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Sexta-feira, 4 de Junho de 1993
I Série - Número 79
Diário da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE JUNHO DE 1993
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmo. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
SUMARIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Luís Peixoto (PCP) criticou a política de saúde do Governo e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Bacelar e Joaquim Vilela Araújo (PSD).
O Sr. Deputado Raul Castro (Indep.) condenou a política social e económica do Governo nos últimos oito anos.
Em declaração política, o Sr. Deputado António Campos (PS) teceu considerações sobre a audição parlamentar com vista a apurar da existência ou não em Portugal da encefalopatia espongiforme bovina levada a cabo pela Comissão de Agricultura e Mar, tendo respondido aos Srs. Deputados Carlos Luís e Antunes da Silva (PSD) e António Murteira (PCP).
A Sr.º Deputada Maria da Conceição Rodrigues (PSD) abordou a situação do distrito de Portalegre no que respeita à segurança social na sua vertente de apoio aos idosos.
O Sr. Deputado Domingues Azevedo (PS) referiu problemas com que os cidadãos se confrontam perante a administração fiscal e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputadas Rui Carp (PSD) e António Lobo Xavier (CDS).
Após a Sr.º Deputada Maria Julieta Sampaio (PS) ter apresentado o voto n.º 83/VI - De saudação pela comemoração do Dia Mundial da Criança, foi o mesmo aprovado.
Ordem do dia. - Procedeu-se ao debate da proposta de lei n.º 60/VI - Estabelece medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira. Depois da apresentação do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias pelo Sr. Deputados Guilherme Silva (PSD),
intervieram, a diverso titulo, além do Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio), os Srs. Deputados José Vera Jardim, Alberto Costa (PS), António Lobo Xavier (CDS), Alberto Martins (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Luís Pais de Sousa (PSD), Guilherme Silva (PSD) e Odete Santos (PCP).
Foi debatido o inquérito parlamentar n.º 15/VI-Constituição de uma comissão eventual de inquérito com vista ao apuramento de/actualidade referente a actos praticados pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura e, designadamente, a legalidade ou ilegalidade do seu despacha de 29 de Junho de 1992, relativo à atribuição de indemnizações e montantes compensatórios. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Álvaro Amaro), os Srs. Deputados Antunes da Silva (PSD), António Campos (PS), Lino de Carvalho (PCP), António Lobo Xavier (CDS), Silva Marques (PSD) e José Lello (PS).
Foi igualmente debatido o inquérito parlamentar n.º 16/VI - Sobre as irregularidades praticadas pelo Secretário de Estado da, Agricultura e outros responsáveis em processos de indemnização por anates sanitários de bovinos, com lesão dos interesses do Estado em montante superior a 600 000 contos, e na ocultação dolosa de provas da existência em Portugal de bovinos atingidos pela chamada doença das vacas loucas (PS). Intervieram, a diverso título, além dos Srs. Secretários de Estado da Agricultura (Álvaro Amaro) e Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes), os Srs. Deputados António Campos (PS), Antunes da Silva (PSD) e António Murteira (PCP).
Entretanto, foi aprovada, em votação global, a proposta de resolução n.º 22/VI-Aprova, para ratificação, o Protocolo Que Adapta o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, respectiva acta final e seus anexos - e rejeitado, na generalidade, o projecto de lei n.º 311/VI - Cria a comissão nacional para avaliação de impactes resultantes da transferência de caudais entre bacias hidrográficas (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Ganido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
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António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Paulo Martins Casaca.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Arménio Horácio Alves Carlos.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputados independentes:
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta das diplomas, requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 62/VI - Autoriza o Governo a aprovar o Código da Estrada; projectos de lei n.º 325/VI - Criação do Provedor da Criança (PS), que baixou as l.ª e 9.ª Comissões, e 326/VI - Para a protecção, gestão e fruição justa e racional dos recursos cinegéticos (PS), que baixou às 5.º e 10.º Comissões; e ratificações n.º 79/VI - Decreto-Lei n.º 163/93, de 7 de Maio, que estabelece o Programa Especial de Realojamento nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto (PCP), 80/VI - Decreto-Lei n.º 164/93, de 7 de Maio, que estabelece o Programa de Construção de Habitações Económicas (PCP), 81/VI -Decreto-Lei n.º 165/93, de 7 de Maio, que revê o regime jurídico dos contratos de desenvolvimento para a habitação (revoga o Decreto-Lei n.º 39/89, de 2 de Fevereiro) (PCP), 82/VI - Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio, que estabelece o regime de renda apoiada (PCP) e 83/VI - Decreto-Lei n.º 167/93, de 7 de Maio, que estabelece o regime de propriedade resolúvel sobre prédios urbanos ou suas fracções autónomas (PCP).
Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes: ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Raul Castro e João Amaral; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Ana Maria Bettencourt, António Martinho, José Magalhães, Marques Júnior, Caio Roque, Luís Filipe Madeira, João Proença, Isabel Castro, Alberto Cardoso e Virgílio Carneiro; ao Ministério da Defesa Nacional, formulados pelos Srs. Deputados Caio Roque e Manuel Sérgio; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Silva Azevedo e Octávio Teixeira; ao Ministério da Educação, formulados pelas Sr.ªs Deputadas Maria Julieta Sampaio e Ema Paulista; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Álvaro Viegas, Pedro Gomes, Isabel Castro, Lino de Carvalho e Luís Peixoto; ao Ministério da Justiça, formulados pelos Srs. Deputados Gameiro dos Santos e José Calçada; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunica-
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coes, formulados pelos Srs. Deputados António Maninho, Luís Pais de Sousa e João Rui Almeida; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Adão Silva; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Arménio Carlos, Apolónia Teixeira, José Manuel Maia, Manuel Sérgio e José Mota; ao Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, formulado pela Sr.ª Deputada Ema Paulista; à Câmara Municipal de Lisboa, formulado pelo Sr. Deputado Macário Correia; ao Ministério do Mar, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Rui Cunha, Lino de Carvalho e Luís Peixoto; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Caio Roque.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Apolinário, nas sessões de 9 e 26 de Janeiro; Fernando de Sousa, nas sessões de 10 de Abril e 17 de Fevereiro; Mário Tomé, na sessão de 11 de Junho; Raul Castro, nas sessões de 24 de Junho e 21 de Abril; Macário Correia, na sessão de 30 de Junho; António José Seguro, no dia 31 de Julho; António Filipe, na sessão de 10 de Novembro; Guilherme Oliveira Martins, nas sessões de 17 de Novembro, 21 de Janeiro, 11 de Março e 22 de Abril; Fernando Santos Pereira, na sessão de 20 de Novembro; José Calçada, na sessão de 10 de Dezembro; Leite Machado, na sessão de 10 de Dezembro; António Murteira, nas sessões de 10 de Dezembro e 2 de Abril; Olinto Ravara, na sessão de 16 de Dezembro; Luís Peixoto, nas sessões de 16 de Dezembro e 2 de Fevereiro; Álvaro Viegas, nas sessões de 17 de Dezembro e 4 de Março; Lino de Carvalho, nas sessões de 7 de Janeiro, 25 de Fevereiro e 2 de Abril; José Magalhães, nas sessões de 12 de Janeiro, 25 de Fevereiro e 5 de Março; Nuno Ribeiro da Silva, na sessão de 4 de Fevereiro; Elisa Damião, na sessão de 4 de Fevereiro; Isilda Martins, na sessão de 9 de Fevereiro; André Martins, na sessão de 16 de Fevereiro; Isabel Castro, na sessão de 25 de Fevereiro; Maria Julieta Sampaio, na sessão de 26 de Fevereiro; Duarte Lima, na sessão de 2 de Março; José Eduardo Reis, na sessão de 5 de Março; Luís Nobre, na sessão de 9 de Março; Carlos Marta Gonçalves e António Maninho, na sessão de 13 de Março; José Manuel Maia, nas sessões de 13 e 31 de Março; Júlio Henriques, na sessão de 17 de Março; Octávio Teixeira, na sessão de 26 de Março; Helena Torres Marques, na sessão de 2 de Abril; Jorge Paulo Cunha na sessão de 14 de Abril; Joel Hasse Ferreira na sessão de 15 de Abril; Arménio Carlos, nas sessões de 23 e 29 de Abril; Adão Silva, nas sessões de 29 e 30 de Abril.
Informo ainda os Srs. Deputados de que se encontram reunidas neste momento a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a Comissão de Economia, Finanças e Plano e a Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento, bem como a Subcomissão da Qualidade de Vida.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, quero anunciar que irei entregar na Mesa um requerimento, subscrito por um décimo dos Deputados, dirigido ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 2, alínea/), da Constituição, para que o mesmo tribunal declare inconstitucional, com força obrigatória geral, todas as normas constantes do Decreto Legislativo Regional n.º 15/92, emanado da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, por clara violação dos artigos 56.º, n.º 2, alínea a), e 13.º da Constituição da República Portuguesa.
O Sr. Presidente: - A Mesa anota o anúncio do Sr. Deputado e aguarda que o mencionado requerimento seja entregue, sublinhando, em todo o caso, que não se tratou de uma interpelação, mas de uma informação à Mesa.
Passamos agora ao período das declarações políticas, para o que concedo a palavra ao Sr. Deputado Luís Peixoto.
O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No Hospital de Santa Maria morreram recentemente duas pessoas, alegadamente por falta de equipamento no respectivo serviço de urgência.
No Hospital de Santa Marta, em Lisboa, morreram quatro pessoas, vítimas de uma infecção bacteriana, resistente aos antibióticos, contraída no bloco operatório.
No Hospital de Évora morreram 16 pessoas, 11 oficialmente por deficiências do sistema de hemodiálise.
Após tratamento com produtos derivados do sangue, mais de 100 hemofílicos contraíram o vírus da sida, tendo já falecido muitos deles.
Mais recentemente, soube-se que 55 portugueses contraíram sida após uma transfusão de sangue.
Foram estas as estatísticas conhecidas que, no nosso entender, contribuíram decididamente para demonstrar a ineficiência da política de saúde praticada em Portugal.
Para o Governo, o panorama é outro e, quando lhe faltam argumentos, apresenta o da mortalidade infantil, sem referir quais as verdadeiras causas para a diminuição deste índice, apesar de tudo o mais alto da Europa.
A saúde em Portugal custa, em termos orçamentais, qualquer coisa como 600 milhões de contos por ano. Importa que se questione se são ou não suficientes estes cerca de 60 contos/mês que cada português tem ao seu dispor, embora os factos atrás relatados sejam por si só bastante esclarecedores. Portugal, com excepção da Turquia, é o país da OCDE onde o Estado menos gasta com a saúde: apenas 43 contos per capita, seguido de perto pela Grécia, com 49 contos, a Espanha com 71, e a Irlanda, com 82. Países como o Luxemburgo, a Noruega ou a Suécia, por exemplo, gastam, per capita, respectivamente 164, 175 e 183 contos.
No que respeita às despesas públicas de saúde em relação ao PIB, Portugal ocupa o último lugar, com 4,1 %, a uma distância significativa dos países que se lhe seguem, com 5,2 %, que são o Reino Unido, a Dinamarca e a Espanha.
São estes números, no nosso entender, justificativos da situação que actualmente se vive na saúde em Portugal, onde se caminha progressivamente para um bloqueio no funcionamento das estruturas públicas de saúde. As dívidas do Ministério da Saúde ascendem a cerca de 100 milhões de contos e este facto não é alheio à existência de mortes sucessivas nos nossos hospitais, que tem conduzido a um cada vez maior descrédito, por parte dos utentes, dos serviços públicos.
Qual a confiança que pode dar um serviço onde existem muitas vezes equipamentos obsoletos ou onde sim-
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plesmente não os há e onde produtos de higiene básica escasseiam, como é o caso do próprio papel higiénico, que em muitos lados já desapareceu?
Portugal e os Portugueses são neste momento vítimas desta política economicista. O próprio Governo já não respeita sequer compromissos assumidos anteriormente, quando assinou a Carta Europeia do Ambiente e Saúde, na qual se afirma: «A saúde dos indivíduos e das comunidades deve ter clara precedência sobre as condições económicas e comerciais.» Face a tamanha crise, exigiam-se medidas eficazes, medidas de fundo capazes de promover a transformação positiva da tendência actual para o bloqueio de funcionamento do Serviço Nacional de Saúde.
Não foi a resposta dada pelo Governo a necessária. Ao invés de optar pelo caminho, talvez mais difícil, do diálogo, enveredou pelo mais fácil e, constatando os crescentes custos da saúde, inclinou-se para os utentes, passando a chamar-lhes clientes (como agora são designados), e penalizou-os, primeiro com as taxas moderadoras, depois com a própria vida; prepara-se agora para pôr em prática medidas a que chama de inovadoras, que mais não pretendem do que aumentar a contribuição dos utentes. Exemplo disso é a tentativa de criação do tão famoso cartão do utente do Serviço Nacional de Saúde, onde, para além de dados pessoais de identificação, se pretende incluir o rendimento de cada um, para assim se classificarem os doentes pela percentagem que terão de suportar nos custos dos tratamentos.
O novo - até agora apenas rejeitado pelo PCP - Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, cuja ratificação foi feita na Assembleia da República com os votos favoráveis do PSD e a abstenção do PS, não serve os interesses do País nem garante a manutenção do direito à saúde, constitucionalmente consagrado, em pé de igualdade para todos.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Muito bem!
O Orador: - Não é, no entender do PCP, este Estatuto, tal como está ou retalhado, como alguns pretendem, que irá evitar que se repitam os escândalos que todos os anos vão surgindo. Foi o sangue contaminado com o vírus da sida, foram os concursos de favor para aquisição de equipamento hospitalar, têm sido as nomeações de todos os órgãos de gestão dos hospitais e administrações regionais de saúde (ARS).
A política do PSD é de fachada... Que o diga, por exemplo, o ex-subdirector-geral dos Cuidados de Saúde Primários, Dr. Gomes Silva, que ainda recentemente afirmou ter sido nomeado em 1987 para presidir à segunda comissão instaladora do Hospital de São Francisco Xavier a título de «favor pessoal», a fim de que pusesse a unidade a funcionar antes das eleições legislativas de Julho desse mesmo ano. Bem tentou esse médico suspender a campanha publicitária, que classificou de enganosa, encomendada pelo Governo, por publicitar serviços que não estavam a funcionar!... Bem tentou que não transportassem doentes aos quais o Hospital não pudesse socorrer! Foi obrigado a demitir-se quando viu que, designadamente, o sistema informático, instalado à pressa, não era eficiente, que tinha falta de pessoal para pôr as urgências a funcionar e que os esgotos não funcionavam bem.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Um escândalo!
O Orador: - Contra estes princípios éticos e contrariando a garantia de uma prestação correcta de cuidados de saúde, prevaleceram, contudo, as estratégias eleitorais que a então Ministra da Saúde protagonizava, como agora começa a vir ao de cima no processo que está decorrer nos tribunais.
O caso recente do Hospital Distrital de Évora e do escândalo que constituiu o relatório da Inspecção-Geral de Saúde é outro exemplo desta política, que, posta perante as gravíssimas consequências das suas opções economicistas, tenta alijar e transferir responsabilidades.
As conclusões do inquérito da Inspecção escamoteiam escandalosamente as responsabilidades do conselho de administração, com o perverso argumento de que não haveria da sua parte qualquer conduta irregular do ponto de vista jurídico-disciplinar, desconhecendo este órgão de administração e gestão o que se passava no serviço. Com esta conclusão, o Ministério da Saúde cria as condições para que no futuro todos os conselhos de administração de hospitais, quase todos nomeados por compadrio partidário (leia-se «laranja»), optem pelo não conhecimento da qualidade dos cuidados que os serviços do hospital prestam, para mais tarde não serem responsabilizados por anomalias que irão continuar a surgir.
A este caso - é claro - acresce o facto de que, com estas conclusões, o Ministério da Saúde pretende prestar um favor político à comissão distrital do PSD de Évora, tentando salvaguardar a figura do presidente do conselho de administração, candidato indigitado do PSD à Câmara Municipal de Évora.
Vozes do PCP: - É a promiscuidade!
O Orador: - O escamoteamento das responsabilidades da Administração Pública e do Ministério da Saúde, neste caso, chegam a atingir as raias do absurdo.
Dou dois exemplos desse facto.
Primeiro exemplo: à ARS compete, nos termos da legislação em vigor, a vigilância sanitária da água. Nunca a ARS o fez, porque, por razões orçamentais, não possuía os meios necessários para o efeito. O que deveria constituir uma situação penalizadora e agravante - a falta de meios - tornou-se para o relator uma atenuante capaz de ilibar a ARS. A explicação é simples: é que, se a ARS fosse considerada responsável pelas razões apontadas, também o teriam de ser a Direcção-Geral de Saúde e o próprio Ministro, cuja política está na origem das dificuldades orçamentais com que se debatem as ARS para adquirir meios indispensáveis as funções que lhes estão cometidas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Segundo exemplo: a unidade de diálise no centro privado - onde não houve qualquer acidente mortal - não recorreu ao by pass nem teve problemas, segundo o relatório, porque tinha, como lhe competia, uma reserva de água tratada de dimensão suficiente para as suas necessidades, ao contrário do Hospital. Tal facto prova só por si que a responsabilidade e a culpa pelo acontecido estão na qualidade de funcionamento do serviço. Só que isso não foi suficiente para o relator responsabilizar o conselho de administração do Hospital pela ausência de reserva de água que deveria ter, pelos investimentos que deixou de fazer, por tudo, afinal, o que permitiu que este serviço fosse exemplarmente barato. Que bela gestão, que irresponsabilidade ética e política!...
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - Quem seguiu a audição parlamentar que se realizou na Comissão de Saúde desta Assembleia pôde tomar conhecimento, pelo próprio responsável pela unidade de hemodiálise do Hospital de Évora, agora suspenso, de que uma das razões do deficiente funcionamento dos equipamentos teve a ver com o facto de o conselho de administração ter suspendido, em meados de 1992, o contrato de manutenção desses mesmos equipamentos com a empresa especializada (que o vinha fazendo e continuou a fazer no centro privado), transferindo-os, por razões económicas, para os serviços próprios do Hospital, que manifestamente não tinham capacidade técnica para o fazer, questão que as conclusões do inquérito ignoram.
Tudo isto demonstra que as conclusões do já intitulado «inquérito dos electricistas» são uma monstruosidade jurídico-política...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: -... com a qual se procura absolver os verdadeiros responsáveis: a política de saúde do Governo, o Ministério de Saúde e a acção irresponsável do conselho de administração do Hospital Distrital de Évora.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante um conjunto de factos que demonstram à evidência a irresponsabilidade de uma política onde o Governo, acima dos interesses dos cidadãos e dos seus direitos à saúde e à vida, coloca a sua perspectiva economicista e a defesa e salvaguarda da sua clientela partidária.
Se, como em qualquer país verdadeiramente democrático, os responsáveis por estas situações assumissem as suas responsabilidades e não se acobertassem atrás de bodes expiatórios, o conselho de administração, no caso do Hospital Distrital de Évora, já teria sido demitido e o Ministro da Saúde, pela irresponsabilidade da sua política, já deveria ter seguido o mesmo caminho, sem que fosse necessário alguém exigi-lo, porque, como é evidente, só uma outra política, com outros governantes, poderá assegurar o direito à saúde e à vida a todos os portugueses.
Aplausos do PCP e do Deputado independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Bacelar e Joaquim Vilela Araújo.
Porém, antes de dar a palavra ao primeiro dos referidos Deputados, informo que deu ontem entrada na Mesa o voto n.º 83/VI, relativo ao Dia Mundial da Criança, que, por lapso, não foi sujeito a votação na última sessão, mas sê-lo-á na altura própria, depois de ter sido de novo distribuído.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.
O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Peixoto, é sempre com muita atenção que ouço as intervenções de V. Ex.ª nesta Câmara e lamento que tenha começado a sua intervenção com o rol de mortes que ocorreram neste país. Todos nós lamentamos esse facto - isto não é demagogia mas, sim, sinceridade. Recuso-me, todavia, a utilizar politicamente essas mortes.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em relação ao resto da intervenção, colocar-lhe-ei uma ou duas questões, as quais V. Ex.ª responderá se achar conveniente.
Pergunto-lhe, desde logo, se é verdade ou não que em todos os hospitais do mundo existem infecções hospitalares e que cá não se foge à regra. Sabe V. Ex.ª que as infecções hospitalares são extremamente graves e todos nós, médicos, incluindo o Sr. Deputado, que o é, sabemos que tais infecções são também dificílimas de controlar.
Além do mais, o que V. Ex.ª referiu relativamente às infecções hospitalares sucedeu exactamente num local - a cirurgia toráxica - em que a situação se torna ainda mais grave. Pergunto-lhe, assim, se pensa que o facto ocorrido, que lamentamos, é um caso que só se passa em Portugal, por causa do sistema de saúde que temos, e não também nos restantes países do mundo.
Muito mais lhe poderia dizer quanto ao que se passou no serviço de hemodiálise do Hospital de Évora. Está V. Ex.ª no direito de não acreditar no inquérito que foi mandado instaurar pelo Ministério da Saúde. Esse inquérito está ainda a decorrer e não conheço as conclusões do inquérito da responsabilidade da Procuradoria-Geral da República. Poderá V. Ex.ª esperar que o inquérito se complete e o relatório seja elaborado, para depois tirar conclusões com mais afirmação e verdade?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Vilela Araújo.
O Sr. Joaquim Vilela Araújo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Peixoto, estamos a chegar ao fim da sessão legislativa e tanto o PS (a semana passada) como o PCP (hoje) trouxeram a esta Câmara questões relativas à saúde. Mas, depois de ouvi-lo com muita atenção, chego à conclusão de que a sua intervenção é, praticamente, «para que conste».
De facto, nós, o PSD, somos os primeiros a conhecer e a reconhecer que, numa área tão sensível, como é a da saúde, é sempre possível exercer o direito de crítica. Porém, Sr. Deputado, se ouvido atentamente, V. Ex.ª acaba por ficar limitado à tragédia de Évora.
Tal como o meu colega António Bacelar aqui referiu, tendo em conta as razões do que aconteceu e estando em curso um inquérito por um órgão tão insuspeito, como é a Procuradoria-Geral da República, penso que todos nós devíamos dar exemplo de serenidade e de calma para não sermos facilmente induzidos a inquinar, de alguma forma, um órgão tão importante e isento como é esta entidade.
Por isso, Sr. Deputado Luís Peixoto, pelo respeito que os mortos nos merecem e pelo facto de esse inquérito estar a decorrer, pergunto-lhe se não deveria ser uma obrigação de todos nós aguardarmos tranquilamente as conclusões desse inquérito e, então, do ponto de vista político, exercermos, aqui ou em qualquer outro lugar, o nosso direito de crítica
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.
O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados António Bacelar e Joaquim Vilela Araújo, agradeço as perguntas que me colocaram.
Respondendo ao Sr. Deputado António Bacelar, quero dizer que, de facto, todos nós lamentamos as mortes que se verificaram - e nunca é de mais referi-las - porque entendemos que, até hoje, continua-se a nada fazer para evitar que outras mais venham a acontecer.
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Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É evidente que há infecções hospitalares em todos os hospitais do mundo, mas, no caso concreto que temos em presença, verifica-se que para as remediar é necessário fazer obras no valor de centenas de contos no bloco operatório, que, neste momento, se encontra encerrado.
Mas quero chamar a atenção de que não é só por causa disso que existem infecções hospitalares! Por isso, quero referir, por exemplo, uma coisa que vem hoje nos jornais, que é muito engraçada, e que é o facto de os doentes internados no serviço de ortopedia do Hospital Distrital de Leiria protestarem, lançando as arrastadeiras pelas janelas do edifício, porque chegam à conclusão de que não suportam o mau cheiro que resulta de terem sido dispensadas 36 auxiliares do serviço de limpeza. Por esse motivo, de manhã, preferem jogar as arrastadeiras com os seus dejectos pela janela fora, em sinal de protesto.
Este é também um facto que leva a que haja, realmente, infecções hospitalares. Se calhar nos outros países do mundo não consta que atirem arrastadeiras pelas janelas!...
Também num jornal de hoje vem uma notícia com o título: «Análises suspeitas no Hospital de São José». Aí se diz que, devido a uma obra, as análises se encontram com um nível muito mais alto de infecções do que aquele que deveriam ter e que as obras foram feitas sem qualquer salvaguarda da qualidade de higiene do Hospital.
Portanto, estas questões permitem-nos pensar que, se calhar, em Portugal estamos mais sujeitos a estas bactérias - também elas oportunistas!...- do que os outros países. São questões da nossa democracia!
Julgo que tem razão em relação ao relatório porque, embora para o Ministério da Saúde ele esteja completo, se calhar, está incompleto. Isto porque -e reporto-me outra vez aos jornais de hoje - novos factos continuam a aparecer. Agora, afinal, descobriram-se umas análises, que o relatório infelizmente não viu, que comparam os resultados das análises da água tirada exactamente no dia anterior ao da mudança das membranas com as do dia seguinte, onde se demonstra que a diferença dos teores de alumínio na água é uma diferença tão grande como do dia para a noite.
O relatório está incompleto se calhar porque lhe faltam estes dados fundamentais - talvez não os tenham querido ver! -, mas o que é certo é que, para o Ministério da Saúde, o relatório foi considerado na sua finalidade, a qual tive oportunidade de referir aquando da minha declaração.
Sr. Deputado Joaquim Vilela Araújo, quanto ao inquérito da Procuradoria-Geral da República, não sei que demonstração de serenidade quer mais do que este relatório que o próprio Ministério da Saúde fez, ele, sim, tentando escamotear a verdade e talvez pressionar o Ministério Público a alijar também as responsabilidades e a esconder do povo português aquilo que realmente se passou.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ao abrigo dos n.ºs 2 e 3 do artigo 81.º do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trocado o slogan do crescimento, que usou durante largo tempo, pelo do desenvolvimento, é com este que o Primeiro-Ministro, agora, enche a boca.
Daí que seja legítimo interrogar: mas, afinal, durante estes oito anos que o cavaquismo já leva, houve desenvolvimento? Não é difícil concluir que se trata de um mito, porque não houve nem há desenvolvimento. Bem pelo contrário, a política destes oito anos de poder tem conduzido o País para resultados que nos continuam a colocar na cauda da Europa.
Num estudo recente e insuspeito (Desafios Europeus após 1992 - Factores na Influência da Evolução da Comunidade nos Próximos Dezoito Anos), elaborado por uma equipa coordenada por José Mariano Gago a pedido de Jacques Dellors, afirma-se, quanto à indústria, que «os apoios do plano específico de desenvolvimento da indústria portuguesa (PEDIP) não só não levaram à modernização dos sectores tradicionais, como falharam como motor da diversificação industrial».
Decerto, por isso, a produção industrial regista uma evolução negativa desde o 1.º trimestre de 1991.
Por sua vez, «a agricultura falhou a sua modernização e limita-se ao agroturismo, à caça e à floresta», como se sublinha no citado estudo.
De resto, entre 1983 e 1992, a quebra de preços agrícolas foi de 50 %, traduzindo-se no decréscimo do poder de compra dos agricultores que, em 1992, só puderam comprar metade dos bens de consumo que adquiriram em 1983 com as receitas da produção agrícola.
Quanto às pescas, desde 1986, a frota pesqueira diminuiu 13 % e a produção 25 %. Só as importações aumentaram: 65 milhões de contos.
E o que dizer no capítulo da ciência e tecnologia? Responde por nós o citado estudo: «Os índices relativos à ciência e tecnologia são, juntamente com os da Grécia e da Irlanda, os mais baixos da Europa»; «A despesa de investimento em investigação e desenvolvimento, no produto nacional bruto, não vai além de 0,5 %, resultado só batido pela Grécia, com 0,4 %»; e «O número de investigadores, por mil trabalhadores activos, é um quarto da média comunitária».
Aliás, a taxa do próprio crescimento do produto interno bruto tem vindo a cair, descendo de 4 %, em 1990, para 2,1 %, em 1991, e para 1,1 %, em 1992, e já no último trimestre de 1992 apresentava uma evolução negativa.
Passando ao sector da segurança social, os trabalhadores contribuem com cerca de 90 % das receitas, mas são os que menos recebem, enquanto 150 000 empresários não pagam contribuições, o que equivale a 300 milhões de contos, fora os juros de mora, que podem elevar esta cifra a 500 milhões de contos.
Mas o mito do desenvolvimento destes oito anos de cavaquismo torna-se ainda mais evidente com a evolução da percentagem da remuneração dos trabalhadores na repartição do rendimento nacional, que passou de 44,8 %, em 1986, para 43 %, em 1991.
E quando agora se recorda a afirmação de Cavaco Silva, nas Jornadas Parlamentares do PSD, de que de entre os especuladores e os carenciados, era a favor destes, começa a tornar-se evidente que a sua política é, precisamente, contra os mais desfavorecidos e de protecção aos interesses não só dos especuladores mas de todos os bem instalados na vida.
Acrescente-se a evolução do aumento dos desempregados, mais 17000 no 1.º trimestre de 1991, mais 19000 no 1.º trimestre de 1992 e mais 27000 no 1.º trimestre deste ano.
Será preciso relembrar que no sector têxtil existem 320 empresas encerradas ou em vias de encerrar, 59 000 pôs-
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tos de trabalho atingidos e 20 000 trabalhadores com salários em atraso?
Estranho desenvolvimento seria este que despede ou ameaça com despedimento milhares de trabalhadores da TAP, trabalhadores aduaneiros, da indústria naval, do vidro, das minas ou da função pública, entre outros!
Estranho desenvolvimento seria este que provoca o espanto de ensaístas e de televisões estrangeiras quanto à dignidade do trabalho infantil, que a própria Inspecção-Geral do Trabalho, logo que pôde dispor de mais fiscais, verificou que os números tinham quase triplicado no 1.º trimestre deste ano, relativamente aos últimos três meses de 1992!
Finalmente, se alguém pudesse ainda ter dúvidas quanto ao mito do desenvolvimento, nos últimos oito anos de cavaquismo, bastaria referir o índice do desenvolvimento humano, publicado, este ano, pela ONU, que é um índice sintético de três indicadores do desenvolvimento económico e social de cada país, o rendimento per capita da população, a esperança de vida e a taxa de alfabetização da população adulta.
Assim, segundo este índice da ONU, Portugal ocupava, em 1990, a 36.º posição, para passar, em 1992, para a 39.º, estando, em 1993, em 41.º lugar.
E se não admira que estejam à frente de Portugal países como o Japão ou a Alemanha, já é chocante que outros países, desde a Bulgária até às Bahamas, a Malta ou à República de Barbados também estejam à frente do nosso triste 41.º lugar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao contrário do tão apregoado desenvolvimento, também implícito nas versões da «democracia de sucesso», da «estabilidade» e do «oásis», a política cavaquista colocou-nos na cauda da Europa arrastando o País, em todos os sectores - da indústria à agricultura, da investigação científica às pescas -, para uma profunda crise com graves custos sociais, de que são evidentes indícios a queda da retribuição do trabalho na distribuição do rendimento nacional, o desemprego, as falências, ou o trabalho infantil.
E isto em nome de quê? Em nome, calcule-se, de uma invocada «Social-Democracia à portuguesa»!
Ora se o «vira à moda do Minho» ou o «cozido à portuguesa» são expressões consagradas, já a «social-democracia à portuguesa» é uma expressão que causa perplexidade. E o pior é que de portuguesa esta social-democracia nada tem!
Com efeito, sem uma estratégia nacional para os diferentes sectores económicos e sociais, o cavaquismo tem uma política ditada do estrangeiro, submetida a Bruxelas, já que outra coisa não é a convergência nominal, em nome da qual orienta a sua política.
O desenvolvimento do País e a saída dos ínvios caminhos da crise impõem não apenas uma mudança de protagonistas mas também uma indispensável mudança de política, com novos horizontes de progresso, de justiça social e de independência nacional.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabou ontem, na Comissão de Agricultura e Mar, uma audição para o apuramento sobre a existência em Portugal, da encefalopatia espongiforme bovina.
Factos gravíssimos foram apurados nessa audição; factos que têm que indignar qualquer cidadão amante de um Estado democrático e de um Estado de direito.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Normas jurídicas comunitárias foram transpostas para a ordem jurídica portuguesa pelo actual Governo, de modo a poder fazer-se o diagnóstico seguro da doença; investigadores portugueses foram estagiar para Londres para ficarem altamente preparados na detecção da doença; o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária foi capazmente apetrechado para o mesmo diagnóstico; e os cientistas, os veterinários que lidaram com os animais e o director do Laboratório confirmaram, sem qualquer dúvida, a existência da doença.
Eu, em conferência de imprensa tinha dito que existiam, em Portugal, dois casos de encefalopatia espongiforme dos bovinos. No entanto, antes dessa afirmação, telefonei ao Sr. Director-Geral para mós confirmar, mas ele negou a sua existência.
A seguir à minha declaração, o Sr. Secretário de Estado da Agricultura convocou uma conferência de imprensa onde me chamou mentiroso e um homem cábula que não estudava e que não estava a par dos problemas nacionais.
A conclusão dos investigadores é de tal maneira clara que o Sr. Director-Geral, o Sr. Secretário de Estado e o Sr. Ministro da Agricultura impediram um dos investigadores de confirmar o diagnóstico em Londres e, mais grave ainda, impediram o investigador de fazer uma publicação científica sobre o caso da encefalopatia espongiforme dos bovinos em Portugal.
Por outro lado, o director-geral encobriu a existência da doença e, segundo a sua declaração ontem, em conivência total com o Sr. Ministro e com o Sr. Secretário de Estado da Agricultura!...
Vozes do PS: - É uma vergonha!
O Orador: - É uma vergonha! É uma vergonha para o Estado democrático e para o Estado de direito o comportamento do Ministério da Agricultura,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -... porque escondeu a verdade, violou todas as normas éticas, políticas e morais de funcionamento de uma democracia e de um Estado de direito,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -... fez censura sobre a ciência e sobre a verdade e não cumpriu as normas a que estava sujeito de declaração obrigatória da doença.
Recordo-lhes que houve países que declararam imediatamente não só à Comunidade Europeia mas também a toda a comunidade científica internacional o único caso existente no seu território, mas aqui o Governo proibiu aos investigadores e ao director do Laboratório qualquer informação, incluindo a elaboração de publicações científicas para a comunidade científica internacional.
Ora, como devem compreender, mais nenhum cidadão, em Portugal, pode acreditar neste Ministério.
Aplausos do PS.
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Em nome das mais elementares normas morais, éticas e políticas, subo a esta tribuna para exigirmos a imediata demissão do Sr. Ministro da Agricultura.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podemos aceitar um Ministro que mente e um Secretário de Estado que chama mentiroso a quem diz a verdade,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -... quando era ele quem estava a mentir, não podemos aceitar um Ministro e um Secretário de Estado que não permitem a divulgação pública dos resultados apurados no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária; não podemos aceitar um Ministro e um Secretário de Estado que impedem a comunidade científica de ter acesso a questões importantes relativas a uma doença que não está suficientemente estudada, uma doença recente que a comunidades científicas portuguesa e internacional precisam de estudar.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Isto, Srs. Deputados, é uma vergonha!
Aplausos do PS.
Quando denunciei o compadrio existente entre o director-geral da ex-direcção-geral da Pecuária e o Ministro e quando exigi que aquele, após a minha denúncia, não fosse promovido, o que aconteceu foi que ele foi promovido no dia seguinte. VV. Ex.ªs e todos os portugueses compreenderão agora que se tratava de tráfico de influência de pessoas para encobrir segredos de Estado,...
Aplausos do PS.
... segredos ligados a direitos e a normas da Comunidade que o Estado Português assinou e sobre os quais publicou legislação que deveria cumprir!
Por todas estas razões, exigimos a queda imediata do Ministério da Agricultura, porque a democracia e Portugal ficam malvistos com tal Ministério e com tal Ministro.
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos Duarte, Antunes da Silva e António Murteira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Campos, V. Ex.ª quis aqui antecipar as conclusões de uma audição parlamentar pedida pelo PSD...
Risos do PS.
... e feita contra a vontade do Partido Socialista, e o seu voto contra.
Sr. Deputado António Campos, depois de ouvirmos, a pedido de todos os partidos, vários investigadores e cientistas, posso dizer que, quando afirma que os cientistas foram claros, é mentira. A verdade é que a maior parte dos cientistas universitários, não ligados à Administração
Pública, afirmaram claramente que o diagnóstico feito até agora era incompleto, que se podem manter as suspeitas mas que não se pode confirmar qualquer caso de BSE em Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PS, batendo com as mãos na bancada.
O Orador: - Sr. Deputado António Campos, esta é a verdade dirimida em sede de Comissão de Agricultura e Mar. Aliás, o Sr. Deputado podia esperar pelas conclusões desta audição, em que, mais claramente, se irão demonstrar esses factos.
Mas, Sr. Deputado António Campos, quais são as suas motivações? Será a saúde pública? Não, pois está provado cientificamente que não há nenhuma evidência da transmissão dessa doença ao homem.
Protestos do PS.
É a saúde animal? Não, porque não está provada a transmissão desta doença a outros animais.
Que outras motivações estarão por trás para fazer este tipo de empolamento em relação a esta situação?
Aqueles técnicos que demonstram, neste momento, algumas preocupações, mas que durante três anos tiveram estes resultados, não estarão revoltados com algumas alterações que ocorrem no Ministério da Agricultura? Não serão alguns interesses corporativistas que estão por trás destas questões?
Aplausos do PSD.
Não é V. Ex.ª portador de alguns interesses corporativistas dentro da Administração Pública contra os agricultores e contra os consumidores, prejudicando a agricultura nacional? Assume isso ou não?
Aplausos do PSD. Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Campos, pretende responder já ou no fim?
O Sr. António Campos (PS): - Já, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Carlos Duarte, votámos contra a audição proposta pelo PSD porque, como é óbvio, ela tinha o objectivo político de impedir o inquérito que aqui vai ser votado hoje.
Vozes do PS: -Muito bem!
O Orador: - O PSD, para evitar votar favoravelmente esse inquérito, pretendeu transformá-lo numa audição. Essa foi a razão por que votámos contra.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos os veterinários que, no terreno, analisaram as vacas e todos os cientistas que foram preparados pelo Governo Português para fazerem os exames não tiveram nenhuma dúvi-
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da - nenhuma, nenhuma! - em confirmar o diagnóstico das encefalopatias espongiformes bovinas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Nenhuma!
Aplausos do PS.
E mais: o quadro legal de análises que o Governo estipulou foi cumprido a 100 % por esses investigadores.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É pura manipulação da opinião pública não aceitar como uma verdade de facto aquilo que todos os serviços oficiais confirmam sem nenhuma dúvida.
Vozes do PS: - Muito bem! Vozes do PSD: - Mentiroso!
O Orador: - Aliás, o exame que se faz em Portugal é igual ao que se faz em Inglaterra, em Franca, na Suíça ou em qualquer outro país, porque há uma norma da Comunidade que o exige.
Tendo em conta as questões relacionadas com a saúde pública e animal, a Comunidade e o Governo Português, por razões que todos compreendemos, tomaram medidas fortíssimas sobre esta doença, que tem um período de incubação que pode ultrapassar os oito anos e que começou a ser estudada em 1988. Se não há nenhuma prova de transmissão da doença ao homem ou ao animal, também há muitas dúvidas, há mesmo um desconhecimento profundo, sobre a evolução de toda a doença. Por isso mesmo, a Comunidade tornou a doença de declaração obrigatória, o Estado Português tornou-a de declaração obrigatória e a comunidade científica internacional em todo o mundo tornou-a de declaração obrigatória.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Se isto não é importante, o que é que é importante?!
O Orador: - Sr. Deputado Carlos Duarte, o Primeiro--Ministro da Dinamarca demitiu-se porque mentiu! E o Ministro da Agricultura, se tiver um mínimo de coerência, um mínimo de integridade pessoal, a partir deste momento, não pode continuar a ser Ministro pois mentiu,...
Aplausos do PS.
... e ainda por cima insultou quem denunciou uma questão grave para o funcionamento do Estado Português.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu não queria antecipar a discussão das conclusões da audição parlamentar, que terminou ontem as 18 horas e 30 minutos, mas, na qualidade de presidente da Comissão de Agricultura e Mar, sou obrigado a lembrar ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados que os trabalhos da Comissão foram integralmente gravados, pelo que é possível, através da audição dessa gravação, demonstrar que o Sr. Deputado António Campos trouxe aqui, uma vez mais, declarações que não são verdadeiras.
Aplausos do PSD. Protestos do PS.
Todavia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, recuso-me a continuar a minha intervenção antecipando as conclusões dessa audição. Aliás, a propósito dessa audição, lembro que vamos, esta tarde, discutir o inquérito parlamentar pedido pelo Partido Socialista que abarca esta matéria, mas também não quero antecipar a sua discussão.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não quer nada!
O Orador: - Já verão que quero alguma coisa.
O Sr. Deputado António Campos, referindo-se ao comportamento do Sr. Director-Geral da ex-Direcção-Geral da Pecuária, do Sr. Secretário de Estado da Agricultura e do Sr. Ministro da Agricultura, disse que era uma vergonha.
Vozes do PS: - E é verdade!
O Orador: - Srs. Deputados, não tenho nada a ver com as afirmações do Sr. Deputado, mas permitam-me que diga que o que é vergonhoso é a forma como o Sr. Deputado António Campos se presta a tratar esta matéria.
Aplausos do PSD.
Hoje, o povo português e a comunicação social conhecem quais são as características dessa doença e sabem o que se passou relativamente a esta matéria.
Sr. Deputado, repito que é vergonhosa a forma como V. Ex.ª está a tratar este assunto em Portugal.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Eu, como cidadão nacional, não aceito que me cubra e a todos os portugueses de ridículo em relação a esta matéria.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado sabe o que se passou em países comunitários, de que não digo o nome, por razões óbvias...
Protestos do PS.
Srs. Deputados, oiçam, por favor.
O Sr. Deputado sabe muito bem o que se passou com os países comunitários, de que não digo o nome, por razões óbvias, que são os principais importadores de gado bovino de Inglaterra. Pergunto-lhe: o que se passou nesses países comparado com o que está a passar-se em Portugal?
Protestos do PS.
Sr. Deputado António Campos, Srs. Deputados do Partido Socialista: Reconheço-vos a todos, em particular ao Sr. Deputado António Campos - a quem, confesso, me liga uma relação de amizade muito profunda -, legitimidade para levantarem todas as questões e até lhes reco-
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nheço a obrigação de denunciarem situações que mereçam ser denunciadas. Porém, Sr. Deputado António Campos, assuma o seu papel de cidadão responsável...
O Sr. Presidente: - Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Porém, Sr. Deputado António Campos, repito, assuma o seu papel de cidadão responsável e não traga para esta Assembleia, da forma como que o faz, questões desta natureza,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Sr. José Sócrates (PS): - Mas porquê? Explique!
O Orador: -... que têm implicações na produção animal e na população e que cria alarmes sem razão alguma.
Termino, perguntando ao Sr. Deputado António Campos o que o move para este seu comportamento.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Antunes da Silva chamou-me mentiroso e disse que a audição está gravada. Desafio-o a dizer uma única coisa que eu tenha dito da tribuna e que não conste das gravações. Uma, Sr. Deputado,...
Aplausos do PS.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Permite-me que o interrompa?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Deputado António Campos, V. Ex.ª não pode, com verdade, afirmar aquilo que afirmou em termos de existência ou não da doença.
Vozes do PS: - Quem é que disse que não existia?
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Srs. Deputados, eu não queria discutir isso, mas, se quiserem...
O Orador: - Já percebi, Sr. Deputado!
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Mas eu respondo-lhe, Sr. Deputado, quem é que afirmou...
O Orador: - Já percebi!
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Eu respondo-lhe: cientistas que prestaram depoimento nas audições levadas a cabo pela Comissão de Agricultura e Mar afirmaram o contrário daquilo que aqui disse.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Já percebi qual é o problema.
Srs. Deputados, volto a afirmar nesta Casa que todos os técnicos e investigadores que contactaram com os animais confirmam o diagnóstico.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Por que é que não refere os cientistas?!
O Orador: - Desafio o Sr. Deputado Antunes da Silva a dizer o nome de um único investigador, cientista ou médico veterinário que tivesse contactado com os animais e dito o contrário!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Diga o nome de um!
Aplausos do PS.
Parece-me que o Sr. Deputado está a querer confundir questões científicas com questões partidárias!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, o que lhe digo aqui é que todos os cientistas que contactaram com os animais ou que estavam encarregados de fazer o diagnóstico dos mesmos o confirmaram. Tudo o mais são questões laterais e, além do mais, os senhores concertaram a audição como entenderam!
O Sr. Deputado devia ter vergonha do Governo que tem...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -... e não de eu denunciar aqui aquilo a que o seu Governo se compromete perante a Comunidade e através de legislação publicada por ele próprio e que depois, por interesses estranhos, não cumpre. O Sr. Deputado é que devia sentir-se profundamente indignado e envergonhado com o Ministro da Agricultura, com o Secretário de Estado e com o director-geral que tem!
Aplausos do PS.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?
O Orador: - Diga-me então qual é o técnico, o cientista que afirmou o contrário.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Deputado, para já refiro dois nomes: o Sr. Prof. Manuel Cardoso Lage...
O Orador: - Não teve nada a ver com o diagnóstico! Nada!
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Ainda não acabei. Quero indicar-lhe dois nomes, Sr. Deputado.
O Orador: - O Sr. Deputado sabe que está a mentir, mas diga!
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - O Sr. Prof. Manuel Cardoso Lage, como já referi, e o Sr. Prof. Manuel da Cruz Braço Forte Júnior, que é, com certeza, uma pessoa cré-
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dível porque V. Ex.ª nomeou-o director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária quando era Secretário de Estado!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado António Campos.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Cheguei agora à conclusão de que, de facto, o Sr. Deputado está a mentir propositadamente, porque a afirmação que fiz nesta Casa foi a de que não houve nenhum cientista que contactasse os animais ou aveze sido preparado cientificamente para o diagnóstico desta situação que o não tivesse confirmado!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir.
O Orador: - Eu termino, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir já.
O Sr. António Guterres (PS): - Então, terá de mandar calar o PSD, Sr. Presidente.
O Orador: - Antes de concluir, quero apenas referir que o Sr. Prof. Braço Forte está reformado há muitos anos...
Vozes do PSD: - Está louco!
O Orador: -... e que o Sr. Prof. Manuel Cardoso Lage tem um contencioso profundo com o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, além de nada ter a ver com o diagnóstico destas situações, conforme declaração gravada pelo próprio.
O Sr. Deputado não pode seguir a norma do seu Ministério, no sentido de chamar mentiroso a quem diz a verdade.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado...
O Orador: - É que o senhor não pode confundir a verdade que eu digo com aquilo que o senhor pretendia que eu dissesse.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Campos, faça favor de concluir.
O Orador: - Vou terminar, fazendo um apelo: os senhores têm a obrigação imediata de demitir ou de fazer com que o Sr. Primeiro-Ministro demita o Sr. Ministro da Agricultura e o Sr. Secretário de Estado.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Partido Comunista Português tem estado a participar com todo o empenho na audição parlamentar e, uma vez que, de certo modo, a discussão foi antecipada, gostaria também de expressar aqui, com toda a serenidade, dois ou três pontos de vista.
Em primeiro lugar, é inequívoco, em nossa opinião, que de 1990 a 1993 - e gostava que prestassem atenção a esta questão - foram diagnosticados em Portugal quatro casos positivos, de acordo com as normas legais em vigor no País e na Comunidade Europeia. Nestes diagnósticos participaram médicos veterinários de campo e do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e todos eles confirmam,...
Vozes do PSD: - Alguns!...
O Orador: -..., os que participaram directamente neste caso, que os diagnósticos foram feitos de acordo com as normas legais em vigor e que são rigorosos e credíveis.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Aqueles que colocam dúvidas em relação aos diagnósticos são os que não participaram directamente neles, não têm conhecimento no terreno nem participaram na investigação. Emitem uma mera opinião pessoal sem qualquer fundamento.
Vozes do PS: - Exacto!
O Orador: - Por isso, podemos afirmar, com serenidade e responsabilidade, que foram diagnosticados em Portugal quatro casos de «doença das vacas loucas».
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, esta doença é de declaração obrigatória e é gravíssimo que o então director-geral da ex-Direcção-Geral da Pecuária, depois de ter comunicado a situação aos Srs. Secretário de Estado e Ministro da Agricultura e recebido a cobertura destes, tenha escamoteado o caso ao País e à Comunidade Europeia.
Aplausos do PCP e do PS.
Srs. Deputados, esta é uma situação muito grave, que exige um inteiro apuramento de responsabilidades a quem ainda tiver dúvidas sobre a gravidade da situação, bem como que o Sr. Secretário de Estado e o Sr. Ministro da Agricultura sejam politicamente responsabilizados pela situação e assumam, em todas as dimensões, essa responsabilidade.
Aplausos do PCP e do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira, agradeço ter vindo aqui confirmar tudo o que afirmei...
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Não é bem assim!
O Orador: -... em primeiro lugar, que há encefalopatia espongiforme bovina em Portugal; em segundo lugar, que os técnicos que estiveram envolvidos e que foram preparados oficialmente, pelo próprio Governo, para elaborar o diagnóstico, desde os técnicos no terreno aos investigadores no Laboratório, confirmam a doença e que,
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depois, há os professores laterais, uns reformados e outros que nada têm a ver com a encefalopatia espongiforme bovina, que gostariam de obter mais elementos.
Chamo a atenção para o facto de o próprio Ministro da Agricultura ter impedido os investigadores de confirmarem diagnósticos em Londres.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Não é verdade!
O Orador: - Isso está em acta!
Vozes do PSD: - É falso!
O Orador: - Foi, igualmente, impedida a publicação, em conjunto com cientistas ingleses, de trabalhos sobre os diagnósticos encontrados em Portugal e, segundo a opinião do então director-geral da Pecuária, tal aconteceu com a conivência do Sr. Ministro da Agricultura e do Sr. Secretário de Estado.
Vozes do PSD: - É falso! Não é verdade!
O Orador: - Como dizia, foram impedidos de publicar, numa revista científica inglesa, trabalhos sobre os diagnósticos encontrados em Portugal. Ou seja, foram sonegados à Comunidade todos os elementos sobre esta doença.
Contudo, o mais grave foi terem-me chamado de mentiroso e acusado de tudo nesta Câmara, quando hoje está cientificamente provado que essa doença existe em Portugal. Os senhores teimam em dizer que a doença não existe apenas por razões políticas! A única análise que os senhores fazem é a da conveniência política de dizerem que não pode haver encefalopatia espongiforme dos bovinos em Portugal, mas aqui, infelizmente, a ciência ultrapassa os vossos desejos de veto!
Vejam, pois, o que pode acontecer a um país que está entregue a homens como o Sr. Ministro da Agricultura, que se presta a este serviço encobrindo toda a situação-, após ter assinado os acordos comunitários e publicado legislação em Portugal. Nenhum português jamais poderá acreditar numa única palavra do Sr. Ministro da Agricultura!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período de antes da ordem do dia vai ser prorrogado por mais vinte minutos, pelo que dou a palavra, para tratamento de assunto de interesse político relevante, à Sr.ª Deputada Maria da Conceição Rodrigues.
A Sr.ª Maria da Conceição Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, tomo a palavra nesta Câmara com o intuito de abordar a situação do distrito de Portalegre no que respeita a matéria de segurança social, desta feita na sua vertente de apoio aos idosos.
Decorrendo em 1993 o Ano Europeu dos Idosos e da Solidariedade entre Gerações, não posso, neste contexto, ignorar a realidade do meu distrito no que toca àqueles que tudo deram à comunidade, carecem e têm direito de reclamar uma atenção especial.
A meu ver, os idosos não podem constituir um peso para a sociedade mas devem, isso sim, ser encarados como elementos exaustos por uma vida de labuta e portadores de riquíssimas experiências vividas, prontos a no-las transmitirem num último gesto de solidariedade. Só temos o direito de nos considerarmos um país em fase de modernização se, na realidade, praticarmos uma política social que nos revele dignos daqueles que nos antecederam e tudo nos legaram.
É sabido, e para tanto bastará interpretar os dados referentes ao Censo de 1991 para nos apercebermos da estagnação em que se encontra mergulhada a população portuguesa. Infelizmente, o Alentejo não só estagnou como se verifica uma redução da sua população.
De 1981 a 1991, a população residente diminuiu cerca de 6 %, ocorrendo este facto essencialmente em indivíduos do sexo masculino. Se é certo que em todo o País, exceptuando o Algarve e vale do Tejo, ocorreu perda de população jovem, o que é facto é que no Alentejo a variação negativa foi de todas a mais elevada, ultrapassando os 11%. Para esta triste realidade, terá concorrido o baixo índice de fecundidade, verificando-se que o número de filhos por mulher em idade fértil baixou de 2,2 para 1,5, o que não pode deixar de considerar-se como muito preocupante se atendermos ao facto de que a renovação da população só se torna possível com o índice de 2,1 filhos por mulher.
Esta realidade do Alentejo pode considerar-se a realidade do distrito de Portalegre, constituindo neste caso concreto 26,3 % da população, percentagem muito superior à verificada a nível nacional que, sendo elevada, não ultrapassa os 18,6 %.
Bom será apercebermo-nos de que o envelhecimento da população não radica exclusivamente em razões que se prendem com a interioridade do distrito ou com o tipo de actividade económica aí desenvolvida primordialmente, mas também tem que ver com a alteração de mentalidades, cultura e melhoria de condições de saúde que se deu em Portugal nas últimas décadas, conduzindo a uma redução da taxa de mortalidade e ao aumento da esperança de vida.
A taxa de mortalidade situa-se, hoje, abaixo dos 9 %, o que corresponde a uma quebra percentual de 79,7 % nos últimos 30 anos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se é importante atendermos às causas que conduzem ao elevado índice de idosos, tão ou mais importante será enfrentarmos a sua situação e as suas reais carências.
Penso, honestamente, que esta questão constitui uma séria preocupação dos últimos governos em termos nacionais e uma aposta firme por parte do Centro Regional de Segurança Social do distrito de Portalegre, fazendo jus à descentralização de poderes que se verificou, proporcionando uma superior qualidade e menores desperdícios, traduzindo-se em respostas concretas em todos os concelhos.
Sem pretender dizer que neste momento o distrito de Portalegre se encontra com todas as carências supridas, não posso deixar de congratular-me pelo facto de muito se ter feito nos últimos anos.
Na verdade, quase partindo do zero há meia dúzia de anos, existem hoje 30 lares de idosos, 45 centros de dia e 31 serviços de apoio domiciliário, funcionando devidamente, possuindo alguns deles instalações de grande qualidade e comodidade, bem como assistência pautada por um tratamento verdadeiramente familiar e cheio de carinho, a par de uma assistência médica digna de nota.
Estou a recordar-me, por exemplo, do Lar e Centro de Dia da Santa Casa da Misericórdia de Avis, recentemente inaugurado, conjuntamente com os Centros de Dia de
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Esperança, em Arronches, Santo Amaro, em Sousel e a ampliação do Lar da Santa Casa da Misericórdia de Nisa.
Ainda durante o ano de 1993 serão concluídos os Lares e Centros de Dia de Fortios, em Portalegre, Porto da Espada, em Marvão, Santa Eulália, em Eivas, e Gavião, na sede do concelho.
Se igualmente levarmos em linha de conta os montantes atribuídos às várias instituições de solidariedade social, através do Fundo de Socorro Social, facilmente se depreenderá que o distrito não foi esquecido e, ao contrário, esteve bem presente no espírito daqueles que são responsáveis por esta área.
Infelizmente, grande parte dos idosos constituem hoje, em Portugal, à semelhança de outros países da Europa, uma nova classe timbrada pela falta de meios suficientes para poder enfrentar, com maior dignidade, a sua velhice, a classe dos menos favorecidos, a classe dos pobres. Por isso, a Europa da Comunidade, para além das razões de mera humanidade e simples fortalecimento dos laços de família, apela à solidariedade para com os idosos, de forma a melhorar-lhes o sentimento de solidão e proporcionar-lhes um afecto que contribua para uma melhor qualidade de vida.
Refiro-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, àquilo que entre nós é conhecido pelo projecto de luta contra a pobreza e que foi assumido como prioridade em 1992.
No distrito de Portalegre este projecto desenvolve-se nos concelhos de Portalegre e Campo Maior com uma duração de quatro anos, tendo, durante o corrente ano, sido alargado ao concelho de Eivas. Se é ainda demasiado cedo para poder aquilatar-se dos verdadeiros resultados da aplicação deste projecto, pode, no entanto, desde já, referir-se a sua plena aceitação, à semelhança do projecto Horizon que, não se referindo objectivamente a idosos, também os contempla desde que pertencentes à raça cigana. Trata-se, nesta circunstância, de um projecto transna-cional apresentado pelo Centro Regional de Segurança Social de Portalegre e Junta da Estremadura Espanhola à Comunidade Europeia, o qual visa estudar a situação dos ciganos que habitam e se movem nas duas regiões, Alentejo e Estremadura Espanhola.
Não posso igualmente, por uma questão de justiça, deixar de referir o importante papel que as autarquias têm desempenhado no apoio às muitas instituições que têm como objectivo a prestação de serviço aos idosos, entendendo que no futuro ele deve ainda ser mais efectivo, nomeadamente no que concerne à cedência de terrenos infra-estruturados destinados à construção de diverso equipamento social, aliviando o Orçamento do Estado.
Da mesma forma, toma-se imperioso fortalecer no espírito dos familiares dos idosos o sentimento de que a eles cabe o dever maior de proporcionar-lhes a possibilidade de continuar a viver na sua própria casa, no seio da sua própria família, ainda que lhes tenham de ser prestados cuidados domiciliários, quer de natureza médica quer de assistência social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para finalizar, diria que a responsabilidade do futuro daqueles que já possuem um longo passado cabe não só ao Estado, que queremos cada vez menos como Estado-previdência, mas a todos aqueles que, dispersos pelas mais variadas actividades, não podem deixar de protagonizar o verdadeiro sentido da solidariedade e justiça social.
Seja-me permitido que nos mais responsáveis inclua a classe política, nomeadamente os Deputados da Nação porque também legítimos representantes das alegrias e mágoas dos cidadãos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.
O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pague agora e reclame depois é, hoje, a síntese que pode fazer-se do modo de funcionamento do sistema fiscal em Portugal.
Com efeito, a grande expectativa criada em torno da reforma fiscal levada a efeito em 1989 levou muitos cidadãos a acreditar que algo iria mudar e que, em consequência dessa mudança, ir-se-ia implantar um sistema que corporizasse uma transparência de processos e uma igualdade de tratamento, aliada a princípios de direito dos intervenientes, que terminasse, de uma vez por todas, com os atropelos que o anterior sistema havia criado.
Em tempo oportuno, o Partido Socialista discordou abertamente das opções de ordem política insertas na actual reforma, nomeadamente as que se prendem com o mecanismo liberatório, permitindo, consequentemente, a introdução da iniquidade no próprio sistema, na medida em que discrimina formas de rendimento, privilegiando os ganhos facultativos ou de aplicação financeira e penalizando fortemente os rendimentos provenientes do trabalho, e alertou para os perigos da excessiva concentração dos actos de liquidação e cobrança dos impostos.
De facto, a centralização dos actos de liquidação e cobrança dos impostos retirou às repartições de finanças a sua habitual intervenção nesta área, o que teve como consequência o seu esvaziamento e, necessariamente, a impossibilidade de prestar aos contribuintes os esclarecimentos pertinentes quanto à sua situação fiscal, nomeadamente quanto aos fundamentos e veracidade dos actos de liquidação.
Daqui resulta que o contribuinte seja considerado mais um número e menos um cidadão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Um contribuinte que se engane, por qualquer motivo, no preenchimento da sua declaração de rendimentos tem de efectuar o pagamento do seu próprio erro e, não raras vezes, os da própria administração fiscal, reclamando posteriormente e recebendo o diferencial quando a administração fiscal muito bem entender.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A presente situação, que conduz inevitavelmente à desumanização do sistema fiscal, quer quanto aos princípios quer quanto à forma de procedimento, leva a que se ressuscite por parte dos contribuintes um estado de espírito de má-vontade para com o cumprimento das suas obrigações perante o Estado, princípio em que deveria assentar toda a estrutura do sistema fiscal, e que urge a todo o custo colmatar.
Para o efeito, pensamos que urge revogar de imediato o mecanismo liberatório previsto no IRS, com vista a criar-se igualdade fiscal para todos os cidadãos, destruindo-se, consequentemente, as situações que geram estados
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voluntários de não cumprimento, porque conscientes de que estão a ser a ser injustamente tratados.
Não existe hoje, nem existia ontem, qualquer justificação para a criação e manutenção de situações que permitam que quem pode gerar fortunas na bolsa ou em rendimentos de capitais não pague nada ou, então, pague apenas 20 % do seu rendimento, quando um trabalhador por conta de outrem pode pagar até 40 % de impostos do seu rendimento de trabalho.
Urge rever com seriedade e realidade o mecanismo da dedução, quer ao rendimento quer à colecta, com vista a imprimir-lhe um funcionamento consentâneo com a real vida dos contribuintes, no sentido de este funcionar como um método de determinação da capacidade contributiva dos cidadãos, e não como uma espécie de esmola que o poder instituído dá.
A não existir esta preocupação (como até hoje não tem existido), o sistema fiscal tributará fantasmas e nunca atingirá a verdadeira capacidade contributiva dos cidadãos.
Privilegia-se o pagamento de impostos a outras situações de foro pessoal ou familiar, na medida em que, não se tendo uma visão integrada da disponibilidade dos cidadãos e impondo-se o pagamento cego do valor fixado, não se privilegia quem poupa e aforra em confronto com outras situações.
Crie-se um mecanismo de funcionamento do sistema que permita, a todo o tempo, as repartições de finanças prestarem aos contribuintes todas as informações relacionadas com a sua situação fiscal e atribuam-se-lhes competências para, de uma forma rápida e expedita, poder resolver qualquer assunto relacionado com irregularidades detectadas no funcionamento dos impostos, pois só assim se humanizará o sistema fiscal e o contribuinte se sentirá tratado condignamente.
Institua-se o princípio da boa-fé entre o contribuinte e a administração fiscal; termine-se com alguns abusos dos serviços e penalize-se fortemente, inclusive com privação da liberdade, quem deliberada e conscientemente defraudar os seus deveres perante o Estado.
Obrigue-se a que os serviços da administração fiscal sejam rigorosos nos actos que praticam, com vista a evitar-se milhões de notas de liquidações oficiosas, em especial provenientes dos serviços de administração do IVA, e que até ao momento geraram milhões de processos de execução fiscal, acarretando para os contribuintes todos os embaraços e inconvenientes daí advindos.
Institua-se um mecanismo de tributação global no imposto sucessório, com vista a evitar o escândalo que este imposto hoje constitui, penalizando pequenos patrimónios ao mesmo tempo que deixa de fora da tributação volumosas fortunas. Ou se tenha a coragem de tomar medidas drásticas quanto ao funcionamento do imposto sucessório, no sentido de este tributar de facto a transmissão gratuita de riqueza, ou tenha-se a coragem de o revogar. O que não é possível é viver durante mais tempo com esta farsa profundamente injusta do sistema fiscal.
Infelizmente, algumas informações recentes indiciam que nada disto irá acontecer e que, ao contrário da moralização e transparência do sistema fiscal, o Governo corta no orçamento da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, remetendo os funcionários de fiscalização e prevenção tributária para serviços internos, apenas porque não tem dinheiro para pagar-lhes as ajudas de custo.
A consequência imediata desta situação é a paralisia dos serviços de prevenção e fiscalização tributária não permitindo atempadamente fiscalizar as situações de fraude e incumprimento fiscais. Segundo recentes informações, ainda não foi feita qualquer fiscalização aos contribuintes que ainda não entregaram as declarações de rendimentos relativas ao ano de 1989. Sabendo-se que em 31 de Dezembro do corrente ano caduca o direito de liquidação por parte do Estado, pode tal facto representar a perda de milhões de contos devidos ao Estado, que, por este, não serão arrecadados.
Para cúmulo de toda esta situação, sabemos que se encontra em estudo na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos uma alteração à sua lei orgânica no sentido de os chefes das repartições de finanças, em vez de serem funcionários de carreira (como hoje são), passarem a ser nomeados pelo Governo.
É o autêntico «alaranjamento» do sistema fiscal português, fazendo-se ressuscitar a velha figura dos cobradores de impostos.
Risos do PS.
A condição necessária e suficiente para o efeito será, como se depreende, ter o cartão de inscrito no partido que apoia o Governo, ou seja o cartão de militante do PSD.
Será que o descaramento e o despudor já não têm limites neste País?
O PS está atento, pronto a denunciar mais esta tentativa de governamentalização da sociedade portuguesa tão sensível aos cidadãos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos inscreveram-se os Srs. Deputados Rui Carp e António Lobo Xavier.
Nesse sentido, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Domingues Azevedo, V. Ex.ª era carinhosamente conhecido na bancada do PSD como a «arma secreta fiscal» do PS...!
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Era e é, Sr. Deputado!
O Orador: - Mas esta sua intervenção já nada tem de «arma secreta», porque o seu discurso só tinha alguma razão de ser se tivesse sido feito há muitos anos. Mas, agora, com todo o respeito e estima que me merece, creio que parece feito por alguém que, estremunhado, acordou, agarrou no código fiscal ou no Código de Processo Tributário dos anos 60 e veio para aqui criticar.
No fundo, o que V. Ex.ª veio aqui dizer foi que estão mal coisas com que a grande maioria dos contribuintes hoje concorda e que acolheu com grande satisfação,....
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Tais como?
O Orador: -... como, por exemplo, a passagem do ónus da prova do contribuinte para a administração fiscal, o que significa que, caso esta tenha dúvidas sobre a declaração de rendimentos, compete-lhe, hoje, provar que o contribuinte mentiu, pelo que a declaração é incorrecta. No passado, no «vosso tempo» o ónus da prova competia ao «pobre» (em todas as acepções da palavra) do contribuinte.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - E no tempo em que o actual Primeiro-Ministro era ministro das Finanças?
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O Orador: - Agora, de facto, é diferente! V. Ex.ª não concorda com isso!... Bom, está no seu direito de pensar que o tempo volta para trás, volta ao tempo dos cobradores, das repartições de finanças, das bichas intermináveis, da intranquilidade do contribuinte, que tinha de discutir com o funcionário da administração fiscal que olhava para ele como um inimigo, como alguém que tentava iludir a administração fiscal, que tentava, depois, através de despachos, de circulares da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, de «despachos de gaveta», beneficiar de prerrogativas fiscais. Deve ser esse, Sr. Deputado, o tempo que, porventura, V. Ex.ª veio aqui defender. Não acredito que assim seja, mas foi essa a sensação que deu.
No fundo, o que é que hoje vemos, até nas próprias sondagens de opinião pública?
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É o PS à frente!
O Orador: - É que, se alguma coisa foi feita em termos de modernização, de reforma administrativa e de desburocratização, essa alguma coisa foi, indiscutivelmente, a reforma da administração fiscal.
V. Ex.ª diz que os contribuintes são números. Não, Sr. Deputado! Números são as declarações dos contribuintes. O número fiscal de contribuinte é usado em qualquer país civilizado, não contra o contribuinte mas, sim, para o defender, para garantir a estabilidade do direito fiscal, para garantir os direitos do contribuinte perante a administração fiscal.
Tudo isso são factores que só louvam quem decidiu por essa via da reforma fiscal. Se alguma coisa terá de ser progressivamente ajustada e melhorada, em termos da aplicação prática da reforma fiscal, essa coisa já irá disfrutar de uma extraordinária melhoria, que, aliás, é pacífica, consensual. Só VV. Ex.ªs é que podem dizer que hoje não é mais clara, mais transparente, mais simples a relação entre o contribuinte e a administração fiscal do que era há uns anos atrás.
O Sr. Deputado fala das taxas liberatórias, mas até nesse aspecto os contribuintes melhoraram. V. Ex.ª diz: «Mas isso é, porventura, fundamento ou base para alguma evasão fiscal.» Isso pode suceder...
O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Eu não disse isso!
O Orador: - Óptimo, Sr. Deputado!
Digo aqui solenemente que prefiro que haja alguma evasão fiscal e que o contribuinte esteja salvaguardado em termos dos seus direitos do que ter uma administração fiscal em que atrás de cada contribuinte está um fiscal e, naturalmente, atrás de cada fiscal está outro fiscal. Não queremos isso! Se V. Ex.ª quer, está no seu direito! Não é essa a nossa opção e estou convencido de que não é essa a opção da esmagadora maioria dos contribuintes e dos portugueses em geral.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier, a quem pedia para ser breve.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, gosto de cumprir os seus pedidos, mesmo quando não os percebo completamente!...
Risos.
O Sr. Presidente: - É fácil, Sr. Deputado!
O Orador: - É que podia entender-se que o remoque era para mim, mas também se podia entender que era para o Sr. Deputado Rui Carp. Para mim, teria de ser em relação...
O Sr. Presidente: - Era para o Sr. Deputado Rui Carp, que, aliás, percebeu logo!
Risos.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Mea culpa!
O Orador: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Domingues Azevedo teve o mérito, desde logo, de trazer um assunto que, inexplicavelmente, ou talvez até de uma forma bastante explicável, acaba por não ser tratado nos parlamentos em geral e no Parlamento Português.
Julgo que o emblema mais característico dos poderes do Parlamento tem a ver com os impostos. Ora, nós limitamo-nos todos os anos a, timidamente, sugerir meia dúzia de alterações por ocasião da votação do Orçamento do Estado e, no entanto, há no Partido Socialista quem queira profundas reformas e quem esteja profundamente descontente com o sistema.
Devo dizer-lhe que, na minha vida ligada aos problemas fiscais, já oscilei desde a vontade ingénua de fazer grandes e profundas reformas até a um estádio de cinismo, isto é, «mais vale não se mexer». E, de facto, mais vale não se mexer, Sr. Deputado Domingues Azevedo, porque em matéria de impostos entendo que mais vale maus impostos estáveis do que impostos sujeitos, todos os anos, a muitas alterações.
O passado recente deu-nos uma grande lição a esse respeito e diria até que o funcionamento do sistema fiscal, no seu conjunto, incluindo os impostos, a fiscalização, os aspectos de natureza judicial, não está mal, isto é, estão todos bem uns para os outros. Enquanto todas as unidades desse sistema estiverem no estádio actual, o sistema no seu conjunto é um sistema equilibrado. E vou explicar-lhe porquê, ao mesmo tempo que me antecipo a dizer por que é que sou profundamente contra o projecto que vamos discutir, aquele que prevê a possibilidade da pena de prisão para as violações das regras fiscais.
Na realidade, sou contra essa possibilidade, porque só entendo que a violação das regras fiscais merece prisão num sistema completo, fechado, justo e eficaz. Ora, o sistema português, não sendo nenhuma destas coisas, é um sistema que sofrerá um entorse enorme se introduzirmos essa modificação no sentido da pena de prisão como pena autónoma.
Apesar de o Sr. Deputado ser a favor da solução proposta, no quadro de outras reformas, a questão é que, com a fiscalização no estado em que está, com as desigualdades profundas que existem - e julgo até que não é possível combatê-las tão cedo -, isto é, tal como está o sistema, é profundamente repelente, repugna à consciência dos conhecedores que se possa colocar na prisão quem, por acaso -porque tal como funciona a fiscalização só por acaso é que algumas pessoas são apanhadas -, é prevaricador.
O que interessa ao sistema é, sobretudo, preservar a igualdade em todas os aspectos de funcionamento do sistema na aplicação dos impostos e na fiscalização. Essa igualdade não é possível. Ora, quando não é possível
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atingir o mínimo razoável de igualdade, por várias razões, não é possível admitir a pena de prisão para a violação das regras fiscais.
Fiquei, aliás, com a ideia de que o Sr. Deputado tinha um pensamento diferente.
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado ultrapassou largamente o seu tempo, bem razão tinha eu nos apelos que ia fazendo.
Sr. Deputado Domingues Azevedo, tem dois minutos para responder aos pedidos de esclarecimento.
O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, quero dizer-lhe que não sou arma nem sou secreto. Tenho feito várias intervenções sobre esta matéria aqui na Assembleia. Tive, aliás, oportunidade de ser um dos primeiros Deputados a falar, com alguma insistência, a partir de 1983, em algo que era tabu nesta Assembleia, porque ninguém falava de impostos. Toda a gente se contentava em pagar e nunca ninguém os discutia.
O Sr. Deputado Rui Carp confundiu toda a minha intervenção. De certeza que poderá aprender alguma coisa, para depois não formular o tipo de perguntas que formulou.
Sr. Deputado, não acordei um dia estremunhado e pensei nos códigos fiscais da reforma, que compreendem o período de 1958 a 1963. Não, Sr. Deputado, não sonhei com essa reforma, mas tenho acordado muitos dias a pensar como é que hei-de livrar cidadãos...
O Sr. Rui Carp (PSD): - De fugir aos impostos!
O Orador: -... de pagar impostos que são liquidados indevidamente pelo Estado, porque o Sr. Deputado desconhece a grande diferença que existe entre o falarmos pela teoria e o conhecermos a prática. Só quando nos confrontamos com as situações é que mudamos muitas vezes aquele estado de espírito que o Sr. Deputado António Lobo Xavier, há pouco, mencionou, que é o estado de espírito de descrédito.
O Sr. Deputado tem conhecimento do valor que, neste momento, anda envolvido de liquidações oficiosas indevidas aos contribuintes, só dos serviços de administração do IVA, por efeito de alteração do sistema de informática dos serviços? Tem conhecimento disso?
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Não tem! Não vai à prática!
O Orador: - O Sr. Deputado tem conhecimento de que os serviços de administração do IVA fizeram liquidações oficiosas a contribuintes em períodos em que eles tinham pago os reembolsos? O Sr. Deputado tem consciência de como é o modus faciendi da actual administração fiscal?
O Sr. Deputado encolhe os ombros porque não sabe, mas eu sei, porque, feliz ou infelizmente, lido com isso todos os dias. Se acordo muitas vezes amargurado, é exactamente por ver a forma como os contribuintes são tratados neste país.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E vem V. Ex.ª dizer «mas eles são muito melhor tratados».
Quanto ao mecanismo liberatório. É uma grande coisa!... É o mecanismo que permite que quem tenha 20 milhões de contos de rendimentos pague 20 % de imposto de capitais e quem ganhe 1000 contos, por exemplo, no trabalho, pague 40 %! Sr. Deputado, isto é bestial para si - bestial de the best...
O Sr. Rui Carp (PSD): - Quem ganha 1000 contos não paga 40 %, paga menos!
O Orador: - Se isso é muito bom para V. Ex.ª, para mim não é! É exactamente uma fonte de iniquidade do actual sistema. E é minha interpretação que, enquanto não terminarmos com este mecanismo liberatório, o sistema nunca pode ser equitativo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A segunda questão é a da abolição da antiga capacidade que o chefe de repartição de finanças tinha para proceder à liquidação com base em processos.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Isso era muito bem aproveitado!
O Orador: - Sr. Deputado, isso existe no actual Código, só que tem outro nome, chama-se método indiciário. De facto, atenuaram-se as formas e os mecanismos da liquidação, mas fez-se uma outra coisa muito mais grave: liquida-se sem saber o que se liquida.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E, então, processa-se. Nascem os processos de execução fiscal, de pessoas com ordenados já penhorados, que não devem nada ao Estado.
O Sr. Rui Carp (PSD): - É o ónus da prova!
O Orador: - O ónus da prova é muito simples. Dantes, V. Ex.ª fazia o ónus da prova no acto da liquidação, agora, Sr. Deputado, nem pode fazer o ónus da prova quando está no momento da execução, porque tem de prestar garantias.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Não, não!
O Orador: - V. Ex.ª está a confundir tudo! V. Ex.ª confunde estes momentos.
O Sr. Deputado Rui Carp disse ainda que o conceito no anterior sistema é que cada contribuinte era um inimigo do Estado ou a administração fiscal via em cada funcionário, em cada contribuinte, um inimigo.
Sr. Deputado, aquando da reforma do sistema fiscal tive oportunidade de abordar esta questão, porque já tinha, de alguma maneira, a experiência da concentração dos serviços do IVA. O que se passa hoje é que, se o Sr. Deputado for à sua repartição de finanças perguntar quanto ganhou no ano passado, qual a decomposição do seu rendimento, fica sem saber, tendo de recorrer ao núcleo de informação...
O Sr. Rui Carp (PSD): - Não é preciso, recebemos em casa!
O Orador: - Sr. Deputado, recebe muitos erros! O que há, neste momento, é uma desumanização do sistema fiscal. O contribuinte não tem acesso a essa informação.
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Portanto, quando me fala «um contribuinte um inimigo», não é assim. Neste momento, cada contribuinte está a ser uma vítima do actual sistema fiscal. Nesse domínio, o Estado está a proceder a situações muito negativas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, liquidado está o nosso tempo... Queira concluir!
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Deputado António Lobo Xavier, estou de acordo consigo em que, infelizmente, o Estado não tem, neste momento, os serviços de fiscalização competentes, e com meios para funcionar, capazes de garantir uma completa acção sobre as fraudes e infracções fiscais. Ou seja, não pode ser pelo facto de um determinado serviço mal preparado ou impreparado, sem condições de funcionamento, fazer uma fiscalização e, por qualquer razão, levantar um auto que «mande» uma pessoa para a cadeia.
Quando digo que se penalizem os fraudulentos, mesmo quando eles são incumpridores, é evidente que não estou a pressupor o uso deste mecanismo por efeito, única e simplesmente, de uma fiscalização, porque, infelizmente, muito teríamos a dizer se fôssemos a falar nos serviços de fiscalização da actual Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
O que advogo é que, se um contribuinte é persistente na fraude, se se prova que ele o fez intencionalmente, se se prova que o fez com intenção de defraudar o Estado, nada me repugna aceitar que esse contribuinte seja penalizado com pena de prisão. Nada me repugna!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu ontem entrada na Mesa um voto relativo ao Dia Mundial da Criança, apresentado pelo PS, que iremos votar se não houver oposição.
O Sr. Deputado António Braga pede a palavra para que efeito?
O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, quero interpelar a Mesa no sentido de dizer que a primeira proponente do voto, a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio, gostaria de, nos termos regimentais, poder apresentá-lo.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio.
A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, gostaria de ler aqui, se me permitir e os Srs. Deputados me quiserem ouvir, os depoimentos de três crianças que merecerão, com certeza, a vossa maior atenção.
O Pedro David, de 13 anos, escreveu assim:
Eu sou uma criança muito infeliz e a minha família também é infeliz. Eu queria uma nova família que fosse como todas as famílias, mas não, a minha família não é como as outras famílias. Ontem houve uma discussão entre a minha mãe e o meu avô. Eles queriam matar-se um ao outro. A minha mãe deixou o meu avô dar-lhe com a cabeça na parede. Se não fosse o meu tio Carlos, eles já tinham morrido. Mas como Deus ajudou-nos nesse caso difícil. Eles já tinham faca na mão mais para se matar um ao outro. Nós vamos embora nas férias grandes. Para onde, não sei. Outra terra, à procura de dinheiro.
Quero ainda ler-vos um outro depoimento, ao qual gostaria que dessem alguma atenção. São eles que falam, não sou eu:
Eu queria ter uma família como as crianças que têm. Os nossos direitos a ter uma família como deve ser, como todas as outras pessoas. Não queríamos ser uma família rica. Queríamos ter uma casa com piscina e que também tivéssemos uma cama de rede e também um baloiço no jardim.
Fala assim a Ana, de 10 anos.
Por fim, aquele que considero o mais comovente:
O meu pai matou a minha mãe, à facada, com uma«naifa». Tantas vezes disse que te mato que matou mesmo. A polícia prendeu ele. Agora não tenho nem pai nem mãe. Da mãe, eu choro. Muito. Mas do pai, às vezes, também choro.
Sr. Deputados, foram as vozes de algumas crianças que não tinham voz para chegarem aqui e que eu trouxe à Assembleia.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Freitas do Amaral, Mário Tomé e Raul Castro.
É o seguinte:
Voto n.º 83/VI
De saudação pela comemoração do Dia Mundial da Criança.
Ontem, dia 1 de Junho, comemorou-se o Dia Mundial da Criança.
Neste dia, também em Portugal se pretende que o dia seja de festa.
E os restantes dias do ano?...
Há crianças que, vítimas de guerras sangrentas, morrem e sofrem horrores.
Há crianças que são vítimas de violência no seio das próprias famílias.
Há crianças atiradas para o mundo do trabalho sem qualquer critério de protecção.
Há crianças violadas e violentadas que diariamente são notícia.
Há crianças utilizadas na pornografia e na prostituição.
Há crianças vítimas de «negócios» por redes que actuam impunemente entre os países.
Há crianças cujos direitos é não ter direitos.
A Assembleia da República, reunida em sessão plenária, no dia 2 de Junho:
1 - Saúda todas as crianças.
2 - Reafirma o compromisso de tudo fazer para continuar a defender intransigentemente os seus direitos, salvaguardados na Constituição da República Portuguesa e na Declaração Internacional dos Direitos da Criança.
3 - Manifesta o seu empenhamento em criar condições especiais de protecção às crianças em situação de risco.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 17 horas e 10 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de iniciarmos a discussão do primeiro ponto da ordem do dia, quero anunciar-vos a presença, nas galerias, de um grupo de alunos da Escola Primária da Marinha Grande. Em nome de todos os Deputados, que aqui estão por determinação do povo português, saudamo-vos.
Aplausos gerais, de pé.
Agora, sim, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 60/VI - Estabelece medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira.
Nos termos regimentais, e por interpretação que a Mesa vem fazendo, vai usar da palavra, inicialmente, o relator do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Para o efeito, dispõe de cinco minutos, tempo que não será descontado ao respectivo grupo parlamentar. Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Cumprindo uma exigência regimental, compete-me fazer a apresentação em Plenário do relatório que elaborei no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 60/VI, que estabelece medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira, que seguidamente debateremos na generalidade.
Refiro, nesse relatório, que o Governo começou por apresentar à Assembleia uma proposta de lei de autorização legislativa, a proposta de lei n.º 48/VI, que visava obter autorização necessária para, por decreto-lei, aprovar as medidas que ora verteu nesta proposta de lei.
Na sequência de um debate que contou com a presença e intervenção do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Ministro da Justiça, foi enviado à 1.º Comissão - e faço constar isso do relatório - o projecto de decreto-lei que, então, o Governo pretendia aprovar ao abrigo dessa autorização.
É conhecido o debate que esse diploma gerou, bem como alguma polémica empolada a que deu lugar, tendo o Sr. Ministro da Justiça, no cumprimento do compromisso que assumira, quando foi à Comissão debater connosco esse projecto de decreto-lei, anunciado que o Governo, pretendendo que a Assembleia da República debatesse com maior profundidade e sem qualquer limitação esse texto, o havia transformado em proposta de lei - daí a necessidade de elaboração deste relatório e de debate desta matéria, de novo, em Plenário.
Na proposta de lei - conforme faço constar do relatório - cometem-se à Polícia Judiciária e ao Ministério Público competências para actos de prevenção no domínio do crime de corrupção e de crimes de carácter económico-financeiro, que, como se sabe, é uma criminalidade que sai do âmbito da criminalidade clássica, com práticas e meios de consumação particulares, e que, consequentemente, exigia uma legislação adequada para fazer face a essa situação.
No relatório faço também um pequeno percurso histórico, relativamente aos antecedentes legislativos desta proposta de lei, em termos de direito comparado, designadamente desde o próprio direito romano, que foi fonte das nossas Ordenações nessa matéria; reporto-me ao Código Penal de 1852 e de 1886, que também já previam o crime de corrupção; ao Código Penal de 1982, que foi seguido, conforme também menciono no relatório, por um decreto-lei específico para combater a corrupção, o Decreto-Lei n.º 371/83, de 6 de Outubro; refiro-me também à criação da Alta Autoridade contra a Corrupção, em 1986, ao papel que essa entidade meritoriamente desenvolveu nesse âmbito da prevenção do crime de corrupção e à sua extinção, passada a conjuntura que justificou a sua existência e, de certo modo, à necessidade que essa extinção determinou ou acentuou, de reequacionar o crime de corrupção e as formas de o combater.
Abordo ainda a questão, também questionada pela doutrina, da necessidade eventual de uma lei quadro do direito penal económico e social que, em parte, é aqui já resolvida, em articulação com a revisão em curso do Código Penal e que toca também nestas matérias; faço uma relação das matérias contempladas por esta proposta de lei, distinguindo a parte propriamente inovatória das alterações à Lei Orgânica da Polícia Judiciária, chamando a atenção para o facto de se criarem - aliás, na linha do próprio Decreto-Lei n.º 371/83 - algumas formas de suspensão e de atenuação da pena quando há uma colaboração de determinados agentes no sentido da descoberta, recolha de provas e denúncia de outros com envolvidos nestas acções criminais; refiro ainda as questões de ética que se levantam nesse tipo de actuação e também ao reconhecimento que o direito comparado faz da necessidade de se recorrer, com algum pragmatismo, a essas fórmulas, dado o carácter insidioso deste tipo de crime; refiro também que o debate desenvolvido em torno desta questão permitiu concluir que estão respeitadas as estruturas do processo penal hoje vigentes em Portugal e, consequentemente, parecem-me estar asseguradas as garantias de que caberá à Polícia Judiciária a investigação, que essa investigação será feita sob a direcção do Ministério Público e que haverá sempre o controlo da legalidade dos actos de investigação, por parte do juiz, quando estejam em causa os direitos fundamentais.
Finalmente, refiro-me, o que registo com agrado, à circunstância de se criar um departamento de perícia financeira contabilística na Polícia Judiciária, que era um instrumento indispensável e uma lacuna grave que se verificava nesta matéria.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Depois, emito o parecer de que nada obsta a que o diploma suba a Plenário para ser discutido e aprofundado posteriormente na especialidade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, como autor da proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça. Para o efeito, dispõe de cinco minutos, findos os quais pode utilizar também tempo concedido ao Governo para o debate.
O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao subir a esta tribuna,
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para, em nome do Governo, abrir o debate político sobre a presente proposta de lei de combate à corrupção na área da prevenção e da investigação criminal, tenho a consciência de prestar, e de contribuir para que todos prestemos, um importante serviço à democracia e ao regime democrático.
Está aqui o Governo por iniciativa própria, sem abdicar, como nunca abdicou, das suas responsabilidades, assumindo a autoria de um diploma que, estruturado numa firme convicção, quer sujeitar ao julgamento político do povo português através dos seus verdadeiros representantes: aqueles que democraticamente escolheu para expressarem a sua voz e que, por isso, constituem a mais legítima fonte de intervenção política no quadro constitucional que nos rege.
Mas estamos aqui, também, porque sabemos da importância do tema em questão e do significado de todos os seus contornos, quer no plano social, quer nos domínios jurídico e político.
Viemos aqui porque estamos apostados no combate à corrupção. Não apenas como manifestação de intenção política mas sobretudo como acção concreta, que se analise em resultados práticos - os únicos que dão credibilidade ao discurso e que permitem julgar da seriedade das palavras.
Estamos, por isso, aqui, na profunda convicção de que esta proposta constitui um passo fundamental e, portanto, indispensável para uma mais efectiva luta contra a corrupção, porque respeita os direitos fundamentais dos cidadãos, garantindo, do mesmo passo, o cumprimento dos seus deveres essenciais; porque dignifica todas as instituições democráticas chamadas a intervir no processo; porque aumenta a eficácia como condição do sucesso pretendido.
Combater a corrupção - todos o sabemos - já não é, hoje, apenas uma exigência do sistema penal mas, porventura e principalmente, uma condição de dignificação do Estado e da afirmação da credibilidade do político, sem a qual é a própria credibilidade do regime democrático que se deixa em crise.
Todos o sabem, muitos o temem, infelizmente, alguns o desejarão.
Cabe-nos, a nós todos, impedi-lo. Sobretudo aos que sempre acreditaram e se bateram pela democracia representativa e pelo regime democrático e que, por isso, sem falsa humildade, podem arrogar-se o direito de não ter de receber, nessa matéria, especiais lições de quem quer que seja
Nós temos esse direito. E, por isso, não nos furtamos a todo o debate. Debate que, todavia, conheceu uma evidente e lamentável degradação que urge corrigir, em nome, uma vez mais, da dignidade do político e do respeito devido à inteligência e à sensibilidade do povo português.
Perante este, surgiu, de um lado, o Governo, com a sua proposta, numa atitude segura e coerente, defendendo, sem demagogia, a sua convicção, marcando os objectivos e concebendo soluções adequadas à sua concretização. Tudo sem oscilar ao sabor dos acontecimentos, apostando na seriedade e na serenidade do debate, preferindo sempre a força do argumento e nunca a agressão gratuita.
Em contrapartida, fora do Governo, e, na generalidade dos casos, fora da intervenção da própria oposição como tal legitimada, privilegiaram-se processos de intenção, deturpou-se a verdade e, com notável ligeireza, mudou-se de estratégia consoante a conveniência de cada momento e de cada grupo.
Primeiro, eram os poderes do Ministério Público que saíam diminuídos, chegando mesmo a afirmar-se, falsamente, que este era afastado do combate à corrupção. Depois, desmascarada a falácia, já não eram as competências do Ministério Público que se questionava mas, sim, a violação do segredo bancário, para logo de seguida se compreender esta, contestando-se a previsão do agente infiltrado que, depois, sempre se entendia como necessário, assestando-se baterias contra a previsão mitigada da figura do arrependido que, afinal, pensando bem, também acabaria por aceitar-se.
Mas, então, já não era a lei que importava rever, mas sim o processo penal uma vez que, como era óbvio, e o Governo sempre afirmara, o seu projecto tinha como matriz aquele diploma fundamental, aprovado nesta Câmara por larga maioria.
Um dia, era o Governo que não queria combater a corrupção. Para logo no dia seguinte se adiantar que o mesmo Governo ia longe de mais nos instrumentos propostos para combater a mesma corrupção.
Finalmente, questionava-se a acção da Polícia Judiciária em matéria de prevenção, chegando mesmo a afirmar-se, numa manifestação de preocupante desatenção, que nesta vertente da criminalidade não há justificação para a prevenção criminal.
Ter-se-á criado, por certo, alguma desorientação na opinião pública. Ter-se-á pretendido, com isso, promover uma atmosfera de rejeição do projecto. Mas o que vingou foi a convicção do infundado das críticas e a adesão à seriedade da proposta do Governo.
Mas, sobretudo, o que ficou foi a consciência da deslocação do debate para fora do campo da legitimação democrática, onde deve centrar-se, por excelência, embora não em exclusividade, a discussão político-legislativa: a Assembleia da República.
Ora, o Governo quer, sem equívocos, combater realmente a corrupção e a criminalidade económica, e não discursar sobre o combate necessário, fugindo às soluções que o tomam eficaz.
Mas quer mais: quer um debate politicamente dignificado, protagonizado, em primeira linha, pelos legítimos representantes do povo e onde cada um, transparentemente, assuma, por si, a responsabilidade política de que está investido. O Governo não quer, repito, um cheque em branco, nem aceita pactuar com a secundarização da Assembleia da República,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: -... deixando cair apenas em estruturas não políticas um debate que os responsáveis políticos não podem deixar de assumir em via principal.
Respeitar o poder legislativo também é uma exigência do Estado de direito. Por isso mesmo, a iniciativa do Governo em transformar em proposta de lei o seu projecto de decreto-lei. Para que voltasse ao Parlamento e para aqui subisse a Plenário. Mas é o mesmo texto. Exactamente o mesmo. Não numa manifestação de arrogância que nunca imprimimos à nossa intervenção mas porque temos o elementar direito de nos batermos, no local próprio, por um diploma que produzimos com rigor e seriedade política e que se não verga ao sabor de conveniências de grupos, nem se demite diante de pequenos jogos de poder mal disfarçados e a que todos nos compete pôr cobro, em nome da dignidade do Estado e do respeito pelos cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem embargo das questões pontuais que a presente proposta de lei possa sugerir ao longo do seu articulado - e para cujo esclarecimento
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me presto desde já -, particular atenção deverá merecer a opção do Governo em matéria de prevenção criminal.
Em primeiro lugar, cumpre afirmar que nenhuma polícia de investigação criminal prescinde, ou pode prescindir, de competências próprias em matéria de prevenção técnica como esta a que nos referimos. Admiti-lo seria aceitar desarmar o Estado na luta contra a criminalidade e, particularmente, como é o caso, no combate à criminalidade organizada.
Daí as competências já hoje reconhecidas à Polícia Judiciária nesta matéria não apenas na sua Lei Orgânica, mas também no Código de Processo Penal, diplomas que, até agora, não sofreram, aí, qualquer contestação. Ao legislar especialmente na área da prevenção em matéria de corrupção e criminalidade económica pretendeu o Governo, por um lado, restringir a actuação da Polícia, submetendo-a, relativamente ao regime actual, não apenas à obrigação de documentação dos actos como também ao controlo do Ministério Público, hoje inexistente.
Fê-lo, o Governo, com a consciência de que, não o fazendo, a Polícia Judiciária poderia, legalmente, actuar aqui distante de qualquer controlo directo e, como é óbvio, sem que tal circunstância viesse a suscitar alguma intervenção crítica.
Isto é, em nome de uma efectiva transparência, o Governo não se deixou seduzir pela facilidade política, preferindo assumir a crítica por fazer bem, em vez de uma tranquilidade que lhe estaria assegurada se nada tivesse feito.
Daí que tal atitude se não esgota numa opção simples de política legislativa, mas se eleve também à categoria de desafio, nomeadamente político. Queremos ou não a transparência? E, querendo-a, aceitamos o desafio, que nos remete para o plano da ética, de aplaudir o risco político que a transparência comporta, ou, pelo contrário, legitimamos a demagogia como entrave à própria transparência?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Aos críticos valeria, então, perguntar o que fariam se, em vez de nós, fossem eles a legislar. Não fariam nada, passando incólumes no debate político? Então, com que direito e fundamento moral criticam a opção que assumimos com a coragem que não teriam? Retiravam à Polícia Judiciária as actuais competências? E perante quem assumiam a responsabilidade de uma polícia de investigação internacionalmente ridicularizada e, internamente, sem um instrumento essencial para o combate à criminalidade grave? Apertavam ainda mais o controlo que agora propomos? Então, uma vez mais, a lei aí estaria como ficção, incapaz de garantir a sua aplicação por absolutamente inexequível. Era, de novo, a aparência a ocupar o lugar da transparência efectiva.
É por isso, Srs. Deputados, que esta é uma proposta séria e rigorosa.
Para intervir no combate à criminalidade ela assume, a descoberto, sem hipocrisia que aqui sempre haverá cedências mínimas na expressão absoluta dos direitos fundamentais. O que importa não é fingir, facilmente, que não é assim, mas definir, com rigor, os limites inultrapassáveis da cedência e garantir o controlo eficaz do respeito de tais limites. E esta proposta de lei fá-lo inequivocamente.
Para o demonstrar, um cortejo de sistemas bem menos rigorosos e onde a afirmação inquestionável do Estado de direito é há muito adquirida, poderia fazer desfilar aqui.
Referirei, porém, apenas o exemplo alemão, onde o Ministério Público não aceita sequer iniciar qualquer inquérito sem que a matéria seu objecto lhe seja enviada pela polícia já previamente informada.
A questão, Srs. Deputados, - todos os sabemos - é bem outra. É atinai uma questão de regime e não vale a pena escamoteá-la.
Construiu Portugal um sistema ímpar na organização do Estado fazendo assentar na independência dos tribunais e na autonomia do Ministério Público um dos pilares do seu edifício constitucional. Nenhum outro foi tão longe. No quadro processual penal dele decorrente, e que a actual proposta de lei respeita integralmente, a investigação criminal organiza-se em três degraus bem definidos por força dos quais a Polícia Judiciária investiga, o Ministério Público dirige a investigação, o juiz controla a legalidade. A Polícia Judiciária, apenas organicamente dependente do Executivo, dependendo, funcionalmente, do Ministério Público e do juiz de instrução criminal.
Constituindo-as a relação da Polícia com o Governo numa situação de simples dependência orgânica, não pode, nomeadamente o Ministro da Justiça, dirigir-lhe quaisquer ordens ou instruções relativas à sua actividade de investigação criminal que apenas releva daquela dependência funcional estranha ao Governo.
Por outro lado, é a Polícia Judiciária inspeccionada pelo Ministério Público, podendo sê-lo também, aliás por sugestão por mim próprio expressa, pelo Provedor de Justiça, o que efectivamente acontece. Finalmente, são magistrados judiciais e do Ministério Público a preencher os quadros dirigentes da Polícia, ainda que por nomeação do Ministro da Justiça.
Neste quadro, também ele ímpar, apenas uma concepção patológica do Estado de direito e do sistema democrático permitirá um discurso de suspeição ou de desconfiança quanto às relações entre o Executivo, as magistraturas e a polícia.
Mas, mais, se de patologia se trata, o que diriam então os mesmos - que não eu -, de um Ministério Público, com estatuto de autonomia, mas não de independência; com nomeação política do Procurador-Geral da República; que dirige, fiscaliza e inspecciona a Polícia Judiciária, mas que se dirige, fiscaliza e inspecciona a si próprio; e que, tendo um estatuto de magistratura autónoma, exerce também funções de polícia de investigação?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Que outra base, que não seja a de uma visão saudável do sistema, pode fundamentar uma sólida confiança numa estrutura assim concebida e organizada? Com que legitimidade, então pode alguém duvidar do enquadramento da presente proposta de lei nas regras de um Estado de direito democrático moderno apenas porque a Polícia Judiciária depende organicamente do Governo e não daquele Ministério Público?
Será que, afinal, a questão não é ainda só de regime, mas pura e simplesmente da democracia?
No fundo, talvez tudo esteja em saber colocar nos lugares adequados do pensamento político-ideológico os conceitos de confiança e desconfiança, de vigilância e de controlo, levando o esforço de análise para lá do discurso, hoje comum, dos direitos fundamentais, até à profundidade cultural onde se formam as convicções. E aí é fácil distinguir. De um lado, aqueles para quem o sufrágio universal e a democracia representativa constituíram sem-
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pré a regra democrática por excelência e que, no respeito assim de todos, construíram os direitos fundamentais de cada um. Para esses, é ainda o poder político democrático a expressão institucional da vontade popular e a confiança na democracia a expressão saudável de um sistema aberto e tolerante.
A esta confiança corresponde então, também como indispensável, o controlo, no plano do Estado, por órgãos independentes, mas sujeitos à lei e comprometidos com regras de objectividade. Afirma-se a regra da confiança e acautelam-se as excepções. É a democracia que vence, não é o poder.
Noutra perspectiva, para alguns, aqueles para quem a democracia representativa e o sufrágio como legitimação primeira do poder político têm apenas expressão formal. Para esses, a confiança há-de procurar-se numa qualquer legitimação moral, material, fora do quadro do poder político democrático e concebido como contrapoder. A confiança dá lugar à desconfiança. Mas desconfiança culturalmente dirigida à própria democracia. O controlo dá lugar à vigilância. Aí o que importa não é a democracia, mas o poder.
Apenas assim pode entender-se a acusação ferindo de antidemocrática a proposta de lei do Governo, tão-só por continuar esta a admitir competências próprias, embora controladas, à Polícia Judiciária e por depender esta, ainda que só organicamente, do Governo e não do Ministério Público.
De uma assentada, com tal despautério, se deitam pela borda fora dos Estados democráticos os países anglo-saxónicos, onde coincidem na mesma pessoa as funções do Ministro da Justiça e de Procurador-Geral; a Franca, com o Ministério Público na dependência funcional do Executivo; a Holanda, onde nem sequer existe Ministério Público, cabendo parte das respectivas funções à polícia sob o controlo de legalidade pelo juiz; a Espanha, onde a nomeação do Procurador-Geral é de estrita confiança política do Governo; e assim por diante...
Sem recuar às «memórias de além-túmulo», estas de Locke ou de Montesquieu, que perturbação não terão aquelas críticas provocado junto de personalidades como François Mitterrand, Filipe Gonzalez, John Major ou do próprio recém-chegado Bill Clinton, assim desmascarados como representantes da antidemocracia ocidental?
E que revelação não foi esta para o próprio Partido Socialista Português, acusado agora, a treze anos de distância, de expoente do Estado antidemocrático ou proto-totalitário, por defender então a não desvinculação do Ministério Público do Executivo, por apostar na dignificação da Polícia Judiciária e por afirmar, como necessário que «os tribunais e o Ministério Público compreendam também que da sua actuação haverá de resultar, para o público em geral, um acréscimo de vestígio e de respeito para as forças de segurança».
Aplausos do PSD.
Bendita democracia que até a isto é capaz de resistir!
Curiosamente, uma proposta de lei de combate à corrupção poderá ter contribuído para nos convidar a pararmos um pouco, em tempo da já chamada crise das democracias e para nos propor uma reflexão desapaixonada também sobre o seu processo de aprofundamento.
Com efeito, sem fazer emergir reprováveis processos de intenção, não poderemos deixar de acompanhar, com reserva, algumas das novas propostas de aprofundamento da democracia, normalmente insinuadas a partir de pressupostos entre os quais não faltam o descrédito da acção parlamentar e, por essa via, da democracia representativa na sua expressão mais significante; a descaracterização ética do poder político; a descoberta, fora dos órgãos políticos, das únicas referências morais do Estado; a distinção entre o mundo da estratégia conferida ao político e o mundo dos valores assegurado fora dele.
Sem embargo da necessidade Imperiosa de uma análise de métodos e de procedimentos no seio da actividade política e sobre o modo de funcionamento dos seus órgãos próprios, o desejável aprofundamento da democracia não pode, nem deve, ocorrer apenas dentro da estrutura das instituições do Estado, mas, sobretudo, num renovado diálogo entre estas e o cidadão enquanto tal considerado.
A democracia não exige tutela mas participação. Repousa, repete-se, numa ideia de confiança controlada, não subsistindo, como tal, se passar a estruturar-se sobre um sentimento de suspeita permanentemente vigiada.
Por mim, não creio que o aprofundamento da democracia se faça para fora e para o lado, mais sim para dentro e para a base, onde os cidadãos escolhem e participam. Talvez, por exemplo, o Provedor de Justiça tenha aí um papel mais vasto a desempenhar...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta lei tem como pressupostos os fundamentos do Estado de direito e do regime democrático. Pane de uma atitude de confiança e garante o controlo adequado. É uma lei democrática para um Estado democrático. Por ela passa uma maior eficácia no combate à corrupção. E combater a corrupção é também hoje defender a democracia.
Por isso que queiramos combatê-la onde quer que exista Não pelos louros que dão brilho as instituições, mas pelos resultados que tranquilizam os cidadãos.
Porque não acreditamos em monolitismos, políticos ou institucionais, nem temos uma visão patológica da democracia, confiamos nas instituições, na sua actuação plural e nos seus democráticos mecanismos de controlo.
Sabemos que não acaba aqui a luta contra a corrupção, havendo que ir mais longe em áreas tão importantes como as que se prendem com o financiamento dos partidos políticos, o controlo dos rendimentos dos titulares de cargos públicos, o seu regime de incompatibilidade, etc. Mas também sabemos ser este diploma fundamental e urgente.
E não deixemos, Srs. Deputados, que continue a insinuar-se, com a nossa conivência que a corrupção é um crime próprio dos políticos.
Quantos corruptos não se escondem por detrás dos dedos acusadores? Quantos não vêem aí a nova esperança para velhas ideologias?
Aplausos do PSD.
O nosso propósito é combater todos, em nome dos direitos do homem e da preservação do ideal democrático, onde a afirmação da dignidade do político passa pela consciência de que ninguém está acima da lei, mas também pelo reconhecimento de que apenas o povo é dono dela.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados José Vera Jardim, Odete Santos, Alberto Costa, António Lobo Xavier, José Magalhães, Isabel Castro e Luís Pais de Sousa.
Sr. Deputado José Vera Jardim, tem a palavra.
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O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, cada vez que V. Ex.ª vem aqui - e cada vem mais- e à medida que vou ouvindo os seus discursos, eles lembram-me uma caixa de música vienense, daquelas que tocam valsas. E porquê, Sr. Ministro da Justiça?
Em primeiro lugar, porque sabemos de antemão o que vão tocar, que é o que acontece com os seus discursos.
Em segundo lugar, porque soam a falso - querem ser uma orquestra, mas aquilo, no fundo, são umas rodas de aço que rodam por umas cremalheiras...
Em terceiro lugar, porque, passado um pouco, elas têm sobre o nosso sistema nervoso uma acção que não sei se será tonificante ou não, mas que nos faz embalar e quase dormir.
O Sr. Duarte Lima (PSD). - Porque não dançam?!
O Orador: - Ora bem, vou dizer a V. Ex.ª por que é que o seu discurso me lembra isto.
Quando V. Ex.ª aqui vem, a gente já sabe o que vai dizer: que o seu discurso é um discurso de Estado, que é preciso um grande consenso à volta destas questões, que o Governo tem uma atitude coerente, segura, etc., e que a oposição, na qual mete a Ordem dos Advogados, o Conselho Superior da Magistratura, as representações sindicais da magistratura judicial, da magistratura do Ministério Público e do Procurador-Geral da República - tudo dentro desse saco - são inseguros, andam de um lado para o outro, dizem falácias, deslocam o debate, etc.
O Sr. José Magalhães (PS): - Péssimo estilo!
O Orador: - Mas sobre esta capa vai dizendo que é preciso um grande consenso. Mas à volta de quê? De V. Ex.ª, claro está! Não é da oposição nem das outras representações que cá vieram iniciar o debate, Sr. Ministro da Justiça. Porque o que V. Ex.ª veio cá hoje fazer não foi iniciar qualquer debate, mas terminá-lo, o que é diferente. V. Ex.ª e o Governo foram ultrapassados pelo debate profundo e sério que se fez na sociedade portuguesa sobre esta matéria.
É certo que V. Ex.ª recuou em muitas coisas, veio explicar muitas coisas, mas hoje vem aqui com pezinhos de lã - desculpe-me a expressão -, com uma proposta de lei, e já não com aquela arrogância com que veio num dia de grande acompanhamento, de grande e luzido séquito - estará V. Ex.ª recordado, nada mais nada menos do que o Sr. Primeiro-Ministro -, pedir uma autorização legislativa.
V. Ex.ª vem terminar o debate. O debate está em grande parte feito e ainda bem que foi feito.
Sr. Ministro da Justiça por outro lado, tudo isto soa um pouco a falso. V. Ex.ª vem aqui fazer um discurso sobre o Estado de direito, a democracia representativa, digamos, tudo coisas que ao fim do primeiro ano de qualquer faculdade de direito, privada ou pública, qualquer pessoa já sabe.
Com efeito, escusa de vir para aqui ensinar-nos essas coisas com o ar pretensamente catedrático - desculpe que lhe diga - porque nós sabemo-las... Isso é um dado assente, Sr. Ministro da Justiça.
Protestos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PS): - Calma!
O Orador: - V. Ex.ª tem de ter isso como um dado assente entre nós, sob pena de não poder vir fazer apelos ao consenso, ao grande consenso de Estado, começando por dar-nos uma lição sobre o que é o Estado de direito, os mecanismos da democracia representativa como devem funcionar os tribunais, etc.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Às vezes esquecem-se!
O Orador: - Nós sabemos isso, Sr. Ministro da Justiça! V. Ex.ª não pode esquecer que sabemos.
É a partir daí que poderemos discutir as questões de fundo - e que já discutimos - por esta legislação que vem aqui apresentar.
Portanto, mais do que um pedido de esclarecimentos, o que faço é um protesto, pelo tipo de intervenções que V. Ex.ª vem fazendo nesta Casa - desculpe que lhe diga - e que não são, de modo algum, propiciadoras do consenso de Estado que tanto apregoa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, uma vez que fez um protesto e não um pedido de esclarecimento, respondo-lhe de imediato e depois agruparei os outros pedidos de esclarecimento.
V. Ex.ª atribuiu-me a natureza de caixa de música vienense. Isso é discutível! O que é indiscutível é que V. Ex.ª não tem ouvido para a música!
Risos e aplausos do PSD.
Portanto, V. Ex.ª corre o risco de comprar, estereotipadamente, as caixas de música e depois não se dá conta de que, de facto, o ritmo é outro, a partitura é diferente e a execução nada tem a ver com aquilo que V. Ex.ª pensava comprar!
Repare, Sr. Deputado, efectivamente, muitas vezes, nesta Casa, tive ocasião de falar em posições de Estado, muitas vezes também tive ocasião de falar em consenso, mas, curiosamente, hoje não falei nem numa nem noutra. V. Ex.ª não me ouviu ou, então, ouviu-me mal e dançou valsa diferente daquela que eu interpretava.
Por outro lado, também terá, apressadamente, passado as folhas da partitura e terá concluído que acumulei, no mesmo espaço, a oposição politicamente legitimada como tal e o conjunto de outros órgãos legítimos, embora não legitimados como oposição política no sentido formal do termo.
Sr. Deputado, cindi os dois grupos não para retirar legitimidade - e disse-o expressamente. Por isso mesmo, desta vez tomei a liberdade de escrever o que ia dizer, exactamente para que possa ficar como documento comprovativo daquilo que afirmo depois aquilo que disse anteriormente.
Não discuto a legitimidade da intervenção desses outros órgãos. Eu próprio tenho dialogado e discutido largas vezes com eles. O que me parece claro é que o debate político à volta deste diploma escapou, por responsabilidade de todos nós e minha também, do espaço político privilegiado para o debate político institucional. Foi exclusivamente isto que eu disse, e não coisa diferente, ou seja, que viesse a acopular à oposição estes outros órgãos.
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Aliás, VV. Ex.ªs poderão, a partir da vossa própria intervenção, demonstrar exactamente o contrário, de que não há realmente acopulação entre a intervenção destes órgãos e a oposição legitimada politicamente.
Mas há um aspecto fundamental que tenho de referir esta proposta de lei foi saudada na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - e hoje estou à vontade para o dizer, visto que se trata de uma sessão pública -, foi saudada, e bem, pelo Sr. Deputado Alberto Martins, como traduzindo um triunfo da democracia. Portanto, não vamos agora, no Plenário, descaracterizar aquilo que tão fortemente foi caracterizado em sede de Comissão.
Por outro lado, esse triunfo da democracia teve na sua base a iniciativa do Governo, mas o Governo não quer assumir para si como sendo ele apenas o triunfador nesse domínio. Trouxemos o diploma que decorria da proposta de autorização legislativa e estamos aqui seriamente, como não temos qualquer dúvida de que a oposição também está, para discutir esta matéria.
Sr. Deputado, as noções elementares da democracia e do Estado democrático não são apreendidas no primeiro ano da Faculdade de direito. É que a democracia sente-se, não se aprende!
Aplausos do PSD.
O primeiro ano da Faculdade de direito permite racionalizar normativamente aquilo que é um sentimento assimilado. Sr. Deputado, a democracia é como o chá: ou se toma em criança ou dá-nos sempre uma sabor amargo ao longo da vida!
Aplausos do PSD.
Por outro lado, Sr. Deputado, nunca me passaria pela cabeça dar lições de democracia a quem quer que fosse e muito menos ao Partido Socialista Português. Nunca! Porque nunca faria, além dessa injúria ao Partido Socialista, a injúria a mim próprio.
Tenho é o direito de demonstrar a quem me quis dar lições de democracia que, pelo menos, no primeiro ano da faculdade aprendi, e que integrei o que aprendi naquilo que me habituei a sentir desde criança. E este é o local político próprio para, perante os Portugueses, dizer-lhes, depois de ser acusado de ter criado condições objectivas para subverter o Estado democrático, que sei o que é o Estado democrático, que o interiorizei desde sempre e que este diploma respeita integralmente as suas regras fundamentais.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Peço-lhe que conclua, Sr. Ministro.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Creio, por isso, Sr. Deputado, que estas palavras só assim podem ser interpretadas, porque só assim elas foram intencionalmente aqui trazidas e porque, amanhã, poderá estar aqui alguém da vossa bancada que, paradoxalmente, tenha de explicar aos Portugueses que é democrata, porque, paradoxalmente, hoje, é fácil na sociedade portuguesa apelidar, quem quer que seja, de antidemocrata, apenas porque defende ideias diferentes das do orador.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, por uma qualquer misteriosa acção de prevenção, de ontem para hoje perdi dois minutos do tempo que me tinha sido disponibilizado para intervir sobre esta proposta de lei - ontem eram dezasseis minutos, hoje só catorze minutos. Assim, vou ter de ser muito breve relativamente aos pedidos de esclarecimento, que, aliás, vão cingir-se num só, porque em relação a toda a parte restante do seu discurso creio que as posições estão bem definidas.
V. Ex.ª, habilidosamente, não nos disse aqui como conseguiu transformar uma investigação de um facto delituoso já praticado em questões de prevenção. Porém, referir-me-ei a esse aspecto na minha intervenção.
Também sou de opinião de que isto tem a ver com a realização do Estado de direito democrático e, por isso, é que a opção pelo modelo A ou B poderá ter resultados diferentes relativamente à construção da democracia.
Quero perguntar-lhe, tão-só, o seguinte: ficando os agentes da Polícia Judiciária vinculados pelo dever de sigilo em relação ao factos de que tenham conhecimento na famosa recolha de informações - para não reproduzir o resto da rebuscada redacção do diploma -, se uma qualquer pessoa chamada a prestar declarações perante um agente da Polícia Judiciária tiver conhecimento de que, afinal de contas, está a ser investigada qualquer coisa, essa pessoa fica também, ou não, vinculada pelo dever de segredo?
Esta pergunta tem a ver com outras matérias, como é óbvio - tem a ver com a questão da liberdade de imprensa.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Dado que o Sr. Ministro informou a Mesa de que responderá no fim de cada dois pedidos de esclarecimento, dou agora a palavra, para o efeito, ao Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, V. Ex.ª, em resposta ao meu colega José Vera Jardim, disse que a democracia não se aprende, sente-se. Devo dizer-lhe que aprendi também a democracia e aprendi-a preso às ordens de uma polícia que, em simultâneo, acumulava informações e organizava investigação contra suspeitos. E julgo importante evocar essa experiência para dizer que, acerca da democracia, muitos de nós não têm de facto quaisquer lições a aprender.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Esse ponto já foi esclarecido!
O Orador: - Assim, é particularmente chocante ouvir considerações sobre essa matéria, sobretudo quando elas ocultam - e queria frisar este ponto - uma decepcionante falta de informação sobre o que é hoje o programa democrático e os estudos desenvolvidos sobre a política e a teoria política da corrupção.
V. Ex.ª, impressionantemente, fez algumas considerações sobre a democracia que faziam sentido há 20, 30 ou 40 anos, mas esqueceu - e a minha intervenção, daqui a pouco, fará alguma luz nesse sentido - todas as intervenções dos últimos 20 anos sobre a temática «corrupção e democracia». E isso, para legislar, parece-me relativamente grave, isto é, que se envolva hoje um programa democrático de combate à corrupção em concepções passadas,
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anteriores ao exame dos próprios problemas, que hoje fundam o combate das democracias à corrupção.
Mas quero também dizer que V. Ex.ª, nessa linha, utilizou um conceito muito redutor do espaço democrático e do espaço público. Certamente, V. Ex.ª conhece esta temática do espaço público, que valoriza a criação à volta das instituições representativas de um espaço de argumentação onde os apports dos sujeitos sociais e dos novos sujeitos da discussão social têm um papel decisivo na formação da vontade política.
Ora, o que quero perguntar-lhe a este respeito é o seguinte: V. Ex.ª encontrou pela frente as críticas concordes e graves, como se diria no direito canónico, dos magistrados judiciais, dos magistrados do Ministério Público, da Ordem dos Advogados. Todos, através das suas instituições representativas, advogados e magistrados, fizeram coro nesta crítica. V. Ex.ª considera que a sociedade está equivocada acerca dos seus propósitos, que houve um problema de comunicação da sua parte, ou, como o Primeiro-Ministro, que há um enorme complot, de que V. Ex.ª é vítima, que representaria um concerto da comunidade jurídica para não entender o que para V. Ex.ª é absolutamente claro?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que conclua.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente, com mais uma única referência, que julgo ser meu dever fazer também aqui no Plenário.
V. Ex.ª, com todas as suas lições respeitáveis sobre democracia, cometeu, em todo este processo, uma acção que turvou mais o debate, que V. Ex.ª disse ter-se processado aqui em condições dignas de crítica. E não quero deixar de dizer aqui que, quando V. Ex.ª considerou a intervenção de um cidadão, que é um magistrado, uma intervenção imprópria de um magistrado e grave num Estado de direito,...
Vozes do PSD: - E muito bem!
O Orador: -... V. Ex.ª fez uma qualificação de natureza disciplinar, emitindo-a na luta e no debate políticos, que é, a meu ver, imprópria de um ministro da Justiça num Estado democrático. Em minha opinião, um ministro da Justiça não pode censurar, através de figuras disciplinares, a actuação de um magistrado, enquanto cidadão, pronunciando-se sobre uma proposta de V. Ex.ª
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, a questão colocada por V. Ex.ª resulta de uma leitura menos correcta do que está previsto no texto da proposta de lei. Mas é fundamental que fique esclarecido, - e digo-o, não atribuindo eu qualquer intenção menos séria à intervenção de V. Ex.ª - que o dever de sigilo não é para as pessoas que são chamadas à Polícia Judiciária; é exclusivamente para o pessoal que intervém na investigação, não para quem vá de fora. Não há aqui
qualquer limitação a qualquer liberdade de informação! Não há qualquer dever de sigilo para quem é chamado a prestar declarações! Em circunstância alguma! Nesse aspecto, a lei é clara!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso tem de ser complementado com a leitura do Código Penal e do anteprojecto!
O Orador: - Sr.ª Deputada, nós não podemos complementar contraditórios, a não ser numa perspectiva radicalmente dialéctica, que hoje já está banida do pensamento e do raciocínio.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu fiz-lhe a pergunta seriamente!
O Orador: - Também estou a responder seriamente, Sr.ª Deputada, e já tive ocasião de o dizer.
Quanto às questões colocadas pelo Sr. Deputado Alberto Costa, eu sei, Sr. Deputado, que vale a pena insistir na lição de democracia, e não venho aqui dar lições de democracia... Vale a pena, porque isso «passa» várias vezes, e, depois de se repetir várias vezes, pode ser que «cole». Mas não vou responder novamente; respondi ao Sr. Deputado José Vera Jardim exactamente nos mesmos termos em que o faço a V. Ex.ª
Porém, V. Ex.ª estabeleceu, de facto, uma distinção importante entre aquilo que é a democracia que se sente e aquilo que é o conhecimento através do que vai sendo a evolução do modo como a democracia se manifesta.
O Sr. Deputado far-me-á com certeza a justiça de que também eu vou lendo o que se vai escrevendo - porventura menos do que V. Ex.ª - acerca destas matérias. Simplesmente, há um ponto essencial que importa referir: V. Ex.ª não gostaria, em circunstância alguma, que, em nome de qualquer princípio mais ou menos vago, eu viesse aqui dizer que qualquer projecto de lei subscrito por V. Ex.ª era antidemocrático tout court. V. Ex.ª teria o direito de reagir a esse tipo de afirmação,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -... porque em democracia não escolhemos entre ditaduras alternativas, mas, sim, entre ideias democráticas alternativas.
Aplausos do PSD.
É apenas esse ponto que quero deixar aqui claro, e não censurar o PS pelo que quer que seja. O PS não disse que este diploma era antidemocrático. Por isso, desde a primeira hora, disse que não estou a responder ao PS, mas, sim, a assumir o direito de me bater como democrata - que tenho o direito de ser e de afirmar que sou - nesta Casa por um projecto, que, sendo como qualquer outro em democracia discutível, não pode ser apodado de intenções perversas e de antidemocraticidade. Por essa via, Sr. Deputado - e V. Ex.ª sabe-o bem -, passa também a leitura actual da relação entre corrupção e democracia.
Aliás, V. Ex.ª sabe tão bem quanto eu - e, porventura, melhor - que a relação actual entre corrupção e democracia tem três vertentes fundamentais. A primeira é a de actuar em áreas preventivas e a montante, justamente as que têm a ver com o financiamento de partidos, com o controlo de rendimentos, com intervenções no domínio da
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organização de inquéritos e de sindicâncias em áreas que sabemos serem as específicas onde a corrupção actua.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto! É o que temos dito!
O Orador: - V. Ex.ª sabe que essa relação passa também por outra via fundamental, que é a do reforço dos meios técnicos, humanos e de instrumentos legislativos para a prevenção e para a investigação criminal - esta é uma das componentes desse combate. E sabe que passa, em terceiro lugar, pela indicação de que o político deve ter sobre si duas coisas: uma grande exigência para não permitir que a corrupção grasse na área onde ele intervém, mas, ao mesmo tempo, a grande dignidade de afirmar publicamente - e não assumir dividendos políticos por fazer o contrário - de que o político, pelo simples facto de o ser, não é corrupto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Esta é uma afirmação que temos de fazer, porque só assim legitimamos a nossa presença nesta Casa e em representação do povo.
Aplausos do PSD.
Estes são três aspectos fundamentais, que não são contraditórios com o que V. Ex.ª disse, mas que obviamente também não são contraditórios com o que referi no início.
Por outro lado, Sr. Deputado, eu próprio tenho a clara consciência de que o debate, político ou não - porque, e V. Ex.ª sabe-o tão bem quanto eu, muito do debate de hoje é também um debate social, independentemente de ele ter natureza política ou não -, é um debate diversificado e aprofundado. Mas é um debate que aponta, e V. Ex.ª sabe-o, para a afirmação cada vez mais significativa do Estado dos cidadãos, para a participação cada vez maior não apenas de estruturas corporativas, que também têm direito de o fazer, mas particularmente da vivência do cidadão enquanto tal, de modo a que ele próprio, ao participar, assuma para si o direito de intervir, de manifestar a sua opinião, de fazer valer a sua vontade. Não tenho qualquer dúvida sobre isso.
Por isso, Sr. Deputado, é legítima a intervenção da Ordem dos Advogados e a dos sindicatos das magistraturas, mas também a é a minha discordância, Sr. Deputado - tão legítima como essa outra intervenção! E é evidente que não podemos - e presumo que V. Ex.ª não o faz - confundir comunidade jurídica com sociedade. V. Ex.ª aqui atropelou um pouco os dois conceitos. Enfim, o Sr. Deputado, no outro dia, também teve ocasião de dizer que tinha alguma dificuldade em distinguir o Centro Cultural de Belém do Código Penal...
Risos do PSD e do PS.
Em todo o caso, presumo que isso foi um mero lapso e não uma afirmação de intenções.
Relativamente à intervenção - que não digo de um magistrado, para nós sabermos do que estamos a falar - do Sr. Procurador-Geral-Adjunto, Dr. Rodrigues Maximiano, V. Ex.ª deu a dignidade de fazer subir a Plenário a mesma questão que me tinha colocado na Comissão e eu vou dar a V. Ex.ª a dignidade de lhe dar exactamente a mesma resposta.
Com certeza que, quando um magistrado, enquanto magistrado, assume o direito de se pronunciar publicamente, dá a todo e qualquer português, mesmo que esse português seja Ministro da Justiça, o direito de publicamente criticar a sua intervenção.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não em termos repressivos!
O Orador: - Mas, mais do que isso, Sr. Deputado, toda a intervenção do Sr. Procurador-Geral-Adjunto é susceptível de uma crítica política, porque o Sr. Procurador-Geral-Adjunto assumiu uma postura política na sua intervenção, não apenas uma postura científica. Terá sido, porventura, uma postura do socialismo científico! Só aí terá sido científica, ...
Risos do PSD.
...mas foi uma postura política. E, se foi uma postura política é, susceptível de receber uma resposta política.
Tive o cuidado de dizer que, quando, enquanto magistrado, o Sr. Procurador-Geral diz que esta lei cria condições objectivas para que se não persiga um ministro da justiça ou um primeiro-ministro, seja ele qual for, ou para que corrupção na área do partido que apoia o Governo, seja ele qual for, será zero, considero que é uma afirmação imprópria de um magistrado enquanto tal. Foi por isso que eu disse a V. Ex.ª que a comparação entre a intervenção do Sr. Magistrado num seminário, por boa hora em vós organizado, e a intervenção do mesmo magistrado no programa da SIC tinha uma diferença fundamental - no primeiro caso, ele não tinha razão e teve uma actuação imprópria de um magistrado; no segundo caso, já só não tinha razão!
Risos do PSD.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, eu não sugeri o processo disciplinar. Entendo - é uma atitude pessoal, e que assumi como Ministro da Justiça - que mesmo o exagero será politicamente considerado como tal. Fiz isso, assumi essa posição na Comissão, assumo a mesma posição aqui. Agora, Sr. Deputado, hoje como ontem, continuo a considerar, independentemente da pessoa (o Dr. Rodrigues Maximiano) - contra quem, obviamente, nada tenho -, que a sua primeira intervenção, tomada como magistrado, foi uma intervenção imprópria de um magistrado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Ministro, com a sua intervenção e com as suas respostas já teve o dom de alegrar mais a sua bancada do que os seus colegas do Governo nas últimas semanas!
A primeira nota que lhe queria deixar hoje é a seguinte: o Sr. Ministro, de facto - o Sr. Deputado Alberto Costa já disse bastante sobre isso -, não pode queixar-se de que as críticas que fez aos críticos do seu diploma não sejam bem aceites. Não pode queixar-se porque, na verdade, o Sr. Ministro não disse apenas que não concordava com a
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posição dos críticos, que não concordava com todos os anátemas que foram lançados contra o seu diploma, mas lamentou o modo como essas críticas foram inflacionadas, o tom, o exagero e a forma que o debate tomou. E, portanto, o Sr. Ministro, de alguma forma, censurou o modo como o debate se estabeleceu. No entanto, diria - e é uma questão que gostaria de saber se merece ou não a sua concordância - que, hoje, o conhecimento ou o significado pretendido pelo legislador com esta lei em inúmeros pontos é muito mais o produto dos esclarecimentos que o Sr. Ministro teve de dar do que o que decorre claramente do texto das suas normas.
Estou convencido que em alguns aspectos a lei se tornou mais perceptível por causa das dúvidas - algumas inflamadas e algumas com paixão partidária - que foram colocadas ao Sr. Ministro. A intenção e os princípios do legislador tornaram-se mais perceptíveis através dos esclarecimentos que prestou do que através do texto. E, se for assim, se com tal concorda, o debate teve uma grande virtude.
O Sr. Ministro disse depois que veio aqui com uma grande coragem tratar o problema da corrupção e pediu alguma tolerância para essa coragem. Dir-lhe-ia que, de facto, não consigo perceber porque é que é coragem avançar com um diploma no combate à corrupção! Porque é que é um acto de coragem do Governo estabelecer ou apresentar uma iniciativa legislativa relacionada com o combate à corrupção?
Mas há uma questão que o Sr. Deputado Alberto Costa colocou e que o Sr. Ministro não comentou totalmente, se me permite. E a questão é esta: esperar-se-ia que uma iniciativa sobre a corrupção merecesse um acordo em termos genéricos de todos os quadrantes políticos. Há muitas questões da sua política legislativa em matéria de justiça com as quais não concordo, como é o caso do Código Penal ou da questão do segredo de justiça, mas esperaria sinceramente ...
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. ...Esperaria sinceramente concordar com esta sua iniciativa em matéria de corrupção!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Então por que não concorda, Sr. Deputado!?
O Orador: - Porque se estabeleceu este debate? Por que não há essa concordância generalizada?
Era mais difícil estabelecer este desacordo do que estabelecer o acordo e, no entanto, o desacordo estabeleceu--se e ninguém pode ficar indiferente. De facto, ninguém pode ficar indiferente à questão de saber por que razão pessoas que não têm sequer nada a ver com a paixão partidária se levantaram com tanto denodo a criticar a sua lei. A este facto o Sr. Ministro dificilmente pode fugir!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nos termos regimentais, solicito a V. Ex.ª que me autorize a que em meu lugar possa usar da palavra o Sr. Deputado Alberto Martins para poder desautorizar o Sr. Ministro da Justiça, que lhe fez umas referências esquisitas.
Vozes do PSD: - Que bonito!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito obrigado, Sr. Deputado José Magalhães!
Risos.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, a minha intervenção é, em grande medida, um protesto dirigido a V. Ex.ª porque fez de modo ilegítimo uma insinuação, ou sugeriu uma divergência essencial de opinião, relativamente aos meus camaradas de bancada, que não existe e que não existiu na Comissão.
Permitir-me-ei sobre esses pontos lembrar o seguinte: o que foi dito, e a minha afirmação na ...
O Sr. Ministro da Justiça: - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Justiça: - Suponho que V. Ex.ª está a referir-se à afirmação de que esta transformação em proposta de lei era o triunfo da democracia! É a isso que V. Ex.ª está a referir-se?
O Orador: - Exacto, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Justiça: - Volto a ter de lhe pedir imensa desculpa porque, de facto, quem afirmou isso foi o Sr. Deputado Alberto Costa. Receio ter dito «Alberto Martins». Já outro dia tivemos ocasião de dizer que o Partido Socialista tem esta questão «da importância de se chamar Alberto»! Creio que mais uma vez voltei a confundir, ...
Risos.
Mas, de facto, foi o Sr. Deputado Alberto Costa que o disse e não V. Ex.ª, Sr. Deputado!
O Orador: - Agradeço a explicitação, mas se me permite ...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Então, quem deveria usar da palavra agora era o Sr. Deputado Alberto Costa!
O Orador: - Se o Sr. Presidente me permite, continuarei ...! Penso que o Sr. Deputado Silva Marques ainda não substituiu o Sr. Presidente na direcção dos trabalhos!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Orador: - Mas aproveito a oportunidade para lembrar que a intervenção que fiz, e que é uma intervenção que mereceu consensualidade entre os membros da minha bancada na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, assentava no seguinte: é evidente que há hoje uma crise de confiança no sistema político e na classe política, um pouco por todo o lado. É evidente que o Partido Socialista assume o combate a essa crise de confiança, e por isso temos a nosso favor, e muito antes do Governo, a adopção de medidas legislativas (propostas e projectos) como as relativas ao financiamen-
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to dos partidos e das campanhas eleitorais e às incompatibilidades dos membros do Governo na anterior legislatura e que o Partido Social-Democrata reprovou. O Governo vem agora fazer marcha atrás num combate que anteriormente, com largos meses de antecedência - mais de um ano -, o Partido Socialista acompanhou e tomou a iniciativa.
Por outro lado, creio que a questão essencial que foi trazida ao debate na intervenção que fiz é a seguinte: o grande problema que esta lei coloca é o dos subterrâneos da liberdade. Aqui não são subterrâneos da liberdade, mas são zonas de ocultação, zonas opacas, zonas que ninguém controla e onde um simples agente da Polícia Judiciária pode fazer investigação a seu bel-prazer, com esta proposta de lei, sem qualquer controlo. É aqui, nesta zona cinzenta, nesta zona opaca, nesta zona incontrolada, que tudo tem de ser evitado.
A ocultação, a opacidade, o subterrâneo confinam-se à zona onde estão em causa os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Como foi dito, e como eu referi, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos são direitos contra o Estado, são direitos face ao Estado e, muitas vezes, contra o Estado. É nesta zona que queremos respostas claras do Sr. Ministro da Justiça. Quem controla a Polícia Judiciária a todo o tempo tem de ser o Ministério Público. Quem controla o Ministério Público a todo o tempo tem de ser a judicatura. E nesta proposta de lei, em nosso entender, este controlo do chamado pré-inquérito ou pré-investigação não está rigorosamente assegurado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Ministro da Justiça, retomo a afirmação que fez relativamente ao seu conceito de democracia no sentido de que a democracia se sente. Julgo que não será tanto assim. Não estamos a falar de estados de alma, mas de questões concretas. E penso que a democracia se exprime e se constrói em formas concretas.
Quero dizer-lhe isto porque penso que o modo extremamente agressivo e intolerante como se referiu a todos os opositores - e são muitos - a este projecto não traduz, de modo algum, uma expressão feliz daquilo que deve ser a democracia.
A questão que lhe quero colocar está também relacionada com a aprendizagem da democracia. V. Ex.ª sabe - e são múltiplas as manifestações de abusos e violações dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos cometidos pelas polícias - que, se nos distanciarmos mais no tempo (mais de quatro dezenas de anos de regime totalitário, em que a polícia foi senhora absoluta neste país), ficamos com uma visão que deve estar próxima daquilo que são hoje as soluções a encontrar.
Perante uma proposta de lei em que as acções de prevenção são um conceito de tal modo lato e abrangente, onde tudo cabe, e em que tudo se permite - nomeadamente a recolha de informações relativamente à Polícia Judiciária -, pergunto-lhe se estamos ou não a caminhar para uma situação onde esta zona fronteira da violação, da ilegalidade e de uma certa impunidade é ou não facilmente possível de ser atingida.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.
O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Ministro da Justiça, a propósito da proposta de lei hoje em debate, V. Ex.ª falou aqui em crise das democracias. Quis, no fundo, com isso significar que é fundamental para todos aprofundarmos a democracia e os seus pressupostos. Se bem entendi, o Sr. Ministro referiu-se ao problema crucial e actual - o problema que está aí - daqueles que vêem as referências morais do Estado fora dos órgãos representativos, fora dos órgãos políticos, tais como são concebidos pela democracia representativa, que está entre nós constitucionalizada. Trata-se de um problema, que é também de cultura, que está para lá dos próprios mecanismos legislativos e que têm sido ultimamente referidos como algo a ter em conta.
Penso que o Sr. Ministro se referiu, no fundo, à necessidade do aprofundamento da democracia, dos seus mecanismos e de tal processo ser conduzido de baixo para cima, se bem entendi. E o Sr. Ministro, em determinada altura da sua intervenção, referiu à Câmara que talvez o Provedor de Justiça pudesse desempenhar aí alguma tarefa, nesse debate, nesse processo.
As questões que lhe queria colocar são as seguintes: seria possível clarificar a sua perspectiva sobre a forma, ou sobre o processo de ultrapassarmos a denominada crise das democracias, que no fundo é uma crise além-fronteiras, ao que sabemos?
Segunda e última questão, Sr. Ministro: qual o papel que a instituição Provedor de Justiça aí poderia desempenhar, na sua perspectiva?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por responder ao Sr. Deputado António Lobo Xavier, manifestando-lhe, em primeiro lugar, a minha satisfação pelo facto de, segundo creio, ser a primeira vez que temos ocasião de dialogar neste Parlamento.
Em segundo lugar, quero dizer-lhe que não há que estranhar a alegria manifestada pelo grupo parlamentar que apoia o Governo. Como sabe, em política deve viver-se tranquilamente a derrota e com satisfação o reconhecimento da razão. Ora, a bancada do Grupo Parlamentar do PSD tem consciência de que neste caso, de facto, temos razão e manifestou a sua alegria. É natural.
O Sr. José Magalhães (PS): - É o caso! É a vitória da razão sobre a hidra da ignomínia!
Aplausos do PSD.
O Orador: - Aliás, como V. Ex.ª sabe, já a Constituição do estado da Virgínia propunha, como direito fundamental, o direito à felicidade. Assim, também tenho alguma satisfação por poder ter contribuído para exercermos esse direito fundamental, nesta fase final do século XX.
O Sr. José Magalhães (PS): - Anda toda a gente feliz no sector da justiça!
O Orador: - É evidente que não, Sr. Deputado. É evidente que nem toda a gente anda feliz no sector da
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justiça, mas há muita gente menos infeliz do que antes. Mesmo V. Ex.ª já tem uma expressão menos crispada, quando fala destes problemas do sector da justiça.
Risos do PSD.
Outro aspecto que não posso deixar de agradecer no pedido de esclarecimento do Sr. Deputado António Lobo Xavier é o facto de ter dito que a minha sucessiva intervenção permitiu, afinal - por ter sido provocada, no bom sentido do termo, pelo debate -, uma melhor clarificação do texto da lei.
Não quero que se conclua que, nesse sentido, eu ensinei e as pessoas aprenderam. Na verdade, em direito, há um aspecto fundamental que é o seguinte: a lei tem um texto, tem um espírito e tem quem a interprete. E é lamentável que eu tenha de ter feito um esforço tão grande para permitir a sua interpretação correcta, mas isso significa que com uma interpretação correcta esta é uma boa lei. Aliás, foi isso que dissemos desde o início, ou seja, as minhas intervenções não foram outra coisa senão tentar levar à opinião crítica de todos aquilo que era a interpretação correcta deste texto da lei.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas dá um trabalhão interpretá-lo!
O Orador: - Nessa medida, as boas leis, normalmente, não são imediatamente fáceis de interpretar e, por isso, têm alguma tendência para serem intemporais. As más leis, aquelas que dão dividendos políticos imediatos, caem pouco tempo depois, porque, normalmente, não têm qualidade técnica e não persistem no quadro institucional jurídico português.
Aplausos do PSD.
Passemos agora à questão do debate, Sr. Deputado. O debate foi realmente importante e há um aspecto que também é importante salientar: eu nunca disse que este debate, mesmo degradado, como a certa altura foi, não foi importante nem democrático. Temos de distinguir a qualidade do debate do próprio debate, pois, em democracia, muitas vezes, o debate não tem qualidade mas é democrático e é sempre importante. É pena que ele acabe por provocar um desgaste, porventura excessivo, até na opinião pública, mas é bom que exista.
Este debate, por exemplo, não só serviu para mostrarmos, com a nossa coerência e a nossa segurança, a qualidade da lei que propúnhamos, como serviu, inclusivamente, para podermos ir mais longe no aprofundamento da democracia, que creio ser importante que todos façamos, não hoje, aqui, a propósito de apenas um diploma, mas no conjunto de nós próprios. É evidente que também nessa perspectiva o debate foi obviamente importante.
Quanto à intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins - e peço imensa desculpa se alguma vez mais fizer alguma troca, que não tem outro sentido senão a estima comum que tenho por si e pelo Deputado Alberto Costa, o que me leva a confundir muitas vezes os apelidos -, quero dizer que há, de facto, uma crise de confiança no sistema político.
No entanto, Sr. Deputado, se formos capazes de assumir perante a opinião pública, transparentemente e com seriedade, que há uma crise de confiança no sistema político, então, devemos dar o passo seguinte e, em vez de nos limitarmos a dizer que há uma crise de confiança no sistema político, devemos deixar de concorrer uns com os outros na procura de soluções para a restauração dessa confiança.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não é bom para o sistema democrático que nos degrademos à procura de saber quem tem a camisola amarela na luta contra a corrupção, por uma razão muito simples: é que, como V. Ex.ª sabe, há muitos sistemas, sistemas sociais, onde, no fundo, em matéria de corrupção, exigem-se três coisas, ou seja, que ela exista, que se diga que se quer combater e que não se combata.
O Sr. José Magalhães (PS): - É isso que tem acontecido até agora!
O Orador: - Ora, nós temos de caminhar num sentido diferente, reconhecer que há corrupção, embora, felizmente para nós, não em termos tão expressivos como noutros países europeus, afirmar que queremos combatê-la e combatê-la efectivamente. E, aí, temos de ser todos, num consenso e numa atitude de Estado, porque o que está em jogo não é apenas o criminoso que comete o crime de corrupção, mas a confiança no sistema. Se assim não for, o que ganharmos como dividendos, numa dialéctica política contraditória, acaba por ser uma perda na consolidação da própria confiança do regime democrático, no seu conjunto. Conheço V. Ex.ª, sei que esta é a sua postura e é, com certeza, a nossa, quer a do seu partido quer a do Partido Social-Democrata, que apoia o Governo.
O combate à corrupção está no Programa do Governo e não temos de analisar o momento das iniciativas, pois o Governo está a cumpri-lo. VV. Ex.ªs estão tão interessados como nós no combate à corrupção e essa é a imagem que temos de transmitir, porque é verdadeira, porque é real e porque é uma exigência ética e de Estado.
V. Ex.ª falou ainda nos «subterrâneos da liberdade» e há um aspecto relativamente ao qual não posso deixar de fazer referência. Sei o que foi a luta de V. Ex.ª, a luta do Sr. Deputado Alberto Costa, a luta de vários Deputados do Grupo Parlamentar do PSD, do Partido Socialista e de outros e todos sabemos o que é a existência do «subterrâneo legal» e o que é a existência, por perdas de qualquer regime democrático, do «subterrâneo ilegal».
Assim, digo aqui, porque sei que V. Ex.ª o repete comigo, que nenhum sistema jurídico, nenhum sistema legal, impede, pura e simplesmente, a totalidade do «subterrâneo». Isto tem de ser assumido, para falarmos sociológica e antropologicamente de um problema que só depois é verdadeiramente político.
Nesse sentido, o que temos de fazer é garantir o mínimo funcionamento possível na área desse «subterrâneo».
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: - É por isso que esta lei vai actuar numa área onde, possivelmente, pode haver intervenção de «subterrâneo» e trazê-la à luz do dia, obrigando a documentar, a comunicar ao Ministério Público, permitindo o controlo por parte deste.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não chega, Sr. Ministro da Justiça!
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O Orador: - No entanto, se não o tivéssemos feito, ninguém se lembraria disto.
O Sr. José Magalhães (PS): - Lembrámo-nos nós! Andávamos a falar nisso há tanto tempo!
O Orador: - Lembrámo-nos todos, porque assumimos a transparência de o fazer e, ao assumirmos essa transparência, viemos trazer à luz do dia, num controlo rigoroso de legalidade, aquilo que, efectivamente, podia não acontecer. E temos de assumir aqui a responsabilidade de que, actuando numa área essencial, no domínio do combate à criminalidade, que é a da prevenção, ir mais longe do que isto é fingir actuar no «subterrâneo» e, realmente, alargado. Isso nós não queremos e V. Ex.ª também não.
Quanto ao controlo do Ministério Público pela judicatura, não sei se há alguma proposta de VV. Ex.ªs nesse sentido. Neste momento, como sabe, não há controlo do Ministério Público pela judicatura a não ser o controlo da legalidade em determinado tipo de actos. Não creio que seja essa a proposta de V. Ex.ª, mas se for, com certeza, discuti-la-emos no momento oportuno.
O Sr. José Magalhães (PS): - Está no Código de Processo Penal, Sr. Ministro da Justiça!
O Orador: - Srs. Deputados, V. Ex.ª significam então que aceitariam que o controlo da Polícia Judiciária pelo Ministério Público fosse apenas de legalidade?
O Sr. José Magalhães (PS): - Percebeu bem, Sr. Ministro.
Não se lembra do debate sobre a Lei Orgânica do Ministério Público?
O Orador: - Eu só pergunto, Srs. Deputados, se VV. Ex.ªs aceitariam que o controlo do Ministério Público fosse apenas de legalidade. E não vale a pena esperar pela resposta, porque é evidente que não. É óbvio que não.
Não comparemos os dois tipos de controlo e não façamos juízos de valor sobre isso. Não os podemos comparar, porque são diferentes e, na minha perspectiva, estão correctos como estão. É bom que não deixemos «rabos de palha» sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Justiça, tenha atenção ao tempo, porque senão, inventámos aqui um sistema que pode ser sempre totalmente violado ou comprometido.
Tem de concluir, Sr. Ministro.
O Orador: - Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª que me dê só mais dois minutos para dar as respostas que ainda me faltam.
O Sr. Presidente: - Tem dois minutos para concluir, Sr. Ministro.
O Orador: - Relativamente à Sr.ª Deputada Isabel Castro, quero dizer-lhe que não me referi a todos os opositores do projecto nos mesmos termos, nem sequer acusei quem quer que fosse, antes, pelo contrário, coloquei a dúvida de saber se não haverá ainda quem funcione nestes termos e, nesta perspectiva, tenha uma visão da democracia desta natureza. Foi apenas isto que disse, pois creio que vale a pena reflectirmos sobre isso e não olhar-mos apenas para o período anterior ao 25 de Abril. Se olharmos também um pouco para o período imediatamente posterior, isso não nos fará mal em termos de defesa da democracia, Sr.ª Deputada.
Quanto ao problema da prevenção, dou-lhe a resposta que dei ao Sr. Deputado Alberto Martins: não há qualquer violação dos direitos fundamentais, enquanto previsão legislativa, no domínio da prevenção. Poderá, pontualmente, haver alguma situação dessas, como pode haver sempre, com qualquer lei e em qualquer sistema.
Por outro lado, Sr.ª Deputada, lembro-lhe que, quando a Amnistia Internacional publicou dois casos de violação dos direitos do homem - aliás, repetidos de um ano para o outro -, eu, como Ministro da Justiça, assumi publicamente que a Amnistia Internacional, ao publicar dois, não conhecia todos, porque há, com certeza, mais de dois casos num sistema aberto e transparente, como o que faz funcionar polícias e sistemas prisionais.
Assim, não tenho nada a esconder nesta matéria, nem me reduzo a uma leitura de números, ainda que ela, conjunturalmente, seja favorável à posição do Governo.
Quanto à questão que me foi colocada pelo Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, quero dizer que deixei no ar a hipótese de se admitir outro tipo de intervenção para o Provedor de Justiça, pois não tenho nenhuma ideia firme a esse respeito.
Todavia, creio que o Provedor de Justiça num Estado que nós queremos dos cidadãos, é a instituição que está mais directamente ligada ao cidadão. Ele, de alguma forma, tem uma componente normativa institucional e tem também uma componente naturalística, como cidadão, digamos, ele é o último cidadão face à Administração.
Em Portugal, temos, e bem, na minha perspectiva, um sistema de independência, de autogoverno e de autonomia das magistraturas, mas admito que seja conversável a possibilidade de o Provedor de Justiça poder fiscalizar a actuação dos conselhos superiores das magistraturas, apenas enquanto gestor da própria magistratura e, portanto, naquilo que se traduz no exercício de uma função com características e natureza meramente administrativas.
No entanto, suponho que é através de mecanismos heterogéneos e plurais de controlo que vamos abrir o leque da intervenção pública, estabilizar o sistema e não assumirmos a posição de que os únicos representantes éticos estão de um lado ou do outro.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Creio que, nesse caso, teremos um avanço da democracia, sem tocar minimamente naquilo que são as regras fundamentais do Estado de direito, que soubemos construir em conjunto.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de mais, solicito ao Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia para assumir a direcção dos trabalhos.
Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos prosseguir, na ordem do dia, com a realização de votações.
Começamos com a votação final global da proposta de resolução n.º 22/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo Que Adapta o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, respectiva acta final e seus anexos.
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Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Freitas do Amaral, Mário Tomé e Raul Castro.
Passamos agora à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 311/VI - Cria a Comissão Nacional para avaliação de impactes resultantes da transferência de caudais entre bacias hidrográficas (Os Verdes).
Submetido à votação, foi rejeitado, com os votos contra do PSD e do CDS, os votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSN.
Srs. Deputados, terminámos as votações.
Retomando o debate da proposta de lei n.º 60/VI, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Este debate suscita uma questão prévia. É que não é aceitável que instituições democráticas se ocupem do combate à corrupção sob o signo da teoria do complot.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Há duas semanas, o Primeiro-Ministro assegurava que o Sr. Ministro da Justiça viria à Assembleia da República «as vezes que forem necessárias para desmistificar a campanha que foi montada» - campanha que dizia ser tão perfeita «que tirava o chapéu a quem a montou».
Se alguém degrada a expressão de pontos de vista opostos a meros momentos da execução de uma maquinação; se alguém concebe as vindas ministeriais ao Parlamento em termos de elas deverem ser proporcionadas às necessidades de desmistificação de uma suposta campanha, esse entendimento não é o nosso. Ao contrário do que o Sr. Ministro da Justiça pareceu sugerir, enfrentamos a diferença e o contraste de pontos de vista com uma naturalidade democrática que nos leva a dispensar o bordão de qualquer teoria do complot.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Compreendemos a dificuldade explicativa de quem acredita em quem lhe diz ser bom para a justiça aquilo que magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e advogados, através das entidades que os representam, dizem ser mau. Mas recusamos em absoluto uma lógica que faça da comunidade jurídica e de personalidades tão representativas dela e da sociedade civil, como é o caso do bastonário da Ordem dos Advogados, executores de uma campanha que alguém tenha urdido.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não basta proclamar a excelência da sociedade civil, é preciso considerá-la e respeitá-la.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Se este debate não é alcançado nas condições que o relevo e a sensibilidade da matéria reclamariam, isso deve-se ao caminho e ao método escolhidos pelo Governo, que não actuou por forma a que acção do Estado Democrático pudesse exprimir aqui a força inteira de uma frente comum contra a corrupção...
Vozes do PS: - É claro!
O Orador: -... e demais criminalidade visada, como seria desejável. Bem ao contrário, o Ministério da Justiça, em sede tão relevante, brindou-nos com uma lição de antologia sobre «como não legislar».
O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!
O Orador: - Vejamos: em Setembro, anuncia legislação sobre combate à corrupção para o fim do ano passado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Nada!
O Orador: - Em Dezembro, confia à comunicação informação sobre textos preparados, textos que, durante Janeiro e Fevereiro, recusa mostrar aos Deputados, bem como recusa, aliás, qualquer diálogo que permita esclarecer propósitos ou o acesso aos noticiados trabalhos preparatórios.
O Sr. José Magalhães (PS): - Zero!
O Orador: - No fim de Fevereiro, faz chegar à Assembleia um pedido de autorização legislativa desacompanhado do projecto de decreto-lei.
No debate, em Março, promete, então, o texto do decreto-lei, para ser considerado durante o exame na especialidade.
O Sr. José Magalhães (PS): - O costume!
O Orador: - Votada a lei na generalidade, o Parlamento aguarda de Março a Maio a chegada do texto do diploma prometido.
Vozes do PS: - Grande texto!
O Orador: - Organizados os trabalhos parlamentares para a discussão na especialidade, anuncia-se então, a 21 de Maio, a surpresa: a conversão do projecto de decreto--lei em proposta de lei, que hoje debatemos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Milagre!
O Orador: - Foi positivo, repito, aqui e agora, mas foi tardio e não foi espontâneo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Graças a nós!
O Orador: - Se tivesse ocorrido em Fevereiro, quando foi remetido à Assembleia o pedido de autorização legislativa, estávamos hoje melhor. Como, infelizmente, assim não aconteceu,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: -... nos trabalhos de Setembro a Junho, passando pelos de Março a Maio, dificilmente poderíamos conceber um percurso em que a dificuldade na explicitação dos propósitos e a sucessão dos compassos e varia-
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coes pudessem fornecer campo mais propício para o desenvolvimento de inquietações, tensões, desconfianças, indesejáveis reacções de corpo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - As tempestades não podem surpreender os que se constituem semeadores de ventos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Legislar hoje em matéria de combate à corrupção implica um conhecimento actualizado do fenómeno e uma perspectiva de fundo sobre a natureza das respostas que ele reclama nas sociedades modernas.
Nem um nem outro desses requisitos ficaram, neste percurso, evidenciados.
Os estudos sobre a corrupção e o combate à corrupção evoluíram muito nas últimas décadas.
Do funcionalismo triunfante dos anos 60 ao economic approach dos anos 70 e aos estudos económico-políticos dos anos 80 e 90, estes fazendo apelo a uma gama mais variada de padrões motivacionais, vai um longo caminho. Conceitos como «ocasiões de corrupção», «aversão à corrupção», «propensão à corrupção», «custos da corrupção», «custos morais da corrupção», tomaram-se, nas últimas décadas, instrumentos indispensáveis para a compreensão da dimensão social e política do fenómeno e do seu significado.
Desses estudos resulta explicitado que a vulnerabilidade à corrupção e o desenvolvimento das práticas de corrupção são, hoje, estreitamente correlacionáveis, por exemplo, com os tipos de carreiras dos titulares de cargos públicos e dos decisores públicos, o capital social, profissional, intelectual e moral, com que são iniciadas as carreiras, os chamados círculos de reconhecimento moral dos políticos, o funcionamento ou não da alternância política e a presença partidária na Administração - para só citar alguns dos domínios mais estudados.
De tais estudos resultam também quadros para a compreensão do que a corrupção tem de particular nas sociedades modernas e do que há de específica e perigosamente antidemocrático, hoje, nas práticas de corrupção. É que o programa da democracia moderna é um programa de publicidade e de igualdade de tratamento dos cidadãos. E as práticas de corrupção são, nos antípodas desse programa, operações através das quais, na clandestinidade e na ocultação, se adquirem situações de privilégio.
Para invocar o título de uma obra recente, são trocas ocultas através das quais se subverte, em simultâneo, a publicidade e a igualdade de tratamento, em que a democracia hoje deve e tem de assentar.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Daí que possa dizer-se que a corrupção envolve «uma forma de participação oculta no processo de decisão, que modifica a estrutura das alternativas políticas, alternativa ou cumulativamente, em relação à exercida pelos grupos de interesses ou dos partidos políticos»; e representa uma «troca clandestina» entre os mercados económico, político e social, para obter influência sobre o processo de decisão pública, em termos diversos dos que resultariam do exercício aberto das oportunidades.
A corrupção, em democracia, tem, pois, um significado e envolve uma ameaça e um risco diferentes do que tem em outros sistemas: ela representa um regresso clandestino do dinheiro a um papel de supremacia, através da viciação das regras e dos resultados da participação dos cidadãos. É por isso que ela acaba por afectar o recurso fundamental da democracia, que é a legitimidade, ao favorecer a criação, ao redor dos titulares de cargos públicos, de uma atmosfera de suspeição e desconfiança, susceptível de reduzir o cidadão à apatia eleitoral e à resistência fiscal. E é por isso também que é essencial que a defesa da democracia da corrupção e dos seus efeitos assente numa perspectiva que situe a ameaça na sua real dimensão.
De facto, não basta, aqui, partir da ideia vulgar de que o direito penal apenas lida com uma fracção limitada do problema de que não há apenas a parte imersa do iceberg, de que imperam as cifras negras, etc.
Como é notado na literatura, dada a natureza desta troca oculta, a relação entre a corrupção formalmente detectada e a socialmente existente é, com maior probabilidade, equivalente à relação entre uma miniatura e o seu original.
Encarar o problema nestes termos implica a escolha de uma perspectiva em que a resposta se situe à escala do original e não à escala da miniatura.
Um programa anticorrupção à medida do problema tem de desenrolar-se à escala das instituições, tem de, agindo à escala real dessas instituições, diminuir as ocasiões de corrupção e aumentar os custos da corrupção. E aí radica a diferença cultural, que já esteve presente no debate de Março.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A uma perspectiva limitada, contrapusemos, então, uma linha de reforma institucional, em que ganhavam sentido as nossas propostas sobre o acesso do público às declarações de património, rendimentos e interesses dos políticos, a publicidade das decisões de atribuição de benefícios, o controlo do financiamento da actividade política, o recurso a auditorias independentes, a melhoria das condições de competição política.
Mantemos esta orientação fundamental.
A questão não se coloca em termos de saber se Portugal é ou não é um país de corruptos. A questão não se coloca em termos de saber se é válida a proclamação de Aníbal de Portugal ou a de Filipe da Macedónia, que dizia estar em condições de conquistar qualquer cidade ou país onde conseguisse fazer entrar um burro carregado de ouro.
A questão põe-se, ultrapassando o âmbito de análise do moralismo vulgar, em avançar decididamente para reformas institucionais inovadoras, que levem mais visibilidade e controlo público à vista política. Verdade seja dita, de Março para cá, o discurso do Sr. Primeiro-Ministro alterou-se e parece vir agora de encontro às preocupações de alargamento de perspectivas, que, em alternativa às suas, o PS aqui sustentou em Março.
Vozes do PS: - Exacto!
O Orador: - É uma viragem que registamos, aguardando a concretização das propostas anunciadas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Aguardando...! Exacto!
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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não é possível encarar com indiferença inovações legislativas nos domínios em que vêm propostas, tendo embora consciência da escala limitada em que operam.
Por um lado, elas situam-se num terreno em que é muito matizada, e, por vezes, paradoxalmente débil, a estigmatização social que rodeia a criminalidade visada. Não só são clássicas as distinções entre corrupção branca, cinzenta e negra, como inquéritos realizados ainda recentemente dão resultados desconcertantes sobre o estado de opinião e as representações sociais acerca do fenómeno. O vulgar moralismo neste domínio conduz a oscilações, que vão desde a dissolvente generalização da suspeição a toda a classe política até um grau de complacência que leva alguns autores a falarem numa verdadeira e oculta socialização da conivência.
Ponto é que, nesta matéria em particular, inovações legislativas sejam factores de reforço de confiança dos cidadãos e da comunidade jurídica em tomo das instituições e dêem garantias de compatibilização de direitos e padrões fundamentais com o desiderato de eficácia dos mecanismos de investigação. É neste domínio um mau prenúncio que o conhecimento das soluções propostas tenha suscitado a desconfiança e a crítica das entidades representativas de todos os operadores judiciários relevantes.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sem excepção!
O Orador: - É também sintomático que se tenha a seu propósito suscitado uma contundente avaliação - repito, uma contundente avaliação - acerca das dificuldades de implantação do modelo processual, legalmente consagrado ao longo dos últimos cinco anos, com uma denúncia crua dos problemas que o Ministério Público tem enfrentado e que tem determinado a distância da prática em relação ao modelo.
Há uma realidade em que as inovações se enxertam, que é a realidade da crise do sistema de investigação, que tem a ver não apenas com as dificuldades de concretização das características do modelo mas também com uma situação de facto de ausência de condições elementares, com indicadores alarmantes: departamentos como o DIAP têm sofrido tratos de polé, distribuídos por quatro locais diferentes da cidades e sem meios; predomínio de pessoal auxiliar eventual impreparado; 80000 notificações por fazer; detecção de processos com quatro e cinco anos de polícia, sem diligências efectuadas; fenómenos de desvio e de obstrução de funções em relação ao Ministério Público, denunciados formalmente pelo Procurador-Geral da República; processos policiais de averiguações sumárias com dezenas de volumes, que só uma inspecção da Procuradoria permitiu detectar!
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: - É num contexto assim que ganham pleno sentido as preocupações geradas pelas soluções anunciadas e que não são, portanto, filhas artificiais de nenhum complot, mais ou menos, perfeito.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não são filhas, são filhos!
O Orador: - Quando se está perante crimes que atingem a sua máxima danosidade nos níveis mais elevados de decisão pública e na elite económica, é mais lógico ainda que seja na autonomia e na independência das magistraturas que se procurem as garantias de isenção e não num alargamento de papéis de instâncias dependentes do Executivo.
É esse, Sr. Deputado Silva Marques, o reflexo inteligente, natural e consentâneo com o modelo do Estado de direito. É esse o reflexo aconselhado pela realidade que os operadores judiciários conhecem.
E o problema colocado é o de saber até que ponto podem hoje ser recuperadas ou mantidas, ainda que sob forma suavizada ou mitigada, soluções de informalismo, segredo e excepção, que, historicamente, se inspiram numa tradição contra a qual se estabeleceu o moderno Estado democrático.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Alberto Costa, agradecia que concluísse.
O Orador: - Termino rapidamente, Sr. Presidente.
Suspensões do processo, procedimentos excepcionais, sigilo acerca de confidentes, informadores e colaboradores, desconhecimento dos visados sobre se estão ou não a ser alvo de recolha de informações e acerca de quem lança sobre si acusações ou infamantes suspeitas foram técnicas afinadas pelo Tribunal do Santo Ofício e que se desenvolveram,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Essas duas páginas foram escritas por ou trem!
O Orador: -... e que desenvolveram, Sr. Deputado Silva Marques, uma pedagogia do medo, que teve efeitos mais terríveis do que a tortura e o rigor das penas. Entre nós, a esta tradição somou-se ainda a de uma polícia que prosseguia uma pedagogia do medo, associando o tratamento da informação recolhida e as tarefas da investigação criminal.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: - A questão está hoje em saber até que ponto as democracias ganham, até que ponto é inteligente e justo, por parte das democracias, desenvolver soluções - repito, ainda que suavizadas e mitigadas - com essa linhagem histórica.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Quer dizer, a democracia mais inteligente é a mais suave!
O Orador: - A previsão de averiguações, a recolha e o armazenamento de informações ordenadas para a fundamentação de suspeitas, em sede dita preventiva; a inclusão de mecanismos de autorização de medidas instrumentais ou de colaboração, com vista à obtenção de provas, no domínio do combate à corrupção; as garantias de manutenção de segredo acerca dos confidentes; a previsão de despachos genéricos em matéria de levantamento de sigilo profissional, são soluções que suscitam problemas de conformidade com padrões de confiança, de observância do princípio da justiça e de proporcionalidade, que integram o paradigma constitucional.
Se a corrupção envolve uma agressão qualificada à lógica da publicidade e do tratamento igualitário, que são, hoje, parte essencial da promessa democrática, tudo está em saber se uma estratégia de defesa da democracia deve fazer apelo central à própria técnica do segredo e da excepção.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É sabido que a expansão da corrupção tem por detrás um declínio das fontes de reconhecimento moral, agudo em ciclos de processo político, em que as estratégias de sucesso individual se soltam de constrangimentos ideológicos, programáticos e culturais (e em ambientes em que o dinheiro se constituiu em valor único).
O combate da democracia à corrupção, sob pena de contaminação pelos próprios valores que se proclama combater, não pode assentar num modelo baseado ao recurso às soluções amorais. Arrependidos, colaboradores, informadores correspondem a um círculo amoral, que a democracia não pode erguer em paradigma do seu modelo de combate à corrupção. Em primeiro lugar, porque lhe cabe cuidar das suas próprias fontes de reconhecimento moral.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Claro!
O Orador: - Admitimos e aderimos claramente ao reforço dos meios e condições de actuação ao dispor da Polícia Judiciária, do Ministério Público e dos juizes. Partilhamos uma concepção de defesa da democracia, que, no entanto, nos faz divergir de algumas das soluções propostas e considerá-las negativas ou carecidas de correcção. Dizê-lo é ainda afirmar a democracia, como espaço de concepções rivais.
A consagração legal de uma recolha de informações em fase processual, tendente à fundamentação de suspeitas, é uma inovação, ou uma confirmação, perigosa, tendo em conta um ambiente histórico, que não pode ser denegado, a realidade de que se parte e os riscos de desvirtuação que envolve. Nem esses riscos são suprimidos com a comunicação mensal, prevista à Procuradoria-Geral da República.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vou terminar, dizendo que um Maquiavel diferente do da vulgata, dizia nos seus «discursos» que encontrar uma república corrupta era o que mais convinha à glória de qualquer príncipe, porque isso lhe dava a oportunidade de fazer o que os povos desejam, ou seja, a de combater a corrupção.
Sem desejar para isso uma república corrupta, sem aspirar a glórias que as democracias dispensam, trabalhemos juntos nesse combate, que requer o empenho comum dos defensores do Estado de direito, procurando soluções que aperfeiçoem o padrão democrático das respostas.
O exame preliminar das disposições propostas, durante as audições que propusemos serem desencadeadas pela Comissão, já foi concludente no sentido de algumas das soluções deverem ser aperfeiçoadas.
Esperamos da maioria abertura para esse trabalho, sem perder de vista que a dimensão do problema torna, hoje, urgente a perspectiva de concretização de reformas institucionais.
Trabalhar contra a corrupção na república e contra a corrupção da república é um desafio em que o País pode contar connosco.
Contra o segredo e a desvirtuação da igualdade que a corrupção envolve e promove, a resposta do Estado democrático deve ser exemplar na promoção da transparência e da igualdade de tratamento. Se essa não for a sua superioridade moral, que seja, pelo menos, a sua superioridade política.
Só isso restituirá aos cidadãos a indispensável confiança nos decisores públicos e nas instituições.
Vozes do PSD: - Então?! Nunca mais acaba? Já ultrapassou, em muito, o tempo!
O Orador: - Vou terminar.
Ao legislar sobre o combate à corrupção, o recurso mais precioso a preservar é o da confiança da comunidade.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Não o afectemos mais! Demos aos cidadãos mais e melhores razões para confiar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, vou procurar ser breve, porque receio, se exceder o tempo, que se levante uma suspeição de corrupção em relação à Mesa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao optar por substituir a proposta de lei de autorização legislativa, que havia anteriormente apresentado, por uma proposta de lei que regulará, desde logo, de forma integral, os meios e as formas de combater a corrupção e a criminalidade económica, o Governo proporcionou que este Plenário, num espaço de pouco mais de três meses, se ocupe e debata tão candente matéria, para além da discussão e audições, que já tiveram lugar na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O Governo dera já um sinal claro de inequívoco empenho neste combate com a presença e a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro na sessão plenária de 17 de Março último.
Ao apresentar esta proposta de lei, não já sob a forma de pedido de autorização legislativa, o Governo não só reforça tal empenho como revela um particular respeito e compreensão pelo papel do Parlamento e aclara vontade que tem em associar, com a maior amplitude possível, todos os órgãos de soberania à importante tarefa de prevenir e combater a intolerável e odiosa chaga social que é a corrupção.
Tenho para mim, e já o afirmei noutras ocasiões, que, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, a democracia aprofunda-se, enriquece-se e aperfeiçoa-se quando as forças políticas diferenciam e subtraem responsavelmente certas matérias à mera pugna político-partidária e se abstêm de as usar como arma de arremesso político.
É este o senado de Estado próprio de uma democracia efectivamente enraizada e consolidada.
Penso ser esta uma das matérias que merece e exige tal trato. Bem entendido que não me refiro à denúncia e à utilização político-partidária deste ou daquele caso de corrupção, refiro-me tão-só à necessidade de uma convergência de vontades quanto à adopção de medidas legislativas adequadas a um efectivo combate a este tipo de criminalidade.
Temo mesmo que a excessiva polémica à volta destas iniciativas, o exagero e o infundado de muitas das criticas, que só por razões de combate político, no pior sentido, se podem explicar, conduzam ao descrédito das instituições perante o País e gere nos cidadãos a ideia de que há quem não esteja efectivamente interessado neste combate.
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São tantos os impecilhos que se vêm levantando, que, a dada altura, quem menos justificadamente os levante dificilmente se libertará da ideia de que oculta uma falta de vontade em dotar o Estado dos instrumentos e dos meios adequados a um efectivo combate à criminalidade económica em geral e à corrupção em particular.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso que fique claro perante o País, sob pena de estimularmos um clima de injustificada suspeição, que corrói a democracia e as instituições, que este é um combate de todos nós, do Governo e da oposição, da Assembleia da República e de todos os órgãos de soberania, dos Deputados e de todos os partidos. Este combate não pode ser comprometido por divergências ou reivindicações corporativas, por discussão de espaços ou de competências em que se desgastam energias tão necessárias a uma convergência de acções e de esforços.
A reflexão que, de uma forma alargada, foi possível fazer no âmbito da 1." Comissão, antecipando, pelas razões já referidas, o próprio debate na especialidade da proposta de lei ora em discussão, permitiu tomar claro, no meu entender, que nela se observa o princípio da separação de poderes e se salvaguardam os direitos fundamentais. Aliás, não é minimamente pensável, face à nossa Constituição e aos mecanismos de fiscalização da constitucionalidade, legislar com defesa de tais direitos e princípios.
Não vejo que dela possa resultar o menor risco de a Polícia Judiciária, aliás dirigida por distintos e conscientes magistrados, instaurar pré-inquéritos ou praticar actos de investigação criminal à revelia da direcção do Ministério Público.
A obrigatoriedade de a Polícia Judiciária comunicar prontamente ao Ministério Público sempre que instaura o procedimento criminal, a imposição de documentar as acções de prevenção e de as remeter mensalmente ao Procurador-Geral da República, que avaliará da correcção de tais casos e ajuizará da necessidade de, em cada caso, proceder ou não criminalmente, constituem garantia bastante de que os direitos fundamentais serão sempre salvaguardados.
Os termos em que se regula a quebra do sigilo bancário com base em princípios de excepcionalidade e proporcionalidade e sempre sujeitos a prévio despacho fundamentado do juiz, constituem igualmente garantia de que se confere à investigação um instrumento indispensável, num quadro cautelar, que salvaguarda a reserva a que tais matérias devem estar sujeitas.
A possibilidade da prática de actos de colaboração ou instrumentais, precedidos de autorização da autoridade judiciária competente, a atenuação da pena do agente que auxilie a recolha de provas que conduzam à identificação e captura de outros responsáveis, bem com a suspensão provisória do processo por decisão articulada entre o Ministério Público e o juiz de instrução, subordinando-se o arguido a injunções e desde que este tenha prestado especial colaboração, sendo medidas discutíveis no plano ético, não podem, porém, deixar de ser adoptadas no combate a este tipo de criminalidade.
Como lembra o Dr. Manuel Lopes Rocha, em estudo relativo à criminalidade económica, estas são medidas que o direito comparado regista, pois que, um pouco por toda a parte, o legislador foi concluindo, pragmaticamente, que o carácter insidioso e oculto destas infracções impediam-no de sacrificar conveniências de política criminal a considerações de ordem moral (in Jornadas sobre o Fenómeno da Corrupção, textos de apoio, Lisboa, 1990).
Escusado será salientar ainda a importância de que se reveste o departamento de perícia financeira e contabilística, ora criado, no âmbito da Directoria-Geral da Polícia Judiciária, pois que era notória a falta de um corpo pericial de apoio à investigação deste tipo de crime, que envolve áreas técnicas e sem o que não é possível assegurar a necessária celeridade à instrução e o atempado julgamento dos responsáveis por crimes desta natureza.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podem, porém, ficar por aqui as medidas de combate à corrupção.
A abertura da Administração, a transparência das instituições e da actividade política e partidária constituem imperativo inadiável de um correcto combate à corrupção. Uma Administração simplificadora e desburocratizada, a que os cidadãos tenham pleno acesso, é indispensável a eliminação de peias e entraves, que são, muitas vezes, cultivados como fertilizante do terreno propício ao florescimento da corrupção.
É justo realçar aqui o esforço que a Secretaria de Estado da Modernização Administrativa vem fazendo neste particular e o relevante papel que tem advindo da divulgação e execução do Código do Procedimento Administrativo.
Estamos certos de que o diploma do arquivo aberto, em que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Liberdades e Garantias tem estado empenhadamente a trabalhar, constituirá também um importante contributo para a transparência da Administração.
Na mesma linha de preocupações se insere a proposta de lei de autorização legislativa, recentemente discutida em Plenário, ao abrigo da qual se pretende rever o sistema de garantias de isenção e imparcialidade da Administração Pública.
Ainda nesta sessão legislativa, o Grupo Parlamentar do PSD irá apresentar projectos de lei de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, de declaração de rendimentos dos titulares de cargos políticos, bem como um projecto respeitante às incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos.
A clarificação e actualização da legislação nestas áreas constitui uma correcta actuação no domínio das causas, que completa o quadro em que esta proposta de lei, ora em apreciação, se insere.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tenhamos, porém, a ilusão de que o combate à corrupção se esgota nos instrumentos legislativos e jurídicos ou mesmo nos meios humanos e materiais afectos aos órgãos de investigação e de instrução criminal.
Este problema, hoje, mais do que nunca, assume natureza cultural e tem a ver com os valores que, em cada momento, informam as colectividades e que cada um de nós facilmente possa descobrir em si.
Uma sociedade em que os valores do poder e do prestígio são ajuizados em termos monetários, patrimoniais e materiais, superando os valores da honestidade, da lealdade e da competência, é uma sociedade geradora de corrupção.
Significa isto que também aqui as nossas preocupações têm de se centrar na escola e nas famílias, que devem ser depositárias e transmissoras desses valores personalistas, de modo a que continuem a prevalecer sobre toda a espécie de materialismos sem alma.
Terminaria citando William Shakespeare quando, no Mercador de Veneza, lapidarmente refere:
Ninguém deve enganar a fortuna ou recolher as honras sem que tenha o cunho do mérito. Ninguém sonhe com dignidades que não mereça. Quanto seria
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para desejar que riqueza, postos e empregos não fossem devidos à corrupção, que todas as honras fossem justificadas pelo merecimento daquele que as recebe!
(O orador reviu).
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Membros do Governo: Depois de algumas citações de bom recorte literário e de alguns apartes também de recorte literário, que tive ocasião de ouvir, não posso começar a minha intervenção sem lembrar...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Vai citar Shakespeare!
A Oradora: - Não, não é Shakespeare, é mais antigo do que o fenómeno da corrupção. Bom, não sei exactamente se é mais antigo...
Mas uma vez que se aproxima o fim da tarde e, pelas 22 horas, Paço Ibanez cantará seguramente o Dom Dinero, de Francisco Quevedo, no Teatro Municipal de São Luís, gostaria de vincar, aqui, que o fenómeno da corrupção é de todas as épocas, embora haja algumas em que se acentua mais do que noutras.
E há algumas em que a discussão em tomo deste fenómeno se azeda mais. Estamos numa dessas épocas, porque, ultimamente, de facto, as relações entre o Governo e as magistraturas, a política do Executivo, na área da justiça, com o fio condutor da governamentalização, têm provocado descontentamento e afrontamentos, e elevou-se nesta área, e com razão, como irei demonstrar.
Esta é uma lei que aparece com um nome simpático, um nome até de fácil adesão na opinião pública, se, entretanto, essa opinião pública não estivesse devidamente precavida pelos avisos à navegação relativamente ao fenómeno que, escandalosamente, irrompeu, há muito, e foi denunciado nos órgãos de comunicação social.
Tendo a opinião pública tomado boa nota disso e também das recusas do PSD em votar a constituição de comissões de inquérito propostas pela oposição, nomeadamente pelo meu grupo parlamentar, com vista à averiguação de factos que indiciavam fenómenos de corrupção, esta cartada do Governo é jogada extemporaneamente num contexto que lhe é desfavorável tanto interna como externamente, pois a opinião pública, com certeza, não esquecerá o combate à corrupção que noutros países é conduzido pelo poder judicial.
Assim, é difícil ao Governo encontrar um autor que lhe reserve a personagem de São Jorge esmagando o Dragão.
A sábia figura do Zé-Povinho, retomará mestre Gil Vicente, mesmo sem o saber, pensando: «Sempre vi lá que matas pecados cá e deixas viver os teus.»
De facto, na nossa óptica, o que hoje está em causa, a pretexto do combate à corrupção, é mais um entorse no processo penal, um aleijão que visa menos aquele combate do que a criação dos meios adequados ao reforço dos poderes do Governo à custa do empobrecimento do poder judicial.
O que hoje está em causa, fazemos questão de vincar, não são pessoas, pois nem cuidamos de saber quem ocupa este ou aquele lugar, nem nos deteremos em afirmações menos felizes deste ou daquele protagonista, cujas declarações fazem mesmo sorrir a hierarquia da Polícia Judiciária. O direito à asneira é, sem dúvida, um direito milenário.
O que está hoje em causa é o sistema proposto pelo Governo para aquilo que verdadeiramente pode chamar-se instrução ou, pelo menos, investigação criminal. O debate não é novo entre nós, nem noutros países como a Espanha e a Itália, pois a estrutura do processo penal é, verdadeiramente, um teste de solidez das instituições democráticas, daí que encontremos similitudes entre o que, neste momento, se passa entre nós e o que já se passou noutros países.
Como escreveram os juizes de instrução espanhóis Andrés Ibanez e Cláudio Alvez, este magistrado do Contencioso Administrativo, ambos membros do Movimento Juizes para a Democracia, «o papel que, de facto, corresponde, dentro do processo penal, à polícia é o melhor indicador da qualidade ou da falta de qualidade democrática da justiça, que se administra através de um determinado sistema judicial, um índice de máxima fiabilidade para se determinar o nível ou o grau de independência dos magistrados numa dada realidade».
Se acompanharmos a marcha do processo penal entre nós, desde a aprovação da Constituição até ao momento presente, veremos que, a par da conquista de autonomia pelo Ministério Público, se foi desenhando, por parte do Executivo, uma resistência à judicialização de um segmento de actividade das polícias. Por outras palavras, a dependência funcional de efectivos policiais relativamente às autoridades judiciárias, sobressaltou o poder, que sentiu a perda de influência na definição do âmbito e projecção social da justiça, de que nunca quis, verdadeiramente, «largar mão». Daí até à extinção dos tribunais de instrução criminal, garantes dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos, foi um passo, que até parecia natural, uma vez que nunca lhes foram concedidos meios.
Daí até à policialização da investigação e instrução criminal, através do reforço dos meios policiais e o empobrecimento dos meios do Ministério Público, consequentemente sem a necessária capacidade para fiscalizar a actuação policial, foi outro passo, e não de menor monta.
Assim, a actuação policial cresceu entre nós à custa da actividade jurisdicional, com custos para os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Olhe que não, Sr.ª Deputada! Não tem observado a evolução das coisas!
A Oradora: - No debate da autorização legislativa, que deu origem ao actual Código de Processo Penal, que mereceu o nosso voto contra (fazemos questão de realçá-lo pela actualidade das críticas que então lhe fizemos), denunciámos, logo, as consequências que do mesmo resultariam e afirmámos que era um abanão grave no sistema democrático, uma vez que com ele se dava mais um passo na recuperação, por parte do poder, de uma estrutura policial que, invadida pelos ventos da democracia, perdera em grande parte as características adquiridas de tempos de antanho, de uma polícia que, nessa altura, se assegurava a segurança dos cidadãos perante a delinquência e, contraditoriamente, garantia também a segurança do poder constituído perante os cidadãos que ousassem criticá-lo.
As críticas ao sistema, com que o Governo pretendia, e pretende, criar um contrapeso à independência do poder
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judicial não são, portanto, de hoje e foram feitas, sempre que se discutia o processo penal, relativamente a toda a espécie de crimes.
Age, portanto, de má-fé e li isto na imprensa -...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso não, Sr.ª Deputada!
A Oradora: - Não estou a dizer que me refiro ao PSD!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Ah! Muito bem!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Por agora, pelo menos!
A Oradora: - Pode ser que me refira, não sei, mas não estou a fazê-lo intencionalmente!
Age, portanto, de má-fé quem pretende criar a ideia de que as críticas surgem agora porque o que está em causa são crimes que visam especialmente os políticos, tentando inverter as posições em confronto.
É que os críticos do sistema proposto pelo Governo o que pretendem é a transparência da lei e, quando se trata de combater a corrupção, o mínimo que se pode exigir é uma lei que, verdadeiramente, a combata e não crie os mecanismos propícios ao encobrimento da corrupção. Ora, é disso que estamos a tratar!
É claro que, entretanto, o Governo se quis rodear dos mecanismos necessários para reduzir o papel dos protagonistas do poder judicial a uma mera defesa de interesses corporativos; quis que ficasse a pairar que os magistrados defendiam os seus interesses de classe. E esta estratégia também não é nova, como também não é novo que ela seja muito má. Já se ensejou noutros países a mesma estratégia para tentar diminuir o papel daqueles que, exercendo o poder judicial, combatem o cancro que mina o sistema democrático - a corrupção.
Foi visível nas alterações à Lei Orgânica do Ministério Público que o Executivo pretendia reservar para si uma grossa maquia dos poderes de fiscalização do Ministério Público sobre a Polícia Judiciária. Os resultados da inspecção a esta instituição, ordenada pelo Sr. Procurador--Geral da República, revelaram 1200 averiguações sumárias, que o Sr. Director-Geral da Polícia Judiciária, magistrado que, desde há muito, conheço e respeito, confirmou dizendo que já se vinham arrastando há muito tempo, e afinal tais averiguações sumárias eram simplesmente investigações criminais feitas à margem do titular do exercício da acção penal, que é o Ministério Público. E havia mesmo uma chamada «averiguação sumária», que tinha nem mais nem menos do que uma dúzia de volumes.
A inspecção feita revelaria que estas averiguações eram, afinal, o modelo investigatório utilizado para fugir ao controlo das autoridades judiciárias, em flagrante atropelo aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e ao próprio Código de Processo Penal, apesar de tudo, ou seja, do seu vezo policiesco.
O Sr. Silva Marques (PSD): - A Sr.ª Deputada está a ofender o Sr. Procurador-Geral da República!
A Oradora: - É natural que, às vezes, as pessoas, denotando alguma imaturidade, se vão agitando no final das sessões.
Está, hoje, bem claro que foi isso que esteve na base das alterações à Lei Orgânica do Ministério Público.
A subalternização dos magistrados, relativamente aos órgãos policiais, surge agora bem explicitada nesta proposta de lei.
O núcleo irredutível, do qual o Governo não abdica, centra-se em torno daquilo que o Sr. Ministro da Justiça vem chamando de prevenção, mas que é verdadeiramente uma investigação criminal e até mesmo aquilo que verdadeiramente se pode chamar de instrução criminal, por dizer respeito algumas vezes a situações em que o suspeito já está identificado.
A redacção rebuscada dada à alínea á) do n.º 3 do artigo 1.º não consegue, de facto, esconder que o que se pretende é reservar para a polícia, sem aquilo que o Governo considera de intromissão do Ministério Público, a investigação e a instrução relativamente a crimes tão graves como a corrupção.
A recolha de informações relativamente a notícias de factos que criem suspeitas sobre a existência de crime é uma actividade de investigação ou de instrução, que não de prevenção.
Prevenir! Prevenir, aqui, se quiséssemos de facto fazer uma interpretação perversa da lei no rigor das palavras, só poderia ser prevenir o suspeito de que se acautele, pois já se encontra na mira de alguém que já teve conhecimento das suas actividades.
Relativamente à questão que coloquei ao Sr. Ministro da Justiça, gostaria apenas de dizer uma frase: não foi a leitura desta lei que me suscitou dúvidas, mas o entre cruzamento dela com o anteprojecto do Código Penal relativamente à violação do segredo. A questão não ficou esclarecida e estarei bem atenta em relação às questões do segredo profissional e dos escolhos que se deparam aos jornalistas de investigação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, no que toca à recolha de informações, a proposta é vaga e omissa, admitindo, de qualquer forma, métodos que o modelo constitucional rejeita como forma de obtenção de provas à margem das autoridades judiciárias.
Como positivo, aquando do debate da proposta de autorização legislativa, que deu origem ao actual Código de Processo Penal, registámos - faço questão de vincar - que os investigadores da Polícia Judiciária afirmavam, então, através da sua associação sindical, a sua inteira concordância na necessidade de controlo judicial de métodos de investigação que pusessem em causa direitos fundamentais dos cidadãos. E acrescento que, quando recebi a direcção da associação sindical, foi-me referido que rejeitavam a própria solução apresentada para o actual Código em relação às buscas, pois em caso algum admitiam que as mesmas pudessem ser realizadas sem mandado da autoridade judicial.
E se, quanto ao sigilo bancário, exigiam já, nessa altura, o alargamento das possibilidades de quebra do mesmo, afirmavam também a necessidade de mandado judicial, solução com a qual concordamos.
Mas de então para cá, desde o início da vigência do Código até agora, é óbvio que o Governo deu importantes passos (para ele) no sentido de «enriquecer» a polícia de características de corpo de segurança do poder constituído perante os cidadãos que ousem criticá-lo.
Nós, Grupo Parlamentar do PCP, gostaríamos que nenhum agente da Polícia Judiciária se encontrasse um dia na dramática situação do chefe da polícia do filme Costa Gravas, Z, que optou, perante o juiz, e disse: «Terei de responder perante os meus superiores mas não perante V. Ex.ª, Sr. Juiz.»
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Para que isto não aconteça, para que, verdadeiramente, a investigação e a instrução criminal estejam sob a égide e dirigidas pelo Ministério Público, pelas magistraturas judiciais, é indispensável dotar os tribunais e as magistraturas dos meios adequados. Só assim será possível, através do processo penal e também de outras medidas de transparência da vida política, para o qual o Grupo Parlamentar do PCP já apresentou propostas, dirigir um verdadeiro combate à corrupção, em que todos estão empenhados, magistratura e Polícia Judiciária. E é este objectivo que não pode, nem deve, ser esquecido.
Muito para além das malhas tecidas por quem vê amargamente escapar do seu âmbito de acção a polícia judicial, e a quem convirá algumas pugnas entre os protagonistas do combate, está o interesse na realização da justiça.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições, pelo que declaro encerrado o debate desta proposta de lei.
Vamos agora iniciar a discussão do inquérito parlamentar n.º 15/VI - Constituição de uma comissão eventual de inquérito com vista ao apuramento da factualidade referente a actos praticados pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura e, designadamente, a legalidade ou ilegalidade do seu despacho de 29 de Junho de 1992, relativo à atribuição de indemnizações e montantes compensatórios (PSD).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, relativamente à matéria em apreço, que, como sabem, diz respeito a dois pedidos de inquérito parlamentar, um da iniciativa do Partido Social-Democrata e outro da iniciativa do Partido Socialista,...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Arruma já os dois?
O Orador: -... quero salientar, desde logo, o que é fácil constatar, até pela própria numeração, que o Partido Social-Democrata suscitou em primeiro lugar esta questão.
Ambos têm a ver com matérias perfeitamente definidas e, como sabem, o nosso inquérito abarca aquilo que foi proposto pelo Partido Socialista conjuntamente como o tema da encefalopatia espongiforme dos bovinos. Nestas circunstâncias, repito uma vez mais que o PSD, sempre na busca da verdade e dominado pelo princípio de que «quem não deve, não teme», propôs a realização deste inquérito parlamentar.
Relativamente à restante matéria do inquérito parlamentar n.º 16/VI, apresentado pelo PS, concretamente a que tem a ver com a encefalopatia espongiforme dos bovinos, permitia-me dizer também aos Srs. Deputados que, quando o Sr. Deputado António Campos suscitou esta questão, foi também o PSD, uma vez mais na busca na verdade e dominado pelo princípio de que «quem não deve, não teme», que propôs uma audição parlamentar...
O Sr. José Magalhães (PS): - Outra vez?!
O Orador: - Sr. Deputado, sei que lhe custa ouvir estas coisas, mas tem que ter paciência.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não custa nada. Foi uma delícia assistir a essa audição parlamentar.
O Orador: - Fico satisfeito com esse facto.
A audição parlamentar que o PSD propôs em devido tempo visava apurar esta matéria em termos técnicos e não políticos, porque pensamos ser esta a forma correcta de analisar estas situações.
É curioso verificar que o Partido Socialista, relativamente a esta audição...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado, estes dois inquéritos têm temas diferentes e, neste momento, está a ser apreciado o inquérito parlamentar relativo à atribuição de indemnizações por abates sanitários. O outro será apreciado em seguida.
O Orador: - Sr. Deputado, suponho que a Mesa permitirá que eu faça a sua apreciação conjunta...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Portanto, o PSD já não irá intervir na apreciação do outro inquérito. É assim?
Gostávamos de o saber para podermos orientar as nossas próprias intervenções.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Vocês não sabem o que é que andam a fazer?!
O Orador: - Sr. Presidente, interpelo a Mesa para saber se me é permitido fazer a apreciação conjunta dos dois pedidos de inquérito.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, a Mesa permite que V. Ex.ª intervenha da forma que entender. No entanto, informo-o de que apenas foi colocado à apreciação o inquérito parlamentar n.º 15/VI - Constituição de uma comissão eventual de inquérito com vista ao apuramento de factualidade referente a actos praticados pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura e, designadamente, a legalidade ou ilegalidade do seu despacho de 29 de Junho de 1992 relativo à atribuição de indemnizações e montantes compensatórios.
O Orador: - Ainda assim, Sr. Presidente, irei referir-me, na minha intervenção, aos dois pedidos de inquérito.
Ora, dizia eu que, na sequência de declarações prestadas pelo Sr. Deputado António Campos, foi proposta pelo PSD uma audição parlamentar para apurar as questões suscitadas em termos técnicos e não políticos e recordo à Câmara que o Partido Socialista votou contra a sua realização.
Desse voto contrário, só posso concluir com legitimidade que ao Partido Socialista não interessa apurar estas matérias em termos técnicos; interessa-lhe, sim, valer-se destas matérias para fazer o seu aproveitamento político-
-partidário!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ainda hoje tivemos a oportunidade de o confirmar quando o Sr. Deputado António Campos - apesar de saber que ainda não estava concluída esta audição parlamentar e que íamos proceder à discussão, hoje e agora, destes pedidos de inquérito - fez uma intervenção, no período de antes da ordem do dia, sobre estas matérias.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Que vergonha!
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O Orador: - Se algumas dúvidas existiam sobre a intenção do Partido Socialista de aproveitar estas questões para fazer chicana política, ficaram hoje completamente esclarecidas.
Aplausos do PSD.
Srs. Deputados, como disse, «quem não deve, não teme» e o PSD segue esse princípio. Assim, a elaboração das conclusões da audição parlamentar, como sabem, está prevista para a próxima quarta-feira e, apesar de não me querer antecipar, direi, em nome do meu partido, que, se dúvidas existirem relativamente a essas conclusões, o PSD proporá a realização de um inquérito para apurar toda a verdade.
Aplausos do PSD.
Desiludam-se os Srs. Deputados que gostariam de explorar qualquer outra situação que não esta e acreditem, de uma vez por todas, que o PSD é tão amante da verdade como qualquer um de vós!
O Sr. Rui Carp (PSD): - Ainda o é mais!
O Orador: - Não quero utilizar essa adjectivação, apenas desejo afirmar que somos, pelo menos, tão amantes da verdade como qualquer um de vós!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
o Sr. José Magalhães (PS): - Da verdade arrogante!
O Orador: - Essa busca da verdade é prosseguida num espírito de responsabilidade e de realismo, sem o aproveitamento político-partidário que outras forças tanto apreciam relativamente a estes e a outros assuntos.
Por essa razão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na nossa proposta de inquérito parlamentar, consideramos perfeitamente coberta a situação suscitada pelo Sr. Deputado António Campos. Como é evidente e lógico, vamos aprová-la para apurar todos os factos mencionados no seu texto e não apenas a matéria referida na epígrafe, o que certamente se deve a algumas incorrecções de forma, pois não creio que traduza com fidelidade e rigor aquilo que nos propomos apurar e averiguar.
Por força deste pedido de inquérito, que tem o alcance e objecto referidos, não faria sentido votarmos favoravelmente o inquérito apresentado pelo Partido Socialista, tanto mais que este partido nada pretende apurar ou averiguar mas, sim, uma vez mais, fazer chicana. No fundo, quer confirmar aquilo que ainda não foi confirmado, partindo do dado adquirido de que há irresponsabilidades na actuação do Governo.
Quanto à restante matéria e uma vez que me propus apreciar simultaneamente os dois pedidos de inquérito, direi que, relativamente ao inquérito parlamentar apresentado pelo Partido Socialista, já ficou dito claramente qual vai ser o nosso comportamento para apuramento da verdade com realismo e com sentido de responsabilidade.
Aplausos do PSD.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, solicito que a Mesa intervenha para esclarecer a Assembleia e os grupos parlamentares sobre a forma como deverão orientar as suas intervenções.
O Deputado Antunes da Silva começou por referir-se ao inquérito n.º 15/VI mas falou também no tema do inquérito n.º 16/VI, nas «vacas loucas», e em relação ao assunto em debate não fez praticamente qualquer referência, não justificou o pedido de inquérito nem desenvolveu quaisquer argumentos a seu favor.
Portanto, confrontamo-nos com a questão de saber o que vamos discutir. Passamos à apreciação do pedido de inquérito seguinte? Fazemos uma apreciação conjunta?
Solicito ao Sr. Presidente que esclareça esta questão, que nos ajude a distinguir «a bota da perdigota», para sabermos que assunto está a ser discutido.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, a Mesa chegou a equacionar, tendo em conta o facto de a sessão plenária de hoje se ter prolongado bastante, se não seria preferível fazer a apreciação conjunta dos dois inquéritos. Porém, chegou à conclusão de que não deveria ser assim, por se tratar de assuntos diferentes. Como tal, deve ser mantida a ordem estipulada pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, de que os Srs. Deputados dos diferentes grupos parlamentares foram informados.
Por outro lado, tenho a certeza de que, sob a forma de resposta a pedidos de esclarecimentos, o Sr. Deputado Antunes da Silva poderá clarificar aquilo que, até agora, ainda não estiver claro.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Campos (PS): - Nesse caso, Sr. Presidente, a apreciação dos dois pedidos de inquérito deverá fazer-se separadamente. Logo, vamos debruçar-nos agora sobre a questão dos 600 (XX) contos, não é assim?
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, está a ser apreciado o inquérito parlamentar n.º 15/VI.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antunes da Silva, quero perguntar-lhe qual a razão de ser do inquérito que o PSD propõe, uma vez que, segundo ele, recaem suspeitas sobre o Sr. Secretário de Estado da Agricultura e naturalmente que terá argumentos para nos explicar esse facto. É altura de o Sr. Deputado nos dizer por que é que o PSD propôs o inquérito.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, independentemente de ter feito uma intervenção conjunta aludindo aos dois pedidos de inquérito, os Srs. Deputados da oposição não têm razão para ficar angustiados pois podem colocar parcelarmente as questões que entenderem em relação a cada um deles que obterão resposta e não me parece que essa circunstância cause qualquer problema na direcção dos trabalhos.
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Relativamente à questão colocada - por que razão apresentamos este pedido de inquérito -, na sua precipitação de separar as coisas, se calhar, o Sr. Deputado Lino de Carvalho não me ouviu, mas penso que fui suficientemente claro no esclarecimento desse motivo. O Sr. Deputado António Campos fez acusações que entendemos puderem revestir-se de gravidade, pelo que nos propomos apurar se essas afirmações são ou não correctas. É tão simples quanto isto e, se o Sr. Deputado tiver oportunidade de verificar, nas páginas 2 e seguintes do nosso pedido, estão enumerados os objectivos que nos propomos atingir. Essa é a razão de ser do nosso pedido de inquérito.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com demasiada frequência que vemos suscitarem-se nesta Assembleia variadíssimos casos de suspeitas fortes de corrupção, de falta de transparência, de tráfico de influências na utilização dos dinheiros públicos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é verdade! Tem toda a razão!
O Orador: - Seguramente que todos nós, Deputados, temos nas mãos casos de informações, dossiers de suspeitas de corrupção e de troca de favores entre o Estado, responsáveis da Administração Pública e determinados sectores da sociedade portuguesa.
O Sr. Silva Marques (PSD): - O que é que fazem a esses papéis?
O Orador: - O Sr. Deputado Silva Marques está muito agitado hoje. Com certeza que não foi ao tratamento...
Risos do PCP.
Portanto, espero que o Sr. Deputado se acalme e tome os comprimidos, para que possa continuar a intervir.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Acabou de dizer que tem provas nas mãos. O que é que lhes fez?
O Orador: - A nós próprios chegaram documentos e denúncias e estamos, neste momento, a analisar e a ponderar o caminho a dar-lhes, atentos os vários inquéritos propostos ou em curso.
No que se refere à agricultura, tudo isto parece começar a tornar-se rotina, tristemente rotina. São os favores à CAP, são os subsídios subitamente aumentados com conhecimento somente de um círculo de eleitos, são as concessões de reservas de caça despachadas pelos mesmos responsáveis que elaboram os projectos enquanto directores de gabinetes privados,... -
O Sr. José Magalhães (PS): - São as incompatibilidades...
O Orador: -... são os projectos do Plano de Acção Florestal empolados para além das áreas efectivamente florestadas e, seguramente, tantos outros exemplos que nunca ultrapassam o secretismo dos gabinetes.
O Sr. José Sócrates (PS): - O Governo tem de responder a tudo isso!
O Orador: - É uma situação mal sã, Srs. Deputados, que só encontra paralelo na indiferença e na tentativa permanente de desculpabilização que tem caracterizado a actuação do Governo e da maioria do PSD nesta Assembleia.
Assim aconteceu com o inquérito ao Fundo Social Europeu e, tempos depois, os factos e os tribunais demonstraram aquilo que o PSD aqui tinha negado a pés juntos.
O mesmo sucedeu com o inquérito aos actos do Ministério da Saúde e, agora, eis que surgem, no tribunal, sessão após sessão, um rol de factos chocantes.
O mesmo destino prepara -e já há pouco pudemos começar a perscrutá-lo na intervenção do Sr. Deputado Antunes da Silva- o PSD para o caso das «vacas loucas» que vamos discutir a seguir e cuja audição teve ontem um último depoimento digno de antologia.
Se, por um lado, o desfiar sucessivo de casos de suspeição de corrupção revela, cada vez mais, os contornos e as consequências de uma política que alimenta clientelas para tentar manter a todo o preço - e a que preço! - as suas bases de apoio, por outro, a atitude de obstrução sistemática ou de esvaziamento dos inquéritos, por parte do PSD, retira credibilidade à actividade da Assembleia da República. A transparência da vida pública, tanto apregoada, não passa então de palavras... palavras... e só palavras.
Mas, Srs. Deputados do PSD, tenham consciência de que, com tal atitude, estão a assapar os próprios fundamentos da democracia e a criarem o caldo de cultura de onde emergem todos os fundamentalismos!
Perguntar-se-á então: com a actual composição da Assembleia da República e com a actual postura da maioria PSD, para que servem os inquéritos parlamentares? Compreendemos a interrogação e a descrença de muitos, mas nem por isso queremos contribuir para engordar o pelotão dos que pensam que não vale a pena. Bem pelo contrário! É preciso insistir e que o País saiba que alguma coisa vai mal neste Portugal de muitos milhões mas de poucos beneficiários.
A presente proposta de inquérito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, configura claramente uma operação de antecipação do PSD a uma das muitas denúncias aqui feitas.
Os factos denunciados comportam uma situação grave, não tanto pelo despacho do secretário de Estado que aumentou os valores a pagar a título de indemnizações pelos abates sanitários. Nós próprios tínhamos, em requerimento apresentado ao Governo e datado de 25 de Junho de 1992 de que ainda não recebemos qualquer resposta -, sublinhado a necessidade de um aumento dos valores das indemnizações porque, face à alteração dos critérios definidos no despacho de 3 de Fevereiro, os agricultores não eram ressarcidos pelos prejuízos sofridos pelo abate do seu gado.
Dias depois do requerimento, em 29 de Junho, surge o despacho do Secretário de Estado da Agricultura a definir valores compensatórios adicionais. O nosso problema não respeita tanto aos valores, embora deva ser sublinhado o seguinte aspecto: como o Sr. Secretário de Estado sabe, o próprio despacho de Fevereiro, que contestámos no requerimento que então fizemos, já não estava a ser cumprido, pelo que as indemnizações eram pagas de acordo com valores bastante superiores aos nele definidos. Isso mesmo é reconhecido pelo Sr. Secretário de Estado nos despachos internos que emitiu posteriormente.
A questão que, assim, se coloca é a seguinte: se já estavam a ser pagos valores superiores aos fixados no próprio despacho, porquê, então, ainda um novo despacho a dar valores adicionais?
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Apesar dessa questão, o problema que suscitamos não é tanto o dos valores, mas sobretudo outro: o de saber quantos tiveram acesso a esse despacho interno e por que é que o primeiro despacho, subscrito pelos Ministérios das Finanças e da Agricultura, foi publicado no Diário da República, mas já o segundo despacho, subscrito apenas pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura, não o foi. É, pois, preciso que se saiba quem e quantos tiveram acesso a esse despacho e quantos e quais beneficiaram dos valores adicionais entretanto definidos no referido despacho interno.
O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Isso sim!
O Orador: - Interessa ainda saber por que é que só alguns agricultores (por sinal bem colocados nas relações com o Governo e privilegiados no conhecimento dessas informações internas) beneficiaram desse reforço do montante da indemnização. Esta é que é, a nosso ver, a questão de fundo a colocar no âmbito do inquérito proposto.
É esta promiscuidade e tráfico de influências (que explica também, muitas vezes, o silêncio oportunista de grandes organizações da agricultura face à política do Governo) que importa esclarecer no inquérito. Por isso, votaremos a favor, sem qualquer reserva mental, do inquérito proposto pelo PSD. Não sei se o mesmo se poderá dizer do próprio PSD, que propõe o inquérito.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, acusaram-me, há pouco, de ter misturado as questões dos dois pedidos de inquérito apresentados mas agendados separadamente. A verdade é que, se juntei questões de dois pedidos de inquérito, o Sr. Deputado Lino de Carvalho, na intervenção que acaba de produzir, juntou muitas mais questões relacionadas com inquéritos, desde a do Fundo Social Europeu até à do Ministério da Saúde, passando por outras.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Antes de mais, quero esclarecer a posição do PSD nesta matéria. Direi, em primeiro lugar, que não há qualquer reserva a este pedido de inquérito, como a qualquer outro.
Esclareço ainda que, no que respeita à postura que possamos assumir em relação ao problema das «vacas loucas»,...
O Sr. António Campos (PS): - Já lá vamos!...
O Orador: -... é com a mesma sinceridade que o propomos, na busca da verdade, como tive oportunidade de sublinhar.
O segundo aspecto que quero referir é o de que o Sr. Deputado Lino de Carvalho, apesar de dizer que iria votar favoravelmente o presente pedido, manifestou uma certa descrença nos inquéritos parlamentares.
O Sr. José Magalhães (PS): - Descrença?!
O Orador: - É verdade, o Sr. Deputado Lino de Carvalho manifestou alguma descrença nos inquéritos parlamentares.
O Sr. José Magalhães (PS): - Descrença não, prevenção!
O Orador: - Deixo-lhe, no entanto, a questão: os inquéritos parlamentares serão bons quando concluem no sentido que os senhores querem e maus quando obtêm conclusões diferentes?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, usando de tempo cedido pelo Grupo Parlamentar do CDS, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antunes da Silva, disse o Sr. Deputado que não há reserva mental dos Deputados do PSD. Veremos, quando chegarmos ao fim do inquérito e nos depararmos com as suas conclusões!... Sobre isso não direi mais nada.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Não faça processos de intenção
!
O Orador: - Dir-lhe-ei, em segundo lugar, por que é que temos esta posição, que o Sr. Deputado chamou de descrença mas que eu designaria por análise realista do que têm sido nesta Casa as conclusões dos inquéritos. Os inquéritos não são bons consoante as suas conclusões sirvam à maioria ou à oposição; são bons quando as conclusões têm a ver com a matéria apurada.
A verdade é que, na história da maioria do PSD nesta Assembleia, houve variadíssimos inquéritos cuja matéria apurada apontava inequivocamente para a responsabilização das entidades envolvidas e elas foram claramente absolvidas. Veja-se, por exemplo, os casos do Fundo Social Europeu e do Ministério da Saúde.
O Sr. José Sócrates (PS): - E o do Maranhão!
O Orador: - Tem aqui uma mão-cheia de exemplos que permitem demonstrar ao Sr. Deputado as razões da posição que neste momento não só nós, na Assembleia, mas também a opinião pública portuguesa tem em relação ao comportamento da maioria nesta Assembleia, comportamento que, ele sim, descredibiliza a actividade parlamentar de inquérito. Esta actividade, tal como a da inquirição, deveria ser uma actividade nobre e digna que deveria ser valorizada, mas que não o tem sido pelo vosso comportamento. Veremos a seguir se essa tendência se confirma a propósito da audição relativa ao problema das «vacas loucas».
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Talvez por ingenuidade, não comungo desta indignação do resto da oposição, porque, ao contrário da opinião do Sr. Deputado Lino de Carvalho e, segundo julgo, do Sr. Deputado António Campos, penso que o inquérito proposto constitui um progresso extraordinário.
Risos do PS.
O presente pedido de inquérito, apresentado pelo PSD com esta rapidez, a propósito de uma acusação gravíssima, é um progresso extraordinário. Julgo até -com alguma
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falta de modéstia que foi também, em grande parte, uma cortesia para com um pedido veemente que na altura aqui fiz no sentido de que, de uma vez por todas, se resolvesse esta questão.
O Sr. José Sócrates (PS): - Exactamente, foi justamente em atenção a si!...
O Orador: - O que pretendo sublinhar, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é que também nestas matérias deve haver alguma separação entre as funções e algum cuidado nas afirmações. Quereria, pela minha parte, ter esse cuidado, que tem a ver com o seguinte: a acusação, sobre a qual já falámos longamente, foi feita, partindo do Sr. Deputado António Campos, e o objecto da investigação deste inquérito foi agora indicado, com bastante precisão e pormenor, pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O CDS não fará mais nenhum juízo sobre a questão em apreço até que avancem as investigações e sejam ouvidos os responsáveis. Não faremos mais nenhuma acusação, não falaremos de mais ninguém quanto a esta matéria nem precipitaremos as conclusões desse inquérito, quer na Assembleia quer fora dela.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tentarei explicar, rapidamente, o que está em causa.
Em 19 de Fevereiro de 1992 é emitido um despacho conjunto dos Ministérios das Finanças e da Agricultura. Esse despacho conjunto atribui ao gado abatido um valor que é baseado no valor SIMA e no valor carcaça.
Por via de alterações que não conhecemos, mas que também não contestamos, a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários passa a estabelecer o valor unitário de cada animal, o que quer dizer - serve isto para terem ideia dos valores em causa que uma vaca com uma carcaça de 250 kg tem um valor de mercado de cerca de 120 contos e terá, em termos de valor unitário, um valor à volta dos 200 contos. Assim, um criador cujos animais fossem atacados pela peripneumonia seria reembolsado pelo valor unitário, recebendo mais 15 contos se estivesse registado no livro e mais 15% se pertencesse ao agrupamento sanitário. Significaria isso que o mesmo criador teria direito por cada animal, que teria um valor de aproximadamente 180 contos não para abate mas para exploração, ao pagamento de cerca de 274 contos.
Esse pagamento estaria já muito acima do valor normal do mercado, mas temos de levar em linha de conta, a este respeito, que, quando o animal é abatido, se regista aquilo a que se chama o vazio sanitário. Assim sendo, admitimos, como qualquer pessoa tem de admitir, que o valor tem de estar acima do valor normal do mercado, na medida em que a exploração fica paralisada.
Nunca contestámos o referido despacho. Sabíamos quais eram os valores, embora pensássemos que estavam ligeiramente alterados para cima, o que permitia alguma corrupção, por possibilitar que alguns produtores incluíssem gado doente nas explorações, a fim de os animais serem abatidos como doentes. E que era muito mais compensador abater gado (mesmo sem estar doente) com a doença da peripneumonia.
Ficámos, no entanto, perplexos quando, em 25 de Junho de 1992, apareceu um despacho que acrescenta ainda a estes valores mais cerca de 85 contos por cabeça, um despacho ilegal, porque não tem a cobertura do Ministério das Finanças, tratando-se de uma informação do director-geral da Pecuária, na qual o Sr. Secretário de Estado da Agricultura põe um «concordo», atirando as indemnizações para valores astronómicos.
Assim, o mesmo animal de 250 kg de carcaça passa a ser indemnizado por 356 contos, pelo que, como devem compreender, todos os criadores em Portugal desejavam que a peripneumonia afectasse as suas explorações, porque essa seria uma forma de ficarem ricos.
É óbvio que este despacho tem intenções! É óbvio que este despacho tem objectivos! É óbvio que este despacho é ilegal e é óbvio que o Sr. Secretário de Estado da Agricultura tem de nos explicar como é que faz uma loucura destas, como é possível, em Portugal, nesses abates, pagar os animais a um preço três vezes superior ao do seu valor carne e qual foi o objectivo que tinha com esse despacho.
Mais tarde, em 9 de Fevereiro de 1993, o Sr. Secretário de Estado pede a suspensão desse mesmo despacho. E, depois, há uma atitude incrível do Sr. Secretário de Estado da Agricultura que é a de, em 12 de Março de 1993, responsabilizar o próprio director-geral da Pecuária- o tal que tinha feito a informação, o mesmo das vacas loucas, o seu compadre em termos de protecção nesta «coisada» toda, que é hoje o presidente do Instituto de Protecção Agro-Alimentar, que denunciei aqui e que o Sr. Secretário de Estado, no dia seguinte, promoveu, a nível da função pública!
Sr. Secretário de Estado da Agricultura, como estamos a tratar de questões de Estado e como tenho em meu poder os despachos - como deve compreender, não faria aqui uma intervenção se os não tivesse -, fico a aguardar que V. Ex.ª explique como é possível pagar um animal doente por um valor tão elevado.
Quero dizer-vos que, nessa altura, existia corrupção, a um nível elevadíssimo, nas explorações, pois havia pessoas que, quando se detectava o abate sanitário, procuravam meter nele todo o seu gado, porque se tratava de um «negócio da China».
Calculamos que esse despacho tenha trazido ao Estado Português um prejuízo de mais de 600 000 contos. Mas, independentemente desses 600 000 contos, o que precisamos de saber é o que é que obrigou o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, quais foram as clientelas que pretendeu servir ou qual foi a loucura que lhe passou pela cabeça, para passar o valor de uma vaca normal de 120 contos para uma indemnização de 356 contos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Campos, deixe-me confessar-lhe, para grande mágoa minha, que V. Ex.ª continua a fazer afirmações gratuitas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - Afirmações gratuitas, quando envolvem 600 000 contos?!
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O Orador: - E digo isto por uma razão muito simples. O Sr. Deputado arranjou mais uma situação de corrupção quando disse que os produtores integravam os animais nas explorações para, depois, serem recebidos como animais doentes.
Sr. Deputado António Campos, desde quando é que são os produtores que declaram que os animais estão ou não doentes?
O Sr. José Magalhães (PS): - Não são as vacas que auto declaram que estão doentes!
O Sr. António Campos (PS): - Dá-me licença, Sr. Deputado Antunes da Silva?
A ignorância é sempre uma má informação!...
O Orador: - Sr. Deputado, ainda não terminei.
O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Deputado, pare lá com isso! Por que é que não contesta a substância das coisas?!
O Orador: - Sr. Deputado António Campos, é com a mesma mágoa que lhe pergunto quando é que V. Ex.ª se convence de que não se pode servir destes meios parlamentares para sua defesa pessoal?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Deputado Antunes da Silva, antes de mais queria referir que não tenho qualquer exploração de leite nem trato com vacas.
Como dizia, a má informação é sempre má conselheira, pois permite que as pessoas digam asneiras.
Como sabe, desde que haja mais de 20% do efectivo total infectado com peripneumonia, todo ele é abatido. Todos os animais que estão lá são abatidos, tanto os que estão infectados como os que estão sãos.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - E é o produtor que declara os que estão bons e os que estão maus?!
O Orador: - Pensei que o Sr. Deputado ia contestar a questão decisiva!
Quero perguntar ao Sr. Secretário de Estado como é possível, por abates sanitários, pagar um animal, que vale, em carcaça, para abate para consumo, cerca de 120 contos, por um valor muito superior.
Apesar de o valor de 120 contos poder ser contestado, porque aqui não se trata de abate, admito o critério que a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários adoptou, que foi o de não considerar os animais para abate mas, sim, o seu valor unitário que, no fim de contas, é o valor dos animais que são transferidos de exploração para exploração, que não está claro no despacho conjunto do Ministério das Finanças e da Agricultura e Mar. De qualquer forma, penso que aí o critério é aceitável e não tenho nada a contestar.
O que tenho a contestar é o acréscimo brutal da indemnização que, em 25 de Junho de 1992, foi atribuída pelo abate desses animais, mas o Sr. Secretário de Estado, que nos dá o prazer de estar aqui hoje presente -há tanto tempo que não o via que até já pensava que tinha fugido do Ministério! -, vai, com certeza, explicar-nos essa situação.
Risos gerais.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.
O Sr. José Sócrates (PS): - Vamos lá ver agora como é que o Sr. Secretário de Estado se sai!
O Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Álvaro Amaro): - Sr. Deputado, estive calado enquanto a sua bancada falou, portanto, se quiser respeitar a informação que vou dar, terá de fazer o favor de me ouvir.
O Sr. José Sócrates (PS): - Isso revela grande insegurança!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Fizemos aqui, nesta Câmara, vários debates políticos, nos quais eu próprio tive oportunidade de ser questionado pelo Sr. Deputado António Campos, ao qual respondi.
O Sr. Caio Roque (PS): - E enervou-se sempre!
O Orador: - Então, possivelmente, estavam em discussão nesta Câmara algumas opções políticas.
Eis senão quando o Sr. Deputado António Campos - na minha opinião, pelo menos, vale o que vale -, ultrapassando todos os limites que o debate político e democrático comporta, faz, em 20 de Abril de 1993, uma conferência de imprensa-é um direito natural que lhe assiste. E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, veja-se quanta diferença entre o que o Sr. Deputado disse e escreveu então e o que disse aqui hoje! Quanta diferença!...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Na altura, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Sr. Deputado António Campos disse e escreveu: «Um escândalo! O despacho ilegal teve um destinatário e, mais uma vez, a traticância política funcionou!» E, tal como hoje, disse na altura: ou o Sr. Secretário de Estado diz ou eu digo. No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, três horas depois dessa conferência de imprensa - felizmente para o País, a grande maioria dos jornalistas são homens e mulheres sérios e querem ouvir a verdade -, no meu gabinete, estava eu a explicar-lhes a razão das coisas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Secretamente!
O Orador: - Na altura tive oportunidade de afirmar ou o Sr. Deputado António Campos diz quem era o tal destinatário para quem fiz o despacho ou perde toda a credibilidade. Até hoje ainda não ouvi o Deputado António Campos dizê-lo e isso é que é grave porque toca na minha honorabilidade.
Aceito que V. Ex.ª discuta politicamente o meu despacho e que diga que não gostou dos valores nele referidos, que acha que foram de mais. Aceito que digam que foram de menos, como o Sr. Deputado Lino de Carvalho, que referiu estar de acordo que se devia pagar mais e informou que havia apresentado um requerimento ao Governo nesse sentido. Aceito tudo isso, pois é dialética política.
Sr. Presidente, tentarei não exceder o tempo de que disponho mas vou referir ponto a ponto, valor a valor, para que os Srs. Deputados, o País e os inquéritos julguem. E que, Srs. Deputados, fomos nós que quisemos, desde logo, todos os inquéritos. Venham todos os inquéritos!
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Agora, ou o senhor diz quem é o destinatário, quem foram os destinatários ilegais, ou, então, vamo-nos situar no limite do debate político. É que, se ultrapassamos esse limite, estamos a entrar na praça pública e isso não é sério politicamente.
Aplausos do PSD.
Por outro lado, quero felicitar o Sr. Deputado António Lobo Xavier pela sua afirmação de que não vale a pena adiantar conclusões.
E, assim, vamos aos factos.
Risos e protestos do PS.
Srs. Deputados, não brinquemos com coisas sérias. O Sr. Deputado António Campos já fala tanto de «vacas loucas» e até já começou a falar da minha «loucura», mas eu devolvo-lhe: é a sua loucura, Sr. Deputado!
Vamos aos factos sérios, repito, sérios!
Protestos do PS.
Peço-vos, Srs. Deputados: depois julguem, que os inquéritos julguem, que o País julgue!
O Sr. José Magalhães (PS): - E os tribunais.
O Orador: - E os tribunais também!
Em 19 de Fevereiro de 1992 os Srs. Ministros da Agricultura e das Finanças alteraram a base de cálculo indemnizatório das indemnizações por abate de gado bovino. E sabem porquê? Porque as oscilações no mercado de gado tinham feito baixar o valor. No início de 1992, chegámos à conclusão de que, pelo sistema indemnizatório que vigorava, se estava a pagar mais por um animal doente do que por um bom. Não hesitámos então em dizer que isso era contra a erradicação das doenças porque aí aumentaria a propensão para haver animais doentes para vender e, nessa conformidade, o Governo decidiu qual seria a base indemnizatória.
Sr. Deputado António Campos, com base nesse despacho, para um bovino de 200 kg...
O Sr. António Campos (PS): - De 250 kg! Faça as contas.
O Orador: - Eu sou economista de profissão, Sr. Engenheiro, e faço, com facilidade, essas contas, seja para um animal de 200 ou de 250 kg. Confesso que para mim é muito fácil, não sei se para si também é.
O Sr. António Campos (PS): - É para ser igual!
O Orador: - Mas eu dou-lhe as contas.
Como dizia, para um animal de 200 kg, de acordo com o despacho conjunto, passou a pagar-se 90 000$, de acordo com o valor SIMA (Sistema de Informação dos Mercados Agrícolas), porque era esta a base. Afirmámos que o nosso objectivo era pagar a indemnização pelo valor do mercado e V. Ex.ª sabe que o valor do mercado é o valor publicado no Boletim SIMA e é esse que pagamos. Sempre dissemos que era pelo boletim que os serviços oficiais do Estado têm de pagar. Isto é público, está publicado no Diário da República. E o Boletim SIMA referia 90 000$, tome nota!
Depois, como sabe, há uma legislação geral, segundo a qual todos os produtores que estão em agrupamentos de defesa sanitária (ADS) têm direito a 13 500$. E sabe também que todos os produtores que têm animais de alto valor zootécnico recebem, por lei, 15 000$. Faça a soma.
O que nós depois fizemos, e peco-vos que julguem, é que, sendo este o despacho conjunto para um animal de 200 kg...
O Sr. José Sócrates (PS): - Ninguém está a perceber nada!
O Orador: - Srs. Deputados, ... Protestos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, para acompanharmos estas operações, é fundamental o silêncio e por isso apelo a VV. Ex.ªs nesse sentido.
Faça favor de prosseguir Sr. Secretário de Estado.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Srs. Deputados, a estes valores previstos no despacho conjunto de Fevereiro de 1992 acresciam outros valores, de acordo com um despacho de 5 de Fevereiro de 1985, do então Secretário de Estado da Agricultura e de que posso fornecer fotocopia. Tratava-se de valores compensatórios adicionais que estavam completamente desadequados. Dou apenas um exemplo: atribuía-se um subsídio às organizações da lavoura pela carência de leite na recolha; eram valores compensatórios adicionais pelo sistema indemnizatório dos animais de abate.
Sr. Deputado António Campos, está aqui o despacho conjunto. E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, foi este despacho conjunto de 1985 que eu revoguei -com o meu «concordo» - em 29 de Junho de 1992.
Quem era eu para revogar um despacho conjunto de dois ministros? Foi isso que V. Ex.ª afirmou em conferência de imprensa. E, no entanto, as suas afirmações são falsas. Eu revoguei um despacho do meu antecessor e posso dar-lhe cópia.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Com este despacho que revoguei passámos a pagar adicionalmente aos produtores - a esses que o Sr. Deputado António Campos referiu - que tiveram de fazer vazio sanitário e por isso ficaram sem qualquer animal na exploração. Foi a esses e só a esses!
Mais: é que este despacho de 1985 dizia respeito apenas à peripneumonia e sabem VV. Ex.ª onde são os focos dessa doença? A norte do Mondego, fundamentalmente. No entanto, nesse meu despacho alargámos os valores adicionais a outras doenças como, por exemplo, a brucelose, a tuberculose e a leucose. E sabem onde se situam esses focos? A sul do Tejo. Ou seja, estendemos os benefícios a essas zonas para não haver beneficiados e prejudicados.
O Sr. José Magalhães (PS): - Como?
O Orador: - E, para esses produtores, que ficaram em vazio sanitário, que viram ser abatidos todos os animais da sua exploração, e só para aqueles que viram todos os animais abatidos por doença mas que não se dedicaram ao calçado, e que querem - e nós também - continuar a ser produtores, passámos a pagar, por força do meu despacho que revogou o de 1985, mais 40 000$ por montante animal abatido e mais 30 000$ por animal destinado a repovoamento mas só se o produtor voltasse a comprar animais.
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O Sr. José Sócrates (PS): - Ah! Sempre pagaram mais!...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Secretário de Estado, agradeço que termine a sua intervenção pois já esgotou o seu tempo.
O Orador: - Peço desculpa, Sr. Presidente. Vou terminar. Um produtor...
Protestos do PS.
Vozes do PSD: - Ouçam!
O Orador: -... que apenas tinha uma, duas, três, quatro ou cinco vacas doentes mas a quem não foram retiradas todas da exploração recebia, em 1982, 158 500$, porque para estes os valores compensatórios não funcionam a não ser o montante fêmea abatida.
Para os outros, para os quais funcionam os valores compensatórios adicionais, o valor total, no limite do tal vazio sanitário, isto é, para o tal produtor que, apesar de ter visto os seus animais abatidos, não se quer dedicar à indústria do calçado e que, continuando produtor, teve de comprar vacas, o valor máximo é de 235 625$.
Afirmou o Sr. Deputado António Campos que, em 1982, uma vaca de 200 kg custava 120000$. Mas, Sr. Deputado, o valor médio de aquisição de uma vaca, o valor zootécnico era 260 000$. E sempre dissemos que pagávamos 80 % do valor máximo da vaca. É isto que vamos fazer em 1993: pagaremos 80%. Porque o produtor tem de ter um certo prejuízo...
Protestos do Deputado do PS António Campos.
Há muito que gostaria de o ter feito, se o Sr. Deputado o tivesse afirmado na Assembleia da República, mas V. Ex.ª disse-o no Largo do Rato, em conferência de imprensa.
Aplausos do PSD.
Em 1993, não contente com as atoardas, o Sr. Deputado acusa-me e «sou preso por ter cão e preso por não ter».
Chegou ao meu conhecimento que havia interpretações diferentes do despacho conjunto de Fevereiro, em que se fixa que o pagamento das indemnizações é feito por quilograma de carcaça e não por valor unitário do animal. Com efeito, tive conhecimento de que alguns técnicos fizeram o cálculo errado e passaram a pagar por valor unitário do animal. Compreenderão os Srs. Deputados que, ao fazer-se o pagamento das indemnizações aos proprietários por valor unitário, se obteve um número maior do que aquele que nos seria dado por quilograma de carcaça.
Ora, quando tal situação chegou ao meu conhecimento - e peço a todos que façam este julgamento - elaborei um despacho.
Agora, vejam, Srs. Deputados: se tivesse conhecimento de que houve valores pagos indevidamente, porque estava a ser seguida uma fórmula errada, e não agisse, este senhor estaria aqui, e bem, a dizer-me: «O senhor é tolo! Então sabe que está a ser pago dinheiro a mais, porque alguém viciou, aldrabou ou se enganou - in dúbio próprio -, e não faz nada!» Acontece, Sr. Deputado, que elaborei um despacho...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Secretário de Estado, vai-me desculpar mas vamos começar a descontar tempo do inquérito seguinte.
O Orador: - Sr. Presidente, esta é a hora da verdade.
O Sr. Silva Marques (PSD): - É a hora de ouvir tudo! Até à meia-noite!
O Sr. José Magalhães (PS): - Não há Regimento?!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Para ouvir a verdade, não!
Aplausos do PSD.
O Orador: - É isso, Sr. Presidente! Faço-lhe um apelo...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Secretário de Estado...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Os senhores têm-nos ofendido gravemente, agora ouvem!!
Protestos do PS. Protestos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Silva Marques, peco-lhe que nos dê condições para podermos continuar a sessão.
Sr. Secretário de Estado, reafirmo o que há pouco disse: o tempo que gastar a mais no uso da palavra neste inquérito será descontado no inquérito seguinte.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Se o Sr. Deputado Silva Marques tivesse ouvido o que tentei dizer em vez de se exaltar, escusávamos de ter perdido estes quatro ou cinco minutos.
Sr. Secretário de Estado, faça favor de continuar.
O Orador: - Sr. Presidente, era essa a sugestão que queria fazer e que desde já lhe agradeço.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Como há pouco dizia, que seria do Secretário de Estado da Agricultura se, tendo conhecimento de que tinha ido dinheiro a mais - por razões várias - para os proprietários, não tivesse agido!
Sr. Deputado, fiquei surpreendido quando o ouvi criticar-me por ter elaborado um despacho, dizendo que o fiz «procurando um bode expiatório» - o tal que diz ser meu compadre!...
Na altura escrevi: «Verificou-se, porém, que a fórmula de cálculo prevista naquele diploma foi nalguns casos utilizada incorrectamente, tendo sido efectuado o cálculo da indemnização pelo valor mais frequente por animal. Nestes casos as indemnizações pagas excedem o valor que resultaria da aplicação da fórmula prevista no referido despacho, tomando-se urgente proceder à sua rectificação.» Despacho de 29 de Junho.
Assim, determinei que o IFADAP remetesse as listagens dos processos, a fim de serem objecto de revisão e que as direcções regionais de agricultura procedessem à revisão dos processos dos abates sanitários de bovinos, referentes a 1992, remetendo ao IFADAP os processos já rectificados.
Por sua vez, o IFADAP deverá apurar, dos processos revistos, o valor das quantias indevidamente pagas, efectuando o respectivo acerto.
Mas, Sr. Deputado - por muito que lhe custe -, fiz ainda um segundo despacho a pedir o apuramento de res-
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ponsabilidades ao Sr. Director-Geral da Pecuária. Ora, passado um ano de aplicação...
Protestos do PS.
Obviamente que é passado um ano de aplicação ou havia de ser antes, Sr. Deputado?
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
Sr. Presidente, dirigi-me então ao director-geral da Pecuária, dizendo: «O senhor vai ter de apurar responsabilidades. Se aquele que o fez se enganou, posso desculpar, mas se o fez de má-fé, vai para a cadeia!»
Estão a ser apuradas as responsabilidades!
ozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E o senhor terminou, dizendo que este despacho foi elaborado para um cidadão. Um cidadão, Srs. Deputados!
Protestos do PS.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Ouçam!
O Orador: - Quero dizer-vos que, de acordo com as listagens dos que foram pagos indevidamente, estão aqui em causa cerca de 600 000 contos! E sabem quantos produtores receberam indevidamente esse dinheiro e que terão agora de o repor? É certo que vamos ter de ser benevolentes na reposição porque o Estado portou-se mal. Aliás, posso anunciar que os produtores que receberam dinheiro a mais poderão repor esse valor em seis semestralidades, em três anos. Sabe quantos produtores são, Sr. Deputado? 6000 produtores! 6000!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho. Dispõe de um minuto, cedido pelo CDS.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, sublinhámos, na nossa intervenção inicial, que, para nós, a questão fundamental - ou os quesitos a que o inquérito deveria responder - prende-se, sobretudo, com as razões por que este despacho de 29 de Junho não seguiu os mesmos trâmites processuais do primeiro. Ou seja, por que razão não foi publicado no Diário da República? Quem teve acesso e quem beneficiou dos valores adicionais definidos no despacho de 29 de Junho?
O Sr. José Magalhães (PS): - É essa lista que é preciso distribuir!
O Orador: - Esta é a questão fundamental, nem tanto a dos valores, como disse e repito.
Neste quadro, o Sr. Secretário de Estado veio tentar explicar esta situação, dizendo que o seu despacho de 29 de Junho não tinha de ser assinado pelos dois ministérios nem tinha de ser publicado no Diário da República, uma vez que não revogava o despacho de Fevereiro passado, mas antes um datado de 1985.
Sr. Secretário de Estado, o seu despacho de Junho, que tenho aqui, refere: «Como é do conhecimento de V. Ex.ª» - é um concordo sobre a informação da Direcção-Geral da Pecuária - «a publicação do despacho conjunto de 19 de Fevereiro veio introduzir um novo sistema processual [...]» Mais à frente acrescenta: «Propõe-se a V. Ex.ª, Sr. Secretário de Estado, o seguinte: ao montante da indemnização a pagar por abate sanitário de bovinos, calculado com base no despacho conjunto de 19 de Fevereiro, são acrescidos os seguintes valores [...]» Isto é, este despacho...
O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Montantes compensatórios adicionais!
O Orador: - Sr. Secretário de Estado, acalme-se porque apenas quero esclarecer isto. Acalme-se, não queremos que tenha aqui algum problema de coração!
Protestos do PSD.
Ora, este despacho veio acrescer valores - não me interessa se são grandes ou pequenos - aos fixados num despacho de Fevereiro, publicado no Diário da República e subscrito por dois ministérios. Portanto, ele não veio revogar o de 1985, veio, repito, acrescer valores ao despacho de Fevereiro! Está aqui, Sr. Secretário de Estado!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Segunda questão: o Sr. Secretário de Estado está disposto a entregar à Comissão de Inquérito a lista de todos os beneficiários que tiveram acesso a estes valores fixados no despacho? Quem recebeu, quanto e em que condições?
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª não desmentiu em nada a intervenção que aqui fiz.
Protestos do PSD.
Em 19 de Fevereiro de 1992 há um despacho conjunto que cria o valor das indemnizações compensatórias. Depois, V. Ex.ª altera, numa informação do director-geral, os valores desse despacho com um «concordo», que, no caso do vazio sanitário, altera os valores para mais 40 contos por fêmea abatida com mais de 18 meses, 30 contos por animal introduzido na exploração/unidade após o vazio sanitário e mais 25 % do global da indemnização. Isto significa que o senhor alcavala um animal que tinha um determinado valor com este «concordo» que está aqui, não revogando nenhum despacho com duas assinaturas - e isto é pago pelo IFADAP, que está sob a alçada dos Ministérios da Agricultura e das Finanças -, portanto não revoga nada de 1985 (e, Sr. Secretário de Estado, o senhor tem de explicar isto aqui à Câmara), e cria este valor.
Protestos do PSD.
Já lhe disse que não contestava a interpretação do SIMA de ser o valor unitário e não a carcaça.
O senhor não é capaz de pôr em dúvida os valores que dei. Isto é, um animal, segundo o critério do despacho,
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tinha o valor de 274 contos, valor esse obtido juntando o valor unitário mais o valor animal mais o valor dos 15 % dos 15 contos do registo. Depois do seu despacho, esse valor passou para 356 contos. Ora, eu preciso de saber por que é que só passado mais de meio ano é que o Sr. Secretário de Estado revoga o despacho. Como é que V. Ex.ª faz acréscimos destes valores brutais aos animais? Das duas uma, Sr. Secretário de Estado: ou isto é incompetência ou tem destinatário.
O Sr. Secretário de Estado deis Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes): - São os 6000!
O Orador: - Ou, então, também pode ser as duas coisas!
Protestos do PSD.
Ouça o resto, Sr. Secretário de Estado.
Como, nessa altura, o senhor foi pressionado, em determinadas explorações - situação essa que o inquérito irá clarificar - tiveram de ser feitos abates maciços. V. Ex.ª tem de explicar-me como é que há uma coincidência deste «concordo» com os abates nessas explorações. De qualquer forma, isso poderá ser esclarecido no próprio inquérito, quando nós já tivermos a listagem de quem recebeu. Sei que, depois, foram 6000 os beneficiados.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - O mal foi não terem sido 6001!
O Orador: - Foram 6000! Protestos do PSD.
Agora, V. Ex.ª vai querer recolher o dinheiro outra vez aos produtores. Não é isso? O Sr. Secretário de Estado tem de explicar-nos como é que isso se faz. Se esta coincidência com o despacho não coincidir com determinadas explorações e pressões que foram feitas no seu gabinete e na Direcção-Geral dos Serviços Pecuários para alterar estes valores isso constitui uma grande irresponsabilidade e uma grande incompetência da sua parte.
Protestos do PSD.
O Sr. Secretário de Estado tem de explicar-nos, com base em critérios técnicos e políticos, como faz esta alteração. V. Ex.ª tem de explicar e não de irritar-se; o senhor está perante a Câmara e tem de explicar tim por tim o que se passou para nós podermos perceber e, assim, clarificar a situação.
Vozes do PS: - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.
O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Sr. Deputado, posso irritar-me na Câmara, desde que não perca a minha boa educação, que, aliás, tenho desde criança. Percebe, Sr. Deputado?
Eu, que até sou um serrano como o senhor, lamento que V. Ex.ª tenha agora a ousadia de dizer que foram 6000. Eu ainda não sei quantos é que foram os beneficiados, mas creio que devem ter sido muitos mais, Sr. Deputado. 6000 são aqueles que, infelizmente, vão ter de repor. Por isso, Sr. Deputado, os beneficiários do despacho ainda foram mais.
E diga-me lá: que serrano é o senhor, que seriedade tem o senhor para me acusar de que tudo isto foi para um e agora dizer aqui que até sabia que eram 6000? Diga lá, Sr. Deputado!
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
Que seriedade é a sua? Por amor de Deus!
O Sr. António Campos (PS): - Dá-me licença, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: - Não dou, Sr. Deputado, pois eu também não o interrompi.
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado António Campos é reincidente no insulto! Devia ter vergonha, mas não tem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, está aqui escrito...
Protestos do PS.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, tal como já disse - e o Sr. Deputado estava muito preocupado, porque até parecia que eu já não existia, que já não estava cá -, vim a esta Casa no primeiro momento...
Protestos do PS. Protestos do PSD.
Tal como estava a dizer, o Sr. Deputado António Campos, em 24 de Abril de 1993, disse e escreveu o seguinte: «Peço aos Srs. Jornalistas que obriguem o Secretário de Estado a explicar publicamente esta actuação.» Foi o que fiz três horas depois e no primeiro momento em que o Sr. Deputado o possibilitou vim à Assembleia da República.
Um Deputado responsável politicamente - e eu pensava que o Sr. Deputado o era -...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -... diz, primeiro, que «teve um destinatário», mas não é capaz de o identificar e agora diz que foram 6000?!...
O Sr. António Campos (PS): - Não, não!
O Orador: - O Sr. Deputado António Campos quer baralhar as contas. Já lhas dei, mas podemos contratar o economista que quiser para as fazer. Sr. Deputado, não baralhe as contas!
Com isto respondo também ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, a quem me vergo porque não baralhou as coisas. Aproveito, pois, para dizer-lhe o seguinte: o meu despacho de 1992 revogou o de 1985. Sr. Deputado, no ponto 4 do despacho de 1992 está escrito...
Protestos do PS.
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Não brinquem, que não adianta nada!
«Sejam revogados», disse eu no meu «concordo» de 29 de Junho de 1992, mais concretamente no ponto 4 da informação.
Protestos do PS.
Sr. Deputado, deixe o director-geral da Pecuária em paz. Politicamente, sou eu que assumo. Deixe o director-geral da Pecuária em paz!
Aplausos do PSD.
V. Ex.ª tem o despacho, podia lê-lo. Mas eu leio-o: «Sejam revogados os subsídios de vazio sanitário, repovoamento e carência de leite na recolha previstos no programa de luta contra a peripneumonia contagiosa dos bovinos.» Era este despacho do meu antecessor de 1985 que dava indemnizações compensatórias ao programa da peripneumonia contagiosa dos bovinos. Ora, eu revoguei esse despacho para alargar também esses montantes compensatórios adicionais, mas só em algumas condições, tratando o País de igual para igual, quer a norte quer a sul.
Sr. Deputado, há grupos de pressão em Portugal? Há! Dialogam comigo e com o Governo? Dialogam! É do diálogo que nasce a luz, não é de pressões. Se eu quisesse-se ser sujeito a pressões, deixaria essas indemnizações compensatórias restritas ao programa da peripneumonia contagiosa dos bovinos. Alarguei-as as doenças que estão a sul do Mondego e o senhor sabe o que eu quero dizer com isto.
Por outro lado, na altura, escrevi eu: «[...] entende-se como necessária» ...
Protestos do PS.
Repito, escrevi eu: «Por outro lado, entende-se como necessária uma maior celeridade a imprimir às acções de erradicação da tuberculose, da brucelose, da leucose bovina, justiticando-se, por isso, e em igualdade de circunstâncias, um alargamento dos subsídios do vazio sanitário e do repovoamento já em vigor para a peripneumonia aos respectivos planos destas doenças.» Está aqui escrito, Sr. Deputado!
Sr. Deputado Lino de Carvalho, quero dizer-lhe que entregarei aqui, porque fiz, através de despacho escrito, as listas de todos os beneficiários. E se as quero, porque escrevi-as no despacho, é para lhas mostrar a si e a todos os Srs. Deputados.
Mas o que queria é que, se o Deputado António Campos tivesse vergonha política na cara, dissesse quem é o destinatário.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, chegados ao termo do debate, vou dar a palavra ao Sr. Deputado António Campos para exercer o direito de defesa da consideração ou da honra.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, quando vim aqui discutir este assunto, julguei que o Sr. Secretário de Estado vinha munido com capacidade para demonstrar a esta Câmara que o animal doente não podia ser pago três vezes o valor de um animal são e que não há nenhum critério a não ser o da clientela que permitisse este despacho.
Vozes do PSD: - 6000 clientes!...
O Orador: - O Sr. Secretário de Estado não foi capaz até agora, não sei se propositadamente se por falta de calma, de explicar a esta Câmara como é que é possível em Portugal pagar o valor das indemnizações após um despacho do Sr. Secretario de Estado, que é ilegal, porque não tem a anuência do Ministério das Finanças. É um despacho para o qual o senhor nem sequer tem competência para fazer. O senhor não foi capaz de justificar como é que este despacho atira as indemnizações para valores superiores em 85 contos por animal.
O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Vou distribuir as fotocópias a todos!
O Orador: - Já temos, não precisamos delas!
É óbvio que o despacho do Sr. Secretário de Estado apanhou muitos processos que estavam a andar. É óbvio que o Sr. Secretário de Estado veio depois, em Fevereiro, arrepender-se do próprio despacho. É óbvio que veio depois, em Março, penalizar o próprio director-geral e pedir a averiguação sobre o mesmo.
Portanto, julguei que o senhor vinha aqui numa posição séria explicar à Câmara todas as asneiras ou todas as formas que utilizou para...
Protestos do PSD.
O Sr. Secretário de Estado, quem tem de dizer quem era o destinatário é o senhor. O senhor é que tem de o dizer no inquérito, porque, se não, não pode justificar uma assinatura que tem naquele «concordo».
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado, se assim o entender.
O Sr. Secretário de Estado: - Sr. Presidente, eu até apelei à costela serrana do Deputado António Campos.
Agora, Sr. Deputado, o senhor disse-me que esperava que eu viesse aqui com uma posição séria.
O Sr. António Campos (PS): - Séria, seriíssima!
O Orador: - ó Sr. Deputado, desafio-o aqui perante todos: se o senhor for sério e tiver coragem, dispa a capa parlamentar e venha para tribunal, eu ponho-o lá! Dispa-a, neste processo. Vamos embora! Vamos à seriedade! Dispa a farda! Dispa-a!
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos aqui num julgamento político de inquéritos, de verdades, vamos a elas, porque é para isso que estamos cá. Para além dessas, que são políticas, que o povo julga, dispa a farda e venha sentar o «rabo» no tribunal! Venha!
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - O Sr. Deputado Silva Marques pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, esta sessão tem algo de marcante, é que ela não estava prevista segundo os esquemas de todas as partes, nem sequer da comunicação social. Mas ainda bem que assim acontece e é precisamente nestes momentos que não devemos ter receio de prolongar as sessões.
O Sr. Deputado António Campos teve oportunidade...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Silva Marques, vai desculpar-me...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, é uma interpelação à Mesa que quero fazer. Encurtando razões, independentemente de inquéritos, o melhor inquérito é aquele que decorre perante todos nós.
O Sr. Deputado António Campos, à frente de todos nós, acabou de fazer, entre outras acusações insultuosas e graves ao Sr. Secretário de Estado...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Silva Marques, tenha paciência!...
O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado António Campos deve dizer, aqui, já e agora, quem é, de facto, a pessoa que está na origem dos 6000 que receberam benefícios...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Peço aos serviços de apoio o favor de desligar o som do microfone do Sr. Deputado Silva Marques.
Sr. Deputado Silva Marques, tenha paciência!
Protestos do PSD, batendo com as mãos nas bancadas.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - O Sr. Deputado José Lello pediu a palavra para que efeito?
O Sr. José Lello (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Lello (PS): - Quero perguntar ao Sr. Presidente se iria chamar a atenção do Sr. Secretario de Estado que, de uma forma destemperada...
Protestos do PSD.
Sr. Presidente, eu ouço um tropel que não devem ser «vacas loucas»...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado José Lello, a interpelação à Mesa é apenas sobre a condução dos trabalhos pela mesma.
O Sr. José Lello (PS): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado José Lello, peço desculpa, mas vamos passar à apreciação do inquérito seguinte, que é o 16/VI - sobre as irregularidades praticadas pelo Secretário de Estado da Agricultura e outros responsáveis em processos de indemnização por abates sanitários de bovinos, com lesão dos interesses do Estado em montante superior a 600000 contos, e na ocultação dolosa de provas da existência em Portugal de bovinos atingidos pela chamada doença das vacas loucas (PS).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por fazer uma afirmação: o Sr. Secretário de Estado da Agricultura emite os despachos ilegais e irregulares e eu é que tenho de me «despir da casaca» para ir a tribunal, mas é o Sr. Secretário que faz a ilegalidades e as irregularidades!
Muito bem!
Vozes do PSD: - É! Porque faz acusações!
O Orador: - Por isso, devolvo-lhe o desafio. Agora, vamos entrar numa outra situação, que demonstra, aliás, a forma de actuação do Sr. Secretário de Estado da Agricultura. É mais um caso!
Em Março, suponho, anunciei, numa conferência de imprensa que havia encefalopatia espongiforme bovina, em Portugal. Antes deste anúncio, telefonei ao Sr. Director-Geral, que me informou da não existência dessa doença. O Sr. Secretário de Estado da Agricultura, nesse mesmo dia, convoca os jornalistas para o seu Gabinete e chama-me mentiroso, a propósito desta afirmação da encefalopatia espongiforme...
O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Onde?
O Orador: - Nas jornais! Nos jornais!
O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Onde?
O Orador: - E na RTP ou na SIC! Agora o senhor já sabe que há, já confirma que há! É uma grande evolução!
Risos do PS.
Já é uma grande evolução! Nesta matéria já conseguimos. Já não é mau! Já não é mau!
Dizia eu que, após ter conhecimento - e eu tive conhecimento exclusivamente de dois casos - da existência da doença nós apresentámos um pedido de inquérito, nesta Casa. O PSD, para inviabilizar esse inquérito, veio pedir a realização de uma audição. Aliás, nunca fizemos muita questão, mas pensávamos que era fundamental um inquérito a esta situação. Fez-se a audição e, segundo os técnicos, provaram-se as seguintes questões, que vou colocar ao Sr. Secretário de Estado da Agricultura.
Primeira prova: veterinários no terreno fizeram o diagnóstico dos casos.
Segunda prova: os investigadores preparados pelo Ministério da Agricultura comprovaram a existência de encefalopatia espongiforme.
Terceira prova: o Sr. Secretário de Estado e o Sr. Ministro da Agricultura tinham emitido legislação sobre esta matéria e sobre o tipo de exames que deveria haver para a determinação técnica da doença. Esses exames foram feitos, os resultados foram positivos. O Sr. Secretário de Estado, o Sr. Ministro e o Sr. Director-Geral impediram a divulgação desses dados,...
Vozes do PSD: - Falso!
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O Orador: -... provados pelo Ministério da Agricultura, pelo Laboratório, provados pelos investigadores e provados, aliás, pelos veterinários no terreno.
Mais, impediram os técnicos de escrever artigos sobre essa matéria para revistas científicas e impediram um técnico, o Sr. Dr. Galo - segundo as declarações, que estão, aliás, gravadas -, de confirmar o diagnóstico, em Londres.
Como a doença é de declaração obrigatória, como os países que a tiveram a declararam, como o Estado Português criou legislação dentro do espírito e dos acordos que tinha feito com a Comunidade, nós queremos a realização do inquérito por uma razão, agora acrescida após a audição: ficámos a saber, com a audição, que todo este processo foi paralisado, com a conivência do Sr. Ministro e do Sr. Secretário de Estado, segundo declarações feitas pelo Sr. Director-Geral e que estão gravadas. E não prescindimos de criar condições, em Portugal, para que o Ministério da Agricultura saia da clandestinidade, seja um ministério transparente, balizado pelas regras do direito, da ética e do funcionamento normal de um Estado democrático.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - E como o Sr. Secretário de Estado, aqui presente, e o Sr. Ministro são peças chave a esconder a legislação que eles próprios criaram e a declaração obrigatória que tinham assinado na Comunidade, nós, socialistas, achamos decisivo que este inquérito, dentro dos poderes de fiscalização que tem esta Casa em relação à actuação do Governo, seja votado.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Secretário dos Assuntos Parlamentares, pediu a palavra para que fim?
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para esse fim, tem a palavra.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, na intervenção que proferiu, o Sr. Deputado António Campos, que, segundo creio, na qualidade de membro da Comissão de Agricultura e Mar participou nas audições parlamentares, referiu-se a conclusões dessa audição parlamentar. Pergunto a V. Ex.ª se é verdade que, neste momento, a Assembleia da República já tem conclusões da audição parlamentar que foi realizada. Gostava desse esclarecimento para o Governo poder participar no debate.
Aplausos do PSD.
O Sr. António Campos (PS): - Tenho as minhas conclusões!
O Orador: - Não sei se V. Ex.ª me pode esclarecer.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Posso, sim, Sr. Secretário de Estado. A Mesa, neste momento, não tem qualquer conclusão, mas aproveito a oportunidade para lembrar aos Srs. Deputados que não estamos a discutir conclusões da audição parlamentar mas apenas a decidir sobre a realização de inquéritos e a constituição das comissões que farão esses inquéritos.
O Orador: - Sr. Presidente, o pedido de esclarecimento da intervenção do Sr. Secretário de Estado da Agricultura faria sentido se realmente existissem conclusões e se, pela primeira vez, esta tarde, a afirmação do Sr. Deputado António Campos correspondesse minimamente à realidade dos factos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Antunes da Silva, para pedir esclarecimentos, tem a palavra.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para prestar uma informação à Mesa, mas faço-o usando a figura do pedido de esclarecimento. Começo por informar a Mesa no sentido de que a audição parlamentar ainda não tem conclusões.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isto é que é um pedido de esclarecimento?
O Orador: - Prestada a informação, Sr. Deputado António Campos, tenho de concluir que V. Ex.ª criou um quadro mentiu, em relação a estas matérias, do qual não sai, de tal forma...
O Sr. José Magalhães (PS): - É a encefalopatia espongiforme!
O Orador: - Não sei se são manifestações. Não classifico as manifestações, Sr. Deputado.
Mas, dizia, o Sr. Deputado António Campos criou sobre esta questão um tal quadro mental que nem perante dados novos consegue deixar de se repetir.
Vozes do PSD: - É contagiosa, a doença? O Sr. António Campos: - Quais?
O Orador: - Sr. Deputado António Campos, de uma forma muito suave, deixe-me classificar o seu comportamento. Repito, de uma forma muito suave. É, pelo menos, de mau tom que o senhor, como membro da Comissão de Agricultura e Mar, tente, hoje, aqui e agora, antecipar conclusões que ainda não existem!
O Sr. Artur Penedos (PS): - Essa agora!
O Orador: - Voltando ao quadro mental do Sr. Deputado António Campos, tive oportunidade de afirmar, na minha intervenção, relativamente a esta matéria, e vou repeti-lo agora a ver se conseguimos ver as coisas com mais objectividade e clareza ...
Vozes do PS: - Isso é conversa de agente técnico e agrário!
O Orador: - O PSD, pela minha voz, afirmou o seguinte, já hoje, nesta discussão: quando tivermos conclusões da audição parlamentar, se dúvidas existirem, será o PSD a propor, de imediato, a realização de um inquérito.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - Então, proponha!
O Orador: - O Sr. Deputado não ouviu isto, talvez devido ao tal quadro mental, mas lembro-lhe, a propósito
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desta matéria, o seguinte: quando V. Ex.ª fez acusações, hoje já aqui consideradas e analisadas, e o Sr. Deputado José Magalhães vai irritar-se comigo, mas, se calhar, esse é o meu propósito,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Quem não deve não teme!
O Orador: -... foi o PSD que, segundo o princípio de quem não deve não teme, perante as declarações e perante as acusações do Sr. Deputado António Campos ao Sr. Secretário de Estado, entendeu levar a efeito a realização da audição parlamentar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E precisamente na sequência desta audição parlamentar, pretendemos chegar à verdade, através de métodos realistas, objectivos...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - E rigorosos!
O Orador: -... e rigorosos, para utilizar a expressão do Sr. Deputado Carlos Coelho...
Foi esta a actuação do PSD e, por isso, Sr. Deputado, pergunto: onde estava, quando, há pouco, prestei as minhas declarações?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, chamo-vos a atenção para o facto de não termos outro inquérito a seguir, pelo que não será possível descontar nos tempos do debate seguinte. Por isso, os tempos disponíveis são apenas os que constam do quadro electrónico.
Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, todas as afirmações que fiz aqui não podem ser negadas pelo Sr. Deputado Antunes da Silva. Inclusivamente, elas estão gravadas.
Ele pensa que as conclusões não estão tiradas, mas continuo a afirmar que não há qualquer técnico, qualquer cientista, que tivesse contacto com este problema, que o não confirmasse.
Vozes do PS: - Exactamente!
O Orador: - Sr. Deputado, o que há são alguns senhores do PSD, que não têm nada a ver com o assunto, que dizem que o quadro complementar deveria ser maior. Mas, repito, que não têm nada a ver com a questão das doenças.
No entanto, podemos clarificar já esta situação. Desafio já o Sr. Deputado Antunes da Silva. Como os cientistas têm as plaquetas em ordem, a Assembleia da República toma a decisão de mandar analisá-las num laboratório em Londres e, se os resultados forem encefalopatias, então, está tudo resolvido.
Aplausos do PS.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Estamos esclarecidos!
O Orador: - É fácil, Srs. Deputados, está tudo em ordem no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária. O Sr. Secretário de Estado da Agricultura, o Sr. Director-Geral e o Sr. Ministro da Agricultura impediram o Sr. Dr. Galo na medida em que o obrigaram a engolir a doença sem conhecimento. Isso é uma coisa claríssima.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Se já tirou as conclusões, não precisa de comissão de inquérito!
O Orador: - E se houver boa-fé, imediatamente se faz o diagnóstico, como se faz em Inglaterra, em França, na Suíça, em qualquer país.
Portanto, há material. Se têm dúvida nos cientistas, mandem confirmar as análises.
Srs. Deputados, o inquérito, agora, para mim já não tem a ver com a veracidade porque essa está demonstrada.
Protestos do PSD.
A irresponsabilidade é do Sr. Secretário de Estado, do Sr. Ministro da Agricultura e do Sr. Director-Geral. Porque o que está agora em causa é a forma de actuação deles para com a lei e os acordos internacionais, perante a comunidade científica nacional e internacional, bem como perante a própria saúde pública. É isto que está em causa.
Portanto, o inquérito para nós é decisivo. Não vai dizer mais nada sobre a prova. Mas em relação à prova se se quiser é fácil - manda-se para Londres e teremos imediatamente os resultados.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Já foram ouvidos todos os convidados que vinham depor na audição parlamentar e, naturalmente, temos de nos referir a ela para que se perceba a nossa posição face ao inquérito que se está agora aqui a discutir.
Nestes termos, do ponto de vista do Partido Comunista Português, há que fazer algumas considerações.
Entre 1990 e 1993 foi feito o diagnóstico clínico e histopatológico com resultados positivos sobre a existência de encefalopatia espongiforme bovina em quatro animais importados do Reino Unido. Isto é um dado objectivo.
Todos os intervenientes directos nestes quatro casos - desde os médicos veterinários de campo até aos médicos veterinários do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária - confirmaram que o diagnóstico histopatológico foi feito de acordo com as normas legais em vigor no nosso País e na Comunidade e que os quatro animais foram importados de Inglaterra, o que, conjugado, dá credibilidade e fiabilidade suficiente ao diagnóstico que confirma a existência da B SE naqueles quatro animais.
Aliás, é de referir que as pessoas ouvidas na audição que contestam os resultados do diagnóstico histopatológico - e houve pessoas que tiveram uma opinião diferente - nunca observaram as lâminas que consubstanciam o diagnóstico da B SE, «nunca tiveram contacto técnico ou científico com a doença, para além do bibliográfico» - eles próprios o disseram - e não estuo, portanto, habilitadas para o fazer, não tendo sequer, em contrapartida, apresentado quaisquer outros exames, que fundamentassem, com o mínimo de rigor científico, essas opiniões pessoais. A audição conduz-nos também à conclusão de que presentemente existe mais uma vaca com sintomatologia que pode indiciar a B SE...
Vozes do PSD: - Já é a quinta!
O Orador: -... e que aconselha a que sejam rapidamente tomadas medidas com vista a proceder-se ao diag-
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nóstico histopatológico, como a outros que se entendam necessários para apurar o que tem este animal.
A BSE é de declaração obrigatória, no nosso país e na Comunidade. Contudo, e isto é gravíssimo, o director da ex-Direcção-Geral da Pecuária deu instruções ao Laboratório Nacional de Investigação Veterinária para que tosse guardado sigilo. Ele próprio o declarou e está gravado nas actas!
Protestos do PSD.
Reparem agora no seguinte, Srs. Deputados: o mesmo director-geral, em Maio do ano corrente, à frente da delegação portuguesa na reunião dos chefes veterinários oficiais da Comunidade, que decorreu em Copenhaga, ao ser-lhe colocada a questão de «recentes rumores declarando a existência de vários casos da BSE no território português», voltou a iludir a questão - para não usar uma expressão mais pesada, em qualquer das versões, quer na francesa, quer na inglesa, em qualquer delas, porque então na inglesa é muito mais grave e teria de utilizar outra expressão - e não declarou, como a lei estipula, o diagnóstico histopatológico positivo em quatro animais entre 1990 e 1993.
O director-geral da ex-Direcção-Geral da Pecuária declarou à audição parlamentar, e isto é também consigo, Sr. Secretário de Estado, que a sua posição - posição dele - «foi corroborada pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura e pelo Sr. Ministro da Agricultura» (está gravado), a quem afirma que «transmitiu a situação».
Estamos, assim, perante uma grave situação de ocultação ao País e à Comunidade de uma doença de declaração obrigatória, que pressupõe o inequívoco apuramento de responsabilidades.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E referi isto para concluir que, na opinião do Grupo Parlamentar do PCP, talvez agora mais do que antes se torne necessário ir para a frente com este inquérito. Pedia, pois, aos Srs. Deputados do PSD que não inviabilizassem a possibilidade de apurarmos a verdade, dado que até já hoje foi dito que querem apurar todas as verdades - pelos Srs. Deputados do PSD e pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura.
Consideramos, face a esta situação, que mais necessário do que o inquérito é que os responsáveis desta situação, os responsáveis pelo escamoteamento da verdade, causada com o seu comportamento, descrédito, inquietação e perplexidade na opinião pública - porque este comportamento é que causa alarmismo -, o ex-director-geral da Pecuária, o Secretário de Estado da Agricultura e o Ministro da Agricultura, que corroboraram e deram cobertura a todo este processo, deverão assumir as responsabilidades políticas inerentes.
Mais: quem irresponsavelmente oculta factos gravíssimos como estes e tem este tipo de comportamento na condução de um processo destes não reúne condições para governar.
Aplausos do PCP e do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a esta matéria o Governo teve oportunidade, numa carta que dirigiu à Assembleia da República, de demonstrar toda a sua disponibilidade para colaborar numa audição parlamentar em que isto fosse discutido. E porquê uma audição parlamentar? Porque era uma forma mais célere, mais atempada, de muito rapidamente se poder fazer uma primeira abordagem do problema.
Essa abordagem foi feita, o Governo colaborou, os técnicos cuja tutela depende do Governo vieram aqui, vieram também cientistas independentes, que foram muito mal tratados pelo Sr. Deputado António Campos na sua intervenção, mas, evidentemente, que, após as conclusões dessa audição serem públicas e se a Assembleia da República não se sentir satisfeita com elas, se se constatar que a Assembleia e a opinião pública necessitam de conhecer melhor o assunto e que investigações mais aprofundadas serão indispensáveis, da parte do Governo, haverá a mesma disponibilidade para colaborar que houve agora em relação à audição parlamentar.
Aplausos do PSD.
Vozes do PS: - Era o que mais faltava!
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma curta intervenção.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Secretário de Estado, estamos totalmente satisfeitos com a audição dos técnicos que trabalharam a matéria. E essa matéria para nós não tem discussão, mas o problema coloca-se com o Partido de V. Ex.ª.
O que não aceitamos é interferências externas de pessoas que nada têm a ver com o quadro legal definido pelo Ministério da Agricultura: são os veterinários que estavam no terreno, os investigadores que foram especializados pelo Estado Português, o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e o exame que o Sr. Ministro da Agricultura determinou por despacho.
Isso para nós é claro. Os serviços públicos portugueses portaram-se com grande dignidade e com grande capacidade técnica.
O Sr. Secretário de Estado, o Sr. Ministro da Agricultura e o Sr. Director-Geral é que não os deixaram actuar e esconderam a verdade contra a lei por eles próprios criada.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, se me permite, gostaria de dar um pequeno esclarecimento ao Sr. Deputado António Campos.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - V. Ex.ª ainda tem tempo disponível, mas depois não vou dar a palavra ao Sr. Deputado, para responder, uma vez que já tem tempo negativo.
Tem então a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Campos, o Governo também tem acesso às actas e aquilo que se passa nas comissões parlamentares. E, na minha opinião, as afirmações de V. Ex.ª não foram fidedignas, não relataram aquilo que lá se passou!
Quero fazer-lhe três perguntas. A primeira é a seguinte: é ou não verdade que da audição de especialistas de créditos indiscutíveis - uns ligados à Administração Pu-
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blica, outros não - ficou patente que a encefalopatia espongiforme dos bovinos tem um diagnóstico...
Vozes do PS: - É complicado!
O Orador: - É complicado, sim! Por isso é que os senhores, às vezes, dizem algumas coisas não totalmente correctas sobre estes assuntos.
Como dizia, é ou não verdade que da audição ficou patente que esta doença tem um quadro clínico comum a um conjunto de outras doenças? Ou seja, que não há a possibilidade de diagnóstico clínico diferencial? Isso ficou ou não apurado?
A segunda pergunta é esta: é ou não verdade que o exame histopatológico não serve para fazer o diagnóstico diferencial e que, nestes casos, não se foi além do exame histopatológico?
O Sr. José Magalhães (PS): - E por que é que não se foi?
O Orador: - Terceira pergunta - e esta faço-a com alguma ironia, Sr. Deputado, já que esse debate, sim, é que era preciso ter a coragem de se fazer aqui: é ou não verdade que entre os técnicos que se inclinam para um diagnóstico de certeza V. Ex.ª só encontra membros ou ex-membros da Administração, num ministério que está em profunda reestruturação?
O Sr. José Magalhães (PS): - Ah! Será a vingança dos saneados?!
O Orador: - E aqueles que têm muitas dúvidas em relação ao diagnóstico diferencial...
Protestos do PS.
Não fiquem perturbados por eu «pôr o dedo na ferida», Srs. Deputados!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Peco-lhe que termine, Sr. Secretário de Estado.
O Orador: - E entre aqueles técnicos e cientistas...
Protestos do PS.
Pela turbulência, Srs. Deputados, constato que «pus o dedo na ferida»!
Mas, terminando, é ou não verdade que aqueles técnicos que têm muitas dúvidas quanto ao diagnóstico são cientistas independentes que nunca dependeram nem dependem do Ministério da Agricultura e não estão preocupados com a sua reestruturação?!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado António Campos, vou dar-lhe apenas um minuto e meio para responder. Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, ouça, com muita calma, o que lhe vou dizer, porque vai compreender tudo.
Quanto às três perguntas que fez, comecemos pelos exames...
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Primeiro, o diagnóstico clínico!
O Orador: - O Sr. Secretário de Estado...
Protestos do PSD.
O exame feito em Portugal é igual ao que é efectuado em Inglaterra, em França, na Suíça,...
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Não, não!
O Orador: - O senhor está mal informado! Não percebe nada disto!
Mais, Sr. Secretário de Estado: o exame foi determinado por um despacho assinado pelo Sr. Ministro da Agricultura de Portugal! Está lá o exame! No dia 28 de Maio de 1990 é assinado um despacho pelo Sr. Ministro da Agricultura em que se determina o tipo de exame. Esse é precisamente o exame feito no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária!
Protestos do PSD.
Todos os especialistas das doenças nos dizem que são precisos exames complementares quando o quadro clínico cerebral não apresente qualquer dúvida. E, nos casos em presença, não há qualquer dúvida!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado António Campos, vai desculpar-me, mas tem de terminar. Com certeza, teremos outra oportunidade para aprofundar esta matéria.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Já não sei o que dizer perante tamanha falta de realismo, objectividade e responsabilidade.
O Sr. Paulo Casaca (PS): - É ler as actas!
O Orador: - É exactamente para aí que os vou remeter, Srs. Deputados!
Não usaria da palavra se não fosse presidente da Comissão de Agricultura e Mar. Já condenei - e não valeria a pena fazê-lo outra vez -, o facto de se estar hoje aqui a antecipar - seja quem for que o faça .......
O Sr. José Magalhães (PS): - Ele acabou de o fazer!
O Orador: - Estou a dirigir-me ao Sr. Secretário de Estado, não tenha dúvida!
Mas, como dizia, Sr. Deputado, é condenável que hoje se estejam aqui a tentar antecipar conclusões relativamente à audição parlamentar!
E é mais condenável, e indigno seja de quem for, que se queiram tirar conclusões, ainda por cima, dizendo simplesmente isto: os senhores A, B e C que vieram prestar declarações são bons e os outros não prestam!
O Sr. José Magalhães (PS): - Então, aquele senhor disse que os funcionários eram corruptos e que se tratava de uma vingança!
O Orador: - Não disse nada disso, Sr. Deputado! Protestos do PSD.
Protestos do PS.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados - e dirijo-me particularmente à bancada do PS: Façam o favor de ouvir, são só mais trinta segundos,...
O Sr. José Magalhães (PS): - É um escândalo!
O Orador: - Um escândalo é o que estamos a fazer!
O Sr. José Magalhães (PS): - É um escândalo dizer que são os funcionários... Então diga os nomes!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Antunes da Silva, quem está aqui até às 21 horas e 30 minutos, está até às 24 horas. Assim, com a finalidade de reestabelecermos as condições para que o Sr. Deputado tenha a possibilidade de ser ouvido pelas outros Srs. Deputados que assim o desejem, V. Ex.ª vai fazer o favor de suspender por um momento a sua intervenção.
Pausa.
Pode continuar, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, só não terminei mais rapidamente porque os Srs. Deputados não o permitiram.
Dizia eu que é indigno, Sr. Deputado António Campos, que V. Ex.ª tenha a coragem, o despudor - permita-me a expressão - de vir aqui dizer que já não lhe interessa apurar a verdade mas apenas valorar o comportamento do Sr. Director-Geral da Pecuária e dos Srs. Membros do Governo relativamente a uma audição.
Protestos do PS.
Srs. Deputados, saibamos ter a serenidade para abordar estes assuntos!
Vou terminar, Sr. Deputado, colocando-lhe a seguinte questão: Sr. Deputado António Campos, interrogue os seus colegas sobre o que se passou noutros países da Comunidade Europeia acerca desta matéria!
Protestos do PS.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, antes ainda vão usar da palavra outros Srs. Deputados.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, o muito ruído alegra a sessão, mas não esclarece a verdade sobre este caso e, de facto, importa que ela seja esclarecida.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Antunes da Silva, quero perguntar-lhe se sabe - e sabe com certeza, mas é apenas para me tirar a dúvida - que a lei portuguesa obriga, em consequência da harmonização com a legislação comunitária, a um diagnóstico através do exame histopatológico.
Segunda questão: considero que todos os técnicos e investigadores que prestaram declarações o fizeram com honestidade, embora traduzindo pontos de vista diversos e influenciados também por razões diversas.
Contudo, não podemos pôr em pé de igualdade os homens e as mulheres que trabalharam directamente, e desde o princípio, neste caso, que foram os donos das explorações que tinham os animais, os médicos veterinários que fizeram o diagnóstico clínico da sintomatologia, os técnicos de laboratório que prepararam e conservaram a amostra e fizeram o diagnóstico, portanto que conheceram profundamente o problema, que o acompanharam e que estavam preparados para isso, com técnicos que, sem pôr em dúvida a sua credibilidade, nem a sua seriedade, não acompanharam o problema e que, portanto, não têm conhecimento de causa directo dele, apenas o conheceram pelos jornais, como muitos de nós. É um conhecimento académico e bibliográfico, que muitos deles confessaram. Quero também dizer que dois dos mais fortes opositores às conclusões dos quatro casos, às tantas, vacilaram. Pergunto ao Sr. Deputado se se recorda de que, por exemplo, um deles - e não quero estar agora a citar nomes -, o último que ouvimos, disse assim: «Nunca me ouviram pôr em dúvida a suspeita através do exame histopatológico.»
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E um dos dois mais fortes opositores disse assim: «Para mim, a encefalopatia espongiforme dos bovinos não está assinalada cientificamente em Portugal.» E este homem está reformado há muitos e muitos anos, não acompanhou este processo apenas pelos jornais. Mas depois teve a honestidade - e isso é importante dizer--se! - de dizer isto: «Mas é natural que haja pois, como importamos animais de Inglaterra, há o risco da doença em Portugal, e é uma doença de declaração obrigatória.»
Portanto, não podemos, como fez o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, comparar uns com outros, sem que isso signifique tirar credibilidade ou seriedade seja a quem for.
Terceira pergunta, e para terminar...
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Já é a quarta!
O Orador: - Ou a quarta, talvez!
Sr. Deputado Antunes da Silva, sabe por que é que não se fizeram mais exames? Porque, segundo a lei em vigor em Portugal e na Comunidade, só são feitos esses exames quando são suscitadas dúvidas. Ora, da parte do Governo, que tem a responsabilidade máxima no assunto, durante três anos, não teve dúvidas. Foi preciso o problema vir a lume - neste caso, pela «boca» do Sr. Deputado António Campos - para que, ao fim de três anos, surgissem dúvidas. Esta ninguém pode engolir, nem compreender!
Aplausos do PCP e do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira, começando por agradecer as questões que colocou, gostaria de dizer-lhe que, coerentemente, não queria pronunciar-me sobre elas, por uma razão muito simples: é que não queria antecipar-me às conclusões da audição. De todo o modo, e porque me foram colocadas questões, vou responder.
Quanto à lei portuguesa, o que ela refere relativamente ao exame histopatológico é que é necessário, mas não está lá dito que é suficiente. Refere que é um exame necessário, mas não está dito que é suficiente!
Risos e protestos do PS.
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Srs. Deputados, não quero agora discutir se é ou não assim. Esta é a leitura que faço, e penso que tenho esse direito. O que diz a lei...
O Sr. José Magalhães (PS): - Chamem um jurista! Isto vai ficar em acta! Isto é uma tragédia!
O Orador: - A lei aponta, de facto, para este exame, refere que é necessário mas não que é suficiente.
Sr. Deputado António Murteira, estou inteiramente de acordo consigo quando diz que não podemos pôr em causa os homens e as mulheres que trabalharam no terreno. Não o faço, nunca o fiz, nem o farei. Mas como não o faço em relação a este grupo de pessoas também não aceito que VV. Ex.ªs o façam relativamente ao outro grupo.
Protestos do PS.
Na sequência disto, o Sr. Deputado invocou um depoimento de um dos elementos que, a determinada altura das suas declarações, respondeu que nunca o ouviram (a ele) pôr em causa a suspeita. Devo dizer que estou de acordo com ele, nunca o ouviram pôr em causa a suspeita. Fico-me também como sendo uma afirmação boa, em confronto com tantas outras.
Relativamente aos demais exames, admito que haja dúvidas, é talvez um dos campos onde há mais dúvidas. Mas, havendo dúvidas, como eu disse, teremos o inquérito que se seguirá, se for caso disso.
O Sr. José Sócrates (PS): - Se for caso disso!...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, chegados ao termo do debate, dou a palavra ao Sr. Deputado António Campos para exercer o direito de defesa da consideração e da honra.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Antunes da Silva disse que eu tinha tido uma atitude indigna. Considero que o Sr. Deputado é que teve uma atitude de bastante indignidade neste debate. E explico-lhe porquê. O Sr. Deputado sabe que o primeiro caso foi diagnosticado em 1990 e o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, o Sr. Ministro da Agricultura e o Sr. Director-Geral da Pecuária calaram o Laboratório, nunca disseram que eram necessários exames complementares, nunca exigiram mais exames, meteram as informações na gaveta, obrigaram a escondê-las,...
O Sr. José Magalhães (PS): - É o segredo!
O Orador: - ... não deixaram continuar a evolução do estudo da doença.
Vozes do PSD: - É falso!
O Orador: - Passados três anos, para V. Ex.ª é indigno e de má fé pôr em causa que digam agora «precisamos de exames complementares!».
Sr. Deputado Antunes da Silva, indignidade e má-fé é impedirem que continuem os estudos e, passados três anos, quando levanto a questão, dizerem que são precisos mais estudos complementares. Isso é que é uma grande indignidade!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É, de facto, intolerável o comportamento que estão a ter perante o inquérito, porque há três anos travaram a situação, nunca ninguém chamou os técnicos, os cientistas ou os veterinários a pôr em causa a situação. Passados três anos, o problema é levantado publicamente e VV. Ex.ªs vêm dizer: «É preciso mais exames complementares.» Isto é que é indignidade, isto é que V. Ex.ª não pode fazer, porque não lhe fica bem!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Deputado António Campos, V. Ex.ª, que me conhece, aceita com certeza que lhe diga que foi talvez muito forçada a expressão que utilizei, mas que mantenho, de indignidade. E mantenho-a porquê? Porque não é digno vir aqui antecipar conclusões, que não estão tiradas, de uma audição.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não é digno vir invocar aqui...
Sr. José Magalhães (PS): - O Sr. Secretário de Estado tê-lo!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Quem o fez foi o Sr. Deputado António Campos!
O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, quem invocou a defesa da honra foi o Sr. Deputado António Campos e é a ele que me dirijo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - Fiz apenas um aparte!
O Orador: - Sr. Deputado António Campos, com muito custo - acredite -, mantenho o que disse, porque é indigno vir aqui tentar tirar conclusões de uma audição que não está completa...
O Sr. José Magalhães (PS): - Indigno é censurar!
O Orador: -... e é indigno proferir afirmações que não correspondem à verdade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. António Campos (PS): - Diga uma que não corresponda à verdade!
O Orador: - A propósito disso, remeto-o para a acta. Mantenho e proeuro justificar a minha afirmação com base nesses dados.
Quanto ao problema dos três anos, o Sr. Deputado António Campos não ouviu a resposta que dei ao Sr. Deputado António Murteira porque, se ouvisse, se calhar, não colocava a questão. Agora, Sr. Deputado, se essa da indignidade é comigo, não sou eu quem lhe vai dizer se sou ou não digno. Alguém poderá fazê-lo; só não aceito que seja V. Ex.ª!
Aplausos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas há ou não vacas loucas?
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O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputadas, antes de terminar a sessão, chamo a atenção para o seguinte: a determinada altura, alguns Srs. Deputados, no quente do debate, fizeram gestos para a Mesa. Srs. Deputados, apenas lhes queria dizer que estamos numa Câmara política e que realizámos um debate democrático, e é isso que importa.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, os diplomas que hoje apreciámos serão votados na sessão da próxima terça-feira.
Voltamos a reunir amanhã, a partir das 10 horas, tendo como ordem do dia o debate sobre as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 30 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva.
António José Caeiro da Mota Veiga.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
José Angelo Ferreira Correia.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Nunes Liberato.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ramos Ribeiro de Almeida.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Partido Socialista (PS):
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Elisa Maria Ramos Damião.
João Maria de Lemos de Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Galão Rodrigues.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
João Álvaro Poças Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS):
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Helena de Melo Torres Marques.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Deputado independente:
Mário António Baptista Tomé.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.
Depósito legal n.º 8818/85
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