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Quarta-feira, 3 de Fevereiro de 1993

I Série - Número 35

Diário da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE FEVEREIRO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
Belarmino Henriques Correia
Alberto Monteiro de Araújo

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessdo às 15 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diplomas, de requerimentos e de resposta a algum outros.
Em declaração política o Sr. Deputado Adriano Moreira (CDS) falou sobre o julgamento de Xanana Gusmão em Díli, no que foi secundado pelos Srs. Deputados Duarte Lima (PSD), João Amaral (PCP) e Raúl Rêgo (PS).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) teceu considerações sobre o estado da justiça em Portugal, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luís Pais de Sousa (PSD), Manuel Alegre (PS) e António Lobo Xavier (CDS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Ferro Rodrigues (PS) criticou a política económica prosseguida pelo Governo, tendo depois respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP) e Rui Carp (PSD).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 82.º do Regimemto, o Sr. Ministro Adjunto (Marques Mendes) deu conta à Assembleia das razões que levaram à exoneração do conselho de administração da RTP. Respondeu ainda a pedidos de esclarecimento e deu explicações aos Srs. Deputados Manuel Alegre (PS), António Lobo Xavier (CDS), José Magalhães (PS), Octávio Teixeira (PCP) Arons de Carvalho (PS) e Guilherme Silva (PSD).
Após o Sr. Presidente ter comunicado à Câmara o conteúdo de um telegrama de condolências pelo falecimento do juíz conselheiro Manso Preto, enviado à família e ao Supremo Tribunal de Justiça, de que era o Presidente, intervieram os Srs. Deputados Costa Andrade (PSD), Almeida Santos (PS), Adriano Moreira (CDS), Odete Santos (PCP) e André Martins (Os Verdes) e foi ainda guardado um minuto de silêncio em seu honra.
O Sr. Deputado Marques da Costa (PS), a propósito da guerra em Angola, considerou necessário que o Governo debata com a Assembleia as consequências daí decorrentes, à luz dos Acordos de Bicesse, e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Rui Gomes da Silva (PSD).
O Sr. Deputado Fernando Santos Costa (PSD) congratulou-se com a melhoria da situação rodoviária do País, tendo lembrado particularmente o concelho de Barcelos.
Foram aprovados os votos n.ºs 59/VI - De saudação, na passagem do Dia do Professor, a todos os professores portugueses (Comissão de Educação, Ciência e Cultura) e 60/VI - De protesto, condenando a situação que se vive em Timor em resultado da invasão perpetrada pela Indonésia (Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste), tendo produzido intervenções acerca do primeiro os Srs. Deputados Maria Julieta Sampaio (PS), Carios Lélis (PSD), José Calçada (PCP) e António Lobo Xavier (CDS).
A Câmara aprovou ainda cinco pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, um sobre substituição de Deputados do PSD e do CDS e os outros autorizando quatro Deputados a deporem em tribunal como testemunhas.
Ordem do dia. - Procedeu-te ao debate da proposta de lei n.º 43/Vl - Altera a Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau, tendo sido aprovado, na generalidade, na especialidade e em votação final global, o texto alternativo elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Registaram-se intervenções, além da do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro), dos Srs. Deputados Alberto Costa (PS), António Lobo Xavier (CDS) e Margarida Silva Pereira (PSD).
Foi ainda discutido o projecto de lei n.º 79/VI - Assegura a participação dos trabalhadores rurais e dos agricultores na definição da política agrícola (PCP). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), João Maçãs (PSD), Luís Capoulas Santos (PS), Carlos Duarte e Armando Cunha (PSD), António Martinho (PS), António Lobo Xavier (CDS), Francisco Bernardino (PSD) e André Martins (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carios Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.

duardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
15ilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Sousa e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alherto Bernardes Costa.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Ribeiro Marques da Silva.
Armando António Martins Vara.

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Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrabes Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Juvenal Alcides da Silva Costa.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
lsabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretárió (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.ºs 44/VI - Altera o Estatuto dos Magistrados Judiciais e 45/VI - Altera o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, tendo ambas baixado à 3.ª Comissão; projectos de lei n.ºs 249/VI - Altera o Decreto-Lei n.º 212/92, de 12 de Outubro, que regulariza a situação dos imigrantes clandestinos (Os Verdes) e 250/VI- Altera a redacção do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 63/90, de 26 de Dezembro (remunerações dos titulares de cargos políticos) (PCP), tendo ambos baixado à 3.ª Comissão; projectos de deliberação n.ºs 54/VI - Realização de um debate parlamentar, com a presença de membros do Governo, sobre as consequências para Portugal do Plano Hidrológico Espanhol (Os Verdes) e 55/VI - Criação de uma comissão eventual para os problemas da exclusão social (PS).
Nas últimas reuniões plenárias foram apresentados á Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Nuno Ribeiro da Silva, José Mota e 15abel Castro; ao Ministério do Mar, formulados pelas Sr.ªs Deputadas Leonor Coutinho e 15abel Castro; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Álvaro Viegas e João Granja da Fonseca; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado José Calçada; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Mário Tomé e Edite Estrela; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado António Martinho; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Pereira Oliveira; à Secretaria de Estado da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Edite Estrela e João Granja da Fonseca, e ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado João Carlos Pinho.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Luís Sá, na sessão de 7 de Novembro; José Apolinário, na sessão de 24 de Abril; Jerónimo de Sousa, na sessão de 19 de Maio; José Leitão, na sessão de 21 de Maio; André Martins, na sessão de 17 de Julho; Guilherme Oliveira Martins, nas sessões de 22 de Julho e 17 de Novembro; 15abel Castro, na sessão de 4 de Setembro; Rui Cunha, na sessão de 20 de Outubro; Lino de Carvalho, na sessão de 22 de Outubro; Miranda Calha, na sessão de 29 de Outubro; José Calçada, na sessão de 3 de Novembro; José Lello, na sessão de 10 de Dezembro; Ribau Esteves, na sessão de 10 de Dezembro, e, finalmente, Manuel Sérgio, na sessão de 5 de Janeiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período de antes da ordem do dia de hoje inclui declarações políticas, estando em primeiro lugar inscrito o Sr. Deputado Adriano Moreira, a quem concedo de imediato a palavra.

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O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vai dar entrada na Mesa, por proposta unânime da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, um voto que propõe a atitude que a Câmara deverá tomar face aos acontecimentos que todos conhecem e que estão, neste momento, a decorrer em Timor Leste.
A intervenção que vou fazer é da minha exclusiva responsabilidade, nada tendo, pois, a ver com a Comissão. Face aos acontecimentos que estão a ter lugar em Timor, pensei que era apropriado fazê-la.
Na sede do antigo Tribunal da Comarca de Díli, edifício modesto numa terra pobre, habitada por um povo tratado como dispensável pelas grandes potências da área, foi iniciado um julgamento que virá certamente a ter uma repercussão na história do direito internacional. 15to porque, não obstante o limitadíssimo território, a pequena população sobrevivente e envolvida, a exiguidade da força da resistência armada, acontece que o julgamento de Xanana Gusmão viola vários princípios fundamentais do direito internacional vigente e desafia o normativismo possível da nova ordem internacional em gestação.
Trata-se de um caso, este de Timor, que se desenvolve no período de transição do bipolarismo para um incerto novo equilíbrio de forças, período em que os planos de contingência estão a preencher o transitório vazio causado pelo fim da guerra-fria. Todos os países, instituições e homens que consideram que os valores essenciais do direito fazem parte do eixo da roda da mudança, e que o eixo acompanha a roda, mas não anda, também não podem deixar de manifestar pelo menos preocupação, e, muito justificadamente, a condenação do esquecimento e violação desses valores, mesmo pelos planos de contingência.
Quando uma grande potência, como os EUA, se proclama legitimada para deter em território alheio um procurado pela sua justiça, quando um regime fundamentalista condena à morte um cidadão estrangeiro e manda executar a sentença em qualquer parte, quando um agressor como a Indonésia assume que pode fazer o julgamento de um líder da resistência dos invadidos no cenário e ambiente de uma conferência internacional sobre os direitos do homem, a inquietação fundada é a de que, nos planos de contingência em exercício, existam maiores preocupações sobre a hierarquia dos poderes soberanos, e os interesses privativos das potências, do que sobre os direitos do homem, os direitos dos povos e os direitos da comunidade internacional.
É longo no tempo, e pesado na dimensão, o passivo desta contínua falta de autenticidade, que ameaça fazer a ambicionada Nova Ordem mais herdeira de Maquiavel do que de Kant, não obstante ser cada vez mais evidente que uma injustiça feita a um homem ou a injustiça feita a um povo é uma injustiça feita a todos os homens e a todos os povos. Todas as guerras são um regresso ao estado de natureza, dominado pelo facto brutal que os polemologistas chamam o infanticídio diferido das gerações. O direito internacional definiu, ainda assim, as normas de um direito na guerra que se articulam coerentemente com a análise dos contratualistas que doutrinaram a formação do Estado moderno e a sua subordinação a um direito internacional desprovido de força para ser imposto.
Por isso mesmo, o caso de Timor, o processo de Díli, a utilização do prisioneiro Xanana Gusmão, não devem ser discutidos à luz de um eventual conflito de sucessão de leis penais no tempo, partilhando as opiniões entre aplicar a lei antes vigente no território ou aplicar a nova lei do invasor, porque tal discussão apenas enriquece o cenário do opressor. Do que continua a tratar-se é de uma conquista armada do território, de um Estado utilizar as suas forças armadas para alargar os seus domínios territoriais, de violar o direito internacional, de violar os princípios proclamados pela coligação que se opôs a tal subversão na guerra de 1939-1945 e, finalmente, de violar a Carta da ONU.
A conquista não é um título legitimo: a resistência contra a conquista é legítima. Por isso, no modesto edifício da sede do antigo Tribunal da Comarca de Díli, a decisão sobre a vida de um só homem coloca esse homem no centro de uma questão vital para o destino de milhares de homens, para a credibilidade da ONU e da sua Agenda da Paz, para a identificação da legitimidade que vai dominar a futura Nova Ordem. No fim da II Guerra Mundial, o Tribunal de Nuremberga, instalado segundo os princípios proclamados pelos vencedores (entre os quais os EUA eram proeminentes), viu definidos os crimes contra a humanidade, uma decisão que prometia que nunca mais seria possível editar as práticas abomináveis.
A repetição foi mais frequente do que então podia imaginar-se e um deles, o crime de genocídio, foi o provado corolário que a Indonésia tirou da conquista ilegal de Timor para impor a submissão. A política de «limpeza étnica», que é a versão em exercício do genocídio, não pode ser condenada apenas em função dos interesses das grandes potências para cada caso.
Os EUA, os maiores responsáveis por Nuremberga, fariam bem em não frustrar, neste domínio, as esperanças dos que acreditaram que, do seu próprio passado, tirou lição suficiente para não condescender com outros.
A acção política internacional exige certamente compromissos. É, certo que a Grande Coligação Democrática da Guerra incluia uma dezena de ditaduras. Entende-se que a Indonésia lhe convenha como aliado, mas a Nova Ordem exige limites éticos, e a conquista e o genocídio são limites intransponíveis.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A passividade perante o julgamento de Díli, a aceitação pelas potências da injustiça feita a um homem evidentemente usado significa a aceitação da conquista e do genocídio que tornam possível este exercício do «Estado espectáculo».
O destino judicial deste homem, Xanana Gusmão, e a lógica da defesa que adopte ou lhe seja imposta não mudam a situação de Timor. Portugal tem duas legitimidades neste caso: a de potência signatária das Convenções de Genebra e a de potência administrante que fala em nome do povo de Timor, de cada um dos timorenses, da Carta da ONU, e da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Neste caso, o protesto e a condenação da Indonésia devem ser firmes e indiferentes à linha de defesa que um prisioneiro de guerra assuma perante os seus captores.
O invasor não tem legitimidade nem para julgar, nem para executar, nem para perdoar, tem apenas os privilégios da força. Na decisão final de Xanana Gusmão perante o seu destino de pessoa, mergulhado como está na circunstância brutal que a história lhe reservou, ninguém pode intervir, nem julgar. Mas o julgamento sobre a sua contribuição objectiva de resistente contra a conquista e o genocídio, tem de permanecer totalmente favorável e de reconhecimento; o julgamento condenatório da soberania

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responsável pela invasão e peio genocídio não tem revisão; o apelo às potências para que não projectem na Nova Ordem os erros do passado não pode abrandar; o repúdio da transformação da justiça num ritual do «Estado espectáculo» é absoluto. Não há razões para optimismo nem garantia de reconhecimento próximo do direito do povo de Timor, nem garantia do rápido regresso das grandes potências envolvidas aos princípios da Carta da ONU, ao programa da Agenda para a Paz, ao ideário da mensagem de Assis.
Mas nenhum dos esforços em que estamos envolvidos, em Portugal, é sem sentido. Não é apenas um prisioneiro que está em causa, é o seu povo timorense; não é apenas o povo timorense que está em causa, são os talvez 100 milhões de homens que pertencem a povos tratados como «dispensáveis» pelas grandes potências; não são apenas os povos tratados como «dispensáveis» que estão em causa, é a paz em todos os territórios onde a «limpeza étnica» se insinua; não é apenas o pluralismo étnico desses povos que está em causa, é verdadeiramente o tipo de Nova Ordem que seremos capazes de estabelecer.
É por isso que, condenando a Indonésia e os seus aliados, estamos empenhados em contribuir para que a injustiça feita a um homem ou a injustiça feita a um povo não venha a reflectir-se numa Nova Ordem que consinta a injustiça contra todos os homens e contra todos os povos.

Aplausos do CDS, do PSD, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Duarte Lima, João Amaral e Raúl Rêgo.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Moreira, utilizo esta figura regimental não para colocar-lhe uma questão, mas sim para manifestar a total concordância da minha bancada pela oportunidade da sua intervenção e pelo conteúdo das palavras que proferiu, com as quais estamos inteiramente de acordo, sobretudo face ao julgamento que está neste momento a ocorrer de Xanana Gusmão, acto este revestido de uma grande hipocrisia.
E porque V. Ex.ª acaba de ser eleito, com o apoio do meu partido (de resto, num gesto que o PSD espera tornar extensivo a outras bancadas parlamentares que até agora ainda não tiveram a presidência de qualquer comissão), para presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, quero aproveitar este momento para felicitá-lo e dizer-lhe que o apoio que a minha bancada deu, de uma forma sentida, à sua eleição traduz o reconhecimento que é feito à sua personalidade política, à sua qualidade de eminente professor de Direito Internacional e, sobretudo, à sua reconhecida competência e isenção política.
Numa matéria que se reveste de extrema delicadeza, e em que é fundamental que haja um acordo entre o Parlamento, o Governo e o Presidente da República, depositamos a nossa esperança na superior condução que V. Ex.ª fará dos trabalhos da Comissão.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Moreira, aproveito também esta figura regimental para afirmar que as afirmaçães que V. Ex.ª produziu de condenação explícita, sem reservas, daquela ficção, daquela farsa de julgamento, merecem o nosso inteiro apoio e aplauso.
Esse julgamento é uma «peça» de um conjunto de actos com que a Indonésia procura aquilo que não é possível fazer face ao direito internacional e que é legitimar um acto que indigna o convívio entre as Nações, que viola os princípios, da Carta, que ofende os legítimos direitos do povo de Timor Leste à auto-determinação e à independencia.
A propósito deste julgamento, creio que devemos falar com clareza e frontalidade e apontar o dedo (como V. Ex.ª fez na intervenção que produziu) aos grandes responsáveis internacionais que, pelos seus actos e omissões, contribuíram para que este genocídio fosse possível e para que ainda prossiga.
Mas também há que apontar o dedo à ausência de firmeza, de clareza por parte das autoridades nacionais, que, nessa medida, também são responsáveis por uma menor actividade da comunidade internacional na condenação desse facto.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Devemos exigir a todos - e ao Governo em particular - que actuem com firmeza para que seja feita justiça ao povo de Timor Leste e para que seja garantido o seu direito à auto determinação e independência.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Moreira. por que é que nestas ocupações de Timor os resistentes são sempre os heréticos?
Agora é um timorense, mas, há uns anos, os «valentes militares» saíram; aquando da guerra o resistente foi Carlos Cal Brandão, que era um exilado político. Os exilados resistem sempre aos estrangeiros. Os conformistas vieram-se embora!... Agora é um timorense!... Porquê isto, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu primeiro impulso era o de não fazer nenhum comentário as intervenções que foram feitas. Receio que qualquer comentário meu possa diminuir a dignidade e a altura com que cada uma das intervenções contribui para a manifestação do pensamento da Câmara a este respeito.
Limito-me, pois, apenas a agradecer as palavras que me foram dirigidas.
Quanto à questão colocada pelo meu amigo Raúl Rêgo, creio que tudo isso está naquele mistério de saber como é que constantemente os vencidos estão do lado da justiça e são os que estão do lado da injustiça que são os vencedores. Eu não tenho resposta para isso!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vem-se acentuando ultimamente um clima de divergência, e mesmo de confronto, em tomo da situação da justiça em Portugal. O responsável governamental por esta área, o Sr. Ministro da Justiça, não se cansa de acentuar, nas suas várias intervenções públicas, as pinceladas cor-rosa de um quadro retocado com inépcia e que, por isso mesmo, não esconde os sinais de degradação.
O Sr. Ministro ostenta tranquilidade e garante que os Portugueses têm razão para estar sossegados quanto ao estado da justiça, mas a este discurso, que demagogicamente se reivindica de modernidade, respondem os profissionais do foro com críticas justas e avisos sobre uma crise que nunca deixou de existir e com a denúncia dos bloqueios que condicionam a administração da justiça em nome do povo.
E o povo, o verdadeiro protagonista daquela administração, sente diariamente que a justiça vai mal. Sente-o, em primeiro lugar, quando constata a morosidade do aparelho judicial. Ele não se revê nas estatísticas oficiais cozinhadas num grande caldeirão em que se remexem em conjunto vários processos, para dos mesmos se tirar uma duração média de cada processo que é enganadora.
O cidadão comum sabe que a justiça portuguesa é morosa e por isso mesmo ineficaz em muitos casos. E comenta: «Irrita-me andar pelos tribunais.» E desiste em muitos casos. Abdica, sempre que tal não se afigura essencial, da efectivação dos seus direitos. O cidadão sabe que a justiça portuguesa é insuportavelmente cara e que o seu preço - uma verdadeira taxa altamente moderadora de um direito constitucionalmente consagrado, o acesso ao direito e aos tribunais - lhe franqueia apenas meia porta daqueles.
O cidadão sente quotidianamente que aquele direito não lhe é garantido; que não é efectivado ao cidadão de mais fracos recursos o direito à informação e consulta jurídica gratuitas; que o patrocínio judiciário gratuito não é suficientemente garantido; que as garantias de defesa em processo criminal não estão devidamente asseguradas com o sistema de defesa oficiosa tal como se realiza na prática; sabe que esse sistema não corresponde às mais elementares exigências de defesa dos direitos do homem! E porque sente tudo isto, o cidadão que tem de franquear as portas dos tribunais nas mais diversas qualidades não pode impedir um desabafo: «E é isto a justiça?!»
A esta inquietação do cidadão comum proeurou responder a Conferência Nacional sobre o Estado da Justiça em Portugal realizada neste último fim-de-semana por iniciativa da Associação Sindical dos Magistrados Judiciais, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e da Ordem dos Advogados. Três dias de debate puseram a claro os vários bloqueios que se opõem à administração da justiça e advertiram para um crescendo da crise, crescendo que, como ficou demonstrado nessa conferência, era inevitável face à crise social que se vai agravando na sociedade portuguesa; puseram a claro os bloqueios onde avultam, desde logo, a situação das magistraturas e da advocacia.
Pode afirmar-se que com os governos do PSD se ensejaram algumas soluções que punham em causa a independência dos tribunais. A criação do tribunal de círculo com a figura do seu presidente gizada para colocar na sua dependência outros magistrados. A sonhada nomeação através de comissão de serviço renovável, se bons serviços fossem prestados, dos juízes dos tribunais de círculo, seria uma machadada na independência do poder judicial, e, consequentemente, na soberania popular que através dos tribunais fiscaliza o cumprimento de legalidade democrática.
Foi possível, no entanto, fazer recuar o poder executivo, mas anunciam-se novas alterações - creio que deram hoje entrada na Mesa - ao Estatuto dos Magistrados Judiciais através das quais se procura ressuscitar interesses corporativos, a divisão de juízes em castas, como se no Conselho Superior da Magistratura, de facto um órgão de Estado, não estivessem apenas em causa os interesses da justiça!
No referendo realizado pela Associação Sindical dos Magistrados Judiciais, sobre esta questão, aqueles, por larga maioria, e apesar da análise feita pelo Sr. Ministro que cheira a épocas passadas, manifestaram-se contra a proposta do Governo assumida pelo Sr. Ministro da Justiça. Mas ao que parece o Governo também não quer ouvir os juízes. Assim como não ouviu, nem parece querer ouvir, os magistrados do Ministério Público.
Ao longo dos anos de governação PSD, desencadeou-se uma verdadeira ofensiva contra a autonomia do Ministério Público, ofensiva essa que só aparentemente se centrava sobre um estatuto de classe. Em causa tem estado, de facto, o estatuto de um órgão de justiça que tem por função agir em defesa da legalidade democrática, sobretudo quando tal legalidade é violada pelo poder executivo.
Assim, quando se ofende a autonomia do Ministério Público estão em causa o próprio Estado de direito democrático e a soberania popular. Foi possível salvaguardar, no fundamental, aquela autonomia, mas não sem atropelos e sem custos na própria efectivação do Estado de direito democrático.
De facto, o Ministério Público foi amputado de importantes competências quando se lhe retirou o poder de fiscalização, por sua iniciativa, dos restantes órgãos de polícia criminal na sua actuação pré-processual. E houve mesmo uma estranha, estranhíssima, coincidência entre essa amputação e uma anterior actuação inspectiva do Sr. Procurador-Geral da República... e uma não menos estranhíssima coincidência entre esta actuação inspectiva e as tentativas de introduzir alterações no mandato do procurador-geral.
E o que o Governo conseguiu, de facto, foi uma certa policialização da investigação criminal, à margem do Ministério Público, com tudo o que isso representa de negativo para os direitos, liberdades e garantias do cidadão! Parece mesmo que o Governo se prepara, segundo consta, para desbravar novos caminhos nessa policialização em áreas sensíveis como a da corrupção, que mina o regime democrático. O vezo dessa policialização foi já longe de mais.
É o que se está a passar, nomeadamente, com os brasileiros impedidos de entrar em Portugal ou em perigo de serem expulsos. Alvos de suspeição, interrogados nas fronteiras, expulsos de um país irmão, eles também se interrogam sobre as suas garantias de defesa, sobre o estado da justiça em Portugal. Também se interrogam, legitimamente, sobre os motivos que levam Portugal a desrespeitar a Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugal e o Brasil, que tem a data de 1971!
E o povo português, o povo que se revê nas palavras de Jorge de Sena citadas a propósito pelo primeiro presidente da Comissão Parlamentar Luso-Brasileira, Dr. José Carlos de Vasconcelos: «Eu era brasileiro de oito séculos por ser português de outros tantos [...]», o povo que se

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sentiu irmão de Roque Santeiro não pode deixar de considerar uma vergonha tudo o que se vem passando na fronteira com cidadãos brasileiros!

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Depputados: Como não podia deixa de ser, os advogados fazem também uma avaliação negativa do estado da justiça. Os advogados jovens, vítimas
de uma deficiente formação profissional por carência de meios postos à disposição da Ordem; os advogados que são vítimas da morosidade processual, de leis anacrónicas como a lei processual civil, em revisão desde 1984 sem qualquer resultado até ao momento presente; que são vítimas, como os outros profissionais do foro, de leis aleijadas que provocam, por vezes, novas delongas na administração da justiça - veja-se o caso da lei do cheque, da lei dos tribunais de círculo; vítimas, também eles, os advogados, da tragédia dos tribunais de círculo, condenados à nascença, e que provocaram, nalguns casos, atrasos processuais de anos. Para que se saiba, regista-se que no Tribunal de Círculo do Barreiro, que tem congéneres como o de Portimão, há julgamentos já marcados para Maio de 1996! O que explica a manutenção destes tribunais, agora quase por completo descaracterizados, senão a teimosia ou, melhor, o autoritarismo?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A avaliação do estado da justiça em Portugal traduz-se na reflexão sobre uma questão de Estado. Porque é também através dos tribunais que o povo exerce a sua soberania, é também neles que se manifesta o exercício pelos cidadãos do poder político.
A avaliação que se faz sobre o estado da justiça revela que não são colocadas na disponibilidade do aparelho judiciário as condições objectivas que permitam afirmar que existe um serviço público da administração da justiça.
Razão têm os profissionais do foro, entre os quais também os funcionários judiciais, quando denunciam os bloqueios, bloqueios que aqui ou ali garantem ao poder executivo que o aparelho judiciário lhes vai prestar, como alguém disse, «o serviço da sua própria ineficácia».
Estamos, no entanto, convictos de que também aqui Godot irá chegar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Pais de Sousa, Guilherme Silva e Manuel Alegre. Antes, porém, de dar a palavra aos Srs. Deputados interrogantes, quero cumprimentar, em nome da Câmara, os alunos da Escola Secundária do Seixal, que hoje nos deram a honra da sua visita.

Aplausos gerais, de pé.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Odete Santos, a primeira nota do meu grupo parlamentar não pode deixar de ser de congratulação pela realização, no último fim-de-semana, em Lisboa, da Conferência Nacional sobre o Estado da Justiça em Portugal e no que ela implicou de leitura do problema da justiça no nosso pais, de levantamento do que vem sendo feito e do muito que ainda há para fazer, quer do ponto de vista da actividade legislativa quer do ponto de vista da política judiciária propriamente dita.
Muito se tem falado em crise na justiça - crise estrutural, conjuntural -, mas o sentimento de crise que há em matéria de justiça não é algo de exclusivo de Portugal e, sim, algo que tem que ver com todos os países da Comunidade, porque também aí se verificam problemas ao nível da morosidade, do acesso ao direito e até ao nível das condições de trabalho.
Aliás, do nosso ponto de vista, muito se tem feito no nosso país nos últimos anos no que diz respeito à política de justiça. E isto porque um quadro de estabilidade implica uma maior ponderação e a possibilidade de prever e traçar políticas concretas em termos de médio prazo. Assim, quer na área da actividade legislativa quer na área dos novos quadros orgânicos, algo tem sido feito e há sintomas de melhoria assinaláveis.
Mas - e é isto que quero significar à Sr.ª Deputada Odete Santos - não se pode apanhar boleia com as magistraturas para a seguir, quando se mexem nos respectivos quadros orgânicos, se vir dizer que se está a ir pelo caminho do corporativismo ou a desrespeitar um princípio de independência que tem de estar subjacente a essas mesmas magistraturas.
Sr.ª Deputada Odete Santos, a pergunta que lhe quero deixar é a seguinte: acha, ou não, que tem sido feito algo de apreciável no nosso país do ponto de vista do combate à morosidade na condução dos processos? Acha, ou não, que tem sido feito um esforço do ponto de vista de dotar os tribunais de melhores condições de trabalho?
É porque tem havido um esforço orçamental, que tem tradução em números que me dispenso de citar, e como a justiça se traduz numa questão de Estado, entendo, Sr.ª Deputada, que a Câmara deverá associar-se à dignificação dos problemas da justiça, à dignificação das magistraturas co-envolvidas e também da advocacia e não apenas deverá ser feito aqui um diagnóstico negativo, negativista e que não vai resolver nada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, utilizo esta figura regimental para, no essencial, partilhar as apreensões que aqui foram manifestadas pela Sr.ª Deputada Odete Santos acerca da forma como tem sido tratado no aeroporto de Lisboa o caso de cidadãos brasileiros.
Dir-se-á que a lei é para cumprir - e eu concordo! -, dir-se-á que há um problema com a emigração clandestina em Portugal - o que também é certo! -, mas eu penso que uma concepção burocrática das coisas, ou um excesso de zelo, não pode pôr em causa o essencial. E o essencial, neste caso, são as relações com o Brasil. Relações que têm a ver com a história, com a cultura, com a afectividade, e que, de certa maneira, são um valor permanente da política externa portuguesa e fazem parte de uma certa identidade nossa.
Por isso, há que preservar as relações com o Brasil; por isso, há que impor o primado de uma visão cultural e de uma visão política nesta matéria, não esquecendo que ao

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longo dos tempos o Brasil tem sido terra de asilo e de acolhimento para milhares e milhares de portugueses. Não vamos permitir agora que uma visão burocrática das leis e um excesso de zelo belisquem algo que é essencial para Portugal e dê origem no Brasil a uma relação hostil e, em parte, legítima.
Vamos salvaguardar as relações com o Brasil!

Aplausos do PS, do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também sob esta figura regimental quero dizer que o CDS acompanhou a Conferência Nacional sobre o Estado da Justiça em Portugal, nomeadamente através da presença nessa conferência do Dr. Narana Coissoró.
Sr.ª Deputada Odete Santos, quero perguntar-lhe, não com o signifcado de uma crítica, se concorda ou não com a seguinte afirmação: as conclusões dessa conferência são demasiado importantes, são demasiado sérias, são demasiado alarmantes para que se possa fazer uma utilização partidária dessas mesmas conclusões.
Quero com isto dizer que esse esforço, de que V. Ex.ª nos deu conta, de inventariação dos males da justiça em Portugal é um esforço cujas conclusões e significado devem ser tratados com particular delicadeza para que não se transformem, dada a importância fundamental desse tema e das conclusões que ali foram tomadas, numa arma de arremesso político.
Sr.ª Deputada Odete Santos, concorda ou não com a ideia que exprimi?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, agradecer as palavras do Sr. Deputado Manuel Alegre em relação aos cidadãos brasileiros porque penso que trouxe uma achega importante para que toda a Câmara reflicta sobre esta situação. Aliás, parece-me que a situação é mais grave porque creio que até o artigo da Constituição que fala da expulsão de estrangeiros não é cumprido e que não pode ser à margem da autoridade judiciária que se decide a expulsão de um estrangeiro do território português. Portanto, neste momento não estão a ser assegurados aos cidadãos brasileiros os direitos previstos na Constituição Portuguesa.
Em relação às afirmações do Sr. Deputado do CDS, devo dizer que não concordo nada com elas. Quer dizer, nós achamos que há uma questão que é de Estado, que vai mal, muito mal, mas calamo-nos todos e não falamos sobre isso. V. Ex.ª deve estar com pena de não ter tido a iniciativa de fazer uma intervenção sobre o estado da justiça e responde dessa maneira, que eu classificaria como «um bocado de dor de cotovelo». Assim, passo adiante.
Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, quero dizer-lhe que quem faz o diagnóstico de uma situação detecta onde estão os bloqueios e a própria detecção é, de facto, já um contributo para a discussão dos problemas. Aliás, V. Ex.ª não tem razão alguma para falar como falou acerca do PCP porque nós, ao longo destes anos, sobre as várias questões relativas à justiça - desde a Lei Orgânica do Ministério Público, ao Estatuto dos Magistrados Judiciais e a outras questões quejandas, como o processo penal, cuja autorização legislativa aqui veio - apresentámos aqui, nesta Assembleia da República, propostas e demos o nosso contributo para a sua discussão.
Na própria Conferência - fomos todos convidados a ir lá fazer uma intervenção - fizemos uma intervenção, dizendo cada um aquilo que estava mal e onde se devia remediar, ou seja, atender aos problemas. Inclusivamente, ouvimos sugestões dos magistrados. Portanto, se fomos lá só para ouvir e para não trazer aqui as suas preocupações, melhor era, de facto, não ir lá! Mas na minha opinião não é esse o papel de um Deputado. De facto, do PSD não se ouviram sugestões porque pensam que está tudo muito bem!
Srs. Deputados, vejamos dois exemplos de morosidade provocadas por leis: a lei do tribunal de círculo, que tem conflitos negativos de competências, e a lei dos cheques, que deu até origem a que parassem milhares de processos para um assento do Supremo Tribuna de Justiça!...
15to são só dois exemplos! De facto, não houve remédios para a morosidade, e V. Ex.ª sabe muito bem - porque também o vi lá - que o quadro dos magistrados em relação à população está efectivamente desajustado. Enfim, a situação é esta.
Portanto, creio que, de facto, o Sr. Deputado poderia ter estado calado porque a experiência da Conferência Nacional sobre o Estado da Justiça não foi muito boa para o PSD!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram ontem divulgados números sobre o comportamento da economia portuguesa no último trimestre de 1992 que não podem deixar de se considerar como muito preocupantes. Quedas nas exportações e no investimento produtivo e, até, possivelmente, queda no produto interno em relação a igual trimestre de 1991.
Cada semana que passa, mais o nosso país mergulha num ambiente e em expectativas de crise económica.
Aquilo que ainda há bem pouco tempo era negado pelo Governo e pelo PSD, acusando quem o pressentia dos mais antipáticos qualificativos - de «catastrofista» a «alarmista», passando pelo habitual «miserabilista» -, é hoje assumido como inevitável e natural por aqueles que ganharam nos votos há 15 meses, entoando melodias ao «sucesso» e que há poucas semanas atrás ainda vislumbravam o paradisíaco oásis.
Não são apenas os resultados que exprimem forte possibilidade de crise, é também o generalizado pessimismo que atinge áreas fundamentais na agricultura, indústria e serviços.
Se ao nível microeconómico o clima negativo aumenta, com as empresas a apresentarem previsões sombrias quanto ao futuro, ao nível macroeconómico as previsões para 1993 são revistas no sentido da baixa a um ritmo preocupante. Depois de no Programa QUANTUM 2 o Governo se ter comprometido com uma taxa de crescimento médio entre 1993 e 1995 de 4 %, apareceu aqui, no Parlamento, o mesmo Governo avançando com 3 % de crescimento para 1993, saiu daqui a falar em 2 %; na semana passada, o Ministro das Finanças já falou em 1,75 %, enquanto a

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Comunidade Europeia aponta para 1,3 % - e reputados analistas económicos nacionais já admitam menos do que isso.
O clima de pré-cise que o País vive deve-se muito mais aos erros da política económica do Governo do que à evolução negativa da conjuntura europeia.
Apesar de ser um facto que as expectativas para a Europa apontam para a recessão, a verdade é que, com o aumento dos apoios financeiros que Portugal tem vindo a receber da Comunidade, independentemente do nível absoluto de crescimento, o que seria natural era qua o diferencial a favor do nosso país aumentasse. Mas, infelizmente, a realidade é bem diferente: em cada ano que passa o diferencial entre o crescimento português e o crescimento comunitário tem diminuído e se em 1993 ele já apenas rondará os 0,5 % - em hipóteses optimistas -, a OCDE prevê que em 1994 passe a ser negativo. 15to é, a distância de desenvolvimento entre Portugal e a Comunidade aumentará em vez de diminuir.
Aliás, que autoridade tem um Governo e um partido que, na legislatura anterior, negaram sempre os efeitos de uma conjuntura internacional ultrafavorável nos resultados económicos do País para hoje se esconderem atrás da recessão internacional e europeia? Que autoridade têm aqueles que nunca reconheceram a gravidade da conjuntura internacional de 1982, de 1983 ou de 1984 (bem mais calamitosa para Portugal), para compreender a evolução da economia portuguesa aquando do Bloco Central, para agora só falarem na inevitabilidade de Portugal acompanhar as dificuldades da economia internacional?
A crise internacional, Srs. Deputados, tem costas largas. Serve até para atrás delas se camuflarem a incompetência, a teimosia e a arrogància.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que tem determinado fundamentalmente o crescente ambiente de crise em Portugal é a política económica que o Governo vem conduzindo desde há anos. A defesa de uma taxa de câmbio irrealista de escudo caro, com uma revalorização real de 25 %, a inerente política de altíssimas taxas de juro para o crédito a empresas e particulares, a irresponsabilidade de pôr a gestão macroeconómica ao serviço do calendário eleitoral foram aspectos estratégicos da política prosseguida que acabaram por quase anular os efeitos positivos das muitas centenas de milhões de contos que a Comunidade Europeia pôs ao nosso dispor nos últimos três anos. Agora, com casa roubada, trancas à porta. E o Governo apela ao mercado para baixar o preço do dinheiro, enquanto, contraditoriamente, mantém uma taxa de câmbio artificial para o escudo.
A pouco e pouco vão-se criando condições para um ataque especulativo contra a moeda portuguesa, já que a combinação das actuais taxas no mercado monetário, com a liberalização de todos os movimentos de capitais e com uma taxa de câmbio irrealista, é uma combinação explosiva.
Pergunto: foi a crise internacional ou a cegueira da política prosseguida o que determinou que em poucos meses - de Agosto a Setembro - as reservas de divisas do País tivessem caído em cerca de um terço? É a crise internacional ou os erros de política o que levou ao fracasso da privatizaçao da SECIL? É a crise iniernacional ou a irresponsabilidade política o que faz que os objectivos principais das privatizações não tenham sido cumpridos e que com o maior despudor se considere hoje normal a anormalidade do não respeito pela lei - por exemplo, no que se prende com as limites ao capital estrangeiro? Foi a crise internacional ou a irresponsabilidade política o que levou ao vazio de uma estratégia para a agricultura e as pescas ou ao apoio a unidades produtivas sem viabilidade no âmbito dos programas comunitários?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País corre o risco de ver irromper uma crise social, em ligação com a evolução negativa do ambiente económico. Quase todos os dias são dadas notícias sobre milhares de despedimentos que se preparam em grandes e médias empresas, e, entretanto, no Estado contam-se também por muitos milhares os trabalhadores ameaçados de marginalização e perda de poder de compra.
Mitifica-se o significado da taxa de desemprego resultante do inquérito do INE, escamoteando-se que só em 1992 o nível de pedidos de emprego de desempregados é 60 % superior aos que a metodologia do INE identificou, e esquecendo que no ano que passou os desempregados registados aumentaram em mais de 10 %, sem esquecer o desemprego oculto e o subemprego, mas insiste-se no oásis lusitano do desemprego.
E o que se passa no plano da formação capaz de responder às ameaças de aumento de desemprego? Como é que se admite que o Ministro do Emprego tenha nomeado para presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional alguém que já na altura (5 de Fevereiro de 1992) estava acusado de participação criminosa com vista à prática de fraudes no âmbito da formação profissional financiada pelo Fundo Social Europeu em processo que decorria no 2.º Juízo B do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, após investigação que começara em 1988?

Aplausos do PS.

Será que se tratou, ao contrário do recente procedimento do conselho de gerência da RTP, de uma atitude pautada pelo bom senso? Como é que se admite que agora, perante o facto de o juiz do Tribunal de São João Novo do Porto o ter pronunciado definitivamente, a resposta tenha sido a suspensão de funções desse senhor e não o pedido de demissão do Ministro? Terá sido também por uma questão de bom senso?

Aplausos do PS.

Sr. Ministro, de caras, hoje era um dia indicado para se demitir!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante a crise social que já apresenta os seus sinais, o Governo demonstrou a mais total falta de responsabilidade e sensibilidade.
O caso dos desalojados de Camarate é uma vergonha para o Governo. A tentativa de passar para as autarquias toda a responsabilização pelos graves défices de habitação é uma manobra política de baixo nível. Como dizia, com humor e acertando em cheio, um dirigente sindical dos médicos, «com os governos do PSD os doentes passaram a utentes e agora estão a tornar-se clientes»...
No sistema de educação, o pandemónio é a palavra mais adequada. Desde a confusão no ensino secundário, até às previsíveis recusas de pagamento de propinas no ensino superior, a barafunda é generalizada. E, enquanto isso, sofrem muitas famílias, perante um ensino pré-primário insuficiente e um ensino especial com fracos apoios, sistematicamente maltratado.

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Um sistema social capaz de responder às necessidades básicas dos cidadãos é uma condição fundamental de competitividade empresarial. É que, ao contrário do que
pensam os conservadores neoliberais, nas economias modernas a competitividade não tem a ver fundamentalmente com a moderação salarial. A competitividade de
uma economia depende da competitividade geral de todo o sistema nacional em que essa economia se integra e a coesão social constitui um aspecto essencial de um sistema competitivo.
Não responder com um mínimo de determinação política às graves questões sociais que Portugal apresenta no domínio da habitação, em nome de objectivos ao nível do défice público, mesmo que isso traga consigo o cortejo de misérias que se viu no caso dos desalojados de Camarate, corresponde a uma postura normal no governo do PSD, com a qual o PS nada tem que ver e que merece o nosso repúdio.
Para o PS deveriam ser estabelecidas condicionantes sociais para as políticas económicas e financeiras e não apenas condicionantes económicas e financeiras para as políticas sociais.
Para nós, os portugueses são cidadãos com direitos sociais (que muitas vezes desconhecem e não assumem) e não números de contribuinte e de eleitor, tratados como alvos de campanhas que tentam perpetuar o paternalismo e a relação de dependência agradecida para com o Estado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cada ano que passa sem que os grandes apoios comunitários que recebemos sejam aproveitados para o desenvolvimento económico e social corresponde a um ano perdido, por incúria e incompetência. Se Portugal mergulhar na recessão económica e na crise social enquanto recebe mais de 500 milhões de contos por ano, é um atentado ao futuro que o Governo comete.
Desta tribuna e em nome do PS, responsabilizo o Governo e o Grupo Parlamentar do PSD pelos erros das políticas macroeconómicas de conjuntura, pela omissão de políticas económicas estruturais e pelo cinismo das políticas sociais. Daqui vos digo: parem, escutem, olhem e mudem, enquanto é tempo!

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rogrigues, gostaria de começar por dizer-lhe que estou no essencial de acordo com o diagnóstico de crise e de recessão que V. Ex.ª acabou de fazer e que, aliás, já tivemos também oportunidade de referir, aqui, aquando da discussão do Orçamento do Estado.
Fundamentalmente, estou de acordo consigo quando refere que a actual situação é no essencial decorrente da responsabilidade da política económica que o Governo tem seguido e não da componente ou da envolvente externa. Embora a envolvente externa não seja positiva, logicamente, o essencial da responsabilidade pertence ao Governo e à sua política económica.
Aliás, o Sr. Deputado referiu a questão da política cambial das taxas de juro, que me parece ser neste momento uma questão central da política económica portuguesa, e os custos que isso traz a toda a economia e que, designadamente, vêm reportados já nos últimos elementos da balança comercial relativos a Outubro e Novembro.
No entanto, gostaria de colocar-lhe uma questão. Sr. Deputado, estando de acordo, como referi, com o essencial da análise do diagnóstico que faz e das responsabilidades que atribui sobre esta situação, considera ou não que para alterar esta situação são necessárias mudanças essenciais na própria política económica que está a ser seguida e que, por conseguinte, essas necessidades de mudança essenciais não se podem coadunar com políticas que sejam convergentes ou, pelo menos, políticas em que as diferenças sejam pequenas em relação à política económica do PSD?
Era esta a questão concreta que queria deixar-lhe.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, V. Ex.ª fez a primeira demonstração daquilo que nós podíamos chamar a «síndroma do Bessa»...

Risos gerais.

O Sr. Deputado trouxe para o Hemiciclo uma discussão sobre as políticas económicas socialistas, ou seja, sobre a «política económica à Bessa» ou sobre a «política económica à Ferro». Era uma discussão que seria mais compreensível se fosse feita no Largo do Rato. Mas, já que a trouxe para aqui, nós também gostaríamos de ser esclarecidos.
V. Ex.ª falou da evolução da economia portuguesa, traçou-lhe um quadro negro, catastrófico, que, em termos internacionais, não é seguido por nenhuma instituição credível; o Sr. Deputado até enroupou a sua intervenção com uma espécie de leitura da Revista de Imprensa da última semana. Mas, já que fez essa leitura, recomendava-lhe a leitura do último The Economist, que, por acaso, tenho aqui.

Risos gerais.

A dado passo, a p. 23, há três quadros sobre a convergência nominal e sobre a convergência das economias. Aí classificam-se os 12 Estados membros pelo grau de realização da convergência nominal e diz-se o que é que está bem. Portugal, curiosamente, é dos que está mais afastado desta situação e isto devido à inflação, dado que é a variável macroeconómica que evolui mais favoravelmente em termos relativos na Comunidade Europeia no ano passado.
Depois referem-se as que estão mal, o problema do défice orçamental, em que Portugal está praticamente a cumprir o ratio entre o défice orçamental e o produto interno bruto, e as que são impossíveis de atingir, que é a relação entre a dívida pública e o produto interno bruto, em que Portugal está no limiar de convergência nominal. Portanto, do ponto de vista macroeconómico, V. Ex.ª, no fundo, está a dizer que, por exemplo, os analistas do The Economist nada percebem da evolução económica. No fundo, o Sr. Deputado faz aquela leitura que tem a ver com as análises do Prof. Daniel Bessa.

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Portanto, V. Ex.ª concorda ou não com as declarações feitas, quer na imprensa escrita quer na televisão, pelo Prof. Daniel Dessa na terça-feira passada?

Aplausos do PSD.

Concorda ou não com o dirigente socialista do Porto, Carlos Lage, quando diz que é preciso ter uma linguagem diferente da tribo?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Concorda ou não com aqueles que criticam o Prof. Daniel Bessa - como o fazem alguns Deputados, como, por exemplo, o Vice-Presidente da vossa bancada, pessoa que me merece o maior respeito e consideração, Deputado Manuel Alegre, que o critica e que, por sua vez, é criticado pelo director do Expresso quando diz que o PS vê em Daniel Bessa uma inversão de uma tendência destrutiva do PS, do bota-abaixo, da crítica pela crítica?...
Em que campo é que está? No campo habitual do PS, o da destruição? No campo do Prof. Daniel Bessa? Ou quer, simplesmente, perdoe-se-me a expressão, «passar a ferro» as declarações desse porta-voz do PS?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, agradeço-lhe a sua pergunta. Verifico que está fundamentalmente de acordo com o meu diagnóstico e com aquilo que lhe está subjacente, o que corresponde a propostas ultimamente defendidas pelo PS. Devo dizer-lbe que, do meu ponto de vista, não há alternativas nas políticas social e cultural sem que as haja também na política económica. É isso o que, ao longo do tempo, tenho feito na Assembleia da República e que tenciono continuar a fazer.
O Sr. Deputado Rui Carp pergunta-me em que campo é que estou. Estou no campo do PS e no do Grupo Parlamentar do PS, Sr. Deputado.

Aplausos do PS.

Quanto às questões relativas às afirmações do Prof. Daniel Dessa, elas obtiveram resposta, em devida altura, por parte do presidente do Grupo Parlamentar do PS, Deputado Almeida Santos, e do secretário-geral do PS, Engenheiro António Guterres. Mas se o Sr. Deputado Rui Carp tem muitas dúvidas pode optar por um de dois caminhos: ou o do Aeroporto da Portela, ou o de Santa Apolónia, para chegar à Faculdade de Economia do Porto, onde poderá expor as suas dúvidas ao Prof. Daniel Dessa.
Quanto aos problemas de fundo que colocou, subjacentes à afirmação contida no the Economist, se não há dúvida de que na convergência nominal, embora atrasados, vamos fazendo o nosso percurso - e de tal forma que uma pressa excessiva é, inclusivamente, absurda -, já, em termos de economia real, a situação é cada vez mais calamitosa e os senhores podem vir a ser julgados pela história como tendo cometido um grave atentado contra a economia portuguesa, os trabalhadores e os cidadãos, nesta altura tão importante para o nosso país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares requereu, ao abrigo do n.º 2 do artigo 82.º do Regimento, tempo de intervenção para um membro do Governo.
Tê-lo-á, por seis minutos, como determina o Regimento, mas solicito ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares que me diga quem é o membro do Governo que pretende intervir.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Pariamentares (Luís Filipe Menezes): - Sr. Presidente, é o Sr. Ministro Adjunto, que, nos termos regimentais, usará da palavra.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto (Marques Mendes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo tomou, na passada sexta-feira, a decisão de convocar uma assembleia geral extraordinária da Radiotelevisão Portuguesa para destituição dos seus actuais gestores.
Ao contrário de muitas outras, esta decisão teve uma motivação diferente e muito especial. A defesa de princípios, de regras e de comportamentos que se encontram no domínio da ética e não no da lógica empresarial ou de gestão.
Julguei, por isso mesmo, saudável, correcto e essencial dar conta à Assembleia da República das razões que presidiram a esta decisão.
Por respeito por esta Câmara, por imperativo de transparência, por consideração pela sede por excelência da defesa dos grandes princípios norteadores do Estado.
A decisão que o Governo tomou não teve por base critérios de lógica empresarial ou de gestão. Não tomámos esta decisão por força da substância do contrato já publicamente escalpelizado.
Quanto a essa componente - a substância do contrato, deste ou de outros -, afirmam-se e respeitam-se os princípios da autonomia e independência da gestão.
É legítimo a qualquer cidadão questionar o mérito, a bondade e a substância de inúmeros e inúmeros contratos celebrados por esta ou por qualquer outra empresa do sector público. Mas é igualmente legítimo e adequado respeitar a liberdade, o sentido de responsabilidade e a autonomia de quem tem de gerir ou administrar, responsabilizando, no final - e para isso existe o julgamento de final de mandato -, os resultados da gestão realizada.
O que no caso vertente está em causa é outra questão, diferente e naturalmente bem importante. Uma questão certamente imaterial e não objectivamente quantificável, porque de questão de princípios se trata, porque a padrões de comportamento se refere e porque envolve regras que tocam as malhas da isenção de postura e de actuação.
Não se questionou a bondade ou o mérito do contrato celebrado. O que se questiona, sim, é o momento, a forma, a rapidez e a envolvente negocial que enquadrou a feitura deste contrato.
E são justamente o momento, a forma, a rapidez e a envolvente negocial que levam ou podem levar a que alguém pense que uma empresa detida pelo Estado está directa ou indirectamente, voluntária ou involuntariamente, a patrocinar ou a financiar um negócio exterior à empresa.
Sejamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, francos e directos. A suspeita existe, a ideia de favorecimento, directo ou indirecto, pode consumar-se, a suspeição está lançada.

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Em tudo na vida, e sobretudo na vida pública, ainda que empresarial, há princípios e valores éticos a que devemos obediência e estrita observância, sob pena de se consumar a ideia de que o dinheiro é tudo ou justifica tudo e que os negócios, por melhores que sejam, não precisam de se justificar à luz dos parâmetros e dos padrões de comportamento que os cidadãos e o senso comum consideram ser minimamente justificados e exigíveis.
Não se contesta nem critica que qualquer entidade privada, designadamente um clube desportivo, tente fazer ou faça o que considera ser, para si e para os seus interesses, o melhor negócio ou o que melhor serve os seus desígnios e aspirações. Nada disso está em causa nesta decisão.
O que já não é possível sancionar é que a outra parte contratante, porque inserida no sector público e financiada em parte por dinheiros do Estado, não acautele todos os aspectos e vertentes da questão e não salvaguarde completamente a ideia de que foi o interesse público, e só este, a presidir à decisão tomada.
Quando além da ideia do interesse público, em vez dela, antes dela ou a par dela, existe a ideia de uma qualquer outra razão ou motivação a presidir ou a ter comparticipação na decisão, a partir desse momento, está lançada a suspeita, está criada a noção de favorecimento, está enraizada a conclusão de suspeição.
Só isto já é grave, já é preocupante, já tem de ser combatido com firmeza e sem tibiezas.
Dizer o contrário, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é esquecer que, antes da gestão, antes da visão empresarial e antes da lógica da rentabilidade, existem princípios éticos e padrões de comportamento a respeitar e a observar.
Sejamos, uma vez mais, francos, claros e directos.
Se o Governo não tomasse a decisão que tomou estariam já hoje muitos e muitos dos Srs. Deputados - para além de muitos e muitos portugueses - a questionar o Governo, a exigir explicações, a acusar-nos de pactuar, por acção ou omissão, com comportamentos desta natureza.
15so, sim, a nosso ver, seria grave. 15so, sim, a nosso ver, minaria a credibilidade das instituições. 15so, sim, seria ferir princípios que, pela sua consensualidade nacional, exigem e reclamam decisões como a que foi tomada.
Que ninguém tenha dúvidas! Para nós, e penso que também para os Srs. Deputados, a pureza dos princípios é sempre mais importante - muito mais importante - que a mera oportunidade ou conveniência das soluções.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel Alegre, António Lobo Xavier, José Magalhães, Octávio Teixeira e Arons de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, o Governo tomou a decisão de convocar a assembleia geral da Radiotelevisão Portuguesa, como se sabe, para exonerar o conselho de administração. Trata-se de uma decisão que põe em causa a autonomia de gestão daquela empresa, noutras ocasiões invocada pelo Governo.
O Governo, para o fazer, invocou um conjunto de princípios e de regras, em si mesmos, respeitáveis e inquestionáveis.
O que se estranha é que o Governo não tenha invocado esses valores e essas regras quando o conselho de administração da RTP celebrou outros negócios com uma empresa de publicidade, logo no inicio, e com outros clubes.
O que se estranha é que o Governo tenha dois critérios, dois pesos e duas medidas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é isso o que lança sobre esta decisão uma inquestionável suspeição. Suspeição sobre outros negócios da RTP; suspeição sobre a atitude do Governo, em relação a essa empresa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, há outros oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro Adjunto: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. Antônio Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, tenho dificuldade em compreender a decisão tomada e enunciada por V. Ex.ª
É que significa uma ruptura total com outras declarações já aqui feitas pelo Governo, no sentido de que a sociedade anónima Radiotelevisão Portuguesa sucedia à empresa pública para continuar a sua missão com mais independência e flexibilidade e a possibilidade de uma maior utilização dos critérios de mercado. Afinal, não à primeira, mas à quinta, ou sexta, atitude discutível da administração da Radiotelevisão Portuguesa, S. A., o Sr. Ministro intervém, demitindo todo o conselho de administração. Com esta atitude, não se vê onde é que está a manutenção e a defesa dos critérios de gestão empresarial.
Por um lado, o Governo quer que as empresas públicas transformadas em sociedades anónimas, designadamente a RTP, tenham uma lógica empresarial e uma racionalidade de gestão igual à das empresas privadas, mas, por outro, talvez para tomar uma atitude exemplar ou dar um «golpe» sobre a opinião pública, o Governo quer eliminar essa racionalidade. 15so é indiscutível, porque o Sr. Ministro diz, claramente, que não está em causa o tipo nem as condições - ao que parece, muito vantajosas - do negócio, mas sim, e apenas, o ambiente e a suspeita.
Sr. Ministro, se se demitissem pessoas por causa de uma suspeita, como o senhor faz, era um corropio em vários edifícios públicos por esse País fora!

Aplausos do PS.

Suspeita essa, Sr. Ministro, que, aliás, é facilmente desmontável. Os senhores queixam-se muito das calúnias e das afirmações feitas pela comunicação social e pela oposição e das acusações imponderadas e não documentadas, mas, agora, o Sr. Ministro é o primeiro, por existir uma suspeita - que, em pouco tempo, pode comprovar se tem, ou não, fundamentos -, a demitir um presidente. E nem está em causa o presidente, porque até era estranho esse gestor ainda não ter sido definitivamente avaliado pelo Governo e não ter sido explicado ao público, pagador de impostos, se, de facto, ele geria bem ou mal e se os «buracos», que apareciam por todo o lado, eram da responsabilidade dele ou de outrem. De facto, não está em causa essa pessoa.

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Já se mencionaram aqui os outros contratos celebrados pela RTP com clubes de futebol, mas não é a esses que pretendo referir-me. Vou falar, por exemplo, da forma como a RTP tem actuado na compra de filmes e de telenovelas. Neste caso, não estará em causa o mesmo tipo de esmagamento? Não se criará o mesmo tipo de suspeitas? Numa situação, aliás, em que existem outros concorrentes e dúvidas quanto à isenção da ligação entre o Governo e esta empresa, no sentido do esmagamento dos outros concorrentes.
Por tudo isto, Sr. Ministro, não consigo encontrar uma justificação nas suas palavras, pelo que gostaria que a pormenorizasse.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, ontem mesmo propusemos que V. Ex.ª se deslocasse a esta Casa para prestar esclarecimentos sobre o tema em apreço. É importante que o tenha feito, mas devo dizer que as explicações que trouxe são magras.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª acaba de se gabar de ter feito uma boa demissão. Ora, a primeira pergunta que se coloca é a de saber se fez uma boa nomeação. Por que é que V. Ex.ª nomeou aquele conselho de administração e aquele senhor, em particular, perito em fazer «covas» em empresas?...
V. Ex.ª está surpreendido por ele ter agido como agiu?! V. Ex.ª descobriu, subitamente, uma falta absoluta de ética?!... Bom, ou V. Ex.ª era um ingénuo total ou arrisca-se a ter surpresas bastante grandes no futuro se continuar a revelar a mesma ingenuidade no julgamento de quadros.
Em segundo lugar, a questão que se coloca é a de saber se a demissão foi mesmo boa e se foi justa, segundo os seus critérios. A verdade é que V. Ex.ª não se manifestou publicamente em relação aos actos de desleal concorrência da RTP durante estes meses nem o Governo veio aqui, nem fez erisipela alguma, aquando de outros actos praticados por outros gestores de sociedades de capitais públicos ou de empresas públicas em relação a privatizações,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... acoimadas de fumos de suspeição, de fumos de falta de ética.
Na verdade, V. Ex.ª é absolutamente frígido em relação a essa falta de ética, mas excita-se com esta falta de ética «RTPézica». De facto, não se percebe porquê, mas V. Ex.ª tem uma síndroma particular neste caso.
Além disso, o Sr. Ministro, sobretudo, não nos diz nada sobre o futuro! É o cavaleiro que lava mais branco em relação ao passado, não se percebendo o que é que faz relativamente a outros contratos, como o Sr. Deputado Manuel Alegre já disse.
Assim, gostada de saber se V. Ex.ª aceita ou não, como foi proposto pelo Grupo Parlamentar do PS, a realização de uma auditoria independente à gestão da RTP, durante os últimos tempos, que clarifique, preto no branco, todos estes aspectos. Esta é a única garantia que V. Ex.ª nos pode dar! O resto é autopropaganda, é autolouvaminha e, ainda por cima, não particularmente coerente.
Em terceiro e último lugar, gostava de perguntar ao Sr. Ministro como é que V. Ex.ª imagina uma empresa de capitais públicos. É isto? É uma empresa cujos gestores são demitidos - como no caso da RTP - e execrados pelo Primeiro-Ministro a partir da Suíça? É isso uma sociedade autónoma, segundo o novo estatuto aprovado aqui na Assembleia da República? Não, isso é uma repartição, é uma direcção-geral! 15so é o seu chefe de gabinete a quem V. Ex.ª despede, legitimamente, do dia para a noite!
E o que é que vai acontecer no futuro? O próximo gestor, o «próximo condenado» a sentar-se na «cadeira eléctrica» da RTP, conselho de administração, que decisão é que vai tomar? Segundo o critério que V. Ex.ª enunciou daquela tribuna, se mantém o contrato com o Benfica é acusado de favorecimento, de suspeição, de falta de ética, e deve ir-se embora e será um corropio! Se, por outro lado, não mantém o contrato com o Benfica, então, os actos praticados pelo ainda gestor da RTP, futuro defunto gestor da RTP, são actos consolidados que a RTP vai aproveitar e manter, o que é imoral. Ou seja, V. Ex.ª cria um dilema: ou o acto é anulado e a RTP perde e V. Ex.ª manda fazer um erro, ou o acto é mantido, e isso é imoral!
Finalmente, gostaria de saber - e a esta questão não posso fugir - quanto é que vai custar ao erário público a indemnização do gestor Monteiro Lemos e dos seus dois companheiros, que também foram demitidos não se sabe bem porquê. Quantos milhares de contos é que isso vai custar, Sr. Ministro?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como o Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. Ministro apresentou esta decisão do Governo como uma questão de bom senso. Bom, neste momento, não vamos pôr isso em dúvida, mas sim reportar-nos à situação e colocar ao Sr. Ministro algumas questões concretas.
Refere o Sr. Ministro que este acto de bom senso teve por base a suspeição pública que, natural e normalmente, suscitaria um caso destes. Assim, a primeira questão que gostaria de colocar-lhe é esta: esse problema da suspeição reside apenas neste acto concreto ou também em outros que, segundo os órgãos de comunicação social divulgaram, tiveram lugar anteriormente? Então, se houve também suspeição nos outros casos anteriores por que é que o Governo não actuou?
Já agora, gostaria que o Sr. Ministro aproveitasse a oportunidade para confirmar se aquilo que vem nos órgãos de comunicação social sobre outros casos idênticos é verdade, por forma a podermos analisar o posicionamento do Governo em relação à questão concreta.
Porém, do nosso ponto de vista, as questões essenciais são outras.
Por um lado, o Governo actua, segundo diz, de acordo com questões éticas, quando há perspectivas de suspeição ou há suspeição, nuns casos, mas não actua noutros - aliás, ainda há pouco tempo tivemos aqui oportunidade de discutir uma situação relacionada com outra matéria, mas que também se pode aplicar, que é o problema de gestão das empresas públicas e da sua privatização, onde há muitas suspeições mas relativamente às quais o Governo não actua.
Por outro lado, o Governo não se pode demitir deste facto, considerando que está limpo, que não tem responsabilidade alguma, que actou responsavelmente demitindo o conselho de administração da RTP e que nada mais tem

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a ver com o assunto, que está limpinho. A responsabilidade última e fundamental desta situação, das situações que se têm verificado na RTP, como em outras empresas públicas, é do Governo!
É o Governo que nomeia um conselho de administração e, concretamente, o presidente desse conselho para uma empresa pública - a RTP - quando o demite de outra empresa pública - a TAP -, sabendo qual foi o rol de práticas, o rol de resultados, a que a gestão desse senhor conduziu na TAP e outras empresas.

O Sr. José Magalhães (PS): - É uma hipocrisia!

O Orador: - 15to é, o Governo está duplamente responsabilizado: impediu que se aprovasse nesta Assembleia da República um modelo de controlo de gestão e de responsabilização da gestão da RTP, completamente diferente daquele que existe e que é da exclusiva iniciativa do Governo, quando votou contra as propostas apresentadas, designadamente pelo meu partido, sobre o modelo de gestão da RTP, e porque nomeou um gestor que deu más provas, só agora vindo fazer o seu acto de contricção.
Creio que é tarde, e talvez houvesse - pelo menos as suspeições existem - outras situações em que se deveria exigir também esse acto de contricção (se, de facto, esta decisão é, como o Sr. Ministro diz, por uma questão de bom senso, por uma questão de ética). Ou será que quando o Governo nomeou este conselho de admninistração praticou aí, claramente, um acto de falta de senso?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PCP): - Sr. Ministro, este episódio lamentável permite-me tirar duas conclusões.
A primeira é que a RTP continua a depender do Governo, exactamente como antes da aprovação do novo estatuto, ao contrário daquilo que os senhores do Governo e do PSD tão amplamente disseram nessa altura.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, gostaria de fazer uma pergunta ao Sr. Ministro, a propósito da sua nota oficiosa: como é que sabe, ou tem a certeza, que a assembleia geral que convocou vai demitir o conselho de administração da RTP?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. António José Seguro (PS): - Porque são uns paus mandados!

O Orador: - A segunda conclusão a tirar é que o Governo é totalmente responsável por esta situação.
O Governo, desde há muito tempo, deixou que a empresa abandonasse - se é que alguma vez a teve! - a preocupação e algum critério de serviço público, permitindo que ela entrasse na vertigem da concorrência, a todo o custo, com os canais privados de televisão.
Por outro lado, o Governo ainda não foi capaz, ao fim de cerca de meio ano, de fixar a indemnização compensatória a atribuir à RTP como contrapartida do serviço público, ou seja, a RTP não tem qualquer autonomia nem administrativa nem financeira, e isso é culpa deste governo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, penso que há aqui uma questão que tem de ser esclarecida, porque temos de distinguir as relações do Governo com a empresa pública de radiotelevisão, que tem a seu cargo um serviço público, da intervenção do Governo enquanto representante do Estado accionista desta empresa. É, pois, preciso não confundir
as duas situações e as obrigações que entroncam no Governo a um e a outro titulo.
A questão que quero colocar ao Sr. Ministro é no sentido de saber se nos pode esclarecer se, relativamente ao contrato que esteve na base de toda esta questão - e que parece que não disfarçou uma conexão assumida por esta empresa pública com outra transacção por parte do clube com quem contratou -, os pagamentos decorrentes desse contrato foram feitos no momento da sua celebração ou se houve qualquer antecipação relativamente ao momento contratual e por que razão isso aconteceu, se é que aconteceu.
A segunda questão é saber se noutros contratos similares foi seguida a mesma prática por parte da RTP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar responder ao essencial das questões que foram colocadas por vários Srs. Deputados, algumas das quais são repetidas ou até interligadas.
Srs. Deputados, tomei conhecimento pela comunicação social da vontade do Parlamento em que viesse fornecer explicações e esclarecimentos sobre esta questão. Apesar de ainda não ter recebido formalmente qualquer convite, quero, desde já, adiantar a minha total disponibilidade para, em data oportuna, vir à comissão competente fornecer todas as explicações e esclarecimentos que os Srs. Deputados entendam ser necessários.
Entendi, face à natureza desta decisão, ao próprio empolamento público dado à questão e ao respeito que tenho para com esta Câmara, vir aqui, por minha iniciativa, explicar os fundamentos e as motivações da decisão, independentemente de essa decisão colher maior ou menor aplauso. Julgo, pois, que era meu dever fazer isso, uma vez que se trata de uma prova de consideração e de respeito para com esta Câmara, sobretudo, repito, face à natureza desta decisão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, não gostaria de fugir à questão de fundo, que é diferente da de muitos outros contratos ou negócios desta ou de qualquer outra empresa.
Não me pronuncio, como já disse na sexta-feira, sobre a substância do contrato, mas gostaria de dar aos

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Srs. Deputados e aos Portugueses, através deles, dois ou três esclarecimentos factuais, e quem quiser tirará daí as conclusões que entender.
Este contrato foi negociado num domingo à noite, portanto, num momento em que nem sequer estava reunido o conselho de administração da empresa; o contraio foi assinado vários dias depois de ter sido negociado, tendo a disponibilização das verbas sido feita muito antes dessa assinatura.
Se juntarmos a isso todos os outros factos vindos a público relacionados com o clube com quem foi celebrado este contrato, a partir daí, pergunto-me se não é legítimo aos portugueses de boa fé terem suspeitas fundamentadas sobre esta questão.

Aplausos do PSD.

Gostaria de novamente sublinhar, aqui, tal como já disse na sexta-feira, que, de facto, directa ou indirectamente, voluntária ou involuntariamente, a envolvente negocial deste processo permite, não em termos de boatos, mas de uma forma fundamentada, encontrar um conjunto de suspeitas que, do meu ponto de vista e do ponto de vista do Governo, são más na perspectiva de gestão da empresa, na perspectiva das instituições e na perspectiva de uma empresa cujo capital é detido pelo Estado.
O Estado é accionista desta empresa, a empresa é uma sociedade anónima, mas a sua autonomia de gestão não está minimamente em causa. Uma coisa é a autonomia de gestão e outra é o Estado accionista não se demitir, nos momentos que, em consciência, julgue adequados, das suas próprias responsabilidades. Não estamos na «lei da selva», pois há princípios, há regras, há padrões de comportamentos, muitos dos quais não precisam de estar escritos porque decorrem do bom senso, do equilíbrio e da postura de isenção que todos devemos ter.
Assim, de acordo com o nosso ponto de vista e em consciência, depois do relatório fundamentado e de obtidos todos os esclarecimentos, não com base em informações de jomais, tomámos esta decisão. Julgo que o Estado, desta forma, prestou um grande papel no cumprimento da sua missão de accionista da empresa.
Também julgo, Srs. Deputados, que se não tivesse sido tomada a decisão que foi tomada, estaríamos hoje aqui, provavelmente, a discutir a mesma questão, só que estaríamos a discuti-la numa perspectiva diferente com os Srs. Deputados a acusar e a insinuar que o Governo estaria a pactuar por acção ou omissão com este comportamento.

Aplausos do PSD.

Como é evidente (penso que nem seria preciso formular a questão, mas terei muito gosto em responder), a demissão dos gestores não é devida a qualquer razão de conveniência de serviço, mas sim a razões de justa causa - isto responde à questão da indemnização, colocada pelo Sr. Deputado José Magalhães.
A esse respeito, gostaria de recordar que, pessoalmente, enquanto no exercício de funções nesta área, tomei no passado duas decisões semelhantes a esta: em 1985, com a mesma empresa que agora está em causa e, em 1986, com outra empresa do sector da comunicação social. Foram sempre decisões com motivos fundamentados, com justa causa, o que responde à questão que foi colocada. Ou seja, e por outras palavras, não se está, por motivos de oportunidade ou de conveniência, a pôr alguém na rua, indemnizando-o, apenas para encontrar aqui uma qualquer solução; está-se a agir de uma forma, penso eu, exemplar, punindo um comportamento, dado que, no plano dos princípios, ainda que de uma forma involuntária, estes foram violados.
Teria imenso gosto em responder a várias outras questões que aqui foram colocadas e que não têm directamente a ver com esta questão, mas estou perfeitamente disponível para o fazer noutra sede, noutro momento, porque agora me falta, de facto, o tempo.
Apenas mais duas ou três notas.
Quanto à questão de que o Governo nomeou uma pessoa há una meses atrás e agora a exonerou, com toda a franqueza e com toda a sinceridade, julgo que, como já disse, não estão em causa critérios de gestão, não está em causa a mera lógica empresarial. O facto de o Governo ter a coragem de tomar uma atitude desta natureza, com toda a franqueza, aos olhos dos Portugueses, é saudável, é um princípio de sanidade moral, ética e política que julgo que devemos e podemos observar.
Não penso, minimamente, que daqui se possa inferir, como alguns Srs. Deputados disseram, qualquer violação das regras da autonomia, da independência da empresa ou, designadamente, no plano que, eventualmente, os Srs. Deputados pensam que deva ser mais respeitado.
A decisão não foi tomada com base num ambiente de mera suspeita. Eu próprio, na quinta-feira de manhã, pedi um relatório escrito e fundamentado sobre esta questão, pelo que não foi com base em meras suspeitas, em meras notícias, em meros boatos, que a decisão foi adoptada. Os factos que relatei no início, do meu ponto de vista, e que perante o senso comum (ao qual já fiz apelo por duas ou três vezes) permitem justificada e fundamentadamente uma suspeição, estão provados, estão escritos, não oferecem contestação.
Por isso, terminaria dizendo que, em muitos momentos, como já tive ocasião de dizer publicamente no ano passado, pode ter havido excessos e pode ter havido exageros. Já disse publicamente - e também aos anteriores e aos actuais gestores - que o Governo considerava haver excessos e exageros no plano da gestão e da concorrência que julgamos que deve ser o mais leal possível entre todos os operadores.
Neste caso, depois de todas as orientações e de toda a envolvente, para além dos excessos ou exageros, para além da lógica empresarial, há uma questão de princípio que pode ser difícil de ser perceptível para alguns (talvez o erro até seja meu), mas não é uma questão material, não é quantificável, os princípios são os princípios. Enquanto detiver a minha posição no Governo e a minha gestão neste ou noutros sectores, há uma coisa de que não abdico: acima de tudo, estão princípios, estão regras e estão padrões de comportamento. Admito a luta política, por mais dura que ela seja, mas ninguém me peça alguma vez que ceda na pureza dos princípios para responder a critérios de oportunidade ou de conveniência, sejam de que natureza forem. Foi esta a lógica da decisão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Alegre, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Manuel Alegra (PS): Para defesa da consideração pessoal e da bancada.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, poder-se-ia concluir das palavras proferidas pelo Sr. Ministro que havia da minha parte ou da minha bancada a intenção de pactuar ou de absolver o conselho de administração da RTP relativamente ao último negócio com o Sport Lisboa e Benfica. Nem se absolve nem é essa a intenção -a questão é outra e não foi respondida. A questão é a de saber por que é que o Governo actua neste caso e por que é que pactuou ou absolveu noutros; por que é que há dois pesos, dois critérios, duas medidas.
Foi esta a questão que foi colocada e não foi respondida. Não sendo respondida, escusa o Sr. Ministro de evocar aqui grandes princípios, grandes regras, grande ética. Se essa questão não é respondida, há uma suspeição sobre o Governo e tudo o mais é hipocrisia.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Essa é que é a questão de fundo, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Deputado Manuel Alegre, penso que já respondi à questão: não há dois pesos nem duas medidas. Esta matéria, tal como já escalpelizei na sexta-feira e hoje novamente, tem contornos diferentes,
completamente diferentes, de outras. 15to sem prejuízo de já ter dito publicamente - está escrito nos jornais - que considero que, no passado, houve excessos e exageros.
No entanto, quanto a suspeições fundamentadas de favorecimento, ainda que involuntário, de negócios exteriores à empresa, este é o primeiro caso que conheço, pelo menos nos últimos tempos, de uma suspeição verdadeiramente fundamentada.
Diria ainda que, no presente como no futuro, em qualquer circunstância, sempre que existir uma suspeição desta ou doutra natureza, Sr. Deputado, não tenha dúvidas de que actuaremos de uma forma absolutamente implacável e intransigente naquilo que estiver ao alcance dos nossos instrumentos e das nossas possibilidades.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PS): - Para defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro veio aqui dizer, entre outras coisas, que se o Governo não houvera feito o que fez seria criticado; se não tivesse demitido estes senhores, a oposição - nós! -
estaria aqui bramando ferventemente!
Sr. Ministro, V. Ex.ª não pode vir ao Parlamento dizer uma coisa dessas! O Sr. Deputado Pacheco Pereira pode dizer isso no flash back - isso é com ele! Mas V. Ex.ª não pode fazê-lo porque se trata de uma suspeição agravada, pura e simplesmente é um processo de intenções, pelo que é inteiramente irresponsável fazê-lo!

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado, permita-me interrompê-lo.

O Orador: - Sr. Deputado, não há a possibilidade de interrupções durante o exercício do direito de defesa da honra.

Protestos do PSD.

A menos que a Mesa me autorize a autorizar eu próprio essa interrupção, com os efeitos regimentais que possa acarretar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª está no uso da palavra e dispõe de três minutos para formular a sua intervenção de defesa da honra.

O Orador: - Sr. Deputado Pacheco Pereira, lamento imenso, mas não disponho de tempo para autorizar a sua interrupção.
Mas não é esse o único aspecto grave. Repare V. Ex.ª que afirmou que havia motivo para suspeitas fundamentadas. E porquê? Porque foi negociado a desoras em domingo à noite! Diz o 13.º mandamento: «Não negociarás em domingo à noite e à sexta-feira não comerás carne!»

Risos do PS.

Depois disse: «Foi assinado antes.» Diz o mandamento: .Não assinarás nada antes» - V. Ex.ª não deve ter muita experiência contratual! - «nem depois»! E depois disse ainda: «A despesa foi feita antes da assinatura.» 15to quer dizer que V. Ex.ª não tem a mínima ideia sobre se há aqui a obrigação de uma determinada forma contratual escrita! Para um jurista e para um ministro, já é incerteza a mais!
Mas isto ainda é o menos, Sr. Ministro! Porque V. Ex.ª, a seguir, diz: «Este gestor praticou um acto que, segundo os critérios de gestão, não é repreensível; até é, porventura, excelente, mas eu não entro nisso.» E, a seguir, acrescenta: «Mas esta suspeição leva-me a demiti-lo.» Devo dizer a V. Ex.ª que, com esta declaração a constar na acta da Assembleia da República, acaba de causar ao Estado um prejuízo de milhares de contos, porque estes gestores públicos vão agarrar no extracto desta acta e utilizá-lo para demonstar que V. Ex.ª os demitiu sem a mínima justa causa! A mínima!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, além do mais, V. Ex.ª é perdulário! Não é ético, é perdulário!
V. Ex.ª acha que o Estado de direito democrático pode estar sujeito a que os ministros ajam sem fundamento legal, com base no entendimento que têm da ética (que, às vezes, é igual à do Sr. Deputado Pacheco Pereira, isto é, dúbio), para sancionar cidadãos ou para infamar clubes?! Se este é um acto eseuro, suspeito, ele não infama só os gestores, infama também os outros contraentes. São vigaristas?! O Benfica é um bando de vigaristas, segundo esse critério?! E o Sporting a mesma coisa?!

Protestos do PSD.

V. Ex.ª não se limita a praticar um acto de gestão em nome do cavaleiro branco e do Ajax! V. Ex.ª infama multidimensionalmente várias pessoas: está bancada - a

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quem V. Ex.ª acusa de «correr com cão e sem cão» - e os outros a quem V. Ex.ª acusa a esmo de agirem sem base legal, o que V. Ex.ª não provou!
Portanto, fica de pé a minha pergunta: aceita a auditoria? É que se V. Ex.ª não aceitar a auditoria, isto é uma rábula, pura e simplesmente!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, com toda a franqueza, pareceme-me que alterou o sentido e a própria natureza das minhas palavras, ainda que sem intenção, como é evidente.
De qualquer forma, quanto à questão da suspeição, uma vez mais, e aos factos que aqui apontei, gostava só de lhe dizer que me recuso a tratar esta questão sem ser de uma forma séria e fundamentada.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro! Nós também!

O Orador: - Todos os dias são dias para negociar contratos, mas se tivermos em atenção tudo quanto veio nos jornais...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Agora é pelos jornais!

O Orador: - ... relativamente a um determinado negócio desportivo, os limites de tempo que os jornais disseram existir, o momento e o tempo em que o contrato foi negociado, em horas, o facto de o contrato envolver centenas e centenas de milhares de contos e de as próprias verbas terem sido disponibillzadas num curtíssimo espaço de horas, muito antes de o contrato ter sido assinado, e o facto de o próprio contrato só ter sido assinado, ainda que com data anterior, depois de o ministro da tutela ter pedido um relatório fundamentado, com toda a franqueza, no plano do senso comum, no plano dos padrões normais de comportamento - e isto não é ofensa para ninguém -,...

O Sr. JosE Magalhães (PS): - E a lei?

O Orador: - ... julgo que há razões fundamentadas para a existência de suspeição.
Por outro lado, tenho alguma dificuldade em compreender que o Sr. Deputado consiga provar que são necessárias auditorias de gestão a outros contratos relativamente aos quais não se colocaram suspeições desta natureza, quando neste caso, por maioria de razão, há todo o tipo de suspeições.
Relativamente à sua afirmação de que eu seria perdulário e à questão das indemnizações e da fundamentação, gostava de lhe dizer que, repetindo o que disse há pouco e acrescentando uma pequena nota, já referi que, por minha responsabilidade, em anterior governo, propus a demissão, com justa causa, das administrações de duas empresas do sector da comunicação social e, até ao momento, ainda nenhuma decisão judicial as veio anular, e já se passaram seis ou sete anos.
Assim, em relação a este caso, actuarei da mesma forma, ou seja, de forma firme, séria e fundamentada. Não tenho toda a verdade, mas os dois exemplos do passado,
que, então, também foram muito falados, demonstram claramente que me assiste alguma autoridade moral. Mais tarde veremos.

O Sr. Marques da Costa (PS): - Então, e a auditoria?

O Oradar: - No entanto, uma coisa lhe garanto: os senhores que vão ser exonerados não receberão, por via do Estado, qualquer indemnização, a não ser que o poder judicial, que tem, naturalmente, essa faculdade, o venha a considerar adequado. Não se trata de uma decisão por mera conveniência ou por mera oportunidade, seja de que natureza for, é uma decisão com justa causa, fundamentada, e julgo, sinceramente, que bem fundamentada.
Por outro lado, no plano dos princípios este era o momento, a hora e a forma adequadas para tomar essa decisão. Ainda que custe, parece-me que nestes lugares temos de ser sérios e assumir, em todos os momentos, todas as responsabilidades. Pela minha parte, tenho a consciência tranquila.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Como é do conhecimento de todos os Srs. Deputados, no passado dia 29, de madrugada, faleceu o titular do mais alto cargo do poder jurisdicional, o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, conselheiro José Alfredo Soares Manso Preto.
Na oportunidade, enviei à família e ao Supremo Tribunal de Justiça um telegrama onde referi, no essencial, que o Sr. Conselheiro Manso Preto foi um magistrado de envergadura excepcional, um homem público ilustre e um amigo de fino trato e estirpe, uma vez que tinha com ele uma especial relação pessoal.
Inclino-me com todo o recolhimento e tristeza perante o seu falecimento e apresento à S. Ex.ma Esposa, filhos e demais família, assim como ao Supremo Tribunal de Justiça, a expressão das minhas sentidas condolências pessoais e o pesar da Assembleia da República.
Em face deste acontecimento infausto e dando notícia à Câmara da posição que, então, tomei, proponho que os grupos parlamentares, se assim o entenderem, se pronunciem sobre ele e que façamos, em seguida, um minuto de silêncio.
Posteriormente, remeterei ao Supremo Tribunal de Justiça e à família do conselheiro Manso Preto a acta do que aqui for dito.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata associa-se, com consternação, ao voto formulado. Fá-lo num misto de revolta e de esperança: a revolta que, em geral, a morte nos suscita, sobretudo a morte de quem foi «ceifado, quando era ainda em tempo de semear», e a esperança que nos advém da convicção de que os homens cujo pensamento aqui invocamos, em rigor e em definitivo, não morrem, persistem na lição imorredoira do seu exemplo.
O exemplo do conselheiro Manso Preto foi o de um homem íntegro, de um cidadão exemplar, de um trabalhador incansável, de um magistrado brilhante e prudente, no mais profundo sentido do termo.
Para além disso, foi expressão do jurista paradigmático que os tempos que correm reclamam. Tempos consabidamente densificados de eventos e marcados pela

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aceleração da história, que cada vez nos surpreende com problemas e angústias novas a que só podem dar resposta os juristas que não se deixem vencer pela inércia e pelo pó da rotina, a que só podem dar resposta os juristas abertos aos ventos da renovação que aí sopram, renovação que não só encontrou eco em Manso Preto, como teve nele um dos agentes mais protagonizantes. É o que bem revelam os seus últimos e penetrantes escritos, assim como os que se anunciavam para breve.
Por tudo isto, Sr. Presidente, associamo-nos ao voto de pesar, assinalamos com tristeza e recolhido respeito o pensamento do conselheiro Manso Preto e, em nome do povo que representamos, dizemos-lhe: «Bem-haja!» Desejamos-lhe que acabe em glória a viagem sem retomo que acaba de iniciar.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como vêem, estou impróprio para consumo acústico. Apesar disso, não quero deixar de ser eu a juntar-me e ao meu grupo parlamentar às palavras e aos sentimentos traduzidos no telegrama que o Sr. Presidente enviou à família do conselheiro Manso Preto.
Tive com o conselheiro Manso Preto uma relação privilegiada, pessoal e profissional. Reservei dele a recordação de um perfeito cidadão e de um excelente jurista e não posso deixar de lamentar a sua perda para a família judicial e para o povo português. No entanto, a maior dor é sempre, e necessariamente, a da família próxima, pelo que é a essa, em primeiro lugar, que quero endereçar as minhas mais sentidas condolências.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associo-me pessoalmente e em nome do CDS ao telegrama que o Sr. Presidente enviou à família do conselheiro Manso Preto, de quem tenho recordação em jovem, laborando já com grande abertura de espírito e competência em vários processos legislativos.
O conselheiro Manso Preto foi o exemplo de um magistrado completamente dedicado à função. Foi delegado do procurador da República e juiz de direito em várias comarcas, foi procurador-geral da República, foi juiz do Supremo Tribunal Administrativo, foi Presidente do Tribunal da Relação de Évora, por eleição, exerceu a presidência da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, após concurso, e foi Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Deu o exemplo que se espera da magistratura, mas que é sempre de saudar quando é dado. Manteve uma vida inteira dedicada à administração da justiça, com a toga limpa, ao mesmo tempo, de nódoas e de condecorações.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, associo-me às condolências manifestadas pelo Sr. Presidente no telegrama enviado à família do conselheiro Manso Preto, salientando que, de facto, o Sr. Conselheiro, através dos vários cargos já aqui referidos pelo Sr. Deputado Adriano Moreira, sempre manifestou, no exercício da magistratura, a mais alta competência e sempre foi um bom exemplo de como se deveria exercer a magistratura em Portugal.
É uma perda para a família judicial e, por isso mesmo, associamo-nos ao sentimento de pesar.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero expressar o nosso pesar pelo falecimento do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Juiz Conselheiro Manso Preto, e dizer que nos associamos ao telegrama enviado à família pelo Sr. Presidente.
Aproveito também para, nesta oportunidade, apresentar as condolências à família.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, proponho à Câmara que se faça agora um minuto de silêncio em homenagem ao Sr. Conselheiro Manso Preto.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

A Mesa enviará à família enlutada um extracto da acta da sessão plenária de hoje, no que se refere a este ponto.
Passamos à segunda parte do período de antes da ordem do dia, que versa intervenções sobre assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques da Costa.

O Sr. Marques da Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O processo de paz para Angola falhou de forma dramática. O país encontra-se, hoje, envolvido num conflito fratricida que atingiu um nível de violência desconhecido em 17 anos de guerra. Angola está a ser destruída sob os nossos olhos. O sofrimento, a miséria, a desolação e a morte são o único quotidiano daquele povo.
O Governo Português tem razões de sobra para, num gesto de humildade, reconhecer o desastre da estratrégia seguida na aplicação do processo de paz. Mas o que se constata é o contrário. O mesmo entusiasmo militante com que apregoaram o sucesso da iniciativa de paz de Bicesse, que tivemos ocasião de cumprimentar, é agora aplicado a enunciar a nova orientação governamental face à tragédia que se vive em Angola. Se correu mal - dizem hoje a culpa é dos Angolanos. É esta a nova política do Governo e do PSD para Angola. E, sinceramente, parece-me lamentável! Resultará, em nossa opinião, num erro histórico para Portugal. E os que são tão lestos a condenar o processo de Alvor talvez encontrem, num estudo comparativo com Bicesse, matéria de reflexão que os embarace mais do que àqueles que nos idos de 1975 assinaram as independências dos Cinco face à ocupação colonial.
Doa a quem doer, é preciso reconhecer que recai sobre os mediadores internacionais uma forte responsabilidade pela situação em Angola.
Em primeiro lugar, a subalternização da ONU diminuiu a sua capacidade efectiva de intervenção na condução do processo de paz. Intervenção que hoje, finalmente, Portugal reputa de essencial para qualquer solução que se queira encontrar.
Depois, é preciso dizê-lo claramente, os Acordos de Bicesse, nos seus aspectos fundamentais, estavam por cumprir à data das eleições. Ou seja, todos os mecanismos

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que se julgaram necessários e se criaram, em Maio de 1991, para garantir as condições correctas para um processo eleitoral e a estabilização do regime democrático foram considerados dispensáveis em Setembro de 1992. Porém, não se ouviu nem uma palavra, nem um alerta. Estava tudo bem. Todos os mediadores queriam abreviar o processo angolano. E, todavia, o caso moçambicano vem demonstrar quão fácil é a mediadores e às partes pôr na agenda política o adiamento das eleições em caso de incumprimento dos calendários dos acordos.
É difícil esquecer a imagem, em véspera de eleições, de um general e de um embaixador portugueses, trajados a preceito, a avalizarem a investidura das chefias de estados-maiores de um exército nacional que não existia.
O Governo Português concebeu e aceitou como justa a estratégia do cumprimento puramente formal dos acordos de paz, responsabilidade que partilha com Americanos e Russos. O que importava era continuar, continuar sempre, chegar às eleições, não importava como. É sobre essa estratégia que recai hoje parte da responsabilidade do problema angolano.
Tive ocasião de, ao longo de quase dois anos, em sucessivas intervenções públicas, debates e artigos, alertar para as debilidades dos Acordos de Bicesse e para as consequências que acarrateria a estratégia que estava a ser seguida. Infelizmente, tive razão! Sob o verniz do cessar-fogo tão bem sucedido, tinham-se desenvolvido de forma evidente os germes da situação que hoje se vive. Só não viu quem não quis!
Foi assim que a genuinidade do cometimento do povo angolano, numas eleições reconhecidas livres e justas pelas Nações Unidas, foi comprometida pela inexistência das condições institucionais mínimas previstas nos acordos para evitar a possibilidade do recurso à guerra.
À Assembleia da República não cabe tomar partido na distribuição das culpas entre as partes angolanas em conflito. Os Deputados, como democratas, devem sobrepor a tudo o empenhamento em favor da consolidação de democracias políticas; como defensores dos direitos humanos, devem ser intransigentes na sua denúncia, onde quer que eles sejam violados, seja de quem for a responsabilidade por essa violação.
Mas, mais do que isso, é nosso dever como parlamentares confrontar o Governo com as suas responsabilidades perante o processo de paz e discutir abertamente a actual estratégia do Executivo para a mediação do conflito. É que as iniciativas da democracia de sucesso devem ser assumidas pelo Governo com coragem política, mesmo quando se prova serem um ínsucesso.
É necessário dizer sem rodeios que não podemos concordar, em circunstância alguma, com uma estratégia de menor comprometimento de Portugal na situação de Angola e nas tentativas internacionais de procura de solução para o conflito. Na cena internacional, não há cadeiras que fiquem vagas à espera de ser reocupadas. Se por questões de política interna - e creio que o Dr. Cavaco Silva diria de política politiqueira - o governo do PSD quer agora diminuir a sua visibilidade neste processo, essa opção tem de ser oondenada por todos nós.
Independentemente dos erros do passado, é necessário formular e perspectivar estratégias de envolvimento isento de Portugal na procura de soluções de paz. E, ao contrário da política de secretismo anteriormente seguida, procurar, no diálogo institucional com esta Assembleia da República e com o Sr. Presidente da República, as soluções necessárias a essa participação nacional.
A sensibilização da comunidade internacional, em geral, da Comunidade Europeia e dos EUA, em particular, para a necessidade de manter a pressão sobre uma nova iniciativa de paz é de importância vital. Portugal não pode diminuir o seu empenhamento, nem desprezar interlocutores internacionalmente credíveis só porque o Primeiro-Ministro sacrifica o interesse nacional à obcessão de ser o único interlocutor político.
O quadro dos Acordos de Bicesse tem de ser reavaliado, reanalisado e perspectivado à luz da situação actual, quer nos seus objectivos quer no número dos seus interlocutores nacionais e internacionais.
Mas, permitam-me que diga com franqueza, a nós Deputados, a par de todo o debate sobre a participação do Governo no processo de paz em Angola, que reputo fundamental e que o PSD incomodado evita a todo o custo, talvez deva caber também a responsabilidade - já que o Governo não a assume - de dar um sinal ao povo português para que não fique indiferente à tragédia angolana e organize uma vasta campanha humanitária que permita aliviar o sofrimento daqueles povos massacrados pela guerra.
Mas que sinal pode enviar este Parlamento, quando a maioria que o domina receia e evita o debate desta matéria, ou quando o faz em termos de transposição da questão angolana para o quadro dos conflitos políticos e institucionais nacionais.
Essa colaboração povo a povo é e será sempre o esteio mais sólido das relações de Portugal com a África lusófona. Perante o silêncio do Governo não temos de ficar todos silenciosos. Há direitos humanos que exigem a nossa atenção em Angola e aos quais devemos dar uma resposta que seja um sinal inequívoco da nossa relação com o povo de Angola, da nossa sensibilidade pelo seu sofrimento e da nossa isenção na procura de uma solução de paz. Há portuguesas e portugueses presos em situações que nunca foram esclarecidas pelo Governo Português.
Ao silêncio do Governo sobre tudo o que se passou no processo de paz em Angola só se devem associar aqueles que querem ficar com a responsabilidade política das consequências desse silêncio. Não é o caso do PS! Nunca foi o caso do PS!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes de Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques da Costa, a sua intervenção merece-me alguns comentários.
Em primeiro lugar, saliento que a relação de Portugal com Angola é diferente, pois, para além dos séculos de história comum, Portugal é parte e observador do processo de paz.
Em segundo lugar, estão a decorrer, neste momento, negociações no limiar da guerra civil ou já em clima de guerra civil com violação constante de direitos humanos.
Em terceiro lugar, a informação que nos chega poderá, muitas vezes, não ser fidedigna e, por vezes, poderão não existir condições para que essa informação fidedigna seja obtida por esta Câmara.
Em quarto lugar, há portugueses prisioneiros por ambas as partes do conflito e Portugal tem obrigação, e tudo tem feito, para os libertar.

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Do nosso ponto de vista, a existirem debates, na Assembleia da República, têm der ser subordinados a dois princípios: o da prudência e o da alteração das circunstâncias que, neste momento, existem em Angola.
Entendemos que cada partido é livre de tomar as posições que desejar e é nesse sentido que, em determinados momentos, temos actuado. O que vamos propor e defender, em sede de Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação é o adiamento do debate, mas a decisão última caberá ao presidente da comissão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Marques da Costa.

O Sr. Marques da Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, confesso alguma dificuldade em responder a uma pergunta que não foi formulada.
De qualquer das maneiras, aproveito a oportunidade para dizer ao Sr. Deputado Rui Gomes da Silva que estou de acordo com os dois princípios que enunciou: o da
prudência e o da alteração das condições em que se desenrola o processo de paz em Angola. Mas já não posso estar de acordo que, ao longo de todo o processo de paz, desde as eleições que se realizaram em Angola, as várias iniciativas do Partido Socialista, apresentadas em sede de Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, para que se discutisse a questão angolana, tivessem recebido uma resposta negativa do PSD. Até «dou de barato» que não concordassem com a fórmula que o PS propôs e que quisessem apresentar uma fórmula alternativa, na qual teríamos muito gosto em participar, mas não consigo perceber por que é que VV. Ex.ªs recusam qualquer fórmula, qualquer conteúdo e qualquer debate. Essa é que é a nossa grande perplexidade!

permita-me, Sr. Deputado, que lhe cite o exemplo do Sr. Ministro Marques Mendes, que veio ao Parlamento explicar e debater com esta Câmara uma iniciativa política governamental. Por que é que não veio o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros? Aparentemente, como dizia o meu camarada de bancada Manuel Alegre, mesmo no seio do governo do PSD há para os ministros dois pesos e duas medidas! Mesmo que o Sr. Deputado me diga que não é matéria para Plenário, teremos muito gosto em recebê-lo na Comissão de Negócios Estrangeiros, cuja reunião, na sequência de uma proposta insistentemente feita por nós e só recentemente, depois de várias cartas trocadas com o PSD, acabou por ser marcada.
Se o Sr. Deputado invoca o argumento da deficiente informação, que melhor contributo pode dar o PSD para um debate sobre Angola, que esclareça este Parlamento e os Portugueses, que o de trazer o Governo a esta Assembleia para dar os esclarecimentos e as informações atempadas sobre o que se está a passar.
Creio, Sr. Deputado, que se alguma virtude a minha intervenção puder ter é a de trazer aqui o Governo a discutir este assunto num espírito, que espero que o PSD partilhe com as outras bancadas parlamentares, de não partidarização do conflito político angolano.
Terá, pois, de ser uma discussão séria, porque é essa que nos compete a nós, parlamentares portugueses, em resultado das responsabilidades de Portugal como mediador neste processo, até para que haja uma co-responsabilização de todos nós sobre os possíveis caminhos a seguir no desenvolvimento de uma iniciativa de paz que possa reconduzir Angola ao progresso e ao desenvolvimento que ela merece.

Voos do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Santos Pereira.

O Sr. Fernando Santos Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dos factores mais determinantes para a transformação da organização espacial da sociedade reside nas mudanças crescentes que se consigam implementar ao nível da mobilidade de pessoas e bens. E, nesse processo, é indiscutível o papel essencial que assumem as infra-estruturas de transporte, que, sendo caracterizadas pelos actuais padrões de qualidade, comportam uma muito significativa redução das distâncias, sejam elas psicológicas ou reais.
Apesar de a consensualidade destes aspectos ser reconhecida, tem-se consciência de que as divergências se afirmam ao nível da oportunidade e da capacidade de execução prática, como se pode comprovar através de uma análise retrospectiva imparcial.
No que a nós importa, e apenas no respeitante à estrutura rodoviária, será de relembrar que, há meia dúzia de anos, o País não dispunha de vias que se pudessem considerar perto do aceitável, face às necessidades existentes. A maior parte dessas infra-estruturas encontrava-se subdimensionada e incapaz de responder, satisfatoriamente, aos objectivos sócio-económicos dos sistemas de transportes; registavam-se desajustamentos da estrutura viária às características do tráfego e nítidas assimetrias na cobertura do território continental que, como se sabe, tinha grande parte da extensão da rede nacional de estradas construída antes de 1950, de acordo com normas técnicas, hoje, consideradas ultrapassadas.
Esse estado de coisas, que contribuía fortemente para a insegurança rodoviária, para elevados custos operacionais e grande dispêndio de tempo nos percursos, obrigou a que o sector fosse encarado com elevada prioridade, antevendo-se, já na altura, que o desenvolvimento do Pais e o processo de integração europeia viriam, inevitavelmente, a criar novas urgências.
Responderam, então, os governos da responsabilidade do Partido Social-Democrata a esse grande objectivo nacional, bem como ao clamor das populações isoladas, que viam bloqueadas as suas vontades e, consequentemente, um perder de oportunidades de difícil repetição ou recuperação.
Apesar dessa revolução que perpassou o País, no sector das vias de comunicação, tem-se consciência da multiplicação dos desafios e de que, na posição que actualmente ocupamos no contexto europeu, urge mais do que nunca potenciar a eliminação das disparidades que ainda subsistem.
É dentro desse espírito, e no âmbito das incumbências de representação política que cabem a cada Deputado, que, de uma forma necessariamente resumida, vou trazer à apreciação da Assembleia algumas questões respeitantes ao meu concelho, especialmente aquelas que estão directamente relacionadas com as acessibilidades rodoviárias.
O concelho de Barcelos vê espalhados os seus 111 000 habitantes pelos 378 km2 que ocupam as suas 89 fre-

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guesías, o que o torna, nesta vertente, o maior de Portugal. Aí funciona a maior assembleia municipal do País, com 179 membros, eleitos em representação de uma população que tem espalhadas as suas actividades pelo sector primário (25 %), secundário (40 %) e terciário (35 %).
Como se depreende, trata-se de um espaço geográfico diversificado e complexo, cuja repartição administrativa, características do povoamento e economia exigem uma oferta de vias de comunicação muito elevada, de forma a não se estrangular o seu natural crescimento.
Por esta razão se entende o grande incremento quo a rede viária local sofreu desde a revolução de 1974, altura em que o concelho era servido por cerca de 40 Km de estradas pavimentadas, número reduzidíssimo se comparado aos quase 500 km da actualidade, executados sob a responsabilidade municipal.
Por estes números se compreende a vontade das populações e dos autarcas que as representam em preparar o concelho para os desafios futuros, estando continuamente esperançados em que a sua voz desperte a atenção daqueles que devem agir em complementaridade.
Com o intuito de ampliar o conhecimento dos seus anseios, passarei a abordar alguns aspectos relacionados com as estruturas rodoviárias de responsabilidade nacional, que servem ou virão a servir aquelas populações.
Começaria pela auto-estrada Braga-Valença, a n.º 3, que atravessará a franja nascente do concelho e que tem previsto, em Martim, o nó Barcelos-Braga. Apesar de essa intercepção possuir um elevado valor regional, tem de chamar-se a atenção para isso e defender a necessidade imperiosa de prever urgentemente um nó na margem direita do Cávado, com a repectiva ligação à EN 205. É consensual que a saída de Freixo não servirá a zona norte do concelho de Barcelos, região onde se localiza a sua maior concentração industrial, nomeadamente têxtil e cerâmica, que necessita, para o seu desenvolvimento, de um rápido acesso aos meios transportadores utilizados na actividade exportadora.
Uma referência também para a citada EN 205 e, especialmente, para o seu trajecto norte, no concelho. Trata-se de uma via com ocupação urbanística ao longo de quase todo o seu comprimento, com um elevado número de tráfego (mais de 5000 veículos/dia) e por onde se faz grande parte do escoamento da produção industrial.
No presente, é a única estrada nacional, de primeira e segunda classe existente no distrito, ainda com calçada à fiada, pelo que se alertam os organismos competentes para a necessidade de trabalhos de beneficiação urgentes, nomeadamente a aplicação integral de tapete em betão betuminoso.
No que respeita ao IC 14, itinerário complementar que ligará o concelho às grandes vias (a n.º 3 e IC 1), que passarão nos seus limites nascente e poente, urge que a definição de traçado e projectos avancem rapidamente, pois a EN 103 encontra-se totalmente saturada, tornando-se necessária uma ligação rápida e segura ao litoral e à capital de distrito.
Afirma-se aqui a importância regional desse itinerário complementar, que deverá ser prolongado a partir de Braga, acompanhando o Cávado até Montalegre e funcionando como a grande via de comunicação ao longo da sua bacia.
Nesta oportunidade, chama-se também desta tribuna a atenção da Junta Autónoma de Estradas para o mau estado de conservação e perigosidade da EN 204, entre Barcelos e Ponte de Lima, e da EN 306, entre Macieira e Alheira, pois tratam-se de vias que exigem grandes reparações ao nível do traçado, pavimento e sinalização.
Não podia terminar esta abordagem pontual sem fazer referência à necessidade de conclusão do conjunto das variantes às estradas nacionais que atravessam a cidade de Barcelos. Com o empenhamento da câmara municipal e do governo esses empreendimentos têm vindo paulatinamente a avançar, esperando-se que a comunhão de esforços continue, dando-se assim cumprimento a uma velha aspiração do concelho e da região.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como afirmei no inicio desta intervenção, o País sofreu, nos últimos anos, uma grande mudança qualitativa e quantitativa no sector das vias de comunicação, fruto do grande esforço realizado pelos governos sociais-democratas. Tal intenção deve continuar, agora que surgem renovados desafios, através da realização do mercado único, que tem vindo a traduzir-se num forte crescimento das trocas entre as regiões potenciadoras do tráfego de pessoas e mercadorias.
Por isso, será justo que ao importante papel nacional desempenhado por esses espaços - de que o concelho de Barcelos pode ser exemplo - se corresponda com as infra-estruturas adequadas, de molde a que se crie com essa correlação os maiores benefícios para as populações, suas regiões e, consequentemente, para o País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar à apreciação e votação dos votos n.ºs 59/V1 - De saudação, na passagem do Dia do Professor, a todos os professores portugueses, apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, e 60/VI - De protesto, condenando a situação que se vive em Timor, em resultado da invasão perpetrada pela Indonésia, apresentado pelo presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, Sr. Deputado Adriano Moreira, e 61/VI - De protesto, condenando o rapto e sequestro de cidadãos portugueses perpetrado pela UNITA em Angola, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português. Todos os votos enunciados já foram distribuídos pelas diversas bancadas.

O Sr. Alherto Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, gostaria de anunciar que o PS vai apresentar um requerimento no sentido de ser adiada para a próxima reunião plenária a votação do voto n.º 61/VI, nos termos do artigo 77.º, n.º 4, do Regimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, assim, nos termos regimentais, a votação do voto n.º 61/VI fica adiada para a próxima sessão.
Está em discussão o voto n.º 59/VI - De saudação, na passagem do Dia do Professor, a todos os professores portugueses, apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que foi distribuído na última sessão.
Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio.

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, este voto de saudação aos professores, apresentado e subscrito por todos os Deputados que fazem parte da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, simboliza um

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gesto de gratidão aos que, de geração em geração, contribuíram para o desenvolvimento e a formação de uma sociedade de valores. São eles que, muitas vezes, substituem a família ou a completam, com contributos indispensáveis à formação das crianças e dos jovens.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quem não se lembra do seu primeiro professor, que, com certeza, deixou marcas inesquecíveis em todos nós? É para eles, neste dia, que devemos virar a nossa gratidão.
Assim, neste dia dedicado ao professor, gostaria de os saudar, em nome desta Câmara e de todos os Deputados da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, desde o mais humilde e mais anónimo dos professores ao mais distinto - lembro que o Presidente da Assembleia da República é também professor e hoje ocupa o segundo cargo na hierarquia do Estado.
Ao mesmo tempo, quero saudar, com muito carinho e muita ternura, todos os professores do ensino básico, que, muitas vezes, em situações bastante difíceis, em terras isoladas, incompreendidos, se dedicam com abnegação e dedicação à formação das nossas crianças. Que o País tenha, portanto, um pensamento especial para todos eles.

Aplausos do PS e do PSN.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comissão de Educação, Ciência e Cultura, de onde saiu este voto, tem espírito de corpo, age com unidade e consenso, pelo menos às vezes, já que, de outras vezes, cada partido espera que cada um dos seus Deputados cumpra ali «o seu dever». Do consenso, sem aproveitamentos, passou-se à diligência junto da Mesa da Assembleia da República para agendamento desta iniciativa, de acordo com o dia próprio - e houve generosidade, qualificada, na pronta aceitação do voto e da data pretendida. Foi até por iniciativa do Sr. Presidente que se concedeu um espaço regimental para que cada bancada sublinhasse, se assim o entendesse, em Plenário, o sentido de voto.
Creio que o texto do voto, na clareza - que procurámos - da sua elaboração, fala por si mesmo. Mas, permita-me, Sr. Presidente Barbosa de Melo, desde logo, que, na sua qualidade de professor, o incluamos também no número daqueles que hoje aqui saudamos.

O Sr. Çarios Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Até para podermos corresponder desse modo à expressão global do texto votado, a saber, sejam quais forem o lugar e o estatuto docente em que se enquadra.
Passando às consequências no terreno, sobre o circuito deste voto, solicitamos à Mesa e aos serviços administrativos da Assembleia da República o envio do texto do voto a todas as associações de professores.

A Sr.ª Maria Julleta Sampaio (PS): - Muito bem!

O Orador: - Solicitamos também à Mesa que, com recurso aos meios de comunicação social, nomeadamente à imprensa regional, o voto de saudação seja do conhecimento das escolas portuguesas, nos vários centros. E no rescaldo das declarações produzidas e ainda a produzir, oxalá, Sr. Presidente, se tenha o entendimento de que foi a função docente, a palavra «professor», a razão e o motivo de aparecerem hoje, aqui, unidos na assinatura e no voto, aqueles que tantas ouras vezes a política divide.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este voto de louvor aos docentes, no dia que lhes é dedicado, tem para nós o peso específico das palavras que nele se configuram. Mas não é apenas isso. Gostaríamos também, em nome da nossa bancada, de clarificar o sentido do nosso apoio.
Antes de tudo, congratulamo-nos pelo consenso obtido a nível da Comissão, porque revelou, pelo menos no domínio das palavras, a existência de uma visão razoavelmente homogénea acerca da importância do papel dos docentes na sociedade portuguesa e não só.
No entanto, a importância deste voto também tem a ver com a sua oportunidade neste tempo concreto. No momento em que se pretende lançar una reforma do sistema educativo, frequentemente feita à revelia daqueles que, afinal, são os seus principais intervenientes, os docentes; no momento em que o futuro do País, todos os seus problemas estruturais têm a ver, fundamentalmente, com o investimento na educação; no momento em que a perplexidade inunda as nossas escolas pelo facto de os docentes serem constantemente confrontados com situações que os ultrapassam; no momento em que, em nome da autonomia das escolas, não é raro atirarmos para cima delas e para cima dos docentes «batatas quentes» que o poder central se viu incapaz de ultrapassar e resolver, pareceu-nos que este voto vinha reforçar, não apenas uma manifestação de natureza afectiva em relação ao papel dos docentes, mas, antes de tudo, a necessidade de serem ouvidos, a necessidade da sua participação e a de verem resolvidos os seus problemas mais ingentes e mais concretos.
Quero ainda deixar bem claro que isto nada tem a ver com reivindicações de natureza corporativa, que seriam de algum modo também, e desde que razoáveis, legítimas, mas sim com a defesa da qualidade do ensino e dos direitos dos nossos jovens e das nossas crianças.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS quer manifestar expressamente a sua adesão a este voto de saudação e dizer que o faz não só pela experiência própria e pela ligação de quem o anuncia mas também porque temos a ideia de que estamos a saudar um conjunto de pessoas que fomos estimando ao longo da vida, pessoas que, pela profissão que exercem, vivem num mundo de pequenas alegrias, de pequenas frustrações, de muitas angústias, e que, sobretudo neste momento, com algumas incertezas em relação ao seu estatuto profissional, aos problemas da sua formação, bem como ao seu estatuto remuneratório, têm algumas queixas, algumas dificuldades.

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Portanto, não é uma pura questão de cortesia, não é uma pura questão simbólica, e é com este sentido que o CDS se associa a este voto - porque sabe bem a essas pessoas receberem uma saudação sentida da Assembleia da República.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Se me é permitido, quero apenas agradecer uma ou outra referência simbólica que foi feita ao Presidente da Assembleia e salientar que a Câmara tem aqui bons representantes do corpo de professores, de várias idades, que estão por todo o País nessa tarefa infinda, sempre inacabada, de transmitir aos outros, às novas gerações, o que as gerações anteriores aprenderam, receberam, descobriram e passam adiante.
Gostaria, pois, de salientar, associando-me a esta home
agem a todos os professores do nosso país - como já foi, aliás, posto em destaque pela Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio - que, provavelmente, a hierarquia social pela qual se ordenam os professores está invertida: os últimos dessa hierarquia social são os primeiros, são aqueles que nos marcam mais. A esses anónimos e queridos de todos nós, de todas as gerações, que nos desvendaram os caminhos da inovação, que descobriram outros mundos, a esses, sobretudo, quero homenagear boje aqui.

Aplausos gerais.

Vamos proceder à votação do voto n.º 59/VI - De saudação, na passagem do Dia do Professor, a todos os professores portugueses.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

É o seguinte:

Os professores são, a seguir à família, os principais agentes do desenvolvimento pessoal de cada cidadão.
Como transmissores da língua e cultura portuguesas contribuem decisivamente para a afirmaçáo de Portugal no mundo.
Como responsáveis da preparação das gerações futuras dão contributo inestimável para a liberdade, a responsabilidade e o desenvolvimento integral da comunidade nacional.
Neste termos, os Deputados abaixo assinados, membros da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, por ocasião do Dia do Professor e tendo em conta o papel muito relevante que lhes reconhecem, propõem à Assembleia da República a aprovação de um voto de saudação a todos os professores portugueses, sejam quais forem o lugar onde ensinam e o estatuto docente em que se enquadrem.

Srs. Deputados, vamos passar, agora, à votação do voto de protesto, condenando a situação que se vive em Timor, em resultado da invasão perpetrada pela Indonésia, apresentado formalmente pelo presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

É o seguinte:

Quando a Indonésia invadiu Timor e passou a invocar a conquista, que é um acto de guerra, como título legítimo da ocupação, violou gravemente a Carta da ONU, que proíbe recorrer «à ameaça ou ao uso da força» de «forma incompatível com os propósitos das Nações Unidas».
A conquista está a ser transformada pela Indonésia em subjugação, em vista da proclamada eliminação do invadido «por meio de anexação do território depois da conquista», e também com violação da Convenção aprovada pela ONU em 9 de Dezembro de 1948, que considera que «o genocídio ao espírito e objectivos das Nações Unidas é condenado pelo mundo civilizado», e tal genocídio continua em execução.
A passagem da conquista à integração soma ao primeiro abuso da foça a grave violação do capítulo XI da Carta, que atribui a todos os membros, seja qual for o título pelo qual assumam a responsabilidade de administrar territórios cujos povos não tenham alcançado a plenitude do governo próprio, o dever de tomar em conta as «aspirações políticas» destes, e a desenvolver aquele governo próprio.
O chamado «julgamento de Díli», independentemente da condenável utilização das fórmulas judiciárias para fins de propaganda, é uma abusiva tentativa de impor à comunidade internacional a qualificação da resistência como uma questão de jurisdição doméstica, fazendo aceitar passivamente a subjugação e a integração.
A Assembleia da República, em vista dos deveres decorrentes da Carta da ONU para todos os Estados membros, e especialmente dos que incumbem às potências administrantes, delibera:
a) Condenar a Indonésia, perante a ONU e a comunidade Internacional, pelo novo abuso com que, na sequência da conquista militar do território e do genocídio cometido contra a população, tenta consumar a integração de Timor entre as suas províncias.
b) Solicitar aos parlamentos e governos, especialmente dos Estados Unidos da América e da Austrália, que procedam à avaliação da desconformidade das políticas impostas ao povo de Timor com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e os princípios da autodeterminação e independência dos povos consagrados na Carta da ONU.
c) Repudiar veementemente o prosseguimento do julgamento de Xanana Gusmão como ilegítimo, injusto, parcial e gravemente atentatório da dignidade humana e dos direitos, internacionalmente reconhecidos, do povo de Timor Leste, consubstanciando uma inaceitável farsa.
d) Alertar a Comissão dos Direitos do Homem da ONU para a urgência de fazer respeitar a declaração da presidência sobre Timor Leste, adoptada na sua 48.ª Sessão.
e) Pedir às organizações não governamentais e, em especial, à Ordem dos Advogados de Portugal que colaborem criticamente na reposição da ordem jurídica internacional violada.

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 55 minutos.

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ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia com a leitura de vários relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos.
A Sr.ª Secretária Maria da Conceição Rodrigues vai dar conta do parecer relativo à substituição de Deputados.

A Sr.ª Secretária (Maria da Conceição Rodrigues): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O relatório e parecer refere-se à substituição dos Srs. Deputados Fernando dos Santos Pereira, do PSD, por um período não inferior a 15 dias, com início em 8 de Fevereiro próximo, inclusive, e João Carlos da Silva Pinho, do CDS, por um período não inferior a 15 dias, com início em 1 de Fevereiro próximo, inclusive, respectivamente pelos Srs. Deputados José António Peixoto Lima e Juvenal Alcides da Silva Costa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Secretário João Salgado vai dar conta dos quatro restantes pareceres da mesma Comissão, que há pouco anunciei.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, o primeiro parecer é do seguinte teor: de acordo com o solicitado pelo Tribunal de Círculo de Lamego, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Luís Martins (PSD) a ser ouvido, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do segundo parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, o segundo parecer é do seguinte teor: de acordo com a Procuradoria da República - Viseu, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Cesário (PS) a prestar declarações, por escrito, sobre a matéria dos autos aí pendentes.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar o terceiro relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, o terceiro parecer é do seguinte teor: de acordo com o Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira do Bairro, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os Srs. Deputados Manuel dos Santos e Maria Julieta Sampaio (PS) a serem ouvidos na qualidade de testemunhas nos autos pendentes naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do quarto e último parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, o quarto parecer é do seguinte teor: de acordo com o Tribunal Judicial da Comarca de Alcanena, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Fernando Condesso (PSD) a ser inquirido na qualidade de testemunha nos autos pendentes naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos dar início à discussão da proposta de lei n.º 43/VI - Altera a Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A viabilização da autonomia futura de Macau, na sequência da assinatura, em 1987, da Declaração Conjunta do Governo Português e do Governo da República Popular da China, é um objectivo que influencia decisivamente todas as áreas da governação daquele território. Como é natural, o sistema de justiça não escapa a essa influência.
A política de justiça que em Macau está a ser desenvolvida não pode deixar de estar balizada pela ideia-mestra de garantir a futura autonomia judicial do território, criando um sistema global de justiça, dotado de vitalidade e de auto-suficiência, capaz de se manter operacional após a transferência de poderes para a República Popular da China, no final do século.
A construção da autonomia futura de Macau - também no que respeita ao sistema de justiça - tem sido um objectivo comungado pelos órgãos do governo próprio do território e pelos órgãos de soberania de Portugal. Nesse sentido, esta Câmara deu os mais significativos contributos: com a revisão constitucional de 1989, determinando-se que o território de Macau deve passar a dispor de «organização judiciária própria, dotada de autonomia e adaptada às suas especìficìdades»; com a revisão do Estatuto Orgânico de Macau, de 1990, especificando-se que as bases do sistema judiciário do território são definidas pela Assembleia da República e apontando-se para uma autonomização gradual e faseada desse sistema, que culminará no momento a partir do qual o Sr. Presidente da República decidir investir os tribunais de Macau na plenitude e exclusividade de jurisdição; finalmente, com a publicação da Lei n.º 112/91, de 29 de Agosto, que aprovou as Bases da Organização Judiciária de Macau.

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Já na sequência da aprovação desta Lei de Bases, novos passos foram dados por forma a se «por de pé» todo o sistema então concebido.
Devo referir em especial a aprovação pelo competente órgão de governo próprio de Macau dos Decretos-Leis n.ºs 17/92/M e 18/92/M, ambos de 2 de Março, que estabelecem a regulamentação geral da nova organização judiciária de Macau e a regulamentação específica do novo Tribunal de Contas.
Deve ser referida igualmente a entrada em funcionamento, no ano findo, do Conselho Superior de Justiça e do Conselho Judiciário de Macau.
Este processo de autonomização e localização do sistema judiciário é gradual e progressivo. Com a instalação dos novos tribunais não fica ainda definitivamente cortada a ligação que une o sistema judiciário de Macau à organização judiciária da República. A legislação já referida continua a prever casos pontuais em que é atribuída competência a tribunais da República. Tal competência em assuntos de Macau deve ser entendida como uma «compressão provisória do princípio constitucional da autonomia judicial do território, restrição essa destinada a desaparecer de acordo com a Constituição e o Estatuto Orgânico de Macau», e não como consagração de uma solução excepcional e estável no interior do processo de autonomização.
Porque está ligada directamente à matéria da proposta de lei que hoje o Governo apresenta à Assembleia da República, impõe-se referir a competência do Supremo Tribunal Administrativo da República para apreciar e julgar os recursos dos actos do Governador e dos secretários-adjuntos em matéria administrativa, fiscal e aduaneira. Tal competência manter-se-á, como disse, até quando o Sr. Presidente da República, nos termos do artigo 75.º do Estatuto Orgânico e do artigo 34.º da Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau, determinar o momento a partir do qual os tribunais do território serão investidos na plenitude e exclusividade de jurisdição.
Por estas razões, e tendo ainda em conta os dados estatísticos disponíveis, é previsível que, numa fase de arranque, o movimento processual do Tribunal Superior de Justiça seja reduzido, como, aliás, muito doutamente se refere no parecer, aprovado, por unanimidade, pela 3.º Comissão desta Assembleia.
Tendo presentes estes factos, numa óptica de boa gestão de recursos públicos, e salvaguardando-se os princípios fundamentais de organização judiciaria, considera-se que o número de juizes fixados no n.º 1 do artigo 12.º da Lei de Bases da Organização Judiciária pode ser inferior. Assim, a solução legislativa por que agora se propugna suspende, numa primeira fase, a previsão legal em vigor, voltando esta a vigorar a partir do momento em que o âmbito da jurisdição dos tribunais do território seja pleno e exclusivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a aprovação da presente proposta de lei, a Assembleia da República, não pondo em causa a solução já por si adoptada, contribui decisivamente para uma melhor gestão dos recursos públicos do território, com respeito por princípios básicos de boa organização judiciária e sem introduzir qualquer inflexão na rota traçada para a viabilização da futura autonomia judiciária do território de Macau.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: À primeira vista está pouco em causa nesta proposta de lei e neste debate uma redução do número de juizes previsto para o Tribunal Superior de Macau, na primeira fase do processo de autonomização judiciária do território.
O ponto tem uma história curta: ao aprovar a Lei de Bases da Organização Judiciaria de Macau, em Outubro de 1990, esta Assembleia deu também a sua concordância à proposta de composição do Tribunal Superior de Justiça apresentada pelo Governo.
As circunstância» derivadas do calendário da transferencia da administração do território para a República Popular da China desaconselham agora qualquer reconsideração de fundo das soluções gerais então aqui aprovadas. Mas, a benefício não só de inventário futuro como de melhorias que as circunstâncias venham a permitir, é preciso deixar expresso que o modelo de desenvolvimento judiciário ajustado a Macau requeria e requer um esforço acrescido no sentido da resposta as específicas formas de litigiosidade e de procura jurídica local e às exigências próprias da pequena escala que caracterizam Macau.
Se compararmos o número de juizes previsto para o Tribunal Superior de Macau com o de tribunais semelhantes de outras pequenas jurisdições a funcionar em termos de tendência! autonomia e tivermos em conta o escasso número de recursos que a experiência recente permite prever para os próximos tempos, em particular no período em que irá até ser decretada a plenitude de jurisdição dos tribunais de Macau, não pode deixar de se compreender e aderir ao sentido do que vem proposto. É só pena que os elementos estatísticos e de apreciação que já aquando da elaboração da proposta de lei eram utilizáveis não tivessem sido logo disponibilizados e considerados.
É bom que não exponhamos quaisquer instituições judiciárias ao risco, ainda que injusto, de juízos como o que a Relação de Goa suscitou ao marquês de Pombal: o de que se tratava de um «congresso de bacharéis e aparatosa oficina de litígios». Esse risco seria hoje particularmente contra-indicado em Macau.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O importante agora é que rapidamente entre em funcionamento o Tribunal Superior de Macau.
Da Declaração Conjunta de 1987, que prefigurou a necessidade da sua criação, até agora decorreu tempo demasiado, sobretudo porque a aplicação a Macau de algumas soluções judiciárias idênticas às previstas na Declaração Sino-Britânica sobre Hong-Kong impunham uma complexa reconversão do sistema, a necessitar de tempo de sedimentação. Para que se possa alcançar o grau de continuidade jurídica e judiciária prometido pela Declaração Conjunta, é preciso não apenas que o Tribunal Superior de Macau entre rapidamente em funcionamento como também que ele disponha de condições para se institucionalizar, isto é, para adquirir estabilidade e valor para a comunidade. E toda a institucionalização requer, em primeiro lugar, tempo.
Está hoje muito em causa em Macau neste domínio. Está aí em curso uma experiência única, de um tipo que Portugal não teve a oportunidade de enfrentar em qualquer dos territórios que deixou de administrar, única pelas garantias de que à partida a continuidade se rodeia e pelo reconhecimento expresso do valor da herança jurídica a transmitir, única também por nela caber a Portugal a representação da família jurídica continental no diálogo

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directo com o grande país e a grande cultura que é a China, no momento em que aí se não pode deixar de desenvolver, com maiores ou menores resultados no curto prazo, um processo de modernização jurídica.
Ao lado da família da common law, que em Hong-Kong se apresenta a prova idêntica - e nalguma medida em inevitável competição com ela -, o tipo de direito de raiz continental e portuguesa hoje presente em Macau enfrenta, num quadro de risco, a questão em aberto do seu próprio futuro. Enquanto Hong-Kong constitui uma autêntica praça forte da common law, Macau representa a única presença jurídica de raíz europeia de tipo romanogermânico que se encontra no continente, actuando em contexto chinês.
É uma posição única do ponto de vista de uma - chamemos-lhe - geostratégia jurídica. É que, face ao momento de «abertura» da República Popular da China, que possibilitou as soluções análogas das duas Declarações Conjuntas, prestarão provas em simultâneo não só dois direitos originados em duas nações europeias distintas como dois tipos distintos de direito, duas expressões diferenciadas da civilização jurídica do Ocidente.
Sucede que a dimensão de Macau - mesmo por referência às experiências jurídicas de Singapura e Hong-Kong - condena-o a constituir um «microssistema» e a ressentir-se intensamente, em particular no próximo futuro, dos problemas de escala. Para além de um aproveitamento óptimo dos poucos anos disponíveis para explorar as virtualidades da Declaração Conjunta, será, pois, necessário extrair consequências da inserção familiar do direito hoje existente em Macau e da sua radicação linguística para pôr de pé formas de comunicação e cooperação mais amplas do que as que têm sido praticadas.
Macau tem hoje, deste ponto de vista, o interesse estratégico de ser a fronteira oriental do direito de expressão portuguesa e a fronteira chinesa do direito continental europeu. Se políticas apropriadas o viabilizarem, o direito de Macau poderá constituir, pelo próximo século dentro, um local de encontro e de diálogo entre diversas culturas jurídicas. Primeira nação europeia a demandar aquela região do mundo, a última também, por acordo, a deixar de exercer aí responsabilidades administrativas, Portugal tem a oportunidade, que a Declaração Conjunta lhe confere, de ficar duradouramente associado a esse encontro e a esse diálogo.
Do tribunal que, realisticamente, hoje e para uma primeira fase redimensionamos espera-se um contributo decisivo para a criação de uma jurisprudência localizada, sem a qual não se poderá falar da autonomia jurídica e judiciária para que aponta a Declaração Conjunta. Importa que lhe sejam proporcionados os meios para que essa contribuição fundamental possa ser dada em tempo útil.
Lord Bryce dizia que o direito é uma planta tenaz e mesmo mais difícil de extirpar do que a língua. Comprovam-no diversos estudos, respeitantes às experiências espanhola, holandesa, portuguesa e inglesa em meio asiático.
Tendo em conta essas experiências, seria incompreensível que a área do direito não fosse incluída entre os domínios estratégicos de actuação da administração portuguesa no período que restará a seu cargo.
Seria também incompreensível que Portugal não se apercebesse do valor de Macau para o desenvolvimento de uma vertente da sua política externa que tirasse partido dessa outra projecção exterior de Portugal que, para lá da língua, é o direito da raíz portuguesa.
Na Ásia, na África e na América existem espaços jurídicos de expressão portuguesa e espaços onde ainda se aplica direito de origem portuguesa, cujas inter-relações devem ser valorizadas através do estabelecimento de formas adequadas de cooperação e intercâmbio. Aí, onde tem pesado a omissão, fica agora aqui formulado um desafio: que a política do Estado Português, externa e de justiça, passe a reconhecer e potenciar esta projecção de Portugal para lá de si que o Direito pode constituir.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O voto do PS é que este reajustamento que hoje operamos constitua um pretexto mais para reforçar a consciência de que é urgente valorizar Macau e a experiência de autonomização jurídica que nele se vive, no quadro político português, e sobretudo no quadro da agenda nacional para os próximos anos.
Um antigo presidente do Supremo Tribunal da Malásia escreve que «só os Britânicos aí deixaram o seu direito porque os Portugueses estavam mais interessados na religião e no negócio do que em qualquer outra coisa». Importa que isto não possa ser amanhã dito a propósito de Macau.
Consciente das responsabilidades nacionais nesta matéria, o PS toma hoje mesmo a iniciativa de apresentar um projecto de deliberação para que se proceda a uma avaliação do estado e problemas do processo de localização legislativa e judiciária em Macau e ainda do processo de aprovação da lei básica da futura região administrativa especial, prestes a ser concluído, e das perspectivas que deles decorrem.
Depois de Malaca, Goa e Timor, está nas nossas mãos uma oportunidade diferente. Saibamos compreendê-la, tenhamos a ambição de estar à sua altura.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Queremos simplesmente referir que, embora possa ser de estranhar que se peça a redução de um quadro de juizes, em particular quando pensamos na situação dos tribunais portugueses, o presente caso é, obviamente, especial, um caso em que o Governo pondera, do nosso ponto de vista com inteira razão, sobre a racionalidade de um quadro mais vasto que foi pensado para outro tempo, para um tempo futuro que ainda não se atingiu. No quadro da racionalização dos recursos, nomeadamente neste caso dos magistrados, é conveniente, de facto, diminuí-lo.
De resto, para nós, se existissem dúvidas, elas estariam completamente dissipadas pelo parecer do Conselho Superior de Justiça de Macau. É, aliás, o próprio Conselho Superior de Justiça de Macau que reconhece a justeza desta modificação legislativa. Por isso, o CDS votará, com tranquilidade, a favor dela.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Foram já sobejamente apresentadas à Câmara as razões da

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proposta de lei n.º 43/VI, que, aditando uma disposição transitória à Lei n.º 112/91, pretende, tão-só, alterar a composição do Tribunal Superior de Justiça de Macau, reduzindo dois magistrados.
Justifica-a razão meramente técnica, qual seja o reduzido movimento processual daquele Tribunal nesta sua fase de arranque. Sustenta-a o princípio da boa gestão dos recursos públicos.
O objecto da proposta afigura-se, deste modo, oportuno e adequado. A sua pequena dimensão face ao acervo de temas que a Assembleia da República tem enfrentado no caminho para a autonomia de Macau não exclui a oportunidade de convocar neste momento para a reflexão política aspectos essenciais do processo.
Referimos, em primeiro lugar, a questão da localização do direito. Por ela se tem entendido a adaptação das leis às concretas relações económicas, sociais e culturais de Macau e às perspectivas de transição político-administrativas vertidas na Declaração Conjunta Luso-Chinesa. Implica a localização que em Macau se seleccionem e designem os juizes e também que se aprove em Macau matéria jurídica relevante para o território. A forte dependência externa que ainda se verifica e à qual a doutrina vem dando sobeja atenção, tem estado na origem de problemas vastos e não resolvidos. Daí que o fomento do multilinguismo, da harmonização legislativa, do trabalho de tradução e do intercâmbio académico com o território de Macau se imponha com força crescente.
Referimos, em segundo lugar, a questão da autonomia judiciária. É pensamento recorrente que a Constituição da República Portuguesa não se aplica qua tale a Macau, território não integrado no Estado Português. Mas entende-se igualmente que a comunidade jurídica de Macau participa da ordem jurídica portuguesa. E é por imperativo de coerência que os princípios jurídicos que a estruturam, máximo os direitos e liberdades fundamentais, não podem deixar de ali valer.
Em matéria de administração da justiça, os princípios constitucionais relativos à organização dos tribunais e ao estatuto dos magistrados entendem-se não aplicáveis - assim o vêm sendo por largo sector da doutrina, com o orgulho da nossa magistratura, referindo o pensamento do conselheiro Cunha Rodrigues-, salvo no que diz respeito a standards exigidos pelos referidos direitos, liberdades e garantias. Entre eles avulta, nesta sede, o princípio da independência dos tribunais, que em nenhuma circunstância, em nenhuma fase do caminho para a autonomia e até depois do conseguimento dela poderá ser postergado. A vitalidade e a auto-suficiência judicial de Macau terão de articular-se com estes princípios, pois a ideia de jurisdição comunga da ideia de direito e de Estado de direito de uma forma plena.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nenhuma questão relativa a um estatuto judiciário é impune. Por isso, seguramente nenhuma destas questões é uma questão menor.
O poder judicial é cada vez mais - todos estaremos de acordo - a contra-imagem do «poder de algum modo nulo», de que falavam os clássicos da teoria da separação dos poderes, com Montesquieu e depois dele. À lei, por um lado, vem-se reconhecendo cada vez mais o carácter de instrumento política À lei, por outro lado, vem-se reconhecendo cada vez mais a essência de forma típica de intervenção política. Por uso, as ideias de controlo, fiscalização e coordenação jurisdicional tornaram-se o centro de gravidade do princípio da separação dos poderes.
O Estado de direito é assim, em crescendo, não apenas um Estado de legiferação democrática, mas um Estado de jurisdição da legalidade e da constitucionalidade. O juiz e o legislador não podem hoje projectar a sociedade como uma abstracção. A sua actuação não é neutra nem fungível, nem concebe os meios como autónomos face aos fins. É uma actuação imersa em contextos e profundamente comprometida- localizadamente comprometida (seja-me permitida a expressão) no que a Macau concerne.
Por isso, diríamos, a concluir, que, a par da responsabilidade legislativa que a esta Câmara continua a cumprir, no vaivém em que estamos imergidos para a autonomia de Macau, acresce agora um acicate novo, a que saberemos ou não dar resposta consoante o engenho, a imaginação e o sentido de responsabilidade, que pela parte do meu partido aqui assumo e estamos empenhados em cumprir. Trata-se do acicate da concatenação ideológica, social e cultural relativamente a um território a que nos unem afinidades maiores e compromissos de natureza principiológica e democrática, que em nenhuma circunstancia deixaremos de honrar.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Não havendo mais inscrições, dou por concluído o debate da proposta de lei n.º 43/VI.
Srs. Deputados, apesar de ainda não serem 18 horas e 30 minutos, pergunto se não haverá consenso no sentido de se proceder, de imediato, à votação do texto alternativo à proposta de lei n.º 43/VI, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que será publicado no Boletim Oficial de Macau.
Srs. Deputados, como não há inscrições, vamos proceder à sua votação conjunta, na generalidade, na especialidade e final global.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

É o seguinte:

Artigo único. É aditado um novo artigo à Lei n.º 112/91, de 29 de Agosto, com a seguinte redacção:

Artigo 40.º

Composição transitória do Tribunal Superior de Justiça

1 - Até ser decretada a plenitude e exclusividade de jurisdição dos tribunais de Macau, nos termos previstos no artigo 75.º do Estatuto Orgânico de Macau, o Tribunal Superior de Justiça de Macau é constituído pelo presidente e por quatro juizes.
2 - Durante o período previsto no número anterior, o plenário do Tribunal Superior de Justiça não pode funcionar com menos de quatro juizes, funcionando cada uma das secções com três juízes.

Srs. Deputados, passamos à discussão do projecto de lei n.º 79/VI, da iniciativa do PCP, que tem por objecto assegurar a participação dos trabalhadores rurais e dos agricultores na definição da política agrícola.

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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei do Grupo Parlamentar do PCP que vamos debater tem plena actualidade e mergulha a sua razão de ser na necessidade de dar corpo ao normativo constitucional, onde se consigna que «na definição da política agrícola é assegurada a participação dos trabalhadores rurais e dos agricultores através das suas organizações representativas».
Á não regulamentação deste princípio tem permitido que a representação sócio-profissional dos agricultores no nosso país, no plano institucional, esteja entregue exclusivamente ou quase exclusivamente a uma única confederação, a CAP, quando é do conhecimento público a existência de outras confederações, tanto no plano sócio-profissional - a Confederação Nacional de Agricultura- como no plano da representação dos interesses económicos do sector cooperativo - a CONFAGRI.
Isto mesmo esteve presente na constituição recente do Conselho Económico e Social com a entrega de uma dupla representação sócio-profissional da lavoura à CAP, cuja presença, aliás, estava já garantida por via da Comissão de Concertação Social, discriminando e não incluindo a outra Confederação existente.
O Governo afirma defender o pluralismo na vida social e política mas consagra, contraditoriamente, o princípio da unicidade na representatividade da agricultura portuguesa. Ao fazê-lo o Governo reduz, inclusivamente, a sua própria capacidade negocial, ficando dependente das estratégias de um único parceiro, a CAP, cuja representatividade, além do mais, se reduz hoje quase ao universo dos grandes proprietários - e não todos - do Alentejo e Ribatejo e aos negociantes intermediários do sector. É a CAP que se arroga o intolerável direito de determinar quem deve ser aceite ou não como organização representativa, marginalizando-se assim, sobretudo, a agricultura familiar, os milhares de pequenas e médias explorações que nada têm a ver com aquela Confederação.
Esta exclusividade atribuída a uma única estrutura não encontra paralelo em qualquer outro sector da vida portuguesa e tem permitido os maiores escândalos em matéria de privilégios e tráfico de influências.
À CAP foi atribuído, recentemente, por despacho do Sr. Ministro do Emprego, o exclusivo de gerir uma linha de crédito, sem juros, de 150 000 contos para apoio às estruturas associativas de agricultores nas despesas de aquisição de material para a formação profissional. Quaisquer que sejam as organizações que se candidatem - pertençam ou não à CAP -, são obrigadas a entregar ha sede desta os processos de candidaturas. É a CAP que as aprecia, dá parecer e propõe a decisão de financiamento ao Instituto do Emprego (BEFP), e - pasme-se - o despacho atribui à mesma CAP a fiscalização desse mesmo investimento.
À CAP estão a ser entregues várias infra-estruturas do Estado afectas à agricultura como, por exemplo, o Parque de Recolha e Leilão de Gado de Palmeia, várias infra-estruturas da EPAC, edifícios públicos e centros de formação profissional.
No processo em curso de reestruturação do Ministério da Agricultura prepara-se a entrega à CAP - ou a associações desta com grupos multinacionais - de importantes instrumentos e estruturas do Estado. Para a CAP a entrega é feita a título gratuito mas para outras organizações, como acontece agora com a privatização dos matadouros, a sua participação no respectivo capital social tem de ser pago e bem.
À CAP terão sido entregues mais de 300 000 contos do PROAGRI para a construção da sua futura sede em detrimento de outras estruturas; à CAP é entregue o exclusivo da representação sócio-profissional da lavoura, tanto no já referido CÊS como no Conselho Económico e Social da CEE, no Conselho Consultivo do PROAGRI, no Conselho Consultivo do Leite e Lacticínios, no Conselho Nacional de Caça e em inúmeras outras instituições e iniciativas do Estado.
O Ministro da Agricultura e o Primeiro-Ministro recusam-se a falar com outra organização que não seja a CAP. Só para dar um exemplo recente: no polémico e escandaloso processo de privatizações dos matadouros, que envolve um negócio de milhões de contos, afastam-se não só a outra confederação como as inúmeras associações de comerciantes de carnes - que no passado domingo, aliás, se reuniram em Lisboa numa acção de reflexão e protesto - para se privilegiar mais uma vez a CAP.
A CAP e a ACEL concluíam-se para controlar ilegitimamente a produção de eucalipto: a ACEL paga à CAP 50$ por cada estere de eucalipto entrado nas fábricas e esta Confederação, em contrapartida, guarda silêncio sobre a expansão das celuloses e permite que a ACEL baixe o preço de compra aos produtores florestais. Centenas de funcionários do MAP trabalham para ou nas instalações da CAP.
A CAP funciona assim como um lobby de interesses próprios, mais do que como uma verdadeira estrutura representativa do sector.
Srs. Deputados, o Governo, por decisão política unilateral, nomeia uma organização da lavoura como exclusiva representante do sector funcionando como uma extensão do aparelho de Estado. O que o Governo pretende é conceder artificialmente a uma organização uma representatividade que esta não conseguiu alcançar pela via do associativismo.
A razão é clara: quando a agricultura está reconhecidamente em crise, quando os agricultores vêem diminuído, ano após ano, os seus rendimentos- recordamos que os preços no produtor caíram 30% em termos reais nos últimos seis anos -, quando o mercado nacional é invadido sistematicamente por produções comunitárias e de países terceiros, provocando um agravamento do défice agro-alimentar, quando o Governo é incapaz de apontar uma perspectiva estratégica e um quadro orientador para a nossa agricultura, quando não são promovidas as nossas vantagens comparativas, quando os interesses nacionais não são defendidos, quando acontece isto tudo, o Governo necessita de organizações dóceis que troquem o seu reino a troco de um prato de lentilhas, que possam servir de almofada à sua política e que misturem em dose sábia uma pretensa oposição à política agrícola em certas questões pontuais e menores e uma convergência estratégica no essencial, criando falsas expectativas e tentando, assim, impedir o desenvolvimento da luta dos agricultores.
Para o Governo esta é a função da CAP! Para a CAP e os seus dirigentes isto permite-lhes usufruir de privilégios e exclusivos que nada têm a ver com a sua representatividade.
O nosso projecto de lei destina-se, exactamente, a definir um quadro legal que termine com as exclusões de uns à custa dos privilégios de outros e que permita que a agricultura portuguesa tenha a representatividade plural que emana das organizações existentes.

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Aberto à sua melhoria em sede de especialidade, nele se define que todas as organizações representativas dos agricultores e dos trabalhadores rurais, de âmbito confederai ou federal, constituídas nos termos do Código Cooperativo, do direito de associação e da legislação que regula as associações sindicais, têm o direito de participar na definição da política agrícola através, designadamente, da sua presença em órgãos e organismos públicos, nas estruturas ou delegações nacionais no exterior, na elaboração de legislação que defina as orientações gerais para o sector e nos planos de desenvolvimento agrário.
Todas as organizações constituídas nos termos atras apontados devem ser chamadas, sem excepção, a participarem na definição da política agrícola e nos órgãos criados para o sector, tanto no plano nacional como comunitário. Aliás, o nosso edifício jurídico, nesta matéria, tem um valioso precedente: a Lei n.º 16/79, que regula a participação das organizações de trabalhadores na elaboração de legislação de trabalho.
Em países da Comunidade, como a Itália, todas as confederações agrícolas tem presença institucional, tanto interna como externamente. E tempo de, no nosso país, terminar com a marginalização de organizações representativas do sector por ultrapassadas concepções maniqueístas incompatíveis com o regime democrático e com a verdadeira e plural representatividade das organizações excluídas que expressam, sobretudo, o sentimento da pequena e média agricultura familiar, que constituem - lembramos - 96% das explorações agrícolas do País e contribuem com mais de 65% do valor acrescentado bruto agrícola.
Quando o MAP tanto defende a descentralização de muitas das suas funções para os agricultores e as suas organizações, 6 a altura de regulamentar com objectividade a participação das organizações do sector para que essa descentralização respeite o pluralismo de estruturas existentes e não se limite exclusivamente, de novo, a uma única confederação.
Esperamos que, finalmente, o PSD seja sensível aos princípios democráticos e à necessidade de não haver no nosso país sectores sócio-profissionais excluídos por razões estranhas à sua representatividade. O nosso projecto de lei é claro e objectivo. Tem, pois, todas as condições para ser aprovado. Esperemos que o seja.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. Joio Macia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, muito brevemente, vou apenas tecer duas ou três considerações. Em primeiro lugar, para referir que o Sr. Deputado, na sua intervenção, não fez qualquer apresentação do projecto de lei do PCP, tendo preferido começar por fazer uma crítica acérrima à CAP. Naturalmente, não me compete estar aqui a defender a confederação - o que não farei-, mas não queria deixar de referir, para que constasse na acta, a preocupação que existe, claramente, da parte do Partido Comunista em relação a esta matéria.
É óbvio que assim é! O Sr. Deputado, com certeza, não esqueceu ainda que a CAP, em 1975, simbolizou a única organização de defesa dos agricultores no Alentejo e, uma vez que tem assumido grandes responsabilidades à frente da FENCA - uma outra federação, funcionando de forma diferente-, não quis deixar de aproveitar esta oportunidade para lhe dar aqui uma certa punhalada.
Sr. Deputado, como já lá vai o processo da reforma agrária, a FENCA encontra-se esvaziada de conteúdo e, por conseguinte, a primeira questão que lhe coloco é a seguinte: porquê agora? Qual a verdadeiro sentido de oportunidade que move a bancada do Partido Comunista a apresentar agora este projecto de lei? O que é que se modificou tanto, para além da dinâmica relacionada com o processo que advém da reforma da PAC?
Por outro lado, o Sr. Deputado também referiu que havia situações de parcialidade, sendo a CAP uma organização que, de facto, apenas representando alguns interesses, tinha um tratamento privilegiado por parte do Governo, nomeadamente pelo Ministério da Agricultura. A este propósito gostaria de lhe fazer uma pergunta: qual é a outra instituição ou organização representativa que o Sr. Deputado entende que também teria o direito de ser reconhecida da mesma forma, quer pelo Governo quer lá fora?
Naturalmente, o Governo reconhece a CAP e não reconhece outras organizações porque elas,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é que está mal!

O Orador: - ... de facto, não têm assento nas instâncias comunitárias nem em qualquer comité, como o Sr. Deputado sabe muito bem. Por conseguinte, qual é o critério que entende que deveria ser utilizado para que outras instituições também viessem a poder beneficiar do mesmo tratamento - de privilégio, como diz o Sr. Deputado - em Portugal, de forma a serem ouvidas em relação a esta matéria que, incontestavelmente, é da maior importância?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Maçãs, certamente não esteve atento à estrutura da minha intervenção. É que nela, para justificar exactamente o projecto de lei que apresentamos, começo por enquadrar a actual situação, em termos de representatividade - ou de ausência de representatividade -, dos diversos sectores da lavoura nos vários organismos que estão formados a nível nacional e comunitário.
Sr. Deputado, é evidente para toda a gente - mesmo para V. Ex.ª e para PSD- que essa representatividade plural não existe! Hoje existem, no terreno, no plano sócio-profissional, várias confederações...

O Sr. João Maçãs (PSD): - Quais?

O Orador: - Existem duas, Sr. Deputado: a Confederação de Agricultores de Portugal e a Confederação Nacional da Agricultura.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Quem a reconheceu?!

O Orador: - O que acontece, Sr. Deputado, é que o Governo, pelas razões que expliquei, exclui uma, privilegiando a outra! E fá-lo não só a nível da sua repre-

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sentação institucional como através da entrega, a essa Confederação, de infra-estruturas do Estado a título gratuito, como, aliás, acabei de referir.
A grande questão que o Sr. Deputado levanta -que, aliás, o Sr. Ministro também tem referido - é a de saber quem reconhece a outra confederação, pois não a encontramos nas instituições comunitárias. Relativamente a essa questão, diria que o Sr. Deputado começa pelo fim em vez de começar pelo princípio, pois o Governo faz depender o reconhecimento das organizações nacionais da sua presença nas instituições comunitárias, quando se deveria passar exactamente o contrário. Ou seja, a presença das organizações representativas dos vários sectores da actividade económica e social do nosso país nas instituições comunitárias deveria ser em função da representatividade que têm no País e não exactamente o inverso, como o Sr. Deputado defende.
Mas, Sr. Deputado, para além disso, quem propôs a CAP para o Conselho Económico e Social da CEE, como sabe, foi o Governo, uma vez que é ele, ao abrigo da constituição do Conselho Económico e Social, que propõe à Comunidade - à Comissão e ao Conselho das Comunidades - as organizações que nele devem ter assento. Foi precisamente o que aconteceu em 1986!
Portanto, Sr. Deputado, não pode fazer o mal e a caramunha!... Ou seja, por um lado, o Governo indica à Comunidade uma organização, que ele nomeia, para ser representativa e, por outro, diz aqui, em Portugal, que a outra Confederação não é reconhecida porque não tem representação comunitária! Esta questão não pode ser, obviamente, posta desta forma.
Para além disso, Sr. Deputado, se o Ministério da Agricultura a reconhece e lhe dá assento nos conselhos regionais agrários que estão formados, por que razão não o faz nos conselhos nacionais existentes ou nas instituições comunitárias? Então, reconhece-a para os conselhos regionais, mas já não para as outras estruturas e instituições existentes, Sr. Deputado?

O Sr. João Amaral (PCP): - Bem perguntado!

O Orador: - Como pode constatar, o seu argumento cai por base. O que está em causa não é nada disso!
Aliás, e a título de exemplo, em relação à outra Confederação - a CONFAGRI -, tem conhecimento da guerra que houve para a constituição do Conselho Económico e Social e sabe que, mesmo em relação à organização que representa os interesses económicos do sector cooperativo, a CAP proeurou impedir que ela tivesse alguma representatividade no Conselho Económico e Social, o que constituiu, em determinada altura, um dos motivos de crise com o Governo.
Mas, o problema em causa é outro, Sr. Deputado. É que, neste momento, o Governo está interessado em ter uma única estrutura com a qual negoceia os interesses da lavoura, concedendo-lhe privilégios e, em contrapartida, recebe o silêncio dessa Confederação em relação às malfeitorias e dificuldades que a agricultura e os agricultores portugueses passam.
Mas, Sr. Deputado, tal nada tem a ver com a representatividade plural das estruturas que existem no terreno. Para terminar, apenas gostaria de dizer que a nossa proposta de lei destina-se, exactamente, a procurar consagrar em texto legal esse princípio constitucional e a permitir que todas as organizações, em pé de igualdade, tenham assento nos fóruns, sem exclusão de qualquer uma.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A participação dos trabalhadores rurais e dos agricultores na definição da política agrícola, ou seja, a sua consideração como agentes e não como meros objectos do processo de desenvolvimento que lhes diz respeito, mais do que um preceito constitucional, que continua por cumprir e até a ser desvirtuado, deveria ser uma atitude permanentemente cultivada por qualquer governo que tivesse um mínimo de sensibilidade social e democrática.
Que o PSD e o seu governo a não têm não é novidade para ninguém! O clamor que, com intensidade crescente, emana dos mais diversos sectores da sociedade portuguesa comprovam-no claramente, sendo o tristemente célebre e chocante episódio dos desalojados de Camarate o testemunho que melhor exemplifica esta afirmação.

Vozes do PSD: - Ah!...

O Sr. João Maçãs (PSD): - Isso é política agrícola?!...

O Orador: - No que ao sector agrícola diz respeito, os factos mais recentes que vieram a lume na comunicação social, como sejam a situação dramática vivida pelos citricultores do Ribatejo, pelos produtores de batata de Trás-os-Montes ou pelos viticultores do Douro, constituem, infelizmente, outros exemplos da outra face do «País de sucesso» e do «oásis», insistentemente proclamados pelo PSD, na Assembleia da República e fora dela.
E, nesta matéria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PSD e o seu governo não têm qualquer alibi.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que não é possível ocultar a ninguém que o PSD vai no oitavo ano de governo da sua exclusiva responsabilidade, e, no que concerne à definição e execução da política agrícola e à gestão do Ministério da Agricultura, no décimo terceiro.
Beneficiou do maior volume de meios financeiros para o sector agrícola de que há memória e que, há uma década, ninguém ousaria vaticinar.
Deu-se ao luxo de apresentar, como um dos maiores símbolos da sua eficácia, a reforma da política agrícola comum, erigida em feito nacional, só equiparável à epopeia dos descobrimentos.
Esqueceu-se, porém, que, ao fazê-lo, lesou o interesse nacional, comprometeu o futuro de milhares de portugueses e deu início a um processo de recessão, cujas consequências não são ainda totalmente conhecidas.
Ignorou que a agricultura e o mundo rural têm ainda um peso significativo na sociedade e na economia portuguesas e que, em alguns casos, é o sector agrícola o único responsável, directa e indirectamente, pela fixação das populações em vastas zonas do interior do País. Não obstante, continuam a desertificar-se, como é o caso do Alentejo, cuja situação de autêntico escândalo nacional fez levantar recentemente a voz, de forma desassombrada, da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Évora.
Os exemplos citados dos citricultores são eloquentemente demonstrativos das afirmações que produzi.

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Por que razão outras produções frutícolas típicas de outros países europeus estão incluídas na Organização Comum de Mercado das Frutas e Legumes, abrangidas pelo mecanismo da «retirada», e a laranja não? Pela simples razão de que o Governo não foi capaz de defender, em sede comunitária, interesses específicos da agricultura portuguesa.
Porque a situação é de verdadeiro dramatismo para estes produtores, exijo, em nome da minha bancada, que seja urgentemente requerida a inclusão da laranja nesta Organização Comum de Mercado para que os citricultores vejam, no mínimo, por esta via, suavizados os enormes prejuízos com que estão confrontados.
Quanto à também dramática situação dos produtores de batata de Trás-os-Montes, já que não existe OCM e, ao que consta, o governo do PSD nada fez para que existisse, por que razão não é promovida de imediato uma intervenção? Os Espanhóis estão a fazê-la! A intervenção pode e deve ser feita e o PS exige-a.
E que dizer do facto de o responsável máximo do organismo, a quem cabe verificar a aplicação dos fundos comunitários agrícolas, cujo montante ascende a 900 milhões de contos, se permitir afirmar publicamente, com total à-vontade e sem quaisquer consequências, que «podíamos, evidentemente, ter aplicado melhor esses fundos» e que «quase nada mudou na agricultura portuguesa com os milhões da Comunidade»?
Estou certo de que, em qualquer outra democracia europeia, sendo verdadeira a afirmação, o Ministro já não o seria, e, sendo falsa, ao seu autor não poderia deixar de suceder-lhe o mesmo que, por menos dinheiro e, porventura, melhor aplicado, sucedeu ao gestor da televisão, que animou mais um dos folhetins com que o governo do PSD nos brindou na passada semana.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por tudo isto, é imperioso que a participação dos destinatários da política agrícola seja assegurada de forma plural e eficaz. Neste ponto reside uma das maiores insuficiências do projecto de lei em apreço.
É que, sendo complexo, multifacetado e de grande debilidade organizativa o movimento associativo português dos agricultores e trabalhadores rurais, a definição da representatividade carece de exaustiva-ponderação, tal como a merecem outros aspectos do projecto de lei n.º 79/VI, como sejam, a título de exemplo, as matérias constantes dos artigos 3.º e 5.º, respectivamente a questão dos níveis de participação, que, do nosso ponto de vista, poderiam ser mais amplos, bem como a exclusão dos agricultores da participação na elaboração da legislação, com a qual discordamos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exclusão?!...

O Orador: - Está no artigo 5.º! São excluídos os agricultores da participação na legislação!
A questão do conhecimento, em termos idóneos, da real representatividade do universo associativo é fundamental, porquanto não é conhecido, nem no Ministério da Agricultura nem fora dele, qualquer estudo sobre a matéria. Recorde-se que existe mais de uma dezena de modalidades associativas, algumas das quais sem qualquer expressão, para além do 1.º grau.
O Governo não ignora este facto e, inclusivamente, assumiu, embora tarde, é certo, mas assumiu, que esta questão constitui um dos maiores se não o maior problema estrutural ao desenvolvimento do sector, ao instituir, no Âmbito do PEDAP, uma proposta para, alegadamente, tentar superá-lo.
Infelizmente, também neste domínio, os resultados são desastrosos. Decorridos três anos de execução, o último dos quais sem qualquer expressão, não são visíveis quaisquer efeitos positivos no movimento associativo, antes pelo contrário.
Perante tudo o que acaba de ser dito acresce o total desrespeito pela legislação em vigor referente à participação dos agricultores e trabalhadores rurais, já que, desde 1986, estão legalmente previstos, no âmbito do Ministério da Agricultura, órgãos consultivos plurais, como sejam o Conselho Nacional Agrário e os conselhos regionais de agricultura; o primeiro nunca reuniu e aos segundos, pelo menos em algumas regiões agrárias, sucedeu o mesmo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O quadro descrito e a prática política que do mesmo tem decorrido merecem que este assunto, pela relevância que encerra, seja profunda e exaustivamente debatido.
O projecto de lei em discussão pode ser melhorado e completado em sede de comissão, razão pela qual não inviabilizaremos tal desiderato.

Aplausos do PS.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra para o efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, uma vez que o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos referiu um aspecto relacionado com o artigo 5.º do nosso projecto, quero dizer que, efectivamente, nele não se encontra a expressão «agricultores». Trata-se de um mero lapso dactilográfico, como se infere pela leitura do texto, que rectificaremos imediatamente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, muito rapidamente, porque o tempo é pouco, chamo-lhe a atenção para a afirmação que fez, no sentido de o Governo não ter o mínimo de sensibilidade social e democrática porque tinha um critério de exclusividade de representação do sector agrícola a nível das instâncias nacionais e comunitárias.
Quero afirmar que não é verdade, pois foi o ex-Primeiro-Ministro Mário Soares, pelo Decreto-Lei n.º 74/84, que estipulou a exclusividade de representação do sector agrícola no Conselho Permanente de Concertação Social e que credenciou a CAP para os vários comités em Bruxelas.
Este governo manteve esse critério de representação sócio-profissional, mas proeurou ser mais abrangente, promovendo a inclusão da CONFAGRI, como representante das cooperativas agrícolas, no actual Conselho Económico e Social, bem como a Associação dos Jovens Agricultores de Portugal.

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Portanto, se algum governo não teve um mínimo de sensibilidade social e democrática foi, certamente, aquele que foi liderado pelo Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Quem era o ministro da Agricultura nessa altura?!...

O Sr. Rui Carp (PSD): - E quem era o Primeiro-Ministro?!...

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Duarte, o que está em causa é se, face ao momento que vivemos, que é de uma profunda e radical alteração da situação, porventura, a maior que a nossa história conheceu em termos de sector agrícola, o Governo entende que deve praticar, como pratica, a unicidade relativamente aos seus interlocutores ou se reconhece, como reconheceu ao tentar instituir o PROAGRI, que a diversidade e a multipolaridade do sector agrícola é de tal modo importante que justifica a participação da maioria daqueles que são ou poderão ser os agentes do seu próprio desenvolvimento.
O Sr. Deputado sabe que, para além da modalidade associativa das associações filiadas na CAP, existem cerca de dez outras modalidades associativas - e nem VV. Ex.ªs, nem o Governo sabem quais são - que, nos últimos anos, agregaram à sua volta milhares e milhares de agricultores com interesses completamente diversificados e estão absolutamente marginalizadas.
Antes de estimular a participação no plano institucional, era obrigação do Governo, ao reconhecer que um dos estrangulamentos estruturais mais graves é a debilidade do movimento associativo, como reconheceu, ter feito algo para alterar tal situação. Nesses termos, a partir do momento da sua vitalização, poderia quantificar a representatividade e eleger aqueles que representam a agricultura portuguesa, por forma que, conjuntamente com o Governo, com a oposição e com todas as forças interessadas no processo deste país, fosse possível ultrapassar o grande desafio que se nos depara e que, a ser conduzido como está a ser, levará à ruína um importante sector da economia nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. João Maçãs (PSD): - O que é que isso tem a ver com o projecto de lei?!...

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cunha.

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero pedir a V. Ex.ª que releve o facto de não me deslocar à tribuna para fazer esta intervenção, mas ela vai ser tão curta em tempo e tão pobre em matéria e substância que não tem a dignidade necessária para tal lugar.
Supunha que vinha, aqui, ouvir e participar na discussão de um projecto de lei. Felizmente, não tenho o discurso escrito, caso contrário, estaria embaraçado, porque ouvi falar de várias coisas, mas não ouvi quase nada acerca do projecto de lei do Partido Comunista Português, o projecto de lei n.º 79/VI.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho fez uma alusão de passagem ao dito projecto e, dizendo que havia uma unicidade de representação dos agricultores - a CAP -, passou, depois, a desancar nesta, da maneira que todos ouvimos. Mas registei, efectivamente, esse facto.
Em relação ao Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, fiquei também muito surpreendido, porque ouvi-o falar acerca dos desalojados de Camarate, dos comentários do Sr. Ministro e só depois o ouvi falar do tal desrespeito pela legislação em vigor.
Ora bem, vejamos, então, qual é a legislação em vigor. Como já aqui foi referido, por um decreto-lei de 1984...

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Mas o Conselho Nacional Agrário só existe desde 1986!

O Orador: - Perdão, mas dá-me licença que continue,. Sr. Deputado? O Decreto-Lei n.º 74/84, que já aqui foi referido, criou, como sabe, o Conselho Permanente de Concertação Social e aí definiu quem são os parceiros sociais. Posteriormente, este governo constituiu um Conselho Económico e Social, que seguiu esse mesmo critério, melhorando-o. Melhorando-o, não tenha dúvidas nenhumas, Sr. Deputado!
Portanto, não vejo a razão pela qual se diz, agora, que há um desrespeito pelo cumprimento da lei. A lei está escrita; essa matéria consta de diplomas.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Não foi nessa lei que falei, Sr. Deputado!

O Orador: - Já lá vamos, Sr. Deputado. Dir-se-á, como afirmou o Sr. Deputado Lino de Carvalho - e creio que com alguma ligeireza que não lhe é habitual -, que se tem de cumprir agora o artigo 101." da Constituição. Mas, então, ele não tem sido cumprido? Não existem estas regras legais na área da agricultura que regulamentam a intervenção e a actividade, quer dos trabalhadores rurais, quer dos agricultores? O Governo tem cumprido, de acordo com os instrumentos legais de que dispõe.
E por aqui me fico quanto à exposição dos motivos em que se procura fundamentar o projecto de lei. Analisemos, agora, o próprio articulado.
Em relação ao artigo 1.º, desde já lhe digo- é uma opinião pessoal - que não concordo muito com a indicação exaustiva na lei de determinados conceitos. E não concordo porque, por mais cuidadoso que se seja, algum fica de fora ou algum lá está a mais. Creio que os objectivos da política agrícola, a que se refere o artigo 101.º da Constituição, estão devidamente enunciados no artigo 96.º da mesma lei, que V. Ex.ª também conhece. Esta é a primeira crítica que faço ao articulado do projecto.
Segunda crítica: pode compadecer-se com a vida real, com a operacionalidade de um executivo ou mesmo de uma câmara, como a Assembleia da República, que é o órgão legislativo por excelência, a circunstância de se referir que todos os depoimentos, declarações, pareceres e tudo o que for carreado por essas instituições, em relação a esse projecto, constem do preâmbulo da própria lei? Isto fere as mais elementares regras da boa construção das leis.

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Coloco-lhe ainda outra questão; como é possível, sem burocratizar de mais, fazer leis com a publicidade que VV. Ex.ªs pretendem, em que as separatas são editadas por este e por aquele, espalhadas, publicitadas? As pessoas que querem saber dos assuntos informam-se.
Sr. Depondo Lino d» Carvalho, não se sorria,.. Quer ver a contraprova deste facto, que é, altamente burocratizante, no projecto de lei que apresentam? Repara que os senhores querem que a lei entre em vigor no dia imediato ao da sua, publicação.
Os senhores nem sequer prevêem um período de vacatio mais alargado. Paia preparar a lei, os senhoras utilizam todos os prazos legais, seja para notificações, para publicações ou para a publicação de separatas, mas, depois, querem que a lei entre em vigor no dia imediato ao da sua publicação. Se o legislador prevê normalmente um período de vacatio lagis para que as pessoas se apercebam do conteúdo da lei, para que tenham consciência dela - pois é um princípio geral do direito que a ignorância da lei não aproveita a ninguém -, e se VV. Ex.ªs reduzem este prazo, o que só se deve fazer em condições excepcionais, estão, sem dúvida, a coarctar uma publicidade da lei que é mais necessária do que aquela que pretendem para a elaboração do projecto.
Não é esse o seu entendimento? A lei é que terá de ser obrigatoriamente do conhecimento de todos os que terão de actuar à luz dessa lei.
Devido à existência de regulamentação legal, este diploma é desnecessário. Existe legislação que tem sido cumprida.
Por outro lado, na minha óptica, este projecto de lei é defeituoso na sua elaboração.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, inscreveu-se para que efeito?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para esse efeito, tem a palavra.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Armando Cunha, V. Ex.ª, na sequência do que tinha dito o Sr. Deputado João Maçãs, acusou-nos de não apresentarmos o projecto de lei, mas sim de nos limitarmos a atacar uma determinada confederação de agricultores. Não é verdade e o Sr. Deputado sabe-o. A nossa intervenção tem uma explicação suficientemente desenvolvida, como teve oportunidade de ouvir, sobre os aspectos centrais do nosso projecto de lei, que, aliás, é pequeno, pelo que não foi necessário esgotar todo o tempo na sua apresentação. O que referi, e bem,...

Vozes do PSD: - Bem, diz V. Ex.ª!

O Orador: -... foi que procurei definir com .precisão o que se passa, boje, em matéria de representatividade da agricultura portuguesa, para justificar a necessidade de um projecto de lei que regulamente o artigo 101.º da Constituição.
O Sr. Deputado, por sua vez, vem fazer duas afirmações: primeiro, que isso já está feito desde 1984, Sr. Deputado, mostre-me qual é a legislação que, em matéria específica de política agrícola, não em matéria de concertação social - que nada tem a ver com isto -, define a representação das organizações do sector.
Depois, o Sr. Deputado disse não haver razão para que o Governo aprove legislação, permitindo que, na Conselho Económico e Social, por «templo, se encontrem entidades que não estão no Conselho Permanente de Concertação Social.
Sr. Deputado, coloco-lhe a seguinte questão: mesmo partindo do princípio que a constituição da original comissão para a concertação social estava correcta e exacta, quer, então, dizer que, tios anos seguintes, se aparecerem outras estruturas, outras organizações com igual ou maior representatividade, jamais poderão ascender a qualquer presença em órgãos institucionais, porque o legislador estaria agarrado ao Governo, a uma legislação feita 10 anos antes, sem ter em conta a evolução da sociedade?
Não, Sr. Deputado! Dar-me-á razão, com certeza, e estará de acordo que o Conselho Económico e Social, formado muitos anos depois da comissão de concertação social, naturalmente, terá de ter em conta a evolução que, entretanto, a vida teve, bem como as organizações que apareceram e a representatividade que cada uma assumiu na vida social e económica, para poderem ter direito a uma representatividade plural.
Por outro lado, o Sr. Deputado acusou o nosso projecto de lei de ser burocrático, porque obrigava à publicação em separata das iniciativas legislativas. É isso, certamente, que manda a Constituição e que se passa hoje. Então, V. Ex.ª não conhece a Lei n.º 16/79, que regula a participação dos trabalhadores na elaboração da legislação de trabalho? Toda a legislação é publicada em separata para os trabalhadores e as organizações poderem pronunciar-se e enviar as suas posições para a Assembleia da República ou para o Governo. E não sabe que é obrigatório, de acordo com a legislação, que essas posições venham depois relatadas, em relatório ou no preâmbulo da lei?
Sr. Deputado, nesta matéria, não inovámos, limitámo-nos a reproduzir, aqui, uma lei que está em vigor. Portanto, a sua argumentação não tem qualquer peso. O Sr. Deputado reconhece, com certeza, que é necessário criar uma legislação, não que esteja contra qualquer confederação, mas sim que assegure um quadro legal, objectivo e claro, que permita uma representatividade plural das organizações existentes sem estar na base do poder discricionário e da decisão política discricionária do Governo, em função das suas conveniências políticas em cada momento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, a Mesa qualifica a intervenção do Sr. Deputado como um pedido de esclarecimento. Em casos semelhantes é preferível pedir à Mesa mais uns minutos, e a Mesa terá todo o gosto em proporcionar o debate, porque a Assembleia vive fundamentalmente do debate e é importante que ele exista.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Mamei Maia): - Sr. Deputado Armando Cunha, havendo outros oradores inscritos para pedirem esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

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1294 I SÉRIE - NÚMERO 35

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente, pela benevolência de me conceder o uso da palavra. Procurarei ser o mais breve possível.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, púnhamos o dedo na ferida: o senhor pretende que, através deste documento, a CNA intervenha tanto nas instâncias nacionais como, e sobretudo, nas instâncias comunitárias.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Se o Sr. Presidente der licença que eu disponha do tempo que, generosamente, me concedeu, faça favor.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Com certeza.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado, não vale a pena estarmos a personalizar, porque as leis não são personalizáveis.
Existem confederações e o que pretendemos é que se crie um quadro legal, objectivo e claro que consagre a representatividade plural das organizações, independentemente do poder discricionário que o Governo utiliza.

O Orador: - Sr. Deputado, então se as confederações são, em relação aos agricultores, a CAP e a CNA, que, segundo parece, está assente...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Poderão existir outras amanhã!

O Orador: - Perdão, deixe-me concluir o raciocínio, que já é um pouco trôpego. A senectude não perdoa!...

Vozes do PS: - Ó diabo!...

O Orador: - Repare, Sr. Deputado, como é que depois a CNA, não sendo reconhecida internacionalmente, podia participar, como consta do vosso projecto de lei, nas instâncias comunitárias?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Está mal informado!

O Orador: - Perdão, é o que consta do projecto! Eu não quero abusar do tempo que, generosamente, me foi concedido pelo Sr. Presidente, mas estou disposto a discutir consigo largamente estes assuntos, como, aliás, V. Ex.ª sabe, pois já nos conhecemos há muitos anos, de longas e tardias discussões relativas à agricultura, sobretudo à reforma agrária. E, creia, tenho saudades desse tempo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Maninho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Armando Cunha, V. Ex.ª terminou a sua intervenção dizendo que existe legislação adequada, pelo que não será necessário aprovar este projecto de lei para que essa legislação exista no nosso espectro legislativo.
Bom, sendo assim, a conclusão que tiramos é que a legislação não é aplicada devidamente e, talvez, o Sr. Deputado me dê razão se eu lhe disser que não é, na verdade, facultada aos agricultores a participação na definição da política agrícola.
Ora, amanhã o País irá, muito provavelmente, ficar, mais uma vez, estupefacto quando os agricultores do Alto Tâmega marcharem sobre a fronteira de Vila Verde da Raia por a batata que produziram estar nos armazéns e por Portugal estar a importar a batata espanhola a um preço que, porventura, ultrapassa a legislação comunitária. E digo que o seu preço ultrapassa a legislação comunitária porque é objecto de subvenção em Espanha, tornando-a competitiva em Portugal, enquanto a batata dos nossos agricultores, transmontanos e não só, fica nos armazéns.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): -É a lógica da balata!

O Orador: - Se aos agricultores fosse dada a possibilidade de participarem na definição da política agrícola, os lavradores do Douro não teriam, talvez, necessidade de se manifestar e de apanhar bastonadas da polícia.

Vozes do PS: - Batatada.

O Orador: - Talvez nada disto tivesse acontecido se eles pudessem participar na definição da política agrícola, que este projecto de lei viria proporcionar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se aos agricultores fosse facultada essa participação, talvez o Ministério da Agricultura não tivesse podido sonegar informação e o representante do Governo em Vila Real já não dissesse, como o fez hoje, aos agricultores do Alto Tâmega: «Vocês tinham um fundo comunitário a que podiam aceder e não acederam. Agora, querem fazer manifestações!» Não foi dito, nem à cooperativa agrícola, nem aos agricultores, que era possível aceder a esse fundo criado para a zona da Gafanha!
Sr. Deputado Armando Cunha, claro que este meu entusiasmo, ao falar destes problemas, é natural, porque conheço os problemas dos agricultores da minha terra.
Sr. Deputado, não considera ter esta problemática relevância?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sei que reconhece terem relevância os problemas que aqui levantei.

Aplausos do PS.

Ò Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cunha.

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente, pela renovada benevolência.
Sr. Deputado António Martinho, não quero abusar do tempo, mas aceito, como verdade incontroversa, que não haja lei alguma que seja perfeitamente aplicada e integralmente perfeita. Não há!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É o deixa andar!

O Orador: - Não me diga que era com um projecto de lei desta natureza que se defendia ou se opunha a todos

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os erros, porventura, cometidos em relação a qualquer sector da agricultura: boje, a batata; amanhã, as uvas; depois, as pêras, etc. Se assim fosse, que órgão seria este? Que decreto-lei seria este? Que amálgama seria esta? Como é que isto poderia funcionar, na prática?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É ignorante! O Sr. Deputado não conhece os conselhos consultivos?!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, pelo amor de Deus, estou a usar tempo que me foi concedido... Pelo amor de Deus não me obrigue a abusar da generosidade...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É ignorante! O Sr. Deputado não conhece os conselhos consultivos?!

O Orador: - Desculpe, mas estou a responder ao Sr. Deputado António Maninho...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O seu discurso é pura demagogia!

O Orador: - Por amor de Deus, o Sr. Deputado sabe que essas interrupções não me perturbam! Podem atrapalhar-me outra» insuficiências que já tinha há anos e agora tenho mais acentuadamente, mas o Sr. Deputado sabe, por experiência própria, que não são essas que me perturbam.
Sr. Deputado António Maninho, não é com um qualquer projecto de lei que se podem remediar todos esses casos pontuais do sector agrícola; repare, teria de multiplicar essa legislação por todos os sectores económicos do nosso país, para o sector primário, o secundário, o terciário. Ora, assim, seriam mais as leis do que as situações a prever. Há-de haver sempre situações destas, Sr. Deputado. Não ponho em duvida o que disse, embora não conheça os factos, mas, desculpe, não vim para discutir batatas...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Anda tudo ligado!

O Orador: - Vim apreciar um projecto de lei,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... um projecto de lei que tem a dignidade mais elevada das leis.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente, pela sua benevolência, mas, muito rapidamente, gostaria de colocar uma questão ao Sr. Deputado Armando Cunha, pessoa por quem tenho, aliás, a maior consideração.
Eu disse que o PSD se caracterizava por uma total insensibilidade social e democrática exactamente pelo conceito que tem da participação. Há pouco, V. Ex.ª afirmou que o conceito do PSD se resumia à sede da concertação social, o que é ignorar completamente este país.
Por outro lado, quando disse que a legislação existente não era cumprida, não quis, como é óbvio, referir o Decreto-Lei n.º 74/84, porque o universo associativo de 1984 era evolutivo.
Nestes termos, gostaria de saber se o Sr. Deputado Armando Cunha, ou algum elemento da bancada do PSD, 6 capaz de me citar algum estudo ou documento oficial que caracterize, sem ambiguidade, o universo associativo português.
Por outras palavras, sabe quantas pessoas, quantos agricultores, representam a CAP, a CONFAGRI, a CNA, as cooperativas de crédito, as associações técnicas existentes, as associações de beneficiários, as agriculturas de grupo, as juntas de agricultor, os agrupamentos de produtores florestais, as associações patronais, constituídas ao abrigo do Código Civil, as mútuas de seguro de gado, os agrupamentos de defesa sanitária, os círculos de máquinas?
Ignora por completo, porque a única entidade que o Governo reconhece como interlocutor pode, eventualmente, representar 1%, 2% ou 3% deste universo. Ninguém sabe! Exactamente porque ninguém sabe é que entendemos ser imperioso saber-se para que passe a haver neste sector o que existe na sociedade portuguesa, que é a democracia participativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cunha.

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Muitíssimo obrigado, Sr. Presidente, sou forçado a abusar da generosidade de V. Ex.ª

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Contrariado, mas abusa!

O Orador: - Muito contrariado, não, porque o Sr. Presidente é...

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Armando Cunha, V. Ex.ª não está a abusar, porque se assim fosse a Mesa não o permitia.

O Orador: - Sem dúvida alguma, Sr. Presidente. Eu também nunca teria o propósito de abusar. Poderia, inadvertidamente, cometer qualquer falta, mas daria de imediato a mão à palmatória. Faço-o há muitos anos, como o Sr. Presidente sabe.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, tenho por V. Ex.ª, como sabe, toda a consideração, peto que não gostaria de responder à sua pergunta, que é enorme, desta forma tão telegráfica, mas, há-de concordar, já não tenho capacidade para, como um computador, poder dar-lhe todas as estatísticas e mais algumas.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Ninguém as sabe!

O Orador: - Perdão, no aspecto que focou, que é a representação dos agricultores, há um confronto entre duas entidades - creio eu -, a CAP e a CNA.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não!...

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O Orador: - Em relação aos agricultores, a nível de confederação, não há dúvidas de que é a CAP e a CNA e é o que, em parte, consta deste projecto de lei, agregando-lhe também as federações.
Mas, Sr. Deputado, quanto à representatividade, não me esqueci, e V. Ex.ª também sabe, que o Código Cooperativo exige, para que se possa constituir uma confederação - e creio que a CAP é uma confederação -, um aglomerado de 50% de federações desse ramo. Se a CAP os têm ou não...

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Era o que eu gostaria de saber!

O Orador: - Legalmente tem! Então, procure declarar nula essa lei ou essa instituição, porque está fora...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Confederação de federação!?

O Orador: - Não sei. O que sei é o que me diz a lei, o Código Cooperativo!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Confederação das cooperativas!

O Orador: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, estou a ver que continua com saudades das noites que, há 10, 12 ou 13 anos, levávamos a discutir, tempos de que também tenho saudades, como já disse. Mas agora, peço desculpa, não posso dar-lhe essa satisfação, porque tenho de responder ao Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.
Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, o que a lei diz - salvo erro, no artigo 79.º ou 82.º do Código Cooperativo - é que a confederação é, como sabe, um aglomerado de federações, relativamente ao mesmo ramo. É uma organização de nível nacional, constituída por escritura notarial e é o notário quem tem de se aperceber da veracidade desse facto. E a confederação para ser reconhecida tem de ter 50% das federações desse ramo. Se só há duas, não é verdade?

Protestos do PS.

O Orador: - Perdão, em relação ao mesmo ramo só pode haver duas neste momento...

Protestos do PS.

Não me deixam responder...
Sr. Deputado, esta é a minha opinião e continuo a dizê-la: a lei que invoquei é uma lei de 1984, já foi aqui referida, e foi depois substituída, em certa medida, por aquela que criou o Conselho Económico e Social e que seguiu o critério dessa primeira lei. Naturalmente, o legislador não teria encontrado razões que o levassem a alterar esse critério, embora tenha melhorado em muitos aspectos a legislação agrícola.
Esta é a minha resposta. Se não o satisfaz, não tenho culpa, terá de o fazer com outro interlocutor, muito mais capaz e competente, porque de outro modo não serei capaz de lhe tirar as dúvidas que ficarão no seu espírito. Mas, se encontrar esse interlocutor, e encontra com facilidade, ficará com todas elas dissipadas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela maior consideração que tenho pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, e é muita, o CDS não pode, de forma alguma, aceitar o documento que estamos a discutir. E não pode aceitá-lo porque, habilidosamente, o Sr. Deputado Lino de Carvalho pretende convencer-nos de que é a mesma coisa estarmos aqui a assegurar a participação dos agricultores e dos trabalhadores rurais, tal como a Constituição e a lei já prevêem a participação dos trabalhadores na definição da legislação.
Ora, estamos perante duas situações diversas. Não há nenhuma semelhança, não há comparação possível entre os fundamentos para uma e outra intervenção. Não há qualquer comparação entre o fundamento para a participação dos agricultores na definição da política agrícola e o fundamento constitucional para a participação dos trabalhadores na definição das leis do trabalho.
E não há pelo seguinte - aliás, deveria ser o Sr. Deputado o primeiro a falar e a saber disso, como penso que sabe: é que o artigo 56.º, n.º 2, da Constituição é um direito, liberdade e garantia dos trabalhadores e consagra expressamente a participação na legislação laborai das organizações sindicais. O artigo 101.º da Constituição é um artigo atirado para o domínio da organização económica, que, de Cacto, assegura, não digo um direito - sobretudo não de natureza análoga àqueles que o artigo 56.º, n.º 2, prevê -, mas uma espécie de audição na definição das grandes linhas da política.
O que o Sr. Deputado aqui trouxe era uma excelente lei para o caso de o artigo 101.º dizer assim: «Previamente a todos os processos legislativos que digam respeito à agricultura, é obrigatório ouvir as organizações dos trabalhadores rurais e dos agricultores.» Se a Constituição o consagrasse este era um projecto de lei exemplar. Agora, o projecto de lei que aqui trouxe é inaceitável porque, com um vago fundamento constitucional, traz uma burocratização e uma complexização do sistema de legislação em matéria agrícola que a Constituição de modo nenhum quis. Nem nada, nem o bom senso, nem os agricultores, recomendam que as coisas assim se passem.
De resto, devo dizer-lhe que, neste caso, há uma entorse absolutamente evidente. O que está previsto na Constituição nem sequer é o direito, é a participação na política agrícola. E o Sr. Deputado Lino de Carvalho, se calhar com a melhor das boas intenções - embora nós não as possamos aceitar como boas, aceitamo-las só como intenções -, quer assegurar um direito de audição prévia e de pareceres prévios em relação a todas as propostas de lei, projectos de lei e de regulamentos relacionados com a agricultura. Então alguma vez o poderíamos aceitar, Sr. Deputado Lino de Carvalho? Então, tem algum fundamento na Constituição? Isso significa ou não uma intromissão duvidosa no processo de definição da política agrícola?!
Se o Sr. Deputado tivesse remetido apenas para um órgão orientador da política agrícola onde tivessem audição prévia obrigatória as organizações representativas dos agricultores e dos trabalhadores rurais, isso aceitávamos! Agora, não podemos aceitar esta versão maximalista, mostrando o entendimento que o PCP tem do artigo 101.º da Constituição, e que, com certeza, gostaria de fazer de muitos outros artigos, pelo que não votaremos favoravelmente.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, em tempo cedido pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presiente, Srs. Deputados: Vou ser muito breve. Quando há pouco me dirigi à Mesa era no sentido de poder interpelar e esclarecer o Sr. Deputado Armando Cunha, mas agradecendo, desde já, o tempo cedido por Os Verdes, aproveitarei para fazer uma breve reafirmação e síntese de algumas questões.
Srs. Deputados Armando Cunha e António Lobo Xavier, a questão central que o nosso projecto coloca é a de saber se há vontade política desta Câmara de assegurar, nos vários instrumentos de ordem institucional que existem em Portugal e na Comunidade, para uma intervenção na política agrícola e na sua definição - ao abrigo do artigo 101.º da Constituição -, uma representatividade plural das várias organizações existentes, ou a existir no futuro, na vida económica e social.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Política agrícola não é legislação agrícola!

O Orador: - E essa é a questão de fundo que perpassa por este debate e que está no nosso projecto de lei. O Sr. Deputado dirá que ele é maximalista, que faz uma interpretação é uma leitura do artigo 101.º que não é aquela que o Sr. Deputado fará. Mas, o Sr. Deputado estará, com certeza, de acordo comigo que, independentemente dessas divergências, - que até poderiam ser discutidas em sede de especialidade -, há aqui uma questão de fundo. E a questão de fundo é a de definir um quadro legal que assegure com objectividade a representatividade das várias organizações existentes na lavoura, hoje, ontem ou amanhã, e que não sejam dependentes do poder, da decisão discricionária do Governo, e, enfim, dos tráficos de influências políticas que, em cada momento, convenha ao Governo fazer. É esse o sentido e o objecto do nosso projecto de lei.
É evidente que a discussão acaba por se protagonizar em volta daquilo que existe no terreno. Mas o projecto de lei tem um sentido abstracto e geral, e é nesse sentido e sobre esse âmbito que deveremos reflectir. Ora, nesse quadro é lamentável que o PSD, ao intervir neste debate (por intermédio do Sr. Deputado Armando Cunha, meu querido amigo eleito também pelo círculo eleitoral de Évora), o faça com algum para não dizer um grande desconhecimento da legislação existente.
Por exemplo, o Sr. Deputado, na sua última intervenção, levou algum tempo a discorrer sobre o processo de constituição das confederações, esquecendo-se que tinha ao seu lado o Sr. Deputado Francisco Bernardino, a quem poderia pedir um esclarecimento. O Sr. Deputado discorreu sobre o processo de formação das confederações de federações cooperativas, que são as únicas que estão sujeitas ao Código Cooperativo, e no quadro do qual só existe uma em Portugal, que é a CONFAGRI!
As outras confederações existentes estio constituídas ao abrigo do direito de associação, Sr. Deputado. Portanto, não tem nada a ver com os tais 50% de representação de federações para serem legitimadas, como o Sr. Deputado tanto tempo levou a referir. É outra realidade. E outra questão completamente diferente.

O Sr. Armando Cunha (PSD): - Em sua opinião!

O Orador: - Não é na minha opinião, Sr. Deputado. Está previsto na lei! O Sr. Deputado tem de conhecer a lei.
Por outro lado, Sr. Deputado, quando V. Ex.ª refere, e volta a referir, que não há reconhecimento internacional, isso não tem sentido.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Não tem sentido, Sr. Deputado!
Por exemplo, a confederação que estava a referir tem um reconhecimento internacional, pertence à Confederação Camponesa Europeia e assim tem assento em órgãos consultivos da Comunidade.
Por outro lado, o que se passa é que as outras organizações que têm representação comunitária, dada pelo Governo, antes de lá estarem também não a tinham, tinham-na porque o Governo lha deu. Portanto, é o Governo que determina quem tem esse estatuto. E se o Governo em Portugal reconhece várias organizações distintas para participarem nos conselhos regionais agrários e noutras estruturas, por que é que não reconhece a sua representatividade a nível nacional e comunitário? Porque é que não dialoga com elas e se limita exclusivamente a uma confederação do sector?
Sr. Deputado, está longe de estar a ser assegurada uma verdadeira e plural representação associativa da lavoura portuguesa. E é isso que queremos com este projecto e nada mais.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva.

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que a questão aqui em discussão é uma matéria extremamente relevante para a agricultura portuguesa, para a formulação das políticas e para a definição da participação dos agricultores nessa mesma formulação. Mas, o que vou dizer com toda a sinceridade é que, na minha opinião, este projecto é apresentado fora de tempo. E vou tentar justificar a minha afirmação.
Encontramo-nos, neste momento, numa situação em que toda a representatividade e a representação institucional está perfeitamente definida, aliás, com a participação da Assembleia da República nalgumas fases dessa definição, nomeadamente aquando da constituição do Conselho Económico e Social. Nessa altura tivemos oportunidade de discutir a matéria, tendo a Assembleia aprovado - penso que sem qualquer voto contra, com a abstenção do PS e do PCP, se não estou em erro - a lei que criou o Conselho Económico e Social.
Mas a questão da representatividade na agricultura, em termos nacionais e em termos comunitários, faz-se através de duas vertentes, a representação sócio-económica e a representação sócio-profissional. De facto, assim é em todos os Estados membros da Comunidade. E também é em Bruxelas, junto das instituições comunitárias, onde as confederações de associações têm a sua confederação central, que é o COPA, e as confederações de cooperativas a sua confederação central, que é o COCEGA. Só que por

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vezes, e neste debate, suscitou-se alguma confusão sobre a matéria. A participação nessas organizações centrais da agricultura europeia não depende da autorização prévia do Governo Português.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Depende do Conselho Económico e Social!

O Orador: - Ou seja, são as organizações nacionais, por iniciativa própria, apresentando a sua candidatura, que se tomam membros dessas organizações. Isso aconteceu, posso aqui testemunhá-lo, neste momento.
Agora, há uma representatividade em Bruxelas, que é no Comité Económico e Social. Essa representação faz-se por indicação governamental. E aí o Governo Português indicou uma componente sócio-profissional e uma componente sócio-económica.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É isso que estamos a discutir!

O Orador: - Estamos durante o mandato dessa representação, que é de quatro anos, e, quando chegarmos ao fim desse mandato, por certo que o problema será novamente equacionado.
Em termos comunitários, todo o diálogo institucional das organizações com a Comunidade Europeia, através da Direcção Geral VI, faz-se por intermédio dos conselhos consultivos em que a agricultura portuguesa está representada.
A nível interno, além da presença no Conselho Económico e Social existem os conselhos consultivos de mercado, onde estão presentes representantes da CAP, da CONFAGRI, das organizações de comerciantes, de operadores no mercado, etc.
A outra questão que foi aqui equacionada respeita à participação da CNA. A CNA, Confederação Nacional de Agricultura, candidatou-se ao Conselho Económico e Social, houve uma primeira rejeição, foi depois votada em plenário do Conselho Económico e Social a entrada da CNA, e penso que não estou a errar se disser que só uma organização de trabalhadores votou a favor, porque a outra votou contra e, portanto, as outras organizações também tiveram esse sentido de voto.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E depois?!

O Orador: - Enfim, esta é a situação, e por isso a justificação.
Vou terminar a minha intervenção da forma como comecei: a discussão desta matéria está fora de tempo, na medida em que o quadro legal da representação da agricultura portuguesa está neste momento definido.

Risos do PCP.

É evidente que nada disto será definitivo, mas este é o quadro actual. Penso que, como o Conselho Económico e Social começou a dar os primeiros passos, temos de verificar a sua capacidade de intervir na vida económica e social do País.
Naturalmente que o PSD está sempre aberto a equacionar, no momento próprio, todas estas questões e com certeza não deixará de o fazer quando o assunto se colocar de novo.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para nós a apresentação deste projecto de lei apenas peca pelo seu tardio agendamento, porque, diferentemente do que foi afirmado pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier, nós fazemos uma interpretação maximalista, porque entendemos que o desenvolvimento da agricultura portuguesa, e, portanto, do País, depende da participação dos agricultores e dos trabalhadores rurais na definição da política agrícola, como diz o referido artigo 101.º da Constituição.
Por isso e porque a Constituição já é de 1976, entendemos que o agendamento deste projecto de lei só peca por ser tardio. Neste diploma propõem-se critérios para que fique identificado de uma forma justa quem são os representantes, no caso particular que foi aqui tratado, dos agricultores.
É sabido que, ao longo de vários anos, em que existiram em Portugal duas confederações de agricultores, várias foram as tomadas de posição, os pedidos de audiência, as manifestações- inclusivamente durante a presidência portuguesa da Comunidade, que ocorreu no 1.º semestre do ano transacto - de uma dessas confederações tendo em vista ser ouvida e reconhecida pelo Governo, mas este não quis reconhecer e fazer representar, de facto, interesses dos agricultores portugueses.
Para terminar, Sr. Presidente, o que dizemos é que, de facto, o PSD, se não aprovar este projecto de lei na generalidade, quer continuar a fazer que o Governo reconheça e atribua representação, de uma forma arbitrária, a quem quiser e lhe apetecer. Isto é, no nosso entender, uma forma de o Governo actuar contra a Constituição Portuguesa.
Pensamos que é muito grave e que, naturalmente, os agricultores e a população em geral saberão dar a resposta devida, em tempo oportuno, a esta posição do Governo e do PSD, que, mais uma vez, teve a oportunidade de demonstrar aqui qual era a sua posição relativamente aos interesses de quem trabalha e de quem vive à custa do seu trabalho na agricultura.

O Sr. João Maças (PSD): - Qual é a posição de Os Verdes? Afinal não disse!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, o facto de hoje termos ultrapassado os tempos atribuídos deve ser considerado uma excepção, que não poderá transformar-se em regra. Tal ocorrência ficou a dever-se não só à importância do tema em debate como também à circunstância de ainda estarmos aquém das 20 horas, embora nada nos obrigue a terminar a essa hora.
A próxima reunião plenária realizar-se-á na quinta-feira, dia 4, pelas 15 horas, com período de antes da ordem do dia e período da ordem do dia, durante o qual serão discutidos os projectos de lei n.ºs 132/VI e 157/VI, apresentados pelo PCP.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 35 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro José Martins Viegas.
António de Carvalho Martins.

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António José Caeiro da Mota Veiga.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco João Bernardino da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
Joio Carlos Barreiras Duarte.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
José Angelo Ferreira Correia.
José Manuel Nunes Liberato.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido Socialista (PS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Helena de Melo Torres Marques.
Luís Filipe Nascimento Madeira.

Partido Comunista Português (PCP):

Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.

Deputados independentes:
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Fernando Monteiro do Amaral.
João Álvaro Poças Santos.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Cardoso Lage.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Jaime José Matos da Gama.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Apolinário Nunes Portada.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.

Deputados independentes:
Mário António Baptista Tomé.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

Página 1300

DIÁRIO da Assembleia da República

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