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Quinta-feira, 13 de Janeiro de 1994 I Série - Número 25 829

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE JANEIRO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José de Almeida Cesário
Alberto Monteiro de Araújo
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

A Sr.º Presidente declarou aberta a sessão às 15 toras e 20 minutos

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Almeida Santos (PS) condenou a intervenção produzida pelo Sr. Ministro Adjunto aquando do debate da proposta de lei das propinas No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Lobo Xavier (CDS-PP) e Silva Marques (PSD), que também exerceu o direito de defesa da consideração.
O Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues (PCP) criticou a política de emigração do Governo e respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Miguel Oliveira (PSD)
O Sr. Deputado Duarte Pacheco (PSD) congratulou-se com a implementação do programa "Idosos em Lar" na região do Oeste

Ordem do dia. - A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de Deputados do PSD e do PCP.
Após discussão, foi aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global a proposta de lei n.º 77/VI-Autoriza o Governo a aprovar o Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária. Usaram da palavra, a diverso título, além dos Srs Secretários de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes) e Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soem), os Sn. Deputados Odete Santos (PCP), José Magalhães (PS), João Amaral (PCP) e Costa Andrade (PSD)
Foram aprovados também os projectos de resolução n.ºs 76/Vi (PCP) e 78/VI (PS) - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 286/93, de 20 de Agosto, que estabelece regras para o cálculo das pensões de novos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, e n.º 77/VI - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n. º 278/93, de 10 de Agosto, que altera o Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (PCP), bem como o projecto de deliberação n.º 84/VI - Com vista à realização, em sessão plenária, de um debate sobre a construção da União Europeia (PSD).
Procedeu-se à discussão conjunta das propostas de resolução n.ºs 28 e 46/VI - Aprovam, para ratificação, respectivamente, o Protocolo n.º 10 e o Protocolo n.º 9 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais Intervieram, a diverso título, além dos Srs Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros (Martins Jerónimo) e Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes), os Srs Deputados Alberto Martins (PS), António Filipe (PCP), Meneies Ferreira (PS), Margarida Silva Pereira (PSD) e José Vera Jardim (PS)
Finalmente, foi apreciada a proposta de resolução n.º 29/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção sobre Repressão e Prevenção de Crimes Contra Pessoas que Gozam de Protecção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos, tendo usado da palavra, além do Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros (Martins Jerónimo), os Srs. Deputados Margarida Silva Pereira (PSD), Menezes Ferreira (PS) e Miguel Urbano Rodrigues (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos

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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Vallére Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.

Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.

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Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damiao.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguei Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Paulo Jorge de Agostinho Trindade.

Partido do Centro Democrático Social- Partido Popular (CDS-PP):
Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
15abel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

ANTES DA ORDEM DO DIA

A Sr . a Presidente (Leonor Beleza): - Vamos dar início ao período de antes da ordem do dia.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.- 365M - Finanças metropolitanas (PS), que baixou às 5.ª e 6.ª Comissões, 366/VI Suspensão de vigência da Lei n.º 20192, de 14 de Agosto (Estabelece normas relativas ao sistema de propinas) (PS), que baixou à 7.1 Comissão; projectos de resolução n.01 76 e 78/VI Recusa de ratificação ao Decreto-Lei n.º 286193, de 20 de Agosto, apresentados, respectivamente pelo PCP e pelo PS, e 771 VI Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 278193, de 10 de Agosto (PCP); projecto de deliberação n.º 84/VICom vista à realização, em sessão plenária, de um debate sobre a construção da União Europeia (PSD); ratificação n.º 107/VI- Decreto-Lei n.º 421/93, de 28 de Dezembro (PCP) e audição parlamentar n.º 20/VI- Sobre o processo de privatização do Banco Totta & Açores e eventuais incidências sobre o mesmo da crise do Banesto (PCP), que baixou à 6.,1 Comissão.
Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes: ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Fernandes Marques e João Rui de Almeida; aos Ministérios do Planeamento e da Administração do Território e do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado André Martins; à Secretaria de Estado da Cultura e ao Ministério da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado Caio Roque; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado António Guterres.
0 Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Adão Silva, na ses

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são de 26 de Maio; José Mota, na sessão de 27 de Maio; José Manuel Maia, na Comissão Permanente de 29 de Julho; Mário Tomé, na sessão de 20 de Outubro; António Martinho, no dia 24 de Novembro, e Paulo Trindade, na sessão de 29 de Novembro.
Reuniram hoje, de manhã, as Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, às 10 horas e 30 minutos, Defesa Nacional, às 10 horas e 30 minutos, Educação, Ciência e Cultura, às 10 horas. À tarde, reunirão também as Comissões de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente, às 16 horas e 30 minutos, Trabalho, Segurança Social e Família, às 16 horas, Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor-Leste, às 15 horas, Eventual para a História do Parlamento, às 16 horas, e ainda as Subcomissões para a Segurança Social, às 15 horas, e para a Família, às 15 horas e 30 minutos.

A Sr a Presidente (Leonor Beleza): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

0 Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo indica que o Governo e a maioria que o apoia se encarniçam numa espécie de luta final contra o. Presidente da República, começando por acusá-lo de desencadear essa luta.
Era previsível que o reprimido desamor com que o encaram viesse à tona à medida que o seu mandato se aproximasse do fim. Mas a dois anos de data?!...
0 animus vem de longe. No mínimo, do tempo em que o Presidente - de par com o Tribunal Constitucional, o Tribunal de Contas, a Procuradoria-Geral da República e o próprio Provedor de Justiça - foi rotulado de "força do bloqueio".
Não basta ao Governo uma maioria absoluta e dócil. Não chega uma situação financeira que ofusca as do tempo do ouro e da pimenta. 0 Governo não dispensa, para se não sentir bloqueado, tribunais que o não incomodem, promoções e pareceres que não façam ondas, um Presidente que lhe não vete as leis. Em suma: instituições imbuídas da auto-safisfação do Criador ao sétimo dia.
Somos, assim, uma democracia sem democratas ao leme. Tivemos, na semana passada, mais duas demonstrações disso mesmo: o abandono, pelos representantes do PSD, na Direcção da Associação Nacional de Municípios e a monumental zurzidela parlamentar no Presidente da República perpetrada pelo Ministro dos Assuntos Parlamentares.
0 PSD perdeu as eleições autárquicas. Com algumas horas de atraso, porque geriu sem transparência a difusão dos resultados, mas perdeu-as irrefragável mente. Chegou a ser trágico ver um partido com a dimensão nacional do PSD refugiar-se na consolação de que a sua derrota não foi ultrajante. Já com esse pouco se contenta...
E tendo, em resultado disso, ficado a ver por um canudo a presidência daquela Associação, mandou retirar os seus representantes nela, atitude de quem não é democrata nem sabe perder!

Aplausos do PS.

Agendada para a passada quinta-feira- aliás, a pedido do Governo- a discussão, na generalidade, de uma proposta de lei sobre as propinas, cabia ao Governo, nos termos regimentais, "apresentar a iniciativa". Subiu à tribuna o Ministro dos Assuntos Parlamentares, sobraçando 25 minutos de leitura. E, sobre a proposta de lei, rigorosamente, disse nada. A sua incumbência era outra: desancar o Presidente da República. Qual o "crime" do coitado? Tinha demitido o Governo? Dissolvido o Parlamento? Nada disso! Tinha cometido a falta imperdoável de bloquear a acção do Governo, exercendo o seu pleníssimo, direito de veto político sobre um diploma regulamentar do Executivo! A tal ponto havia ido o seu topete!...
Ficámos, assim, todos de boca aberta. A ordem do dia qual era? Era, de facto, as propinas. Mas o Ministro tinha uma missão a cumprir e o que disse sobre o veto presidencial está para além do concebível. Não tenho ideia de outro momento parlamentar em que as relações institucionais entre o Governo e o Presidente da República tenham sido objecto de uma intervenção tão deslocada, tão irrespeitosa, tão truculenta, tão irrazoável e carecida de justificação e fundamento.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Em atitude de ostensivo desprezo, as oposições deixaram o discurso no ar. Ele era portador dos estigmas da sua própria destruição.
Acresce que o ataque ao Presidente, além do objectivo de atacá-lo, tinha o de monopolizar o debate em torno de si mesmo, relegando a discussão das propinas para saldos de atenção e de tempo. Frustrámos essa manobra. 0 ataque ao Presidente não perderia pela demora.
Não são de fácil resumo 25 minutos de acinte. 0 Ministro fez o discurso da sua vida, sem nada acrescentar à sua glória. Mas assumiu, no entanto, o papel de detonador de um conflito institucional que era latente e ficou declarado.
0 Governo e o seu porta-voz podem vir a não ter troco presidencial, ou mesmo a ter o desprezo por única resposta, mas ficou claro que o Governo quis assumir a ruptura.
Discordar do veto em causa e dos seus fundamentos era seu direito. Não o ter feito da forma por que o fez e no momento em que o fez era seu dever. Cumpria-lhe apresentar ao Plenário uma proposta de lei. Apresentou um requisitório carregado de veneno.
Não satisfeito com tais níveis de agressividade, o Ministro fez processos de intenção: as reais intenções do Presidente seriam outras e os propósitos por ele visados teriam pouco a ver com a essencialidade da matéria em causa e muito mais com outros interesses, outros objectivos e outros propósitos.
Insinua-se que são persecutórios. Em vez de crítica, o Ministro fez intriga.

Aplausos do PS.

Tamanhas contradições e tão flagrantes incoerências do Presidente da República - no entender do Ministro, como é óbvio- legitimariam profundas desconfianças:' a de que o recurso ao Tribunal Constitucional foi um mero pró-forma; a de uma ilação de despeito e mau perder; a de que as dúvidas de constitucionalidade invocadas pelo Presidente eram aparentes e não reais... Ministro mais desconfiado!... Tanto que se permite entrar pelas

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motivações do Presidente, devassar-lhe o pensamento e a vontade e voltar a sair caracterizando-o como um biltre!...
Acresce, no entender do Ministro, o facto grave de o Presidente, na fundamentação do seu veto, ter falado nas ambiguidades, nos equívocos e nas incertezas do processo de aplicação da lei que se tratava de regulamentar, sem - pasme-se! - ter apontado um só exemplo!
Precisava? Não o dispensaram disso as contraditórias posições e promessas do anterior Ministro acerca daquela lei, além dos longos e reiterados percalços das frustradas tentativas da sua execução?
0 ter o Presidente preferido a fiscalização sucessiva à preventiva dessa lei, também não teria sido, no suspeitoso entender do Ministro, uma opção inocente. Foi assim e não assado, porque o Presidente pretendeu prolongar indefinidamente na opinião pública o espectro da ambiguidade, do equívoco, da incerteza, quiçá da perturbação social. Eis, delineado, o perfil de um Presidente subversivo, que exerce o veto como quem, de uma granada, extrai a cavilha! Os Srs. Deputados... topam?
Os fundamentos do veto, esses, então, seriam de molde a pôr em risco a própria República! Eles seriam bizarros e perigosos, além de imbuídos de uma lógica irremediavelmente atentatória do equilíbrio dos poderes, apontando, como sinal, para a ingovemabilidade do País.
0 Presidente, apesar da sua aparente bonomia, quer que o País se torne ingovernável! Os Srs. Deputados estão a seguir o raciocínio?
Sabem porquê? Porque, ao afirmar que "não basta que as leis resistam a um juízo de natureza jurídico-constitucional", necessário se tomando avaliar os custos das intervenções legislativas, o grau de adesão dos destinatários aos comandos normativos e ao nível de concretização dos objectivos prosseguidos, o Presidente estaria, não a repetir uma elementaridade de política legislativa mas a conferir-se um poder de avaliação legislativa, que aos órgãos com competência para tal exclusivamente compete. Lá se ia- e nós sem darmos conta disso! - a teoria da separação dos poderes. Na prática- adverte Sua Excelência -, o Presidente estaria a atribuir-se competência para, pontualmente, rejeitar o próprio Programa do Governo. Os Srs. Deputados estão a medir o alcance?!

Risos do PS.

Pois confesso eu - jurista sem auréola - que até à revelação ministerial me mantive na convicção de que o conteúdo do veto político é precisamente, como disse o Presidente, não com um juízo de conformidade técnica com a Constituição mas de conformidade política com o pensamento e a vontade do titular da correspectiva competência.

Aplausos do PS.

Mais: que o Presidente intervém no processo legislativo por direito próprio, pelo que é absurdo chamar à colação, a propósito disso, a teoria da separação dos poderes!... 0 Presidente, ao exercer o veto político, exerce um controle, não apenas formal mas material sobre o texto a promulgar. Um controle político autónomo, característico de um sistema misto, parlamentar e presidencial.
A igual título, ou seja a título nenhum, foi chamada a capítulo a governabilidade do País. Que se pretende?

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Que o País é, ou pode tornar-se, ingovernável só porque o Presidente exerce- aliás, na proporção de três a quatro por mil decretos - o seu direito de veto político?
Onde, porém, o Ministro levou mais longe o propósito de confrontação Governo-Presidente, foi quando afirmou que rigor e inteira fidelidade à verdade eram o mínimo que devia exigir-se do texto de um veto presidencial.
Em seu entender, o Presidente teria sido infiel à verdade- vulgo mentido- quando afirmou que o decreto-lei vetado não resolve nem contribui positivamente para responder à questão central da aplicação futura do sistema de propinas, posta agora em causa pelo Tribunal Constitucional.
É falso, salta o Ministro! 0 Tribunal Constitucional não declarou a inconstitucionalidade da lei! Olha a novidade! Pois, se o próprio Presidente apenas. questionara inconstitucionalidades pontuais - de normas, não da própria lei - e algumas delas foram, pelo Tribunal, reconhecidas. Foram alterados os limites máximos da fixação das propinas. É preciso termos isto em conta! A isso se reporta, por isso, com verdade o Presidente quando, a pretexto disso, diz ter sido posta em causa a questão central da aplicação futura da lei. Tão óbvio, como "dois e dois serem quatro"!
A tudo isto, o Deputado Silva Marques viria a juntar outros impropérios e outras inquietantes questões. Quais os secretos desígnios do Dr. Mário Soares? Voltar a dirigir o PS? Impedir, por ciúme, Cavaco Silva de transformar Portugal num País moderno e de progresso? Continuar a ser um político de oposição?
Reconheça-se a pertinência de tão judiciosas preocupações!

Risos do PS e do Deputado do PSD Silva Marques.

Quanto ao Dr. Mário Soares, ele próprio, acha o Dr. Silva Marques, em seu isento critério, que nunca confiou incondicionalmente no povo, que sempre o olhou como ignaro!... "Daí- acrescenta -, nunca ter alcançado a sua própria confiança e entusiasmo". Terei ouvido bem?

Risos do PS.

Eis o retrato não do Dr. Mário Soares mas do Sr. Deputado Silva Marques, por ele próprio.

Aplausos do PS.

Estava o Parlamento neste "enlevo de alma", a ruminar sobre se o castigo do Presidente devia ser o empeachment, o ostracismo ou o exílio em São Tomé quando a nova Ministra subiu à Tribuna.
Que não senhor,... a lei havia sido alterada! Alterada, mas como, se o Presidente não tinha tido razão?! E dizia mais: que estava aberta ao diálogo com todos para eventuais novas alterações! Já agora fez saber que está quase aberta, ou aberta mesmo, à possibilidade de uma propina única! Mas como, se era isso que o veto presidencial visava?!
Em suma: um discurso humilde, depois da arrogância, e de abertura, depois do fechar das portas.
Cheguei a pensar em que a ilustre senhora se arriscava a uma demissão fulminante, pois nem uma palavra contra o Presidente da República. Mas talvez não. Reafirmou as políticas, não considerou em causa nem em crise a lei a regulamentar, não reconheceu que a questão das propinas é ela própria um epifenómeno no

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contexto do caos educativo, não deu a torcer, nem o braço do Governo, nem o próprio.
Mas uma coisa ficou clara: o ataque ao Presidente não foi o vestíbulo da intervenção da Ministra. Teve motivações que são apenas suas. Quais podem ser? Acho eu que têm a ver com o desnorte que se apossou do Governo e da maioria que o apoia. 0 discurso do
Ministro dos Assuntos Parlamentares já releva do pré-delírio. De optimismo em optimismo, o Governo abeira-se da depressão final. A crise teima em não se compadecer dos bons augúrios das previsões oficiais. 0 Governo deixou de acreditar em si mesmo e nos milhões que prodigaliza em direcção a novas demonstrações de ineficácia.

Aplausos do PS.

Começou a contagem decrescente da sua actual liderança. Os resultados das eleições autárquicas, por melhor que tenha sido a sua gestão mediática, tiveram a ressonância de um dobre de finados. A remodelação ministerial foi um fogacho. A telenovela da distrital de Lisboa uma premonição. E o deus ex machina das passadas euforias, entre auto-responsabilizar-se pelo caos anunciado e pedir asilo no Olimpo de uma candidatura presidencial, optará pela fuga. Não será a primeira!
É assim configurável uma emergência de orfandade. E os contornos negativos da situação do País tornam-se de tal modo óbvios que a própria criação de sucessivos factos políticos, desviantes das atenções da opinião pública, deixou de desviá-las. Mesmo o número da dissolução do Parlamento, tão bem urdido, tão bem gerido e tão bem secundado pelos arautos do sensacionalismo, acabou por não produzir os efeitos desejados.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 Presidente não perdeu a serenidade. 0 PS não perdeu a compostura. 0 País não perdeu a cabeça nem comprou o anunciado receio da instabilidade: o Governo não é insubstituível, o Primeiro-Ministro não foi enviado por Deus.
Não obstante, o descabelado ataque ao Presidente da passada quinta-feira reveste-se de todos os matizes da retoma, por outra via, dos objectivos da anterior invocação do risco da dissolução do Parlamento. Persistindo, como persiste, o pânico de ter de levar o mandato até ao fim, e com ele o quod erat demonstrandum da sua incapacidade para enfrentar os problemas económicos e sociais com que o País se debate, o Governo não desiste da tentativa de se apear antes da última estação.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Daí o apelo a esse último recurso que é um bom conflito com o Presidente - para o efeito, quanto menos justificado melhor - na esperança de que o Presidente se irrite e, irritado, dissolva ou demita. Desregulam o funcionamento das instituições e esperam que o Presidente se limite a constatar esse facto. Em alternativa, o Governo e a maioria que o apoia ganham uma nova justificação para os seus insucessos e ficam com um pretexto à mão para um non possumus final, com o actual Primeiro-Ministro a caminho de casa.
Dirão que é impossível governar com este Presidente ou, no mínimo, que é isso impossível ao actual Chefe do Executivo, com a mesma desfaçatez e sem razão com que o acusaram agora.
Interpretado a esta luz, o discurso do Ministro faz sentido. Faz tanto mais sentido quanto mais disparatado é!
Não felicito o Governo e a maioria por esta presuntiva bomba atómica da sua estratégia política. Antes, exorto-os a deixarem-se de habilidades, de fugas à realidade, de sucessiva criação de factos políticos na esperança de uma desresponsabilização impossível.
A cruz é vossa, transportai-a! Tivemos a nossa.
0 Presidente da República, se bem ajuízo, não vos criará qualquer dificuldade que os vossos erros vos não tenham criado antes. Tentar destruí-lo seria não só um novo erro mas o maior de todos. Ele é, neste momento, aos olhos dos portugueses, a única garantia contra a vossa irresponsabilidade e o vosso desvario.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador. - Ao ouvir o Ministro dos Assuntos Parlamentares dei por mim a pensar: anda aqui o dedo de Júpiter!

Aplausos do PS, de pé.

A Sr a Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP):- Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, com as características próprias das suas intervenções, a que estamos habituados, trouxe ao Parlamento um assunto que merece discussão, comentário e, por isso, esta sua iniciativa é bem-vinda, do nosso ponto de vista.
Começaria por dizer que é bem-vinda porque, para além de tudo o mais, é falsa a notícia hoje publicada por um jornal diário, segundo a qual, naquele ambiente que é causa próxima da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos - o debate sobre as propinas -, o Partido Socialista teria convencido a oposição a não fazer perguntas ao Sr. Ministro Marques Mendes, por este não se referir às propinas.
A parte falsa dessa notícia é que o Partido Socialista não convenceu ninguém a tomar qualquer posição.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Que injustiça!

0 Orador: - Não convenceu ninguém a tornar qualquer posição nem ninguém - pelo menos o CDS-PP fala por si - tomou qualquer posição por ter sido convencido.
Portanto, o meu primeiro comentário é este: concordo com a descrição do debate feita pelo Sr. Deputado Almeida Santos. 0 debate foi realmente assim, ou seja, teve as cores que o Sr. Deputado apresentou.
Contudo, a primeira diferença que encontro no pensamento do CDS-PP em relação ao do Sr. Deputado é a seguinte: considero que era absolutamente legítimo que o Sr. Ministro Marques Mendes abrisse o debate e se pronunciasse, com algum cuidado, sobre a questão do veto presidencial.
0 Sr. Deputado há-de concordar que este veto concreto corresponde a um estilo novo de veto e tem um tipo de fundamento que justifica comentários; desde logo, estava por detrás, claramente, da discussão que íamos ter- que era, aliás, uma vitória do Sr. Presidente da República -, merecendo, por isso, comentário e crítica.

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Era legítimo que o PSD ocupasse tempo a falar desse veto...

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Obrigado!

0 Orador: - ... mas já não era legítimo que toda a abertura do debate fosse conduzida a propósito desse tema. Assim, foi mais do que ilegítima a abertura do debate, porque conduzida apenas nesse caminho, tornando-se quase uma atitude de desrespeito pelo problema e pelas suas envolventes.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Exacto'!

0 Orador: - Quanto a isso, estamos de acordo, mas essa é a causa próxima da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos. A causa mais remota, o "ambiente" das suas palavras é o da chamada crise ou conflito institucional entre Belém e S. Bento.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que já considerei sugestivas as ideias de que toda esta crise resulta da conveniência do PSD; admito que neste conflito institucional há muito de vantagens para o PSD, e, porventura, vantagens políticas imediatas para o Presidente da República não são fáceis de construir e de apresentar.
Contudo, há um dado novo: é que, se durante algum tempo foi possível dizer que o conflito institucional convinha ao PSD e era por ele provocado artificialmente, a partir do momento em que está em preparação o célebre congresso- o tal que parece ser só um encontro das grandes famílias da esquerda, patrocinado por pessoas ligadas ao Sr. Presidente da República e que só um puro critério formal pode desligar do convívio e do entendimento com o Sr. Presidente da República -, a sua organização, sob esses auspícios, do ponto de vista material e substancial, deixemo-nos de formalismos, veio retirar, de facto, credibilidade à ideia de que neste conflito tudo convém ao PSD e de que tudo é criado artificialmente pelo PSD.

A Sr.º Presidente (Leonor Beleza): - Queira terminar, Sr. Deputado.

0 Orador: - Termino já, Sr a Presidente.
Ou seja, essa ideia deixa de corresponder à verdade.
Já agora, aproveito para explicar por que razão não temos nada a ver com esse congresso. Não vamos estar presentes não só porque não temos muito a ver com as figuras apresentadas pela televisão como de primeira linha mas, sobretudo, porque temos muito pouco em comum, em matéria de críticas ao Governo, com as críticas que essas figuras possam fazer.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - 15to é, a nossa crítica e oposição ao Governo tem pontos de partida completamente diversos,...

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - ... e não creio que ganhássemos alguma coisa, em termos de credibilidade, em nos juntarmos às pessoas que estão nesse congresso, por muito respeito que nos mereçam.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

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0 Orador: - Porventura, podíamos ter em comum coisas gerais, como seja criticar a forma de ocupação do aparelho de Estado ou o uso da maioria absoluta. Mas sendo essas as coisas em comum que poderíamos ter, não ganhamos muito com isso.
Sr a Presidente, antes de terminar e dirigindo-me também ao Partido Social Democrata, queria acrescentar que há aqui um problema sério, algo que não me canso de lembrar: não votámos no Presidente Mário Soares e, por isso, estamos mais à vontade... quer dizer, isto para nós não é surpresa.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Nós temos mais razão de queixa!

0 Orador:- Não é surpresa nem rasgamos as vestes em virtude do que está a acontecer, porque não votámos no Sr. Presidente da República nem andámos, pelo País, a defender que ele era, de facto, a imagem fundamental da estabilidade e da governabilidade do País.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Fomos abusivamente enganados!

0 Orador: - Temos razões para temer o frentismo decorrente deste congresso, bem como para ter algumas dúvidas sobre a posição do Sr. Presidente da República nessa matéria, com a credibilidade que o PSD não tem. De facto, quem faz coligações, pelo País fora, com o PCP, num sem número de autarquias,...

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Não é verdade!

0 Orador: - ... para retirar a maioria a outros partidos políticos da oposição, não está à vontade neste campo.

Aplausos do PS.

A Sr.º Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, já esgotou, em dobro, o tempo de que dispunha para usar da palavra. Queira terminar, por favor.

0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Desta forma, queria dizer que esta matéria é, para nós, muito importante mas a direcção do meu partido admite que, neste conflito institucional, não estejam em causa as pessoas. Com efeito, este tipo de conflitos já surgiu com outras pessoas e noutros ambientes políticos, com e sem maiorias absolutas.
Este conflito, repito, é grave ao ponto de termos de repensar o sistema político, do nosso ponto de vista.
Mas deixemos esse assunto para outra oportunidade e, desde já, agradeço a benevolência da Sr.ª Presidente.

A Sr." Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado Almeida Santos, havendo mais um orador inscrito para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

0 Sr. Almeida Santos (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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0 Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, muito obrigado por ter considerado bem-vinda a minha iniciativa. Também me parece que ela tem oportunidade.
Confirmo, também, que o PS não tomou qualquer iniciativa no sentido de convencer fosse quem fosse a não fazer perguntas ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. Teremos coincidido... Por vezes os bons espíritos coincidem! Aliás, era demasiado óbvio que o discurso, entregue a si próprio, se auto-des- truíria.
Quanto às diferenças, o Sr. Deputado entende que o Sr. Ministro Adjunto tinha o direito de falar no veto presidencial. Não neguei que tivesse esse direito, defendi apenas que não tinha o direito de substituir a apresentação de uma proposta de lei por um ataque ao Presidente da República, sem falar no diploma em apreciação.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Tal gerou uma situação absurda: as oposições disseram o que tinham a dizer antes de ouvirem o Governo e antes mesmo de ouvirem o PSD, ou seja, falaram "no ar", sem saberem, em certa medida, de que é que estavam a falar.
Por fim, a Sr a Ministra da Educação fez uma espécie de encerramento, deixando em má posição o discurso do próprio Ministro, o que constituiu uma surpresa agradável para todos nós.
Em todo o caso, é evidente que o que se passou ali não foi normal e teve uma motivação que tem de ser devidamente interpretada. Foi disso que me encarreguei.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Disse também o Sr. Deputado que se trata de um veto novo. Na realidade, não é o primeiro veto presidencial por razões políticas nem é o primeiro veto fundamentado por apreciações de discordância com o conteúdo material de leis ou de decretos-leis. Não temos, portanto, por que nos espantar, temos, talvez. que felicitar o Governo e o PSD por o Sr. Presidente da República exercer o veto político a título tão excepcional, pois, como já referi, exerceu-o à razão de três ou quatro vezes por cada mil diplomas que foram para promulgação, da parte do Governo ou desta Assembleia.
Pareceu-me um pouco "metida a ferros", na sua intervenção, a referência ao congresso. Compreendo que o Sr. Deputado e o seu partido não gostem do congresso: há quem goste e quem não goste, há mesmo quem o encare sem grande entusiasmo mas com compreensão.
A esse propósito, devo dizer-lhe o seguinte: somos pelo debate político dos problemas políticos e quando fazemos apelos a que a sociedade civil se dinamize e participe, de forma a que a democracia seja cada vez mais participativa, somos sinceros. Não podemos é passar a vida a estimular a sociedade civil a intervir, a participar e a debater e, quando ela se organiza e debate, aqui del rei, porque esse é um projecto do Presidente da República.
E porquê do Presidente da República? Diz o Sr. Deputado: porque há lá amigos do Presidente da República. 0 Presidente da República tem 70 ou 60 % de apoios populares e, portanto, dificilmente alguma coisa acontece neste país onde não esteja um, dois ou três amigos dele!

0 Sr. Silva Marques (PSD): - 15so é verdade!

Risos do PSD.

0 Orador: - Aguardemos a atitude do Presidente da República: se preside ou não, se patrocina ou não, se vai ou não ao congresso e só depois tiremos as conclusões.
Não antecipemos, pois, desde já, uma carga de veneno em cima do Presidente da República porque, desculpe Sr. Deputado, com toda a simpatia e respeito que tenho por si, embora em menor dose e em menor escala, a sua atitude , em ponto pequeno, também um pouco a do Ministro Adjunto, ou seja, também fez processos de intenção em relação ao congresso.
Quanto ao congresso, qual é a nossa posição? Deixemos florescer centenas de visões, deixemos debater os problemas e sejamos capazes de aproveitar, se for caso disso, as conclusões desses debates. Todos nós temos a ganhar, nomeadamente o Governo e o partido que o apoia. Não se agitem antes do tempo e deixem ver o que dá!
Sr. Deputado António Lobo Xavier, desculpe mas esse foi o lado menos nobre da sua intervenção, pela qual, aliás, quero felicitá-lo.

Aplausos do PS.

A Sr.º Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Sr . a Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, infelizmente não fui convidado para o congresso. Aí, de certo, iria obter todos os esclarecimentos...

Risos do PSD.

Mas ainda não desisti, continuo à espera do convitezinho e estou bem seguro de que, pelo menos com os empenhos do Sr. Deputado, ele cá chegará.
De qualquer forma, Sr. Deputado, é de notar o aspecto curioso de andarmos com os temas trocados: quando falamos do veto do Sr. Presidente da República, os senhores não falam, e quando estão na ordem do dia outros temas, os senhores aparecem com a questão do veto, tardiamente,...

Protestos do PS.

... tão tardiamente que me pergunto o que se passou entretanto!

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Creio bem que, em eventual jantar ou almoço alguém terá dito: "Mas então, ficaram todos em silêncio,... ninguém ousou tomar a palavra para me defender?!" Compreendo que era difícil...
Aliás, interpelei directamente o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins no sentido de ele se pronunciar sobre os fundamentos aduzidos pelo Sr. Presidente e ele não ousou. De facto, repito, a argumentação era extravagante e de uma fragilidade confrangedora e, por isso, os senhores - estou convencido que por uma questão de rigor intelectual e também de fidelidade ou de princípio cívico da coerência - quedaram-se em silêncio.
De certo, foi nesse jantar, ou almoço, onde a afectividade com certeza contou,...

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Risos do PSD e do PS.

... que alguém terá dito: "Mas, então, nem uma voz em minha defesa?!" E o Sr. Deputado Almeida Santos, com certeza, perante o apelo "Nem tu, Ant6nio",...

Risos do PSD.

... com a generosidade que lhe é bem conhecida, resolveu vir defender o Sr. Presidente da República.
Mas, Sr. Deputado Almeida Santos, não "mastiguemos" a matéria, pois ela já foi aqui exaustivamente tratada. Hoje, a ordem do dia é outra!
Julguei que o Sr. Deputado nos viria, hoje, falar daquilo de que a imprensa já fala. Aliás, tenho comigo um recorte, que é a repercussão na imprensa estrangeira, falando dos sinais de retoma da economia.

Protestos do PS.

que, se estivesse na sua posição, neste momento, estaria de algum modo envergonhado daquilo que disse do Sr. Presidente da República. Acho que dificilmente se pode, de tão pouco, tirar tanto e tão mau como o Sr. Deputado Silva Marques tirou.
V. Ex.ª mostrou-se aqui à-vontade para encarar isso como se nada tivesse feito, como se nada tivesse acontecido, como se aquilo que disse fosse uma atitude normal de crítica parlamentar em vez de ser uma intriga, do princípio ao fim. Eu sentia-me, com certeza, mal se estivesse na sua posição e tivesse tomado a sua atitude.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Contudo, vem agora aqui gracejar. V. Ex.ª vem aqui gracejar ao dizer: "0 senhor vai ao congresso ou não vai? Que tese vai defender?" Mas o que é que o senhor tem a ver com isso?

Srs. Deputados, só um momento! Desinflacionem os Risos do PS. vossos ruídos.

Como dizia, pensei que o Sr. Deputado nos falaria da retoma da economia ou da prestação, publicamente elogiada por VV. Ex.ªs, do novo Ministro das Finanças ou, ainda, do famigerado congresso, aliás, já conhecido pela ETAR da oposição estação de tratamento de águas residuais da oposição!

Risos do PSD.

Sobre isso, assunto de que todos falam, o Sr. Deputado Almeida Santos não disse nem uma palavra!
Repare, o Sr. Deputado surpreendeu-se com a minha interpretação dos desígnios do Sr. Presidente da República. Mas, meu Deus, todos os comentadores são unânimes e eles não se interrogam apenas, afirmam unanimemente que o Sr. Presidente da República tem decepado implacavelmente, friamente, todos os pretendentes a líder
do PS. São os comentadores que o dizem!
Compreendo, Sr. Deputado Almeida Santos, quando V. Ex.ª omite essa questão. V. Ex.ª está, com certeza, dilaceradamente dividido entre duas fidelidades, como
pessoa de bem que é, uma ao líder do PS, Engenheiro António Guterres, e outra, por razões históricas, pessoais e políticas, como é normal e são, ao Dr. Mário
Soares.
Por isso, a minha pergunta é esta: o Sr. Deputado Almeida Santos vai mesmo ao congresso dito "ETAR da oposição"? E, se vai, que tese vai defender, sendo
certo que não pode haver situacionismo num país onde existe um Partido Socialista que se pretende liderante?
Ou há situacionismo e o PS não é liderante de coisa nenhuma, de debate nenhum?
Gostava de saber qual é a tese que o Sr. Deputado Almeida Santos vai defender no congresso dito "ETAR da oposição" porque, Sr. Deputado Almeida Santos, se
há situacionismo, de facto, temos de concluir que o PS não perdeu a compostura nem a cabeça, mas perdeu, sem dúvida, a liderança.

Aplausos do PSD.

A Sr.2 Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

0 Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados, Sr. Deputado Silva Marques, penso

0 que o senhor tem a ver com isso ou o que explicações e justificações é que eu tenho de lhe dar dos meus actos, onde vou e que tese defendo?

Vozes do PS: - Muito bem!

Aplausos do PS.

0 Orador: - Acuso o seu partido e o Governo de quererem desestabilizar as instituições, de quererem criar um falso conflito na maior inoportunidade e sem nenhuma justificação, nenhuma causa, para que o Presidente constate se está em causa o regular funcionamento das instituições e dissolva ou demita - sempre a preocupação de se aliviarem da carga do poder! - e o senhor vem-me com graçolas, com habilidades, com desvios do tema' Faça o favor de encarar aquilo que lhe disse e diga se é verdade ou não, se há razões ou não há para ter a suspeita que denunciei e que o Sr. Deputado António Lobo Xavier acompanhou, porque esse é que é o tema de discussão hoje e não outra coisa, Sr. Deputado.
0 senhor disse coisas da maior gravidade. Não tenho ideia de em nenhum momento parlamentar se terem dito coisas da gravidade das que o Sr. Deputado disse acerca do Presidente da República, nomeadamente que exorbita as funções presidenciais, disputa a liderança oposicionista ao Secretário Geral do PS, que este foi o pretexto presidencial para tentar dar novo fôlego ao protesto de certos sectores escolares.
0 Presidente da República, no dizer do Ministro e do Sr. Deputado, seria uma espécie de subversor da ordem social estabelecida! Então, isto diz-se de um Presidente da República?!

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Numa democracia estabilizada, normalizada, isto justificava que se pusesse em causa o regular funcionamento das instituições.

Aplausos do PS.

Só que isso é o que os senhores querem! E disso nos defenda, a nós, que não desejamos que isso aconteça, porque queremos que os senhores levem a vossa cruz

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até ao fim e sejam julgados pelos vossos erros e pelas vossas incapacidades.

Aplausos do PS.

0 Orador:- E depois vem também retomar a ideia de que, quando o Presidente diz - o que é uma fundamentação extravagante- que não basta que as leis resistam aos juízos de natureza jurídico-constitucional,... o que é verdade, pois o conteúdo do veto político é uma apreciação material sobre o conteúdo do diploma e não sobre a sua adequação à Constituição.
Lamento muito se o senhor se esquece disso ou o desconhece- não desconhece, com certeza, esquece-se, porque lhe convém! Mas é preciso esquecer-se intencionalmente disso para fazer, a partir daí, uma crítica que a fundamentação do Presidente não merece nem justifica. 0 que ele disse é uma óbvia elementaridade de política legislativa. Ele faz parte do processo legislativo, é, em certa medida, um legislador na ponta final do caminho para a formação de uma lei, intervém por competência própria num juízo pessoal e político sobre o conteúdo das leis. Se os senhores querem negar isto, estão a querer inverter o sistema, a violar a Constituição, a fazer dela uma interpretação arrogante que não podemos silenciar em face disto.
Vozes do PS: - Muito bem!

Aplausos do PS.

0 Orador: - Depois, vem o senhor dizer que esta visão, normalíssima para qualquer constitucionalista, contém em si mesma o gérmen do pântano e da paralisia política. É paralisia política corrigir os erros do Governo? Como o próprio Governo aceitou corrigir, porque veio aqui a Ministra dizer: "reconhecemos que errámos, corrigimos e estamos dispostos a corrigir mais". Então, o Presidente tinha ou não tinha razão? Com que fundamento é que os senhores o criticam?
E, depois, a ideia das motivações secretas do Presidente da - República, Sr. Deputado, é pura intriga. "Voltar a dirigir o PS; vingar-se dos socialistas; impedir Cavaco Silva, por ciúme (vejam só!) de transformar Portugal num país moderno e próspero"!... Meu Deus, isto é de um ridículo incrível e o ridículo mata!
"Continuar a ser um político da oposição; ele nunca confiou no povo porque o considera ignaro", diz o Sr. Deputado do Presidente da República. 0 senhor mantém perante nós todos e perante o País esta afirmação? Diz que o Presidente nunca conseguiu a confiança e o entusiasmo do povo. 0 senhor mantém isto? E não cora do seu erro? E não cora da sua aleivosia, que não pode ter outra qualificação?

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não cora porque não tem vergonha!

0 Orador:- Sr. Deputado, não venha, mais uma vez, desviar as atenções para o congresso, para os problemas dos jantares hipotéticos, que o senhor inventa, nos quais teria sido discutido isto ou aquilo."Então nem tu, António, me defendes?"! Por amor de Deus, a fantasia tem limites, a intriga tem limites! Sr. Deputado, lamento muito não poder deixar de ter falado com a veemência com que falei.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado Silva Marques, pediu a palavra para que efeito?

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Para defesa da consideração.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra para esse fim.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, surpreendeu-me a forma como o Sr. Deputado reagiu e respondeu, até porque não estamos habituados a vê-lo reagir dessa forma. Alguma coisa o irritou!

0 Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

0 Orador: - Porque, Sr. Deputado, em matéria de ironias e de graçolas, V. Ex.ª decerto, eventualmente com maiores preocupações literárias, é o campeão!

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - A ironia fica deste lado e as graçolas, desse!

0 Orador: - Alguma coisa o irritou. 0 que é que o irritou a este ponto? Quanto às críticas que fiz ao Sr. Presidente da República, acerca da liderança do PS e de outros temas, os comentadores são unânimes, repito, unânimes, havendo apenas um comentador que discorda, o Dr. Cunha Rego, e todos os outros são concordantes, inclusivamente o próprio Diogo Pires Aurélio, insuspeito, é coincidente. 0 Dr. Soares está, drasticamente, a prejudicar o aparecimento e a afirmação de qualquer liderança do PS e isso não é de hoje, é dos tempos anteriores!
Srs. Deputados, é meu direito comentar politicamente os acontecimentos, ou não é? Ou esse direito pertence apenas aos senhores?
Em segundo lugar, Sr. Deputado, acerca do entusiasmo do povo, devo dizer que é minha opinião - contestável, mas é a minha opinião - que a oposição clássica, no nosso país, andou anos e anos (aliás, eu pertenci a essa oposição) a distribuir papéis sem ter conseguido provocar um estremeção no País e quem o provocou foi o General Humberto Delgado. Não foi aquela oposição clássica que nós, durante anos e anos, apoiámos, com aqueles abaixo-assinados, conhecidos e reconhecidos, que fez estremecer o País, foi o General Humberto Delgado.
Esta' é uma tese. 0 Sr. Deputado com certeza que discorda dela mas é uma tese legítima e normal! Não há razão para V. Ex.ª dizer que eu pronunciei aleivosias. Aleivosias porquê?- Ou todos entusiasmaram todos, durante meio século de ditadura salazarista, Sr. Deputado? A minha tese é a de que não. Alguns não entusiasmaram ninguém e foi por isso que a ditadura durou meio século. Se alguém tivesse entusiasmado alguém mais depressa, a ditadura não tinha durado meio século, convenhamos!

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - 15so é defesa da consideração?

0 Orador: - Estou a fazer a defesa da minha consideração porque não produzi aleivosias, contrariamente à afirmação que o Sr. Deputado Almeida Santos fez, produzi opiniões, juízos.

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Mas, Sr. Deputado Almeida Santos, quando lhe perguntei se ia ao congresso, foi uma pergunta, mesmo assim, legítima no quadro do debate político. E expliquei porque é que estava curioso de saber se V. Ex.ª ia lá ou não: pretendia saber qual era a tese que V. Ex.ª ia defender, se havia situacionismo ou não e, havendo situacionismo, quem era a causa dele. Porque o situacionismo pode resultar do Governo, ou da maioria, mas com certeza há-de resultar também da oposição, não pode existir só por culpa de uma das partes. Se a oposição é viva, capaz e eficaz, não há situacionismo.
Por isso, Sr. Deputado e sem pretender arreliá-lo, tenho a ousadia de insistir na pergunta: que tese vai V. Ex a defender ao congresso, se acaso lá for? Que, de facto, existe situacionismo? Que esse situacionismo é só meio situacionismo, resultante da maioria? A oposição não tem culpa nenhuma? No entanto, a tese e o alarme lançado pelos promotores, aparentemente, não absolvem ninguém do situacionismo! Sr. Deputado, com as minhas protocolares desculpas, vai ou não ao congresso? E, se for, que tese vai defender?

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

0 Sr. Almeida Santos (PS): - Sr . a Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª repetiu uma pergunta e eu repito a resposta.
Perguntou-me porque é que estou irritado e respondo-lhe que por sua causa, por causa daquilo que o senhor disse, da maneira como o disse e da irresponsabilidade com que o disse!

Aplausos do PS.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Então, deve estar irritado com milhares de pessoas!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, não há mais intervenções políticas, pelo que vamos passar a outras intervenções do período de antes da ordem do dia. Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

0 Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Contactos recentes com trabalhadores portugueses da Suíça, da Alemanha e da França permitiram-me confirmar mais uma vez a gravidade das consequências da política do Governo Cavaco Silva relativamente aos nossos emigrantes, sobretudo os da Europa. Essa política justifica o qualificativo de calantosa.
0 Executivo repete, há muito, o mesmo discurso florido sobre os portugueses da diáspora. Utiliza desonestamente o tema do voto nas eleições presidenciais como cortina demagógica para desviar a atenção das questões fundamentais que preocupam os emigrantes. Na prática manifesta um desinteresse real pelas reivindicações desses nossos compatriotas e por problemas cuja solução eles exigem há muito.
A questão prioritária do ensino do português nos países da União Europeia, continua a merecer do Governo um tratamento ora displicente ora arrogante e sempre negativo. 0 início do actual ano lectivo foi assinalado por medidas que vieram demonstrar o desinteresse do executivo pelo ensino do nosso idioma no
estrangeiro. Os critérios utilizados foram, aliás, tão Labirínticos e contraditórios que se diria terem sido inspirados em cenas de teatro de Ionesco. Mereceram então uma brilhante sátira da Prof. Piedade Gralha no jornal da FRENPROF. E, transcorridos mais de seis meses, continuamos sem conhecer os motivos pelos quais não foi sequer publicada a lista da colocação dos professores. Será matéria de segurança nacional? Na Suíça e na Alemanha aumentou o número de alunos da nossa língua, mas estranhamente, diminuiu o número de cursos e de professores. Porquê? Mistério.
0 Governo não responde aos requerimentos que lhe são dirigidos. Cito dois exemplos: em Maio de 1993, pedi ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e ao Ministério da Educação esclarecimentos sobre o despacho 15 A SERE-SEEBS 93 e sobre a Lei de Bases do Sistema Educativo, a Lei n.º 46148; não recebi, até hoje, resposta. Há dois anos, o meu partido levantou na Assembleia da República a questão do subsídio de desemprego exigido pelos portugueses que trabalham uma parte do ano na Suíça, os chamados sazonais. Este ano foram mais de 40.000 e regressaram a Portugal sem receberem o respectivo subsídio, não obstante terem feito os descontos, de acordo com a lei suíça. Que fez o Governo para resolver o problema desses emigrantes atípicos? Nada, como de costume. A responsabilidade do Executivo é tanto maior quanto situações similares já foram resolvidas por acordo entre as autoridades helvéticas e os governos de Espanha e da Itália.
Srs. Deputados, os portugueses que trabalham em diferentes países da Europa de Maastricht estão cansados de ouvir os governantes afirmar que são, hoje, cidadãos comunitários. Cansados e revoltados, porque sabem que, na vida real, no quotidiano, continuam a ser emigrantes cujos interesses não são adequadamente defendidos pelo Governo.
É significativo que o Orçamento do Estado, aprovado a aclamado pelo PSD, tenha agravado em cinco pontos percentuais a taxa do IRS que incide sobre os juros das contas de poupança dos emigrantes; de 7,5 % passou para 12,5 %, para que o Governo arrecadasse mais de 10 milhões de contos à custa do trabalho dos emigrantes.
Srs. Deputados, a máquina da propaganda oficial fez enorme aranzel em torno dos contactos mantidos pelo Primeiro-Ministro com os portugueses da França. 0 País foi mais uma vez bombardeado com a mentira. É um facto que o Chefe do Governo abriu ali o leque da fantasia. De tudo falou.
Segundo me disseram em Paris, parecia Cosme de Médicis - o avô do Magnífico - a anunciar benesses infinitas aos seus vassalos florentinos. Mas a realidade foi bem cinzenta. Cavaco não abordou sequer as questões que preocupam os emigrantes residentes na novíssima União Europeia. Não deu mostras de conhecer, pelo menos, as suas legítimas reivindicações.
Essa atitude de distanciamento do Primeiro-Ministro ajusta-se bem à sua mundividência. Quando olha para a Europa de Maastricht somente vê o que quer. Alude com frequência à crise, mas não enxerga a ponte entre esta e as políticas que fizeram, na Europa, 20 milhões de desempregados e mais de 50 milhões de pobres.
Cavaleiro de um liberalismo desumanizado, Cavaco Silva não vê, nem quer ver, a "verdade e a realidade de uma Comunidade, onde os especuladores financeiros - as palavras são do meu camarada Carlos Carva-

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lhas - podem atacar impunemente as economias nacionais e os Bancos Centrais, onde um só especulador pode ganhar, numa só noite, mil milhões de dólares, mas onde, num só dia, milhares e milhares de trabalhadores perdem o emprego".
Srs. Deputados, este Governo, que nada construiu em benefício dos nossos emigrantes, encontrou, porém, maneira de destruir coisas a que tinham apego. Destruiu, por exemplo, o Conselho das Comunidades que, apesar de todas as suas insuficiências, era um espaço de diálogo insubstituível.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: É melancólico chamar a atenção para evidências tão confrangedoras, mas é também indispensável, porque a política do Governo relativamente aos emigrantes- repito- é um desastre.
Recordo que o actual Secretário de Estado, logo após a sua posse, informou que estava a estudar os dossiers. Transcorreu mais de ano e meio e, pelos vistos, ainda não ultrapassou a fase do estudo, porque é um secretário mudo e quieto.
Na sua oratória demagógica, o Governo afirma que jamais aceitará que os emigrantes sejam tratados como portugueses de segunda classe e, contudo, quem os trata dessa maneira, legislando contra os seus interesses e recusando-se a dar solução aos grandes problemas que eles colocam, é o próprio Governo.
Na perspectiva do Governo Cavaco, os emigrantes servem, afinal, apenas para encher os cofres públicos e equilibrar a balança de transações correntes. Mas, que eu saiba, o Primeiro-Ministro absteve-se, até hoje, de reconhecer publicamente que as remessas dos emigrantes atingiram, no ano passado, 600 milhões de contos, uma autêntica chuva de ouro, mais densa e pesada do que os fundos vindos da Europa Comunitária.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miguel Oliveira.

0 Sr. Carlos Miguel Oliveira (PSD): - Sr a Presidente, Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, a sua intervenção era previsível. É sempre previsível! As suas intervenções contêm muitos adjectivos, mas poucas propostas, poucos substantivos, enfim, pouco de positivo em relação às comunidades portuguesas. Dessa bancada sai sempre um muro de lamentos, mas não sai absolutamente nada em termos de propostas para as comunidades portuguesas.
Várias vezes tenho referido que a política para as comunidades portuguesas deve ser, tanto quanto possível, partidária. No entanto, a bancada do Partido Comunista tem sempre uma"partidarite", uma crítica, uma antítese, porque dela própria, em termos de tese e em termos de contribuição, não sai nada. E não só não sai nada como não acompanha, não está actualizada com aquilo que tem sido feito em termos de emigração.
0 Sr. Deputado falou em termos de contas poupança-emigrante, mas esqueceu-se de referir que o limite máximo de empréstimos ao emigrante foi aumentado de 20 000 para 30 000 contos e que o prazo máximo de empréstimo foi aumentado de 12 para 20 anos, aumentando, portanto, a comparticipação do Estado de apoio ao emigrante durante mais oito anos, e esqueceu-se de falar sobre a isenção parcial do imposto sobre sucessões e doações. Tudo isto ficou no esquecimento dos deuses!
No que se refere ao reforço de meios, falou novamente do Orçamento do Estado para 1994, mas esqueceu-se de referir os 560 % de aumento no referido Orçamento, dedicado a um aspecto fundamental da emigração, ou seja, à modernização do sistema de circulação e tratamento da documentação e informação, que tem sido um ponto muito falado pela bancada do Partido Comunista em anos anteriores, e os 360 % de aumento dedicado a instalações e equipamento de serviços diplomáticos e consulares, que é outro aspecto fundamental e importantíssimo para a emigração.
Falou da cultura, mas também aí houve um aumento de 325 % no Orçamento do Estado para 1994, no Instituto Camões.
Um outro aspecto que o Sr. Deputado se esqueceu de referir e sobre o qual falou no passado foi a reestruturação do Ministério dos Negócios Estrangeiros e estrutura consular, autonomia administrativa dos consulados a partir de 1 de Janeiro de 1994 e o Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas, que tanto referiu.
Aliás, Sr. Deputado, a sua desactualização é completa e julgo que, para haver uma participação em termos de contribuições positivas para as comunidades portuguesas, é preciso haver o mínimo de actualização.
Poderia continuar referindo a criação de um posto emissor especializado de bilhetes de identidade no próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros, etc., porém fico-me por aqui, Sr. Deputado, à espera da sua próxima contribuição em termos de propostas, mas mais actualizada para a próxima vez.

Aplausos do PSD.

A Sr a Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

0 Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr.ª presidente, Sr. Deputado Carlos Miguel Oliveira, vou ser brevíssimo porque, amanhã, um camarada meu vai ter necessidade de utilizar o tempo ainda disponível.
Porém, gostaria de dizer que terei muito prazer em lhe oferecer o texto da intervenção que tinha escrito, onde algumas das questões são expostas numa perspectiva completamente diferente das que citou, como o Instituth Camões e como o que chamo medidas mofinas e farisaicas em relação aos emigrantes e à mudança de alguns aspectos da política do Governo.
Para terminar, porque tenho muito pouco tempo e porque a abertura da sua intervenção foi sobre o substantivo e o adjectivo, queria dizer-lhe que a última coisa que esperava do Sr. Deputado Carlos Miguel Oliveira - embora não pretenda ser um mestre da língua - era que V. Ex." me viesse dar lições sobre o uso do substantivo e do adjectivo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

0 Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A essência de um Partido Social De-

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mocrata está na solidariedade. Esta deve ser o seu valor supremo. Esta deve ser o objecto de toda a sua luta. Esta tem de ser o objectivo de todo o seu trabalho.
A solidariedade social não deve, pois, ser somente uma palavra bonita e vã, para utilizar em discursos de circunstância, nem uma palavra que pese na consciência em momentos de reflexão.
Temos orgulho no facto de o Partido Social Democrata e o Governo que ele suporta terem sempre presente esta realidade: mais do que os discursos, o relevante é a obra feita.
Quem tem em conta os mais desfavorecidos e carenciados, não são aqueles que os têm sempre presentes nas suas palavras, mas, sim, aqueles que, no dia a dia, no desempenho das suas funções, têm como objectivo servir os outros, pondo em prática, através de cada gesto, acções que visem melhorar as condições de vida daqueles que mais necessitam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Sempre presente está, no entanto, uma realidade: a colaboração estreita entre o Governo e a sociedade civil, porque a função da solidariedade social, se cabe ao Estado, não se esgota nele.
Assim, de uma forma louvável, a actuação de inúmeras instituições de solidariedade social possibilitam e contribuem para uma melhoria da qualidade de vida dos nossos idosos.
De uma forma paulatina, discreta, ano após ano, têm sido avultados os investimentos feitos, tem sido grande a obra realizada.
Porque quero comprovar aquilo que acabei de dizer, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, vou dar como exemplo a actuação do Governo nesta área na região pela qual fui eleito, a região Oeste.

0 Sr. Luís Nobre (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - Nestes seis concelhos - Arruda dos Vinhos, Alenquer, Cadaval, Lourinhã, Sobral de Monte Agraço e Torres Vedras - foi inscrita, em PIDDAC, nos últimos três anos, uma verba superior a 400 000 contos, destinados à construção de infra-estruturas básicas, tais como lares e centros de dia.
Bem superior é, no entanto, a verba atribuída através dos acordos de cooperação às instituições de solidariedade social desta região. Esta verba, que é destinada ao funcionamento das diversas valências (lares, centros de dia, apoio domiciliário) que aquelas instituições levam a cabo, passou de 670000 contos, em 1991, para cerca de 900 000, em 1993, o que corresponde a um aumento de 34 % somente em dois anos.
A filosofia da acção governativa é a de privilegiar a manutenção do idoso no seu ambiente natural de vida. Evita-se a todo o custo o desenraizamento do idoso e a sua mudança para um meio que ele desconhece. É a aposta no apoio domiciliário. No entanto, existe a consciência de que, apesar deste ideal, no dia a dia, não diminuem as listas de espera nos lares de terceira idade.
Daí a necessidade do desenvolvimento do "Programa de idosos em lar", o qual tem vindo a implementar em toda a região uma rede de infra-estruturas, procurando responder às expectativas das populações.
De um nível de simples estudo a um nível de execução, são diversos os empreendimentos comparticipados pelo Governo, dos quais realço: o Centro Social e Paroquial do Carregado, que envolve 300 000 contos para um lar com 60 camas; a Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras, que envolve 150 000 contos para cerca de 40 camas; a Santa Casa da Misericórdia de Sobral de Monte Agraço, que envolve 33 000 contos para 20 camas; a Santa Casa da Misericórdia do Cadaval, que envolve 33 000 contos para 12 camas; a Caritas Paroquial do Vilar, que envolve 16 000 contos para 11 camas; a Santa Casa da Misericórdia da Lourinhã, que envolve 240 000 contos para cerca de 55 camas; a Santa Casa da Misericórdia da Arruda dos Vinhos, que envolve 199 000 contos para 57 camas; e o mesmo se poderia repetir, por exemplo, para as instituições de Campelos, Ramalhal, Freiria, Maxial, Merceana, Marteleira e Monte Redondo.
Enfim, neste programa estão em construção, ou prevêem-se construir de momento, cerca de 420 novas camas, o que corresponde a um investimento que rondará 1,5 milhões de contos.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Esta é a realidade. Existe a consciência que muito há a fazer, mas também a satisfação de que muito tem vindo a ser feito.
Mais do que palavras, existe obra feita; mais do que números existe aquilo que cada habitante do Oeste sente, ou seja, que se está a criar uma realidade melhor.
As obras aparecem, mas não nos damos por satisfeitos. Nenhum esforço é demais para dar uma vida condigna àqueles que necessitam. Não se pode parar enquanto ao nosso lado viverem idosos em dificuldades.
Este é um dever de todos nós. Este um lema. Este é um querer. Esta é uma maneira de estar que, tenho a certeza, os portugueses reconhecerão.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados,* terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos iniciar o período da ordem do dia, com a leitura de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Secretário.

0 Sr. Secretário (Alberto Araújo): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição dos Srs. Deputados Carlos Alberto Pinto (PSD), por um período não inferior a 45 dias, a partir do dia 7 de Janeiro corrente, Álvaro Barreto (PSD), por um período não inferior a 45 dias, a partir do dia 11 de Janeiro corrente, Carlos Coelho (PSD), a partir do dia 10 de Janeiro corrente, e Rogério Brito (PCP), a partir do dia 10 de Janeiro corrente, pelos Srs. Deputados Lurdes Póvoa Costa, João Granja da Fonseca, António Augusto Fidalgo (PSD), e Paulo Rodrigues (PCP), respectivamente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do CDS-PP, de Os Verdes, do

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PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.

0 Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, é para solicitar à Mesa, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, a interrupção dos trabalhos por um período de cinco minutos.

A Sr a Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, é realmente, pelo que está suspensa a sessão.

Eram 16 horas e 32 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º VIVI - Autoriza o Governo a aprovar o Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária.

A Sr a Odete Santos (PCP): - Sr.º Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.º,, Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr a Deputada.

A Sr.º Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, no dia 3 de Novembro passado, e uma vez que esta proposta de lei estava agendada para o dia 11 do mesmo mês, oficiámos o Sr. Presidente da Assembleia da República, comunicando que não se tinha procedido a consulta pública da proposta de lei e que, portanto, a mesma deveria ser desagendada.
Consultado o processo legislativo que neste momento existe na Assembleia da República, verifica-se que, depois do desagendamento do dia 11 de Novembro, o Sr. Presidente da Assembleia da República oficiou o Sr. Director-Geral da Administração Pública, solicitando-lhe que procedesse à consulta pública. Houve uma resposta da Direcção-Geral da Administração Pública a dizer que já tinham sido ouvidas anteriormente as associações sindicais, mas nada diz sobre os pareceres dessas associações. Não sabemos se existem ou não esses pareceres e, se existem, não nos foram transmitidos.
0 Ministério da Justiça também se limitou a informar que tinham sido ouvidas as associações sindicais, sem que carreasse para a Assembleia da República qualquer informação sobre os pareceres emitidos.
Ora, esta questão foi já tratada no Acórdão n.º 107188, de 31 de Maio, do Tribunal Constitucional, que se ocupou de uma questão semelhante, também respeitante a uma autorização legislativa. Penso que ficou completamente esclarecido, a partir dessa altura, que as autorizações legislativas são legislação laboral. 0 que, de facto, o acórdão não esclareceu é se era a Assembleia que tinha de fazer, por iniciativa própria, essa consulta ou se o Governo era obrigado, no caso de a ter feito, de mandar para a Assembleia a consulta efectuada e se ela servia.
De qualquer forma, estamos perante o mesmo caso. 0 Tribunal Constitucional disse que não havia necessidade de aprofundar o assunto na altura, porque nem a Assembleia tinha procedido à consulta, nem o Governo tinha informado ou carreado para a Assembleia os pareceres.
Embora defendamos que - aliás, é o que refere o Decreto-Lei n.º 45-A184, na sua redacção -, sendo a autorização legislativa uma proposta a ser debatida na Assembleia da República, é a Assembleia que deve promover a consulta pública. De qualquer forma, verificamos que não foi dado cumprimento à consulta, porque, nos termos do tal acórdão do Tribunal Constitucional, o Governo não mandou para a Assembleia as sugestões e pareceres das associações sindicais.
Assim sendo, pensamos que a prosseguir o debate desta proposta de lei com o dossier que temos, ela vai sofrer de uma irremediável inconstitucionalidade. Por isso mesmo, a proposta deve ser desagendada, mais uma vez, por não haver consulta pública aos organismos representativos dos trabalhadores.

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza):- Para que efeito, Sr. Secretário de Estado?

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa no sentido de tentar esclarecer esta situação e, se possível, ultrapassá-la, para podermos iniciar o debate.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr a Presidente, em primeiro lugar, acho estranho que o PCP levante esta questão, na medida em que houve um consenso na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares entre os diversos partidos e o Governo, no sentido de que, quando se suscitassem dúvidas sobre este problema, se deveria esclarecer que estava tudo conforme os preceitos constitucionais e legais. E, portanto, foi adiado por uns dias o agendamento.
Não me parece que o PCP, depois de isto ter acontecido e de ter dado consenso para este novo agendamento, não levantando em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares qualquer tipo de dúvida, venha agora fazê-lo aqui.
Mas vamos à questão importante, que é a de esclarecer as dúvidas suscitadas pela Sr.ª Deputada Odete Santos.
No cumprimento do Decreto-Lei n.º 45-A184, o Governo consultou as associações sindicais antes de a proposta de autorização legislativa ter sido aprovada pelo Conselho de Ministros, em 16 de Setembro de 1993. Posteriormente, quando a questão se levanta em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares podia pôr-se o problema tal qual a Sr a Deputada Odete Santos o colocou, isto é, de o Parlamento suscitar, através da Mesa, dado que as propostas de autorização legislativa não baixam às comissões, uma nova consulta e da forma como o Parlamento o entenda, pois não é o Governo que vem dizer ao Parlamento como é

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que essa consulta se deve fazer, quando ou de que forma se deve revestir.
0 Parlamento, através do Sr. Presidente da Assembleia da República, considerou que essa consulta se devia fazer de uma determinada forma: informar-se, junto da Direcção-Geral da Administração Pública e do Ministério da Justiça, se a consulta tinha sido feita e que tipo de resposta tinha sido dada.
0 Sr. Presidente da Assembleia da República fez essa pergunta ao Governo e à Direcção-Geral da Administração Pública. 0 Governo- pelo menos, a Assembleia recebeu uma resposta!-, num ofício datado de 9 de Novembro passado, referia que a consulta tinha sido feita, juntando-se cópia do ofício que tinha sido remetido às associações sindicais.
É evidente que, em relação a esta matéria, não se pode utilizar, para efeito de prova definitiva, a comunicação social, mas afirmo aqui, em nome do Governo, que a consulta foi feita e as associações sindicais decidiram não responder, porque, na generalidade, estariam de acordo com aquilo que estava proposto. Hoje mesmo, num jornal diário. um representante das associações sindicais afirma que elas foram consultadas, mas que decidiram, pura e simplesmente, não responder, porque estavam, na generalidade, de acordo com a proposta de autorização legislativa e até com a legislação que, posteriormente, estava na calha para ser desenvolvida em correspondência com essa proposta de autorização legislativa.
Portanto, parece que a questão suscitada pela Sr.ª Deputada Odete Santos não faz sentido. No entanto, se a Sr a Presidente achar oportuno, entregarei na Mesa cópias dos ofícios trocados entre o Governo e as associações sindicais.

A Sr a Presidente (Leonor Beleza): - Presumo que a Sr.ª Deputada Odete Santos pretende interpelar novamente a Mesa sobre esta questão.
Tem, pois, a palavra.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.º Presidente, o Sr. Secretário de Estado não entendeu o que eu referi. É possível que desconheça profundamente este assunto, nomeadamente o que é uma consulta pública.
Eu não disse que não tínhamos documentos na nossa mão. Portanto, não precisa de os mandar para a Mesa, porque são os mesmos que tenho aqui. Aliás, são documentos onde não há qualquer referência sobre os pareceres, apenas informam que mandaram ofícios às associações sindicais, nada mais! Recordar-lhe-ia que isto é tudo menos uma consulta pública.
Em minha opinião, a autorização legislativa é discutida pela Assembleia e é a Assembleia que deve proceder a essa consulta. Mas ainda que assim não fosse, eu ler-lhe-ia o que diz o Acórdão do Tribunal Constitucional, que referi há pouco, sobre uma autorização legislativa, e um caso igual, que diz o seguinte: "Uma vez que a Assembleia da República não levou a efeito qualquer consulta às organizações representativas dos trabalhadores nem lhe foi dado conhecimento pelo Governo das opiniões e outros elementos, eventualmente, por ele recolhidos, aquando da audição das organizações dos trabalhadores, na fase preparatória da proposta de lei, conclui-se que as normas impugnadas são inconstitucionais por não se haver respeitado o referido direito de participação".
Este foi o caso dos ofícios que VV. Ex.ªs mandaram para a Assembleia. Tenho aqui o de 9 de Novembro passado e reza tão-só que foram ouvidas nos termos do decreto-lei. Enviam a cópia do ofício que mandaram, mas onde é que está, Sr. Secretário de- Estado, a comunicação de quais foram os pareceres das associações sindicais a quem mandaram o ofício? Não diz aqui nada, nem dizem se estiveram ou não de acordo.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Presumo que ainda sobre esta questão, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr a Presidente - e novamente para interpelar a Mesa -, apesar de a Sr.ª Deputada Odete Santos ter dito que eu não estaria habilitado para falar sobre o assunto, não acrescentou rigorosamente nada de novo sobre o mesmo.
0 que me parece é que a Sr.ª Deputada está a fazer- e não lhe quero cometer essa injustiça, porque é uma jurista qualificadíssima! -, alguma confusão entre o que é audição pública e consulta às associações sindicais. São duas questões completamente diferentes!
0 Governo fez a consulta e não tem que entregar nenhuns elementos, porque não obteve resposta. 0 que a Sr a Deputada está a fazer é doutrina sobre interpretação do acórdão do Tribunal Constitucional. Não é essa a nossa interpretação e julgo que algumas das inquietações que, eventualmente, tenha, têm que ser dirigidas à Mesa da Assembleia da República e não ao Governo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP):- Peço a palavra, Sr., Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra,. Sr a Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr a Presidente, aquando da minha interpelação, fiz um requerimento no sentido de que esta matéria fosse desagendada por não ter havido consulta pública. Aliás, o dossier prova que não houve!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, está posta em causa a estabilidade da ordem do dia. Como sabem, há um princípio no Regimento da Assembleia da República em que diz que a ordem do dia pode ser alterada por deliberação da Assembleia, sem votos contra.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Sr.º Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa sobre esta matéria.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, creio que deveria ter alguma vantagem em obter alguns esclarecimentos adicionais por parte da Mesa quanto às circunstâncias que rodeiam, por um lado, o agendamento e, por outro, a leitura que a Mesa faz sobre os pressupostos necessários para a sua efectivação, nos termos constitucionais.
De facto, houve debate- aliás, bastante polémico sobre o regime aplicável à consulta quanto a autorizações legislativas. 0 Tribunal Constitucional veio clarifi-

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car o regime aplicável, o Regimento da Assembleia da República, na redacção em vigor no artigo 145.% disciplina a forma como a consulta deve ter lugar. No caso vertente, esta matéria foi agendada e depois desagendada por se constatar que não tinha havido um processo adequado e regimental de consulta.
Entre esse momento e o momento actual, ocorreram ou, pelos visto, não ocorreram- coisas!... 0 que parece não ter ocorrido, se bem nos apercebemos daquilo que foi exposto à Câmara, foi: primeiro, a edição de uma separata, contendo a autorização legislativa em causa; segundo, a divulgação pública e disponibilização da referida separata às entidade interessadas; terceiro, a recolha das opiniões eventualmente emitidas pelas entidades a consultar e com direito de intervenção no processo; finalmente, o relatório da entidade adequada sobre o balanço desta consulta pública.
Não constam dos autos desta proposta de lei nenhum desses elementos. Porquê?
De facto, o artigo 145.º do Regimento da Assembleia da República diz o seguinte: "I - Tratando-se de legislação do trabalho, a comissão promove a apreciação do projecto ou proposta pelas comissões de trabalhadores e associações sindicais ... "
Tratando-se de uma autorização legislativa, não há baixa a nenhuma comissão. Todavia, é de admitir que as funções que, neste caso, cabem à comissão devam caber, por definição, ao Sr. Presidente da Assembleia da República, enquanto entidade com responsabilidade global da condução dos assuntos respeitantes à Câmara, cabendo-lhe, portanto, organizar tudo aquilo que, mutatis mutandis, cabe às comissões parlamentares especializadas.
No caso concreto, isso, aparentemente, não aconteceu. Houve debate com as entidades interessadas por parte, seguramente, de vários grupos parlamentares. Tivemos ocasião de reunir, por exemplo, com a Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária- e não foi há tantas horas como isso... Mas o que está aqui em causa é uma coisa completamente diferente, ou seja, é o cumprimento das regras jurídico-formais que enquadram a participação de entidades com legitimidade para tal em processos legislativos, solução que tem origem constitucional, consagração legal e expressão no Regimento. Portanto, há três sedes a determinarem um procedimento específico nesta área.
Portanto, Sr.ª Presidente, gostaríamos de saber se houve alguma consenso ou alguma medida adoptada, de forma não polémica, no sentido de este procedimento consulta revestir uma outra forma. E, nesse caso, que forma é que revestiu que não encontra vestígio nenhum nos autos do processo, que são relevantes, por um lado, perante as organizações de trabalhadores, por outro lado, perante quem tem legitimidade para suscitar a fiscalização preventiva ou sucessiva abstracta e, por outro lado ainda, perante os próprios cidadãos, que têm direito a saber quais são as regras que a Assembleia da República aplica nesta matéria?
Apelamos, pois, Sr a Presidente, para que se possa lançar alguma luz sobre esta matéria, ainda antes de tomarmos uma deliberação.
Aquilo que consta do processo legislativo que está, neste momento, à disposição da Mesa é apenas um ofício do Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República, dirigido ao Director-Geral da Administração Pública, onde se lhe pede que "Promova, nos termos do Decreto-Lei n.º 45-A/94, a participação das respectivas associações sindicais no processo de elaboração legislativo em causa".
Portanto, de acordo com o que consta do processo, o Sr. Presidente da Assembleia, ou o seu Gabinete, terá tido o entendimento de que essa audição devia ser promovida pelo Governo ou pela Administração Pública.
Em todo o caso, tenho conhecimento de que existem outros elementos e, porque me parece que a questão deve ser esclarecida cabalmente neste momento, vou interromper a sessão por 10 minutos.
Srs. Deputados, está interrompida a sessão.

Eram 16 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados, a Mesa tem já os elementos necessários relativos à questão que foi colocada e, segundo creio, terão sido distribuídas fotocópias da respectiva correspondência trocada entre a Direcção-Geral da Administração Pública, o Gabinete do Sr. Ministro da Justiça e a Assembleia da República.
Tal como eu tinha dito há momentos, o Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República dirigiu um ofício ao Sr. Director-Geral da Administração Pública, no dia 3 de Novembro de 1993, altura em que esta questão tinha sido desagendada, dizendo que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º e nos termos do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 45-AI84, de 3 de Fevereiro, deveria ser promovida a participação das associações sindicais no processo de elaboração do projecto em causa. No dia 9 de Novembro de 1993, é dirigido um ofício, por parte do Gabinete do Sr. Ministro da Justiça, ao Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República, em que se diz que se promoveu a consulta de associações sindicais, nos termos do Decreto-Lei n.º 45-AI84.
Foram ainda distribuídas cópias de outros ofícios.
Srs. Deputados, nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 45-A/84, refere-se, com efeito, que "No cumprimento do princípio constitucional, é reconhecido aos trabalhadores da Administração Pública o direito de participarem, através das suas associações sindicais, na elaboração da legislação relativa ao regime geral ou especial da Função Pública" e, no artigo 14.1, referem-se os termos em que se deve proceder a essa consulta.
Ora, nos termos deste decreto-lei, parece-me ser claro tratar-se da consulta às associações sindicais e creio ser esse o processo legislativo que deve ser seguido.
Assim sendo, este caso concreto parece estar esclarecido. Porventura apenas não terá sido dito na correspondência trocada que as associações sindicais não responderam à consulta que lhes foi feita, mas foi aqui informado pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares que essa resposta não existe.

Nestes termos, parece-me estar esclarecida a ques-

tão, quer relativamente ao processo que foi seguido,

quer àquele que deveria ter sido seguido: a consulta às associações sindicais nos termos do decreto-lei, tal como

A Sr.2 Presidente (Leonor Beleza): - 0 Sr. Deputa-

do José Magalhães adiantou-se ao que eu pudesse dizer sobre o assunto.

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a pergunta, por parte da Assembleia da República, de saber se essa consulta foi ou não feita e a resposta de que foi feita.
Em todo o caso, existe um requerimento oral do PCP no sentido do desagendamento desta proposta de lei.

0 Sr. João Amaral (PCP):- Sr.ª Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

A Sr.8 Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. João Amara] (PCP): - Sr.ª Presidente, o nosso requerimento tinha, obviamente, o sentido de pedir à Mesa que aclarasse a sua posição - e digo "obviamente" no sentido em que este termo é agora utilizado correntemente no linguajar dos portugueses; este "obviamente" é apenas um pouco de retórica!
Mas, ainda sobre esta questão, quero dizer o seguinte: creio que a Sr a Presidente entende que a participação é obrigatória e que esta foi concretizada através do sistema que referiu. Ora, se- é importante registá-lo a participação é obrigatória e a Mesa tem o entendimento de que ela foi realizada, então, a Mesa entende, por essa razão, que o processo deve prosseguir.
Creio haver algumas observações a fazer à metologia seguida e que, em ocasiões futuras, a metologia a seguir deverá ser diferente: em primeiro lugar, não é aceitável que actos de expediente oficial da Assembleia da República, como tal, sejam realizados por um funcionário, seja ele quem for, pois quem exerce o poder aqui é o Presidente da Assembleia e os presidentes das comissões, a Assembleia no seu conjunto, e não os gabinetes - não são eles que fazem consultas, seja a que título for- e, em segundo lugar, entendo que estes processos de consulta devem ser conduzidos pela Assembleia da República e que deveria ter sido esta a faze-los.
No entanto, tendo em vista que a Mesa aceita o processo seguido e ainda que, futuramente, se poderá, então, reconduzir o processo através de um sistema mais adequado, não criaremos qualquer obstáculo à decisão da Mesa e retiramos o requerimento, visto considerarmos consumido o seu objecto.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

A Sr a Presidente (Leonor Beleza): - Com certeza, Sr. Deputado João Amaral. Tinha sido expressamente dito "requerimento de desagendamento", mas, nos termos em que agora colocou a questão, entendo que o requerimento foi retirado.
No entanto, em relação às considerações que fez, quero explicitar melhor o que consta de um ofício que seguiu do Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia para o Director-Geral da Administração Pública. Nesse ofício diz-se- e essa é a forma de proceder-"Por determinação de Sua Ex.ª o Presidente da Assembleia da República". Logo, é o Presidente da Assembleia quem toma a decisão. Nos termos administrativos normais, a carta segue assinada por alguém do seu Gabinete, mas a determinação é do Sr. Presidente da Assembleia.

0 Sr. João- Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Presidente, peço-lhe desculpa, mas não prescindo do meu ponto de vista. E o meu ponto de vista é que estes actos não são actos de expediente administrativo da Assembleia mas são actos com conteúdo legislativo material, e que, na promoção da consulta, não deverá ser, por exemplo, o Chefe de Gabinete quem se dirige às associações sindicais mas a Comissão, nos termos normais. É assim que tem sido feito na Assembleia da República, nomeadamente por razões que têm a ver com a fidelidade da documentação que é enviada. Insisto no meu ponto de vista e coloco a questão nestes termos, ou seja, que daqui para o futuro deve ser feito assim e não através de sistemas que colocam no circuito administrativo matérias que têm matriz e assento no domínio legislativo.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, verdadeiramente, creio que este incidente terá tido, ou poderá vir, a ter o mérito de ajudar a aclarar o procedimento obrigatório em casos similares a este e há duas disfunções que, gostaria de não deixar de registar, porque elas poderão, eventualmente, repetir-se, e importaria que não se repetissem em circunstância alguma.
Em primeiro lugar, há uma certa margem de dúvida sobre o regime aplicável em processos de consulta que incidam sobre autorizações legislativas, porque nestas, e apenas nessa medida, não há intervenção das comissões parlamentares, pois nenhuma comissão está legitimidada e habilitada para intervir, sendo o Presidente da Assembleia da República quem deve assumir essa competência - este aspecto, suponho, merecerá consenso, mas exige ainda algumas precisões que agora me dispensarei de minudenciar.
Em segundo lugar, coloca-se a questão de saber qual a forma que deve revestir a consulta e isso não é pouco importante, como de resto já foi sublinhado. Creio que os documentos que agora ficam nos autos nos ajudam a reflectir, não sobre o procedimento que foi utilizado agora como um procedimento paradigmático e exemplar mas, precisamente, como o contrário. Tudo aconselha que, neste domínio, as consultas sejam directas e feitas pela Assembleia da República, através do seu Presidente, com a junção de todos os documentos apropriados e, evidentemente, devidamente legitimados e autenticados pelo facto de serem remetidos por quem são remetidos e com a concessão de prazos apropriados, para que a entidade que deseje pronunciar se o faça ou para que, soberanamente, manifeste à Assembleia da República a sua indiferença ou mesmo desprezo pelos textos - está inteiramente no seu direito -, mas tendo de ter a possibilidade jurídico-constitucional e prática de exprimir essa não vontade de intervenção. 15so faz-se, normalmente, através da fixação de um prazo e através ou do cumprimento desse prazo ou do seu esgotamento sem intervenção.

Agora, Sr. Presidente, o que não tem grande justificação é que a Assembleia da República tome como

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consulta um ofício de um departamento da Administração Pública que diz: comunicamos a V.Ex.ª que na data tal e tal foram remetidos os documentos tais e tais e que as entidades em causa se pronunciaram. De resto, nem sequer referindo se se pronunciaram, como se pronunciaram, em que sentido é que se pronunciaram, etc.
Por enquanto, nenhum recorte de jornal e mesmo nenhuma honrada palavra de um membro do Governo pode subsistir e ser uma espécie de sub-rogação da intervenção de associações sindicais, como é o caso. 0 facto de o Presidente da ASFIC, através do Diário de Notícias de hoje, ter vindo dizer, como é inteiramente seu direito, que entendia que não era este o ponto essencial e que a associação sindical que lidera decidiu não se pronunciar por haver coisas mais importantes a debater pela associação sindical respectiva e sobre as quais se esta pronuncie, não exime a Assembleia da República das suas obrigações constitucionais de realização de consultas, pelos procedimentos constitucional, legal e regimentalmente obrigatórios, ainda que o resultado seja este.
Por último, Sr.ª Presidente, se de tudo isto tiver resultado, promemoria e em especial para a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, a correcção do procedimento nestes dois sentidos- por um lado, a clarificação do regime das autorizações legislativas e, por outro, a garantia de uma intervenção directa do Parlamento, através do seu Presidente, na organização e lançamento das consultas -, teremos ganho, apesar de tudo, alguma coisa corri estes minutos que dispendemos na discussão deste tema.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza):- Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr a Presidente, as interpelações que acabaram de ser feitas foram interpretativas da discussão que aqui se levou a efeito e eu até estaria de acordo com grande parte das reflexões feitas, particularmente com a reflexão do Sr. Deputado José Magalhães. Mas o que ficou patente relativamente às obrigações constitucionais e legais do Governo é que estas foram todas escrupulosamente cumpridas.
Esta é uma questão que pode e deve ser aprofundada no seio da Assembleia da República e o Governo estará disposto, em Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares, a dar o seu contributo para esta discussão.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, o que aqui ficou patente foi que, por parte do PCP e do PS, se propõe que o procedimento noutras eventualidades seja outro. Agora, o que também retiro do que foi dito é que ninguém questiona suficientemente o que aconteceu para propor ou manter um requerimento em que se proponha a modificação do que está agendado na ordem do dia.
Por outro lado, dada a informação do Sr. Secretário de Estado quanto ao silêncio das associações sindicais, não vejo como é que alguém poderia proceder na substituição desse silêncio, pois, se houve silêncio, não houve manifestamente nenhum produto, nenhum documento que pudesse ser exibido e que pudesse eventualmente esclarecer os Deputados aquando desta discussão.
Vamos, portanto, proceder à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 77NI - Autoriza o Governo a aprovar o Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo agora apresenta à Assembleia da República para que esta lhe conceda autorização para legislar em matéria de regime disciplinar da Polícia Judiciária tem como principal razão de ser a própria natureza e as atribuições deste órgão de polícia criminal. A prevenção e a investigação criminal, bem como a coadjuvação das. autoridades judiciárias que são desenvolvidas por aquele organismo policial, não podem deixar de se reflectir na especial relação que deve ser mantida entre o órgão e os seus agentes, nos especiais deveres que sobre eles impendem e no especial cuidado com que, juridicamente, se devem enquadrar as suas violações.
Na construção do direito disciplinar aplicável na Polícia Judiciária não pode igualmente esquecer-se a relação que entre ela e a sociedade quotidianamente se desenvolve, dados os importantes papéis juridico-sociais que lhe estão cometidos e que exigem que aquela instituição e os seus agentes se situem num plano inatacável em matéria da imparcialidade, isenção, objectividade, observância da legalidade e elevado nível de desempenho profissional que lhe confiram confiança e prestígio públicos.
Sabe o Governo que tais princípios e deveres devem inspirar toda a acção administrativa e todos os agentes que a desenvolvem. Mas não é difícil reconhecer que seu reforço e o dos demais mecanismos jurídicos que
suportem se justifica plenamente quando se trata de um órgão de polícia, auxiliar da administração da justiça. E se estas são, no plano dos princípios, as razões que, originariamente, inspiraram esta iniciativa legislativa, não podemos deixar de ter presente que a luta contra a criminalidade, especialmente a organizada e violenta, impõe a procura de uma maior eficácia na acção e o reforço de todos os mecanismos que, directa e indirectamente, podem contribuir para a solidez institucional e para a consistência organizativa da Polícia.
Assim, sendo a Polícia Judiciária uma entidade administrativa, não deve o regime disciplinar nela aplicável ser radicalmente distinto do existente para a restante Administração. Mas, face às suas atribuições e, em função destas, tendo presente as especiais relações que se estabelecem com os seus agentes e com a sociedade, justifica-se a consagração de um regime que, mantendo o geral como quadro de referência subsidiário, acolha algumas especialidades.
São, pois, estas as razões fundamentais que, em cumprimento de dispositivos constitucionais e legais aplicáveis, levaram o Governo a apresentar este pedido de autorização legislativa.
As especialidades que se pretendem consagrar e que constam do texto da proposta de lei são facilmente identificáveis num cotejo que se queira fazer com o regime geral. E permito-me destacar apenas as seguintes: a possibilidade de aplicação de penas mais severas do que as que resultariam da aplicação do regime geral pela violação grave do dever de obediência; a exclusão da responsabilidade disciplinar do funcionário ou agente que actue no cumprimento de ordem ou instrução emanada do superior hierárquico em matéria de serviço,

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salvo se envolver a prática de crime; a possibilidade de ser determinada a transferência do funcionário como efeito acessório das penas de suspensão ou inactividade quando existe a perda do prestígio correspondente à função exercida e esteja posta em causa a sua manutenção no meio em que exerce funções; a tipificação de infracções que justificam a aplicação de penas expulsivas ou de inactividade, tendo em conta as especiais características das actividades desenvolvidas e, em especial a necessária observância de deveres processuais em relação a suspeitos, arguidos, ofendidos e outras pessoas a que a acção da Polícia se dirige; e a caracterização das circunstâncias atenuantes e agravantes, tendo presente a natureza e as atribuições da Polícia Judiciária.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao conceder autorização ao Governo para legislar em matéria de regime disciplinar aplicável aos funcionários e agentes que exerçam funções na Polícia Judiciária, nos termos em que agora se solicita, estará esta Assembleia a dar um importante contributo para o fortalecimento daquele órgão de polícia criminal, para a sua coesão interna e para uma maior eficácia da sua acção. Assim se fortalecerão as condições para o efectivo e eficiente combate à criminalidade, se intensificará o prestígio público da instituição e a confiança que a sociedade nela, muito justamente, deposita.

Aplausos do PSD.

A Sr a Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados José Magalhães e Odete Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, talvez fosse por excesso de expectativa, mas, na troca de impressões que precedeu o início deste debate, ainda tivemos a esperança de que V. Ex.ª viesse aqui decifrar um dos maiores mistérios que rodeiam esta proposta de autorização legislativa, ou seja, o mistério do seu próprio aparecimento.
Como V. Ex.ª sabe, a nova Lei Orgânica da Polícia Judiciária, quando nova foi, há três anos, em 1990, previa, num dos seus últimos artigos, a aprovação de muita legislação subsequente e a adopção de muitas medidas subsequentes, umas de carácter financeiro e outras de reestruturação interna da organização, algumas traduzidas em coisas tão simples como o regulamento de concursos internos. Também previa um regulamento disciplinar, cuja proposta surgiu, brotou, circulou, foi submetida à ASFIC, que não lhe viu nenhum préstimo específico, uns tempos depois foi ao conselho respectivo, que sobre ele se pronunciou, e desapareceu nos labirintos do departamento governamental dirigido por V. Ex.ª.
Subitamente reaparece agora, o que é um mistério em si mesmo, porque V. Ex.ª, no seu discurso, exagerou provavelmente na argumentação quanto à necessidade de um regulamento disciplinar específico, mas omitiu por completo a razão desta prioridade.
V. Ex.ª tem para apresentar os retoques ao Código de Processo Penal e um novo Código Penal. V. Ex.ª tem o Conselho Superior de Segurança Interna a reunir na próxima semana, para definir, finalmente, meia dúzia de linhas de política criminal e uma estratégia de combate à criminalidade pela qual respondam todas as forças de segurança. V. Ex., tem ainda lacunas gravíssimas que perturbam o funcionamento da Polícia Judiciária e situações, designadamente no plano financeiro, quanto, por exemplo, ao regime de remuneração e ao subsídio de risco, que exigiriam medidas práticas urgentíssimas.
0 que nos traz hoje aqui V. Ex.ª no regaço? Um regulamento disciplinar de polícia!

0 Sr. José Vera Jardim (PS):- Um rato!

0 Orador:- Será um rato, como aventa o Sr. Deputado José Vera Jardim? Será uma flor? De facto, não sou capaz de ver nele senão um rato ou uma ratazana!
Devo dizer, em primeiro lugar, que o argumento de V. EX.ª ainda ajuda mais a alimentar esta ideia. Talvez por excesso, disse o Sr. Secretário de Estado: "Da natureza das coisas flui a necessidade de uma especificidade de um regulamento disciplinar específico". Se assim fora, então toda a história da Polícia Judiciária teria sido uma contradição com a sua natureza, porque esta é a primeira vez que um regulamento disciplinar específico aparece na nossa história democrática, quando a verdade é que a PJ tem vivido com a aplicação de um quadro normativo que permitiu dar respostas a situações, algumas bastante graves, como as relacionadas com o "São Bentogate", sem que alguém tenha vindo dizer "somos incapazes de resolver esta situação por falta do regulamento disciplinar específico".
Em segundo lugar, as especificidades - umas cinco que o Sr. Secretário de Estado enunciou são pouco específicas. Quer V. EX.ª dizer que o essencial são as atenuantes e agravantes próprias? Mas como é que era interpretado o actual regime disciplinar a não ser através do ter em conta as circunstâncias específicas da PJ para a interpretação das cláusulas gerais? É óbvio que é isso que se faria e não se chegaria a resultado diferente.
A terceira interrogação - esta um pouco mais grave consiste no seguinte: há pouco, antes do início deste debate, o Sr. Secretário de Estado mandou-nos o articulado a emanar, o que constitui mais uma vez o retomar de uma prática indesejável e de mau comportamento no relacionamento parlamentar. Esse articulado andou a circular, durante três anos a fio, por várias entidades.
A autorização legislativa em si mesma contém alguns normativos razoavelmente esbranquiçados e de sentido indefinido. As normas que aludem, designadamente, à definição de competências para a aplicação de sanções são inteiramente em branco- refiro-me à alínea o)-, mas o articulado, esse, não é branco.
Pergunto-lhe qual é a razão pela qual os senhores incluem uma norma que permite a prescrição de acções disciplinares se os superiores hierárquicos não tiverem instaurado um processo disciplinar no prazo de' três meses. É que, tanto quanto sou capaz de reconhecer, esta disposição restaura uma espécie de garantia administrativa que colocaria nas mãos da hierarquia daquela polícia a possibilidade de fazer apagar, através do mecanismo da prescrição, ilícitos que podem ser de alguma gravidade.
Há, pois, pérolas deste tipo no articulado, mas V. Ex.ª não demonstrou, sobretudo, a necessidade deste mesmo articulado. Precisamos de mais e melhores argumentos para ficarmos persuadidos.

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Quanto à necessidade de uma PJ nomeadamente prestigiada e disciplinada, não sobram, obviamente, quaisquer dúvidas por parte desta bancada.

0 Sr. José Vera Jardim (PS):- Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, começo por lhe fazer uma pergunta precisa, concretizando uma interrogação globalmente enunciada pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Se no próprio preâmbulo do diploma se reconhece que o estatuto que até agora se tem aplicado à Polícia Judiciária - o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local tem servido e a sua aplicação não tem suscitado quaisquer problemas, perguntar-lhe-ia qual a razão, por exemplo, da norma relativa ao dever de obediência. Se até agora o referido Estatuto Disciplinar tem servido, por que se agravam as penas da forma como se agravam?
A segunda questão que lhe pretendo colocar respeita ao artigo 17.º, n.º 3, do anteprojecto de decreto-lei que foi enviado ontem, ao fim da tarde, à Assembleia da República. Prevê-se neste preceito, como consequência de determinadas punições, a possibilidade de transferência pelo período mínimo de três anos. Tal como está formulado, não me parece que o n.º 3 do artigo 17.º configure uma sanção acessória. Pena principal não é, mas não me parece que esteja configurado como sanção acessória, apesar de a epígrafe do artigo falar em "efeitos acessórios".
Perguntar-lhe-ia se esta transferência, como parece, é determinada à margem do processo disciplinar, sem quaisquer garantias de defesa, apenas por ter havido uma determinada pena e o responsável máximo do departamento, sem se garantirem os meios de defesa do funcionário, ter resolvido transferir o trabalhador.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, responderei de imediato às questões colocadas.
0 Sr. Deputado José Magalhães já nos habituou ao seu raciocínio e à sua dialéctica sempre que está em causa algum diploma do Governo. E essa sua dialéctica é sempre mais ou menos a mesma: se o Governo apresenta um diploma, pergunta por que é que o apresenta ou por que é que só o apresenta agora e, no caso de apresentar outro diploma, pergunta por que é que não apresentou "aquele" ou "aqueloutro".

0 Sr. José Magalhães (PS): - Não acha que são perguntas razoáveis?

0 Orador: - É óbvio que, se hoje não apresentássemos este diploma, mas outro que tivesse a ver com a Polícia Judiciária, o Sr. Deputado José Magalhães diria: "Por que está o Governo a apresentar este diploma e não a regular o processo disciplinar da Polícia Judiciária?".

0 Sr. José Magalhães (PS): - 15so é um processo de intenções!

0 Orador:- Estamos, obviamente, a apresentar este diploma porque o diploma orgânico da Polícia Judiciária, aprovado em 1990, impõe que o Governo aprove o estatuto disciplinar da Polícia Judiciária. Estamos a cumprir a lei, como sempre fazemos.
A resposta à questão dos timings - porquê só agora, decorridos que são três anos sobre a aprovação do diploma orgânico da Polícia Judiciária?- tem muito a ver com o que se passou antes da submissão a discussão no Plenário deste diploma, precisamente por termos tido o cuidado de ouvir as associações sindicais. Houve algumas mutações nas associações sindicais, decorrentes de processos eleitorais. Houve necessidade de ouvir o Conselho Superior de Polícia e a Direcção-Geral da Administração Pública. Houve, enfim, lugar a todo o processo legislativo que se tem de encetar no âmbito do Governo. Houve, pois, necessidade de preparar uma autorização legislativa, depois de termos verificado que havia matéria da reserva de competência da Assembleia da República.
Depois de todas essas démarches, todas essas diligências, chegou-se à conclusão de que haveria necessidade de intervenção da Assembleia da República. Preparou-se a legislação respectiva e está preparado, como disse o Sr. Deputado José Magalhães, o respectivo decreto-lei. Neste momento, pois, o processo legislativo está concluído na perspectiva do Governo. A Assembleia da República tem agora a sua palavra a dar numa matéria que tem alguma especificidade.
Respondendo à segunda pergunta do Sr. Deputado
o porquê da necessidade deste estatuto disciplinar -, poderia dizer, em conclusão sucinta, que estamos perante um quadro legal relativamente à Polícia Judiciária extremamente diverso daquele que ocorria no passado, nomeadamente antes da entrada em vigor do diploma orgânico de 1990, precisamente porque se veio dizer, de uma forma absolutamente clara, que estávamos perante um órgão de polícia criminal, um órgão que se destinava fundamentalmente a coadjuvar a autoridade judiciária, mas que era um órgão policial, porque hierarquizado, em que o dever de obediência tinha de imperar e todos os direitos e deveres teriam de ter uma palavra muito próxima daquela realidade que se passa com algumas forças policiais.
Na exposição de motivos da proposta, dizemos, de alguma forma, que o regime do processo disciplinar da Polícia Judiciária terá mais a ver, na sua afinidade, com, por exemplo, a Polícia de Segurança Pública do que com a Administração Pública, embora o regime geral da Administração Pública seja, obviamente, o regime supletivo.
Fez-me o Sr. Deputado uma pergunta em cuja formulação terá havido, segundo julgo, algum lapso. Disse que havia casos de prescrição de três meses, mas julgo que não existem. 0 prazo de prescrição mais baixo é de seis meses (refiro-me ao artigo 28.º, alínea a".

0 Sr. José Magalhães (PS): - Referia-me ao artigo 25.9

0 Orador: - Mas a razão de ser do escalonamento e de os prazos de prescrição serem variáveis é a de que também neste domínio impera a hierarquia da entidade que aplica a pena disciplinar, tendo-se graduado o

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prazo da prescrição de harmonia com o grau de hierarquia que tem o dirigente que aplica a sanção. Regista-se, pois, o acompanhamento de uma e de outra situações.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Dá-me licença que o interrompa?

0 Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, talvez não tenha conseguido exprimir-me devidamente.
A norma a que estava a referir-me é a do artigo 25.º, n.º 2, do articulado, que, sob a epígrafe "Prescrição do procedimento disciplinar", estatui que o procedimento disciplinar "igualmente prescreve no caso de, sendo a falta conhecida pelo Director-Geral ou pelo Director-Geral Adjunto em quem tenha delegado a competência disciplinar, o processo não ter sido instaurado no prazo de três meses".
Se interpretado de uma certa forma, isso colocaria nas mãos dos mais altos hierarcas da Polícia Judiciária a possibilidade de, tendo conhecimento de uma determinada infracção, não accionarem o correspondente processo disciplinar, fazendo com isso pura e simplesmente prescrever o procedimento disciplinar, com todas as consequências. 15so equivaleria, obviamente, a uma espécie de garantia administrativa reforçada, dada a ignorância geral dos factos e logo ainda a indemnidade ou imunidade dos seus autores.

0 Orador: - 0 artigo 25.º, n.º 2, constitui uma excepção ao artigo 28.º, que eu estava a referir, porque parte do pressuposto de que nessa situação concreta tem conhecimento do facto uma autoridade da cúpula da Polícia Judiciária. Há, pois, razão de ser para este desvio ao regime geral do artigo 28.º. É aí que reside a justificação do desvio ao regime geral apontado no artigo 28.º.
Relativamente às perguntas formuladas pela Sr a Deputada Odete Santos, é óbvio que há agravação de algumas penas face ao regime geral do ilícito disciplinar da Administração Pública, precisamente pela especificidade de uma polícia, que tem de ser articulada e hierarquizada, onde há uma cadeia de comando e onde os deveres de obediência e lealdade são quase valores exponenciais na actuação de um agente de autoridade. É por essa razão que qualquer entidade policial deve ter uma postura, a nível disciplinar, diversa da do comum da Administração Pública.
Relativamente à outra questão colocada pela Sr a Deputada Odete Santos, consideramos que no n.º 3 do artigo 17.º do anteprojecto de decreto-lei está previsto um efeito acessório. Em certas situações, precisamente nas mais graves em que se prova que um funcionário da Polícia Judiciária praticou um acto deveras ilícito e merecedor de censura pública, há a possibilidade de, no processo disciplinar, fazer funcionar também o efeito acessório da transferência. Porquê? Porque está em causa o prestígio da Polícia Judiciária e, nomeadamente nos meios mais pequenos do nosso país, qualquer nódoa que de alguma forma possa afectar um dos elementos da Polícia Judiciária afecta a corporação. Por consequência, prevemos, numa solução inovadora, o efeito acessório da transferência para essas situações mais graves em que possa estar em causa o prestígio, que queremos salvaguardar sempre, da Polícia Judiciária.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

0 Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Cabe-me, em nome do Partido Social. Democrata, dar conta da nossa posição - antecipar-nos desde já - de aplatiso à proposta de lei n.º 77NI.
Suposta a necessidade de pedido de autorização legislativa - esta proposta de lei contenderá com os princípios gerais do ilícito disciplinar o que, no plano teórico-doutrinal, pode suscitar algumas dúvidas, mas o que abunda não prejudica -, tudo está em saber se as medidas que a proposta de lei integra se revelam idóneas e adequadas. 15to é, se, e na medida em que comprimem direitos de agentes da Polícia Judiciária, são ' necessárias, idóneas e, além disso, até porque nem tudo o que é necessário e idóneo é legítimo, legítimas à luz dos princípios fundamentais do Direito.
A questão da necessidade e da idoneidade deve, como já aqui tem sido salientado, aferir-se em função dos valores que o ordenamento disciplinar da Polícia Judiciária está pré-ordenado a servir e que são os valores fundamentais do prestígio e da confiança da comunidade na integridade de uma instância de repressão criminal tão importante como a Polícia Judiciária. À semelhança do que acontece com todos os subsistemas sociais que exercem funções dentro de uma determinada sociedade, a Polícia Judiciária está também organizada em termos de estrutura burocrática com as suas próprias hierarquias e, portanto, carece de um co-ordenamento disciplinar que tem de ver a sua eficácia garantida à custa da aplicação de sanções.
Os valores em causa são tanto mais importantes quanto é certo que a Polícia Judiciária aparece como o first line enforcer, ou seja, o aplicador em primeira linha da justiça penal, e todas as nódoas, como também já foi salientado pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, que caiam sobre a honorabilidade, o prestígio e a confiança da Polícia Judiciária facilmente se transmitem à máquina da justiça no seu todo. 15to por força da contiguidade natural e das relações de complementaridade e de dependência funcional da Polícia Judiciária, tanto em relação à magistratura do Ministério Público como à dos juízes de instrução, tendo em vista as representações colectivas que facilmente associam a Polícia Judiciária à máquina da justiça no seu todo.
Por tudo isto, excogitou o Governo um conjunto de particularidades ou de desvios em relação àquilo que é considerado o regime-padrão do ilícito disciplinar, o dos funcionários da Administração Pública central e local, o que é contestável. 0 ilícito disciplinar vai muito para além disto mas, na medida em que, para efeitos de comodidade de raciocínio, se aceita esse como ilícito-padrão, estes desvios são particularmente bem-vindos, atentas as particulares necessidades de prestígio e de confiança da colectividade na Polícia Judiciária.
Revelam-no todos os estudos sociológicos feitos: a confiança na Polícia Judiciária é um dos tópicos fundamentais da coesão social e da unidade da comunidade em torno dos valores fundamentais, sendo certo que os valores fundamentais de cada comunidade são, sempre, os servidos pelo Direito Criminal a que a Polícia Judiciária está tão intimamente ligada.
Por todas estas razões, e sendo certo que não é nosso propósito discutir aqui o texto do anteprojecto de

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decreto-lei que o Governo amavelmente nos fez chegar mas apenas a proposta de lei de autorização legislativa com este alcance e sentido, entende o-' Partido Social Democrata que esta proposta de lei merece o nosso aplauso.

A Sr.º Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 discurso com que o Governo entendeu apresentar esta proposta de lei é um retrato, quanto a nós, fiel, rigoroso e preocupante das suas prioridades e da maneira como, na concepção governamental, deve tecer-se a política criminal em Portugal.
Deve tecer'se a política criminal de forma confusa se tivermos as palavras do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça como representativas do pensamento governamental. Mas qual pensamento governamental?- eis a questão, no entanto. 0 da ala ultra-securitária adepta de um Código Penal musculado e crente na ideia de que reforçadas penas reforçam, por si, o combate da criminalidade e eliminam as chagas sociais e os outros factores que explicarri a criminalidade ou o da outra, que se reclama do super-discurso nazareno com os seus tropos de carácter humanitário e os seus pastiches e lugares comuns, alguns dos quais são verdades subscritíveis genericamente? Não ergueria contra este aspecto a mão, não fora o caso de elas serem expressas no contexto de uma extaordinária confusão.
Foi o que o Sr. Secretário de Estado aqui, neste dia e neste enquadramento, confessou. 0 Governo não nos traz, segundo uma ordem lógica e uma concatenação apropriadas, os instrumentos de que o país precisa na óptica de uma política criminal adequada ao novo enquadramento internacional, porque é disso que se trata.
Em 1994, aquilo que devemos discutir é, seguramente - fizemo-lo ontem, por exemplo, na Comissão de Assuntos Europeus -, as consequências e o quadro decorrente do terceiro pilar do Tratado de Maastricht e, portanto, saber o que, no âmbito do artigo KA, devemos fazer para cumprir, por um lado, as nossas obrigações comuns e, por outro, satisfazer e defender o interesse nacional na medida em que é da nossa responsabilidade colectiva. Esse quadro comporta desafios enormes e novos meios de carácter financeiro, técnico, logístico, legal e implica, em certos casos, uma revolução jurídica para a qual nem as polícias nem as magistraturas nem a burocracia se encontram preparadas e, quiçá, não estamos, nós mesmos, inteiramente cientes de todas as implicações de algumas dessas alterações de carácter jurídico que subscrevemos, de que somos responsáveis e por cuja execução devemos velar.
É neste contexto que V. Ex.ª se apresenta no Plenário dizendo que o Governo demorou três anos a perceber que é da competência reservada da Assembleia da República legislar em matéria disciplinar. Parabéns, Sr. Secretário de Estado! Poderia ter demorado quatro, cinco anos e, entretanto, terminava o mandato do Executivo. Ainda foi a tempo!
Não demorou três anos a concluir que havia enormes especificidades, mas muito mais do que isso, todos os que o PSD leva na gestão da pasta da Justiça, e infinitos são!

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Demorou três anos para concluir que o dever de obediência é essencial e determinante na Polícia Judiciária- parece que o não é nos outros departamentospelo que carecia de um regime disciplinar específico. A que ponto, perguntar-se-á? Com as cinco diferenças que V. Ex a sublinhou e que, todas esprimidas, não justificam porventura um estatuto autónomo. Todos os problemas que V. Ex a equacionou são, provavelmente, resolúveis e bem! - face ao enquadramento legal que vigorou até agora.
Mas, insisto, não é de tal matéria que hoje urge fazer"cavalo de batalha", porque o que esta proposta de lei simboliza é a falta de Norte na definição de prioridades, de instrumentos legislativos. E reforçaria esta asserção, imputação ou acusação: passámos o ano de 1993 com a declaração ministerial do Sr. Ministro da Justiça pendente no ar, segundo a qual 1993 seria o ano da Polícia Judiciária. Ninguém objectivo dirá que 1993 foi o ano da Polícia Judiciária! Bem ao contrário! 0 ano de 1993 foi de agravamento, infelizmente para todos nós, da crise estratégica e orgânica da Polícia Judicíária, que é da responsabilidade do Governo, por um lado, por não cumprimento da própria Lei Orgânica da Polícia Judiciária. Se analisarmos o diploma que procedeu a essa actualização organica, o Decreto-Lei ri." 295-A190, de 21 de Setembro, veremos que permanecem hoje não resolvidas questões fulcrais que, no seu preâmbulo, se afirmava estarem-no com este normativo.
É verdade que a Polícia Judiciária permanece integrada no Ministério da Justiça, mas também é verdade que, por força de compromissos internacionais, designadamente da internacionalização, do Acordo Schengen e, agora, das responsabilidades no âmbito do artigo KA do Tratado da União Europeia, se caminhou gradualmente para uma hegemonia do Ministério da Administração Interna na condução de matérias que eram tradicionalmente da área do Ministério da Justiça e, por assim dizer, operou-se uma transferência de tutela subreptícia, opaca e não assumida publicamente pelo Governo. Ou seja, uma securitarização da política de justiça e uma alteração, na prática, da tutela da Polícia Judiciária, com uma concentração correlativa de poderes no Ministério da Administração Interna. Se alguém tiver dúvidas sobre isso, basta recordar o que o Sr. Ministro da Administração Interna, ontem mesmo, referiu ao descrever a maneira como Portugal preencheu os cargos no âmbito de Comité previsto no artigo KA, cujo responsável supremo toi nomeado pelo MAl e cujos grupos de directores - o GI) 1, o GD2, o GD3 têm, nos dois primeiros casos, unia clara hegemonia do MAI. Se alguém tiver dúvidas, dizia eu, superá-las-á facilmente ao verificar quão longe se foi na hegemonia do Ministério da Administração Interna neste domínio. Hegemonia, ainda por cima, acompanhada de uma diferença profunda de concepções quanto à orientação da política criminal.
Em segundo lugar, o problema da dependência funcíonal em relação às autoridades judiciárias permanece conflitual, polémico, instabilizador, irresolvido, apesar dos discursos do Sr.Ministro da Justiça e apesar das declarações romboédricas de pseudo-equil i brio lapalissiano que foram emitidas e que não surtiram qualquer efeito. Esse é um problema gravíssimo, sério. É desgastante para as magistraturas e para a Polícia Judiciária, abre um conflito institucional sério, que teve muitas expressões - que me dispenso de referir aqui - e que prejudi-

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ca, do ponto de vista estratégico, logístico, operacional e de eficácia, a acção conjugada, tanto das magistraturas como das polícias, na realização das suas missões legais e constitucionais.
As grandes inovações estruturais da Polícia Judiciária, Srs. Membros do Governo, faleceram ou tornaram-se anémicas pela falta de meios correspondentes à grandiosidade das intenções proclamadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tanto no combate à droga, como no combate à corrupção e à criminalidade económica.
Permita-me, que sobre esse aspecto, faça uma nota muito especial. Portugal perdeu todo o ano de 1993 com a discussão hiperdramatizada, da responsabilidade exclusiva do Governo, sobre aquilo a que se chamou uma lei anti-corrupção. Era ela o alfa e o omega da salvação de Portugal em matéria de corrupção. Era ela a causa da vinda do Sr. Primeiro-Ministro à Assembleia da República, em Março, para dizer essa frase estentórea, que deve ser gravada em bronze: "Os portugueses não são corruptos e quem criticar a nossa legislação, seguramente, está a infamar cada português honrado que há nesta Pátria"!
Depois de tudo isto, tendo essa legislação soçobrado no Tribunal Constitucional, como tínhamos prevenido, advertido, tentado evitar, por insistência absurda do Governo e, de resto, mal-intencionada em soluções que, desde o princípio, sublinhámos que não se compadeciam com a Constituição e que abriam um seríssimo risco de informalização e de policialização da própria instrução criminal, depois de tudo isso, repito, V. Ex.ª, hoje, vem aqui e discute a questão do Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária sem dar à Câmara uma informação, uma satisfação, uma palavra sobre a intenção do Governo no que diz respeito a este momentoso, escaldante e essencial assunto que foi a "montanha" do ano de 1993. A "montanha" ratificou-se também, aparentemente, a montanha esvaziou-se e V. Ex.ª, hoje, não sente nenhuma necessidade de falar desta questão. E, todavia, foi ela que marcou a reflexão sobre a PJ no ano de 1993, seguindo os desígnios, as prioridades, os enunciados de "salvação da Pátria" feitos pelos Governo. Não se pode imaginar maior confusão! Não se pode imaginar uma actuação mais prejudicial a uma reconversão eficaz da Polícia Judiciária!
O problema- é o quarto aspecto de gostaria de focar - é que a realidade exige, e gritantemente, essa reconversão. Por um lado, VV. Ex.as não podem continuar a prolongar a incerteza quanto à legislação processual penal vigente. Não podem, porque a guerra entre magistraturas, entre estas e as polícias, as guerrilhas para a nomeação de directores-gerais adjunto, para a resolução de problemas pendentes, quase .de intendência, as faltas de meios e tudo o mais que marca hoje o nosso panorama não dispensam, e tornam inadiável, uma reflexão sobre o perfil exacto de competências da Polícia Judiciária. Isso aponta para duas coisas: para a revisão da legislação processual penal e para a própria revisão da lei orgânica da Polícia Judiciária. É insuportável que a Polícia Judiciária, que tem como missão fundamental o combate a essenciais segmentos de criminalidade, continue burocratizada, atacando, segundo critérios que, evidentemente, têm de ser de produtividade, por vezes de nível baixo, processos de gravidade menos relevante numa instrução de secretaria, meramente de rolamento de testemunhas e de audição testemunhal, em prejuízo da investigação. Não é esse o padrão motivador para a Polícia Judiciária, nem é isso que a nossa integração comunitária exige.
Por outro lado, não pode continuar a descoordenação das forças policiais. Sabemos que, na próxima semana, há uma reunião do Conselho Superior de Segurança Interna. Logo se verá o que é que o Conselho Superior, superiormente, decide e propõe. Espera-se que proponha qualquer coisa que signifique o fim do actual caos na coordenação das forças policiais e na definição de prioridades, mas a verdade é que estamos, hoje, a pagar todos o preço da situação decorrente da situação de não definição dessas orientações!

or outro lado, ainda, é preciso que o Governo - espero que V. Ex.ª não se silencie totalmente pois ainda tem 19 minutos para esse efeito! - defina urgentemente em que é que ficamos em matéria de instrumentos legais. Temos nova lei de combate à corrupção segundo moldes que respeitem o acórdão do Tribunal Constitucional? Ou não? O que, aliás, confirmaria a nossa tese de que se tratou de uma monumental encenação para efeitos propagandísticos sem conteúdo real e sem corresponder a uma necessidade real aquilo a que assistimos no ano de 1993. Temos isso? Ou temos outra coisa qualquer? Temos todos direito a sabê-lo!
Em relação ao Código Penal, Srs. Membros do Governo, poderá o Governo vir a apresentar à Assembleia- não temos razões para duvidar que isso venha a acontecer um dia, mais cedo do que tarde! - uma proposta de lei. Mas o mal decorrente do facto de termos vivido todos estes meses em indefinição e penar sobre as orientações do Código Penal e da sua revisão, com extraordinárias confusões sobre o próprio papel do Código Penal no combate à criminalidade, com extraordinários bravos e hurros vindos das bancadas governamentais no sentido de julgar que a electrificação das penas é a solução, o alfa e omega para tudo, os prejuízos decorrentes desse período são, provavelmente, dificilmente reparáveis.
Um outro aspecto fundamental é este: VV. Ex.as não podem continuar silenciosos em relação à situação explosiva de alguma coisa que se situa, a montante ou jusante, consoante entendam, do sistema penal. A saber, o sistema prisional.
Portugal enfrenta neste momento uma situação que não é explosiva pela razão simples de que já explodiu. Explodiu menos visivelmente para alguns, mas visivelmente para aqueles que acompanham o quotidiano das prisões e que saibam que há presos a dormir em cima de mesas, presos abarracados em sítios que têm condições não só infectas como inseguras, além de haver presos infectados e presos em situações que são indignas e perigosas a todos os títulos. Além, obviamente, de tudo isto resultar da superlotação do sistema num país onde não se constróem prisões há muitos e muitos anos. Tudo isto é susceptível de induzir condições de insegurança que são também relevantes para a definição da política criminal. Sobre isto, V. Ex.ª não diz nada.
Tal como não diz nada, regressando à Polícia Judiciária, sobre os meios necessários para a PJ ser eficaz,. Quando a PJ tem de pensar "Vamos ou não ao Porto pela auto-estrada?" em função de um critério económico; quando é aconselhada por alguns hierarcas a ir pela Estrada Nacional n.º 1, porque não há dinheiro para

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pagar as portagens- e é melhor poupar uns tostões na viagem-; quando a PJ tem centenas, centenas e centenas de exames pendentes no laboratório de Polícia Judiciária, cujo esforço e mérito são de salientar, mas cuja falta de meios é também de assinalar, que eficácia é que se pode exigir às instituições de repressão crimina]1, aos trabalhadores, aos investigadores, aos outros trabalhadores que lá penam e devem labutar e que moralização é que uma cooperação pode ter em tais circunstâncias? Não tem!
Essa é a realidade e a Polícia Judiciária atravessa, desse ponto de vista, uma crise muito séria! Em relação a esta questão, refiro-me apenas às funções de repressão em áreas fulcrais, como as de combate à criminalidade informática, à droga, à criminalidade económica em determinados níveis sofisticados, a certos processos de cujo paradeiro ninguém sabe (alguns relacionados com dinheiros do Fundo Social Europeu e de outros fundos comunitários), a processos escaldantes, tais como os relacionados com partidos políticos. Que se sabe disso?
Esta é uma situação de uma extraordinária instabilidade no plano repressivo, em que há bloqueios sensíveis, extraordinários da responsabilidade do Governo.
Nos termos do seu estatuto, é suposto esta Polícia ter uma relevante actividade preventiva. É provável que a legislação, deste ponto de vista, devesse ser objecto de alguma actualização ou revisão. Temos uma Lei Orgânica da Polícia Judiciária que continua a referir como objectivos privilegiados de acção a fiscalização de hotéis, casas de pernoite, restaurantes, cafés, bares, tabernas - não se fala de pub e de dancings e de outros locais mais modernos por acaso-, de locais onde se suspeita da prática de prostituição, o vigiar e fiscalizar as localidades de embarque, alfarrabistas, e te., etc. Penso que todos seríamos capazes de imaginar outros locais onde a actividade preventiva da Polícia Judiciária é igualmente relevante e, quiçá, mais ainda, designadamente os locais invisíveis, aqueles onde se faz a criminalidade económica e onde se forjam alguns dos mais relevantes crimes económicos ou com relevância económica e financeira. Não foi seguramente em qualquer adelo que alguns dos escândalos que marcaram a nossa vida do mercado mobiliário foram tecidos, negociados, gestados e paridos verdadeiramente.
Portanto, a lei está desactualizada e carece, do ponto de vista da definição das modalidades de prevenção, de um refrescamento e de uma leitura, mas isso o Governo não faz!
Que faz o Governo? Aquilo que toda a gente diz que, se calhar, não sendo feito não acarretaria ao País qualquer desfeita. O Governo traz aquilo que poderia não trazer e não trouxe durante três anos; traz aquilo que diz que é essencial para a Polícia ser específica, mas que o não foi quando ela foi tão específica como o foi ao longo deste anos sem este regulamento.
Não diremos que não, mas não leva daqui nenhum "Sim" persuadido da essencialidade para a salvação da Pátria deste instrumento legislativo.
Em segundo lugar, não é um belíssimo instrumento legislativo- e vamos ver porquê na discussão na especialidade! -, porque tem normas completamente ocas, como, por exemplo, a alínea o) do articulado que V. Ex.ª aqui nos remeteu. Essa alínea é, quanto a mim, uma jóia da técnica de redacção de autorizações legislativas de forma desconforme à Constituição- e eu espero que ainda a mudem ligeiramente!...
A norma diz o seguinte: "Fica o Governo autorizado a estabelecer os factos que, por constituírem grave violação de deveres especiais, determinem a aplicação das penas de aposentação compulsiva e demissão ou de inactividade, conforme, ponderadas todas as circunstâncias atendíveis, inviabilizem ou não a manutenção da relação funcional, sem prejuízo dos casos em que, nos termos da lei geral, cabem iguais penas.". Dou a um prémio a quem, no meio deste "matagal", consiga distinguir o exacto sentido normativo que se pretende e a directriz dada ao legislador. Juro que com este articulado faria, pelo menos, 30 normas de carácter diferente, com 30 tipos de incriminações diferentes e 30 destinatários e aplicadores. Esta norma não define minimamente o sentido de coisa alguma!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr.ª Presidente, é com grato prazer que verifico que se esgotou o tempo do meu partido, porque também tinha concluído o conteúdo das alegações que gostava de fazer.
Portanto, votaremos sem qualquer entusiasmo e pouco persuadidos deste instrumento legislativo, que não é essencial para a salvação de coisa alguma. Gostaríamos, sim, que a Pátria fosse salva com os instrumentos que não estão cá!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Talvez tivesse sido pela leitura de alíneas como aquela que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de referir que a associação sindical se assustou de tal forma que resolveu não dar parecer algum!...
Aproveito para reafirmar que esta proposta de lei é, de facto, inconstitucional! A Assembleia da República nunca delegou no Governo a competência de proceder à consulta pública, que, segundo refere, foi feita em 16 de Setembro. Esta proposta de lei deu entrada na Assembleia da República em Outubro, pelo que não houve qualquer consulta pública!
Pensamos que esta proposta de lei não é tão inócua como isso. O traço mais saliente é o da afirmação feita, quer no preâmbulo quer na intervenção do Sr. Secretário de Estado da Justiça, de que a experiência de muitos anos de aplicação ao pessoal da Polícia Judiciária do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local demonstrou que ele tem servido perfeitamente, mesmo para as exigências próprias do estatuto funcional do pessoal da Polícia Judiciária.
Haverá, então, de perguntar se, com esta autorização legislativa, se pretendem introduzir aperfeiçoamentos num regime que não tem levantado quaisquer problemas ou se aquilo a que chama o "exigente regime disciplinar para a Polícia Judiciária" não contém dentro de si já algumas "virtualidades" que, ao invés de contribuírem para a judicialização cada vez maior da Polícia Judiciária, determinam uma maior governamentalização da mesma. Aliás, nas respostas que deu às

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perguntas que lhe foram formuladas o Sr. Secretário de Estado aproximou, de uma forma que consideramos elucidativa,- a Polícia Judiciária da PSP. Tendo em conta que se quer militarizar a PSP, penso que este é um traço que merece alguma reflexão ... !
As alterações introduzidas em 1992 ao Estatuto do Ministério Público revelaram o objectivo de govemamentalizar mais a Polícia Judiciária através da invasão pelo Governo da área de dependência funcional da Polícia Judiciária relativamente ao Ministério Público.
A gorada lei impropriamente chamada "lei anti-corrupção" foi mais um passo no sentido da governamentalização de uma função que só pode estar sob o alcance de quem detém o exercício da acção penal.
A luz deste passado muito recente pode compreender-se melhor por que motivo, relativamente à dependência hierárquica, o figurino de um regime especial para o pessoal da Polícia Judiciária, ainda que não totalmente desenhado nesta proposta de lei de acordo com os objectivos de um Governo onde impera a sombra tutelar da Administração Interna e que se pressente inacabado, representa o "abre-te Sésamo" para posteriores entorses, sob o nome de uma melhor imagem de operacionalidade e eficácia da Polícia Judiciária- só que aqui deve ler-se: em nome de funcionários mais acefalamente obedientes à hierarquia, às orientações do Governo no combate à criminalidade e nas suas formas!...
Tal combate não consegue fazer-se através de um regime disciplinar, onde começam a aflorar sinais preocupantes de "militarização" de uma polícia judicializada, nem melhora a imagem da instituição.
No preâmbulo do decreto-lei e na intervenção do Sr. Secretário de Estado realça-se o seguinte: "Do acervo de deveres gerais e especiais a que os membros da Polícia Judiciária estão adstritos emerge com especial força o cumprimento pontual e integral das determinações emanadas dos superiores hierárquicos em matéria de serviço, o que se justifica pela necessidade de favorecer o bom funcionamento da cadeia hierárquica de comando e a consequente eficácia de acção da Polícia na luta contra a criminalidade."
Repare-se: o actual estatuto permitia, em certos casos de violação do dever de obediência, a aplicação de uma pena de suspensão; agora quer permitir-se- e quase se impõe! - a aplicação de uma pena de aposentação compulsiva e demissão ou de inactividade.
Para além disso, enquanto que no estatuto em vigor se prevêem, como forma de evitar o cumprimento do dever de obediência injusto, mecanismos de reclamação, agora tais mecanismos são suprimidos. 15to significa que o sistema proposto pode conduzir ao cumprimento de ordens ilegais desde que não impliquem a prática de um crime, o que, em vez de melhorar, tomará bem pior a imagem da Polícia Judiciária perante o público.
Nem por isso pode garantir-se que esta"cega obediência ao chefe", que até pode bem servir para em certos casos passarem os tais três meses de instauração do processo disciplinar e a pessoa ser salva, conduz a uma maior operacionalidade no combate à criminalidade.
0 debate da impropriamente lei autodenominada "lei anti-corrupção" demonstrou como uma cadeia hierárquica com regras como as referidas pode ter precisamente o resultado inverso: criar descrédito na Polícia Judiciária, instalar entre os seus agentes um clima insustentável causado pela chefia omnipresente e limitar o próprio exercício de direitos colectivos, de direitos sindicais.
A própria possibilidade arbitrária de ordenar a transferência de um agente como efeito acessório de sanções, e não como sanção acessória, como pena à margem do processo disciplinar, constitui mais um cutelo, uma derrogação do direito de defesa, uma achega para um regime que começa a conhecer perigosas aproximações com aquele que pretende impor-se na PSP.
E digo "à margem do processo disciplinar" porque se o Sr. Secretário de Estado ler com cuidado a redacção do n.º 3 do artigo 17.º verificará que a competência para ordenar esta transferência é do director-geral. Ora, no processo disciplinar a competência pode ser de outrem e diz-se aí que é por despacho e não decisão no processo disciplinar. Reforço este aspecto porque, em relação à questão da transferência, a resposta do Sr. Secretário de Estado não corresponde ao texto do projecto de decreto-lei.
Sr a Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 Ministério da Justiça tem aparecido ultimamente investido de "roupagens emprestadas" do seu parceira da Administração Interna.
Sabe-se que quando luta por reformas, no sentido da modernização do Direito - como, por exemplo, a do Código Penal -, perde o confronto, com o que se deslustra o Ministério, a justiça, e perde o cidadão.
Se esta proposta ainda não está almejada pelo Governo, ela representa, de qualquer forma, o primeiro sinal de que, a vigorar, outras nuvens se podem perfilar no horizonte.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

0 Sr. Secretário de Estado da Justiça: - Sr a Presidente, Srs. Deputados: Quando o Governo apresentou à Assembleia da República este pedido de autorização legislativa sobre o regime disciplinar da Polícia Judiciária não tinha como intenção a "salvação da Pátria" mas apenas proceder à discussão, análise e eventual aprovação de um diploma especifico, absolutamente necessário, na perspectiva do Governo, à gestão desta polícia. Se se pretendesse "salvar a Pátria" ou fazer um grande debate político sobre segurança, sobre os grandes temas da justiça, como pretendeu o Sr. Deputado José Magalhães, quer o Governo quer a Assembleia da República tinham os instrumentos regimentais passíveis desse desiderato.
Julgo que o que estamos- a discutir é um pedido de autorização legislativa singelo, em que até vem instruído que o Governo não tinha obrigação de juntar esse pedido para que os Srs. Deputados soubessem o que o Governo pensa. Agora, partir-se deste pequeno diploma, sem dúvida importante para a construção de uma política de segurança, de uma política de justiça, é tomar "a nuvem por Juno".
É óbvio que a partir deste pequeno exemplo não se pode dizer que há uma grande confusão na política criminal do Governo. Porquê? Por ainda não ter apresentado a revisão do Código Penal? Ela será apresentada a curto prazo e nessa altura, então, os Srs. Deputados terão possibilidade de encetar um grande debate sobre a política criminal do, Governo e toda a filosofia que está subjacente à sua revisão.

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0 Sr. José Magalhães (PS): - Dizem isso há um ano!

0 Orador: - 0 Sr. Deputado José Magalhães pergunta-me qual a filosofia do novo Código Penal. Não vai haver um novo código mas, sim, uma revisão do actual código que vigora desde 1982. Este Código Penal tem a sua filosofia extremamente bem plasmada em todo o seu articulado: a reinserção do delinquente é uma filosofia altamente humanizadora - aliás, como o é a filosofia do partido que apoia o Governo. Portanto, não vai haver uma mudança radical de filosofia do Código Penal, porque apenas vamos revê-lo.
Quanto ao processo penal, o Sr. Deputado também fez um grande alarde. Lembro-lhe que o Código de Processo Penal tem cinco anos. Os grandes códigos devem ter alguma estabilidade - o penal, o processo penal, o civil -, só se devendo intervir a nível legislativo depois de se verificar, com alguma sensatez, que Se impõe alterar algo. Na nossa perspectiva só se poderá alterar, eventual e pontualmente, o Código do Processo Penal depois de fazer uma alteração do Código Penal e depois de a realidade ter testado que há distorções a colmatar. Portanto, o processo que leva à alteração pontual do Código de Processo Penal tem de ser sempre subsequente a uma alteração do Código Penal. É isso que vamos fazer!
Foi também referida uma questão que convém esclarecer. Em termos do Terceiro Pilar, foi instituído o chamado Comité K-4, a propósito do qual se tentou lançar alguma confusão sobre a velha questão, que julgo já ser uma vexata quaestio, Ministério, Administração Interna/Ministério da Justiça.
Ora, eu lembro ao Sr. Deputado José Magalhães que o coordenador do Comité K-4 é um juiz de Direito e que para a sua nomeação intervieram três ministros: o Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Ministro da Justiça e o Ministro da Administração Interna. Assim sendo, parece-me que não preciso dizer mais nada sobre o Comité K-4! Verifica-se uma verdadeira articulação entre todo o Governo, no âmbito do Terceiro Pilar e na problemática da segurança do Estado.
Sr. Deputado José Magalhães, uma última nota acerca da lei da corrupção. É óbvio que o Governo está interessado e empenhado em, articuladamente com a Assembleia da República, avançar com a lei da corrupção, como tem vindo a ser feito. Desde que expurgada das eventuais inconstitucionalidades- e está a trabalhar-se nesse sentido -, é óbvio que teremos o maior empenho em vir aqui, novamente, defender a lei da corrupção. 0 Tribunal Constitucional, embora por quatro votos a favor e três contra, votou nesse sentido, pelo que teremos de corrigir aquilo que o Tribunal Constitucional, no seu critério, julgou inconstitucional. Esse trabalho está a ser feito e vai ser continuado, de uma forma articulada, como pretendemos, entre o Governo e a Assembleia da República, porque queremos ter uma verdadeira política contra a corrupção e o crime económico.
Concluo dizendo que, relativamente à Polícia Judiciária, se bem que possa haver, num ou noutro sector, alguns constrangimentos de ordem financeira, há sectores que nunca os sentiram e que, pelo contrário, estão a sofrer, neste momento, um grande impulso no sentido de se implementar a sua orgânica e a sua forma de actuação. São eles o combate à droga e o combate à corrupção.
Efectivamente, neste momento, está a ser feito- um grande esforço não só a nível da aquisição de equipamento - como é o caso do combate à corrupção e ao crime económico, para o qual foi adquirido recentemente um edifício apenas afecto a esse fim - mas também a nível de recursos humanos, no sentido de dotar a Polícia Judiciária de mecanismos fundamentais para lutar contra esses dois verdadeiros flagelos: a corrupção e o tráfico de droga.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o debate sobre a proposta de lei n.º 77/VI.
De qualquer modo, o Sr. Deputado José Magalhães inscreveu-se para exercer o direito regimental de defesa da consideração da bancada do Partido Socialista, pelo que lhe dou a palavra para esse efeito.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, as imputações feitas pelo Sr. Secretário de Estado da Justiça a esta bancada são particularmente injustas.
Pela nossa parte, não poderíamos aceitar, neste momento, a condução de um debate sobre a Polícia Judiciária alheando-nos, como o Governo faz, de toda a problemática de crise nos órgãos encarregados da execução e definição da política criminal em Portugal. Não o fizemos nem o faremos!
A lógica que o Sr. Secretário de Estado aqui trouxe é, tipicamente, uma lógica de situação, isto é, o Sr. Secretário de Estado da Justiça está inteiramente acomodado. E está tão acomodado que leva esse situacionismo a uns píncaros de tal forma exacerbados que para V. Ex.ª não há qualquer problema.
Portugal "patina" na definição da revisão do Código Penal, mas não há qualquer problema ... ! Façamos de conta que não sabemos de nada.

0 Sr. Secretário de Estado da, Justiça: - Sr. Deputado, dá-me licença?

0 Orador: - Faça favor.

0 Sr. Secretário de Estado da Justiça: - Sr. Deputado, se o Sr. Presidente me der autorização, quero apenas fazer-lhe uma pergunta.

0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

0 Sr. Secretário de Estado da Justiça: - Sr. Deputado, quantos anos têm demorado os países europeus, a começar por Espanha, a alterar os códigos penais?

Vozes do PSD: - Foi apanhado desprevenido!

0 Orador: - Vou responder a essa pergunta: em quantos países da vizinha Europa é que os ministros da Administração Interna estão demissionários e em posição esconsa há tantos meses, como o Ministro Dias Loureiro? Em quantos países é que a discussão se faz sob o signo da "guerra do alecrim e da manjerona", com um pólo governamental a favor de uma linha de solução e outro pólo, o pólo em que V. Ex.ª se integra, e ainda bem, a defender a revisão mitigada do Código Penal?

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Continuando o que estava a dizer, a segunda atitude típica do situacionismo é esta: V. Ex a não aceitou aqui, decentemente, que o novo enquadramento internacional tem implicações que colocam a Portugal grandes dificuldades e problemas inteiramente novos, alguns até no domínio do financiamento. Por exemplo, se nós policiamos as costas na extensão mais vasta da Comunidade, provavelmente, deveríamos ter direito a algum financiamento comunitário para isso e não temos! Mas precisamos dele, pois temos graves problemas. E V. Ex.ª poderia cá ter vindo reconhecer isso ... !
A Polícia Judiciária carece de meios e de um reenquadramento em muitos domínios, por força desse enquadramento internacional, desde logo, por força do Acordo de Schengen. 15so pode ser reconhecido.
Há problemas de orientação estratégica e por isso é que os senhores vão reunir o Conselho Superior de Segurança Interna, mas parece que não.
A atitude acomodada de V. Ex.ª consiste em dizer: a oposição aborrece, a situação está satisfeita. Trata-se de uma lógica que nos perturba, que não aceitamos e que, em matéria de justiça e de política criminal, é particularmente perigos
a, porque, como V. Ex.ª aqui demonstrou, o Governo tem prioridades mal traçadas ou indefinidas, quando não completamente erróneas- como acontece com alguns dos casos que enunciou -, e nega a realidade.
Ora, um Governo que nega a realidade não pode enfrentá-la, razão pela qual somos oposição e não aceitamos as imputações que V. Ex.ª nos fez, pois são injustas.

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

0 Sr. Secretário de Estado da Justiça:- Sr. Presidente, julgo que não há explicações a dar ao Sr. Deputado, mas, talvez, alguns esclarecimentos, se for caso disso.
Sr. Deputado, pela minha parte, apenas quis significar que me parecia, na minha modesta opinião, como é óbvio, que este pedido de autorização legislativa não seria o veículo adequado ou idóneo para um grande debate sobre política de segurança e de justiça do actual Governo. Foi isso que eu disse.

0 Sr. José Magalhães (PS):- Mas serve, pelo menos, para um debatezinho e não para uma fuga ao debate!...

0 Orador:- Por outro lado, aproveitei o elencar de medidas e de propostas de medidas por parte do Sr. Deputado José Magalhães para dizer qual o timing do Governo, o que é que o Governo está a pensar fazer.
Limitei-me a isso, a indicar esses timings de actuação política, começando logo pelo instrumento jurídico fundamental, na perspectiva do Sr. Deputado José Magalhães e também na nossa, para a construção de uma política criminal, que é o Código Penal. Disse-lhe o que se passava e que, a muito curto prazo, a Assembleia da República irá debater, com a profundidade que se impuser- de acordo com a opinião da Assembleia da República, como é óbvio -, as grandes alterações ao Código Penal, se bem que, na nossa perspectiva, estejamos perante a revisão do actual Código Penal e não perante um novo Código Penal.
Assim, quando o Sr. Deputado me pergunta, directamente, se a filosofia é uma ou outra, digo-lhe que a filosofia é a do Código Penal de 1982. Não estamos a
alterá-la, estamos, sim, a alterar o Código pontualmente, nomeadamente a parte especial.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Portanto, não há qualquer problema, foi tudo uma invenção?!

0 Orador: - 0 Sr. Deputado referiu agora - extrapolando, mais uma vez, este diploma - as novas funções da Polícia Judiciária, leia-se EUROPOL, leia-se CIRENO, leia-se Terceiro Pilar, e julgo que o esclarecimento que pretende de mim relaciona-se com o que o Governo pensa de todas essas solicitações e com os meios que a Polícia Judiciária tem para responder a essas novas solicitações.

0 Sr. José Magalhães (PS): - E não é uma boa pergunta?

0 Orador: - É uma boa pergunta, mas durante a próxima semana, na Comissão de Assuntos Europeus, o Sr. Ministro da Justiça vai responder a todas essas perguntas. Parece-me que há locais adequados para se responder a determinado tipo de perguntas e, por isso mesmo, transformar um pedido de autorização legislativa numa interpelação sobre política de justiça, talvez não seja o mais adequado. Foi isto que pretendi dizer há pouco.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Foi uma boa tentativa, a nossa!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a discussão deste ponto da nossa ordem de trabalhos.
Chegámos ao período regimental das votações, no qual faremos também a votação da proposta de lei n.º 77/VI, visto que o seu debate terminou durante o tempo regimental.
Entretanto, solicito aos Srs. Deputados que estão a trabalhar em sede de comissões, o favor de ocuparem os lugares no Plenário, o mais rapidamente possível.
Para isso, vamos fazer uma pequena pausa até à chegada dos Srs. Deputados e depois daremos início às votações.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação dos seguintes diplomas: projectos de resolução n.º 76, 78 e 77/VI, proposta de lei n.º 77/VI e projecto de deliberação n.º 84/VI.
Vamos começar por votar o projecto de resolução n.º 76NI- Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 286/93, de,20 de Agosto, que estabelece regras para o cálculo das pensões de novos subscritores da Caixa Geral de Aposentações (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Passamos à votação do projecto de resolução n.º 78/VI - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n." 286193, de 20 de Agosto, que estabelece regras para o cálculo das pensões de novos subscritores da Caixa Geral de Aposentações (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PS, do PCP e do

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Deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do PSN.

Segue-se a votação do projecto de resolução n.º 77/VI Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 278193, de 10 de Agosto, que altera o Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Vamos agora proceder à votação da proposta de lei n.º 77/VI - Autoriza o Governo a aprovar o Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária.
Se houver consenso da parte de todos os grupos parlamentares, podemos fazer uma só votação, na generalidade, na especialidade e final global, isto é, podemos fazer uma votação uno actum, como dizem os juristas.

Pausa.

Uma vez que ninguém se opõe, vamos, então, votar a referida proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS-PP e do PSN, votos contra do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do PS.

Finalmente, vamos proceder à votação do projecto de deliberação n.º 84/VI - Com vista à realização, em sessão plenária, de um debate sobre a construção da União Europeia (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Luís Fazenda.

Srs. Deputados, de acordo com a deliberação que acabámos de aprovar, no dia 19 de Janeiro, pelas 15 horas, teremos um debate sobre a construção da União Europeia, o qual se relaciona, naturalmente, com o facto de ter entrado em vigor o Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992.
Retomamos agora a nossa ordem de trabalhos, com o segundo ponto, que abrange a discussão conjunta das propostas de resolução n.- 28/VI e 46iVI, que aprovam, para ratificação, respectivamente, os Protocolos n.º 10 e 9 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais.
Tem a palavra o relator destas duas propostas; o Sr. Deputado Alberto Martins, para apresentar sinteticamente o relatório.

0 Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.- e Srs. Deputados: Na qualidade de' relator da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias cabe-me referir os principais aspectos salientáveis em relação aos Protocolos"n.º 9 e 10 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Assim, devo referir, nos termos do relatório, que hoje em dia a Convenção Europeia dos Direitos do Homem é tida como o mais avançado e o mais eficaz de todos os sistemas de protecção internacional dos Direitos do Homem. E é tido também hoje como uma referência fundamental dos clubes da democracia na Europa, constituindo a sua integração um autêntico passaporte para o clube das democracias europeias no seu todo, que hoje agrupa já 32 países.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, muito embora tivesse estado em vigor desde 1953, foi assinada por Portugal em 1978, após o 25 de Abril, pela simples razão de que exige a existência de um Estado democrático e também, naturalmente, a salvaguarda dos Direitos do Homem e do cidadão.
Na sua origem ela integrava mecanismos de garantias que, ao tempo, eram mecanismos de relativo compromisso. Assim, a petição dirigida por uma pessoa singular, organização não governamental ou grupo de particulares, que se considerassem vítimas de violação de direitos- e uma vez esgotados os mecanismos internos de protecção jurisdicional desses direitos- só era apreciada pela Comissão desde que as Altas Partes Contratantes reconhecessem a competência da Comissão nessa matéria. 0 Governo português quando, em 1978, assinou a Convenção admitiu de imediato esse reconhecimento, o que, desde logo, constituiu um contributo positivo.
No entanto, não era possível, percorridos os mecanismos internos de garantias da Comissão, recurso directo e pessoal para o órgão jurisdicional que é o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Por isso, podemos dizer que o Protocolo n.º 9 constitui neste momento uma inovação revolucionária e, porventura...

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, perdoe-me que o interrompa, mas como tenho muito interesse em seguir a sua exposição e a Câmara não me deixa lograr esse objectivo, peço aos Srs. Deputados que guardem silêncio. Quem tiver muita urgência em conversar que vá lá para fora, pois assim não incomoda os outros...
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Alberto Martins.

0 Orador: - Continuando na exposição que estava a desenvolver, diria que as limitações que hoje estão presentes no recurso jurisdicional da Convenção incidiam sobretudo num sistema facultativo em que os Estados poderão permitir que os indivíduos apresentem queixas directamente à Comissão. 0 Estado português, na altura da ratificação e assinatura da Convenção, admitiu desde logo essa possibilidade, o que é uma solução de abertura, de reconhecimento é disponibilidade para a intervenção da Comissão no nosso sistema jurídico. Por outro lado, não era e não é possível um recurso directo se o Comité de Ministros, a Comissão ou as Altas Partes Contratantes entenderem não permitir a apreciação de uma queixa pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
0 Protocolo n.º 9 vem resolver essa questão de forma tida por alguns como radical e revolucionária, pois admite, a partir de agora, que, uma vez aceite uma petição pela Comissão, haja essa possibilidade de recurso directo, esgotados que estejam os meios internos de solução jurisdicional de um conflito. Essa solução vem adequar-se à sobrecarga de trabalho da Comissão e do Tribunal, sobrecarga que tem origem no facto de hoje, com o reconhecimento da Roménia e a sua entrada no Conselho da Europa, haver já 32 países que são membros efectivos do Conselho da Europa, pois assinaram

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a Convenção, que exige mecanismos mais expeditos, mais adequados na realização da justiça.
Ora, isto leva também, por seu turno, a que o papel atribuído ao Comité de Ministros pelo Protocolo n.º 10, que nos é proposto assinar e ratificar, venha a curto prazo, como deliberou a cimeira de Outubro último, a deixar de ter actualidade, isto é, a actualidade do Protocolo n.º 9, em termos do recurso directo para o Tribunal, mantém-se, é de grande importância e é uma alteração revolucionária extremamente positiva.
0 Protocolo n.º 10 ao permitir agora que o Comité de Ministros, por maioria simples, veja qual a sequência a dar a uma queixa, vai a curto prazo ser ilidido e superado, uma vez que a Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo, realizada em Viena em Outubro último, deliberou já adoptar, em Maio de 1994, um Protocolo Adicional que retira os poderes ao Comité de Ministros neste plano do artigo n.º 32.º, atribuindo-os ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
A ser seguida esta solução, que o relatório reproduz enquanto deliberação do Comité de Ministros e dos Chefes de Governo e de Estado, as soluções que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem vem explicitar são muito mais ricas, mais rigorosas, consubstanciando um autêntico direito de ingerência das partes na consagração dos direitos fundamentais em cada Estado e tornando a Convenção Europeia dos Direitos do Homem um mecanismo ainda mais moderno, mais eficaz, mais praticável, mais acessível aos cidadãos, colocando-a, de novo, na vanguarda da defesa dos direitos dos cidadãos e da responsabilização dos Estados no plano interno, mas agora com mecanismos procedimentais extremamente rigorosos.
Pela nossa parte e isto dito, estes protocolos, um com uma incidência relativamente limitada no tempo, outro com uma incidência profunda, são passos positivos que o Governo, o Estado português e a Assembleia da República fazem bem em dar no sentido da sua praticabilidade absoluta por todos os Estados, sentido esse que parece ser hoje a preocupação decisiva do Conselho da Europa, ou seja, a reforma do mecanismo de garantia dos direitos fundamentais.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado José Vera Jardim pediu a palavra para que efeito?

0 Sr. José Vera Jardim (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, sob a forma de interpelação à Mesa, exprimir a estranheza da minha bancada pelo facto de, encontrando-se até há poucos minutos no Hemiciclo o Sr. Secretário de Estado da Justiça e indo nós entrar na discussão deste assunto, não haver presente nenhum representante do Governo da área da Justiça durante esta discussão.
Não desconhecemos, Sr. Presidente, que a nossa representação externa junto do Conselho da Europa está a cargo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas também temos de ter presente que, tratando-se de discussão de dois Protocolos Adicionais à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e sabido como é que tanto a Comissão como o Tribunal são uma espécie de quarta instância de recurso dos tribunais portugueses e sabido como é também o papel que o Ministério da Justiça de todos os países membros do Conselho da Europa tende a desempenhar em todas as matérias que no Conselho da Europa dizem respeito aos Ministérios da Justiça, não haja presente na bancada do Governo qualquer representante do Ministério da Justiça. E para nós é tanto mais de estranhar quanto é certo que o Sr. Secretário de Estado da Justiça esteve presente até há minutos a discutir o magno problema do regulamento disciplinar da Polícia Judiciária e não se vai ocupar, nem sequer vai assistir como representante do Ministério da Justiça à discussão dos dois protocolos adicionais à Convenção.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa nada tem a dizer, pois em rigor não se tratou de uma interpelação.
Tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

0 Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros (Martins Jerónimo): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Manifestamente se torna quase redundante adjectivar a importância - aliás, já traçada pelo Sr. Deputado Alberto Martins - dos Protocolos Adicionais n.ºs 9 e 10 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Permitia-me, no entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de uma forma muito sumária e logicamente introdutória, sem prejuízo da referência inicial que fiz, salientar, no tocante ao Protocolo n.º 10, a importância de que se reveste a transformação e as consequências da mesma, no tocante à alteração da maioria de dois terços para uma maioria simples quanto às deliberações da Comissão. Já foi efectivamente realçada a importância desta alteração constante do Protocolo n.º 10, pelo que, quanto a ela, me dispenso de tecer mais considerações.
Quanto ao Protocolo n.º 9 igualmente foram realçados aspectos altamente significativos em termos de acesso dos cidadãos, dos requerentes enquanto pessoas singulares e também, embora não tenha sido objecto de referência expressa, a possibilidade de solicitação ou de intervenção directa por parte das organizações não governamentais e por parte dos agrupamentos de cidadãos.
Efectivamente as alterações constantes do Protocolo n.º 9 têm a ver com a reformulação da posição do requerente perante as instâncias competentes, particularmente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, dando-se-lhe, assim, nova redacção por via das alterações particularmente significativas dos artigos 24.º e 48.º da Convenção.
Quanto a este último artigo permitam-me sublinhar fundamentalmente o que há pouco referi, ou seja, a possibilidade de o requerente individual, das organizações não governamentais e dos agrupamentos de particulares solicitarem a intervenção directa do Tribunal sem os condicionalismos de sentido de voto da Comissão Europeia dos Direitos do Homem expresso em relatório submetido ao Comité de Ministros. Passa assim a existir uma plena igualdade no exercício do direito de

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petição entre o requerente, pessoa singular, organizações não governamentais ou agrupamento de particulares, e a Comissão ou os Estados membros.
0 direito de apreciação pelo Tribunal está sujeito a algumas condições que são conhecidas, no entanto, não tenho dúvida da importância de que a inovação- manifestamente um mecanismo de filtragem no bom sentido -, igualmente introduzida através do Comité, se destina, tal como foi claramente evidenciado pelo Sr. Deputado Alberto Martins, a aligeirar o tratamento e o encaminhamento das questões e fazendo, nessa medida, uma clara seriação das questões que, pela sua dignidade ou não, merecem o tratamento jurisdicional.
Todavia, não há dúvida, tal como foi salientado, de que o volume de trabalho do Tribunal aumentará significativamente, pelo que os requerentes individuais, também à semelhança dos que já se verifica na Comissão Europeia dos Direitos do Homem no que toca à apreciação da admissibilidade das queixas, beneficiarão- não temos dúvida!- dessa filtragem que tive o cuidado de referir.
Permitam-me, por último, sublinhar apenas que o Protocolo, como é sabido, manteve inalterável o direito de a Comissão e os Estados Contratantes verem apreciados os casos para os quais solicitam ou tenham solicitado directamente a intervenção do Tribunal.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

0 Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A importância da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a que estes protocolos se referem, não reside apenas no seu conteúdo material, isto é, no elenco de direitos que estabelece e consagra, embora ele seja extremamente importante, mas reside, sobretudo, nos mecanismos de garantia que estabelece para a efectivação desses direitos.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem consegue, efectivamente, ainda que de uma forma mitigada ou compromissória, passar da simples proclamação internacional de direitos para uma fase de garantia colectiva e institucionalizada desses mesmos direitos, os quais, no que se refere ao direito interno, estão todos consagrados na Constituição da República Portuguesa, sendo, inclusivamente, o elenco de direitos fundamentais estabelecidos na nossa Constituição ainda mais extenso do que o que está consagrado na Convenção Europeia.
Porém, considero que a inovação fundamental desta Convenção tem a ver, sobretudo, com os mecanismos de garantia que estabelece, e é também relativamente a esses mecanismos que se referem os protocolos adicionais que estão em apreciação.
Por outro lado, esta Convenção é também o instrumento de direito internacional que dá os primeiros passos no reconhecimento de um papel do indivíduo, enquanto sujeito de direito internacional, ultrapassando, de alguma forma, a concepção tradicional de direito internacional, tendo os Estados como sujeitos exclusivos. E há que reconhecer e salientar que este Protocolo n.º 9 dá, de facto, passos muito significativos nesse sentido.
Com efeito, creio que este protocolo é o mais importante dos que estamos aqui a apreciar. Foi assinado em 22 de Janeiro de 1991 e altera a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, no sentido de que uma pessoa singular ou colectiva possa solicitar directamente a intervenção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, depois, evidentemente, de a sua queixa ter sido apresentada, previamente, à Comissão Europeia dos Direitos do Homem, embora se preveja ter de haver uma apreciação preliminar por um comité de três juízes, que podem decidir por unanimidade, sobre a inadmissibilidade do pedido. De qualquer forma, trata-se, inegavelmente, de um progresso.
Importa ainda verificar as alterações que foram, de facto, introduzidas no mecanismo de queixa, por violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Assim, após uma decisão definitiva a nível do direito interno, e sendo certo que o Conselho da Europa não funciona, pois os mecanismos estabelecidos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem não funcionam como uma instância de recurso do direito interno, mas apenas como uma instância de recurso perante violações de disposições da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, logo que as queixas são enviadas à Comissão Europeia, esta toma uma decisão fundamentada, em primeiro lugar, sobre a sua admissibilidade. Se optar pela admissibilidade, a Comissão procede à instrução do processo e à tentativa de encontrar uma solução amigável. Se esse acordo não for possível, a Comissão elabora um relatório acompanhado de um parecer sobre a existência ou inexistência de uma violação da Convenção por parte de algum dos Estados signatários.
Actualmente, este relatório é transmitido ao Comité de Ministros do Conselho da Europa e ao Governo respectivo e, no prazo de três meses, o Estado que tenha apresentado a queixa perante a Comissão, e apenas este, pode apresentar queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Se não o fizer, como sabemos, o assunto deverá ter uma solução política do Comité de Ministros, que decide, actualmente, por dois terços ou por maioria simples, nos termos do Protocolo n.º 10, se houve ou não uma violação da Convenção.
No caso de a questão ser submetida ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, este tribunal apreciará a questão e se a violação for reconhecida o Estado fica obrigado a tornar medidas reparadoras, nos termos em que os Estados se obrigam perante o direito internacional.
Os Protocolos n.ºs 9 e 10 têm real importância, pois reforçam o papel dos cidadãos no desencadear deste mecanismo de decisão. Desde logo, o relatório da Comissão será comunicado não apenas ao Comité de Ministros e aos Estados mas também ao próprio requerente. Esta é uma alteração significativa, que estabelece o direito dos requerentes, quer sejam pessoas singulares, colectivas ou organizações não governamentais, a recorrerem para o tribunal.
Assim sendo, um caso pode ser submetido ao tribunal após o relatório da Comissão- se, evidentemente, nos termos da Convenção, o Estado demandado estiver sujeito à jurisdição obrigatória do tribunal -, a pedido não apenas da Comissão mas também do Estado demandante, do Estado cuja vítima seja seu nacional, do Estado demandado e da pessoa singular ou colectiva que tenha apresentado a queixa. Nesse caso, como já referi, será nomeado um comité de três juízes, o qual pode decidir, por unanimidade, não submeter o caso ao tribunal, pelo que, mais uma vez, o Comité de Ministros decidirá.

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Ora, o Protocolo n.º 10 diz respeito, precisamente, a essa decisão do Comité de Ministros, nos casos em que ela deva ter lugar. 15to é, se não for solicitada a intervenção do tribunal, o Comité de Ministros delibera, actualmente por dois terços, ou por maioria, nos termos do protocolo n.º 10, sobre se houve ou não violação da Convenção.
Estou, pois, em condições de dizer que damos a nossa concordância à ratificação, por Portugal, destes dois instrumentos de direito internacional, os Protocolos adicionais n.ºs 9 e 10, porque nos parece que vão no sentido do reforço das garantias dos próprios cidadãos, enquanto tais, perante os mecanismos de decisão e de recurso existentes ao nível do Conselho da Europa, fortalecendo as possibilidades de reacção dos cidadãos perante violações à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Assim sendo, vamos votar a favor.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Ferreira.

0 Sr. Menezes Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sobre as propostas de resolução relativas aos Protocolos n.ºs 9 e 10 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, não quereria acrescentar muito mais, em termos específicos, ao que já foi dito pelo Sr. Relator, em cuja intervenção me louvo, e pelos oradores que me precederam.
Saudamos e vamos votar a favor das propostas de resolução, como é óbvio, em face do carácter inovador, quase diria revolucionário- o que, aliás, já foi dito também pelo relator -, sobretudo do Protocolo n.º 9, na medida em que acrescenta em muito a capacidade de intervenção dos requerentes individuais em todos os procedimentos relativos à Convenção, nomeadamente no que se refere à possibilidade de interposição de recursos junto do tribunal, mas também na capacidade de serem informados sobre os relatórios, entre outras coisas,
E penso que não haverá muito mais a acrescentar sobre esta matéria, pelo que estaria tentado a variar de tom, não propriamente para fazer pedagogia mas para falar um pouco sobre o Conselho da Europa e o papel da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, porque me parece que esta Assembleia da República, nos debates que tem feito sobre política internacional, nomeadamente sobre a política externa do Estado português, não tem dado o relevo suficiente ao papel do Conselho da Europa.
Irá realizar-se nesta Casa um debate sobre o Tratado da União Europeia e, conforme se verá, na altura, o problema dos Direitos do Homem e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem não é tão irrelevante para o referido Tratado como à primeira vista poderá parecer.
Também aproveito para me louvar na intervenção, em forma de interpelação, feita pelo meu colega de bancada José Vera Jardim, ao apostrofar o Ministério da Justiça pelo facto de não estar presente neste debate e pela razão, pura e simples, de que quem gere os assuntos do Conselho da Europa, em Portugal, é basicamente o Ministério da Justiça, que tem uma palavra muito importante a dizer nesta matéria, embora não ponha em causa que o Ministério dos Negócios Estrangeiros tenha também uma palavra a dizer e seja o garante da representação externa do Governo português.
Ora, como suponho ser do conhecimento de todos os Srs. Deputados, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem surge em 1950, passados apenas dois anos da aprovação, pelas Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que data de 1948. Ao contrário dessa Declaração Universal, a Convenção, como também já foi dito pelo relator, é muito mais sofisticada nos mecanismos que prevê para a regulação de casos concretos.
Mas o que é essencial dizer é que esta Convenção permite tornar o Conselho da Europa como uma espécie de clube da democracia da Europa e nesse âmbito tem uma importância que não corresponde, exactamente, à importância da Europa Comunitária, mas que é uma espécie de passaporte de entrada para a Europa Comunitária para todos os países que acedem à democracia.
Ora, como sabemos, Portugal, após ter ultrapassado uma penumbra de 48 anos, logo que acedeu à democracia teve como principal e primeira preocupação, independentemente das negociações com o Mercado Comum, a de aderir ao Conselho da Europa, o que fez em 1978, e o mesmo tem acontecido com todas as novas democracias do Leste, após 1989. Neste momento, o Conselho da Europa, com a entrada da Roménia, o último Estado a aderir, é constituído por 32 membros, número que é de assinalar até pelo facto de o Conselho da Europa ser a porta de entrada para o Mercado Comum. Cada Estado, ao aderir ao Conselho, tem um primeiro acto de convivência com todos os países da Europa que comungam dos ideais da democracia.
Neste sentido, sendo importante a Convenção para o reforço do papel do Conselho da Europa, é importante que se realce todo o trabalho que ele desenvolve e que é, hoje, muito grande. Existem propostas do Conselho da Europa nos mais variados domínios, alguns inovadores, outros simultâneos ou concomitantes com iniciativas da Europa Comunitária, o que coloca, por exemplo, o problema não propriamente da rivalidade, mas o da coordenação dos trabalhos do Conselho da Europa com os da Comunidade Europeia.
Ao contrário do que diz um relatório do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que nos foi presente, segundo o qual não há necessidade de considerar a articulação deste instrumento jurídico com qualquer legislação ou política comunitária, a verdade é que alguns dos maiores debates que se têm feito em Bruxelas têm a ver também com o que se faz em Estrasburgo, no âmbito do Conselho da Europa.
Como já disse, o Ministério mais envolvido no Conselho da Europa é o da Justiça e, nomeadamente, a Procuradoria-Geral da República, pois praticamente todas as semanas funcionários do Ministério da Justiça se deslocam a Estrasburgo para participarem em variados comités, quer de legislação quer em outros. É evidente que há peritos de outros ministérios que também são chamados a participar, nomeadamente professores universitários, mas o Ministério da Justiça é, digamos, o Ministério pivot em termos da articulação do trabalho que é desenvolvido ao nível do Conselho da Europa e ao nível de Bruxelas por todos esses peritos, o que nem sempre é fácil.
A CEE tem procurado uma intervenção mais forte no que diz respeito aos trabalhos do Conselho da Europa - e agora passo à questão do Tratado da União Europeia- e foi tentado, em face das várias versões do Tratado da União Europeia, promulgar uma espécie de

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obrigatoriedade para a Comunidade Europeia, enquanto tal, aderir à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Alguns Estados membros recusaram essa hipótese, no entanto, a recusa não teve a ver com o facto de não reconhecerem idoneidade à Comunidade Europeia para ser ela própria membro da Convenção, mas porque atrás dessa adesão viria a necessidade de coordenação comunitária, isto é, a de todos os Estados membros adoptarem posições comuns e conformes, em Estrasburgo, no seio do Conselho da Europa, e é evidente que os Estados membros, em algumas matérias, nomeadamente de índole penal ou civil, nesta questão da Convenção, quererão ter uma certa independência no que respeita à tomada de posições.
Portanto, a questão da articulação da política do Conselho da Europa com a da Comunidade não é fácil. 0 resultado final no Tratado da União Europeia é muito pequeno, duas linhas- apenas no artigo F do Tratado que diz: "A União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 ... ", o que quer dizer que, depois de várias propostas de conteúdo forte, acabou por se consagrar uma solução que é, em termos comunitários, fraca: cada Estado membro, por si próprio, deve reconhecer a Convenção e, obviamente, aplicá-la.
Assim, neste âmbito pedagógico, mais uma vez, para verberar o Ministério da Justiça por não estar presente no debate que lhe diz essencialmente respeito, uma vez que é a ele que compete gerir os trabalhos do Conselho da Europa, diria, como comecei, que vamos apoiar esta proposta de resolução.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr a Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.3 Margarida Silva Pereira (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sendo o último Deputado - suponho - a quem compete intervir neste debate, começo por congratular-me por verificar que o essencial relativo a esta matéria está dito, e está dito por duas ordens de razões: em primeiro lugar, pelo grande nível técnico do relatório produzido pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de que nos foi dada conta pelo seu relator, o Deputado Alberto Martins; em segundo lugar, pelo facto - e esse de substância política - de ser matéria de acordo, de consensualidade, aqui nesta Câmara, uma vez mais, toda a matéria relativa aos Direitos Humanos. E porque esta é, habitualmente' uma matéria consensual nesta Câmara e trazida a Plenário mercê de grande esforço de coordenação entre os vários grupos parlamentares e o Governo, permito-me discordar da afirmação produzida pelo Sr. Deputado José Vera Jardim, que sublinhou a ausência de um determinado membro do Governo nesta Sala.
0 Sr. Deputado sabe que tenho por si e pela sua intervenção parlamentar a maior consideração. No entanto, desta vez não estamos de acordo e penso que foi injusto, porque em quase todas as matérias relativas a Direitos Humanos o Ministério da Justiça tem-se feito representar nesta Casa, em matérias, aliás, bem complexas, e às vezes relativamente polémicas- estou a recordar-me, por exemplo, de algumas magníficas intervenções, que não a minha, obviamente, produzidas aqui a propósito da Convenção relativa à transferência de pessoas condenadas, mas também em relação a muitas outras convenções. Tudo isto para dizer, por um lado, que o Ministério da Justiça se costuma fazer representar nesta Sala e, por outro lado, que pudemos beneficiar da intervenção do Ministério dos Negócios Estrangeiros. E do acordo de princípio de VV. Ex.- relativamente a esta presença governativa dará conta, quanto mais não seja, a própria intervenção que acaba de ser produzida pelo Sr. Deputado Menezes Ferreira, que tivemos muito gosto em acompanhar e que avaliza seguramente, do ponto de vista político, esta. ideia básica. Entrosamo-nos nesta matéria, é uma matéria consensual, e a ausência física não significa de maneira nenhuma ausência política relativamente à questão suscitada.
Olhando agora para a substância da matéria versada nos Protocolos, limitar-me-ia a dizer o seguinte: fica-nos a todos, muito provavelmente, a sensação de esta adesão aos Protocolos n.01 9 e 10 surgir num momento de passagem da Convenção Europeia dos Direitos do Homem de uma fase inicial não verdadeiramente reconhecedora do recurso individual dos cidadãos para uma nova fase em que a jurisdicionalização de todos os direitos fundamentais nela contidos será, porventura, uma realidade.
É certo que a Convenção Europeia, como também aqui já foi dito hoje, não previa inicialmente esse recurso individual. Ele tem sido paulatinamente implantado. 0 Protocolo n.º 9, é muito eloquente nessa matéria. E, curiosamente, à semelhança com o que acontece com o Tribunal Comunitário de Justiça, assistimos hoje a tentativas de cometimento ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não só de novas funções como também de uma nova estrutura. Parece - tudo o indica - que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem passará a ser composto por várias câmaras, com competências próprias em razão de matérias, que a complexidade das matérias nele tratadas virá ainda a suscitar o recurso a expedientes conhecidos pelos direitos processuais dos Estados nacionais, como, por exemplo, a conciliação, a arbitragem, e que se verá no recurso contencioso uma última instância.
Mais uma vez, repito, estaremos todos de acordo em que apenas com o reconhecimento do indivíduo, como sujeito de direito internacional, faremos, de facto, verdadeira justiça a uma Carta unificada de Direitos Humanos. E é particularmente importante que isso aconteça no espaço Europeu, porquanto é cada vez mais falada, depois de' um silêncio na segunda metade da década de SO, a adesão da Comunidade Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. De facto, parece que uma Carta Europeia de Direitos Humanos é o pressuposto essencial de uma verdadeira cidadania europeia e, nessa medida, embora esta Convenção se encontre para lá e para além - da própria Comunidade, significará, seguramente, uma boa ajuda no sentido da consolidação dos Direitos do Homem.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

0 Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma cur-

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tíssima intervenção para, de certo modo, responder a algumas referências que a Sr a Deputada Margarida Silva Pereira acabou de me fazer.
Sr a Deputada, também tenho por si e pelas suas intervenções, como bem sabe, o maior apreço, se bem que, algumas vezes, tenho de levar à conta o pesado ónus que lhe cabe de defender a sua bancada e, nesse sentido, há algumas coisas que diz com as quais posso estar em completo desacordo.
Parece-me que hoje é o caso, visto que V. Ex.ª, ao pretender defender a posição do Ministério da Justiça, várias vezes aqui chamado à colação, mais não fez do que acentuar ainda mais a ausência do mesmo no debate de hoje.
Com efeito, a Sr.ª Deputada disse que o Ministério da Justiça tem estado sempre representado quando se trata de discussão que implique com problemas de direitos humanos. Mal era que não estivesse!

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Reconheceu, finalmente!

0 Orador: - Mal era que não estivesse, Sr. Deputada! Porque o Ministério da Justiça, não sendo o "ministério dos direitos", é, de qualquer modo, no plano orgânico e funcional do Governo, o Ministério que mais directamente tem que ver com a protecção dos direitos.
Do que me queixo não é de ter estado presente mas, sim, de não estar hoje! Hoje é que devia estar e não está, deixando essa tarefa ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, que também tem uma intervenção nesta matéria, mormente ou quase unicamente porque tem a seu cargo, digamos, a representação do Estado português junto do Conselho da Europa.
Evidentemente, não se discute o facto de estar presente um seu representante, o Sr. Subsecretário de Estado do Ministério dos Negócios Estrangeiros; o que se discute e lamenta é que o Ministério da Justiça não esteja, ainda por cima com - um argumento que V. Ex.ª poderá julgar de somenos importância mas que para mim não é!
De facto, foi demasiadamente chocante que, tendo estado presente até minutos antes de começar esta discussão, o Sr. Secretário de Estado da Justiça se tenha ausentado precisamente quando ela ia começar, tratando-se do assunto que é.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente, trata-se de uma interpelação à Mesa sobre aquilo que foi a intervenção inicial, agora reiterada, do Sr. Deputado José Vera Jardim a propósito da forma como o Governo está representado na discussão desta proposta de resolução.
É evidente - decorre da lei e da Constituição - que o Governo tem todo o direito de se fazer representar por quem considere oportuno; também é um direito dos partidos, dos Deputados individualmente e de qualquer cidadão criticar o Governo por tomar esta ou aquela iniciativa, por se fazer representar por este ou por aquele membro do Governo.
Acontece que, em circunstâncias semelhantes, com propostas de resolução deste tipo, tem sido sempre o Ministério dos Negócios Estrangeiros que tem assumido a defesa das propostas do Governo, desde o início desta Legislatura e já na Legislatura anterior. Nunca ouvimos críticas de nenhum partido, particularmente do Partido Socialista, relativamente a esta matéria.
Aceitamos as críticas, anotamo-las, mas consideramos que já correspondem a uma determinada postura e a um determinado tique político do Partido Socialista que está, de uma forma generalizada, a ocupar todo o seu discurso político. Foi o que aconteceu hoje, no período de antes da ordem do dia, em que também uma crítica semelhante foi feita ao Governo quanto à forma como se representou num debate político anterior.
Em todo o caso, trata-se, obviamente, de um direito que assiste ao Partido Socialista, que registamos, e se virmos, que num momento posterior é necessário corrigirmos o nosso procedimento, com humildade democrática o faremos.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a discussão conjunta das propostas de resolução n.º 28/VI e 46/VI.
Vamos agora apreciar a proposta de resolução n.º 29/VI Aprova, para ratificação, a Convenção sobre Repressão e Prevenção de Crimes contra Pessoas que Gozam de Protecção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos.
Para proceder à apresentação do respectivo relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: A proposta de resolução n.º 29/VI aprova, para ratificação, a Convenção sobre Repressão e Prevenção de Crimes contra Pessoas que Gozam de Protecção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos. Não é uma convenção nova, ela teve a sua origem em 1973, e na sua génese está a importância, assumida nas últimas décadas, da questão de como proteger as pessoas que gozam de protecção internacional, em geral, e também os agentes diplomáticos. De facto, casos de raptos, homicídios e outras formas de agressão violenta dirigidas a estes agentes continuam a ocorrer em todo o mundo, e em crescendo, sendo que se estima hoje que 80 % das vítimas têm proveniência norte-americana.
Os valores mais importantes que se pretendem proteger por esta via são, por um lado, a normalidade das relações internacionais e, por outro, a paz internacional, obviamente sujeitas a perturbação sempre que ocorre um crime desta natureza.
A Convenção consagra o princípio de que o Estado recebedor de agentes internacionais e diplomáticos há-de assumir a obrigação não apenas de respeitar esses agentes mas também de garantir a sua integridade pessoal, que se traduz na não aplicação de medidas , restritivas da liberdade e na obrigação, por parte desse mesmo Estado recebedor, de proteger os agentes face a possíveis ataques à sua pessoa e dignidade.
Tentando concretizar os grandes princípios da Convenção, podemos dizer que eles são quatro: um dever de abstenção, um dever de prevenção, um dever de punição e um dever de cooperação com outros Estados para prevenir e punir. Passo a concretizá-los.
0 dever de abstenção, consagrado nesta Convenção, tem duas vertentes: evitar que sejam cometidos actos

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infractores da inviolabilidade pessoal, por um lado, e assumir o Estado hóspede uma atitude de escrupuloso cumprimento dessa regra, por outro.

0 dever de prevenção comporta também duas modalidades: a obrigação de aplicar aos infractores deste direito à inviolabilidade sanções especialmente graves e ainda a criação de medidas específicas de prevenção, como será, por exemplo, o caso do policiamento das respectivas zonas de residência, da outorga de protecção policial, da permissão do porte de armas, sempre que conveniente, e no conferir prioridade a queixas apresentadas neste domínio.
0 dever de punição cumpre-se dando todos os passos adequados para que os infractores do direito à inviolabilidade sejam punidos, submetendo-os às autoridades competentes, de acordo com a lei.
Finalmente, o dever de cooperação significa colaboração interestadual, no sentido de evitar a preparação de actos de agressão bem como trocar informações
com outros Estados e coordenar medidas preventivas destes crimes.
Diria ainda o seguinte: dois princípios norteiam a Convenção.
Por um lado, o princípio de que os crimes aqui recortados hão-de ser entendidos como crimes comuns e não como crimes políticos. A intencionalidade e os objectivos políticos com que eventualmente sejam cometidos não relevam no quadro da punição, da submissão dos seus infractores às autoridades jurisdicionais.
Por outro lado, o princípio de que a responsabilidade de cada Estado recebedor de agentes internacionais e diplomáticos existe, nomeadamente pelos actos ou
omissões dos seus órgãos, sempre que não haja cumprimento de deveres perante outras entidades soberanas.
Os diferendos entre os Estados quanto à aplicação de uma convenção desta natureza serão dirimidos nos termos da mesma, ou por negociação, ou por
arbitragem ou, então, ultima ratio, pela entrada em cena do Tribunal Internacional de Justiça.

Diria, para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o seguinte: Portugal ratificará, como esperamos- aliás, o relatório da Comissão recomenda a sua aprovação por esta Câmara -, a Convenção. Mas, ao ratificá-la
e fazendo-o bastante tempo após a sua entrada em vigor -, nem por isso acontecerá que a mesma venha cair
num meio jurídico que seja alheio aos seus valores e
princípios.
De facto, o Código Penal português vigente consagra já, designadamente no seu artigo 353.º, a punição, de forma agravada, de qualquer atentado contra a vida,
integridade física, liberdade ou honra de representante de Estado estrangeiro ou de organização internacional, sendo este atentado punido com pena agravada.
Não deixaria de sublinhar aqui um aspecto: indo mais além da Convenção, o artigo 353.º do Código Penal de 1982 tem a preocupação de visar também os crimes
praticados contra a honra. Será de pensar se esses crimes, numa próxima revisão da Convenção, não de verão ser tidos também em linha de conta. Por outro
lado- e isso decorreu, ainda hoje, de uma conversa interessante tida no seio da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias -, verificamos, com alguma pena, que alguns crimes, como a violação, não são explicitados no elenco daqueles a que a Convenção se refere. Infelizmente, realidades desse género são cada vez mais frequentes em situações políticas de conflito e em situações bélicas e não seria mau que as leis, quanto mais não fosse por razões preventivas, começassem a ter isso em linha de conta.

A Oradora:- Concluirei, de imediato, Sr. Presidente, e não proferirei qualquer outra intervenção sobre esta matéria, razão pela qual me alonguei um pouco mais, com a sua permissão.

Para terminar, diria que, embora se precisem algumas alterações e alguns preenchimentos de lacunas na lei ordinária portuguesa para que a Convenção absolutamente seja verificada no nosso país, ela, no essencial, veio ao encontro tanto do nosso Direito Constitucional como da legislação penal ordinária, pelo que se entrosa muito bem com o regime jurídico português.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

0 Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência da exposição feita pela Sr.3 Relatora quanto à Convenção sobre Repressão e Prevenção de Crimes contra Pessoas que Gozam de Protecção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos, gostaria de sublinhar os aspectos que, entre outros, considero como os mais importantes ou relevantes.

Esta Convenção foi adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 14 de Dezembro de 1973, fazendo parte desta Convenção cerca de 80 países, entre os quais alguns da União Europeia, como a Alemanha, a Dinamarca, o Reino Unido, a Irlanda, a Itália, a Espanha e a Grécia.

0 objectivo desta Convenção é o de, na sequência dos princípios e normas constantes da Carta das Nações Unidas, adoptar as medidas necessárias para prevenir e punir infracções cometidas contra agentes diplomáticos e outras pessoas que gozem de protecção internacional.

Os termos desta Convenção são da maior importância para o desenvolvimento da cooperação e da paz internacional. Foi entendida a necessidade da formulação de uma reserva, a qual consta da proposta de resolução apresentada à Assembleia da República, com o teor conhecido, que passo a referir: "Portugal não extradita por facto punível com pena de morte ou com pena de prisão perpétua segundo a lei do Estado requerente, nem por infracção a que corresponda medida de segurança com carácter perpétuo."

Na origem da formulação desta reserva, estiveram os princípios expressos na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente os explicitados no n.º 3 do artigo 33.º, mediante o qual não há extradição por crimes a que correspondam pena de morte segundo o direito do Estado requisitante. A nossa lei interna de extradição, como é sabido, impede a extradição por facto punível com pena de morte ou de prisão perpétua, ou medida de segurança com carácter perpétuo. Sendo a extradição uma forma de cooperação, foi admitido o levantamento da recusa de cooperação se o Estado requerente tiver comutado as penas, aceitar a sua conversão por um tribunal português e o auxilio solicitado possa relevar para a não aplicação presumível dessas penas ou medidas.

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Portugal, aliás, formulou idênticas reservas à Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo e à Convenção Europeia de Extradição, bem como aos seus dois protocolos adicionais.
Sublinho, por último, que a lei fundamental exige, sempre que Portugal seja o Estado requisitado, que a extradição seja determinada por autoridade judicial portuguesa.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Ferreira.

0 Sr. Menezes Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não foi, obviamente, por razões partidárias que me louvei, há pouco, no relato inicial feito pelo relator da Comissão, o que quer dizer que vou, de novo, louvar-me nesse relato em relação a este tema, a cargo da Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira, que fez uma excelente introdução àquilo que estamos a discutir. Portanto, louvando-me nesse relato, não vou repeti-lo. Esta Convenção, que data já de 1973, entrou em vigor em 1977, e conta hoje, como disse o Sr. Subsecretário de Estado, com cerca de 80 ratificações.
Dedicarei algum tempo da minha intervenção a um ponto que foi suscitado pelo Sr. Subsecretário de Estado e que me parece importante, sobretudo em termos jurídicos, que é o da reserva que Portugal entende formular a propósito da ratificação desta Convenção, não sem antes comungar, obviamente, dos objectivos da Convenção, nomeadamente o da preservação da paz e da segurança de certas entidades qualificadas, como são os chefes de Estado, os ministros dos negócios estrangeiros e suas famílias, quer em relação às suas pessoas físicas, quer também em relação aos seus domicílios, tanto profissionais como privados, bem como aos veículos de transporte. Felizmente, os representantes internacionais do Estado português não serão dos mais visados em todo o género de crimes que são enumerados nessa Convenção, o que não obsta a que devamos participar- e já tivemos de o fazer algumas vezes- em esforços conjuntos para poder ou prevenir ou reprimir crimes que tenham ocorrido a propósito de representantes internacionais de outros Estados. Portanto, do ponto de vista de objectivos e de meios, estamos totalmente de acordo com a Convenção.
Passando ao ponto que é realmente específico, da reserva, penso que devemos pronunciar-nos com uma certa substância sobre a reserva que certamente será, na sequência deste debate, aprovada para ratificação. 0 que é facto é que não pomos em causa, em primeiro lugar, que a Constituição Portuguesa, nomeadamente o seu artigo 33.º, preveja um caso claro de não extradição, estando prevista a pena de morte para os crimes em relação aos quais é pedida a extradição no Estado que a requer, e que, ao caso de pena de morte, seja associada a prisão perpétua bem como medidas de segurança com valor equivalente. Há, contudo, um pequeno problema no sentido em que esta Convenção, pelo menos quanto ao artigo que seria utilizado para efeitos de formulação da reserva, não prevê reservas.
Nesse sentido, houve vários pareceres, nomeadamente um, de 1992, da Procuradoria-Geral da República, que, socorrendo-se um pouco de um outro que já tinha sido formulado pelo Tribunal Internacional de Justiça de Haia em 1951 e também do texto da Convenção de Viena sobre a interpretação dos direitos dos tratados, veio, de certa maneira, autorizar a que houvesse declarações de tipo interpretativo- não sabendo nós muito bem o que são declarações interpretativas, na medida em que restringem sempre o alcance e a uniformidade de interpretação das convenções- e concluiu que reservas que não ponham em causa nem os objectivos nem o objecto das convenções possam ser formuladas.
E, talvez, não digo um entorse, mas com alguma boa vontade que se possa aceitar uma reserva ao artigo ao artigo 8.º da Convenção. De qualquer modo, a Constituição Portuguesa é clara e nós comungamos da preocupação expressa no seu artigo 33.º.
Sabemos que há alguns precedentes em relação a reservas anteriores, do mesmo tipo, formuladas pelo Estado português, e que houve oposições às nossas reservas, nomeadamente por parte da Alemanha Federal no caso de extradição, mas veremos o que vai acontecer.
Pelo nosso lado, supomos que o risco é de correr e apoiamos a resolução nos termos em que é proposta.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguei Urbano Rodrigues.

0 Sr. Miguei Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Grupo Parlamentar do PCP votará favoravelmente a proposta de resolução n.º 29/VI, de 3 de Junho de 1993, relativa à ratificação da Convenção sobre Repressão e Prevenção de Crimes contra Pessoas gozando de Protecção Internacional, incluindo os Agentes Diplomáticos, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 14 de Dezembro de 1973.
Acontecimentos ocorridos nos 20 anos transcorridos desde que o texto da Convenção foi submetido à aprovação daquela organização internacional confirmaram a justeza das preocupações que levaram as eleições Unidas a discutir o assunto e vieram, simultaneamente, reforçar a necessidade das medidas que sirvam para desencorajar os crimes em causa.
0 terrorismo assumiu, nas últimas décadas, dimensões planetárias, co " m consequências trágicas para a humanidade. Os crimes contra pessoas que gozam de
protecção internacional, incluindo diplomatas, são um capítulo desse flagelo e é natural que as Nações Unidas, de acordo com os fins e princípios da sua Carta,
se ocupem da questão.
Situações e factos do conhecimento da opinião pública internacional e, portanto. de todos nós, são contudo esclarecedoras da delicadeza de problemas inseparáveis do combate firme ao terrorismo, a principiar pela quase impossibilidade de um consenso quanto à própria definição e avaliação exacta dos crimes a que se refere a presente Convenção.
Por isso mesmo, o meu grupo parlamentar manifesta a sua concordância com a reserva formulada no artigo 2.º da proposta de resolução, a qual explicita a recusa de extradição por factos puníveis com pena de morte ou prisão perpétua, segundo a lei do Estado requerente, ou medidas de segurança com carácter perpétuo.
Essa nossa posição é inseparável das apreensões com que acompanhamos o desenvolvimento, em escala mundial, de acções unilaterais directa ou indirectamente relacionadas com a prática real ou suposta de crimes citados na Convenção ou similares a eles.
Os esforços conjuntos para uma luta organizada e indispensável contra todo o tipo de atentados pessoais, de assassínios e de sequestros, não devem ser confundidos com iniciativas unilaterais, que implicam desres-

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peito pela soberania de Estados membros da ONU e expressam a tentativa de impor a extraterritorial idade das leis de um Estado, seja ele qual for.
15so ocorreu em acções ilegítimas, empreendidas fora do território dos Estados Unidos da América, para prender cidadãos estrangeiros processados pela justiça norte americana, como ocorreu com o sequestro, no Panamá, do general Manuel Noriega, e com acções executadas pela Drug Enforcement Agency em diferentes países latino-americanos.
As próprias Nações Unidas, no âmbito de iniciativas de grande complexidade, tomadas durante crises eclodidas na atmosfera de crescente- desordem internacional em que o mundo vive, as Nações Unidas, repito, têm visto pessoal seu envolvido em situações de legalidade mais do que duvidosa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cingindo-me apenas a acontecimentos recentes verificados na Somália, permito-me, por oportuno, recordar violências ali cometidas por tropas especiais de capacetes azuis contra instalações e pessoal de organizações que gozam
de protecção internacional. Cito nomeadamente, pelo seu envolvimento surrealista, o bombardeio do comando da polícia de Mogadíscio e a prisão, por comandos rangers norte-americanos, do próprio chefe da polícia local, colaborador da ONU, o infortunado Sr. Alimed Gilão.
Sintetizando, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do PCP, ao votar esta proposta de re, solução, considera útil sublinhar que, na fidelidade ao espírito da Carta das Nações Unidas, as medidas sugeridas pela Convenção devem ser aplicadas com coerência, de modo a evitar situações que configuram uma política de "dois pesos e duas medidas", como tem ocorrido com frequência, o que é desprestigiante para as Nações Unidas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate destas propostas de resolução. A respectiva votação terá lugar amanhã à hora regimental.
0 Plenário reúne amanhã, dia 13, às 15 horas, com um período de antes da ordem do dia para o tratamento de assuntos políticos de interesse relevante e apresentação de declarações políticas e um período da ordem do dia do qual constarão a discussão de várias petições e a realização de diversas votações.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro José Martins Viegas.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Maria Pereira.
Arlindo Gomes de Carvalho.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Albino da Silva Peneda.
José Ângelo Ferreira Correia.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Ana Maria Dias Bettencourt.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
João António Gomes Proença.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Alípio Barbosa Pereira Dias.
Fernando Monteiro do Amaral.
José Pereira Lopes.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Telmo José Moreno.

Partido Socialista (PS):

António Luís Santos da Costa.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

José Luís Nogueira de Brito.

Deputado independente:

Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E Apoio AUDIOVISUAL

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