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Quinta-feira, 27 de Janeiro de 1994 I Série - Número 31
DIÁRIO da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1393-1994)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE JANEIRO DE 1994
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis
SUMÁRIO
O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Armando Vara (PS), a propósito das jornadas parlamentares que o seu partido realizou no distrito de Bragança, chamou a atenção para os problemas com que as regiões do interior se confrontam, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS-PP) e Duarte Lima (PSD).
O Sr. Deputado Luís Fazenda (Indep.) sublinhou o êxito e a amplitude da greve efectuada no sector da Administração Pública e em algumas empresas públicas de transportes.
O Sr. Deputado Adriano Pinto (PSD) teceu considerações sobre o desporto.
O Sr. Deputado José Calçada (PCP) enumerou uma série de razões para que o Primeiro-Ministro conceda tolerância de ponto na junção pública na terça-feira de Carnaval.
Ordem do dia. - A Câmara aprovou os n.ºs 16 a 21 do Diário.
Foi igualmente aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à substituição de um Deputado do CDS.
O projecto de lei n.º 131/VI - Consagra o direito de participação das organizações juvenis na elaboração de legislação que respeite à política de juventude (PCP) foi apreciado na generalidade, tendo baixado à respectiva Comissão para ser reapreciado. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados António Filipe (PCP), António José Seguro (PS), Pedro Passos Coelho e Luís Nobre (PSD) e Isabel Castro (Os Verdes).
Procedeu-se à apreciação das petições n.ºs 297/V(4.ª), 92 e 76/VI (1.º), 174, 180 e 187/VI(2.ª), tendo intervindo, a diverso título, os Srs. Deputados José Manuel Mota {PCP), Jorge Coelho (PS), Jorge Paulo Cunha (PSD), José Calçada (PCP), Manuel Moreira (PSP), Maria Julieta Sampaio e José Eduardo Reis (PS), Álvaro Viegas (PSD), Paulo Trindade(PCP), Luís Filipe Madeira (PS) Odete Santos (PCP), Eduardo Pereira da Silva (PSD), Luís Capoulas Santos (PS), António Murteira (PCP). Branco Malveiro (PSD) e André Martins (Os Verdes).
A Câmara rejeitou os projectos de resolução n.ºs 80 82/VI - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 260/93, de 23 de Julho, que reorganiza os centros regionais de segurança social (PS e PCP) [ratificações n.ºs 93/VI (PS) e 92/VI (PCP)] e 81 e 83/VI - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, que estabelece o regime de protecção na velhice e na invalidez dos beneficiários do regime geral de segurança social (PS e PCP) [ratificações n.º 94/VI (PS) e 97/VI (PCP)] e aprovou a proposta de resolução n.º 39/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Alterações à Convenção da Organização Europeia para a exploração de Satélites Meteorológicos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 5 minutos.
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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adérito Manuel Soares Campos. Adriano da Silva Pinto. Alberto Cerqueira de Oliveira. Alberto Monteiro de Araújo. Alípio Barrosa Pereira Dias. Álvaro José Martins Viegas. Américo de Sequeira. Anabela Honório Matias. António Augusto Fidalgo. António Costa de Albuquerque de Sousa Lara. António da Silva Bacelar. António de Carvalho Martins. António do Carmo Branco Malveiro. António Esteves Morgado. António Fernando Couto dos Santos. António Germano Fernandes de Sã e Abreu. António Joaquim Correia Vairinhos. António José Barradas Leitão. António Manuel Fernandes Alves. António Maria Pereira. António Moreira Barbosa de Melo. Aristides Alves do Nascimento Teixeira. Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha. Arménio dos Santos. Belarmino Henriques Correia. Carlos Alberto Lopes Pereira. Carlos Lélio da Câmara Gonçalves. Carlos Manuel de Oliveira da Silva. Carlos Manuel Duarte de Oliveira. Carlos Manuel Marta Gonçalves. Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira. Cecília Pita Catarino. Cipriano Rodrigues Martins. Delmar Ramiro Palas. Domingos Duarte Lima. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco. Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira de Silva. Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista. Fernando dos Reis Condesso. Fernando José Antunes Gomes Pereira. Fernando José Russo Roque Correia Afonso. Fernando Santos Pereira. Filipe Manuel da Silva Abreu. Francisco Antunes da Silva. Francisco João Bernardino da Silva. Guido Orlando de Freitas Rodrigues. Hilário Torres Azevedo Marques. Jaime Gomes Milhomens. João Alberto Granja dos Santos Silva. João do Lago de Vasconcelos Mota. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado. João Granja Rodrigues da Fonseca. João José da Silva Maçãs. João José Pedreira de Matos. Joaquim Cardoso Martins. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim ViIela de Araújo. Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa. José Albino da Silva Peneda. José Ângelo Ferreira Correia. José Augusto Santos da Silva Marques. José de Almeida Cesário. José Fortunato Freitas Costa Leite. José Guilherme Pereira Coelho dos Reis. José Júlio Carvalho Ribeiro. José Leite Machado. José Luís Campos Vieira de Castro. José Manuel Alvares da Costa e Oliveira. José Manuel Borregana Meireles. José Manuel da Silva Costa. José Manuel Nunes Liberato. José Mário de Lemos Damião. José Pereira Lopes. Luís António Carrilho da Cunha. Luís António Martins. Luís Carlos David Nobre. Luís Filipe Garrido Pais de Sousa. Luís Manuel Costa Geraldes. Manuel Acácio Martins Roque. Manuel Albino Casimiro de Almeida. Manuel Antero da Cunha Pinto. Manuel da Costa Andrade. Manuel da Silva Azevedo. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Joaquim Baptista Cardoso. Manuel Maria Moreira. Maria da Conceição Figueira Rodrigues. Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira. Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa. Maria Helena Falcão Ramos Ferreira. Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia. Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares. Maria Luísa Lourenço Ferreira. Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa. Mário Jorge Belo Maciel. Melchíor Ribeiro Pereira Moreira. Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva. Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas. Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos. Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva. Olinto Henrique da Cruz Ravara. Pedro Augusto Cunha Pinto. Pedro Domingos de Sousa e Holstein Campilho. Pedro Manuel Mamede Passos Coelho. Rui Alberto Limpo Salvada. Rui Carlos Alvarez Carp. Rui Fernando da Silva Rio. Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete. Simão José Ricon Peres. Virgílio de Oliveira Carneiro. Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros. Alberto Arons Braga de Carvalho. Alberto Bernardes Costa. Alberto da Silva Cardoso. Alberto Manuel Avelino. Alberto Marques de Oliveira e Silva. Ana Maria Dias Bettencourt.
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António Alves Marques Júnior. António Alves Martinho. António Carlos Ribeiro Campos. António de Almeida Santos. António Domingues de Azevedo. António Fernandes da Silva Braga. António José Borrani Crisóstomo Teixeira. António José Martins Seguro. António Manuel de Oliveira Guterres. António Poppe Lopes Cardoso. Armando António Martins Vara. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos. Carlos Cardoso Lage. Carlos Manuel Luís. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues. Eduardo Ribeiro Pereira. Elisa Maria Ramos Damião. Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo. Fernando Alberto Pereira de Sousa. Fernando Alberto Pereira Marques. Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa. Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins. Gustavo Rodrigues Pimenta. Helena de Melo Torres Marques. Jaime José Matos da Gama. João António Gomes Proença. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João Rui Gaspar de Almeida. Joaquim Américo Fialho Anastácio. Joaquim Dias da Silva Pinto. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira. Jorge Lacão Costa. Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho. José António Martins Goulart. José Eduardo dos Reis. José Eduardo Vera Cruz Jardim. José Ernesto Figueira dos Reis. José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos. José Rodrigues Pereira dos Penedos. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Júlio da Piedade Nunes Henriques. Júlio Francisco Miranda Calha. Laurentino José Monteiro Castro Dias. Leonor Coutinho Pereira dos Santos. Luís Filipe Marques Amado. Luís Filipe Nascimento Madeira. Luís Manuel Capoulas Santos. Manuel António dos Santos. Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio. Raul d'Assunção Pimenta Rêgo. Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz. Rui António Ferreira da Cunha. Rui do Nascimento Rabaça Vieira. Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Manuel dos Santos Murteira. João António Gonçalves do Amaral. José Fernando Araújo Calçada. José Manuel Maia Nunes de Almeida. Lino António Marques de Carvalho. Luís Carlos Martins Peixoto. Maria Odete dos Santos. Octávio Augusto Teixeira. Paulo Jorge de Agostinho Trindade.,
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Monteiro de Castro. Manuel José Flores Ferreira dos Ramos. Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
15abel Maria de Almeida e Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputado independente:
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda.
ANTES DA ORDEM DO DIA
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que foram apresentados à Mesa.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de resolução n.º 53/VI Aprova o Acordo por Troca de Notas entre a República Portuguesa e a República de Chipre, relativo à supressão de vistos, que baixou à 1ª Comissão; projectos de lei n.º 369/VI - Sujeita a Sociedade Parque EXPO'98, S.A. à fiscalização pelo Tribunal de Contas (PS), que baixou à 6.ª Comissão, 370/VI - Assegura a publicidade das decisões de entidades públicas que atribuam benefícios a particulares (PS), que baixou à 6.ª Comissão, e 371/VI - Sujeita a aplicação dos fundos estruturais comunitários a auditorias por entidades independentes escolhidas por concurso público (PS), que baixou à 6 a Comissão; ratificação nº 113/VI - Decreto-Lei n.º 421/93, de 28 de Dezembro, que cria o Conselho do Ensino Superior (PS), que baixou à 7.ª Comissão, e projectos de resolução n.º 80/VI (PS) e 82/VI (PCP), de recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 260/93, de 23 de Julho, que reorganiza os Centros Regionais de Segurança Social, e 81/VI (PS) e 83/VI (PCP), de recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, que estabelece o regime de protecção na velhice e invalidez dos beneficiários do regime geral de segurança social.
Entretanto, foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os seguintes requerimentos: aos Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e da Indústria e Energia, formulados pelo Sr. Deputado André Martins; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Maria Julieta Sampaio, José Reis e Paulo Rodrigues; ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Governo, ao Ministério da Educação e à Secretaria de Estado da Juventude, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe.
0 Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Magalhães, na sessão de 21 de Outubro; 15abel Castro, na sessão de 10 de Novembro; André Martins, na sessão de 5 de Janeiro.
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Entretanto, informa-se os Srs. Deputados que as Comissões de Agricultura e Mar e Defesa Nacional estão reunidas desde as 14 horas e 30 minutos e 15 horas e 30 minutos, respectivamente; as Comissões de Economia, Finanças e Plano e de Trabalho, Segurança Social e Família reúnem às 16 horas; a Subcomissão Permanente do Ensino Particular e Cooperativo está reunida desde as 15 horas; a Subcomissão Permanente da Segurança Social reúne às 17 horas e a Subcomissão do Desporto às 17 horas e 30 minutos.
0 Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
0 Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, nas Jornadas Parlamentares, que ontem e anteontem tiveram lugar no distrito de Bragança, assumiu, mais uma vez, com grande empenharnento, a questão da regionalização, do poder local, da interioridade e a exigência de descentralização de um poder que, em Portugal, ao longo da sua História, tem pecado por excesso de centralismo, não só político ou cultural, mas também, ou sobretudo, económico. Centralismo que sempre provocou graves danos ao desenvolvimento do País e que, nomeadamente em relação ao interior, sempre provocou subdesenvolvimento económico e cultural, desertificação, isolamento, de par com a existência de vínculos de dependência social pouco compatíveis com um moderno Estado de Direito.
0 Sr. Silva Marques (PSD): - 15so acabou tudo!
0 Orador: - Muitas são as razões que, até 25 de Abril de 1974, explicam tal situação: uma visão estática do País (de que é exemplo soberano o nulo desenvolvimento das vias de comunicação), o salazarismo político e mental, o isolacionismo internacional, a barreira geográfica e psicológica de Espanha, as fortes migrações internas em direcção à capital ou, de qualquer modo, às zonas urbanas do litoral, a emigração em massa para o centro da Europa, a guerra colonial, a ausência de democracia, os recursos desviados para a guerra, etc.
Tudo isto tornou as regiões do interior extremamente frágeis no plano económico e social. Está, de resto, ainda ao alcance da nossa memória, o estado confrangedor em que a ditadura deixou o País: brutais assimetrias entre pessoas, entre o campo e a cidade, entre regiões; uns poucos muito ricos e a pobreza generalizada; o citadino inadaptado e -o camponês alheado de tudo quanto se passava no resto do País e que trabalhava a terra desde a aurora até ao pôr do sol para sobreviver; o litoral e os grandes centros urbanos crescendo desordenadamente e o interior desertificado e subdesenvolvido.
Da democracia, nestes já vinte anos de vida, esperar-se-ia que tivesse lançado as bases para repor o equilíbrio e acabar com as mais graves assimetrias geográficas, sociais e culturais, uma vez que as causas endógenas e exógenas de tal situação pareciam ter desaparecido.
0 crescimento económico que a adesão à Comunidade provocou e a libertação da sociedade civil das peias do subdesenvolvimento, do autoritarismo e da submissão cultural poderiam ter permitido levar por diante, com eficácia, uma política de desenvolvimento, e não apenas de puro e acrítico crescimento, e lançado as bases para um desenvolvimento territorialmente equilibrado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas não! As oportunidades criadas pela integração europeia têm vindo a ser perdidas e a criar efeitos perversos, sobretudo nas regiões do interior, deprimindo-as em vez de as libertar, e impedindo que, por esta via, se descomprimam as grandes concentrações urbanas através de uma saudável fixação das populações nas suas regiões de origem. Efeitos perversos que, depois, se reflectem com igual acuidade, se não maior ainda, nos pólos urbanos com maior capacidade de atracção social e económica.
Não será, efectivamente, possível recompor as graves fracturas, que, hoje, as grandes concentrações urbanas conhecem em Portugal, se não se promover um desenvolvimento integrado de todo - digo, todo! - o território nacional, inclusivarnente através de medidas excepcionais para as regiões que mais sofrem os custos da interioridade, da desertificação, do subdesenvolvimento.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desenvolvimento do interior não é, pois, apenas um problema do interior mas, sim, um problema nacional, dado que não será possível resolver os graves problemas das nossas áreas metropolitanas se não se criarem condições para estancar o êxodo das populações das regiões menos desenvolvidas em direcção ao litoral.
É por isso que falamos em medidas excepcionais para essas regiões. E, desde logo, uma, que se afigura da mais elementar justiça, que consiste na exigência de fortes investimentos públicos que configurem uma duplicação dos fundos comunitários nessas regiões.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Portugal defendeu essa mesma duplicação, no âmbito da Comunidade, para os países menos desenvolvidos. É justo que aplique internamente os mesmos critérios que reivindicou na Comunidade.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Estamos a tratar exactamente disso!
O Orador. - Se isto não for feito, não haverá Europa das Regiões que nos salve, nem serão travados os graves problemas de exclusão social, de marginalidade, de degradação das condições de existência, que começam a irromper nas regiões do interior, mas também, numa escala bem mais elevada e dramática, nas nossas grandes cidades, em particular também naquelas que sofrem os efeitos da suburbanidade.
Aplausos do PS.
Crescimento, como se sabe, não equivale automaticamente a desenvolvimento. Este desenvolvimento exige uma visão integrada das várias dimensões da nossa vida colectiva; exige atenção aos problemas da qualidade de vida, do ambiente, da saúde, da educação, da assistência social, das condições básicas para o exercício das profissões, da educação cívica, da formação; em suma, exige uma atenção global às condições gerais da existência.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Estamos a tratar disso!
O Orador: - É possível crescer no meio de gritantes injustiças e desigualdades sociais, no meio do caos urbanístico, no meio de gritantes assimetrias sociais e regionais.
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A visão do Partido Socialista é uma visão integrada, equilíbrio entre pólos de desenvolvimento, até porque é para nós claro que os problemas são interdependentes.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Aí já tenho as minhas dúvidas!
O Orador: - Que uma pessoa, na maior parte dos ca
sos, não deixa a sua terra natal por gosto, mas porque
quase sempre nela não encontra condições para poder li
vremente desenvolver as suas capacidades, porque tantas
vezes nem sequer encontra condições mínimas para sobre
viver com dignidade.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas isso já está mudado!
O Orador: - 0 gigantismo de certos pólos urbanos não
é devido a uma tendência para viver na confusão. Ele
deve-se, sobretudo, à falta de condições com que se de
batem os nossos concidadãos do interior, ao isolamento,
tantas vezes, à miséria. É natural que, quem pode, tente
sair dessa condição, migrando ou emigrando, como acon
teceu na década de 60: fuga em massa, quer para o litoral
ou para as zonas limítrofes da capital, ou, então, para a Fran
ça, para a Alemanha ou para outros países da Comunidade.
As migrações e as emigrações continuam hoje a verificar
se, porventura, com maior significado simbólico, revelador da
incapacidade do Governo para definir e executar uma políti
ca que nos conduza a uma sociedade mais justa e equilibrada.
Interioridade, desenvolvimento, Europa das Regiões tem
a ver com tudo isto e leva-nos a reflectir sobre o nosso
próprio posicionamento em relação não só à Europa mais
desenvolvida mas, sobretudo, a nós próprios, à nossa ca
pacidade de nos desenvolvermos em harmonia e sem com
plexos de sermos considerados os bons alunos dos critérios
da convergência nominal, confundindo tudo e todos, mas
sobretudo a nós próprios. Com a ulterior desgraça de con
tinuarmos atrás de todos e de tudo.
As Jornadas Parlamentares do PS não tiveram nem têm
como objectivo premiar os bons alunos no uso dos fundos
comunitários - o que, afinal, é um simples dever de quem
os usa, para bem próprio dos seus trabalhadores e do País,
mas procuraram, sobretudo, reflectir sobre a ideia de que
Portugal não pode continuar a ser um país a duas veloci
dades. Que o País ou se desenvolve como um todo ou será
causa de novas injustiças e maiores desigualdades.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Governo do PSD tem vindo a confun
dir tudo isto, confundindo crescimento com desenvolvimento,
finanças com economia real, privado com clientela, e,
finalmente, poder local e regional com caciquismo. Confu
sões que o PS não faz, porque não quer, mas sobretudo
porque não são do interesse do País. Foi, de resto, tam
bém isso que ressaltou nestas jornadas parlamentares.
Sr.Presidente, Sr.ªs .- e Srs .Deputados: Não é aceitável que
o Sr. Primeiro-Ministro continue a dizer, no estrangeiro, que
não aceita uma Europa a duas velocidades e, cá dentro, per
mita que isso aconteça com algumas regiões.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não é aceitável que decisões que tanta importância têm para uma região ou para o País, como sejam as relacionadas com o plano hidrológico espanhol, a instalação de um cemitério de resíduos nucleares na fronteira ou, mesmo, decisões sobre o novo Quadro Comunitário de Apoio, sejam tomadas sem que aqueles que mereceram a confiança dos seus concidadãos sejam sequer ouvidos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não está, hoje, nas mãos do PS a possibilidade de alterar de imediato esta situação. Ficou, no entanto, claro que isso será uma das nossas principais prioridades e que, mesmo no actual quadro político, serão aqui tomadas diversas iniciativas visando alcançar esse objectivo.
Assim, o Grupo Parlamentar do PS insistirá na concessão de prioridade ao agendamento e ao debate dos projectos de lei de reforma do poder local, rumo à regionalização, à desburocratização e valorização do papel das autarquias; tomará novas iniciativas com vista à discussão parlamentar do 2.º Quadro Comunitário de Apoio, assumindo nesse Quadro o compromisso de lutar contra a discriminação e o sub financiamento do nordeste transmontano, como, aliás, de outras regiões deprimidas do País, lutando pela inserção de projectos estruturantes necessários ao desenvolvimento regional; proporá a realização de uma audição parlamentar sobre o conteúdo e aplicações dos projectos hidrológicos espanhóis de desvio do curso dos rios Douro e Tuela, pondo cobro ao secretismo e à aparente passividade oficiais num domínio vital para toda a região e para o País.
Aplausos do PS.
O PS prosseguirá e alargará críticas construtivas à acção governamental, que, a pretexto da racionalização de serviços, suprime serviços locais e rouba às populações o acesso directo a estruturas públicas essenciais em domínios como a saúde, a segurança social e a educação; proporá uma deslocação da Comissão Parlamentar de Saúde a Trás-Os-Montes para o apuramento directo das implicações do actual estado de degradação das estruturas e serviços de saúde; lançará, no âmbito da Comissão Parlamentar de ligação com as Cortes Espanholas, iniciativas sobre a cooperação transfronteiriça na zona a que pertence o nordeste transmontano e em outras regiões, examinando nessa sede os problemas que daí decorrem para Portugal no domínio dos transportes, da economia em geral e da cultura; requererá ao Governo informação sobre os problemas de Trás-Os-Montes em matéria de acessibilidades.
O PS bater-se-á por iniciativas que não só permitam a conclusão da rede viária principal como assegurem que esta sirva os centros urbanos regionais e não a mera drenagem de riqueza.
0 PS suscitará uma reflexão sobre o projecto de navegabilidade do Douro, lutando pela sua articulação com iniciativas de verdadeira dinamização económica.
No âmbito da Subcomissão das Obras Públicas e Transportes, os Deputados socialistas proporão iniciativas que corrijam os planos de rarefacção do sistema de transporte por linha férrea com acentuação da interioridade.
O Grupo Parlamentar do PS promoverá um debate, em sede de comissão, sobre a problemática da Região Demarcada do Douro. Para além disso, o PS promoverá um «Dia parlamentar de Trás-Os-Montes», eventualmente, na Sala do Senado, para debate dos problemas da região, com a presença de representantes das câmaras municipais, associações regionais, Deputados europeus, parlamentares nacio-
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nais, naturalmente, Casa de Trás-Os-Montes e Alto Douro, em Lisboa, e meios universitários e culturais.
Aplausos do PS e do Deputado do PSD Costa Andrade
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Narana Coissoró e Duarte Lima.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Armando Vara, a si, um transmontano candidato à Câmara Municipal da Arnadora, naturalmente para, com a sua experiência das duas velocidades, passar da segunda para a primeira velocidade aqui perto de Lisboa, gostaria de lhe colocar uma questão, dentro desta lógica do «gato e do rato», de uma pretensa bipartidarização, em que andam o PS e o PSD. 0 que temos visto, nos últimos dias, através de um monopólio quase total da comunicação social, é o PSD a apresentar o País em tecnicolor e o PS a fazer o possível por apresentá-lo a preto e branco.
Ora, parece-me que se trata do retomar da velha tese de que há um país para mostrar aos próprios portugueses ou aos próprios transmontanos a preto e branco e um outro, para mostrar aos lisboetas e aos das outras partes, em todas as cores, como lugares de grande sucesso o que, diga-se a verdade, pouco aproveita ao País. É que o País não é ignorante, conhece já as auto-estradas, percorre-as, sabe quem são os bons e os maus empresários e também conhece a paisagem rural e as suas misérias.
Por outro lado, também o PSD tem uma grande fé no sucesso dos transmontanos. Basta lembrar a enorme «satumalia» que fez em Mirandela com toneladas de marisco e arroz à valenciana distribuídos por milhares de turistas convidados de todo o lado com a presença do primeiro-ministro. Quer dizer, o PSD tem também o seu Trás-os-Montes a cores, em contrapartida com o Presidente da República que mostrou a Área Metropolitana de Lisboa a preto e branco.
Ora, o País já compreendeu que pode mostrar-se Trás-os-Montes como terra de mel e leite a jorros e estampar a miséria na Área Metropolitana de Lisboa. 0 País não vai nisso! São excursões, é turismo, são formas de passar as segundas e terças-feiras, pagas por nós contribuintes para alguns Deputados verem o que gostam de ver segundo o seu interesse partidário.
0 que lhe pergunto, Sr. Deputado, é o seguinte: relativamente a este País de duas velocidades, o que é que fez o PS, juntamente com o PSD, no Comité das Regiões, para dar voz na Europa aos transmontanos?
(O Orador reviu.)
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, é evidente que qualquer força política pode mostrar o País a cores ou a preto e branco. De qualquer forma, uma vez que o PSD, segundo as suas próprias palavras, anda a mostrá-lo a cores e o PS a preto e branco, é caso para perguntar o que anda a fazer o CDS-PP! Mostra-o a preto e branco, a cores ou a cinzento?
E, já agora, deixe-me expressar-lhe a minha perplexidade perante a sua afirmação de que isto são simples passeatas. Será que aquilo que o Dr. Manuel Monteiro andou
a fazer, quando foi ter com os agricultores e com os pescadores, quando percorreu o País de norte a sul, não passa de ma série de passeatas, que cada um paga a seu bel-prazer? E com certa perplexidade, confesso-lhe, que o oiço dizer isso.
Em relação à questão substantiva, devo dizer-lhe o seguinte: o que o PS fez, nomeadamente quanto ao distrito de Bragança, foi incluir um dos seus autarcas mais prestigiados no Comité das Regiões.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Armando Vara, ouvi-o com toda a atenção e gostaria de tecer alguns comentários à sua intervenção.
Começo por dizer que não vou fazer ironia, como o Sr. Deputado Narana Coissoró, por V. Ex.4 ter sido candidato à Câmara Municipal da Arnadora, porque conheço-o bem e sei que isso não é impeditivo do interesse que V. Ex.ª, como Deputado, sempre tem demonstrado, em todos os fora onde participa, pelo desenvolvimento do nosso distrito. Portanto, em relação a isso, penso não termos pontos de vista divergentes, pelo que não posso deixar de prestar-lhe essa homenagem.
Em segundo lugar, também não quero cometer a indelicadeza de qualificar, nem de longe nem de perto, as vossas jornadas parlamentares como uma excursão. Julgo que foi bom terem feito as vossas jornadas parlamentares no distrito de Bragança e parto do princípio de que essa deslocação foi, do vosso ponto de vista, uma deslocação de trabalho, também ele parlamentar, a fim de chamar a atenção para aquilo que, em vossa opinião, é uma determinada realidade do País. Portanto, também aqui não irei fazer ironia e jamais me passará pela cabeça qualificar essa visita de trabalho como excursão.
Em terceiro lugar, gostaria de referir que também não é difícil concordar com uma parte da sua intervenção. Desde logo, com o seu diagnóstico relativamente ao que foi o esquecimento da região até 25 de Abril de 1974. Nascemos lá, fomos lá criados e, por isso, perfilho totalmente do diagnóstico feito pelo Sr. Deputado Armando Vara. Perfilho igualmente alguns pontos de vista aí enunciados, em que diz que o desenvolvimento do interior é um problema nacional. É verdade, Sr. Deputado, o desenvolvimento do interior não é apenas um problema local mas também nacional. Esse desenvolvimento não pode ser feito de forma caótica, como o foi mesmo durante alguns anos após a Revolução - por um lado, por responsabilidade da administração central mas, por outro, por responsabilidade da administração local, como é sabido -, ele tem de ser feito de uma forma integrada, no que concordo consigo. Estou também inteiramente de acordo consigo relativamente à necessidade de duplicação dos fundos comunitários - deixe me só lembrar-lhe que esse é já um compromisso publicamente assumido pelo Governo.
De facto, pela voz do Sr. Ministro Valente de Oliveira, já por duas ou três vezes foi assegurado que relativamente às regiões autónomas e aos investimentos nas autarquias, em particular as do interior do país, haverá, e tem de haver, uma duplicação dos fundos comunitários.
Portanto, também aqui não há divergências entre mim e..
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não é isso que dizem os números!
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O Orador: - Estou a procurar travar um diálogo civilizado com o seu colega e o senhor está sempre a interromper!...
Portanto, como estava a dizer, também aqui não há divergências entre mim e o Sr. Deputado Armando Vara...
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Veja o PDR! Veja os números!
O Orador: - ó Sr. Deputado Ferro Rodrigues, o senhor sabe bem que os números ainda não estão todos definidos em definitivo, pois o PDR ainda não tem o Quadro Comunitário de Apoio, que está em vias de ser concluído no final deste mês.
Estou a falar-lhe daquilo de que, até agora, se pode dispor, ou seja, o compromisso político do Governo. Se esse compromisso vai, depois, ser ou não cumprido, isso nós vamos ver!
Vozes do PS: - Ali!...
O Orador: - Vamos nós, nomeadamente eu e o Sr. Deputado Armando Vara, bater-nos para que seja assim!
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Então, o PDR foi ou não importante?
O Orador: - Ó Sr. Deputado Ferro Rodrigues, qual é o seu problema em ouvir-me? Explique lá!
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Então, os dados do PDR não são importantes?
O Orador: - Ó Sr. Deputado Ferro Rodrigues, qual é
o seu problema em ouvir-me e deixar-me argumentar com
o seu colega Armando Vara?
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Pois, os dados do PDR não contam!
O Orador: - Continuando, gostaria de dizer que concordo com o que o Sr. Deputado Armando Vara disse sobre o plano hidrológico espanhol. Se for preciso nós fazemos mais uma audição parlamentar, mais uma qualquer outra iniciativa... Aliás, lembro que já aqui fizemos uma audição parlamentar sobre o plano hidrológico, por iniciativa do meu Grupo Parlamentar, e, na altura, o Presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Fernando Gomes, não quis vir dar o seu ponto de vista. Portanto, se há alguma falha ela não é nossa!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em quinto lugar, estou ainda de acordo consigo, quando disse que Portugal não podia continuar a ser um país a duas velocidades. Ora, isto prende-se com o problema das assimetrias e a verdade é que continua a haver assimetrias de desenvolvimento em Portugal, e quem disser o contrário mente!
Mas o Sr. Deputado Armando Vara tem de reconhecer uma coisa: é que essas assimetrias estão a ser corrigidas paulatinamente! E estão a ser corrigidas com investimentos da administração central, da administração local e das câmaras municipais.
É óbvio que é um trabalho em curso, porque vimos de cerca de cinco décadas em que não houve investimentos estruturais naquela região, pelo que seria uma ilusão pen-
sar que em sete ou oito anos, mesmo com alguns investimentos importantes que alguns ministros socialistas ali fizeram, nomeadamente o Ministro do Equipamento Social, Rosado Correia - que teve um papel importante no desenvolvimento de alguns concelhos -, a situação ficaria normalizada. É um trabalho que está em curso!
Gostaria ainda de chamar a atenção do Sr. Deputado para uma coisa: os principais instrumentos de correcção das desigualdades e das assimetrias, sobretudo os que resultam da aplicação dos fundos comunitários, o FEOGA, o FEDER, e por aí fora, a relação per capita que se faz entre o investimento no litoral e o no interior é de 1 para 3, ou seja, por cada um milhão de contos gastos no litoral têm-se gasto 3 milhões de contos no interior. De facto, não conheço outra forma de corrigir as assimetrias regionais sem ser esta, -e estou a reportar-me àquilo que são os investimentos comunitários.
Sr. Deputado Armando Vara, nós não podemos ter um discurso só miserabilista e decadentista de queixume; temos também de ter, nós, responsáveis políticos, relativamente às forças vivas da região, um discurso de alguma exigência e de mobilização e não podemos partir de um ponto de vista, relativamente a Trás-os-Montes ou a qualquer outra região do interior, meramente paternalista esperando que seja o Estado a fazer tudo!
Nós temos de fazer também o apelo para que, depois de o Estado fazer os investimentos, que tem de fazer, em vias de comunicação, em saneamento básico, em ambiente e na educação, como têm sido feitos - e lembro "que a Comissão parlamentar de Saúde esteve há pouco tempo em Bragança e trouxe de lá uma impressão muito satisfatória -, as pessoas, os empresários da região, a sociedade civil (como agora toda a gente gosta de dizer) tenha um p,pel e não espere que o Estado, depois de criar as infra-estruturas e de dar condições de saneamento financeiro para as empresas, lhes faça os projectos e lhes arranje os mercados.
Creio que esta não é a visão de futuro que o PS tem, mas gostava que V. Ex.ª me dissesse se é assim ou não.
Por último, tem-se dito que o PSD não liga ao interior,
e até fomos muito acusados por alguns responsáveis do PS de não termos indicado ninguém para o Comité das Regiões. Ora bem, creio que essa acusação também poderia ser dirigida ao PS, pois tanto quanto sei não há ninguém em lugar efectivo no Comité das Regiões do distrito de Bragança ou no de Vila Real. Ouvi fazer esta crítica, por parte de um elemento de Viseu ao criticar o nosso querido amigo, Deputado Jorge Lacão, por estar - e eu acho que está muito bem! - designado para representar aquelas regiões.
Gostaria, pois, que o Sr. Deputado se pronunciasse sobre esse assunto.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, começarei pela questão final, lamentando que o Parlamento, nomeadamente o PSD, não tenha aprovado o projecto de lei que o PS aqui apresentou para a designação dos membros portugueses no Comité das Regiões, pois as coisas teriam sido diferentes se tivesse sido aprovada a metodologia proposta pelo PS.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Mas os senhores aceitaram a negociação!
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O Orador: - De qualquer das formas, do ponto de vista dos interesses do distrito, vai haver uma voz nesse Comité, que é para nós, apesar de tudo, satisfat6ria.
Sr. Deputado, relativamente ao que diz ser um discurso miserabilista, gostaria de referir-lhe que - e os meus colegas que me acompanharam nestas jornadas tiveram oportunidade de verificar - me insurjo contra a ideia que certas pessoas querem fazer passar sobre a região. Mas também não ignoro que não é possível estarmos a traçar um país cor-de-rosa quando a cor que nos salta aos olhos é o negro!
É verdade que não estabeleço qualquer paralelo entre o que é hoje o distrito de Bragança e o que era há 20 anos! Sei que se alguma coisa o distrito de Bragança deve é à democracia, que permitiu que as pessoas dessem um salto em frente, e quando falo nos 20 anos de democracia não estou a excluir ninguém e sei, com certeza, que, da parte do Governo do PSD, que governa Portugal há cerca de 10 anos, alguma coisa foi sendo feita. Porém, o que toda a gente sabe é que foi insuficiente, largamente insuficiente, e que em comparação com outras regiões do país ou com aquilo que eram as necessidades do interior ficou muito aquém do que seria desejável.
No que respeita a Trás-os-Montes, o que os transmontanos precisam é que lhes dêem as mesmas condições que dão aos outros, porque os transmontanos são tão bons ou melhores do que os outros, passe a imodéstia da expressão! Aliás, ao longo das últimas décadas os transmontanos têm demonstrado que são capazes de governar não só a sua terra mas também o país.
Mas passemos agora às questões centrais, desde logo a dos meios de excepção para a região. Desde há bastante tempo, desde o primeiro momento da adesão de Portugal à Comunidade, que alguns Deputados do PS vêm falando na necessidade de duplicação dos fundos comunitários não só no distrito de Bragança mas em todo o interior. Aliás, tive oportunidade, juntamente com o meu colega José Sócrates, de subscrever uma carta que enviámos ao Sr. Primeiro-Ministro, aquando da discussão sobre a duplicação dos fundos para Portugal, sobre a necessidade de adaptar e de aplicar o mesmo critério em Portugal, e a resposta foi zero!
Ora, o Sr. Deputado disse que está prevista a duplicação de fundos, mas aquilo de que eu tenho conhecimento é que o Subprograma do Plano de Desenvolvimento Regional, que se aplica a Trás-os-Montes, tem sensivelmente o mesmo volume financeiro do que tinha o anterior, só com a diferença de que o anterior era para quatro anos e este é para aplicar em seis, o que quer dizer que, na prática, há menos investimento previsto no próximo Quadro Comunitário de Apoio do que havia no anterior...
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - A Comunidade não financia ideias mas, sim, projectos!
O Orador: - Outra questão tem a ver com a forma como é feita a atribuição das verbas às autarquias locais, nomeadamente a questão do FEF. 0 Sr. Deputado sabe muito bem até que ponto é importante, em câmaras municipais onde o FEF chega a representar 80 a 85% do orçamento - e há várias no distrito de Bragança -, o facto de não ser aplicada integralmente a Lei das Finanças Locais e não haver aumento, pelo menos, em termos que permita cobrir as despesas com o pessoal e com o que resulta da inflação.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!
O Orador: - Tem sido dramático para a maioria das autarquias, e olhe que, provavelmente, não é essa a causa mas esta somou-se às outras que fizeram com que o PSD perdesse toda a influência autárquica que tinha no distrito de Bragança, ou quase toda!
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!
O Orador: - Foi a pouca importância que dá às questões da interioridade e uma certa incapacidade de compreender esse fenómeno que levaram a essa situação.
O Sr. Deputado Duarte Lima referiu-se também à questão das acessibilidades. Não vou falar do IP n.º 2, não porque tenha menos importância mas, sim, por que este não existe no distrito de Bragança, uma vez que tudo o que era IP n.º2 em Bragança passou a ser acesso ao IP n.º2 que se faz através de Celorico da Beira, o que é uma questão que nunca me conformou e contra a qual sempre lutarei, pois não vejo qualquer razão para que um itinerário principal tenha umas características no distrito de Bragança e outras melhores noutros distritos...
Mas o Sr. Deputado sabe que o primeiro troço do IP n.º4, que são 200 km entre Porto e Bragança, foi ainda inaugurado no tempo em que o Dr. Mário Soares em Primeiro-Ministro? E que depois disso, dez anos depois, continua por concluir? Faz algum sentido que com os meios de que dispomos, com a política de betão que tem sido seguida por este Governo, a estrada Porto/Bragança não tenha andado ao ritmo de outras de menor importância e menos prioridade?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - 0 Sr. Deputado sabe que estão em execução todos os troços do IP n.º 4 e o único que não foi iniciado, o de Porto/Quintanilha, deveu-se ao facto de o Governo espanhol se ter recusado a fazer, como era obrigatório em termos comunitários, do lado espanhol, uma via com as mesmas características, e só nesta última Cimeira isso ficou resolvido. 0 senhor sabe...
O Orador: - 0 Sr. Deputado sabe perfeitamente que a razão não foi essa!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Foi sim!
O Orador: - A razão foi que - e eu explico-lhe porque acompanho a problemática das acessibilidades e do plano rodoviário nacional...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - 0 senhor sabe que tinha o troço mais difícil...
O Orador: - Não, é que desde que mudou o responsavé1 pelas obras públicas em Portugal foi alterada a ordem de prioridades. 15so foi aqui discutido! A partir do momento em que Ferreira do Amaral foi nomeado Ministro decidiu que era prioritário investir em certas áreas, tendo deixado outras para trás!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - 0 Sr. Deputado sabe que em relação ao IP n.º 4 foi alterada...
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O Orador: - É que só isto justifica que, ao fim de 10 anos, essa estrada ainda não esteja concluída!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - 0 Sr. Deputado sabe o IP n.º4 foi alterado só num ponto e num sentido positivo: entre Penafiel e Amarante tinha uma estrada com características de itinerário principal e foi decidido transformá-la em auto-estrada, por uma razão muito simples, ou seja, porque ela ia ficar concluída e não servia, pois o senhor chegava a Amarante em 1 hora e 30 minutos e depois demorava 2 horas para chegar ao Porto...
O Orador: - Sr. Deputado, compreendo o seu embaraço...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não é embaraço, Sr. Deputado. Estou a dar-he os argumentos, e peço desculpa por me ter alongado na interrupção, mas o senhor não pode deixar de levar isto em linha de conta!
Acha ou não que o IP nº"4 entre Amarante e Penafiel deveria ser uma auto-estrada e não uma via rápida?
O Orador: - ó Sr. Deputado a questão não é essa: acha listagem! ou não que dez anos depois é mais tempo do que o suficiente para a estrada estar concluída?
Aplausos do PS.
O Sr. Deputado sabe que a esmagadora maioria das pessoas que se deslocam de Miranda do Douro para Bragança fazem-no por estradas espanholas em vez de usarem as estradas portuguesas? 0 senhor sabe isso? 15to tem alguma coisa a ver com o Governo espanhol? 15to quer dizer é que o Governo espanhol, na fronteira, tem melhores estradas, que até permitem que os portugueses para irem de uma localidade portuguesa para outra usem uma estrada espanhola!...
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Exactamente!
O Orador: - 15to é a demonstração do estado a que chegou aquilo!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.
O Orador: - Sr. Presidente, peço-lhe imensa desculpa, mas as oportunidades de discutir os problemas de Trás-os-Montes são tão poucas, e como sei do seu amor por aquela terra peço-lhe que seja um pouco tolerante...
O Sr. Presidente: - Estou a ser muito tolerante, mas peço-lhe também para não abusar!
O Orador: - 0 Sr. Deputado Duarte Lima falou ainda noutra coisa que é para mim confrangedora - e permita-me que refira esta questão - que é o investimento per capita. E uma visão que eu não esperava que aqui trouxesse, porque é tecnocrática da realidade e do investimento.
É quase como aquela história de um cidadão que comeu um pão inteiro e de outro que não comeu nada, mas a estatística diz que comeram metade cada um!...
Ora, isto não faz sentido! É evidente que o investimento, por exemplo, num quartel de bombeiros, que é feito num concelho que tem 10000 habitantes, tem um investimento per capita superior ao do mesmo quartel de bombeiros que é feito onde há 100 000 habitantes. Mas é evidente que nos dois concelhos tem de haver um quartel de
bombeiros, independentemente do número de pessoas que lá vivem!
É essa a principal razão do acentuamento do problema da desertificação no interior.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Não há lá ninguém!
O Orador: - E, a propósito daquilo a que o PSD chama «desconcentração de funções» do Terreiro do Paço para as sedes das Comissões de Coordenação Regional (CCR), quero dizer que considerei essa desconcentração perversa porque ela acarreta, no âmbito de cada região, um fenómeno de concentração a propósito da racionalização. É um bocado complicado explicar isto, mas quero com isto dizer...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não tem nada a ver com isso!
O Orador: - Quer que lhe faça uma listagem dos serviços que perderam importância em Bragança e que passaram a ser coordenados a partir do Porto?! Faço-lhe já uma
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Desde a Junta Autónoma de Estradas, à Segurança Social e à Administração Geral de Saúde! Até a tutela sobre as telecomunicações e os carteiros passou para Braga e para o Porto!
Vozes do PS: - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Orador: - É uma questão de orientação política e tem a ver com a forma como o Governo resolve esses problemas.
Termino, Srs. Deputados, com uma questão que foi aqui sugerida, como se eu tivesse algum problema ou alguma vergonha em assumir isso: a questão de eu ser transmontano e de ter sido candidato à Câmara Municipal da Amadora. 0 simples facto de o Sr. Deputado Duarte Lima ter falado nisso tinha uma intenção - quer sua, quer do Deputado Narana Coissoró! Mas quero dizer-lhes que o fiz com toda a tranquilidade, com a tranquilidade de quem sabe que o distrito que o elegeu está muito bem entregue, como o demonstraram as recentes eleições!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho de pedir desculpa à Câmara por este favor transmontanos que se apoderou da minha gestão do tempo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (Indep.): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Uma breve nota - de breves notas é feita a liberdade de expressão de que a UDP aqui dispõe- para sublinhar o êxito e a amplitude da greve ontem efectuada no sector estatal e em algumas empresas públicas de transportes. Esta geral greve, de grande significado, indicia claramente que, caso o Governo não retroceda na sua política de provocação, de ataque aos salários dos trabalhadores e de supressão dos direitos sociais, outras gerais greves ou outras jornadas de luta dos trabalhadores serão efectuadas, jornadas essas que, por si só, são um manifesto democrático e uma forma absolutamente necessária de intervenção social.
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Queria também pôr em evidência que ocorre amanhã, no Estado espanhol, uma greve geral e que essa greve geral é uma entre outras greves gerais que têm vindo a sacudir os diferentes Estados da Comunidade Europeia, pondo em relevo que a orientação económica do Governo PSD e as teses do Primeiro-Ministro acerca da política económica e social do país têm inspiração na Comissão Europeia e nas sedes das grandes companhias multinacionais e que a política dos Estados tem vindo, cada vez mais, a sofrer a contestação generalizada dos trabalhadores de larguíssimos movimentos sociais. Esta greve geral que ocorre no Estado espanhol é também um manifesto negativo em relação à política neoliberal e anti-social e aos critérios monetaristas do Mercado Comum europeu e da senda de Maastricht.
Para finalizar, direi que essa greve geral que ocorre no Estado espanhol e as gerais greves de que vamos tendo indício e desenvolvimento no Estado português são um desmentido cabal, completo e fidedigno de que o Pacto Social não era, de facto, contestado pelos trabalhadores portugueses. Que, cada vez mais, aquela Europa, que o Sr. Primeiro-Ministro disse aqui, ainda há poucos dias, «marchar a todo o vapor», se faz também pela história dos Estados e que a sua história imediata e mediata cada vez mais se vão fazendo pela história dos movimentos sociais.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Pinto.
0 Sr. Adriano Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me VV. Ex.ªs algumas breves palavras sobre o desporto, tendo como motivação algumas tendências ou tentações desenhadas no horizonte do seu desenvolvimento entre nós.
Concluímos recentemente uma etapa que nos apraz registar e que veio dotar o sistema desportivo de um edifício jurídico em conformidade com as exigências de modernização e democratização de um Estado de Direito. Encontramo-nos, presentemente, na fase de instalação de estruturas e de instituições susceptíveis de implementarem a concretização das aspirações subjacentes aos novos instrumentos jurídicos. Neste contexto, tem sido colocada com insistência e como questão central a da capacidade real de organização do desporto pelas instituições tradicionais.
Ensina-nos a história do desporto - quer a mais, quer a menos recente, tanto no plano nacional como no internacional - que o desenvolvimento desportivo é sempre uma questão de princípios, de reafirmação, de actualização e de renovação dos princípios clássicos que enformaram o desporto como um sistema humano, social e moralmente bom. É também em torno dos princípios que a questão da organização do desporto, hoje tão aflorada entre nós, deve ser elaborada. Reconhecemos que clubes, associações e federações desportivas se afastaram, em alguns casos, dos objectivos que motivaram a sua criação. Que têm perdido credibilidade como instituições culturais e morais, porque, não raras vezes, se têm sobrecarregado de objectivos extrínsecos, afastando-se do cerne da sua objectividade intrínseca, porque têm, com frequência, colocado em primeiro plano aspectos secundários e colocado em plano inferior e até no esquecimento sentidos e motivos primeiros.
Contudo, o reconhecimento destes erros não pode ser aproveitado para cair na tentação de desviar o desporto do seu caminho natural, de querer submeter a sua prática e organização à lógica do trabalho, de o querer estruturar e modelar à semelhança de uma actividade empresarial. A necessidade de inovação do sistema desportivo implica, naturalmente, a modernização da sua organização e administração, o recurso a instrumentos de gestão com validade noutras instituições e instâncias, mas sem esquecer que no desporto coabitam outros princípios, objectivos e finalidades.
O desporto faz parte do processo de civilização e esta é um sistema de valores espirituais e de espiritualização da vida. Ao cair nos braços da onda tecnocrática e economicista, o desporto tende a ignorar aquele vínculo e a afastar-se do seu horizonte de princípios e referências. Condena-se, assim, a perder nitidez e consistência, a diluir-se no amorfismo e na ausência de uma identidade própria. Toma-se uma instituição sem alma, estipulando e morrendo como uma árvore sem raízes e sem seiva.
Inovar sim, cortando com o «tradicionalismo», mas resistindo simultaneamente a moda do «actualismo». Ou seja: não queremos permanecer no passado, mas também não o queremos negar. Queremos, sim, afirmar e actualizar princípios de existência, que estão acima da corrosão dos tempos e sem os quais tudo se dispersaria num nada sem entranhas, num dinamismo apenas aparente porque desprovido de raízes sólidas. A inovação da organização e administração do desporto não pode, por isso, deixar de ser uma reafirmação ofensiva dos seus princípios de sempre: humanos, pedagógicos, culturais, éticos e morais.
Por tudo isto e em face de tantas preocupações obsessivas apostadas em estruturar o desporto como se fosse uma actividade eminentemente económica, em converter os clubes em empresas e em subvalorizar tudo o que não se enquadra nesta lógica, parece-me legítimo perguntar: haverá ou não lugar no futuro para as organizações desportivas tradicionais? Para as federações, associações e clubes? Cairá o desporto totalmente na esfera do privado e dos interesses económicos, sendo esquecidos, menosprezados ou destruídos os organismos que não acompanharem esta onda? Quem cuidará de ensinar as crianças a jogar e a lidar com o desporto? Quem cuidará de fomentar talentos, de treinar atletas? Quem se ocupará com a juventude, com os adultos, com as pessoas idosas e diminuídas?
Quem congregará os meios materiais e humanos para organizar competições e procurar resultados e rendimentos? Quem disponibilizará o seu tempo para o desempenho, socialmente altruísta e solidário, de funções e tarefas no desporto?
Passarão as novas organizações ou hipotéticos clubes-empresa a estar dispensados dos vínculos aos valores humanistas do desporto?
A tentativa de resposta converte-se num reexame de princípios e num exercício de compromissos. As «novas» ideias são compreensíveis. 0 desporto sempre esteve e estará incluído na dinâmica das mudanças. É à modernização das sociedades industriais que o desporto deve o aumento da sua relevância. É ele próprio um factor de modernização da vida. Não faria, pois, sentido que ele se convertesse em militante da resistência à modernização, que não tomasse a sério as novas necessidades e perspectivas.
Porém, esta abertura e flexibilidade não se podem confundir com um casamento e, por via deste, com toda e qualquer tendência de modernismo, com uma renúncia a qualquer preço e a ser paga por cheque de cobertura duvidosa aos princípios que perfazem as virtualidades da organização desportiva. Inovar não pode ser vender ilusões e utopias, não pode ser deixar os cidadãos entregues à sua sorte, nem exigir da organização tradicional do desporto uma reformulação tal que signifique a sua perversão.
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Abertura e flexibilidade, como linhas de inovação, significam, sobretudo, agudizar a consciência da necessidade de manter a independência da organização desportiva face às tentações e arremetidas do poder político e económico. Exigem, por isso, uma ofensiva no sentido do reforço da democratização e transparência da organização desportiva, como expressão de um desporto dos cidadãos. É a partir destes, de baixo para cima, que a organização desportiva se constrói como instituição democrática, como uma das formas de organização da vontade dos cidadãos, sem coacções e manipulações ao serviço de interesses estranhos ao movimento desportivo.
Se assim não for, aquela organização deixa de pertencer ao mundo do desporto. Não sendo lícito ignorar a importância do papel da economia no desporto, seria pura ingenuidade não ver que as leis do mercado e da comercialização podem impor alterações ao desporto e aos seus valores fundamentais. Estes poderão afastar-se da esfera do praticante para se transformarem em estratégias de mercado. E se o desporto de alto rendimento passar a ser maioritariamente organizado por agentes que não os desportivos - no sentido genuíno do termo -, tenderá igualmente a perder a sua função de modelo, a desligar-se das outras funções de prática e organização do desporto. No fundo, estão em causa a independência e autonomia do movimento desportivo. Até onde pode ir o desporto nas suas cedências e compromissos? Até aos limites impostos pela independência da sua organização e pelos valores pedagógicos, sociais e humanos.
0 desporto tem um passado que o obriga, compromete e responsabiliza, por uma organização com presente e futuro. Porque tem um sentido, difunde valores e mensagens a que muitos milhões de pessoas são sensíveis, à escala local, regional, nacional e até mundial, independentemente de estados culturais, de credos religiosos e políticos, de idades e profissões. Porque persegue objectivos, princípios e ideias que movem os homens desde há séculos, por isso ele é tão discutido e, muitas vezes, falsamente criticado e injustiçado.
Este passado obriga o desporto a ter futuro, obriga-o a uma organização que procure sintonizar os seus princípios clássicos com os novos valores e tendências, que procure uma melhor concretização dos seus postulados éticos e morais e uma melhor realização das suas tarefas pedagógicas e sociais.
É nesse sentido que entendemos os esforços em curso tendentes à sua modernização, é a esta luz que vemos a necessidade de repensar permanentemente os critérios e regras da sua regulamentação, orientação, organização e avaliação, de modo realista e humilde, sem sobrecarregar o desporto com um fardo de pretensões que ele não pode transportar, sob pena de se destruir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desporto é um fenómeno social por direito próprio, de valor funcional diferente mas não inferior ao do trabalho, nem a ele subordinado, contudo subordinado à necessidade de renovação emocional, de equilíbrio entre o prazer, restrições e controlos civilizacionais, subordinado à esperança de conservar sempre o lado adolescente da vida, obviando assim ao empobrecimento humano. Pelos rendimentos que persegue e pelos valores que encarna, o desporto corporiza uma dimensão ética e metafísica da vida. A qualidade de fogo assemelha-se à poesia: pela ficção que encerra, adquire um carácter de máxima seriedade, sem lugar para a frivolidade.
Saúdo, por isso, todas as instituições e pessoas que dedicam ao desporto esforços de revalorização, de dignificação e de qualificação. Saúdo as escolas, com a convicção de que é aí que o desporto encontra o cenário natural para enriquecer de sentidos e valores nobres a vida das crianças e jovens, com a convicção de que muito há ainda a fazer nessa direcção. Saúdo as colectividades pequenas e anónimas, os dirigentes, funcionários e técnicos humildes e desconhecidos, com o desejo de que a organização desportiva reconheça cada vez mais a generosidade e imprescindibilidade do seu trabalho. Saúdo as associações e os clubes maiores, pelo seu papel na promoção e integração do desporto na vida social e cultural. Saúdo a instituições de formação que, com escassez de meios, formam professores e pedagogos, elaboram e difundem conhecimentos, princípios e valores para a orientação das práticas desportivas. Saúdo todos quantos praticam desporto e o ajudam a realizar, como factor de elevação e humanização da vida.
Muito obrigado a todos!
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
0 Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao contrário do que dele pensará a generalidade dos cidadãos, atrevo-me a afirmar, aqui desta Tribuna, estar o País confrontado com um Sr. Primeiro-Ministro cheio de sentido de humor - um sentido de humor muito particular, admito-o, mas que nem por isso o deixa de ser. Só que o Sr. Primeiro-Ministro faz humor como o outro fazia prosa, isto é, sem dar por isso, o que, manifestamente, tem conduzido a alguns equívocos. E um equívoco há do qual iremos, no próximo dia 15 de Fevereiro, comemorar o 1.º aniversário: a «intolerância de ponto» do Sr. Primeiro-Ministro relativamente à tradicional terça-feira de Carnaval.
Todos estamos lembrados dos engulhos que isso causou em todo o País, incluindo nesta Assembleia; todos estamos lembrados da incompreensão que o País então revelou para com esse comportamento do Sr. Professor Cavaco Silva. Mas, pior do que isso, alguns órgãos de comunicação social têm vindo nos últimos dias a alertar-nos para a hipótese de o Sr. Primeiro-Ministro poder vir a repetir a «graça» da sua «intolerância de ponto» na próxima terça-feira de Carnaval.
Sinceramente, não acreditamos nessa hipótese, tendo em atenção a tal percentagem de 95% de falsidades que sobre o Sr. Primeiro-Ministro se publicam.
Na pior das hipóteses, no decurso das 24 horas que compõem o próximo dia 15 de Fevereiro, a possível «intolerância» não será superior a 1 hora e 12 minutos, ou seja, o tempo equivalente aos 5% de verdade que deve haver em tudo isto ... ! Mesmo assim, Sr. Primeiro-Ministro, permita-se-nos daqui um conselho: não repita, por favor, a «graça» de há um ano atrás; é que o País gosta de brincar ao Carnaval e o Sr. Primeiro-Ministro gosta de brincar com o Carnaval. É nesta subtil diferença entre o «ao» e o «com» que todo o problema se situa - e bem se sabe como o Sr. Primeiro-Ministro, apesar dos grandes avanços entretanto feitos, ainda não conseguiu preparar o País para tais subtilezas!
Um número significativo de câmaras municipais, por exemplo, e um número igualmente poderoso de regiões de turismo veriam com muito maus olhos uma decisão precipitada do Sr. Primeiro-Ministro. Assim o dizem as Câmaras de Sines, Vila do Conde, Loulé, Nelas, Aljustrel, Loures, Benavente, Sesimbra e Torres Vedras, tal como o confirmam as Regiões de Turismo de Dão-Lafões, S. Mamede, Algarve, Ribatejo, Templários, Costa Azul, Ver-
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de Minho-Costa Verde, Oeste e Rota da Luz. E sabe, Sr. Primeiro-Ministro, o que umas e outras aduzem contra a eventualidade da sua «intolerância» na próxima terça-feira de Carnaval? Que esse dia tem a ver com muito antigas tradições culturais do nosso Povo, com profundas raízes pagãs e judaico-cristãs, constituindo um património que não pode ser administrativamente eliminado.
0 Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
0 Orador: - Que os corsos carnavalescos ficariam seriamente comprometidos no caso de a tolerância de ponto na Função Pública se deslocar para a segunda-feira, sendo certo que, em todos os restantes sectores de actividade, o «feriado» contratualmente aceite é o da terça-feira. Que há neste momento milhares de contratos estabelecidos, com hotéis, com músicos, com agências de viagens e turismo, etc., tendo em conta a data tradicional da celebração do Carnaval. Que a importância desta quadra é financeiramente relevante para muitas regiões, constituindo, neste particular domínio, um momento alto da chamada época turística «baixa» e, precisamente, num momento em que o sector turístico tenta desesperadamente sair de dificuldades graves. Que lhes parece falsa a comparação com países onde este «feriado» não existe, uma vez que isso tem a ver com as tradições de cada um, existindo até, por outro lado, tradições e feriados com pesos semelhantes, como é o caso do «Dia das Bruxas», nos EUA. E que, finalmente, milhares de colectividades em todo o País prosseguem, à escala local, notáveis e insubstituíveis funções sociais e culturais em muito dependentes das verbas obtidas com as festas de Carnaval que organizam.
0 Sr. João Amara] (PCP): - Muito bem!
0 Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, eis o que o País argumenta, em termos de Carnaval, relativamente à prática de V. Ex.ª de há um ano atrás e às possíveis intenções de V Ex.ª para o próximo dia 15: é muito provável que o País, pelo menos nesta matéria, o não entenda, ao contrário do que V. Ex.ª, aliás, mereceria, mas, por uma vez mais, seja magnânimo e deixe-se de brincadeiras com as nossas terças-feiras de Carnaval começar pela próxima!
Aplausos do PCP e do Deputado independente Luís Fazenda.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez terminado o período de antes da ordem do dia, passamos ao período da ordem do dia.
Eram 16 horas e 30 minutos.
ORDEM DO DIA
Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 16 a 21 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 26, 29 e 30 de Novembro de 1993 e de 15, 16 e 17 de Dezembro de 1993.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Ainda para esta primeira parte do período da ordem do dia, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
0 Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias refere-se à substituição do Deputado José Luís Nogueira de Brito, do círculo eleitoral de Braga, por António Monteiro de Castro, por um período não inferior a 45 dias, com início em 22 de Janeiro, inclusivé, solicitada pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer no sentido de ser admitida a substituição.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade registando-se a ausência do PSN, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, entramos na segunda parte do período da ordem do dia com a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 131/VI, apresentado pelo PCP, que consagra o direito de participação das organizações juvenis na elaboração de legislação que respeite à política de juventude.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
0 Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP que hoje sobe a Plenário propõe a consagração legal do direito de participação das organizações juvenis na elaboração de legislação que respeite à política de juventude. Pretende-se basicamente que a aprovação de diplomas legislativos que respeitem à política de juventude seja precedida de consulta pública às organizações juvenis e aos jovens que fundamentem um interesse legítimo na emissão de parecer sobre a legislação em causa. A consagração deste direito decorre do princípio democrático que enforma a Constituição portuguesa. Este princípio, concretizado na atribuição ao povo do exercício do poder político, contempla, lado a lado com as formas de exercício do poder consubstanciadas nomeadamente no direito de sufrágio, a existência de outras formas de participação dos cidadãos no exercício do poder, uma das quais consiste no direito de participar no exercício do poder legislativo. Este direito tem, aliás, várias concretizações na ordem jurídica e constitucional portuguesa, apesar da sua inobservância nalguns casos bem conhecidos, ditada pela prática governativa recente.
Refira-se, apenas a título de exemplo, a Lei n.º 33/87, a Lei das Associações de Estudantes, que prevê a participação dessas associações na elaboração da legislação sobre o ensino.
Este diploma legislativo, aprovado por unanimidade nesta Assembleia, tem vindo a ser preterido pelo Governo e, diga-se, pela própria Assembleia da República nos últimos anos, sempre que os objectivos visados pelo Governo com os diplomas em apreço são contestados pela maioria dos jovens ou das associações que os representam.
Por duas vezes o Governo aprovou diplomas legislativos sobre uma questão tão importante para os jovens, como é a do acesso ao ensino superior, sem proceder às auscultações obrigatórias nos termos da lei das associações de estudantes. A vida veio a demonstrar que, se o Governo tivesse dado ouvidos aos milhares de jovens que se pronunciaram contra o diploma que criou a defunta PGA, muitas perturbações e consequências nefastas para o sistema educativo poderiam ter sido evitadas.
Por duas vezes a Assembleia da República aprovou leis das propinas, violando claramente os comandos da Lei n.º 338787, que exige a audição atempada das associações de
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estudantes do ensino superior. Aqui foi a própria Assembleia da República que, a mando da maioria, não aplicou uma lei que havia aprovado por unanimidade. Não posso deixar de, precisamente nesta tribuna, lamentar esse procedimento.
0 Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!
0 Orador: - No caso da lei das propinas, o Governo tentou, até ao limite do possível, substituir os mecanismos de participação das associações de estudantes por reuniões previamente acordadas entre o Ministro e alguns estudantes, previamente seleccionados em função de cumplicidades políticas.
Todos nos lembramos do célebre e já defunto «acordo social», entre o Ministro Couto dos Santos e alguns dirigentes associativos da JSD, destinado a deixar passar a lei das propinas.
Da última vez que debatemos a lei das propinas, muito recentemente, mais uma vez a lei das associações de estudantes foi preterida. A audição das associações de estudantes que foi realizada, já depois do debate e aprovação da lei na generalidade e cujo conteúdo foi, pura e simplesmente, ignorado pelo Governo e pela maioria, não pode ser levada a sério enquanto mecanismo institucional de participação e de debate público de matéria legislativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A participação directa dos cidadãos na vida política e na direcção dos assuntos públicos do País está consagrada no artigo 48.º da Constituição, e envolve o exercício das múltiplas expressões do princípio participativo, de entre as quais se salientam os direitos de participação das organizações representativas dos trabalhadores - comissões de trabalhadores e associações sindicais - na elaboração da legislação do trabalho, bem como das associações de professores, de alunos, de pais, das comunidades e das instituições de carácter científico na definição da política de ensino - artigo 77.º da Constituição e, também, Lei n.º 3387, de 11 de Julho.
Os jovens, para além de gozarem de todos os direitos políticos dos demais cidadãos, ressalvadas as naturais limitações em função da idade, gozam - especialmente os jovens trabalhadores - de uma protecção especial do Estado para a efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, devendo a política de juventude ter como objectivos prioritários o desenvolvimento da personalidade dos jovens, a criação de condições para a sua efectiva integração na vida activa, o gosto pela criação livre e o sentido de serviço à comunidade.
Na prossecução destes objectivos, que aliás se aproximam dos objectivos constitucionalmente traçados para a educação, enquanto veículo de participação democrática na vida colectiva, devem as organizações juvenis ser fomentadas e apoiadas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - Apesar de o apoio do Estado às associações juvenis ter vindo a diminuir de ano para ano e de ser, cada vez mais, ditado por critérios político-partidários, estabelecidos pelo Governo de forma unilateral e discricionária, a verdade é que o papel do associativismo juvenil tem vindo, nos últimos anos, a ganhar peso na sociedade portuguesa.
As associações juvenis, representando uma multiplicidade de expressões, objectivos e âmbitos de actuação, constituem hoje uma poderosa realidade e força social, um poderoso instrumento de intervenção dos jovens na sociedade e um elemento cuja participação e contribuição se apresenta como decisiva para a definição e prossecução de uma política de juventude, que se pretenda ao serviço dos jovens e de acordo com as suas legítimas aspirações.
Não existe uma norma constitucional expressa no sentido da atribuição às organizações de juventude de um direito de participação na elaboração de legislação respeitante à política de juventude, embora a sua consagração tenha sido proposta em sede de revisão constitucional, em 1989, com o consenso das organizações de juventude dos partidos com assento parlamentar. E justo dizer-se que essa proposta partiu, precisamente, da JSD, tendo contado com apoio de todas as organizações juvenis aqui representadas.
Tal facto - o de não existir uma norma constitucional expressa -, porém, não impede, antes aconselha, a adopção de um diploma legal que, tendo como destinatários principais, de um lado os órgãos de poder político com competência legislativa, do outro as organizações de juventude, traduza, a nível legislativo, essa forma concreta de exercício do princípio constitucional da participação.
É esse, precisamente, o objectivo do projecto de lei do PCP que hoje debatemos.
É verdade que as organizações de juventude têm encontrado formas de, paralelamente ao crescimento da sua intervenção social, intervir de forma crescente na elaboração legislativa, procurando, legitimamente, influenciar as opções tomadas pelo legislador. Têm-no feito por iniciativa própria, dirigindo-se directamente aos órgãos de soberania e manifestando, das mais diversas formas, as suas opiniões e propostas. Muitos milhares de jovens têm, efectivamente, exercido esse direito.
Tem sido também prática da Comissão Parlamentar de Juventude - prática que se saúda - enviar a um amplo conjunto de associações juvenis cópia dos projectos de lei em curso de apreciação, para efeitos de emissão de parecer a ter em consideração pelo legislador como elemento de trabalho.
No entanto, a valorização da participação da juventude não tem sido prática generalizada nem comum a todos os órgãos de soberania. Da parte do Governo é forçoso registar a escassa valorização de opinião das associações relativamente à produção legislativa que tem emitido, mesmo com preterição de formalidades legais por ele próprio estabelecidas.
Não posso também deixar de referir com lamentável exemplo o comportamento do Governo em relação ao Conselho Consultivo de Juventude, que ele próprio criou e nem sequer respeita!
Com efeito, o Conselho Consultivo de Juventude foi criado e regulado por decreto-lei do Governo para funcionar como órgão de consulta em matéria de política de Juventude.
Após um período inicial de funcionamento regular, o C0 deixou de ser convocado pelo Governo. Na presente legislatura, o C0 reuniu duas vezes: uma para debater o Orçamento do Estado para 1992, já depois de aprovado; outra para debater a extinção do Instituto da Juventude na véspera do Conselho de Ministros tomar essa decisão, e com tal desrespeito pelas normas de funcionamento interno do C0 que a maioria das organizações juvenis presentes se viram obrigadas a abandonar a reunião. Depois disso, nunca mais foi convocado.
Estamos perante um Governo que actua de forma prepotente e autoritária, que ofende os direitos dos jovens e
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que nem respeita sequer os mecanismos de participação democrática que ele próprio outrora estabeleceu. Porém, esta é mais uma razão para que incansavelmente lutemos pela realização dos direitos de participação dos jovens e dos cidadãos em geral, contra as práticas autoritárias que os neguem e pela consagração legal de mais amplos direitos participativos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - Importa, por isso, sem prejuízo do funcionamento integral dos mecanismos de participação juvenil que já existam, alargar ao conjunto do associativismo juvenil a possibilidade de participar na elaboração da legislação que respeite à política de juventude e tomar esse direito efectivo através da definição processual precisa da sua aplicação e da explicitação dos termos e dos efeitos da consulta a efectuar.
É evidente que o direito de participação de determinados cidadãos na elaboração da legislação que lhes diga directamente respeito não pode significar a atribuição, a esses cidadãos, de um direito de veto de diplomas legislativos.
Não pode, porém, ser remetido a um mero direito de tomar conhecimento de decisões previamente tomadas e já consumadas.
0 direito de participação pressupõe a possibilidade de exercer uma real influência na alteração das propostas e projectos de diploma, uma intervenção formal dos cidadãos no processo legislativo e, ainda, uma publicidade adequada do processo de consulta pública, de modo a permitir o seu controlo adequado.
É objectivo do projecto de lei, agora apresentado, assegurar a efectividade destas várias dimensões do conceito de participação.
Temos consciência de que em democracia o sucesso de uma política ou de um diploma depende, em larga medida, do grau de aceitação social que consegue obter e que essa aceitação depende, evidentemente, do diálogo que for estabelecido e do grau de acolhimento que esse diploma faça das opiniões e legítimas aspirações dos cidadãos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - Pela nossa parte, não o esquecemos e é por isso que propomos à Assembleia da República a aprovação deste nosso projecto de lei.
Aplausos do PCP.
0 Sr. Presidente: - Como os Srs. Deputados repararam, abrimos o debate deste projecto de lei sem fazer referência ao relatório. A razão é simples: o autor do relatório não está presente.
0 Sr. Luís Nobre (PSD): - Encontra-se em Estrasburgo, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente: - Assim sendo, Srs. Deputados, o que acabámos de ouvir foi a intervenção inicial do autor do projecto.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.
0 Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, no projecto de lei que apresenta, nomeadamente no artigo 3.º, estão consideradas as organizações juvenis que, para este efeito, devem ser ouvidas no processo legislativo. Nas alíneas e) e f) do referido artigo indica-se, nomeadamente, as associações juvenis de âmbito local e respectivas federações e as associações inscritas no Registo Nacional de Associações Juvenis.
A este propósito, pergunto-lhe, em primeiro lugar, se estas duas alíneas não se excluem, ou seja, se uma não é a outra e, em segundo lugar, quais são os critérios, no entender do Sr. Deputado, para se ouvirem as associações previstas na alínea e) desse artigo.
(0 Orador reviu.)
0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
0 Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António José Seguro, em primeiro lugar, quero agradecer a questão que me colocou, à qual responderei da seguinte forma: o que está previsto nessa disposição não é um elenco de associações juvenis destinado a fechar a consulta pública mas, sim, um elenco de associações que entendemos ser indispensável ouvir, pela relevância da sua participação social e acção em geral.
Nesse sentido, creio que se justifica que a estas associações sejam remetidos exemplares dos projectos de diploma que estejam em discussão. Trata-se, digamos, de um elenco mínimo para ser ouvido.
Evidentemente que há sobreposições entre as associações juvenis de carácter local e as inscritas no Registo Nacional de Associações Juvenis. Agora, o nosso objectivo é que, considerando que há associações inscritas no Registo Nacional de Associações Juvenis que possam não ter esta configuração legal, ou seja, de associações juvenis de âmbito local, também essas devem poder ser ouvidas.
Aliás, também temos uma norma geral no sentido de que grupos de jovens, mesmo não considerados neste elenco, possam dirigir-se aos órgãos de soberania, perante os quais os diplomas estejam em curso de apreciação, para que também eles, invocando um interesse na emissão de parecer, o possam fazer.
A propósito do Registo Nacional de Associações Juvenis, gostaria ainda de referir que, em nosso entender, ele tem funcionado, na prática, ao contrário da forma como a lei pressupõe que funcionaria. 15to é, o Registo Nacional de Associações Juvenis tem vindo a funcionar como elemento limitador da atribuição de apoios às associações juvenis.
0 que acontece é que o Governo elabora um registo das associações e só apoia aquelas que estão inscritas nesse registo, quando o pretendido pela lei é precisamente o contrário, ou seja, apoiar, em geral, o associativismo juvenil e organizar, posteriormente, um registo das associações que sejam apoiadas.
E, já que este registo veio a talhe de foice, deixo aqui este reparo para que o Governo possa, efectivamente, olhar como deve ser para a legislação respeitante ao associativismo juvenil, de forma a corrigir este seu procedimento e a colocá-lo de acordo com a lei.
Mas, respondendo concretamente ao Sr. Deputado António José Seguro, devo dizer que, havendo um elenco mínimo de associações juvenis que devem ser consultadas e para as quais devem ser remetidos os projectos legislativos em causa, a nossa ideia é que haja a mais ampla participação possível da parte das associações juvenis no processo legislativo.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.
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0 Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que todos estaremos de acordo que a participação é um valor fundamental das democracias e que esse valor assume um papel redobrado, se quiserem, mais fundamental, nas democracias representativas. 15to, por um lado, porque aproxima os cidadãos eleitos dos eleitores, e vice-versa, contribuindo para aprofundar a própria democracia e, por outro lado, porque desfaz a ideia de que a democracia é um ritual - e porventura será este o ponto mais importante.
Um ritual que se exerce de quatro em quatro anos, ou de cinco em cinco anos, em que os cidadãos são chamados a votar e a exprimir-se pontualmente mas que, depois, são esquecidos e vivem alheados das tomadas de decisão que lhes dizem respeito.
Não são raras as vezes - o passado recente tem muitos exemplos - em que os cidadãos, inclusivamente, se sentem traídos pelo seu sentido de voto, ou seja, que governos legitimamente eleitos contradizem na prática promessas que fizeram ou propostas que nem sequer tiveram a coragem de apresentar durante as campanhas eleitorais.
0 exemplo, em matéria juvenil, que mais depressa me vem à memória é, obviamente, o das propinas. 0 PSD e o seu líder foram incapazes de, sobre esse assunto, dizer alguma coisa mas, depois, no exercício da sua função governativa legítima, tiveram a ousadia de tomar uma iniciativa sobre as propinas.
Por conseguinte, durante as eleições, a participação assume, nas democracias representativas, um valor - na opinião dos socialistas - fundamental que deve ser tido em conta, não apenas como referência mas como aprofundamento dessa mesma democracia. E, quando se alia o vector da participação com as gerações mais novas, parece-me que será evidente que a aprovação de qualquer legislação sobre esta matéria estimula a integração dos jovens na sociedade, neste caso na sociedade portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é sabido, a participação faz-se, na prática, de duas formas: de uma forma espontânea e imediata e de uma forma permanente. A primeira é exercida por estímulos e despertares, como foi o caso de Timor ou da «pancadaria» policial em frente à Assembleia da República.
É sabido também que a participação deve ser estimulada pelos governos que têm um entendimento da democracia como uma participação permanente. Como é sabido, não tem sido esta a prática em Portugal.
Por contrapartida, na Europa - sobretudo nos países do Norte da Europa - existem esses estímulos e essa política, e é por isso que, há anos, continuamos a manter esta diferença abismal, que é sintetizada nesta imagem: enquanto, por exemplo, na Dinamarca a taxa de participação das gerações mais novas se situa na ordem dos 70 ou 80%, não só porque é mais fácil legalizar as associações mas, também, porque o próprio Governo, o próprio Estado entende que esse associativismo deve ser estimulado, em Portugal as taxas de participação associativa continuam a manter-se nos 20%, ou seja, apenas um em cada cinco jovens portugueses estão associados, e sabemos que nem sempre esse tipo de associação se traduz numa participação activa.
Além do mais, a maior parte deles estão associados em clubes recreativos e desportivos, onde a ocupação dos tempos livres é, de facto, o motivo principal para essa inscrição, não funcionando a participação e a participação cívica como um estímulo importante.
Penso que a democracia portuguesa estará sempre amputada e incompleta, se, por parte dos poderes instituídos, não existir uma convergência no sentido não só de permitir e de enquadrar legalmente essa participação mas, fundamentalmente, de a estimular com apoios, traduzindo, na prática, uma nova forma de consciência cívica, de educação para a cidadania, onde o jovem se sinta cidadão de corpo inteiro.
E por tudo isto, Srs. Deputados, que esta iniciativa do Partido Comunista Português merece o nosso aplauso. E merece-o não porque seja uma iniciativa original, não porque seja uma iniciativa que, por si só, como acabei de referir, solicite ou estimule uma prática que, estou convencido, tanto nós como o Partido Comunista, queremos que exista na sociedade portuguesa, mas porque traz para o plano jurídico, para o plano legislativo, a obrigatoriedade de os jovens, através das suas organizações juvenis, serem ouvidos sobre as matérias que lhes digam respeito.
Até aqui Sr. Presidente e Srs. Deputados, está tudo bem! Mas o problema põe-se depois da aprovação desta legislação e a dois níveis: ao nível da prática e, obviamente, ao nível do processo legislativo.
Como sabemos, o Parlamento português não tem calendarizado o seu processo legislativo - o Parlamento Europeu, por exemplo, tem - e quando não existe uma calendarização do processo legislativo é fácil a um parlamento, sobretudo quando tem uma maioria absoluta, definir os seus prazos e fazer com que determinadas matérias possam ser aprovadas com uma celeridade que obstaculize a participação das organizações representativas dos jovens.
Recorro novamente ao exemplo da aprovação da Lei das Propinas, onde o Governo, através dos seus Deputados na Assembleia da República, não só acelerou todo o processo como escolheu a altura de exames e de férias para o Parlamento a aprovar.
Ou seja: nos discursos apelamos à participação, na prática negamo-la.
Outro caso concreto: quando o Governo apresentou uma proposta de lei que visava regulamentar a Lei das Propinas, embora, na prática, todos soubéssemos que visava alterá-la - e, neste momento, temos esta coisa engenhosa de haver duas leis que, em alguns aspectos são contraditórias, mas não é esse, obviamente, o tema -, «obrigou» a sua Comissão de Educação, Ciência e Cultura a reunir entre o período de Natal e o Ano Novo, agendando para o dia 6 de Janeiro a discussão dessa proposta de lei.
Pergunto, assim, se, entre o dia 29 de Dezembro e o dia 6 de Janeiro - já não atendendo à quadra festiva -, as organizações que foram solicitadas a dar um parecer sobre essa lei o poderiam fazer em consciência e com rigor.
0 problema aqui não se põe numa competição, ou, se quiserem, numa batalha, entre o Parlamento e os jovens mas, sim, no sentido de recolher o que há de melhor no exercício da democracia e, neste caso, de tomar válido aquilo que são os contributos das organizações juvenis.
0 Sr. Deputado António Filipe já teve oportunidade de referir que a Comissão Parlamentar de Juventude já tem na sua prática, salvo casos excepcionais, a regra de ouvir as organizações juvenis.
0 problema está em saber se, para além desta formalidade, os pareceres servem apenas para anexarmos aos relatórios que são enviados a Plenário ou se, de facto, eles significam e servem para mais alguma coisa.
Por isso, todos nós Deputados temos uma responsabilidade acrescida, não só a de dignificar o Parlamento mas também a de dar sentido à legislação que aqui aprovamos.
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E assim entramos no segundo obstáculo, que é o de dar prática a este tipo de leis. Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Parlamento português não pode aprovar leis que, na prática, não venha a cumprir, porque perde toda a legitimidade. E, neste Parlamento, já aprovámos leis que não cumprimos no exercício das nossas funções! Recordo-vos a Lei das Associações de Estudantes, que obriga a que, em todos os processos legislativos relativos à educação, se ouçam, nomeadamente, as associações de estudantes. Mas, na Lei das Propinas, as associações de estudantes não foram ouvidas.
Por isso, pergunto, mais concretamente aos Deputados da maioria, se vale a pena aprovarmos leis que consideramos justas e correctas, mas que, depois, na prática, alguns de nós impedem que venham a ser aplicadas.
Penso existir aqui um diferença entre o discurso e a prática que precisa de ser resolvida, não apenas como um problema da nossa acção nesta sessão legislativa ou nesta legislatura mas como um problema da forma como entendemos que a democracia deve ser exercida. A democracia deve funcionar ouvindo toda a gente, deve haver uma concertação estratégica em relação àquilo que pensamos e, sobretudo, os jovens devem ser tidos em conta com respeito pela sua autonomia.
Sei que há organizações que, ao longo do tempo, foram perdendo a sua autonomia e que, hoje, precisam de pedir autorização para agir de uma forma ou de outra, mas nós socialistas, sobretudo da Juventude Socialista, entendemos que a participação só se faz com autonomia e com independência. E quando a participação se alia às novas gerações, assume um valor fundamental, pelo que teremos de dar o nosso aplauso, de nos associar à iniciativa e de estar de acordo com a matéria em debate.
(0 Orador reviu.)
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
0 Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António José Seguro, ficou-me a impressão de que V. Ex.ª tinha mais discurso para fazer sobre a participação em geral do que, propriamente, sobre a matéria que aqui estava em discussão, o que, em qualquer caso, não deixa de ser agradável, porque nem sempre há oportunidade de o ouvir deambular sobre essas matérias.
Mas, no fim, acabou por fazer uma referência ao facto de a própria Assembleia da República não lutar muito pela sua credibilidade, quando escapa ao próprio normativo que cria, isto é, quando, por atropelos, por falta de tempo ou por outros elementos que se devem ponderar no processo legislativo, acaba por não conseguir, em 100%, velar pelas próprias leis que aprova.
A primeira questão que quero colocar- e espero que não tenha resposta mais fácil - é esta: o Sr. Deputado entende ou não que muitas leis, por vezes presas às mais pequenas ou às maiores deambulações teóricas, acabam por ter tão pouco bom senso que elas próprias trazem em si o germen de não poderem ser observadas na sua totalidade?
Ou por outras palavras: entende ou não que a auscultação, a participação e o debate que se deve fazer à volta de um processo legislativo, nomeadamente sobre esta matéria, não pode ficar, nem em teoria nem na prática, sempre prisioneiro da própria entidade legisladora, que tem uma inquestionável legitimidade democrática para assumir
o processo legislativo? Esta a primeira questão que lhe quero colocar.
A segunda questão é a seguinte: quero perguntar-lhe, na medida em que sempre apreciei a forma directa com que o Sr. Deputado intervém na Assembleia, se, por acaso, pensava fazer alguma referência directa a algum dos Srs. Deputados da JSD, a propósito de pedidos de autorização.
É que, se fosse essa a sua intenção, além de lhe ficar melhor fazê-lo com mais frontalidade, quero dar-lhe já a resposta: cada um assume a sua liberdade, em plenitude com as regras que acha que dignificam quer a ética quer o exercício, seja de Deputado, agente político ou de qualquer outra natureza.
Portanto, dado que não é meu hábito, como sabe, fazer defesas da honra ou consideração «por dá cá aquela palha» - passe a expressão -, quero, desde já, esclarecê-lo sobre esta matéria.
Se me pudesse clarificar também a outra questão que lhe coloquei, agradecia-lhe.
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado António José Seguro, o Sr. Deputado António Filipe também se inscreveu para pedir esclarecimentos, por isso pergunto-lhe se quer responder já ou no fim.
0 Sr. António José Seguro (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra para o efeito.
0 Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, em relação à primeira questão, disse que falei muito mais de participação do que, propriamente, da matéria em causa. É natural, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, porque a matéria em causa é simples, pois trata-se de garantir uma prática que já existe, a de que as organizações juvenis devem ser ouvidas sobre todos os diplomas sobre juventude, estipula quais são essas organizações e fixa mais meia dúzia de regras. Penso que sobre isto estamos todos de acordo.
Mas entendemos que esta questão pontual assume uma enorme importância, porque, em primeiro lugar, a participação, par4 nós socialista, como tive oportunidade de dizer - e repito -, é um valor fundamental e, em segundo, porque a filosofia que temos sobre a organização das sociedades modernas e sobre o próprio exercício da democracia nessas sociedades exige que a relembremos sempre, sobretudo numa sociedade como a portuguesa onde se fala muito em sociedade civil, em menos Estado e melhor Estado. Mas, como o Sr. Deputado sabe - porventura, não concordará -, esse discurso encobre, obviamente, uma prática completamente diferente e antagónica.
Segunda questão: o problema de este Parlamento poder ficar prisioneiro no seu processo legislativo, por ter de ouvir, obrigatoriamente por leis que ele próprio aplica, organizações da sociedade portuguesa.
Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, conheço-o há muito tempo e, por isso, não esperava que tivesse essa dúvida. E chamo-lhe dúvida porque não queria que ficasse nos registos da Assembleia da República que o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho considera que o Parlamento português pode ficar prisioneiro por esperar mais uma semana, quinze dias ou mesmo um mês para que os jovens, através das suas organizações, dêem os seus pareceres.
Entendemos que é muito mais prejudicial para a democracia e que o Parlamento fica realmente prisioneiro quan-
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do ele se impõe a si próprio regras de aceleração, calendários que fazem aprovar, em tempo recorde, determinadas leis e que, depois, na prática, como se verificou com a Lei das Propinas, em que, quase ano e meio passado, há difíceis condições para a sua aplicação, porque, entre outras razões, não houve diálogo ou, se quiser de outra maneira, não foi cumprida a Lei das Associações de Estudantes, porque elas não foram ouvidas.
Em relação à terceira e última questão, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, devo dizer-lhe que, sobre matéria de liberdade e de conduta democrática, temos, com certeza, o mesmo pensamento. Somos ambos pessoas livres, embora possamos dar-lhe diferentes interpretações com a prática de cada um.
E se o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho quer que lhe responda concretamente à atitude que V. Ex.ª e os Deputados da JSD tiveram a propósito da Lei das Propinas, dir-lhe-ei que fiquei triste.
Fiquei triste, embora no aspecto da competitividade política e do combate isso possa favorecer a JS porque penso que, para a democracia e para o prestígio das novas gerações no exercício do seu mandato como Deputados, o vosso mandato se deve exercer votando neste Plenário e não solicitando autorização para não estar presente nas votações.
Sinceramente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, não esperava de si essa atitude, mas, com certeza, teremos muitas oportunidades de continuar a conversar sobre essa matéria.
Eu, como Deputado, se discordasse de uma lei, viria aqui a este Plenário dizer que discordava dela, votando contra ou abstendo-me e nunca iria pedir ao líder do meu grupo parlamentar se me dava autorização ou não para poder ausentar-me da votação.
(0 Orador reviu.)
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
0 Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António José Seguro, enfaticamente na sua intervenção, a determinada altura, parecia que estava a
assumir alguma mea culpa pelo facto de a Lei das Associações de Estudantes não ter sido cumprida no caso da Lei das Propinas. Entendi o sentido que deu à sua intervenção e, efectivamente, não estava a fazer mea culpa, pois não tinha razões para o fazer.
É justo que se diga que também conheço o Sr. Deputado António José Seguro há muitos anos e sei que tem lutado muito para que os direitos de participação dos jovens, em Portugal, sejam reconhecidos e dignificados.
0 incumprimento da Lei das Associações de Estudantes, particularmente nesta questão da Lei das Propinas, está muito vivo no momento em que fazemos este debate e, por isso, poderá passar pela mente de alguém perguntar que sentido é que fará aprovar legislação no sentido de estabelecer uma tramitação para audição obrigatória das associações juvenis, quando, há tão pouco tempo, o Governo omitiu formalidades essenciais já estabelecidas na Lei das Associações dos Estudantes, que foi aprovada por unanimidade nesta Assembleia.
Creio que há, efectivamente, responsáveis para que tudo se tenha passado assim e, ao contrário do que disse há pouco o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, isso não se deveu em a qualquer outra razão de deveu nem a precipitação ri mera premência. Tratou-se da opção do Governo de não ouvir as associações juvenis como devia, sabendo que devia ouvi-las.
Não se tratou, pois, de falta de tempo mas, em meu entender, de um conflito que o Governo assumiu com as associações juvenis, porque sabia que a lei que ia aprovar era unanimemente contestada, posição que, aliás, já havia assumido com a lei da autonomia universitária. Creio que, neste caso, foi uma situação de conflito que o Governo, ele próprio, assumiu, lamentavelmente, contra os jovens e contra a legalidade instituída.
Sr. Deputado, quando um Governo recusa cumprir uma lei aprovada por unanimidade na Assembleia da República, ou ainda que não fosse, uma lei legitimamente aprovada, reconhecidamente justa, pois foi aprovada por unanimidade e ainda não ouvimos uma única voz a levantar-se contra ela, reivindicando a sua revogação, pergunto: o que é que está mal, a lei das associações dos estudantes ou a prática governativa, que viola as suas disposições?
Sr. Deputado, em seu entender, não valerá a pena continuarmos a lutar pelas responsabilidades que temos para que o princípio saudavelmente estabelecido nas associações de estudantes seja alargado a todas as organizações juvenis, no que respeita à legislação que lhes diz respeito?
0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr.
Deputado António José Seguro.
0 Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, agradeço-lhe não só a pergunta mas também a referência simpática.
Quero dizer-lhe que não só estou de acordo com os considerandos que conduziram à sua primeira pergunta como lhe respondo afirmativamente em relação à segunda: «se vale a pena ou não continuar a lutar por esses princípios e valores». Como não tenho tempo para continuar a discutir este tema da forma como gostaria, quero apenas dizer-lhe que, se há leis que obrigam a que o Parlamento e o Governo auscultem as organizações juvenis e as associações de estudantes e se a prática é diferente, o que está, com certeza, mal é a prática e, pior do que a prática, o que está mal é este Governo.
(0 Orador reviu.)
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre.
0 Sr. Luís Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iniciamos hoje o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 13/VI, da iniciativa do Partido Comunista Português, que visa consagrar na lei ordinária «o direito de participação das organizações juvenis, na elaboração de legislação que respeite à política de juventude».
A matéria em apreço recolhe dos Deputados da JSD, no campo dos princípios, acolhimento favorável, tanto mais que, em momentos passados, foi este mesmo grupo de Deputados que iniciou esta temática nesta Casa.
Convém, pois, recordar a proposta formulada, em 1989, em sede de revisão constitucional.
Pretendeu-se, então, aditar ao artigo 70.º da Constituição da República Portuguesa um novo número (que seria o 4.º), cujo texto seria o seguinte: «As organizações juve-
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nis têm o direito e participar na elaboração de legislação que respeite à política de juventude, nos termos da Lei».
A referida proposta de aditamento, não obteve, no entanto, o acolhimento necessário, o que não impede que reafirmemos a nossa concordância com a necessária consagração na ordem jurídica deste direito.
0 projecto de lei agora em debate retoma, no fundamental, o projecto de lei n.º 442/V, apresentado pelo mesmo partido na anterior legislatura. Importa, pois, a valorização desta iniciativa.
A consagração de direitos de participação plurais na elaboração de iniciativas legislativas é, hoje, uma das vertentes da democracia participativa.
Assim, importa consagrar a possibilidade de as associações de interesses específicos, intervirem, em momento anterior, junto do respectivo autor, formulando questões e contributos relativamente a matérias que lhes digam respeito.
Esta problemática não é, no entanto, inovadora, salientando-se o imperativo constitucional constante da alínea b) do artigo 56.º da Constituição, objecto de regulamentação pela Lei n.º 16/79, relativo à «participação das organizações de trabalhadores na elaboração da legislação de trabalho», e das disposições constantes da Lei das Associações de Estudantes, que estabeleceu a obrigatoriedade da participação destas na elaboração de legislação sobre ensino, não sendo igualmente inovadoras as fórmulas ora propostas, uma vez que, em muito, se assemelham aos métodos consagrados nos diplomas anteriores.
Falamos claramente do modo de exercício deste direito, sendo claro que os métodos até agora encontrados não parecem ser os mais adequados ao associativismo juvenil. Se não vejamos: tem por tradição a Comissão Parlamentar de Juventude solicitar o envio a inúmeras associações das matérias legislativas em discussão, suscitando ainda o envio, posterior e em tempo oportuno, do seu parecer sobre os mesmos. Esta tradição tem sido confrontada com uma cada vez menor apetência das associações juvenis em responder às solicitações formuladas por esta Comissão, sendo, por isso, diminuto o número de pareceres recebidos.
Este facto não pode deixar de passar despercebido ao legislador ordinário.
0 método de participação ora apresentado em muito se aproxima da tradição seguida pela Comissão de Juventude, bem como o das normas legais constantes dos diplomas anteriormente citados e relativos às associações de estudantes e às associações representativas de trabalhadores.
Importa, pois, porque de legislar adequadamente se trata, reflectir sobre a metodologia passada e traçar novos caminhos à participação, atendendo não só às particulares características de informalidades que as associações juvenis revelam e à sua especial mobilidade, bem como às novas características de participação que os novos tempos exigem.
Em rigor, não devemos estabilizar em moldes que anteriormente se mostraram úteis e adequados mas que, no momento presente, se distanciam da realidade.
Esta reflexão deve ser, quanto a nós, conjunta, uma vez que se trata de legislar bem, evitando a consagração de modelos de exercício de direitos em cujas futuras gerações não se revejam, quer pelo seu excessivo formalismo, quer pela sua quietude.
Importa, pois, traçar, como anteriormente referimos, novos meios de participação em que o contributo colectivo seja assegurado mas que, de modo idêntico, não se afaste a possibilidade sempre positiva, de estimular a contribuição individual.
Assim, mais do que consagrar as formas de participação já conhecidas, urge reflectir sobre modelos de participação em que ao legislador seja concedido um papel interveniente no diálogo com a sociedade civil.
Não podemos deixar de referir que, em relação aos organismos de consulta e mediação existentes, julgamos ser oportuno reflectir sobre a composição, bem como sobre os seus mecanismos 4e funcionamento, uma vez que os órgãos de consulta, que no passado deram importantes contributos à política de juventude, hoje,- por desadequação às presentes realidades, tornam-se muitas vezes inoperantes.
Porque de aproximar opiniões, contributos e reflexões se trata, não podemos, em relação a esta matéria, escolher soluções já testadas, cuja eficácia se afigure duvidosa, antes, pelo contrário, temos o dever e a obrigação de estimulai a participação através de renovadas formas de diálogo, entre as quais a audição seja o ponto de referência, por forma a que ao legislador não reste apenas o mero papel de receptor de pareceres. Pelo contrário, julgamos que ao legislador caberá o desempenho de uma acção decisiva.
Assim, se em relação à consagração do Direito em abstracto dúvidas não existem (já que do mesmo fomos precursores), o mesmo já não poderemos afirmar quanto ao modo desse exercício, uma vez que este se afigura de eficácia duvidosa, nos termos ora propostos.
Se não vejamos: em relação ao âmbito material de aplicação do diploma em debate, não se consagra qualquer norma delimitadora do envio de propostas legislativas, não se atende à especificidade própria de cada associação, o que tomará genérica para todas as associações as matérias sobre as quais poderão emitir pareceres.
Ora, ao não se atender, minimamente, à especificidade de cada associação, ou aos interesses que o seu escopo social visa promover ou defender, tornará, no mínimo, exagerado o número de questões sobre as quais as associações juvenis deverão emitir parecer, o que nos parece desaconselhável. A uma demanda intensa poderá corresponder um crescente desinteresse!
Os termos ora propostos para a publicidade das iniciativas legislativas em apreciação carecem de precisão, quer quanto ao modo de divulgação, quer quanto à inexistência de mecanismos de informação prévia. Assim, nada se dispõe em publicitar os estudos e pareceres que informaram a própria proposta em apreço.
Importa notar igualmente a ausência de qualquer expressão ou referência à possibilidade de estimular a participação individual dos cidadãos.
Estas questões, acrescidas aos motivos anteriormente expostos, são motivo bastante para que, em sede de comissão especializada, todos os grupos parlamentares contribuam para uma permanente reflexão sobre esta matéria.
Saibamos, pois, encontrar, de forma clara e precisa, novas fórmulas de participação, uma vez que a acuidade desta matéria assim o exige.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
0 Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Nobre, vou colocar-lhe duas breves questões.
A primeira tem a ver com a posição assumida pela PSD e pela JSD, a que V. Ex.ª pertence, relativamente a este projecto de lei.
Pareceu-me, da sua intervenção, aceitar o princípio contido nesta iniciativa legislativa, o que não é, aliás, de estranhar. Por que, como disse na minha intervenção, aquando
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da revisão constitucional, em 1989, discutimos esta matéria e fizémo-lo com base numa proposta apresentada, então, pelo Sr. Deputado Miguel Macedo, ao tempo membro da JSD, a qual propunha a constitucionalização de uma norma com este sentido. De facto, a organização a que V. EX.ª pertence tem tradição quanto à defesa deste princípio.
Mas, como dizia, pareceu-me, da sua intervenção, haver concordância quanto a ele, havendo, no entanto, algumas objecções, alguns reparos, no que toca a alguns mecanismos concretos aí propostos, para se proceder à auscultação de associações juvenis.
É, portanto, neste quadro que pergunto: haverá, da parte do PSD, a disposição para, em concreto, na Comissão Parlamentar de Juventude, se poder trabalhar conjuntamente no sentido de, superando-se essas divergências, que, no meu crer, são mais de pormenor, se poder vir a aprovar em votação final global um diploma legislativo, no qual haja, de facto, como sentido regular, um mecanismo de auscultação das associações juvenis quanto a diplomas legislativos relativos à política de juventude?
Esta é, portanto, a primeira questão e a segunda é uma questão muito mais concreta.
0 Sr. Deputado não falou de uma matéria que tem vindo a ser referida em diversas intervenções, por parte do Governo, e muito recentemente, a da preterição de formalidades legais, constante na lei das associações de estudantes.
Relativamente a isto, gostaria de ter um comentário, da parte do Sr. Deputado, no sentido de nos dizer como é que vê a actuação do Governo e da Assembleia da República nessa matéria e em que sentido é que atribui à aprovação de uma legislação como a que estamos aqui a discutir, num quadro de incumprimento dos actuais mecanismos de participação estabelecidos?
0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre.
0 Sr. Luís Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, vou responder, muito rapidamente, às questões que me suscitou, que são simples.
Dissemos, e referi-o duas vezes da Tribuna, que, quanto ao princípio, estarmos de acordo, até nesta matéria somos professores. Relembrei, claramente, que foi em 1989, através do Deputado Miguel Macedo, que propusemos um inciso constitucional sobre esta matéria.
Quanto à nossa disponibilidade para trabalhar sobre a mesma, devo dizer que ela é total. Em sede de Comissão de Juventude, esperamos encontrar os meios e os caminhos que aumentem a participação.
0 que, há pouco, referi foi que, como o Sr. Deputado não deve desconhecer, os caminhos da participação deste tipo de associações não são nada inovadores. E o período da publicitação, é o período de envio e é o período de resposta de 30 dias. Ora, o que sucede é que este mesmo método, esta mesma fórmula, se repete, tanto na lei das associações de estudantes, como na lei que dá essa capacidade às associações representativas dos trabalhadores, como no projecto de lei n.º 442/V, da autoria do seu partido e como se repete agora aqui.
E o que disse, da Tribuna, é que, quanto a nós, chegou a altura de, todos em conjunto, encontrarmos novas formas, porque sabemos que, muitas vezes, esta forma de participação é meramente formalista ou mecanicista. Existem novas formas! Estamos a falar de mecanismos de participação com 10, 14 anos e nestes anos muita coisa evoluiu, até a predisposição para a participação das próprias associações juvenis.
0 que pretendo dizer é que chegou a altura de nós, Deputados, adequarmos esta participação às associações que temos e às pessoas que estão do outro lado, por forma a que não consagremos mecanismos do passado, que muito pouco dizem às novas gerações.
Penso que desta forma clara também respondi à segunda pergunta que me formulou. 0 que está em causa não é, muitas vezes, a vontade, ou não, de participar. 0 que está em causa são os mecanismos que introduzimos no que diz respeito às associações juvenis e à política de juventude. Na minha opinião, chegou a altura de os alterar por os seus propostos reflectirem métodos antigos que já não são os mais adequados.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.
A Sra. 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que este projecto de lei é extremamente importante e válido e que não é tão pouco um problema intergeracional, como a intervenção do Sr. Deputado Luís Nobre pode ter feito crer a esta Câmara, entre aquilo que o PSD, em 1989, foi portador, com inovação, através de um Deputado de outra geração, neste caso, o Deputado Miguel Macedo, e a leitura que os Deputados mais jovens fazem hoje, bem como o modo como exprimem o sentido que atribuem ao direito de participação. Mais: penso que se esse direito era válido em 1989, e, pelos vistos, foi o PSD que nessa altura introduziu ou, pelo menos, abordou esta questão, hoje tem ainda mais cabimento que seja consagrado.
Aparentemente, esta minha intervenção no Plenário é um pouco a despropósito, já que todos os Deputados que têm falado fizeram-no na condição de dirigentes ou membros de juventudes partidárias e eu nunca fui membro de nenhuma nem participei na discussão que as juventudes partidárias ao longo dos anos têm feito desta questão.
De qualquer modo, penso ser evidente que a participação da sociedade é um valor extremamente importante. Não é por acaso que se atribui cada vez mais valor à democracia participativa, que, aliás, se constrói a partir de projectos concretos.
Este projecto remete-nos para a reflexão que o PSD colocou, através da intervenção que fez, e que se traduz no questionar da utilidade da consulta e da participação ou intervenção das associações no processo legislativo, quando, tomando como exemplo aquilo que é a prática que julgo ser correcta da Comissão de Juventude, se tem por hábito pedir pareceres e depois se diz que esses pareceres são escassos. Se a realidade é essa, parece-me que ela deve servir-nos para reflectir sobre as causas, que são duas.
Em primeiro lugar, creio que as pessoas não entendem ninguém entende e os jovens, seguramente, também não a participação como um exercício de forma mas sim como um processo interactivo. Ou seja, as pessoas não aceitam de bom grado intervir em processos ditos de participação se entendem que as propostas de que são portadores e as sugestões que dão não são, sistematicamente, ponderadas.
Portanto, quando assim é, e isso acontece sistematicamente, até pelo modo como as associações, nomeadamente as juvenis, têm sido chamadas a participar, as pessoas questionam-se sobre a utilidade dessa participação. A Lei das Propinas é o exemplo mais recente, tendo já aqui sido criticada a alteração do regime e o modo a posteriori como se fez a consulta, numa consulta de ficção que não abona
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nem vem, de modo algum, favorecer a vontade de participação por parte dos cidadãos.
Outra questão que me parece também ser interessante é a de os pareceres serem publicitados, reivindicação que hoje se discute, nomeadamente no CNJ. 15so é importante porque, admitindo que existe uma tendência dos cidadãos nas suas organizações de não participação, de demissionismo e de alheamento, se houver uma co-responsabilização, através da publicitação dos pareceres, as associações serão confrontadas com a necessidade de encararem a sua participação como algo importante e construtivo que não se esgota apenas no acto de, formalmente, se dizer que participa mas que tem uma perspectiva interactiva e vai ser útil.
Penso que essa co-responsabilização se obtém quando se exige a publicitação, embora isso dependa do modo que se vier a encontrar para o fazer. A questão que se colocou foi a de como é que tal publicitação se faria, mas com certeza que a solução será encontrada. Agora, o importante é que a publicitação se faça porque, a partir desse momento, isso significa que as associações saberão que são responsáveis por aqueles que representam, mesmo perante a opinião pública e outros parceiros, e que têm responsabilidades acrescidas porque deixa de ser um processo fechado para ser mais transparente.
Em conclusão, parece-me ser de todo o interesse tudo o que possa contribuir para alargar, multiplicar e diversificar as formas de participação dos cidadãos que os façam interessar-se pelas coisas públicas e que alterem a tendência que há para o distanciamento, para o alheamento, para o abstencionismo de cada um relativamente ao que o rodeia, pelo que a Assembleia só ganharia em aprovar este projecto.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nobre.
0 Sr. Luís Nobre (PSD): - Sr.ª Deputada, ouvi com imenso interesse a sua intervenção e acredite que não foi pela época que se aproxima. A questão sobre que pretendo fazer uma pequena nota é a seguinte: em 1898 propusemos a consagração deste princípio como constitucional, propusemos este método de participação das associações juvenis e, da sua intervenção, fiquei com uma dúvida, que é a de saber se a Sr.ª Deputada acha, ou não, que se devem manter os mesmos métodos de diálogo entre legislador e as associações, consagrados tanto nesta proposta de lei como na Lei das Associações de Estudantes.
Quer dizer, acha que se deve manter a velha forma: publicita-se, pede-se parecer, recolhe-se parecer e, como tal, faz-se a notação desses pareceres; ou, pelo contrário, conforme disse na minha intervenção, devemos ir mais longe nesta matéria, dando espaço aos contributos individuais, porque há pessoas que preferem contribuir para estas matérias de forma individual, dando espaço também para que o próprio legislador intervenha de uma forma mais activa, que não seja um mero expedidor de correspondência e seu receptor, e - porque não - dando outra relevância política à audição.
Penso que quando a Sr.ª Deputada falou na interactividade estaria a dar-me razão, mas gostaria de lhe colocar a seguinte questão: prefere ou não a velha forma de expedir/receber ou prefere antes caminhar, como nós, para novas formas de participação?
0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.
A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Penso que a questão tão velho ou novo não pode ser colocada com datas - há propostas de hoje que, apesar de serem de hoje, são velhas no que diz respeito aos conceitos de que são portadoras e não é pelo facto- de terem quatro ou cinco anos que se tomam velhas. 0 que é que quero dizer com isto? Por um lado, julgo que este processo não exclui aquilo que o Sr. Deputado coloca como preocupação, que são os contributos individuais. Aliás, lembro-lhe que, embora a posteriori, portanto com uma metodologia que contestámos, a Comissão de Educação, Ciência e Cultura recebeu não só as associações como contributos individuais de pessoas que quiseram exprimir-se sobre a matéria em apreço. Penso que essa questão está excluída e explicitada.
Por outro lado, não vejo a participação como um correio; para mim é um processo interactivo, o que supõe que nem as pessoas participam para criar obstáculos nem aqueles que pedem pareceres o fazem para cumprir um exercício de forma. No meu entendimento, supõe-se que se se pede e quer participação é para ouvir, para construir em conjunto e obter consensos o mais alargados possível. Portanto, julgo que a questão está clara do modo como a entendo e que as suas preocupações não têm cabimento em relação àquilo que hoje se discute.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou a discussão do projecto de lei n.º131/V, que consagra o direito de participação das organizações juvenis na elaboração de legislação que respeite à política de juventude.
Vamos passar ao debate das petições, a primeira das quais é a petição n.º 297/V (4.ª), que foi apresentada pelo Sr. Mário de Oliveira e outros, e na qual se solicita que, na actual legislatura, se agende e aprove as novas freguesias do concelho de Oeiras.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.
0 Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, mais de mil cidadãos do concelho de Oeiras vêm, perante a Assembleia da República exercer o direito previsto na Constituição da República e na Lei n.º 93/90, solicitando ao Parlamento que, na actual legislatura, agende e aprove a criação de novas freguesias do seu concelho, contribuindo para o reforço da democracia participada e para a resolução dos problemas da população.
Pode afirmar-se que o núcleo fundamental da petição está ultrapassado, dado a Assembleia, em reunião plenária de 27 de Maio de 1993, ter aprovado e por unanimidade os projectos de lei do PCP, do PSD e do PS que proporcionaram a criação das freguesias de Algés, Linda-a-Velha, Porto Salvo, Cruz Quebrada e Queijas e ainda a alteração dos limites das freguesias de Barcarena, Carnaxide, Oeiras, São Julião da Barra e Paço de Arcos, permitindo assim uma nova organização administrativa do concelho de Oeiras e cujos órgãos foram eleitos no passado dia 12 de Dezembro.
No entanto, a petição vai mais longe, ao referir a necessidade de órgãos autárquicos «que resolvam problemas e apoiem a população, que tem vindo a assistir à degradação da sua qualidade de vida». Ora, o que acontece actualmente, por responsabilidade do PSD, é que os órgãos das autarquias de freguesia continuam sem os meios necessários para poderem assumir as responsabilidades que correspondam aos anseios, aspirações e necessidades das populações que os elegeram. As autarquias de freguesia continuam sem ter as condições para prosseguirem os fins que a Constituição lhes atribui.
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Srs. Deputados, continua por fazer uma verdadeira reforma legislativa que dê resposta às justas reivindicações das freguesias e da sua estrutura representativa, a ANAFRE, quer através de um novo regime de competências e meios financeiros com vista à sua dignificação e fortalecimento, quer pela garantia aos membros das juntas, em certos casos e condições, de exercerem o mandato em regime de permanência, quer ainda pela adopção de medidas de apoio à adequada instalação dos órgãos.
Importa, a propósito, relembrar os projectos de lei do Grupo Parlamentar do PCP sobre as referidas matérias, que subiram a Plenário no dia 21 de Abril de 1992, acabando por não serem votados por «obra» do PSD através de requerimento de baixa à comissão para reapreciação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a criação de novas freguesias, como foi o caso no concelho de Oeiras e a que a petição n.º 297/V (4.ª) se refere, é um acto legislativo importante mas insuficiente. Importa assim, e rapidamente, proporcionar às freguesias um quadro legislativo adequado que cumpra a Constituição e lhes permita «a prossecução de interesses próprios das populações respectivas». 0 PCP continuará a fazer esforços para que seja feita justiça e que conduzam ao reforço do papel das freguesias na administração pública e na sociedade portuguesa.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Coelho.
0 Sr. Jorge Coelho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PS gostava, em primeiro lugar, de referir o facto de esta matéria ser trazida a Plenário neste momento, o que demonstra que temos de rever alguma coisa no funcionamento desta Assembleia: estamos a discutir uma petição que já foi concretizada num diploma aprovado nesta Casa, o que é exemplo de alguma falta de coordenação neste tipo de coisas e na forma de ir ao encontro da vontade das populações que recorrem a esta Assembleia sobre estas matérias.
No entanto, em nome do PS, congratulo-me pelo facto de, apesar de tudo, a uma petição que corresponde a uma aspiração popular ter sido dada uma resposta positiva por parte desta Assembleia, de forma unânime por todas as bancadas.
Quanto à matéria em si, gostava de referir o seguinte: o PS também juntou o seu esforço e o seu voto a todos os outros partidos na aprovação da criação das novas freguesias e a evolução está a processar-se no sentido de dar uma nova forma administrativa ao concelho de Oeiras.
Contudo, o PS lamenta que não tenha sido possível alcançar um consenso para a criação da freguesia de Caxias, que propôs, mas espera que, numa próxima oportunidade, Caxias possa contribuir, com a sua especificidade e os seus órgãos próprios, para uma melhor gestão autárquica do concelho.
Quero ainda referir, tal como foi dito pelo Deputado do PCP que interveio, que não basta criar novos órgãos autárquicos - é preciso dar-lhes condições de funcionamento. Ainda ontem, numa reunião da Assembleia Municipal de Oeiras, alguns presidentes de Juntas das novas freguesias agora eleitos me diziam da sua preocupação com a falta de meios físicos e humanos com que, neste momento, se deparam para poder levar à prática uma nova forma de ir ao encontro das aspirações das populações dessas freguesias.
Portanto, gostava de insistir aqui na necessidade de cumprir o espírito das leis em vigor e da Constituição em especial, no sentido de que a descentralização pela qual o PS tem pugnado a todos os níveis, não só autárquico mas outros, que, neste nível, é da responsabilidade da Câmara Municipal de Oeiras (creio que haverá razões de fundo para tal, não digo que não), permita que sejam postos ao serviço destas autarquias os meios humanos e físicos necessários para levarem por diante tudo aquilo que foi prometido e que criou expectativa em tomo da criação destes órgãos.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha.
0 Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - Srs. Deputados, naturalmente que não seria elegante da minha parte, na Assembleia da República, discutir questões relativas ao concelho de Oeiras com o presidente recém-eleito dessa Assembleia Municipal - teremos oportunidade, nessa sede, de discutir algumas das questões que aqui colocou.
Penso que, de alguma forma, as intervenções anteriores se desviaram do objecto da discussão, que é uma petição subscrita por mais de mil cidadãos eleitores. É evidente que essa pretensão já foi aceite e contemplada por esta Assembleia da República mas, como devem estar recordados, obrigatoriamente (pelo menos, na altura em que esta petição foi apresentada, era assim), todas as petições subscritas por mais de mil cidadãos eleitores deveriam vir a Plenário. Nesse sentido, e por respeito aos peticionários, eu faria uma brevíssima intervenção que iria entroncar com a congratulação, no sentido de ter sido possível, com aprovação unânime desta Câmara, em relação às freguesias entretanto estabelecidas por todos os grupos parlamentares, a criação das referidas freguesias.
Como o Sr. Deputado Jorge Coelho deve estar recordado, a questão de Caxias foi meramente conjuntural, porque apareceu na última hora e nem sequer tinha sido sujeita à apreciação em devido tempo pelos órgãos autárquicos. órgãos autárquicos esses que concordaram com essa delimitação administrativa.
Portanto, o que interessa é que se deu seguimento às iniciativas do PSD e do PCP na V Legislatura e a três iniciativas (do PSD, do PCP e do PS) no sentido de criar as condições para que uma freguesia com 100 000 eleitores pudesse ser, de alguma forma, organizada em cinco outras freguesias, o que foi aprovado por unanimidade no dia 25 de Maio de 1993.
Portanto, a minha intervenção é no sentido de me congratular com esse acontecimento, esperando que os órgãos recentemente eleitos tenham as condições mínimas, condições essas que, de facto, são difíceis de atingir porque o processo se atrasou de alguma forma. Mas quero também dizer à Câmara que todos eles têm, pelo menos, um espaço físico, um telefone e, naturalmente, irão ter as condições de funcionamento necessárias para que possam cumprir o principal objectivo dessa reorganização administrativa, que é o de aproximar os eleitos dos eleitores, dando nesse sentido seguimento a uma aspiração antiga daquela freguesia e daquele concelho.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, terminámos a discussão da petição n.º 297/V (4.ª).
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Vamos passar à discussão da petição n.º 92/VI (1.ª), apresentada pelo Sr. Manuel Pereira dos Santos, solicitando as medidas necessárias, com carácter de urgência, para a construção e entrada em funcionamento da Escola C+S de Avintes.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
0 Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na petição n.º 92/VI (1.ª), que ora sobe ao Plenário, subscrita por 1342 cidadãos, solicita-se o desencadear das medidas necessárias, com carácter de urgência para a construção e entrada em funcionamento da Escola C+S de Avintes.
A petição deu entrada nesta Assembleia há quase dois anos e, para mal dos nossos pecados e, principalmente, para mal dos interesses da população de Avintes, continua actualizada.
Na verdade, a construção da nova Escola C+S de Avintes é agora, dois anos decorridos, ainda mais urgente e mais necessária. A actual Escola Preparatória de Vilar de Andorinho, no Lugar de Baíza - que a nova escola irá substituir -, está instalada provisoriamente, há mais de 20 anos, em pavilhões pré-fabricados, neste momento, seriamente degradados e sem oferecerem condições de funcionamento e de dignidade aos nossos jovens e docentes. E a situação é tanto mais de lamentar quanto é verdade existir, já desde 29 de Janeiro de 1991, um protocolo subscrito pela Direcção Regional de Educação do Norte (DREN), pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e, em nome do Sr. Ministro da Educação, pelo então Secretário de Estado Alarcão Troni, prevendo-se o início da obra para 1992 e o funcionamento da escola para o presente ano lectivo de 1993/1994.
Por outro lado, é de revelar que a Junta de Freguesia de Avintes - entidade autárquica que mais se tem batido pela construção da escola junto do poder local e do poder central e que, no fundo, é a alma da presente petição - é constituída por elementos pertencentes, por esta ordem quantitativa de importância, ao PS, à CDU, ao PSD e ao CDS-PP, que unanimemente defendem a necessidade de construção da escola. A sua preocupação é, no entanto, além de unânime, legitimamente reforçada pelo facto de a escola já ter estado contemplada com 300 contos no PIDDAC de 1992, o que depois deixou de acontecer; e ainda por terem estado já definidos os terrenos para a escola no âmbito do Plano de Actividades da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, e agora, no presente plano, não se situarem senão no domínio das intenções.
Mas a verdade é que terreno é coisa que não falta, sendo certo que, entre várias alternativas, os peticionários apontam como mais vocacionada a área da chamada Quinta da Mesquita, não longe do Centro de Avintes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A população de Avintes, no quadro do concelho de Vila Nova de Gaia, tem vindo sempre a demonstrar uma particular apetência para a educação e para a cultura, e, igualmente, uma particular capacidade autárquica para fazer valer os seus legítimos direitos. Há quem lhe chame «bairrismo», mas do modo como a população de Avintes o assume penso que o conceito apenas pode sair dignificado.
0 edifício onde presentemente funciona a junta de freguesia apenas há cerca de 10 anos deixou de funcionar como escola, escola cuja construção remonta à década de 80 do passado século XIX, tendo sido custeada pela própria população, nomeadamente, por emigrantes «brasileiros» - assim chamados -, então regressados à sua teria.
Foi também a população que, logo após a construção da Escola, se abalançou, na mesma época, à edificação do ainda existente Club Recreativo Avintense, numa clara afirmação de que a educação e a cultura não são mais do que duas faces de uma mesma moeda. É de todos conhecida a grande tradição teatral de Avintes, possuindo vários grupos nesta área pluridisciplinar de intervenção e um edifício, belo teatro à italiana, já desde 1885, que o grupo «Amigos da Vila» está neste momento a recuperar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já vimos como é necessária, urgente e legítima a construção da nova escola C+S de Avintes. Avintes não pode continuar a ser marginalizada no contexto do concelho de Vila Nova de Gaia.
0 facto de o próprio candidato do PSD à presidência da Câmara Municipal de Gaia haver assumido publicamente, nas últimas eleições autárquicas, o compromisso de dar prioridade construção da nova escola C+S,
reforça pelo menos a expectativa legítima dos peticionários e da população de Avintes, no sentido de que a bancada da maioria possa mostrar-se capaz de sensibilizar o Governo com vista à ultrapassagem da presente
situação, situação que não pode, de todo em todo, manter-se.
Os peticionários são, sem dúvida, cidadãos pacientes e são também, sem dúvida, cidadãos com memória!
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.
0 Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero também, em meu nome pessoal e em nome do PSD, juntar a nossa voz aos mais de mil e trezentos e tal peticionários que apresentaram a petição n.º 92/VI (4.ª) à Assembleia da República, encabeçada pelo Sr. Manuel Pereira dos Santos.
É uma justa pretensão da população de Avintes e pena é que ainda hoje tenhamos que estar aqui a discutir esta petição, porque ela já não devia sequer ter objecto, uma vez que a Escola C+S de Avintes já devia ser uma realidade a servir a população, em particular a comunidade escolar de Avintes.
Por isso, o PSD e eu próprio temos vindo a defender que o protocolo ou acordo de colaboração celebrado entre a Direcção Regional de Educação do Norte e a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia devia ser executado de imediato, porque julgo que não deve haver mais demora na implementação da nova escola C+S de Avintes.
Espero que com esta petição, que hoje aqui apreciámos, seja dado um passo decisivo para que os poderes públicos, designadamente o Governo, através da DREN, e a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, cumpram o que acordaram, ou seja, que a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia disponibilize o terreno e que o Governo proceda à construção da referida escola.
Nesse sentido, faço aqui um apelo para que, tanto a DREN como a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, possam rapidamente encontrar uma resposta positiva, que corporize a vontade deste elevado número de cidadãos, que se dirigiram à Assembleia da República através desta petição.
Irei fazer, não só na qualidade de Deputado mas também, dentro de dias, na qualidade de vereador eleito para a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, tudo o que estiver ao meu alcance para que esta aspiração não tarde mais e que a população de Avintes possa usufruir da escola, ainda que com algum esforço, no próximo ano lectivo,
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já que não foi possível concretizar a construção da escola, como era compromisso assumido no protocolo celebrado para entrar em funcionamento no ano lectivo de 1993/1994.
Reconheço que não vai ser fácil, até porque não vislumbro ainda, neste momento, a disponibilidade do terreno por parte da câmara municipal para que a obra possa iniciar-se. Mas, se houver vontade política julgo que a obra pode e deve iniciar-se este ano e ser concluída o mais rapidamente possível.
E neste sentido que elevo aqui hoje a minha voz, procurando corresponder assim a esta justíssima e já antiga aspiração da população de Avintes.
(0 Orador reviu.)
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.
A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A década de 90 é o período decisivo para que o País supere os principais atrasos relativamente às nações desenvolvidas que connosco fazem parte da União Europeia.
Assim, entendemos o desenvolvimento educativo como eixo fundamental. A batalha da cultura versus educação é o objectivo essencial para a liberdade do indivíduo e a realização dos valores humanistas.
Se apostamos decididamente na modernização e no desenvolvimento, a educação é o instrumento decisivo. Mas melhor educação passa pela formação da igualdade de oportunidades, defender os direitos das crianças e dos jovens e abrir a educação a todos os cidadãos. 0 combate às desigualdades passa, entre várias outras medidas concretas, pela reorganização da rede escolar.
A petição que agora analisamos refere-se à necessidade de construção da Escola C+S de Avintes, de Vila Nova de Gaia. Refere o nosso peticionário que a população juvenil de Avintes se desloca para Vilar de Andorinho e Oliveira do Douro, respectivamente, para a frequência da Escola Preparatória e da Escola Secundária.
Há muito que as entidades responsáveis e interessadas na resolução do problema consideraram como prioridade, na rede escolar do Concelho de Vila Nova de Gaia, a construção desta escola. Assim, não se compreende como é atribuído um terreno para construção e depois é desafectado. Também é bastante difícil entender como é que esta escola figurava em 1992 no Orçamento do Estado e nos anos seguintes não houve qualquer verba orçamental fixada.
Os entraves e adiamentos à construção desta escola não só prejudicam uma população juvenil bastante grande como gera desigualdades de oportunidades, que em nada contribui para a qualidade e o rigor.
Este assunto já se arrasta desde 1989. Nós mesmos, através de um requerimento, colocámos esta questão ao Governo. Na altura, foi-nos dito que o problema estava em vias de resolução.
Quando esperávamos que a escola já estivesse a funcionar, deparamos com esta petição.
São estes e outros problemas a que o Governo e as instituições dele dependentes não dão as respostas que se impõem. Com tantos fundos comunitários, incluindo o PRODEP, não houve verba para a construção desta escola?
A resposta dada pelo Ministério da Educação ao parecer solicitado é a mesma de sempre. Quando não há vontade política de realização, inventam-se critérios nos quais o problema não caiba. Este caso deve continuar no critério das escusas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Obrigar uma população juvenil a deslocar-se para outra freguesia para o cumprimento da escolaridade é violento e não serve as metas da qualidade e da igualdade que todos apontam.
0 pior é que a realidade concreta é bem diferente do que se faz no gabinete da Avenida 5 de Outubro e seus departamentos. A educação em Portugal só atingirá as metas desejadas quando os burocratas, que servem o sistema educativo, saírem do seu gabinete e tomarem parte na vivência do quotidiano.
De cérebros pensantes, está o sistema educativo cheio. Ele necessita de homens e mulheres com conhecimento da realidade e uma forte vontade de agir.
É o que pedem, com esta petição, os 1342 cidadãos de Avintes no Concelho de Vila Nova de Gaia.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está terminada a discussão da petição n.º 92/VI (1.ª)
Vamos passar à apreciação da petição n.º 76/VI (1.ª), apresentada pelo Sr. Rui
Afonso de Valleré Olmo Filipe, primeiro subscritor, reclamando o pagamento das pensões de invalidez, reforma e sobrevivência dos pensionistas do Montepio de Moçambique.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Reis.
0 Sr. José Eduardo Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobe a este Plenário a petição n.º 76 da VI Legislatura, que tem como objecto o pagamento das pensões de invalidez, reforma e sobrevivência dos funcionários do Montepio de Moçambique.
Como se sabe, os funcionários do Estado português a prestar serviço nas ex-colónias de África classificavam-se em dois grandes grupos: Funcionários do Quadro Comum e Funcionários do Quadro Privativo.
Ao primeiro grupo pertenciam, de uma forma geral, os quadros técnicos que, em termos de nomeações, descontos e reformas, estavam dependentes de organismos sediados em Lisboa.
Os Funcionários do Quadro Privativo eram considerados apenas adstritos às chamadas províncias ultramarinas onde prestavam serviço.
Como é também sabido, o sistema de previdência social português não incluía no seu âmbito os territórios das ex-colónias, que constituíam o então chamado Ultramar.
Para superar tal lacuna, foi criado o Montepio de Moçambique por Diploma Legislativo n.º 626, de 1 de Fevereiro de 1939, e mais tarde actualizado pelo Diploma Legislativo n.º 2845, de 3 de Junho de 1967.
Como o seu artigo 1.º referia, o Montepio de Moçambique, associação de socorros mútuos, era uma instituição de previdência social que, entre outros fins, estabelecia pensões de invalidez e reformas.
Segundo o artigo 9.º do referido diploma, todos os funcionários públicos do quadro privativo eram obrigatoriamente inscritos como sócios ordinários, podendo, se assim o entendessem, optar por descontos superiores aos mínimos estabelecidos. Acresce que a quota mensal lhes era obrigatoriamente descontada directamente nas folhas dos respectivos vencimentos.
Funcionou esta instituição como uma caixa de previdência na qual, como já se referiu, todos os funcionários pú-
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blicos do quadro privativo estavam obrigatoriamente inscritos e para o qual descontavam uma quota mensal, na expectativa legítima de logo que aposentados lhes ser atribuída uma pensão variável, de acordo com os descontos até então efectuados.
Com a independência de Moçambique, as pensões até então atribuídas pelo Montepio foram suspensas. Mais tarde, a partir de 1977 o Governo português, reconhecendo a justiça dos direitos destes pensionistas retoma o seu pagamento, o que infelizmente só acontece até 30 de Junho de 1978.
Ao diferendo entre os governos de Moçambique e de Portugal são os peticionantes completamente alheios, pois é claro e inequívoco que compete ao Governo português satisfazer os seus compromissos legais e éticos.
Os peticionantes, bem como muitos outros trabalhadores inscritos nesta e noutras instituições de previdência, prejudicados nos seus direitos, têm desenvolvido inúmeros contactos com os órgãos do poder no sentido de verem esta situação ultrapassada e ser-lhes atribuída, regular e retroactivamente, as importâncias a que têm direito.
Vária legislação foi entretanto produzida sobre esta matéria.
0 Decreto-Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro, parecia querer resolver esta injustiça, pois propunha-se proceder ao reconhecimento, no âmbito do sistema de segurança social português, dos referidos contributivos verificados nas caixas de previdência de inscrição obrigatória nos territórios das ex-colónias portuguesas.
Porém, o artigo 1.º desse diploma, bem como a Portaria n.º 52/92, de 18 de Janeiro, no seu preâmbulo, excluem logo à partida os direitos dos trabalhadores públicos do quadro privativo.
0 Decreto-Lei n.º 45/93, de 20 de Fevereiro, também ele, não supriu tão grande lacuna.
Finalmente, pelo Decreto-Lei n.º 401/93, de 3 de Dezembro, de publicação, afinal, tão recente, o Governo responsabiliza-se pelo pagamento das prestações vencidas e vincendas aos beneficiários das instituições de previdência das ex-colónias, a quem tivessem sido atribuídas pensões de invalidez ou velhice.
Parece-nos a nós e aos próprios peticionantes, com alguns dos quais tivemos oportunidade de trocar impressões, que esta situação estará ultrapassada com a publicação do diploma atrás referenciado. Há que pô-lo em prática, esperando que não haja segundas interpretações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há porém, outras situações que não estão r6solvidas. A legislação em causa deixa de fora dois grandes grupos de contribuintes.
0 primeiro diz respeito aos funcionários públicos do Quadro Privativo de Moçambique que, à data da independência, não haviam atingido a reforma, mas que, de qualquer forma, se viram obrigados a descontar para aquela instituição de solidariedade social durante muitos e muitos anos.
Mas é bom não esquecer também que o Montepio de Moçambique, para além dos funcionários públicos, tinha inscritos como sócios voluntários todos os cidadãos que o pretenderam fazer.
Não foram poucos os portugueses que, acreditando no Estado Português como pessoa de bem, investiram todas as suas poupanças no Montepio de Moçambique, na expectativa legítima de poderem vir a ter uma pensão de reforma que minorasse as consequências da ausência do direito à segurança social. Hoje muitas dessas pessoas vivem em condições muitíssimo difíceis, pelo facto de terem acreditado, afinal, no Estado português.
Para os funcionários públicos não abrangidos pela legislação recentemente publicada, bem como para todos os cidadãos ex-sócios do Montepio de Moçambique que vivam em Portugal, defendemos que sejam revistas as suas situações no sentido de lhes ser feita justiça. Esperamos que o Governo não seja surdo a este apelo!
Aplausos do PS e do PSN.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Viegas.
0 Sr. Álvaro Viegas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os signatários da presente petição reclamam o pagamento das pensões de invalidez, reforma e sobrevivência dos pensionistas do Montepio de Moçambique, órgão criado pelo diploma legislativo n.º 626, de 1 de Fevereiro de 1939, mais tarde substituído pelo diploma legislativo n.º 2845, de 28 de Novembro de 1968.
Este órgão tinha como objectivo assegurar o pagamento das pensões de invalidez, reforma e sobrevivência aos funcionários do Estado, que para isso descontavam nos seus vencimentos as quotas respectivas.
Após a independência de Moçambique, essas pensões deixaram de ser pagas em Portugal, pois Moçambique deixou de autorizar a transferência de verbas para esse efeito. A representação em Portugal dessa instituição competia à extinta Agência Geral do Ultramar, organismo através do qual o Montepio de Moçambique transferia, trimestralmente, as importâncias correspondentes à efectivação dos pagamentos a que estava obrigado.
Com o objectivo de superar a situação decorrente da suspensão dos pagamentos, foi autorizado, por despacho do então Secretário de Estado da Descolonização de 9 de Fevereiro de 1976, um adiantamento de 4500 contos, que permitiu a concretização dos pagamentos das pensões até Maio de 1975. Em 1977, haveria de ser concedido, pelo Gabinete Coordenador para a Cooperação, um subsídio de
62 000 contos, o que permitiu o pagamento das pensões até Junho de 1978.
Deste modo, a falta de pagamento das pensões é uma das consequências resultantes da suspensão da autorização de transferências de divisas para o exterior, que se têm verificado desde Maio de 1975, embora as importâncias das pensões continuem depositadas à ordem dos beneficiários na República de Moçambique, no Banco Popular de Desenvolvimento.
0 problema exposto integra-se, pois, no problema mais vasto que respeita à não autorização de transferências para o exterior, uma das questões de contencioso entre a República de Moçambique e Portugal, e têm sido continuados os esforços no sentido de se encontrar, a curto prazo, uma solução que possa vir ao encontro dos interesses em presença.
Devemos desenvolver todas as diligências com o Governo de Moçambique no sentido de resolver, no mais curto prazo, a situação destes nossos concidadãos.
Aliás, no entendimento da Secretaria de Estado da Segurança Social, o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 45/93, de 20 de Fevereiro, só se aplica à actividade desenvolvida no sector privado das ex-colónias portuguesas. Presume-se, assim, que, por esta circunstância, a Portaria n.º 52/91, de 18 de Janeiro, não inclui o Montepio de Moçambique no número de «caixas de previdência enumeradas».
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0 Decreto-Lei n.º 401/93, de 3 de Dezembro, abre algumas possibilidades, que vão no sentido de abranger o Montepio de Moçambique. 0 próprio decreto-lei reza que o não pagamento das pensões cria situações de efectiva desprotecção social nos seus beneficiários.
Seria aconselhável a prorrogação, por um período razoável, do prazo inicial de três anos (já expirado) determinados a partir da data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro, uma vez que foram publicados portarias e decretos-leis directamente relacionados com este assunto no decorrer do referido período de três anos, tendo um desses diplomas, o Decreto-Lei n.º 401/93, sido publicado já no fim do prazo estipulado.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.
0 Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Março de 1992, 1431 cidadãos dirigiram uma petição a esta Assembleia, porquanto, tendo sido funcionários públicos em Moçambique e efectuado os correspondentes descontos para o respectivo Montepio, tendo regressado a Portugal após a independência daquela ex-colónia, deixaram de receber, a partir de Junho de 1978, as pensões de invalidez, reforma e sobrevivência a que tinham e têm direito. Aliás, com idêntico objectivo deu entrada nesta Assembleia uma outra petição - petição n.º 27/VI - em que os peticionários solicitam igualmente o pagamento das pensões em atraso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os funcionários públicos portugueses que exerceram funções ao serviço do Estado português na ex-colónia de Moçambique eram obrigatoriamente inscritos no Montepio de Moçambique. Pagaram as suas quotizações. Adquiriram direito às respectivas pensões ao abrigo de legislação do Estado português. Foi ao serviço do Estado português que exerceram a sua actividade profissional. São cidadãos portugueses.
É óbvio que o Estado português tem para com esses cidadãos deveres a que não se pode eximir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Outubro de 1992, o Gabinete do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares informou esta Câmara do facto de que, por, na sequência do processo de descolonização, a República Popular de Moçambique ter suspendido as transferências de divisas para o exterior, as pensões deixaram de ser pagas, estando o Estado português a fazer «esforços no sentido de encontrar uma solução que possa vir ao encontro dos interesses em presença, o que até agora não se verificou».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não temos motivo para pôr em dúvida que o Governo português esteja a fazer esforços junto do Governo da República de Moçambique. Não duvidamos também de que a questão colocada pelos peticionantes à Assembleia da República constitua uma das «questões de contenciosos entre a República de Moçambique e Portugal», como igualmente se refere na informação prestada pelo Governo.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os esclarecimentos do Governo não estão à altura da questão central que os peticionantes colocaram a esta Assembleia. 0 Governo não pode refugiar-se na capa de um contencioso entre dois Estados para se eximir às responsabilidades que o Estado tem perante milhares de cidadãos que trabalharam para o Estado português e que, ao abrigo de legislação nacional, adquiriram direito a reformas e pensões.
Trata-se, no mínimo, de uma desculpa de mau pagador.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - É óbvio que o Governo pode e deve continuar as suas esforçadas diligências junto do Governo de Moçambique, mas também é óbvio, para o Grupo Parlamentar do PCP, que o Governo do PSD deve de imediato pagar aquilo que deve aos funcionários e viúvas de funcionários que em Moçambique prestaram o seu serviço ao Estado português. É um imperativo do Estado enquanto pessoa de bem, é um imperativo de justiça, de legalidade e da mais elementar sensibilidade social.
Por isso, o PCP não aceita que as inevitáveis demoras de um processo diplomático, inevitavelmente moroso, possa servir de escudo para que não sejam pagas reformas e pensões a alguns milhares de cidadãos portugueses, muitos deles privados do seu principal meio de sobrevivência, estando assim colocados na dependência da ajuda de terceiros, quando têm pleno direito às pensões para as quais descontaram.
Da mesma forma que um cidadão não se pode escusar a cumprir as suas obrigações fiscais perante o Estado com o argumento de ser credor de um terceiro, também o Governo não tem legitimidade para não cumprir as suas obrigações perante os seus cidadãos por ser eventualmente credor de outro Estado.
0 PCP exige que o Governo regularize imediatamente a situação dos funcionários que descontaram para o Montepio de Moçambique, pois considera que é inquestionável a razão que assiste aos peticionantes.
Aplausos do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Terminámos, assim, o debate da petição n.º 76/VI (1.ª) e passamos de imediato à apreciação da petição n.º 174/VI (2.ª), cujo primeiro subscritor é o Sr. Licínio Moreira da Silva, solicitando que a curto prazo seja tomada uma medida legislativa que encare em novos moldes a regulamentação da competência por conexão e da apensação de processos para a figura do crime continuado, defendendo, nomeadamente, os princípios da justiça material e da economia processual.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.
0 Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição em debate vem suscitar um problema que realmente merece que a Assembleia da República e o poder constituído reflictam.
Trata-se de vários cidadãos que, tendo actuado de determinada forma que foi considerada delituosa, se têm visto, nos últimos cinco anos, na contingência de serem julgados sucessivamente, em diversos julgamentos e comarcas, por uma actuação substancialmente igual, só que praticada em tempo e local diversos, verificando, por isso, que nalgumas vezes os julgadores, os tribunais, os absolveram e noutras - a maioria dos casos - os condenaram. Este facto, já por si, resulta numa indesejada diferenciação da justiça, em que a disparidade de julgados prejudica a imagem da justiça do mesmo país. Perante casos semelhantes e quase direi decalcados a papel químico, um juiz entender que é crime e outro o contrário gera nos cidadãos a ideia de que alguma coisa está mal no nosso país.
Para além disso, argumentam e justificam os peticionantes que estão sujeitos a uma eventual série de julgamentos,
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nas mesmas ou em diferentes comarcas, que pode chegar às centenas de casos, com uma situação perfeitamente à revelia do que dispõem a Constituição da República Portuguesa e os nossos Códigos Penal e de Processo Penal. Não foi possível até agora - assim o entenderam os tribunais - fazer o cúmulo jurídico.
Os advogados e as pessoas com formação jurídica sabem o que é o cúmulo jurídico e as restantes pessoas não o saberão tão bem, mas é muito simples explicar tal conceito. É que nenhum cidadão acusado de um ou vários crimes (em concurso de crimes) pode ser condenado a pena superior a 20 anos, nuns casos, ou a 25 anos, noutros.
Neste caso, em que se sucedem julgamentos e os tribunais entendem não se justificar fazer o cúmulo das penas, acontece que, na prática, os condenados podem ser sentenciados, por penas parcelares, a dezenas de anos de prisão. 0 caso relatado é actual não só para os peticionantes, em especial para o primeiro deles, que, segundo suponho, é um dos condenados nestes processos, mas também para o caso- não político, mas de Direito Penal, de «direito das gentes» - conhecido como das «FP 25». Também neste caso há condenados cujas penas somam já dezenas de anos de prisão, o que ultrapassa largamente o limite máximo permitido pelo Código Penal.
No caso concreto, os peticionantes começam por dizer que os tribunais não consideraram a actuação dos réus como crime continuado. É uma questão na qual a Assembleia da República não pode nem deve intrometer-se, pois é da exclusiva competência dos tribunais. Os tribunais actuam e cabe aos réus, no caso de discordância com a decisão judicial, recorrerem e, se entenderem haver matéria para tal, reclamarem para o Conselho Superior da Magistratura. Na verdade, julgar se determinado caso plúrimo na sua factualidade preenche ou não o quadro definido pela lei como crime continuado é atribuição e competência exclusiva dos tribunais.
No caso concreto, os tribunais não aderiram à tese do crime continuado e tão pouco consideraram estar-se perante situação configuradora da competência por conexão de processos. E a verdade é que o Código de Processo Penal, quando define a figura da conexão de processos, define-a de tal modo que os casos expostos pelos peticionantes não cabem nessa figura.
Daí que decorra a situação que acabei de expor. 0 caso referido concretamente pelos 2872 peticionantes diz-se que já foi julgado 11 vezes, tendo sido absolvido nalgumas - em três ou quatro - e condenado nas restantes. E está em risco de ser julgado mais umas centenas de vezes, porque os processos contra ele somam centenas de casos. Trata-se de matéria que, embora não venha ao caso e apenas para mera informação, está ligada ao uso dos subsídios do Fundo Social Europeu.
Esta situação é anómala e a Assembleia da República, como última instância dos cidadãos, não pode deixar de ser receptiva à apreciação da injustiça que ela cria, porque propiciadora de má justiça. Tenho presente o parecer do jurista da Assembleia da República que foi chamado a pronunciar-se sobre o caso. Nele se diz que a justiça poderia ser mais barata, mas o problema não é o de ser cara ou barata. Trata-se, sim, de ser ou não justiça. A justiça do caso relatado pelo primeiro peticionante corre o risco não só de gerar julgamentos contraditórios, mas também de se tomar numa injustiça ou má justiça continuada.
Este caso, repito, tem atinências claras com a questão - mais uma vez colocada à consciência colectiva deste país, em especial dos responsáveis políticos - dos presos das «FP 25».
Qual é, então, a solução para esta questão, para a qual temos de encarar uma solução? Num quadro de colaboração institucional, haverá que perguntar ao Governo - faz falta a presença hoje do respectivo membro do Governo se está para breve uma reforma do Código de Processo Penal que permita encontrar juridicamente a solução para estes casos.
No caso de a resposta ser afirmativa, a Assembleia deverá enviar esta petição e as intervenções das diversas bancadas que aqui tiverem lugar ao Sr. Ministro da Justiça, para que, na medida do possível, considere essas questões no âmbito dessa revisão do Processo Penal e também do Código Penal, para efeitos do cúmulo jurídico.
Se não está para breve, direi, em nome da minha bancada, que consideramos ser o assunto pertinente e merecer a atenção dos Deputados. Trata-se de direitos dos cidadãos e da justiça como é definida internacionalmente e estaremos disponíveis para subscrever uma iniciativa legislativa que permita remediar estes casos e casos futuros semelhantes que eventualmente ocorram.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 debate desta petição deve, desde logo, ser aproveitado com a finalidade pedagógica de elucidar os subscritores da mesma de que o instituto da petição não pode ser accionado com vista a censurar decisões, transitadas em julgado ou não, dos tribunais judiciais.
Entre os 2872 cidadãos que a subscrevem haverá, seguramente, alguns que tal desconhecem. A não ser assim, não teriam seguramente posto a sua assinatura num documento em que 16 dos seus 29 itens (portanto, mais de metade do conteúdo da petição) se destinam a fazer uma severa censura às decisões judiciais que, por comportamentos que os tribunais julgaram fraudulentos, condenaram o arguido, sócio de uma das muitas empresas que se dedicaram à actividade de consultores de empresas que se candidatavam aos subsídios de formação profissional, actividade essa facilitada - no dizer dos signatários - pelo Governo, que com a sua actuação teria induzido «em abatimento ou amolecimento, as resistências ou reservas morais dos agentes económicos envolvidos».
A Assembleia da República não pode, de facto, servir de instância de recurso para condenação dos tribunais, que, soberanamente, administram a justiça em nome do povo.
Quanto à condenação política pela actuação do Governo relativamente à utilização das verbas do Fundo Social Europeu, ela já pôde ser feita pela Assembleia aquando da comissão de inquérito sobre a utilização dessas verbas e neste momento a Assembleia da República dispõe de nova oportunidade para dignificar as comissões de inquérito, pois a actuação do Governo, claramente censurada pelos peticionários, está de novo em apreciação numa comissão de inquérito, cujos trabalhos estão prestes a terminar.
Mas os peticionários fugiram, de facto, ao indeferimento liminar da petição reclamando uma medida legislativa urgente que altere o Código de Processo Penal no que toca à apensação de processos quando o mesmo arguido cometa várias infracções.
Na verdade, o actual Código de Processo Penal veio restringir fortemente a possibilidade de apensação de processos na hipótese referida, tornando mais exigentes os
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requisitos para que a apensação possa ser feita. Onde o anterior código impunha a regra da obrigatoriedade da apensação quando um réu fosse acusado de várias infracções penais sem impor quaisquer outros requisitos, o actual código faz depender a conexão dos processos do facto de a mesma acção ou omissão, na mesma ocasião ou lugar, ter conduzido à prática de vários crimes na mesma ocasião ou lugar, devendo ser uns causa ou efeito dos outros ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros.
A formulação do actual código veio originar situações desumanas, que são referidas na petição em apreço e já aqui foram descritas pelo Sr. Deputado Luís Filipe Madeira. De qualquer forma, apesar dos requisitos mais amplos para a apensação de processos previstos no código anterior, destaca-se, talvez como o mais chocante, o caso das «FP 25 de Abril». Mesmo assim, o código anterior tinha uma formulação diferente para permitir maior abertura na apensação. Hoje é mais difícil, com a redacção actual, apensar-se processos.
Sabe-se que os autores do projecto do actual Código do Processo Penal defendiam muitas das soluções em nome de celeridade processual. Afinal, e como a prática o tem provado, não era ao velho Código do Processo Penal que fundamentalmente podiam ser assacadas culpas pela morosidade processual. A experiência colhida da vigência do actual código tem demonstrado que as delongas processuais se devem fundamentalmente à falta de meios humanos e técnicos com que contam os tribunais.
E a implantação da recente reestruturação da organização judiciária, feita num panorama de míngua daqueles meios, veio trazer novas convulsões à administração da Justiça. Sendo certo que o velho código precisava de uma revisão, a verdade é que nem todas as suas soluções estavam erradas e a hipótese referida na petição é aquela em que muitos arguidos neste país se encontram.
0 anterior código conciliava o princípio da celeridade processual com o princípio da boa administração da Justiça. A conexão subjectiva como regra e amplamente permitida nesse código, permitia uma mais justa avaliação da personalidade do réu. 0 actual código, que verdadeiramente acabou com a conexão subjectiva, não acelerou, por via disso, a marcha processual e torna mais difícil a avaliação correcta da personalidade do arguido.
Os argumentos dos peticionários deverão ser tomados em consideração na revisão do Código do Processo Penal a que - diz-se se está a proceder. Os peticionários receiam, talvez com razão, as delongas desse processo. 0 processo está nas mãos do Governo e em segredo que não será propriamente de justiça porque as últimas iniciativas legislativas do Governo, nomeadamente a que entrou recentemente na Assembleia da República e que toma possível a qualquer agente de autoridade obrigar um cidadão a identificar-se por razões de segurança interna fazem recear o pior.
Será por isso que os peticionários apelam à Assembleia da República? Se, efectivamente, a revisão do Código de Processo Penal está muito demorada, é necessário fazer-se revisão de alguns artigos e não apenas deste. Há ainda um outro, que permite que as pessoas, por delitos pequenos, fiquem presas durante 48 horas, com que se alterou a filosofia da anterior legislação, que expressamente, e segundo parecer da Procuradoria-Geral da República, dizia que a pessoa era notificada para comparecer no tribunal no dia útil seguinte.
Assim, o PCP, está disponível para, se a revisão está longínqua, enquadrar algumas alterações necessárias e urgentes do actual código.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira da Silva.
0 Sr. Eduardo Pereira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Através de uma petição colectiva, a petição n.º 174/VII(2.ª), subscrita por 2872 cidadãos, solicita-se a elaboração «a curto prazo de uma medida legislativa que encare em novos moldes a regulamentação da competência por conexão e da apensação de processos para a figura do crime continuado».
Da análise da petição ora em apreço resulta o seguinte: por decisão do Tribunal de Círculo de Alcobaça, foi o cidadão João António de Sousa Domingues, condenado em diversos processos criminais por alegadas fraudes na obtenção e desvio de subsídios relacionados com cursos de formação profissional subsidiados pelo Fundo Social Europeu e pelo Estado português, encontrando-se actualmente a cumprir pena de prisão.
Tomando por base as infracções criminais imputadas ao cidadão João Domingues alegam os ora peticionantes que, obedecendo tais infracções a uma forma homogénea de execução, sendo o bem jurídico sacrificado o mesmo e o condicionalismo exógeno ambiente inalterado em relação a todas as infracções, estão, segundo eles, preenchidos os pressupostos da figura do crime continuado previsto no n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal. Como tal e em sua consequência, vêm solicitar, por um lado, a subsunção das referidas infracções à figura do crime continuado e, por outro, que operem as regras de competência por conexão, o que acarretará a apensação dos processos já instaurados.
Relativamente à primeira questão suscitada - subsunção das referidas infracções à figura do crime continuado -, considerando que a mesma se inclui no âmbito das funções jurisdicionais e não nos querendo imiscuir nos poderes cometidos aos tribunais e aos respectivos juízes, entendemos por bem não nos pronunciarmos sobre a referida questão.
Com efeito, atento o disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, relativo à competência dos tribunais como órgãos de soberania para o exercício das funções jurisdicionais, e o referido no artigo 206.º da nossa Constituição, que determina a independência dos tribunais, entendemos não ser esta a instância adequada para aferir do correcto enquadramento jurídico-legal das infracções relativas ao caso sub judice, tanto mais que diferente entendimento será pôr em causa os próprios princípios constitucionais da separação de poderes e da independência dos tribunais.
Neste âmbito, julgamos que a questão ora em análise deverá ser colocada junto das instâncias competentes, usando, para isso, o cidadão João António Domingues os meios que a lei lhe faculta, concretamente o direito de recurso às vias judiciais competentes.
Relativamente à segunda questão suscitada - no sentido de se operarem as regras de competência por conexão, o que acarretará a apensação dos processos já instaurados e porque esta matéria se relaciona com competências atribuídas a esta Assembleia da República no âmbito dos poderes que lhe são conferidos pela alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição da República Portuguesa, merece a mesma que lhe seja dado algum destaque.
No entanto, antes de entrar propriamente na análise da questão concreta, algumas considerações relativas à figura
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da conexão de processos se impõem, uma vez que tal matéria nos permitirá um melhor enquadramento do caso vertente e facilitará a sua posterior apreciação.
0 princípio geral de que parte a legislação processual penal é o de que, em regra, a cada crime corresponde uni processo para o qual é competente o tribunal definido em função das regras de competência material, funcional e territorial.
A lei admite, porém, atendendo a certos circunstancialismos e por razões de economia e celeridade processual, que a regra básica de que a cada crime corresponda um processo seja alterada.
Assim, será organizado um só processo para uma pluralidade de crimes desde que entre eles exista uma estreita ligação que torne conveniente, para a melhor realização da justiça e descoberta da verdade material, a sua apreciação conjunta. A esta ligação entre os crimes, que determina excepções à regra de que a cada crime corresponde um processo e às regras de competência material, finicional e territorial definidas em função de um só crime, chama a lei conexão.
Consequentemente, a competência por conexão irá representar um desvio às regras normais de competência, uma vez que irá ser organizado um só processo para uma pluralidade de crimes ou apensados vários processos que irão ser julgados de forma conjunta. 0 instituto da conexão permitirá, portanto, não só a realização de uma melhor Justiça, precavendo-se eventuais contradições de julgados, como também a possibilidade de ao agente lhe ser concedido um tratamento mais favorável.
Definindo o conceito de conexão de processos poderá o mesmo ser atendido na acepção subjectiva ou objectiva. Verificar-se-á conexão subjectiva quando um agente pratica vários crimes ainda não julgados, sendo a ligação estabelecida pela identidade do agente. Relativamente à conexão objectiva, a mesma terá lugar quando a prática de um crime for levada a cabo pelo mesmo ou mesmos agentes, sendo a relacionação do crime o elemento determinante da conexão.
Feita uma breve caracterização da figura de conexão de processos, passaremos de imediato à análise da questão em apreço. No que respeita à mesma, importa ter presente o artigo 24.º do Código do Processo Penal, mais concretamente o disposto na alínea a) do seu n.º 1, relativo à conexão subjectiva. Da análise da disposição supra referida resulta, assim, que existirá conexão subjectiva quando um mesmo agente tiver cometido vários crimes e se verifique alguma das seguintes condições: tenham todos sido cometidos através da mesma acção ou omissão; tenham sido todos cometidos na mesma ocasião ou lugar; uns sejam causa ou efeito de outros e uns se destinem a continuar ou a ocultar os outros.
Posto isto e tendo presente que o cidadão João António de Sousa Domingues cometeu diversos crimes, importará determinar se a sua situação será subsumível à previsão da acima referenciada disposição, tendo em conta o n.º 2 do mesmo artigo.
Analisando a presente petição e embora a mesma não seja, na nossa óptica, suficientemente clara e esclarecedora, somos de entendimento que, não obstante estarmos perante uma situação de um mesmo agente ter cometido várias infracções, não se encontra presente nenhum dos outros requisitos exigidos por lei para a conexão subjectiva, ou seja, os requisitos de tempo, lugar, causalidade, consequência ou propósito.
Deste modo, não será aplicável à situação apresentada o mecanismo de conexão de processos, na medida em que o já referido artigo do Código de Processo Penal não prevê a apensação de processos para um agente que tenha cometido vários crimes independentemente da verificação de qualquer outro requisito.
Ao mesmo resultado chegaríamos, aliás, pelo n.º 2 do supracitado artigo 24.º, uma vez que, segundo a sua previsão, constitui elemento determinante para a verificação da conexão que os respectivos processos se encontrem simultaneamente na fase de inquérito, instrução ou de julgamento, o que também, na situação em apreço, parece não se verificar.
Para concluir, diríamos que, não obstante o caso apresentado não ter enquadramento jurídico-legal no mecanismo processual da conexão de processos tal como se encontra actualmente regulado, será, atentos os fundamentos invocados pelos peticionantes, de ponderar o solicitado no sentido de se incluir no corpo do artigo 24.º do Código de Processo Penal, através de uma eventual revisão, a previsão da apensação de processos que correm contra o mesmo agente, mesmo que entre eles não exista qualquer outro tipo de conexão.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, terminámos a apreciação da petição n.º 174/VI (2.ª), passando à apreciação conjunta das petições n.º11 180/VI (2.ª), de que é primeiro peticionante o Sr. António Alexandre Raposo, solicitando que a Assembleia da República promova a realização de um debate em Plenário e a adopção de medidas que garantam a viabilização da construção do empreendimento de fins múltiplos de Alqueva, e 187/VI (2.ª), da iniciativa do Conselho Regional do Alentejo, através do seu presidente, João Teresa Ribeiro, solicitando a intervenção da Assembleia da República no sentido de contribuir para a viabilização e concretização de medidas no que concerne à construção do empreendimento do Alqueva.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.
0 Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As petições n.º 180/VI(2.ª) e 187/VII(2.ª) subscritas em primeiro lugar, respectivamente, pelo Presidente do Conselho Regional do Alentejo e pelo Presidente da Assembleia Distrital de Beja têm em comum, como grande objectivo, a provocação de um debate na Assembleia da República que possa contribuir para a concretização do empreendimento do Alqueva que constitui uma reivindicação dos alentejanos desde há décadas.
As obras de execução chegaram inclusivamente a ser iniciadas em 1976 para logo, em 1978, terem sido suspensas. Em 1985 o Governo, então presidido pelo Dr. Mário Soares, voltou a decidir no sentido do recomeço dos trabalhos que, no entanto, nunca mais voltaram a ser retomados. Em 1993, o Governo anunciou, com solenidade, a decisão de reavançar com o projecto e incluiu-o no novo PDR para efeitos de financiamento.
No debate que na ocasião teve lugar nesta Câmara a propósito de tão propagandeada decisão, tive oportunidade de questionar o Sr. Ministro do Planeamento e Administração do Território no sentido de obter a precisa posição do Governo acerca do real sentido da decisão, ou seja, se a mesma pressupunha a irreversabilidade da concretização da obra independentemente do financiamento comunitário ou se, pelo contrário, se reduzia à simples decisão de apresentar a Bruxelas uma candidatura, ficando a
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execução totalmente dependente da posição comunitária a este respeito.
A resposta que então obtive foi no sentido da inseparabilidade das questões e da aparentemente óbvia pré-aprovação comunitária, face ao estudo de viabilidade no qual o Governo fundamentou a sua decisão. Porém, ainda recentemente, vieram a público informações segundo as quais as perspectivas de análise do processo nas Direcções-Gerais Comunitárias com atribuições nas áreas do Desenvolvimento Regional e da Agricultura não são coincidentes, uma vez que a componente agrícola, pela intensificação produtiva que lhe está subjacente, contraria frontalmente a actual Política Agrícola Comum reformada, como se sabe, em 1992, com o contributo determinante da então Presidência da Comunidade Europeia protagonizada pelo Sr. Primeiro-Ministro e, nesta matéria, pelo actual Ministro da Agricultura.
E, por isso, extremamente oportuno este debate, ainda que possa parecer à primeira vista que o mesmo incide sobre uma matéria objecto de decisão já definitivamente tomada. Não é assim, pelo que acaba de ser dito e importa que fique registado o ponto de vista das diversas bancadas sobre esta questão. E também assim não o é porque quando se debate «Alqueva» a discussão não pode reduzir-se ao projecto em si mesmo.
«Alqueva» tomou-se num símbolo mítico dos alentejanos na sua luta pela potenciação dos seus recursos, pelo desenvolvimento, pelo trabalho e pela solidariedade que o País deve a uma parte importante de si mesmo. Não foi por acaso que a decisão anunciada pelo Governo ocorreu num momento de aguda crise económica e social profundamente agravada pela seca que, nos últimos dois anos, cumprindo o ciclo histórico, afectou o País e com particular incidência a região alentejana.
A decisão tomada, sendo sem dúvida louvável e um imperativo de justiça, não pode ser entendida como uma dádiva mas, sim, como corolário lógico da persistência e da capacidade de luta dos alentejanos. Atesta esta afirmação o facto do próprio Primeiro-Ministro, poucos meses antes, ter publicamente manifestado, num dos municípios da zona de abrangência do projecto, opinião desfavorável à sua concretização, coerente aliás com a decisão de ter mantido suspensa, durante oito anos, a execução das respectivas obras.
Assim, é a todos os títulos necessário avançar com o projecto e tudo fazer para antecipar o seu calendário de execução, porque o Alentejo é cada vez uma região mais pobre. Ainda ontem foram tomadas públicas, pelo EUROSTAT, dados que confirmam que o Alentejo foi a única, das agora 175 regiões europeias, que na última década viu reduzido o seu nível de riqueza. 0 produto interno bruto per capita que, em 1980, era 49% da média europeia, constitui hoje apenas 36%.
Entretanto, são cada dia mais visíveis os efeitos da desertificação humana, do envelhecimento da população e da crise económica e social que se agrava com a situação de pré-catástrofe vivida no sector agrícola, fundamental na região e do qual dependem em grande parte a actividade dos sectores secundário e terciário que em torno dele gravitam e que são as principais garantias de emprego.
0 Alentejo é hoje a região mais pobre da União Europeia, se exceptuarmos os lander da ex-RDA recentemente integrados na União Europeia em função da reunificação alemã.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelo que acaba de ser dito, reivindicar «Alqueva» continua a ser uma palavra de ordem necessária. Reivindicar «Alqueva», mesmo em sentido estrito, é também exigir que a execução do empreendimento não se reduza ao betão, ao cimento e aos meros cálculos de engenharia civil ou electrotécnica. A refixação da população, a mudança de atitude do homem rural alentejano que se impõe face à reconversão do sequeiro em regadio, exige uma abordagem sociológica adequada e atempada.
Também a investigação agrária, as ciências do ambiente e a ciência económica têm um largo contributo a dar num processo que contempla várias frentes e deverá envolver diversas entidades. Esta perspectiva não transpareceu ainda da parte dos responsáveis e é preocupante que assim seja.
Pelo que fica dito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do PS considera juntos e merecedores de apoio os fundamentos das petições que aqui estamos a debater.
Aplausos do PS.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Barbosa de Melo.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
0 Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre esta questão quero tecer alguns comentários e apresentar algumas propostas do meu partido.
Foi precisa uma luta de dezenas de anos para que as forças que têm ocupado o poder compreendessem que o Alqueva e o Plano de Rega do Alentejo constituem empreendimentos estratégicos e de interesse nacional, que permitirão a Portugal acautelar e reforçar os seus interesses e posições em áreas muito importantes tais como: criar uma reserva estratégica de água no sul, que para além do Alentejo pode ser utilizado no Algarve e no sul de Espanha; perspectivar uma nova agricultura que permita a Portugal uma recuperação na área alimentar, cujo défice não pára de crescer, sendo já superior a 60%; produzir energia no próprio país, e não poluente; desenvolver uma importante componente turística; criar milhares de novos postos de trabalho e estancar a desertificação e o envelhecimento em 113 do território nacional, dando nova vida ao mundo rural português.
No mundo contemporâneo, com o incessante crescimento da população, os recursos hídricos, a produção de alimentos e a sua comercialização, significam vida, constituem «armas» estratégicas.
0 Partido Comunista Português sempre defendeu e continuará a defender até à sua concretização, o Projecto de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Alqueva. 0 PCP considera ser necessário criar as condições para que Alqueva e o Plano de Rega do Alentejo sejam concretizados com êxito. Por isso, neste momento e desde já, coloca e propõe as seguintes questões, que, espero, tenham acolhimento das outras bancadas.
No respeitante ao projecto, o Governo deve clarificar, rapidamente, em que fase de apreciação e aprovação se encontra o Projecto de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Alqueva. 0 PCP insiste na vantagem e importância de ser incluída a construção do sub-sistema de Ardila, de forma a permitir o abastecimento de água e a rega, da margem esquerda do Guadiana. 0 PCP critica o facto de o distrito de Évora não ser considerado no âmbito do empreendimento e considera indispensável que sejam devida e atempadamente acautelados os interesses das populações que possam ser afectadas, como é
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o caso, entre outros, da população da aldeia da Luz e dos trabalhadores da fábrica Portucel, em Mourão. 0 PCP propõe que, desde já, se considere a elaboração de um plano integrado para o aproveitamento de todas as potencialidades criadas com Alqueva e a consideração dos efeitos da construção deste empreendimento nas estruturas fundiárias da região.
No respeitante aos rios internacionais, consideramos que é do interesse nacional que o Governo português passe a informar com regularidade a Assembleia da República, através das respectivas comissões, da execução e impacto, nos nossos rios e no nosso país, do Plano Hidrológico de Espanha e das negociações internacionais relativas à cooperação luso-espanhola no domínio hídrico e tome a iniciativa para a abertura de negociações com o Governo espanhol, com vista à despoluição do rio Guadiana, visto algumas das principais fontes de poluição do rio se situarem em Espanha.
No respeitante à gestão e acompanhamento do projecto, é preciso que a Comissão Instaladora da Empresa do Alqueva, como o próprio decreto-lei afirma, assegure a participação de todos os potenciais beneficiários e garanta uma exploração optimizada dos recursos a disponibilizar.
Nesse sentido, o PCP entende que, quer a composição da Comissão Instaladora, quer a do Conselho Consultivo, não corresponde aos objectivos acima referidos. A Comissão Instaladora da Empresa do Alqueva é exclusivamente composta por representantes do Governo (um presidente e 4 vogais). 0 Conselho Consultivo, que inclui oito representantes directos do Governo, tem apenas um representante de agricultores, a designar por despacho do Ministro da Agricultura, e os trabalhadores, através das Uniões Sindicais do Alentejo, não têm assento nem na comissão nem no conselho.
Assim, o PCP propõe que se considere a inclusão de um representante das autarquias do Alentejo na comissão instaladora, que se considere o alargamento da participação dos agricultores e a participação de representantes dos trabalhadores indicados pelas Uniões Sindicais no conselho consultivo.
Sobre estas questões e propostas formuladas, o Grupo Parlamentar do PCP apresentará um projecto de resolução.
0 PCP propõe ainda que o Governo informe com regularidade a Assembleia da República, através das respectivas comissões parlamentares, da execução do Projecto de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Alqueva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A concretização do Alqueva será uma vitória de todo o País. Ele constitui o mais importante projecto do País, com fins múltiplos, de tal amplitude, para as próximas décadas. É, pois, do interesse nacional, que todos sejam chamados a participar e que todos nos empenhemos, para que a sua concretização se faça com êxito.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Branco Malveiro.
0 Sr. Branco Malveiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com interesse as intervenções anteriores sobre esta problemática do Alqueva, que me permito aqui referir com a terminologia apresentada no relatório da comissão. E isto porque, também nós, devemos fazer aqui uma certa pedagogia nestes aspectos. Fala-se muito no projecto do Alqueva - aliás, o próprio Sr. Deputado Luís
Capoulas Santos o referiu -, mas não é o projecto do Alqueva e sim o projecto de Alqueva. É importante que nós, os alentejanos, façamos também pedagogia nisto. o projecto de Alqueva e não do Alqueva, o que pressupõe que, às vezes, pessoas menos atentas a estas questões falem com menos atenção.
Regozijo-me muito, pelo que quero manifestar a minha alegria, com as intervenções que hoje ouvi aqui sobre Alqueva, porque me parece que depois de o Primeiro-Ministro do Governo do PSD ter conseguido concretizar o sonho dos alentejanos de décadas, houve um silêncio da oposição em relação a Alqueva, silêncio esse que só foi quebrado porque aqui «caiu», permitam-me a expressão, uma petição sobre Alqueva; de outro modo, não estaríamos aqui a debater Alqueva.
Assim, regozijo-me com esse aspecto e ainda bem que tal aconteceu.
Também é verdade que este projecto de Alqueva vem de há muitas décadas atrás, como disse. Em 1978 foi parado, não sei por quem. É verdade, também, como o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos aqui afirmou, que o Sr. Dr. Mário Soares, na altura em campanha eleitoral, em 1985, foi a Beja de helicóptero, aterrou na Base Aérea, foi depressa ao Governo Civil onde assinou um protocolo esquisito com a EDP para a viabilização de Alqueva e arrancou novamente para Lisboa, na véspera da campanha eleitoral! A partir daí nunca mais se ouviu falar em Alqueva e foi realmente este Governo que, em 1990, deu encaminhamento ao projecto.
Penso que o que está aqui, hoje, em causa é realmente o futuro do Alentejo, a sua dignidade, a dignidade da nossa terra, das nossas gentes, é dar água ao Alentejo, dar-lhe vida, como os peticionários referem. Neste aspecto, estou solidário com aquelas pessoas e também com os Srs. Deputados que me antecederam.
Parece-me que, nesta sede, não deveria haver oposição nem Governo. Não devia haver bloqueios da oposição nem alegrias do Governo. Penso que o projecto foi uma luta conjunta que levou décadas, teve um contributo de todas as forças políticas e atrevo-me aqui a dizer de todas. Foi uma bandeira conseguida e levantada por todos em conjunto, que este Governo viabilizou. Aí está a comissão instaladora, que vai dar o arranque desejado por todos os alentejanos e penso que todos temos de nos congratular com isso. Não vamos aqui tirar dividendos, dizer quem é que ganhou ou quem é que foi o primeiro a levantar a bandeira, o que é necessário é que para nós, alentejanos, Alqueva seja hoje, mais do que nunca, uma grande realidade.
É esta a mensagem que deixo aqui, de peito aberto, para todos os alentejanos e neste Plenário. Que viva Alqueva e venha trazer vida ao Alentejo, que bem precisamos.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: As petições n.º 180 e 187/VI (2.ª), apresentadas à Assembleia da República, tinham como objectivo requerer um debate nesta Casa e solicitar ao mesmo tempo que fossem viabilizadas medidas no sentido da concretização do projecto de aproveitamento hidráulico de fins múltiplos de Alqueva.
Apesar de na Comissão de Petições se ter entendido que o Decreto-Lei n.º 305/93 já tinha dado cumprimento a estas
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solicitações dos peticionários, a sua subida a Plenário, hoje, tem duas razões que levam a considerá-las de grande actualidade, sendo a primeira - e apesar de o Sr. Deputado Branco Malveiro estar novamente optimista, considerando
que o Governo do PSD desencadeou o processo que leva à implementação do projecto - a de que mantemos todas as dúvidas relativamente à realização do empreendimento.
15to porque apesar de o Decreto-Lei n.º 305/93 dar conta de que o Governo reconhece a importância deste empreendimento, para evitar as situações que os peticionários nos apresentam, que já aqui foram referidas e que, efectiva
mente, as estatísticas da Comunidade vieram agora trazer
ao conhecimento dos portugueses com maior realidade e preocupação, no preâmbulo do mesmo refere-se que - e era isto que era importante ter em atenção -, para implementar este projecto são necessárias, de facto, grandes verbas, que é necessário disponibilizar.
0 projecto, como já foi aqui dito, foi apresentado na Comunidade e, tanto quanto sabemos, através da comunicação social, a Comissão tem levantado dúvidas relativamente à sua viabilização. Daí que, neste momento, seja extremamente importante a clarificação desta situação e importa aqui chamar a atenção dos Deputados, em particular dos Deputados da maioria, para que o Governo português
possa pressionar e accionar os mecanismos convenientes em Bruxelas a fim de que a Comissão possa decidir rapidamente sobre a necessidade e a importância de viabilizaras verbas para que o empreendimento seja implementado.
Uma segunda razão que pensamos ser de toda a actualidade e que está directamente ligada com a anterior, tem a ver com o facto de haver reservas - pelo menos é o que surge na comunicação social -, em Bruxelas, relativamente à viabilização do projecto. Aquilo que entendemos, Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados, é que a Assembleia da República se deve envolver também neste
processo para que, a nível nacional e a nível da Comunidade, haja o entendimento de que o Parlamento nacional está profundamente empenhado na viabilização deste projecto.
Por isso, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes vai apresentar na Mesa da Assembleia um projecto de deliberação para que se realize, antes da data das eleições para o Parlamento Europeu, um parlamento aberto na
região do Alentejo. Pensamos que esta é uma forma de o Parlamento português se envolver neste processo, de os Deputados conhecerem, no local, as precisas implicações do mesmo e assim, também, dar conhecimento aos portugueses, através da comunicação social, do que está em causa, e também, naturalmente, à União Europeia, para que, de facto, este projecto seja viabilizado e o Alentejo possa
ser desenvolvido, naturalmente, com um desenvolvimento sustentável, que defendemos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou a discussão destas duas petições.
Vamos passar agora ao período de votações, pelo que aguardamos que os Srs. Deputados que se encontram nas comissões possam regressar ao Plenário. Peço, aliás, que o façam o mais rapidamente possível.
Pausa
Entretanto, quero informar a Câmara de que não será possível realizar hoje a eleição, que estava anunciada, de um representante do Partido Socialista na União Interparlamentar, porque o processo ainda não está concluído. Ela terá lugar na próxima semana, em data a indicar.
Para a mesma data será também agendada a eleição de um representante- do Grupo Parlamentar do CDS-PP no Conselho de Administração.
Insisto, mais uma vez, no sentido de que os Srs. Deputados ocupem os seus lugares no Plenário.
Uma vez que os Srs. Deputados já se encontram presentes, vamos dar início às votações.
Em primeiro lugar, vamos votar o projecto de resolução n.º 80/VI - Recusa a ratificação do Decreto-Lei n.º 260/93, de 23 de Julho, que reorganiza os centros regionais de segurança social (PS).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.
Vamos agora votar o projecto de resolução n.º 82/VI - Recusa a ratificação do Decreto-Lei n.º 260/93, de 23 de Julho, que reorganiza os centros regionais de segurança social (PCP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.
Vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 81/VI - Recusa a ratificação do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, que estabelece o regime de protecção na velhice e na invalidez dos beneficiários do regime geral de segurança social (PS).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.
Segue-se a votação do projecto de resolução n.º 83/VI - Recusa a ratificação do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, que estabelece o regime de protecção na velhice e na invalidez dos beneficiários do regime geral de segurança social (PCP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.
Vamos agora proceder à votação global da proposta de resolução n.º 39/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Alterações à Convenção da Organização Europeia para a Exploração de Satélites Meteorológicos.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do PSN.
Finalmente, resta votar o requerimento, apresentado pelo PCP, que solicita, ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, que o projecto de lei n.º 131/VI (PCP) baixe à Comissão de Juventude, para reapreciação na generalidade, por um período de 120 dias, sem a votação na generalidade.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN.
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Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, e terá como ordem do dia a interpelação n.º 15/VI - Sobre política agrícola e situação da agricultura portuguesa (PS).
Finalmente, aproveito para lembrar aos Srs. Deputados que a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares prosseguirá de imediato.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 5 minutos.
Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação relativa à petição n.º 35/VI
o livre acesso de mulheres, em igualdade de circunstâncias com os homens, a postos de trabalho.
Na minha opinião, isso já não é necessário, a situação está muito bem caracterizada. Apenas um conselho ao Dr. Jardim Gonçalves, Presidente do Banco Comercial Português e aos seus solícitos administradores: nos intervalos das múltiplas contas e dos cifrões que diariamente tantas vezes os preocupam, peguem num singelo poema de grande poetisa, Natália Correia mulher superior a quem era impossível discriminar, porque ela própria sabia discriminar sem dificuldade figuras que assim se comportam.
Leiam, vá, vão ler o poema «Truca-Truca». E que lhes preste...
0 Deputado independente, João Corregedor da Fonseca
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
0 comportamento negativo e arrogante de alguns patrões e patrõezinhos no nosso país revela-se, por vezes, de forma peculiar e sem exemplo no mundo civilizado. São, acima de tudo, sedentos de popularidade.
Uns, dedicam-se à «bola» e descobrem repentinamente vocação futebolística, que não desportiva. Com ou sem charutos, bem ou mal cheirosos na boca, surgem nas parangonas dos jornais, fazem ouvir a sua verborreia nas rádios, nas televisões, em dislates constantes, numa ânsia de promoção social que nada tem com a valorização do desporto. São violentos nas suas afirmações, o adversário, para eles é um inimigo, mas o que lhes interessa é... ser falado. De figuras anónimas atingem, num ápice, a tal popularidade, a tal promoção social que ansiavam.
Outros, vão fazendo pela vida, não pagam salários atempadamente, servem-se de crianças a quem exploram em árduos trabalhos, criam desemprego mas, ao mesmo tempo, demonstram o seu novoriquismo - cada vez mais proporcionado por um Governo neo-liberal que não revela preocupações sociais - com manifestações ridículas que não podem deixar de nos preocupar.
Outros, ainda, entram nos jogos financeiros, na especulação bolsista, na busca de lucros fáceis, sem produzirem mais-valias, sem concorrerem para o desenvolvimento do País, sem promoverem emprego. Só o dinheirito lhes interessa. Estes, de uma maneira geral, gostam de ser discretos, de não «dar nas vistas». 0 azar é que, contra a sua vontade, alguns deles passam a ser bem conhecidos do público e dos meios judiciais...
Poucos, mesmo muito poucos, empresários dignos desse nome, existem em Portugal. E bem carenciados estamos desse tipo de empresários que merecem o nosso respeito quando, para além de se valorizarem, contribuem decisivamente para o desenvolvimento do País, revelando simultaneamente preocupações de ordem social.
Mas, repentinamente, surgem uns que nos fazem lembrar os tempos primitivos quando o homem tratava a mulher como um ser inferior, sem poder ocupar um lugar de relevo na sociedade. Neste caso, conta-se o patrão do Banco Comercial Português e a sua élite de administradores a quem repugna ver mulheres nas instalações da instituição financeira que dirigem!
Discriminam as mulheres e não têm grande respeito pelos seus direitos constitucionais. Para eles, tais direitos são como que letra morta. No entanto, não consta que recusem os depósitos feitos exactamente por aquelas de quem eles fogem ... 0 que lhes interessa é o depósito daquilo por que sempre lutam e sonham: o Dinheiro.
Um tema destes é, como não podia deixar de ser, muito grave. Podíamos argumentar longamente, falar nesta atitude retrógrada, referir a Constituição, salientar múltiplas argumentações de crítica e de repúdio por se tentar impedir
Partido Social-Democrata (PSD):
António José Caeiro da Motta Veiga. António Paulo Martins Pereira Coelho. Carlos de Almeida Figueiredo. Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva. João Maria Leitão de Oliveira Martins. Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha. José Álvaro Machado Pacheco Pereira. Manuel de Lima Amorim. Rui Manuel Lobo Gomes da Silva. Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS):
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira. José Alberto Rebelo dos Reis Lamego. José Manuel Santos de Magalhães.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
Deputado independente:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Arlindo Gomes de Carvalho. Fernando Carlos Branco Marques de Andrade. Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira. Fernando Monteiro do Amaral. João Álvaro Poças Santos. Joaquim Maria Fernandes Marques. José Agostinho Ribau Esteves. José Guilherme Reis Leite. José Macário Custódio Correia. Maria Manuela Aguiar Dias Moreira. Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo. Pedro Manuel Cruz Roseta. Telmo José Moreno.
Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins. António Luís Santos da Costa. Carlos Manuel Natividade da Costa Candal. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
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27 DE JANEIRO DE 1994 1057
Manuel Alegre de Melo Duarte. Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes. Raúl Fernando Sousela da Costa Brito. Rogério da Conceição Serafim Martins.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas. Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Adriano, José Alves Moreira. António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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