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2046 I SÉRIE - NÚMERO 64

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o referido voto é do seguinte teor

Voto n.º 79/VI

Faleceu o Prof. Doutor João Pedro Miller Guerra, figura grande da medicina, da investigação, do ensino e cidadão de verticalidade exemplar. Deputado da Ala Liberal na Assembleia Nacional, nela foi intérprete das aspirações democráticas do povo português e em defesa destas se manifestou sempre, chegando por vezes à confrontação física com elementos fascistas do regime de então.
Foi ainda Deputado à Assembleia Constituinte, tomando lugar na bancada do Partido Socialista e socialista se manteve até ao fim.
A Assembleia da República manifesta o seu profundo pesar pela morte do Professor Miller Guerra e apresenta à família as suas sentidas condolências.

O Sr. Presidente: - Para se pronunciar sobre o voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morreu o Professor Miller Guerra, médico e mestre de Neurologia na Faculdade de Medicina de Lisboa, exemplo dos cidadãos que não abdicam dos seus direitos porque vão sempre além no cumprimento dos seus deveres.
Deputado à antiga Assembleia Nacional, seria Deputado à Constituinte e depois à Assembleia da República. Ele, que fora a voz da resistência neste mesmo Hemiciclo, seria um dos obreiros da nova Constituição, garante da cidadania para todos os portugueses, não admitindo nem servos nem senhores, mas tão-somente uma república de cidadãos.
Toda a tirania se vai desgastando e quando um regime absoluto sentia a necessidade de conviver e atrai a si homens como Miller Guerra, Sá Carneiro, Magalhães Mota, Pinto Balsemão e outros, era porque sentia já dentro de si mesmo que a tirania não compensa, que a vida é essencialmente comunitária e que não há república sem consciência da cidadania.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - Além disso, a comunicabilidade dos homens é cada vez maior e os segredos tornam-se de dia para dia património de todos. Mas há ainda quem tenha ilusões e busque voltar ao mofo do passado.
Miller Guerra entrou na Assembleia Nacional com Sá Carneiro, Magalhães Mota, Pinto Balsemão, Pinto Leite, Correia da Cunha e Mota Amaral. O regime que os convidara julgava ludibriar os cidadãos, mudando apenas o nome às coisas.
Ao mesmo tempo, na imprensa, a Comissão de Censura passava a chamar-se de Exame Prévio. Era uma tentativa vã de fingir que se andava marcando passo no mesmo sítio, mas, de facto, não pode haver hoje em dia povos ou homens isolados. É que as notícias nos vêm do ar e as mensagens atravessam as paredes mais espessas.
O conflito teria de dar-se e deu-se: Miller Guerra, Pinto Balsemão, Sá Carneiro e Magalhães Mota não se limitaram às suas funções de Deputados; falaram para os jornais e romperam a Censura, então também chamada de Exame Prévio.
O Deputado Jaime Gama ouviu-os a todos para o República e nesta Casa se chegaria quase à confrontação física de Miller Guerra com um dos valentões do passadismo do mofo dos nossos avós.
O regime estalou e ruiu no dia 25 de Abril de 1974. Um ano depois, dia por dia, Miller Guerra era eleito Deputado à Assembleia Constituinte da República. Essa nova república resistiu a todas as tentativas de manipulação que se buscaram tanto à direita como à esquerda, algumas bem duras, como o sequestro que aqui sofremos.
Homem de ciência, investigador, cidadão entre cidadãos, Miller Guerra voltou às suas aulas, ao seu consultório, aos seus alunos e aos seus doentes, buscando sempre tornar os homens mais solidários e mais independentes da dor humana e de todas as escravidões físicas, morais e intelectuais.
É a república que se vai tornando uma realidade nessa vivência e solidariedade entre os homens. Não será isso também uma religião como a entendia o católico Miller Guerra?
Lembro com emoção esse homem simples e bom, tão ansioso de saber como solidário com todos os que sofrem moral ou fisicamente. Era realmente, no seu saber e na sua simplicidade, o exemplo perfeito do cidadão, quero dizer do verdadeiro republicano.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Assembleia, expressão mais subida da vontade colectiva do povo que somos, tem o hábito, delicado e salutar, de não esquecer todos quantos contribuem para o processo difícil, mas aliciante, da democratização do nosso relacionamento. Factos e personalidades vão marcando e indiciando esse admirável processo que nos serve de enriquecimento da memória que carinhosamente guardamos. É que a sociedade só vive enquanto tem essa memória e se alimenta das esperanças que aqueles testemunham.
Miller Guerra, como também foi dite» pelo meu companheiro e amigo Raúl Rêgo, pertenceu à Ala Liberal. Aí foi um valoroso contraditor do regime ditatorial.
Mas ele passou por aqui, pela Constituinte, onde foi tribuno vibrante e esclarecido, mostrando os fulgores de uma inteligência e de um saber feito de competência e bom senso, como cidadão, como profissional e como político de um precioso testemunho para enriquecer a nossa memória colectiva.
Guardemos, pois, a sua memória e prestemos-lhe a nossa homenagem pelo precioso contributo, que nos legou. É nessa perspectiva que o meu grupo parlamentar se associa, com os seus sentimentos de profundas condolências, ao voto de pesar apresentado. A ele me associo, com a tristeza de ver perdido um amigo que admirava e respeitava, com a ternura que só a amizade explica e justifica.

Aplausos gerais.

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