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Quarta-feira, 10 de Março de 1993
l Série - Número 46
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VI LEGISLATURA

2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE MARÇO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. José Mário Lemos Damião
Vítor Manuel Caio Roque
José de Almeida Cesário Alberto Monteiro de Araújo

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas e de requerimentos.
Assinalando o Dia Internacional da Mulher, produziram intervenções, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Nogueira de Brito (CDS), Apolónia Teixeira (PCP), Almeida Santos (PS) e António Maria Pereira (PSD) No final, foi aprovado o voto n.º 66/VI, subscrito por todos os grupos parlamentares e pelos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé, sobre a participação política das mulheres.

Ordem do dia. - Foi rejeitado o recurso, interposto pelo Sr. Deputado Mano Tomé (Indep.), da decisão de não inclusão, na ordem do dia, da discussão do projecto de lei n.º 104/VI - Acrescenta dois novos artigos à Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, e dá nova redacção a outros artigos de protecção da maternidade e da paternidade.
O projecto de lei n.º 99/VI - Garante o direito à igualdade do tratamento no trabalho e no emprego (PCP), foi aprovado, na generalidade, tendo baixado à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, para discussão e votação na especialidade.
Intervieram, a diverso título, os Srs Deputados Odete Santos (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Margarida Silva Pereira (PSD), Elisa Damião (PS), Octávio Teixeira (PCP), Mano Tomé e João Corregedor da Fonseca (Indep ), Edite Estrela (PS), Carlos Coelho (PSD), Isabel Castro (Os Verdes) e José Magalhães (PS).
Procedeu-se à discussão do projecto de lei n.º 103/VI-Alteração da imagem feminina nos manuais escolares (Os Verdes), tendo intervindo, a diverso título, os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Ana Paula Barros (PSD), Mana Julieta Sampaio (PS) e Odete Santos (PCP).
Entretanto, foram rejeitados os projectos de resolução n.º 54/VI - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 247/92, de 7 de Novembro (PCP) l ratificação n.º 50/VI (PCP)], 55/VI -Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 240/92, de 29 de Outubro (PCP) [ratificação n.º 53/VI (PCP)], 56/VI -Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 238/92, de 29 de Outubro (PS) [ratificação n.º 52/VI (PS)], 58/VI -Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 247/92, de 7 de Novembro (PS) [ratificação n.º SI/VI (PS)] e aprovada, em votação final global, a alteração proposta pela Comissão de Saúde ao Decreto-Lei n.º 166/92, de 5 de Agosto [ratificação n.º 46/VI (PS)].
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão eram 19 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Carlos David Nobre.
Luis Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça
Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel. Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.

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António Luís Santos da Costa.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Edite de Fátima Santos Maneiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira (TOliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Paulo Martins Casaca.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luis Filipe Marques Amado.
Luis Filipe Nascimento Madeira.
Luis Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luis Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luis Nogueira de Brito.
Juvenal Alcides da Silva Costa.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (José Cesário): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 266/VI - Adita um número ao artigo 1.º da Lei n.º 63/90, de 26 de Dezembro, relativa ao vencimento dos magistrados judiciais e do Ministério Público (PSD), que baixou à 3.ª Comissão; 269/VI - Alteração ao Estatuto dos Gestores Públicos (CDS), que baixou à 7.ª Comissão; 270/VI - Fiscalização das empresas públicas e sociedades de capitais exclusivamente públicos (CDS), que baixou à 7.ª Comissão; 271/VI - Criação da freguesia de Sabroso de Aguiar, no concelho de Vila Pouca de Aguiar (PSD), que baixou à 6.ª Comissão; 272/VI - Altera a Lei n.º 867 89, de 8 de Setembro (Organização e funcionamento do Tribunal de Contas) (PS), que baixou à 3.â Comissão; 273/VI - Elevação à categoria de cidade da vila de Vendas Novas (PCP), que baixou à 6.ª Comissão; 274/VI - Assegura a fiscalização do Sistema de Informação Schengen por autoridade independente (PS), que baixou à 3.ª Comissão, e 275/VI - Estabelece garantias de fiscalização dos bancos de dados das forças policiais (PS), que baixou à 3.ª Comissão; ratificação n.º 62/VI - Decreto-Lei n.º 597 93, de 3 de Março (Estabelece o novo regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional) (PCP); projecto de deliberação n.º 57/VI - Designação pela Assembleia da República dos membros da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados (PS).
Deram também entrada na Mesa, na última reunião plenária, os requerimentos seguintes: ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Apolónia Teixeira, Júlio Henriques, António Costa, Elisa Damião, António José Seguro, José Magalhães e Álvaro Viegas; ao Ministério da Justiça, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Silva Azevedo, José Vera Jardim e António Barradas Leitão; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Fialho Anastácio; ao Ministério da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Eurico Figueiredo; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelo Sr. Deputado José Reis; ao Instituto Nacional de Farmácia e do Medicamento, formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é do vosso conhecimento ontem celebrou-se o Dia Internacional da Mulher. Por tal motivo a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares foi de parecer que nesta sessão plenária se dedicasse atenção ao tema, quer em interven-

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ções no período de antes da ordem do dia, especialmente organizado para este efeito, quer no tratamento de diplomas legislativos pertinentes durante o período da ordem do dia.
O tema, o Dia Internacional da Mulher, oferece-nos duas faces diferentes, desiguais em beleza e desigualmente aprazíveis. Por um lado, é este o dia para o homem prestar uma especial e simbólica homenagem à companheira, à mãe, à irmã, à filha, à colega, à mulher.
Assim, para marcar esta face risonha e amorável da comemoração, a Assembleia da República, através da Mesa, vai oferecer uma rosa vermelha a todas as mulheres que se encontrem no Plenário e nas galerias:
Sr.ªs Deputadas, Jornalistas, Funcionárias, Convidadas - entre as quais me apraz registar a presença da Sr." Dr.º Maria Barroso e da Sr.ª Pinto de Andrade - e Visitantes.
Por outro lado, este é também o dia para homens e mulheres meditarem sobre o longo caminho que ainda há a percorrer na nossa sociedade para que reine, na medida desejável, igualdade de tratamento entre ambos os sexos, nomeadamente no trabalho, na família, nas instituições culturais e religiosas, etc.
A lonjura deste caminho a percorrer em Portugal até se mede, desgraçadamente ainda, por diferenças de dignidade social reconhecida aos membros dos dois sexos. Quanto há a fazer no discurso das leis e, sobretudo, na prática social para que homem e mulher sejam um em dignidade social, como Deus os criou, segundo o Génesis, e como S. Paulo o lembrou: «Nem judeu, nem gentio, nem grego, nem bárbaro, nem homem livre, nem escravo, nem homem, nem mulher, sois todos irmãos!»
Para reflectir mais detidamente sobre este tema, vamos entrar no período de antes da ordem do dia de hoje.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados: São histórias dos jornais, das esquadras. São histórias silenciadas pelo medo, pela vergonha, pela hipocrisia. Histórias de violência, histórias de seres humanos, sobretudo, histórias, hoje e ainda, de mulheres, em Portugal.
16% dos homicídios dolosos consumados ocorridos entre 1980-1989 nos distritos de Lisboa, Aveiro, Beja, Santarém e Viana do Castelo foram perpetrados entre marido e mulher.
13 homicídios foram cometidos entre cônjuges na área da Grande Lisboa, sendo 12 vítimas de sexo feminino.
52 denúncias por ofensas corporais entre cônjuges deram entrada na Polícia Judiciária de Lisboa, 48 das quais relativas a mulheres.
40 % da população portuguesa admite ter entre os seus conhecimentos pessoas vítimas de violência. O agressor tem, normalmente, mais de 30 anos, fracas habilitações literárias e profissão modesta. A agredida situa-se normalmente entre os 30 e os 50 anos, tem fracas habilitações literárias e pouco ou nenhum poder económico.
Nos últimos cinco anos, 346 mulheres dirigiram-se à Comissão para a Igualdade e Direitos das Mulheres queixando-se de maus tratos por parte dos maridos. O motivo passional é largamente maioritário nos homicídios cometidos na pessoa do cônjuge: 80 % dos casos.
O tipo de maus tratos normalmente infligidos nas mulheres são espancamentos, mesmo durante a gravidez; batimento com a cabeça da vítima no chão; ameaças com armas; pisar e maus tratos sexuais.
Traumatismos cranianos, lesões permanentes nos dentes, braços partidos, surdez permanente, coma e abortos são alguns dos danos mais graves descritos por mulheres vítimas de maus tratos.
Dos portugueses ouvidos apenas 50,5 % consideram um acto «muito violento» o facto de um marido agredir a mulher depois de uma discussão, no entanto, tal já só é considerado muito violento por 34,6 % dos inquiridos se o marido agredir a mulher depois de descobrir que ela lhe foi infiel.
A violência sobre a mulher foi a causa de 21 % dos divórcios julgados no Tribunal de Família do Porto, em Outubro de 1988. Mais de 10 % das vítimas de agressão são mulheres agredidas pelos maridos, ex-maridos ou amantes.
A lista é imensa e dela a imprensa tem feito notícia. Um rol infindável, uma realidade que a rude frieza dos números não esconde, incómoda, chocante, complexa na sua teia de explicações.
Histórias de violência a que se juntam outras, tantas outras. Histórias de seres humanos a quem essa condição é negada, em crescente número, por cada ano que passa. Jovens, quase crianças, homens alguns, mas sobretudo mulheres. Seres humanos reduzidos à condição de objectos, de mercadoria, de corpo-ferramenta que produz dinheiro e um suposto prazer. Prostitutas de origem humilde na quase totalidade, sem estudos, sem formação profissional, estigmatizadas.
Mas histórias são também outras: as vítimas do sexo, de que os números oficiais falam. 223 denúncias só na Grande Lisboa em 1992. Uma ninharia, decerto, na imensidão de pessoas -e é de mulheres que falo - violadas. Mulheres que, sucumbindo ao peso cultural, hoje ainda se calam com cúmplice silêncio, mas um número que em si mesmo, no aumento de 30 % que traduz, exige reflexão.
Mas afinal que sentido tem, perguntar-se-á, falar de violência, ou melhor, de formas de violência múltiplas nas causas, diversas nos efeitos, se não é hoje o tempo desta discussão?
Poderá parecer estranho. Assim o não entendemos, porque por aqui, por esta Assembleia da República, também passa a responsabilidade de lembrar, de alertar, de exigir, de comprometer: alertar esta Assembleia, o PSD e a sua maioria que a sua capacidade de olhar com distância para o sofrimento de outros povos e de outras mulheres vítimas da guerra, da violência e de violação, onde quer que se encontrem, os não pode impedir de deterem o seu olhar na própria realidade do seu país.
Lembrar a esta Assembleia, ao PSD e à sua maioria que muito do que se disse não pode ser estranho ao novo Código Penal, que apesar das promessas feitas tarda a chegar para o inevitável debate e que, escandalosamente, continua na pena a atribuir ao autor de crime de violação a ressalva: «Se a vítima, através do seu comportamento, tiver contribuído de forma sensível para o facto, a pena é especialmente atenuada.»
Salientar nesta Assembleia da República que há ano e meio se encontra por regulamentar, por obstrução do PSD, a Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, cujo objectivo é o reforço dos mecanismos de protecção legal às mulheres vítimas de crimes de violência e a criação de mecanismos de prevenção e apoio.
Recordar à Assembleia da República, ao PSD e à sua maioria que a sua aproximação aos cidadãos passa pela capacidade de dar corpo aos projectos que as mulheres também apresentaram e que jazem no esquecimento.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque recusamos a hipocrisia dos que querem limitar a problemática feminina, ou qualquer outra, à liturgia das palavras que se celebra em dia e hora marcada, para alívio de consciências.
Porque recusamos a hipocrisia dos partidos que, subalternizando quotidianamente as mulheres, delas fazem com excepção uso para cumprir rituais sem sentido.
Porque recusamos o simbolismo dos actos, a política do faz de conta, e porque para nós, Verdes, a intervenção mergulha no concreto, na realidade e nela constrói o sonho.
E porque a realidade aqui tem sido fingimento, hoje saudamos em particular as mulheres. As mulheres que pela sua intervenção e por ela deram corpo e fazem uma história. Ás mulheres que agradecem as palavras, mas que lembram que as palavras, tal como a vida, tal como a Natureza, tal como o amor, só vivem se alimentadas, sob pena de morrerem.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Forçado pela circunstância eleitoral, alinho com o Sr. Deputado Almeida Santos nesta atitude de ser também no CDS um homem a prestar homenagem às mulheres no seu dia próprio.
Faço-o, aliás, com todo o gosto, apesar da satisfação mal informada que o Sr. Deputado Almeida Santos ontem manifestou com a prepotência germânica do Partido Popular Europeu de que foi vítima o CDS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Dia Internacional da Mulher, que hoje é aqui comemorado, constitui uma oportunidade que, com gosto - reafirmo-o - aproveitamos para lembrar que a sociedade humana é, e será, uma realidade dinâmica, não subsumível a modelos acabados ou redutível a verdades absolutas.
Na verdade, a definição do que seja o papel da mulher, o seu modelo de intervenção social, é algo que, consoante a época histórica e a raiz cultural e etnológica de cada povo, sofre variações que vão desde modelos puramente matriarcais, de predomínio social da mulher, até modelos de cariz patriarcal, que, tradicionalmente, reservam às mulheres um papel socialmente considerado secundário.
Porém, de há mais de um século a esta parte - e falo agora da civilização de que somos tributários - a mulher tem lutado pela consagração da igualdade de direitos civis, sociais e políticos e tem, felizmente, tido sucesso nesse desiderato, pelo menos formalmente.
De resto, orgulhamo-nos - todos o dizemos - do facto de Portugal ser um dos países que, sem tibiezas, consagra na sua Constituição e nas suas leis o princípio da absoluta igualdade e não discriminação em função do sexo, seja em que dimensão for, da vida social.
É, reconhecemo-lo, um facto que a evolução constitucional e legal do nosso país ultrapassa, em muito, a evolução da consciência social. Porém, não somos excepção neste aspecto relativamente a outros países ocidentais.
É importante, a este propósito, lembrar que, nesta como noutras matérias de igual delicadeza, o legislador deve ser humilde e realista.
Com efeito, temos de ter a consciência de que não é por decreto que se altera a estrutura cultural, e até mental, de uma sociedade (essa é mais a atitude do ditador que a do democrata): quando muito indicam-se caminhos, vias, abrem-se perspectivas de futuro, de acordo com aquilo que em cada momento pensamos ser correcto e pretendemos que a sociedade assimile.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nesta matéria convém não criar modelos, verdades absolutas, intemporais e insusceptíveis de erro. O mito da «sociedade nova», da «mulher nova», do «homem novo» é, felizmente, coisa do passado, de um passado negro e terrível nas suas consequências. Há, portanto, repito, que demonstrar humildade, não exercer nem exaltar realidades sociais diversas e com as quais, porventura, discordamos ou concordamos.
Vem tudo isto a propósito da tentação que neste dia sempre nos acomete de eleger como ideal um determinado tipo de mulher, que, caricaturizando, é aquela que vive em sociedade como há um século só os homens viviam e de, pelo contrário, considerar como menor a mulher que opta na sua vida pela dedicação às funções que tradicionalmente lhe eram confiadas.
É uma tentação comum, que convém combater, até porque será eventualmente hoje mais difícil para uma mulher a segunda opção do que a primeira, por razões, na maior parte dos casos, de índole económica, mas que começam também a ser de índole social.
Dito isto, quero, em nome do Grupo Parlamentar do CDS, sublinhar que recusamos qualquer dogma no que ao papel da mulher na sociedade diz respeito. Por isso, fazemos votos de que cada vez mais as mulheres tenham a possibilidade de desempenhar o papel social que realmente pretendem, repudiando claramente todos os preconceitos, sejam eles conservadores ou outros, que a sociedade ainda tenha ou comece a ter nesta matéria.
Em suína, e sem esquecer que a vivência humana é também uma vivência social, pugnamos pela liberdade da mulher na sociedade.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.
A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comemorar o 8 de Março é, acima de tudo, uma oportunidade para analisar e reflectir sobre a situação da mulher no trabalho, na sociedade e na família. E fazer de um dia todos os dias, para vencer os obstáculos no acesso à igualdade, é lutar por medidas que os anulem, é exigir o cumprimento das leis que visam a promoção e dignificação do papel da mulher na sociedade.
Nos nossos dias, a mulher continua a representar mais de 50 % da população portuguesa. Segundo o último censo, para um total de cerca de 9 990 000, mais de 5 milhões são mulheres. Representam mais de metade do talento e capacidades potenciais do nosso país. Capacidades produtivas e criativas sub-aproveitadas porque não é cumprida a igualdade de oportunidades no acesso ao emprego, à justa remuneração, à formação e à progressão na carreira.
No trabalho, segundo dados recentes, a taxa de actividade feminina mantém-se estagnada desde 1983. Os 38 % a 39 % demonstram as dificuldades com que as mulheres se defrontam no acesso ao emprego. O alastramento das formas de emprego precário afectam em primeiro lugar a mão-de-obra feminina. Dois terços dos empregos obtidos

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pelas mulheres entre 1983 e 1991 foram-no a título precário. No desemprego elas são mais! Mais hoje do que ontem! O dobro que o dos homens e por mais tempo! São 76,4 % no desemprego de longa duração. É o desemprego massivo e inflexível.
A remuneração média global das mulheres é cerca de 70 % da dos homens. A percentagem das mulheres que recebem o salário mínimo é dupla da dos homens. As mulheres representam apenas 0,7 % dos quadros superiores e 59,5 % concentram-se nos grupos profissionais qualificados e semiqualificados. É uma camada com uma jornada de trabalho mais longa ao acumular a actividade profissional com as responsabilidades na família.
A mulher na sociedade portuguesa é marginalizada. A discriminação existe. Iludam-se os que procuram negar a sua existência endossando subtilmente responsabilidades a outrem. Ao pretenderem minimizar a existência das discriminações e reduzir os problemas da igualdade a questões independentes do poder político, este não só visa desarmar ideologicamente a luta das mulheres pela sua emancipação como ainda procura escamotear responsabilidades no incumprimento das leis e na violação dos direitos.
Leis que continuam a não ser cumpridas: a lei da maternidade e da paternidade, a da interrupção voluntária da gravidez, a da educação sexual e planeamento familiar. Leis que aguardam regulamentação, de que é exemplo a lei que garante a protecção às vítimas de violência, há cerca de dois anos. Projectos de lei que, discutidos e aprovados na generalidade nesta Assembleia da República, aguardam há um ano as votações na especialidade e final global e de que destaco, entre outros, o projecto apresentado pelo PCP que visa o reforço dos direitos das associações de mulheres e outros, que, apresentados, ficaram no esquecimento, a aguardar agendamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a participação da mulher na vida económica, social e política não é, de facto, proporcional ao seu peso numérico e, de igual forma, não corresponde as competências, capacidades, qualificações e saber que na vida as mulheres demonstram. Mas é uma participação crescente.
A mulher participa e intervém na conquista do emprego e da realização profissional, no cumprimento dos direitos, na participação em igualdade, nos sindicatos, nos movimentos sociais e políticos, nas autarquias, na família e nas organizações femininas; a mulher bate-se pelos seus direitos de cidadã.
Como afirmava Elina Guimarães «[...] agora sim! A mulher deixou de ser espectadora e representa o seu grandioso papel!»
É um protagonismo ainda condicionado, por vezes proibido e dificultado. Mas elas hão-de ser capazes de assumir esse papel transformador na sociedade e no futuro.

Aplausos do PCP, do PS e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados, Sr.ªs Convidadas, meus senhores: Entendeu-se que fazia sentido que fosse eu - homem e líder do meu grupo parlamentar - a usar da palavra neste período de antes da ordem do dia dedicado ao Dia Internacional da Mulher.
Sei que não é costume, mas não estou seguro de que o não seja por uma razão em si mesma discriminatória.
Entendo, eu também, que tem mais significado que seja um homem a reconhecer as discriminações remanescentes, dado que a confissão só é possível da parte de quem é réu.

Risos do PSD.

A uma desigualdade corresponde sempre - maior ou menor - um privilégio. Venho então acusar os privilegiados, logo acusar-me também a mim?
Foi isso - para que conste - o que me propus fazer.
Tenho atenuantes, e não é justo que me esqueça delas. Desde que me conheço, que conto, entre os meus modestos ornatos ideológicos, o combate às discriminações com base no sexo (além de outras, evidentemente).
Escolhi por companheira de toda uma vida (ou foi ela que me escolheu a mim) uma mulher emancipada.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): -Muito bem!

O Orador: - Como advogado e como político, tentei estar sempre onde esteve uma mulher discriminada ou desprotegida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tive até a honra de me ter cabido, enquanto Ministro da Justiça, a tarefa de traduzir em linguagem de lei ordinária a consagração do princípio da igualdade e da não discriminação com base no sexo inscritos na Constituição de Abril.
Foi uma tarefa concentrada no tempo e, por isso, pesada, mas que não podia ter sido mais exaltante.
A Sr.ª Deputada Leonor Beleza pode testemunhar o entusiasmo com que foi vivida. Também a viveu.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A partir desse então ficou assegurada a igualdade jurídica entre o homem e a mulher; entre os cônjuges, na sociedade conjugal; entre o pai e a mãe em relação aos filhos.
Dou-me então por satisfeito? Não dou! Foi importante a conquista dessas igualdades formais. Representou, no nosso país, o culminar de uma luta sem idade, que vem, inclusive, das fontes grega e latina do direito natural; que se densificou nos ensinamentos do próprio Cristo, nomeadamente na parábola da mulher adúltera e na adoração e posterior beatificação de Madalena; que dormitou na Idade Média e se instalou na razão - onde já filósofos a tinham situado - com a Declaração Preambular de Direitos da Constituição saída da Revolução Francesa. Atravessou o Atlântico e tomou assento na Constituição dos Estados Unidos da América. E, entre avanços e recuos, foi deixando recados na literatura e na poesia universais, de que Camões e as suas endechas a Bárbara permanecem entre nós como pico mais alto.
Não serei eu quem nega o contributo positivo da exaltação da mulher pelos impulsos do amor.
Mas não me iludo. Aí mesmo esteve a diferença. E sempre, antes e depois da igualdade jurídica, sobrou espaço para formas de discriminação social e de agressão cultural, moral e física específicas da relação homem-mulher.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: -Não é preciso ir ao outro lado do mundo, esse espaço asiático onde os direitos do homem ainda não ganharam raiz; nem tão-pouco aonde o Corão continua a situar a mulher sete passos atrás do homem, quando não objecto tão exclusivo do pai ou do marido que nenhum outro homem lhe pode ver o rosto; nem sequer à África negra, onde a mulher é com naturalidade negócio de compra e venda; nem aos confins do passado, onde a mulher foi objecto das mais aviltantes sujeições. A história do pensamento e da civilização não foi exaltante ao ponto de não ter pactuado com a escravatura até há pouco mais de um século -com Aristóteles e o próprio S. Tomás de Aquino a doutamente justificá-la-, de não continuar a pactuar com o trabalho forçado, seu prolongamento natural, e de não permanecer agarrada a métodos discriminatórios entre seres que, não obstante, proclama na sua essência iguais.
Basta-nos uma mirada para o mundo pretensamente civilizado em que nos inserimos, o aqui e agora de que fazemos parte, para não podermos ignorar que a igualdade jurídica entre o homem e a mulher coabita vergonhosamente com a desigualdade social, económica e cultural.
É certo que Já estamos longe das ignomínias do passado. Mas que isso nos não amoleça para a necessidade de completarmos a tarefa de banir da nossa responsabilidade e do nosso descontentamento as discriminações com base no sexo que chocante mente persistem.
Estão aí as estatísticas (ainda há pouco a Sr.ª Deputada referiu bastantes) e, mais do que elas, a realidade. Na política, na administração, no trabalho remunerado ou doméstico, continua a ser chocante o fosso que separa o homem da mulher. Na sociedade conjugal, só agora começa a insinuar-se, deixando a descoberto manchas do passado, uma equitativa distribuição de direitos e sujeições. De dignidade, em suma. Nas relações conjugais e extraconjugais, entre os pais e as mães, é à mãe que socialmente cabem - num como que prolongamento das sujeições naturais - os constrangimentos maiores.
E as diferenças biológicas e físicas continuam a determinar violências mais frequentemente do que inspiram poemas. A figura da «Luísa que sobe a calçada», do conhecido poema de Gedeão, não saltou da ficção, saiu da vida.

Aplausos do PS e do PSD.

E não tivemos, ainda há dias, que indignar-nos aqui contra a violação massiva de mulheres com desígnios de limpeza étnica, que ocorre na antiga Jugoslávia? Esse requinte escapou ao próprio Miller!
Acuso-me pois de quê? Da pontualidade e da escassez global das minhas indignações e dos meus protestos. Dos intervalos da minha luta. Não me indignei em todas as horas da vida ou da alma, nem fiz do protesto contra o que sobeja da velha ignomínia uma constante da minha vida. Pactuei. Resignei-me. Beneficiei, por vezes com deleite, de privilégios que não combati. Este mesmo peccavi não me garante que amanhã não regressarei à desatenção, à rotina, ao conformismo, a todos os pactos com práticas e valores com ressaibos marialvistas implícitos na globalidade do meu comportamento.
Ao inspirar a revisão legislativa subsequente à Constituição de Abril ficaram feitas todas as leis possíveis contribuintes para a não discriminação baseada no sexo?
Ao intervir nesta Assembleia e fora dela, disse e escrevi tudo quanto podia ter dito e escrito com o mesmo objectivo?
Enquanto Ministro, que também fui, pus ao serviço do poder de que dispus a vontade política de assegurar tratamento igual ao que sempre considerei igual?
No meu comportamento diário, mesmo aquele que já beneficiou da experiência e da sensatez da muita idade, nunca me deixei trair por concepções de maniqueísmo sexista?
As respostas não me absolvem. Subsiste, viva, a necessidade de um salutar perdão.
O problema é de raiz cultural. Se não fora, bastaria a lei. Sendo, apenas ajuda.
Tudo terá começado na diferenciação biológica. O poder nasceu causalmente ligado à força e o homem é de sua natureza fisicamente mais forte.
Do poder saiu a lei. Moral ou outra. E a lei reflectiu - e assim continua - a supremacia do legislador masculino.
A própria ideia de pecado nasce do sexo feminino. É Eva quem dá a comer a Adão o fruto proibido da árvore da ciência.
Discriminatório é também o juízo do pai celeste: ao homem o trabalho, à mulher o parto. Pena desigual, como logo bem se vê. Até porque a mulher compartilha com o homem o suor do trabalho, sem que o homem divida com ela as dores do parto.
Como mandatária da serpente, a mulher ficou para sempre ligada às tentações do Mafarrico.
Fraca, nessa medida, e maléfica, a (mulher) fêmea foi presa fácil do macho. Igual, nem na escravatura, visto que linha por missão, entre outras, a de que gerar riqueza, ou seja, escravos.
O despontar do direito natural, como atributo da pessoa, é o primeiro farol. Cristo, já o disse, deu uma preciosa ajuda. Não foi o Sermão da Montanha a primeira Declaração Universal de Direitos, ali chamados bem aventuranças? Mas nasceu antecipado em relação ao seu tempo e não pôde incluir mulheres entre os Apóstolos. Decerto, por isso, ainda hoje a sua Igreja não reconhece à mulher assento nos mais ínfimos degraus da hierarquia religiosa ou do cerimonial litúrgico. Recuso-me, aliás, a compreender o bem fundado da leitura fora de época da Epístola de S. Paulo aos Coríntios, na parte em que preconiza a sujeição da mulher, como tema de meditação e de fé. E porque a Igreja dominou a cultura da Idade Média, não se há-de estranhar que só na Idade Moderna, com a supremacia da razão, se tenham atingido estádios menos humilhantes de discriminação sexista.
Modernamente, a nova «religião» dos direitos humanos, de validade pretensamente universal - depois de, durante milénios, termos pactuado com cartilhas de só deveres - encontrou em René Cassin o seu profeta. Nasceu com a mesma fragilidade com que nascem as utopias. Mas fez caminho, porque era tempo dela, e tem hoje mais força do que um arsenal atómico. Já derrubou ditaduras e ditadores. Põe o dedo no nariz aos novos aprendizes dessa feitiçaria.
Está positivamente obrigando o mundo a ser mais justo, mais igual, menos discriminatório. A terra de promissão de uma civilização planetária onde o homem e a mulher sejam jurídica, económica, social e culturalmente iguais já se desenha no futuro. Os lapidadores de adúlteras já jogaram fora a pedra.

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O marido que entra em casa embriagado já nem sempre se psicanalisa sovando a mulher; mais frequentemente pragueja agora contra o Prof. Cavaco.

Risos do PS e do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: Os partidos políticos já cuidam de se envergonhar da baixa percentagem de mulheres nas listas eleitorais. A Organização Internacional do Trabalho já faz suores frios aos empregadores que preferem homens.
O caminho está encontrado. Resta percorrê-lo até ao ponto .de chegada. Inquiro-me sobre que instrumentos poderão ajudar-nos a ir até ao fim. Os instrumentos de uma verdadeira política de educação e de cultura - que continuamos a não ter - parecem-me indispensáveis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É nos bancos da escola que o respeito pela mãe, pela irmã, pela noiva, pela esposa, pela colega de trabalho, pela mulher, em suma, se semeia. No coração dos jovens. Para que o assumam como um gesto natural e irrecusável. Para que se indignem, sem resignação possível, à sua violação.
Precisávamos também de uma televisão -nacional e internacional- menos complacente com exigências publicitárias centradas na exploração visual da mulher.

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): -Muito bem!

O Orador: - E de um cinema menos tentado pelos atavismos da violência.
Enfim, precisávamos de respostas eficazes contra os flagelos da prostituição e da droga.
Como conseguir tudo isso sem um mundo novo habitado por um homem novo?
Gostava que esta breve cerimónia se não esgotasse num mero simbolismo. E de que este pudesse ser, no domínio das relações homem-mulher, o primeiro dia de um futuro sem reserva mental.
Estou com quem disse que «as Constituições (ao que eu acrescento as leis) nunca bastaram para criar sentimentos».
Aplausos do PS, do PSD, do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Maria Pereira.

O Sr. António Maria Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr.ªs Convidadas: Comemorou-se ontem em todo o mundo o Dia Internacional da Mulher. Porquê esta comemoração?
Porque, apesar de todas as belas afirmações de princípios, apesar de todas as solenes proclamações de igualdade entre o homem e a mulher e da interdição da discriminação com fundamento no sexo, o certo é que continuam a ocorrer discriminações na maior parte dos países do inundo e também em Portugal.
Desde sempre, e até tempos muito recentes, nalguns países ainda actualmente, as violências contra as mulheres eram consideradas um assunto privado, um comportamento lamentável inerente às tradições culturais e religiosas
de certas sociedades, mas não propriamente um tema actual do grande debate sobre os direitos humanos.
Designadamente quanto às violações de mulheres em tempo de guerra sempre tais abusos foram consideradas um subproduto das hostilidades, que nunca mereceram a atenção particular da comunidade internacional. Nunca militares foram julgados por violações, em termos idênticos aos julgamentos por crimes de guerra.
Recentemente, porém, as coisas mudaram e continuam a mudar. Exemplo paradigmático dessa mudança é a reacção mundial perante as violações maciças ocorridas na ex-Jugoslávia no desenvolvimento do sinistro plano sérvio de limpeza étnica.
Aconteceu, com efeito, que, acompanhando o sentimento universal de indignação provocado por essas violações, o Conselho de Segurança das Nações Unidas decidiu, por unanimidade, no mês passado, através da sua Resolução 808, constituir um tribunal internacional para julgar os crimes de guerra na ex-Jugoslávia, tendo ficado desde já assente que essas violações serão consideradas entre os mais graves desses crimes. É um grande progresso.
A tendência actual, que deve ser encorajada sem hesitações, vai por isso no sentido de considerar que todas as violações aos direitos da mulher, desde as violências físicas até à sub-reptícia imposição de um estatuto secundário da mulher em relação ao homem, constituem ofensas aos direitos humanos que nenhuma tradição cultural ou religiosa pode desculpar. Por isso, na próxima Conferência de Viena sobre Direitos Humanos, que as Nações Unidas estão a organizar para Junho deste ano, será pela primeira vez incluída uma extensa agenda sobre violações aos direitos das mulheres, desde a supressão do direito de voto até às violências físicas.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A luta pelos direitos da mulher é, portanto, e antes de mais, uma luta pelos direitos humanos.
Nesta luta a pedagogia tem um papel fundamental. Comemorar com solenidade e publicidade o Dia da Mulher, chamar publicamente a atenção para as injustiças de que as mulheres continuam a ser vítimas é fazer pedagogia pela causa, é lutar por um mundo mais justo e mais humano que constitui o ideal consubstanciado na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
E logo na designação desta Declaração Universal se deverá iniciar esta luta. Porque logo aqui se revela um aspecto de certo machismo latente que ainda há menos de meio século se notava nas mais progressivas organizações internacionais.
Porquê Declaração Universal dos Direitos do Homem, em vez de Declaração Universal dos Direitos Humanos?

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porquê, por um fenómeno de sinédoque, subordinar nominativamente a mulher ao homem na definição dos direitos humanos?
A razão é histórica: a Declaração Universal vem na esteira da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa, de 1789, época em que os direitos das mulheres estavam ainda numa fase embrionária. O grande impulsionador da Declaração Universal foi o Prémio Nobel francês René Cassin. Como bom gaulês, René Cassin manteve a tradição francesa de falar apenas em direitos do homem.
Mas indiciando que nos países anglo-saxónicos e nórdicos o estatuto da mulher tem sido sempre e continua a

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ser mais avançado do que nos países latinos e nos países do sul em geral, a Declaração Universal, na sua versão inglesa, optou pela expressão «direitos humanos» (human rights) em vez de «direitos do homem».
Sigamos, em Portugal, o exemplo anglo-saxónico. Não cultivemos o machismo semântico francês. Passemos, pois, a referir-nos sempre a «direitos humanos» em vez de «direitos do homem».
Sr. Presidente, Srs. e Sr.ªs Deputadas: René Cassin escreveu que os direitos humanos constituem, na Organização das Nações Unidas, um triplico em que a parte central, ou seja, a base é constituída pela própria Declaração Universal enquanto que as duas partes laterais são compostas uma delas pelos diversos pactos e convenções internacionais e a outra pelas medidas de aplicação prática, sendo esta a parte mais imperfeita, aquela em que mais falhas se notam.
A imagem é pertinente. Concretamente quanto aos direitos da mulher, eles estão amplamente consagrados através da proibição da discriminação pelo sexo, quer na Declaração Universal, quer nos dois pactos internacionais que se seguiram, quer na Carta das Nações Unidas, quer em numerosas convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho, da UNESCO, do Conselho da Europa, das Comunidades Europeias, etc. E, neste capítulo, importa recordar o papel desempenhado pela Comissão da Condição da Mulher nas Nações Unidas, designadamente ao redigir a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, que é o documento internacional mais completo sobre esta matéria.
Em Portugal, os direitos da mulher estão, por igual, amplamente salvaguardados. O movimento no sentido da absoluta equiparação dos sexos acelerou, sobretudo a partir da Revolução de 25 de Abril, adquiriu dignidade constitucional com a Constituição de 1976 e, actualmente, pode afirmar-se que, pelo que respeita aos textos legais, o princípio da não discriminação em função do sexo é uma realidade entre nós. A primeira e a segunda vertentes do triplico de René Cassin não têm, por isso, em Portugal, qualquer falha...
No entanto, a realidade mostra também que as mulheres continuam a ser discriminadas em Portugal. Uma vez mais a terceira vertente do triplico - as medidas práticas de protecção - não corresponde aos princípios jurídicos consagrados nas outras duas partes.
Referir-me-ei a dois aspectos reais desta discriminação. O primeiro diz respeito ao acesso ao emprego, no qual se verifica uma discriminação sub-reptícia, latente, de que o caso mais paradigmático foi o de um importante banco que claramente pretere, ou preteriu, mulheres no acto de admissão.
Como combater esta atitude?
Antes de mais, através da pedagogia. Em Portugal, a posição discriminatória em relação à mulher é, em larga medida, um epifenómeno de uma cultura machista, marialvista, fundada numa suposta superioridade do homem em relação à mulher - à qual competiria, como função, ficar em casa e ter filhos ou então diverti-lo em noites de boémia.
A pouco e pouco estes resquícios culturais de um passado recente vão desaparecendo. Quando as mulheres começam a ser vistas com frequência nos tribunais - como juízas, delegadas do Ministério Público e advogadas -, na diplomacia, como agentes de autoridade, nas forcas armadas e noutras funções, ocupando cargos, muitas vezes, dominantes em relação aos homens, mesmo os mais castiços marialvas começam a compreender que as coisas mudaram muito desde que Malhoa pintou a Severa, penando por amor do famoso Marquês. A atitude de sobranceria machista em relação ao sexo feminino passa a ser contraproducente quando os interesses de certos homens passam a depender de decisões a tomar por mulheres que ocupam posições de destaque na vida pública.
É preciso, por isso, denunciar todos os casos de discriminação sexual, fazer compreender aos responsáveis por estas discriminações que, para além de se sujeitarem a sanções legais, poderão ser acusados na praça pública, o que lhes poderá afectar não só a imagem mas também interesses concretos.
A lei, sobretudo os Decretos-Lei n.01 392/79, de 20 de Setembro, e 426/88, de 18 de Novembro, prevê sanções para quem, em matéria laboral, praticar discriminações fundadas no sexo e dispõe também que compete aos trabalhadores, objecto da discriminação, interpor as acções necessárias para assegurarem os respectivos direitos.
Aqui reside talvez uma das causas da discriminação no acesso ao trabalho, que continua a verificar-se: é que as mulheres discriminadas não têm proposto as acções respectivas. Esta atitude só pode encorajar os prevaricadores. Neste aspecto, a pedagogia deve também dirigir-se às vítimas, aconselhando-as a reagir perante casos de discriminação, designadamente participando-as às instâncias competentes.
Outro aspecto em que se verifica discriminação em relação ao sexo é o de preenchimento dos cargos políticos. Comecemos por olhar para a nossa Casa. Sendo certo que, em Portugal, as mulheres representam um pouco mais de metade do total da população (cerca de 51,7 %) e que 52 % dos eleitores são mulheres, a verdade é que, num total de 230 Deputados, apenas 20, ou seja, menos de 10 % são mulheres. Há, portanto, uma esmagadora maioria de Deputados relativamente às Deputadas.
Nas assembleias regionais verifica-se o mesmo: na da Madeira, as mulheres representam apenas 12,2 % do total de Deputados e na dos Açores apenas 9,8 %. O mesmo acontece relativamente às presidências das câmaras municipais, em que, num total de 305, há 300 homens contra apenas 5 mulheres. E a desproporção mantém-se e até se agrava relativamente às assembleias municipais, às juntas e assembleias de freguesia.
No Conselho de Estado, entre 18 membros, não há nenhuma mulher e no Tribunal Constitucional, entre os 13 membros, surgiu, finalmente, uma mulher em 1989, a Dr.º Maria Assunção Esteves.
Porquê esta gritante desproporção na ocupação de cargos políticos?
O fenómeno radica, uma vez mais, em razões históricas e culturais. O acesso das mulheres a cargos de responsabilidade política e pública foi-lhes interdito durante séculos e só no final do século passado e princípios do século XX a situação começou lentamente a alterar-se. Em Portugal, só a partir da Constituição de 1911 as mulheres adquiriram o direito de trabalhar na função pública. A primeira mulher licenciada em Direito foi Regina Quintanilha, em 1913; e em 1935 foram eleitas as primeiras três Deputadas à Assembleia Nacional. Mas o acesso das mulheres à carreira administrativa local, à carreira diplomática e à magistratura data apenas de 1974, após a Revolução de Abril.
Verifica-se assim que enquanto os homens têm, ao longo da história, desempenhado, praticamente em exclusivo, funções políticas e públicas - e isto tanto em Por-

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tugal como no estrangeiro - as mulheres só de há poucos anos para cá adquiriram um estatuto idêntico. É esta certamente a explicação daqueles surpreendentes desníveis.
Seja como for, o certo é que a reduzida influência das mulheres nos cargos políticos e públicos representa um défice democrático a combater.
Com efeito, e como se lê na Declaração de Atenas de 1922: «A sub-representação das mulheres no processo de tomada de decisão impede que sejam plenamente tidos em consideração os interesses e as necessidades do conjunto da população. Uma participação equilibrada de mulheres e homens no processo de tomada de decisão deveria fazer surgir diferentes ideias, valores e estilos de comportamento, tendo em vista um mundo mais justo e equilibrado para todos, mulheres e homens.»
Para obviar a esta discriminação, duas importantes organizações promotoras dos Direitos da Mulher reuniu-se, com o patrocínio da Comissão das Comunidades Europeias, em Atenas, em Novembro de 1992, tendo dessa reunião resultado a chamada «Declaração de Atenas».
Esta Declaração, depois de verificar a existência de um défice democrático na situação actual das mulheres nos Estados membros da Comunidade Europeia, proclama a necessidade de uma partilha equilibrada do poder público e político entre mulheres e homens; defende que a igualdade formal e informal entre mulheres e homens é um direito fundamental da pessoa humana - e daí parle para um apelo a todos os sectores da sociedade, designadamente aos Estados membros da Comunidade Europeia, para que integrem a dimensão da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres nos sistemas educativos e em todas as políticas nacionais e, bem assim, que adoptem as medidas necessárias para a realização destes objectivos, a fim de se conseguir uma partilha equitativa de postos de decisão entre mulheres e homens.
O PSD considera que a Assembleia da República deve corresponder ao apelo da Declaração de Atenas, subscrevendo, através de uma resolução, as suas conclusões. Será esta uma forma digna de o nosso Parlamento comemorar o Dia Internacional da Mulher!

Aplausos do PSD, do PS e do Deputado do CDS Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Aos homens e mulheres presentes a Mesa pede desculpa pela tolerância concedida aos dois últimos oradores, uma vez que excederam o tempo de que dispunham.
Antes de passarmos à leitura e votação de um voto, a Sr.ª Secretária vai anunciar as escolas que hoje se encontram a assistir à sessão.

A Sr.ª Secretária (Maria da Conceição Rodrigues): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Encontram-se a assistir à sessão grupos de alunos das Escolas Preparatórias do Feijó e do Entroncamento e das Escolas Secundárias de Ponte de Sor, de Felgueiras, da Escola. Secundária n.º 2, de Queluz, de Rio de Mouro e ainda da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, das Caldas da Rainha.

O Sr. Presidente: - Para todos, Srs. Deputados, peço a habitual saudação.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do voto n.º 66/VI, sobre a participação política das mulheres, subscrito por
todos os partidos e pelos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Secretário (José Cesário): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O voto é do seguinte teor

Voto n.» 6GA/I
Sobre a participação política das mulheres

No dia em que se assinala a passagem do Dia Internacional da Mulher em 1993, e tendo presente a persistente desigualdade entre as mulheres e os homens, no que respeita à participação nas instâncias de decisão política, a Assembleia da República faz seus os princípios, as preocupações e o apelo contidos na Declaração assinada em Atenas em 3 de Novembro de 1992 por mulheres com experiência no desempenho de altos cargos políticos, a convite da Comissão das Comunidades Europeias, cujo texto segue:

Nós, signatárias, mulheres com experiência no desempenho de altos cargos políticos, reunidas em Atenas em 3 de Novembro de 1992 a convite da Comissão das Comunidades Europeias na primeira Conferência Europeia 'Mulheres e Poder', adoptamos em conjunto a seguinte declaração:
Verificamos a existência de um défice democrático.
Verificamos que a situação actual das mulheres nos Estados membros das Comunidades Europeias, tal como noutros países europeus, se continua a caracterizar por uma profunda desigualdade em todas as instancias e órgãos de decisão públicos e políticos a todos os níveis - regional, nacional e europeu.
Verificamos, com preocupação, que a participação das mulheres na tomada de decisão política não registou, em certos países europeus, qualquer melhoria desde meados da década de 70 e que a recente evolução política teve como resultado uma redução significativa da percentagem de mulheres nas esferas de tomada de decisão, especialmente nas assembleias legislativas de alguns desses países.
Concluímos que a possibilidade de as mulheres exercerem os mesmos direitos formais que os homens - direito de votarem e serem eleitas, direito a candidatarem-se a cargos superiores da Administração Pública - não resultou, na prática, numa situação de igualdade.
Deploramos, consequentemente, a ausência de estratégias que concretizem, na prática, os princípios da democracia.
Proclamamos a necessidade de uma partilha equilibrada do poder público e político entre mulheres e homens.
Um sistema democrático deve pressupor a participação igual de todos os seus cidadãos/cidadãs na vida pública e política.
Exigimos a igualdade de participação de mulheres e homens na tomada de decisão pública e política.

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Sublinhamos a necessidade de introduzir alterações na estrutura dos processos de tomada de decisão, de forma a que essa igualdade seja assegurada na prática.
Defendemos os seguintes princípios e fundamentos
A igualdade formal e informal entre mulheres e homens é um direito fundamental da pessoa humana.
Dado que as mulheres representam mais de metade da população, a igualdade pressupõe paridade na representação e na administração das nações.
As mulheres representam metade do talento e das capacidades potenciais da humanidade e a sua sub-representação no processo de tomada de decisão constitui uma perda para o conjunto da sociedade.
A sub-representação das mulheres no processo de tomada de decisão impede que sejam plenamente tidos em consideração os interesses e as necessidades de conjunto da população.
Uma participação equilibrada de mulheres e homens no processo de tomada de decisão poderia fazer surgir diferentes ideias, valores e estilos de comportamento, tendo em vista um mundo mais justo e equilibrado para todos, mulheres e homens.
Lançamos um apelo a todos os sectores da sociedade.
Solicitamos à Comissão das Comunidades Europeias e a todas as organizações europeias e internacionais que adoptem programas de acção e medidas para assegurar a participação plena das mulheres no processo de tomada de decisão dessas organizações.
Solicitamos aos Estados membros das Comunidades Europeias e a outros Estados europeus que integrem a dimensão da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres nos sistemas educativos e em todas as políticas nacionais e que adoptem as medidas necessárias para a realização desses objectivos, a fim de se conseguir uma partilha equitativa de postos de decisão entre mulheres e homens.
Solicitamos aos líderes políticos nacionais e europeus que aceitem plenamente as consequências do ideal democrático na base do qual são fundados os seus partidos políticos, garantindo, em especial, uma participação equilibrada de mulheres e homens nos cargos que envolvam o exercício do poder, nomeadamente os cargos políticos e administrativos, através de medidas de sensibilização e de outros meios.
Solicitamos aos líderes dos sindicatos, das organizações de trabalhadores e das associações patronais, nacionais e europeias, que reconheçam a contribuição crescente das mulheres para o mercado de trabalho e promovam os mecanismos necessários para que seja assegurada a igualdade de participação das mulheres em todos os níveis dessas organizações, incluindo os órgãos de tomada de decisão.
Solicitamos às organizações nacionais e europeias de mulheres que prossigam os seus esforços no sentido de encorajamento das mulheres para que exerçam plenamente os seus direitos de cidadãs, através de campanhas de sensibilização, de programas de formação e de outras medidas apropriadas.
Solicitamos a todas as pessoas que trabalham nos meios de comunicação social que apresentem imagens não estereotipadas de mulheres e de homens, que informem a opinião pública da necessidade de uma participação equilibrada de mulheres e homens no processo de tomada de decisão e que defendam os princípios em que esse equilíbrio se baseia.
Solicitamos às mulheres e aos homens de todos os países da Europa que reconheçam a necessidade de criar um equilíbrio entre mulheres e homens e que aceitem as respectivas consequências, de forma a contribuírem para a criação de uma democracia real e duradoura.
Lançamos uma campanha para reforçar a democracia na Europa.
Afirmamos a necessidade de a Europa, neste momento de profunda mudança e esperança, alterar as atitudes e as estruturas indispensáveis a uma verdadeira igualdade de acesso de mulheres e homens aos diferentes níveis de tomada de decisão.
Estas alterações fundamentais devem acompanhar a actual transformação da sociedade europeia, a qual deverá ser tanto melhor acolhida quanto as mulheres nela participarem em regime de igualdade com os homens.
Ao assinarem a presente declaração, as signatárias lançam uma campanha de mobilização de todas as pessoas interessadas da nossa sociedade, para que seja garantida uma participação equilibrada de mulheres e homens nos postos de decisão a nível local, regional e nacional e nas instituições europeias, incluindo no próprio Parlamento Europeu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Freitas do Amarai

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos começar por apreciar um recurso, interposto pelo Sr. Deputado Mário Tomé, da decisão do Presidente, que fixou esta ordem de trabalhos.
O Sr. Deputado Mário Tomé tinha requerido a inclusão, no período da ordem do dia, da discussão do projecto de lei n.º 104/VI, que acrescenta dois novos artigos à Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, e dá nova redacção a outros artigos de protecção da maternidade e da paternidade, de sua iniciativa, mas como já estava fixada a matéria a apreciar

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hoje e como na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares não houve unanimidade de pontos de vista, decidi rejeitar o pedido, tendo o Sr. Deputado Mário Tomé interposto recurso da minha decisão.
Assim, nos termos regimentais, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé para fundamentar o seu recurso, por tempo não superior a três minutos.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A história é conhecida. Há um ano, quando por iniciativa do PSD se comemorou, nesta Assembleia, o Dia Internacional da Mulher, foram apresentados seis projectos de lei, entendendo-se, unanimemente, a sua discussão e eventual aprovação como a melhor forma de não só concretizar uma homenagem às mulheres portuguesas mas também, e principalmente, de o Parlamento se integrar no vasto movimento democrático que responde à luta das mulheres pela igualdade de direitos, não só reconhecida nas leis mas garantida na vida.
Três desses projectos de lei foram postos à discussão pública por legislarem na área de trabalho.
Passado um ano, preenchidos todos os requisitos legais, esses três projectos de lei estão em condições de serem discutidos em Plenário.
Entretanto, solicitei ao Sr. Presidente da Assembleia da República para, na última Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, serem agenciados, em sessão especial comemorativa do dia 8 de Março, todos os projectos de lei que, desde o longínquo dia 10 de Março de 1992, aguardam a oportunidade de os líderes dos Grupos Parlamentares terem em conta as reivindicações subscritas por todas as organizações de mulheres, sem excepção, sendo certo que tal proposta não contemporiza com a prática absurda de esta Assembleia só se lembrar dos direitos específicos das mulheres em sessões comemorativas anuais.
Consideramos isso uma forma de discriminação como qualquer outra.
De facto, a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares decidiu dedicar a sessão de hoje ao Dia da Mulher, com o que todos nos congratulamos.
Mas foi com estupefacção que constatei não terem sido agendados os dois projectos de lei, um do PS e outro meu, relacionados com a protecção da maternidade e paternidade.
Requeri o agendamento do projecto de lei de minha iniciativa, com base na prática, naturalmente instituída, de serem discutidos em Plenário os diplomas versando matéria análoga e porque, por maioria de razão, estavam originalmente relacionados quer na intenção, quer na oportunidade, quer na simultaneidade da apresentação.
Tal requerimento foi indeferido por o consenso necessário ter sido inviabilizado pelo PSD, sem uma explicação ao autor nem, principalmente, as ONG (organizações não governamentais) de mulheres, a todos aqueles que se pronunciaram favoravelmente, e foi a totalidade dos consultados, nem de uma maneira geral à opinião pública. Daí o meu recurso.
Uma vez mais a maioria absoluta absolutiza a maioria, sem qualquer respeito pelos direitos das minorias, mesmo quando estas respondem a um apelo geral da sociedade e da democracia. Ô PSD usa a força contra a razão. E isso só tem um nome: prepotência! não só contra a iniciativa de um Deputado, mas também contra a iniciativa do maior partido da oposição, o PS. E que tem este a dizer sobre isso?
Há exactamente um ano, numa bela intervenção que tive o prazer de aplaudir, a Sr." Deputada do PSD, Margarida Silva Pereira, afirmou: «É que as formas de discriminação que ainda existem são, se bem que cada vez mais diminutas, também mais insidiosas e subtis. A clarividência em relação às desigualdades perde-se um tanto neste tempo de leis formalmente igualitárias e práticas anti-igualitárias inteligentemente dissimuladas.»
Esta inteligente descrição serve à prática do PSD, faltando apenas a este quer a subtileza quer a inteligência. É rude e arrogante.
Na intervenção que referi, e foi o contributo notável do PSD para o Dia da Mulher de 1992, o mito de Antígona serviu-lhe de base.
Hoje será talvez mais adequado, da mesma tragédia de Sófocles, lembrar o diálogo entre Hémon e Creonte: «Acaso não se deve entender que o Estado é de quem manda?» pergunta este.
Responde o filho, Hémon: «Mandaríeis muito bem sozinho numa terra que fosse deserta.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome da urgência do que é importante; em nome da urgência que é requerida por uma política que garanta à mulher a inserção no mundo do trabalho em condições de real igualdade com os homens; em nome de um processo legislativo transparente, oportuno e realmente democrático no respeito pelas minorias, recorro para o Plenário da decisão do Sr. Presidente da Assembleia da República de não agenciar para hoje o projecto de lei n.º 104/VI, que altera a Lei n.º 4/80, no sentido de garantir: a renovação obrigatória do contrato de trabalho da mulher grávida ou o uso da licença de maternidade, desde que o posto de trabalho se mantenha; ao pai o poder de vir a assumir parte da licença de maternidade (nos últimos 30 ou 60 dias) por vontade expressa da mulher; a redução do horário de trabalho da mulher grávida, de uma hora por dia, a partir do 6.º mês de gravidez e o pagamento das faltas por assistência a menores doentes.

(O orador reviu.)

Aplausos do PS e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nos termos regimentais, os recursos da decisão do Presidente, que têm a ver com a fixação da ordem do dia, são votados sem precedência de debate, expondo o recorrente verbalmente os respectivos fundamentos - o que acabou de acontecer - por tempo não superior a três minutos.
Deste modo, vamos proceder à votação do recurso.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor de Os Verdes, do PSN, de seis Deputados do PS e dos Deputados independentes Mário Tomé e João Corregedor da Fonseca e as abstenções do PS. do PCP e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar à apreciação do projecto de lei n.º 99/VI (PCP) - Garante o direito à igualdade do tratamento no trabalho e no emprego.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.1 Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já, por mais de uma vez, fomos todos

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questionados sobre o sentido a dar às comemorações do Dia Internacional da Mulher. Há quem defenda que este dia já só tem um significado histórico. Entendem esses que a luta multissecular contra uma das muitas formas de opressão que os poderes instituídos, ciosamente, quiseram conservar nos vários estádios da sociedade, perdem entre nós uma boa parte do seu significado.
Assim seria, de facto, se as sociedades se desenvolvessem de uma forma linear, quase matemática, silogística mesmo.
De facto, nessa óptica, seria de esperar que essa luta multissecular, que também entre nós deixou rastos em toda a nossa história literária, desde a poesia trovadoresca a Maria Lamas e António Gedeão, passando pelas obras de autores de vários séculos, em que se destacam, entre outros, Gil Vicente e Eça de Queirós, seria de esperar, dizíamos, que tivéssemos assistido já à completa emancipação da mulher.
Contudo, os factores objectivos, que condicionam o desenvolvimento das sociedades, sofrem também a influência de factores subjectivos sustentados no ser humano por aqueles mesmos factores objectivos.
Usando a síntese feliz da Legenda Dourada, de Jacques de Varagino, no homem há o corpo, o espírito e a sombra. A sombra onde os factores objectivos das sociedades, fundadas na exploração, criaram mesmo nos explorados um sentido feroz de competição que os leva, quantas vezes, à incompreensão do verdadeiro sentido da luta da mulher pela sua emancipação.
É claro que não estamos hoje naquele quadro que faria anotar a Gil Vicente as críticas dirigidas na sociedade às mulheres letradas através da velha que na farsa Quem Tem Farelos se dirige à filha nos seguintes termos: «Quem te deu tamanho bico/rostinho de Celorico?/És tu moça ou bacharel?»
Não estamos hoje naquele quadro de verdadeiro jugo da mulher na família a que ele, Gil Vicente, deu, sabiamente, voz na Sibila Cassandra do seu Auto: «Qual é a dama polida,/que a sua vida joga,/pois perde casando/sua liberdade cativando/outorgando que seja sempre vencida/desterrada em mão alheia/sempre empena,/abatida e subjugada?»
Mas a verdade é que, tantos séculos já passados, podemos assistir hoje, em todo o mundo, a retrocessos no estatuto da mulher e a ameaças de novos retrocessos.
E, em Portugal, neste final de século XX, apesar da legislação que temos, mantêm-se as discriminações, hoje já aqui bastamente referenciadas, manifestando-se mesmo em novas formas, especialmente, nascidas das condições que se vivem no mundo do trabalho.
O dia 8 de Março mantém assim um significado que não se reduz a uma mera comemoração de uma data histórica. Não pode, pois, ser menorizado qualquer debate que se realize por ocasião do Dia Internacional da Mulher. Nem o mesmo deve ser confinado, exclusivamente, às Deputadas.
Sendo a discriminação da mulher parte integrante da discriminação que afecta alguns homens, a maioria dos homens; sendo a emancipação da mulher parte integrante da democracia, qualquer reflexão feita sobre a situação das mulheres portuguesas é, necessariamente, uma reflexão sobre a realização do estado de direito democrático, que a todos, homens e mulheres, interessa.
Com os debates de hoje, a Assembleia da República contribui, a nosso ver com dignidade, para a avaliação de alguns problemas das mulheres. E é um contraponto necessário a alguns tratamentos infelizes de certos problemas que, precisamente, na véspera do próprio dia 8 de Março, nos entraram pela casa adentro, através do pequeno écran do televisor.
Há cerca de um ano o PCP apresentou, na Mesa da Assembleia da República, o projecto de lei que hoje debatemos. Nascido da ponderação de reclamações, petições, apresentadas pelo Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas relativamente às discriminações do BCP, da recomendação do então Provedor de Justiça, Dr. Mário Raposo, que saudosamente aqui recordo como Deputado, e do parecer da CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego).
No entanto, o projecto de lei não se confina ao caso do BCP. Na verdade, são várias as formas de discriminação de que são afectadas as mulheres. Elas são, desde logo, patentes nas informações estatísticas do Ministério do Emprego e da Segurança Social.
Relativamente ao desemprego de longa duração, pelos dados relativos ao 2.º semestre de 1992, verificamos que as mulheres, as jovens, com menos de 35 anos, são mais afectadas do que os indivíduos do sexo masculino da mesma faixa etária. Naquelas o peso dos desempregados, há mais de 12 meses, é de 65 %, enquanto naqueles é de 59%.
Mais de metade dos que, com menos de 35 anos, declaram nunca ter tido qualquer actividade são mulheres. E quanto às causas que dificultam o acesso a emprego estável, anota-se o peso, para as mulheres, da insuficiência de habilitações (18,2 % contra 10,6 % para os homens) e do afastamento da residência do local de trabalho (9,2 % para as mulheres contra 4 % para os homens). Dados significativos, nomeadamente este último, porque evidencia que o chamado trabalho de turno (o trabalho doméstico, depois da actividade profissional) continua a recair, principalmente, sobre as mulheres, que, por isso, não podem afastar-se demasiado da residência.
Revelador também de discriminações, aceites muitas vezes pela constatação de inércia, na manutenção da prática discriminatória, é o facto de apenas 3 % das mulheres contra 10 % dos homens considerarem a remuneração insuficiente como dificultando o acesso ao emprego.
A mulher está, de facto, mais disponível para aceitar uma remuneração insuficiente, o que, só por si, evidencia as práticas discriminatórias que, a todos os níveis, se desenvolvem na nossa sociedade contra ela. E os diversos níveis de discriminação envolvem, como disse o sociólogo Luís Ferreira, várias situações: anúncios discriminatórios de ofertas de emprego e políticas discriminatórias na admissão de pessoal; preterição de mulheres nas promoções e reclassificações profissionais discriminatórias; assédio sexual da mulher trabalhadora; reserva de acesso das mulheres a determinadas profissões; diminuição das retribuições e subsídios das mulheres, por via do exercício da função social da maternidade; aumentos salariais diferenciados para homens e mulheres; atribuição de classificação profissional incorrecta e discriminatória.
Todas estas situações, que não esgotam, no entanto, as infracções ao princípio da igualdade de tratamento, enquadram-se na situação geral da mulher trabalhadora portuguesa.
A taxa de actividade feminina tem subido de facto. Mas, em grande parte, à custa do trabalho clandestino, da subcontratação a prazo, do subemprego, em suma, da precarização do trabalho. A remuneração é desigual dentro da mesma função para homens e mulheres, e isto

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mesmo nos quadros superiores e médios e nas profissões semiqualificadas.
Destacam-se ainda, nas discriminações, os cortes de prémios e de subsídios de alimentação, como aconteceu, por exemplo, na Maconde, que se viu criticada por esse facto num parecer da CITE.
Não admira que, neste quadro, nos apareça uma instituição bancária, já hoje aqui citada, o BCP, praticando uma política altamente discriminatória da mulher no acesso ao emprego. O Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas revelou dados que, claramente, comprovam a violação do princípio da igualdade no trabalho e no emprego por parte do BCP.
Na verdade, entre 3152 trabalhadores de ambos os sexos, o BCP contava apenas 23 mulheres, o que corresponde a uma percentagem de 0,74 %, enquanto em sete outros grandes bancos a percentagem de mulheres trabalhadoras varia entre 21,7 % e 47,5 %.
Os dados do Departamento de Estatística do Ministério do Emprego e da Segurança Social relativos a 1989, demonstram que para o total do sector bancário a taxa de feminização é de 28,5 %. A anos luz de distância dos míseros 0,74 % do BCP! E assinala-se mesmo, no parecer da CITE, que em instituições bancárias mais recentes a taxa de feminização atinge os 50 %.
Confrontado com o apuramento dos factos feitos pela CITE com vista à emissão de parecer, o BCP furtou-se ao envio dos dados pedidos, mas acabou por afirmar a prática discriminatória quando, um tanto despudoradamente, informou a Comissão que a aprovação nas provas de selecção dependia do regime de total exclusividade e disponibilidade dos candidatos.
Desta forma, o BCP contribui para o agravamento da discriminação do sexo feminino, pois, como se diz no parecer da CITE, ter-se-ia «aproveitado das valores sócio-culturais ainda existentes para mais facilmente exigir a exclusividade e disponibilidade plena dos homens ao serviço do Banco.
E continua ainda a CITE: «o BCP agrava assim duplamente a discriminação de que as mulheres já são alvo e não caminha no sentido da sua superação, contrariando pela sua política de recrutamento e selecção os princípios da igualdade de oportunidades e da igual partilha de responsabilidades familiares entre homens e mulheres».
Verificou-se, no entanto, que apesar das conclusões da CITE, sancionatórias do procedimento do BCP, a Inspecção do Trabalho não actuou. Isto apesar de o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, em resposta ao Sr. Provedor de Justiça, ter considerado que não se descortinava a falta de medidas legislativas necessárias à efectivação dos princípios gerais estabelecidos na ordem jurídica.
De facto, como exarou o Sr. Provedor de Justiça no seu despacho, a situação no BCP indicia terem sido preteridos os artigos 13.º e 58.º da Constituição da República, a Convenção n.º III da OIT e os artigos 3.º, 4.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de Setembro. E assinala o Dr. Mário Raposo que compete à Inspecção do Trabalho fiscalizar a aplicação deste último diploma, adiantando que ela terá de fazer-se sempre que haja uma actuação discriminatória continuada, ainda que se não apresente qualquer trabalhador a reclamar contra aquela prática.
Não o entendeu assim a Inspecção do Trabalho e também parece não o ter entendido o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, apesar de ter afirmado, como
vimos, que as normas em vigor na ordem jurídica portuguesa eram suficientes para punir este procedimento.
De facto, em resposta a uma pergunta escrita sobre as discriminações no BCP, dirigida à Comissão Europeia por Deputados do Parlamento Europeu de todos os quadrantes políticos e de que foi primeiro subscritor o meu camarada Sérgio Ribeiro, a Comissão afirmou que as autoridades portuguesas a tinham informado de que não tinham possibilidades de intervir, visto não existirem provas da discriminação invocada.
Perante isto, entendeu o Grupo Parlamentar do PCP que deveria dar-se cumprimento à recomendação do Sr. Provedor de Justiça no sentido de, caso necessário, serem adoptadas as medidas legislativas adequadas.
Ó projecto de lei em debate pretende responder aos obstáculos assinalados no parecer da Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego, às objecções da Inspecção do Trabalho quanto à possibilidade de fiscalização e às sugestões do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas.
Partindo do Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de Setembro, o projecto de lei n.º 99/VI assegura a intervenção da Inspecção do Trabalho nos casos de práticas discriminatórias, ainda que as mesmas não se apurem em relação a qualquer trabalhador individualizado; confere legitimidade às associações sindicais para, nesses casos, proporem acções tendentes a provar as práticas discriminatórias e também para se constituírem assistentes em processo penal, nos mesmos casos; obriga à manutenção por cinco anos dos registos dos processos de recrutamento de pessoal, com os dados considerados necessários para a averiguação de práticas discriminatórias, pelo que mais nenhuma instituição poderá invocar, como fez o BCP, que não possui registos; estabelece presunções de práticas discriminatórias resultantes da desproporção entre as taxas de feminização nos serviços do empregador e as taxas existentes no mesmo ramo de actividade e as verificadas nos estabelecimentos de ensino ou nos cursos de formação profissional; estabelece o princípio da inversão do ónus da prova relativamente aos processos baseados nas práticas discriminatórias; define a discriminação indirecta. Alias, estas duas últimas disposições foram recolhidas numa proposta de directiva pendente no Parlamento Europeu que já tem o relatório aprovado.
O projecto de lei estabelece ainda um cadastro das empresas condenadas pela violação do princípio da igualdade de tratamento; contém disposições de carácter penal, assinalando-se, como a mais importante, aquela que obriga à publicação das condenações, a expensas do empregador, num dos jornais mais lidos do País e à sua afixação nos locais de trabalho.
Em relação a esta última questão, cabe aqui abrir um parêntesis, com uma interrogação a analisar na especialidade- a prática discriminatória deverá ser considerada uma mera contravenção ou, pelo contrário, deverá ser considerada um crime, ainda que, eventualmente, punido com uma pena de multa? Neste momento, inclino-me para a segunda solução, dada a importância de acabar com as discriminações das mulheres na sociedade portuguesa e o crescente tom de censura dessa mesma sociedade em relação a essas discriminações,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Muito bem!

A Oradora: - ... mas, no entanto, falta-nos, e é pena que assim aconteça, o projecto do novo Código Penal, a que os Deputados só têm tido acesso por portas e traves-

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sãs, apesar de o mesmo já ter sido exibido por um jornalista de um canal de televisão, numa emissão televisiva.
Aliás, boje mesmo vou apresentar um requerimento ao Sr. Presidente da Assembleia da República para que o Governo, através do Sr. Ministro da Justiça, envie, oficialmente, o projecto do novo Código Penal. É que nesta iniciativa legislativa, onde nos estamos a debater com disposições de carácter penal, como noutras iniciativas legislativas, mesmo as que são propostas pelo Governo, convirá ter presente o que se projecta naquela sede, por forma a que se encontrem soluções equilibradas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei do PCP esteve submetido, como devia, à consulta pública organizada pela Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família. Foram recebidos numerosos pareceres de sindicatos, de federações e das duas centrais sindicais. Todos eles são favoráveis ao projecto de lei, na generalidade, e a esmagadora maioria não colocou quaisquer reservas em relação à especialidade. Assinala-se mesmo que o principal interessado e que foi o verdadeiro motor da apresentação deste projecto de lei, o Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, adere sem quaisquer reservas ao projecto de lei n.º 99/VI.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Em todo o caso, como referimos no preâmbulo do projecto de lei, não consideramos que ele esteja perfeito e acabado. Estamos abertos, aliás, como sempre, a alterações na especialidade, que serão bem-vindas no sentido de melhorar o quadro jurídico proposto.
Caso o nosso projecto de lei seja aprovado na generalidade, esperamos que não se atarde o debate e a votação na especialidade. É que, de facto, esta legislatura, em relação aos problemas das mulheres, tem-se atardado bastante e tem caminhado a passo de caracol. Aliás, recordo que também já estão pendentes para apreciação, na especialidade, várias iniciativas legislativas, uma das quais é igualmente da autoria do PCP, e a maior parte delas foi aprovada há um ano, o que lamentamos.
Entendemos que esta morosidade não corresponde, de facto, às reivindicações, às exigências, às aspirações das mulheres portuguesas, aquelas que, como a que Sofia de Melo Breyner canta num poema, «não ficaram em casa a cozinhar intrigas e não deram homem por si e continuam a luta pela justiça». Essas mulheres merecem uma resposta para a sua realidade, que é madrasta para elas e exige de nós, no momento certo, a remoção dos obstáculos ao princípio da igualdade de tratamento. Na esteira de Abril, aliás, e da Constituição da República.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr." Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.» Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, muito embora estejamos a discutir o diploma na generalidade, gostaria de contar com alguns esclarecimentos de V. Ex.ª em matéria de especialidade, porque eles são decisivos para a apreciação que se possa fazer da solução global apresentada.
Antes disso, quase sou tentado a dizer que este diploma, aplicado com rigor, ou com o rigor pretendido por
V. Ex.a, leva a comemorar aqui, qualquer dia, o «Dia do Homem». Aliás, já estou a ver o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa a defender um diploma que afaste a discriminação do homem no trabalho, porque a aplicação deste vai provocar, porventura, uma onda maciça de despedimentos.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Porque carga de água é que tem de se estar a meter comigo?! Tem algum complexo?

O Orador: - Não, Sr. Deputado, não tenho nenhum complexo, mas a verdade é esta!
Sr.ª Deputada, em primeiro lugar, VV. Ex.ª alteram radicalmente a definição de discriminação indirecta. A forma como esta figura está aqui definida é extremamente nebulosa, tendo em linha de conta que é um acto punível, como, aliás, afirmam expressamente no preâmbulo, e que, de acordo com o diploma, em relação a ela também se verificam as regras de inversão do ónus da prova, que está definida, digamos, no artigo 6.º
Assim, Sr.ª Deputada, pergunto-lhe se, em consciência, não entende que isto pode levar às chamadas práticas aparentemente neutras, que não têm a referência concreta que há na lei actual, como, por exemplo, a referência à situação familiar ou a qualquer outra, e que possibilita uma identificação mais precisa do que seja a discriminação indirecta. Será que isto não pode levar, efectivamente, a uma generalização tão grande desta figura, que nenhuma entidade patronal consiga inverter o ónus da prova e escapar a sanções ou, porventura, a outras consequências daqui derivadas?
Por ou iro lado, quando a Sr.ª Deputada Odete Santos fala em controlo judicial e na legitimidade para o controlo judicial, o que é que tem em vista? Tem em vista acções cíveis destinadas a assegurar, digamos, a realização dos direitos das mulheres em matéria de discriminação no emprego ou tem em vista a acção penal ou contra-orde-nacional ou contravencional, como lhe chama o PCP ao longo do diploma, querendo, portanto, conferir aos sindicatos legitimidade para o exercício deste tipo de acção?

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, em primeiro lugar, agradeço as questões que me colocou.
Por outro lado, devo dizer-lhe que tive um bocado de vergonha de colocar questões relativamente à sua intervenção no período de antes da ordem do dia. E envergonhei-me por si, pelo facto de que pudesse mostrar-se, nas respostas aos pedidos de esclarecimento, ainda mais retrógrado do que já se tinha mostrado na intervenção, a contrastar, aliás, com uma intervenção brilhante que o Deputado Narana Coissoró fez, aqui, num outro Dia Internacional da Mulher.
Posto este intróito...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Breve, graças a Deus.

A Oradora: -... e já que fez perguntas relativas à especialidade, não sei se o Sr. Deputado Nogueira de Brito conhece a proposta de directiva do Parlamento Europeu, que já tem relatório aprovado, onde foram recolhidos, sem

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tirar nem pôr, o conceito de discriminação indirecta e a questão da inversão do ónus da prova que constam do nosso projecto de lei.
Ora, em relação à pergunta que o Sr. Deputado Nogueira de Brito me colocou, parece-me, bem pelo contrário, que o que está no diploma e que resulta dessa proposta de directiva vai tomar ainda mais difícil...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Julguei que a argumentação europeia não vos impressionava, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Nada disso nos impressiona, mas aproveitamos o que é bom, porque se é bom, é bom. Quer mais pragmático do que isto, Sr. Deputado?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas é mau!

A Oradora: - Aliás, pronunciámo-nos em relação a estas questões através de uma intervenção do Deputado do Parlamento Europeu, Sérgio Ribeiro, que tenho aqui, acerca de um acórdão do Tribunal de Justiça no processo n.º 109/88, sobre a igualdade de tratamento entre homens e mulheres.
Assim, consideramos que a redacção dada a essas questões no projecto de lei responde, na verdade, às necessidades, tanto mais que um pouco mais adiante consagram-se presunções da indiciação de violações, o que nos parece suficiente.
Quero ainda acrescentar, Sr. Deputado Narana de Brito...
Peço desculpa, Sr. Deputado Nogueira de Brito, mas tenho saudades da intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró e daqueles tempos.
Quero ainda acrescentar que talvez V. Ex.ª percebesse a nossa proposta para o artigo 5.º, se tivesse lido com atenção o Decreto-Lei n.º 392/79. Isto porque a única alteração que ela tem, e com ela não se revoga aquele diploma, que continua em vigor, traduz-se na adaptação de algumas disposições do mesmo, tornando possível a propositura de acções por associações sindicais, nos casos em que não apareça nenhum trabalhador a dizer «eu fui discriminado», o que o referido decreto-lei não permitia.
Por outro lado, no nosso projecto de lei também admitimos que as associações sindicais se constituam assistentes em processo penal, nos mesmos casos em que se verifique uma prática discriminatória, sem que se concretize a queixa por parte de um trabalhador individualizado.
Dizia o Sr. Dr. Mário Raposo, no seu parecer, que a prática continuada de discriminação é suficiente para dar lugar à fiscalização pela Inspecção-Geral do Trabalho. Assim não foi, todavia, entendido.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Teria todo o prazer em lhe permitir a interrupção, mas não poderei fazê-lo, Sr. Deputado, por já não dispor de tempo. Acabo, aliás, de receber da Mesa a indicação de que terei de terminar já.
Em todo o caso, o Sr. Deputado, que ainda dispõe de tempo, poderá fazer uma intervenção, por ocasião da qual poderei também usar da palavra. Mas não tenho ilusões, porque não consigo fazê-lo mudar de ideias, o que é pena.
As mulheres são teimosas, mas em relação a certas barreiras e obstáculos só há uma solução: destruir o obstáculo, ...

Risos.

... que é a ideologia retrógrada.
Aplausos do PCP.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Bem me parecia! Não aprenderam nada!

A Oradora: - O obstáculo é a ideologia! São as vossas teias de aranha!

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sibéria nunca mais!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr." Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Elina Guimarães, cuja vida se dedicou à causa do direito legítimo e por isso lutou para que ele consagrasse a promoção e a dignificação do estatuto das mulheres, gostava de citar, a propósito da sociedade em que viveu, uma fábula de Esopo. Passeando um homem e um leão por um caminho e deparando com um grupo escultórico que representava outro homem a exercer o seu domínio sobre outro leão, concluía o ser humano nessa altura: «Eis o que prova a superioridade do homem sobre o leão.» Ao que o leão respondia: «Eis o que prova [...] que os leões não são escultores.»
Ela ainda viveu o tempo de ver esculpir os primeiros traços da igualdade constitucional e assistiu e participou em momentos altos da legislação ordinária que deu corpo aos princípios da lei fundamental. Nesse sentido, coube-lhe a glória dos combatentes da liberdade que reside na aplicação social dos seus pontos de vista e, sobretudo, em assistirem à aculturação do que era obsoleto e àquilo contra que mais se insurgiam.
No entanto, no momento de apreciar o projecto de lei n.º 99/VI, cujo objectivo é trazer mais um segmento para a garantia da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens no mundo laboral, interrogamo-nos se terá Elina Guimarães ou algum de nós visto o mais importante neste domínio. Por outras palavras: está por demonstrar ainda se nos limitámos até agora a legitimar o princípio da igualdade e a abeirar tão-só da sua concretização ou se vamos mesmo a caminho da terra prometida.
É que o plano social de fundo que suscita a necessidade de um diploma desta natureza é sério, tem imensas implicações e merece ser cuidadosamente ponderado. Não estamos face a um código. Trata-se de um punhado de normas, mas a singeleza normativa não é argumento para que nos distraiamos do essencial. E o essencial aqui corresponde a uma fotografia social complicada.
Pretende-se, em síntese, fazer ao nível da lei algo que contribua para dirimir as seguintes situações reais: primeiro, há mulheres que não chegam a ser menos consideradas no local de trabalho quanto à remuneração ou ao acesso à formação profissional pela crua circunstância de que a discriminação as exclui do próprio trabalho em certas empresas; segundo, não lhes é fácil fazer valer o seu direito por via judicial, não apenas por ausência inequívo-

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ca de mecanismos legais para esse efeito, mas sobretudo porque se reconhece que a actuação perante a justiça pode ser para essas mulheres geradora de excessivo desconforto pessoal e social e estigmatizadora no plano profissional futuro; terceiro, o conceito jurídico de discriminação é ainda fluido e, por isso, muitas das situações que nele se pretendem integrar não se subsumem facilmente ao tipo legal.
Esta é, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, a musa inspiradora do projecto de lei. Ele tem por si a coerência com muitos instrumentos internacionais que nos são particularmente caros, de entre os quais vale a pena citar: os trabalhos do Comité Europeu para a Igualdade entre Homens e Mulheres; a declaração adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 16 de Novembro de 1988; a resolução sobre políticas para acelerar a efectivação da igualdade, adoptada na 2." Conferência Ministerial Europeia sobre a Igualdade em Viena, em Julho de 1989; os trabalhos da Comissão Europeia, realizados a partir de 1984, sobre as disposições relativas aos direitos de recurso dos Estados membros baseados no artigo 119.º do Tratado CEE; a já abundante jurisprudência do Tribunal de Justiça, entre a qual se ergue, pela acutilância jurídica, o Acórdão de 13 de Maio de 1986, relativo ao caso Bilka-Kaufhaus/Karin Weber Von Hartz, sobre questões respeitantes ao ónus da prova da existência de discriminação, submetidas à apreciação suprema pelo Bundesgeríchthof; enfim, o relatório da Comissão das Mulheres do Parlamento Europeu sobre o projecto de Tratado da União Europeia em matéria de direitos laborais.
No direito interno, tem do seu lado a saudavelmente prolixa, nesta matéria, Constituição da República Portuguesa; o Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de Setembro, já carente de reformulação; o Decreto-Lei n.º 491/85, diploma básico sobre o regime das contra-ordenações laborais.
Mas um diploma desta natureza suscita, como dissemos, perguntas cruciais. Como podem ainda subsistir formas de segregação laboral liminar em razão do sexo? Que pode levar alguém a inibir-se de demandar judicialmente outrem num Estado de direito, quando o que se pretende é a conquista de um posto de trabalho ainda não conseguido e quando, portanto, aparentemente nada há ainda a perder? Por que é difícil provar discriminação, realidade em princípio aculturada e por isso dotada de sinais exteriores evidentes?
Diz-se em abono de diplomas deste teor que legislar em matéria de discriminação laboral é alguma coisa que comporta dificuldades sui gene ri s. Sendo a discriminação a expressão aberta de um preconceito, tem ela por base uma emoção, algo, pois, de irracional e subjectivo. E é complicado interditar por normas actos que se baseiam em emoções - daí a especificidade assumida e a originalidade dos mecanismos jurídicos requeridos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Se é assim - se tudo isto é insólito e de certo modo pária face a outra parte mais humana do mundo em que vivemos e se as acções positivas pela igualdade não conseguiram combater eficazmente anomias deste teor - ocorre fazer uma pergunta provocatória: será que estamos percorrendo o caminho certo? Serão os meios legais de que nos socorremos os mais eficazes em prol da igualdade de oportunidades? Concretizando mais: valerá a pena um diploma como este ou deveremos, antes, refazer o percurso da efectivação jurídica dos direitos das mulheres por outra forma qualquer a descobrir?
A pergunta não é inédita e recebeu já respostas negativas em nome do mais veemente e teoricamente consistente feminismo. Disse-se então - e refiro Eliane Vogel-Pols, professora da Universidade Livre de Bruxelas e especialista do grupo democracia paritária do Conselho da Europa - que as acções positivas, só por si, distorcem a realidade, pois equiparam as mulheres a uma categoria sócio-profissional, o terreno por excelência de aplicação da discriminação invertida. Não é a mesma coisa ser mulher ou pertencer a um estrato social determinado, a uma raça ou a uma etnia; e a definição ontológica da pessoa humana biológica e necessariamente sexuada faz toda a diferença na definição das políticas da igualdade.
Em coerência com este raciocínio, a autora vai mais longe e sustenta uma reformulação global dos textos fundamentadores do Estado democrático, à luz da qual se evidencie a paridade entre homens e mulheres. Ou seja: pretende ela um suporte teórico que venha banir a ausência ilógica e persistente, mas sempre até hoje tolerada, da exclusão de metade do demos. Afirmou-o, com enorme brilho, no seminário Construir a igualdade, realizado em 1992 durante a presidência portuguesa. A esse seminário e à referida intervenção da autora foi dedicado o pouco eco com que em regra se brinda este tema.
A ideia fascina pelo brilho teórico e pela força do princípio de justiça que encerra. No entanto, está por demonstrar que ela não corresponda a uma nova utopia.
Do nosso ponto de vista, não corresponde totalmente a uma nova utopia -assim pode argumentar-se, acreditamos que com realismo- porque a sua transposição do plano teórico-político para a realidade prática encontra a necessária confirmação com o sentir e a prática de vida de um número crescente de mulheres preparadas nos domínios da educação e da cultura, cujo projecto de vida está inexoravelmente ligado ao imperativo de uma actividade profissional realizadora, da qual, portanto, não vão prescindir em nenhuma circunstância. Sendo assim, continuarão a transportar para a polis a sua mundividência distinta e a fomentar a desejada paridade.
Mas corresponderá essa ideia a uma utopia parcial se não houver a consciência nítida de que isto, só por si, não basta, porque a força reivindicativa das pessoas provém sempre, em maior ou menor escala, de que as objecções ao seu projecto as marginalizam, provocam fenómenos mais ou menos profundos de exclusão. A força reivindicativa das pessoas corresponde, em última análise, à consciência de uma discriminação e à rejeição da mesma através de uma luta.
A exclusão social de que hoje nos ocupamos em crescendo, marcante como é das sociedades mais desenvolvidas, não atingirá as mulheres do mesmo modo que pode atingir categorias sociais ou etnias. No plano feminino, as formas de participação e de empenhamento na construção dos objectivos gerais predominarão sempre, seja pela ligação familiar em sentido lato, seja, principalmente, pela maternidade. A trajectória da separação das responsabilidades com a educação dos filhos é hoje substituída por uma ideia crescente de partilha. Isto é verdade, mas a discriminação continua a ser insidiosa: faz-se substituir por outra separação de papéis socialmente segregadores.
Essa separação tácita de papéis, ainda pouco evidenciada, é a que resulta de tantos projectos de vida conjugal em que, perante a complexidade das solicitações profissionais, a necessidade de harmonização doméstica e fami-

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liar e a mais inexorável parte financeira, se decide - não por mútuo acordo, mas por inevitabilidade - que alguém se empenhará sobretudo na profissão e alguém ficará, de algum modo, para trás. E de novo as mulheres, como o demonstram as estatísticas, ficam para trás. Esta é talvez a parte menos contada da história de muitas vidas, que marca essencialmente a actualidade.
Isto acontece num tempo em que os Estados ocidentais enaltecem de novo as virtudes da democracia e da economia liberal, ao mesmo tempo em que assistem, com alguma impotência, à reemergência de derivações totalitárias; em que a fragilização da protecção social é um dado dificilmente ultrapassável; em que a credibilidade das classes políticas se concretiza e, com ela, a erosão da coisa pública, dando lugar a formas perversas de individualismo.
Neste contexto, é indispensável o aparecimento de seivas de mudança. O subaproveitamento profissional de quem pode contribuir para uma perspectiva diferente da sociedade, ou seja, o subaproveitamento profissional das mulheres, seria, além do mais, criminoso e absurdo.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O quadro não é particularmente animador, mas elucida sobre o âmbito das estratégias a adoptar e, consequentemente, sobre os mecanismos legislativos que as devem servir.
Conclui-se, em primeiro lugar, pela imprescindibilidade de fomentar mais acções positivas. O trabalho, tal como a educação e a formação profissional, alicerçam as atitudes e as respostas individuais antidiscriminatórias. Por isso, a legislação neste plano continua a ser essencial, o que não invalida a urgência de outros mecanismos de complementação.
Disse-se que em preconceitos e emoções se baseiam as práticas discriminatórias. Mas até onde se estendem esses preconceitos? O empregador que contrata exclusivamente ou sobretudo trabalhadores masculinos na convicção da sua maior disponibilidade, ou seja, na convicção de que os homens são menos onerados com o universo da família, tem em relação à vida uma atitude distorcida e - arriscaria dizer - altamente perigosa. Vive, com certeza, a anos luz da realidade.
Pois acreditará alguém de boa fé, com os pés assentes na terra, em que a educação de crianças e jovens possa saudavelmente incumbir a um só dos progenitores - por todas as razões, mas sobretudo num tempo atingido por problemas exacerbados de marginalidade, droga, delinquência juvenil? E que projecto, que inserção e, sobretudo, que interacção social esperar de unidades empresariais assim distanciadas e eximidas do universo humano que temos e que exige a maior responsabilidade e a maior capacidade de actuação?
Sendo sobretudo uma atitude cívica esta a que algumas empresas não sabem corresponder, parece que, paralelamente aos movimentos legislativos, se impõem grandes movimentos de alerta social.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Remato a minha intervenção com algumas notas sobre o desenho técnico-jurídico do diploma em apreciação.
A primeira, para dizer da valia do conceito da discriminação indirecta a que procede. Conceito estruturado a partir da técnica feliz dos exemplos padrão, e que se socorre dos dois indicadores que mais objectivamente indiciam o tratamento desigual: a comparação entre o número de trabalhadores que uma empresa integra e o que se passa nas outras empresas do mesmo ramo; a comparação entre o número de mulheres admitidas e o universo apto para o desempenho das mesmas funções, olhando os números de formadas pelos estabelecimentos de ensino de vários níveis.
Em segundo lugar, o tratamento legal da infracção. Melhor seria, do nosso ponto de vista, que o projecto recorresse a contra-ordenações e não a contravenções, porque é essa a tendência do direito português. Admitimos, aliás, que foi branda a mão da autora do projecto no montante das multas aplicáveis -eventualmente, transformáveis em coimas -, mas trata-se de matéria susceptível de reavaliação na análise pormenorizada do diploma.
Em terceiro lugar, a vantagem do recurso a registos de recrutamento do pessoal, entendido este recrutamento em sentido amplo: desde os convites endereçados para preenchimento de lugares até ao número de candidatos que aguardam ingresso.
Porventura, será toda a legislação laboral em matéria de discriminação a suscitar uma reavaliação - não a negamos, estamos disponíveis para ela. E é possível que o caminho tecnicamente mais aprofundado não seja, sequer, o da sua alteração parcelar.
Sabemos bem que nesta matéria a eficácia da lei deve sobrepor-se aos objectivos de apuramento técnico. E por isso, sem abdicar da ideia segundo a qual é urgente uma reformulação legislativa cuidada, reconhecemos o mérito da iniciativa hoje em discussão.

Aplausos do PSD e da Deputada do PCP Odete Santos.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ele hoje parece um cavaleiro andante contra as mulheres.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Há um comentário surdo e discriminatório da Sr.ª Deputada Odete Santos, mas não lhe responderei.
Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira, quase lhe ia confessar que me tinham encomendado o aplauso mas devo dizer-lhe que o faço com sinceridade. Todavia, notei perpassar no seu discurso uma dúvida que, aliás, não sei se constituirá a parte mais consistente da sua intervenção. E a dúvida é esta: V. Ex.ª perguntava o porquê do fosso entre a prática social e a legislação social no nosso país. E, sendo assim, perguntou a certa altura: «será que estaremos a trilhar o caminho mais certo?»
Ora, pergunto-lhe, Sr.ª Deputada: será realmente este o caminho mais certo? Será este o caminho deste diploma na situação conjuntural que vivemos neste momento? A introdução deste elemento de forte rigidez na nossa legislação de trabalho constituirá o caminho mais certo para promover a igualdade e combater a discriminação?
Sr.ª Deputada, gostava de ouvir a sua resposta.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Era a mim que devia ter perguntado isso!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, havendo mais uma oradora inscrita para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - No fim, Sr." Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Então tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

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A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.1 Deputada Margarida Silva Pereira, ouvi com muito interesse a sua intervenção sobre este diploma e para fundamentar a minha intervenção gostaria de saber, dado que não percebi, se V. Ex.ª e o seu partido vão, de facto, aprovar este projecto do PCP, pois pareceu-me ser esta a conclusão da sua intervenção. Também me pareceu claro, a partir da sua intervenção, caso o projecto seja aprovado na generalidade, que vai propor o agravamento do sistema, nomeadamente através da inclusão de coimas, o que constitui uma alteração significativa, permitindo que este seja um projecto com eficácia.
Gostava, pois, de ver melhor esclarecidos estes pontos.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.3 Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, de facto penso que a pergunta que me colocou é pertinente. Poucas pessoas, nesta altura dos acontecimentos, poderão ter grandes certezas acerca de estratégias de políticas gerais, pois as relativas à igualdade de oportunidades inscrevem-se no âmbito dessas estratégias de políticas gerais.
Contudo, entendo que há uma evidência, que lamento não ver comungada pelo Sr. Deputado, e que é a seguinte: em situações de dúvida e de oneração social, em nenhuma circunstância devemos deixar que o tecto desabe sobre alguém em particular e, seguramente, muito menos sobre as mulheres portuguesas.

A Sr.ª Ana Paula Barros (PSD): -Muito bem!

A Oradora: - É esta a certeza - talvez, porventura, a única certeza - que colho de todas as dúvidas que levantei nesta matéria.
Penso que se trata de uma certeza baseada na solidariedade e até, eventualmente, em princípios cristãos, pelo que a assumo de alma e coração.
Sr.ª Deputada Elisa Damião, vamos, de facto, votar favoravelmente, na generalidade, o projecto, pois ele corresponde a uma série de princípios normativos com os quais estamos de acordo. Além do mais, o projecto segue na esteira da filosofia do Tratado da União Europeia, que fizemos todo o esforço para ver aprovado nesta Casa, e, portanto, compreenderá que estão em causa duas ideias que casam perfeitamente.
Quanto às alterações possíveis, em sede de especialidade, penso que foi a própria Sr.ª Deputada Odete Santos, proponente do texto, a primeira a fazer mea culpa, no sentido de dizer que este não é ainda um texto acabado e muito menos um texto tecnicamente perfeito em matéria de contravenções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É pois possível que, do nosso ponto de vista, se suscitem alterações nesta matéria.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Assisti com alguma perplexidade à intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos, pois falou como se estivéssemos a discutir este projecto pela primeira vez na Assembleia da República.
Este projecto foi discutido nesta Câmara há precisamente um ano e, curiosamente, até nem tenho qualquer razão para recordar - como a Sr.ª Deputada Odete Santos fez - a intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró. Aliás, para tranquilizar o Sr. Deputado Nogueira de Brito, dir-lhe-ei que ela não foi nem mais controversa nem mais reaccionária do que a sua própria intervenção.
De facto, no decurso do debate o Sr. Deputado não foi exactamente tão longe como o Sr. Deputado Narana Coissoró foi naquele debate que recordo perfeitamente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas ainda está a tempo!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Ainda pode recuperar!

A Oradora: - Suponho que, atendendo ao rumo que o seu partido está a tomar, também já não corre o risco de ser expulso de coisa nenhuma e, deste modo, poderá ir ainda mais longe durante este debate.
Gostaria ainda de referir que hesitei em participar no debate proposto para hoje.
Em primeiro lugar, porque ele é, em si mesmo, discriminatório e, além do mais, não retoma os projectos que, há um ano atrás, estiveram aqui presentes e que complementavam as medidas que a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira reconheceu faltarem no ordenamento jurídico português, de forma a poder ser actualizado em paridade com as directivas comunitárias, nomeadamente no que diz respeito à lei da maternidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - De facto, durante a presidência portuguesa das Comunidades foi concluído o processo da directiva comunitária que alarga o período de licença de maternidade. Porém, o Governo Português não se empenhou o suficiente ou não quis, sob o ponto de vista político e por razões de «mercearia interna», que essa mesma directiva fosse aprovada.
Também não me parece que seja prestigiante para o Parlamento - antes, damos uma triste imagem - fazer-se, em cada ano, debates requentados e sem qualquer eficácia.

O Sr. José Magalhães (PS):- Muito bem!

A Oradora: - De facto, a legislação que é produzida nesta matéria é colocada na gaveta!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

A Oradora: - Com efeito, satisfez-me que o meu líder parlamentar, a quem não deixo de reconhecer responsabilidades nesta matéria - tal como aos restantes partidos da oposição, nomeadamente ao PCP que se prestou aqui a um «número» a que não me prestaria: o de rediscutir um projecto já discutido -, tenha feito mea culpa.
Todavia, não posso deixar de registar que a maioria parlamentar não tem, de facto, produzido qualquer legis-

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lação - mesmo nos outros aspectos essa produção é escassa- e, portanto, não se verificou qualquer alteração nesta matéria.
Assim, piedosas divagações -perdoe-me, Sr.ª Deputada-, mesmo angustiadas, sobre esta matéria não me convencem e, seguramente, não vão convencer as mulheres portuguesas. Não é por acaso que a imagem do Parlamento não goza de grande prestígio entre as mulheres trabalhadoras portuguesas.
É, pois, altura de nós, parlamentares, não pactuarmos com meros debates circunstanciais de muita hipocrisia, que não têm qualquer eficácia legislativa nem melhoram a situação das trabalhadoras portuguesas.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Não partilho da opinião de que este projecto de lei irá resolver o problema da discriminação das mulheres portuguesas.
Por outro lado, não posso deixar de, neste momento, repetir o mesmo que aqui disse no ano passado - e garanto-vos que, no próximo ano, não o virei dizer-, isto é, que este projecto é inspirado no chamado «caso B CP», que foi muito bem tratado por um sindicato da UGT, com bastante capacidade de mobilização, quer nos foros nacionais quer nos internacionais.
Infelizmente, as mulheres dos sectores mais discriminados da economia portuguesa não têm tido sindicatos que as defendam - e tenho pena! -, porque, em alguns sectores, as correntes maioritárias falam destes assuntos com a mesma hipocrisia com que o fazemos aqui. Na vida estas coisas também acontecem e as associações e outros tipos de instituições, a quem competia tratar desta matéria com a seriedade e dignidade que ela merece, não o fazem e invocam, como gesto meramente simbólico, a discriminação que acontece nos têxteis, por exemplo.
Neste sector, os operários são, na sua grande maioria, mulheres, com um salário um pouco acima do mínimo nacional, que, no entanto, são dirigidas por homens que ganham, regra geral, o dobro do ordenado dos Deputados. Essa disparidade, que é uma ignomínia, com a qual uma grande parte do movimento sindical pactua -para não dizer as próprias empresas, mas essas, seguramente, por falta de cultura empresarial -, revela o nosso grau civilizacional e, sobretudo, a cultura empresarial que temos.
De facto, há muito que fazer nesta matéria e o Parlamento não tem dado o exemplo, embora o regime seja agora, seguramente, muito mais humano e sensível, porque até ouvi a Sr.ª Deputada dizer que não há certezas e estava habituada a que, no seu partido, começando pelo Sr. Prof. Cavaco Silva, nunca houvesse dúvidas nem enganos!
Finalmente, têm tantas certezas que não legislam sobre esta questão, nem sequer uma vírgula. E aqui ninguém pagaria a vírgula, embora, suponho, todas as mulheres gostassem de a colocar!

Aplausos do PS.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, era para fazer um protesto contra declarações aqui produzidas pela Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra para o efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Damião, protesto contra as declarações que aqui produziu quando disse que o grupo parlamentar do meu partido e a minha camarada Odete Santos - na altura ausente e daí não ser ela a fazer este protesto - se predispuseram a fazer este «número», a sujeitarem-se a este «número», rediscutindo o projecto de lei.
Sr.ª Deputada Elisa Damião, nós, no nosso grupo parlamentar, temos por norma analisar e debater as questões e os projectos de lei em particular sem olhar à sua origem. E fazemo-lo, independentemente de eles serem apresentados pelo PS, pelo PSD ou pelo CDS, de acordo com o seu conteúdo e não mais do que isso. Nesse sentido, só uma atitude diferente da Sr.ª Deputada poderá conduzir à afirmação que fez.
Para além das expressões injuriosas que utilizou, a Sr.ª Deputada fez uma afirmação falsa, isto é, que este projecto de lei está a ser rediscutido. Ele está a ser discutido, neste Plenário, pela primeira vez e V. Ex.ª estará certamente enganada porque, há cerca de um ano atrás, quando aqui foi discutido um outro projecto de lei do PCP, a minha camarada Odete Santos teve oportunidade de se referir a este, que já tínhamos apresentado.
Portanto, reafirmo que este projecto de lei não foi ainda discutido e, por isso mesmo, teve o parecer favorável da Comissão para ser debatido agora, pela primeira vez.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Não podia ter tido o parecer favorável porque eu sou a presidente da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família!...

O Orador: - A Sr.ª Deputada está corripletamente enganada! Lamento que não tenha tido a iniciativa de apresentar este projecto de lei e que a direcção da central sindical a que pertence não esteja de acordo que tenha sido o PCP a fazê-lo!

A Sr.ª Odete Santos (PCP):- Exactamente!

O Orador: - Os sindicatos, incluindo o dos bancários, estão de acordo, porque o conteúdo do projecto de lei é a favor da não discriminação das mulheres.

Aplausos do PCP.

Sr.ª Deputada, veja o projecto de lei pelo que ele é e não pelo facto de vir rotulado como sendo do PCP! Temos orgulho de termos sido nós a subscrevê-lo e a apresentá-lo!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Além disso, V. Ex.ª é Presidente da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família e por isso sabe que, se ele lá estava para discussão pública, não poderia ter sido discutido na generalidade!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, este pode não ter sido, formalmente, o mesmo projecto de lei - na verdade, no ano passado,

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a Sr.ª Deputada Odete Santos reconheceu que iria reformular o seu projecto de lei -, mas reedita a questão que, nessa altura, aqui foi levantada. Aliás, o nervosismo do Sr. Deputado revela exactamente isso e ainda que os senhores não foram consequentes nem estiveram solidários com os projectos que, no ano passado, aqui foram apresentados, exactamente porque foram «à boleia» de um agendamento do PSD, que escolheu os projectos que queria discutir aqui hoje, discriminando os restantes, nomeadamente o seu, que visava a protecção...

A Sr.- Odete Santos (PCP): -Não, não!...

A Oradora: - Exactamente! Não retomou os projectos discutidos aqui no ano passado!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Esses já foram discutidos e aprovados na generalidade e estão na Comissão para serem votados na especialidade!

A Oradora: - Sr. Deputado, tenho boa memória e recordo-me exactamente do debate que aqui fizémos, no ano passado, à volta do «caso BCP».
Não lamento que o PCP tenha apresentado este projecto de lei mas, sim, que ele e, nomeadamente, a Sr.ª Deputada Odete Santos não se tenham solidarizado com os restantes projectos de lei, porque o vosso foi agendado.
Por outro lado, também não me parece que seja a melhor atitude os Srs. Deputados manifestarem o vosso nervosismo e não darem a «mão à palmatória», dizendo que, efectivamente, o Dia Internacional da Mulher merecia ser comemorado nesta Assembleia, mesmo que ao nível do simbólico, com muito maior abertura e universalidade, e que os partidos da oposição -pelo menos esses! - confrontassem a maioria com a sua escolha discriminatória dos projectos que agendou para hoje.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Eu bem me parecia que quem estragou isto tudo foi o PCP e o PS!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, quero esclarecer que estive presente na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares que discutiu essa questão e não me apercebi que qualquer partido se tenha oposto à escolha da ordem do dia de hoje.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Damião, devo dizer-lhe que a ouvi com a maior atenção e com gosto, porque já me habituei a isso. Aliás, devo dizer-lhe que comecei a ouvi-la com um gosto bem maior do que aquele que tinha no fim do seu discurso! Mais: fiquei profundamente desiludida na parte final da sua intervenção porque, muito sinceramente, Sr.ª Deputada - e permita-me que o diga -, as suas intervenções costumam valer bastante mais do que a que aqui proferiu hoje.
Estamos a discutir um projecto de lei sério e apurado, seguramente controverso, mas tecnicamente bem elaborado e, por isso, penso que o mínimo que ele merece é ser efectivamente discutido. Além disso, achei que o tom e a substância da sua intervenção foram profundamente contraditórios, porque começou por fazer, veementemente, uma catilinária contra os discursos que, por vezes, aqui fazemos no Dia Internacional da Mulher, para, afinal de contas, reproduzir a parte mais obscurecida dessas mesmas intervenções sem sequer referir o tom excelente que foi imprimido à intervenção inicial - essa sim uma intervenção de circunstância. Foi, de facto, uma grande intervenção política e de fundo aquela que o líder da sua bancada proferiu no início da sessão.
Sr.ª Deputada, porque é que não discutiu o projecto de lei que está sobre a Mesa?

Aplausos da Sr.ª Deputada Ana Paula Barros.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira, obviamente que vamos votar favoravelmente este projecto e quando questionei a Sr.ª Deputada fi-lo nesse sentido.
Não temos qualquer sectarismo relativamente a isso, temos, sim, algumas dúvidas sobre as soluções encontradas, mas discuti-las-emos oportunamente. Sobre isso, não temos qualquer constrangimento, nomeadamente aquele que me pretendeu atribuir.
A minha intervenção denota uma perplexidade relativamente ao agendamento dos projectos de lei escolhidos para hoje, posto que foram repescados alguns e não outros que me parecem da maior acuidade - e tentei esclarecer porquê- e vão ser, no fundo, obrigatoriamente transpostos para o ordenamento jurídico português, por via das directivas comunitárias.
Portanto, parecia-me oportuno, visto que este debate já foi feito e alguns projectos de lei foram até aprovados na generalidade, que sobre eles fizéssemos, hoje pelo menos, uma votação clara, nomeadamente quanto aos relativos à maternidade, que já referi, e sobre ao apoio às famílias monoparentais, da autoria do seu partido, o qual, embora com um alcance bastante limitado, não deixa de ser um projecto bastante positivo e que gostaríamos ver votado hoje.
Daí a minha dúvida e, se me é permitido nesta Câmara, a afirmação veemente feita na minha intervenção, da qual os Srs. Deputados podem ou não gostar, podem considerar uma peça pouco elegante, pouco delicada e de menor recorte literário do que a proferida pelo presidente do meu partido - é-o seguramente. Porém, é uma intervenção, foi elaborada com base num saber de experiência feito que não me pareceu estar presente na intervenção das duas Sr.ª Deputadas, sobretudo na sua, Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.
V. Ex.a, infelizmente, não conhece o que se passa nas empresas e na vida; se o conhecesse, com a sua formação humana e ideológica - de que tem dado manifestas provas -, teria assumido com esta Câmara, em nome do seu partido, um compromisso quanto ao prazo de votação da legislação que hoje apreciamos, independentemente do seu conteúdo, posto que a discussão que fizemos no ano passado caiu «em letra morta» e não está retomada.
Obviamente, o meu partido também pode dispor de um agendamento para tal, com certeza que sim, mas em «casa» farei sentir os meus protestos quanto a estas questões, o que os senhores, pelos vistos, não podem fazer.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Presidente,

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Srs. Deputados: Definitivamente, está a estragar-se o brilho das comemorações do Dia Internacional da Mulher. Por culpa de quem? Do CDS? De forma nenhuma! Procuramos intervir dignamente no debate, apresentando a nossa posição, e assim o fizemos. Estraga-se, sim, por via de uma lamentável cena de ciúmes socialista.

Risos do PSD.

O Partido Socialista, incomodado com o conluio do PSD e do PCP sobre esta matéria, resolve indignar-se e manifestar aqui, lamentavelmente, uma enorme ciumeira,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -O Sr. Deputado tem andado fugido mas está atento!

O Orador: -... com alguns equívocos, aliás, sobre o que estava ou não agendado. Mas, Sr.ª Deputada Elisa Damião, os céus foram-lhe adversos. V. Ex* falou acerca da nossa expulsão, usando um critério manifestamente internacionalista, e acabou por ser castigada... Não sabia que o diploma nunca tinha sido agendado,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso é verdade! Isso prova-se!

O Orador: -... enganou-se, não protestou devidamente contra o facto de estar a ser discutido um diploma ad hominem - ou «ad empresa» -, um diploma concreto, e acabou por ser castigada.
Mas é certo, e V. Ex.ª disse-o com verdade, que nesta matéria há uma grande hipocrisia, isto é, legisla-se muito e faz-se pouco, efectivamente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é verdade!

O Orador: - Quer dizer, isto é uma matéria de «faz de conta», fazem-se muitas leis...

O Sr. José Magalhães (PS): - E não se faz nada!

O Orador: -... e não se faz nada e, por isso, estamos a assistir a esta crise quase universal da democracia representativa- muitas vezes é um regime de «faz de conta»...
O CDS não «faz de conta».

O Sr. Manuel dos Santos (PS): -O CDS conta o que faz!

O Orador: - O CDS diz o que pensa, efectivamente, sobre as matérias. Sempre disse o que pensa e, porventura, V. Ex.ª não entendeu bem o discurso do Deputado Narana Coissoró. É verdade, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): -Entendi muito bem!

O Orador: - Permita-me que lhe diga que este projecto, que é discutido pela primeira vez, como reivindica fortemente o Sr. Deputado Octávio Teixeira, enferma de um péssimo sentido de oportunidade. O PCP - e não há dúvida alguma de que a paternidade do diploma só podia ser do PCP-não aprendeu nada com a lição do José Luís Judas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Oh!

O Orador: - Neste momento, o problema é de emprego! É, fundamentalmente, um problema de emprego, que está ameaçado, infelizmente, Sr.ª Deputada, para milhares e milhares de portugueses! Está ameaçado o emprego ...

O Sr. Manuel dos Santos (PS):- É verdade! Vire-se para o PSD e ensine-lhes isso!

O Orador: -... para milhares e milhares de portugueses!
Sr. Deputado, não quero apontar o dedo a ninguém, não me interessa. Aponto o dedo a todos nós, pois vivemos, realmente, sob essa ameaça mas vemos e ouvimos elementos da Central Sindical CGTP-IN dizer que estão sob uma concertada ofensiva do patronato e do Governo, quando não estão; estão, sim, sob uma concertada ofensiva de uma enorme crise económica e o problema é esse.
Ora, as normas que rigídificam o regime do contrato de trabalho só podem ter consequências fortemente negativas em relação a este problema do emprego ...

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: -... e as normas deste diploma são desse tipo, porque introduzem uma enorme rigidez na regulamentação do contrato de trabalho. Por isso, só podem ter efeitos negativos.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - É a ganância!

O Orador: - Podem ter os mesmos efeitos que foram obtidos pelos políticos que pensavam estar a proibir o despedimento no nosso país e que, cautelosamente, introduziram a figura dos contratos a prazo para que servisse como válvula de escape. Depois, o que aconteceu foi que precarizaram o emprego para milhares e milhares de trabalhadores portugueses, porque, evidentemente, não puderam conviver com normas rígidas em matéria de despedimento.
Naturalmente, agora, se for aprovado este projecto de lei, a consequência vai ser a mesma, porque a lei dos contratos a prazo ainda está em vigor e, portanto, quem quiser contratar cidadãos portugueses do sexo feminino com esta lei, estas suspeitas e suspeições, estes conceitos vagos e indeterminados, esta atribuição de legitimidade aos sindicatos para o exercício de acções que não sabemos rigorosamente quais são, sabe que as consequências vão ser essas. Por isso, temos uma grande e grave desconfiança em relação ao articulado deste diploma.

Vozes do CDS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Se a mulher não tivesse sido criada, não haveria sol nem lua, nem agricultura, nem fogo».
Ninguém se admiraria de ver este ditado em placa de ouro gravado na secretária do administrador do BCP!
O BCP está na vanguarda de um movimento regenerador contra a sociedade democrática, que, em oposição à concentração de poder económico e político, do lucro a qualquer preço, tem sido profundamente marcada e sustentada pela luta das mulheres para se libertarem do

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«ónus da prova». Ou seja, libertarem-se de terem de provar, numa sociedade discriminatória e que conta com os administradores do BCP entre os seus eleitos, que são discriminadas; que são socialmente iguais e que os direitos humanos contemplam homens e mulheres; que não são uma costela de Adão, com tudo o que isso lhes acarretou de dependência original e de complementaridade dispensável; que não são definíveis apenas em relação a outrem, como «fêmeas do homem» ou «senhoras da casa»; que são um sujeito histórico e social, apesar de a história feita pelos homens as ter sistematicamente ignorado, mesmo quando reconhecem que, sem elas, não haveria fogo, agricultura, sol, lua e, já agora, nem sequer homens.
É admissível que a função reprodutora da mulher, tornando-a menos móvel do que o homem, tenha contribuído para uma divisão de tarefas que evoluiu para a valorização das do homem no confronto com a natureza, que era o seu grande inimigo nos primórdios da humanidade.
É talvez por isso que, ainda hoje, seres cavernícolas se articulam tão melodiosamente com o romantismo «genésico».
Mas a sociedade deu grandes saltos em frente, ao ritmo dos sonhos e das lutas. A mulher já ganhou todos os direitos cuja concretização ainda é obrigada a reivindicar.
As empresas sentem-se autorizadas a discriminar as mulheres, baseando-se em que não podem suportar os «custos» da maternidade, como se esta não fosse uma função social e estivéssemos na fase caçadora-recolectora.
Que a selva é quase tão brutal, não há dúvida! Mas a capacidade de resposta também é infinitamente superior.
O caso do BCP é paradigmático, porque estrutura novas teorias imbecis que, igualitárias até mais não poderem, aproveitam o poder desigual que a organização política e social ainda confere aos homens, para recusarem as acções positivas previstas na Resolução das Nações Unidas sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação e no 3.º Programa Comunitário para a igualdade de oportunidades.
Hoje as conquistas da humanidade permitem garantir que a função social da maternidade não seja penalizada. A sociedade civil e o Estado não podem ser tolhidos na resposta adequada, de acordo com a salvaguarda integral dos direitos humanos, a dar a violadores dos direitos das mulheres que, a salvo da acusação de crime de guerra, aproveitem o brutal poder económico que têm.
Quando o mercado para tudo serve de justificação, o BCP e quejandos sentem-se justificados e legitimados para não querer mulheres que engravidam, parem e tratam dos filhos. Mas, o BCP é o BCP e a Assembleia da República é a Assembleia da República. No BCP é suposto mandar a ganância; na Assembleia da República é suposto imperar a justiça, a equidade e a democracia.
O projecto de lei do Partido Comunista Português dá uma resposta adequada, oportuna e creio que eficaz à administração do BCP e a todos os trogloditas, que, aliás, gostam muito de mulheres.
Quero aproveitar para saudar todas as mulheres e todas as organizações não governamentais de mulheres que com tanta dignidade, firmeza e eficácia se têm batido não contra moinhos de vento mas contra o inimigo mais poderoso: o preconceito, o obscurantismo e a discriminação, dia a dia alimentados pela sede do lucro e a aversão à democracia.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Depois da Sr.ª Presidente ter esclarecido que, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, nenhum partido se opôs aos agendamentos feitos para hoje, gostaria de acrescentar duas notas. Aliás, uma terceira seria a mais importante se este debate tivesse seguido sem incidentes, a não ser os normais em debates das ideologias, que têm de ser diferentes, entre os partidos presentes na Assembleia.
O que o Sr. Deputado Nogueira de Brito disse merecer-me-ia, de facto, uma intervenção, porque, com todos os argumentos aqui expostos, acabou por defender que se mantivesse o status quo. Isto significa que se o Sr. Deputado estivesse no período pós-revolução industrial usaria os mesmos argumentos para defender a situação das mulheres que, nessa altura, eram utilizadas nas minas para puxar vagões no fundo das minas, em substituição das mulas, visto o seu ordenado ser mais baixo em relação ao que se pagava pelo emprego das mulas, no sentido de elas continuarem a aceitar aquela situação para defenderem o seu emprego. E aqui temos tudo dito!
Por outro lado, como algum Sr. Deputado pode ter entrado a meio desta discussão e ouvido a Sr.ª Deputada Elisa Damião dizer que aqui tinha sido feito um «número», gostaria de alertar os Srs. Deputados para não terem medo, porque o debate não se transformou num circo. O debate correu com dignidade, não obstante a intervenção, muito lamentável, da Sr.ª Deputada Elisa Damião.
Informo os Srs. Deputados, nomeadamente os que não estiveram presentes à sessão plenária do dia 10 de Março do ano passado, aquando da comemoração do Dia Internacional da Mulher, que podem consultar o n.º 38 do Diário, a fim de verificarem quais os projectos de lei que, nesse dia, foram discutidos.
Nessa altura, foi discutido o projecto de lei n.º 1007 VI - Reforça os direitos das associações de mulheres (PCP), que trata exactamente da questão dos tempos de antena, das associações de mulheres, o qual até foi chamado de «projecto do parceiro social», e que, tal como os outros referidos pela Sr.ª Deputada Elisa Damião, continua a aguardar o debate na especialidade. Aliás, na minha intervenção tive ocasião de endereçar uma crítica ao facto de, passado um ano, ainda se não ter discutido na especialidade nenhum desses projectos de lei.
Assim, Srs. Deputados, em relação ao projecto de lei n.º 99/VI (PCP), agendado para hoje, não vamos fazer uma rediscussão mas, sim, uma discussão na generalidade. Portanto, considero esse erro tanto mais grave quanto é certo que a Sr.ª Deputada Elisa Damião, como presidente da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, teve este diploma na sua comissão, promoveu a consulta pública e sabe que, visto ter sido apresentado dias antes do dia 10 de Março do ano passado, nunca poderia ter sido objecto de debate na generalidade sem que a Comissão tivesse procedido à consulta pública.
Srs. Deputados, a Sr.ª Deputada Elisa Damião labora num incomensurável erro, o de que iremos, daqui a pouco, proceder a uma nova discussão, na generalidade, de um projecto de lei. Vamos, sim, mas não deste projecto de lei do PCP. Vamos debater o projecto de lei apresentado por Os Verdes, que baixou à Comissão para ser novamente apreciado na generalidade e irá ter hoje uma nova discussão na generalidade.

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A Sr.ª Deputada trocou o número dos projectos de lei e se os Srs. Deputados quiserem assegurar-se disso verificarão que do Diário da Assembleia da República constam os títulos dos diplomas que, de facto, foram discutidos, na generalidade: os projectos de lei n.ºs 90/VI - Apoio a crianças nascidas em famílias monoparentais (PSD), 1007 VI - Reforça os direitos das associações de mulheres (PCP), 103/VI - Alteração da imagem feminina nos manuais escolares (Os Verdes) e o projecto de deliberação n.º 20/VI - Constituição de uma comissão eventual para a igualdade de direitos e participação da mulher (PS). Foram estes os diplomas discutidos.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): -Não, não é verdade!

A Oradora: - O projecto de lei n.º 99/VI nunca foi discutido! A Sr.ª Deputada teimará como quiser, enfim...
Além de tudo, gostaria ainda de informar que o Sr. Deputado Guilherme Silva, embora neste momento não se encontre presente, poderá confirmar que fui eu quem, há cerca de quatro semanas, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, colocou ao Sr. Presidente da Comissão a questão de se saber quando é que os projectos de lei nela pendentes seriam discutidos na especialidade, a fim de poderem subir a Plenário.
Finalmente, devo dizer que o Grupo Parlamentar do PCP estava de acordo com o agendamento para hoje de todos os projectos de lei pendentes para votação na especialidade. Estivemos disponíveis e até nos prestámos, por meu intermédio, a estar ontem de manhã, segunda-feira, numa reunião da subcomissão, na eventualidade de podermos vir a discutir, na especialidade, os projectos de lei pendentes.
Aqui fica a explicação para os Srs. Deputados que tenham interesse, porque, como dizia Fernão Lopes, isto é «a clara certidom da verdade»!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para que efeito?

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Para exercer o direito de defesa da honra e consideração, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr.ª Presidente, queria avivar a memória dos Srs. Deputados do PCP no sentido de que tanto este como o projecto de lei do PS foram discutidos por generosidade do PSD, que admitiu a discussão, pois não estavam em condições de subirem a Plenário por a discussão pública ainda não ter sido feita. E foi rigorosamente assim que discutimos a questão do BCP e a da maternidade...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Oh!... Não estou para ouvir mentiras!

A Oradora: - Sr.ª Deputada Odete Santos, faça favor de ler a discussão e de verificar se foram ou não debatidas estas duas questões.

A Sr.ª Odete Santos (PCP):- Mentiras!...

A Oradora: - Segunda questão: de facto, não me parece que seja eficaz e até que dê dignidade, posto que os senhores não gostam de controvérsia, de ser contestados, e nós já sabemos isso... Toda a sociedade portuguesa sabe que os senhores não gostam de ser contestados, mas, pelo menos aqui, não podem «cortar» a palavra ao Partido Socialista e não a vão «cortar», seguramente...

Risos do Deputado do PCP Octávio Teixeira.

Ria-se, Sr. Deputado! Está muito divertido!... Finalmente, quem está a fazer o circo é o senhor!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Você é a artista principal!

A Oradora: - Não me importo de ser a artista principal nesta matéria, Sr. Deputado.
Continuando, devo dizer que o PSD, no ano passado, agenciou, de facto, com generosidade, alguns projectos de lei relativos a esta matéria, que foram debatidos embora não estivessem em condições de o serem. Mas entendeu--se que, apesar de não ter havido discussão pública, esses projectos de lei mereciam referência, dada a abertura e o espírito do debate lido no ano passado. Foi assim que as coisas se passaram e os Srs. Deputados poderão fazer uma análise mais serena desta questão.
Por outro lado, tanto a minha intervenção como o estilo que lhe dei vêm no sentido de afirmar que as declarações de intenção do PSD, por vezes, não passam disso, mesmo quando são extremamente simpáticas em relação à minha pessoa ou à minha bancada. Por isso, não se pode confiar nessas declarações de intenção, porque depois não tem a menor eficácia. Aliás, um exemplo disso, já hoje aqui referido, é o facto de a legislação da protecção das mulheres vítimas de crimes aguardar regulamentação há dois anos.
Por tudo isto, penso que não deveria concluir-se este debate sem um compromisso do PSD no sentido de haver o agendamento e a aprovação deste projecto de lei, posto que a declaração da Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira nos leva a concluir que ele irá ser aprovado. Mas irá ser aprovado quando? No fim da legislatura, nesta sessão legislativa, para o mês que vem, para a semana que vem? Vamos estar empenhados na sua aprovação.
Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Damião, não dou quaisquer explicações. A minha única explicação é a de os Srs. Deputados lerem o sumário do Diário da Assembleia da República...

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Não leiam só o sumário. Leiam o conteúdo!

A Oradora: - ... para verificarem - e leiam o debate - que a Sr.ª Deputada continua a faltar à verdade. E esta é a explicação mais macia, mais amena, que posso dar. Como, de facto, me foi oferecida hoje uma rosa, quero ser macia na resposta à Sr.ª Deputada.
O Diário da Assembleia da República está à disposição de quem o quiser consultar e por ele saberão que a Sr.ª Deputada faltou à verdade.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Acabado este episódio regimental, lançado pela Sr.ª Deputada Elisa Damião, reponho a discussão, se V. Ex.ª me permite, no pouco tempo de que disponho.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A discriminação da mulher portuguesa, por estranho que pareça, está a acentuar-se. É uma lamentável mas lógica consequência do tipo de sociedade que se pretende impor no nosso país, por força da aplicação de uma política neoliberal cujos mentores e seguidores não consideram positivos nem aceitam como válidos certos valores culturais e humanos por que temos sempre de pugnar e defender.
O tratamento dado por alguns à mulher portuguesa no trabalho, na vida quotidiana, é inaceitável. Numa democracia que se diz europeia, ainda subsistem mentalidades retrógradas, reaccionárias e incultas que vêem a mulher como uma força disponível de trabalho, doméstico ou não, negando-se-lhe, no entanto, as mesmas oportunidades concedidas aos homens como, aliás, se pode verificar através de flagrantes exemplos. Exemplos que partem não só de pessoas sem cultura ou sem instrução, pois esse tipo de actuação observa-se também em atitudes de arrogantes e poderosos empresários que tratam a mulher sem respeito, que usam e abusam do seu poder circunstancial para a utilização de práticas discriminatórias sobre a mulher. É gente que respeita um único valor: o do cifrão, o do dinheiro fácil.
Bem apreciado o problema, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, chegar-se-á à conclusão de que são pequenos tiranetes complexados, eivados de preconceitos, mas com um tipo de actuação que só visa um objectivo: utilizar a mulher ou discriminá-la para atingir as suas finalidades, ou seja, tratar a mulher como um ser menor, pagar-lhe menos, distribuir-lhe tarefas não consentâneas com o seu valor e capacidade.
O problema que ora debatemos é eminentemente cultural. Um País que se ufana com demasiada arrogância e vaidade de permanecer a uma Comunidade Europeia culta não pode admitir que não sejam respeitados os mais elementares direitos devidos a todos os cidadãos e à mulher em particular.
É claro que o problema é global. Basta observar a forma como certo patronato trata os trabalhadores e as injustiças sociais praticadas para verificar que a discriminação contra a mulher trabalhadora está já a atingir foros de escândalo.
Há que pôr termo a lamentáveis preconceitos no comportamento para com a mulher, pois a mulher portuguesa é, sem dúvida, alvo de um tratamento inaceitável.
Sr.ª Presidente, Sr. Deputados: Todos os anos reflectimos, por uma ou duas horas, sobre o papel da mulher na nossa sociedade e todos os anos o problema se nos apresenta agravado. A discriminação, quando não a violência, persiste e aumenta. As desigualdades, a opressão e a discriminação baseada no sexo não tem, não podem ter, lugar numa sociedade civilizada e democrática. O estatuto da mulher não pode ser considerado inferior ao do homem, pois é rigorosamente igual.
O que se impõe, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, já que tarda a mudança de mentalidades, é aprovar e, sobretudo, fazer cumprir legislação adequada como os projectos ora em discussão, os quais vou votar favoravelmente.

(O orador reviu.)
Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): -Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Permitia-me alargar um pouco o âmbito desta discussão. Uma vez que está em causa o direito da mulher à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego, gostaria de trazer à colação a Portaria n.º 1156/91 que visa abrir as portas das Forças Armadas às mulheres. Nesse texto, a discriminação está patente ao nível da linguagem: por um lado, promete a igualdade, mas retira-a por outro.
Reza assim a citada portaria: «Determina que, em condições de igualdade com os cidadãos do sexo masculino, os cidadãos do sexo feminino possam voluntariamente candidatar-se à prestação do serviço efectivo em qualquer das modalidades e serviços do Exército.» Ou seja, ao falar em «cidadãos do sexo feminino», esquecendo-se de que as mulheres são cidadãs, está, de facto, a cometer uma discriminação.
Ora, parece-me que é urgente e necessário alterar determinadas práticas e preconceitos, designadamente em relação à linguagem, porque a linguagem.
Já agora, a este propósito, gostaria de aqui invocar o testemunho e o trabalho meritório do sargento Ventura Cunha, responsável por uma página de língua portuguesa no Jornal do Exército, que se refere a essa discriminação na linguagem, criticando-a e dizendo-a insustentável. Cito o que escreveu: «Sabe-se que a entrada de mulheres para o serviço militar criou em certos espíritos impressionáveis a sensação de que elas vinham usurpar posições que só aos homens devem pertencer. Mas, se a lei abriu as portas à participação feminina em todos os níveis, não há razão, antes pelo contrário, para que se não recuperem formas gramaticais em desuso e se criem outras se tal for necessário. Infelizmente, há quem pense que as mulheres podem vir para o Exército, mas que o vocabulário terá de ser sempre masculino. Trata-se, todavia, de um pensamento eirado.» E prossegue o articulista: «Logicamente, se chamamos soldados aos homens, então devemos chamar soldadas às mulheres. Não é correcto dizermos soldados do sexo masculino e soldados do sexo feminino. Seria o princípio da confusão.»
A este propósito ainda, e para realçar a importância que também tem a linguagem na discriminação da mulher, chamo a atenção para as palavras de Ramela Tytell, que diz: «A linguagem é o reflexo das nossas imagens culturais e do estatuto da mulher na sociedade e faz-se eco dos preconceitos e dos estereótipos.» Quer isto dizer que transportamos para o discurso os nossos preconceitos, as nossas representações sexistas mentais e sociais.
Penso que é urgente e necessário que essas práticas se alterem e que, também ao nível da linguagem, se consagre a igualdade entre homens e mulheres, a qual decorre naturalmente daquilo que está consagrado na Constituição e que, tantas vezes, se encontra afastado da realidade.

(A oradora reviu.)

Aplausos do PS.

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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr." Presidente, Srs. Deputados: Uma brevíssima intervenção para esclarecer algumas questões que aqui foram levantadas quanto à bondade dos agendamentos respeitantes a uma ordem do dia que, como V. Ex.ª já teve a ocasião de referir - e bem -, não foi contestada por qualquer dos grupos parlamentares.
Aconteceu que, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, os diversos grupos parlamentares e, particularmente, o do PSD, consideraram que não era digno fazer um agendamento por "pacote", reservando para o dia de hoje um conjunto de todas as iniciativas legislativas pendentes na Assembleia da República sobre a mulher, pois consideramos que a mulher não deve ser apreciada apenas num dia do ano e esquecida nos restantes. Nesse sentido, o PSD apresentou duas propostas: em primeiro lugar, que na sessão de hoje apenas duas iniciativas legislativas fossem apreciadas e, em segundo, que todas as iniciativas legislativas que os outros grupos parlamentares apresentaram, nomeadamente o Partido Socialista, fossem agendadas num curto espaço de tempo.
Na altura, afirmámos que o PSD daria todo o seu apoio para que, na programação dos trabalhos parlamentares relativamente aos meses de Abril e de Maio, fosse possível fazer a inserção dessas iniciativas legislativas.
Que fique, assim, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, esclarecido que: primeiro, o PSD não obstruiu o agendamento de qualquer iniciativa, segundo, tentou dignificar a ordem do dia de hoje, evitando esta ideia perversa de que só num dia por ano as mulheres devem ser alvo de atenção por parte da Assembleia da República e, terceiro, reiterou o empenhamento político do Grupo Parlamentar do PSD em promover, tão cedo quanto possível, o agendamento das outras iniciativas legislativas pendentes sobre matérias análogas.

(O orador reviu.)

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Carlos Coelho, gostava que fosse feita uma precisão. Não contesto o conteúdo da sua intervenção, mas gostava que V. Ex.ª confirmasse - porque eu estava presente na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares - se toda essa discussão e, portanto, tudo aquilo que referiu foi ou não precedido de uma proposta que apresentei, e que outros partidos subscreveram, no sentido de que deveriam ser agendados todos os projectos de lei sobre o tema, tendo o PSD afirmado, pela sua voz, recusar o agendamento de "pacotes" com o sentido que acabou de dar a essa expressão. .

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, não desmentirá seguramente que, nessa Conferência, foram pensadas diversas soluções. Entre outras iniciativas, pensou fazer-se uma sessão de
homenagem com um período de antes da ordem do dia mais prolongado.
Portanto, diversas foram as formulações para a sessão de hoje e, como se recorda, foi, aliás, pela minha voz que o PSD nessa Conferência propôs exactamente a realização de uma sessão de homenagem com um período de antes da ordem do dia prolongado.
Como a Sr.ª Deputada recordará, não foi o Grupo Parlamentar do PSD que reduziu a sessão plenária de hoje, dispensando, nomeadamente, a sessão de homenagem e reduzindo o período de antes da ordem do dia a seis minutos por grupo parlamentar.
Quanto à questão do quadro legislativo, é verdade que o PSD disse, pela minha voz, que recusava esta ideia perversa de considerar que, uma vez por ano, devia haver um "pacote" de iniciativas legislativas referente às mulheres. Julgo que tal ideia não é digna para as mulheres nem para as questões relevantes que estão, seguramente, subjacentes à iniciativa dos diversos grupos parlamentares e, para que nos não acusassem de, com essa fórmula, pretender evitar a discussão das outras iniciativas legislativas, afirmámos o nosso empenhamento em promover o seu rápido agendamento num curto espaço de tempo. Já o disse há pouco e repito-o agora, pelo que lhe agradeço, Sr.ª Deputada Isabel Castro, a oportunidade que me proporcionou de fazê-lo, isto é, de reiterar o nosso empenhamento.

(O orador reviu.)

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Ao mesmo título que o Sr. Deputado Carlos Coelho, para uma intervenção sobre o mesmo tema, por coincidência, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra para uma intervenção, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Creio que é positivo que o desfecho da sessão seja aquilo que parece ser. O Sr. Deputado Carlos Coelho acabou de dizer solenemente, em nome do PSD, que o figurino de funcionamento do Parlamento em relação as iniciativas legislativas respeitantes à condição feminina vai mudar. Acaba de ser mais preciso, comprometendo-se até a que a mora em que estamos, no que diz respeito a iniciativas legislativas pendentes desde Março do ano passado, cesse.
Não gostaria, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, de reintroduzir, porque seria seguramente de mau gosto, a discussão do figurino de hoje. O que nos importa registar é que há um compromisso, que vamos tomar ao pé da letra, de que esse figurino se altere, não porque haja riscos de haver "pacotes de mulheres" - e, Sr. Deputado Carlos Coelho, não se assuste com essa perspectiva, porque isso não vai acontecer e, aliás, duvido que viesse algum mal ao mundo se debatêssemos mais pacotes de iniciativas legislativas sobre a condição feminina- mas, sim, porque há, pelo menos, a garantia ou o compromisso aqui assumido de que as pendentes serão votadas.
Registamos isso e gostaria, Sr.ª Presidente, de anunciar que foi possível obter assinaturas de Deputados de diver-

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sãs bancadas no sentido de que o projecto de lei n.º 99/VI, que garante o direito à igualdade do tratamento no trabalho e no emprego, seja discutido e votado, na especialidade, em prazo certo. O prazo acordado entre os diversos signatários e que consta do requerimento que vou entregar na Mesa dentro de segundos é de 90 dias, o que, creio, pode permitir levar a cabo um trabalho positivo no âmbito da 10.º Comissão, ouvidas as demais comissões competentes.
É fazendo votos de que esse trabalho positivo se realize e de que venha a ser aprovada uma boa lei que gostaríamos de culminar este debate na generalidade, que, cremos, foi, apesar de tudo, globalmente muito positivo.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, na sequência das questões relevantíssimas que colocou na sua intervenção e daquilo que a minha bancada me transmitiu, parece que V. Ex.ª contrariou ligeiramente as afirmações de outras Sr.ªs Deputadas do grupo parlamentar onde se integra.
Gostaria de saber se as suas palavras são ou não a consequência de algum espírito arrependido pelo facto de o PS não ter usado nenhum dos seus direitos de agendamento potestativo sobre as iniciativas que leve ocasião de referir.

(O orador reviu.)

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado Carlos Coelho, fazia eu nisto o papel de pomba da paz, que era uma coisa que me estava a satisfazer, quando V. Ex.ª veio desempenhar um papel um pouco ferrabraz e de belzebu, introduzindo uma suspeição onde ela não tem motivo paru existir.
O PS apresentou os seus projectos, que, de resto, foram discutidos na altura própria. Fazemos votos de que venham a poder ser votados e oportunamente aprovados, com o maior consenso imaginável nessa matéria.
A Sr.ª Deputada Elisa Damião teve ocasião de ser uma das primeiras subscritoras desse requerimento que vamos votar dentro de segundos.
Foi dentro deste espírito que as nossas iniciativas se moveram. As perguntas do Sr. Deputado não tem, portanto, qualquer resposta possível dentro do campo que lhe interessa. A única coisa que quero aqui destacar é que é positivo, porventura razoavelmente positivo, que este debate acabe não no vazio mas com a aprovação, que espero unânime, de um requerimento, no sentido de que dentro de 90 dias o País tenha uma lei contra a discriminação no trabalho e no emprego, aprovada com a participação mais alargada de todos aqueles que se interessam por esta matéria. Se o PSD está interessado nela tanto como nós e o PCP congratulamo-nos com esse resultado e esperamos que esta seja a posição comum de todas as bancadas.
É este o espírito, Sr. Deputado Carlos Coelho, com que fiz a intervenção neste debate.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, pode entender-se que um debate que acaba numa votação na generalidade é um debate vazio, que acaba no vazio? Em lermos parlamentares, creio que isto é um pouco esquisito, mas, de qualquer forma, gostaria de obter um esclarecimento da Sr.ª Presidente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, à Mesa não cabe fazer apreciações desse tipo.
Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento, subscrito por Deputados de várias bancadas, que vou pôr à votação.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, a votação desse requerimento é posterior à votação, na generalidade, do diploma.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem razão, Sr. Deputado. Não tem lógica que ele seja votado antes da votação na generalidade.
Srs. Deputados, vamos iniciar o período regimental reservado às votações.
A primeira votação agendada para hoje respeita ao projecto de resolução n.º 55/VI - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 240/92, de 29 de Outubro, que transforma o Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (LNETI) em Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (INETI), apresentado pelo PCP [ratificação n.º 53/VI (PCP)].
Vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e abstenções do CDS e do PSN.

Srs. Deputados, a Mesa pode considerar prejudicado o projecto de resolução n.º 57/VI por versar sobre matéria idêntica?
Não havendo qualquer objecção, considera-se prejudicado.
Vamos agora proceder à votação do projecto de resolução n.º 54/VI - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 247/92, de 7 de Novembro, que racionaliza o emprego dos recursos humanos da Administração Pública, apresentado pelo PCP [ratificação n.º 50/VI (PCP)].

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr.ª Presidente, requeiro a votação em simultâneo dos projectos de resolução n.01 54/VI e 58/VI, dado que o seu teor é o mesmo.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Com certeza, Sr. Deputado.
Vamos então votar os projectos de resolução n.ºs 54/VI, do PCP, e 58/VI, da iniciativa do PS, sendo este último referente à ratificação n.º 51/VI.

Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos contra do PSD e do CDS e votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de resolução n.º 56/VI - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 238/92, de 29 de Outubro, que regula o policiamento de espectáculos desportivos realizados em recintos desportivos, apresentado pelo PS [ratificação n.º 52/VI (PS)].

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mano Tomé e as abstenções do CDS e do PSN.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação de uma alteração, aprovada em especialidade na Comissão, ao Decreto-Lei n.º 166/92, de 5 de Agosto.
Este diploma foi submetido a processo de ratificação, baixou à Comissão, havendo agora um texto de alteração a um ponto desse diploma. Propõe-se, assim, um novo n.º 12 ao respectivo artigo 8.º
Vamos proceder à sua votação final global, com esta alteração da Comissão.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, vamos votar a ratificação do decreto-lei com esta alteração ou apenas a alteração?

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - É apenas a alteração aprovada, em especialidade, na Comissão. Srs. Deputados, vamos votar.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS e do PSN e a abstenção do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 99/VI, do PCP.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr.ª Presidente, em relação a estas votações, creio que, uma vez votada a alteração proposta pela Comissão ao Decreto-Lei n.º 1667 92, se impõe agora fazer a votação final global, que ainda não foi feita.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o artigo 203.º, n.º 5, do Regimento diz o seguinte: "Se forem aprovadas alterações na comissão, a Assembleia decide em votação final global, que se realizará na reunião plenária imediata a seguir ao fim do prazo previsto nos números anteriores, ficando o decreto-lei modificado nos termos da lei na qual elas se traduzam."
Assim, esta disposição implica que haja uma votação final global do texto modificado, a que procederemos de imediato.
Srs. Deputados, nos termos do artigo 203.º, n.º 5, do Regimento, vamos proceder à votação final global do diploma com a alteração já aprovada.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do PSN, votos contra do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e abstenções do PS e do CDS.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 99/VI - Garante o direito à igualdade do tratamento no trabalho e no emprego (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e votos contra do CDS.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação do requerimento, que deu entrada na Mesa, solicitando a baixa deste projecto de lei à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, para discussão e votação na especialidade.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Freitas do Amaral.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): Sr.ª Presidente. Peço a palavra,

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Pediu a palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Para informar a Mesa que iremos apresentar uma declaração de voto, por escrito, relativa ao Decreto-Lei n.º 166/92.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos proceder à apreciação do projecto de lei n.º 103/VI - Alteração da imagem feminina nos manuais escolares (Os Verdes).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Como tivemos oportunidade de referir acerca de um ano aquando da apresentação do nosso projecto de lei, sobre alteração da imagem feminina nos manuais escolares, visamos contribuir para a alteração de mentalidades, eliminar a transmissão de valores discriminatórios e sexistas, através da alteração da imagem feminina nesses mesmos manuais.
Trata-se de agir pela igualdade, que a lei fundamental e as convenções internacionais já ratificadas consagram, no contexto de uma pedagogia. Uma pedagogia em que a educação é uma vertente fundamental como factor privi-

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legiado no processo de socialização de crianças e jovens. E uma educação em que, naturalmente, os manuais escolares, como instrumentos de trabalho, assumem particular relevância e importância como veículos de conhecimento científico que naturalmente são, mas, sobretudo, como veículos portadores de valores na óptica social implícita.
Manuais que, pelo conteúdo e imagem, são responsáveis pela transmissão de valores e pela sua reprodução, através de normas sociais a que a autoridade a que a escola está associada confere ainda maior poder na assimilação de comportamentos e atitudes que tendem a ser interiorizados pelas crianças e adoptados como condutas suas.
Trata-se, assim, de agir nesta relação criança/livro, introduzindo a preocupação de alterar mentalidades atendendo, no caso presente, ao conteúdo sexista dos manuais, à veiculação de estereótipos, à reprodução de imagens tradicionalmente associadas a papéis sociais que discriminam e menorizam a mulher. Isto é, pretende-se, atendendo à qualidade dos manuais, que a igualdade, que a lei consagra, também neles se exprima através da sua imagem e conteúdo.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Aditando ao Decreto-Lei n.º 369/90, que estabelece o sistema de adopção, vigência e controlo de qualidade dos manuais escolares, novas preocupações e nova forma pretende-se não contrariar ou distorcer o seu espírito, mas antes acrescentá-lo e enriquecê-lo no que era omisso.
Trata-se, afinal, de dar conteúdo na definição, até agora genérica, da qualidade que lhe está associada introduzindo critérios e parâmetros que nos parecem ausentes.
Trata-se, pois, de agir numa perspectiva não exclusivamente técnica mas intervir claramente num sentido preciso que se propõe eliminar, como objectivo, todas as formas de discriminação sexista, através da despistagem do seu conteúdo.
Gostaria ainda de explicar as razões de se introduzir, neste projecto de lei e com este objectivo, a proposta de participação das organizações não governamentais que integrarão as comissões científico-pcdagógicas que avaliam a qualidade dos manuais escolares, dado que a intervenção destas organizações é, cada vez, com mais força e de modo mais alargado, entendida como uma condição indispensável e indissociável de qualquer alteração da sociedade.
A riqueza do património destas organizações, a sua intervenção cívica, que todos consensualmente subscrevem e hoje mesmo aqui foi sublinhada, é para nós importante e por isso julgamos imprescindível dar-lhe forma. No caso concreto é disso que se trata, fazendo, pois, com que as organizações não governamentais, como parceiros importantes da sociedade, possam eleger representantes seus que integrem os conselhos científico-pedagógicos, que avaliam o projecto e o diploma em discussão na generalidade.
Finalmente, gostaria de dizer que para nós este projecto, e já o referimos quando o apresentámos há um ano, não esgota, nem tem pretensões de o fazer, todo o manancial de formas que importa alterar nos manuais escolares e, se calhar, em muitos outros materiais e noutras formas de veiculação de ideias que se destinam em particular aos jovens.
Contudo, pensamos e esperamos, tendo em conta a opinião expressa pela maioria das bancadas, que, na discussão na especialidade, possam ser encontradas soluções consensuais que compatibilizem as diferentes perspectivas que sobre este projecto se colocam.

Aplausos do Deputado do PCP António Filipe e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Paula Barros.

A Sr.ª Ana Paula Barros (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez a Câmara é chamada a pronunciar-se sobre a imagem da mulher nos manuais escolares e por isso estamos, ainda que indirectamente, a debruçarmo-nos sobre o estereótipo que, subtil mas irresistivelmente, faz das mulheres o ser frágil, pronto para a submissão e ávido de simpatia que diariamente nos é transmitido como que naturalmente, como se essa fosse a ordem e estrutura normal da sociedade, como se isso correspondesse à própria e intrínseca natureza das coisas.
Múltiplos factores contribuem, sem dúvida, para que seja aceite a imagem de que a menina deve brincar com bonecas, ajudar a mãe a pôr a mesa e arrumar a casa, enquanto o rapaz brinca com carros, ajuda o pai a comprar jornais e quando muito, arruma o seu quarto. Imagens que nos são inculcadas desde cedo e que invariavelmente associam a mulher às lides domésticas como suas atribuições e deveres intrínsecos.
Estas situações afiguram-se-nos mais ou menos normais, porque, desde muito cedo, essa distribuição de tarefas e papéis nos é imposta quando ainda não possuímos uma consciência crítica suficientemente desperta, ou seja, quando ainda somos danças.
Os manuais escolares e a escola representam para uma grande parte das crianças portuguesas o primeiro contacto com uma realidade diferente da familiar. Por eles, e através deles, a criança apreende imagens e interioriza valores, reacções e crenças, aprendendo a colocar-se e a adaptar-se ao seu papel na vida social.
É, pois, de toda a importância que os manuais escolares se abstenham de optar e ou indiciar uma determinada divisão social de trabalho ou uma particular forma de entender o lugar de cada cidadão na sociedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É importante que os conteúdos sexistas e discriminatórios da imagem e papel da mulher na sociedade desapareçam dos ditos manuais, por forma a que a criança cresça livre de poder optar, sem ser constrangida ou coagida por uma divisão de tarefas rígida, tradicional e profundamente desadaptada dos dias de hoje.
A forma como deve e será feita essa despistagem carece ainda de discussão e aprofundamento. No essencial, porém, todos estamos de acordo.
Muitos manuais escolares violam o princípio da não discriminação que decorre directamente do artigo 13.º, n.º 2, da Constituição.
Urge, portanto, uma intervenção do legislador, intervenção que terá de ser ponderada e equilibrada, de modo a evitar que, a coberto de uma necessidade e vontade de promover a igualdade de tratamento efectiva entre homens e mulheres, se caia numa egualitarização monótona e monocórdica que esqueça que o direito de ser tratado igualmente implica o direito de ser diferente e o respeito por essas diferenças.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Não basta fazer leis; é necessário fazer boas leis nesta matéria tão melindrosa e particular, pois das opções que tomarmos hoje depende também a igualdade da sociedade de amanhã.
Aplausos gerais.

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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Pará uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio.

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS):- Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O projecto de lei em apreço apresentado pelo Partido Ecologista :Os Verdes: tem como objectivo contribuir, para a alteração da imagem feminina nos manuais escolares.
É reconhecido que o sistema educativo deve ser um dos principais instrumentos para corrigir desigualdades sociais, entre as quais as sexistas; contribuindo para o Cumprimento dos princípios constitucionais.
A educação conjunta e o convívio entre os rapazes e raparigas constitui hoje por, si só, importante, elemento corrector das desigualdades sexistas! O sistema educativo tem de, cada vez mais, contribuir não só, para a eliminação dos estereótipos, mas fomentar e consolidar uma prática escolar que permita preparar os alunos e as alunas para assumir responsabilidades, tanto na vida pública Como na privada, e possibilitar a ambos uma inserção plena na sociedade menos conflituosas.
Embora nem todas as desigualdades tenham origem no sistema educativo, este pode, contribuir para a sua eliminação, de uma maneira específica, pelos meios de Comunicação social e culturais, arbitrando medidas que combatam o negativismo que ainda existe.
O material escolar, e didáctico e os textos podem ser meios de transmissão de alguns estereótipos ainda vigentes na sociedade. Mas tanto podem ser transmitidos pelos livros escolares como pela expressão verbal. É frequente ao nível dos primeiros ciclos de escolaridade os professores utilizarem exemplos verbais que fomentam essa discriminação:
Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É imprescindível assegurar que os manuais escolares sejam elaborados, não só tendo em consideração a necessária qualidade científica e pedagógica, mas que não incorporem conteúdos discriminatórios.
Será mesmo aconselhável recomendar que em algumas disciplinas, como Ciências Sociais, História Ciências físicas e Matemática, as Ilustrações utilizadas não possibilitem qualquer tipo de discriminação.

Vozes do PS:- Muito bem!

A Oradora: - Sendo o manual escolar, um instrumento de trabalho, que tem como objectivo, essencial contribuir para o desenvolvimento do aluno tem de ser elaborado com critérios claramente específicos. Deve assegurar, sem tabus, uma educação igualitária e integral que permita uma formação de personalidades, e facilite as relações e a integração na vida ,activa sem conflitos sociais.
Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Sr. Deputados: Os pareceres de apreciação na generalidade deste diploma , que se identificam e completam, foram aprovados
Direitos, Liberdades e Garantias e de, Educação Ciência e Cultura por unanimidade.
Esta unanimidade foi o resultado da, análise feita ao Decreto-Lei n.º 369/90, que, de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo, impôs a definição de uma necessária política de manuais escolares.
Parece-nos que ao artigo 6º, do, referido decreto lei se possa acrescentar um novo, ponto que contemple a referência específica das comissões
científica-pedagógicas para a apreciação dos manuais escolares integrarem uma técnica especializada da comissão da igualdade para os direitos das mulheres. Esta parece-nos ser uma situação intermédia; que garante à eliminação de qualquer possível conteúdo sexista, e não põem em causa a legislação existente. A contribuição para a necessária alteração de mentalidades referida pelos Srs. Deputados no preâmbulo não se verifica só e especificamente ao nível dos manuais escolares.
Tão importante como estes é uma orientação escolar e profissional que elimine a discriminação e promova a diversificação de opções escolares e profissionais.
A orientação escolar e o desenvolvimento cultural na escrita são um elemento eficaz para corrigir desequilíbrios, e conseguir a necessária inserção da mulher na sociedade como cidadã de pleno direito.
A plena igualdade é ainda um longo caminho a percorrer. Já se andou bastante, mas falta ainda muita maturidade cívica para se alcançar o pleno.
A escola é sem dúvida a primeira e a mais importante a preparar os jovens para a assunção de responsabilidades comuns na sociedade.
Ela é a mais importante e talvez o único combate à discriminação.

Aplausos gerais.

Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem à palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Esta questão do conteúdo dos programas escolares, e, dos manuais escolares, recorda-me sempre os do liceu que já vão muito longe, em que havia uma completa separação dos sexos na frequência das aulas e as raparigas até tinham uma porta de entrada diferente da dos rapazes.
É claro que os programas escolares, os currículos, eram
também diferentes: enquanto tínhamos louvores femininos, os, rapazes jogavam basquetebol e, enfim, enquanto, tínhamos, culinária, eles dedicavam-se a outras actividades consideradas viris.
Esses ainda eram tempos em que até estava apropriado o ditado popular que diz: "desconfiai de uma mula que inh e uma mulher que sabe latim", comparando-se a mulher à mula e as manhas da mula.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - E o inh ao latim!

A Oradora: - E o inh ao latim : - Mas, efectivamente, as questões mudaram bastante. Penso que mudaram mesmo em termos de manuais escolares, pelo menos, após o 25 de Abril:
Mas eis, senão, quando, na qualidade de mãe, ensinava português, em 1985, a um filho de - 12 anos, topo com uma lição - e isto em 1985 - dos Textos Portugueses para o segundo ano de escolaridade; no ciclo, que tinha exactamente este texto, que, aliás, já citei, em 1984; na Assembleia da; República.
Isto não é uma rediscussão de qualquer projecto de lei na Assembleia da República, mas o texto dizia o seguinte: "Na casa do Antoninho a vida começa cedo. A primeira pessoa a levantar-se é a mãe, que tem de preparar o pequeno almoço para o marido e para o filho.
Depois de eles saírem, a mãe vai tratar da Marianita que ainda, ficou a
dormir.

A Sr.ª Julieta Sampaio, (PS): - Isso é do nosso tempo!
A Oradora:- Não, não. Do meu tempo já não é por que sou mais velha. No meu tempo era o livro único!

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Esta lição é dos Textos Portugueses e vou continuar a citar: "A seguir faz as camas, arruma a casa, trata da roupa e prepara as refeições. No meio da sua lida lembra-se do marido e do filho, e arranja a casa com carinho para que eles se sintam felizes quando voltarem a casa."
O livro não é de antes do 25 de Abril, o conteúdo é que é, de facto, igual às lições do livro único pelo qual ainda estudei. Mas este livro já é uma edição pós-25 de Abril.
Isto demonstra que é preciso estar com muita atenção e cuidado em relação ao conteúdo dos manuais escolares, porque os estereótipos que se criam nas crianças são fundamentais para o resto da sua vida e até para a manutenção ou não de uma determinado status quo na sociedade.
Porque, e até mesmo nas casas onde não se ensina os rapazes a discriminar as mulheres, mesmo assim, aparecem com determinados vícios que adquirem, possivelmente lá fora ou não sei como... Inclusivamente, aparecem mesmo rapazes novos a falar com certo desdém das meninas. Isto é um facto.
Por isso, parece-me que o projecto de lei apresentado por Os Verdes é importante, merece ser aprovado e, aliás, responde a determinados princípios aprovados internacionalmente.
Na Conferência Internacional da Mulher, no México, em 1975, aprovou-se um texto em que se salientava a importância das perspectivas históricas e culturais relativas ao papel da mulher em todos os níveis de ensino e o facto de essas perspectivas, quando erradas, terem sido com, demasiada frequência, obstáculo à plena participação dá mulher na sociedade.
Em 11 de Fevereiro de 1981, o Parlamento Europeu aprovou uma recomendação onde, em determinada altura, se propõe e recomenda o estudo, por comissões especiais - em que, pelo menos, metade dos membros sejam mulheres-, do carácter estereotipado e discriminatório do material didáctico, de forma a permitir aos professores escolherem um material eficaz e positivo.
Poderíamos citar aqui outros documentos, seguramente. Não houve tempo para fazer uma investigação muito prolongada, embora pudéssemos até socorrer-nos de um estudo da então Comissão da Condição Feminina, que tem um trabalho notável nesta área dos manuais escolares e que já, em tempo, tive oportunidade de estudar.
Mas sem necessidade de maiores considerações, penso que devemos aprovar o projecto de lei, independentemente de, depois, na especialidade, podermos fazer um ou outro acerto.
Esta questão é muito importante para o futuro da mulher, para o fim das próprias discriminações, mas diria que agora há outros voos, voos a que a mulher se abalança pelas capacidades que tem demonstrado e não são, de facto, inferiores às dos homens.
Terminaria esta intervenção com um frase de Rimbaud, no século XIX: "Quando se destruir a infinita servidão da mulher, quando ela viver para ela e por ela, ela será poeta, também ela." Será matemática, cientista, terá, de facto, acesso a todos os sonhos e nada lhe estará vedado.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, chegámos ao fim da ordem de trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária da Assembleia da República terá lugar na próxima quinta-feira pelas 15 horas, e da ordem do dia constará a interpelação n.º 8/VI, sobre política geral, centrada na política educativa do Governo, apresentada pelo PCP.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 5 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação final global do Decreto-Lei n.º 166/92

Votámos favoravelmente em Comissão as alterações que apresentámos ao Decreto-Lei n.º 166/92 relativo à ratificação do regime aplicável ao pessoal docente das escolas superiores de enfermagem, pelas razões que enumerámos e pelas que expusemos em Plenário e Comissão.
Votámos favoravelmente, em Comissão e no Plenário, a única alteração proposta pelo PSD, já que ela, não correspondendo à integralidade do que propusemos, não piora, antes melhora pontualmente o articulado do Decreto-Lei n.º 166/92. Parece-nos efectivamente fundamental reconduzir esta questão ao seu enquadramento numa perspectiva global do ensino superior politécnico, tendo também em conta uma adequada análise das carreiras e das profissões ligadas à enfermagem.
Abstivemo-nos na votação final global do Decreto-Lei n.º 166792, com a alteração pontualmente adoptada porque, não tendo sido aceites as nossas propostas, de qualquer forma, o Decreto-Lei n.º 166/92 não parece globalmente ter vindo piorar o quadro legislativo existente neste domínio, embora só a aprovação da generalidade das nossas propostas pudesse transformar esta legislação em equilibrada e equitativa.
Ora, se bem que em relação às propostas feitas quer o Governo quer a maioria parlamentar tenham manifestado alguma abertura no debate em Plenário e na Comissão, o PS julga não haver razões para a Assembleia da República abdicar da sua indeclinável missão legislativa e ficar passivamente à espera que o Governo legisle, quando tem a oportunidade de fazer as leis da melhor forma possível e, no caso vertente, de as aperfeiçoar.
Ora, há que sublinhar que o Decreto-Lei n.º 166/92 estabelecia condições correspondentes ao regime do tempo integral e ao regime de exclusividade, substancialmente diferentes das que estabelece a legislação relativa ao ensino superior politécnico, no qual se integra o ensino superior de enfermagem.
Tornava-se então necessário ponderar devidamente, no regime de transição aplicável ao pessoal docente das escolas superiores de enfermagem, o equilíbrio entre as habilitações académicas e a experiência credenciada na profissão, alterando nesse sentido o Decreto-Lei n.º 166/92.
Para colmatar os erros e resolver as insuficiências do decreto em causa fizeram-se então as propostas que eliminavam as discriminações estipuladas nos n.0" 2, 3, 5 e 6 do artigo 6.º do decreto-lei em causa.
Por outro lado, propúnhamos um mais equilibrado regime de transição.
Para além disso, procediam-se a alguns acertos relativos à remuneração de auxiliares de ensino provenientes da carreira de enfermagem, visando acabar com a discriminação existente relativamente a outras formações.
Lamentamos que as soluções equilibradas que propusemos não tenham tido desde já a necessária aceitação e esperamos que o futuro processo legislativo, dado o enquadramento político criado, as venha a acolher, ao menos nas suas linhas essenciais, no curto prazo.
Em qualquer caso, o PS estará atento ao cumprimento das diferentes promessas legislativas feitas pelo Governo; exigiremos o seu oportuno cumprimento e estaremos novamente prontos para lhes introduzir as melhorias que se revelem eventualmente necessárias quando da sua publicação.

Os Deputados do PS, Joel Hasse Ferreira -Ana Mana Bettencourt - João Rui Almeida.

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Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto.
Álvaro José Martins Viegas.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Lufe António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Elisa Maria Ramos Damião.
Helena de Melo Torres Marques.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Leite Machado.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Simão José Ricon Peres.

Partido Socialista (PS):

Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Jaime José Matos da Gama.
Maria Teresa Dona Santa Clara Gomes.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Gonçalves do Amaral.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Deputado independente:

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

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