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Sexta-feira, 25 da Junho da 1993 I Série - Número 87

DIÁRIO da Assembleia da Republica

VI LEGISLATURA 2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE JUNHO DE 1993

Presidente: Exmos. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmo. Srs.

João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMARIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 Horas e 35 minutos.

Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Procedeu-se ao debate conjunto, na generalidade, dos projectos de lei n.º 208/VI - Alargamento do acesso da prática da caça a todos os caçadores (PCP) e 326/V1 - Para a protecção, gestão e fruição dos recursos cinegéticos (PS), que foram rejeitadas Depois da apresentação do relatório da Comissão de Agricultura e Mar pelo Sr. Deputado Vasco Miguel (PSD), intervieram, a diverso título, os Srs. Deputadas Lino de Carvalho (PCP). Luis Capoulas Santos (PS), Antunes da Silva, Francisco Bernardino Silva e Vasco Miguei (PSD). António Campos (PS), André Martins (Os Verdes) e Mano Tomé (Indep.).
Após discussão conjunta, foram aprovadas as propostas de resolução n.º 23/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Europeu Que Cru Uma Associação entre as Comunidades Europeias e a República da Polónia, os respectivos protocolos, anexos e Acta Final e 24/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Europeu Que Cria Uma Associação entre as Comunidades Europeias e a República da Hungria, os respectivos protocolos, anexos e Acta Final,' tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Vítor Martins), a Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP). Joel Hasse Ferreira (PS) e Cecília Catarino (PSD).
Os projectos de lei n.º 322/VI - Estatuto da função política (CDS), 57/VI - Financiamento da actividade dos partidas políticas e 223/VI - Controlo público da riqueza e dos interesses dos titulares de cargos políticos (PS), 319/VI - Altera o limite de despesas com as campanhas eleitorais para as autarquias locais. 320/VI - Garante o acesso pelos cidadãos às declarações de rendimento e às declarações de inexistência de incompatibilidade ou impedimento dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos e 321/VI - Limita as despesas confidenciou das empresas, tendo em vista a transparência da vida política nacional (PCP), 329/VI - Financiamento dos partidos políticos, 330/VI - Alterações à Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, sobre o controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos e 331/VI - Regime jurídico de incompatibilidade e impedimentos dos titulares de cargas políticos e de altos cargos públicos (PSD) e 332/VI - Financiamento da actividade dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (PCP) foram debatidos conjuntamente, na generalidade, tendo sido aprovados.
Além dos Srs. Deputados Alberto Martins (PS). António Filipe (PCP), Fernando Condesso (PSD) e Luis Amado (PS), que apresentaram a síntese dos relatórios das. respectivas comissões e as suas conclusões mais relevantes, usaram da palavra, a diverso titulo, os Srs. Deputados António Lobo Xavier (CDS), Octávio Teixeira (PCP), Pacheco Pereira (PSD), José Vera Jardim e Alberto Costa (PS).
Entretanto, a Assembleia não autorizou a suspensão do mandato de um Deputado para ser presente em tribunal, tendo também denegado autorização a um outro para ser ouvido como testemunha.
Foram ainda aprovados, na generalidade, as propostas de lei n.º 57/VI - Segunda lei de programação militar e 58/VI - Altera a Lei n.º 1/85. de 23 de Janeiro (lei quadro das leu de programação militar) e, em votação final global, o texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos, Liberdades e Garantias relativo à proposta de lei n.º 46/VI - Autoriza o Governo a rever o sistema de garantias de isenção è imparcialidade da Administração Pública.

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 1O horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Sava Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Anabela Honório Matias.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando dos Santos Antunes.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunado Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luis Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceira Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Poppe Lopes Cardoso.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Edite de Fátima Santos Maneiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.

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Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Paulo Martins Casaca.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luis Filipe Marques Amado.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Arménio Horácio Alves Carlos.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calcada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luis Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
José Luis Nogueira de Brito.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa e anunciar as comissões que irão reunir durante o dia de hoje.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa. e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 336/VI - Altera a composição e reforça as competências do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações (alteração à Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro) (PCP), que baixou à 1.º Comissão; inquérito parlamentar n.º 17/VI - Actuações dos Serviços de Informações de Segurança, designadamente contra estudantes, agricultores e sindicalistas e violações da Constituição e da lei dessas actuações (PCP), e audição parlamentar n.º 14/VI - Sobre a concentração da propriedade dos meios de comunicação social (PCP), que baixou à l.ª Comissão.
Devo ainda anunciar que vão reunir durante o dia de hoje as Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias, às 10 horas, de Petições, as 15 horas, de Defesa Nacional às 11 horas, de Educação. Ciência e Cultura, às 16 horas, de Saúde, às 11 horas, de Trabalho, Segurança Social e Família, às 15 horas e 30 minutos e de Reforma do Parlamento, às 11 horas, e as subcomissões permanentes de Toxicodependência, às 16 horas e 30 minutos, e da Cultura, às 15 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta dos projectos de lei n.º 208/VI - Alargamento do acesso da prática de caça a todos os caçadores, da iniciativa do PCP, e 326/VI - Para protecção, gestão e fruição dos recursos cinegéticos, da iniciativa do PS.
Nos termos regimentais e de acordo com a interpretação da Mesa a essa disposição, darei a palavra aos relatores dos pareceres, por cinco minutos, tempo esse que não entra na contagem do tempo do grupo parlamentar respectivo. Os autores das respectivas iniciativas têm igualmente cinco minutos, que também não entram na contagem do tempo distribuído aos grupos parlamentares, podendo depois continuar, usando tempo do respectivo grupo parlamentar.
Tem então a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel, relator dos pareceres da Comissão de Agricultura e Mar, para fazer uma apresentação sintética.
O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório e parecer da Comissão de Agricultura e Mar relativo ao projecto de lei n.º 208/VI - Alargamento do acesso da prática da caça a todos os caçadores (PCP), é do seguinte teor:

l - O Partido Comunista Português, com a presente iniciativa visaria «preencher as lacunas e corrigir as distorções mais importantes do actual regime jurídico». A obtenção desse objectivo, segundo os autores dessa iniciativa, passaria por
Criação obrigatória de «corredores» entre zonas de regime cinegético especial para caça livre;
Maior equilíbrio entre os dias de caça;
Limites à expansão das zonas de caça especiais;
Redefinição de critérios para criação de zonas de caça associativas;
Obrigatoriedade da criação de zonas de caça sociais;

Afectação de receitas.

Fundamentalmente, este projecto tende à introdução de alterações legislativas, já anteriormente pretendidas com a apresentação do pedido de ratifica-

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cão n.º 55/VI, da autoria do mesmo partido, ao Decreto-Lei n.º 251/92, o qual após discussão, foi rejeitado por deliberação desta Comissão.
2 - O quadro legal desta matéria tem estado sucessivamente consubstanciado nos seguintes diplomas: Lei n.º 30/86, de 27/8; Decreto-Lei n.º 311/87, de 10/8; Decreto-Lei n.º 43/90, de 8/2; Decreto-Lei n.º 60/91, de 30/1, e ainda o Decreto-Lei n.º 251/92, de 12/11.
3 - Da eventual aprovação deste projecto resultaria significativa alteração ao atrás referido Decreto-Lei n.º 251/92.
4 - Nos termos legais e constitucionais, não se afiguram quaisquer obstáculos que impeçam a apreciação do presente projecto de diploma, pelo que está o mesmo em condições de subir a Plenário, reservando-se cada grupo parlamentar a, nessa sede, expressar as suas posições de fundo.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório e parecer da Comissão de Agricultura e Mar relativo ao projecto de lei n.º 326/VI.- Para a protecção, gestão e fruição dos recursos cinegéticos (PS), é do seguinte teor:

1 - A presente iniciativa do Partido Socialista, fundada numa alegada polémica, segundo os seus autores gerada pela actual legislação, tem por objecto «a protecção, gestão e fruição justa e racional dos recursos cinegéticos».

Na perspectiva dos seus autores, pretender-se-ia, com este projecto de diploma, introduzir correcções ao actual quadro legai que passariam pela reformulação da calendarização dos actos cinegéticos e alteração, em termos de áreas concelhias, dos regimes cinegéticos contemplados na lei em vigor, bem como os ordenamentos fiscalizadores e sancionatório.

2 - O quadro legal desta matéria tem estado sucessivamente consubstanciado nos seguintes diplomas: Lei n.º 30/86 de 27/8; Decreto-Lei n.º 311/87, de 10/8; Decreto-Lei n.º 43/90, de 8/2; Decreto-Lei n.º 60/91, de 30/1, e ainda o Decreto-Lei n.º 251/92, de 12/11.

3 - Da sua eventual aprovação decorrerá a necessidade de adaptação da legislação em vigor, uma vez que esta iniciativa não contempla a globalidade da legislação atrás referenciada.

4 - Atendendo à estrutura e medidas propostas, é previsível uma alteração, quer das receitas, quer dos encargos resultantes da actividade cinegética.

5 - Nos termos legais e constitucionais, não se afiguram quaisquer obstáculos que impeçam a apreciação do presente projecto de diploma, pelo que está o mesmo em condições de subir a Plenário, reservando-se cada grupo parlamentar a, nessa sede, expressar as suas posições de fundo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para utilizar a palavra na qualidade de autor do projecto de lei n.º 208/VI, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, vou realmente usar esta faculdade de apresentar o projecto. antes de subir à tribuna para fazer uma intervenção sobre a nossa iniciativa.
Como é do conhecimento público, tem-se vindo a avolumar situações de tensões, desequilíbrios e divisões entre os caçadores, situações essas que são resultantes da actual legislação da caca.
É entendimento do PCP que há que olhar para o aproveitamento dos recursos cinegéticos segundo todos os seus ângulos e todas as suas vertentes.
Estamos de acordo com a perspectiva de que os recursos cinegéticos devem e podem ser organizados enquanto actividade económica, por isso, muito se fala de economia da caça. As reservas podem ser uma das soluções para esse problema e também para apoiar o ordenamento e a defesa do património cinegético, mas é também outra solução a compatibilização desta vertente com a necessidade de todos os caçadores, sem exclusões, por razões de natureza económica, poderem ter acesso à prática da caça, desde que cumpram o que está legislado.
O que verificamos é que a actual legislação tem sido promovida e aplicada tendo em conta somente um dos ângulos do problema da caça como actividade económica ou como actividade lucrativa ou, inclusivamente, como actividade especulativa. Esta forma de ver o problema, pondo em causa uma actividade lúdica, cultural, eminentemente popular, prosseguida de gerações em gerações de portugueses, tem vindo a criar os conflitos e as tensões que conhecemos.
É evidente que como matriz de referência destes dois elementos, entendemos que deve estar sempre presente a necessidade de preservar e fomentar os recursos cinegéticos.
Foi por isso que apresentámos uma iniciativa legislativa, procurando introduzir um equilíbrio neste processo que está profundamente desequilibrado. Introduzir elementos - que irei apresentar quando fizer a minha intervenção - que permitam, por um lado, garantir a caça como actividade económica e, por outro, compatibilizá-los com o direito a todos os caçadores de poderem fruir desta actividade. Tal situação está longe de se conseguir, tem, por isso, originado problemas crescentes e não tem promovido, ao contrário do que a legislação se propunha, a própria preservação e o fomento dos recursos cinegéticos.
É este o sentido global do nosso projecto de lei, que terei oportunidade de desenvolver quando subir à tribuna.

O Sr. Presidente: - Como autor do projecto de lei n.º 326/VI, tem também a palavra o Sr. Deputado Luis Capoulas Santos, no tempo regimental de cinco minutos.

O Sr. Luis Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista tem vindo a seguir, com crescente preocupação, o avolumar de tensões sociais e de situações que indiciam alguma eminência de confrontos físicos. Entendemos, pois, que há que evitar, por todos os meios, essa situação.
O momento que agora se vive e a situação de tensão social que o caracteriza decorrem de duas questões essenciais. Por um lado, é manifesto, e neste momento não suscita dúvidas a ninguém, que o quadro legal em vigor não é cumprido e entendemos que as leis, quer sejam boas ou más, devem ser cumpridas. Por essa razão, propomos introduzir mecanismos que garantam o efectivo cumprimento da lei.
Por outro lado, pensamos que a lei existente carece de algumas correcções, apesar de estarmos de acordo, em termos gerais, com a concepção subjacente ao quadro legal em vigor, porque entendemos que a caça é um bem

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escasso que carece de ser preservado. Mas, para tal, tender-se-á progressivamente a fazer com que os caçadores e os agricultores participem na gestão deste recurso. Só que não é possível passar de uma situação como foi aquela que caracterizou o período subsequente ao 25 de Abril, porque houve reacções suscitadas pela concepção que prevaleceu até essa data, e, portanto, se não defendemos o retorno ao período subsequente ao 25 de Abril muito menos defendemos o retorno ao 24 de Abril.
A prática da legislação em vigor tem vindo, progressivamente, sob a égide de que se combatem os desmandos de 1975, a repor, do meu ponto de vista ainda mais criticável, aquilo que caracterizou a situação até ao dia 25 de Abril de 1974.
Assim, propomos um conjunto de inovações que apontam no sentido de introduzir maior transparência na concessão e extinção de reservas. Propomos a criação de organismos próprios - e terei daqui a pouco oportunidade de explicitar -, para que a falta de transparência que boje caracteriza o processo de atribuição de reservas possa ser eliminado.
Propomos, pela primeira vez, que se assuma a sério a questão do controlo das espécies abatidas, uma vez que, neste momento e apesar de a lei o prescrever, não há manifesto controlo dessas espécies, contribuindo, desta forma, para a delapidação dos recursos preciosos sem a verdadeira noção da sua quantificação.
Entendemos, pois, que as autarquias, os caçadores, os ambientalistas e os agricultores têm de ter um papel determinante nesta matéria, pelo que propomos uma possibilidade de intervenção muito mais activa.
Entendemos também - e nisso opomo-nos com toda a clareza ao projecto ultraliberal do PSD - que o Estado tem de assumir as suas responsabilidades nesta matéria, e procuramos, por essa razão, aumentar o número de reservas de caça nacionais por forma a criar disseminadamente pelo País um conjunto de santuários...

Protestos do Deputado do PSD Vasco Miguel.

O Sr. Deputado vai ter oportunidade de intervir no debate. Suponho que esta é uma fase regimental de apresentação do projecto de lei, percebo o seu nervosismo, percebo a sua preocupação, mas vai ter possibilidade de contra-atacar no momento que julgar oportuno.
Como estava a dizer, entendemos que a perspectiva ecológica deve ser acentuada. Isto é, além da participação activa dos ambientalistas neste processo, propomos também um maior número de exigências para a obtenção da carta de caçador, por forma a que SÓ % da matéria que é objecto de avaliação de conhecimentos incida sobre questões de natureza ecológica. Desta forma, pretendemos aumentar a educação cívica e a consciência ecológica dos caçadores.
Por outro lado, entendemos que os caçadores são como os demais portugueses, pelo que devem ter a mesma dignidade perante a lei. Por essa razão, propomos que os dias de caça e as épocas venatórias sejam rigorosamente iguais para todos os caçadores, independentemente do regime cinegético onde cacem.
Propomos também que seja limitada a 50 % a área máxima de cada concelho a sujeitar ao regime cinegético especial. Ao limitar regionalmente essa percentualidade estamos a evitar que, como neste momento acontece, as zonas com maior aptidão cinegética sejam integralmente ocupadas por reservas de caça, deixando os caçadores de menores recursos sem locais para poder exercitar uma
prática que entre nós tem raízes ancestrais e uma componente cultural que não pode, em circunstância alguma, ser negligenciada.
Por último, propomos agravar drasticamente as sanções pelos crimes praticados e contra-ordenações à legislação da caça, bem como generalizar a interdição de caçar a praticamente todas as infracções pelo período de 2 a 10 anos. Pensamos que só desta forma se combaterá a caça furtiva e se impedirá o comércio irregular de peças abatidas.
São estas, em suma, as motivações que levaram à apresentação deste projecto de lei, que confrontará hoje nesta Câmara, com as suas responsabilidades, todos os Deputados por aquilo que possa vir a suceder no futuro em Portugal. Neste momento há já uma situação que nos preocupa e todos nós, políticos, temos obrigação de a evitar enquanto é tempo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Há exactamente dois meses, aquando do pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 251/92, que desenvolve os princípios inscritos na Lei da Caça de 1986. contra a qual - importa recordá-lo - o PCP votou na altura, debatemos aqui, por iniciativa do PCP. as questões decorrentes da actual legislação da caca.
Nessa altura tivemos aqui o Sr. Secretário de Estado da Agricultura Álvaro Amaro, paladino da actual lei da caca e do crescimento desordenado e desequilibrado das reservas de caça.
Infelizmente não está cá hoje, porque a sua presença seria necessária para dizer-lhe que se alguma coisa mudou de então para cá foi, como prevíamos (portanto, não como ele dizia), o agravamento das situações de tensão social decorrentes da actual legislação sobre a caça e o aumento, no Ministério, da pressão e da influência dos lobbies ligados às reservas de caça.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E porque tal presença também será necessária para que o Sr. Secretário de Estado prestasse contas das promessas que na altura fez e que vou agora relembrar. Assim, iríamos ter oportunidade de ler no Diário da República algumas portarias a suspender zonas de caça do regime cinegético especial por não cumprimento da lei. Até hoje nada disto sucedeu! No Diário da República ainda não lemos nada e o que aconteceu foi o agravamento de todos os desequilíbrios resultantes do actual regime e a multiplicação de ilegalidades.

Qual é a situação hoje?

Mais de 1,7 milhões de hectare de zonas submetidas ao regime cinegético especial; 1270 reservas de caça (isto anteontem, porque estes dados mudam todos os dias), das quais somente 7 são reservas sociais; concelhos como Mourão, Arraiolos, Portei Monforte, Mértola e Moura têm muito mais de metade da sua área coberta por reservas de caça; distritos como Bragança, Évora e Lisboa, entre outros, têm 30 % a 40 % de toda a superfície abrangida por zonas de regime cinegético especial. E isto sem contar ainda com a ameaça de cerca de 300 novos processos pendentes na Secretaria de Estado e prestes a serem transformados em outras tantas novas reservas!

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Isto é, Srs. Deputados, tem-se agravado todos os dias o desequilíbrio entre os menos de 10 % de caçadores inscritos nas reservas e os mais de 90 % de caçadores do regime geral, muitos sem lugar para caçar. Portanto, têm-se agravado todos os dias as situações de injustiça social que estão na origem dos problemas de que todos nós temos tido conhecimento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nesta oportunidade importa relembrar claramente, e para que não restem dúvidas, a posição do PCP sobre esta matéria. Somos favoráveis à necessidade da criação de condições institucionais e orgânicas que permitam disciplinar a prática da caça e promover a preservação, fomento e reprodução dos recursos cinegéticos, mas não aceitamos que esse objectivo necessário seja feito à custa da possibilidade do exercício da caça para mais de 90 % dos mais de 250 000 caçadores existentes no País. Isto é, a solução do problema não está em serem dadas possibilidades de prática de uma actividade com larga expansão entre todos os grupos sociais do País a uma parte muito limitada dos devotos de Santo Humberto, excluindo, assim, o grosso dos praticantes, nos quais se incluem os próprios pequenos proprietários de terrenos encravados.
Isto é, para os menos conhecedores - e, infelizmente, não temos cá hoje o Sr. Deputado António Lobo Xavier, que na altura mostrou algum desconhecimento mas interesse por este problema - a lei prevê que existam áreas de terrenos que, mesmo contra a vontade dos seus proprietários ou titulares de outros direitos, sejam agregadas às reservas de caça, chegando-se ao absurdo desses proprietários, normalmente pequenos agricultores, não poderem caçar nos seus próprios terrenos.
Acresce que a caça é uma actividade eminentemente popular. Há na Europa comunitária para cima de 6,5 milhões de caçadores. Não existem em Portugal - eu. pelo menos, não conheço - estudos sobre a composição social dos 250 000 caçadores existentes. Mas em França, por exemplo, onde existem cerca de 2 milhões de caçadores, 68 % são operários, agricultores, reformados e empregados e 30 % são quadros médios e superiores e comerciantes.
Em Portugal a diferença será, seguramente, ainda mais acentuada, o que significa que são as categorias sociais de rendimentos mais modestos que representam o grosso dos caçadores. São, pois, esses mesmos que acabam por ficar impossibilitados de caçar, por não terem meios financeiros de acesso às reservas de caça.
A lei da caça justifica a criação do regime cinegético especial com a necessidade de ordenar o património cinegético e assegurar o fomento e conservação dos respectivos recursos. Muito bem! Não ignoramos até que em muitas reservas, Sr. Deputado Vasco Miguel, os membros das respectivas associações procuram assegurar condições de preservação e renovação do capital cinegético. Há até exemplos de caçadores que, enamorando-se desse trabalho, acabam por deixar de ter desejo de matar.
Mas também não podemos ignorar - e V. Ex.ª com certeza que também não o fazem - que em muitos e muitos casos não há qualquer preocupação dessa natureza. Caça-se fora dos dias e até antes da época abrir (para além de, por si só, a lei já permitir um enorme desequilíbrio entre os dois regimes); não há qualquer controlo das espécies abatidas; abatem-se espécies protegidas; não há fiscalização (ou melhor, a fiscalização é tão-somente para penalizar os caçadores do regime geral que se aventurem em terrenos das reservas). Não consta que até ao momento tais reservas tenham sido punidas.
Recordo que em Agosto de 1992 foi nomeado um grupo de trabalho, por despacho conjunto dos Ministérios da Agricultura e do Comércio e Turismo, com o objectivo de estudar e fiscalizar as zonas de caça turísticas. Também não se conhecem. Srs. Deputados, quaisquer resultados dessa fiscalização. E quanto haveria, seguramente, a fiscalizar nas reservas turísticas e nas restantes reservas...
Por isso, desafiamos o Governo a que nos informe sobre os resultados da fiscalização efectuada. Aliás, nós próprios iremos requerer ao Governo que nos entregue o balanço dos resultados da fiscalização efectuada.
Quanto à matéria de ordenamento das reservas de caca. estamos conversados. A norma legal, que urge ser alterada e que define que a área total submetida a regime cinegético especial pode ir até 50 % da área total de cada região com aptidão cinegética permite (como, de resto, está a permitir) que haja concelhos e freguesias seguidas, por quilómetros e quilómetros, cercados e aramados, sem qualquer possibilidade dos caçadores do regime geral, dos caçadores locais caçarem e palmilharem os quilómetros que eles, os seus pais e avós sempre tinham palmilhado.
Um outro conjunto de questões que a aplicação da actual legislação tem propiciado é o que se liga ao tráfico de influências e ao favoritismo ilícito na concessão de reservas de caça. Multiplicam-se permanentemente as notícias de envolvimento de altos responsáveis da Administração Pública na concessão de zonas de caça em que têm interesses directos ou de casos de altos funcionários das divisões de caça das administrações florestais, responsáveis por pareceres para a constituição de zonas de caça e que são simultaneamente directores de gabinetes técnicos privados, que elaboram os próprios projectos sobre as quais depois exaram pareceres. Tenho aqui - e os Srs. Deputados também tem - o exemplo concreto de Amarante e do Marão. Muitos mais seguramente haverá!
Nesta, como noutras áreas da vida nacional, quer queiram quer não, o Governo promove a especulação, estimula a divisão entre portugueses, semeia e alimenta os factores geradores de injustiça social.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: A importância económica da caça deve ser reconhecida e a actividade de aproveitamento dos recursos cinegéticos pode ser significativa para o crescimento económico das regiões e até, em certas condições, como fonte complementar dos rendimentos para os agricultores.

Só que, também, nada ou muito pouco disto se tem verificado!

As reservas de caça (até pelas isenções e derrogações que têm beneficiado) não têm contribuído até agora com um único centavo para o desenvolvimento, designadamente para o desenvolvimento regional, limitando-se a ser fonte de enriquecimento para alguns.
É, pois, necessário, Srs. Deputados, encontrar uma solução equilibrada entre os diversas direitos e interesses, muitos deles conflituais, que atravessam o aproveitamento, fomento e preservação dos recursos cinegéticos.
O direito dos caçadores, de todos' os caçadores sem exclusões por razões de natureza económica, à prática da caça e a importância da caça como actividade económica são dois objectivos que não podem» por sua vez, deixar de ter sempre como linha de referência a necessidade de ser preservado e fomentado o capital cinegético, que é um bem renovável mas finito.

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O modelo das zonas de regime cinegético especial devidamente ordenado - que é o que não acontece agora! - pode ser uma parte da solução; a outra parte é o equilíbrio entre o regime especial e o regime geral (o que também não sucede agora).
Ora, a actual legislação e a sua aplicação têm desequilibrado as várias vertentes desta questão. Vê a caça unicamente do ponto de vista de uma actividade económica lucrativa e especulativa, sem qualquer senado de justiça social criando caçadores de primeira e de segunda, criando cidadãos com direitos diferentes, sem igualdade de oportunidades no acesso à fruição dos recursos cinegéticos. Ao mesmo tempo, o Governo, e, em particular, o Secretário de Estado Álvaro Amaro, fecha os olhos à realidade e aos problemas que ele próprio cria, recusa o diálogo com os caçadores, privilegia lobbies, promove ele próprio a instabilidade e a divisão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A actual lei deve, pois, ser profundamente alterada. Mas, sem prejuízo dessa alteração futura que se impõe, o PCP entendeu avançar desde já com algumas alterações limitadas que permitissem, em vésperas do início de uma nova época de caça, repor algum equilíbrio em todo este quadro e, sobretudo, repor princípios de equidade e justiça social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Propostas de alteração, aliás, que já avançámos no essencial quando aqui discutimos a ratificação do Decreto-Lei n.º 251/92, que o PSD rejeitou mas que hoje retomamos com a vaga esperança de que, entretanto, tenha havido tempo para os Srs. Deputados do PSD reflectirem nelas e na sua justeza.

O que propomos então?

Que as reservas de caça não possam exceder 50 % da área total cinegética de cada município; que seja realizado o ordenamento cinegético.
Para obrigarmos a fazer isso propomos que as zonas de caça do regime especial não possam exceder - e isto deveria acontecer em função da especilidade de cada região, porque na zona do minifúndio a solução não é a mesma da zona de grande propriedade - de forma contínua 5000 ha, criando-se corredores entre elas.
Mais do que a medida em si, o que pretendemos com esta proposta é obrigar à revisão e ao reordenamento das reservas de caça existentes; que só seja permitido caçar nos mesmos dias tanto nas zonas de caça associativas e sociais como do regime geral; que haja a obrigatoriedade das associações de caçadores concessionárias de zonas de caça associativas serem constituídas por um mínimo de um terço de associados residentes no concelho ou concelhos limítrofes das respectivas zonas de caça; que haja a obrigatoriedade de criação de zonas de caça sociais em cada região cinegética, com uma distribuição espacial regular e abrangendo uma área total não inferior a um décimo do tocai das áreas ocupadas por zonas de caça associativas e turísticas; as licenças e taxas a pagar pelas reservas de caça devem reverter para o município onde se encontre instalada a sede da respectiva zona de caça e 25 % delas devem reverter para as associações de caçadores concessionárias das respectivas zonas de caça (e estas associações de caçadores concessionárias são uma minoria no conjunto de associações de caçadores que existem no País); as asso
ciações de caçadores concessionárias de zonas de caça associativas devem ter a sua sede social instalada no município ou num dos municípios onde se situa a respectiva zona de caça.
É, Srs. Deputados, um projecto sério e equilibrado. Por isso insistimos nele, merecendo ser aprovado.
O Grupo Parlamentar do PS apresentou, mais recentemente e hoje também em debate, um projecto de lei da caça. É um projecto de lei ao qual devem ser criadas condições para ser debatido na especialidade, sem prejuízo de considerarmos que o projecto de lei do PS repete muitas das normas da actual legislação e das próprias propostas do PCP.
Não é, por isso, um projecto de lei que vise substituir globalmente a actuai - porque para tanto seria insuficiente -, mas alterar simplesmente algumas das suas normas (para o que não seria necessário repetir tantas disposições da actual lei).
As comissões municipais de caça que propõem copiam grande parte das disposições e funções que enquadram os actuais concelhos cinegéticos previstos na lei (de que, aliás, poucos se constituiriam ou pouco intervieram).
Contudo, a atribuição a estas comissões de parecer vinculativo sobre a criação de zonas de caça especiais é uma disposição positiva. Chamo a atenção do PS para a contradição entre os n.ºs l e 2 do artigo 1.º no n.º l propõe que a comissão seja presidida por um representante da câmara municipal, mas no n.º 2 propõe a eleição do presidente entre os membros da comissão.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Está mal feito!

O Orador: - As propostas para o exame de caçador parecem-me desnecessariamente complicadas e as disposições propostas para as zonas de caça sociais e associativas são, na prática, iguais às actuais.
Em sede de especialidade teremos, com certeza, oportunidade de melhorar a vossa proposta e fazer da conjunção dos elementos inovadores do nosso e do vosso projecto um texto final que permita construir um quadro legal mais equilibrado e mais justo que o actual. Assim o PSD o permita!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É urgente, porque se avizinha a abertura de uma nova época de caça, que o bom senso atravesse o Governo e os Deputados do PSD para que não se voltem a criar situações de conflito, como as que tem surgido. E nesse aspecto todos nós, e V. Ex.ª em particular, temos responsabilidades. Mas o bom senso deveria levar a que fossem de imediato suspensas as centenas de processos que estão no Gabinete do Secretário de Estado Álvaro Amaro à espera de despacho para a abertura de outras tantas reservas de caça e que só vão agravar a actual situação.
O bom senso e o interesse do País deveria levar a que fosse iniciada uma reflexão de fundo sobre o actual regime cinegético, no sentido de este ser alterado profundamente. Propomos que a Assembleia e a Comissão de Agricultura e Mar tenham a iniciativa dessa reflexão profunda sobre o actual regime cinegético, juntamente com as associações e as federações de caçadores.
Esperemos que o PSD tenha a coragem de aprovar os projectos de lei hoje em debate como um contributo, um pontapé de saída para essa reflexão mais global e essa alteração de fundo que a vida, como sempre o previmos

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- mesmo quando outros que hoje se opõem à legislação votavam a favor -; está inevitavelmente a impor.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tendo em conta as palavras do Sr. Deputado Lino de Carvalho, gostaria de dar a seguinte informação: consta do processo uma substituição da página 4 do capítulo que abrange o artigo 1.º do projecto de lei do PS, onde está eliminada, no n.º 2, a palavra «Presidente».

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, nós ainda não dispomos dessa informação.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, antes de mais, na qualidade de presidente da Comissão de Agricultura e Mar, aceito o seu desafio e, a seu tempo - o tempo considerado oportuno -, analisaremos essa questão.
Estranhei que V. Ex.ª tenha gasto mais de dois terços da sua intervenção em considerações que qualifico de gerais, mas nem por isso menos relevantes, e em algumas alusões ao diploma do PS. Ou seja, restou muito pouco tempo para aquilo que, concretamente, diz respeito ao vosso projecto de lei. Será que isso significa menos fé, menos crença ou menos interesse no vosso projecto? Deixo-lhe esta questão.
Ainda no domínio dessas considerações gerais, o Sr. Deputado explanou longamente críticas ao regime cinegético especial. Sr. Deputado, vou falar-lhe de memória, mas gostaria de pôr à sua consideração esta situação: o conjunto de reservas que hoje existem - e, repito-o, vou referir números de memória - representarão cerca de 12 % do território nacional. Com esses 12 % do território nacional abarcamos já mais ou, pelo menos, cerca de - e. continuo a falar de memória - 50 000 a 60 000 caçadores. Se assim é, proporcionalmente, com 50 % a 60 % de regime cinegético especial cobriríamos a totalidade dos caçadores.
Posto isto, peco-lhe que reflicta sobre o seguinte: sendo assim, por que não acreditar nos caçadores? Por que não defender a solução que entrega, confia e comete aos próprios caçadores a gestão e a fruição da caça? Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se perfilha ou não este raciocínio ou, pelo menos, se o considera lógico.
Relativamente as propostas concretas, particularmente a da criação dos corredores, gostaria de colocar-lhe uma outra questão. Posso desde já dizer-lhe que a considero uma solução tecnicamente errada, injusta e imoral. É errada, porque impede, segundo o raciocínio expendido na minha primeira questão, que sejam os próprios caçadores a gerirem essas zonas; é injusta, porque não há propostas de mecanismos que possam equilibrar os interesses entre os proprietários dessas zonas e as zonas vizinhas ocupadas com o regime cinegético especial, e é imoral, porque isso permitiria que alguém que não contribui para a conservação e fomento das espécies cinegéticas delas pudesse vir a usufruir.
Sr. Deputado, peco-lhe que, utilizando a sua franqueza habitual, me diga se está de acordo com esta solução da criação dos corredores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antunes da Silva, registo o compromisso que aqui assumiu, enquanto presidente da Comissão de Agricultura e Mar, na resposta ao repto que lhe lancei, aceitando a minha proposta para que a Comissão inicie uma reflexão de fundo sobre os problemas da caça em Portugal juntamente com as associações e federações de caçadores.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - E não só!

O Orador: - Só por isto, Sr. Deputado, penso que já valeu a pena termos feito hoje aqui esta discussão.

A minha segunda questão tem a ver com a estranheza sentida pelo Sr. Deputado relativamente ao tempo que, na minha intervenção, dediquei, por um lado, às considerações gerais e, por outro e comparativamente, ao nosso projecto de lei.
Sr. Deputado, em primeiro lugar, os problemas da caça não se esgotam no projecto de lei do PCP; além do mais, tive oportunidade de, no essencial, resumir e reproduzir todas as propostas que fizemos, não tendo esquecido qualquer delas. Agora não é possível compreendê-las sem ter uma visão geral sobre o que se passa hoje com a caça e com os recursos cinegéticos no País. Julguei por bem lembrá-lo, porque os Srs. Deputados do PSD, muitas vezes, fazem que não sabem, isto é, como o Governo, fecham os olhos à realidade; só que depois a realidade passa-vos por cima, criando os problemas que hoje estão à vista.
Além do mais, o nosso projecto foi distribuído há muito tempo, sendo, por isso, conhecido - e os Srs. Deputados, como estudiosos que são, certamente tiveram tempo de o ler.
Sr. Deputado Antunes da Silva, a área actualmente ocupada pelas zonas de caça não é só de 12%, como referiu! Neste momento elas já ocupam 19,7 % da área total do País - e nem sequer da área cinegética!

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Quantos caçadores abarca?

O Orador: - Que eu saiba, não há números sobre isso.

Mas, para além deste número abstracto, verificamos, na realidade concreta, que as zonas com real aptidão cinegética estão todas cobertas por reservas de caça!
Por outro lado, os terrenos que ficaram livres para a caça, sobretudo nos grandes distritos e nas grandes regiões de recursos, como os casos do Alentejo e de Bragança, são terrenos pobres, sem caça, onde ninguém pode caçar.
Assim, os caçadores que não pertencem às- reservas, porque não querem, já que ninguém é obrigado a associar-se, ou porque não podem, já que não tem meios financeiros para pagarem 1000, 800 ou 500 contos por uma porta numa reserva de caça turística ou dezenas de contos por caçar numa reserva de caça associativa, acabam por não ter onde caçar.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado: acha isso justo? Acha justo que 10 %, ou um pouco mais, se quiser, dos 250 000 caçadores existentes em Portugal possam caçar e que 90 % desses 250 000, exactamente os de menores recursos, estejam impossibilitados de o fazer? Não é da opinião de

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que isso está na origem de todos os desequilíbrios e das desigualdades de oportunidades que geraram os conflitos e as divisões actuais? O Sr. Deputado não tem consciência de que este problema tem de ser resolvido?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à sua sugestão de a caça ser entregue aos caçadores, concordo com ela; concordo que sejam os caçadores a querer a caça. Mas que caçadores? Que associações de caçadores? Nesse caso, ter-se-á de encontrar um regime em que todos tenham acesso a isso. É que, com este regime, nem todos o têm! Inclusivamente, as associações de caçadores que fazem parte de reservas de caça são uma minoria. Mais: a maior parte das associações de caça tradicionais, ou seja, mais genuinamente ligadas à tradição da caça, não fazem parte de reservas de caça. Portanto, há que encontrar uma solução que, contrariamente a esta, consiga alcançar um equilíbrio.
Quanto aos corredores, Sr. Deputado, assumo que é uma proposta polémica.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Já é alguma coisa!

O Orador: - E assumi-o naquela tribuna! Mas o problema central. Sr. Deputado, é que não seria preciso falar em corredores se tivesse havido, desde o início, o cuidado de ordenar as reservas de caça.
Porém, como não se fez isso, agora têm de encontrar--se soluções que são um mal menor, cortando-se, pelo menos, as reservas de caça diagonalmente, ou como se queira, de modo a criar zonas de caça livre. O que proponho visa, sobretudo, esse objectivo.
De facto, o meu projecto, a ser aprovado, obrigaria a um reordenamento completo das reservas de caça no País. É isso o que é necessário e o que pretendemos, porque essa, sim, é uma solução justa para resolver os problemas actuais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados do PSD, apelo ao vosso bom senso e ao vosso sentido de responsabilidade para que se encontrem soluções, estas ou outras, que vão ao encontro dos problemas com que hoje se debate o mundo da caça em Portugal, de modo a criarem-se soluções equilibradas que preservem e fomentem os recursos cinegéticos e que assegurem a caça como actividade económica, como actividade associativa e como actividade lúdica, à qual devem ter acesso todos os caçadores, não excluindo quem quer que seja por razões económicas.

É este o repto que aqui deixo.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Concordo com esse objectivo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A aplicação pelos governos do PSD da legislação em vigor sobre a caça tem vindo a gerar ampla controvérsia e a criar condições propícias à deflagração de confrontos sociais de consequências difíceis de prever e que o simples bom senso impõe que se evitem.
O projecto de lei apresentado pelo PS, e hoje aqui em discussão, tem como principais objectivos reinstalar a paz.
a concórdia, a tranquilidade e a segurança entre iodos os portugueses, e particularmente entre os que têm a caça como principal actividade lúdica.
Não é um projecto contra ou a favor de quem quer que seja. As propostas que defendemos parecem-nos susceptíveis de dar resposta aos anseios de todos os que. no regime cinegético geral ou no especial, entendem que os recursos cinegéticos são escassos e que para os preservar e fruir justa e racionalmente, é necessário estabelecer e respeitar regras e banir egoísmos.
A prática do acto venatório pode ser realizada com maior justiça conciliando a preservação das espécies e o respeito pela natureza com o aproveitamento económico dos recursos cinegéticos e do turismo rural, enquanto factores de apoio a um sector de actividade em contexto de crise, como é o da agricultura.
Para que tal possa suceder é necessário pôr cobro à situação de verdadeiro escândalo que hoje se vive em Portugal neste domínio.
Existem para isso duas vias que são complementares: primeiro, criando condições para que a legislação seja cumprida; em segundo lugar, introduzindo correcções e inovações no quadro legal vigente, tendentes a alterar os aspectos que sete anos de pretensa aplicação da lei pelos governos do PSD vieram demonstrar serem co-responsáveis pelo sentimento de injustiça e de revolta que hoje está generalizado a todos os caçadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao incumprimento da legislação em vigor, em 4 de Março passado já tive oportunidade de referir nesta Câmara, sem que tivesse sido contestado por nenhuma bancada que, entre outras anomalias, existem sócios fictícios em número indeterminado de reservas de caça; muitas reservas turísticas nada têm a ver com o turismo e constituem meras capas de verdadeiros coutos de caça privados; os critérios para o deferimento de reservas de caça não têm sido claros, sendo voz corrente a existência de relações de promiscuidade entre quem decide e quem extrai benefícios das decisões; os planos de ordenamento e de exploração não têm sido minimamente fiscalizados pelos serviços competentes do Ministério da Agricultura e não tem sido efectuado qualquer controlo das espécies abatidas.
Para que não subsistam dúvidas quanto à vergonhosa situação existente, cujas responsabilidades não podem deixar de ser assacadas ao Ministério da Agricultura e ao Governo, referirei, como exemplo paradigmático, a situação num dos concelhos com maior aptidão cinegética do país - Mértola -, cuja denúncia a sua Associação de Defesa do Património trouxe recentemente a público sem qualquer desmentido por quem de direito.
Em Setembro de 1992 64 % da área total do concelho estava já ocupada por reservas associativas ou turísticas, correspondendo a 39 projectos aprovados.
Não só não foi estimulada a criação de qualquer zona de caça social, como foram inviabilizadas duas iniciativas das autarquias locais nesse sentido.
Apesar de todos os projectos referirem a criação de postos de trabalho, apenas 11 dos 39 os quantificaram; estes 11 projectos, que foram aprovados no pressuposto da criação, para além dos guardas florestais, de 48 postos de trabalho permanentes e de 70 eventuais, apenas foram responsáveis pela contratação de 11 trabalhadores permanentes e de 13 eventuais.

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No que se refere a iníra-estnituras turísticas, dos 121 quartos previstos e aprovados apenas se concretizaram 51, metade deles numa única reserva, onde, aliás, já existiam, incluindo-se nos restantes algumas residências dos próprios proprietários dos terrenos integrados nas reservas; dos 4 pavilhões de caça previstos nenhum foi construído; dos 15 campos de treino propostos apenas l funciona; dos 13 percursos da natureza perspectivados nenhum é conhecido e das 5 actividades equestres propostas apenas l teve concretização.

Porém, das 14 acções previstas para controlo de predadores foram levadas a cabo 24, na maioria dos casos sem critérios, tendo-se dizimado espécies em vias de extinção, tais como o grifo e a águia cabreira, e tendo-se chegado mesmo a instituir prémios para o seu abate, e dos 51 guardas florestais privados admitidos apenas a l foi concedida formação.

Refira-se ainda que bastantes processos de candidatura, sobretudo os das reservas turísticas, foram feitos pelas mesmas empresas e são praticamente iguais, sendo mesmo algumas páginas simples fotocópias, onde apenas o número foi rasurado e substituído.

No exemplo concreto deste concelho, feitas as excepções honrosas aos seis ou sete casos que respeitam a lei e cumprem de forma relevante os seus objectivos, a aplicação que o governo do PSD fez da legislação sobre a caça não cnou riqueza nem postos de trabalho, interditou aos habitantes do concelho o acesso a uma prática ancestral, não preservou a caça nem deu qualquer contributo para o desenvolvimento rural ou a promoção do bem-estar das populações. Apenas fez alastrar a revolta e multiplicar os incêndios, que atingiram, no ano transacto, neste município, uma dimensão antes nunca vista.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por todas estas razões, tenho a honra de ser subscritor do projecto de lei n.0 3267 VI, que, sem colidir no fundamental com as concepções subjacentes à Lei n.º 30/86, de 27 de Agosto, introduz correcções e inovações, que, no momento presente, não só se justificam como plenamente se impõem.

Assim, ao propor a criação de comissões municipais de caça e de protecção da fauna, dotadas de amplos poderes e dos meios financeiros adequados e participadas por todas as partes interessadas (administração, ambientalistas, caçadores e agricultores), tomam-se mais eficazes, céleres e transparentes os processos de aprovação e de extinção de reservas de caça.

Ao propor a criação de postos de controlo e marcação de espécies abatidas nos municípios cem aptidão cinegética, introduz-se, pela primeira vez, uma real e efectiva quantificação das espécies abatidas e um verdadeiro controlo sobre a detenção, o transporte e a comercialização de peças de caça, única forma de combater a caca furtiva e o comércio dos exemplares irregularmente capturados. Ao atribuir às autarquias locais compensações financeiras adequadas, criam-se condições para que sejam estudados os habitais, recenseadas as populações faunísticas e efectuado o ordenamento cinegético, coisa que o Ministério da Agricultrua não faz.

Ao beneficiar os agricultores com as receitas provenientes da caça, estimula-se neles o seu fomento e protecção.

Ao tornar obrigatória a existência de, pelo menos, uma reserva de caça nacional em cada município com aptidão cinegética, criam-se condições efectivas para a existência

de um vasto número de santuários disseminados pelo País, cujos reflexos na protecção e multiplicação das espécies não deixarão de fazer sentir-se a curto prazo.

Ao introduzir maior ngor na atribuição das cartas de caçador, obrigando a que, pelo menos, 50 % das matérias objecto de avaliação de conhecimentos incidam sobre questões de natureza ambiental, contnbui-se para a educação cívica e para a consciência ecológica dos caçadores.

Ao conceder tratamento favorecido as reservas turísticas, que o sejam efectivamente, comnbui-se decididamente para a criação de rendimentos complementares da actividade agrícola.

Ao igualizar, em ambos os regimes cinegéticos, os dias de caça e as épocas venatórias, introduz-se maior justiça social e contribui-se para que, anualmente, seja menor o número de exemplares abatidos.

Ao limitar a 50 % a área máxima por concelho a submeter ao regime especial, defendem-se os interesses legítimos dos caçadores locais e evita-se a excessiva concentração de reservas de caça nas zonas com maior apudão cinegética.

Ao agravar drasticamente as sanções para os crimes e contra-ordenações, actua-se preventivamente sobre o incumprimento da lei, uma vez que se generaliza a quase todas as infracções a interdição de caçar pelo período de 2 a 10 anos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: São estas, em suma, as propostas que submetemos à apreciação de VV. Ex.º, com total abertura a todos os contributos que possam enriquecê-las.

Estamos certos de que, deste modo, responderemos aos anseios de justiça tão insistentemente reclamados pelos caçadores de menores recursos, criaremos condições de estabilidade, tranquilidade e segurança aos caçadores que optaram pela caça associativa e protegeremos melhor os nossos recursos para que os possamos fruir mais justa e racionalmente.

Esta é uma proposta moderada, conciliadora de interesses aparentemente antagónicos e a resposta possível para esvaziar o clima de tensão que caracteriza o contexto presente.

Apelo a todos os Srs. Deputados no sentido da sua aprovação, na certeza de que o sentido da justiça e o estabelecimento da concórdia entre todos os portugueses é um objectivo que a todos nos une.

Quanto ao projecto do PCP, não inviabilizaremos a sua aprovação, para que seja possível, tal como foi proposto pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, iniciar sobre esta questão um amplo debate nacional que permita chegar a uma solução tão consensual quanto'possível...

O Sr. Antunes da Silva (PSD): — Isso já é uma nova proposta?

O Orador: — Sr. Deputado, referi que, relativamente ao projecto de lei do PCP, não inviabilizaremos a sua aprovação, para que seja possível, reunindo todos os contributos, discutir, em sede de Comissão, uma proposta, tão consensual quanto possível, que possa contribuir para o objectivo principal que aqui acabei de expor.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Antunes da Silva e Francisco Silva.

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Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luis Capoulas Santos, tentei esclarecer a sua aquiescência ao projecto de lei do PCP porque, se bem entendi, V. Ex.ª acabou de propor uma debate nacional, quando o que o Sr. Deputado Lino de Carvalho propôs, que aceitei, foi discutirmos estas questões no âmbito da Comissão, convidando para esse efeito, em momento oportuno, as entidades que entendêssemos.
Prestado este esclarecimento, passo às questões que pretendo colocar-lhe, o que terei de fazer rapidamente, porque também aqui temos de gerir o tempo - não são só os recursos cinegéticos que carecem de ser geridos.
Li com atenção o projecto de lei apresentado pelo PS, o qual me suscitou algumas dúvidas que procurarei agora esclarecer. Admiti que tais dúvidas fossem desfeitas com a sua intervenção, mas, infelizmente, isso não aconteceu - a deficiência deve ser minha.
Antes de mais, parece-me que o diploma em apreço foi feito um pouco apressadamente, dentro daquela ideia que me parece poder extrair-se do posicionamento do Partido Socialista, que é a de, sempre que há um foco de qualquer contestação, vir dizer que temos de ceder a essas contestações. Devo dizer que esperava muito mais do diploma que elaboraram, mas que não irá corresponder aos objectivos enumerados pelo Sr Deputado.
Começou o Sr. Deputado por dizer que se visa com este diploma reinstalar a paz. Não acredito nisso, Sr. Deputado, porque com a eventual aprovação do vosso diploma a sua aplicação seria tão difícil e - diria mesmo - impraticável que a confusão seria ainda maior. Se hoje não há paz, teríamos então ainda menos paz se eventualmente o diploma fosse aprovado.
Penso que já seria altura de o Partido Socialista abandonar soluções como as que propõe, ou seja, de aumentar o papel do Estado nesta matéria.

Risos do Deputado do PS António Campos.

Não se ria. Sr. Deputado António Campos, porque sabe qual é a minha posição sobre este assunto.
Pensei que o Partido Socialista já tivesse abandonado essas soluções, até por já terem sido abandonadas na maior parte dos países. Devo sublinhar, uma vez mais, à semelhança do que disse ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, que isso significa que o Partido Socialista não acredita na capacidade dos próprios caçadores e na possibilidade de serem eles a gerir, os recursos cinegéticos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é demagogia!

O Orador: - Se assim não fosse, não valeria a pena virem propor a criação de uma estrutura pesada que, na prática, nada iria resolver, porque se trata de soluções que já foram adoptadas e cujos resultados conhecemos. Mas isso significa essencialmente, para mim, que não confiam na capacidade de serem os próprios caçadores a gerir e a fomentar os recursos cinegéticos existentes.
Gostaria de considerar vários aspectos neste pedido de esclarecimento, mas limito-me a perguntar ao Sr. Deputado como é que os senhores tencionam interditar o acesso dos caçadores do regime cinegético especial ao regime cinegético geral. Como é que os senhores explicam estes desequilíbrios e contradições, para já não enumerar outros, constantes do vosso diploma.

Vozes do PSD: - Muito bem?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luis Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antunes da Silva, as questões que colocou apenas vieram demonstrar o que já era do nosso conhecimento: a profunda desorientação e o profundo nervosismo que atravessam essa bancada.

Vozes do PSD: - Isso já é velho!

O Orador: - As questões que acabou por colocar, além de serem facilmente rebatíveis, demonstram que V. Ex.ª não encontrou argumentos de fundo para contestar o presente projecto de lei.
Afirmou o Sr. Deputado não acreditar que por esta via se reintroduzam a paz, a confiança e a tranquilidade entre os Portugueses. Devolvo-lhe a pergunta: entende o Sr. Deputado que com a legislação neste momento a ser aplicada, que é da responsabilidade do seu partido, essa paz, essa segurança e essa tranquilidade estão asseguradas?
Diz o Sr. Deputado que o Partido Socialista, ao propor o modelo que propõe, não confia nos caçadores. Pelo contrário, Sr. Deputado, ao descentralizar a decisão e permitir que os caçadores decidam efectivamente, ao contrário 0o que agora acontece, e que sejam todos os caçadores a fazê-lo e não apenas alguns, que o Sr. Deputado sabe quem são, estamos precisamente a consignar na lei esse princípio, possibilitando que ao nível de cada município sejam tomadas as decisões mais relevantes sobre esta matéria e nem sequer conferindo o monopólio da decisão aos caçadores, por nela envolvermos igualmente os ambientalistas e os agricultores, que também têm a ver, naturalmente, com esta matéria. Conferimos ainda um papel fundamental às autarquias locais, que não podem ser dissociadas deste processo.
Perguntou ainda o Sr. Deputado como tencionamos interditar ao regime cinegético geral a prática da caça pelos caçadores do regime cinegético especial. Começou por citar o Sr. Deputado, na intervenção anterior às perguntas que acaba de colocar, alguns números. Tendo referido que os citou de memória, devo dizer-lhe que se enganou redondamente quando, por exemplo, referiu que existirão nas zonas de caça associativa cerca de 60 000 caçadores. Apesar de o seu governo não fornecer quaisquer números que nos elucidem sobre a matéria, as próprias federações da caça associativa têm referido que esse número não excede os 40 000. Regista-se, por conseguinte, uma diferença significativa.
Se a esses 40 000 caçadores o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista concede metade dos terrenos de caça, considera o Sr. Deputado justo impedir que esses caçadores ranham acesso aos restantes 50 %, onde já caçam outros 200 000?

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O Sr. Antunes da Silva (PSD): - E o contrário?

O Orador: - Como demonstrei, as questões que o Sr. Deputado acabou de colocar são completamente carecidas de fundamento e indiciam uma total falta de capacidade de resposta do PSD quanto a esta matéria.
Aproveito para lhe solicitar que explicite se aceita ou não a proposta que lhe dirigi da tribuna no sentido de ser viabilizada a discussão deste conjunto de iniciativas, por forma a iniciar e concluir rapidamente um processo que conduza à efectiva paz e tranquilidade entre os Portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva.

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, quero colocar-lhe uma questão sobre a qual não fiquei devidamente esclarecido com a intervenção de V. Ex.ª.
Refere o vosso projecto um princípio que me parece correcto: o de a actividade cinegética corresponder a uma receita complementar da actividade agrícola e dos agricultores. Trata-se de uma matéria que, na minha opinião, não tem sido abordada com a profundidade com que deveria ser, que ressalve e evidencie esse princípio. Só que depois, no desenvolvimento do vosso projecto, não vejo tal princípio devidamente quantificado e clarificado. É uma questão que deve merecer, agora e no futuro, a nossa ponderação, na medida em que, face à evolução da agricultura e da política agrícola, outras actividades têm de ser equacionadas, no presente e no futuro, como receita dos agricultores.
Essa é uma daquelas actividades que se perspectiva como de grande viabilidade futura e mesmo já no presente. Por isso. a questão essencial que coloco vai exactamente nesse sentido. Ou seja: já que a matéria não é devidamente clarificada no vosso projecto, desejaria que V. Ex.ª me esclarecesse sobre esse problema.
Ainda uma outra questão que igualmente me parece relevante. Um dos problemas que mais se tem suscitado e desenvolvido respeita às zonas de caça associativas. A este propósito, também o vosso projecto não é claro em relação as contrapartidas que devem existir entre a entidade que explora a zona e o proprietário, na medida em que as zonas de caça associativas se instalam, segundo o diploma que apresentam, em terrenos privados e terrenos cooperativos. Solicitaria, pois, que V. Ex.ª nos elucidasse sobre este aspecto, já que o vosso projecto é omisso no que toca às zonas de caça associativas, por falar apenas de contrapartidas - os tais 50 % - para zonas do regime geral.
Por fim. considero exagerado e até inaceitável que seja emitido um parecer vinculativo por parte da comissão municipal. Penso que isso é absolutamente inaceitável, pelo que não apoiarei uma situação dessa natureza.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Essa é que é a questão fundamental!

O Sr. António Campos (PS): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luis Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva, começo por me congratular com o facto de ter reconhecido como positivo o projecto...

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Não considero!

O Orador: - A nossa iniciativa - pode crer nisso - faz com que a caça seja não exclusivamente uma preocupação dos caçadores mas, como lhe disse, uma preocupação que também passa pelos ambientalistas e pelos agricultores, sobretudo atendendo ao contexto de crise que neste momento atravessamos no sector agrícola. A concretização desse princípio está efectivamente enunciada: propomos que 50 % das receitas globais da actividade cinegética revertam para os caçadores cujos terrenos fiquem abrangidos pelo regime cinegético geral.
No que toca às zonas de caca associativas, ainda há poucos dias falei com responsáveis de uma reserva que está a constituir-se peno da minha residência e posso dizer-lhe que os agricultores que cederão os terrenos vão receber dos caçadores 1500$ por cada hectare. Pode o Sr. Deputado calcular o que isso significa numa zona cuja área se aproxima dos 1000 ha!...

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Isso não está previsto!

O Orador: - Não está previsto mas também não está impedido e neste momento pratica-se. Entendemos, pois, que não é necessário alterar essa situação, cuja resolução passa pela liberdade contratual entre os agricultores e os caçadores.
Neste momento, ao se propor a medida para os agricultores cujas parcelas de terreno se encontrem incluídas no regime cinegético geral, visa-se precisamente atribuir alguns meios financeiros àqueles que agora nada recebem. Os outros, como acabei de referir, recebem por esta via e os das zonas de caça turísticas recebem, obviamente, pela prestação dos serviços turísticos que oferecem, vendo por via do nosso projecto facilitada a sua constituição e o seu desenvolvimento.
Como o Sr. Deputado vê, o nosso projecto responde plenamente às suas preocupações. Como lhe disse, estamos inteiramente abertos a outras sugestões que melhorem, em sede de Comissão, as propostas apresentadas e possam ser introduzidas no diploma. Se melhores propostas do que estas partirem de V. Ex.ª ou da sua bancada, recebê-las-emos de braços abertos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante a apreciação de dois projectos de lei que são claramente o resultado apressado e desordenado para responder, no tempo, a um aproveitamento político. São projectos cheios de tudo o que já está na lei e vazios de inovações credíveis e racionalmente aplicáveis.
Mas não podemos, de forma alguma, começar a debater o tema da caça sem dar a devida importância ao cidadão agricultor, proprietário ou rendeiro que, no futuro

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- não muito longínquo; assim o espero! -, terá de ser considerado o único dono da caça.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Neste momento, com as correcções introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 251/92, estão criadas as condições para que reine a acalmia entre os verdadeiros agentes do acto de caçar. A harmonia e o equilíbrio entre os dois regimes estão perfeitamente estabelecidos. A manipulação e a falsa informação não poderão nunca constituir veículos de agitação, sejam quais forem os regimes. Os erros do passado terão de ser emendados a cada instante, a ilegalidade e o abuso terão de ser banidos e os normativos em vigor terão de ser cumpridos.
Nunca pactuaremos com irregularidades ou abusos. Sempre que tivermos conhecimento de algumas anomalias, denunciá-las-emos de imediato, com firmeza e frontalidade. Nunca nos deixaremos enredar por pequenas e baixas atitudes que eventualmente possam perturbar o que acreditamos ser o futuro da actividade cinegética.
Não acreditamos nos que vêem o acto de caçar ou a caça, na sua forma mais primária, cómoda e simplista, como o acto de perseguir, apreender, capturar e cobrar a fauna cinegética e não vêem. nem querem ver, o acto venatório de caçar como o acto de exploração racional de um recurso natural renovável, que é a fauna cinegética, recurso este que, como todos os recursos naturais renováveis da Natureza, se esgota.
Nos tempos que decorrem, o acto venatório ou o acto de caçar é, em todo o mundo civilizado, um processo ordenado e sustentado, sempre com a mira na preservação do capital gerador, para que então e posteriormente possa haver rentabilidade. É esta a pedra de toque e a razão principal da polémica da caça em Portugal. Trata-se, sem dúvida, de um problema de mudança de mentalidades, já operada por alguns mas ainda não sentida e acompanhada por outros caçadores, estes, talvez e infelizmente, ainda em grande número.
Não deixa de ser lamentável que em pleno início do século XXI ainda haja caçadores e outros cidadãos e agentes económicos ligados aos recursos naturais renováveis que não sintam que as coisas têm de mudar, fruto da evolução natural que o mundo e o homem sofrem e sentem no dia-a-dia, como ainda acreditam no sonho de explorar um recurso natural renovável como era explorado há 20, 50 ou 100 anos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre o projecto de lei n.º 208/VI, que respeita ao alargamento do acesso da prática da caça a todos os caçadores, tudo o que havia a dizer já foi dito quando do pedido de ratificação n.º 55/VI, tanto na comissão competente como em Plenário.
O projecto de lei n.º 326/VI, que respeita à protecção, gestão e fruição justa e racional dos recursos cinegéticos, da autoria do Partido Socialista, é um projecto mal sistematizado, revelador de um profundo desconhecimento técnico, confuso, uma cópia, para pior, da actual legislação em vigor. Não se esqueça o Sr. Deputado António Campos, para porventura evitar cometer alguma enormidade, de que aprovou o projecto que deu origem à legislação em vigor!
Os artigos l.º a 4.º do mencionado projecto de lei correspondem aos artigos 134.º a 138.º do Decreto-Lei n.º 251/92, com o disparate de incluir um representante do Ministério da Educação nas comissões municipais, área que não esta, nem nunca esteve, vocacionada para este tipo de actividade. Desde 1986 que existe a possibilidade de se constituírem os conselhos cinegéticos municipais, mas nunca conseguiram implantar-se.
Acresce ainda a enormidade de querer fixar o número de peças que podem ser abatidas em cada concelho, para além de esse controlo poder ser feito a cerca de 20 km de distância, obrigando o caçador, ao fim de um dia de caça à deslocação, à permanência numa fila de espera e ao pagamento de uma taxa por cada exemplar abatido.
O artigo 5.º do projecto de lei em apreço corresponde aos artigos 11.º e 12.º do decreto-lei citado, onde não entra o Ministério da Educação, naquele caso com a particularidade de o representante deste ministério ser o presidente do júri no exame para a obtenção da carta de caçador.
No artigo 15.º pretende-se a criação de uma reserva de caça nacional em cada concelho. Para além da impossibilidade efectiva desta medida, cabe perguntar quantos concelhos ficariam sem hipóteses de ter reservas de caça.
No artigo 20.º imperam o lirismo e a demagogia, porque não existe qualquer zona de caça nacional que dê lucro.
O mais famoso de todos os artigos do projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista é o 34.º que acaba de vez com as licenças para as zonas especiais, porque no n.º 2 prevê licenças gerais e especiais e no n.º 3 as gerais para os regimes geral e especial, no n.º 4 as licenças especiais são só para o regime especial, no n.º 5 ninguém pode ter as duas e no n.º 8 a licença geral custa um terço da especial. Pergunto aos Srs. Deputados do PS quem é que vai comprar a especial se na lei a geral dá acesso à especial e é muito mais barata.
O artigo 36.º é, sem margem para dúvida, o complemento da anedota que tem um final triste com todos a pagar.
O artigo 37.º é o remate da demagogia com a distribuição dos dinheiros anteriormente sacados distribuídos pelos municípios e os agricultores do regime cinegético geral, digamos, a política do impossível.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensamos claramente que este projecto de lei do PS é uma obra acabada do que não deve ser feito, porque, tirando as asneiras, fica a cópia do existente e falta tanto do que foi reivindicado: a substituição dos editais pelos acordos e o fomento cinegético. Mas numa coisa estamos de acordo: corredores nem pensar nisso.
Para acabar, Srs. Deputados, deixar-vos-ei uma das muitas máximas que está directamente ligada à razão deste debate e que retive nas últimas jornadas técnicas que se efectuaram em Lamego: protegendo a caça. está a proteger-se os caçadores; protegendo os caçadores, não se sabe se se está a proteger a caça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Campos, Lino de Carvalho, André Martins e Luís Capoulas Santos.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Vasco Miguel, há 30 anos que sou caçador no regime geral e o senhor é caçador das associativas. Assim, podemos discutir a caça segundo duas concepções diferentes, já que eu sempre me neguei a caçar numa associativa e o senhor é o patrono e sócio de várias. São dois tipos de caçadores que se encontram aqui como Deputados

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e em situações completamente diferentes. O senhor está aqui a defender os interesses de 40 000 caçadores, mas nós temos obrigação de conciliar os interesses dos 250000 actualmente existentes.
Portanto, estou a tentar que o senhor, o seu parado e o seu governo venham em defesa dos tais 210 000 que não têm nenhuma protecção. Neste momento existem uns privilegiados nesta lei - os associativos - que podem criar caça para eles próprios e depois há os tais 210000 que não têm acesso a esse regime. E isto. Sr. Deputado Vasco Miguel não está bem.
Através dos despachos normativos que o seu governo fez, esta lei foi completamente «baldada» e o seu teor e a filosofia foram adulterados porque o seu governo, o senhor e os serviços só cuidam dos interesses desses 40 000 caçadores, esquecendo-se dos outros 210 000.

O Sr. Luis Capoulas Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - O PS, com este projecto de lei, vem procurar repor alguma ordem porque sente a necessidade de evitar que a caça esteja ao serviço exclusivo desses 40 000 caçadores, pois a caca é um recurso natural e, portanto, de todos. Por isso, vimos em socorro dos 210000, de modo a possibilitar que eles também possam usufruir o tal recurso natural.
E, como dizia há pouco o Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva, nós vimos também em defesa dos agricultores, porque esse recurso natural vive à custa dos agricultores, e, como o senhor sabe, grande parte das associativas têm sido organizadas e montadas contra os interesses dos próprios agricultores.
Aliás, o senhor disse que não aceitava os abusos, mas foram denunciados nesta Casa vários e eu nunca o vi tomar a palavra para exigir que os serviços de que o Governo é responsável lhes ponham fim, o que me leva a concluir quo as suas afirmações não passam de «trinta e um de boca».
Porém, este é um problema crucial que devíamos discutir, mas como, por norma, os senhores não querem discussões, irão chumbar os projectos na generalidade para evitar a sua discussão em comissão. Essa é, aliás, a vossa forma de estar na democracia, como se verificou outro dia na discussão de uma lei de bases. No entanto, não é a nossa, pois procuramos discutir com todos os interessados e conciliar interesses.
Sr. Deputado Vasco Miguel, o que é que já fez em defesa dos 210 000 caçadores e aquilo que tem feito, desde 1986 até agora, em defesa dos outros 40 000? O senhor tem que se comportar como Deputado e não como defensor de uma pequena parcela que neste momento se serve de um recurso natural que é a caca.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vasco Miguel, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - No fim Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vasco Miguel, o PSD, quando não tem razão, assobia para o ar e faz faenas para desviar a discussão dos grandes problemas V. Ex.ª seguiu esta linha dizendo que há aproveitamento político, que nos não queremos defender a caça! Todavia, Sr. Deputado, o que há é outra coisa: profundas clivagens e tensões e profundas revoltas resultantes da aplicação da actual legislação. Nós, Deputados, não deveremos reproduzir o sentimento do povo, o sentimento de quem nos elegeu e os problemas que nos colocam? Acha que deveríamos estar calados? Muito pelo contrário, o Sr. Deputado devia elogiar-nos porque, ao contrário dos senhores que se escondem e fecham os olhos à realidade ou só os têm abertos para os interesses, para os lobbies que atravessam o PSD, cumprimos a função para que fomos eleitos trazendo ao Plenário problemas reais que urge resolver.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Antunes da Silva ainda há pouco falou em sinceridade e aproveito para lhe fazer duas ou três perguntas. Assim, Sr. Deputado Vasco Miguel, dispa-se da sua capa de associado de uma reserva associativa - direito que lhe assiste e que não contestamos - e diga-me: acha que é necessário repensar o ordenamento cinegético do País? Acha que é necessário reordenar as reservas de caca que se constituíram? Acha que há necessidade de repor equilíbrio no processo? Acha que é necessário que se impeça o prolongamento da multiplicidade de ilegalidades que têm vindo a ser praticadas? Estas são, aliás, as questões de fundo que estão na origem deste debate. A caca é uma actividade desportiva com raízes culturais, lúdica, económica, mas estes diferentes interesses não têm sido preservados, equilibrados.
Sr. Deputado Vasco Miguel, responda-me: está de acordo que é preciso fazer esta reflexão e que, independentemente do seu desacordo quanto a um ou outro aspecto, estes projectos de lei poderão ser um pontapé de saída para essa reflexão?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vasco Miguel, ouvi atentamente a sua intervenção, mas, sinceramente, fiquei sem saber se reconhece que a actual lei é boa e que se deve manter. Era esse esclarecimento que nós e o País gostaríamos de ouvir para sabermos a posição do PSD relativamente à actual lei que foi aprovada pelo PSD e pelo PS Assim, está de acordo com a actual lei?
V. Ex.ª fez algumas considerações retiradas de manuais e algumas mesmo de artigos da Constituição, mas que não passam disso mesmo, isto é são uma transcrição de algumas frases bem feitas e que hoje em dia, quando as questões da ecologia estão na moda, sempre dão alguns floreados aos discursos.
E acrescentou que era necessário preservar a caça para preservar os caçadores - essa é mais uma das frases bonitas do seu discurso. Eu diria que preservar a caça não é só defender os caçadores mas, sim, defender a vida, o homem. Efectivamente, é isto que os senhores não querem ver, pois apostam na privatização dos recursos naturais, o que é um atentado ao património da humanidade.
Aliás, não está em causa se os caçadores são capazes de gerir bem as responsabilidades que lhes são cometidas mas se existem orientações, normas legais que balizem a

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conduta de quem assume essa responsabilidade. Nesse sentido, o que falta em Portugal relativamente aos recursos cinegéticos, são essas normas de orientação, pois não existe um ordenamento cinegético. No entanto, não existe um ordenamento do território e, se este não existe, é impossível existir uma gestão integrada dos recursos naturais.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, como o que está em causa é a própria sobrevivência do homem, volto a formular-lhe a questão com que comecei: o PSD é a favor da presente lei e pensa que ela está de acordo com a exploração dos recursos cinegéticos e naturais ou acha que é necessário alterar a actual legislação e pensar de uma outra forma a questão da gestão e da preservação dos recursos naturais?
Se é assim, penso que as contribuições do PS e do PCP são importantes para que, como referiu o Sr. Presidente da Comissão de Agricultura e Mar, com a contribuição de todos os agentes envolvidos e interessados nesta matéria se promova, na Assembleia da República, um amplo debate, de modo a que se possa aprovar uma lei que satisfaça os interesses mais generalizados e que evite os confrontos e conflitos sociais que hoje se generalizam por todo o País.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vasco Miguel, a sua intervenção veio confirmar as intervenções dos seus colegas que o antecederam, isto é, falou muito mas não disse objectivamente nada; criticou muito mas a sua intervenção, relativamente * ao projecto de lei do PS, resumiu-se a duas questões.
Por um lado, disse que o projecto de lei do PS é mau porque copia a lei actual - e registo que por esta via lhe foge a boca para a verdade e assim poderá concluir-se que considera a lei actual má - e, por outro, veio criticar o facto de o nosso projecto incluir nesta matéria, através dos exames de avaliação, o Ministério da Educação. No entanto, essa sua opinião é deveras demonstradora da noção que o Sr. Deputado tem de questões tão importantes como a educação cívica e ecológica. É que fazem parte desse Ministério, nomeadamente, as Universidades de Évora e de Trás-os-Montes, onde, inclusivamente, existe um leque de professores e um conjunto de cursos que tem a ver com questões ecológicas, e o Sr. Deputado entende, pura e simplesmente, que estas instituições nada têm a ver com este problema.
Propomos também a inclusão de representantes das escolas e do Ministério da Educação nas comissões municipais, que poderão introduzir esta vertente educacional na discussão que vier a ser suscitada, mas o Sr. Deputado entende igualmente que a caça é assunto que nada tem a ver com a escola nem com a educação.
V. Ex.ª, ao dizer isto, acabou por ilustrar bem qual é a concepção humanista e ecológica que o PSD tem acerca da caça e, em sentido mais lato, acerca da Natureza.
Como o Sr. Deputado entende que estas propostas não têm condições de ser viabilizadas e que tudo deve continuar como está, pergunto-lhe: entende V. Ex.ª que a situação que neste momento se vive em Portugal e os indícios crescentes de um clima de tensão social são matérias que não o preocupam, que não devem preocupar os políticos e que tudo não deve ser feito para evitar situações graves que possam vir a ocorrer?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, V. Ex.-, num rasgo de populismo e de fácil eleitoralismo, continua numa caminhada desenfreada de deturpar e a entrar em áreas que, segundo penso, não lhe estão reservadas.

O Sr. Luis Capoulas Santos (PS): - Mas eu não quero reservas!

O Orador: - Portanto, o Sr. Deputado não pode voltar-se para mim e chamar-me patrono, dono ou mentor seja do que for, porque nunca lhe chamei nada disso.
Para já, quero referir-lhe que ambos somos caçadores - eu há muito menos anos, felizmente, porque sou mais novo -, no entanto, sou um caçador muito recentíssimo das associativas.

O Sr. Luis Capoulas Santos (PS): - Uma mentalidade mais moderna!

O Orador: - Por outro lado, quero recordar-lhe também, porque V. Ex.ª é de memória curta, que subscreveu e aprovou a actual Lei n.º 30/86, de 27 de Agosto.
Sr. Deputado, é fácil estarmos do lado daqueles que julgamos serem em maior número, mas tenho dúvidas se serão mais ou menos, no entanto também não me interessa.
V. Ex.ª nunca me ouviu dizer -e é importante que aqui o refira - que eu era absolutamente contra o regime geral. Nunca me ouviu dizer isso. Quero até dizer-lhe que em determinada altura do processo - porque a lei da caça é um processo evolutivo, não podemos parar e, ao dizer isto, respondo a uma série de questões.
Penso que devemos fazer a tal reunião no âmbito da Comissão de Agricultura e Mar, porque a problemática da caça é evolutiva, não pára, é dinâmica e não se compadece com o situacionismo. Todos nós temos de evoluir, mas o que estou a ver aqui são alguns processos de retrocesso que, julgo, não irão subsistir depois dessa reunião.
Portanto, também sou um indivíduo aberto e disponível para convocarmos associações, comissões e especialistas nesta matéria...

O Sr. António Campos (PS): - Estou a desconfiar de tanta democracia!

O Orador: - ... e para fazermos, na Comissão de Agricultura e Mar, um inventário geral, concreto e sério. Estou convicto de que a partir desse momento os senhores me vão dar toda a razão penso até que, na vossa mentalidade, já me dão alguma -, porque também não há motivos para haver esses choques que os senhores pretendem fazer comigo.
Referi inúmeras vezes e durante muitos anos, logo a partir da implementação do primeiro decreto regulamentar, que me parecia um exagero o que se estava a passar em alguns, concelhos e que subscrevia, de bom grado, que a área total de cada concelho submetida ao regime cinegético especial fosse de 50 % e isso está no novo decreto regulamentar.

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não está nada! Só quando ultrapassa!...

O Orador: - Sr. Deputado, está no novo decreto regulamentar.

É evidente que tinha dito anteriormente...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não está nada!

O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me responder com calma, se faz favor!
Como dizia, é evidente que tinha dito anteriormente que a lei da caça é dinâmica, portanto, não pode ter barreiras fechadas e fossos intransponíveis, tem de permitir a evolução que, para além do que se encontra estabelecido na lei, tem de ser racional e equilibrada. Se tal não acontecer, sou eu o primeiro a contestar.
Quero dizer-lhe. Sr. Deputado, que se encontra satisfeita uma das maiores pretensões, que também me era muito cara.
Quanto à redução dos dias, devo dizer-lhe que, quando o antigo decreto regulamentar se encontrava em vigor, o senhor caçava nas zonas de caça associativas e sociais nos dias que quisesse, mas agora não.

O Sr. António Campos (PS): - E agora também!

O Orador: - Não, Sr. Deputado! Tem apenas mais um dia para caçar, pois trata-se de uma zona especial, que custa dinheiro e que está sujeita a um tratamento diferenciado.
O Sr. Deputado diz que deve' ser tudo igual, mas, afinal, tal não é verdade, porque nas zonas de caça associativas há mais responsabilidades e mais custos. Não pode ser tudo igual, porque nas zonas de caça associativas há uma gestão mais directa e mais acompanhada do que no regime cinegético geral, como os próprios caçadores reconhecem.
Uma das coisas que achei interessante foi a decisão, tomada no último Conselho Nacional da Caça - e já foi anunciada, pois soube-a pelo jornal -, de que o calendário venatório passa a ser coincidente nos dois regimes. É óptimo que isso aconteça! O calendário venatório passa, assim, a ser de 10 de Julho a 30 de Dezembro. É coincidente, muito bem! Essa também era uma luta minha, porque não percebia por que é que havia de ser diferente.
Estamos a caminhar, digamos, calma e serenamente, mas não admito que se façam grandes movimentações e grandes alaridos em redor de pequenas questões.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Pequenas?!

O Orador: - As grandes questões estão resolvidas. Penso que neste momento não há razão para que se altere seja o que for na lei antes de uma inventariação séria e correcta, para a qual o Grupo Parlamentar do PSD já disse estar disponível onde se recolham todos os dados necessários para a tal evolução que pretendemos, com preservação de tudo o que o Sr. Deputado André Martins aqui referiu e com o qual estou de acordo.

Sr. Deputado Luís Capoulas Santos o Ministério da Educação não sabe nada de caça.

O Sr. Lino de .Carvalho (PCP): - Nem de nada!

O Orador: - Nem de nada. De nada que tenha a ver com a caça, quero eu dizer!

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Mas sabe de ecologia!

O Orador: - Sr. Deputado, o Ministério da Educação tem de formar técnicos, mas depois tem de se libertar deste assunto.

O Sr. Luis Capoulas Santos (PS): - O Ministério & Educação forma as pessoas que estão à frente deste pás! Eles aprendem nessa formação.

O Orador: - O Ministério da Educação não está vocacionado para isso, não sabe nada de caça, portanto não vale a pena...
No que diz respeito ao clima de tensão social, peço-lhe que não invente coisas. Penso que os caçadores, tanto os do regime geral como os do especial, são homens correctos. Não acredito em caçadores de segunda e de primeira. Todos são homens bons. mas há pessoas mal informadas tanto num lado como noutro.
Penso que deve haver um diálogo entre as duas partes no sentido de se atingir a pretensão que é de todos, ou seja, a preservação das espécies cinegéticas para efeitos lúdicos e de recreio, que é um dos fins do acto de cavar ou do acto venatório. Esta é a razão forte que atrai e sensibiliza os praticantes de ambos os regimes.

O Sr. Presidente: - Peço que conclua. Sr. Deputado.

O Orador: - Vou concluir já. Sr. Presidente.

Penso que não devemos estar a empolar demasiado isso mas, sim, procurar unir esforços no sentido de esbater algumas arestas que porventura existam e, em conjunto, caminhar para que os caçadores e a caça (as duas componentes especiais) e, no futuro, os agricultores venham a beneficiar daquilo que todos preconizamos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por saudar as iniciativas do Partido Socialista e do Partido Comunista Português, porque, de facto, um rumor de indignação geral cresce dia-a-dia e ameaça transformar-se num gravíssimo caso de confrontação. Isto é uma realidade.
Graças à absurda situação que o Governo criou, as espécies cinegéticas vão sendo apropriadas por privilegiados, a generalidade dos caçadores está cercada pelas tabuletas do autêntico cemitério em que estão a querer enterrar a caça e até os pequenos proprietários rurais vão sendo desapossados do direito à sua propriedade.
No entanto, a caça nasce, cresce e vive sem intermediário. É livre. O título de aquisição da caça foi sempre o seu apoderamento, usando a terminologia desse grande amante da caça e dos bichos, que foi Ortega y Gasset.
A tradição da liberdade de caçar no nosso país enfuma-se no tempo. «A caça é cousa comum que não está no senhorio de cousa alguma», como proclamou o próprio D. Pedro, regente do Reino, em 1439, quando lhe aprouve «descoutar os porcos e os cervos», ficando com «as perdizes para relevamento dos (seus) cuidado» e enfadamentos».

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Já o imperador Justiniano instituiu o conceito que considerava os animais selvagens rés nullius, ou seja, que caça era um direito natural que o direito de propriedade não podia limitar.
Esta tradição apenas foi circunstancialmente interrompida pelos códigos germânicos e com as imposições senhoriais do feudalismo, que no nosso país tiveram uma expressão sempre contrariada pela força dos concelhos, isto é, pela vontade dos povos.
O próprio Procurador-Geral em exercício. Manso Preto, no Código de Caça de 1967, considerou o direito natural de caçar um direito de personalidade e já. em 1821, as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes fizeram votar e publicar o decreto de D. João VI determinando que fossem devassados e abolidos todos os coutos ê .
O direito da liberdade de caçar no nosso país esteve sempre subjacente a todos os códigos de caça, mesmo quando marcados por forte pendor de privilégio, como no tempo do fascismo.
A forte tradição, as origens romanista da nossa legislação, o esforço e a luta democrática das populações impuseram sempre um grande cuidado aos legisladores para não impedirem a caça aos que não têm propriedades ou dinheiro para arrendar reservas.
O derrube das cercas das coutadas foi sempre um fenómeno que acompanhou as grandes viragens na luta pela liberdade e pela democracia.
Foi preciso surgir esta equina de má sorte - Álvaro Amaro, Arlindo Cunha, que se deleitam com os amigos no gozo senil de matar perdizes domésticas - para riscar do mapa a tradição, a história, o direito natural e os direitos democráticos, dividindo o povo, ultrajando 90 % dos caçadores e criando uma situação que podemos caracterizar da seguinte forma: a caça, que é de todos, passa a ser apenas de alguns, ou seja, os que têm dinheiro para pagar portas de 75 a 1000 contos, protegidos por muros de Berlim, como o da Herdade do Pinheiro, que é uma afronta; a pequena propriedade, que é de um, passa a ser de todos menos do seu proprietário, que muitas vezes nem lá pode caçar.
O direito de propriedade, que a ideologia do mercado instituiu em direito supremo, acima do próprio direito à vida, o que, aliás, é absurdo, viu-se, de repente, legalmente violado pelo seu grande defensor, um governo que só apoia os privilégios e permite fazer da caça, que é um direito natural e de personalidade - não é demais repeti-lo -, um negócio de morte.
A preservação da caça não tem nada a ver com os métodos germânicos do Governo, tem a ver com uma regulamentação e uma formação adequadas e com o respeito pelo direito democrático a caçar, sustentados na instituição do dever do caçador em proteger a caça e defender a Natureza, porque será ele a tirar o proveito; passa pela organização de actividades em defesa da preservação da caça e do seu habitat, como condição para poder caçar. Assim, o número crescente de caçadores nunca dará cabo da caça mas, pelo contrário, terá um papel preponderante na conservação das espécies e no desenvolvimento da caça. De qualquer forma, os caçadores, organizados em associações de caçadores, mas não de reservas que violem os direitos da generalidade em benefício de uns poucos, têm um papel importante na definição das regras e no despiste das aldrabices, da corrupção, das ilegalidades e das traficâncias que a actual legislação encoraja.
Estamos num país democrático, Srs. Deputados. Que não seja preciso invocar o espírito do regente D. Pedro ou de el-rei D. João VI.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, acabámos a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 208/VI e 326/VI, sendo a sua votação agendada para o período regimental de votações.
Passamos agora à apreciação conjunta das propostas de resolução n.º 23/VI - Aprova para ratificação, o Acordo Europeu Que Cria Uma Associação entre as Comunidades Europeias e a República da Polónia os respectivos protocolos, anexos e Acta Final e 24/VI - Aprova para ratificação, o Acordo Europeu Que Cria Uma Associação entre as Comunidades Europeias e a República da Hungria os respectivos protocolos, anexos e Acta Final.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Vítor Martins): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 9 de Novembro de 1989 ruiu o muro de Berlim, que foi afronta ao homem, à sua inteligência e à sua dignidade, emblema de um período negro da história da Europa que sempre importa recordar hoje para que se não repita amanhã. Essa data é um marco para uma nova era no velho continente europeu. Quanta esperança então despertou esse transcendente movimento de mudança particularmente nos povos do Centro e Leste europeu, martirizados por décadas de opressão e obscurantismo.
Precisamente um mês depois dessa data em Estrasburgo, os Doze decidiram assumir as suas responsabilidades, como pólo de referência para a arrancada do estado do Centro e do Leste europeu, em direcção às liberdades políticas e económicas, isto é, em direcção à democracia pluralista, à economia de mercado, à livre iniciativa e à consagração dos direitos do homem, como pilar principal das sociedades europeias. Foi uma atitude de solidariedade responsável para com os europeus que a Leste enfrentavam a batalha de erigir novos regimes, fundados nos valores por que sempre nos batemos.
Assim se estabeleceu o mandato para formar uma nova geração de acordos com a Polónia a Hungria e a então, República Checa e Eslovaca os quais vieram a concluir-se em finais de 1991. A constituição, entretanto, das Repúblicas Checa e Eslovaca em resultado da divisão da ex-Checoslováquia obrigou a Comunidade a encetar negociações com estes países, com vista a celebrar dois novos acordos. Os Acordos que hoje V. Ex.ª têm para aprovação - ditos Acordos de Associação - referem-se à Polónia e à Hungria.
A negociação dos Acordos de Associação com estes dois Estados teve em vista primacialmente: apoiar as transformações políticas em curso, no sentido de consolidar a democracia; proporcionar-lhes uma perspectiva de adesão à Comunidade Europeia criando um quadro de referência a longo prazo para as suas reformas internas; apoiar a constituição de um tecido económico e social apto a funcionar com os mecanismos de mercado e num quadro concorrencial aberto; sustentar o progresso económico e social das populações polaca e húngara; integrar esses Estados no diálogo político europeu, assegurando-lhes um estatuto de parceria política no que revela das grandes questões do continente e das relações internacionais.

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Não se estranhar!, por isso, que os Acordos tenham na sua génese uma condicionalidade política e económica bem explícita. As relações CEE/países do Centro e Leste europeu estão correlacionadas com a própria evolução política e económica desses Estados, nomeadamente no que se refere ao funcionamento da democracia, à transparência da economia de mercado e ao respeito dos direitos do homem.

Trata-se de instrumentos que contêm um conjunto de disposições de vasto alcance, desde o diálogo político às trocas comerciais, passando pela assistência técnica e financeira e pela cooperação industrial e cultural Com eles se visa tecer uma densa malha de relações económicas, sociais, políticas e culturais entre a Comunidade Europeia e a Polónia e a Hungria.

É claro que o compromisso que estes Acordos traduzem são o resultado de um equilíbrio que teve de ponderar, a um tempo, o estádio das reformas na Polónia e na Hungria e as suas legítimas pretensões de acesso ao mercado comunitário e de apoio técnico e financeiro e, por outro lado, as capacidades da Comunidade Europeia, tendo presente, nomeadamente, a sua vulnerabilidade em sectores reconhecidamente sensíveis.

Relevo, em particular, o caso dos sectores têxtil, do aço e da agricultura, submetidos a regimes especiais que tiveram em conta as difículdades comunitárias. Relevo também o caso das regras de origem — sempre veículo dos fenómenos de deslocalização industrial que se produzem com a celeridade que nem sempre é perceptível para os políticos e burocratas —, as quais, regras de origem, têm um regime singular.

Aliás, quanto ao comércio, temos defendido que importa evitar concessões precipitadas que podem provocar rupturas em sectores críticos na CEE, sem proporcionar, por outro lado, ganhos significativos nos países do Centro e Leste europeu. O comércio livre não é um dogma, nem um princípio sacrossanto ao qual tenhamos de imolar cegamente os interesses de sectores vitais, sobretudo quando esse comércio, sendo livre, é selvagem e se funde no desrespeito de regras e disciplinas e na prática desabrida de dumping social, monetário, industrial e ambiental.

Convidamos, por isso, os países do Leste e Centro da Europa a trabalharem connosco, em boa e franca parceria, para estabelecer trocas comerciais regradas e transparentes, que sejam base de laços sólidos nos planos económico e político.

Não posso deixar de referir também que a recente Cimeira de Copenhaga, na sequência das orientações do Conselho Europeu de Lisboa, fixou um novo impulso nas relações com os países europeus do Centro e do Leste, já mfti$ vincadamente assumidas na perspectiva de uma integração plena, o que saudamos sem hesitações. Do mesmo passo, se fixou uma orientação para trabalhar um pacto de estabilidade europeia que preencha aquilo que todos hoje sentem como um grande vazio do pós-guerra fria: a arquitectura de um quadro estável de cooperação e segurança europeia do Atlântico aos Urais.

O Sr. Rui Carp (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Estrasburgo, Lisboa e Copenhaga ficam, assim, como marcos na rota de construção de uma nova Europa.

Com a ratificação dos Acordos com a Polónia e a Hungria, dois Estados que justamente se podem apontar como exemplo no corajoso esforço de reconstrução política e

económica que vêm desenvolvendo com apreciável sucesso, Portugal marcará a vontade de participar activamente na nova Europa que vai emergindo.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — É que o aaantismo, que historicamente nos forjou o carácter e a identidade, só será forte e só lerá futuro se participarmos plenamente na construção de uma Europa que. de Norte a Sul e de Oeste a Leste, se quer desenvolver em paz e em solidariedade.

Com os Acordos de Associação, a Polónia e a Hungria reencontram a Europa progressiva e livre.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, decidiu V. Ex.1 iniciar o seu discurso com uma tirada ideológica que não lhe fica mal, pois até o pode ajudar a promover--se no seu partido, designadamente junto dos mais fundamentalistas, dando-lhe um perfil mais político e menos técnico.

Vislumbro, no início da sua intervenção, a tentativa de iniciar outro caminho no interior do PSD, mas. Sr. Secretário de Estado, quando fizer essas tiradas faça, pelo menos, todos os percursos e, quando se referir às quedas dos muros, que são uma realidade,...

Risos do PSD.

... fale também nos muitos muros que não foram deitados abaixo e nos muitos muros que na Europa se têm erguido. Não esqueça o muro dos 50 milhões de pobres; não esqueça o muro dos 17, a caminho dos 20, milhões de desempregados; não esqueça o muro dos que não têm abrigo; não esqueça o muro das guerras e dos conflitos interétnicos, inter-regionais, que, entretanto, têm deflagrado. Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Rui Carp (PSD): — O Azerbaijão é que é bom!

O Orador: — Faça o percurso de todos os muros e não somente o do muro ideológico de V. Ex.º

O Sr. Rui Gomes Silva (PSD): — Já agora, o muro das lamentações!

O Orador: — De qualquer modo, vamos ao que interessa, que é, sobretudo, o que está hoje em discussão: as-propostas de resolução n.º* 23/VI e 24/VI, que aprovam, para ratificação, os Acordos Europeus Que Criam Uma Associação entre as Comunidades Europeias e as Repúblicas da Polónia e da Hungria, respectivamente, que são, digamos, a antecâmara de uma eventual futura adesão destes países à Comunidade. Estes Acordos, Sr. Secretário de Estado, coloca-nos duas questões, que gostaria de ver explicitadas.

A primeira tem a ver com a compatibilização entre os acordos de livre comércio, de livre circulação de mercadorias, que irão ser propostos para aprovação, celebrados entre a Comunidade e esses países, e os interesses nacionais.

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O Sr. Secretário de Estado referiu três áreas, mas poderia referir outras, em que estes países são fortíssimos concorrentes de Portugal: têxteis, aço, agricultura e ainda a metalomecânica, por exemplo, na área dos estaleiros, lembrando-me da Polónia.
Ora, a questão é a de saber se neste Acordo estão salvaguardadas as fragilizações que podem decorrer para a economia portuguesa da abertura e da adesão de outros países concorrentes connosco nessas áreas, com condições até de concorrência e de competitividade superiores às nossas, face as condições específicas em que neste momento estão a funcionar. É um problema que se coloca neste Acordo em relação ao nosso país e que queremos ver esclarecido. Aliás, é o problema que se coloca em relação à forma como os apoios comunitários a Portugal e aos países mediterrânicos vão ser geridos, tendo em conta as novas solidariedades para Leste. Isto é, estas novas solidariedades não podem esquecer as que já existem com o Sul da Europa e, em primeiro lugar, a coesão económica e social dentro da própria Europa comunitária. Repito, tememos que estes Acordos possam pôr tudo isto em causa e agravar as fragilidades e debilidades de Portugal, que já hoje existem, sobretudo com países que irão entrar com produções concorrenciais com as nossas.
Segunda questão. Sr. Secretário de Estado, alguns destes países, especialmente a Hungria, coloca restrições de diversa ordem à entrada e circulação de cidadãos. Pergunto: como é que se compatibiliza as restrições existentes nesses países, em especial na Hungria, com a liberdade de circulação de todos os cidadãos que a Comunidade Europeia defende e que estão prescritos nestes Acordos?
Precisamos de ver isto esclarecido, para depois definirmos o nosso sentido de voto.

Vozes do PSD: - Muito infeliz!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, em primeiro lugar, gostava de dizer que não discutirei os meus percursos nem com o Sr. Deputado nem na Assembleia da República.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Discute isso com o Presidente do PSD, eu sei!

O Orador - Quanto à ideologia, creio que é de mau gosto confundir valores fundamentais das sociedades europeias, como a democracia, os direitos do homem, a economia de mercado, as liberdades fundamentais num plano político e económico, é de mau gosto, repito, confundir isto com tiradas ideológicas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - O que eu fiz foi recordar aquilo que são os pilares fundamentais das sociedades livres à escala europeia.
Em segundo lugar. Sr. Deputado Lino de Carvalho , devo dizer que fui justamente eu que, na intervenção, alertei para a compatibilização entre os acordos de livre comércio, de livre circulação de mercadorias, que foi a primeira questão levantada pelo Sr. Deputado. Isto é, há com efeito, que ter cautelas e saber gerir as concessões comerciais aos países do Leste europeu, para que a precipitação de uma solidariedade mal gerida não venha a redundar em pura perda, quer para esses países do Leste, quer para os próprios sectores críticos e sensíveis da Comunidade Europeia.
Por isso mesmo, estes Acordos contêm os instrumentos fundamentais para se poder fazer uma gestão cuidadosa das trocas que se vão estabelecendo entre a Comunidade Europeia, neste caso as Repúblicas da Polónia e da Hungria. Cito-lhe a existência de uma cláusula de salvaguarda, ou seja, uma revisão, a meio percurso, no período de transição, que irá permitir fazer uma avaliação da forma como as trocas estão a decorrer e que problemas se estão a levantar, cito-lhe, por exemplo, uma posição, em que Portugal foi de uma firmeza total no que diz respeito às regras de origem, que poderia provocar uma deslocalização da indústria ocidental para esses países de uma forma também precipitada que não poderíamos aceitar. Isto é, os Acordos, sendo de solidariedade e, portanto, contendo concessões substanciais a esses países, são, apesar de tudo razoáveis e permitem salvaguardar, da nossa parte, interesses fundamentais.
Quanto à segunda questão, a da livre circulação de pessoas, gostaria de dizer-lhe que estes Acordos não consagram a livre circulação de pessoas, nem num sentido, nem noutro. A livre circulação de pessoas não foi objecto de tratamento nestes Acordos, não relevando deles, por isso, qualquer consequência imediata nesse plano. Há, sim, disposições da livre circulação de trabalhadores, em que, efectivamente, os trabalhadores húngaros e polacos passam a dispor de um acesso mais facilitado à Comunidade Europeia e, nomeadamente, os cidadãos polacos e húngaros que já residam na Comunidade Europeia passam a dispor de um direito de acesso ao emprego em melhores condições.
A questão da livre circulação de pessoas com estes passos ultrapassa, manifestamente, os Acordos em apreciação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Acordo Que Cria Uma Associação entre as Comunidades Europeias e a República da Polónia insere-se no âmbito do reequilíbrio económico-político do continente europeu posterior à queda do muro de Berlim.
A participação do povo polaco na luta pela sua própria libertação desempenhou um papel fundamental no desmoronamento de um sistema opressor, que evoluíra do conceito de ditadura do proletariado para «a realidade de uma ditadura burocrática sobre todo um povo.
Hoje em dia, reequacionadas as opções políticas dos povos da Europa de Leste, animados os Estados por um regresso às formas democráticas internas e no âmbito da convivência europeia não é de estranhar que a Polónia e a Hungria procurem associar-se ao pólo que dinamiza a construção da Europa, as Comunidades Europeias. É com agrado que acolhemos essa intenção.
A evolução económica da Hungria, desde o período que precedeu imediatamente a democratização do Leste europeu, além de ter provocado um efeito de contágio nos outros povos da Europa Central e de Leste, facilitou a possibilidade de ulterior participação húngara em espaços

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económicos mais alargados e, consequentemente, ajudou a abrir caminho a uma associação com Estados europeus democráticos, nos vários pianos em que o aprofundamento da cooperação se torna possível.
Não é por acaso que a Polónia e a Hungria integram, com a República Checa e Eslovaca, o denominado grupo de Visegrad que, cooperando e debatendo no seu interior as questões da construção da Europa, procura as formas mais rápidas de associação às Comunidades Europeias.
O processo de construção da unidade europeia, iniciado contemporaneamente com o Tratado de Roma e que, no quadro de uma longa evolução, não isenta de escolhos, integrando sucessivos alargamentos para Norte e para Sul, consubstanciou a criação de um vasto espaço económico e político, atingiu a fase em que do Acto Único ao Tratado da União Europeia se perspectivou uma nova etapa de construção política e de unidade económica, debatendo-se hoje com diversas perspectivas, novos alargamentos.
Para nós, o alargamento do espaço económico-político europeu deve ter como fronteiras, para além daquelas que a geopolítica aconselhe, as que os direitos humanos estabelecem, de forma a que nenhuma ambiguidade exista nesse domínio, na construção democrática europeia. Este tipo de acordos poderia, aliás, vir a servir de modelo e de referência para um alargamento controlado e progressivo em relação a outros países, nomeadamente aos Estados Bálticos e à própria República Checa.
O tríplice movimento de abertura, visando a próxima integração de alguns países da antiga EFTA, ou seja, essencialmente, as adesões escandinavas que se prevêem e a austríaca, a criação do espaço económico europeu, recentemente abordada nesta Assembleia, e o alargamento para Leste englobam-se num processo de progressiva construção europeia, no âmbito do qual, todavia, as disparidades das situações económicas e o funcionamento democrático dos sistemas políticos estabelecerão novos parâmetros no processo gradual de construção da unidade europeia. Estes Acordos já avançam, no entanto, na clarificação do faseamento, nomeadamente na esfera económica desse processo.
Não estando hoje em causa a integração da Polónia e da Hungria nas Comunidades Europeias, nem sequer a sua participação imediata no designado Espaço Económico Europeu, a aprovação destes Acordos de Associação abre, no entanto, espaço para uma aceleração dos processos reais de integração das economias e deverá contribuir para fornecer garantias suplementares de democraticidade política e estabilidade económica aos países que se associem às Comunidades, bem como combater algum chauvinismo renascente em países da Comunidade. Europeia. E, se haverá quem possa temer a competitividade de sectores industriais, nomeadamente da Hungria, mas não só, pensamos que há que entender, numa perspectiva aberta, a importância destes Acordos de Associação, que constituem passos muito concretos no desenho da nova arquitectura europeia.
Neste contexto e pelas razões acima aduzidas, julgamos que a Assembleia da República deve dar o seu voto favorável à ratificação do Acordo Europeu Que Cria Uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados membros, por um lado, e a República da Hungria, por outro, bem como ao Acordo do mesmo tino entre as Comunidades os seus Estados membros e a República da Polónia.
Poderíamos agora entrar no detalhe da análise específica dos produtos incluídos sob diversas formas no texto e obviamente, nos anexos dos Acordos em causa. Julgamos, no entanto, que não seria curial sobrecarregar neste momento o Plenário da Assembleia da República com essa discussão, dada até a natureza dos documentos cuja aprovação se solicita. Em qualquer caso e de forma complementar, a analise mais detalhada dos fluxos comerciais e de investimentos entre Portugal, por um lado, e a Polónia e a Hungria, por outro, merecerão certamente quer no seu enquadramento europeu quer no âmbito de uma política bilateral Estado a Estado a atenção desta Câmara nas diversas instâncias adequadas. Haverá também que atender, tendo em conta o estabelecido no clausulado, às formas mais adequadas de intervenção de Portugal na concretização de mini-acordos e de alterações que o diálogo entre a Comunidade, por um lado e a Polónia e a Hungria, por outro, poderá propiciar no contexto da evolução económica desses Estados e das suas relações com a Comunidade Europeia.
Quanto ao protocolo n.º 5, incluído em qualquer dos Acordos em causa, que contém disposições relativas ao comércio com Portugal e Espanha estipulando as regras de desmantelamento progressivo das barreiras existentes, consideramos que as suas consequências, a verificarem-se em plenitude dentro de dois a três anos, se inserem numa estratégia de convergência e de integração económica claramente irrecusável numa perspectiva da construção europeia.
O nosso receio não terá então tanto a ver com a Polónia e a Hungria como com a incapacidade do Governo que nos rege em conduzir a adaptação do aparelho económico, industrial, agrícola e de serviços às novas e progressivamente actualizadas regras do comércio internacional.
Referiremos ainda que se a parte do clausulado relativa à circulação de trabalhadores pode arrepiar alguma espinha mais chauvinisticamente sensível, ela deve ser considerada uma parte indissociável de todo o processo de integração. Por outro lado, julgamos que algumas restrições assentes relativamente ao estabelecimento de sociedades podem proteger transitoriamente e, portanto, ajudarem a reestruturar as indústrias, nomeadamente as polacas, dando-lhes algum fôlego suplementar. É um problema real que em Portugal, visto de outra perspectiva e noutro ângulo, conhecemos bem.
O conjunto de domínios cobertos nos Acordos, da área cultural à das telecomunicações, passando pelo combate ao branqueamento de dinheiro, revela uma ambição nestas associações que se insere claramente na óptica do Tratado da União Europeia. Sendo os Acordos de cariz predominantemente económico, muitos outros domínios são abrangidos; não se trata apenas de fazer progredir aquilo a que se chamou a Europa dos comerciantes mas, sim, de convergir num processo complexo, multidimensional, no âmbito de um espaço político com todas as cambiantes e matizes que este termo comporta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A concluir, sublinharemos que a falta de condições para a integração rápida na economia comunitária das economias de diversos países da Europa Central e de Leste que o desejem obriga, por razões diferenciadas e numa estratégia complementar da que conduziu à criação do Espaço Económico Europeu, a fazer evoluir as relações da Comunidade Económica Europeia com a Polónia e a Hungria, nomeadamente através de acordos de associação como os que hoje apreciamos, para um no-

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rizonte que, em comum, será definido. O sonho da Europa que se estende do Atlântico para Leste, com formas institucionais diversas mas caldeando culturas e integrando economias, vai-se corporizando gradualmente.
Nesse senado, a ratificação do Tratado da União Europeia, a criação do Espaço Económico Europeu, as negociações com os países escandinavos e a Aústria são processos que convergem com os Acordos de Associação à Comunidade da Polónia e da Hungria.
Assim saiba a Europa comunitária compreender as necessidades de apoio e de cooperação com estes Estados, de forma a que, entre a Comunidade e os países da Europa do Leste, as palavras solidariedade e cooperação não sejam usadas em vão.
Portugal terá certamente uma palavra a dizer nesse domínio, uma participação a dar. Comecemos, pois, por votar favoravelmente estes Acordos que constituem importante progresso no caminho da construção europeia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em Dezembro de 1991 foram assinados, em Bruxelas, o Acordo Europeu Que Cria Uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados membros, por um lado, e a República da Polónia, por outro, do qual fazem pane integrante os respectivos protocolos, anexos e acta final, bem como o Acordo Europeu Que Cria Uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados membros, por um lado, e a República da Hungria, por outro, respectivos protocolos, anexos e acta final.
Vem agora o Governo Português, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 200.º da Constituição e do artigo 130.º do Regimento da Assembleia da República, submeter à consideraçâo desta Câmara as propostas de resolução n.ºs 23/VI e 24/VI, que aprovam, para ratificação, os referidos Acordos.
Porque se trata de dois Acordos idênticos no seu conteúdo, princípios e objectivos, apenas diferindo nos segundos países contratantes, procuraremos analisa-los em conjunto, o que não invalida , sempre que se justifique, que se refiram particularidades de qualquer um deles.
Com a queda do ex-bloco soviético e do muro de Berlim, em particular - por muito que doa a alguns dos nossos companheiros desta Câmara -, os Estados do Leste europeu reganharam a sua independência e encetaram os principais passos numa democracia pluralista, procurando empenhadamente recuperar o lugar que, de facto e de direito, lhes assiste tendo em vista a plena integração na ordem política, económica e de segurança de uma nova Europa.
A Polónia e a Hungria estão, pois» nesse grupo de países que desejam viver uma democracia pluralista baseada no primado do direito, nos direitos humanos e nas liberdades fundamentais, um sistema pluripartidário assente em eleições livres e democráticas, nos princípios de uma economia de mercado e na justiça social.
Tomando como base estes princípios e tendo em conta a disponibilidade da Comunidade e dos seus Estados membros para prestar um apoio decisivo à conclusão do processo de transição naqueles países e ajudá-los a enfrentar as consequências económicas e sociais do reajustamento estrutural, bem como a criar instrumentos de cooperaçâo e assistência económica, técnica e financeira numa base global, foi acordado entre a Comunidade e os seus Estados membros e cada um dos supra-referidos países a criação de uma Associação cujos objectivos se encontram enumerados logo no artigo 1.º de cada um dos textos em análise.
Gostaria de destacar, entre outros, a criação de um diálogo político regular entre as partes que permitirá novas formas de cooperação política, o estabelecimento progressivo de uma zona de comércio livre entre a Comunidade e cada um daqueles países, bem como de novas regras políticas e práticas que constituam uma base para a sua integração na Comunidade assim como a promoção da cooperação económica, financeira e cultural numa base o mais ampla possível.
São criados um Conselho de Associação, que supervisionará a aplicação do Acordo, presidido rotativamente por um membro do Conselho das Comunidades e por um membro do Governo Polaco ou Húngaro, o qual dispõe de poder de decisão - assim, as suas decisões serão obrigatórias para as partes -; um Comité de Associações que coadjuvará o Conselho de Associação, constituído por membros do Conselho e da Comissão das Comunidades Europeias e por um membro do Governo dos respectivos países, e ainda um Comité Parlamentar da Associação, constituído por parlamentares europeus e por membros do Parlamento Polaco ou Húngaro.
A Associação terá uma duração ilimitada, compreendendo um período de transição com a duração máxima de 10 anos dividido em duas fases sucessivas de cinco anos cada.
Tendo em vista os objectivos definidos no artigo 1.º, os Acordos que criam as Associações entre a Comunidade e as Repúblicas da Polónia e da Hungria dedicam o título ao diálogo político, o título m à livre circulação de mercadorias (produtos industriais, agricultura, pescas), o título IV à circulação dos trabalhadores, direito de estabelecimento e prestação de serviço entre a Comunidade e a Polónia/Hungria, o título V a pagamentos correntes e circulação de capitais e outras disposições em matéria económica, aproximação das legislações, designadamente e em especial as enumeradas no artigo 68.º, o título vi à cooperação económica, nomeadamente industrial, no domínio da ciência e da tecnologia, educação e formação, no âmbito da política monetária e em matéria social, o título VII à cooperação cultural e o título VII à cooperação financeira.
Como parte integrante dos Acordos, existem sete protocolos que especificam e regulamentam questões técnicas indispensáveis ao bom funcionamento e à prossecução dos objectivos definidos.
Os Acordos entram em vigor no primeiro dia do segundo mês seguinte à data em que as partes contratantes procederem à notificação recíproca do cumprimento dos procedimentos próprios, devendo ser tido em conta o disposto no artigo 124.º
Gostaria de salientar duas ou três questões que me parecem particularmente importantes: em primeiro lugar, os Acordos que ora apreciamos para ratificação são um passo importante para a efectiva criação, estruturação e progressivo desenvolvimento da ^«"^ia nova Europa que todos desejamos e que quer a Comunidade, quer a República da Polónia, quer a República da Hungria estão empenhadas em concretizar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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A Oradora: - Em segundo lugar, apraz-nos registar que o domínio do social, da formação profissional e da cooperação cultural está regulado em termos de equidade para ambas as panes, com especial responsabilidade para à Comunidade, pois deverá fornecer os conhecimentos e as técnicas indispensáveis para ajudar a um desenvolvimento global, actual e rápido dos nacionais daqueles países.
Por último, a não discriminação, quer em termos gerais, acesso ao trabalho, regalias sociais, etc., quer em termos de acesso à justiça e às instâncias administrativas entre os nacionais dos Estados membros da Comunidade e os próprios nacionais de cada um dos países contratantes, e vice-versa, permitirá a consumição de sociedades mais justas e mais fraternas num futuro que se deseja próximo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: As propostas de resolução n.ºs 23/VI e 24/VI vão merecer da parte da nossa bancada e do resto da Câmara, como penso, um voto favorável.
Portugal contribuiu e continuará a contribuir empenhadamente para a construção de uma nova Europa em que os princípios da liberdade e da solidariedade, bem como o primado do direito, sejam as bases fundamentais das sociedades e em que os aspectos materiais não se sobreponham aos sociais. Em suma, uma nova Europa em que o homem se sinta livre, respeitado e globalmente realizado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate.
Para exercer o direito regimental de defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, se alguém teve mau gosto, não fui eu. É evidente que os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos são um valor intrínseco, próprio da democracia, mas também inseparável dos direitos sociais, económicos e culturais dos cidadãos.
Ora, é esta globalidade de direitos e de liberdades que devemos ter em mente quando analisamos a evolução da situação política e social na Europa e no mundo.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, não usarei propriamente da palavra para dar explicações mas para recordar que o Sr. Deputado se me dirigiu dizendo que as referências com que abri a minha intervenção nesta Assembleia tinham sido uma tirada ideológica. A verdade é que apenas recordei aquilo que são os valores fundamentais por que se regem as sociedades europeias, sobretudo aquelas que têm no valor das liberdades o seu principal pilar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como o Sr. Deputado considerou tratar-se essa afirmação de uma tirada ideológica, esclareci - o que reitero agora - que não reduzimos esses valores a tiradas ideológicas, pois eles são tão importantes para a construção de uma Europa justa, equilibrada, , democrática, livre, que não podem ser objecto da retórica que esteve presente no pedido de esclarecimentos que me
dirigiu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que as propostas de resolução n.ºs 23/VI e 24/VI, agora apreciadas, serão votadas ainda hoje.
Vamos interromper os trabalhos parlamentares, que retomaremos às 15 horas.

Srs. Deputados, está interrompida a sessão.

Eram 12 horas e 55 minutos.

A seguir à interrupção, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Vamos dar início à discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 322/VI - Estatuto da função política (CDS), 57/VI - Financiamento da actividade dos partidos políticos e 223/VI - Controlo público da riqueza e dos interesses dos titulares de cargos políticos (PS), 319/VI - Altera o limite de despesas com as campanhas eleitorais para as autarquias locais. 320/VI - Garante o acesso pelos cidadãos às declarações de rendimentos e às declarações de inexistência de incompatibilidade ou impedimento dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos e 321/VI - Limita as despesas confidenciais das empresas, tendo em vista a transparência da vida política nacional (PCP), 329/VI - Financiamento dos partidos políticos, 330/VI - Alterações à Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, sobre o controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos e 331/VI - Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos (PSD) e 332/VI - Financiamento da actividade dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (PCP).
Nos termos do n.º 1 do artigo 153.º do Regimento, para apresentar a síntese do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias elaborou sobre os projectos de lei n.º 331/VI - Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e dê altos cargos públicos, do PSD, e 320/VI - Garante o acesso pelos cidadãos às declarações de rendimentos e às declarações de inexistência de incompatibilidade ou impedimento dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, do PCP, mereceu o seu consenso unânime.
Quero salientar que a primeira iniciativa vem retomar e propor, basicamente, uma terceira alteração à Lei n.º 56/90, de 5 de Setembro, surgida após a Lei n.º 9/90, de de Março. No plano substantivo, tem como pontos significativos e decisivos a destrinça entre o elenco de titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, vindo alargar, sobretudo, a incompatibilidade no domínio dos altos cargos públicos à integração em sociedades anóni-

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mas de capitais maioritariamente públicos, o que até agora apenas se aplicava às sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos.
Neste domínio, constitui uma melhoria, um alargamento ou um fechamento das incompatibilidades e, nesse sentido, vai ao encontro de uma lógica de exclusividade que evite a acumulação de cargos públicos e de cargos privados.
Por outro lado, ainda, este diploma consagra, de forma explícita, a ideia genérica de a exclusividade de funções de titulares de cargos públicos constituir regra, o que já constava de diploma anterior, mas que é agora, de modo nítido, apresentada. No entanto, levanta-nos uma dúvida, que foi expressa no relatório, quanto à não proibição legal do exercício de actividade de representação profissional; ou seja, fazer parte da direcção de órgão, ordem ou sindicato de representação profissional deixa de ser incompatível.
O diploma alarga também a proibição de integração nos corpos sociais de empresas às empresas privadas, e não só aos titulares de cargos políticos, e ainda aos altos cargos públicos. Anote-se que considera como titular de cargo político o Provedor de Justiça e naturalmente - por razões óbvias -, afasta a Alta Autoridade contra a Corrupção. Afasta também da incompatibilidade o desempenho de função em órgão executivo de fundação subsidiada pelo Estado, o que, neste domínio, nos parece assemelhar-se a um alargamento da malha, permitindo uma situação que, no passado, era proibida.
Os titulares de cargos públicos, por outro lado, à data da cessação de funções - e esta é uma inovação com importância -, estão impedidos, pelo prazo de um ano, do exercício de cargos em empresas privadas que prossigam actividades de sector por eles tuteladas se forem objecto de privatização ou se tiverem algum benefício de natureza financeira-fiscal. Parece-nos, por essa razão, tratar-se de uma solução positiva neste domínio.
O projecto de lei apresentado pelo PCP tem como objectivo o reforço da transparência facilitando, em pleno, o acesso dos cidadãos às declarações de rendimentos. A Comissão foi de parecer que este relatório estava conforme e que as soluções se enquadravam no âmbito das prescrições constitucionais e das soluções possíveis de discutir em Plenário.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Nos termos do n.º 1 do artigo 153.º do Regimento, para apresentar a síntese do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António. Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Coube-me a elaboração do relatório relativo ao projecto de lei n.º 322/VI - Estatuto da função política, apresentado pelo CDS.
Este projecto de lei, tal como se afirma no seu preâmbulo, visa reunir legislação relativa ao exercício de cargos políticos e de altos cargos públicos, tema que é hoje objecto de um tratamento legislativo disperso. Portanto, visa reunir num só diploma matérias diversas relativas ao estatuto da função política, que é, aliás, a sua própria designação.
Abrange as incompatibilidades dos titulares dos cargos, a matéria relativa à transparência do seu património e interesses, crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, o financiamento dos partidos políticos e algumas disposições relativas à transparência na utilização de fundos públicos por entidades públicas e privadas.
Relativamente aos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, o projecto de lei reúne legislação basicamente já existente e não faz alterações muito significativas, a não ser nos limites das penas aplicáveis, alargando os mínimos e os máximos.
A matéria relativa ao financiamento dos partidos políticos não constituiu objecto deste relatório, na medida em que o outro relatório da Comissão analisou comparativamente os vários projectos de lei existentes sobre esta matéria.
Portanto, limitar-me-ia a referir sinteticamente as principais inovações constantes deste projecto de lei relativamente às matérias que referi como sendo objecto deste relatório.
Em primeiro lugar, este projecto de lei propõe um alargamento do conceito de titular de cargo político ou de cargo público para os efeitos de aplicação da legislação aplicável alargando aos membros do Tribunal Constitucional, do Tribunal de Contas e do Conselho de Estado, bem como a administradores e directores ou equivalentes de entidades e organismos públicos dotados de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, aos gestores públicos e membros de. órgãos de gestão de sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos e ainda a quem, nos termos da lei, tenha competência para autorizar a realização de despesas com obras e fornecimentos de bens essenciais para a Administração Pública ou para organismos do Estado, em regime de concurso ou ajuste directo.
Relativamente às incompatibilidades, para além de estabelecer o princípio geral da incompatibilidade do exercício dos cargos entre si, mantém as incompatibilidades estabelecidas na lei e acrescenta, como incompatível, o exercício de funções, remuneradas ou não, em organizações internacionais ou de Estado estrangeiro, excluindo, no entanto, desta disposição alguns titulares de cargos políticos.
No que toca aos impedimentos, este projecto estabelece algumas inibições, designadamente para os membros do Governo e dos Governos Regionais, como seja a de durante o ano subsequente à cessão de funções desempenharem funções executivas em sociedades comerciais, cujo sector de actividade corresponde ao sector anteriormente tutelado. Estabelece ainda inibições semelhantes para o Governador e Secretário Adjunto do Governo de Macau e também para os gestores públicos e de sociedades anónimas de capital exclusiva ou maioritariamente público.
Relativamente às declarações de rendimentos dos titulares destes cargos, prevê-se a anualidade da renovação das declarações apresentadas, para além de um alargamento da declaração não apenas ao património e aos rendimentos. dos titulares mas também aos interesses de que eles sejam titulares.
Estabelece-se ainda, a competência da Procuradoria-Geral da República paira, em caso de suspeita fundamentada da prática de ilícitos criminais, proceder ao controlo das declarações apresentadas, com vista ao exercício da acção penal.
Quanto à parte final deste projecto de lei, que se refere à transparência da utilização de fundos públicos, as novidades que surgem têm a ver com o alargamento da jurisdição e dos poderes do Tribunal de Contas a todas as entidades, incluindo privadas, que obtenham receitas e realizem despesas com base em recursos financeiros pú-

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blicos, de origem nacional ou comunitária. Estabelece-se um prazo máximo de seis meses para a conclusão de inquéritos e de relatórios elaborados por vários serviços da inspecção do Governo, dos Governos das Regiões Autónomas ou da Administração do Território de Macau, para além de um prazo de 30 dias para a tomada de decisões com base nesses relatórios e um prazo máximo de 30 dias, após essa decisão, para a publicação no Diário da República desses inquéritos.
Finalmente, prevê-se ainda, para além da publicidade obrigatória das decisões que atribuam quaisquer subsídios a entidades privadas ou outros benefícios fiscais, quer sejam de origem nacional ou comunitária, a obrigatoriedade de sujeição da aplicação dos fundos estruturais da Comunidade a uma auditoria anual a realizar por iniciativa do Governo e cujos relatórios são sempre enviados ao Tribunal de Contas e à Assembleia da República.
Pelo que. sendo estas as alterações propostas, a Comissão não vislumbra inconstitucionalidades neste projecto de lei e considera que o mesmo está em condições de ser debatido, na generalidade, em Plenário.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, nos termos do n.º 1 do artigo 153.º do Regimento, para apresentar a síntese do relatório da Comissão de Assuntos Europeus, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em face do relatório, diria que os diferentes projectos de lei não mereceram, em geral, quaisquer objecções da Comissão de Assuntos Europeus.
Apenas o projecto de lei n.º 57/VI, do PS, relativo ao financiamento da actividade dos partidos políticos, mereceu reservas que acabaram por ser confirmadas pela votação em sede de Comissão. E este facto não é aqui referido para criar qualquer polémica, por parte do relator, mas visa chamar a atenção para uma reflexão que creio se. impõe fazer, sendo certo que não me parece desejável que, no futuro, uma repetição de uma situação destas venha a ocorrer.
É evidente que o relator não foi ao ponto de considerar que o projecto de lei não estaria em condições de subir a Plenário, dado o precedente já criado na anterior legislatura, mas a verdade é que o preenchimento do articulado com fórmulas técnicas de cálculo, em que entra na sua componente um factor x, toma impossível avaliar o que é que o partido proponente realmente pretende. Não se desconhece que as fórmulas técnicas não são ideologicamente neutras quando dizem algo, mas aqui mesmo, em sede de generalidade, o que é que se pretende e com que é que o partido se quer comprometer. Não tem de ser, mas dando como certo que se pretende subir os montantes das despesas, que já constam hoje da legislação, e que se pretende balizar receitas, quão diferente é a avaliação da vontade do proponente se preencher o factor x por 2, por 10, por 100 ou por 1000, como outros fazem. Claro que, afinal, a maioria existente na Comissão fá-lo-á, se não rejeitar o projecto de lei, mas então o resultado já não é fruto da vontade partidária mas da Assembleia da República, ou pelo menos da Comissão.
O único espaço formal de apresentação da vontade de um partido, no plano do processo legislativo, é na elaboração do projecto de lei. Não sendo maioria, é pelo que nele faça constar que qualquer partido pode, essencialmente, ser ajuizado quanto as suas intenções no processo. Só as verbas concretas, ditas ou obtidas concretamente por um qualquer critério claro e determinável, é que o podem responsabilizar e comprometer politicamente, independentemente da sua maior ou menor vontade de consenso nesse processo, até final.
Em caso contrário, qualquer partido pode desencadear um processo sensível no plano popular, seja em sistemas distributivos das classes políticas, seja das magistraturas, seja de outro qualquer domínio, impondo uma iniciativa inoportuna, sem se comprometer nunca, pois o texto da lei que ele impôs, irá impor, esse sim, um ónus de impopularidade a quem concretizar a intenção x.
Não se trata de uma lei para criar critérios casuísticos para concretização de montantes, porque a ser assim era compreensível, mas trata-se de uma lei que pretende e tem de dizer quais os montantes pretendidos.
E se a lei só tem sentido com o x, preenchido, não podendo haver lei sem isso, então o próprio projecto de lei, independentemente das possíveis alterações na especialidade, também tem de efectuar esse preenchimento.
É esta, em síntese, a nota que o relator, neste tema, e apenas como reflexão para o futuro, e sem polémica, queria deixar, uma vez que se viabilizou o projecto de lei em sede de Comissão.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Nos termos do n.º 1 do artigo 153.º do Regimento, para apresentar a síntese do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Amado.
O Sr. Luís Amado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Coube-me, em nome da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, elaborar o relatório relativo ao projecto de lei n.º 330/VI - Alterações à Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, sobre o controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos, apresentado pelo PSD.
Esta iniciativa insere-se no conjunto das iniciativas que se debruçaram sobre esta matéria, já apresentadas nesta Assembleia, da autoria do Partido Socialista, do Partido Comunista e do CDS. Muito sucintamente, o relatório aflora esta apresentação, remetendo o enquadramento legal e doutrinário desta matéria para o relatório então apresentado, e apreciado em sede de Comissão, pelo Sr. Deputado Fernando Condesso.
Faz-se um registo sucinto da história da Lei n.º 4/83, que foi apresentada, nesta Assembleia, com base numa iniciativa do Sr. Deputado António Sousa Franco, subscrita e assumida pelo grupo parlamentar da ASDI em 1983, altura em que já então o debate ocorrido nesta Casa abordou justamente os domínios que tem a ver com a precisão da incidência do controlo a efectuar e a forma de publicitação das declarações, criando alguma controvérsia, bem como a extenção deste tipo de controlo aos juízes, designadamente tendo em atenção que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça era abrangido por essa iniciativa.
Na exposição de motivos que justifica a iniciativa, os Deputados do PSD fazem alusão ao facto de, por toda a parte, a institucionalização das declarações ir vencendo as resistências naturais derivadas do receio dos excessos da prática de transparência, mas reconhecem, contudo, que a questão da confidencialidade ou da publicidade do conteúdo destas declarações era já o aspecto mais polémico e sensível deste debate, enunciando, precisamente por isso,

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alguns argumentos a favor da confidencialidade, bem como argumentos a favor da publicidade das respectivas declarações.
Quanto às principais alterações, muito sucintamente, devo dizer que as alterações à Lei n.º 4/83 alargam o âmbito de aplicação da lei ao Provedor de Justiça, aos vice-governadores civis, ao Governador e ao Secretário Adjunto do Governo de Macau e subtraem a sua aplicação aos membros do Tribunal Constitucional e do Conselho de Estado.
Por outro lado, estabelece o direito de qualquer cidadão requerer a consulta das declarações de património e rendimentos nos 30 dias subsequentes à entrega da declaração de início ou de cessão de funções, sem que, contudo, se defina com rigor que o Tribunal Constitucional é, efectivamente, a entidade receptora dessas declarações.
Por outro lado, na alteração proposta para o artigo 6.º, condiciona-se a divulgação pública do conteúdo das declarações ao consentimento do respectivo titular, obrigando-se, neste caso, à sua divulgação integral.
Para concluir esta síntese, no que diz respeito às sanções previstas, refiro ainda que se define o limite de dois anos como pena de prisão para a publicitação não autorizada ou não rigorosamente coincidente com a que constar da mesma declaração, agravando-a, contudo, se as infracções previstas forem cometidas através de orgão de comunicação social, situação em que o agente é punido com pena de prisão de um a quatro anos.
Não se reconhecendo qualquer inconstitucionalidade no articulado do projecto de lei, a Comissão foi de parecer que nada obsta à sua apreciação em Plenário.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Nos termos do n.º 2 do artigo 153.º do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier, que dispõe de três minutos, findos os quais a Mesa descontará no tempo atribuído ao CDS.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seja qual for o desfecho desta sessão, sejam quais forem as motivações ultimas dos actores parlamentares, o dia de hoje é, sem sombra de dúvida, um dia histórico. É que , em matéria de prevenção da corrupção, em matéria de transparência do funcionamento do sistema político, em matéria de separação entre o público e o privado, o progresso está garantido e adquirido.
Ainda que a Câmara se orientasse pelo nível mínimo de avanço - o que, sinceramente, espero não aconteça -, as soluções definitivas seriam aceitáveis, em qualquer caso, e a sessão legislativa teria valido a pena.
Julgamos que a opinião pública será o melhor árbitro da repartição dos méritos políticos correspondentes a este resultado. Não queremos, pela nossa parte, outro reconhecimento que não seja o que decorre de termos feito o possível para chegarmos aqui, dentro de regras de respeito e de tolerância que. pelo menos em parte, nós próprios traçámos. Utilizámos para este fim o nosso direito de agendamento, solicitámos espontaneamente a intervenção dos outros partidos, fornecemos de livre vontade o prazo suficiente para que ultimassem as respectivas iniciativas. Ninguém de boa fé nos poderá acusar de oportunismo político.
Mas ainda que não queiramos alimentar a discussão sobre as patentes ou sobre a originalidade das soluções que hoje aqui vamos debater , importa não ignorar que as iniciativas tiveram um processo e sofreram as vicissitudes próprias das grandes reformas estruturais.
Chegou-se a pôr em dúvida a legitimidade dos motivos últimos que presidiram àqueles que travaram o combate pela prevenção da corrupção, pela moralização da política, pela transparência do funcionamento do sistema político. Chegou-se a dizer que a luta pela moralização era, afinal, um modo irresponsável de acicatar o conceito negativo em que os políticos caíram aos olhos de certa opinião pública, um modo ilegítimo ou censurável de criticar, de fora, um sistema imodificável ou inelutável.
Confessamos a nossa perplexidade perante este tipo de razões.
Em primeiro lugar, na verdade, é preciso assumir que a corrupção, a insuficiência dos tradicionais mecanismos de controlo e a falta de transparência de alguns aspectos da política são apenas parte das consequências da evolução das sociedade industriais modernas.
Foi o intervencionismo - sem que isto implique, por si só, um juízo negativo - que trouxe os escândalos, os conflitos políticos e a desconfiança dos cidadãos. Os meios clássicos de controlo podiam bem com os objectivos e as funções do sistema financeiro clássico: os instrumentos de acção do Estado, a sua própria intervenção, a escassez das tarefas e das ferramentas públicas tomavam suficientes os mecanismos tradicionais de fiscalização.
Aumentou, no entanto, incalculavelmente, o número de operações que envolvem dinheiros públicos; o respectivo montante; o número dos que tomam decisões com implicações financeiras públicas; o volume dos interesses que dependem do Estado aumentou exponencialmente. Agora as coisas são diferentes.
As transformações sociais e políticas que subjazem a esta evolução tem sido suficientes para justificar muitas reformas: a administrativa, a da administração económica, a do funcionamento e das funções da representação parlamentar.
Porque não hão-de essas mesmas transformações justificar a reforma do funcionamento do sistema político, para se combater a corrupção e fomentar mais a transparência? Ou será que alguém prefere que estas reformas venham, afinal, a ser impostas por agentes externos, em face da ruptura do sistema?
Pela nossa parte, preferimos que a classe política assuma a iniciativa, serenamente, com a lógica de que «prevenir é dignificar».
Não vale a pena, aliás, ignorar que a opinião pública nos olha -justa ou injustamente - com alguma desconfiança. Não hesitamos em afirmar que essa opinião pública quer uma mudança, e que nós, os Deputados, somos por ironia e, porventura, por injustiça os mais visados por esse anseio. Aos que preferem não mudar e confiar em si próprios, respondemos, simplesmente, que o povo é que não pode ser mudado.
Sejamos inclusivamente menos eufemistas. Há entre nós, quem pense e diga que estamos longe, em matéria de escândalos, das dramáticas situações da França, da Itália e da Espanha. Isso mesmo já foi afirmado no Parlamento, mas isso, para o CDS, constitui a menos importante das verdades ou a maior das mais tristes consolações.
Alguém que se responsabilize por essa diferença ou por essa distância. Pela parte do CDS, estamos mais tentados a precaver-nos contra uma perigosa analogia. A verdade é que no Sul da Europa é onde se coloca mais veementemente o problema da corrupção e da falta de transparência: eis o perigo da proximidade geográfica, da contiguidade cultural e da identidade de circunstâncias.

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É, com efeito, no Estado bonapartista francês, no Estado partido italiano e no caudilhismo socialista espanhol que o desprestígio da classe política atingiu, com boas razões, os níveis mais elevados e preocupantes.

ra, não estamos imunes à mesma rotina cultural ou a uma semelhante conjugação de factores: veja-se a parecida dimensão do aparelho administrativo ou do Estado administração; a idêntica exposição à permanência no poder, durante longos anos, da mesma força política, sem que, com isto, se faça qualquer juízo concreto; veja-se, em acréscimo, a adopção clara de um modelo de crescimento e de progresso fortemente orientado pelo Estado, com a utilização maciça de fundos públicos. Repare-se ainda no confronto permanente entre um Estado grande - ao menos, relativamente grande - e uma sociedade civil Craca, especialmente macia face aos controlos partidários e aos mecanismos públicos de intimidação, expressos ou implícitos, voluntários ou involuntários.
Alguém, na verdade, poderá estranhar que a classe política assuma a sua própria protecção, num País onde - esperamos que conjunturalmente - a polícia de investigação e a magistratura do Ministério Público se não entendem facilmente?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Entendemos que as iniciativas que hoje se discutem estão mais do que justificadas. É mais do que certo que estas reformas devem ser assumidas pelo Parlamento, como que num reencontro com um dos seus símbolos, com a sua principal matriz. Aliás, para mudar o conceito que de nós faz a opinião pública bastariam gestos simples: bastaria que um, um só inquérito parlamentar fosse concluído sem a suspeita de que o voto maioritário conformava o resultado para se estabelecer o caminho de uma reconciliação.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Nós, no CDS, tememos, inclusivamente, que alguns traços, que chegam ao nosso conhecimento, da reforma do Parlamento não alinhem pelos caminhos que propomos. Sentimos alguns receios, que o tempo nos virá mostrar se são ou não justificados, de que a Lei Orgânica da Assembleia da República continue a definir o subsídio estatal dos partidos; que os poderes do Presidente da Assembleia da República venham, afinal, a ser diminuídos em beneficio de uma burocracia partidária.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS, já há algum tempo, pediu que se passasse das palavras aos actos. Eis um resumo dos passos em frente que pretendemos dar.
Em primeiro lugar, o CDS crê que todo o sistema ganharia em transparência se os diplomas relativos ao combate à corrupção, ao controlo de rendimentos dos políticos, ao regime das incompatibilidades e ao financiamento dos partidos se reunissem num único estatuto da função política. Ninguém poderá negar, com efeito, que a dispersão das normas torna difícil o conhecimento das situações concretas, mesmo por parte dos melhores conhecedores.
Algumas das matérias incluídas por nós neste estatuto já foram discutidas nesta Câmara: referimo-nos, designadamente, à fiscalização dos beneficiários de dinheiros públicos, assunto que, para o CDS, se reconduz ao simples fecho do círculo das competências do Tribunal de Contas.
O debate de hoje centrar-se-á, com certeza, no regime do financiamento dos partidos, nas regras sobre incompatibilidades e no sistema de controlo é publicitação dos rendimentos dos titulares de cargos políticos.
Quanto ao primeiro aspecto, o CDS afirma o primado do financiamento público, pela via directa do subsídio ou pela via indirecta da tomada em consideraçâo dos donativos aos partidos como custos ou abatimentos fiscais dos doadores.
O segundo aspecto a ter em conta, no nosso projecto, reside na promoção da transparência através da instauração da obrigação de possuir contabilidade organizada, em moldes privados, e no estabelecimento de sanções severas para a infracção dessa obrigação. Defendemos ainda, neste domínio, que o controlo da observância das novas normas deve pertencer ao órgão com competência para julgar ou auditar as contas das entidades que conferem benefícios públicos: o Tribunal de Contas.
Em matéria de incompatibilidades, damos mais alguns passos no sentido da exclusividade, contribuindo, do mesmo modo, para assegurar uma clara separação entre o público e o privado antes, durante e depois do exercício de funções políticas.
Finalmente, as regras que propomos para a publicação dos rendimentos dos políticos representam, assumidamente, uma ruptura com o regime actual. Em matéria de prevenção de corrupção ou da publicação de relações especiais com interesses, nada se consegue sem essa ruptura.
É necessário permitir o maior acesso às declarações e eliminar, ao menos parcialmente, a discricionalidade da sua revelação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela nossa parte, estamos seguros de que o debate em torno das soluções propostas por todos os partidos contribuirá para se perceberem melhor as diferenças básicas entre as iniciativas e as concepções que as sustentam.
Julgamos, também, ser imperiosa a obtenção, já hoje, de um acordo muito concreto. Nesta área, desiludam-se alguns, não há dogmas nem especiais conotações políticas ou ideológicas, como o prova, aliás, a diversidade de posições que conhecemos em outros países sobre esta matéria. Cremos mesmo que os diferentes partidos deveriam revelar, no debate de hoje, o seu compromisso quanto a calendários, a esforços de entendimento e a concordâncias básicas. Só assim poderemos acrescentar um fecho especial a esta sessão legislativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda haverá alguém que entenda ser o combate do CDS pela moralização da política um combate fora do sistema? Se ainda há quem pense tal coisa, resta-nos a esperança de que tendo vindo, alegadamente, de fora podemos contribuir para convencer os de dentro da mudança. Este mérito, com certeza, ninguém se atreverá a regatear-nos.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Octávio Teixeira e Fernando Condesso. Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente. Sr. Deputado António Lobo Xavier, começo por me referir às questões gerais que V. Ex.ª colocou. A meu ver, a transparência da vida pública nacional, mais particularmente da vida política, é um princípio essencial, que ninguém de boa fé poderá pôr em causa, e que, pelo menos ao nível das palavras - e quero crer, sinceramente, que também dos actos -, todos os partidos políticos estão disponíveis e interessados, não apenas de agora mas de há muito tempo

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(neste caso, faio pelo meu partido), em que isso seja concretizado.

Aliás, considero que a problemática hoje em debate neste Plenário, em toda a sua globalidade, é uma questão de regime. Por conseguinte, do nosso ponto de vista - e será esse o nosso comportamento -, julgamos que todos os grupos parlamentares se devem comportar com a maior seriedade, abertura e disponibilidade, desde que nenhum de nós abdique do que considera princípios fundamentais ou essenciais.
Quanto ao desafio final que fez na sua intervenção, sobre calendários e esforços de entendimento, pela nossa parte, estamos totalmente abertos a um trabalho suplementar, a um calendário curto, de modo a podermos chegar a um consenso e uma abertura para esse consenso, desde que, da nossa parte, não sejam violados princípios com esse consenso muito alargado, repito.
Feitas estas considerações essenciais, gostaria de lhe colocar algumas questões. Sr. Deputado. Uma delas deve-se ao facto de, sinceramente, ter receio de ter percebido mal algo que disse na sua intervenção. Julgo que o Sr. Deputado afirmou, acerca da Lei Orgânica da Assembleia da República, e relacionando com a problemática da definição do financiamento da actividade normal dos partidos políticos com representação na Assembleia da República, que não concorda com a actual situação, a qual, pelos vistos, se irá manter, atribuindo a uma burocracia partidária - repito, posso ter percebido mal e, por isso, quero clarificar esta questão - a definição das condições de financiamento, em vez de ser atribuída à discricionaridade do Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Percebeu mal!

O Orador - Então, nesse caso, não prossigo com esta questão. De facto, isto era um problema a discutir se tivesse percebido bem.
Em termos gerais, não é o problema dos valores que me interessa neste momento, por isso, a segunda questão relaciona-se com a proposta do CDS relativa à problemática do financiamento dos partidos políticos. Esta questão pode desdobrar-se em duas.
O CDS propõe que os donativos aos partidos políticos possam ser objecto de benefício fiscal. Na posição que neste momento o meu partido tem, somos contrários a essa ideia. E pergunto-lhe: porquê esse benefício fiscal? Para além do mais - e já não vou às questões de fundo, de eventuais desigualdades de tratamento fiscal entre cidadãos portugueses -, quando isso implicaria que, ao fim ao cabo, uma parte do chamado financiamento privado dos partidos passasse a ser, de facto, um financiamento público, na medida em que o Estado, ao não receber o imposto, estaria ele próprio a financiar os partidos políticos, por uma via ínvia, não seguindo o que está na lei e, simultaneamente, conduzindo a desigualdades, já não em termos do cidadão perante o fisco mas entre os vários partidos.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Orador - Concluo já. Sr. Presidente. A segunda questão relaciona-se com o problema dos limites às despesas nas campanhas eleitorais. O Sr. Deputado referiu, na sua intervenção, as situações que têm surgido noutros países, nomeadamente na Itália, em Espanha, na França, na própria Alemanha, etc. Ora, nós somos contra a ideia, que o CDS apresenta, de não haver limite para as despesas nas campanhas eleitorais. A não existência desses limites incentiva a obtenção de múltiplos recursos financeiros que podem, ao fim ao cabo, vir a ser considerados ilegais e irregulares e, para além do mais, corre-se o risco de transformar as campanhas eleitorais não em debates políticos mas em meros confrontos espectaculares.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimentos, deseja responder já ou no fim?

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Então tem a palavra.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, começo por lhe dizer que a referência à reforma do Parlamento foi uma tentação a que não resisti. Apesar de ser uma matéria com algumas audiências com o que hoje debatemos é também uma matéria da qual só conheço «por ouvir dizer», como se diz nos filmes americanos que abordam questões jurídicas.
Tenho um conhecimento de «ouvir dizer», o que levanta alguma preocupação. As preocupações que enunciei - com a consciência de que estava apenas a expor as minhas próprias dúvidas - tinham a ver com o que eu disse: por um lado, com a possibilidade de haver uma diminuição dos poderes efectivos do Sr. Presidente da Assembleia da República em benefício da estrutura burocrática da Assembleia e, por outro lado, com o facto de eu discordar, apesar de não ter disponibilidade pessoal para participar na Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento, com o facto de as subvenções atribuídas em função dos votos estarem reguladas na Lei Orgânica da Assembleia da República. Prefiro que tudo isso esteja claramente regulado num único diploma e que um português possa saber quanto custa o funcionamento dos partidos, da Assembleia da República, do sistema. Mas este é um assunto a que poderemos, com certeza, voltar mais tarde. Melhor me calhava explicar as perguntas que me fez e que, no fundo, representam algumas divergências que existem, nesta matéria, entre as nossas iniciativas.
Relativamente à primeira pergunta que colocou, será verdade que estabelecemos os donativos aos partidos como um benefício fiscal? Não diria tanto. As regras são as de que os abatimentos e os custos são os necessários para a obtenção dos proveitos em qualquer dos impostos sobre o rendimento. Ao regular essa matéria, o legislador mostrou claramente que não considerava ser um custo necessário à formação do proveito os donativos para obras de beneficência e do mecenato cultural. E, portanto, regulou expressamente a admissibilidade dessas despesas como custos, dentro de certos limites. Nós apenas fizemos a equiparação das despesas com o financiamento dos partidos a esse tipo de despesas.
Mas porque é importante a existência, de facto, de algum incentivo? Quem não concorda que, para que as coisas sejam transparentes, é preciso haver um incentivo à transparência que sensibilize o. próprio empresário ou doador, não percebe e não aceita, por exemplo, que a corrupção activa seja descriminalizada.

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No fundo, em beneficio da transparência, toleramos uma despesa suplementar do Estado, uma despesa indirecta que, julgamos, não viola de modo algum a igualdade. Mas não admitimos que andem a dar dinheiro aos partidos as empresas que não têm lucro. Isso é que não admitimos. Agora que os empresários ou os sócios de uma sociedade, quer se entendam quer não. resolvam dar dinheiros aos partidos, achamos isso perfeitamente aceitável e admissível.
Aliás, não vamos tão longe como alguns partidos próximos do nosso, como os conservadores, que dizem que o voto é secreto e, por isso, a revelação da preferência em matéria de financiamento - preferir dar a certo partido - também deve ser secreta e sobre a qual ninguém tem de saber nada. Ao invés, o nosso sistema assenta na transparência, os partidos são obrigados a ter contabilidade e os doadores são obrigados a acusar na contabilidade esses donativos.
Isto liga-se com a questão do fim dos limites aos gastos nas campanhas. Qual é a lógica do estabelecimento desses limites? Em primeiro lugar, devo dizer-lhe, tranquilamente, sem querer fazer polémica sobre isso, que os partidos que propõem ainda limites aos gastos nas campanhas eleitorais, elevaram essa fasquia até ao ponto que lhes convinha, isto é. até à sua própria dimensão. Para o CDS esta questão é tranquila. Nunca atingiremos a fasquia que está proposta pelos outros partidos, ou, melhor, tão cedo não a atingiremos.
Mas, para nós, o problema das fasquias é um problema de seriedade. As fasquias dos gastos dos partidos foram um instrumento ou uma causa evidente de hipocrisia política.
Qual é o problema da limitação? É evitar que o poder económico interfira na direcção dos partidos e que o poder do dinheiro determine as soluções, as propostas e os candidatos dos partidos. Ora bem, isso consegue-se com fasquias. Srs. Deputados? Duvido! Mas consegue-se com a transparência total? Do nosso ponto de vista, consegue-se.
Que me importa que a empresa x financie grande parte das campanhas do partido a, se isso é claro, evidente e é sabido por todos? Amanhã, quando esse partido tiver uma manifestação a favor desse interesse, toda a gente saberá e toda a gente poderá chamar a atenção para a responsabilidade política desse tipo de comportamento.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, começo por saudar a sua intervenção e o espírito ínsito nas palavras que proferiu da tribuna. Manifesto, desde já, também, o apreço pelo esforço de procurar congregar num único documento tão vasto conjunto de matéria. Manifesto ainda, igualmente, o meu acordo e o da minha bancada - penso que, no fundo, todos têm neste Parlamento que manifestar esse acordo - sobre a importância deste momento dada a relevância das matérias que estamos a tratar relativamente aos temas da transparência da vida pública e da moralização da vida política.
Sr. Deputado, quero dizer-lhe que o espírito da nossa bancada não é só o de apresentar as nossas propostas, sobre as quais reflectimos, mas o de que todas as propostas que deram entrada na Mesa vão merecer da nossa parte, igualmente, a nossa reflexão aprofundada. Em termos de conteúdos e de calendários, estamos aqui para. em conjunto com as outras bancadas, procurarmos consenso, numa matéria tão importante como esta que boje tratamos.
Sr. Deputado, assim sendo, pretendo colocar-lhe duas questões: uma. que provavelmente já debateu, e outra relacionada com aquilo que acabei de dizer sobre o esforço do CDS para coligir num único documento um tão grande conjunto de matérias.
Sr. Deputado, é verdade que fez esse esforço. Mas considera que esse esforço está conseguido? Muitas vezes, o esforço da codificação, não só em matérias do direito interno, como de direito externo, ou de direito internacional, são sempre um escopo dificílimo. O esforço aí está e, provavelmente, aponta-nos um caminho mas, de qualquer maneira, penso que há outras matérias relevantes. Não sei se entenderam que não era o momento de maturação para o fazer ou se entenderam que, de qualquer maneira, aqui estaria o miolo essencial para uma espécie de manual sobre estes temas. No entanto, gostaria de saber o porquê dos limites desse esforço.
Outra questão: sem deixar de concordar com tudo o que disse e que. no fundo, será comum ao espírito e ao parecer de outras bancadas, tendo bem presente dificuldades sobre as quais tivemos de reflectir, por razões que, da nossa pane, têm de merecer algumas interrogações ligadas a considerações político-culturais próprias do nosso país, é a questão do financiamento público para campanhas eleitorais. Percebemos os argumentos de princípio, mas tendo presente a espiral de gastos ou os montantes de gastos, por um lado, aquilo que está em causa é o que virá dos montantes dos contribuintes e, por outro, é também uma dada imagem.
O eleitorado já hoje diz: «como gastam dinheiro! Papéis em quantidade!» Ou seja, há uma certa americanização das campanhas. Se for pago pelos contribuintes, estes não dirão: «como gastam o nosso dinheiro»? Será que preparámos as coisas no nosso país a todos os níveis para que esta matéria possa ser recebida de uma forma tão ligada aos princípios que, no fundo, a justificariam? Ou virar-se-á para um espírito antiparlamentarista, anticlasse política? Ou virar-se-á um pouco contra quem, por boa-fé e por boas razões, defende estes subsídios estatais para as campanhas eleitorais?

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. Deputado António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Condesso, há pouco não pude referir-me a essa matéria, mas devo dizer-lhe que os trabalhos parlamentares de comissão elaborados por V. Ex.ª são sempre modelos, são sempre modelares e, neste caso, continuaram a revelar essa característica e essa qualidade.
De facto, confesso que tentei congregar as matérias designando-as pela expressão - mas também não sou, de facto, um pai extreme - «estatuto da função política». Foi a tentativa de reunir todos os diplomas que pudessem ter a ver com as questões gerais que estão no nosso espírito aqui hoje.
Digo-lhe, sinceramente, que não é um trabalho conseguido totalmente, nem me bato peia imutabilidade daquilo onde cheguei. Conheço hoje várias deficiências daquele projecto e tenho pensado na sua modificação e aperfeiçoamento para a altura própria. Inclusivamente, há outras matérias que, de facto, também deveriam ser

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abrangidas. Digo-lhe por exemplo, que tendo eu um interesse não totalmente político ou estratégico em que esta questão ficasse adquirida antes do fim da sessão legislativa, marquei um calendário para mim mesmo que deu grande tempo de reflexão e que me permitiu ter em consideraçâo outras questões.
Sr. Deputado, dou-lhe um exemplo: falta atribuir uma natureza aos presentes ou às ofertas recebidas pelos titulares de cargos políticos, bem como atribuir limites, condições e regular o direito de propriedade sobre as ofertas e presentes atribuídos no exercício da função política aos ululares de cargos políticos, presentes e ofertas legítimas do uso político e do funcionamento normal da política corrente.
Quanto ao financiamento público, queria, em primeiro lugar, que visse na minha ideia de que o financiamento deve ser predominantemente público, atendendo à preocupação da transparência.
Relativamente a se os gastos são elevados ou não, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que o funcionamento dos partidos e o exercício da actividade política custa o que custa e não deve ser limitado por razões de intervenção política e pela capacidade de chegar as pessoas, principalmente num país onde as comunicações não estão totalmente conseguidas, não são totalmente livres e não funcionam como gostaríamos. As campanhas políticas são caras, o exercício desta função é caro e eu, que falo contra os gastos públicos, assumo claramente que não quero jugular, em questões financeiras, o exercício da função dos partidos.
Se houver transparência e se tudo for documentado, penso que não haverá grandes receios de gastos exagerados e que podemos ser controlados nessa matéria.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, desejava pedir uma suspensão dos trabalhos por um período de trinta minutos dado que o meu grupo parlamentar vai realizar uma conferência de imprensa.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Como não há objecções, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, do Regimento, estão suspensos os trabalhos, que serão retomados as 16 horas e 55 minutos

Eram 16 horas e 25 minutos.

Após a interrupção, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 25 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O financiamento do sistema político é uma questão nuclear do sistema democrático. Por isso, a definição de regras de procedimento que garantam a plena visibilidade da vida pública é fundamental para o aperfeiçoamento do sistema democrático.
Foi com esse espírito que em 17 de Maio de 1990. na anterior legislatura, o Partido Socialista tomou a iniciativa - no que foi pioneiro - de apresentar um projecto de lei de financiamento» dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. Então não fomos acompanhados por qualquer dos partidos hoje presentes nesta Câmara e hoje, ao retomarmos a discussão sobre esta matéria, congratulamo-nos com o facto de ela ser partilhada, em termos de preocupação e iniciativa, pelos outros partidos.
Aquilo que pretendemos e que se mantém vivo nos objectivos do nosso projecto de lei e, seguramente, nos outros é alcançar uma maior transparência, rigor, isenção, igualdade de oportunidades entre os partidos e credibilizar o sistema político e a classe política também.
Se hoje em dia podemos dizer que há uma crise de representação do sistema político, que é para todos evidente, há, seguramente, em grau porventura mais nítido, uma crise de confiança dos cidadãos no sistema político, crise que temos de debelar e que, certamente, ajudaremos a debelar com leis deste tipo.
Queremos igualmente dizer que, ao apresentarmos o nosso projecto de lei, no passado como agora, não pretendemos de forma alguma alargar ou aumentar a subvenção global que o Estado atribui aos partidos políticos, designadamente ao nosso partido.
Não era nosso intuito - daí o termos fixado uma incógnita não precisada -, como objectivo único, obrigar a Câmara a fixar os montantes limite para que se provasse, de forma inequívoca e nítida, que não queríamos aumentar as subvenções mas, sim, que se desse um passo necessário e urgente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era urgente em 1990 e continua a ser urgente hoje. Congratulamo-nos que só agora outros partidos tenham tido a noção da urgência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porquê?! Porque em nós esta consciência da necessidade existia já em 1990. Parece que os ventos externos e, porventura, os internos fazem com que a consciência da necessidade seja mais premente hoje! Repito, congratulamo-nos com isso!
Já então apresentámos - e fizemo-lo também há cinco anos - uma lei de incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, designadamente de membros do Governo. Hoje congratulamo-nos com o facto de o PSD dar, de forma ténue, tímida, mas positiva, alguns passos relativamente às incompatibilidades dos titulares de cargos políticos.
Estão longe ainda do nosso projecto de lei, que criava um período de quarentena, de ponte, de turbatio sanguinis - usando a linguagem dos juristas -, em que não podia saltitar-se das empresas públicas para o Governo ou deste para as empresas públicas.
Este carrocei de clientelas, de influências, de compadrios, de lugares, foi na nossa lei regulamentado de forma muito restritiva e nítida através de prazos de três, dois e um anos. O PSD, tenuamente, timidamente, ainda que de forma positiva, vem fixá-los num ano e só em casos muito restritos.
Congratulamo-nos que tenham chegado a esta solução. Por certo, com a nossa influência, com o nosso projecto de lei, com a nossa iniciativa, vão chegar à solução mais apropriada e radical de não haver «osmose clientelar» e de

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contaminação entre o exercício de funções de Governo e de funções públicas!...

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei de financiamento dos partidos, que apresentamos e que todos os partidos apresentaram, corresponde à necessidade de resolver, de uma vez por todas, um conjunto de regras de financiamento da vida pública que são, evidentemente, arcaicas, desajustadas, insuficientes e que apenas têm servido a hipocrisia política.
O Partido Socialista, em campanhas eleitorais de algumas autarquias, designadamente na de Lisboa e até nas legislativas, declarou que os montantes fixados e as verbas que por dever da função e dever de legalidade eram obrigadas a ser transmitidas publicamente não eram exactos.
A fraude política ou, digamos, a mentira política, ainda que com boas intenções, era e é uma regra inerente ao funcionamento do sistema político a ateimo-nos à legalidade que hoje vigora.
Estas regras de hipocrisia têm de, rapidamente, ser afastadas. Aliás, só lamentamos que esse processo não se tenha iniciado há três anos atrás.
Ora, o projecto de lei que apresentamos constitui um contributo decisivo para o funcionamento do sistema democrático e pluralista e, por isso, tem de assentar em regras que garantam uma igual oportunidade de funcionamento e de concorrência entre os partidos políticos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - No nosso projecto de lei apresentamos, por isso - e congratulamo-nos que a esta solução tenham adendo outros partidos que, na altura do debate, fizeram acirradas críticas à solução -, a submissão das contas partidárias à apreciação do Tribunal de Contas. É, indiscutivelmente, a melhor das soluções e 6 uma competência acrescida que temos de dar ao Tribunal de Contas,...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... que dispõe dos meios adequados para exercer este controlo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A transparência da actividade económica e da contabilidade dos partidos políticos é uma exigência das democracias europeias ocidentais.
Com efeito, não podemos deixar de recordar que algumas das perversidades do funcionamento democrático que - e, infelizmente, todos temos de reconhecer isso - ocorreram na Europa do Sul se ficaram a dever a regras de transparência menos claras, no que diz respeito ao financiamento dos partidos políticos e às empreitadas de obras públicas.
Foram estes os caminhos que permitiram o «descaminho» das soluções, das regras e da decisão democrática.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Queremos, igualmente, regras decisivas e definitivas sobre a publicidade das contas partidárias; queremos que as subvenções dos gastos partidários e a subvenção parlamentar tenham regras nítidas, assim como os gastos eleitorais. Da mesma forma, admitimos como positivas as doações particulares aos partidos, desde que elas se façam com regras de absoluta transparência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Queremos e entendemos que devem ser, em absoluto, estabelecidas proibições de doações aos partidos, nomeadamente de certas pessoas individuais e colectivas, de governos ou organismos estrangeiros, de empresas públicas nacionalizadas ou maioritariamente participadas pelo Estado, bem como de empresas concessionárias de serviço público ou ligadas, por contrato, à Administração Pública.
Não podemos, de nenhuma forma, permitir que o pagamento destas subvenções seja um modo de lançar, sobre a classe política, o labéu da suspeição!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isso é inadmissível!
Por isso, pensamos que o financiamento dos partidos políticos, tal como as doações privadas e públicas, têm de ser, em absoluto, visíveis, transparentes, controláveis e claras!

Aplausos do PS.

Sabemos, seguramente, que o conhecimento público de doações relevantes é, por si, factor de doação gerador do tráfico de influências, que costumam acolher-se nos fundos secretos ou nos sacos azuis, à margem do circuito legal.
Queremos combater qualquer tentativa - já ensaiada noutras paragens... - de implantar a ideia de ver no mundo da política a proliferação de dinheiro suspeito ou, sequer, de fazer, neste terreno, um processo de intenção da classe política, que não admitimos!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa pane, esperamos, com este projecto e com este debate, que se aprofundem as condições do exercício do sistema político e se vençam indiferenças e desconfianças dos cidadãos face as suas instituições, dando-se, assim, passos seguros para dignificar um autêntico código deontológico e de ética da democracia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Fernando Condesso e Octávio Teixeira.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, ouvi com atenção toda a sua intervenção e, quer na minha intervenção, quer na intervenção que o meu companheiro de bancada Deputado Pacheco Pereira irá fazer a seguir, diremos o porquê das preocupações do PSD, no momento, em face de outras iniciativas do seu partido - que V. Ex.ª referiu - noutros momentos.
De qualquer forma, gostaria de dizer que comungamos, consigo, das preocupações que estão subjacentes aos normativos que são aqui apresentados, no fundo, pelas várias bancadas, no domínio do tráfico de influências, sobretudo do labéu da suspeição sempre indesejável.
Penso que é por isso mesmo, porque pode estar em causa esse labéu, que todos estamos «aqui a propor a cia-

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rificação das regras do jogo - do jogo dos partidos, do jogo eleitoral e das campanhas - e, acima de tudo, a transparência.
As questões que quero colocar-lhe prendem-se com o seguinte: o Sr. Deputado, voltando um pouco atrás - à questão que levantei, no relato inicial, sobre o próprio debate na Comissão -, explicou o porquê de não se terem comprometido com montantes concretos, dizendo: «deixamos aos partidos e à Câmara fixar». Pergunto-lhe então, em termos concretos, qual é a proposta, em comparação com as dos outros partidos, e, no fundo, o que pensa o Partido Socialista, independentemente da abertura aos consensos a que todos estamos abertos, que é o razoável ou o desejável na sua perspectiva, nesse tema.
Por outro lado, referiu que se congratulava com o facto de outros partidos terem aderido às vossas iniciativas, já difundidas e apresentadas noutros momentos e, a determinada altura, referiu os «ventos externos e internos de premência». De facto, devo dizer que não percebo a que ventos internos de premência se refere! É que, ligando as coisas aos ventos externos.... bom, não sei, realmente, qual o sentido da sua expressão!
Será que se refere à desactualização da nossa legislação, designadamente a verbas inexactas que são praticadas ... Há, sem dúvida, uma impraticabilidade da lei: existem despesas mínimas incomprimíveis e, em relação a estas, a lei - rigidificada com fórmulas que não permitem adaptações - não permite que se façam adaptações, por exemplo, cada vez que há campanhas eleitorais, etc.
Realmente, esta situação acaba por trazer uma premência, de ordem interna, na adaptação da lei. Porém, como ligou as fórmulas, gostaria que explicitasse melhor o seu pensamento.
Referiu também o problema da osmose entre o exercício de funções governamentais e públicas e, por certo, do sector empresarial em geral. Mas, quanto a isso, temos uma solução prevista, de ensaio, sem dúvida, uma vez que não há legislação nem experiência no plano do ordenamento jurídico interno neste domínio.
Assim, gostaria que me dissesse que objecções faz, em concreto - uma vez que até se referiu à nossa proposta em termos positivos -, à solução que apresentamos, embora não estejamos já, directamente, num debate em sede de especialidade.
Por fim, fez referência ao Tribunal de Contas. O Sr. Deputado poderia ter referido, além do Tribunal de Contas, o Tribunal Constitucional, a Comissão Nacional de Eleições... Por que razão, no que respeita as campanhas, se há-de tirar essa competência da Comissão Nacional de Eleições? Há alguma suspeição?! E no que diz respeito às contas correntes, toda a vida dos partidos decorre ligada ao Tribunal Constitucional. Existe alguma suspeição relativamente a este órgão? Aliás, esta é a solução que apresentamos e que será debatida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, V. Ex.ª referiu, há pouco - e, aliás, recordou que eu já o tinha feito numa legislatura anterior, quando o PS apresentou o projecto de lei -, que o Partido Socialista, ao propor uma comparticipação pública para o financiamento das campanhas eleitorais, não pretende o aumento, em termos nominais ou de valor, da actual subvenção pública.
Posto isto, a questão que coloco é a seguinte - aliás, já nessa altura tivemos este problema - sendo esse o objectivo do PS, ou seja, o de distribuir apenas aquilo que existe actualmente por financiamento regular e financiamento para campanhas eleitorais, poder-se-ia colocar, desde logo, a questão de que poderiam ser os próprios partidos a fazer a gestão desses dinheiros, guardando o que considerarem necessário para as campanhas eleitorais.
Mas, mais do que isso, esse objectivo leva à conclusão de que o essencial - na perspectiva do financiamento dos partidos políticos - do projecto do Partido Socialista é promover e propor o financiamento dos partidos por empresas privadas, na medida em que, na parte pública, pelo menos em termos globais, não há alteração.
Continuamos a considerar que não é uma opção susceptível de acolhimento a possibilidade de empresas privadas financiarem os partidos políticos. Assim vejamos: em princípio, o financiamento de um partido decorre da opção política da pessoa que resolve financiar ou dar o donativo, opção política que não existe em termos de empresas -; é certo que essa opção pode existir para os sócios, mas é outra questão: eles podem, individualmente, conceder os donativos que quiserem, mas não a empresa como tal!
Por outro lado, não vemos razões altruístas que possam conduzir uma empresa, como tal, a financiar um partido, qualquer que ele seja. Terá que haver, ou haverá sempre, na perspectiva da empresa, a expectativa de vir a ter um ganho, expectativa que pode vir ou não a ser gorada no futuro, mas isso é outro tipo de questão! Em todo o caso, repito, por detrás do financiamento da empresa existirá sempre essa expectativa.
Para terminar, tem sido utilizado o argumento de que esses financiamentos existem, então é melhor que se clarifiquem e legalizem. Julgo, no entanto, que há outras formas de proibir ou impedir esses financiamentos, mas, mais do que isso, julgo que os próprios exemplos externos, designadamente o da Itália e o da Espanha, mostram que a legalização do financiamento dos partidos políticos por parte de empresas privadas não é, ela própria, impedimento para financiamentos ilegais e tráfico de influências entre empresas e partidos políticos.
Por isso, sendo essa a questão fundamental - na perspectiva do financiamento dos partidos - colocada peio projecto de lei do Partido Socialista, porquê tanto empenho em que possa haver financiamento dos partidos pelas empresas privadas?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Condesso, agradeço as suas considerações iniciais e, naturalmente, identifico-me com a ideia de todos nos empenharmos, com os nossos contributos diversos, para o reforço da credibilidade e da confiança na classe política e no sistema político. Creio que esse é um objectivo comum a todos os projectos que estão em debate.
Relativamente a uma crítica que apresentou ao nosso projecto, nomeadamente quanto ao tacto de ele não estar quantificado, devo dizer que o fizemos ao abrigo de uma disposição regimental, que diz que a discussão, na globalidade, pode fazer-se a partir de princípios de projectos de lei ou de sistemas. E fizemo-lo, tal como aconteceu no passado, tendo obtido a concordância da Câmara e, inclusive, de um relator que era do seu partido.

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Em termos de votação final, isso sim, é que os projectos têm de estar definitivamente precisados; já em termos de discussão na generalidade, o que tem de existir são os princípios e o sistema geral.
Aliás, no momento da apresentação, pusemos a incógnita das quantificações nos nossos projectos para que não houvesse dúvidas e para evitar o ataque demagógico ou a suspeição fácil de que o que quereríamos era o aumento das subvenções partidárias.
Por isso, decidimo-nos pela manutenção das incógnitas, sem apontar valores; os valores serão os que a Câmara fixar, por vontade global e mediante decisão, nos termos democráticos e regimentais! Não queremos nem mais um centavo! A discussão tem de ser feita noutro plano, daí a nossa posição.
Relativamente à questão dos ventos internos, creio que estes chamam a atenção para a necessidade de uma maior clarificação das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, pois não temos todos a ideia de que neste domínio, no domínio dos gastos das campanhas eleitorais autárquicas, presidenciais ou legislativas, os gastos pronunciados e publicitados são uma mentira! Todos sabemos - e o Sr. Deputado sabe-o tão bem como eu - que os gastos indicados nos documentos enviados à Comissão Nacional de Eleições, quer sejam presidenciais, legislativos ou autárquicos, não correspondem à verdade.
Ora, os ventos da verdade impõem que se acabe com a hipocrisia.
Relativamente à última questão que colocou, devo dizer que não há, nem poderia haver, qualquer ideia de suspeição quer face à Comissão Nacional de Eleições quer face ao Tribunal Constitucional. Existe, sim, uma ideia de inadequação; a Comissão Nacional de Eleições já mostrou que é inadequada para fiscalizar esta matéria e o Tribunal Constítucional não tem vocação, digamos, para fiscalizar contas públicas - o único órgão jurisdicional que a tem é o Tribunal de Contas!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, em termos da definição de competências dos tribunais especializados, não temos qualquer reserva em que seja o Tribunal Constitucional ou o Tribunal de Contas. O que temos é uma razão de praticabilidade e de objectividade: o Tribunal de Contas sabe fiscalizar contas, o Tribunal Constitucional sabe fiscalizar a conformidade das normas com a Constituição. Trata-se, pois de uma questão de especialização jurisdicional.
No que diz respeito à questão colocada pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, que agradeço desde já, com o grau de identificação com esta ideia de transparência pública a que igualmente fez referência, devo dizer que, em nome dessa transparência pública, não temos medo de que empresas privadas ou pessoas colectivas venham dizer que financiam ou dão dinheiro a partidos políticos.
Se isso for claro, se isso for público, se isso não estiver encoberto, não se vê que haja qualquer restrição a esse altruísmo, que, aliás, no nosso projecto de lei, poderia ter uma compensação razoável com a atenuação de medidas fiscais. Seria, digamos, um mecenato cívico que apontávamos às empresas privadas e não qualquer tentativa de benefícios à sucapa ou de benefícios por debaixo da porta.
Aliás, creio que o Sr. Deputado tem presente, seguramente, que o próprio Partido Socialista, nas regras que aponta, admite a possibilidade de despesas confidenciais das empresas até 20 000 contos. Para quê? Certamente, não é para alcançar objectivos diferentes daqueles que nos propomos!...

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Inicia-se hoje, na Assembleia da República, a discussão institucional sobre o conjunto de propostas respeitantes a aspectos de formato do nosso sistema político, em particular quanto ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, quanto ao estatuto dos cargos políticos e quanto ao controlo público dos bens dos titulares dos cargos políticos.
A discussão será, com certeza, viva e é nossa esperança que ela traga um entendimento alargado quanto às formas e modelos que definirão a nossa democracia e que esse entendimento seja capaz de ultrapassar as nossas polémicas imediatas, tantas vezes dominadas por manobras de táctica política e pela subordinação a uma mera lógica de posicionamento partidário. Pagar-se-ia caro se fosse assim!...
Pretendo, pois, colocar um conjunto de questões, cuja discussão é anterior ao debate mais detalhado e na especialidade dos diplomas em presença. Essas questões são quatro.
Primeira, como é que se inscrevem no sistema político os valores éticos?
Segunda, como é que se garante o primado da legitimidade política democrática no sistema político?
Terceira, que custos tem a democracia e como e por quem eles devem ser pagos?
Quarta, que políticos queremos ter?
A primeira questão, ou seja, como é que os valores éticos se inscrevem no sistema político, tem sido fonte de grandes confusões e permite fazer, nem sempre pelas melhores razões e apesar das mais sonoras palavras, a pior das políticas.
Poujade, Collor de Melo, os políticos italianos do «homem qualquer», mil e um pequenos demagogos mais ou menos populares, quase sempre autoritários, usaram o argumento da ética como instrumento político e acabaram por ser por ele apanhados a prazo mais ou menos curto. Mas os custos e as tensões para a democracia foram grandes. Na verdade, em democracia, a ética não pertence a ninguém, não há partidos éticos ou que tenham a posse da ética.
O que é vital distinguir nesta matéria é que uma coisa são as virtudes e as qualidades éticas individuais - cujo julgamento político é feito pelo eleitorado na pessoa dos candidatos que se apresentam ao sufrágio - e outra coisa são os valores e os princípios de uma ética das instituições, do Estado e dos partidos.
A ética individual e a ética política participam de um fundo comum, de sistemas de valores e de princípios morais, mas não podem ser confundidas no mesmo discurso político como se fossem uma e a mesma coisa.
A honestidade, a lealdade, a fidelidade, a recusa da hipocrisia, a revolta e indignação contra a injustiça, o esforço de tolerância são valores cujo julgamento é feito, em democracia pelas pessoas que portam, elas próprias, a autoridade moral que advém desses valores.
Em política democrática não se pode fazer um discurso político que imediatamente transponha essa ética indivi-

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dual para o funcionamento do sistema e das instituições. Numa democracia, a ética inscreve-se na política através de valores no terreno próprio do político: o respeito pela lei, o direito à justiça, o amor pela democracia e pela liberdade de opinião e expressão, a igualdade dos cidadãos, os direitos humanos, a justiça social, o combate ao racismo e à xenofobia, etc.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O discurso político, em democracia, 6 um discurso feito por parados, por «partes» da sociedade que se dividem em função de interesses, concepções do mundo e ideias, e não por um confronto entre honestos e desonestos.
O discurso que transpõe os valores individuais para a política institucional, fazendo com que interesses legítimos, ideias, concepções do mundo se disfarcem em cruzadas pela moral e pela pureza ética, pode ser, a curto prazo, um discurso eficaz, mas corrompe os próprios fundamentos da acção política em democracia.
A segunda questão, como se garante o primado da legitimidade democrática, é crucial nos dias de hoje, face à crise evidente dos mecanismos de representação das democracias ocidentais. E, como muitas vezes acontece, com trágicos resultados históricos, «deita-se fora a água com o menino no banho» para combater os vícios da representação põe-se em causa a própria democracia representativa.
Convém por isso afirmar, com muita clareza, que, para quem é democrata, não oferece dúvida que mais vale maus políticos eleitos do que salvadores e justiceiros desprovidos de legitimidade democrática mas actuando no terreno do político, com lógicas, timings, objectivos e ambições políticas e fugindo do voto como é suposto o diabo fugir da cruz.

Aplausos do PSD.

Por tudo isso, convém preservar a independência dos partidos face ao Estado, enquanto movimentos de cidadãos que respondem perante ideias, interesses e concepções do mundo, da sociedade civil, separando-os de uma omnipresença do Estado, entendido por alguns como um supremo bem público, para além da liberdade e da pluralidade das opiniões e interesses dos cidadãos.
Estas concepções têm história e nome: são concepções jacobinas, subordinando a acção e a fiscalização dos partidos políticos a instâncias pretensamente acima e para além da «política», subordinando a acção política a pretensos critérios administrativos ou burocráticos supostamente «independentes», mas actuando, na prática, muitas vezes como contrapoderes, para além de qualquer fonte de legitimação democrática.
A única subordinação da função política, em democracia, é à lei, ao Estado de direito e ao voto popular. O poder de legalizar ou extinguir partidos políticos, o poder de fiscalizar e punir devem, com a distância e a independência que a mediação da lei permite, permanecer sempre com a marca original da legitimação democrática.
A terceira questão tem a ver com os custos da democracia, quem e como se devem pagar. Também aqui os políticos, se querem defender a democracia, têm de confrontar directamente a demagogia: a democracia tem custos e não pode ser julgada por critérios de eficiência administrativa ou de competência técnica.
Num país que viveu dezenas de anos de uma cultura de decisão, de executivo, de governo, assente numa base autocrática, que se apresentava como estando «para além» da política, instituições como o Parlamento podem parecer inúteis, mas não há democracia sem representação institucional da pluralidade de opiniões, mesmo quando esta é um aparente «desperdício».
O mesmo se pode dizer dos partidos políticos ou das campanhas eleitorais, sem elas não há democracia.
Aparentemente, também os seus custos poderiam ser poupados, mas a função dos parados políticos se é, por um lado, uma função de representação, por outro, é uma função de pedagogia cívica. Sem estas funções e os seus custos inerentes não pertencia a cada cidadão a liberdade de decidir, o debate político seria nulo, ou quase, e apenas uma elite de alguns resolveria aquilo que deveria ser do conhecimento e da participação de todos.

Aplausos do PSD.

Pode-se sempre argumentar que muito do debate político é artificial e que os partidos se tornaram máquinas de poder e de acesso de clientelas ao Estado, esquecendo muitas vezes essa pedagogia cívica que é suposto exercerem. Mas, mesmo assim, com mais ou menos defeitos ou virtudes, isto são riscos da democracia e ela não existe sem esses riscos.
O financiamento público das 'actividades políticas, em complemento do financiamento privado, faz parte, pois, desse custo da democracia e nós, como cidadãos, devemos dizer aos cidadãos que esse custo, se se quer democracia, tem de ser pago por todos.
A quarta questão, que políticos queremos Ter, tem directa relevância para o problema do estatuto dos cargos políticos, em particular no que diz respeito às incompatibilidades. E as opções que sobre esta matéria fizermos vão definir que tipo de políticos haverá no futuro, como as opções que fizémos no passado estão a definir que tipo de políticos temos hoje.
É necessário aqui, em primeiro lugar, recusar a ideia da existência de um grupo ou de uma classe política enquanto corpo separado. O exercício do poder político não é uma profissão mas um mandato, logo, em democracia, é efémero pela sua própria natureza.
Os políticos são cidadãos que detêm uma legitimidade provisória, que lhes é concedida por outros cidadãos para o exercício de determinados poderes e funções, não têm uma carreira administrativa, não são uma extensão da função pública.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Para o PS são!

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - O Sr. Deputado está no bom caminho!

O Orador: - Por isso mesmo, é inaceitável que as incompatibilidades vão para além da sua razão primeira, a criação de uma separação entre os interesses privados e o exercício de funções públicas, e seria errado que, através das incompatibilidades, se tornasse o exercício do mandato político uma forma de isolamento da sociedade, gerando homens sem profissão, que, por isso mesmo, se pudessem tomar meros funcionários partidários, com a dependência que resultaria da ruptura da carreira profissional e do quebrar dos laços com a sociedade civil.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Servidão aos partidos e ignorância da realidade seriam os resultados inevitáveis!

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É igualmente inaceitável que os políticos possam ser entendidos institucionalmente como «cidadãos de segunda» com direitos diminuídos, sem direito ao bom nome e à privacidade, sujeitos a uma espécie de suspeita original de desonestidade, que teriam de passar a vida a tentar eliminar, como culpados, a terem de provar dia-a-dia a sua inocência.
As exigências do escrutínio público da actividade política não podem por isso ser feitas para lá dos direitos humanos e da dignidade pessoal que, por serem da pessoa, estão antes do político.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num momento de crise e de tensão que atinge as democracias mais consolidadas, nem sempre os políticos reagem da melhor forma, ou fecham os olhos à realidade ou vão a correr para as respostas mais fáceis e mais demagógicas.
Como sempre acontece, a crise actual é uma mistura de questões antigas e novas - explosão demográfica, escassez de recursos, globalização e aceleração da informação em tempo real crise de identidade cultural das sociedades, generalização de «paraísos artificiais)» como a droga, degradação da civilização urbana, crise do direito internacional face a novas realidades, desemprego estrutural e não conjuntural.
Nas democracias, tudo se vê, tudo se revela, tudo se mostra e, por isso, a democracia é o mais frágil de todos os regimes políticos: não se funda nem no estado natural dos homens, nem nos interesses, nem no puro desejo do poder; funda-se em coisas iminentemente frágeis como a civilização e a cultura. Dito de outro modo, funda-se na nossa vontade e nas nossas escolhas. Tentemos, pois, fazer as melhores.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Octávio Teixeira, António Lobo Xavier e Alberto Martins.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, gostaria de começar por referir que o essencial dos princípios que o Sr. Deputado aqui expôs merece a nossa concordância e julgo que será facilmente subscrevível pela generalidade das forças políticas, dos partidos políticos ou dos políticos, já que falou concretamente nos políticos.
Por isso, não é à questão dos princípios que me vou reportar, embora possa haver divergências de opinião no que se refere à sua concretização.
Quero colocar-lhe duas questões, a primeira das quais tem a ver com uma outra que o Sr. Deputado suscitou quando falou, digamos, na garantia de oportunidade da legitimidade democrática, pondo implicitamente em causa, para ser claro e frontal, uma eventual legitimidade do Tribunal de Contas para apreciar as contas dos partidos políticos, por que não directamente legitimado por quem foi eleito pelo povo. Trata-se de algo que, na sua óptica, não se verifica em relação ao Tribunal Constitucional, na medida em que a grande maioria dos juízes são eleitos por esta Assembleia da República.
Sinceramente não concordo ou, melhor, discordo totalmente dessa perspectiva, porque não me parece que o Tribunal de Contas mereça qualquer desconfiança de princípio. O mesmo se diga em relação ao Tribunal Constitucional - aliás, referirei isso na minha intervenção, pois, pela nossa parte, gostaríamos que, na análise desta problemática, não existissem questões conjunturais que, digamos, pudessem influir nas decisões a tomar.
A segunda questão que quero colocar-lhe tem a ver com o terceiro ponto da sua intervenção, mais concretamente com o problema dos custos que tem a democracia, conforme o Sr. Deputado referiu.
Em relação a esta questão, gostava de manifestar-lhe a minha discordância pela consideração do financiamento dos partidos políticos como «custos da democracia», pois parece-me que se lhe atribuirmos esse qualificativo, se o considerarmos como «custos da democracia», teremos imediatamente um contraponto possível, ou seja, o de que, então, não haverá custos quando houver autoritarismo e, ao fim e ao cabo, quando não houver democracia.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Mas eles valem a pena, Sr. Deputado.

O Orador: - A questão não é essa, pois julgo que o valer ou não a pena é que é perigoso.
Como o Sr. Deputado Pacheco Pereira colocou a questão em termos de princípios, manifestei a minha discordância com a consideração do financiamento dos partidos políticos como custos, porque aquela que nós fazemos é a de que o financiamento, designadamente o financiamento público, mas não só, mesmo o próprio financiamento privado, deve ser considerado como uma necessidade intrínseca do funcionamento do sistema político. Não se trata de um custo da democracia mas, sim, de uma necessidade de funcionamento do sistema político.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que algumas preocupações que referi são, evidentemente, complementares, aliás, são entendidas por mim como complementares de preocupações previamente referidas noutras intervenções. Entendi usar dessa vantagem da complementaridade porque sabia que não era o primeiro a referi-las.
Portanto, quero que fique bem claro que entendo como complementares e não como contraditórias muitas preocupações que não estão presentes na minha intervenção e que foram expressas anteriormente em todas as intervenções e pedidos de esclarecimento.
Em resposta às suas questões, quero dizer-lhe que o problema da nossa escolha pelo Tribunal Constitucional não é conjuntural, não se deve sequer a algumas divergências e contradições conjunturais que se têm verificado no debate político com o Tribunal de Contas. Pelo contrário, quisemos que no nosso projecto de lei ficasse claramente expresso que, no que diz respeito à actividade política e à configuração dos órgãos de Estado que julgam essa actividade política de A a Z - formação de partidos políticos, fiscalização da actividade dos partidos políticos -, deveria haver uma entidade que, de alguma forma, tivesse uma marca original do primado desse mesmo político democrático.

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Portanto, a nossa posição não resulta de razões conjunturais em relação ao Tribunal de Contas. Pelo contrário, vai no sentido de definir com coerência que, no Estado, naquilo que diz respeito aos partidos políticos, eles não podem ser vistos como um ministério. Os partidos políticos não são um departamento do Estado, são algo completamente distinto, pois nascem da sociedade civil e o Estado não tem em relação a eles uma função de controlo. Se isso se atribuísse ao Tribunal de Contas, colocar-se-iam os partidos políticos ao mesmo nível de um ministério e a Assembleia da Republica não é o «ministério» da Assembleia da República, os partidos políticos não são partes da Administração Pública, peio que entendemos que a separação dessa função, desse primado do político, deveria ter tradução na lei. Não existe nada de conjuntural em relação ao Tribunal de Contas.
Em segundo lugar, aceito a sua objecção em relação à expressão «custos da democracia». De facto, utilizei-a de uma forma, chamemos-lhe assim, provocatória e intencional, pois parece-me que temos obrigação de dizer aos cidadãos, com muita clareza, muitas coisas que às vezes não dizemos porque são impopulares
Todos nós - e nós, PSD, em primeiro lugar, porque temos, talvez, mais responsabilidade, porque temos a responsabilidade do poder e da maioria - não devemos coibir-nos de falar directamente com os cidadãos contra aquilo que, muitas vezes, são os sentimentos mais demagógicos, e em alguns casos populares, sobre as funções e as actividades políticas.
Não devemos, pois, demitir-nos dessa função, de dizer que o que se faz na Assembleia da República não é inútil mas, sim, essencial para que haja democracia, que os partidos e os custos das campanhas eleitorais não são um mero desperdício, são, pelo contrário, o essencial para tomar o debate público algo de realmente público e popular. Temos a obrigação de chamar directamente à atenção dos cidadãos que, se querem democracia, a democracia tem custos.
De todo o modo, não tenho qualquer dúvida de que o pior dos custos, se se entendem os custos no seu sentido semântico mais vulgar, é o da ditadura e do autoritarismo, ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... porque aí pagam-se todos os custos, ou seja, pagam-se os custos da pior das políticas e pagam-se os custos do funcionamento da própria ditadura naquilo que ela representa, o aviltamento de homens que não chegam sequer a ser cidadãos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, quero dizer-lhe que não me recordo de uma só frase ou de uma só passagem da sua intervenção que eu não subscreva inteiramente.
A única coisa que diria é que toda a teoria sobre os custos da representação e sobre os custos da democracia não está contida nas suas palavras. Aliás, as suas palavras são úteis e oportunas. E oportunas porque permitem-me este esclarecimento: é que boa parte das críticas, que, mais ou menos veladamente, foram sendo feitas ao CDS, até este momento, são respondidas peia rejeição que está envolvida nesta minha concordância profunda com tudo quanto disse.
Mas isto não é tudo sobre a minha ideia do político De facto, acrescentaria algo às questões, que referiu, sobre privacidade.
Do meu ponto de vista, os políticos não tem o mesmo direito à privacidade, porque sugerem na opinião publica especiais cautelas e desconfianças, derivadas da sua proximidade com decisões envolvendo dinheiro e da especial situação em que se colocam de poder fazer mal aos cidadãos, de poder prejudicá-los, de poder produzir injustiças e desigualdades. E por causa disso, dessa especial proximidade e desse perigo especial, os políticos não têm o mesmo direito à privacidade.
É claro que o Sr. Deputado diz algo que é verdade, ao questionar «mas andarão os desgraçados dos políticos sempre aflitos, mergulhados na suspeição geral, sempre a ter de prestar contas, sempre a ter de protestar a sua inocência, sempre a ter de provar com documentos assinados a sua probidade?»
O Sr. Deputado Pacheco Pereira, isso é uma questão de naturalidade! Neste momento, enquanto os nossos mecanismos não se afinam - e julgo que eles vão nesse sentido -, esse problema existe, de facto, para os políticos Mas é um problema que queremos ver ultrapassado e que só se resolve com a naturalidade. A naturalidade é o político saber que, se envereda pela política, tem direitos especiais e benefícios especiais,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Benefícios especiais? Quais?

O Orador - ... mas também tem custos especiais. Um desses custos é o de não poder ter toda a sua vida protegida e recatada, como o resto dos cidadãos.
Passar do sistema actual para o que todos nós, em geral, propomos - porque, no fundo, só existe uma diferença de grau - é que é um grande salto, que coloca alguma apreensão aos políticos. Mas, depois desse sistema funcionar, é um puro problema de naturalidade.
A segunda questão que quero colocar-lhe, pedindo desculpa por chamá-lo a pronunciar-se sobre matérias prosaicas e comezinhas, tem a ver com o seguinte: não quero entrar em qualquer tipo de discussão acerca do Tribunal de Contas e do Tribunal Constítucional, nem saber qual é o melhor ou o pior, nem pretendo sequer indagar as razões políticas que podem estar por detrás das escolhas, e que seriam legítimas, embora criticáveis, se, de facto, se confirmassem. No entanto, o que gostaria de perguntar-lhe é o seguinte: como acha possível o Tribunal Constítucional controlar as contas dos partidos se os partidos forem obrigados a seguir as regras do Plano Oficial da Contabilidade? Quer dizer, é completamento impensável julgar que o Tribunal Constitucional, que tem conselheiros e juízes de grandíssimo nível jurídico, alguma vez pudesse controlar complicadas demonstrações financeiras, como aquelas que são exigidas, por exemplo, às sociedades! Aliás, digo-lhe mais: o próprio Tribunal de Contas só será capaz de efectuar com eficácia esse controlo quando tiver a possibilidade de sofrer modificações orgânicas internas e a de recorrer às auditorias privadas.
Não tenho dúvida alguma de que se o Tribunal de Contas, hoje, recebesse contas e demonstrações financeiras organizadas segundo as regras do Plano Oficial da Contabilidade não tinha condições efectivas para se pronunciar sobre elas. Quanto ao Tribunal Constitucional, até considero isso uma provocação e um desrespeito, salvo o devido respeito, com certeza pelas iniciativas de todos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

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O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, vou tentar responder com frontalidade às questões que colocou.
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer com rigor o que se entende por privacidade dos políticos.
Para começar, penso que há uma esfera inatingível na pessoa, que é a da intimidade. Sob a esfera da intimidade podem apenas fazer-se julgamentos de carácter, mas estes implicam também o julgamento do carácter de quem faz o julgamento. Portanto, esta é uma esfera sobre a qual, em bom rigor, não é possível definir um interesse público, particularmente quando diz respeito à área intrínseca dessa esfera íntima.
No que diz respeito à esfera privada, à privacidade, nunca contestámos a existência de um critério para interferir na esfera privada dos políticos. Simplesmente, esse critério é o do interesse público. Ou seja. pensámos, obviamente, que se houver razões de interesse público para violar - situação que relativamente a um cidadão comum não se colocaria - um direito à privacidade, esse interesse público justifica essa violação.
Agora, julgo que é necessário - e penso que falo não só por mim mas por muitas pessoas, e não apenas pelos políticos, porque este é um problema genérico, cada vez mais dos cidadãos, que, por qualquer motivo, são apanhados nas luzes da ribalta, às vezes pela pior das razoes, por ter havido um acidente, um crime ou qualquer outra coisa, que levou ao aparecimento do seu nome nos jornais -, no entendimento que fazemos dos direitos humanos, transmitir a ideia para o conjunto dos cidadãos de que há uma preservação desse espaço íntimo e da privacidade - e os senhores do CDS, pertencendo a um partido personalista, que, até do ponto de vista filosófico, defende uma ideia da pessoa humana de tradição cristã e católica, mas também kantiana -, que, não havendo razões de interesse público, não deve ser violado. Se nós admitirmos a indiscriminada intervenção nesse espaço, estamos a diminuir-nos a nós próprios.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Mas está em crise?

O Orador: - Está em crise, mas nem sempre pelas melhores razões.
Sempre pensei que se nós não tivermos uma noção da nossa própria dignidade, ninguém a tem por nós. E penso que essa é uma obrigação que devemos ter.
Isso nada tem a ver com o justo e legítimo escrutínio público, particularmente nas hipóteses que referiu, no caso de haver obviamente uma contradição entre os interesses privados e os públicos ou uma subordinação daquilo que deviam ser os interesses públicos aos privados. Aí não há qualquer espécie de problema: com certeza que, nesse caso, é legítimo fazer essa intervenção.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Gostaria apenas de saber se estas iniciativas e as palavras que aqui foram proferidas alguma vez puseram em causa o que o Sr. Deputado diz. E que concordo inteiramente com o que está a dizer.

O Orador: - Estou esclarecido, Sr. Deputado.
Em relação ao segundo aspecto, insisto - porque esse é um aspecto que tem gerado alguma controvérsia - que a escolha do Tribunal Constitucional, e não do Tribunal de Contas, nada tem, do nosso ponto de vista, de conjuntural. Tem a ver, sim, com a ideia de que é necessário preservar no ordenamento da lei o princípio de que os partidos são instituições privadas e não «braços» do Estado; e, enquanto instituições privadas que exercem uma função essencial na estrutura de uma democracia, eles devem, na estrutura da lei e do Estado, estar subordinados a uma instituição, ela própria também com a marca original da legitimação democrática, exactamente para não haver essa redução.
Quanto aos argumentos que afirmam que o Tribunal Constitucional não tem condições, devo dizer claramente que têm de lhes ser dadas.
É evidente que se se atribui uma função, tem, como é óbvio, de dar-se ao Tribunal Constitucional condições para exercê-la.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, devo dizer que a primeira pane do seu discurso foi extremamente interessante e merece o nosso acolhimento, enquanto discurso de natureza filosófica, referenciado a uma matriz republicana e laica com a qual estamos de acordo. E gostaríamos que esta matriz e essas referências sobre a separação entre o direito e a moral tivessem um eco bastante no seu partido. Também somos daqueles que pensam que tudo o que é da moral não tem a ver com o direito; o direito são regras, são cumpridas, e as regras da democracia são regras de direito.
Gostaria, no entanto, de colocar-lhe as minhas dúvidas noutro terreno, e essas existem quando o seu discurso faz o voo ou se aproxima das questões concretas. Há um ponto onde parece haver uma dissonância, embora ela não possa ser explicitada em função daquilo que o senhor disse, que é a questão das compatibilidades. É porque o seu discurso pareceu ser extremamente permissivo quanto às compatibilidades e quanto a um possível carrocei entre representações de interesse público e representações de interesse privado e nós gostaríamos que assim não fosse.
Relativamente à questão da vida privada e vida íntima, a que aludiu, também estamos de acordo com o que referiu, deixado, no entanto, muito firme a ideia de que a intimidade é intangível, mas já quanto à privacidade há uns que são mais privados do que outros. Naturalmente, a privacidade dos políticos, dos jornalistas com notoriedade pública, dos desportistas e das estrelas de cinema é menor do que a privacidade do cidadão comum, no que todos estamos de acordo.
No que respeita à questão do Tribunal de Contas e dos partidos políticos, a nossa discordância e oposição é total, porque o Sr. Deputado parte de duas premissas que, em nosso entender, são absolutamente erradas.
A primeira dessas premissas é a de que os tribunais de contas apreciam só contas públicas, quando a verdade é que apreciam a utilização de todos os dinheiros públicos e já, um pouco por toda a Europa, também contas privadas. A tese de «tribunal de contas = contas públicas» constitui um erro e parte de uma visão arcaica.

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É igualmente um erro dizer-se que os partidos políticos são associações privadas, porque são mais do que associações privadas: sendo associações privadas, são associações privadas com consagração constitucional. Como diria um conhecido constitucionalista, os partidos políticos situam-se no ponto nevrálgico em que convergem o poder do Estado, juridicamente sancionado, e o poder da sociedade, politicamente legitimado. Os partidos políticos são o meio termo entre um órgão de participação e gestão do Estado e uma associação privada.
Nesse sentido, é absolutamente adequado que o Tribunal de Contas faça a apreciação das contas públicas ou até de contas privadas, por maioria de razão, de uma entidade - um partido político - que é mais do que uma entidade privada, com a vantagem - não havendo da nossa parte qualquer suspeição em relação ao Tribunal Constitucional e à Comissão Nacional de Eleições - de algo que justifica a existência dos tribunais. Um tribunal de família, um tribunal de menores, um tribunal cível e um tribunal criminal distinguem-se em função da sua especialização. O Tribunal de Contas é um tribunal especializado em aferir contas públicas ou privadas no limite. Logo, tem uma capacidade técnica e de especialização que o Tribunal Constitucional não tem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, não direi que se trata, até por uma questão de rigor histórico, de uma concepção republicana e laica. As monarquias constitucionais, no que diz respeito à sociedade civil, a expressão dessa sociedade civil, como a democracia e as formas da vida política, e até, nalguns casos, a algumas experiências republicanas, como foi, por exemplo, a portuguesa (sem querer entrar aqui em debate histórico), tem também, com certeza, mais tradição democrática e liberal.
Quanto a ser ou não laica, também, em bom rigor, não utilizaria esse termo. Chamar-lhe-ia, sim, uma concepção civilista da vida pública. A cultura política americana, por exemplo, é fortemente impregnada de ideias sobre a Uberdade que têm origem religiosa e nem por isso muitas das formas da acção política nos parecem laicas. Trata-se de uma questão de mera precisão terminológica.
O que é essencial afirmar neste debate é que a forma de organização do sistema político deve, desde logo, resultar de um princípio de cidadania, pelo qual os homens tomam conta dos seus próprios destinos através de uma atitude volitiva, cultural, civilizacional. É essa atitude que dá origem à democracia e esse carácter volitivo da acção dos homens que nós, como mandatários exactamente do exercício desse poder e desses direitos, temos sempre de reafirmar.
No que diz respeito às compatibilidades, limitei-me a exprimir a seguinte preocupação evidente: quando há uma contradição ou um conflito entre os interesses privados de um político em exercício das suas funções públicas, deve funcionar o princípio da incompatibilidade. Não tenho qualquer dúvida sobre esta matéria. Esse é que é o princípio essencial das incompatibilidades!
Alargar as incompatibilidades ao exercício profissional e levá-las ao ponto em que os cidadãos com um mandato político, que - insisto - é efémero pela sua própria natureza, perdem, pelo exercício desse mandato, a possibilidade não só de voltar à sociedade de onde vieram como ainda a possibilidade de exercer a profissão e, obviamente, perder aquilo que os liga à sua vida material e aos seus proveitos cria duas coisas terríveis, que devemos evitar.
É que, por um lado, essa tentação transforma esta Assembleia numa espécie de grupo de funcionários públicos, que não são funcionários directamente do Estado mas que acabam por ser funcionários dos partidos, o que gera, evidentemente, um mecanismo de servidão partidária. Ora. para acabar com o princípio da servidão partidária e estabelecer aquilo que deve ser a servidão a quem representamos e aos interesses do Estado e da Nação, só há duas formas: alterar a legislação eleitoral no sentido de reforçar o mandato e a responsabilização individual do Deputado face a quem o eleja e garantir que objectivamente as pessoas possam sair com a mesma liberdade com que entraram. Mas para poder sair com a mesma liberdade com que entro não posso cair num vácuo, sem profissão, sem relação concreta com a sociedade.
O segundo aspecto dessa tentação, do qual pouco falámos, ainda é pior: é que não podemos criar uma situação pela qual progressivamente, por via de uma espécie de profissionalismo político, que sem dúvida é exigido pela especialização das nossas funções, percamos contacto com os problemas da sociedade, a começar pelos problemas que nos facultaram os nossos conhecimentos particulares. Por exemplo, os Srs. Deputados que são advogados, médicos, professores ou operários não podem nem devem perder aquilo que correspondeu à sua experiência de vida, ao seu conhecimento de uma realidade particular, e que fez com que se tomassem notórios do ponto de vista quer privado quer público.
Penso, em suma, que deveremos ter muito cuidado nesta matéria, porque as decisões que tomarmos sobre incompatibilidades, remunerações dos cargos políticos, carreiras, regalias ou não regalias e direitos e deveres irão inevitavelmente condicionar - e já estão a condicionar - as escolhas. Já estão, muitas vezes, a condicionar as escolhas de forma perversa, ou seja, já estão, nalguns casos, a impedir que se escolha quem se quereria. Isso é verdade para o Parlamento, para as autarquias, para o Governo. Por muito pouco popular que o seja, isso deve ser dito com clareza por nós, que temos essa responsabilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas isso nada tem a ver com a dedicação que as pessoas devem emprestar ao exercício de funções políticas. Trata-se de duas coisas corripletamente distintas: as condições que escolhermos podem condicionar o estado em que esta Casa estará daqui a uns anos.
Penso que devemos dizer com toda a clareza aos cidadãos que nos elegeram - digo-o muitas vezes - que não é por esse caminho que poupam e criam as melhores condições de escolha e que eles próprios têm todo o interesse em ser representados não só pelas pessoas mais qualificadas no plano técnico, como também pelas pessoas mais qualificadas no plano político e mais prestigiadas perante a opinião pública.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso regime constítucional confere aos partidos políticos um papel institucional permanente de mobilização e intervenção democrática na vida política do País, que não se esgota e ultrapassa a mera transformação da vontade individual em vontade colectiva nos actos eleitorais. Os partidos políticos tem papel essencial na organização das correntes de opinião política, veiculam a opinião organizada dos cidadãos, realizam papel institucional permanente na vida democrática e no exercício e na crítica do exercício do poder político, são agentes privilegiados da acção política.
Sem prejuízo da participação directa e activa dos cidadãos na vida política «como condição e instrumento fundamental da consolidação do sistema democrático» - que, aliás, deve ser incentivada pelos próprios partidos políticos - no nosso regime constitucional os partidos políticos são elementos básicos e indispensáveis do exercício, consolidação e aprofundamento da democracia política. Os partidos políticos são insubstituíveis no nosso sistema democrático e essenciais ao sistema político.
Por isso, abordar a questão do financiamento dos partidos políticos é abordar a questão do funcionamento do próprio sistema político. Recusamos e rejeitamos a ideia, que por vezes se procura incutir na opinião pública, de que o financiamento dos partidos políticos é um custo para a sociedade, quer esse financiamento seja público quer seja privado. O financiamento dos partidos é uma necessidade do funcionamento do sistema político e, logo, condição necessária do sistema democrático.
É neste quadro de fundo, básico e essencial, que o PCP encara toda a problemática do financiamento dos partidos políticos e apresentou os seus projectos de lei hoje em discussão, analisando também os projectos de lei apresentados por outros grupos parlamentares.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A apresentação dos nossos projectos e a apreciação que fazemos dos apresentados por outros partidos assentam em vários princípios fundamentais, designadamente os princípios da igualdade de oportunidades, da transparência, da razoabilidade, da legalidade e da publicidade.
Entendemos que o financiamento dos partidos políticos deve assentar essencialmente nas suas receitas próprias e, em particular, nas provenientes das contribuições dos seus militantes e simpatizantes. Mas se é este o entendimento que fazemos do que deve ser o fulcro essencial das receitas partidárias, igualmente e com a mesma convicção, entendemos que ele não pode ser a fonte exclusiva do seu financiamento. Porque atribuir-lhe exclusividade seria, necessariamente, acentuar as desigualdades entre os partidos políticos de acordo com as diferenças de capacidade económica dos grupos sociais predominantemente representados por cada força política.
Importa, pois, que o Estado garanta, ele próprio, em nome da sociedade e do pluralismo do sistema político, um mínimo de igualdade de oportunidades aos partidos políticos com efectiva representatividade popular, através de financiamentos públicos.
Ainda no âmbito do financiamento privado dos partidos políticos, somos contrários à proposta comum aos projectos do PSD, PS e CDS de se permitir o financiamento partidário por empresas privadas. Por um lado, porque o financiamento privado dos partidos políticos tem como razão última a opção política e essa opção é de pessoas e não de empresas e, por outro, porque não vislumbramos razões altruístas que possam levar empresas a financiarem um partido político, já que, por natureza, o objectivo essencial e a razão de ser da existência de empresas privadas é a obtenção e maximização do lucro.
E não se diga que a proibição dos donativos por empresas, como já foi argumentado noutro debate sobre esta matéria, é irrealista porque «em nenhum país do mundo conseguirá evitar-se que as empresas também tendam a financiar os partidos políticos», ou que esse financiamento poderia, eventualmente, reduzir a contribuição estatal para o financiamento dos partidos. Em primeiro lugar, porque essa dita inevitabilidade poderá, e deverá, ser combatida com a implementação de mecanismos de controlo e transparência das contas partidárias. Em segundo lugar, porque é inequívoco que as empresas só financiam os partidos se estes o quiserem e aceitarem, que a lei não resolve tudo e, por isso, deverá igualmente impor-se aos parados políticos a questão ética de se não deixarem tentar pela violação da lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, e para reduzir «essas tentações» das empresas de financiarem os partidos políticos, ou as «tentações» dos partidos se financiarem nas empresas, apresentámos um projecto de lei, também hoje em debate, que limita fortemente a possibilidade de as empresas efectuarem despesas confidenciais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É uma contribuição do PCP para evitar as «tentações» e para moralizar outros aspectos da vida pública.
Aliás, permito-me neste momento referir ao Sr. Deputado Alberto Martins que o facto do nosso projecto permitir, condicionando e penalizando fortemente mas com alguma margem, as despesas confidenciais das empresas é porque entendemos que no mundo de hoje há despesas que as empresas têm obrigatoriamente que fazer na sua exclusiva actividade económico-comercial que implicam e exigem alguma confidencialidade.
Em terceiro lugar, o eventual financiamento por empresas privadas não reduziria o financiamento estatal. Antes o aumentaria, já que os projectos que o propõem incluem, igualmente, a sua consideração (ao menos parcial) como custo da empresa, e assim estaria o Estado a financiar os partidos indirectamente, pela não recepção do imposto sobre os lucros. Subsídio estatal que, por acréscimo, de modo algum salvaguardaria o equilíbrio relativo entre os partidos políticos.
Aliás, somos igualmente contrários às propostas do PS e do CDS de atribuir benefícios fiscais aos donativos de pessoas singulares, pelas mesmas razões de inequidade e de uma certa camuflagem de financiamentos público sob a aparência de financiamento privado.
Em suma e fundamentalmente, opomo-nos à hipótese de abertura ao financiamento de partidos políticos por empresas, quaisquer que eles sejam, porque por detrás desses financiamentos sempre haverá, expressa ou implicitamente, uma contrapartida esperada, designadamente a perspectiva de aprovação de legislação favorável aos seus interesses ou de obtenção de contratos ou de facilidades múltiplas junto do Estado. O que, pela parte do PCP, recusamos terminantemente!

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Aliás, julgamos que os exemplos que nos têm vindo da Alemanha ou da França e, mais recentemente, da Itália e da Espanha, onde legalmente também existem limites às contribuições financeiras das empresas e estão previstos sistemas de controlo, são razões sérias para reforçar o princípio da proibição de financiamentos empresariais aos partidos políticos.
No que concerne ao financiamento público, que defendemos com o fundamento já explicitado de assegurar um mínimo de igualdade, ainda que relativa, de oportunidades, entendemos que ele deve ser igualmente dominado pela razoabilidade.
No nosso projecto de lei mantemos totalmente os actuais montantes e forma de financiamento público da actividade corrente dos partidos políticos com representação parlamentar, mas propomos ainda, tal como identicamente o faz o CDS, que se institucionalize uma comparticipação estatal para as despesas partidárias com campanhas eleitorais gerais, porque é durante os processos eleitorais que mais se faz sentir a necessidade de o Estado assegurar o princípio da igualdade de oportunidades e porque é durante as campanhas eleitorais que mais se fazem sentir os custos financeiros, cada vez mais elevados, do acesso dos partidos aos media e, de um modo mais geral, aos meios de comunicação com os eleitores. Não queremos admitir, pelo menos a priori, que a não inclusão de uma comparticipação pública para as campanhas eleitorais no projecto de lei do PSD se deva ao facto de o PSD ser neste momento o Governo e por isso estamos convencidos que o PSD estará aberto a analisar esta questão em sede de especialidade.
De qualquer modo entendemos que também na comparticipação pública das despesas das campanhas eleitorais - quer elas sejam para a Assembleia da República, para as Assembleias Regionais, para as autarquias locais ou para a Presidência da República - deve imperar, para além da equidade, o princípio da razoabilidade. Princípio da razoabilidade que desde logo deverá ser imposto nos limites das despesas autorizadas para essas mesmas campanhas eleitorais.
Neste âmbito, o PCP baseia-se em dois princípios essenciais. Por um lado, os gastos dos partidos de um modo geral e os das campanhas eleitorais em particular devem adequar-se à medida do País que somos e à realidade social que vivemos, sob risco de, no âmbito do que agora tratamos, se suscitar um profundo divórcio entre a actividade político-partidária e a sociedade que essa mesma actividade essencialmente, deve servir. Por outro lado, comungamos da ideia de que a não existência de limites para os gastos eleitorais, como propõe o CDS, ou a fixação desses limites a um nível que nos parece muito elevado, na versão do PSD, tende a falsear o debate democrático que deve ser a essência das campanhas eleitorais, sobrepondo a capacidade financeira dos partidos ao público confronto democrático de ideias e projectos políticos, em última análise substituindo o debate democrático pelo espectáculo, os candidatos por profissionais do espectáculo.
Nesta perspectiva, e sendo o debate e o confronto público de ideias e de projectos plurais um elemento essencial da própria democracia política, a permissão de gastos excessivos nas campanhas eleitorais tende, na nossa opinião, a funcionar como um meio de degradação da democracia. Por isso e em relação aos limites das campanhas para as eleições legislativas, a nossa proposta mantém os valores actualmente permitidos e no que respeita às eleições autárquicas, e porque os actuais limites são manifestamente inadequados e incumpríveis, propomos uma alteração que conduz a uma quase equiparação com os limites para as eleições legislativas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se, como referi inicialmente, o financiamento dos partidos políticos é uma necessidade do funcionamento do sistema político, igualmente a transparência, o controlo e a publicidade da vida financeira dos partidos são elementos essenciais da vida política, do sistema democrático pluripartidário. Essa preocupação está igualmente presente, como não poderia deixar de ser, nos projectos de lei do PCP hoje em debate.
Em sede de debate na generalidade, que é aquele em que nos encontramos, reportar-me-ei apenas à problemática da entidade a quem deve competir a apreciação da legalidade e regularidade das contas dos partidos políticos. Concretamente, o nosso projecto, tal como os projectos do PS e do CDS, propõe que essa competência seja atribuída ao Tribunal de Contas, diferentemente do projecto do PSD que propõe o Tribunal Constitucional. Porque entendemos que a problemática das regras, condições e limites do funcionamento dos partidos políticos, incluindo a sua actividade financeira, deve ser entendida como uma questão de regime, queremos desde já afirmar, muito clara e frontalmente, que desejamos, e esperamos, que nesta matéria não se sobreponham às questões de fundo eventuais questões e questiúnculas conjunturais entre instituições.
Partindo desta base, é nosso entendimento que a opção mais natural e adequada seja a que atribui ao Tribunal de Contas a competência para a apreciação das contas dos partidos políticos. Quer o Tribunal de Contas quer o Tribunal Constitucional têm que estar, para bem do regime democrático, acima de qualquer suspeita, no que se reporta à sua isenção. Por isso que a opção, em nosso entender, deva ter em consideração, fundamentalmente, a natureza das suas actividades e a sua maior ou menor adequação a uma eficaz e competente apreciação de contas, no caso vertente das contas dos partidos.
Nessa perspectiva, julgamos indiscutível que é o Tribunal de Contas a instituição naturalmente adequada a essa função e a opção pelo Tribunal de Contas, séria e responsavelmente, nunca poderá deixar subentender a ideia de qualquer confusão entre partidos políticos e órgãos do Estado.
Por acréscimo, julgamos que uma opção pelo Tribunal Constitucional seria uma opção duplamente errada. Primeiro, porque seria necessário dotá-lo de meios humanos e técnicos adequados à fiscalização de contas, duplicando aquilo que já existe no Tribunal de Contas. Em segundo, porque mesmo com esses meios auxiliares não se alteraria a especialidade fundamental dos juízes do Tribunal Constítucional que, recorde-se, é essencialmente jurídico-constitucional e não financeira. E é esta última - a financeira - a especialidade exigida para a apreciação eficaz das contas dos partidos. Não se queira impor aos juízes do Tribunal Constitucional, com o respeito que todos nos merecem, uma responsabilidade que os possa levar a terem de assinar «de cruz»!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, o PCP pronuncia-se favoravelmente, quer em relação ao alargamento do seu âmbito de aplicação a entidades que actualmente não se encontram abrangidas, designadamente a gestores públicos e membros de órgãos de gestão de sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, quer em relação ao alargamento das incompatibilidades e impedi-

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mentos existentes, visando uma mais eficaz moralização da vida pública.
Parece-nos ainda ser importante, e por isso o propomos no nosso projecto, que as declarações a apresentar pelos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos relativas à inexistência de impedimentos devam conter não apenas a declaração dessa inexistência mas, sobretudo, a declaração de todos os cargos, funções e actividades profissionais exercidas pelo declarante, bem como quaisquer participações sociais detidas pelo mesmo. Entendemos ainda que estas declarações sejam acessíveis a qualquer cidadão. Na perspectiva da implementação de maior transparência na vida pública, importa que a qualquer cidadão seja concedido o livre acesso às declarações de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos, bem como às declarações de rendimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
O sistema actual em que se exige um interesse relevante para o acesso às declarações de rendimentos, tem-se traduzido numa limitação desse acesso que não contribui para a transparência da vida pública. É, pois, preferível que qualquer cidadão, sem necessidade de justificação de motivos ou interesses, possa ter acesso a essas declarações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E faz pouco sentido, na nossa opinião, a consagração de uma norma em que o livre acesso dos cidadãos às declarações de rendimentos e interesses seja limitado a curtos períodos de tempo. A questão para nós não é a de considerarmos a priori os políticos como suspeitos mas é, fundamentalmente, uma questão de impedir ou pelo menos evitar que essa suspeita se crie e se avolume. Assim como, do nosso ponto de vista, tenderá a contribuir para limitar a transparência da vida pública fazer depender do consentimento do titular a publicação do conteúdo das declarações. Consagrar a acessibilidade das declarações de rendimentos e limitar a possibilidade da sua publicitação é, afinal, tirar com uma mão o que se deu com a outra. É naturalmente exigível que a publicitação dos elementos constantes das declarações seja verdadeira e rigorosa. O que parece excessivo é que se dê ao titular o poder de proibir a sua publicitação.
O PCP pronuncia-se também favoravelmente quanto ao alargamento dos elementos a incluir nas declarações, por forma a abranger não apenas o património e os rendimentos auferidos pelo titular mas também os seus interesses, designadamente a menção a cargos sociais exercidos e a participações sociais detidas pelos titulares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em sede de apreciação e debate na generalidade sobre os projectos de lei hoje em discussão, são estas as considerações e posições que o Grupo Parlamentar do PCP considera oportunas e adequadas. Como já referi anteriormente, consideramos que as matérias hoje em debate devem ser consideradas como questões de regime. Por isso exigem debate franco, espírito de abertura e disponibilidade para consensos alargados por parte de todos os partidos políticos.
Pela parte do PCP, foi esse o espírito com que apresentamos os nossos projectos de lei, com que intervimos neste debate e com que participaremos no debate na especialidade. Esperamos que seja esse, igualmente, o espírito de todos os restantes grupos parlamentares.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa já unha desencadeado o processo relativo ao início das votações mas o CDS requereu a votação, na generalidade, do seu projecto. Assim, vamos acabar o debate e, por último, procederemos a todas as votações.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Vera Jardim e António Lobo Xavier.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira: Ouvi com algum espanto V. Ex.ª referir-se a um dos projectos apresentados pelo PCP dizendo que ele «fechava a torneira» e que vinha repor as coisas com muito mais transparência, no que diz respeito às despesas confidenciais.
Ora, quero perguntar-lhe o seguinte: acha que é «fechar a torneira» das despesas confidenciais das empresas mante-las sem qualquer penalidade até 20 000 contos ou 0.5 % da facturação da empresa? É que hoje, na legislação dos governos de Cavaco Silva, toda e qualquer despesa confidencial é tributada em, pelo menos, 10 % e VV. Ex.ªs, de acordo com o projecto de lei que apresentam, fazem com que as despesas confidenciais até 20000 contos ou até 0,5 % da facturação sejam «de borla».
No entanto, o sistema actual, que é o pior regime, no sentido em que estou a falar, que já existiu em Portugal, é, no que se refere a despesas confidenciais, pior para as empresas do que o do PCP porque, embora o vosso contenha coimas para as despesas acima de determinado valor, até 20 000 contos ou 0,5 % das receitas não pagam nada. Naturalmente, também não são dedutíveis em custos, mas isso é o que hoje em dia vigora.
Portanto, fico extremamente admirado quando V. Ex.ª faz aqui o discurso da moralização e da transparência e depois justifica a apresentação do projecto de lei do PCP pelo facto de as empresas, na sua actividade comercial, terem de fazer certo tipo de despesas confidenciais.
Sr. Deputado, quero perguntar-lhe também, muito concretamente, que tipo de despesas confidenciais são essas, visto que só conheço duas razões pelas quais as empresas fazem despesas confidenciais, mas, como V. Ex.ª deve conhecer mais, gostaria de ser elucidado.
A primeira razão é para fugir ao fisco, como é óbvio. A empresa paga a alguém através das despesas confidenciais e, assim, não paga contribuição para a segurança social nem quem recebe paga IRS; a segunda é a corrupção, isto é, na maior parte dos casos, são as comissões que constituem, como, aliás, VV. Ex.ªs dizem no preâmbulo do vosso projecto de lei, o veículo privilegiado de corrupção.
Ora, se não há mais razões além destas - e eu não conheço outras -, pergunto como é que o PCP, num projecto de lei que é apresentado para moralização da vida pública, justifica admitir despesas, até 20 000 contos, que não pagam um «chavo» de impostos ao Estado, permitindo-se, ainda por cima, criticar o projecto de lei do PS quando admite o financiamento dos partidos políticos pelas empresas.
Sr. Deputado, isto não será uma porta aberta para que cada empresa possa dispor, livremente, de 20 000 contos por ano para tudo o que quiser, inclusivamente para corrupção?

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira deseja responder já ou no fim?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, as afirmações que V. Ex.ª fez só podem decorrer de uma má leitura do nosso projecto de lei ou do facto de nunca o ter lido. Esta é a única explicação possível, porque o Sr. Deputado não vê no nosso projecto de lei nada que, em relação ao tal limite de 0,5 % da facturação, com o limite máximo de 20 000 contos, elimine a legislação actualmente em vigor.
Por conseguinte, até esse limite, mantêm-se as circunstâncias, as condições e a legislação actual e só acima dele é que haverá uma penalização. Portanto, contrariamente àquilo que disse, nada fica isento. Até 20 000 contos continua a pagar-se a taxa que, neste momento, é exigível e acima desse montante paga-se a taxa do imposto e uma coima igual ao montante das despesas confidenciais.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Dá-me licença Sr. Deputado?

O Orador - Faça favor.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, V. Ex.ª disse que eu li mal, por isso gostava que me dissesse porquê. Com efeito, o vosso projecto de lei diz que «é proibido as empresas que exercem actividade em Portugal efectuarem despesas confidenciais ou não documentadas cujo montante ultrapasse 0,5 %». É isso que aqui leio, Sr. Deputado, portanto, até esse montante, não é proibido e não tem qualquer consequência.

O Orador: - Tenho impressão que o Sr. Deputado não conhece a legislação fiscal que neste momento existe no nosso país!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado, está aqui. É o Decreto-Lei n.º 192/90.

O Orador: - Neste momento, as despesas confidenciais estão tratadas nas condições em que estão e a nossa proposta, até esse limite, não altera as condições fixadas, apenas coloca um acréscimo em relação àquilo que existe actualmente, acima do limite máximo de 20 000 contos, porque não consideramos os 0,5 % para uma empresa que tenha, por exemplo, uma facturação de 100 milhões de contos, pois tal empresa, de acordo com o nosso projecto de lei tem apenas esse limite de despesas. Até aos 20 000 contos está sujeita apenas às regras que existem na legislação actual e tudo o resto é um acréscimo.
Portanto, repito, há, por parte do Sr. Deputado, uma deficiente ou, pelo menos, uma apressada leitura do nosso projecto de lei e, por isso, as considerações que fez sobre a moralidade não têm qualquer razão de ser.
A moralidade existe nos nossos propósitos e no nosso projecto de lei.
Já agora, em relação à última questão que colocou, que neste momento me parece menor, devo dizer-lhe que de facto, há outras despesas confidenciais que têm a ver com a actividade normal das empresas.
É sabido - mas não quer dizer que o defendamos - que muitas empresas que exportam para o estrangeiro...

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Ah!...

O Orador: - ... são obrigadas a pagar comissões, que têm de ser pagas através de despesas confidenciais. É apenas por essa exclusiva razão que, do nosso ponto de vista, admitimos a hipótese de manter um limite, ainda que reduzido.
Para terminar, quero afirmar aqui que, se houver consenso por parte da Câmara, estamos disponíveis para reduzir ainda mais esse limite.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, perdoe-me que volte à questão das despesas confidenciais para as ver agora de uma perspectiva completamente diferente.
Devo dizer-lhe que sou profundamente contrário à hipótese de, num momento em que estamos a legislar sobre o sistema político, sobre a transparência e sobre a prevenção da corrupção, criar medidas, por precaução ou cautela exageradas, que incomodem as pobres empresas, os pobres empresários e as práticas empresariais.
Admito que seja discutível a prática das despesas confidenciais, só que não me parece que esta seja a altura própria para fazermos um debate aprofundado sobre essa questão. No entanto, tenho uma opinião formada sobre o assunto, que é a de que não devemos limitar as despesas confidenciais desta forma.
O Sr. Deputado José Vera Jardim apontou alguns dos motivos das despesas confidenciais e é evidente que a fuga ao fisco é uma delas. Por exemplo, há os casos em que os recebedores querem receber quantias líquidas ou em que não se quer pagar à segurança social, porque fica mais barato fazer despesas confidenciais do que distribuir lucros, embora lhes deva dizer que, neste último caso, se trata de uma infância da arte em matéria de ocultar distribuição de lucros.
Mas as despesas confidenciais não servem apenas para isso ou para a corrupção, pois há práticas entre as empresas, que podemos considerar erradas, que podemos censurar do ponto de vista ético e condenar do ponto de vista moral, mas que são práticas comerciais estabelecidas e às quais o legislador deu um quadro e não há nada pior do que mexer nele.
Há muitas situações em que, nas puras relações entre as empresas, o vendedor recebe comissão do comprador e este recebe igualmente comissão daquele. Isso acontece frequentemente não por razões de fuga ao fisco mas, sim. por razões de puras relações entre as empresas e são práticas comerciais admitidas por muitos países.
Devo dizer-lhe, por exemplo, que, em França, no Ministério das Finanças, há um serviço especializado para

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permitir ou autorizar as despesas confidenciais. Também nos contratos internacionais, onde essas despensas são muito frequentes, sobretudo nos contratos relativos a adjudicações em matéria de armamento, em países do mundo civilizado e do mundo transparente, essas práticas são admitidas.
Confesso que sou contra que de um debate sobre a transparência dos políticos e do sistema político resulte uma alteração do quadro em que se movem as empresas. Preferiria que tal não acontecesse e, por isso, não concordo com a iniciativa do Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Um dia poderemos discutir aqui a questão das despesas confidenciais a fundo, mas custa-me vê-la discutida no pacote legislativo que estamos aqui a tratar.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, vou ser suscinto e rápido na resposta, até porque já expus o essencial das razões que nos levaram a apresentar este projecto.
Primeiro, fui atacado pelo Sr. Deputado José Vera Jardim e agora sou atacado pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier, mas por razões contrárias àquelas com que o Sr. Deputado José Vera Jardim o havia feito. Mas como perspectivei que poderia haver precisamente essa situação, quis responder isoladamente.
Não sendo uma conclusão lógica dessa situação, ela conduz-nos, pelo menos em aproximação, à ideia de que o projecto de lei que apresentámos tenta, no mínimo, um certo equilíbrio, já que não é excessivo para qualquer dos lados.
Estou de acordo, e já há pouco referi, independentemente da minha opinião pessoal ou da do meu partido sobre essa prática comercial, que ela existe - porque existe de facto uma prática comercial, não apenas em Portugal mas na generalidade dos países - e que há situações em que, na prática, são exigíveis essas despesas confidenciais.
Ora, é precisamente por isso que propomos um limite, que pode ser sempre discutível, como é evidente, mas a questão não é a de o limite ser de 20 000, 10 000 ou 15 000 contos. O que eu gostaria de analisar é o facto de o tal limite poder, no mínimo, conduzir a que aquilo que é permitido, em termos de ter não uma penalidade mas um imposto, ou seja, a possibilidade de as empresas utilizarem essa viabilidade para realizar as despesas confidenciais a que, de facto, em termos económicos, em termos comerciais, são «obrigadas» - ainda que pagando imposto -, lhes retirar a capacidade de utilizar o montante dessas despesas confidenciais precisamente para os dois objectivos que o Sr. Deputado Vera Jardim há pouco referiu e que também queremos atingir, a fuga ao fisco e a corrupção. E aqui, muito claramente, não gostaria de ligar a questão da corrupção, em termos gerais, ao problema que estamos a discutir boje, porque é um assunto muito mais amplo e tem outras considerações que, neste momento, não é oportuno colocar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agora que este debate se aproxima do fim, quero cumprimentar o CDS pela iniciativa deste agendamento.
Por via dele, tiveram oportunidade de subir hoje a Plenário um vasto lote de projectos, provenientes dos quatro maiores partidos, versando aspectos decisivos do exercício político nas sociedades democráticas actuais. Como as datas cruamente o revelam, esses projectos traduzem, nalguns casos, interesses recentes ou mesmo recentíssimos. Outros exprimem preocupações consolidadas ao longo de anos. Mas o mais importante é que todos tenham chegado.
Mas queria também cumprimentar o CDS por ter transitado da sua anterior proposta e perspectiva de um «código ético» para uma iniciativa que se orienta, como as demais, para a renovação legislativa.
Se é certo que nunca podem fundar-se expectativas excessivas na obra legislativa, mais certo é que as invocações e as utilizações políticas da ética tem, historicamente, sido marcadas por perversões. Da monstruosidade que o «Estado ético» representou aos propósitos políticos de regeneração moral que se saldaram - em tantos países, e também entre nós - pela repetição, quando não pelo agravamento, dos processos condenados, o caminho das sociedades está cheio de vãs invocações da ética.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Bom é, pois, que nos encontremos, e que nos encontremos todos, não no terreno da reivindicação ética mas no da iniciativa legislativa porque este é o terreno - não único mas imprescíndivel - para instituir soluções que possam deter o incremento da desconfiança na política e nos políticos e rodeá-los de novas condições de credibilidade.
Em sociedades como as de hoje, em que a acção política e o êxito político são caros e o dinheiro tende a constituir uma das poucas referências unificadoras, o financiamento da actividade política, as finanças dos partidos e dos políticos, a sobreposição e a proximidade, ou intimidade, entre o desempenho privado e o desempenho público, constituem um terreno privilegiado da erosão da credibilidade da política junto dos cidadãos.
Ao rodear esses domínios de regras, balizas e sanções que aumentem a confiança dos cidadãos, a democracia não cuida apenas dos seus custos, da sua intendência - cuida essencialmente de si, do seu futuro, do seu recurso fundamental, que é a renovação da legitimidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador - Ao longo dos últimos anos, e mesmo antes de ela ter atingido, também noutros países, níveis críticos, o PS tem dedicado uma atenção particular, como já aqui foi lembrado pelo meu colega Alberto Martins, a esta zona nevrálgica para o exercício democrático nas sociedades actuais.
Volto a recordar, por exemplo, que o actual regime de incompatibilidades e impedimentos consagra soluções muito aquém das que foram inicialmente propostas pelo PS, particularmente no domínio dos impedimentos subsequentes ao exercício de cargos políticos, com vista a evitar uma excessiva proximidade dos interesses privados com o presente, ou recente, exercício de funções políticas. Recordo

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ainda que as propostas de PS foram batidas por quem perfilhava nesta matéria concepções bastante menos exigentes e mais despreocupadas. Espero que sejam rendas pelo PSD algumas das considerações aqui proferidas pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Recordo que, desde a anterior legislatura, o PS vem sustentando um projecto que assenta na necessidade de uma renovação profunda da disciplina e controlo do financiamento dos partidos políticos - necessidade que agora parece consensualizada, mas que, no passado, não despertou nem o sentido das prioridades nem a concorrência saudável das iniciativas da maioria ou de outros grupos parlamentares, agora, felizmente, mais activos.
Recordo também que ainda em 1991 o PS avançou com a proposta de um registo público dos interesses dos políticos e de um acesso irrestrita dos cidadãos às declarações dos rendimentos e patrimónios apresentadas no Tribunal Constitucional, solução que, através da obtenção de certidões, estendemos depois as declarações do IRS dos titulares de cargos políticos.
Não somos nós que chegamos a este debate como operários da undécima hora, Não chegamos aqui envergando preocupações assimiladas nas últimas semanas, nas últimas jornadas, ou no último congresso. Dizemo-lo não para invocar antiguidades, tal como as patentes, aqui já referidas pelo Sr. Deputado Lobo Xavier, que não tem lugar no debate democrático, mas para salientar a importância que atribuímos ao facto de outros partidos - e em particular a maioria - terem também passado a manifestar consciência da necessidade de uma renovação legislativa neste domínio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Controlos eficazes e fiáveis e exposição à publicidade são as direcções, têmo-lo tido por pressuposto, em que pode ser reconquistada a confiança dos cidadãos.
Daí que um dos requisitos básicos da cultura democrática moderna seja hoje decisivo para enfrentar o desafio de uma reforma das condições do exercício democrático: a valorização dos controlos e do escrutínio do olhar - e não apenas do boletim do voto, da mão que agarra o boletim de voto - dos cidadãos.
O ajustamento das condições da actividade política às novas exigências de confiança não pode deixar de ser uma obra partilhada, para que, nesta fase do debate, nos afirmemos plenamente disponíveis.
Mas o esforço de cooperação só valerá a pena e só atingirá o alvo se ao enunciado de propósitos e prioridades, com aspectos consonantes, se seguirem opções e atitudes congruentes. Se, por exemplo, ao enunciado da necessidade de intervenção de um órgão do controlo das finanças dos partidos se seguir, como já foi dito, a escolha do que seja menos vocacionado para desempenhar eficazmente esse controlo; se, por exemplo, à irrecusável admissão da necessidade de um acesso do público a declarações, hoje denegado, se seguir a escolha de um regime de tal modo restritivo e penalizador que o sentimento de frustração seja inevitável; então, a incoerência e a decepção continuarão, justificadamente, a minar a credibilidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em contexto de desconfiança ou, se se preferir, de ameaça de desconfiança, a primeira condição das reformas é serem convincentes. Num domínio boje fundamental para o reforço da credibilidade dos políticos - o acesso do público às declarações de património, rendimentos e interesses - não seria convincente anunciá-lo e depois destituí-lo de eficácia.
A comunicação é um elemento decisivo da dimensão moderna da publicidade e um elemento imprescíndivel para o desempenho da sua função de controlo.
Uma solução que pretendesse reduzir o cidadão destinatário à condição de um simples privado curioso e o amarrasse à guarda da sua própria curiosidade, momentaneamente satisfeita, seria uma espécie de troça da tragédia da figura mitológica, que, não resistindo ao desejo do olhar, recebeu a mais dura das penalizações. A luz teria sido então - como no mito - um intervalo fugaz no reino das sombras.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que se deve passar em matéria de acesso do público às declarações apresentadas no Tribunal Constitucional é emblemático.
Se se chegou alguma vez a pensar que o escrutínio das ideologias, dos programas, das declarações desvalorizava, dispensava ou substituía na política o escrutínio das condutas, situações e percursos individuais, os dias de hoje, como a própria retoma da problemática da confiança e da responsabilidade o indica, autorizam-no menos do que nunca. Poder fiar-se nos homens é condição indispensável para que o cidadão de hoje possa fiar-se no que lhe chega dito pelos homens e a indispensável confiança nos homens políticos passa hoje pelo acesso do público a novos elementos de apreciação e de juízo sobre as condutas e posicionamentos públicos, envolvendo o conhecimento dos interesses patrimoniais a que se encontram ligados. Esses elementos devem ser institucional e sistematicamente facultados e não apenas restrita e aleatoriamente acessíveis.
Não se trata de satisfazer uma abusiva curiosidade privada que, perversamente, se quisesse exprimir no terreno público. Trata-se de prover elementos de juízo para uma cidadania mais exigente, em sede de apreciação de condutas de homens públicos e em domínio, em que a respectiva credibilidade se pode desenvolver pela transparência e afundar pela ocultação.
Como sugeria há dias um colega ilustre, a maturidade é incompatível com uma confiança desmedida nas leis. Também, ao contrário de algumas outras sociedades - felizmente para nós -, não esperamos obter, por meio de prédicas e conversões em massa, o que não soubermos construir por meio das nossas próprias decisões.
Mas para além do nosso próprio empenho nas reformas legislativas, há o contributo para a mudança que os actos individuais e colectivos podem dar e que radica na sua própria exemplaridade.
Por isso, o PS, ao mesmo tempo que se empenha neste processo de modernização legislativa, em que se aplicará, na exigência de mais controlo, mais transparência e publicidade, vai contribuir de uma outra forma para a renovação legislativa, que se impõe: os seus Deputados, todos eles, vão tomar pública a declaração do seu património, rendimentos e interesses.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - É uma outra contribuição, que queremos dar já, para a realização de reformas que dêem aos cidadãos novos elementos de apreciação e, por isso, de confiança nos que os representam.
Srs. Deputados, para além das propostas, no final deste debate, fica aqui o desafio: acompanhem-nos!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chega ao fim este debate sobre a transparência da vida política. Começou bem dada a riqueza dos temas, das exposições, das diferentes intervenções e o espírito de consensualidade sobre os grandes princípios e até mesmo relativamente ao senado da própria votação, na generalidade, que vai processar-se daqui a pouco.
Portugal vive um momento de profunda reflexão sobre temas da Administração Pública e da vida política, que, de forma mais visível, passam pela abertura aos cidadãos do livre conhecimento, em geral, dos assuntos referentes à gestão das questões que importam à comunidade nacional, das questões da Administração Pública, e pela reforma dá instituição parlamentar que criará maior eficácia da Assembleia da República e da fiscalização e relacionamento entre o Parlamento e o Governo.
Com este conjunto de diplomas, visando a transparência da vida pública e da vida política, eis que surge legislação desenvolvendo um direito novo, uma liberdade pública da última geração - o direito à informação e à participação na vida da Administração Pública -, o que nos permite dizer que este é, com efeito, o ano da democratização administrativa, do fim das chaves e dos cofres desnecessários na Administração.
A abertura das estruturas administrativas, a transparência da sua actuação, abrindo caminhos à fiscalização directa da Administração pelos cidadãos e à sua participação progressiva na gestão dos negócios públicos, corresponde a um objectivo permanente de todos os governos do PSD, tal como o aprofundamento da aplicação dos princípios da imparcialidade na função pública - objecto de um texto de habilitação legislativa do Governo que ainda hoje será votado - e, no que diz respeito aos políticos e aos altos cargos públicos, o reforço das incompatibilidade e as regras sobre impedimentos e, concomitantemente, a transparência na evolução dos seus haveres e interesses.
E porque são homens políticos os que gerem os partidos e as suas finanças, queremos também - queremos todos - a transparência perante os cidadãos das contas partidárias, a moralização dos seus gastos nas lutas pelo poder.
Este ano foi - e bem - orientado para a reflexão parlamentar sobre a transparência na vida pública, na Administração e na política. É realmente o ano da transparência, pois é este o fio unificador das nossas preocupações e é a esta luz que tem de ser entendidos os diferentes tempos de debate parlamentar e até os diferentes diplomas.
É por essa razão que algumas questões sobre os limites das inovações têm resposta fácil. Por exemplo, no plano das finanças dos partidos, não se trata de fazê-los receber mais dinheiro do Estado, não é isso que queremos com as nossas propostas; no entanto, o debate está aberto.
À partida, não é essa a nossa posição, mas participaremos no debate proposto. No fundo trata-se essencialmente de passados quase 20 anos após o 25 de Abril, constatar desactualizações e declarar as realidades, repor a verdade, quiçá nunca praticada, obrigar a declará-la e, então, fiscalizar e sancionar os incumprimentos.
Apresentamos um texto que regula as situações de incompatibilidade e impedimento para os titulares de órgãos de soberania e outros órgãos políticos e ainda de altos cargos públicos na administração central, em institutos públicos, em empresas públicas, em órgãos independentes e equiparados para efeitos desta lei, como acontece com membros de conselhos de administração designados por entidades públicas e com funções executivas em sociedades anónimas com capitais exclusiva ou maioritariamente públicos. Sujeita-se o Provedor de Justiça, sujeitam-se vice-governadores civis ao regime de incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e deixa-se aberta para reflexão a questão do estatuto dos juízes dos vários tribunais.
As inovações no plano dos princípios são o reforço da exclusividade, a inibição temporária de exercício de certos cargos após a cessação de funções políticas e a possibilidade de acumulação dos cargos autárquicos com outras actividades. Os membros das câmaras municipais, sem prejuízo das disposições sobre incompatibilidades, podem, no entanto, acumular outras actividades, embora tenham a obrigação de comunicar o facto ou a intenção à assembleia municipal, na procura da tal transparência que nos norteia em geral.
Regula-se a fiscalização, o sancionamento do incumprimento das regras referentes ao regime do depósito das declarações sobre esta matéria.
Nas situações que se entende não justificarem a criação de incompatibilidades, embora a acumulação possa colocar problemas de conflitualidade entre interesses, tal como em geral quanto à evolução dos haveres dos titulares de cargos políticos e das outras entidades atrás referidas no âmbito das declarações apresentadas no início e fim dos mandatos ou do exercício de outros cargos não electivos, melhora-se o sistema vigente nos últimos 10 anos, introduzindo-se um princípio profundamente inovador, o do acesso livre dos cidadãos.
Além do acesso, em qualquer momento, por entidades públicas em domínios de investigação e por parte de cidadãos interessados, pode qualquer pessoa, durante um período de tempo razoável, após a apresentação dessas declarações, tomar livremente conhecimento dos seus conteúdos. Regulámos também a fiscalização e o sancionamento das irregularidades praticadas pelos titulares dos diferentes cargos.

O Sr. Presidente: - Queira terminar. Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, apelo à sua benevolência de forma a permitir que utilize um ou dois minutos para além do tempo de que disponho.
Permito-me, mais uma vez, destacar, pela importância e urgência temática atribuída, a questão do enquadramento das receitas e despesas dos partidos. Isolo-a do conjunta todo ele de grande significado nos caminhos reveladores de uma nova cultura na vida democrática, porque ela está no centro dos debates em vários países da Europa.

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Portanto, pretendo salientar que se trata de um domínio de reflexão forçada, não pela desactualizacão das leis, antes pelo aproveitamento das suas faltas ou pelo contornar dos seus dispositivos em moldes de grande escândalo público.
Em Portugal a reforma tem essencialmente outro sentido: queremos a verdade dos números que leis irrealistas e distantes pretenderam congelar; queremos regras claras e fiscalizadas por instâncias independentes; queremos a publicidade das realidades e, mesmo mais, queremos inserir as finanças, as contas e o respeito das regras sobre elas como elemento de avaliação dos partidos, ou seja, integrar o fenómeno financeiro-contabilístico partidário como facto passível de juízo ético-político.
Queremos que os cidadãos possam ver e perceber as relações que existam entre a origem dos dinheiros, os seus circuitos, as consequências dos seus recebimentos, podendo condenar as suas ligações de influência no processo de tomada de decisões.
Atente-se que não denunciamos o poder nem a influência do dinheiro; se ele é necessário, pretendemos apenas balizar as regras sobre as suas fontes ou limitar gastos excessivos que nem o objectivo da conquista do poder justifica desde que se criem condições de cumprimento real de regras igualizadoras das oportunidades de afirmação. Não separámos os fins dos meios, desconhecendo, legitimando mesmo meios reprováveis por hipotecarem futuras liberdades de actuação em nome do fim a atingir. A política é nobre, sem dúvida! A conquista do poder é um objectivo legítimo, sem dúvida! Mas, independentemente dos meios praticados por cada um, o eleitorado deve poder ajuizar desses meios, do seu uso, do seu doseamento. Para isso, uma primeira regra do jogo geral a praticar, que o legislador tem de impor, terá de ser o da não ocultação dos meios utilizados.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O PSD, com todas as suas iniciativas e sempre firmemente aberto a todo o diálogo e procura de consensos construtivos, está presente neste debate. E também o está firmemente distanciado, por outro lado, de todas as pressões e de qualquer uno de demagogia que não pretendam cooperar nas soluções finais mas apenas criar uma ideia externa de conflitualidade hiperbólica alimentada numa contra-informação ou assente numa subinformação. Felizmente que o debate que hoje realizamos denota que esse espectro está afastado!
O PSD, dizia eu, pretende continuar, assim, no caminho de reformas de grande significado na vida nacional. Os nossos projectos são as nossas propostas e todas, mesmo as alheias, vão merecer a nossa reflexão. Não inviabilizaremos qualquer projecto de lei. Temo-nos batido, ao longo deste ano, por uma Administração aberta, participada, imparcial, transparente, pois pretendemos, tal como a toda a Câmara, ir mais longe - batemo-nos por fim renovar permanente do homem público que lhe dá corpo, por políticos e partidos que dirigem a Administração, que legislam e que devem ser avaliados não só pela sua actuação patente em execução das suas ideias e programas afirmados mas também avaliados em concreto pelo modo como equacionam os seus interesses ou os interesses particulares em face do interesse público.
Batemo-nos, no fundo, por um novo enquadramento da actividade política e da Administração, aproximando-as dos cidadãos, essencialmente, para que estes possam fiscalizar e avaliar.
Acima de tudo, queremos que o eleitorado, juiz supremo, tenha mais informação, mais meios para escolher. Queremos que seja ele que, efectivamente, possa ser o fiscal, o supremo juiz, como já há pouco referi.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições para a discussão destes projectos de lei, pelo que declaro encerrado o debate.
Como já tive oportunidade de anunciar, o partido autor do agendamento requereu que tivesse lugar hoje a votação, na generalidade, do seu diplomas. Ora, no entender da Mesa, este requerimento envolve todos os projectos de lei alvo de discussão - aliás, posso adiantar que todos os grupos parlamentares, ouvidos informalmente, concordaram com esta interpretação -, pelo que, no final das votações já agendadas, procederemos à votação dos projectos de lei objecto do nosso debate agora concluído.
Informo a Câmara de que não iremos proceder à votação final global do texto final, elaborado em sede de Comissão, sobre os projectos de lei n.º 109/VI (PS) e 163/VI (PSD) - Lei dos Baldios, em virtude de existir discrepância entre textos entregues na Mesa, pelo que só se agendará a votação final do texto referido depois do Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos, Liberdades e Garantias proceder à entrega de texto fidedigno.
A Mesa foi também informada de que a votação final global do texto final contendo as alterações ao Decreto-Lei n.º 249/92, aprovadas em sede de Comissão em 15 de Junho de 1993 [Ratificação n.º 54/VI (PS)], deve ser adiada por consenso de todos os grupos parlamentares. Neste sentido, não procederemos à votação do referido texto.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Almada, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho (PS) a depor, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Mário Tomé.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um outro parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo, do Tribunal de Polícia de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucio-

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nais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não suspender o mandato do Sr. Deputado José Sócrates, o que deve ser comunicado ao juiz de direito da 2.ª Secção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 57/VI - Segunda lei de programação militar.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS e do PSN e abstenções do PS, do PCP e do Deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 58/VI - Que altera a Lei n.º 1/85, de 23 de Janeiro (lei quadro das leis de programação militar).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS e do PSN e abstenções do PS, do PCP e do Deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 208/VI - Alargamento do acesso da prática da caça a todos os caçadores (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente Raul Castro e a abstenção do PSN.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 326/VI - Para a protecção, gestão e fruição dos recursos cinegéticos (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS e votos a favor do PS, do PCP, do PSN e do Deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação global da proposta de resolução n.º 23/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Europeu Que Cria Uma Associação entre as Comunidades Europeias e a República da Polónia, os respectivos protocolos, anexos e Acta Final.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos ainda proceder à votação global da proposta de resolução n.º 24/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Europeu Que Cria Uma Associação entre as Comunidades Europeias e a República da Hungria, os respectivos protocolos, anexos e Acta Final.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do texto final, elaborado em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a proposta de lei n.º 46/VI - Autoriza o Governo a rever o sistema de garantias de isenção e imparcialidade da Administração Pública.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do PSN e abstenções do PS, do PCP, do CDS e Deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 322/VI - Estatuto da função política (CDS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 57/VI - Financiamento da actividade dos partidos políticos (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 223/VI - Sobre o controlo público da riqueza e dos interesses dos titulares de cargos políticos (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do CDS, do PSN e do Deputado independente Raul Castro e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 319/VI - Altera o limite de despesas com as campanhas autárquicas locais (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do CDS. do PSN e do Deputado independente Raul Castro e a abstenção do PSD.

Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 320/VI - Garante o acesso pelos cidadãos às declarações de rendimento e às declarações de inexistência de incompatibilidade ou impedimento dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do CDS. do PSN e do Deputado independente Raul Castro e a abstenção do PSD.

Passamos agora à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 321/VI - Limita as despesas confidenciais das empresas, tendo em vista a transparência da vida política nacional (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP e do Deputado independente Raul Castro, votos contra do CDS e as abstenções do PSD, do PS e do PSN.

Vamos votar agora, na generalidade, o projecto de lei n.º 329/VI - Financiamento dos partidos políticos (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Mário Tomé.

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Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 33O/VI - Alterações à Lei n.º 4/83, de 2 de Abril sobre o controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS e do PSN e as abstenções do PS, do PCP e do Deputado independente Raul Castro.

Passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 331/VI - Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS e do PSN e as abstenções do PCP e do Deputado independente Raul Castro.

Vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 332/VI - Financiamento da actividade dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Mário Tomé.

Srs. Deputados, terminámos o período de votações. Como houve votações finais globais, é agora a altura própria para se fazerem declarações de voto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas anunciar que o PSD irá entregar na Mesa uma declaração de voto acerca dos projectos de lei n.ºs 208/VI - Alargamento do acesso da prática de caça a todos os caçadores (PCP) e 326/VI - Para a protecção, gestão e fruição dos recursos cinegéticos (PS).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima sessão terá lugar na sexta-feira, dia 25 de Junho, iniciar-se-á exactamente às 10 horas e tem como período da ordem do dia a interpelação n.º 13/VI - Sobre a política do Governo e o estado do ambiente em Portugal um ano após a Conferência do Rio de Janeiro (Os Verdes).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa aos projectos de lei n.ºs 208/VI e 326/VI

O PSD votou contra os projectos de lei do PS e do PCP, sobre o sector da caça, por entender que os mesmos não contêm soluções atendíveis e capazes de responder à complexidade das questões que contemplam e, além disso, fazem dessas questões uma análise muito parcelar.
Contudo, o PSD, consciente da importância desta matéria, entende que deve ser feita uma avaliação global desta problemática e, consequentemente, disponibiliza-se para que, por sua iniciativa, possa, oportunamente, fazer-se essa avaliação, precedendo-a da audição das entidades com ela relacionadas, no âmbito da Comissão de Agricultura e Mar.

Os Deputados do PSD: Carlos Duarte - Antunes da Silva - António Morgado - Álvaro Viegas - António Sá e Abreu - António Barradas Leitão - Armando Cunha - Eduardo Pereira da Silva - Francisco Bernardino Silva - João Maçãs - José Júlio Ribeiro - Casimiro de Almeida - Pedro Campilho - Olinto Ravara - Vasco Miguel.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António de Carvalho Martins.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Maria Pereira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Domingos Duarte Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Manuel Borregaria Meireles.
José Manuel Nunes Liberato.
Luis António Carrilho da Cunha.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Maria Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Sousa e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
João Maria de Lemos de Meneses Ferreira.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Centro Democrático Social (CDS):
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.

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Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Ana Paula Matos Barros.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João Álvaro Poças Santos.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Fernandes da Silva Braga.
António Luis Santos da Costa.
Helena de Melo Torres Marques.
João António Gomes Proença.
Jorge Lacão Costa.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Deputado independente:

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

A DIVISÃO DA REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPUBLICA.

DIÁRIO da Assembleia da República

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