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Quinta-feira, 20 de Janeiro de 1994
I SÉRIE - NÚMERO 28
VI LEGISLATURA
3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE JANEIRO DE 1994
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Meio
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis
s U M Á R I 0
0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 número. Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Procedeu-se ao debate a propósito da entrada em vigor do T~ da União Europeia, nos termos do artigo 245.º do Regimento da Assembleia da República. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Primeiro-ministro (Cavaco Silva) e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Vitor Martins), os Srs. Deputados António Guterres (PS). Luís Fazenda (Indep.). João Amaral (PCP). Adriano Moreira e António Lobo Xavier (CDS-PP), Jaime Gama (PS), Guilherme Silva, Fernando Condesso e Rui Carp (PSD). João Corregedor da Fonseca (Indep.) e 15abel Castro (Os Verdes).
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos.
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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos qu6rum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adriano da Silva Pinto. Alberto Cerqueira de Oliveira. Alberto Monteiro de Araújo. Álvaro José Martins Viegas. Améríco de Sequeira. Anabela Honório Matias. António Augusto Fidalgo. António Costa de Albuquerque de Sousa Lara. António da Silva Bacelar. António de Carvalho Martim. António do Carmo Branco Malveiro. António Esteves Morgado. António Fernando Couto dos Santos. António Germano Fernandes de Sã e Abreu. António José Barradas Leitão. António Manuel Fernandes Alves. António Maria Pereira. António Moreira Barbosa de MeIo. António Paulo Martins Pereira Coelho. Aristides Alves do Nascimento Teixeira. Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha. Belarmino Henriques Correia. Carlos Alberto Lopes Pereira. Carlos Lélis da Câmara Gonçalves. Carlos Manuel de Oliveira da Silva. Carios Manuel Duarte de Oliveira. Carlos Manuel Marta Gonçalves. Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira. Cecilia Pita Catarino. Cipriano Rodrigues Martim. Delmair Ramiro Palas. Domingos Duarte Lima. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco. Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva. Ema Maria Pereira Leite Lóia Pauffita. Fernando Carlos Branco Marques de Andrade. Fernando dos Reis Condesso. Fernando José Antunes Gomes Pereira. Fernando José Russo Roque Correia Afonso. Fernando Monteiro do Amaral. Fernando Santos Pereira. Francisco Antunes da Silva. Francisco João Bernardino da Silva. Guido Orlando de Freitas Rodrigues. Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva. Hilário Torres Azevedo Marques. Jaime Gomes Milhomens. João Alberto Granja dos Santos Silva. João Álvaro Poças Santos. João do Lago de Vasconcelos Mota. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado. João Granja Rodrigues da Fonseca. João José da Silva Maçãs. João José Pedreira de Matos. João Maria Leitão de Oliveira Marfim. Joaquim Cardoso Martim. Joaquim Maria Fernandes Marques. Joaquim Vilela de Araújo.
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Jorge Avelino Braga de Macedo. José Agostinho Ribau Esteves. José Alberto Puig dos Santos Costa. José de Almeida Cesário. José Fortunato Freitas Costa Leite. José Guilherme Pereira Coelho dos Reis. José Guilherme Reis Leite. José Júlio Carvalho Ribeiro. José Leite Machado. José Lufs Campos Vieira de Castro. José Manuel Álvares da Costa e Oliveira. José Manuel Borregana Meireles. José Manuel da Silva Costa. José Manuel Nunes Liberato. José Mário de Lemos Damião. José Pereira Lopes. Luís António Carrilho da Cunha. Luís Carlos David Nobre. Luís Filipe Garrido Pais de Sousa. Luís Manuel Costa Geraldes. Manuel Acácio Martins Roque. Manuel da Costa Andrade. Manuel da Silva Azevedo. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Maria Moreira. Maria da Conceição Figueira Rodrigues. Maria da Conceição Uirich de Castro Pereira. Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa. Maria Helena Falcão Ramos Ferreira. Maria José Paulo Caixeiro BarbosaCorreia. Maria Manuela Aguiar Dias Moreira. Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa. Marilia Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo. Mário Jorge Belo Maciel. Melchior Ribeiro Pereira Moreira. Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva. Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas. Olinto Henrique da Cruz Ravara. Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Rui Alberto Limpo Salvada. Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva. Simão José Ricon Peres. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Virgilio de Oliveira Carneiro. Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Holstein Camnilho
Acácio Manuel de Frias Barreiros. Alberto Arons Braga de Carvalho. Alberto da Silva Cardoso. Alberto de Sousa Martim. Alberto Manuel Avelino. Alberto Marques de Oliveira e Silva. Ana Maria Dias Bettencourt. António Alves Marques Júnior. António Alves Martinho. António Carlos Ribeiro Campos. António de Almeida Santos. António Domingues de Azevedo. António José Borrani Crisóstomo Teixeira. António José Martins Seguro. António Manuel de Oliveira Guterres.
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Armando António Martins Vara. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos. Carlos Cardoso Lage. Carlos Manuel Luís. Eduardo Ribeiro Pereira. Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo. Fernando Alberto Pereira de Sousa. Fernando Alberto Pereira Marques, Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa. Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins. Gustavo Rodrigues Pimenta. Helena de Melo Torres Marques. Jaime José Matos da Gama. João António Gomes Proença. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João Maria de Lemos de Menezes Ferreira. João Rui Gaspar de Almeida. Joaquim Américo Fialho Anastácio. Joaquim Dias da Silva Pinto. Jorge Lacão Costa. Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho. José Alberto Rebelo dos Reis Lamego. José António Martins Goulart. José Eduardo dos Reis. José Eduardo Vera Cruz Jardim. José Ernesto Figueira dos Reis. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos. José Rodrigues Pereira dos Penedos. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Júlio da Piedade Nunes Henriques. Júlio Francisco Miranda Calha. Laurentino José Monteiro Castro Dias. Leonor Coutinho Pereira dos Santos. Luís Filipe Nascimento Madeira. Luís Manuel Capoulas Santos. Manuel António dos Santos. Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Raúl Fernando Sousela da Costa Brito. Rui António Ferreira da Cunha. Rui do Nascimento Rabaça Vieira. Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Manuel dos Santos Murteira. João António Gonçalves do Amaral. José Fernando Araújo Calçada. José Manuel Maia Nunes de Almeida. Lino António Marques de Carvalho. Luís Carlos Martins Peixoto. Maria Odete dos Santos. Miguei Urbano Tavares Rodrigues. Paulo Jorge de Agostinho Trindade. Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Adriano José Alves Moreira. António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier. Manuel José Flores Ferreira dos Ramos. Narana Sinai Coissoró.
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Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
15abel Maria de Almeida e Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputados independentes:
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda. João Cerveira Corregedor da Fonseca.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.- 85/VI - Estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identificação, 86/VI - Altera a Lei n.º 69nS, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral), 87/VI - Altera a Lei ti.º 141 87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu), tendo baixado todas à 1.1 Comissão; propostas de resolução n.I 50/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo entre os Estados-membros das Comunidades Europeias relativo à Transmissão de Processos Penais, 5 11V1 - Aprova, para ratificação, a Convenção Europeia de Auxilio Juridiciário Mútuo em Matéria Penal, 52/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, que também baixaram à La Coirússão; projecto de lei n.º 368/W Altera a Lei n.º 15/90, de 30 de Junho (Atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social) (PSD), que baixou à 1 a Comissão; projecto de resolução n." 79/VI - Situação na Mina de São Domingos e no Pomarão no concelho de MMola (PCP); ratificações n.O' 1 10M - Decreto-Lei n.º 418193, de 24 de Dezembro, que altera o Decreto-Lei n.º 79-AI89, de 13 de Março (Subsídio de desemprego) (PS) e 11 INI - Decreto-Lei n.<_ n.='n.' que='que' protegida='protegida' de='de' dezembro='dezembro' ps='ps' _14='_14' orgânica='orgânica' comissão.br='comissão.br' do='do' _408n3='_408n3' situação='situação' lei='lei' costa='costa' alentejano='alentejano' para='para' baixou='baixou' das='das' contribuições='contribuições' sudoeste='sudoeste' _21='_21' à='à' a='a' os='os' área='área' e='e' vicentina='vicentina' audição='audição' _-='_-' verdes='verdes' o='o' sobre='sobre' aprova='aprova' vi='vi' _5='_5' futuro='futuro' perspectivas='perspectivas' impostos='impostos' direcção-geral='direcção-geral' da='da' parlamentar='parlamentar'>
Às 17 horas, reunirá a Subcomissão de Cultura.
Deu, ainda, entrada na Mesa, e irá ser distribuída para votação, amanhã, à hora regimental, o texto final da proposta de lei n.º 84/VI - Regulamenta a Lei n.º 20192, de 14 de Agosto (Lei das propinas).
0 Sr. ~dente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia de hoje que, como sabem, respeita ao debate, requerido pelo Governo, nos termos do artigo 245.0 do Regimento da Assembleia da República, sobre a entrada em vigor do Tratado da União Europeia.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
0 Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Tratado da União Europeia está em plena aplicação, desde o passado dia 1 de Novembro. Não está na gaveta, não é um nado-morto como alguns por distracção ou má fé pretenderam fazer crer.
Aprovado nesta Assembleia, por esmagadora maioria, recorde-se, o Tratado de Maastricht é agora a ferramenta fundamental para prosseguir o objectivo da construção europeia. E é neste quadro que o interesse nacional deve ser defendido e promovido.
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Foi com este espírito que o Governo tomou a iniciativa de propor este debate, desde logo porque entende que a Assembleia da República deve participar activamente no processo de construção da União Europeia, como sempre defendemos durante as negociações do Tratado.
No novo quadro legal relativo ao acompanhamento pela Assembleia da República das questões europeias, espero que se reforce ainda mais a colaboração frutuosa entre o Governo e a Assembleia da República. É, aliás, o que decorre, naturalmente, de um mais do que desejável clima de solidariedade activa entre órgãos de soberania e instituições, em matéria de interesse nacional prioritário como é a aplicação do Tratado da União.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - 0 sucesso da União Europeia deve ser um imperativo nacional a merecer o empenhamento activo de todos, porque nela reside a melhor resposta às ambições do progresso, em paz o segurança do nosso povo.
A sociedade portuguesa deve participar no projecto da União Europeia de uma forma interveniente, fazendo valer os nossos interesses, a nossa visão da Europa, a expressão da nossa identidade.
Não vale a pena, como alguns poucos ainda fazem, continuar a carpir. frustrações em volta de Maastricht, procurando alimentar um debate desfasado das realidades.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - A realidade agora é a União Europeia que vai em frente! É no contexto dessa realidade que devemos definir estratégias e objectivos, que devemos programar actuações, numa palavra: que devemos agir!
Não contem connosco para repetir erros do passado quando, mergulhados em querelas internas, distraídos por polémicas estéreis, adiámos a oportunidade de ser um país desenvolvido e cimeiro no contexto europeu. Esta oportunidade não a queremos perder!
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Do nosso ponto de vista, a entrada em vigor do Tratado de Maastricht permite encarar este ano de 1994, que agora se inicia, com mais confiança e esperança renovada. Confiança para levar por diante o ideal europeu, tomando as decisões e as medidas indispensáveis para manter como objectivos estratégicos fundamentais a liberdade, a paz, a segurança e o bem-estar dos cidadãos.
Esperança porque a União Europeia constituí a resposta adequada para enfrentar as grandes questões europeias do nosso tempo. É claro que não temos do Tratado uma imagem messiânica, pois sabemos que não se trata de uma varinha mágica para esgrimir perante as dificuldades.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Todavia, é convicção unânime dos Doze
ainda recentemente reafirmada no Conselho Europeu de Bruxelas - que só o caminho da União Europeia permitirá combater as dificuldades económicas e sociais e garantir a solidariedade, mais do que nunca necessária para forjar esse bem precioso que é a paz e a segurança.
0 compromisso consagrado no Tratado, e para o qual contribuímos decisivamente em muitos aspectos, corresponde aos interesses de Portugal, sustentando a transição para a modernidade, potenciando a nossa capacidade de afirmação no mundo, reforçando a segurança dos portugueses e contribuindo para prosseguir o objectivo estratégico de colocar o nosso país no pelotão da frente dos países mais desenvolvidos. 0 Tratado está em vigor: cuidemos agora da sua boa aplicação.
Pragmatismo, gradualismo, respeito pelas identidades nacionais e pela diversidade, preservação do equilíbrio institucional, realização correcta do binómío subsidiariedade-solidariedade, devem ser hoje, na implementação do Tratado, como outrora na sua negociação, as grandes balizas que nos devem guiar rumo à União Europeia.
Propomo-nos continuar exigentes quanto ao objectivo de aproximar a Comunidade dos cidadãos, dando resposta aos seus anseios mais profundos, assegurando um espaço com efectiva igualdade de oportunidades, promovendo o desenvolvimento harmonioso de todos os Estados e regiões, reforçando a coesão política, económica e social.
Propomo-nos continuar a defender uma Europa aberta ao mundo, atenta à sua vocação universal e firme na defesa dos valores da democracia e dos direitos do Homem.
Se é certo que queremos participar no movimento europeu de uma forma activa, dando à Europa a nossa contribuição para os grandes desígnios do futuro, não é menos certo que se nos impõe tirar o melhor partido do projecto da União Europeia para realizar os grandes objectivos que deverão mobilizar os portugueses nos pr6ximos anos.
Ora, a União Europeia pode contribuir decisivamente para o triplo objectivo estratégico do nosso país, nestes anos 90: o desenvolvimento das nossas estruturas económicas e sociais, tendo em vista atingir os níveis médios comunitários à entrada do próximo século; uma maior afirmação de Portugal no mundo, valorizando o património da nossa História, nomeadamente os laços atlânticos, e a especial relação com os países de língua portuguesa; a garantia de segurança e paz, num quadro de cooperação que tem a NATO como pilar essencial, mas que assentará, de forma crescente, numa efectiva identidade europeia de defesa e de segurança.
Com este quadro de referências, isto é, por um lado, as orientações para realizar a União Europeia e, por outro, o interesse nacional, convirá que nos detenhamos sobre a aplicação do Tratado de Maastricht.
Em primeiro lugar, há que relevar o Pacote Delors II, decidido em Edimburgo, há cerca de um ano atrás. A programação do financiamento comunitário até ao final desta década constitui uma consequência bem tangível, no imediato, do Tratado da União Europeia. Com base nessa decisão, Portugal pôde assegurar a duplicação dos fundos estruturais, numa negociação de extrema dificuldade e complexidade a que demos o melhor do nosso empenhamento e da nossa determinação.
Pudemos, assim, como VV. Ex.- bem sabem, apresentar o Plano de Desenvolvimento Regional (PDR) à Comissão das Comunidades Europeias, ainda em Julho de 1993 - fomos até o primeiro Estado a fazê-lo! -, envolvendo a aplicação, até 1999, de cerca de 3500 milhões de contos de cofinanciamentos comunitários. A decisão da Comissão sobre a repartição pelos Estados-membros dos fundos estruturais, tomada na sequência de um árduo processo negocial, vai ao encontro das nossas pretensões. Para isso muito contribuiu a imagem de credibilidade e de eficácia que Portugal soube grangear na cena europeia.
Aplausos do PSD.
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0 PI)R é um instrumento decisivo para a construção do nosso futuro colectivo. Contamos com a sua aprovação já nas próximas semanas, de modo a que a sua realização comece de imediato, apoiando as inúmeras iniciativas que o integram. Ao PDR se juntará o novo programa para a modernização da indústria têxtil, decidido recentemente, aquando da conclusão das negociações do Uruguay Round.
A entrada em vigor, em 1 de Janeiro, da segunda fase da União Económica e Monetária (UEM) constitui outra das consequências imediatas da aplicação do Tratado da União Europeia. Representa, na prática, que os Doze estão a cumprir a linha de rumo que traçaram para aprofundar a integração económica e monetária, apesar das convulsões cambiais que durante um ano perturbaram os mercados e mau grado o clima recessivo que marcou o ano transacto. Os objectivos da UEM mantêm-se intactos e o processo de convergência está em pleno curso.
Na cimeira extraordinária de Outubro passado ficaram acordadas a localização da sede e a designação do primeiro presidente do Instituto Monetário Europeu, em cujas funções se inclui o reforço da cooperação entre os bancos centrais nacionais, o reforço da coordenação das políticas monetárias dos Estados-membros e a supervisão o Sistema Monetário Europeu.
Pelo nosso lado, as escolhas estão feitas com clareza: queremos prosseguir, sem distracções nem tibiezas, no processo de convergência nominal e de convergência real com os nossos parceiros comunitários.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Os resultados dos últimos anos são encorajadores e é bem eloquente a credibilidade que alcançamos junto das instâncias comunitárias e dos nossos parceiros.
Sabemos que o caminho a percorrer é exigente e muito estreito; sabemos que não ser fácil e às vezes até pode exigir medidas consideradas impopulares, mas ternos a certeza de estar a trilhar o caminho correcto para o nosso país, que passa, a um tempo, pela modernização das nossas infra-estruturas e das estruturas produtivas e pela instabilidade macroeconómica, em direcção aos objectivos da UEM.
Aplausos do PSD.
Se, por falta de coragem ou falta de visão, nos demitíssemos de participar na primeira linha da UEM, estaríamos a desistir de um lugar cimeiro na vida europeia por muitas e muitas décadas. Não cometeremos esse erro!
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - É óbvio, contudo, que a UEM não pode, nem deve, ser um objectivo que se imponha por si só, alheio às realidades económicas e sociais da Europa dos nossos dias, indiferente aos problemas de competitividade das empresas e às legítimas exigências de estabilidade social e de bem-estar por parte dos cidadãos. É por isso que a UEM tem de ser um projecto submetido à lógica global da integração europeia, coerente com os grandes princípios que a enformam e enquadrada pelas grandes orientações políticas produzidas pelo Conselho Europeu.
É neste contexto que devem entender-se as grandes orientações das políticas económicas dos Estados-membros e da Comunidade, já aprovadas pelo Conselho, as quais constituirão o ponto de referência dos exercícios futuros de vigilância multilateral.
Para a realização do objectivo prioritário de redução do desemprego, exige-se estabilidade dos preços e das taxas de câmbio, redução dos défices orçamentais, uma evolução dos salários compatível com a melhoria da rentabilidade dos investimentos e da competitividade das empresas nos mercados mundiais e uma política activa de emprego.
Estas orientações, aprovadas pelo Conselho, convergem com as linhas de fundo da política económica defendida pelo Governo. Só é de lamentar que tenha sido perdida a oportunidade de um acordo de concertação social no nosso país, o qual esteve à beira de ser consagrado e se rompeu por razões manifestamente esdrúxulas relativamente ao verdadeiro interesse da economia e dos interesses dos portugueses.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - 15to vinha muito a propósito ... !
0 Orador: - Ao reunir-se pela primeira vez depois da entrada em vigor do Tratado, o Conselho Europeu concentrou a sua atenção sobre a situação económica e a luta contra o desemprego, tendo adoptado um plano de acção de médio prazo a favor do crescimento, da competitividade e do emprego.
0 objectivo é o de reduzir, de modo substancial, até ao final do século, o nível actual de desemprego, através do reforço da competitividade da economia europeia.
0 plano inclui um enquadramento geral para as políticas a desenvolver a nível dos Estados-membros e acções específicas a desenvolver a nível comunitário.
Tal como Portugal vem defendendo desde 1989, nas acções comunitárias atribui-se um papel decisivo às redes trans-europeias de transportes e energia e às infra-estruturas de informação no relançamento económico, no funcionamento efectivo do Mercado único, no reforço da competitividade das empresas e na melhoria do bem-estar dos cidadãos. A realização das grandes redes trans-europeias, uma das competências inscritas no Tratado de Maastricht, constituirá um verdadeiro sistema nervoso da Comunidade e consolidará o funcionamento do Mercado único funcionando como um símbolo do advento da União Europeia.
Para o relançamento da economia europeia contribuirá também o Uruguay Round, cujas longas e complexas negociações se concluíram em Dezembro passado. 0 comércio internacional ainda é hoje um dos factores mais importantes do crescimento da economia mundial. 0 compromisso final alcançado, entre mais de uma centena de partes contratantes, marca uma nova fase de maior liberdade para as trocas, mas também com uma reforçada disciplina quanto à sua prática. Representa a vitória do comércio livre sobre o proteccionismo; representa a vitória do comércio com regras e disciplinas sobre o comércio desleal e fraudulento.
Para a União Europeia os resultados foram claramente favoráveis: alcançou significativas aberturas de mercados tradicionalmente muito fechadas, como os mercados americano, japonês e dos novos países industrializados; assegurou os fundamentos da política agrícola comum reformada; garantiu a criação da Organização Mundial do Comércio, estrutura que passará a velar pela correcta aplicação dos acordos que regulamentam as trocas internacionais, e, sobretudo, zelando pelo respeito das regras e disciplinas do GAIT.
Para Portugal, os resultados foram muito positivos. Vingaram os principais objectivos que tínhamos definido no início do Round, em 1986. Ficou bem claro que a nossa
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qualidade do Estado-membro da União Europeia potenciou a nossa voz no GATT, dando uma dimensão às nossas pretensões que nunca tínhamos conhecido nos Rounds anteriores.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Aliás, não foi por acaso que o dossier dos têxteis, por exemplo, foi o último a ser concluído do Uruguai Round! É claro que também aqui, como em tantos outros domínios, é a presença activa, determinada e credível do nosso país na União Europeia que garante a salvaguarda dos nossos interesses.
Aplausos do PSD.
Um dos avanços politicamente mais importantes da integração europeia, no quadro de Maastricht, prende-se com a definição de uma política externa e de segurança comum.
0 objectivo é o de assegurar a coerência do conjunto das acções externas da União, reforçar a sua voz na cena internacional e aumentar a eficácia na defesa dos seus interesses e na promoção da estabilidade e da paz. Por outras palavras: a União Europeia nunca o será se não conseguir dotar-se de uma voz coerente, credível e consequente no plano internacional. Esta exigência é tanto maior quanto mais aprofundarmos a integração económica. E é tanto mais premente quanto mais emergem novas inquietações e novos desafios decorrentes das mudanças geopolíticas a Leste e a Sul.
Coube ao Conselho Europeu de Lisboa aprovar o primeiro enquadramento para a realização da PESC, a qual se desenvolve, agora, com a entrada em vigor do Tratado da União Europeia, de forma gradual e pragmática, em função da importância dos interesses comuns a todos os Estados-membros, conforme reafirmado no Conselho Europeu de Outubro passado.
Ficou aí acordado que seriam os seguintes os domínios prioritários para a realização de acções comuns: estabilidade e paz na Europa; processo de paz no Médio Oriente; processo de transição democrática e multi-racial na África do Sul, Ex-Jugoslávia e processo de democratização da Rússia.
No Conselho Europeu de Dezembro foi decidido dar início à primeira acção comum de diplomacia preventiva, convocando para a próxima Primavera uma conferência de lançamento de um pacto de estabilidade relativo aos países da Europa Central e Oriental.
Contudo, seria irrealista pensar que, de um dia para o outro, a União se encontrasse dotada dos meios e das capacidades para realizar uma acção externa e de segurança com pleno sucesso. Mas parece já indiscutível que existe uma firme vontade política de ir em frente com a Política Externa e de Segurança Comum, embora de uma forma gradual e realista.
A recente cimeira da NATO expressou o seu total apoio
e, ao desenvolvimento da Iniciativa Europeia de Defesa e de segurança emergente do Tratado da União Europeia, a qual pode, a prazo, conduzir a uma defesa comum europeia compatível com a Aliança Atlântica.
Os aliados reconheceram expressamente que a Iniciativa Europeia de Defesa e de Segurança fortalece o pilar europeu da NATO, reforça o elo transatlântico e permitirá aos Europeus assumir uma maior responsabilidade na sua defesa e segurança comum.
Foram criadas as condições para uma estreita cooperação entre a UEO, como componente de defesa da União
Europeia, e a NATO, na base dos princípios da complementaridade e transparência.
Foi mesmo acordado que a UEO pode utilizar recursos da Aliança Atlântica em operações da União Europeia, no contexto da sua Política Externa e de Segurança Comum.
Portugal está activamente empenhado no desenvolvimento da Política Externa e de Segurança Comum, não apenas porque se identifica totalmente com os seus objectivos, mas também porque, como afirmei nesta Câmara há cerca de um ano, uma Europa com uma voz forte na cena internacional favorece a afirmação de Portugal no mundo e, em particular, as nossas tradicionais relações com a África, a América Latina e o Magreb.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Também já está em marcha a cooperação reforçada nos domínios da justiça e dos assuntos internos, prevista no Tratado para assegurar a livre circulação de pessoas, num quadro de segurança acrescida para os cidadãos.
Trata-se de um dos objectivos mais relevantes da União, na medida em que os problemas relativos à imigração ilegal ao asilo, à droga, ao terrorismo e à criminalidade já não podem ser resolvidos eficazmente ao nível estritamente nacional. Também aqui o fenómeno da globalização está presente, pelo que é indispensável procurar uma resposta ao nível dos Doze.
Foi já aprovado pelo Conselho um plano de acção para o ano de 1994 que aponta as seguintes prioridades: o arranque imediato da Unidade Anti-Droga EUROPOI---; a aplicação de uma estratégia global de luta contra a droga em cooperação com os países terceiros interessados; a elaboração de uma lista comum de países cujos nacionais deverão ser portadores de visto; o reforço da cooperação judiciária, nomeadamente em matéria de extradição; e o estudo de medidas na área da readmissão de imigrantes ilegais por partes de países terceiros.
Cabe a este propósito uma palavra sobe o Acordo Schengen, ao qual Portugal se associou, na convicção de que ele é um factor de impulsão dentro da própria União, com vista à realização do objectivo da livre circulação de pessoas. Nos seus propósitos está o binómio: «Mais liberdade de circulação - mais segurança».
Ao contrário daquilo que tem sido erradamente propagado, não se trata de edificar uma fortaleza, fechando as portas da Europa. Schengen é, sobretudo, um exercício de supressão de fronteiras, do qual beneficiarão não só os nacionais dos Estados signatários como também os cidadãos dos restantes Estados da Comunidade ou mesmo dos países terceiros, desde que tenham entrado regularmente no território da Comunidade.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma das grandes inovações do Tratado da União Europeia reside na instituição da cidadania da União. Não se trata de uma mera figura emblemática ou de retórica. Trata-se de uma nova concepção, consubstanciada num conjunto de direitos concedidos aos cidadãos dos Estados-membros, direitos que constituem um valor acrescentado relativamente ao estatuto de cidadãos nacionais.
Reconheça-se que se trata de um passo político de primeira grandeza, em particular para um país como o nosso, que tem mais de um milhão dos seus nacionais a viver
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noutros Estados da União e cerca de três milhões noutras regiões do mundo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Ao direito de «circular e permanecer livremente no território» da União juntam-se agora a protecção diplomática em países terceiros, a participação activa e passiva nas eleições para o Parlamento Europeu e em eleições locais, segundo a residência, e o direito de petição. Nas próximas eleições para o Parlamento Europeu muitos dos nossos compatriotas residentes em Estados europeus vão já poder exercer o seu direito de votar e até de ser eleitos.
Entretanto, está em marcha o processo do quarto alargamento. 0 empenhamento dos países da EFTA na adesão à União é um dos sinais da vitalidade do movimento europeu. Portugal considera que o alargamento é positivo para o projecto da União Europeia, quer do ponto de vista político quer do ponto de vista económico.
Tal como Portugal sempre defendeu, a maioria das questões institucionais relacionadas com o alargamento foram resolvidas no último Conselho Europeu, com base nas conclusões da Cimeira de Lisboa, isto é, por adaptação mecânica do presente quadro institucional da União.
A adesão da Áustria, da Suécia, da Finlândia e da Noruega pode tornar a União Europeia mais forte. Não partilhamos dos receios daqueles que vêm neste alargamento o cavalo de Tróia dos que ambicionam travar o processo de construção europeia. Tão pouco seguimos os que viram no alargamento apenas o álibi para reformar o sistema institucional, ensaiando a fuga para a frente.
0 alargamento tem, para nós, os seus méritos próprios e merece o nosso apoio, garantido que seja que os Estados da EFTA assumirão, sem ambiguidades, o projecto da União Europeia por inteiro.
Em 1996, estaremos a enfrentar a revisão do Tratado. Para além dos pilares relativos à Política Externa e de Segurança Comum e à cooperação nos domínios da justiça e assuntos internos, poderão as questões institucionais ser o centro das negociações. A orientação que defendemos em Maastricht e agora, aquando do alargamento, continua a figurar-se como a mais adequada. Interessará prioritária- mente preservar o princípio da igualdade dos Estados, evitar qualquer tendência hegemónica e garantir um adequado equilíbrio entre as diferentes instituições da União.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Maastricht não estabeleceu o modelo final da União. Não é provável e possivelmente nem seria desejável que a revisão de 1996 o viesse a fazer.
Cabe-nos preparar a nossa participação nessa revisão do Tratado, sem precipitações e sem cair na armadilha dos debates estereotipados sobre o modelo institucional. A legitimidade democrática do sistema de instituições, a eficácia do processo de decisão e a defesa da participação plena, em termos igualitários de todos os Estados-membros, são as linhas de orientação que continuaremos a perfilhar.
Aplausos do PSD.
Srs. Deputados, quase todos os debates na Assembleia da República sobre a construção Europeia, desde a adesão de Portugal às Comunidades, em 1986, ocorreram por iniciativa do Governo e a eles pessoalmente me associei.
Estou hoje aqui novamente, juntamente com outros membros do meu Governo, para, com os Srs. Deputados, reflectir seriamente sobre a execução do Tratado da União Europeia que recentemente entrou em vigor.
A União Europeia já não é apenas um rumo. É um projecto tangível de uma Europa mais forte, mais coesa, mais solidária. Foi por essa Europa que sempre nos batemos. É nessa Europa que Portugal deve assegurar o seu futuro.
Aplausos do PSD, de pé.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Guterres, Luís Fazenda, João Amaral, Adriano Moreira e Lino de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
0 Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: A Europa é um tema que, simultaneamente, nos une e nos separa.
Une-nos, em primeiro lugar, uma visão, que suponho ser Comum, de que são globalmente positivos os passos que se tem dado no caminho da construção europeia e, em particular, o Tratado de Maastricht
Une-nos, também, a consciência que temos de que é na Europa o lugar de Portugal no mundo e de que é na construção activa da União Europeia que esse lugar se exprime. Penso que ambos rejeitamos uma perspectiva de Europa a duas velocidades, com uma perspectiva de evolução institucional da União Europeia em que os interesses dos pequenos países fossem deliberadamente sacrificados a um directório dos cinco maiores.
Finalmente, creio que ambos nos congratulamos com o facto de a construção europeia ter sido possível no quadro de uma clara solidariedade para com os países mais pobres, como Portugal, solidariedade de que o Pacote Delors II é um exemplo significativo e que se traduz num apoio à economia portuguesa, que não terá paralelo no nosso passado recente, desde o cicio do ouro do Brasil, e que cria a Portugal uma enorme responsabilidade em relação ao futuro.
Aquilo que nos separa estará, naturalmente, na leitura diferente que fazemos da melhor maneira de defender os interesses de Portugal no quadro da construção europeia.
São conhecidas algumas divergências concretas, mas não vou gastar muito tempo com elas.
Dou apenas dois exemplos: o PS não esteve de acordo com a reforma da PAC e considerámos mesmo leviana a posição do Governo português, que, em nosso entender, sacrificou interesses permanentes da agricultura portuguesa a um brilharete temporário da Presidência portuguesa para conseguir concluir apressadamente o dossier na sua vigência...
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - ... e são também conhecidas algumas críticas do PS, que, desde o início sempre fizemos, em relação a várias das cláusulas de convergência no que diz respeito à União Monetária, tendo nós a esperança de que, mais tarde ou mais cedo, o Governo venha a concordar com essas críticas e a definir uma estratégia negocial que permita a sua revisão, sob pena de, em nosso entender, as margens de manobra para a política económica em Portugal virem a ficar fortemente condicionadas na fase final desta década.
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Mas a questão essencial para nós, porventura a divergência essencial, está no facto de considerarmos que este Governo não foi capaz de definir nem uma estratégia adequada de adaptação de Portugal às exigências de uma concorrência internacional acrescida e de uma evolução tecnológica cada vez mais rápida, nem uma estratégia de afirmação dos interesses de Portugal de uma forma clara e positiva no quadro da integração europeia.
A primeira questão levar-nos-ia a um debate sobre a utilização dos fundos comunitários e sobre a alteração das estruturas produtivas, uma vez que nos parece claro que o modelo de crescimento que foi seguido nos últimos anos, já com o apoio das Comunidades Europeias, é um modelo de crescimento esgotado. Não é mais possível concorrer com base na mão-de-obra barata. Romper este ciclo vicioso implica que a prioridade das prioridades seja a qualificação das pessoas e, neste quadro, é incompreensível que, ano após ano, se desperdicem dezenas de milhões de contos numa formação profissional sem estratégia, sem objectivos nem prioridades, não sendo também aceitável que o Orçamento do Estado para 1994, que por si foi apresentado como um orçamento de investimento e de expansão, reduza as verbas que, em termos reais, o Estado português vai gastar com a educação dos seus cidadãos.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Mas a questão mais importante é a da estratégia de afirmação dos interesses de Portugal no quadro do espaço europeu. Uma vez que não tenho tempo para a abordar em toda a sua plenitude, concentro-me numa questão que considero decisiva neste âmbito: a das relações entre Portugal e Espanha.
A grande novidade para Portugal do processo de integração europeia está no facto de, pela primeira vez desde há séculos, a Espanha e Portugal partilharem o mesmo espaço económico e o mesmo espaço político. Não é naturalmente aceitável que, face a isto, adoptemos uma posição de nacionalismo serôdio ou a afirmação de xenofobias que não têm qualquer lugar no mundo moderno e numa perspectiva civilizada. Mas nem a economia nem a história nos permitem ignorar o significado e as consequências para Portugal desta presença comum com a Espanha no mesmo espaço político e económico. E aí parece-nos confrangedora a ausência de uma estratégia de afirmação nacional, porque esta presença comum deveria levar a unia concertação discreta, mas eficaz, do Governo com a sociedade para a afirmação dos interesses nacionais.
Dois exemplos atestam a falta desta estratégia. As relações comerciais entre a Espanha e Portugal eram praticamente inexistentes. É nos últimos anos que elas se começam a estruturar e vão ser decisivas, no futuro próximo, para o nosso próprio desenvolvimento económico.
Pois bem, nos últimos três anos e meio, a política do Governo e das autoridades monetárias deixou que o escudo se valorizasse quase 30 %, em termos reais, em relação à peseta, o que faz com que, no período crucial em que se estruturam as relações comerciais entre os dois países, as autoridades portuguesas ajudem, objectivamente, as empresas espanholas a esmagar, pela concorrência, a empresas portuguesas na agricultura e na indústria.
Aplausos do PS.
Uni segundo exemplo: é para nós claramente inaceitável que, no quadro de um processo de privatizações, em
que a lei aprovada pela maioria ressalvava de forma clara o interesse nacional, se tivesse permitido que duas unidades financeiras da maior importância no nosso sistema, contra a lei, tivessem, no quadro dessa privatização, vindo a cair sob o controlo de um banco espanhol, ainda por cima de um banco espanhol que manifestamente não tinha dinheiro para as comprar.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Consideramos que esta é uma questão decisiva para a afirmação do interesse nacional. Nenhum outro país europeu teve estratégias permissivas nesta área e ter uma estratégia permissiva nesta área é, em nossa opinião, uma atitude suicidária. 0 exemplo passado é já de si intolerável. Pode e deve agora ser corrigido, não poderá ser repetido!
É também incompreensível, na nossa perspectiva, a falta de uma atitude positiva de afirmação do interesse português na perspectiva do futuro das relações ibéricas.
Um exemplo também para concretizar o meu pensamento: sempre entendi, e sempre tenho afirmado, que a Área Metropolitana do Porto tem todas as condições para ser o centro urbano polarizador do desenvolvimento de todo o Noroeste da Península. Porém, isso implica uma estratégia nacional para a Área Metropolitana do Porto neste quadro e essa estratégia é manifestamente inexistente.
Um outro exemplo ainda: o Aeroporto de Pedras Rubras - agora, Aeroporto Francisco Sã Carneiro - poderia ser, em meu entender, o aeroporto internacional de todo o Noroeste da Península, o que implicaria uma política activa de negociação no quadro da política aérea, por forma a que esse objectivo se concretizasse com manifesto benefício para Portugal. Em vez disso, o que temos tido, em todas as áreas, é uma atitude sistemática defensiva, de recuo, que considero extremamente perigosa face à diferença de dimensão económica dos dois países e face a um posicionamento geográfico que, no plano estratégico, é inevitavelmente vantajoso em relação aos nossos parceiros.
É no quadro da discussão concreta, no quadro da afirmação dos nossos interesses, caso a caso, que me parece indispensável uma estratégia unificadora e é a ausência dessa estratégia que me parece mais grave na atitude do seu Governo no quadro da construção europeia.
Quanto à importância da Europa, quanto à necessidade de, em conjunto, nos batermos para que o futuro da construção europeia continue a ser favorável a Portugal, estou certo de que, nos momentos decisivos, os portugueses saberão cerrar fileiras na defesa de Portugal.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
0 Sr. Primeiro Ministro: - Sr. Presidente, congratulo-me com as considerações - não uma pergunta - que o Sr. Deputado António Guterres acaba de fazer. E congratulo-me, em primeiro lugar, pelo facto de ele pertencer ao consenso europeu no nosso país. É importante que o Sr. Deputado e o seu partido não se excluam do consenso europeu em Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador. - Vou deixar isso de lado para tocar naquelas matérias que o Sr. Deputado referiu que nos separavam.
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0 Sr. Deputado tem um interesse partidário específico ao analisar a actuação do meu Governo nesta matéria. É normal; é o líder da oposição: ataca, diz mal ! Por isso, devemos, talvez, invocar outras entidades que, do exterior, não tendo interesse partidário no nosso país, podem ser mais isentas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - E se nós, portugueses, conseguimos êxitos importantes em negociações cruciais para o nosso futuro colectivo foi porque o Governo português goza de credibilidade nas instâncias comunitárias.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Nos dias de hoje, não seria possível gozar de credibilidade nas instâncias comunitárias se fossem cometidos todos os erros que o Sr. Deputado acaba de mencionar!
Aplausos do PSD.
0 Sr. Deputado esquece mesmo que, quanto à utilização de fundos estruturais, há um relatório assinado pelo Presidente do Tribunal de Contas da Comunidade Europeia, que diz que três países, só três países, fazem uma utilização que se pode considerar rigorosa e correcta de fundos comunitários:...
0 Sr. António Campos (PS): - 15so é uma mentira!
0 Orador: - Ó Sr. Deputado!...
Protestos do PSD.
Os países são: Portugal, Bélgica e Luxemburgo. E essa credibilidade reflectiu-se de forma decisiva nalgumas negociações, que vou referir.
Em primeiro lugar, Portugal teve claramente uma voz, e decisiva, em Edimburgo - quem esteve lá sabe muito bem que foi assim -, para a aprovação do Pacote Delors II. Porque tinha credibilidade, a sua voz foi ouvida.
Portugal, recentemente, numa discussão bem difícil para a repartição dos fundos estruturais, principalmente entre os quatro países da coesão, conseguiu ver as suas pretensões satisfeitas. 0 Sr. Deputado, porque tem informações vindas de dentro, sabe muito bem que essa foi uma negociação extremamente difícil e que Portugal foi um dos países que conseguiu, de facto, ver a sua razão reconhecida.
Depois, Portugal teve, claramente, uma voz no GATT. Já ocorreram sete rounds, sete rondas negociais do GATT e em nenhuma negociação anterior alguém ouviu falar de Portugal! Foi a primeira vez que a voz de Portugal foi ouvida na cena internacional no que diz respeito às negociações do GATT.
0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Essa não, Sr. Primeiro-Ministro!
0 Orador: - Porque é que o Sr. Deputado fica tão nervoso quando estou a falar se há pouco não pronunciei uma palavra, enquanto o líder do seu partido fazia a sua intervenção?
Aplausos do PSD.
Muitos outros países grandes, até desenvolvidos e industrializados, não tiveram voz nesta negociação multilate-
ral, que é o GATT, mas a voz de Portugal foi ouvida. E podia ainda mencionar outras negociações complexas em que estivemos envolvidos.
Sr. Deputado, não é possível ter uma estratégia incorrecta, fazer má aplicação dos fundos na parte social, na parte do fundo regional ou na do FEOGA e, depois, conseguir, de facto, revelar este índice de credibilidade!
0 Sr. Deputado tem, ultimamente, falado muitas vezes da educação, mas quero recordar que os primeiros Governos, pelo menos desde 1974, que começou a investir fortemente na educação foram os meus.
Não temos o mínimo receio de enfrentar a comparação entre aquilo que hoje se faz em matéria de investimentos em recursos humanos e o que se fazia antes de 1985. 15so é reconhecido em toda a parte do mundo, em todas as instâncias internacionais que não têm interesse partidário específico no nosso país.
Protestos do PS.
Não vale a pena entrar por esse domínio, porque o Sr. Deputado até sabe que a primeira prioridade do Plano de Desenvolvimento Regional é, precisamente, a valorização dos recursos humanos, com destaque para a formação, para a ciência e tecnologia e para a educação. 0 senhor, quanto muito, pode dar conferências de imprensa a copiar aquilo que, exactamente, está no nosso PDR!
Aplausos do PSD.
Risos do PS.
Quanto aos critérios de convergência, Sr. Deputado, o Tratado está em vigor! 0 Tratado está em vigor com todos os seus artigos. Ainda recentemente, na Cimeira Extraordinária - depois confirmado no Conselho Europeu, em Dezembro -, os Doze confirmaram, na sua plenitude, as disposições da União Económica e Monetária.
Por isso, neste momento, temos de nos preocupar com a melhor execução possível desse Tratado. 0 Governo português quer que o ele passe à prática. Nem mais nem menos: a totalidade!
Existirá uma conferência inter-governamental em 1996 e até referi aqui aqueles que penso serem os pontos fundamentais da discussão. Mas, neste momento, o que sabemos é que o Tratado está em vigor em todas as suas normas e que, no que diz respeito à União Económica e Monetária, não existem quaisquer atrasos.
Logo no primeiro Conselho, é fixada a sede do Instituto Monetário Europeu, que tem uma palavra decisiva no reforço da cooperação entre Estados-membros e na colaboração entre bancos centrais, bem como na vigilância do Sistema Monetário Europeu, e designado o seu presidente. E, logo no Conselho seguinte, aprovadas as orientações de política económica para os Estados-membros e para a Comunidade, que é uma condição que resulta, de facto, da União Europeia.
Uma palavra muito breve sobre esta tentação de, neste momento, ganhar popularidade à custa das nossas relações com a Espanha. Esperava que isso viesse de todas as bancadas, mas nunca da bancada do Partido Socialista! Permita-me que manifeste aqui a minha surpresa.
0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Essa agora! Porquê?
0 Orador: - Só lhe digo, Sr. Deputado, que não há muito tempo encontrei um escrito já antigo de Eduardo
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Lourenço, que dizia: «Certas afirmações que em Portugal se fazem em relação à Espanha são a expressão de um certo infantilismo». Penso que é mesmo assim!
Foi o meu Governo que estabeleceu relações de cooperação frutuosas com a Espanha. Fazemos parte do mesmo espaço, das mesmas organizações, o que não acontecia antes de 1986. Estamos na UEO em conjunto; estamos na NATO em conjunto, embora não na estrutura militar integrada; também estamos na Comunidade Europeia, etc.
Não vejo que Portugal possa cair na tentação de distinguir a Espanha em relação a outros países da Europa comunitária. Penso mesmo que seria um erro. Não me parece que seja assim que os nosso interesses sejam, de facto, defendidos.
Podia tratar de todos os pontos, mas vou escolher só um, que me parece significativo, da posição do Sr. Deputado no que respeita às relações com a Espanha: a desvalorização. Não conheço nenhum líder da Europa comunitária que defenda a desvalorização da moeda do seu país. Não conheço! E compreende-se que seja assim, porque é o imediato descrédito desse líder.
Se bem se recordam, o Sr. Balladur deu uma conferência de imprensa, quando estava ainda na oposição, a dizer que defendia a política de estabilidade do franco. E o Sr. Amar, aqui na nossa vizinha Espanha, também na oposição, convocou os jornalistas para lhes afirmar, de forma muito clara e categórica, que era a favor da estabilidade da peseta.
Mas vamos agora pensar o que é que aconteceria se, por acaso, as teses do Sr. Deputado vingassem. Se as teses do Sr. Deputado vingassem, isto é, se o seu partido chegasse ao poder, a primeira coisa que lhe era exigida era uma desvalorização forte da moeda. Enquanto não o fizesse, as taxas de juro subiam, e significativamente. Caso contrário, os capitais fugiam.
0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E havia terramoto... Aí vem o Big one!
0 Orador: - Depois, o mercado não lhe perdoaria - e não exigia 5, nem 10 % mas, sim, 20 % ou mais! Qual seria a consequência? Imediatamente as taxas de juro tinham de subir; em consequência da desvalorização, subia substancialmente a inflação e, em consequência disso, haveria muito menor investimento.
Na parte do Orçamento do Estado, o que é que acontecia? Como os juros da dívida pública eram muito mais caros, o Governo teria de conseguir cortar, em particular no investimento - porque o pessoal não é compressível -, e a consequência de uma política desse tipo era, claramente, a recessão, principalmente pela queda do investimento.
Por isso, Sr. Deputado, se como economista tenho poucas dúvidas em relação a alguns pontos, nesse tenho poucas dúvidas, ou seja, quanto a uma posição de desvalorização da moeda assumida expressamente pelo líder do maior partido da oposição. Se, por acaso, ele um dia tivesse a responsabilidade da governação provocava uma grande recessão no País, uma queda do investimento, um aumento da inflação e um agravamento do desemprego.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Pedia-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.
0 Orador: - Portanto, Sr. Deputado, em relação àquilo que nos une, muito bem; em relação ao que nos separa,
fica-lhe muito bem que exerça o seu papel de líder da oposição. Mas é uma coisa muito diferente aquilo que o senhor afirma corresponder à realidade ou ter algum fundamento em termos de governação séria e credível!
De qualquer forma, muitíssimo obrigado por ter levantado as questões, Sr. Deputado.
Aplausos do PSD.
0 Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
0 Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, iria sugerir à Mesa, com a aquiescência da Câmara, que, atendendo ao carácter do debate e ao facto de no pedido de esclarecimento que formulei e na resposta do Sr. Primeiro-ministro não se ter cumprido rigorosamente os tempos e de ser manifestamente desinteressante, desnecessário e absurdo que eu possa apresentar a minha defesa em relação a algumas acusações, nomeadamente de infantilismo,...
Risos do PSD.
... que me foram dirigidas, daqui a duas horas e meia, se fosse possível, me desse desde já a palavra para defesa da consideração, o que considero que seria manifestamente do interesse do debate e da Câmara.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, a interpretação do Regimento da Assembleia da República e a prática sempre seguida por V. Ex.ª em relação a todas as bancadas tem sido a de remeter sempre para o fim as defesas da honra..
Vozes do PS: - Nem sempre
0 Orador: - Esta tem sido a prática seguida pelo Sr. Presidente, em exercício neste momento. Aliás, tem acontecido comigo e com a minha bancada.
Contudo, também reiteraria ao Sr. Presidente que concedesse a palavra, para defesa da honra, ao Sr. Deputado António Guterres - não poremos qualquer obstáculo -, pois não gostaríamos que ficasse com o álibi de ter saído deste debate sem ter esclarecido tudo aquilo que queria esclarecer.
Portanto, pela nossa parte, damos consentimento para a derrogação interpretativa do Regimento nesse ponto, Sr. Presidente.
0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, quem me conhece, sabe bem que gosto pouco de tomar posições antipáticas, mas a verdade é que o debate seria desvirtuado, pese embora a importância, com certeza, dos argumentos do Sr. Deputado António Guterres, se atribuíssemos uma qualquer importância especial à sua figura e à sua função...
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Risos do PSD.
... e admitíssemos uma entorse aos ritmos normais do funcionamento destes debates.
Pela parte do CDS-PP, devo dizer que não gostaríamos que o Sr. Deputado António Guterres voltasse a falar antes de o Sr. Deputado Adriano Moreira usar da palavra para fazer perguntas.
0 Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para, mais uma vez, interpelar a Mesa.
0 Sr. Presidente: - Devo dizer que VV. Exªs, até agora, têm sido escrupulosos na figura regimental que solicitam.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
0 Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, atendendo às reservas apresentadas pelo CDS-PP, sugeria que a minha defesa da consideração ocorresse no final dos pedidos de esclarecimento ao Sr. Primeiro-Ministro.
0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Óptimo!
0 Sr. Presidente - A Mesa, tendo em conta toda esta aquiescência geral da Câmara, vai seguir esse caminho, embora haja variações de interpretação da disposição em causa. Com efeito, o texto do artigo 92.º do Regimento permite esta interpretação - aliás, é claro nesse sentido. Tenho sido mais estrito no seguimento da ordem cronológica desta figura regimental, mas desta vez ela terá lugar no fim de todas as perguntas a formular ao Sr. Primeiro-Ministro.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
0 Sr. Luís Fazenda (Indep.): - Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro, dir-se-ia que esta é uma voz diferente
neste consenso pró-União Europeia que aqui se estabele
ceu. E parece-me que um certo fanatismo europeísta é um
pouco uma doença infantil do Tratado de Maastricht.
Gostaria, em primeiro lugar, de dizer que é conhecida
a posição da UDP, expressa por opinião e voto através
do seu Deputado nesta Assembleia, contrária ao Tratado.
Consideramos, e não pensamos que a vida nos desmin
ta, que o Tratado de Maastricht e a política que ele envol-
ve seriam nocivos ao nível de vida do povo português; Risos do PSD.
importariam, em doses concentradas, mega-patrões e mo-
netarismo contra a economia real, catalizando a crise estru
tural do modelo económico português, por um lado, dispu
tando de regras abertas no mercado interno da
Comunidade Europeia e, por outro, concorrendo simulta
neamente e em desvantagem com as exportações do Ter
ceiro Mundo; limitariam a participação democrática com a
imposição da burocracia distante e não eleita de Bruxelas; e
empurrariam o País para uma perda de soberania real, num
federalismo onde os interesses nacionais são um adereço de
subalternidade. A Europa não tem culpa da União Europeia e
não creio que seja uma posição nacionalista serôdia.
A pergunta que lhe dirijo, Sr. Primeiro-Ministro, vai, no
entanto, numa outra direcção. Se não dúvidas de que,
embora com contradições e alguns reveses sérios, a políti
ca de Maastricht vai seguindo o seu caminho, o que resta
do crédito do Tratado, a que V. Ex.ª acabou de chamar
uma ferramenta fundamental?
A União Económica e Monetária é a crise do Sistema
Monetário Europeu - e não apenas algumas convulsões
cambiais, como V. Ex.ª a terá dito - e o trem do marco é tudo menos o plano da moeda única, nem sequer de uma moeda comum.
A chamada Política Externa e Segurança Comum é a impotência para apaziguar a guerra dos Balcãs; são as vozes desafinadas no relacionamento com os Estados Unidos; é a incoerência e os casuísmos na política, face ao Leste europeu; e são os exércitos mistos, as brigadas aos pares, antes que venha - virá!? - o braço armado da UEO? Terá deixado espaço para isso a última cimeira da Nato?
A chamada cooperação intergovernamental tem sido uma intensificação do Estado-policial, feito por alguns em detrimento de outros, e uma anunciada reforma das instituições, com a exclusão de Portugal do directório da pseudo-união. Ou será que essa adaptação mecânica em relação ao alargamento dos países da EFTA não é apenas uma antecâmara da exacta, necessária, tangível e próxima reforma institucional pretendida pelas principais potências?
0 Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.
0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
0 que resta desse Tratado, Sr. Primeiro-Ministro? 0 que se prefigura é um novo acto único em cima do Tratado, provavelmente na revisão do mesmo, ainda mais nocivo para os povos.
Em bom português, e na indulgência das letras com a política - que se espera -, já não será este Tratado, numa frase laminar de Fernando Pessoa «um cadáver adiado que procria? Ou o fascínio dos fundos, Sr. Primeiro-Ministro, obscureceu, de vez, o fundo da questão?
0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
0 Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, antes de mais, quero cumprimentá-lo porque é a primeira vez que tenho o prazer de responder a uma questão colocada pelo Sr. Deputado.
Respeito a posição que expressou, mas imediatamente deu a entender que a sua posição é isolada, ou quase, nesta Câmara. De facto, defendemos uma Europa aberta ao mundo, uma Europa sem barreiras, pois consideramos que o modelo albanês produziu péssimos resultados.
Pergunta-me o que é que resta de crédito deste Tratado. Sr. Deputado, este Tratado foi aprovado por 12 Estados-membros e ratificado por 12 parlamentos. Passou por todas as provas democráticas em Estados com 320 milhões de habitantes.
Mas, se isso não for suficiente, olhe-se às declarações produzidas em muitos Estados da Europa quanto ao seu desejo de, tão rapidamente quanto possível, aceitarem esse mesmo Tratado, o que significa que a Europa, uma boa parte da Europa eu diria, uma parte substancial da Europa, talvez 90 % parece identificar-se com ele. Não será isto uma prova da sua credibilidade? Ele está em vigor e, diria mesmo, a todo o vapor.
Uma das razões por que convocámos este debate foi porque receávamos que alguns estivessem desfasados quanto a este ponto e pensassem que ele estava na gaveta. Mas isso não acontece, ele está, a todo o vapor, a passar à prática, está em marcha.
Por isso, Sr. Deputado, ficamos com a nossa discordância: o Sr. Deputado com a sua convicção, o Governo e eu
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próprio com a convicção de que este é o projecto da paz, da segurança, da prosperidade e da solidariedade.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª disse, logo na parte inicial da sua intervenção, que não era tempo para polémicas - suponho que foi esta a expressão que utilizou - e com isso quis dizer um pouco que nada havia a discutir em tomo do Tratado.
Creio, Sr. Primeiro-Ministro, que seria ignorar uma realidade, que é clara: a de que o Tratado entra em vigor numa situação de profunda crise em tomo dos próprios conceitos em que ele assenta. Desde logo, na sua componente relativa à União Económica e Monetária, com tudo o que se passou com o SME, etc.; no que toca à própria Política Externa e de Segurança Comum - e recordo as dificuldades que houve, e continua a haver, em relação a uma posição referente à Jugoslávia -; e, no que toca ao Terceiro Pilar, as dificuldades são múltiplas e mais do que significativas.
Essa crise tem a ver até com uma outra componente que o Sr. Primeiro-Ministro também realçou e que não podia deixar de aqui assinalar. Diz o Sr. Primeiro-Ministro que na Europa há um consenso em torno do Tratado. Sr. Primeiro-Ministro, há um consenso de cúpulas! Porque, como foi demonstrado durante o debate do Tratado, quando os povos que foram chamados a pronunciar-se sobre ele, esse consenso de cúpulas não tinha correspondência na vontade real dos povos.
Vozes do PCP e do Deputado independente Luís Fazenda: - Muito bem!
0 Orador: - Era um Tratado que dividia os europeus de uma forma tão profunda que um dos problemas de fundo que a aplicação deste Tratado suscita é a de saber se uma alteração qualitativa com a grandeza desta pode ser sustentada num clima de conflitual idade, como foi o deste Tratado.
Creio que a questão da crise e da situação de dificuldades em que o Tratado vive tem variadíssimas razões. Tem a ver com as transferências de soberania; com o fosso que se estabeleceu entre os cidadãos e essas cúpulas que assim decidiram; com a falta de participação dos cidadãos; com o défice democrático; e também com a falta de uma dimensão social.
E a polémica, quer o Sr. Primeiro-Ministro queira ou não, está instalada. Veja-se, por exemplo, o caso dos salários, em que uma recomendação recentíssima do Conselho aponta, justamente, para que, em certas situações, haja baixa de salários reais.
0 que é que o Sr. Primeiro-Ministro e seu Governo fizeram na primeira reunião deste ano? Foi aplicar essa recomendação à letra, apontando para a baixa dos salários reais, como a que está agora proposta para a função pública. Mas isto não era necessário, Sr. Primeiro-Ministro. Evidentemente que não era! A Grécia não o aceitou, ao contrário do Governo português, e reservou a sua posição em relação a essa decisão do Conselho.
0 Sr. Primeiro-Ministro: - Não! Tenho aqui o documento!
delegação grega diz exactamente que não está em condições de aceitar as alíneas 3 e 4 do Capítulo «Salários, investimentos e emprego», que se referem justamente a esta matéria.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador. - Como é que o Sr. Primeiro-Ministro quer que não haja polémica? Tem de haver! Como tem de haver no que toca a toda a matéria referente à reforma institucional!
0 Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, pois já ultrapassou os três minutos.
0 Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Se há quem proponha que haja um núcleo director, como é que não pode haver polémica?
0 Sr. Primeiro-Ministro disse também que o Tratado não era um nado-morto. Creio que isso não está em questão, mas, sim, as vicissitudes significativas com que nasce o Tratado. E até lhe posso apontar uma: o Sr. Primeiro-Ministro referiu a questão da Política Externa e de Segurança Comum. 0 que lhe pergunto é isto: que se passou nos primeiros dois meses de vigência do Tratado da União Europeia? Quem é que decidiu qual é a política de segurança europeia neste período de vigência do Tratado? Quem foi? Não foi a União Europeia, foi a Cimeira da NATO. Esta é a demonstração clara das perturbações...
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - Não digo que é um nado-morto, mas direi que, porque não foi feito o aborto terapêutico a tempo, provavelmente, a criança nasceu mal formada! Essa é uma situação que aparece de forma transparente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - E há nítidos e claros sinais de fuga para a frente. Hoje, no Parlamento Europeu, está a ser discutido um relatório que propõe coisas como esta: um hino para a União, etc., uma série de elementos. 0 Sr. Primeiro-Ministro dirá: «Não são muito importantes». Claro, esta é a teoria dos pequenos passos, mas a soma de todos estes elementos significa uma profunda alteração da situação dos Estados, alteração essa que cria, efectivamente, um Estado com todos os atributos típicos do Estado: hino, bandeira .... e por aí fora. Todos aqueles que são típicos do Estado.
Finalmente, Sr. Primeiro-Ministro, julgo que a sua linha de saída aponta para a ideia da revisão que está definida no Tratado. Trata-se, a meu ver, de uma revisão para aprofundar e creio até que, muito mais do que uma revisão, era preciso ter a coragem de debater uma profunda viragem na política de integração europeia, no sentido de privilegiar a dimensão social, a coesão económica, etc. Em suma, num sentido muito diferente daquele que está a ser prosseguido com esta política.
Devo dizer que, quanto a isso, o Sr. Primeiro-Ministro repetiu o mesmo discurso que aqui fez ao longo dos anos e nada trouxe, absolutamente nada, de novo a esse debate, que é urgente e necessário.
Aplausos do PCP.
0 Orador: -- Também tenho aqui o documento,
Sr. Primeiro-Ministro. Podemos trocar... A declaração da Sr. Primeiro-Ministro.
0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro - Ministro
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0 Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, uma parte da intervenção de V. Ex.ª prende-se com o processo de ratificação, mas tal processo pertence ao passado em todos os países.
Polémicas, discussão, incertezas, hesitações, tudo isso ocorreu, mas, neste momento, não vale a pena a carpir, como disse na minha intervenção, as frustrações de cada um.
0 que está em causa agora é a execução: conseguir que dela resulte o fortalecimento da Europa - a Europa mais solidária, como disse, e mais preparada para contribuir para a paz e para a estabilidade - e que nós, portugueses, sejamos capazes de fazer também um bom aproveitamento da execução do Tratado da União Europeia.
Penso que o Sr. Deputado está um pouco enganado no que diz respeito à passagem à prática do Tratado. Repito: neste mês e 19 dias de vida do Tratado, não noto atrasos na sua passagem à prática, pelo menos, quanto às minhas expectativas iniciais, quer quanto à União Económica e Monetária - e não vou repetir aqui o que disse há pouco
quer quanto à Política Externa e Segurança Comum.
A celeridade foi muito importante porque permitiu parar tendências para eventuais rivalidades entre a UEO e a NATO e estabelecer uma comparação, sem ambiguidades, transparente, entre as duas organizações, reconhecendo os aliados, de forma explícita, que a componente de defesa da União Europeia é um fortalecimento do pilar europeu da NATO; um contributo importante para a ligação transatlântica - e a própria NATO coloca à disposição da UEO recursos, incluindo os militares, para que a Europa, no quadro da União Europeia, realize as acções comuns que resultam da sua Política Externa e Segurança Comum.
0 Sr. Deputado pode dizer que isso é pouco, mas eu considero que é muito! Quem assistiu ao evoluir de todo este processo, desde a Cimeira da NATO, em Roma, que encontrou a expressão ou expressões de compromisso que estão hoje no Tratado, até àquilo que aconteceu na Cimeira da NATO, agora em Bruxelas, tem de reconhecer que se percorreu um grande caminho naquilo que é uma das vertentes políticas mais fortes do Tratado da União Europeia.
Polémica existirá sempre! E com certeza que alguns preferem, neste momento, fazer a polémica já em relação a 1996, em lugar de se concentrarem sobre a execução do Tratado.
Disse, na minha intervenção, que, neste momento, não nos devemos precipitar nem cair em armadilhas quanto a uma conferência intergovernamental que ainda não tem o seu âmbito definido e que só chega em 1996. Mas houve uma tentativa.
0 Sr. Deputado conhece a resposta dada pelo Governo português, no que diz respeito a unia tentativa de aproveitar o alargamento para realizar reformas institucionais que não estavam de acordo com as decisões da Cimeira de Lisboa nem, tão-pouco, com a Cimeira de Copenhaga.
E repare como um pequeno país - Portugal - apareceu como que a liderar um processo que visava colocar o ponteiro na direcção correcta. 0 Sr. Deputado sabe bem que o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros foi considerado, por essa Europa fora, como estando a dirigir este movimento, que não queria dizer dos pequenos países mas, pelo menos, daqueles países que queriam o respeito integral das orientações da Cimeira de Lisboa. E somos um pequeno país, de facto!
E encontrou-se, mais uma vez, um equilíbrio que não significa a força hegemónica de um grupo em relação a outros. E tem de reconhecer que foi assim, porque no Conselho Extraordinário acordou-se praticamente tudo, só falta uma parte, que, como sabe, é relativa ao número de
votos para o veto das decisões por maioria. Mas acordou-se o fundamental das partes institucionais, quanto ao alargamento. Já se aprovou de facto, e tenho aqui a documentação do Conselho, relativamente às grandes orientações da política económica dos Estados membros, nos termos do artigo 103.º do Tratado. 15to é, passados poucos dias, está a dar-se sequência ao artigo 103º' do Tratado.
Em relação à referência feita à Grécia, Sr. Deputado, devo dizer - mas sabe, com certeza, pelo que apenas vou repetir, se calhar o senhor pensa que é para tirar efeitos ... - que a inflação prevista para a Grécia no próximo ano é da ordem dos 13 % e que o governo grego acaba de propor, nas negociações salariais, um aumento de 7 a 8 %. Mas se era para isto não precisava de pedir qualquer desculpa para não aplicar as recomendações consagradas no Tratado, porque, pelo que parece, vai, de forma clara, ocorrer uma diminuição do poder de compra na Grécia.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
0 Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, em vista do estatuto dos pequenos partidos, corolário do estatuto dos pequenos Estados, vou tentar ser muito conciso na minha pergunta, mas não posso deixar de proceder a um comentário.
Em primeiro lugar, queria dizer que fico sempre um pouco incomodado quando é necessário citar autoridades estrangeiras para abonar a idoneidade das intervenções portuguesas.
Vozes do CDS-PP, do PS e do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - Sou suficientemente europeu para não me submeter ao provincianismo de achar que as opiniões das entidades portuguesas são suficientes para formar a minha opinião. E, no que toca ao Governo, com o meu princípio, a minha convicção e o meu respeito, entendo que o Governo não mente ao Parlamento, porque no dia em que isso acontecer o Parlamento terá de derrubar o Governo ... !
Em segundo lugar e em relação à Espanha, que é um problema menor do contexto europeu, realmente não aceito a posição dos que entendem - lembrando-se, talvez, de Sartre - que «o inferno são os outros». 0 inferno não são os outros, somos nós. Ou temos a capacidade de responder ou não a temos! Temos de assumir isso. Também, neste ponto, penso que devíamos assentar, claramente, nesta atitude de protagonismo internacional.
Por outro lado, também penso que, neste momento, não é necessário louvar a adesão e a aprovação do Tratado de Maastricht. Está feito! É um facto consumado! Foi decidido! Está aprovado! E eu, pessoalmente, manifestei o meu acordo relativamente à aprovação do Tratado de Maastricht, embora esteja subordinado à disciplina do partido. Digo já isto para evitar a perda de tempo habitual nas conversas parlamentares...
Risos do PS.
... , a respeito destas situações. Fica já esclarecido.
Queria, justamente, fazer uma pergunta muito concreta sobre a política comum de defesa, porque não tenho tempo para mais.
0 Sr. Primeiro-Ministro recordou-nos, porque todos temos a obrigação de estar informados, que os grandes objectivos da política externa comum vão da estabilidade e
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paz na Europa à solução do problema da África do Sul, do Médio-Oriente à Jugoslávia e da Jugoslávia à Rússia. Penso que se esqueceram do Pacífico e de Timor, mas, talvez, isso possa ser colmatado numa próxima definição de objectivos da política internacional. E também anunciou que a discussão institucional irá ser em 1996.
Ora, como não sou um utopista-normativista, pois não acredito que quando se fazem leis os problemas ficam resolvidos, aliás, penso que a realidade é desafiante, tenho dúvidas de que, entre este ano e 1996, a estrutura internacional se não modifique em termos de eliminar grande parte da liberdade, que o Governo português julga possuir, para discutir a organização institucional em 1996.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
0 Orador: - E isto tem muito a ver com a defesa. 0 Sr. Primeiro-Ministro falou-nos na coordenação da UEO e da NATO e até se refere, utilizando uma atitude muito comum no nosso tempo, a uma realidade virtual, porque fala no pilar europeu da defesa, que é uma coisa que não existe. 0 que existe são 16 aliados da NATO - e a NATO é uma Aliança de países -, que não tem qualquer pilar europeu. 0 que existe é uma outra organização chamada LTEO. 0 Sr. Primeiro-Ministro chamou a atenção para a relação entre ambas, mas há um facto - e esse é estrutural - que nunca é mencionado: o corpo de exército europeu dinamizado pela Alemanha e pela França. É este o facto fundamental. Este é que é o facto que desafia a hierarquia das potências, a constituição de uma cadeia de comando. Este é o facto que aproxima do federalismo. Por isso mesmo, eu gostaria de, neste ponto, voltar a reincidir numa pergunta que já fiz e que é a de pedir-lhe que esclareça o País, mais uma vez, sobre a posição do Governo em relação ao federalismo, porque há equívocos.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!
0 Orador: - A integração do seu partido no Parlamento Europeu deixa suspeitar isso à opinião pública. E eu atenho-me às declarações do Governo perante o Parlamento e quero que essas declarações sejam aceites como coincidentes com a política efectiva que a Europa está a seguir. Penso haver boas razões para fazer esta pergunta e para que o Sr. Primeiro-Ministro se esforce por esclarecê-las.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
0 Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Moreira, começo por dizer que não é uma questão de «abonar», porque é o povo português quem abona ou não, em eleições livres, e, felizmente, até aqui tem abonado de forma, clara e inequívoca. 0 que eu queria era contrastar a posição, por exemplo, de um socialista português com a de um outro de outro país, que não tenha interesse partidário específico no nosso País. Foi esse o objectivo. Ou seja: o objectivo foi mostrar aqui duas situações, que são divergentes. E são-no, em nossa opinião, porque existe um interesse partidário específico: o de quem está na oposição e quer derrubar ou substituir aqueles que estão no Governo, o que é absolutamente normal em democracia.
0 Sr. Deputado disse no seu pedido de esclarecimento que não existe um pilar europeu da NATO. Tenho aqui, à minha frente a declaração da NATO que diz precisamente:«A iden
tidade europeia de segurança e defesa vai contribuir para reforçar o pilar europeu da NATO».
0 Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Desculpe-me, Sr. Primeiro-Ministro, mas essa é a realidade virtual.
0 Orador: - Eu prefiro viver no virtual do que no imaginário.
0 Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Primeiro-Ministro, espero que o Eduardo Lourenço tenha alguma página para explicar a diferença entre o «virtual» e o «real»!...
0 Orador: - Está aqui! Foram 16 os países que acabaram de aprovar, por unanimidade, este documento. Portanto, nada mais digo além do que aqui está.
Em relação à parte institucional que o Sr. Deputado referiu, apenas avancei a possibilidade de a Conferência Intergovernamental de 1996 abordar questões institucionais, mas devo dizer que este Tratado, este belo volume editado pela Assembleia da República, não consagra essa componente como uma das primeiras a ser considerada na revisão mas, sim, a política externa e segurança comum.
No entanto, penso que, face ao alargamento e à abertura dada em Copenhaga para que os países do Centro e do Leste da Europa possam também, um dia, ser Estados membros da Europa Comunitária, será difícil evitar um debate institucional, tendo também presente as tentativas que recentemente alguns fizeram neste domínio.
No que toca ao federalismo, tenho alguma dificuldade em entender a sua pergunta, Sr. Deputado. Já teria imensa dificuldade em entendê-la se fosse feita pelo líder do seu partido, mas, se o Sr. Deputado me permite, provavelmente, vou responder como se tivesse sido feita por ele.
0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Mas não se esqueça do Construire LEurope des Cítoyens!
Orador: - Não me esqueço, Sr. Deputado!
palavra federalismo tem diferentes interpretações em Portugal e nos outros países da Europa. Foi aí que aprendi isto! Verifiquei e agora parece que a minha fundamentação é mais forte que na maioria dos países se vê o federalismo como um aproximar das decisões aos cidadãos, ao ponto de se ter substituído a expressão «de orientação federal» no Tratado de Maastricht precisamente por «de aproximação aos cidadãos». E depois, ao falar com muitos dos Primeiros-Ministros europeus, verifiquei ser essa a interpretação feita nos seus países, ou seja, a interpretação positiva de decisão próxima do cidadão.
Em Portugal, a tradição tem sido - não sou especialista nesta matéria - a de interpretar o federalismo como sendo algo que põe em causa o Estado soberano. Daí, eu nunca ter tido dúvidas quanto à rejeição dessa interpretação de federalismo, mas jamais me atrevi a dizer, ou a alvitrar, como irão decidir os cidadãos portugueses, nos séculos XXI, XXII, XIII, sobre essa matéria. 15to porque, a meu ver, o projecto europeu, neste momento, no fim deste século e no princípio do próximo século, está e estará aberto.
Logo, neste momento, é uma total falsa questão.
Agora, respondendo à questão que me colocou, mas imaginando que a pergunta não foi feita pelo Sr. Deputado, só alguém ignorante na matéria ou um perfeito demagogo pode considerar que a questão do federalismo é algo que está ou vai estar em discussão neste momento ou no final deste sécu-
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lo! Penso que não vai estar! Portugal é um país soberano, como a Inglaterra, e vai continuar a sê-lo com este Tratado e depois da sua revisão. E não é possível - todos sabemos - ter federalismo quando as políticas comuns representam 1,4 % do produto nacional. Não há a mínima hipótese! Não há a mínima hipótese de fazer corresponder um federalismo que não tenha um outro associado que se chame federalismo financeiro. Não há a mínima hipótese! Por isso, não me atrevo a dizer como os portugueses irão decidir no futuro, agora e neste momento. Só um demagogo pode imaginar que está ou vai estar sobre a mesa a discussão do problema do federalismo, tal como é entendido no nosso País! Repito, tal como é entendido no nosso País!
Portugal é um país soberano e vai continuar a sê-lo com a sua presença nos órgãos internacionais, na ONU, na NATO e em outras organizações internacionais, de forma clara.
Portugal ainda defende a existência de um espaço maior para as chamadas políticas de interesse comum. 0 que queremos é que esta organização, a Comunidade Europeia assuma políticas que correspondam a interesses comuns a Portugal, a Espanha, a França, à Grécia e a todos os outros países. A essência da Comunidade é, de facto, conduzir e co-gerir em conjunto as políticas que são do interesse de todos, o que significa haver um valor acrescentado.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - 0 que significa isso?
0 Orador: - Significa um valor acrescentado, quer para Portugal quer para o todo.
Sr. Deputado Adriano Moreira, defendemos que se incluísse no Tratado - e assumo-o em pleno - novas políticas comuns e não estou nada arrependido!
Veja, por exemplo, as redes transeuropeias. Portugal foi, talvez, o primeiro país a introduzir na discussão a questão das redes transeuropeias. Agora, aprova-se o Livro Branco, onde a grande orientação para a recuperação da Europa reside precisamente nas redes transeuropeias de transportes, de energia e de infra-estruturas de informação.
Por isso, Sr. Deputado, se quiser a minha opinião antecipada, esse problema, se calhar, não vai colocar-se...
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não é esse o entendimento da presidência belga, Sr. Primeiro-Ministro!
0 Orador: - Sr. Deputado, não posso garanti-lo, porque não consigo antever o que irá passar-se no século futuro, mas a minha experiência, Sr. Deputado, de 24 Cimeiras em que já participei, diz-me que o problema do federalismo, como é visto em Portugal, não vai estar sobre a mesa na Conferência de 1996 e, se calhar, nem sequer em qualquer outra até ao ano 2050. Este é o meu ponto de vista. É um problema que não se coloca, porque a minha sensibilidade e experiência me dizem que os Estados nunca irão aceitar transferir recursos financeiros para a Europa comunitária, para uma entidade supra-nacional que signifique a condução de políticas comuns que atinjam uma dimensão compatível com a interpretação que, em Portugal, é feita dessa expressão. É isto o que posso responder-lhe, Sr. Deputado.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para defesa da consideração, além do Sr. Deputado António Guterres, também os Srs. Deputados João Amaral e António Lobo Xavier. Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados pela ordem de inscrição, peço-vos o estrito cumprimento do Regimen-
to: três minutos para defesa da consideração e, igualmente ao Sr. Primeiro-Ministro, três minutos para dar explicações.
Nesse sentido, tem a palavra, Sr. Deputado António Guterres.
0 Sr. António Guterres (PS): - 0 Sr. Primeiro-Ministro insistiu que eu defendo um interesse partidário: é verdade - o do PS! Tal como o Sr. Primeiro-Ministro defende um interesse partidário - o do PSD! E ambos temos, além disso, uma visão do interesse nacional. Pela nossa parte, penso que temos a consciência tranquila porque, em todas as matérias e com particular relevo para esta, temos sabido sempre pôr a nossa visão do interesse nacional à frente.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Quanto à questão dos fundos, não está em causa um exercício de contabilidade. Os governos, tal como as árvores, medem-se pelos frutos. Nós temos um apoio comunitário extremamente significativo desde 1986 e o que é verdade é que, apesar das centenas e centenas de milhões de contos aplicados em cada um dos sectores, temos hoje uma situação na agricultura que é, porventura, a da maior crise das últimas décadas e, nos últimos três anos, Portugal foi o país da OCDE que registou a maior quebra do produto industrial. E esta é que é a questão! Esta é a questão decisiva, a qual nenhum exercício contabilístico, feito seja por quem for, avalizado seja por quem for, permite iludir!
No que se refere à educação, nós, nesta matéria, felizmente, não copiamos - porque, se o fizéssemos, estaríamos a condenar o País a um trágico futuro. Este Governo dispôs, para a educação, de recursos como nenhum outro e tem-nos desperdiçado! 0 governo anterior teve um ministro com o qual discordámos, na sua política, mas que proeurou dar à educação uma verdadeira prioridade nacional. 0 Sr. Primeiro-Ministro «cortou-lhe as asas» no Orçamento e ele teve de sair! De então para cá, temos vivido, em matéria de educação, na mais completa desorientação, na mais total das confissões! No sistema e nas escolas, não há que copiar - há que mudar! Será mudado!
Aplausos do PS.
Depois, quanto à questão cambial, o Sr. Primeiro-Ministro - desculpe que lhe diga, com sinceridade - é, nesta matéria, um fundamentalista e projecta sobre os outros um fundamentalismo de sinal contrário. Esta bancada e eu próprio nunca defendemos uma política de desvalorização competitiva do escudo. 0 que nós sempre dissemos foi que era, em nosso entender, altamente lesiva do interesse nacional a política de valorização do escudo que foi seguida nos últimos três anos, com excepção do último. De tal maneira o foi que obrigou a taxas de juro muito elevadas e levou a que, apesar das suas profissões de fé, o escudo já tivesse tido que se desvalorizar duas vezes! E se é preciso encontrar em Portugal um primeiro-ministro que, apesar de apoios comunitários extremamente fortes, tenha conduzido este País à recessão, ao desemprego e a taxas de juro elevadas, ele está hoje aqui presente, nesta Sala - não é preciso lançar hipóteses proféticas sobre o futuro!
Finalmente, em relação à Espanha, o Sr. Primeiro-Ministro quase se gabava de ter descoberto hoje o caminho terrestre para a Espanha! Mas não foi este Governo que estabeleceu relações de tipo novo com a Espanha. 0 que se criou foi uma situação nova e foi essa que referi. É que, pela primeira vez, desde há séculos, Portugal e a Espanha partilham o mesmo espaço político e económico. E seria
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infantil negar esta realidade e negar as consequências inevitáveis que esta realidade tem para o nosso futuro colectivo. Ou então, a considerar infantilismo esta preocupação, nós teríamos, na História de Portugal, oito séculos de infantilismo com os quais me identifico inteiramente. Com o que não me identifico é com 60 anos de maturidade, de acordo com essa perspectiva!
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Agora, o que é indispensável é compreender as consequências que isso tem para o interesse nacional e adoptar uma estratégia de afirmação nacional que nos faça ter, simultaneamente, uma política europeia e, no quadro dessa política europeia, um consenso nacional para uma política peninsular. Já agora, para terminar, se alguém tem tido algum infantilismo, nesta matéria, revela o caso do Banesto que não tem sido a bancada do PS!
Vozes do PS: - Muito bem!
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
0 Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Deputado, devo dizer que já algumas vezes e aqui, expressamente nesta Câmara, reconheci que, em matéria de integração europeia, o PS tem posições nacionais. Fi-lo aqui a propósito do Pacote Delors II, reconhecendo que, em sede própria, o seu partido, nas internacionais ou internacional de que faz parte, não tinha manifestado divergências quanto ao Governo nessa matéria. Mas quanto ao resto, Sr. Deputado, fica-lhe bem a sua atitude. De facto, tenho de reconhecer publicamente que o senhor se bate, mas pode não se bater com coerência e compete-me, a mim, demonstrar que não se bate com coerência, ou que faz muita demagogia, e não é difícil que os outros assim o reconheçam.
Como sabe, a partir de 1986, a economia portuguesa
passou a integrar-se num quadro que está a ser, crescen
temente, global - globalização dos mercados, com todas as
suas consequências. Ora, o que é que está implícito no seu
raciocínio, quando fala da agricultura, da indústria - e pode
até falar de outras coisas? E que, nessa economia global, é
possível a um país - e a um país como Portugal - abrir
naquilo que lhe interessa abrir (por exemplo, têxteis), mas
fechar naquilo que não lhe interessa abrir.
0 Sr. Deputado sabe que isso é pura demagogia! Sabe que está contra os termos do Tratado que o seu partido ajudou, e fortemente, a negociar e com o qual se identifica! Portanto, o Sr. Deputado deve assumir de forma clara que a Europa comunitária é um espaço aberto, que agora é aberto também no que diz respeito ao mercado interno com os países da EFTA, ou seja, o espaço económico europeu, e que aí vigoram as liberdades: a liberdade de movimento de mercadorias, de pessoas, de capitais, de estabelecimento.
Sr. Deputado, pelo menos, uma justiça tenho de fazer a um seu correligionário espanhol: é que ele nunca me veio falar na ocupação da Galiza por parte da CIMPOR. Nunca!
0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Confundir Portugal com a Galiza é uma grande gaffe!
0 Orador: - Nunca me veio dizer: «a CIMPOR portuguesa aqui está, a tomar conta da Galiza, da casa dos espa-
nhóis! Se calhar, vai subir o preço do cimento e nós não podemos ter boas casas!»
0 Sr. António Guterres (PS): - Portugal não é a Galiza nem a CIMPOR é dos espanhóis!
0 Orador: - Pelo menos, faço justiça: nunca um seu correligionário me falou no caso da CIMPOR!
Protestos do PS.
Mas, como o Sr. Deputado voltou a falar no caso do Totta, peço mais um minuto para responder a isso. Sr. Deputado, não compete ao Governo português fazer a análise final do cumprimento, ou não, das leis. Não compete! 0 Governo português, no primeiro momento, fez apelo às entidades a que, no nosso País, de acordo com as leis, compete fazer as investigações nesse domínio - não será ele o julgador final! E que surpresa que venham afirmações desse tipo da parte do Sr. Deputado! Será a Procuradoria-Geral da República, serão os tribunais a apurar, ou não, o cumprimento da lei...
0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - E a Comissão de Acompanhamento?
0 Orador: - Sr. Deputado, penso que o senhor terá entendido o que eu disse: o Governo português, no primeiro momento, pediu logo - não hesitou - às entidades, a essa que referiu, mas não só a essa.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E o PSD vai aprovar a Comissão de Inquérito que vamos propor?
0 Orador: - Mas por que é que o senhor está tão nervoso?
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Só quero saber se o PSD vai aprovar, ou não, o pedido de audição parlamentar ?
0 Orador: - Sr. Deputado, não é o senhor que tem de fazer a audição parlamentar! 0 que o senhor quer fazer é chicana para atingir a iniciativa privada no nosso País!
Aplausos do PSD.
0 Governo português, Sr. Deputado - dou-lhe a garantia -, nunca ficará na gaveta com nenhum documento que resulte de investigação de entidades competentes que possa sugerir o não cumprimento da lei! Não tenha dúvidas quanto a isso! Mas não somos levianos na actuação. 0 Governo português deve receber, sobre esta matéria, em princípio, três relatórios: Banco de Portugal, Comissão de Acompanhamento das Privatizações e Comissão dos Mercados de Valores Mobiliários; compete-lhe, depois, fazer a análise e remeter para as entidades que fazem o julgamento final. Por isso, Sr. Deputado, embora o senhor, às vezes, exagere alguma coisa, eu não esperava que fizesse demagogia utilizando esse instrumento.
Sr. Deputado, na medida em que se trata de defesa da honra, permito-me, junto à observação que lhe fiz, em relação à desvalorização, fazer uma outra, que também é necessária, pelo menos por essa Europa fora, para ganhar o estatuto de líder da oposição com aspiração ao Governo, e que é a seguinte: nunca separar o lado das despesas do orçamento do lado das receitas. 15to é, a muitos é admitido que se pense que os impostos são uma receita do Estado e
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que, depois, existe uma máquina - talvez conduzida pelo Sr. Alves dos Reis... - que faz as notas que permitem financiar todas as despesas! A muitos se tolera isso, mas não se tolera àqueles que querem ser candidatos a primeiro-ministro! Esses têm sempre de aceitar que qualquer despesa que se faz no país tem de ser financiada por três formas possíveis: ou por impostos, ou por taxas, ou por empréstimos. E não digo criação monetária porque, de acordo com um artigo que está aqui, já não é possível o financiamento monetário do Orçamento do Estado.
0 Sr. António Guterres (PS): - E as prioridades?
0 Orador: - Por isso, Sr. Deputado, em relação à demagogia e nestas matérias, temos de ser comedidos! De qualquer forma, é a minha resposta de Primeiro-Ministro, líder do partido que está no Governo, ao líder do partido que está na oposição.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para defesa da consideração da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, não posso deixar de, no início deste pedido de defesa da consideração, sublinhar o facto de que, quando o Sr. Primeiro-Ministro diz que, em matéria de debate sobre a entrada em vigor da União Europeia, é irrelevante pensar no que se passou anteriormente à ratificação, está a pretender esconder um passado que explica exactamente e em grande medida tudo aquilo que se passa neste momento com a vida da União Europeia.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, esta minha intervenção deve-se, fundamentalmente, à questão grega: a declaração da delegação grega diz que ela não aceita as alíneas 3 e 4 do capítulo «Salários, Investimentos e Emprego» porque considera que essa decisão da Comunidade devia ter sido conjugada com uma evolução positiva dos salários reais. Assim, pergunto ao Sr. Primeiro-Ministro: que sentido é que tinha o facto de a Grécia não subscrever uma decisão que apontava justamente para a diminuição dos salários reais, quando o que ela aqui se propõe é que seja possível uma evolução positiva dos salários reais?
Em terceiro lugar e para concluir, acerca desta questão do Banesto, o Sr. Primeiro-Ministro disse aqui que todos estes processos são transparentes. Pergunto-lhe, por isso, mais uma vez: se todos estes processos são transparentes, por que é que o PSD tem rejeitado sistematicamente - já o fez por duas vezes - um inquérito parlamentar que foi proposto pelo PCP às privatizações? E que neste momento, em relação à questão da audição, ainda não deu sinal claro de que a ia aprovar.
0 desafio concreto que faço ao Sr. Primeiro-Ministro é este: está o PSD disposto a aprovar um inquérito parlamentar às privatizações que permita demonstrar que, contra o que foi escrito na maior parte dos jornais portugueses, as privatizações ocorreram como o Sr. Primeiro-Ministro diz? Ou ao contrário, se for caso disso, confirmar o que dizem os jornais e, como o Expresso uma vez titulou acerca das privatizações, que houve «um monumental cambão»? É preciso que o Sr. Primeiro-Ministro responda a esta questão.
Aplausos do PCP.
0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
0 Sr. Primeiro-Ministro , Sr. Deputado, de alguma forma, limitarei a minha resposta a este debate. 0 senhor, depois, falará certamente com o grupo parlamentar do PSD sobre as suas intenções de voto.
Sr. Deputado, como o senhor, com essa declaração da Grécia, pretendeu talvez lançar dúvidas sobre se esta recomendação do Conselho está ou não está em vigor para todos os Estados membros, quero aqui afirmar que essas declarações unilaterais não têm qualquer peso sobre a validade ou não das recomendações aprovadas - e esta foi aprovada pelos Doze, incluindo a Grécia -, o que significa que esta declaração, chamada As Grandes Orientações da Política Económica dos Estados membros e da Comunidade, vai servir para fazer a vigilância multilateral para todos os países, incluindo a Grécia.
0 senhor pode fazer as declarações unilaterais que quiser, mas o julgamento do plano de convergência da Grécia será feito com estas orientações, que ela própria aprovou. Não sei, no entanto, se não havia alguma intenção, ao fazer essa declaração unilateral, de política interna, a que os Conselhos Europeus também às vezes não são isentos.
0 Sr. Presidente: - Para defesa da honra da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Eu desejaria mil vezes não ter que usar da palavra nestas circunstâncias, mas acontece que o Sr. Primeiro-Ministro, surpreendentemente, num debate sobre um tema em relação ao qual se deveria criar melhor clima, referiu-se, sibilina e subtilmente - embora com uma subtileza assaz grosseira, perdoe-me a palavra -, de forma a que não podemos ficar calados, ao presidente do meu partido.
0 Sr. Primeiro-Ministro - recordo-o -, a uma pergunta do Sr. Deputado Adriano Moreira sobre o que é que pensava o seu partido sobre o federalismo, disse que preferia responder como se se dirigisse ao presidente do meu partido, dizendo que só um ignorante ou um demagogo pode pensar que essa questão está na Mesa.
Sr. Primeiro-Ministro, é duplamente ofensiva a sua intervenção e é irresponsável a vários títulos. E vou explicar porque: porque o Sr. Primeiro-Ministro, a propósito do federalismo, curiosamente, dizendo que não é um tema que está na ordem do dia, traz-nos aqui a segunda versão do que pensa o PSD sobre federalismo.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É isso mesmo!
0 Orador: - Já havia uma primeira versão do seu pensamento, que era a tese da abertura: «Não quero falar disso, porque não quero comprometer as gerações vindouras». Era espantoso!
Agora, a segunda tese é esta: «Falo no federalismo e não me irrito com essas conversas, porque tenho uma leitura, oriunda da conversa com vários líderes europeus, que me dão a entender que federalismo, lá fora, é unia ideia de aproximação aos cidadãos.»
0 Sr. Primeiro-Ministro acusa de ignorante e de demagogo o Presidente do meu Partido. Perdoe-me, mas o Sr. Primeiro-Ministro, desde o momento em que sai dos seus trilhos e entra pelos trilhos da Ciência Política e do Direito Constitucional, comete erros clamorosos de apreciação e introduz uma novidade no nosso discurso que é absolutamente inesperada e inaceitável, como várias pessoas do seu partido aqui presente lhe poderão explicar. A verdade é
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esta: «aproximação aos cidadãos», em Portugal, Sr. Primeiro-Ministro - e desculpe-me a emoção -, significa regiões. E' essa aproximação é aquela que os senhores não querem fazer!...
Protestos do PSD.
E o que significa federalismo? E quando se fala de fe
deralismo, a propósito da União Europeia, isso significa
ultrapassar os Estados soberanos e construir uma estrutura
supra-nacional, por cima deles. Quando se fala em federa-
lismo, a propósito da União Europeia, é neste sentido, não
pode ser com qualquer outro!
0 Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Primeiro-Ministro não pode indignar-se quando lhe
perguntam o que é que pensa o seu partido sobre o fede
ralismo. E não pode indignar-se dizendo que não é uma
questão da ordem do dia. É tanto uma questão da ordem
do dia que os senhores, que às vezes nos acusam de não
pertencermos a uma família europeia ou de termos sido
abandonados pela nossa originária família europeia, perten
cem a uma, que é a dos liberais e reformadores, que têm
um manifesto eleitoral para 1994 - tenho-o aqui -, onde se
afirma a adesão ao federalismo - parece que os senhores
mandaram acrescentar «descentralizado», contribuindo para
esse erro histórico que se vai perpetuar por todos os cida
dãos da Europa que receberem este manifesto. Os senho
res contribuíram para a definição deste programa e aderi
ram a ele, um programa que fala não só de federalismo
mas também de exército europeu, de constituição europeia.
E, como estamos em ano de eleições europeias
Vozes do PSD: - Ahhh...
0 Orador: - ..., Sr. Primeiro-Ministro, é mais do que legítimo que se lhe pergunte, a si e ao seu partido, o que é que pensam sobre o tema, para que os senhores não digam lá fora uma coisa, nessas conversas em que vimos a saber que aprendem asneiras, em que tomam posição, e, cá dentro digam outra completamente diferente!
Era sobre isso que gostávamos de ser esclarecidos - e não duvidamos de que estamos em tempo disso.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
0 Sr. Primeiro-Ministro: - 0 Sr. Deputado António Lobo Xavier veio aqui provar que estamos perto das eleições do Parlamento Europeu e que, portanto, toda a demagogia é possível.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ah... Por amor de Deus!...
0 Orador: - Ó Sr. Deputado, eu nem fiz «ah» quando o Sr. Deputado António Lobo Xavier disse as coisas que disse.
Já afirmei muitas vezes, e não preciso de repetir, que eu próprio e todo o meu partido somos contra o federalismo tal como é entendido em Portugal.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Não há outro !
0 Orador: - Sr. Deputado, é capaz de ter calma, de ficar sentado na cadeira e não se mexer tanto ?
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Há limites
O Orador: - Sr. Deputado, deixa-me responder?
Eu pude constatá-lo porque assisti, e o senhor não...
Risos do PSD.
...ª esta discussão, trazida para a Mesa em Maastricht. No artigo A - se não leu, leia-o - a expressão «em que as decisões são tomadas ao nível próximo dos cidadãos» foi encontrada em Maastricht, à volta da Mesa, depois de uma discussão em que participaram, praticamente, todos os primeiro-ministro para afastar uma expressão que todos reconheceram. Não fui eu!
0 senhor vai depois dar lições lá aos outros primeiros-ministros da Europa, mas até lá tem de conseguir a reentrada nalgum grupo europeu depois de ter sido expulso e abandonado por todos os seus Deputados que fazem parte do Parlamento Europeu.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - 15so é demagogia!
Explique-se!
0 Orador: - Portanto, a minha posição e a do meu partido é clara: somos contra, tal como é entendida em Portugal como entidade supra-nacional. Mas não estou tão pouco, nem o meu partido está, preocupado com isso. Penso que durante a minha vida e a sua - apesar de eu esperar que o senhor viva durante muitos anos -, não vai assistir a nenhum federalismo da Europa, nem tão-pouco durante a vida dos meus filhos. Por isso, digo que não é uma questão, porque, uma vez que não se põe durante a minha vida, nem durante a sua, nem durante a dos meus filhos, posso deixar livremente para que as gerações futuras decidam sobre se querem de facto uma entidade supra-nacional que, controlando talvez 15 ou 20 % dos recursos da Europa comunitária, como acontece nos Estados Unidos da Europa ou na Suíça, se possa falar num federalismo.
Mas, Sr. Deputado, esta é elementar. Das que são jurídicas não sei, mas de federalismo financeiro estou à vontade para discutir com o presidente do seu partido.
0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Esse já existe!
0 Orador: - E aí, Sr. Deputado, não há hipótese, com 1,4 % do produto, de ter uma consonância entre um federalismo que tem sempre o seu apoio nas políticas como são conduzidas com a interpretação que o senhor aqui quer fazer.
Portanto, somos contra.
Em relação a esse documento que referiu, Sr. Deputado, deixámos muito claro que não fazemos parte de uma família. Está enganado. Nós não estamos nem na Internacional Liberal, nem na Internacional Socialista, nem na Internacional dos Democratas Cristãos.
0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Nem dentro nem fora!
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0 Orador: - Deixe-me lá terminar!
Estamos num grupo de Deputados, que é uma coisa totalmente diferente de uma família europeia. E aí temos a margem de manobra total para, nesta matéria, conduzir aquilo que quisermos em termos de projecto da União Europeia, de tal forma que o nosso Secretário-Geral até se muniu, por escrito, de uma carta para que não surgisse a mínima dúvida quando aqui, em Portugal, pudéssemos assumir posições diferentes das que outros assistem lá fora.
Estamos hoje nesse grupo, que é um grupo do Parlamento Europeu e não mais do que isso.
Mas penso que o Sr. Deputado, tal como o Deputado Narana Coissoró, que está aí ao seu lado, ficam claramente convencidos, como já estavam no passado, de que este Primeiro-Ministro e este líder do partido são contra o federalismo tal como é entendido no nosso País. Mas eu não me atrevo a dizer que os outros colegas europeus são ignorantes, como o senhor acabou aqui de sugerir.
0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Percebeu mal!
0 Orador: - Por último, quero apenas dizer que não quis ser grosseiro em relação ao líder do seu partido. Se não me quis referir ao Professor Adriano Moreira foi porque ele não especificou um pensamento em relação ao entendimento do federalismo, enquanto o líder do seu partido fez declarações, de uma forma breve. Se o Professor Adriano Moreira tivesse feito todo o seu desenvolvimento do que era, eu teria mais à-vontade para responder.
Quando referi as palavras «ignorante e demagogo» com o significado de ignorância na matéria, quanto a mim o senhor também as referiu no aspecto jurídico. E eu mantenho o que disse. Mas não estou aqui a referir-me apenas ao líder do seu partido, estou a referir-me a qualquer um que, neste momento e nesta matéria, queira afim poeira para os olhos do povo português convicto de que vai apanhar mais uns votos na próximas eleições para o Parlamento Europeu.
De facto, se o Sr. Deputado contactasse com as instituições - e é bom que contacte mais com os Deputados do Parlamento Europeu e com outras instituições - convencia se a si próprio de que esta matéria não está realmente na ordem do dia nem vai estar. Por isso, não estou preocupado com ela.
Dou-lhe aqui, mais ou menos, a minha convicção: du-
rante a minha vida e a sua, não haverá com certeza fede
ralismo europeu.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Como terão reparado, houve, ao longo do debate, transferências de tempos. Foram transferidos do PSD para o Governo 15 minutos e do PSN para o CDS-PP quatro minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
0 Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Está em debate a entrada em vigor do Tratado da União Europeia. ,
0 PS reafirma as suas convicções. Convicção na correcção política e diplomática da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, obtida em 1985. Convicção na aprovação parlamentar do Acto único em 1986. Convicção na ratificação do Tratado de Maastricht em 1992.
A integração europeia é a via adequada de modernização da sociedade e da economia portuguesas. A
construção europeia é um dos maiores factores de estabilidade e segurança internacionais, motor de desenvolvimento e de cooperação, garantia de respeito pelos Direitos Humanos.
Em Portugal, e para os portugueses, Europa e democracia são sinónimos e, por isso, o PS faz da aposta europeia o núcleo central das suas apreciações políticas. É por isso que o compromisso europeu do PS é tão antigo e tão moderno como o seu apego à democracia.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Em matéria europeia, os anos de 1992 e 1993 reforçaram certezas quanto às grandes opções: num mundo instável, a união traz mais força; num mundo de violência, a segurança conjunta gera mais paz; num mundo de estagnação, os espaços abertos criam mais oportunidades.
Mas os difíceis e rudes anos de 1992 e 1993 trouxeram igualmente mais preocupações e criaram, consequentemente, muito mais exigências.
Quanto mais convictos da razoabilidade de um projecto europeu mais rigorosos devemos ser na análise dos factores - 1992 e 1993 foram anos de crise sem precedentes para toda a Europa.
Crise de confiança política e de legitimidade que acompanhou todo o debate em torno da aprovação do Tratado de Maastricht.
Crise de funcionamento do sistema monetário europeu - ou melhor, três crises seguidas, entre Setembro de 1992 e a Primavera 1993 - que quase arrasaram as esperanças de constituição de uma União Económica e Monetária durável.
Crise de crescimento da economia europeia, com forte aumento do desemprego - 17 milhões de desempregados
redução da taxa de investimento e incapacidade para reagir de forma positiva aos grandes concorrentes internacionais, os EUA e o Japão.
Crise de determinação para actuar de forma coordenada nos domínios da intervenção diplomática, da reposição do Direito Internacional ou de mera acção humanitária.
Crise, em suma, que responsabiliza por igual os intervenientes directos no processo de decisão europeia, desde as instâncias governamentais dos Estados membros aos comissários, os quais, em conjunto, não podem colocar-se fora de tão magros resultados.
Como em todas as circunstâncias, de cada crise sai uma terapêutica e todos sem excepção temos o dever de nos preocupar com o diagnóstico para melhor encontrar a cura.
0 PS congratula-se, por isso, com a circunstância de em torno do livro branco do Presidente Jacques Delors - um socialista! - se ter iniciado, com algumas propostas concretas apontadas na Cimeira de Bruxelas de 10 e 11 de Dezembro último, um debate aprofundado sobre os desafios e as pistas para entrar no século = em tomo da problemática do crescimento, da competitividade e do emprego.
Na verdade, como disse na sua mensagem de Ano Novo ao Corpo Diplomático o Presidente Mário Soares - outro socialista -, «não há alternativa para a União Europeia; daí a necessidade de prosseguir resolutamente na construção europeia, dando resposta aos problemas que se levantam e que, para além de económicos, são essencialmente políticos... Só com um novo idealismo europeu e com dirigentes políticos nacionais e europeus, que se elevem à altura dos «Pais Fundadores», é possível encontrar respostas válidas para tais questões, que no entanto urgem». A reconstituição do consenso europeu, assente também agora na prática da subsidiariedade, passa, cada vez mais, por programas nacionais que se articulem com os programas comuns numa política anti-crise.
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Todos sabemos como a integração de Portugal nas Comunidades representava, desde o início, uma oportunidade e um desafio. A oportunidade está à vista. 0 desafio, esse, nem sempre tem tido a resposta adequada.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Nunca como agora se têm realizado transferências de recursos externos para promover o desenvolvimento do País, assumindo tais verbas quota significativa no próprio volume do crescimento económico. Nunca como hoje haverá fundadas razões para indagar sobre a correcção de muitas dessas aplicações, as quais, com excepção das obras públicas, frequentes vezes não são canalizadas para opções estruturantes, redundam em desperdício ou, o que é pior, carecem de controlo de eficácia ou mesmo de legalidade.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - De 1986 até Outubro do ano passado, 2141 milhões de contos foram transferidos por Bruxelas para a economia portuguesa, oportunidade ímpar posta à disposição de Portugal, desafio a que o Governo, infelizmente, não foi capaz de responder.
Quando a economia portuguesa, em 1996, for a exame para passar à terceira fase da união económica e monetária, qual será o veredicto? A tomar por base os critérios do Tratado de Maastricht, que os governantes portugueses acataram sem pestanejar e que o PS desde logo disse que eram excessivos, estamos bastante longe de satisfazê-los, quer nas taxas de juro dos Títulos do Tesouro, quer na inflação (cinco pontos acima da média, excedendo os 1,5 % aceitáveis como limite actual de divergência), quer, sobretudo, no que respeita às finanças públicas. 0 ratio da dívida pública no produto excede as metas fixadas e o défice orçamental subiu de 4,3 para 8,1 % do produto interno, quando o máximo previsto pelo Tratado é de 3 %, apesar de todas as formas que o Governo tem vindo a encontrar para camuflar despesa e dívida pública, como no caso do crédito para a EXPO'98.
Os nossos colegas do PSD, com aparato, deslocaram-se estes dias, no «Cityrama laranja», ao miradouro do sucesso.
Risos do PS.
Chegaram tarde! Mesmo assim, merecem reflectir sobre os dados da economia real para não se deixarem envolver apenas pelo contágio da propaganda e pela auto-ilusão.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Apesar do volume das transferências comunitárias, se em 1992 já só tínhamos crescido à média europeia - retirando ao Governo o conhecido argumento do «acima da média» -, em 1993 passámos para um crescimento abaixo da média e ainda por cima negativo.
Comparado com outros países da mesma faixa de rendimento económico, Portugal cresceu menos do que a Grécia e a Irlanda. As nossas metas de ter ultrapassado a Grécia e poder vir a ultrapassar a Irlanda encontram-se comprometidas. Os governos grego e irlandês demonstraram em 1993 que é possível fazer melhor.
Paradoxalmente, é à medida que as transferências comunitárias preenchem uma maior percentagem do produto que este diminui em Portugal.
Apesar do maná dos fundos, a quebra da produção agrícola cifrou-se em 21 % em 1992 - novo recorde absoluto; o rendimento da actividade agrícola não pára de descer e a queda será em 1993 superior a 1992, ou seja, de mais 17 %.
0 relatório do INE sobre o estado das culturas e a previsão das colheitas referente a Dezembro apresenta perspectivas de produção para a aveia, a azeitona, o vinho, a laranja, o milho, a avelã e a castanha inferiores à média dos últimos cinco anos.
Quando alertámos o Governo para a reforma da PAC e ele não nos ouviu, fizemo-lo por pensar que a integração europeia não deve significar o desmantelamento puro e simples da agricultura portuguesa. Mas o Governo optou por trocar interesses vitais do País pelo prestígio de uma cerimónia na presidência portuguesa e pela obtenção, sempre fácil, de mais um pacote de voláteis contrapartidas de conjuntura.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Apesar da voragem dos apoios externos só do PEDIP 87 milhões de contos vindos de Bruxelas o crescimento negativo da produção industrial continua, desde 1990, a ritmo absolutamente imparável, atingindo mesmo o recorde da OCDE, muito pior do que a Grécia, que também teve crescimento negativo, e a grande distância da Irlanda e da Turquia, que tiveram crescimento positivo.
0 ano de 1993 foi um mau ano para indústria de construção civil, tendo o nível de actividade das empresas caído de um valor médio de -15 % em 1992 para -19 % no ano transacto, registando-se quebras na utilização da capacidade produtiva instalada, na carteira de encomendas, no número de licenças de construção de habitações e nos consumos de cimento e aço.
Igual destino terão tido os sectores de material de transportes e os têxteis - estes, aliás, ameaçados por uma conclusão do Uruguai Round em que o Governo português acordou tarde para ameaçar forte e se «vender», no fim, «por um verdadeiro prato de lentilhas»!...
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Apesar dos milhões de ajuda comunitária, o comércio interno apresenta uma queda abrupta nas perspectivas de actividade a partir do último trimestre de 1992 e reconfirmada, em Outubro e Novembro de 1993.
No domínio do comércio externo, penalizado por uma política de escudo forte e altas taxas de juro, o resultado é um agravamento do défice comercial de 8,2 % nos três primeiros trimestres de 1993, situação a que não é alheia a incapacidade demonstrada pelas autoridades em apoiar a conquista de mercados fora do espaço comunitário.
Apesar do manancial de benesses comunitárias, o investimento indispensável à reanimação económica regista forte quebra em 1993, fruto de uma política de crédito anormalmente restritiva e das dificuldades encontradas no mercado exportador em virtude da política de escudo forte. 0 investimento directo do exterior no primeiro semestre de 1993 situou-se em 75 milhões de contos - menos 67 % do que no semestre homólogo do ano anterior - enquanto, no mesmo período, o movimento líquido de saída dê capitais para o exterior sob a forma de depósitos ascendia a 152 milhões de contos, resultado em larga medida das baixas taxas de juro reais passivas praticadas no nosso país.
0 PS tem, aliás, alertado para o grave inconveniente de se vir a perder o controlo nacional do sistema financeiro -
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o que nenhum país europeu até hoje consentiu -, como o caso Banesto-Totta demonstra, pois é absolutamente indispensável que o sentido último das privatizações seja a constituição de uma base empresarial portuguesa sólida e não a transferência para terceiros dos mecanismos de comando da economia portuguesa.
Apesar dos 413,6 milhões de contos transferidos pelo Fundo Social Europeu, o emprego assalariado diminuiu fortemente em 1993, registando-se no último trimestre uma quebra de 3 % em relação ao trimestre homólogo do ano anterior. A taxa de desemprego situou-se nos 6,2 % no final de 1993, o que representa um forte acréscimo em relação aos valores inferiores a 4 % registados em 1991.
Tudo se prepara, aliás, para que 1994 seja um ano de forte quebra dos salários reais, a manter-se a tese governamental dos aumentos de 0 % (2 % de aumento e 2 % de desconto). Portugal é hoje o país comunitário com salários mínimos e médios mais baixos, com maior duração do horário de trabalho semanal e com o menor volume de prestações sociais, o que evidencia como estamos longe da convergência real com o conjunto dos nossos parceiros e persistimos na aposta de um modelo de especialização internacional centrado predominantemente em mão-de-obra barata.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: 0 Governo dispôs de uma década - ímpar em apoios e ajudas - para preparar o País para o século =. Os resultados não são brilhantes.
Se há domínio em que essa preparação devia ter sido absolutamente prioritária no último decénio era o da educação.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Só com ela se resiste ao desemprego e se investe na formação dos quadros indispensáveis à renovação da sociedade e à modernização da economia.
Mas o que está feito na educação também não é brilhante. Segundo dados recentes, vimos em péssima situação na escala: atrás da Espanha, da Irlanda, da Grécia e da Turquia na percentagem de diplomados do ensino superior; atrás da Irlanda, da Turquia e da Hungria na percentagem do produto interno gasta com o ensino superior; atrás da Turquia e da Irlanda e muito atrás da Checoslováquia na percentagem de conclusões do ensino secundário, só ultrapassados pela Turquia no nível da obtenção dos respectivos diplomas e com índices alarmantes; abaixo da Irlanda e da Europa Central e muito abaixo da Espanha, quanto à obtenção de diplomas do ensino técnico profissional e da aprendizagem. No caso do ensino técnico profissional e da aprendizagem - indispensáveis em períodos de desemprego - conseguimos mesmo uma taxa de frequência inferior à da Turquia, o que nos coloca mais uma vez na cauda do pelotão ... !
Com tão pouca atenção concedida ao sistema educativo pelo Governo - uma inclassificável sucessão de incompetência ministerial -, não admira que, na comparação de resultados ao nível da OCDE, os alunos portugueses do secundário obtenham das piores cotações em matemática e em ciências, demonstrando como tem sido descurada a formação das gerações futuras para a viragem do século.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Esperamos que este caminho de declínio e de impreparação do País para enfrentar os desafios da modernização e da qualidade seja claramente invertido e que em 1996 estejamos, por ocasião da nova conferência
intergovernamental, em condições de recusar uma Europa a duas velocidades, hegemonizada por projectos de uniformização em que países com séculos de História se venham a sentir ameaçados na sua identidade e na sua liberdade.
0 problema é, aliás, um problema que se evidencia pelas nossas relações com Espanha, vizinho com quem agora partilhamos o mesmo espaço económico, político e de segurança e que persiste, saudavelmente, em deslocar-se para o pelotão da frente no contexto europeu. Enquanto a Espanha tem demonstrado possuir uma estratégia para se relacionar connosco - vidé o caso das redes europeias, como o comboio, a electricidade ou o gás -, até ao momento não se vislumbra qual a estratégia portuguesa para se relacionar com Espanha - como o demonstram os casos da banca e da política monetária.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: 0 balanço da entrada em vigor do Tratado da União Europeia demonstra como a opção portuguesa pela integração é a mais ajustada aos interesses nacionais. Mas os resultados alcançados levam-nos a uma postura de rigor e não de vanglória. Os dados da crise são indesmentíveis. Reclamam menos triunfalismo e mais seriedade, menos facilidade e mais eficiência, menos propaganda e mais informação, menos unanimismo e mais debate.
Hoje, como sempre, o PS está firme nas suas convicções europeias e está ainda mais determinado no seu propósito de pugnar por políticas diferentes, em nome de valores mais duradouros, que mudem profundamente a realidade nacional e nos preparem para um futuro melhor.
Aplausos do PS, de pé.
0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Guilherme Silva e Fernando Condesso.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
0 Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, para além, obviamente, do mérito deste debate e do interesse da matéria em apreciação, devemos aqui registar como um valor acrescentado desta iniciativa do Governo a oportunidade que o Sr. Deputado teve, no seio do seu grupo parlamentar, de fazer uma intervenção de fundo sobre o assunto.
Devo dizer-lhe que a sua intervenção toma contornos do início de um debate para as eleições europeias que iremos ter ainda este ano. Não sei rigorosamente quais foram as fontes de todos os números citados pelo Sr. Deputado, mas receio bem que tenham saído do gabinete de estudos do seu partido e necessitem de algumas correcções.
Como há pouco dizia o Sr. Primeiro-Ministro, é útil servirmo-nos de fontes exteriores a este debate interno e partidário, porque, naturalmente, todos temos consciência de que, sendo parte, não poderemos ser totalmente isentos. Em entrevista dada, diz claramente o Sr. Christophersen, Vice-Presidente da Comissão Europeia, que regista o esforço que tem sido feito na modernização da economia portuguesa e na convergência no programa que permita efectivamente que Portugal cumpra as metas fixadas no âmbito da própria Comunidade.
Mas há uma questão abordada na intervenção do Sr. Deputado relativamente à qual gostaria de obter um escla-
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recimento. Citou V. Ex.ª o livro branco da Comissão Europeia, de Jacques Delors. É curioso que as medidas que têm sido adoptadas pelo Governo português na área económica sejam absolutamente coincidentes com as constantes desse livro branco no âmbito da política de convergência, da política de saneamento financeiro, do crescimento sustentado não inflacionista e da moderação salarial, tudo vectores, princípios e soluções que vejo constantemente contraditados, criticados e rejeitados pelo seu próprio partido, maxime pelo líder do seu partido.
Gostaria que o Sr. Deputado Jaime Gama explicasse esta contradição. Está de acordo com as medidas do livro branco da Comissão das Comunidades Europeias e, consequentemente, com as medidas que, em consonância com essa orientação, o Governo português tem adoptado? Ou vai propor uma alteração do pensamento e da posição do seu partido nestas matérias e está a assumir, desde já, uma liderança alternativa à do Sr. Deputado António Guterres, que, como sabe, defende soluções completamente opostas?
0 Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.
0 Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, ao ouvir a sua intervenção comecei por ficar convencido de que, perante o chamado pedido de esclarecimento, mas no fundo intervenção, do líder do seu partido neste debate, uma intervenção claramente preocupada, no seu conjunto, com elementos que relevam sobretudo de política partidária,...
0 Sr. António Guterres (PS): - Ora essa!...
0 Orador: -... O Sr. Deputado Jaime Gama, que tinha iniciado bem a sua intervenção numa perspectiva de debate sobre os grandes temas da União Europeia, iria continuar o mesmo debate nesse estilo e de que, nessa perspectiva de uma preocupação essencialmente ligada à política nacional, teria aqui trazido o discurso do líder. Mas a verdade é que o Sr. Deputado Jaime Gama enveredou depois por um discurso menos preocupado com o tema da União Política e da União Europeia e mais preocupado em se inserir neste debate em termos de interpelação ao Governo, mas de uma interpelação profundamente demagógica.
Estamos, no fundo, perante um debate sobre a União Europeia, mas o Sr. Deputado Jaime Cama veio aqui trazer o debate da aplicação da castanha. Estamos num debate da União Europeia, mas o Sr. Deputado vem aqui trazer um debate de interpelação generalizada, com uma crítica tentando tom sector a sector, de tal forma generalizada que para lhe tentarmos fazer perguntas de esclarecimento ficaríamos aqui o resto do dia.
Protestos do PS.
Perante o sentido geral do seu debate, mas independentemente da resposta que o meu colega de bancada lhe dará, em termos gerais, na sua intervenção, atrevo-me a perguntar-lhe a que país em crise se refere o Sr. Deputado: ao de hoje ou a algum país, sem dúvida português, mas de outra época, que o traumatizou?
Disse o Sr. Deputado que Portugal é hoje o país com maiores problemas, como se antes o Portugal construído com outros fosse um outro país que hoje se tomou pior.
Diz também o Sr. Deputado que Portugal aproveitou mal os fundos comunitários. Percebo que haja já, como disse o
meu colega, uma preocupação de perspectivação político -eleitoral, mas tudo o que dizem as outras instâncias (já aqui foi referida a perspectivação de outras instâncias) sobre o modo como Portugal tem aproveitado os fundos é totalmente divergente.
A sua afirmação sobre as obras públicas não tem, pois, cabimento. É verdade que a participação comunitária num dado projecto pode ser grande, mas também é certo que, no conjunto dos projectos que em cada ano se desenvolvem neste país, mesmo em obras públicas, como as estradas, a maior participação sai do bolso dos portugueses, da contribuição dos portugueses,...
Aplausos do PSD.
... independentemente da fatia de 50 ou 60 % de fundos comunitários nalguns projectos, nomeadamente em grandes projectos.
0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Coisa desprezível!...
0 Orador: - Devo dizer, por outro lado, que, se há fundos, eles se devem à capacidade negocial, como sempre tem sido afirmado nesta Câmara, do próprio Governo.
Fez ainda o Sr. Deputado uma afirmação sobre o período da construção e dos grandes líderes. Nesse aspecto estamos de acordo. Há que recordar os grandes líderes, porque este é também o período dos grandes líderes. É o período em que os primeiros-ministros dos Doze conseguiram fazer aquilo que os grandes líderes sonharam e, infelizmente, pelas contingências da época, não conseguiram: o tratado da união política, que efectivamente faz avançar qualitativamente, de uma forma muito forte, a Comunidade Europeia.
Voltando à minha pergunta, cumpre-me questioná-lo: qual o país a que se referia? Não era por certo ao Portugal de hoje, ao Portugal que faz com que, independentemente da posição do PS, que é conhecida e é a sua, os cidadãos digam repetidamente que «este é o Governo que está a construir o país que nós queremos»!
Lembro-lhe, Sr. Deputado, que este é o Governo que tem, por via das eleições, o que nenhum outro partido conseguiu, ou seja, maioria absoluta. Apesar de o vosso discurso ser hoje aquilo que sempre tem sido, tem havido nuances, conforme a história vai evoluindo e as circunstâncias o impõem, mas o vosso discurso é o mesmo de sempre.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
0 Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço imenso as perguntas que me foram colocadas pelos nossos colegas. Elas revelam alguma perturbação do partido do Governo porque, penso, terá havido. alguma confusão de base no agendamento desta temática.
0 PSD e o Governo poderiam supor que discutir a União Europeia é como abordar uma dissertação de tipo palaciano ou um relatório de tipo administrativo dimanado de vários serviços e colado por um assessor de imprensa.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Mas a verdade é que a discussão da temática da União Europeia não pode ser feita em abstracto
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como um assunto extra-terrestre. Tem de ser feita em estrita articulação, em primeiro lugar, com os problemas concretos da União Europeia e, em segundo, com os problemas específicos da integração da economia portuguesa na economia europeia.
0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Ora aí está!
0 Orador: - Por isso, é perfeitamente legítimo, não só legítimo mas necessário e construtivo, que um partido com as responsabilidades do PS venha introduzir no debate os dados da realidade a que VV. Ex.ªs pretendem fugir. É que VV. Exªs pretendem evitar que se discuta este tema na base dos dados reais para que possa ser abordado no enquadramento de glorificação institucional de um projecto perfeitamente gongórico ou barroco.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Portanto, Srs. Deputados, em primeiro lugar, a confrontação com os dados é essencial. E os dados são oficiais: são os dados do INE, do Banco de Portugal, da Comunidade Europeia e da OCDE, que VV. Ex.ªs têm a obrigação de conhecer tão bem como nós pois estão à disposição do público em geral. Ou será que agora VV. Ex.ªs também vão passar a adoptar o argumento da falta de informação sobre a realidade do país...
Risos do PS
--- e o estádio da integração europeia para sustentarem o discurso em que, desde a viagem de autocarro, se encontram profundamente mergulhados?
Risos do PS.
Em segundo lugar, é perfeitamente admissível que autoridades estrangeiras sejam simpáticas para com o nosso país...
Risos do PS,
Nós ficamos satisfeitos com o sentido, o espírito, o carinho dessas declarações...
Risos do PS.
... mas, por favor, Sr. Deputado Guilherme Silva, saiba distinguir entre o que são gestos de simpatia, compreensíveis e louváveis, e a fria realidade dos números.
A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Ora bem!
0 Orador: - Não fique só pela primeira leitura, mergulhe enquanto é tempo na segunda!
Risos do PS.
0 Sr. Deputado Fernando Condesso veio dizer-nos que o país a que nos referimos é um país inexistente. Está profundamente equivocado! 0 que V. Ex.ª tem que contrapor à minha intervenção é a apresentação de um conjunto de dados em que demonstre que o produto português, em vez de baixar, subiu; que o défice comercial português, em vez de aumentar, diminuiu; que o rendimento dos agricultores portugueses, em vez de ter vindo a mergulhar abissalmente, voltou a equilibrar-se e a melhorar; que a produção industrial portuguesa, em vez de ter a maior contracção dos últimos anos, está em sólida expansão e que o Governo
que V. Ex.ª apoia tem trabalhado de uma forma perfeitamente incansável para que em 1996, quando a economia portuguesa vier a ser submetida ao exame de avaliação para a passagem à terceira fase da União Económica e Monetária, os indicadores apresentem resultados um pouco melhores do que apresentam hoje.
0 Sr. Deputado e o seu partido, quando se prepararem de novo para um debate sobre a União Europeia, não devem, pois, vir animados de uma inspiração meramente turística, como aquela que motivou VV. Ex.ªs nos dois dias precedentes,...
Risos do PS e do CDS-PP.
... mas sim profundamente imbuídos de um conhecimento concreto da situação real do país que VV. Ex.ªs representam e que o Governo que VV. Ex.ªs apoiam serve.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Portanto, Sr. Deputado, desta vez o seu grupo parlamentar veio um pouco em branco, mas nós desculpamos isso pela viagem,...
Risos do PS e do CDS-PP .
... pelo deslumbramento com as grandes obras de sucesso, mas, francamente, esperamos um pouco melhor da próxima vez.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
0 Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Da fase deste debate e das intervenções da oposição, a primeira constatação que faço é a de que a oposição, quando se pretende discutir as grandes questões políticas que nos afectam, foge para as pequenas questões contabilísticas e chega ao ponto de mostrar inveja por aquilo a que chamam passeios de autocarro pelo país real e pelos casos de sucesso. Estamos à espera que o Partido Socialista, com a sua experiência nesse sector, nos mostre os casos de insucesso porque essa é, de facto, a sua especialidade.
Começo, naturalmente, por louvar a atitude do Governo quando, logo em Novembro do ano passado e com o apoio do Grupo Parlamentar do PSD, propôs um debate na Assembleia da República sobre a entrada em vigor do Tratado da União Europeia, que se verificava na altura. 0 debate - recordo aqui - não se realizou nessa data por ausência de consenso da parte da oposição e, por isso, se faz agora, quase coincidindo com a entrada em vigor da segunda fase da União Económica e Monetária.
A abertura do Governo ao debate sobre tão crucial tema é mais uma indiscutível manifestação de respeito pelo Parlamento - e sublinho este facto -, como sede primeira e mais nobre para todos os grandes debates, para todas as reflexões políticas que envolvam o futuro de um País democrático como o nosso. Repito, é no Parlamento que se devem fazer todos os grandes debates, todas as grandes reflexões políticas que envolvam o futuro de um país como Portugal.
Visando complementar e enriquecer o debate sobre a União Europeia nos seus três pilares (o da União Económica e Monetária, o da Política Externa e da Segurança (PESC) e o da Justiça e dos Assuntos Internos), Deputa-
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dos do PSD da Comissão de Assuntos Europeus, em especial a respectiva Presidente Leonor Beleza, propuseram a realização de várias reuniões na última semana com os Ministros da Administração Interna, da Defesa Nacional, das Finanças, da Justiça, dos Negócios Estrangeiros e com o Governador do Banco de Portugal. Nessas reuniões foi distribuída profusa e clara documentação em complemento às respostas que deram a todos os Deputados presentes e só lamento a ausência de alguns Deputados mais cépticos sobre o processo de integração europeia ou habitualmente queixosos por, segundo eles, «haver falta de esclarecimento do Governo», o que é redondamente falso. É mesmo opinião generalizada de quem participou nessas reuniões de que foi muito frutuoso esse trabalho em Comissão pela riqueza da informação fornecida e pela abertura e disponibilidade mais uma vez manifestadas por aqueles responsáveis do Governo e do Banco Central.
Aliás, a Comissão de Assuntos Europeus, aproveitando a sua longa experiência de promover, com diversos graus de especificidade, debates, dentro e fora de S. Bento, com personalidades e entidades exteriores ao Parlamento, incluindo os autênticos componentes da sociedade civil, prepara-se para votar, na especialidade, a nova lei de acompanhamento parlamentar das questões europeias, já aprovada na generalidade em Plenário, nos termos da última revisão constitucional, lei que será, esta sim, exequível e inovadora.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Consideramos, no PSD, que os parlamentos nacionais devem manter unia forte importância face às instituições comunitárias, e, em especial, face ao Parlamento Europeu, porque, embora ambos tenham plena legitimidade democrática considerando os respectivos mecanismos eleitorais, é dos parlamentos nacionais na Comunidade Europeia que dependem os executivos e são os parlamentos nacionais os que estão mais próximos dos anseios, das dificuldades e dos problemas dos povos e das nações europeias.
Aplausos do PSD.
Por outras palavras, perante um hipotético conflito de legitimidades entre Parlamento Europeu e parlamentos nacionais, parece-nos, à luz do que acabei de dizer, que a natureza essencialmente inter-governamental das políticas de defesa e de segurança comum, bem como da segurança interna, assegura a capacidade de intervenção dos parlamentos nacionais, o que nos parece bom para os países mais pequenos da União e para o reforço das identidades nacionais. 0 próprio Tratado e os debates que sucederam a Maastricht confirmaram a ideia de que a União Europeia não se fará contra os Estados ou contra as Nações, e só por distracção é que não se nota que se mantém a regra da unanimidade para a definição da política externa, para a cooperação no âmbito da justiça, para a cultura, para a fiscalidade, exigindo-se a maioria qualificada para a parte da execução, e mesmo assim, com o direito de qualquer Estado membro, dos maiores ou dos mais pequenos, invocar uma derrogação, se estiverem em causa aspectos fundamentais.
Outra coisa é querer-se limitar a Comunidade a uma mera união comercial e de coordenação das políticas dos Estados membros. Julgo que essa visão restrita da Europa está completamente ultrapassada o nunca ninguém conseguiu provar, com seriedade, que os últimos e graves aconteci
mentos que sucederam à volta do espaço da ex-Comunidade Económica Europeia, na Europa Oriental, na Ex-União Soviética, no Médio Oriente ou mesmo nalguns Estados membros (fenómenos de xenofobia, de neofascismos, de narcotraficância, de criminalidade organizada, de exclusão social), poderiam ter sido melhor resolvidos sem as instituições comunitárias no seu actual processo de unificação europeia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Basta ler as «disposições comuns» do Tratado para se saber que a União Europeia aponta para a sua construção por via pacífica e democrática, no respeito pela identidade nacional e diversidade cultural dos seus povos. E para salvaguardar as atribuições e iniciativas dos Estados membros lá está o princípio da subsidiariedade, reafirmado na Cimeira de Edimburgo, que estipula que a Comunidade, como um todo, só intervém se e na medida em que os objectivos da acção não possam ser suficientemente realizados pelos Estados membros e possam ser inequivocamente melhor alcançados ao nível comunitário.
Convém, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a este propósito, recordar a justeza da posição negocial portuguesa constante no memorandum do Governo português antes da Conferência Inter-Governamental de Maastricht que foi crucial no sentido de os avanços para a União Europeia serem prosseguidos de forma gradual, assentando no pragmatismo e na abertura à resolução das realidades que se vão deparando do ponto de vista económico, social, financeiro, político, sempre no respeito das identidades nacionais e respectivas diversidades histórico-culturais, preservando os equilíbrios entre a subsidiariedade e a solidariedade, entre a eficácia técnica e o respeito pelos valores democráticos.
0 Sr.João Poças Santos (PSD): - Muito bem
0 Orador: - É evidente que tudo isso atenuará bastante a natural tendência hegemónica de os grandes países quererem dar prioridade aos seus problemas face aos dos pequenos países. Mas não devemos esconder que muito empenho vai ser ainda pedido em todos os momentos negociais que vão surgindo, como o Sr. Primeiro-Ministro há pouco reafirmou.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não deveremos ter ilusões que para os pequenos países serem irreverentes perante os países de maior dimensão eles terão de ser também capazes de dar um contributo válido e oportuno para os objectivos e interesses comuns da Europa. E Portugal tem-no feito, com honra para o Governo e para todos os negociadores portugueses. E por isso a credibilidade portuguesa tem cada vez mais força na Europa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Por outro lado, faz pouco sentido continuar a polémica sobre a natureza federal, confederal ou inter-governamental do Tratado da União Europeia e da sua dinâmica, à luz das teorias do federalismo, ou se é um fenómeno super-estadual.
Conforme salienta um conhecido especialista em Direito Europeu, em recente ensaio sobre o Tratado de Maastricht, na Constituição Europeia «a sabedoria dos fundadores da Comunidade residiu, nomeadamente, no facto de não terem previsto a integração dos Estados membros a partir
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da edificação de um novo Estado Central» nem terem como objectivo «a criação de um Estado-nação à escala europeia, seja ele federal ou confederal, mas qualquer coisa de novo». Concluiu aquele autor, na Revista da Faculdade de Economia de Coimbra que se trata de uma união de Estados de tipo novo, característico das rápidas mutações do final do século XX, sem imobilizações no federalismo ou no confederalismo, devendo-se deixar evoluir, num modelo aberto e cada vez mais participado, o processo de integração europeia, como também ainda há pouco salientou o Sr. Primeiro-ministro.
Esta é, em termos gerais, a atitude que nos convém. E o período que vamos viver até 1996, altura em que nova conferência inter-governamental reverá ou ratificará o Tratado, poderá provar que os novos processos de decisão e a capacidade de intervenção dos povos europeus poderá aumentar a influência de pequenos Estados, por exemplo, na capacidade de influenciar as decisões em fora até agora reservadas aos mais poderosos, como são o Conselho de Segurança das Nações Unidas ou o chamado G7, para já não falar no âmbito da União Económica e Monetária quanto à atenuação do peso do Bundesbank nas evoluções cambial e das taxas de juro.
Portugal, orgulhamo-nos disso, é cada vez mais - e sublinho este facto - uma bandeira para os interesses dos pequenos países em todos estes aspectos. Ou seja, e resumidamente, poder-se-á dizer que partilhas de soberania em áreas até agora formalmente exclusivas dos Estados membros serão compensadas por aumento do poder real em decisões de interesse comum.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - A Recomendação do Conselho Europeu de 10 e 11 de Dezembro p.p. para promover o crescimento, a competitividade e o emprego, com base no livro branco da Comissão, que também desmente as orientações e as intervenções do Secretário-Geral do Partido Socialista, é também um exemplo claro de uma iniciativa que terá sempre mais impacto quando tomada pelos Doze do que se fosse tomada por cada país sozinho. É a Europa a funcionar solidariamente em vez de funcionar com «arame farpado nas fronteiras» e «proteccionismos retrógrados».
No entanto, é curioso que aqueles que agora criticam a construção da unidade europeia não conseguem apresentar nada de alternativo a não ser o saudosista regresso a um atraso cultural, económico e social em que muito poucos viviam muito bem e a maioria vivia na apagada e vil tristeza, num fatalismo em que a Europa «acabava nos Pirinéus», como se a nação atlântica e multi-racial como é a nossa não se reforçasse com o aumento do nosso envolvimento nas grandes questões europeias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguma coisa terá de ser repensada e reflectida sobre a União Europeia. Ou seja, aprofundar as virtualidades do Tratado, designadamente nas políticas de convergência real e nominal, compulsar os efeitos dessas políticas Estado a Estado; aproveitar bem os novos recursos dos fundos comunitários e os novos instrumentos monetários e financeiros em especial na execução do PDR; testar as novas atribuições do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais não deixando o apagamento destes; reforçar o papel do Conselho face à Comissão, considerando esta como uma positiva alavanca para as acções comuns sem deixar de relativizar a sua inferior legitimidade democrática face àquele nem deixar que a chamada eurocracia tecnocrática sobreleve os órgãos demo-
cráticos de decisão; continuando a promover a discussão pública desencadeada desde Maastricht; aproveitando as novas adesões dos Estados nórdicos e da Áustria no próximo ano para, uma vez eles instalados nos processos internos da União, reflectir sobre o funcionamento e sobre os processos de decisão descobrindo novas soluções para novas e velhas inquietações, criticando o que houver que criticar com irreverência tipicamente europeia. E é por actuarmos desta forma que Portugal foi o grande ganhador do «Pacote Delors I» como será do «Pacote Delors II».
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 PSD, os seus Deputados, o Governo social-democrata não hesitam em enfrentar seja quem for, seja onde for, em qualquer forum europeu ou internacional, para salvaguardar os grandes interesses nacionais, mesmo no âmbito do agrupamento partidário onde se insere no Parlamento Europeu - isto é uma resposta àquilo que o CDS-PP apresentou. Não temos complexos em desencadearmos as discussões públicas desde o nível académico mais especializado até aos debates com o grande público mais ou menos interessado pela intervenção política tal como temos vindo a fazer aqui ou por esse país fora e - sublinho também este facto - só quem não quis é que não conseguiu entender quais os grandes desafios que se colocam a Portugal no futuro.
Este tem sido o nosso contributo, que continuaremos a assegurar para que se erradique de vez aquela ideia fatalista de Fernando Pessoa do «provincianismo do escol político português» face à Europa e para que Eduardo Lourenço não tenha razão quanto à falta de sentido europeu dos portugueses. Estamos a dar uma ideia nova e diferente e para melhor. Devemos prosseguir assim conscientes de que este pode não ser o caminho de alguns mais derrotistas. Mas é a via escolhida pela maioria do povo português.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
0 Sr. Joio Corregedor da Fonseca (Indep.): Sr. Deputado Rui Carp, ouvi atentamente a sua intervenção, que encerra alguns aspectos que não deixam de ser curiosos. E, desde logo, quando refere a necessidade da realização destes debates, a propósito direi: «venham eles». Sempre defendemos a organização de debates sobre as grandes questões e - é bom não esquecer, Sr. Deputado pena foi que não se tivesse feito uma discussão anterior à ratificação do Tratado, com a distribuição ampla de documentação e de informação credível ao público; um debate aberto, como deveria ter acontecido e, como V. Ex.ª sabe, não foi promovido.
Seja como for, Sr. Deputado, o Tratado de Maastricht insere-se num contexto internacional novo, caracterizado por fortes laços de interdependência de todos os países, pela mundialização da economia, pela crescente dependência da generalidade dos países perante os mais industrializados e mais ricos, pela acentuada instabilidade económica a nível mundial (que cada vez se acentua mais) e pela crescente consciência sobre a gravidade dos problemas (que são múltiplos, como, por exemplo, os ambientais). Constata-se, ainda, a necessidade de se eleger o combate à pobreza e a procura de um novo modelo de desenvolvimento como tarefas prioritárias. E Portugal bem pode considerar essa tarefa como prioritária, por motivos óbvios.
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Considerando os limites económico-financeiros definidos no Tratado como excessivos para Portugal, pergunto-lhe se, perante a situação portuguesa, com o agravamento das condições de vida, com falências em série, com uma tendência crescente para o desemprego, etc., com questões sociais graves, entende ou não que há aspectos que poderiam ser melhorados no Tratado? Poderíamos, ou não, encarar a possibilidade de renegociação sobre determinados aspectos do Tratado? 0 líder socialista referiu, por exemplo, a provável necessidade de renegociação das cláusulas de convergência.
Sr. Deputado, é evidente que V. Ex.ª poderá dizer - o Sr. Primeiro-Ministro já o disse hoje mesmo - que o Tratado tem pouco tempo, que entrou em vigor recentemente, mas creio que tempo já passou e suficiente. Sendo V. Ex.ª a um Deputado atento e que respeito, com certeza entende que algo poderá ser modificado! E V. Ex.ª disse mesmo, na tribuna, que devemos criticar o que deve ser criticado e tentar melhorar o que deve ser melhorado. Ora, facilmente se comprova que a política que o Governo desenvolve não consegue, e não conseguirá, por certo, promover o desenvolvimento de que o País carece para fazer face a todos os desafios europeus e que o Tratado exige. Insisto, Sr. Deputado: considera, ou não, que todas as cláusulas do Tratado são, soit disant, como uma bíblia, em que não se pode mexer?
Sr. Deputado, aprofundar a cooperação com a Comunidade deve obrigar à salvaguarda da soberania e da independência e do próprio desenvolvimento do País. E, por isso, creio que perante um debate destes, que se deve repetir, é chegado o momento de iniciarmos uma análise profunda para se saber até que ponto é que algumas cláusulas podem ou devem ser renegociadas, podem ou não ser revistas. Será que o Sr. Deputado entende que nada se pode alterar e tudo se deve manter como está?
(0 Orador reviu.)
0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
0 Sr. Rui Carp (PS): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, começo por lhe agradecer as questões que me colocou, permitindo-me, em primeiro lugar, discordar dos juízos de valor nelas implícitos.
Quanto à falta de debate anterior à ratificação do Tratado, vai-me desculpar que neste aspecto comece por discordar dessa sua posição. Como disse - tenho-o dito várias vezes, e hoje é consensual -, tem-se debatido bastante o Tratado de Maastricht. A própria Assembleia da República desenvolveu um conjunto de debates, quer em S. Bento, quer por esse país fora, bem como o Governo, que os promoveu tanto no âmbito académico como no partidário. Recordo-me, por exemplo, dos debates que tiveram lugar no Centro Cultural de Belém, promovidos pelo Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia, assim como dos que foram levados a cabo pelos Ministérios das Finanças e dos Negócios Estrangeiros. Enfim, todos os ministérios promoveram debates. As próprias associações industriais e as associações e confederações sindicais promoveram debates sobre esta matéria.
0 Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Mas isso foi posterior à assinatura do Tratado!
0 Orador: - Volto, pois, a dizer que hoje em dia pode haver dúvidas, inquietações e interrogações, mas não foi
por falta de debate. Quem quis pôde ser esclarecido. Ora, o esclarecimento pode não levar a respostas concretas sobre matérias que são do foro económico-social, mas pode levar a uma fundamentação de forma a estarmos alerta sobre como vai evoluir o processo de construção europeia. Portanto, o debate em Portugal foi amplo. Se não foi total, o óptimo é inimigo do bom.
Quanto ao combate à pobreza em Portugal é evidente que também poderia responder a uma afirmação vinda há pouco da bancada socialista. Se houve crise económica em Portugal em 1993 e 1992, essa crise foi, em termos relativos, muito inferior - e aí estão os números para nos indicar - à que sucedeu noutros países europeus com armas económicas e um poderio empresarial bem superior ao português.
0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Então porque é que o PIB desceu?
0 Orador: - Portanto, nós aí também conseguimos dar uma resposta muito positiva às dificuldades e turbulência em que viveu a Europa e a comunidade internacional em matéria económica e financeira. Neste caso conseguimos.
0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Quanto é que desceu o PIB em Portugal e quanto é que desceu no resto da Europa?
0 Orador: - Conseguimos, de facto, aguentar essa crise com um apreciável sucesso. E aí estão as instituições internacionais, aí está a própria Comissão Europeia, através da voz do vice-presidente Cristopherson, que, como sabe, tem a responsabilidade sobre a política económica, a dizer que Portugal tem conseguido, com sucesso, aguentar o processo de convergência.
Sobre as novas cláusulas de convergência dir-lhe-ei que em política económica há duas maneiras de fixar os objectivos dessa política: a fixação qualitativa e a fixação quantitativa. Para os objectivos terem maior grau de sucesso devem ser, tanto quanto possível, quantificados. E foi isso que sucedeu nas cláusulas de convergência nominal que estão implícitas no Tratado da União Europeia.
E mesmo nesse caso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, estamos a aguentar-nos também com um razoável rigor, e sem grandes prejuízos em termos sociais. 15so é indiscutível, pois não podemos dizer que em Portugal se passam coisas piores do que, por exemplo, na nossa vizinha Espanha em matéria de desemprego, de insegurança e de instabilidade laboral.
Nessa matéria vamos, pois, continuar a considerar como viáveis os objectivos de convergência nominal, naturalmente num contexto de evolução económica europeia. Como sabe, ainda no ano passado, as bandas do mecanismo cambial do Sistema Monetário Europeu foram alteradas e, no entanto, os objectivos mantêm-se.
Sr. Deputado - e para concluir - quando não temos objectivos fixos na vida nunca conseguiremos atingir nada. E nós queremos também ganhar esta batalha, este desafio da convergência nominal, indispensável para se obter também a convergência real.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.
0 Sr. 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sras. e Srs. Deputados: É um
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tratado. De União paradoxalmente é o seu nome, e discretamente entrou em vigor.
Do seu processo ficam para trás, do nascimento à ratificação, um pouco pôr todo o lado, as marcas profundas do cepticismo, da contestação ou mesmo da recusa que lhe estão associadas, e abalaram a Europa da França à Dinamarca, do Reino Unido à Alemanha, no nosso próprio país onde (não é demais lembrar) se convergiu a dois para recusar o debate, fugir à discussão pública, negar a possibilidade de dar voz aos portugueses, aqueles a quem, como dogma, este Tratado se impôs, não como uma via, mas como a única possível para a construção da Europa.
É o Tratado da União e como factor de contestação entre os Povos se afirmou. Factor de contestação porque incapaz de fornecer respostas credíveis aos grandes problemas que hoje se colocam à Humanidade: a resolução da crise ecológica e o fim da exclusão social; factor de contestação porque incapaz de compatibilizar o primado do lucro com a preservação de valores fundamentais dos indivíduos: a liberdade, a democracia, a solidariedade, a paz; factor de contestação, ainda, porque inspirado num modelo de desenvolvimento ultrapassado porque assente em pressupostos errados de crescimento ilimitado.
Um Tratado inspirado num modelo posto em causa, que exigiria uma nova definição de valores, de parâmetros, de objectivos, numa Europa que, apesar dos compromissos solenes assumidos na Conferência do Rio, de lutar contra a crise ecológica a nível planetário e de se comprometer promover um desenvolvimento sustentado, continua assente no crescimento quantitativo, no produtivismo, no consumo, na competitividade feroz tomados valores imutáveis, e agora ainda mais exacerbados.
Um modelo que se salda por mais de 50 milhões de pobres, 20 milhões de desempregados, que é responsável por 15 % do total das emissões de CO2 num planeta quando a sua população não é mais do que 6 % desse mesmo planeta, que exporta 70 % do total de pesticidas no mundo, que delapida aceleradamente recursos não renováveis, que desertifica, que mantém, desenvolve e aprofunda a tecnologia nuclear, que militariza, que incentiva a manipulação genética.
Um modelo caduco que o Tratado agora em vigor vem perpetuar através do passo para o abismo, que o seu modelo institucional encerra.
Uma Europa que se entende, pois, como um mercado de consumidores e contribuintes, desumanizada, geradora de apartheid, pensada à revelia dos cidadãos, e contra a sua vontade imposta.
Uma Europa entendida como super potência burocratizada, centralista e asfixiante, assente no poder sem rosto dos eurocratas de Bruxelas. Que transfere poderes fundamentais para a preservação da identidade própria de cada país dos parlamentos nacionais, não para o Parlamento Europeu, mas para instâncias que nenhum voto legitimou e que imunes ao poder fiscalizador dos povos se colocam.
Uma Europa entendida como uma fortaleza que com intolerância fecha as portas a outros que condena, ela própria, à desertificação, à miséria e à fome, a Europa racista que Schengen iniciou e o Tratado institucionaliza.
Uma Europa entendida como uma super potência militar que, através do recurso à força, quer resolver diferendos e impor a preservação dos seus privilégios no Mundo, mas afinal incapaz de resolver os conflitos dentro do seu próprio Continente.
Uma Europa que vem acentuar desigualdades entre Estados membros, cada um deles com níveis de desenvolvimento muito diferenciados e aprofundar assimetrias regionais.
Uma Europa, por fim, que dita a massificação. a padronização, a uniformização culturais contra a diversidade.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 Tratado de União entrou em vigor, mas nem o facto de o ter sido no Dia de Todos-os-Santos conseguiu operar o milagre de gerar confiança e adesão dos cidadãos europeus ao projecto que corporiza.
E no âmago dessa rejeição está, não ausência de uma qualquer «nova, cultura» que o sustente, ou, dito diferentemente, a criação de um suporte ideológico que o tente justificar, mas a ausência de objectivos justos com os quais os europeus se identifiquem, objectivos que não são seguramente os da criação de um grande mercado para benefício das nacionais, mas de um espaço harmonioso entre povos e regiões, pessoas concretas para um projecto de desenvolvimento concreto, pessoas unidas em torno de valores, não de valias, pessoas que querem ser parte activa do seu destino e que assim entendem a cidadania - não como um valor abstracto, mas como um direito e o espaço para o seu exercício, pessoas que aceitam caminhar gradualmente num processo harmonioso de integração europeia, não de assimilação.
0 Tratado de União é, pois, para nós «Os Verdes», tal como ele hoje se encontra concebido, o cavalo de Tróia de um novo poder sufocante. Um poder que impede e compromete seriamente um eco desenvolvimento e um futuro pacífico para a Europa, tal como a entendemos do Atlântico aos Urais, que cria dentro do seu espaço países com diferentes estatutos, cidadãos com diferentes cidadanias, que ergue, onde os muros caíram, novos muros e, na arquitectura institucional anti-democrática que impõe, retira aos cidadãos instrumentos de agir sobre ela.
Assim, teimar hoje agir nestes moldes é, para nós, gerar a prazo rupturas, contribuir para novos desequilíbrios, estimular patriotismos revivalistas e lançar sementes para fundamentalismos incontroláveis.
Importa sim, para nós - e é esse o nosso entendimento - agir com razoabilidade no sentido de definir novos contornos para este espaço, que respeitem o nosso futuro comum e sejam capazes de entender a Europa com olhos de futuro.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 Tratado da União Europeia representa, pelo seu conteúdo e objectivos, uma profunda alteração qualitativa no processo de integração europeia. Este é um facto que, aliás, é comummente salientado. Não só na vertente económica e monetária, com a federalização em prazo curto da moeda, banco emissor e políticas monetária e financeira, mas também nas vertentes das políticas externa e de defesa e das políticas de assuntos internos, marcando uma linha de rumo que, a seu termo, conduzirá mesmo à transferência para um super Estado Europeu de um dos mais óbvios atributos da soberania, isto é, a defesa e forças armadas.
Quando um conjunto de países dão um passo com essa natureza e extensão, o que é que se esperaria que os seus promotores e defensores fizessem na data da sua entrada em vigor? Certamente esperar-se-iam cerimonias várias, entusiasmos de circunstância, discursos e tudo o resto.
A realidade é que o Tratado entrou em vigor quase envergonhadamente, com a opinião pública em estado geral de desconfiança e pessimismo, sem brilho e sem convicção. Era previsível que isso sucedesse e há pelo menos quatro factores que explicam esta situação.
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Desde logo, o fosso existente entre as imposições dos políticos que promoveram e apoiaram o Tratado e a vontade real dos cidadãos. Esse fosso foi particularmente nítido nos referendos da Dinamarca e da França. E seria tanto mais evidenciado quanto mais se tivesse alargado o debate sobre a matéria ou quanto mais tempo decorresse. Recorde-se que todas as sondagens realizadas em França depois do referendo deram a vitória ao não!
Na verdade, apesar das bonitas palavras sobre a cidadania e sobre a descentralização, o Tratado é fortemente centralizador, acentuando a força de uma burocracia cada vez mais poderosa. Se se fala de défice democrático, em falta de legitimidade e controlo democráticos, em ausência de mecanismos de participação dos cidadãos, tudo isso é pecado original do próprio Tratado, da responsabilidade daqueles que o elaboraram, daqueles que o votaram favoravelmente ....
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
0 Orador: - ... e ao mesmo tempo inviabilizaram um debate profundo, que concluísse por um referendo, tal como era maioritariamente desejado pelos portugueses.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - A segunda razão de desconfiança - e de rejeição - resulta directamente da gravíssima crise económica e social em que a Europa está mergulhada, por razões múltiplas, mas onde constituem causa primeira os critérios monetaristas do Tratado, postos a funcionar mesmo antes da sua entrada em vigor.
Crise que para Portugal significa, e está a significar, a desarticulação de um sector produtivo com a importância estratégica que tem a agricultura; crise que conduz a uma efectiva desindustrialização, crise que significa recessão a todos os níveis.
Aqui também a responsabilidade é dos que elaboraram e aprovaram o Tratado e os critérios e metas nele inscritos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - Não se queixem agora do facto de a perspectiva de desenvolvimento económico ter sido sacrificada à desaceleração da inflação. Não se queixem agora de muitas funções de Estado (incluindo as típicas funções do Estado-providência) estarem a ser sacrificadas ao objectivo de diminuir o défice. Estes eram objectivos fixados no Tratado, que os que o votaram de modo favorável, implícita e expressamente, aceitaram.
É verdade que a aplicação desses critérios em Portugal, ou em qualquer país, é da responsabilidade e opção dos respectivos governos, em Portugal, do Governo do PSD, que poderia, se quisesse, não o fazer. É efectivamente verdade - o caso que há pouco citei da Grécia é o exemplo disso. Mas não é menos verdade que a aprovação desses critérios em sede de Tratado se traduziu numa forma explícita de cumplicidade e corresponsabilização na sua aplicação e nos seus resultados.
A terceira razão de desconfiança e pessimismo está no agravamento da crise social, com o aumento do desemprego (que caminha para os 20 milhões), com o altíssimo número de pobres e o enfraquecimento dos sistemas de protecção social. A dimensão social acabou por ficar ausente do texto do Tratado. Pelo caminho ficou a tal harmonização no progresso, ficaram todos as promessas da uma Europa próspera e justa. Bem ao contrário. E aqui, também,
as responsabilidades são de quem elaborou e aprovou o Tratado. Pergunto: como é que é possível postular agora a necessidade de atender aos problemas dos trabalhadores, à sua situação e direitos e ter permitido a vigência de um Tratado onde a dimensão social passou para segundo plano?
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Bem perguntado!
0 Orador: - Em quarto lugar, o pessimismo radica nas próprias vicissitudes e circunstâncias em que o Tratado entra em vigor. De facto, desde a euforia de finais de 1991, quando foi aprovado, até à sua entrada em vigor, dois anos depois, as linhas básicas em que assenta o Tratado foram fortemente abaladas.
0 SME, depois de ruidosas turbulências, inverteu a marcha: o que estava para ser um estreitamento progressivo da margem de flutuação, tomou-se um alargamento sucessivo, uma espécie de funil invertido, e ainda assim com a Inglaterra, a Itália e a Grécia de fora. A resposta do Governo português, tentando a todo o custo sustentar o escudo forte, trouxe prejuízos incalculáveis à economia portuguesa. Por outro lado, a crise e a recessão impuseram significativos aumentos do défice, orçamental e da dívida e também esses objectivos estão longe de serem cumpridos.
A UEM ficou mais longe, o objectivo da moeda única nos prazos fixados seguramente comprometido.
Em vez das cornucópias da abundância, a Europa oferecia crise, desemprego, falta de perspectivas.
Quanto à vertente política, na sua componente de política externa, o mau espectáculo dado pela goradas tentativas de solucionar a crise ateada, principalmente pela Alemanha na ex-Jugoslávia, mostrou, de forma trágica e ao mesmo tempo caricata, quão grandes são os limites dos entendimentos políticos dentro dos Doze.
Quanto ao terceiro pilar, esse patina mais que qualquer outra componente do Tratado, o mesmo sucedendo com Schengen.
Ao mesmo tempo, a Dinamarca pôs-se de fora da cidadania europeia, da PESC na sua vertente de defesa, da moeda única e do banco central, acompanhando assim o Reino Unido, que já estava de fora.
Tudo isto mostra uma situação de inegável e profunda crise, que atinge a credibilidade do Tratado, retira-lhe a pouca legitimidade democrática que lhe sobrava e deveria conduzir aqui a uma reflexão sem barreiras sobre a sua validade no quadro europeu actual.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - A opção por um «super Estado Europeu», uma nova superpotência fechada sobre si mesma, com uma política liberal-monetarista, comandada por um núcleo duro de grandes empórios, mostra-se completamente inadequada, merece crescente oposição, conduz a graves recuos no plano dos interesses e direitos dos trabalhadores, dos cidadãos em geral, dos povos e Nações.
Em nenhum dos seus três pilares, o Tratado da União Europeia tem correspondido a esses interesses.
A União Económica e Monetária mostra-se incapaz de responder aos desafios do desenvolvimento e da criação de emprego e a demonstração clara disso mesmo foi a necessidade de tentar sair do quadro estrito do Tratado com a aprovação do «Livro Branco sobre crescimento, competitividade e emprego». Só que, mantendo-se as premissas intocadas, isto é, mantendo-se os critérios monetaristas fixadas no Tratado, estes são incompatíveis com os re-
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ais interesses dos trabalhadores e portanto com os tais proclamados objectivos desse livro branco. Exemplo claríssimo: a recomendação do Conselho respeitante às grandes orientações das políticas económicas, onde textualmente se preconiza a baixa dos salários reais.
Quanto à PESC, a verdade é que dois meses depois da entrada em vigor do Tratado, quem definiu a matéria essencial da política de segurança europeia, não foi o Conselho Europeu, que se realizou em Dezembro, foi a recente cimeira americana que se realizou este mês. Assistimos ao supremo descrédito de ver o Presidente Clinton a ditar regras à jovem PESC e a um conjunto de países a quem bem depressa passaram as farroncas de uma autonomia europeia de defesa.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - E quanto aos desenvolvimentos até agora concretizados no Terceiro Pilar têm ido no sentido da construção de uma Europa fortaleza, xenófoba, policializada.
Por tudo isto, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, a entrada em vigor do Tratado no plano jurídico-formal só toma mais aguda a necessidade de reflexão sobre o seu conteúdo material.
. Tanto mais que os mais esforçados defensores do Tratado e da criação da «união super Estado» ensaiaram já uma fuga para a frente em diferentes domínios. São exemplos os esforços para elaboração de uma Constituição Europeia, que se juntam às tentativas para conferir a um núcleo de países grandes (os cinco grandes, que são, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Espanha) poderes especiais de direcção e representação, que acresceriam aos que hoje já detêm por força do maior número de votos que têm para as votações por maioria.
Estas tentativas continuam e eu citei um relatório que está em discussão no Parlamento Europeu com outras vertentes que vão no mesmo sentido.
A questão central é que Q percurso do Tratado, tal como está concebido, é o da subordinação dos pequenos Estados aos interesses e aos votos dos grandes Estados: essa é que é a qestão decisiva para a defesa dos interesses nacionais!
E certo que, a cada momento, podemos e devemos aferir no quadro das situações de conjuntura o mérito ou demérito das políticas governamentais, à luz dos interesses das populações e também à luz dos interesses nacionais. Temos de discutir aqui, por exemplo, se os fundos comunitários são ou não são bem aplicados, se o Governo neste e naquele domínio soube ou não valorizar o papel do País e soube ou não defender os seus interesses.
Mas essa análise das políticas governamentais - e a crítica e combate ao Governo do PSD que assim se faça são insuficientes num debate como este, porque a montante dessas políticas está o quadro de referência em que eles se desenvolvem. Esse quadro é hoje dado pelo Tratado da União Europeia e é o próprio Tratado e a linha de orientação que lhe preside que, em primeira linha, atinge os interesses nacionais.
Aos que continuam a afirmar que as componentes da federalização não são relevantes, aos que insistem que não há transferências de soberania, é bom lembrar que a lógica do Tratado é a de reduzir a intervenção dos pequenos Estados, colocando-os, cada vez mais, na dependência de decisões que lhes são impostas por via do peso dos grandes Estados.
A reflexão hoje necessária em torno desta matéria impõe por tudo isto que em matéria de integração europeia se processe uma efectiva viragem de rumo.
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
0 Orador: - Não uma revisão para «aprofundar» o Tratado, isto é, para agravar os seus traços negativos e apontar mais e mais para a federalização mas, sim, uma viragem no sentido de uma integração para uma Europa de Estados soberanos, para uma Europa onde cada país, e também Portugal, tenha assento em plano de igualdade, uma Europa pautada por políticas de progresso e desenvolvimento e com acento tónico na dimensão social.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - Da nossa parte, PCP, defendemos que essa viragem deve visar a aproximação dos cidadãos aos centros de decisão; deve privilegiar a coesão económica e social, desenvolvendo as regiões mais desfavorecidas e harmonizando por cima as condições de vida e de trabalho e os direitos sociais; deve permitir a defesa dos interesses e especificidades da economia nacional; deve garantir os direitos das minorias; deve pautar-se no plano externo pela cooperação e entendimento.
A dimensão e importância, para os portugueses e para a Europa, do que está em causa na opção entre a «revisão para aprofundar» e a «viragem de rumo», não admite ambiguidades para consumo público nem duplicidades de posição aquém ou além fronteiras. Antes exige debates sérios e posicionamentos das forças políticas claros e clarificadores.
É isso que o PCP continuará a fazer, nomeadamente no âmbito da campanha para as próximas eleições para o Parlamento Europeu.
E desafiamos os restantes partidos a fazê-lo com idêntica seriedade e frontalidade.
Aplausos do PCP.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
0 Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A circunstância, tantas vezes anunciada nas intervenções da minha bancada, de que Portugal pende para a categoria dos Estados exíguos, em relação aos quais os factores exógenos se têm demonstrado dominantes no último meio século, exige uma autenticidade fundamentalista nas relações entre o poder político e a opinião pública, sempre que se trata de matérias que afectam o estatuto, a função e a autonomia soberana correspondente à evolução da comunidade internacional.
No processo europeu que levou a Maastricht foi mais dominante a estratégia do aparelho instalado na União Europeia obediente à lei da defesa própria dos seus privilégios e ambições de expansão, do que a de assegurar a ligação permanente com a opinião pública, apontada como capaz de eleger quem decide, mas incapaz de entender equilibradamente as decisões.
Por isso, o referendo foi recusado, designadamente em Portugal, não obstante ter o apoio do próprio Presidente da República, pessoalmente sempre empenhado na integração europeia, e neste caso intervindo numa área claramente da sua competência.
A questão está pendente, e se a próxima revisão constitucional não vier a ser uma das áreas de condomínio assumido pelos dois partidos com maior representação parlamentar, poderá encontrar uma resposta mais satisfatória que
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evite a confidencialidade que rodeou o processo de Maastricht. E uma resposta que, em todo o caso, poderá vir a tempo de remediar a imprudência com que o Estado português está a condescender com a organização, entrada em funcionamento, e competência da verdadeira Câmara das Regiões organizada em Bruxelas.
Defendemos, oportunamente, que a Constituição reflectiria a nova realidade numa segunda Câmara, porque todos sabemos que a regionalização europeia foi movida pelo conceito assumido de que se tratava do único caminho capaz de levar de vencida a Europa dos Estados.
Ninguém se atreverá a ignorar que uma Câmara desse tipo se transforma rapidamente numa Câmara política, reivindicativa e impondo uma alteração do estatuto, primeiro de facto, e depois de direito. Não parece aceitável que tão importante questão de fundo se tenha transformado, na realidade portuguesa, numa questão de partilha partidária da representação autárquica e regional a enviar a Bruxelas, tomando novamente confidencial o processo político europeu que está em curso.
A maioria tem entre os seus parlamentares, qualificados defensores da solução que propusemos e esperamos que os factos fortaleçam a sua vontade de intervir, no sentido de corrigir o erro que está a ser cometido. Quando da aprovação do Tratado de Maastricht, tivemos ocasião de dizer que, não estando o país em condições de o rejeitar, ele era mais inquietante pelo que não dizia do que por aquilo que anunciava. E o que não dizia respeitava essencialmente ao modelo político, que se indiciava poder ser, por exemplo, do figurino alemão, tanto mais que algumas das forças políticas europeias que defendem o federalismo estão intimamente ligadas a instituições políticas alemãs e à sua capacidade de intervenção política global.
Tivemos declarações claras governamentais, no sentido de negar o federalismo, em favor do gradualismo que esta bancada apoia, mas há razão de inquietação quanto à coerência da gestão política do Governo, quer pelo programa, conhecido, do Grupo Liberal e Reformador do Parlamento Europeu, a que pertence o partido da maioria, quer pela recepção que dispensa a federalistas autênticos que o procuram, vindos de outros quadrantes políticos, quer até pela cordialidade com que, nesta Câmara, o Governo festejou o discurso federalista, quando da aprovação do Tratado. Não pode haver falta de clareza nesta matéria, que afecta directamente a estrutura do Estado e a soberania, porque a transferência e a cedência inevitáveis, por todas as grandes e pequenas potências, desse clássico poder têm de ser convictamente assumidas pelos povos e não podem acontecer num regime de ambiguidade, fonte inevitável de conflitos internos e internacionais. Esta questão é particularmente grave no que respeita à política europeia comum de defesa, a caminho de uma comum defesa europeia. Em primeiro lugar, porque a inquietante situação internacional que conduz à invocação de argumentos emocionais, antes ao serviço do patriotismo nacional, que se diz ultrapassado, e, agora, ao serviço de um novo patriotismo europeu sem definição, apelam para a intervenção militar específica europeia, out of area, e muito significativamente na Jugoslávia, fazendo ignorar que a União Europeia não foi capaz nem sequer de pacificar os bascos, que pagam e fazem pagar um tão longo tributo de sangue na Espanha, e não se atreve a assumir a tragédia da Irlanda, que amargura e ameaça a própria unidade do Reino Unido.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
0 Orador: - Mais instante é não esconder que o Corpo Militar Europeu, dinamizado pela Alemanha e pela Fran-
ça, se desenvolve à margem do estabelecido pelos tratados constitutivos da União e serve, muito obviamente, o desígnio federalista que os Governos negam perante os eleitorados. Os pequenos Estados não podem ignorar que o Direct6rio está perfilado no horizonte Europeu e que esse modelo nunca trouxe à Europa a paz pelo direito, mas trouxe, frequentemente, a ordem pela submissão. Por isso, repetimos o que escrevemos sobre o facto de 1994 ser o ano da revisão do Estatuto dos Pequenos Estados que necessitam de o avaliar e defender.
A discussão académica sobre o futuro estatuto dos pequenos Estados na ordem internacional que finalmente vier a ser estabelecida tem sido mais extensa do que conclusiva. Assim mesmo, é ela que torna evidente a regular omissão dos responsáveis políticos em exercício a tal respeito, que todos habitualmente voltam das cimeiras dissertando sobre triunfos repartidos, enquanto os grandes poderes vão tentando impor os limites dentro dos quais os outros poderão exercer a concedida liberdade de opção. 0 objectivo da segurança dos pequenos Estados europeus, tornado actual pela desagregação soviética, é certamente dos que, justificadamente, ocupam os estudiosos, mas o processo europeu, de objectivos mais vastos e usando recursos mais sólidos, chegou a um ponto crítico em que a histórica questão tem de ser enfrentada.
Na cimeira dos líderes da Comunidade Europeia, realizada em Bruxelas, oficialmente para assinalar o facto histórico da entrada em vigor do Tratado de Maastricht, foi antes a própria reunião que foi proclamada histórica. Embora seja fatigante a frequência com que os agentes das soberanias se encontram a dar passos na história, neste caso, aquilo que pareceu merecer registo e avaliação foi o inadvertido anúncio do projecto de aristocratizar a direcção política das Comunidades. 0 discurso generalizado dos participantes, de regresso a casa, foi no sentido de minimizar as notícias que escaparam às prudências dos comunicados oficiais, porque estes enfatizaram o milagre das sedes e esqueceram quaisquer sugestões sobre as formas que poderá revestir a futura integração política. A cortina semântica tecida proeurou encaminhar as atenções para as fórmulas, que variam, designadamente, entre a união, a federação, a descentralização federativa e até, com apreciável amenidade, a cooperativa de Estados Mas a questão, insofismável e sempre demonstrada, é que as transformações profundas das relações internacionais tendem para afectar o estatuto dos pequenos Estados, agora, neste fim de século, ameaçados de serem ultrapassados pela força sistémica dos mercados e da tecnologia.
0 discurso do novo conceito estratégico europeu, que aparece orientado para ser o de uma grande nova potência, convida a escolher entre ser ou um pacificador regional, um interveniente global ou um mediador de conflitos. É evidente que tais projectos não fazem sentido, como programa de acção imediata, porque é enorme a distância entre as expectativas criadas e os meios disponíveis na actual situação normativa e de facto das Comunidades. Mas são anúncios indispensáveis para os que querem viabilizar o projecto de uma união política, transformada em novo interveniente político na cena internacional, a dialogar de igual com as super potências sobrantes e as grandes potências emergentes, para repartir áreas de influência, funções e responsabilidades, e não para um retiro espiritual. 0 valor e método da interdependência nas organizações internacionais do fim da guerra parece superado pelo valor e método da integração. 0 facto é que a Alemanha unificada é o poder dominante na Europa Central e Ocidental e implica
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que potências como a França e a Inglaterra tenham de acomodar as suas políticas ao facto. A histórica ambição do Directório dispõe de todos os ingredientes para, mais uma vez, reaparecer na cena europeia. Os pequenos Estados, todos e não cada um deles, estão de novo na situação, da qual têm experiência secular, de enfrentar a definição de um estatuto que lhes garanta uma efectiva intervenção em todas as instâncias do processo decisório em gestação. E não é recorrendo à elasticidade semântica, que evita chamar às ambições e aos factos pelos nomes mais familiares, que a questão será ultrapassada.
Aplausos do CDS-PP.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.
0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Vítor Martins): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após o debate já realizado, talvez nem sempre centrado no tema em causa, permitam-me duas observações introdutórias de carácter geral que decorrem, a meu ver, da linha dominante da apreciação que tem vindo a ser feita sobre a União Europeia. Trata-se de entender, antes de mais, o espaço e o tempo em que o nosso país se projecta.
Em primeiro lugar, há que interiorizar definitivamente que o Tratado de Maastricht está em vigor e que é com base nas suas disposições que a vida comunitária se está a processar, seja no plano institucional e do processo de decisão, seja no plano das competências comuns.
Alimentar a ideia de que Maastricht é uma coisa vaga e efémera, um sonho ou um pesadelo, conforme os gostos, um arquétipo distante da realidade, é um erro que devemos esconjurar.
Em segundo lugar, parece mais do que nunca decisivo superar os complexos da periferia e de marginalidade que alguns teimam em cultivar e que, ainda que involuntariamente, minam a nossa confiança colectiva e diminuem a nossa capacidade de afirmação.
0 Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
0 Orador: - No início desta jornada para a União Europeia há que ultrapassar qualquer resquício de inferioridade, como se estivéssemos na Europa na qualidade de convidados incómodos e, nós próprios, sentíssemos irresistível atracção por outros cenários e horizontes.
A Europa é a nossa terra e a União Europeia é o seu projecto, nos planos geográfico e civilizacional, nos planos da cultura e do humanismo que está entranhado na nossa tradição e na nossa vocação. Há que evitar o síndroma da periferia que, em bom rigor, só existe na aparência geográfica, enquanto País localizado no extremo Oeste desta grande península que é a Europa ocidental.
Como já foi dito pelo Sr. Primeiro-Ministro, esta vontade de partilhar a construção europeia em nada nos inibe de cultivar os laços com outras regiões do mundo, praticando de forma tangível uma vocação universal de que justamente nos reclamamos. Pelo contrário, quanto mais nos imbricarnos no processo de construção europeia, mais capazes seremos de potenciar as relações com essas outras regiões e, em particular, com o Atlântico Sul.
0 atlantismo, que constitui muito justamente baliza primacial da nossa política externa, em nada colide corri as nossas opções europeias. Trata-se de uma orientação atlantista inserida plenamente no projecto de integração europeia; trata-se de uma orientação euro-atlântica.
Não devemos acalentar esse latente sentimento de periferia, em risco de se transformar num estado de alma esquizofrénico que as realidades e as circunstâncias de todo não fundamentam. E a partilha frontal do projecto europeu que nos abre novos horizontes; é a participação franca e decidida no movimento europeu que nos abre novas oportunidades, dentro e fora da Europa.
A União Europeia desenvolve-se essencialmente a três dimensões: uma dimensão económica e social, fundada no mercado interno, em todas as suas vertentes, incluindo a social, na União Económica e Monetária e na coesão económica e social; uma dimensão política, assente na política externa e de segurança comum, numa identidade europeia de defesa e na cooperação nos domínios da justiça e dos assuntos internos; e uma dimensão humana, expressa essencialmente no conceito de cidadania europeia.
Trata-se de três dimensões que constituem o triângulo nuclear dos passos futuros da integração europeia, estando correlacionadas entre si de tal forma que não e crível que alguma delas possa realizar-se autonomamente, sem o concurso das outras.
É neste projecto pluridimensional de integração europeia, aceite pelos doze Estados-membros, que Portugal tem de encontrar o seu lugar e defender os seus interesses. Não apenas os interesses que resultam da conjuntura da presente fase em curso, mas também, e sobretudo, os que decorrem dos seus interesses permanentes e mais profundos e que relevam da identidade nacional.
E oportuno sublinhar que o Governo não considera, como repetidamente afirmou, que o Tratado de Maastricht corresponda ao modelo final da União. É uma etapa, ainda que decisiva. É um elo, ainda que determinante. Muita água correrá para o mar até que chegue o momento crucial de colocar a pedra angular da construção europeia.
Não devemos, contudo, reter daí a ideia - às vezes tão do agrado de alguns segmentos da nossa sociedade - de que a União Europeia é um projecto adiado, que não é para agora e, com essa ideia, anestesiar a nossa vontade de mudar, de modernizar, de progredir.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Integração europeia para os portugueses tem de significar progresso económico e social. 0 reforço da coesão económica e social será sempre uma prioridade presente em todos os capítulos da realização da União Europeia.
Uma palavra sobre o Uruguai Round, em particular sobre os têxteis. Em defesa da mais elementar verdade, há que rebater o que aqui foi dito pelo Sr. Deputado Jaime Gama.
0 Governo definiu as suas prioridades em 1986; exigiu e alcançou uma orientação sobre os têxteis em 1989; promoveu um relatório da Comissão sobre o sector em 1990. Na fase crucial das negociações invocou o interesse vital, tendo conseguido uma verdadeira viragem dos resultados finais do Uruguai Round quanto ao acesso aos mercados e às regras e disciplinas. E, para além disso, conseguiu um programa específico para modernizar o sector têxtil português.
Há que perguntar: pensando bem, quem é que terá andado a dormir durante todo este tempo?
A introdução de novas políticas e acções comuns em campos como a educação, o domínio social, a saúde, a cultura, a protecção dos consumidores, o reforço de competências comunitárias em matéria de investigação e do ambiente, ou mesmo a menção de áreas como a protecção civil e a juventude trarão seguramente benefícios acrescidos aos cidadãos e reforçarão a consciência de comunhão de interesses.
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A União Económica e Monetária perfila-se como uma peça central da União Europeia. Não se vislumbrou qualquer alternativa a esse modelo, que é, de resto, corolário lógico da integração económica realizada nas últimas décadas e, nomeadamente, do Mercado único.
Quanto aos critérios de convergência, esclareça-se que Portugal é dos países que melhor prestação tem tido no sentido de convergir. A este propósito, convirá que sejamos claros: que Portugal ultrapassou a Grécia em todos os indicadores económicos é um facto, e contra factos não há argumentos. Aqui, nem é preciso citar nenhuma instância externa, daquelas como a OCDE, o Tribunal de Contas ou a Comissão Europeia, que, no entender do Sr. Deputado Jaime Gama, mais não fazem do que distribuir «carinho» político por essa Europa fora.
Risos do PSD.
0 terceiro pilar do Tratado da União Europeia é um importante instrumento de acção, ao serviço do espaço sem fronteiras, que devemos promover sem hesitações. Com ele solidificamos a identidade da União, agindo a doze, com vantagem sobre aspectos que assumem, cada vez mais, uma dimensão continental. Para Portugal, que tem uma extensa fronteira externa, trata-se de um imperativo lógico.
Não posso deixar de relevar, também, a importância da livre circulação de pessoas para o novo conceito de cidadania inscrito no Tratado. Também aqui a União deu um passo político de vulto que não deixará de aproveitar a países como o nosso, com inúmeras comunidades de cidadãos nacionais espalhadas pela Europa e no resto do Mundo.
A União Europeia merece o nosso apoio. Porque é um imperativo histórico. Porque é uma oportunidade de ancorar o nosso País à primeira linha do movimento europeu. Porque é do interesse de Portugal e dos portugueses.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, como não há mais inscrições e os tempos também estão esgotados, dou por encerrado o debate a propósito da entrada em vigor do Tratado da União Europeia, que foi requerido pelo Governo ao abrigo do disposto no artigo 245º do Regimento da Assembleia da República.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, e, para além do período de antes da ordem do dia, terá como ordem do dia a apreciação de um número considerável de petições. Na hora regimental terá lugar a votação final global da proposta de lei nº 84/VI, que visa regulamentar a Lei nº 20/92, de 14 de Agosto.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Alípio Barrosa Pereira Dias. António Joaquim Correia Vairinhos. António José Caeiro da Motta Veiga. Arlindo Gomes de Carvalho. Arménio, dos Santos. Carlos de Almeida Figueiredo. Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira. Filipe Manuel da Silva Abreu. Joaquim Eduardo Gomes. Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira. José Augusto Santos da Silva Marques. José Macário Custódio Correia. Luís António Martins. Manuel Albino Casimiro de Almeida. Manuel de Lima Amorim. Manuel Joaquim Baptista Cardoso. Maria Luísa Lourenço Ferreira. Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos. Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva. Pedro Manuel Cruz Roseta. Pedro Manuel Mamede Passos Coelho. Rui Fernando da Silva Rio.
Partido Socialista (PS):
Alberto Bemardes Costa. António Femandes da Silva Braga. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues. Elisa Maria Ramos Damião. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira. José Manuel Santos de Magalhães. Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues. Octávio Augusto Teixeira.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adérito Manuel Soares Campos. José Albino da Silva Peneda. José Ângelo Ferreira Correia. Manuel Antero da Cunha Pinto. Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares. Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete. Telmo José Moreno.
Partido Socialista (PS):
António Luís Santos da Costa. António Poppe Lopes Cardoso. Carlos Manuel Natividade da Costa Candal. Luís Filipe Marques Amado. Manuel Alegre de Melo Duarte. Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes. Rogério da Conceição Serafim Martins.,
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
José Luís Nogueira de Brito.
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