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Sábado, 5 de Junho de 1993 I Série - Número 80

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE JUNHO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José de Almeida Cesário
Belarmino Henriques Correia

SUMÁRI0

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 40 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de deliberação n.º 67/VI.
Foram aprovados os n.ºs 64 a 68 do Diário.
A Câmara procedeu a um debate sobre as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional (projecto de deliberação n.º 66/VI (PSD)], tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional (Fernando Nogueira), os Srs. Deputados José Lello (PS), João Amaral (PCP), Miranda Calha (PS), André Martins (Os Verdes}, Jaime Gama (PS), Cardoso Ferram (PSD), Adriano Morara (CDS), Ângelo Comia (PSD) e Alberto Costa (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão dê Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Lufe António Carrilho da Cunha.
Luis António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

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Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Alves Marques Júnior.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Martins Seguro.
António Luis Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luis.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Paulo Martins Casaca.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luis Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Arménio Horácio Alves Carlos.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

Raul Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do diploma que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de deliberação n.º 67/VI - Preparação de um debate, antes da discussão do Orçamento do Estado para 1994, sobre as opções estratégicas, bem como, antes, do encerramento da actual sessão legislativa, de um debate sobre análise económica e social (PS).
Informo que está reunida a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em apreciação os n.º 64 a 68 do Diário, respeitantes, respectivamente, às reuniões plenárias dos dias 29 e 30 de Abril e S, 6 e 7 de Maio passados.

Pausa.

Não havendo objecções, consideram-se aprovados. Entramos no debate, requerido pelo Governo e cuja realização foi deliberada pela Assembleia nos termos do

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artigo 245.º, n.º 1, do Regimento, subordinado ao tema «Grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional» [projecto de deliberação n.º 66/VI (PSD)].

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 19 de Fevereiro de 1991, aquando do debate sobre a nova lei do serviço militar, tive ocasião de dizer perante os Srs. Deputados que, «quanto à revisão do conceito estratégico de defesa nacional, cumpre reflectir no passado para tirar lições para o futuro».
Em 1982 foi aprovada a Lei de Defesa Nacional e das Forcas Armadas. Em 1985 foram aprovados os conceitos estratégicos de defesa nacional e militar. E depois? O que é que daí resultou que se transformasse em elemento dinamizador da reestruturação das Forças Armadas? Em matérias desta natureza não há automatismos dedutivos. Há dois tipos de planeamento para processar reformas de grande envergadura: o decorrente e o concorrente. A lógica dos arquétipos ideais dá razão aos que defendem o planeamento decorrente. A realidade, porém, demonstrou que em matéria de reestruturação das Forças Armadas esse tipo de planeamento não deu frutos ou deu poucos. Chegou, pois, a altura de lançar mão ao planeamento concorrente, enveredando por uma via mais difícil, que pressupõe grande persistência de vontade e atenção redobrada. Foi esse o caminho escolhido.
O que nos trouxe o caminho então traçado? Lembro, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que de então para cá foram aprovados os seguintes textos ou tomadas as seguintes iniciativas: novo conceito de serviço militar obrigatório; Lei de Bases da Organização das Forcas Armadas; novo sistema de forças; leis orgânicas do Ministério da Defesa Nacional (MDN), do Estado-Maior-General das Forcas Armadas (EMGFA), do Estado-Maior da Armada (EMA), do Estado-Maior do Exército (EME) e do Estado-Maior da Força Aérea (EMFA); lei da racionalização dos efectivos; novos quadros de efectivos; implementação do serviço militar feminino; aprovação dos regulamentos das Academias Militar e da Força Aérea, da Escola Naval e da Escola de Sargentos do Exército, bem como do estatuto do IIDN; criação dos cursos para oficiais da GNR e da Guarda Fiscal na Academia Militar; medidas de reestruturação profunda da indústria de defesa; início da reestruturação dos estabelecimentos fabris; apresentação a esta Assembleia da proposta de lei de requisição e mobilização; apresentação à Assembleia da proposta da 2.º lei de programação militar. Foi ainda posto em execução o plano de alienação e concentração de instalações militares.
Isto apenas para citar legislação e iniciativas estruturantes para a reorganização das Forças Afinadas.
Mas a opção então feita não obedeceu apenas a razões de natureza pragmática, pois teve igualmente em conta a substância das coisas e a referência a realidades de importância vital. Com efeito, que sentido teria que Portugal avançasse, como pretendiam alguns, já em finais de 1990 ou mesmo em meados de 1991, para a revisão do seu conceito estratégico de defesa quando a principal aliança colectiva em que nos inserimos - a NATO - só levou a cabo a revisão do seu próprio conceito estratégico justamente em finais de 1991 aquando da Cimeira de Roma?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Que sentido teria igualmente o mesmo comportamento quando só em finais de 1991 a Comunidade Europeia, na Cimeira de Maastricht, definiu os contornos da sua política de defesa, sendo que Portugal só ratificou esse tratado em finais de 1992?
Nenhum país europeu, que seja do meu conhecimento, reviu o seu conceito estratégico de defesa antes desses dois acontecimentos, assim como nenhum deles deixou de introduzir profundíssimas alterações na organização das respectivas forças armadas a partir do momento da queda do muro de Berlim, independentemente da revisão dos respectivos conceitos estratégicos de defesa.
Não foi outra a opção do Governo Português nesta matéria. Assim, do mesmo passo que se lançou o maior e mais alargado debate sobre defesa nacional de que há memória no nosso país, o debate «Defesa Anos 90», através do qual se procedeu, de forma participada, à análise e avaliação da conjuntura internacional e das realidades nacionais, o Governo, à semelhança dos seus parceiros europeus e pela reforçada razão de termos então umas Forças Armadas ainda informadas, na sua estrutura e organização, pelo figurino resultante de uma prolongada guerra colonial, avançou com reformas que não podiam ser mais adiadas.
Simultaneamente e da forma concorrente atrás referida como opção de planeamento, uma vez sedimentadas as ideias e os princípios no plano internacional e geoestratégico em que nos inserimos, está hoje o Governo em condições de apresentar uma proposta de grandes opções do conceito estratégico de defesa a este Parlamento.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Está assim cumprida a intenção de se efectuar a reavaliação do conceito estratégico de defesa nacional em vigor, em função das transformações que se verificaram na conjuntura internacional, e encontrar as respostas e o adequado posicionamento estratégico nacional que permita responder aos actuais desafios.
Enunciaremos de imediato as razões objectivas justificadoras dessa reavaliação estratégica a que agora se procede de forma organizada. São elas as seguintes: as transformações na ex-URSS e os novos arranjos geopolíticos na Europa, designadamente a reunificação alemã e a emergência da Rússia, que procura protagonizar a liderança da CEI; o desaparecimento do Pacto de Varsóvia, a concretização dos acordos de armamento CFE, sobre armas convencionais, e START II e NST, no domínio das armas nucleares e utilização militar do espaço; a alteração do carácter tradicional da ameaça, predominantemente militar, e a aceitação de uma nova avaliação estratégica dos riscos e desafios à segurança, cuja característica dominante é a sua diversificação e disseminação geográfica; a alteração da postura estratégica baseada numa lógica de contenção e ou confrontação entre blocos i>ara um ambiente internacional caracterizado pela vontade de cooperação e pela noção de segurança, como um conceito amplo que abrange os domínios político, económico, social e psicológico, para além do militar, o reconhecimento de que o relacionamento internacional também deixou de se processar segundo uma lógica de fronteira estratégica bem caracterizada em termos Leste-Oeste, a favor de um diálogo Norte-Sul e países ricos-países pobres e da procura de uma cada vez maior afirmação regional. Acrescente-se ainda a imprevisibilidade das mudanças e a rapidez das

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transformações que se estão a operar, por vezes de maneira radical, num ambiente em que, apesar de tudo, têm prevalecido um clima de confiança e a possibilidade de utilização de mecanismos político-diplomáticos para a garantia da estabilidade internacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar deste quadro geral favorável, a verdade é que permanecem factores potenciais de instabilidade, como, aliás, são referidos no documento agora presente à Assembleia, os quais podem pôr em causa aquele conceito de segurança, tornando-se assim admissível que a conflitualidade, embora com outra dimensão, permaneça. O fim da guerra fria não garantiu, de imediato, a normalidade de relacionamento entre os Estados que constituíam anteriores blocos, já que ao desaparecimento de alguns desses Estados contrapõe-se o aparecimento de outros, assim como-se regista um assinalável recrudescimento dos nacionalismos.
O reconhecimento destas realidades levou a que a Aliança Atlântica procedesse à revisão do seu conceito estratégico, reconhecendo que há novas oportunidades para a utilização dos mecanismos político-militares com vista à preservação da paz e da estabilidade. Assim, o novo conceito da Aliança privilegia o diálogo, a cooperação e a prevenção de conflitos, sem descurar, como último argumento para à protecção da paz, a defesa militar colectiva.
Ao mesmo tempo, operou-se a reactivação de algumas organizações internacionais, designadamente da ONU, cuja convergência de posições no seio do Conselho de Segurança tem permitido efectuar acções no domínio da diplomacia preventiva, com vista à obtenção e protecção da paz. De igual modo, surgiram novas organizações, como é o caso da CSCE, cujo processo de institucionalização está em marcha e constitui hoje um forum com nada mais nada menos do que 53 países membros.
Também no domínio do processo de integração europeia do pós-Maastricht, foram lançados os fundamentos políticos da futura União Europeia e reconheceu-se a UEO como seu elemento de defesa e pilar europeu da Aliança Atlântica. Relativamente à UEO, assistiu-se à sua revitalização, através do processo de alargamento aos países da Comunidade e da Aliança Atlântica, e à procura da criação de uma capacidade operacional própria.
Por sua vez, os Estados Unidos procederam também a uma reavaliação do seu posicionamento no mundo e a nova Administração procede de momento a uma reavaliação dos seus próprios conceitos estratégicos.
Como quer que seja, os elementos disponíveis permitem afirmar que as grandes opções que agora são presentes à Assembleia da República constituem um documento inovador e ao mesmo tempo credível, cuja finalidade principal é introduzir o debate em sede parlamentar, de modo a que o Governo, após a discussão de que seremos boje protagonistas, com os enriquecimentos e sugestões que dela seguramente resultarão, possa finalmente aprovar o conceito estratégico de defesa nacional.

O Sr. Pedro Campilho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Segue-se, assim, uma metodologia nova, sem qualquer comparação com aquela que presidiu à apresentação à Assembleia da República do conceito estratégico de defesa nacional, aprovado em 1985. O presente documento não é, como foi o de então, um mero resumo do conceito estratégico de defesa nacional; constitui antes, verdadeiramente, um conjunto de grandes opções que já mereceram o parecer favorável do Conselho Superior de Defesa Nacional, cuja génese e racional resultaram, por um lado, da necessidade de se clarificar o ambiente estratégico externo, em que Portugal se terá de situar, e, por outro, da necessidade de clarificação dos objectivos de defesa nacional que, não pondo em causa os anteriores, impõem que a sua concretização deva ser encarada em função da nova situação internacional e dos novos desafios.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Desta dupla análise resultou a definição de objectivos nacionais de defesa actuais, em função das características da presente conjuntura estratégica internacional e da premência da sua concretização, assim como resultou a identificação dos desafios e potenciais riscos que podem dificultar essa realização. As grandes opções do conceito estratégico evidenciam, deste modo, a interpretaçâo do conceito amplo de segurança, em que as unidades políticas procuram garantir e tornar mais claro o carácter interdepartamental da defesa como estratégia global do Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Das diversas orientações às estratégias gerais, são realçados os aspectos que têm directa ou indirectamente a ver com a defesa nacional, numa perspectiva segundo a qual as grandes aspirações do Estado continuam a ser o bem-estar, a justiça social e a segurança dos seus cidadãos.
É de salientar, a outro nível o relevo dado à participação nacional no seio das diversas organizações internacionais e ao domínio do processo da construção europeia. Destaque-se também a especial atenção que nos merece o acompanhamento da situação internacional e sobretudo regional.
Especial preocupação é demonstrada, no âmbito das diversas estratégias gerais, para que se proceda a uma actuação coordenada que preserve os valores nacionais, potencie a vontade de defesa e a coesão nacional e contribua para o aumento das nossas capacidades e para minorar as nossas vulnerabilidades.
Como não podia deixar de ser, o documento em discussão confere especial cuidado à componente militar da defesa, enquanto instrumento fundamental de afirmação e prestígio do Estado no ambiente externo, sendo clarificados explicitamente a postura estratégica que deve assumir a nível nacional e os conceitos que devem configurar uma defesa militar com meios próprios.
O documento aponta claramente, sem tibiezas nem eufemismnos, para a componente militar como instrumento de afirmação no domínio da política externa e salienta a sua importância nas acções de cooperaçâo com os países de expressão portuguesa, reconhecendo, ao mesmo tempo, a necessidade de as Forças Armadas estarem aptas a responder às novas missões que cabem no domínio da diplomacia preventiva, ou seja, às operações humanitárias e às operações de paz.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Paralelamente, visa-se estimular a conecta avaliação das áreas de interesse estratégico nacional e identificar os adequados mecanismos políticos, diplomáticos, económicos e militares, para afirmação nacional nesses espaços, fomentando os ajustamentos estruturais capazes de potenciar a necessária capacidade de actuação naqueles domínios.
É de referir, por último, que as orientações protagonizadas no documento que se apresenta visam a elaboração de um conceito estratégico de defesa nacional, verdadeiramente operativo, que constitua instrumento útil na orientação das diversas capacidades do Estado, com influência no âmbito da defesa nacional.

O Sr. Pedro Campilho (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais que uma simples actualização, o documento que hoje vos é presente é verdadeiramente um documento novo, novo nas ideias, novo nos propósitos. Mas é também um documento claro, claro nas propostas, claro nos objectivos.
É com espírito aberto e limpidez de intenções que espero os vossos contributos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados José Lello, Miranda Calha, João Amaral e André Martins.
Tem a palavra, para esse efeito, o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional, apresentou o Sr. Ministro a sua política de defesa de uma forma tão beatífica que dir-se-ia não ter proferido um discurso mas uma homilia. O Sr. Ministro explanou, numa extensa lista, o que foi aprovado, esquecendo-se de referir o que falta regulamentar da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, aprovada em 1982, sabendo nós que o partido do Sr. Ministro já detém a pasta desde essa altura. Falta saber muita coisa.
Quando, designadamente, o Sr. Ministro refere o caso das alienações patrimoniais, falta inclusivamente saber quantos* edifícios militares já foram vendidos e se assim estará garantido o tão decantado fundo de pensões dos militares.
Passemos ao diploma que estamos a apreciar, sobre o qual haverá ainda que esclarecer algumas questões.
Como o Sr. Ministro sabe, o diploma visa, numa determinada parte, objectivos da política de defesa nacional, tais como o desenvolvimento das capacidades nacionais produtivas, a diminuição das dependências externas, a promoção do crescimento económico sustentado e a modernização tecnológica, incentivando a competitividade face aos agentes económicos externos. Ora, o Sr. Ministro, não tendo falado na importante questão das reservas estratégicas, não referiu também, como factores de fragilização da nossa capacidade de defesa, a degradação da situação agrícola e a subsequente deficiente cobertura alimentar, nem tão-pouco falou das evidentes dependências do exterior, como seja, para um país periférico e de território descontinuado, o decréscimo da nossa marinha mercante, designadamente em graneleiros, que se agrava com a anunciada alienação da SOPONATA e o destino confuso da TAP.
Nada diz da gravosa dependência energética, que é agravada pela indefinição que se verifica na PETROGAL e pela opção por uma única origem de abastecimento de gás - no caso vertente o Magreb, zona de potencial conflitualidade -, já que o terminal de Setúbal parece adiado.
A questão da participação das nossas Forças Armadas em operações de peace-keeping e humanitárias, que o Sr. Ministro também referiu, será outro dos enfoques importantes da nossa política de defesa nacional, o que releva necessidades acrescidas em pessoal contratado, que é outra das temáticas que eu poderia abordar, e, acima de tudo, vem levantar questões de transparência metodológica e institucional e de coerência política. Ora, os representantes efeitos do povo português têm de saber como, em que condições e se os nossos soldados vão actuar em cenários de crise no exterior, como se verificou agora em Moçambique.

O Sr. Manuel Alegre (PS): -Muito bem!

Orador: - E, a propósito, perguntar-lhe-ia também, en passam, que resposta deu Portugal face a uma eventual participação das nossas tropas, com forças de combate, num contingente operacional da NATO na Bósnia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa foi informada de que o Sr. Ministro responderá no fim de cada dois pedidos de esclarecimento, portanto tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional, creio que as questões essenciais que, eventualmente, constituirão o centro do debate em tomo do conceito estratégico de defesa nacional são duas: qual é a relevância dos interesses nacionais nas relações externas e como é que os diferentes documentos se posicionam em relação a essa questão e qual é o valor que cada uma das perspectivas aqui presentes dá à capacidade autónoma de defesa que Portugal deve dispor. Nas palavras pode aparecer esta capacidade autónoma, mas trata-se de saber qual a sua relevância.
Estas são as questões de fundo que, segundo creio, separam, de alguma maneira, os diferentes documentos que aqui estão em apreciação, mas V. Ex.ª omitiu esse facto, quando existem, entregues na Mesa da Assembleia e publicados no Diário da Assembleia da República, além do próprio documento do Governo, um documento apresentado pelo Partido Comunista Português e um outro apresentado pelo Partido Socialista, que são documentos de referência que o Sr. Ministro não devia ter ignorado quando fez a sua intervenção. A meu ver, deveria ter referenciado esses documentos e, de alguma forma, ter reflectido sobre a contribuição que os partidos da oposição procuraram dar à definição do conceito estratégico de defesa nacional, porque tal contribuição já existe registada.
Em relação a essas duas questões que coloquei, creio que os documentos, tal como estão, apresentam claras divergências. O do Governo, tal como é apresentado, em relação à primeira questão, ou seja, a do primado do interesse nacional nas relações externas, é tímido, omisso

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mesmo, porque a concepção subjacente é a de que, ao fim e ao cabo, os interesses das organizações internacionais, em que Portugal está integrado, consomem o interesse nacional. É uma tese muito discutível!
Quanto à capacidade, autónoma de defesa, na lógica e na decorrência desta premissa, é evidente que ela é subestimada, porque o que é relevante para o Governo é a capacidade de integração especializada das Forças Armadas portuguesas dentro de forças multinacionais, acorrendo às missões que essas mesmas forcas exercem no quadro das organizações que Portugal integra.
Creio que este posicionamento que o Governo assume, por exemplo em relação ao documento que apresentámos, é radicalmente diferente ou muito diferente, oposto mesmo, em relação aos outros documentos. Este é um tema que poderia ter merecido uma reflexão da pane do Sr. Ministro, o que não aconteceu, mas eu, na minha intervenção, fá-la-ei.
A pergunta que pretendia colocar ao Sr. Ministro refere-se a uma outra questão que, essa sim, V. Ex.ª abordou com alguma profundidade, que é a questão metodológica, mas com uma premissa que é totalmente errada. O Sr. Ministro disse que era necessário fazer as coisas que decorrem do conceito estratégico de defesa nacional mesmo antes de alterar o referido conceito.
Sr. Ministro, a questão de fundo é esta: qual é a coerência, a lógica e a estratégia global do Estado que está contida nessas, medidas avulsas que V. Ex.ª foi tomando ao longo deste tempo... .

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que termine.

O Orador: - Sr. Presidente, termino já. Peço desculpa porque estava mesmo distraído em relação ao tempo.
Repito, qual é a coerência, a lógica e a estratégia global do Estado que está contida nessas medidas avulsas que V. Ex.ª foi tomando ao longo deste tempo que configuram, na prática, um outro conceito estratégico de defesa nacional, que não aquele que estava em vigor? Isso representa ou não uma subversão -e peço desculpa do seu peso, mas é a palavra justa - do procedimento metodológico imposto pela Constituição e pela lei?

Vocês do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais quero agradecer aos Srs. Deputados as questões que me colocaram.
Sr. Deputado José Lello, não vim aqui fazer uma homilia mas uma intervenção séria e com clareza de intenções, à espera dos contributos que os Srs. Deputados, incluindo o de V. Ex.ª, que se interessa por estas matérias, possam dar para o enriquecimento do texto apresentado pelo Governo.
Naturalmente, tenho em consideração que foram apresentados outros dois textos, um pela bancada do PCP e outro pela bancada do PS, mas era minha obrigação apresentar e defender o documento que foi elaborado pelo Governo e não fazer comentários, primorosos ou desprimorosos, aos documentos que os Srs. Deputados, através dos respectivos grupos parlamentares, apresentaram à Assembleia da República.
Sr. Deputado José Lello, com o devido respeito, acho que V. Ex.ª, se calhar, ainda não percebeu o que são grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional, porque vir-me perguntar o que é que penso da SOPONATA...

O Sr. José Lello (PS): - Não tem nada a ver com isso!

O Orador: -... ou o que é que penso da agricultura, penso que é deslocado neste debate.
Sr. Deputado, a breve prazo irá, seguramente, ter oportunidade de, num ambiente mais propício, através da discussão das Grandes Opções do Plano ou do Plano de Desenvolvimento Regional, falar dessas matérias.
Se o Sr. Deputado lesse com cuidado o documento que lhe foi remetido, teria visto que há preocupações com reservas estratégicas, que há uma definição de riscos e de vulnerabilidade e que se definem medidas e linhas de orientação estratégica no plano político interno e no plano económico e social. Está lá tudo, porque estamos a falar de grandes opções!

O Sr. José Lello (PS): - Isso!

O Orador: - Sr. Deputado, não estamos a elaborar um programa eleitoral, coisa com que V. Ex.ª talvez esteja preocupado,...

O Sr. José Lello (PS): - Não, não! O Sr. Ministro é que não se preocupa!

O Orador: -... nem um programa de Governo; estamos a fazer as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional.
Quanto à questão do contingente militar para a Bósnia, quero dizer-lhe que Portugal não tem qualquer compromisso, nem tem neste momento dados disponíveis para enviar qualquer contingente militar para a Bósnia.

O Sr. José Lello (PS): - Então, por que é que me está a responder a isso?!

O Orador: - Sr. Deputado João Amaral, as nossas opções em termos de política externa estão definidas, são conhecidas desta Câmara, foram objecto de discussões aqui, no Plenário, e em sede de comissão, constam do Programa do Governo e de outros documentos, portanto as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional não podem ser um repositório daquilo que já é conhecido de toda a gente.
As nassas grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional em termos globais, vistos numa perspectiva de defesa, como orientações para as grandes linhas de acção estratégica, constam do plano de política externa. Naturalmente que se estamos a falar de defesa, temos de falar da NATO, da UEO, da CSCE e não podemos falar de outras coisas.
Mas ao longo do texto, se for lido com cuidado, percebe-se perfeitamente que Portugal defende, por um lado, o euro-atlantismo e, por outro, a integração na Europa e não prescinde de se afirmar autonomamente no seu próprio Estado.

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Por isso a referência a ligações privilegiadas com outras zonas do mundo onde Portugal, por virtude da sua história, tem particular peso, é uma afirmação constante no documento, bem como a referência explícita às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, como uma longa manus da portugalidade e da lusofonia. Por conseguinte, não me parece que aquilo que estava implícito na sua questão tenha pleno cabimento.
Sr. Deputado, o documento também afirma a capacidade militar com meios próprios. Mas hoje, Sr. Deputado, como toda a gente sabe, nem as maiores potências do mundo são auto-suficientes em matéria de defesa, nem as grandes potências do mundo pensam que, por si sós, vêem garantida a sua segurança; por isso a disseminação, a multiplicação de novas organizações em que os Estados procuram encontrar esquemas de segurança colectivos, o que também é referido, explicitamente e a cada passo, no documento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão metodológica, vou voltar a repetir aquilo que já afirmei por diversas vezes: o conceito estratégico de defesa nacional é um documento seguramente importante. Aquilo que eu disse hoje foi que não faria sentido que Portugal revisse o seu conceito estratégico de defesa nacional sem que estivesse sedimentada, sem que estivesse assente a areia levantada pelo turbilhão que foi a queda do muro de Berlim. Portanto, enquanto não houvesse um reequilibro mundial, cuja expressão máxima aconteceu na Cimeira de Roma e depois na Carta de Paris, com a formação da CSCE, seria ridículo e absurdo que um país da dimensão de Portugal definisse o seu próprio conceito estratégico de defesa nacional, porque as pedras do xadrez global do mundo inteiro ainda estavam a ser mexidas.
O que fizemos foi tentar influenciar positivamente nesses ora, de acordo com os nossos interesses, os conceitos estratégicos e as opções que se fizeram. Influenciámos como pudemos, com as nossas forcas, as soluções que foram encontradas.
Portanto, seria estulto anteciparmos e ficarmos mais uma vez à espera que tivéssemos um arquétipo perfeito, um arquétipo ideal. Seguramente que ainda hoje estaríamos nestas condições, a discutir, porventura, já o conceito estratégico militar, mas não teríamos conseguido, por exemplo, enviar para Moçambique um batalhão de transmissões, porque não teríamos conseguido introduzir reformas estruturais nas Forças Armadas que permitissem a afirmação externa do Estado Português, tendo como instrumento as Forças Armadas portuguesas, que são o símbolo da Nação e estão ao serviço do País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional, a sua intervenção tem, talvez, duas ilações imediatas.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª começou precisamente por sintonizar toda a problemática relacionada com os tempos: as datas em que foram aprovados diversos conceitos e, no fundo, a necessidade de justificação do atraso em relação à apresentação das grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional. Aliás, a primeira parte da sua intervenção é, acima de tudo, uma justificação correcta, obviamente, do atraso em relação a esta matéria.
Um outro comentário que gostaria de fazer, relativamente às respostas que já começou a dar, tem a ver com a maneira como as questões são abordadas. O Sr. Ministro não respondeu correctamente às questões colocadas pela minha bancada. A política de defesa nacional tem a ver com a componente permanente, com a globalidade da sua concepção e também com a interministerialiade da sua acção. Ou seja, as questões colocadas pela minha bancada tem a ver com uma concepção aberta e global em termos daquilo que é a prossecução das políticas de defesa nacional. Consequentemente, o Sr. Ministro, ao não responder, mostra que tem ainda uma concepção fechada e limita daquilo que deve ser a abordagem da política de defesa nacional.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - Porém, não é essa a questão que gostaria de colocar. O que quero dizer é que a justificação que V. Ex.ª deu, no início da intervenção, tem a ver com os tempos do Governo, mas não com os tempos da realidade. Através da sua acção, o Sr. Ministro fez alterações significativas e de tomo nas componentes essenciais da definição da política de defesa: o sistema de: forças, a alteração do serviço militar e até a própria programação militar. Ora, matérias deste teor são de profundidade mais do que suficientes para justificar que, a montante, tivesse havido uma análise e um debate mais profundo sobre as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional.
Não podemos colocarmo-nos aqui numa posição subalterna em relação ao que é aprovado, em termos de conceitos, noutras instâncias internacionais. Há a concepção interna e própria do País que somos. Defendemos a soberania nacional, a independência e, obviamente, essas são completamente diferenciadas em relação à nossa participação nas diversas instâncias internacionais.
As alterações que foram feitas, sem ter havido uma opção e um debate prévio, relativamente às linhas fundamentais da coerência da política de defesa nacional, estão erradas e a justificação dada pelo Sr. Ministro está de acordo, precisamente, com este aspecto errado. Aliás, a questão da falta de debate sobre questões importantes da política de defesa nacional está relacionada não só com os aspectos que acabei de referir mas também com os que tem a ver com a questão da responsabilidade do seu sector político em termos da defesa nacional, na prossecução da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, com documentos tão importantes, que ainda estão para sair, como, por exemplo, a questão da justiça militar-estamos à espera, há anos e anos, que todo o código e toda a legislação sobre essa matéria saia. De facto, não encontramos respostas para isso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, a sua intervenção é uma demonstração da pontualidade das suas acções, mas não tem uma concepção global de política coerente de defesa nacional.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a 4 palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional, em nossa opinião, o documento que apresenta à Assembleia da República e que se intitula as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional revela, naturalmente, o entendimento do governo do PSD sobre esta matéria, mas não poderia ser o mesmo do Partido Ecologista os Verdes.
A ideia de apresentar novas grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional deixam-nos uma preocupação, isto é, no essencial, não há nada de novo...

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Claro! É isso mesmo! Diga isso ao PS!

O Orador: -... naquilo que foram as grandes linhas de estratégia, seguida pelos governos do PSD, relativamente a esta matéria, apesar de reconhecerem no mesmo texto que houve grandes alterações em termos internacionais nas componentes geoestratégicas. Reconhecem este aspecto, mas mantêm como áreas estratégicas de intervenção o reforço da vertente Atlântica - a NATO -, a revitalização da UEO como componente europeia da NATO e a manutenção, e até o reforço, do cumprimento dos compromissos já anteriormente assumidos.
Sr. Ministro, em grande parte do texto afirma-se que houve alterações significativas a considerar na componente geoestratégica internacional; no entanto, as opções, em termos estratégicos, mantêm-se. De facto, aqui nada há de novo!
Aparecem, porém, alguns conceitos novos, que gostaríamos que nos esclarecesse, porque talvez aí possamos encontrar perspectivas novas de actuação na política de defesa nacional. São vários, mas referia apenas dois: o conceito de espaço estratégico de interesse nacional - e era bom que o Sr. Ministro nos explicasse como é que o define, como é que delimita este espaço estratégico de defesa nacional - e o conceito de vontade colectiva de defesa, este certamente muito mais complexo e muitas vezes repetido, e daí atribuirmos-lhe importância.
A propósito do conceito de vontade colectiva de defesa...

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, a propósito do conceito de vontade colectiva de defesa, perguntamos ao Sr. Ministro até que ponto é que se enquadra neste conceito a qualidade da instrução militar. Como sabe, essa é uma preocupação de quem está atento ao que se passa neste país relativamente às condições e à qualidade da instrução militar. As mortes sucedem-se e, naturalmente, o País está preocupado.
Embora estas questões sejam consideradas como actos pontuais, não deixam de preocupar os Portugueses relativamente ao que vai acontecer.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Renovo os agradecimentos aos Srs. Deputados que agora formularam questões.
O Sr. Deputado Miranda Calha referiu-se ao que eu chamaria a vexata quaestio: os senhores insistem que devíamos ter feito, em primeiro lugar, a revisão do conceito estratégico de defesa nacional e eu insisto que não era necessário. Os Portugueses julgar-me-ão!

Risos do PS.

Com efeito, para dirimir esse conflito apenas poderemos recorrer à arbitragem do eleitorado e dos observadores externos.
Em todo o caso, deixe-me que lhe diga o seguinte: em primeiro lugar, afirmei na minha intervenção que nenhum país europeu reviu o seu conceito estratégico, apesar de todas as transformações ocorridas e de, entretanto, terem produzido alterações profundíssimas, nalguns casos muito mais profundas do que aquelas que nós próprios realizámos em termos redução de forças, de equipamentos ou de sistemas, mesmo ao nível de medidas estruturantes dentro da organização das Forcas Armadas. Alguma razão há-de haver!

O Sr. Pedro Campilho (PSD): -Com certeza!

O Orador: - Em segundo lugar, daria validade aos seus argumentos se V. Ex.ª e o seu partido tivessem tido a capacidade de dizer, por exemplo, perante o documento que apresentaram em 1990 e em 1991 -que vem sendo sempre o mesmo-, quais as opções que estão vertidas no sistema de forcas que não cabem no vosso conceito.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Exacto!

O Orador: - Quais são elas? O que é que joga incoerentemente com o vosso documento?
Se me fizerem essa demonstração, aceito voltar a discutir esta matéria, mas enquanto não o fizerem, não posso! Já dei resposta ao que tinha que dar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, quanto aos tempos de Governo, apenas direi que são os tempos de Governo!
Mas deixe-me referir outra incoerência da sua parte: o Sr. Deputado, por um lado, diz que fiz muita coisa mas, por outro, que falta fazer muito mais. Bom, nesse caso já não se importa que falte o conceito estratégico de defesa nacional, pelos vistos!
É certo que os senhores têm de dizer algo, têm de ter uma postura crítica, o que agradecemos. Aliás, deixe-me que refira que a postura crítica é construtiva em matéria de defesa nacional, em particular por parte do Partido Socialista mas também por parte de todos os partidos representados nesta Câmara. Compreendo que tenham de ter um discurso diferente do Governo.
Mas, já agora, vejamos o que diz o documento do Partido Socialista, com o título «Grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional». Ao lermos o ponto I, quais são as grandes opções que o Partido Socialista adianta? Limita-se a reproduzir no corpo do n º 1 o artigo 273.º da Constituição da República.

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O Sr. José Lello (PS): - Isso é mau?!

O Orador: - Não é mau, mas estamos a falar das grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional que os senhores apresentam!
O segundo parágrafo do n.º 1 contém a reprodução do artigo 4.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ao menos, essa novidade deveria ter sido assumida, com satisfação, pelo Sr. Deputado!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não traz nada de novo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas continuemos: nas alíneas a), b) e c) encontramos a reprodução do artigo 6.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, sem tirar nem pôr!

O Sr. José Lello (PS): - E o que é que isso tem de mal?!

O Orador: - O Sr. Deputado está incomodado porque sabe que vou continuar a ler muitos artigos.
Segue-se o carácter nacional da política de defesa - e já vamos em duas páginas -, cujas alíneas a), b), c), d), e) e f) repetem o artigo 8.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Por sua vez, o ponto II do documento do Partido Socialista é a reprodução do artigo 9.º da Constituição da República e o ponto III a reprodução do artigo 7.º da Lei' de Defesa Nacional e das Forcas Armadas, correspondendo o vosso primeiro parágrafo do n º 2 ao n.º l do artigo 7.º e o último parágrafo do mesmo número ao n.º 5 do mesmo artigo. E já vamos em quatro páginas!
Acontece, Sr. Deputado, que já tenho em casa e no meu gabinete a Constituição e a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - São estas as grandes opções que os senhores apresentam? Mas estes são os objectivos permanentes de defesa nacional, que já estão vertidos e consagrados e que permitiram ao Governo ir desenvolvendo trabalho.
O Sr. Deputado André Martins diz que não há nada de novo no nosso documento. Contudo, Sr. Deputado, há algo de novo, designadamente a assunção clara e inequívoca de que a organização das Forcas Armadas deve ter em conta que, num país desenvolvido e integrado na Europa, as Forças Armadas devem funcionar como um instrumento da política externa do Estado. Ora, esta visão é nova porque em 1985 não havia ambiência nem espírito que consentisse uma afirmação e assunção tão clara deste objectivo nacional.
Quanto aos conceitos de vontade colectiva de defesa e de espaço estratégico de interesse nacional, o Sr. Deputado perdoar-me-á, mas penso que estes são conceitos comuns e que todos os Srs. Deputados têm obrigação de saber o que significam. Demoraria muito tempo a desenvolvê-los agora e, além do mais, estou certo de que o Sr. Deputado os conhece.
Mas, voltando ao primeiro aspecto, dizia o Sr. Deputado que não há nada de novo. Devo dizer que, quando o Sr. Deputado usou da palavra - e, com certeza, leu o texto -, julguei que iria expressar a sua satisfação porque pela primeira vez, nas grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional, aparecem referências explícitas ao ambiente e à sua defesa.

O Orador: - Ficamos, pois, a saber que em Portugal uma das grandes opções em termos estratégicos de defesa nacional é a preservação do ambiente, com o que V. Ex.ª, com certeza, se congratulará.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama. '

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa: Os meus cumprimentos por ver V. Ex.ª nesta Câmara e de conseguir, com este debate, retirá-lo da sua preocupada e constante agenda partidária.

Aplausos do PS.

Vamos procurar não ter a obsessão de dizer coisas diferentes do Governo para não imitar V. Ex.ª na obsessão de dizer coisas iguais às da oposição e, por isso, vamos apresentar uma análise do conceito que V. Ex.ª trouxe a este debate.
Em primeiro lugar, há um problema que tem a ver com o mérito da doutrina genérica que subjaz à abordagem do tema «Grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional». É que, em regra, ele é assumido numa dimensão ultra-abstracta, onde o domínio da filosofia da história - que é sempre um terreno, por excelência, escorregadio- se tem sobreposto à necessidade de um quadro conceptual dinâmico ajustável e, sobretudo, concretizável. Passar do abstracto para o concreto é também imperativo em matéria de defesa nacional.
Em segundo lugar, este conceito chega aqui com um inqualificável atraso: o conceito estratégico de 1965 -já lá vai uma década- manteve-se até hoje quando, contrariamente àquilo que suporta o Governo, se justificava que tivesse mudado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo obstruiu o ajustamento do conceito estratégico de defesa nacional por uma razão de ciúme político em relação ao Partido Socialista...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -... e de capricho do actual titular da pasta.
Desde 1990, o PS e outras formações políticas têm chamado a atenção para a necessidade de rever esta matéria. Aliás, ainda na anterior sessão legislativa o PSD impediu o agendamento deste tema, com base numa interpretaçâo regimental extremamente duvidosa.

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Com efeito, desde 1985 ocorreram factos significativos e que justificavam a mudança: a adesão às Comunidades Europeias, a aprovação do Acto Único Europeu, a adesão à União Europeia Ocidental, a aprovação da Carta de Paris pela Conferencia de Segurança e Cooperação Europeia, a revisão do conceito estratégico da Aliança Atlântica em função do fim do Pacto de Varsóvia.
Verificou-se, igualmente, a actualização das doutrinas estratégicas de outros aliados. O Sr. Ministro ignora-o, mas a verdade é que países como os Estados Unidos, o Canadá, a Espanha, a França, a Bélgica, a Holanda ou a Inglaterra procederam ao ajustamento dos seus grandes conceitos e directivas estratégicas.
O próprio Tratado de Maastricht trouxe importantes consequências na área da política externa e de segurança comum e da definição, a prazo, de uma política de defesa e de uma defesa comuns. O incremento do papel das Nações Unidas na resolução dos grandes conflitos e tensões internacionais também constitui um factor importante.
O Governo - e V. Ex.ª, Sr. Ministro - bloqueou a mudança do conceito estratégico de defesa nacional mas modificou, sem qualquer discussão pública, os conceitos que dele derivam - sistema de forcas e dispositivo militar -, que foram alterados sem a menor articulação doutrinal com as grandes opções estratégicas do País.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): -Muito bem!

O Orador: - À luz dos argumentos que V. Ex.ª hoje aqui trouxe, Sr. Ministro, invocando o adequamento ao final de um calendário conduzido por outros, para justificar o imobilismo quanto ao conceito estratégico de defesa nacional, então esse mesmo argumento também devia ter inibido V. Ex.ª de proceder a qualquer outra das modificações que realizou e empreendeu e que agora vem aqui apresentar como o grande pretexto do reformismo da sua política.

Aplausos do PS.

Aliás, se o argumento de V. Ex.ª, de que o conceito se não devia mudar numa situação de grande instabilidade, é curial-pois até podemos admitir que isso se passou entre 1989 e 1990-1991 -, ele não é, de todo em todo, curial para justificar o imobilismo entre 1985 e 1989 e a inércia total de 1991 para cá!
V. Ex.ª foi o último governante de um país ocidental a actualizar o seu conceito estratégico de defesa nacional, e vem agora aqui, à Assembleia da República, argumentar como os pais daquele recruta que, no juramento de bandeira, ia com o passo trocado e que comentavam para a família, dizendo: «Vejam, o nosso filho marcha tão bem. Olhem como todos os outros vão com o passo trocado!»

Risos do PS.

V. Ex.ª veio hoje aqui fazer o elogio ao mérito do atraso, mas veio prestar, a si próprio, um atestado muito evidente de falta de capacidade para* manejar com agilidade esta temática.

Aplausos do PS.

Na verdade, o que se passou foi que o Governo quis ser completamente passivo em relação às opções tomadas pelas organizações internacionais, teve receio de assumir uma doutrina própria, sobre os problemas e a evolução da situação internacional e de argumentar nas próprias organizações internacionais com a posição portuguesa sobre a evolução da situação internacional e sobre os conceitos que mais convinha a Portugal que as organizações internacionais viessem a adoptar perante as conjunturas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, com o governo de V. Ex.ª viveu--se, entretanto, um ano e meio sem Lei de Programação Militar. Grande parte da legislação prevista pela Lei de Defesa Nacional de 1982 está por elaborar há 11 anos.
O seu governo anunciou que ia rever os acordos bilaterais de defesa com os EUA, a França e a Alemanha, no sentido de consignar inequivocamente na letra de novos tratados montantes de contrapartidas firmes e vinculativos. O Governo parece já ter desistido das contrapartidas e até ainda nem sequer foi capaz de conseguir os acordos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O actual projecto que V. Ex.ª aqui traz merece ser comparado com o documento que ele visa reformar e actualizar. Vejamos então o que é eliminado em relação ao documento de 1985:

Primeiro, a avaliação estratégica do território nacional em termos de espaço interterritorial;
Segundo, a função dissuasora da defesa nacional em termos de capacidade autónoma;
Terceiro, a definição do modelo do sistema de forças para Portugal, com o balanceamento apropriado das componentes terrestre, aérea e naval;
Quarto, a referência à composição das Forças Armadas, nomeadamente quanto às obrigações de defesa por parte dos cidadãos e ao serviço militar,
Quinto, a alusão à dignificação da carreira militar e da função dos militares na sociedade portuguesa.
Se alguma vez um governo do PS apresentasse ao País uma «poda» desta natureza em matéria de conceito estratégico de defesa nacional o que não diriam VV. Ex.ªs!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pois bem, peço ao Sr. Ministro da Defesa que medite a consequência política nacional destas eliminações.

Aplausos do PS.

Gostava também de chamar a atenção do Governo para as insuficiências notórias desta proposta governamental. Espero que o Sr. Ministro e os seus mais directos colaboradores não levem a mal estas observações e que o simples facto de o PS as proferir não contribua para o fixismo do texto existente, na base da política do capricho quanto à imutabilidade das propostas.
Assim, o texto do Governo é omisso quanto ao primado do nacional na definição dos objectivos de defesa, nomeadamente no que respeita à participação em organizações multilaterais, sobretudo em casos cujos contornos não estão clarificados, como é o que vai passar-se em matéria de segurança comum, política de defesa comum,

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dispositivos previstos, ainda de forma embrionária, pelo Tratado de Maastricht, cuja versão precipitada, numa interpretação muito superficial, este documento se comprometi de uma forma irreversível.
Como, temos a indefinição quanto à caracterização de novos riscos e ameaças e quanto à qualidade acrescida das informações necessárias para com eles lidar e ainda no que respeita aos requisitos do respectivo tratamento e análise.
É notória a ausência de uma teoria enquadradora das relações bilaterais de defesa, nomeadamente na área confinante, bem como dos novos critérios reguladores da concessão de «facilidades» em infra-estruturas portuguesas, à luz daquilo que é a evolução dos países aliados nesse domínio.
Há também a inexistência de uma dimensão de segurança quanto ao necessário acompanhamento político-diplomático das tensões, crises e conflitos internacionais.
É evidente uma carência de articulação com os projectos de modernização das políticas de defesa e forças armadas aliadas, tendo em vista possíveis aplicações em zonas «fora de área» sob controle de organizações internacionais de segurança colectiva (como a ONU e a CSCE).
Há ainda a notar a abdicação em relação à participação no diagnóstico de zona (por intermédio de observação a partir de satélite) ou relativamente ao acompanhamento de programas espaciais.
Aliás, isto resulta de uma contradição essencial da política de defesa do actual Governo.
Por um lado, o output operacional continua a ser escasso, devido à ausência de programas modernizadores, por se basear - caso único no mundo - num serviço militar obrigatório de quatro meses sem qualquer valor militar efectivo e por o Governo, em consequência, ter de privilegiar sempre uma política de não emprego sistemático das Forças Armadas face às solicitações da comunidade internacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esse recurso ao não emprego é a consequência da ineficácia a que V. Ex.ª, Sr Ministro, tem votado o output operacional das Forças Armadas.

Aplausos do PS.

Por outro lado - e esta é a segunda vertente da contradição -, as poupanças orçamentais não se concretizam neste sector a um nível aceitável. A lógica é sempre a de adicionar o novo ao antigo, sem renovar o conjunto numa óptica de contracção e eliminação do obsoleto ou do supérfluo.
O Ministério da Defesa Nacional exige, na verdade, uma «dedicação exclusiva» e é isso que não tem acontecido.
Em todos os países se discute defesa nacional com base em programas concretizados que sintetizam as opções governamentais com clareza. Em Portugal continuamos a discutir papéis genéricos (como as grandes opções do conceito estatégico de defesa nacional) ou catálogos de compras (como a Lei de Programação Militar), mas nunca chegamos a saber qual é a verdadeira política. Os governos também não!

Aplausos do PS.

Aliás, há países da Europa Central e de Leste que vão modernizar mais rapidamente as suas políticas de defesa e militares e a respectiva «transparência internacional» do que Portugal, que há duas décadas se encontra a braços com esta problemática sem a resolver de uma forma cabal.
Para concluir, queria também apresentai o que consideramos alguns perigos notórios do texto apresentado pelo Governo.
Primeiro, a falta de referência a uma filosofia democrática quanto à inserção das Forças Armadas no Estado e ao delineamento da política de defesa nacional.

Aplausos do PS.

Isso estava mais claro no conceito de 1985 que no documento actual.
Segundo, a perspectiva de instrumentalização da comunicação social e do ensino na difusão de uma doutrina «oficial» inquestionável, susceptível de ser expandida e colocada através de uma rede privilegiada de repetidores com acesso.
Terceiro, a recusa sistemática em fundamentar o pensamento estratégico e o pensamento sobre a defesa nacional na diversidade de opiniões e propostas. Este é um domínio onde é a liberdade, o espírito crítico, o sentido alternativo de apresentação de temas que robustece a consciência nacional de defesa e não a imposição, o cliché, a superficialidade ou o dogma.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em quarto e último lugar, a possibilidade de extravasamento das missões das Forças Armadas para áreas que não são da competência constitucional normal, com referência a um programa legislativo implícito que, a avaliar pelo que o Governo propôs em matéria de segredo de Estado, ou de mobilização de cidadãos, bens e empresas, não é nada tranquilizador para o País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O orador: - Estas são as observações do PS a este documento, mas que elas não inibam o Governo de uma necessária reflexão sobre: o seu conteúdo e que tenha a coragem de assumir a totalidade deste debate e de rever o documento em função da discussão aqui tida. É que, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, nós recusamo-nos a intervir neste processo com o mero papel de uma Câmara de chancela, porque somos a consciência viva e crítica da opinião pública e reclamamos que o Governo, em relação ao seu texto inicial, introduza as alterações que a qualidade deste debate justifica.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, ouvi atentamente a sua intervenção e há nela dois aspectos que não posso deixar passar em claro.

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* Um deles é questionar a legitimidade de V. Ex.º para vir aqui referir a falta de valia militar de um serviço militar de quatro meses, quando V. Ex.º, muito recentemente, praticamente ao mesmo tempo que essa medida foi anunciada, propôs aqui um serviço militar de três meses. Como sabemos que V. Ex.º não tem a memória curta, terá hoje largo arrependimento dessa tentativa e certamente recolherá alguns louros de uma medida que se tomava imperativa por um certo número de circunstâncias que todos conhecemos.

A segunda questão tem a ver com o facto de V. Ex.º tentar partir da circunstância dos tais quatro meses e da, no seu entender, falta de valia militar para concluir que ficam impedidas a projecção ou a utilização operacional das Forças Armadas portuguesas em missões internacionais. Como V. Ex.º sabe, hoje em todos os países esse tipo de missões estão a ser levadas a cabo, quase exclusivamente, por militares voluntários ou profissionais. V. Ex.º sabe isso muito bem e sabe que se eventualmente tivermos que cumprir esse tipo de missões serão, essencialmente, esses militares que as cumprirão.

Assim, como é que V. Ex.º, conhecedor como é destes assuntos, projecta ou pelo menos coliga a questão dos quatro meses do serviço militar efectivo com o desempenho de missões no exterior?

Gostaria que respondesse a essas questões.

O Sr. Presidente: — Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, o nosso modelo de serviço militar era muito diferente e assentava num escalonamento diferente. Aliás, o Governo, por virtude do fracasso total do seu modelo, foi obrigado a alterá-lo, pois, como V. Ex.º sabe, a lógica dos quatro meses não é prevalecente. A verdade é que qualquer pessoa conhecedora destas matérias r— e V. Ex.º é— sabe perfeitamente que um sistema de serviço militar de quatro meses é uma verdadeira anedota em termos estruturais, orgânicos e operacionais e não é por acaso que esse sistema não existe em qualquer parte do mundo. Todavia, essa é uma-das nossas originalidades e veremos se esse sistema é suficiente.

Aliás, em minha opinião, mais vale repensar o problema e ir para um sistema baseado no serviço militar profissional e voluntário, porque o serviço militar obrigatório de quatro meses é uma verdadeira palhaçada, é transformar as unidades militares numa creche totalmente ridícula e fazer com que as Forcas Armadas sejam constituídas por elementos que não tem o menor valor em termos de emprego militar. É por isso que sempre que o Governo quer empregar forças militares no exterior, diz que não pode. O sistema é totalmente absurdo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: Este debate sobre as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional (CEDN) não é conclusivo, não

termina com nenhuma resolução ou votação da Assembleia da República. A competência para aprovação do CEDN é atribuída pela Lei de Defesa Nacional ao Governo, reservando para a Assembleia da República este papel de realizar um debate prévio, e só um debate, sobre as grandes opções deste conceito estratégico.

Mas creio que se devia discutir se esta é a formulação adequada, se o papel da Assembleia da República não deveria ser maior e qualitativamente diferente. A Assembleia da República aprova, por lei, as grandes opções dos planos de natureza económica e social, quer de médio prazo quer anuais, com as orientações sectoriais e regionais. A Assembleia da República deveria também aprovar, por lei, as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional e diria mesmo que, por maioria de razão, já que elas conformam a estratégia global do Estado para a consecução dos objectivos permanentes da defesa nacional, tal como os define a Constituição e a Lei de Defesa Nacional. Esta estratégia global do Estado envolve o todo nacional, o conjunto dos órgãos de soberania, a administração directa e indirecta do Estado, incluindo as Forcas Armadas, envolve também as empresas e sobretudo os cidadãos. Deveria ser, por tudo isso, a Assembleia da República a intervir com carácter decisório.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): —Muito bem!

O Orador: — No quadro legislativo actual, espera-se que o Governo, na adopção do conceito estratégico de defesa nacional, tenha em atenção o que é dito pelos partidos políticos. O PCP contribui para este debate não só através desta intervenção. O PCP apresentou aqui na Assembleia da República há menos de um ano um texto de grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional, texto que no essencial se mantém actualizado e que por isso é o nosso ponto de referência essencial, a nossa principal contribuição para a elaboração do CEDN.

Assim, quero, com esta intervenção, chamar a atenção só para alguns dos aspectos mais significativos. Abordarei a questão metodológica, as questões essenciais do processo e do debate, as divergências de fundo. Também direi alguma coisa sobre o ambiente estratégico e enunciarei sumariamente as grandes opções do conceito estratégico tal como o PCP as vê e propõe.

A questão metodológica tornou-se uma questão essencial deste debate. O PCP acusa o Governo de ter praticado nesta área a política do facto consumado, pondo em execução profundas alterações, particularmente nas Forças Armadas, sem previamente ter procedido à revisão dos conceitos, designadamente do conceito estratégico de defesa nacional. Como à frente demonstrarei, o Governo pôs em execução uma alteração qualitativa da política militar do Estado sem ter mandato para isso, em violação da Constituição, sem respeito pelos interesses próprios da estratégia global do Estado, sem capacidade ou sem «desejo para discutir nos órgãos próprios a revisão dos conceitos que há muito se impunha.

É preciso recordar que o CEDN precede logicamente os desenvolvimentos concretos das políticas sectoriais de defesa nacional. Por exemplo, na área militar, o CEDN precede a aprovação do conceito estratégico militar e o conceito de acção militar. Depois disso, e só depois disso, é que deveriam ser aprovadas as missões das Forças

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Armadas, o sistema de forças, o dispositivo, e, ainda na mesma sequência lógica, a Lei de Programação Militar relativa ai investimentos em infra-estruturas e equipamentos, bem e novas leis sobre serviço militar e outras relativas à componente pessoal das Forças Armadas.
Este debate, por isso, aparece aqui tarde. O CEDN hoje em vigor foi aprovado em Janeiro de 1985, mas há muito que o PCP alerta para o facto de o actual CEDN estar completamento desactualizado e carecer de revisão profunda - pelo menos desde 1989 que isso é evidente. Mas o debate não só é tardio, é também um debate viciado, porque o Governo, entretanto e sem revisão deste conceito estratégico, aprovou o novo sistema de. forcas, o novo conceito de serviço militar, um novo dispositivo, novas missões para as Forcas Armadas, uma nova orgânica superior das Forcas Armadas e pôs em prática, em boa medida, uma nova programação militar mesmo antes de fazer aprovar aqui a respectiva lei. Umas vezes com objectivos de mera poupança orçamental; outras por eleitoralismo; outras por compromissos internacionais assumidos sem mandato; outras por mera vontade de protagonismo - com estas razões é com outras. A verdade é que, na prática, o Governo pôs «o carro à frente dos bois» e a situação em que estamos é uma situação de subversão metodológica, em violação da Constituição e da lei, do papel reservado à Assembleia da República e dos direitos dos partidos da oposição.
Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, Srs. Deputados: Às diferentes perspectivas sobre o conceito estratégico de defesa nacional estão razoavelmente evidenciadas nos três documentos que se encontram em debate, designadamente do PCP, PS e do Governo. Não tem interesse repetir aqui o que está escrito. Interesse terá evidenciar aqui o que é essencial neste debate e quais são as mais significativas divergências e convergências.
A questão central que percorre este debate é a da relevância dos interesses nacionais no quadro das relações internacionais de defesa e a da necessidade ou não de uma relativa autonomia de capacidade de defesa como uma das formas principais de garantir a prossecução dos objectivos permanentes de defesa nacional.
O PCP entende que o conceito estratégico de defesa nacional deve afirmar com clareza o primado do interesse nacional nas relações externas. Creio que o entendimento do Governo é diferente. Basta ver que para o Governo a afirmação de Portugal no mundo passa em primeiro lugar pela participação em alianças como a OTAN e a UEO e que umas das principais e primeiras acções que se defendem no plano político externo é a «contribuição para a construção da identidade de segurança e defesa da Europa e para a evolução da União Europeia», potenciando «a componente de defesa que se delineia no processo de integração europeia».
Isto esclarece os que têm dúvidas acerca da componente defesa no Tratado de Maastricht.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Muito bem!

O Orador: - A lógica que o Governo defende não é a do primado do interesse nacional nas relações externas. O Governo dilui (e por isso compromete) os interesses nacionais nos interesses das alianças OTAN e UEO e no
aprofundamento da vertente defesa da União Europeia. O Governo não quer afirmar aí a especificidade, a autonomia, a relevância e o primado dos interesses nacionais. Parte da visão simplista (mas capituladora) de que os interesses nacionais se confundem com interesses da OTAN, UEO e União Europeia, de que quando defende os interesses dessas organizações está a prosseguir sempre e em todas as circunstâncias interesses nacionais e de que a única forma de garantir os interesses nacionais é na submissão aos interesses da OTAN, UEO e União Europeia.
O PCP entende que Portugal tem interesses próprios, que deve prosseguir com autonomia e independência. Não é possível elaborar, ou tão-só debater, o conceito estratégico de defesa nacional se não for feita simultaneamente uma referência a situações de fronteira que tem a ver com a autonomia e independência. E dou o exemplo polémico das questões emergentes do nosso actual relacionamento com a Espanha e as acrescidas vulnerabilidades que resultam da penetração do capital espanhol, do alargamento crescente da quota da Espanha no nosso comércio externo e do défice de transacções que vamos acumulando. Não é possível fazer este debate sem analisar a política externa e segurança comum (PESC) que o Tratado de Maastricht propõe, e as consequências do sistema de decisão por maioria, que privilegia a imposição da vontade e interesses das potências europeias que têm votos e poder, em especial Alemanha e França.
Alguns e o Sr. Deputado Ângelo Correia na parte final, para tentar confundir esta questão, vai misturá-la com qualquer vontade de isolamento ou de autarcismo.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Adivinhou!

O Orador: - Mas não é verdade. Não há confusão possível. É evidente que no mundo actual se alargam e aprofundam a interdependência das nações é a integração económica. É evidente que Portugal não está e não pode estar à margem desses movimentos estruturais, porque eles são uma face e uma exigência de progresso. É evidente também que hoje (como ontem!, como sempre!) Portugal, na defesa dos seus interesses próprios, tem de ponderar as suas vulnerabilidades, incluindo as que decorrem do seu posicionamento geoestratégico, e que implicam uma política externa de defesa que garanta segurança e o apoio de outros países e organizações internacionais.
Mas o conceito estratégico de defesa nacional não se elabora para se constatar isso, mas precisamente para reflectir ,e decidir como é que, nesse quadro, a estratégia global do Estado pode garantir os objectivos permanentes de defesa nacional e, desde logo, como é que pode ser assegurado o primado do interesse nacional nas relações externas. O conceito estratégico de defesa nacional não serve para assumir a dependência e teorizai sobre ela mas, pelo contrário, para defender a independência e definir a estratégia do Estado que a garante.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Evidentemente que o lugar geográfico de Portugal é a Europa, com todas as consequências que isso acarreta. Portugal acompanha o movimente» europeu. É do interesse de Portugal o desenvolvimento de uma Europa inteira, de cooperaçâo e progresso, aberta ao mundo, pôs-

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tulando a segurança e a justiça nas relações internacionais, quer no plano político quer no plano económico.
Isto é, Portugal acompanha a Europa, mas não a qualquer preço. Uma Europa de nações soberanas que procura o seu próprio desenvolvimento, seguramente sim. Uma Europa fechada sobre si mesma, amarrada aos interesses de algumas potências, particularmente da Alemanha que, esvaziando a soberania real dos países mais pequenos como Portugal, se comporta como uma superpotência poderosa na cena internacional. Tal Europa não é do interesse nacional. Queremos a Europa, mas não qualquer Europa.
Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: É precisamente neste quadro que a questão da existência ou não de uma capacidade de defesa autónoma tem a sua maior relevância. O PCP entende que Portugal deve garantir uma capacidade de defesa autónoma, que as Forcas Armadas portuguesas devem possuir uma capacidade militar autónoma, credível, dissuadora e que garanta uma capacidade de reforço e intervenção rápida em qualquer área do território nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A prática que o Governo tem seguido é substancialmente diferente. Todo o sistema militar que o Governo tem vindo a construir ao longo dos últimos anos visa no essencial a especialização do produto operacional das Forcas Armadas tendo em vista a sua integração em forcas militares multinacionais, desde logo nas forças de reacção da OTAN. Passa-se isso com a Marinha, com o Exército e com a Força Aérea. Praticamente todas as forças e unidades das Forças Armadas portuguesas tem afectação à OTAN em diferentes graus. Todo este processo representa uma mutação das Forças Armadas operada pelo Governo à revelia da Constituição e da conceptualização da política de defesa nacional que dela decorre.
A missão confiada constitucionalmente às Forcas Armadas é a defesa militar da República. A organização das Forças Armadas, nessa perspectiva de defesa, assenta, precisamente por força da Constituição, no serviço militar obrigatório. É a ligação entre as Forcas Armadas e a Nação. O que o Governo tem vindo a fazer nos últimos anos é subverter este normativo constitucional. Configurando as missões das Forças Armadas no quadro da integração em forças militares multinacionais, o Governo privilegia as Forças Armadas de base profissional (daí a alteração do conceito de serviço militar), pretende um sistema de forças especializado, aligeira o dispositivo nacional que não lhe interessa e organiza a direcção superior das Forças Armadas tendo em conta estes objectivos de integração em forcas multinacionais.
Claro que o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional já o disse, e o Sr. Deputado Ângelo Correia virá dizê-lo outra vez no fim deste debate, virá, com o seu discurso do costume, dizer que Portugal não tem capacidade financeira ou tecnológica para .assegurar sozinho a sua defesa e que hoje nem sequer a única superpotência que existe tem essa capacidade. Só que isto são «portas abertas». Isto é evidente. É evidente que ninguém, e muito menos Portugal, neste quadro comparativo, poderá assegurar a sua defesa sozinho. Só que nesta questão de uma capacidade de defesa autónoma não está contida a ideia, completamente absurda e irrealista, da suficiência nacional da defesa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Porque uma coisa é diferente da outra. Isso não é possível nem ninguém o advoga. Portugal tem de obter apoio das organizações internacionais e dos sistemas de segurança colectiva como a ONU e a CSCE. Portugal precisa de países que assumam a defesa do direito internacional e o encargo de obrigar ao seu cumprimento. É nesse quadro que Portugal precisará, eventualmente, de apoios.
Mas a primeira responsabilidade de defesa e controlo do território nacional e das zonas marítimas e aéreas de interesse estratégico para Portugal, nomeadamente as ligações com os arquipélagos, deve ser assegurada pelas Forças Armadas portuguesas, com a credibilidade e autonomia desejáveis e necessárias. Isto tem o seu conteúdo.
É evidente que é do interesse nacional que Portugal tenha capacidade de articulação com outras forcas armadas - e, repito, não se foge à questão -, nos casos excepcionais, ponderados caso a caso e decididos pelo conjunto dos órgãos de soberania, em que se justifique como imprescindível e requerida a participação de forças portuguesas em forças multinacionais, sob a direcção da ONU. Para isso Portugal tem de ter especializações com a sofisticação necessária e exigida.
Mas nesses casos, por um lado, e quero aqui registá-lo, a participação portuguesa deve ser feita preservando o comando directo das forças, salvaguardando a participação nacional nos estados-maiores conjuntos e concretizando um acompanhamento político-militar permanente e estreito.
Por outro lado, essa participação não pode comprometer o nível essencial do sistema de defesa do território nacional. A defesa nacional não é uma função do Estado que possa ser alienada sem graves consequências para um país como Portugal. Por isso, as Forças Armadas devem ser apoiadas, tendo em vista a sua organização, estruturação e reequipamento, permitindo, em primeira linha a missão nacional de que são incumbidas, com meios próprios e em estreita articulação com o todo nacional.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa, Srs. Deputados: O ambiente estratégico alterou-se, evidentemente, de forma radical nos últimos anos. Mas para os que previam o fim da história ou sonhavam com climas de paz e quietude os tempos que vivemos mostram que, bem ao contrário, se agravam confrontos, emergem nacionalismos, radicalizam-se posições, utilizam-se religiões como armas de hostilização política.
A profunda injustiça da situação económica mundial não se resolve, pelo contrário, agrava-se. O fosso Norte-Sul continua a alargar-se e esse é um conflito central deste final do século. A África está em estado de ruptura e, apesar das derrotas e recuos internos, o regime sul-africano subsiste e continua a contribuir para o processo de desestabilização que tão duramente atinge Angola e Moçambique.
Na bacia do Mediterrâneo, que tão próxima de nós está e que para nós tão importante é, permanece aguda a questão palestiniana, a invasão de Chipre pela Turquia, a crise interna argelina, alimentada pelo fundamentalismo com

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base na Arábia Saudita, a luta pela independência do Sara Ocidental. Mantêm-se; por outro lado, as sequelas da operação de guerra dos EUA contra o Iraque, com* uma situação de tensão sem resolução.
Na Europa, onde estamos, a palavra mais corrente é a crise. Crise na ex-Jugoslávia. E quero aqui salientar, mais uma vez, as gravíssimas culpas que teve a Alemanha no detonar desta situação,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: -... ao impor o reconhecimento internacional da Eslovénia e Croácia e ao armar e financiar as acções militares desenvolvidas a partir destes Estados.

Vozes do PCP e do Deputado do PS Marques Júnior: - Muito bem!

O Orador: - Crise também dos regimes, e o caso da Itália é significativo. Crise de projecto, evidenciada pelas contradições, ambiguidades e recuos de Maastricht e Schengen.
Do lado de lá do Atlântico, no Sul e Centro da América, as perspectivas continuam sombrias (o caso do Peru e o que se passa agora na Guatemala mostram-no bem), enquanto que a América de Clinton arrasta as suas doenças sem lhes ter ainda encontrado solução.
À Oriente, do Cambodja ao Afeganistão, as situações de crise agudizam-se e é preciso ter atenção ao que se passa também na índia, onde o fundamentalismo fascizante hindu é um novo sinal preocupante. Entretanto, novos poderes emergem.
Estamos muito longe de poder ver com suficiente clareza quais serão os contornos do século X».
Mas, a agravar a situação, os sistemas de segurança colectiva sofrem também uma crise evidente. A ONU vem funcionando debaixo da pressão da superpotência que sobrevive ao conflito Leste-Oeste, em regime de monopólio de concentração de poder económico e militar. A composição do Conselho de Segurança e dos seus membros permanentes reflecte uma realidade ultrapassada. Basta ver que nenhum país árabe, africano e do Centro ou Sul da América pertence a essa elite dos países com assento permanente no Conselho de Segurança, de onde estão ausentes colossos como, por exemplo, a índia ou o Brasil.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A CSCE, por seu turno, padece das vícios da instrumentalização a que foi sujeita pela concertação de posições com a OTAN. Esta assume-se hoje com uma clara postura ofensiva e interventora, com uma estrutura militar organizada com forcas de intervenção, a que se chama de reacção rápida, com vários escalões de prontidão. Finalmente, tem de se acentuar que a intervenção out of área é hoje um projecto para ser aplicado, o que é extremamente negativo.
Neste quadro complexo, Portugal deveria definir com clareza uma estratégia global em todas as áreas, designadamente político-diplomática, social, cultural, económica-financeira, no domínio da informação, educação e juventude e junto das comunidades de emigrantes, que tivesse por objectivo a defesa nacional e a consecução dos objectivos permanentes de defesa nacional.
A nossa proposta está contida no documento que apresentámos e que contém os traços mais importantes do que, em cada um desses domínios, consideramos dever ser feito. Refiro só alguns aspectos mais significativos.
Sublinho, na política externa, a importância de procurar espaços próprios, particularmente com os países de língua portuguesa, em toda a zona do Atlântico (refiro expressamente Atlântico Norte e Atlântico Sul), com o mundo árabe (particularmente com o Mediterrâneo). É nas políticas independentes em todas estas áreas que será possível afirmar o papel de Portugal no mundo. Se se procura afirmar esse papel, é aí, é nessas políticas independentes e não na integração em organizações com projecção superior de poder.
Nas organizações internacionais deverá procurar-se o privilegiamento das soluções negociadas para os conflitos, a democraticidade de funcionamento, o respeito pelo direito internacional, com a afirmação clara do princípio de não ingerência, o progressivo e urgente desmantelamento de blocos militares, a desvinculação de aparelhos militares integrados, a oposição a estruturas supranacionais que vinculem Portugal com a força de decisões maioritárias, violando os nossos interesses.

O reforço do poder nacional implica uma concreta política de desenvolvimento a todos os níveis. A coesão nacional obtém-se também com maior justiça social, respeito pelas liberdades e direitos fundamentais, com o desenvolvimento do todo nacional, de cada uma das suas partes, de cada uma das suas regiões.
É fundamental também a política da língua e da cultura portuguesa, projectando-as no mundo, inclusive através dos milhões de portugueses espalhados em todos os continentes.
Atenção fundamental deve ser dada à juventude e ao processo de identificação com a nossa história.
Deve dar-se atenção também à área da ciência, da investigação e do desenvolvimento em todos os domínios. São áreas hoje determinantes para a independência e são hoje as áreas reais de poder!
É fundamental que se dê atenção também ao desenvolvimento da capacidade industrial e agrícola, à formação de reservas estratégicas (tão esquecidas), ao desenvolvimento da indústria nacional de defesa.
Estes são apenas alguns afloramentos da estratégia global do Estado, tal como é configurada nas grandes opções do CEND, que o PCP entregou na Mesa e apresentou. Para o PCP essa estratégia - e com isto concluiria - tem cinco traços fundamentais.
Primeiro, deve ser uma estratégia de matriz nacional, que privilegie os interesses nacionais e os meios nacionais de os prosseguir.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Segundo, deve ser uma estratégia de coesão e solidariedade, que privilegie o fortalecimento da vontade popular por uma maior justiça social e um maior empenhamento cultural.
Terceiro, deve ser uma estratégia de progresso, que privilegie a afirmação de Portugal no mundo, como uma

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nação em processo de desenvolvimento económico, com uma voz própria nos grandes processos estruturais.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quarto, deve ser uma estratégia de amizade, paz e cooperação, que privilegie a solução negociada de conflitos, o diálogo, a acção nas instâncias internacionais, o respeito pelo direito internacional.
Portugal deve aparecer aos olhos do mundo como uma nação empenhada em defender, de forma coesa e eficaz, a sua soberania e independência nacionais, perante qualquer ameaça e agressão externas.
Por isso, e este é o quinto traço, a estratégia do Estado é uma estratégia de participação de todo o povo, uma estratégia democrática que empenhe todos os portugueses na defesa de Portugal.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Desde 1989, fim convencional da guerra fria, tal como acentuam todos os documentos produzidos e relacionados com o actual debate, foi considerável a mudança da estrutura da comunidade internacional e radical a desactualização da correspondente ordem normativa e política que vigorou por cerca de meio século. Pelo que toca à primeira, a resposta ainda não pode ultrapassar os planos de contingência, que umas vezes funcionam,, como aconteceu no Iraque, e outras vezes não conseguem vencer as dificuldades, como está a acontecer na Jugoslávia.
Esta questão exige uma atitude de humildade porque os conceitos culturais, a partir dos quais examinamos tais problemas, costumam modificar-se a uma velocidade de tempo social demorado, enquanto que os factos políticos, aos quais tentamos fazer face, sucedem-se num tempo social acelerado.
Este desencontro tem expressão nesta querela central que domina o tema de hoje e que é, em geral, indicado ou formulado como a crise do Estado nacional, primeiro ponto importante para conseguir ter alguma ideia sobre o que pode ser a integração de uma comunidade na ordem mundial. Está em crise, diz-se, o Estado nacional. A minha primeira prevenção é a de que não está em crise o Estado nacional mas, sim, é Estado soberano.
Todo este problema está relacionado com um valor fundamental: o da fronteira. É, provavelmente, um dos que está a ser mais objecto da tal contradição da evolução, em velocidades separadas, dos conceitos culturais e dos factos políticos.
Até à década de 60 Portugal era um país multicontinental, tinha fronteiras físicas em vários continentes, obedecendo essas fronteiras à regra de que a espada fora o instrumento de trabalho. Mouzinho dizia, não só por isso mas também por isso, que «este País é obra de soldados». Mas tínhamos fronteira política exclusivamente com ocidentais. Eram soberanias ocidentais que estavam do outro lado da nossa fronteira, eram as democracias estabilizadas do Ocidente que tinham os seus impérios coloniais. Era, na Europa, a Espanha, e só não era ocidental a China, mas a China não tinha qualquer peso na balança de poderes mundiais.
Na década de 60, sobretudo a partir de 1961, o ano áureo do anticolonialismo, Portugal veio a ter, salvo erro, 12 fronteiras - fronteiras físicas, mas, sobretudo, fronteiras culturais e políticas diferenciadas. Nessa década de 60 todos os sistemas culturais vieram colidir com as concepções portuguesas, a nossa sabedoria não estava enriquecida com conceitos suficientes para essa nova definição, e Portugal, a geração viva que tinha sido educada para a outra fronteira, teve de aprender a lidar com esta. Não teve grande tempo,' porque, na década de 70, Portugal, última revolução ou última mudança, passou a ter uma única fronteira, europeia, ocidental e, provavelmente, uma fronteira marítima mais vasta do que nunca, porque a relação terra/mar, em vista da zona económica exclusiva que a ordem internacional oferece ao País, talvez não tenha sido nunca tão pesada a favor do mar, o que obrigou a opções que, penso, eram inevitáveis. A opção entre os três desafios que Portugal sempre teve -atlântico, ibérico e europeu - leva agora à primeira opção possível, a europeia, uma opção objectivamente inevitável para um país historicamente exógeno.
Cresceu, entretanto, a adesão aos ideais democráticos, mas são assustadores os fenómenos de abuso do poder ao redor da terra. Cresceu igualmente a ambição dos povos pela paz, pelo direito, mas são assustadores os conflitos que se desenrolam em várias partes do mundo.
Arranjamos pregadores, cada vez mais, para a teologia do mercado, mas cada vez mais se toma evidente que grande parte da população do mundo não pode salvar-se do desastre sem uma intervenção dos poderes internacionais.
Ao mesmo tempo está em causa um princípio fundamental, enunciado logo na Carta das Nações Unidas como essencial para a paz, reafirmado na Conferência de Helsínquia e mantido no Estatuto da CSCE, adoptado pela Organização da Unidade Africana: o princípio da intangibilidade das fronteiras físicas. Este princípio está em causa. As fronteiras físicas estão em causa, em muitos lugares.
Depois, a revolução que devemos chamar demográfica obriga a uma revisão aprofundada de conceitos do passado. Todos fomos educados numa concepção euromundista. Só que, neste momento, as alterações demográficas mostram um mundo que se rege desta maneira: nós, os povos do Norte, ricos, somos talvez cada vez mais ricos, e os povos do Sul são, cada vez mais, pais de mais filhos. Esta é a diferença. E põe em causa todas as concepções de segurança. A primeira, identificável, é a incerteza sobre a futura ordem internacional, que em primeiro lugar afecta os pequenos Estados.
Tudo obriga cada Estado a reflectir «obre a sua condição particular, e não devemos ignorar isso, pelo que tentaremos, para terminar esta intervenção, alinhar alguns dos problemas e respostas que, em tese, podem ser alinhadas pelo que toca ao caso português, em sede de definição de conceito estratégico.
Julgo que devemos assumir, em resultado de análise científica e não de qualquer avaliação ideológica, que Portugal é, por definição, um país exógeno. E foi um país que, várias vezes, ao longo da sua história, teve de pró-

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curar recursos na sua inteligência e capacidade para fazer face a factores da conjuntura internacional, que não podia, ele próprio, dominar. Por isso, investigar, formar, ensinar, é primordial.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Quando os desafios aparecem, claro que, pelo meio, todos vamos cometendo os nossos erros e alguns acertos, a maior parte das vezes uma coisa e outra só percebida mais tarde. Mas esta circunstância exige uma meditação muito segura sobre a evolução da conjuntura internacional e, por isso, julgo que há vantagem para Portugal neste momento em meditar sobre aquilo que está em causa, que é o Estado soberano e não o Estado nacional; meditar sobre que, quando se fala na identidade portuguesa, não estão desactualizadas as ideias da Pátria, da Nação, do património histórico.
O que está desactualizado é o conceito do Estado soberano clássico, que é uma coisa diferente. É a redefinição deste que é compulsivo fazer para servir o resto. Resto que é a essência das coisas, é o principal das coisas e, neste aspecto, julgo que também o equilíbrio da avaliação nos deve orientar no sentido de recusar, ao assumir a natureza exógena do País, que o País é definitivamente periférico, conclusão que seria uma espécie de epitáfio de uma intervenção activa na vida internacional.
Parece que o facto de o País ser periférico depende do ponto de vista, porque se nos situamos no problema da segurança, se concluímos, como muitos concluem - espero que erradamente -, que a segurança do Atlântico é fundamental, mas que o património de quase meio século de convívio na Aliança não é um valor adquirido e que qualquer autonomia de defesa europeia, nas várias formas que nos são oferecidas, não pode deixar de incluir a divisão do Atlântico, então Portugal não é periférico mas, sim, fronteira, conceito completamente diferente e anunciando novos perigos. Os arquipélagos não seriam a periferia da periferia mas, sim, a fronteira da segurança no Atlântico, desafinado o conceito americano de defesa avançada. E se avultar a ligação da segurança do Atlântico Norte com o Atlântico Sul, essa circunstância avulta. Quero dizer com isto que o problema da segurança europeia, a meu ver, não deve Ser dissociado do problema da segurança atlântica unitária.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas a hesitação existe. Por isso, julgo dever sublinhar o que me parece o facto mais sensível para o conceito em discussão e que talvez não esteja suficientemente em evidência no texto apresentado. A nosso ver, o facto mais sensível da imprevisível conjuntura é o espaço interterritorial português. A incerta conduta da actual Casa Branca, a súbita mudança da semântica que invade os textos norte-americanos sobre a Europa, agudizou a incerteza do perfil final da segurança global europeia, da estrutura interna futura da Aliança Atlântica e das fronteiras globais da área da responsabilidade em que devemos participar. A autonomia possível deve, por isso, ser reforçada. E o espaço interterritorial, último traço da história da descontinuidade geográfica do País, talvez deva ser considerado o mais sensível a cargo da autonomia da defesa possível, sem complexos a respeito da real dimensão da soberania e sem nenhuma reserva sobre o facto de que o Estado nacional não está em crise.
Com esta observação queria concluir dizendo que foram extremamente úteis os debates nacionais desencadeados sobre os problemas estatégicos. Eu próprio posso testemunhar a importância que isso assumiu actualmente na universidade. Inclusivamente, foram já publicados vários volumes de trabalhos de mestrado sobre esta matéria.
Tenho a impressão de que esta questão do Atlântico e do nosso espaço extra-intercontinental é fundamental. Por isso, entregámos na Mesa um projecto de deliberação, pedindo que a Assembleia da República confie às respectivas Comissões de Defesa Nacional e de. Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação a preparação dos estados gerais dos países de expressão oficial portuguesa que se traduziria numa reunião conjunta dos parlamentares dos países de expressão oficial portuguesa. Essa reunião, quando puder ser efectivada, tratará de aprofundar a temática da contribuição solidária para a consolidação da paz pelo direito na ordem internacional.
Penso que isto está de acordo com a função que os pequenos Estados, e sobretudo que um pequeno Estado como Portugal, com a sua tradição e a sua responsabilidade, podem exercer para a definição da incerta e futura ordem internacional, especialmente no Atlântico.

Aplausos do CDS, do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Pensava que este debate era sobre os conceito das grandes opções e sobre o conceito estratégico de defesa nacional, mas verifiquei que o não foi em alguma medida e o foi completamente noutras.
Por isso, é preciso voltarmos à questão e tentarmos colocar nesta sede o que é este debate e o que estamos a fazer. Tenho para mim que, numa política de defesa nacional concebida como todos a concebemos, ou seja, no sentido amplo, no sentido interligador das várias acções que ao Estado e à sociedade competem, uma política de defesa nacional de última instância é uma política global do próprio Estado.
Um conceito estratégico de defesa nacional tem em vista o apuramento do exercício da acção desse mesmo Estado e da sociedade civil, perante valores que, de; um lado, são permanentes, imutáveis, inexoráveis - diria - na medida em que a Nação e o Estado existem, mas que, do outro, apresenta um conjunto de valores compagináveis com a conjuntura, com a alteração da conjuntura, face à alteração da postura e da envolvência externas.
O debate sobre o conceito estratégico de defesa nacional é a compaginação de valores permanentes e imutáveis com valores variáveis. E a' percepção destes últimos, daquilo que a conjuntura externa os faz evoluir, predetermina o comportamento e a composição do Estado e da sociedade no que respeita ao todo da acção nacional. Por isso, em última instância, um debate desta natureza é quase equivalente ao debate de um grande programa de acção permanente de um Estado.

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O debate boje não foi, na maior parte dos casos, nem uma coisa nem outra, salvo uma excepção.
Nesse sentido, se a oposição desejava fazer deste debate, um debate sobre a política de defesa militar e neste âmbito, sobre alguns aspectos legislativos, poderia fazê-lo, mas com uma condição: a de que esses aspectos fossem de tal forma relevantes e importantes que passassem a ter uma oportunidade política determinante na acção do próprio Estado. Não foi o caso. Mas, de qualquer forma, cada um dá o que pode!
VV. Ex.ªs deram o melhor, seguramente!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Alberto Costa (PS): - Cada um dá o que pode! Bem observado!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesse sentido, é preciso colocarmos uma segunda questão metodológica, na perspectiva de perceber a entendibilidade do conteúdo da mensagem política que decorre do diploma da proposta do Governo, bem como das propostas das oposições.
Começo por dizer e ressaltar um facto que pode parecer paradoxal: é que a maior parte dos documentos, quer do Partido Comunista, quer do Partido Socialista, são por mim colocados num ponto de vista valorativamente positivo, embora com algumas excepções e restrições ao documento do Partido Comunista. E porquê? Porque penso que são rigorosamente iguais ao documento do Governo. Ou seja, a valoração que dou ao documento do Deputado Jaime Gama é a de que pensa exactamente o mesmo que o Governo pensa, diz e escreve.
Mas o problema do entendimento político, que subjaz a esses diplomas ou a esses documentos, não pode, nesta instância e neste problema, circunscrever-se ao que está escrito no documento do Governo. Quando tratamos de grandes opções de um conceito estratégico de defesa nacional, quando tratamos de grandes opções e um Estado em permanência sobre algumas questões vitais para si próprio, a entendibilidade política não decorre só do que lá está, mas da entendibilidade política que sai do programa do Governo e da acção praxis do dia a dia que esse mesmo Governo ou a oposição tem quanto a essas questões.
Hoje, a propósito do arquétipo «grandes opções» do conceito estratégico de defesa nacional, não é entendível politicamente numa análise circunscrita a um texto que é dado hoje, mas antes a um complexo dê acções políticas que são consonantes com elas e que são vertidas no programa e na acção do dia a dia do Governo. É que se trata de valores permanentes que a Nação e o Estado assumem, vivificam, pontuam e realizam.
Por isso, não faz sentido cortar hoje da história, em genérico, de um programa de acção do Governo, este documento isolando-o do resto.
Assim, não faz sentido a primeira crítica que o Partido Socialista e o Partido Comunista colocaram a este diploma e à sua acção, no sentido de que o Governo consubstancia a sua política externa não no primado dos interesses nacionais, mas no primado dos interesses que decorrem da solidariedade exterior.
VV. Ex.ªs leram uma coisa que, obviamente, não está explicita no documento das grandes opções. Mas se houvesse dúvidas legítimas para aferir esse comportamento, VV. Ex.ªs, metodologicamente, nunca poderiam retirar essa ilação apenas da visão mais ou menos explícita deste documento, mas do conjunto das acções pontuais que gerem o Estado Português.
É como isolar da história um facto, retratá-lo como se fosse um todo e esquecer a globalidade das questões que estão antes e depois e que lhe dizem respeito. VV. Ex.ªs fizeram um dos erros metodológicos que em política é mais grave.
Mas mais grave do que tudo isso neste debate é, sobretudo, o comportamento do Partido Socialista.
Com efeito, fiquei espantado com a assíncrona entre o brilho gongórico e escolástico do século XII da intervenção de V. Ex.ª, Sr. Deputado Jaime Gama, com a substância da mesma. Iremos às críticas que faz. Mas com o brilho gongórico que V. Ex.ª introduziu nas suas palavras, esperaria que surgisse o inevitável, que era o ataque demolidor à política do Governo. Então, nessa altura, luminosamente, sairia algo de inovador, de novo, de substantivamente diverso e diferente, que compaginasse, justificasse e legitimasse a sua própria crítica E o que sai da resposta do Sr. Deputado Jaime Gama? As leis, a Constituição da República e coisas aprovadas já em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, V. Ex.ª consubstancia a sua crítica na forma. V. Ex.ª foi um formalista notável, mas um substancialista nulo.

Aplausos do PSD.

V. Ex.ª consegue dar uma ideia notável de erros profundos no conceito estratégico das grandes opções, mas quando chega à prática, para dizer qual a diferença qual a inovação, por que é que fez a crítica e se estribou na alternativa, refugiou-se num texto formal que entregou - e muito bem - por escrito, que louvo, mas que é igual ao do Governo. Aliás, por isso é que o louvo!
Nesse sentido, fica um problema dilacerante para mim, pois veio aqui falar como um especialista do melhor que Portugal tem, do mais lúcido que Portugal tem, do mais inteligente e saio que Portugal tem neste domínio - que o é, e talvez o melhor -, mas fê-lo para o interior do seu próprio partido!
V. Ex.ª quis pegar neste tema para o abordar, ou quis colocar este tema para, abordando-o, ter outro efeito de tabela política?
Essa é a questão deste debate, porque o que V. Ex.ª disse não foi sobre o conceito estratégico de defesa nacional. V. Ex.ª fez uma intervenção espantosamente bem feita para o interior do seu próprio partido, mas não sobre este tema, sobre outro. Falou sobre outras coisas para o seu partido. Sobre isto, em substância o que disse V. Ex.ª? Zero! Pior fez erros!
Mas vou responder aos seus erros, e deliberadamente. Gostaria de ter feito uma declaração política -aliás, como o Governo fez, e bem - e tentar que este fosse um debate de abertura genérica de forma a os partidos expressarem a sua opinião. Era isso que gostaria de rés-

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ponder ao meu próprio partido, mas V. Ex.ª, com a sua intervenção, obriga-me a responder politicamente às suas questões.

Em primeiro lugar refiro-me à filosofia democrática. V. Ex.ª viu aqui ... fantasma. Nesta altura os fantasmas vagueiam na sua memória. É o fantasma de, a propósito desta lei, haver o perigo e o risco de perversões democráticas, filosofias democráticas em risco.
Sr. Deputado Jaime Gama, o que é que na prática política, da concepção política que decorre deste texto, pode estar que belisque, ofusque, perturbe alguma coisa na ordem democrática? Rigorosamente nada! A não ser que V. Ex.ª o concretize, mas sem o concretizar não o posso dizer.
Mais: é entendível V. Ex.ª colocar essa opção ou essa dificuldade perante o comportamento que decorre do Governo no seu contexto genérico? Onde? Qual é a dúvida? Onde está a obstrução? Onde está o entorse democrático?
Mas V. Ex.ª foi mais longe, quando diz que é entendível uma utilização das Forcas Armadas fora da missão tradicional das suas funções com esta postura. Sr. Deputado Jaime Gama, tem razão, mas empurrou uma porta que está aberta há muito tempo! E está aberta há muito tempo pelo seu próprio partido, e nós em coligação, e bem.
Quando, nesta Câmara, se definiu o regime geral de estado de sítio e de estado de emergência, por maioria PS e PSD, V. Ex.ª aceitou, automaticamente, que há circunstâncias internas onde, com mecanismos apropriados de controlo democrático, a força armada pode ser utilizada em missão exterior. Ainda mais grave é que na Lei. de Defesa Nacional e das Forcas Armadas, como sabe, há um preceito que permite missões extra, normalmente exteriores ao chamado conceito de defesa da segurança externa, para as Forças Armadas - ele está lá vertido! E esse diploma foi aprovado por um Governo de coligação, de que V. Ex.ª fez parte. Mais, como representante da Assembleia da República nas missões externas, V. Ex.ª participou e votou a possibilidade de missões out of área. Sabe-o tão bem quanto eu, porque fê-lo há bem pouco tempo, e no sentido de que as Forças Armadas, como em muitos países do mundo - e essa é uma cambiante notável dos dias de hoje-, deixem de ser meramente o garante face a ameaças da segurança externa, para serem também forcas de manutenção da paz, forças de apoio e consolidação a processos de democracia e humanitários!
Sr. Deputado Jaime Gama, V. Ex.ª vê risco nesta alteração pontual da missão das Forças Armadas, mas eu vejo vantagens! Onde V. Ex.ª vê riscos, eu vejo vantagens! É que considero uma missão pacificadora e humanitária como positiva. E a inteligência, o brilho e a sagacidade de V. Ex.ª seguramente acompanhar-me-ão nisto. Só que talvez para efeitos políticos e internos, utilizando o arquétipo, V. Ex.ª tenha querido dizer outra coisa. Porém, não era este o tema para o poder fazer. Talvez outros, este não.
Como terceira crítica, V. Ex.ª disse que é preciso dinamizar o repensar da capacidade estratégica nacional, do pensamento estratégico nacional. Sr. Dr. Jaime Gama, V. Ex.ª tem razão, inclusivamente tem sido uma das pessoas que mais tem contribuído para isso.
Como lembrou - e muito bem - o Sr. Prof. Adriano Moreira, na parte final da sua intervenção, a sociedade portuguesa, nos últimos tempos, tem sido riquíssima, através de acções da universidade, da sociedade civil e de institutos privados e públicos, no debate dessas questões. E esse debate é tão plural e abrangente que o próprio Ministério da Defesa Nacional promoveu a constituição de um grupo de trabalho nesse sentido, onde V. Ex.ª e outros Deputados da sua bancada participam com grande mérito e empenho. Isto prova que V. Ex.ª também aderiu à tese de coonestar e participar neste amplo esforço, que o Estado Português quer dinamizar e vivificar com o apoio excelso da sua própria participação.
Gostaria ainda de comentar uma última afirmação de V. Ex.ª, dado que contém uma imprecisão técnica. Disse que a política actual das Forças Armadas coloca-as numa situação de incapacidade total de cumprir missões externas. Sei que não é essa a sua filosofia nem o seu pensamento político, mas devo lembrar o seguinte: se assim fosse, Portugal não teria capacidade militar para enviar forças, como o fez há um mês, para Moçambique.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se V. Ex.ª tivesse razão, não teríamos tido capacidade de evidenciar a presença de um destacamento importante numa área de especialidade. Repare, Sr. Deputado - e V. Ex.ª sabe isto -, que há áreas meramente técnicas, de técnica genérica militar (a infantaria, a cavalaria e a artilharia), e há outras de especialidade, onde a capacidade endógena tem de ser manifestamente superior ao normal. Ora, Portugal optou pela mais difícil, enviando um batalhão de transmissões. Podia ter optado por uma especialidade simples, como um regimento de comandos ou uma companhia de pára-quedistas, ou seja, por uma missão normal. Mas não! Portugal, ao optar pela especialidade mais difícil sob o ponto de vista tecnológico, provou, na prática, a capacidade de manter um sistema que contraria exactamente aquilo que V. Ex.ª disse.
Por isso, Sr. Deputado Jaime Gama, reafirmo que V. Ex.ª não quis dizer bem o que disse; quis falar para o interior do seu partido, mas não era aquilo que, de facto, sentia.
De qualquer das formas, não gostaria de terminar esta intervenção sem fazer duas precisões.
Em primeiro lugar, o que importa hoje aqui discutir é o seguinte: o que é que mudou no mundo, em nove anos, que justifique mudanças no nosso seio? Para começar, mudou a percepção da ameaça. Muitos ainda vão ter saudades do muro de Berlim, porque ele podia determinar uma ordem política mais clara e rigorosa no mundo, já que havia duas potências directoras, federadoras de dois espaços, cuja harmonização e compatibilização, se fazia mais facilmente. A queda do muro de Berlim levanta a dúvida, aia a autonomia e, em paralelo, o nacionalismo e a xenofobia. Por tudo isso, a ordem mundial actuai é mais difícil, complexa e arbitrária. Nesse sentido, movemo-nos mais no arbitrário do que no mais rígido e fixo que tínhamos no passado.
Depois, há uma alteração qualitativa em relação à natureza militar da oneração. A ameaça que, anteriormente, era de meridiano, na fronteira do Oder-Neisse, deixou hoje de o ser e, rodando 90º, passou a situar-se no paralelo. A ameaça localiza-se hoje nos paralelos com as zonas subdesenvolvidas, como disse o Sr. Ministro da Defesa Nacional e como recordou o Sr. Prof. Adriano Moreira.

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Mas, mais, a ameaça não só rodou do meridiano para o paralelo como se colocou dentro do próprio espaço, fruto da emergência dos nacionalismos, que surgem por morte e por causa da queda do próprio comunismo.
Mas será que por causa disto tudo, desta política de globalização geral, da política de criação de espaços mais amplos, das alterações ideológicas no mundo - e essa é a última questão que hoje temos de abordar -, já devíamos ter mudado o conceito estratégico de defesa nacional? Ou não? A resposta é simples, tanto quanto o permite a simplicidade: Sr. Deputado, se as mudanças que ocorrem no mundo nos obrigassem a alterar e a acompanhar permanentemente o conceito estratégico de defesa nacional, teríamos de o fazer de dois em dois ou de três em três anos, face à rapidez e fluidez dos conceitos variáveis que hoje em dia se denotam! Repare como mudou o inundo em oito anos, Sr. Deputado Jaime Gama! Como vai mudar o mundo, se calhar, daqui a dois anos! A rapidez e a fluidez da globalidade do fenómeno político é tal que nunca há um momento fácil para o poder definir!
Porém, o mais grave é que VV. Ex.ªs dizem - e aí acusei-os dê escolásticos - que só se pode definir o sistema de forças, o conceito estratégico militar e o plano de acção militar desde que haja a definição do conceito estratégico de defesa nacional. É falso! E porquê? Isto demonstra-se de duas maneiras: em primeiro lugar, se VV. Ex.ªs analisarem, mais uma vez, o conteúdo concreto dos chamados objectivos permanentes, verificam que eles se mantêm para Portugal hoje, em 1993, como em 1984. Quando V. Ex.ª, por si, pelo Deputado João Amaral, pelo CDS ou por nós, chega aos objectivos concretos e práticos, depara sempre com uma fase final que é a da necessidade de Portugal ter um dissuasor militar mínimo credível até ao exercício da solidariedade militar. Isto é ou não verdade? E quando chega a este ponto, o que é que isto significa? Que isto era tão verdade em 1984 como é em 1993 e como o será no fim deste século. O que é que isto significa na prática? Que VV. Ex.ªs vão ter de definir sempre qual é a lei de programação militar. E isso não tem nada a ver com o conceito genérico de defesa nacional, que é envolvente, porque há valores remanescentes e permanentes independentes disso.
A segunda razão por que também não é justa a afirmação de VV. Ex.ªs é que a disponibilidade de meios de Portugal para poder cumprir essas funções na sua generalidade é escassa. Portugal precisa sempre de um exercício de solidariedade, que, curiosamente, hoje em dia, é mais difícil para Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é necessário em rigor, se bem que seja um excelente exercício escolástico, que o conceito estratégico de defesa nacional seja anterior a tudo o resto. A prática demonstrou não ser necessário, visto que houvera sempre um objectivo mais permanente que a envolvente externa, que mudava. Por sermos exógenos - como disse o Prof. Adriano Moreira -, por sermos periféricos na nossa natureza, há valores, conceitos e matrizes que tenderão sempre a ser permanentes e que podemos utilizar, independentemente do arquétipo institucional ou doutrinário que o quer envolver.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Este debate, seguramente, proeurou verter, em várias direcções, opiniões e atitudes diferenciadas, mas teve o mérito de mostrar ao País que, em qualquer circunstância, o mundo que nos rodeia
hoje não é o da facilidade nem o da rigidez ou da maior inflexibilidade que existia há alguns anos. É um mundo mais complexo, onde, a todo o momento, as opções são mais difíceis de tomar, porque mais instável é o próprio cenário da definição que nos envolve.
Saibamos acompanhar esse mundo e, sobretudo, recentrar Portugal numa lógica que combata a natural perificidade da nossa situação europeia e que permita sempre projectar a lusofonia noutras partes do mundo, onde a história, a genética e a cultura sempre nos ligaram.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Alberto Costa, João Amaral e Jaime Gama.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ângelo Correia, prestei muita atenção à sua intervenção, não apenas ao ponto em que se referiu ao gongorismo do século XIII, o que foi para mim uma surpresa, mas sobretudo à maneira como distribuiu os tempos e os interlocutores na sua intervenção.
O meu pedido de esclarecimento é muito simples. V. Ex.ª quis, com a sua intervenção, desvalorizar por absoluto a contribuição do Ministro da Defesa ou valorizar expressamente a intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama?

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Mais a primeira do que a segunda!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ângelo Correia, há mais dois Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ângelo Correia, não vou entrar em debate acerca do conteúdo da sua intervenção, porque, dada a configuração do debate, os diferentes partidos já expuseram as suas posições. Assim, não vou agora prolongar o debate para além daquilo que é necessário.
Porém, há um ponto, na sua intervenção, que me merece um registo específico. Não o incluí na minha intervenção por limitações de tempo, mas já que o abordou aqui vejo-me obrigado a fazer-lhe a seguinte pergunta: o que é que se pretende na formulação do conceito quando se refere a possibilidade de as Forcas Armadas intervirem, para além das suas missões específicas, noutras situações, nomeadamente nas que se referem à estabilidade e segurança?
O Sr. Deputado Ângelo Correia disse que o âmbito dessa formulação tinha a ver com os estados de crise, isto é, com as situações de estado de sítio e de estado de emergência. O que lhe pergunto, Sr. Deputado, é se essa formulação interpretativa tem alguma coisa a ver com um

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texto onde se diz que, além das. missões específicas de defesa militar e de resposta a situações de crise, ainda admite a possibilidade de envolvimento em situações que afectem a estabilidade e a segurança, isto entendido em termos abstractos sem uma definição concreta de conteúdo. O que pergunto é, foi... se não está aqui configurada uma intenção de ultrapassar o quadro dos estados de excepção, tal como estão constitucionalmente definidos.
Devo dizer, Sr. Deputado Ângelo Correia, que não referi a questão por falta de tempo, mas também por outra razão. É que não é possível, por, muita intenção que o Governo tenha em fazê-lo, nos termos da Constituição, de ultrapassar esse quadro constitucional limitador dos estados de excepção. Creio que, no entanto, aqui está configurada uma vontade e uma intenção de os ultrapassar.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, desejo usar da palavra não para pedir esclarecimentos, mas para exercer o direito de resposta, muito brevemente, em relação à intervenção do Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, o Sr. Deputado Ângelo Correia responderá de seguida* aos pedidos de esclarecimento e depois entramos nessa outra parte do debate parlamentar.
Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Deputado Alberto Costa, quando falei no século XIII fi-lo no sentido da escolástica e não do gongorismo ...

O Sr. Alberto Costa (PS): - O Sr. Deputado falou duas vezes em gongorismo!
Ou será que se trata de um gongorismo escolástico!

O Orador: - Escolástica. Denotei-o ...

O Sr. Alberto Costa (PS): - Não existe gongorismo escolástico!

O Orador: - Existe sim, V. Ex.ª acaba de o evidenciar!

Risos e aplausos do PSD.

Com toda a simpatia e ternura que tenho pôr V. Ex.ª!

Risos.

A segunda questão prende-se com quem é que eu quero valorizar ou desvalorizar. Penso que nessas questões a postura correcta deve ser a que sempre existiu em Portugal nos últimos anos. Isto é, há naturezas, questões e problemas onde o consenso nacional é fundamental, e por isso o debate nacional é fundamental. Só há consenso se há debate. Só há debate se também há diferença. Por isso, o que é importante,...

O Sr. Alberto Costa (PS): - Só há debate com protagonistas!

O Orador: -... o que é importante valorizar neste debate não é o Ministro, não é o Governo, não é o Sr. Deputado Jaime Gama, não é a oposição, não é o Sr. Deputado João Amaral, nem o Sr. Deputado Adriano Moreira, são todos. São vitais, todos, para a prossecução do objectivo que não é do Governo, é do País por inteiro, o qual todas VV. Ex.ªs também representam.
Sr. Deputado João Amaral, a questão que me acaba de colocar é muito interessante e que, porventura, podia ter essa interpretação. Não creio. O que creio é que há três papéis distintos - dois registados e um em dúvida - onde poderíamos colocar a função normal das Forças Armadas: a função de defesa da soberania e de segurança externa e estado de crise - isto é, leia-se «estado de emergência e estado de sítio», que são já típicas implicações da ordem interna. O que é que fica? Será que as Forças Armadas vão para além destes mecanismos? Julgo, obviamente, que não! A pergunta no plano teórico pode ter razão de ser, no plano prático poderá ter mais de democrático deste Governo, como de qualquer governo saído desta Câmara, independentemente de sermos nós ou outros. Nunca prefiguraria uma questão destas! Portugal não é a Guatemala ou outro país da América Latina. Penso, por isso, que a interpretação a dar a esse conceito é mais o problema de uma missão sem ser em estado de emergência, mas por exemplo em acções humanitárias fora de Portugal.
Sr. Deputado João Amaral, veja, por exemplo, o caso da missão de Moçambique: é uma missão normal de segurança das Forcas Armadas portuguesas em relação ao território nacional? Não é! É utilizada no estado de sítio? Não é! Estado de emergência? Só se for lá! Portanto, é um problema fundamental de aplicação das Forças Armadas como instrumento do Estado Português ma ordem externa. Diria que era aí que colocaria talvez a interpretação - utilização das Forcas Armadas portuguesas como instrumento do Estado na ordem externa!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Espero que seja assim!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar noutro ponto do debate.
Para exercer o direito de resposta, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama Posteriormente para responder, e por igual tempo, terá a palavra o Sr. Deputado. Ângelo Correia.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, uso da palavra mais propriamente para fazer uma rectificação àquilo que disse o Sr. Deputado Ângelo Correia.
Em primeiro lugar, a questão do referencial democrático pode não ser até uma questão extremamente relevante. É-o na medida em que, estranhamente, é o ponto em que, face ao conceito estratégico existente, mais se regista a quantidade de cortes. Portanto, acho que aí há um problema de tratamento de texto que deve ser acautelado. É que também não faz sentido afirmar-se o grande mérito de um conceito que pôde vir até à actualidade

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e que era intangível e de um momento para o outro, nesse ponto específico, o texto novo apagar qualquer referência.
Segundo ponto: o problema das outras missões das Forcas Armadas. O Sr. Deputado João Amaral acabou de chamar a atenção para esse problema e V. Ex.ª também. É um problema melindroso e complexo. Não temos a ideia de que o Governo tenha uma intenção oculta, pelo menos de motu próprio, de se orientar nessa direcção. Mas se o assunto 6 melindroso, como aqui se viu, então essa questão não pode ser tratada no texto de uma forma meramente implícita ou ultragenérica. Ele necessita aí de um detalhe para que todas as preocupações que à volta desse tema existem - e que eu sei que V. Ex.ª também partilha - não possam ser concretizadas. Portanto, há aí necessidade de uma aclaração.
Terceiro ponto: V. Ex.ª veio aqui argumentar que a situação era extremamente movente e fluida e por isso era impossível articular qualquer conceito. Sendo assim, é impossível existir qualquer política, porque toda a realidade muda permanentemente, a situação internacional ainda mais, e isso significava que não poderia haver nem política externa, nem política de defesa, nem política de segurança. Há aí a necessidade de compatibilizar um conjunto de conceitos permanentes e mais dilatados na sua aplicabilidade com uma estrutura capaz de compreender e integrar a mudança. Mas isso significa ajustar, modificar, alterar, incorporar os dados da nova situação. É precisamente o. contrário do que foi f eito, e que V. Ex.ª, naturalmente, se assim pensa, não pode defender.
Em último lugar, quero agradecer a V. Ex.ª o grande contributo que deu à discussão desta problemática tomando por ponto de partida a posição do Partido Socialista. Isso muito nos honra! V. Ex.ª, certamente, numa segunda intervenção, irá ter a oportunidade de apoiar as posições do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, por um período de três minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, estava extremamente estimulado e expectante porque acreditava, quando V. Ex.ª se inscreveu para dar explicações, que era agora que teríamos oportunidade de ouvir aquilo que o PS pensava em matéria de grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional. E fiquei à espera porque pensei «é agora o momento!».

O Sr. Jaime Gama (PS): -Já o fiz há três anos!

O Orador: - Verifiquei que ainda não é agora o momento, ou seja, continuo em expectativa. A expectativa continua da minha parte.

O Sr. Jaime Gama (PS): - É um assunto fora de questão.

O Orador: - O Sr. Deputado Jaime Gama colocou-me como primeira questão a dificuldade e a incompreensão da sua parte pelo facto de se ter de cortar várias vezes as denotações ou as pressões relativas ao processo democrático, à prática democrática, à democracia de um modo geral ou à formulação democrática.
Penso -e V. Ex.ª perdoar-me-á o exemplo que vou dar - que uma senhora séria não precisa de estar todo o dia a dizer ao País e as pessoas «sou séria, sou séria!». Basta sê-lo, comportasse como tal. A questão fundamental de um Estado democrático não é pôr em todos os seus papéis «sou democrático!», não! É comportar-se como tal. O que está em causa não é a formulação escrita, o que está em causa nessas matérias, o critério de aferição é a prática e independentemente disso tudo estar escrito o número de vezes necessário.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Jaime Gama, quando a relação que se estabelece entre um diploma e o texto fundamental da República é visível e unívoco, que outro critério mais amplo quer V. Ex.ª ter?! Não precisa de outro. V. Ex.ª desculpar-me-á, mas há um ligeiro fantasma no seu espírito!

O Sr. Jaime Gama (PS): - Que ideia!

O Orador: - Há! Há um ligeiro fantasma no seu espírito. Eu sei que V. Ex.ª o tem, não sei de que natureza. Tem aí o Dr. Eurico Figueiredo atrás, que o pode ajudar nessa formulação!

O Sr. Jaime Gama (PS): - O papel do debate é também obrigar VV. Ex.ªs a dar explicações!

O Orador: - Diz V. Ex.ª que eu intervim no sentido de dizer que o conceito estratégico de defesa nacional, dada a fluidez do processo político, não permite que se estabeleça a qualquer momento. Eu não disse isso. O que disse é que a variabilidade e a fluidez dos últimos anos são de tal forma que qualquer conceito estratégico de defesa nacional que coloque em primeira instância não os valores permanentes, mas os valores variáveis, independentes da conjuntura, tem naturalmente um grau de variabilidade excessiva. E tem um grau de inconsistência relativa, o que é óbvio.
Decorre daí a necessidade de não termos conceito estratégico de defesa nacional, de não termos política de defesa? Pelo contrário! Não decorre a existência de nenhuma política, decorre sim a necessidade de, permanentemente, no dia a dia, a praxis política do poder demonstrar que é necessário integrar esses elementos, adaptá-los e transmiti-los aos valores permanentes. O que V. Ex.ª acaba de introduzir com esse tema é a desvalorização relativa do próprio conceito estratégico de defesa nacional e a mais-valia, sim, da prática política que integra a variabilidade política dos elementos exógenos perante um Governo que tenha em vista objectivos permanentes.
O que V. Ex.ª acaba de brilhantemente expor é a não necessidade ...

O Sr. Jaime Gama (PS): - Uma formulação muito gongórica!

O Orador: -... a não necessidade de um documento básico sobre o conceito estratégico de defesa nacional. Isto

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é curioso quando o PS o apresentou há um ano. Ou seja, V. Ex.ª escreveu uma coisa e pensou outra, o que é notável. Mas felicito-o pelo que disse agora, porque estou de acordo consigo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por último, V. Ex.ª colocou a questão de ...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
V. Ex.ª agradeceu o facto de eu ter referido o diploma do PS da maneira como o fiz, centrando-me nele. Eu disse desde o primeiro momento, aliás com toda a clareza, «felicito o vosso documento porque é uma cópia do documento do Governo»! E nesse sentido estou de acordo com ele ...

O Sr. Jaime Gama (PS): - Uma cópia feita antes. Três anos antes!

O Orador: - Mas é que V. Ex.ª prevê sempre o futuro. Essa é uma das suas grandes vantagens!...

Risos.

Este pequeno episódio deve demonstrar que a questão em apreço, em matéria desta natureza, não é, do meu ponto de vista, nem uma questão melindrosa nem uma questão que divide os grupos políticos portugueses. Pelo contrário, o próprio documento do Partido Comunista, a intervenção básica aqui proferida pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e o pensamento que tem exprimido sobre este assunto, assim como o pensamento que o PS e o PSD têm sobre esta matéria, não devem fazer perder de vista que este debate, embora possa implicar estas nuances e lutas e estas aparentes disputas e aparentes não convergências, não escamoteia a realidade de que há um uníssono muito claro em todas as bancadas, com algumas divergências, de uma matriz fundamental sobre esta natureza. O debate de hoje, por mais divisório e aparentemente belicoso que possa parecer, nunca deve escamotear uma realidade: que há um consenso nacional neste domínio.
Por isso, a sua antecipação histórica ou o nosso aparecimento agora ressaltam da mesma realidade: a de que vemos o mundo e Portugal num conceito basicamente análogo.

Aplausos do PSD e do Deputado Adriano Moreira, do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: O debate que hoje aqui tem lugar prende-se com os aspectos mais relevantes da caracterização da estratégia do Estado em termos de defesa nacional, tendo esta como objectivo a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externa.
Deste debate nascerão certamente as indicações e referências mais significativas que enformarão o conceito estratégico de defesa nacional e este constituirá a matriz da consensualidade mais vasta de onde resultará o conceito estratégico militar, sistema de forças e dispositivo. Esta matriz é ainda fundamental no estabelecimento de uma política de defesa nacional, consistindo esta, como a própria lei diz, no «conjunto coerente de princípios, objectivos, orientações e medidas adoptadas para assegurar a defesa da Nação».
Tardava, pois, a actualização de um conceito datado no tempo e resultante de um circunstancialismo histórico próprio não só no plano internacional mas também, especialmente, no plano interno. Tardava ainda a actualização, tanto mais que a cena internacional se modificou substancialmente e Portugal passou a integrar a Comunidade Europeia e aderiu à União da Europa Ocidental. Além disso, organizações multilaterais às quais pertencemos alteraram doutrinas - como a NATO -, reanimaram a sua actividade - como a Organização das Nações Unidas - ou cresceram de importância - como a Conferência de Segurança e Cooperação Europeia.
Mas a defesa nacional, para além de toda a envolvente referida, assenta em primeira instância na actividade desenvolvida pelo Estado e pelos cidadãos no sentido de se garantir a manutenção dos valores que tomaram Portugal um país multissecular. É especificamente naquele ponto que mais se faz sentir a exigência de alteração do conceito estratégico de defesa nacional. A coerência de princípios, objectivos, orientações e medidas que a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas postula nem sempre tem sido prosseguida: o sistema de forcas, consequência directa do conceito estratégico, foi alterado em primeiro lugar e tiveram lugar mudanças profundas na prestação do serviço militar, a obrigar a posteriores ajustamentos devido à dificuldade óbvia de aplicação da lei. Até mesmo no plano, externo, não pode deixar de salientar-se a alteração de acordos bilaterais que constituíram acordos tradicionais de longa data entre Portugal e esses países.
E por isso que consideramos que o carácter nacional e os objectivos permanentes da política de defesa nacional já deveriam ter obrigado a este debate e consequente reformulação do conceito, tanto mais que este; constitui a matriz essencial de referência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O novo conceito estratégico de defesa nacional tem de traduzir já as mudanças que se têm dado. O conceito tem de ter em linha de conta a nossa participação na NATO e na União Europeia Ocidental e inserir o papel de Portugal na consumição europeia, especialmente na vertente da segurança. O novo conceito tem de referir a evolução da CSCE e ter em Unha de conta as participações em missões específicas no âmbito da Organização das Nações Unidas.
A cooperação internacional é um outro vector a contemplar, bem como a necessidade de atendei aos desenvolvimentos verificados no Mediterrâneo, que não pode, obviamente, ser descurado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS apresentou, já desde 1990, um documento sobre as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional.
Desse texto permito-me destacar, para além das linhas de acção essencial do Estado no reforço da coesão interna e afirmação do primado da independência racional nas

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relações externas, os aspectos essenciais que devem estar no conceito e referentes ao estimulo e desenvolvimento de uma opinião pública esclarecida e à divulgação dos aspectos mais importantes sobre a identidade nacional e o esclarecimento do País sobre as finalidades e as missões das Forcas Armadas. Recordo, aliás, que nunca mais se fez em Portugal uma publicação anual tipo livro branco sobre as Forças Armadas.
Também no plano económico e social o conceito não pode deixar de sublinhar, entre outros aspectos, os respeitantes à constituição de reservas estratégicas em áreas vitais.
Destaco ainda, no respeitante às componentes militares de defesa, que o conceito estratégico não pode deixar de contemplar as ilações retiradas de acontecimentos recentes, que implicam a redução e modernização das Forças Armadas, mais tecnicidade, redimensionamento e opções de maior mobilidade, compatíveis com a nossa realidade.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional, Srs. Deputados: O documento final que o Governo vai aprovar deve ter em atenção o debate das grandes opções que hoje aqui efectuámos.
Não há qualquer votação sobre as grandes opções, mas os pontos de vista aqui trazidos e os documentos apresentados constituem,» no seu todo, a sensibilidade do povo português, que nos escolheu para o representar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção final, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero aproveitar o tempo que o Governo ainda tem para agradecer aos Srs. Deputados os contributos que cada um, à sua maneira e com as suas intenções próprias, quis trazer a este debate.
Quero assegurar a todos que o Governo não deixará de reflectir naquilo que foi dito e veiculado pelos Srs. Deputados que intervieram, de modo a procurar transformar as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional num documento tão consensual quanto possível.
Devo dizer, naturalmente, que não partilho nem subscrevo muitas das afirmações aqui produzidas por alguns dos Srs. Deputados da oposição, mas aquilo que nos une nesta matéria é muito mais do que aquilo que nos divide.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E ainda bem que é assim porque, estando eu de acordo com o Sr. Prof. Adriano Moreira, quando diz que o que está em crise não é o Estado nação mas, sim, o Estado soberano, diria que a principal vantagem relativa de Portugal, num mundo tão competitivo e em tão vertiginosa mutação, é a nossa coesão, nacional. A coesão nacional de que o País beneficia é, efectivamente, um atributo, uma arma e um instrumento que garante a Portugal um futuro promissor em quaisquer circunstâncias.
Gostaria apenas de desfazer um equívoco, que é lamentável que ocorra. Não compreendo como ainda há hoje quem se atreva a lançar suspeições sobre a democraticidade das forças políticas em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não percebo! É um argumento gasto e julgo que quem o usa tem uma grande falta de imaginação ou, quando menos, tem má fé. Gostaria que, sobretudo em matéria desta natureza, fosse possível que nos respeitássemos uns aos outros, porque, Sr. Deputado José Lello, ninguém é notário da democracia.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

Protestos do Sr. Deputado José Lello.

O Orador: - Não admito que o Sr. Deputado, ou quem quer que seja, julgue aquilo que penso e as minhas convicções. Não vejo porque é que V. Ex.ª é mais democrata do que eu.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Lello (PS): - Não é isso que está em causa!

O Orador: - Sr. Deputado, o que está em causa é tentarmos obter o maior consenso possível em volta de um assunto sobre o qual...

O Sr. José Lello (PS): - O Sr. Ministro não colocou isso no texto e agora vem dizê-lo!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Deixe-se disso, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Coelho, à falta de melhores argumentos, vem sempre este para cima da mesa!
Na página 3 do documento apresentado pelo Governo está escrito, à cabeça do capítulo «Carácter e objectivos da defesa nacional», o seguinte: «a política de defesa nacional desenvolve-se no quadro do respeito pela Constituição e instituições democráticas». Porquê repetir isto ad nauseam!
Os senhores, no vosso texto, têm mais vezes referência a instituições democráticas e à democracia porque, para encher três ou quatro páginas, reproduziram os artigos da Constituição e da Lei de Defesa Nacional que há pouco referi, para os quais...

O Sr. José Lello (PS): - No preâmbulo!

O Orador: - Qual preâmbulo?! Estão lá, no articulado das grandes opções! Portanto, os senhores copiaram indevidamente aquilo que não vos pertence, porque pertence a todos, ou seja, copiaram normas que constam da Constituição, subscrita por todos, e da Lei de Defesa Nacional.

O Sr. José Lello (PS): - Mas as grandes opções também não são nossas, são de todos!

O Orador: - O Sr. Deputado, com certeza, não se deu sequer ao trabalho de ler o documento do Governo. Essa é a conclusão a que tenho de chegar, porque depois, no n.º 2, remete-se para estes artigos da Constituição e da Lei de Defesa Nacional. Então, porquê copiá-los se estão cá?! E como o Sr. Deputado não leu ...

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2570 I SÉRIE - NÚMERO 80

O Sr. José Lello (PS): - Li, li!

O Orador: -... o n.º 3 - peço desculpa aos outros Srs. Deputados -, tenho de ser eu a fazê-lo.

O Sr. José Lello (PS): -Li, li!

O Orador: - O n.º 3 diz: «Para a concretização dos seus objectivos permanentes [...]» -objectivos permanentes por referência à Constituição e à lei - «[...] e tendo em conta a actual conjuntura internacional, a política de defesa nacional, no quadro da estratégia global de um Estado democrático, tem como objectivos actuais os seguintes: [...]».
Ora, só quem tem complexos de culpa ou complexos passadistas é que carece de, em cada linha, escrever «democracia». Eu já não careço disso, Sr. Deputado!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Lello pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Lello (PS): - Para exercer o direito de defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): -Para quê?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Ministro, muito sucintamente, quero dizer-lhe que não tenho complexos pacifistas.

Vozes, do PSD: - Não é pacifistas, é passadistas!

O Orador: - Foi a mim que o Sr. Ministro se dirigiu, Srs. Deputados.
Assim, devo dizer que os textos e não tenho complexos pacifistas, o que tenho são preocupações civilistas. E as preocupações civilistas têm a ver com a dependência estrutural das Forças Armadas do poder político.
Repito, não tenho complexos pacifistas e o que quero é que as Forcas Armadas, além do mais, sejam eficazes, estejam mobilizadas, tenham espírito de corpo e não atravessem um momento de desmoronamento total. O que quero é que o Sr. Ministro não se esqueça dos superiores interesses, do Estado!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Deputado José Lello, a sua própria intervenção mostra que o Sr. Deputado não podia ser um pacifista, dado o tom virulento, bélico.

Risos.

Em qualquer caso, quero esclarecê-lo que eu não disse pacifista -o senhor hoje está a equivocar-se muitas vezes e injustificadamente -, disse passadista. Além do mais, Sr. Deputado, também não era para si essa referência, porque sei que O senhor tem um espírito moderno, bélico, e conto consigo para me ajudar...

Risos.

... a desenvolver a política de defesa nacional. Aplausos do PSD, batendo com as mãos nas bancadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ultimamente têm-se acrescentado aos aplausos algumas manifestações mais barulhentas do que aquilo que é devido, segundo os nossos hábitos. Esse bater nos tampos das bancadas ou nas cadeiras parece-me pouco curial. Mas, enfim, os trabalhos estão encerrados por esta semana.
A próxima reunião plenária terá lugar na terça-feira, às 15 horas. No período de antes da ordem do dia serão feitas eventuais declarações políticas e, no período da ordem do dia, será discutida a proposta de lei n.º 54/VI - Autoriza o Governo a rever a Lei Orgânica das Secretarias Judiciais e Estatuto dos Funcionários da Justiça.

Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 20 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.

Partido Socialista (PS):

Ana Maria Dias Bettencourt
António Alves Martinho.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Edite de Fátima Santos Maneiros Estrela.
Helena de Melo Torres Marques.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Centro Democrático Social (CDS):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luis Nogueira de Brito.

Deputados independentes:

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Mário António Baptista Tomé.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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DIÁRIO

da Assembleia da República

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