Página 3191
Quinta-feira, 19 de Agosto de 1993 I Série - Número 96
DIÁRIO da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE AGOSTO DE 1993
Presidente: Exmos. Sr. António Moreira Barbosa de Meta
Secretários: Exmos. Srs.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário de Lemos Damião
José de Almeida Cesário
SUMÁRI0
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos
Deu-se conta dos diversos diplomas entrados na Mesa.
Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de dois Deputados do PSD
O Sr. Presidente procedeu à leitura das mensagens do Sr. Presidente da República fundamentando o veto por inconstitucionalidade que exerceu em relação aos Decretos n.º 120/VI (Alterações à Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro - Estatuto dos Magistrados Judiciais), 126/VI (Medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira) e 129/VI (Segredo de Estado), devolvendo-os para reapreciação.
Após a apresentação, pelo Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD), da síntese do relatório elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei n.º 73/VI - Aprova o novo regime do direito de asilo. Já a mesma discutida na generalidade, tendo sido aprovada. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro), os Srs. Deputados António Guterres e Almeida Santos (PS), Mário Tomé (Indep), José Lamego (PS), João Amaral (PCP), Raúl Castro (Indep), José Magalhães (PS), Nogueira de Brito (CDS-PP), Manuel Sérgio (PSN), António Costa (PS), Silva Marques e Guilherme Silva (PSD) e Isabel Castro (Os Verdes).
Foram ainda aprovados os votos n.ºs 89/VI (PCP e Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro) e 90/VI (PS, PCP e Deputado independente Raúl Castro), de pesar pelo falecimento do poeta Armindo Rodrigues e da jurista Alcina Bastos, tendo usado da palavra o Sr. Deputado Raúl Rego (PS). No fim, a Câmara guardou um minuto de silêncio.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos
Página 3192
3192 I SÉRIE-NÚMERO 96
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Abílio Sousa e Silva.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Vallere Pinheiro de Oliveira
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins
Delmar Ramiro Paias.
Domingos Duarte Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins
Jaime Gomes Milhomens
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes
Joaquim Maria Fernandes Marques
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário
José Fortunato Freitas Costa Leite
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis
José Guilherme Reis Leite
José Júlio Carvalho Ribeiro
José Leite Machado
José Macário Custódio Correia
José Manuel Borregana Meireles
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato
José Mário de Lemos Damião
José Pereira Lopes
Luís António Carrilho da Cunha
Luís António Martins
Luís Carlos David Nobre
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa
Luís Manuel Costa Geraldes
Manuel Acácio Martins Roque
Manuel Albino Casimiro de Almeida
Manuel Antero da Cunha Pinto
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo
Manuel de Lima Amorim
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Página 3193
19 DE AGOSTO DE 1993 3193
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Telmo José Moreno.
Vasco Francisco Aguiar Miguel
Virgílio de Oliveira Carneiro..
Partido Socialista (PS).
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Mana Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Mana de Lemos de Menezes Ferreira.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dona Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaca Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
Apolónia Mana Alberto Pereira Teixeira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP).
Adriano José Alves Moreira
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luis Nogueira de Brito
Partido Ecologista Os Verdes (PEV)-
André Valente Martins.
Isabel Mana de Almeida e Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha
Deputados independentes
Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidas, as propostas de resolução n.ºs 35/VI - Aprova para ratificação a decisão do Conselho das Comunidades Europeias de 1 de Fevereiro de 1993, que altera o acto relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu, que baixou à 11.ª Comissão, e 36/VI - Aprova, para ratificação, as emendas aos artigos 24.º e 25.º da Organização Mundial de Saúde, e os votos de pesar pelas mortes de Alcina Bastos, de iniciativa do Partido Comunista Português e do Partido Socialista, e de Armindo Rodrigues, da iniciativa do Partido Comunista Português.
O Sr. Presidente: - Como sabem, Srs. Deputados, a reunião plenária de hoje não tem período de antes da ordem do dia, já que, conforme foi deliberado na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e assim
Página 3194
3194 I SÉRIE-NÚMERO 96
foi convocada, tem por objecto a discussão e votação, na generalidade, da proposta de lei n º 73/VI, que aprova o novo regime do direito de asilo.
Porém, antes de entrarmos neste ponto da ordem de trabalhos, dou a palavra ao Sr Secretário Lemos Damião para dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos, Liberdades e Garantias
Tem a palavra o Sr. Secretário Lemos Damião.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição dos Srs Deputados Leonardo Ribeiro de Almeida, do PSD, a partir do dia 10 de Agosto pp-, e António Maria Pereira, do PSD, por um período de 45 dias, a partir do dia 18 de Agosto pp, respectivamente pelos Srs. Deputados Coelho dos Reis e Francisco Martins.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Freitas do Amaral.
No cumprimento do disposto no artigo 171.º, que remete para o artigo 169. º, do Regimento cumpre-me informar a Câmara das mensagens que recebi do Sr. Presidente da República.
A primeira reza assim: «Tenho a honra de junto devolver a V. Ex.ª, nos termos dos artigos 139. º, n.º 5, e 279.º, n º 1, da Constituição da República, o Decreto da Assembleia da República n º 120/VI, referente a «Alterações à Lei n.º 2790, de 20 de Janeiro - Estatuto dos Magistrados Judiciais», uma vez que o Tribunal Constítucional, através do douto Acórdão n º 457/93, de 12 de Agosto de 1993, se pronunciou, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, pela inconstitucionalidade das seguintes normas do referido Decreto - do artigo 1.º, na parte em que altera o disposto no artigo 137 º, n.º 2, da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, alterada pela Lei n º 2/90, de 20 de Janeiro, quanto ao sistema de eleição dos juízes do Conselho Superior de Magistratura, - do mesmo preceito, na parte em que adita ao artigo 1.º do referido diploma legal o novo n.º 3, atinente ao regime de incompatibilidades dos juízes dos tribunais judiciais».
A segunda mensagem do Sr. Presidente da República diz o seguinte - «Tenho a honra de junto devolver a V. Ex.ª, nos termos dos artigos 139 º, n.º 5, e 279.º, n.º 1, da Constituição da República, o Decreto da Assembleia da República n º 126/VI, referente a «Medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira», uma vez que o Tribunal Constítucional, através do douto Acórdão n º 456/93, de 12 de Agosto de 1993, se pronunciou, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, pela inconstitucionalidade das disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.ºs 2 - na parte relativa à iniciativa própria da Polícia Judiciária - e 3, alínea a), e do artigo 3.º n.ºs 1 e 2, todos com referência ao n.º 1 do artigo 1.º do referido decreto».
A terceira e última mensagem enviada pelo Sr. Presidente da República é do seguinte teor: «Tenho a honra de junto devolver a V. Ex.ª, nos termos dos artigos 139.º, n.º 5, e 279.º. n.º 1, da Constituição da República, o Decreto da Assembleia da República n º 129/VI, referente a «Segredo de Estado», uma vez que o Tribunal Constítucional, através do douto Acórdão n.º 458/93, de 12 de Agosto de 199J; se pronunciou, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, pela inconstitucionalidade das seguintes normas do referido Decreto.
- artigo 3 º, n º 1, na parte que contempla os Presidentes dos Governos Regionais;
- artigo 9 º, n.ºs 1 e 2, mas apenas quando aplicáveis ao Presidente da República e ao Primeiro-Ministro, nos casos em que estas entidades solicitem o acesso a documentos classificados a título definitivo por outras entidades,
- artigo 13.º, n.º 3, na parte em que contempla o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo;
- artigo 13.º, n.º 3, na parte respeitante à eleição de um dos Deputados que integram a composição da Comissão de Fiscalização do Segredo de Estado, - de grupo parlamentar de partido da oposição »
Vamos agora entrar na ordem do dia, que, como disse há pouco, respeita à discussão e votação, na generalidade, da proposta de lei n º 73/VI - Aprova o novo regime do direito de asilo.
Para apresentar a síntese do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, nos lermos regimentais, tem a palavra o relator deste diploma e Presidente da Comissão, Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o relatório elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a propósito da proposta de lei n.º 73/VI e aprovado por unanimidade esta manhã, seguiu os termos e a estrutura regimentalmente prevista, começando por fazer uma abordagem de enquadramento das questões próximas que antecederam a apresentação desta proposta de lei pelo Governo à Assembleia da República, designadamente recordando que foi presente à Assembleia a proposta de lei de autorização legislativa que foi vetada pelo Sr. Presidente da República.
Faz-se referência aos antecedentes que levaram à aprovação das leis actualmente vigentes nesta matéria, às razões da alteração apresentada pelo Governo na exposição de motivos da proposta de lei e, ainda, à mensagem fundamentada que o Sr Presidente da República enviou à Assembleia da República justificando o veto político à proposta de lei de autorização legislativa e o apelo que fez no sentido de ser aprovada na Assembleia uma lei que directamente previsse a matéria do estatuto do refugiado e do direito de asilo, apelo este que foi efectivamente atendido pelo Governo ao apresentar a proposta de lei que hoje vamos debater.
Referem-se também os antecedentes históricos do instituto do direito de asilo, que todos sabemos que tem origem religiosa, e a evolução que o instituto vem tendo, em termos de Direito Internacional, Público e em termos doutrinários.
No relatório e parecer que elaborei, faz-se igualmente o enquadramento actual deste instituto na ordem jurídica interna portuguesa e uma referência ao esforço de harmonização comunitária em matéria de legislação relativa ao direito de asilo, aos procedimentos nessa matéria e aos acordos de cooperação inter-governamental que Portugal subscreveu neste domínio, designadamente a Convenção de Schengen e Convenção de Dublin.
Por outro lado, é ainda feita uma análise sucinta das inovações que são trazidas pela lei agora em apreciação, produzindo-se considerações finais quanto ao enquadramento de toda esta questão no âmbito dos países da Europa, da
Página 3195
19 DE AGOSTO DE 1993 3195
própria Comunidade e, também, acerca de um certo degladiar entre os Estados e grupos de pressão que pretendem a flexibilização deste instituto.
Finalmente, tiram-se conclusões relativas ao desenvolvimento anteriormente feito e conclui-se no sentido de que a proposta de lei está em condições de subir a Plenário, do ponto de vista regimental e constítucional, para ser discutida na generalidade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por efeito do veto presidencial à proposta de autorização legislativa sobre o direito de asilo, vamos hoje discutir esta matéria pela segunda vez nesta Câmara. Devo dizer-lhes que o faço com todo o gosto e que o País não perderá nada com este debate, como é evidente.
Entre o momento do veto presidencial e o momento deste debate, muita coisa se disse e escreveu sobre estas matérias e muito daquilo que se disse ou se escreveu tem a ver com o facto de se ter um entendimento que considero errado sobre esta lei.
Penso que para se entender correctamente a proposta de lei do Governo, isto é, a sua política de asilo, tem de se perceber que ela visa, ao mesmo tempo, dois objectivos diferentes, se quiserem complementares. Por um lado, visa disciplinar a concessão do direito de asilo no nosso país, o que aliás faz alterando minimamente a actual lei de asilo e, sobretudo, não a alterando naquilo que é fundamental, nomeadamente naquilo que são os fundamentos do asilo Mas, por outro lado, e essa é uma parte que não é menos importante nesta lei, ela visa também ser - nunca o escondi, nem escondo - um instrumento de luta contra a emigração Conforme disse da outra vez em que discutimos esta matéria, esta lei, nessa parte, visa fazer aquilo que o Decreto-Lei n º 59/93 (que também teve por base uma autorização legislativa) não conseguia fazer e, portanto, ela temeste dúplice aspecto. Se não entendermos isto, não sabemos sobre o que estamos a falar.
Em conjunto com a Câmara, vamos ver com algum pormenor estes dois aspectos. Em primeiro lugar, quanto à disciplina que se faz da concessão do direito de asilo no nosso país, como devem ter reparado, a filosofia não se muda de todo e também os aspectos particulares não se mudam grandemente da Lei n º 38/80 para esta proposta de lei.
As críticas fundamentais que têm sido feitas pela oposição - eu diria, por algumas oposições -, concretamente pelo Partido Socialista e pelo Partido Comunista, têm sido as de que esta proposta de lei representa um retrocesso, abandonando valores humanitários e princípios de solidariedade. Tentarei, Sr Presidente e Srs. Deputados, demonstrar que, a nosso ver, assim não é de todo.
Mas qual é a razão de estas serem as duas grandes críticas que se podem fazer a esta proposta de lei? Fundamental e repetidamente são quatro as razões, sendo que duas se referem à violação ou diminuição de garantias processuais aos requerentes de asilo, dizendo-se, quanto à primeira delas, que se encurtam prazos, o que é verdade.
Reconheço que os prazos constantes desta proposta de lei, do artigo 13.º ao artigo 17.º, são mais curtos do que aqueles que estavam na anterior proposta de lei, do artigo 15.º ao artigo 19.º. Só que isso em nada prejudica os requerentes de asilo, pelo contrário, dá-lhes mesmo uma vantagem, que é a de aos verdadeiros requerentes de asilo poder ser concedido, no mais curto espaço de tempo,' um estatuto de estrangeiro privilegiado na nossa terra. E quanto mais cedo o receberem tanto melhor para eles, é uma vantagem!
Portanto, os verdadeiros requerentes de asilo, aqueles que fundadamente podem pedir ao nosso país asilo político não têm nada que temer. Em vez de esperarem, como até aqui, um ano, agora pretendemos que esperem um mês ou dois meses, quanto muito. Repito, nesta matéria não tem razão, pois trata-se de uma vantagem.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A segunda crítica que se faz, ainda neste domínio, é a da diminuição das garantias processuais, dizendo-se que se acabou com o efeito suspensivo do recurso, o que não é verdade. Nada de menos exacto! No procedimento administrativo há o princípio geral de que o recorrente pode sempre pedir a suspensão de eficácia do acto recorrido e, portanto, nesta matéria não retiramos nenhuma garantia processual aos requerentes de asilo Esta a segunda crítica, que também não tem qualquer fundamento
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A terceira crítica é já de outra ordem e, então, entramos no domínio da insensibilidade humanitária deste Governo, nas palavras dos partidos da oposição É a grande crítica... Ainda hoje o Sr. Deputado António Guterres, Secretário-Geral do Partido Socialista, dizia aos microfones de uma rádio que ouvi que «se o Governo quisesse ceder na perspectiva humanitária que o PS tem, seguramente podíamos chegar a um consenso sobre esta lei».
O Sr. Silva Marques (PSD): - Os socialistas sempre foram uma verdadeira manteiga!
O Orador: - Ora, isto significa que é neste aspecto da nossa falta de humanismo e na perspectiva fortemente humanista do Partido Socialista, nomeadamente, que se radica, hoje em dia, a grande diferença de posições nesta matéria. Então, vamos analisar o assunto com algum cuidado.
A questão tem sido levantada a propósito de dizerem que esta proposta de lei acaba com o asilo por razões humanitárias, hoje consagrado no artigo 2.º da Lei n.º 38/80, e com o qual nós acabámos, segundo dizem.
Sobre esta matéria, quero dizer que o asilo por razões humanitárias não é formalmente um asilo, nem é como tal considerado, como sabem todos, na Convenção de Genebra. É um regime especial que confere a quem o pede - nos termos da actual Lei n.º 38/80 - o direito a residir em Portugal e a ter um documento de viagem português. Mas porque não é formalmente asilo, nos termos da Convenção de Genebra, não concede, nomeadamente, o documento de viagem das Nações Unidas, o que aconteceria se o fosse.
Portanto, dado que não é asilo, nem está previsto como tal na Convenção de Genebra, o que é, então? É uma faculdade que o Estado, a Administração, tem de, em casos concretos, tomados em consideraçâo, poder dar esse direito de residência e um documento de viagem. E não é mais do que isso aquilo que hoje, no artigo 2.º da Lei n º 38/80, se designa de asilo por razões humanitárias.
Aliás, ainda num artigo ontem publicado pela Sr. Dr.º Teresa Tito de Morais, presidente da direcção do Conselho Português para os Refugiados, se diz isso mesmo. Ela
Página 3196
3196 I SÉRIE-NÚMERO 96
diz que «na lei actual, o asilo por razões humanitárias não é objecto de um direito, constitui uma faculdade da administração». Ora, é exactamente porque assim é que mantemos um regime especial, para podermos contemplar situações que são claramente de atendimento à luz de princípios humanitários mas não mais do que isso, o que mantemos dentro destas exactas balizas Isto é, atribuímos um direito de residência - alínea a) - e essa decisão - alínea b) - é uma faculdade da Administração, é uma decisão do Governo, do órgão político, concretamente uma decisão do próprio Ministro, remetendo, como também, para o artigo 64.º do Decreto-Lei n º 59/93.
O que se passa é isto Penso que é uma solução avisada, não se trata de nenhuma falta de humanismo ou de abdicar de qualquer princípio humanitário.
Mas já agora, nesta matéria, que é o aspecto fundamental, segundo ainda hoje disse o Sr Deputado António Guterres, que separa o PS do PSD, mais concretamente do Governo, gostava de ir mais longe, ou, melhor de ir mais atrás e ver a história destas coisas, ou seja, como é que este artigo 2.º aparece no nosso ordenamento, como é que chegamos, pela primeira vez em 1980, a esta figura do asilo por razões humanitárias e quais foram, nessa altura, as posições dos vários agentes políticos, dos vários partidos políticos. Na verdade, essa é que é a parte interessante de todo este debate!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em 1980, o Governo da AD apresentou aqui uma proposta de lei sobre o direito de asilo, que veio a resultar na Lei n.º 38/80. Através dessa proposta, ficou consagrado na lei aquilo que lá está hoje, o artigo 2.º, que tem como epígrafe «Asilo por razões humanitárias». Lembro que esta foi uma proposta do PSD, do CDS e do PPM, em 1980.
Nessa altura, o Partido Socialista também apresentou um projecto de lei, que tenho aqui para lhes mostrar depois, ao qual foi atribuído o número 384/I, que foi o projecto que confrontado com a proposta da AD.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - E o que é que dizia?!
O Orador: - E isso deu obviamente um debate curiosíssimo, de que queria aqui reproduzir algumas partes, porque é importante, na medida em que nos dá razão e é por isso, e só por isso, que tomo a ousadia de citar aqui, com alguma abundância, o meu querido amigo e líder parlamentar do PS, Dr. Almeida Santos
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Vamos lá ver como é que ele descalça a bota!
O Orador: - Naquela altura, o Dr. Almeida Santos não estava de acordo com este artigo, pois considerava que era demasiado. E, se me permite, com a devida vénia. Sr. Deputado Almeida Santos, passaria a ler algumas coisas que disse naquela altura e que considero muito certas, com as quais estou inteiramente de acordo.
O Sr. Deputado disse então, e vou citar textualmente, a propósito do asilo por razões humanitárias, repito, que queríamos introduzir e viemos a introduzir neste artigo 2.º, que (...) «A Constituição manda acolher o perseguido em consequência da sua actividade em prol de certos valores.
Este passo da proposta de lei do Governo abre as portas a que, sem verificação de qualquer actividade e até sem a ocorrência de qualquer específica perseguição, simplesmente não quer voltar ao seu país de origem por motivo de insegurança devido a conflitos armados que ali tenham lugar, como bem se vê é um salto à vara sobre o texto constítucional.»
O Sr. José Lamego (PS). - É sim, senhor!
O Orador: - «Não querer voltar ao país de origem porque lá se violam os direitos humanos, sem que se lute contra isso e se seja perseguido por isso, parece realmente pouco para que se bata à porta do vizinho e se diga deixe-me viver aqui porque não gosto de viver acolá.»
E continua dizendo: «O direito de asilo, tal como eu o concebo não premeia a neurastenia e o desenfado». E continua: «Resumindo, continuo a preferir a versão genérica e maleável do texto constítucional e do projecto do meu partido (já lá vamos a ver qual é!) até porque mantenho sérias dúvidas sobre a constitucionalidade de alguns aspectos da concreta redacção do n.º 2 do artigo 1.º da proposta do Governo. Permito-me Ter algumas dúvidas sobre se se trata de uma ampliação ou de uma deturpação do conceito de asilo que se encontra consagrado na nossa Constituição. Tenho dúvidas de que este praeter constitucional não seja verdadeiramente inconstitucional.»
Mas deixe-me citar um pouco mais ainda, porque então no passo seguinte, Sr. Deputado Almeida Santos, é que não posso ter algumas dúvidas, enfim, é uma interpretação jurídica, certamente douta, como são sempre aquelas que faz, mas na parte seguinte, que é de afirmação política, tem o meu apoio a 100 %.
Vou ler, para todos os Srs. Deputados ouvirem. Diz o seguinte: «Na verdade, estaremos ainda no âmbito do conceito de asilo previsto na nossa Constituição ou inventámos aqui um tipo que não é asilo? É apenas o facto de um indivíduo nos bater à porta e dizer que quer viver em Portugal, como qualquer estrangeiro que,
No fundo, vem viver para o nosso País, não como refugiado, não têm, a meu ver, ou têm muito pouco que ver, com o esquema previsto na Constituição, e em vez de ser um prémio é uma actividade em prol de determinados valores políticos seria o prémio a uma fuga de uma situação incómoda para uma situação mais cómoda. Eu não gostaria» (diz, a terminar, o Sr. Deputado Almeida Santos, e eu refiro que também não) «de ver o instituto de asilo totalmente esvaziado do seu significado político, esvaziado do que nele há de prémio por aqueles que se esforçam por lutar por valores em prol da liberdade, dos direitos, etc.»
Sr. Deputado Almeida Santos, não posso estar mais de acordo com o que diz!
Aplausos do PSD.
Mas sabe qual é o drama deste debate? É que a nova lei, Sr. Deputado Almeida Santos e Srs. Deputados do Partido Socialista, que merece tantas críticas nesta matéria, não é mais do que isto: continuar a tratar estes casos como excepcionais - que não são, formalmente, porque nunca foram, casos de asilo -, e outorgar um título de residência e um documento de viagem. Isso é tudo o que faz a nossa lei, que em nada apresenta a menor diminuição em relação aos benefícios que nós, em situações semelhantes e no
Página 3197
19 DE AGOSTO DE 1993 3197
âmbito da lei actualmente em vigor, outorgamos. Não é nem mais nem menos! E, depois - segundo aspecto -, deixa ao ministro, à Administração, o cuidado de ver qual é a solução a dar ao pedido de asilo político, o que me parece ainda estar de acordo com o Sr. Deputado Almeida Santos, naquela altura, também dizia «os Estados gostam de colocar-se na situação de conceder asilo por razões humanitárias numa base de mais ou menos irrestrita voluntariedade e não porque ao indivíduo que lho solicita assista um direito subjectivo de o obter De outro modo» - continuava o Sr. Deputado Almeida Santos - «deixaria o asilo de depender de uma decisão política e há como que um ciúme a impedir os políticos de abrirem mão dessa prerrogativa de generosidade, para não dizer salvaguarda de prudência ». A isto, que hoje os Srs Deputados José Lamego e José Magalhães chamam de «perspectiva policial e de ordem pública do Governo»,..
O Sr. José Magalhães (PS) - Exacto!
O Orador: - o Sr. Deputado Almeida Santos chamou, em 1980, quando se fez o debate da lei que está em vigor, «salvaguarda de prudência», o que é diferente.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - É isso mesmo!
O Orador: - Devo dizer-lhes - e, Sr Deputado Almeida Santos, é a si que me dirijo concretamente neste momento - que, em minha opinião, o drama de toda esta questão é extremamente simples - residiu - ou residirá - num esquecimento que, certamente, não é seu apanágio, mas que teve.
O Sr. Deputado Almeida Santos é velho nesta Casa, é Presidente do Partido Socialista, é líder parlamentar e só se esqueceu de uma pequena coisa, que era decisiva e que unha mudado o curso da História em relação a todo este debate: de chamar os Srs. Deputados José Magalhães e José Lamego e dizer-lhes «meus caros amigos, os senhores são ainda novos nesta Casa e quando forem falar desta questão do asilo não se esqueçam do que eu disse em 1980»
O Sr. José Magalhães (PS): - E o Presidente da República?!
O Orador: - Leiam as actas da Assembleia, pois está lá tudo. E olhem que eu não penso de maneira diferente!
Se o Sr. Deputado Almeida Santos o tivesse feito, tinha poupado ao País isto tudo. Mas, enfim, paciência! As coisas são o que são.
Aplausos do PSD
Por isso, Srs Deputados, o que eu gostava era de debater estas questões - vão perdoar-me, mas digo isto com todo o respeito que tenho, intelectual e político, pelos Srs. Deputados José Lamego e José Magalhães - com o Sr. Deputado Almeida Santos, com o Sr. Deputado Jaime Gama, com o Sr. Deputado Eduardo Pereira.
O Sr. José Magalhães (PS): - E vai debater!
O Orador: - Com eles é que eu gostaria de debater este assunto, pois são eles que conhecem, a História do PS nesta matéria. E noutras, como é evidente!
O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães ainda não teve tempo de recapitular tudo!
O Orador: - Srs. Deputados, qual a razão da crítica que nos fazem1 Sabem qual era o projecto de lei que o PS propunha para o asilo por razões humanitárias? Nenhum1 A Câmara não sabe, mas tenho de dizê-lo e os Srs. Deputados vão perdoar-me. Sobre asilo por questões humanitária, folheei todo o documento, voltei atrás, não me tivesse enganado, vi as epígrafes, vi o conteúdo dos artigos e nada1 Não está cá nada! Sobre asilo, por questões humanitárias, zero. Não consta cá nada disso.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Oh!...
O Orador: - E sabem os Srs. Deputados quem assina este projecto de lei? O primeiro subscritor é o Dr. Mário Soares!
Vozes do PSD: - Ah!..
O Orador: - O segundo é o Dr. Salgado Zenha.
Vozes do PSD: - Ah!..
O Orador: - ... terceiro é o Dr. Almeida Santos,...
Vozes do PSD: - Ah'...
O Orador: - o quarto é o Deputado Manuel Alegre, a que se seguem os Deputados Herculano Pires, Carlos Laje, José Luís Nunes, Marcelo Curto e António Esteves.
Foram estes os Deputados que assinaram este projecto, que em matéria de asilo por razões humanitárias tem zero, ou seja, não tem nada! Bem podemos folheá-lo que não encontramos nada..
Risos e aplausos do PSD.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isto é o que se chama vir a banhos!
O Orador: - Uma outra crítica que aparece nos jornais - e fizeram-na já aqui -, que também releva deste aspecto da falta de humanitarismo do Governo do PSD, tem a ver com o artigo 5.º desta proposta de lei, onde, acerca daqueles que podem ser abrangidos, extensivamente, pelo asilo concedido, dizemos que «podem ser abrangidos o cônjuge e os filhos», mudando a redacção do actual artigo 6.º, que dizia «devem ser abrangidos...». Portanto, mudámos um «devem» por um «podem» e tanto bastou para os senhores encontrarem, mais uma vez, um aspecto em que a crueldade inumanitária do Governo veio à flor da pele.
Realmente é verdade que na nossa proposta de lei mudámos a palavra «devem», que estava na lei anterior, a que ainda hoje vigora, pela palavra «podem». Mas, já agora quero dizer-lhes que me inspirei no Partido Socialista e no Dr. Almeida Santos.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - O Dr. Almeida Santos é uma escola!
O Orador: - Nesta matéria, dei-lhe razão - considerei que ele a tinha e que, portanto, devia colher esse ensinamento -, porque, compulsando o vosso projecto de lei, vi que o vosso artigo 6.º...
Página 3198
3198 I SÉRIE - NÚMERO 96
O Sr. José Magalhães (PS): - Treze anos depois?
O Orador: - Isto é fundamentalíssimo, Sr. Deputado José Magalhães! Fui ver, com a atenção que acabei de dizer-lhes, o texto da vossa proposta e tendo verificado, sobretudo, quem eram os seus proponentes, isso não me causou qualquer relutância...
De certeza que isto é humanitário e, portanto, acolhi-o É que o artigo 6.º do vosso projecto, ao contrário do da AD de 1980, que veio a ser aprovada como lei, dizia «podem» em vez de «devem» e eu acolhi a sugestão!..
Dizia assim o texto do vosso projecto de lei: «Artigo 6.º - Extensão do asilo - Os efeitos do asilo podem ser declarados extensivos ao cônjuge e aos filhos menores.» Ora. peguei na vossa proposta porque me pareceu razoável e penso que tinham toda a razão no que escreveram. Mas - aquilo a que agora chamam inumanitário não é mais do que a vossa proposta e o vosso entendimento de então - ou, pelo menos, o entendimento da história mais profunda e dos maiores democratas do Partido Socialista e, portanto, não me causou qualquer rebuço aceitá-lo.
Srs. Deputados, no que toca à disciplina do direito de asilo, relativamente a esta proposta de lei podemos dizer o seguinte: em primeiro lugar, ela respeita a Constituição.
O Sr. José Magalhães (PS): - Falso!
O Orador: - ...em segundo lugar, pode dizer-se que respeita a generosa e humanista tradição que Portugal tem nesta matéria;...
O Sr. José Magalhães (PS) - Falso!
O Orador - ...em terceiro lugar - e isto tem de dizer-se -, ela respeita, em absoluto, a Convenção de Genebra e o Protocolo Adicional de Nova Iorque.
O Sr. José Magalhães (PS): - Outra falsidade!
O Orador: - Creio que isto são adquiridos que temos de ter em consideração neste ou em qualquer outro momento deste debate.
Relativamente às críticas que fizeram ao grande inumanitarismo que o Governo tem, quero concluir dizendo que ninguém pode julgar-se - pelo menos ninguém tem esse direito - mais defensor dos Direitos Humanos do que o Governo. Igual está bem, mas mais não! Ninguém tem esse direito.
Em segundo lugar, ninguém tem o direito de, em matéria de asilo - ou de razões, pelo menos -, estar preocupado Aqueles que forem verdadeiros perseguidos políticos, que tiverem razoes fundadas para pedirem asilo político a Portugal, ao abrigo desta lei tê-lo-ão tanto como o tinham ao abrigo da lei anterior.
Em conclusão, devo dizer que, em matéria de humanitarismo, as coisas são o que são e, então, podemos dizer que, nesta matéria: Governo 1 - Partido Socialista 0! É isso que temos de concluir, penso que inevitavelmente!
Risos do PSD
Mas, depois, há uma outra parte, de que falei também há pouco, que é importante. Refiro-me à que visa dotar o País de legislação eficaz para lutar contra a imigração económica, que pretende usar, abusivamente, a porta do asilo, o que nos causará cada vez mais problemas, como está a causar em todos os países europeus.
O problema, Srs. Deputados, é extremamente simples. Nos países da Comunidade Europeia, em 1993, houve quase 700 000 pedidos de asilo, que são, obviamente, imigração económica e quem não quiser ver isto não quer ver a realidade!...
Ainda ontem o embaixador romeno, insuspeitíssimo, dizia - e peço perdão por citá-lo - a um semanário português que os refugiados romenos que para aqui vêm não são asilados políticos mas, sim, imigrantes económicos.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - O que é que ele havia de dizer?!..
O Orador: - Não ver isto é não ver uma evidência.
Nenhum dos Srs. Deputados terá a ousadia de dizer que a Alemanha não é democrática, que o Reino Unido não é democrático, que a Espanha não é democrática, que estes países não se regem por padrões humanitários e de solidariedade e que é por isso que, relativamente ao volume de pedidos de asilo que têm, as suas taxas de concessão são diminutas.
Vou dar-lhes alguns números, concretíssimos, sobre essa matéria: em Espanha, no ano de 1992; do montante de pedidos de asilo apresentados foram aceites 4,7 %; no Reino Unido foram aceites 2,7 %; na Alemanha, 2,25 %; em Portugal - e os números que temos são de 1991 - 4,7 % . E mesmo no governo do bloco central, em que os senhores participaram connosco, no ano de 1984, 151 pessoas pediram asilo ao nosso país e ele foi concedido apenas a seis.
Portanto, estamos todos de acordo nesta matéria e não digam que somos - porque se não somos todos, uns e outros - inumanitários, que não somos solidários. Nada disso! O problema é que temos todos - e quando estiveram no Governo os senhores também tiveram - descernimento para distinguir o que é asilo de imigração económica.
Portanto, Srs. Deputados, sobre esta matéria, aqueles que usam, falsa e indevidamente, a porta do asilo, são, de facto, imigrantes económicos. E, assim sendo, o problema tem de ser tratado como de imigração e não de asilo.
Admito que o Sr. Deputado g toda a oposição, incluindo, neste caso, o CDS-PP, possa discordar da nossa política de imigração, mas ocorre que tivemos aqui um debate, proposto por mim próprio, sobre esse tema e era aí que devíamos ter falado sobre este problema. Mas, nessa altura, os senhores, por razões que eu respeito, estiveram calados. Disse-lhes, então, que estava disponível para vir mais uma vez ao Plenário debater a política de imigração e agora peço-lhes, por amor de Deus, que percebam esta questão: o que está em causa não é o asilo político mas sim a imigração.
Se não estão de acordo com a política de imigração, muito bem! Esta é a nossa posição e os senhores terão outra. Querem debatê-la de novo connosco? Estamos dispostos a vir aqui fazê-lo. Mas, repito, este é um problema de imigração é tem de ser tratado à luz de uma política de imigração e aquilo que eu fiz - e espero que com suficiente clareza -, quando aqui vim para o debate, que ocorreu nos moldes que todos sabemos, foi dizer à Câmara e ao País qual era a política de imigração do Governo, que tem, pelo menos, um mérito: a de ser uma política que preenche um vazio, porque ela não existia nem nunca tinha existido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Deixei aqui, com toda a clareza, os princípios dessa política. Disse, neste Plenário, que Portugal
Página 3199
19 DE AGOSTO DE 1993 3199
tem hoje uma população imigrada de cerca de 250 000 pessoas e que o objectivo do Governo é a sua integração - podia ser outro, mas não é -, ou seja, que esses imigrantes se integrem no mercado do emprego, que tenham acesso à habitação, à saúde, à educação e à protecção social Se não for assim, Srs. Deputados, se os empurrarmos para ghettos, estamos a atira-los para a marginalidade e a arrastar o País para a insegurança E isso, com a nossa conivência, não será feito. Esta é a nossa política.
Aplausos do PSD.
É por isso e só por isso que não tratamos essa imigração - e podíamos tratá-la, outros países fizeram-no - como de mão-de-obra, para nos servir nos momentos que melhor nos convenham, mas sim como uma imigração que queremos integrar, pelo menos, social e economicamente e porventura mesmo, daqui a algum tempo, em alguns aspectos e a algum nível, politicamente.
Agora, Srs. Deputados, reparem se temos de integrar em Portugal, desta maneira, os imigrantes que temos, como é que podemos abrir a porta do asilo a mais imigrantes, que viriam criar dificuldades à integração de toda esta gente? Quer dizer, como é que nós, deixando entrar esta gente pela via do asilo, quando se trata, de facto, de imigrantes, vamos dar emprego, habitação, saúde, educação e protecção social a todos? Como é que isto é possível se todos os dias tiramos dez pessoas de barracas, pondo-as em casas, e, no mesmo dia, à noite, entram no País, pelo lado do asilo, mais 20, que vão instalar-se em novas barracas? Como é que podemos resolver um problema destes?... Deste modo não tem resolução!
Srs. Deputados, isto só tem uma solução: cuidar primeiro de integrar os imigrantes que temos e depois, se Portugal puder, um dia, acolher mais, nessa altura acolhe-los-á. Outra política, nesta matéria, é uma perfeita irresponsabilidade - desculpem-me que o diga com esta crueza.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, nesta matéria temos de ser muito claros e muito determinados, porque ela nem sequer depende apenas e só do Governo Trata-se de um esforço nacional para que haja emprego, habitação, educação, saúde e segurança social pára os portugueses e para os estrangeiros que cá residem legalmente e não podemos meter a cabeça na areia.
Sabemos que somos um País - e não podemos esquece-lo - onde há ainda portugueses e estrangeiros que vivem em barracas, que não têm habitação, somos um País onde há portugueses e estrangeiros que não têm ainda emprego. Não podemos pensar que somos um outro país qualquer, que pode receber milhares ou centenas de milhar de estrangeiros sem resolver estes problemas, que afectam tanto os seus nacionais como os estrangeiros que cá residem legalmente. Assim, perdoem-me a repetição mas, nesta matéria, outra política é a mais total irresponsabilidade Ela ma dar, em linha recta e a curto prazo - e oxalá eu me enganasse -, à exclusão social, à marginalidade, à xenofobia e ao racismo.
Srs. Deputados, os senhores podem ter lindos discursos acerca da xenofobia e do racismo; todos nós podemos fazer lindíssimas declarações a condena-los, mas se não adoptarmos políticas correctas, mais cedo ou mais tarde - e, se calhar, mais cedo do que mais tarde -, vamos ter de enfrenta o problema. Certamente não é com política de Estado que ele se resolve, pois já não há Estados racistas ou xenófobos. Mas há manifestações de cidadãos racistas e xenófobas e se nós não tivermos a política correcta, a que pode impedi-las, aqui ou na Europa - porque o discurso que estou aqui a fazer tenho-o feito aos meus colegas nos conselhos de ministros europeus -, nada conseguiremos.
Estou cansado de fazer declarações condenando o racismo e a xenofobia sem que, no entanto, a nível europeu, se tenha sido capaz de aprovar os instrumentos de luta - a Convenção de Dublin, nomeadamente, a convenção da passagem das fronteiras -, guando isso é o importante e quando é essa a política a seguir.
Srs. Deputados, condenar seria muito fácil, mas nem os discursos bonitos ou as palavras mais lindas seriam capazes de evitar esta situação. A única maneira de consegui-lo é esta via e não existe outra.
Mas há ainda um outro aspecto que quero realçar. Quando aqui definimos a política de imigração do Governo, dissemos com clareza - e penso que isso é inatacável - que, para nós, ela tinha prioridades. Isto é, se, em Portugal, houver lugar para que novos estrangeiros possam ser recebidos e aqui trabalhem, integrando-se, realizando-se e tendo condições de vida dignas, então temos alguns espaços a que damos prioridade. E a prioridade que aqui foi definida pelo Governo foi muito simples: nessa matéria, são prioritários aqueles que falam português, que provêm de países que têm connosco laços muito antigos, onde há também condições de vida muito difíceis, onde há também uma grande aspiração de saída. Nesses países há pessoas que querem vir trabalhar para Portugal ou para a Europa, afim de aí conseguirem realizar-se melhor. Por isso decidimos que, se tivermos possibilidade, é a eles que queremos acolher prioritariamente.
Srs. Deputados, acho que essa política de Portugal é mais do que correcta, é compreensível para os nossos parceiros comunitários e é compreendida pelo concerto das na* coes do mundo, como não pode deixar de ser!
Srs. Deputados, com que razão estamos a receber, pela via da imigração - como já recebemos, em 1993 -, romenos e zairenses, que são 68 % dos que nos pediram asilo, e por que é que havemos de torna-los imigrantes legais em Portugal, esquecendo, se tivermos lugar, os angolanos, os moçambicanos, os cabo-verdianos, etc.? Por que é que não respeitaríamos essa prioridade?
Aplausos do PSD.
Esta é, no meu ponto de vista, a única política de imigração correcta e a que o País deve seguir, porque esta política de integração dos estrangeiros que cá estão não só é boa para Portugal e para os portugueses como também para os estrangeiros que cá vivem. Uma política irresponsável seria má para todos, para nós, para os que já cá estão e para os que viessem.
Por isso, Srs. Deputados, gostaria muito de ver toda a comunidade defender estes princípios, como gostaria de ver, por exemplo, as associações de imigrantes, que procuram ter os seus direitos, juntarem-se a nós neste combate, que não é fácil pois é o combate por 'uma casa para todos, por trabalho para todos, por saúde e educação para todos, mas é que vale agora a pena travar. Mais tarde, quando isto estiver feitoro País pode pensar diferentemente. Nessa altura, o País poderá pensar na possibilidade de ver a quem é que pode abrir as portas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Como é evidente, esta é a política do Governo. Naturalmente, há outra política,
Página 3200
3200 I SÉRIE-NÚMERO 96
se calhar mais fácil de «vender», mas não é tão boa, é pior. Se calhar, é um produto mais barato, mas não é tão bom.
Esta política, tanto do meu ponto de vista como no do Governo, é a única que Portugal pode seguir. Há outra, mas essa não tem o nosso acordo e quero deixar aqui muito claro que tudo aquilo que tem vindo a ser defendido por ilustres articulistas, membros da direcção, do secretariado, etc., do Partido Socialista, não tem o nosso apoio Estamos em total e franca discordância
Nesta matéria, há que separar as águas Nós pensamos deste modo. o CDS-PP pensa mais ou menos como nós e o Partido Comunista e o Partido Socialista pensam muito diferentemente de nós. E eu, por todos os que não pensam como nós, quero, para que o País o saiba, acabar a minha intervenção com mais uma citação. E agora não é sua. Sr Deputado Almeida Santos, é do Sr. Deputado António Costa e foi publicada num jornal do passado dia 10.
Para nós, este problema tem uma dimensão urgente, é um problema importante em Portugal e o Partido Socialista, pela voz do Deputado António Costa, que, nesta matéria, é quase o seu porta-voz, pensa diferentemente.
Diz o Sr Deputado António Costa o seguinte! «mas é um problema com as dimensões que tem e não mais do que isso Em Portugal, os estrangeiros são 2,5 % dos residentes, contra 7 % na Alemanha ou em França, 9 % na Bélgica, 20 % no Luxemburgo » Com isto, quer ele dizer que, em Portugal, a situação ainda não é problema, que a integração dos que cá estão e fácil, pois podemos integrar estes e, se calhar, ainda mais meio milhão, de um momento para o outro.
Não pensamos assim e isto representa a postura mais tradicional, mais idiossincrática, do Partido Socialista. É aquilo que vai mais ao encontro da vossa História, porque o PS normalmente, quando considera que os problemas são grandes e complexos, tem a seguinte postura: isto é tão grande e tão complicado que o melhor é não lhe mexer. Não podemos agora mexer-lhe.
Risos do PSD
Quando os problemas ainda são pequenos, dizem assim eles são pequenos ainda, vamos deixa-los avolumar porque, então, tornam-se grande e complexos e depois já podemos resolve-los
Isto é a vossa política de sempre!
Risos e aplausos do PSD
Nesta matéria é esse o vosso refúgio. Mas, como sabem, esse não é, de modo algum, o nosso caso. A nossa História é a de encarar os problemas e resolve-los - sobretudo porque o queremos fazer -, em qualquer tempo, não os deixando avolumar para depois a sua resolução não ser muito mais difícil.
Srs. Deputados, termino com mais uma citação, sem a comentar. Agora não lhe farei qualquer comentário e serão as minhas últimas palavras. Porém, essa citação é a dimensão da diferença, é bem reveladora da diferença entre a nossa postura e a nossa política nesta matéria e a do Partido Socialista Porque, Srs. Deputados, este debate não é jurídico mas sim, político, é um debate de políticas e nada mais do que isso Portanto, para verem bem a dimensão da diferença entre a nossa e a vossa política, termino sem um único comentário
Vou citar uma frase do Deputado António Costa, retirada de um artigo publicado num jornal do dia 10, que dá bem a dimensão de como estamos separados em toda esta matéria - separados politicamente, com políticas diferentes -, e com ela termino a minha intervenção.
Dizia o Sr. Deputado António Costa- «o Governo devia saber que, quando acabou com a imigração legal, estava a fomentar a imigração ilegal »
Aplausos, de pé, do PSD
O Sr Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se Srs Deputados António Guterres. Almeida Santos, Mário Tomé, José Lamego, João Amaral, Raúl Castro, José Magalhães, Nogueira de Brito e Manuel Sérgio.
O Sr Duarte Lima (PSD). - Só?!
O Sr. Silva Marques (PSD): - A oposição hoje veio a banhos!
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Eu também pedi a palavra!..
O Sr Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma questão, que tem de ser tratada com seriedade e sem mistificações
Aplausos do PSD.
O discurso do Sr. Ministro Dias Loureiro é uma completa mistificação a este respeito
Vozes do PS: - Muito bem!
Vozes do PSD: - Oh!...
O Orador: - O Sr. Ministro fez várias citações, foi pena que não se tivesse dado ao trabalho de citar as sucessivas intervenções que, sobre esta matéria, eu próprio, no último ano e meio, fiz naquela tribuna,..
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ...porque há muito tempo que o Partido Socialista e que eu próprio estamos profundamente preocupados com a situação que este Governo tem gerado em Portugal, uma situação que, em minha opinião, reiteradas vezes afirmada nesta Câmara perante a vossa indiferença, pode estar a conduzir este país a uma situação grave, de confronto no seio da sociedade portuguesa, que deve ser impedida.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É necessário dizer que se hoje existem, em Portugal, mais de 200 000 estrangeiros eles entraram, na sua esmagadora maioria, clandestinamente e durante os governos do PSD dos últimos anos.
Aplausos do PS.
E a única razão por que eles entraram clandestinamente reside na vossa indiferença, até porque eram uma massa de mão-de-obra necessária a uma política de obras públicas feita para a obtenção do voto
Aplausos do PS.
De facto, com os senhores no Governo, eles trabalharam ilegalmente, em situações dramáticas e criando até con-
Página 3201
19 DB AGOSTO DE 1993 3201
dições para tornar muito mais séria a situação dos trabalhadores portugueses Na verdade, eles trabalharam nas obras públicas que os senhores mandaram fazer e a prova evidente do que digo é o Centro Cultural de Belém.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas os senhores nunca se preocuparam em regularizar a entrada de imigrantes, em ter para com eles uma política de integração social. Quantas vezes, ali daquela tribuna, reclamei para que não houvesse discriminações nos planos do emprego e da habitação!
Protestos do PSD
Srs. Deputados do PSD, agora, façam o favor de ouvir, porque este problema é sério e tem de ser tratado com seriedade!
Aplausos do PS.
Neste sentido, o PS apresentou, nesta Câmara, um projecto de lei sobre habitação social que foi esquecido pelo PSD. E mais grave do que tudo isto é o problema dramático da segunda geração de imigrantes, que não tem qualquer apoio pedagógico nas nossas escolas, o que está a conduzir a níveis terríveis de insucesso e de abandono escolar Perante isto, várias vezes, há cerca de ano e meio, temos reclamado medidas urgentes para resolver este problema, sem qualquer êxito em face da vossa total indiferença.
Aproveito para referir que eu mesmo, sem fazer alarde nos órgãos de comunicação social - pois se o tivesse feito, muitas pessoas lenam medo de falar comigo -, visitei vários bairros da periferia de Lisboa, onde vivem muitos dos que, hoje, trabalham neste país, e verifiquei que os jovens, entre os 10 e os 13 anos, reagem de forma negativa à escola portuguesa, porque não se sentem adaptados a ela.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E nós que reclamamos, e bem, para os nossos emigrantes, para os filhos dos portugueses que estão, no estrangeiros, medidas especiais de apoio pedagógico, com os senhores no Governo, durante oito anos, não fomos capazes - e devo dizer-lhes, com sinceridade, que isto é algo de que eu como português me envergonho - de encontrar uma política pedagógica adequada para resolver os problemas da segunda geração de imigrantes em Portugal.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Agora, que é tarde, é que os senhores acordaram! E por que é que acordaram? Pela mesma razão por que estiveram adormecidos durante os últimos anos, ou seja, porque a vossa política tem apenas o seguinte denominador comum, onde os senhores virem um voto, mesmo se ele estiver no fundo do mar, vestem o escafandro para tentarem apanhá-lo.
Risos do PS
A questão é tão só esta- há alguns anos atrás, de 1985 a 1988 e até 1992, este tema não estava ainda desperto na opinião pública. Com efeito, que estivessem cá 250 000 imigrantes a trabalhar em condições dramáticas, não era problema para vós! Que os filhos desses imigrantes não tivessem integração pedagógica, não era problema para vós! Que fossem discriminados no emprego ou na habitação, também não vos preocupava! Que isso começasse a criar problemas de insegurança nas ruas, nomeadamente na periferia da grande Lisboa, não tinha qualquer problema! Mas quando, em termos de opinião pública, se começou a gerar, e compreensivelmente, alguma preocupação por estes temas, quando em toda a Europa começou a soprar um vento de xenofobia e de racismo, então, nessa altura, os senhores acordaram. Mas, mais uma vez, só acordaram para uma coisa, isto é, para restringir a entrada dos imigrantes e não acordaram ainda para aplicar as medidas que, desde há um ano a esta parte, aqui tenho reclamado, em matéria de integração social, que não está a ser feita, dos que hoje connosco vivem, porque somos o único país da Europa que...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, solicito-lhe que conclua o seu pedido de esclarecimento.
O Orador: - Sr. Presidente, estou a terminar!
Com efeito, somos o único país da Europa que não tem uma Secretaría de Estado ou um alto comissariado para a imigração, que não tem políticas sistemáticas, globais, coerentes, organizadas, ligando a habitação, a educação e o emprego, para harmonizar a integração dos imigrantes na nossa comunidade nacional.
E por isso que lhe dizemos, Sr. Ministro, com toda a clareza: nós somos por uma política de imigração cuja preocupação seja a de que a sociedade portuguesa integre aqueles que revelem condições de integração nessa sociedade.
Ora, neste aspecto, Sr. Ministro, o seu discurso de hoje copia aquilo que tenho dito, ali, daquela tribuna. Só que é um discurso que nada tem a ver com a política que o seu Governo tem utilizado. Os senhores acordaram tarde para virem agora, aqui, repetir algumas coisas que já há muito tempo venho dizendo. Só é pena é que não tenham acordado para, na prática, fazer aquilo que há muito tempo recomendo que seja feito.
Quanto ao resto, o que importa, em matéria de asilo, é que sejam criados os mecanismos legais e jurídicos que respeitem a ordem constítucional e os direitos daqueles que, legitimamente, pretendem asilo político. Há algumas modificações a fazer na lei a esse respeito, espero que o Governo, em vez de vir para aqui com mistificações e demagogias à procura do tal voto no fundo do mar, esteja disposto a discutir esta questão com seriedade, até porque a questão da comunidade imigrante em Portugal é hoje, porventura, uma das questões centrais para a coesão social do nosso país no futuro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, é com muito prazer que lhe respondo e começo por dizer que só gosto de discutir questões sérias e faço-o sempre seriamente Quando o senhor diz que esta é uma questão séria. estou completamente de acordo.
Mas, deixe-me dizer-lhe que ao ouvir a sua intervenção - que, aliás, respeito e penso que até lhe fica bem como líder partidário - entendi que teve de «cozer», numa única
Página 3202
3202 I SÉRIE-NÚMERO 96
intervenção, as intervenções tão díspares que, sobre esta matéria, já tem sido feitas por elementos do Partido Socialista, nomeadamente pelos Srs. Deputados Almeida Santos, José Magalhães, José Lamego, António Costa e Fernando Sá. Aquilo que disse aqui, hoje, não tem nada a ver com o que os seus colegas já disseram sobre esta matéria. E, mais, o único modo que encontrou para «cozer» toda essa disparidade de opiniões foi dizer, «a nossa política também é, finalmente, a política da integração1» Só que não tirou as conclusões que eu, tirei, porque, Sr. Deputado, é preciso tirar conclusões!...
Na verdade, o Sr. Deputado não pode dizer que quer uma política de integração e, simultaneamente, estar contra esta lei Não pode querer uma política de integração e, simultaneamente, não ter votado a favor da ratificação do Decreto-Lei n º 59/93, de 3 de Março, relativo a esta questão. Não se pode querer uma coisa e fazer o contrário!
Acredito que o Sr. Deputado tenha uma atitude muito séria sobre esta matéria, mas o seu partido tem uma miscelânea de ideias sobre ela. E o senhor não pode querer defender o que nós defendemos, a integração - que é, de facto, um problema seno que queremos resolver, assim como todos os outros que podem advir dele, como a xenofobia, o racismo e outros, isto é, uma legião imensa de problemas -, se não adoptar a terapêutica necessária. Ora, esta terapêutica são as leis que o PS sempre rejeitou. O PS está contra esta lei como já esteve contra a lei aprovada em Março de 1993
E se não aprovam esta lei, tal como já não aprovaram a de Março de 13 - felizmente aprovada pelo PSD - o que acontece é que a integração que o senhor quer e eu também é muito mais difícil, porque integramos 10 imigrantes por dia e entram mais 30 e o Sr. Deputado não tem a política que lhe permita fazer o que necessita.
Por outro lado e já que fala do voto, dizendo que a nossa política é motivada por ele, posso esclarece-lo de que não é assim e a prova está em que ainda há pouco tempo procedemos à legalização extraordinária de imigrantes, o que significa que queremos a integração e estamos a dar passos importantes para que ela se concretize.
Mas, ainda a propósito dos votos, gostaria de perguntar-lhe. quando é que o PS se preocupou com esta matéria9 E posso até já dar-lhe a resposta: nas véspera das eleições de 1991 Quando é que o Partido Socialista integrou nas suas listas um cidadão que é presidente de uma associação de imigrados? Foi nas eleições de 1991! E, curiosamente, para que é que o integrou? O cidadão em causa foi o Deputado Fernando Sá e, certamente, o PS integrou-o nas suas listas por razões eleitorais, pois se pretendesse integrar alguém conhecedor destes problemas e capaz de os discutir com a ciência própria de quem os vive, ele estaria hoje, aqui, neste debate, e não está!
Aplausos do PSD
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra
O Sr. Presidente: - Para que afeito, Sr. Deputado?
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, pela importância que tem este tema e este debate, solicitaria à Mesa que me permitisse usar da palavra, neste momento, através da figura regimental de defesa da honra, estando convicto que é do interesse de todos que as dúvidas que possam existir sobre uma matéria desta delicadeza e importância sejam esclarecidas, em termos de um debate vivo e eficaz.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, entendo que o debate não termina neste momento, pelo que V. Ex.ª, assim como o Sr. Deputado António Costa, que já solicitou a palavra para o mesmo efeito, poderão usar da palavra no fim do debate.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr Presidente, gostaria apenas de dizer que, obviamente, não vou responder à mistificação do Sr Ministro daqui a três horas, pelo que retiro a minha inscrição para usar da palavra!
Protestos do PSD
O Sr Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, um breve protesto por não ter permitido aquilo que tem sido consentido muitas outras vezes. O imeadiatismo da reacção é um valor na actividade parlamentar.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, muito brevemente, como tem de ser, gostaria de dizer que V. Ex.ª compreendeu perfeitamente que só me elogia quando discorda de mim e, por isso, concordou para me criar um embaraço. Pena é que o Sr. Ministro não tenha interpretado a minha intervenção na sua globalidade, como tinha a obrigação de a interpretar, ou seja, a defesa do asilo como uma garantia constítucional, em vez de querer que essa garantia, enquanto tal, pudesse ser posta em dúvida pela faculdade de conceder o asilo. Em meu entender, o asilo facultativo pode pôr em causa a pureza da garantia constítucional. Foi isso exactamente que quis significar e sempre pensei que o Sr. Ministro viesse aqui não para se felicitar por concordar comigo, nesse troço destacado do conjunto da minha intervenção, mas para se desculpar junto do seu grupo parlamentar de ter, neste texto, discordado de Sá Carneiro
A verdade é que o texto foi aprovado pela globalidade deste Parlamento e o problema está em saber por que é que agora é alterado. Lembro que acabei por votar a favor da faculdade, embora não concordando com a formulação, mas, enfim, votei em conjunto com o meu grupo parlamentar, e gostaria de saber por que é que se altera agora o que foi aprovado.
Não posso também deixar de evidenciar que a segunda parte da sua intervenção não tem nada a ver com uma intervenção de quem interpreta, compreende e aceita o asilo como uma garantia constítucional. Não tem a sua intervenção como também não tem o texto que aqui nos vem propor, em que a garantia constítucional como direito fundamental, liberdade e garantia se esfuma em faculdades. E sabe por que é que, naquela altura, já reagi contra a faculdade, porque sei como os senhores gerem as faculdades Gerem-nas por forma discriminatória, pois aqui mesmo o Sr. Ministro nos disse que faz discriminações pela origem nacional dos peticionantes. Disse-o aqui! E, neste sentido, tenho de lhe perguntar que quota dá ao Zaire, a Angola, a Moçambique, ou que quota dá a qualquer outro país?! Esse é que é o problema. Sr. Ministro! Não há outro!
Vozes do PS: - Muito bem!
Página 3203
19 DE AGOSTO OE 1993 3203
O Orador - Assim, quanto à ideia que tem de garantia constítucional, não estou consigo! Já quanto ao aspecto de a faculdade poder comprometer essa garantia até estou, mas por uma razão completamente diferente daquela que o Sr. Ministro invocou.
Gostaria ainda de salientar que quero que a Constituição se cumpra e, por isso mesmo, o advirto de que este texto, ao contrário do que diz. ainda tem inconstitucionalidades graves e de texto, clarinhas como a água!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, tive o cuidado de ler a sua intervenção integralmente - está aqui à minha frente -, sublinhei até as partes que me pareceram mais importantes e posso salientar que no fundamental estou de acordo com ela, apenas com uma pequena diferença: estou de acordo com ela para os dias de hoje, pois, hoje, é que ela é necessária, em Portugal, uma vez que os problemas com que, actualmente, nos debatemos não são os mesmos que existiam em 1980. Passaram 13 anos! É por isso que lhe digo que naquela altura Sá Carneiro tinha razão e os senhores não tinham. Hoje, temos nós razão, mas os senhores não têm!
Protestos do PS.
E a razão é simples: estamos a viver momentos diferentes. Na altura, o problema nem em Portugal nem na Europa era o que é hoje e, por isso, o Dr. Sá Carneiro, o PSD, a AD puderam dizer! «devem estender aos filhos» mas hoje, em face da dimensão do problema, só podemos dizer: «podem». As condições são outras e a política faz-se com princípios, mas depois é necessário conhecer o terreno real que se pisa. É por isso que os senhores não tiveram razão nem num momento nem no outro, pelo que, neste aspecto, discordo do Sr. Deputado.
Quanto à questão crucial que coloca no sentido de saber se estamos ou não perante uma faculdade da Administração, é evidente que sim! O Sr. Deputado sabe que é, afirmou-o e tem de repetir outra vez. Nesta matéria, a Administração tem, de facto, uma faculdade que não é arbitraria. Tem de ser uma faculdade que decorre de uma política.
O problema das quotas a que o Sr. Deputado se referiu, não é correcto, pois trata-se apenas de pôr em prática uma política de prioridades que um Estado tem o direito de definir. A nós, portugueses, cabe-nos o direito de dizer: «agora, vamos ajudar mais estes!». Cabe-nos este direito, e isto não é ser arbitrário, pois o País, o Governo e a Câmara sabem com aquilo que podem contar. Aqui tem a diferença, Sr Deputado! Não falamos de quotas, mas de políticas. E é precisamente nesta matéria que têm faltado ao Partido Socialista ideias para encontrar uma política, que nunca encontrou, nem sequer uma voz que lhe desse corpo Tem tido muitas vozes para muitas políticas. Assim o País não pode viver e, nesta matéria como nas demais, também não pode ser governado dessa maneira.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo a Câmara que, de acordo com a solicitação do Sr. Ministro, a partir deste o momento, as respostas do Sr. Ministro serão dadas a um conjunto de três pedidos de esclarecimento.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, a discussão suscitada pelo veto do Sr. Presidente da República - e não me refiro a esta, mas à que ocorreu lá fora, espontânea, em que o Governo, em minha opinião, já ficou a perder - deu frutos.
A resposta do Governo ao veto político do Sr. Presidente da República revelou-se intrinsecamente quezilenta. Nem ao menos a alteração de uma vírgula o Governo se dispôs a ponderar, em nome do bom relacionamento institucional. De facto, as mesuras do Governo vão para outro lado Vão todas para Bruxelas, onde na manifesta dificuldade de construir uma Europa democrática, aberta e pacifica, se escolhe a construção de uma fortaleza eriçada e hostil.
A Comunidade Europeia é cada vez mais um conjunto de propostas e medidas incoerentes e falhadas e vê a salvação pela negativa. Ergue-se na defensiva como um bunker para quem os povos de outras paragens são apenas os despojados habitantes de territórios onde se fazem incursões, surtidas e até saques. A tão decantada aldeia global é apenas para as movimentações militares dos Estados Unidos e dos seus aliados europeus, para os especuladores das bolsas e os grandes negociantes mundiais.
Aos perseguidos e desalojados responde-se com o encerramento do castelo como se de peste se tratasse, em tempo medieval. Mas o mal está cá dentro e lembremo-nos do que disse Alberto Camus: «Elimina os alicerces morais e democráticos da sociedade através daqueles mesmos que ela designou para a governar». E esta proposta de lei que o Governo apresenta é exemplo disso. A frieza economicista, o à-vontade com que distorce o peso dos números e dos dados revelam a insensibilidade aos problemas humanitários e aos direitos humanos.
O Governo não se propõe apenas limitar o direito de asilo, nomeadamente por razões humanitárias, em Portugal, pois, de acordo com a Convenção de Dublin, ele contribui para a sua limitação em toda a Comunidade Europeia. Aliás, a articulação do arbítrio do Ministro da Administração Interna com a nomeação governamental de um Comissário Nacional para os Refugiados e as salvaguardas em nome da dita segurança nacional e de condições económicas e sociais, mais o facto de os recursos não terem forçosamente efeito suspensivo eliminam, na realidade, o direito de asilo, tornando-o numa concessão arbitrária e, como o Sr. Ministro disse, a favor de uma ou de outra política sem ter em conta os grandes princípios dos direitos humanos.
O Governo estimula os sentimentos mais egoístas, a xenofobia e o racismo. Lê os manuais de Le Pen, repetidos com mais jeito por Balladur, Chirac e outros. Por isso, o PSD não apoiou o meu voto - aliás, aprovado pela Assembleia - aqui apresentado em 20 de Outubro, condenando a realização, em Portugal, de uma reunião de extrema direita comandada por Le Pen, e em que através desse voto se solicitava ao Governo para a proibir. Infelizmente, também o Partido Socialista se absteve nessa votação.
O desemprego que acomete a Europa tem as mesmas causas que provocam a miséria, as guerras e a violação dos direitos humanos no Leste europeu, na África e em outras regiões. O Governo esquece que há milhões de portugueses que foram para o estrangeiro à procura de emprego e alarma os portugueses com alguns milhares de pedidos de asilo, que entre o político e o humanitário, foi concedido apenas a oito em 535 pedidos, em 1992, através da lei que é considerada permissiva.
Página 3204
3204 I SÉRIE-NÚMERO 96
O problema da imigração e do asilo não se resolve com medidas que ignorem os direitos humanos. Essa é uma visão bárbara, tacanha, egoísta que, infelizmente, está a grassar na Europa e no mundo, onde os valores humanistas estão a ser postos em causa, mas em que o Papa a eles faz apelo, e onde os fundamentalistas islâmicos tentam aglutinar a vontade dos espoliados do progresso.
Ora, não seria o momento de Portugal, aproveitando a sua História e a sua experiência, tomar uma posição de primeiro plano como proponente, pela Comunidade Europeia, de medidas solidárias, humanistas e de acção concreta, na melhoria das condições económicas e sociais que estão na origem da imigração e dos pedidos de asilo? Esse sim, Sr. Ministro, seria o instrumento para lutar contra a imigração, não aquele de que o senhor se quer servir!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.
O Sr. José Lamego(PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, aquando da discussão do pedido de autorização legislativa, advertimo-lo da importância desta questão e criticámo-lo pelo facto de ter agendado esta matéria em conjunto com a que se referia a alterações ao Código da Estrada e ao regime das infracções fiscais aduaneiras para discussão apenas numa manhã. De facto, os senhores só atribuíram importância política a esta questão depois do veto político do Sr. Presidente da República e como elemento de uma estratégia de dramatização do conflito institucional. A partir daí é que esta questão assumiu outras dimensões.
Ora, uma vez que as considerações políticas já foram feitas, gostaria apenas de lembrar que na intervenção de fundo que nessa reunião o Sr Ministro fez não respondeu a qualquer questão fundamental que o Partido Socialista lhe dirigiu e entreteve-se a fazer uma dicotomia entre as pessoas que têm responsabilidade e as que se movem por motivos fúteis e diletantes e que tem uma política de completa abertura e de não consideraçâo da dimensão do problema.
Aproveito para lhe dizer, uma vez mais, que não é esse o caso do Partido Socialista e gostaria de perguntar-lhe se o Sr Ministro está consciente de que, contra o que disse, esta lei é manifesta e grosseiramente inconstitucional, nomeadamente na alínea e) do artigo 19.º
Com efeito, o Sr. Ministro limitou-se a reunir as sugestões legislativas do Grupo TREVI, amalgamou isso tudo numa proposta de lei infeliz e não se deu conta de que há uma garantia constítucional para o asilo na ordem jurídica portuguesa. Não se deu conta de tal e, por isso, se não alterar o artigo 19.º arisca-se a que esta lei vá parar ao Tribunal Constítucional e que lhe aconteça o mesmo que às outras leis, isto é, que «morra» lá!
Mais uma vez, quero dizer-lhe que, de facto, ao contrário do que afirmou, essa garantia constitucional do asilo permite-lhe apenas afastar o asilo por razões humanitárias, isto é, o asilo por razões humanitárias não está coberto pela garantia constítucional do asilo e é uma opção política do legislador, criticável ou não. mas está na sua disponibilidade suprimir ou manter o asilo por razões humanitárias do ponto de vista constítucional. Pode fazê-lo. O que não pode fazer é redigir o artigo 19º desta maneira e consagrar este tipo de processo acelerado, porque isso é uma violação grosseira da Constituição. Realmente, esperava que, depois das advertências que aqui fizemos, os seus assessores jurídicos o tivessem alertado para esta questão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP) - Sr Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, quero aqui reafirmar a nossa discordância frontal e completa com a política que em relação aos estrangeiros e à imigração vem sendo seguida pelo Governo. Devo dizer que não consideramos que o Governo tenha acordado tarde, mas que acordou mal para este tipo de problemas, com uma orientação completamento errada, que viola os interesses nacionais Assim, passo a explicar o meu entendimento sobre esta matéria e a questioná-lo.
Em minha opinião, o essencial destas medidas contidas nesta proposta de alterações à lei do asilo é a sua inserção no quadro de um conjunto de medidas tomadas a nível comunitário, o qual tem um significado preciso.
Em primeiro lugar, estas medidas são constituídas pelo próprio Acordo de Schengen, com toda a sua filosofia de «Europa-fortaleza»
Em segundo lugar, pela Convenção de Dublin, aqui tão levianamente ratificada com o nosso voto contra,...
O Sr Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - matriz que implicava estas alterações ao conteúdo material do direito de asilo, consubstanciada ainda também nas alterações à própria lei de estrangeiros, tal como foram aqui desenhadas com os famosos centros de acolhimento, chamados justamente de campos de concentração à portuguesa, cuja inconstitucionalidade foi já suscitada junto do Tribunal Constítucional.
Em terceiro lugar, ainda por actuações concretas do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), que são escandalosas pela sua dimensão e significado e têm sido praticadas nas fronteiras portuguesas, particularmente contra brasileiros De facto, não se pode deixar de. registar o que tem sido feito contra os cidadãos brasileiros, pelo escândalo e repercussões negativas que têm tido no relacionamento com o Brasil.
Esta posição do Governo em relação ao asilo representa, no essencial, o completo seguidismo que o Governo assume em relação aos interesses dos países do Centro da Europa, particularmente da Alemanha Estas medidas que o Governo está a tomar contra os estrangeiros representam uma decorrência da forma como está a ser construída a Europa, são a opção política do Governo na sua participação na forma como está a ser construída a Europa, e têm um conteúdo manifestamente xenófobo e racista que envergonha o Estado português E digo racista fundadamente. porque o relacionamento essencial que existe com os estrangeiros, em Portugal, passa por cidadãos provenientes de países em relação aos quais se põe o problema do racismo e da xenofobia que o Governo fomenta com esta política.
A verdade é esta - quando o Governo, persistentemente, como ainda hoje o Sr Ministro aqui fez, diz que o problema que os estrangeiros colocam em Portugal é o da segurança, o que é que o Governo está a fazer17 Está a dizer publicamente aos portugueses para terem cuidado com os estrangeiros; está a fomentar sentimentos que não existem na sociedade portuguesa, sentimentos de xenofobia
E mais, os senhores, por vezes, aparecem a dizer coisas como esta: «é preciso limitar, é preciso fazer aprovar esta lei para que não haja problemas de racismo e de xenofobia, em Portugal». Sr. Ministro, o que é que isso quer dizer? Quererá o Sr. Ministro dizer que para que não naja
Página 3205
19 DE AGOSTO DE 1993 3205
problemas de xenofobia, isto é, para que não haja sentimentos contra os estrangeiros, o melhor é não haver estrangeiros em Portugal? Essa é uma forma radical de resolver o problema! Essa é a solução que o Governo, consagra e apresenta nesta proposta!
Aliás, o Governo tem um certo cuidado em apresentar-se como pioneiro. Vem aqui queixar-se de que a Convenção de Dublin só foi ratificada apenas por meia dúzia de países, faltando ainda a ratificação por pane de muitos outros, mas fez aqui a sua aprovação de uma forma escandalosa. Não me cansarei de dizer e de repetir que foi escandalosa a forma como aqui foi discutida e ratificada a Convenção de Dublin, aliás, como já aconteceu com a ratificação do Acordo de Schengen, que também foi escandalosa e que continua ainda sem ser ratificado por vários Estados. E sobre este Acordo há escassos dias, o Conselho Constítucional em França pô-lo definitivamente em questão ao dizer que em França não há ratificação do Acordo de Schengen sem reforma da Constituição. Vamos ver se essa reforma irá ser feita em França ou se o Acordo de Schengen não será um dossier definitivamente encerrado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Ministro, já referi que este posicionamento do Governo viola os interesse nacionais e não tem nada a ver com as razões do Estado português.
Pergunto: num Pais que tem quatro milhões de emigrantes, pois há quatro milhões de portugueses a trabalhar em outros países, tem sentido uma política como esta? Num País que precisa de um relacionamento específico e preferencial com países de África e da América Latina faz algum sentido esta política? Não tez qualquer sentido1 E este debate. Sr. Ministro, tem algum sentido? Tem algum sentido dar esta prioridade a este debate, em pleno Agosto? É este o problema central da vida nacional, neste momento. Qual é o sentido desta urgência que nos reúne, aqui, neste mês de Agosto?
Sr Ministro, a questão colocada por esta lei do asilo é, de facto, uma questão de fundo que nos divide justamente nisso, ou seja no que é uma perspectiva nacional de aproximação aos outros povos e no que é a vossa perspectiva de eufeudamento às orientações e aos ditames dos países da Europa Central.
Aplausos do PCP
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé, devo confessar que estive mesmo para não lhe responder pela simples razão de que o Sr. Deputado disse que nós líamos os manuais de Le Pen e, de facto, como não os leio, fiquei irritado e pensei até em não lhe dar resposta, mas vou responder.
Verifico que o Sr. Deputado está preocupado com o facto de. não obstante o conteúdo da mensagem presidencial, o Governo não querer mudar uma vírgula no diploma e que o Governo é teimoso e faz estes erros todos!
Sr. Deputado, quero dizer-lhe que não se trata de um acto de teimosia, porque o que defendemos aqui é uma política, a nossa política. E se estamos convencidos de que ela está certa, ninguém pode pedir-nos que abdiquemos dela. Os senhores podem, sim, discordar - é para isso que servem as democracias e as Câmaras -, mas esta é a nossa política e é nisto em que acreditamos!
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Podem ponderar!
O Orador: - Damos-lhes todo o direito de discordarem1 Mais do que isso, queremos que o País perceba bem quem está de um lado e quem está do outro, ou seja, quem defende umas posições e quem defende outras.
Sr. Deputado José Lamego, atribuímos toda a importância a este debate sobre o direito de asilo. Aliás, se reparar, nesta matéria do direito de asilo, este diploma pouco difere do antecedente, não havendo grandes diferenças de política; a grande diferença relativamente ao conjunto legislativo hoje existente em Portugal, refere-se à imigração, onde, aí sim, há radicais diferençasse política. Por isso, solicitei, há tempos, a realização de um debate sobre a imigração nesta Câmara. Na altura, os senhores não participaram - respeito isso -, mas também nessa altura, como o senhor certamente se lembra, afirmei a necessidade de se fazer um debate sobre a questão da imigração aqui neste Plenário. Os senhores responderam que essa discussão deveria ter lugar na Comissão e não no Plenário, mas insisti na sua realização em sede de Plenário e estava corripletamente disponível para esse efeito. É que, repito, a questão que está aqui em causa não é a do asilo mas, sim, a da imigração.
Por outro lado, não pode ser assacada qualquer culpa ao Governo pelo pouco ou muito tempo que foi dado para essa discussão, porque é a Assembleia, e não o Governo, que faz a distribuição dos tempos.
Vim cá, com todo o prazer, naquela ocasião, assim como hoje - e virei sempre -, discutir estas questões. Mas, repito, a questão essencial é a da imigração. Quanto à questão do processo acelerado, já nos referimos a ela, aquando do último debate sobre esta matéria Porém, esse é outro aspecto do diploma que não tem a ver com o asilo mas, sim, com a imigração, e que quer lutar contra a imigração.
Repare, Sr Deputado, que nós lutamos contra a imigração de uma maneira, ou seja, através de um processo mais célere do que o processo normal, no sentido de resolver os casos em 24 ou 48 horas. Os senhores dizem que isso é inconstitucional, mas esse é o nosso modo de, por esta via, lutar contra a imigração clandestina: Nós lutamos assim.
Outros países lutaram de outra maneira. A Alemanha, por exemplo, começou por modificar o n.º 2 do artigo 16.º da sua Constituição e, depois, alterou a lei ordinária. No regime anterior, a qualquer demandante de asilo a Alemanha concedia, em primeiro lugar, estadia provisória, e, em segundo lugar, instaurava um processo, analisando-o cabalmente até ao fim, ainda que fosse, à partida, infundado - era o compromisso constítucional que eles tinham. Sabe qual a alteração que fizeram?
O Sr. José Lamego (PS) - Sei, sim
O Orador: - É claro que sabe! Sabêmo-lo os dois! Como dizia, os alemães, agora, para lutarem contra o asilo, que é imigração e não asilo, não instauram qualquer processo, nem sequer acelerado! De acordo com o regime actual, se o pedido é feito por alguém que vem de um país seguro, concretamente, da Comunidade, esse alguém nem sequer entra na Alemanha. Contudo, em Portugal, mesmo que venha de Espanha ou de França, países considerados seguros, ele entra e procede-se à instauração de um processo. Quer dizer, a Alemanha está a lutar contra o asilo, que é imigração, de um modo muito mais drástico que nós. O Sr. Deputado, com certeza, não vai acusar a Ale-
Página 3206
3206 I SÉRIE - NÚMERO 96
manha de ser não democrática, não solidária ou não humanitária! Não, este é o seu modo de lutar.
E que, Sr. Deputado, quando não se age assim, podem correr-se riscos muitíssimo piores! Exemplo disso é o que se está a passar, nesta altura, na Aústria. Estou a referir-lhe estes casos para o Sr. Deputado, que quer, contrariamente a mim. discutir esta matéria na óptica jurídica, constatar que é de uma questão política que se trata. No entanto, também posso debater consigo os aspectos jurídicos Como dizia, sabe qual foi a última solução austríaca relativamente a esta matéria? A Aústria vai «pôr na rua» 100 000 estrangeiros, que vivem efectivamente nesse país E sabe ao abrigo de que lei9 De uma lei, que não tem nada a ver com isto, que reza o seguinte «O estrangeiro, que esteja a viver na Aústria e não tenha habitação condigna, tem de sair» Entendendo-se aqui por habitação condigna, pelo menos, 10 m2 condignos para cada pessoa! Ou seja, porque não actuaram a tempo, agora, já têm de agir desta maneira!
Ora, o que pretendo é evitar que Portugal chegue a situações destas! Por isso, digo que este diploma, na pane que respeita ao asilo - estejam descansados! -, permite a todas as pessoas, perseguidas política e religiosamente, vir a Portugal e ter asilo, mas não quer permitir que, pela porta do asilo, entrem imigrantes económicos1 Isso não podemos permitir, porque, se o fizermos, como disse há pouco o Sr Deputado António Guterres, a integração que queremos jamais a teremos.
Sr. Deputado João Amaral, tenho por si o maior respeito político e intelectual e estou disposto a debater consigo todas as questões com muita seriedade Porém, devo dizer-lhe que hoje, não consegui entendê-lo. O Sr. Deputado partiu do pressuposto de que o que o Governo esta aqui a fazer é um grande frete à Comunidade, aos países da Europa Central, porque esta lei e tudo o que se está a fazer na Europa é no interesse deles e não no nosso. Foi isto o que o senhor disse. Sr. Deputado.
O Sr João Amaral (PCP) - Não foi, não!
O Orador: - Então, percebi mal.
O Sr. João Amaral (PCP): - Permite-me que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro, eu não disse que o que o Governo estava a fazer era do e no interesse deles mas, sim. que esta opção se insere num conjunto de opções feitas no quadro de uma política comunitária. E acusei o Governo de a assumir como sua, de a defender e até de ser pioneiro na aplicação dessa política a nível interno.
O Orador: - Vai dar ao mesmo.
O Sr João Amaral (PCP): - Não vai!
O Orador: - O senhor diz que este diploma vai no sentido de um esforço comunitário e da defesa dos países da Europa Central e, mais do que isso, que Portugal é pioneiro nesta matéria.
Sr. Deputado, esta lei é feita no nosso, e só no nosso, interesse, mas é evidente que ela se insere num esforço de harmonização comunitária O senhor pode não gostar da Comunidade e ,das suas regras, mas essa é outra questão, que nada tem a ver com isto.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que conclua.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, como dizia, esta lei é feita no nosso interesse, porque a nossa legislação, como acabei de demonstrar citando o caso alemão, é, neste momento, a mais branda em matéria de asilo. Se não tivermos cuidado, aquilo que eles agora evitam lá fora, nós não conseguiremos, quando for caso disso (e há-de ser), evitar em Portugal. Por isso, digo-lhe esta lei é feita no nosso interesse'
O Sr. João Amaral (PCP): - Quantos pedidos de asilo houve este mês?
O Orador: - Sr. Deputado, não disponho de tempo para responder a mais questões.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado referiu que o nosso discurso, no fundo, fomenta a xenofobia e o racismo, porque dizemos que estrangeiro é sinónimo de insegurança. Sr Deputado, V. Ex.ª, com certeza, não ouviu, ou não quis ouvir, o que afirmei há pouco na minha intervenção, ao sublinhar que nesta matéria o que queremos é que para estas pessoas haja possibilidades de integração e de acesso à saúde, à segurança, à habitação e ao trabalho, porque, se não for assim, vamos ter insegurança, xenofobia e racismo Foi isto o que eu disse e não mais do que isto, Sr Deputado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.
O Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, que me lembre, pelo menos desde 1979, a Assembleia da República nunca reuniu no período de férias para votar um diploma legislativo. Só agora, com a maioria PSD, a Assembleia da República interrompe, já pela segunda vez, as férias, para votar textos legais que interessa à maioria aprovar. A Assembleia da República anda, assim, como uma espécie de banda de música, a toque de caixa do chefe da maioria.
Sr. Ministro, quando o País vive uma situação de crise, quando se avolumam as falências, o desemprego e os salários em atraso, tudo na sequência e por força da política governamental, tem de convir-se que o aproveitamento do veto presidencial para trazer ao Parlamento esta proposta de lei é uma conveniente desfocagem dos grandes problemas nacionais. Mas, mesmo na órbita específica desta proposta de lei, não deixa de se considerar que mais do que uma chave para fechar a porta aos exilados ela vai ainda mais longe. E não somos só nós que o pensamos, Sr. Ministro. Os próprios representantes de associações de cidadãos dos PALOP insurgem-se contra este texto do Governo que consideram profundamente lesivo dos seus interesses.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr Presidente. Sr. Ministro da Administração Interna, compreendo o seu embaraço e a sua dificuldade. O Sr. Ministro desejou debater a questão do asilo à hora do almoço, durante uma hora. Nessa altura, prolongámos esse debate e forçámo-lo a assumir, aqui, uma explicação in extensu da questão. Depois disso.
Página 3207
19 DE AGOSTO DE 1993 3207
realizámos um seminário parlamentar, que lançou a luz sobre esta questão, com a presença do representante do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, que esteve connosco numa reunião pública de trabalho, na Sala D. Mana, a que a imprensa compareceu, e forçámos uma apreciação mais detalhada da proposta de lei do Governo.
Ora, essa apreciação detalhada provou o contrário do que V. Ex.ª embaraçadamente tentou demonstrar. Ou seja, provou que, se a fronteira é aqui, V. Ex.ª está sozinho - nem tem sequer a companhia de Sá Carneiro, como ficou demonstrado - e do outro lado está toda a gente. Isto é, qual o porquê das posições assumidas pela Conferência Episcopal Portuguesa e pelo Conselho Português para os Refugiados, Sr. Ministro? A resposta é simples porque o produto que V. Ex.ª aqui quis «vender» como bom, não o é, de facto. E não somos só nós que o dizemos, todos são dessa opinião. A disparidade está precisamente na afirmação de que a proposta é boa! Assim, V. Ex.ª «tropeçou na cauda» do seu argumento, ao dizer que a vossa proposta, em matéria de asilo, não introduz grandes alterações em relação ao status quo.
Ora, isso é contraditório! De facto, V. Ex.ª toca num problema real, só que o problema é falso! O País não está desarmado em matéria de direito de asilo. V. Ex.ª disse-o. Quantas pessoas tiveram efectivamente asilo em Portugal? Oito, em 1991; 16, em 1992; 24 pessoas ao todo, face aos pedidos?
O quadro legal foi aprovado por unanimidade; é um quadro legal bom! Porquê perder o consenso nessa matéria, Sr. Ministro? E, sobretudo, perder o consenso em troca de que soluções9 De uma redução das garantias? Da extinção da comissão da consultiva para os refugiados, que é substituída por um juiz nomeado pelo Governo, Sr. Ministro? É uma solução chocantemente inconstitucional! E há outras.
Depois, Sr. Ministro, quanto às restrições em matéria procedimental, elas são absurdas e desnecessárias. Schengen ou outros acordos impediram sequer a chegada das pessoas a Portugal! Como é que V. Ex.ª quer que elas cheguem? De pára-quedas, com um visto legal? Só nessas condições, no limite, é que podem pedir asilo? É um falso problema!
Sr. Ministro, o nosso desafio é este: venha amanhã à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - fomos informados de que V. Ex.ª não iria e mandaria um secretário de Estado em sua substituição - discutir esta matéria. Temos 100 minuciosas perguntas para fazer-lhe sobre todos os aspectos do regime actual, nomeadamente sobre o que não tem funcionado e porquê e sobre o que está mal e é necessário corrigir. Desafiamo-lo a comparecer, a responder in extensu, a não fugir, mais uma vez, e nós estaremos disponíveis para apreciar todas as questões em concreto. Mas essa que suscitou é uma falsa questão e a nossa posição colhe o consenso de todos, excepto o vosso. O veto do Presidente da República alertou para esse facto e, por isso, é sobejamente importante.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Raúl Castro, não confirmei essa sua afirmação, pelo que não sei se a Assembleia já reuniu mais alguma vez fora do período de funcionamento normal, mas dou como boas as suas palavras. No entanto, deixe-me dizer-lhe que alguma coisa mudou com a nossa maioria: no tempo em que a maioria não era nossa, a Assembleia reunia pela noite fora, e, agora, isso também já não acontece, acabando as sessões cedo, a horas normais de as pessoas irem para casa jantar. Por isso, vir cá um dia durante as férias, também não é exigir muito, quando a nossa maioria tem poupado imensas noites aos Srs. Deputados.
Sr. Deputado José Magalhães, não vou aqui fazer qualquer debate jurídico; isso far-se-á em sede de comissão.
O Sr. José Magalhães (PS): - Estamos a aprovar uma lei!
O Orador: - Mas trata-se de debater políticas: quem as tem, quem não as tem; quais são umas e outras. Depois, faremos o debate jurídico, que é mais simples do que este.
O Sr. Deputado disse que o Governo, nesta matéria, está sozinho, porque tem contra ele o povo português, a Conferência Episcopal, as associações, etc...
O Sr. José Magalhães (PS): - Tem o Pasqua e o Le Pen a favor!
O Orador: - Mas o Charles Pasqua não está em Portugal.
Mais uma vez, quero dizer-lhe que não estamos sozinhos! Nesta matéria, tenho o partido e o Governo comigo. Depois, tenho ainda a honrosíssima companhia, pelo menos naquilo que é fundamental, do Deputado Almeida Santos, como há pouco provei.
Sr. Deputado José Magalhães, já que ele não lho pediu e como o senhor também não é novo na Casa, aceite esta minha sugestão: quando sair daqui, vá ler as intervenções feitas nesta matéria pelos Srs. Deputados Almeida Santos e António Guterres e, mais tarde, falaremos sobre isso. Nessa altura, então, vamos discutir politicamente esta matéria. Antes disso, penso que não devemos continuar a falar.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é demagogia de vendedor de piloto!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, depois desta pequena questão de família, do PS e do PSD - inimigos íntimos, diria -, em que V. Ex.ª assumiu a personalidade do Deputado Almeida Santos para nos fazer o discurso da defesa da proposta de lei, estou tentado a crer que nos dois grandes partidos portugueses há sempre um partido desconhecido à nossa espera. E o que hoje se aplicou ao PS, também se aplica facilmente ao PSD noutros debates que aqui possam ocorrer.
Sr. Ministro, a nossa posição sobre este assunto é clara e conhecida: estamos a favor, como disse o Sr. Deputado José Magalhães, mas temos algumas discordâncias. Uma delas tem a ver com o «podem» e com o «devem» em relação à família do peticionante, pois VV. Ex.ªs fizeram mal em acolher a orientação seguida pelo PS, em 1980, nesta matéria. No entanto, explicitaremos esse aspecto na nossa intervenção e em sede de Comissão.
O Sr. José Magalhães (PS): - Finalmente!
O Orador: - Só que, hoje, o Sr. Ministro deveria ter respondido a uma outra questão. Não por que razão o
Página 3208
3208 I SÉRIE-NÚMERO 96
Governo nos obrigou a trabalhar durante as férias mas, sim, por que conferiu urgência a esta matéria, em termos de convocar deste modo a Assembleia. É que o Sr Ministro ainda não nos explicou isso, nem o fez minimamente na sua intervenção Por que é que o Sr. Ministro, por exemplo, não despachou qualquer dos pedidos de asilo, pendentes no seu Ministério, este ano - despachou zero -, quando eles - são o dobro do que eram no ano passado, apresentou o pedido de autorização legislativa em Junho e está, neste momento, com tanta urgência para que a lei seja aprovada?
Como salientámos, será que há questões graves de segurança, a aconselharem a aprovação urgente da lei, Sr. Ministro? Há problemas graves em relação ao sistema de segurança social, ao apoio que tem de ser prestado à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa? Há perigo de ruptura? É que o Sr. Ministro deu-nos uma visão genérica e vaga desta matéria. Diria que V. Ex.ª é o negativo das fotografias que aqui nos apresenta o Sr. Ministro das Finanças Por isso, até já tive uma ideia, quando ele vier aqui com os seus delírios optimistas, vou pedir ao Sr. Presidente da Assembleia da República que solicite a presença do Sr. Ministro da Administração Interna para nos falar sobre os problemas das barracas e da segurança social, de difícil resolução, de modo a animá-lo um pouco.
Na realidade, Sr. Ministro, não chega traçar este quadro genérico; é preciso dar razões concretas, que justifiquem a urgência e a necessidade de uma votação imediata, por isto, isso ou aquilo. A saber: porque há estes pedidos pendentes, que não foram despachados por esta razão e que implicam questões graves de segurança ou problemas de ruptura para o sistema de apoio à permanência dos peticionários ou dos requerentes enquanto cá estão. Essa era a resposta que, supomos, o País e todos nós deveríamos ter Caso contrário, o Deputado João Amaral acaba por ter razão, ao dizer que o seu discurso tem consequências perversas na relação, entre os requerentes de asilo e os cidadãos portugueses
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, respondo-lhe com todo o gosto, como deve imaginar.
Relativamente à questão da urgência, ela tem a ver com o facto de estarmos neste momento a construir os instrumentos jurídicos de uma política de imigração e asilo, à qual falta este elemento fundamental, que tem a ver com a tal luta contra a imigração, ou seja, esta lei. Se esperássemos, dado o veto que ocorreu e aquilo que ainda pode ocorrer em toda esta tramitação (e os prazos que têm de ser cumpridos), pela reabertura do Parlamento, só teríamos a lei em Janeiro ou Fevereiro. Ora, queremos té-ía antes - a razão é só essa. O Sr. Deputado também não há-de ficar zangado com o Governo por, dada esta urgência, té-Io feito vir de São Martinho do Porto até aqui, hoje.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Não tive de vir de lado algum. Estava cá!
O Orador: - ou de sua casa até aqui. Espero que aceite isso. Até porque, como referi há pouco, agora, também já não se fazem «noitadas» no Parlamento Por isso, vir aqui um dia também não é tão pesado como isso, Sr. Deputado.
O Sr Nogueira de Brito (CDS-PP): - Só para o ver, é um prazer!
O Orador: - Em segundo lugar, gostaria que ficasse registado em acta que aquilo que eu disse, há pouco, da tribuna, de o CDS-PP estar de acordo connosco nesta matéria do asilo e da imigração, afinal, não é verdade. Não está de acordo connosco em relação ao «podem» e ao «devem» e relativamente a uma série de outras questões deste diploma. Enganei-me. Sr. Deputado! Gostaria que estivesse de acordo connosco, mas, afinal, V. Ex.ª concorda com eles - é uma surpresa1 Por isso, devo rectificar este aspecto, para que fique registado em acta.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Permite-me que o interrompa, Sr. Ministro.
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Ministro, V. Ex.ª está, por acaso, a brincar connosco ou com a Assembleia? Julgo que está a brincar com a Assembleia.
Vozes do PS: - Está!
O Sr Nogueira de Brito (CDS-PP): - Por analogia, posso concluir que está a brincar relativamente à urgência, a posição do CDS-PP e do PS.
O Sr. José Magalhães (PS): - Em tudo!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - que está a brincar de um modo geral.
O Orador: - Não estou a brincar, Sr Deputado!
Como o Sr. Deputado referiu uma série de discordâncias em relação a nós, reconheci que, afinal, tinha-me enganado quanto à vossa posição. Aliás, quando mencionei a vossa discordância relativamente ao «podem» e ao «devem», o Sr. José Magalhães apressou-se a aplaudir.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Não estou de acordo no «podem»!
O Orador: - Mas está de acordo em resolver aquilo que é essencial?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Com isso, estou!
O Orador: - Então volto a retirar o que disse. Afinal, posso afirmar que o CDS-PP está de acordo connosco nesta matéria, limitando-se a ter divergências pontuais. É que convém clarificar este aspecto e esclarecer os portugueses sobre a vossa posição.
Em terceiro lugar, gostaria de comentar uma sua afirmação de há pouco. O Sr. Deputado referiu-se a nós e ao PS como «inimigos íntimos». Sr. Deputado, nós não somos inimigos íntimos, mas adversários políticos.
V. Ex.ª, porque um Deputado do PSD, hoje, disse, uma única vez, que estava de acordo com o PS, concretamente com o Sr. Deputado Almeida Santos, chamou-nos «inimigos íntimos». Eu, porque, tantas vezes, V. Ex.ª está de acordo com o PS e eles consigo, tenho de os chamar, ao CDS-PP e ao PS, amigos íntimos.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.
Página 3209
19 DE AGOSTO DE 1993 3209
O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, não sou um maurrasiano, nem pouco, mais ou menos, mas quase me apetecia fazer aqui a diferença de Maurras entre país político e país real. É que, na realidade, para falarmos do país real, temos de fazer a distinção entre feitio e medida. O português, de facto, tem um feitio amorável, é solidário e naturalmente cordial- estou até a lembrar-me daquele ensaio do Sérgio Buarque da Holanda sobre o Homem cordial.
Porém, se é verdade que são tantos os gérmens corrosivos da democracia de sucesso, não temos medida para suportar tanta imigração. Este é o entender do Partido de Solidariedade Nacional
É evidente, também no nosso entender, que não importa ao nosso país a entrada, sem limites, de todos os estrangeiros que queiram viver em Portugal. A solidariedade entre os povos e as nações, nomeadamente em fase de crise gravíssima e torturante, como o é aquela em que nos é dado viver, há-de mostrar-se também lucidamente contrária às miragens neoplatónicas de quem faz por esquecer que uma séria política da imigração há-de garantir a completa integração do imigrante, proporcionando-lhe saúde, educação, segurança social, emprego condigno, etc. E não faz sentido, como disse há pouco, que se apontem os gérmens corrosivos da democracia de sucesso e, depois, venha dizer-se que não criaremos manchas de marginalidade, dia-a-dia mais incontroláveis, com as fronteiras incondicionalmente abertas a todo o tipo de estrangeiros que desejem aqui estabelecer-se
Aliás, é assim que se combate a xenofobia e o racismo-criando as condições, que passam também por uma pedagogia sistemática, para que estas pragas terríveis não tenham solo onde frutificar. Ao invés, fomenta-se a emergência de situações lamentáveis, porque num país de tamanhas carências como o nosso permitir uma imigração sem possibilidades de absorve-ía implica o surgimento da revolta dos portugueses mais carenciados e prolonga a intolerância por outros meios.
Nas suas linhas gerais, o PSN está de acordo com a proposta de lei do Governo, mas sublinha, a propósito, que não está de acordo com o PSD Quer estar de acordo com Portugal!
Aplausos do Deputado do PSD, Silva Marques.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Sérgio, V. Ex.ª não me colocou questão alguma, pelo que não tenho a que responder-lhe. Fez, sim, uma intervenção, que respeito e ouvi com muita atenção.
O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, V. Ex.ª insiste em justificar esta lei pela necessidade de controlar a imigração económica. Ninguém tem dúvidas sobre a necessidade de distinguir uma coisa da outra e pessoalmente, sublinhei-o num artigo que V. Ex.ª deve ter lido na íntegra. Agora, isso não justifica a necessidade de alterar a legislação existente, visto que a actual lei refere-se exclusivamente ao asilo. Sendo assim, é simples: se há candidatos a asilo que não o merecem, o Sr. Ministro, simplesmente, não o concede. Ora, para isso não precisa de alterar a lei!
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Preciso, sim!
O Orador: - Por que é que o Sr Ministro quer alterar a lei? Porque não tem uma política de asilo nem de imigração!
Por outro lado, o Sr. Ministro ouve algumas conversas nos Conselhos de Ministros da Comunidade Europeia, fica impressionado com os relatos dos seus colegas alemão e italiano, que lhe dão conta das centenas de milhares de refugiados que se apresentam nas fronteiras alemã e italiana, e o Sr. Ministro, como aquele menino na escola que não quer ficar atrás, diz «aqui também chegam milhares». Mas, depois, se formos analisar os números, verificamos que esses milhares, no ano passado, foram apenas 535 dos quais só oito mereceram a concessão do asilo político. Se os outros não merecem a concessão do asilo político e não preenchem as condições para obterem a autorização de residência, o que é um outro problema, o Sr. Ministro não o concede e o assunto está resolvido:
Agora, qual é o problema do Sr. Ministro? O problema do Sr. Ministro é que, quando os três primeiros projectos de lei desta legislatura, apresentados pelo PS - dos quais - aliás, tive a honra de ser o primeiro subscritor -, procuravam estruturar uma política nacional de imigração, saneando, em primeiro lugar, o problema da regularização dos clandestinos, eliminando, em segundo lugar, as restrições na concessão de habitação social aos imigrantes que cá trabalham e regulamentando, em terceiro lugar, o direito constítucional, que aguarda regulamentação desde 1989, do direito de voto e de eleição nas autarquias locais, a sua maioria e V. Ex.ª encarregaram-se de «chumbar» estes projectos de lei, que visavam efectivamente a integração dos imigrantes na sociedade portuguesa!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Agora, o que é terrível e altamente perigoso - e convidava-o a reflectir sobre isto - é que, quer V. Ex.ª quer o Primeiro-Ministro, na fúria demagógica de procurarem a confrontação com o Sr. Presidente da República, não hesitaram em convocar os piores demónios e em mobilizar o pior egoísmo que existe na sociedade para justificar esta lei, que é uma lei que, pura e simplesmente, visa atribuir-lhe, a si, um poder, que não é descricionário mas arbitrário, de conceder ou não asilo de acordo com o seu bei-prazer. O Sr. Ministro diz que reduzem os prazos e que isso é bom para os candidatos - mas. Sr. Ministro, os seus serviços têm, há anos, milhares de pedidos para darem despacho! V. Ex.ª não consegue pôr os seus serviços a funcionar e á melhor forma que encontrou para resolver esse problema foi a de impedir quem quer que seja de ser candidato ao direito de asilo!
Sr. Ministro, entendamo-nos com clareza, para uma política de integração das comunidades imigrantes, estamos cá; para uma política que distinga claramente aquilo que é imigração daquilo que é direito de asilo, estamos cá; mas para uma política que, sob o pretexto da imigração, acaba com o direito de asilo e, sob o pretexto do direito de asilo, acaba com a imigração, para isso não conte connosco! Porque esse é o processo que, efectivamente, gera a xenofobia e o racismo! É a política da «porta aberta», demagógica, que ninguém sustenta mas é também essa ideia que o PSD quer
Página 3210
3210 I SÉRIE-NÚMERO 94
fazer passar de que estrangeiro é igual a imigrante, imigrante é igual a desempregado, desempregado é igual a marginal, marginal é igual a traficante, drogado, prostituição. É esta a linguagem que V. Ex.ª tem utilizado e utilizou, ainda no ano passado, no final de um Conselho Nacional de Segurança Interna
Portanto, Sr Ministro, quero agradecer-lhe o elogio que me fez e que foi o deixar bem claro que, entre a sua política e aquela que eu defendo, há uma fronteira que é insuperável- isso dá-me muita satisfação!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado António Costa, pegando nas suas últimas palavras, tem toda a razão - estamos de acordo: entre a sua política e a nossa política há uma barreira intransponível, estamos muitíssimo longe E sabe porquê? Porque nós temos uma política de imigração que parte deste pressuposto- neste momento, não devemos deixar entrar novos imigrantes económicos! V. Ex.ª não tem esta política! Tem aquela que eu disse há pouco e que de resto, está naquela sua frase lapidar «o Governo sabia que, quando acabou com a imigração legal, estava a fomentar a ilegal» - essa é que é a sua política, mas é não a nossa.
Queria dizer-lhe uma outra coisa, esta lei é necessária porque não se destina a conceder ou não asilo a quem pode justamente reivindicar ou reclamar asilo; é para evitar que aqueles que são imigrantes económicos usufruam do direito de asilo - é para isso e só para isso que serve esta lei! E na lei actual isso não é possível.
O Sr António Costa (PS): - E porquê?
O Orador: - Sabe porquê? Porque, hoje em dia, com os processos todos que existem e com a lei actual, leva um ano, seis meses, nove meses
O Sr. António Costa (PS): - Ah! É por isso?
O Orador: - Não há possibilidade! Com todos os casos que existem! V. Ex.ª pretende dizer que os funcionários da comissão dos refugiados não trabalham, e é falso! Isso é falso! Trabalham e muito! Contudo, com os prazos que estão na lei, o sistema instituído não permite que haja um prazo curto, e é por isso que Portugal não pode lutar contra o que é imigração económica mas temos de fazê-lo
Já agora, para terminar, deixe-me dizer-lhe uma outra coisa, queria que o Sr. Deputado me dissesse, ao contrário daquilo que me tem dito, em que é que esta proposta de lei impede que um qualquer perseguido político tenha em Portugal asilo político - um qualquer, de qualquer região do mundo! À face desta lei, tem de dizer-me «não pode obter aqui asilo político porque isso viola o artigo 10.º, o 15.º ou o 20.º». Se for capaz de fazê-lo, então, nessa circunstância, eu poderei ceder uma vírgula nesta lei. Mas isso não vai poder dizer porque não é verdade1 Qualquer pessoa que seja, de facto, candidato, com fundadas razões, a asilo em Portugal, pode, tanto nesta lei como na antiga, obter asilo político em Portugal. Não é isso que está em causa, é outra coisa, mas isso V. Ex.ª não percebeu nem nunca vai perceber!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao próximo orador, queria dizer que a votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 73/VI será feita hoje, no final do debate, porque foi para esse efeito que o Plenário foi convocado, tal como consta da ordem do dia Nessa altura, far-se-á também a votação de dois votos de pesar, que já foram apresentados.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a interrupção das férias parlamentares visa conferir dramatismo político a um facto normalíssimo: ter o Presidente da República exercido a competência que a Constituição lhe confere de recusar promulgação a um decreto desta Assembleia.
O Presidente vetou e fundamentou o veto. Que o Governo tenha ou não concordado com a fundamentação é irrelevante para a República.
Só que este Governo, tal como os poetas - segundo Pessoa -, é um fingidor. E tinha feito passar para a opinião pública a ficta ideia de que, nas alterações que se propôs introduzir na regulamentação do asilo, estava um dos pilares da salvação da Pátria. Apercebeu-se de que lá fora, tem rendido votos um certo clima xenófobo contra a imigração e o refúgio e simulou indignação contra esses dois «flagelos». De repente, fingiu ter-se dado conta de que pululava a imigração clandestina. É bem certo de que ela está aí, a céu aberto, prestando serviços, trabalhando na construção civil, removendo lixos, fazendo o que os trabalhadores portugueses, cada vez mais só aceitam fazer lá fora. Os seus filhos frequentam as nossas escolas, os seus doentes os nossos hospitais. Em comunidades, habitam barracas.
E, ao fim de quase oito anos de Governo, fingiu surpresa, simulou preocupação, anunciou-se determinado. Quem já cá estava podia ficar, legalizando-se; quem não se legalizasse era devolvido à procedência.
Resultado: quem se legalizou, ficou, quem não se legalizou ficou também. O número era político, esgotada a sua eficácia mediática, ficou cumprido.
Mas a simulação unha uma outra componente: os que nos batiam à porta solicitando asilo. A pretexto - em parte verdadeiro - de que o número de solicitações acelerou no ano corrente, o Governo simulou o risco de uma invasão. Estava-se e continua a estar-se, obviamente, longe disso. E dispunha-se, continuando a dispor-se, de uma lei que não é tão permissiva como agora se pretende, nem tão pouco apta a travar a avalanche, se fosse caso disso.
Mas compreende-se: sem avalanche, e sem braços atados em face dela, o Governo não podia arvorar-se em salvador da Pátria.
O Governo tinha de indignar-se! E vá de simular um substancioso gesto de escarmento! Em plenas férias, o Primeiro-Ministro convoca todo o Governo para encarar a situação criada pelo veto presidencial.
Os mais instalados recearam o pior. Será que o homem vai afrontar o Presidente. Tirar um desforço? Talvez demitir-se? Pairou, ao correr das praias, um frémito de estremecimento. Mas tudo se saldou por um fogacho: disse-se, cá para fora, que o projectado decreto-lei fora convertido sem retoques (o que não é verdade) em projecto de lei e - para dramatizar, repito - resolveu-se convocar extraordinariamente o Plenário da Assembleia.
Os mais difíceis de enganar deram em fazer o seguinte raciocínio: ou os que nos batem à porta são efectivamente «perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua actividade em favor da democracia», etc., ou não sã
Página 3211
19 DE AGOSTO DE 1993 5211
Se são é nosso dever moral, político e constitucional conceder-lhes asilo; se não são a lei em vigor permite denegar-lho.
Assim sendo, a que título de urgência, a despesa acrescida, o incómodo, o desassossego?
E cedo concluíram que a urgência fazia parte do número. E que a insuficiência da lei em vigor fazia parte de uma estratégia que nada tinha a ver com a telenovela, antes constituía o último sintoma de uma doença grave.
Efectivamente, para além dos argumentos históricos, afectivos e políticos, que aqui e além foram aflorando, a nossa Constituição garante aos estrangeiros e apátridas, verificados que sejam determinados pressupostos factuais - que o impetrante terá de provar - o direito de asilo.
E garante-lho com a força e o significado de que rodeia os direitos, liberdades e garantias fundamentais!
Não custou ao Presidente encontrar no proposto decreto, nem nos custa a nós encontrar na agora proposta de lei - apesar das depurações sofridas que ainda preservaram pelo menos uma clara inconstitucionalidade - erupções pragmáticas que não respeitam o desenho constítucional daquela tão importante garantia.
Importante, antes de mais, para o ideal democrático e a sua realização temporal. Acolhendo os que combatem pela democracia, a libertação social e nacional, a paz entre os povos, a liberdade e os direitos da pessoa humana, respeitamos e exaltamos este valores.
Colocando a garantia constítucional e o correspondente dever político e moral à margem das exigências constitucionais, dissolveríamos a garantia em faculdade e o direito em favor.
A convocação extraordinária da Assembleia tem também os contornos de um ajuste de contas o Presidente tem vetado mais diplomas do que aqueles que caberiam na compreensão do Governo e da maioria que o apoia.
Quando ocorre que o Tribunal Constítucional não dá razão ao Presidente, o Governo e a maioria que o apoia faz constar que o Presidente perdeu. Quando lha reconhece, a reacção é outra: Tribunal e Presidente são forças de bloqueio, não deixam governar o Governo, nem trabalhar o Primeiro-Ministro!
Esperava-se e isso confirmou-se - que, a seguir ao veto político do diploma sobre o asilo, o Governo e a maioria se arriscavam a ver declarados inconstitucionais, após veto do Presidente, mais quatro importantíssimos diplomas. Não por inadvertência, visto que em todos os casos se trata de inconstitucionalidades óbvias, mas porque este Governo e a maioria parlamentar que a ele se reconduza sobrepõem o voluntarismo político ao respeito pelos constrangimentos do Estado de Direito. E não é que pelo menos uma das inconstitucionalidades em causa foi ditada por ódio pessoal persecutório e que todas, incluindo essa, bem como os defeitos do diploma do asilo, se revestem do mesmo sinal político e são sintomas de uma perversão de idêntico sentido?
De que se trata então? Pois de afunilar o regime, minimizar a democracia, desvia-ía progressivamente do que é - o regime da vontade de uma oligarquia política, quando não de um homem só.
Eu sei que, formalmente, continua a não ser assim, mas, na essência, é para isso que tende.
Esta política de funil e esta síndrome reducionista das exigências democráticas, quando começam, tendem para o próprio requinte, por isso não surpreende que, após oito anos de regime cada vez mais monocolor e monopolítico, sejamos hoje um país governado por uma orquestra em que só toca o regente!
É dele o fiat e o no fiat de tudo quanto acontece; é dele o palco; são dele os discursos que dão o tom: «Ataque-se o Presidente!». E logo a claque se desdobra a qualifica-Io de excessivo, interventor, oposição única, e a reclamar, com vista à próxima revisão constítucional, a sua eleição pelo Parlamento (lá se ía toda a garantia da separação de poderes) ou a redução dos seus poderes, nomeadamente a extinção do «odioso» veto - no fundo, o que se detesta é a própria Constituição como travão ao laisser faire político da actual maioria!
Por vezes, os tenores exageram: o regente levanta a batuta e logo se faz silêncio.
«Ataque-se o Engenheiro Guterres!» - e logo o coro dos peregrinos dos corredores do poder se ergue a recusar-lhe estatura, acutilância, incapacidade estrutural de se afirmar como alternativa. O PS tem uma larga experiência governativa e legislativa? Não importa! Não é alternativa! O PS obteve nas últimas eleições 30 % dos votos, mais do que Cavaco Silva em 1985, mais do que a maioria das alternativas europeias? Não importa! Não é alternativa! Guterres já levou o PS, nas intenções de voto, a ultrapassar o PSD? Não importa! Não é alternativa! O chefe disse que não é e não é!
Até agora era assim só nas legislativas, mas desta vez a aflição é tanta que vai a todas. Nos fins de semana anda num virote: o discurso de Faro teve honras de meia hora de televisão, com intermitências - impostas a um bom filme! - à espera do pedacinho de ouro da palidónia, que acabou por não haver.
Em esforçada tentativa de salver o fracasso, o vice-presidente repetiu a dose: mais meia-hora de tempo de antena à hora nobre do dia mais nobre. A RTP esforça-se e cumpre - não tanto os contemplados por ela.
Alguém se lembra aí dessa velharia em desuso que é o Estatuto da Oposição?
Esta reunião tem, pois, os contornos de um desforço.
Formalmente, tudo se passará como a Constituição exige, mas quem viver verá que a mensagem a difundir será seguramente esta: «O Presidente teve de engolir a vontade do Governo!». E não faltará quem acredite nisso. Quando um Governo quer enganar o povo, encontra sempre quem queira ser enganado.
Uma última motivação - que não falta nunca por detrás dos afectos políticos criados por este Governo -, o propósito de desviar as atenções dos reais e preocupantes problemas com que o País se debate. O expediente é tão velho como a política: criam-se poios de fixação da atenção colectiva, assim a desviando das evidências que de outro modo as cativam.
E é assim que este Governo, depois de ter gasto sete anos a gabar-se da situação folgada que o País viveu, atribuindo a si mesmo os mentos da conjuntura, se esforça agora a apagar os sinais da crise - alterando os critérios de avaliação e manipulando os resultados - e sobretudo a sua responsabilidade por ela, que inteiramente imputa a factores exógenos e de conjuntura, quando é certo que em grande medida são endógenos, de estrutura e seus.
Depois de ter adiado o conhecimento dela até ao lado de lá da impossível recusa, empenha-se agora em reduzi-lo e deturpá-lo, na expectativa panglossiana de uma retoma a tempo de convalidar as suas mentiras.
O nosso sector produtivo está fendo de morte - lamento ter de referi-lo aqui, mas está! E ferido de morte por razões complexas, entre as quais a de não ter sido medicado a tempo. As terapêuticas automáticas do mercado não o salvarão, por mais que se acredite nelas. Mais provável é
Página 3212
3212 I SÉRIE - NÚMERO 96
que a doença que afecta as economias de mercado destrua as ilusões em que este se alicerça!
A gravidade da crise que nos afecta é incompatível com as reacções ronceiras e o mais possível liberaloides de um governo conservador.
Não é com a inchação de alguns pacotes que se combatem os nossos males de raiz. nem através da nula esperança justificada por ministros - vá lá, nem todos - que «de estadistas têm apenas a encadernação», que se consegue ultrapassar a lógica economicista por que nos temos pautado.
Para nosso mal, a pior crise coincide com o pior governo1
Nem é com aparentes golpes de grande política - como a programação do Alqueva para daqui a 30 anos - que se evita a desertificação dó interior e do Alentejo, em processo acelerado de consumação; nem é com reduções das taxas de juros que mais penalizam os depositantes do que aliviam os tomadores de crédito que se anima uma economia exangue; nem com exclamações de conforto relativo (temos a mais baixa taxa da Europa) que se combate o desemprego galopante.
O grande Erhart, a quem coube reanimar a economia alemã, recusava os sistemas económicos que não fossem «sistemas de valores» E, sendo embora um defensor do sistema de mercado - temperado por preocupações e objectivos sociais -, recusou o automatismo das harmonias espontâneas e legou-nos este saber de experiência feito. «A economia não funciona segundo leis mecânicas Não tem essência própria, no sentido de um automatismo inanimado, mas apoia-se sobre pessoas e são elas que lhe dão a sua forma»
Oito anos não foram bastantes para que os nossos responsáveis aprendessem esta evidência, continuam agarrados a indicadores e a verdades estatísticas - de que retiram gáudios -, divorciados do tecido empresarial concreto, do homem concreto que produz, transporta, compra e vende.
Colocado como que com surpresa em face de uma crise gravíssima, o Primeiro-Ministro vai até ao empacotamento dos subsídios da Comunidade, mas não passa daí' O rasgo, o golpe de audácia, a coragem do recuo estão para além dele Por isso dá sinais de ter perdido a serenidade na adversidade, isso em que Voltaire via «o primeiro dom de comando».
Quando pede em altos berros que «o deixem trabalhar» - apesar de dispor de condições para o fazer de que ninguém dispôs -, aproxima-se perigosamente do risco de se julgar que já não sabe o que diz.
Infelizmente, os sintomas inculcam também o risco de se admitir que já não sabe o que faz. Se soubesse, não reagia a um veto normal do Presidente como se um golpe de Estado se abatesse sobre a República.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento o Sr. Ministro da Administração Interna e o Sr. Deputado Silva Marques. Para o efeito, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, V. Ex.ª sabe que tenho por si a maior estima; consideraçâo, amizade e respeito de toda a ordem. Mas devo dizer-lhe que me colocou aqui numa dificuldade enorme e, mais do que isso, numa tristeza enorme. V. Ex.ª veio aqui falar das «forças de bloqueio», das decisões do Tribunal Constítucional, da postura política do Primeiro-Ministro, das relações com o Presidente da República, do discurso de Faro e da televisão, do nosso sector produtivo, etc., etc., etc... Sr. Deputado Almeida Santos, queria perguntar-lhe o seguinte - aliás, é uma pergunta mais pessoal do que política: por que é que não quis dar-me o prazer de debater comigo as questões do asilo no nosso país?
Aplausos do PSD
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, de facto, Fernando Pessoa, quando falou do fingimento do poeta, estava a pensar, decerto, em poeta sem restrições, abarcando o género humano, governo e oposição, o que significa que essa intrínseca apetência para o fingimento se poderá aplicar, com certeza, também a um socialista, mesmo a um socialista ilustre como V. Ex.ª.
E convenhamos que, em matéria de fingimento, o seu esforço foi assaz épico visto que, sobre uma matéria absolutamente delimitada como é a da ordem do dia desta reunião, falou de tudo menos da matéria, ou quase nada. O que significa, Sr. Deputado, que a tentação do fingimento, de evitar o debate, de evitar a questão, foi, da parte de V Ex.ª, flagrante delito a que nós assistimos aqui, sempre ansiosos de que V Ex.ª aceitasse o confronto de ideias sobre o ponto da ordem do dia mas vendo-o sempre fugindo a ele. Sr Deputado, quanto ao ajuste de contas, até a convocação da Assembleia em Agosto o impressionou Porquê, Sr. Deputado? V. Ex.ª acha que nós reagimos desabridamente a propósito de um veto? Mas como. Sr. Deputado, pode V Ex.ª impressionar-se pelo facto de que nós, na sequência natural desse veto, tenhamos proposto que os órgãos do Estado funcionassem? E seria estranho que deixássemos um veto do Sr. Presidente da República perante a nossa passividade! Então, Sr. Deputado, qual seria a pior das reacções: dar importância ao veto do Sr. Presidente da República ou alhearmo-nos dele!
Sr. Deputado Almeida Santos uma tentativa minha para evitar a poética de Fernando Pessoa e sairmos do fingimento o que é que V. Ex.º pensa do que pensava anos antes?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Ministro, a estima é recíproca, como sabe, mas V. Ex.ª é que teve a culpa! Desta vez, obrigou-me a estar de acordo consigo - disse que estávamos aqui para discutir política e eu discuti política! Admirou-se de quê? V. Ex.ª mesmo é que remeteu a questão para a Comissão! Se quiser, vamos à Comissão discutir os aspectos técnicos. Mas, aqui, foi o Sr. Ministro quem disse que era política que se discutia! Então, vamos a ela. De que é que se queixa, Sr. Ministro? No fundo, recebeu aquilo que pediu!
Sr. Deputado Silva Marques, todos os homens são fingidores, mas há uns mais fingidores do que outros - isso é evidente! Este «número» das férias é mesmo um acto de fingimento! Não venha dizer que é normal interromper as férias de 230 deputados para virmos aqui fazer o que podia ser feito daqui a um mês, com perfeita normalidade, porque o diploma que temos chega para os aspectos mais
Página 3213
19 DE AGOSTO DE 1993 3113
urgentes que surjam em matéria de imigração! O PSD fingiu, nós não fingimos, estamos a ser sinceros!
Sobre o que penso do que pensei, já o disse, Sr. Deputado! Bem interpretado o meu pensamento, continuo a pensar o que pensei em matéria de asilo facultativo; continuo também a pensar (mas isso o PSD não repete) aquilo que sempre pensei e penso em matéria da garantia constítucional do direito de asilo.
Aplausos do PS
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro, Sr. Presidente, Srs Deputados: Creio que, nesta altura do debate, talvez seja ocasião para dizer que o que tem marcado este tempo político, esta semana política, o que marca mais profundamente a actualidade política em Portugal não é a questão do direito de asilo mas, sim, a sucessão de derrotas que o Governo sofreu com a apreciação pelo Tribunal Constítucional de quatro dos mais importantes diplomas que constituíam o lote de diplomas que quis aprovar no final da sessão legislativa! Derrotas que lhe foram infringidas pela apreciação por um orgão jurisdicional independente, que considerou que essas quatro peças fundamentais para o Governo sofriam de inconstitucionalidades em várias das suas normas. Isto é que marca, verdadeiramente, o debate político da semana!
Não era isto o que pensava o Governo que ma suceder neste dia 18 de Agosto! Não era assim, com este clima político, que o Governo tinha previsto que este debate ocorresse! O que o Governo tinha previsto era, face ao veto do Presidente da República sobre a lei de autorização legislativa referente a alterações à Lei do Asilo, armar aqui um grande «banzé», uma grande cena de teatro, com muito dramatismo e muito, muito suspense. E essa foi exactamente a linha seguida pelo Governo quando reuniu de emergência o Conselho de Ministros Essa rábula desenhada, passava pela reunião de emergência desta Assembleia, em período de férias, pela confirmação do diploma vetado, por acusações muito variadas que iriam ser feitas ao Presidente da República, em torno do sentido da responsabilidade, do sentido de Estado. Acusações algumas delas aqui formuladas na reunião da Comissão Permanente em estilo inadmissível e inaceitável, acusações que ultrapassaram todo o sentido de respeito que deve ser devido no relacionamento entre órgãos de soberania, e, permeando isso tudo, o estilo «deixem-nos trabalhar», que o Primeiro Ministro utilizou - eu diria antes o Professor Cavaco Silva, porque foi na qualidade de presidente do PSD que utilizou essa expressão num comício de apresentação de candidaturas autárquicas.
Com uma nota, como sempre foi demonstrado ao longo dos debates que envolveram este tipo de matéria, quer na discussão de. Schengen, quer na discussão da Convenção de Dublin, quer na discussão da Lei de Estrangeiros, quer nos comportamentos sucessivos que têm sido tomados pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, o Governo não teria o menor pejo em acusar os estrangeiros de serem responsáveis por malefícios na vida nacional, por quererem invadir o País em prejuízo dos cidadãos nacionais e dos interesses nacionais.
Desta forma, o Governo não teria o menor pejo em fomentar e estimular sentimentos xenófobos e racistas, face aos estrangeiros em concreto que, muitas vezes, se apresentam para entrar nas nossas fronteiras: Aliás (repito o que disse há pouco), o desenvolvimento desta tese leva a um completo absurdo: se a tese, tal como está formulada, fossa levada até ao fim, isso significaria que, para resolver o problema da xenofobia, para resolver o problema dos estrangeiros, para resolver o problema da existência de sentimentos xenófobos em Portugal, o que era preciso era eliminar os estrangeiros da sociedade portuguesa! É esse o sentido da proposta política, das acusações que são, permanentemente, formuladas pelo Governo.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Ministros, esta rábula tão bem preparada, tão bem encenada, acabou por falhar e falhar rotundamente! E falhou rotundamente por duas razões é que mesmo a própria reunião do Conselho de Ministros acabou por ter um ar «pífio» e um pouco desconexo, e acabou com um comunicado insosso. Tudo por uma razão simples: porque o Governo se esqueceu de que não podia confirmar aqui a lei, o decreto vetado, sob pena de se sujeitar a novo veto no decreto-lei que fosse emitido ao abrigo da autorização legislativa. E, como se esqueceu disso, o Governo não teve outra alternativa - e quero sublinhá-lo aqui com clareza - senão aceitar o veto no que era o seu fundamento efectivo, isto é, quando o veto apelava a uma discussão sobre o conteúdo do diploma em toda a sua extensão pela Assembleia da República.
O Governo teve de aceitar o veto e o que aqui estamos a fazer é a confirmação da aceitação implícita pelo Governo do conteúdo do veto no que é o seu fundamento primeiro. Esta é a realidade que tornou a rábula frouxa.
De resto, essa é uma argumentação certíssima: esta Assembleia devia apreciar esta matéria do direito de asilo, devia apreciar as alterações que se procurava introduzir - não era concebível nem aceitável que elas fossem introduzidas por via de uma autorização legislativa!
A segunda razão que tornou esta operação sem sentido é a de que o seu pressuposto era o isolamento do Presidente da República, a de que ela ma aqui decorrer sob o signo do isolamento do Presidente da República. Contudo, o que se verifica é que, com as quatro decisões do Tribunal Constítucional que deram razão às dúvidas levantadas pelo Presidente da República acerca da constitucionalidade das leis, não é o isolamento do Presidente da República mas, sim, exactamente o contrário: o que se verifica é que o Governo aparece aqui e no decurso desta semana política isolado e derrotado nas suas propostas políticas!
Agora, a questão é esta: como é que o Governo se explica perante o País? Como é que o Governo explica ao País que quatro das leis em que mais se empenhou são inconstitucionais? Que critério de competência tem o Governo neste tipo de actuação? E não são umas inconstitucionalidades quaisquer, ao contrário do que anda a dizer o Governo! São inconstitucionalidades graves, que afectam princípios muito significativos e importantes da nossa Constituição: o princípio da representação proporcional, o das restrições de direitos, a violação do princípio da unidade do Estado, os excessos policiais - são temas que, pela sua importância e alcance, mostram um governo completamente desadequado do que é o texto constítucional!
O Governo dirá que «as inconstitucionalidades são só de normas», mas é preciso recordar que estas «inconstitucionalidades só de normas» são, ao fim e ao cabo, das normas que eram o essencial dos projectos políticos que o Governo apresentava com essas propostas de lei.
Assim, sem a grande fábula, o que fica é este debate por Agosto fora! E a verdade, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Ministro, é que continua a não ser dada qualquer
Página 3214
3214 I SÉRIE-NÚMERO 96
justificação credível, apesar de todos os desafios que já foram feitos no decurso desta reunião, para a Assembleia reunir de emergência durante o mês de Agosto. Mesmo os números que foram adiantados jogam contra esta pressa: por que é que é preciso reunir agora? Porquê? Porque há mais uma centena de pedidos de direito de asilo? E mais uma centena de pedidos de direito de asilo que justifica esta reunião? Com certeza que não, Sr. Presidente e Srs. Deputados!
Mais: onde está a tal «invasão» de estrangeiros que ma verificar-se? Onde estão os motivos sérios para os custos que implica esta reunião da Assembleia e para este clima de alerta, de medo, que está a instalar-se na sociedade portuguesa?
O aumento de 600 % que foi aqui referido é uma pura brincadeira de números, como aliás, já foi demonstrado. E o Governo empola esta realidade. Nós não estamos a falar dos 400 000 pedidos que existem na Alemanha: estamos a falar de cerca de 3 000 pedidos em Portugal.
Aliás, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o aumento de 600 % não existe porque esse aumento é calculado entre 1991 e 1993, e 1991 foi um ano em que houve particularmente poucos pedidos de asilo; e a verdade é que, antes disso, em 1990 e em 1989, houve mais pedidos do que em 1991 em tais termos que posso dizer (manipulando os números, tal como faz o PSD) que, entre 1989 e 1991, o número de pedidos de direito de asilo em Portugal diminuiu 200%! Esta é uma realidade tão verdadeira como aquele aumento que o PSD aponta!
De resto, tal como já foi aqui sublinhado, há uma grande diferença entre os pedidos e os efectivos reconhecimentos os pedidos colocam-se à entrada da fronteira, colocam-se nos termos em que o são; e os reconhecimentos são feitos nos termos da lei, daquela que está em vigor, e toda a gente sabe que os reconhecimentos são muito inferiores aos pedidos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, da dramatização que foi feita, passou-se, ao fim e ao cabo, a uma simples comédia são sessões extraordinárias, para satisfação de caprichos e birras do Governo e do Primeiro-Ministro, da sua vontade de protagonismo político de desviar a atenção de outros problemas - problemas centrais que se colocam na vida política nacional, como o que se passou com o SME, como as debilidades da economia portuguesa, como o desemprego - para uma questão em que o Governo pensa estar em posição favorável no terreno da opinião pública, precisamente por incentivar sentimentos racistas e xenófobos e por pensar poder jogar contra eles favoravelmente.
Em relação ao conteúdo do diploma, o PCP afirma com clareza a sua discordância frontal 'desta alteração da Lei do Asilo. E discordamos desta lei pelas razões que já referimos no decurso do debate anterior: em primeiro lugar, pela restrição do conceito de asilo, pela eliminação da concessão de asilo por razões humanitárias. Na lei actual, o asilo pode ser reconhecido aos estrangeiros que não queiram voltar ao seu país de origem «por motivo de insegurança devido a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos» Pergunto: é por haver agora conflitos armados na Europa que se altera a lei? Esta é uma lei anti-jugoslava? E a lei com que o Governo pretende responder à situação de crise real que se verifica na Europa!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isso é a negação da função da lei! A lei não se pode destinar a responder pontualmente à conjuntura. A lei foi feita precisamente para poder responder a situações como esta. Portanto, esta restrição é totalmente inaceitável.
Em segundo lugar, discordamos também com o que se passa com o processo sumário de denegação do direito de asilo, com prazos curtíssimos, que tem igualmente a nossa total oposição, nomeadamente, por causa dos seus fundamentos - e pouco se falou aqui disso. Os fundamentos que são evocados e introduzidos na proposta do Governo, aliás, na decorrência de reuniões dos ministros da Comunidade, para este processo acelerado de denegação, baseiam-se em argumentos como a proveniência de «país seguro» - o que é isto de «país seguro»? O que significa isto senão, na prática, negar a possibilidade a esse cidadão que se apresenta aqui, em Portugal, de ver o seu caso apreciado? Outro exemplo a proveniência de «país terceiro de acolhimento» - mas quem é que diz o que é «país terceiro de acolhimento»? E quais são as circunstâncias em que esse cidadão pode sair? Isto é ou não denegar o direito que tem o cidadão de ver apreciado o seu caso? Isto é ou não ofender directamente a Constituição da República portuguesa!
Dou outro exemplo ainda, em relação a este processo acelerado, que foi introduzido na proposta, «motivos de segurança pública». Querem margem mais difusa de manobra, de arbítrio, que o Governo se auto-concede para poder, de forma acelerada, repelir estrangeiros que nos peçam o exercício do direito de asilo? Este processo. Sr. Presidente e Srs. Deputados, viola direitos humanos, viola o direito de apreciação por entidade independente, viola o direito de recurso e nega o direito de asilo tal como ele está configurado na Constituição.
O Sr. Ministro veio agora aqui dizer que a proposta, ao fim e ao cabo, não era tão diferente do que o que a lei hoje dizia, um pouco do género «desculpem qualquer coisinha! Isto não há-de ser nada» Mas, Sr. Ministro, a proposta tem efectivas diferenças reais, diferenças como a da suspensão, que V. Ex.ª citou dizendo, de uma forma habilidosa, que agora também havia direito de suspensão do processo de expulsão no caso de recurso porque o .requerente podia, em processo administrativo, requerer a suspensão - mas ela pode ser negada. E o que diz a lei, hoje, é que essa suspensão é um direito seu, que se aplica automaticamente! É isto ou não uma diferença de fundo em relação à solução actual?
Sr. Presidente, Srs. Deputados. Vou concluir dizendo que as nossas discordâncias são discordâncias de fundo, em torno da lei e em torno da política que está a ser seguida. E já o disse há pouco: é uma política absurda esta política de imigração que está a ser seguida! Esta política de asilo insere-se numa política para os estrangeiros que tem uma matriz nas políticas comunitárias. É uma política, por si, absurda, que contraria os interesses nacionais e que é inaceitável! A nossa discordância de fundo leva-nos a votar contra esta proposta de alterações à actual Lei de Asilo, com clareza, com frontalidade, dizendo que é uma lei iníqua, injusta, violadora de direitos fundamentais, é uma lei que viola r Constituição e que não devia entrar no ordenamento jurídico português.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: No espaço de cerca de um mês e meio ocupa-se o Plenário da Assembleia da República pela segunda vez da pró-
Página 3215
19 OE AGOSTO DE 1993 3215
blemática do direito de asilo e do estatuto de refugiado. Numa política assumidamente como de «orgulhosamente sós», não admira que o regime deposto em 25 de Abril de 1974 tenha tardado a levar o Estado português a ratificar a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28 de Julho de 1951, só o fazendo por Decreto-Lei de 1 de Outubro de 1960, tal como não espanta também que jamais tal regime tenha ratificado o Protocolo Adicional àquela Convenção, assinado em Nova Iorque em 31 de Janeiro de 1967, mas que só veio a ser objecto de adesão por parte de Portugal pelo Decreto n.º 207/75, de 17 de Abril. Certo é que, para além daqueles instrumentos de Direito Internacional, não existia no Direito interno português qualquer regulamentação relativa ao direito de asilo e ao estatuto de refugiado.
O apego aos valores da liberdade, da solidariedade e do respeito pelos direitos humanos que o povo português sempre manteve no seu consciente colectivo fez com que, restaurada a democracia, no âmbito do Direito interno, tivéssemos começado, em matéria de direito de asilo, pela própria Constituição, em cujo artigo 33.º se consagrou de forma lapidar «É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas, perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana». A Constituição, porém, remeteu, para a lei a definição do estatuto do refugiado político.
Porém, já antes da aprovação da Constituição e ainda durante os Governos provisórios surgiram algumas tentativas de legislar nesta matéria. Posteriormente, foi apresentado à Assembleia da República pelo II Governo Constítucional um pedido de autorização legislativa que, embora tenha sido concedido, não chegou a ser utilizado em virtude da queda daquele governo. Só com o Governo da AD em 1980, veio a ser apresentada à Assembleia da República proposta de lei, a qual foi discutida em Plenário conjuntamente com um projecto do Partido Socialista de que viria a resultar a Lei n.º 38/80, de 1 de Agosto, que regula o direito de asilo e o estatuto de refugiado ainda vigente, embora com alterações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A figura do asilo é tão antiga quanto a organização do Homem em sociedade e teve, inicialmente, uma concepção e prática de natureza religiosa Foi na Grécia Antiga que o asilo religioso teve maior incremento. Roma também desenvolveu a prática do asilo, embora de forma mais limitada do que na Grécia, dado o valor particular que os romanos conferiam à lei.
Porém, é com o povo de Israel que o asilo aparece como instituição prevista e regulada pela lei. Só com o Cristianismo, contudo, o asilo ganha carácter universal. Com a evolução do Direito e da organização político-social, o asilo passou a conceito político-jurídico e humanitário, ganhando carácter laico. Fixou-se o asilo no âmbito da perseguição política ou dos refugiados políticos, sendo certo que, no domínio da delinquência comum, surgem cada vez mais formas de cooperação internacional, penal e judiciária. No domínio doutrinário, o asilo político passou a estar associado também à problemática dos direitos humanos e da sua violação.
Pela sua natureza e por força das obrigações decorrentes de convenções e tratados internacionais a que estejam vinculados e, em particular, face à referida Convenção de Genebra de 1951 e ao seu Protocolo Adicional de Nova Iorque de 1967, os Estados estão naturalmente limitados relativamente às normas de Direito interno quanto ao direito de asilo e ao estatuto do refugiado É este também o caso do Estado português, a que se acrescenta a assumida auto-limitação decorrente da sua própria Constituição. Significa isto que, à partida, tais limites sempre assegurarão que a legislação ordinária em Portugal, em matéria de direito de asilo e do estatuto de refugiado, necessariamente salvaguardará o respeito pelos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, independentemente da sua nacionalidade e país de origem.
Daqui não decorre, porém, que as alterações de circunstâncias, as conjunturas externas que se repercutem nos Estados que integram a comunidade internacional em que Portugal se inclui não permitam e até mesmo não exijam alterações do direito interno, no domínio do direito de asilo e do estatuto do refugiado. E tanto assim é que, em 1983. o governo, de que era Primeiro-Ministro o Dr. Mário Soares, legislou sobre esta matéria aprovando o Decreto Lei n.º 415/83, de 24 de Novembro, introduzindo profundas alterações na Lei n.º 38/80, que apenas três anos antes regulamentara o direito de asilo e definira o estatuto do refugiado. Só de má fé se poderá fingir ignorar que a realidade actual em termos internacionais, com particular relevância para os movimentos e fluxos migratórios e diferentes pressões demográficas, é a mesma de 1980 ou de 1983. Isto para não falar já das obrigações que decorrem para Portugal da sua integração na Comunidade Europeia e dos compromissos que lhe advêm de Acordos e Convenções celebrados no âmbito da cooperação intergovernamental.
O Sr. Ministro da Administração Interna, já aquando do debate da proposta de lei n.º 68/VI, na reunião plenária de 30 de Junho de 1993, foi claro, preciso e exaustivo nas explicações relativas aos propósitos do Governo quanto às alterações que pretende introduzir no regime legal do direito de asilo e no estatuto de refugiado. E foi claro e exaustivo quer na sua intervenção quer nas respostas aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados pelos Srs. Deputados dos vários grupos parlamentares. Se o debate foi frouxo, insuficiente ou insatisfatório não foi, por certo, por culpa do Governo nem do partido da maioria Aliás, se não fora a pressão de agendamentos de última hora de grupos parlamentares da oposição, que não se podem alhear dessa responsabilidade, por certo que o debate poderia ter tido uma grelha mais alargada. Mas daquela intervenção o Sr. Ministro da Administração Interna, que hoje voltou aqui a desenvolver e a reafirmar brilhantemente, resultou uma feliz síntese da política do Governo neste particular. E é indispensável que todos os partidos da oposição, nesta nova oportunidade de aprofundamento do debate e reflexão sobre esta matéria que o Sr. Presidente da República nos proporcionou, digam claramente perante o País se concordam ou não com essa política.
O Governo, face à crescente intensificação dos pedidos de asilo político que, na sua maioria, ocultam verdadeiros casos de emigração económica, e que se traduziu de 1992 para 1993 num aumento de cerca de 630 %r entende, na feliz expressão do Sr. Ministro da Administração Interna, dever prevenir e não remediar. Tudo se resume, pois, em saber se, face às medidas restritivas introduzidas na sua legislação interna pelos demais países da Comunidade Europeia, mormente a Alemanha e a França, devemos manter uma atitude laxista, assumindo as consequências dessa inércia e passividade face as restrições dos nossos parceiros europeus ou se, antes, sem prejuízo dos princípios da solidariedade e com respeito pelos direitos e garantias fundamentais, devemos adoptar, enquanto é tempo, medidas que previnam pressões demográficas externas e fluxos
Página 3216
3216 I SÉRIE - NÚMERO 96
migratórios que não podemos assimilar nem integrar social e economicamente.
A comunidade internacional, sem prejuízo do desenvolvimento das mais variadas formas de cooperação e de espaços de integração, continua a assentar hoje a sua estrutura na realidade Estado. E em cada Estado cabe aos respectivos governos, antes de mais e em primeira linha, a defesa dos interesses dos seus nacionais Nem se diga que se está a sobrepor um qualquer egoísmo nacional a princípios de solidariedade e de entreajuda humanitária, pois que, num pequeno país com modestos recursos como Portugal, atitudes irresponsáveis de pseudo-filantropia internacional e de indiscriminada abertura de fronteiras levaria a que muitos portugueses, como aqueles a que a eles se juntassem, viessem a ser colocados numa situação de absoluta carência económica, sem habitação, sem emprego, sem escola, sem segurança social, em suma, sem o mínimo dos direitos fundamentais com que outros se dizem preocupar, mas que, optando pelo populismo fácil e pela demagogia irresponsável, efectivamente comprometem Optar por esse caminho, em que o PS e o PCP persistem, é criar condições próprias para a marginalidade e para o crime, que geram as mais diversas reacções de hostilização social que facilmente degeneram em fenómenos de xenofobia e de racismo que, felizmente, têm estado arredados da nossa sociedade e que importa, a todo o custo, prevenir e evitar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1980, foi presente a esta Assembleia um projecto de lei relativo ao direito de asilo e estatuto de refugiado que restringia o direito de asilo aos casos de perseguição política decorrente da luta pelos valores da liberdade e da democracia. Nessa mesma altura, foi presente também uma proposta de lei que para além de consagrar o direito de asilo político em casos de perseguição política, também consagrava o direito de asilo por razões humanitárias. O referido projecto de lei, restritivo quanto à concessão do direito de asilo, era um projecto de lei do PS, cujo primeiro subscritor era o então deputado e Secretário-Geral daquele partido. Dr. Mano Soares. A proposta de lei, que alargava o direito de asilo a casos fundamentados em razões humanitárias, era a proposta do governo da AD, liderado por Francisco Sá Carneiro.
É interessante recordar agora - e já hoje isso aqui foi feito pelo Sr. Ministro da Administração Interna - os ataques, de então, do PS à proposta de lei do governo pela voz autorizada do Sr. Deputado Almeida Santos. Duvidava, na altura, aquele Sr Deputado da própria constitucionalidade da iniciativa do governo e afirmava tudo aquilo que foi referido pelo Sr Ministro da Administração Interna - e que não vou repetir para não maçar VV. Ex.ªs. Quero apenas dizer que o Sr. Deputado, referindo-se à proposta de lei do governo, dizia «que mais parecia executado pela Cruz Vermelha Internacional do que pelo governo de um país pequeno, pobre, com elevadas taxas de desemprego e emigração» Pois, Srs. Deputados, o Dr. Mário Soares, agora como Presidente da República veta a proposta de lei do Governo, alegando, aliás erradamente, que ela não contempla o direito de asilo por razões humanitárias.
Em 1983, o Governo, pretendendo alterar a Lei n.º 38/80 que regula o direito de asilo e o estatuto do refugiado político, apresentou a Assembleia da República uma proposta de autorização legislativa que deu lugar à Lei n.º 9/83, de 12 de Agosto, ao abrigo da qual aprovou o Decreto-Lei n.º 415/83 que introduziu profundas alterações e aditou novas normas à lei do asilo e estatuto do refugiado. O Primeiro-Ministro do governo que apresentou tal pedido de autorização legislativa era o Dr. Mário Soares. Pois agora, o Presidente da República, Dr. Mário Soares, veta a proposta de lei do Governo, entre outros fundamentos, porque «julga haver vantagem em que a Assembleia da República não se limite a aprovar uma autorização legislativa mas que possa aprovar directamente o próprio diploma numa matéria de tal relevância.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O veto do diploma do Governo não é apenas, como já aqui referi, um acto de romantismo político; é também, como ficou demonstrado, um acto de manifesta incoerência política. Não é legítimo associar figuras relevantes e respeitáveis da nossa História e da nossa Literatura, como Garrett e Herculano, a tanta contradição e a tamanha falta de rigor. Também não é verdade, contrariamente ao afirmado pelo Sr. Presidente da República na mensagem que enviou à Assembleia da República, que a nova lei deixe de referir o direito de asilo por razões humanitárias A solução da nova lei é em tudo similar à solução actualmente vigente. É que, em termos rigorosos, não há é direito de asilo por razões humanitárias mas soluções a ele equiparadas. A lei vigente refere, no seu artigo 4.º, n.º 2, que a concessão do direito de asilo por razões humanitárias confere ao beneficiado - situação análoga à de refugiado, sujeitando - o à legislação sobre estrangeiros; a quem beneficiasse do direito de asilo em sentido próprio, era atribuído um título de viagem previsto na Convenção de Genebra, ao beneficiário de idêntica medida, por razões humanitárias, não era reconhecido o estatuto de refugiado nos termos da Convenção de Genebra, atribuindo-se-lhe o passaporte português para cidadão estrangeiro. Esta é a situação que subsistirá por força do artigo 10.º da proposta de lei agora em discussão e com a aplicação do artigo 64 e do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, para que remete.
Sr. Presidente, Srs Deputados. Não está em causa a prerrogativa constítucional de o Presidente da República exercer o direito de veto político, mas também não estava em causa a legitimidade constítucional de o Governo apresentar uma proposta de lei de autorização legislativa em matéria que é da reserva relativa da Assembleia da República, como, aliás, já sucedera no passado que, apesar de ainda recente, parece ter sido esquecido...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é deixando-as pronunciar informalmente pela comunicação social, como provocada fuga de informação, com semanas de antecedência, que se trata de questões de Estado e se salvaguarda a necessária cooperação institucional. O Governo foi exemplar na contenção sobre o veto político do Presidente da República só assumindo posição pública após reunião do Conselho de Ministros e através do Ministro competente, tal como foi exemplar ao corresponder ao apelo do Presidente da República, apresentando a proposta de. lei agora em discussão, que visa regular directamente o direito de asilo e o estatuto do refugiado político. Os portugueses estão atentos e sabem ,quem, de boa fé, quer e pratica a efectiva cooperação institucional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal integra-se hoje na Comunidade Europeia, participando activamente na construção da União Europeia, não podendo voltar costas aos compromissos assumidos nessa sede. Ainda recentemente a Comissão da Comunidade, em documento de reflexão relativo ao recurso abusivo ao direito de asilo, afirmava: «A única forma de prevenir futuras reacções radicais que possam vir a pôr era causa o próprio direito de asilo, que é um direito fundamental, é precisamente a adopção atempada de medidas que combatam tais abusos». Por sua vez, em relatório da Comissão das Liberdades Públicas e de
Página 3217
19 DE AGOSTO DE 1993 3217
Assuntos Internos do Parlamento Europeu, da autoria do Deputado Patrick Cooney, escrevia-se: «Há indubitavelmente uma grande e compreensível tentação, da pane dos imigrantes por razões económicas, para utilizarem o processo de asilo com o objectivo de conseguirem entrar no país. Esses requerimentos podem bloquear o processo em prejuízo dos genuínos candidatos a asilo, podem também criar uma reacção negativa da opinião pública e o risco de uma reacção política de hostilidade que não distingue entre requerimentos genuínos e infundamentados». E, em documento do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados dirigido à Comissão das Comunidades, dizia-se. «A distinção entre os pedidos de asilo genuínos e os manifestamente infundamentados é muito difícil, mas necessária se pretendermos que o instituto do asilo sobreviva.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para quem nos acuse de falta de solidariedade ou ausência de sentido humanitário, é bom lembrar aqui que ainda há poucos meses e em período dos mais agudos do conflito na Jugoslávia Portugal recebeu 134 refugiados bósnios entre os quais se incluem 90 crianças, refugiados estes que estão neste momento completamente integrados. Fizemo-lo porém, de forma consciente e organizada, garantindo-lhes o necessário apoio e assistência e a adequada integração graças à generosidade de muitas famílias portuguesas. A Inglaterra acolheu - só agora - 40 refugiados bósnios e fez disso motivo para grande alarde. Recusamo-nos à menor exploração político-partidária de uma matéria que envolve o sofrimento e a dor de muitos homens, mulheres e crianças. Tudo se passou com a discrição própria das coisas que se fazem com o coração, sendo que, de outro modo, feriríamos tanto os sentimentos dos portugueses como os dos que, generosamente, acolhemos
Sr. Presidente, Srs. Deputados. Manteremos o mesmo sentido de solidariedade de sempre e o respeito pelas garantias fundamentais, mas não assumiremos irresponsavelmente qualquer posição megalómana, de todo inadequada a nossa condição de pequeno país de modestos recursos, empenhado num esforço de recuperação económica jamais anteriormente realizado. Não permitiremos o aumento das bolsas de pobreza, nem a ruptura do sistema de segurança social, nem o desenvolvimento de fenómenos de xenofobia e racismo que têm estado arredados da nossa sociedade e que são estranhos à nossa tradição de abertura e convivência.
O Grupo Parlamentar do PSD votará favoravelmente a proposta de lei por entender que, em matéria tão delicada, a política acertada é a de prevenir a tempo e não a de remediar tarde e mal.
Aplausos do PSD
O Sr Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Nogueira de Brito
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs Deputados. O sentido da participação do CDS-PP na sessão em que se procedeu à votação final global da proposta de autorização legislativa n º 68/VI, deixou clara qual a nossa posição em relação a todo este processo: discordância quanto à forma então adoptada pelo Governo, recorrendo à autorização legislativa para substituir uma lei aprovada pela Assembleia da República no tempo da maioria da Aliança Democrática, e seguindo, nesse domínio - e não só nesse -, os maus exemplos do PS que, no tempo do Bloco Central, fez aqui aprovar a lei de autorização nº 9/83, nessa altura para introduzir, também na lei em vigor, a citada Lei nº 38/80, as primeiras modificações de índole restritiva...
O Sr. José Magalhães (PS). - Com o voto do CDS. E por unanimidade!
O Orador: - Claro!
O Sr José Magalhães (PS): - Claro não, eseuro!
O Orador - ... e utilizando-o da pior maneira, como se demonstrou com a votação feita aqui à pressão no último dia de sessão legislativa já passada, a justificar inteiramente os reparos expressos na mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República.
Finalmente, discordamos do modo como foi agora invocada a urgência para agendar a discussão e votação da proposta de lei nº 73/VI, apresentada na sequência do veto presidencial.
Não chega, com efeito, invocar o ponto de vista próprio do Governo e afirmar que «os atrasos e adiamentos podem comprometer vários valores, interesses e objectivos legitimamente relevantes, que têm a ver com a defesa do presente e do futuro dos portugueses», como se faz na carta de apresentação do projecto.
É necessário explicar e fundamentar o ponto de vista e os receios do Governo, com a enumeração de factos e de circunstâncias capazes de provocar as consequências apontadas para a defesa do presente e do futuro dos portugueses.
Não temos dúvidas sobre a relevância do tema e sobre a necessidade de aprovar as modificações propostas, na linha, repete-se, das introduzidas em 1983, mas o que é necessário é demonstrar que tal aprovação se não compadece com a demora de um mês de calendário, só assim se justificando a convocação extraordinária do Plenário a que se procedeu.
De qualquer modo, e apesar de tudo a que temos assistido, continuamos a considerar o Governo, como instituição, uma entidade responsável, incapaz de, por simples leviandade ou acto de guerrilha institucional, convocar extraordinária e desnecessariamente o Parlamento, e por isso, registando embora a omissão de comportamento e a indelicadeza para com a Assembleia, entendemos que não devíamos inviabilizar a convocação.
Teria sido, no entanto, boa altura para apresentar aqui o relatório do Conselho Nacional de Segurança Interna sobre as ameaças à segurança provenientes da presença de estrangeiros em território nacional, tal como foi solicitado pelo Deputado Adriano Moreira quando aqui se discutiu a resolução nº 3/VI (Aprovação do Tratado de Schengen) e a proposta de lei nº 22/VI (Novo regime jurídico dos estrangeiros).
Cá estamos, porém. Sr. Presidente e Srs. Deputados, para discutir e votar a já proposta de lei nº 73/VI, apresentada pelo Governo com o duplo intuito de corrigir um erro do diploma que se preparava para publicar no uso da autorização concedida - esperamos que mais que um, temos esperança nisso - e de dar satisfação ao reparo fundamental feito pelo Presidente da República ao vetar, politicamente, a lei em que tal autorização era concedida, ou seja, a necessidade de submeter esta matéria do asilo político a uma discussão aberta e ampla, sem as pressas e as limitações que acabaram por caracterizar o processo referente ao diploma vetado.
As minhas primeiras palavras sobre o fundo da questão, ao contrário daquelas com que iniciei a intervenção, são, portanto, palavras de congratulação em nome do meu partido.
Página 3218
3218 I SÉRIE - NÚMERO 96
Congratulação, em primeiro lugar, com o Sr. Presidente da República, que, no tocante ao uso da autorização legislativa para este efeito, tem agora posição diferente da que tinha quando foi Primeiro-Ministro do Bloco Central. Diferente para melhor, e por isso começamos por nos congratular.
E congratulamo-nos com o Governo, que apesar da dramática encenação montada como reacção ao veto presidencial, acabou por aceitar tal veto no que ele tinha de fundamental ou seja a crítica ao processo legislativo adoptado.
Quanto ao mais, que é naturalmente, o mais importante neste debate, ou seja, a alteração da lei do asilo político, está o meu partido de acordo, nas suas linhas gerais, com o que vem proposto pelo Governo.
Desde logo porque não é muito o que muda em relação ao que está em vigor e que é o que aqui foi aprovado em 1980 e modificado em 1983. E o que muda deixa intocado o que é essencial na lei anterior, para adaptar o estatuto do asilo às circunstâncias do tempo em que vivemos, numa perspectiva de maleabilidade que o Deputado Almeida Santos tão bem e tão insistentemente defendeu na discussão de 1980.
Trata-se, aliás, de desenvolver algumas das modificações já introduzidas em 1983, desenvolvimento que a mudança na situação amplamente justifica, em nosso entender.
Com efeito, o que permanece intocado é, desde logo, o direito de asilo em si mesmo, no modo como é configurado e nos pressupostos em que assenta quer a respectiva concessão quer a sua recusa, podendo dizer-se que a concepção generosa do legislador de 1980, que o levou a ultrapassar o alcance do preceito constítucional, apesar dos avisos então feitos pelo Partido Socialista, se mantém integralmente.
Mesmo em relação ao chamado asilo humanitário a que se refere o Sr Presidente da República e que nunca será político no contexto da nossa lei - pode dizer-se que o regime consagrado no artigo 10.º da proposta se não afasta, em termos práticos, daquilo que se encontra estabelecido no artigo 2.º da lei actualmente em vigor, especialmente quando lido em conjunto com o nº 2 do artigo 4.º da mesma lei.
É claro, no entanto, que o legislador continua, em 1993, como já o fazia em 1980, a considerar que a garantia do direito de asilo consagrada no texto da Constituição deve ser entendida como a atribuição ao Estado português do poder de concede-ía, na linha, aliás, do que se encontra estabelecido na Convenção de Genebra de 1951, muito embora tratando-se de um poder com a estrutura própria de um poder-dever, na medida em que a verificação dos pressupostos enunciados na lei impõe, sem dúvida, a intervenção da administração, que concede, mas que não deixa de ficar sujeita ao controlo contencioso.
De qualquer modo, pode dizer-se, sem receio, que a visão aberta e generosa aqui trazida pela Aliança Democrática, em 1980, continua, ao menos neste domínio, a prevalecer sobre a perspectiva cautelosa, restritiva, pragmática e administrativa, centrada, sobretudo, na concepção do asilo como prémio para o combate político, na altura veiculada pelo Partido Socialista.
Haverá apenas, no nosso entender, que atentar no modo diferente como aparece regulado o problema da extensão familiar da concessão do asilo.
Perguntar-se-á: então o que é que muda, de modo a justificar tão amplas e importantes reacções?
Muda pouco e não muda o essencial, repete-se, pelo que não entendemos as reacções.
Com efeito, o que muda, desde logo, é o contexto legislativo mais vasto em que se insere esta matéria do asilo, com a aprovação do Tratado de Schengen e de Dublin e da nova legislação sobre a entrada e permanência de estrangeiros em território nacional, aqui discutida e aprovada o ano passado, com a consagração de uma viragem restritiva que de qualquer modo, acabou por suscitar talvez menos reacções do que as agora desencadeadas.
E, depois, mudarão, na lei de 1980, com as modificações de 1983, os prazos dos processos de concessão do asilo - tanto do processo normal como do acelerado -, e muda a entidade a quem cabe submeter a proposta de concessão ou de negação do asilo.
Ora o CDS-PP compreende e está fundamentalmente de acordo com o que muda. Assim - e começando pela nova estrutura da entidade encarregada de se pronunciar sobre os pedidos -, entendemos que é preferível um órgão singular, preenchido por um magistrado, do que o orgão colegial constituído por vários representantes da administração central. Haverá, com certeza, maior independência de julgamento e maior celeridade, o que é positivo Andou, no entanto, bem o Governo ao eliminar a inconstitucionalidade que resultava da inobservância do artigo 218.º, n.º 4, da Constituição. E sempre preferível alterar uma ou várias linhas, ao invés de dizer que não se altera nenhuma, que resistir em aspectos de consequências conhecidas.
Depois, e no que respeita ao encurtamento dos longuíssimos prazos do processo normal de concessão, só podemos aplaudir, certos de que a medida aproveita a todos, mas, principalmente, aos requerentes senos Esperamos é que os novos prazos venham, efectivamente, a ser cumpridos. É claro que eliminação, também nesta sede. da norma que elimina o carácter suspensivo do recurso não impede, em nosso entender, que nos termos gerais do processo de contencioso administrativo tal efeito venha a ser requerido e concedido.
Finalmente, no que toca ao alargamento e à «aceleração» do processo acelerado, entendemos que, face a uma subida preocupante dos pedidos de asilo destinados a encobrir meras situações de imigração económica, se simplifique um processo destinado a lidar principalmente com tais casos, sendo certo, como é, que o Estado Português assume a responsabilidade de alojar os requerentes em situação de dificuldade.
Haverá, no entanto, e em sede de especialidade, que limar certos aspectos que podem conduzir a uma discriminalidade excessiva e à inutilização prática do direito de recurso.
Neste aspecto, porém, move-nos, sobretudo, a ideia de que a generosidade se não comporta, por vezes, nos limites apertados das nossas possibilidades e de que, acima de tudo, será preferível defender o instituto do asilo, na sua pureza, das contaminações perigosas da imigração económica, sobretudo num país que não pode transformar-se em país de acolhimento e que, hoje, está limitado por compromissos assumidos no âmbito internacional, especialmente quando neste mesmo texto são consagradas várias normas destinadas à protecção social dos refugiados, num sinal claro de que estamos dispostos a dar todo o acolhimento ao princípio da igualdade.
Povo de emigrantes, não podemos transformar-nos num país de imigrantes e o importante é preservar, no momento que passa, o essencial do instituto do asilo, e, repetimos, manter intocado o preceito constítucional que o consagra, aproveitando, de acordo com as circunstâncias, a maleabilidade que esse texto confere ao legislador ordinário.
Por tudo isso, o CDS-PP votará, na generalidade, a favor da proposta de lei submetida agora a discussão
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Página 3219
19 DE AGOSTO DE 1993 3219
O Sr Presidente: - Sr. Deputados, o Sr. Deputado Nogueira de Brito usou de tempo concedido pelo Partido Social Democrata e de alguma tolerância da Mesa.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Com o Parlamento fechado e a grande maioria dos Deputados a banhos, entendeu o PSD, caprichosamente, irromper por entre as férias de cada um e fazer convocar uma sessão extraordinária da Assembleia da República para hoje.
Dir-se-ía, pois - e essa foi a ideia que se pretendeu transmitir ao País -, que algo de grave ocorrera e que os interesses vitais dos portugueses estariam ameaçados e era preciso correr a preservá-los.
Afinal, o que de tão vital Unha de ser defendido e decidido?
Acaso se tratava de decidir algum plano excepcional para suster, finalmente, a degradação ecológica do país?
Acaso havia algum plano de emergência para defender as empresas do colapso e travar o desemprego?
Acaso algum plano de salvação tinha sido encontrado para conter a revolta dos agricultores em fúria ou para melhorar o nosso bem-estar colectivo? Estas, porventura, as interrogações de outros mais distraídos.
O espanto foi total. Nada disso estava em jogo!
Tratou-se - e tão só -, de, reagindo violentamente ao veto presidencial, fazer voltar com urgência à Assembleia da República, agora sob a forma de proposta de lei, para aprovar em tempo record, o novo regime de direito de asilo.
Não se questiona, obviamente, a importância desta matéria. Tão pouco se duvida que a sua delicadeza justifique, plenamente, um debate exclusivo em Plenário, aliás há bem pouco recusado pelo PSD, como os «Verdes» e a oposição tiveram a oportunidade de contestar na altura.
A perplexidade reside tão só no facto de querer atribuir-se tão excepcional importância a este projecto, neste momento preciso.
Com efeito, não deixa de ser surpreendente que, com o conjunto de grandes problemas que atrapalham a vida dos portugueses, seja precisamente esta a questão a que o PSD dá tanta relevância e quer ver discutida.
Acaso alguma perigosa e clandestina invasão ocorreu nas últimas semanas sem que os portugueses o tivessem sabido?!... Não consta!
Ou pretender-se-á, subtilmente, arranjar bode expiatório e insinuar que a premente revisão da lei dê asilo é fundamental para os cidadãos portugueses, cujo bem-estar estaria a ser ameaçado com a presença de estrangeiros em Portugal?
Acaso pretende sugerir-se que os refugiados estão a usurpar o nosso espaço, a respirar o nosso ar, a roubar hipotéticos empregos e casas?
Acaso estarão a absorver somas gastronómicas da despesa pública que a outros pertenceriam?
Ou pretender-se-à insinuar até que a Santa Casa da Misericórdia está à beira da falência por apoiar exilados? Decerto que não. Bem mais depressa o estará, certamente, pelo piedoso fausto de quem a dirige agora.
Mas se estes são os argumentos perversos de quem encara a situação dos refugiados e a concessão de asilo numa visão cínica e economicista, estimulando, subrepticiamente, sentimentos racistas e xenófobos que se diz rejeitar, outra tem de ser para nós, Os Verdes, a óptica desta discussão.
A concessão de asilo não pode pautar-se por valores meramente utilitários nem ser decidida, arbitrariamente, por burocratas e déspotas de ocasião.
O direito ao asilo é um direito universal, constitucionalmente consagrado, e não pode ser alienado. É o direito de recorrer à protecção quando perseguido por convicções políticas, religiosas ou étnicas dentro do seu próprio país e, como tal, não pode ser amputado. Ele corresponde ao próprio direito à liberdade, não raro à própria vida. Espartilhá-lo ou recusá-lo, arbitrariamente, é aceitar do próprio direito à vida uma visão parcelar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, poderá Portugal e a Europa, hipocritamente, fechar-se como fortaleza aos outros Povos que durante anos explorou, como o tem feito e como o espírito de Schengen claramente traduz, mas não pode eternizar essa atitude senão através da amputação de direitos fundamentais inalienáveis e através do autontarismo.
Com um planeta marcado por abismos regionais imensos, em que 85 % do total do rendimento mundial é detido por uma escassa minoria de 20 % da população mundial, em que, só em África, 30 milhões de seres humanos morrem de fome por ano, em que a desertificação atinge 6 milhões de hectares/ano e a população cresce a um ritmo assustador, mas onde, simultaneamente, a comunidade internacional se recusa a gastar o correspondente a dois dias de despesas militares no combate à desertificação ou dez horas de gastos militares para implementar planos de contracepção, erguer novos muros entre os povos é adiar conflitos, não construir soluções, não é prevenir
Serão, seguramente, muitos os refugiados económicos e ambientais aqueles que, à porta de outros países e da Europa, também recorrem, mas, mesmo para esses, a comunidade internacional e a própria Europa têm responsabilidades, assumidas na Conferência do Rio, mas não cumpridas.
Mas se esses são refugiados, há outros também para com os quais há responsabilidades muito directas, que têm de ser encaradas. São os imensos perseguidos políticos desta Europa, são os milhares que fogem à guerra, despojados de tudo e de todos, num planeta que viu, nos últimos anos, multiplicar os conflitos regionais armados e os conflitos étnicos.
Há que apoiá-los, e essa solidariedade não se quantifica abstractamente em metas absurdas que em fronteiras pré-estabelecidas não cabem.
Portugal terá também de fazê-lo à sua própria escala e longe do alarmismo fantasioso com que se tem pretendido rodear a questão; respeitando a Constituição da República Portuguesa, lembrando a nossa história recente e mantendo-se fiel a uma cada vez mais difusa herança cultural e histórica com outros povos do Mundo, em particular o Brasil e os países africanos de língua portuguesa.
Este deveria ser o sentido da lei hoje em discussão. Não é assim, dado que ela é contrariada. E ao ser contrariada, claramente, a sua alteração significaria o garante da concessão de asilo por razões humanitárias, a extensão do direito de asilo a cônjuges ou a companheiros e filhos menores, a manutenção da existência da Comissão Consultiva para os Refugiados, a possibilidade de recurso da decisão tomada por parte dos mesmos, a exigência de justificação escrita das razões que levem à recusa de concessão de asilo, o garante da participação activa das Organizações Não Governamentais no acompanhamento e no apoio aos processos decisórios, o apoio jurídico, de tradução e logístico aos requerentes de asilo.
Estas são, entre outras, algumas das condições que o diploma em apreço deveria conter. Tal não acontece.
Página 3220
3220 I SÉRIE-NÚMERO 96
A pressa em aderir ao espaço Schengen, à ratificação da Convenção de Dublin e a vergonhosa lei de estrangeiros aqui aprovada não vai nesse sentido.
Não queremos que assim seja agora e esta é, seguramente, uma lei contra aqua Os Verdes votarão.
Aplausos do PCP
O Sr Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.
O Sr José Lamego (PS): - Sr Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna. Srs. Deputados. O Sr. Ministro da Administração Interna perguntou há pouco a um Deputado da minha bancada se nós entendíamos que se alguém preenchesse os pressupostos do direito de asilo poderia ver denegada, nos termos da nova lei, a concessão desse direito
Sr. Ministro, digo-lhe muito claramente que pode, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º e nos termos da alínea e) do artigo 19º, que permite invocar a cláusula geral de ordem pública para a denegação do direito de asilo. É essa a resposta que lhe damos. Sr. Ministro da Administração Interna.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, Srs Deputados, o Governo e o PSD quiseram converter a questão da alteração do direito de asilo num ponto de confrontação institucional com o Presidente da República e num expediente de recuperação da iniciativa política e de diversão sobre derrotas recentes.
O Primeiro-Ministro reagiu ao veto presidencial convocando, de afogadilho, um Conselho de Ministros extraordinário, que rodeou do agoiro dos piores presságios mas que acabou num afivelamento de compostura.
É hoje claro que a dramatização política que introduziu na questão não tinha que ver com a questão do asilo mas com a questão do afrontamento a um poder do Presidente da República O conflito institucional que o Primeiro-Ministro se entretém a alimentar prossegue em toada agora ciclotímica Aguardemos os próximos episódios
O Governo e o PSD dramatizaram a questão da presença, em Portugal, de um largo número de imigrantes. Mas este Governo manifestou a maior das negligências, ao longo dos anos, em matéria de política de imigração e nunca apresentou qualquer política de integração de comunidades, deixando esse encargo exclusivamente às instituições de solidariedade social e, em particular, à Igreja.
Este Governo sempre viu a questão da imigração como uma questão de polícia e se continuar a encara-ía desta maneira, ela será, a largo prazo, efectivamente uma questão de polícia
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A partir de agora, a presença de imigrantes em Portugal ameaça converter-se num alibi justificatório para dificuldades várias. desde o aumento da criminalidade a problemas do mercado de trabalho, passando pelos défices de financiamento da segurança social.
Está bem de ver que a legislação que hoje aqui se apresenta não é nenhum «elixir» miraculoso, que permita combater, simultaneamente, o problema de pressão sobre as fronteiras, prevenir o aumento da criminalidade ou aliviar o orçamento da segurança social.
Acresce que o Governo paralisou quase por completo, nos últimos dois anos, a apreciação dos pedidos de asilo, contribuindo, com a sua negligência, para o avolumar das dificuldades.
Por outro lado, o número dos requerimentos de asilo situam-se. sensivelmente, na média dos que se verificaram nos anos 80.
Esta questão do novo regime legal do asilo tem de ser discutida e é. efectivamente, importante O mento maior do veto do Sr. Presidente da República foi o de ter aberto o campo a essa discussão. Desde então, organizações humanitárias como a Amnistia Internacional, a Igreja e a comunicação social em geral, na pluralidade das suas orientações, têm discutido a questão do asilo
As nossas divergências não têm que ver, como o discurso do Governo vem insinuando, com tentativas de colher dividendos fáceis, ostentando a posição simpática e humanitária da generosidade na concessão do asilo e no acolhimento dos imigrantes Todos sabemos - e o Governo e o PSD sabem-no com proveito próprio - que é eleitoralmente mais rentável dramatizar a questão da imigração e adular sentimentos xenófobos.
Quais são, pois, as inovações mais palpáveis desta proposta legislativa? Elas residem, sobretudo, na eliminação da figura do «asilo por razões humanitárias», que reduz, consideravelmente, os potenciais candidatos ao asilo.
No resto, a nova proposta do asilo pouco mova substancialmente ou no que mova de fundamental é atrabiliária e violadora da Constituição da República.
A configuração do regime do «processo acelerado», por exemplo, e sobretudo, a alínea e) do artigo 19 º, constituem uma flagrante e grosseira violação da Constituição, ao colocar na livre disponibilidade das entidades administrativas a determinação da forma de processo como «processo acelerado» implicando - como implica - esta forma de processo a impossibilidade de recurso com efeito útil e subordinando as condições do exercício de um direito a considerações de ordem pública.
Como é que o Governo se permitiu inserir na sua proposta disposições tão grosseiramente inconstitucionais? Não é que nesta matéria de inconstitucionalidades o Governo nos cause já muitas surpresas, porque essa tem sido a regra na sua actividade legislativa recente e não a excepção.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.
O Orador: - Sr. Presidente, pedia a sua tolerância, a exemplo da que foi concedida a outros grupos parlamentares.
Mas o que explica, provavelmente, estas novas tentativas de grosseira inconstitucionalidade é o facto de o Governo ter registado algumas tendências legislativas sugeridas nas reuniões de trabalho do grupo o de Trevi e de as ter copiado de forma expedita e pouco criteriosa, sem cuidar de saber se a situação portuguesa na matéria requeria ou permitia tais soluções legislativas.
A questão de se requerer ou não já foi aqui abundantemente discutida, mas é preciso dizer que a situação jurídico-constítucional portuguesa não permite algumas das soluções legislativas apresentadas pelo Governo. E não as permite porque a garantia do asilo, na ordem jurídica portuguesa, é da natureza constítucional. O direito de asilo encontra-se constitucionalizado. É um direito fundamental, mesmo sendo, como se diz, um direito fundamental administrativo exacto. E, havendo em Portugal, tal como, por exemplo, na Alemanha, uma constitucionalização do direito de asilo, as soluções legislativas a encontrar têm de se coadunar com a garantia acolhida na Constituição. Ou seja, os padrões de protecção e de garantia do asilo não decorrem, como em muitos outros países, apenas do Direito Internacional, mas também da Constituição, dada a constitu-
Página 3221
19 DE AGOSTO DE 1993 3221
cionalização do direito de asilo operada no n.º 6 do seu artigo 33 º.
Era esta a prevenção que eu queria fazer-lhe, Sr. Ministro da Administração Interna, para não vir a ter novos dissabores nesta matéria
Estão VV. Ex.ªs, o Governo e o PSD, dispostos a examinar, com abertura e sentido de responsabilidade, eventuais alterações à vossa proposta de lei, que a expurguem de inconstitucionalidades manifestas e a tomem aceitável? Ou persistem «m tomar a questão do asilo em tema de confrontação política, adoptando uma atitude irredutível?
Na última hipótese, a de privilegiarem a estratégia de confrontação política, devemos preveni-los, lealmente, de que estamos convencidos que toda esta dramatização vai saldar-se, para vós. em mais um embaraço, com a lei a morrer no Tribunal Constítucional e a fazer companhia a muitas outras já defuntas.
Aplausos do PS
O Sr. Presidente: - Srs Deputados, uma vez que o Governo cedeu dois minutos ao Sr Deputado que acabou de intervir, a tolerância foi igual para a generalidade dos partidos.
Vai agora ser lido o voto n.º 89/VI, de pesar pelo falecimento do poeta Armindo Rodrigues, apresentado pelo PCP e pelos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
Armindo Rodrigues, nome maior da poesia portuguesa das últimas décadas, morreu no início da semana. Recordar-lhe o nome e a obra, nesta sessão extraordinária da Assembleia da República, é um dever para com a nossa Casa.
Médico, escritor, polemista, homem de combate na plena acepção da palavra, Armindo Rodrigues foi desde a juventude um cidadão incómodo pela originalidade da sua criação poética e pela frontalidade desafiadora com que soube sempre sustentar as suas posições.
Este homem, em tudo excepcional, que atravessou quase todo o século XX - ía completar 90 anos -, deixa uma obra literária, cujo valor é reconhecido pelos próprios adversários, que a sua vocação de polemista lhe fez surgir no caminho.
Ao poeta grande e ao cidadão que fez da luta contra o fascismo uma batalha pela História a Assembleia da República presta merecida e justa homenagem, associando-se ao pesar de quantos o amaram.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo pedidos de palavra, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Raúl Castro.
Srs. Deputados, em substituição dos votos n.ºs 90/VI e 91/VI, anteriormente distribuídos, vai ser lido o voto n.º 90/VI, de pesar pelo falecimento da jurista Alcina Bastos, apresentado pelo PS, pelo PCP e pelo Deputado independente Raúl Castro.
O Sr Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
Não voltaremos a ver Alcina Bastos. Morreu ontem. O seu nome, ultimamente, aparecia pouco nas colunas da imprensa. Esquecimento injusto, porque Alcina Bastos foi uma das personalidades cuja intervenção na vida nacional, nos difíceis anos do fascismo, se caracterizou por uma firmeza e uma coerência exemplares.
Jurista talentosa e combativa, não se limitou a defender os presos políticos em processos que deixaram memória. Como cidadã teve uma participação intensa e criativa em todas as lutas, antes e depois do 25 de Abril, que se lhe afiguravam justas por inseparáveis da defesa das liberdades, dos direitos humanos e da democracia.
De Alcina Bastos se pode dizer que nunca perdeu a confiança nas ideias que para ela se apresentavam como fundamento da razão de viver e sempre soube dar provas de tolerância e solidariedade, que a distinguiram como lutadora da causa da democracia.
A Assembleia da República, cujos debates Alcina Bastos tantas vezes acompanhou, associa-se com este voto ao pesar da família e de quantos vão recorda-ía com saudade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs, Deputados: Uso da palavra para me pronunciar sobre estas duas personalidades corripletamente diferentes, mas ambas sempre marcando a resistência ao fascismo.
Alcina Bastos herdou de seu pai o culto pela democracia e foi sempre resistente como seu irmão, já falecido, Joaquim Bastos.
Armindo Rodrigues era um poeta de inspiração extraordinária também sempre lutando contra o fascismo, sempre na primeira fila da resistência.
Embora sendo diferentes, ambos se bateram pela liberdade e a ambos prestamos a nossa homenagem.
Aplausos do PSD, do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, vamos votar o voto n.º 90/VI.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Freitas do Amaral e Raúl Castro.
Srs. Deputados, solicito à Câmara que se mantenha em silêncio durante um minuto, em memória destas ilustres personalidades agora falecidas.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 73/VI - Aprova o novo regime do direito de asilo.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS e do PSN e votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.
Srs. Deputados, nos termos regimentais, a proposta de lei baixa, agora, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para ser debatida e votada na especialidade.
Srs. Deputados, terminámos, por hoje, os nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária realizar-se-á na terça-feira, dia 24, pelas 15 horas, tendo como ordem do dia a votação final global da proposta de lei n.º 73/VI.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos.
Página 3222
3222 I SÉRIE-NÚMERO 96
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados
Partido Social-Democrata (PSD):
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João Álvaro Poças Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Fernandes da Silva Braga.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Paulo Martins Casaca.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Partido Comunista Português (PCP)-
António Manuel dos Santos Murteira.
Maria Odete dos Santos.
Deputado independente
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.
Parado Social-Democrata (PSD):
José Angelo Ferreira Correia
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho
Partido Socialista (PS)
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Rui Manuel Pereira Marques.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
DIÁRIO da Assembleia da República
Depósito legal n º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.
PORTE PAGO
1 - Preço de página para venda avulso, 6S50+IVA.
2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa
3 -O texto final impresso deste Diário e da responsabilidade da Assembleia da República
PREÇO DESTE NÚMERO 218$00 (IVA INCLUÍDO 5%)
Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República» deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E., P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5-1092 Lisboa Codex