, não tendo sofrido praticamente qualquer alteração. A esperança deste povo nas soluções e promessas do governo do PSD já não são nenhumas. Existem promessas, há mesmo ideias de planos de reflorestação, que, apesar de não estarem totalmente definidas, são lideradas pela autarquia local. Não passam no entanto de promessas, pois a verba disponibilizada pelo governo do PSD - 9 milhões de contos para este tipo de projectos a nível nacional - se aplicada na sua totalidade no concelho de Mação, não seria suficiente para a reflorestação total.
Não é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, no Verão que se previnem os incêndios, mas sim ao longo do tempo, implementando uma política de conservação de matas e de ordenamento florestal e fornecendo simultaneamente condições para que elas se concretizem. Já o PCP aqui apresentou propostas concretas que não passaram sem que tivessem surgido quaisquer alternativas. A incapacidade do Estado conhece-a bem o concelho de Mação, pois muitos projectos apresentados por particulares para a melhoria da floresta, apesar de aprovados pelos servidos florestais.
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(...) aguardam há mais de quatro anos que haja disponibilidade financeira para se concretizarem.
São, assim, justas as pretensões desta população e lamentável é que tenham de reunir-se 1400 assinaturas para que se discutam na Assembleia da República - sem que, no entanto, daí advenham quaisquer consequências - questões básicas como seja o levantamento da situação de devastação de um incêndio que lavrou 12000 ha, o auxílio económico imediato à região (por imediato, entenda-se o ano de 1991), legislação apropriada de punição exemplar aos conhecidos criminosos que mandam lançar, fogos, legislação adequada para que possam contratar-se meios efectivos de combate a incêndios e meios concelhios adequados à prevenção de incêndios.
Fica a dúvida: quando será que ardem os 9000 ha de pinhal ainda por queimar em Mação? As condições que conduziram ao primeiro incêndio não se modificaram e todos, incluindo os responsáveis governamentais, aguardam impávidos pelo Verão para que depois do facto consumado possam vir fazer mais promessas.
Ainda não foi desta que o Governo entendeu as consequências sociais da falta de uma política concreta de prevenção de incêndios florestais de origem criminosa e talvez seja por essa razão que continua a permitir que, ano após ano, a nossa floresta vá desaparecendo!
Vozes do PCP: - Muito bem!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. vice-presidente José Manuel Maia.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Isabel Castro.
A Sra. Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a petição que estamos neste momento a analisar não pode circunscrever-se a uma questão meramente regional, pois é um exemplo paradigmático da situação em que se encontra a nossa floresta.
Ela refere-se aos incêndios que tiveram lugar em 1991. Lembro que, nesse ano, o distrito de Santarém bateu, infelizmente, os records de área ardida, tendo, tal como aqui foi dito, Mação sido uma das áreas particularmente penalizada, atingida e sofredora. Portanto, num total de cerca de 21000 ha de área ardida, os incêndios que tiveram lugar em 1991 desvastaram cerca de 12 000 ha.
A petição que estamos agora a discutir coloca exactamente três ordens de questões.
Uma primeira questão tem a ver com os fogos em si, em que as famílias foram fortemente penalizadas e condenadas a uma situação económica extremamente difícil, porque, tal como já foi aqui referido, houve um período extremamente curto de funcionamento dos parques de recepção de madeira.
Uma outra questão relaciona-se com as indemnizações, que, por exemplo, no que diz respeito ao concelho de Mação, continuam por pagar.
Outra questão levantada pêlos peticionários respeita à impunidade com que, sucessivamente, as situações de fogos, quase todos de origem criminosa, se colocam e repetem. Efectivamente, já trouxemos ao Parlamento esta questão da impunidade, de não se ter ousado avançar politicamente naquilo que a própria Lei de Bases do Ambiente prevê e permite quanto ao chamado ilícito criminal ambiental.
A utilização, com toda a facilidade, de pessoas para provocar incêndios de origem criminosa, a impunidade com que os seus autores continuam a destruir a floresta e com ela a destruir a fauna e a flora contrariam as intenções do Governo de preservação da diversidade genética. Aliás, ainda há pouco tempo, concretamente na Conferência do Rio, o Governo falou da ratificação desta convenção de diversidade genética, pelo que pergunto como é que se pode defender a fauna e a flora quando, ao mesmo tempo, se destrói a floresta?
Este é, pois, um aspecto que tem de ser considerado e que tem reflexos, do ponto de vista cultural, no abandono do mundo rural e, em termos demográficos, no crescimento desregrado das nossas cidades.
De qualquer modo, em relação aos meios de combate, creio que tem pouca eficácia lamentar-se - e ficar-se por aí - quanto à situação deste concelho em concreto. Há que reagir, mas, lamentavelmente, lembro tão-só que, em Maio de 1992, a Federação dos Bombeiros do Distrito de Santarém levantou a questão de a administração central, em particular o Ministério da Saúde, ter constantemente dividas para com os bombeiros, com óbvias dificuldades na sua eficácia de intervenção.
Este é um aspecto multidisciplinar, para o qual têm de ser encontradas soluções de prevenção que, do ponto de vista do ordenamento florestal, continua por fazer. Não podemos continuar à espera, dizendo que quando o Código Penal for revisto os crimes contra o ambiente serão punidos.
Penso que isto significa claramente que outras soluções têm de ser encontradas em tempo útil. De resto, o sentido da petição que está hoje aqui em análise é precisamente o da responsabilização deste Parlamento por esta situação.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrado o debate da petição n.° 312/V.
A nossa próxima reunião plenária terá lugar na próxima quinta-feira, dia 25, constando da sua agenda a análise das petições n.ºs 1/VI, 22/VI, 31/VI, 32/VI, 34/VI, 37/VI, 41/VI e 79/VI, sendo o tempo disponível de quatro minutos por cada grupo parlamentar.
Nesse dia terá também lugar, entre as 16 e as 18 horas, na Sala D. Maria, a eleição para cinco representantes no Conselho Superior do Ministério Público.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 20 minutos.
Declaração enviada à Mesa, para publicação, relativa ao voto n.º 58/VI
O PSD votou contra o voto n.° 58/VI, porque em bom rigor a iniciativa do PS é uni lamentável passe de pequena política interna, duplamente infeliz porque põe em relevo aja infeliz iniciativa do Sr. Presidente da República, vindo a público com um apelo à paz em Angola, publicado em exclusivo num jornal português, de onde o que sobressai é o insólito do meio utilizado pelo supremo magistrado do Estado Português para intervir utilmente na grave questão angolana.
Aliás, se excluirmos do apelo do Sr. Presidente da República a mera formulação do desejo de paz, que ninguém contesta e que múltiplas entidades têm manifestado, havemos de constatar que S. Exa. incorre em juízos erróneos e precipitados, que não se conformam com a (...)
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(...) finalidade do apelo, quer no que toca aos Portugueses, quer no que concerne aos Angolanos.
S. Exa. considera que os Acordos de Bicesse «foram feitos à pressão» e que, em virtude das suas zonas sombra, não foram capazes de assegurar a paz em Angola.
Porém, ao mesmo tempo, toda a comunidade internacional e, designadamente a ONU, o seu Secretário-Geral e a Comunidade Europeia continuam a tomar os Acordos de Bicesse como quadro de referência para o retomo à paz em Angola.
É surpreendente o juízo do Sr. Presidente da República sobre os Acordos de Bicesse.
Sobretudo quando contrastado com o comentário que, parágrafos antes e à guisa de introdução ao seu apelo, produz sobre os Acordos do Alvor, os quais não lhe merecem qualquer juízo, a não ser uma nota de desculpabilização pessoal fácil demais.
«No meu espírito - justifica-se S. Exa. -, e por razões lógicas e compreensíveis, a Alvor sobrepunha-se a questão do poder político em Portugal.»
E, no entanto, os Acordos do Alvor foram talhados à pressão das razões mais inaceitáveis (as de natureza ideológica e de estratégia internacional), em que se abdicou face à influência comunista, no seguimento de uma política de puro abandono dos povos africanos à lógica de poder dos movimentos armados.
Como se abandonou Timor. Aliás, na linha de um pensamento que já vinha de muito antes e que nada tem a ver com a pressão das circunstâncias, mas tão-somente com uma errada visão da política internacional, do papel de Portugal no mundo e dos próprios sentimentos dos povos submetidos ao domínio colonial.
S. Exa. pede compreensão para erros próprios (embora não exclusivos, é evidente), que não usa no seu apelo relativamente a outros e nomeadamente os próprios angolanos, invectivando uns e encomiando outros, o que pelo menos é deslocado numa mensagem que se destina a enterrar culpas e a promover a paz.
Da nossa parte, o que sinceramente desejamos é contribuir, de facto, com a «humildade» invocada por S. Exa., para a paz em Angola, enterrando de facto a questão das culpas e não tentando, de forma ínvia, utilizar uma vez mais o problema angolano ou das demais ex-colónias para efeitos de política interna em Portugal ou, quiçá ainda mais grave, utilizar as funções de Estado em Portugal para interferir nas disputas políticas internas dos Angolanos.
Não é isso que Angola espera de Portugal, nem é isso que Portugal espera dos seus mais elevados representantes e responsáveis políticos.
O Deputado do PSD, Silva Marques.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adriano da Silva Pinto.
António Maria Pereira.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Mil-homens.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Castro de Almeida.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Edite de Fátima Santos Maneiros Estrela.
Jaime José Matos da Gama.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Deputados independentes:
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Pereira Lopes.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Partido Socialista (PS):
António Domingues de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel António dos Santos.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.