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Sábado 13 de Março de 1993 I Série - Número 48

DIÁRIO

da Assembleia da Republica

VI LEGISLATURA 2.º SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE MARÇO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. - Srs. José Mário Lemos Damião
Vítor Manuel Caio Roque
José de Almeida Cesário
Maria da Conceição Figueira Rodrigues

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos.
O inquérito parlamentar n.º 8/VI-Sobre a responsabilidade governamental na manutenção e promoção a elevados cargos da Administração Pública de elementos indiciariamente pertencentes a associação criminosa envolvida no desvio de verbas do Fundo Social Europeu e as garantias de defesa da credibilidade do Estado Português (PS) foi discutido, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Emprego e da Formação Profissional (Pinto Cardoso), os Srs. Deputadas Meneses Ferreira (PS), Castro Almeida (PSD), António Lobo Xavier (CDS), Luís Pais de Sousa (PSD), António Filipe (PCP), Mário Tomé (Indep.) e Helena Torres Marques (PS).
Na discussão do inquérito parlamentar n.º 9/VI - Sobre as circunstâncias e responsabilidades das casos e do tratamento dado na fronteira a cerros cidadãos estrangeiros (particularmente do Brasil e dos PALOP) (PCP) intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados Miguel Urano Rodrigues (PCP) Edite Estrela (PS José Puig (PSD), 15abel Castro (Os Verdes) e Adriano Moreira (CDS).
Por último, foi apreciado o inquérito parlamentar n.º 10/VI - Sobre a extensão, natureza e implicações das irregularidades, ilegalidades e operações de traficância política na gestão, pelo Governo e pela Administração Pública, de subsídios provenientes de fundos comunitários e outras verbas públicas destinadas à reconversão e modernização da agricultura portuguesa, bem como à intervenção nos mercados agrícolas (PS). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Álvaro Amaro), os Srs. Deputados António Campos (PS), Antunes da Silva (PSD), Lino de Carvalho (PCP) e António Lobo Xavier (CDS).
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Léus da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
15ilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceira Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Maria Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

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Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage. Carlos Manuel Luís.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
João Maria de Lemos de Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota. José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Paulo Martins Casaca.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Juvenal Alcides da Silva Costa.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

15abel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem, o primeiro ponto da ordem do dia de hoje é o inquérito parlamentar n.º 8/VI-Sobre a responsabilidade governamental na manutenção e promoção a elevados cargos da Administração Pública de elementos indiciariamente pertencentes a associação criminosa envolvida no desvio de verbas no Fundo Social Europeu e as garantias de defesa de credibilidade do Estado Português (PS).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Meneses Ferreira.

O Sr. Meneses Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devido ao escasso tempo de que disponho para esta intervenção, vou falar da bancada e vou ser telegráfico.
O controlo de aplicação de verbas do Fundo Social Europeu daria, com certeza, pano para mangas, mas vou ater-me ao requerimento que foi apresentado acerca de um caso particular - poderemos aproveitar outras ocasiões para debater, inclusivamente, factos que estão na ordem do dia e que são relatados hoje nos órgãos de comunicação social.
Limitar-me-ei, por um lado, a fazer considerações sobre os factos que estão na base deste pedido de inquérito parlamentar; por outro, irei referir questões, sem me deter muito e que não valerá a pena discutir, mas que costumam ser apresentadas como argumentos, nomeadamente pelo PSD, para fugir a este género de problemas.
Abordarei depois, muito resumidamente, questões realmente importantes e que devem ser objecto de um inquérito, se ele for, como esperamos, aprovado por esta Câmara.

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Trata-se de uma história que deve ter acontecido por volta de 1986, numa primeira fase de aplicação das verbas do Fundo Social Europeu, de apropriação fraudulenta das suas verbas.
Essa história é investigada a partir de 1988 pelo Ministério Público e só em 1992 se chega a uma conclusão, mas só em 1993 é recebida a acusação deduzida pelo Ministério Público.
Portanto, podemos dizer que só em 1993 existe uma pronúncia em relação a estes acontecimentos.
O que é também importante em relação à matéria que suscita o inquérito são os envolvimentos. A determinada altura - e seria importante verificá-lo no inquérito parlamentar -, constatou-se que estavam envolvidos neste desvio fraudulento de verbas do Fundo Social Europeu oito funcionários
públicos, dos quais reis do Instituto do Emprego e Formação Profissional e dois do Departamento dos Assuntos do Fundo Social Europeu, ou seja, entidades que participam activamente no controlo de aplicação das verbas do próprio Fundo Social Europeu. Este é o cerne da questão!
Há também um exemplo paradigmático, na medida em que um dos suspeitos durante a investigação e, neste momento, um dos arguidos, o Sr. José de Brito, em 1986, era o delegado na Região do Norte para os assuntos de formação profissional. Desde 1990 que se tornou membro da comissão executiva do Instituto do Emprego e Formação Profissional e, em 1992, com as investigações já muito aceleradas, tanto quanto se percebeu, inclusivamente, por ecos nos meios de comunicação social, tomou-se presidente do próprio Instituto. É neste ponto que se põe o problema da responsabilidade política e é esse que queremos averiguar.
Duas questões que não valerá a pena tratar em pormenor, embora sejam normalmente suscitadas como argumentos, são a própria participação das Comunidades Europeias na ilibação ou não do Governo Português em tudo o que diz respeito a fundos comunitária.
Todavia, é sempre contada a história de que o Tribunal de Contas da Comunidade, quando se pronuncia sobre Portugal, o elogia.
Temos de distinguir claramente aquilo que é uma apreciação genérica, formal, da aplicação das verbas relativamente aos objectivos que são definidos e tudo aquilo que são crimes, que são julgados segundo a ordem jurídica de cada um dos Estados membros, e problemas de responsabilidade política, sobre os quais, obviamente, o Tribunal de Contas, numa primeira fase, nunca se pronuncia.
Poderá pronunciar-se, sim, se, por acaso, se verificar que, perante a divulgação pública de certos factos preocupantes, nem o Governo toma medidas, nas suas últimas instâncias, nem a Assembleia da República, que é o órgão de fiscalização típico do Governo, em matéria de controlo político, toma também as disposições necessárias para o esclarecimento da verdade.
No fundo, é isso que se pede ao fazer este inquérito parlamentar.
Outra questão, aflorada sem qualquer cabimento, é a de que este assunto é do foro criminal. São fraudes que estamos a debater e, portanto, os tribunais, a quem já foram suscitadas as questões, é que devem resolver.
O que aqui pedimos é que haja uma averiguação sobre as responsabilidades políticas relativas à manutenção em cargos importantes de organismos que estão envolvidos no próprio assunto que é debatido, manutenção essa que implica responsabilidades políticas. São, pois, essas. responsabilidades políticas que queremos averiguar.

Quanto às questões a debater, entre 1986 e 1989, há uma certa nebulosa em matéria de responsabilidades na detecção de irregularidades de verbas , do Fundo Social Europeu, mas uma coisa sabemos certamente: é que quer o Departamento de Assuntos do Fundo Social Europeu (a que chamarei DAFSE) quer a Inspecção-Geral de Finanças intervieram sempre activamente na detecção dessas irregularidades e, ao detectá-las, com certeza, suscitaram a questão ao Ministério Público, a quem cabe fazer a instrução criminal.
O problema que apresentamos - e que é claro a partir da publicação da legislação em 1990, que estabelece os vários níveis de controlo de aplicação das verbas do Fundo Social Europeu - é que, no momento de detecção' das irregularidades, das duas uma, ou já existia, um indiciamento de que funcionários públicos estariam envolvidos no desvio de verbas, e, nesse caso, não temos qualquer dúvida de que a questão da responsabilidade disciplinar devia ser avocada, ou, por acaso, não havia ainda o indiciamento das pessoas e, então, consideramos que é possível, na fase de instrução criminal, que não tivesse podido haver conhecimento, por parte da tutela, de que determinados funcionários públicos estavam envolvidos.
No entanto, a partir de Julho de 1992, no momento da tomada de posse do presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional, quando saem a público notícias das pessoas que estariam envolvidas, isso seria objecto de averiguações por parte dó Ministério Público, pelo que não pode haver, por parte da tutela, nomeadamente do Ministro do Emprego e da Segurança Social, qualquer desculpa no sentido de dizer que não era adivinho, como ele chegou a dizer na RTP, isto é, que não sabia, nem podia saber, da existência dessas ocorrências.
O que quer dizer que houve, certamente, altura` em que para a tutela, para o Ministério do Emprego e da Segurança Social, haveria a responsabilidade de assumir medidas de carácter disciplinar em relação a funcionários desse Ministério que estavam envolvidos nesta história.
Termino, apelando a todas as forças políticas representadas nesta Assembleia, sobretudo ao PSD, que votem favoravelmente este inquérito parlamentar. Qualquer silêncio ou o abafamento de histórias deste género pode realmente constituir um ruído muito difícil de calar, que, suponho, não será do interesse de ninguém.

Aplausos do RS.

O Sr. Presidenta: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.

O Sr. Castro Almeida, (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Meneses Ferreira, ainda há poucos dia, nesta Assembleia, o secretário-geral do PS fez menção do facto de, por todo o lado, por todo o mundo, haver fenómenos de corrupção.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - Portugal não há-de, provavelmente, fugir a essa regra e há, com certeza, também, em Portugal, fenómenos de corrupção.
15so não seria matéria para discutir nesta Assembleia se o assunto se ficasse por aqui. A questão, que agora se coloca, é a de distinguir entre a responsabilidade pessoal das pessoa, sejam eles agentes activos ou passivos de

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corrupção, e a responsabilidade política dos governos, designadamente sobre esses fenómenos de corrupção.
Sr. Deputado Meneses Ferreira, consideramos que é dever de qualquer cidadão e, por maioria de razão, de qualquer Deputado denunciar todos os casos de corrupção que cheguem ao seu conhecimento,
Consideramos igualmente que todos os cidadãos que tenham usado abusivamente dos fundos estruturais postos à disposição do nosso país, para o seu desenvolvimento, devem ser investigados e eventualmente punidos, se for caso disso.
Pomo-nos completamente ao lado do Partido Socialista, esperando que esse partido e os demais grupos parlamentares se ponham do nosso lado na denúncia de todos os casos de corrupção de que haja conhecimento. Pretendemos que os mecanismos de investigação da Polícia Judiciária e do Ministério Público sejam o mais possível eficazes e que os eventuais culpados sejam exemplarmente punidos.
No que respeita à responsabilidade política pela gestão dos fundos estruturais, creio que o Sr. Deputado não conseguiu trazer a esta Câmara nenhum argumento sólido ou válido para nos convencer de que há indícios, pelo menos, de responsabilidade política por parte dos membros do Governo que tutelam esta área. Se o Sr. Deputado, pelo menos, alegasse que os membros do Governo encobriram casos de corrupção ou que os mecanismos de controlo e de fiscalização da utilização dos fundos eram ineptos, ineficazes, e o Governo não tinha conseguido montar um eficaz sistema de acompanhamento e fiscalização dos fundos, então haveria responsabilidade política do Governo que mereceria ser averiguada nesta Assembleia. Mas o Sr. Deputado nem sequer alegou e muito menos provou que houvesse qualquer desses casos.
Foram os próprios serviços da Administração Pública que sujeitaram a investigação os casos que têm vindo a ser denunciados na imprensa Foi também o próprio Governo a denunciar e a comunicar à Procuradoria-Geral da República situações de fraude. Não há qualquer indício de encobrimento da parte do Governo, que tem mostrado o zelo suficiente para investigar as denúncias feitas. Só espero que os Srs. Deputados se comprometam hoje a vir pedir desculpa se, no final, se vier a verificar que os casos indiciados não são verdadeiros.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Meneses Ferreira, quero dirigir-lhe um pedido de esclarecimento para minha tranquilidade.
De facto, não é a primeira vez que, nesta Câmara, me refiro à forma como aqui tratamos os inquéritos parlamentares. Na minha ideia - gostaria de saber se o Sr. Deputado concorda com ela -, o inquérito parlamentar, dadas as funções desta Assembleia, a natureza dos meios de que dispomos e os instrumentos a que podemos lançar mão, deveria constituir, em face de todas essas condições, um instrumento de que nos socorreríamos quando o objecto da investigação fosse bem definido e claro, quando os indícios fossem seguros, quando, pelo menos numa primeira fase, as instâncias de investigação, os tribunais e a Procuradoria-Geral não tivessem ainda considerado os problemas eventualmente em causa do pomo de vista criminal e da sua ilicitude e quando, em suma, houvesse espaço para fazermos aqui uma averiguação que tem a ver não só com a ilicitude, mas também com a responsabilidade política.
Devo dizer que, em princípio, sou a favor de que não se coloquem obstáculos à realização de qualquer inquérito. Mas os termos em que o pedido de inquérito em apreço está formulado levam-me a dizer ao Sr. Deputado Meneses Ferreira que seria necessário delimitar bem que tipo de alegações, de entre as que o Sr. Deputado faz, não estarão já a ser investigadas e analisadas pelas instancias competentes.
Pergunto-me o que é que falta que não se reconduza apenas a uma simples questão ao Ministro da tutela: sabia ou não o Sr. Ministro das acusações e da implicação do referido funcionário nos escândalos em causa?
Parece-me que só falta saber isto e que uma resposta no sentido positivo ou negativo resolveria e eliminaria a necessidade e as formalidades, frustrantes e decepcionantes, de um inquérito apenas virado para tal questão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Meneses Ferreira.

O Sr. Meneses Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Castro Almeida, todos estamos de acordo - assim espero - em denunciar, na medida das nossas possibilidades, todos os casos de que tenhamos conhecimento.
A questão que se coloca - respondo também, de certa forma, ao Sr. Deputado António Lobo Xavier - é a de que, em 1988, quando, com base na denúncia de alguém, começa a instrução criminal, no âmbito da qual é preciso apurar em que termos tinha esse alguém conhecimento das ocorrências, é mais do que provável (temos de investigar isso, mas ainda não temos elementos suficientes para o efeito) que já estivessem indiciados os oito funcionários públicos, seis do Instituto do Emprego e Formação Profissional e dois do Departamento para Assuntos do Fundo Social Europeu (DAFSE), que estavam - e estariam hoje como arguidos - intimamente ligados a estas ocorrências.
Perante essa situação, que, sendo mais do que provável, queremos confirmar, não temos dúvidas de que, em termos de direito, há também, para além do envio ao Ministério Público a fim de proceder à instrução criminal, com todo o sigilo e segredo de justiça, o dever de suscitar a questão disciplinar, que é submetida à apreciação da tutela, a qual tem de tomar posição sobre ela.
O que queremos saber, e o Sr. Ministro nunca nos esclareceu, é se, nessa altura, já havia indícios sobre o envolvimento desses oito funcionários públicos, porque, como sabemos que o Ministro não reagiu, há, obviamente, responsabilidade política, sendo certo que é da responsabilidade política, e não das fraudes e crimes, que se deve ocupar esta Câmara. É da responsabilidade política que nos cabe averiguar e é o saneamento da vida dos fundos comunitários em Portugal que pretendemos ao suscitar este inquérito parlamentar.
De qualquer modo, mesmo que se chegue à conclusão de que, em 1988, ainda não havia «indiciamento» dos oito funcionários públicos em causa e de que os nomes das pessoas envolvidas só vieram a ser conhecidos, embora sob segredo de justiça, durante a instrução criminal, a verdade

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é que em 1992, quando o presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional toma posse, a história é contada nos meios de comunicação social. A partir desse momento, não pode o Ministro dizer que desconhece a ocorrência.
Quanto a nós, existe matéria de averiguação, que é muito clara, concreta e é suficiente para que este pedido de inquérito parlamentar seja aprovado.
Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista entendeu apresentar nesta sede um pedido de inquérito parlamentar sobre a alegada responsabilidade governamental na manutenção e promoção a elevados cargos da Administração Pública de elementos indiciariamente pertencentes a associação criminosa envolvida no desvio de verbas do Fundo Social Europeu e as garantias de defesa da credibilidade do Estado Português.
Entretanto, na respectiva exposição de motivos, os socialistas confessam que «cumpre aos tribunais e não ao Parlamento emitir juízo definitivo sobre as responsabilidades criminais dos envolvidos neste caso».
Posto isto, diremos que o pedido de inquérito parlamentar n.º 8/VI não procede desde logo juridicamente. Com efeito, diz-se no n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 5/93, de 1 de Março (regime jurídico dos inquéritos parlamentares), que se encontra já em vigor, que, «se sobre o mesmo objecto se encontra em curso algum processo criminal com despacho de pronúncia transitado em julgado», o processo de inquérito parlamentar suspende-se ou, no caso presente, não pode ser iniciado «até ao trânsito em julgado da correspondente sentença judicial».
É que, do nosso ponto de vista, o objecto do proposto inquérito não é separável do objecto do processo crime conexo, o qual, entretanto, está na fase de despacho de pronúncia.
Sem conceder, pois, diremos ainda que o Governo tem tido a preocupação, aliás sistemática, de, através dos órgãos competentes da Administração, zelar pela correcta utilização dos fundos colocados à disposição do nosso país. No âmbito do Fundo Social Europeu, o Departamento para Assuntos do Fundo Social Europeu realizou 1585 auditorias, estando programadas para o presente ano cerca de 500 outras.
Por seu lado, a intervenção dos tribunais -- isto é de relevar - constitui consequência directa da apreciação e da intervenção das entidades competentes da Administração no que concerne às acções empreendidas.
Noutro plano, cabe mencionar que o Presidente do Tribunal de Contas da Comunidade, ao apresentar no Parlamento Europeu o relatório referente a 1991, referiu que, de todas as auditorias efectuadas em oito Estados membros, Portugal, a Bélgica e o Luxemburgo dispõem de um controlo interno que se demonstrou adequado e fiável.
Regressando à matéria que mais directamente inquieta o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, não será despiciendo afirmar que o caso que ultimamente tem sido veiculado por alguns jornais, em razão do envolvimento nele do presidente da comissão executiva do Instituto do Emprego e Formação Profissional, embora não tenha sido detectado e previamente conhecido pela Administração, veio a resultar, ele próprio, ainda que de forca indirecta, de uma outra participação judicial efectuada pelo DAFSE, envolvendo uma determinada empresa.
Aliás, os factos em causa reportam-se a um período de tempo abrangido pelo inquérito parlamentar n.º 4/V, que teve lugar, pois, no decurso da legislatura anterior, cujo relatório está publicado no Diário da Assembleia da República e teve as conclusões que vimos.
Por seu turno, cabe deixar bem claro, para que não haja equívocos, que, no âmbito do Fundo Social Europeu, o Instituto do Emprego e Formação Profissional é apenas um dos promotores/gestores dos programas co-financiados. Mais: nem o presidente da comissão executiva é o poder nesse instituto, nem ele dispõe dos dinheiros veiculados pelo Fundo Social Europeu. A gestão do Instituto do Emprego e Formação Profissional é, por outro lado, exercida colegialmente por uma comissão executiva.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os inquéritos parlamentares têm por função vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e ainda apreciar os actos do Governo e da Administração. Só que vivemos num Estado de direito e, como tal, se as instituições democráticas devem funcionar à luz da legalidade, também os direitos fundamentais dos cidadãos têm de ser respeitados, dado que estão constitucionalmente garantidos.
É nesta perspectiva que têm de ser vistos os níveis de responsabilidade política e ou criminal.
Ademais, nos termos do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação». Não vale a pena tresler uma disposição constitucional. Do nosso ponto de vista, o princípio da presunção de inocência do arguido exclui claramente pré-juízos de culpa concreta, constituindo uma garantia subjectiva do processo criminal.
Não pode, pois, a Assembleia omitir ou abster-se perante o domínio dos princípios, por um lado, e perante a independência dos tribunais e o plano da sua esfera de acção, por outro.
Sabemos, finalmente, que o Governo e responsáveis da tutela ministerial em questão estão plenamente convencidos de não estarem postos em crise o interesse e o prestigio do nosso pais e as suas instituições, desde logo perante a Comunidade, ao mesmo tempo que foram respeitados os direitos fundamentais e garantias das pessoas virtualmente envolvidas, sendo de constatar que em Portugal os mecanismos de responsabilização funcionam.
Se, por um lado, importa saber quais são os limites por que os membros do Governo se podem balizar em matéria de nomeação para elevados cargos da Administração, também é fundamental dizer, sem margem para equívocos, que não são toleráveis violações do segredo de justiça nem processos de devassa ou de autêntico julgamento sumário, que não podem ser consentidos num Estado de direito democrático.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por falar sobre um aspecto agora referido pelo Sr. Deputado Luís Pais de Sousa para

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invocar a improcedência jurídica deste inquérito. 15to é, o facto de haver despacho de pronúncia relativamente a aspectos que supostamente seriam objecto deste inquérito.
Sr. Deputado, que eu saiba, não há qualquer despacho de pronúncia transitado em julgado contra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, Silva Peneda, nem há qualquer despacho de pronúncia transitado em julgado sobre as responsabilidades políticas do próprio Sr. Primeiro-Ministro, neste caso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, creio que, não havendo despacho de pronúncia sobre as entidades que estão em causa em termos de responsabilidade política, é evidente que a improcedência não se pode invocar.
A verdade é que os escândalos ligados ao Fundo Social Europeu parecem não ter fim. Hoje mesmo - aliás, já aqui foi referido -, novas notícias vieram a público, envolvendo, desta vez, inclusivamente, um membro do Governo, como que a dar razão acrescida à realização do inquérito que hoje nos é proposto.
De facto, uma coisa é haver um ou outro caso isolado de corrupção, envolvendo alguém dentro da Administração Pública - e esse é, evidentemente, um caso de polícia -, outra coisa é o surgimento de fortes indícios de uma associação criminosa, que baseia a sua actividade no desvio de dinheiros públicos e que envolve os mais altos responsáveis por instituições públicas encarregadas da gestão desses mesmos fundos e cargos de confiança política do Governo, particularmente do Ministério do Emprego e da Segurança Social.
Este é também, evidentemente, um caso de polícia, mas trata-se de um caso que exige um sério apuramento das responsabilidades políticas. E, quanto a nós, é isso precisamente que está em causa.
Aliás, o PSD, que se tem demonstrado tão preocupado com a defesa da honorabilidade de ministros anónimos, tem aqui, agora, membros do Governo identificados, cuja honorabilidade está sob suspeita. Portanto, esta seria uma boa oportunidade para apurar responsabilidades existentes e, deste modo, poder salvar a honorabilidade desses membros do Governo.
Todavia, importa salientar que, neste caso, não faltam antecedentes: nem de fraudes, com dinheiros do Fundo Social Europeu, nem do comportamento, do PSD, inviabilizador de inquéritos que possam proceder a um apuramento sério de responsabilidades por essas fraudes.
Posto isto, não estranhamos que o PSD queira inviabilizar este pedido de inquérito. Aliás, este comportamento é coerente com a má consciência que o PSD, ao longo destes anos, tem revelado em todo este processo, na medida em que as suas clientelas têm aqui já comprovadamente - pesadas responsabilidades.
Com efeito, há antecedentes: o PSD já se tinha oposto à realização de um inquérito parlamentar em 1989, sobre responsabilidades relacionadas com o desvio de dinheiros do Fundo Social Europeu. O inquérito só se realizou em virtude da apresentação de 50 assinaturas por Deputados da oposição, inquérito este que foi claramente obstruído pelos Deputados do PSD que integraram a respectiva comissão, que inviabilizaram a realização de depoimentos orais perante a comissão e pactuaram com a atitude do Governo de sonegar documentos importantes, propriamente responsabilidades, para o objecto do próprio inquérito.
É curioso, aliás, que o actual Ministro do Emprego e da Segurança Social tenha sempre invocado que foi ele quem ordenou, em primeiro lugar, uma sindicância ao Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu (DAFSE) que incidisse sobre um momento em que era responsável pela gestão desse Departamento, enquanto ministro, o actual Ministro da Indústria e Energia, engenheiro Mira Amaral.
Também é significativo que os resultados dessa auditoria nunca tenham sido divulgados, nem mesmo à comissão de inquérito, apesar de terem sido insistentemente solicitados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esse inquérito foi concluído com a apresentação de um relatório ilibatório, como muitos Srs. Deputados se lembrarão, e extremamente ridículo, na medida em que proeurou tapar o sol com a peneira, quando as responsabilidades do Governo na criação das condições propicias para todo o tipo de manobras de fraude, corrupção e desvio de fundos eram evidentes para todo o País, e não apenas para os Deputados da Assembleia da República.
Este casco do Fundo Social Europeu é, infelizmente, paradigmático da forma como o PSD exerce o poder. Talvez alguém possa vir, futuramente, a fazer um estudo sobre a movimentação das clientelas do PSD em tudo o que diz respeito a dinheiros públicos e os negócios privados que se confundem com a gestão dos fundos público, por parte de pessoas ligadas ao PSD. Seria um estudo interessante de se fazer... Talvez, um dia, alguém o faça!
Mas este caso é tanto mais grave porquanto a formação profissional tem sido, desde há vários anos, uma das bandeiras de propaganda do Governo, através da ostentação de grandes gráficos e de grandes valores sobre o número de jovens envolvidos em acções de formação do Fundo Social Europeu.
Com efeito, a formação profissional tem sido apresentada como uma das grandes glórias deste Governo e da sua democracia de sucesso, mas a verdade é que as múltiplas fraudes que se verificam e os múltiplos desvios de dinheiros do Fundo Social Europeu também são, afinal, contabilizados como jovens que estarão, supostamente, a frequentar acções!
Esta situação é duplamente grave: são oportunidades de desenvolvimento que se perdem e são jovens que são prejudicados na sua formação e, obviamente, no seu futuro profissional. Deste modo, comprometem-se as possibilidades de desenvolvimento que poderiam representar para o Pais o acréscimo de fundos provenientes do Fundo Social Europeu.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de acordo com o Regimento da Assembleia da República, só têm direito a intervir neste debate representantes dos grupos parlamentares, portanto o Sr. Deputado Mário Tomé não tem direito a intervir. Todavia, vai usar da palavra durante um minuto, por concessão da Mesa.
Tem a palavra, Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Intervenho para apoiar esta iniciativa, oportuna e necessária, do Partido Socialista.

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Os indícios e os actos de corrupção começam a ser uma vulgaridade no nosso pais, pelo que gostava de interpelar genericamente o PSD, nomeadamente no sentido de saber se pensa que é por acaso que a classe política italiana está a ser transformada numa classe de marginais; se não é exactamente por uma continuada falta de transparência do poder, do governo e dos políticos, bem como por falta de resposta à vigilância parlamentar, dos cidadãos e da comunicação social, que é tão importante?!
Por isso é que o PSD quis o inquérito «à vírgula» e não quer inquéritos a casos evidentes de corrupção.
Já agora, também queria interpelar o PS...

O Sr. Presidente: - Terminou o minuto de que dispunha, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como dizia, o PS votou a favor o «inquérito-farsa à vírgula», no pressuposto de que o PSD, a partir daí, iria aprovar as comissões de inquérito. Pelos vistos, o PSD não está de acordo com isso; o PSD quer continuar a praticar a falta de transparência no poder, isto é, a estimular a corrupção.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional (António Pinto Cardoso): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que, preliminarmente, são justificadas algumas considerações de ordem geral que, na nossa perspectiva, devem enquadrar toda esta situação.
Não há dúvida de que foi por iniciativa do Governo, firmemente assumida, que todas as acções de verificação de fraudes e de controlo foram, sem qualquer hesitação, assumidas.
É indiscutível que, quando há fundos - onde há dinheiro -, há possibilidades e risco de fraudes. Mas também é indiscutível que no nosso pais, em relação a essa situação, foram assumidas com coragem e determinação as medidas necessárias. E quando se refere o Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu (DAFSE), esquece-se que ele é um departamento da Administração Pública, directamente dependente do Ministério do Emprego e da Segurança Social, a quem deve obediência hierárquica e a quem foram dadas firmes e indiscutíveis orientações no sentido da firme orientação que assumiu.
Também, em relação a essa actuação, não é necessário referir mais do que aquilo que é do conhecimento público, como resultado dessa intervenção que, em articulação com a Inspecção-Geral das Finanças e com as autoridades judiciais, tem levado à apreciação e a julgamento todas as situações em que tal se justifica.
Não poderemos, no entanto, ser simultaneamente tão firmes no combate a essa fraude como respeitadores dos direitos das pessoas. Não podemos, pois, deixar de recusar julgamentos prévios e, muito menos, execuções sumárias. Na verdade, não podemos deixar de conciliar a preocupação de transparência e de dignidade do funcionamento das instituições com respeitos essenciais pelas próprias pessoas.

O Sr. Rui Carp. (PSD): - Muito bem!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Essa dignidade e transparência andam muito por baixo!

O Orador: - Mas, de qualquer maneira, situemo-nos especificamente nos factos que envolvem a situação de um organismo importante na área da formação profissional em Portugal. A análise dos factos que, neste momento, são objecto da atenção de VV. Ex.as será incompleta se prescindir da ponderação do enquadramento institucional em que se situam.
A este respeito, a primeira questão que se julga pertinente é a de delimitar com o rigor e papel funcional do Instituto do Emprego e Formação Profissional, no que respeita ao Fundo Social Europeu: é o DAFSE, e não o Instituto do Emprego e Formação Profissional, que assegura os fluxos financeiros com a Comissão das Comunidades Europeias e a respectiva gestão financeira; é o DAFSE, e não o Instituto do Emprego e Formação Profissional, que efectua o pagamento directo às entidades promotoras; é o DAFSE que, além disso, controla e garante o cumprimento das normas comunitárias e nacionais e a idoneidade das entidades promotoras.
É o DAFSE, Srs. Deputados, quem institucionalmente, e com plena independência perante quaisquer gestores ou promotores, nomeadamente o Instituto do Emprego e Formação Profissional, garante e assegura o rigor da aplicação das verbas do Fundo Social Europeu.
Com efeito, o Instituto do Emprego e Formação Profissional, enquanto gestor, não gere fluxos financeiros do Fundo Social Europeu, nem efectua os pagamentos às entidades promotoras. Esta é tarefa do DAFSE.
O Instituto do Emprego e Formação Profissional decide, sim, das candidaturas das entidades promotoras, após informação prévia da respectiva idoneidade por parte do DAFSE; o Instituto do Emprego e Formação Profissional exerce o acompanhamento técnico-pedagógico das acções e zela pela boa execução dos programas de que é gestor, não paga nem tem à sua guarda as verbas do Fundo Social Europeu. Essa é tarefa do DAFSE.
O Instituto do Emprego e Formação Profissional apresenta, sim, periodicamente, contas ao DAFSE, à semelhança de todos os outros gestores dos programas financiados pelo Fundo Social Europeu.
Mas como é gerido o Instituto de Emprego e Formação Profissional? A sua gestão é assegurada não por pessoas individualmente autonomizadas na funcionalidade das competências próprias, mas por órgãos de composição colectiva.
Com efeito, a sua acção é globalmente supervisionada por um conselho de administração formado por 16 membros com representação tripartida - administração, confederações sindicais e confederações patronais. A gestão executiva do Instituto do Emprego e Formação Profissional é assegurada por uma comissão formada por cinco membros, nomeada pelo Governo, após prévia audição da Comissão Permanente de Concertação Social, do Conselho Económico e Social.
O funcionamento do Instituto do Emprego e Formação Profissional é fiscalizado por uma comissão de fiscalização, formada por cinco membros, também de composição tripartida, a quem compete, com total independência, exercer os mais amplos poderes de fiscalização. Face ao exposto, o Instituto do Emprego e Formação Profissional tem uma gestão institucional e não uma administração individual.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem sido preocupação permanente do Governo zelar pela correcta utilização das verbas do Fundo Social Europeu, exigindo e promovendo a sua rigorosa, transparente e adequada utilização.
Assim, sob o impulso e determinação do Ministério do Emprego e da Segurança Social, foram já realizadas, efectivamente, 1585 auditorias, estando programadas, só para o corrente ano de 1993, mais 500. E, em razão da intervenção do DAFSE e da determinação deste Ministério, foram participados à Policia Judiciária e ou Ministério Público factos respeitantes a 545 acções de formação.
Dever-se-á sublinhar que é, aliás, no quadro dessa iniciativa, e dentro desses caos, que emerge a investigação que se refere aos factos que hoje aqui são debatidos.
Também por iniciativa comunitária foram efectivadas até este momento cerca de 400 acções de controlo.
Mas em que termos ocorreu, em Fevereiro de 1992, a nomeação de José Rodrigues de Brito para presidente da comissão executiva? Era o Dr. José de Brito alguém cujo perfil profissional se desconhecesse, que o próprio Instituto do Emprego e Formação Profissional ignorasse?
Vejamos: o Dr. José de Brito é funcionário da área do emprego e formação profissional desde Junho de 1970, tendo ocupado no, então, Serviço Nacional de Emprego a categoria de conselheiro de orientação profissional, iniciando, assim, uma carreira pública que o leva à Direcção do Centro de Emprego do Porto, de 1976 a 1986, e, na sua sequência, a ser nomeado subdelegado regional do Norte. Em Julho de 1990, após prévia audiência do Conselho Permanente da Concertação Social, é nomeado vogal da comissão executiva do Instituto do Emprego e Formação Profissional.
Quando em Janeiro de 1992 é nomeado seu presidente, confirma-se e consagra-se o topo de uma careira profissional de 22 anos de serviço público, construída sob a liderança de sucessivos e diversos responsáveis políticos de diferentes áreas partidárias, no decurso da qual não se conhece, até esta data, qualquer referência negativa ao seu mérito, competência e dedicação.
A sua nomeação como presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional surge, assim, não como um ímpeto de voluntarismo imponderado mas, sim, como um acto circunstancialmente justificado, como contrapartida do mérito e evidenciação de espírito de justiça.
Quando o Dr. José de Brito foi empossado como presidente da comissão executiva do Instituto do Emprego e Formação Profissional, nem o Ministro do Emprego e da Segurança Social nem o Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional conheciam os factos que estão, neste momento, em causa. Quando, alguns dias depois, a nível da comunicação social, é noticiada a sua acusação provisória, também a salvaguarda do segredo de justiça não permitiu o conhecimento e a confirmação dos factos que seriam sempre indispensáveis a uma diferente tomada de posição.
A decisão de manutenção do visado nas suas funções baseou-se, assim, no pleno respeito dos seus direitos e garantias, embora condicionada à evolução do respectivo processo judicial, e apoiou-se em elementares princípios de direito, no relevante currículo profissional do visado, na sua permanente e convicta afirmação de inocência e na impossibilidade oficial de confirmar os factos.
Perante a acusação definitiva e o despacho de pronúncia, foram assumidas, em relação ao Dr. José de Brito, as decisões de imediata suspensão e subsequente exoneração das funções de presidente da comissão executiva do Instituto do Emprego e Formação Profissional. Também, em relação aos restantes funcionários desse instituto, de cuja incriminação se teve conhecimento pelo mesmo despacho de pronúncia, foram assumidas equivalentes decisões. E, relativamente a todos, foram instaurados processos disciplinares, cuja instrução também agora passa a poder ter acesso ao conteúdo do processo judicial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está o Governo plenamente convicto de que a sua actuação foi, formal e substancialmente, correcta em todo o processo, respeitando os direitos e garantias das pessoas envolvidas, sem prejuízo do normal funcionamento do Instituto do Emprego e Formação Profissional, cuja acção, no cumprimento das suas metas de funcionamento, atingiu, precisamente em 1992, níveis de execução e eficácia nunca anteriormente alcançados.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Assim é fácil!

O Orador: - O Governo considera que a sua actuação foi plena de respeito pelos direitos humanos fundamentais e pelas regras de funcionamento de um Estado de direito, sem prejuízo de assegurar o integral e eficaz funcionamento das instituições, quer internamente, quer perante as instituições comunitárias, e que conduziu texto o processo por forma correcta, quer em termos de oportunidade, quer de respeito pelos valores essenciais de natureza ético jurídica que estruturam um estádio de civilização em que o respeito pelos direitos essenciais, constitucionalmente assegurados, é a evidência do funcionamento integral de um Estado de direito democrático, como é, felizmente, o nosso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.º Deputada Helena Torres Marques.

A Sr' Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, ouve-se, mas não se acredita!
V. Ex.ª veio aqui fazer uma intervenção que fala de tudo menos do objectivo do nosso inquérito e, a seguir, faz a promoção de uma pessoa que está pronunciada criminalmente. Espero que o próximo acto do Ministro do Emprego e da Segurança Social não seja promovê-lo a secretário de Estado, em substituição do Secretário de Estado Adjunto - Jorge Almeida Seabra -, que, pelos vistos, vai ter de sair...
Sr. Secretário de Estado, o que, fundamentalmente, está aqui em causa é a credibilidade do Estado. E compete ao Governo, tal como à Assembleia da República, garantir aos Portugueses e às Comunidades Europeias que o Estado Português é pessoa de bem. Mas, para isso, é preciso que a responsabilidade política de quem nomeia - e é apenas essa que hoje pedimos aqui para ser analisada - esteja acima de qualquer suspeita.
Queremos saber como é possível nomear, manter e promover pessoas que estão indiciadas da prática de actos que põem em causa a credibilidade do Estado Português, pois não podemos permitir que os fundos comunitários possam deixar de vir para Portugal por falta de credibilidade do Estado Português, do Governo e desta Assembleia, que tem por função fiscalizar o Governo.
Pasme-se, pois, e pasmará o País inteiro, se esta Assembleia, depois de todos os indícios, do despacho de

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pronúncia e do que hoje foi anunciado, vier a inviabilizar o inquérito! Se tal acontecer, o que quer é esconder.
Assim, Sr. Secretário de Estado, pergunto-lhe se o Governo não se sentirá muito mais defendido - já que pensa ter razão - se der, nesta Câmara, o seu assentimento para que este inquérito ao Ministro do Emprego e da Segurança Social, que é o responsável, vá para a frente. Se o Governo disser que não quer que este inquérito avance, é porque quer esconder dos Portugueses fraudes que se estão a passar, não quer que elas sejam conhecidas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Secretário de Estado não dispõe de tempo, a Mesa conceder-lhe-á, no final de todos os pedidos de esclarecimento, algum tempo para poder responder.
Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, o que V. Ex.ª aqui nos veio dizer não adianta muito, porque afirmou que o Instituto do Emprego e Formação Profissional, de que tem a tutela, não é responsável pela gestão dos fundos comunitários, mas, sim, o Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu (DAFSE).
Acontece, no entanto, que ele também está sob a tutela do Governo. Não está sob a sua tutela, mas está sob a tutela do Ministro do Emprego e da Segurança Social. Portanto, sempre seria possível que um membro do Governo viesse aqui responder pelo DAFSE. Esse argumento não colhe, na medida em que tanto o Instituto do Emprego e Formação Profissional como o DAFSE estão sob a tutela do Governo.
Mas a questão de fundo não é essa.
O Sr. Secretário de Estado, invocando também a improcedência da realização deste inquérito, acaba por vir aqui fazer as alegações de defesa do Dr. José de Brito. Não foi isso que lhe pedimos. Se o Governo se sentiu na obrigação de o fazer, é problema seu!

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Com certeza!

O Orador: - O que é proposto aqui é a realização de um inquérito para o apuramento de suspeitas muito graves que recaem sobre membros do Governo. Era com este facto que os senhores se deveriam preocupar, porque é com isso que nós e o País nos preocupamos, porque, neste momento, existe a dúvida fundada de saber se o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social tinha ou não conhecimento, quando nomeou o Dr. José de Brito para responsável pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional...

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Muito má consciência deve ter o Governo e o PSD para inviabilizarem este inquérito!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, quero dizer a V. Ex.ª que, apesar de algumas intervenções, não estamos aqui a discutir o problema da corrupção ligada ã utilização das verbas do Fundo Social Europeu em geral. Infelizmente, esse assunto está nos tribunais e na praça pública, e é um assunto para o qual a opinião pública está mais do que desperta. Não é isso que estamos a discutir!
Nós estamos a discutir - e, de facto, sobre esse ponto de vista, a intervenção do Sr. Secretário de Estado não foi muito esclarecedora - se o Governo tem a consciência de que, em elevados postos da Administração Pública, existem pessoas ligadas, ou sobre as quais existem indícios de ligação, a estes escândalos de utilização de verbas do Fundo Social Europeu e, apesar disso, enquanto não há despacho de pronúncia, o Governo se comporta de molde a ignorar essas implicações e promove normalmente essas pessoas.
Com efeito, já foi aqui defendido que não se pode retirar direitos às pessoas antes de haver despacho de pronúncia, e falou-se até no funcionamento do Estado democrático a esse propósito, mas o problema não é esse. É evidente que não se pode suspender ninguém sem que, de facto, se tenha chegado a essa fase do processo, mas manda a prudência e a boa gestão que, neste cesso, não se promovam as pessoas, pois não estamos a falar das promoções normais das carreiras.
Para além deste caso, ou contando mesmo com este caso, sabia o Governo da ligação deste funcionário aos escândalos do Fundo Social Europeu, ou de rumores sobre casa ligação? Há mas funcionários, ligados à administração dos fundos, sobre os quais haja rumores seguros, e não meros fumos, de ligações aos escândalos do Fundo Social Europeu, embora não pronunciados? Tenciona o Governo, nesta área, continuar com esta prática de promover as pessoas, independentemente da sua ligação aos escândalos, enquanto não houver despachos de pronúncia?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma informação prévia, que passa pela preocupação de todos estes factos poderem afectar a vinda de dinheiros da Comunidade: nunca, como no ano de 1992, foram atingidos os volumes de transferências de verbas do Fundo Social Europeu para Portugal; nesse ano, foram atingidos 109 milhões de contos, quando, em 1990, tinham sido atingidos apenas 23 milhões.

A Sr.º Helena Torres Marques (PS): - Em 1993 não

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Olhe que não foi graças a isso!

O Orador: - Em relação ao que disse a Sr.º Debutada Helena Torres Marques, devo dizer que não procurei ser advogado de defesa de qualquer dos visados, procurei, sim, tentar - mas talvez o não tenha conseguido - ser portador de tuna preocupação de defesa da pessoa humana em todos os seus direitos essenciais e no seu próprio circunstancialismo.

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No que se refere à pergunta do Sr. Deputado António Lobo Xavier, devo dizer que é evidente que os membros do Governo não tinham conhecimento de quaisquer indícios ou suspeitas de que houvesse razões parra não o promover, como as que, neste momento, e dentro das regras de funcionamento de um Estado de direito, foram apuradas. Não foi promovido ninguém com esse pressuposto de que houve prévio conhecimento, nem foi mantido ninguém depois de ser assegurado que esse pressuposto, afinal, era existente.
O que temos recusado, até agora, é fazer julgamentos prévios e acusações sumárias; é conduzir a actuação do Estado por movimentos, muitas vezes impensadamente, gravemente lesivos de direitos que nós devemos preservar. Essa atitude é, muitas vezes, incómoda, mas é absolutamente necessária e tem de ser assumida com firmeza, para bem das nossas próprias instituições.
Em relação à credibilidade do Estado e das Comunidades, não temos qualquer dúvida sobre ela, embora tenha sido aqui referido como sendo diferente a situação que temos. As Comunidades várias vezes se têm referido a Portugal como sendo um País que não escondeu a existência de fraudes - e elas existem em todos os países onde há fundos - e que teve a coragem de as denunciar e de, publicamente, punir os seus autores;...

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Se têm coragem, viabilizem o inquérito!

O Orador: - ... como sendo um País que, pela acção que desencadeou, conseguiu reduzir percentagens de fraudes, de 1986 a 1989, de cerca de 10 % - e estas fraudes surgem não só na área da actividade empresarial mas também na da actividade não empresarial - para percentagens que atingem, praticamente, 2 96 no actual quadro, onde as Comunidades fizeram cerca de 400 visitas de acompanhamento.

A Sr' Helena Torres Marques (PS): - Quem não deve não teme!

O Orador: - Devo dizer que todos os funcionários, em relação aos quais foram conhecidas infracções, na altura em que se teve acesso, por uma via oficial correcta e juridicamente suportável, ao despacho de pronúncia, foram imediatamente afastados de funções, exonerados e sujeitos a processos disciplinares.
Só nessa altura foram sujeitos a processos disciplinares, porque, como sabem, por lei o processo não prescreve quando há um procedimento judicial, podendo, agora, o instrutor ter acesso a uma investigação qualificada, como é aquela que decorre nos tribunais.
São apenas seis funcionários do Instituto do Emprego e Formação Profissional que estão em causa de entre os 4000 que este Instituto tem!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se entre nós, de visita à Assembleia da República, alunos da Escola Secundária de Marques Castilho, de, Águeda, da Escola Secundária dos Alcaides de Faria, de Barcelos, da Escola Secundária de Adolfo Portela, de Águeda, da Escola Secundária de Eça de Queirós, da Póvoa de Varzim, da Escola Secundária n.º 2 do Montijo e da Escola Secundária do Dr. João Araújo Correia, de Peso da Régua, para os quais peço a vossa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Está esgotado o debate do inquérito parlamentar n.º 8/VI. Passamos, agora, à apreciação do inquérito parlamentar n.º 9/VI (PCP) - Sobre as circunstâncias e responsabilidades dos cascos e do tratamento dado na fronteira a certos cidadãos estrangeiros (particularmente do Brasil e PALOP).

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Para esse efeito, tem a palavra.

A Sr.ª Edite Estreia (PS): - Sr. Presidente, concluídas as alterações ao novo Regimento da Assembleia da República - que já entrou em vigor -, penso que estão criadas as condições para que seja reposta a comissão eventual para as relações entre Portugal e o Brasil. Tendo apresentado, no dia 20 de Dezembro de 1991, um projecto de deliberação para o efeito, que naturalmente ficou «congelado», pergunto ao Sr. Presidente e à Mesa se é necessário apresentar novo projecto de deliberação ou se é possível «descongelar» aquele e diligenciar para que o processo seja accionado.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, uma vez que se trata apenas de uma formalidade, talvez fosse melhor renovar o requerimento, visto que o Regimento é novo.
Para uma intervenção sobre o inquérito parlamentar n.º 9/VI, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No inicio do ano, sobretudo em Fevereiro, ocorreram nas fronteiras portuguesas, nomeadamente nos Aeroportos de Lisboa e do Porto, factos chocantes e situações quase inimagináveis numa sociedade civilizada - algumas atentatórias cios direitos humanos -
que afectaram as relações especiais que Portugal mantém com o Brasil e países de língua oficial portuguesa.
Os incidentes então verificados - a palavra é suavíssima - são do domínio público e suscitaram uma onda de protestos internos e, principalmente, externos contra a actuação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Não estamos perante um episódio artificialmente empolado por órgãos da comunicação social empenhados na exploração de aspectos sensacionalistas. Não! Foram feridos princípios e valores permanentes que integram a complexa tessitura das relações entre os povos, as quais, para nós, se situam acima das relações entre os governos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, o Grupo Parlamentar do PCP propôs a realização de um inquérito sobre as circunstâncias que rodearam os factos ocorridos e as responsabilidades do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no tratamento dado aos cidadãos estrangeiros, vítimas de abusos, ilegalidades, vexames e mesmo violações de direitos humanas.
Transcorridas várias semanas, as explicações do Governo sobre os referidos acontecimentos continuam a ser

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insatisfatórias. O Executivo parece esperar que o tema seja arquivado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A maioria das situações criadas nos nossos aeroportos envolvem cidadãos do Brasil. É, portanto, daquele pais que chega o protesto mais veemente. O seu Ministro das Relações Exteriores desdramatizou os incidentes numa entrevista ao Expresso: não contesta o direito de Portugal regulamento a entrada de estrangeiros, mesmo brasileiros, e de cumprir compromissos assumidos no âmbito comunitário; não pretende que o nosso pais acolha imigrantes ilegais; mas foi categórico na condenação dos comportamentos indecorosos, e até desumanos, ocorridos em Fevereiro, na Portela. «Não aceito - sublinhou - a arrogância e a prepotência de funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de Portugal.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O actual responsável pelo Itamarati não é um «político de turno». Fernando Henrique Cardoso é um dos mais eminentes sociólogos do nosso tempo, uma figura cimeira da intelligentsia latino-americana. Ninguém pode acusá-lo de sentimentos antiportugueses. Conheço-o bem - sou seu amigo - e julgo oportuno informar a Assembleia de que, nos anos do fascismo, esteve na primeira linha da solidariedade com os exilados portugueses que, nessa época, fizeram do Brasil uma segunda pátria. O senador Fernando Henrique Cardoso, hoje ministro, exprimiu, com serenidade e franqueia, sentimentos que, neste momento, são compartilhados por dezenas de milhões de brasileiros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Portugal, o assunto, tema do pedido de inquérito parlamentar que apreciamos, perdeu alguma actualidade. Aqui, saiu das manchettes dos jornais, mas não no Brasil! Tenho estado quase diariamente em contacto telefónico com amigos de São Paulo e do Rio, brasileiros e portugueses, e posso dizer-vos que, do outro lado do Atlântico, o caso está longe de ser esquecido. As suas sequelas são complexas e mesmo preocupantes. órgãos de comunicação social - alguns muitos influentes continuam a explorar os factos aberrantes ocorridos em Portugal.
Serra um erro atribuir dimensão excessiva ao afloramento de sentimentos antiportugueses nos grandes diários do Brasil, mas também não devemos ignorar ou subestimar o significado do primeiro surto de xenofobia, que visa os portugueses no Brasil, desde os tempos do inicio do Império, há quase 170 anos, quando D. Pedro I, IV de Portugal, era imperador do Brasil. Não esqueçamos que, também aqui, vieram à tona atitudes de um antibrasileirismo primário.
As situações que motivaram a nossa proposta de inquérito implicam um convite à reflexão sobre os perigos da xenofobia, sobre a irracionalidade do racismo. Temos de combater, juntos, essas tendências abjectas, incompatíveis com a vocação humanista do povo português.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Afinal, o Brasil, pais mestiço que anuncia a humanidade do futuro, é filho dessa vocação, dando-lhe continuidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes dos casos ocorridos nos Aeroportos de Lisboa e do Ponto, já tinham vindo a público acusações graves que atingiam o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. No Porto, corre há meses um inquérito interno em que funcionários daquele Serviço, preventivamente suspensos, são acusados de corrupção.
No Algarve, foram identificadas irregularidades na legalização de estrangeiros.
Todos pudemos acompanhar pela televisão e formar opinião sobre o que vimos e ouvimos, incluindo episódios tão chocantes como o que envolveu o técnico do Futebol Clube do Porto e sua filha. Não vou historiar, aqui, as humilhações infligidas a dezenas de brasileiros e africanos de língua portuguesa no Aeroporto da Portela.
Pode dizer-se que, ao ser criado em 1976, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras já nasceu torto, impreparado para cumprir satisfatoriamente as tarefas que actualmente desempenha.
Até nós chega, concretamente, a informação de que antigos elementos das forças de segurança impõem no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras uma atmosfera de despotismo e uma disciplina de tipo militar, absolutamente incompatíveis com os seus objectivos. A legislação de enquadramento, a filosofia de missão e a implantação do Serviço apresentam muitas indefinições pela pouca clareza que envolve ainda a problemática da aplicação dos Acordos de Schengen.
Os comportamentos verificados nos aeroportos nacionais deixam transparecer, da parte de alguns funcionários - esperamos que seja uma pequena minoria -, sentimentos racistas, decorrentes de uma formação inadequada e de experiências pessoais traumatizantes.
Por todos esses motivos, o inquérito que propomos é uma necessidade. Até hoje, porém, o Ministro da Administração Interna, sem dar resposta às questões de fundo, insiste em oferecer cobertura plena às actuações que tanto mal-estar causaram, afectando a imagem de Portugal no exterior e suscitando a indignação da opinião pública brasileira. Só faltou louvar os responsáveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não queremos personalizar - as críticas, pois o nosso objectivo é, precisamente, o apuramento de factos e responsabilidades, mas não é necessária a argúcia de um Poirot ou de um Maigret para se perceber que a intervenção do titular do Ministério da Administração Interna, ao estender a sua asa protectora sobre o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, chama a atenção pela ostensiva falta de tacto. Posteriormente, a teimosa sustentação do erro agravou o significado da sua atitude.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Todos compreendemos que Portugal não pode ser um pais de fronteiras escancaradas, sem controlo; somos apenas 10 milhões e o desemprego alastra já pelo Pais, e muito. A questão que levantamos é, sobretudo, de forma, de ética.
A nossa discordância do Sr. Ministro passa pelo choque de mundividências incompatíveis, no tocante às relações entre os povos e ao próprio entendimento da história e do diálogo entre os homens.
O Ministro dos Negócios Estrangeiras - de Portugal, desta vez - Declarou recentemente, na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, que identifica o Brasil como, talvez, a primeira prioridade no relacionamento internacional de Portugal com o mundo, olhando já para diante.
Essa é uma maneira inteligente de apreender a história profunda, mesmo guando ela contraria a aparência das coisas.
Obviamente, outra, antagónica, é a perspectiva do Sr. Ministro da Administração Interna, segundo se infere

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dos elogios que tem derramado sobre os funcionários que infligiram uma cascata de humilhações aos cidadãos brasileiros, que tão maltratados foram nos nossos aeroportos, situações contra as quais já protestaram, inclusivamente - registe-se! -, cinco bispos portugueses, que repudiam o Decreto-Lei n.º 59/93.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O inquérito que o Grupo Parlamentar do PCP propõe é - repito - uma necessidade resultante da cadeia de indesculpáveis erros cometidos. A semente do disparate já germinou e as suas consequências podem ser perigosas e prolongadas.
Anima-nos a esperança de que a bancada do PSD, onde há tantos e tantos amigos do Brasil, ponha de lado, excepcionalmente, os seus complexos de infalibilidade legislativa e governativa e vote connosco pela realização do inquérito.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.º Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: AS relações entre Portugal e os países seus irmãos de língua têm, ao longo dos tempos, registado altos e baixos. Baseadas no afecto e na emoção, são relações de excessos, como o são as relações de amor: mais apaixonadas que racionais, especialmente no relacionamento com o Brasil. As declarações de «amor eterno» sucedem-se as «zangas» e as «separações», na certeza, porém, de que o «divórcio» jamais será consumado. Assim tem sido e assim, provavelmente, continuará, cumprindo ambos «a alegre penitência de estarem continuamente na lembrança um do outro», como muito bem observou Miguel Torga.
No limiar do ano 2000, é chegado o momento de Portugal e os países lusófonos passarem das suas declarações de intenção às bases de uma nova convivência, de um diálogo diferente, neste tempo de inesperadas mudanças, no seio de uma Europa dilacerada, também, pela emergência de preocupantes manifestações de racismo e xenofobia.
A comunidade cultural e linguística afro-luso-brasileira não depende de acordos para existir; constitui uma realidade histórica, que se impõe por si mesma, independentemente da actuação dos respectivos Estados, mas é preciso não forçar a história e a afectividade e, sobretudo, não sermos ingratos.
Convém não esquecer que, em 1939, no tempo de Getúlio Vargas, o Brasil favoreceu o imigrante português. A Constituição Brasileira de 1934 impunha restrições à imigração, mas isto não impediu Vargas de abrir excepções para os Portugueses. Além disso, a resolução de 1939 chegou mesmo a reconhecer vantagens à imigração portuguesa, devido à sua fácil adaptação e forte contribuição para a nação brasileira. Este parecer vai ser posteriormente consagrado na Constituição Brasileira de 1967, onde se reconhece aos Portugueses o direito de adquirir a cidadania após permanência de um ano ininterrupto no Brasil. É, pois, um dever moral conceder aos nossos irmãos os mesmos direitos de que gozam os Portugueses em terras de além-mar.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: No momento em que se consolida a vocação europeia de Portugal, importa analisar de que modo esse «fermento de mudança», de que falava Jean Monnet, interfere com a tradicional vocação atlântica do nosso pais e se projecta nas relações luso-brasileiras.
O Atlântico sempre foi factor de união entre Portugal e o mundo: foi o mar que nos ligou ao Brasil e à África. Não há, pois, contradição entre a vocação europeia e a vocação atlântica de Portugal.
Além disso, o Brasil permite a Portugal valorizar o seu relacionamento com a Comunidade Europeia, na medida em que permite multiplicar, por muitos milhões, o valor e significado da lusofonia.
O peso dos falantes brasileiros será decisivo na defesa do papel da língua portuguesa no espaço comunitário, que deverá ser entendida como traço de união entre sete povos e meio de difusão cultural.
A vocação das relações entre Portugal e o Brasil é serem privilegiadas. Não devem, não podem ser prejudicaras por episódios lamentáveis, como os famigerados casos ocorridos nos Aeroportos de Lisboa e do Porto.
Não questionamos, como é óbvio, o cumprimento da lei, não é isso que está em causa! O que criticamos e consideramos inaceitável é o modo como foram tratados os brasileiros e africanos retidos no Aeroporto de Lisboa, impedidos de entrar em Portugal por razões de natureza subjectiva.
Como se quem vê caras visse corações, os zelosos funcionários de Serviço de Estrangeiros e Fronteiras olharam a aparência, viram tudo e concluíram: «não são turistas, vêm para ficar». De nada serviu invocar a sua condição de turista, mostrar o bilhete de ida e volta, empunhar os dólares que a lei não exige, mas os homens impõem.
Não contentes com a recusa de entrada, as autoridades portuguesas não honraram os deveres de hospitalidade e desrespeitaram os elementares direitos do ser humano: o direito a alimentação, o direito a alojamento condigno, o direito a tratamento médico...
Não quero dramatizar a situação, mas não podem ser ignoradas as expressões insultuosas que certas pessoas se não coibiram de empregar. Os brasileiros não são «travestis» nem «vagabundos», ainda que alguns possam ser pessoa, com dificuldades, em busca de uma vida melhor.
Para que a situação se não repita, é necessário definir regras claras e objectivas, critérios de admissão que garantam o controlo da arbitrariedade, e, sobretudo, é necessário que existam funcionários sem preconceitos, com bom senso e bom gosto.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Ao defendermos os direitos daqueles que, por diferentes razões, nos demandam, estamos a defender os direitos dos milhares e milhares de portugueses. No Brasil, vivem em paz e abundância muitos e muitos portugueses, cujo futuro pode ser ameaçado por razões a que são completamente alheios.
Transmiti preocupações idênticas ao então Presidente da Assembleia da República, Prof. Vítor Crespo, no regresso da minha deslocação a Brasília. No relatório que lhe enviei, com data de 4 de Novembro de 1991, referi alguns casos «chocantes», designadamente, «episódios de agressividade e intimidação por parte de funcionários do aeroporto de Lisboa contra um deputado federal, contra o

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director da TV Bandeirantes, contra as filhas de um general, familiares de um empresário com vultosos investimentos em Portugal...».
Por estes exemplos se pode concluir que o problema não é de hoje e que não colhe dizer que se tratava de imigrantes clandestinos. As certezas dos funcionários do cavaquismo traduzem-se, afinal, em grandes enganos.
É um imperativo democrático e uma forma de cooperação solidária solucionar rapidamente o diferendo e pôr termo a estas intoleráveis situações.
Sr. Presidente, Sr.- e Sn. Deputados: Neste tempo de inusitadas mudanças em todas as latitudes e longitudes, num seio de um mundo dividido por guerras étnico-raciais, Portugal, pela sua história alicerçada no contacto multicultural, tem acrescidas responsabilidades.
A cultura portuguesa é uma cultura de várias mestiçagens. A capacidade miscigenadora dos Portugueses foi acentuada por muitos estudiosos: para Gilberto Freyre, os Portugueses distinguem-se dos outros povos por serem destituídos de preconceito racial; para Jorge Dias, não é a capacidade de miscigenação que caracteriza os Portugueses, mas o facto de eles considerarem os povos de outras raças seres humanos seus iguais - esta mesma concepção já foi revelada por Zurara, em 1444.
Mas o facto de não enjeitarmos a nossa «mestiçagem cultural» não significa que estejamos imunes a sentimentos de racismo e xenofobia. O mau exemplo mora perto. Mais vale prevenir que remediar. As boas relações entre Portugal e o Brasil não podem ser hipotecadas pelos governantes e muito menos pelos burocratas.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: O PS defende não só o respeito dos compromissos assumidos, a correcção no relacionamento, a transparência das situações mas também a responsabilização pelos actos praticados. Defendemos o direito à informação. Colocamos as pessoas muito acima das estatísticas. Por isso vamos, uma vez mais, honrar o nosso principio de votar favoravelmente todos os pedidos de inquérito, em nome dos princípios democráticos e dos valores que sempre defendemos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.- e Srs. Deputados: Encontram-se, hoje, em debate, por iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, não a política global de imigração - o que, aliás, ocorrerá brevemente e a solicitação do Governo - mas apenas as circunstâncias e responsabilidades dos casos e do tratamento dado na fronteira a cidadãos estrangeiros.
15to, certamente, a propósito da ampla cobertura e divulgação promovida pela comunicação social da situação de nove cidadãos brasileiros, que, chegados a Lisboa no dia 24 de Janeiro deste ano, foram impedidos de entrar no Pais, cidadãos que, pretensamente ao abrigo do Acordo de Supressão de Vistos, celebrado em Agosto de 1960 entre Portugal e o Brasil, não eram portadores de qualquer visto consular.

Esclareça-se, em primeiro lugar - porque sobre esta matéria muita poeira foi lançada aos olhos da opinião pública -, que aquele Acordo apenas se aplica, apenas se refere aos cidadãos brasileiros que entrem no nosso pais para permanência não superior a seis messes, em viagens de trânsito, negócios ou recreio; acordo que - e sublinhe-se - tem sido respeitado escrupulosa e rigorosamente pelas autoridades competentes do nosso pais.
No casso em apreço, ocorrido em 24 de Janeiro, os cidadãos brasileiros, interrogados logo à entrada no posto de fronteira, admitiram que vinham fixar-se em Portugal, para trabalhar e com emprego já garantido por um tal Egídio, o chamado «engajador» de Minas Gerais.
Será interessante recordar, a este propósito, alguns excertos da comunicação social da época.
No periódico Folha de São Paulo, edição de 31 de Janeiro de 19)3, podia ler-se: «Não se questiona o direito soberano de Portugal vetar visitantes suspeitos.
Declarações de vários repatriados confirmam, aliás, a intenção de burlar a imigração e trabalhar naquele pais.» E mais adiante: «Com um mineiro de Valadares não se brinca. Sabia-se que tinha uma queda pelos Estados Unidos da América. Descobre-se agora que querem adoptar Portugal. Barrados pela aduana portuguesa, oito deles desembarcaram sexta-feira no Rio de Janeiro. Três admitiram arrumar um empreguinho em terra dos descobridores. Tinham o visto de turista e viveriam como clandestinos.»
Uma reportagem, aliás, muito interessante e elucidativa, foi efectuada por uma estação radiofónica portuguesa.
Contactado telefonicamente, o irmão do acima referido Egídio, de nome Aguinaldo, explicou, com a maior espontaneidade: «Sabe, o meu irmão tem aqui, em Minas Gerais, uma agência de emprego, quero dizer, de turismo.» O comentário do apresentador do programa em causa foi só este: «Aqui, em Portugal, costumamos dizer: fugiu-lhe a boca para a verdade.» Foi textualmente isto o que foi, aliás, transmitido, amplamente, por diversas vezes nesse dia.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Só falta o sotaque brasileiro!

O Orador: - Tudo confirmado pelo prefeito da cidade de Itabirinha de Mantena, Estado de Minas Gerais, que, como se pode ler em despacho da Agência Lusa, de 9 de Fevereiro, «confirmou que o empresário Egídio Viana se dedica ao tráfico de mão-de-obra clandestina para Portugal».
Mas, Sr. Presidente e Sn. Deputados, se estes são os factos, se isto é reconhecido generalizadamente nos países de origem, se qualquer possível incidente nas relações internacionais do Estado Português foi rapidamente ultrapassado pelo esclarecimento cabal de toda a realidade, seremos nós, os Portugueses, a sobrevalorizar imaginários comportamentos,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Imaginários?! Vocês podem provar que são imaginários?!

O Orador: - ... condenáveis das nossas autoridades? Certamente que não! E se algum partido da oposição visionou aqui um balão de oxigénio para as suas actividades, o balão saiu-lhe, certamente, furado. Aliás, nestas questões, relacionadas com relacionamentos históricos entre Estados, bom seria que certas aposições ponderassem melhor a sua hierarquia de valores e objectivos. Mas vão,

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certamente, acrescentar: « o tratamento concedido no aeroporto aos estrangeiros clandestinos foi duro, francamente repressivo, etc.».

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Foi inaceitável!

O Orador: - Foi certamente por isso que um dos brasileiros chegados a Portugal no dia 24 de Janeiro, de nome Wellington Moreira Gomes, conseguiu fugir da zona internacional do Aeroporto, iludindo a vigilância da autoridade de fronteira, pelo que entrou furtivamente em território nacional.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Foi inscrever-se no PCP!

O Orador: - E, por isso mesmo, um destes dias, por certo, um partido da oposição irá requerer a abertura de um inquérito, alegando a ineficácia dos nossos serviços de fronteira.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Exactamente!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Aprenderam com o Governo!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O empolamento, coberto de algum ridículo com que este caso foi tratado, encontra-se perfeitamente retratado também na reprodução publicada na Folha de São Paulo, de um programa de televisão brasileira, que passo a citar. «A maioria é de Governador Valadares. A frase do Jornal Nacional acabou com a festa nacionalista. A cena já estava
armada. Os brasileiros foram detidos no aeroporto e obrigados a dormir no chão. O Embaixador português chamou os brasileiros de vagabunde; o Ministro Fernando Henrique ameaçou reagir com medidas duras.» Era a guerra!
No fim, eles eram de Governador Valadares. O Jornal Nacional, o TJ Brasil, todos os noticiários, tentaram vestir como heróis os supostos turistas brasileiros. A principal manchette do Jornal Nacional dizia: «Os brasileiros barrados em Portugal voltam revoltados e agora querem indemnização. No fim, eles eram de Governador Valadares.
A simples lembrança da cidade mineira - muito conhecida pela sua indústria de exportação de brasileiros - desmoralizou a guerra, estragou a brincadeira.»
Assim, concluo, Sr. Presidente e Srs. Deputados: está estragada a brincadeira!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, a ordem da minha inscrição para uma intervenção é a seguir à do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.
De qualquer modo, agora posso usar da palavra, durante um minuto, que é o tempo necessário para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Puig, mas mantenho a
ordem da minha inscrição, para uma intervenção, na que foi feita.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada 15abel Castro, sou informado pela Mesa de que está a seguir na ordem de inscrição.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, há pouco, inquiria Mesa exactamente sobre esse ponto e não era essa a ordem. Portanto, sendo assim, houve, por parte da Mesa, uma informação incorrecta, o que, a meu ver, é
lamentável.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP) - o Secretário da Mesa faz o que quer! Põe as pessoas na ordem que quer !

A Oradora: - Se assim for, prescindo agora do uso da palavra e inscrevo-me depois.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a Mesa vai tentar esclarecer o assunto.

A Oradora: - Sr. Presidente, se essa...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a Mesa informa-me de que, na verdade, a ordem seria a invocada por V. Ex.ª Mas o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna solicitou à Mesa que a sua intervenção fosse no fim. É esta a razão da alteração da ordem.

A Oradora: - Sr. Presidente, se assim foi, penso que a atitude correcta, por parte da Mesa, seria a de informar os Deputados inscritos de que tinha havido alterações relativamente à ordem das inscrições. Essa teria sido, em minha opinião, a atitude correcta.
Por outro lado, presumo que nesta questão teria de haver acordo por parte dos vários grupos parlamentares ou, pelo menos, a informação de que tinha sido alterada a ordem das inscrições. Enfim, seria justo que essa questão tivesse sido colocada.

O Sr. Presidente: - Tomo nota do seu protesto, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, geraria de saber se, de acordo com o novo Regimento da Assembleia da República, o Governo tem prioridade na ordem das intervenções, ou seja, se pode reservar-se para falar em último lugar.

O Sr. Presidente: - É evidente que não, Sr.ª Deputada, e sempre se procedeu por acordo. O problema agora surgido teve a ver com uma omissão, por parte da Mesa, ao não contactar os grupos parlamentares, que, normalmente, dão a sua concordância em questões destas.

O Sr. Secretario de Estado das Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Meneses): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares:- Sr. Presidente, no início da sessão, comuniquei à Mesa o desejo dos membros do Governo de fazerem as suas intervenções no final de todas as inscrições por pensar que, ouvindo os argumentos dos diferentes grupos parlamentares, a intervenção do Governo poderia ser mais eficiente e clarificadora de todas as dúvidas suscitadas. Mas, dado o facto de alguns Srs. Deputados estarem a fazer disto um drama, neste caso concreto, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, por cortesia para com a Sr.º Deputada 15abel Castro, não vê qualquer inconveniente em que ela use da palavra depois da sua intervenção. Não fazemos disso qualquer drama!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sendo assim, havendo concordância, seguir-se-á a ordem inicialmente estabelecida, como se tivesse havido consulta aos grupos parlamentares e estes tivessem recusado a alteração da ordem de inscrições.
Para uma intervenção, tem, pois, a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A última coisa que eu desejava era causar na Assembleia um incidente por causa da inscrição e da ordem em que viria a intervir.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Fica para as fronteiras...

Risos do PS e de Os Verdes.

Passando agora ao tema, que já vejo suficientemente aligeirado, pelo aparte do Sr. Deputado Mário Tomé...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Como vê, nem sempre sou mau!

O Orador: - O Sr. Deputado Mário Tomé nem sempre é mau e, pelos vistos, agora está com um ar alegre que desdramatiza, de forma absoluta, esta questão colocada à Assembleia.
Desde logo, desejo dizer que, do ponto de vista do Governo, nada temos contra a realização de qualquer inquérito que o Parlamento queira votar. É uma decisão do Parlamento, que, integralmente, respeitaremos.

Risos do PS.

Todavia, gostaria de dizer que, em relação a esta matéria, não só as intervenções da Assembleia como também as sucessivas intervenções dos jornais, das revista, das noticias que, entretanto, foram coligidas e essencialmente aquelas que se reportavam ao Brasil deram-nos conta de uma evolução clarificadora de toda esta situação. 15to é, se as pessoas, no princípio, pensavam que tinha havido alguma violência, eventualmente, excessiva ou alguma diminuição de direitos, por parte dos cidadãos brasileiros encontrados no aeroporto sem visto de residência em Portugal, agora, como é evidente, tudo acabou por ser suficientemente esclarecido pelos próprios, em entrevistas concedidas, e também pelos articulistas que se ocupavam desta matéria, «dando o dito por não dito» e tornando perfeitamente claro o que era, porventura, nebuloso e dúbio.
Portanto, em relação a nós, a situação está suficientemente esclarecida, não só com as declarações dos próprios - digo e repito - mãe também com as dos jornalistas que sobre esta matéria discorreram e se ocuparam. É claro que isso nada tem a ver com as «declarações de amor» entre Portugal e o Brasil, que também eu subscreveria, com certeza, mas que não está, nem pode estar, aqui em causa. Era só o que faltava, dois países com relações históricas tão intimas, tão profundas e importantes virem a pôr-se mal um com o outro por fenómenos destes, por casos de policia que toda a gente entende e que sempre aconteceram ao longo da história!
Por outro lado, devo dizer, de uma maneira muito simples e telegráfica, que este é, em si mesmo, um problema sério, ou seja, o problema subjacente a estes acontecimentos é sério porque, hoje, a imigração ilegal é, de facto, um fenómeno universal e dramático. E tão universal, tão dramático e preocupante para todos, nós porque, na maior parte dos casos, a imigração ilegal está ligada a muitas outras áreas de criminalidade, e relevo apenas uma ou duas: a ligação da imigração ilegal com o tráfico de droga e a que tem em relação aos documentos falsos e falsificados.
Vários dos emigrantes ilegais apanhados nos aeroportos são, na maior parte dos casos, portadores de vários passaportes e de vários vistos consulares falsificados de países estrangeiros. Ora, isto significa que há redes montadas de imigração ilegal, como a própria imprensa brasileira não só reconheceu abundantemente, mas também provou à saciedade, em relação ao caso concreto destes imigrantes ilegais brasileiros encontrados no aeroporto.
A este propósito, devo dar à Assembleia da República uma nota de como a comunidade internacional está tão preocupada. Exemplo disso é o facto de, muito recentemente, no último mês, se ter realizado uma conferência em Budapeste, na qual estiveram presentes 35 países do Leste e do Ocidente Europeus, onde foram apresentadas recomendações importantíssimas, entre outras, o controlo das migrações ilegais por todos os países, quer pelos países de destino, quer pelos de origem de emigração, quer pelos países de trânsito, e a existência de medidas de confisco de bens de engajadores de organizações ligadas à imigração ilegal tão duras como as sanções propostas na luta contra a droga.
Queria, também, lembrar-vos, Srs. Deputados, que a reacção da comunidade internacional à imigração ilegal e às consequências dai provenientes é tão dramaticamente importante que - vejam bem!... - nos últimos acontecimentos da formação do Governo dos Estados Unidos da América duas secretárias de justiça indicadas não puderam tomar posse por estarem envolvidas em actos de admissão de imigrantes ilegais ao seu serviço. Vejam bem armo os países - neste caso até formados por imigrantes - têm a consciência do drama da imigração ilegal. E isto acontece porque sabem o que ela representa em relação a cada uma das pessoas nele envolvidos, ou seja, têm a consciência do drama da diminuição de direitos de que estas pessoas são vítimas dentro das sociedades de acolhimento e das explorações de que são vitimas quando são engajadas para a imigração ilegal.
Ora, a estes imigrantes do Brasil, de que falávamos, são, normalmente, cobrados, a cada um deles, entre 500 e 600 dólares para fazerem a viagem e prometido uma remuneração mensal da ordem dos 1200 a 2000 dólares em Portugal, o que é manifestamente falso.

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Por outro lado, gostaria de lembrar aos Srs. Deputados as consequências que esta imigração ilegal pode ter para o mercado de emprego, visto provocarem o dumping social, a diminuição de direitos e a sua consequência no mercado de trabalho, uma falsa concorrência, uma concorrência ilegal entre as empresas, um artificial abaixamento de preços, que se repercute nas condições de remuneração dos próprios trabalhadores.
Portanto, em minha opinião, se todos tivermos uma postura séria e serena sobre esta matéria e se englobarmos estes factos neste conjunto de realidades que aqui vos descrevo, a nossa postura não pode ser outra senão a de encararmos esta situação com muita seriedade e muito rigor. A política de imigração em Portugal, como a de todos os outros países, e a actuação das policias de imigração são um dos assuntos mais sérios da ordem do dia. Aliás, era assim que eu quereria que VV. Ex.ª - também o considerassem.
Em relação ao problema concreto suscitado com o Brasil, VV. Ex.ª também sabem, pois eu próprio já o afirmei, que o Sr. Cônsul-geral do Brasil foi imediatamente contactado por mim a seguir aos acontecimentos verificados e foi-lhe proposto - aliás, com a aquiescência do Ministério dos Negócios Estrangeiros - que estes assuntos fossem tratados entre os serviços de imigração e, se alguma dúvida existisse, que fosse imediatamente esclarecida. Não há, pois, razão para qualquer conflito diplomático entre os dois países.
Também gostava de dizer, apenas à laia de comentário, que a entrada no território nacional é tratada com bastante seriedade na nossa Constituição. Reparem no teor dos n.º 1 e 2 do artigo 27.º e na excepção que é feita na alínea b) do n.º 3 deste mesmo artigo. Significa isso que o impedimento da entrada em território nacional é tão vivo e importante no nosso ordenamento constitucional que consta de uma excepção ao seguinte princípio:

1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.

Ora, nos termos indicados na Constituição, a alínea b) do n.º 3 é uma excepção a este principio.
Para finalizar, queria também dizer, comentando as palavras do Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tem de ser e é - e vai ser cada vez mais um serviço acima de qualquer suspeita Tudo aquilo que temos feito nos últimos tempos tem sido abundantemente explicado ao público bem como à comunicação social. V. Ex.ª referiu-se a inquéritos instaurados que deram origem a processos relativamente a alguns funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras dos quais damos conta ao País quando as circunstâncias o aconselham, ou seja, quando os inquéritos são completados e não há motivo para, em nome da defesa da investigação, deixarmos de dar a conhecer a sua conclusão ao País.
Com estas considerações, Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que dei alguns esclarecimentos adicionais àquilo que já tinha sido referido e objecto de tratamento pela comunicação social e também nesta Assembleia. Não quero deixar de recordar que o Sr. Ministro da Administração Interna esteve presente na Comissão Parlamentar de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias prestando esclarecimentos sobre toda a matéria relativa à imigração, à legalização de imigrantes clandestinos e, incidentalmente, sobre este assunto relativo a problemas surgidos com brasileiros no Aeroporto de Lisboa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Sn. Deputados Miguel Urbano Rodrigues e Edite Estrela.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, V. Ex.ª não respondeu a qualquer das questões que coloquei e veio fazer um discurso sobre a imigração - emitiu alguns conceitos que nós, longe de contestar, até podemos aceitar -, sobre o emprego e até se referiu à Constituição; porém, sobre as questões que foram abordadas nada disse.
Em primeiro lugar, particularizou o caso do Brasil quando o nosso pedido de inquérito não trata apenas desse pais - basta ler o texto respectivo com atenção; em segundo lugar, suponho que o arquivo de recortes do Ministério estará organizado de forma a não colocar no mesmo plano de igualdade as aventuras e desventuras do Sr. Egídio ou desse senhor citado pelo Sr. Deputado José Puig, que tem o mesmo nome do famoso duque de Wellington, com opiniões a que fiz referência, e que têm sido publicadas na imprensa portuguesa, de um homem da altura intelectual e moral do actual Ministro das Relações Exteriores do Brasil ou do Presidente Itamar Franco.
Há textos publicados que foram amplamente divulgados no Brasil e que não podem ser contestados. Quem ler diariamente nos grandes jornais - Jornal do Brasil, Folha de São Paulo - os editoriais, e não as noticias das desventuras de empresários, verá confirmado o que eu disse.
Fundamentalmente, para nós - repito -, do que se trata é de uma questão de forma e de ética. Em parte alguma do texto e da nota justificativa que acompanha o nosso inquérito foi pedido um pais de portas abertas - é evidente que Portugal não pode ser um país com essas características -, de maneira que a5 respostas dadas pelo Sr. Secretário de Estado destinam-se a questões que não foram colocada. Não pretendemos que um país com 10 milhões de habitantes - disse-o há pouco - escancare as suas portas para se transformar num país de imigração. Longe disso! Pois se há tantos desempregados e o Governo cria situações que inviabilizam a criação de postos de trabalho para os desempregados...
A verdade é que o Sr. Secretário de Estado esteve a responder a perguntas que não foram feitas, não se pronunciando sobre as questões de fundo que estão ligadas à actuação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que disse estar acima de toda a suspeita, e que envolveram zairenses, cidadãos da remota Malásia, de vários países africanos, de alguns PALOP - da Guiné, de Cabo Verde... São factos públicos que não podem ser desmentidos: o tratamento desumano - é esse o termo adequado - e as violações de direitos humanos verificadas, pois houve cidadãos que, no Aeroporto de Lisboa, foram tratados como gado.
É contra situações dessas que protestamos e é devido a esses acontecimentos que propomos a realização de um

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inquérito. Mas se os funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras esto acima de toda a suspeita, se o Governo não vê nisso o menor conveniente, penso que não só seria ético como a consequência lógica das suas palavras que o Sr. Secretário de Estado sugerisse à bancada do PSD que se realizasse um inquérito e que as questões que motivaram a intervenção do Presidente da República do Brasil e do seu Ministro das Relações Exteriores fossem esclarecidas.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - Penso que essa atitude seria positiva para a clarificação das relações estabelecidas entre Portugal, o Brasil e os PALOP!

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr' Deputada Edite Estrela.

A Sr.º Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, acho que este episódio ainda está longe de poder considerar-se encerrado, quer para portugueses quer para brasileiros.
Em relação aos portugueses radicados no Brasil, gostaria de também aqui referir noticias que vieram a público na altura: «Várias lojas de comerciantes portugueses no Brasil têm sido alvo de ameaças de represálias em virtude do ambiente criado na sequência da retenção e expulsão de brasileiros, de acordo com uma fonte local.» É escusado referir outros depoimentos de gente muito credível e muito bem colocada em Portugal, aqui residente, e que tem referido o bom tratamento recebido no Brasil e a injustiça que estamos a cometer no que diz respeito aos Brasileiros.
Aproveito igualmente para referir que a direita brasileira - o que é muito perigoso - está a aproveitar-se de tudo isto para incitar emocionalmente a opinião pública brasileira. Lamentavelmente, também não pode ser ignorado que no Congresso brasileiro já há alguns sinais de menor receptividade e abertura em relação a Portugal. Ora, tal situação deve preocupar-nos, especialmente porque, se já não podemos evitar o que aconteceu, devemos acautelar o futuro. E, em relação ao futuro, o Sr. Secretário de Estado nada disse! Ou seja, não referiu, por exemplo, quais iam ser os critérios de admissão; apenas mencionou que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras está acima de toda a suspeita Essas palavras são bem intencionadas, mas nada nos deva a crer que as coisas se passem dessa forma. É preciso definirem-se regras objectivas, critérios de admissão, porque não é certamente pela aparência que um turista ou um emigrante clandestino vão ser avaliados.
Naturalmente que os Brasileiros compreendem as limitações impostas pela nossa exiguidade territorial e não lhes passa pela cabeça que um milhão de brasileiros emigrem para Portugal assim como também compreendem que, se um milhão de portugueses se deslocarem para o Brasil, tal situação não terá as mesmas repercussões que o caso inverso. As pessoas não são tontas, são escurecidas e têm bom senso, mas é preciso definir regras para que, no futuro, não voltem a repetir-se episódios desta natureza.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder em dois minutos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, não necessitarei certamente de dois minutos, mas apenas de um.
Gostava de contrariar as afirmações do Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues por uma razão simples. É que tentei circunscrever-me, nas respostas que pretendi dar, aos problemas que foram levantados e que giravam à volta da célebre questão dos brasileiros no aeroporto.

0 Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Até com pessoas da minha família isso sucedeu!

0 Orador: - Disse que, em relação a esse caso - repito a minha resposta para o caso de não ter sido bem ouvida -, os factos se encarregaram de desmentir o que diziam ter acontecido. Ou seja, quer por força de declarações dos próprios, quer pelas de jornalistas envolvidos, a situação veio a esclarecer-se completamente e bastar-me-ia fazer fé naquilo que veio a público para imediatamente deixar de necessitar fazer qualquer outro comentário.
Portanto, penso que disse exactamente aquilo que deveria ter dito em relação à matéria e que esclareci aquilo que deveria ter esclarecido. Estou longe de ter iludido qualquer pergunta ou de ter fugido ao assunto. E fiz mais do que isso: dei-lhe porventura a si, Sr. Deputado, uma preocupação acrescida que V. Ex.ª não teria quando começou a intervir neste debate. Mas fiquei contente com esse facto, porque V. Ex.ª, no fim, veio dizer que tudo aquilo que eu disse era verdade, que eram preocupações também por si assumidas e que as tinha na maior conta.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - 15so é inadmissível. Você ouviu a intervenção do meu camarada.

0 Orador: - 15so, para mim, foi muito importante!

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não seja parvo!

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - 15so é falta de ética!

0 Orador: - Respondendo à pergunta colocada pela Sr.ª Deputada Edite Estrela, depois de acalmados os ânimos do meu lado esquerdo, gostava de dizer que o problema que colocou relativamente à definição de critérios foi referido pelo Sr. Deputado do PSD que interveio e que b Acordo de Troca de Notas entre os dois países datado de 1960 e referente a este assunto está subjacente a esta matéria.

A Sr., Edite Estrela (PS): - Não está a ser aplicado!

0 Orador: - Referi que, se havia alguma dúvida ela devia ser esclarecida entre os serviços de imigração - foi a proposta que fizemos ao Brasil -, o que significa que estes problemas esto a ser tidos em conta. Portanto, também respondi a essa questão, sendo certo que, porventura, não consegui na ocasião fazer-me entender devidamente.
Claro que acompanho as preocupações da Sr.ª Deputada Edite Estreia e ainda bem que também aqui as reafirmou, dizendo que o Brasil não é igual a Portugal. Quan-

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do falamos na reserva dos índios Yanomanis, que é do tamanho do território de Portugal, e pensamos em todos os problemas que há para resolver em relação a essa matéria,..

O Sr. Presidente: - Esgotou o tempo de que dispunha, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - ... quando sabemos que, de um lado, existem cerca de 150 milhões e, do outro, escassos 10 milhões de habitantes, quando falamos na Constituição do Brasil ou na de Portugal e na vocação do Brasil e na de Portugal e, porventura, na área geográfica a que estão associadas uma coisa e outra, não podemos dramatizar este assunto.
Também quero salientar que não há nem pode haver da nossa parte qualquer demonstração de xenofobia ou de racismo, pelo que deve ficar esclarecido que nenhuma loja de brasileiros foi atacada em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Ecologista Os Verdes pensa que o objecto deste inquérito tem todo o sentido e que as razões que estão na sua origem mantêm toda a sua actualidade.
Primeiro, no Aeroporto da Portela tiveram, efectivamente, lugar atitudes extremamente graves por parte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. E bom relembrar que essas atitudes constituíram um abuso, uma violação de direitos, um atentado à integridade moral dos cidadãos, não exclusivamente brasileiros mas também de países de língua oficial portuguesa.
Penso que, independentemente de em relação a alguns países haver factores privilegiados de aproximação afectiva e cultural, outros há que também não podem ser ignorados. Os acontecimentos ocorridos não são questões menores e creio que é extremamente grave tentar minimizar, com grande ligeireza e mesmo com leviandade, a questão, dar como adquirido que é algo de ultrapassado. Não é e a própria atitude do PSD de «contar pequenas histórias» (a que nós poderíamos juntar muitas outras) traduz uma visão simplista daquilo que incidentes desta natureza provocam na relação entre os povos. Uma coisa é o facto de as questões poderem depois ser ultrapassadas pela via diplomática e outra o das feridas que estes graves incidentes deixam, necessariamente, nos países.
Segundo, temos uma perspectiva diferente da maioria que está neste Parlamento e de outros partidos que ratificaram o Acordo de Schengen. Mas ele existe e determina que o acesso de cidadãos às fronteiras vai ter de ser regulamentado de outra forma. Há antecedente. extremamente graves em relação ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sendo alguns deles objecto deste inquérito sobre os acontecimentos na Portela, antecedentes esses que têm a ver com a corrupção (e lembro que, no processo de legalização de emigrantes clandestinos, houve situações extremamente graves no Porto e em Faro). Há, pois, indícios vários de que as coisas vão mal no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras! Mais: relativamente aos cidadãos que chegam a Portugal penso que, numa perspectiva e num quadro legislativo que contestamos mas em que se lhes atribui maiores poderes e maior intervenção, não só há toda a oportunidade como todo o interesse em prevenir e tornar claro que o Governo não aceita Estados dentro de Estados, que o Governo não aceita serviços acima de qualquer suspeita e que nesta matéria ninguém tem imunidade.
Os factos que foram aqui adiantados são suficientemente gravosos para que este inquérito, numa atitude preventiva, tenha toda a razão de ser. O racismo e a xenofobia não são divagações, abstracções; têm causas muito objectivas na sua origem e atitudes autoritárias de intolerância, como as que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tem demonstrado, contribuem claramente para que, em Portugal, estes fenómenos tenham uma outra dimensão.
O Grupo Parlamentar de Os Verdes dá todo o apoio a este inquérito, particularmente porque o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras vai passar a ter, de forma discricionária, poderes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Creio que devemos tratar com grande sentido de responsabilidade este problema, sobretudo naquilo que respeita às relações com o Brasil.
Ligo pouca importância à preocupação, que é normal na Administração Pública, de demonstrar sempre a correcção dos procedimento, a rectidão das intenções, o que, aliás, nem sequer ponho em dúvida. Aceito que os serviços estão a executar os seus deveres de acordo com a lei, tendo, como o Sr. Secretário de Estado diz, um comportamento acima de toda a suspeita. Não ponho isso em dúvida, não julgo que é isso que está aqui em causa.
Parece-me excessivo começar a tratar destes problemas sérios da circulação na Europa com a invocação do racismo, da xenofobia, que transportam imediatamente para um plano ideológico escusado problemas que precisam de ser tratados em função de critérios de segurança pública e de respeito efectivo pelos direitos do homem.
O problema que respeita às relações com o Brasil também não é diferente, não podendo ser tratado com ligeireza, porque não é um domínio onde o exercício do espirito possa encontrar-se em liberdade. Gostaria de lembrar que no fresco que está pintado na parede por cima da presidência desta Caça quem está a presidir àquela reunião é o Arcebispo do Rio de Janeiro. E foi nesta Casa que, com grande ligeireza, Manuel Fernandes Thomaz disse ao Brasil que passasse por lá muito bem. O Brasil passou por lá muito bem e nós poderíamos ter passado melhor se essa ligeireza, no que toca à apreciação das relações com o Brasil, não tivesse entrado em exercício.
A meu ver, é muito exagerado pretender que não houve aqui um condito diplomático importante, porque, de acordo com o aquilo que sabemos, isto implicou a intervenção do embaixador de Portugal - que não foi muito bem tratado pela imprensa brasileira -, do Governo Português e do Presidente da República. Quando um incidente, por intocável que seja a razão da Administração Portuguesa (eu até admito que o seja), implica estas intervenções, temos um problema diplomático sério, que tem de ser apreciado com inteiro sentido de responsabilidade. Esta questão do Brasil exige que assim seja, porque, para além de todas as razões históricas que não é necessário agora invocar, existem documentos, tratados que nos obri-

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gam e cuja interpretação pública vai muito para além do que vem da letra dos tratado.
A opinião pública pensa, por exemplo, que nós temos uma dupla nacionalidade com o Brasil, o que não é verdade mas exprime a grande importância que o povo atribui a esta espécie de relações.
É necessário tratar esta questão não apenas com uma lógica abstracta mas com algum conhecimento real do Brasil. Temos de saber que o clima que imediatamente se cria em incidentes desta natureza no Brasil não tem qualquer correspondência com o clima que nós aqui conseguimos manter para discutir uma questão desta. Até devo dizer que ao actual Presidente do Brasil, que eu vejo «navegar» com dificuldades nos negócios de Estado, esta oportunidade de inflacionar uma questão deve ter parecido um presente excelente. Temos de assumi-la como ela foi inflacionada, temos de aceitar que realmente se trata de uma questão que vai deixar marca. Era melhor ler as opiniões dos líderes da comunidade portuguesa no Brasil do que os ditos de espirito dos comentadores que todos os dias têm de entreter a opinião de quem lê, com um dito de espirito, mais ou menos afinado.
Devo dizer que verifiquei, mais uma vez, que cada um é para o que nasce. E, Srs. Deputados, a maior parte das pessoa que intervieram nesta questão não nasceu para ter graça nenhuma! Seria melhor que esses comentários tivessem sido evitados para entender a seriedade desta questão!

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - E é por isso que, correspondendo ã mudança de tom, à seriedade de tom que foi assumido pelo embaixador do Brasil, neste momento, fazendo um apelo ao abaixamento da tensões e à recuperação de um diálogo sadio, julgo que faríamos melhor não perdendo tempo em justificar actividades da Administração a respeito dai quais aceito a correcção das intenções e a observância rigorosa, formal dos preceitos, declarar, com inteira convicção, que nunca houve a intenção de magoar, ofender, diminuir ou afectar a relações de Portugal com o Brasil e tirar daí uma lição: o Governo Português não prestou atenção às exigências do processo diplomático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Qualquer pessoa que tivesse alguma experiência da relações com o Brasil sabia que para intervir neste domínio deveria ter previamente feito accionar os mecanismos diplomáticos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com isto não estou a atribuir responsabilidades a nenhum ministro em especial; estou, sim, a atribui-las ao sistema português. A interdependência do Pais é cada vez maior, a perspectiva internacional tem de estar cada vez mais presente. Os Srs. Ministros fariam bem em habituar-se à necessidade de, com frequência, consultarem o Ministério dos Negócios Estrangeiros antes de, pura e simplesmente, accionar os mecanismos formais dos diplomas que estão em vigor. Esta questão foi levantada nestes termos na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, onde recebeu um consenso bastante generalizado por parte dos Srs. Deputados.

Sugiro que assumamos que houve essa falha, que não a devemos deixar repetir, que a relação com o Brasil é um valor fundamental. Por muitas razões que aqui foram exposta, designadamente pelo interpelante, que fez uma exposição que considero muito bem fundamentada sobre esta questão, penso que sairemos com uma autoridade acrescida se assumirmos o erro e declararmos que não desejamos que ele volte a ser praticado.

Aplausos do CDS, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, com tempo cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso deixar de fazer um comentário à intervenção do Sr. Deputado Adriano Moreira, que foi feita com grande elevação, com a concordância geral da Câmara e com uma concordância especial do Governo, pelo menos em relação a alguns pontos que colocou. Quanto a outros, gostaria de esclarecer melhor o que se passou.
Sobre a intenção basilar, creio que estamos todos perfeitamente esclarecidos. A minha primeira intervenção na televisão, comentando esta matéria, foi justamente a de dizer aquilo que, penso, passa pela cabeça de todos nós: que nada tínhamos contra os Brasileiros, contra os turistas brasileiros, contra os cidadãos brasileiros. O que queríamos era respeitar, em termos bilaterais, os instrumentos convencionados e prevenir os cidadãos brasileiros, os cidadãos dos países africanos de língua oficial portuguesa ou outros quaisquer de que, no fundo, poderiam ver diminuídos os seus direitos e ser explorados devido à situação de emigração ilegal em que se viam envolvidos.
No fundo, com isto pretende-se aumentar a dignidade dos cidadãos de cada país, devendo todos os governos com consciência acompanhar este raciocínio e esta prática. Não gostaria de ver um cidadão do meu pais expoliado, perseguido, explorado, diminuído em direitos por estar envolvido em redes deste género ou de outro tipo num outro país, por mais amigo que ele fosse.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Tem toda a razão!

O Orador: - E com esta minha afirmação todos os brasileiros têm de entender que estou também a lutar pela sua própria dignidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É com este espírito, e não com outro, que fazemos ase nossa intervenções.
É difícil, Sr. Deputado Adriano Moreira, o processo de consulta diplomáticas abranger todos os casos que ocorrem diariamente. V. Ex.ª sabe que no último ano cerca de 200 e 300 brasileiros foram impedidos de entrar por estarem englobados nestas actividades (como, aliás, o foram várias centenas de cidadãos de outros países). É muito difícil, perante as circunstância concretas, ter outro tipo de actuação. Mas sempre lhe direi, Sr. Deputado, que, se vir as circunstâncias em que isso é praticado no nosso pais e as circunstâncias em que é praticada em outros países europeus, porventura mais ricos do que o nosso, ficará com a consciência de que nós estamos num patamar superior de respeito pelos direitos das pessoa. Portanto, não tenho

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qualquer problema de consciência! Mas, Sr. Deputado, continuo a dizer que isto não representa nem pode representar, de maneira nenhuma, uma diminuição das condições de segurança dentro do meu próprio pais e dentro da Comunidade Europeia, porque, como alguém disse de uma das bancadas em relação ao Acordo de Schengen, é um principio geral de controlo para aumentar a segurança, de modo a que o ideal da livre circulação dos cidadãos europeus e dos cidadãos que estão habilitados a residir na Comunidade se expanda a todo o espaço comunitário. Portanto, é um princípio mais rígido para assegurar um principio de maior liberdade de circulação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminado o debate sobre o inquérito parlamentar n.º 9/VI, passamos à apreciação do inquérito parlamentar n.º l0/VI - Sobre a extensão, natureza e implicações das irregularidades, ilegalidades e operações de traficância política na gestão, pelo Governo e pela Administração Pública, de subsídios provenientes de fundos comunitários e outras verbas públicas destinadas à reconversão e modernização da agricultura portuguesa, bem como à intervenção nos mercados agrícolas (PS).
Para uma intervenção, em nome dos signatários do pedido de inquérito, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há poucos dias fiz, nesta Assembleia, uma intervenção onde demonstrei claramente que no sector da agricultura havia não só muita irresponsabilidade política, algum tráfico de influência, mas também que, na utilização dos fundos, havia burlas.
Pensei, na altura, que a maioria vinha, junto de nós, procurar aprofundar esta temática, procurar, no fim de contas, pôr bem claro o que tem sido feito neste sector que está em profunda crise. Infelizmente, a maioria e o Governo só tiveram duas atitudes: primeira, dizer aos Portugueses que se roubava pouco; segunda, de que eu, ao denunciar bandos organizados que burlavam os fundos, estava a prejudicar a agricultura portuguesa e a boa imagem de Portugal na Comunidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a discutir questões sérias e a maioria não tem participado. Todos os dias, quando abrimos os jornais, vemos escândalos na utilização de fundos e de dinheiros públicos. A maioria, em vez de procurar prestigiar as instituições, joga à defesa e procura paralisá-las. Neste caso, faço um apelo forte à maioria para que deixe clarificar a situação, não só na agricultura como também em relação a outros fundos que vêm da Comunidade.

O Sr. Armando Vara (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não será legitimo à maioria, perante os escândalos todos os dias denunciados, travar as instituições na clarificação deste problema.

Aplausos do PS.

E não venha o Governo dizer que tem fiscalização, pois as burlas que eu trouxe a esta Casa tinham sido fiscalizadas pelo Governo, tinham sido fiscalizadas pelas instituições que estão sob a alçada do Governo - o casso do INGA e o resultado da fiscalização era o de que tudo estava em ordem. Portanto, mais uma razão para não confiarmos nas fiscalizações do Governo e para que esta Casa interfira, no exercício pleno dos seus direitos, na clarificação de tudo isto que se passa em Portugal.
São 900 milhões de contos que a maioria e o Governo começaram por procurar diminuir, mas hoje já é consensual que foram mais de 900 milhões de contos que foram distribuídos entre fundos comunitários, ajudas nacionais, investimentos e subsídios. É uma verba astronómica, que não justifica a situação de crise profunda em que se encontra o sector. Só é justificável porque o Governo não tem tido política para o sector. E aí tem havido muita traficância, tem havido, de facto, muita irresponsabilidade! Aquilo que é o futuro da agricultura portuguesa tem sido o «afilhado» nos fundos; aquilo que se devia mudar na agricultura tem levado o grosso dos fundos, porque hoje a política agrícola está ligada a profundos lobbies que governam o Ministério da Agricultura para impedir que haja uma política virada para o futuro e procurando servir-se do dinheiro, não em função dos interesses nacionais mas em relação com toda essa traficância.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Alguns dos senhores acusam-me de eu não ter entregue aqui, no momento, as provas que tinha. Mas isso era o que a maioria queria, porque as provas que eu tinha eram pequenas provas, eram a ponta de um iceberg e VV. Ex.as. queriam os papéis para fazerem o inquérito só a esses papéis! No entanto, não é essa a aspiração do PS, não é essa a aspiração do povo português. A nossa aspiração é a de exigir à maioria que se junte a nós para clarificarmos toda esta situação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na sequência de uma intervenção do Sr. Deputado António Campos, essencialmente centrada em acusações à actuação da CAP, e derivando embora para algumas questões agrícolas, o Partido Socialista, passado um período de evidente hesitação, decidiu apresentar um pedido de inquérito parlamentar «sobre a extensão, natureza e implicações das irregularidades, ilegalidades e operações de traficância política na gestão, pelo Governo e pela Administração Pública, de subsídios provenientes de fundos comunitários e outras verbas públicas destinadas à reconversão e modernização da agricultura portuguesa, bem como à intervenção nos mercados agrícolas».
Logo no titulo deste inquérito parlamentar é evidente a confusão e a falta de rigor que o mesmo encerra. Mas vamos adiante.
Quando do anúncio da sua apresentação, ou seja, no momento da intervenção do dito Deputado, o líder da minha bancada, na sequência de outro Deputado que produzira igual desafio, solicitou, com insistência, que fossem apresentados indícios razoáveis para justificar a iniciativa, sendo sabido, porque claramente afirmado, que isso constituiria determinante da posição do Grupo Parlamentar do PSD.
O Partido Socialista não só não os apresentou, não aceitando, deste modo, o repto sério que lhe havia sido

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lançado, como, a propósito deste assunto, assumiu uma atitude de inqualificável desrespeito pela Assembleia da República. Com efeito, nem a Assembleia da República nem a Comissão de Agricultura e Mar mereceram do Partido Socialista a deferência de lhes serem confiados esses documentos, os quais, com grande ênfase, foram exibidos e confiados a uma cadeia de televisão e a uma rádio, para não referir outros órgãos da comunicação social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com este comportamento, o Partido Socialista, através do seu Deputado António Campos, revelou as suas verdadeiras intenções quanto a esta iniciativa e às questões que, alegadamente, lhe estão subjacentes, ou seja, o aproveitamento indevido de uma situação para fins partidários.

O Sr. Armando Vara (PS): - Portanto, recusam o inquérito!

O Orador: - Ouça, Sr. Deputado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sn. Deputados: Nesta matéria, como noutras, o Partido Socialista tem incorrido em tantas e tão grandes confusões que temos dificuldade em entender se as mesmas são deliberadas, visando com elas confundir a opinião pública, ou se elas são fruto da ignorância. No primeiro caso, traduziriam notória má fé e, como tal, são intoleráveis; no segundo, embora se possam desculpar, são igualmente criticáveis, porque as mais elementares regras do bom sento aconselhariam contenção e respeito por aqueles que, por esta forma, vêem ofendida a sua dignidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em nome da verdade, que a todos cabe preservar, o Partido Socialista terá de reconhecer que o Sr. Deputado António Campos fez acusações generalizadas de fraudes não reprimidas na utilização dos fundos comunitários sem que, para tanto, trouxesse até nós as indispensáveis provas. Confundiu-se ou pretendeu confundir, ao fundamentar, ou melhor, ao pretender fundamentar essas acusações nos documentos a que já fizemos referência, os quais, como já é sobejamente sabido, respeitam apenas a uma só entidade - repito, a uma só entidade - a Cooperativa de Torres Vedras. Daí extrapolou, sem o mínimo sentido de responsabilidade e de respeito pela esmagadora maioria dos agricultores e de outros agentes do sector. Neste caso, como noutros, confundiu a árvore com a floresta.
Além disso - é importante este esclarecimento -, quando foram proferidas tais afirmações, já a situação em causa estava sendo objecto de uma inspecção/auditoria, através de empresa especializada, contratada para esse efeito em 28 de Janeiro último, depois de terem surgido sinais de que algo de anormal ali se passava.
Será caso para perguntar. os Srs. Deputados socialistas, que se afirmam tão conhecedores e interessados nesta problemática, desconheciam esta actuação do Governo? Ou será que deliberadamente a omitiram? Inclino-me, sinceramente, para a segunda hipótese!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nestas circunstâncias, fica claro que o Partido Socialista continua a tentar sustentar o pedido de inquérito naqueles documentos e, sendo assim, esgotaram-se as suas razões de ser.
Todavia e porque desejamos que não subsistam dúvidas quanto à defesa que fazemos da clarificação de todas as situações que evidenciem menor transparência e rigor, retomamos o repto já anteriormente lançado: se o Partido Socialista conhece situações que razoavelmente indiciem casos de fraude ou de corrupção na utilização de fundos comunitários ou outras verbas públicas e relativamente aos quais o Governo, tendo deles conhecimento, não tenha actuado, faça, aqui e agora, a sua denúncia e nós não deixaremos de reflectir positivamente sobre o pedido de inquérito em discussão.
Se isto não acontecer, teremos de concluir, sem margem para dúvida, que se tratou de mais um simples jogo político do Partido Socialista, a quem parece não repugnar o aproveitamento partidário das dificuldades que, embora não exclusivas de Portugal, afectam a agricultura portuguesa.
Da nossa parte, porque entendemos que os agricultores merecem tolo o respeito e que os seus problemas devem estar na primeira linha das nassas preocupações e ser encarados com realismo e seriedade, recusamos fazer desses problemas um espectáculo deprimente como vem acontecendo ultimamente, traduzido na actuação do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Já vai longa a história da má orientação do Governo quanto à gestão dos mais de 900 milhões de contos transferidos para o sector agrícola desde a integração comunitária. Má orientação que está bem expressa na quebra do produto agrícola, na diminuição do rendimento dos agricultores, no agravamento do défice agro-alimentar, na crise generalizada da agricultura; má orientação que está bem expressa no descontentamento que traz à rua e à luta milhares de agricultores por todo o País.
O Governo sabe, de há muito, como, aliás, o Sr. Deputado Álvaro Barreto confessa hoje numa entrevista, que este era o destino inevitável da sua política. E, portanto, apostou sobretudo num quadro generalizado de subsídios, criando um sistema permissivo que permite e estimula todas as formas de irregularidades, ilegalidades e fraudes, procurando criar uma almofada para as consequências da política prosseguida.
AS fraudes que vieram agora a público e que suscitaram o presente pedido de inquérito parlamentar são, obviamente, a ponta de um enorme icebergue, ponta que, apesar de tudo, está longe de ter sido esclarecida.
Recordemo-nos de que, na reunião diligentemente organizada pelo PSD a pedido da CAP, esta se recusou a entregar os documentos que pudessem legitimar a função de intermediação da CDA e que comprovasse que os elevados subsídios que recebeu tivessem beneficiado os agricultores associados; recordemo-nos de que o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional reconheceu, na Comissão de Agricultura e Mar e na resposta que deu ao requerimento que formulei, que o despacho que atribuía aparentemente a todas as organizações de agricultores um apoio de 150 000 contos para a formação profissional se destinava, afinal, somente à CAP.

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Mas existem também, como o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar confirmou, fraudes no sector dos leites, envolvendo mais de 400 000 contos, e em relação às quais o INGA, nas suas inspecções, nada tinha detectado, apesar de a entidade envolvida ter aumentado em mais do dobro, em mais de 100 96, a sua produção de leite em poucos meses.
Mas existem também irregularidades, largamente noticiadas e alvo, inclusivamente, de exposições à Comissão de Agricultura e Mar, em torno das verbas e dos projectos do Plano de Acção Florestal (PAF) e que, segundo as últimas informações vindas a lume, envolveriam pessoas muito próximas de altos responsáveis da própria Direcção-Geral das Florestas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Existe, pois, em suma, suficiente número de indícios e de factos que justificam plenamente a aprovação do presente pedido de inquérito parlamentar. De facto, as árvores são muitas, Sr. Deputado Antunes da Silva. Tantas são que são bem mais uma floresta densa...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... do que as meras árvores que o Sr. Deputado há pouco referiu. É uma floresta tão densa que, naturalmente, justifica um amplo inquérito parlamentar não só às fraudes, à corrupção, às ilegalidades, ao tráfico de influência mas também em relação a todas as matérias em que o Governo dia a dia se vai atolando.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em nossa opinião, o debate sobre o estado actual da agricultura portuguesa e sobre as fraudes e irregularidades que atravessam os apoios nacionais e comunitários não pode limitar-se, nem muito menos centrar-se, numa qualquer polémica com a CAP, por muito que, como reconhecemos, esta nova corporação de lavoura seja altamente responsável pelas ilusões criadas aos agricultores portugueses, seja parceira e cúmplice do Governo na política agrícola, seja alta e ilegitimamente beneficiária de fundos de apoio ao sector, nem, por maioria de razão, centrar-se nas estruturas associativas da lavoura. Tal estratégia, naturalmente, agradaria ao Governo, porque afastaria este das luzes da ribalta, atirando-o para a penumbra do palco.
É preciso apurar as irregularidades em que a CAP, os seus dirigentes e algumas das suas estruturas estão atolados; é preciso ficar claro que a CAP não é, hoje, mais do que um lobby, não ao serviço dos agricultores mas ao serviço dos seus próprios dirigentes e da política do Governo. Estamos de acordo! Mas é preciso, sobretudo, fazer a avaliação da forma como o Governo desperdiçou os mais de 900 milhões de contos transferidos para o sector agrícola desde a integração.
O Governo tem de prestar contas ao País da aplicação deste elevado volume de recursos financeiros e das consequências do processo de integração da agricultura nacional na política agrícola comum, nas condições em que foi feita e na forma como tem sido conduzida. E o inquérito proposto é um contributo nesse sentido.
Porém, urge fazer também o grande debate nacional sobre a política do Governo para a agricultura, política que está a destruir o mundo rural, a liquidar milhares de produtores e a fazer desaparecer um modo de vida profundamente enraizado no tecido cultural do País, debate este que o descontentamento e a luta de milhares de agricultores justificam.
O Governo falhou na política agrícola! Esperemos que o PSD acerte no voto a este pedido de inquérito parlamentar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Entendamo-nos, mais uma vez, sobre o âmbito dos pedidos de inquérito, âmbito esse que é circunscrito pelas palavras que o partido que faz o requerimento escolhe.
Em primeiro lugar, pretendo referir que quem não pode dizer que faltam documentos para votar um pedido de inquérito é o PSD, que, talvez por engano, excessiva pressa ou por adivinhar outros resultados, decidiu há pouco tempo - e invectivou quem não queria concordar com ele que, para a Câmara decidir a realização de um inquérito, bataria a indicação de uma leve suspeita, mesmo que nem sequer envolvesse uma acusação. De forma que o CDS não aceita mais que o PSD exija documentos ou se queixe da falta deles para votar pedidos de inquérito.
Ora, se basta essa vaga alusão, que todos conhecemos, para desencadear um pedido de inquérito e para fustigar aqueles que hesitaram em nome da dignidade do instituto, neste caso, o Sr. Deputado António Campos fez uma acusação gravíssima. E que para nós não estão em causa as facturas que o Sr. Deputado António Campos possuía - e não há dúvidas de que houve desvio de fundos, essa matéria está a correr os trâmites judiciais normais -, também não está em causa agora a política agrícola do Governo, de que o Sr. Deputado Lino de Carvalho falou muito, na medida em que esse assunto vai ser discutido dentro de pouco tempo; o que está em causa, isso sim, é que o Sr. Deputado António Campos diz que não só há desvios de fundos como, para além disso, existem pessoas do Governo que actuaram no sentido de tornar possível esses mesmos desvios. Ora, é isso que quero entender. É que das palavras do Sr. Deputado António Campos, tal como «utilizado de traficância» ou a referência a membros do Governo e da Administração Pública, parece-me haver matéria para investigar o comprometimento do Governo nos desvios de fundos, ou seja, a implicação do Governo nos desvios de fundos. Por isso gostava de saber o que se passa, embora não esteja em fase de pedidos de esclarecimento.
Devo dizer que tenho muito respeito pelo Sr. Deputado António Campos e que gostaria de acompanhá-lo tranquilamente neste pedido de inquérito, mas nunca vi uma alegação da sua parte dizendo que, para além dos desvios de fundos, existe um comprometimento explícito de membros do Governo no sentido de facilitar ou de promover esses mesmos desvios. A única alegação que ouvi foi a de que o Governo privilegiava as relações com a CAP e que, porventura, esse privilégio, que faz parte da política e que terá justificações próprias, segundo espero, porventura esse privilégio é que permite, segundo as palavras do Sr. Deputado António Campos, algumas faltas de irregularidades e algum laxismo na entrega e na utilização dos fundos.
Se, de facto, houver alegações no sentido de que o Governo tem culpas nos desvios de fundos e não apenas culpas de falta de controlo ou de poucas cautelas na sua entrega, se, de facto, o Sr. Deputado António Campos tem

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alegações no sentido de que o Governo está comprometido, de que tem conhecimento, de que deixou passar de que é cúmplice com o desvio de fundos na agricultura, pensamos que este inquérito deve ser votado favoravelmente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultara (Álvaro Amaro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela primeira vez, nesta Câmara, sou chamado a intervir em relação a
esta já velha problemática.
O Sr. Deputado António Campos, numa primeira fase, como bom cidadão, entendeu, no cumprimento do seu trabalho de Deputado, falar com pessoas e verificar se
estavam ou não a ser cumpridas as regras de pagamento de alguns subsídios e encontrou, segundo as suas afirmações e segundo os papéis que exibiu, alguns subsídios, porventura, mal pagos ou indevidamente pagos.
Sr. Deputado António Campos, há três anos um concidadão nosso, desconhecido, não da ribalta política, escreveu-me uma carta contando que se tinha dirigido a um
dos serviços do Ministério da Agricultura e que, para receber um determinado subsidio, alguém, corrupto, lhe tinha pedido antecipadamente 30 contos. Sr. Deputado António Campos, esse nosso concidadão - escrevi, então -, funcionário da Administração Pública, «deve ser preso imediatamente». Disseram os juristas de então que não podiam mandá-lo prender, nem tão-pouco expulsá-lo
da Administração, porque era preciso haver tolo um processo cie averiguações. E o processo seguiu normalmente os seus trâmites. Mas esse era o caso de um
concidadão nosso.
O Sr. Deputado é também um nosso concidadão, mas quis vir para a ribalta política e, em vez de utilizar o que tinha na mão e que bem palia ajudar ao bom desempenho da Administração, do Governo - e não está em causa a boa ou má utilização dos fundos, como o Sr. Deputado António Lobo Xavier referiu, como não está em causa a boa ou má política agrícola que, dentro em breve, iremos
discutir, não vamos confundir as coisas -, veio usar como arma de arremesso político (e isso é que está em causa) aquilo que bem poderia ser um valioso contributo de um cidadão politicamente responsável para ajudar a desmistificar algumas situações e contribuir para que elas corressem de um modo perfeitamente regular. Mas não: arremessou, primeiro, contra a sociedade - opção sua,
Sr. Deputado! - e, depois, contra o Governo.
Pergunto-lhe, e sublinho a quesito que o Sr. Deputado António Lobo Xavier colocou: será politicamente honesto julgar, por facturas, por recibos nu por uma cooperativa, 500 000 agricultores?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Será justo e politicamente sério, Sr. Deputado António Campos, por uma factura ou por uma cooperativa, julgar os membros do Governo?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado António Campos, sério, sério, em termos políticos, era o senhor fazer aquilo que lhe competia, como esse concidadão que me escreveu a carta, ou seja, utilizar através cias vias judiciais, não apenas através das vias políticas, não apenas através da ribalta política...

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - É proibido?!

O Orador: - Não é proibido, Sr. Deputado. Pode fazê-lo! Agora, não tem o direito, não lhe reconheço esse direito em termos políticos, porque sou membro do Governo, porque sou membro do Ministério da Agricultura, de lançar sobre o Ministro e sobre mim próprio a acusação de que trafico influências, de que me submeto a clientelas, eu ou qualquer responsável político do Governo. 15so eu não aceito, Sr. Deputado!

O Sr. António Filipe (PCP): - Quem não deve não teme!

O Orador: - É verdade! Exactamente porque «quem não deve não teme»...

Protestos do PS e do PCP.

O Orador: - Sr. Presidente, desejava concluir a minha intervenção.

Exactamente porque «quem não deve não teme», exactamente por isso...

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Portanto, não receie o inquérito!

O Orador: - Exactamente porque «quem não deve não teme» e, para que conste, vejamos os factos:

No dia 9 de Janeiro, era publicitada uma situação que indiciava irregularidade numa cooperativa; no dia 12 de Janeiro, o Instituto Nacional de Garantia Agrícola consultava quatro empresas da especialidade; no dia 28 de Janeiro, era feito um contrato com uma empresa da especialidade, fora da Administração, para fazer a verificação do pagamento devido ou indevido dos subsídios e só no dia 9 de Fevereiro é que o Deputado António Campos levantou esta situação.

Pergunto: tece às suspeitas, a Administração e o Governo accionaram ou não os mecanismos, agindo em conformidade? Será ou não verdade que a reacção do Deputado António Campos se sucedeu à acção do Governo?

O Sr. António Campos (PS): - 15so é de gargalhadas! É anedótico!

O Orador: - É que, Sr. Deputado, a sua reacção em função daquilo que procurámos saber junto das empresas da especialidade para verificar o cumprimento ou o incumprimento do pagamento de algum subsidio levou a que com essa arma de arremesso... - sem pôr em causa, como comecei por dizer, a sua benéfica ajuda, mas no âmbito das vias concretas, e sem lhe retirar qualquer legitimidade, como é óbvio, para o fazer em termos políticos.
Mas, como o Sr. Deputado e tolos o sabem, no dia 11 de Fevereiro, o Sr. Ministro da Agricultura pediu ao Sr. Procurador-Geral da República que fizesse todas as in-

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vestigações em relação ao pagamento de subsídios. Quem não deve não teme! E porque nós acreditamos nos órgãos judiciais independentes e não apenas nos juízos de valor políticos do Sr. Deputado António Campos, esperamos, com serenidade, aquele julgamento sério e isento que a Procuradoria-Geral da República vai fazer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Agricultura, Sr. Deputado António Lobo Xavier, é evidente que esta questão hoje aqui em debate a propósito do inquérito parlamentar n.º10/VI reaviva toda a problemática da política agrícola e da forma como ela tem sido conduzida no Pais. Vamos discuti-la aqui no próximo dia 24, aquando da discussão sobre política agr4colá, mas ela não pode passar à margem deste debate acerca do inquérito parlamentar, sob pena de perdermos a perspectiva global em que este inquérito e estas questões se inserem.
A verdade é que se criou um sistema, ele próprio, estimulador e propiciador do conjunto de irregularidades e fraudes que por aí campeiam na área da agricultura. Mas não só! Basta atentarmos neste caso concreto: por exemplo, sabe-se que os agricultores rendeiros que não tenham titulo de arrendamento - e são muitos face à nossa realidade social agrícola - não podem candidatar-se aos subsídios de cereais sem ter esse título de arrendamento.

O Sr. Bernardino Gata Silva (PSD): - Podem!

O Orador: - Então, a fórmula a que muitas vezes recorrem é a de pedirem a outros produtores, rendeiros detentores de títulos de arrendamento, que manifestem os cereais que não produzem, mas que são produzidos pelo outro agricultor que não tem o título de arrendamento, de forma a este último poder obter o subsidio por esta via. Ora, evidentemente, este mecanismo cria todo o tipo de irregularidades incontroláveis que hoje existem na agricultura portuguesa. Este sistema foi criado exactamente porque, como o Sr. Deputado Álvaro Barreto diz hoje numa entrevista, o Governo sabia que a política agrícola que estava a desenvolver iria criar dificuldades insuperáveis para os agricultores portugueses, tendo sido necessário criar um sistema que servisse de «almofada» para conter os protestos legítimos dos agricultores.
Quanto às questões concretas das irregularidades, o Sr. Secretário de Estado sabe que elas vão muito além dos recibos apresentados pelo Sr. Deputado António Campos.
Sr. Secretário de Estado, então não é verdade que em torno do Programa de Acção Florestal e na Direcção-Geral das Florestas há fortíssimos indícios de irregularidades, envolvendo familiares do actual director-geral das Florestas?
É ou não verdade que há técnicos da Direcção-Geral das Florestas que, contrariando todas as normas legais e administrativas, fazem cá fora projectos do PAF, que, depois, eles próprios aprovam enquanto técnicos da Direcção-Geral das Florestas?
É ou não verdade que, ao nível do Regulamento (CEE) n.º 797/85 e do PEDAP(Programa Específico de Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa), isso também acontece?
É ou não verdade que nas fraudes relativas ao leite, em investigação na Policia Judiciária, funcionários do INGA (Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola) foram à cooperativa das Caldas da Rainha, onde nada descobriram, e só posteriormente, devido a fortes denúncias de alguns associados, é que voltaram a intervir junto da Polícia Judiciária, que, por sua vez, já descobriu fraudes no valor de mais de 500 000 contos?
Então, este não é um conjunto de indícios suficientemente forte para justificar um largo inquérito às irregularidades, às fraudes e, por maioria de razão, à forma como têm sido aplicados vários milhões de contos?
Sr. Secretário de Estado, de facto, «quem não deve não teme», e o Governo, se não teme, deve aprovar, ou propor à maioria do PSD que aprove, este inquérito parlamentar!

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultara.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Respondo no fim de todos os pedidos de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não tem argumentos!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Secretário de Estado das Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, não há mais nenhum Sr. Deputado inscrito para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado da Agricultura? É que pareceu-nos que o Sr. Deputado António Campos se tinha inscrito para esse fim.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Secretário de Estado. Só o Sr. Deputado Lino de Carvalho se inscreveu para pedir esclarecimentos.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - É que, no caso de haver mais algum Sr. Deputado inscrito, o Sr. Secretário de Estado da Agricultura responde no final; caso contrário, responde de imediato.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, o único pedido de esclarecimento que havia para fazer já foi formulado.
Assim sendo, dou a palavra ao Sr. Secretário de Estado da Agricultura para responder.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, tal como há pouco referi em relação às duas ou três questões colocadas pelo Sr. Deputado, quanto à forma de aplicação dos instrumentos da política agrícola, como o senhor disse, no próximo dia 24 cá nos encontraremos para, mais uma vez, discutirmos taco a taco, estratégia a estratégia e opção a opção, de modo a que, depois, os Portugueses possam julgar as suas opções e as nossas. Essa é uma questão que vamos discutir, como já o fizemos várias vezes.

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já discutimos isso na Comissão, Sr. Secretário de Estado!

O Orador: - Sr. Deputado, peço-lhe que não me, interrompa, porque também o ouvi com toda a atenção.
Vamos discutir isso, sim, mas não hoje e aqui. O senhor preparar-se-á com certeza para esse efeito, tal como tem acontecido, e nós faremos o mesmo.
Sr. Deputado, quanto aos fortíssimos indícios de irregularidades no âmbito da Direcção-Geral das Florestas, não é crível que, pelos «fortes indícios», como o senhor refere, de que falam os jornais, o senhor queira logo fazer o julgamento final em relação a qualquer responsável!
Que o senhor me pergunte se está a decorrer algum inquérito ou julgue politicamente a minha pessoa ou a do Sr. Ministro, perguntando o que é que fizemos em relação a essa matéria, isso compreendo, Sr. Deputado.
Agora, honestamente, tenho dificuldade em compreender que o senhor...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É para isso que é o inquérito!.

O Orador: - Mas o inquérito, em relação a esses indícios da Direcção-Geral das Florestas, está a decorrer! Só que o senhor não me perguntou se há ou não inquérito, de modo a fazer recair sobre mim um julgamento político. Não! O senhor fá-lo recair sobre um cidadão responsável, pelo facto de os jornais indiciarem seja o que for.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não são os jornais, são as disposições!

O Orador: - Ora, isso não é sério, nem conecto, Sr. Deputado! O senhor julgue-me a mim politicamente sobre a minhas acções ou omissões, mas não os técnicos ou os responsáveis antes de saber o resultado. 15so Mio é conecto, Sr. Deputado, e o senhor sabe-o bem!
Quanto às eventuais fraudes no sector do leite, o senhor sabe que a Policia Judiciária está a investigar e «quem não deve não teme» O Sr. Deputado sabe que, em relação a estas situações, fomos nós quem pedimos os inquéritos à Procuradoria-Geral da República. «Quem não deve não teme»!
Agora, não confundamos juízos sobre comportamentos humanos com juízos políticos e o que os senhores querem fazer são juízos políticos! Muito bem, podem faze-los! Por isso são oposição!
Mas esperemos pelos resultados, porque nós preferimos o juízo que Portugal vai fazer!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): -- Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não tenho dúvida alguma de que tanto os Srs. Deputados da maioria como o Sr. Secretário de Estado da Agricultura sabem que no sector da agricultura há um volume enormíssimo de burlas e muito tráfico de influências. Não tenho dúvida alguma, e o Pais também não!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria que a maioria e o Governo, em vez de darem lições - como o pretenderam fazer o Sr. Deputado Antunes da Silva e o Sr. Secretário de Estado da Agricultura - ao Deputado António Campos, se comportassem com dignidade perante o povo português.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, essa dignidade obrigava a que os senhores, hoje e aqui, aprovassem este inquérito. Posso a explicar porquê: em primeiro lugar, não sou policia para, como tal, poder substituí-la, mas, como Deputado, tenho o direito e o dever de, quando conheço situações de pura fraude e traficância, denuncia-las aqui. Foi isso o que fiz!
Relativamente às questões concretas, devo referir o seguinte: o Sr. Secretário de Estado disse que tinha fiscalizado, através do INGA, a Cooperativa de Tones Vedras. Ora, segundo o resultado do inquérito, estava tudo normal; só que há fraudes de centenas de milhares de contos!
Na cooperativa de Santarém, houve uma auditoria que comprovou a existência de burlas no valor de cerca de 100 000 contos...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e, apesar de a auditoria ter apontado os culpados, ninguém foi levado a juízo e o INGA ainda entregou 40 000 contos à Cooperativa de Torres Vedras, para fazer face à roubalheira. Por acaso, o gerente até era sócio do presidente da Cooperativa de Santarém e, segundo a auditoria, estava envolvido no desvio de cerca de 100 000 contos!
Trouxe igualmente documentação sobre a Cooperativa de Conuche, tendo feito entrega na Procuradoria-Geral da República de documentos comprovativos de fraudes ai ocorridas.
Portanto, nem o Sr. Secretário de Estado nem o Sr. Deputado Antunes da Silva podem acusar-me de ter vindo aqui tratar 'do problema de uma cooperativa! Uma cooperativa, aliás, que considero extremamente importante, por ser uma das maiores de Portugal, mas onde houve burlar de centenas de milhares de contos. O Sr. Secretário de Estado devia saber que não podia ter havido um aumento da produção de cereais àquele nível naquele ano - e estou a referir-me a fundos de 1990 - e, sendo o senhor tão solicito na apresentação de estatísticas relativas ao crescimento da produção por concelhos e por zonas, não viu que ali se tinha dado o «milagre dos pães» e que a produção tinha aumentado no concelho de Torres?! Não tinha percebido isso?!

Aplausos do PS.

Gostaria que o Sr. Secretário de Estado, em vez de me dar lições de comportamento, se assumisse como membro do Governo e facilitasse a esta Casa a averiguação acerca da aplicação dos 900 milhões de contos.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Tenho mais casos, mas não quero vir para aqui cheio de papéis, como o Sr. Deputado diz. Entreguei-os, sim, ao cuidado do Procurador-Geral da República. Mas posso afamar que há muita traficância e muitas burlas, envolvendo muitos milhões de contos! E se o Sr. Secretário de Estado e esta maioria quiserem raspei-

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tar o povo português e esta instituição, têm de votar a favor deste pedido de inquérito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se os senhores o rejeitarem, é porque têm medo! Se não têm, aprovem-no!

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Campos, a propósito da sua segunda intervenção, quero dizer-lhe o seguinte: em primeiro lugar, não lhe reconheço capacidade para avaliar a minha dignidade ou a de qualquer membro desta bancada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. António Campos (PS): - Então, aprove o pedido de inquérito!

O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Deputado, todos nós lhe reconhecemos o direito e o dever de denúncia.

O Sr. António Campos (PS): - Vá lá!

O Orador: - Mas vamos analisar o recto, Sr. Deputado!
Depois daquilo que referiu na sua segunda intervenção, tenho de agradecer-lhe, porque, no fundo, demonstrou que tudo o que afirmei é correcto.
Sr. Deputado, não faça tanta demagogia, porque não lhe pedi papéis. Vou citar-lhe exactamente o que lhe pedi. Eu disse: «Se o PS conhece situações que razoavelmente indiciem casos de fraude ou de corrupção na utilização de fundos comunitários ou de outras verbas públicas e relativamente aos quais o Governo, tendo deles conhecimento, não tenha actuado, denuncie-os, aqui e agora»,...

Vozes do PS: - Foi o que acabou de fazer!...

O Orador: - ... «e nós reflectiremos positivamente sobre o seu pedido de inquérito.»

Vozes do PS: - Já apresentou as provas!

O Orador: - Srs. Deputados, vou-me habituando, infelizmente, à vossa falta de capacidade para ouvir!...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De qualquer forma, Sr. Deputado António Campos, o apelo que lhe faço é o seguinte: não faça demagogia e responda directamente à questão que lhe suscitei.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há resposta que valha a pena, quando a maioria não aceita o inquérito. Eu já demonstrei que tenho provas,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Então, apresente-as! Não seja balofo!

O Orador: - ... e que as entreguei...

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Aliás, o Sr. Deputado já leu muitas delas na comunicação social. Não vale a pena!
De facto, não estou mais aqui para aturar uma maioria que não quer deixar funcionar as instituições num problema que é grave na sociedade portuguesa. Todos os dias abrimos os jornais e o que vemos são fraudes, são corrupções, são membros do Governo na traficância, é tudo isso!... Os senhores estão a prejudicar o regime e também esta Casa, ao não a deixar actuar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que o Sr. Deputado António Campos pode não estar para «aturar» a maioria e pode achar que eu tive a veleidade de dar-lhe lições de comportamento. Não tenho essa veleidade, nem quero tê-la.

O Sr. António Campas (PS): - Eu não disse isso!

O Orador: - A única coisa que eu gostaria que o senhor retirasse àquilo que disse é a de que eu não venho aqui comportar-me com dignidade em relação àquilo que tenta pôr na praça pública e com isso manchar o nome do Governo.
Sr. Deputado António Campos, não me preocupa a oposição que faz, por esta via, relativamente ao juízo que o povo português faz ou não da actuação do Governo. Em relação a isso, o senhor, como bom cidadão que é, tem a sua influência junto do seu eleitorado, mas nós naquilo que acreditamos é, justamente, no juízo que depois o povo português fará disco!
O que me preocupa, Sr. Deputado António Campos, é isto: o senhor acredita ou não - e eu penso que sim! na Procuradoria-Geral da República? Se o senhor acredita na Procuradoria-Geral da República, não acha que, no dia seguinte a ter-nos acusado, incorrectamente, de tráfico, de traficância, de burla, sei lá o diabo de quê, pedíamos ao Sr. Procurador-Geral da República que fizesse o inquérito?
Se o senhor acredita nos órgãos judiciais independentes, então, serenamente, espere o que vier a ser revelado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então, por que razão é que não seguiram esse critério para o caso da «virgula»?

O Orador: - Podiam acusar-nos, se não tivéssemos reagido...

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Os senhores usam dois pesos e duas medidas!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nem eu nem ninguém do Governo aqui vota ou deixa de votar inquéritos.

Vozes do PS: - Não deixam é votar!

O Orador: - O que eu gostaria de referir-lhe, mais uma vez, é que não é justo nem correcto que o senhor não realce, ao menos isso, o papel que tivemos, sem qualquer hesitação, ao pedir que, serenamente, se fizesse o julgamento correcto, por entidades autónomas, independente, e não apenas político, porque esse já o senhor o fez aliás, está no seu direito.
Também não é justo, nem correcto - e o senhor sabe que é verdade -, ao falar das Cooperativas de Torres Vedras, de Santarém, disto ou daquilo, omitir que há 170 cooperativas que, neste momento, estão a ser inspeccionadas em termos de circuitos económicos quanto aos recebimentos e pagamentos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não é justo, nem correcto, que o senhor omita isto, não para Portugal, Sr. Deputado António Campos, mas para a Comunidade Económica Europeia, porque o senhor não sabe como é que isso funciona, mas sabe, porque já lhe mostrámos, que três dias após a sua actuação política em Portugal, tínhamos recebido uma carta da Comunidade a dizer que quem está a ser mal julgado não é o Governo Português mas os agricultores de Portugal.

Protestos do PS.

Ora, é isso que dificulta junto das instâncias comunitárias!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de requerer, com a máxima urgência, o extracto da intervenção que o Sr. Deputado António Campos aqui fez, dizendo que havia traficância de membros do Governo.
Gostaríamos, pois, de obter, com a máxima urgência, o extracto dessa intervenção do Sr. Deputado António Campos para que o Grupo Parlamentar do PSD actue nos efeitos e na altura mais conveniente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. António Campos (PS): - Leia O Independente de hoje!

O Sr. Presidente: - A Meta toma nota do seu pedido, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, tendo sido pedida a V. Ex.ª uma certidão de um extracto de declarações do Sr. Deputado António Campos, gostaria de perguntar-lhe qual é o critério da Mesa relativamente a esta matéria, sabendo-se que o único meio de prova admitido nos tribunais - aliás, correctamente - sobre o que se passa nesta Casa só pode e deve ser a acta desta sessão, que, naturalmente, será publicada na altura própria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, foi exactamente por essa razão que a Mesa disse que tomava nota do pedido do Sr. Deputado Rui Carp, e nada mais acrescentou.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Deputado Rui Carp, leia O Independente de hoje!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados,. está encerrado o debate do inquérito parlamentar n.º l0/VI.
A nossa próxima reunião realizar-se-á quarta-feira, dia 17, tendo como período da ordem do dia a apreciação do projecto de deliberação n.º 58/VI - Fixa o elenco, a ordem e a composição das comissões especializadas permanentes(apresentado pelo Presidente da Assembleia da República) e da proposta de lei n.º 48/VI - Autoriza o Governo a aprovar medidas de combate à corrupção, assim como votações, nomeadamente, do projecto de lei n.º 103M, dos inquéritos parlamentares n.º 8, 9 e 10/VI, hoje discutidos, e, por último, do projecto de deliberação n.º 59/VI.
Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a sessão, desejando a VV.as um bom fim-de-semana.

Eram 13 horas e 20 minutos.

Faltaram d sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
José Macário Custódio Correia.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.

Partido Socialista (PS):

António Alves Martinho.
António Domingues de Azevedo.
António Poppe Lopes Cardoso.

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Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas. João António Gonçalves do Amaral.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Deputado independente:

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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DIÁRIO
Da Assembleia da República

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