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Sexta-feira, 26 de Fevereiro de 1993 l Série - Número 41 1475
DIÁRIO Da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 25 DE FEVEREIRO DE 1993
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário de Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Eduardo Reis
SUMÁRI0
O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. -Deu-se conta da entrada na Mesa de diplomas, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
O Sr. Deputado Rui Rio (PSD) enalteceu a política económica do Governo. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento e deu explicações aos Srs. Deputados Ferro Rodrigues e José Lello (PS), Octávio Teixeira (PCP), Antónia Lobo Xavier (CDS), António Campos e Manuel dos Santos (PS), que deu também explicações ao Sr. Deputado Rui Carp (PSD).
A Câmara aprovou o voto n.º 63/VI-De protesto, condenando as violações dos direitos humanos na ex-Jugoslávia, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Leonor Beleza (PSD) e Alberto Martins (PS).
Ordem do dia. - Forum aprovados os n.º 25 a 30 do Diário.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, dos projectos de lei
n.º 148/VI - Organizações não governamentais de cooperação para
o desenvolvimento (PS, PCP, CDS e Os Verdes), 149/VI- Estatuto do cooperante e voluntário das ONGD (PS, PCP, CDS e Os Verdes) e 263/VI- Organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento (PSD), que baixaram à Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Teresa Santa Clara Gomes (PS), Mário Tomé (Indep.), Rui Gomes da Silva (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Maria Manuela Aguiar (PSD), Guilherme Oliveira Martins (PS) e Luís Geraldes e Isilda Martins (PSD).
Foi aprovado o projecto de deliberação n.º 56/VI- Realização de um debate sobre política de imigração proposto pelo Governo (PSD).
A Câmara aprovou ainda o voto n.º 64/VI-De pesar pela morte do ex-Deputado à Assembleia Constituinte, encenador e actor Rogério Paulo, após o que guardou um minuto de silêncio. Na circunstância, usaram da palavra, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Fernando Pereira Marques (PS), Carlos Lélis (PSD), João Corregedor da Fonseca e Mano Tomé (Indep.).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 20 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregaria Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
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António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Edite de Fátima Santos Maneiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl D'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Juvenal Alcides da Silva Costa.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputados Independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 48/VI - Autoriza o Governo a aprovar medidas de combate à corrupção; proposta de lei n.º 49/VI- Regula a mobilização e a requisição no interesse da defesa nacional, que baixou à 5.1ª Comissão; projecto de lei n.º 259/VI - Elevação de Soalhães à categoria de vila (PSD), que baixou à 6.º Comissão; projecto de lei n.º 260/VI - Elevação da vila de Esmoriz a cidade (PSD), que baixou à 6.º Comissão; projecto de lei n.º 261/VI - Elevação da povoação de Vila Boa do Bispo à categoria de vila (PSD), que baixou à 6.ª Comissão; projecto de lei n.º 262/VI - Fiscalização de obras escolares (PS), que baixou à 8.ª Comissão; projecto de lei n.º 263/VI - Estatuto das organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento (PSD), que baixou à 3.ª Comissão; projecto de lei n.º 264/VI - Melhoria das condições de trabalho na Administração Pública (PS), que baixou à 10.ª Comissão; projecto de resolução n.º 52/VI - Visa a adopção de um programa de emergência para a agricultura portuguesa (PCP); projecto de deliberação n.º 56/VI- Realização de um debate sobre política de imigração proposto pelo Governo (PSD); audição parlamentar n.º 11/VI- Sobre o processo de privatização dos matadouros da Rede Nacional de Abate (PCP).
Foram apresentados na Mesa na última reunião plenária os requerimentos seguintes: ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputadas Olinto Ravara, Leonor Coutinho e Cardoso Martins; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Oliveira; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Luís Peixoto e António Alves; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho, António Alves e Jorge Paulo Cunha; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputadas Artur Penedos, Mário Tomé, Manuel dos Santos, Fernando Pereira Marques, Guilherme Oliveira Martins, Manuel dos Santos e Manuel Sérgio; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados António Alves e Jerónimo de Sousa; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado João Rui de Almeida; ao Instituto Nacional de Estatística, formulado pelo Sr. Deputado José Calçada.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados nas sessões compreendidas
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entre 16 de Julho e 21 de Janeiro: José Magalhães, Manuel Sérgio, António Filipe, Luís Sá, José Paulo Casaca, Carlos Marta Gonçalves, Guilherme Oliveira Martins, Lino de Carvalho e António Alves.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período de antes da ordem do dia compreende hoje o tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde que Portugal assinou o Tratado de Maastricht e, muito principalmente, desde que a Assembleia da República o ratificou, todas as grandes decisões políticas da vida nacional têm obrigatoriamente de ter a União Europeia como pano de fundo. A opção portuguesa é clara e congrega à sua volta as principais forças políticas do País.
Dentro desta lógica, faz, pois, todo o sentido acreditar em que é possível um vasto consenso nacional em tomo de todas as importantes metas que Portugal tem, necessariamente, de atingir, ao pretender um caminhar seguro e coerente em direcção à plena integração europeia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Neste enquadramento, não podia deixar de referir que não é, com certeza, consentâneo com o interesse nacional o levantar sistemático de suspeitas, por parte do Partido Socialista, sobre a aplicação no nosso país dos fundos comunitários.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Todos os Estados membros têm, obviamente, os seus "casos" nesta matéria. Só que Portugal distingue-se dos demais, precisamente pelo rigor na sua aplicação. Quem o diz não é o PSD nem o Governo; quem o diz é o próprio Tribunal de Contas da Comunidade Europeia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O papel da oposição não pode nem deve ser um contributo para a degradação da imagem externa do nosso país, mas sim o de colaborar com o Governo na defesa da legalidade na aplicação das verbas que nos são postas à disposição.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O PSD entende que a defesa do interesse nacional exige que a justiça seja implacável para com os prevaricadores. Só que não aceita transformar em casos políticos aquilo que é eminentemente do foro judicial.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendemos, como disse, um caminhar seguro em direcção à plena integração europeia. Nesse âmbito, metas perfeitamente determinadas são, sem dúvida, aquelas que nos são exigidas pela necessidade de convergência da nossa economia com as demais economias comunitárias.
Este grande desafio nacional, principal sustentáculo do nosso apoio à opção europeia, surge, assim, em 1993
negativamente influenciado pelas dificuldades que as principais economias comunitárias estão a atravessar.
Segundo os últimos dados, a economia alemã, que dispõe de um poder de arrasto em larga medida determinante para o crescimento económico na Europa, irá decrescer 0,2 %. A recessão alemã conta ainda com uma taxa de desemprego que passou dos 7,4 % para os 8,3 % e uma quebra de 3,5 % nas encomendas industriais durante o passado mês de Dezembro. A Alemanha terá, assim, de recorrer a um défice público mais alto, que passará de 3,7 % do PIB para 4,3 %.
Mas, como disse, não é apenas este nosso parceiro comunitário que atravessa saias dificuldades. Outros Estados membros, com economias cujo peso é inegável no contexto europeu, se encontram a braços com problemas muito sérios de crescimento económico e de desemprego.
À Itália, que deverá apresentar uma taxa de desemprego de cerca de 12 % no fim do corrente ano, encontra-se ainda condicionada, no seu relançamento económico, por uma dívida pública que, derivado a sucessivos défices públicos demasiado exagerados, é já de 105 % do seu produto interno bruto.
Em Inglaterra, o desemprego deverá crescer perto de 17 % durante o corrente ano, pelo que se deverá vir a situar na casa dos 11 %.
Também a França, com 3 milhões de desempregados, se debate com graves quebras na procura interna, que, não absorvendo a oferta existente, criam, obviamente, sérias dificuldades económicas e sociais.
Poderia ainda citar as taxas de desemprego espanhola e irlandesa, de respectivamente 20 % e 18 %, para, assim, ilustrar o negro panorama económico que assola actualmente a Comunidade em que estamos integrados. São, indiscutivelmente, números extremamente preocupantes para toda a Europa.
Vozes do PS: - Um oásis!...
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É, pois, nesta difícil conjuntura económica internacional que o nosso país tem de continuar firme no sentido do desenvolvimento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Aprovou a Assembleia da República um Orçamento do Estado para o corrente ano que tem bem presente este desiderato. O peso do défice e da dívida pública no produto interno bruto continua a decrescer, no âmbito de uma gestão pública rigorosa, em que a principal aposta é a de um decréscimo real das despesas públicas correntes.
Ainda no âmbito da convergência nominal, continuamos a assistir à queda da inflação e das taxas de juro, num quadro de compatibilidade com um crescimento económico superior ã média comunitária, que nos potência uma aproximação a um nível de vida cada vez mais elevado.
É o que fica, aliás, bem patente nos índices de conforto dos Portugueses divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística na passada semana. Tomou-se claro, através dessa divulgação, que os Portugueses usufruem hoje de melhores condições de vida do que no passado.
Aplausos do PSD.
Há mais famílias que, em suas casas, dispõem de electricidade, de água canalizada, de electrodomésticos, de automóvel, de, enfim, um melhor nível de bem-estar. Estamos ainda,
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com certeza, bem abaixo do desejado, mas não há dúvida de que se tem seguido o caminho mais correcto e equilibrado no sentido da luta por condições de vida mais dignas para todos os portugueses.
Portugal não está, no entanto, sozinho no mundo e uma pequena economia aberta e integrada como a nossa sofre, naturalmente, influências externas altamente condicionantes. Os resultados que nos propomos obter este ano são, por conseguinte, francamente exigentes, ficando, assim, demonstrado que o PSD rejeita liminarmente baixar os braços, ciente de que com esta crise internacional haveria desculpas para todo e qualquer insucesso.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Esta foi, aliás, uma postura política a que Portugal já assistiu num passado ainda recente, mas que nunca teve nem terá o nosso apoio, porque não é consentânea com o interesse nacional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Passou também o tempo das sucessivas desvalorizações da nossa moeda. Hoje, o escudo 6 uma moeda credível e integrada no Sistema Monetário Europeu, em que a estabilidade cambial garante um clima simultaneamente propício à desinflação e à reconversão industrial.
Acabou, assim, o tempo em que a competitividade das nossas empresas era garantida, artificialmente, através da política cambial. Não é coerente defender a plena integração económica e, ao mesmo tempo, clamar por desvalorizações monetárias que facilitam o presente, mas empenham o futuro.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Estamos certos da coerência daqueles que assim continuam a pensar, porque não temos a memória curta e lembramo-nos bem do que vivemos há alguns anos atrás. Só que a nossa postura não é a das facilidades nem a da fuga para a frente, mas sim a da frontalidade e da coragem.
A economia só é estática quando não se desenvolve, pelo que, em face dos principais objectivos nacionais, pretendemos uma actividade económica dinâmica em que a reconversão seja uma constante. Reconversão que, aliás, não significa falências, como, maldosamente, muitos querem fazer crer. Reconversão significa troca de actividades obsoletas por actividades modernas e consentâneas com as novas exigências do mercado, que mais não são do que o novo conjunto de necessidades sociais face aos novos padrões de vida de uma sociedade em desenvolvimento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como já referi, há razões para acreditar em que é possível um vasto consenso nacional em torno dos principais objectivos de uma caminhada europeia, em que os Portugueses seriamente acreditam.
É neste contexto que o PSD aposta na viabilidade da concertação social. O que está em causa é de tal forma seno que não é admissível que seja quem for possa pensar em capitalizar politicamente as dificuldades inerentes a um processo deste género. O que está em causa é a continuação do processo de desinflação que a União Económica e Monetária nos exige, num cenário compatível com a manutenção de um alto nível de emprego e de um crescimento
económico acima da média dos nossos parceiros comunitários.
Quem, em 1992, assinou o acordo de concertação social pode hoje, volvido um ano, considerar-se um vencedor. Quem, em 1992, não assinou o acordo deve considerar-se um perdedor.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Os senhores são é uns predadores!
O Orador: - Efectivamente, a taxa de desemprego continuou extremamente baixa, a inflação atingiu os valores esperados e os salários reais cresceram fortemente. É, obviamente, caso para todos dizerem: valeu a pena!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Estamos, pois, novamente perante a necessidade de uma aposta semelhante. Só que, perante as dificuldades que a conjuntura internacional apresenta, o acordo social para 1993 tomou-se ainda mais determinante para a prossecução dos principais objectivos nacionais.
O disparar dos custos salariais seria verdadeiramente dramático para as empresas portuguesas, pondo seriamente em causa a sua competitividade. O descontrolo da massa salarial não significaria, com certeza, mais emprego e menos inflação. O descontrolo nos aumentos salariais significaria, por certo, menos emprego, menos crescimento económico e mais inflação.
E quem seriam, Sr. Presidente, Srs. Deputados, os principais prejudicados com uma evolução negativa neste sentido? Com certeza os que já hoje são mais desfavorecidos.
O Partido Social-Democrata, como partido reformista que é e continuará a ser, não se esquece nunca de que ceder às facilidades e ao imobilismo será sempre prejudicar os que socialmente mais necessitam de um processo de desenvolvimento.
Aplausos do PSD.
É por isso que não se pode parar, apesar de sabermos que jamais será possível desenvolver e reformar sem colidir com interesses instalados que - sabemo-lo - estão apenas preocupados com as suas vantagens pessoais e nunca com as vantagens colectivas. Diria mesmo que, por natureza, o maior obstáculo a qualquer processo de desenvolvimento será sempre o conflito entre a mudança, cuja perspectiva é sempre colectiva, e os interesses instalados, cuja vertente será sempre
Existem ainda outras dificuldades, nas quais se incluem os aproveitamentos políticos de todos aqueles que, não sendo possuidores de uma dinâmica própria e convincente de mudança, entendem dever aproveitar a boleia de toda e qualquer reacção às reformas que, no âmbito de um processo de modernização, necessariamente tem de se ir encetando.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O caminho mais fácil é, pois, o do adiamento e o mais difícil o da execução do interesse nacional. Como sempre, pela nossa parte, preferimos o segundo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Ferro Rodrigues, António
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Campos, José Lello, Octávio Teixeira e António Lobo Xavier.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Deputado Rui Rio, o tom da sua intervenção foi eloquente. Efectivamente, o País encontra-se a caminho de um desastre económico e social, como o Partido Socialista há muitos meses vem dizendo, e o PSD só agora começa a compreender isso, tentando esconder-se atrás da crise europeia. Esta existe, mas não explica o essencial.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não explica, nomeadamente, por que é que Portugal, em cada ano que tem passado e em que vê aumentados os apoios comunitários, tem vindo a diminuir a diferença entre o seu crescimento económico e o crescimento europeu. Só a má utilização das ajudas comunitárias permite explicar as perdas de competitividade relativa que se exprimem por essas perdas no diferencial de crescimento e que vão tão longe que a OCDE chega a prever que em 1994 a Comunidade Europeia crescerá mais do que Portugal.
Também não explica por que é que, com a gestão eleitoralista que foi levada à prática em 1991 para tentar ao mesmo tempo baixai- a inflação e permitir uma explosão do consumo, os senhores tenham aplicado políticas de taxas de câmbio irrealistas e políticas altamente penalizadoras para as empresas ao nível da taxa de juro. As consequências dessas políticas vieram ao de cima em 1992 e estão agora, em 1993, a fazer-se sentir.
O Sr. Silva Marques (PSD): - E o Professor Bessa?
O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Está bem, muito obrigado!
O Orador: - Prometeram o paraíso e a democracia de sucesso nas eleições de 1991. Prometeram taxas de crescimento de 4 % ao ano entre 1993 e 1995. Agora, "com o rabo entre as pernas", como se costuma dizer em bom português, tentam evitar que o País não tenha um decréscimo de produção em 1993.
Os senhores não têm legitimidade para falar na crise internacional, porque sempre compararam, ilegitimamente, os resultados de 1988, 1989 e 1990 com os de 1983 e 1984, escamoteando a gravidade da crise internacional dos primeiros anos da década de 80 e, de um fornia demagógica, tentando comparar o incomparável. Não têm hoje qualquer legitimidade para falar da crise europeia, porque nunca souberam reconhecer os sacrifícios que o governo do bloco central teve de fazer há anos atrás.
A intervenção do Sr. Deputado é um malabarismo político, sem base técnica. Devo dizer ao Sr. Deputado, lamentando afirmá-lo, que se trata de uma intervenção penosa, de um caminho penoso do oásis para o deserto.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.
O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Rui Rio explanou, na sua intervenção, um conjunto de malefícios que as diversas economias europeias hoje atravessam. Falou em taxas de desemprego, em quebras de mercado, em deslizes do produto interno. Traçou efectivamente uma panorâmica muito negra da economia comunitária.
Concluo, assim, que a sua explanação sobre a difícil conjuntura que atravessam diversos países da Comunidade servirá para, em comparação, dizer que por cá "do mal o menos": se estamos mal, outros estão pior; se estamos com problemas, outros também têm esses problemas.
Disse também o Sr. Deputado que temos mais electricidade, mais gás, mais automóveis, mais electrodomésticos, quiçá mais parabólicas. Só não disse que também temos mais desemprego, mais salários em atraso, maior crise social.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Posso, pois, concluir que o Sr. Deputado tentou mostrar serviço, tentando justificar que os problemas domésticos têm relação com problemas alheios. Fica-lhe bem, Sr. Deputado Rui Rio, dá-lhe currículo, permite-lhe eventualmente marcar pontos face às picardias do Sr. Secretário de Estado Luís Filipe Menezes. Só que não me recordo de o ter visto aqui, em idênticas circunstâncias e em tempo de vacas gordas, concordar com aqueles que diziam que grande parte do tal sucesso cavaquista decorria dos benefícios dos fundos comunitários, de toda essa espiral de meios que eram canalizados para o nosso país.
O Sr. Deputado fica-se por aí, fica-se por fazer uma intervenção que apenas lhe tenta dourar a sua imagem de interveniente no domínio económico. Pena foi que o seu maior crítico aqui não tivesse estado presente!...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Rui Rio, é espantoso o discurso que o Sr. Deputado veio fazer a esta Câmara, porque consegue estar, neste preciso momento, contra tudo e contra todos. É que já nem o Primeiro-Ministro vai tão longe como o Sr. Deputado na defesa do oásis que existiria neste país.
Julgo que, apesar de ser espantoso, a explicação deste tipo de discurso - um discurso que ninguém faria, a não ser o Sr. Deputado Rui Rio - é dada hoje pelos jornais da manhã: o papel do Sr. Deputado Rui Rio era o de vir hoje aqui desbravar caminho, dizendo aquilo que mais ninguém é capaz de dizer, para que, dentro de alguns dias, apareçam outros seus companheiros de bancada a fazer, então, intervenções sobre a situação económica e social do País na óptica do Governo e do PSD.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Nem o Silva Marques!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sou um operário, meu caro amigo!...
O Orador: - O Sr. Deputado, a determinada altura da sua intervenção, deu exemplos de vários países estrangeiros e, designadamente, citou o caso da Irlanda. Ora, nesta perspectiva, gostaria de lhe colocar a seguinte questão: o Sr. Deputado sabe por que razão a Irlanda chegou à si-
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tuação em que está hoje, com uma taxa elevadíssima de desemprego?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Foi mal governada!
O Orador: - Por acaso, não teve ainda a curiosidade de conhecer quais as razões? Chegará, com certeza, à conclusão de que tal se deveu ao tacto de, durante alguns anos - após a adesão da Irlanda à CEE -, se ter seguido, precisamente, a política que o governo do PSD está a aplicar em Portugal neste momento. Isto é, por um lado, avançar para a chamada moeda forte, sem ter base estrutural para isso, e, por outro lado, sustentar-se apenas no investimento directo estrangeiro. Os resultados estão à vista!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É isso que o seu governo e a política do PSD estão a fazer!
Sr. Deputado, não há possibilidade de atingir convergências de economias se não houver economia, com sector industrial, agrícola ou piscatório.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Nunca haverá convergência, porque os senhores estão a dar cabo da economia, fazendo desaparecer tudo o que é produtivo e ficando apenas com a especulação e o sector financeiro e imobiliário. O que é pouco e pobre.
Mas, Sr. Deputado Rui Rio, subir à tribuna desta Câmara para dizer que, afinal, o rei está coroado, a política de sucesso está à vista e o oásis está cada vez mais rejuvenescido e verdejante. Tudo isto num momento em que há falências em série, em que se fecham empresas, em que o PIB passa a ser negativo, em que a situação da agricultura é desgraçada, em que aumenta significativamente o número de desempregados, mesmo os "empregados oficiais"- o próprio Instituto do Emprego e Formação Profissional apresenta cerca de 340000 desempregados, ou seja, cerca do dobro do número oficial-, num momento em que reaparecem os salários em atraso e em que a miséria, em muitos sectores da população portuguesa, está à luz do dia.
Não acha que, perante esta realidade, fazer esse discurso é uma completa irresponsabilidade, da sua parte e do seu grupo parlamentar?
Aplausos do PCP e do Deputado independente Mano Tomé.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Rui Rio assumiu, claramente, que faria aqui aquilo a que se chamou uma contra-ofensiva - aliás, esta manhã, a comunicação social advertiu-nos para o facto - em face de novos dados conhecidos sobre a situação económica do País.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - "Novos dados conhecidos", acima de zero?!
O Orador: - São novos dados, Sr. Deputado Manuel dos Santos, porque, de facto, ainda não tinham sido divulgados dados tão maus.
Ora, o Sr. Deputado assume o papel dessa contra-ofensiva, o que, aliás, lhe fica bem, pois é o papel de um valente ou, na guia do ciclismo, dos batedores. E, pois, o Deputado
que vai à frente para defrontar o primeiro embate, as primeiras munições da oposição, invertendo o discurso optimista do partido e, por isso, merece todo o meu respeito...
Devo dizer-lhe que não queremos que os senhores sejam santos, não exigimos ao PSD a santidade de vir aqui confessar todas as críticas e advertências que a oposição tem feito sobre a situação económica do País. Não queremos tanto! Ou seja, não pedimos que alinhe connosco, confessando todos os erros, misérias e desgraças que, dia a dia, são conhecidos no País.
Contudo, Sr. Deputado Rui Rio, queríamos um mínimo de realismo; admitíamo-lhe algum optimismo, mas queríamos algum realismo ou, pelo menos, o decoro de que, se não é possível travar esta "tempestade no deserto", não se fale mais de oásis nem se tenha mais o discurso governamental do optimismo.
O Sr. Silva Marques (PSD): - É um fraco argumento, Sr. Deputado!
O Orador: - Em segundo lugar, gostaria de dizer - e perguntar se concorda ou não - que não se pode ignorar a transmissão internacional dos efeitos económicos e, portanto, da conjuntura económica quando as coisas correm bem e, depois, falar dela quando as coisas correm mal.
No fundo, a sua intervenção é a confissão de que o Governo Português não tem qualquer antídoto para a nova situação da integração nem para a nova situação em que se transmitem todos os efeitos, positivos e negativos, das economias dos outros Estados membros. Não houve uma única palavra sobre um remédio, uma medida ou um antídoto a que o Governo Português pudesse lançar mão para limitar os efeitos negativos da integração, que se manifestam quando a conjuntura internacional é negativa.
Gostaria ainda de referir que, nessa medida, o seu discurso - e sendo um Deputado do Porto - só pode fazer sentido numa câmara fechada e nunca na zona em que o Sr. Deputado foi eleito, onde os empresários se queixam da situação vivida pelas suas indústrias. Aliás, Sr. Deputado, a palavra certa já nem é "queixar", mas, antes, desânimo e desorientação. É que estes, normalmente avessos a políticas industriais e à condução, pelo Governo, de grandes objectivos em matéria industrial, hoje já clamam, desanimados, por alguma luz ou caminho que o Governo teima em não dar.
Com efeito, hoje, o grande problema para os empresários que ainda vivem com a cabeça fora de água é um problema de orientação: não vêem, em lado nenhum, uma estratégia para o País em matéria económica e, especialmente, na área industrial.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vim aqui dizer que tudo está bem nem que tudo está mal. Tenho aqui fotocópias de um livro de Kenneth Maxwell onde se diz: "O Portugal contemporâneo é uma história de grande sucesso." Mais adiante acrescenta: "O Portugal novo está assente numa modernização económica e social em larga escala." Como dizia, nem tão-pouco vim aqui dizer isto. Esta é, no entanto, a posição do Sr. Dr. Mário Soares, pois são palavras do Sr. Presidente da República que estão aqui transcritas.
Aplausos do PSD.
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De facto, Srs. Deputados, não vou tão longe. Mas, para todos os efeitos, pretendi trazer à Câmara uma visão mais realista da situação presente da economia portuguesa, de forma que não se confunda uma árvore com uma floresta.
Se analisarmos a economia portuguesa numa perspectiva macro-económica e não meramente sectorial- ninguém nega que sectorialmente existem questões-, obviamente, tiraremos conclusões diferentes das que têm vindo na comunicação social e que têm correspondido à posição dos partidos da oposição.
A conjuntura internacional, no passado, serviu para desculpar todo e qualquer insucesso quando o Partido Socialista liderava o Governo. Ora, o que afirmei foi que a conjuntura internacional influencia Portugal, facto a que não podemos fugir, mas também que o Governo pretende que a conjuntura internacional não determine as condições económicas em Portugal. O que é francamente diferente! Influenciar, com certeza! Baixar os braços, como os senhores fizeram no passado- porque tinham a desculpa da conjuntura-, é o que não pretendemos fazer!
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PS.
O Orador: - Srs. Deputados, o que pretendi dizer foi que, por exemplo, Portugal tem o maior decréscimo na taxa de inflação relativamente a todos os países comunitários.
Ao contrário do que VV. Ex.as queriam, o que afirmei foi que Portugal tem a segunda taxa de desemprego mais baixa da Europa!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - VV. Ex.as dizem que o desemprego é uma catástrofe em Portugal, mas se forem a Badajoz ou a Vigo encontram taxas de 20 % de desemprego! Neste momento, temos 4,5 % de desemprego, portanto, não é correcto, não é justo, basear o discurso nesse argumento!
Aplausos do PSD.
Não prometemos um crescimento de 4 % ou S % do PIB. Prometemos, sim, um crescimento do PIB acima da média comunitária! Foram estas as promessas do PSD e VV. Ex.as sabiam-no de cor...
Protestos do PS.
VV. Ex.as já sabiam que isso estava previsto no relatório do Orçamento do Estado, mas esqueceram, agora, o que aprenderam aqui durante o debate do Orçamento!
Aplausos do PSD.
A dívida pública portuguesa apresenta valores pouco superiores a 60 % do PIB, enquanto a dívida pública italiana, por exemplo, ronda os 105 % do PIB!
Protestos do PS.
É inegável! Tal significa que estamos claramente a desempenhar o futuro de Portugal.
A comunicação social tem referido que as exportações tem caído, aliás, até estou admirado por não atacarem o Governo por causa da quebra das exportações, o que revela uma atitude de bom senso. De facto, numa altura em que há uma recessão internacional profunda é evidente que as
exportações portuguesas não podem crescer a ritmos semelhantes aos verificados no passado. Isso deve ser um temor do Partido Socialista, um temor do passado...
Mas, mais importante do que isso, a balança de transacções correntes portuguesa está perfeitamente equilibrada e a balança básica está superavitária.
Em conclusão, apesar do temor de VV. Ex.as - traumatizados pelo passado -, não vai ser preciso chamar o Fundo Monetário Internacional, como VV. Ex.as fizeram quando por lá passaram!
Aplausos do PSD.
Relativamente à questão das falências - era inevitável que a colocariam-, devo dizer-lhes que ela é muito simples de equacionar.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Ai é?!
O Orador: - Há falências, sim senhor! Agora vamos ver se esse processo de falências é positivo ou negativo.
Vozes do PS: - Ah!
O Orador: - Sr. Presidente, assim é difícil falar. VV. Ex.as devem estar preocupadas, porque no Partido Socialista Francês Michel Rocard propôs a extinção, pura e simples, do partido. De facto, devem estar com medo que surja algum iluminado a fazer uma proposta idêntica. Deve ser isso que os enerva!
Aplausos do PSD.
Talvez o antigo Deputado António Barreto, quem sabe... Srs. Deputados, retomando a questão das falências...
Protestos do PS.
Se me quiserem ouvir, talvez até seja didáctico. Como dizia, as falências poderão ser positivas ou negativas. Tudo isso se mede pela taxa de desemprego.
Vozes do PS: - Ai é?!
O Orador:- Se VV. Ex.as não prestarem atenção ao que estou a dizer, tenho a certeza que a seguir vão dizer as mesmas asneiras! Enfim, como fizeram uma pergunta, parto do princípio de que querem ouvir o que tenho a dizer.
Assim vejamos, o processo de falências será positivo se tal significar a reconversão da economia portuguesa, isto é, se significar que quando fecha uma empresa outras empresas, em sectores mais modernos, abrem.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É isso que está a suceder?!
O Orador: - Srs. Deputados, para tanto, dou-vos um exemplo: se o Partido Socialista existisse quando abriu o primeiro supermercado em Portugal, com certeza que diria que isso não se deveria fazer, porque as varinas, os merceeiros, as hortaliceiras e toda essa gente que andava com a canastra à cabeça ia parar ao desemprego!
Protestos do PS.
É essa a postura de VV. Ex.as Contudo, hoje vão ao supermercado e encontram lá toda essa gente empregada. Está, pois, aqui em causa um processo de reconversão.
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Porém, as falências poderão ser mais graves se, realmente, não houver a reconversão e se não começarem a surgir novas empresas que absorvam essas pessoas.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Há ou não há? Responda a isso!
O Orador: - Há Sr. Deputado Manuel dos Santos. Mas enquanto a taxa de desemprego se situar ao nível dos 5 % - de acordo com o Boletim de Conjuntura do Banco de Portugal de ontem - a situação é controlável. No dia em que a nossa taxa de desemprego começar a atingir os valores existentes nos outros países da Comunidade, aí a situação poderá ser mais preocupante no plano social. Actualmente, a minha resposta é não. E a taxa de desemprego que responde por mim.
Aplausos do PSD.
Quanto à questão do escudo alto, o que os senhores pretendem é dinamizar as exportações com base numa desvalorização cambial.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Vê-se logo que nunca esteve na indústria!
O Orador: - Ora, isso quer dizer que as empresas não se muniram de menores custos de produção, de melhor produtividade, para fazer face à concorrência exterior e que, no fim, recorrendo à taxa de câmbio, tentam ganhar competitividade lá fora através dos preços. Isso é, como disse na minha intervenção, adiar o futuro, fazer a fuga para a frente e solucionar o presente para adiar o futuro. Isso foi o que VV. Ex.as fizeram.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - V. Ex.ª nunca esteve na economia real!
O Orador: - Nessa medida, dou uma ajuda aos Srs. Deputados Ferro Rodrigues e António Guterres, já que este último anda por aí aflito com as diferenças entre o PSD e o PS. Ora, aqui está uma boa diferença para o leque daquelas de que andam à procura: enquanto os senhores olhavam para o presente, nós olhámos para o futuro.
Aplausos do PSD.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Isso não é verdade!
O Orador: - Sr. Deputado Manuel dos Santos, V. Ex.ª, assim, vai, inevitavelmente, continuar a dizer a mesma coisa lá fora, porque não ouve o que eu digo, e vai continuar a fazer as mesmas críticas!
Sr. Deputado, gostava de trazer a esta Câmara aquilo que tem sido a minha leitura -e que é, obviamente, a leitura dos Portugueses - das políticas alternativas da oposição para fazer face à crise internacional.
Em primeiro lugar, em matéria de política orçamental, os senhores defendem mais défice público para aquecer a economia. Esta primeira medida é profundamente inflacionista.
Em segundo lugar, em matéria de política de rendimentos, o que é que VV. Ex.as defendem? Defendem que se deve puxar ao máximo o acordo de concertação social para subir os salários acima da inflação. Trata-se também de uma medida perfeitamente inflacionista.
Em terceiro lugar, em matéria de política cambial, o que é que os senhores defendem? Defendem a desvalorização do escudo, que é também uma medida perfeitamente inflacionista.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Essa é a perspectiva de um bancário!
O Orador: - A minha pergunta não é para o Partido Comunista Português, porque esse joga na política da "terra queimada" e, por isso, é evidente que defende uma situação deste género, mas, sim, para o Partido Socialista, que aqui ratificou o Tratado de Maastricht, em que a inflação é o primeiro objectivo da convergência nominal. Para onde iria a inflação se os senhores fossem Governo? Iria, com certeza, para os 29 % ou 30 %, pois foi onde esteve quando W. Ex." passaram pelo Governo.
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
Estas são as medidas alternativas da oposição, nomeadamente do Partido Socialista e do Partido Comunista.
Para acabar, Srs. Deputados, diria, muito simplesmente, isto: não há dúvida de que, em Portugal, os próprios índices do Instituto Nacional de Estatística, relativamente ao conforto dos Portugueses, demonstram que temos andado no bom sentido e que muito se tem feito - isso é inegável! -, mas também é verdade que muito há por fazer.
Sabemos que muito há por fazer não pelo facto de se terem feito passeatas por Lisboa e por Setúbal e se ter visto que ainda existem barracas, pois nós sabemos que existem e queremos acabar com elas, mas, sim - e essa é a melhor prova -, porque o povo português votou no PSD. Se não hovesse nada para fazer, teria votado do PS, quase de certeza absoluta.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para defesa da sua honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, V. Ex.ª veio, no fim de contas, na fase inicial da sua intervenção, procurar branquear uma intervenção que aqui fiz, neste Plenário, há cerca de 15 dias, dizendo que que os fundos comunitários foram aplicados com rigor.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Ninguém falou em si!
O Orador: - Sr. Deputado, começaria por lhe dizer que se, em Portugal, houvesse uma medalha para o trio da grande anedota nacional, ela teria de ser dada a V. Ex.ª, ao Sr. Ministro das Finanças e ao Sr. Ministro da Agricultura, e eu explico porquê.
O Sr. Ministro das Finanças disse que vivemos num oásis, o Sr. Ministro da Agricultura deu hoje uma entrevista a um jornal, dizendo que não há crise na lavoura e o Sr. Deputado Rui Rio vem hoje dizer que Portugal é um País de sucesso.
O Sr. Rui Carp (PSD): - O Dr. Mário Soares também o disse!
O Orador: - Repare, Sr. Deputado, que o Governo do seu partido recebe, por ano, 500 milhões de contos de fundos comunitários, recebe 250 milhões de contos das privatiza-
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coes, aumenta os impostos e, mesmo assim, a situação, hoje, é de grande crise nacional!
Protestos do PSD.
A indústria está numa profunda crise; a agricultura desde há muitos anos que não se encontra numa crise profunda como a que actualmente vive; e o turismo e os serviços...
Vozes do PSD: - Onde é que está a defesa da honra?!
O Orador: - Os senhores, com tanto dinheiro, destruíram, de facto, a grande possibilidade portuguesa.
O Sr. Deputado diz que os fundos comunitários foram aplicados com rigor. No entanto, devo dizer-lhe que tal não 6 verdade, porque o que o Governo do seu partido faz é traficância com esses dinheiros, e eu explico-lhe porquê.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Campos, peco-lhe que se circunscreva ao tema, que é o da defesa da sua honra pessoal.
Vozes do PSD: - Onde é que está a defesa da honra?!
O Orador: - Sr. Presidente, vou ser breve.
O Governo não actua onde sabe que há roubo, e vou demostrar isso para desmentir uma afirmação pública, de há dias, do Sr. Deputado Pacheco Pereira.
Primeiro, denunciei aqui uma causa que nunca tinha sido denunciada pelo próprio Governo; segundo, o Governo sabia o que se passava, porque tinha na mão, desde 1991, o resultado de uma inspecção privada a uma cooperativa, que informava que havia roubo na aplicação dos fundos comunitários; e, terceiro, o Governo mandou o INGA fazer um inquérito...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir, porque já ultrapassou o seu tempo.
O Orador: - Sr. Presidente, vou concluir.
O Sr. Presidente: - Mas peco-lhe que o faça já!
O Orador: - ..., e o resultado foi dizer que não havia roubo. Fui eu que fui buscar os papéis para demonstrar que tal roubo existia. Hoje, isso encontra-se demonstrado em termos de opinião.
Protestos do PSD.
Os senhores não fiscalizam, os senhores traficam com dinheiro! Desafio-os a desmentir o que disse.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Campos...
O Orador: - Os senhores traficam para ganhar eleições e não para...
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado António Campos.
Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, penso que, para o Sr. Deputado António Campos, esta questão da Cooperativa de Torres Vedras já começa a ser do domínio patológico e já é obsessivo, pois já não fala noutra coisa, só sabe falar nisso.
Aplausos do PSD.
Protestos do Deputado do PS António Campos.
Sr. Presidente, quando o Sr. Deputado António Campos se calar, continuarei.
O Sr. Presidente:- Sr. Deputado António Campos, agradecia que deixasse falar o orador, pois ele não quer ser interrompido.
O Orador: - O Sr. Deputado António Campos tem "vendido", na comunicação social, a imagem de que pretende a moralização de tudo isto, uma moralização que, agora, põe em causa.
O discurso sobre a degradação moral ouço-o eu, neste país, há muitos anos, pois também o ouvi em 1983 e em 1984, quando diziam que a degradação moral ia desde o Minho a Macau. Lembro-me perfeitamente disso, Sr. Deputado!
Protestos do PS.
Portanto, o discurso da degradação moral é fácil de se fazer. O Sr. Deputado pretende vender a imagem de um grande moralista, mas deixe que lhe diga que V. Ex.ª não está minimamente interessado em solucionar os problemas que levantou, porque eles são do foro judicial. V. Ex.ª está apenas interessado em atacar o Governo e em passar para o foro político um assunto que é, eminentemente, do foro judicial.
Aplausos do PSD.
O Sr. António Campos (PS): - São políticos!...
O Orador: - V. Ex.ª resolveu dar documentos à comunicação social e não os deu a esta Assembleia, como se impunha.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem! É uma vergonha!
O Orador: - Porquê, Sr. Deputado?
Portanto, estou à espera de que V. Ex.ª ainda venha trazer a esta Assembleia o caso do padre Frederico, da Madeira, como sendo da culpa do Governo! Só estou à espera disso, pois só faltava essa!
Aplausos do PSD.
Para terminar, quanto à questão dos fundos estruturais serem bem ou mal aplicados,...
O Sr. António Campos (PS): - Desbaratados!...
O Orador: - ... não é o Governo nem o PSD que o diz mas, sim, o Tribunal de Contas da Comunidade, que é quem fiscaliza esses actos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para defesa da honra da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, utilizo esta figura regimental na verdadeira
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acepção da palavra e com o espírito com que ela se encontra incluída no Regimento.
Não aceitamos, da parte do Sr. Deputado Rui Rio ou de qualquer outro Sr. Deputado desta Câmara, que digam que o Partido Comunista Português tem uma política de "terra queimada".
Defendemos os interesses de Portugal, da economia portuguesa e dos Portugueses, de acordo com a nossa perspectiva do que são as soluções para defender esses interesses. Defendemos, criticamos e apontamos as medidas que, do nosso ponto de vista, devem ser atendidas e aplicadas e, por isso, não aceitamos que nos acuse de propormos uma política de "terra queimada".
Se há aqui alguém que esteja a propor e, mais do que isso, a praticar uma política de "terra queimada"...
O Sr. Silva Marques (PSD): - São os socialistas! Quanto a isso estou de acordo!
O Orador: - ... não há dúvida que esse alguém é o Governo, porque é ele que está a "queimar" a agricultura portuguesa; que está a demolir a indústria portuguesa; que está a atacar fortemente os trabalhadores portugueses, através de propostas de aumento salarial inferiores à taxa de inflação.
É o Governo que está a praticar uma política de "terra queimada" quando aparece, pela voz do Sr. Ministro das Finanças, a fazer ameaças às empresas, manifestando a sua natureza autoritária e a do Governo, que aceitem aumentos salariais superiores a 6 %, de que serão castigadas e penalizadas, de forma perfeitamente ilegal, porque não há qualquer diploma legal que possa sustentar essas ameaças.
Finalmente, Sr. Deputado, se há política de "terra queimada" é a que é feita pelo Governo, que, estando nós no final de Fevereiro do ano de 1993, até hoje não se lembrou de fazer aprovar o valor do novo salário mínimo nacional, a que se encontra obrigado pela Constituição e pela lei. Para quando essa aprovação? Essa, sim, é uma política de "terra queimada" contra os Portugueses e, neste caso concreto, contra os trabalhadores que estão em piores condições económicas e financeiras.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, se se sentiu desconsiderado pela minha intervenção, vai ter de se sentir como tal outra vez, porque vou manter o que disse, isto é, que o Partido Comunista faz a política da "terra queimada", e a intervenção que V. Ex.ª acabou de fazer é a prova evidente disso.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª está interessado em demonstrar o insucesso do capitalismo e, nessa medida, como é que pode estar interessado em construir alguma coisa num sistema em que não acredita?!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Você é mesmo completamente ignorante!
O Orador: - Aliás, o que é que VV. Ex.as fizeram em 1975? Quais foram os resultados da vossa actuação? Eles são tão evidentes que nem vale a pena repeti-los aqui.
Relativamente ao discurso que V. Ex.ª acabou de fazer, quer que lhe prove como fez a política de "terra queimada"?
Então, quem é que vem a esta Câmara fazer o discurso da crise?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas ela existe!
O Orador: - Quem é que vem a esta Câmara dizer que tudo está mal, que tudo está em crise e que tudo está em falência? É o Partido Comunista!
Então, V. Ex.ª vem dizer uma coisa destas e, a seguir, propõe aumentos salariais completamente disparatados?! Então, isto é ou não política de "terra queimada"? Então, se tudo está em crise, vêm propor aumentos salariais? Foi V. Ex.ª que o disse agora!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E tanto querem boicotar o acordo social que, se houver algumas pessoas na CGTP com algum bom senso, VV. Ex.as tentam correr com elas, tal como estão a fazer com o sindicalista José Luís Judas.
Aplausos do PSD.
O Sr. João Amaral (PCP): - Assim nunca mais ganha ao Menezes!...
O Sr. Presidente: - Para defesa da honra da respectiva bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
Protestos do Deputado do PSD Duarte Lima.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Duarte Lima não vai ter oportunidade de exercer a sua actividade fiscalizadora da forma como a Mesa dirige os trabalhos, porque a minha intervenção vai corresponder exactamente àquilo que V. Ex.ª anunciou.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas não foi isso o que se passou com a do seu colega António Campos!
O Orador: - Em primeiro lugar, diria que o Sr. Deputado Rui Rio errou (e não digo mentiu) quando aqui afirmou que o Tribunal de Contas da Comunidade faz um juízo positivo, do ponto de vista político- aliás, não compete ao Tribunal de Contas da Comunidade fazer esse tipo de avaliação e o Sr. Deputado e o Sr. Deputado Rui Carp sabem-no muito bem.
Portanto, errou ao afirmar que o Tribunal de Contas da Comunidade faz um juízo positivo sobre a aplicação das verbas transferidas através dos fundos comunitários para Portugal. Esta é a primeira observação que quero fazer-lhe.
Em segundo lugar, a observação que quero fazer-lhe tem a ver com uma afirmação gravíssima que V. Ex.ª imputou ao meu partido e que é a de que, quando o PS denuncia uma situação de corrupção clara e evidente, segundo diz V. Ex.ª, não está a colaborar com o Governo e não está a prestar um bom serviço ao País.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Pois não! Porque isso está na área judicial!
O Orador: - Poderia estar na área judicial! Mas repare que o Sr. Ministro da Agricultura- e agora também o Sr. Deputado Rui Rio - reduziu a questão da corrupção a uma questão de percentagem! A partir do momento ..
Sr. Ministro da Agricultura apareceu na televisão a dizer que havia corrupção em Portugal, mas que era pouco significativa porque, em termos percentuais, era muito
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inferior à média europeia, deixou de ser uma questão judicial para ser uma questão política.
Vozes do PS: - Muito bem!
Aplausos do PS.
O Orador: - Portanto, o Sr. Deputado Rui Rio, ao fazer essa acusação insultou o PS pelo que não podemos deixar de reagir a essa referência.
Em terceiro lugar, disse V. Ex.ª que tínhamos uma política salarial laxista e também aí faltou à verdade. As posições que o PS tem defendido em política salarial são posições de moderação salarial, apenas medidas e orientadas por aquilo que for a taxa efectiva e real da inflação acrescida do diferencial da produtividade. Sempre tivemos o mesmo discurso.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Quem?
O Orador: - Todos nós, incluindo o porta-voz do PS para a área das Finanças . o Professor Daniel Bessa. Sempre tivemos esse discurso e é o discurso que mantemos.
Risos do PSD.
V. Ex.ª disse ainda que o PS defendia sistemáticamente o aumento do défice orçamental. Pessoalmente, não sou dos que fazem da sua contenção um fétiche inatacável, mas não é verdade aquilo que disse! O que o PS fez, quando aqui se discutiu o Orçamento de Estado para este ano, foram propostas muito concretas que alteravam ligeiramente o défice orçamental, que passavam por cortes significativos em despesas improdutivas que o PSD tem nos gabinetes dos ministros, nas assessorias e nos sacos «laranja» que mantém junto do Governo, é que passavam essencialmente pelo reforço de verbas para a habitação social.
Portanto, V. Ex.ª também não tem razão quanto a isso.
O Sr. Silva Marques (PSD): - E Belém? E os sacos «rosa»?
O Orador: - Afirmou também, V. Ex.ª que o PS e pela política de desvalorização do escudo, quando sempre temos dito que a integração do escudo no Sistema Monetário Europeu se fez de maneira errada. O que aconteceu, foi que a taxa centra foi mal fixada e o escudo devia Ter acompanhado a evolução de algumas moedas, nomeadamente da peseta. Isto é completamente diferente 8e já ficou aqui claramente definido noutras ocasiões) daquilo que V. Ex.ª afirmou sobre a desvalorização.
Para terminar, Sr. Deputado, V. Ex.ª diz que baixamos os braços perante questões de crise. Lembro-lhe que, numa situação difícil para o País, o então Ministro das Finanças e hoje Primeiro-Ministro se recusou a integrar um governo da República chefiado por Pinto Balsemão, porque não quis assumir a responsabilidade das políticas erradas que tinha aplicado antes. E isso é que é demissionismo, isso é que é baixar os braços!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Relativamente ao mesmo erro de o Tribunal de Contas da Comunidade não Ter feito essa apreciação, ele não foi meu, pois isso li por diversas vezes e em diversos locais.
Portanto, o erro é de muita gente e não é só meu! Será talvez, o erro do Sr. Deputado Manuel dos Santos, que não leu, mas que isso veio publicado, lá isso veio!
Quanto à questão da denúncia de corrupção - e não posso alongar-me dessa questão, porque, necessariamente, iria repetir-se -, o que disse é que o PS e o Sr. Deputado António Campos não estavam interessados em denunciar a corrupção, mas sim em atacar o Governo numa matéria que não tem a ver directamente com o foro político. Já disse isto, não vale a pena continuar a dizer as mesmas coisas.
Quanto à questão da moderação salarial, quem defendeu a moderação salarial foi o porta-voz do PS para a economia - não foi o Grupo Parlamentar do PS, que o desautorizou. E, segundo li nos jornais de hoje e vi na televisão, quem conta, realmente, são os porta-vozes. Por exemplo, o Deputado Eurico de Figueiredo, fez uma afirmação e o Deputado António Guterres disse que a afirmação é dele, não é do PS, porque ele não é o porta-voz e o porta-voz é que conta.
Nesta dança de porta-vozes para os porta-vozes para lá, coordenadores para cá, coordenados para lá, estou um bocado confundido. Mas aquilo de que não apercebi é que é que o Professor Daniel Bessa apoia o que o Governo tem feito o Grupo Parlamentar do PS não apoia.
Quanto ao facto de o PS defender, ou não, a desvalorização do escudo, V. Ex.ª acabou de dizer que o PS defende a desvalorização do escudo em paridade com a peseta. Se é paridade com a peseta ou com a peseta ou com o marco ou seja com quem for, não referi tal. Apenas disse que defendeu a desvalorização do escudo e V. Ex.ª acabou de confirmar aquilo que afirmei.
Quanto às razões do Sr. Professor Cavaco Silva para não Ter integrado o governo do Dr. Pinto Balsemão, tem de lhe perguntar a ele, não a mim, porque não sei.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Carp, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Rui Carp (PSD): - Para defesa da honra pessoal, relativamente a uma firmação que o Sr. Deputado Manuel dos Santos fez.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para esse efeito, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Carp. (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Manuel dos Santos referiu-se ao parecer do Tribunal de Contas, dizendo que não faz elogios a Portugal.
Sr. Deputado, nunca atribuiria afirmações ou posições ao Tribunal de Contas da Comunidade se elas não fossem verdadeiras.
O que é certo é que tribunal de Contas da Comunidade, no seu último relatório sobre a utilização dos fundos comunitárias, aponta Portugal num conjunto de três países que são aqueles onde é mais exemplar o controlo e a aplicação desses mesmo fundos. Desafio V. Ex.ª pode pedir esse relatório, porque existe na Biblioteca desta Assembleia. Podem, então, verificar que o Tribunal de Contas da Comunidade elogia Portugal em termos relativos, no âmbito dos
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12 países comunitários, como sendo o país onde os fundos têm sido melhor aplicados.
A propósito de Europa, V. Ex.ª criticam-nos tanto por só citarmos revistas e jornais anglo-saxónicos, vou citar-lhe o Lê Monde, que dizem ser o último jornal de esquerda que existe na Europa.
O Sr. João Amaral (PCP): - Cinzentão!...
O Orador: - No seu último balanço económico e social de 1992, que tem o título "Crises", refere-se a Portugal com o título "Portugal - Integração acelerada", e diz estas duas frases: "Os dirigentes portugueses mantêm firme o rumo da integração europeia" e, em conclusão: "Parece assim que se encaminha bem para ter sucesso na sua integração numa Europa à qual, por outro lado, está cada vez mais ligado." V. Ex.ª também desmentem o Lê Monde. É essa a questão que coloco.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, é óbvio que o Sr. Deputado Rui Carp aproveitou esta figura para fazer uma intervenção e, no que me diz respeito, vou responder-lhe de imediato.
Antes disso, Sr. Deputado Rui Carp, quanto a essa história da democracia de sucesso, da moeda forte e essas coisas todas, V. Ex.ª, que tanto (e bem, porque é em serviço, não se trata de passeio) tem oportunidade de contactar as instituições internacionais, talvez, quando passar por Bruxelas, possa tentar descobrir a paridade do escudo, por exemplo, nas lojas de troca de divisas. Procure encontrar lá o escudo e talvez tenha uma grande surpresa!
Sr. Deputado, quanto à apreciação do Tribunal de Contas, não é, contrariamente ao que disse o Sr. Deputado Rui Rio, e poderia entender-se da sua intervenção agora, uma apreciação política. Foi isso o que eu disse! O Tribunal de Contas limita-se a ver se os circuitos administrativos decorreram normalmente, mas não faz uma avaliação política! Os Srs. Deputados tentaram fazer passar para a opinião pública a ideia de que o Tribunal de Contas considera exemplar a aplicação dos fundos estruturais, quando não é assim! Tanto não é que o diferencial de crescimento da economia portuguesa em relação à média comunitária tem vindo a diminuir e é inferior ao input dos próprios fundos na economia nacional. Portanto, não é nada disso.
De todo o modo, volto a dizer-lhe que a questão da corrupção não é uma questão estatística. Não é pelo facto de dois países ainda terem uma percentagem maior que o problema em Portugal, é exemplar. Aliás, se a aplicação dos fundos em Portugal fosse exemplar, mesmo nessa óptica, teríamos perdido toda a exemplaridade a partir do momento em que se soube que o Ministro do Emprego e da Segurança Social nomeou quem nomeou para o cargo que nomeou, mas sobretudo a partir das denúncias do meu camarada António Campos em relação ao Ministério da Agricultura.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Lobo Xavier, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Lobo Xavier (CSD): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para esse efeito, Sr. Deputado.
O Sr. Lobo Xavier (CSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para esse efeito devido ao facto de o Sr. Deputado Rui Rio ter omitido completamento o CDS das suas palavras - até por omissão se podem fazer desconsiderações que pedem "lavagem" e que pedem sanção!
No fundo, as únicas coisas positivas que o Sr. Deputado Rui Rio referiu, apesar de o tom geral ser optimista é o caminho em direcção à convergência é o cumprimento das metas, é o cumprimento dos índices. Aquilo que queria dizer-lhe é que corremos o risco de já só em Portugal se falar disso, de convergência de cumprimento dos índices, de respeito pelos prazos das etapas da União Económica e Monetária; corremos o risco de isso já só ter sentido em Portugal ou na Alemanha.
De que lhe adiantam, Sr. Deputado Rui Rio, esses números espantosos sobre frigoríficos ou sobre balança de pagamentos, se V. Ex.ª não quer conhecer a verdade que está por trás deles? De que lhe adiantam esses números, se V. Ex.ª sabe que, ao pé da porta, não encontra ninguém satisfeito, sabe que não encontra nenhum agente económico e social satisfeito, sabe que há uma instabilidade e uma intranquilidade económica grandes no País? De que lhe adianta propagandear esses números, se sabe que a realidade, ao pé de si, os desmente completamente?
É porque há justificações para isso! Há muitas justificações para que esses números batam certo e para que toda a gente esteja descontente. As justificações são muitas, não podem ser dadas rapidamente, mas algumas delas chamam-se fundos comunitários.
Ainda lhe daria mais um trunfo, além dos que V. Ex.ª já referiu: ainda pode dizer que, em Portugal, há uma grande paz social e uma grande tranquilidade social, não há greves nem manifestações, nem há operários na rua!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Porque os trabalhadores compreendem!
O Orador: - V. Ex.ª poderia ainda brandir essa bandeira!
No entanto, isso acontece por várias razões, algumas das quais ligadas aos fundos. É que o modo como, em Portugal, se aplicam os fundos comunitários acaba por neutralizar os parceiros sociais, desde sindicatos a associações empresariais. De qualquer forma guardaremos o pormenor destas questões para outra altura, mais adiante.
Quanto aos numeras relativos ao desemprego, Sr. Deputado Rui Rio, V. Ex.ª sabe quantos empregos estão dependentes de suspensões de execuções da segurança social e das Finanças? Sabe quantos empregos são falsos empregos por causa das decisões de suspender e de ignorar as execuções da segurança social e das Finanças? Se V. Ex.ª tivesse uma ideia sobre esses números, talvez isso pudesse mostrar-lhe como é que se jogam esses números optimistas, esses índices optimistas com a realidade que sei que V. Ex.ª conhece, designadamente no seu distrito.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Deputado António Lobo Xavier, julgo não ter omitido o CDS. Não fiz nenhuma referência específica, porque o Sr. Deputado não colocou nenhuma questão concreta embora tenha tecido uma série
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de considerações. Nas que fiz depois, estão incluídas as respostas.
Referiu, por exemplo, que eu vinha aqui fazer uma contra-ofensiva. Ora, nas minhas respostas, disse que não vinha fazer contra-ofensiva que vinha mostra a realidade.
Assim, dei a resposta sem Ter citado especificamente o CDS.
Afirmei que «não podemos confundir a árvore com a floresta». Foi uma resposta ao CDS.
O Sr. Deputado António Lobo Xavier também aqui veio dizer que a comunicação social hoje - e penso que se refere ao Jornal Público - abordar a crise generalizada no País. Ora, o que aqui disse foi que a comunicação social traz, hoje notícias da crise internacional e, com certeza, também da componente portuguesa.
O Sr. António José Seguro (PS): - Da componente portuguesa?
O Orador: - Por aí, penso Ter respondido ao CDS e não foi, com certeza, por desconsideração que não referi especificamente o CDS.
Quanto aos dados do desemprego, que agora referiu, tenho em conta os dados do Instituto Nacional de Estatística. Não posso pegar noutros! Poderia pegar nos dados da CGTP-Intersindical, publicados o Expresso da semana passada, mas tenho mais confiança nos do Instituto Nacional de Estatística.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não baralhe!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Quais são os números?
O Orador: - E quando o Sr. Deputado Silva Marques lhe perguntar quais são os números, o Sr. Deputado pode, pois tecer essas considerações. Mas quais são os números! Temos de jogar com os números que temos.
Relativamente à intranquilidade que existe, devo dizer-lhe, Sr. Deputado António Lobo Xavier, que, como é evidente, existe alguma, mas a minha missão hoje, aqui é precisamente a de tentar transformar essa intranquilidade em alguma confiança e de transformar que as coisas estão seguras e no bom caminho.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É essa hoje a minha missão aqui.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto termos já ultrapassado, no período de antes da ordem do dia, o tempo regimental das intervenções políticas em cerca de cinco minutos e por este ser, segundo o artigo 75.º do Regimento, improrrogável, vamos passar à votação do voto n.º 63/VI - De protesto, condenando as violações dos direitos humanos, na ex-Jugoslávia, apresentados pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e das propostas de alteração do PCP, que, aliás, já foram distribuídas.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Sendo assim, vamos votar, em primeiro lugar, a proposta de alteração na parte em que propõe a substituição do parágrafo «Condena vivamente as detenções e violações sistemáticas de mulheres e crianças muçulmanas na Bósnia» por «Condena vivamente as detenções e violações sistemáticas de mulheres e crianças na Bósnia, praticados por todas as partes em conflito;»
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, do PS e do CDS e votos a favor do PCP de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alteração na parte em que propõe o aditamento de um novo parágrafo ao texto que é do seguinte teor:
Considera que os atentados contra os direitos humanos, incluído as atrocidades praticados contra mulheres e crianças, só serão plenamente erradicados com uma solução política para o conflito na ex-Jugoslávia e exorta todas as partes a que desenvolvam efectivos esforços que conduzam ao rápido fim da guerra.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.
Srs. Deputados, vamos, finalmente, passar à votação do texto final do voto n.º 63/VI.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé e abstenções do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É o seguinte:
Voto n.º 83/VI
De protesto, condenando as violações dos direitos humanos na ex-Jugoslávia.
Considerando as violações sistemáticas dos direitos humanos perpetuadas no território da ex-Jugoslávia, com a deslocação forçada de populações civis, a prática sistemática de torturas, homicídios e humilhações de toda a ordem.
Considerando que as violências praticadas aparecem como fazendo parte de uma estratégia deliberada de limpeza étnica que atinge, com uma ferocidade inimaginável as mulheres e as crianças.
Considerando os inúmeros testemunhos que atestam que as violações e outros abusos sexuais, vêm sendo sistemáticamente utilizados como armas de guerra, tendo como vítimas principais as mulheres e as crianças bósnias muçulmanos - atingindo várias dezenas de milhares de pessoas - frequentemente detidas em locais utilizados especificamente para este efeito e obrigadas a levar termo a gravidez daí resultante, em insuportáveis condições de mutilação psicológica e humana.
Considerando que estas atrocidades estão a suscitar uma onda de revolta na consciência democrática dos Europeus.
Tendo em conta a Convenção de Genebra sobre a protecção das vítimas de guerra.
Tendo em conta a Carta das Nações Unidas e a declaração sobre a protecção das mulheres e das crianças em situações de emergência e conflitos animados.
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Tendo em conta a declaração do Conselho Europeu de Edimburgo sobre o tratamento inflingido às mulheres muçulmanas da Bósnia;
Tendo em conta a Resolução do Conselho de Segurança que apoia a iniciativa do Conselho Europeu;
Tendo em conta a resolução do Parlamento Europeu sobre as violações das mulheres na ex-Jugoslávia;
Tendo em conta a resolução da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa sobre as violações massivas e flagrantes de direitos humanos no território da ex-Jugoslávia;
Consternada com a constatação de que no final do século XX cidadãos europeus retomam comportamentos e práticas de uma barbaridade inultrapassável:
A Assembleia da República:
Condena veementemente todos os atentados contra os direitos humanos das populações civis na ex-Jugoslávia;
Condena firmemente a "purificação étnica" que lembra os mais vergonhosos momentos da história da Europa;
Condena vivamente as detenções e violações sistemáticas de mulheres e crianças muçulmanas na Bósnia;
Apoia as propostas no sentido de que a violação seja expressamente considerada como crime de guerra e de que os seus autores sejam julgados e condenados;
Considera que os Estados das Comunidades Europeias devem facilitar a concessão de asilo às mulheres e crianças vítimas de violação;
Considera que a violação seguida de procriação forçada é um atentado extremo contra a dignidade da pessoa humana e atinge não só as vítimas directas como as crianças geradas em circunstâncias abomináveis;
Considera que os Estados da Comunidade Europeia devem empenhar-se no auxílio médico e humanitário e na simplificação dos mecanismos de concessão às mulheres vítimas de violação de vistos de acesso a territórios de acolhimento;
Considera que o Estado Português deve continuar a apoiar os auxílios comunitários e internacionais e o acolhimento em Portugal de crianças e mulheres vítimas da guerra, que seguramente encontrarão nos Portugueses solidariedade, carinho e respeito;
Considera que os atentados contra os direitos humanos, incluindo as atrocidades praticadas contra mulheres e crianças, só serão plenamente erradicados com uma solução política para o conflito na ex-Jugoslávia e exorta todas as partes a que desenvolvam efectivos esforços que conduzam ao rápido fim da guerra.
Srs. Deputados, como se recordarão, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias elaborou este voto a partir de uma solicitação feita pela Presidente do Bundestag e, como é natural, encaminhá-lo-ei para a Sr.ª Rita Sussmuth.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, se me fosse permitido, sem ultrapassar 10 segundos, gostaria de justificar o nosso voto de abstenção.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa abstenção resultou, apenas, de ter sido rejeitada a nossa proposta de substituição, na medida em que pretendíamos que fossem, vivamente, condenados pela Assembleia da República as detenções e violações sistemáticas de mulheres e crianças em toda a Bósnia e não apenas as que estão a ser praticadas nas mulheres e crianças muçulmanas.
Foi esta a razão da nossa abstenção.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de explicar a posição do PSD em relação à questão agora levantada pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra e dispõe também de 10 segundos.
A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD votou a favor de uma resolução que condena todas as violações de direitos humanos praticadas na ex-Jugoslávia, seja contra quem for. E o ponto referido, em particular, pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira tem a ver com o facto de considerarmos, segundo todas as informações que detemos, que as violações contra as mulheres muçulmanas na Bósnia assumem um carácter sistemático e deliberado de arma de guerra de uma das partes e que merece, por isso, também uma condenação particular.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins, dispondo para esse efeito de 10 segundos.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, quero dizer que condenamos as violações, todas elas, quaisquer que sejam, na ex-Jugoslávia, particularmente as violações sistemáticas cometidas em relação a mulheres e crianças muçulmanas por parte de sérvios.
Por outro lado, congratulamo-nos com as decisões do Conselho de Segurança da ONU, que cria um tribunal internacional especial para julgar estes crimes de guerra.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 35 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem dia, com a aprovação dos n.ºs 25, 26, 27, 28, 29 e 30 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias l, 7, 8, 12, 14 e 15 de Janeiro próximo passado.
Pausa.
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Visto não haver objecções, dou por aprovados os respectivos números do Diário da Assembleia da República.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação dos projectos de lei n.ºs 148/VI (PS, PCP, CDS e Os Verdes) - Estatuto do cooperante e voluntário das ONGD, e 263//VI (PSD) - Estatuto das Organizações não Governamentais de Cooperação para o Desenvolvimento.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.
A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputadas: Na base do agendamento de hoje estão duas propostas de legislação entregues à Comissão de Negócios Estrangeiros pela Plataforma Nacional das Organizações não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD), em Maio de 1991.
Começamos por saudar essa iniciativa, vendo nela uma expressão da vitalidade dessas organizações e, simultaneamente, um apelo a um maior reconhecimento por parte dos poderes públicos em relação ao trabalho que têm vindo a realizar.
Decorridos quase dois anos desde essa data, devemos uma palavra de esclarecimento à Plataforma Nacional das ONGD sobre as razões da demora com que respondemos ao seu apelo.
Era vontade nossa - e das organizações proponentes - que a iniciativa legislativa, decorrente das propostas apresentadas, fosse comum a todos os grupos parlamentares. Ora, só em Julho de 1992 o PSD deu o seu aval ao projecto, lei sobre a Estatuto das Organizações não Governamentais para o Desenvolvimento e só ontem deu a conhecer à Comissão o seu projecto próprio de legislação sobre a mesma matéria.
O estatuto do cooperante e voluntário proposto pelas ONGD deparou ainda com maiores dificuldades.
Em Julho passado, o PSD anunciou à Comissão a sua intenção de apresentar a esta Câmara um projecto de carácter global sobre o estatuto do cooperante, no qual se enquadraria a situação particular dos cooperantes e voluntários das ONGDE. Esse projecto ainda não foi entregue. Continuamos a aguardá-lo com expectativa, lamentando que um tão longo período de tempo não tenha sido suficiente para que o seu agendamento se fizesse também hoje, como esperávamos.
Pela nossa parte, esforçámo-nos, consistentemente, ao longo deste período, para que as propostas das ONGD fossem aprovadas por consenso. Introduzimos e aceitámos alterações. Clarificámos conceitos e mecanismos de aplicação. E agora, resta-nos desejar que as novas propostas do PSD não sejam motivo para novos atrasos.
O papel das ONGD na cooperação é demasiado importante para se tornar prisioneiro da lenta conciliação de interesses a que sucessivas consultas ministeriais parecem querer subordiná-lo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. A matéria legislativa hoje em debate implica, por parte de todos nós, o reconhecimento do papel que as ONGD desempenham nas sociedades do nosso tempo. Considero, por isso, oportuno recordar aqui, em largos traços, as grandes etapas que marcaram o movimento ONGD na Europa das últimas décadas.
Remete-se habitualmente a origem da cooperação voluntária ou da ajuda benévola ao desenvolvimento para o início dos anos 60 - altura em que as Nações Unidas decretaram a Primeira Década Mundial do Desenvolvimento. Na realidade, porém, as suas raízes mergulham mais longe, remontam aos anos distante em que missionários recrutavam auxiliares leigos para os acompanharem na sua obra de evangelização e educação das populações dos territórios ultramarinos, onde se instalavam.
A década de 50 vê surgir nos Países do Norte as primeiras equipas de voluntários que prestam serviços de vária ordem nas então colónias desses países.
Mas é efectivamente, nos anos 60, marcados pela luta pela independência dos povos colonizados, que se opera a nível internacional a tomada de consciência das desigualdades mundiais que está na base da mobilização de grupos de cidadãos para a ajuda ao Terceiro Mundo.
Surge, assim a primeira geração de organizações não governamentais preocupadas em desenvolver programas de assistência humanitária e técnica em países e territórios subdesenvolvidos. Na Europa e na América do Norte, grupos significativos de cidadãos organizam-se para pôr de pé esses programas: angariam fundos; formam voluntários; instalam no terreno hospitais; escolas, projectos de acção social e comunitária.
Essas formas de ajuda mantêm-se ao longo da década de 70, mas as suas premissas passam a ser outras. Feito o balanço do trabalho realizado, cresce a convicção de que o que está em causa é o modelo de desenvolvimento e não apenas a reparação dos seus estragos. As ONG, empenham-se, então, em chamar a atenção da opinião pública dos seus países, para a injustiça das relações internacionais, ao mesmo tempo que se esforçam por desenvolver no terreno acções de consciencialização cívica e política, tendentes a formar e apoiar as comunidades locais. Exemplo desse tipo de actuação foi entre nós, a actividade desenvolvida pelo CIDAC nas então colónias/portuguesas no período imediatamente anterior à Revolução de Abril.
É essa, pois, a tónica da chamado Segunda geração de organizações não governamentais para o Desenvolvimento. Os efeitos da sua acção, são bem conhecidos, quer em África, quer na América Latina, as ONG dos Países do Norte desempenharam um papel preponderante na formação das primeiras gerações de leaders, que vieram a assumir responsabilidades políticas e sindicais nos respectivos países.
Nos anos 80, o panorama é já outro o agravamento dos desequilíbrios mundiais conduz as ONGD a uma nova revisão das suas finalidades e estratégias de intervenção. Porque esses desequilíbrios são estruturais, as ONGD reconhecem que a sua acção terá de ser, cada vez mais, conjugada com os programas governamentais de acção humanitária e cooperação para o desenvolvimento.
Surgem então os agrupamentos da ONGD, que conjugam os seus esforços em domínios específicos, ao mesmo tempo que reforçam a sua representatividade, procurando negociar com os governos e instâncias intergovernamentais o seu espaço próprio de intervenção. Surge também, sobretudo no fim da década, a noção de que os projectos de cooperação devem realizar-se em termos de «partenariado» com organizações locais, o que aumenta as condições de inculturação da ajuda externa, assegurando-lhe, simultaneamente, uma maior continuidade.
Por outro lado, a vertente dominante da cooperação volta a ser mais técnica do que política. Se existe uma terceira geração de ONGD, ela é a do «técnicos sem fronteiras», de que os médicos são entre nós, a versão mais conhecida. Trate-se de jovens recém-formados, de técnicos recrutados às empresas ou serviços ou ainda de cidadãos já em situação de reforma, o ponto de partido é o mesmo: cabe-lhes realizar missões de reforma, o ponto de partida é o mesmo: cabe-lhe realizar missões bem específicos em
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termos contratuais claros e sempre por um período limitado.
Finalmente, os anos 80 reforçam nas ONGD a convicção de que a globalização dos problemas do desenvolvimento não permite responder de forma isolada às necessidades dos países do Sul. Daí a preocupação crescente em articular dois domínios de intervenção: por um lado, a sensibilização da opinião pública dos países industrializados para as grandes questões da justiça e da solidariedade entre os povos e, por outro, as acções directas de cooperação com os países do Sul, quer na sua vertente de assistência técnica, quer enquanto canalização de recursos humanos e materiais face a situações de catástrofe ou de emergência.
Em Portugal, o aparecimento de um movimento organizado de associações vocacionadas para a cooperação só se dá em meados dos anos 80 quando um conjunto de ONGD decide agrupar-se numa reunião nacional, que gradualmente se converte em plataforma aberta a todas as pessoas colectivas de direito privado, sem fins lucrativos, activas no domínio da cooperação para o desenvolvimento.
A Plataforma Nacional das ONGD conta actualmente com 38 organizações membros e é parte integrante da assembleia geral das ONGD europeias, tendo assento no comité de haison e nos grupos de trabalho que asseguram as ligações entre as organizações nacionais e a Direcção-Geral para o Desenvolvimento da Comunidade Europeia.
Cada ONGD tem, como não pode deixar de ser, características próprias e um âmbito específico de actuação. As normas de admissão na Plataforma obedecem, no entanto, a critérios definidos em comum que implicam, designadamente, e cito o regulamento interno: "Prática de cooperação com países em vias de desenvolvimento, traduzida no apoio directo e efectivo a projectos de ajuda a esses países e empenhamento em acções de informação e sensibilização da opinião pública, com o objectivo de motivar a sociedade civil para um maior empenhamento na cooperação entre os povos."
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Os diplomas em apreciação são simultaneamente uma prova da importância que as ONGD têm já hoje na sociedade portuguesa e um novo patamar de exigência no trabalho que elas se propõem realizar.
No que respeita ao estatuto das ONGD - projectos de lei n.ºs 148/VI e 263/VI -, importa-nos sublinhar a necessidade de conjugar o máximo rigor com a máxima abertura na definição dos objectivos e áreas de intervenção das ONGD, de modo a evitar imprecisões que alterem a especificidade própria dessas organizações.
Nesse sentido, tivemos já ocasião de chamar a atenção do PSD para a ambiguidade do artigo 5.º do seu projecto, onde se aponta uma vasta lista de áreas de actuação das ONGD, afirmando que elas podem ser desenvolvidas indistintamente em território estrangeiro ou nacional. A manter-se esse artigo, a especificidade das ONGD correria o risco de se ver diluída, podendo qualquer associação que desenvolva trabalho no território nacional vir a requerer o estatuto de organização não governamental de cooperaçâo para o desenvolvimento independentemente da sua caracterização como tal.
Consideramos também necessário que venham a ser devidamente corrigidos alguns excessos de regulamentação organizativa que o projecto do PSD contém. Para isso, contamos com a colaboração da Plataforma Nacional das ONGD, que deverá ser de novo ouvida em comissão, tanto mais que alguns aspectos do novo projecto de lei colidem com o acordo a que conjuntamente chegámos na audiência que lhes foi concedida na última semana. Só depois de devidamente ponderadas essas alterações nos poderemos pronunciar em definitivo sobre as vantagens ou inconvenientes das novas soluções apontadas.
Quanto ao estatuto do cooperante e voluntário das ONGD, voltamos a afirmar a nossa disponibilidade para apreciar a proposta de enquadramento global que o PSD se propõe apresentar. Não vale a pena insistir na urgência que essa legislação reveste, tendo em conta não só os projectos e programas de cooperação já em curso da responsabilidade de várias organizações mas, sobretudo, as múltiplas solicitações a que as ONGD não podem dar resposta por carência de meios e de garantias de segurança mínimas.
O nosso propósito continua a ser o da aprovação consensual e célere de toda a legislação nesta matéria, não só para bem dos povos a quem a cooperação se dirige, mas também para bem de todos os portugueses, porque a solidariedade não se satisfaz com discursos de intenção ou com retóricas de boa vontade, só com actos se pratica e se aprende!
Aplausos do PS e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes, quero começar por reconhecer o valor da sua intervenção no que respeita à descrição feita sobre a evolução das organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento e colocar-lhe uma questão.
No n.º l do artigo 7.º do projecto de lei apresentado pelo PSD, relativo ao estatuto destas organizações, lê-se: "As ONGD desenvolvem as suas áreas de actuação no respeito pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pelas políticas nacionais de cooperação definidas para os países em vias de desenvolvimento."
Ora, partindo do princípio de que estas organizações não são governamentais, que reflectem a vitalidade da sociedade civil e o seu empenhamento no relacionamento e cooperação entre os povos, parece-me que este ponto- que, aliás, contraria o disposto no n.º 3 do artigo 8.º, segundo o qual "o apoio do Estado não deve constituir limitação do direito de livre actuação das ONGD" - restringe a capacidade de intervenção e a caracterização fundamental destas organizações, colocando-as, até explicitamente, ao serviço da política dos governos.
Mas essa política não é sinónimo de confiança- tanto pode ser como não - e estas organizações não podem estar dependentes dessa situação. Ainda por cima, sabemos que hoje, no mundo, em nome do apoio ao desenvolvimento, criam-se condições de aprofundamento da dependência dos povos e dos países em vias de desenvolvimento, pelo que gostava de saber se a Sr.ª Deputada não considera tratar-se de uma imposição inaceitável para as ONGD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.
A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé, os meus agradecimentos pela questão colocada. Julgo que esse, como outros pontos
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da proposta de lei apresentada pelo PSD, está ainda em aberto para ser devidamente ponderado pelos vários grupos parlamentares e o PSD tem demonstrado abertura para acolher as sugestões que venham a ser feitas.
Pela minha parte, penso que as ONGD têm intrinsecamente um carácter alternativo, pioneiro, pelo que lhes cabe desenvolver acções-piloto no terreno que não devem ficar subordinadas aos ditames das políticas governamentais. No entanto, haverá com certeza conciliação de interesses no quadro geral em que os acordos forem feitos, razão pela qual julgo tratar-se de uma questão de redacção que poderá vir a ser melhorada posteriormente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes Silva.
O Sr. Rui Gomes Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como geração, compete-nos a nós, hoje, dar razão à razão de sermos portugueses, buscando nos grandes desígnios nacionais a afirmação reiterada e permanente de Portugal no concerto das nações.
A política de cooperação é um desses grandes desígnios, cuja dimensão ética, cultural e política fazem de nós um caso ímpar no relacionamento com os países que os ventos da história levaram a partilhar cinco séculos de vida em comum. Os princípios que têm presidido ao relacionamento de Portugal com os países africanos em desenvolvimento têm de ser entendidos a longo prazo, sem preocupações imediatistas, geradoras de instabilidade.
A consideração da política de cooperação como instrumento de acção diplomática, como vector fundamental de afirmação de Portugal na comunidade internacional, o reforço dos laços históricos e o desenvolvimento do papel dos agentes económicos portugueses, bem como a imperiosa necessidade de criação de vantagens e benefícios para as entidades envolvidas, são os quatro princípios balizadores da actividade da cooperação para o desenvolvimento.
Ao Estado compete criar as condições políticas e económicas para o desenvolvimento da actividade dos seus agentes sem exigir ou ambicionar para si a qualidade de interlocutor único no relacionamento com esses países.
A adequação cultural e humana e o nível tecnológico demonstrados por Portugal fazem do nosso País um parceiro ideal e invejável de muitas acções de cooperação. No plano sócio-cultural ou no plano técnico-económico, Portugal tem sabido aproveitar as oportunidades que lhe têm sido proporcionadas. É nesta perspectiva que tem de salientar-se a importância das ONGD que, quebrando, a maioria das vezes, as teias burocráticas da Administração Pública são os veículos essenciais para a apresentação de propostas pragmáticas no âmbito da cooperação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a definição legal do estatuto das ONGD tem sido uma das principais preocupações dos que buscam nessas instituições a forma organizada de cooperar com os países em desenvolvimento. O PSD, por seu lado, tem-se empenhado na formulação consensual de tal matéria, bem como do seu agendamento em Plenário.
Apresentamos um projecto próprio que resultou das preocupações não só veiculadas pela Plataforma Nacional das ONGD, ouvida em comissão, bem como de algumas matérias que entendemos necessárias face a um normal e sadio relacionamento entre a Administração Pública e essas organizações.
Muitas das soluções encontradas são idênticas ou iguais nos projectos de lei n.ºs 148/VI e 263/VI, sendo, no entanto, de realçar, no apresentado pelo PSD, a referência ao respeito pelos direitos humanos, a relação não exaustiva das áreas de actuação, bem como a inclusão de um conjunto de regras sobre criação, organização e extinção das ONGD. As normas que devem presidir aos agrupamentos de ONGD também merecem, por último, tratamento distinto.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é este o conjunto de matérias que se afasta da formulação do diploma anteriormente apresentado e que, estamos certos, não deixará de ser equacionado na discussão na especialidade, em sede de comissão, com a recusa expressa, desde já assumida, do conteúdo do artigo 7.º do referido diploma, aliás em coerência com o que sempre temos vindo a defender.
O entendimento que temos sobre a actividade do cooperante das ONGD leva-nos a incluir essa mesma actividade num campo mais vasto e que versará, obrigatoriamente, sobre o estatuto do cooperante em termos genéricos. A sua consideração como figura jurídica, que interessará a vários departamentos e, por isso, multidisciplinar, tem-nos levado a procurar, com cuidado, a definição exacta de tal estatuto, pelo que, a seu tempo, avançaremos com as sugestões que tivermos por razoáveis para a conclusão do processo legislativo nesta matéria.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Temos já hoje um conjunto de ideias bem preciso sobre as matérias que devem constar do estatuto em causa e sobre as quais outro colega meu aqui se pronunciará. A discussão que hoje tiver lugar será importante para as conclusões que viermos a tirar. Que isso seja entendido como o primeiro passo para o diálogo e, nunca, como qualquer manobra para a sua recusa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, Portugal reúne, em si, condições ideais para prosseguir, através das estruturas da sua sociedade, os compromissos da solidariedade da cooperação para o desenvolvimento. Ao "afro-pessimismo", devemos responder com a esperança de quem, no respeito pelo interesse nacional, pensa ser possível, agora, ajudar os que mais precisam. Como uma vez aqui disse o Sr. Deputado Adriano Moreira, "África tem sido o continente mais ajudado e é certamente o mais perdido".
Que pela nossa parte existam as condições para se encontrar de vez a tal esperança e aquela solidariedade "sem qualquer modelo ideológico predeterminado", como também referiu aqui o Sr. Deputado Manuel Alegre em 10 de Maio de 1991.
Contaremos com o Estado, mas contaremos também com o esforço, o interesse e o empenhamento das ONGD na busca da concretização de tais ideais e na comunhão de interesses que sabemos existir face aos caminhos da história e à vivência cultural conjunta dos últimos séculos por todas as razões, mas essencialmente por uma, a língua que nos une, o português. A promoção, o desenvolvimento e o enraizamento da língua portuguesa nesses países são um factor que torna insubstituível a nossa cooperação e contribui para o reforço do espaço lusófono, o que não deixará de ser, estamos certos, um instrumento de reafirmação de Portugal no mundo, hoje como sempre!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e José Vera Jardim.
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Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, é evidente que uma política de cooperação é essencial para o desenvolvimento e aproximação dos povos e as organizações não governamentais têm um papel fundamental nesse desenvolvimento. Ainda há dias, em Joanesburgo, numa conferência internacional de solidariedade para com o ANC em que estiveram presentes cerca de 600 pessoas de 68 países, entre as quais se contavam embaixadores e membros de governo, tive a oportunidade de verificar, na ausência do seu partido - o que me surpreendeu -, como as organizações não governamentais são importantes para a aproximação entre os povos.
Como disponho de pouco tempo, irei fazer perguntas concretas sobre o projecto de lei apresentado pelo PSD.
Em primeiro lugar, gostava que o Sr. Deputado me explicasse o seguinte: creio haver no vosso projecto de lei vários artigos conducentes a uma certa governamentalização das organizações não governamentais, uma vez que pretendem o "respeito pelas políticas nacionais definidas pelos países ou governos e também pela execução das políticas nacionais de cooperação definidas para os países em vias de desenvolvimento".
Ora, o projecto de lei inicialmente subscrito por VV. Ex.as, que carecia também de algumas melhorias, creio eu, era bastante mais livre do que este. Por que razão existe nesta vossa nova iniciativa legislativa uma ligação tão orgânica e estreita com as políticas desenvolvidas pelos governos?
Uma outra questão a que também me queria referir diz respeito ao problema das Isenções fiscais. VV. Ex.as remetem esta problemática para o Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, que não contempla qualquer ponto relacionado com isenções fiscais, quando o projecto de lei subscrito por todos os grupos e apresentado pela Sr." Deputada Teresa Santa Clara Gomes é muito claro e importante nesse aspecto. Por que razão entendem VV. Ex.as dever retirar um artigo relativo a isenções fiscais ou será que estão sensibilizados para a necessidade de considerarem uma cláusula nesse sentido?
O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Porém, a questão que creio ser mais preocupante diz respeito a uma possível interpretação que, desde já, faço do vosso projecto de lei, pois há uma tentativa de governamentalização, de fiscalização e não só, das organizações não governamentais, que, como é evidente, se querem livres e com uma relação estreita com o Governo, mas não a executar as políticas de qualquer governo.
(O orador reviu.)
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Gomes da Silva: As respostas que der às perguntas formuladas pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca servirão também para mim, pelo que não repetirei questões.
No entanto, tenho uma dúvida fundamental. Como V. Ex.ª bem sabe, como ilustre jurista que é, há certas matérias
em que quanto menos se legislar, quanto menos se meter a pena, melhor.
Assim, tendo em atenção que se trata do direito de associação, que vem legislado em termos "enxutos" que chegam perfeitamente, e que, no fundo, se trata ainda de desenvolver o princípio fundamental do direito de associação que é o direito da Uberdade de associação, com as limitações impostas por normas de interesse e ordem pública, que constam do Código Civil, e sendo V. Ex.ª o primeiro subscritor deste diploma, que se espraia- do artigo 15.º ao 25.º- em largas considerações legislativas, alterando por vezes o Código Civil, pergunto-lhe que vantagens há nisso?
Por exemplo, que vantagem há em estar aqui a dizer que as ONGD se fazem representar por três membros da sua direcção? É que isso vem tudo resolvido ou nos estatutos ou nas regras gerais do direito de associação do Código Civil.
Pergunto, pois, se valerá a pena, Sr. Deputado, estarmos a meter a pena em matéria que já está suficientemente regulada e sobre a qual há jurisprudência, doutrina, interpretações, e vir agora, a propósito das ONGD, fazer uma nova regulamentação específica de um direito de associação específico?
É, fundamentalmente, esta a questão que lhe deixo.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço, desde já, as perguntas que me foram feitas e começo por recusar o epíteto de governamentalização que foi atribuído ao projecto de que tenho a honra de ser primeiro subscritor e que é apresentado pelo Partido Social-Democrata.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, as ONGD não têm que se fazer representar no congresso do ANC e o exemplo que referiu, o da não presença do meu partido nesse congresso, foi infeliz. Aliás, V. Ex.ª saberá por que lá foi e o PSD saberá porque não se fez representar. Cada um terá as suas opções políticas e o ANC não faz parte da nossa família política mas certamente fará da sua e, como cada um escolhe os companheiros de viagem que deseja, nesse aspecto estamos conversados.
Todavia, em relação ao artigos 7.º e 10.º e relativamente aos dois critérios, desde já lhe digo que, em relação à utilidade pública, não é verdade que o Decreto-Lei n.º 470/77 não admita nenhuma Isenção ou benefícios fiscais, pois pelo menos duas - a isenção do imposto de selo e de contribuição autárquica- estão lá previstas. Aliás, estas isenções são consagradas nas alíneas c) e d) do projecto de lei n.º 148/VI e em relação aos outros haveremos de ver.
Mas, se quiser, também poderei explicar a razão pela qual recusamos os benefícios fiscais constantes do artigo 7.º É que entendemos que a alínea e) deve ser remetida para o estatuto do cooperante...
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Deputado, está ligeiramente enganado...
O Orador: - Sr. Deputado, por favor, não me interrompa.
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A alínea e) remeterá para o estatuto do cooperante e as alíneas b} e c) admitimos discuti-las em sede de especialidade.
Em relação à pergunta feita pelo Sr. Deputado José Vera Jardim, cujo elogio agradeço e que lhe devolvo por maioria de razão, admito que tivesse havido algum exagero na própria regulamentação e que, em sede de comissão, haverá normas de que poderemos abdicar, embora deva haver uma contrapartida. Isto é, nós entendemos que, se o Governo e o Estado vão apoiar as ONGD na sua actividade de cooperação, também terá de haver uma resposta em termos de deveres das entidades da cooperação.
É este o motivo por que entendemos que a relação deve ser bem fixada em termos legais e deve haver uma certeza jurídica mútua governo/ONGD. Mas posso citar desde já dois artigos que depois de uma análise mais cuidada podem ser suprimidos. Refiro-me aos artigos 20.º e 26º, um por bem senso e o outro por não ser necessário.
Todavia, e como realcei na minha intervenção, o projecto de lei do PSD é um contributo, talvez mais vinculado e menos livre que o n.º 148/VI, e, consequentemente, estamos dispostos a discutir, em sede de comissão, todo um conjunto de soluções, desde que não colidam com as nossas opções em termos globais como partido da maioria.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.
O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cooperação tendo em vista o desenvolvimento.
Sem qualquer dúvida é um tema carente de atenção urgente, mais ainda se entendido no âmbito da cooperação com os países africanos de língua oficial portuguesa onde Portugal possui uma posição preferencial e privilegiada de intervenção.
Não é de mais realçar o valor e a necessidade de se avançar para uma regulamentação que estabeleça regras funcionais, à luz das quais as organizações não governamentais, neste caso de cooperação para o desenvolvimento, possam com êxito e fidelidade prosseguir objectivos não lucrativos e executar a sua política de cooperaçâo com os países em vias de desenvolvimento.
Impõe-se igualmente reconhecer a importância inerente à acção que estas organizações desempenham no quadro de perspectivas inovadoras, sempre contribuindo para a promoção do desenvolvimento económico, social e cultural dos países vítimas de desequilíbrios resultantes do processo mais geral do desenvolvimento.
Não deve ainda ser esquecida a cooperação, elo da cadeia da solidariedade no seu sentido mais amplo, peça fundamental que conduz ao produto do trabalho que estas organizações não governamentais dão à cooperação tendo como objectivo o desenvolvimento, a qual, mais do que nunca, deve ser apoiada e facilitada, atendendo ao tacto de que são acções com este carácter que contribuem para a sensibilização e mobilização do cidadão em tomo de projectos comuns ao grosso da sociedade e de forma desinteressada.
As organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento possuem características próprias que as valorizam e as distinguem de outras congéneres com interesses privados e lucrativos que, pela sua vocação, não conseguem lograr uma aproximação completa ao objecto da cooperação, uma vez que esta área não se adequa na sua generalidade a uma actuação alheia aos interesses da
população, constituindo uma das suas das grandes virtudes, para além de outras, a contribuição de forma decisiva para a formação do cidadão, através do estímulo de um sentido crítico conducente à compreensão do mundo envolvente, sem condicionalismos de ordem económica como factor preferencial.
Portugal, convém que se refira, possui características ímpares, que aconselham e justificam um aumento substancial da ajuda à execução de projectos de cooperação, nomeadamente com os PALOP, que lamentavelmente não tem encontrado reflexo a nível governamental, o que se tem "(aduzido por uma resposta nitidamente desajustada. Mais importante do que a valorização das nossas aptidões e potencialidades, reforçadas e justificadas em factos que derivam
Do nosso conhecimento do meio, alicerçado em séculos de contacto, na recusa portuguesa da continuação de uma política neo-colonial, na aptidão natural reconhecida para a não discriminação racial e na potencialidade da facilitação de comunicação resultante do privilégio de falarmos a mesma língua, é prosseguir uma política consequente de cooperação para os povos e países em vias de desenvolvimento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para o PCP é grato verificar que os projectos de lei hoje aqui presentes à discussão, inicialmente os únicos, e por todos os partidos caucionados, resultaram de uma ampla discussão com os órgãos e entidades representativos das organizações não governamentais de cooperação para o desenvolvimento. Em nosso entender, esse facto permitirá uma inversão do impasse que se tem traduzido num eventual estagnamento nó auxílio ao desenvolvimento e na actuação nesse âmbito destas organizações.
O projecto de lei n.º 148/VI regulamenta de forma não espartilhada o estatuto legal das organizações não governamentais para o desenvolvimento e cooperação,
bem como dá corpo a formas conducentes a um reconhecimento de processos de articulação da sociedade e do Estado no que a este assunto respeita. Está prevista a concessão por parte do Estado de apoio técnico e financeiro às actividades das ONGD, assim como são estabelecidos importantes benefícios fiscais, facto que conduzirá, em nosso entender, a um reforço na criação de condições para a participação portuguesa em projectos de cooperação.
Não é, no entanto, este o espírito, pelo menos numa abordagem geral, do projecto de lei n.º 263/VI, do PSD, apresentado à margem da discussão havida com as organizações representadas na Plataforma Nacional, que traduziu num debate descomprometido e que muito Contribuiu para a reflexão aprofundada deste assunto. 7 0 projecto de lei n.º 263/VI introduz questões passíveis de, leituras eventualmente não integrantes do espírito do legislador, e que se prendem, por exemplo, com o afirmar 40 artigo 7.º e reafirmar no artigo 8.º que o contributo das QNGD se deve restringir à execução da política nacional dê cooperação. Poderá esta leitura apontar para uma vontade de governamentalização da acção destas organizações, o que, no entender do PCP, não é aceitável, assim como não entendemos necessário o, quanto a nós, exagerado peso da regulamentação apresentada, além do retirar das principais regalias fiscais que o projecto de lei n.º 148/VI estabelece.
Não quer isto dizer que o PCP assuma uma posição contrária a qualquer destes projectos. Entendemos que é necessário avançar rapidamente com este processo e que a sua concretização é mais importante que qualquer adiamento, tenha ele a desculpa que tiver. O PCP está interessado em
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contribuir de forma construtiva na discussão na especialidade destes projectos, que esperamos logrem no fim adaptar-se às necessidades existentes e não constituam um travão à participação de Portugal, no apoio ao desenvolvimento de países vítimas das contradições do desenvolvimento.
Relativamente ao estatuto do cooperante e voluntários das ONGD, tem o PCP uma posição e vontade idêntica à já referida, ou seja, uma vontade de contribuir para que, com rapidez, se avance com esta legislação. A sua ausência, que se traduz numa total ausência de protecção aos cooperantes, tem contribuído de forma decisiva para o bloqueio de muitas acções que de outra forma teriam sido executadas. Não podem, estes cidadãos "correr" por conta e fisco próprios, pois isso não dignifica o seu trabalho nem corresponde às condições e ao valor que realmente possuímos, privilegiado até, se nos reportarmos à cooperação com os países africanos de língua oficial portuguesa.
Não pode aceitar-se que Portugal continue a ser dos únicos países da Europa onde um cidadão que livremente decida contribuir com o seu esforço para a ajuda ao desenvolvimento económico e social de outro povo o faça sem garantias, nomeadamente de condições de trabalho dignas, de protecção física, de segurança e, por que não, (te algumas regalias justas.
É também este o motivo que nos leva a concordar inteiramente com as medidas estabelecidas no projecto de lei n.º 149/VI, que estabelece normas quanto à contagem de tempo de serviço prestado, segurança social, do próprio e familiares, isenção de impostos e de outras taxas e direitos aduaneiros.
Entende o PCP, como já atrás ficou dito, que é urgente a publicação de legislação sobre tal matéria, mesmo que exclusivamente para este tipo de cooperação. Outras modalidades, embora também carecendo de regulamentação urgente, não devem entravar a facilitação da adesão de cidadãos às actividades enquadradas pelas ONGD. Pensamos ainda que não é necessário um estatuto único de cooperante que, embora atraente, na prática, poderá causar algum embaraço, pois a diversidade e as particularidades de cada área nem sempre são compatíveis com um único estatuto.
É neste sentido que iremos viabilizar qualquer dos projectos hoje em discussão e que, reconhecendo à urgência desta legislação, iremos colaborar activamente q& sua discussão na especialidade.
Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Duas palavras apenas sobre a matéria comum às iniciativas em discussão. A primeira é para dizer que o CDS tem uma grande simpatia por esta" manifestações do associativismo internacional e por todas as iniciativas que comprovam que a melhoria da condição da humanidade não é feita só com os governos, só com a acção política de quem detém o poder, porque estas ONGD são, num certo sentido, um emblema da democracia e da liberdade em termos nacionais e internacionais.
Estas organizações não governamentais e estos iniciativas legislativas ora em discussão são úteis, embora tenhamos a ideia de que a iniciativa do PSD tem algumas virtualidades e completa, de algum modo, algumas lacunas que temíamos existir nos outros dois projectos.
Todavia, nós temos exactamente a mesma opinião do Sr. Deputado José Vera Jardim sobre a parte do projecto de lei do PSD que se estende do artigo 15.º em diante, isto é, aquelas disposições, que serão porventura decalcadas de alguma organização não governamental internacional nascida num país diferente do nosso, mas que não terão grande significado entre nós.
Estas organizações não governamentais têm como atributos e virtudes o facto de actuarem com as boas vontades dos cidadãos, com os contributos voluntários dos cidadãos, o facto de estarem despidas da hipocrisia dos políticos e de não estarem limitadas pela prudência das relações diplomáticas. Todavia, a verdade é que tem outros ritos, outros timings, mas também, por vezes, são acusadas, e justamente acusadas, de se deixarem politizar e burocratizar.
Por isso, compreendemos algumas cautelas, não porventura as que estão no projecto de lei do PSD, dado que tal como aí estão parece haver uma subordinação das organizações não governamentais à política estrita de cooperação de cada Estado, designadamente de Portugal, e não porventura as que o PSD quer. Porém, essa parte do projecto de lei do PSD levanta um problema internacional a que somos sensíveis, não é um problema exclusivo do nosso pais, e que é o facto de estas organizações serem por vezes permeáveis a uma certa politização. E nós somos contra isso.
De resto, dizer que há condições para que, de facto, se possam melhorar consideravelmente os projectos de diploma que estão em discussão, eu valoraria, também positivamente, este contributo da maioria com o sentido que aqui referi.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: Partilham a visão futura de um planeta ecologicamente equilibrado; partilham a vontade de agir por uma existência humana, dignificada e libertadora dos indivíduos; partilham, igualmente, o desejo de contribuir para a construção de um mundo mais solidário, através do seu empenhamento individual e colectivo; são a expressão viva da tomada de consciência dos cidadãos para a realidade que os cerca, através dos seus movimentos.
São estas as organizações não governamentais que representam o despertar de cidadãos e povos para a realidade envolvente, que não raro põem em causa, mas representam também a vontade de sobre ela agir, reinvindicando uma responsabilidade que querem poder partilhar com o poder instituído, agindo nos processos de decisão aos mais variados níveis: à escala local, mas simultaneamente global; a nível nacional mas também internacional, e sem fronteiras preestabelecidas.
Mas as organizações não governamentais são, também, sinónimos de novas formas de participação social, sinónimos de novas vontades de responsabilidade política e cívica, sinónimos de novas dinâmicas sociais, muitas delas geradas no próprio descontentamento, face à intervenção política dos partidos tradicionais instalados.
As organizações não governamentais são, ainda símbolos de uma forma de exercício da democracia directa e participativa; são um novo património comum da humanidade que importa valorizar, articular, projectar, são novas escolhas da sociedade, novos espaços de reflexão, de propostas, de iniciativa; são organizações que visam o progresso social, económico, cultural e ambiental dos seus próprios
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prios países, mas também de outros com que se propõem cooperar.
E estes são os países ditos em desenvolvimento. Aqueles que outros, ditos desenvolvidos, submeteram durante anos, no passado colonial, ao atraso secular, aqueles cujas riquezas tomam delapidadas; aqueles cujos recursos energéticos foram e são explorados de forma desenfreada; aqueles que foram condenados à subnutrição, à guerra, à fome, ao analfabetismo; aqueles que, importando modelos ditos de "desenvolvimento", foram, não raro, violados na sua identidade cultural, obrigados à perpetuação da dependência exterior, aqueles a que foram impostas opções estranhas à sua identidade cultural, social e económica, opções que geraram inúteis necessidades de consumo, falsos conceitos de desenvolvimento, a anulação das suas capacidades endógenas, a eternização do seu estatuto subalterno.
Países, alguns deles, que, alcançada a independência e libertos do colonialismo e das ditaduras, ficaram marcados pela fome, pela guerra, pelo analfabetismo, pela agressão ecológica; países em relação aos quais a humanidade está em dívida; países perante os quais as organizações não governamentais têm, pois, uma responsabilidade acrescida de cooperar.
Trata-se não só de cooperar, dirigindo experiências, estabelecendo redes de contacto e comunicação, compartilhando conhecimentos, vontades, capacidades, meios, recursos, saberes, o que seria, em si mesmo e só, um frutuoso e gratificante como processo de intercâmbio entre os povos, mas também de algo mais profundo, uma responsabilidade bem maior, um desafio apaixonante, se bem que mais complexo.
Isto exactamente porque as organizações não governamentais são portadoras de unia visão específica e crítica do mundo que as rodeia; porque os valores de que são partidárias não têm o cariz utilitário que preside à relação entre os povos; porque se situam no terreno e são sensíveis aos problemas que afectam o planeta e os homens e interpretam as causas que lhe estão na origem; porque são animados de novos modos de agir e do desejo de protagonizar novos caminhos como agentes activos dos seus destinos que reclamam.
E trata-se de "novos modos de agir" que permitam o estabelecimento não só de uma nova ordem económica internacional que ponha fim à pobreza e à exclusão, que ponha em causa o poder patriarcal, que permita criar novas relações entre os povos, mas também a criação de uma nova ética de conduta que tenha como propósito o desenvolvimento sustentado, unanimemente entendido como condição indispensável para ultrapassar a crise ecológica e preservar o futuro comum.
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: A Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento e, em particular, o Forum Global como ponto de encontro planetário de cidadãos de todos os cantos do mundo, através das suas organizações não governamentais é, neste contexto, um acontecimento que convém reter e que marcou indiscutivelmente a história da participação cívica dos cidadãos e das suas organizações autónomas, participação simultaneamente generosa e responsável.
Aí, apesar das naturais fragilidades e contradições de um caminhar que se inicia, as organizações não governamentais provaram a riqueza das suas potencialidades como parceiros sociais, a importância e utilidade do seu papel que, aliás, de modo inédito, a Organização das Nações Unidas reconheceu. Aí, cidadãos provenientes dos mais diversos países, portadores de história, saberes, culturas e experiências extremamente diversificadas, encontraram-se. E traduziam
desiguais relações de e com o poder. Eram provenientes de diversos e diferentes países. Simbolizavam, eles próprios, os desequilíbrios e as desigualdades económicas, sociais e religiosas que separam as próprias regiões do planeta.
Poder-se-ia dizer que ilustravam bem aquilo que se convencionou designar por relação Norte-Sul, que simbolizavam o abismo regional e o fosso entre os chamados países desenvolvidos e os países ditos em vias de desenvolvimento.
Mas esses cidadãos e as organizações que representavam mostraram e foram capazes de transportar para o seu diálogo os outros valores e não trouxeram a visão espartilhada dos Estados nem as concepções fechadas que lhe estão associadas. Eram, foram e são só cidadãos do mundo, habitantes de um mesmo planeta e com ele solidários e preocupados. Falaram da paz, da desmilitarização, da igualdade, da eliminação da pobreza, do equilíbrio ecológico e da sua premência, bem como da urgência em estabelecer uma nova ordem económica internacional.
Igualmente, falaram da necessidade de alcançar o desenvolvimento sustentado, criar um novo código de conduta ecológica pautado por uma nova ética. Falaram, ainda, da necessidade de impor um novo modelo de organização da sociedade.
Do Norte ou do Sul, indiferentemente, convergiram na diferença dos seus olhares, nas suas múltiplas linguagens, provando que a relação entre os povos, em igualdade, é possível, que os sinais de esperança existem e que é preciso interpretá-los, colhendo a experiência dos cidadãos e dos seus movimentos.
Assim, apoiamos e subscrevemos os projectos hoje em discussão na convicção profunda de que eles sejam portadores de sementes que corporizem uma efectiva aproximação solidária entre os povos, que respeite os cidadãos e as suas organizações como parceiros sociais, mas que salvaguarde, igualmente, a sua autonomia face ao poder.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O estatuto em análise, hoje, nesta Câmara, visa definir juridicamente a natureza, âmbito ou áreas de actuação das organizações não governamentais para o desenvolvimento (ONGD) e, bem assim, as formas de colaboração entre estas organizações, reconhecidas como pessoas colectivas de utilidade pública, e o Estado.
Considera-se desejável que as suas actividades se processem em harmonia com as políticas nacionais de cooperação definidas para os países em vias de desenvolvimento, mas dá-se-lhes, previamente, o direito de participar na definição dessas políticas através da sua representação em instâncias consultivas com competência na área da cooperação.
Prevê-se a concessão de apoio técnico e financeiro do Governo quando seja pedido, isto é, quando as ONGD o quiserem e devido para a prossecução dos seus fins neste domínio sem, por tal, naturalmente comprometer a plena autonomia e Uberdade de iniciativa das ONGD.
O primado dêmo-lo à sociedade civil que, no esforço de diálogo e colaboração com o Estado, quando o quiser desenvolver com o Estado, pode, nesta área da mais alta importância da nossa política externa, que é a das relações históricas com os países de língua oficial portuguesa, potenciar os resultados esperados não só pelos governos como pelos povos.
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Destaco, como fizeram os meus colegas, os países africanos de língua oficial portuguesa, sem intenção de restringir o espaço geografia) para o qual as ONGD se vocacionam. E uma prioridade natural que as próprias organizações fazem sua.
Neste espaço da lusofonia, a cooperação para o desenvolvimento pode ser e será por certo um grande reencontro familiar, pois é nessa parte de África e no Brasil que está a nossa verdadeira família, gerada por laços de sangue, de afecto, de cultura, de língua- um precioso legado da história, cuja continuidade e evolução expansiva o futuro reclama de todos os que hoje falamos português.
Só com o querer dos homens da nossa geração se pode prosseguir, no continente onde ele começou, uma história multissecular de vivência conjunta, com as migrações, num e noutro sentido- migrações no seu conceito estrito. E aqui deixo uma palavra de admiração e estima pelos imigrantes brasileiros e africanos que, como nenhuns outros, sabem viver entre nós, como nós.
Migrações latamente entendidas como o vaivém das gentes, ainda que temporário, para dar ou receber designadamente assistência, formação profissional, ensino da língua.
Na boa integração de um país no outro se reforça a amizade pela presença e, como muito bem sabemos, no retomo também, pois os que se dão, conhecedores de uma realidade sócio-económica e cultural e saudosos dos amigos que deixaram, constituem, de igual modo, uma presença viva do país irmão.
A Sr.ª Isilda Martins (PSD): - Muito bem!.
A Oradora: - Tomemos o paradigma do Brasil, onde o maior contributo para a existência e expansão do que, com propriedade, chamamos a "comunidade luso-brasileira" foi dado pelos emigrantes e pelas suas inúmeras associações que, ao longo de mais de 150 anos, não pararam de crescer e de nos deslumbrar com a generosidade dos seus propósitos e a grandeza do seu acervo e dos seus feitos.
No Brasil, como agora nos PALOP, não é, pois, apenas a nível da superestrutura estadual que se joga o amanhã deste relacionamento humano singular.
O diálogo Estado a Estado é imprescindível. É, no que a estes países em desenvolvimento respeita, uma autêntica conditio sine qua non, como a experiência dos últimos anos nos vem mostrando. Foi preciso, antes do mais, a nível do Governo, mostrar credibilidade e ganhar confiança, abrindo fronteiras à circulação das ideias e dos projectos viáveis que se enquadram nos objectivos das ONGD. Isso adquirido, só a multiplicação de propostas e o envolvimento crescente das pessoas pode dar à cooperaçâo a expressão, a eficácia, o impacte e enraizamento nas comunidades que aspiram à mutação, ao progresso, ao bem-estar.
Uma palavra final do maior apreço para as ONGD existentes, para a relevância dos fins altruístas que se propõem e para os meios, nomeadamente humanos, de que dispõem. Elas nos dão a certeza de que o esforço legislativo, o estatuto das ONGD nas novas facilidades que lhes oferece não ficará a aguardar idóneos protagonistas.
As ONGD aí estão, prontas a dar, no imediato, o passo existencial que vai da esfera jurídica ao mundo dos factos com o trabalho que há-de corresponder aos propósitos e esperanças que animam o legislador que somos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.
O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se há matéria relativamente à qual se torna necessário e útil um consenso, ela é, naturalmente, aquela que estamos hoje, aqui, a discutir. E se há sinais positivos, naturalmente que nós temas de saudá-los e saudar positivamente, uma vez que agora o trabalho que se toma necessário levar a efeito para dotar as organizações não governamentais e os cooperantes ligados a essas organizações. Pois bem, esse trabalho é fundamental e estamos certos de que haverá a disponibilidade de todos para encontrar a melhor solução.
O problema que aqui também está em discussão tem a ver com a iniciativa da sociedade civil.
Num tempo em que se apela muito e justamente à sociedade civil, apesar das resistências e das dificuldades práticas, num País onde o peso do Estado e do centralismo se faz sentir com especial intensidade, merece especial referência este debate que, naturalmente também, tem a ver com um passo e um passo importante que aqui se está a dar e que é tanto mais importante quanto é certo que não se trata de criar uma nova realidade por via legislativa mas, sim, de reconhecer, antes de mais, o trabalho profícuo já desenvolvido e a desenvolver por organizações que estão a trabalhar de forma desinteressada e solidária e que, por isso, merecem o apoio e o incentivo.
Ao intervir neste debate, faço-o também considerando o facto de estar do lado da sociedade civil, com as dificuldades quotidianas, sem ilusões ou visões idílicas, sem a tentação também de pedir aos poderes públicos o que falta à nossa iniciativa e à nossa imaginação.
Todavia ao dirigir uma organização não governamental, com uma velha história e outras finalidades além desta, tenho cada vez mais consciência de que a sociedade civil apenas se poderá afirmar rompendo, a cada passo, a tentação paternalista e afirmando a autonomia, desde que se reconheça a sua importância e a sua função positiva.
Não basta, pois, apelar à sociedade civil e às suas organizações, considerando-as, porventura, como parentes pobres ou tolerados. As organizações da sociedade civil não necessitam e dispensam apoios artificiais que podem tomar--se até dirigistas, precisam, sim, de um campo próprio de acção onde desenvolvam as suas vocações, com autonomia, independência, complementaridade e espírito solidário.
Não tenhamos dúvidas de que as organizações não governamentais para o desenvolvimento, que cada vez mais se vão inserindo em redes internacionais, contribuindo decisivamente para a criação de uma nova cidadania planetária e universal, desempenharão, no futuro próximo e imediato, um papel essencial na vida da humanidade como factores positivos de paz e de desenvolvimento.
Basta olhar as estatísticas internacionais para verificar o modo como, nos últimos anos, tem ocorrido um incremento muito significativo das organizações não governamentais na cooperação com os países em vias de desenvolvimento.
Fala-se, por isso, na eclosão de uma autêntica "cultura da cooperação", assente na generosidade, no voluntariado, no profissionalismo (não há qualquer contradição em falar de voluntariado com profissionalismo, trata-se tão-só de assumir responsavelmente os desafios e os estímulos que nos são lançados) e na solidariedade.
Num mundo cada vez mais interdependente, esta cultura da cooperação apenas pode enriquecer-se, consolidar-se e desenvolver-se não através da mera lógica da política dos
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Estados mas, sim e também, através da generosa contribuição voluntária das organizações não governamentais, dos seus gestos concretos de solidariedade.
Na prática, verifica-se que há designadamente muitos jovens que respondem já à chamada. Isso é um elemento extraordinariamente importante a que não podemos ficar alheios. No entanto, há ainda um longo caminho a percorrer no que toca à informação sobre o que são as organizações não governamentais para o desenvolvimento, o que fazem, quais os seus objectivos e quais as suas potencialidades.
Esse é o ponto de partida importante em que aqui nos encontramos e que temos de aproveitar.
Ao analisarmos os projectos em debate, importa destacar o contributo decisivo dado pela Plataforma Nacional das Organizações não Governamentais para o Desenvolvimento, que, a nosso ver, deverá constituir a base essencial do regime de enquadramento jurídico para essas entidades.
Trata-se, com efeito, de ir ao encontro de legítimas pretensões de quem, no terreno e arrostando com todo o tipo de dificuldades, tem vindo a levar a efeito uma acção de cooperação que tem de ser cada vez mais apoiada e mais incentivada no futuro.
Há, porém, que evitar todas as tentações excessivamente regulamentadoras em que, infelizmente, muitas vezes, insistimos. Por exemplo, relativamente aos requisitos, já aqui referidos pelo meu colega Deputado José Vera Jardim, a que devem obedecer as organizações não governamentais há que harmonizar o regime com o das associações, evitando duplicações e não esquecendo que as entidades de natureza associativa que se dedicam à cooperação para o desenvolvimento têm, muitas vezes, outros fins e uma história própria e antiga a merecer devida consideração.
Não se pense, pois, que as organizações não governamentais para o desenvolvimento são, apenas, associações criadas de novo com o fim específico da cooperação. E não se revela curial, por excesso de zelo regulamentador, encarar o universo das associações em causa como realidade uniforme na qual o Estado pretenda ter uma palavra de algum modo excessiva.
Sem tentação regulamentadora, trata-se de reconhecer campo de acção, autonomia e responsabilidade às organizações não governamentais para que o valor da solidariedade possa ser assumido pela própria sociedade e pelos cidadãos e para que haja, nessa mesma sociedade, ideias mobilizadoras que combatam a inacção, a indiferença e a acomodação.
À lógica cega e imediatista da concorrência e do sucesso fácil, há, no fundo, que contrapor o humanismo da solidariedade, solidariedade concreta, num mundo de profundas injustiças.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.
O Sr. Luis Geraldes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A cooperação entre os povos constitui o pilar fundamental na prossecução da democracia, na defesa dos direitos do homem e do desenvolvimento e bem-estar das populações.
Portugal tem sabido perspectivar os desafios futuros na área da cooperação, unificando esforços e definindo objectivos, por prazos que ultrapassam a duração de governos e as perspectivas de maiorias parlamentares, que se desejam constantes por várias gerações.
O PSD tem sabido interpretar essa mesma responsabilidade da presença de Portugal nos Estados que, com o 25 de Abril, viram a luz na independência.
Procuraram esses países um destino próprio e autónomo, com a mesma convicção e vontade que, hoje, encontrarão na política de cooperação para o desenvolvimento uma ajuda preciosa para o aumento das condições de bem estar das suas populações.
Soubemos, como País, buscar no mar a razão da nossa independência. Teremos, hoje, de descortinar e direccionar as nossas capacidades para interpretando o sentir nacional, ajudar aqueles que durante séculos souberam compartilhar connosco uma história da qual, estamos certos, todos nós nos orgulhamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O estatuto do cooperante e voluntário para as organizações não governamentais para o desenvolvimento, constante do projecto de lei n.º 149/VI, suscita desde o momento da sua apresentação, algumas reservas ao PSD, não propriamente pelo conteúdo, sobre o qual não nos debruçaremos no presente momento, mas essencialmente pelo âmbito da sua incidência.
Entendo e entende o PSD que a existência do estatuto do cooperante não poderá resumir-se a um conjunto de normas sobre a presença portuguesa nos países em vias de desenvolvimento, ao serviço ou em funções desempenhadas no âmbito das acções das organizações não governamentais para o desenvolvimento.
Sabemos que não faltarão as vozes que, após esta intervenção, venham dizer o contrário, só que o PSD não se move por critérios imediatistas mas, antes, procura soluções adequadas e de acordo com princípios da economia processual. Ao legislarmos por legislar, não estaremos a prestar um bom serviço ao País nem estaremos a tomar mais credível a Assembleia da República.
A necessidade de coordenação, de conciliar e acertar um conjunto de interesses multidepartamentais tem motivado e presidido aos esforços desenvolvidos pelo Grupo Parlamentar do PSD para apresentar, a seu tempo, um projecto de lei sobre o cooperante.
Admitimos hoje que algumas áreas não sejam referidas nesse mesmo diploma, o que não podemos aceitar é que a não existência de coordenação leve à aprovação de uma lei por cada sector da cooperaçâo, tanto mais que a competência concorrencial, que neste caso existe e que, portanto, poderá vir a ser também assumida pelo Governo, poderia levar a uma confusão irrelevante em termos práticos, mas significativa em termos de órgão legislativo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD pode, desde já, avançar alguns dos princípios que julga merecedores de serem incluídos no futuro diploma sobre esta matéria.
Assim, deverá ficar definido: a quem incumbe a cooperação; os objectivos da mesma; a definição dos seus promotores e dos incentivos que aos mesmos poderão vir a ser concedidos pelo Estado; os instrumentos e os agentes da cooperação, bem como os requisitos e a forma de recrutamento destes últimos; o conteúdo dos contratos de cooperação e voluntariado; a remuneração, a protecção social e a assistência dos agentes da cooperação, onde sejam ressalvadas, nomeadamente, a garantia na doença e o subsídio de desemprego a conceder em determinadas circunstâncias; incentivos e diferentes direitos dos agentes da cooperação (transporte, contagem de tempo de serviço, garantias no emprego e benefícios fiscais); e os deveres dos agentes da cooperação e normas sobre a resolução e renovação dos respectivos contratos.
Estas são, Sr. Presidente e Srs. Deputados, algumas das matérias que o PSD gostaria de ver incluídas no futuro estatuto do cooperante.
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Os interesses apriorísticos ou imediatistas nunca foram bons conselheiros, por isso a prossecução de interesses próprios e autónomos de cada uma das partes envolvidas e, no que se refere à parte portuguesa, a complexidade da sua previsível composição impedem-nos de hoje, como possivelmente seria nosso desejo, apresentarmos o referido projecto de lei já concluído.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depressa e bem há pouco quem!
A vontade política da aprovação do referido estatuto fica bem patente. Os trabalhos da Comissão, à qual baixará o presente diploma sem votação, serão a prova disso. Nessa sede o PSD, em devido tempo, apresentará as suas propostas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isilda Martins.
A Sr.ª Isilda Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queríamos sublinhar o papel relevante que as organizações não governamentais para o desenvolvimento (ONGD) podem desempenhar nas áreas do ensino e cultura, em especial junto dos PALOP, onde poderão assumir o carácter de autênticas embaixadas de portugalidade.
Seja qual for a acção desenvolvida pelas organizações não governamentais o instrumento fundamental do seu trabalho será sempre a língua portuguesa, a qual constituirá, sem dúvida, o elo de ligação mais forte e duradouro entre esses países lusófonos.
A língua, como meio de comunicação entre membros de uma comunidade, está intimamente associada à cultura: dela se origina, nela se integra e tem como única função servir-lhe de veículo.
A história mostra-nos que só os países cultos são desenvolvidos.
Na longa caminhada para o desenvolvimento há uma vasta gama de acções a promover, quer a nível de acções de base, como, por exemplo a alfabetização, em larga escala, e, a outro nível, a utilização de meios audiovisuais, como a TV, onde já existe um contrato estabelecido com a MARCONI que contempla o aluguer de um espaço no satélite.
Seria interessante a produção de séries e programas especiais dirigidos aos países africanos de expressão portuguesa.
Igualmente afigura-se-nos relevante que, no âmbito das ONGD, se proceda ao inventário do património cultural luso-africano.
Aproveitamos o uso da palavra para recordar o programa de promoção da língua portuguesa através do "Projecto África", promovido pelos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Educação, no âmbito do qual foram, nomeadamente, enviados um leitor/assessor pedagógico para Luanda e outro para Bissau; encetado o desenvolvimento de negociações para o provimento dos leitorados do Maputo, do Lubango e de São Tomé. Procedeu-se ainda à abertura de um segundo Leitorado em Luanda; ao lançamento do projecto da língua portuguesa na Guiné-Bissau ao nível do casino básico; ao apoio directo à formação de formadores na área da língua portuguesa, particularmente de Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau; à concessão de bolsas de estudo a cidadãos dos países africano-lusófonos, quer, para a concretização de projectos de investigação quer para a frequência dos cursos anual e de Verão de língua e cultura portuguesas.
Cremos, pois, que se este programa, ou outro da mesma natureza, se alargasse à sociedade civil ficaria mais enriquecido e seria mais eficaz.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições para este ponto do período da ordem do dia de hoje, informo que deu entrada na Mesa um requerimento, apresentado pelo PSD, no qual se solicita a baixa dos projectos de lei, hoje discutidos, às Comissões de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, pelo prazo de 90 dias para reapreciação, na generalidade.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, temos uma dúvida: é que ouvimos o Sr. Presidente dizer que estes diplomas baixariam à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e gostaríamos de saber se isso é ou não verdade.
O Sr. Presidente: - É exactamente isso que consta do requerimento apresentado pelo PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, de facto, no nosso requerimento propúnhamos a baixa às duas Comissões, pois uma das iniciativas tinha por despacho de V. Ex.ª baixar também à 3.ª Comissão. Todavia, como parece haver consenso entre os diferentes grupos parlamentares para que a reapreciação dos diplomas em causa seja feita apenas em sede da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e, tratando-se apenas de reapreciação na generalidade, o PSD não faz qualquer exigência no sentido de manter a baixa às duas Comissões, pelo que abdicamos da baixa à 3.º Comissão, ficando apenas a baixa dos diplomas à Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.
O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado. Em todo o caso, na minha opinião, deveria fazer-se a baixa dos projectos de lei à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, uma vez que se trata de exercer o direito de associação.
Portanto, Srs. Deputados, de acordo com a alteração agora apresentada pelos subscritores do requerimento, os projectos de lei hoje discutidos baixarão apenas à Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesa e Cooperação.
Vamos, então, votar o requerimento com a correcção agora feita.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
Srs. Deputados, vamos votar de imediato o projecto de deliberação n.º 56/VI (PSD), com vista à realização de um debate sobre política de imigração proposto pelo Governo.
Vamos votar, Srs. Deputados.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
Srs. Deputados, por consenso entre todos os grupos parlamentares, iremos apreciar ainda o voto n.º 64/VI, de pesar pelo falecimento do ex-Deputado à Assembleia
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Constituinte e encenador e actor Rogério Paulo. O voto foi subscrito por Deputados de todos os grupos parlamentares e vai ser lido pelo Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto de pesar é do seguinte teor:
Faleceu o actor e encenador, Rogério Paulo, antigo deputado do PCP nesta Assembleia.
Primeiro actor e encenador no Teatro Nacional de D. Maria II, sindicalista, militante empenhado nas grandes causas universais da justiça social e da solidariedade, Rogério Paulo foi sempre um cidadão de corpo inteiro, encenador e actor emérito que prestigiou o teatro e o País.
Neste momento do seu falecimento a Assembleia da República manifesta o seu reconhecimento à figura de Rogério Paulo e os sentimentos do maior pesar pelo seu desaparecimento.
O Sr. Presidente: - Para uma breve intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta hora, difícil para todos nós e para o meu partido em particular, a morte, por doença grave, do actor e encenador Rogério Paulo, nosso camarada de partido - de que aliás dentro de dias fazia 40 anos de militância - e antigo Deputado do PCP nesta Assembleia é uma perda para o teatro, como figura prestigiada de actor e encenador para a própria democracia portuguesa e para os ideais de justiça. De solidariedade e de paz pelos quais desde sempre, Rogério Paulo se bateu.
Militante na oposição democrática à ditatura derrubada no dia 25 de Abril; militante de grupos de amizade com outros países; dedicado às grandes causas internacionalistas; sindicalistas na defesa dos direitos dos trabalhadores da actividade teatral e, além do mais, actor e encenador que ao longo destes anos marcou o panorama do teatro português, Rogério Paulo era uma figura de cidadão emérito; de homem delicado à cultura, designadamente ao teatro e de homem que prestigiou a democracia e o nosso país.
A nós, PCP, dói-nos o falecimento de Rogério Paulo, mas penso que, para além de nós, doerá particularmente ao teatro português, a quem ele dedicou toda a sua vida.
Foi por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que tomámos a iniciativa de propor este voto de pesar que foi subscrito por Deputados dos diferentes grupos parlamentares e o qual propomos que seja enviado, após votação, à sua família.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.
O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu grupo parlamentar associa-se a este voto de pesar pelo falecimento do actor e encenador Rogério Paulo, que, além de ser um homem de cultura e de teatro, foi um militante antifascista que tive o prazer de conhecer e com quem convivi durante algum tempo antes do 25 de Abril.
Foi um Deputado desta Casa que viveu intensamente os primeiros dias da democracia e foi também um grande militante do teatro em Portugal, tendo-o dignificado não só no nosso país como também no estrangeiro, onde, aliás, tive oportunidade de vê-lo actuar, porque teve aí uma carreira significativa.
Neste sentido, partilhamos desta perda, que é uma perda de carácter nacional. O meu grupo parlamentar associa-se a este voto de pesar e manifesta aqui os seus pêsames aos familiares do actor Rogério Paulo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.
O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associamo-nos ao voto de pesar apresentado pelo PCP.
Os artistas e os actores não sentem as nossas palavras e a nossa homenagem como o código que melhor sabem interpretar. As palmas são para eles o calor, e não o favor do público, desse público que na lógica da fruição do espectáculo é cada vez mais o parceiro próximo e não o sempre «distante e respeitante público»!
Por vontade expressa do actor Rogério Paulo, o seu corpo repousa hoje, em câmara ardente num palco desta cidade de Lisboa. Por isso, se alguém por lá passar e sentir comovida vontade de bater-lhe palmas pode Ter a consciência de não quebrar nenhuma regra da vida ou da morte mas, sim de que essas palmas, nesse caso, cumprirão o ritual que os actores mais sabem apreciar e agradecer.
Aplausos gerais.
Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morreu Rogério Paulo, um homem do teatro, um vulto da cultura e um intelectual que nunca deixou de ser um firme lutador pela implantação da democracia em Portugal, pelas liberdades cívicas e culturais devidas aos nosso povo, povo que ele tão bem conhecia e amava, acompanhando-o com a expressão do seu talento como actor, como declamador, como cidadão solidário.
Sempre na primeira linha da luta contra o regime fascista e opressor, contra obseuros tiranetes que desrespeitavam os mais lídimos direitos da população, Rogério Paulo foi coerente até ao fim da sua vida e um intransigente defensor dos valores humanos e culturais, hoje tão desprezados por aqueles que sobrepõem a esses valores interesses mesquinhos do monetarismo, dos cifrões, do espectáculo falso de propaganda política balofa.
Numa demonstração de profundo respeito pelos povos que lutaram, com sacrifício, pela liberdade e pelos ideais democráticos, Rogério Paulo viveu durante alguns anos em Cuba, onde trabalhou e leccionou, sempre ligado à grande paixão da sua vida; o teatro. Da sua participação desinteressada em Cuba e do respeito que granjeou, fica-nos um belo poema que o grande poeta Nicolás Guillén lhe dedicou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o desaparecimento de Rogério Paulo, não desapareceu apenas um grande amigo e um companheiro de grande firmeza cívica, desapareceu um expoente da nossa cultura.
Estamos todos de luto; é uma perda para a cultura portuguesa, para a nossa democracia, para todo o País.
(O Orador reviu)
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O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero associar-me ao voto de pesar pelo desaparecimento do grande homem e amigo que foi Rogério Paulo.
Foi um homem que dedicou toda a sua vida, com paixão, ao teatro, paixão essa que nunca o fez esquecer a vida, pois foi na vida que ele se empenhou profundamente e por isso foi um grande homem de teatro!
A ironia do destino quis que a última peça por ele representada fosse uma peça de Eduardo de Filipe, que foi apresentada no Teatro do Chiado por Mário Viegas, onde era questionada, digamos assim, a relação entre o teatro e o Poder. Essa relação que ele sempre viu tão bem e que tão bem soube interpelar, nomeadamente naquela peça, é uma relação que hoje continua a interpelar todos nós.
Uma grande homenagem a Rogério Paulo será o entendermos profundamente o papel do teatro e dos artistas na nossa sociedade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, também gostava de dizer algumas palavras, uma vez que conheci Rogério Paulo aqui, nesta Casa, na Assembleia Constituinte, num período de grande tensão e conturbação do processo democrático português.
Ele fazia parte de um núcleo notável de artistas do mundo das artes dramáticas e da literatura, que também ordenaram a Assembleia Constituinte, como, por exemplo, Igrejas Caeiro, Manuel Alegre e Sophia de Melo Breyner Andresen. Guardo dele, nesse tempo um tanto difícil, uma imagem extraordinariamente gratificante, pela hombridade que sempre exibia e pelo trato civilizadíssimo com que lidava com toda a gente.
Rogério Paulo foi aqui, nesta Casa, um "bom actor", no sentido mais nobre da expressão, do que são a experiência e a vivência democráticas.
Assim, associo-me também ao voto da Câmara, que naturalmente, como foi, aliás, proposto, farei chegar à família de Rogério Paulo.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos guardar um minuto de silêncio.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Srs. Deputados, vamos proceder formalmente à votação do voto de pesar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN.
Srs. Deputados, o Plenário reúne amanhã, sexta-feira, dia 26 de Fevereiro, às 10 horas. O período da ordem do dia compreende uma sessão de perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
António de Carvalho Martins.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
José Pereira Lopes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
Carlos Cardoso Lage.
João António Gomes Proença.
José Barbosa Mota.
José Manuel Santos de Magalhães.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Partido Comunista Português (PCP):
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Maria Odete dos Santos.
Deputados Independentes:
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Cecília Pita Catarino.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
João Álvaro Poças Santos.
José Angelo Ferreira Correia.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel de Lima Amorim.
Partido Socialista (PS):
Alberto da Silva Cardoso.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Partido Comunista Português (PCP):
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Centro Democrático Social (CDS)
José Luís Nogueira de Brito.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.
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DIÁRIO
da Assembleia da República
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